urubu rei notas
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Notas avulsas sobre a figura de Urubus rei míticos nas terras baixas.TRANSCRIPT
http://www.avesderapinabrasil.com/sarcoramphus_papa.htm
Fonte: http://virtualiaomanifesto.blogspot.com.br/2008/06/lendas-indgenas.html Acesso de julho de 2015
Os índios Carajás, no princípio do mundo, viviam dentro do furo das pedras. Não conheciam a Terra. Eram felizes e tinham a eternidade, vivendo até avançada velhice, só morrendo quando ficavam cansados de viver.
Um dia, os Carajás decidiram abandonar o furo das pedras, na esperança de descobrir os mistérios da Terra. Apenas um deles, por ser muito gordo, não conseguiu passar pelo furo da pedra, ficando nele entalado.
Na Terra, que trazia uma escuridão sem fim, os índios percorreram todos os lugares. Descobriram frutos e comidas. Compadecidos do companheiro que ficara entalado no furo da pedra, levaram-lhe os mais saborosos frutos e um galho seco. Ao ver aquele galho seco, o índio entalado observou:
“O lugar por onde vocês andam não é bom. As coisas envelhecem e morrem. Veja este galho, envelheceu. Não quero ir para um lugar onde tudo envelhece. Vou voltar. E vocês deviam fazer o mesmo!”
E robusto carajá voltou para dentro da pedra. Os outros continuaram a percorrer a Terra, que se encontrava nas trevas. Um menino carajá, junto com a amada, percorria a Terra em busca de alimentos. Como não havia luz, a amada sangrou as mãos nos espinhos, quando colhia frutos. O menino, na escuridão, comeu mandioca brava. Envenenado pela raiz, o menino carajá deitou-se de costas, a passar mal. Vários urubus começaram a andar em volta do seu corpo. Um dos urubus disse:
“Ele não está morto, ainda move o corpo.”
Outro urubu replicou:
“Não, ele está morto.”
Todos os urubus opinavam, uns achavam que o menino estava morto, outros achavam que não. Para que a dúvida fosse esclarecida, foi chamado o urubu-rei, com o seu bico vermelho e penugem rala na cabeça. Considerado o mais sábio dos urubus, a ave imponente declarou:
“Ele está morto.”
E foi pousar na barriga do menino. Inesperadamente, o menino carajá, que se fingia de morto, pegou o urubu-rei pelas pernas e o prendeu nas mãos. A ave esperneou, debateu-se, mas não se libertou das mãos do menino.
“Quero os mais belos enfeites.” Disse o menino ao urubu-rei.
A ave, para ser libertada, trouxe as estrelas no céu como enfeites aos olhos do menino. As estrelas eram belas, mas o mundo continuava escuro.
“Quero outro enfeite.”
O urubu-rei trouxe a lua. E a Terra continuava escura.
“Ainda é noite. Quero outro enfeite, este também não serve.”
Então o urubu-rei trouxe o sol. E o mundo ficou cheio de luz.
O urubu-rei ensinou ao pequeno índio a utilidade de todas as coisas do mundo. Feliz, o menino soltou a sábia ave. Só então o carajá se lembrou de perguntar ao urubu-rei o segredo da juventude eterna. No alto do céu, a ave contou-lhe aquele segredo, mas voava tão alto, que todos ouviram a resposta, as árvores, os animais, menos o menino. E por não ter ouvido o urubu-rei, todos os homens envelhecem e morrem.
http://amazone.wikia.com/wiki/Discuss%C3%A3o:A_ci%C3%AAncia_do_urubu
Acesso em 9 de julho de 2015.
A Visita ao CéuVersão Tenetehara
Um homem que vivia sozinho encontrou um filhote fêmea de urubu-rei, que levou para casa e criou
com muito cuidado. Ao ver o filhote tomar corpo, o homem dizia — “Se esse bicho fosse gente
talvez pudesse fazer o que comer para mim. Quando eu voltasse da roça, acharia tudo pronto”. A
jovem-urubu compreendia e ficava a olhar para ele. Certo dia, enquanto o Tenetehara trabalhava na
roça, a jovem-urubu tirou o “vestido de penas” e apareceu tal qual uma mulher tenetehara. Preparou
a comida e aguardou a chegada do Tenetehara, vestindo as penas logo que ele se aproximou da casa.
