universidade federal do rio grande do norte prÓ … · para “vencer na vida”. À minha tia,...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO CENTRO DE BIOCIÊNCIAS DEPARTAMENTO DE FISIOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOBIOLOGIA ISABELLA MARIA DE OLIVEIRA PONTES EFEITOS DO TRATAMENTO COM LÍTIO NA MEMÓRIA AVERSIVA, COMPORTAMENTOS RELACIONADOS À ANSIEDADE E DEPRESSÃO E NA EXPRESSÃO DE BDNF EM RATOS NATAL 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

PR-REITORIA DE PS-GRADUAO CENTRO DE BIOCINCIAS

DEPARTAMENTO DE FISIOLOGIA PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM PSICOBIOLOGIA

ISABELLA MARIA DE OLIVEIRA PONTES

EFEITOS DO TRATAMENTO COM LTIO NA MEMRIA AVERSIVA, COMPORTAMENTOS RELACIONADOS ANSIEDADE E DEPRESSO E

NA EXPRESSO DE BDNF EM RATOS

NATAL

2014

ISABELLA MARIA DE OLIVEIRA PONTES

EFEITOS DO TRATAMENTO COM LTIO NA MEMRIA AVERSIVA, COMPORTAMENTOS RELACIONADOS ANSIEDADE E DEPRESSO E

NA EXPRESSO DE BDNF EM RATOS

Dissertao apresentada ao Programa de Ps-graduao em Psicobiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para a obteno do ttulo de Mestre em Psicobiologia (rea Psicologia Fisiolgica).

Orientadora: Profa. Dra. Regina Helena da Silva Co-orientadora: Dra. Rovena Clara G. J. Engelberth

NATAL

2014

Pontes, Isabella Maria De Oliveira. Efeitos do tratamento com ltio na memria aversiva, comportamentosrelacionados ansiedade e depresso e na expresso de BDNF emratos / Isabella Maria De Oliveira Pontes. - Natal, 2014. 87f: il.

Coorientadora: Dra. Rovena Clara G. J. Engelberth. Orientadora: Profa. Dra. Regina Helena da Silva. Dissertao (Mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande doNorte. Centro de Biocincias. Programa de Ps-Graduao emPsicobiologia.

1. Ansiedade - Dissertao. 2. Depresso - Dissertao. 3. Memriaaversiva - Dissertao. I. Engelberth, Rovena Clara G. J. II. Silva,Regina Helena da. III. Universidade Federal do Rio Grande do Norte.IV. Ttulo.

RN/UF/BSE01 CDU 616.89-008.441

Catalogao da Publicao na FonteUniversidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, que no mediram esforos para me oferecer educao

de qualidade para que um dia eu pudesse ingressar na Universidade. Eles que

estiveram ao meu lado, compartilhando das vitrias e derrotas, me

incentivando a seguir, mesmo quando os obstculos pareciam intransponveis.

Que mesmo estando longe h tanto tempo, estiveram ao meu lado apoiando

todos os meus projetos. Dedico a vocs a minha mais profunda admirao e

gratido, pois tenho conscincia de que nada nas nossas vidas foi fcil.

minha irm, Maria Lusa, que sempre esteve ao meu lado me

apoiando e me defendendo, torcendo por mim e vibrando com cada vitria.

Joo, que com a sua chegada, trouxe alegria para nossa famlia. Que

s de me olhar e me chamar de titi me faz to feliz.

minha av, Zenita, que me acolheu em seu colo na ausncia dos

meus pais. Mesmo no fazendo idia do que eu fao se interessa pelas minhas

conquistas e sempre me lembra que eu tenho sempre que seguir em frente

para vencer na vida.

minha tia, Lcia, que me ofereceu a sua casa como moradia durante

esses anos de mestrado. Ela que o meu exemplo dentro de casa na carreira

acadmica e que se enche de orgulho a cada degrau que me ver subir.

Igor, meu namorado, que nesta etapa final tem sido o meu maior

incentivador, mostrando toda a minha potencialidade e tornando esse final to

angustiante mais ameno.

Ao final de mais uma etapa, normal fazermos uma retrospectiva da

nossa vida. Um filme passa em nossa cabea e paramos para nos perguntar se

realmente alcanamos todos os nossos objetivos e se isso tudo valeu a pena.

De fato eu sei estou longe do auge da minha carreira, mas de uma coisa eu

tenho certeza: estou no caminho certo.

Entrei na Universidade com um sonho de um dia me tornar cientista. Na

poca no tinha nem noo do quanto seria difcil chegar l, por quantas

etapas teria que passar para conseguir realizar esse sonho. O caminho tem

sido rduo at aqui, foram muitos finais de semana na companhia dos ratinhos

e dos colegas de laboratrio, muitas reunies em famlia que precisei me

ausentar, muitas madrugadas estudando, analisando dados, etc. No entanto,

quando olho para trs vejo que muitas coisas boas aconteceram nesse

caminho e me dou conta do quo sortuda eu sou.

Ao tentar ingressar na carreira cientfica, ainda como IC, fiquei sabendo

por colegas das reunies do laboratrio da professora Regina e decidi

participar para ver como era. Ao chegar l fui extremamente bem recebida, me

interessei pelas linhas de pesquisa e imediatamente quis me engajar em uma

delas. O laboratrio ainda era precrio, no tnhamos equipamentos

sofisticados, biotrio com condies controladas, etc. Mas percebi naquele

grupo que para fazer cincia bastavam alguns ratos, o mnimo de

equipamentos (muitos improvisados), muita fora de vontade e esprito de

equipe.

No LEME, acabei ganhando uma me cientfica, Regina, aquela que me

guiou nesse caminho, me permitindo determinar meu prprio projeto e trabalhar

com aquilo que me interessava. Que me mostrou que em primeiro lugar

devemos prezar o conhecimento terico para poder aplicar na pesquisa, que

mostrou a importncia de observar o animal para entender o seu

comportamento, que me deu puxes de orelha quando pisei na bola, que me

incentivou em todo esse percurso e me mostrou que poderamos ser uma

famlia: a famlia LEME.

Como uma das alunas mais antigas do laboratrio, vi pessoas chegarem

e irem embora. Participei do progresso do laboratrio. Percebi neste tempo

que, com boa vontade, senso de liderana e uma equipe unida, possvel

fazer um laboratrio surgir do nada e se tornar um dos mais reconhecidos

dentro do programa de ps-graduao e at nacionalmente. Vi o LEME crescer

e se espalhar pelo pas levando a sua essncia.

No entanto, o mais importante que o LEME e Regina deixaram na minha

vida foram as amizades que ali fiz, meus irmos cientficos. Aprendemos a

viver como uma famlia, com suas diferenas mas sempre se ajudando nas

horas de aperto. Verdadeiros companheiros.

Gostaria de agradecer a todos da famlia LEME por tudo que aprendi

com vocs, pela ajuda nos experimentos, pelas discusses interessantes.

Obrigada pelas boas lembranas que vocs deixaro na minha vida: nossas

viagens inesquecveis para congressos Brasil afora, todas as comemoraes

pelas vitrias do grupo, pelos momentos de descontrao e pela amizade.

Regina, minha orientadora, por ter segurado na minha mo e me

mostrado como fazer cincia. Por ter me proporcionado viver todos esses anos

de alegria no LEME.

Andr, em especial, por todo tempo que se engajou nesse projeto. Por

ter me ajudado em todas as etapas, desde a manipulao dos animais at a

discusso dos meus resultados. Por ter sido meu amigo fiel desde o incio da

graduao e por ter crescido junto comigo dentro do LEME.

Aline e Fernanda, pelas amigas que ganhei para o resto da vida.

Obrigada pelos momentos que estiveram disponveis para me ajudar, seja no

laboratrio ou apenas com uma conversa. A companhia de vocs foi muito

importante.

Rovena, minha co-orientadora que contribuiu muito para a concluso

desse trabalho.

todos que esto ou que j pertenceram ao LEME, meu muito obrigado.

Conviver com vocs tornou meus dias mais felizes. Fazer cincia com vocs

no tem preo!

Aos ratinhos que perderam suas vidas em minhas mos para o avano

da cincia.

UFRN, ao Programa de Ps-graduao em Psicobiologia e ao CNPq

pelo apoio financeiro.

Essa apenas mais uma etapa concluda. O doutorado me aguarda!

SUMRIO

RESUMO ........................................................................................................... 1

1. INTRODUO ............................................................................................ 5

1.1. Transtorno Bipolar ................................................................................................... 5

1.2. Mecanismo de ao do ltio ................................................................................... 9

1.3. Efeitos do ltio na memria .................................................................................. 13

1.4. Memria e ansiedade ............................................................................................ 15

1.5. Efeitos do ltio na ansiedade ............................................................................... 17

1.6. Efeitos do ltio na depresso .............................................................................. 18

1.7. Influncia do ltio na expresso de BDNF ....................................................... 19

2. OBJETIVOS .............................................................................................. 21

3. MATERIAIS E MTODOS......................................................................... 21

3.1. Animais e procedimentos gerais ....................................................................... 21

3.2. Drogas ....................................................................................................................... 22

3.3. Experimento I: tratamento agudo ...................................................................... 22

3.4. Esquiva discriminativa no labirinto em cruz elevado ................................... 23

3.5. Nado forado ........................................................................................................... 24

3.6. Experimento II: tratamento crnico ................................................................... 24

3.7. Dosagem srica de ltio ........................................................................................ 25

3.8. Anlises Histolgicas............................................................................................ 26

3.8.1. Perfuso e processamento do crebro .................................................... 26

3.8.2. Imunohistoqumica para fator neurotrfico derivado do encfalo (BDNF) ............................................................................................................................ 27

3.8.3. Avaliao da densitometria ptica relativa (DOR) ................................. 28

3.9. Anlise estatstica .................................................................................................. 29

