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Universidade Federal Fluminense
Centro de Ciências Médicas Departamento de Patologia
Disciplina: Microbiologia Clínica
Monitor: Rafael Sanches dos Santos Profª: Cláudia de Mendonça Souza
Tuberculose
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Índice:
O Agente etilógico ............................................................................................ 3
Epidemiologia .................................................................................................. 4
Imunopatogenia ............................................................................................... 7
Diagnóstico laboratorial ............................................................................... 11
Tratamento ..................................................................................................... 16
M.tuberculosis multirresistente ..................................................................... 18
Casos clínicos ............................................................................................... 19
Referências Bibliográficas ........................................................................ ... 22
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O Agente Etiológico
Identificado por Robert Koch em 1882, o Mycobacterium tuberculosis, é uma
espécie do gênero Mycobacterium, composto por bastonetes imóveis, não esporulados, não
capsulados e aeróbios estritos. As bactérias do complexo M. tuberculosis são classificadas
como micobactérias não pigmentadas de crescimento lento, dividindo-se a cada 12 a 24
horas, já que além de serem exigentes nutricionalmente, possuem uma complexa parede
celular, podendo ser necessárias cerca de 3 a 8 semanas de incubação para o isolamento do
microrganismo.
Álcool – ácido resistência → é a capacidade das micobactérias de reter corantes, não
descorando mesmo após lavagem com solução de álcool e ácido. Por esse motivo, são
classificadas como Bacilos Álcool – Ácido Resistentes (BAAR).
► A parede celular é composta principalmente por ácidos micólicos (lipídios), formando
uma barreira hidrofóbica que confere resistência à dessecação, descoloração por álcool e
ácido e a diversos agentes químicos e antibióticos, sendo responsável também por
importantes efeitos biológicos, como a formação de granuloma.
► Parasito intracelular facultativo – sobrevive e se
multiplica no interior de células fagocitárias.
► Latência – podem ficar em estado de dormência
por longos períodos, responsável por posterior
reativação.
► Sensível ao calor e radiação ultravioleta.
► Gram + - dificilmente pode ser corado pelo
método de Gram, mas é considerado Gram positivo
pelas características de sua parede celular (membrana
plasmática interna recoberta por espessa camada de
peptidoglicanos, sem membrana externa).
Mycobacterium spp.
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Epidemiologia
Os números encontrados, sejam estimados ( 8,7 milhões de casos novos por ano no
mundo e 116.000 no Brasil) ou realmente verificados (o Brasil em 2000 notificou 82.249
casos novos), apontam para um grave problema de saúde pública, principalmente nos países
em desenvolvimento. E 80% desses casos encontram-se concentrados em 22 países,
mostrados no quadro abaixo.
De acordo com a estimativa da OMS, cerca de cem milhões de pessoas são
infectadas por tuberculose a cada ano e, nos países subdesenvolvidos, entre 30% e 60% dos
adultos estão infectados. Do universo de infectados, 8 a 10 milhões desenvolverão a doença
durante a vida, sendo que cerca da metade apresentará formas contagiantes. O quadro
completa-se com três milhões de óbitos conhecidos e determinados, anualmente, pela
tuberculose. Caso a gravidade deste quadro não se reverta, teme-se que, até 2020, um
bilhão de pessoas sejam infectadas, 200 milhões adoeçam e 35 milhões possam morrer.
No Brasil, os números são preocupantes, seja considerando o país como um todo ou
apenas por regiões. Em 2000 foram notificados 82.249 casos novos, sendo 38.690 no
Sudeste (49%), 23.196 no Nordeste (29%), 9.281 no Sul (11%), 5.901 no Norte (7%) e
3.522 no Centro-oeste (4%). A distribuição por formas clínicas mostrou: 60,7% de
pulmonares com baciloscopia positiva, 24,9% de pulmonares sem confirmação
bacteriológica e 14,4% de extrapulmonares. É uma doença que atinge principalmente as
pessoas na idade produtiva entre 15 e 59 anos (70%).
Em 1998, a incidência de tuberculose verificada no Brasil foi de 51,3/100.000.
