universidade federal fluminense instituto de ciÊncias … ii... · 2020. 5. 27. · segundo marlon...

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA SOCIEDADE MACAÉ DEPARTAMENTO DE DIREITO CURSO DE DIREITO THAÍS DA SILVA GUIMARÃES O PERFIL SOBERANO DA ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES E A INTERVENÇÃO JUDICIAL: REFLEXÕES ACERCA DO INSTITUTO DO CRAM DOWN NA LEI 11.101/2005 MACAÉ/RJ 2018

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA SOCIEDADE – MACAÉ

    DEPARTAMENTO DE DIREITO CURSO DE DIREITO

    THAÍS DA SILVA GUIMARÃES

    O PERFIL SOBERANO DA ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES E A INTERVENÇÃO JUDICIAL: REFLEXÕES ACERCA DO INSTITUTO DO

    CRAM DOWN NA LEI 11.101/2005

    MACAÉ/RJ 2018

  • THAÍS DA SILVA GUIMARÃES

    O PERFIL SOBERANO DA ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES E A INTERVENÇÃO JUDICIAL: REFLEXÕES ACERCA DO INSTITUTO DO

    CRAM DOWN NA LEI 11.101/2005

    Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao programa de Graduação da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito, sob orientação do Professor Doutor Saulo Bichara Mendonça.

    MACAÉ/RJ

    2018

  • THAÍS DA SILVA GUIMARÃES

    O PERFIL SOBERANO DA ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES E A INTERVENÇÃO JUDICIAL: REFLEXÕES ACERCA DO INSTITUTO DO

    CRAM DOWN NA LEI 11.101/2005

    Trabalho de Conclusão de Curso aprovado pela Banca Examinadora do Curso de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), Instituto de Ciências da Sociedade de Macaé (ICM-Macaé).

    Macaé, ___ de __________ de _____ 2018.

    BANCA EXAMINADORA

    _______________________________________________________________ Prof. Dr. Saulo Bichara Mendonça – Universidade Federal Fluminense - Orientador _______________________________________________________________ Prof. Me. Francisco de Aguiar Alves – Universidade Federal Fluminense _______________________________________________________________ Prof. Dr. Jorge Luiz Lourenço das Flores – Universidade Federal Fluminense

    MACAÉ/RJ

    2018

  • À minha mãe, luz da minha vida.

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AGC Assembleia Geral de Credores

    AJ Administrador Judicial

    ANATEL Agência Nacional de Telecomunicações

    AREsp Agravo em Recurso Especial

    CF Constituição Federal

    LRE Lei de Recuperação de Empresas e Falências

    OI COOP Oi Brasil Holdings Cooperatief U.A

    PRJ Plano de Recuperação Judicial

    PTIF Portugal Telecom International Finance B.V

    SEC Securities and Exchange Comission

    STJ Superior Tribunal de Justiça

  • RESUMO

    O presente estudo tem por objeto primordial estabelecer um paralelo analítico

    quanto à interferência judicial no processamento das recuperações judiciais no

    país. Para tanto, observou-se o viés doutrinário e jurisprudencial acerca do

    poder decisório do juízo recuperacional, face aos interesses dos credores,

    tomando-se por base o direito comparado. Importante, neste sentido, ressaltar

    como se dá a recuperação de empresas no país, seus objetivos e princípios

    norteadores, bem como as razões que levam as sociedades a requererem sua

    tutela, sob a égide da Lei nº 11.101/2005. Em seguida, destaca-se a função

    precípua da Assembleia Geral de Credores, cujo quórum deliberativo tem a

    alçada de permitir, ou não, a recuperação judicial. Para isto, traçou-se um perfil

    administrativo e prático da AGC, no objetivo de possibilitar o entendimento

    sobre a autonomia e soberania da decisão dos credores, no Brasil. No terceiro

    capítulo o estudo se volta a aludir o instituto do Cram Down, explicando sua

    origem no direito norte-americano, e os princípios balizadores do poder

    decisório do magistrado no feito recuperacional. Assim, trata-se uma reflexão

    crítica sobre a legislação pioneira e inspiradora da atual Lei de Recuperação de

    Empresas brasileira, contrapondo a decisão dos credores e discricionariedade

    do juízo na recuperação judicial. Seguidamente, aponta-se a adoção do

    mecanismo norte-americano no país, demonstrando os limites de sua

    efetividade, e como o magistrado poderia exercer o juízo de admissibilidade do

    plano de recuperação judicial, verificada a viabilidade da empresa. Assinala-se,

    por último, a necessidade de flexibilização da Lei 11.101/2005, no intuito de

    propiciar decisões eficazes e justas do ponto de vista social-econômico, quanto

    à continuidade da atividade comercial da empresa em recuperação.

    Palavras-chave: Direito Empresarial. Recuperação Judicial. Lei nº

    11.101/2005. Princípios da Função Social e Preservação da Empresa.

    Assembleia Geral de Credores. Soberania. Cram Down. Intervenção judicial.

  • ABSTRACT

    The present study has as main objective to establish an analytical parallel with

    respect to judicial interference in the processing of judicial recoveries in the

    country. Therefore, the doctrinal and jurisprudential bias regarding the decision-

    making power of the judge, in this context, was observed, against the interests

    of the creditors, based on the comparative law. It is important, in this sense, to

    emphasize how the recovery of companies in Brazil occurs, their objectives and

    guiding principles, as well as the reasons that lead the companies to require

    their guardianship, under the aegis of Law 11.101/2005. Next, the essential

    function of the General Meeting of Creditors (AGC) is highlighted, whose

    deliberative quorum has the jurisdiction to allow, or not, judicial recovery. For

    that, an administrative and practical profile of the AGC was drawn up, in order

    to allow an understanding of the autonomy and sovereignty of the creditors'

    decision in Brazil. In the third chapter, the study focuses on the approach of

    Cram Down Institute, exposing its origin in US law, and the principles that guide

    the decision-making power of the magistrate in the recovery act of the United

    States. Then, it is pointed out the adoption of the US mechanism in the country,

    demonstrating the limits of its effectiveness, and how the magistrate could

    exercise the judgment of admissibility of the judicial recovery plan, when the

    viability of the company was verified. Lastly, the need for flexibility in Law

    11.101/2005 is highlighted, in order to provide effective and fair decisions, from

    a social-economic point of view, regarding the business continuity of the

    company in recovering.

    Keywords: Business Law. Judicial recovery. Law nº 11.101/2005. Principles of

    the Social Function and Company Preservation. General Meeting of Creditors.

    Sovereignty. Cram Down. Judicial intervention.

  • SUMÁRIO

    CONSIDERAÇÕES INICIAIS ....................................................................................... 9

    CAPÍTULO I ............................................................................................................... 11

    SOBRE A RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS .............................................. 11

    1.1 Disposições gerais ............................................................................... 11

    1.2 Da recuperação judicial ....................................................................... 12

    1.2.1 Do plano de recuperação judicial .................................................. 16

    1.3 Pressupostos de incidência da recuperação judicial............................ 17

    1.3.1 Quanto ao exercício regular da atividade há mais de dois anos ... 18

    1.3.2 Quanto a não ser falido ................................................................. 18

    1.3.3 Quanto a não ter obtido outra recuperação judicial ....................... 19

    1.3.4 Quanto a não condenação por crime falimentar ............................ 20

    1.4 A relevância dos princípios da função social e preservação da empresa

    no procedimento de recuperação .............................................................. 21

    CAPÍTULO II .............................................................................................................. 24

    OS CREDORES EM ASSEMBLEIA ............................................................. 24

    2.1 Noções da assembleia geral de credores ............................................ 24

    2.1.1 Competências ................................................................................ 25

    2.1.2 Composição e deliberação ............................................................ 27

    2.2 Perfil administrativo da assembleia geral de credores ......................... 29

    2.3 Perfil prático da assembleia geral de credores .................................... 34

    2.3.1 Caso concreto: Considerações legais a partir do verificado na

    recuperação judicial do Grupo Oi, no Brasil ........................................... 34

    CAPÍTULO III ............................................................................................................. 41

    SOBRE O CRAM DOWN ............................................................................. 41

    3.1 Breves considerações ...................................................................... 41

    3.2 O sistema recuperacional norte-americano e o Cram Down ............... 41

  • 3.2.1 Breve comparação entre aspectos do sistema recuperacional

    norte-americano e brasileiro ................................................................... 45

    3.3 Aplicação do Cram Down na recuperação judicial brasileira ............... 48

    CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 55

    REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 58

  • 9

    CONSIDERAÇÕES INICIAIS

    O direito falimentar no Brasil veio para substituir o obsoleto instituto do

    Decreto-Lei nº 7.661/1945. A nova Lei nº 11.101/2005, denominada Lei de

    Recuperação de Empresas e Falências (LRE) surge para se readaptar ao

    contexto social e econômico, trazendo uma novidade legislativa: a possibilidade

    de recuperação de empresas, cujo procedimento foi inspirado no Bankruptcy

    Code, legislação falimentar norte-americana.

    Deste modo, o cenário empresarial brasileiro foi modificado, permitindo,

    a partir de então, a continuação da atividade produtiva por meio de um plano

    de recuperação judicial, que fixou a perspectiva de estabelecer e coadunar

    diversos meios para superar a situação empresarial de crise econômico-

    financeira. Assim, a empresa deixa de ter somente a alternativa da liquidação

    para adimplir com seus débitos.

    Contudo, para que o processamento da recuperação judicial seja

    deferido, imprescindível a análise de alguns critérios, dentre os quais se

    destaca a viabilidade da empresa. Isto porque, conforme se verá, na

    recuperação judicial ocorre um repasse do risco empresarial para os credores,

    de modo que só se justifica quando a atividade represente relevância social,

    acarretando o seu encerrando ônus mais gravoso do que a falência.