4. RESULTADOS .......................................................................................... 29

4.1. Experimento I: tratamento agudo ...................................................................... 29

4.2. Experimento II: tratamento crnico ................................................................... 38

5. DISCUSSO ............................................................................................. 47

6. CONCLUSES ......................................................................................... 59

REFERNCIAS................................................................................................ 60

1

RESUMO

Ltio (Li) o frmaco de escolha para o tratamento do transtorno bipolar, doena psiquitrica caracterizada por oscilaes de humor entre mania e depresso. Entretanto, estudos mostram que essa droga pode ter influncia sobre os processos mnemnicos devido a seu carter neuroprotetor, antiapopttico e neurognico. O emprego no ltio para o tratamento de dficits cognitivos provocados por leses cerebrais ou doenas neurodegenerativas vem sendo amplamente estudado, visto que esse frmaco mostra-se capaz de prevenir ou at mesmo aliviar prejuzos na memria. Os efeitos do Li na ansiedade e depresso so controversos e a relao entre os efeitos do Li na memria, ansiedade e depresso so ainda desconhecidos. Neste contexto, os objetivos deste estudo foram: avaliar os efeitos da administrao aguda e crnica de carbonato de ltio na memria aversiva e ansiedade, simultaneamente, utilizando a esquiva discriminativa no labirinto em cruz elevado (ED); testar o efeito antidepressivo do frmaco atravs do teste do nado forado (NF); avaliar a expresso de fator neurotrfico derivado do encfalo (BDNF) em estruturas relacionadas com memria e emoo. Para a avaliao do efeito agudo, ratos Wistar machos foram submetidos administrao intraperitoneal de carbonato de ltio 50, 100 ou 200 mg/kg uma hora antes do treino (ED) ou carbonato de ltio 50 ou 100 mg/kg uma hora antes do teste (NF). Para a avaliao crnica, foram administradas as doses de 50 ou 100 mg/kg ou veculo por 21 dias antes do incio das tarefas comportamentais (ED e NF). Aps o trmino dessas tarefas, os animais foram eutanasiados e seus encfalos removidos para realizao de imunohistoqumica para quantificar BDNF. Os animais que receberam tratamento agudo com Li nas doses de 100 e 200 mg/kg no demonstraram discriminao entre os braos fechados (aversivo e no-aversivo) na sesso treino da ED, mostrando que esses animais no aprenderam a tarefa. Essa ausncia na discriminao foi observada tambm na sesso teste, mostrando que no houve evocao da memria aversiva. Foi ainda observado um aumento da explorao dos braos abertos para essas mesmas doses, apontando um efeito ansioltico do frmaco. Os mesmos grupos apresentaram ainda uma reduo na atividade locomotora, no entanto, esse efeito parece no estar relacionado com o efeito ansioltico do frmaco. O tratamento crnico com ltio no promoveu alteraes nos processos de aprendizado e memria. No entanto, foi observado uma reduo da explorao dos braos abertos pelos animais tratados com a dose de 50 mg/kg em relao aos outros grupos, mostrando um efeito ansiognico causado pelo tratamento crnico. Esse efeito no est relacionado a alteraes locomotoras, visto que no foi detectado alteraes nesses parmetros. Ambos os tratamentos (agudo e crnico) foram ineficazes em demonstrar o efeito antidepressivo do ltio na tarefa do NF. O tratamento crnico com ltio tambm no foi capaz de alterar a expresso de BDNF no hipocampo, amgdala e crtex pr-frontal. Esses resultados sugerem que a administrao aguda de ltio promove prejuzos no aprendizado em uma tarefa aversiva, impedindo a ocorrncia de consolidao e evocao da memria. A reduo da ansiedade no tratamento agudo pode ter impedido o aprendizado da tarefa aversiva, visto que j foi verificado que nveis adequados de ansiedade so necessrios para que ocorra aprendizado com contexto

2

emocional. Com a continuidade do tratamento os animais recuperam a capacidade de aprender e evocar a tarefa, mas no apresentam alteraes em relao ao grupo controle e a ausncia de alterao na expresso de BDNF corrobora esse resultado. Possivelmente, o regime de tratamento utilizado no foi capaz de promover melhora cognitiva nos animais. O ltio demonstrou efeito ansioltico agudo, todavia a administrao crnica promoveu efeito oposto. Mais estudos so necessrios para esclarecer o potencial efeito benfico do ltio sobre a memria.

Palavras-chave: Ltio, memria aversiva, aprendizado, ansiedade, depresso, BDNF, esquiva discriminativa, nado forado, ratos.

3

ABSTRACT

Lithium (Li) is the first choice to treat bipolar disorder, a psychiatric illness characterized by mood oscillations between mania and depression. However, studies have demonstrated that this drug might influence mnemonic process due to its neuroprotector, antiapoptotic and neurogenic effects. The use of Li in the treatment of cognitive deficits caused by brain injury or neurodegenerative disorders have been widely studied, and this drug shows to be effective in preventing or even alleviating the memory impairment. The effects of Li on anxiety and depression are controversial and the relationship of the effects of lithium on memory, anxiety and depression remain unknown. In this context, this study aims to: evaluate the effects of acute and chronic administration of lithium carbonate in aversive memory and anxiety, simultaneously, using the plus maze discriminative avoidance task (PMDAT); test the antidepressant effect of the drug through the forced swimming test (FS) and analyze brain-derived neurotrophic factor (BDNF) expression in structures related to memory and emotion. To evaluation of the acute effects, male Wistar rats were submitted to i.p. administration of lithium carbonate (50, 100 or 200 mg/kg) one hour before the training session (PMDAT) or lithium carbonate (50 or 100 mg/kg) one hour before the test session (FS). To evaluation of the chronic effects, the doses administered were 50 or 100 mg/kg or vehicle once a day for 21 days before the beginning of behavioral tasks (PMDAT and FS). Afterwards, the animals were euthanized and their brains removed and submitted to immunohistochemistry procedure to quantify BDNF. The animals that received acute treatment with 100 and 200 mg/kg of Li did not discriminated between the enclosed arms (aversive and non-aversive) in the training session of PMDAT, showing that these animal did not learned the task. This lack of discrimination was also observed in the test session, showing that the animals did not recall the aversive task. We also observed an increased exploration of the open arms of these same groups, indicating an anxiolytic effect. The same groups showed a reduction of locomotor activity, however, this effect does not seem to be related with the anxiolytic effect of the drug. Chronic treatment with Li did not promote alterations on learning or memory processes. Nevertheless, we observed a reduction of open arms exploration by animals treated with 50 mg/kg when compared to the other groups, showing an anxiogenic effect caused by this dose. This effect it is not related to locomotor alterations since there were no alterations in these parameters. Both acute and chronic treatment were ineffective in the FS. Chronic treatment with lithium was not able to modify BDNF expression in hippocampus, amygdala and pre-frontal cortex. These results suggest that acute administration of lithium promote impairments on learning in an aversive task, blocking the occurrence of memory consolidation and retrieval. The reduction of anxiety following acute treatment may have prevented the learning of the aversive task, as it has been found that optimum levels of anxiety are necessary for the occurrence of learning with emotional context. With continued, treatment the animals recover the ability to learn and recall the task. Indeed, they do not show differences in relation to control group, and the lack of alterations on BDNF expression corroborates this result. Possibly, the regimen of treatment used was not able to promote cognitive improvement. Li showed acute anxiolytic effect, however chronic administration

4

promoted the opposite effect. More studies are necessary to clarify the potential beneficial effect of Li on aversive memory.

Keywords: Lithium, aversive memory, learning, anxiety, depression, BDNF, plus maze discriminative avoidance task, forced swimming, rats.

5

1. INTRODUO

1.1. Transtorno Bipolar

O Transtorno Bipolar (TB) um transtorno mental grave que acomete

indivduos jovens, cujo curso em geral crnico e muitas vezes incapacitante.

Ele est presente em cerca de 1-3% da populao de todo o mundo, e est

associado a um alto ndice de suicdio e desemprego (MLLER-

OERLINGHAUSEN et al, 2002; WEISSMAN et al, 1996). Afeta homens e

mulheres na mesma proporo e o incio dos sintomas ocorre entre 15 e 30

anos de idade (GOODWIN & JAMISON, 1990). Esse transtorno apresenta-se

comumente em comorbidade com outros distrbios psiquitricos como

ansiedade, transtorno obsessivo-compulsivo, sndrome do pnico e sociofobia

(ALBERT et al, 2008; ISSLER et al, 2004).

O TB caracterizado por episdios de humor, que variam entre depresso,

mania ou a combinao desses episdios, e que so intercalados por perodos

sub-sintomticos ou de eutimia (equilbrio do humor ou humor normal, o que

pode ser identificado como uma remisso dos sintomas) (GOULD & EINAT,

2007). O TB classificado, principalmente, em dois tipos. O tipo I

caracterizado pelo predomnio da fase manaca com depresso mais leve

(distimia). J o tipo II caracterizado pelo predomnio da fase depressiva com

mania mais leve (hipomania). Do ponto de vista do diagnstico, pressupem-se

que a ocorrncia de pelo menos um episdio manaco ou hipomanaco durante

a vida suficiente para a identificao do TB. A presena de episdio manaco

confere o diagnstico de TB tipo I, enquanto a presena de episdio

hipomanaco confere o diagnstico de TB tipo II (BELMAKER, 2004). A

presena de um episdio manaco definida por uma elevao persistente do

6

humor (humor eufrico ou irritvel), acompanhado por pelo menos trs dos

seguintes sintomas: aumento da autoconfiana ou grandiosidade; taquilalia ou

presso por falar; diminuio da necessidade do sono; pensamento acelerado

ou fuga de idias; distratibilidade; alterao do comportamento dirigido para

atividades prazerosas, frequentemente imprudentes ou perigosas; agitao

psicomotora. Alm disso, o episdio deve ser suficientemente grave para

causar prejuzo significativo no mbito familiar, social ou ocupacional, ou

necessidade de hospitalizao, ou ainda ser acompanhado por sintomas

psicticos.

Devido ao seu curso crnico e a frequente reincidncia e gravidade dos

sintomas de humor, o tratamento do TB atualmente baseia-se no manejo dos

episdios agudos e no tratamento de manuteno como preveno para

ocorrncia de novos episdios (YATHAM et al, 2005). Alm dos episdios

serem incapacitantes, estudos mostram que a demora no diagnstico e o

nmero maior de crises refletem ou prognosticam uma piora cognitiva e clnica

geral do paciente bipolar. Estudos ainda indicam que alteraes neuroqumicas

induzidas pela mania esto associadas ao surgimento de leses em clulas

neurais (JOHNSTON-WILSON et al, 2000; POST et al, 1982). Segundo essa

hiptese, a conduta para que os pacientes se mantenham eutmicos o maior

tempo possvel teria um efeito de proteo neuronal, na medida em que

durante as fases manacas e depressivas os mesmos estariam mais

suscetveis aos efeitos de danos no material gentico (ANDREAZZA; FREY et

al, 2007).

A etiologia e a neurobiologia do TB no esto totalmente esclarecidas,

entretanto vrios estudos tentam explicar a sua fisiopatologia. As bases

7

biolgicas deste transtorno incluem estudos relacionados gentica e

regulao da expresso gnica, vias de transcrio de sinais, vias neuro-

hormonais, neurotransmisso, estresse oxidativo, entre outros. Portanto, a

fisiopatologia do TB parece ser altamente complexa, envolvendo a interao de

vrios sistemas de neurotransmisso e circuitos cerebrais (BOWDEN, 2008).

Alguns estudos tm demonstrado que mudanas em vias intracelulares que

regulam a transmisso neuronal, plasticidade e sobrevivncia esto associadas

com a fisiopatologia do TB (COYLE et al, 2003; MANJI; DREVETS et al, 2001).

Estudos neuroanatmicos, baseados nas imagens obtidas por ressonncia

magntica, demonstram alteraes do volume de determinadas regies

cerebrais envolvidas na regulao do humor como, por exemplo, a diminuio

do volume do crtex pr-frontal (CPF) (MANJI & DUMAN, 2001) e o aumento

do volume da amgdala e do estriado (HAJEK et al, 2005; STRAKOWSKI et al,

2005). J os estudos neurofuncionais, baseados em ressonncia magntica

funcional e tomografia por emisso de psitrons (PET), apontam a diminuio

significativa do metabolismo do CPF durante a depresso e subseqente

aumento em algumas regies do CPF durante a fase manaca. Alm disso, a

diminuio do metabolismo do CPF parece estar acompanhada de um

aumento no metabolismo da amgdala e do estriado, sugerindo que alteraes

no circuito que compreende o CPF, sistema lmbico e gnglios da base podem

estar associadas fisiopatologia do TB (MALHI et al, 2004; STRAKOWSKI et

al, 2005).