Entretanto, a grande diversidade de situações epidemiológicas dentro do país faz com que
esta incidência não traduza a realidade dos centros onde a prevalência da doença é um
grave problema. Por exemplo, em 1998, na cidade do Rio de Janeiro, esta incidência foi de
160/100.000, ou seja, 4 vezes superior à média nacional. E mesmo no Rio, se avaliados
grandes bolsões de pobreza, como favelas, verificaremos maior gravidade ainda. E essa
diferença pode ser explicada por diversos fatores, como: renda familiar baixa, educação
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precária, adensamentos comunitários, desnutrição alimentar, alcoolismo, doenças
infecciosas associadas e dificuldade de acesso aos serviços de saúde.
Em 1998, o sistema de informação de mortalidade registrou no Brasil, 6029 mortes
por tuberculose. A tendência da mortalidade (gráfico abaixo) começou a declinar a partir de
1945, mas esse processo se intensificou na década de 70 e meados da de 80, atribuída a
possíveis melhorias no padrão de vida da população, mas principalmente pela utilização da
quimioterapia contra a doença.
O aparecimento do vírus da imunodeficiência humana (HIV), modificou a
epidemiologia e dificultou o seu controle. A infecção por HIV é o maior fator de risco para
se adoecer por tuberculose em indivíduos previamente infectados pelo bacilo. As chances
de que a infecção evolua para doença tuberculosa são de 8% a 10% ao ano em indivíduos
infectados pelo HIV.
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No Brasil, cujo programa de controle da aids é amplamente reconhecido, o impacto
da terapia anti-retroviral na co-infecção tuberculose - aids parece ser positivo. Entre os
casos de aids está havendo uma redução da ocorrência de casos de tuberculose, um maior
percentual de cura e diminuição de mortes com tuberculose associada, apesar desta ainda
ocupar, desde 1996, o segundo lugar entre as doenças oportunistas ligadas à aids, entre os
casos notificados, atrás somente da candidíase oral.
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Imunopatogenia
A imunopatogenia pode ser considerada a maneira como o sistema imune do
hospedeiro atua para impedir que a doença progrida. E apesar de um terço da população
mundial ser infectada pelo bacilo da tuberculose, o número de casos de tuberculose ativa
por ano é de cerca de 10 milhões, mostrando a importância do sistema de defesa do nosso
organismo, capaz de evitar que a maioria dos infectados adoeçam.
► A infecção pelo Mycobacterium tuberculosis pode ter três desfechos: controle na porta
de entrada (imunidade inata), doença ativa, ou tuberculose latente.
□ A resposta inflamatória inicial ao bacilo tuberculínico
□ Logo após o contágio, parte dos bacilos inalados é retida pelos mecanismos físicos de
defesa do aparelho respiratório (pêlos nasais, turbilhonamento aéreo, reflexo da tosse,
clearance mucociliar), enquanto outra parte atinge os alvéolos.
□ Nos pulmões, os macrófagos aí residentes são as primeiras células a interagir com o
bacilo. A destruição dos bacilos é parcial, e parte deles permanece vivo e se multiplica
dentro dos fagossomas dos macrófagos.
□ Os macrófagos alveolares, incapazes de conter a infecção, acabam produzindo
citocinas que estimulam a migração de células sanguíneas para auxiliá-los. As primeiras
células que chegam, os polimorfonucleares, acumulam-se e formam reação inflamatória
inespecífica.
□ Apesar da resposta inflamatória inicial ser ineficiente para deter completamente o M.
tuberculosis, ela gera um meio desfavorável para o bacilo. Além da produção de citocinas,
os macrófagos ativados e infectados processam e apresentam antígenos, estabelecendo o
início da ativação da resposta imune específica, que pode ser mediada por anticorpos ou
células.
□ O papel dos linfócitos T e a formação da lesão granulomatosa
□ Acredita-se que os linfócitos T CD4+ sejam os mais importantes na defesa imune
contra o bacilo tuberculoso, secretando citocinas lesivas e induzindo a produção de óxido
nítrico pelo macófago.