O homem não conseguiu adivinhar quem lhe preparara a refeição. Isto se repetiu por alguns dias, até
que, desconfiado, o homem falou que ia para a roça mas, ao invés disso, foi esconder-se próximo da
casa. Ao ver que uma bonita mulher estava preparando a sua comida, aproximou-se com toda a
cautela, descobrindo logo à entrada da casa o vestido de penas. Surpreendida, a jovem explicou que
ele a tratara muito bem quando ela era pequena e que agora, assim, ela retribuía. O Tenetehara se
agradou da mulher e casou-se com ela. Passado algum tempo, o marido quis conhecer os parentes da
esposa. Ela tentou dissuadi-lo mas nada conseguiu. Esperaram por um dia em que o vento não estava
muito forte e foram até o céu onde morava o Urubu-rei. Ele era muito feroz; exigiu do genro que
construísse uma canoa em apenas um dia. Desconsolado, o Tenetehara dirigiu-se para a mata onde
escolheu um pau maneiro para canoa, mas logo viu a impossibilidade de realizar a tarefa. Apareceu-
lhe um pica-pau que, ao saber de sua triste história, reuniu os companheiros. Em pouco tempo o
bando de pica-paus derrubou a árvore, cavou o tronco, fez todo o trabalho. O homem deitou a canoa
na água e foi chamar o sogro. Este, apesar de surpreso, não hesitou em exigir que derrubasse todas as
árvores de uma grande roçado. Mais uma vez os pica-paus vieram em sua ajuda e o Tenetehara,
antes de terminar o dia, estava com a derrubada feita. O velho Urubu-rei mandou que o Tenetehara
esperasse três luas para que os paus secassem e então fizesse a queimada. Quando chegou o dia,
mandou que os filhos quimassem pela beira e, em pouco tempo, o Tenetehara estava cercado pelo
fogo. Desesperado, o Tenetehara buscava um meio de escapar, quando se encontrou com a aranha
que o chamou para sua casa. Entraram num buraco que era a casa da aranha e aí ficaram a salvo.
Quando o fogo apagou, o Urubu-rei procurou pelo cadáver carbonizado do genro. Este, cauteloso,
fugiu para a casa dos Gaviões aonde foi pedir auxílio, contando-lhes o que sofrera do Urubu-rei e ali
apanharam a mulher e o filho do Tenetehara. Os urubus tinham medo dos gaviões. O Tenetehara
gostou da maloca dos gaviões e decidiu morar em companhia deles(118). (Charles Wagley &
Eduardo Galvão: Os Índios Tenetehara. Uma Cultura em Transição (pp.154-155). Serviço de
Documentação e Cultura/Ministério da Educação e Cultura. 1961.)
Nota 118: Em outra versão dessa história, um preto casou-se com um papagaio. Ao
descobrir que o papagaio se transformava em uma mulher branca, casou com ela. Ao levá-
la a uma festa, um branco tomou-lhe a mulher, dizendo: “negro casa com negro”
Versão Paumari
Os Paumari têm um mito que conta a historia de um rapaz que é raptado pelos urubus porque impede
(flechando-os) que eles comam os restos de um pirarucu morto por seu pai. La no céu, ele é
ameaçado de morte pelos urubus-pretos (o povo) que querem constantemente devora-lo. Ele é
"salvo" pelo urubu-rei (o chefe), que é branco e tem olhos azuis, que quer acabar de cria-lo. Ele é
assim escravizado pelo urubu-rei que quer lhe dar sua filha (que do ponto de vista dos urubus é linda
e do ponto de vista dos Paumari é feia) para transforma-lo em genro. O trabalho exigido pelos
urubus é, do ponto de vista Paumari, impossivel de levar a cabo (o roçado que ele tem que limpar em
um dia é imenso, a canoa que ele tem que encher de peixe é grande como cinco ubadas paumari, e
assim por diante). Sob ameaça de morte e devoração ele é salvo sistematicamente por primos-
animais que tem pena dele e lhe oferecem uma irmã para "comer" (oficialmente eles comem comida
juntos, mas o relato é propositalmente ambiguo) enquanto eles resolvem seus problemas de
produção. Assim, os primos-formigas limpam o roçado (enquanto ele come com/a prima-formiga),
os primos-lontras enchem a canoa de peixe (enquanto ele come com/a prima-lontra), etc.