Alm disso, estudos de espectroscopia por ressonncia magntica tm

mostrado nveis de N-acetilaspartato (um marcador de viabilidade neuronal)

reduzidos no hipocampo de pacientes bipolares (DEICKEN et al, 2003),

8

sugerindo que o TB pode estar associado com uma disfuno hipocampal. De

fato, indivduos com TB exibem uma diminuio da arborizao de dendritos

apicais, bem como diminuio da densidade de espinhas dendrticas em

neurnios piramidais do hipocampo (ROSOKLIJA et al, 2000). Tambm

apresentam uma diminuio do nmero de neurnios no-piramidais na regio

CA2 (BENES et al, 1998). A avaliao destas alteraes neuropatolgicas

sugeriam que estas modificaes seguuiam um padro de alterao no

desenvolvimento neuronal e de neuroplasticidade, e no um padro de

degenerao cerebral (RAJKOWSKA, 2003).

Em 1992, Post sugeriu o modelo da neurosensibilizao que postula que a

ocorrncia de vrios episdios pode levar a alteraes permanentes na

atividade neuronal (POST, 1992). Estudos mais recentes corroboram esse

achado apontando o transtorno bipolar como um processo degenerativo,

promovendo apoptose e atrofia de vrias regies cerebrais e sugerindo o

modelo da neuroprogresso no transtorno bipolar (BERK, 2011).

A escassez de modelos animais apropriados para TB dificulta

significativamente a pesquisa da sua fisiopatologia e o desenvolvimento de

novos tratamentos (GOULD & EINAT, 2007; TECOTT & NESTLER, 2004).

Possivelmente o pequeno avano ocorrido no tratamento do TB e no

desenvolvimento de modelos animais adequados para o estudo da doena

deve-se ao pouco conhecimento que ainda se tem acerca dos mecanismos

fisiopatolgicos envolvidos neste transtorno.

O tratamento farmacolgico imprescindvel e tem como objetivo reduzir a

frequncia dos episdios, a gravidade da doena e melhorar as consequncias

psicolgicas e sociais (GUSCOTT & TAYLOR, 1994; SPROULE, 2002). O

9

frmaco de primeira linha para o tratamento do TB o ltio, que tem

capacidade de controlar a fase manaca, os sintomas depressivos da doena,

prevenir a ocorrncia de novos episdios e reduzir o ndice de suicdio dos

pacientes (SCHOU, 1997; SPROULE, 2002;KECK, 2003).

1.2. Mecanismo de ao do ltio

Em geral os frmacos utilizados para tratar o TB so anticonvulsivantes,

antipsicticos atpicos e antidepressivos. Entre eles, os mais conhecidos so

valproato, lamotrigina, carbamazepina. Esses frmacos tambm esto

includos na classe dos estabilizadores do humor, drogas mais utilizadas no

tratamento do TB. Entretanto, o ltio a droga de primeira escolha no

tratamento (YOUNG & NEWHAM, 2006) e profilaxia de episdios agudos tanto

manacos como depressivos do TB.

Pacientes com TB frequentemente so tratados com mais de um agente em

vrias doses e por perodos diferentes, usando-se combinaes de

estabilizadores do humor, antipsicticos, antidepressivos e benzodiazepnicos

hipnticos (BOWDEN, 2003).

O ltio foi introduzido h 60 anos por John Cade para o tratamento do

transtorno bipolar e permanece at hoje como o frmaco de primeira linha por

causa da sua eficcia na estabilizao do humor a longo prazo apoiada por

uma gama de evidncias empricas e experincias clnicas (MALHI et al, 2013).

No entanto, os mecanismos pelos quais o ltio exerce seu efeito clnico no so

completamente conhecidos.

Vrios estudos vm sendo realizados para investigar o mecanismo de ao

do ltio, desde estudos macroscpicos (mudanas nos sintomas clnicos e em

10

estruturas cerebrais) at estudos microscpicos (alteraes em nveis celular e

intracelular). As aes macroscpicas do ltio vo desde a manuteno e

profilaxia da mania e depresso e reduo do declnio cognitivo em pacientes

com TB at alteraes estruturais no volume de regies cerebrais como, por

exemplo, crtex pr-frontal (CPF), hipocampo (HC) e amgdala (AM). Em nvel

neuronal, o ltio reduz a neurotransmisso excitatria (modulada pela dopamina

e glutamato) e aumenta a neurotransmisso inibitria (pela modulao de

GABA). Dentro da clula, os mecanismos moleculares ocorrem atravs da

modulao de segundos mensageiros que, por sua vez, modulam a

neurotransmisso (MALHI et al, 2013).

Alm de ser til no tratamento de TB, o ltio vem sendo estudado como uma

provvel alternativa ao tratamento de inmeras outras doenas como, por

exemplo, demncia (YEH & OUYANG, 2012; YOUNG, 2011), doena de

Alzheimer (FORLENZA et al, 2012) e at leses cerebrais (YU et al, 2012;

TAKAHASHI et al, 2012).

Vrias hipteses tm sido propostas para explicar os mecanismos de ao

de agentes aprovados para o tratamento do TB, particularmente os

estabilizadores do humor. Existem dados que corroboram os efeitos

neurotrficos como uma hiptese unificadora para a eficcia do ltio

(MACHADO-VIEIRA et al, 2010).

Segundo Malhi e colaboradores (2013), o ltio tem efeitos neuroprotetores,

atuando na reduo do estresse oxidativo que ocorre com a alta reincidncia

de episdios de mania ou depresso, aumentando a expresso de

neurotrofinas como o fator neurotrfico derivado do encfalo (BDNF) e de Bcl-2

11

e reduzindo o processo apopttico atravs da inibio de GSK-3 e da

autofagia.

Tendo em vista o modelo da neuroprogresso, as aes do ltio parecem

confirmar essa teoria, visto que esse frmaco tem a capacidade de inibir

apoptose (QUIROZ et al, 2010), induzir o surgimento de novas clulas, ou seja,

favorece a neuroproliferao (BERK, 2009; CHEN et al, 2000; POST et al,

2003), alm de interromper processos neurotxicos que levam

vulnerabilidade do tecido e progressivas mudanas estruturais e funcionais

(BERK, 2011).

Dado que o ltio conhecido por afetar a sinalizao Wnt atravs da GSK-

3 (glycogen synthase kinase 3-beta) e as molculas sinalizadoras Wnt so

abundantes em regies sinpticas, esta via parece ser uma boa candidata para

investigao do mecanismo de ao de estabilizadores do humor (HOOPER et

al, 2007; TAKEICHI & ABE, 2005). As Wnts compreendem uma classe de

protenas secretadas que controlam processos de desenvolvimento essenciais

como padronizao embrionria, crescimento celular, migrao e diferenciao

(MIKELS & NUSSE, 2006). Sua ao em grande parte exercida pela

modulao da transcrio gnica (LOGAN & NUSSE, 2004). Anormalidades

nessas vias tem sido implicadas em um nmero de doenas crnicas, como

cncer (MOON et al, 2004), e mais recentemente, em algumas doenas

psiquitricas, como por exemplo, o TB. Toledo e Inestrosa (2010) sugerem que

o ltio ativa a sinalizao Wnt, que est envolvida na doena de Alzheimer,

reduzindo o prejuzo na memria espacial induzido pela sobrecarga de -

amilide. Contestabile e colaboradores (2013) mostraram que o ltio capaz de

12

promover proliferao de clulas neuronais precursoras pela ativao da via

Wnt/-catenina e restaurar a neurognese no giro denteado a nveis

fisiolgicos em ratos transgnicos para sndrome de Down.

Os estabilizadores do humor inibem a GSK-3, uma protena que regula

vias de sobrevivncia e morte celular, e diminuem o inositol, um precursor da

via de sinalizao do fosfatidilinositol (COYLE & MANJI, 2002; WILLIAMS et al,

2002). A primeira evidncia de que a GSK-3 pode ter participao na

fisiopatologia do TB foi fornecida pela sua modulao pelo ltio (KLEIN &

MELTON, 1996). Alm disso, outras terapias estabilizadoras como valproato e

eletroconvulsoterapia tambm tm sido relatadas como inibidoras da GSK-3

(ROWE et al, 2007). A inibio direta da GSK-3 parece ter uma atividade

semelhante antidepressiva (KAIDANOVICH-BEILIN et al, 2004) e aumenta a

atividade serotoninrgica, ou ainda, o uso de antidepressivos com atividade

serotoninrgica usualmente causa inibio da GSK-3 (BEAULIEU et al, 2004;

DRIESSEN & HOLLON, 2011).

Alguns dos efeitos da GSK-3 pode ser resultado da sua interao com

outras substncias implicadas na manuteno do balano entre apoptose e

sobrevivncia celular no crebro. Anormalidades nos nveis desses mediadores

so achados reproduzveis no TB.

O tratamento crnico com ltio pode reduzir receptores GABA no crtex

frontal (HETMAR & NIELSEN, 1988), inibir a adenilato ciclase atravs de

receptores de dopamina D2 (Montezinho et al., 2007), promover transcrio do

gene do receptor D2 (KAMEDA et al, 2001), e aumentar a atividade do receptor

5HT-2A (JITSUIKI et al, 2000). Alm disso, estudos sugerem que ltio pode ter

13

efeito antidepressivo e antimanaco na clnica, provavelmente pelo fato de

interferir no desenvolvimento de supersensibilidade ao receptor de dopamina,

melhorando a funo GABA e aumentando a ativao de receptores de

acetilcolina. O ltio tambm pode ter um papel antidepressivo atravs do

aumento de serotonina, diminuio da funo de receptores 2-adrenrgico e

reduo da estimulao de receptores -adrenrgicos pela adenilato ciclase

(PRICE and HENINGER, 1994). Em suma, o efeito neurofarmacolgico do ltio

parece ser mltiplo, ou seja, deve interferir com diversos sistemas de

neurotransmisso, e ainda permanece incerto.

1.3. Efeitos do ltio na memria

A teoria neuroplstica do TB prope que processos neuroplsticos

prejudiciais levam ao comprometimento em comunicaes sinpticas de

circuitos neuronais envolvidos no TB (MANJI HK & MOORE GJ, 2001). O ltio

tem aes neuroplsticas robustas, pois bloqueia a morte neuronal (ROWE &

CHUANG, 2004; CHUANG & CHEN et al, 2002), estimula a neurognese

(CHEN et al, 2000; OLEARY OF et al, 2012) e a proliferao de ramos

dendrticos, alm de facilitar a atividade sinptica (MANJI et al, 2001; SHIM &

HAMMONDS, 2009, 2010; SON et al, 2003). So essas aes em conjunto que

levam ao aprimoramento da plasticidade sinptica e, desse modo, revertem

comunicaes sinpticas disfuncionais em circuitos neurais envolvidos no TB

(SHIM et al, 2012).

Entre as estruturas cerebrais envolvidas no aprendizado e memria, foi

mostrado que a amgdala participa no armazenamento de informaes

aversivas (CAHILL & MCGAUGH, 1990; DAVIS, 1992). A relao entre

14

memria e aspectos negativos da emoo tem sido extensivamente

investigada atravs de modelos animais de memria aversiva (LEDOUX, 2000;

MCGAUGH, 2004; SILVA & FRUSSA-FILHO, 2000). Outra estrutura tambm

conhecida por desempenhar um papel fundamental na formao da memria

o sistema septo-hipocampal (IZQUIERDO & MEDINA, 1997) e ainda existem

evidncias da sua relao com a ansiedade (MCNAUGHTON, 1997).

