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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
DEPARTAMENTO DE ADMINISTRAÇÃO, CIÊNCIAS CONTABÉIS E
TURISMO
CURSO DE TURISMO
DEPARTAMENTO DE TURISMO
O TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA COMO ALTERNATIVA DE
DESENVOLVIMENTO LOCAL: O CASO DE CURUÇÁ – PARÁ.
LIANA SOUZA FREIRE
NITERÓI
2013
LIANA SOUZA FREIRE
O TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA COMO ALTERNATIVA DE
DESENVOLVIMENTO LOCAL: O CASO DE CURUÇÁ – PARÁ.
Trabalho de conclusão do curso apresentada ao curso de graduação em Turismo da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para a
obtenção do grau de Bacharel em Turismo.
Orientadora: Prof. Dra. Helena Catão H. Ferreira
NITERÓI
2013
F866 Freire, Liana Souza. O turismo de base comunitária como alternativa de desenvolvimento local: o caso de Curuçá - Pará./ Liana Souza Freire – Niterói: UFF, 2013. 112p. Monografia (Graduação em Turismo) Orientador: Helena Catão Henriques Ferreira, D.Sc. 1. Turismo 2. Comunidade 3. Desenvolvimento 4. Curuçá (PA) CDD. 338.4791
O TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA COMO ALTERNATIVA DE
DESENVOLVIMENTO LOCAL: O CASO DE CURUÇÁ – PARÁ.
por
LIANA SOUZA FREIRE
Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Turismo da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Turismo. Orientadora: Prof. Dra. Helena H. Ferreira
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________
Prof. Dra. Helena Catão H. Ferreira - orientadora
__________________________________________ Prof. Dr. Marcello de Barro Tomé Machado
Departamento de Turismo - UFF
__________________________________________ Prof. Dra. Teresa Cristina de Miranda Mendonça
Convidada - UFRRJ
Aprovada em: ________________________
Dedico este trabalho a Seu Cristóvão Cardoso, pescador vivido, guerreiro, eterno menino
e legítimo representante do homem amazônida e do povo
de Curuçá.
AGRADECIMENTOS
A construção deste trabalho me trouxe uma gratificação que vai além do
sentido de estar fechando mais um ciclo da minha vida, pois permitiu
descobertas a respeito do papel que quero cumprir nesse mundo que até antes
do processo de sua elaboração eu desconhecia.
Especialmente e, sobretudo, agradeço à minha orientadora Helena
Catão, não só por ter cumprido seu trabalho com tamanha dedicação e
cuidado, mas por ter cedido bibliografia que me deu maior consciência política
e me permitiu uma visão mais real e humana sobre a sociedade em que
vivemos. Também agradeço a todos os momentos em que ultrapassou seu
papel de professora, se disponibilizando sempre a ouvir todas as minhas
aflições e me transmitindo serenidade e paciência. São infinitos os motivos
para sentir gratidão, mas não posso esquecer um em especial: sua
responsabilidade em ter me feito descobrir a importância e a beleza da
aproximação com o objeto de estudo. Impossível traduzir em palavras o quanto
amadureci e aprendi com essa experiência.
À minha família, agradeço pelo amor que me dedicaram ao longo de
todos esses anos, sem o qual não seria possível concluir este estudo. À minha
mãe, em especial, por me dar força, pelo interesse em ajudar, por acreditar em
mim e sonhar junto comigo sobre o meu futuro. Tudo o que sou, tudo que
construí e conquistei, devo a eles.
Impossível mencionar todos os amigos que me ajudaram direta e
indiretamente a concluir este trabalho. Porém, alguns nomes não podem de
nenhuma maneira, deixar de ser lembrados: Thaís Corrêa, Ana Carolina Gram,
Mayara Oliveira, Rafael Diaz, Thais Poubel, Thaís Cardoso, Amanda Coutinho,
Lorena Ramos, Marcelo Nunes, Caroline Castro, Ednez Gomes... Pelas
discussões sobre o tema, pelas sugestões, pelos que me acompanharam em
alguma das idas a campo, pelas correções, pelas ajudas nas pesquisas, pelo
auxílio na elaboração dos quadros, pelos livros emprestados e, acima de tudo,
por serem meus amigos, obrigada.
Por último, agradeço a todos os curuçaenses que concederam um pouco
do seu tempo para a realização das entrevistas, que foram fundamentais para
a construção deste trabalho. Em especial, dedico minha gratidão a Charles
Cardoso e sua família, por terem me acolhido todas as vezes que fui ao
município, me ajudando com a pesquisa e me apresentando às infinitas e
inesquecíveis belezas de Curuçá.
Nada está totalmente organizado em compêndios na cultura amazônica. É preciso errar pelos rios, tatear pelo escuro das noites nas florestas, (...),
vagar pelas ruas das cidades ribeirinhas, enfim, procurar na vertigem de um momento que se evapora em banalidades,
a rara experiência do numinoso. (...) Flanar pela cultura amazônica, deter-se aqui e ali, recorrer ao passado, reenviar-se ao presente (...)
Um mundo em que os deuses ainda não estão ausentes, as pessoas são capazes de prodígios diante da natureza e da vida.
Um mundo no qual as significações não desapareceram (...) Enfim, uma vida cultural em que o “ainda” é uma palavra chave,
seja de pesar, seja de esperança. Paes Loureiro
RESUMO Como as outras atividades inseridas no sistema capitalista, o turismo,
quando voltado apenas aos benefícios econômicos, tem se apresentado como gerador de desequilíbrio ambiental, injustiça e exclusão social. Por esta razão, começam a surgir esforços para buscar caminhos alternativos que causem menos impactos negativos à natureza e às comunidades locais dos destinos visitados. Assim, o turismo de base comunitária nasce como instrumento de desenvolvimento local que preocupa-se em incluir os nativos nos processos de planejamento e execução da atividade, associando-se às suas dimensões culturais e ambientais. Graças a estas características, este modelo vem sendo adotado na região amazônica como subsídio para ajudar as comunidades “tradicionais” que habitam áreas com alto potencial ecológico a preservar sua natureza e melhorar suas condições de vida. O município de Curuçá foi escolhido para esta pesquisa por abrigar um projeto de ecoturismo de base comunitária financiado pelo Ministério do Turismo. O presente trabalho objetivou verificar na prática como ocorre esta experiência, analisar se mudou as condições de vida das pessoas envolvidas com a atividade, e em caso positivo, de que maneira; mostrar como ocorria os passeios e quais as principais dificuldades encontradas para implementação do turismo no município. Foram utilizadas como ferramenta metodológica as entrevistas em profundidade (auxiliadas pela observação direta) com gestores municipais do turismo; funcionários da Organização Não Governamental (ONG) Instituto Peabiru, responsável por dar assistência técnica à comunidade; e nativos de Curuçá.
Palavras-chaves: Turismo de base comunitária. Turismo. Desenvolvimento. Desenvolvimento local. Curuçá. Comunidade.
RESÚMEN Así como otras actividades inseridas en el sistema capitalista, el turismo,
cuando se vuelta a penas a los beneficios económicos, presenta-se como generador de desequilibrio ambiental, injusticia y exclusión social. Por esta razón, empiezan a surgir esfuerzos que buscan caminos alternativos que generen impactos negativos más pequeños a la naturaleza y a las comunidades locales de los destinos visitados. Así, el turismo de base comunitaria nace como instrumento de desarrollo local preocupándose en incluir los nativos en los procesos de planificación y ejecución de la actividad, asociándose a sus dimensiones culturales y ambientales. Gracias a estas características, esto modelo está siendo adoptado en la región amazónica como subsidio para ayudar a las comunidades “tradicionales” que viven en áreas con alto potencial ecológico, a preservar su naturaleza y mejorar sus condiciones de vida. El municipio de Curuçá fue elegido para esta pesquisa por tener un proyecto de ecoturismo de base comunitaria que es financiado por el Ministerio de Turismo. El presente trabajo objetivou verificar en práctica como ocurre esta experiência, analizar si cambió las condiciones de vida de las personas envueltas con la actividad y, en caso positivo, de cual manera; y cuales las principales dificultades para la implementación del turismo en el municipio. Fueron utilizadas como herramienta metodológica, entrevistas en profundidad (auxiliadas por la observación directa) con gestores municipales del turismo; funcionarios de la Organización No Gubernamental (ONG) Instituto Peabiru, responsable pela asistencia técnica a la comunidad; y los nativos de Curuçá. Palavras-clave: Turismo de base comunitaria. Turismo. Desarollo. Desarollo local. Curuçá. Comunidad.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Mapa 1 Amazônia Legal 20
Mapa 2 Curuçá e seus municípios vizinhos 23
Mapa 3 Curuçá e suas comunidades. 24
Mapa 4 Distância entre Belém e Curuçá. 25
Quadro 5 Patrimônios naturais mais expressivos de Curuçá 27
Mapa 6 Resex Marinha Mãe Grande de Curuçá 33
Quadro 7 Deficiência da oferta de turismo comunitário 63
Mapa 8 Pará e seus polos turísticos 65
Quadro 9 Etapas do projeto de TBC de Curuçá 73
Mapa 10 Localização de Recreio, Pedras Grandes e Muriá 76
Mapa 11 Mapa com a localização da Praia da Romana 76
Quadro 12 Características dos membros do Instituto Tapiaim 83
Quadro 13 Estima de benefícios financeiros para o Instituto Tapiaim 84
LISTA DE SIGLAS
ASMELC Associação de Meliponicultores de Curuçá
AUREMAG Associação dos Usuários da Reserva Extrativista Mãe Grande de Curuçá
CCR Conselho Deliberativo da Reserva Extrativista Mãe Grande de Curuçá
COOPRENA Consórcio Operativo de Rede Ecoturística Nacional
ENTBL Encontro Nacional de Turismo de Base Local
IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMBIO Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
IDH Índice de Desenvolvimento Humano
IEB Instituto de Ecoturismo do Brasil
IVT Instituto Virtual do Turismo
Mtur Ministério do Turismo
ONU Organização das Nações Unidas
PARATUR Órgão Oficial de Turismo do Pará
PIB Produto Interno Bruto
PEPTCE Federação Plurinacional de Turismo de Base Comunitária
PNDU Programa das Nações Unidas para Desenvolvimento
PRODETUR-NE Programa de Ação para Desenvolvimento do Turismo no Nordeste Brasileiro
PROECOTUR Programa para o Desenvolvimento do Turismo na Amazônia Legal.
RESEX Reserva Extrativista
RESEX MGC Reserva Extrativista Marinha Mãe Grande de Curuçá
TBC Turismo de Base Comunitária
TRC Turismo Rural Comunitário
SNUC Sistema Nacional de Unidades de Conservação
SUDAM Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia
UCs Unidades de Conservação
UFPA Universidade Federal do Pará
WWF Wourld Wild Found
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 13
1 CURUÇÁ: TERRA DOS MANGUES E IGARAPÉS 18
1.1 A CRIAÇÃO DAS RESERVAS EXTRATIVISTAS NA AMAZÔNIA
18
1.2 O MUNICÍPIO DE CURUÇÁ 23
1.2.1 Aspectos geográficos e culturais 26
1.2.2 Aspectos socioeconômicos e ambientais 29
1.2.3 A Reserva Extrativista Mãe Grande de Curuçá 32
2 DESENVOLVIMENTO ALTERNATIVO, TURISMO ALTERNATIVO
37
2.1 UMA REFLEXÃO SOBRE DESENVOLVIMENTO: DO PARADIGMA PREDOMINANTE AO LOCAL
37
2.1.2 Sobre o desenvolvimento predominante 38
2.1.3 Sobre o desenvolvimento local 41
2.2 O TURISMO COMO ALTERNATIVA DE DESENVOLVIMENTO LOCAL
46
2.3 O TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA 50
2.3.1 O surgimento do Turismo de Base Comunitária 50
2.3.2 Refletindo sobre a sua diversidade de conceitos 52
2.3.3 A nova relação entre visitante e visitado 57
2.3.4 Obstáculos para desenvolver o turismo em comunidades 60
3 O CASO DE CURUÇÁ 64
3.1 O TURISMO NO PARÁ
64
3.2 O TURISMO NA AMAZÔNIA ATLÂNTICA E EM CURUÇÁ 67
3.3 O TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA DE CURUÇÁ 70
3.3.1 Os primeiros passos 70
3.3.2 Sobre os passeios e as comunidades visitadas 74
3.3.3 As pedras no caminho 81
3.3.4 Os aprendizados e os novos caminhos 92
CONSIDERAÇÕES FINAIS 101
APÊNDICES 107
ANEXOS 111
13
INTRODUÇÃO O turismo contemporâneo apresenta-se como uma atividade
socioeconômica capaz de gerar divisas, oportunidades de trabalho e trazer
mais visibilidade para determinadas regiões. Na prática, contudo, estas
possibilidades nem sempre são alcançadas. Em muitos locais, o turismo se
desenvolveu de forma desenfreada, atentando principalmente aos benefícios
econômicos e acarretando desequilíbrios ambientais e injustiças sociais.
Por esta razão, começam a surgir esforços para buscar caminhos
alternativos que gerem menos impactos à natureza e às comunidades locais.
Assim, o Turismo de Base Comunitária (TBC) nasce como uma resposta que
se complementa e contrapõe ao principal modelo vigente: o denominado
“turismo de massa”. Diferencia-se dele, porque se baseia no desenvolvimento
local e na experiência entre turistas e anfitriões, e faz das comunidades
visitadas, as protagonistas reais da atividade, além de se preocupar em impor
limites ambientais ao seu desenvolvimento.
Os estudos sobre TBC defendem a ideia de que aliar a realidade de
determinada região a este tipo de turismo constitui uma maneira sustentável de
incitar o desenvolvimento local, podendo servir de subsídio para a mudança
das condições de vida de uma grande parcela da sociedade que tem sido
excluída ao longo dos anos dos benefícios gerados pela atividade. Neste
sentido, o turismo, quando bem intencionado e planejado, poderia promover a
diminuição de desigualdades e injustiças sociais.
A Amazônia, historicamente, não vem ocupando as preocupações
centrais do Estado, que muitas vezes posiciona-se de forma indiferente e
omissa em relação ao seu ambiente e a sua população. Assim, a região vem
enfrentando uma diversidade de problemas sociais causados pela falta de
acesso e conhecimento aos direitos básicos, pela má distribuição de renda,
pelo baixo acesso à educação e aos serviços públicos, pela subserviência aos
ditames dos interesses globais, que trazem índices recordistas de queimadas e
desmatamento, doenças (malária, dengue, desnutrição), violência, prostituição,
baixos salários e desemprego (MEIRELLES, 2006).
Diante deste cenário em que mudanças sucedem de maneira muito
rápida e com dimensões inesperadas, causando sérios desequilíbrios
14
ambientais, disparidades e conflitos sociais, é notória a necessidade de
substituir modelos e criar atividades sustentáveis para ajudar a garantir os
direitos básicos aos cidadãos da Amazônia, além de assegurar que suas
florestas, com sua rica biodiversidade, sejam preservadas (MEIRELLES, 2006).
Com base nesses dados, não é de se estranhar que apesar de inúmeras
comunidades amazônicas habitarem localidades com potencial para as práticas
turísticas, continuam à margem dos processos e práticas do setor. E mesmo
que a região seja considerada como exuberante e exótica, são poucos os que
se dispõem a deslocar-se para visitar o local, seja pela falta de informações e
divulgação, seja pela escassez de infraestrutura turística (TAVARES, 2009).
O turismo de base comunitária foi uma alternativa econômica
considerada sustentável encontrada por alguns setores do movimento
ambientalista para se desenvolver nos territórios protegidos da Amazônia, já
que se trata de uma atividade diferenciada, de baixo impacto ambiental, e
assim sendo, uma possível ferramenta de geração de renda associada à
proteção da natureza e cultura local (SANSOLO, 2009).
Atualmente, já existem diversos programas deste tipo de turismo sendo
praticados na região com intuito principal de ajudar as comunidades
“tradicionais” que habitam áreas com alto potencial de ecoturismo a preservar
seu meio ambiente e melhorar suas condições de vida.
Por ter morado dezesseis anos no Pará e me interessado pela filosofia
do turismo de base comunitária, resolvi investigar o que estava sendo
desenvolvido no estado relacionado ao assunto. Assim, por meio da leitura do
livro “Turismo de base comunitária: uma diversidade de olhares e experiências
brasileiras”, descobri que o Ministério do Turismo (Mtur) havia lançando um
edital para financiamento de projetos e que dentre as cinquenta selecionadas
pelo Ministério, cinco eram de localidades da Região. No Pará, três destinos
foram contemplados: Vila do Pesqueiro na Ilha do Marajó, Santarém e Curuçá.
Em abril de 2004, a Rede Globo apresentou um vídeo no programa
“Ação”, que mostrava o ecoturismo de base comunitária que estava
acontecendo na cidade de Curuçá. Ao ver as belezas naturais locais e a
maneira como estava aparentemente bem organizado o projeto, o meu
interesse em estudar o lugar aumentou. Além disso, em razão da proximidade
com a capital Belém e da facilidade de deslocamento em comparação com
15
outros destinos, e ainda por possuir uma reserva extrativista de mangue, palco
dos diversos conflitos comuns a outras localidades da região amazônica, o
município de Curuçá me pareceu ideal para a pesquisa de campo.
Dessa forma, enfocar este objeto de estudo foi uma maneira encontrada
de compreender melhor a região e de olhar sob o ponto de vista da teoria para
a realidade amazônica, além de entender como funciona o turismo de base
comunitária, já que estava sendo desenvolvido na região um projeto de
ecoturismo de base comunitária desde 2007, organizado por membros da
comunidade local, com auxílio técnico do Instituo Peabiru, uma ONG que
objetiva incentivar o ecoturismo e a educação ambiental na região amazônica.
Além disso, o fato de abordar um assunto contemporâneo, sobre o qual
ainda há carência de estudos, pode contribuir com a reflexão acadêmica,
relacionando a atividade às dimensões econômica, social, cultural e ambiental
de uma região com sérias carências em relação ao resto do país. Ademais, a
pesquisa de campo em Curuçá acarretou análises que podem ajudar a
fomentar este tipo de turismo na cidade, trazendo sugestões de acordo com as
percepções alcançadas por meio do estudo.
Assim, no início do mês de julho de 2012, fui a campo pela primeira vez
para conhecer um pouco do que estava sendo desenvolvido de turismo de
base comunitária na cidade. Logo de início, a hospedagem tornou-se um
entrave, pois ao averiguar os hotéis da região, percebi que as opções não só
eram escassas, mas caras para o baixo padrão oferecido. Porém, na segunda
quinzena de julho, o Instituto Peabiru concedeu a sua sede, facilitando meu
tempo de permanência na cidade, totalizando um período de oito dias.
Passada a primeira etapa, ao retornar a cidade de Niterói e começar a
escrever o trabalho, averiguei a necessidade de complementação das
informações obtidas em campo. Entretanto, surgiram dificuldades ocasionadas
pela distância, pois além dos entrevistados não responderem os meus e-mails,
o serviço telefônico municipal não era eficiente. Por isso, resolvi retornar a
campo no mês de janeiro de 2013. Desta vez, um dos pescadores locais,
Charles Cardoso, conseguiu que eu me hospedasse na casa de uma amiga
curuçaense, Noemi Cunha, que gentilmente me cedeu um dos quartos de sua
casa durante uma semana. Deste modo, o período da pesquisa de campo
totalizou quinze dias.
16
O trabalho teve uma abordagem qualitativa, em que foram utilizadas
ferramentas da etnografia, como as entrevistas em profundidade e a
observação direta. Na etnografia, a representatividade numérica não é
relevante, o mais importante é o aprofundamento da compreensão de um
grupo social (ou organização, instituição, trajetória...). O mergulho no universo
estudado permite um aprendizado intenso do conteúdo em questão
(GOLDENBERG, 2003). Da Matta (1981) ressalta a importância de o estudioso
ter contato direto com os seus pesquisados, obrigando-o a entrar num
processo profundamente relativizador de todo o conjunto de modos de vida,
crenças e valores do grupo social em foco.
Para a realização da pesquisa de campo foram entrevistadas quinze
pessoas, das quais, duas eram funcionários do Instituto Peabiru responsáveis
por auxiliar a comunidade na organização da atividade turística, dois
funcionários da Secretaria de Turismo do município, quatro locais que
trabalhavam com o turismo de base comunitária, cinco moradores do município
e dois moradores locais da comunidade do Candeua, onde está sendo
organizado um novo projeto de turismo de base comunitária com auxílio da
prefeitura local em parceria com o Peabiru. A maior parte das entrevistas foi
gravada em vídeo, à exceção das cinco pessoas que não quiseram ser
filmadas. Durante o trabalho, algumas identidades foram omitidas, a pedido dos
entrevistados.
Inicialmente, os objetivos da pesquisa eram: descobrir como ocorria o
turismo de base comunitária na prática, analisar se a atividade havia mudado
as condições de vida dos moradores locais, e em caso positivo, de que
maneira; mostrar como eram organizados os passeios e, por fim, discutir como
acontecia a interação entre turistas e anfitriões, já que um dos diferenciais
deste tipo de turismo é a proximidade entre visitantes e visitados. Porém, ao
chegar a campo, percebi que a realidade estava bastante distante do esperado,
pois o destino não possui ainda uma demanda efetiva e o Instituto Tapiaim1
está inativo.
Deste modo, como o Instituto não estava mais operando os passeios
regularmente, não foi possível fazer a análise da experiência relacional entre
1 Instituição formada por nativos, responsável por promover o ecoturismo de base comunitária
no município de Curuçá.
17
nativos e turistas, fazendo com que um dos objetivos fosse alterado. Assim,
optei por manter apenas os três primeiros objetivos citados no parágrafo acima,
porém adicionei outro objetivo: discutir sobre as dificuldades encontradas para
se implementar a atividade turística em comunidades, pois foi a questão que
mais se destacou na minha ida a campo.
Além das entrevistas feitas no município de Curuçá, utilizei pesquisas
bibliográficas que serviram para contextualizar e conceituar o turismo de base
comunitária dentro do debate teórico existente, além de confrontar estas ideias
com as entrevistas, de modo que o embasamento teórico pudesse auxiliar na
compreensão do meu universo empírico. É importante destacar que usei como
fontes de consulta as teses de Neleman (2010) e Queiroz (2011), uma vez que
foram escritas quando o Instituto ainda estava ativo, servindo como
complemento para descrição dos roteiros que eram operados pelos
comunitários e para obtenção de dados dos membros que compunham a
instituição.
O presente trabalho se estrutura em três capítulos. O primeiro capítulo
aborda a caracterização e contextualização da área de estudo. Primeiramente
discute a criação das reservas extrativistas na Amazônia. Em seguida, são
enfocados os aspectos geográficos, culturais, socioeconômicos e ambientais
do município, para no fim refletir sobre a criação da Reserva Extrativista Mãe
Grande de Curuçá.
No Capítulo 2, faço uma reflexão sobre o caminho da criação de novos
padrões de desenvolvimento, em resposta ao atual modelo vigente.
Posteriormente, são debatidos os motivos pelos quais o turismo de massa está
entrando em decadência e de que maneira a atividade turística pode servir
como ferramenta de desenvolvimento local. Por último, faço uma discussão
sobre a variedade de conceitos do turismo de base comunitária e sobre a
concepção de que é possível mudar a relação entre nativos e turistas, e suas
dificuldades e deficiências.
No Capítulo 3, descrevo o turismo do estado do Pará, de Curuçá e do
polo turístico em que o município está inserido. Por fim, apresento como foi
percebido por meio da pesquisa de campo o turismo de base comunitária da
cidade, mostrando seu surgimento, como eram operados os passeios, as
18
dificuldades no processo de sua construção, os seus benefícios, e os caminhos
encontrados pelos comunitários para dar prosseguimento à atividade.
19
1 CURUÇÁ: TERRA DOS MANGUES E IGARAPÉS2 Este capítulo visa informar o leitor sobre a localidade da pesquisa.
Primeiramente, fala-se da criação das reservas extrativistas na Amazônia, visto
que a área de estudo possui uma reserva extrativista, o que influencia
cotidianamente a vida de sua população. Posteriormente, são abordados seus
aspectos socioeconômicos, ambientais e culturais e por fim, a criação da
Reserva Extrativista Marinha Mãe Grande de Curuçá (RESEX MGC), bem
como suas implicações para o meio ambiente e a sociedade locais. A escolha
de não delimitar uma área específica dentro do município, justifica-se em razão
de que o turismo de base comunitária tratado neste trabalho envolve membros
de diversas comunidades espalhadas por sua grande extensão territorial. E,
também, porque independente da comunidade que vivem e de suas diferenças,
todos se consideram “filhos de Curuçá”.