A alternativa à devoração (alimentar) é a submissão e o serviçalismo (entre outros
sexual). Mas neste caso, na escala da perspectiva humana - transposta no mundo
dos urubus - o serviçalismo não é realizavel (por um problema de diferença de
dimensões) e precisa ser realizado por Outros. [Não sei bem como pensar essa
terceirização dos serviços, pois os primos-animais que ajudam o rapaz não pedem
nada em troca do serviço, simplesmente entregam a irmã e executam o trabalho.
Talvez a chave esteja no ultimo trecho do mito. Quando o primo-pato traz o rapaz
de volta para a terra e para sua aldeia. Ele é chamado pelos pais do rapaz de
"compadre" (visairi) e não mais de "primo" e ele aceita um pagamento (farinha e
milho) pelo serviço]. OBJ 09:29, 11 Dez 2005 (UTC)
Versão Yudjá
Essa história (resumida aqui a partir de uma narração em português feita por Mareaji) sucedeu a um
finado que tinha costume de matar urubus enquanto estes estavam reunidos para comer as vítimas
dos guerreiros Yudjá. Uma vez em que os pássaros estavam em uma praia onde havia diversas
vítimas, o finado flechou e matou o seu chefe, filho do capitão, o urubu-rei, e foi obrigado, sem
poder fugir, a assumir o lugar de sua vítima. Esta tinha duas penas em cada asa, que foram
arrancadas e colocadas em seu corpo ao som de uma canção, a qual propiciou que as asas
funcionassem. As demais penas foram colocadas também, ele experimentou-as mas só deu certo ao
fim de uma reza repetida algumas vezes. As pernas de um cadáver, ele teve de cortá-las e levá-las
para o seu pai. Ensinaram-lhe todos os procedimentos da vítima perante o pai: como dançar, onde
botar a carne, o que conversar, sobretudo a necessidade de não piscar os olhos, mas fitar o pai
continuamente, aproveitando o momento em que este piscasse (se piscasse) para fazê-lo
simultaneamente. Mesmo assim os urubus estavam receosos:
“Parece que ele vai descobrir que você não é o seu filho. Parece que ele vai notar que você é
diferente. Você está gordo, mas não é igual ao filho dele, não”.
Após a conversa com o pai, o finado foi ter com as duas esposas de sua vítima, que julgaram-no
emagrecido, e ele lhes ofereceu como desculpa suas incessantes andanças. Na hora de pentear-lhe os
cabelos, as esposas decidiram untar seu corpo com óleo, fazendo cocô cada uma em uma de suas
pernas. Muito sem jeito, o finado ainda lhes perguntou para quê tanto, e elas estranharam-no
dizendo-lhe que nunca fora assim. Um verdadeiro sofrimento era a vida do finado entre os urubus.
Esta aldeia acha-se situada no céu em uma região de árvores completamente secas (epa ’ï’ü,
literalmente: cadáveres de árvores). São da terra os alimentos dos urubus: as carniças cujo fedor
chega até o céu como uma fumaça que emana dos cadáveres. Como me disse Mareaji, “o finado não
tinha resistência para comer essas comidas”, às quais contudo era obrigado quando não encontrava
meios para não fazer a refeição com o pai ou com as esposas. Ficou amigo de um gavião que morava
em uma aldeia das redondezas onde geralmente ia comer carne assada de mutuns, macacos e outras
caças, por não suportar carne podre, de gente ou outras. O finado acabou traindo-se para o pai por
não ter conseguido uma vez deixar de piscar os olhos. Estava ele um dia bem cedinho na beira do
rio, carregando, como de costume, o machado, o cocar e a flauta da sua vítima, quando lhe disseram
que o capitão pretendia matá-lo assim que voltasse para casa. Depois de um longo intervalo
pensando em como poderia ir-se embora, seu pato de estimação apareceu oferecendo-se como
transporte. Sua sorte era que havia muitos xamãs naquela época, pois caiu na aldeia onde morava à
beira da morte. Era um homem muito rico de parentes em diferentes aldeias, e as pessoas iam visitá-
lo e ouvir sua história, e, assim, esperava ele um dia a visita do tio. Este sobre tudo lhe perguntou e
lhe pediu para ver o machado, o cocar, a flauta, revelando-lhe ao fim que tinha ido apenas recuperar
o machado, o cocar e a flauta de seu filho.