□ Com a chegada dos linfócitos T ao local de infecção, tem início a formação do
granuloma tuberculoso com a finalidade de circunscrever e delimitar a infecção. A lesão
granulomatosa, com áreas de necrose caseosa, e a posterior liquefação do cáseo e escavação
lesional são os achados mais característicos da tuberculose.
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□ O termo caseosa é utilizado devido à semelhança com queijo: homogênea,
brancoamarelada e rica em proteínas e em gorduras liberadas pelo metabolismo bacilar.
□ Formas patogênicas da doença
1 – Primoinfecção Tuberculosa
□ Trata-se da infecção resultante do primeiro contato do homem com o bacilo
tuberculoso. Como conseqüência, surge um cancro de inoculação, em geral único e
periférico, chamado de foco de Ghon.
□ Do cancro, os bacilos são drenados pelos linfáticos e atingem os gânglios regionais
(foco ganglionar), de onde poderá ocorrer a disseminação hematogênica para todo o
organismo. Essa reação ganglionar é a principal característica da infecção primária.
□ O complexo formado pelo foco pulmonar, linfangite e foco ganglionar é chamado de
complexo primário ou complexo de Ranke.
□ Na maioria, no momento da disseminação hematogênica, o processo de defesa é bem
sucedido. Desse modo, constitui-se um equilíbrio parasita/hospedeiro, com bloqueio da
proliferação bacilar e da expansão da lesão, impedindo o aparecimento da doença. Encerra-
se então a primoinfecção.
□ No entanto, esse processo infeccioso deixa um rastro, que pode ser comprovado pelo
teste tuberculínico (PPD). Normalmente, duas a três semanas após o contágio, ocorre a
chamada viragem tuberculínica e o PPD torna-se positivo (reator).
2 – Tuberculose Primária
□ Se no momento da primoinfecção não ocorre o equilíbrio imunológico, os bacilos
recém-implantados nos linfonodos e/ou parênquima pulmonar continuam a se multiplicar,
seja pela deficiência da imunidade celular, seja pela carga infectante ou pela virulência da
cepa aspirada.
□ Dessa forma, irá se instalar a tuberculose (doença) primária que, resulta da progressão
do complexo pulmonar primário que se desenvolve nos primeiros cinco anos após a
primoinfecção. Esta evolução ocorre em cerca de 5% dos indivíduos, enquanto os outros
95% permanecem infectados, porém assintomáticos. Ou seja, infecção não é sinônimo de
doença ativa.
□ Pode manifestar-se apenas com envolvimento ganglionar, mas também pode envolver
os pulmões ou se apresentar nas formas meníngea ou hematogênica.
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3 – Tuberculose Secundária
□ Anos ou décadas após o estabelecimento da lesão primária, e na dependência da
quebra do equilíbrio parasita/hospedeiro, uma minoria dos infectados apresentará
tuberculose secundária, que embora seja um acontecimento raro, é predominante em
relação à forma primária.
□ Doenças e condições que debilitam a imunidade, como alcoolismo, desnutrição, AIDS,
idade avançada, diabetes, leucoses, tumores e uso de medicação imunodepressora
constituem fatores de risco para o adoecimento. Interferem também a carga bacilífera, sua
virulência e o estado de hipersensibilidade do organismo.
□ A origem dessa forma, na maioria, é a reativação (endógena) a partir do
recrudescimento de um foco latente. Outro mecanismo é a reinfecção (exógena) na qual o
sistema de defesa não é capaz de deter sua progressão. O pulmão é o órgão mais
comumente atingido.
□ Na doença pulmonar, os ápices são mais acometidos, pois a oferta de oxigênio
necessária ao bacilo está presente nesses locais e a baixa perfusão dificulta o aporte de
células de defesa.
□ O desenvolvimento de lesões cavitárias pulmonares é a característica mais importante
da tuberculose secundária.
4 – Tuberculose Extrapulmonar
□ Depois de penetrar no organismo pela via respiratória , o bacilo pode se disseminar e
se instalar em qualquer órgão. A disseminação também pode ocorrer a partir da
manipulação cirúrgica ou diagnóstica de um órgão doente.