    O instituto da recuperação de empresas apresenta, portanto, um caráter

    negocial, propiciando moldes contratuais à tutela judicial, de modo que, já que

    haverá o repasse do risco empresarial, os credores têm o direito de deliberar

    acerca do plano de recuperação judicial proposto pela empresa em crise, a fim

    de que se recupere o status quo ante.

    Deste modo, dotou-se o processo de recuperação judicial de três fases

    pontuais: fase postulatória, fase deliberativa e fase executória.

    A fase postulatória concerne ao pleito pela recuperação, atendendo a

    certos pressupostos e com a devida elaboração de um plano para efetivá-la. Já

    quanto à fase deliberativa, observa-se como a mais relevante para o

    processamento da recuperação judicial, em que pese haver a constituição de

    uma Assembleia Geral de Credores, de modo que, com o advento da LRE,

    adquiriram o direito a intervir no processo, deliberando acerca do plano

  • 10

    proposto pela Recuperanda, aquiescendo-o, rejeitando-o, ou propondo-lhe

    modificações.

    Outra das novidades trazidas pela LRE, se refere ao fato de que, ao

    passo que concedeu ao credores a prerrogativa de intervir ativamente no

    processamento do plano, sopesou a interferência do magistrado, possibilitando

    também o controle de legalidade e cerceamento do direito de voto quando este

    represente abuso de direito. Eis o foco do presente estudo: a ponderação da

    interferência do juízo recuperacional, face à negativa de deferimento do plano

    de recuperação judicial em assembleia geral de credores.

    Para que se proceda esta análise, no entanto, necessária a abordagem

    da legislação norte-americana, retomando sua origem, porque, muito embora

    tenha sido por ela inspirada, a legislação falimentar brasileira alterou

    substancialmente a intervenção do magistrado, no que se refere à interferência

    do juiz no processo, a despeito da deliberação assemblear. Denominado Cram

    Down no direito norte-americano, o mecanismo foi recepcionado pela LRE,

    estabelecendo, entretanto, critérios legais rígidos para sua aplicação.

    Deste modo, será aprofundada a perspectiva de que o instituto norte-

    americano propicia ao magistrado competente maior interferência e

    discricionariedade ao processo de recuperação judicial. Porque pode, inclusive,

    com a assistência de órgão especializado do governo federal, fazer juízo de

    viabilidade econômica da empresa. Diferentemente do que ocorre no âmbito

    recuperacional do país, cuja atuação do juiz é cerceada.

    Por fim, observa-se, de acordo com o enfoque doutrinário, que em vista

    das limitações legais impostas pela rigidez da intervenção judicial na

    recuperação judicial no país, o mecanismo do Cram Down aqui empregado

    carece de certa flexibilização, com vistas a propiciar maior efetividade ao

    processo recuperacional, beneficiando o sistema recuperacional e a cadeia

    produtiva por ele contornada.

  • 11

    CAPÍTULO I

    SOBRE A RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS

    1.1 Disposições gerais

    É sabido que a crise empresarial acarreta em efeitos indesejáveis para

    toda uma cadeia produtiva. Seja pelo inadimplemento das obrigações, pela

    possível afetação do patrimônio dos sócios, pelo desemprego oriundo desse

    descompasso, ou pela desconstituição da contribuição para com o fisco (de

    interesse do Estado), dentre diversos outros possíveis resultados

    desencadeados pela crise. Isto é, o ônus da restruturação reflete na sociedade,

    de modo geral. Deste modo, modernamente, tem-se priorizado pela

    criação/aprimoramento de institutos capazes de auxiliar na superação do

    quadro de crise econômico-financeira, bem como de saldar o que é passível de

    liquidação. Dentre tais institutos, que encontram variações de incidência por

    todo o mundo, “cada direito procura seus próprios caminhos no emaranhado da

    difícil questão da recuperação das empresas em crise”1, mas, no Brasil,

    destacam-se a falência, a recuperação judicial, e a recuperação extrajudicial,

    regulamentadas de acordo com a Lei nº 11.101/2005, também chamada de Lei

    de Recuperação de Empresas e Falências (LRE).

    Muito embora a aplicação destes institutos seja ampla, não há que se

    falar em incidência indiscriminada. Importante ressaltar o texto trazido pela lei,

    no seu art. 1º: “Esta Lei disciplina a recuperação judicial, a recuperação

    extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, doravante

    referidos simplesmente como devedor”2. Segundo Marlon Tomazette, infere-se

    que estão sujeitos à recuperação judicial, extrajudicial, ou à falência, somente

    as empresas e sociedades empresárias. Isto é, sujeitos que exerçam atividade

    economicamente organizada, para circulação de bens e serviços. Que exerçam

    empresa. Deste modo, o empresário individual, ainda que pessoa física, é

    amparado por um CNPJ, sendo titular de empresa, motivo pelo qual pode ser

    enquadrado no conceito de empresário; da mesma forma, a empresa individual

    1 ULHOA, Fábio. Curso de Direito Comercial. 13ª ed. São Paulo, Saraiva, 2012, p. 483. 2 BRASIL, Lei nº 11.101/2005, 9 de fevereiro de 2005. Disponível em: . Acesso em 11 de abril de 2018.

  • 12

    de reponsabilidade limitada (EIRELI), também pode exercer atividade

    empresária, bem como, por óbvio, as sociedades, com a conjunção de esforços

    e capital, que assumirão deveres e obrigações sob seu CNPJ3. Fundamental,

    por este motivo, identificar quem se enquadra, ou não, no conceito de

    empresário, razão pela qual, certas atividades econômicas são expressamente

    afastadas do instituto, como atividades de natureza intelectual, sua exploração

    por sociedades simples, sociedades de economia mista (empresas estatais),

    bem como as sociedades de fato, com fulcro no art. 2ª da LRE.

    1.2 Da recuperação judicial

    Dita como a mais ampla medida de recuperação de empresas, a

    recuperação judicial - objeto primordial do presente estudo -, é um meio

    genérico de solucionar a crise econômico-financeira, e se utiliza mesmo para

    evitar que se instaure um quadro de desequilíbrio ainda mais danoso. À luz do

    art. 47, da Lei nº 11.101/2005, se esclarecem os objetivos de incidência do

    instituto4:

    Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

    De modo sucinto, pode-se afirmar que a recuperação judicial é um

    conjunto de atos praticados no bojo de um processo judicial, legalmente

    autorizados, respeitando-se também o critério de viabilidade da atividade,

    primordial para sua aplicação.

    Fala-se, teoricamente, de quatro elementos intrínsecos ao processo de

    recuperação, quais sejam: “(a) série de atos; (b) consentimento dos credores;

    3 TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial. 5ª ed. São Paulo, Atlas, 2017, pp. 47 e 48. 4 BRASIL, Lei nº 11.101/2005, 9 de fevereiro de 2005. Disponível em: . Acesso em 11 de abril de 2018.

  • 13

    (c) concessão judicial; (d) superação da crise; (e) manutenção das empresas

    viáveis”5.

    Assim, pode-se dizer que não há apenas um ato capaz de reestruturar a

    empresa, mas uma série de medidas cabíveis, como mudanças obrigacionais

    (renovação contratual com credores), alterações na gestão, ajustes de mão de

    obra (contratação e demissão de pessoal), contratação de perícias, atualização

    tecnológica, etc. Essas mudanças têm o condão de restabelecimento da

    atividade.

    De modo análogo, para que possa ser oportunizada a tentativa de

    restabelecimento por meio de tais medidas, é necessária uma maioria

    representativa de credores que estejam de acordo com as disposições. As

    peculiaridades dessa deliberação de credores serão melhor abordadas no

    capítulo seguinte.

    Quanto à concessão judicial, pressupõe-se o exercício do direito de

    ação, até porque, devido ao princípio da inércia da jurisdição, depende-se de

    que o empresário ou sociedade empresária requeira a tutela jurisdicional.

    Deste modo, uma vez requerida, a interferência judiciária é essencial

    para avaliar os critérios formais da recuperação. Tema base para o presente

    estudo, em que pese haver um contrabalanceamento da atuação dos credores

    e magistrados na dinâmica do processo de recuperação, que também será

    melhor abordada.

    Já no que se refere à manutenção de empresas viáveis, importante

    ressaltar que nem toda empresa pode e deve ser recuperada.

    Existe, no âmbito do processo de recuperação, um repasse de despesas

    e custos, seja por meio de investimentos em um negócio em crise, ou por

    perda de parte dos créditos de direito dos credores. Significa que se exige um

    sacrifício dos credores, ao passo que o risco empresarial é, em teoria,

    incumbência apenas de seu titular.

    Deste modo é importante ponderar entre o ônus de recuperação da

    empresa, e o ônus de seu possível encerramento. A viabilidade significa que,

    após análise de tais critérios, vale mais a manutenção da atividade. A intenção

    5 TOMAZETTE, Marlon. Op. cit., p. 88.

  • 14

    é de que o risco empresarial seja novamente transferido ao titular, e não mais

    ao credor após esse processo.

    Para tanto, é fundamental analisar o impacto gerado pelo negócio na

    sociedade, ou seja, sua importância social em âmbito local, regional ou

    nacional. Isto porque “o encerramento de uma empresa socialmente importante

    gera muito ônus”6, motivo pelo qual se justificaria a conjunção de esforços em

    sua recuperação. Segundo Fábio Ulhoa, “o crédito bancário e os produtos e

    serviços oferecidos e consumidos ficam mais caros porque parte dos juros e

    preços se destina a socializar os efeitos da recuperação das empresas”7. Isto

    é, ocorre uma sequência de efeitos nas relações patrimoniais, econômicas (em

    âmbito geral), e sociais.

    Então, se a sociedade brasileira arca (em maior ou menor escala) com

    os prejuízos oriundos do processo de recuperação, que pelo menos estes

    valham o esforço, demonstrando a empresa condições mínimas de ser

    saneada.