“Não te reconheci porque está igual ao meu tio, mas se eu soubesse tinha te matado’.
Ele dissera-lhe antes de passar o cocar para as mãos do pai de sua vítima, "O cheiro é muito ruim,
não sei se você vai agüentar, é cheiro forte”.
O relato de sua andanças foi assim feito por Mareaji:
Ele andou muito com urubus. Uma vez foram muito longe da aldeia — disseram que era para caçar
índios, mas estavam mesmo era caçando bichos podres: eles costumam fazer sempre assim. Aí,
quando voltavam do mato, o Yudjá mentiu para os urubus. Dizem que tinha um pau que tinha um
leite igual a sangue, e ele cortou o pau, tirou o leite e passou no pé, depois falou para um urubu:
“Não vou andar mais porque furei meu pé. Vocês podem ir embora porque vou ficar aqui”.
“Não, a gente não pode te deixar aqui, porque você é o chefe da aldeia, senão nosso chefe vai brigar
conosco...”
Eles tinham medo do chefe deles [o capitão]. O Yudjá disse:
"Eu não vou andar mesmo, porque não dá para eu ir no caminho”.
Um urubu colocou-o nas costas para carregá-lo, cada um carregava um pouco até que chegassem na
canoa. Mas perto da canoa tinha um pau quebrado caído no caminho, e aí ele disse:
“Se vamos passar embaixo desse pau caído é bom você abaixar-se um pouco pra lá...”
E quando se abaixou, o Yudjá enfiou o pau no rabo dele, que gritou:
“Ah, você comeu meu rabo! Você pode ficar aqui, pode morrer aqui que não vou mais te levar, não.
Você é bobo!”
Derrubou-o, xingou-o e foi-se embora. Quando chegou na canoa, perguntaram-lhe pelo homem:
“Ele não quer vir, não”. “Como não pode vir?”
E outro urubu foi buscá-lo, e quando ficou do mesmo jeito, o Yudjá comeu o rabo dele. Depois foi
um outro: dizem que ele fez isso até acabarem os urubus que estavam na canoa. Os outros então
decidiram deixá-lo lá para morrer. Chegando perto da aldeia, os urubus gritaram para as mulheres:
“Esquentem água porque parece que nós estamos ganhando nenê! Parece que nós vamos ter filho!”
E [por sua vez] o pessoal [urubu] que estava na aldeia ficou gritando assim:
“Ah, os homens estão matando índios!” — o pessoal que estava na aldeia falou assim.
Quando chegaram na aldeia, eles contaram:
“Aquele cara comeu nosso rabo!” “Podem esquentar água!”
Todas as mulheres esquentaram água e eles beberam água quente para matar!
Esta cena do retorno dos guerreiros-urubu à aldeia merece ser compreendida assim (mas não
interroguei o narrador a respeito da análise que faria): seu próprio estado de gravidez anunciado
pelos homens era uma figura de linguagem, cujo sentido próprio vinha a ser restituído pelas pessoas
da aldeia como um estado de homicídio; a ação do homem Yudjá, entretanto, tornara a metáfora
urubu um fato realmente acontecido! (Tânia Stolze Lima: Um peixe olhou para mim (pp. 359-362).
ISA/Unesp/NuTI. 2005.)
Versão Palikur
Apresento aqui um resumo da história contada por Tebenkue em português a mim e a Lux Vidal.
Certo dia dois homens saíram para caçar. Na orla da mata encontraram um urubu-rei de duas
cabeças, um dos homens resolveu mata-lo, pois o carvão que resulta da queima de suas cabeças é um
excelente remédio para curar panema de cachorro. Depois de flechar o urubu, o Palikur cortou as
cabeças e as colocou na sacola. Logo em seguida, ouviu-se uma voz vindo de cima, um grito,
dizendo assim:
“Meu cunhado, cadê tu?!”
Ao escutar a voz, um dos homens fugiu, abandonando o companheiro que havia flechado o urubu-
rei. Não demorou muito, este viu dois rapazes chegando. Um deles lhe perguntou:
“Foi tu que flechaste nosso cunhado, foi tu que mataste nosso cunhado?”
