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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS APLICADAS DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL LUCINEIDE MARTINS BEZERRA A GESTÃO DO SUS NO MUNICÍPIO DE NATAL/RN: UMA ANÁLISE DAS DEMANDAS PROVENIENTES DA OUVIDORIA DO SUS NATAL 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS APLICADAS

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL

LUCINEIDE MARTINS BEZERRA

A GESTÃO DO SUS NO MUNICÍPIO DE NATAL/RN: UMA ANÁLISE DAS

DEMANDAS PROVENIENTES DA OUVIDORIA DO SUS

NATAL

2018

LUCINEIDE MARTINS BEZERRA

A GESTÃO DO SUS NO MUNICÍPIO DE NATAL/RN: UMA ANÁLISE DAS

DEMANDAS PROVENIENTES DA OUVIDORIA DO SUS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

como requisito avaliativo para obtenção do grau de

bacharel em Serviço social.

Orientadora: Prof.ª Drª. Larisse de Oliveira

Rodrigues.

NATAL

2018

Bezerra, Lucineide Martins. A gestão do SUS no município de Natal/RN: uma análise dasdemandas provenientes da ouvidoria do SUS / Lucineide MartinsBezerra. - Natal, 2018. 84f.: il.

Monografia (Graduação em Serviço Social) - UniversidadeFederal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Aplicadas,Departamento de Serviço Social. Orientadora: Profa. Dra. Larisse de Oliveira Rodrigues.

1. Serviço Social - Monografia. 2. Gestão democrática -Monografia. 3. Política de saúde - Monografia. 4. Controlesocial - Monografia. 5. Sistema Único de Saúde (SUS) - Ouvidoria- Monografia. I. Rodrigues, Larisse de Oliveira. II. Título.

RN/UF/CCSA CDU 364.4:614

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRNSistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA

Elaborado por Shirley de Carvalho Guedes - CRB-15/404

AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos que fizeram parte da minha vida acadêmica, seja direta ou

indiretamente. Em primeiro lugar a Deus, pelo dom da vida, a minha família que me deu

apoio durante todo o andamento do curso de Serviço Social, sendo uma base de sustentação

nesta caminhada. Em especial a minha mãe Edna Martins, a tio Lupécio e a tia Márcia pelo

apoio, que proporcionou o término do curso neste semestre. Aos meus amigos que mostraram

que nos momentos difíceis eles realmente estão ali do nosso lado e o quão importante é a

amizade. Em especial as minhas amigas Alessandra Menezes, Danielma dos Santos e Kenia

Almeida, que fizeram e fazem parte da minha trajetória de vida, como também as minhas

amigas que compartilharam durante a trajetória do curso momentos de alegria, aflição e medo

de não conseguir concluir nesse semestre: Millena Lira, Maria Necy e Jailza Teixeira.

Não posso deixar de agradecer a todos da Ouvidoria do SUS por terem contribuído

com a realização da pesquisa em especial ao assistente social Jório Novais e a Ouvidora Lúcia

de Fátima; a docente Maria Dalva Horácio Costa por ter me concedido as documentações

necessárias para fazer a análise documental; a Prof.ª Larisse de Oliveira Rodrigues pela

orientação. Vocês foram de fundamental importância para elaboração deste Trabalho de

Conclusão de Curso.

A todos, o meu sincero agradecimento.

O desafio é afirmar uma profissão voltada

à defesa dos direitos e das conquistas

acumuladas ao longo da história da luta

dos trabalhadores no país, e comprometida

com a radical democratização da vida

social no horizonte da emancipação

humana (IAMAMOTO, 2007, p. 470).

RESUMO

Este trabalho faz uma análise da temática Gestão do SUS no município de Natal/RN a partir

das demandas provenientes da Ouvidoria Municipal do SUS. A Ouvidoria do SUS é um canal

democrático e um instrumento da gestão municipal, que acolhe todo e qualquer cidadão,

devendo responder efetivamente as solicitações dos usuários do SUS. Considerando a

Ouvidoria como instrumento da gestão municipal, iremos analisar como a gestão do SUS do

município de Natal respondeu as demandas provenientes da Ouvidoria do SUS do ano de

2017, avaliando se as respostas dadas as estas demandas se aproximam dos princípios do

SUS. Utilizamos a pesquisa bibliográfica para fundamentar o trabalho, e a pesquisa

documental para analisar as ações da gestão municipal. Conclui-se que as demandas presentes

na ouvidoria do SUS de 2017 demonstram que os serviços de saúde apresentam diversas

necessidades dos usuários, e na maioria das vezes não são atendidas pela gestão do SUS

municipal, cabendo ao Estado representado pelas instituições e estas pela sua gestão, garantir

de forma efetiva e com qualidade os serviços de saúde.

Palavras-chave: Gestão Democrática. Política de Saúde. Controle Social. Ouvidoria do SUS.

ABSTRAT

This work analyzes SUS Management in the city of Natal / RN, based on the demands from

the SUS Municipal Ombudsman. The SUS Ombudsman's Office is a democratic channel and

an instrument of municipal management, which welcomes every citizen, and must respond

effectively to SUS users' requests. Considering the Ombudsman's Office as an instrument of

municipal management, we will analyze how the public management of the municipality of

Natal answered the demands from the Ombudsman's Office of the SUS in 2017, evaluating

whether the responses given to these demands are close to the SUS principles. We used the

bibliographical research to base the work, and the documentary research to analyze the

actions of the municipal management. It is concluded that the demands present at the 2017

SUS Ombudsman show that the health services present several needs of the users, and most of

the time they are not attended by the municipal administration, being the responsibility of the

State represented by the institutions and by their management, effectively and with quality

health services.

Keywords: Democratic management. Health Policy. Social Control. Ombudsman of the SUS.

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACS Agentes Comunitários de Saúde

ANC Assembleia Nacional Constituinte

APS Atenção Primária à Saúde

CEBES Centro Brasileiro de Estudo em Saúde

CERPIC Centro de Referência em Práticas Integrativas e Complementares

CFM Conselho Federal de Medicina

CLS Conselhos Locais de Saúde

CLT Consolidação das Leis Trabalhistas

CMS Conselho Municipal de Saúde

CNS Conferência Nacional de Saúde

CSN Companhia Siderúrgica Nacional

CUT Central Única de Trabalhadores

DRAC Departamento de Regulação, Avaliação e Controle de Sistemas

DRU Desvinculação da Receita da União

EBSERH Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares

EC Emenda Constitucional

ESF Estratégia da Saúde da Família

FHC Fernando Henrique Cardoso

GT Grupo de Trabalho

INAMPS Instituto Nacional de Previdência Social

HUOL Hospital Universitário Onofre Lopes

HUs Hospitais Universitários

MARE Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado

NOB Norma Operacional Básica

NRF Novo Regime Fiscal

OIT Organização Internacional do Trabalho

PAB Piso Assistencial Básico

PAS Programação Anual de Saúde

PDRAE Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado

PEC Prontuário Eletrônico Cidadão

PIB Produto Interno Bruto

PFL Partido da Frente Liberal

PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PNAB Política Nacional de Atenção Básica

PS Pacto pela Saúde

PSF Programa de Saúde da Família

RAG Relatório Anual de Gestão

REMUME Relação Municipal de Medicamentos

RENASES Relação Nacional de Ações e Serviços de Saúde

SAE Serviço de Assistência Especializada

SESAP Secretaria do Estado da Saúde Pública

SMS Secretaria Municipal de Saúde

SUS Sistema Único de Saúde

UBS Unidade Básica de Saúde

SUMÁRIO

1

INTRODUÇÃO.................................................................................................. 11

2

O ESTADO E A DEMOCRACIA NO BRASIL: DIÁLOGOS SOBRE A

GESTÃO DEMOCRÁTICA.............................................................................

13

2.1

Breves Apontamentos Sobre a Função do Estado no

Capitalismo.........................................................................................................

13

2.1.1

A formação do Estado brasileiro e seus desdobramentos na

contemporaneidade...............................................................................................

17

2.2 O Processo Constituinte e o Movimento de Democratização das Políticas

Sociais no Brasil..................................................................................................

24

2.3 A Democracia Participativa e a Gestão Democrática..................................... 28

3 A POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL........................................................ 35

3.1 Contexto Histórico da Política de Saúde e Desafios Atuais........................... 35

3.2 O Controle Social nos Espaços Públicos: avanços e limites........................... 49

4

A OUVIDORIA DO SUS: INSTRUMENTO DA GESTÃO PÚBLICA DO

MUNICÍPIO DE NATAL/RN...........................................................................

56

4.1 Caracterização da Ouvidoria do SUS do Município de Natal....................... 56

4.2 Principais Demandas que Chegam a Ouvidoria do SUS................................ 62

4.3 Análise das Ações da Gestão do SUS no Município de Natal, a Partir das

Demandas da Ouvidoria do SUS......................................................................

67

4.3.1

As medidas que a gestão do SUS adota para melhorar a qualidade dos serviços

de saúde do SUS, a partir das demandas que chegam à

Ouvidoria.............................................................................................................

67

4.3.2

Os encaminhamentos da gestão municipal para responder as demandas

presentes na Ouvidoria do SUS, se aproximam dos princípios do Sistema

Único de Saúde?..................................................................................................

68

5

CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................ 75

REFERÊNCIAS................................................................................................. 77

11

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho versa sobre a Gestão do SUS no município de Natal/RN e as

demandas provenientes da Ouvidoria Municipal do Sistema Único de Saúde (SUS), onde

fizemos uma análise das medidas que a gestão do SUS adota para melhorar a qualidade dos

serviços prestados pelo SUS, a partir das demandas presentes na Ouvidoria. Vale ressaltar que

essas demandas são as manifestações dos usuários em relação aos serviços prestados pelo

SUS.

O interesse pelo tema deu-se a partir da experiência vivenciada no estágio

supervisionado, Ouvidoria do SUS do município de Natal/RN, a partir do 6º período do curso

de Serviço Social na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Através das

observações feitas neste espaço institucional foi possível identificar várias problemáticas da

política de saúde que são enfrentadas pelos usuários do SUS, no qual os princípios da

universalidade, equidade e integralidade estão sendo desafiados no contexto atual da política

econômica neoliberal.

Cabe enfatizar que a Ouvidoria do SUS é um canal democrático e um instrumento da

gestão municipal, que se destina ao acolhimento de todo e qualquer cidadão, devendo

responder efetivamente as solicitações dos usuários. A Ouvidoria acaba sendo um instrumento

de controle social da gestão municipal, pois permite saber como anda o funcionamento dos

serviços prestados pelo SUS.

O campo de estágio proporcionou momentos de reflexões que nos motivou a fazer esta

pesquisa. Um desses momentos foi com relação à mudança na confecção do cartão SUS

através da Lei Municipal de nº 6.672 de 15 de maio de 2017. As demandas relacionadas ao

cartão SUS nos fez refletir como estavam sendo respondidas as demandas registradas na

ouvidoria do SUS. Observamos também que na Ouvidoria são gerados relatórios

quadrimestrais, que demonstram as manifestações dos usuários sobre como o SUS está

funcionando no município de Natal, no qual demonstra a precarização dos serviços prestados

por este sistema. A partir deste instrumento a gestão pode tomar algumas medidas para

melhorar esses serviços e fortalecer os princípios de Universalidade, Equidade e

Integralidade.

Então, considerando a Ouvidoria como instrumento da gestão, iremos analisar como a

gestão do SUS do município de Natal responde as demandas provenientes da Ouvidoria do

SUS, sendo o objetivo geral da pesquisa. E os objetivos específicos irão nos ajudar a

12

responder essa questão: Verificar se as respostas dadas as demandas da Ouvidoria se

aproximam dos princípios do SUS: Universalidade, Equidade e Integralidade; Apresentar as

principais demandas que chegam à ouvidoria do SUS; Identificar as medidas que a gestão da

Secretaria Municipal de Saúde (SMS) adota para melhorar a qualidade dos serviços de saúde

do SUS, a partir das demandas que chegam à ouvidoria; Demonstrar como a gestão municipal

encaminha as demandas presentes na Ouvidoria do SUS.

A metodologia utilizada foi à pesquisa bibliográfica, no qual utilizamos fontes como:

livros, revistas, artigos e Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC) referentes à temática; e a

pesquisa documental que se concentrou na análise de instrumentos estratégicos da gestão do

município de Natal: a Programação Anual de Saúde (PAS) de 2017, o Relatório Anual de

Gestão (RAG) de 2017 e dois relatórios quadrimestrais da Ouvidoria do SUS de 2017.

Também utilizamos o Relatório do Estágio Supervisionado na Ouvidoria do SUS Natal/RN de

2017. A análise dos dados foi feita de forma qualitativa, não havendo uma preocupação em

quantificar, mas compreender a realidade presente no âmbito do SUS e como a gestão

trabalha com essa realidade.

Dessa forma, o trabalho estruturou-se do seguinte modo: o primeiro capítulo aborda o

Estado e a democracia no Brasil, trazendo para a discussão a gestão democrática; o segundo

capítulo faz uma discussão sobre a política de saúde no Brasil, trazendo o contexto histórico

desta política e os desafios Atuais, como também o controle social nos espaços públicos; o

terceiro capítulo apresenta a Ouvidoria do SUS como instrumento da gestão pública no

município de Natal/RN, no qual analisou as ações da gestão municipal, a partir das demandas

da Ouvidoria do SUS; e o quinto capítulo traz as considerações finais.

13

2 O ESTADO E A DEMOCRACIA NO BRASIL: DIÁLOGOS SOBRE A GESTÃO

DEMOCRÁTICA

2.1 Breves Apontamentos Sobre a Função do Estado no Capitalismo

A sociedade antes de ser dividida em classes sociais, tinha suas funções como a das

armas ou da administração da justiça exercidas pela coletividade. A partir do aparecimento

das classes sociais, estas funções são retiradas da coletividade e nomeadas a uma minoria que

as executa de maneira especial (MANDEL, 1977).

Para Mandel (1977) nos grandes Estados feudais, o senhor feudal exercia todo o seu

domínio, ou seja, todas as clássicas funções desempenhadas pelo Estado. Com a ampliação da

extensão do território e da população, surge a necessidade de delegar em parte os seus poderes

a outras pessoas (servos). Nota-se que as funções de Estado exercidas pela classe dominante

não se limitam aos aspectos imediatos do Poder (o exército, a justiça, as finanças), abrange

também a ideologia a lei, a filosofia, a ciência, entre outros. Lembrando que os pobres

vendiam seus talentos ao senhor feudal, e este se encarregava das suas necessidades.

Esta origem servil apresenta o fundamento da Teoria Marxista do Estado, no qual o

Estado é:

Um órgão especial que surge em certo momento da evolução histórica da

humanidade e que está condenado a desaparecer no decurso da mesma

evolução. Nasceu da divisão da sociedade em classes e desaparecerá no

momento em que desaparecer esta divisão. Nasceu como instrumento nas

mãos da classe dominante, com o fim de manter o domínio desta classe

sobre a sociedade, e desaparecerá quando o domínio desta classe desaparecer

(MANDEL, 1977, p.15).

O moderno Estado burguês trouxe uma nova sociedade, que agora é dominada pelo

capitalismo. Desde o século XV, as necessidades monetárias do Estado moderno (monarquia

absoluta) se ampliaram com o dinheiro dos capitalistas, banqueiros, comerciante e

negociantes, ou seja, os capitalistas pagam para manter o Estado exigindo que este fique a seu

serviço (MANDEL, 1977).

Na maioria dos países em que foi instituído o parlamentarismo, só a burguesia tinha

direito ao voto. Esta situação durou, na maioria dos Estados Ocidentais, até fins do último

século e princípios do século XX (MANDEL, 1977). Nota-se que a Lei de Le Chapelier

14

proclamada na Revolução Francesa, aparentava estabelecer a igualdade entre todos os

cidadãos. Mas na verdade proibiu as organizações patronais e as dos trabalhadores. Isso fez

com que os trabalhadores ficassem impotentes diante de seus patrões (MANDEL, 1977).

O que se observa é que o aparelho do Estado não é um instrumento homogêneo, ele

possui uma estrutura hierárquica de classes, que não atende as necessidades da coletividade.

Segundo Mandel (1977) o exercício das funções do Estado está fortemente ligado à existência

de conflitos sociais, devido à escassez de bens materiais, de recursos, de meios necessários

para a satisfação das necessidades coletivas.

Situamos anteriormente como foi se desenvolvendo o Estado para podermos

compreender as novas configurações assumidas pelo Estado Moderno. Sendo essencial trazer

a perspectiva de Antonio Gramsci, que viveu em um momento histórico diferenciado de

Marx, entre 1890 a 1937. Período em que houve a vitória da Revolução de Outubro de 1917 e

da efervescência dos partidos comunistas em todo o continente europeu, no qual o movimento

operário não venceu em nenhum país europeu. Acanda (2006 apud VASCONCELOS;

SILVA; SCHMALLER, 2013) nos diz que o que houve foi uma recomposição do poder

burguês, demonstrada em todo vigor via fascismo e nazismo.

O contexto histórico em que Gramsci vivenciou despertou-lhe vários questionamentos

com a transição do capitalismo da fase concorrencial para a fase monopolista. O que se

observa é que a crise do modelo liberal e o fortalecimento do capitalismo moderno, fez com

que o próprio Estado assumisse funções mais decisivas na economia. Os movimentos

organizativos das classes subalternas surgiam em diversas partes da Europa, reivindicando

melhores condições de trabalho e de vida, implicando uma ameaça global ao poder da

burguesia (ACANDA, 2010 apud VASCONCELOS; SILVA; SCHMALLER, 2013).

Estas mudanças levaram Gramsci a refletir que a política e o Estado não podiam ser

pensados como esferas isoladas, como propõem as ciências sociais particulares. Em suas

reflexões, as suas análises eram tratadas sob o princípio da totalidade, numa análise embasada

na crítica da economia política empreendida por Marx (VASCONCELOS; SILVA;

SCHMALLER, 2013). Para Acanda (2010 apud VASCONCELOS; SILVA; SCHMALLER,

2013), o ponto de partida para Gramsci foi à aceitação dos princípios basilares do

materialismo histórico e dialético.

Na concepção de Marx e Engels o Estado é como uma máquina, interpretação presente

no Manifesto do Partido Comunista (1848). Para lutar contra o Estado, “o movimento

operário deveria se confrontar diretamente com aquela “máquina” e derrubá-la violentamente

15

a fim de estabelecer o seu domínio e eliminar os entraves que lhe impossibilitavam apropriar-

se das forças produtivas sociais” (SOUZA, 2013, p. 02).

Dessa forma, o Estado configura-se como um Estado classista, privado, como “um

comitê” para gerir os negócios da classe burguesa. O Estado poderia ser considerado como

sinônimo de sociedade política, já que a sociedade civil era incipiente e “gelatinosa”

(SOUZA, 2013).

No momento em que as grandes organizações privadas do tipo moderno não existiam,

a burguesia reprimia qualquer tipo de manifestação contra o Estado de forma coercitiva, ou

seja, o direito de se manifestar e contestar não existia. O proletariado via-se diante de uma

situação extremamente difícil devido às condições de trabalho: jornada excessiva, locais

insalubres, péssimos salários, entre outros, onde não existia espaço na sociedade para se

organizar e reivindicar (SOUZA, 2013). Marx e Engels (1963) propõem como solução para

eliminar os entraves que impossibilitavam o desenvolvimento do proletariado, “uma

revolução aberta” contra a burguesia.

Gramsci, a partir da segunda metade do século XIX, identifica mudanças na sociedade

que repercutem na configuração e caracterização do Estado Moderno. Período em que há

significativas vitórias sociais como a redução da jornada de trabalho, o sufrágio universal

masculino, sistema de previdência pública, entre outros. O Estado não se baseava mais apenas

na coerção, a sua direção política sobre a sociedade, abriu espaços de participação na

sociedade civil para que os grupos sociais subalternos apresentassem suas reivindicações e

contestações (SOUZA, 2013). Neste cenário a intervenção do Estado em relação a estas

questões começava a ultrapassar a dimensão repressiva e demonstrava novas medidas, como a

execução de políticas sociais (VASCONCELOS; SILVA; SCHMALLER, 2013).

Vale salientar que o pensamento de Gramsci acerca do processo de tomada do poder,

traz um novo direcionamento “em vez de realizar o assalto direto ao Estado e tomar

imediatamente o poder como na concepção de Lênin, a sua manobra é de desenvolvimento,

designando a sociedade civil como primeiro objetivo a conquistar, ou melhor, a dominar”

(COUTINHO, 2002, p. 6).

Em suas análises sobre a sociedade italiana, Gramsci compreende que há outras

formas de se fazer uma revolução, que nas sociedades de capitalismo tardio ocorrem

transformações pelo alto, sem a participação das classes populares, ocorrendo assim, o que ele

nomeou de “revolução passiva” (SOLANO, 2011). Então,

16

Deve-se sublinhar, antes de mais nada, que um processo de revolução

passiva, ao contrário de uma revolução popular, realizada a partir “de

baixo”, jacobina, implica sempre a presença de dois momentos: o da

“restauração” (na medida em que é uma reação à possibilidade de

renovação”(na medida em que muitas demandas populares são assimiladas e

postas em práticas pelas velhas camadas dominantes (COUTINHO, 1999,

p.198 apud SOLANO, 2011. p.21).

