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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE INSTITUTO DE ESTUDOS DE SAÚDE COLETIVA JOSÉ ANTONIO DE FREITAS SESTELO PLANOS E SEGUROS DE SAÚDE DO BRASIL DE 2000 A 2015 E A DOMINÂNCIA FINANCEIRA Rio de Janeiro 2017

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

    CENTRO DE CINCIAS DA SADE

    INSTITUTO DE ESTUDOS DE SADE COLETIVA

    JOS ANTONIO DE FREITAS SESTELO

    PLANOS E SEGUROS DE SADE DO BRASIL DE 2000 A 2015

    E A DOMINNCIA FINANCEIRA

    Rio de Janeiro

    2017

  • JOS ANTONIO DE FREITAS SESTELO

    PLANOS E SEGUROS DE SADE DO BRASIL DE 2000 A 2015

    E A DOMINNCIA FINANCEIRA

    Tese de Doutorado apresentada ao Programa de

    Ps-Graduao em Sade Coletiva da

    Universidade Federal do Rio de Janeiro, como

    requisito parcial obteno do ttulo de Doutor

    em Sade Coletiva

    Orientadora: Prof. Dra. Lgia Bahia

    Rio de Janeiro

    2017

  • S494 Sestelo, Jos Antonio de Freitas. Planos e seguros de sade no Brasil de 2000 a 2015 e a dominncia financeira /

    Jos Antonio de Freitas Sestelo. Rio de Janeiro: UFRJ / Instituto de Estudos em

    Sade Coletiva, 2017.

    648 f.: il.; 30 cm.

    Orientadora: Lgia Bahia.

    Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de

    Estudos em Sade Coletiva, Programa de Ps-Graduao em Sade Coletiva

    2017.

    Referncias: f. 415-432.

    1. Sade pblica. 2. Sade suplementar. 3. Poltica de sade. 4. Planejamento

    em sade. 5. Planos de pr-pagamento em sade. I. Bahia, Lgia. II. Universidade

    Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Estudos em Sade Coletiva. III. Ttulo.

    CDD 368.382

  • FOLHA DE APROVAO

    JOS ANTONIO DE FREITAS SESTELO

    PLANOS E SEGUROS DE SADE DO BRASIL DE 2000 A 2015

    E A DOMINNCIA FINANCEIRA

    Tese de Doutorado apresentada ao Programa de

    Ps-Graduao em Sade Coletiva da

    Universidade Federal do Rio de Janeiro, como

    requisito parcial obteno do ttulo de Doutor

    em Sade Coletiva.

  • Para Jael.

  • AGRADECIMENTOS

    Esse um trabalho autoral, mas no teria sido possvel atingir um resultado aceitvel sem a

    participao direta e indireta de diversas pessoas e instituies ao longo de uma trajetria de

    repleta de desafios de toda ordem. Deixo aqui consignado o meu agradecimento a essa grande

    comunidade de apoiadores. A maioria so annimos que compem o nosso espao de

    convivncia social onde, eventualmente, mesmo sem perceber, nos ajudamos uns aos outros

    quotidianamente de forma bastante concreta.

    Outros, precisam ser identificados, ainda que com o risco de deixar de fora algum nome trado

    pelas limitaes da memria.

    Esse projeto teve incio no Instituto de Sade Coletiva da UFBA a partir de uma dissertao de

    mestrado acadmico orientada pelo Professor Luis Eugnio Portela Fernandes de Souza a quem

    agradeo pela confiana e pelo estmulo na continuidade da pesquisa sobre o tema do comrcio

    de planos de sade no Brasil. Foi dele a sugesto de dar continuidade ao trabalho em nvel de

    doutorado com a orientao da professora Lgia Bahia, referncia fundamental sobre o tema.

    Com a acolhida do Instituto de Estudos em Sade Coletiva da UFRJ, e com a orientao da

    professora Lgia, o projeto tomou outra dimenso e se inseriu em um conjunto maior de pesquisas

    em andamento sobre a conformao e dinmica dos grupos econmicos atuantes na assistncia

    sade. No teria sido possvel formular uma proposta de trabalho dessa natureza sem o cabedal

    de conhecimento e a capacidade de pensar de Lgia Bahia. Ento, fica aqui o meu agradecimento

    e o reconhecimento de que o rigor do mtodo s faz sentido se vem acompanhado da liberdade do

    pensamento e do sentimento de que sempre possvel contribuir nos limites das nossas

    capacidades. Obrigado Lgia.

    O Grupo de Pesquisa e Documentao sobre o Empresariamento da Sade Henry Jouval Jr.

    GPDES/UFRJ foi o espao de convivncia e desenvolvimento dentro do qual foi possvel

    conhecer e reconhecer vrias pessoas na convivncia solidria. O projeto interinstitucional de

    pesquisa financiado pelo CNPq onde nos inserimos ampliou ainda mais as interfaces de

    compartilhamento.

  • Agradeo professora Cludia Travassos da FIOCRUZ e ao professor Mrio Dal Poz do

    IMS/UERJ que participam da coordenao do projeto do CNPq junto com Lgia Bahia, pela

    oportunidade de conviver com eles nas reunies de trabalho. A Cludia agradeo ainda pela

    participao na minha banca de qualificao e pelos comentrios preciosos sobre a tese.

    A oportunidade de participar do Grupo de Estudos sobre Financeirizao coordenado pela

    professora Lena Lavinas na economia da UFRJ foi fundamental para o desenvolvimento de

    alguns dos principais argumentos apresentados na tese. Meu agradecimento a Lena e aos demais

    colegas do grupo.

    Aos colegas do GPDES, sem exceo, agradeo pela convivncia quotidiana ao longo dessa

    jornada. Rosy, foi apoio sempre presente na soluo das questes prticas. Ial foi um apoio

    fundamental na chegada ao Rio e na primeira etapa de formao do grupo, obrigado! Christine

    ajudou bastante com seu conhecimento especfico sobre aturia. Artur Monte Cardoso e Lucas

    Andrietta tiveram contribuio fundamental no desenvolvimento dos argumentos da economia e

    na camaradagem. Sem eles no teria sido possvel avanar muito longe. Obrigado!

    Maria Jos Luzuriaga foi, colega, companheira de pensionato e amiga com quem pude ter o

    privilgio de compartilhar alegrias e tristezas sem reservas. Pessoa humana da melhor qualidade a

    quem reservo um agradecimento especial. Obrigado Majo!

    secretaria do IESC, nas pessoas de Ftima e Nadja e equipe da biblioteca, na pessoa de

    Roberto, meus agradecimentos pelo apoio.

    Aos colegas da diretoria da Associao Brasileira de sade Coletiva - ABRASCO e, em especial

    a Mrio Scheffer meu agradecimento pela convivncia. Tudo que vivemos juntos tambm

    contribuiu com a tese.

    Aos colegas professores da rea de polticas do Instituto de Sade Coletiva da Universidade

    Federal da Bahia - ISC/UFBA pelas oportunidades de compartilhamento de experincias e

    conhecimento, Obrigado.

    Aos amigos e aos companheiros de treino do Doj, obrigado pela pacincia com minhas

    ausncias prolongadas, espero voltar melhor e mais forte.

  • A Lucas, Sofia e, ber alles, Jael, obrigado pelo carinho e pelo amor. Me sinto mais vivo na

    companhia de vocs!

  • [...] A crise tambm a crise das formas de regulao extra mercado. A crise das formas

    pblicas de regulao que tiveram vigncia na expanso pretrita. Sua eficcia dissolve-

    se na crise, e assim as formas pblicas tornam-se cmplices da crise. (BRAGA, 1985 p.

    394).

  • RESUMO

    SESTELO, Jos Antonio de Freitas. Planos e seguros de sade no Brasil de 2000 a 2015 e a

    dominncia financeira. Tese (Doutorado em sade Coletiva) Instituto de Estudos em sade

    Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017.

    Estudo exploratrio sobre planos e seguros de sade no Brasil entre 2000 e 2015 e a dominncia

    financeira. Revisa textos selecionados do campo da Sade Coletiva sobre as acepes relativas

    ao social, o pblico e o privado na assistncia sade luz na noo de articulao

    pblico/privada na assistncia. Formula hiptese de trabalho sobre o novo patamar de

    desenvolvimento do esquema comercial de intermediao assistencial no Brasil entre 2000 e

    2015 como uma das expresses da dominncia financeira no interior do sistema de sade. Revisa

    as abordagens sobre dominncia financeira e elabora apontamentos metodolgicos para o estudo

    dos grupos econmicos atuantes no comrcio de planos e seguros de sade no Brasil entre 2000 e

    2015 a partir das formulaes originais de Jos Carlos de Souza Braga. Apresenta seleo de

    dados documentais e de entrevistas com empresrios. Analisa os dados apresentados explorando

    os limites e possibilidades de novos desenvolvimentos tericos e metodolgicos em uma viso

    prospectiva sobre o conjunto do sistema de sade. O cotejamento dos dados com dimenses

    selecionadas da Funo-objetivo (Fo) desenvolvida por Braga (2016) para financeirizao nas

    empresas valida a tese da dominncia financeira como abordagem para o estudo do esquema de

    comrcio da intermediao assistencial no Brasil e o define como um novo objeto com

    caractersticas qualitativas e quantitativas distintas daquelas estabelecidas pelos estudos seminais

    de polticas de sade at a dcada de 1990. Os agentes econmicos envolvidos detm agora um

    poder de arbitragem crescente, capaz de criar mercados e nichos de mercado para produtos e

    servios e influenciar na valorizao e desvalorizao de ativos de natureza diversa incluindo, no

    caso da assistncia, insumos estratgicos de relevncia pblica.

    Palavras-chave: Sade Pblica. Polticas planejamento e administrao em Sade. Planos de pr-

    pagamento em sade. Financeirizao.

  • ABSTRACT

    SESTELO, Jos Antonio de Freitas. Planos e seguros de sade no Brasil de 2000 a 2015 e a

    dominncia financeira. Tese (Doutorado em sade Coletiva) Instituto de Estudos em sade

    Coletiva, Universidade federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017.