O Palikur respondeu que não. Havia matado apenas um urubu-rei. Os rapazes lhe informaram que
este urubu-rei era o cunhado deles. E decidiram levar o Palikur para substituir seu cunhado morto:
“Nós viemos pescar, sentimos fome e viemos aqui fazer assado, foi quando você matou nosso
cunhado, agora vamos te levar no lugar dele. Cadê a cabeça dele?”
O Palikur, que já tinha concordado em acompanhá-los sem criar problemas, entregou-lhes a cabeça
do urubu-rei. Um dos rapazes pegou a cabeça e arrancou o “capacete” dela, depois tirou o “paletó”
do corpo do urubu morto, em seguida, vestiu-os no Palikur. Depois, os rapazes lhe ensinaram como
deveria se comportar com a esposa e o filho do finado. Deram-lhe um banho e lhe perguntaram se
conseguiria carregar o jamaxi (cesto que é transportado nas costas como uma mochila) do urubu
morto. Ao olhar o minúsculo jamaxi, o Palikur disse que sim. Seus cunhados, então, preveniram-no
que, assim que colocasse o jamaxi nas costas, não olhasse para trás, porque se fizesse isso todo o
peixe nele contido cairia por terra. Mas o Palikur não seguiu a recomendação e, com isso, uma
quantidade enorme de peixe caiu do jamaxi. Seus cunhados o repreenderam e mandaram-no colocar
todo o peixe de volta no cesto. O Palikur ficou pensando:
“Como vou colocar um monte de peixe nesse jamaxi pequenininho? Com um peixe só ele já vai ficar
cheio”.
Vendo que o cunhado não daria conta da tarefa, um dos rapazes encheu o jamaxi para ele. Logo em
seguida, os três voaram. Quando chegaram na casa do finado, o Palikur fez agrado para a esposa e
para o filho, tocando as músicas que o finado tocava na flauta, como seus cunhados o haviam
ensinado. Mas, a mulher sentiu um cheiro diferente no marido, um pixé (fedor) e logo duvidou que
aquele homem fosse de fato seu marido. Os irmãos tentaram dissuadi-la, mas não conseguiram
convencê-la.
Quando o pai deles apareceu, a filha colocou sua dúvida e, para resolver a questão, o velho decidiu
testar o Palikur:
“Vou experimentar ele, porque o teu marido faz tudo o que eu mando fazer, se ele fizer tudo que eu
mandei fazer, como teu marido fazia, então é teu marido, porque o cheiro eu também estou sentindo,
esse cheiro é muito diferente, muito forte”.
Então pediu ao genro que fizesse o favor de fazer uma canoa, usando um pedacinho de pau que ele
havia derrubado no dia anterior. O cunhado mais jovem procurou o Palikur e lhe disse que dessa vez
não poderia salvá-lo:
“Esse serviço é tu que vais fazer, nem eu posso te salvar disso, como é que a gente vai fazer agora?
Agora papai vai te comer e vai nos comer também”.
Ao chegar ao local, onde estaria o tal pauzinho, o Palikur avistou três mil toras de madeira
derrubadas, teria de fazer não uma, mas três mil canoas em um único dia. Ele começou a lavrar a
madeira, mas depois de um tempo, sentou e começou a chorar. De repente, apareceu um homem e
lhe perguntou o que estava fazendo ali. O Palikur contou toda a história ao “tio”, desde a morte do
urubu-rei até a tarefa que o sogro lhe havia passado. O homem então ralhou com ele:
“Olha! você que é uma pessoa de outro mundo, não pode ver um bicho no mato sem correr pra
matar? Porque vocês são assim? Viu agora o que te aconteceu? E desta vez você não escapa, o bicho
vai te comer!”.
O Palikur chorou mais ainda. O homem resolveu então ajuda-lo. Afastou-se por alguns minutos e
voltou trazendo muita gente, todos carregando o material necessário para cavar as canoas. Às 11:00
da manhã, quando o sogro veio trazer o caxixi (bebida de mandioca fermentada), o serviço estava
feito. Assim que o sogro partiu, os ajudantes sairam do esconderijo e vieram tomar o caxixi, depois
foram embora.