De acordo com Vasconcelos, Silva e Schmaller (2013), Gramsci nos diz que:

Embora o Estado prosseguisse com seu caráter classista, não era mais apenas

o comitê de negócios da burguesia: algumas demandas das classes

subalternas foram por ele incorporadas. De outro lado, Gramsci constata que

o monopólio da violência e a coerção não eram mais suficientes para a

manutenção da ordem social: fazia-se necessário organizar novas formas de

estabelecer o consenso, tarefa que passou a ser empreendida pelo Estado,

através da formulação e disseminação de um conjunto de valores e normas

políticas, sociais e culturais (VASCONCELOS; SILVA; SCHMALLER,

2013, p.84).

Desse modo, Gramsci caracteriza o Estado como Estado = sociedade política +

sociedade civil, coerção mais consenso. Se o Estado sofreu transformações, a estratégia para

enfrentá-lo também deveria se modificar. Por isso elabora o conceito de guerra de posição, o

qual corresponde à conquista de espaços de força na sociedade civil, o qual supera o conceito

de guerra de movimento, aquele que corresponde ao confronto direto com o Estado,

concebido como “máquina”. A guerra de posição é por ele entendida como a forma mais atual

de enfrentamento do Estado Moderno, o qual personifica a fórmula da “hegemonia civil” –

direção intelectual e moral dos grupos sociais dominantes, exercida pela combinação da

coerção e do consenso (SOUZA, 2013).

Então, com a ampliação do conceito de Estado, ele passa a ser dividido em sociedade

política e sociedade civil, no qual o Estado é produto da correlação de força que atende aos

interesses da burguesia como também aos interesses da classe trabalhadora, onde a

manutenção do poder está em equilibrar as forças, sendo utilizados os aparelhos ideológicos

para garantir o poder.

Gramsci compreendia que a estrutura não era somente as forças produtivas, mas as

relações sociais de produção, isto é, o conjunto das relações sociais, a totalidade da vida

social. Dessa forma, “a estrutura e as superestruturas formam um ‘bloco histórico’, ou seja, o

conjunto complexo e contraditório das superestruturas é o reflexo do conjunto das relações

sociais de produção” (GRAMSCI, 1999 apud COUTINHO, 2011, p. 116).

17

Desse modo, o capitalismo não significava apenas produção de mercadorias, mas

produção de indivíduos, de aparatos jurídicos e de aparelhos privados de hegemonia difusores

da ideologia dominante (GRAMSCI, 2008).

Um dos conceitos que Gramsci desenvolveu foi o de Hegemonia, um dos temas

centrais do seu pensamento, que mostra a nova face do Estado Moderno. O conceito de

hegemonia colocado por Gramsci expõe uma nova relação entre estrutura e superestrutura, no

qual há uma centralidade das superestruturas quando se analisa as sociedades avançadas

(VASCONCELOS; SILVA; SCHMALLER, 2013). Nesse cenário a sociedade civil assume

um papel político central, sendo o espaço de luta contra a classe dirigente. “A hegemonia

gramscista é a primazia da sociedade civil sobre a sociedade política.” (ALVES, 2010, p. 4).

Para Gramsci a superação do capitalismo não está restrita à tomada do Estado e às

transformações econômicas, mas envolve a superação dos padrões civilizatórios particulares

do modo de produção capitalista nas distintas esferas: econômica, sociopolíticas, cultural e

ideológica. Isso supõe a construção de uma nova direção hegemônica e de uma ordem

societária capaz de superar a hegemonia burguesa (VASCONCELOS; SILVA;

SCHMALLER, 2013).

Sendo assim, o conceito de Gramsci de Estado ampliado nos permite compreender a

singularidade de algumas das características essenciais da nossa situação atual. Temos uma

formação social de tipo ocidental como comentou Coutinho (2008), que requer uma guerra de

posição voltada para uma sociedade em que haja uma socialização da riqueza produzida.

2.1.1 A formação do Estado brasileiro e seus desdobramentos na contemporaneidade

A partir de categorias gramsciana, entre oriente e ocidente, o Brasil se caracteriza até

os anos 1930, como “uma formação político social de tipo ‘oriental’, na qual o Estado é tudo e

a sociedade civil é primitiva e gelatinosa” (COUTINHO, 2008, p. 106).

Coutinho (2008) apresenta três paradigmas que explica como o Brasil transitou para a

modernidade: O primeiro é o conceito de “via prussiana”, elaborado por Lenin, onde compara

o caso da Prússia com os casos ‘clássicos’ (Estados Unidos, Inglaterra e França). A via

prussiana foi um tipo de transição ao capitalismo que conserva elementos da velha ordem e,

nessa medida, tem como pressuposto e como resultado um grande fortalecimento do poder do

Estado.

18

O segundo tem como base a análise do processo de unificação nacional italiano, onde

Gramsci traz a expressão Risorgimento, denominando de “revolução passiva”, ocorrendo

processos de transformação onde há conciliação entre as frações modernas e atrasadas das

classes dominantes, tentando excluir as camadas populares de uma participação mais ampla.

Trata-se, essencialmente, de transformações (revoluções) que se dão “pelo alto”, ou

seja, acaba sendo um tipo de Estado que resulta de processos de revolução passiva, no qual

Gramsci fala em “ditaduras sem hegemonia” (COUTINHO, 2008).

Outro conceito que ajuda a pensar o caso brasileiro, é o conceito de “modernização

conservadora”, elaborado pelo sociólogo norte-americano Barrington Moore Jr. A “moderna”

burguesia industrial prefere conciliar com o atraso a aliar-se às classes populares

(COUTINHO, 2008).

Estes três paradigmas nos permitem observar como se processou a formação do Estado

brasileiro. Podemos citar aqui o processo de independência em nosso país, que não se

constituiu em uma revolução, ou seja, não rompeu com a ordem estatal e socioeconômica

anterior, foi apenas um rearranjo entre as frações das classes dominantes (COUTINHO,

2008). No nosso caso, a sociedade brasileira foi estabelecida partir do Estado e do processo

de lutas das classes populares.

Desse modo, o Estado brasileiro

nasceu depois da transferência do Estado imperial português para este país.

Foi a única situação na América Latina em que o Estado da Metrópole se

deslocou, com D. João VI e toda sua burocracia, para uma colônia (...) E

quando se dá o processo da Independência o Estado nacional herda esse

aparelho estatal do Império português (CARDOSO, 1977, p. 84 apud

PESSOTO; RIBEIRO; GUIMARÃES, 2015, p. 14).

A partir de 1930, o movimento liderado por Getúlio Vargas contribuiu para consolidar

a transição do Brasil para o capitalismo. Após a abolição e a Proclamação da República, o

Brasil já era uma sociedade capitalista, com um Estado burguês (COUTINHO, 2008). Desse

modo, “o Estado moderno brasileiro foi quase sempre uma “ditadura sem hegemonia”, ou,

para usarmos a terminologia de Florestan Fernandes, uma ‘autocracia burguesa’”

(COUTINHO, 2008, p. 111).

Caio Prado Júnior nos diz que essa forma de modernização conservadora trouxe

efeitos trágicos para o Brasil como déficit de cidadania, dependência externa, formas de

coerção extra-econômica na relação entre capital e trabalho, entre outros (COUTINHO,

2008).

19

Os nacionalistas autoritários do Estado Novo, implantado em 1937, afirmavam que a

transformação pelo alto, baseada no Estado, deveria ser o verdadeiro caminho de

modernização a ser adotado pelo Brasil, pois cabia ao Estado construir a nação brasileira

(COUTINHO, 2008).

Na década de 1930, outro fator que também vai marcar o Estado brasileiro é uma forte

marca corporativista. Na sociedade moderna havia interesses múltiplos e conflitantes, onde

era preciso criar mecanismos de representação desses interesses. Isso só poderia ser feito no

interior do próprio Estado, por meio de um sistema corporativo, que era próximo do modelo

do fascismo italiano (COUTINHO, 2008).

O que se observa é que essa orientação corporativa era uma tentativa de incorporar ao

aparelho de Estado o movimento sindical. Isso foi uma forma de desmobilizar os sindicatos,

que durante os anos 1920 e início dos anos 1930, apresentou uma autonomia. A partir de

1937, os sindicatos se tornam instituições ligadas diretamente ao Ministério do Trabalho, ou

seja, ao Estado (COUTINHO, 2008).

Vale ressaltar que até a Constituição de 1988 os sindicatos são subordinados as

corporações, sendo uma forma de evitar a universalização da representação dos trabalhadores.

Isso perdurou até o fim do ciclo militar. Desse modo,

Cabe lembrar que foi também de modo corporativo que se fizeram

representar os interesses da própria burguesia brasileira: a partir de 1930, a

representação burguesa é incorporada ao Estado não só por meio de

sindicatos análogos aos da classe trabalhadora, mas sobretudo por meio das

várias câmaras setoriais então criadas, como, por exemplo, o Instituto do

Açúcar e do Álcool, do Café, do Cacau etc.; e esse tipo de representação,

passando pelos chamados grupos executivos do governo Kubitschek,

prossegue durante a ditadura militar, mediante o que Fernando Henrique

Cardoso chamou de ‘anéis burocráticos’ (COUTINHO, 2008, p. 117).

Com “essa forma de representação ‘econômico corporativa’, a burguesia brasileira

renunciou a elaborar, (na terminologia de Gramsci), uma consciência ‘ético-política’, com o

que se tornou incapaz por muito tempo de formular um projeto nacional hegemônico”

(COUTINHO, 2008, p. 117).

De acordo com Coutinho (2008) o golpe de 1964 se instalou e destruiu o pacto

populista, conservando e até mesmo desenvolvendo os traços mais perversos da nossa

formação estatal anterior. Mais uma vez ocorreu uma revolução passiva, em que as reformas

de base (agrária, bancária, universitária, entre outros) que eram reivindicadas pelo movimento

social, foram golpeadas pelo regime militar, tendo um viés conservador.

20

Desse modo, “o golpe não rompeu com o tipo de articulação corporativista e

autoritária entre Estado e sociedade civil e não retirou o Estado de suas funções no terreno da

regulação da economia” (COUTINHO, 2008, p. 120). O que temos nesse período é um Estado

ditatorial, que fortalece a sua ação através do desenvolvimento e da criação de empresas

estatais, que interferem na economia. O país entra na fase mais avançada do capitalismo e o

Estado tem papel fundamental nesse processo, onde não houve respeito aos interesses

coletivos.

Cabe enfatizar que na Era de Vargas, no primeiro momento, a intervenção do Estado

na economia almejava o desenvolvimento do capital nacional, restringindo o capital

estrangeiro. No governo Juscelino e ao longo da ditadura militar, essa restrição desapareceu,

no qual se criou o tripé em que o Estado funcionava como instrumento de acumulação e

estava a serviço do capital nacional e do capital internacional (COUTINHO, 2008). Essa

abertura ao capital estrangeiro proporcionou lucros para a burguesia brasileira.

Dessa forma, tínhamos “um Estado no qual a supremacia da classe no poder se dava

por meio da dominação (ou da ditadura) e não da direção político-ideológica (ou da

hegemonia)” (COUTINHO, 2008, p. 122).

A partir da perspectiva de Gramsci, o que se observa é que a hegemonia é um modo

de obter o consenso ativo dos governados e dos governantes. Nesse tipo de Estado o que há é

uma ditadura sem hegemonia, ou seja, a classe dominante é quem controla o Estado, sem ter

aprovação da maioria da sociedade.

Entre os anos de 1930 a 1980 tivemos um Estado burguês que se caracterizava pela

presença de uma dominação sem hegemonia. Lembrando que no período ‘populista’ (1951-

1964) mesmo havendo o caráter autoritário e corporativista do Estado, havia também uma

‘hegemonia seletiva’1 (COUTINHO, 2008).

Segundo Coutinho (2008), esta hegemonia tinha um caráter seletivo, ou seja, limitado

e excludente, pois ao mesmo tempo em que os segmentos das classes subalternas obtinham

consenso, por meio de concessões como direitos trabalhistas, aumentos salariais, entre outros,

setores importantes dessas classes (trabalhadores rurais e dos urbanos autônomos) eram

excluídos dos direitos sociais políticos.

O que se observa é que o Estado sempre serviu aos interesses privados, apresentando

fortes características patrimonialistas, presentes até hoje em nosso país. Pois foi concebido

1 É uma hegemonia limitada, que é precária e instável (COUTINHO, 2008).

21

como propriedade pessoal da burguesia dominante, sendo perpassado por relações de

nepotismo, clientelismo, corrupção, entre outros.

Para compreender a privatização do público em nosso país, Coutinho (2008) nos diz

que a teoria econômica marxista nos ajuda a compreender esse processo. Nota-se que a

intervenção do Estado na economia criou as condições favoráveis à expansão do capital. Um

exemplo disso é o caso da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), que foi criada para dar

lucros ao Estado, sendo que esses lucros foram utilizados para ampliar a política de

redistribuição de renda (COUTINHO, 2008). Cabe enfatizar que no período da ditadura, a

CSN contribuiu para aumentar a taxa de lucro do capital privado, inclusive o internacional.

Desse modo, o objetivo das empresas estatais não é gerar lucros para o Estado, elas

criam condições para que o capital privado possa existir e se expandir. Isso caracteriza o

Estado capitalista em geral, não sendo uma singularidade de nossa formação estatal

(COUTINHO, 2008, p. 126). Mas nosso país apresentou traços bem marcantes com relação a

outros países capitalistas.

Nos regimes liberais democráticos o Estado ainda que defenda interesses privados

precisa também satisfazer demandas das classes trabalhadoras para que possa haver um

consenso para a sua legitimação. Isso aconteceu nos países desenvolvidos com a existência do

Welfare State, que graças às lutas das classes trabalhadoras, foi possível construir, a partir de

políticas estatais, uma rede educacional e de seguridade social de interesse público

(COUTINHO, 2008).

Devemos lembrar que no Brasil não tivemos um Estado de bem-estar social, e sim um

aparente Estado de bem-estar, que Francisco de Oliveira o chamou de ‘Estado do mal-estar

social’ (COUTINHO, 2008).

No Brasil, o regime militar sempre esteve a serviço do grande capital nacional e

internacional, onde promoveu um intenso crescimento das forças produtivas, e desenvolveu a

mais complexa ordem capitalista do país. Essa complexificação multiplicou a diversidade de

interesses e gerou uma sociedade civil forte, rica e articulada (COUTINHO, 2008).

Este regime ditatorial até tentou por “diferentes meios, reprimir essa sociedade civil

emergente, mas não foi capaz – exatamente por não ser fascista no sentido ‘clássico’ – de

domá-la e incorporá-la ao aparelho de Estado” (COUTINHO, 2008, p. 130). Foi neste período

que a sociedade civil acabou se ampliando.

Outro elemento importante foi o surgimento de vários partidos que fortaleceram a luta

contra a ditadura. O multipartidarismo, ainda que limitado, deu margem a novos interesses e

22

criou novos sujeitos políticos, que integraram o pluralismo da nova sociedade civil

(COUTINHO, 2008).

Para Nogueira (1998), a transição democrática não ocorreu simultaneamente, pois não

proporcionou a reforma política, como também não permitiu a construção de um novo regime.

Mas, acabou com o arcabouço institucional e as práticas do regime ditatorial e apresentou

uma nova Constituição com inclinações democráticas e sociais.

Não devemos esquecer que a sociedade brasileira, na década de 1980, viveu uma

complexa conjuntura: graves problemas sociais, econômicos, estruturais e com fortes

insatisfações populares, sendo fruto da insatisfação com as políticas sociais e econômicas dos

governos militares. Isso proporcionou o surgimento de organizações que almejavam uma

maior participação dos cidadãos na arena política, sendo contrários às ações do Estado

(SOLANO, 2011).

O que se observa é que a luta pela democracia, após o regime ditatorial, fortaleceu os

movimentos sociais populares. Isso não se desenvolveu de forma tranquila, houve vários

conflitos, pois havia um antagonismo de forças em disputa.

Vale salientar que com o fim da ditadura militar, surgiu uma conjuntura que vai

reorganizar a relação entre Estado e sociedade civil no Brasil. Agora temos, segundo

Coutinho (2008), um ‘modelo americano’, ou melhor, um padrão ‘liberal-corporativo’, ou

seja,

Ao mesmo tempo que a vida econômica é deixada ao livre jogo do mercado,

o conflito de interesses é também resolvido numa espécie de mercado

político, no qual os grupos com recursos organizativos obtêm resultados,

enquanto os que não dispõem de tais recursos são excluídos, sem condições

de obter influência real. Estamos diante da proposta mais conhecida como

‘neoliberal’, que vem predominando em nosso país pelo menos desde o

governo Collor (COUTINHO, 2008, p.137).

Para Nogueira (2011) o Estado tornou-se mais ágil, menor e mais barato, mediante

privatização, terceirização e parcerias público-privadas. Houve um recuo do Estado nacional

diante da economia mundial e dos mercados, com desvalorização do Estado aos olhos do

cidadão e desorganização do seu aparato técnico e administrativo.

A alternativa para essa situação, segundo Coutinho (2008), seria a reorganização de

nosso ‘Ocidente’ a partir da agregação de interesses mais amplos (ético-políticos) e não

puramente econômico-corporativos, permitindo assim, a construção de efetivas maiorias

23

políticas, que tivessem um direcionamento de relações democráticas, ou seja, um modelo

alternativo denominado de ‘democrático-popular’ distinto do modelo neoliberal.

Mas a proposta hegemônica da burguesia foi consolidar em nosso país o ‘modelo

norte-americano’, que manteve o velho corporativismo, porém sob novas formas

(COUTINHO, 2008). Aqui não se trata de agrupar os sindicatos ao aparelho de Estado, e sim

admitir e consentir “um tipo de organização sindical ‘livre’, que não transcenda a defesa dos

interesses particulares, corporativos, de determinadas categorias profissionais” (COUTINHO,

2008, p 140).

Sendo assim, na conjuntura pós-ditadura, o Estado continuou representando os

interesses da burguesia. Isso proporcionou uma ampliação do espaço privado na sociedade

brasileira em detrimento do público, ou seja, privatizou-se o patrimônio público na esfera da

economia, e aos poucos foi retirando os direitos sociais conquistados pelos trabalhadores na

seguridade social como também nas leis trabalhistas.

Embora juridicamente a Constituição de 1988 traga importantes direitos sociais, estes

não são implementados na prática, pois não há vontade política de fazê-lo. O interesse da

lógica neoliberal é pagar a dívida pública e assegurar o chamado equilíbrio fiscal, através de

enormes superávits primários, em vez de atender às reais necessidades da população brasileira

(COUTINHO, 2008).

Sabemos que a Constituição Federal de 1988 é um marco com relação à instituição de

direitos, resultando na Seguridade Social que compreende “um conjunto integrado de ações de

iniciativa do poder público e da sociedade destinados a garantir os direitos relativos à Saúde,

Previdência e Assistência Social” (BRASIL [CF/1988], 2005, art. 194 apud SILVA, 2012, p.

138).

De acordo com Montano (2002 apud SOUZA FILHO, 2009) o projeto neoliberal traz

uma proposta de reforma administrativa (reforma do Estado) no contexto dos anos de 1980 e

1990. Isso foi uma estratégia desta lógica para interferir em três dimensões articuladas:

ofensiva ao trabalho, reestruturação produtiva e a reforma do Estado. O que temos é uma

reforma do Estado que libera acumulação de capital e retira as condições de ampliação e

universalização de direitos, bem como a redução de políticas públicas universalistas.

Sendo assim, mesmo com os avanços conquistados, o texto constitucional envolve

traços conservadores, devido às propostas do neoliberalismo que traz um novo

redirecionamento na questão dos direitos sociais.

24

2.2 O Processo Constituinte e o Movimento de Democratização das Políticas Sociais no

Brasil

No Brasil a partir da década de 1950, o modelo de proteção social no Brasil tinha duas

linhas de atuação: uma era de natureza assistencial, que atendia os mais pobres (perspectiva

caritativa), e estava voltada ao trabalho voluntariado, não configurando um direito social. O

que se tinha eram medidas compensatórias; a outra atua a partir do modelo de seguro social,

onde os beneficiários são aqueles que estão inseridos no mercado de trabalho (FLEURY,

2009 apud COSTA; VIEIRA, 2012).

A partir da década de 1980 houve uma reorganização das políticas sociais, no qual

abriu-se espaço para debates no contexto das lutas pela democratização do Estado e da

sociedade brasileira. A crise da ditadura deu espaço à democratização do país, sendo também

um momento de reorganização mundial do capitalismo.

Cabe salientar que essa situação foi consequência da crise do chamado Estado de bem-

estar social, em meados da década de 1970 e da derrocada do Leste Europeu, que nos anos

1980, abriu as portas para às propostas neoliberais, garantindo um Estado Mínimo que

transfere as responsabilidades da área social para a Sociedade Civil (BENEVIDES, 1994 apud

COSTA; VIEIRA, 2012).

A contrarreforma se caracterizou pelo desmonte do sistema de proteção social, tendo

início na década de 1970 na Europa, no qual trouxe mais uma crise sistêmica do capital desde

a primeira grande depressão generalizada, em 1929, que abarcou todos os países capitalistas

(SILVA, 2012). O que se observa é que a luta pelos ganhos de produtividade acabou

contribuindo para que o grande capital reduzisse em escala progressiva a manutenção dos

fundos sociais públicos, afetando assim, o financiamento destinado às políticas sociais

(SILVA, 2012). Dessa forma,

Entre as consequências desta investida, denominada de neoliberal, está o

surgimento de um novo paradigma de produção, denominado acumulação

flexível (toyotismo). Os impactos do novo modelo ocasionaram: quebra da

cultura política do movimento sindical; introdução de novas tecnologias com

a desterritorialização da produção; volatilidade do capital através do

emprego dos meios informáticos; financeirização da economia e do social

(apropriação por parte do capital financeiro de parcelas significativas dos

recursos oriundos dos fundos públicos, destinados às políticas sociais);

precarização e flexibilização dos contratos de trabalho (parciais e

terceirizados); desemprego e recessão, entre outras consequências (SILVA,

2012, p 28).