    Exploratory study of health plans and health insurance in Brazil between 2000 and 2015 and

    financialization. It reviews selected texts from the field of Collective Health on the meanings

    related to social, public and private on health care in light of the notion of public / private

    articulation in care. It is taken as a hypothesis of work on the new level of development of the

    commercial scheme of healthcare intermediation in Brazil between 2000 and 2015 as one of the

    expressions of financialization within the health system. It reviews the approaches on

    financialization and elaborates methodological notes for the study of economic groups operating

    in the trade of health plans and health insurance in Brazil between 2000 and 2015 from the

    original formulations of Jos Carlos de Souza Braga. It presents selection of documentary data

    and interviews with businessmen. It analyzes the data presented exploring the limits and

    possibilities of new theoretical and methodological developments in a prospective view on the

    health system as a whole. The comparison of data with selected dimensions of the objective

    function (Fo) developed by Braga (2016) for financialization in companies validates the thesis of

    financialization as an approach for the study of the trade scheme of health care intermediation in

    Brazil and defines it as a new object with qualitative and quantitative characteristics different

    from those established by the seminal health policy studies until the 1990s. The economic agents

    involved now have a growing arbitrage power, capable of creating markets and market niches for

    products and services and influencing valuation and devaluation of assets of diverse nature

    including, in the case of assistance, strategic inputs of public relevance.

    Keywords: Public health. Health Policy, Planning and Management. Prepaid Health Plans.

    Financialization.

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 - Sntese dos principais temas e argumentos usados por Carlos Gentile de Mello em

    textos publicados entre 1977 e 1983.............................................................................................. 68

    Quadro 2 - Especificidades do esquema de intermediao da assistncia constitudo pelas

    empresas de planos e seguros de sade no Brasil segundo Bahia (1999) ..................................... 77

    Quadro 3 - Trabalhos selecionados com vis argumentativo crtico sobre o lugar do esquema de

    comrcio de planos e seguros dentro do sistema de sade no Brasil ............................................ 80

    Quadro 4 - Trabalhos selecionados que naturalizam a existncia do esquema de comrcio de

    planos e seguros de sade no Brasil .............................................................................................. 82

    Quadro 5 - Abordagem macro setorial: anlise histrico-estruturalista ........................................ 99

    Quadro 6 - Abordagem macro setorial: anlise regulacionista ...................................................... 99

    Quadro 7 - Abordagem macro setorial: outros trabalhos empricos ............................................ 100

    Quadro 8 - Abordagens microeconmicas: governana corporativa e relaes de trabalho ....... 100

    Quadro 9 - relao de fontes documentais utilizadas na caracterizao das empresas e grupos

    econmicos estudados ................................................................................................................. 150

    Quadro 10 - Empesas de planos de sade selecionadas para anlise de grandes nmeros

    sugestivos de um padro de financeirizao................................................................................ 157

    Quadro 11 - srie de deflatores aplicados aos grandes nmeros das empresas selecionadas ...... 157

    Quadro 12 - Relao nominal dos entrevistados (as) e das empresas representadas .................. 160

    Quadro 13 - Ano de incio da operao de empresas de planos e seguros de sade selecionadas

    ..................................................................................................................................................... 164

    Quadro 14 - Relao entre despesa assistenciais (DA) e despesas totais (DT) nas CAPs entre

    1923 e 1949 ................................................................................................................................. 166

    Quadro 15 - Esquemas assistenciais particulares para empregados de empresas estatais e da

    administrao pblica direta (CASSI e GEAP) ........................................................................... 184

    Quadro 16 - Composio acionria da QUALICORP aps oferta pblica de aes no Novo

    Mercado ....................................................................................................................................... 217

    Quadro 17 - Alteraes registradas no nome das empresas, incorporaes, fuses, cises e

    extines na linha do tempo relacionadas com o CNPJ .............................................................. 228

  • Quadro 18 - Alteraes no objeto social declarado da empresa do grupo econmico

    QUALICORP registrada no CNPJ sob o nmero 01.923.247/0001-42 ...................................... 237

    Quadro 19 - Alteraes no objeto social declarado da empresa do grupo econmico

    QUALICORP registrada no CNPJ sob o nmero 03.609.855/0001-02 ...................................... 237

    Quadro 20 - Alteraes no objeto social declarado da empresa do grupo econmico

    QUALICORP registrada no CNPJ sob o nmero 07.658.098/0001-18 ...................................... 237

    Quadro 21 - Alteraes no objetivo social declarado da empresa do grupo econmico

    QUALICORP registrada no CNPJ sob o nmero 07.755.207/0001-15 ...................................... 238

    Quadro 22 - Alteraes no objeto social declarado da empresa do grupo econmico

    QUALICORP registrada no CNPJ sob o nmero 07.755.201/0001-48 ...................................... 238

    Quadro 23 - Alteraes no objeto social declarado da empresa do grupo econmico

    QUALICORP registrada no CNPJ sob o nmero 07.760.307/0001-30 ...................................... 238

    Quadro 24 - Alteraes no objeto social declarado da empresa do grupo econmico

    QUALICORP registrada no CNPJ sob o nmero 11.992.680/0001-93 ...................................... 239

    Quadro 25 - Composio societria e administrativa da empresa do grupo econmico

    QUALICORP registrada no CNPJ sob o nmero 01.923.247/0001-42 ...................................... 240

    Quadro 26 - Composio societria e administrativa da empresa do grupo econmico

    QUALICORP registrada no CNPJ sob o nmero 03.609.855/0001-02 ...................................... 240

    Quadro 27 - Composio societria e administrativa da empresa do grupo econmico

    QUALICORP registrada no CNPJ sob o nmero 07.658.098/0001-18 ...................................... 241

    Quadro 28 - Composio societria e administrativa da empresa do grupo econmico

    QUALICORP registrada no CNPJ sob o nmero 07.755.207/0001-15 ...................................... 241

    Quadro 29 - Composio societria e administrativa da empresa do grupo econmico

    QUALICORP registrada no CNPJ sob o nmero 07.755.201/0001-48 ...................................... 242

    Quadro 30 - Composio societria e administrativa da empresa do grupo econmico

    QUALICORP registrada no CNPJ sob o nmero 07.760.307/0001-30 ...................................... 243

    Quadro 31 - Composio societria e administrativa da empresa do grupo econmico

    QUALICORP registrada no CNPJ sob o nmero 11.992.680/0001-93 ...................................... 243

    Quadro 32 - QUALICORP S.A e suas controladas em 2016 ...................................................... 248

    Quadro 33 - Outras empresas controladas pelo grupo econmico QUALICORP em 2016 ....... 248

    Quadro 34 - estrutura societria da QUALICORP S.A. em 31 de dezembro de 2015................ 249

  • Quadro 35 - Rede de empresas componentes do grupo econmico operacional sobre o qual a

    ODONTOPREV tem participao direta ou indireta em 2015 ................................................... 255

    Quadro 36 - Alteraes registradas no nome das empresas, incorporaes, fuses, cises e

    extines na linha do tempo relacionadas com o CNPJ .............................................................. 259

    Quadro 37 - Alteraes de valor declarado* do capital entre 1973 e 2016 da empresa do grupo

    econmico INTERMEDICA registrada no CNPJ sob o nmero 44.649.812/0001-38 ............... 264

    Quadro 38 - Alteraes de valor declarado* do capital entre 1988 e 2016 da empresa do grupo

    econmico INTERMEDICA registrada no CNPJ sob o nmero 51.714.913/0001-00 ............... 264

    Quadro 39 - Alteraes de valor declarado* do capital entre 1995 e 2016 da empresa do grupo

    econmico INTERMEDICA registrada no CNPJ sob o nmero 74.327.545/0001-43 ............... 264

    Quadro 40 - Alteraes de valor declarado* do capital entre 2010 e 2016 da empresa do grupo

    econmico INTERMEDICA registrada no CNPJ sob o nmero 13.061.886/0001-25 ............... 265

    Quadro 41 - Alteraes no objeto social declarado da empresa do grupo econmico

    INTERMEDICA registrada no CNPJ sob o nmero 44.649.812/0001-38 ................................. 265

    Quadro 42 - Alteraes no objeto social declarado da empresa do grupo econmico

    INTERMEDICA registrada no CNPJ sob o nmero 51.714.913/0001-00 ................................. 265

    Quadro 43 - Alteraes no objeto social declarado da empresa do grupo econmico

    INTERMEDICA registrada no CNPJ sob o nmero 74.327.545/0001-43 ................................. 265

    Quadro 44 - Alteraes no objeto social declarado da empresa do grupo econmico

    INTERMEDICA registrada no CNPJ sob o nmero 13.061.886/0001-25 ................................. 266

    Quadro 45 - Registros relativos ao objeto social declarado/atividade econmica de empresas

    selecionadas do grupo econmico INTERMEDICA segregados por CNPJ ............................... 266

    Quadro 46 - Composio societria e administrativa da empresa do grupo econmico

    INTERMEDICA registrada no CNPJ sob o nmero 44.649.812/0001-38 ................................. 268

    Quadro 47 - Composio societria e administrativa da empresa do grupo econmico

    INTERMEDICA registrada no CNPJ sob o nmero 51.714.913/0001-00 ................................. 269

    Quadro 48 - Composio societria e administrativa da empresa do grupo econmico

    INTERMEDICA registrada no CNPJ sob o nmero 74.327.545/0001-43 ................................. 270

    Quadro 49 - Composio societria de INTERMEDICA em 21 de maio de 2014 ..................... 271

    Quadro 50 - Estrutura societria da INTERMEDICA em 31 de dezembro de 2014 .................. 273

    Quadro 51 - Estrutura societria da INTERMEDICA em 31 de dezembro de 2015 .................. 274

  • Quadro 52 - Grupo SULAMERICA: informaes financeiras consolidadas 2013-2015 ........... 277

    Quadro 53 - Principais alteraes verificadas na composio societria desde 2013 no controle do

    grupo SULAMERICA ................................................................................................................. 279

    Quadro 54 - Descrio das empresas controladas integrantes do grupo econmico

    SULAMERICA ........................................................................................................................... 280

    Quadro 55 - Relao nominal dos membros da administrao e do conselho fiscal do grupo

    SULAMERICA ........................................................................................................................... 283