1.1 A CRIAÇÃO DAS RESERVAS EXTRATIVISTAS NA AMAZÔNIA
A Amazônia Continental3 ocupa 50% da superfície da América do Sul.
Estima-se que a região corresponda a mais de 90% das florestas tropicais da
América Latina, equivalendo a mais da metade do que resta desse
ecossistema no planeta, cerca de 6,5 milhões de km2. Em 5% da sua superfície
terrestre, detém mais de um terço da biodiversidade global. Sua hidrografia é a
maior do planeta, concentrando cerca de 15% das águas doces em forma
líquida superficiais da Terra. Em termos demográficos, a Amazônia Legal4
2 Igarapé é um termo amazônico que vem do nheengatu, língua originária do tupi-guarani. Na
língua tupi, significa “caminho de canoa”. São “braços estreitos de rios pequenos, médios ou grandes, onde a maioria possui águas escuras e navegáveis por pequenas embarcações, caracterizados por pouca profundidade e por correrem no interior das matas que os recobrem como túneis vegetais.” Disponível em: <www.colegioweb.com.br/geografia/a-bacia-amazonica.html> e <ademirhelenorocha.blogspot.com.br/2010/03/ilhas-rios-igarapes-furos-de.html>. 3 A Amazônia Continental abrange os países que possuem o domínio ecológico amazônico,
com 3,64 milhões de km2, representando 5% de terra firme do globo e abrangendo o território
de 8 países: Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana Francesa, Peru, Suriname, Venezuela e Brasil. (MEIRELLES, 2006) 4 Conceito criado pela Constituição Federal do Brasil que abrange além dos sete Estados da
Região Norte (Acre, Roraima, Rondônia, Amazonas, Pará, Amapá), parte do norte do Estado do Mato Grosso e parte do oeste do Estado do Maranhão, totalizando uma área que representa cerca de 60% do território brasileiro. (MEIRELLES, 2006)
20
(Mapa 1) possui uma das menores populações do mundo (24 milhões), onde
10% são considerados “tradicionais” – índios, quilombolas e caboclos; estes
últimos divididos em ribeirinhos, seringueiros, pescadores artesanais,
quebradeiras de coco, pequenos agricultores, etc; além de mais de 220 mil
índios de 180 Nações (MEIRELLES, 2006).
Mapa 1: Amazônia Legal. Fonte: Imazon
5, 2012.
Na década 1940 e 1950, com a instalação da Superintendência de
Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), o governo federal elaborou uma
proposta para desenvolver a região, formando “uma nova região dentro da
região amazônica” (TAVARES, 2009, p. 251). Essa proposta, todavia,
supervalorizava o viés econômico, no sentido de planejar o desenvolvimento
apenas por meio de construção de infraestrutura e instalação de indústrias.
Promoveu-se, assim, “a criação de rodovias, o estímulo à emigração, a
liberação de incentivos fiscais e a instalação de grandes projetos agrícolas,
minerais e hidroelétricos que interligaram a região ao centro-sul e ao capital
multinacional” (TAVARES, 2009, p. 251).
Segundo Tavares (2009):
5 Disponível em: <http://www.imazon.org.br/mapas/amazonia-legal/image_view_fullscreen>.
Acesso em: 25 jul. 2012.
21
Essa intervenção estatal na região provocou uma nova dinâmica sócio-espacial. A região-planejamento ao se sobrepor à região natural promoveu um processo dinâmico e contraditório no contexto da relação sociedade natureza; a natureza já não se apresentava intocável e nem em equilíbrio perfeito com o homem e o homem não se encontrava em equilíbrio perfeito com os outros homens. (p. 251)
Dessa forma, houve uma justaposição da degradação da natureza que
trouxe desigualdades sociais, além de territorialidades diferenciadas e
contraditórias no espaço amazônico (TAVARES, 2010). A antiga unidade
regional, voltada para natureza, tornou-se obsoleta com a dinâmica dos
processos de apropriação que passaram a ocorrer na Amazônia (TAVARES,
2010).
Por isso, facilita-se a compreensão de que ainda que abrigue a maior
biodiversidade, metade das espécies terrestres do planeta e populações
tradicionais com uma imensurável herança cultural, a região enfrenta diversos
problemas ambientais e sociais, que incluem baixa escolaridade, carência de
infraestrutura básica, má distribuição de renda, conflitos de terra, além de um
legado de campeão mundial em queimadas e desmatamentos6 (MEIRELLES,
2006).
Neste sentido, importantes iniciativas entram em curso, na busca de
alternativas para a superação dos problemas identificados na região. Em 2000,
o governo brasileiro trouxe uma proposta de ampliar o Sistema Nacional de
Unidades de Conservação - SNUC (Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000) - na
Amazônia. E dentro dessa proposta, um novo conceito de área protegida: as
Reservas Extrativistas (RESEX), originárias do movimento seringueiro7 – na
busca da superação pelos conflitos de posse de terra – e concebidas sob a
6 Em menos de meio século a Amazônia brasileira perdeu próximo a 17% de sua cobertura
vegetal. Esta área equivale a 70 milhões de hectares, correspondendo a uma superfície igual à soma das áreas dos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo. (MEIRELLES, 2006) 7Na década de 80, diante de um modelo de desenvolvimento predatório e concentrador de
riquezas adotado pelo Estado brasileiro que ameaçavam os territórios tradicionais das comunidades que viviam no entorno das florestas, a Reserva Extrativista origina-se como crítica aos desmatamentos crescentes ocorridos na Amazônia que transformaram imensas áreas de florestas, ricas em biodiversidade, em campos de pastagens. As reivindicações do Movimento Seringueiro objetivavam o fim da colonização nas áreas dos seringais e a concessão destas áreas às populações locais, para que pudesse ser mantida a atividade
extrativista, a exemplo do que já acontecia nas terras indígenas (NELEMAN, 2010; MORAES, 2009).
22
lógica de integração entre a sociedade e a natureza (MEIRELLES, 2006;
MORAES, 2009).
Segundo Chaves (2010, p. 45):
Esses movimentos originaram-se da parceria de populações locais em defesa dos recursos naturais fundamentais para a sua sobrevivência, proliferação de organizações não governamentais que atuam na luta pelo meio ambiente e que agora, sob uma outra concepção buscava proteger os meios de vida e cultura de populações envolvidas.
O SNUC divide as categorias de Unidades de Conservação (UCs) em
dois grandes grupos: proteção integral e de uso sustentável. As reservas
extrativistas estão dentro do segundo grupo e são menos restritivas, admitindo
a presença do homem e a realização de suas atividades extrativistas, desde
que seja de forma sustentável. (MEIRELLES, 2006; MORAES, 2009).
Segundo o SNUC este tipo de unidade de conservação é utilizado pelas
populações tradicionais que habitam essas áreas, cujo sustento baseia-se no
próprio extrativismo, na agricultura e na criação de animais de pequeno porte, e
tem como objetivos básicos proteger os seus meios de vida e a sua cultura,
além de assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade. Para
Moraes (2009), este modelo vem sendo defendido por vários segmentos da
sociedade civil organizada, como uma das alternativas para o desenvolvimento
social, econômico, cultural e ecológico da Amazônia.
No entanto, embora tenha surgido na tentativa de solucionar problemas
das comunidades que vivem no entorno dessas áreas, muitas críticas são
feitas a respeito do modelo RESEX. Primeiro, porque a questão da
manutenção do extrativismo está diretamente vinculada ao tradicionalismo, que
para Allegretti (1994 apud Souza, 2010) carrega o peso do “convencional” e
não permite alternativas econômicas e sociais que contemplem a
especificidade destes grupos sociais. Dentro dessa perspectiva, a ideia de
conservação do extrativismo poderia tirar a liberdade dessas comunidades de
escolher novos caminhos para se desenvolver e melhorar suas qualidades de
vida.
Além disso, o processo de implementação de uma RESEX depende de
organização social e política e deve estar associado a garantias de implantação
23
de serviços básicos e essenciais, ainda precários em grande parte das áreas
amazônicas, como saúde e educação básica. Por fim, nota-se que ainda são
limitados os financiamentos que apoiem cadeias produtivas extrativistas.
(CNPT, 2006; ALLEGRETTI, 1987 apud MORAES, 2009).
1.2 O MUNICÍPIO DE CURUÇÁ
Curuçá possui uma extensão territorial de 673,30km2 e pertence à
mesorregião do nordeste paraense e a microrregião do Salgado. Ao norte,
limita-se com o Oceano Atlântico, a leste com o Município de Marapanim, ao
sul com o de Terra Alta e a oeste com os Municípios de São Caetano de
Odivelas e São João da Ponta (Mapa 2). A cidade possui 34.294 habitantes
divididos em cinquenta e duas comunidades (Mapa 3) que são distribuídas em
oito distritos, sendo eles as vilas Lauro Sodré, Ponta de Ramos, Araquaim,
Murajá, Mutucal, Boa Vista do Iririteua, Nazaré do Mocajuba e a Povoação São
João do Abade. Contanto, também, com mais sessenta e duas localidades
rurais distribuídas ao longo desses distritos, das quais 23 localizam-se nas
regiões dos rios e várzeas, e trinta e nove estão na zona do planalto (ESTADO
DO PARÁ, 2011; IBGE, 2010).
Mapa 2: Curuçá e seus municípios vizinhos Fonte: Instituto Virtual do Turismo (IVT), 2009
8.
8 Disponível em: <http://www.ivt-
rj.net/ivt/indice.aspx?pag=n&id=10513&cat=NORTE%20.%20Par%C3%A1&ws=0> Acesso em: 04 ago. 2012
24
Mapa 3: Curuçá e suas comunidades. Fonte: Queiroz, 2007.
25
A origem do município está diretamente relacionada com a chegada dos
missionários da Companhia de Jesus na localidade atualmente conhecida
como Abade (Mapa 3, APÊNDICE G), no século XVII. Como a região não lhes
provia as condições básicas de sobrevivência, principalmente pelo fato de que
a água dos arredores era salgada, partiram em busca de outro lugar para se
instalar. Encontraram, às margens do rio Curuçá, uma feitoria de pesca e ali
mesmo fundaram uma fazenda, com o mesmo nome do Rio, que na língua tupi
significa “cruz”9. A fazenda, erguida sob a devoção de Nossa Senhora do
Rosário, posteriormente, deu origem à atual cidade de Curuçá. (ESTADO DO
PARÁ, 2011; FIGUEIREDO, 2007)
Partindo da capital Belém, seu acesso é feito pela Rodovia BR-010 até o
município de Castanhal, de onde se segue pela Rodovia PA-136 (Mapa 4),
totalizando um percurso de cerca de duas horas. Os aeroportos mais próximos
localizam-se na capital, o Aeroporto Internacional de Belém e o Aeroporto Júlio
César. Também é possível chegar a Curuçá por via fluvial e embarcações
fretadas. (MARTINS, 2010; INVENTÁRIO, 2012). Em Curuçá, conta-se com
associação de barqueiros, taxistas e mototaxistas para o transporte dentro do
município.
Mapa 4: Distância entre Belém e Curuçá. Fonte: Elaboração própria com auxílio do Google Maps
10, 2013.
9 Existe também a versão de Ferreira (2006 apud SOUZA, 2010) que curu significa “seixos e
cascalhos” e ça (na verdade, “çaba”) “em que”, logo, de acordo com este autor, Curuçá significaria “lugar em que há seixos e cascalhos”. 10
Disponível em: <https://maps.google.com.br/maps?hl=pt-BR&tab=wl&authuser=0> Acesso em: 05 dez. 2013
26
1.2.1 Aspectos geográficos e culturais
O clima do município é equatorial amazônico, caracterizando-se pelas
temperaturas elevadas (em média 27°C), sendo os meses mais chuvosos de
janeiro a junho, e menos chuvosos, de julho a dezembro. A cobertura florestal
original, Floresta Tropical Amazônica, foi praticamente removida na totalidade,
em consequência dos desmatamentos ocorridos extensiva e intensivamente,
para o plantio de espécies de subsistência, ocasionando o predomínio de
florestas secundárias. De cobertura vegetal virgem, há as florestas de mangue,
que ocupam regiões litorâneas e semi-litorâneas, sendo influenciadas pela
salinidade do mar. (ESTADO DO PARÁ, 2011)
Entretanto, a pobreza morfológica do relevo é compensada pela rica
hidrografia, formada por igarapés, furos11 e rios onde os mais importantes são
o Mocajuba e Curuçá. Existem ainda diversas ilhas de considerável extensão e
formação recente que se comunicam por furos e apresentam praias atlânticas
(ESTADO DO PARÁ, 2011).
Curuçá possui uma riqueza de atrativos naturais, possibilitando
caminhadas por diferentes ecossistemas (manguezal, campos savanóides,
floresta de terra firme, bacurizal e umirizal) com observação de pássaros da
região. Dentre os patrimônios naturais, destacam-se a praia da Romana12
, de
Mariteua e do Sino; os furos Muriá e Grande, as ilhas Ipomonga e Mutucal,
assim como os recantos Arapironga de Dentro, Bosque da Igualdade e Bosque
Centenário (ESTADO PARÁ, 2011; BATISTA, 2010). Segundo Figueiredo
(2007), os patrimônios naturais mais expressivos de Curuçá podem ser
resumidos no quadro a seguir:
11
“Furo” é um termo genuinamente amazônico que denota um pequeno canal estreito de grande profundidade que serve como caminho natural entre dois rios ou entre um rio e uma lagoa de várzea (lagoa formada na época da cheia do rio), servindo como espécie de atalho. Disponível em: <www.colegioweb.com.br/geografia/a-bacia-amazonica.html> e <ademirhelenorocha.blogspot.com.br/2010/03/ilhas-rios-igarapes-furos-de.html>. Acesso em: 20 out. 2012. 12
Segundo relatos ouvidos em campo, um dos atrativos naturais de maior destaque é a Praia da Romana, a mais popular do município. Com mais de 14 km de extensão, a praia é rodeada de dunas, com grandes chances de revoadas de guarás e garças.
27
Patrimônios naturais mais expressivos de Curuçá
Praias Mariteua, Sino, Romana, Cipoteua, Guarás, Praia do Furo, Prego, Areua, Praia Grande, Sacaiteua, Varador e Lombo
Furos Furo Muriá ou Maripanema, Furo Grande, Praia do Furo, Araguain, Cajutuba e Moacajuba
Ilhas Ipomonga, Mutucal, Pacamorema, Santa Rosa, Cipoteua, João Lopes, Bagre, Tucumandeua, Guarás e Varador
Igarapés Cachoeira, São José, Salomão, Andiroba, Da Prata, Braço Grande, Pau Amarelo, Tucumã, Santa Maria, Pau Grande, Igarapé dos Falcos, Guará, Maripanema, Mutucal, Riozinho, Poção, Repartimento e Pimenta
Quadro 5: Patrimônios naturais mais expressivos de Curuçá. Fonte: Elaboração própria baseada na tabela feita por Figueiredo (2007).
Em relação a sua cultura, o município se destaca pelo seu povo
receptivo e pelas suas manifestações religiosas. No dia 29 de junho, acontece
a festa em homenagem a São Pedro, típica de pescadores. No segundo
domingo do mês de setembro, é festejada Nossa Senhora do Rosário
(padroeira da cidade), quando há uma transladação da sua imagem, saindo da
Igreja Matriz até a capela Nossa Senhora do Rosário, em um percurso de cerca
de 3 km, reunindo milhares de pessoas. Em dezembro, no terceiro domingo,
ocorre a Festa em Louvor a São Benedito. Nessas ocasiões festivas, é comum
a realização de procissões, ladainhas, arraial, leilões, derrubada de mastros de
flores e apresentação de danças típicas da região (ESTADO DO PARÁ, 2011,
FIGUEIREDO, 2007).
Outros eventos e festas também marcam o calendário do município. Na
última semana do mês de julho, há o Festival do Folclore, quando são
apresentadas quadrilhas juninas e manifestações culturais com boi-bumbás,
dança Lundu e grupos de Carimbó13. A cidade é bastante procurada no
carnaval, período em que um dos blocos mais tradicionais do Pará, o
“Pretinhos do Mangue”, traz como tema assuntos relacionados ao meio
ambiente e se apresenta nas ruas curuçaenses repleto de seguidores de todo o
13 O Carimbó é uma dança tradicional de Curuçá, considerado um dos municípios responsáveis
pelo surgimento deste ritmo regional paraense.
28
estado que, como requisito para participar da festa, tem de espalhar o barro
dos manguezais pelo corpo (ESTADO DO PARÁ, 2011; AGÊNCIA PARÁ, [s.d])
A cidade conta com escolas centenárias; Palacete “Barbosa de Lima”
(1895); Palacete dos Andirás (séc. XVIII), onde se localizava o colégio para os
padres jesuítas. Curuçá também possui uma diversidade de igrejas e capelas
no seu acervo de arquitetura religiosa, com destaque à Igreja Nossa Senhora
do Rosário, cuja construção teve início no ano de 1727. Há ainda o Cemitério
São Bonifácio, fundado em 1925, com sua fachada secular ainda conservada.
(INVENTÁRIO, 2012)
Em relação ao artesanato, é possível conhecê-lo por meio de visitas às
comunidades. A Associação de Artesãos de Marauá trabalha com cerâmica
para jardinagem. Através da argila, desenvolveram uma linha de produção de
animais silvestres que representam a selva amazônica. Há ainda uma linha de
produtos à base de mel desenvolvida pela Associação dos Melipolicultores de
Curuçá, tais como esfoliantes, cremes, sabonetes, hidratantes, xampus, etc.
Ademais, existem artesãos que trabalham com madeira, pinturas em telhas,
maquetes de talo de açaí, cosméticos, além de material decorativo com
sementes, galhos e conchas (INVENTÁRIO, 2012).
Para conhecer a gastronomia, tanto no Mercado Municipal do Abade,
como no Mercado Alcindino Ferreiro de Campos, é possível encontrar recursos
pesqueiros como caranguejos, mexilhões e peixes, que norteiam a alimentação
local. Na cidade, também se pode ver com facilidade comidas típicas do Pará,
em barraquinhas de vendedoras nativas, como a maniçoba, o vatapá e o
tacacá (INVENTÁRIO, 2012).
Entretanto, segundo Figueiredo (2007), apesar de sua diversidade de
manifestações tradicionais, o município ainda é carente de lugares e atividades
voltados para atividades culturais, o que revelaria o desinteresse dos dirigentes
municipais em fomentar e incentivar a cultura por meio de espaços e ações
voltados para este fim.
29
1.2.2 Aspectos socioeconômicos e ambientais
Segundo Souza (2010, p. 96) o município de Curuçá assemelha-se a
diversas localidades ribeirinhas da Amazônia, no qual “as relações são um
produto de um cotidiano marcado pela apropriação da natureza pelo homem,
principalmente o rio”. Neste sentido, a relação da população curuçaense com o
meio ambiente local adquire diversos significados, que englobam trabalho,
sustento e lazer. Conforme o mesmo autor, a delimitação dos territórios
produtivos do local se deu pela ocupação secular de grupos comunitários
nesses espaços, fazendo com que conhecimento empírico sobre o ambiente
ribeirinho tenha se cultivado por muitas gerações.
Por esta razão, a localização geográfica de Curuçá no estuário
amazônico, próximo à costa atlântica, a torna propícia às atividades ligadas à
pesca14 e à extração de mariscos. A pesca é utilizada para o consumo
doméstico, porém, também visa o abastecimento do mercado local, nacional e
internacional. A prática da agricultura também é importante (BATISTA, 2010).
Por possuir estas características, a economia do município gira em torno
da pesca, da extração de mariscos como caranguejos e mexilhões, e da
pequena agricultura familiar com predomínio da lavoura da mandioca, cultivo
de hortaliças e frutas variadas, geralmente para consumo familiar e/ou
comercializadas na própria comunidade. Em pequena escala, tem-se criação
de gado bovino, suíno e ovino, galinhas, produção de ovos e mel de abelha
(BATISTA, 2010). Segundo Batista (2010), as características geográficas de
cada localidade é que determinam as atividades exercidas pelas comunidades.
Além das atividades ligadas à natureza, a economia do município
atualmente conta com um comércio já consolidado que envolve cybers,
borracharias, farmácias, lanchonetes, lojas, sapatarias, perfumarias,
mercenárias, óticas, padarias, postos de combustíveis, supermercados,
restaurantes, entre outros (INVENTÁRIO, 2012). Porém, a sua grande maioria
localiza-se na sede de Curuçá e no Abade, partes urbanas do município.
14 Os mangues, rios, estuário com bastante diversidade para pesca, atendiam aos interesses da
Coroa Portuguesa de penetração e fixação da região. Esse passado, ligado à atividade pesqueira, foi determinante para os jesuítas estabelecerem uma feitoria de pesca, pois a disponibilidade de alimentos era essencial para permitir a fixação e a interiorização da colonização. O peixe, rica fonte de proteínas, abundante em todo estuário, conservado pelo sal, permitia que houvesse seu transporte durante longas viagens. (BATISTA, 2010)
30
Curuçá é um município predominante rural, onde 65% dos seus
habitantes vivem em áreas rurais e 50% da população têm como ocupação
principal atividades ligadas à natureza (IBGE, 2010). Trata-se de uma região
onde 74% da população é considerada pobre, com Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH) de 0,53 e IDH renda de 0,56 (MEIRELLES; SÁ; CARVALHO,
2009), onde seus habitantes constantemente se veem enfrentando problemas
sociais, ligados à falta de fossa séptica e redes de esgoto, à ausência de coleta
de lixo que leva as comunidades a enterrarem e queimarem seus detritos, a
altos índices de analfabetismo, à ausência de bons postos de saúde, bem
como carência de escolas (a cidade só possui uma escola de ensino médio na
sua sede) (MEIRELLES; SÁ, 2009).
Devido às distâncias geográficas entre as vilas e povoados da cidade
(Mapa 3), as comunidades curuçaenses vêm tentando se organizar por meio
de associações e cooperativas, com intuito de alcançar a otimização do uso
dos recursos naturais disponíveis na RESEX MGC, bem como servir de ponte
para uma melhor qualidade de vida (MARTINS, 2010). A cidade conta com
cinquenta e uma associações, das quais quarenta e oito são registradas na
prefeitura (INVENTÁRIO, 2012).
De acordo com Figueiredo (2007) quando surgem ameaças ao ambiente
que as comunidades vivem, alterações irreversíveis passam a existir na
estabilidade dos recursos naturais e consequentemente, nas relações sociais.
Segundo Martins (2010), novas concepções sobre a relação sociedade x
natureza demonstram que o meio ambiente como natureza é o próprio homem
e que ação do segundo sobre o primeiro está levando à ampla destruição de
ambos.
Nesse sentido, a população curuçaense vive o temor de que a chegada
do progresso possa acabar com a sua principal fonte de renda (KOTSCHO,
2008). Essas ameaças configuram-se em situações que poderão ser
vivenciadas futuramente, com a aprovação de um dos projetos de
megaempreendimentos portuários, o porto flutuante da Anglo-American ou
porto off-shore do Espardate, na região da Ponta da Tijoca, situada na Praia da
Romana15 (ANEXO D) (CHAVES, 2010). No aspecto ambiental, a construção
15
O interesse pelo local advém principalmente, de suas águas calmas, com profundidade de 25 metros, sem precisar de dragagem. (MEIRELLES; SÁ; CARVALHO, 2009).
31
dessas estruturas traria a possibilidade de derramamento de óleo e de outros
produtos que poderiam causar poluição. No aspecto social, acarretaria
impactos como aumento da população, riscos para comunidades mais
vulneráveis, bem como formação de bairros irregulares, desestruturação social
e conflitos por acesso aos recursos naturais em razão da exaustão dos
manguezais (MEIRELLES; SÁ; CARVALHO, 2009).
