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UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FORMAÇÃO CIENTÍFICA, EDUCACIONAL E TECNOLÓGICA - FCET DÉBORA CRISTINA CESTARO AS CÉLULAS-TRONCO COMO TEMA GERADOR PARA O ENSINO VOLTADO A DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA E A APRENDIZAGEM DE BIOLOGIA DISSERTAÇÃO CURITIBA 2016

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UNIVERSIDADE TECNOLGICA FEDERAL DO PARAN PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM FORMAO CIENTFICA,

EDUCACIONAL E TECNOLGICA - FCET

DBORA CRISTINA CESTARO

AS CLULAS-TRONCO COMO TEMA GERADOR PARA O ENSINO VOLTADO A DIVULGAO CIENTFICA E A APRENDIZAGEM DE BIOLOGIA

DISSERTAO

CURITIBA 2016

UNIVERSIDADE TECNOLGICA FEDERAL DO PARAN

DBORA CRISTINA CESTARO

AS CLULAS-TRONCO COMO TEMA GERADOR PARA O ENSINO VOLTADO A DIVULGAO CIENTFICA E A APRENDIZAGEM DE BIOLOGIA

Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Formao Cientfica, Educacional e Tecnolgica da Universidade Tecnolgica Federal do Paran, como requisito parcial para obteno do grau de Mestre em Ensino de Cincias - rea de Concentrao: Cincia, Tecnologia e Ambiente Educacional. Orientador: Prof. Dr. Nestor Cortez Saavedra Filho. Co-orientador: Prof. Dr. Arandi Ginane Bezerra Junior.

CURITIBA 2016

Dados Internacionais de Catalogao na Publicao

C422c Cestaro, Dbora Cristina

2016 As clulas-tronco como tema gerador para o ensino voltado

a divulgao cientfica e a aprendizagem de biologia / Dbora

Cristina Cestaro.-- 2016.

80 f.: il.; 30 cm.

Inclui: "O que a Cincia sabe e ns ainda no sabemos?

http://deboracristinacest.wix.com/oqueacienciasabe.

Texto em portugus, com resumo em ingls.

Dissertao (Mestrado) - Universidade Tecnolgica Federal

do Paran. Programa de Ps-Graduao em Formao Cientfica,

Educacional e Tecnolgica. rea de concentrao: Cincia,

Tecnologia e Ambiente Educacional, Curitiba, 2016.

Bibliografia: f. 67-71.

1. Biologia - Estudo e ensino (Ensino mdio). 2.

Clulas-tronco. 3. Pesquisa. 4. Portais da web. 5. Educao

aberta. 6. Aprendizagem. 7. Professores de biologia

Formao. 8. Prtica de ensino. 9. Tecnologia educacional. 10.

Cincia - Estudo e ensino - Dissertaes. I. Saavedra filho,

Nestor Cortez, orient. II. Bezerra Junior, Arandi Ginane,

coorient. III. Universidade Tecnolgica Federal do Paran.

Programa de Ps-graduao em Formao Cientfica, Educacional

e Tecnolgica. IV. Ttulo.

CDD: Ed. 22 -- 507.2

Biblioteca Central da UTFPR, Cmpus Curitiba

http://deboracristinacest.wix.com/oqueacienciasabe

TERMO DE APROVAO DISSERTAO DE MESTRADO N 10/2016

AS CLULAS-TRONCO COMO TEMA GERADOR PARA O ENSINO VOLTADO A

DIVULGAO CIENTFICA E A APRENDIZAGEM DE BIOLOGIA

por

Dbora Cristina Cestaro

Esta dissertao foi apresentada s 09h00 do dia 07 de julho de 2016 como requisito parcial para a obteno do ttulo de Mestre em Ensino de Cincias, com rea de concentrao em Cincia, Tecnologia e Ambiente Educacional e linha de pesquisa Tecnologias de Informao e Comunicao no Ensino de Cincias do Mestrado Profissional do Programa de Ps-Graduao em Formao Cientfica, Educacional e Tecnolgica. A candidata foi arguida pela Banca Examinadora composta pelos professores abaixo assinados. Aps deliberao, a Banca Examinadora considerou o trabalho aprovado.

Prof. Dr. Nestor Cortez Saavedra Filho

(UTFPR orientador)

Prof. Dr. Charlie Antoni Miquelin

(UTFPR)

Prof. Dr. Bruno Dallagiovanna Muiz

(Fiocruz - Paran)

AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, Nestor Cortez Saavedra Filho, por exercer a funo de bad

cop, toda vez que se fez necessrio, sem deixar de transparecer sua dedicao,

cuidado e ateno. Digno de minha admirao e respeito por tamanho

profissionalismo, inteligncia e comprometimento.

Ao meu co-orientador, Arandi Ginane Bezerra Junior, por demonstrar seu amor

pela educao desde o primeiro dia de aula. Revelando, com muita personalidade,

que fsicos tambm tem sentimentos e despertando meu carinho por seu jeito nico

de ensinar e orientar.

Ao pessoal do Instituto Carlos Chagas (ICC/Fiocruz), em especial do

Laboratrio de Biologia Bsica de Clulas-tronco (LABCET), cuja participao se fez

essencial para a realizao deste trabalho.

Aos professores Charlie Antoni Miquelin e Bruno Dallagiovanna Muiz, cujas

sugestes foram relevantes para a realizao deste trabalho.

Ao Colgio Sesi Afonso Pena e minha coordenadora Mrcia Gonalves, por

permitir meu afastamento em horas-atividade e possibilitar a realizao deste

trabalho.

Aos meus familiares, namorado e amigos por toda a trajetria at aqui. Muito

obrigada pela pacincia e companhia nos momentos difceis, por compreenderem a

minha ausncia e cansao em tantas ocasies e por serem to especiais. Sem o

incentivo e apoio de vocs esta vitria no seria possvel!

Voc j pensou na semelhana que h entre os cientistas e os pescadores? O pescador est diante das guas do rio. E ele

sabe que nas funduras daquelas guas nadam peixes que no so vistos. Mas ele quer pegar esses peixes. O que que ele faz? Ele tece redes, lana-as no rio e pesca os peixes. Se as

malhas forem largas, peixes grandes. Se forem apertadas, vm tambm os peixes pequenos.

Rubem Alves

RESUMO

CESTARO, Dbora Cristina. As clulas-tronco como tema gerador para o ensino voltado a divulgao cientfica e a aprendizagem de biologia. 2016. 80f. Dissertao (Mestrado Profissional em Formao Cientfica, Educacional e Tecnolgica) Programa de Ps-Graduao em Formao Cientfica, Educacional e Tecnolgica PPGFCET, Universidade Tecnolgica Federal do Paran UTFPR. Curitiba, 2016.

As inovaes tecnolgicas mudaram o mundo, as formas de interao e o acesso informao e ao conhecimento, reivindicando mudanas tambm na educao. Documentos brasileiros como os Parmetros Curriculares Nacionais (PCN), suas complementaes (PCN+) e as Diretrizes Curriculares Nacionais passaram a propor um ensino mais contextualizado e condizente com os novos anseios da sociedade. A formao de cidados crticos e o educar para a vida tornaram-se temas recorrentes nos documentos, textos sobre educao e nas coordenaes dos colgios. No entanto, o objetivo de muitos alunos do ensino mdio e de seus familiares continuou sendo a aprovao no vestibular e a obteno de um bom escore no Exame Nacional do Ensino Mdio. Mediante o atual contexto escolar, com o propsito de divulgar a cincia brasileira e produzir ferramentas que facilitem o processo de ensino-aprendizagem foi proposto esse trabalho. Atravs da interao com o Laboratrio de Biologia Bsica de Clulas-tronco (LABCET) do Instituto Carlos Chagas/FioCruz, as clulas-tronco foram utilizadas como tema gerador para a produo de um objeto educacional que visa desmitificar a ideia que a biologia prioriza a descrio e a memorizao, trazendo trs sequncias didticas desenvolvidas acerca dos contedos de embriologia, biotecnologia e biotica e expresso gnica. Estruturado a partir da metodologia dos Momentos Pedaggicos estas sequncias didticas partem de problematizaes, passam pela organizao do conhecimento e terminam na aplicao deste. Estas atividades foram disponibilizadas num portal tambm desenvolvido neste trabalho, intitulado O que a Cincia sabe, que conta com materiais complementares destinados a alunos do Ensino Mdio e professores de Biologia. Palavras-chave: Objetos educacionais. Ensino de Biologia. Momentos Pedaggicos. Sequncias didticas. Clulas-tronco.

ABSTRACT

CESTARO, Dbora Cristina. Stem cells as generator theme for teaching destined to scientific divulgation and Biology learning. 2016. 80p. Dissertation (Professional Master in Scientific, Educational and Technological Education) Graduate Program in Scientific, Educational and Technological Education PPGFCET, Universidade Tecnolgica Federal do Paran UTFPR. Curitiba, 2016. Technological innovations changed the world, ways of interaction and access to information and knowledge, requiring changes in education also. Brazilian documents such as Parmetros Curriculares Nacionais (PCN), its complements (PCN+) and Diretrizes Curriculares Nacionais have been proposing a more contextualized teaching and consistent with the new desires of society. A critic citizen formation and teaching for life have become recurrent themes in documents, publications about education and schools pedagogical staff. However, the objective of many high school students and their families continued to be college acceptance and achievement of a good Exame Nacional de Ensino Mdio score. By the current educational context, this study was proposed with the purpose of divulging Brazilian science e producing tools that facilitate the teaching-learning process. Through interaction with the Laboratrio de Biologia Bsica de Clulas-tronco (LABCET) of Carlos Chagas Institute/FioCruz, stem cells were utilized as generator theme for the production of an educational object that aims for demystification of the idea that biology prioritize description and memorization, bringing three didactic sequences developed on the subjects of biotechnology and bioethics, embryology and genic expression. Structured according to Pedagogical Moments methodology, these didactic sequences initiate by problematizations, pass through knowledge organization and end at its application. These activities were made available in a portal also developed in this study, entitled O que a Cincia sabe (What Science knows), that is equipped with complementary materials destined for high school students e Biology teachers.