    Quadro 56 - Discriminao e participao dos principais acionistas na SULASA Participaes

    S.A. (CNPJ 73.828.899/0001-09) em 30 de maro de 2016 ....................................................... 284

    Quadro 57 - Discriminao e participao dos principais acionistas na SULEMISA Participaes

    Ltda (CNPJ 19.305.877/0001-19) em 30 de maro de 2016 ....................................................... 285

    Quadro 58 - Discriminao e participao dos principais acionistas na SULTASO Participaes

    Ltda (CNPJ 19.313.266/0001-12) em 30 de maro de 2016 ....................................................... 285

    Quadro 59 - Discriminao e participao dos principais acionistas na SULASAPAR

    Participaes S.A. (CNPJ 03.759.567/0001-34) em 30 de maro de 2016 ................................. 285

    Quadro 60 - Discriminao e participao dos principais acionistas na NOVA AO

    Participaes S.A em 30 de maro de 2016 ................................................................................ 285

    Quadro 61 - Discriminao e participao dos principais acionistas na SULAMERICA

    Participaes S.A. SASA (CNPJ 29.978.814/0001-87) em 30 de maro de 2016 ................... 285

    Quadro 62 - Empresas controladas pela SULAMERICA Companhia de Seguros de Sade CIA

    SADE ........................................................................................................................................ 286

    Quadro 63 - Srie histrica de valores de ativos totais deflacionados de empresas selecionadas295

    Quadro 64 - Trajetria profissional dos sujeitos entrevistados e suas respectivas empresas ...... 304

    Quadro 65 - Misso das empresas selecionadas segundo representantes entrevistados.............. 315

    Quadro 66 - Opinio dos representantes das empresas sobre o ressarcimento ao SUS .............. 316

    Quadro 67 - Principais argumentos dos entrevistados sobre o ressarcimento ao SUS ............... 317

    Quadro 68 - Opinio dos entrevistados sobre a entrada de capital estrangeiro na assistncia .... 335

    Quadro 69 - Opinio dos entrevistados sobre a renncia fiscal para despesas de pessoas fsicas

    com as empresas .......................................................................................................................... 343

    Quadro 70 - Sequncia de eventos conexos mudana de patamar no capital da QUALICORP

    ..................................................................................................................................................... 403

  • LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1 - Diagrama ilustrativo das alteraes registradas no nome das empresas, incorporaes,

    fuses, cises e extines na linha do tempo relacionadas com o CNPJ .................................... 231

    Grfico 2 - Alteraes de valor declarado* do capital entre 1997 e 2015 da empresa do grupo

    econmico QUALICORP registrada no CNPJ sob o nmero 01.923.247/0001-42 ................... 232

    Grfico 3 - Alteraes de valor declarado* do capital entre 2000 e 2015 da empresa do grupo

    econmico QUALICORP registrada no CNPJ sob o nmero CNPJ 03.609.855/0001-02 ......... 233

    Grfico 4 - Alteraes de valor declarado* do capital entre 2005 e 2015 da empresa do grupo

    econmico QUALICORP registrada no CNPJ sob o nmero CNPJ 07.658.098/0001-18 ......... 233

    Grfico 5 - Alteraes de valor declarado* do capital entre 2005 e 2015 da empresa do grupo

    econmico QUALICORP registrada no CNPJ sob o nmero CNPJ 07.755.207/0001-15 ......... 234

    Grfico 6 - Alteraes de valor declarado* do capital entre 2005 e 2015 da empresa do grupo

    econmico QUALICORP registrada no CNPJ sob o nmero CNPJ 07.755.201/0001-48 ......... 234

    Grfico 7 - Alteraes de valor declarado* do capital entre 2005 e 2011 da empresa do grupo

    econmico QUALICORP registrada no CNPJ sob o nmero CNPJ 07.760.307/0001-30 ......... 235

    Grfico 8 - Alteraes de valor declarado* do capital entre 2010 e 2015 da empresa do grupo

    econmico QUALICORP registrada no CNPJ sob o nmero CNPJ 11.992.680/0001-93 ......... 235

    Grfico 9 - Evoluo de receitas entre 2009 e 2015 de empresas selecionadas .......................... 296

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    ABRAMGE Associao Brasileira de Medicina de Grupo/Associao Brasileira de Planos de

    Sade

    ABRASCO Associao Brasileira de Sade Coletiva

    ADI Ao Direta de Inconstitucionalidade

    ALAMES Asociacin Latinoamericana de Medicina Social

    AMA American medical Association

    AMB Associao Mdica Brasileira

    AMMG Associao Mdica de Minas Gerais

    ANFIP Associao Nacional dos Auditores da Receita Federal do Brasil

    ANHAP Associao Nacional dos Hospitais Privados

    ANS Agncia Nacional de Sade Suplementar

    ASAP Aliana para a Sade Populacional

    BB Banco do Brasil

    BC Banco Central

    BM Banco Mundial

    BM & F BOVESPA Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros de So Paulo

    BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social

    CADE Conselho Administrativo de Defesa Econmica

    CALPERS California Public Employees Retirement System

    CAPs Caixas de Aposentadorias e Penses

    CASSI Caixa de Assistncia dos Funcionrios do Banco do Brasil

    CBEXs Colgio Brasileiro de Executivos da Sade

    CDC Cdigo de Defesa do Consumidor

    CEBES Centro Brasileiro de Estudos de Sade

    CEIFAS Comit de Integrao de Entidades Fechadas de Assistncia Sade

    CEME Central de Medicamentos

    CLT Consolidao das Leis do Trabalho

  • CMPS Conselho Mdico da Previdncia Social

    CNAE Classificao Nacional de Atividade Econmica

    CNSP Conselho Nacional de Seguros Privados

    CNSP Conselho Nacional de Seguros Privados

    CODAP Comisso Diretora da Assistncia Patronal

    COMEG Cooperativa de Servios Mdicos e Hospitalares do Estado da Guanabara

    CONSU Conselho de Sade Suplementar

    CVM Comisso de Valores Mobilirios

    DATAPREV Empresa de Processamento de Dados da Previdncia Social

    DIOP Diretoria de Normas e Habilitao de Operadoras

    DIOPS/ANS Documento de Informaes Peridicas das Operadoras de Planos de Assistncia

    Sade da Agncia Nacional de Sade Suplementar

    DNERu Departamento Nacional de Endemias Rurais

    DNPS Departamento Nacional de Previdncia Social

    DNRC Departamento Nacional de Registro do Comrcio

    DNSPC Departamento Nacional de Seguros Privados e Capitalizao

    DOU Dirio Oficial da Unio

    DRU Desvinculao de Receitas da Unio

    EBITDA Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization

    EUA Estados Unidos da Amrica

    FAP Fundo de Assistncia Patronal

    FenaSade Federao Nacional de Sade Suplementar

    FINSOCIAL Fundo de Investimento Social

    Fiocruz Fundao Oswaldo Cruz

    FLACSO Faculdade Latino Americana de Cincias Sociais

    FMI Fundo Monetrio Internacional

    FPF Fundo de Peclios Facultativo

    FUNABEM Fundao Nacional do Bem-Estar do Menor

    GEAP Grupo Executivo de Assistncia Patronal

  • HIV Human Immunodeficiency Virus

    IAPAS Instituto de Administrao Financeira da Previdncia e Assistncia Social

    IAPB Instituto de Aposentadorias e Penses dos Bancrios

    IAPI Instituto de Aposentadorias e Penses dos Industririos

    IAPs Institutos de Aposentadorias e Penses

    IASB International Accounting Standards Board

    IBEDESS Instituto Brasileiro para o Estudo e o Desenvolvimento do Setor Sade

    IBEF-Instituto Brasileiro de Executivos de Finanas

    IDEC Instituto de Defesa do Consumidor

    IESS Instituto de Estudos de Sade Suplementar

    IFRS International Financial Reporting Standards

    INAMPS Instituto Nacional de Assistncia Mdica da Previdncia Social

    INCRA Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria

    INPS Instituto Nacional de Previdncia Social

    IOF Imposto Sobre Operaes Financeiras

    IPASE Instituto de Penses e Aposentadorias dos Servidores do Estado

    IRB Instituto de Resseguros do Brasil

    ISS Imposto Sobre Servios

    JUCESP Junta Comercial do Estado de So Paulo

    LAJIDA Lucros antes de juros, impostos, depreciao e amortizao

    LBA Fundao Legio Brasileira de Assistncia

    LDO Lei de Diretrizes Oramentrias

    MEC Ministrio da Educao e Cultura

    MPAS Ministrio da Previdncia e Assistncia Social

    MPAS Ministrio da Previdncia e Assistncia Social

    MS Ministrio da Sade

    NIH National Institute of Health

    OAB Ordem dos Advogados do Brasil

  • OCDE Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico

    OECD Organisation for Economic Co-operation and Development

    OMS Organizao Mundial de Sade

    OPAS Organizao Pan-Americana de Sade

    PAPS Plano de Ao para a Previdncia Social

    PIB Produto Interno Bruto

    PPA Plano de Pronta Ao

    PREVI Caixa de Previdncia dos Funcionrios do Banco do Brasil

    RET Regime Especial de Tributao

    SciELO Scientific Eletronic Library Online

    SIB/ANS Sistema de Informao de Beneficirios da Agncia Nacional de Sade Suplementar

    SINPAS Sistema Nacional de Previdncia e Assistncia Social

    SINREM Sistema Nacional de Registro de Empresas Mercantis do Comrcio

    STF Supremo Tribunal Federal

    SUS Sistema nico de Sade

    SUSEP Superintendncia de Seguros Privados

    TCD Termo de Compromisso de Desempenho

    TCU Tribunal de Contas da Unio

    TGA Tabela Geral de Auxlios

    UFF Universidade Federal Fluminense

    UnB Universidade de Braslia

    UNESCO Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura

    Unicamp Universidade Estadual de Campinas

    UNIDAS Unio Nacional das Instituies de Autogesto em Sade

    Unimar Universidade de Marlia

    URSS Unio das Repblicas Socialistas Soviticas

    USP Universidade de So Paulo

  • SUMRIO

    APRESENTAO ...................................................................................................................... 23