Todavia, ameaças ambientais também se relacionam a situações
cotidianas, a exemplo dos grandes currais de pesca (ANEXO A) instalados por
pescadores advindos de diversos estados nordestinos que vem provocando
assoreamento dos rios e colocando em risco de extinção uma diversidade de
espécies marinhas (KOTSCHO, 2008). Segundo Kotscho (2008, p. 58), estas
realidades:
São um drama secular das regiões remotas do Brasil, desde Pedro Álvares Cabral, invadidas de uma hora para outra por forasteiros em busca de suas riquezas naturais, colocando em risco a cultura de subsistência das populações nativas, que se organizam para resistir às mazelas do chamado progresso.
A parte dessas ameaças, Souza (2010) também atenta sobre o
desinteresse das novas gerações em relação às atividades consideradas
tradicionais e uma possível consequência de perda de identidade destas
comunidades, levando a uma alteração de realidade social e cultural. Segundo
Martins (2010), um dos atritos mais graves que ocorre na área da RESEX
MGC, justifica-se na subjugação da pesca artesanal pela pesca industrial,
levando os jovens de Curuçá a se sentirem desestimulados a continuar com o
modo de vida dos pais e saírem em busca de novas oportunidades de trabalho
ou estudo em Belém ou Castanhal, acabando por morar na periferia destes
municípios.
Conforme Gonçalves16 (2009 apud Martins 2010):
Na medida em que os jovens percebem a luta inglória de seus pais, não desejam repetir a mesma trajetória de seus antecessores. O próprio arsenal precário que cerca o esforço de pesca fragiliza a saúde do pescador exposto extensivamente ao sol e intempéries sem
16
Sandra Gonçalves, então presidente da AUREMAG do ano de 2009, foi entrevistada por Martins em 30 de novembro de 2009.
32
a proteção adequada, contraem enfermidades no sistema ósseo e urinário, alem de outras mazelas. (p.116)
Além disso, as oportunidades de emprego tem uma estreita dependência
com a política do município. Durante as eleições, a cidade se divide em dois
lados e só consegue emprego quem se alia a algum candidato. Porém, no caso
do candidato apoiado perder, as chances de arrumar trabalho tornam-se
ínfimas, só se mantendo nos cargos públicos, por exemplo, quem é
concursado. Este fator impulsiona ainda mais o êxodo da população17.
Outra questão preocupante diz respeito à especulação do uso do solo
neste território. Como já ocorrido em outras localidades amazônicas, também
existe a preocupação de que haja uma contínua desapropriação de terrenos de
moradores locais no futuro, haja vista que alguns pescadores vêm vendendo
terrenos dentro da Reserva para servir de casa de veraneio para turistas e para
pessoas de estados vizinhos que se mudam para o município (SOUZA, 2010).
Este fator só tende a aumentar com a construção do porto na Praia da
Romana.
Com base nas informações abordadas nesse item, é possível inferir que
Curuçá necessita encontrar soluções urgentes para o manejo racional dos seus
recursos naturais e meios de desenvolvimento local capazes de trazer mais
oportunidades para sua população. Uma das propostas para estes objetivos
será abordada no item seguinte, com a criação da RESEX MGC.
1.2.3 A Reserva Extrativista Marinha Mãe Grande de Curuçá
Entre Belém, no Pará, e São Luís, no Maranhão, localizam-se “os mais
extensos, complexos e biodiversos manguezais do planeta” (MEIRELLES; SÁ,
2009, p. 8). Segundo os mesmos autores, na Costa Norte brasileira (AM, PA e
AP), concentra-se 85% dos manguezais do país, dos quais 270 mil hectares no
litoral nordeste do Pará, onde aproximadamente 37 mil hectares de estuário18
fazem parte da Resex Marinha Mãe Grande de Curuçá .
17
Informação obtida em campo de acordo com a percepção da autora e de relatos de entrevistados. 18
Região onde as águas dos rios interagem com as do oceano (FIGUEIREDO, 2007)
33
A RESEX MGC está inserida no município de Curuçá (Mapa 6) e foi
criada no Decreto de 13 de dezembro de 2002 “com os objetivos de assegurar
o uso sustentável e a conservação dos recursos naturais renováveis,
protegendo os meios de vida e a cultura da população extrativista local”
(BRASIL, 2002). De acordo com Souza (2010) seu nome foi escolhido pela
própria comunidade, pois a Mãe (Gaia) passaria a ideia de origem comum dos
pescadores e extrativistas em relação ao território da Reserva. Rocha (2010
apud QUEIROZ, 2011, p. 32) também acrescenta que este nome traz a ideia
de sustento, no sentido de que a floresta seria uma espécie de mãe que dá
alimento para seus filhos, concedendo seus peixes, caranguejos e siris.
Mapa 6: RESEX Marinha Mãe Grande de Curuçá. Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE [s.d], apud CHAVES, 2010).
Por ser uma RESEX marinha, Mãe Grande é constituída por famílias de
pescadores, agricultores e extrativistas que vivem nos arredores da maré e por
uma área urbana que se configura pela sede do município de Curuçá
(APÊNDICE F) com o distrito de São João do Abade, ambos possuindo
também influência do mar (Mapa 3). Os recursos naturais da RESEX estão
34
relacionados à atividade pesqueira artesanal e industrial, baseada no
ecossistema manguezal (CHAVES, 2010).
Segundo Meirelles e Sá (2009), o mangue é a fonte de alimentação e de
renda para mais de 30 mil famílias de pescadores do Salgado19, distribuídos
em centenas de comunidades tradicionais. Porém, por se tratar de ambientes
de menor resiliência20 e suscetíveis à ação do homem, estão entre as áreas
mais frágeis e ameaçadas. Igualmente, é possível que mais de dois terços das
espécies marinhas dependam de alguma forma desses ecossistemas
(MEIRELLES; SÁ, 2009).
Conforme os mesmos autores, a RESEX MGC seria responsável por
proteger igarapés, manguezais e baías, principal fonte de sobrevivência e
renda de cerca de 6 mil famílias de pescadores e pequenos agricultores de
Curuçá. Porém, a extração de mariscos, camarões, caranguejos e peixes na
região se intensificam rapidamente em consequência do esgotamento desses
recursos em outras partes do país. Por isso, a importância do papel da
Reserva, pois esta passaria a ter a função de proteção de recursos pesqueiros
e dos próprios manguezais, que representam a atividade econômica ali
predominante (CHAVES, 2010).
Segundo Furtado (2009 apud CHAVES, 2010), os principais impactos
antrópicos na Reserva relacionam-se a técnicas não adequadas para a captura
de caranguejos, além de lixo doméstico colocado em lugares não apropriados,
configurando-se como uma séria ameaça aos mangues. Outra razão para a
intensificação desta devastação explica-se na localização de residências,
barracas de pescadores e criadouros de camarão (CHAVES, 2010). Muitas das
pessoas que vêm de lugares vizinhos atrás de oportunidade de trabalho vão
morar no Abade, distrito de Curuçá, próximos às ares de manguezais. Para
construir suas casas, desmatam áreas contíguas de mangue que lhes facilita
19 A zona do Salgado é constituída pela Zona Costeira do Estado do Pará, situada a leste da
desembocadura do Rio Amazonas. Esta micro região possui 225km de extensão, sendo limitada a leste pelo Oceano Atlântico, ao leste e ao sul pela zona Bragantina e a oeste pela Bahia do Marajó, destacando-se pelas suas formas recortadas com ilhas, penínsulas e baías situadas nas desembocaduras de rios de curto percurso (BASTOS, 1995 apud BATISTA, 2010). 20 Por resiliência ambiental entende-se “a capacidade de um sistema ambiental resistir a agressões sem perder suas características essenciais, podendo, contudo, reorganizar-se de modo dinâmico” (BEGOSSI, 1999 apud SOUZA, 2007).
35
acesso ao trabalho, bem como evita roubo dos apetrechos de embarcações
(FURTADO, 2009 apud CHAVES, 2010).
A criação de unidades de conservação de uso sustentável na Amazônia
insere-se na problemática da sustentabilidade do desenvolvimento (BATISTA,
2010). Conforme Rocha (2007 apud BATISTA, 2010), a criação da RESEX
Marinha Mãe Grande foi precedida de um processo de mobilização, debates e
embates, alimentados pela percepção da exaustão dos recursos naturais do
litoral paraense. Inicialmente, as assembleias de discussão acerca desta
temática tinham pouca participação da população local. Posteriormente, com a
incorporação de novos parceiros, conseguiu-se envolver vinte e oito
comunidades estuarinas e interiores (BATISTA, 2010).
Em 2008, O Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade
(ICMBio) substituiu o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (IBAMA). A partir de então, passa a ser sua função gerir
UCs brasileiras com base no SNUC. Atualmente, além do ICMBio, o Conselho
Deliberativo da Reserva Mãe Grande de Curuçá (CCR) também auxilia nesta
função. Este conselho é composto pelas 52 comunidades de Curuçá que foram
divididas em oito polos e representadas por meio de oito associações, onde a
Associação dos Usuários da Reserva Extrativista Mãe Grande de Curuçá
(AUREMAG) tem a função cogestora de promover a interlocução das oito
associações com os órgãos públicos (CHAVES, 2010) e de “proporcionar aos
seus membros uma forma de participação comunitária ativa, e a representá-los
e defendê-los em seus interesses políticos socioculturais e ambientais”
(RESERVAS...2003 apud BATISTA, 2010, p. 125). A partir da instalação do
Conselho Deliberativo da Resex, em 2005, esta associação passou a
representar formal e institucionalmente, todos os usuários desta UC.
(BATISTA, 2010)
O grupo de UCs que a RESEX Mãe Grande está inserida (UC de uso
sustentável) tem como objetivo básico “compatibilizar a conservação da
natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais”
(UNIDADES...; apud BATISTA, 2010, p.120). Neste sentido, “a considerar o
quadro de insustentabilidade no manejo dos recursos existentes do litoral,
exemplarmente no município de Curuçá,” (BATISTA, 2010, p.121) concluiu-se
que este modelo se encaixaria perfeitamente para a resolução deste problema.
36
Entretanto, de acordo com o estudo21 de BATISTA (2010), a Reserva
enfrenta diversas entraves que envolveram todo seu processo de
implementação, algumas ainda em curso. Dentre os problemas tratados na sua
pesquisa, destacam-se: a descrença em relação à efetiva viabilidade do projeto
em razão da sua tradicional falta de participação nos processos políticos locais,
a descrença das comunidades de que a RESEX iria defender seus interesses,
a resistência na esfera política municipal e na direção de órgãos de assistência
técnica ao trabalhador rural, falta de apoio de gestores municipais, a
desproporcionalidade entre o número de representantes e o número de
representados22 AUREMAG e as práticas pouco democráticas23 no processo
eleitoral, a ineficiência e/ou insuficiência dos CCR para assegurar a
participação efetiva dos usuários na gestão da RESEX, a baixa disponibilidade
de participação dos moradores em razão de falta de tempo disponível, falta de
conhecimento e informação acerca das próprias atribuições do do CCR, além
de falta de clareza por parte dos membros destes comitês sobre os objetivos e
competência da UC que representam e a ausência e ineficiência da
comunicação entre a comunidade e as lideranças representantes da UCs,
entre outras dificuldades
21
A tese de mestrado da autora teve como tema “Participação, organização social e desenvolvimento sustentável no contexto da RESEX Mãe Grande de Curuçá”, com a problemática central de analisar a participação dos usuários da Resex Mãe Grande de Curuçá nos processos de discussão, formulação, implementação e gestão desta unidade de conservação. 22
1/3 dos membros da AUREMAG residem na sede do município, configurando-se uma subrepresentação das comunidades no interior. (BATISTA, 2010) 23
Apenas os sócio-fundadores da Associação têm direito a voto. Essa questão é um dado relevante a ser considerado, haja vista que a população usuária da RESEX é composta por cerca de 6.000 famílias. (BATISTA, 2010)
37
2 DESENVOLVIMENTO ALTERNATIVO, TURISMO ALTERNATIVO
O turismo contemporâneo apresenta-se como uma atividade
socioeconômica capaz de gerar divisas, oportunidades de trabalho e trazer
mais visibilidade para determinadas regiões. Na prática, contudo, estas
possibilidades nem sempre são alcançadas. Com o desenvolvimento da cultura
global e da massificação do consumo, em muitos locais o turismo se
desenvolveu de forma desenfreada, atentando principalmente aos benefícios
econômicos e acarretando desequilíbrios ambientais e injustiças sociais.
Em contrapartida ao movimento de massificação do consumo, surgem
propostas para um novo padrão de turismo, concebendo esta atividade sob
uma nova ótica: uma viagem pautada na experiência, onde os protagonistas
passam a ser as comunidades residentes das regiões visitadas. Este capítulo
objetiva explicar este novo eixo de turismo, denominado Turismo de Base
Comunitária, dentro da perspectiva do desenvolvimento local que surgiu como
uma resposta ao atual modelo vigente.
2.1 UMA REFLEXÃO SOBRE DESENVOLVIMENTO: DO PARADIGMA
PREDOMINANTE AO LOCAL
De acordo com CRUZ (2009, p. 98), o conceito de desenvolvimento está
“entre os mais imprecisos do vocabulário comum e acadêmico-científico.”
Segundo a mesma autora, este conceito pode equivaler a crescimento,
crescimento econômico e progresso, e tem transitado entre leituras mais e
menos economicistas e ganho novas denominações (tais como “sustentável” e
“local”), motivadas pelo nascimento de novos paradigmas.
38
2.1.1 Sobre o desenvolvimento predominante
Sachs (1995) analisa que as consequências da descolonização e do
desmoronamento do socialismo real, constituíram duas rupturas históricas
irreversíveis, cujas consequências têm efeitos significativos sobre o nosso
presente. Dentro dessa perspectiva, pode-se falar de uma “involução” ou
processo de “subdesenvolvimento generalizado”, simultâneos aos fenômenos
de mundialização, cujos impactos econômicos e sociais exigem profunda
avaliação (SACHS, 1995).
Na visão de Bursztyn, Bartholo e Delamaro (2009), a ideia de
desenvolvimento, desde os anos 1950, marcou a discussão sobre estratégias
políticas e econômicas, carregando um significado positivo de superação da
miséria pelos países menos favorecidos. Para Ferreira (2008), diversas
correntes do pensamento econômico fundamentavam-se na teoria de que após
a maturação do crescimento econômico, seria possível espalhar seus
benefícios por toda a sociedade, difundindo-se em todas as camadas da
população.
Assim, a expansão da ideia de desenvolvimento com base no
crescimento da economia se inicia no período pós Segunda Guerra Mundial,
quando os Estados Unidos lançaram o Plano Marshall com intuito de recuperar
a Europa para construir uma sociedade internacional aberta para o mercado
americano (LAYRAGUES, 1998). Paralelamente, na década de 60, com o
mesmo objetivo de expansão de mercado, a Organização das Nações Unidas
(ONU) dedicou-se a modernizar as sociedades consideradas tradicionais ou
atrasadas (LAYRAGUES, 1998).
Segundo Layragues (1998), esta política representou o darwinismo
social na prática, pois concebeu o modelo norte americano e europeu como um
mecanismo evolutivo simplista, onde diferenças culturais eram percebidas
como “uma consequência dos retardamentos em relação à modernização,
entendida como sinônimo de evolução, e não as diferentes formas de se
apropriar e interagir com o ambiente” (LAYRAGUES, 1998, p. 127). Deste
modo, expandiu-se a crença de que prosperidade está estritamente vinculada
ao processo de produção de riquezas e crescimento econômico das nações
39
(BURSZTYN; BARTHOLO; DELAMARO, 2009, p. 78) e que “a verdadeira
cultura seria representada pela civilização ocidental industrializada de
consumo” (LAYRAGUES, 1998, p. 127).
Além disso, Mézaros (2002 apud BURSZTYN; BARTHOLO;
DELAMARO, 2009) adverte que estas correntes hegemônicas tiveram visões
reducionistas ao atribuir um modelo único a ser seguido por países com uma
dinâmica social, econômica e cultural diferente, cujas consequências reais o
contradizem (BURSZTYN; BARTHOLO; DELAMARO, 2009). Nas visões
destes autores estas correntes
pretendem ignorar a existência de vínculos causais entre as condições de dominação neocolonial e a miséria de imensos contingentes populacionais do planeta. Ao que se agrega o uso predatório dos recursos naturais como padrão histórico de desenvolvimento dos países de capitalismo avançado e a inviabilidade de uma universalização de tais cursos de ação para toda humanidade. (BURSZTYN; BARTHOLO; DELAMARO, 2009, p. 78)
Acrescenta-se a isso, o fato de que essa ideia de desenvolvimento levou
a um crescimento sem precedente do poder tecnológico, do volume de bens,
dos serviços produzidos e das trocas comerciais, além de transformar o estilo
de consumo e modo de viver para uma maioria de habitantes dos países
industrializados e uma minoria de países do “Terceiro Mundo”, sem que os
progressos materiais tivessem sido generalizados (SACHS, 1995). Para
elucidar a distribuição desigual dos benefícios deste modelo de
desenvolvimento, o autor dá o exemplo da França e da minoria privilegiada dos
países subdesenvolvidos, comprovando que a antiga divisão econômica entre
Norte (ricos) e Sul (pobres) tornou-se antiquada, já que a exclusão e
desigualdade existem nos dois mundos.
Num país tão rico como é a França, uma ruptura social separa hoje os dois terços dos ganhadores, do terço dos perdedores, cada vez mais excluídos da sociedade de consumo e privados do exercício de seu direito – que, porém, é fundamental – ao trabalho. Em outras palavras, a França, também, possui seu Quarto Mundo e o Sul está presente no Norte. A minoria privilegiada nos países do Terceiro Mundo constitui, em contrapartida, um Norte no Sul, sem que se possa falar de encraves territorialmente defendidos. O Norte e o Sul vivem lado a lado e se interpenetram, especialmente nas grandes cidades. (SACHS, 1995, p. 30)
40
Sachs (1995) analisa que nas sociedades modernas, a exclusão, passou
a liderar, superando a antiga exploração. Para ele, “os ricos já não precisam
dos pobres” e “é provavelmente por essa razão que tentam esquecê-los”
(SACHS, 1995, p. 31). Além disso, segundo o mesmo autor, a distribuição
desigual dos frutos do progresso tecnológico advém da má organização social
e política e não da escassez de bens, ainda que o seu poder tenha a
capacidade de oferecer a cada um dos homens um conforto material razoável.
Desta forma, esta corrente tem se mostrado ineficiente, “tendo em vista
que países com altas taxas de crescimento econômico são também recordistas
em desigualdades sociais” (FERREIRA, 2008, p. 2). Esta afirmação pode ser
comprovada avaliando o Índice Produto Interno Bruto (PIB) per capta utilizado
como base para medir o crescimento econômico das nações. Quando
comparado ao Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), se faz evidente que
muitos países que estão em boas colocações no PIB, despencam quando
avaliados pelo IDH. Nosso país é um exemplo que se encaixa neste caso:
segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD)24 de 2011, o Brasil ocupa a sexta economia mundial, enquanto em
relação ao IDH, despenca para 84ª posição, evidenciando seu
desenvolvimento desigual, baixa distribuição de renda e provando que o
crescimento da sua economia não trouxe soluções para seus problemas
sociais.
Para Sachs (1995), o crescimento da economia é compatível com a
noção de “maldesenvolvimento”. Porém, o crescimento e desenvolvimento não
seriam sinônimos, pois pensar apenas em crescimento econômico, faz com
que disparidades sociais persistam, além de aceitar que exorbitantes custos
sociais e ecológicos se justifiquem como “danos inelutáveis do progresso”
(SACHS, 1995, p. 31). Seria a partir de 1940 que economistas estruturalistas
começariam a colocar uma distinção entre desenvolvimento e crescimento, ou
seja, quando o crescimento passa a ter uma denominação de mudança
quantitativa, enquanto desenvolvimento diria respeito a uma transformação
qualitativa de uma estrutura econômica e social (CRUZ, 2009).
24
Referência disponível em: <http://hdr.undp.org/en/media/HDR_2011_PT_Tables.pdf>. Acesso em: 5 jan. 2013
41
Deste modo, como forma de reavaliar este modelo vigente a partir da
percepção das dificuldades produzidas nos aspectos sociais, culturais e
ambientais das nações e da necessidade de incluir condicionantes qualitativas
na sua construção, foram construídas novas paradigmas de desenvolvimento
(FERREIRA, 2008).
2.1.2 Sobre o desenvolvimento local
Segundo Layragues (1998), em razão dos conflitos de interesses, o
mundo passou a viver uma disputa ideológica que o autor determina como um
“embate entre as forças conservadoras da civilização ocidental predatória-
perdulária e as forças opostas que apontam para uma civilização social e
ecologicamente equilibrada” (LAYRAGUES, 1998, p. 36). Assim, como
resposta à racionalidade econômica vigente, surge a racionalidade ecológica,
onde a última analisa que a crise vivenciada pelo mundo não seria somente
ambiental, mas civilizacional, pois a racionalidade econômica “vem dando
sinais de esgotamento, contradições internas que transbordam em crises
constantes do capital” (LAYRAGUES, 1998, p. 44).
Além de considerar as questões ambientais, o autor argumenta que a
racionalidade ecológica propôs uma mudança de valores, que na visão de
Carvalho (1992 apud LAYRAGUES, 1998) seria um resgate do exercício da
diversidade no sentido do reconhecimento do outro por meio da alteridade e do
respeito à diferença, e da autonomia em relação aos condicionamentos
impostos pelo mercado como único espaço de troca possível. Para Layragues
(1998) trata-se de um conteúdo ideário mais rigoroso que o apresentado pelo
senso comum ambientalista que não reivindica de forma intransigente que a
natureza regule integralmente a vida em sociedade.
Admitindo-se que o desenvolvimento econômico é apenas uma das
facetas do desenvolvimento, e não um fim em si mesmo, que não garante
qualidade de vida e não deve ser encarado sempre como positivo
(MINISTÉRIO DO TURISMO, 2007), bem como modernidade não se traduz em
bem estar para a população e que o terceiro mundo só irá se desenvolver se
evitar o caminho percorrido pelos países industrializados e levar em conta suas
42
especificidades (LAYRAGUES, 1998), novos padrões de desenvolvimento
passam a ser discutidos.
Atualmente, é possível observar uma confusão na utilização de
conceitos como ecodesenvolvimento, desenvolvimento sustentável,
autosustentável, local, endógeno, integrado, comunitário, entre outros (BARRO,
SILVA, SPINOLA, 2006). Segundo Barros, Silva e Spinola (2006), estes
conceitos comportam diferentes definições e, portanto, não podem ser tratados
como uma simples questão de hermenêutica, mas de um problema
metodológico que pode comprometer o rigor científico, além de poder distorcer,
confundir e dificultar em termos universais, o sentido de políticas públicas
adotadas sob o rótulo dessas denominações. Este trabalho irá abordar um dos
novos paradigmas que nasceram como resposta ao modelo vigente, a
ideologia do desenvolvimento local entendendo que este corresponde ao
mesmo que as denominações de endógeno e situado (BARRO; SILVA;
SPINOLA, 2006; CRUZ, 2009, ZAOUAL, 2009).
Segundo Layragues (1998), uma das expressões que procura descrever
o desenvolvimento endógeno foi formulada por Hô, entendendo que este deve
partir da “premissa da integração das culturas como fundamento, dimensão e
finalidade essenciais do desenvolvimento”, abandonando a ideia do modelo
convencional de que “as diversidades culturais são entendidas como um
obstáculo ao desenvolvimento e que, portanto, devem ser eliminadas”
(LAYRAGUES, 1998, p. 137). Assim, o quadro cultural local anteriormente
ignorado ganha relevância, porém entende que “a identidade cultural de cada
nação pode viver sua própria modernidade e transformar-se sem perder sua
configuração original” (LAYRAGUES, 1998, p. 137).
Para CRUZ (2009), além de uma resposta ao desenvolvimento desigual
intensificado do atual modelo econômico vigente, o desenvolvimento local
passa a demarcar uma escala geográfica, a escala local (CRUZ, 2009).
