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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE LETRAS PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS NEOLATINAS OS MEANDROS DA TRADUÇÃO JURÍDICA ROSANE MAVIGNIER GUEDES Rio de Janeiro Julho/ 2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

FACULDADE DE LETRAS

PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS NEOLATINAS

OS MEANDROS DA TRADUÇÃO JURÍDICA

ROSANE MAVIGNIER GUEDES

Rio de Janeiro Julho/ 2011

OS MEANDROS DA TRADUÇÃO JURÍDICA

ROSANE MAVIGNIER GUEDES

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do Título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos – Opção Língua Francesa). Orientadora: Professora Doutora Márcia Atálla Pietroluongo

Rio de Janeiro Julho/ 2011

GUEDES, Rosane Mavignier. Os Meandros da Tradução Jurídica/ Rosane Mavignier Guedes. – Rio de Janeiro: UFRJ/ Faculdade de Letras, 2011. x, 124f.; 30 cm. Orientadora: Márcia Atálla Pietroluongo. Dissertação (Mestrado) – UFRJ/ Faculdade de Letras/ Programa de Pós-graduação em Letras Neolatinas, 2011. Referências Bibliográficas: f. 135-139. Anexo: f.140-149.

1. Discurso Jurídico. 2. Tradução Jurídica. I. Pietroluongo, Márcia Atálla. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós-graduação em Letras Neolatinas - Estudos Linguísticos. III. Título.

“Seja qual for o seu sonho, comece. Ousadia tem genialidade, poder e magia.”

(Goethe) AGRADECIMENTOS: Agradeço a minha orientadora, Profa. Dra. Márcia Pietroluongo. Como disse Goethe: “ousadia tem genialidade”, e ela ousou “navegar por mares nunca dantes navegados”. É preciso ter ousadia para mergulhar em um campo novo quando se tem a vida profissional estruturada, vitoriosa e reconhecida. Obrigada por ter-me aceito como orientanda, por ter abraçado, com dedicação, o meu desafio e por ter-me inserido no “adorável mundo da pesquisa”. Agradeço ao meu orientador, Prof. Dr. Renato Venâncio Henrique de Sousa, no curso de especialização em Tradução do Francês, UERJ. Primeiramente por ter aceitado o desafio de me dar sua orientação no trabalho de final de curso – O Desafio da Tradução Jurídica. Em segundo lugar, por ter-me apontado o “adorável mundo da pesquisa”, orientando também nesse caminho. Agradeço aos meus filhos – Daniel e Thiago – pelo impulso inicial e pelos conselhos de como organizar a retomada dos estudos acadêmicos. Mas, sobretudo, porque EXISTEM. Agradeço ao meu marido por sua compreensão e por seu incentivo, guardados “no silêncio”. Pelas consultas dadas, sempre com prazer. E também pela sua EXISTÊNCIA. Agradeço ao meu irmão pela contribuição dada com prazer e sem medir esforços para a elaboração deste trabalho. E também pela sua EXISTÊNCIA. Agradeço ao funcionário da secretaria de Pós-Graduação da Faculdade de Letras, Sr. Laelson da Rocha Luiz, pela gentileza – que muitas vezes passa invisível – em ter me dado a orientação inicial de como participar do concurso para ingressar no curso de mestrado. Sem essa orientação básica, incluindo a explicação de como elaborar um pré-projeto, eu teria desistido ainda na porta. Agradeço a minha nova amiga Andréia, pelos ouvidos emprestados, pelas confabulações e pela solidariedade. Foi uma valiosa aquisição para meu “pequeno círculo de amizades”. Agradeço a minha amiga Neide Macher, pela imensa gentileza e espírito de despojamento ao me ceder peças de seu processo judicial, para que pudessem compor meu corpus. Apesar de não terem sido utilizadas, fica minha eterna gratidão e minha admiração. Agradeço a minha amiga Sônia, como também a minha querida mestre e professora Monique Roberte Louise Hermsdorff, que acompanharam todo esse processo. Agradeço pelas palavras de incentivo que valem ouro. Agradeço os conselhos e as informações dadas por minha nova amiga Profa. Dra. Ida Ferreira Alves. Lembro a companhia incondicional, durante todo o período de leitura e elaboração deste trabalho, de meu “fiel escudeiro”, Bóris – meu Beagle.

DEDICATÓRIA A minha mãe, que tantas vezes tentou me convencer de que meu lugar estava na faculdade de Letras; A meu pai, que sempre me viu nos bancos da faculdade de Direito, seguindo seus passos no exercício da profissão que tanto amava – “Advogar é a melhor coisa da vida”. Pois bem, hoje estou aqui, na faculdade de Letras, trabalhando o discurso do Direito. Dedico este trabalho aos dois, desencarnados há mais de trinta anos, esperando contribuir, de alguma forma, com as pesquisas nas duas disciplinas, tão belas! Sem esquecer...

Ofereço este trabalho a todos aqueles que têm a

coragem de enfrentar o árduo desafio da

autossuperação.

“O tradutor é obrigado a caminhar sem cessar por um caminho estreito e deslizante que não é de sua escolha,

tendo, às vezes, que se jogar de lado para evitar o precipício”.

( D’Alembert)

“O tradutor jurídico depara-se constantemente com ... a diferença. Disponibilizar as noções de uma língua ....

jurídica por meio de outra língua jurídica é confrontar dois sistemas, duas condutas, duas culturas jurídicas”.

(Malcolm Harvey)

RESUMO GUEDES, Rosane Mavignier. Os meandros da tradução jurídica. Rio de Janeiro, 2011. Dissertação (Mestrado em Letras Neolatinas – Estudos Linguísticos Neolatinos – Opção Língua Francesa) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011. Esta pesquisa visa mostrar que a tradução do discurso jurídico não se restringe a passar um texto de uma língua para outra, mas também de um Sistema Jurídico para outro. Para tanto, este estudo propõe uma metodologia tradutória constituída em três etapas: a primeira corresponde a um trabalho linguístico de desconstrução do discurso; na segunda, o discurso é atravessado pelo contexto jurídico da língua-fonte, determinado pela lógica da Instituição à qual pertence; por fim, a terceira etapa consiste na reconstrução linguística em outro idioma e adaptação a outro Sistema Jurídico, da língua-alvo. Importa dizer que tal proposta se fundamenta, principalmente, na teoria de Claude Bocquet, cujo preceito estrutura o discurso jurídico sobre três pilares: Instituição, discurso e língua. Quanto ao corpus, este estudo se debruça sobre o discurso normativo/ legislativo, tendo como foco os Atos Jurídicos Internacionais (Tratados, Acordos e Convenções) bilaterais, assinados entre Brasil e França, cuja lógica atende as necessidades da Instituição do Direito Internacional Público e do Legislativo. Dessa forma, partindo da premissa de que cada Sistema Jurídico pertence a uma cultura, e como cada cultura tem um espírito jurídico próprio, acredita-se que essa metodologia conduza à elaboração de um discurso que seja, acima de tudo, o reflexo de uma prática cultural. Palavras-chave: Discurso Jurídico, Instituição, Lógica, Cultura, Tradução.

Rio de Janeiro Julho/ 2011

RÉSUMÉ

GUEDES, Rosane Mavignier. Os meandros da tradução jurídica. Rio de Janeiro, 2011. Dissertação (Mestrado em Letras Neolatinas – Estudos Linguísticos Neolatinos – Opção Língua Francesa) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011. Cette recherche a pour but de démontrer que la traduction du discours juridique ne se borne pas à transposer un texte d’une langue dans une autre, mais aussi d’un Système Juridique dans un autre. À cet effet, cette étude présente une méthodologie de traduction structurée en trois étapes : d’abord, le travail linguistique de déconstruction du discours source ; ensuite, ce discours est traversé par le contexte juridique de la langue-source, déterminé par la logique de l’Institution à laquelle il appartient ; enfin, la troisième étape est la reconstruction linguistique dans une autre langue et son adaptation au Système Juridique de la langue cible. Il faut remarquer que telle proposition est fondée, surtout, sur la théorie de Claude Bocquet, dont les préceptes bâtissent le discours juridique sur trois piliers : l’Institution, le discours et la langue. En ce qui concerne le corpus, cette étude se penche sur le discours normatif/ législatif, en se centrant sur les Actes Juridiques Internationaux (Traités, Conventions, Accords) bilatéraux, signés entre la France et le Brésil, dont la logique répond aux besoins de l’Institution du Droit International Public et du Législatif. Ainsi, partant de la prémisse que chaque Système Juridique appartient à une culture donnée, et que chaque culture a un esprit juridique propre, cette méthodologie propose l’élaboration d’un discours qui est, avant tout, le reflet d’une pratique culturelle. Mots-clés : Discours Juridique, Institution, Logique, Culture, Traduction.

Rio de Janeiro Julho/ 2011

ABSTRACT

GUEDES, Rosane Mavignier. Os meandros da tradução jurídica. Rio de Janeiro, 2011. Dissertação (Mestrado em Letras Neolatinas – Estudos Linguísticos Neolatinos – Opção Língua Francesa) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011. The purpose of this research is to show that translating the judicial discourse is not restricted to transferring the text from one language into another, as it also includes transferring it from one judicial system into another. In this way, the present study proposes a translation methodology with three stages: the first one corresponds to a linguistic work of discourse deconstruction; in the second stage, the discourse is permeated with the judicial context of the source language being determined by the logics of the Institution to which it belongs; and finally, the third stage consists both of the linguistic reconstruction in the other language and the adaptation into another judicial system, in the target language. It is important to say that such a proposition is particularly based on the theory of Claude Bocquet, whose premise structures the judicial discourse on three pillars: Institution, discourse and language. As far as the corpus is regarded, this study turns to the normative/ legislative discourse, focusing on bilateral International Judicial Acts (Treaties, Agreements and Conventions) signed between Brazil and France, whose logics covers the needs of both the International Public Law Institution and the Legislative. Therefore, considering that each Judicial System belongs to a different culture, and that each culture has its own judicial spirit, it is believed that this methodology may lead to the elaboration of a discourse which reflects, above all, a cultural practice. Key words: Judicial discourse, Institution, Logics, Culture, Translation

Rio de Janeiro Julho/ 2011

SUMÁRIO INTRODUÇÃO......................................................................................................................11 1. O DISCURSO JURÍDICO................................................................................................17

1.1 A Cada Gênero, Uma Lógica...............................................................................21 1.2 O Discurso Legislativo..........................................................................................37

2. A TRADUÇÃO JURÍDICA............................................................................................43 2.1 O Discurso Normativo e o Discurso Legislativo.................................................43 2.2 A Instituição do Discurso Legislativo..................................................................49 2.2.1 Prescrição.....................................................................................................51 2.2.2 Coerção: Marca de Poder...........................................................................53 2.2.2.1 Lógica.............................................................................................54 2.2.2.2 Estética...........................................................................................63 2.3 Os Aspectos Discursivos......................................................................................70 2.3.1 Os Sujeitos do Discurso..............................................................................86 2.3.2 A Voz Passiva do Legislador.....................................................................95 2.3.3 Discurso Indireto........................................................................................99 2.4 Os Elementos Linguísticos do Discurso Jurídico............................................103 2.4.1 Verbos........................................................................................................104 2.4.2 Pronomes...................................................................................................108 2.4.3 Advérbios..................................................................................................115 2.4.4 Preposição.................................................................................................116 2.4.5 Conjunções................................................................................................119 2.4.6 Problemas..................................................................................................122 2.4.7 Soluções.....................................................................................................125 CONCLUSÃO.......................................................................................................................131 BIBLIOGRAFIA...................................................................................................................135 ANEXO — APRESENTAÇÃO DO CORPUS.................................................................140

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INTRODUÇÃO

“Na França, o redator quer antes de tudo um texto coerente a fim de fixar o contexto. Não se fala de espírito das leis?

Essa manifestação cultural não remonta a Montesquieu? O importante no texto francês é o espírito do texto, e, no

texto brasileiro, evitar qualquer outra utilização que provoque algum desvio”.

Jean-Luc ORSONI

A palavra de ordem do momento, no universo jurídico, é a Internacionalização do

Direito. Debatida em todos os seus campos, visa harmonizar a diversidade de Sistemas

Jurídicos nacionais aplicados em uma esfera internacional, mas essa ideia não pode ser vista

como algo recente. Olhando um pouco para trás, a criação da União Europeia e a pretensão de

se constituir como uma nação, um Estado-Continente, incluía a existência de uma

Constituição para esse novo modelo de Estado; entretanto esbarrou na questão da diversidade

cultural e institucional. Como poderia existir uma Constituição para reger vários povos de

diversas línguas e culturas, instituindo um único Sistema Jurídico? Embora a diversidade e a

pluralidade linguística, manifestação maior da cultura de um povo, não tenham sido

empecilho, pois o multilinguismo é superado graças ao intermédio do trabalho dos tradutores,

o mesmo não ocorreu no âmbito institucional. Diante do fracasso do estabelecimento de uma

Constituição para reger várias nações, a regulamentação continuou a ser praticada a partir de

um conjunto de Atos Jurídicos Internacionais – Tratados, Acordos, Convenções – com força

de Constituição. Se dificuldades existem nos limites de um pequeno continente, imaginemos

em um patamar global. Com o propósito de aproximar e não de unificar os diversos sistemas,

Mireille Delmas-Marty1 (2007, pp. 249-251), jurista e professora do Collège de France,

propõe que, em razão das diferenças institucionais, compatíveis ou incompatíveis, os

principais textos internacionais – nos quais se incluem os Acordos, Tratados e Convenções –

1 DELMAS-MARTY, Mireille. Les Forces Imaginantes du Droit (III) - La Refondation des Pouvoirs. Paris : Seuil, 2007. Mireille Delmas-Marty é professora titular da cadeira de “Estudos jurídicos comparados, ou seja, a disciplina de Direito Comparado, e Internacionalização do Direito”, no Collège de France.

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devam ser submetidos a uma aplicação sistemática das diversas versões linguísticas, e fala

sobre o milagre da tradução:

Milagre, pois a tradução “cria a semelhança onde só parecia haver pluralidade”. Ela não produz identidade, apenas equivalências. Em outras palavras, longe de fazer desaparecer a diversidade, a tradução seria a mediadora entre a diversidade cultural e o universalismo do saber. (2007, pp. 249-251, tradução nossa)

Diante da globalização e da discussão em torno de temas de interesse internacional,

acordados em documentos jurídicos escritos nas línguas pátrias dos Estados envolvidos,

torna-se iminente a discussão sobre a matéria: a tradução jurídica, tanto em uma dimensão

científica quanto pragmática. Assim, cabe ao tradutor mediar a comunicação entre os

representantes de nações idiomaticamente diferentes. Mas a tarefa do tradutor, sobretudo do

tradutor jurídico, requer critérios bem definidos estabelecidos também no conhecimento do

percurso histórico da linguagem jurídica das línguas em questão.

A história explica o porquê de o Discurso Jurídico ter peculiaridades que, ao olhar

daqueles que são externos ao seu ambiente, parecem bizarras. É certo que essa tipologia

discursiva sempre esteve em um carrefour de críticas, alguns alegam que a complexidade

inerente ao texto deve-se ao fato de ter permanecido encerrado em suas tradições, tornando-se

quase intocável ao longo dos séculos. A explicação para esse fato está nas palavras de Michel

Fromont2, professor da Université Paris-I Panthéon-Sorbonne, ao prefaciar a obra sobre o

Direito Francês: “O caráter antigo dos textos é flagrante. Até mesmo a Constituição

atualmente em vigor já tem cinquenta anos, e para evitar chocar os cidadãos franceses, ela tem

se esforçado em conservar, na medida do possível, fórmulas antigas, que tomam, assim,

feições quase sacrossantas”. A razão está na história, visto que o Direito constituiu-se na

Idade Média, a partir do latim, de forma autônoma e sem necessidade de um modelo de

2 FROMONT, Michel. In: COSTA, Thales Morais da. Introdução ao Direito Francês, tradução de Thales Morais da Costa, Curitiba: Juruá, 2009, p.19, prefácio.

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discurso emprestado de outra disciplina (BOCQUET, 2008, p. 13, tradução nossa). Ora, foi

a partir do século XII, com a redescoberta dos textos jurídicos dos Romanos, que na Europa

Continental, Europa Românica, começou a despontar uma Ciência do Direito sistematizada,

sob forte influência do Direito Romano.