    Com fundamento no art. 53, II, da LRE, infere-se que a viabilidade é,

    portanto, critério inerente ao plano de recuperação judicial8, a ser apresentado

    aos credores. A viabilidade deve ser amplamente provável, “sob pena de não

    aprovação do plano pelos credores em assembleia. Essa credibilidade poderá

    ser maior quando houver um relatório assinado por especialista em

    recuperação e, se possível, no segmento em que a empresa atua”9.

    Ainda, de acordo com Fábio Ulhoa, o exame da viabilidade deve ser

    conduzido segundo elementos tais como: (I) importância social - anteriormente

    citada -; (II) idade da empresa, em que pese algumas empresas estarem

    contribuindo para a economia e a sociedade há décadas, o que as difere de

    empresas muito recentes, que não demonstram tal potencial econômico; (III)

    volume do ativo e passivo, que se demonstra essencial para os levantamentos

    contábeis, vez que o cunho da crise pode exigir diferentes medidas; (IV) mão

    de obra e tecnologia empregadas, ainda que este elemento deva ser

    6 TOMAZETTE, Marlon. Op. cit., p. 90. 7 ULHOA, Fábio. Op. cit., p. 485. 8 Diploma por meio do qual a empresa informa sob quais medidas de recuperação se pretende sair da crise, além das novas condições pelas quais se planeja o adimplemento dos credores. 9 TEIXEIRA, Tarcísio. A Recuperação Judicial de Empresas. Revistas USP, 2012, p. 17. Disponível em: . Acesso em 12 de abril de 2018.

  • 15

    cuidadosamente avaliado: a empresa tecnologicamente atrasada exige o

    investimento em tecnologia, muito embora a modernização em sentido amplo

    retire postos de trabalho, o que seria maléfico à comunidade, do mesmo modo.

    Logo, o desenvolvimento precisa ser implementado tomando-se por base os

    empregados e seus interesses; (V) porte econômico, dado que as medidas

    aplicáveis à uma multinacional ou empresa de grande porte não devem ser

    tomadas quando se trate de uma microempresa ou empresa de pequeno

    porte10.

    Neste viés, concluindo-se que um negócio não representa a viabilidade

    necessária à aplicação da recuperação judicial, o mais adequado é se pleitear

    pela convolação em falência, que é a saída mais adequada para empresas

    inviáveis. Isto é, se nenhum empreendedor observou na empresa uma

    alternativa atraente de investimento, e a reorganização do negócio não

    estimula nem mesmo os seus proprietários/controladores, o encerramento da

    atividade e realocação dos recursos nela existentes atendem mais à

    economia11.

    Um exemplo característico de disfunção no caráter da viabilidade está

    relacionado ao “valor idiossincrático da empresa”, que consiste em atributo

    exclusivamente conferido pelo dono. Isto porque é natural que o controlador da

    sociedade empresária, muitas vezes seu fundador, e responsável pela maior

    parte das quotas, tenha uma relação subjetiva com o negócio, valorizando a

    empresa de modo particular. Neste caso, pode atribuir ao negócio um valor

    econômico não condizente com a realidade, o que por vezes torna difícil a

    perspectiva de que é necessária a realização de medidas em favor da

    recuperação.

    Por vezes, o controlador resiste à realização de negócios voltados à recapitalização e reorganização do negócio porque não sente devidamente considerado pelos adquirentes ou investidores o esforço pessoal dele impregnado na empresa. A característica essencial da valoração idiossincrática é a de que nenhum empreendedor, especulador, corretor, especialista em avaliação de ativos ou qualquer outro agente econômico acha que a empresa vale o quanto

    o dono quer12.

    10 ULHOA, Fábio. Op. cit., p. 486 e 487. 11 Ibid., p. 296. 12 Ibid., p. 297.

  • 16

    1.2.1 Do plano de recuperação judicial

    Sob a ótica dos elementos analisados, a partir da decisão que defere o

    processamento da recuperação judicial, deverá ser apresentado um Plano de

    Recuperação Judicial (PRJ) aos credores no prazo de 60 dias, de acordo com

    o artigo 53 da LRE. Mas, devido à complexidade da estruturação de um plano

    efetivo, muitas empresas iniciam-no antes mesmo do ajuizamento da ação ou

    da negociação com os credores. De qualquer modo, entende-se tratar de prazo

    dilatório, visto que, havendo justificativa plausível, é viável a ampliação do

    prazo para que se apresente um plano em atenção às condições materiais

    necessárias13, dentre elas, a discriminação pormenorizada dos meios a serem

    aplicados. Isto é, uma demonstração prática de como se realizará o

    procedimento.

    Assim, o art. 50 da LRE enumera, num rol exemplificativo, possíveis

    maneiras de recuperação da atividade, estando a cargo do Administrador

    Judicial – AJ – (agente nomeado pelo magistrado para gerir o processamento

    da recuperação) juntamente ao advogado e demais profissionais, fazer a

    análise dos meios que tenham o condão de manter a atividade, a despeito de

    que nada impeça se pensar em outro modo de reestruturar o negócio.

    Dentre as hipóteses listadas no artigo 50, encontram-se condições e

    prazos especiais para pagamento; operações societárias (cisão, fusão,

    incorporação, transformação); venda de ativos; usufruto da empresa;

    restruturação do capital ou da administração; arrendamento do

    estabelecimento; renegociação de obrigações trabalhistas; etc.

    Sendo muitas as possibilidades, ressalte-se a classificação realizada por

    Ricardo Negrão, que separa os meios de recuperação de acordo com a

    conjuntura da crise sobre a qual incidirão: (I) meios dilatórios, remissórios ou

    mistos; (II) meio meramente remissório; (III) meios que agem diretamente sobre

    13 GUERRA, Luiz Antônio. Recuperação judicial e contrato de trespasse como meio de

    recuperação judicial - Alienação do estabelecimento à sociedade empresária constituída

    por empregados do devedor, inviabilidade jurídica de constituição de sociedade

    cooperativa para explorar empresa. Âmbito Jurídico, 2009. Disponível em:

    . Acesso em 12

    de abril de 2018.

  • 17

    o perfil objetivo da empresa; (IV) meios que agem diretamente sobre o perfil

    funcional da empresa; (V) meios que agem diretamente sobre o perfil

    corporativo da empresa14. Já Marlon Tomazette, para fins didáticos, estabelece

    a classificação dos meios como “medidas financeiras, medidas societárias,

    medidas referentes à gestão, captação de recursos e transferência da

    atividade”15. Fato é que há uma margem de liberdade para definir e coadunar

    tais hipóteses, de acordo com suas peculiaridades, a fim de que se demonstre

    aos credores as reais perspectivas de soerguimento da atividade.

    1.3 Pressupostos de incidência da recuperação judicial

    A despeito de haver algumas pessoas jurídicas excluídas dos efeitos da

    Lei em comento, como já dito, a recuperação judicial é a mais amplamente

    utilizada para recuperação das empresas, denominando-se recuperação

    judicial ordinária. Há, no entanto, outras modalidades legalmente previstas,

    como o plano especial (previsto nos arts. 70 a 72, da LRE), a homologação de

    recuperação extrajudicial (arts. 161 a 166, da LRE), bem como o acordo

    privado entre credores e devedor (art. 167 da LRE).

    Muito embora cada meio cuide de suas peculiaridades, há incidência de

    requisitos comuns à todas as modalidades de recuperação, estabelecidos no

    artigo 48 da LRE, a saber:

    Art. 48. Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente: I - não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes; II - não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial; III - não ter, há menos de 8 (oito) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo; III - não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo; (Redação dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014)

    14 NEGRÃO, Ricardo. Direito Empresarial, Estudo Unificado. 5ª ed. São Paulo, Saraiva, 2014, p. 189. 15 TOMAZETTE, Marlon. Op. cit., p. 271.

  • 18

    IV - não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei16.

    1.3.1 Quanto ao exercício regular da atividade há mais de dois anos

    Este requisito será comprovado com a juntada de certidão da junta

    comercial, que demonstrará o exercício da atividade, a regularidade deste

    exercício e permanência na atividade há pelo menos dois anos. Isso se justifica

    porque o instituto da recuperação visa preservar empresa que esteja em

    funcionamento, logo, os que não estejam em plena atividade não atendem ao

    critério da viabilidade, anteriormente tratado. E, também, porque uma empresa

    exercida há menos de dois anos não goza da relevância econômica que

    justifique a intervenção judicial, não satisfazendo o critério.

    De outro modo, importante verificar se o empresário não é impedido e

    cumpre os deveres inerentes à atividade que são a ele impostos, mesmo

    porque a lei não pode conceder a prerrogativa à empresários irregulares, com

    escriturações contábeis pendentes, que não demonstrem as verificações legais

    exigidas17.

    1.3.2 Quanto a não ser falido

    O falido é inabilitado para o exercício da empresa, pelo menos até a

    extinção de suas obrigações. Logo, impedido de exercer a atividade, não

    consegue preencher o requisito do exercício regular, gerando uma reação em

    cadeia. Marlon Tomazette acredita tratar-se de uma redundância legislativa,

    mas que, apesar disso, o legislador impôs tal condição para impossibilitar o

    pedido de recuperação judicial apenas com vistas a suspender os efeitos da

    falência. Com efeito, a recuperação judicial pode ser pleiteada até o prazo pra

    16 BRASIL, Lei nº 11.101/2005, 9 de fevereiro de 2005. Disponível em: . Acesso em 28 maio de 2018. 17 Justamente devido à necessidade de demonstração da regularidade do exercício da empresa é que as sociedades de fato não têm acesso à recuperação judicial. Assim, mesmo que haja atividade empresarial, não conseguem preencher o requisito do exercício regular, porque sequer são registradas em Junta Comercial. Em suma, sem exercício formal da atividade, não há que se falar em recuperação judicial.