Segundo Coriolano (2009), a retomada da escala local justifica-se na conclusão
de que qualquer intervenção que almeje a melhoria de vida das comunidades
deve partir de um modelo endógeno, capaz de promover mudança estrutural e
buscar eficiência na produção, porém, levando em conta o uso racional dos
recursos naturais e a implementação de uma justa distribuição de emprego e
43
renda. Na visão de Carestiano (2000 apud CRUZ, 2009), o desenvolvimento
local seria:
Um modelo de desenvolvimento que permite a construção de poder endógeno para que uma dada comunidade possa autogerir-se, desenvolvendo seu potencial sócio-econômico, preservando o seu patrimônio ambiental e superando suas limitações na busca contínua da qualidade de vida de seus indivíduos (CARESTIANO, 2000 apud CRUZ, 2009, p. 100).
CRUZ (2009) acrescenta que a ideia de poder endógeno relaciona-se
diretamente com a ideia de “empoderamento”, derivado do inglês
“empowerment”, assimilado por cientistas sociais de uma linha mais
humanitária, conforme se pode concluir a partir da definição que segue:
Definimos empowerment como um processo de reconhecimento criação e utilização de recursos e instrumentos pelos indivíduos, grupos e comunidades, em si mesmas e no meio envolvente, que se traduz num acréscimo de poder – psicológico, sócio-cultural, político e econômico- que permite a estes sujeitos aumentar a eficácia do exercício da sua cidadania. (PINTO, 1998 apud CRUZ, 2009, p.101).
Assim, o local teria surgido como uma tendência oposta ao
desenvolvimento global, por existir um temor de que a hegemonia do último
cause a perda de identidade de certas localidades, através da “massificação de
individualidades” (TREVIZAN; SIMÕES, 2006). Além disso, a globalização, com
a sua ideologia de livre mercado imposto em escala planetária, foi um
fenômeno que produziu e ainda está produzido alarmantes e negativos
impactos sociais (ALVES, 2000).
Sobre a globalização e seus efeitos, Santos (2000 apud CRUZ, 2009, p.
100) traz uma importante reflexão:
De fato, para a grande maior parte da humanidade, a globalização está se impondo como uma fábrica de perversidades. O desemprego crescente torna-se crônico. A pobreza aumenta e as classes médias perdem em qualidade de vida. O salário médio tende a baixar. A fome e o desabrigo se generalizam em todos os continentes. (...) A educação de qualidade é cada vez mais inacessível. Alastram-se e aprofundam-se males espirituais e morais, como egoísmos, os cinismos, a corrupção
44
Deste modo, o desenvolvimento local seria uma reação a este processo,
numa dinâmica de proteção contra essas forças globalizantes, de forma a
garantir a afirmação local (TREVIZAN; SIMÕES, 2006). Segundo MARCON
(2007, p. 344), “uma política de desenvolvimento local está associada a uma
dinâmica ‘de baixo para cima’, na qual os atores locais desempenham um
papel central na sua definição”.
Seguindo esta lógica, entende-se que o desenvolvimento local exige a
inclusão de iniciativas locais, onde a mobilização comunitária deve partir do
reconhecimento de seus entraves e potencialidades, utilizando estas
informações para um planejamento que objetive a melhoria das suas condições
de vida (RODRIGUES, [s.d]).
Bursztyn, Bartholo e Delamaro (2009) ratificam a importância da
participação comunitária, ao afirmar que os cidadãos devem ser atores e
sujeitos do processo enquanto Zaoual (2003 apud BURSZTYN; BARTHOLO;
DELAMARO, 2009, p. 80) argumenta que o desenvolvimento situado “tem uma
racionalidade cuja construção social transformável se ajusta continuamente aos
dados do lugar, da situação, em sua dinâmica.”, sendo impossível tratar o tema
de forma homogênea. Segundo o mesmo autor (2006 apud BURSZTYN;
BARTHOLO; DELAMARO, 2009, p. 81) “exige-se uma capacidade de
adaptação à imensa variedade dos campos e o respeito à liberdade das
populações para elas formularem e executarem seus projetos de futuro com
base em uma estreita relação entre suas crenças e práticas”. Isto implicaria,
portanto, em pensar em uma política de desenvolvimento mais ampla, cujo foco
deve estar na inclusão social por meio da afirmação da identidade cultural e da
cidadania (BURSZTYN; BARTHOLO; DELAMARO, 2009).
A partir da abordagem dos autores ora mencionados, conclui-se que ao
tratar sobre desenvolvimento local, diversos termos como “inclusão social”,
“participação”, “autogestão”, “cidadania”, “melhoria de vida da população” se
repetem. Leva-se a crer que este processo não se vincula necessariamente a
um grande crescimento econômico, porém visa que a população local seja
atuante nas decisões, de modo a ter liberdade de escolher o que é melhor para
si. Trata-se, portanto, de uma proposta que paradoxalmente se contrapõe e
complementa ao processo de globalização da economia, esta última
caracterizada pelo poder hegemônico em escala transnacional e pelo
45
desenvolvimento desigual das nações (CRUZ, 2009; RODRIGUES, [s.d]).
Burszty, Bartholo e Delamaro (2009, p.78) complementam que
Isto implica em fazer com que as atenções se voltem, primordialmente, para o incremento da capacidade das pessoas de levar o tipo de vida que elas valorizam, enfatizando-lhe a condição de agentes políticos num processo de superação de liberdades que limitam escolhas e oportunidades pessoais e comunitárias.
46
2.2 O TURISMO COMO ALTERNATIVA DE DESENVOLVIMENTO LOCAL.
Assim como as outras atividades econômicas inseridas na sociedade
capitalista contemporânea, o turismo, para desenvolver-se, na maioria das
vezes é orientado pelo mercado e pelos interesses dos grandes capitais
nacionais e internacionais, apresentando as mesmas contradições deste
modelo, que expropria, segrega, degrada, destrói, acumula, exclui e inclui.
(BARRETO, 2000 apud MENDONÇA, 2004; FERREIRA, 2008; CORIOLANO25,
2012). Portanto, a atividade turística também deve ser questionada “à luz de
todas as ponderações e debates feitos sobre desenvolvimento” no que diz
respeito “a inclusão e exclusão, e responsabilidade social” (FERREIRA, 2008,
p. 10).
Faz-se necessário refletir que “o turismo é uma prática social e uma
atividade econômica que, no mais das vezes, se impõe aos lugares, mas ela
não se dá sobre uma tabula rasa, sobre espaços vazios e sem donos” (CRUZ,
2009, p. 98). Por isso, ao viabilizar a sua expansão dentro do processo de
internacionalização da economia mundial (MENDONÇA, 2004), torna-se
evidente a necessidade de pensar no seu desenvolvimento de forma que seja
considerado e priorizado tanto o ambiente de onde o turismo se apropria, como
as comunidades residentes dessas regiões.
Para Bursztyn, Bartholo e Delamaro (2009), o principal vetor da
turistificação dos lugares é o mercado globalizado. O turismo seguiria a sua
lógica, copiando o seu padrão de produção industrial que visa maximização da
programação e minimização de riscos e perdas, além do lucro imediato e a
grande escala (BURSZTYN; BARTHOLO; DELAMARO; 2009, ZAOUAL, 2009).
Seguindo este padrão, em diversos territórios do globo, o turismo se
desenvolveu de maneira desordenada por meio de multinacionais que se
instalaram através de grandes complexos hoteleiros e outros serviços,
considerando vantagens de localização representadas pela dotação de
riquezas naturais e valores no quesito patrimonial, cultural e histórico, além de
mão-de-obra barata e isenção de impostos (CORIOLANO, 2009).
25
Esta referência foi retirada da palestra proferida por Luiza Neide Coriolano no Encontro Nacional de Turismo de Base Local (ENTBL), em novembro de 2012.
47
De acordo com Coriolano (2009), esse mecanismo avança forjando-se
no discurso da perda da soberania dos Estados nacionais para o mercado,
dificultando, deste modo, a aplicação de leis que coloquem limites nesses
avanços e protejam as economias nacionais. Acentuam-se, assim,
desigualdades espaciais e segregações sociais (CORIOLANO, 2009), pois na
maioria das vezes as comunidades receptoras não se beneficiam deste
processo e poucos destes benefícios são realmente comprometidos com o
desenvolvimento local (IRVINING, 2000 apud MENDONÇA; IRVINING, 2006).
No Brasil, temos um grande exemplo desta “turistificação” convencional
na região Nordeste. Lá, o governo brasileiro assumiu o desafio de promover o
desenvolvimento socioeconômico a partir do aumento do fluxo de turistas.
Através do Programa de Ação para o Desenvolvimento do Turismo no
Nordeste Brasileiro (Prodetur-NE), investiu-se em infraestrutura básica
(construção e reforma de rodovias, fornecimento de energia elétrica,
abastecimento de água e saneamento) e projeto de infraestrutura de
sustentação do turismo (reforma e ampliação de aeroportos e rodoviárias)
(BURSZTYN; BARTHOLO; DELAMARO, 2009).
Porém, os governos nordestinos articularam essas ações com uma
política que favoreceu grandes grupos transnacionais. Abriram-se, assim, as
portas da Região para megacomplexos hoteleiros e seguiu-se um modelo de
gestão internacionalmente padronizado que, ignorando os anseios das
comunidades locais, transformou a região de acordo com os padrões das
demandas turísticas de massa. Deste modo, houve uma supervalorização dos
territórios e a população que vivia no litoral se viu pressionada por forte
especulação imobiliária e terminou “por vender suas terras a preços irrisórios,
passando a viver de subempregos vinculados ao turismo ou a residências
secundárias” (BURSZTYN, BARTHOLO e DELAMARO, 2009, p. 83). As
comunidades, abruptamente, se viram expulsas de seus lugares e “invadidas
por interesses exógenos” (BURSZTYN; BARTHOLO; DELAMARO, 2009, p.
84).
Em contrapartida ao turismo convencional globalizado, Zaoual (2009)
analisa que novas dinâmicas estão surgindo. Segundo o autor, os produtos
que cobrem o turismo dito de massa, que antes marcavam o progresso, trazem
uma sufocação progressiva deste tipo de demanda turística de tal modo que
48
“este tipo de modelo de evolução de serviço turístico não está mais totalmente
em uso com a evolução das necessidades que o mercado exprime” (ZAOUAL,
2009, p. 57). A demanda, por ser tornar mais “exigente, variada e variável”
(ZAOUAL, 2009, p. 57), procura por “verdadeiros sítios que combinam
autenticidade e a profundidade do intercâmbio intercultural de uma parte e a
harmonia com a natureza e a memória dos lugares visitados” (ZAOUAL, 2009,
p. 57). Para o autor, novas tendências de consumação turística surgem,
fazendo com que a crise do reinado da quantidade abra a porta para a
qualidade.
Dentro desta realidade, encontra-se também a falência do mega turismo.
Seguindo a teoria do ciclo de vida dos produtos e sendo vítima do próprio
sucesso, os lugares que constituem o objeto de turismo de massa, perdem
progressivamente o seu atrativo, fazendo com que a oferta se veja na
obrigação de inovar para atender às novas necessidades (ZAOUAL, 2009). Ao
mesmo tempo, Zaoual (2009) põe em evidência a questão do esgotamento dos
ecossistemas causado pela atividade e, entrando em uma análise mais
profunda, avalia que o turismo precisa das dotações naturais e culturais do sítio
turístico e que uma exploração sem limite e sem respeito impulsiona a um
esgotamento e, em consequência, a uma repulsa da demanda. Para o autor,
“a procura da rentabilidade máxima destrói, a longo prazo, as bases dessa
mesma rentabilidade” (ZAOUAL, 2009, p. 58). Isso significa que, ao seguir
fielmente a dinâmica capitalista, mesmo dentro da perspectiva econômica, o
turismo pode se autoprejudicar e até mesmo se autodestruir. É quando se
chega ao limite de “o capital ser seu próprio coveiro ou a barreira de si mesmo”
(KARL MARX, [s.d] apud ZAOUAL, 2009, p. 58).
A parte de todas essas abordagens, Bursztyn, Bartholo e Delamaro
(2009) investigam o viés da experiência turística. Segundo os autores, as
práticas turísticas convencionais de massa também comprometem a vivência
do encontro com alteridades, reduzindo o turismo “à busca do fotogênico e o
turista a um consumidor de cenas, emoções e prazeres projetados pelo
marketing” (URRY, 2002 apud BURSZTYN; BARTHOLO; DELAMARO, 2009),
diluindo, assim, a profundidade do que poderia ser uma real proximidade com o
outro, a o que ele define como “pseudo-eventos desprovidos de
espontaneidade”. Para Zaoual (2009), as variáveis da viagem se veem
49
imobilizadas de seus objetivos profundos, dando lugar a uma ilusão, a uma
artificialidade, tornando-se, assim, “uma jaula e passando a impressão de que
a mobilidade espacial é culturalmente imóvel, à medida que tudo é organizado
de tal forma que o encontro com o outro aparenta um simulacro” (ZAOUAL,
2009, p. 59).
Sem negar estas visões, admite-se a possibilidade de outra dimensão na
relação entre global e local no contexto do turismo. Trevizan e Simões (2006)
afirmam que ao invés de entrarem em conflito, essas duas facetas podem se
complementar. Quando se descobre e se dá vida às especificidades do local,
cria-se uma relação em que o global se seduz pelo local. Nesse sentido, o
primeiro pode funcionar como ferramenta para dar visibilidade ao segundo.
Assim, a globalização, ao contrário de massacrar o local, também pode
reanimá-lo e fortalecê-lo, pois “o global sem o local é vazio” (TREVIZAN;
SIMÕES, 2006, p. 10).
De acordo com a visão de Trevizan e Simões (2006), o local se globaliza
na medida em que os significados construídos e a ele anexados despertam
curiosidade, criam interesse e se tornam fascinantes. Sendo assim, o turismo
pode contribuir para construir lugares com significações tais que possam
tornar-se objetos de desejo para serem consumidos, exigindo, entretanto,
algumas regras para que haja um equilíbrio neste consumo, de forma que o
local tenha qualidade para atrair e força para resistir à massificação cultural
(TREVIZAN; SIMÕES, 2006). Como já mencionado, a má condução das
relações que envolvem o turismo, sobretudo em áreas de forte apelo ambiental,
constitui ameaças que podem causar riscos não somente ambientais, mas
acima de tudo sociais (MIELKE, 2006).
O desenvolvimento local aliado a esse tipo de turismo seria, portanto,
uma alternativa de resistência à racionalidade hegemônica do capital e um
estilo contraposto às tendências e aos padrões dominantes (CRUZ, 2009). No
local, se encontram a origem da diversidade e a inspiração para alternativas de
um desenvolvimento sólido, orientado pelos princípios da participação e do
poder endógeno e para o bem estar da comunidade (CRUZ, 2009, TREVIZAN,
2006, CORIOLANO, 2009).
Seguindo a lógica do desenvolvimento local, percebe-se que há
possibilidade de criar uma nova concepção de turismo, pautada em uma
50
mudança de valores. Pelo lado da demanda, uma prática em que os turistas
seriam atores reais do processo, com uma noção mais ampla de
responsabilidade e solidariedade, exprimindo uma procura de sentidos obtida
no diálogo entre os “visitantes” e os “visitados” (ZAOUAL, 2009). Pelo lado da
oferta, um turismo socialmente mais justo, cujo foco seja o bem estar e a
geração de benefícios para a comunidade receptora, de forma que a coloquem
como protagonistas e participantes do processo e não descaracterize suas
heranças culturais (BURSZTYN, BARTHOLO; DELAMARO, 2009). Por fim,
então, surge a ideia de um turismo ambientalmente responsável, que preze
pela qualidade ambiental do destino, sem causar o seu esgotamento ou a sua
destruição.
2.3 O TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA
Após refletir sobre os motivos que estão levando o turismo de massa ao
declínio e de mostrar que a atividade pode tomar rumos diferentes quando é
baseada em outros princípios, é necessário pensar em meios para se chegar
ao escopo desejado. Diversos estudiosos defendem que um dos caminhos
possíveis é por meio de turismo de base comunitária. Aqui, será discutido o seu
surgimento, a sua variedade de conceitos, a sua concepção como fenômeno
social e, por último, seus obstáculos e dificuldades.
2.3.1 O surgimento do Turismo de Base Comunitária
Como visto nas abordagens anteriores, as críticas construídas sobre o
fenômeno turístico geralmente partem dos conflitos e impactos gerados ao
meio ambiente e às sociedades onde a atividade é desenvolvida, pois o turismo
também vem seguindo o padrão vigente de desenvolvimento das outras
atividades econômicas inseridas no sistema capitalista. Assim, começam a
surgir esforços para buscar caminhos alternativos de desenvolvimento turístico
que gerem menos impactos à natureza e às comunidades locais (HENRÍQUEZ;
PILQUIMÁN; SKEWES, 2011).
51
Segundo Irving (2009), para encontrar um horizonte desejável, não se
faz mais necessário discutir sobre incompatibilidades ou riscos, mas encontrar
alternativas que internalizem a variável local e as identidades envolvidas para
construir um planejamento turístico adequado. Dentro desse contexto, surge o
Turismo de Base Comunitária.
De acordo com Irving (2009), no Brasil, o Turismo de Base Comunitária
era inicialmente visto como romântico e distante da realidade, diante das
perspectivas de um mercado globalizado e ávido por estatísticas e receitas. Foi
apenas na década de 1990 que um movimento coletivo de pesquisadores de
diferentes regiões do país, passou a desenvolver discussões sobre este tema,
no âmbito dos Encontros de Turismo de Base Local (ENTBL). Porém, seus
trabalhos tinham alcance limitado nas pesquisas de turismo que até então eram
centradas na visão de mercado. Assim, a produção acadêmica só teria saído
dos “bastidores” recentemente, “quando o turismo passou a ser interpretado,
no país, como alternativa possível para inclusão social, e a discussão para
participação social e governança democrática se tornou prioritária no âmbito
internacional” (IRVING, 2009, p.109).
Segundo Maldonado (2009), o turismo de base comunitária é um
fenômeno recente na América Latina e tem sido observado em ascensão em
todos os ecossistemas do continente, a partir da década de 80, por meio do
Turismo Rural Comunitário (TRC). Para o autor, diversos fatores de ordem
econômico, social, cultural e político explicam a sua origem.
O primeiro refere-se às pressões mundiais do mercado turístico que têm
interesse em consumir patrimônios naturais e culturais de comunidades
indígenas e rurais, seguindo as tendências do ecoturismo e turismo cultural. O
segundo vetor explicativo deriva-se da tentativa de alterar a realidade social
das comunidades que buscam superar uma situação de pobreza crônica,
levando-as a buscar alternativas de renda frente aos limitados resultados da
economia de sobrevivência. O terceiro, explica-se no papel desempenhado
pelas pequenas e microempresas no desenvolvimento econômico local e na
diversificação da oferta turística nacional. Finalmente, o quarto fator do
surgimento do TRC estaria ligado às estratégias políticas do movimento
indígena e rural para se incorporar no processo de globalização, preservando
sua identidade e seus territórios ancestrais (MALDONADO, 2009).
52
Conforme Sansolo e Bursztyn (2009), em 2004, o Ministério do Turismo
apontava o turismo rural como um fator indutor ao desenvolvimento regional,
tendo o território como ponto de partida para análise de investimentos em
infraestrutura. Contudo, o território ainda era avaliado segundo sua perspectiva
econômica, deixando atributos naturais, culturais e políticos em segundo plano.
Seria apenas em 2008, que o Mtur reconheceria institucionalmente a existência
do turismo de base comunitária, ao publicar um edital voltado para o fomento
da atividade (SANSOLO; BURSZTYN, 2009).
Deste modo, o TBC surge dentro de uma discussão que não interpreta a
prática turística apenas pela sua vertente de mercado, mas, principalmente,
como “fenômeno social complexo da contemporaneidade” (IRVING, 2009). Por
isso, ao se pensar no lugar turístico dentro desse contexto, deve-se
compreendê-lo como “ponto focal da transformação social, como lócus
preferencial das identidades, contradições, sonhos e desejos” (IRVINING,
2009, p. 110), envolvendo identidades e tramas complexas das relações
sociais (IRVINING, 2009). Dessa forma, o TBC só poderá ser desenvolvido
quando as comunidades deixarem de ser objetos e se tornarem sujeitos do
processo (IRVING, 2009) e quando houver “respeito à diversidade, à identidade
e se dê condições para que as comunidades apresentem suas demandas, suas
limitações” (SANSOLO, BURSZTYN, p. 158, 2009).
2.3.2 Refletindo sobre a sua diversidade de conceitos
No artigo “Turismo de Base Comunitária: potencialidade no espaço rural
brasileiro”, Sansolo e Bursztyn (2009) analisam que as publicações
acadêmicas evidenciam uma grande diversidade de conceitos de turismo de
base comunitária, já que as iniciativas deste tipo de turismo envolvem um
grande número de experiências e uma diversidade de realidades que podem
abranger municípios, áreas urbanas, áreas rurais, vilas, unidades de
conservação, aldeias indígenas, entre outras escalas territoriais, tornando
impossível uma generalização (BARTHOLO; SANSOLO; BURSZTYN, 2009).
Neste item serão apresentados alguns conceitos nacionais e internacionais,
53
expostos no artigo destes autores e em outras literaturas, a fim de mostrar a
diversidade de olhares que este tema abrange.
O governo boliviano entende o TBC como:
Um modelo alternativo de gestão turística, endógena e autônoma, dirigido pelas organizações comunitárias, rurais e indígenas, no marco da diversificação econômica de seus sistemas produtivos e da administração integral do desenvolvimento em seus territórios originários (BOLIVIA, 2006 apud SANSOLO; BURSZTYN, 2009, p.146).
Na Costa Rica, segundo o Consórcio Operativo de Rede Ecoturística
Nacional (COOPRENA), o TRC:
Se trata de uma oferta de turismo alternativo no meio rural, administrado diretamente por e para o benefício das comunidades organizadas, baseado na conservação e no aproveitamento dos recursos locais, tanto naturais, como culturais (2008 apud SANSOLO; BURSZTYN, 2009, p. 146).
No Equador, a Federação Plurinacional de Turismo de Base Comunitária
(FEPTCE), utiliza o seguinte conceito:
O turismo comunitário é uma atividade econômica solidária que relaciona a comunidade com os visitantes, desde uma perspectiva intercultural, com participação consensual de seus membros, tendendo á gestão adequada de seus recursos naturais e valorização do patrimônio cultural, baseados em um princípio de equidade na distribuição dos benefícios gerados (FEPTICE, 2008 apud SANSOLO; BURSZTYN, 2009, p. 146).
A ONG World Wild Found (WWF – Internacional) compreende o TBC
como sendo: “Uma forma de ecoturismo onde a comunidade local tem controle
substancial e envolvimento no seu desenvolvimento e gestão, e a proporção
maior dos benefícios permanecem na comunidade” (ONG WWF – International,
2001 apud SANSOLO; BURSZTYN, 2009, p. 146).
Segundo Sansolo e Bursztyn (2009), a partir destes conceitos pode-se
inferir que componentes como conservação ambiental, valorização da
identidade cultural e geração de benefícios para a comunidade são
características em comum das definições ora mencionadas. Nota-se também a
importância da participação comunitária na prática deste turismo.
54
No Brasil, a Rede Turisol, a Rede Tucum e o Ministério do Turismo
utilizaram os seguintes conceitos, respectivamente:
“Toda forma de organização empresarial sustentada na propriedade do território e da autogestão dos recursos comunitários e particulares com práticas democráticas e solidárias no trabalho e na distribuição dos benefícios gerados através da prestação de serviços visando o encontro cultural com os visitantes” (TURISOL, 2008 apud SANSOLO; BURSZTYN, 2009, p. 147). “O turismo de base comunitária é aquele no qual as populações locais possuem o controle efetivo sobre o seu desenvolvimento e gestão, e está baseado na gestão comunitária ou familiar das infraestruturas e serviços turísticos, no respeito ao meio ambiente, na valorização da cultura local e na economia solidária” (TUCUM, 2008 apud SANSOLO; BURSZTYN, 2009, p. 147). “O turismo de base comunitária é compreendido como um modelo de desenvolvimento turístico, orientado pelos princípios da economia solidária, associativismo, valorização da cultura local e, principalmente, protagonizado pelas comunidades locais, visando a apropriação por parte dessas dos benefícios advindos da atividade turística” (Mtur, 2008 apud SANSOLO; BURSZTYN, 2009, p. 145).
Nas definições acima, acrescenta-se a noção de empreendimentos
comunitários, intercâmbio intercultural, bem como a distribuição equitativa dos
benefícios gerados pela atividade por meio da economia solidária (SANSOLO;
BURSZTYN, 2009).