Keywords: Educational objects, Biology teaching, Pedagogical Moments, didatic

sequences, stem cells

LISTA DE ILUSTRAES

Figura 1 Layout da pgina inicial do portal O que a cincia sabe. .................... 48

Figura 2 rea destinada aos professores ............................................................ 49

Figura 3 Informaes para uso das sequncias didticas ................................... 49

Figura 4 Informaes para uso das sequncias didticas ................................... 50

Figura 5 Selo da Licena 4.0 ............................................................................... 51

Figura 6 Atividades da sequncia de embriologia. .............................................. 53

Figura 7 Problematizao da sequncia de embriologia (verso digital). ............ 54

Figura 8 Fragmento da atividade n. 02 (embriologia comparada). ..................... 55

Figura 9 Fragmento da atividade n. 02 e suas etapas ....................................... 56

Figura 10 Atividade n. 05 (jri simulado). ............................................................. 58

Figura 11 Verso para download e impresso da atividade n. 01 ........................ 59

Figura 12 Fragmento da problematizao inicial de biotica e biotecnologia (verso

digital). ...................................................................................................... 61

Figura 13 Fragmento da atividade n. 04 da sequncia de biotica e biotecnologia.

................................................................................................................. 63

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Diferentes aportes para construo de aes de divulgao laboratrios

cientficos ................................................................................................. 29

Tabela 2 Os trs momentos pedaggicos e seus objetivos. ................................ 37

Tabela 3 Organizao das sequncias didticas ................................................. 52

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Aspectos a incluir no currculo de cincias para favorecer a construo

de conhecimentos cientficos ................................................................... 26

Quadro 2 Competncias bsicas atendidas pelo material em desenvolvimento. .. 45

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AC Alfabetizao Cientfica

Art. Artigo

CNE Conselho Nacional de Educao

CTS Cincia, Tecnologia e Sociedade

DNA cido Desoxirribonucleico

Enem Exame Nacional do Ensino Mdio

HDs Hardwares

ICC Instituto Carlos Chagas

LABCET Laboratrio de Biologia Bsica de Clulas-tronco

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional

OE Objeto Educacional

PCN Parmetros Curriculares Nacionais

PCN+ Parmetros Curriculares Nacionais (Dados Adicionais)

PCR Reao em Cadeia da Polimerase (Polymerase Chain Reaction)

PNE Plano Nacional de Educao

PPP Projeto Poltico Pedaggico

REA Recursos Educacionais Abertos

TIC Tecnologias da Informao e da Comunicao

SUMRIO

1 INTRODUO ....................................................................................................... 14 2 OBJETIVOS ........................................................................................................... 16 2.1 OBJETIVO GERAL ............................................................................................. 16 2.2 OBJETIVOS ESPECFICOS ............................................................................... 16 3 JUSTIFICATIVA ..................................................................................................... 17 4 FUNDAMENTAO TERICA .............................................................................. 20 4.1 O CONTEXTO ESCOLAR ................................................................................... 21 4.2 DIVULGAO CIENTFICA ................................................................................ 24 4.2.1 A viso distorcida da cincia e do trabalho cientfico ....................................... 24 4.2.2 O papel social da divulgao cientfica e a importncia da aproximao entre pesquisadores e professores do ensino bsico. ........................................................ 26 4.2.3 A Alfabetizao Cientfica ................................................................................. 29 4.3 A TECNOLOGIA NO CONTEXTO ESCOLAR .................................................... 32 4.4 A METODOLOGIA DOS MOMENTOS PEDAGGICOS .................................... 35 4.4.1 Problematizao Inicial..................................................................................... 37 4.4.2 Organizao do conhecimento ......................................................................... 39 4.4.3 Aplicao do conhecimento .............................................................................. 40 4.5 A ESCOLHA DO CONTEDO ............................................................................ 41 4.5.1 Clulas-tronco .................................................................................................. 43 3.5.2 O laboratrio ..................................................................................................... 45 5 METODOLOGIA ..................................................................................................... 47 5.1 O PORTAL .......................................................................................................... 47 5.2 RECURSOS EDUCACIONAIS ABERTOS .......................................................... 50 5.3 AS SEQUNCIAS DIDTICAS ........................................................................... 52 5.3.1 Embriologia ...................................................................................................... 53 5.3.2 Biotica e Biotecnologia ................................................................................... 60 5.3.3 Expresso Gnica ............................................................................................ 63 6 DISCUSSO E CONCLUSO ............................................................................... 65 7 REFERNCIAS ...................................................................................................... 67 8 ANEXOS ................................................................................................................ 72

14

1 INTRODUO

Atualmente, no Brasil, a educao que visa formar cidados crticos e

conscientes consenso tanto nos documentos oficiais quanto na literatura, sendo

lema de muitos colgios o educar para a vida. No entanto, o objetivo dos alunos ao

matricularem-se no ensino mdio, assim como o de seus familiares, ainda conseguir

a aprovao em vestibulares, alm de obter um bom desempenho no Exame Nacional

do Ensino Mdio (Enem).

Sendo assim, o educar para a vida visto pela equipe do colgio e pela

sociedade, de modo geral, como uma preparao do aluno para algo que ele ir

enfrentar no futuro, como se o ponto de incio de uma vida fosse aprovao no

vestibular ou a entrada no mercado de trabalho. Porm, a vida de um aluno do ensino

mdio j comeou faz tempo e por inmeras vezes fez-se necessrio o uso do

conhecimento obtido no mbito escolar para a compreenso de processos cotidianos.

Tratando-se da disciplina de biologia, por exemplo, um aluno de ensino mdio

j precisou de conhecimentos sobre a natureza para cuidar de seus animais

domsticos, aproveitar suas frias e at mesmo alimentar-se de maneira saudvel. J

recebeu resultados de exames mdicos, ficou doente, viu sua me engravidar,

parentes falecer, enfim, vivenciou diversos eventos biolgicos, fsico e qumicos e

muitas vezes soube lidar com as situaes atravs de conhecimentos empricos, mas

poderia ter compreendido melhor ou at mesmo obtido mais sucesso em seus

objetivos se tivesse tambm conhecimentos cientficos que facilitassem a resoluo

de problemas do dia a dia.

Com o propsito de divulgar a cincia brasileira e produzir ferramentas que

facilitem o processo de ensino-aprendizagem, foi proposto este trabalho. Atravs

deste, processos laboratoriais realizados no Instituto Carlos Chagas (ICC), bem como

assuntos discutidos em suas pesquisas, sero utilizados como temas

desencadeadores em ferramentas didticas para o ensino de biologia, abordando

principalmente contedos relacionados biotica, biotecnologia, expresso gnica

a e embriologia, em nvel de ensino mdio.

Destinado prioritariamente aos professores de biologia, mas tambm podendo

ser utilizado por professores de cincias do ensino fundamental e demais

15

interessados, o material a ser apresentado trata-se de sequncias didticas

elaboradas a partir de teorias de aprendizagem e estruturadas de acordo com a

Metodologia dos Momentos Pedaggicos proposta por Delizoicov e Angotti (1989).

Estas sequncias, sero disponibilizadas em um portal desenvolvido exclusivamente

para este fim, que tambm trar links, vdeos, artigos e outras ferramentas que

podero ser utilizadas por alunos e professores tanto em sala de aula quanto fora

dela. Todo o material ser produzido em lngua portuguesa e a maior parte do

contedo contar com verses para download e impresso disponibilizadas

gratuitamente.

Essa aproximao entre a educao e a pesquisa cientfica - realizada atravs

da parceria com o ICC, em especial, com o Laboratrio de Biologia Bsica de Clulas-

tronco (LABCET) nem sempre possvel durante o desenvolvimento de materiais

didticos. Sendo um importante aspecto deste trabalho, por contribuir para a

Alfabetizao Cientfica (AC) da populao atravs de uma transposio didtica

correta e coerente com ambos os contextos, de pesquisa e ensino. Entende-se a

transposio didtica como o processo definido por Yves Chevallard, em 1997, na

obra La tranposition didactique. Du savoir savant au savoir enseign.

[...] Ele define a Transposio Didtica como um instrumento eficiente para analisar o processo atravs do qual o saber produzido pelos cientistas (o Saber Sbio) se transforma naquele que est contido nos currculos e livros didticos (o Saber a Ensinar) e, principalmente, naquele que realmente aparece nas salas de aula (o Saber Ensinado). Ele analisa modificaes que o saber produzido pelo sbio (o cientista) sofre at este ser transformado em um objeto de ensino (BROCKINGTON; PIETROCOLA, 2005, p. 388 apud RIBEIRO et al., 2015).

Posto isto, no captulo 2 sero apresentados os documentos brasileiros e o

contexto escolar que justificam este trabalho. No captulo 3 sero abordados aspectos

tericos relevantes para a compreenso desta dissertao referentes a divulgao

cientfica, as clulas-tronco, a metodologia dos momentos pedaggicos, a tecnologia

no contexto escolar e a interao entre professores e pesquisadores. O captulo 4

trar fragmentos do produto educacional produzido, apresentando a estrutura e

propsitos do portal e das trs sequncias didticas elaboradas. E por ltimo, o

captulo 5 apresentar as concluses obtidas ao trmino desta pesquisa, bem como

as perspectivas de continuidade deste projeto.

16

2 OBJETIVOS

2.1 OBJETIVO GERAL

O objetivo geral deste trabalho apropriar-se da pesquisa cientfica

desenvolvida no LABCET em seu estado da arte e deixar seu contedo acessvel para

professores e alunos, disponibilizando os conhecimentos obtidos no laboratrio

atravs de um objeto educacional (OE).

2.2 OBJETIVOS ESPECFICOS

So objetivos especficos: fomentar o processo de ensino-aprendizagem com

sequncias didticas que permitam trabalhar o contedo do ensino mdio a partir de

problematizaes e temas geradores, bem como despertar interesses e vocaes

para a cincia atravs da divulgao cientfica e utilizar Tecnologias da Informao e

da Comunicao (TIC) para mediar o contedo e, se possvel, atuar enquanto

elemento problematizador e motivador ao longo do processo de ensino da disciplina

de biologia atravs do portal em questo.

17

3 JUSTIFICATIVA

Apesar dos colgios brasileiros e suas equipes possurem, atravs do Projeto

Poltico Pedaggico (PPP), autonomia para selecionar os contedos que sero

abordados ao longo dos anos de ensino e de qual maneira isso ser feito- tendo assim

certa flexibilidade que permite que o ensino seja pensado de acordo com a realidade

de cada comunidade escolar -, a educao brasileira baseada em uma srie de

recomendaes e direcionamentos presentes em documentos como a Lei das

Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB) (BRASIL, 1996), o Plano Nacional de

Ensino (PNE) (BRASIL, 2010), os Parmetros Curriculares Nacionais (PCN) (BRASIL,

2000a; 2000b) e suas complementaes (PCN+) (BRASIL, 2002), as Diretrizes

Curriculares Nacionais (BRASIL, 2013) que recentemente foram atualizadas e

demais documentos organizados pelo Conselho Nacional de Educao (CNE).