Embora o Brasil não tenha vivido a Idade Média, entre nós também há uma herança

cultural que explica as características do discurso do Direito brasileiro. Primeiramente,

encontramos marcas dessa herança em sua formação, o direito brasileiro é resultado de uma

hibridação particularmente notável de vários sistemas jurídicos, o português, o francês, o

americano, o alemão, o suíço e o italiano (FROMONT In: ALMEIDA, Paiva de, 2006, p.7,

tradução nossa). Essa hibridação está nos alicerces de nossa cultura jurídica, o que, aliado a

outros aspectos, justifica o espírito de nossa língua, de nosso Discurso Jurídico. Em

segundo lugar, encontramos em Venâncio Filho3 a identificação de duas causas

históricas que também explicam as peculiaridades da linguagem jurídica brasileira em seu

perfil linguístico e discursivo, conhecido como “juridiquês”: a tradição lusitana — a Escola de

Coimbra — e a influência de Rui Barbosa. E cita o Prof. Thiers Martins (apud VENÂNCIO

FILHO, 2005, p. 155) ao explicar que Rui Barbosa marcou com a opulência da

fundamentação bibliográfica, e com sua forma rica, farta, abundante, certo barroquismo

verbal que lhe emprestava aos escritos. Tal comportamento é justificado pela necessidade de

fundamentar seus pontos de vista nos mentores do positivismo [...], apoiando-se em

documentos muito numerosos, uns de cunho meramente informativo e outros que lhe

permitissem evidenciar a coerência das próprias concepções (REALE apud VENÂNCIO

FILHO, op. cit.).

Notamos, então, que o universo jurídico se constrói abraçado a uma linguagem

própria, esta, por sua vez, está intrinsecamente ligada a sua bagagem cultural. Entretanto, a

3 VENÂNCIO FILHO, Alberto. Das Arcadas ao Bacharelismo – 150 Anos de Ensino Jurídico no Brasil. 2005. Alberto Venâncio Filho é advogado, historiador e membro da Academia Brasileira de Letras.

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diferença cultural pode ser um abismo, por essa razão ela deve ser observada pelo tradutor ao

escolher as fórmulas a serem utilizadas no discurso-alvo, sempre levando em conta o espírito

da língua-alvo, que no francês tem a tendência a ser objetivo e conciso, enquanto que no

português do Brasil tende a ser prolixo e redundante, com a finalidade de evitar desvios de

interpretação.

Apesar dos entraves causados pelo juridiquês (no Brasil), pela jurilinguistique (no

Quebec) e pela linguística jurídica (na França), estes não representam o maior obstáculo

enfrentado pelo tradutor, pois a tradução do discurso jurídico não comporta apenas a

passagem de uma língua para outra, ela vai além, é preciso transpor a mensagem construída

em um Sistema Jurídico para outro Sistema Jurídico. Assim, nesse terreno minado, o tradutor

tem de encontrar os recursos necessários para contornar “Os meandros da Tradução Jurídica”.

Ora, a prática do Direito se fundamenta na língua, sendo que mesmo no seio da

linguagem jurídica as palavras podem adquirir sentidos diferentes, da mesma forma ocorre

com o discurso, obedecendo à lógica da Instituição à qual pertencem. Desse modo, não

obstante o aspecto linguístico e discursivo existe o componente institucional definindo a

lógica do discurso. Eis porque Claude Bocquet4 explica que a grande dificuldade da tradução

jurídica está no aspecto flutuante do significado, devido à natureza das diferenças

institucionais, o que constitui o principal problema da tradução jurídica. Sendo assim, a

tríade fundadora do discurso jurídico é constituída pela língua, discurso e Instituição. Estes

são os três pilares que sustentam a tradução jurídica.

Neste contexto, este trabalho versará sobre as técnicas de tradução jurídica à luz da

teoria de Claude Bocquet, para quem a tradução jurídica deve partir dos tipos de discurso

determinados pela lógica do Direito na Instituição à qual pertence, classificando-o em:

4 BOCQUET, Claude. Traduction Juridique et Apropriation par le Traducteur. L’Affaire Zachariae, Aubry et Rau. p.2. Disponível em http://www.infotheque.info/cache/9601/www.tradulex.org/Actes2000/bocquet.pdf. Acesso em 11 nov. 2010, tradução nossa.

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jurisdicional, doutrinário, ou normativo. Este último, sobre o qual nos curvaremos, é aquele

que determina, por meio de Ato Legislativo, as normas que, em nosso trabalho, pertencem ao

ramo do Direito Internacional Público.

É importante ressaltar que diante do fato de nosso teórico, Claude Bocquet, se servir

da nomenclatura “tipologia” tanto para classificar o Discurso Jurídico numa concepção ampla,

como também para classificar os discursos numa concepção restrita, os modos do discurso,

determinados pelo “tipo da mensagem” que é a lógica da Instituição, faremos uma distinção

usando a classificação de “tipologia” para todo discurso que for produzido no campo jurídico,

e “gênero” para os discursos existentes dentro dessa tipologia, segundo a nomenclatura usada

pelos jurilinguistas Gérard Cornu e Eduardo Bittar.

Para tanto, no percurso deste trabalho, contaremos com o estudo sobre a linguagem do

Direito elaborado por Gérard Cornu, professor de Direito da Université Paris II – Panthéon-

Assas, cuja obra Linguistique Juridique (Montchrestien, 2005. 3 ed.) ganhou peso de bíblia

sobre a matéria, em dimensão internacional. Em outro patamar, tomaremos emprestadas as

análises de Eduardo Bittar, doutor e professor do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do

Direito da Faculdade de Direito da USP, com sua obra Linguagem Jurídica (Saraiva, 2009. 4

ed.); de Tércio S. Ferraz Jr., jurista e professor da Faculdade de Direito da USP e da PUC/SP,

com sua obra Direito, Retórica e Comunicação (Saraiva, 1997. 2 ed.); de Jean–Louis

Sourioux, jurista, professor de Direito, membro da comissão de terminologia do Ministério de

Justiça da França, e Pierre Lerat, especialista em linguagem jurídica, professor da

Universidade Paris XIII, com as obras Le Langage du Droit (PUF, 1975) e L’Analyse de

Texte, Méthode Générale et Aplications au Droit (5 ed., Dalloz, 2005).

O Direito Internacional Público, também chamado Direito das Nações, é fundado nos

tratados ou nos usos internacionais, constituindo-se pelo conjunto de regras aplicáveis às

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relações dos Estados entre si5. No cenário da negociação bilateral, em um processo histórico

de colaboração, encontramos Brasil e França a assinar Atos Jurídicos bilaterais – Acordos,

Tratados, Convenções (a partir desse momento serão denominados, neste trabalho, pela

sigla AJI) –, regulamentando assuntos diversos e de interesse das duas nações. No entanto,

apesar de ambas as nações adotarem o Direito Romano, os próprios conceitos jurídicos são

diferentes nos dois sistemas, o que causa dificuldades para que o tradutor encontre o

equivalente adequado. Da mesma forma, a lógica do Direito que dá sustentação aos textos a

traduzir varia de acordo com as Instituições que a estabelecem. Por esse motivo, é importante

que o tradutor se fixe na compreensão e no domínio da lógica do Direito, naquela Instituição,

nos dois idiomas: a língua-fonte e a língua-alvo.

A importância da tradução jurídica, sobretudo no contexto mundial atual, justifica esta

investigação, cujo propósito é contribuir, através da pesquisa, com uma reflexão sobre a

metodologia aplicável na tradução jurídica. Para atingir esse objetivo, desenvolveremos no

primeiro capítulo um panorama do discurso jurídico e de seu desmembramento,

concentrando-nos no discurso normativo, melhor explicando, no discurso legislativo do qual

fazem parte os Atos Jurídicos Internacionais – AJI –, explicando em pormenores a sua

formação e a sua estruturação.

Após, mostraremos a linha teórica que permeia este trabalho, debruçados sobre nosso

corpus, apontando “os meandros da tradução jurídica” através da análise do material escrito

em português e em francês.

Sendo assim, nossa intenção é analisar os documentos escritos nos dois idiomas e

publicados no Diário Oficial da União (Brasil) e no Journal Officiel (França), apontando as

questões linguísticas, discursivas e institucionais, com a finalidade de propor soluções ou

confirmar as soluções existentes.

5 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 28 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2009.

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1. O DISCURSO JURÍDICO

Por que nossa língua comum, tão fácil para qualquer uso, torna-se obscura e ininteligível em contrato e testamento.

MONTAIGNE, Essais, III, 13

“A palavra é irrevogável. Ela sai de forma irreversível da boca de quem a pronuncia. O

que foi dito, está dito. Quem se arrepender do que disse pode tentar tudo para anular seus

efeitos. Mas se foi dito, não há como fazer que não disse. É um ato feito” (Cornu, 2005, p.

249, tradução nossa).

A irrevogabilidade da palavra existe tanto na expressão oral quanto na expressão

escrita do Direito. Seja na tribuna ou no papel, a palavra é usada no Discurso Jurídico para

articular o conjunto das regras que regem as condições de convivência dos homens em

sociedade, isto é, o Direito.

A prática do Direito, tal qual a conhecemos nos dias de hoje, foi estabelecida durante o

Império Romano tardio, por volta do século VI, quando o imperador romano Justiniano

mandou elaborar o Codex com a reunião das várias leis promulgadas em seu governo e a

adaptação de princípios já praticados. No período anterior, na Grécia, foyer da retórica e da

eloquência, o discurso era oral, tendo em Aristóteles seu grande representante, a quem

devemos a retórica como técnica de argumentação jurídica, colaboradora da operação da

lógica do Direito. Assim, explica Cornu: “O fato é que a retórica orienta tão bem a expressão

escrita quanto a expressão oral do Discurso Jurídico. Uma arte de bem pensar” (2005, p. 258,

tradução nossa).

Em oposição à clareza do Direito grego, o Direito Romano era de tal complexidade

que para preparar uma defesa com os argumentos jurídicos adequados era preciso um

“advocatus”, este tinha o conhecimento do Direito, também chamado de jurisconsulto.

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Os jurisconsultos possuíam a mesma autoridade do imperador, pois eram pessoas estudiosas que “ditavam as regras” aos juízes e às partes, cujos pareceres tinham força de lei. Aqui vislumbramos o antecedente remoto da jurisprudência.6

Assim, sob o Império de Justiniano, os romanos codificaram o Direito, organizando

em quatro partes o Corpus Juris Civilis: “Códice”, “Digesto”, “Institutas” e “Novelas”.

1- O “Códice” era composto da coleção de constituições imperiais, dividida em doze livros,

subdivididos em títulos. Continha a compilação de suas Constituições como também aquelas

dos outros imperadores romanos que lhe tinham antecedido. Assim explica o mestre De

Plácido e Silva em sua obra Vocabulário Jurídico (2009, p.302): “Calcados nos códigos

romanos, surgiram os demais códigos, inspirados geralmente nos princípios instituídos pelas

sábias regras contidas no Direito Romano. Dele não se afastaram os Códigos de Napoleão,

Afonsino, Manuelino e outros que lhe seguiram”. Em nosso trabalho, o Códice corresponde à

Legislação, cujo discurso será classificado de Discurso Normativo. Note-se que a organização

em livros e títulos, ainda permanece em prática;

2- O “Digesto”, também chamado de Pandectas, é a compilação dos fragmentos de notáveis

jurisconsultos, constando de cinquenta livros, subdivididos em títulos. Podemos ver o Digesto

como a atual Jurisprudência, a qual, no decorrer deste trabalho, será classificada como

Discurso Decisório;

3- As “Institutas” eram manuais contendo lições de Direito, constituía-se de quatro livros,

subdivididos em títulos, trata-se da Doutrina, ou seja, de um conjunto de ideias, opiniões e

conceitos com a finalidade do ensino da matéria, servindo também de sustentação para a

interpretação e para a aplicação da norma jurídica. Iremos estudá-la como Discurso

Científico, visto que firmam teorias do Direito e interpretações sobre a ciência jurídica;

6 Rodrigo Arnoni Scalquette. Advogado e professor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, nas disciplinas de Direito Penal e História do Direito.

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4- As “Novelas”, trata-se de constituições promulgadas posteriormente por Justiniano e dois

de seus sucessores, que foram compiladas e acrescidas às partes anteriores7. Sua legislação

tratava de vários assuntos referentes ao Direito Eclesiástico, ao Direito Público,

Administrativo, Criminal e ao Direito Privado. Sendo Legislação, também iremos classificá-

la como Discurso Normativo.

Apesar de toda a organização jurídica dos Romanos, com a queda de seu Império, ele

deixou de ser amplamente aplicado; enquanto que no norte da França era empregado o Direito

Germânico, devido às invasões bárbaras; no sul, a França românica, permanecia com o uso do

Direito Romano, entretanto deturpado. Foi preciso esperar até o século XII para que os textos

jurídicos romanos conservados nas bibliotecas dos mosteiros fossem redescobertos8.

Paralelamente, os reis da França procuravam estabelecer uma língua com personalidade

própria, independente do latim; assim, a língua do Direito foi usada como veículo para o

estabelecimento de uma língua nacional, isso se deu no período da Renascença, sob o reinado

de François Ier, com a promulgação da ordenança de Villers-Cotterêts, em 1539,

estabelecendo a obrigação de redigir os atos jurídicos em françoys, com a finalidade de evitar

as imprecisões de interpretação dos textos oficiais.

Entretanto, apesar da unificação do Direito no território francês, estruturado sobre o

Direito Romano, restou alguma influência de origem germânica, como ainda explica Michel

Fromont: “[...] por exemplo, a comunhão dos bens entre os cônjuges” (2009, p.11). Essa

situação nos mostra que o cruzamento cultural está na base da formação do Direito nacional,

consequentemente, do discurso desse Direito. Como afirma Jean-Claude Gémar, professor e

pesquisador em língua e tradução jurídica da Université de Génève, “Cada povo, segundo a

sua cultura, seus usos e costumes, forjou sua própria tradição de redação dos textos

7 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 28 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. 8 FROMONT, Michel, In: COSTA, Thales Morais da (Coord.) Introdução ao Direito Francês. Tradução de Thales Morais da Costa. Juruá, 2009, prefácio, p.21.

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jurídicos”9. Dessa forma, verificamos que a própria formação dos Sistemas Jurídicos

dependeu do trabalho dos tradutores; neste caso, dos tradutores do latim para as novas línguas

ainda jovens, sem os quais os juristas não poderiam ter trabalhado.

Embora o discurso do Direito tenha se constituído na Idade Média, isto quer dizer que

ele, ao criar suas estruturas, não se apoiou em outras ciências, as quais se formaram ao longo

do século XIX – a economia, a psicanálise, a sociologia, dentre outras –, e tendo se formado

independentemente de outro formato discursivo veio a facilitar o trabalho do tradutor; apesar

disso, encontramos outros elementos como a terminologia e a fraseologia que criam

empecilhos à tarefa do tradutor. O conjunto desses elementos, como vimos, está inscrito em

uma cultura, em um Sistema Jurídico. Ora, se a tradução comporta não apenas a passagem

de uma língua para outra, mas também a transposição da mensagem de um sistema de

Direito para outro10, logo, o processo de tradução, para evitar as armadilhas criadas pela

polissemia e pela ambiguidade da linguagem jurídica, liga o discurso a um gênero discursivo.

Este é determinado pela Instituição que lhe deu origem, atendendo a lógica do Direito naquela

Instituição. Vale lembrar que, devido a uma relação de metonímia, o sentido primário de

Instituição – fundação ou criação de alguma coisa com finalidade própria, conjunto de regras

– confunde-se com a entidade jurídica que por ela se fundou, a qual também se diz

“instituto” (SILVA, 2009, p.753). Neste contexto, a concepção de gênero obedece aos

critérios concebidos pela Linguística: um objetivo pertinente, um lugar e um momento

pertinentes, sujeitos participantes cujo status é pertinente. Este cenário compõe a lógica da

Instituição.

Sabemos que a expressão “instituição” tem uma definição vaga e abrangente, pois

cobre diversas realidades. Entretanto, em se tratando da especificação “jurídica” o 9 GEMAR, Jean-Claude. De la traduction à la jurilinguistique. Fonctions proactives du traductologue. In: META: Journal des Traducteurs. Atas... Montréal : Les Presses de l’Université de Montréal, Vol.50, n°4, 2005. Disponível em: http://id.erudit.org/iderudit/019840ar. Acesso em 05 maio 2009, tradução nossa. 10 KERBY, Jean. La traduction juridique, un cas d’espéce. In: GÉMAR, J. –C. (Dir.). Langage du Droit et Traduction. Essais de jurilinguistique. 1982, p.3, tradução nossa.

21

entendimento fica mais restrito, como podemos verificar na explicação dada pelo professor e

jurista Jean Brèthe de La Gressaye, citada pelo também jurista e professor de Direito de Aix-

Marseille Jean-Louis Bergel (2003, p. 193, tradução nossa): “As instituições jurídicas são

‘conjuntos de regras de Direito organizadas em torno de uma ideia central, formando um todo

sistematicamente ordenado e permanente’”. Dessa forma, Bergel (op. cit. p.194, tradução

nossa) acrescenta esclarecendo que para os juristas as instituições não são corpos sociais,

mas “corpos de regras”, como vimos anteriormente, e completa: “Todas as instituições

jurídicas se articulam entre si para formar o conjunto da ordem jurídica”. Compreende-se por

ordem jurídica o complexo das normas obrigatórias, ditadas pelo Poder Público, em prol da

ordem social.