Pensando que o rapaz tinha cumprido a tarefa sem ajuda de ninguém, o sogro deu-se por satisfeito,
mas sua filha continuava na dúvida, então ele passou outro teste para o genro. Mandou-o derrubar,
queimar, roçar e plantar sua roça, e a mandioca deveria estar crescida no final da tarefa. Quando o
Palikur chegou no local da roça, disse:
“É hoje! é hoje que o bicho vai me comer”.
E desatou a chorar. Não demorou muito, apareceu outro homem, este também lhe perguntou o que
estava acontecendo. Novamente, o Palikur recebeu uma bronca por ter matado o urubu-rei. Mas,
depois da bronca, o homem o ajudou. Até às 11:00h, o Palikur e seu “tio” já haviam derrubado o
local da roça envolvendo as árvores com uma corda. Quando o sogro veio trazendo o caxixi, o
homem se escondeu. Depois de conferir o serviço, o sogro disse ao genro que queria a roça
queimada até o final do dia, e foi embora. Depois de tomar o caxixi, o homem disse ao Palikur que
agora ele teria de se virar sozinho, e partiu.
Depois de tentar várias vezes acender o fogo, o Palikur desistiu e voltou a chorar. Dessa vez quem
veio em seu socorro foi uma velha. Depois de saber da história, a “vovó” abriu uma latinha de onde
tirou uma espécie de isqueiro, acendeu-o e o jogou no meio da roça, o fogo finalmente pegou,
limpando todo o terreno. Com o terreno limpo o sogro apareceu trazendo o caxixi e um pequeno
feixe de maniva (talo de mandioca) com o qual seu genro Palikur teria de semear o campo. Assim
que o sogro partiu, a velhinha saiu do esconderijo, bebeu o caxixi e depois foi embora.
Mal o Palikur acabara de plantar as poucas manivas que o sogro trouxera, apareceu um velho.
Depois de ouvir a história do Palikur, este também decidiu ajuda-lo, mandou-o então arrancar de
volta as manivas que acabara de plantar e colocá-las dentro de um balaio. O velho pegou o terçado
do rapaz, foi tirando e cortando as manivas do balaio, cortou mais de mil e depois virou o balaio e as
“sapecou” por toda a roça, assim que caíam na terra logo germinavam, cresciam e amadureciam.
Quando o sogro apareceu com o caxixi, o velho se escondeu.
Mais uma vez o rapaz passou no teste, mas sua mulher ainda não se convencera e o Palikur recebeu
outro trabalho. Teria de encher um paneiro com água para o banho do sogro. Novamente, o rapaz é
ajudado por um homem que aparece na beira do rio, enche o paneiro de água e o coloca nos ombros
do Palikur, recomendando que ele não olhe para trás até chegar ao local onde deverá despejar a água,
aí então poderá olhar para a água derramada até encher o vasilhame do banho.
Para o sogro não havia mais dúvidas de que esse homem era mesmo o marido de sua filha, mas ela
não se convencia; então o Palikur recebeu uma última tarefa, deveria serrar três dúzias de tábuas de
água, do “âmago” da água.
O Palikur pegou um serrote e foi em direção ao mar. Diante da impossibilidade de realizar a tarefa,
chora e novamente surge um homem que o auxilia, toma o serrote e tira lindas tábuas de água,
depois vai embora. O sogro exige então que ele leve as tábuas até sua casa. O Palikur torna a chorar,
e chorar muito. Logo aparece uma mulher que o orienta como carrega-las. Ele deve usar luvas de
isopor e colocar um isopor nos ombros, que devem ser cobertos pelo seu "paletó" de urubu (pois era
assim que o finado fazia).
Com essa última tarefa realizada, a mulher se conformou. Depois de um tempo, ela se acostumou
com o marido Palikur. Tudo ia bem, até que certo dia, seus cunhados o convidaram para pescar.
Depois da pescaria, resolveram fazer um assado. Quando o Palikur começou a cortar a lenha para
fazer o fogo, os cunhados se assustaram com o barulho e começaram a voar. Nesse momento, o
Palikur reconheceu o local onde estavam, era o mesmo onde ele havia matado o urubu-rei, cunhado
verdadeiro daqueles urubus, então ele começou a cortar uma sapopema e a fazer mais barulho ainda,
com isso os urubus ficaram apavorados e fugiram voando. O Palikur, então, tirou o "paletó" e o
"capacete" de urubu e correu de volta para sua casa.