    1 ACEPES SOBRE O SOCIAL, O PBLICO E O PRIVADO NA ASSISTNCIA

    SADE NO BRASIL ................................................................................................................... 25

    1.1 INTRODUO ....................................................................................................................... 25

    1.2 AS ACEPES CLSSICAS NO CAMPO DA SADE COLETIVA ................................ 30

    1.3 A ACEPO RESTRITA DO SOCIAL ................................................................................ 33

    1.4 A VISO AMPLIADA DO SOCIAL ..................................................................................... 38

    1.5 A CRTICA DA ECONOMIA NEOCLSSICA ................................................................... 48

    1.6 AS EMPRESAS MDICAS ................................................................................................... 56

    1.7 A DIFUSO DAS IDEIAS SOBRE O SOCIAL NA SADE .............................................. 64

    1.8 O SUS: MUDANAS NO PADRO DE ARTICULAO PBLICO/PRIVADA ............ 72

    1.9 UMA SNTESE DAS ACEPES SOBRE ARTICULAO PBLICO/PRIVADA ........ 83

    2 DOMINNCIA FINANCEIRA: DESAFIOS PARA A COMPREENSO DA SUA

    EXPRESSO NAS EMPRESAS DE PLANOS E SEGUROS DE SADE E

    APONTAMENTOS METODOLGICOS ............................................................................... 89

    2.1 INTRODUO ....................................................................................................................... 89

    2.2 A DOMINNCIA FINANCEIRA .......................................................................................... 94

    2.2.1 A financeirizao na periferia............................................................................................. 112

    2.2.2 A financeirizao e as polticas sociais .............................................................................. 121

    2.2.3 A financeirizao da vida quotidiana ................................................................................. 131

    2.2.4 Os limites da dominncia financeira .................................................................................. 137

    2.3 PLANOS DE SADE E DOMINNCIA FINANCEIRA ................................................... 140

    2.4 APONTAMENTOS METODOLGICOS ........................................................................... 149

    2.4.1 Limites metodolgicos ....................................................................................................... 160

    3 AS EMPRESAS DE PLANOS E SEGUROS DE SADE: APROXIMAES PARA

    ANLISE DA SUA INSERO NO REGIME DE DOMINNCIA FINANCEIRA ....... 162

    3.1 UMA TRAJETRIA DAS EMPRESAS E GRUPOS ECONMICOS .............................. 162

    3.1.1 Introduo ........................................................................................................................... 162

    3.1.2 CASSI e GEAP ................................................................................................................... 165

    3.1.3 INTERMEDICA, UNIMED BH, UNIMED RIO e AMIL ................................................ 188

    3.1.4 BRADESCO SADE e SULAMERICA SADE ............................................................ 203

    3.1.5 HAPVIDA, QUALICORP e ODONTOPREV .................................................................. 210

  • 3.2 ESTRUTURA ORGANIZACIONAL E SOCIETRIA, ESTRATGIAS CORPORATIVAS

    E VARIAES PATRIMONIAIS DE EMPRESAS SELECIONADAS .................................. 225

    3.2.1 QUALICORP ..................................................................................................................... 227

    3.2.1.1 Datas de registro ............................................................................................................. 227

    3.2.1.2 Valor de abertura e alteraes de capital ....................................................................... 232

    3.2.1.3 Objeto social declarado/atividade econmica ................................................................ 236

    3.2.1.4 Composio societria e administrativa ......................................................................... 239

    3.2.1.5 Apresentao dos resultados 2015 .................................................................................. 244

    3.2.1.6 Descrio da companhia e de seus negcios .................................................................. 247

    3.2.2 BRADESCO SADE ........................................................................................................ 249

    3.2.2.1 Apresentao de resultados 2015 .................................................................................... 251

    3.2.3 ODONTOPREV ................................................................................................................. 253

    3.2.3.1 Apresentao de resultados 2015 .................................................................................... 254

    3.2.4 INTERMEDICA ................................................................................................................. 258

    3.2.4.1 Datas de registro ............................................................................................................. 258

    3.2.4.2 Valor de abertura e alteraes de capital ....................................................................... 263

    3.2.4.3 Objeto social declarado/atividade econmica ................................................................ 265

    3.2.4.4 Composio societria e administrativa ......................................................................... 267

    3.2.4.5 Apresentao de resultados 2015 .................................................................................... 270

    3.2.4.6 Dados de poltica corporativa ......................................................................................... 275

    3.2.5 SULAMERICA .................................................................................................................. 276

    3.2.5.1 Poltica de distribuio de lucros e dividendos............................................................... 277

    3.2.5.2 Fatores de risco para o negcio ...................................................................................... 277

    3.2.6 AMIL .................................................................................................................................. 287

    3.2.7 ESCALA DE GRANDEZA ............................................................................................... 294

    4 ANLISE EXPLORATRIA DAS EMPRESAS E PERSPECTIVAS PARA O SISTEMA

    DE SADE ................................................................................................................................. 297

    4.1 INTRODUO ..................................................................................................................... 297

    4.2 ANLISE DE ENTREVISTAS COM REPRESENTANTES DE EMPRESAS DE PLANOS

    DE SADE ................................................................................................................................. 303

    4.2.1 Trajetria do executivo, desafios, misso da empresa e localizao no sistema de sade . 304

    4.2.2 Relao do grupo econmico com outras empresas do setor, usurios, prestadores e rgo

    regulador ...................................................................................................................................... 316

    4.2.3 Capital e diversificao de atividades ................................................................................ 329

    4.2.4 Localizao no sistema de sade/relao com o setor pblico ........................................... 338

  • 4.2.5 Estratgias de crescimento e investimento ......................................................................... 344

    4.2.6 Mosaico de articulaes ..................................................................................................... 354

    4.3 OS EMPRESRIOS DA SADE E SUA VISO SOBRE O SISTEMA DE SADE ...... 360

    4.3.1 Os autores ........................................................................................................................... 363

    4.3.2 As referncias ..................................................................................................................... 364

    4.4 O GERAL E O PARTICULAR............................................................................................. 365

    4.5 PLANOS E SEGUROS DE SADE NO BRASIL ENTRE 2000 E 2015 E A

    DOMINNCIA FINANCEIRA .................................................................................................. 371

    4.5.1 A financeirizao no setor .................................................................................................. 375

    4.5.2 Estrutura organizacional e societria .................................................................................. 377

    4.5.3 Estratgias corporativas ...................................................................................................... 389

    4.5.4 Variaes patrimoniais ....................................................................................................... 399

    4.6 NOVAS PERSPECTIVAS ANALTICAS ........................................................................... 404

    4.6.1 Interfaces nebulosas ............................................................................................................ 404

    4.7 CONSIDERAES FINAIS ................................................................................................ 408

    4.7.1 Limites e possibilidades ..................................................................................................... 408

    4.7.2. guisa de concluso ......................................................................................................... 412

    REFERNCIAS ........................................................................................................................ 415

    APNDICE ................................................................................................................................ 433

    APNDICE1 A DOMINNCIA FINANCEIRA COMO FENMENO DATADO .............. 434

    APNDICE 2 NOTA EXPLICATIVA SOBRE A NOMENCLATURA DO NOVO CDIGO

    CIVIL .......................................................................................................................................... 437

    APNDICE 3 A ABRAMGE E OS ARGUMENTOS DA IDEOLOGIA EMPRESARIAL .. 443

    APNDICE 4 MICHEL PORTER E SEUS MODELOS ........................................................ 445

    ANEXO ....................................................................................................................................... 457

    ANEXO 1 QUESTIONRIO PILOTO ENCAMINHADO PREVIAMENTE AOS

    REPRESENTANTES DAS EMPRESAS ................................................................................... 458

    ANEXO 2 ENTREVISTAS COM REPRESENTANTES DAS EMPRESAS ........................ 459

    AMIL .......................................................................................................................................... 460

    BRADESCO SADE ................................................................................................................ 482

    CASSI ......................................................................................................................................... 497

    GEAP .......................................................................................................................................... 519

    HAPVIDA .................................................................................................................................. 531

    INTERMEDICA ........................................................................................................................ 543

    QUALICORP ............................................................................................................................. 564

  • SULAMERICA .......................................................................................................................... 581

    UNIMED BH .............................................................................................................................. 598

    UNIMED RIO ............................................................................................................................ 622

  • 23

    APRESENTAO

    Esse trabalho uma pesquisa exploratria sobre as empresas de planos e seguros de sade no

    Brasil entre 2000 e 2015 e a dominncia financeira. Seu contedo est disposto em quatro

    captulos, um apndice e uma seo de anexos que obedecem ao roteiro argumentativo

    apresentado a seguir.

    O primeiro captulo introdutrio e consiste em uma resenha de textos selecionados sobre as

    acepes do social, do pblico e do privado na assistncia sade do Brasil. uma reviso que

    visa reconstituir a trajetria histrica do pensamento sobre essas categorias lanando mo de

    textos seminais do campo da Sade Coletiva e da anlise da trajetria de autores importantes que

    elaboram essa temtica no seu interior. Seu contedo converge para o problema do esquema

    comercial de intermediao da assistncia subsistente depois da criao do Sistema nico de

    Sade em uma relao concorrencial com o sistema pblico. O principal elemento terico

    utilizado no desenvolvimento desse captulo a noo de articulao pblico/privada

    desenvolvida por pesquisadores latino-americanos na dcada de 1990.

    O segundo captulo parte dos elementos reunidos no captulo introdutrio para construir a

    hiptese de que, a partir dos anos 2000, o desenvolvimento das empresas de planos e seguros de

    sade atinge um novo patamar que pode ser considerado uma das formas mais destacadas de

    expresso da dominncia financeira no interior do sistema de sade do Brasil. Para esclarecer o

    significado do conceito de dominncia financeira e para ajustar a sua formulao ao escopo da

    investigao proposta pela hiptese de trabalho feita uma reviso que parte das abordagens

    mais gerais na esfera da macroeconomia poltica, passando por desenvolvimentos mais

    especficos para a formao social brasileira, as polticas sociais e as polticas de sade. Ao final

    se apresentam apontamentos metodolgicos que caracterizam um estudo exploratrio sobre as

    empresas de planos e seguros de sade no Brasil entre 2000 e 2015 e a dominncia financeira

    como novo modo de ser da riqueza global segundo a acepo formulada originalmente por Braga

    (1985).