  • 19

    defesa, mas nunca após a falência, pois, a partir deste momento, a solução da

    crise será a liquidação patrimonial e não a manutenção da atividade18.

    Decretada a falência, desde que estejam adimplidas as obrigações que

    a ensejaram, pode-se pedir a recuperação para o início da nova atividade,

    cumprindo-se os demais requisitos.

    1.3.3 Quanto a não ter obtido outra recuperação judicial

    Este requisito se justifica por não permitir que o empresário se utilize

    indiscriminadamente do instituto para superar as crises econômico-financeiras.

    A recuperação é sim um meio que deve ser incentivado, mas não pode servir

    como alicerce para a transferência do risco empresarial para os credores (já

    tratada anteriormente). Deste modo, a recuperação judicial não pode ser regra

    no âmbito da administração, aplicável somente em caráter excepcional. “O uso

    da recuperação judicial em mais momentos próximos denota a incompetência

    do empresário em gerir aquele negócio e, por isso, afasta a possibilidade de

    nova recuperação”19.

    No que diz respeito ao decurso do prazo entre pedidos de recuperação

    judicial, deve-se observar um lapso de pelo menos cinco anos para a

    recuperação judicial ordinária e especial (nesta, o prazo era de oito anos,

    sendo reduzido pela Lei Complementar nº 147/2014 no intuito de não onerar

    aqueles que por ela optem), e de apenas dois anos com relação à recuperação

    extrajudicial (art. 161, §3º, da LRE), há, portanto, regra especial para cada

    modalidade20. Infere-se que, embora não deva ser utilizada sem critério, é

    possível que o empresário se utilize do instituto mais de uma vez, desde que

    atendido o limite temporal, sendo os prazos contados entre o dia da concessão

    da recuperação por ato judicial e o dia do novo pedido.

    18 TOMAZETTE, Marlon. Op. cit., p. 110. 19 Ibid., p. 110. 20 NEGRÃO, Ricardo. Op. cit., p. 186.

  • 20

    1.3.4 Quanto a não condenação por crime falimentar

    A ideia deste requisito é restringir o acesso à recuperação apenas aos

    devedores de boa-fé, isto é, de idoneidade presumida. No entanto, a ausência

    de condenação por crime falimentar é obrigatória apenas quando do pedido,

    cumprindo destacar, também, que eventual condenação deve ter transitado em

    julgado, não cabendo recurso ou outro meio de suspendê-la. Isso se deve à

    presunção de inocência prevista no artigo 5º, LVII, da Constituição Federal

    (CF), de modo que o recebimento da denúncia ou a condenação sem trânsito

    em julgado não impedem a feitura do pedido de recuperação, assim como não

    obstam o seu prosseguimento, quando já iniciada.

    No que se refere às sociedades empresárias, o requisito é aplicável aos

    administradores (diretores e membros de conselho de administração) e

    controladores (sócios ou acionistas), isto é, àqueles que tenham poder de

    direção da atividade empresária, não recaindo sobre o controle externo,

    exercido por pessoas que façam uso de meios diferentes do voto para gerir a

    atividade.

    Já no que toca às sociedades, Tomazette afirma haver um retrocesso na

    legislação, tendo em vista a indefinição legislativa entre a pessoa jurídica e

    seus sócios controladores ou administradores.

    Se a pessoa jurídica cumpre os requisitos, não se deve impedir a recuperação, pois é ela que se sujeitará a tal procedimento e não os seus sócios. Ora, apenas sociedades personificadas podem pedir a recuperação e, nessas sociedades, há uma clara distinção entre a pessoa jurídica e os sócios ou administradores21.

    Logo, misturar esse conceito faz com que o erro dos sócios acarrete no

    prejuízo da pessoa jurídica, que não poderá pedir a recuperação. O autor

    defende que, para compatibilizar a prática com tal exigência, ao requerer a

    recuperação a sociedade deve proceder pela prévia substituição dos

    administradores ou alienação do controle societário.

    21 TOMAZETTE, Marlon. Op. cit., p. 112.

  • 21

    1.4 A relevância dos princípios da função social e preservação da

    empresa no procedimento de recuperação

    O art. 5º, XXII, da Constituição Federal (CF), determina o direito à

    propriedade como direito fundamental, sendo assegurada a todos os

    particulares a propriedade de seus meios de produção, e é justamente o que

    possibilita a atividade empresarial. Ocorre que a própria Constituição delimita o

    exercício deste direito, com vistas ao princípio da função social. O art. 170 da

    CF apresenta de modo claro os princípios gerais da ordem econômica, dentre

    os quais se incluem a propriedade privada, e a função social da propriedade:

    Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) II - propriedade privada; III - função social da propriedade; (...) Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei22.

    Sob essa ótica, conclui-se que o direito de propriedade também se

    desenvolveu de acordo com as mudanças ideológicas do Estado, de modo que

    se preza pela riqueza social, em detrimento de uma visão egocêntrica do

    proprietário, em função do atendimento às necessidades materiais difusas23.

    Tomazette afirma que “o direito à propriedade passa a ser um poder-dever de

    exercer a propriedade vinculada a uma finalidade”24, não havendo, portanto,

    liberdade absoluta no direito de propriedade, justamente com vistas a coibir os

    atos emulativos (abuso de direito) e permitir o cumprimento da função social,

    22 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. Disponível em: Acesso em 04 de junho de 2018. 23 GUERRA, Érica. Função Social da Empresa e Recuperação Judicial. Jus Brasil, 2014. Disponível em: Acesso em 30 de maio de 2018. 24 TOMAZETTE, Marlon. Op. cit., p. 95.

  • 22

    expressamente norteador do processo de recuperação judicial, conforme se

    depreende do artigo 47 da Lei nº 11.101/2005.

    Portanto, é inerente ao exercício da empresa a atenção aos demais

    interesses sociais que a envolvem, como os interesses dos trabalhadores, do

    fisco, da comunidade, dos consumidores, fornecedores, e também dos

    credores.

    Ademais, reiterando entendimento já abordado, pode-se dizer que o

    princípio da função social é corolário do critério de viabilidade, pois, ao se

    pensar em proceder pela recuperação judicial, deve-se observar sua

    importância social. Notoriamente, se a empresa for viável e puder exercer

    muito bem sua função social, justificam-se os esforços no sentido da sua

    recuperação.

    Precisamente, pelo artigo 47 da LRE se deduz a importância do princípio

    da preservação da empresa, justamente porque dele decorre o objeto principal

    do instituto: a manutenção da atividade. Não há deste modo, intenção precípua

    de auxiliar a pessoa do empresário, embora esta seja uma consequência,

    justamente porque a empresa, em si, é mais importante do que o interesse

    individual, ao passo que sua manutenção viabiliza o amparo a outros direitos

    difusos. Por isso independe-se de quem seja o titular (o que justifica, por

    exemplo, a prévia substituição de administradores que tenham cometido crime

    falimentar para propiciar que a sociedade requeira sua recuperação judicial,

    como anteriormente abordado).

    Mesmo o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ponderou pela aplicação do

    princípio em detrimento da aplicação literal da lei. Isto porque determinou a

    continuidade da suspensão de todas as ações e execuções em face do

    devedor, ainda que ulterior ao prazo de 180 dias fixado no artigo 6º, §4º da

    LRE, tendo em vista que, se assim não fosse, inviabilizaria a superação da

    crise e manutenção da atividade. Trata-se de uma acentuação do stay period,

    período de suspensão de todas as ações e execuções em face do devedor,

    quando do deferimento do processamento da recuperação judicial pelo juízo.

  • 23

    Deste modo, consoante Tomazette, o princípio da preservação da

    empresa vem para atenuar o rigor da lei, em prol do interesse maior da

    superação das crises25.

    Daí, inclusive a instalação de Assembleia Geral de Credores visa

    atender tais princípios, essencialmente porque, retraçar uma rota,

    estabelecendo um plano para a crise, é interesse tanto das sociedades quanto

    dos próprios credores. Estes poderão analisar os riscos em que incorrerão com

    a aprovação do plano, bem como as chances reais de ver seu crédito

    adimplido; e é de interesse das sociedades porque dependem justamente da

    deliberação e aprovação do plano de recuperação judicial para manutenção da

    atividade.

    Neste contexto, os princípios da função social e preservação da

    empresa são consectários do trâmite da recuperação judicial, devendo estar

    plenamente demonstrados na fase postulatória (de elaboração do plano e

    pedido de recuperação judicial), para que possam ensejar sua aprovação na

    fase deliberativa, em Assembleia Geral de Credores, objeto do capítulo

    seguinte.

    25 TOMAZETTE, Marlon. Op. cit., p. 97.

  • 24

    CAPÍTULO II

    OS CREDORES EM ASSEMBLEIA

    2.1 Noções da assembleia geral de credores

    Primeiramente, cumpre destacar que, quando da decisão que defere o

    processamento da recuperação judicial, ocorrem dois efeitos importantes: (I) a

    paralisação de quaisquer ações/execuções em face do devedor, ou seja, o stay

    period, já abordado; e (II) ajustes para determinação de um quadro-geral de

    credores.

    No momento do ajuizamento da petição inicial que pleiteia o favor legal,

    o devedor deve elaborar lista com a relação nominal completa de credores, a

    natureza e valor atualizado de seus créditos, de acordo com o que dispõe o art.

    51, inciso III, da LRE. Após, nomeando-se Administrador Judicial pelo juízo,

    este fica responsável pela elaboração de uma segunda relação de credores,

    cujo prazo é de 15 dias para que apresentem habilitações ou impugnações aos

    créditos relacionados, conforme se extrai dos artigos 22 c/c 7º, §§1º e 2º, da

    LRE. Deste modo, o objetivo principal é a elaboração de uma terceira lista,

    referente à consolidação de um quadro-geral de credores, que deve ser

    homologada pelo magistrado responsável, de acordo com o art. 18, caput, da

    LRE. Assim, vê-se que a relação de credores sofre um fracionamento a fim de

    que se chegue a um denominador comum, habilitando-se os respetivos

    créditos e seus respectivos titulares ao processamento da recuperação judicial,

    qualificados para participação na Assembleia Geral de Credores (AGC).