Sendo assim, este trabalho atende indicaes do Art.35 da LDB, permitindo

relaes entre teoria e prtica e possibilitando a compreenso dos fundamentos

cientficos e tecnolgicos presentes na sociedade contempornea e do Art.36 que

determina que o currculo do ensino mdio destaque a educao tecnolgica bsica

e permita a compreenso do significado da cincia (BRASIL, 1996). Alm disso, segue

as recomendaes para o ensino mdio das Diretrizes Curriculares Nacionais

(BRASIL, 2013, p.147) permitindo aos adolescentes, jovens e adultos trabalhadores

acesso a conhecimentos que permitam a compreenso das diferentes formas de

explicar o mundo, seus fenmenos naturais, sua organizao social e seus processos

produtivos.

Atravs do material a ser produzido podero ser contempladas algumas das

estratgias propostas pelo PNE (BRASIL, 2014, p.22) para atingir as metas de

quantidade de matriculas, bem como de qualidade de ensino, estando entre elas a

relao entre teoria e prtica, por meio de currculos escolares que organizem, de

maneira flexibilizada e diversificada, contedos obrigatrios e eletivos articulados em

dimenses como cincia, trabalho, linguagens, tecnologia (). Incentivando,

tambm, a participao dos adolescentes nos cursos das reas tecnolgicas e

cientficas e atendendo as necessidades de desenvolvimento do Pas, a inovao

tecnolgica e a melhoria da qualidade da educao bsica (BRASIL, 2010).

18

O contedo abordado, por sua vez, obedece aos PCN, dando destaque ao

organismo humano e tornando possvel ao aluno relacionar tais conhecimentos s

tecnologias de manipulao do DNA, podendo analisar de maneira tica, moral,

poltica e econmica esses fazeres humanos envolvidos na produo cientfica e

tecnolgica, bem como na sua utilizao, transportando esse indivduo de um cenrio

meramente cientfico para um contexto em que esto envolvidos vrios aspectos da

vida humana(BRASIL, 2000b, p.19). Sendo possvel, tambm, abordar atravs deste

material algumas competncias bsicas propostas pelos PCN (BRASIL, 2000b, p.21)

para a disciplina de biologia que sero abordadas posteriormente.

No entanto, importante ressaltar que esse trabalho principalmente atravs

das suas sequncias didticas e da metodologia adotada - vai muito alm de

simplesmente adequar o ensino de biologia legislao, mas permite tambm

desmitificar a ideia que a biologia prioriza a descrio e a memorizao. Fator

importante, uma vez que, segundo Marandino (2009) muitas crticas tm sido feitas

ao ensino dessa disciplina e s avaliaes aplicadas. Sendo estas inclusive

classificadas como pouco significativas para a vida do aluno e de relevncia

estritamente acadmica. Em outras palavras

...isso significa dizer que, em certos casos, temos valorizado contedos e mtodos de ensino que devem ser aprendidos para que os estudantes apenas saibam os prprios conhecimentos biolgicos, sem maiores conexes () quem no se lembra, por exemplo, dos inmeros termos biolgicos que povoam os livros didticos de Biologia? (MARANDINO, 2009, p.87)

Ainda segundo Marandino (2009), essa questo ultrapassa a retirada ou no

dos termos biolgicos e cientficos do ambiente escolar - fator apontado por ela como

extremamente polmico -, devendo chegar at as aes pedaggicas cotidianas.

Assim, a autora defende a necessidade de alternar aes de finalidade acadmica

com aquelas de finalidade pedaggica e/ou utilitria, para evitar privilegiar um ensino

conteudista que pe em detrimento a importncia dos conhecimentos cientficos para

o desenvolvimento cognitivo do aluno e para sua vida prtica, sem provocar a

descaracterizao dos conhecimentos que se pretende divulgar e socializar.

Segundo a Constituio Brasileira (BRASIL, 1988), a educao considerada

um dever da famlia e do Estado, devendo preparar o educando para exercer a

cidadania e tambm qualific-lo para o trabalho. Sendo papel do Estado fornecer

19

educao bsica obrigatria e gratuita dos quatro aos dezessete anos de idade, ou

seja, desde a educao infantil at o ensino mdio, e um direito de todos os brasileiros

o acesso e a permanncia em escolas de qualidade (BRASIL, 1996).

No entanto, at mesmo os documentos federais, como as Diretrizes

Curriculares Nacionais (BRASIL, 2013), relatam que a realidade nas escolas

brasileiras est bem distante de atender s necessidades dos estudantes em relao

a sua formao enquanto cidado e profissional inserido no mercado de trabalho,

como prope a LDB.

Sendo assim, embora tenha havido importantes mudanas no cenrio da

educao, inclusive uma sensibilizao dos governos estaduais e municipais acerca

da necessidade de construir novas escolas, aprimorar suas bibliotecas, fornecer

merenda escolar, construir polticas de informatizao adquirir equipamentos e

investir na formao continuada dos educadores (ALMEIDA, 2012), bem como

assegurar a diversidade de mtodos e propostas pedaggicas, selecionando,

certificando e divulgando tecnologias educacionais (BRASIL, 2010), ainda podem ser

citados diversos desafios em relao educao brasileira (ANEXO 1).

Deste modo, acreditamos que a elaborao de um material didtico digital,

disponibilizado online, cuja concepo est ancorada em necessidades de inovao

na Educao brasileira, exposta nos documentos oficiais j citados, em referenciais

tericos de ensino e aprendizagem - de modo a no priorizar uma abordagem

voluntariosa, fadada a ser utilizada apenas pontualmente - possa colaborar de forma

assertiva para o ensino e aprendizagem de biologia. Isto vale no apenas para o

Objeto Educacional em si, mas para a metodologia que levou concepo do mesmo,

exposta tambm nesta dissertao.

20

4 FUNDAMENTAO TERICA

Levando em considerao algumas das solues propostas para o ensino e a

realidade vista na escola (ANEXO 1), surge a proposta da produo de um material

que, atravs da transposio didtica da pesquisa em biologia realizada pelo ICC para

a sala de aula, atue simultaneamente nos dois mbitos debatidos. Ou seja, que aborde

ao mesmo tempo questes prticas e contextualizadas, mas sem deixar de preparar

os alunos para responder questes (desde que estas exijam o raciocnio crtico e no

simples memorizaes) de vestibulares e de exames nacionais, uma vez que estes

ainda fazem parte da vida acadmica do aluno.

Desta maneira, alm de atender s indicaes dos documentos brasileiros,

como j explicado anteriormente, este trabalho busca acatar sugestes de

pesquisadores da educao e:

- Trabalhar os conhecimentos de maneira que eles se relacionem uns com os

outros e com a vida, criando novas situaes de aprendizagem e aproximando a

escola das questes e desafios da sociedade. Permitindo, assim, que os alunos

relacionem o contedo com situaes vividas por eles, valorizando tudo aquilo que o

aluno j sabe, dando sentido ao aprendizado de determinados conceitos e motivando

seu interesse. Valorizando tambm a curiosidade, as dvidas, o gosto por aprender e

a pesquisa, ao mesmo tempo em que se ensina a filtragem de dados e mostra a

importncia do aprendizado no presente (MOS, 2014; ALVES, 2014; GADOTTI,

2014);

- Promover a cultura da interao e da resoluo de problemas, incentivando a

argumentao e a viso sistmica, estimulando o pensar, o ver, a curiosidade e o

hbito de filosofar e fazer perguntas (ANTUNES, 2014; MOS, 2014; GADOTTI, 2014;

FREIRE, 2014; ALVES, 2014; BUARQUE, 2014). Introduzindo a leitura e a pesquisa

de aprofundamento como uma prtica necessria para a compreenso do mundo e

dos processos neles existentes, aps o reconhecimento do aluno destas situaes

num contexto prtico e realista (GADOTTI, 2014; P.FREIRE, 2014; PACHECO, 2014)

que permita o aprendizado atravs do dilogo, da interpretao, da significao e da

experimentao (M.FREIRE, 2014; MOS, 2014; ANTUNES, 2014; PILAR, 2014);

- Gerar a aprendizagem acerca de novas tecnologias, inserindo mdias digitais

no processo de ensino, ao invs de proibi-las em sala de aula (GADOTTI, 2014;

21

MOS, 2014; ANTUNES, 2014). E ao mesmo tempo permitir que o professor continue

pesquisando, interaja e aprenda enquanto ensina (GADOTTI, P.2014), contribuindo

tambm para a uma possvel modificao da cabea e do corao dos professores

(ALVES, 2014);

Sendo assim, antes de justificar as escolhas presentes na elaborao deste

material didtico que contemplam o supracitado, faz-se necessrio apresentar

aspectos referentes ao contexto escolar e divulgao cientfica, bem como um breve

estudo sobre a metodologia adotada, o uso de TIC e o tema gerador escolhido.

4.1 O CONTEXTO ESCOLAR

Almeida (2012, p.41) sugere que na hora de propor alternativas, ferramentas

de ensino ou propostas metodolgicas, por exemplo, todo trabalho deve ser

precedido de um levantamento cuidadoso dos pontos pedaggicos que tm se

mostrado problemticos, pois, pare ele, sem este prvio levantamento (Anexo 1),

pode-se cair na situao de se ter uma soluo cata de um problema.

Porm, para compreender a educao hoje e seus entraves preciso saber

que ao longo da histria da humanidade a relao do homem com o conhecimento e

com a linguagem vem demonstrando-se diferente de acordo com aspectos culturais

e, at mesmo, polticos de cada sociedade em questo. Desde as pinturas rupestres,

at os dias atuais, h registros da necessidade do uso da linguagem para manter e

transmitir saberes e valores desenvolvidos pelo homem de gerao em gerao. No

entanto, de l para c muitas mudanas aconteceram.

Segundo Viviane Mos (2014), a educao como hoje foi construda ao longo

de anos a partir de premissas herdadas de diferentes povos e necessidades. Os

primeiros agricultores, por exemplo, teriam utilizado a linguagem para o

desenvolvimento moral dos povos, bem como para a construo de regras e o

processo de hierarquizao. Os gregos, por sua vez, teriam afastado os pensamentos

das emoes e da possibilidade de mudanas, atrelando o conhecimento com a busca

de verdades. O aumento da produo do conhecimento aliado, inicialmente,

ausncia de livros impressos e a dificuldade do transporte desses materiais quando

22

surgiram contribuiu para que cada pessoa soubesse um determinado nmero de

contedos, aqueles pertinentes ao seu papel na sociedade. A sociedade industrial

dirigiu o ensino bsico s massas para gerar mo de obra. E o marxismo trouxe a

conscincia de que o saber poderia ser utilizado com uma arma poderosa, sendo

assim, se o saber passa a ser visto como forma de poder, a educao torna-se uma

questo poltica.