Estudos eletrofisiolgicos mostram que o tratamento crnico com ltio

aumenta a potenciao de longa durao (LTP) em neurnios do hipocampo

(SHIM et al, 2007; SON et al, 2003). A LTP a base neurofisiolgica para o

desenvolvimento do aprendizado e memria (BARNES, 1995; BLISS &

COLLINGRIDGE, 1993). Estudos mais recentes mostram que o ltio amplia a

LTP de clulas piramidais em CA1, suprarregulando a plasticidade sinptica no

hipocampo (SHIM et al, 2012). Alm disso, estudos sugerem que o ltio pode

atenuar prejuzos na LTP induzidos por estresse (LIM et al, 2005).

Entretanto, evidncias clnicas, principalmente em pacientes bipolares,

sugerem que o tratamento em curto prazo com ltio pode causar efeitos

negativos sutis na memria verbal, embora outras funes cognitivas como a

ateno, concentrao ou habilidades visuo-espaciais no parecem ser

modificadas (PACHET & WISNIEWSKI, 2003).

Alguns estudos mostram que o tratamento com ltio inibe o aprendizado, a

memria e a velocidade de processamento de informao em pacientes com

TB e em sujeitos saudveis (HONIG et al, 1999; KOCSIS et al, 1993; PACHET

& WISNIEWSKI, 2003; STIP et al, 2000).

Estudos sobre os efeitos do ltio em tarefas de memria so escassos. Um

dficit sutil na memria espacial foi observado na tarefa da tbua de buracos

15

aps o tratamento crnico com ltio, no entanto esse dficit no foi observado

na memria operacional (AL BANCHAABOUCHI et al, 2004).

Por outro lado, tambm tem sido demonstrado que o ltio melhora a

memria em algumas tarefas (TSALTAS et al, 2007), e atenua prejuzos

memria induzidos por outros fatores (LIM et al, 2005). Administrao aguda de

ltio pr ou ps-treino tem um efeito prejudicial na memria na tarefa de esquiva

inibitria e a administrao pr-teste da droga reverteu o prejuzo na memria,

sugerindo um aprendizado estado-dependente induzido pelo ltio

(ZARRINDAST et al, 2006; ZARRINDAST et al, 2005, 2007).

1.4. Memria e ansiedade

Um dos modelos animais mais amplamente usados para o estudo da

ansiedade o labirinto em cruz elevado, que consiste em um labirinto em

formato de cruz com dois braos abertos e dois fechados. Neste modelo, a

motivao do rato em explorar o novo ambiente se ope a sua motivao de

permanecer em um lugar seguro. Este conflito resulta em um comportamento

tpico de ratos neste modelo: elevada explorao dos braos fechados e menor

explorao dos braos abertos. Este modelo derivado do trabalho de

Montgomery (1955), estudou a relao entre medo e explorao em ratos, e

baseado na premissa que novidades no ambiente evocam medo e curiosidade,

criando assim um tpico conflito entre explorar e evitar o novo ambiente

(MONTGOMERY, 1955; MONTGOMERY & MONKMAN, 1955). O modelo

idealizado por Motgomery, passou por uma padronizao para a forma pela

qual ns utilizamos atualmente (PELLOW et al, 1985).

16

Elaborada a partir de uma modificao do labirinto em cruz elevado

convencional, a esquiva discriminativa no labirinto em cruz elevado (ED) um

aparato para testar aprendizado e memria, ao mesmo tempo em que se avalia

a ansiedade. Nele roedores so condicionados a escolher entre dois braos

fechados (um aversivo e outro no-aversivo) enquanto se esquivam dos braos

abertos do aparato. Este aparato foi proposto como um modelo efetivo de

aprendizado e memria desde que os efeitos de drogas amnsticas e

reforadoras da memria foram demonstrados neste paradigma (SILVA et al,

1997; SILVA & FRUSSA-FILHO, 2000).

A relao entre memria e aspectos negativos da emoo tem sido

extensivamente investigada atravs de modelos animais de memria aversiva

(LEDOUX, 2000; MCGAUGH, 2004; SILVA & FRUSSA-FILHO, 2000). Alguns

estudos tm mostrado que medo e memria no seriam apenas fenmenos

relacionados, mas a ansiedade (sensao subjetiva relacionada ao medo) seria

de fato um passo necessrio para a formao da memria (BEUZEN &

BELZUNG, 1995; SILVA & FRUSSA-FILHO, 2000).

A ED vem sendo utilizada para a avaliao concomitante de

aprendizado/memria e ansiedade. Nessa tarefa, os animais so

condicionados a escolher entre dois braos fechados, um aversivo (AV) e um

no-aversivo (NAV), enquanto evita os braos abertos (AB) do aparato. Alm

de ser um modelo til para estudar aprendizado/memria, a ED tambm

fornece informao simultnea sobre o nvel de ansiedade dos mesmos

animais, avaliado pelo tempo gasto nos braos abertos do aparato. Frmacos

ansiolticos e ansiognicos j foram testados, validando o modelo para essa

avaliao (SILVA et al, 2002). A este respeito, conforme j mencionado, parece

17

haver uma relao prxima entre memria e ansiedade (SILVA et al, 1997;

SILVA & FRUSSA-FILHO, 2000).

Quando comparado com outros modelos de aprendizado associativo, como

tarefas de esquiva passiva e ativa, as alteraes na atividade motora devem

ser uma questo metodolgica menos crtica quanto interpretao do

desempenho de animais testados na esquiva discriminativa em labirinto em

cruz elevado, visto que a reteno avaliada pelo tempo gasto no brao

aversivo comparado ao brao no aversivo, diminuindo a influncia das

diferenas individuais dos animais.

1.5. Efeitos do ltio na ansiedade

Pacientes bipolares no estado manaco frequentemente exibem baixos

nveis de ansiedade, maior tomada de riscos e maior impulsividade (STEINER,

1972). A ansiedade aumentada em ratos tratados com ltio foi demonstrada no

labirinto em cruz elevado convencional, onde ratos tratados com ltio durante a

fase juvenil mostraram aumento nas medidas de ansiedade no campo aberto e

no labirinto em cruz elevado (YOUNGS et al, 2006).

Todavia, muitos estudos sugerem que ltio pode diminuir a ansiedade em

ratos adultos (BARRATT et al, 1968; GAMBARANA et al, 1999; HINES, 1986;

HINES & POLING, 1984; MASI et al, 2000; ROYBAL et al, 2007; SYME &

SYME, 1974), o que pode impedir o aprendizado aversivo e ser evidenciado

como piora no desempenho de memria (NOCJAR et al, 2007). Alm disso,

estudos recentes relatam a ausncia de efeitos do tratamento sub-crnico com

ltio na resposta de congelamento condicionada (TSALTAS et al, 2007). Por

18

outro lado, o ltio potencializa efeitos ansiolticos de vrios antidepressivos de

maneira dose-dependente (KITAICHI et al, 2006).

1.6. Efeitos do ltio na depresso

A depresso um distrbio neuropsiquitrico severo que engloba

componentes do TB e tambm do transtorno depressivo unipolar. O transtorno

depressivo maior mais comum do que o TB na populao mundial (GOULD

et al, 2008). Sugere-se que o ltio tenha um efeito potencializador da ao de

outros antidepressivos. No entanto, o efeito antidepressivo do ltio permanece

controverso (NIERENBERG et al, 1990; SCHOU, 1968). Inicialmente, assumiu-

se que o ltio teria um efeito antidepressivo pequeno, porm sua eficcia

antidepressiva tem sido sustentada por muitos estudos (KATONA &

ROBERTSON, 1997; WORRALL et al, 1979). Alguns estudos mostraram,

inclusive, que o ltio seria to eficaz quanto antidepressivos convencionais

(KLEINDIENST & GREIL, 2003; SOARES & GERSHON, 1998). Alm disso,

demonstrou-se que o ltio poderia exercer um efeito do tipo antidepressivo em

uma variedade de modelos animais de depresso como o teste de suspenso

pela cauda (TSC) (CRYAN et al, 2002; GOULD et al, 2008) e desamparo

aprendido (DA) (FARIA & TEIXEIRA, 1993; TEIXEIRA et al, 1995).

No teste do nado forado (NF), a exposio de roedores a um estmulo

estressor resulta em um perodo inicial de vigorosa atividade, seguida de um

aumento na quantidade de imobilidade. O nvel de imobilidade mensurvel

considerado como a representao de desamparo aprendido (PORSOLT et

al, 1977) que atenuado pelo tratamento com antidepressivos efetivos, j

conhecidos pela literatura (BOURIN et al, 2005; EINAT et al, 1999; OBRIEN et

19

al, 2004; PORSOLT et al, 1977). Um recente estudo mostrou que o ltio nas

concentraes sricas de 1,3 e 1,4 mmol/l levou a uma reduo do tempo de

imobilidade no TNF, mas esse efeito no foi observado na concentrao de 0,8

mmol/l, sugerindo que os efeitos do ltio em camundongos na natao forada

so dose-dependentes (BERSUDSKY et al, 2007). A administrao de ltio de

longa e curta durao promoveu efeitos antidepressivos robustos em

camundongos (GOULD et al, 2008).

A hiptese do fator neurotrfico derivado do encfalo (BDNF) da depresso

postula que a queda de BDNF diretamente envolvida na fisiopatologia da

depresso e que a sua restaurao pode estar por trs da eficcia teraputica

de tratamentos antidepressivos (MANJI et al, 2013). De fato, foi encontrado um

aumento do nvel srico de BDNF em pacientes com depresso aguda

(RICKEN et al, 2013). Lu e colaboradores (2014) sugerem que dficits na

sinalizao do BDNF podem contribuir para a patognese de uma srie de

doenas como Huntington, Alzheimer e depresso.

O BDNF tambm demonstra interagir sinergicamente na atividade neuronal

e na plasticidade sinptica, sendo o regulador essencial de processos celulares

que esto por trs dos processos cognitivos e comportamentos complexos (Lu

et al, 2014). Estudos mostram que o BDNF est relacionado com o aumento e

manuteno da LTP, aumento em longo prazo da plasticidade sinptica que a

base para ocorrncia de aprendizado e memria (DIGENES et al, 2011;

SANTI et al, 2006).

1.7. Influncia do ltio na expresso de BDNF

20

Um dos mais importantes mediadores da sobrevivncia celular BDNF,

a neurotrofina mais amplamente distribuda no sistema nervoso central. Sabe-

se que ele exerce efeito crtico na sobrevivncia neuronal, crescimento

neurtico, diferenciao neuronal, plasticidade sinptica e reparao de nervos

(LU et al, 2014). Consistente com essas funes no crebro sugeriu-se que o

BNDF tem um importante papel na fisiopatologia e tratamento do TB

(KAPCZINSKI et al, 2008; POST, 2007). Vrios estudos tm examinado os

nveis perifricos de BDNF em pacientes com TB e o efeito do tratamento

farmacolgico. Eles encontraram que o seu nvel foi reduzido em pacientes

durante os estados manaco (CUNHA et al, 2006; MACHADO-VIEIRA et al,

2007; PALOMINO et al, 2006), depressivo (CUNHA et al, 2006) e eutmico

(MONTELEONE et al, 2008). Alm disso, um estudo mostrou nveis diminudos

de BDNF no estado manaco, que foi recuperado depois que os pacientes

receberam tratamento com drogas estabilizadoras do humor (ltio associado a

antipsicticos e anticonvulsionantes) (TRAMONTINA et al, 2009). Devido

consistncia desses achados, BDNF tem sido considerado um dos mais

importantes mediadores de sobrevivncia celular no TB (KAPCZINSKI et al,

2008). Estudos pr-clnicos tm demonstrado que o tratamento crnico com

ltio ou valproato (medicamentos de primeira linha para o tratamento do TB)

tambm so capazes de aumentar a expresso do BDNF no crtex frontal e

hipocampo (EINAT et al, 2003; FUKUMOTO et al, 2001).