    O terceiro captulo uma seleo de dados documentais sobre as maiores empresas e grupos

    econmicos atuantes no comrcio da intermediao assistencial no Brasil dispostos segundo as

    categorias apresentadas nos apontamentos metodolgicos. Nesse captulo se reconstitui a

  • 24

    trajetria de formao histrica de empresas selecionadas em uma linha de continuidade com o

    material revisado no captulo introdutrio. Em anexo est disposto o contedo integral de

    entrevistas semiestruturadas realizadas com representantes dos empresrios.

    O quarto captulo procede uma anlise exploratria dos achados e do conjunto de dados

    documentais das empresas e das entrevistas expondo limites e possibilidades de

    desenvolvimentos tericos e metodolgicos em uma viso prospectiva sobre o conjunto do

    sistema de sade.

    O apndice contm material conexo ao tema da tese que foi disposto de forma separada para

    facilitar a leitura do roteiro principal. Trata-se de uma resenha do texto de Tavares & Fiori (1997)

    que analisa a dominncia financeira como um fenmeno datado, uma nota explicativa sobre a

    nomenclatura do novo Cdigo Civil (til para a leitura do corpo do texto), uma sntese dos

    principais argumentos da ideologia empresarial em sade apresentados historicamente pela

    ABRAMGE na dcada de 1970 e, finalmente uma breve anlise crtica sobre a obra de uma das

    principais referncias que instruem essa ideologia nos dias atuais, Michel Porter.

    Os anexos contm o questionrio piloto e o inteiro teor das entrevistas realizadas com

    representantes das empresas em 2014.

  • 25

    1 ACEPES SOBRE O SOCIAL, O PBLICO E O PRIVADO NA ASSISTNCIA

    SADE NO BRASIL

    1.1 INTRODUO

    Elaboramos uma resenha de trabalhos selecionados sobre o social, o pblico e o privado na

    assistncia sade no Brasil com o objetivo de iluminar o lugar ocupado pelo comrcio de planos

    e seguros de sade.

    Importa, a ttulo de introduo, destacar o propsito de valorizar, no desenvolvimento do texto, o

    potencial heurstico subjacente noo de articulao pblico/privada1 na assistncia sade.

    Trata-se de projetar o olhar sobre as linhas de fora que ligam e articulam os elementos de um

    mosaico que s pode ter o seu significado plenamente desvelado quando se consideram os fluxos

    que conferem sentido e direcionamento ao conjunto. Buscar compreender a natureza das pontes,

    sua extenso e largura, para evitar cair na armadilha de um labirinto de objetos esparsos,

    desconexos que falam pouco sobre questes substantivas relativas a acmulo de capital e poder,

    fundamentais em qualquer trabalho que trate de polticas pblicas e, em especial de polticas

    sociais.

    O uso da expresso articulao pblico/privada originalmente (EIBENSCHUTZ, 1996)

    pretendeu destacar a existncia de diferenas qualitativas incidentes sobre a trama que articula

    elementos pblicos e privados nos sistemas de servios de sade de pases perifricos

    evidenciando os limites e a zona de intercesso entre essas duas grandes dimenses analticas.

    Ademais, a ideia de articulao, coerente com os fundamentos tericos da Medicina Social, ao

    colocar o foco na interface entre os processos econmicos e sociais no campo da sade, permite

    escapar da viso que, no distinguindo qualitativamente o espao pblico do privado, na prtica,

    subordina o primeiro ao segundo, ou melhor, submete todos os aspectos da vida social lgica da

    acumulao privada de capital.

    Embora o termo articulao pblico/privada tenha sido introduzido oportunamente em

    contraposio ao conceito de mescla (mix) pblico/privada na dcada de 1990 (EIBENSCHUTZ,

    1 Expresso utilizada no II Seminrio Latino Americano de Poltica Sanitria, promovido pela Associao Latino Americana de Medicina Social (ALAMES), em 1993 (EIBENSCHUTZ, 1996) pretendendo criar espao para determinar a complexidade e as especificidades na relao entre os

    servios de assistncia sade em pases perifricos.

  • 26

    1996), posteriormente consagrou-se o uso da expresso relao pblico/privada na descrio dos

    padres de articulao implcitos. Os autores que publicaram antes de 1990, portanto,

    desconhecem essas formulaes, no obstante eventualmente se refiram ao mesmo fenmeno. Ao

    longo do texto usaremos alternadamente os termos articulao, relao e interface

    pblico/privada no sentido mencionado acima.

    Tomamos como fulcro analtico para esta introduo a virada dos anos 1990 para 2000 quando a

    magnitude do comrcio de planos e seguros de sade se torna mais aparente e volta a despertar

    interesse em estudos na Sade Coletiva.

    No campo acadmico, identificamos, nesse mesmo ponto da linha do tempo , a publicao da tese

    de doutorado em Sade Pblica Mudanas e Padres das Relaes Pblico-Privado: Seguros e

    Planos de Sade no Brasil (BAHIA, 1999) que contm uma reviso fundamental de trabalhos

    sobre o surgimento de empresas mdicas no Brasil e desenvolve, na Sade Coletiva, uma

    abordagem que no toma as suas faces privada e pblica como compartimentos estanques do

    sistema de sade, considerando, portanto, os fluxos e as articulaes existentes na zona de

    interface entre essas duas dimenses.

    Bahia (1999) menciona o uso da expresso empresas mdicas nas dcadas de 1970, 1980 e 1990,

    para se referir aos novos agentes econmicos forjados a partir das mudanas na poltica

    previdenciria pautadas pelo regime instaurado a partir de 1964. Tais agentes, so rebentos do

    novo ciclo de crescimento econmico engendrado em um momento de represso da atividade

    poltica partidria, centralizao administrativa, estmulo expanso da assistncia privada e

    empresariamento2 de atividades de relevncia pblica de forma sincrnica com a extenso de

    benefcios previdencirios a novos segmentos populacionais.

    A plotagem do ponto de virada que situamos no final dos anos 1990 favorece a visualizao das

    linhas de continuidade e rupturas tanto na expresso institucional de polticas pblicas quanto na

    produo de conhecimento sobre o tema, alm de permitir a investigao da influncia recproca

    e dinmica entre esses dois aspectos modeladores do padro de articulao pblico/privada na

    assistncia.

    2 O trabalho de Maria Ceclia Ferro Donnangelo na dcada de 1970 aponta evidncias que sugerem a perda de autonomia no mercado de profisses tradicionalmente liberais. Donnangelo delineia algumas tendncias de reestruturao da prtica mdica e refere-se a trs categorias

    tpicas: empresrio-mdico, assalariamento e autonomia liberal

  • 27

    Deste modo, revisitamos o trajeto percorrido por Bahia (1999) em sua tese de doutorado, aqui

    caracterizado como um marco3 na produo do conhecimento sobre o tema e, nesse trabalho,

    assentamos um ponto de apoio linha que nos traz perspectiva hodierna, com base em uma

    pesquisa bibliogrfica ampliada. Trata-se de uma incontornvel abordagem histrica sobre os

    elementos utilizados na construo do cabedal de conhecimento presentemente acumulado. Um

    trajeto que se justifica diante da extrema nebulosidade4 caracterstica da dinmica de articulao

    entre o pblico e o privado na assistncia de indivduos e populaes no mbito do sistema de

    sade brasileiro. Consideramos que, in casu, tal nebulosidade incide simultaneamente sobre as

    relaes e transaes entre agentes econmicos bem como sobre os modelos de descrio e

    anlise dos fenmenos5.

    Assim, revisitamos referenciais, apuramos a investigao sobre seu desenvolvimento histrico e,

    principalmente, sobre as contradies, impropriedades e insuficincias decorrentes do seu uso

    para o estudo dos planos e seguros de sade no Brasil de hoje. Uma reconstituio do contexto e

    das ideias mais que dos autores embora o conhecimento sobre a trajetria de formao de alguns

    autores especficos possa ser elucidativo quando se pretende compreender as mudanas na

    maneira de pensar6.

    A acumulao privada de capital no interior do sistema de sade brasileiro no se d

    exclusivamente a partir da base material difana, composta de poucas estruturas feitas de cimento

    e tijolo, dos grupos econmicos de planos e seguros de sade, entretanto, importa destacar a

    qualidade especfica desse segmento como elemento amplificador e legitimador da lgica de

    segmentao da demanda e da oferta por produtos e servios de sade segundo a capacidade de

    pagamento das pessoas, condio imprescindvel para a conformao de um determinado

    ambiente de negcios tpico da voga atual onde a intermediao de servios de assistncia

    3 A elaborao da tese de Lgia Bahia (BAHIA, 1999) foi sincrnica com e edio da Lei 9.656/98 e com a criao da ANS, que ocorreu no ano seguinte sua publicao. Alm disso, representa uma contribuio que no se limita aos aspectos institucionais das polticas de sade, mas desenvolve um olhar crtico sobre o espao ocupado pelo esquema de comrcio de planos e seguros de sade no conjunto do sistema sem recorrer

    a um modelo dicotmico entre o pblico e o privado. Ambos os aspectos mencionados acima nos permitem considerar esta referncia um marco

    na produo do conhecimento sobre o tema. 4 Usamos a ideia de nebulosidade no sentido oposto ao de transparncia republicana e semelhante ao de esquema, combinao ou acerto entre particulares celebrado em detrimento e revelia da coisa pblica (Res Publica). 5 Postulamos que a descrio e anlise da base emprica desse fenmeno pode ter aspecto nebuloso dada a complexidade inerente ao objeto e prevalncia de uma voga acadmica de vis institucionalista/reducionista, por definio, limitada em seus parmetros de abordagem. 6 Referncias que validam essa abordagem podem ser encontradas em: NUNES (2006; 2008; 2015); GOLDENBEG, MARSIGLIA & GOMES (2003); GALEANO, TROTTA & SPINELLI (2011).

  • 28

    sade naturalizada como objeto de comrcio em uma extenso que torna disfuncional a gesto

    do conjunto do sistema.