Aí a história termina.
No final, Tebenkue nos informou que todos os homens e mulheres que surgiram em socorro do
Palikur, eram, respectivamente, tios e avós dele.--AC 22:04, 22 Abril 2006 (UTC)
Legados de urubu Editar
Kanaxiwe
Naqueles tempos Kanaxiwe ainda vivia na terra e estava casado com uma mulher Karaja chamada
Mareiko. O sol corria rapidamente pelo céu e a noite era longa. Mareiko foi ao roçado e,
surpreendida pela escuridão, caiu e se feriu.
De volta à aldeia, queixou-se para o marido, o poderoso Kanaxiwe:
"Você não pode dar um pouco mais de luz aos Karaja ?"
Então Kanaxiwe entrou no mato e procurou um cipo de embauba. Enfiou-o na boca até o ânus e
morreu.
Alguns dias se passaram. Seu corpo apodrecia e estava coberto de vermes. Os urubus chegaram. O
passaro caracara, desconfiado, pousou em sua barriga e gritou: "iru ! iru !" (Ele esta vivo ! Ele esta
vivo!)(...)
Depois, a mosca entrou na boca de Kanaxiwe e saiu pelo ânus. Ela disse que ele estava morto.
Finalmente, o bezouro também penetrou no corpo de Kanaxiwe, mordeu-o por dentro e confirmou
que ele estava mesmo morto. Então foram buscar o iolo, o urubu-rei.
Ele desceu do céu e pousou na barriga de Kanaxiwe para devora-lo. Então, Kanaxiwe segurou-o
pelas pernas e pediu que lhe desse a luz. O urubu-rei mandou buscar o seu cocar Vênus, mas
Kanaxiwe achou sua luz muito fraca. Então Iolo foi buscar o seu cocar Lua, mas Kanaxiwe recusou
novamente. Finalmente, o urubu-rei mandou trazer o seu cocar Sol e Kanaxiwe ficou muito
satisfeito. Ele quebrou a perna de cada um dos cocares para que andassem mais devagar no céu e
iluminassem melhor a terra. So então ele liberou o urubu rei.
Este subiu para o céu e foi respondendo as perguntas de Kanaxiwe: como se pesca ? como se faz
uma canoa ? qual o segredo da imortalidade ? Mas o urubu-rei ja estava muito longe, bem alto no
céu, so as arvores e alguns animais (cobras e lagartos) ouviram a resposta à ultima pergunta.
(In: Nathalie Pétesch. 1992. La Pirogue de Sable: Modes de représentation et d'organisation d'une
société du fleuve. Les Karaja de l'Araguaia (Brésil Central). Tese de doutoramento. Université Paris
X-Nanterre: 423-424)
O Dono do Fogo
Segundo os Kuikuro do Alto Xingu, o dono do fogo originalmente era o urubu-rei. Havia um herói
demiurgo, Kanassa, que andava sempre com um vagalume na mão fechada. Essa era a única luz que
existia, e como ficava dentro da mão dele, havia muita escuridão. Kanassa desenhou no barro uma
arraia, mas com o escuro não viu o que ele próprio tinha criado, e foi ferrado. Pediu, então, o fogo à
saracura, para poder enxergar - e esta lhe disse que não havia fogo, só o urubu-rei é que tinha.
Kanassa desenhou um veado morto, escondeu-se na unha da carniça, e ficou esperando o urubu se
aproximar. Quando este começou a comer a carne podre, agarrou-o pelo pé... e só o soltou quando o
urubu-rei lhe trouxe o fogo. O urubu-rei só achou ruim um pouquinho, e ainda ensinou os Kuikuro, a
fazerem fogo por fricção, com pedaços de flecha e uma varinha de urucum (Villas Boas & Villas
Boas, 1972: 96-100).
No mito dos Kamaiurá, do Alto Xingu, o fogo não é roubado; o Criador, Mavutsinim, ao ver o povo
assando peixe ao sol, comendo comida meio crua, ou que demora demais a ficar pronta, ensina a
humanidade a fazer fogo por fricção, com cana de ubá (Agostinho, 1974: 61-62).