    Outrossim, como se sabe, uma das finalidades precípuas do direito

    empresarial é justamente a proteção ao crédito. A AGC, neste sentido, é o

    meio de se assegurar às pessoas sujeitas aos efeitos da falência/recuperação

    judicial a chance de participar ativamente dos procedimentos, haja vista que,

    conforme já demonstrado, são as principais interessadas. Esta consiste na

    reunião dos credores, “ordenados em categorias derivadas da natureza de

    seus respectivos créditos, com o fim de deliberar sobre as matérias que a lei

  • 25

    venha a exigir sua manifestação, ou sobre aquelas que possam lhes

    interessar”26.

    É fato que, no que se refere à AGC, há interesses em comum entre os

    credores, ao passo que todos objetivam o adimplemento do devedor, assim

    como a busca pelo maior número possível de bens. Mas os interesses podem

    divergir a medida que cada credor visa alcançar condições especiais para ter

    saldado seu credito.

    Dessarte, necessária a deliberação destes pra que se determine, por

    maioria, se, e por quais meios o plano será efetivado. Não o sendo, a rejeição

    ao plano acarreta na convolação da recuperação judicial em falência, e pode-

    se dizer que isto, de certo modo, incentiva a aprovação do plano ou a

    apresentação de alterações, por ser de melhor interesse para os credores27.

    Neste sentido, pode-se dizer que a assembleia de credores será

    convocada em caso de impugnação ao plano por parte de qualquer credor,

    devendo ocorrer, de acordo com o artigo 56, §1º da LRE, em data que não

    extrapole o prazo de 150 dias entre o deferimento do processamento e

    realização da assembleia. Não havendo objeção, o juiz deferirá, de plano, o

    pedido de recuperação judicial, independentemente de convocação da

    assembleia, conforme se extrai do art. 57, da mesma lei.

    Trata-se, neste caso, de um aceite tácito, caso em que o devedor

    somente ficará obrigado à apresentação das certidões negativas de débitos

    tributários, nos termos do Código Tributário Nacional.

    2.1.1 Competências

    Contrario sensu, ao tomar conhecimento de qualquer objeção, de acordo

    com o art. 56, da LRE, será convocada a assembleia. E, em consonância com

    o art. 35, da Lei 11.101/2005, compete à ACG, na recuperação judicial,

    deliberar sobre:

    26 CAMPINHO, Sérgio. Curso de Direito Comercial: Falência e Recuperação de Empresa. 8ª ed. São Paulo, Saraiva, 2017, p. 89. 27 TADDEI, Marcelo. Alguns aspectos polêmicos da recuperação judicial. Âmbito Jurídico, 2010. Disponível em: Acesso em 31 de maio de 2018.

  • 26

    Art. 35. A assembleia-geral de credores terá por atribuições deliberar sobre: I - na recuperação judicial: a) aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor; b) a constituição do Comitê de Credores, a escolha de seus membros e sua substituição; c) (VETADO) d) o pedido de desistência do devedor, nos termos do § 4o do art. 52 desta Lei; e) o nome do gestor judicial, quando do afastamento do devedor; f) qualquer outra matéria que possa afetar os interesses dos credores28.

    Sérgio Campinho estabelece uma classificação de competências da

    assembleia geral de credores, relacionada às matérias que requerem a

    deliberação. Se incidentais ao procedimento, sua instalação será facultativa,

    motivada apenas por interesse verificado em caráter geral ou particular a

    determinada categoria de credores29.

    Se a matéria se referir a incidente processual específico, obrigatória a

    sua instalação para deliberar sobre: a aprovação, rejeição, ou modificação do

    plano de recuperação judicial, desde que impugnado; pedido de desistência do

    devedor quanto ao requerimento da recuperação judicial, desde que já deferido

    seu processamento; escolha do gestor judicial, quando do afastamento do

    devedor da administração direta da empresa. Ou seja, obrigatória a deliberação

    de credores nos casos das alíneas “a”, “d”, e “e”. No que toca à competência

    de modificação expressa pela alínea “a”, interprete-se que a real função dos

    credores, neste caso, é apenas levantar propostas de modificação, não

    devendo impô-las de modo autônomo.

    Quanto à deliberação facultativa, naturalmente, verificar-se-á para

    decidir acerca: da constituição do Comitê de Credores (alínea “b”); ou no caso

    de qualquer outra matéria que possa afetar os interesses dos credores (alínea

    “f”).

    Infere-se, no caso desta última, que atribui-se à assembleia competência

    geral para deliberar sobre quaisquer temáticas que lhes sejam de interesse,

    28 BRASIL, Lei nº 11.101/2005, 9 de fevereiro de 2005. Disponível em: . Acesso em 30 de maio de 2018. 29 CAMPINHO, Sérgio. Op. cit., p. 89.

  • 27

    tratando-se de cláusula geral que objetiva assegurar a atuação dos credores

    sempre que for possível30. Porém, para esta situação, a LRE (art. 36, §2º)

    prevê a convocação judicial pelos credores cujo crédito seja de, ao menos,

    25% do valor total dos créditos de uma determinada classe.

    2.1.2 Composição e deliberação

    Para que se assegure proporcionalidade na deliberação da AGC, esta é

    dividida em classes, que terão prerrogativas distintas relativamente ao voto.

    São estas as seguintes: (I) titulares de créditos trabalhistas ou decorrentes de

    acidentes de trabalho; (II) titulares de crédito com garantia real; (III) titulares de

    créditos quirografários, com privilégio especial, geral ou subordinados; (IV)

    titulares de créditos referentes à microempresa31 ou empresa de pequeno

    porte.

    Os créditos trabalhistas, derivados tanto da legislação do trabalho como

    por acidente de trabalho, têm prioridade absoluta no concurso de credores,

    mas esse privilégio, com ressalva aos créditos por acidente, se limita a 150

    salários mínimos por credor na falência. Quanto ao excedente, portanto, aplica-

    se a categoria dos credores quirografários. No entanto, essa regra não

    encontra aplicação na assembleia geral, de modo que aos credores

    trabalhistas é assegurado o voto pelo total de seu crédito, não importando o

    valor. Já os titulares de créditos gravados de garantia real votam na proporção

    do valor do(s) bem(s) gravado(s), enquadrando-se também como quirografários

    no que se exceder32.

    A aprovação do plano de recuperação judicial, mesmo tendo em vista as

    peculiaridades do peso dos votos de cada classe, deverá ocorrer por todas as

    classes de credores, no entanto. De acordo com Campinho, “a votação terá um

    curso especial, sendo realizada dentro de cada classe em particular”33.

    30 TOMAZETTE, Marlon. Op. cit., p. 206. 31 Sérgio Campinho (op. cit., p. 93) esclarece que, neste caso, incluem-se os microempreendedores individuais (MEI), devido ao fato de que se incluem na categoria de microempresa. 32 FÁZZIO JR., Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresa. 2ª ed. São Paulo, Atlas, 2005, p. 171. 33 CAMPINHO, Sérgio. Loc. cit., p. 96.

  • 28

    Para os créditos quirografários, créditos com privilégio especial, créditos

    com privilégio geral ou subordinados, bem como os com garantia real, a

    aprovação depende de mais de 50% do valor total dos créditos em aberto,

    cumulativamente à maioria simples dos credores presentes. Isto é, deve-se

    observância a dois requisitos não alternativos.

    Em relação aos créditos trabalhistas, contudo, há mais uma prerrogativa,

    porquanto para a aprovação baste a maioria simples de credores presentes,

    sendo o voto por cabeça, independentemente do saldo em aberto. O mesmo

    método se observa quanto aos créditos enquadrados em microempresa e

    empresa de pequeno porte.

    Não obstante, a Lei 11.101/2005 prevê outra possibilidade de aprovação

    do plano a despeito do não preenchimento dos requisitos anteriormente

    tratados. Esta se dá em atenção ao princípio da recuperação judicial da

    empresa, e prevê a opção de o juiz deferir o plano de recuperação judicial de

    ofício, desde que atingidas as seguintes condições: (I) independentemente de

    classes, que haja o voto favorável dos credores que representem mais da

    metade dos créditos totais da assembleia; (II) aprovação do plano de

    recuperação por pelo menos duas das classes participantes da assembleia e,

    não havendo mais de duas, a aprovação de uma delas; (III) voto favorável de

    mais de um de um terço dos credores.

    Atendidas essas premissas, o §1º do art. 58, da LRE, enuncia que o

    magistrado deverá conceder a recuperação, não o fazendo somente se

    verificada ilegalidade no conteúdo do plano ou nos pressupostos de incidência

    da recuperação judicial34. No mesmo sentido, Joaquim Antônio Penalva Santos

    leciona que o juiz goza desta prerrogativa, e aponta:

    Manoel Justino Bezerra Filho (op. cit., p.113) adota o entendimento de que o juiz pode tomar decisões fundamentadas, contrárias às da assembleia-geral, ao constatar existência de prática de ato ilícito no curso da recuperação, obedecido o disposto no art. 165 do CPC e no inciso IX do art. 93 da Constituição Federal35.

    34 CAMPINHO, Sérgio. Op. cit., p. 97. 35 PENALVA, J. A. Santos. Recuperação Judicial de Empresas. 1ª ed. Rio de Janeiro, Espaço Jurídico, 2007, p. 72. Apud BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Nova Lei de Recuperação e Falências Comentada. 3ª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais. 2005.