Nesta conjuntura, ao pensar o Discurso Jurídico com uma reflexão sob o prisma da

prática da tradução, é preciso observar o seguinte aspecto: os diferentes Sistemas Jurídicos

muitas vezes impedem a equivalência entre as Instituições da língua-fonte e da língua-alvo.

O recurso à teoria das “instituições jurídicas” deve-se à necessidade de organizar

coerentemente o Sistema Jurídico, dividido em ramos, pois é preciso compreender que cada

ramo do Direito tem sua estrutura, formada a partir de uma realidade particular, ou seja, de

uma ideia central em torno da qual são organizados seus elementos com a finalidade de sua

aplicação.

1.1 A CADA GÊNERO, UMA LÓGICA

O jurista Jean-Louis Sourioux e o linguista Pierre Lerat11 explicam que é impossível

tratar as palavras-atos do Direito sem levar em conta, ao mesmo tempo, uma tipologia, os

aspectos linguísticos e as condições institucionais de seu funcionamento. É verdadeiramente

inconcebível decidir o sentido do que é dito sem preestabelecer a origem do dito, eis porque

11 SOURIOUX, J. –L.; LERAT, Pierre. Le Langage du Droit. Paris, ed: PUF, 1975, p.50, tradução nossa.

22

Claude Bocquet apresenta uma tipologia de textos jurídicos composta de três modos de

discurso: “performativo”, cuja lógica é a prescrição e a coerção, é o caso do discurso

normativo, o qual preceitua e coage para que seja cumprido; “silogístico”, procedimento

lógico que aplica a norma ao fato jurídico em questão, ao confrontar esses dois elementos

desenvolve o silogismo jurídico, esse é o discurso jurisdicional; “descritivo”, é o discurso

doutrinário, cuja lógica é instruir, elucidar pontos controvertidos do Direito, firmando teorias

ou interpretações sobre a ciência jurídica. Não obstante essa classificação, não há

unanimidade entre os juristas, jurilinguistas e tradutores com relação à classificação dos

discursos jurídicos. Temos, como exemplo, as categorias de Discurso Jurídico apresentadas

por Gérard Cornu (2005, p.211, tradução nossa): discurso legislativo, discurso jurisdicional e

discurso costumeiro. Embora adotemos a teoria de Claude Bocquet, apresentamos um

panorama com outras classificações de Discursos Jurídicos.

Sendo assim, o professor e pesquisador Eduardo Bittar classifica os Discursos

Jurídicos em quatro: normativo, burocrático, decisório e científico (2009, p. 89). Entretanto,

apresentaremos uma quinta modalidade de Discurso Jurídico: discurso consuetudinário

(discours coutumier), este é exclusivo dos estudos do jurilinguista Gérard Cornu (op. cit.).

1 ─ Discurso Normativo: O discurso normativo é o discurso do Legislador, agente investido

de competência e de poder para a realização de uma tarefa social, a de regulamentação de

condutas. Explica Bittar (2009, p.194) que “o legislador tem uma tarefa social que motiva

outra prática, a jurídica, exercendo seu papel discursivo e dirigindo-se à comunidade de

súditos”; para tanto, o discurso normativo atua por marcas funcionais e estilísticas. Estas são

vistas como uma estética jurídica, como explica o acadêmico e professor Silvio de Macedo12:

12 MACEDO, Silvio de. Curso de Filosofia da Arte. Rio de Janeiro: Elo Editora, 1987, pp. 94-95. Silvio de Macedo foi membro da Academia Brasileira de Ciências Sociais e da Academia Brasileira de Letras Jurídicas, e professor catedrático de Filosofia da Arte.

23

“A “Ars Legis” é a ciência instrumental, lógica jurídica, fundamento da construção jurídica, mas também arte, que cuida da forma estética. [...] A arte jurídica revoluciona primeiro o substrato linguístico, criando um paralelismo de linguagem técnica e de linguagem artística, esta de maior apuração e potencialidade afetiva, o que justifica a conotação de um estilo jurídico florindo na linguagem técnica”.

As marcas funcionais asseguram a soberania do legislador e o caráter obrigatório

daquilo que edita, daquilo que representa sua ideologia, isto é, a produção normativa. Toda

norma nasce com pretensão ao não descumprimento, embora tenha a ilusão de que com seu

enunciado potestativo irá resguardar seu discurso da paradiscursividade social. Ferraz Júnior

(1997, p.116) nos ensina que “todo direito estabelece uma ordem e a coloca fora de discussão.

A lei, em princípio, impõe e exige obediência: não se pode aceitar parcialmente uma lei,

desejar cumpri-la apenas em parte”.

As ferramentas específicas usadas para assegurar a ideologia própria ao Discurso

Jurídico, em especial do jurídico-normativo, são as marcas que estão incorporadas no teor do

texto da lei, e entram no enunciado da regra com peso de enunciados performativos,

elaborando um discurso coercitivo: proíbe, permite, obriga; no entanto,

a imperatividade do comando normativo não decorre da sanção em si, e sim do sistema jurídico que a impõe, que a faz eficaz, que lhe dá subsídio. Assim, é certa ação no mundo, certo contexto, engajamento da norma jurídica em seu “entorno” que lhe garante validez, eficácia, vigor e legitimidade. Esses conceitos estão, portanto, todos na dependência da contextualidade que sustenta a norma jurídica. (BITTAR, 2009, p. 190)

Bittar explica que o discurso normativo é constituído de “funtores”, elementos

linguísticos responsáveis pela modalização da asserção. O termo funtor13 vem da lógica e está

ligado à concepção de silogismo, inerente ao Discurso Jurídico. Esses funtores normativos são

o núcleo prescritivo do enunciado da norma. A sanção, seja permissiva seja proibitiva,

decorre de uma ordem prefixada no contexto da norma, que será modalizada pelas expressões

funtoriais. 13 As normas distinguem-se pelo funtor. Trata-se de operadores linguísticos que nos permitem modalizar as asserções. Assim, diz Ferraz Junior, a asserção “isto é comprar” pode ser modalizada por funtores como: é proibido comprar, é permitido comprar, é obrigatório comprar. (Helder Martinez da Col. Consulta eletrônica: www.escritorioonline.com/webnews/noticia.php?id_noticia=2664).

24

Sendo o Discurso Legislativo um Discurso Normativo, encontramos em Gérard Cornu

ideia semelhante a de Bittar, dado que define o discurso normativo como portador de marcas

de soberania, e esta soberania está presente tanto naquele que a pronuncia quanto em seu

caráter coercitivo, aliado ao fato de ser um discurso à distância. O que é explicado pela

condição de o legislador, enquanto representante do Povo, estar legitimado para legislar. É um

poder /fazer combinado com um saber/fazer. Vemos que atrás da ideia de juridicidade está a

de legitimidade. A juridicidade é definida como a palavra geralmente empregada para

indicar o caráter ou a qualidade do jurídico. É o Direito com D maiúsculo, na sua

objetividade, em distinção ao direito com d minúsculo, que o considera subjetivamente

(SILVA, 2009, p.801).

Cornu, ao relacionar os verbos que formam o núcleo da coerção, cita verbos de

obrigação e de sanção. Mesmo sendo portadores das marcas de soberania, de generalidade e

de determinação da lei, ocorre que nem sempre as marcas linguísticas são explícitas, existem

convenções de linguagem que determinam a condição invisível de autoridade. Dessa forma

ele cita como exemplo o presente do indicativo: “O Presidente da República, [...]

DECRETA...”; “Le Président de la République,[...] Décrète...”.

Além disso, apesar de o jurilinguista enfatizar o papel dos verbos em todos os seus

usos (vozes do verbo, tempos e modos verbais, pessoa) como os principais responsáveis pela

personalidade performativa do texto legislativo, ele também apresenta outras marcas, de igual

importância.

As marcas de soberania incorporadas ao teor da lei são aquelas que entram no enunciado da regra. Nesse caminho, a escolha e o emprego dos verbos representam um papel primordial. A soberania do legislador está no “verbo”. Mas os verbos que expressam a força legal não o fazem sempre da mesma forma, certas convenções de linguagem também desempenham seu papel. (CORNU, 2005, p.264, tradução nossa)

Sendo assim, quando os verbos não trazem marcas explícitas, estas são manifestadas

através das convenções de linguagem. Em sua visão, o jurilinguista classifica as convenções

25

de linguagem em duas: o uso do presente do indicativo e a referência implícita à figura do

legislador; reproduzindo suas palavras: “[...] todo enunciado legislativo tem por autor um

emissor [sujeito-enunciador] que não se mostra, que não se declara como sujeito falante”

(2005, p.269, tradução nossa). Se no segundo caso situação semelhante ocorre no texto

legislativo brasileiro, no primeiro podemos encontrar diferenças na estrutura da língua. Essa

questão é abordada por Claude Bocquet quando analisa a prática da tradução dos textos

normativos, ressaltando que o discurso normativo

está submetido, quanto a sua linguagem e sua expressão, a múltiplas regras específicas próprias de cada língua, e o tradutor encontra-se, imediatamente, confrontado a um dos problemas mais importantes da tradução jurídica, o qual podemos logo ver que não concerne nem à terminologia nem à fraseologia (BOCQUET, 2008, p.10, tradução nossa, grifo nosso).

Bocquet é enfático ao afirmar que todos os textos normativos pertencem ao que os linguistas

chamam de modo performativo (op. cit., grifo nosso), ou seja, aquele cujo enunciado tem, em

si, a força de expressar o valor de uma ação – “decreta”, “décrète”.

Partindo da afirmação de que o discurso legislativo é um discurso performativo,

Bocquet discrimina suas três finalidades: ordenar, definir e criar instituições. Ora, como a

finalidade do discurso – a ideia central, a ideologia – determina a lógica da Instituição à qual

pertence, em torno dela (lógica) são organizados seus elementos e suas regras, como já vimos

anteriormente, cada uma dessas finalidades será atingida com recursos específicos. Assim, a

finalidade de “ordenar” será alcançada na língua francesa usando os verbos preferencialmente

no presente do indicativo14, por ser uma fórmula mais clara, e, como diz Bocquet (2008, p.24,

tradução nossa): “O francês dispõe de várias formas de expressão, seja com o presente do

indicativo, que constitui a fórmula mais clara e mais elegante, seja com o futuro do indicativo

em um uso mais antigo, correspondente à prática adotada no tempo do Código Napoleônico,

14 Cornu explica que o indicativo afasta o imperativo no enunciado legislativo, pois, paradoxalmente, o imperativo não é o modo apropriado do discurso normativo, pelo menos na lei. E continua: “Nessa forma de comunicação, o locutor fala diretamente dirigindo-se a interlocutores determinados”. (CORNU, 2005, p.268, tradução nossa)

26

em 1804”. Esse uso é praticado na oração principal, pois a subordinada será construída com

verbo dever (devoir) ou com a expressão ser obrigado a (être tenu de), principalmente nas

orações temporais e condicionais; como podemos verificar no exemplo

“Les actes publics établis sur le territoire de l’un des deux États sont dispensés de légalisation ou de toute formalité analogue lorsqu’ils doivent être produits sur le territoire de l’autre État.” (Anexo 3–F)

“Os atos públicos expedidos no território de um dos dois Estados serão

dispensados de legalização ou de qualquer formalidade análoga, quando tiverem que ser apresentados no território do outro Estado.” (Anexo 3–P)

Porém a prática no texto legal brasileiro é diferente, visto que utilizamos o futuro

jussivo e o futuro do subjuntivo. Na oração principal temos o futuro com valor de imperativo,

é o futuro jussivo, o tempo-aspecto, usual nos mandamentos, códigos, regulamentos, leis em

geral15; na segunda oração temos o subjuntivo marcando a ação subordinada à primeira, são

fatos simultâneos marcados pela partícula denotadora de tempo – quando. A diferença está na

escolha do tempo verbal (presente / futuro) e do modo (indicativo/indicativo –

indicativo/subjuntivo).

Vale lembrar que a língua francesa não possui o futuro do subjuntivo, logo para

marcar a simultaneidade é preciso manter as duas ações no indicativo, além do aspecto

histórico que envolve a escolha do tempo futuro nos textos legais (o Código Napoleônico).

Em segundo lugar, temos a finalidade de “definir”, esta se apresenta por um “texto

definitório”, que em francês pede o verbo no presente do indicativo. Como vemos

“Les décisions rendues par les tribunaux de l’un des deux Etats sont reconnues et peuvent être déclarées exécutoires sur le territoire de l’autre si elles réunissent les conditions suivantes:” (Anexo 3–F) “As decisões proferidas pelos tribunais de um dos dois Estados serão reconhecidas e poderão ser declaradas executórias no território do outro Estado, se reunirem as seguintes condições:” (Anexo 3–P)

15 GARCIA, Othon M. Comunicação em Prosa Moderna. 23.ed. Rio de Janeiro: FGV, 2003, p.94.

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Vemos nesse exemplo como se apresenta um texto definitório, ele tem a finalidade de

estabelecer as condições de validade do ato. Temos a oportunidade de encontrar, mais uma

vez, o uso diferenciado do tempo verbal – presente (em francês: sont) e futuro (em português:

serão). Porém, no terceiro caso: “texto de princípio” a situação é diferente, apesar de ser um

texto normativo, tem a finalidade de estabelecer princípios. O qual, assim como o anterior,

também pede o verbo no presente do indicativo, como vemos

“Le procédure de reconnaissance et d’exécution de la décision est régie par le droit de l’État requis.” (Anexo 3–F)

“O processo de reconhecimento e execução da sentença é regido pelo direito do Estado requerido.” (Anexo 3–P)

A explicação está na própria definição: texto de princípio. Logo, se é um texto de

princípio, é a instituição de uma norma. Assim, não há dúvidas quanto à afirmação, o que

justifica o uso do verbo no presente do indicativo.

Ainda no âmbito do discurso normativo, encontramos três ângulos de observação,

anunciados por Sourioux e Lerat como marcas que constroem o caráter impessoal desse

gênero, são elas: as construções passivas inacabadas, as construções pronominais de sentido

passivo e as transformações impessoais (1975, pp. 45-46, tradução nossa), cuja abordagem

com profundidade será desenvolvida no segundo capítulo, quando estudaremos a “Voz

Passiva do Legislador” (2.3.2).

2- Discurso Decisório: é a prática textual jurídica exercida por órgãos coletivos ou

individuais, que, investidos de poder e de dever de julgar, expõe os fatos da causa e o estado

do procedimento, seguindo um ritual no qual sua estrutura se fundamenta. “Via de regra, a

sentença tem a feição de um silogismo, constituindo na premissa maior a regra de Direito, [...]

enquanto que na premissa menor está o fato com suas circunstâncias” (INOCÊNCIO ROSA

apud SILVA, 2009, p.1.267). Neste aspecto, vemos que a sentença tem a função de uma

regra, que, por sua vez, cita outra regra, a legislação que lhe deu respaldo. Antes de

convencer, o juiz deve se convencer. Assim, por analogia podemos visualizar esse processo

28

como uma “mise en abîme” (“un récit en abîme”)16, isto é, incrustar uma imagem da justiça

na própria imagem da justiça. Sendo o juiz a imagem da lei, nesta imagem ele incrusta a

imagem da própria lei com a citação do texto legal que é a égide de sua decisão.

Deve o juiz, antes que julgue formar seu convencimento, pela apreciação calma e refletida de todos os fatos, de todas as circunstâncias, de todas as alegações, constantes do processo. (SILVA, 2009, p.789)

Dessa forma, a expressividade do discurso tende a se tornar “norma”. [...] Não podendo ser

desacreditada senão em virtude de motivos especiais (FERRAZ JÚNIOR, 1997, p.82).

Logo, esse gênero discursivo opera por uma questão (a demanda das partes da ação) e

uma resposta (obra do juiz), o juiz incorpora a sua resposta na questão que lhe foi solicitada.

Como vimos, uma das marcas desse discurso é o raciocínio lógico, que se manifesta pelo

silogismo, são as premissas que estabelecem os fatos da causa e a norma legal aplicável ao

caso; em outros momentos, há marcas linguísticas de valor performativo, manifestadas por

uma categoria de verbos que ao serem pronunciados expressam o valor da ação,

demonstrando a autoridade e a força da Justiça (decretar [Decreto a perda dos...], declarar

[Declaro aberta a sessão], julgar [Julgo procedente a...], condenar [Condeno o réu a...]); em

outros, há um desenvolvimento demonstrativo, lembrando o discurso legislativo. Neste

momento, cita Cornu (2005, p.349, tradução nossa): « Toda decisão toma emprestado da

norma legal, aplicada ao caso, o enunciado da consequência jurídica prevista em lei ». A

intertextualidade está aí presente para dar sustentação legal ao discurso decisório, tem a

função de dar coerência à decisão. Porém, a coerência do discurso decisório depende de

outros fatores cuja sequência é determinada por lei17, sem a qual o gênero não será

identificado, pois irá desconfigurar a situação de comunicação. Entretanto, em se tratando da

prática da tradução, é importante salientar a advertência feita por Bocquet a respeito das

16 A “mise en abîme”, “colocação em abismo”, ou “récit en abîme”, “narração em abismo”, é um procedimento que consiste em integrar uma imagem dentro de outra maior e semelhante. No caso da narração, significa uma narração no interior de outra narração maior e semelhante. 17 Os requisitos essenciais para a elaboração da sentença são regidos, no Brasil, pelo C.P.C. Art. 458.