25

No Brasil, os anos 1980, foi um período de mobilização pela redemocratização do

Estado, onde propôs a participação da sociedade nas tomadas de decisão. Essa participação

social se aproxima do conceito de “cidadania ativa,” que institui o cidadão como portador de

direitos e deveres, sobretudo como criador de direitos que abre novos espaços de participação

política (BENEVIDES, 1994 apud COSTA; VIEIRA, 2012). Sendo assim,

Nas intenções e sentidos originais, a participação social é concebida para a

defesa dos direitos sociais, da proteção social e da democracia e está baseada

na democratização e transparência do sistema decisório, maior aproximação

das demandas populares com repercussão sobre a equidade nas políticas

públicas assim como no alargamento da presença da sociedade nas ações

estatais, ampliando os direitos e a execução de ações para atender ao

interesse público (SILVA; JACCOUD; BEGHIN, 2005 apud COSTA;

VIEIRA, 2012, p. 22).

Nota-se que a década de 1990 introduz um cenário político que trouxe impactos no

campo das políticas públicas, possibilitando uma ampliação da participação de novos sujeitos

sociais (RAICHELIS, 2009).

Desse modo, o processo constituinte de 1988 foi influenciado pelos modelos europeus

de inclinação beveridgiana2 e pelo conceito da convenção nº 102 da Organização

Internacional do Trabalho (OIT)3, que norteavam a ação de sindicalistas e do movimento de

Reforma Sanitária4 (SILVA, 2012). Apesar da influência, o que permaneceu foi à estrutura de

proteção social existente: o seguro social (aposentadorias, os auxílios-doença, entre outros);

benefícios de natureza mista (combinação de assistência e seguro); os benefícios de prestação

continuada destinados aos trabalhadores (estava relacionado ao tempo de trabalho e as

contribuições prévias efetuadas); os benefícios destinados aos trabalhadores rurais e

pescadores artesanais; como também o da assistência à saúde que contemplava os segurados e

dependentes (SILVA, 2012).

Para Silva (2012) as diretrizes e objetivos presentes na Carta Magna acerca da

organização da seguridade social (saúde, previdência e assistência social) tinha um caráter

híbrido, refletindo a correlação de forças que se formou no processo constituinte.

2 Tinha como característica a unificação e a universalização, que incluía não só trabalhadores, mas todos os

cidadãos que, por uma questão de direito, deveriam ter as suas necessidades básicas satisfeitas (PEREIRA,

2002). 3 A Convenção nº 102, de 28 de junho de 1952, fixa normas mínimas de seguridade social e traz um conceito de

seguridade social, incorporando traços da lógica beveridgiana (SILVA, 2012). 4 Defendeu a descentralização dos serviços de saúde e a adoção da municipalização, vista como uma estratégia

para democratizar o Sistema Nacional de Saúde e como um dos princípios do SUS (CORREIA, 2000).

26

O que se observa é que a elaboração da Constituição de 1988 ocorreu em um momento

de mobilização social no qual

os movimentos sociais em franca ascensão, impulsionados pelas lutas em

torno da redemocratização do país, resgate das liberdades individuais e

coletivas suprimidas no período da ditadura militar e ampliação dos direitos

sociais, com vistas à redução da enorme dívida social que se estabeleceu no

período ditatorial, tiveram forte presença no processo constituinte.

Participaram por meio das formas diretas e indiretas possibilitadas pela

estrutura da Assembleia Nacional Constituinte (SILVA, 2012, p. 133).

De acordo com Souza (2001 apud SILVA, 2012) a estrutura que se formou garantiu a

participação popular por meio das propostas de emendas populares, envio de mensagens pela

rede de correios e através dos debates nas subcomissões temáticas, onde havia participação

direta dos cidadãos, como também por meio de suas entidades representativas. Havia a

necessidade de assegurar uma aproximação da Assembleia Nacional Constituinte (ANC) com

a sociedade, evitando o afastamento dos constituintes.

Dessa forma, o processo constituinte de 1987-1988 foi uma das inovações do

regimento que admitiu propostas vindas de fora do Congresso, onde participaram os

Legislativos estadual e municipal, o Judiciário e os cidadãos por via emendas populares Souza

(SOUZA, 2001 apud SILVA, 2012).

Boschetti (2006 apud SILVA, 2012) faz um resumo de como se deu os processos

legislativos na Assembleia Constituinte pelos quais passou a construção da seguridade social:

As 24 subcomissões elaboraram os dispositivos constitucionais (futuros

artigos), que eram divididos por temas. Aprovados nessas subcomissões, os

pré-projetos correspondentes aos temas foram enviados às oito comissões,

que os reorganizaram por temáticas segundo os capítulos da Constituição.

Após sua aprovação pelos parlamentares membros, os projetos de cada

comissão foram encaminhados à Comissão de Sistematização, a quem

incumbiu organizá-los em títulos, a fim de elaborar um primeiro projeto de

Constituição. Tal projeto, após ser analisado e aprovado pelos parlamentares

membros dessa comissão, foi enviado ao plenário da Assembleia

Constituinte, onde foi debatido, submetido às emendas parlamentares e, [...]

votado e aprovado em 5 de outubro de 1988 (BOSCHETTI, 2006, p. 145

apud SILVA, 2012, p. 134).

Sendo assim, as manifestações populares tiveram valor decisivo para que algumas

conquistas pudessem ser garantidas, ou seja, “quanto mais fortes eram os movimentos sociais

vinculados às áreas temáticas, maiores as possibilidades de pressão e conquistas, como

aconteceu com a seguridade social” (SILVA, 2012, p. 135).

27

Cabe enfatizar que a Comissão da Ordem Social tratou da seguridade social e possuía

três subcomissões: direitos dos trabalhadores e servidores públicos; saúde, seguridade e meio

ambiente; e negros, populações indígenas, pessoas com deficiências e minoria.

(BOSCHETTI, 2006 apud SILVA, 2012).

Para Silva (2012) houve uma centralidade da saúde nos debates da subcomissão de

saúde, seguridade e meio ambiente, que possibilitou aos militantes do movimento sanitário

garantirem várias deliberações das Conferências Nacionais de Saúde. Vale ressaltar que a

assistência social tinha pouca expressão social, por isso teve menor destaque na subcomissão,

ou seja, “não foi objeto específico de nenhuma audiência pública” (BOSCHETTI, 2006, p.

148 apud SILVA, 2012 p. 135).

Com relação à previdência social, nas instituições da sociedade civil prevaleceram as

entidades sindicais demonstrando que o debate sobre o tema era restrito ao movimento

sindical e aos trabalhadores que atuavam na área (SILVA, 2012).

O que se observa é que no final do processo constituinte, as três áreas da seguridade

social tiveram conquistas expressivas, se compararmos ao que estava presente na sociedade

brasileira. Dessa forma,

A assistência social assumiu o status de política social e passou a compor a

seguridade social. As conquistas na área de saúde foram determinantes para

a visão de universalização que impregnou o significado da saúde no âmbito

da seguridade social. Na área da previdência social alguns direitos foram

ampliados: o piso mínimo dos benefícios igual ao salário-mínimo; a

irredutibilidade dos valores dos benefícios; o valor da aposentadoria não

inferior ao último salário recebido; aposentadoria por tempo de trabalho,

independente de limite de idade e o direito de participação no sistema

mediante contribuição direta, independente do trabalho assalariado. Ou seja,

qualquer trabalhador urbano ou rural passou a poder participar da

previdência social, desde que tivesse condições para contribuir com o

sistema (SILVA, 2012, p. 136-137).

Na previdência social, “a universalização, nesse caso, significou a passagem do direito

derivado do exercício de um trabalho assalariado para o direito decorrente de uma

contribuição efetuada” (BOSCHETTI, 2006, p. 160 apud SILVA, 2012, p. 137).

Sendo assim, a Constituição Federal de 1988 instituiu juridicamente um padrão de

proteção social mais abrangente e inclusivo, que assegurou direitos sociais a toda a população,

algo até então inexistente em nossa sociedade (PASTORINI; GALIZIA, 2012). O que se

observa é que

28

(...) durante o processo de democratização do Brasil, evidenciamos um

alargamento da participação da sociedade civil, o que culminou com a

Constituição Federal de 1988 e, por conseguinte nas Leis Orgânicas que

instituíram as Políticas Sociais. Nesse mesmo período as classes dominantes

conseguiram aprimorar suas estratégias de dominação, disseminado e

reforçando suas ideologias, a fim de restabelecer o controle e estratégico do

capital (SILVA; CLEMENTINO; SILVA, 2017, p. 01).

Desse modo, as políticas de seguridade social deveriam seguir padrões de focalização,

privatização e descentralização, com finalidade de reduzir os gastos sociais e garantir o

equilíbrio financeiro do setor público (SILVA; CLEMENTINO; SILVA, 2017).

O movimento da Constituinte possui uma condição cruel, há um descompasso entre as

esferas política-econômica e social, ou seja, “de um lado a ascensão dos direitos sociais e de

outro lado, a reestruturação de cunho neoliberal no cenário internacional” (SILVA;

CLEMENTINO; SILVA, 2017, p. 03).

O que vem ocorrendo é uma intensa e constante desconstrução do significado de

seguridade social expresso no texto constitucional. Citamos aqui algumas delas: Os frequentes

abandonos dos princípios gerais da seguridade social; Resistência de implementação do

financiamento, considerando o princípio da equidade na participação do custeio, em favor da

chamada austeridade fiscal; A organização de cada uma dessas políticas em sistemas

separados, com gestão própria; As frequentes mudanças no texto constitucional, impondo

regressividade aos direitos relativos à previdência social; A crescente privatização da saúde;

A confirmação da assistência como uma política seletiva dirigida aos incapazes para o

trabalho; entre outras (SILVA, 2012)

Sendo assim, o ataque aos direitos sociais da seguridade social se amplia através da

crescente mercantilização da saúde e da previdência e da ampliação da assistência social, que

só faz legitimar a lógica do capital e das desigualdades sociais presentes em nosso país.

Apesar desses ataques, a seguridade social ainda é um espaço de luta da sociedade civil para

garantir a universalização dos direitos sociais.

2.3 A Democracia Participativa e a Gestão Democrática

Para trazer o debate sobre a democracia participativa se faz necessário trazer alguns

elementos que nos ajudem a pensar a realidade contemporânea. De acordo com Silva (2012a)

a efetivação dos direitos no Estado liberal foi restrita a constitucionalização dos direitos

29

naturais, ou seja, a transformação desses direitos em leis jurídicas. O objetivo deste tipo de

Estado foi garantir o direito à liberdade individual e à propriedade privada dos cidadãos pelos

organismos constitucionais do estado de direito.

Esta concepção concebe o cidadão como alguém que age sobre os imperativos e a

proteção da lei, ou seja, cabe ao estado de direito garantir a seguridade física, a propriedade

privada e manter a ordem social, ou seja, a criação de um Estado absolutista (SILVA, 2012a).

Na cidadania liberal, “o estado protetor não requer o exercício participativo do

cidadão” (SILVA, 2012a, p. 22), ele oferece a proteção da lei.

Desse modo, a democracia deve ser entendida como “(...) sinônimo de soberania

popular. Ou seja: podemos defini-la como presença efetiva das condições sociais e

institucionais que possibilitam ao conjunto dos cidadãos a participação ativa na formação do

governo e, em consequência, no controle da vida social” (COUTINHO, 1997:145 apud

SILVA, 2012a, p. 22).

O que se observa é que nos marcos democráticos a cidadania deve ser compreendida

como direitos históricos que surgem, gradativamente, das lutas que o homem trava para sua

própria emancipação e das transformações de vida que essas lutas proporcionam (BOBBIO,

1992, apud SILVA, 2012a). Então,

A prática democrática da cidadania republicana parte do pressuposto que ser

cidadão é participar ativamente da vida cívica. O princípio da autonomia é

individual e coletivo, de auto-legislação enquanto governo. O respeito às

normas estabelecidas ocorre em virtude de o cidadão ter tomado parte na

definição das regras institucionais, constitui-se esta uma cidadania ativa, de

participação na definição de direitos e no cumprimento de deveres enquanto

ênfase na virtude (SILVA, 2012a, p. 22).

Devemos compreender que ser cidadão é participar de forma ativa na sociedade,

inclusive na elaboração das leis. Então, o que deve ter mudado com relação à prática

democrática da cidadania? Segundo Silva (2012a), surgiu outra forma de exercê-la, entrando

em cena a democracia representativa. Aqui o povo escolhe seus representantes, dando-lhes

autonomia para governá-los, ou seja, para tomar decisões em seu nome.

Esta lógica democrática foi considerada a mais adequada para o mundo moderno, no

qual pensaram que os representantes eleitos pelo sufrágio universal não priorizariam os

interesses corporativos e atenderiam os interesses da nação (SILVA, 2012a).

De acordo com Bobbio (2000 apud SOARES, 2012) a democracia se associa a um

conjunto de regras, que se caracteriza como regra da maioria e sua efetivação dependem da

30

garantia dos direitos, no qual as decisões coletivas devem ser tomadas a partir do princípio da

legitimidade envolvendo determinados procedimentos.

Sendo assim, a democracia moderna surge a partir da tentativa de legitimar a liberdade

e individualidade humana, e a vida política se configura através da construção artificial da

vontade dos indivíduos. Isso significa que a democracia moderna se concretiza pelas suas

promessas não cumpridas.

Nota-se que a democracia representativa foi dominada pela tendência corporativa,

constantemente denunciada pela correlação de forças progressistas da sociedade, que busca

resgatar o princípio democrático de uma cidadania ativa, que defende os interesses do

conjunto dos cidadãos e não das corporações e/ou lobbies de interesses privados (SILVA,

2012a).

Para Soares (2012) a ampliação e garantia dos direitos, o exercício da cidadania e a

forma democrática de governar são condições da instituição do Estado moderno e elementos

da esfera política da vida social. Na realidade brasileira tais elementos e o papel do Estado

não se realizaram plenamente, configurando-se em problemas políticos, sociais, econômicos e

de participação popular.

Desse modo, a democracia participativa constitui caminhos para a soberania popular.

Vale ressaltar que a cidadania inclui diversas dimensões:

O exercício de certos direitos, como a liberdade de pensamento e o voto, não

gera automaticamente o gozo de outros, como a segurança e o emprego. O

exercício do voto não garante a existência de governos atentos aos

problemas básicos da população. Dito de outra maneira: a liberdade e a

participação não levam automaticamente, ou rapidamente, à resolução de

problemas sociais. Isto quer dizer que a cidadania inclui várias dimensões e

que algumas podem estar presentes sem as outras. Uma cidadania plena, que

combine liberdade, participação e igualdade para todos, é um ideal

desenvolvido no Ocidente e talvez inatingível. Mas ele tem servido de

parâmetro para o julgamento da qualidade da cidadania em cada país e em

cada momento histórico (CARVALHO, 2015, p.14-15).

Para que se tenha uma política democrática se faz necessário criar condições

institucionais, políticas e associativas, que permita que os cidadãos se organizem e controlem

os seus governos. Isso cria cidadãos ativos, que são personagens fundamentais da democracia,

devendo ser, constantemente “criados” e “organizados” pela educação, pelo debate público,

pela multiplicação de espaços institucionais de discussão e deliberação (NOGUEIRA, 2011).

Desse modo, a democracia participativa pode ser compreendida como

31

um conjunto de experiências e mecanismos que tem como finalidade

estimular a participação direta dos cidadãos na vida política através de canais

de discussão e decisão. A democracia participativa preserva a realidade do

Estado (e a democracia representativa). Todavia, ela busca superar a

dicotomia entre representantes e representados recuperando o velho ideal

da democracia grega, a participação ativa e efetiva dos cidadãos na vida

pública (SELL, 2006, p. 93).

Este tipo de democracia estabelece um caminho efetivo da soberania popular, que traz

a possibilidade de avançar no processo de reapropriação dos bens criados pelo mundo da

produção capitalista, de forma coletiva, colocando limites à perversidade estabelecida pelo

grande capital, que ao gestar a uma produção coletiva, impõe a obtenção dos produtos criados

pelos homens segundo as regras do mercado (SILVA, 2012a).

Vale salientar que nos países desenvolvidos de economia central, entre os anos 1940 a

1970, houve um pacto social que estabeleceu políticas sociais igualitárias e universais ligadas

ao pleno emprego, o Estado de bem-estar social. A recessão de 1929 (crise sistêmica do

capital) demonstrou a inviabilidade do modelo econômico vigente, trazendo contradições

entre as classes sociais. Isso fez com que houvesse uma ampliação na organização da

sociedade, como também ampliou a organização da política sindical e partidária dos

trabalhadores e dos setores progressistas organizados da sociedade (SILVA, 2012a).

O Estado de bem-estar social não se desenvolveu na América Latina, pois tivemos um

modelo de Estado que se desenvolveu através de “intervenções estatais, populistas,

paternalistas, clientelistas, e focais, que mal alcançam os mais pobres, ferindo, portanto, a

cidadania universal” (SILVA, 2012a, p. 26-27).

No Brasil, os anos 1980 representou um cenário de lutas sociais e de grande fervor

político, com a participação dos movimentos sociais, que reivindicavam a superação da

ditadura militar e a realização de eleições diretas, como também melhorias no campo da

saúde, educação, saneamento, habitação, entre outros (MATIAS; LINS, 2013).

Sendo um período de “redemocratização do Estado brasileiro, realizada não por uma

Assembleia Nacional de caráter livre e soberano, como desejavam os movimentos dos

trabalhadores e sociais, mas sim por uma Constituinte de representantes do ‘poder’”

(MATIAS; LINS, 2013, p. 03).

Segundo Nogueira (2011), a Constituição Federal é um exemplo da luta contra a

ditadura que trouxe elementos da democracia participativa como o instituto da iniciativa

popular e a participação da comunidade na formulação dos planos diretores das cidades, no

qual ajudou a trazer a descentralização participativa. Sendo assim, a descentralização

32

participativa é uma diretriz que inova e promete democracia, onde é acompanhada de

mudanças institucionais que ampliam efetivamente a participação social: os Conselhos e

outros colegiados paritários (NOGUEIRA, 2005).

A partir daí, a gestão administrativa das políticas da seguridade social passou a ter

“caráter democrático e descentralizado, com a participação da comunidade, em especial de

trabalhadores, empresários e aposentados” (art. 194, VII apud NOGUEIRA, 2011, p. 145).

O novo formato institucional, legitimado na Carta Magna, integra a gestão

descentralizada e participativa nas esferas municipal, estadual e federal. A Constituição

Federal, dentre os seus princípios e diretrizes, passa a assegurar:

a participação da população por meio de organizações representativas, na

formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis” (Art.

204), institui, no âmbito das políticas públicas, a participação social como

eixo fundamental na gestão e no controle das ações do governo. Após a sua

promulgação, o grande desafio passou a ser a regulamentação dos preceitos

constitucionais a fim de se efetivar a “tão sonhada” participação popular.

Iniciou-se, desde então, uma intensa mobilização e articulação dos diversos

segmentos sociais organizados, no sentido de se estabelecerem os

mecanismos jurídicos legais necessários à gestão descentralizada das

políticas públicas (ROCHA, 2009, p. 03).

A partir daí surgem os Conselhos Gestores, trazendo um novo modelo de interação

entre governo e sociedade, exigindo-se dos cidadãos uma atuação efetiva, por meio de

processos interativos, no âmbito da gestão pública (ROCHA, 2009).

De acordo com Rocha (20009) a gestão pública passa a absorver em sua estrutura

vários segmentos da sociedade, ou seja, há uma articulação política na defesa pela

democratização da gestão das políticas públicas, através dos sujeitos diversos que interagem

no processo de deliberação, gestão e controle social das políticas públicas, nas diversas áreas

sociais.

Vale ressaltar que a instituição de novos mecanismos nos processos de tomada de

decisões suscitou o aparecimento de um regime de ação pública descentralizada, onde são

criadas formas inovadoras de interação entre governo e sociedade, ou seja, canais e estratégias

de participação social como os Conselhos Gestores (ROCHA, 2009).

A gestão democrática possui três eixos fundamentais: “a maior responsabilidade dos

governos em relação às políticas sociais e às demandas dos seus cidadãos; o reconhecimento

dos direitos sociais; e a abertura de espaços públicos para a ampla participação cívica da

sociedade” (SANTOS JÚNIOR, 2001, p. 228 apud ROCHA, 2009, p. 05).

33

Dessa forma, novas iniciativas de gestão democrática das políticas públicas surgem e

visam o fortalecimento da autonomia dos municípios e o estabelecimento de novos formatos

de organização do poder local, vinculados à criação de parcerias entre o poder público e

setores organizados da sociedade civil (ROCHA, 2009). Esse processo de redefinição da

gestão pública brasileira traz os Conselhos Gestores que estão articulados a dois mecanismos:

a descentralização e a participação.

No contexto brasileiro a gestão pública, até o início dos anos 1980, teve características

de centralização decisória e financeira na esfera federal, onde os Estados e Municípios tinham

o papel de executores das políticas (ROCHA, 2009). Isso se deu da seguinte forma:

à medida que os recursos eram centralmente controlados e as esferas locais

de poder se expunham diretamente às necessidades e demandas dos

cidadãos, tendia a estabelecer-se uma articulação clientelista entre governos

estaduais e municipais e o federal, baseada na troca de favores em que,

muitas vezes, as instâncias locais se transformavam em agenciadores de

recursos federais para o município ou estado, procurando garantir a

implementação de determinada política pública para sua clientela. Embora

estes mecanismos se tenham intensificado durante a Nova República, já se

faziam sentir nos anos de 1970 na vigência do regime autoritário (DRAIBE,

1992 apud ROCHA, 2009, p.06).