Ainda segundo Mos (2014), alm de ter sido influenciada pelos fatores acima,

a educao brasileira teve suas prprias determinantes. Sendo o Brasil um pas

capitalista e tendo, tambm, passado por um perodo de ditadura, a educao

brasileira acabou se tornando menos reflexiva e crtica, assumindo posio dentro de

um sistema disciplinar que, inclusive, durante certo tempo, eliminou a filosofia do

currculo. Essa postura acrescida do estabelecimento dos vestibulares em 1911,

sucateou o Ensino Fundamental e Mdio, fazendo com que os antigos projetos

pedaggicos fossem abandonados e surgisse um novo objetivo: a abordagem da

maior quantidade possvel de contedos, afim de aumentar as chances dos alunos no

vestibular. Essa dedicao ao nmero de contedos, fez com que os professores no

tivessem tempo de abordar aspectos da formao humana e os contedos fossem

trabalhados de maneira abstrata e distante da realidade do aluno. Assim, os alunos

aprenderam quando aprenderam - o especfico, ignorando o todo e gerando um

raciocnio descontextualizado em todas as classes sociais do pas, inclusive

predominando esse perfil entre nossos lderes polticos, na imprensa e nas

universidades.

No entanto, com as inovaes tecnolgicas e a rpida obsolescncia de

produtos e conhecimentos, o mundo sofreu uma desestabilizao. A tecnologia

permitiu um maior acesso informao e ao conhecimento, em tempo real,

democratizando o poder. Passando a imagem do homem bem-sucedido do executivo

de meia-idade, racional, frio e cheio de ttulos, para o jovem criativo, bem-formado e

ousado, que enxerga o todo e sabe trabalhar em grupo. Assim, as pessoas que

passaram a tarefa de organizar e armazenar dados para os seus HDs externos e

comearam a analisar situaes do presente, fazer snteses ainda no feitas e

souberam lidar com conflitos e desafios, compartilharam o que tinham a dizer,

tornando-se detentoras do poder por conseguir agregar pessoas (MOS, 2014).

Essas mudanas tornaram necessria a elaborao de novas Diretrizes

Curriculares Nacionais para o Ensino Mdio, as quais visam atender as

23

novas exigncias educacionais decorrentes da acelerao da produo de conhecimentos, da ampliao do acesso s informaes, da criao de novos meios de comunicao, das alteraes do mundo do trabalho, e das mudanas de interesse dos adolescentes e jovens, sujeitos dessa etapa educacional. (BRASIL, 2013, p.146).

E causam um grande impacto na educao:

O desenvolvimento cientfico e tecnolgico acelerado impe escola um novo posicionamento de vivncia e convivncia com os conhecimentos capaz de acompanhar sua produo acelerada. A apropriao de conhecimentos cientficos se efetiva por prticas experimentais, com contextualizao que relacione os conhecimentos com a vida, em oposio a metodologias pouco ou nada ativas e sem significado para os estudantes. Estas metodologias estabelecem relao expositiva e transmissivista que no coloca os estudantes em situao de vida real, de fazer, de elaborar. Por outro lado, tecnologias da informao e comunicao modificaram e continuam modificando o comportamento das pessoas e essas mudanas devem ser incorporadas e processadas pela escola para evitar uma nova forma de excluso, a digital. (BRASIL, 2013, p.167).

Se por um lado as novas diretrizes e outros autores (MOS, 2014; ALVES,

2014;) incentivam a educao contextualizada, outros alertam para que no sejam

cometidos excessos, alegando que, com

...essa educao executiva e funcional, confundida frequentemente com construtivismo [] corre-se o risco de ensinar que a histria da humanidade se reduz a falcatruas pblica e privadas, a assaltos, trficos, assassinatos e outros menos votados. (PINSKY, 2005).

Para Pinsky (2005), no se trata, claro, de viver num mundo que no tenha

contato com o que est aqui, mas trata-se de desenvolver padres ticos e estticos.

Segundo ele, somente tendo acesso cultura da humanidade que os jovens podem

dar conta do mundo em que vivem hoje. S tendo acesso ao que considerado de

qualidade, sejam msicas, livros ou outros, que podero mensurar melhor os

acontecimentos atuais, desenvolvendo assim autonomia para fazer suas prprias

escolhas ao invs de aceitar o que lhes imposto.

O fato que nossa sociedade est em transio e o aumento da preocupao

com novas estratgias educativas tem sido reconhecido por muitos. Mos (2014,

p.32), compara nossa sociedade com a ecdise dos artrpodes, uma aranha ou inseto

que est trocando seu exoesqueleto, trocando sua casca como ela chama: Uma

24

nova casca j se configura, j podemos v-la, mas ela ainda no consistente o

suficiente. Vivemos uma transio, temos um p no futuro e outro na barbrie.

Segundo esta autora, ainda h muito por fazer pela educao brasileira, mas a

conscincia da sociedade e a vontade poltica j mudaram, possivelmente, pelos

ndices de avaliao da educao bsica que fornecem classificaes e influenciam

nas eleies.

No entanto, enquanto a escola antiquada luta contra a utpica, e vice-versa,

o tempo passa e as crianas e adolescentes crescem. Os professores - nem sempre

os agentes mais ativos nestas discusses, por vezes no conseguem provocar

grandes mudanas, a curto prazo e nvel nacional - precisam ministrar suas aulas

e, ento, vem sendo convidados a acomodar-se ou a criar suas prprias estratgias

para enfrentar esse perodo de transio. Onde a sociedade atual j no se encaixa

no modelo de escola herdado do sculo XIX, mas tambm no est pronta para um

novo modelo, que mude caractersticas importantes da organizao escolar

estabelecida at os dias atuais, tais como: a seriao, a educao em espaos formais

de ensino, a diviso dos saberes em disciplinas, o ensino conteudista, as aulas de

50 minutos, o professor enquanto transmissor do conhecimento, entre outros.

4.2 DIVULGAO CIENTFICA

4.2.1 A viso distorcida da cincia e do trabalho cientfico

Segundo Prez et al. (2001), a viso dos estudantes e inclusive dos futuros

docentes acerca do trabalho cientfico distorcida. A viso popular forma uma

imagem da cincia como algo nico, bem definido, com um suposto mtodo cientfico

rigoroso e indefectvel.

Logo aps a Segunda Guerra Mundial esta viso passou a sofrer

questionamentos pelo campo que viria a ser chamado de Sociologia da Cincia,

atravs das discusses iniciais postas por Robert Merton (2013), atravs do conceito

25

de Determinismo Tecnolgico, em que o progresso das sociedades fruto do

progresso tecnolgico e do progresso linear da Cincia, em que esta gera a

Tecnologia dentre os seus frutos, que por sua vez gera o progresso e o bem estar,

que geram acumulo de capital, que volta a ser investido na Cincia, realimentando o

ciclo vicioso.

Alm disso, Prez et al. (2001), determina uma srie de outras distores que

acontecem de maneira repetida em trabalhos cientficos e prope que os autores

policiem-se para no cometer as mesmas distores em seus trabalhos, sendo elas:

a viso da pesquisa - da observao e da experimentao neutra; a descrio da

pesquisa padronizada no por um conjunto de metodologias, mas por um mtodo

cientfico universal e rigorosamente definido; a omisso dos problemas e do contexto

histrico que provocaram a pesquisa e a construo daquele conhecimento cientfico;

o parcelamento dos conhecimentos e uma desvalorizao dos processos para unifica-

los; a viso dos conhecimentos cientficos como cumulativos num processo linear,

ignorando as crises durante a construo do conhecimento e as necessidades de

grandes reconstrues; a viso descontextualizada dos cientistas, como pessoas

isoladas e que no precisam tomar decises baseadas no contexto e na sociedade

que vivem; e por ltimo, porm no menos importante, a viso elitista e, por vezes,

machista da cincia construda por gnios, ignorando a apropriao do conhecimento

prvio e a existncia de colaboradores.

O mesmo autor apresenta questes (Quadro 1) a serem levantadas na hora da

definio do currculo de cincias e da produo de materiais didticos que poderiam

atuar, no como bastantes para definir os processos de ensino-aprendizagem, mas

como importante contribuio.

1. Apresentam-se situaes problemticas abertas (com o objetivo de os alunos poderem tomar decises para as estudar) de um nvel de dificuldade adequado (correspondem sua zona de desenvolvimento potencial)?

2. Planifica-se uma reflexo sobre o possvel interesse das situaes propostas que d sentido ao seu estudo (considerando a sua relao com o programa geral de trabalho adotado, as possveis implicaes CTS etc.)? Procura evitar-se qualquer discriminao (por razes tnicas, sociais...) e, em particular, o uso de uma linguagem sexista, transmissora de expectativas negativas em relao s mulheres?

3. Planifica-se uma anlise qualitativa significativa, que ajude a compreender e a enquadrar as situaes definidas ( luz dos conhecimentos disponveis, do interesse do problema etc.) e a formular perguntas operativas sobre o que se procura? Mostra-se, por outro lado, o papel essencial das matemticas como instrumento de investigao, que intervm desde a formulao do prprio problema anlise dos resultados, sem cair em operativismos cegos?

26

4. Perspectiva-se a formulao de hipteses, fundamentadas nos conhecimentos disponveis, susceptveis de orientar o tratamento das situaes e explicitam-se, funcionalmente, os preconceitos? Nesse sentido presta-se ateno atualizao dos conhecimentos que constituam pr-requisitos para o estudo a empreender? Prope-se, pelo menos, a modificao de alguma das hipteses? D-se ateno aos preconceitos (encarados como hipteses)?

5. Planeja-se a formulao de estratgias (no plural), incluindo, neste caso, dispositivos experimentais? Pede-se, pelo menos, a avaliao crtica de alguma estratgia etc.? Presta-se ateno atividade prtica em si mesma (montagens, medidas, ...)? Potencia-se a incorporao da tecnologia atual nos dispositivos experimentais (computadores, electrnica, automao, ...) com o objetivo de favorecer uma viso mais correta da atividade cientfico-tcnica contempornea?