Um mito parecidíssimo foi registrado por Nunes Pereira (1967: 561-562) entre os Cauaiua-
Parintitim, no Amazonas. Baíra, o demiurgo, se faz de morto para atrair o dono do fogo, o urubu, de
quem rouba as brasas para dar ao povo Parintintim. O sapo cururu é que consegue, obedecendo às
ordens de Baíra, atravessar o rio e chegar aos índios sem deixar apagar o fogo".
Mindlin, Betty. 2002. "O fogo e a chama dos mitos". Estudos Avançados, vol.16 no.44 São Paulo
Jan./Ap
Indios do Brasil Por Julio Cezar Melatt p.194
Inimigos fiéis 530
Contribuições à antropologia em homenagem ao Professor Egon Schaden
O nixpu é uma planta da mata cujo talo quebrado é batido repetidamente contra os dentes, tingindo-os de um preto brilhante. Este efeito é belo, estético para os Kaxinawá. Na mitologia Isa hana (pássaro de sete cores) é chamadonixpupia hawendua (lindo porque comeu nixpu): tem o bico preto. Isa hana é um pássaro muito preocupado com a beleza. Sua própria plumagem já é bonita: azul com a cauda vermelha. Isa hana viu que Bixku txamini tinha o corpo coberto de perebas tão fedorentas que sua mulher o abandonou. Ixmi (o urubu rei) veio para comê-lo mas Bixku se defendeu e ixmi perdeu um monte de suas penas brancas. Aí chegou Isa hana, que curou Bixku com plantas medicinais em troca das penas brancas que ixmi perdeu. Com as penas brancas Isa hana se fez um lindo cocar para usar nixpupima
Kaxinawá
Os diferentes grupos tukano também participam desse esquema. Assim, por exemplo, os Bará são Povo de Peixe (ou da Água), os Barasana são Povo da Terra e os Tatuyo estão na categoria de Povo do Céu. Cada um desses grupos tem um ancestral-Anaconda, mas anacondas na água são outra versão de jaguares na terra ou de harpias no céu (harpy-
eagles?) - em um mundo transformacional e perspectivista, os maiores predadores do céu, da terra e da água são equivalentes e complementares. Assim como pessoas que estão na mesma "camada" são do mesmo tipo (from the same level are of the same kind) e não podem casar entre si, os casamentos entre diferentes grupos exogâmicos possuem dimensões cósmicas. Os Barasana, por exemplo, tendem a casar-se com os Bará, e estes também costumam casar-se com os Tatuyo. É possível vislumbrar esse sistema em um mito barasana que tematiza sua origem. Yeba, ou "Terra", o ancestral Barasana em forma de jaguar, casa-se com Yawira, uma mulher -peixe guaracu, filha da Anaconda Peixe, o ancestral dos Bará. Yawira então abandona seu marido Yeba e foge com Yuka, o urubu-rei que é uma manifestação do ancestral Tatuyo, que é também a Anaconda do Céu e Jaguar (Eagle-Jaguar). Outros grupos tukano têm diferentes versões para esse mito, nas quais os nomes dos personagens podem mudar, mas a lógica é a mesma
O mundo em que vivem os Kanamari é o resultado da queda do Céu Antigo (Kodoh Kidak) e da subseqüente presença do herói criador Tamakori. Os Kanamari dizem que o sapo Piyoyom atirou uma flecha no Céu Antigo, que era muito baixo, bem em cima da cabeça das pessoas, despedaçando-o. Os vestígios do Céu que veio abaixo criaram a floresta e o chão em que pisamos. Por trás do Céu Antigo surgiu o Céu Novo (Kodoh Aboawa), que fica muito longe da terra.
Os Kanamari vivem no Ityonim, que pode significar “mundo” e “floresta”, mas também “tempo”. Dentro do céu existe o Céu Interior, Kodoh Naki, onde vivem as divindades Kohana. Quando alguém morre, os Kohana vêm para a Terra para levar a alma (ikonanim) para o Céu Interior seguindo o arco-íris (ou, de acordo com outros Kanamari, viajando rio acima). A viagem é longa e, no caso dos adultos, corresponde a um processo de rejuvenescimento. Todo mundo no Céu Interior é jovem.