Segundo Rocha (2009), a característica central da gestão pública era de exclusão da

sociedade civil do processo de formulação das políticas públicas.

Os anos 1990 acabaram impulsionando o processo de descentralização político-

administrativa e a municipalização das políticas públicas, levando à transformação e o

fortalecimento das instituições democráticas no país (ROCHA, 2009).

Uma expressão de grande importância no Brasil foi o controle social a partir do

processo de democratização na década de 1980, e principalmente, com a institucionalização

dos mecanismos de participação nas políticas públicas na Constituição de 1988 e nas leis

orgânicas da saúde, que são os Conselhos e as Conferências.

Segundo Bravo (2009a), os Conselhos devem ser considerados como lócus do fazer

político, sendo espaços contraditórios, e devem estar orientados pela democracia participativa.

E “as conferências são eventos que devem ser realizados periodicamente para discutir as

políticas sociais de cada esfera e propor diretrizes de ação” (BRAVO, 2009a, p.03).

Vale ressaltar que os Conselhos fortalecem a ideia de que os espaços de representação

social na organização e gestão das políticas sociais devem ser alargados para permitir a

participação de novos e diversificados sujeitos sociais, ou seja, os excluídos do acesso às

34

decisões do poder político. Isso representa a busca de novos canais de participação da

sociedade civil na coisa pública, rumo à constituição de esferas públicas democráticas

(RAICHELIS, 2009).

Desse modo, os mecanismos de controle democrático foram propostos num contexto

de mobilização da sociedade civil, do processo Constituinte e promulgação da Constituição de

1988, que introduziu avanços que buscaram corrigir as históricas injustiças sociais

acumuladas secularmente, mas incapaz de universalizar direitos tendo em vista a longa

tradição de privatizar a coisa pública pelas classes dominantes (BRAVO, 2009a).

Apesar das conquistas alcançadas por meio da Carta Magna, que foram impulsionadas

pelo teor de uma reforma democrática do Estado, a conjuntura econômica e política não

coincidiram de forma satisfatória com a realização do proposto. O cenário dos anos 1990 até

os dias de hoje é marcado pela contrarreforma do Estado e avanço das políticas neoliberais.

Sendo caracterizado por um verdadeiro desmonte da proteção social no Brasil, derrubando

conquistas asseguradas pela Constituição Federal de 1988.

Segundo Behring e Boschetti (2010), a partir do contexto de “reformas” neoliberais as

formulações da política social foram centradas no trinômio: privatização,

focalização/seletividade e descentralização. Isso contribuiu com a privatização que possui um

caráter de dualidade discriminatória: distinguir os que podem e os que não podem pagar pelos

serviços, além de abrir mercado lucrativo para o capital por meio da venda dos serviços. A

lógica deste discurso permanece até os dias atuais, só que agora com outros elementos: a

mercantilização das políticas sociais, descaracterizando a perspectiva de direito e cidadãos.

Portanto, as problemáticas relacionadas às políticas públicas requerem a construção

de uma gestão participativa, que permite a participação da população e o apoio institucional.

Pois, isso acaba fortalecendo o controle social e o processo de luta e conquista de direitos

sociais, onde há a necessidade da participação de todos: os representantes da sociedade civil

organizada, a classe trabalhadora e o governo na gestão das políticas públicas. Assim,

fortalecemos os espaços democráticos de gestão, permitindo a participação efetiva do cidadão

na formulação, monitoramento e fiscalização da execução das políticas públicas.

35

3 A POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL

3.1 O Contexto Histórico da Política de Saúde e os Desafios Atuais

Antes da Constituição de 1988, segundo Neto (1994), a saúde não era um direito de

todos, o que se tinha era uma assistência médica destinada a quem tinha Carteira Assinada e

pagava a Previdência Social. Os que não se enquadravam nessa situação, tinham que pagar ou

esperar que sobrasse dinheiro para o Ministério da Saúde, os Hospitais Universitários e os

Governos Estaduais e Municipais, para ter acesso a algum atendimento (NETO, 1994).

Como o interesse eram nos serviços médicos privados, os hospitais, ambulatórios e

Centros de Saúde ficavam sem investimentos: faltavam recursos, equipamentos estavam

quebrados ou funcionavam mal, faltavam medicamentos, recursos humanos eram

insuficientes, despreparados e ganhavam mal. Nota-se que houve uma ampliação dos serviços

privados, principalmente os hospitais, que se concentravam nas grandes cidades, e eram

contratados pelo Instituto Nacional de Previdência Social (INAMPS) (NETO, 1994). Isso

ocorreu no início dos 1970, período em que Previdência Social tinha recursos.

O modelo vigente adotado pelo regime militar nesta época era de concentração de

renda, má distribuição de benefícios sociais, e um sistema de saúde que não atendia as

necessidades da população, e sim os interesses daqueles que queriam comercializar a saúde

(NETO, 1994). Esse modelo tinha como características: centralização decisória; dicotomia

institucional e assistencial, que tinha duas organizações responsáveis pelos setores da saúde

(Ministério da saúde e INAMPS); fortalecimento do setor privado; hegemonia de um modelo

de atenção curativo e centralizado no hospital; e um financiamento regressivo e restrito

(LOBATO, 2012)

O que se observa é que a crise econômica dos anos 1980, “acabou com a época das

"vacas gordas" e criou uma nova situação para o Governo, exigindo que este reconhecesse a

crise e a necessidade de mudar o sistema de saúde, sob pressão da própria população que já

começava a se reorganizar, lutando pela redemocratização do país” (NETO, 1994, p. 08-09).

Vale ressaltar que a crise do governo ditatorial trouxe inúmeras consequências para a

população, que segundo Netto (2014) foram as seguintes: entre 1979 e 1984, a renda per

capita reduziu-se em 25%; entre 1982 a 1985, os salários reais caíram para 20%; em 1985,

35% de todas as famílias e 41% de todos os indivíduos viviam em condições de pobreza. Com

relação à saúde, na cidade de São Paulo, entre 1984-1985, mais de um quarto das crianças

36

apresentavam quadro crônico de desnutrição; nas regiões Sul e Sudeste, o percentual de

subnutridos era de 57,9%. As verbas do governo federal destinadas a saúde foram reduzidas:

em 1980 era de 1,75% do Produto Interno Bruto (PIB), e em 1984 era de 1,60% do PIB.

Este cenário recessivo, na entrada da década de 1980, permitiu que as lutas de classes

ganhassem uma nova dinâmica, acirrando as manifestações populares. De acordo com Bravo

(2009b) a nível nacional, as políticas sociais e os direitos têm essencialmente dois períodos:

antes e após a Constituição Federal de 1988. No Brasil, o contexto dos direitos sociais na

saúde só vai ocorrer no séc. XX, com a intervenção estatal mais efetivamente na década de

1930. Antes desse período, no séc. XVIII, a assistência médica era pautada na filantropia e na

prática liberal.

A partir dos anos 1980, a saúde contou com a participação de novos sujeitos sociais na

discussão das condições de vida da população brasileira e das propostas governamentais

apresentadas para o setor. Isso contribuiu para um amplo debate que permeou a sociedade

civil, ou seja, saúde deixou de ser interesse apenas dos técnicos para assumir uma dimensão

política, estando vinculada à democracia (BRAVO, 2009b).

Nesta conjuntura entraram em cena os profissionais de saúde, representados pelas suas

entidades, que ultrapassaram o corporativismo, defendendo a melhoria da situação saúde e o

fortalecimento do setor público; o movimento sanitário, tendo o Centro Brasileiro de Estudo

de Saúde (CEBES) como veículo de difusão e ampliação do debate em torno da Saúde e a

Democracia e a elaboração de contra-propostas; os partidos políticos de oposição, que

viabilizaram debates no Congresso para discussão da política do setor e os movimentos

sociais urbanos, que realizaram eventos em articulação com outras entidades da sociedade

civil (BRAVO, 2009b).

Desse modo,

As principais propostas debatidas por esses sujeitos coletivos foram à

universalização do acesso; a concepção de saúde como direito social e dever

do Estado; a reestruturação do setor através da estratégia do Sistema

Unificado de Saúde visando um profundo reordenamento setorial com um

novo olhar sobre a saúde individual e coletiva; a descentralização do

processo decisório para as esferas estadual e municipal, o financiamento

efetivo e a democratização do poder local através de novos mecanismos de

gestão – os Conselhos de Saúde (BRAVO, 2009a, p.09).

Cabe enfatizar que o contexto social dos direitos na saúde esteve ligado ao movimento

de Reforma Sanitária que concebia a saúde como um direito intrínseco à pessoa humana e de

responsabilização do Estado. Os ideais da Reforma Sanitária, juntamente com as mobilizações

37

dos segmentos da sociedade foram de grande importância na defesa e construção de um

Estado democrático, no qual garantiu os direitos civis, políticos e humanos dos sujeitos

sociais. Esses direitos foram conquistados com a Constituição Federal de 1988, que marcou a

história da Saúde Pública, o SUS, superando o modelo anterior à Constituição.

A 8ª Conferência Nacional de Saúde (CNS) foi um marco fundamental para a

discussão da questão “saúde” no Brasil, sendo realizada em março de 1986, em

Brasília/Distrito Federal. Os temas centrais desta CNS versaram sobre: I - A Saúde como

direito inerente a personalidade e à cidadania; II - Reformulação do Sistema Nacional de

Saúde; III - Financiamento setorial (BRAVO, 2009b).

O processo constituinte e a promulgação da Constituição de 1988 representou a

promessa de afirmação e extensão dos direitos sociais em nosso país, frente à grave crise e às

demandas de enfrentamento dos enormes índices de desigualdade social (BRAVO, 2009b).

Cabe ressaltar que este processo não se deu de forma pacífica, foi cheio de intensas

lutas, que demonstravam o caráter desigual presente no desenvolvimento das relações

econômicas, sociais e políticas no Brasil. O Estado brasileiro mesmo com a pressão da

população tinha o objetivo de mantê-la fora dos espaços públicos, ou seja, “zerar a presença

popular em todos os processos cívicos e políticos de alguma magnitude, monopolizados pelas

elites culturais e políticas ‘esclarecidas’” (FERNANDES, 1986, p. 44).

Nota-se que os setores dominantes da burguesia queriam conduzir o processo

constituinte a partir de duas direções: 1ª) a maioria parlamentar ditaria a forma e o conteúdo

da Constituição; 2ª) a Constituição assumiria um caráter “técnico” e “jurídico” , ou seja,

ocultaria os problemas humanos e dilemas sociais concretos das massas populares

(FERNANDES, 2014).

De acordo com Fernandes (2014), pela primeira vez surgiu em nossa história, a

oportunidade de elaborar uma Constituição que unificasse o poder nacional. Pois, “a

incorporação da iniciativa popular como uma fonte de produção das leis constitui o elemento

mais avançado que se conseguiu conquistar na elaboração do Regimento da Assembleia

Nacional Constituinte” (FERNANDES, 2014, p. 64). Isso acabou distinguindo a relação entre

o Parlamento e as expressões externas (FERNANDES, 2014).

A atuação das massas populares nas comissões e subcomissões acabou expressando o

que elas queriam coletivamente no processo constituinte: um processo popular de construção

de um Brasil antielite e anti-imperialista (FERNANDES, 2014). Dessa forma, tivemos “um

processo constituinte moderno, de essência democrática e voltado para o futuro almejado pela

maioria real” (FERNANDES, 2014, p. 306).

38

Cabe lembrar que isso só foi possível porque havia uma desorganização dos partidos

de ordem: Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) e Partido da Frente Liberal

(PFL), que não tinham programas e projetos políticos constitucionais, permitindo que os

cidadãos invadissem a cidadela dos políticos profissionais e exercessem, ainda que em curto

prazo, os papéis de “representantes do povo” (FERNANDES, 2014).

Segundo Fernandes (2014), toneladas de papéis desabaram sobre as subcomissões, não

tendo mais como ignorar o seu conteúdo nem o que a maioria espera dos constituintes. Desse

modo, “a voz do povo reivindica que a Constituição contenha um rol máximo de normas

constitucionais” (FERNADES, 2014, p. 84). Sendo assim,

Os que chegam às subcomissões para defender o democratismo e os

interesses coletivos exigem “o preto no branco”. Querem uma constituição

analítica, que reflita com inteireza o que todos esperam, que ela

desemboque, no mínimo, numa revolução política dentro da ordem. E é

exatamente isso que a massa de parlamentares conservadores repudia

(FERNANDES, 2014, p. 85).

O que os conservadores (setores dominantes da burguesia) e o governo queriam na

época era uma constituição “enxuta” (não analítica), que estivesse focada na lógica formal

jurídica. Já as massas populares desejava uma constituição que incorporasse todas as grandes

reivindicações populares, ou seja, exige um projeto que não jogue sobre os ombros dos

trabalhadores e dos oprimidos o peso das contradições do desenvolvimento capitalista

desigual (FERNANDES, 2014).

O que se observa é que a luta proletária por uma constituição democrática envolveu

dois elementos: o primeiro foi que a constituição precisava avançar e não recuar como

queriam os conservadores, almejando um avanço que confere aos proletários peso e voz na

sociedade civil existente e capacidade de influenciar ativamente a organização, o

funcionamento e o rendimento do Estado; e o segundo diz que a Constituição deve ser clara e

consistente, de forma que tais reformas sejam legalmente necessárias e politicamente

incontornáveis, cuja transgressão estivesse sujeitas a sanções punitivas (FERNANDES,

2014).

Desse modo, as reivindicações da população se deram por duas vias: a primeira se deu

através das classes trabalhadoras das cidades e do campo, como também pelos diversos

segmentos excluídos da sociedade civil; e a segunda foi através da participação popular, ou

seja, as entidades denominadas de sociedade civil (FERNANDES, 2014). Mesmo havendo

um leque de reivindicações, “o filtro conservador deixou passar apenas as aspirações e as

39

exigências que se conformavam com maior facilidade aos seus interesses e valores”

(FFERNANDES, 2014, p. 208).

Para a saúde, a Assembleia Constituinte se transformou numa arena política em que os

interesses políticos se organizaram em dois blocos: Os grupos empresariais - Federação

Brasileira de Hospitais (setor privado) e da Associação de Indústrias Farmacêuticas

(Multinacionais); e as forças propugnadoras da Reforma Sanitária, representadas pela Plenária

Nacional pela saúde na constituinte (BRAVO, 2009b).

Desse modo, no processo constituinte, nenhum outro setor apresentou um desempenho

e proposta clara como a saúde, dentre elas: a capacidade técnica de formular com antecipação

um projeto de texto constitucional; a pressão constante sobre os constituintes; a mobilização

da sociedade (BRAVO, 2009b).

De acordo com Behring (2003) a constituinte foi um processo de mobilizações e

contramobilizações de projetos e interesses sociais distintos, configurando campos decisivos

de forças. Apesar de o texto constitucional refletir disputas de hegemonia, contemplando

alguns avanços como direitos sociais, humanos e políticos, sustentaram fortes traços

conservadores, ou seja, a Carta Magna “não se tornou a Constituição ideal de nenhum grupo

nacional” (NOGUEIRA, 1998:159 apud BEHRING, 2003. p. 143).

Mesmo não atendendo a todas as reivindicações, a Constituição de 1988 apresentou

avanços, sendo capaz de universalizar direitos sociais, corrigindo assim, injustiças sociais

históricas. Trazemos os principais aspectos aprovados na Carta Magna para a saúde: O direito

universal à Saúde e o dever do Estado; As ações e Serviços de Saúde passaram a ter

relevância pública, cabendo ao poder público sua regulamentação, fiscalização e controle;

Constituição do SUS integrando todos os serviços públicos em uma rede hierarquizada,

regionalizada, descentralizada e de atendimento integral, com participação da comunidade; A

participação do setor privado no sistema de saúde deverá ser complementar; Proibição da

comercialização de sangue e seus derivados (TEIXEIRA, 1989 apud BRAVO 2009a).

Estas conquistas representam o resultado do que foi pensado pelo Movimento de

Reforma Sanitária e o que foi discutido na 8ª Conferência Nacional de Saúde, no qual

trouxeram elementos essenciais como o controle social e a descentralização política e

administrativa que garantiram o direito universal e igualitário à saúde, tendo a participação da

comunidade como direcionamento do SUS.

De acordo com Nogueira e Mioto (2009), foram conquistas que propiciaram um

desenho particular em aspectos ético-políticos fundamentais, no qual universalizou-se o

direito à saúde, garantindo o acesso aos serviços sem quaisquer critérios de exclusão ou

40

discriminação; abriram-se espaços para decisões políticas no campo sanitário compartilhadas

com os usuários, proporcionando a gestão democrática dos serviços de saúde através da

participação popular, que permitiu o controle social. Fato que foi refletido na Constituição

Federal de 1988 e reiterado, em 1990, com a aprovação das leis 8.080/1990 e 8.142/1990.

Vale salientar que o processo de descentralização da saúde junto com a participação

social trouxe modificações nas estruturas governamentais na área de saúde e

consequentemente, em sua gestão pública. Essas modificações fortaleceu a sociedade a nível

local e o surgimento de novos espaços institucionais de participação que permitiu a inclusão

de categorias contraditórias.

Desse modo, a descentralização, um dos princípios do SUS, trouxe uma inovação para

os três entes federais: União, Estados e Municípios. Essas instâncias tiveram que se articular

entre si, de modo a assegurar a qualidade das ações e serviços de saúde.

Segundo Monteiro e Kronemberger (2007), foi a partir da segunda metade da década

de 1990 que o processo de descentralização acelerou, devido à adesão dos municípios ao

SUS, sendo expressos na Norma Operacional Básica de 1996 (NOB/96) em prol da

municipalização da saúde.

A NOB/96 além de dar um tratamento especial para as ações básicas de saúde altera as

modalidades da gestão local do SUS: Plena de Atenção Básica e Plena do Sistema de Saúde.

Na primeira, o poder público municipal tem governabilidade apenas sobre a rede de

atendimento básico e na segunda, a responsabilidade do município é ampliada para a gestão

de todo o atendimento à saúde no seu território, dando plena assistência ambulatorial e

hospitalar (BRASIL, 1997).

Cabe enfatizar que com o processo de descentralização, a gestão do SUS, no início

passou a ser regulada pelas normas operacionais básicas, que definiram as responsabilidades

dos municípios, Estado e União, segundo Pestana e Mendes (2004 apud SAUTER;

GIRARDON-PERLINI; KOP, 2012), depois pelas Normas Operacionais de Assistência à

saúde5 (NOAS), e, por último, pelo Pacto pela Saúde (PS) (BRASIL, 2007 apud SAUTER;

GIRARDON-PERLINI; KOP, 2012).

O que se observa é que as Diretrizes Operacionais do Pacto pela Saúde estão

consolidadas pela Portaria/GM nº 399, de 22 de fevereiro de 2006, que contempla o pacto

5 A NOAS/2001 e a NOAS/2002 enfatizaram a necessidade de consolidar uma lógica de estruturação de redes

regionalizadas como um sistema de saúde integrado regionalmente, introduzindo elementos estratégicos de

integração intermunicipal como a delimitação de referências territoriais para a elaboração de políticas,

programas e sistemas organizacionais: módulos, microrregiões e regiões, estabelecendo instrumentos de

planejamento integrado como os planos Diretores de regionalização e de Investimentos (BRASIL, 2002).

41

firmado entre os gestores das três esferas de governo do SUS, trazendo um conjunto de

reformas institucionais com o objetivo de promover inovações no processo de gestão

(BRASIL, 2006a apud SAUTER; GIRARDON-PERLINI; KOP, 2012).

A Portaria nº 699/GM, de 30 de março de 2006, regulamenta e orienta a implantação

das Diretrizes Operacionais dos Pactos pela Vida e de Gestão, como também seus processos

para acompanhamento e transição dos pactos, incluída a avaliação dos processos de pactuação

e metas (BRASIL, 2006d apud SAUTER; GIRARDON-PERLINI; KOP, 2012). E a

Portaria/GM nº 204, de 29 de janeiro de 2007, regulamenta o financiamento e a transferência

dos recursos federais para as ações e os serviços de saúde, na forma de blocos de

financiamento, tendo o respectivo monitoramento e controle (BRASIL, 2007).

Nota-se que o PS é uma política para resolução dos desafios e dificuldades do sistema

de saúde, tendo como finalidade a qualificação da gestão pública e a busca de maior eficiência

e qualidade (CONASS, 2007 apud SAUTER; GIRARDON-PERLINI; KOP, 2012).

Apresenta três dimensões: Pacto pela Vida, Pacto de Gestão e Pacto em Defesa do SUS.

Ressaltamos que a regionalização é o eixo orientador e estruturante do Pacto de

Gestão e objetiva tornar possível acordos entre as três esferas do sistema para promover

inovações com vista à maior eficiência, redefinindo responsabilidades dos gestores de acordo

com as necessidades de saúde da população (BRASIL, 2006b apud SAUTER; GIRARDON-

PERLINI; KOP, 2012).

Desse modo, a finalidade do PS é a qualificação da gestão pública do SUS, buscando

uma maior efetividade, eficiência e qualidade de suas respostas (BRASIL, 2006a apud

SAUTER; GIRARDON-PERLINI; KOP, 2012).