  • 29

    Destaque-se, ainda, que para que a recuperação judicial seja deferida

    nestes moldes, o plano não deverá ensejar tratamento desigual para os

    credores das classes que o houverem rejeitado. Esta questão, no entanto,

    apresenta pontos muito controversos. Havendo polêmica também no que toca

    ao tratamento diferenciado entre credores de mesma classe, e mesmo quanto

    à possibilidade de o plano aprovado em assembleia geral sofrer alterações de

    ofício pelo juízo. Questões a serem melhor destrinchadas no próximo capítulo,

    tratando-se do mecanismo do Cram Down.

    2.2 Perfil administrativo da assembleia geral de credores

    O perfil administrativo da AGC associa-se à sua equidistância da esfera

    judicial, isto é, as decisões passam tão somente pelo crivo dos credores, em

    detrimento da atuação do magistrado responsável. Isto porque a recuperação

    judicial, tendo o condão de beneficiar a empresa em crise, não pode, para

    tanto, prejudicar em grandes proporções os seus credores. O objetivo é que o

    plano traga proveitos ao devedor, mas sem corroborar em prejuízos à

    coletividade. De conformidade com esta ideia, a Lei 11.101/2005 prima pelo

    princípio da autonomia da vontade dos credores, nos termos do art. 58:

    Art. 58. Cumpridas as exigências desta Lei, o juiz concederá a recuperação judicial do devedor cujo plano não tenha sofrido objeção de credor nos termos do art. 55 desta Lei ou tenha sido aprovado pela assembleia-geral de credores na forma do art. 45 desta Lei36.

    Observa-se, neste sentido, que não há faculdade do magistrado quanto

    à concessão do plano de recuperação judicial já aprovado pelos credores, de

    modo que a autonomia da vontade é tida como regra, sendo apenas

    circunstancialmente necessária a análise judicial. Não cabe ao magistrado, por

    exemplo, decidir sobre o percentual do aviltamento proposto pelo devedor, ou

    sobre os critérios de parcelamento da dívida, porque são os agentes de

    mercado os responsáveis por avaliar se a proposta da devedora tem o

    36 BRASIL, Lei nº 11.101/2005, 9 de fevereiro de 2005. Disponível em: . Acesso em 04 de junho de 2018.

  • 30

    potencial de conduzir a atividade à recuperação. Justamente por essa lógica,

    do caráter central da negociação entre credores e devedores, se fundamenta o

    princípio da Soberania da Decisão dos Credores em Assembleia.

    Pode-se antecipar que há um paradoxo jurídico com relação a esta

    interferência, mas, em termos gerais, diz-se que as deliberações da AGC têm

    sim este caráter soberano, não cabendo ao juiz, a princípio, ir contra a vontade

    dos credores. Isto é, uma vez aprovado o plano, não cumpre ao magistrado

    rejeitá-lo; ou, desaprovado, o juiz não pode (a princípio), decidir pela sua

    aprovação. Infere-se que, de acordo com essa concepção se incumbe ao

    julgador papel meramente homologatório37.

    Principalmente no que diz respeito ao conteúdo econômico financeiro do

    plano de recuperação judicial, o papel administrativo da assembleia se torna

    mais evidente, até mesmo porque “parece equivocado o fato de o judiciário

    interferir nas concessões ou acréscimos de juros e correções no plano de

    recuperação judicial, uma vez que não há melhor defensor dos interesses da

    recuperação que os próprios credores”38. Assim, toma-se por óbvio o fato de

    que o magistrado não tem capacitação técnica para intervir em questões de

    economia e finanças empresariais. Havendo um consenso entre as partes –

    credores e devedor –, desde que não fique expresso vício de vontade ou

    ilegalidade, não há fundamento que respalde a interferência judiciária no

    deferimento do plano.

    No mesmo sentido se firmou a Primeira Jornada de Direito Comercial,

    cujo enunciado de nº 46 aduz:

    46. Não compete ao juiz deixar de conceder a recuperação judicial ou de homologar a extrajudicial com fundamento na análise econômico-financeira do plano de recuperação aprovado pelos credores39.

    37 TOMAZETTE, Marlon. Soberania da Assembleia Geral de Credores. Direito Comercial, 2017. Disponível em: Acesso em 31 de maio de 2018. 38 FERREIRA, Erick; CONSTANTINI, Viccenzo. A Soberania da Assembleia Geral de Credores e o Controle de Legalidade. Jus Brasil, 2016. Disponível em: Acesso em 31 de maio de 2018. 39 I Jornada de Direito Comercial. Conselho da Justiça Federal. 2013. Disponível em: Acesso em 31 de maio de 2018.

  • 31

    Também, a jurisprudência dos Tribunais brasileiros já se firma neste

    sentido: de que o juiz não deva interferir nos aspectos negociais do plano de

    recuperação judicial. Mas, por outro lado, tem o poder-dever de controlar os

    aspectos legais. Mesmo o Superior Tribunal de Justiça, que em recente

    julgamento de Agravo em Recurso Especial (AREsp 1277075 SP

    2018/0064911-8) negou provimento ao recurso, tendo em vista que a decisão

    que trancou o seguimento do Recurso Especial atendia aos fundamentos

    anteriormente mencionados, não procedendo sua impugnação:

    AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.277.075 – SP (2018/0064911-8). RELATOR: MINISTRO MARCO AURÉLIO BELIZZE. AGRAVANTE: BANCO DO BRASIL S/A. AGRAVADO: ALIMENTOS WILSON LTDA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL; DTHOKI INVESTIMENTOS E PARTICIPAÇÕES S.A – EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. REPRESENTADOS POR: ELY DE OLIVEIRA FARIA – ADMINISTRADOR JUDICIAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. 1. IRRESIGNAÇÃO AO PLANO DE RECUPERAÇÃO APROVADO PELA ASSEMBLEIA DE CREDORES. REVISÃO DAS CONCLUSÕES ESTADUAIS. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. SUMULA 7/STJ. 2. AGRAVO CONHECIDO PARA NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. DECISÃO Trata-se de agravo interposto por Banco do Brasil S.A contra decisão que negou seguimento ao recurso especial, com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, desafiando acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo assim ementado (e-STJ, fl. 244): AGRAVO DE INSTRUMENTO RECUPERAÇÃO JUDICIAL insurgência contra decisão que, nos termos do art. 58, caput, e §1º da Lei 11.101/05, concedeu a recuperação judicial à agravada (...) Exercício do controle de legalidade do plano de recuperação judicial. Dever do magistrado, que se restringe ao controle de legalidade do plano de recuperação no que se refere ao repúdio à fraude e ao abuso de direito de Criação de subclasses. Ausência de ilegalidade no tratamento conferido a grupo de credores colaborativos/parceiros/fomentadores, que contribuem para o êxito da recuperação judicial. (...) Como sabido, o plano de recuperação judicial é destinado aos credores e a assembleia geral de credores é que possui soberania para sua aprovação. Conforme já expressou este E. Tribunal de Justiça, o Plano de Recuperação Judicial nada mais é do que uma transação realizada entre devedora e credores, com a novação da dívida original e a concessão de novos prazos para pagamento. (...) Não se olvide que nos termos do Enunciado nº 44 da I Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal, a homologação do plano de recuperação judicial aprovado pelos credores está sujeita ao controle judicial da legalidade (...) Nesse contexto, a revisão do julgado com o consequente acolhimento da pretensão recursal não prescindiria do reexame das circunstâncias fático probatórias da causa, o que não se admite em âmbito de recurso especial, ante o óbice da Sumula n. 7 deste Tribunal. Ademais, o tribunal de origem concluiu ser inviável a discussão judicial acerca do mérito do plano de recuperação devidamente aprovado em Assembleia soberana, como

  • 32

    ocorreu na espécie, ficando a cargo do Judiciário apenas o controle da legalidade do ato jurídico em seu aspecto formal. (...) (STJ – AREsp: 1277075 SP 2018/0064911-8, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELIZZE, Data da Publicação: DJ 01/06/2018)40.

    Vale dizer, ainda, que muito embora já tenha se pacificado o

    entendimento aqui abordado, na prática há sim muitos problemas de

    identificação dos limites entre legalidade e mérito. O juiz de Direito da 1ª Vara

    de Falências de São Paulo, Daniel Carnio, também membro da comissão de

    juristas do Ministério da Fazenda que elaborou o projeto da Lei 11.101/2005,

    propõe um critério prático para que ocorra o exercício do controle de legalidade

    do PRJ, no sentido de orientar a conduta dos envolvidos no processo

    recuperacional, devendo este se dar em quatro fases41:

    A primeira fase, mais evidente dentre as outras, trata-se de realizar o

    controle das cláusulas do plano, verificando, se mesmo aprovado em AGC, não

    há violação ao ordenamento jurídico ou à ordem pública. Um exemplo menos

    abstrato seria, por exemplo, com relação à cláusula que versa sobre haver

    convolação da recuperação em falência em caso de descumprimento da

    obrigação, mesmo com vencimento posterior aos dois anos de fiscalização

    legal. Por óbvio, este tipo de critério não compete aos credores, mas à Lei que

    o regulamenta.

    Já no que se refere à segunda fase, ocorre a verificação de defeitos no

    negócio jurídico proveniente da AGC. Este deve ser desprovido de vícios de

    consentimento ou vícios sociais, como dolo, erro, estado de perigo, lesão,

    coação, ou fraude contra credores, por exemplo. Neste sentido, o intuito é

    verificar se os credores estavam devidamente informados quanto ao conteúdo

    e objetivos do plano, e mesmo se o devedor não ficou em patamar de

    vulnerabilidade quanto à possíveis modificações propostas. Para tanto,

    40 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo em Recurso Especial: AREsp n. 1277075 SP 2018/0064911-8. Ministro Relator Marco Aurélio Belizze. Julgado em 01/06/2018. Jus Brasil, 2018. Disponível em: Acesso em 05 de junho de 2018. 41 CARNIO, Daniel. O Critério Tetrafásico de Controle Judicial do Plano de Recuperação Judicial. Brasil Jurídico, 2018. Disponível em: Acesso em 31 de maio de 2018.