As definições subsequentes foram retiradas de autores renomados de
diferentes áreas que vem estudando o assunto ao longo destes anos e tiveram
seus trabalhos publicados no livro “Turismo de Base Comunitária: diversidade
de olhares e experiências brasileiras”.
Maldonado (2009), no seu artigo “O turismo rural comunitário na América
Latina: gêneses, características e políticas” adotou a seguinte definição:
Por turismo comunitário entende-se toda forma de organização empresarial sustentada na propriedade e na autogestão sustentável dos recursos patrimoniais comunitários, de acordo com as práticas de cooperação e equidade no trabalho e na distribuição dos benefícios gerados pela prestação dos serviços turísticos. A característica distinta do turismo comunitário é a sua dimensão humana e cultural, vale dizer antropológica, com objetivo de incentivar o diálogo entre iguais e encontros interculturais de qualidade com nossos visitantes, na perspectiva de conhecer e aprender com seus respectivos modos de vida (MALDONADO, 2009, p. 31).
55
Cruz (2009), no trabalho “Turismo, produção do espaço e
desenvolvimento desigual” compreende turismo comunitário como “uma forma
de turismo em que comunidades locais assumem o comando do turismo em
seus territórios” (CRUZ, 2009, p. 104).
Irving (2009) na sua pesquisa “Reinventando a reflexão sobre turismo de
base comunitária: inovar é possível?” entende que
turismo de base comunitária tende a ser aquele tipo de turismo que, em tese favorece a coesão e o laço social e o sentido coletivo de vida em sociedade, e que, por esta via, promove a qualidade de vida, o sentido de inclusão, a valorização da cultura local e o sentimento de pertencimento. (IRVING, 2009, p. 111)
Na pesquisa “Praia do Aventureiro: um caso sui generis de gestão local
do turismo” Costa, Catão e Prado (2009) adotam o seguinte conceito:
‘Turismo de base comunitária’ ou de ‘base local’ é entendido como aquele que, além de ser organizado de maneira peculiar e própria à comunidade onde ocorre, produz ganhos para ela mesma e não para pessoas de fora que lá estejam para explorar a atividade. (COSTA; CATÃO; PRADO, 2009)
Logo, contata-se que os conceitos acima mencionados possuem em seu
cerne algumas ou todas as premissas que Irving (2009) coloca como centrais
na conceituação do TBC, sendo elas:
Base endógena da iniciativa e desenvolvimento local: embora atores
externos possam funcionar como indutores do processo, o turismo deve
ter motivação endógena e expressar os desejos dos grupos locais, por
meio de alternativas que considerem as diferentes variáveis associados
aos recursos e demandas do local em que a comunidade reside
(IRVING, 2009).
Participação e protagonismo social no planejamento, implementação e
avaliação de projetos turísticos: a participação norteia-se pelo saber
compartilhado da problemática local e da identificação de necessidades
essenciais a serem incorporadas nos projetos de TBC, de forma que
norteie o tempo adequado para o seu desenvolvimento e engaje os
56
diversos atores envolvidos sob a ótica da co-responsabilidade. (IRVING,
1998 apud IRVING, 2009)
Escala limitada e impactos sociais e ambientais controlados: por se
tratar de uma proposta que segue uma nova filosofia de se fazer e de se
pensar o turismo, não se pode achar que terá a mesma geração de
receitas ocorridas no turismo de massa. Estando atrelada diretamente a
compromissos de sustentabilidade, objetiva prioritariamente a qualidade
ambiental e social do destino, já que entende que não havendo
mantimento dessas qualidades, irá se fragilizar como tempo e tender a
perda da sua atratividade. (IRVING, 2009)
Geração de benefícios diretos à comunidade: este seria o requisito
fundamental para o turismo de base comunitária, já que diversas
práticas turísticas tem sido criticadas em razão da exclusão social.
Iniciativas de base comunitária devem assegurar que recursos advindos
do turismo sejam aplicados em projetos que objetivem a melhoria da
qualidade de vida das comunidades, a partir de demandas locais e de
alcance coletivo. (IRVING, 2009)
Afirmação cultural e interculturalidade: a valorização cultural constitui um
parâmetro essencial no turismo de base comunitária, não no sentido de
sua importância mercadológica, mas com o objetivo de afirmação de
identidades e de pertencimento. (IRVING, 2009)
O “encontro” como condição essencial: o sentido de compartilhamento e
aprendizagem mútua também é uma característica ativa, onde acontece
uma troca intensa entre os ‘que recebem’ e os que ‘são recebidos’ e um
respeito destes com o ambiente no qual interagem. (IRVING, 2009)
Coriolano (2009) no livro “Arranjos produtivos locais do Turismo
Comunitário: atores e cenários em mudança” também coloca alguns princípios
como norteadores do desenvolvimento do turismo comunitário. Além do
protagonismo social e participação, a autora acrescenta que também deve
existir uma cooperação por meio de parcerias entre setor público e privado, no
sentido de capacitar e preparar a comunidade para o turismo, além de prestar
um auxílio financeiro para o seu desenvolvimento. Trevizan e Simões (2006)
defendem que patrimônio natural, patrimônio cultural e identidade (material e
57
imaterial) devem ser as bases de atração para o desenvolvimento local
sustentável nos projetos de turismo de base comunitária.
Ainda que discussões teóricas evidenciem a diversidade de realidades
de projetos de TBC, e, portanto, uma diversidade de olhares e ideias que
baseiam a sua conceituação, constata-se que estas discussões tem em comum
a visão de que o turismo de base comunitária deve “constituir vínculos, tecer
redes de relações, reafirmar identidades” sem que seja necessário se fechar
para o mundo (BARTHOLO; SANSOLO; BURSZTYN, 2009). Para Bursztyn,
Sansolo e Delamaro (2009), existem dois elementos comuns a serem
destacados: a afirmação identitária de comunidades em sítios simbólicos de
pertencimento e o movimento de resistência ativa contra as mais usuais formas
de desenvolvimento turístico. Estas características devem ter em seu cerne, o
intuito de melhorar as condições de vida de comunidades que, na maior parte
das vezes são excluídas e, sobretudo, prejudicadas, pelo processo de
desenvolvimento turístico.
Trata-se, portanto, de um turismo que “as relações econômicas são
enriquecidas por outras relações que ultrapassam a racionalidade do lucro
imediato” (SANSOLO; BURSZTYN, 2009, p.150), além de nem sempre ser a
atividade mais importante enquanto renda principal das famílias das
populações locais, mas que “serve de apoio à autoestima dessas comunidades
e se torna um meio de apoio às lutas sociais dos moradores” (SANSOLO;
BURSZTYN, 2009, p. 158).
2.3.3 A nova relação entre visitante e visitado
No seu trabalho “Sobre o sentido da proximidade: implicações para um
turismo situado de base comunitária”, Bartholo (2009) interpreta que “o lugar da
proximidade é o encontro face a face, um acontecimento que habita dimensões
meta-espaço-temporais”, em outras palavras, para se vivenciar a proximidade
faz-se necessário abandonar a “redutível métrica do cálculo aplicada ao espaço
(metros) e ao tempo (horas)” (BARTHOLO, 2009, p. 46). Deste modo,
atualmente, segundo a lógica mercantil-industrial, está ocorrendo uma recusa
da proximidade. Para explicar esta tendência, o autor menciona os dois tipos
58
de caráter relacionais humanos, a relação “Eu-Tu” e a relação “Eu-Isso”,
proposta por Buber (2001).
Seguindo este pensamento, entende-se que o turismo convencional
identifica-se com a relação “Eu-Isso”, pois segundo Bartholo (2009, p. 48):
O mundo do Isso abrange todo o espaço da experiência humana com objetos de conhecimento objetivo, manejo operativo prático e apropriação utilitária. (...) Ao ente issificado se imputa o papel de servir como um anônimo artigo de troca, que se pode experienciar, analisar e instrumentalizar, mas como quem não recebe uma verdadeira relação vinculante.
Essa relação difere-se intensamente da relação “Eu-Tu”, pois a segunda
pressupõe uma confrontação imediata, face a face (BARTHOLO, 2009).
Segundo Burber (2001 apud BARTHOLO, 2009) o acesso à alteridade do outro
não é uma percepção, mas uma interlocução, instaurada numa realidade
relacional. Lévinas ([s.d] apud BARTHOLO, 2009) reflete que o ente que é
invocado nesta relação é inefável porque o Eu fala com ele, não fala dele. Na
visão de Lévinas ([s.d] apud BARTHOLO, 2009), Burber baseia a experiência
humana no encontro, onde o Eu não pode construir uma representação do Tu,
mas sim o encontrar.
Por isso, Buber acredita que a verdade se encontra dentro de um “modo
relacional de ser”, onde se acolhe percepções de acordo com o que o outro me
revela e não como um saber em razão de certezas produzidas ou projetadas
(BARTHOLO, 2009). Sendo assim, excluir-se da “vida vivida”, seria arriscar-se
a “negligenciar a memória, a pretender julgar antes de pensar, e ao perigo
maior de identificar no lido a ilusão do já sabido” (PLATÃO apud BARTHOLO,
2009).
Aprofundando-se nesta questão, Bartholo (2009) analisa que nas
sociedades contemporâneas, as relações do tipo “Eu-Isso” estão cada vez
mais propícias, comparando-se com as do tipo “Eu-Tu”. Para o autor, o “nexo
do dinheiro” da mercantilização invade os espaços relacionais, colonizando a
“vida vivida” como produtoras de experiências de segunda mão que a
“espetacularizam” e mercantilizam. Dessa forma, a experiência humana reduz-
se ao uso de indivíduos como objetos de conhecimento, instrumentalização e
59
controle, excluindo qualquer hipótese de proximidades vinculantes
(BARTHOLO, 2009).
Porém, ao tentar afastar a espontaneidade e colocar intenção nos
diálogos, torna-se impossível estabelecer autênticas práticas relacionais
interpessoais, como coloca Bartholo (2009):
Uma intencionalidade dialógica implica o reconhecimento de uma impossibilidade: fazer do encontro face a face objeto ou produto. Desconhecer que ele é um acontecimento. Negar ao encontro autêntico o atributo de ser um acontecimento enraizado em radical indeterminação é a pretensão de transformar o Tu buberiano num Isso. Essa pretensão instaura pseudo-conversações, que tomam o lugar dos diálogos. Em suma, o desenraizamento tem como contrapartida a vigência de monólogos técnicos, a serviço de poderes desenraizados do sítio.
Segundo Bartholo, na realidade do turismo de base comunitária, tem-se
como característica fundamental a preponderância de valores relacionais nos
serviços turísticos ali implementados, possuindo como elementos chave o
acolhimento e a hospitalidade. Dentro dessa perspectiva, pode-se enxergar em
uma viagem, a oportunidade de compartilhar na relação entre o visitante e o
visitado a experiência de sentido que se dá dentro da comunidade
(BARTHOLO, 2009). Conforme o autor, “isto implica e requer uma atitude
dialógica, o que significa falar com alguém, não de alguém, ou de alguma
coisa” (BARTHOLO, 2009, p. 52). Pensar neste tipo de relação na prática
turística, significa se dispor a “imaginar-se no outro, ampliando o senso de
comunidade de um outro que podia ser eu” e receber “novas descrições da
realidade que podem alterar nossas verdades provisórias” (BARTHOLO, 2009,
p. 52), livrando-se, desta maneira, de agarras conceituais pré-concebidas
(BARTHOLO, 2009).
Irving (2009) reflete a relação entre visitantes e visitados sob a ótica do
“encontro” como condição essencial do TBC, ao que se refere ao sentido de
“dádiva”, o que ela acredita ser a troca entre “quem chega” e “quem está” no
lugar turístico (IRVING, 2008 apud IRVING, 2009). Neste sentido, a dádiva teria
como objetivo produzir um sentimento de amizade entre as pessoas
envolvidas, superando o significado de hospitalidade, “uma vez que este
ultrapassa a noção clássica vinculada apenas ao ato de receber” (IRVING
60
2009, p. 117). Para Denker (2003 e 2004 apud IRVING 2009, p. 117) o
“encontro” se alimenta de uma dinâmica em que “a qualidade da vivência do
visitante está relacionada à qualidade de vida do anfitrião”.
Além disso, ao se pensar no turismo de base comunitária como um
fenômeno predominantemente social, onde a experiência do turista com a
comunidade é uma premissa essencial do planejamento, chega-se a reflexão
em relação a que perfil de turista se deseja e melhor se encaixa nesta prática
de turismo (IRVING, 2009). Este perfil certamente exclui o turista convencional,
uma vez que “no encontro ele é também protagonista, o que implica como
condição para que o processo aconteça, a sua permeabilidade à diferença, sua
postura ativa em busca de conhecimento da realidade local e o seu
compromisso com o que pode gerar de novo e ético nesta relação” (IRVING,
2009, p. 117).
Portanto, o TBC pode ser visto como uma oportunidade de se praticar
turismo de forma diferente, já que as relações são o seu princípio fundamental
(SANSOLO; BURSZTYN, 2009). Neste modelo, há a possibilidade de um
encontro com o visitado num sentido mais profundo, expressado na relação de
proximidade “Eu-Tu”, proposta por Buber, abrindo espaço, assim, para “a
presença irredutível da alteridade do outro” (CARNEIRO; BARTHOLO, 2009).
Dessa forma, as relações econômicas são enriquecidas por outras relações
que ultrapassam a racionalidade do lucro imediato (SANSOLO, BURSZTYN,
2009), e vencem a concepção do “Eu-Isso” de conhecer o mundo e
“transformá-lo em objeto de posse, uso e experiência” (CARNEIRO;
BARTHOLO, 2009), reduzindo o encontro entre visitantes e visitados a
relações superficiais.
2.3.4 Obstáculos para desenvolver o turismo em comunidades
Ainda que o turismo exerça um importante estímulo às comunidades e
uma possibilidade de melhora efetiva de suas condições de vida, estas ainda
enfrentam graves restrições que dificultam a sua estabilidade no mercado
(MALDONADO, 2009; MIELKE, 2009). Por se tratar de comunidades que
muitas vezes estão inseridas em realidades com altos índices de pobreza e
61
baixo índice de desenvolvimento humano, estas restrições estão diretamente
ligadas a problemas sociais, como déficit na educação, formação profissional,
serviços básicos de saúde e carência de infraestrutura (MALDONADO, 2009).
Segundo Maldonado (2009), grande parte das deficiências constatadas
nos casos de turismo de base comunitária no Brasil também é derivado da
incursão das comunidades em situações de improviso, ausência de
profissionalismo, desconhecimento do mercado e dos instrumentos de gestão
dos negócios. Mielke (2009) acrescenta barreiras como falta de economia de
escala, capital financeiro, atitudes empreendedoras, inovações tecnológicas,
bem como a dependência de mercados emissores, já que grande parte dos
destinos ainda não possui uma procura efetiva, e por isso, a obtenção de
resultados demanda tempo.
Em relação ao tempo, Mielke (2009) adiciona que a consolidação desses
projetos deve ser planejada a médio ou longo prazo. Primeiro, porque não se
pode colocar decisões antecipadas para as comunidades sem que elas
estejam preparadas para isso. Segundo, porque isso requer apoio externo que,
muitas vezes, pode tornar-se uma dependência, pois há o risco de os projetos
serem conduzidos ao fracasso, caso se retirem esses apoios. Irving (2009)
também destaca essa questão da necessidade de se pensar em iniciativas de
longo prazo em realidades comunitárias baseando-se em outros argumentos:
Os processos participativos são lentos, envolvem custos adicionais nem sempre considerados nos orçamentos em planejamento turístico, e exigem um elevado investimento em formação de recursos humanos e construção de arcabouços metodológicos capazes de lidar com as especificidades locais e gerar respostas. Sendo assim, não se pode imaginar iniciativas de curto prazo com objetivo de mobilização dos atores locais para o turismo de base comunitária. (IRVING, 2009, p.114 e 115)
Além disso, exige-se tempo para que ocorra amadurecimento de forma
que interesses divergentes não impeçam que o desenvolvimento de turismo de
base comunitária ocorra de forma duradoura e justa (MIELKE, 2009). Mielke
(2009) ressalta a importância de encontrar líderes dentro da comunidade
capazes de resolver conflitos decorrentes dessa incompatibilidade de
interesses que muitas vezes advém de processos anteriores ao turismo, bem
62
como superar por meio da educação cooperativa possíveis disputas que
normalmente surgem entre membros da comunidade.
Agrega-se a isso o fato de que muitos acordos e assuntos complexos de
interesse coletivo, principalmente os relacionados a dinheiro, demandam
maturidade (MIELKE, 2009). Segundo o autor, quando a comunidade já se
apresenta organizada politicamente e possui um avançado estágio de
cooperação, o processo de inserção e estruturação estratégica do turismo
torna-se mais fácil. Ademais, deve-se atentar para que a organização
comunitária não se torne excludente, bem como o seu processo seja
democrático e transparente (MIELKE, 2009).
Outro entrave em relação à necessidade de prazos de médio ou longo
prazo para implementação do TBC, diz respeito à cobrança de resultados
imediatos do governo. Muitas vezes, ao apoiar financeiramente projetos de
TBC, os governos exigem respostas imediatas já que na realidade política
brasileira eleições acontecem a cada quatro anos (MIELKE, 2009).
Da mesma forma, também muitas vezes a distância geográfica entre as
residências de grupos comunitários, além de suas obrigações rotineiras torna-
se um problema. Segundo o autor, isto pode dificultar a criação de uma agenda
efetiva, já que muitas vezes na hora que reuniões estão acontecendo, muitos
deles estão deixando de trabalhar ou atender em seu próprio negócio (MIELKE,
2009).
Igualmente, é evidente a complexidade de inserção de comunidades
indígenas e campestres no turismo (MALDONADO, 2009). Primeiro, em razão
dos impactos negativos que podem ser gerados por se tratar de uma atividade
competitiva e internacionalizada que se desenvolve em comunidades que
muitas vezes são “dedicadas às atividades tradicionais de sobrevivência, com
poucas fontes alternativas de rendimento” (MALDONADO, 2009, p. 26).
Segundo, “em função do caráter ambivalente do turismo que embora
represente uma oportunidade para melhorar o bem-estar das comunidades,
não obstante, sempre traz consigo ‘efeitos do pacote’, muitos destes
irreversíveis, como alterações nos padrões de produção e consumo, e as
ameaças à cultura” (MALDONADO, 2009, p. 26).
63
Por fim, Maldonado (2009) coloca algumas deficiências na oferta de
turismo de base comunitária que costumam se repetir e podem ser resumidas e
organizadas em um quadro com oito itens:
Deficiência da oferta de turismo comunitário
1.
Oferta dispersa e fragmentada, carente de estruturas e mecanismos regulares de cooperação interna para organizá-la e externa para potencializá-la. Apesar das vantagens das parcerias serem percebidas, os esforços empreendidos ainda são insipientes e pouco sistemáticos.
2. Escassa diversificação dos produtos turísticos cujos componentes são baseados exclusivamente em fatores naturais e herdados, ainda que exista potencial e vontade para empreender inovações que superem o mimetismo predominante.
3.
Gestão profissional limitada, tanto operacional como gerencial dos negócios; as tendências e o funcionamento da indústria do turismo são desconhecidos. As aspirações das comunidades de acesso a serviços de informação e capacitação permanecem amplamente insatisfatórios.
4. Qualidade heterogênea dos serviços, com predominância de qualidade média e baixa. A competência aguda com outras empresas tende a resolver-se somente a curto prazo e através da baixa de preços.
5. Posicionamento incerto e imagem pouco divulgada do turismo comunitário em mercados e segmentos dinâmicos: a promoção e comercialização são realizadas, geralmente, por meios rudimentares, individuais e diretos.
6. Participação marginal ou subordinada de mulheres e suas associações na concepção e condução de projetos turísticos e, consequentemente, na capitação de benefícios.
7.
Deficiência de mecanismos de informação, comunicação e organização comercial: a fraca representação e capacidade para negociação com outros agentes da cadeia turística não permite a tomada de decisões estratégicas, além do horizonte diário.
8.
Déficit notável de serviços públicos: rodovias, eletricidade, água potável, saneamento ambiental e esgoto, comunicação e sinalização turística. As comunidades não são capazes de conduzir estes custos; isto é responsabilidade dos governos locais ou nacionais.
Quadro 7: Deficiência da oferta do turismo comunitário Fonte: NETCOM, 2006 apud Maldonado (2009)
64
3 O CASO DE CURUÇÁ
Passada a etapa da caracterização da área de estudo e do debate
teórico existente sobre TBC, chega-se, enfim, na pesquisa de campo.
Primeiramente, o capítulo irá abordar o turismo no estado do Pará, no polo
turístico da Amazônia Atlântica e no município de Curuçá, com intuito de que
se tenha uma visão geral das características das práticas turísticas nestas
regiões. A pesquisa de campo é trabalhada a partir do ítem 3.3, objetivando
refletir sobre esta nova alternativa de turismo de acordo com a realidade de
Curuçá. Assim, a pesquisa de campo apresenta o surgimento da ideia da
implantação da atividade no município, como eram operados os passeios, as
dificuldades encontradas no processo de sua construção, os benefícios
percebidos pela pesquisadora e os caminhos encontrados pelos comunitários
para dar prosseguimento à atividade.
3.1 O TURISMO NO PARÁ
Ainda que possua potencial para a sua prática, o turismo ainda está
dando os seus primeiros passos e possui um caráter amador na Amazônia
brasileira (NELEMAN, 2010). Mesmo com o reconhecimento e, por vezes,
denominações como exuberante e exótica (TAVARES, 2009), são poucas as
pessoas que se dispõem a deslocar-se até a região. A atividade está
concentrada principalmente nos Estados do Amazonas e do Pará,
considerados os mais desenvolvidos da Região Norte (NELEMAN, 2010).
Atualmente, o Pará é reconhecido principalmente pelas suas
atratividades naturais, servindo como porta de entrada da Floresta Amazônica,
e por desperta curiosidade no imaginário do turista em relação aos saberes e
fazeres amazônicos, no que diz respeito ao seu modo de vida e à maneira
como as populações tradicionais se relacionam com a floresta e seus recursos
(PARATUR, 2012).
Diversas manifestações da cultura popular também são consideradas
atrativos turísticos do Pará. Entre elas, destacam-se o Círio de Nazaré e a
65
Marujada, festas populares seculares que envolvem fé, religiosidade e rituais
profanos; ritmos tradicionais presentes no cotidiano da população como o
carimbó, xote bragantino, siriá e o lundu marajoara; sua gastronomia
considerada exótica por possuir pratos típicos com herança da colonização
portuguesa, africana e indígena, esta última mais influente; além do açaí e de
outros ingredientes naturais presentes nos sorvetes de frutas regionais
(PARATUR, 2012).
Porém, a região é percebida como destino de baixa qualidade e
credibilidade (PARATUR, 2012). Segundo o Relatório Executivo elaborado pela
PARATUR (2012), fatores como falta de divulgação, falta de opções de voos,
preços elevados de passagens aéreas e de hotéis, carência de informação
disponível, bem como falta de estrutura local são algumas das dificuldades que
o estado enfrenta para trazer mais turistas até o destino e, consequentemente,
fomentar a atividade.
Atualmente, o Pará foi dividido pela PARATUR em seis polos turísticos:
o Polo Belém, o Polo Amazônia Atlântica, o Polo Araguaia Tocantins, o Polo
Marajó, o Polo Tapajós e o Polo Xingu, conforme ilustrado no mapa a seguir:
Mapa 8: Pará conforme seus polos turísticos Fonte: PARATUR, 2011.