Mesmo com o processo de descentralização, a implantação do SUS tem sido marcada

por intensos debates que refletem a presença de interesses antagônicos em relação a sua

consolidação, tanto como política pública que integra a universalidade, equidade,

integralidade, participação da população e dever do Estado, quanto às dificuldades para

construir modelos assistenciais ancorados na concepção ampliada de saúde, sendo à base do

próprio SUS (NOGUEIRA; MIOTO, 2009).

Segundo Silva, Clementino e Silva (2017), o processo de democratização no Brasil

representou para as classes dominantes um período de aprimoramento das estratégias de

dominação, pois tiveram como objetivo reestabelecer o controle estratégico do capital. No

Brasil, a década de 1990, trouxe um redirecionamento do papel do Estado, sob forte influência

da política neoliberal, ou seja, difundiu-se uma ‘reforma’ do Estado, que tinha o argumento de

42

que a crise econômica e social era uma ‘crise de Estado’ (SILVA; CLEMENTINO, SILVA,

2017). Isso trouxe um desacordo entre as esferas político-econômica e social.

Segundo Bering (2003), os anos 1990 representou uma contrarreforma do Estado, e

não uma “reforma”, como apontam seus defensores. O que se teve foi um conjunto de

mudanças estruturais regressivas sobre os trabalhadores e a massa da população brasileira,

sendo antinacionais e antidemocráticas.

O processo de contrarreforma do Estado brasileiro se deu a partir de alguns elementos

presente na conjuntura brasileira: o autoritarismo no Estado e na sociedade, a cultura

senhorial, o patrimonialismo, o clientelismo, a privatização do público, a tutela, o favor

(BERHING, 2003). Elementos que estarão presentes nos projetos elaborados pelos governos

de Fernando Henrique Cardoso (FHC), Luiz I. Lula da Silva, Dilma Rousseff, e no governo

atual de Michel Temer.

Segundo Santos (2015 apud SILVA; CLEMENTINO, SILVA, 2017) estes governos

abraçaram medidas que trouxeram impactos nas áreas sociais, inclusive na área de saúde, indo

de encontro com o projeto de Reforma Sanitária. Dentre elas a implementação de novos

modelos de gestão privatizante, no qual a política de saúde vem se destacando como “carro

chefe” de modelos privatizantes (SANTOS, 2015 apud SILVA; CLEMENTINO, SILVA,

2017).

A introdução do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE) teve

como perspectiva desqualificar o aparelho estatal e estabelecer parcerias público-privadas

(SILVA; CLEMENTINO, SILVA, 2017). O PDRAE foi elaborado em 1995 pelo Ministério

da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE), apresentando como justificativa a

reforma na administração pública brasileira, tendo como finalidade reconstruir a

administração pública com bases modernas e racionais, propondo erradicar vícios como o

patrimonialismo gerencial (SILVA; CLEMENTINO, SILVA, 2017). Nota-se que

O PDRAE previu mudanças de gestão para o que entendia como excesso de

burocracia instituído pela Constituição, enfatizando a transferência da

prestação de políticas sociais para entidades privadas, não mais onerando o

estado, primeiro através da publicização, em seguida por meio das

“parcerias” com o setor privado, contrariando em vários momentos o texto

constitucional (SILVA; CLEMENTINO, SILVA, 2017, p. 01-02).

A emenda Constitucional nº 19/1998 aprovada no governo de FHC, trata da “reforma”

da administração pública, que traz a reforma gerencial voltada para o controle dos resultados

se baseando na descentralização (BEHRING, 2003).

43

Com isso a área da saúde passa a ser norteada pela lógica da focalização, privatização,

desregulamentação das condições de trabalho e sofre com o problema de subfinanciamento,

marcado pelo crescente repasse do fundo público para o setor privado (CORREIA, 2011 apud

LAMENHA, 2015).

O que se observa é que o subfinanciamento do SUS limita as possibilidades de

investimento para a ampliação da cobertura e contribui para prover o sucateamento das

estruturas públicas, que acaba impedindo a melhora na gestão dos serviços, e

consequentemente serve como base para justificar a sua privatização (LAMENHA, 2015).

Cabe enfatizar que uma das principais consequências da financeirização para as

políticas sociais foi à captura do fundo público para alimentar diretamente o capital que porta

juros, sendo central o papel da dívida pública. Utilizam a Desvinculação de Receitas da União

(DRU) de 2000 para drenar recursos das políticas sociais brasileiras para o capital (SILVA,

2011).

Desse modo, quem é a mais atingida com essa desvinculação é a Seguridade Social,

onde “a DRU6 transfere os recursos do orçamento da Seguridade Social para o orçamento

fiscal com a finalidade de facilitar a formação de superávits e pagar a dívida pública”

(SILVA, 2011, p. 12)

Com a eleição de Lula em 2003 criou-se uma expectativa de que as políticas públicas,

inclusive a saúde, teriam um tratamento redimensionado e que o SUS seria implementado

conforme a Constituição de 1988, onde reforçaria as propostas do Movimento da Reforma

Sanitária (LAMENHA, 2015).

Mas, segundo Bravo (2007), o Ministério da Saúde, no início do governo, aponta

como um dos desafios: incorporação da agenda do projeto de Reforma Sanitária, pois havia

uma disputa entre dois projetos: Reforma Sanitária e Privatista. O que se observa é que o

governo procura fortalecer o primeiro em alguns aspectos, e em outros aspectos, o segundo.

Alguns elementos de inovação da política de saúde: o retorno da concepção de

Reforma Sanitária, que nos anos 1990, foi recusada; a escolha de profissionais

comprometidos com a luta da Reforma Sanitária para ocupar o segundo escalão do Ministério;

as alterações na estrutura organizativa do Ministério da Saúde; a convocação extraordinária

6 A DRU foi criada em 1994, no governo do presidente FHC, sendo um mecanismo que permite ao governo

desvincular 20% da seguridade social para outras áreas. O governo do presidente Michel Temer aprovou a

proposta de Emenda Constitucional que prorrogou a DRU até 2023. O texto aprovado também ampliou de 20%

para 30% a porcentagem das receitas que podem ser usadas livremente pela União. Disponível em:

<https://oglobo.globo.com/economia/em-mais-uma-vitoria-de-temer-camara-aprova-pec-da-dru-ate-2023-

19421435>. Acessado em: 23/06/2018.

44

da 12ª CNS e a sua realização em dezembro de 2003, como também a escolha do

representante da Central Única de Trabalhadores (CUT) para assumir a secretaria executiva

do Conselho Nacional de saúde (BRAVO, 2007).

Vale salientar que no governo Lula, as propostas e reformas defendidas após o seu

primeiro mandato dão continuidade à contrarreforma do Estado iniciada na gestão de FHC. A

concepção de Seguridade Social não é assumida na perspectiva da Constituição Federal de

1988, fortalecendo assim, o projeto privatista.

No governo Lula foi apresentado o projeto de Lei Complementar 92/2007 ao

Congresso Nacional, pelo Poder Executivo, propondo a instituição ou autorização da

instituição de fundação, sem fins lucrativos, integrante da administração pública indireta

(personalidade jurídica de direito público ou privado), para desempenhar atividade estatal que

não seja exclusiva do Estado. Este modelo expressa mais um projeto de privatização do setor

público (LAMENHA, 2015). Sendo assim,

O capitalismo contemporâneo, sob um novo estilo de acumulação, a

financeirização, tem requisitado a atuação do fundo público, em favor do

interesse do capital, e as contrarreformas têm sido o instrumento utilizado

para viabilizar essas transferências. Os novos modelos de gestão têm se

revelado como um dos mecanismos diretos de apropriação de recursos

públicos, na área da saúde, para atender aos interesses privados (SANTOS,

2015, p. 100 apud SILVA; CLEMENTINO, SILVA, 2017, p. 05).

O discurso presente é de que os serviços públicos não oferecem uma saúde pública,

universal e com qualidade, e a privatização irá oferecer serviços eficientes, modernos e

garantirão acesso e qualidade. Na realidade o que está por trás deste discurso é que

[...] os organismos financeiros internacionais, passaram a orientar os

governos a darem prioridade máxima aos setores sociais fundamentais, ou

seja, os mais vulnerabilizados, promovendo políticas públicas de cunho

focalista, com a finalidade de promover a eficácia e a equidade dos gastos

sociais. A estratégia adotada revelou-se favorável em promover a prestação

de uma má qualidade dos serviços públicos, que posteriormente é utilizada

como justificativa para criar uma cultura de desqualificação da coisa pública,

incentivando a população a aceitar a adesão ao privado (CORREIA, 2007, p

12 apud SILVA; CLEMENTINO, SILVA, 2017, p. 06).

A precarização dos serviços públicos de saúde é proveniente do crescimento

significativo dos planos privados de saúde e de medidas legais que retiram o caráter público

45

desta política (SILVA; CLEMENTINO, SILVA, 2017). Isso demonstra que a contrarreforma

do Estado Brasileiro trouxe uma nítida privatização do SUS.

Desde a década de 1990, o que temos é um retrocesso para as políticas sociais:

o repasse do SUS para outras modalidades de gestão não estatais, por meio

da celebração de contrato de gestão7 e termos de parcerias que são

viabilizados pelas Organizações Sociais (OS), pelas Organizações da

Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), pelas Fundações Estatais de

Direito Privado e pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares

(EBSERH) (LAMENHA, 2015, p. 03).

Dessa forma, as instituições públicas podem se converter em organizações sociais,

passando a operar como organizações privadas, sem fins lucrativos. Na área da saúde, ”uma

OS pode vender serviços ao SUS, aos planos de saúde e a pacientes particulares” (SILVA,

2010, p. 142). Segundo Silva (2010), temos uma progressiva desobrigação do Estado, sem

haver uma publicização das organizações, sujeitos e ações da esfera privada.

Notamos que a privatização através do estímulo aos planos de saúde e aos convênios,

acaba gerando um problema de direito de consumidor e não um problema de direito social

para a maioria dos brasileiros (BEHRING, 2003). Isso acaba ocasionando, segundo Behring

(2003), uma dualidade discriminatória: os que podem pagar e os que não podem pagar pelos

serviços, propiciando lucro para o capital.

O que se observa é que “a partir dos anos oitenta, sob o rótulo de reforma(s) o que

vem sendo conduzido pelo grande capital é um gigantesco processo de contrarreforma(s),

destinado à supressão ou redução de direitos e garantias sociais (NETTO; BRAZ, 2006, p.

227; grifos dos autores apud, SILVA, 2012, p. 121).

Então, como universalizar a saúde, se os recursos desta área não são ampliados? As

ações de desmantelamento do Sistema Público de Saúde amplia a privatização da saúde,

apresentando o discurso de que o SUS sufoca o setor financeiro, mas na realidade, os

investimentos vão para o setor privado em detrimento do público.

Estas questões contribuem para que uma parte da população desista do atendimento no

SUS, e procure atendimento no setor privado (planos de saúde). E o SUS acaba sendo um

instrumento destinado aos menos favorecidos, ou seja, aos que não tem alternativa para a sua

assistência médica (CEBES, 1997 apud BARRETO; MEDEIROS; SILVA, 1999).

7 O Estado cede não só a gestão, mas também, recursos orçamentários, equipamentos, prédios, bens e servidores

públicos, para as entidades privadas que prestem serviços pelo SUS (SANTOS, 2015 apud SILVA ET AL, 2017)

46

O que temos é um Estado que deixa de assumir o seu papel, não investindo o

necessário na política de saúde, provocando um agravamento da situação do atendimento à

saúde da população, principalmente as mais carentes (ARANTES; CEBES, 1997 apud

BARRETO; MEDEIROS; SILVA, 1999). Isso rompe com o princípio da universalidade

inscrito na Constituição Federal de 1988, fazendo com que o SUS não seja implantado

conforme o texto constitucional.

A criação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) se deu a partir

do governo Lula. Em dezembro de 2010, uma Medida Provisória nº 520 foi enviada ao

Congresso Nacional, com intuito de criar esta empresa propondo uma reestruturação dos

Hospitais Universitários (HUs) (LAMENHA, 2015). Segundo Correia (2011 apud

LAMENHA, 2015), essa medida foi fortemente rebatida pelo conjunto dos movimentos

sociais brasileiros, principalmente as entidades representativas das Universidades brasileiras.

Cabe ressaltar que uma nova versão sob a forma de lei foi reeditada no governo de

Dilma (2011-2016). A Lei nº 12.550/2011 autoriza o Poder Executivo a criar a EBSERH

(personalidade jurídica de direito privado e patrimônio próprio), vinculada ao Ministério da

Educação (LAMENHA, 2015). Ela foi apresentada como solução do Governo Federal para a

referida crise dos HUs.

O que temos é uma forma perversa de privatizar a coisa pública: a criação da

EBSERH foi uma estratégia para privatizar os Hospitais Universitários. Quais danos esta

empresa traz para a política de saúde? Aqui destacamos alguns deles: a) possui autonomia

gerencial e financeira sobre os bens públicos; b) simboliza um ataque a autonomia

universitária, que deixa de ser um espaço de ensino e pesquisa; c) a contratação dos servidores

ocorre por meio do regime CLT8 (contratos temporários); d) possuem recursos advindos do

fundo público estatal, não contribuindo com o mesmo, tendo imunidade tributária; e) os

servidores passam a ter uma carga horária, processos de trabalho e de gerência determinados e

controlados pela empresa, tendo que atingir metas de produtividade (CORREIA, 2011 apud

LAMENHA, 2015)

De acordo com Solano (2011) desde 1988 a implementação dos princípios

constitucionais da seguridade social foi perpassada por limitações, ou seja, os recursos da

seguridade social continuaram setorializados, não havendo consolidação do regulamento

constitucional do orçamento da seguridade social. A finalidade principal do orçamento era

8 Consolidação das Leis do Trabalho.

47

constituir-se em um espaço próprio e integrador das ações de previdência,

saúde e assistência social, assegurando a apropriação dos recursos do

orçamento fiscal. Entretanto, isso na prática não se consolidou; a área de

assistência social foi virtualmente eliminada, e a saúde imprensada, de um

lado, pelo Orçamento Geral da União e, de outro, pelo Ministério da

Previdência (BOSCHETTI; SALVADOR, 2009, p. 54).

Nota-se que esta visão foi reforçada a partir da reforma da previdência social, em

1998, sendo encarada como uma necessidade de equilibrar as contas públicas e solucionar a

“crise fiscal” do Estado (SALVADOR, 2003 apud BOSCHETTI; SALVADOR, 2009).

Diante do que foi exposto observamos que a política de saúde no Brasil vem sofrendo

um grande retrocesso nos últimos anos. O projeto de reforma sanitária se tornou um desafio a

ser enfrentado, pois vem sendo desconstruído pela lógica macroeconômica de valorização do

capital financeiro, que subordina às políticas sociais, no caso a política de saúde, aos ditames

desta.

Cabe enfatizar que a Lei Complementar nº 1419, de 13 de janeiro de 2012, definiu os

percentuais de investimento financeiro dos municípios, estados e União no SUS, sendo

resultante da sanção presidencial da Emenda Constitucional 29/2000. Está lei institui que os

municípios e Distrito Federal apliquem anualmente, no mínimo 15% da arrecadação dos

impostos em ações e serviços públicos de saúde, cabendo aos estados 12%. Mas com relação

à União, o montante aplicado deve corresponder ao valor empenhado no exercício financeiro

anterior, acrescido do percentual relativo à variação do PIB do ano antecedente ao da lei

orçamentária anual.

Nota-se que esta lei trás valores obrigatórios somente para os estados e municípios,

não ficando estabelecida uma porcentagem para a União das receitas correntes brutas para a

saúde pública. Não houve nenhuma proposta de um novo recurso para garantir um SUS mais

universal.

O que se observa é que havia um projeto de regulamentação no Senado, Projeto de Lei

do Senado 127/200710, que aplicava à União em 10%, no mínimo, da Receita Corrente Bruta

(RCB) para a política de saúde, mas não foi aprovado. Se aprovado representaria um

acréscimo no orçamento do Ministério da Saúde de 2011, cerca de R$ 32,5 bilhões. Isso

demonstra que não há interesse de nossos representantes em ampliar os recursos na política de

saúde.

9 Disponível em: https://pensesus.fiocruz.br/financiamento. Acesso em: 12/07/2018.

10 Disponível em: http://cebes.org.br/2013/08/aquilas-mendes-comenta-a-lei-complementar-no-141-e-propoe-

alternativas-para-o-financiamento-do-sus/. Acesso em: 12/07/2018.

48

Um dos maiores ataques às políticas públicas (saúde e educação) foi à aprovação do

projeto de lei 131/201511, do senador José Serra, que tramitou em caráter de urgência no

Senado. Sendo aprovado em fevereiro de 2016, no qual revogou a participação obrigatória da

Petrobras no modelo de partilha para a exploração do petróleo na camada do Pré-Sal. Esse

projeto transferiu para as multinacionais os lucros que o povo brasileiro teria com a

exploração dos recursos do pré-sal. A legislação iria destinar 50% dos seus lucros para

financiar as áreas de saúde e educação.

Desse modo, quem perdeu com tudo isso foi o povo brasileiro, e mais uma vez os

ganhos foram para as multinacionais que se apropriaram dessa renda. Isso demonstrou que

temos um Estado mínimo para as políticas sociais e máximo para o capital financeiro.

O governo Michel Temer amplia os retrocessos nas políticas sociais, representando

um fortalecimento e intensificação de medidas que fortalecem o desmonte do Estado

brasileiro, aprofundando uma nova fase de contrarreformas que atacam os direitos dos

trabalhadores (FNCPS, 2016 apud SILVA; SILVA, 2017).

Alguns retrocessos para a política de saúde neste governo: o congelamento dos gastos

sociais por 20 anos para a dívida pública através da Emenda Constitucional 95/2016, afetando

diretamente os serviços essenciais à população brasileira como educação e saúde; existe a

possibilidade de ampliar a parceria com o setor privado, através da Portaria nº 1.482/2016,

que cria um Grupo de Trabalho (GT) para discutir a implementação do “Plano Popular de

Saúde” ou “Plano Acessível” (SILVA; SILVA, 2017).

O cenário atual demonstra como se encontram os serviços prestados pelo SUS: ofertas

de vagas insuficientes nos serviços primários, secundários e terciário de saúde; oferta

deficitária de exames complementares de pequena, média e alta complexidade; ausência de

mecanismos de controle para medir o grau de investimento na saúde; aumento de demanda

sendo fruto das desigualdades sociais, não havendo uma ampliação da capacidade de

atendimento; falta de compromisso de parte dos gestores na implementação do SUS; entre

outros (CNS, 2001 apud BEHRING, 2003).

Mesmo diante da precariedade nas ações e serviços do SUS, a saúde ainda é uma

política social mais inclusiva, pois garante o acesso universal, com atendimento integral e

gratuito. Nota-se que temos alguns entraves para a implantação e implementação do SUS, um

11 Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/02/24/aprovado-projeto-que-desobriga-

petrobras-a-participar-do-pre-sal>. Acesso em: 23/06/2018. Disponível em:

<https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Projeto-de-Serra-transfere-lucros-do-pre-sal-dos-brasileiros-

para-multinacionais/4/33924>. Acesso em: 23/06/2018.

49

deles é o Governo Federal que segue a lógica do capital financeiro, determinando o processo

político e o financiamento das políticas sociais, indo de encontro ao que está instituído no

texto constitucional.

As possibilidades para a ampliação da universalização da saúde encontram-se

atreladas ao papel do Estado, na formulação de políticas públicas voltadas ao enfrentamento

da exclusão social. Isso envolve a reformulação do padrão histórico de compromissos do

Estado brasileiro com os interesses do capital (BARRETO; MEDEIROS; SILVA, 1999).

Os desafios estão postos, o momento é de resistência e de luta por um SUS mais

universal e gratuito. A luta é para que o SUS funcione conforme o texto constitucional, sendo

necessárias algumas medidas que vão de encontro à lógica neoliberal: deve haver um maior

investimento no setor público, deixando de lado as formas lucrativas na produção de serviços,

almejando assim, novas formas de gestão com relação público/privado. Esta concepção está

voltada ao projeto sanitarista, que aponta à saúde como necessidade social e um direito a ser

garantido pela Constituição Federal de 1988, exigindo do Estado à formulação de políticas

voltadas à desmercantilização da saúde.

Algumas mudanças são fundamentais para a concretização do SUS: financiamento

efetivo do SUS; ampliação do controle social e utilização de outros instrumentos de controle e

fiscalização; Fortalecimento dos Conselhos Nacionais, Estaduais, Municipais e locais de

Saúde; Combate às fraudes e à sonegação; Profissionalização e qualificação do processo de

trabalho; Condições adequadas de funcionamento, das unidades de saúde públicas; Não

aceitação da publicitação, flexibilização e terceirização que o governo propõe; Mobilização e

revitalização do movimento em defesa da saúde pública; entre outros (BARRETO,

MEDEIROS; SILVA, 1999).

3.2 O Controle Social nos Espaços Públicos: avanços e limites

Após um longo processo de lutas sociais em torno do direito à saúde, liderado pelo

Movimento de Reforma Sanitária, a participação da comunidade e a descentralização

tornaram-se diretrizes do novo Sistema Nacional de Saúde na Constituição Federal de 1988

(BRAVO; CORREIA, 2012). Vale ressaltar que esta participação foi regulamentada pela Lei

8.142/90 através das conferências e dos conselhos.

O controle social surgiu no Brasil a partir do processo de democratização na década de

1980, e com a institucionalização dos mecanismos de participação nas políticas públicas na

50

Constituição de 1988. A expressão controle social tem sido alvo de discussões e práticas de

diversos segmentos da sociedade como sinônimo de participação social nas políticas públicas

(CORREIA, 2009).