29

diferenças de usos das regras aplicadas em cada Sistema Jurídico, e que são responsáveis pela

apresentação do silogismo judiciário, pois essa apresentação obedece a regras particulares de

cada Sistema Judiciário. Bocquet (2008, p.53, tradução nossa) explica que o raciocínio lógico

nunca é apresentado da mesma forma nos Sistemas Judiciários das línguas envolvidas na

tradução, alertando que o tradutor deve encontrar esse formato na língua de chegada. Na

França, essa organização é regida pelo Arts. 454–456 do Nouveau Code de Procédure Civile.

Outro ingrediente do discurso decisório é a « síntese », como explica Bittar : « A

capacidade de síntese é importante nas práticas dos tribunais, sobretudo quando se trata da

elaboração de ementas para acórdãos » (2009, p.380). A ementa constitui um resumo da

questão decidida. Localizada em destaque no corpo da sentença ou do acórdão, proporciona

ao leitor a antecipação do conhecimento da norma criada, determinada pelo juiz para regular

certo caso concreto, com a exposição dos princípios e fundamentos. No Brasil, as ementas

constituem-se de duas partes : verbetação e dispositivo.

Na França, recebe o nome de « chapeau », sendo geralmente seguido da lista dos

textos legais aplicados e do nome das partes do processo, como explica Bocquet (2008, p.55,

tradução nossa)

Esse pequeno parágrafo lembra formalmente uma lei, pois, sobre o plano linguístico, pertence, como os textos normativos legais e regulamentares, ao modo performativo. Os juristas franceses dão o nome de « chapeau » a essa parte da decisão, que é colocada em destaque por um procedimento tipográfico, como negrito ou caixa alta.

Destacamos que, em se tratando de norma, sua redação obedecerá ao modo

performativo.

É bom lembrar que as ementas, esses pequenos discursos, não são exclusivas das

sentenças, outros documentos, tais como os AJI, também apresentam as ementas / chapeaux

em seus conteúdos, funcionando como um resumo objetivo das disposições constantes da lei

ou do ato normativo, chamadas de « ementa da lei ou do ato normativo » (SILVA, 2009,

p.522),

30

“Décret n°2000-940 du 18 septembre 2000 portant publication de la convention d’entraide judiciaire en matière civile entre le Gouvernement de la République française et le Gouvernement de la République fédérative du Brésil, signée à Paris le 28 mai 1996.”

(Anexo 3–F) “DECRETO N° 3.598, DE 12 DE SETEMBRO DE 2000. Promulga o Acordo de Cooperação em Matéria Civil entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Francesa, celebrado em Paris, em 28 de maio de 1996.”

(Anexo 3–P)

Seja na ementa, seja no corpo da sentença, a disposição das informações não são

iguais na França e no Brasil. Deve o tradutor atentar para o estilo apresentado em cada

cultura. Na França nenhuma decisão pode ser publicada sem estar acompanhada de uma

“note”, redigida por um jurista especializado no assunto em questão, chamados de “arrêtistes”

(pareceristas). Assim, a organização é constituída por: chapeau, décision e por fim note

(BOCQUET, 2008, p.54, tradução nossa), o Brasil não adota essa prática. Entretanto, no

Brasil, como explica Elpídio Donizetti, “a sentença é um texto composto de relatório,

fundamentação, dispositivo ou conclusão. Apesar de apenas o relatório, a fundamentação e o

dispositivo figurarem como requisitos essenciais da sentença, considero de grande valia a

inserção do preâmbulo e da ementa na estrutura do texto18”. A França não adota essa prática.

Como vimos, o tradutor não pode falsear, ele deverá ter mais uma preocupação: estar

atento ao estilo da organização discursiva dada a esse gênero em determinada Instituição na

língua-alvo.

3 ― Discurso Burocrático: trata-se da linguagem utilizada nas relações jurídicas, fundada na

prática institucional e tendo o Estado como protagonista. É um discurso que leva a crer ser

isento de interferências ideológicas. Desta forma, ele se dá a ler como discurso neutro.

Uma de suas marcas é seu caráter performativo, que aparece desde o momento de sua

enunciação, estabelecendo obrigações, criando condições para produzir efeitos jurídicos.

Deverá também ter um ingrediente semelhante à “síntese”; visto que há pouco espaço

18 DONIZETTI, Elpídio. Redigindo a Sentença Cível. 5.ed. Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2008, p.3.

31

procedimental para manifestações de discurso burocrático, é precípuo que seja eficiente na

transmissão da informação. Esta é fruto de uma interpretação e de uma decisão, eis porque

não devemos ver o discurso como neutro e isento de interferências ideológicas.

Deve-se acentuar que a repetição de locuções vazias e a frieza das expressões formulares do discurso burocrático servem somente a expedientes ideológicos, mascarando realidades presentes e indisfarçáveis aos olhos de todos, a saber, a de que o burocrata também decide, e que, para decidir, também interpreta. (BITTAR, 2009, p.375)

Meramente burocráticos, transmitem, com eficiência, ao leitor o que deve ser feito

para que o ato jurídico tenha andamento. Reproduzimos alguns exemplos dados pelo

professor Eduardo Bittar : “Cumpra-se a medida determinada” ; “Junte-se o documento

determinado, sob pena de extinção” ; “Retornem os autos à instância de origem” ; “Dê-se

andamento ao despacho de fls.” ; “Providencie o pleiteante a regularização...”. Ou, como

consta na redação dos textos legislativos :

“La présente convention entrera en vigeur le 1er octobre 2000.” (Anexo 3–F)

“Este Decreto entrará em vigor na data de sua publicação.” (Anexo 3–P)

Podemos constatar que são enunciados curtos, objetivos e, principalmente, de cunho

informativo; porém seus verbos nem sempre estão na forma imperativa, essa função está

implícita no contexto.

4 – Discurso Científico: este é o discurso da teoria do Direito, é a doutrina. Como explica

Bittar (2009, p.329): “O discurso da episteme jurídica (dogmática e teoria do direito), por sua

vez, não decide, não procedimenta, não normatiza, mas constrói o sentido jurídico”. É

científico porque diz respeito à ciência do Direito, isto é, ao conhecimento aprofundado da

matéria. Mas também podemos compreender como “a opinião particular de um ou vários

jurisconsultos a respeito de um ponto controvertido de Direito” (SILVA, 2009, p.505). Neste

sentido, pode ser utilizada em uma sentença ou acórdão quando for esclarecedora a respeito

de alguma divergência aplicada, sobretudo, quando há uma “lacuna na lei”, ou, como dizem

32

os franceses, “un vide juridique”. Jean-Louis Bergel diz que “les vides juridiques” são o

paraíso dos juristas. De qualquer forma, este é o recurso apresentado em nosso sistema

jurídico19: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os

costumes e os princípios gerais de direito”.

Sendo a doutrina um Discurso Científico, obedece às normas para trabalhos

científicos, firmando teorias ou estabelecendo interpretações sobre a ciência jurídica; dessa

forma, desenvolvendo uma reflexão contínua. Tem como premissa a atividade de fazer

persuadir. As marcas são aquelas utilizadas para construir a própria imagem dentro dos

padrões necessários para ser legitimada. Explana Bittar que “as técnicas persuasivas variarão

de acordo com o auditório envolvido, adequando-se discurso e destinatário numa só pretensão

de aproximação entre a realidade textual da produção e a realidade textual da interpretação”

(2009, p.361).

Na realidade, a doutrina cumpre a função de clarear e organizar o Direito,

apresentando soluções que serão consagradas. Em razão disso, visualizamos seu aspecto

normativo, apesar de que

para muitos representantes da Filosofia Analítica, os enunciados científicos são descritivos e nunca normativos. Mas as teorias da Ciência do Direito, como hoje é praticada, não escondem enunciados de natureza prescritiva. [...] a intenção não é apenas conhecer, mas conhecer tendo em vista as condições de aplicabilidade da norma enquanto modelo de comportamento obrigatório. (FERRAZ JÚNIOR, 1997, p.150)

Assim, podemos admitir que os discursos doutrinários existem com a finalidade de

descrever certa situação, como uma reflexão científica, mas acabam tendo outra finalidade na

medida em que servem para elucidar dúvidas, sendo citadas na lógica da argumentação do

discurso decisório. Por conseguinte, a doutrina acaba por adquirir natureza prescritiva, pois,

ao preencher uma lacuna na lei, ganha força de lei, tornando-se norma para casos

semelhantes. 19 Lei de Introdução ao Código Civil, Art. 4°.

33

Por esse motivo, Bocquet classifica o Discurso da Doutrina como de gênero híbrido,

“às vezes é a paráfrase do discurso performativo [legislativo], às vezes é a paráfrase do

discurso silogístico [decisório], às vezes um discurso puramente descritivo, que só tem de

jurídico o uso de uma terminologia e de uma fraseologia particular” (2008, p.64). E conclui

esclarecendo que, sob o ponto de vista da tradução, essa hibridez causa inúmeras dificuldades,

devendo levar o tradutor a navegar com perícia por todos os gêneros do Discurso Jurídico.

5 ― Discurso Consuetudinário: Na técnica do Direito, essa expressão indica tudo o que se

funda no hábito, no costume ou na tradição. Herdados da Antiguidade, as máximas ou adágios

são grandes sentenças portadoras de uma grande verdade ou de um preceito moral. Diferem

dos ditados ou provérbios que são ensinamentos de sabedoria popular.

Os adágios são enunciados linguísticos uma vez que anunciam o Direito, de forma

concisa e, geralmente, com poucas palavras, ex. “In dubio pro reo”.

Do latim adagium. Enunciação breve, sintetizando uma regra de direito ou um princípio legal de grande alcance. Por vezes, é trazido ao texto legal para formar o preceito ou a norma obrigatória. (SILVA , 2009, p.58)

Dessa forma, esses curtos enunciados ganham a força de um discurso, com marcas

específicas: “concisão”, com palavras curtas e de sentido profundo, com elipse do artigo e do

verbo, com substantivação dos adjetivos; “balanço”, com oralidade e ritmo; “generalidade”.

Podemos visualizar nesses exemplos dados por Gérard Cornu (2005, p.360): Nemo

(ninguém), semper (sempre), nullus (nulo), omnis (todos). Tais discursos são usados como

valioso recurso estilístico com objetivo de dar ênfase à ideia do autor.

Cornu informa que o Digeste, de Justiniano, reuniu, no título XVII, 211 máximas

colhidas nos escritos dos antigos jurisconsultos. Tendo esse gênero jurídico sido disseminado

por toda a Europa logo após a queda do Império Romano do Ocidente, encontrou seu cultivo

ao longo da Idade Média e da Renascença (2005, p.359, tradução nossa).

34

Haja vista ser o adágio, ou máxima, um discurso de origem sábia – a genialidade da

linguagem em sua brevidade, uma palavra de ouro –, ele simboliza “poder” para aqueles que

dele se servem. Eis porque continua em prática na linguagem do Palácio de Justiça.

Pelo exposto, concluímos que a classificação do Discurso Jurídico em gêneros ganha

uma dimensão muito ampla, por isso apresentamos um quadro de equivalência.

O Discurso Jurídico, assim como todo discurso, tem seus participantes que são os

sujeitos do discurso: o sujeito-emissor e o sujeito-receptor. Ocorre que fatores ligados ao

“conhecimento de mundo”, mais especificamente do mundo do Direito, podem interferir

nessa comunicação. Essa comunicação deve-se à apreensão de três elementos, classificados

por Sourioux e Lerat (1975, p.12, tradução nossa): vocabulário; enunciação (conjunto de

marcas formais que caracterizam linguisticamente o emissor) e enunciados; e componente da

significação, cujo estudo mostra a lógica do Direito, apontando as dificuldades de

comunicação entre iniciados e não-iniciados (1975, p.12).

Gérard Cornu (2005, p.229), ao abordar a questão, apresenta um esquema com duas

distinções: mensagem de iniciado a iniciado e mensagem de iniciado a não-iniciado. No

primeiro caso predomina a presunção de compreensão, partindo do princípio de que ambos

20 Eduardo Bittar explica (2009, p.174) que não compartilha com Cornu a ideia de que o Discurso Costumeiro deva ser incluído e analisado conjuntamente com os outros (normativo, burocrático, decisório e científico), e diz: “Analisar o discurso costumeiro é abrir a investigação para a amplitude dos domínios das normas morais, num estudo de caráter jurídico”. Ainda se refere a Ferraz Júnior: “Ferraz Junior também propõe a divisão do discurso jurídico em discurso judicial, discurso da norma e discurso da ciência do Direito”.

Bittar Ferraz Jr. Cornu Bocquet Justiniano Discurso Normativo Discurso

da Norma

Discours Législatif

Textes Normatifs são todos aqueles que pertencem ao modo performativo

Códice e Novelas

Discurso Decisório Discurso Judicial

Discours Juridictionnel

Textes Juridictionnels

Digesto

Discurso Científico Discurso da Ciência do Direito

------------------ Doctrine Institutas

Discurso Burocrático ----------- ------------------ ------------------------ -------------- 20-------------------- ------------ Discours Coutumier ------------------------- Digesto

35

são membros de um mesmo campo, logo conhecem a linguagem de especialidade inerente

àquele ambiente, levando a uma compreensão por meias-palavras, manifestada na redução

das frases com a eliminação de algumas palavras, no emprego de abreviações ou de siglas, e

de outras formas que aceleram a comunicação.

No segundo caso, temos uma possibilidade de compreensão de risco, visto que de um

lado, temos o sujeito-emissor do Discurso Jurídico, alguém “iniciado” na matéria e com

domínio da linguagem do Direito; do outro lado, temos uma pessoa “não iniciada” que pode

ou não compreender a mensagem do discurso. Este é o caso do “gênero normativo”,

representado pelo discurso legislativo. Diante dessa possibilidade, diz Cornu, o legislador

enfrenta o desafio de neutralizar o risco, sem desqualificar sua mensagem. [...] Guardar a

precisão que é uma das virtudes do Direito e encontrar a clareza que a finalidade da

mensagem exige (2005, p.230, tradução nossa).

Tomando como exemplo o texto do Art. 3° da Lei de Introdução ao Código Civil

Brasileiro: “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”, esta norma

legal “ninguém pode alegar o desconhecimento da lei” é frequentemente tomada como

premissa nas questões jurídicas, visto que presume que todo cidadão brasileiro tem

conhecimento das leis em vigor no país. São os discursos para “todo entendedor”, ou seja,

para a massa da população. “Seus destinatários são milhões de ouvidos. [...] Se a lei fala para

todos, ela fala para cada um, supondo que cada destinatário é único” (CORNU, 2005, p.228,

tradução nossa).

Nesse contexto, nos perguntamos a respeito do tradutor que não é iniciado, que

enquanto sujeito-receptor “não iniciado” terá, naturalmente, que intermediar o discurso,

ocupando a posição de sujeito-emissor iniciado do texto derivado. Essa questão, sempre em

pauta, é discutida por Bocquet em seu artigo Como ensinar Direito servindo de suporte à

36

tradução jurídica?21, no qual ele aponta dois obstáculos, o primeiro está no Sistema Jurídico,

este é resultado das condições socioculturais de cada povo; o segundo obstáculo está na lógica

do Direito, ou seja, na lógica da Instituição Jurídica, que, atendendo a suas necessidades,

determina o gênero. Em outras palavras, os obstáculos são: o Sistema Jurídico e o gênero

(determinado pela lógica da Instituição). Ora, nesse caso o tradutor deve com mestria superar

os obstáculos a partir dos outros componentes enumerados por Sourioux e Lerat: vocabulário,

enunciação e enunciados, ou seja, a partir do seu conhecimento linguístico e discursivo, os

quais também estão subjugados à lógica da Instituição.

Cada Instituição de Direito se manifesta por meio de certas “situações de

comunicação” que existem a partir de um contexto anterior a sua formação, criando outro

contexto secundário. Podemos exemplificar com a Instiuição do casamento, que existe a partir

de um contexto histórico feudal, religioso, político e econômico; ora, essa situação de

comunicação anterior cria outro contexto que é a situação de comunicação derivada: a

cerimônia civil e/ou religiosa, cujo discurso aí produzido obedece a uma lógica. A partir dessa

lógica, fica estabelecido o modo (ou os modos) como ele será adotado, que na concepção de

Claude Bocquet (2008, pp.10,11,23) podem ser três: o modo performativo (dos discursos

normativos), o modo silogístico (dos discursos jurisdicionais) e o modo descritivo (dos

discursos doutrinários).