□ As formas mais freqüentes são: pleural, linfática, ósteo-articular, geniturinária e
intestinal. E são resultantes da disseminação do bacilo através de quatro vias possíveis:
linfo-hematogênica, hematogênica, por contigüidade (pleural, pericárdica, peritoneal e
cutânea) e intracanalicular.
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Fonte: Rubin, Patologia - Bases Clincopatológicas da Medicina – Ed. Guanabara Koogan, 4ª edição, 2006.
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Diagnóstico Laboratorial
É o que realmente confirma o diagnóstico da tuberculose, sendo feito através de
dois métodos principais: baciloscopia e cultura.
► Baciloscopia – é a pesquisa de bacilos álcool-ácido resistentes (BAAR) em esfregaços
da amostra, preparados e corados com metodologia padronizada.
► Cultura – é o exame que permite o isolamento e a multiplicação de BAAR, a partir da
semeadura da amostra em meios de cultivo específicos para micobactérias.
Recomendações para realização da Baciloscopia e/ou cultura
Na Tuberculose
Pulmonar
1 – Baciloscopia é obrigatória na análise de todas as amostras, tanto
para o diagnóstico quanto para o controle de tratamento.
2 – Cultura é obrigatória para:
▪ diagnóstico em todas as outras amostras, que não o escarro;
▪ confirmação diagnóstica, em amostras de escarro de sintomáticos
respiratórios com baciloscopia repetidamente negativa;
▪ verificação da farmacorresistência, em qualquer amostra de casos que
não respondem ao tratamento
Na Tuberculose
Extrapulmonar
É obrigatória a realização simultânea da baciloscopia e da cultura em
todas as amostras, menos no sangue.
Recomenda-se a baciloscopia e a cultura, em qualquer amostra de pacientes HIV
positivos, uma vez que eles podem ser acometidos por outras micobactérias, que exigem
identificação da espécie para adequação do tratamento.
A baciloscopia é obrigatória na tuberculose pulmonar porque identifica a maioria dos
casos bacilíferos, que são as fontes mais importantes de transmissão da doença.
A baciloscopia de controle permite avaliar o sucesso ou a falência do tratamento, sendo
ideal a sua realização ao final de cada mês de tratamento. Baciloscopia negativa ao final do
segundo mês e permanência desta até o final do tratamento demonstra a cura da doença.
Tipos de amostras freqüentemente utilizadas no diagnóstico laboratorial
Tuberculose Pulmonar Tuberculose Extrapulmonar
▪ escarro
▪ lavado brônquico
▪ lavado bronco-alveolar
▪ urina
▪ líquidos: pleural, sinovial, peritoneal e pericárdico
▪ secreções ganglionares e de nódulos mamários
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▪ lavado gástrico
▪ fragmento de tecido pulmonar
(biópsia pulmonar)
▪ líquor
▪ fragmentos de tecidos
▪ sangue e aspirado de medula
1 – Exame Microscópico
A baciloscopia é o exame básico para o diagnóstico da tuberculose, especialmente
na forma pulmonar. Por ser de execução rápida, fácil e de baixo custo, favorece ampla
cobertura diagnóstica, identificando a principal fonte de infecção (doentes bacilíferos).
É utilizada para acompanhar a eficácia do tratamento através da redução da carga
bacilar e negativação do escarro em exames mensais, enquanto o paciente tiver
expectoração.
Devem ser coletadas duas amostras de escarro de cada paciente, para aumentar as
chances de se obter um resultado positivo. Para o controle do tratamento, coleta-se apenas
uma amostra.
A amostra deve ser encaminhada imediatamente para o laboratório. Caso isso não
seja possível, deve-se obedecer às seguintes recomendações:
► Se o envio for realizado em no máximo 24 horas, as amostras de escarro poderão ficar
em temperatura ambiente, protegidas da luz solar;
► Se o envio for realizado em no máximo 7 dias, as amostras de escarro deverão ser
mantidas refrigeradas entre 2ºC e 8ºC, em geladeira exclusiva para armazenar material
contaminado;
► Se não for possível encaminhar em 24 horas ou se não houver geladeira disponível, a
unidade deverá processar as amostras, ou seja, preparar e fixar os esfregaços.