6. Esboa-se a anlise atenta dos resultados (a sua interpretao fsica, fiabilidade, etc.) luz do corpo de conhecimentos disponveis, das hipteses consideradas e/ou dos resultados de outros autores? Est prevista alguma reflexo sobre os possveis conflitos entre alguns dos resultados e as concepes iniciais? Favorece-se a auto-regulao do trabalho dos alunos? Criam-se condies para que os alunos comparem a sua evoluo conceptual e metodolgica com a evoluo experimentada historicamente pela comunidade cientfica?

7. Tm-se em considerao possveis perspectivas (redefinio do estudo a um outro nvel de complexidade, problemas derivados, ...)? Em particular, consideram-se as implicaes CTS do estudo realizado (possveis aplicaes, repercusses negativas, ...)? Pede-se a elaborao de produtos (cartazes, colees de objetos...)?

8. Pede-se um esforo de integrao que tenha em conta a contribuio do estudo realizado para a construo de um corpo coerente de conhecimentos, as suas possveis implicaes noutros campos de conhecimentos etc.? Pede-se algum trabalho de sntese, mapas e redes conceptuais, mapas semnticos etc., que relacionem diversos conhecimentos?

9. Presta-se ateno comunicao como aspecto essencial da atividade cientfica? Planeja-se a elaborao de memrias cientficas (descritivas) do trabalho realizado? Pede-se a leitura e comentrio crtico de textos cientficos? D-se ateno verbalizao, solicitam-se comentrios significativos que evitem o operativismo mudo?

10. Potencia-se a dimenso coletiva do trabalho cientfico organizando grupo de trabalho e facilitando a interao entre esses grupos e a comunidade cientfica (representada na classe pelos restantes grupos, o corpo de conhecimentos j construdo, os textos, o professor como perito, ...)? Em particular, d-se relevo ao fato de os resultados de uma s pessoa ou de um s grupo no serem suficientes para confirmar ou refutar uma hiptese? Apresenta-se o corpo de conhecimentos (disponveis) como a aceitao/validao do trabalho realizado pela comunidade cientfica e como expresso do consenso alcanado?

Quadro 1 Aspectos a incluir no currculo de cincias para favorecer a construo de conhecimentos cientficos Fonte: Prez et al.(2001, p.140).

4.2.2 O papel social da divulgao cientfica e a importncia da aproximao entre

pesquisadores e professores do ensino bsico.

Watanabe e Kawamura (2015), reforam o vis educativo das aes de

divulgao cientfica e a capacidade de promover novos conhecimentos e reflexes

crticas, de forma prazerosa e menos pragmtica. Afirmando que a divulgao

27

cientfica tem hoje, um novo sentido para seu papel social. Em outras palavras, se

antes a divulgao cientfica visava aumentar o conhecimento cientfico da populao

hoje, alm disso, ela tem potencial para fazer parte do processo educacional da

educao formal.

No entanto, Delicado (2008 apud Watanabe e Kawamura, 2015) refora a ideia

supracitada, mostrando que na hora de realizar a divulgao cientfica, museus,

revistas, laboratrios abertos ao pblico, a mdia e outros, falham ao apresentar o

processo de produo do conhecimento cientfico, focando muitas vezes apenas na

parte conceitual do conhecimento e contribuindo para a construo ingnua do papel

do cientista na sociedade bem como do trabalho cientfico em seu estado da arte.

Dessa maneira, Watanabe e Kawamura (2015) abordam a importncia da

aproximao entre cientistas e professores do ensino bsico. Pois desta maneira

torna-se possvel estabelecer aes de divulgao cientfica capazes de abordar

aspectos relevantes em ambos os mbitos de construo do conhecimento e atender

as expectativas de pesquisadores e professores, contribuindo de maneira mais

significativa para a construo do conhecimento dos alunos.

Alm disso, esta aproximao da escola e dos laboratrios de pesquisa

abordada pelas autoras acima seria capaz de minimizar a viso distorcida da cincia

e vencer empecilhos que surgem quando apenas um desses agentes ou

pesquisadores ou professores promovem aes de divulgao cientfica de maneira

isolada.

No levantamento feito por Watanabe e Kawamura (2015) foi citada como

importante limitao para uma eficaz divulgao cientfica a especificidade dos

pesquisadores que por um lado garante a legitimidade do trabalho apresentado, mas

que por outro os faz utilizar uma linguagem que por vezes no se faz compreensvel

aos indivduos que no pertencem quele contexto. Segundo elas, alguns

pesquisadores quando questionados sobre seus projetos e papel na sociedade, no

se sentem vontade para explanar ou debater essas questes com o pblico externo

comunidade cientfica, acabando por superficializar ou, at mesmo, romancear suas

respostas (BOURDIEU, 1986 apud WATANABE e KAWAMURA, 2015).

Dessa forma, a ao de transformar as tarefas realizadas em seus laboratrios

e os conhecimentos obtidos naquele mbito em informaes para a divulgao

cientfica ou seja, realizar a transposio didtica seria o processo mais

desconfortvel para o cientista durante o ato de divulgar, acabando, por vezes, numa

28

minimizao do potencial educacional dessas aes de divulgao. Restringindo

visitas a laboratrios, por exemplo, a definies de conceitos e apresentao de

mquinas (WATANABE e KAWAMURA, 2015).

Ainda segundo o levantamento das autoras em questo, as principais funes

das aes de divulgao cientfica segundo os pesquisadores circundam em torno da

prestao de contas para a sociedade e da expanso dos conhecimentos cientficos

obtidos. No entanto, a viso dos professores do ensino bsico e as anlises das

autoras mostram como o potencial educacional de uma simples visita a um laboratrio

poderia ser mais amplo, uma vez que possvel: desmistificar ideias sobre o

maquinrio utilizado, promover a valorizao da pesquisa nacional, apresentar a

realidade cotidiana do trabalho cientfico, ressaltar a existncia de diversos agentes

na construo dos conhecimentos cientficos, aprimorar conceitos aprendidos em sala

de aula, permitir a relao entre contedos e suas aplicaes na sociedade, ou seja,

conectar teoria e prtica, colaborar para a formao dos professores e prestigiar o

trabalho cientfico reconhecendo sua capacidade de contribuir para o bem estar da

sociedade (WATANABE e KAWAMURA, 2015).

Em sntese, a aproximao dos professores aos pesquisadores no

planejamento de aes de divulgao cientfica traria ganhos ao aspecto social da

divulgao cientfica, pois provocaria nos cientistas reflexes que ao que parece

eles no fazem naturalmente acerca de seu trabalho. Promovendo assim a

negociao entre agentes dos campos escolar e cientfico e o desenvolvimento de

atividades que atendam as expectativas de ambos, promovendo um desvelamento do

fazer cientfico e conduzindo reflexes sobre os saberes adquiridos no mbito escolar,

bem como promovendo aes de divulgao mais condizentes e compromissadas

com o contexto escolar (WATANABE e KAWAMURA, 2015).

Watanabe e Kawamura (2015), prope tambm diretrizes gerais para a

aproximao entre academia e sociedade que vise promover aes que divulguem a

cincia de maneira eficaz e significativa. Seus levantamentos tericos e prticos se

resumem em trs dimenses norteadoras da construo de visitas a laboratrios

ativos de pesquisa: o conhecimento cientfico, a produo da cincia e a cincia e a

sociedade (Tabela 1).

29

Conhecimento cientfico Produo da cincia Cincia e Sociedade

- reconhecer os conhecimentos cientficos associados s pesquisas do laboratrio com o espao curricular da escola; - saber delimitar os novos conhecimentos a serem apresentados de forma a no conduzir a compreenses equivocadas.

- explicitar os aspectos tcnicos envolvidos no mbito do trabalho cientfico; - demonstrar o papel coletivo do trabalho no laboratrio cientfico; - apontar as diferentes relaes sociais estabelecidas no espao de produo da cincia.

- discutir as atividades desenvolvidas no laboratrio e sua funo na sociedade; - caracterizar o papel social do laboratrio no mbito da educao escolar; - apontar diferentes aes e relaes do laboratrio com o espao social que o cerca.

Tabela 1 - Diferentes aportes para construo de aes de divulgao laboratrios cientficos Fonte: Watanabe e Kawamura (2015, p.232)

4.2.3 A Alfabetizao Cientfica

Segundo Chassot (2003, p. 91) a alfabetizao cientfica pode ser considerada

como uma das dimenses para potencializar alternativas que privilegiam uma

educao mais comprometida. Para ele a globalizao mudou a realidade escolar,

permitindo mltiplas entradas do mundo externo para a sala de aula, mas tambm

diversas formas de exteriorizao desta sala. E, apesar da escola no ter mudado por

conta prpria, ela foi mudada. Perdendo o papel de detentora do conhecimento,

porm, para ele, ainda podendo ser o polo da disseminao de informaes

privilegiadas.

Para este autor, ser alfabetizado cientificamente saber ler a linguagem em

que est escrita a natureza e ser capaz de fazer uma leitura do universo. Sendo a

alfabetizao cientfica tambm responsvel por contribuir para o controle e previso

de transformaes que ocorrem na natureza e uma melhora na qualidade de vida

(CHASSOT, 2003).

Chassot (2003) afirma ainda que a alfabetizao cientfica no deve ser

destinada apenas a aqueles que queiram seguir carreira nesta rea, mas a todos, uma

vez que a cincia tem compromissos com a sociedade co-financiadora das

pesquisas. Podendo, segundo ele, estar presente em todos os nveis de ensino,

quando for possvel a partir do ensino de cincias

30

contribuir para a compreenso de conhecimentos, procedimentos e valores que permitam aos estudantes tomar decises e perceber tanto as muitas utilidades da cincia e suas aplicaes na melhora da qualidade de vida, quanto as limitaes e consequncias negativas de seu desenvolvimento (CHASSOT, 2003, p.99).

Devendo sempre caracterizar a cincia no como detentora de certezas, mas como

um conjunto de verdades transitrias ou aproximaes facilitadoras que contribuem

para entendermos a realidade e nos permitem realizar algumas generalizaes

(CHASSOT, 2003).

Sasseron e Carvalho (2011) mostram que h no mbito do ensino de cincias

o uso de diferentes expresses como Letramento Cientfico, Alfabetizao

Cientfica e Enculturao Cientfica para designar o ensino de Cincias que visa o

domnio e uso dos conhecimentos cientficos em diversas reas da vida do cidado.

Relembrando que a expresso Alfabetizao Cientfica, nesse caso, tem como base

a alfabetizao concebida por Paulo Freire como algo que vai alm do domnio

mecnico e psicolgico de tcnicas, promovendo uma formao que pode resultar

num indivduo capaz de interferir no seu contexto.