O Discurso Normativo/Legislativo, ao determinar normas de conduta, traz em suas

entidades linguísticas as marcas do poder do sujeito-emissor, são os critérios intelectuais que

definem a regra e que estão impressos em seu enunciado, explicitando as marcas de soberania

daquele que edita a norma a ser cumprida, mesmo que ele permaneça invisível. Aliás, explica

Ferraz Jr. que a situação comunicativa pode ser acrescida de mais um comunicador: o árbitro,

21 Disponível em: http://www.initerm.net/public/langues%20de%20sp%C3%A9cialti%C3%A9/colloque/Claude_Bocquet.pdf. Acesso em 10 nov. 2010.

37

o juiz, o legislador, mais genericamente, a norma, tornando-se triádica (1997, p.60). Para

exemplificar essa situação, transcrevemos as seguintes fórmulas:

“O PRESIDENTE DA REPÚBLICA CONSIDERANDO que o Congresso Nacional... CONSIDERANDO que o referido Tratado... DECRETA...”

(Anexo 1–P)

“Le Président de la République Sur le rapport du Premier ministre et du Ministre des relations extérieures, Vu les articles 52 à 55 de la Constitution ; Vu les décret nº 53-192 […] souscrits par la France. Décrète... »

(Anexo 1–F) Nesse cenário, nos perguntamos como se formam os AJI, que são Atos Legislativos.

Em que consiste seu discurso enquanto gênero, estruturado a partir da lógica do Direito na

Instituição22 do Direito Internacional Público.

1.2 O DISCURSO LEGISLATIVO

Quando lançamos o olhar sobre o Discurso Jurídico normativo, deparamo-nos com o

Ato Legislativo, pois é através dele que a norma é estabelecida, impondo os elementos de

fundo e de forma. Pode emanar tanto do Poder Executivo – quando este expede um decreto ou

um regulamento de caráter legislativo, seja por autorização da Constituição ou do

Legislativo – quanto do Poder Legislativo, este elabora uma lei a fim de que seja adotada e

reconhecida como norma jurídica obrigatória (SILVA, 2009, p.164).

Mas quem são os responsáveis pela elaboração do texto legislativo? E quem são os

que assinam? A quem se dirigem? Enfim, quem são os sujeitos do Ato Legislativo?

Inicialmente, é bom diferenciar os dois atos que trazem à luz a Norma: a elaboração e

a sanção. A elaboração é feita pelo Corpo Legislativo, ou seja, pelos deputados e senadores 22 Uma das definições de Instituição dadas por Gérard Cornu (Vocabulaire Juridique, PUF, 2009) é: “Em um sentido mais recente, equivalente aproximado de ramo do Direito. Em sentido geral e largo, ... conjunto de mecanismos e estruturas jurídicas enquadrando as condutas no seio de uma coletividade. [...] Ex. o contrato.”

38

federais, pelos deputados estaduais e pelos vereadores. Enquanto que a sanção é exercida pelo

chefe do Executivo (municipal, estadual e federal), aprovando o Ato do Legislativo; após o

qual será levado para promulgação, isto é, para publicação no Diário Oficial para que se torne

público e obrigatório.

Na França, o procedimento é semelhante. Diz a Constituição Francesa que cabe ao

Parlamento (que compreende a Assembleia Nacional e o Senado) a elaboração das leis, como

também ao Primeiro Ministro, sendo após examinada pelo Conselho Constitucional, de cuja

decisão não cabe nenhum recurso (Art.62), tal procedimento se dá como uma eventual

fiscalização da lei, caso tenha sido proposta sua inconstitucionalidade, ou, caso isso não

ocorra, é enviada diretamente para promulgação pelo Presidente da República (COSTA, 2009,

vol. 1, p.129).

Neste universo, encontramos os Atos Jurídicos Internacionais: Acordos / Accords,

Tratados / Traités e Convenções / Conventions Internationales. Como ensina De Plácido e

Silva, existem diferenças entre os três Atos: “Os Tratados, além de cogitarem da afirmação de

princípios de ordem mais elevada, referem-se mais precipuamente aos assuntos de ordem

política”, e cita Clóvis Bevilaqua (jurista e legislador, foi autor do Código Civil brasileiro de

1916) que “define os tratados como acordos de maior importância por seu objeto, que firmam

definitivamente uma situação jurídica, ou se destinam a durar longamente”. Enquanto que

Acordo é equivalente à Convenção, pela qual se compreende, no Direito Internacional, “o

ajuste ou acordo sobre assuntos de interesse entre as Nações, de caráter não político” (op.

cit.p.382).

Porém, Gérard Cornu não faz distinção, dizendo que se compreende Acordo como

uma espécie de Contrato; da mesma forma a Convenção é entendida como ajuste, tratado,

contrato. Enfim, para o jurista, Acordo é sinônimo de Tratado ou de Convenção Internacional,

esta ele define de forma semelhante: “Acordo entre sujeitos de Direito Internacional”.

39

Diz a Constituição Brasileira em seu Art. 84, VIII, que compete privativamente ao

Presidente da República celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a

referendo do Congresso Nacional. Domingos Païva de Almeida23 ensina que cabe ao

Presidente da República a decisão das negociações internacionais e a ratificação de um

tratado, que será em seguida submetido à aprovação do Congresso. Porém, antes, o Ministro

das Relações Exteriores fará uma exposição de fatos chamada “Exposição de Motivos”,

endereçada ao Presidente, explicando o conteúdo e pedindo que ele envie ao Congresso para

que esse seja examinado, sucessivamente, pela Câmara dos Deputados e pelo Senado. O

Congresso Nacional deverá expressar seu consentimento por meio de um decreto legislativo

publicado no Diário Oficial da União, a partir de então se torna ordem. Entretanto, no caso em

que os Atos Internacionais acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio

nacional, determina a Constituição Brasileira que será de competência exclusiva do

Congresso Nacional (representante do Poder Legislativo, composto pela Câmara dos

Deputados e pelo Senado Federal) resolver definitivamente sobre a matéria (Art.49, I). Entre

nós, no caso de proposição de inconstitucionalidade, compete ao Supremo Tribunal Federal

julgar (Constituição, Art. 102, III, b).

No caso da França, determina a Constituição da República Francesa, em seu Art. 52,

que “O presidente da República negocia e ratifica os tratados”. Art. 53, “[...] Os tratados só

podem ser ratificados ou aprovados em virtude de lei. Só podendo ter efeito após serem

ratificados ou aprovados” (Constituição da V República).

Diante de situações como a discussão sobre a possível inconstitucionalidade de um

Ato Jurídico Internacional, ela será resolvida, na França, por um Conseil Constitutionnel –

cujas atribuições versam sobre a matéria constitucional –, e no Brasil, pelo Supremo Tribunal

Federal – a quem cabe a guarda da Constituição, são os “Guardiões da Constituição”.

23 ALMEIDA, Domingos Païva de [Org.]. Introduction au Droit Brésilien. 2006, pp. 425-426.

40

Ao pensarmos no aspecto tradutório, é bom lembrar que traduzir um conceito jurídico

de uma cultura para outra é uma operação delicada; por essa razão, Frédéric Houbert adverte

que em matéria de Direito cada país tem seu próprio sistema, suas próprias Instituições e

seus próprios procedimentos. Assim, ele apresenta a solução: “Quando não há tradução, nem

equivalente, é preciso explicar, seja entre parênteses (no texto) ou em notas do tradutor”24.

Os Atos Jurídicos podem ser multilaterais ou bilaterais: Convenção e Tratado

Bilateral, este é o caso dos compromissos estabelecidos entre Brasil e França – Ato Jurídico

Internacional Bilateral – que dão origem aos Acordos, Tratados e Convenções, formando o

corpus deste estudo.

Esses Atos são discursos que produzem um “enunciado linguístico único” cada uma

das partes apropria-se do conjunto para criar uma só mensagem que não é nem o discurso de

um nem o discurso de outro, mas o discurso comum das duas partes [...], logo se trata de um

enunciado conjunto, cujo original poderá ser escrito em um idioma com tradução para outro

ou em dois originais (CORNU, 2005, p.220, tradução nossa), cada um em sua língua pátria.

O texto legal da forma como é publicado no Diário Oficial / Journal Officiel

compreende mais do que o enunciado das regras que formam o teor da norma, o enunciado é

enquadrado em fórmulas consagradas, pertencentes a certo campo jurídico formando um todo

cuja função precípua é fortalecer a condição de soberania. Diante desse panorama,

verificamos que o legislador ocupa uma posição intermediária entre o Discurso de Origem e o

Receptor do discurso. Nesta posição, ele também é um sujeito, e tem seu papel na cena,

embora procure manter-se invisível, limitando-se a fazer referência aos outros sujeitos da

conjuntura de enunciação: os presidentes (como pessoas físicas e como representantes de uma

24 HOUBERT, Frédéric apud RUFFIER-MÉRAY, Jahiel. In: Traduire,n° 214, 2007, p.58, tradução nossa. Frédéric Houbert é tradutor (francês-inglês) e professor de tradução jurídica na Université du Havre e na Université de Cergy-Pontoise. Autor de diversas obras e artigos sobre a tradução, entre eles o Dicionário das dificuldades do inglês em contratos e o Guia Prático da Tradução Jurídica.

41

Nação) e as Nações, assim como, se for o caso, o Primeiro Ministro e/ou o Ministro das

Relações Exteriores / Ministre des Affaires Étrangères.

Com relação à questão sobre a quem se dirige o discurso dos atos legislativos, sobre

quem é seu público alvo, nos servimos de Cornu quando explica tratar-se da categoria de atos

destinados “a todos os ouvintes”; essa é a lógica do discurso legislativo, pois “a lei dirige-se a

todos os cidadãos”. Esses atos jurídicos, à medida que são publicados em Diário Oficial /

Journal Officiel, tornam-se públicos. Entretanto, alcançar o objetivo de ser compreendido por

todos os ouvintes/leitores, é utópico. Dessa forma, dois recursos podem ser postos em prática;

quando se tratar do ouvinte/leitor “não iniciado”, o discurso pode ser compreendido a partir da

análise linguística; quando se tratar do ouvinte/leitor iniciado, ele também compreenderá o

discurso do ponto de vista jurídico, atingindo o seu ideal.

Seja qual for seu público alvo o discurso legislativo é formado a partir das marcas

linguísticas que criam uma performance, a de fazer existir aquilo que enuncia. Eis porque é

classificado como um discurso de modo performativo, esta afirmação é unânime entre

tradutores, juristas e jurilinguistas.

Nessa conjuntura, as entidades linguísticas presentes nos Acordos, Tratados e

Convenções enunciam a soberania daqueles que o pronunciam como também o caráter

obrigatório daquilo que edita. Por essa razão a língua e o discurso estão na essencialidade da

matéria. Neste caminho, os verbos têm papel primordial.

Pelos verbos que compõem a frase, acrescidos dos indicadores contextuais e

situacionais, chega-se aos enunciados. Todavia, Ducrot (2008, p.284, tradução nossa) alerta

que no caso do Discurso Jurídico, através do qual uma realidade deve ser criada ou

modificada e não intencionada, o foco da preocupação está na ambiguidade dos

performativos, a frase seria diferente, em uma “estrutura profunda”, dependendo se o

enunciado serve ou não para efetuar o ato. Essa ambiguidade reside no fato de que o

42

enunciado performativo não é puramente linguístico, ultrapassando a alçada do campo

semântico.

Assim, dizem o jurista J. –L. Sourioux e o linguista P. Lerat (1975, p.50, tradução

nossa) que não foi por acaso que os semanticistas se debruçaram sobre palavras jurídicas

como noção daquilo que chamam de performativo, pois a linguagem do Direito é uma

linguagem de ação, e a palavra jurídica é inseparável dos atos jurídicos. Além disso, explicam

que a análise dos aspectos linguísticos e das condições institucionais de seu funcionamento é

condição intrínseca para a análise das “palavras-atos” do Direito, é o seu contexto.

Olhando a matéria exposta pela perspectiva da tradução, nos deparamos com situações

que só têm sentido em uma cultura jurídica. O fato é que traduzir um texto jurídico é uma

tarefa que não se restringe a passar um texto de uma língua fonte para uma língua alvo,

significa passar um texto concebido em um Sistema Jurídico para outro Sistema Jurídico.

Como explica Malcolm Harvey em seu artigo intitulado O Tradutor Jurídico Face à

Diferença25: “Disponibilizar as noções de uma língua jurídica por meio de outra, é confrontar

dois sistemas, duas condutas, duas culturas jurídicas”. E completa dizendo que se algumas

noções são compartilhadas, outras são próprias a cada sistema.

Dessa forma, o tradutor, ao lidar com uma linguagem cheia de nuances que podem

levar ao abismo, deve ter atenção, pois “a palavra é irrevogável. É um ato feito”.

25 HARVEY, Malcolm. Le traducteur juridique face à la différence. In: TRADUIRE, n° 221, dezembro de 2009, pp. 79-85, tradução nossa. Malcolm Harvey é professor conferencista, pesquisador (tradutologia, linguagem jurídica, tradução jurídica) e professor da Faculté des Langues, Université Lumière Lyon.

43

2. A TRADUÇÃO JURÍDICA

Pode a tradução elaborada com base na cultura da língua-fonte produzir o mesmo efeito de Direito no sistema linguístico e jurídico da língua-alvo?

Jacques PÉLAGE

Jacques Pélage, jurista, tradutor e professor de tradução jurídica da Université Paris X,

ensina que o tradutor deve encontrar, na língua-alvo, meios equivalentes para obter o mesmo

efeito alcançado, pelo discurso, na língua-fonte26.

Mas para isso é preciso aplicar uma metodologia de trabalho que transpassa a

interpretação, começando por compreender onde está a diferença entre a definição “Discurso

Normativo” e “Discurso Legislativo”.

2.1 O DISCURSO NORMATIVO E O DISCURSO LEGISLATIVO

Encontramos a resposta em Ferraz Júnior quando nos fala sobre o Discurso da Norma.

Diz o jurilinguista (1997, p.105), que o discurso da norma não deve ser entendido apenas

como legislativo, pois é mais amplo, abarcando também o estabelecimento costumeiro, usual,

contratual de normas. Nesse sentido, ele inclui as decisões judiciárias, ou seja, o discurso

decisório; pois, como já vimos no capítulo anterior (ver 1.1, 2), a decisão judiciária tem

caráter de norma. Ferraz Júnior também estabelece em dois os modos de analisar o conceito

de Norma, sob o ponto de vista da Teoria Geral do Direito (sobre o qual ele não fala) ou sob o

ponto de vista da Pragmática. Esta estabelece o sentido de Norma a partir de um exame prévio

da “situação de comunicação”, o que atrela a Norma, enquanto discurso, à relação entre o

sujeito-emissor e o sujeito-receptor.

26 PÉLAGE, Jacques. Traduction et Réalisation du Droit. In : IX SEMINÁRIO DE TRADUÇÃO CIENTÍFICA E TÉCNICA EM LÍNGUA PORTUGUESA. Lisboa. Atas ... Lisboa: Fundação para a Ciência e a Tecnologia União Latina, 2006. Disponível em: http://dtil.unilat.org/IXseminariofct_ul/jacques_pelage.htm. Acesso em: 11 julho 2010.

44

Sendo assim, notamos que “Discurso Normativo” é percebido como o hiperônimo,

enquanto que “Discurso Legislativo” é tido como hipônimo, isso significa que a Lei é

abrangida pelo campo semântico da Norma. O discurso normativo está presente em várias

instâncias jurídicas: burocrática, grosso modo; judiciária, e, sobretudo, legislativa. Ambos, o

Discurso Normativo (hiperônimo) e o Discurso Legislativo (hipônimo) são um discurso

fundamentante porque fundam a norma, instaurando um discurso dentro de uma situação de

comunicação, impondo e exigindo obediência, enunciando uma autoridade imbuída de seu

espírito normativo-prescritivo, pois cria direitos, deveres, obrigações, assim como os

extingue (Bittar, 2009, p.175), praticando seu caráter “performativo”. É o caráter

fundamentante que determina a lógica do discurso da Norma e, consequentemente, do

Discurso Legislativo.