Quanto aos métodos de coloração, recomenda-se a utilização rotineira do método de
Ziehl-Neelsen, uma vez que ele possibilita a identificação mais segura de BAAR, além de
exigir apenas microscópio óptico comum, ser rápido e de baixo custo.
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Critérios para leitura dos resultados da baciloscopia, padronizados para o método de Ziehl-
Neelsen pela OMS
Em amostras de escarro, quando:
► não são encontrados BAAR em 100 campos = negativo
► 1 a 9 BAAR em 100 campos = quantidade de BAAR encontrada
► 10 a 99 BAAR em 100 campos = positivo +
► 1 a 10 BAAR por campo, nos primeiros 50 campos = positivo ++
► mais de 10 BAAR por campo, nos primeiros 20 campos = positivo +++
Em outras amostras, quando:
► não são encontrados BAAR = negativo
► encontrados BAAR em qualquer quantidade, em 100 campos = positivo
Como exemplo, temos:
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2 – Cultura
Trata-se do método bacteriológico mais acurado disponível até o momento para o
diagnóstico da tuberculose pulmonar e extrapulmonar. Possibilita, dessa forma,
diagnosticar mais precocemente os casos novos de tuberculose pulmonar nos quais a
eliminação bacilar não é suficiente para ser detectada pela baciloscopia.
Além disso, o cultivo permite posterior identificação da micobactéria isolada, assim
como a realização do teste de sensibilidade, o que não é possível quando se realiza somente
a baciloscopia.
O meio de cultura mais utilizado é o de Lowestein-Jensen. O crescimento do
M.tuberculosis ocorre em torno 28º dia de incubação à temperatura de 37ºC.
As indicações prioritárias da “II Diretrizes Brasileiras para Tuberculose 2004” para
a realização de cultura são:
► casos pulmonares suspeitos e negativos à baciloscopia;
► espécimes paucibacilares e extrapulmonares;
► todo espécime de paciente soropositivo para o HIV/AIDS;
► todos os casos de retratamento após falência bacteriológica ao esquema RHZ, ou
recidiva ou re-início após abandono com teste de sensibilidade;
► suspeita de resistência às drogas, seguida de teste de sensibilidade;
► suspeita de micobacteriose não tuberculosa, seguida de identificação da espécie.
O teste de sensibilidade às drogas é realizado a partir do crescimento obtido na cultura e
o seu resultado é obtido em 20 a 28 dias. Só realizado em situações especiais, tais como:
falência de tratamento; retratamento; paciente com suspeita de resistência primária; contato
de paciente resistente; vigilância epidemiológica.
3 – Métodos Moleculares
São técnicas de amplificação de ácido nucléico, que têm como alvo seqüências
específicas de microrganismos. Muitos desses métodos são baseados na técnica da reação
em cadeia da polimerase (PCR), que consiste na amplificação de quantidades mínimas de
DNA.
Esses métodos estão aprovados para uso no laboratório de análises clínicas apenas
em amostras de escarro, na suspeita clínica de tuberculose pulmonar em pacientes adultos,
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não infectados pelo HIV e sem tratamento prévio nos 12 meses que antecedem o evento
atual.
São utilizados também para investigações epidemiológicas, estudos de transmissão e de
genes de resistência.
Não deve ser indicado para amostras de pacientes que já estão em tratamento para
infecções por micobactérias, uma vez que o método não diferencia bacilos vivos de mortos.
4 – Prova Tuberculínica (PPD)
O teste de PPD (derivado protéico purificado) é um teste intradérmico utilizado para
avaliação da imunidade contra M. tuberculosis.
Se positivo, indica infecção prévia pelo Mycobacterium, não sendo capaz de distinguir o
indivíduo infectado do doente.