Sasseron e Carvalho (2011), fazem ainda uma contextualizao histrica da

Alfabetizao Cientfica, afirmando que Francis Bacon, por volta de 1620, j afirmava

que a preparao intelectual das pessoas se dava por meio de conhecimentos sobre

as cincias. Passando por Thomas Jefferson que, em 1798, reivindicava o ensino de

cincias nas escolas de todos os nveis nos Estados Unidos da Amrica, bem como

por Herbert Spencer que, em 1859, mostrava a necessidade daquilo que est inserido

no cotidiano dos alunos fazer parte dos ensinamentos escolares. Comeando o termo

a ser definido por Pella e seus colaborados em 1966. E sendo estabelecida a diferena

entre fazer cincia e usar a cincia, por Hazen e Trefil em 1991, bem como

salientando a necessidade de a populao em geral conhecer os saberes cientficos

para serem trazidos avanos e consequncias para sua vida.

Daz, Alonso e Mas (2003 apud SASSERON e CARVALHO, 2011) consideram

a Alfabetizao Cientfica uma atividade gradual que acontece ao longo da vida e

conecta-se ao contexto sociocultural do indivduo. Defendendo a impossibilidade da

definio de um modelo universal para a execuo prtica da alfabetizao cientfica

no mbito escolar.

31

Sasseron e Carvalho (2011) concordam que promover a AC no uma meta

fcil e que no h uma receita para conseguir atingi-la. Entretanto, aps levantar

informaes de diferentes autores, elencam uma srie de habilidades a serem

desenvolvidas ao longo desse processo. Segundo elas, so condies necessrias

para um indivduo ser alfabetizado cientificamente: saber ler e escrever; realizar a

leitura de textos relacionados s cincias; conseguir interpretar e relacionar

informaes do texto com outras informaes pr-existentes; conseguir relacionar

conhecimento tericos para tomar decises no dia a dia; compreender que a

sociedade controla as cincias e tecnologias; reconhecer os limites da cincia e a

capacidade opressora que por vezes ela pode assumir; conhecer conceitos, hipteses

e teorias cientficas e conseguir aplica-los; apreciar os ganhos intelectuais que a

cincia permite; compreender que o conhecimento cientfico depende das pesquisas

e dos conceitos tericos existentes; conseguir distinguir resultados cientficos de

opinies pessoais; reconhecer o carter provisrio da cincia; conhecer as fontes

vlidas de informaes cientficas e tecnolgicas; compreender a produo cientifica

e tecnolgica ao longo da histria; poder ver o mundo de maneira mais rica e

interessante a partir dos conhecimentos obtidos; compreender as aplicaes da

tecnologia e as influncias disso em nossa sociedade.

Lorenzetti e Delizoicov (2001 apud SASSERON e CARVALHO, 2011) prope

que a estas habilidades comecem a ser trabalhadas j nos anos iniciais do Ensino

Fundamental. Lemke (2006 apud SASSERON e CARVALHO, 2011) prope objetivos

diferentes para cada faixa etria. Segundo ele as crianas pequenas no devem

abandonar o mistrio e a curiosidade ao compreender, apreciar e valorizar o mundo

natural. Os de idade intermediria devem desenvolver curiosidades mais especficas

sobre o funcionamento das tecnologias e do mundo, adquirindo tambm

conhecimento bsico sobre a sade humana. Enquanto os alunos de ensino mdio

devem ter potencialidades desenvolvidas para carreiras cientficas e tecnolgicas,

bem como seu raciocnio lgico e o uso de mltiplas representaes desenvolvidos.

Alm de se tornarem capazes de compreender as relaes sociais da cincia e utilizar

o ensino de cincias em suas decises pessoais ou polticas de cunho mdico ou

tecnolgico.

Mesmo no havendo um caminho determinado para ser realizada a AC

possvel planejar o ensino de Cincias para trabalhar as habilidades supracitadas.

Para tanto, as atividades devem permitir argumentaes entre alunos e professores,

32

valorizar questionamentos, bem como discusses, levantamentos de hipteses,

momentos para justificar afirmaes, reunir argumentos e conferir a consistncia das

explicaes existentes (SASSERON e CARVALHO, 2011). Sendo listados por

Lorenzetti e Delizoicov (2001 apud Sasseron e Carvalho, 2011) como possveis tipos

de atividades a serem realizados para tal fim: visitas a museus e teatros, leituras de

revistas e jornais, pequenas excurses e sadas de campo, o uso do computador e da

internet, aulas prticas e experimentais.

Por fim, Sasseron e Carvalho (2011) separam as habilidades listadas em trs

eixos estruturantes: 1. Compreenso bsica de termos, conhecimentos e conceitos

cientficos fundamentais; 2. Compreenso da natureza, dos fatores ticos e polticos

envolvidos na cincia; 3. Entendimento das relaes existentes entre cincia,

tecnologia, sociedade e meio-ambiente. Eixos estes que, segundo estas autoras, se

forem respeitados e levados em considerao em propostas didticas sero capazes

de promover o incio da Alfabetizao Cientfica.

4.3 A TECNOLOGIA NO CONTEXTO ESCOLAR

As Tecnologias da Informao e da Comunicao vem mudando o

comportamento das pessoas e a maneira delas interagirem entre si e com o mundo.

E, para evitar que a escola sofresse uma forma de excluso, a digital, documentos

como as Diretrizes Curriculares nacionais, por exemplo, passaram a sugerir que novas

tecnologias fossem processadas e incorporadas pelas instituies de ensino (BRASIL,

2013, p.167).

Estas sugestes surgiram simultaneamente a muitos debates de

pesquisadores da rea da Educao. Moacir Gadotti (2014, p.146), diretor do Instituto

Paulo Freire, por exemplo, sinaliza que Paulo costumava dizer que existiam muitos

meios de comunicao, mas pouca comunicao. Ou seja, uma vez que inegvel

que j no podemos mais viver sem tecnologia, mais do que debater a necessidade

da entrada desta em sala de aula, se tornou importante discutir como esse processo

deveria ser feito para que no provocasse a substituio da interao humana que

33

tambm julgada de grande importncia no ensino -, mas, ao mesmo tempo, pudesse

contribuir para o processo de ensino-aprendizagem.

Segundo Miranda (2007), o termo Tecnologia da Informao e da Comunicao

(TIC) faz referncia a unio da tecnologia computacional com a tecnologia das

telecomunicaes - como no caso da internet, por exemplo. E quando estas so

utilizadas com finalidades educacionais, a fim de melhorar a aprendizagem ou

desenvolver ferramentas que a facilitem, as TIC passam a ser classificadas dentro das

Tecnologias Educativas. Estas, por sua vez, seriam definidas como qualquer forma

de tecnologia aplicada direta ou indiretamente nos processos educativos. Assim,

estariam relacionadas e preocupadas com os avanos tcnicos, recursos e

determinantes da aprendizagem.

Na interpretao de Peixoto e Arajo (2012), o computador pode ser visto de

duas diferentes maneiras quando relacionado com a educao: como recurso poltico-

pedaggico e como recurso didtico-pedaggico. Enquanto recurso poltico-

pedaggico, o computador poderia ser visto a partir de diferentes ngulos. Seguindo

as ideias de Lvy e Paulo Freire (apud PEIXOTO E ARAJO, 2012), seria uma

ferramenta para garantir o estabelecimento de uma sociedade democrtica, enquanto

para Barreto, Belloni e Castells (apud PEIXOTO E ARAJO, 2012), poderia acentuar

ainda mais as diferenas sociais, provocando a excluso de uns, diante da instalao

de uma sociedade tecnolgica e tecnocrtica. J enquanto recurso didtico-

pedaggico a viso seria apenas otimista, por defender uma melhora na qualidade de

ensino-aprendizagem a medida que promoveria a autonomia do aluno, proposta por

Freire, e este seria o construtor do conhecimento, enquanto o professor atuaria como

um mediador entre o estudante, o computador e o saber.

Peixoto e Arajo (2012), resumindo os pensamentos de Freire, Piaget e

Vigotsky, mostram que para estes autores o uso do computador no ensino, alm de

promover autonomia e instigar a curiosidade e a participao do aluno, promovendo

uma educao mais libertadora, permitiria o desenvolvimento cognitivo do aluno e

contribuiria para o processo de formao da mente da criana. Uma vez que o meio

teria um papel importante no desenvolvimento do indivduo, se justificaria o uso de

atividades colaborativas, cooperativas e interativas no ensino-aprendizagem.

No entanto, apesar da viso otimista oriunda do determinismo tecnolgico,

Miranda (2007) alerta que as tecnologias no conseguem efeitos revolucionrios

nvel cognitivo e educacional. E, s vezes, nem sequer surtem efeitos positivos. Isso

34

se d devido falta de recursos nas escolas somada ao mero acrscimo do uso de

TIC ao planejamento usual do contedo. Uma vez que o professor no teve uma

formao compatvel a esta prtica e se faz necessrio um grande esforo de sua

parte, para realizar reflexes e mudanas acerca de sua metodologia de ensino.

Assim, segundo Clark (apud Miranda, 2007), os meios educativos no so capazes

de influenciar o desempenho dos alunos por si s. necessrio que os professores

realmente acreditem e se dediquem a desenvolver atividades desafiadoras e criativas

para que surjam os efeitos positivos do uso da tecnologia na educao.

E para que seja uma aprendizagem efetiva, Miranda (2007) elenca uma srie

de fatores citados por outros autores que devem estar presentes no material a fim de

exigir esforo dos alunos e os manter empenhados nas tarefas: manter um nvel timo

de incerteza (Bruner, 1999); estar na zona de desenvolvimento potencial (Vygotsky,

1991); no evitar a crise do pensamento (Van Hiele, 1986); no impor o estilo e

estrutura do pensamento do professor durante o processo (Gagn, 1975) e o

professor estimular o desenvolvimento de estratgias de aprendizagem e hbitos de

estudo que promovam a autonomia do aluno, como a autocorreo, por exemplo (cf.

Brown, 1987; Collins & Brown, 1988).

Ainda segundo Miranda (2007), professores e estudantes devem ser

estimulados a estabelecer ou melhorar suas competncias e conhecimentos

computacionais, mas tambm deve ser desenvolvido, em especial nos alunos do

ensino mdio, analises crticas a respeito da evoluo das tecnologias e suas

aplicaes. Para tanto, ela sugere que sejam levantadas algumas questes: a) quais

conhecimentos e competncias os alunos devem adquirir na escola e em qual etapa

escolar? b) como estes conhecimentos e competncias devem ser organizados e

sequenciados? c) como deve ser feita a integrao destes conhecimentos com o

currculo escolar?