Desse modo, a participação dos segmentos da sociedade civil possibilitou discussões

não só do padrão histórico das políticas sociais em nosso país (seletivo, fragmentado,

excludente e setorizado), mas também a necessidade de democratização dos processos

decisórios responsáveis pela definição de prioridades e modos de gestão de políticas e

programas sociais (RAICHELIS, 2009).

Cabe enfatizar que a concepção de participação defendida, nos anos 1980, foi de:

gestão nas políticas através do planejamento e fiscalização pela sociedade

civil organizada. Ou seja, a interferência política das entidades da sociedade

civil em órgãos, agências ou serviços do Estado responsáveis pela

elaboração e gestão das políticas públicas na área social. Esta concepção está

relacionada à ampliação dos sujeitos sociais na democratização do Estado

brasileiro, tendo no horizonte uma nova relação Estado-Sociedade com a

ampliação dos canais de participação direta (BRAVO, 2009a, p. 03).

Dessa forma, podemos compreender que o controle social é uma forma de ação

reguladora, que resulta da participação da comunidade nas instâncias estatais e/ou

governamentais, ou seja, busca assegurar que as políticas sociais sejam planejadas de forma

que atenda às necessidades sociais e que seus programas sejam cumpridos conforme o que

está posto na Carta Magna (PEDRINI; ADAMS; SILVA, 2007).

Cabe ressaltar que os anos 1980 foi um período de aprofundamento das desigualdades

sociais, como resultado da política econômica desenvolvida no período militar; foi também

cenário de avanços democráticos dos mais significativos na história política brasileira. Desse

modo, foram instituídos instrumentos de democracia direta como plebiscito, referendo e

projetos de iniciativa popular como mecanismos de ampliação da participação popular nas

decisões políticas (RAICHELIS, 2009).

A partir dos anos 1990, os impactos no campo das políticas públicas fizeram com que

segmentos organizados da sociedade civil participassem na formulação, gestão e controle

social destas políticas. Isso acabou ganhando força e instituiu a ideia de que os espaços

públicos possibilitam a participação de novos sujeitos sociais.

O que se observa é que o controle social enquanto direito conquistado pela

Constituição Federal de 1988, mais precisamente do princípio “participação popular”,

expandiu a democracia representativa para a democracia participativa, que traz uma

51

combinação de diversas formas de participação e gestão social, tendo duas instâncias de

participação nas políticas sociais: os conselhos e as conferências nas três esferas do governo

(BRAVO, 2009a).

Desse modo, os conselhos são espaços paritários onde há a participação de 50% de

usuários, 25% de trabalhadores de saúde, e 25% de gestores e prestadores de serviços

públicos e privados, cabendo a cada segmento a responsabilidade de se organizar, como

também escolher seus representantes. São espaços em que se discutem, elaboram e fiscalizam

as políticas sociais (saúde, educação, assistência social, entre outras).

A sua composição paritária entre representantes da sociedade civil e do governo, faz

com que os Conselhos apareçam como constructo institucional que se opõe à histórica

tendência clientelista, patrimonialista e autoritária do Estado brasileiro (RAICHELIS, 2009).

Para que haja uma melhor compreensão na relação entre Estado/sociedade civil

trazemos a análise de Correia (2009) na perspectiva de Gramsci. O controle social não é do

Estado ou da sociedade civil, mas das classes sociais. É contraditório dizer que pode ser de

uma classe ou de outra, pois a sociedade civil enquanto momento do Estado é um espaço de

luta de classes pela disputa de poder.

Para o autor é a partir desta concepção de Estado, quando incorpora as demandas das

classes subalternas, que há a possibilidade dele ser controlado por essas classes, a depender da

correlação de forças existente entre os segmentos sociais organizados na sociedade civil.

Assim, o controle social poderá acontecer via políticas públicas, no qual envolve a capacidade

que as classes subalternas têm para interferir na gestão pública, orientando as ações do Estado

e os gastos estatais na direção dos interesses destas classes, tendo em vista a construção de sua

hegemonia.

Segundo Bravo (2009a) os Conselhos estão fundamentados na perspectiva de

participação social tendo como base a universalização dos direitos, ou seja, “devem ser

visualizados como lócus do fazer político, como espaços contraditórios, orientados pela

democracia participativa, tendo no horizonte a construção da Democracia de massas12”

(BRAVO, 2009a, p. 03).

Já as Conferências são eventos que são realizados periodicamente, para discutir as

políticas sociais e indicar diretrizes de ação. As discussões das conferências devem ser

norteadoras da implantação das políticas, e devem influenciar os debates nos diversos

12 A democracia de massas deve ter uma ampla participação social conjugando as instituições parlamentares e os

sistemas partidários com uma rede de organizações de base: sindicatos, comissões de empresas, organizações de

bairro, movimentos sociais urbanos e rurais, entre outros (NETTO, 1990 apud BRAVO, 2009a).

52

conselhos (BRAVO, 2009a). Vale ressaltar que os Conselhos e as Conferências não são os

únicos espaços de participação para o exercício do controle social, embora estejam

regulamentados pela Lei Federal.

O que se observa é que os mecanismos de controle democrático só foram

implementados a partir do cenário de regressão dos direitos sociais, de globalização e

mundialização do capital. As conquistas sociais da constituição de 1988 (seguridade social)

incomodaram os defensores do grande capital. A partir daí temos uma seguridade social com

políticas sociais focalizadas, que se opõe a universalização, e enfatiza a despolitização e a

tecnificação dos interesses sociais (BRAVO, 2009a).

As conquistas com relação à política de saúde a partir da Constituição de 1988 foram

as seguintes: direito universal à Saúde e o dever do Estado, no qual as ações e serviços de

Saúde passaram a ser considerados de relevância pública, cabendo ao poder público

regulamentar, fiscalizar e controlar; e a constituição do SUS integrando todos os serviços

públicos em uma rede hierarquizada, regionalizada, descentralizada e de atendimento integral,

com participação da comunidade (TEIXEIRA, 1989 apud BRAVO, 2009a).

Vale ressaltar que o Movimento Sanitário defendeu a descentralização dos serviços de

saúde e a adoção da municipalização, vista como uma estratégia para democratizar o Sistema

Nacional de Saúde e como um dos princípios do SUS. Além de desburocratizar o sistema, a

descentralização dos serviços de saúde aproxima a gestão do cidadão, podendo este cobrar e

interferir mais de perto na política pública do município (CORREIA, 2000).

Mesmo com esses avanços na política de saúde, vivenciamos atualmente um cenário

de retrocessos, de retirada de direitos sociais, requerendo da população uma participação mais

efetiva nos espaços públicos. Citamos alguns dos problemas enfrentados pelo SUS:

falta de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis da assistência e

relacionados à baixa qualidade dos serviços prestados, gerados pelo

sucateamento da rede pública com falta de pessoal, infraestrutura e insumos

necessários para os procedimentos mais elementares —, o modelo de gestão

do SUS é apresentado como o “vilão”, como o problema a ser solucionado

por meio de sua “modernização”, em que a gestão por entidades privadas

seria a saída (BRAVO; CORREIA, 2012, p.143).

O que se observa é que “os problemas enfrentados pelo SUS estimulam o

“consentimento ativo” de muitos trabalhadores e usuários ao projeto privatista da saúde, daí a

importância de fazer esse debate no conjunto da sociedade” (BRAVO; CORREIA, 2012,

p.143).

53

Faremos agora uma breve discussão sobre alguns espaços públicos que permitem a

participação dos usuários do SUS. Um deles são os Conselhos de Saúde, órgãos colegiados de

caráter permanente e deliberativo, que são espaços participativos de reivindicação e possui o

papel de formular estratégias, controlar e fiscalizar a execução da política de saúde

(BARROS, 1994). A representação do Conselho é composta por representantes do governo,

dos prestadores de serviços, de profissionais de saúde e dos usuários. A representação dos

usuários é diversificada (associações de moradores, sindicatos, associações de portadores de

patologias ou de portadores de deficiências, entre outros) de forma que possam apresentar

suas demandas e fazer suas avaliações sobre a política de saúde.

Desse modo, com o avanço da democratização da gestão, outros mecanismos foram

criados tanto nos Estados como nos municípios: os Conselhos gestores nas unidades de

atenção à saúde dos municípios (BARROS, 1994). Eles têm o objetivo de ampliar a

participação dos usuários, tornando as decisões mais perto da população.

O Conselho Municipal de Saúde (CMS)13 tem a finalidade de formular, propor,

discutir acompanhar, avaliar e fiscalizar a implementação e a execução da política de saúde,

considerando os aspectos econômicos e financeiros, como também deve promover e apoiar

iniciativas de fortalecimento do controle social.

Já os Conselhos Locais de Saúde (CLS) contribuem no fortalecimento do SUS,

permitindo a participação direta da comunidade nas decisões de saúde do território, como

também incentiva a participação nas decisões sobre as políticas públicas de saúde e na

formação de lideranças locais (SANTIAGO ET AL, 2017). São espaços que permitem a

manifestação das necessidades da comunidade, e representa a legitimidade democrática da

participação popular, pois se trata de um espaço menos formal e menos burocrático (SOUZA

e KRUGER, 2010 apud SANTIAGO ET AL, 2017).

O que se observa é que “desde a constituição dos conselhos de saúde, sua construção

tem sido desafiadora, tanto em nível nacional, como estadual, municipal e local. Pois, em cada

realidade específica coexistem diferentes interesses, concepções e utilidades neste espaço

social, uma vez que os conselheiros atuam com distintas perspectivas metodológicas e

políticas” (CRUZ ET AL, 2012 apud SANTIAGO ET AL, 2017, p. 67).

As Conferências de Saúde são foros públicos que conta com a participação dos vários

segmentos sociais representativos do SUS (prestadores, gestores, trabalhadores e usuários).

Ocorrem a cada quatro anos, através de debates realizados em etapas locais, estaduais e

13 Disponível em: <http://cmsnatal.blogspot.com.br/p/regimento-interno.html>. Acesso em: 21/05/2018.

54

nacional, para avaliação e proposição de diretrizes da política de saúde (BARROS, 1994).

Este espaço permite que a população discuta quais são os seus problemas de saúde e proponha

como devem ser resolvidos.

Outro mecanismo que contribui com o controle social e com a democratização nas

instâncias do governo, são as Ouvidorias. Elas são canais de interlocução entre o controle

social e a gestão, propondo melhorias e garantindo a participação do cidadão. Como estamos

discutindo sobre a política de saúde, faremos uma breve discussão sobre as Ouvidorias do

SUS.

As ouvidorias do SUS são mecanismos de escuta permanente das opiniões e das

manifestações dos usuários do SUS, que tem o objetivo de melhorar a qualidade dos serviços

prestados pelo Sistema Único de Saúde. Destina-se ao acolhimento de todo e qualquer

cidadão: usuários do SUS, trabalhadores de saúde, conselheiros, gestores e prestadores de

serviços. E as manifestações dos cidadãos se dão por meio de denúncias, reclamações,

informações, elogios, solicitações e sugestões.

Devemos lembrar que as Ouvidorias são vinculadas aos Conselhos de Saúde e

representam um instrumento para o fortalecimento da gestão participativa. Sendo também um

mecanismo de controle social que permite a participação efetiva da sociedade e o exercício da

cidadania, possibilitam a comunicação entre os usuários do SUS e a gestão pública.

Segundo Bravo (2009a), existe outros mecanismos que também, se acionados, podem

e devem ser compreendidos enquanto instâncias de exercício do controle social: o Ministério

Público, as Defensorias Públicas, os órgãos de defesa do consumidor, entre outros.

Apesar dos avanços com relação aos espaços públicos, observamos que esses espaços

enfrentam dificuldades e desafios para sua plena efetivação. Algumas dificuldades que são

enfrentadas pelos Conselhos: o desrespeito do poder público com relação às resoluções dos

conselhos e conferências; as leis que regulamentam o seu funcionamento não são cumpridas;

a burocratização das ações e dinâmica dos conselhos impede a participação dos

representantes; não divulgação prévia da pauta das reuniões; a infraestrutura precária; a

ausência de definição orçamentária; desconhecimento por parte da sociedade civil organizada

sobre os conselhos; a ausência de articulação dos conselheiros com suas bases; ausência de

soluções jurídicas mais rápidas quanto a necessidade de se defrontar com o executivo; entre

outras (BRAVO, 2001 e 2006 apud BRAVO, 2009a).

Nota-se que estes espaços públicos deveriam ter uma ampla divulgação através dos

canais midiáticos, pois isso estimularia uma maior participação dos usuários nestes espaços;

também se faz necessário que nas próprias unidades de saúde e nos hospitais tenham palestras

55

e/ou rodas de conversas que conscientizassem os usuários do SUS com relação à importância

do seu papel nesses espaços de controle social, ou seja, conscientize o cidadão com relação

aos seus direitos e a participação social. Sendo também necessário que estes sujeitos sociais

participem dos movimentos sociais e se organizem politicamente como classe trabalhadora.

Dessa forma, observamos que o controle democrático é essencial para a

democratização dos espaços públicos e para a mudança da cultura política da história

brasileira (patrimonialismo, clientelismo e populismo). A participação dos cidadãos na gestão

pública contribui com o controle social, que permite a fiscalização das ações do Estado e do

destino dos recursos públicos, representando uma maneira de combater à redução das políticas

sociais através da privatização e mercantilização.

Citamos algumas ações desses espaços públicos de controle social no município de

Natal: Em 09 de maio de 2017, a SMS e o CMS realizaram a 1ª Conferência Municipal de

Saúde das Mulheres14, que contou com diversas palestras, mesas redondas entre outras

atividades. Teve como objetivo definir novas formas de política para a saúde da mulher,

formando diretrizes para uma abordagem de saúde equitativa, integrativa, trazendo o papel

das mulheres dentro das mudanças políticas contemporâneas. A temática escolhida não tinha

sido discutida nas conferências anteriores. Em abril do mesmo ano, foram realizadas pré-

conferências distritais em Natal, uma em cada distrito sanitário, visando obter a participação

popular.

Vale ressaltar que em março de 2017 ocorreu a V Plenária Estadual de Conselhos de

Saúde do Rio Grande do Norte (RN)15. O evento reuniu cerca de 250 conselheiros das oito

regiões de saúde do RN. O debate abordou a Conjuntura do SUS no Brasil e no RN, tendo

como enfoque as mudanças ocorridas em diversas políticas, nas formas de financiamento e no

processo de regionalização no RN. Também foi discutida a situação dos CMS no nosso

estado, visando o fortalecimento do Controle Social.

14 Disponível em: <http://natal.rn.gov.br/noticia/ntc-26012.html>. Acesso em: 24/06/2018. 15Disponível em:

<http://www.saude.rn.gov.br/Conteudo.asp?TRAN=ITEM&TARG=174538&ACT=&PAGE=&PARM=&LBL=

NOT%CDCIA> Acesso em: 24/06/2018.

56

4 A OUVIDORIA DO SUS: INSTRUMENTO DA GESTÃO PÚBLICA DO

MUNICÍPIO DE NATAL/RN

4.1 Caracterização da Ouvidoria do SUS

A Ouvidoria do SUS16 do município de Natal/RN está vinculada a SMS. Sendo, um

órgão da estrutura administrativa e funcional da Prefeitura Municipal do Natal. Sua criação se

deu em 29 de dezembro de 2009, pela Lei nº 6.019/2009, mas sua implantação se deu apenas

em 2014, com a eleição realizada pelo CMS de Natal. Em 23.08.2016, após o processo

eleitoral, foi publicada a portaria de nº 1514/2016 que nomeou a Ouvidora da Saúde para

gestão 2016-2018.

A Lei nº 6.019/2009 estabelece no Art. 3º os seguintes objetivos da Ouvidoria

Municipal do SUS: I - Ampliar a participação dos usuários do SUS municipal garantindo a

escuta, análise e o retorno de suas demandas; II - Criar um canal direto de comunicação e

escuta que tenha como características independência, autonomia e ética, preservando o sigilo

que a atividade requer; III - Possibilitar ao poder executivo e as instâncias de controle social

do SUS, a avaliação contínua da qualidade dos serviços prestados; IV - Produzir relatórios

que subsidiem a gestão e o CMS nas suas tomadas de decisões (SMS, 2017a).

O Art. 5º desta Lei estabelece as diretrizes específicas da Ouvidoria do SUS: I -

Fortalecer os canais de participação, avaliação e controle atualmente existentes no SUS; II -

Facilitar o acesso do usuário às informações; III - Fomentar as iniciativas descentralizadas de

gestão participativa no SUS; IV - Subsidiar o exercício de avaliação e monitoramento

contemplado níveis de eficiência, eficácia e afetividade contínuos do Sistema Municipal de

Saúde; V - Garantir o espaço qualificado de escuta, acolhimento e orientação ao cidadão

quanto à efetivação do direito à saúde no âmbito do SUS; VI - Aferir os níveis de eficiência,

eficácia, efetividade e razoabilidade econômica do Sistema Municipal de Saúde (SMS, 2017a)

Cabe enfatizar que os municípios trabalham com a Atenção Primária à Saúde (APS),

sendo o primeiro contato para o cuidado, porta de entrada para os usuários do SUS, que visa

realizar ações que promovam o cuidado integral, respondendo a maior parte das necessidades

de saúde de uma população (SILVA, 2017).

16Todas as informações referentes à Ouvidoria do SUS, aqui mencionadas, foram retiradas do relatório de estágio

supervisionado na ouvidoria do SUS em 2017.

57

No Rio Grande do Norte, a partir dos anos 1990, a rede de Unidades Básicas de Saúde

vinculada à Secretaria Estadual de Saúde foi municipalizada, ou seja, passou a ser de

responsabilidade da SMS. O processo de descentralização da saúde só foi oficializado a partir

de 1994, assumindo primeiramente a gestão semi-plena, para depois, em 1998, admitir a

condição de gestão plena do SUS (PEREIRA, 2010).

A descentralização nos municípios gerou

maior participação política dos municípios na tomada de decisão sobre as

prioridades da saúde local e favoreceu novos mecanismos de financiamento

e transferência de responsabilidades pela execução direta de serviços de

saúde, principalmente os da atenção primária. Com a descentralização e as

mudanças do modelo de gestão, os municípios ganharam mais autonomia e

responsabilidade sobre os atendimentos da baixa complexidade (SILVA,

2017, p. 111).

Segundo Silva (2017), a NOB/96 estimulou o processo de descentralização e

estabeleceu o Programa Saúde da Família (PSF) como parte de um conjunto de iniciativas que

fortalece a APS; também instituiu o Piso Assistencial Básico (PAB), que serve para financiar

procedimentos ambulatoriais e incentivar programas como PSF e Agentes Comunitários de

Saúde (ACS), devendo ser calculado com base no tamanho da população local.

Vale ressaltar que o SUS necessitou de algumas portarias para avançar na sua

organização: A Portaria GM/MS nº 399, de 22 de fevereiro de 2006, que divulgou o PS,

definindo as diretrizes operacionais inerentes a ele; A Portaria GM/MS nº 699, em 03 de abril

de 2006, que regulamentou as Diretrizes Operacionais dos Pactos pela Vida e de Gestão; e a

Portaria GM/ MS nº 698, que instituiu a nova forma de transferência dos recursos federais

destinados ao custeio de ações e serviços de saúde em blocos de financiamento, sendo

substituída pela Portaria GM/MS nº 204, de 29 de janeiro de 2007 (BRAGA ET AL, 2013).

De acordo com Braga et al (2013) o PS possui três elementos: o Pacto pela Vida, o

Pacto em Defesa do SUS e o Pacto de Gestão, no qual propõe a qualificação e fortalecimento

do processo de descentralização, organização e gestão do sistema de saúde.

Outro elemento jurídico importante na organização do SUS é o Decreto nº 7.50817, 28

de junho de 2011, que regulamenta a Lei nº 8.080/1990. De acordo com a Lei 8080/90, o SUS

deve ser organizado de forma regionalizada e hierarquizada, e o Decreto cria as Regiões de

17 Disponível em: http://redehumanizasus.net/62834-decreto-7508-um-avanco-na-organizacao-e-resolutividade-

do-sus/. Acesso em: 12/07/2018.

58

Saúde, onde cada região deve oferecer serviços de atenção primária, urgência e emergência,

atenção psicossocial, atenção ambulatorial especializada e hospitalar e, por fim, vigilância em

saúde.

Com relação à hierarquização, o Decreto 7.508/2011 institui que as portas de entrada

do SUS são: de atenção primária; de atenção de urgência e emergência; de atenção

psicossocial e especiais de acesso aberto. Também define quais são os serviços de saúde que

estão disponíveis no SUS para o atendimento integral dos usuários, através da Relação

Nacional de Ações e Serviços de Saúde (RENASES), que deve ser atualizada a cada dois

anos.

Em 2011 também foi criada a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) pela

Portaria nº 2.488/2011, no qual trouxe a reorganização do sistema de saúde, voltado para um

modelo horizontal baseado em rede de atenção à saúde, partindo da atenção primária (SILVA,

2017).

Devemos lembrar que as Ouvidorias do SUS surgiram como uma proposta que possui

o objetivo de melhorar a qualidade dos serviços oferecidos pelo SUS. Sendo também

instrumentos de viabilização dos princípios estabelecidos na Lei Orgânica da Saúde nº

8.080/1990: Universalidade, Universalidade, Equidade, Integralidade, Regionalização,

Hierarquização, Participação da comunidade, Descentralização, e na Lei nº 8.142/1990, que

dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do SUS.