66
Ao visitar o site do Órgão Oficial de Turismo do Pará (PARATUR), é
perceptível que todas estas regiões são divulgadas pela sua culinária. Nota-se,
portanto, um forte potencial no turismo gastronômico. Outro fator a ser
destacado é que o único destino que vende atrativos turísticos urbanos é a
capital Belém, com sua arquitetura e seus museus. Todavia, como na maior
parte do Brasil, os atrativos mais procurados são os de turismo de praia pelos
próprios moradores do estado, concentrados em Mosqueiro (distrito de Belém
com praias de rio), na Ilha do Marajó, e na Amazônia Atlântica dentro dos
municípios de Salinópoles, Algodoal e Marudá. Estes últimos encontram-se
sempre superlotados no mês de julho (verão da Amazônia) e mês de janeiro,
configurando-se, portanto, como turismo de massa. Além de Belém, todas as
outras regiões turísticas são divulgadas pela Paratur predominantemente pelos
seus atrativos naturais. Porém, na realidade, a maioria destes destinos é de
difícil acesso, não possuem uma boa infraestrutura e demandam tempo de
deslocamento que varia de acordo com a realidade de seus rios, que são os
caminhos naturais da região (PARATUR, 2012). Isso significa que, por mais
que as pessoas se sintam interessadas em visitar estes lugares, vão encontrar
inúmeras dificuldades para acessá-los. O transporte aéreo seria a alternativa
mais eficiente para o problema de tempo de deslocamento. No entanto, embora
possua sete aeroportos com operação de voos regulares internacionais,
nacionais e regionais, o estado possui uma oferta ainda considerada ineficiente
e com valor de bilhetes aéreos superiores à média nacional (PARATUR, 2011).
Por fim, uma questão que merece destaque para este trabalho é que,
apesar de possuir três destinos que tiveram projetos de turismo de base
comunitária aprovados e financiados pelo Ministério do Turismo (Praia do
Pesqueiro na Ilha do Marajó, Santarém e Curuçá) esta prática não é divulgada
pelo site da Paratur, o que pode significar falta de apoio ou desconhecimento
por parte do governo estadual do desenvolvimento deste tipo de turismo nestas
localidades.
67
3.2 O TURISMO NA AMAZÔNIA ATLÂNTICA E NO MUNICÍPIO DE CURUÇÁ
Conforme Nascimento (2009 apud AMARAL, 2010), o polo turístico em
que o município de Curuçá está localizado possui um expressivo potencial
turístico e se destaca essencialmente pelo seu patrimônio natural. Entretanto,
como já mencionado no item anterior, o tipo de turismo encontrado na
Amazônia Atlântica, é predominantemente turismo de praia e de massa.
Segundo Neleman (2010) este tipo de turismo vem superlotando os destinos
costeiros do estado, principalmente Salinópoles, Ilha de Algodoal e Marudá, e
mudando a organização espacial e social destes destinos, por meio da
construção de casas de veraneio, novos hotéis, restaurantes e outras
instalações.
Em Salinas, por exemplo, pescadores venderam seus terrenos próximos
ao litoral para pessoas de fora e construíram suas residências na periferia da
cidade. Deste modo, áreas de mangue vêm sendo ocupadas, causando sérios
problemas ambientais, além de trazer especulação imobiliária por meio do
turismo. Ademais, antigos pescadores e pequenos agricultores abandonaram
seus “tradicionais” meios de sobrevivência para trabalhar como caseiros para
donos de casas de veraneio (NELEMAN, 2010). Como resultado, “o sistema de
troca e solidariedade das comunidades de pescadores foi transformado”, os
preços do mercado local aumentam substancialmente em época de alta
temporada, além das praias passarem a reunir uma imensa quantidade de lixo
nesta época (NELEMAN, 2010, p. 29).
Na Ilha de Algodoal26, há menos de uma década, não havia eletricidade.
Neste sentido, a vinda de turistas trouxe benefícios para a população, pois em
sua decorrência foi implementado o sistema de energia elétrica na localidade.
Por outro lado, como o turismo instalou-se de forma desenfreada e
desordenada, diversos problemas antes inexistentes, começaram a aparecer.
Problemas como superlotação, violência, uso de drogas e, em época de alta
temporada, chega-se ao limite de não ter comida e água suficiente para as
pessoas que estão na ilha. Dessa forma, a atividade vem descaracterizando e
fazendo o lugar perder o que possuía de mais atrativo: a paz, as pessoas, a
26
Análise da própria pesquisadora, visto que morou no Pará 16 anos e visitou a ilha diversas vezes, acompanhando estas mudanças.
68
cultura e a natureza. Assim como ocorreu em Salinas, muitos nativos venderam
seus terrenos e foram morar em áreas de mangues. Como visto no capítulo
anterior, estes riscos são inerentes ao turismo, quando não é implantado de
forma organizada e responsável e comprometido com o desenvolvimento local.
Processos como esse ainda não ocorreram em Curuçá em razão da
dificuldade de acesso até as praias e por não possuir infraestrutura adequada
para receber turistas. Segundo estudo feito pela Secretaria de Turismo de
Curuçá em 2005 (apud NELEMAN, 2010), a maioria dos turistas que visitam a
cidade vem do Estado do Pará (98,5%), onde o principal emissor é a cidade de
Belém (76,2%), seguidos de Castanhal (9%), Ananindeua (4,8%), Santa Izabel
(0,7%), e outras cidades vizinhas (7,8%). Apenas 0,3% vieram do Amapá, 0,3%
do Ceará, 0,3% do Rio de Janeiro e 0,6% da França e Alemanha. Conforme o
mesmo estudo, a maioria destes turistas tem por objetivo a visita a familiares, o
que foi confirmado em campo ao ouvir relatos de que a sua maior parte são
“filhos de Curuçá” que vão tentar a vida na capital, mas que retornam nas
férias.
De acordo com observações feitas em campo, um dos maiores
problemas em relação à infraestrutura de turismo é a carência de hospedagem
e restaurantes, e a necessidade de profissionalismo no atendimento dos
mesmos. De acordo com o Inventário (2012), Curuçá conta apenas com 5
hotéis, 3 pousadas, 2 dormitórios e 1 motel, totalizando 123 unidades
habitacionais, das quais duas indicadas por moradores para a pesquisadora,
são de baixa qualidade27. Em relação aos restaurantes, são 15 no total, porém
a pesquisadora constatou que sua grande maioria funciona por meio de
situações de improviso, havendo necessidade de capacitação e
profissionalismo. Todavia, averiguou-se que os donos destes restaurantes são
“pessoas mais humildes” e vem tentando se organizar de acordo com os
recursos que possuem.
27 A pesquisadora, ao ir a campo, se hospedou no Hotel Glória, indicado pelo Secretário de
Turismo da época e por alguns locais que teve primeiro contato. Por mais que quesitos como toalha e água quente estivessem inclusos no preço, ambos não foram ofertados no serviço. Além disso, em diversos horários, não havia funcionários no hotel, nem mesmo na recepção. Quando houve o problema da toalha, não havia com quem fazer esta solicitação. A diária do quarto era de R$120, o que indica que o preço não condiz com a qualidade do hotel nem com o público potencial para o município. A pesquisadora também se hospedou na Pousada Espardarte e no primeiro dia faltou luz durante um período de mais de duas horas.
69
Outra problemática local são os resíduos de lixo tanto na periferia, como
nas áreas naturais (praias, igarapés e bosques do município), além da falta de
saneamento básico principalmente nas áreas rurais. De acordo com Charles
Cardoso, pescador e guia de ecoturismo do município, a falta de policiamento e
de iluminação pública também são entraves para o desenvolvimento do turismo
na cidade.
Entretanto, esta realidade pode mudar com a construção dos portos na
Praia da Romana. Segundo Neleman (2010), no caso da aprovação efetiva dos
projetos, a Ilha da Romana não fará mais parte da Resex e abrirá suas portas
para investimentos de agentes imobiliários e de turismo. Por um lado, isto
poderia trazer benefícios para a cidade, visto que permitiria o acesso à Praia28
por preços mais acessíveis, já que o projeto construiria quatro pontes que
interligariam o Porto do Abade, Ilha de Fora, Ilha de Ipomonga até a Ponta da
Tijoca29. Porém, poderá trazer também danos ambientais, pois permitiria a
entrada de carros até uma localidade frágil, bem como transformaria um
turismo de pequena escala e baixo impacto, em turismo de praia, trazendo os
mesmos impactos do turismo de massa já vivenciados em outras localidades
da Amazônia Atlântica (NELEMAN, 2010).
Embora tenha diversos desafios a superar, a cidade já está evoluindo
em relação ao fomento da organização do turismo. Atualmente, Curuçá conta
com uma Secretaria de Turismo já estruturada, situada no píer município, onde
funciona um posto de informações turísticas com três funcionários que além de
auxiliar os visitantes, armazenam dados sobre o receptivo local para entender o
seu perfil e fazer futuros planejamentos. Além disso, Curuçá está incluso entre
os 26 municípios contemplados pelo Programa de Desenvolvimento do
Ecoturismo Legal – PROECTOUR, além de ter sido inserido entre os 40
municípios paraenses no Mapa de Regionalização do Turismo, do Ministério do
Turismo, em 2009, e adquiriu o Certificado de Município Turístico concedido
pela PARATUR, em 2010. Ademais, a cidade conta com uma diversidade de
recursos naturais e um calendário festivo municipal já consolidado, que pode
28
Atualmente, para atravessar até a Ilha da Romana é cobrado o valor de R$250, podendo ser dividido até 20 pessoas. 29
Informação obtida em campo.
70
facilitar o desenvolvimento do turismo na área de pesca, aventura, sol e praia,
ecologia, religião, agricultura (turismo rural) e cultura (INVENTÁRIO, 2012).
3.3 O TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA DE CURUÇÁ
Ao se pensar nas oportunidades econômicas para Curuçá,
primeiramente o que se tem em vista é um caminho “tradicional” orientado pela
lógica da RESEX que visa preservar e proteger as atividades de pesca,
extrativismo e agricultura das populações ribeirinhas do município. A segunda,
seria por meio das propostas de emprego que viriam com a construção dos
portos e com os investimentos para o município que chegariam em função
dessas construções. Entretanto, os dois caminhos parecem inadequados, visto
que o primeiro oferece oportunidades limitadas que não levam à melhoria das
condições de vida da população e a segunda tem grandes chances de trazer
impactos negativos para o município, tanto no nível ambiental, como no social
(NELEMAN, 2010). Sendo assim, surge uma alternativa de se pensar no
desenvolvimento para a população de Curuçá, o ecoturismo de base
comunitária. Este item visa discutir como ocorreu e quais foram as dificuldades
e benefícios deste processo para comunidade, além de discutir se o TBC
serviu como alternativa econômica e para o desenvolvimento local.
3.2.1 Os primeiros passos O turismo de base comunitária passou a ser pensando no município com
a chegada do Instituto Peabiru30 em 200631. Primeiramente, o Instituto visava
30 O Instituto Peabiru é uma organização da sociedade civil de interesse público (OSCIP), com
sede na capital do Estado do Pará, Belém. Foi criado em 1998, em São Paulo (SP), onde inicialmente ambientalistas, cientistas, empresários e educadores se reuniam para incentivar o ecoturismo e a educação ambiental. Após sua transferência para Belém, houve uma ampliação na sua área de atuação e o foco voltou-se para a Amazônia. Atualmente, a ONG tem como missão valorizar a diversidade cultural e ambiental e apoiar processos de transformação social na região, atuando como facilitador de processos de mobilização social que garantam o direito à cidadania de populações rurais e tradicionais, comunidades quilombolas e indígenas, com ênfase na inclusão de mulheres e jovens. (MEIRELES; SÁ, 2009)
71
entender a realidade local e conhecer o perfil da cidade para montar os seus
projetos sociais. Inicialmente, se aproximou de uma articulação já organizada
dentro da comunidade, o grupo pastoral da juventude, que não trabalhava
apenas com religião, mas também com cidadania. Então, foram organizadas
diversas reuniões que tiveram como tema o que a comunidade desejava para
seu futuro e o que gostaria que fosse desenvolvido no município. Como relata
um dos funcionários do Peabiru entrevistados, descrevendo o processo:
“Então, abriu-se pra eles no que eles queriam ser apoiados, o que interessavam a eles... Todo mundo viajou... Queriam escola de música, oficina disso ou daquilo... Ninguém decidia que queria levar alguém pra Romana ou pra Ilha de Fora... Pra eles é tão normal aquilo que eles não viam isso como um potencial.”
O outro funcionário do Peabiru, acrescentou: “É porque o que eles veem
na televisão é aquele tipo de turismo com grandes hotéis, com pacotes
bonitinhos”. Desta forma, desenvolveu-se uma proposta de projetos sociais
com a chamada “Escola Casa do Mangue”. Posteriormente, houve uma reunião
com a AUREMAG e os membros da comunidade resolveram mudar o nome
para “Escola Casa da Virada”32. O objetivo inicial era oferecer capacitação e
trocar conhecimentos com a população local. O projeto trabalhava com cinco
áreas temáticas: educação ambiental, clínica de ONGs, museu do mangue,
oficinas comunitárias e agenda 21 local.
O ecoturismo de base comunitária surgiu paralelamente ao curso de
agentes ambientais, responsável por formar filhos de pescadores, professores
e agricultores. No curso de agentes ambientais, foi ensinado sobre a
conservação e manejo de manguezais e recursos hídricos, tanto na teoria
como na prática. Como já havia diversas pessoas que sabiam da importância
dos recursos naturais da Reserva Extrativista em que estavam inseridas, além
de conhecer os potenciais locais, a ideia de implementar o ecoturismo na
região tornou-se simples. Além disso, o fato do Instituto Peabiru já ter
31
As informações deste item inteiro foram relatadas pelos dois funcionários entrevistados do Instituto Peabiru. 32
Segundo Xavier Cardoso, o termo “virada” refere-se à virada da maré e é usado pelos pescadores quando querem dizer que estão saindo para pescar, para buscar o seu sustento. Tem conexão também com o sentido de que “virada” é um termo que busca mudança para melhorias, como o utilizado no futebol (“gol da virada”) e em ano novo (“ano da virada”), data para renovar esperanças.
72
experiência com ecoturismo, também foi outro facilitador. Como o diretor da
instituição, João Meirelles, já havia sido presidente do Instituto de Ecoturismo
do Brasil (IEB) e foi fundador do S.O.S Mata Atlântica, já possuía experiência
em levantamento do potencial de ecoturismo em diversas regiões do país
(MEIRELLES; SÁ, 2009).
Assim, foram realizadas oficinas de turismo de base comunitária com
intuito de apresentar o tema para a população. O primeiro curso foi o de
formadores de turismo de base comunitária, ministrado por profissionais de
Turismo da Universidade Federal do Pará – UFPA, em seguida, foram
ofertados cursos promovidos por Gabriela Carvalho33 e também os da
prefeitura municipal. Todos os cursos objetivavam explicar esta nova
modalidade de turismo para a população, como explicitado na fala do
funcionário do Peabiru:
“O ecoturismo veio como um curso só, que não tava inscrito no programa da Casa da Virada. (...) As oficinas de ecoturismo de base comunitária vinham falar dessa nova modalidade do turismo que era voltado pra população local... Pro agricultor, pescador, gerando uma renda complementar pra eles. (...) Aí o grupo foi se formando e se fortalecendo.... E aí chegou-se no Instituto Tapiaim
34.”
O processo aconteceu da seguinte maneira: a Casa da Virada formou 25
monitores que se uniram e formaram um grupo de ecoturismo. Contudo, muitos
foram desistindo ao longo do tempo em razão das expectativas frustradas em
relação a emprego, sobrando apenas 5 jovens. Ao final, novos agentes
ambientais foram formados e convidados a participar, totalizando um grupo de
17 pessoas. Em 2008, a Estação Gabiraba aderiu ao projeto e os primeiros
ecoturistas visitaram Curuçá. No mesmo ano, o Instituto Peabiru submeteu um
projeto para ser financiado pelo Ministério do Turismo com a finalidade de
organizar cursos de capacitação empresarial e assim montar uma cooperativa
e uma agência comunitária. Enquanto aguardavam a chegada dos recursos,
que só vieram cerca de dois anos depois, o grupo se organizou e formou o
Instituto Tapiaim, legalmente reconhecido apenas em 2010 (NELEMAN, 2010).
33
Dona da Estação Gabiraba, agência de turismo que enviava turistas para Curuçá. 34
Conforme informação obtida em campo, “Tapiaim”é o nome de uma formiga grande e preta da região. Segundo a crença popular, se matarem a formiga, chove o dia inteiro.
73
A seguir, uma linha do tempo foi montada para facilitar o entendimento das
etapas do projeto:
Quadro 9: Etapas do projeto de TBC de Curuçá. Fonte: Elaboração própria com base na de Neleman (2010).
Segundo relatos dos funcionários do Instituto Peabiru, a partir do
momento que os membros do grupo observaram que o lugar onde moram tem
potencial e que eles podiam obter uma renda extra por meio do turismo, foi
criada uma nova consciência em relação ao ambiente em que vivem e por isso
a instituição foi se fortalecendo dentro da temática de ecoturismo de base
comunitária, pois a comunidade passou a enxergar um potencial local antes
desconhecido que poderia ser trabalhado e gerar uma renda complementar.
Para eles, era novidade pensar que suas vivências de pesca e de roça e o
ambiente que viviam, pudessem atrair turistas.
Assim, o projeto foi se desenvolvendo com intuito de incluir as
comunidades “tradicionais” e servir como uma nova fonte de renda para os
moradores do município. A ideia era a de criar empregos locais e capacitar os
jovens na atividade do ecoturismo. Objetivava-se também que estes jovens
aumentassem a sua autoconfiança e cidadania e que passassem a se
preocupar com o ambiente que viviam, estimulando a conservação das áreas
degradadas da Resex por meio da filosofia do ecoturismo (NELEMAN, 2010).
Com base nessas informações, é possível destacar que o início do
projeto foi de acordo com algumas premissas abordadas por Irving (2009),
como base endógena na iniciativa que abra espaço para a comunidade
expressar seus desejos, a preocupação com a participação e protagonismo
social através do saber compartilhado, a importância desta prática estar
atrelada a compromissos de sustentabilidade que almejem a qualidade
74
ambiental e social do destino, bem como sua valorização cultural. Além disso,
Mendonça e Irving (2004) analisam que o desenvolvimento local deve passar
por um processo decisório que demanda a mobilização e participação das
lideranças locais em todas as suas fases, o que também aconteceu no caso de
Curuçá. Ademais, Coriolano (2009) coloca como um dos princípios norteadores
deste tipo de turismo a importância de parceria externas que auxiliem a
comunidade no desenvolvimento do TBC, papel esse conferido ao Instituto
Peabiru.
3.3.2 Sobre os passeios e as comunidades visitadas
Inicialmente, a ideia deste item era descrever os passeios, relatando os
roteiros e a relação observada entre turista e anfitrião, conforme a experiência
pessoal da pesquisadora. Porém, em razão do turismo de base comunitária do
município estar passando por uma fase de transição, esta abordagem não
pôde ser concretizada, pois os passeios não estavam mais acontecendo
regularmente. O único passeio que ainda era possível de se operar com guia
de ecoturismo, embora de forma improvisada, era até a Praia da Romana.
Entretanto, além de depender dos horários da maré35, era necessário conseguir
um grupo para que pudesse ser pago o preço da viagem (R$250). Além disso,
o tempo da pesquisadora em campo não permitiu entrevistar membros das
comunidades onde ocorriam os passeios, limitando-se a relatos de membros
do Instituto Tapiaim e do Peabiru. Por isso, a pesquisa de Neleman (2010) e de
Queiroz (2011) serviram como recurso para complementar esta abordagem, já
que ambas realizaram entrevistas com os moradores das comunidades. Deste
modo, objetiva-se aqui caracterizar resumidamente as comunidades incluídas
no roteiro, mostrar como os passeios aconteciam e fazer algumas observações
relacionadas a premissas de TBC abordadas na teoria, articulando com o que
acontecia na prática no caso de Curuçá.
35
Para acessar a Praia da Romana, é necessário pegar barco do Abade, num percurso que dura de uma hora e meia a duas horas.
75
A operação de receber turistas funcionava em parceria com a agência
Estação Gabiraba36, de Belém, e a Turismo Consciente, de São Paulo, onde
normalmente a segunda fazia contato com a primeira, informando que um
grupo queria fazer um dos roteiros em Curuçá e, posteriormente, a Estação
Gabiraba informava ao Instituto Tapiaim que se organizava para receber os
visitantes. O turista escolhia o roteiro antecipadamente37. O Instituto Tapiaim
operava com quatro dos 52 povoados nos seus roteiros: Pedras Grandes e
Recreio, localizadas na Ilha de Fora (Mapa 10), Praia da Romana situada na
Ilha da Romana (Mapa 11) e Muriazinho (Mapa 10), localizada próxima ao
centro da cidade, como ilustrado nos mapas a seguir:
36
Criada em 2007, comprometida com os princípios do ecoturismo de base comunitária e do comércio justo. 37
Informações obtidas em campo.
76
Mapa 10: Localização das comunidades de Recreio, Pedras Grandes e Muriá. Fonte: Neleman, 2007.
Mapa 11: Localização da Praia da Romana. Fonte: NELEMAN, 2010.
77
Pedras Grandes está localizada no lado oposto do porto do distrito de
São João do Abade, separada pelo Rio Muriá (Mapa. 10). Por isso, é a porta de
acesso da Ilha de Fora. Para acessar o povoado, é necessário fazer travessia
de barco que dura cerca de 10 minutos e com o custo de R$1,00 por pessoa. A
comunidade consiste em 326 habitantes, dividida em 30 famílias que habitam
80 casas, cujas atividades são associadas à agricultura e à pesca (NELEMAN,
2010; QUEIROZ, 2011). O povoado conta com duas associações: a
Associação do Povoado de Pedras Grandes e Associação Comunitária de
Pedras Grandes, a primeira com 20 anos de existência e a segunda com 4
anos (QUEIROZ, 2011). Pedras Grandes teria entrado no roteiro em razão de
um membro do Instituto Tapiaim morar ali e já ter um conhecimento sobre o
potencial natural da região, permitindo caminhada em trilhas, banhos de
igarapés e visita às casas de farinha. Quando os participantes permaneciam no
local, era uma das famílias que ali residiam que preparavam a alimentação
(QUEIROZ, 2011).
Recreio também é localizado na Ilha de Fora, em frente à comunidade
Boa Vista de Muriá, esta última situada no outro lado do Rio Muriá. A
comunidade é composta por 200 residentes divididos em aproximadamente 30
famílias de quilombolas38 (NELEMAN, 2010). A melhor maneira de acessar a
região, é passando por uma estrada de barro (vicinal 22.4) que liga o centro de
Curuçá até Boa vista de Muriá, e de lá fazer travessia de barco ou canoa até o
povoado (NELEMAN, 2010). Segundo Queiroz (2011), o fato de não haver
travessias regulares de barcos, dificulta a chegada dos moradores até o local,
fazendo com que a comunidade dependa do barco escolar para este fim. Assim
como Pedras Grandes, o povoado do Recreio teria sido incluído nos roteiros
em razão de um dos integrantes do Tapiaim morar ali e sua família poder
preparar alimentação para os turistas. Além disso, o lugar também oferece
caminhadas em trilhas e banhos em lagos e igarapés, além de acesso ao Rio
Muriá.
Muriazinho ou Muriá fica cerca de 4km da sede de Curuçá, onde seu
acesso pode ser feito por transportes rodoviários. Segundo Queiroz (2011), o
nome do povoado deve-se à sua proximidade com o Rio Muriá. A comunidade
38
De acordo com a pesquisa de Queiroz (2011), a comunidade tem 125 moradores divididos em 33 famílias.
78
tem 314 habitantes que vivem basicamente da agricultura, com destaque para
o cultivo da mandioca, e possui uma associação criada há vinte anos, a
“Associação Comunitária Nossa Senhora do Livramento”. Muriazinho teria
entrado no roteiro primeiramente em uma situação de improviso, em um dia
que não pôde ser feito o passeio até a Ilha de Fora. Como alguns integrantes
do Tapiaim conheciam a região, levaram o grupo para conhecer os igarapés,
caminhar na trilha e conhecer as casas de farinha39 (QUEIROZ, 2011).
Segundo Queiroz (2011), o passeio incluía demonstração do processo de
produção de farinha, uma trilha de 2,2km de extensão e banho nos igarapés
dos arredores.