21

2. OBJETIVOS

Avaliar os efeitos do tratamento crnico e agudo com ltio na

memria aversiva e ansiedade, bem a possvel relao entre

esses dois fenmenos;

Verificar o efeito do tipo antidepressivo deste frmaco nesses

mesmos protocolos de tratamento;

Avaliar a influncia do tratamento crnico com ltio na expresso

de BDNF em estruturas relacionadas memria (crtex pr-

frontal e hipocampo) e emoo (amgdala).

3. MATERIAIS E MTODOS

3.1. Animais e procedimentos gerais

Ratos Wistar de 3-4 meses de idade, provenientes da nossa prpria

colnia, foram alojados sob condies de temperatura (22-24 C) e iluminao

(12 h claro: 12 h escuro, com luzes ligando s 06h30) controladas. gua e

comida foram disponibilizadas ad libitum ao longo de todo o experimento. Antes

de todos os procedimentos experimentais, todos os animais foram manipulados

por 10 minutos/dia durante 3 dias. Em todos os experimentos os animais foram

observados em ordem aleatria. Depois de cada sesso na ED, o aparato foi

limpo com soluo de lcool 5%. Entre cada sesso do NF a gua do cilindro

foi trocada. As sesses foram gravadas por cmera digital colocada acima do

aparato e os parmetros comportamentais foram registrados por um software

de rastreamento por vdeo (Anymaze, Stoelting, USA).

Os ratos foram manipulados de acordo com as diretrizes para o uso de

animais em pesquisa da Sociedade Brasileira de Neurocincia e

22

Comportamento, e todos os experimentos foram aprovados pelo comit de

tica local (Protocolo n 005/2011). Todos os esforos foram feitos para

minimizar dor, sofrimento ou desconforto dos animais.

3.2. Drogas

Ratos foram tratados com carbonato de ltio (Carbolitium Eurofarma,

So Paulo, Brazil) 50, 100 ou 200 mg/kg ou seu veculo de diluio (0,1 ml

tween 20/1 ml salina), intraperitonealmente, em um volume de injeo

correspondente a 1ml/kg.

3.3. Experimento I: tratamento agudo

Neste estudo, 43 ratos Wistar machos de 3-4 meses pesando entre

250g-350g foram submetidos ao tratamento com carbonato de ltio nas doses

de 50 mg/kg (n=13), 100 mg/kg (n=6) e 200 mg/kg (n=6) ou veculo (n=18), 1

hora antes do treino na tarefa da esquiva discriminativa no labirinto em cruz

elevado (ED). Outros 30 animais foram submetidos ao mesmo tratamento nas

doses de 50 mg/kg (n=10) e 100 mg/kg (n=9) ou veculo (n=11) 1 hora antes da

sesso de teste do NF. Ambas as tarefas consistem em duas sesses, uma de

treino e uma de teste. Foi realizada coleta de sangue dos animais uma hora

aps a ltima sesso comportamental.

Figura 1. Ilustrao esquemtica do delineamento experimental do experimento I para a ED (A) e para o NF (B).

23

3.4. Esquiva discriminativa no labirinto em cruz elevado

O aparato empregado um labirinto em cruz elevado modificado feito de

madeira contendo dois braos fechados (50 x 15 x 40 cm) opostos a dois

braos abertos (50 x 15 cm). Uma lmpada e duas caixas de som foram

posicionadas acima de um dos braos fechados (brao fechado aversivo).

Duas sesses comportamentais foram realizadas em cada experimento.

Durante a sesso de treino, os ratos eram posicionados individualmente no

centro do aparato, voltados para a interseco entre os braos abertos e, por

um perodo de 10 minutos, toda vez que o animal entrou o brao aversivo, um

estmulo aversivo foi produzido at que o animal deixasse o brao. O estmulo

aversivo era uma luz de 100 W e um rudo branco de 80 dB. A sesso teste foi

realizada 24 horas depois do condicionamento. Neste teste, os ratos eram

expostos novamente ao aparato por 10 minutos, sem receber o estmulo

aversivo.

Na sesso de treino, o aprendizado foi avaliado pela diminuio na

porcentagem de tempo no brao fechado aversivo [(tempo gasto no brao

fechado aversivo/tempo gasto nos dois braos fechados) x 100]. Na sesso

teste, a memria foi avaliada pela porcentagem de tempo gasto no brao

fechado aversivo, bem como a discriminao entre os braos AV e NAV.

Alm disso, o comportamento do tipo ansioso e a atividade locomotora

foram avaliados pela porcentagem de tempo nos braos AB [(tempo gasto nos

braos abertos/tempo gasto nos braos abertos + braos fechados) x 100] e a

distncia total percorrida no aparato, respectivamente. Distncia total

percorrida, porcentagem de tempo gasto nos braos fechados e porcentagem

de tempo gasto nos braos AB foram registrados minuto a minuto ao longo das

24

sesses e utilizados para avaliar atividade motora, aprendizado/memria e

ansiedade, respectivamente.

3.5. Nado forado

Os animais foram colocados individualmente em um recipiente cilndrico

de acrlico transparente (61,5 x 44 x 47 cm) contendo uma coluna de 50 cm de

gua de torneira 251 C. Esta profundidade foi suficiente para garantir que

os animais no pudessem escapar ou tocar o fundo com a cauda. A tarefa

consiste em duas sesses comportamentais. Na primeira, o animal permanece

15 minutos no cilindro e na segunda, depois de 24 horas, realizado um teste

de 5 minutos de durao. No final de cada sesso, os ratos foram removidos

da gua, secados com toalha, colocados em uma gaiola aquecida com

maravalha por 15 minutos e devolvidos s suas gaiolas de origem. A gua do

cilindro foi trocada depois de cada sesso. As sesses foram gravadas pela

lateral do cilndro e manualmente analisadas. Foram contabilizados o tempo

total de imobilidade (flutuao com apenas movimentos mnimos necessrios

para manter a cabea acima da gua), a latncia para o primeiro perodo de

imobilidade, tempo de escalada (definida como movimentos para cima com as

patas dianteiras ao longo das paredes do cilindro) e latncia para a primeira

escalada.

3.6. Experimento II: tratamento crnico

Foram utilizados 30 ratos Wistar machos de 3-4 meses pesando entre

250g-350g e submetidos ao tratamento com carbonato de ltio nas doses de 50

mg/kg (n=10) ou 100 mg/kg (n=9) ou veculo (n=11) durante 21 dias antes do

25

incio das tarefas comportamentais. Primeiro foi realizada a ED e, aps um

intervalo de um dia, realizou-se o teste do NF. O tratamento com ltio foi

mantido at o final dos experimentos comportamentais, sendo administrado

aps o trmino de cada sesso. Aps a ltima sesso comportamental, foi

realizada a ltima injeo de ltio ou veculo e aps 12 horas foi realizada a

coleta de sangue para quantificao de ltio srico e perfuso para obteno

dos encfalos para quantificao de BDNF.

Figura 2. Ilustrao esquemtica do delineamento experimental do experimento II.

3.7. Dosagem srica de ltio

Foram coletadas amostras de sangue dos animais num volume de 1 ml

e armazenadas em tubos ependorf. A amostra foi coletada antes da perfuso

transcardaca, aps a abertura da cavidade torcica, atravs da puno da

artria aorta. A coleta do sangue no experimento agudo foi realizada 26 horas

aps a injeo e no experimento crnico 12 horas aps a ltima injeo. A

litemia (concentrao de ltio no soro) foi aferida no laboratrio de anlises

clnicas de Natal/RN (Centro de Patologia Clnica), atravs do aparelho AVL

9180 (Roche) que utiliza o mtodo do eletrodo on seletivo.

Wood e colaboradores (1986) determinaram o perfil farmacocintico do

ltio em ratos e camundongos. Eles observaram que o tempo de meia vida

26

deste frmaco em ratos de 6 horas, ou seja, menor do que o encontrado

para a manuteno da terapia em humanos, que por volta de 24 horas. O

nvel teraputico e de manuteno do ltio j bem estabelecida e fica entre

0,5 a 1,2 mEq/L (GELENBERG et al, 1989) e a eliminao do ltio em ratos

ocorre em torno de 48 horas (OTA et al, 2013).

3.8. Anlises Histolgicas

3.8.1. Perfuso e processamento do crebro

Ao final do tratamento e testes comportamentais, os animais foram

anestesiados com tiopental na dose de 50 mg/kg. Com o animal

completamente anestesiado com sobredose de anestsico e imobilizado,

realizou-se um acesso cavidade torcica seccionando-se a pele e partes

moles, expondo a cavidade abdominal e fazendo-se a inciso do msculo

diafragma para que o corao fosse exposto. Posteriormente foi feita a

insero no ventrculo esquerdo de uma agulha atravs do pice do ventrculo,

posicionando-a na direo da aorta, seguindo-se de uma pequena inciso no

trio direito. Um volume de 150 ml de soluo salina 0,9% em tampo fosfato

0,1 M, pH 7,4 heparinizado 0,2% foi injetado com auxlio de uma bomba

peristltica. Em seguida, foram injetados 150 ml de uma soluo de

paraformaldedo a 4% em tampo fosfato 0,1 M, pH 7,4. Aps a perfuso, os

crebros foram removidos atravs de craniotomia e mergulhados soluo de

ps-fixao (sacarose em paraformaldedo 30%) por 4 horas. Depois dessa

lavagem, os crebros foram crioprotegidos por mais 72 horas em sacarose

30%, tambm a 4C. As seces foram obtidas por congelamento em criostato

de deslizamento (Leica, ALEMANHA), obtendo-se seces frontais de 30m,

27

as quais foram distribudas em 5 compartimentos, em um meio lquido

contendo soluo anticongelante. Cada um desses compartimentos

corresponde a 1 de 5 seces, de maneira que a distncia entre uma seco e

a seguinte seja de aproximadamente 150 m. Estes cortes foram armazenados

em uma soluo anticongelante base de etilenoglicol e tampo fosfato e

posteriormente conservados a -20C at as reaes de imunohistoqumica.

3.8.2. Imunohistoqumica para fator neurotrfico derivado do

encfalo (BDNF)

As seces de um compartimento de cada animal foram lavadas 5 vezes

(por 5 minutos) com tampo fosfato (PB) 0,1 M, pH 7,4, sob agitao

automtica, e pr-tratadas com perxido de hidrognio a 0,3% em PB por 20

minutos para inativao da peroxidase endgena. Aps a lavagem, foi

realizado um tratamento com encubao por uma hora em soluo de triton-X

100 e 2% de BSA. Os cortes foram colocados em contato com o anticorpo

primrio coelho anti-BDNF (1:1000, Santa Cruz), para a marcao de BDNF.