    Passamos, no que se refere atuao dos grupos econmicos setoriais, de um padro de

    regulao estatal restrito a polticas fiscais e subsdios demanda pontuais, no perodo anterior ao

    nosso fulcro analtico na virada dos anos 2000, para um regime onde se configura uma matriz de

    legislao especfica operada por um aparato burocrtico especializado.

    Se, por um lado, a prtica fiscalizatria desse aparato burocrtico potencialmente ascende a um

    patamar superior ao explicitar e dar maior visibilidade conformao do segmento fiscalizado,

    por outro, confere extraordinria legitimidade institucional a uma atividade comercial e

    financeira que, no limitada em sua expanso, subverte a lgica organizativa e os princpios

    constitucionais sobre os quais foi concebido o Sistema nico de Sade - SUS.

    Assim, ao percorrer os passos da produo acadmica relacionada com a articulao entre o

    pblico e o privado no sistema de sade pretendemos tambm captar as fontes de produo e

    reproduo de ideias princpios organizativos e conceitos, partindo da premissa de que este no ,

    obviamente, um ambiente isento de tenses e disputas7.

    Identifica-se no primeiro grupo de trabalhos selecionados por Bahia (1999), e relacionados com o

    mencionado ciclo de expanso da assistncia privada, um apuro na investigao emprica e um

    desenvolvimento analtico que considera, principalmente, a relao entre as polticas

    previdencirias e o surgimento de empresas mdicas que se beneficiam do crescimento da base

    populacional vinculada aos benefcios.

    No segundo grupo de trabalhos selecionados por aquela autora, identifica-se a formulao de uma

    relevante questo de investigao, pautada sobre o aumento da clientela dos planos e seguros de

    sade vis a vis a institucionalizao de um sistema de assistncia pblico de base universal.

    Esta uma questo que ainda se coloca presentemente e que, diante da perspectiva, vislumbrada,

    pelo menos at 2013, de incorporao de segmentos populacionais de baixa renda s franjas do

    crculo de consumo de produtos e servios no Brasil, renova-se em seu potencial heurstico.

    7 Como referncia para essa discusso remetemos o leitor para a obra seminal de Raymond Williams (WILLIAMS, 2014) e, mais recentemente, em linha com o tema em anlise: (BRAGA, I.F. 2012) e (GRN, 2003).

  • 29

    H ainda um grupo de trabalhos revisados por Bahia (1999) relacionado diretamente pesquisa

    sobre o Wellfare State e sobre as reformas setoriais da era Thatcher/Reagan/Pinochet8. No que se

    refere s reformas setoriais, percorremos os passos daquela autora e, em seguida, acrescentamos

    alguns elementos da literatura mais atual sobre o avano da dominncia financeira no interior do

    sistema de sade. Postulamos que esse material esteja ligado indagao fundamental

    mencionada no pargrafo acima e ao objeto de investigao especfico da nossa tese que

    interroga sobre como se d a expresso do fenmeno da dominncia financeira em um conjunto

    de empresas relacionadas com a intermediao de esquemas assistenciais privativos.

    Para o segundo perodo da nossa matriz analtica, posterior ao ponto de virada dos anos 1990 para

    2000, tomamos como referncia fundamental os artigos de Sestelo, Souza & Bahia (2013; 2014)

    e desenvolvemos uma discusso em torno dos principais resultados daquela investigao. Trata-

    se de um trabalho de reviso feito a partir de descritores referidos a planos e seguros de sade no

    Brasil, que analisa uma dcada de publicaes especializadas, identificando as caractersticas

    principais do material explorado.

    Naquele perodo histrico, nos deparamos com um volume crescente de publicaes de contedo

    caracterizado por um vis que se identifica progressivamente com a perspectiva das empresas

    denominadas pela ANS de operadoras9 de planos e seguros de sade. So textos que assumem de

    forma naturalizada a existncia e a expanso da prtica comercial de intermediao no acesso

    assistncia e que desenvolvem seus argumentos a partir de noes tpicas do mundo corporativo

    como: desenvolvimento de metodologias de custeio, anlises de impacto da regulao pblica em

    sade sobre cooperativas mdicas, descrio de mecanismos de regulao de preos utilizados

    pelo rgo regulador, anlises da influncia das vantagens competitivas das empresas na

    fidelizao de clientes de planos, estudo das caractersticas dos clientes que produzem gastos

    elevados com sade (SESTELO; SOUZA; BAHIA, 2014).

    Por outro lado, a produo que assume um vis crtico e uma viso ampliada da relao entre

    Estado, sociedade e prticas assistenciais de sade encontrada em um nicho de publicaes que

    8 A aliana poltica estratgica entre o Presidente do Estados Unidos, Ronald Reagan e a Primeira-ministra da Inglaterra, Margareth Thatcher foi celebrada na dcada de 1980 e criou condies para o aprofundamento de polticas de recorte liberal nos pases centrais. Na Amrica Latina, o regime golpista de Augusto Pinochet no Chile serviu como laboratrio para a difuso da prescrio desse iderio entre as economias dos pases

    perifricos da regio. 9 Postulamos que de fato, so empresas e grupos econmicos que atuam em articulao com a esfera pblica e que o termo operadora empregado pela ANS, retirado de teorias de livre mercado, instila uma descrio espria sobre o espao de atuao desses agentes passando a falsa impresso de que se trata de iniciativas totalmente desvinculadas das garantias do Oramento Pblico apenas ligadas a um mercado onde consumidores

    individuais tomam decises de compra.

  • 30

    seguem caudatrias daquele cabedal, em grande parte desenvolvido no interior do campo da

    Sade Coletiva e acumulado nas dcadas de 1970, 1980 e 1990.

    nesse manancial crtico que encontramos as ferramentas para avanar na investigao sobre a

    conformao e a dinmica dos grupos econmicos relacionados com o atual esquema de

    comrcio de planos e seguros de sade no Brasil. Procuramos, em acrscimo, identificar as

    lacunas e as insuficincias da base terica crtica, ajustando-a ao estudo dos fenmenos

    observados presentemente na nebulosa interface que articula as dimenses pblica e privada

    dentro do sistema de sade no Brasil.

    1.2 AS ACEPES CLSSICAS NO CAMPO DA SADE COLETIVA

    Para estabelecer um ponto de origem histrico sobre a dinmica e a conformao de grupos

    econmicos que atuam na prestao de servios de assistncia no interior do sistema de sade de

    um pas em formao como o Brasil recuamos ao incio do atual ciclo de desenvolvimento

    urbano/industrial.

    Se admitirmos que o esgotamento do perodo agroexportador que se configurou ao longo da

    Repblica Velha (1889-1930) marcou uma grande mudana poltica e institucional no pas e

    possibilitou a emergncia de um novo modelo de organizao da burocracia federal do Estado

    com a ampliao do seu escopo de atuao e da sua dinmica de funcionamento, teremos j um

    balizamento adequado para os objetivos de nossa anlise.

    Donnangelo (2011) ao se referir s origens da participao estatal na assistncia mdica no Brasil

    diz:

    [...] a criao e o desenvolvimento da Previdncia no Brasil adquirem, de um lado, o

    sentido de conquista de direitos sociais pelos assalariados; de outro, revelam-se como

    parte de um processo de reatualizao, pelo Estado, de condies necessrias

    preservao e aos desdobramentos da ordem social capitalista. Um e outro podem ser

    explicitados a partir da anlise das situaes histricas consubstanciadas na Revoluo

    de 1930. [...] (p. 24).

    O desenvolvimento de uma verso perifrica de capitalismo industrial e de seu correspondente

    mecanismo de regulao da reproduo da fora de trabalho, inclusive no que se refere a questes

  • 31

    relacionadas com sade e adoecimento de trabalhadores o cenrio onde situamos os primeiros

    passos da nossa trajetria histrica.

    Trata-se, portanto, de um cenrio onde se conjuga um vetor de ampliao do escopo de atuao

    da esfera do Estado com a centralizao e a verticalizao da estrutura burocrtica vinculada ao

    Estado Novo na dcada de 1930.

    Simultaneamente, transcorre um processo de industrializao e urbanizao que exibir uma face

    exuberante j no perodo ps-guerra agora sob uma crescente influncia econmica, poltica e

    cultural da potncia ocidental dominante, os Estados Unidos.

    na periferia dessa zona de influncia que viceja o capitalismo industrial brasileiro, matizado

    pela persistncia da tradio colonial exportadora de matrias primas e produtos agrcolas.

    nesse momento histrico que so criados, no incio dos anos 1930, os Institutos de

    Aposentadorias e Penses (IAPs) segmentados por categorias profissionais e se d a introduo

    do modelo de administrao tripartite dos recursos consolidados para polticas sociais.

    Os recursos para financiamento do sistema, antes pulverizados entre as diversas Caixas de

    Aposentadorias e Penses (CAPs) existentes em cada empresa, uma vez reunidos nos Institutos

    de Aposentadorias e Penses (IAPs) organizados por categorias profissionais, resultaram em

    fundos de considervel envergadura. A gesto desses recursos viria a ocupar lugar de destaque no

    planejamento das aes de governo e a configurar uma questo poltica de primeira linha como

    objeto de disputa entre fraes do bloco histrico hegemnico.

    A revoluo de 1930 foi um acontecimento histrico crucial para a formao do moderno Estado

    brasileiro e seu modelo de desenvolvimento e existe uma farta literatura com ttulos clssicos10

    que tratam desse tema.

    Para o propsito do nosso estudo, tomamos como referncia ilustrativa o texto de Draibe (1985)

    que coteja os clssicos referenciados acima para desenvolver uma viso da formao econmica e

    poltica do Brasil a partir de uma perspectiva desenvolvimentista. Draibe (1985), ao tempo em

    que reconhece o marco de 1930 como incio do processo de formao do Estado Nacional

    moderno, no sentido de rgo poltico que tende a afastar-se de interesses imediatos e sobrepor-

    10 Werffort (1968); Furtado (1961); Cardoso & Faletto (1970), Fernandes (1975); Ianni (1965).

  • 32

    se ao conjunto da sociedade como soberano11, expande a formulao do conceito de Estado de

    compromisso12, identificando a presena, naquele momento histrico

    [...] de diferentes modalidades de compromisso entre foras sociais no estticas e em

    transformao, e face s questes da industrializao, elas mesmas em processo contnuo

    de reatualizao. [...] (p. 24).