Então, as Ouvidorias do SUS “são canais democráticos de comunicação entre os(as)

cidadãos(ãs) e os órgãos e entidades do SUS como espaço de cidadania” (BRASIL, 2014, p.

09). Nota-se que o conceito ampliado de gestão participativa está relacionado ao uso de

métodos e mecanismos de escuta permanente das opiniões e das manifestações da população,

no qual são valorizadas as decisões e os encaminhamentos da gestão cotidiana dos serviços e

do sistema representados pelas Ouvidorias do SUS (BRASIL, 2014).

Sendo assim, o papel da Ouvidoria do SUS é garantir ao cidadão(ã) que sua demanda

seja efetivamente considerada e tratada, à luz dos seus direitos constitucionais e legais. Vale

ressaltar que as demandas se referem às necessidades por atendimento ou acesso às ações e

aos serviços de saúde.

Dessa forma, a Ouvidoria do SUS é um canal democrático que fortalece a gestão

participativa, estabelecendo a comunicação entre os usuários do SUS e a gestão do SUS no

município de Natal. Possui o objetivo de melhorar os serviços e atividades do SUS,

permitindo que os usuários do SUS manifestem suas satisfações ou insatisfações

(reclamações, solicitações, informações, denúncias, sugestões e elogios) diante dos serviços

59

prestados por este sistema. A Ouvidoria atua frente ao cidadão de duas formas: disseminando

informações e contribuindo para a democratização das informações em saúde; e acolhendo as

manifestações dos cidadãos.

Esta unidade administrativa está em constante articulação com a SMS, com os

Distritos Sanitários, com as unidades de saúde, e com vários setores da SMS - Departamento

de Regulação, Avaliação e Controle de Sistemas (DRAC), CMS, Setor de regulação, entre

outros. Acaba sendo uma unidade articuladora para viabilizar os direitos dos usuários. E

hierarquicamente a Ouvidoria está ligada ao gabinete, mas se articula muito mais com os

secretários adjuntos.

O Decreto nº 7.508/2011 definiu o conceito de Ouvidoria Ativa, que fez com que a

Ouvidoria do SUS não esperasse mais que os usuários se dirigissem a sua cede para fazer

reclamações, sugestões, denúncias, informações, solicitações ou elogios. A nova definição

mudou à postura da Ouvidoria: ela também vai até os usuários do SUS para saber a realidade

sobre os serviços ofertados.

A partir daí, a Ouvidoria municipal desenvolveu o Projeto Ouvidoria Itinerante,

projeto pensado pelo assistente social e duas estagiárias de serviço social. A implementação

desse projeto acabou servindo como ferramenta de viabilização de acesso aos direitos para

aqueles que desconheciam a existência da Ouvidoria do SUS do Município de Natal/RN.

O público-alvo da Ouvidoria são os usuários do SUS do município de Natal, que vem

das unidades de saúde e estas fazem parte das Sub-redes18: Distritos Sanitários Norte I, Norte

II, Leste, Oeste e Sul. Mas, ela não atende só os usuários, atende também os próprios

servidores que desejarem reclamar, denunciar, solicitar, entre outros.

As demandas que chegam a Ouvidoria do SUS são registradas no Sistema

OuvidorSUS19, que permite a disseminação de informações, o registro e o encaminhamento

das manifestações dos cidadãos. A partir do registro das demandas neste sistema são gerados

números de protocolo que facilitam o acompanhamento do processo pelo cidadão. O prazo

para responder as demandas é de 20 dias.

18As sub-redes são os distritos sanitários de saúde, sendo compreendidos como uma área geográfica que

comporta uma população com características epidemiológicas e sociais e suas necessidades, e os recursos de

saúde para atendê-la. A área geográfica é definida para cada realidade podendo ser formada por bairros de um

município; municípios de uma região. Disponível em: <https://pessoarafael.wordpress.com/2014/10/27/p/>

Acesso em: 08/07/2018. 19Sistema informatizado e elaborado pelo Departamento de Ouvidoria Geral do SUS, regulamentado

pela portaria nº 8, de 25 de maio de 2007. Disponível em <http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/o-

ministerio/principal/secretarias/873-sgep-raiz/doges-raiz/ouvidoria-geral-do-sus/l2-ouvidoria-g-sus?start=10>.

Acesso em: 24/11/2017..

60

Desse modo, qualquer cidadão que utiliza os serviços de saúde pública, e se sentirem

lesados em seus direitos podem procurar a Ouvidoria através de telefone, e-mail ou

pessoalmente, essas manifestações são chamadas de demandas espontâneas. Há também uma

grande demanda reprimida, ou seja, muitos usuários residem “fora da área de cobertura” e

mesmo morando próximo da unidade, ela não contempla a sua área de residência, sendo

disponibilizadas algumas fichas por dia para esse público. As demandas em nível de Estado

são atendidas pela Ouvidoria da Secretaria do Estado da Saúde Pública (SESAP).

O que se observa é que a oferta de serviços prestados pelo SUS é insuficiente para

atender a uma grande demanda, gerando uma “fila de espera”, até mesmo nos casos de

urgência. Quem são os prejudicados com essa situação são os usuários do SUS, que quando

necessitam do serviço público de saúde, se veem diante da precarização, sucateamento e falta

de atendimento. Isso vai desde a atenção básica até os serviços de alta complexidade,

demonstrando que a atual conjuntura não atende as necessidades do coletivo, onde o Estado

não garante investimentos necessários e melhorias para a saúde pública de uma forma geral.

Os atendimentos na Ouvidoria são feitos pelo assistente social20, pela equipe técnica

(duas estagiárias remuneradas e dois técnicos administrativos) e pela Ouvidora. Alguns casos

específicos, após a escuta são encaminhados ou orientados a procurarem outras instituições

como Ministério Público, Defensoria Pública, entre outros. Nos casos de denúncias contra

diretor de unidades ou casos considerados grave de denúncias, são encaminhadas

pessoalmente por alguém da equipe ao gabinete do Secretário de Saúde.

Desse modo, o estágio na Ouvidoria do SUS permitiu que identificássemos várias

problemáticas da política de saúde que são enfrentadas pelos usuários do SUS. Identificação

que foi feita através de nossas observações e dos dados presentes nos relatórios quadrimestrais

de 201721 gerados na Ouvidoria, demonstrando a precarização dos serviços prestados pelo

SUS na atenção primária e especializada.

As demandas que chegavam a partir das manifestações dos usuários (reclamações,

solicitações, denúncias ou elogios), mostraram que ao solicitarem os serviços públicos de

20 A inserção do Assistente Social na equipe técnica da Ouvidoria do SUS teve influência da Assistente Social e

professora da UFRN Maria Dalva Horácio e do Ouvidor da primeira gestão da Ouvidoria. Ambos formados em

serviço social solicitaram junto ao Ministério Público dois profissionais de Serviço Social para atuarem na

equipe técnica da Ouvidoria do SUS. Apenas em janeiro de 2016 houve a contratação de um assistente social em

caráter temporário. 21Relatório quadrimestral elaborado pela equipe técnica (assistente social, estagiários e assistentes

administrativos), sendo um instrumento que possibilita observar como os serviços prestados pelo SUS estão

funcionando. Através deste instrumento é possível saber quais são as demandas mais recorrentes e quais

unidades de saúde apresentam essas demandas (reclamações, solicitações, denúncias, elogios, informações e

sugestões).

61

saúde, na maioria das vezes, as suas necessidades de saúde não são atendidas, ferindo assim,

os princípios da universalidade, integralidade e equidade.

Estes princípios estão sendo desafiados no contexto atual da política econômica de

recorte neoliberal, que mercantiliza as políticas sociais, à saúde, reduzindo os direitos

garantidos para atender a necessidade do capital (HOFFMANN ET AL, 2013). Os serviços

prestados a população não conseguem atender os usuários de forma universal.

Citamos aqui algumas manifestações dos usuários quando procuram a Ouvidoria:

demora na marcação de exames de baixa, média e alta complexidade, incluindo cirurgias e

outros procedimentos (as urgências são agilizadas); as unidades são insuficientes para atender

toda a população; os recursos humanos são insuficientes para atender os usuários; faltam

médicos nas unidades de saúde; faltam medicamentos nas unidades de saúde; faltam

prestadores para a realização de exames; demora na marcação de consultas com

especialidades; mau atendimento nas unidades de saúde por parte de funcionários de

recepção, enfermagem, médicos e direção; entre outras

Desse modo, ficou visível que estamos diante de um Estado mínimo para o social e

máximo para o capital, indo de encontro ao que está posto na Constituição Federal de 1988: a

saúde é um direito de todos os cidadãos e dever do Estado.

Cabe enfatizar que a mudança na confecção do cartão SUS, através da Lei Municipal

nº 6.672 de 15 de maio de 2017, trouxe um novo direcionamento com relação ao cartão SUS:

agora os usuários tem que apresentar um comprovante de residência em seu nome ou no nome

do cônjuge, acompanhado da certidão de casamento para fazer o cartão do SUS ou renovar;

em caso de domicílios alugados, só é aceito o contrato de aluguel reconhecido em cartório;

entre outros.

Observamos que algumas demandas relacionadas ao cartão SUS necessitavam de um

acolhimento que pudesse verificar situações de vulnerabilidade dos usuários. Pois, alguns

usuários moravam de aluguel e não tinham comprovante residencial em seu nome. Eles

tinham que comprar um contrato de aluguel e reconhecer em cartório este documento; e

muitos deles não tinham dinheiro para arcar com estas despesas.

A Ouvidoria registrava a demanda, e alguns casos eram levados ao conhecimento da

equipe do gabinete do Secretário de Saúde, mas a resposta dada na maioria das vezes era

enviar a cópia da lei municipal.

Esta situação nos fez refletir sobre as medidas que a gestão tomava diante das

manifestações que chegavam a Ouvidoria. Pois, sabemos que a Ouvidoria do SUS é um canal

democrático e um instrumento da gestão municipal, que se destina ao acolhimento de todo

62

cidadão, devendo responder efetivamente as solicitações dos usuários. Ela acaba sendo um

instrumento de controle social e da gestão do município, sendo também um observatório da

rede de saúde, que permite saber como anda o funcionamento dos serviços prestados pelo

SUS.

Cabe enfatizar que na Ouvidoria são gerados relatórios quadrimestrais que subsidiam a

gestão e o CMS nas suas tomadas de decisões. Então, a partir destes relatórios, que apresenta

dados quantitativos e qualitativos das demandas recebidas, a gestão do SUS do município de

Natal pode tomar algumas medidas para melhorar os serviços do Sistema Único de Saúde e

fortalecer os princípios de Universalidade, Equidade e Integralidade.

Sendo assim, a partir das observações feitas no campo de estágio resolvemos analisar

quais as ações que a gestão do SUS do município de Natal adota para responder as demandas

mais recorrentes da Ouvidoria do SUS em 2017.

4.2 Principais Demandas que Chegam a Ouvidoria do SUS

Os dados aqui registrados foram retirados dos relatórios quadrimestrais de 2017,

gerados na ouvidoria do SUS, referentes aos meses de janeiro a abril e maio a agosto. Esse

relatório registra as principais demandas que chegam á ouvidoria, onde faz uma análise

quantitativa e qualitativa dos dados.

No primeiro relatório quadrimestral (Jan/abr) houve 257 demandas, sendo 165 por

telefone (64%), 62 pessoalmente (24%), 17 por e-mail (7%) e 13 por formulário web (5%),

conforme está exposto no gráfico abaixo.

Gráfico 1 - Tipos de atendimento

Fonte: Ouvidoria do SUS, 2017.

63

As manifestações dos usuários do SUS que chegam a Ouvidoria são apresentadas em

seis categorias: denúncia, solicitação, reclamação, informação, elogio e sugestão. No período

de Jan/abr foram recebidas 159 demandas referentes às reclamações (62%), em seguida 63

demandas referentes às solicitações (25%), 19 demandas referentes as denúncias (7%), 06

demandas referentes as informações (2%); 04 demandas referentes aos elogios (2%) e 06

demandas referentes as sugestões (2%). O gráfico abaixo demonstra o que mencionamos.

Gráfico 2 – Demandas recebidas por classificação

Fonte: Ouvidoria do SUS, 2017.

As principais demandas deste quadrimestre foram apresentadas a partir do maior

índice de recorrência: em primeiro lugar ficou a demora na marcação de exames com 66

demandas; em segundo lugar ficou o mau atendimento gerando insatisfação que apresentou

31 demandas; em terceiro lugar ficou a falta de profissionais apresentando 31 demandas; em

quarto lugar ficou a demora na marcação de consulta que apresentou 30 demandas; em quinto

lugar ficou a vigilância em saúde com 29 demandas; em sexto lugar ficou a dificuldade de

acesso com 20 demandas; em sétimo lugar ficou a insatisfação com 19 demandas; em oitavo

lugar o mau funcionamento das unidades com 15 demandas; e em nono lugar ficou a falta de

medicamentos. A tabela abaixo apresenta as principais demandas deste quadrimestre.

64

Tabela 1 - Principais demandas presentes na Ouvidoria do SUS

PRINCIPAIS DEMANDAS

1º Demora marcação de exame 66

2º Insatisfação (mau atendimento) 31

3º Falta de Profissional 31

4º Demora Marcação de Consulta 30

5º Vigilância em Saúde 29

6º Dificuldade de Acesso 20

7º Insatisfação 19

8º Mau Funcionamento 15

9º Falta de Medicamentos 09

Fonte: Ouvidoria do SUS, 2017.

O segundo relatório quadrimestral de 2017 (mai./agos.) apresentou 241 demandas,

sendo 126 por telefone (52%), 83 pessoalmente (36%), 23 por e-mail (10%) e 06 por

formulário web (2%), conforme gráfico abaixo.

Gráfico 3 - Demandas recebidas por classificação

Fonte: Ouvidoria do SUS, 2017.

Este quadrimestre apresentou um total de 241 demandas sendo 165 reclamações

(68%); 56 solicitações (23%); 10 denúncias (4%); 08 elogios (3%); 01 informação (0,4%) e

01 sugestão (0,4%). Vale ressaltar que com relação ao pedido de informação o dado referente

65

a essa demanda não reflete a realidade, pois há uma procura grande por informações, como

não é possível registrar no sistema Ouvidor/SUS, houve a necessidade de se criar uma

planilha para computar esses dados, que deverão ser refletidos nos próximos relatórios. Sendo

também dados importantes para tomada de decisões junto a Gestão e ao Controle Social. O

gráfico baixo apresenta as demandas recebidas por classificação.

Gráfico 4 - Demandas recebidas por classificação

Fonte: Ouvidoria do SUS, 2017.

Comparando este quadrimestre com o anterior, observamos que as demandas se

repetem demonstrando a recorrência destas. Desse modo, as principais demandas

apresentadas neste relatório foram: em primeiro lugar apresentando 46 demandas ficou o mau

atendimento; em segundo lugar com 41 demandas ficou a insatisfação; em terceiro lugar com

37 demandas ficou a marcação de exame; em quarto lugar apresentando 33 demandas ficou a

demora na marcação de consulta; em quinto lugar com 33 demandas ficou a falta de

medicamentos; em sexto lugar com 28 demandas ficou a falta de profissionais; em sétimo

lugar apresentando 08 demandas ficou o elogio; em oitavo lugar com 07 demandas ficou a

dificuldade de acesso; em nono lugar apresentando 06 demandas ficou a vigilância; e em

décimo lugar com 02 demandas ficou o mau funcionamento. A tabela abaixo apresenta as

principais demandas deste quadrimestre.

66

Tabela 2 – Principais demandas presentes na Ouvidoria do SUS

Fonte:

Ouvidoria do SUS, 2017.

A partir dos relatórios quadrimestrais escolhemos cinco demandas mais recorrentes

que apresentaram um índice maior de insatisfação com relação aos serviços prestados pelo

SUS, sendo elas: o mau atendimento, a demora na marcação de exames, a demora na

marcação de consultas, a falta de medicamentos e a falta de profissionais. Essas demandas

demonstram que os serviços prestados pelo SUS estão precarizados, ferindo assim, os

princípios do Sistema Único de Saúde: Universalidade, Equidade e integralidade.

Segundo Carvalho (2013), o princípio da Universalidade requer que o SUS não

discrimine quem tem direito, ou seja, o SUS é para todos; o princípio da Equidade requer a

justiça social, no qual busca tratar diferentemente os diferentes (equidade vertical) e

igualmente os iguais (equidade horizontal); e o princípio da Integralidade tem a necessidade

de ver o ser humano como um todo, ou seja, a ação deve abranger três aspectos: promoção,

proteção e recuperação da saúde.

Desse modo, as demandas escolhidas expressam que os direitos dos usuários estão

sendo violados, ou seja, não está atendendo as necessidades de saúde dos mesmos. Nos

relatórios constam apenas as manifestações daqueles que conseguem demonstrar a sua

insatisfação, ou seja, os usuários que possuem o conhecimento desse canal de participação

(Ouvidoria). Mas sabemos que há um número maior de demandas que não chegam a este

canal, ou seja, há demandas reprimidas.

PRINCIPAIS DEMANDAS

1º Insatisfação (mau atendimento) 46

2º Insatisfação 41

3º Demora Marcação de Exame 37

4º Demora Marcação de Consulta 33

5º Falta de Medicamentos 33

6º Falta de Profissionais 28

7º Elogio 08

8º Dificuldade de Acesso 07

9º Vigilância 06

10º Mau Funcionamento 02

67

4.3 Análise das Ações da Gestão do SUS no Município de Natal, a Partir das Demandas

da Ouvidoria do SUS

4.3.1 As medidas que a gestão do SUS adota para melhorar a qualidade dos serviços de saúde

do SUS, a partir das demandas que chegam à Ouvidoria

A partir do instrumento Programação Anual de Saúde (PAS)22 de 2017, que

sistematizou as ações da gestão do município para o ano de 2017, escolhemos algumas

diretrizes e objetivos que ajudaram a fazer a análise das ações da gestão do município de

Natal. Sendo elementos que a gestão utiliza para melhorar a qualidade dos serviços prestados

pelo SUS.

Para analisar as ações da gestão do SUS, escolhemos algumas diretrizes e alguns

objetivos que contemplam as demandas escolhidas: a primeira diretriz tenta garantir o acesso

da população a serviços de qualidade, com equidade e em tempo adequado ao atendimento

das necessidades de saúde. Essa diretriz objetiva ampliar o acesso e fortalecer a APS, como

também ampliar o acesso e aprimorar a assistência especializada.

A terceira diretriz busca garantir a assistência farmacêutica no âmbito do SUS, tendo

como objetivo implementar e qualificar a política e a gestão da assistência farmacêutica no

município, com foco no uso racional de medicamentos e na avaliação das demandas dos

serviços de saúde. A quinta diretriz procura contribuir na adequada formação, alocação,

qualificação, valorização, e democratização das relações de trabalho dos trabalhadores do

SUS, tendo como objetivo investir em qualificação e fixação dos profissionais para o SUS,

como também desprecarizar o trabalho em saúde nos serviços do SUS na esfera pública

municipal.

A sexta diretriz escolhida busca fortalecer as instâncias de controle social e garantir o

caráter deliberativo dos conselhos de saúde, ampliando os canais de interação com o usuário,

com garantia de transparência e participação cidadão. Tem como objetivo fortalecer o sistema

de ouvidoria do SUS. O quadro abaixo expõe as diretrizes e os objetivos escolhidos que

direcionam as ações da gestão do SUS no município de Natal.

22 A PAS de 2017 apresenta de forma sistematizada, as ações, os recursos financeiros e outros elementos que

contribuem para o alcance dos objetivos e o cumprimento das metas do Plano Municipal de Saúde. Disponível

em: <http://portalses.saude.sc.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1144&Itemid=410>.

Acesso em: 03/06/2018.

68

Quadro 1: Diretrizes e objetivos da gestão pública

DIRETRIZES OBJETIVOS

DIRETRIZ 1: GARANTIA DO ACESSO DA

POPULAÇÃO A SERVIÇOS DE QUALIDADE,

COM EQUIDADE E EM TEMPO ADEQUADO

AO ATENDIMENTO DAS NECESSIDADES DE

SAÚDE.

OBJETIVO: AMPLIAR O ACESSO E

FORTALECER A ATENÇÃO PRIMÁRIA DE

SAÚDE (APS); AMPLIAR O ACESSO E

APRIMORAR A ASSISTÊNCIA

ESPECIALIZADA.

DIRETRIZ 3: GARANTIA DA ASSISTÊNCIA

FARMACÊUTICA NO ÂMBITO DO SUS.

OBJETIVO: IMPLEMENTAR E QUALIFICAR

A POLÍTICA E A GESTÃO DA ASSISTÊNCIA

FARMACÊUTICA NO MUNICÍPIO, COM FOCO

NO USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS E

NA AVALIAÇÃO DAS DEMANDAS DOS

SERVIÇOS DE SAÚDE.

DIRETRIZ 5: CONTRIBUIÇÃO À ADEQUADA

FORMAÇÃO, ALOCAÇÃO, QUALIFICAÇÃO,

VALORIZAÇÃO, E DEMOCRATIZAÇÃO DAS

RELAÇÕES DE TRABALHO DOS

TRABALHADORES DO SUS.

OBJETIVO: INVESTIR EM QUALIFICAÇÃO E

FIXAÇÃO DOS PROFISSIONAIS PARA O SUS;

DESPRECARIZAR O TRABALHO EM SAÚDE

NOS SERVIÇOS DO SUS NA ESFERA PÚBLICA

MUNICIPAL.