Igualmente a Ferraz Júnior, Eduardo Bittar faz distinção entre Discurso Normativo e

Discurso Legislativo, incluindo o segundo como uma das categorias do primeiro, pois o

discurso normativo [possui] a característica modal “poder-fazer-dever” presente nos textos

normativos, leis, portarias, regulamentos, decretos [...]. Seguindo esse entendimento, ele nos

apresenta duas linhas de concepção: a linha de Larenz27 (op. cit., p.188), para quem a

“proposição jurídica” é o correspondente empírico-legal da conduta prescrita, ou seja, a

“proposição jurídica” é o Direito como fenômeno, e a linha de Hans Kelsen (op. cit.), para

quem existem as normas e proposições normativas, as primeiras correspondendo ao Direito

propriamente dito, as segundas correspondendo à ciência jurídica, isto é, para Kelsen28,

“normas” significa Direito como fenômeno, enquanto que “proposições normativas”

representam a ciência do Direito que prescreve a conduta. Contamos também com a definição

27 Karl Larenz foi um filósofo e jurista alemão cujas teorias tiveram repercussão e muito influenciaram os juristas do século XX. 28Hans Kelsen foi um jurista americano de origem austríaca que colaborou com a redação da Constituição Austríaca de 1920. Também fundou a Escola Normativista, para a qual o Direito repousa sobre um conjunto de normas hierarquizadas. (Le Petit Larousse, 2006)

45

do jurista De Plácido e Silva que, em seu Vocabulário Jurídico (2009, p.956), define Norma

Jurídica assim:

Instituída em lei, vem citar a orientação a ser tomada em todos os atos jurídicos, impor os elementos de fundo ou de forma, que se tornam necessários, para que os atos se executem legitimamente. É o preceito de Direito. Nela está contida a regra a ser obedecida, a forma a ser seguida, ou o preceito a ser respeitado.

Claude Bocquet Bittar – Larenz Bittar – Hans Kelsen De Plácido e Silva

Norma Jurídica = Direito como ciên-cia. Induz regras.

Norma Jurídica = conduta prescrita

Proposições norma-tivas = Ciência jurídica, prescrição.

Norma Jurídica = O preceito jurídico, a própria lei.

Direito = fenômeno

Proposição Jurídica = realização empírico-legal da conduta. Direito como fenômeno, a aplicação dele.

Normas = corres-pondem ao Direito propriamente dito. Direito como fenômeno

Ato Jurídico = meio pelo qual se realiza um fim ou produz efeitos jurídicos a cumprir.

Para o Professor Paulino Jacques29 (1981, pp.64-67) toda essa discussão é infrutífera,

ele considera “norma” como sinônimo de regra, preceito, dispositivo, em suma, de lei – lato

sensu. Enfatizando que tanto norma quanto regra, dispositivo ou preceito tudo se resume à

condição de Lei, lato sensu, visto que o objetivo é o mesmo: regular a conduta da sociedade;

podendo a norma ser classificada em ética ou técnica, sendo as éticas morais ou jurídicas. As

normas jurídicas caracterizam-se pela bilateralidade (sujeito-emissor, sujeito-receptor), pelo

objetivismo, pela coercibilidade e pela sanção. E lembra que todas as normas jurídicas são

sancionáveis, mesmo as de Direito Internacional Público. Assim resume o professor: “A lei é

norma; o direito, fato” (op. cit., p.67).

Claude Bocquet ressalta que para o tradutor que se defronta com o campo do Direito é

conveniente que ele esteja consciente da distinção que há entre o Direito como fenômeno

[fato] e o Direito como ciência [lei] que observa e descreve o fenômeno, dele induzindo as

regras utilizáveis na prática por um retorno dedutivo (2008, p.9, tradução nossa), em outras

29 Paulino Jacques, Professor Catedrático da Faculdade de Direito da UERJ e membro titular da Academia Brasileira de Letras Jurídicas.

46

palavras, o Direito se serve do conhecimento produzido pela “ciência” para, através da

dedução, produzir efeito sobre o “fenômeno”. Em retorno, o fenômeno – o Ato Jurídico –

inspira a “ciência” – o legislador – a produzir, de forma prescritiva, a Norma Jurídica, e

impondo, desde já, a coerção. Esta se dá através da lógica e da estética, manifestada por meio

dos enunciados performativos.

Do vocábulo “norma” forma-se o adjetivo “normativo” e, sendo o Direito por si um

discurso, surge o Discurso Normativo, o qual engloba o Discurso Legislativo, no qual se

inscreve o objeto de investigação deste trabalho.

O foco de nosso interesse é a Norma Jurídica enquanto discurso: Discurso Normativo,

pertencente ao âmbito dos estudos linguísticos. Em nossa pesquisa, a Norma Jurídica está

limitada ao Discurso Legislativo, visto que nosso material de análise – Atos Jurídicos

Internacionais – é fruto de um Ato do Executivo e do Legislativo, logo seu discurso é um

Discurso Legislativo, cuja forma atende à lógica do Direito Internacional Público.

Segundo Bocquet, é primordial que tanto o linguista quanto o tradutor devam se

preocupar em enunciar uma tipologia fundamentada na forma do discurso, ou melhor, mais

precisamente na lógica desse discurso (2008, p.10, tradução nossa). A lógica do discurso é

definida pela necessidade imperiosa da produção de efeito jurídico dentro da Instituição onde

o discurso é produzido. Como a noção de Instituição é flutuante, para explicar melhor seu

sentido, neste trabalho, apresentamos um quadro resumido expondo a posição do Direito

Internacional Público no plano da organização jurídica do Brasil e da França.

O quadro abaixo foi elaborado com base nos ensinamentos dos professores Sahid

Maluf e Michel Soignet30.

30 MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. 20ª ed. rev. e atual. pelo Prof. Miguel Alfredo Maluf Neto. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 9. ; SOIGNET, Michel. Le Français Juridique. Paris: Hachette, 2003, p.4.

47

Como podemos observar, o ramo do Direito Internacional Público é a Instituição, cuja

lógica determinará o gênero discursivo que será adotado nas “relações entre Estados e

Organismos Internacionais”, ou seja, nos AJI. Vale ressaltar aqui as palavras de Jean-Louis

Bergel (2003, pp.193-194, tradução nossa) sobre o conceito de Instituição: “a ambiguidade na

noção de instituição está ligada à percepção diferente que os historiadores, sociólogos e

juristas têm sobre a matéria”. E, como já sabemos, explica Bergel que para os juristas, as

instituições não são corpos sociais, mas “corpos de regras” organizadas em torno de uma

ideia central, por exemplo, a organização da família, da propriedade, do Estado. No caso do

Direito Internacional Público, a ideia central é estabelecer um convívio harmonioso entre os

Estados, o qual se dá por meio de Atos Jurídicos escritos, um contrato, um acordo de

vontade entre as partes. Olhando por esse ângulo, notamos que os AJI têm uma constituição

híbrida, pois obedecem ao estilo e à lógica de um ato legislativo (discurso normativo) e de um

ato contratual (discurso burocrático).

Mas a ideia central se materializa nas “normas”, ou seja, no conjunto de regras

adotadas para a composição e funcionamento de certas “instituições”, sejam de interesse

“DIREITO POSITIVO / DROIT POSITIF”

RAMOS DO DIREITO BRANCHES DU DROIT

PÚBLICO / PUBLIC PRIVADO / PRIVÉ

Internacional International

Interno National

Internacional International

Interno National

Relação entre Estados e Organismos Internacionais “Direito das Nações”

Civil Comercial

48

público ou privado (SILVA, 2009, p.987). Essas normas variam em cada ramo do Direito, em

cada língua e em cada cultura; por isso Bocquet nos diz que por razões históricas, cada ramo

do Direito, cada “dicastère”31 de praticantes do Direito, desenvolve uma linguagem própria.

Assim, ele apresenta três etapas que o tradutor jurídico deve percorrer para trabalhar com um

discurso que pertence a Instituições comparáveis, mas não idênticas: a primeira etapa

(linguística) consta da decodificação; a segunda (não linguística), consta da comparação das

Instituições da língua no país da língua-fonte com a do país da língua-alvo. Nesse momento,

alerta Bocquet, o tradutor tem de fazer uso do seu conhecimento sobre o assunto – do seu

conhecimento do Direito Nacional –; a terceira etapa trata da recodificação (2009, pp.12,13,

tradução nossa).

Não basta distinguir uma Instituição de outra, é preciso levar em conta dois fatores:

em primeiro lugar, temos uma Instituição (Direito Internacional Público) que necessita da

interação de várias outras Instituições para que seu Ato seja efetuado e legitimado, por

exemplo: a participação do Legislativo e do Executivo; em segundo lugar, uma determinada

Instituição se subdivide para atender interesses diversos, isto é, atua em diversos campos,

sendo que cada um constitui uma outra Instituição.

Assim, o processo legislativo compreende a elaboração de: Emendas à Constituição;

leis ordinárias; leis delegadas; medidas provisórias; “decretos legislativos”; resoluções32.

Cada uma dessas modalidades de documentos legislativos obedece a um formato, com

estética própria, de acordo com a lógica para a produção de efeito jurídico, sem o qual ele não

terá eficácia, validade, aplicação. É essa lógica que cria o gênero, no qual também estão

incluídas as marcas da soberania daquele que o emitiu, pelo caráter obrigatório daquilo que

edita.

31 “dicastère” = Tribunal (Le Petit Larousse, 2006); Cour de Justice (Le Petit Robert, 2006). 32 Constituição Brasileira, Art. 59. Senado Federal, 2003.

49

Essa questão é abordada por Claude Bocquet quando analisa a prática da tradução dos

textos normativos, ressaltando que o discurso normativo está submetido, quanto a sua

linguagem e sua expressão, a múltiplas regras específicas próprias de cada língua

(BOCQUET, 2008, p.10, tradução nossa), o que deixa o tradutor diante de dificuldades que

vão além das questões linguísticas ou discursivas. O tradutólogo é enfático ao afirmar que

todos os textos normativos pertencem ao que os linguistas chamam de modo performativo.

Considere-se “performativo = prescritivo + coercitivo”.

Concluímos que, observando o Discurso Jurídico, de uma maneira geral, a tradução

jurídica tem três diretrizes: a Instituição, o Discurso, a Língua. Sobre elas o tradutor jurídico

deve se debruçar para não falsear a tradução em forma e conteúdo.

2.2 A INSTITUIÇÃO DO DISCURSO LEGISLATIVO

Para os juristas a concepção de Instituição se dá a partir da ideia de agrupar as regras

de Direito em torno de determinado tipo de relação social, regendo-a. Assim, as Instituições

Jurídicas comportam três elementos: a ideia de uma obra a realizar no grupo social, um

“poder” orgânico e as manifestações de comunhão que se produzem no grupo social

(BERGEL, 2003, p.197, tradução nossa). Extraindo os dois primeiros elementos, encontramos

as duas características do Discurso Normativo / Legislativo: a “prescrição” e a “coerção”.

Os discursos jurídicos (normativos, decisórios, burocráticos, científicos) normalmente se apresentam como reflexo do poder de Instituições aos quais se ligam para o seu exercício como prática textual (“Legislativo”, Judiciário, Administração, Cartório, Academia...). (BITTAR, 2007, p.181)

Mas o papel desempenhado pela Instituição não se limita em representar “poder”,

muito mais do que isso ele determina o sentido do discurso em seu ambiente, orientando a

interpretação da lei. Sabemos que o “poder” da Instituição está registrado, no discurso

legislativo, em seus enunciados performativos e em sua estética, tendo seu objetivo coercitivo

efetivado (em um primeiro momento) quando for identificado por seu sujeito-receptor. Em

50

um segundo momento, como explica Oswald Ducrot (2008, p.283, tradução nossa): “O

caráter ilocutório33 não depende da própria natureza dos atos, mas do modo como são

cumpridos”, quando forem executados, quando os enunciados conferindo direitos e deveres

novos forem reconhecidos; caso contrário, serão apenas tentativas para levar alguém a agir

(op. cit.). Neste ponto, concluímos que o poder é subjetivo. Ele não está apenas no sujeito-

emissor, ele está também no sujeito-receptor; este é quem, ao reconhecer o poder do Outro,

lhe outorga tal poder. Cabe lembrar, aqui, a reflexão do sociólogo Pierre Bourdieu a propósito

da eficácia do “poder” das palavras,

A eficácia simbólica das palavras só se manifesta na medida em que aquele que a ela está submetido [sujeito-receptor] reconhece aquele que a pronuncia [sujeito-emissor] como autorizado a pronunciá-la, submetendo-se a ela, pelo reconhecimento que lhe deu. (BOURDIEU, 1982, p.119, tradução nossa)

Sendo assim, a Instituição fornece o contexto do discurso para que ele seja inferido e

tenha seu “poder” reconhecido e aceito por seus sujeitos-receptores. Na verdade, a cognição

sobre a Instituição do discurso é uma das premissas desse processo silogístico do qual o

tradutor também faz parte, enquanto sujeito-receptor do discurso de origem e sujeito-emissor

do discurso derivado.

Bocquet explica que ao contrário do jurista, que se preocupa com a natureza (a

Instituição) e a hierarquia das normas, o tradutor detém a sua atenção em critérios linguísticos

e na lógica da linguagem (2008, p.23, tradução nossa). Entretanto, não podemos esquecer que

é a Instituição quem dita a lógica (do Direito) e os componentes linguísticos e discursivos de

seu discurso, servindo-se do poder a ela conferido; tudo isso sobre um denominador: o estilo.

Ainda mais, sob o objetivo e a lógica da Instituição estão “os direitos” e os interesses

particulares. Esta é a razão de ser do Direito Positivo, que, além das palavras, representa o

“espírito” dos textos [legais] (BERGEL, 2003, p.195, tradução nossa).

33 MOUNIN, Georges. Dictionnaire de la linguistique. 2006, p.254, tradução nossa. “Performativo, chamado também de ‘ilocutórios’”.

51

Em resumo, a Instituição se faz presente pela sua função “prescritiva” e “coercitiva”.

Esta, a coerção, é a marca do Poder da Instituição, manifestada na “lógica” e na “estética”.

2.2.1 Prescrição

Como sabemos, mesmo no interior da linguagem jurídica um termo pode ganhar

sentidos bem diferentes; nesse aspecto nos explica De Plácido e Silva (2009, p. 1.080): “De

acordo com a etimologia, o vocábulo “prescrição” significa a “regra”, o “princípio”, a

“norma” ou o “preceito”, que se escrevem antes, para que, por eles, se conduzam ou se façam

as coisas”. Porém, é bom ressaltar que há uma grande diferença entre seu sentido etimológico

e seu sentido jurídico; assim, ainda sob a orientação de De Plácido e Silva: “Na significação

jurídica atual, a prescrição expressa o modo pelo qual o Direito se extingue”. Na França, há o

mesmo entendimento, como podemos ver com Cornu (2009, p.710, tradução nossa). Quando

fala do sentido geral da palavra, ele explica que às vezes é sinônimo de regra, ex. prescrição

legal. Porém, no sentido do Direito, encontramos mais referências, sendo a principal delas

igual àquela do Direito brasileiro, ou seja, modo de aquisição ou de extinção de um Direito,

por decurso de prazo. Este é um caso de polissemia, à qual o tradutor deve estar sempre

atento, pois leva a expressão para outro campo semântico, visto que, como explica Bocquet,

qualquer relação entre um significado e um significante provém de uma convenção, [...]

assim, é conveniente precisar quais fatos estão em jogo (2008, p.16, tradução nossa).

Estendendo-nos um pouco mais sobre esse assunto, lembramos que as expressões

padronizadas (expressões-chave), que podem estar nos limites da terminologia ou do

enunciado ou mesmo de todo o discurso, podem, segundo Bocquet, parecer estranhas ao

tradutor, mas são próprias a cada cultura jurídica, isto é, a cada língua: as correspondências

são raras e frequentemente aleatórias (2008, p.17, tradução nossa).

52

Partindo da premissa de que a linguagem do Direito é uma linguagem de ação, e que

ela está sempre imbricada aos “atos jurídicos”, concluímos que para eliminar a ambiguidade,

é preciso analisar o contexto, a situação de comunicação de seu uso, como no caso abaixo

“A cooperação judiciária poderá ser recusada: [...] b) se o pedido referir-se a infrações consideradas pelo Estado requerido como infrações políticas, ou a elas conexas; [...]”.

(Anexo, 6-P) “L’entraide judiciaire pourra être refusée: [...] b) Si la demande se rapporte à des infractions considérées par l’Etat requis soit comme des infractions politiques, soit comme des infractions connexes à des infractions politiques; [...]”.

(Anexo, 6-F) Nesse caso, temos a Instituição do Direito Internacional Público, na qual dois Estados

prescrevem, por meio de um AJI, como irão colaborar um com o outro em matéria penal.

Neste Artigo 2°, encontramos a possibilidade do “não atendimento” do pedido de extradição

feito por uma das partes, pois uma das cláusulas trata da questão “infrações políticas”. Mas

seria essa a expressão apropriada, infrações, ou seria crimes políticos? Primeiramente, o

sentido de “política”, seja no Direito brasileiro ou francês, tem o mesmo sentido: “... como

adjetivo é empregado para designar tudo o que se refere ao governo ou ao Poder Público”. No

que diz respeito à definição de infração, esta é equivalente à contravenção; entretanto, não é a

mesma coisa que crime. A Lei de Introdução ao Código Penal Brasileiro, Art. 1° diz:

“Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção,

quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção,

a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou

ambas, alternativa ou cumulativamente”. De Plácido e Silva é enfático ao afirmar que crime

distingue-se da contravenção, esta é a violação da lei ou falta de observância de seus

dispositivos, enquanto crime se estrutura por seus elementos material e moral (2009, p.401),

essa diferença conceitual acarreta uma aplicação diferenciada das penas. Na França, não

obstante a semelhança jurídica na diferenciação das penas dadas a crime e a infração, a

expressão “infraction politique” existe e é aplicada, como podemos verificar no trabalho

53

publicado na internet por Karine Roudier34, em sua tese de Doutorado em Direito Público,

quando questiona se “infração de terrorismo” é “infração política”. Essa questão também é

estudada entre nossos juristas, se “crime de terrorismo” é “crime político”. Assim, concluímos

que a versão em português do referido Acordo Internacional (Anexo 6-P) está mal colocada.