Principais indicações
► identificação de infecção latente;
► avaliação de resposta à vacinação BCG;
Interpretação
Tamanho da enduração Classificação Interpretação
0 – 4 mm Não reator Não infectados, anérgicos
5 – 9 mm Reator fraco Infectados por BK, micobactérias
não tuberculosas atípicas, ou
vacinados com BCG
≥ 10 mm Reator forte Infectados, doentes ou não,
vacinados recentes com BCG
Todos os indivíduos infectados pelo HIV devem ser submetidos à prova tuberculínica.
Pacientes portadores do HIV ou com AIDS, inicialmente não reatores, deverão ter sua
prova tuberculínica repetida, após melhora clínica com o uso de anti-retrovirais.
Em função da alta freqüência de resultados falso-negativos, não se deve indicar o teste
de PPD como diagnóstico de doença ativa. Tais resultados podem estar relacionados a
diversos fatores, dentre os quais temos:
- Infecções virais (sarampo, caxumba, HIV), bacterianas (hanseníase, febre tifóide) e
fúngicas (paracoccidioidomicose);
- Vacinações com vírus vivo atenuado (MMR, pólio oral, varicela);
- Alterações metabólicas (insuficiência renal crônica);
- Doenças de órgãos linfóides (doença de Hodgkin, linfoma, leucemia crônica);
- Drogas (corticosteróides e imunossupressores);
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- Idade (recém-nascidos e idosos);
- Estresse (cirurgia, queimaduras, transplantados).
Tratamento
A quimioterapia reduz a mortalidade, o período de transmissibilidade e pode ser usada
para prevenir que pessoas infectadas evoluam até a doença.
Existem 3 regras básicas em relação ao tratamento: associar pelo menos três
medicamentos; tempo prolongado de tratamento; e regularidade na tomada da medicação.
Para prevenção de recaídas e recidivas (bacilos persistentes) e aparecimento de
resistência, os esquemas de tratamento se dividem em duas fases: de ataque, para reduzir
rápida e drasticamente a população bacilar e proporção de mutantes resistentes; e a fase de
manutenção, para eliminar os germes persistentes.
Esquemas de tratamento ► Esquema I (esquema básico)
Para os casos novos ou recidivas sem tratamento prévio nos últimos cinco anos,
tratamento por menos de 30 dias.
► Esquema IR (esquema básico + etambutol)
Para os casos de retratamento por recidiva após cura ou abandono de tratamento.
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► Esquema II (esquema para tuberculose meningoencefálica)
Para os casos de tuberculose do sistema nervoso central. Ao esquema
quimioterápico deve ser incluído corticosteróide no início do tratamento, por um a quatro
meses.
► Esquema III (esquema de falência)
Para os casos de falência do esquema I ou IR.
A tuberculose no paciente HIV+ provoca uma evolução mais rápida da doença viral,
levando a um aumento da carga viral e diminuição do número de linfócitos CD4+, tanto a
curto quanto a longo prazo.
O tratamento da tuberculose no paciente HIV+ é tão efetivo quanto no paciente não
infectado pelo vírus, apresentando a mesma taxa de cura. Entretanto, a intensidade e a
freqüência dos efeitos colaterais são maiores, tornando a adesão do paciente mais difícil.
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Os esquemas indicados para os pacientes não infectados pelo HIV são os mesmos
indicados para os pacientes HIV+. No entanto, nos pacientes com imunidade mais
comprometida, o esquema I poderá ter seu período prolongado até 9 meses de tratamento,
para evitar taxa inaceitável de recidiva.
M. tuberculosis Multirresistente
No Brasil, consideram-se casos de tuberculose por cepas multirresistentes aqueles
que apresentam resistência in vitro à rifampicina + isoniazida e a uma terceira droga
(pirazinamida, estreptomicina e/ou etambutol).
Mecanismos de resistência
Mutantes resistentes a qualquer antibiótico ocorrem ao acaso enquanto o bacilo está
se replicando e podem ser selecionados pela combinação inadequada de remédios. O
desenvolvimento de resistência é tão mais comum quanto mais numerosa é a população
bacteriana ou quando uma droga é usada isoladamente.