DIRETRIZ 6: FORTALECER AS INSTÂNCIAS

DE CONTROLE SOCIAL E GARANTIR O

CARÁTER DELIBERATIVO DOS

CONSELHOS DE SAÚDE, AMPLIANDO OS

CANAIS DE INTERAÇÃO COM O USUÁRIO,

COM GARANTIA DE TRANSPARÊNCIA E

PARTICIPAÇÃO CIDADÃO.

OBJETIVO: FORTALECER O SISTEMA DE

OUVIDORIA DO SUS.

Observamos que esses elementos buscam melhorar os serviços prestados pelo SUS, ou

seja, garantir o acesso e a qualidade da atenção à saúde para toda a população, sendo também

incumbência da SMS de Natal. Então, analisamos por meio das diretrizes e dos objetivos

como a gestão direcionou isso em 2017, levando em consideração as demandas escolhidas

através dos relatórios quadrimestrais elaborados na Ouvidoria do SUS.

4.3.2 Os encaminhamentos da gestão municipal para responder as demandas presentes na

Ouvidoria do SUS, se aproximam dos princípios do Sistema Único de Saúde?

A partir das demandas escolhidas: o mau atendimento, a demora na marcação de

exames, demora na marcação de consultas, a falta de medicamentos e a falta de profissionais,

69

observamos que são inúmeras as dificuldades enfrentadas pelos usuários, no que se refere às

ações e serviços de saúde, que se distanciam dos princípios do SUS. Então, fizemos uma

análise das ações da gestão com relação a essas demandas.

A partir do RAG de 2017 identificamos que 31% das metas pactuadas em 2017 não

foram atingidas. Uma delas está relacionada ao déficit de profissionais, ou seja, demanda

recorrente no ano de 2017, que foi manifestada pelos usuários do SUS e registrada pela

Ouvidoria como demanda presente nos relatórios quadrimestrais.

Identificamos que houve muitas demandas com relação à Estratégia da Saúde da

Família (ESF) relacionadas à falta de profissionais, principalmente médicos. Realidade que

persiste e se agrava a cada dia, pois não houve concurso em 2017 e nem contratação desses

profissionais. A falta de equipes de saúde da família gera os “fora de área” com muitos

usuários completamente desassistidos.

Conforme os dados presentes no RAG 2017, a redução de médicos nas equipes ESF

ocorreu pela saída de profissionais devido à aposentadoria ou devolução ao órgão de origem e

também pela saída dos profissionais do Programa Mais Médicos. Estava previsto a realização

do concurso público para repor o déficit de profissionais, mas não ocorreu. Em dezembro de

2017 foi lançado o edital para o Programa Mais Médicos com 34 vagas para essa categoria.

Agora em 2018 foi realizado o concurso público da prefeitura de Natal para vários

cargos na área da saúde. Mesmo com a realização do concurso, o que irá ocorrer é uma

substituição da mão de obra temporária por funcionários efetivos, ou seja, o quadro funcional

vai continuar o mesmo, não aumentando o número de trabalhadores de saúde.

O que observamos é que a falta de profissionais acaba afetando o atendimento dos

usuários quando chegam às unidades de saúde. Isso faz com que os usuários do SUS não

tenham um atendimento com qualidade. O mau atendimento foi demanda recorrente nos dois

quadrimestres mostrando o grau de insatisfação dos usuários do SUS. Com relação a essa

demanda foram realizadas duas oficinas sobre acolhimento e visitas às Unidades para

sensibilizar diretores e reguladores.

Outra situação que demonstrou o mau atendimento nas unidades de saúde foi os canais

de recebimento de consultas e exames a serem regulados, no qual demonstrou que os usuários

estão insatisfeitos com relação ao mau atendimento e a falta de acesso aos serviços quando

necessitam.

A gestão municipal apontou que em 2017 houve investimentos em obras de reforma,

ampliação e construção de Unidades Básicas de Saúde (UBS), incorporando valores da

Política Nacional de Humanização e promovendo uma melhoria da qualidade na assistência à

70

saúde prestada aos usuários: adequação de espaços, abertura de salas de vacina e de

consultórios odontológicos, entre outros.

Outra medida que a gestão pública tomou para melhorar o atendimento foi

desenvolver atividades de educação permanente com os trabalhadores de saúde, sendo elas:

Capacitações, Oficinas, Cursos, Fóruns, Congressos, Simpósios, Seminários, Conferências

entre outros. Isso contribui na qualificação dos profissionais e ajuda a proporcionar um

acolhimento mais humanizado. Mas, sabemos que o mau acolhimento está relacionado

também a precarização do trabalho, baixos salários, a falta de profissionais, devendo-se levar

em consideração esses elementos.

Com relação à assistência farmacêutica, algumas demandas demonstraram a

insatisfação dos usuários com relação à falta de medicamentos tanto da atenção básica como

atenção especializada. As reclamações mais recorrentes dizem respeito à falta de

medicamentos controlados que são dispensados nas Unidades Especializadas. Também temos

problemas no Serviço de Assistência Especializada (SAE) uma vez que a medicação só pode

ser entregue na presença do farmacêutico e este não atende apenas a este serviço, portanto não

se encontra lá todos os dias, causando insatisfação aos usuários que tem recorrido a Ouvidoria

para reclamar da falta dessa assistência.

Um dos fatores que levam a falta frequente de medicamentos são as licitações, que

demoram muito para serem concluídas. É uma justificativa tanto da Ouvidoria como da gestão

pública. A SMS investiu o valor de R$ 13.121.140,35 em medicamentos, sendo de consumo

R$ 7.758.811,84 e de distribuição gratuita R$ 5.362.328,51. A gestão afirma assegurar o

abastecimento regular das Unidades de Saúde em aproximadamente 75% dos medicamentos e

insumos preconizados na Relação Municipal de Medicamentos (REMUME) (SMS, 2017c).

Mesmo com esse abastecimento, notamos que nos dois relatórios quadrimestres de

2017, a falta de medicamento foi classificada como uma das principais demandas. Nota-se

que o estoque disponível na rede pública de saúde não tem atendido à população de nossa

cidade. A gestão pública deve rever essa questão para tomar as devidas medidas.

Cabe enfatizar que a doença não pode esperar, pois se o usuário do SUS não for

medicado pode ter seu quadro agravado, levando-o a uma internação, no qual custará muito

mais ao município.

A dificuldade do acesso a exames nas unidades básicas de saúde é uma demanda

recorrente apresentada pelos usuários. Problema observado através das reclamações

registradas no Sistema OuvidorSUS/MS. Esta demanda foi passada para a Gestão da SMS e

para o CMS. A partir dos dados foi agendada uma reunião com o DRAC para buscar

71

informações sobre os processos de contratualização e convênios na tentativa de propor

soluções para o problema.

A realidade pesquisada mostra a precarização dos serviços oferecidos pelo SUS, no

qual as consultas especializadas, que são ofertadas no Hospital Universitário Onofre Lopes

(HUOL) acabam sendo “verdadeiras loterias”, devido à demora no agendamento. Citamos a

assistência à saúde (cirurgia geral), que só são realizadas neste hospital, sendo ofertados por

semana apenas 10 agendamentos de consultas para todo o estado. Além de demorar a

marcação, ela também apresenta outra insatisfação por parte dos usuários: na maioria das

vezes não são informados o número do protocolo e do agendamento dos exames. Não

conseguimos identificar as medidas da gestão com relação a esses atendimentos.

A demora na marcação de exames como ultrassonografias, endoscopias,

colonoscopias, RX entre outros, são difíceis de serem marcados, gerando uma fila de espera.

Essa insatisfação gera outra maior: o usuário é agendado e nem sempre recebe a informação

em tempo hábil, ocasionando um considerável número de absenteísmo.

Sabemos que o usuário tem que retornar ao médico que solicitou os exames, e o prazo

para o retorno é de 30 dias. Alguns exames levam meses para ser marcados e realizados

fazendo com que esse usuário tenha que voltar à unidade de saúde para enfrentar nova fila na

tentativa de agendar nova consulta com o seu médico.

Sendo assim, a marcação de exames de baixa, média e alta complexidade acaba

demonstrando que os serviços prestados pelo SUS não atende as necessidades de saúde dos

usuários. Pois, há poucos prestadores desses serviços: no HUOL e nas clínicas particulares

conveniadas, há uma quantidade determinada de realização de exames por mês, acarretando

assim, a demora da marcação, que tem que dar prioridade para os exames de urgência. A lista

de espera para a realização de exames é extensa, incluindo cirurgias e outros procedimentos,

apenas os casos de urgência são agilizados.

Outras situações que demonstram a precarização do SUS, sendo apontadas no relatório

quadrimestral, são às demandas referentes à assistência à saúde (cirurgias eletivas e

colonoscopias), sendo um grande problema a ser enfrentado pela gestão pública. Possui

apenas um prestador, o HUOL, e atende a todo o estado do Rio grande do Norte. O exame de

eletroneuromiografia não está sendo ofertado por mais de um ano devido à falta de agulhas.

Dados que chegam á gestão, mas não foi possível identificar ações da gestão com relação a

essas demandas.

72

Vale ressaltar que em dezembro de 2017, a fila de espera para cirurgias eletivas23

chegou a aproximadamente 904 mil procedimentos. Sendo o resultado das informações

repassadas por Secretarias de Saúde de 16 estados e 10 capitais, onde constam pedidos de 801

mil e 103 mil procedimentos cirúrgicos. Os números foram analisados pelo Conselho Federal

de Medicina (CFM). Estas cirurgias se referem a operações de catarata, hérnia, vesícula,

varizes, entre outras, sendo estas as mais demandadas pela população que depende serviço

público de saúde.

Com relação ao fortalecimento da Ouvidoria no SUS foram feitas as seguintes ações:

Implantação da Ouvidoria na Maternidade Araken Irerê Pinto; Realização de treinamento para

atualização dos Núcleos de Ouvidoria nos distritos sanitários; Realização de capacitação para

implantar o Núcleo de Ouvidoria no Hospital municipal Newton Azevedo (SMS, 2017c).

Mesmo com o cenário de grave crise econômica política e social que assola o país no

âmbito nacional, regional e local, a gestão municipal considerou que teve alguns avanços na

área da saúde: a aquisição de 610 novos computadores, incluindo 431 para instalação do

Prontuário Eletrônico Cidadão (PEC) na atenção básica; a descentralização dos laboratórios

distritais; a criação do Centro de Referência em Práticas Integrativas e Complementares

(CERPIC); a implantação de 27 novos consultórios odontológicos completos na rede de

atenção básica; a definição dos parâmetros assistenciais da Rede de Atenção Básica para todas

as categorias profissionais e a inauguração da Unidade de Saúde da Família Rosângela Lima,

no bairro Planalto, entre outros (SMS, 2017c).

Diante do cenário exposto a gestão municipal apresentou no RAG de 2017 algumas

prioridades para o ano de 2018: incluir novos médicos através do programa Mais Médicos nas

UBS; proporcionar acesso qualificado com classificação de risco e vulnerabilidade, com um

modelo de Atenção com maior grau de resolutividade; investir na infraestrutura de novas

unidades básicas, bem como assegurar a Manutenção das Unidades existentes; incluir a saúde

oftalmológica no PSE; ter parceria para regulação de exames no telessaúde; realizar concurso

público; qualificar os servidores; implantar o Projeto De Olho na Meta (DOM); implantar o

Laboratório Municipal de Saúde Pública/LACEN Natal, entre outros.

Desse modo, observamos que as demandas presentes nos relatórios quadrimestrais de

2017 demonstraram que os serviços de saúde pública apresentam diversas necessidades dos

usuários, que na maioria das vezes não são atendidas pela gestão municipal. Sabemos que a

23 Disponível em: <http://www.sbcm.org.br/v2/index.php/boletim-da-sbcm/224-boletim-n-145-nov-2017/3607-

crise-no-sus-brasil-tem-mais-de-900-mil-cirurgias-eletivas-represadas>. Acesso em: 27/06/2018

73

falta de investimentos por parte do Estado na política de saúde contribui também com essa

precarização nos serviços prestados pelo SUS. Pois, cabe ao Estado representado pelas

instituições e estas pela sua gestão, garantir de forma efetiva e com qualidade os serviços de

saúde.

Nota-se que as alterações que ocorrem no âmbito do capital acabam direcionando

politicamente o Estado a priorizar o projeto privatista em detrimento do projeto sanitarista.

Desse modo, a política de saúde, como as demais políticas sociais, segue o movimento

dinâmico da sociedade capitalista, onde a saúde se afasta dos seus princípios: Universalidade,

Equidade e integralidade, que estão postos pela Constituição Federal de 1988 e na Lei

8.080/1990.

O que se observa é que o governo atual brasileiro está à mercê do capital financeiro,

intensicando os cortes nos gastos públicos, sobretudo do financiamento público, através do

Novo Regime Fiscal (NRF), aprovado pela Emenda Constitucional (EC) nº 95/2016. Desse

modo,

O NRF inviabiliza a vinculação dos recursos para as políticas sociais nos

moldes desenhados na Constituição Federal de 1988, ao congelar as

chamadas despesas primárias do governo (exceto as despesas financeiras

com o pagamento de juros da dívida) por vinte anos, limitando-se a correção

pela inflação (SALVADOR, 2017, p. 429).

Dessa forma, o governo apresenta dois tipos de gastos: os primários e o pagamento

de juros e amortização da dívida pública. Os primários estão relacionados à saúde, a educação,

a previdência social, entre outros. A referida EC considera apenas como variável de ajuste as

despesas primárias, no qual o gasto com o pagamento da dívida pública ficará fora desse teto,

que gradualmente irá sufocar o orçamento público brasileiro (ROCHA; MACÁRIO, 2016).

Cabe enfatizar que a Emenda Constitucional nº 95/2016 é uma estratégia do governo

para limitar ainda mais as despesas com políticas públicas e programas sociais e liberar

recursos para pagamentos de juros, onde se prioriza o sistema financeiro em vez dos cidadãos

brasileiros.

Para Vieira e Benevides (2016) a proposta de um ajuste unicamente focado nas

despesas primárias, por 20 anos, afeta particularmente as políticas sociais, desconsiderando a

finalidade de tal medida para o desenvolvimento econômico e social do país a médio e longo

prazos.

O ajuste nos gastos primários reduzirá os gastos nas políticas sociais, inclusive na

74

política de saúde, afetando assim, os segmentos sociais mais vulneráveis, contribuindo para o

aumento das desigualdades sociais, e consequentemente com a não efetivação do direito a

saúde no nosso país (VIEIRA; BENEVIDES, 2016).

Vale salientar que em 2017 as despesas públicas24 ficaram sob o duplo teto: da EC nº

95/2016 e da Lei de Responsabilidade Fiscal de 2000, que impõe ao governo federal o corte

bilionário nas despesas primárias do orçamento, além de aumento de impostos. Isso fez com

que o Orçamento de 2017 tivesse um corte de R$ 42,1 bilhões.

Desse modo, a redução dos gastos públicos nas políticas sociais faz com que as ações

e serviços fiquem precarizados e não atendam as necessidades sociais da população. As

demandas escolhidas demonstraram que os direitos dos usuários estão sendo violados; há o

sucateamento no SUS; há uma ampliação da mercantilização da saúde, entre outros, ou seja,

os usuários do SUS enfrentam longas filas para conseguir marcar exames, consultas e

cirurgias; há dificuldades no acesso aos serviços prestados; entre outros. Isso demonstra que

tanto o Estado como a gestão do SUS do município de Natal se afastam dos princípios do

SUS, no qual os serviços prestados a população não atendem de forma universal as suas

necessidade de saúde.

Uma gestão participativa requer o envolvimento de todos os atores envolvidos ou

afetados pelas decisões de uma determinada gestão pública, onde a gestão deve propor

igualdades de condições nos serviços prestados pelo SUS, contribuindo na ampliação da

cidadania e considerando o usuário do SUS como cidadão de direitos. Isso requer um

direcionamento que vise uma maior eficácia, eficiência e efetividade nos serviços de saúde.

Dessa forma, observamos que é possível melhorar o desempenho da gestão pública no

Brasil, como também a do SUS, mas é preciso que haja decisão política para implementar

medidas que gerem o uso eficiente dos recursos em toda a federação (VIEIRA; BENEVIDES,

2016). Então, se faz necessário que reflitamos sobre os impactos de uma decisão política que

desfinancia políticas sociais, como a política de saúde, reduzindo os direitos sociais

conquistados na Carta Magna e ferindo os princípios do SUS.

24 Disponível em: http://www.inesc.org.br/noticias/noticias-do-inesc/2017/abril/corte-bilionario-no-orcamento-

2017-tem-o-tamanho-da-2018insanidade2019-do-governo. Acesso em: 19/07/2018.

75

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho apresentado fez uma análise de como a gestão municipal, diante das

demandas presentes na Ouvidoria do SUS, desenvolve seu trabalho buscando melhorar a

qualidade dos serviços prestados pelo Sistema Único de Saúde. Através da ouvidoria,

instrumento da gestão, ficou claro que os serviços prestados pelo SUS estão precários ferindo

os princípios dos SUS.

Diante da lógica do capital financeiro que retira cada vez mais os direitos sociais dos

usuários do SUS, e das políticas sociais, vivenciamos um momento de barbárie, onde só há

retiradas de direitos e a vida das pessoas não é considerada, e sim o valor que se pode pagar

pelo serviço de saúde. Atualmente temos “filas de espera” para se conseguir um exame, uma

consulta, uma cirurgia. A pergunta que não quer calar é: o usuário do SUS que necessita de

um exame para prevenção de uma doença ou para diagnosticar um câncer pode esperar? Em

nosso SUS sim.

Vivemos uma realidade em que a saúde virou uma mercadoria onde a vida não está

sendo colocada em primeiro lugar, e sim os interesses do capital, pois o que temos é um

Estado mínimo para o social e máximo para o mercado.

Vale ressaltar que o SUS não foi dado, e sim conquistado, houve um processo de lutas

(movimentos sociais, sindicato e sociedade civil) que impulsionados pelo Movimento de

Reforma Sanitária trouxe a política de saúde como direito universal e gratuito. E sabemos que

há dois projetos em disputa: o projeto sanitarista e o projeto privatista.

O que se observa é que mesmo a gestão municipal sistematizando suas ações, muitas

delas não foram alcançadas, sendo deixadas para resolver no ano seguinte. No ano seguinte

aparecem outras demandas que vão requerer outras ações e isso vai virando uma bola de neve,

que não tem fim. É visível que os investimentos na saúde são poucos para trabalhar com a

prevenção e promoção de doenças, diagnóstico, reabilitação e outros serviços prestados pelo

SUS.

Um dos desafios para a política de saúde é a Emenda Constitucional 95/2016 que

implica no congelamento dos gastos públicos em 20 anos, precarizando ainda mais as ações e

os serviços de saúde; e o Programa Mais Médicos, pois ao reduzir os investimentos na área de

saúde, isso implicará na não contratação de profissionais deste programa.

Ressaltamos que as tendências da conjuntura atual implicará em grandes retrocessos à

política de saúde: o projeto de Plano de Saúde Acessível está em discussão, pois há uma

76

preocupação na redução de pessoas que deixaram de fazer uso de planos de saúde por causa

da recessão econômica; a Coalizão Saúde Brasil, que objetiva construir um novo sistema de

saúde para o Brasil; as alterações na lei Planos de Saúde, que tem o objetivo de reduzir

direitos das pessoas que utilizam os planos de saúde e também acarreta perda de recursos para

o SUS; entre outros (BRAVO; PELAEZ; PINHEIRO, 2018).

Cabe enfatizar que o setor privado está ganhando cada vez mais espaço na área da

saúde, onde 70% da prestação dos serviços de saúde em Natal estão sendo privatizados,

segundo o assistente social da Ouvidoria do SUS. Isso mostra que a tendência atual é

precarizar cada vez mais o SUS para fortalecer o projeto privatista.

Diante deste cenário de retiradas de direitos, citamos alguns apontamentos e

questionamentos que servirão para pesquisas posteriores. Alguns apontamentos: sentimos

falta de na própria legislação da ouvidoria do SUS não haver a solicitação do profissional de

serviço social, pois algumas demandas requerem um acolhimento diferenciado, na perspectiva

da viabilização de direitos sociais; também há a necessidade de aumentar o número de

pessoas para o atendimento dessas demandas, já que a sede da ouvidoria mudou-se para o

bairro do Alecrim, e consequentemente o número de atendimentos aumentou. A ampliação do

quadro da equipe ofereceria um acolhimento mais qualificado e não sobrecarregaria os

profissionais da equipe. Os relatórios quadrimestrais demonstraram a precarização dos

serviços prestados pelo SUS, onde sentimos a falta de outros documentos que pudessem

demonstrar os encaminhamentos da gestão com relação às demandas presentes na ouvidoria

do SUS.

Alguns questionamentos que perpassaram a pesquisa e que não foram possíveis de ser

respondidos: As respostas que são dadas pela Ouvidoria aos usuários do SUS, respondem

realmente as necessidades dos usuários? Como é a relação dos Distritos Sanitários do

município de Natal com a Ouvidoria do SUS, já que a Ouvidoria cobra as respostas das

demandas dos mesmos?

Concluímos que nesta conjuntura atual o projeto privatista de saúde ganha força,

descaracterizando o SUS como sistema universal e integral. O momento atual é de luta por

uma gestão mais participativa, onde haja o envolvimento de todos os atores envolvidos

(gestores, diretores, trabalhadores de saúde e usuários), em busca de um SUS universal, que

atenda a população baseado nos seus princípios. Sendo necessário lutar pela efetivação dos

direitos assegurados na Constituição Federal de 1988, lei 8.080/90 e a lei 8.142/90.

77

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