A Praia da Romana40 (ANEXO D) fica situada em uma ilha fora da costa
de Curuçá, sendo a primeira praia em mar aberto depois da foz do rio
Amazonas, com 14 km de extensão. Para acessá-la é necessário ir até o Porto
do Abade e contratar o serviço de um dos barqueiros locais que cobram um
preço mínimo de R$200 pela travessia, num percurso que varia de uma hora e
meia a duas horas. Atualmente, a comunidade é constituída por 15-20
pescadores que ali residem de forma semipermanente durante a safra de
pesca, entre dezembro e julho, ou que ficam lá cerca de um ano e depois se
mudam para outras praias vizinhas (NELEMAN, 2010, QUEIROZ, 2011). Não
há energia elétrica na ilha, porém um dos seus moradores tem duas placas
solares que servem para acender as lâmpadas (QUEIROZ, 2011). A Praia da
Romana entrou para o roteiro do Tapiaim por ser a mais bela e mais famosa
praia do município. Dois moradores locais cozinhavam o peixe e conversavam
sobre o ofício da pesca aos visitantes.
Assim, o objetivo dos passeios era de apresentar aos turistas as belezas
naturais da região e situações vividas cotidianamente pelas comunidades
tradicionais: a pesca artesanal, a catação de caranguejos, a agricultura familiar,
39
Segundo Queiroz (2011), Muriazinho teria entrado no roteiro do Tapiaim em razão de Pedras Grandes, lugar que seria levado o grupo de turistas, não poderia ser visitado na data determinada. 40 Segundo a Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (2010 apud QUEIROZ, 2011), o nome
da ilha advém de uma lenda contada pelos antigos pescadores que dizia que no local onde hoje se encontra o “Morro da Princesa”, havia várias dunas de areias que, vistas de longe, se assemelhavam ao Coliseu Romano.
79
a criação de abelhas41 e a preparação de comida típicas da região. De acordo
com o estudo de Queiroz (2011) e de relatos obtidos em campo, algumas
ressalvas podem ser destacadas a respeito desses roteiros:
A condução dos passeios nas comunidades ia contra uma das mais
destacadas premissas de TBC abordados por diversos autores que
estudam o tema: a participação. Nos casos dos roteiros montados pelo
Tapiaim, havia sempre um guia da cidade explicando sobre o
ecossistema local, contudo, segundo estudo de Queiroz (2010), estes
guias não eram da comunidade visitada. A premissa da participação
pode ser conferida na conceituação de Cruz (2009, p. 104) que entende
TBC como sendo “uma forma de turismo em que comunidades locais
assumem o comando do turismo em seus territórios” e nas premissas de
Irving (2009) e Coriolano (2009) que colocam a participação e
protagonismo social como condutoras deste tipo da atividade.
No estudo de Queiroz (2011) foi relatado que no caso de Muriazinho,
cada turista deixava um valor de R$5 pela visita que era entregue para a
associação local e investido na comunidade. Porém, não existia uma
aproximação entre visitantes e membros da comunidade visitada, nem
conhecimento do modo de vida local, pois segundo Queiroz (2011), os
passeios que ocorriam ali só incluíam visita às áreas naturais. Segundo
Irving (2009), o “encontro” é uma condição essencial do TBC, onde o
sentido de compartilhamento e aprendizagem mútua deve ser uma
característica ativa entre os que “recebem” e os que “são recebidos”.
Assim, ainda que houvesse uma relação de proximidade entre os guias
que conduziam os passeios e os turistas, esses guias não faziam parte
da comunidade visitada.
Na comunidade de Recreio, por exemplo, foi o Tapiaim que decidiu
sobre o preço dos almoços para os visitantes e não a comunidade local
(QUEIROZ, 2011), o que mais uma vez reflete falta de autonomia das
comunidades e deficiência na integração destas com o Tapiaim.
41
A visita aos quintais que haviam criação de abelhas não estavam incluídos nos roteiros formalmente, todavia, esporadicamente ocorriam estas visitas. A comunidade visita era a Km57.
80
Uma das premissas consideradas essenciais na construção do TBC é
afirmação cultural. Segundo Irving (2009), a valorização cultural constitui
um parâmetro essencial no turismo de base comunitária, não no sentido
mercadológico, mas com objetivo de afirmação de identidades e de
pertencimento. Ainda que não houvesse em Muriazinho, Pedras
Grandes e Recreio programações que facilitassem a relação mais
próxima entre visitantes e visitados, isso ocorria na Praia da Romana.
Segundo Charles, nas visitas até o local, todo conhecimento que os
pescadores e caranguejeiros locais possuíam sobre pesca e extração de
caranguejos (“como se monta uma tarrafada, uma linha de pesca, uma
“estacada”, como retiram os caranguejos dos mangues”), era
compartilhado com os turistas. Para isso, os pescadores recebiam um
valor que variava entre R$2 a R$3 por turista, batizado de moeda verde.
A distribuição equitativa dos benefícios gerados pela atividade por meio
da economia solidária é uma das premissas colocadas pela Rede
TURISOL e TUCUM (apud SANSOLO; BURSTYN, 2009) na
conceituação do TBC. Esta divisão era trabalhada no ecoturismo de
Curuçá. No caso da Praia da Romana, como existe a necessidade de
aluguel de barco, o valor pago pela travessia (valor mínimo de R$200)
era dividido entre os barqueiros. Quando havia visita até o quintal de
uma das integrantes da Associação de Meliponicultoras, o valor era
dividido por toda a associação.
Segundo a COOPRENA, o TBC deve organizar esta atividade
baseando-se na conservação e aproveitamento dos recursos locais,
tanto naturais, quanto culturais. No caso de Curuçá, durante o passeio
até a Romana, os recursos locais e os modos de vida da comunidade
eram valorizados, pois os guias davam aulas de mangue e os
caranguejeiros e pescadores faziam demonstrações de como pescavam
e colhiam seus caranguejos para os turistas.
De acordo com Irving (2009), a escala limitada e o controle de impactos
sociais e ambientais devem nortear os passeios de TBC. Na Praia da
Romana, a educação ambiental era trabalhada pelos guias. Segundo
Charles, cada turista recebia um saco de lixo e era responsável pelo lixo
81
que produzia. Além disso, existia o número máximo de 20 pessoas por
grupo.
3.3.3 As pedras no caminho
Em razão da pesquisa de campo ter ocorrido num período em que o
Instituto Tapiaim estava inativo, sem um grupo organizado e solidificado por
motivos que serão explicados mais adiante, alguns dados e informações
abordados a seguir serão baseados no estudo feito por Neleman (2010)42
,
quando a instituição ainda estava ativa, como uma complementação do
trabalho. Deste modo, pretende-se que o leitor compreenda como funcionava o
Instituto e quais foram as dificuldades para implementar o TBC que
determinaram sua inatividade. Também serão abordados os aprendizados que
vieram com o Ecoturismo e a maneira que eles vêm tentando reorganizar a
atividade.
No ano de 2010, o Instituto Tapiaim reunia dezessete membros, no
entanto, apenas catorze deles estavam ativos43. Segundo o estudo de Neleman
(2010), dez destes membros habitavam as áreas urbanas do município, sendo
oito da sede de Curuçá e dois do Abade, com apenas dois integrantes das
comunidades rurais, dos quais apenas um habitava uma das comunidades que
eram visitadas no roteiro de ecoturismo. Na visão de Neleman (2010), o grupo
não poderia ser considerado como representativo, visto que apenas um
membro residia em uma das comunidades visitadas durante os passeios.
Entretanto, deve ser considerado que outros agentes tinham benefícios diretos
e indiretos com a atividade, por mais que não fizessem parte do Instituto,
Segundo Charles Cardoso, artesãos, pescadores e agricultores estavam
ligados à cadeia, por meio da produção de artesanatos, alimentos e bebidas,
ou falando de seus ofícios para os turistas.
42
O estudo da autora enfocou as percepções dos membros do grupo sobre a influência, benefícios e expectativas do projeto, assim como questões relacionadas à dinâmica interna do grupo, como participação, conflitos; e teve como objetivo analisar as possibilidades que a atividade proporcionava para os jovens adultos de Curuçá, usando o Tapiaim como exemplo (NELEMAN, 2010).
43 Três membros estavam inativos desde que se mudaram para Castanhal e Belém, em razão
de trabalho ou estudo e, por isso não foram incluídos no trabalho de Neleman (2010).
82
Além desses agentes, também foi citada a venda de produtos à base de
mel produzidos pela Associação de Meliponicultoras de Curuçá44 (ASMELC).
Segundo Charles Cardoso, o TBC também deu mais oportunidades para as
comunidades vinculadas a esta associação, no sentido de que a venda de seus
produtos estavam incluídos no pacote, mesmo que os turistas não visitassem
alguma das produtoras de mel. Na visão de Graça Glins, agricultora e
integrante da associação, a venda deste mel não tem grandes ganhos, mas é
uma renda alternativa, conforme seu depoimento:
“É pouco, mas é uma fonte de renda que a gente tem. Quando a gente consegue coletar o mel, a gente vende e não é um mel tão barato. Então a gente consegue fazer alguma coisa. (...) Não é uma renda que você diga assim de todo mês você ter. Mas é uma terapia. É porque devido ser uma abelha difícil, a produção dela é só uma vez por ano, só dá pra coletar mel dela no verão, de outubro a novembro. O máximo são três coletas no ano que dá mais ou menos 12 litros. É um mel caro. 40 reais o litro. Nós somos 5 comunidades. Vendemos pra amigos, pro pessoal que vem visitar a gente... Porque a gente tem muita visita de fora... Jornalistas, estudantes...”
Autores como Burstyn, Bartholo e Delamaro (2009) ratificam a
importância da participação comunitária, ao afirmar que os cidadãos devem ser
sujeitos e atores do processo. Além disso, alguns conceitos também priorizam
a questão da solidariedade e da equidade na distribuição de benefícios, como o
abordado pela FEPTCE (apud SANSOLO, BURSTYN, 2009, p. 146): “o turismo
comunitário é uma atividade econômica solidária (...) baseada em um princípio
de equidade na distribuição de renda”. No caso de Curuçá, observa-se que
havia um esforço comunitário para que esses benefícios, que não eram muitos,
fossem distribuídos igualmente. Entretanto, esta é uma questão polêmica, pois
algumas pessoas mais engajadas na atividade não se sentem satisfeitas pelo
fato de que outras não tão envolvidas recebessem o mesmo benefício.
Na visão de Liliane45, diretora da ASMELC, por exemplo, o lucro poderia
ser melhor, pois mesmo que a presença de turistas ajude na venda dos
produtos, muitas vezes as pessoas deixam de fazer suas obrigações para
recebê-los. Como tudo o que é vendido é partilhado igualmente por todos, na
44 Esta associação produz um mel raro de abelhas nativas e fazem produtos à base de mel
(sabonetes, shampoos, pasta esfoliante e hidratante) - depoimento de Dona Graça, dona de casa e integrante da associação. 45 A autora não anotou o sobrenome da entrevistada.
83
sua opinião, o ganho não era justo. Para ela, só ajudaria de verdade se
existisse uma taxa proporcional em relação à dedicação da atividade na
divisão, já que algumas pessoas se dedicavam mais à atividade que outras.
Abaixo, está o quadro com o perfil dos integrantes do Tapiaim:
Característica dos membros do Instituto Tapiaim
Idade 20 – 30 12
> 30 2
Habitação Comunidades urbanas 10
Comunidades rurais 4
Mora Com os pais 12
Sozinho 2
Estado civil Solteiro 12
Casado 2
Educação
Ensino fundamental 1
Ensino médio 10
Ensino superior 3
Quadro 12: Características dos membros do Instituto Tapiaim Fonte: Elaboração própria baseada na tabela de Neleman (2010)
É possível notar que a maior parte dos membros possuía um bom nível
de escolaridade, pois apenas um deles não havia concluído o ensino médio, e
três membros já cursavam a faculdade. Em relação às suas ocupações, a
maior parte dos componentes do Instituto estava desempregada, oito deles
trabalhavam em ofícios não regulamentados, três tinham emprego fixo e três
trabalhavam como empregados domésticos46. Segundo a mesma autora, onze
indicaram que o ecoturismo não era sua única fonte de renda e relataram
trabalhar com diversos ofícios. Outra questão a ser destacada é que o grupo
possuía predominantemente pais pescadores e mães que trabalhavam com
agricultura para consumo familiar (NELEMAN, 2010).
Em seguida, será mostrada uma adaptação do quadro elaborado por
Neleman (2010) para que posteriormente se faça uma análise dos dados
46
A autora não define o sexo dos integrantes nem especificou o período considerado.
84
obtidos na tabela acima em relação aos benefícios econômicos da atividade.
Os benefícios financeiros do projeto foram estimados, considerando quantas
vezes os membros do Instituto trabalharam como guias e as comunidades que
foram visitadas (NELEMAN, 2010) (Quadro 13), ou seja, o lucro obtido por guia
de acordo com o passeio conduzido.
Estima dos benefícios financeiros para os membros do Instituto Tapiaim
Visitas a Muriazinho, Recreio e Pedras Grandes (por visita) R$30,00 a R$40,00
Visitas a Praia da Romana (por visita) R$60,00
City tour (por visita) R$15,00
Lucro total durante 2 anos R$1390,00
Lucro por membro durante dois anos (quando distribuído) R$99,30
Lucro por membro por mês R$4,15
Quadro13: Estima dos benefícios financeiros para os membros do Instituto Tapiaim. Fonte: Elaboração própria baseada no quadro de Neleman (2010)
De acordo com Maldonado (2009), um dos fatores que deram origem ao
TBC foi a tentativa de transformação da realidade social das comunidades na
busca de superação de uma situação de pobreza crônica. É importante
destacar que a atividade deve ter como base condutora o desenvolvimento
local que segundo Coriolano (2009) deve almejar a melhora das condições de
vida da comunidade a partir de um modelo endógeno.
Entretanto, no caso de Curuçá a renda obtida ainda era pouca para este
objetivo. Ao observar o quadro acima (Quadro 13), nota-se que os benefícios
relacionados à renda eram praticamente insignificantes, já que em dois anos o
lucro por integrante foi de apenas R$99,30. Assim sendo, não era capaz de
suprir as necessidades dos membros do Instituto, onde a maioria encontrava-
se desempregada, além de 5 possuírem filhos para sustentar. Porém, conforme
Maldonado (2009), esta atividade é concebida como um complemento à renda
e também para potencializar e dinamizar as atividades tradicionais que as
comunidades controlam com imensa sabedoria e maestria. Por isso, ainda que
os recursos fossem poucos para a comunidade, uma das questões tratadas
85
pelo Instituto Peabiru é que o lucro obtido pelo ecoturismo de TBC serviria
como renda complementar. Entretanto, mesmo como renda complementar, era
insuficiente para investir de forma coletiva. Segundo o Instituto Tapiaim, os
recursos limitados dificultavam visitas até a comunidade, o desenho de novos
itinerários e a divulgação do projeto para outras comunidades de Curuçá
(NELEMAN, 2010)
Outra premissa a ser destacada é a questão da administração dos
recursos advindos do TBC. Como visto anteriormente, na visão do governo
boliviano, da COOPRENA e da ONG WWF – Internetional, o TBC deve ser
gerido pelas comunidades. Porém, Maldonado (2009) coloca que dentro das
diferentes práticas do TBC podem existir diferentes formas e graus de
participação. No caso de Curuçá, o Instituto Tapiaim não era responsável pela
administração dos recursos do Ecoturismo, ocupando-se apenas das
atividades locais, no que diz respeito aos custos que seriam gastos no
município (valores de barco, refeições, despesas de hotel), pois negociavam o
preço com os prestadores de serviços nas próprias comunidades (Neleman,
2010). O Instituto informava esses valores para a agência Estação Gabiraba
que fazia o orçamento total e enviava de volta para o grupo47. Assim, os
turistas adquiriam o pacote da agência de viagens e posteriormente, recebiam
as faturas locais.
Ainda que a questão da autogestão seja uma das condicionantes do
TBC para alguns autores, Mielke (2009) chama atenção para que muitos
assuntos complexos de interesse coletivo, principalmente os relacionados a
dinheiro demandam maturidade, exigindo que a comunidade já se encontre
organizada politicamente e possua um estágio avançado de cooperação.
Contudo, em campo, foi possível inferir que esta tinha dificuldades em relação
a este “senso de cooperação”, e não possuía capacitação para administração
de recursos.
No capítulo anterior, no item em que são discutidos os obstáculos do
turismo praticado em comunidades, Maldonado (2009) argumenta que muitas
47 Segundo a pesquisa de Neleman (2010), alguns membros mencionaram a não transparência
deste processo, apontando para um acesso restrito apenas à direção do Instituto. Esta informação foi confirmada em campo, por um dos ex-integrantes do Tapiaim, assim como um dos funcionários do Peabiru, sendo que o último relatou não ter recebido diversas prestações de conta que deveria ter recebido.
86
vezes a população local enfrenta restrições que dificultam a atividade no
mercado devido a problemas sociais relacionados a déficit na educação,
formação profissional, serviços básicos de saúde e carência de infraestrutura,
além de alto índice de pobreza e baixo índice de desenvolvimento humano.
Além disso, grande parte das deficiências constatadas nos casos de TBC no
Brasil é derivada da incursão das comunidades em situações de improviso,
ausência de profissionalismo, desconhecimento do mercado e de instrumentos
de gestão de negócios (MALDONADO, 2009).
Em Curuçá, todas estas questões fazem parte da realidade do município
e influenciavam negativamente o desenvolvimento da atividade turística de
base comunitária. O fato de se tratar de uma cidade com baixo índice de
escolaridade e formação profissional influenciava diretamente na baixa
qualidade do atendimento dos seus poucos hotéis e restaurantes. Como já
abordado neste trabalho, os serviços oferecidos estavam sempre sujeitos a
situações de improviso. Além disso, foi relatado que os membros do Tapiaim
não estavam devidamente organizados. No caso de turistas chegarem sem
aviso prévio, a comunidade não teria como conduzi-los, pois não possuía uma
parceria concreta com operadores de transporte, como será visto no discurso
de um dos entrevistados mais adiante.
Outra dificuldade tratada por Mielke (2009) para o desenvolvimento da
atividade diz respeito a fatores exógenos, pois, segundo o autor, em muitos
casos os destinos ainda não possuem uma procura efetiva e, por isso, a
obtenção de resultados demanda tempo.
No caso de Curuçá, apenas 12 grupos visitaram o município no período
de 2008 a 2010. Neleman (2010) relatou que mesmo no verão de 2010,
nenhum grupo apareceu para fazer passeios. No caso da pesquisadora deste
trabalho, que foi a campo em julho de 2012 e em janeiro de 2013, houve dois
passeios apenas no período de julho e um passeio no período de janeiro. O
primeiro grupo, porém, era diretamente ligado ao Peabiru, pois eram
moradores de Moju e Tailândia, municípios paraenses em que o Instituto
também opera com projetos sociais, e estavam fazendo um intercâmbio. O
outro grupo era do Projeto RONDOM48 que foi ao município com outros
48 “O Projeto Rondon, coordenado pelo Ministério da Defesa, é um projeto de integração social
que envolve a participação voluntária de estudantes universitários na busca de soluções que
87
objetivos e não fez solicitação prévia de passeio. Na visão de Charles Cardoso,
pescador e guia de ecoturismo do município, essa falta de demanda, também
pode ser justificada pela falta de oferta, pois segundo ele, é preciso que haja
uma estruturação capaz de receber esses turistas, estrutura essa que o
município não possui.
Mielke (2009) também coloca como barreiras ao desenvolvimento do
TBC a falta de preparo e de iniciativas dos membros comunitários. Estas
afirmações confirmam relatos obtidos em campo. Segundo funcionários do
Peabiru, existia uma relação de dependência do Instituto Tapiaim em relação
ao Instituto Peabiru. Conforme depoimento de um dos funcionários do Peabiru,
muitas pessoas do grupo queriam apenas se beneficiar com a parte financeira
e não queriam se capacitar para operar os passeios de forma independente e
procurar parceiros para desenvolver as ações, acabando sempre em situações
de improviso:
“Porque assim, era isso que a gente questionava com eles. Porque eles já queriam trabalhar, já queriam ganhar dinheiro sem estar devidamente organizados. Ainda não se tinha um roteiro todo detalhado, ainda não se tinha um guia local. Todo tempo era improviso... Aí vinha um grupo (dando exemplo de situações recorrentes) e eles chegavam com a gente e pediam: ‘dá pro carro de vocês levar as nossas coisas, a alimentação lá no Abade?’ Quer dizer, ainda existe essa dependência. E a gente tava querendo cortar isso... Por isso a gente coloca, agora é com vocês... Vocês tem que se organizar, vocês tem que procurar a associação dos taxistas, do mototaxista. Agora, a associação dos barqueiros foi organizada. Tem a associação dos caranguejeiros... Então, pega o contato de todo esse pessoal, cria uma matriz lógica para ter o contato deles e vai e conversa... E se possível, capacita eles dentro do conhecimento que vocês têm... Por que? Para vocês não ficarem dependendo da gente (‘a gente’ seria o Instituto Peabiru), para não ficar o tempo todo improvisando.”
Agrega-se a isso o fato de que alguns membros do grupo estariam ali
obrigados, para fazer a vontade dos outros. E por isso, a maioria parte não
tinha postura pró-ativa, ficando a mercê do que os outros decidiam, talvez por
não levarem a sério o trabalho49. Também foi exposto que uma parte dos
membros pensava ter direitos sobre os recursos que o Peabiru captava e que
contribuam para o desenvolvimento sustentável de comunidades carentes e ampliem o bem-estar da população.” Disponível em :< http://projetorondon.pagina-oficial.com/portal/index/pagina/id/343/area/C/module/default>
49 Informação obtida em campo em entrevista com funcionário do Peabiru.
88
poderiam utilizá-los sozinhos, sem auxílio externo. Entretanto, membros do
Peabiru argumentam que a ONG tem função de assistência técnica e não
assistencialista, só podendo investir os recursos que capta por meio de cursos
de capacitação.
Segundo relato obtido em campo, pessoas renomadas que eram
referência no Brasil por trabalharem com montagem de cooperativa, teriam sido
trazidas para ministrar os cursos, porém a maioria dos integrantes não
comparecia às aulas. Um dos funcionários do Peabiru que trabalha com
projetos sociais no município de Curuçá, explicou que vários dos integrantes
não queriam se capacitar para se organizar, além de fazer críticas no sentido
de que houve uma mudança de foco: “porque antes, havia preocupação com o
meio ambiente, de envolver outras ações na comunidade mesmo. Havia
preocupação de não se resumir a um grupo que só receberia turistas”.
Assim, segundo os funcionários do Peabiru, o Instituto Tapiaim acabou
se dividindo em dois grupos, sendo dito que uma parte não queria mais os
cursos de capacitação e a outra queria. Em razão da divergência de interesses
que havia dividido o Instituto, foi feita uma eleição para decidir a nova chapa
que formaria a presidência e direção do Tapiaim. Foi relatado que um dos
fatores que levou a esta divisão foi o fato de que dois dos membros mais
influentes das chapas opostas acabaram transferindo as suas desavenças
pessoais para a Instituição50. Depois da votação, a chapa a favor da
capacitação, perdeu. Após o ocorrido, uma parte do grupo teria decidido
desligar-se da instituição. Conforme o relato de um dos funcionários do
Tapiaim, este fato já indicava que a Instituição estava fugindo de seu propósito,
pois o seu objetivo inicial era que as decisões ocorressem na base do diálogo,
até se chegar a um consenso.
Após o desligamento de uma parte do grupo, o Instituto teria ficado
inativo. Os funcionários do Peabiru relataram que não foram mais procurados
para promover os cursos de capacitação, nem para qualquer tipo de auxílio
técnico e que na última oficina que tiveram, os membros que permaneceram no
Tapiaim não mostraram estar interessados em mais cursos de capacitação.
50
Informação obtida em campo em entrevista com funcionários do Instituto Peabiru que trabalhavam diretamente na parceria com o Instituto Tapiaim.
89
Assim, ao ouvir as razões do grupo favorável à capacitação têm-se a
impressão de que o lado “oposto” passou a ter valores diferentes do esperado
pela filosofia do ecoturismo de base comunitária, interessando-se apenas pela
parte financeira. Além disso, foi informado que havia uma sobrecarga de
tarefas para alguns integrantes, pois só uma parte estaria realmente se
empenhando em desenvolver o ecoturismo e trabalhar em prol do crescimento
da instituição. Para eles, era injusto que mesmo os que não participavam
ativamente do processo, tivessem poder igual de decisão. Foi relatado que se
chegou ao ponto de um projeto grande que poderia trazer recursos importantes
para o turismo não ter sido autorizado, em razão de não ter ocorrido uma
consulta prévia ao grupo inteiro.