No caso da resistência à rifampicina, acredita-se que três possam ser os
mecanismos:
- colonização inicial com bacilos já resistentes;
- no início da doença, já haveria uma parcela pequena de bacilos resistentes que
permaneceria contida enquanto os germes mais virulentos estivessem presentes e, com o
decorrer da quimioterapia, os primeiros poderiam desenvolver-se e colonizar as lesões;
- bacilos resistentes através de mutação.
Um tratamento insuficiente pode ser a condição determinante de desenvolvimento de
bacilos resistentes.
O contato prévio com drogas antituberculose é a variável clínica mais associada à
tuberculose multirresistente na maior parte dos estudos.
O problema do tratamento da tuberculose multirresistente se deve, principalmente, à
dificuldade de associação múltipla de medicamentos, seu custo elevado, à baixa tolerância
de alguns dos medicamentos utilizáveis e seus efeitos indesejáveis, e à expectativa de cura
menor do que nos esquemas convencionais.
Dentre as drogas utilizadas para o tratamento, podemos encontrar: amicacina ou
estreptomicina, ofloxacina, etambutol e terizidona.
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Caso Clínico 1
Edson Infante, 30 anos, masculino, solteiro, pardo, 1º grau incompleto,
desempregado, natural e residente em São Paulo.
Queixa principal: Tosse, febre e perda de peso.
História da doença atual: Quadro teve início há 2 meses, com estado gripal, tosse com
expectoração amarelada e febre. Tomou injeção numa farmácia e, como não melhorou,
procurou o Pronto – Socorro, onde foram prescritos xarope e vitamina C. Continuou com
febre, a tosse agravou e percebeu que vinha emagrecendo. Ontem, a irmã notou que ele
estava escarrando sangue e o fez vir à consulta médica.
História patológica pregressa: Sarampo, catapora e caxumba na infância. Nega
pneumopatias prévias ou outras comorbidades. Não usa medicações de rotina.
História social e familiar: Mora em casa de 3 cômodos em uma favela de São Paulo com a
mãe e duas irmãs, todas sadias. Pai faleceu vítima de atropelamento. Nega contato com
doente tuberculoso. Tabagista de 2 maços/dia desde os 14 anos (carga tabágica = 32 maços
– ano). É alcoólatra desde os 18 anos.
Exame físico:
Regular estado geral, tossindo muito, emagrecido. Hálito alcoólico, hidratado, hipocorado
(++/4+), eupnéico, acianótico, anictérico.
Peso = 56 Kg Tax = 37,5ºC Fr = 30 ipm PA = 110x70 mmHg Fc = 90 bpm
Alt = 1,75 m
Cabeça e pescoço: sem alterações.
Aparelho respiratório: expansibilidade torácica discretamente diminuída à direita, frêmito
tóraco – vocal preservado. Murmúrio vesicular universalmente audível, porém reduzido no
terço superior do pulmão direito, associado a estertores crepitantes.
Aparelho cardiovascular, abdome, membros, sistemsa nervoso e ósteo – articular: sem
alterações.
A história clínica e o exame físico indicam doença infecciosa do aparelho respiratório. O
longo tempo de evolução permite descartar a etiologia viral do processo. Como o paciente é
fumante de longa data, devemos pensar em uma exacerbação infecciosa de uma bronquite
crônica, como também em câncer de pulmão, já que ele apresenta hemoptóicos. A ausência
de sintomas respiratórios sugestivos de DPOC prévios, diminuem a probabilidade deste
diagnóstico. Além de fumante, o paciente é alcoólatra, o que favorece a instalação de
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infecções respiratórias baixas e pneumonias. Finalmente, o curso arrastado de um processo
infeccioso pulmonar, em nosso país, deve sempre nos fazer pensar em tuberculose
pulmonar.
Exames complementares: Além de hemograma e bioquímica, temos BAAR +++.
Pela riqueza bacilar do material examinado e pelos dados do exame físico, o paciente
provavelmente tem uma lesão cavitária no ápice do pulmão direito. Na impossibilidade de
se realizar um exame radiológico do tórax de imediato, a baciloscopia é o suficiente tanto
para diagnosticar o caso quanto para iniciar o tratamento.