  • 33

    importante que o magistrado esteja munido com informações pertinentes,

    fornecidas pelo AJ e credores em geral.

    A terceira fase do controle judicial do plano é mais sutil, referindo-se à

    investigação de que a decisão tomada pela maioria dos credores, quando se

    estender aos credores discordantes, não afeta a legalidade. Se a aplicação da

    cláusula aos dissidentes afetar a ordem pública, não pode ser eficaz. Neste

    caso, o juiz pode homologar a cláusula desde que o faça ressalvando

    expressamente a inaplicabilidade aos credores divergentes.

    Por fim, a quarta fase é relativa à análise da abusividade do voto do

    credor. Considera-se voto abusivo aquele que não é compatível com o

    exercício do direito. Assim, poderá ser considerado abusivo o voto do credor

    que for incompatível com a função social da recuperação judicial, critério tão

    valorizado neste âmbito.

    Por exemplo, se um credor se recusa a negociar, insistindo em receber 100% de seu crédito, ele age, em tese, de forma legítima e de acordo com a realização de seu interesse particular. Entretanto, se esse voto for decisivo para determinar o encerramento de atividade empresarial saudável, com o desaparecimento dos empregos, da renda, dos produtos, dos serviços e dos tributos, o juiz deverá desconsiderar esse voto, fazendo prevalecer o interesse social sobre o interesse particular de um credor específico42.

    Apesar disso, considerando que não é um viés consolidado e pacífico,

    infere-se que não se pode ser drástico em nenhum dos entendimentos.

    Tomazette afirma que não se deve atribuir ao magistrado um papel de mero

    homologador das manifestações dos credores. Assim como este não pode

    gozar da prerrogativa de interferir livremente na recuperação judicial, ignorando

    o crivo dos credores, justamente porque tal conduta afrontaria a ideia base de

    haver um consenso no âmbito da recuperação judicial43.

    Fato é que, de toda sorte, a Lei 11.101/2005 evidentemente ampliou a

    autonomia da assembleia de credores, atribuindo ao judiciário uma postura

    menos intervencionista em comparação ao Decreto-Lei 7.661/1945, em que a

    42 CARNIO, Daniel. Op. cit., acesso em 31 de maio de 2018. 43 TOMAZETTE, Marlon. Op. cit., acesso em 31 de maio de 2018.

  • 34

    concordata44 era tida como um favor legis, sendo as providências muito mais

    concentradas no judiciário.

    Então, haja vista a interpretação literal do art. 58 da LRE, infere-se que a

    atuação do juiz é limitada à concessão da recuperação judicial desde que

    cumpridas as exigências da norma. Sob essa ótica, a assembleia geral permite

    a novação do contrato entre empresa e credores, sendo esta última relação

    negocial de interesse precípuo dos detentores do direito patrimonial em

    discussão, assim como a análise das projeções de sucesso do plano e os

    graus de renúncia e tolerância – que têm base na transferência temporária do

    risco da atividade, já mencionada -, dependendo exclusivamente da

    ponderação dos credores45.

    2.3 Perfil prático da assembleia geral de credores

    2.3.1 Caso concreto: Considerações legais a partir do verificado na

    recuperação judicial do Grupo Oi, no Brasil

    Pode-se dizer que, dentre milhares de pedidos de recuperação judicial

    sob a tutela da Lei 11.101/2005, sem dúvida o mais representativo até o

    momento é o do Grupo Oi. A empresa, principal provedora de serviços de

    telecomunicações do Brasil, abrange quase todo o país, com exceção de São

    Paulo, tendo aproximadamente 60 milhões de clientes, que utilizam os mais

    diversos tipos de serviços prestados pela Companhia, como telefonia fixa e

    móvel, banda larga, TV por assinatura, etc.46

    Além disso, o grupo conta com cerca de 131,3 mil trabalhadores, em

    postos de trabalho diretos e indiretos, além de recolher cerca de 34 bilhões de

    44 Possibilidade de o empresário obter, em juízo, prorrogação de prazo para pagamento de créditos quirografários e sem garantia real. Tratava-se de um benefício em favor do devedor para que se formasse uma espécie de contrato monitorado pelo magistrado, visando a reabilitação do devedor em estado de insolvência. Foi extinta com a entrada em vigor do instituto da recuperação judicial. 45 OLIVEIRA, Luciana Lima. Juiz deve limitar-se à análise formal de plano de recuperação judicial. Consultor Jurídico, 2016. Disponível em: Acesso em 31 de maio de 2018. 46 OI S.A, em Recuperação Judicial. Perfil Corporativo. 2017. Disponível em: Acesso em 31 de maio de 2018.

  • 35

    reais em tributos aos cofres públicos, todo ano47. Como se vê, o número de

    pessoas físicas e jurídicas envolvidas nas relações trabalhistas e

    consumeristas do Grupo é expressivo, o que dá escopo (a julgar pela análise

    da relevância social da empresa) à viabilidade que justifica a conjunção de

    esforços e tutela judicial para manutenção da atividade.

    O grupo atribui a instabilidade da situação econômico-financeira à

    fatores como a retenção vultosa de recursos voltados aos depósitos judiciais,

    oriundos de lides trabalhistas, fiscais, e cíveis, que têm impacto imediato na

    liquidez da empresa; além de exorbitantes multas administrativas aplicadas

    particularmente pela ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações). Não

    obstante, o serviço de telefonia fixa não demonstrou progresso nos últimos

    anos, de modo que, para manter essa prestação, a Companhia tem realizado

    grandes investimentos em regiões remotas, cujo poder aquisitivo da população

    é baixo, o que não traz o retorno financeiro quando se contrasta com a

    exigência regulatória dos serviços de telecomunicações no país.

    Ademais, o perfil de mercado atendido pelas concessionárias de

    telefonia fixa, concorrentes do Grupo, se mostra mais homogêneo e de maior

    controle econômico. Conjunção de fatores tais que impossibilitaram o

    adimplemento de diversas obrigações do Grupo Oi, em especial as assumidas

    com fulcro em empréstimos financeiros e captação de recursos48, o que levou a

    Companhia a requerer sua recuperação judicial.

    Tendo o pedido sido protocolizado em 20 de junho de 2016, perante a 7ª

    Vara Empresarial do Rio de Janeiro, a recuperação judicial da Oi contempla

    sete empresas coligadas, incluindo a holding49 e subsidiárias, tornando-se a

    mais vultosa no Brasil, em todos os tempos.

    O valor da dívida foi avaliado em cerca de 65 bilhões de reais, referente

    à aproximadamente 55 mil credores. Resta claro, portanto, que uma

    recuperação judicial tão complexa está sob o radar dos especialistas, no

    47 OI S.A, em Recuperação judicial. Comunicados/Notícias. Ata da Assembleia Geral de Credores, 2017. Disponível em: Acesso em 31 de maio de 2018. 48 Ibid. Acesso em 05 de junho de 2018. 49 “Empresa-mãe”. Aquela que detém a porção majoritária de ações de outras empresas, subsidiárias, de modo a centralizar o controle sobre elas.

  • 36

    objetivo de observar a interpretação da norma, que certamente servirá de

    precedente para outros processamentos de recuperação judicial.

    Interessante, também, notar que o Grupo Oi prima pela publicidade do

    trâmite processual, tendo criado um site exclusivamente voltado para sua

    recuperação, onde é possível ter acesso à uma série de relatórios mensais

    progressivos, que visam fornecer tanto ao juízo, como aos possíveis

    interessados, informações pertinentes sobre as recuperandas e operações por

    elas efetuadas.

    A seguir, é possível verificar organograma publicado no relatório mensal

    do mês de janeiro deste ano, elaborado pelo Administrador Judicial, Escritório

    de Advocacia Arnoldo Wald, em conjunto com a RC Consultores,

    subcontratada pelo AJ para auxiliá-lo neste fim.

    Figura 1 - Recuperandas do Grupo Oi50

    Dentre os aspectos jurídicos da recuperação, pode-se destacar a

    confirmação de posicionamentos jurisprudenciais precedentes, como a

    50 OI S.A, em Recuperação Judicial. Relatório Mensal de Atividades (RMA) de Janeiro de 2018. Disponível em Acesso em 31 de maio de 2018

  • 37

    prorrogação do stay period, anteriormente abordado, tendo em vista que um

    processo de recuperação judicial deste vulto dificilmente obteria sucesso

    autorizando-se o prosseguimento das execuções após apenas 180 dias.

    De outro modo, no entanto, a 7ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro

    desconsiderou parecer da 4ª Turma do STJ, que definiu a contagem dos

    prazos processuais, no âmbito da recuperação judicial, em dias corridos e

    ininterruptos. O juízo responsável pelo processamento da recuperação judicial

    da Oi determinou, expressamente, que os prazos processuais, para este caso,

    deverão ser contados em dia úteis.

    Além disso, a recuperação judicial da Oi também exigiu o exame da

    jurisdição estrangeira, em especial porque, dentre as recuperandas, duas das

    empresas são voltadas para investimentos e captação de recursos, tendo sede

    na Holanda: PTIF e Oi Coop. Observando que as atividades produtivas do

    Grupo Oi ocorrem no Brasil, o magistrado deferiu o processamento da

    recuperação judicial das empresas holandesas no país, mas, na Corte de

    Justiça Holandesa, houve a decretação de sua falência51. Este entrave,

    todavia, parece já ter sido dirimido, haja vista a Oi ter noticiado recentemente

    que o PRJ também já foi aprovado pelos credores da PTIF e Oi Coop,

    informando aos acionistas e ao mercado em geral que a assembleia das

    recuperandas ocorreu em 1 de junho de 2018, no Tribunal de Amsterdã,

    definidos planos de composição regidos pela lei holandesa, cuja função é de

    dar eficácia ao PRJ brasileiro, internacionalmente.