Estes foram diludos em PB contendo Triton-X 100 a (ICN Biomedicals) 0,4% e

de BSA (Sigma Chemical Company). Em seguida, as seces foram colocadas

em contato com o anticorpo secundrio biotinilado (cabra anti-coelho), na

concentrao de 1:1000, diludo em Triton-X 100 a 0,4%, por 120 minutos.

Aps esta etapa, os cortes foram incubados numa soluo contendo avidina e

biotina (2% da soluo total) mais Triton-X 100 NaCl, por 120 minutos. Para

visualizar a reao, os cortes foram colocados em contato com um cromgeno,

a diaminobenzidina (DAB) (Sigma, St Louis, MO, USA) a 2,5%, diluda em PB

28

(0,1M / pH 7,4). Entre cada uma das etapas, quatro lavagens do tecido de (5

minutos cada) com PB a 0,1 M e pH 7,4 foram realizadas.

Os cortes foram montados em lminas gelatinizadas, secas em

temperatura ambiente, e posteriormente mergulhadas em uma soluo de

tetrxido de smio a 0,05%, por 30 segundos, para intensificao da reao.

A avaliao dos resultados imunohistoqumicos foi feita com o auxlio de

um microscpio ptico (Olympus, BX-41) utilizando campo claro ou escuro

conforme a necessidade. As imagens foram digitalizadas utilizando uma

cmera (Nikon, DXM-1200) acoplada ao microscpio e conectada a um

computador.

3.8.3. Avaliao da densitometria ptica relativa (DOR)

Para a anlise da DOR as imagens foram obtidas em um mesmo

momento, sem passar por qualquer modificao de brilho e contraste, uma vez

que os valores em pixels encontrados em cada imagem correspondem

intensidade de marcao de determinada substncia no tecido analisado. Cada

animal foi representado por 4 imagens consecutivas para cada rea. Usando o

programa Image J (verso 1.46i, NIH). Para a anlise do crtex pr-frontal

medial (CPFm); das subrregies do hipocampo (HC), CA1 e CA3/GD; e da

amgdala (AD) foi utilizada a demarcao de cada rea. Na mesma imagem

tambm foi selecionado um campo com pouca ou quase nenhuma marcao

de BDNF no tecido, para representar a rea controle. O nmero mdio de

pixels calculados nos campos de interesse foi subtrado do nmero de pixels da

rea controle no mesmo tecido e uma mdia foi obtida para as 4 imagens.

29

3.9. Anlise estatstica

A anlise dos dados foi realizada atravs do programa SPSS verso 18.

Todas as comparaes entre os grupos em relao a parmetros obtidos da

durao total de cada sesso da ED (porcentagem de tempo no brao

aversivo, porcentagem de tempo nos braos abertos e distncia percorrida)

foram realizados por ANOVA de uma via. Alm disso, as anlises em blocos e

minuto a minuto ao longo das sesses foram realizadas atravs da ANOVA de

medidas repetidas. A anlise do tempo absoluto no brao aversivo comparado

ao brao no-aversivo para ambos os tratamentos e sesses foi realizada

atravs de teste t para amostras pareadas. As comparaes entre grupos da

durao total em ambas as sesses do NF (tempo de imobilidade e tempo de

escalada) e os dados imunohistoqumicos foram tambm realizadas por

ANOVA de uma via. O nvel de significncia foi estabelecido em p 0,05.

4. RESULTADOS

4.1. Experimento I: tratamento agudo

Atividade locomotora:

A avaliao da distncia percorrida mostrou uma crescente diminuio

da locomoo (de acordo com o aumento da dose) na sesso de treino. A

ANOVA de uma via revelou diferena significativa entre os grupos

[F(3,39)=6,752; p=0,001] e o post hoc de Bonferroni mostrou que os grupos

tratados na dose de 100 (p=0,045) e 200 mg/kg (p=0,001) apresentaram uma

menor distncia percorrida quando comparados ao grupo controle. Ainda, o

grupo tratado com 200 mg/kg (p=0,039) tambm revelou uma diminuio desse

parmetro quando comparado ao grupo tratado com 50 mg/kg (Figura 3).

30

Figura 3. Mdia + erro padro da mdia (EPM) da distncia percorrida na ED por ratos tratados com veculo ou ltio (Li; 50, 100 ou 200 mg/kg) considerando o tempo total da sesso de treino. *p0,05 comparado ao grupo veculo #p0,05 comparado ao grupo Li 50 mg/kg (ANOVA de uma via com post-hoc de Bonferroni).

Na sesso de teste a reduo da distncia percorrida permaneceu. A

ANOVA de uma via revelou diferena entre os grupos [F(3,39)=3,890;

p=0,016], porm o post hoc de Bonferroni s apontou diferena significativa

entre os grupos 50 mg/kg e 100 mg/kg (p=0,039) (Figura 4).

Figura 4. Mdia + EPM da distncia percorrida na ED por ratos tratados com veculo ou ltio (Li; 50, 100 ou 200 mg/kg) considerando o tempo total da sesso de teste. *p0,05 comparado ao grupo Li 50 mg/kg (ANOVA de uma via com post-hoc de Bonferroni).

Alm disso, ANOVA de uma via revelou diferena na velocidade dos

animais [F(3,39)=5,908; p=0,002] na sesso de treino. Post-hoc de Bonferroni

revelou reduo da velocidade dos animais dos grupos tratados com 100

mg/kg (p=0,029) e 200 mg/kg (p=0,005) em relao ao grupo veculo. Na

sesso de teste, ANOVA de uma via tambm revelou diferena significativa

31

[F(3,39)=4,161; p=0,012] e o post-hoc de Bonferroni apontou aumento no grupo

tratado com 50 mg/kg em relao aos grupos tratados com 100 (p=0,041) ou

200 mg/kg (p=0,041) (Tabela 1).

Tabela 1. Mdia + EPM da velocidade (m/s) dos ratos tratados com veculo ou ltio (Li; 50, 100 ou 200 mg/kg) na ED considerando o tempo total das sesses de treino e teste. *p0,05 comparado ao grupo veculo e p

32

200 mg/kg com relao aos grupos veculo (p=0,008) e 50 mg/kg (p=0,005)

(Figura 6).

Figura 6. Mdia + EPM da porcentagem de tempo gasto no brao aversivo na ED por ratos tratados com veculo ou ltio (Li: 50, 100 ou 200 mg/kg) considerando o tempo total da sesso de treino. *p0,05 comparado ao grupo veculo #p0,05 comparado ao grupo Li 50 mg/kg (ANOVA de uma via com post-hoc de Bonferroni).

Alm disso, a anlise do tempo gasto no brao aversivo (TAV)

comparado ao brao no-aversivo (TNAV) s indicou maior explorao do

brao no-aversivo (NAV) para os grupos veculo (t=7,41; df=17; p

33

marginalmente significativo do tratamento [F(3,39)=2,598; p=0,066]. ANOVA de

uma via comparando os grupos em cada bloco separadamente revelou

diferena no bloco 0-200s [(3,39)=5,200; p=0,004] e 200-400s [F(3,39)=3,920;

p=0,015], mas no no 400-600s [F(3,39)=2,004; p=0,130], considerando a

correo de Bonferroni. No primeiro bloco, post-hoc de Bonferroni revelou

aumento no grupo 200 mg/kg em relao aos grupos veculo (p=0,039), 50

(p=0,006) e 100 mg/kg (p=0,008); enquanto que no segundo bloco o post-hoc

apontou aumento do grupo 100 mg/kg em relao aos grupos 50 (p=0,022) e

200 mg/kg (p=0,028) (Figura 8). Esse dado corrobora o resultado anterior para

a porcentagem do tempo total no brao aversivo.

Figura 8. Mdia + EPM do tempo gasto no brao aversivo na ED por ratos tratados com veculo ou ltio (Li: 50, 100 ou 200 mg/kg) ao longo da sesso de treino em blocos de 200 segundos. ANOVA de medidas repetidas revelou efeito do tempo e interao tempo x tratamento.

Realizamos ainda a anlise do tempo mdio de reao dos animais, que

o tempo total gasto pelo animal no brao aversivo (TAV) dividido pelo nmero

de entradas no brao aversivo (EntAV), e no observamos diferena

significativa [F(3,39)=0,627; p=0,602]. O tempo mdio de reao nos informa o

tempo que o animal leva para perceber o estmulo aversivo e reagir, saindo do

brao durante a sesso de treino (Figura 9).

34

Figura 9. Mdia + EPM do tempo mdio de reao (TAV/EntAV) na ED de ratos tratados com veculo ou ltio (Li: 50, 100 ou 200 mg/kg) considerando o tempo total da sesso de treino. ANOVA de uma via no revelou diferena entre os grupos. Memria:

Na anlise do tempo total da sesso de teste no foi detectada diferena

estatstica entre os grupos [F(3,39)= 1,335; p=0,277] (Figura 10).

Figura 10. Mdia + EPM da porcentagem de tempo gasto no brao aversivo na ED por ratos tratados com veculo ou ltio (Li: 50, 100 ou 200 mg/kg) considerando o tempo total da sesso de teste. ANOVA de uma via no revelou diferena entre os grupos.

Assim como na sesso de treino, apenas os grupos veculo (t=4,02;

df=17; p=0,001) e 50 mg/kg (t=2,40; df=12; p=0,033) apresentaram diferena

entre o tempo de explorao dos braos fechados, mostrando uma maior

explorao do NAV em relao ao AV durante a sesso de teste. O grupo

tratado com 100 mg/kg mostrou uma maior explorao do brao aversivo, no

entanto a diferena no foi estatisticamente significativa (Figura 11).

35

Figura 11. Mdia + EPM do tempo total gasto nos braos aversivo e no-aversivo na ED por ratos tratados com veculo ou ltio (Li: 50, 100 ou 200 mg/kg) considerando o tempo total da sesso de teste. *p0,05 comparado ao TAV (teste t para amostras pareadas).

A anlise da porcentagem de TAV em blocos de 200 segundos ao longo

da sesso de teste no revelou efeito do tempo [F(3,39)= 1,462; p=0,239] ou

do tratamento [F(3,39)= 1,813; p=0,161], apenas interao tempo x tratamento

[F(3,39)= 3,324; p=0,007], no entanto ANOVA de uma via para comparar os

grupos em cada bloco separadamente no mostrou diferena significativa nos

blocos 0-200s [F(3,39)= 2,185; p=0,105], 200-400s [F(3,39)= 1,468; p=0,238]

ou 400-600s [F(3,39)= 2,460; p=0,077] (Figura 12).

Figura 12. Mdias + EPM da porcentagem de tempo gasto no brao aversivo na ED por ratos tratados com veculo ou ltio (Li: 50, 100 ou 200 mg/kg) em blocos de 200 segundos ao longo da sesso de teste. ANOVA de medidas repetidas revelou interao tempo x tratamento.

Ansiedade:

A anlise da porcentagem de tempo nos braos abertos na sesso de

treino revelou diferena significativa [F(3,39)=14,95; p

36

mg/kg em relao aos grupos veculo (p=0,01) e 50 mg/kg (p

37

grupos tanto para a sesso de treino [F(3,39)=1,028; p=0,391] (Figura 15A)

quanto para a sesso de teste [F(3,39)=0,426; p=0,736] (Figura 15B).