    Pode-se dizer, referindo-se questo setorial da sade que houve, a partir da revoluo de 1930,

    um movimento de incorporao pela esfera pblica de prticas originalmente desenvolvidas em

    mbito privado ou no mbito de associaes de auxlio mutual relacionadas com sade. Houve

    uma concentrao dos recursos utilizados para o financiamento da estrutura previdenciria e

    subsidiariamente para a estrutura de assistncia sade.

    A anlise poltica oferece elementos para a compreenso das decises relacionadas ao uso de tais

    recursos acumulados a partir do esforo da fora de trabalho assalariada, mas evidente que h

    uma relao direta entre a magnificao dessa base material, em volume de recursos, e o aumento

    da tenso na disputa poltica pela sua apropriao a par da contnua atualizao (DRAIBE, 1985)

    das formas de expresso social no seio da dinmica formativa da sociedade brasileira.

    So esses os principais motivos que nos levam a localizar na formao do sistema previdencirio

    brasileiro o nosso marco analtico inicial. H, entretanto, trabalhos importantes que desenvolvem

    seus argumentos a partir de dados relacionados ao perodo anterior a 1930.

    As aes do Estado nas primeiras campanhas sanitrias na Repblica Velha foram consideradas

    em textos do campo da Sade Coletiva como exemplares no desenvolvimento do argumento que

    aponta a relao entre polticas pblicas de sade e controle da reproduo da fora de trabalho

    em um sistema poltico e econmico de origem colonial voltado para e exportao de bens

    primrios (GARCIA, 1981).

    11 Esta formulao de Francisco Weffort e, segundo Draibe (1985) aparece em Estado e Massas no Brasil, Revista da Civilizao Brasileira, n.7, p.142. 12 Sobre Estado de compromisso Draibe (1985) se expressa nos seguintes termos: [...] expressa a ausncia de hegemonia de qualquer um dos grupos dominantes e exerce papel de rbitro entre esses interesses, respondendo por uma soluo de compromisso e equilbrio. A fonte de sua

    legitimidade so as massas populares urbanas e ela se estabelece por mecanismos especificamente polticos de manipulao e auto esforo que

    configuram, ao final, uma democracia de massas cujo trao distintivo, em ltima instncia, o Estado mostrar-se de forma direta, sem mediaes, a todos os cidados e de, numa dinmica prpria, absorver e concentrar em si as possibilidades de mudanas estruturais [...] (DRAIBE, 1985 p.

    22).

  • 33

    O corte inaugural da histria da Previdncia no Brasil fixado por Oliveira & Teixeira (1985) em

    1923 com a aprovao da Lei Eloy Chaves e a constituio do sistema das Caixas de

    Aposentadorias e Penses ao qual estes autores conferem caractersticas especficas no plano de

    atribuies previdencirias alm de uma maior prodigalidade nas despesas com assistncia

    sade.

    Segundo Oliveira & Teixeira (1985) o regime revolucionrio de 1930, na prtica, ampliou a

    abrangncia do sistema previdencirio, mas restringiu os gastos proporcionais com assistncia

    sade da populao segurada, reduzindo a antiga prodigalidade dos benefcios.

    A acelerao do processo de industrializao e urbanizao, a instituio de polticas sociais de

    abrangncia nacional e a magnificao do papel do Estado no manejo dos recursos disponveis

    suscitou, em meados do sculo XX, um debate sobre a articulao do interesse pblico com a

    prtica liberal ento vigente no interior da corporao mdica.

    1.3 A ACEPO RESTRITA DO SOCIAL

    Expresso da controvrsia sobre a articulao do interesse pblico com a prtica liberal na

    assistncia a obra Socializao da Medicina13, publicada em 1943 (BORGES, 1943) pelo

    mdico sanitarista Durval Rosa Borges, com prefcio de Maurcio de Medeiros14 que passamos a

    comentar sem pretenso de recomposio histrica do inteiro teor da discusso da poca, mas

    tomando algumas de suas ideias como precursoras de uma vertente ainda atual da reflexo sobre

    o papel do Estado na assistncia sade e sua relao com as prticas liberais. A relevncia dessa

    referncia histrica avulta quando tomamos as palavras do autor do prefcio como as de um

    futuro ministro da sade.

    Medeiros (1943) comea por realar a importncia do aproveitamento dos dados coletados pelos

    servios mdicos dos diversos institutos sobre o problema da doena nas classes trabalhadoras

    (p. III) como subsdio para o encaminhamento da ao do Estado na defesa da sade das pessoas.

    13 Esta referncia pode ser considerada atualmente uma obra bibliogrfica de difcil recuperao. O exemplar compulsado compe o acervo da biblioteca do Instituto de Resseguros do Brasil. Alm disso merece registro o fato de que esta referncia foi usada por Donnangelo (2011) para ilustrar a tenso entre o reconhecimento da necessidade de atuao Estatal na assistncia mdica a trabalhadores e os riscos desse empreendimento

    sobre a segurana atuarial do sistema previdencirio. 14 Psiquiatra, ministro da sade nos governos Nereu Ramos e Juscelino Kubitschek.

  • 34

    Em seguida, assume uma viso que toma a sade individual como bem coletivo (p.III) e, em uma

    linha de pensamento que poderia ser definida como funcionalista, declara que o propsito da ao

    do Estado deve ser o de reestabelecer ao trabalhador as condies de higidez, nas quais possa

    voltar, o mais rapidamente possvel, sua funo de parcela de um todo ativo e operante (p. III).

    Posiciona-se contra a objeo ento pautada pelos que defendiam a utilizao dos recursos dos

    institutos exclusivamente para fins de previdncia sob uma lgica atuarial estrita, defendendo

    uma taxao especfica adicional para um seguro-doena como garantia de financiamento dos

    servios de sade dos diversos institutos.

    No que se refere ao contedo especfico da obra prefaciada, Medeiros (1943) segue destacando a

    importncia dos institutos como fonte de dados utilizada para a prpria elaborao da obra, ou

    seja, uma nova configurao na estrutura do Estado que possibilita um olhar mais abrangente

    sobre questes de sade/adoecimento na populao de trabalhadores. Nesse ponto o autor do

    prefcio menciona uma tese que viria a concretizar-se apenas em 1966: a unificao dos diversos

    institutos segmentados por categorias profissionais em uma estrutura institucional nica e

    centralizada.

    [...] Uma das primeiras impresses de sua leitura confirma a minha velha opinio, de que

    de toda a urgncia a unificao de todas essas instituies, j pela economia nas

    despesas gerais, j pela possibilidade de uniformidade de trabalho e de pesquisa. [...] (p.

    IV).

    Finalmente, tocando no tema central que d nome obra, Medeiros (1943) refere-se nos

    seguintes termos socializao da medicina:

    [...] Soluo fatal, inevitvel e que constitui evidentemente o passo infalvel de progresso

    da medicina. Nem eu creio que, dentro de 20 ou 30 anos, haja mais lugar para o

    exerccio da medicina privada. Esta vive hoje, apenas custa das deficincias dos

    servios mdicos dos institutos de amparo da sade nas vrias profisses. Mas um

    vestgio j imprprio para a poca, e que dentro de muito pouco tempo desaparecer. A

    medicina ter de ser uma funo do Estado, to certo , que a defesa do Estado tanto se

    faz nas trincheiras, como cabeceira do doente. [...] (p. IV).

    O corpo do texto segue a mesma linha argumentativa do prefcio em defesa da socializao da

    medicina e da ao do Estado para soluo de problemas de sade mais destacados e

    evidenciados pelos dados disponveis nos institutos quais sejam: sade materno/infantil, manejo

    da sfilis e da tuberculose pulmonar.

  • 35

    No captulo introdutrio, Borges (1943) descreve a evoluo do seguro social no Brasil aps a

    instaurao do novo governo em 1930 e aponta o advento dos rgos de previdncia e dos

    sindicatos como meios essenciais para viabilizao da ao de ordem coletiva do Estado sobre a

    sade.

    Converge com os pontos destacados no prefcio quando assume que problemas mdicos, que

    existiam apenas, na esfera individual, passaram a ser estudados pelo que tivessem de

    transcendncia coletiva (p. 6).

    A realizao de exames radiolgicos sistemticos e seriados15 para diagnstico precoce de leses

    de tuberculose pulmonar e censos luticos dirigidos descoberta de casos ignorados ou latentes

    de sfilis so exemplos de aes coletivas viabilizadas pela existncia da nova estrutura estatal.

    O diagnstico formulado pelo autor, entretanto, no se limita aos achados individuais de doentes

    antes ignorados. Envolve o diagnstico das frgeis condies estruturais do aparato Estatal para o

    manejo da situao.

    [...] O Seguro Social, pelas suas ntimas relaes com o trabalho e com a Medicina do

    Trabalho, evidenciou, no apenas a necessidade de enfrentar este ou aquele setor, esta ou

    aquela molstia, mas tambm, uma brutal carncia de servios mdicos em todas as

    classes economicamente dbeis, carncia j conhecida da Sade Pblica, mas no

    sentida em toda a sua importncia, porque no tinha, at ento, se revestido de roupagens

    mais gritantes, de problema social. [...] (p. 7).

    Trata-se, portanto, do reconhecimento de um novo dimensionamento do problema social

    relacionado com sade/adoecimento da populao a partir de dados concretos elaborados nos

    diversos servios mdicos criados com a nova poltica previdenciria.

    Publicado em plena guerra, o texto revela a repercusso das ideias em discusso na Europa sobre

    a criao de um plano de seguro social.

    [...] A guerra, longe de diminuir a intensidade dos problemas mdico-sociais, e adiar a

    sua soluo, veio, pelo contrrio, torn-los mais agudos e mais importantes, propiciando

    e indicando, uma mobilizao mais rpida dos elementos de luta. timo exemplo nos

    vem da Inglaterra, onde se cogita no momento, da adoo de um plano de Seguro Social

    (plano Beveridge) com assistncia mdica universal. [...] (p. 8).