    Os termos vigentes refletem materialmente os termos do Plano RJ, de modo a assegurar que todos os aspectos materiais do Plano RJ tenham efeito obrigatório para credores e partes interessadas, não apenas no Brasil, mas também em outros territórios, incluindo os Países Baixos e o Reino Unido52.

    51 PAES, Antônio. A recuperação judicial da Oi e sua influência nos próximos processos. Estadão, 2018. Disponível em: Acesso em 01 de junho de 2018. 52 OI S.A, em Recuperação Judicial. Comunicado ao Mercado, 2018. Disponível em: Acesso em 06 de junho de 2018.

  • 38

    Ora, também há que se falar primordialmente sobre o papel decisivo dos

    credores no cerne deste processo de recuperação. Inclusive, bastante

    evidenciado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, ao passo

    que o Desembargador Cezar Augusto Costa reconheceu o princípio da

    Soberania da Decisão dos Credores em Assembleia, dependendo a aprovação

    do PRJ da prévia concordância dos milhares de credores, propiciada pela

    medida de unificação de ativos e passivos das empresas em recuperação

    judicial, atenuando a capacidade decisória das recuperandas.

    Do mesmo modo, a recuperação judicial do Grupo Oi goza da

    especificidade de admitir novas versões do PRJ mesmo após o prazo legal (de

    60 dias, conforme artigo 53 da LRE, já abordado), o que demonstra mais uma

    mitigação da interpretação estrita da lei (que traz o termo “improrrogável” em

    seu texto), em função da soberania da decisão dos credores. A dilação do

    prazo se justifica porque, a primeira versão do plano foi protocolada em

    setembro de 2016, respeitando o prazo legal, mas a AGC veio a ocorrer

    somente em dezembro de 2017.

    Portanto, era de interesse das partes envolvidas no processo que o

    plano fosse atualizado de acordo com as evoluções das transações entre as

    empresas devedoras do Grupo Oi e os credores, isto é, em compasso com a

    situação econômico-financeira destes53. Ainda assim, foram necessárias mais

    de 15 horas de negociação para se chegar a um denominador comum, no dia

    20 de dezembro de 2017, definindo-se certos ajustes ao PRJ, como a redução

    da dívida, conversão de parte dos créditos em ações da Companhia e injeção

    obrigatória de capital para prosseguimento do plano.

    Parte do acordo firmado em assembleia trata-se do adimplemento inicial

    de parte dos credores, referentes à lista publicada pelo AJ em maio deste ano,

    cujo pagamento pode ser escolhido por meio de uma plataforma eletrônica

    especialmente criada para este fim54, diferindo bondholders55 e credores em

    geral. Neste sentido, observa-se que mais este passo do cumprimento do plano

    53 PAES, Antônio. Op. cit., acesso em 01 de junho de 2018. 54 A plataforma eletrônica para a escolha da opção de pagamento está disponível em: 55 Investidores que efetivamente possuem interesse econômico no resultado da reorganização judicial, detentores de títulos de longo prazo da empresa.

  • 39

    de recuperação judicial visa atender aos interesses dos credores, ideia análoga

    à soberania da AGC.

    Interessante observar, também, um incidente no processamento da

    recuperação judicial, particularizado pela rejeição a um procedimento arbitral

    iniciado pela acionista “Bratel” contra a Companhia, na Câmara de Arbitragem

    do Mercado, para tratar sobre questões relacionadas ao PRJ já homologado

    pelo juízo recuperacional.

    A provocação do juízo arbitral ocorreu sem que houvesse qualquer

    manifestação da Oi. Entendeu-se que a arbitragem, neste caso, criaria ilegais

    obstáculos a realização das medidas estipuladas no PRJ, bem como iria de

    encontro à deliberação soberana da Assembleia Geral de Credores, que já o

    havia aprovado. Erro grotesco, levando-se em conta que, nos termos do artigo

    59 da LRE, a homologação judicial das disposições do PRJ vinculam as

    recuperandas, acionistas, sócios, e demais credores concursais.

    Além disso, pode-se dizer que a provocação da arbitragem, neste caso,

    também afronta a decisão judicial que homologou o plano, e ignora a

    competência exclusiva da 7ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro56.

    Observa-se, neste sentido, clara primazia da AGC, solidificada no âmbito

    do processo, pelo que se infere do Relatório Mensal de Atividades publicado

    pela devedora.

    Mas, ressalte-se que, além das peculiaridades processuais, no seu

    campo de atuação, o Grupo Oi vem implementando programas de

    reestruturação interna, que juntamente à execução do PRJ, objetivam

    preservar e aumentar os seus ativos, compreendendo mais de 370 iniciativas

    que visam aumentar a competitividade da Companhia no mercado, com

    crescimento da produtividade, redução de custos e despesas, aumento da

    eficiência operacional e melhoria da qualidade dos serviços.

    Exemplo claro deste andamento se observa com a redução de 21,6% de

    reclamações ao Procon, em que pese ter se investido num aplicativo que

    funciona como um Técnico Virtual, fornecendo suporte técnico imediato e evita

    transtornos aos consumidores57. Como fornecedora de produtos serviços, as

    investidas em avanço na digitalização podem representar maior eficiência

    56 OI S.A, em Recuperação Judicial. Op. cit. (RMA), acesso em 31 de maio de 2018. 57 OI S.A, em Recuperação Judicial. Op. cit. (Ata AGC), acesso em 05 de junho de 2018.

  • 40

    operacional, em que pese reverter os gastos em depósitos judiciais, conforme

    se abordou, para medidas preventivas, que poupam tempo e recursos.

    De todo modo, a breve abordagem sobre o processamento da

    recuperação judicial do Grupo Oi, e as suas medidas práticas para possibilitar a

    recuperação, está aquém de esgotar o assunto.

    Mas, certamente, se conclui que no âmbito deste processo se promovem

    algumas inovações bastante representativas na interpretação legislativa, de

    modo a preencher as lacunas da Lei 11.101/2005, adequando o texto

    normativo ao seu propósito prático. Apenas com o desenrolar do processo,

    observando a atuação do juízo e dos credores, e quando das próximas

    recuperações judiciais, será possível verificar a abertura de efetivos

    precedentes que, até o momento, são apenas projeções.

  • 41

    CAPÍTULO III

    SOBRE O CRAM DOWN

    3.1 Breves considerações

    Em observância ao papel soberano da Assembleia Geral de Credores,

    abordada no capítulo anterior, viu-se que a concessão da recuperação judicial

    é condicionada à aprovação dos credores em deliberação. Assim, ausentes

    quaisquer objeções ao PRJ, uma vez aprovado (mesmo que com certas

    modificações propostas em assembleia), este fica sujeito apenas ao controle

    de legalidade formal pelo juízo, que se abstém de análise mais incisiva.

    No entanto, pode-se dizer que a práxis, bem como parte da doutrina e

    da jurisprudência, entendem que se pode aplicar a intervenção judicial para

    além do parâmetro da legalidade. Questão ainda não sedimentada na

    jurisdição brasileira, cuja análise será feita neste capítulo.

    A Lei 11.101/2005, no artigo 58, ora comentado, excepciona a

    concessão da recuperação judicial pelo juízo a despeito da rejeição pela

    Assembleia Geral de Credores. Trata-se de uma perspectiva oriunda do

    sistema falimentar norte-americano, melhor abordado a seguir, onde teve início

    o Cram Down.

    3.2 O sistema recuperacional norte-americano e o Cram Down

    Nos Estados Unidos, o primeiro diploma legal que de fato dispôs sobre a

    recuperação judicial de empresas surgiu em 1934, no contexto pós quebra da

    Bolsa de Valores de Nova York, em 1929, propondo-se a atenuar os efeitos da

    crise58.

    Mas, o sistema falimentar norte-americano só fora fundamentalmente

    disposto em meados de 1978, por meio do Bankruptcy Code59, cujo conteúdo

    prevê cinco espécies de procedimentos falimentares, dentre os quais se

    destaca o ordenamento relacionado ao processo de recuperação judicial,

    58 ULHOA, Fábio. Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. 9ª ed. São Paulo, Saraiva, 2013, p. 45. 59 Tradução literal: Código de Falências.

  • 42

    disposto no Chapter Eleven (capítulo 11), denominado Reorganization, mais

    semelhante à recuperação judicial brasileira, servindo-lhe de inspiração.

    Este código, segundo Fábio Ulhoa, tem origem na crise do setor

    ferroviário da segunda metade do século XIX, que gerou precauções no sentido

    de se propiciar a negociação entre os interessados. Diz o autor, também, que

    soluções como a conversão do crédito em ações da devedora, tornando os

    credores sócios, são oriundas destes modelos iniciais de planos de

    reorganização60. Inclusive, como se viu, a conversão do crédito inadimplido em

    ações do Grupo Oi foi justamente uma das escolhas trazidas no âmbito de

    negociação da recuperação judicial da Companhia.

    De qualquer forma, o procedimento do capítulo 11 pode se resumir em

    quatro principais fundamentos: (I) ampla possibilidade de transação entre

    credores e devedores; (II) divisão de classes e subdivisão de credores de

    interesses similares; (III) propensão em consentimento ao devedor, que requer

    oportunidade de resgate e manutenção da atividade, uma nova oportunidade –

    fresh start –; (IV) reconhecimento de amplos poderes jurisdicionais ao juiz,

    tendo em vista a tutela e legalidade do processo, mas, essencialmente, a

    possível determinação direta e obrigatória aos credores, a fim de que aceitem o

    PRJ apresentado pelo devedor61.

    No que diz respeito ao fresh start, cumpre destacar que se trata também

    de possibilitar que o empresário retorne mais facilmente à atividade

    empresarial, como