Figura 15. Mdias EPM do nmero de entradas nos braos abertos na ED por ratos tratados com veculo ou ltio (50, 100 ou 200 mg/kg) nas sesses treino (A) e teste (B). ANOVA de uma via no revelou diferenas significativas entre os grupos.

Ao analisar a sesso de teste, foi observado que a diferena na taxa de

explorao dos braos abertos persistiu [F(3,39)= 2,94; p=0,045]. Post-hoc

revelou diferenas entre os grupos 50 mg/kg e 100 mg/kg (p=0,04) (Figura 16).

Figura 16. Mdia + EPM da porcentagem de tempo gasto nos braos abertos na ED por ratos tratados com veculo ou ltio (Li: 50, 100 ou 200 mg/kg) considerando o tempo total da sesso teste. #p0,05 comparado ao grupo Li 50 mg/kg (ANOVA de uma via com post-hoc de Bonferroni).

Nado Forado:

Para o nado forado, no foram encontradas diferenas significativas no

tempo de imobilidade [F(2,16)= 0,259; p=0,775] (Figura 17A) e tempo de

escalada [F(2,16)= 0,98; p=0,395] (Figura 17B) na sesso de teste.

38

Figura 17. Mdia + EPM do tempo de imobilidade no NF de ratos tratados com veculo ou ltio (Li: 50 ou 100 mg/kg) considerando o tempo total da sesso de teste. ANOVA de uma via no revelou diferenas entre os grupos.

Dosagem srica:

A margem teraputica do ltio varia de 0,5 a 1,2 mEq/l. Portanto, a dose

srica mdia de ltio aps 26 horas da sua administrao ficou dentro das

concentraes teraputicas apenas no grupo tratado com 200 mg/kg (Tabela

2). Entretanto, levando em considerao que o tempo de meia vida do ltio em

ratos de cerca de 6 horas (WOOD et al, 1986), provavelmente o grupo

tratado com 100 mg/kg de ltio tambm deveria estar na dose teraputica.

Tabela 2. Mdia EPM da mdia da concentrao de ltio no soro (mEq/l) de ratos aps 26 horas da administrao do frmaco.

4.2. Experimento II: tratamento crnico

Atividade locomotora:

Ao avaliarmos os parmetros de locomoo, analisando o tempo total da

sesso no encontramos diferenas significativas entre os grupos tanto para a

sesso de treino [F(2,27)=0,017; p=0,98] (Figura 18A) quanto para a sesso

de teste [F(2,27)=0,478; p=0,625] (Figura 18B).

39

Figura 18. Mdia + EPM da distncia percorrida na ED por ratos tratados cronicamente com veculo ou ltio (Li: 50 ou 100 mg/kg) considerando o tempo total das sesses de treino (A) e teste (B). ANOVA de uma via no revelou diferenas entre os grupos.

Analisando a velocidade dos animais para percorrer o aparato, tambm

no foram verificadas diferenas significativas entre os grupos nas sesses de

treino [F(2,27)=0,024; p=0,976] e teste [F(2,27)=0,465; p=0,633] (Tabela 3).

Tabela 3. Mdia EPM da velocidade (m/s) dos ratos tratados cronicamente com veculo ou ltio (Li: 50 ou 100 mg/kg) na ED considerando o tempo total das sesses de treino (A) e teste (B). ANOVA de uma via no revelou diferenas entre os grupos.

Foi realizada tambm a anlise da taxa de habituao (distncia

percorrida no treino/teste) e no foi encontrada diferena significativa entre os

grupos [F(2,27)=0,084; p=0,919] (Figura 19).

Figura 19. Mdia + EPM da taxa de habituao (distncia percorrida no treino/distncia percorrida no teste) na ED por ratos tratados cronicamente com veculo ou ltio (Li: 50, 100 ou 200 mg/kg). ANOVA de uma via no revelou diferena entre os grupos.

40

Aprendizado:

Analisando os parmetros relacionados ao aprendizado, verificamos que

houve aprendizado em todos os grupos, visto que no encontramos diferenas

significativas entre os grupos na sesso de treino [F(2,27)=0,124; p=0,884]

quando analisamos o tempo total da sesso (Figura 20).

Figura 20. Mdia + EPM da porcentagem de tempo gasto no brao aversivo na ED por ratos tratados cronicamente com veculo ou ltio (Li: 50 ou 100 mg/kg) considerando o tempo total da sesso de treino. ANOVA de uma via no revelou diferena entre os grupos.

Teste t para amostras pareadas revelou uma reduo da explorao do

brao aversivo em relao ao no-aversivo nos grupos veculo (t=-9,263;

df=10; p

41

Analisando a sesso treino ao longo do tempo em blocos de 200

segundos, encontramos efeito do tempo [F(2,27)=21,867; p

42

Analisando os parmetros de memria, verificamos que na sesso teste

no houve diferena na porcentagem de TAV entre os grupos [F(2,27)=0,414;

p=0,665] (Figura 24).

Figura 24. Mdia + EPM da porcentagem de tempo gasto no brao aversivo na ED por ratos tratados com veculo ou ltio (Li: 50 ou 100 mg/kg) considerando o tempo total da sesso de teste. ANOVA de uma via no revelou diferena entre os grupos.

Teste t para amostras pareadas no revelou diferenas no tempo total

de explorao do brao aversivo comparado ao no-aversivo para os grupos

veculo (t=-1,774; df=10; p=0,107), 50 mg/kg (t=-1,747; df=9; p=0,115) e 100

mg/kg (t=-2,953; df=8; p=0,018), considerando a correo de bonferroni para

p

43

tempo x tratamento [F(2,27)=0,370; p=0,779], quando analisamos a sesso

teste dividida em blocos de 200 segundos (Figura 26).

Figura 26. Mdias + EPM da porcentagem de tempo gasto no brao aversivo na ED por ratos tratados cronicamente com veculo ou ltio (Li: 50, 100 ou 200 mg/kg) ao longo da sesso de teste em blocos de 200 segundos. ANOVA de medidas repetidas no revelou diferena entre os grupos. Ansiedade:

Analisando os parmetros de ansiedade, ANOVA de uma via no

revelou diferena significativa para a porcentagem de explorao dos braos

abertos no tempo total da sesso de treino [F(2,27)=0,594; p=0,559] (Figura

27).

Figura 27. Mdia + EPM da porcentagem de tempo gasto nos braos abertos na ED por ratos tratados cronicamente com veculo ou ltio (Li: 50 ou 100 mg/kg) considerando o tempo total da sesso de treino. ANOVA de uma via no revelou diferena entre os grupos.

No entanto, ao analisarmos os cinco primeiros minutos dessa sesso,

ANOVA de uma via revelou diferena significativa [F(2,27)=4,332; p=0,023]

entre os grupos. Post-hoc de Tukey revelou uma diminuio da explorao dos

braos abertos pelo grupo tratado com 50 mg/kg em relao ao grupo veculo

44

(p=0,037) e reduo marginalmente significativa em relao ao grupo tratado

com 100 mg/kg (p=0,051) (Figura 28).

Figura 28. Mdia + EPM da porcentagem de tempo gasto nos braos abertos na ED por ratos tratados cronicamente com veculo ou ltio (Li: 50 ou 100 mg/kg) considerando os 5 primeiros minutos da sesso de treino. *p

45

Figura 30. Mdia + EPM do tempo de imobilidade (A) ou de escalada (B) no NF de ratos tratados com veculo ou ltio (Li: 50 ou 100 mg/kg) considerando o tempo total da sesso de teste. ANOVA de uma via no revelou diferenas entre os grupos.

Expresso de BDNF:

Para expresso de BDNF nas subrregies do hipocampo CA1

[F(2,24)=1,146; p=0,335] e CA3/GD [F(2,24)=0,106; p=0,900], amgdala

[F(2,24)=0,301; p=0,743] e crtex pr-frontal [F(2,25)=0,619; p=0,547] ANOVA

de uma via no detectou diferenas significativas entre os grupos (Tabela 4).

Tabela 4. Densidade ptica relativa (DOR) dos nveis de BDNF nas regies CA1, CA3/giro denteado (CA3/GD), crtex pr-frontal (CPF) e amgdala (AM) 12 horas aps a 26 injeo de carbonato de ltio (Li: 50 ou 100 mg/kg) ou veculo. ANOVA de uma via no revelou diferenas significativas para os grupos em nenhuma das reas analisadas.

46

Figura 31. Fotomicrografias do encfalo do rato com imunorreatividade para BDNF nos trs grupos experimentais: veculo (A,B,C,D), ltio 50 mg/kg (A',B',C',D') e lito 100 mg/kg (A'', B'', C'', D'').

Dosagem srica:

A dose srica mdia de ltio aps 12 horas da ltima administrao de

ltio estava dentro da dose teraputica apenas para o grupo tratado com 10

mg/kg (Tabela 5). A dose teraputica estabelecida com a coleta nesse

perodo de tempo aps a ltima administrao da droga.

47

Tabela 5. Mdia EPM da mdia da concentrao de ltio no soro (mEq/l) de ratos aps 12 horas da ltima administrao de veculo ou carbonato de ltio (Li: 50 ou 100 mg/kg).

5. DISCUSSO

Neste estudo ns avaliamos o efeito agudo e crnico do tratamento com

ltio no aprendizado/memria e ansiedade de ratos submetidos tarefa da ED,

verso modificada do labirinto em cruz elevado convencional, no qual uma

situao aversiva produzida em um dos braos fechados. Este paradigma foi

validado pela avaliao concomitante de aprendizado/memria e

comportamento do tipo ansiedade, sendo as medidas usadas para avaliar

esses parmetros a discriminao entre os braos fechados (AV e NAV) e a

explorao dos braos abertos, respectivamente (MELO et al, 2012;

MUNGUBA et al, 2011; RIBEIRO et al, 2010; SILVA & FRUSSA-FILHO, 2000).

Nossos resultados mostraram que, durante a sesso treino, animais

tratados com ltio uma hora antes da sesso (tratamento agudo) com as doses

de 100 e 200 mg/kg no aprenderam a tarefa, visto que os animais desses

grupos falharam em discriminar os braos fechados (AV e NAV) (Figura 7) e,

dessa forma, o tratamento interferiu na consolidao ocasionando a falha na

evocao da memria aversiva na sesso teste para estes grupos (Figura 11).

Por outro lado, o tratamento crnico no afetou de forma significativa o

aprendizado, j que os animais conseguiram distinguir os braos fechados

(Figura 21) e todos os grupos apresentaram uma curva de aprendizado

(reduo gradativa da explorao do brao AV) na sesso treino (Figura 22).

48

Todos os grupos evocaram a tarefa, visto que no encontramos diferenas

significativas na porcentagem de TAV no tempo total (Figura 24) e na anlise

ao longo da sesso teste (Figura 26), indicando que o tratamento crnico com

ltio no foi capaz de promover alteraes no desempenho de ratos nesta

tarefa. Embora os grupos aparentemente mostrem discriminao entre os

braos fechados, esses resultados no so significativos (Figura 25), ao

contrrio dos animais controle no tratamento agudo (Figura 7). Uma provvel

explicao para essa diferena observada no grupo controle pode ser a

extensiva manipulao do tratamento crnico. As injees dirias podem ter

causado estresse nos animais alterando o desempenho deles na tarefa.