    15 Refere-se abreugrafia, mtodo radiolgico de diagnstico em massa e com baixo custo para tuberculose pulmonar criado por Manoel Dias de Abreu. A tcnica permitiu uma enorme ampliao do universo de casos suspeitos entre trabalhadores antes investigados apenas pela ausculta e

    percusso do trax.

  • 36

    O diagnstico da questo da prtica assistencial categrico no que se refere aos limites da

    medicina liberal para o manejo da situao

    [...] As nossas grandes endemias, a imensa necessidade de cuidados mdicos, extensivos

    a todos, as campanhas de ordem preventiva, somam um total de trabalho e atividades,

    que ultrapassam de muito, a capacidade da Medicina Liberal, realizada por profissionais

    independentes, e livres de qualquer relao com o Estado. [...] (p.8).

    E o seu corolrio a reafirmao da tese de que a socializao da medicina a nica soluo para

    tarefa desta envergadura. O estatuto da profisso mdica se choca, assim, com a perspectiva,

    colocada naquele momento histrico, de articulao em mltiplas e cada vez maiores relaes

    com o Estado (p. 8).

    A viso do autor, entretanto, se expressa claramente em um apelo inelutvel para que os colegas

    compreendam a situao e posicionem-se ao lado da ao do Estado quando forem adotadas

    medidas, que atinjam a medicina e os mdicos. Que estas sejam ditadas e orientadas pela

    prpria classe (p. 10).

    Mais adiante, a ttulo de concluso fica patente o limite do significado dado pelo autor

    expresso socializao da medicina.

    [...] A extenso dos servios mdicos, adotada e distribuda pelo Estado, ou por melhores

    motivos, pelo Seguro, deve ser dirigida, apenas para aqueles, que no conhecem os

    prprios males, ou no contam com meios para combat-los.

    No h o menor interesse, em que ela invada campos, onde a medicina Liberal, por

    questes afetivas ou facilidades econmicas, a mais indicada para resolver casos

    pessoais, sem interesse coletivo.

    Pensamos, mesmo, que de algum modo deve ser preservado o esprito liberal da

    medicina, porque ele representa uma aspirao e um prmio, e bem pode assumir o

    carter de atrativo [...] (p. 127).

    Ou ainda:

    [...] Nada indica que a clnica particular, que frequenta os consultrios de melhor

    apresentao ou renome, v desaparecer. Os empregadores, os industriais, os burgueses,

    os agricultores, enfim, todos os indivduos de posses, e que sustentam as clnicas

    privadas mais caras, continuaro, mesmo em pleno regime de socializao, e desde que

    no penetrem na rbita das coisas compulsrias, a ter a mesma predileo e facilidades.

    [...] (p. 128).

  • 37

    Ou seja, trata-se de socializar a assistncia s classes trabalhadoras em expanso, mantendo as

    prerrogativas liberais no estatuto da profisso mdica para atendimento aos detentores dos meios

    de produo empregadores, industriais, burgueses, agricultores16 e indivduos de posses (p. 128).

    De forma esquemtica, os principais argumentos veiculados por aquele texto publicado em 1943

    podem ser enunciados da seguinte forma:

    A poltica previdenciria e de assistncia sade de trabalhadores instaurada a partir de

    1930 expande o escopo da ao do Estado na rea social; Esta expanso permite um

    apuro no diagnstico dos problemas estruturais a partir de dados elaborados pelos

    diversos institutos e pe em evidncia os desafio de responder aos problemas dentro dos

    limites do modelo de assistncia liberal ento em voga; Admite-se a sade individual

    como um bem coletivo dentro de uma viso funcionalista de recuperao da higidez da

    fora de trabalho; A discusso pautada na Europa em conflito sobre a possvel

    institucionalizao de um seguro-sade universal de carter estatal tomada como

    adequada e necessria para fazer frente aos problemas de sade caractersticos do Brasil

    em processo de industrializao; Admitem-se prerrogativas discricionrias aos

    segmentos populacionais detentores dos meios de produo no sentido da garantia de

    uma assistncia diferenciada daquela oferecida s classes trabalhadoras mediante

    financiamento de uma estrutura privativa com traos liberais; Postula-se o protagonismo

    da corporao mdica na definio das diretrizes polticas relacionadas com a assistncia

    sade.

    As mudanas institucionais ocorridas em 1930 ensejaram, no plano ideolgico, a abertura para

    novas possibilidades de projeto de nao incluindo a ampliao do escopo de polticas sociais de

    assistncia mdica para trabalhadores urbanos e uma clara viso da funo social da profisso

    mdica. As contradies e os limites da proposta de socializao da medicina, entretanto, j

    esboados no texto de Borges (1943) no tardaram a se avolumar aps o desfecho da guerra em

    1945 e a consolidao da supremacia econmica, poltica e ideolgica do modelo de

    desenvolvimento liberal estadunidense sobre os pases perifricos do hemisfrio ocidental

    inclusive, com expresso setorial no campo da assistncia sade.

    O esboo elaborado at aqui pode seguir como o modelo primrio de uma contenda poltica ainda

    aberta, pautada em torno da disputa pela apropriao privada das bases materiais da atual

    Seguridade Social, incluindo previdncia, assistncia social e, no caso da assistncia sade, os

    servios prestados por profissionais e sua infraestrutura conexa.

    16 Refere-se a fazendeiros e latifundirios, grandes proprietrios de terras e no a pequenos agricultores ou trabalhadores rurais.

  • 38

    1.4 A VISO AMPLIADA DO SOCIAL

    A viso que toma a prtica mdica como fato social e no como um dado natural desprovido de

    historicidade fundamental para o campo da Sade Coletiva. No se pode avanar no terreno

    onde se situa o objeto da nossa investigao sem a admisso do pressuposto de que a prtica

    mdica historicamente construda e assume expresses distintas em diferentes sociedades e

    momentos histricos (DONNANGELO, 2011; GONALVES, 1984). Da mesma forma, o papel

    do Estado como instrumento de controle dos mecanismos de reproduo da fora de trabalho

    destacado por referncias importantes nas dcadas de 1980 com um olhar especial sobre a

    assistncia sade dos trabalhadores (POSSAS, 1989; BRAGA; PAULA, 1981).

    So, portanto, contribuies das Cincias Sociais em geral e da Medicina Social em particular,

    elaboradas a partir do tema da assistncia sade e da sua articulao pblico/privada que

    comporo algumas das discusses mais importantes na conformao do campo que hoje

    reconhecemos como Sade Coletiva.

    Ainda na dcada de 1950, se introduziu gradualmente o estudo das Cincias Sociais nos cursos

    mdicos do Brasil sob a influncia de recomendaes oriundas, principalmente, dos Estados

    Unidos em um contexto de acirrada disputa ideolgica com pases do bloco liderado pela antiga

    Unio Sovitica.

    H importantes trabalhos de reviso, ainda atuais, sobre evoluo dos estudos de Cincias Sociais

    em Sade, entre os quais destacamos os de Nunes (1992; 2006) e Canesqui (2011). Ambos

    apontam a proeminncia de teorias de recorte funcionalista, culturalista ou comportamental na

    base dos primeiros estudos do que se denominava ento de Cincias da Conduta na Sade.

    A crescente influncia econmica, cultural e ideolgica dos Estados Unidos sobre a Amrica

    Latina nos anos do ps-guerra se expressou, no campo da sade, pela incorporao das

    disciplinas de Medicina Preventiva e Medicina Integral aos currculos dos cursos de formao

    profissional, com o trnsito crescente de jovens professores bolsistas financiados por instituies

    estadunidenses para perodos de formao em suas universidades. Esta estratgia pode ser

    considerada como um esforo, no quadro de disputa ideolgica subjacente, pela conquista de

    coraes e mentes dos jovens intelectuais oriundos de pases do cinturo perifrico da rea de

  • 39

    influncia da potncia hegemnica ocidental. Algumas vezes, entretanto, o efeito produzido foi

    precisamente o contrrio do esperado pelos financiadores, ou seja, o desenvolvimento de uma

    massa crtica de pensamento, comprometida com as necessidades locais, e atenta ao fenmeno da

    transposio alienada de conceitos formulados para um contexto de dominao econmica e

    cultural.

    No Brasil, o estudo da prtica mdica como objeto da sociologia do trabalho tem uma genealogia

    que remonta ao perodo desenvolvimentista das dcadas de 1950 e 1960 em seu esforo de

    elaborao de uma explicao endgena para a trajetria de desenvolvimento nacional que

    contemplasse as peculiaridades da formao social brasileira. A tese de doutorado (1973) e a de

    livre docncia (de escopo bem mais abrangente) ao Departamento de Medicina Preventiva da

    USP em 1976 de Maria Ceclia Donnangelo representam um marco na construo desse

    conhecimento.

    A obra de Donnangelo referncia essencial para o ordenamento da argumentao a que nos

    propomos. Entretanto, sua exegese no tem sido tomada como objeto de estudo frequente17.

    No pretendemos aqui empreender uma reviso completa da enorme contribuio desta autora ou

    de outros formuladores importantes no campo da Sade Coletiva, mas apenas destacar os

    elementos necessrios para o desenvolvimento da nossa linha argumentativa sobre a conformao

    e a dinmica dos grupos econmicos ligados ao esquema de comrcio de planos e seguros de

    sade no Brasil e a articulao pblico/privada na assistncia no quadro atual de dominncia

    financeira. Para esta tarefa recorremos aos textos de Donnangelo (2011, 1979) e tambm ao

    trabalho de comentadores de primeira mo como Nunes (2008) e Mota et alii (2004)18.

    A organizao social da prtica mdica foi a linha de investigao que permitiu a reelaborao

    de conceitos da Medicina Social europeia para a produo de dados sobre a realidade emprica

    local, dando visibilidade s relaes entre sade e estrutura social a partir da anlise das prticas

    dos agentes prestadores da assistncia.

    17 Jos Ruben de Alcntara Bonfim na segunda edio da tese de doutoramento de Donnangelo publicada em 2011 aponta apenas duas publicaes acessveis como reviso abrangente da obra e tr