Entretanto, o outro grupo alega ter ocorrido falta de companheirismo,
pelo fato de que alguns membros queriam tomar decisões individuais, além de
supervalorizar o próprio trabalho e menosprezar o trabalho dos companheiros.
Além disso, argumentou-se que muitos desistiram dos cursos alegando que
eles eram repetitivos. Segundo um dos membros do Tapiaim, grande parte dos
componentes se envolveu na atividade porque acreditava que no futuro seria
uma boa fonte de renda. Assim, este fato teria sido crucial para a desistência,
pois a maioria continuava sem emprego, ainda que tivessem passado quatro
anos seguindo os cursos do Peabiru. Além disso, foi discutido que não só o
desligamento do outro grupo levou à inatividade do Instituto, mas
principalmente o fato de que alguns membros teriam se desligado para cursar a
faculdade em outros municípios.
Foi feita também uma crítica em relação ao Istituto Peabiru. Segundo um
dos membros do Tapiaim, muitas vezes os funcionários do Peabiru não lhes
davam possibilidade de escolha, impondo a sua decisão aos curuçaenses
envolvidos com a atividade turística.
Com base nessas informações, é possível notar que todos tinham as
suas justificativas e razões para tais conflitos, não existindo certo ou errado,
apenas pessoas com interesses e objetivos divergentes. No seu livro
“Comunidade: a busca por segurança no mundo atual”, Bauman (2003) faz
importantes considerações a respeito da visão romântica que a maioria das
pessoas “de fora” tem em relação ao sentido de comunidade. Alguns trechos
90
do livro serão citados para que posteriormente haja uma discussão a respeito
do que ocorreu em Curuçá:
Para nós em particular – que vivemos em tempos implacáveis, tempos de competição e de desprezo pelos mais fracos (...), a palavra ‘comunidade’ soa como música aos nossos ouvidos. O que essa palavra evoca é tudo aquilo que sentimos falta e que precisamos para viver seguros e confiantes. (...) Não se trata de um paraíso que habitemos e nem de um paraíso que conheçamos a partir da nossa própria experiência. Talvez seja um paraíso precisamente por essa razão. (...) Podemos “soltar” a imaginação, e o que fazemos com total impunidade – porque não teremos grandes chances de submeter o que imaginamos ao teste da realidade. (...) O que cria um problema para essa clara imagem é outra diferença: a diferença que existe entre a comunidade de nossos sonhos e a ‘comunidade realmente existente’: uma coletividade que pretende ser a comunidade encarnada, o sonho realizado, e (...) exige lealdade incondicional e trata tudo o que fica aquém de tal lealdade como um ato de imperdoável traição. (...) Há um preço a pagar pelo privilégio de ‘viver em comunidade’ – e ele é pequeno e até invisível só enquanto a comunidade for um sonho. O preço é pago em forma de liberdade, também chamada de ‘autonomia’, ‘direito à autoafirmação’, e à ‘identidade’. (...) Não ter comunidade significa não ter proteção; alcançar a comunidade, se isto ocorrer, pode significar em breve perder a liberdade (...) Não podemos ser humanos sem segurança ou sem liberdade; mas não podemos ter as duas coisas ao mesmo tempo e ambas na quantidade que quisermos. (BAUMAN, 2003, p. 8,9 e 10)
Atualmente, o que se nota por parte de defensores deste tipo de turismo
(aqui se inclui meio acadêmico, ONGs, empresas privadas e públicas), é a
crença de que a implantação do TBC em localidades comunitárias pode ser
uma espécie de “salvação” capaz de resolver grande parte dos problemas ali
vividos. Dessa forma, cria-se a expectativa de que a comunidade inteira seja
coerente com todas as características que este tipo de projeto possui. Bauman
(2003) discute que a ideia de comunidade para pessoas exógenas, evoca um
sentido de homogeneidade e uma certa ingenuidade no sentido de se fazer
pensar que é possível encontrar dentro dela tudo aquilo que o ser humano
sente falta no seu dia-a-dia: lealdade, acolhimento, segurança, senso de
coletividade. No entanto, o que se deve refletir é que integrantes de
comunidade também estão inseridos na sociedade e no sistema que vivemos e
por isso mesmo, apresentam todas as suas contradições e dificuldades. Por
isso, pensar em comunidade sem conflito, é criar uma realidade utópica.
(BAUMAN, 2003).
91
É possível compreender, portanto, a complexidade tratada por
Maldonado (2009) na inserção de comunidades no turismo, que destaca que se
trata de uma atividade competitiva e internacionalizada que se desenvolve em
lugares que muitas vezes possuem poucas fontes alternativas de rendimento.
Este foi um dos problemas visíveis em campo, pois Curuçá possui uma
população em que 74% são consideradas pobres, com baixo índice de
desenvolvimento humano e que constantemente se vê impedida de exercer
seu direito à cidadania, em razão de problemas sociais que incluem faltas de
oportunidade de trabalho, educação e saúde. Além disso, Curuçá vivencia um
grande êxodo de jovens que deixam a cidade para procurar oportunidades de
estudo e trabalho em Belém e na região metropolitana.
Assim, é presumível que, com tantas necessidades a serem supridas, a
comunidade crie expectativas diferentes em relação à atividade turística.
Esperar que todos os integrantes dediquem-se à atividade nesta situação, sem
esperança de renda, quando muitas vezes isto é uma necessidade urgente
para eles, seria entender comunidade no mesmo sentido utópico abordado por
Bauman. O mais coerente seria refletir não apenas a respeito dos “novos
valores” adquiridos pelos curuçaenses tratados pelos funcionários do Instituto
Peabiru, ao falarem do interesse financeiro de alguns membros do Tapiaim;
mas acima de tudo em relação à frustração que a inserção desta atividade
pode causar, por se tratar de pessoas que anseiam por uma melhora de
qualidade de vida que o Estado por si só não consegue suprir.
Além disso, outra questão que merece discussão, diz respeito à
implantação da economia solidária e capital social tão ressaltado por empresas
que se responsabilizam por auxiliar o TBC em comunidades. Mendonça e
Irving (2004, p. 15) definem o último como sendo um “atributo da estrutura
social que não é propriedade particular de nenhuma das pessoas que deles se
beneficiam”, colocando que seus estoques levam equilíbrios sociais, com
elevado níveis de cooperação, confiança e reciprocidade, civismo e bem estar
coletivo que ajudam na construção de uma “comunidade cívica”.
Entretanto, o que se vê na realidade de Curuçá, é que dividir igualmente
os benefícios é uma questão polêmica dentro da comunidade, onde muitos se
sentem prejudicados por essa política, pois alegam ser injusta uma divisão
paritária, onde a dedicação não é paritária. Por isso, é importante refletir se a
92
decisão de dividir igualmente é endógena ou exógena. Adotar essa política,
sem levar em consideração estas questões, seria mais uma vez impor à
comunidade o tal senso de coletividade e tirar destas pessoas a liberdade de
escolher o seu próprio caminho e seus direitos a autonomia e afirmação
(BAUMAN, 2003).
3.3.4 Os aprendizados e os novos caminhos Ainda que a maneira como estava sendo trabalhado o TBC em Curuçá
tenha sido considerada pouco participativa e com resultado financeiro irrisório,
foi possível inferir que houveram outros tipos de benefícios que envolvem
questões mais profundas, como consciência ambiental, senso de
responsabilidade com o lugar e com as pessoas. Ao perceber que muitos
turistas têm interesse em conhecer seus modos de vida e o meio ambiente que
envolve a Reserva Extrativista MGC, os envolvidos com o TBC passaram a
preocupar-se mais em cuidar da Reserva e a enxergar um valor que vai além
da questão econômica, envolvendo suas identidades com aquele espaço.
Estas mudanças puderam ser sentidas nas falas de dois comunitários
entrevistados, como na de Charles Cardoso: “passei a olhar o meio ambiente
do qual sempre vivi com mais cuidado”, e na de Whellers da Silva, professor e
atual diretor do Tapiaim:
“Pra mim essa questão do ecoturismo na verdade é mais pra aprendizagem, pra tentar resgatar algumas coisas, valorizar essa questão das belezas naturais (...) A gente quer chamar a atenção pra isso, que se preserve esse patrimônio, que ele não é só da gente. Pra mim essa é a visão, o ecoturismo é um resgate da cultura, um respeito ao meio ambiente, um respeito aos povos tradicionais e a maneira como eles vivem.”
Liliane, diretora da Associação de Meliponicultoras, relata que, em sua
visão, o contato com os turistas foi importante porque as pessoas que vivem na
sua comunidade são muito fechadas, em razão do seu isolamento. Deste
modo, por meio da relação com os visitantes, muitos deles que antes tinham
dificuldade de se expressar, principalmente por timidez, desenvolveram esta
habilidade.
93
Charles Cardoso percebeu uma oportunidade no turismo. Ao notar que
não havia restaurantes servindo comidas típicas na cidade, o pescador teve a
ideia de abrir com sua irmã o “Lá no Mangue”, restaurante com pratos que
envolvem espécies que ele pode retirar do seu próprio quintal. Além disso, o
TBC trouxe o interesse de especialização na área ambiental. Atualmente,
Charles está estudando “Gestão Ambiental” na faculdade e pretende cursar
Biologia no futuro. Ele também passou a trabalhar nas escolas com crianças,
pois julga ser mais fácil conseguir mudanças nos hábitos.
Segundo Whellers, sua vontade é de levar para a comunidade alguns
dos benefícios que ele absorveu com os cursos ministrados pelo Peabiru, no
sentido de fazer projetos que envolvam conscientização em relação ao meio
ambiente, além de “resgate” cultural, porém, em um trabalho sem fins
lucrativos.
Assim, o que se percebe é que o turismo de base comunitária de Curuçá
está em uma fase de transição, onde membros da comunidade estão tentando
se reorganizar para desenvolvê-lo, tomando como base os aprendizados das
experiências passadas, tanto as que deram certo, como as que fracassaram.
O então secretário de turismo do antigo mandato (2009 – 2012),
Henrique Alves de Campos, já observando as experiências de TBC que
estavam ocorrendo no município, criou um projeto local na comunidade do
Candeua com a parceria do Instituto Peabiru. Como Curuçá tem grande
extensão geográfica e envolve uma diversidade de comunidades, foi decidido
trabalhar pontualmente em uma que já possui uma associação organizada,
diferente das experiências passadas. Segundo ele, o objetivo é que haja uma
troca de experiências entre turistas e agricultores e que os próprios moradores
do lugar, e não de comunidades vizinhas, trabalhem na condução dos
passeios. Deste modo, esta experiência servirá de piloto para outras.
O projeto ainda está em fase embrionária, mas algumas ações já foram
feitas: uma oficina para explicar como seria desenvolvido o turismo ali, e,
posteriormente, outra oficina para levantamento do potencial local. Eliane da
Conceição, professora e moradora do Candeua, disse gostar da ideia de
turistas os visitarem para aprender seus modos de vida: “a gente pensou que
seria bom que as pessoas virem pra cá e aprenderem como a gente vive, o que
a gente faz, como e quando a gente planta...”. Por outro lado, também relatou
94
que muitos membros estão desconfiados em relação aos reais benefícios da
atividade.
Charles Cardoso decidiu acrescentar ao seu restaurante o serviço de
agência, atuando como receptivo. Além de estar investindo neste serviço, o
pescador foi contratado pelo Instituto Peabiru para capacitar pessoas que
vivem nos povoados com potencial de ecoturismo de TBC. A seguir, o seu
discurso:
“O que eu achei bacana... Fiz um curso de agentes ambientais em 2007, de lá pra cá eu empreendi, o Peabiru me deu uma formação, eu trabalhei com ecoturismo, e hoje ele me dá a oportunidade de dividir essa formação que ele me capacitou de volta para a comunidade. (...) Não tem necessidade de o Charles (referindo-se a si mesmo) sair daqui e fazer o trabalho para as comunidas, porque é importante que se faça a inserção da comunidade local. A agência pode pegar o ecoturista, levar para a comunidade e deixar o turista lá com a comunidade.”
Para concluir este trabalho, o que se pode avaliar no caso Curuçá é que
o ecoturismo de base comunitária ali vivido está seguindo a linha que mais
diferencia este tipo de turismo dos convencionais: a base endógena de
desenvolvimento. Marcon (2007) entende que esta política deve estar
associada a uma dinâmica “de baixo para cima”, na qual os atores locais
desempenham papel central na sua função. Por outro lado, Layragues (1998)
destaca que o desenvolvimento endógeno deve levar em consideração a
identidade cultural de cada nação para viver sua própria modernidade. Na
visão de Carestiano (2000 apud CRUZ, 2009) este modelo deve permitir que a
população possa auto-gerir-se, desenvolvendo seu potencial socioeconômico,
preservando seu patrimônio ambiental e superando suas limitações na busca
continua de sua qualidade de vida. Bursztyn coloca a importância da
participação, no sentido de que os cidadãos devem ser atores e sujeitos do
processo. Todos estes autores, portanto, destacam a importância de que
atores endógenos devem escolher o próprio caminho de desenvolvimento.
Entretanto, isto não significa estar isento de dificuldades e desafios ou
que a base do desenvolvimento local irá trazer a milagrosa “equidade” tão
tratada nas premissas levantadas por estudiosos que abordam o TBC e pouco
compatíveis com o sistema em que vivemos. Como visto nos conceitos acima,
95
este modelo de desenvolvimento sugere, sobretudo, que os membros da
própria comunidade tomem as decisões, e não pessoas exógenas. Porém,
almejar que todos tenham senso de coletividade no sentido de compartilhar
benefícios igualmente, e que não priorizem o lado econômico dentro de uma
realidade como a de Curuçá parece ilusório. O desafio maior não é impedir que
uns se destaquem mais que outros ou que não queiram partilhar os lucros, mas
sim estruturar o turismo em um lugar desestruturado, com problemas que
afetam diretamente o seu desenvolvimento.
Porém, como diz Bauman (2003),
Isso não é razão para que deixemos de tentar (não deixaríamos nem se fosse uma boa razão). Mas serve para lembrar que nunca devemos acreditar que qualquer das sucessivas soluções transitórias não merecia mais ponderação nem se beneficiaria de alguma correção. O melhor pode ser inimigo do bom, mas certamente o “perfeito” é um inimigo mortal dos dois. (2003, p. 11)
96
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O modelo de desenvolvimento vigente está sendo cada vez mais
criticado por se mostrar ineficiente em suprir as reais necessidades humanas,
pois o progresso e a modernidade também têm gerado exclusão e distribuição
desigual de riquezas. A Amazônia foi uma das regiões profundamente afetadas
por esta visão e pode comprovar com sua realidade de desigualdades e
contradições sociais que desenvolvimento não pode ser embasado apenas no
viés econômico.
O Estado brasileiro, desconsiderando os reais anseios daquela
população, adotou uma política de desenvolvimento que entendia que por meio
da industrialização, da construção de rodovias e instalação de mineradoras, a
Amazônia iria se desenvolver. Entretanto, esta política trouxe não só profundos
impactos à natureza, mas à população daquela região, que sofre suas
consequências até os dias atuais.
Neste sentido, uma das alternativas pensadas para solucionar os
problemas da região amazônica foi a criação de reservas extrativistas, com o
objetivo de proteger a natureza, permitindo o uso sustentável dos recursos, e
assegurando os meios de vida das populações “tradicionais”. No caso de
Curuçá, foi criada a RESEX Mãe Grande com intuito de proteger seus
manguezais ameaçados, principal fonte de sustento do povo curuçaense.
Entretanto, o que se nota é que esta alternativa tem se mostrado ineficiente
para suprir os anseios daquela população que continua com poucas opções de
trabalho.
Assim, com a chegada do Instituto Peabiru no município, projetos sociais
passaram a ser desenvolvidos na região objetivando a melhora das condições
de vida do povo de Curuçá. Um dos projetos desenvolvidos foi o turismo de
base comunitária. Por ser uma atividade que tem como cerne o
desenvolvimento local, e que respeita a cultura, o meio ambiente e a sua
dinâmica social, o TBC foi considerado uma alternativa econômica apropriada
para aquele ambiente.
O primeiro aprendizado em relação a este trabalho diz respeito à
importância da imersão endógena no objeto de estudo. Minha experiência com
a pesquisa de campo confirmou que, nem sempre o que é divulgado ou o que
97
está nos discursos de ONGs, ministérios e inclusive na literatura acadêmica,
retrata a realidade empírica deste tipo de projeto. Antes de conhecer de perto o
ecoturismo de base comunitária de Curuçá, pensava que iria encontrar ali
exatamente o que assisti no vídeo divulgado pela Rede Globo: um turismo
impecavelmente organizado, em sincronia com as necessidades da região,
onde as pessoas envolvidas estariam em perfeita harmonia com as decisões
tomadas a respeito do desenvolvimento da atividade.
Ir a Curuçá me trouxe uma visão menos romântica, mais realista e diria
até mais humana em relação a este tipo de projeto. Cheguei ao município e
encontrei tudo exatamente ao contrário do que idealizei: uma instituição inativa,
pessoas se acusando pelo insucesso da atividade e uma infinidade de
problemas sociais que afetavam diretamente o desenvolvimento do turismo.
Assim, minha expectativa de que o turismo estaria mudando economicamente
a vida da comunidade foi eliminada. Porém, esta “desilusão” serviu para me
tirar da superfície da fantasia e me trazer reflexões mais profundas.
Uma das premissas mais importantes do turismo de base comunitária
diz respeito à ideia de que a atividade deve ser construída se pautando no
desenvolvimento local. Esta filosofia, sem sombra de dúvidas, é mais justa por
conceder às comunidades liberdade para escolher o caminho que querem
seguir, porém não torna este processo menos complexo. Trabalhar com
comunidades significa lidar com valores, interesses, necessidades e sonhos
diferentes e, por isso mesmo, ter de arcar com conflitos que nem sempre são
fáceis de resolver.
Logo, é importante mudar esta expectativa de que a comunidade seja
coesa com todas as características que este tipo de projeto possui e abandonar
a ideia de que lá é possível encontrar homogeneidade e um senso de
coletividade que não se encontram mais em outros lugares. Deve-se refletir
que a tal comunidade idealizada também está inserida na sociedade e no
sistema que vivemos e, por isso mesmo, apresenta todas as suas
contradições.
Atualmente, Curuçá está passando por profundas mudanças, onde antes
a maior parte da sua população que trabalhava com atividades ligadas à
natureza (pesca, extração de caranguejos e agricultura), hoje vive uma
realidade de um intenso êxodo de jovens à procura de oportunidades de
98
trabalho na capital e região metropolitana. Os que decidem permanecer no
local, muitas vezes têm de encarar o desemprego e uma infinidade de
problemas sociais e ambientais que assolam a cidade. Deste modo, não é de
se estranhar que a vinda do Instituto Peabiru com o projeto de turismo de base
comunitária, tenha significado para alguns dos que se envolveram com a
atividade, um sonho de mudança de suas condições de vida. Entretanto, a não
correspondência desses sonhos acabou levando muitos à desistência ou à falta
de compromisso com a atividade.
É importante refletir também sobre o papel do Instituto Peabiru em
relação ao TBC de Curuçá, já que sua função seria dar assistência técnica para
a comunidade para desenvolver a atividade no município. Porém, seria correto
esperar somente que a população caminhasse com pernas próprias? Ou tentar
de alguma forma intervir para que o processo desse continuidade? Qual seria,
afinal, o papel deste agente quando o plano não vai de acordo com o
esperado?
Assim, pensar no desenvolvimento do turismo de base comunitária para
Curuçá demanda longo prazo, pois ainda que este tipo de turismo seja
considerado alternativo, exige infraestrutura e organização. Por isso, existe a
necessidade urgente de investimentos que sirvam não somente para
possibilitar o desenvolvimento de uma oferta minimamente capaz de receber
turistas, mas acima de tudo, para atender a comunidade. Uma cidade só será
boa para o turista se for também para os seus moradores. Deste modo, só será
possível encontrar pessoas que se engajem na organização e fomento da
atividade, quando suas necessidades mais urgentes forem sanadas.
Uma questão que notei ao longo da minha pesquisa de campo foi que
não havia uma interação dos comunitários com os outros nativos que
trabalham com turismo de base comunitária no estado do Pará. A criação de
encontros que objetivassem esse intercâmbio de experiências e aprendizados
poderia trazer mudanças de caminhos e novas ações que levariam ao fomento
da atividade. Normalmente, o que se vê de discussão a respeito de turismo de
base comunitária, não apenas no Pará, mas no Brasil, são encontros entre
estudiosos do tema e não entre nativos que moram nos destinos.
Outra sugestão que poderia trazer benefício econômico para os
envolvidos com o turismo de Curuçá e que tem ajudado outros projetos de
99
TBC, seria a implantação de hospedagem domiciliar e construção de campings.
Primeiro porque não demanda grandes investimentos e porque as pessoas
locais poderiam oferecer estes serviços. Depois porque se pressupõe que
grande parte dos visitantes que fazem este tipo de viagem, não buscam luxo e
sim envolvimento com a cultura local. Por último, porque poderia contribuir para
suprir a carência de hospedagem no município e assim estimular a chegada de
turistas na localidade.
Não ignorar a existência das dificuldades para a implementação deste
tipo de turismo é indispensável. Porém, não se deve negar que ele também
pode trazer muitos aprendizados para a comunidade. No caso de Curuçá, o
TBC tocou questões mais profundas que envolvem senso de responsabilidade
com o meio ambiente e com as pessoas que dividem o mesmo território. Todos
os entrevistados se mostraram interessados em difundir o novo olhar que
adquiriram sobre o município para o resto da população.
É importante falar também das novas ideias que vieram com as
experiências passadas. Aqui, destaco o novo projeto de TBC que está
começando a se desenvolver no Candeua. Ao invés de trabalhar com uma
instituição em que seus integrantes vão para outras comunidades conduzir os
passeios, adotou-se uma nova estratégia: capacitar os membros da própria
comunidade visitada para planejar e conduzir o turismo que ali será
desenvolvido.
Assim, ainda que esteja em fase de transição e que sejam muitos
desafios a superar, o que deve ser destacado aqui é que os curuçaenses
envolvidos na atividade estão tendo liberdade de escolher os caminhos para
desenvolver o turismo, o que seria, afinal, a principal diferença em relação ao
turismo convencional praticado na maior parte do país, onde a população local
normalmente é excluída e prejudicada pelo processo do desenvolvimento da
atividade.
Entretanto, este trabalho deixou algumas questões a serem respondidas:
Como desenvolver o TBC em comunidades onde não há uma demanda
efetiva? Será o turismo de base comunitária adequado para comunidades que
possuem necessidades mais urgentes a suprir? Será o TBC capaz de se
estruturar em localidades sem estrutura? Qual o papel e relevância do Instituto
100
Peabiru para o TBC de Curuçá? Tais indagações podem servir de base para
pesquisas futuras na busca de possíveis caminhos.
101
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107
APÊNDICE
Apêndice A: Visita ao quintal de dona Graça Glins, produtora de mel e agricultora. Fonte: Acervo próprio, 2012.
Apêndice B: Revoada de guarás em frente à sede do município. Fonte: Acervo próprio, 2012.
108
APÊNDICE
Apêndice C: Manguezais de Curuçá Fonte: Acervo próprio, por Charles Cardoso, 2012.
Apêndice D: Entrevista com Charles Cardoso, pescador e ex membro do Instituto Tapiaim. Fonte: Acervo próprio, 2012.
109
APÊNDICE
Apêndice E: Passeio de canoa com seu Cristóvão Cardoso na RESEX Mãe Grande. Fonte: Acervo próprio, 2013.
Apêndice F: Sede de Curuçá Fonte: Acervo próprio, 2012.
110
APÊNDICE
Apêndice G: Porto do Abade. Fonte: Acervo próprio, por Thaís Corrêa, 2012.
111
ANEXO
Anexo A: Currais de pesca em Curuçá. Fonte: Revista “Brasileiros”, 2008.
Anexo B: Reserva Extrativista Mãe Grande de Curuçá. Fonte: Revista “Brasileiros”, 2008.
112
ANEXO
Anexo C: Seu Cristóvão Cardoso, pescador mais famoso de Curuçá. Fonte: Revista “Brasileiros”, 2008.
Anexo D: O pescador Seu José na Praia da Romana. Fonte: Revista Pororoca, (s.d).