Mais adequado seria: “[...] infrações consideradas pelo Estado requerido como crimes

políticos”.

A prescrição da Norma também é uma marca de coerção, ao prescrever uma situação,

estabelece a sanção que será aplicada no caso de não obediência a sua proibição, permissão ou

obrigação.

2.2.2 Coerção: Marca de Poder

Sourioux e Lerat se servem de uma metáfora para explicar o poder coercitivo do

Discurso Jurídico: L’Effet Thémis. Deusa da justiça na mitologia grega, a alegoria de Thémis

tem como atributos a balança e o gládio; este, o gládio, é o símbolo do “poder judiciário”. E,

sendo pela palavra que o poder é manifestado, o jurista e o linguista nos dizem

Na linguagem do Direito, manifesta-se um dos caracteres mais constantes e mais importantes da atividade jurídica: a tendência de redução em fórmulas. A lei se expressa por fórmulas, as decisões do juiz são fórmulas e “os profissionais da redação dos instrumentos jurídicos [discurso burocrático] sentem necessidade de formas que deixem pouco espaço para fantasias individuais” (1975, pp. 69-70, tradução nossa).

Eles também explicam que essas fórmulas padronizadas são estereótipos do “capital cultural”

de quem os utiliza — manifestações privilegiadas do “Effet Thémis”. Essas expressões

consagradas podem ser frases inteiras ou até mesmo todo o discurso, sendo muito comuns as

máximas do Direito. 34 ROUDIER, Karine. Le droit constitutionnel et la légalité de l’infraction de terrorisme. In: IV ème CONGRÈS DE L’ASSOCIATION FRANÇAISE DU DROIT CONSTITUTIONNEL. Comunicação, 2005, Montpellier. Disponível em: http:// www.droitconstitutionnel.org/congresmtp/textes2/ROUDIER.pdf. Acesso em 12 maio 2011.

54

Porém, mesmo as máximas do Direito devem ser usadas dentro de um contexto que

lhes dê sentido; embora, por serem palavras de sabedoria, não se restrinjam a uma Instituição,

pertencem à Instituição do Direito, em sua totalidade.

Entretanto os mestres também se referiram a outras formas reduzidas, as quais

pertencem a Instituições determinadas, segundo a lógica do Direito de cada uma. Jacques

Pélage35 nos ensina que em tradução, todas as palavras devem ser colocadas num contexto

jurídico, pois a significação pode variar dependendo da Instituição à qual se prenda. Além

disso, “certas palavras classificadas como ‘termos substanciais’, são carregadas de implícitos

e remetem a aspectos essenciais de uma Instituição” (PÉLAGE, 2006, p.3). Citamos como

exemplo dessa remissão a seguinte fórmula: “[...] os dois Governos se comprometem a [...]”

(Anexo, 5-P); “[...] les deux Gouvernements s’engagent à [...]” (Anexo, 5-F). Sabendo-se que

se trata de um contexto jurídico, é possível identificar, automaticamente, a origem do

discurso: Instituição do Direito Internacional Público.

Em resumo, a coerção pela Instituição se dá por meio do “poder”, que se manifesta no

“gênero”. Tendo a “hierarquia” que organiza o Sistema Judiciário incutida em sua estrutura

lógica.

2.2.2.1 Lógica

A Lógica do discurso, por nós explicada, é definida por Bittar como “ideologia”. É

bom notar que a concepção de ideologia de Bittar é ancorada no significado de “ato de

escolha” e de intervenção do sujeito singular sobre estruturas discursivas e sobre a prática

de sentido (2007, p.181); logo, ela é a alma do discurso, manifestada em seus sujeitos-

comunicantes.

35 PÉLAGE, Jacques. Traduction et Réalisation du Droit. In: IX SEMINÁRIO DE TRADUÇÃO CIENTÍFICA E TÉCNICA EM LÍNGUA PORTUGUESA – Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Atas do Seminário, 2006. Disponível em: http://dtil.unilat.org/IXseminariofct_ul/jacques_pelage.htm. Acesso em: 11 julho 2010.

55

Partindo da concepção de que a ideologia se constitui de um conjunto de ideias lógicas

próprias a um grupo social, entendemos que ela pertence a uma Instituição. Assim, ouvimos

Bittar quando explica que o Discurso Jurídico sustenta uma ideologia (2007, p.181); nesta, na

alma do discurso, o tradutor deve mergulhar, para poder extrair a sua essência. Reproduzindo

as palavras de Bittar (op. cit. p.182): “A aparente neutralidade pressupõe um conjunto de

práticas políticas e disputas sócio-econômico-culturais que se digladiam até sua afirmação e

sagração em um texto normativo. Todo um conjunto de práticas sociais e de forças se

encontra reunido em cada texto legislativo”. Como vemos, essa afirmação é perfeitamente

visualizada nos Atos Jurídicos Internacionais.

Considerando o Discurso Legislativo como uma comunicação jurídica bilateral, visto

que não há norma possível sem o reconhecimento público – ainda que presumido –, vemos

então que legislador e público ocupam esses lugares, nessa linha de raciocínio Ferraz Júnior

explica que a configuração da situação comunicativa discursiva ocorre pela ação dos seus

participantes em termos de “mútuo entendimento” (1997, p.59). Porém, eles podem recusar

participar desse reconhecimento recíproco, surgindo então a regra da “exigibilidade” [a

coerção]. Esta, é a regra através da qual “em uma dada situação comunicativa é exigida a

participação dos sujeitos da comunicação”, como explica o autor:

A “exigibilidade” muda a função sintomática e a função de sinal do discurso. As ações linguísticas deixam de ser mera expressão subjetiva dos comunicadores, ganhando, igualmente, as suas reações uma certa “coordenação objetiva” que liga os comunicadores entre si, ao mesmo tempo em que lhes confere esferas autônomas de ação; obrigando-os e, ao mesmo tempo, confere-lhes poderes. (FERRAZ JÚNIOR, 1997, p.60)

Essa situação de comunicação funda o ambiente do discurso. Além disso, estabelece

uma abertura que dá ensejo à participação de mais um sujeito, tornando-se, assim, triádica.

Esse terceiro sujeito-comunicador, segundo Ferraz Júnior, pode ser:

56

o árbitro, o juiz, o legislador, mais genericamente, a norma. Ele pode assumir uma posição hierarquicamente igual a dos outros dois (receptor e emissor); uma posição hierarquicamente superior, na medida em que apenas emite, tornando-se os outros partícipes “meros” receptores, mas não necessariamente absolutamente passivos. (1997, p.61)

Ferraz Júnior também observa que a mesma situação de comunicação, no que diz

respeito aos sujeitos-comunicantes (França e Brasil), pode ser qualificada como um

“contrato”, visto que há reciprocidade entre eles, ou seja, concordância. Nesse sentido, em se

tratando de Ato Jurídico Internacional, este tem a forma de contrato, sendo classificado como

“Contratual” – quando constam do estabelecimento de cláusulas e condições reguladoras das

relações e dos interesses dos Estados contratantes (SILVA, 2009, p. 1.418).

A ocupação que o terceiro sujeito (o Legislador) tem no discurso da Instituição de

Direito Internacional Público é aquela de transformar o discurso oral em escrito. Isso porque

cada expressão tem um peso próprio; logo, o registro feito pelo Legislador tem a

responsabilidade de ser fiel ao discurso oral, temos então a lógica do Direito. Como explica

Cornu a prudência da linguagem jurídica está em adicionar seus méritos à busca da

perfeição, ou, pelo menos, de uma segurança maior (2005, p.253, tradução nossa).

Embora invisível no texto, o terceiro sujeito (o Legislador) tem um discurso peculiar.

“DECRETO N° 585, DE 26 DE JUNHO DE 1992

Promulga o Acordo, por troca de Notas, sobre a Gratuidade Parcial[...] O VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA, [...] DECRETA:”

(Anexo, 2–P)

Podemos observar que ambos os verbos estão conjugados, na 3ª pessoa do singular do

presente do indicativo: promulga, decreta. Donde concluímos que há um sujeito para a ação.

Aqui, no discurso brasileiro, encontramos o autor da promulgação: o Decreto. O qual

tem por mentor o legislador. E temos também outro sujeito-emissor que é o responsável pelo

ato de “decretar”: O Presidente da República. Este, explícito; aquele, implícito. No entanto,

57

não encontramos a mesma escolha discursiva apontando para o Poder do legislador no texto

francês,

DECRET Décret n°91-725 du 22 juillet 1991 portant publication de l’échange de lettres […] Le Président de la République, [...] Décrète: “

(Anexo, 2–F)

Nesse excerto, encontramos o substantivo “decreto / Décret” e o verbo “decretar”,

conjugado na 3ª pessoa do singular do presente do indicativo, tendo como sujeito-emissor o

Presidente da República. Quanto aos procedimentos legislativos, não há nenhuma referência.

A diferença cultural que vimos acima é análoga a algumas que são citadas por Claude

Bocquet, quando, ao analisar os discursos jurídicos em francês e italiano, afirma: “As leis

francesas, assim como as italianas, não têm a mesma fórmula para expressar a mesma ideia”

(2008, p.36, tradução nossa). Igualmente, tal situação ocorre entre as leis francesas e as

brasileiras; sendo assim, o tradutor deverá, segundo orientação de Bocquet, encontrar uma

fórmula aproximada na língua-alvo (op. cit., p.37).

Por aproximação, podemos encontrar a mesma proposta de solução nos textos

introdutórios do discurso decisório. Vejamos:

Na França, o “chapeau” é geralmente seguido da lista de textos legais aplicados e do nome das partes no caso. Além disso, nenhuma parte especial é dedicada a uma exposição de fatos. A decisão é apresentada em um só bloco formado de argumentos, de fatos ou de Direito, todos precedidos pela fórmula “attendu que”. (BOCQUET, 2008, p.54, tradução nossa)

Enquanto isso, na Alemanha, as mesmas informações são seguidas de uma exposição

de fatos (menor do silogismo) apresentadas sob a forma de um relatório cronológico,

redigido como um pequeno romance de negócios, que acaba com o enunciado da decisão

concernente (resolução do silogismo) (BOCQUET, 2008, p.54, tradução nossa).

58

No Brasil, o costume está mais próximo do alemão. Diz o professor e jurista Elpídio

Donizetti

A sentença é um texto complexo, predominantemente dissertativo, composto de relatório, fundamentação e dispositivo ou conclusão. Apesar de apenas o relatório, fundamentação e o dispositivo figurarem como requisitos essenciais da sentença, considero de grande valia a inserção do preâmbulo e da ementa na estrutura do texto. A visualização imediata dos elementos da causa, bem como de seu desfecho, é importante porque condiz com a realidade do nosso tempo, que tem pressa (2008, pp. 4-21).

Pelo exposto, é possível ter noção da dimensão do abismo no qual o tradutor pode cair.

Eis por que o tradutor deve procurar, na língua-alvo, os recursos linguísticos e estilísticos para

reproduzir a mensagem original, mantendo o mesmo efeito alcançado pelo discurso da língua-

fonte.

Dessa forma, verificamos que a lógica do discurso de certa Instituição não será a

mesma em Instituições semelhantes de Estados diferentes. O que nos leva a concluir que a

“lógica” está atrelada a cada contexto sociocultural. Por essa razão, Bocquet e Cornu nos

falam a respeito do tradutor que não é iniciado, apresentando a dicotomia – “iniciado”-“não-

iniciado” – , questão essa também abordada por Sourioux e Lerat.

Sabemos que o tradutor encontra-se no entremeio entre o sujeito-emissor (autor do

texto original) e o leitor final (sujeito-receptor), sendo que ele mesmo ocupa os dois lugares,

ao inverso: começa como sujeito-receptor e passa para sujeito-emissor. No caso da tradução

jurídica, o caminho de pedras torna-se ainda mais árduo; primeiramente, porque o seu leitor

final será alguém com total domínio da matéria, sendo assim, um deslize será imediatamente

identificado; em segundo lugar, porque o tradutor deve compreender o enunciado jurídico em

seu contexto institucional. Assim, Bocquet aponta dois obstáculos: o Sistema Jurídico e a

“lógica” da linguagem jurídica.

59

No primeiro caso, ele alerta para o fato de que a não equivalência de significados pode

ocorrer não apenas no âmbito da transferência entre as línguas, mas também no âmbito

interno das Instituições. Reproduzindo suas palavras:

A tradução jurídica se caracteriza pela não-identidade do significado-fonte e do significado-alvo: trata-se da questão das diferenças institucionais, em que há ausência de relações biunívocas tanto na terminologia, quanto na fraseologia, quanto no discurso; é de tal forma que a tarefa do tradutor consiste inicialmente em flexionar esse significado para expressá-lo em uma linguagem jurídica de outras Instituições diferentes daquelas nas quais a linguagem foi concebida36.

No segundo caso, o tradutólogo fala sobre a necessidade de o tradutor compreender o

silogismo jurídico, ou seja, a lógica do Direito da Instituição. Mas não é apenas isso, existem

também os recursos linguísticos e extralinguísticos, ele também explica a importância de

ter conhecimento dos signos extralinguísticos; depois, dos signos linguísticos que trazem ao nosso conhecimento o Direito, e isso transcende as línguas. Depois, após uma definição das fontes formais do Direito: costumes, leis, jurisprudência, etc., mergulhar imediatamente na análise lógica do texto normativo e de sua aplicação silogística. 37

Ora, nesse caso, o tradutor deve com mestria analisar a lógica do discurso, e superar os

obstáculos a partir dos outros componentes enumerados por Sourioux e Lerat: enunciação e

enunciados. Afinal de contas, os critérios racionais que determinam as regras estão presentes

no enunciado. Sourioux e Lerat explicam que o sentido das palavras não é apenas lexical,

mas também cultural, a maneira como são recebidos pelo público está coberta de uma

importância considerável (1975, p.69, tradução nossa). Vale lembrar que o público de uma

tradução jurídica é alguém “iniciado”, mais do que isso, é um especialista na matéria (jurista,

advogado, juiz, tabelião, escrivão, escrevente, enfim, uma gama de profissionais do Direito).

36 Bocquet, Claude. Comment enseigner le droit servant de support à la traduction juridique?. In: PREMIER COLLOQUE DE JURILINGUISTIQUE A LYON 3. Lyon, 2010, Lyon. Atas... Lyon : Initerm, 2010, p. 4. Disponível em : http://www.initerm.net/post/2010/02/02/Des-nouvelles-du-colloque-sur-la-traduction-juridique. Acesso em:10 nov. 2010, tradução nossa. 37 BOCQUET, Claude. Comment enseigner le droit servant de support à la traduction juridique. p.7, tradução nossa.

60

A lógica do Discurso Jurídico, segundo Sourioux e Lerat, é chamada de Aspectos

Sociolinguísticos. No entendimento dos dois, a sociolinguística pertence ao campo dos

especialistas de cada área, explicam eles: “Ora, em Direito, como em toda linguagem técnica,

a competência sociolinguística pertence apenas aos especialistas”. E concluem afirmando que

esse é o problema da “iniciação” (1975, p.66, tradução nossa). A “iniciação” da qual falam

abarca aqueles que têm conhecimento dos procedimentos técnicos das Instituições que

compõem o Direito, no que diz respeito à linguagem técnica e ao sentido que ganham

naquelas circunstâncias, ou seja, no contexto social da Instituição do discurso.

A questão deve ser pensada a partir da fórmula: “Quem fala que língua para quem”38.

Nesse sentido, percebe-se que a comunicação não terá o mesmo resultado se for feita por um

sujeito-receptor que conhece as peculiaridades da Instituição do discurso e se for feita por

outro que não conhece, não identifica, não reconhece o sentido que a expressão ganha

“naquela” Instituição. Essa expressão pode estar no patamar das siglas, que muitas vezes

tornam-se um grande abismo (superável ou insuperável, falaremos desse tema em 2.4.6),

como pode ir muito além, atingindo a capacidade de interpretar a lei, sendo que a

interpretação da mensagem do texto-fonte é condição básica de qualquer tradução. Repetindo

as palavras de Jean-Louis Bergel (2003, p.196, tradução nossa): “A Teoria das Instituições

orienta a interpretação da lei”.