Entretanto, importante observar que todos os grupos no tratamento crnico

apresentaram respostas similares.

Alguns estudos mostram que a memria foi prejudicada ou inalterada pelo

tratamento com ltio (HINES, 1985; HINES & POLING, 1984), enquanto outros

realizados com diversos aparatos comportamentais mostram uma melhora na

memria (NOCJAR et al, 2007; TSALTAS et al, 2007; VASCONCELLOS et al,

2003; YAN et al, 2007). Estes estudos mostram o efeito positivo do ltio em

diferentes tipos de paradigmas como tarefas de memria de procedimento

(TSALTAS et al, 2007), espacial (VASCONCELLOS et al, 2003; YAN et al,

2007) e aversiva (ZARRINDAST et al, 2008). A maioria dos estudos utilizando

modelos animais at hoje avaliam a memria e tm usado tarefas

aversivamente motivadas como o labirinto aqutico de Morris, esquiva passiva

ou ativa e outras (FERRARI et al, 2003; HINES, 1985; HINES & POLING, 1984;

RICHTER-LEVIN et al, 1992; YAN et al, 2007). Estudos antigos utilizando

procedimentos aversivos geralmente relatam dficits em decorrncia do

49

tratamento com ltio (TSALTAS et al, 2009). Ratos sob tratamento sub-crnico

com ltio demonstram um dficit persistente no aprendizado da esquiva ativa

(RICHTER-LEVIN et al, 1992). No entanto, em estudos mais recentes, o

tratamento crnico e sub-crnico com ltio demonstra uma melhora na

aquisio da esquiva passiva (PASCUAL & GONZALEZ, 1995; TSALTAS et al,

2007) e no afeta o medo condicionado (TSALTAS, et al 2007).

Conforme mencionado, poucos estudos investigaram o efeito agudo ou

subcrnico do ltio na memria, e tambm no mostraram um possvel efeito

benfico, corroborando nossos resultados. Ao contrrio, Shallie et al mostraram

que a ingesto de ltio por uma semana provoca um declnio significativo no

aprendizado e memria (SHALLIE et al, 2010). A administrao aguda de ltio

pr ou ps-treino teve um efeito prejudicial na memria na tarefa de esquiva

inibitria (ZARRINDAST et al, 2006). A administrao pr e ps treino prejudica

a memoria na esquiva passiva, enquanto a administrao pr-teste reverte o

prejuzo. Dessa forma, o ltio parece promover um aprendizado estado

dependente. Esse dado corrobora nosso estudo visto que a avaliao do

aprendizado e memria aversiva com tratamento agudo com ltio foi realizada

aps administrao pr-treino, o que pode ter interferido na observao de

melhora no aprendizado/memria.

Dessa forma, parece que necessrio um tratamento crnico (com um

tempo igual ou superior a trs semanas) para que a droga exera efeito

mnemnico positivo (PACHET & WISNIEWSKI, 2003).

No caso do presente estudo, entretanto, nem com o tratamento crnico foi

observado uma melhora no aprendizado/evocao da tarefa. Apesar de a

literatura ser rica em trabalhos que mostram o efeito benfico do tratamento

50

crnico com ltio na memria (TSALTAS et al, 2007; NOCJAR et al, 2007;

KARIMFAR et al, 2009), a maioria deles est vinculada a memria de outros

tipos que no aquela aversivamente motivada. Muitos trabalhos que relatam o

efeito crnico do ltio na memria aversiva no mostram nenhum efeito ou

prejuzo na memria causado por esse frmaco (RICHTER-LEVIN et al, 1992;

TSALTAS et al, 2009; CALZAVARA et al, 2011). Isso pode ser devido a

diferenas no mecanismo de memrias com contexto emocional em relao s

outras. Entre as estruturas cerebrais envolvidas no aprendizado e memria, foi

mostrado que a amgdala participa no armazenamento de informaes

aversivas (CAHILL & MCGAUGH, 1990; DAVIS, 1992). Portanto, a memria

com contexto emocional envolve a modulao da amgdala, enquanto que os

outros tipos como, por exemplo, a memria espacial parece requerer maior

processamento do hipocampo (RIBEIRO et al, 2011). Tendo em vista a sua

ao no transtorno bipolar, esse efeito na memria aversiva seria mais

plausvel pelo fato de que a melhora na evocao de uma memria aversiva

poderia ser prejudicial ao paciente portador deste distrbio.

A amgdala parece ser um componente crtico dos circuitos cerebrais

afetados pelo TB (CLARK & SAHAKIAN, 2008) e muitos pacientes apresentam

variaes estruturais nessa regio (ALTSHULER et al, 1998; BLUMBERG et al,

2005b; BERRETTA et al, 2007; BEZCHLIBNYK et al, 2007). De fato, pacientes

nas fases de mania e eutimia mostram um aumento na ativao da amgdala

durante tarefas de discriminao emocional (ALTSHULER et al, 2005;

LAGOPOULOS & MALHI, 2007) e os pacientes medicados mostram uma

reduo da ativao dessa estrutura (BLUMBERG et al, 2005a). Corroborando

esse resultado, o tratamento com ltio foi capaz de prevenir o aumento da

51

ramificao dendrtica em neurnios piramidais da amgdala (JOHNSON et al,

2009). Portanto, o resultado apresentado pelo nosso estudo parece mostrar

que o ltio no tem efeito ou prejudica a memria aversiva e que esse fato traria

um efeito benfico para o tratamento do transtorno bipolar.

O sistema dopaminrgico (receptores D1 e D2) parece ter papel importante

no mecanismo do ltio na memria aversiva (ZARRINDAST et al, 2006, 2007 e

2008). Considerando que agonistas de receptores D1 e D2 tm efeito

ansiognico (BELZUNG et al, 2001; SIMON et al, 1993; ZARRINDAST, 2011),

o prejuzo na memria aversiva causado pelo ltio poderia estar relacionado

com esse sistema de neurotransmisso.

Outra possvel explicao para a ausncia de resultados significativos no

aprendizado/memria que provavelmente o ltio no tem efeito melhorador

cognitivo proeminente em indivduos saudveis, visto que a maioria dos

estudos que mostram esse efeito positivo na memria realizada com animais

submetidos a algum tipo de leso farmacolgica ou fsica, ou por indivduos

que j apresentam algum tipo de enfermidade com prejuzos mnemnicos

como, por exemplo, Alzheimer ou isquemia cerebral (CASTRO et al, 2012;

SADRIAN et al, 2012; LVAREZ-RUZ & CARRILLO-MORA, 2013; OTA et al,

2013). Possivelmente, a induo de amnsia nos animais por mtodos

farmacolgicos pudesse revelar um efeito mais expressivo sobre a memria

aversiva na tarefa da ED.

Em nosso estudo, o tratamento crnico com ltio no promoveu alteraes

na expresso de BDNF no hipocampo, amgdala e crtex pr-frontal (Tabela 4).

O efeito do tratamento com ltio como melhorador cognitivo, observado em

estudos anteriores, est provavelmente relacionado a modificaes neuronais

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decorrentes do tratamento crnico. Entretanto, alguns estudos relatam que

aumento da expresso de BDNF j ocorre 5 dias aps o incio do tratamento

com ltio (HASHIMOTO et al, 2002).

Como j mencionado, o ltio demora cerca de 6 a 10 dias para exercer

efeito no tratamento da mania e existem estudos que mostram que esse atraso

devido ao tempo necessrio para que o BDNF retorne aos nveis

neuroprotetores (EINAT et al, 2006).

De fato, vem sendo extensivamente demonstrado que o ltio tem efeito

neuroprotetor (ROWE et al, 2004). Um estudo que avaliou os nveis de BDNF

em pacientes de TB que respondem e que no respondem ao tratamento com

ltio comparado a indivduos saudveis mostrou que os indivduos que

respondem tem os nveis de BDNF srico e desempenho cognitivo

semelhantes aos dos indivduos saudveis, enquanto os que no respondem

apresentam dficits cognitivos e baixos nveis de BDNF no soro comparado ao

grupo controle (RYBAKOWSKI et al, 2010). O ltio j se mostrou capaz de

aumentar os nveis de BDNF no crtex pr-frontal e hipocampo (EINAT et al,

2003; FUKUMOTO et al, 2001). Alm disso, foi demonstrado que pacientes

com Alzheimer apresentam uma reduo nos nveis de BDNF no soro e no

encfalo e que o tratamento com ltio capaz de aumentar o nvel srico de

BDNF nesses pacientes (LEYHE et al, 2009). Provavelmente, o aumento de

BDNF nesses pacientes deve estar ligado ao efeito neuroprotetor do ltio

prevenindo dficits cognitivos causados pela doena, visto que a reduo do

declnio cognitivo parece estar inversamente relacionado com a concentrao

de ltio no soro. Alm disso, foi verificado o aumento da expresso de RNA

mensageiro do BDNF pela associao de ltio e valproato (drogas utilizadas no

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tratamento do transtorno bipolar) em um modelo de degenerao neuronal in

vitro (CROCE, 2014).

Por outro lado, um estudo desenvolvido por Dias e colaboradores (2009)

no identificou diferenas significativas entre os nveis de BDNF em pacientes

portadores de TB eutmicos e indivduos saudveis. Alm disso, os nveis de

BDNF foram menores em pacientes medicados com ltio e antipsicticos,

enquanto pacientes tratados com valproato e outros antidepressivos mostraram

nveis sricos de BDNF maiores (DIAS et al, 2009). Isto corrobora o estudo de

2008 que apontou uma reduo nos nveis de BDNF de pacientes portadores

de TB e voluntrios saudveis tratados com ltio (TSENG et al, 2008). Portanto,

apesar de muitos estudos apontarem a participao do BDNF na fisiopatologia

do TB e do mecanismo fisiolgico do ltio, os resultados ainda permanecem

controversos. Mais estudos so necessrios para esclarecer o efeito do ltio na

expresso de BDNF.

No que diz respeito aos efeitos na ansiedade, observou-se um aumento da

explorao dos braos AB (Figura 13) pelos animais tratados agudamente com

as doses de 100 e 200 mg/kg foi observado, sugerindo um efeito ansioltico do

tratamento agudo com o frmaco. Enquanto isso, o tratamento crnico apontou

um efeito ansiognico pelo fato dos animais tratados com 50 mg/kg

apresentarem uma menor explorao dos braos abertos em relao aos

outros grupos na sesso treino, quando analisamos os cinco primeiros minutos

dessa sesso (Figura 28). Essa observao da primeira metade da sesso

para avaliar a explorao dos braos abertos j foi realizada por Silva et al,

2000, mostrando resultados significativos, enquanto que a anlise do tempo

total da sesso no mostrava.

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Vrios estudos sugerem que o ltio pode diminuir a ansiedade em ratos

adultos (BARRATT et al, 1968; GAMBARANA et al, 1999; HINES, 1986; HINES

& POLING, 1984; MASI et al, 2000; ROYBAL et al, 2007; SYME & SYME,

1974), o que impediria a aprendizagem aversiva, sendo evidenciado como uma

diminuio no desempenho da memria. Esse dado corrobora os resultados d