Levando em considerao todos os aspectos apresentados neste captulo, este

trabalho pretende contribuir para que o professor possa utilizar as TIC de maneira

significativa em sua prtica, pois mesmo que no haja tempo para que ele realize a

tarefa do planejamento da atividade, nem a leitura de diferentes referncias, ele

poder encontrar no portal materiais destinados ao seu aprofundamento terico, bem

como as sequncias didticas desenvolvidas de maneira problematizadora e propcia

ao desenvolvimento da autonomia do aluno a partir da interao com seus colegas e

seu professor.

35

Alm disso, acredita-se que a disponibilizao do material em formato digital e

aberto, na lngua portuguesa, facilitar o uso deste objeto educacional por alunos

brasileiros. Trazendo questes mais prximas da realidade dos nossos estudantes e

ao mesmo tempo de maneira flexvel para que o professor possa adequar realidade

de sua classe.

Levando em considerao tudo o que acaba de ser apresentado e uma vez

que, neste trabalho, julga-se que: o domnio de um determinado conhecimento

progressivo; considera-se importante levar em conta o conhecimento prvio do aluno;

julga-se relevante a aprendizagem significativa dos contedos; acredita-se que as

situaes de ensino devem fazer sentido para o aluno e que este deve aprender a ser

crtico; foi escolhida para fundamentar o objeto educacional desenvolvido a

metodologia dos Momentos Pedaggicos, proposta por Demtrio Delizoicov e Jos

Andr P. Angotti, e descrita em 1989, no livro Metodologia do ensino de Cincias.

4.4 A METODOLOGIA DOS MOMENTOS PEDAGGICOS

Segundo Delizoicov et al. (2011), autor desta metodologia e seus

colaboradores, as teorias epistemolgicas contemporneas partem do pressuposto

que o conhecimento tenha origem numa interao no neutra entre o sujeito e o

objeto, ou seja, entre o aprendiz e aquilo que se quer aprender. Para eles, uma vez

que um ser humano, o aluno dotado de capacidade de aprender e esta capacidade

depende da qualidade das interaes que este exerce com o meio fsico e social

durante a formao de seus padres de comportamento e linguagem. Sendo assim,

para eles fundamental

que a atuao docente dedique-se e, em muitas situaes, seja desafiada a planejar e organizar a atividade de aprendizagem do aluno mediante interaes adequadas, de modo que lhe possibilite a apropriao de conhecimentos cientficos, considerando tanto seu produto isto , conceitos, modelos, teorias quanto a dimenso processual de sua produo. (DELIZOICOV et al., 2011, p.184).

36

Partindo desse pressuposto, Angotti e Delizoicov, sob influncia da pesquisa

de outros autores, desenvolveram a metodologia dos Momentos Pedaggicos -

propondo assim uma alternativa para a atuao do docente que quer estabelecer boas

interaes em sua sala de aula. Uma dessas influncias, seno a principal delas, a

busca de temas geradores obtidos a partir da anlise das relaes do homem com o

mundo, proposta por Paulo Freire, mas tambm segundo Delizoicov et al. (2011) -

por George Snyders.

Freire (1987), acreditava que para se fazer entender o educador e o poltico

deveriam conhecer a realidade do povo, sua linguagem e seu pensar. Seno falariam

e no seriam entendidos. E para que a comunicao fosse eficiente, deveria ser

buscado o universo temtico ou os temas geradores dos educandos em questo.

Temas estes que devem ter a capacidade de se desdobrar em diversos outros e que

podem ser mais gerais ou particulares, atuando como um ponto de partida de um

processo educacional e possibilitando o fluxo dialgico da informao.

No caso da metodologia dos Momentos Pedaggicos estes temas seriam

objetos do conhecimento e deveriam ser compreendidos ao longo do processo

educativo, rompendo com a tradicional estruturao do ensino e de materiais didticos

- a partir do que aqueles autores chamam de conceituao cientfica e passando os

conceitos a serem subordinados s temticas (DELIZOICOV et al., 2011).

Uma vez que a base terica dos temas geradores a pedagogia de Paulo

Freire, Angotti (2015) apresenta tambm como princpios bsicos desta metodologia:

a prtica dialgica como essncia; uma viso abrangente da realidade; a discusso

no coletivo; uma postura crtica do educador (professor-problematizador) e a ruptura

do conhecimento ancorado no senso comum - contribuio de Snyders.

Com relao a esta contribuio, Delizoicov et al. (2011) afirma que Snyders

prope uma abordagem temtica capaz de promover rupturas entre a cultura primeira

(o conhecimento do senso comum) do aluno e a cultura elaborada (teorias cientficas)

estabelecida ao longo da formao deste. A cultura primeira seria aquela que permite

a interpretao dos temas e que, segundo os autores precisa ser transformada

durante o processo de apropriao da cultura elaborada.

De outra maneira, mas com o mesmo sentido, o descrito acima concorda com

as ideias propostas por Ausubel, uma vez que tambm considera-se como fator

determinante da aprendizagem aquilo que o aluno j sabe e o professor responsvel

37

por diagnosticar esses conhecimentos e ensinar de acordo. No processo de

aprendizagem proposto por Ausubel, esse conhecimento pr-existente interage com

as novas informaes, integrando esse material e modificando-se, simultaneamente,

num processo de ancoragem. Ou seja, novas informaes podem ser aprendidas e

retidas se os conceitos mais importantes estiverem claros, estveis, diferenciados e

disponveis em meio ao conhecimento do indivduo (AUSUBEL, 1980).

Cabe agora, apresentar de que maneira os momentos pedaggicos abordam

os temas geradores e discutir cada um desses momentos de maneira um pouco mais

detalhada.

Segundo Delizoicov et al. (2011), a metodologia dos Momentos Pedaggicos

subdivida em trs momentos com funes diferentes e especficas: a problematizao

inicial, a organizao do conhecimento e a aplicao do conhecimento. Cujas

atribuies esto descritas na tabela abaixo:

MOMENTO OBJETIVOS

Problematizao inicial

Apresentar situaes reais de conhecimento dos alunos, para problematizar determinado tema e promover a discusso e o surgimento de dvidas sobre o assunto fazendo com que o aluno queira adquirir conhecimentos que ainda no possui uma vez que o professor j selecionou o tema a ser abordado e o instiga com este fim;

Organizao do conhecimento

Estudo dos conhecimentos selecionados como essenciais para a compreenso e resoluo dos problemas iniciais. Para isso podem ser utilizadas diferentes atividades selecionadas e aplicadas sistematicamente pelo professor, desde que estas promovam a aquisio dos conceitos fundamentais ao entendimento do tema estudado.

Aplicao do conhecimento

Obter a generalizao da conceituao at ento obtida e a resoluo dos problemas iniciais bem como de outras questes que surgiram no processo. Alm de capacitar o aluno para que ele seja capaz de articular a conceituao cientfica s situaes reais, rotineiramente.

Tabela 2 - Os trs momentos pedaggicos e seus objetivos. Fonte: A autora (2015).

4.4.1 Problematizao Inicial

A problematizao seria o primeiro momento pedaggico. Aquele responsvel

pelo levantamento do conhecimento prvio dos alunos e pela troca de significados e

interpretaes por parte de alunos e professores.

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Segundo Fiori (1987), a ideia do professor problematizador abordada por

Paulo Freire, em Pedagogia do Oprimido, como um mtodo de conscientizao do

cidado, atravs do qual o homem tem a oportunidade de se redescobrir a medida em

que vai refletindo e descobrindo o mundo.

Para Freire (1987), a educao problematizadora libertadora, pois no

permite ao aluno que esteja posicionado enquanto ouvinte, oprimido, que apenas

escuta e aceita como verdade as informaes fornecidas, depositadas pelo professor

num processo que ele chama de educao bancria. Pelo contrrio, a educao

problematizadora valoriza a dialogicidade e recrimina a transmisso do conhecimento,

quando esta feita sem que haja reconhecimento da condio dialgica e o educador

se considera o exclusivo educador do educando (FREIRE, 1992, p.61).

Segundo Cordenonsi et al (2008), para ocorrer o verdadeiro dilogo, proposto

por Paulo Freire, preciso uma ao colaborativa que no trata somente de uma

simples troca de ideias, mas de uma reflexo conjunta, onde professores e alunos

respeitam as vivncias de cada uma das partes e o professor no impe seus

conceitos, mas sim promove o surgimento de tal conscincia e criticidade em seus

alunos.

Esse dilogo comearia na busca do contedo programtico, onde o professor

problematizador deveria no apenas escolher um conjunto de informaes que seriam

depositadas no aluno, mas sim devolver de maneira organizada, sistematizada e

acrescentada os tpicos que o prprio aprendiz o entregou de maneira

desestruturada (MOREIRA, 2011).

Porm, esta prtica s possvel quando se supera a contradio entre

educador e educando e surgem ento dois novos sujeitos nesse enredo: o educador-

educando e o educando-educador. Assim, ningum educa ningum, nem ningum se

educa sozinho. Os homens se educam em comunho, mediatizados pelo mundo

(FREIRE, 1987, p.39).

Em relao a este mesmo ato de problematizar, Bachelard (apud DELIZOICOV

et al., 2011) coloca as questes como carter bsico do conhecimento cientfico

quando determina que todo conhecimento existe por consistir numa resposta uma

determinada questo. Acrescentando ainda que para apropriar-se de um

conhecimento cientfico um aprendiz precisa superar obstculos epistemolgicos,

resistncias do pensamento que surgem no processo de aprendizagem. E que cabe

ao professor dar devida importncia a essas resistncias, apreendendo exatamente o

39

conhecimento inicial do aluno para ento ressaltar as contradies, localizar as

limitaes, desestruturar as explicaes do senso comum atravs de

problematizaes e promover a compreenso do conhecimento cientfico.

Dito isso ficam claras as influncias de Bachelard e, principalmente, Paulo

Freire na metodologia dos Momentos Pedaggicos. Uma vez que, Delizoicov et al.

(2011), prope que este primeiro momento seja organizado de maneira a desafiar os

alunos a expor o que esto pensando de situaes reais, que eles conhecem,

presenciam e esto sendo reapresentadas naquele momento. O professor ento

conhece e compreende a posio dos alunos, discute em pequenos grupos e depois

explora as posies de toda a classe. Com uma funo que eles chamam de

coordenadora o professor questiona posicionamentos, fomentando a discusso e

lanando dvidas sobre o assunto. Assim, ele pode localizar as limitaes como

proposto pelos autores acima descritos - e provocar nos alunos a necessidade de

adquirir novos conhecimentos para resolver o, at ento, problema apresentado e as

novas questes que surgiram nesse processo.