Tratamento: esquema I por 6 meses (RHZ por 2 meses + RH por 4 meses).
Caso Clínico 2
Ermelinda Siqueira, 39 anos, sexo feminino, solteira, parda, analfabeta, do lar,
natural de Bom Jesus de Itabapoana (RJ) e residente na favela Dona Marta (RJ
capital).
Queixa principal: Dor no peito.
História da doença atual: Início do quadro há 3 semanas com tosse seca, adinamia e
sonolência exacerbada pelas atividades habituais do lar. Evoluiu clinicamente com febre
vespertina na semana seguinte. Á sintomatologia associou-se leve dispnéia, dor torácica em
base direita, ventilatório-dependente e hemoptóicos. Procurou hospital de emergência,
tendo sido diagnosticada pneumonia de base direita, sendo medicada com amoxicilina.
Apesar de a sintomatologia não ter cessado, a paciente manteve a conduta prescrita. Houve
piora da prostração e aumento do sangramento respiratório, tendo procurado este serviço ao
final do 12º dia de antibioticoterapia.
História patológica pregressa: Amigdalectomia aos 5 anos e apendicectomia aos 14 anos.
História social e familiar: Pai falecido há mais de 10 anos por tuberculose pulmonar, e
mãe por doença no estômago. Não sabe informar sobre a saúde dos irmãos. Condições
sócio-econômicas precárias. É tabagista desde os 11 anos de idade (23 maços-ano), e possui
história de etilismo.
Exame físico:
Mau aspecto geral, emagrecida, orientada, desidratada (++/4+), hipocorada (+++/4+),
eupnéica e anictérica.
Peso = 38 Kg Tax: 37,5ºC Fr = 28 ipm PA: 100 x 60 mmHg Fc = 96 bpm
Alt = 1,55 m
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Cabeça e pescoço: sem alterações.
Aparelho respiratório: tórax simétrico, frêmito tóraco-vocal e murmúrio vesicular
diminuídos universalmente, porém mais significativos na metade inferior do hemitórax
direito.
Aparelho cardiovascular, abdome, sistemas nervoso e ósteo – articular: sem alterações.
Pontos principais:
- doença infecciosa arrastada e progressiva comprometendo o pulmão;
- sangramento respiratório;
- ausência de resposta à antibioticoterapia.
Evolução hospitalar: Imediatamente após a admissão hospitalar, a paciente apresentou
hemoptise volumosa, sendo encaminhada à sala de endoscopia respiratória. Foi submetida à
broncoscopia, e o local do sangramento identificado no brônquio segmentar lateral do lobo
inferior direito. Apesar das sucessivas manobrar de lavagem/broncoaspiração, a paciente
faleceu por hemorragia incontrolável.
Diagnóstico: O diagnóstico de tuberculose pulmonar foi estabelecido com a cultura
positiva para Mycobacterium tuberculosis, em material obtido durante o broncoaspirado.
Comentários: A localização atípica da imagem radiológica levou não só ao erro
diagnóstico como à não solicitação de baciloscopia de escarro em tempo hábil para
instituição do tratamento específico, tendo a gravidade da hemorragia levado a paciente ao
óbito.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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jul/dez – 2001.
- Harrison – Medicina Interna. Mc Graw Hill, 17ª edição, 2008.
- Manual de TB – Baciloscopia. Ministério da Saúde, 2008.
- Manual de Bacteriologia da Tuberculose – Centro de Referência Professor Hélio Fraga. 3ª
edição, Rio de Janeiro, 2005.
- Murray P.R; Rosenthal K.S. Microbiologia Médica, 5ª edição, 2006 – Elsevier
- II Diretrizes Brasileiras para Tuberculose. Jornal Brasileiro de Pneumologia, v.30, supl. 1,
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- Tuberculose – Revista Hospital Universitário Pedro Ernesto. Ano 5, julho/dezembro de
2006.
- Silva, José Roberto Lapa et al. O ressurgimento da tuberculose e o impacto do estudo da
imunopatogenia pulmonar. Jornal Brasileiro de Pneumologia 30(4) – jul/ago de 2004.