Desta maneira refora-se a necessidade de o professor apreender o significado

e a interpretao dos temas por parte dos alunos, para que possa problematiz-lo

corretamente, porm h tambm necessidade do aluno apreender os significados que

o professor detm. E para que isso acontea, as situaes significativas - aquelas

situaes-problema que, alm de despertar a curiosidade do aluno, surgem como

manifestaes das contradies envolvidas nos temas desafiando o aluno no

processo de aprendizado e na transformao de situaes problematizadoras -

precisam estar presentes (DELIZOICOV et al., 2011).

4.4.2 Organizao do conhecimento

O segundo momento pedaggico trata-se da aplicao de atividades que

favorecem o desenvolvimento de conceitos importantes para a aprendizagem dos

temas geradores. Podendo contar com diversos tipos de atividades, cujos objetivos

sejam fornecer ao aluno condies de desenvolver, sob orientao do professor, os

conceitos bsicos identificados como fundamentais para compreender cientificamente

aquelas situaes problematizadas. (DELIZOICOV et al, 2011).

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Esse momento coerente com as teorias da aprendizagem apresentadas

anteriormente pois defende que a aprendizagem s ir acontecer de fato se os

conceitos bsicos estiverem bem definidos e claros na mente do aprendiz.

Nesta etapa, Delizoicov et al., (2011), mostram a importncia que os exerccios

e problemas propostos por livros didticos, por exemplo, tem na formao do aluno.

No entanto, relembram o cuidado que o professor deve ter para no utilizar apenas

estas ferramentas, uma vez que esta seria apenas uma etapa intermediria do

processo de aprendizado, como j foi dito anteriormente. Assim, esta metodologia

prev a utilizao de diferentes atividades para que seja feita a organizao do

conhecimento.

4.4.3 Aplicao do conhecimento

Esta seria a ltima etapa proposta por Angotti e Delizoicov na metodologia dos

momentos pedaggicos e consiste na generalizao dos conceitos que esto em

processo de construo. Assim como na etapa anterior, podem ser utilizadas

atividades diferenciadas, desde que o objetivo destas seja proporcionar ao aluno

diferentes aplicaes do conhecimento em questo envolvendo os problemas

iniciais que ficaram em aberto, mas tambm outros aspectos e abordagens que

podem ser adicionados ao processo de ensino-aprendizagem por necessitarem dos

mesmos conceitos cientficos (DELIZOICOV et al., 2011).

Este momento seria importante para evitar a simulao da aprendizagem

significativa que, segundo Moreira (2011), acontece quando alunos obtm certa

experincia em realizar provas e exerccios, e acabam se habituando a memorizar

definies, frmulas, causas, exemplos, explicaes e maneiras de resolver

problemas tpicos.

Nesse caso, j que so formuladas questes e problemas de maneira nova e

no familiar ao aluno, s tero xito aqueles que conseguirem transformar o contedo

adquirido a ponto de conseguir aplicar naquele contexto. E isso s seria possvel caso

o aluno houvesse realmente aprendido o significado daqueles conceitos cientficos de

maneira significativa.

41

4.5 A ESCOLHA DO CONTEDO

Os Parmetros Curriculares Nacionais do Ensino Mdio (BRASIL, 2000a),

preveem que a disciplina de biologia trabalhe ao longo do ensino mdio contedos

que possam se tornar teis futuros profissionais da rea da sade. Alm disso,

prope que em conjunto com as demais Cincias da Natureza, atue de maneira a

promover no aluno a curiosidade, a capacidade de indagar e descobrir os mistrios

da natureza e compreenda o significado da cincia e da tecnologia, bem como o papel

do homem enquanto responsvel por questes ticas, polticas e sociais. Sendo

capaz de garantir ao indivduo que se aproprie de conhecimentos cientficos a ponto

de compreender e explicar o mundo natural, bem como avaliar, e se preciso for -

planejar e executar aes que interfiram em eventos naturais.

O PCN+, documento complementar ao citado acima, por sua vez, solicita que

a disciplina de biologia atue de maneira interdisciplinar com as demais cincias,

promovendo no mbito escolar o desenvolvimento de uma viso atualizada do mundo,

indo alm da ideia meramente utilitria do conhecimento e possibilitando a

compreenso mnima das tcnicas e princpios cientficos. Pois s depois que o aluno

possa compreender o que acontece no mundo microscpico que ele poder avaliar

e julgar questes ticas e biotecnolgicas, como a clonagem, por exemplo. Desta

maneira este documento responsabiliza a biologia por possibilitar o subsdio de

julgamentos de questes polmicas que envolvam o desenvolvimento humano, o uso

de recursos naturais e a manipulao de DNA (BRASIL, 2000b).

Em relao ao ensino desta cincia, o documento solicita que v alm da

memorizao de conceitos cientficos, apresentando tambm problemas a serem

resolvidos. Desenvolvendo a curiosidade e o gosto de aprender, praticando

questionamentos, investigaes e descobertas, mas tambm permitindo a

compreenso da dimenso histrico-filosfica da produo cientfica e o carter da

verdade cientfica (BRASIL, 2000b, p.16).

Sugere ainda que a tecnologia seja vista como resultado de um processo

intencional e provocado pelo ser humano. E que ao trabalhar determinados contedos

como a embriologia e o funcionamento de rgos, estruturas e sistemas, bem como

as demais funes bsicas do metabolismo seja focada a espcie humana.

42

Promovendo, alm da compreenso desses processos e eventos biolgicos, o apreo

pelo nosso organismo e o respeito pelo prprio corpo e tambm ao dos outros. Para

tanto, prope que a biologia celular seja trabalhada em diversos momentos e em

diferentes nveis de profundidade de acordo com aquilo que se deseja discutir. Citando

que no ensino de Biologia

essencial o desenvolvimento de posturas e valores pertinentes s relaes entre os seres humanos, entre eles e o meio, entre o ser humano e o conhecimento, contribuindo para uma educao que formar indivduos sensveis e solidrios, cidados conscientes dos processos e regularidades de mundo e da vida, capazes assim de realizar aes prticas, de fazer julgamentos e de tomar decises (BRASIL, 2000b, p.19).

Revelando ainda a impossibilidade de trabalhar todo o contedo de que se tem

conhecimento dentro do Ensino Mdio e elencando prioridades dentro do processo de

ensino-aprendizagem:

No possvel tratar, no Ensino Mdio, de todo o conhecimento biolgico ou de todo o conhecimento tecnolgico a ele associado. Mais importante tratar esses conhecimentos de forma contextualizada, revelando como e por que foram produzidos, em que poca, apresentando a histria da Biologia como um movimento no linear e freqentemente contraditrio. Mais do que fornecer informaes, fundamental que o ensino de Biologia se volte ao desenvolvimento de competncias que permitam ao aluno lidar com as informaes, compreend-las, elabor-las, refut-las, quando for o caso, enfim compreender o mundo e nele agir com autonomia, fazendo uso dos conhecimentos adquiridos da Biologia e da tecnologia (BRASIL, 2000b, p.19).

Partindo da anlise deste documento, poderiam ser selecionados diversos

contedos da disciplina de biologia. Entre eles podemos citar a evoluo, a fisiologia

humana, a ecologia, a gentica. Mas levando em considerao a necessidade de

divulgar a cincia e a possibilidade de parceria com uma grande instituio de

pesquisa, bem como os interesses e opinies que os alunos demonstram no cotidiano

escolar foram selecionados como contedos centrais a embriologia, a biotecnologia e

conceitos introdutrios da gentica. Sendo determinado como tema gerador principal

as clulas-tronco e como temas para discusso a biotica, a biotecnologia, a

definio do cientista enquanto profissional e os ambientes de pesquisa cientfica.

43

4.5.1 Clulas-tronco

Uma clula a menor unidade morfofisiolgica autoreprodutiva de um ser-vivo,

ou seja, a menor unidade funcional considerada matria-viva e capaz de dar forma ao

organismo ao mesmo tempo em que permite que o ser vivo realize suas funes vitais

e consegue se reproduzir sozinha (ALBERTS et al, 2004).

Apesar de serem bastante diferentes externamente, os mecanismos internos

de uma clula so muito parecidos. Todas elas possuem a capacidade de guardar a

informao hereditria atravs do cido desoxirribonucleico (ADN, conhecido

popularmente como DNA); todas conseguem replicar seu DNA e possuem como

material gentico intermedirio o RNA; todas conseguem produzir protenas e utiliz-

las tambm como catalisadores; consomem energia na forma de ATP (trifosfato de

adenosina) e so envoltas por uma membrana plasmtica (ALBERTS et al, 2004).

Uma clula-tronco aquela clula capaz de se multiplicar e formar novas

clulas-tronco, bem como diferentes tipos celulares. Apresentando, assim,

capacidade de autorrenovao e diferenciao (NATIONAL INSTITUTE OF HEALTH,

2001 apud AGUIAR, 2011).

As clulas-tronco podem ser classificadas de acordo com sua capacidade de

diferenciao em totipotentes, pluripotentes ou multipotentes. As clulas-tronco

totipotentes presentes no zigoto - so aquelas que podem dar origem a qualquer

tipo celular, podendo formar inclusive os anexos embrionrios. As clulas-tronco

pluripotentes so capazes de originar clulas derivadas da endoderme, da

mesoderme e da ectoderme, mas no podem formar clulas dos anexos embrionrios.

As clulas tronco pluripotentes so extradas da massa celular interna de um embrio

na fase de blastocisto ou podem ser produzidas a partir da induo de clulas-tronco

adultas (NATIONAL INSTITUTE OF HEALTH, 2001 apud AGUIAR, 2011).

J as clulas-tronco adultas ou somticas, que podem ser encontradas em

diversos tipos de tecidos do corpo humano, apresentam uma capacidade mais restrita

de diferenciao (ALBERTS, 2013), sendo consideradas multipotentes por poder

formar vrios tipos de clulas dentro de uma certa linhagem, por exemplo,

diferenciando-se em clulas derivadas de um nico folheto embrionrio.

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As clulas-tronco podem ser encontradas em estruturas como: cordo

umbilical, tecido adiposo, crebro, fgado, sangue, pele, corao e diversos outros. E

podem levar a uma melhora da qualidade de vida humana atravs de pesquisas

cientficas de biologia bsica em torno da diferenciao celular, dese