O processo de tradução defendido pelo teórico compreende: etapa linguística da

decodificação, desconstrução; etapa não linguística da flexão do significado e adaptação do

conteúdo da mensagem; etapa da recodificação, isto é, a Onomasiologia, o estudo semântico

que parte de um conceito e procura os signos linguísticos a ele correspondentes.

Nesse momento, vemos que Bocquet se apropria do conceito de onomasiologia e o

aplica no estudo do enunciado jurídico, visto ser o uso feito em seu gênero que caracteriza

38 FISHMAN, J, apud SOURIOUX Jean-Louis e LERAT, Pierre. Le Langage du Droit. 1975, p.63, tradução nossa.

61

essencialmente o Discurso Jurídico. Logo, a terceira etapa do processo de tradução jurídica

consiste na recodificação, na reconstrução em uma linguagem concebida para outro Sistema

Jurídico. A onomasiologia, como explica Geoges Mounin (1974, p.237, tradução nossa): “É a

disciplina que parte do mundo em direção à expressão linguísitica, das coisas e dos conceitos

em direção às formas”. Há o conceito, mas qual a palavra equivalente na língua-alvo.

Não obstante o que já foi exposto, a lógica do poder da Instituição também conta com

outro fator: a hierarquia determinada pela soberania. Ela está presente no Discurso

Legislativo, seja por meio de sua apresentação, seja por meio de seus enunciados. E, como

explica Cornu (2005, p.234, tradução nossa), a soberania também deixa marcas nos

enunciados performativos. É uma autoridade inerente às Instituições, por exemplo, a

Instituição do Legislativo, do Executivo, das relações internacionais. Nesse caso, elas se

apresentam desde o início, como nas expressões: “O Presidente da República decide”,

“Decreto promulga”. Mas também, dentro da organização judiciária em seu sentido amplo, o

que quer dizer que há uma hierarquia das normas, essa hierarquia é apresentada no início do

discurso, devendo ser obedecida pelo tradutor, pois ela tem uma razão de ser, uma lógica que

atende ao Direito, não cabendo ao tradutor eliminá-la a seu bel prazer. Voltando às

explicações de Gérard Cornu (op. cit.), em ordem decrescente: “Constituição, lei orgânica, lei

(ordinária), decreto, etc.”. Nesse sentido encontramos a definição de Hierarquia das Leis, dada

por De Plácido e Silva: “A lei hierarquicamente maior é a Constituição Federal (e suas

emendas constitucionais, ordinárias ou de revisão), seguindo as leis complementares, as leis

ordinárias, as leis delegadas, as medidas provisórias, os decretos legislativos e as resoluções

federais; após, os decretos e as portarias”. Essa subordinação se traduz por “vistos” que

precedem o enunciado. No caso dos Atos Jurídicos Internacionais, existe o que Cornu chama

de “jogo de representação” movido pelo poder estatal, e que estão presentes nas fórmulas

padronizadas: na França — “Le Président de la République, Sur Le rapport du Premier

62

ministre et du ministre des affaires étrangères et européennes, [...]”; no Brasil — “O

Presidente da República, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso VIII, da

Constituição [...]”.

Logo em seguida, vem a distribuição das normas legais que deram sustentação para

aquele ato, organizadas hierarquicamente, em escala decrescente: na França — “Vu les

articles 52 à 55 de la Constitution ; Vu le décret nº 53-192 du 14 mars 195339 […] souscrits

par la France”; enquanto que no Brasil , note-se que a Constituição já foi referida logo após a

citação do presidente, enfatizando o “poder” que lhe confere; em seguida, a fórmula utilizada

é: “Considerando que o Congresso Nacional [...]; Considerando que o Acordo / Tratado”.

O tradutor há de ter atenção com as fórmulas empregadas em cada cultura. As razões

estão no fato de que essa organização está na estrutura silogística, ou seja, o Acordo (Tratado

ou Convenção) só existe porque a Constituição dispõe sobre a matéria, da mesma forma o (s)

Decreto(s). Essa é a lógica da Norma. O silogismo jurídico é um esquema quase algébrico,

como podemos ver: “Premissa 1” (a qual compõe o primeiro parágrafo de todo AJI) = Se o

Art. 84, inciso VIII, da Constituição Brasileira diz que “Compete ao Presidente da República

celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso

Nacional”; “premissa 2” = Se os representantes legais das duas Nações, Brasil e França,

celebram um AJI; logo se “conclui, por um raciocínio dedutivo e estruturado”, que o AJI

celebrado pelos representantes das duas Nações deverá obrigatoriamente sujeitar-se ao

referendo do Congresso Nacional. Essa dedução justifica a ordem das informações

posicionadas logo no início da redação do Discurso.

Segundo a hierarquia das leis, o Ato Jurídico Internacional só existe porque outras

Normas o precederam e deram respaldo para que tal entendimento entre os Estados pudesse

39 A Constituição e esse Decreto obrigatoriamente constam em todos os Atos Juridicos Internacionais franceses. Entretanto, há casos, como os acontecidos nos documentos do corpus 4–F e 3–F, em que uma Lei ocupa hierarquicamente a posição intermediária entre a Constituição e o Decreto.

63

acontecer. Sendo assim, ele está hierarquicamente subordinado a outras Normas, as quais

devem ser citadas, embora o tradutor não precise conhecê-las, basta que obedeça a citação.

Esse tema pertence não só ao estudo da lógica, mas também ao da organização estética

do discurso: o seu estilo.

2.2.2.2 A Estética

“Indissociáveis como frente e verso de uma folha de papel, fundo e forma contribuem

um e outro com o sentido global de uma mensagem e com a impressão cognitiva e afetiva que

ela deixa nos leitores” (DELISLE, 1984, p.113, tradução nossa). Segundo Jean Delisle,

existem quatro elementos que intervêm diretamente em um discurso: sujeito-enunciador,

sujeito-receptor, assunto [que podemos relacionar com a Instituição] e veículos (gênero e

recursos linguísticos). O estilo é o resultado da convivência obrigatória imposta por esses

elementos. Por essa razão, ressalta o teórico: “o tradutor deve respeitar, sempre que possível,

as conformidades estilísticas para assegurar uma comunicação eficaz” (op. cit.).

O discurso da Norma do Direito possui formas de apresentação padronizadas que

obedecem à lógica do Direito em sua Instituição, facilitando o seu reconhecimento e a sua

identificação. Eduardo Bittar ensina que a aparência do texto normativo se reveste de uma

forma exterior canonizada numa estrutura rígida que, sobretudo, pela sua só apresentação

sintática, denota poder (2009, p.186). Essa é a lógica do discurso na Instituição Legislativa:

denotar poder; para isso, ele é operado por escolhas sintáticas, locuções, expressões

padronizadas que precisam ser observadas pelo tradutor para manter o mesmo “tom nobre,

neutro e sóbrio”. Nesse intuito, Gérard Cornu (2005, p.312, tradução nossa) esclarece que o

legislador coloca no início do enunciado o elemento que deseja introduzir em primeiro lugar

na mente do destinatário.

64

O estilo também se faz presente na escolha de um discurso conciso ou prolixo. Na

verdade, essa não é uma escolha consciente do legislador, ela é inconsciente, já está

impregnada no espírito da Instituição. Quanto a esse assunto Jean-Luc Orsoni, em seu estudo

sobre os Discursos Jurídicos francês e brasileiro40, afirma que não são as palavras ou a

sintaxe que são os únicos portadores da alteridade cultural, mas, sobretudo, os usos que se

faz para argumentar. Assim, tendo como base o Discurso Normativo, ele encontra diferenças

culturais entre brasileiros e franceses que se refletem no Discurso Jurídico. Diz ele

A intenção do escritor, própria à cultura do Brasil, é, sobretudo, evitar qualquer outra interpretação que não a dele próprio. Isso se deve ao fato de ele querer evitar quaisquer outras utilizações diferentes daquelas que salientam as suas intenções. Ele deve, pois, proteger-se dos usuários. Um exemplo revelador foi a polêmica criada pela interpretação de um ponto e vírgula no Artigo 201 do texto da Reforma das Aposentadorias. [...] O espírito do texto exigia que o “;” fosse interpretado como “ou”; os órgãos governamentais utilizaram o texto interpretando “e”. [...] No Brasil, esses textos estão impregnados de um estilo qualificado habitualmente de gongorismo. [...] Na França, o redator quer antes de tudo, um texto coerente a fim de fixar o contexto. Não se fala de espírito das leis? Essa manifestação cultural não remonta a Montesquieu? No caso de um julgamento, buscar-se-á a coerência no espírito do texto ou ele será contestado, mostrando os seus limites. É, pois, a situação, o contexto que fornecerão a interpretação.

Para termos a noção da importância do conteúdo cultural no Discurso Jurídico

Legislativo, basta ter atenção às palavras de Gérard Cornu, ele nos diz (2005, p.321, tradução

nossa) que a tradição francesa prefere o estilo concreto. Cornu entende por estilo concreto

aquele que se serve das expressões que não permitem margem para dupla interpretação,

procurando o tom correto e com preocupação em ser preciso; em oposição, ele apresenta o

estilo abstrato, este reina no mundo das palavras-chave: “quasi-contrat”, “quasi-délit”.

Acrescenta o jurilinguista que o estilo concreto também é a escolha feita na Suíça francófona

e no Quebec. “É o mais simples, o mais claro, o mais vivo, o mais evocativo, o mais leve... o

40 ORSONI, Jean-Luc. Pistas de Trabalho para uma Comparação dos Discursos em Português do Brasil e em Francês. In: Linguagem & Educação. Língua Materna e Língua Estrangeira na Escola...O exemplo de Bivalência. Ceres Prado e José Carlos Cunha (Org.), Belo Horizonte: Atlântica, 2003.

65

mais francês. Essa preferência não é uma escolha dogmática. Ela está na genialidade da língua

francesa. É o estilo de Montaigne, de La Fontaine, de Montesquieu”.

Com vistas à tradução, Delisle explica que para evitar que um enunciado dê margem

a duas interpretações, é necessário que o tradutor tome o cuidado de “explicitar”41, pois não

se trata de uma simples escolha. É preciso ter atenção com a importância do aspecto

funcional dos textos (1984, p.117, tradução nossa).

O tom que o legislador dá ao discurso normativo: distanciamento, nobreza,

neutralidade, e tantos outros recursos são escolhas feitas com o objetivo de criar efeitos

estilísticos, variações estilísticas, sempre em observância com a lógica do Direito da

Instituição para a qual redige. Essas escolhas são orientadas pela retórica clássica, composta

por quatro elementos: actio, elocutio, inventio, dispositio. Estas duas últimas, a Inventio e a

Dispositio são responsáveis pela descoberta dos elementos da argumentação e pela arte de

compô-los. Assim, nos mostra Gérard Cornu (2005, p.259, tradução nossa): “a inventio é

fundamental porque todo discurso jurídico tem sua legitimidade no fato de ser justo e

estruturado”; ela é o ponto central da oratória clássica por ser responsável pela investigação

dos possíveis meios de provar o que se diz; enquanto a dispositio organiza as ideias, os

argumentos da prova, de forma a convencer com o seu discurso, seja oral ou escrito. É a arte

da composição. Esses dois recursos da retórica clássica respondem pela estrutura do Discurso

Jurídico em fundo e forma, segundo a lógica da Instituição à qual pertence (e também a sua

cultura). Dessa forma, o tom dado ao Discurso Jurídico brasileiro não será o mesmo daquele

dado ao francês. Essa é a observação feita por Orsoni quando conclui:

[...] Mesmo que Gôngora não estivesse presente no estilo pesado desses textos, as frases longas, a utilização sistemática das formas passivas e o deslocamento do complemento são manifestações comuns a essas duas escritas. Se esses elementos existem também nos textos franceses, eles o são numa proporção menor.

41 A “explicitação” é um dos procedimentos técnicos da tradução, apresentados por Vásquez-Ayora, em 1977. Consiste em deixar claro para o leitor da língua-alvo algo que não lhe é familiar na cultura do texto da língua-fonte, apud BARBOSA, Heloísa. Procedimentos Técnicos da Tradução. 2ª ed. 2004, p.46.

66

Orsoni observa que a existência do nosso tempo verbal infinitivo flexionado

proporciona a formação de frases mais longas, pois possibilita ligar facilmente diferentes

orações (2003, p.139). No que diz respeito à voz passiva, ela tem uma razão de ser, pois essa

escolha repousa no objetivo do discurso, se a importância estiver no sujeito da ação, a voz é

ativa; entretanto, se a importância estiver no objeto da ação, a voz será passiva. Por exemplo:

“Se um documento que contenha informações sigilosas for reproduzido, ou traduzido, total ou parcialmente, as marcas de segurança serão apostas sobre as reproduções ou traduções que devam receber o mesmo grau de sigilo que o documento de origem”.

(Anexo, 5–P) “Si un document qui contient des informations protégées est reproduit, ou traduit, entièrement ou en partie, les cachets de sécurité seront apposés sur les reproductions ou sur les traductions qui doivent recevoir le même degré de protection que le document d’origine”.

(Anexo, 5–F)

Constatamos, conforme foi afirmado, que a voz passiva é uma das características do

gênero normativo. A voz passiva está presente no Discurso Normativo/Legislativo com a

finalidade de dar o tom da impessoalidade, ela camufla a presença do legislador. Sourioux e

Lerat (1975, pp.45,46, tradução nossa) nos explicam que a voz passiva pode vir sob a forma

de “passiva inacabada”, isto é, sem complemento; sob a forma de “pronominal” de sentido

passivo; sob a forma de “impessoal”, no caso da língua francesa, essa forma usa o pronome

impessoal “Il” seguido de um verbo passivo (Il sera procédé...), no caso da língua portuguesa,

ela não necessita do pronome impessoal, visto que admite a oração sem sujeito ou com sujeito

indeterminado; assim, teríamos como exemplo: “São considerados estabelecimentos

psiquiátricos, para os fins deste decreto, os que se destinarem à hospitalização de doentes

mentais...” (Decreto N° 24.559, 3/7/1934, Art. 4°), neste caso nos perguntamos: Quem

considera?

Outro aspecto do estilo do Discurso Jurídico Legislativo está nas “repetições”. Em

alguns momentos é de praxe a repetição de expressões, seja no discurso brasileiro ou no

67

francês, como por exemplo: “Considerando... Considerando...”; “Vu le... Vu les... Vu le...”.

Essa redundância serve como recurso de ênfase, além de ter a função de evitar cautelosamente

distorções de interpretação. A redundância pode estar presente na repetição de elementos

linguísticos de mesmo sentido, como nos dão o exemplo Sourioux e Lerat (1975, p.60,

tradução nossa) ao explicar que, de acordo com o próprio interesse, o Legislador pode usar,

por exemplo, um indefinido para reforçar outro, como medida de precaução para que a

Norma tenha a aplicação mais ampla possível: Tout fait quelconque de l’homme qui cause à

autrui [...]. O mesmo dispositivo em nossa legislação apresenta-se assim (Art. 927 do C.C.):

“Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem [...]”. Estes exemplos nos mostram que o

uso discursivo que o Legislador faz com a língua não é o mesmo nas duas culturas.

Quanto à forma, já que fundo e forma são indissociáveis, toda Instituição, de acordo

com sua lógica, cria estilos para seus subgêneros. Ao que Claude Bocquet se refere como os

usos da apresentação legislativa. Embora o material de nosso corpus seja um Discurso

Legislativo, na Instituição à qual ele pertence – Direito Internacional Público – sua

apresentação segue outra lógica, uma mistura de um modelo de “decisão”, de “norma” e de

“contrato”. Por essa razão, nos serviremos, por analogia, da análise feita por Bocquet sobre a

forma de um discurso decisório. As formas padronizadas que compõem o Ato Jurídico

Internacional estão localizadas, principalmente, no início e no final do documento. O teórico

começa por analisar o pequeno texto que tem a função de apresentação, chamado em francês

de “chapeau” e em português de “ementa”. É bom lembrar que as ementas, esses pequenos

discursos, não são exclusivas das sentenças, outros documentos, tais como os AJI, também

apresentam as ementas / chapeaux em seus conteúdos, como um resumo objetivo das

disposições constantes da lei ou do ato normativo, chamadas de “ementa da lei ou do ato

normativo”42. A ementa constitui um resumo da questão decidida. Localizada em destaque no

42 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 28 ed., 2009.

68

corpo da sentença ou do acórdão, proporciona ao leitor a antecipação do conhecimento da

norma criada, determinada pelo juiz para regular certo caso concreto, com a exposição dos

princípios e fundamentos. No caso dos Atos Júridicos Internacionais a ementa vem em

destaque na margem direita, precedendo o corpo do texto. Da mesma forma que no discurso

decisório, tem a função de anunciar, de forma concisa, o assunto tratado.

“Decreto n° 70.506, de 12 de maio de 1972 Promulga a Convenção com a França para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento”.

(Anexo, 11–P)

« Décret n° 72-1054 du 18 novembre 1972 portant publication de la convention entre la République française et la République fédérative du Brésil tendant à éviter les doubles impositions et à prévenir l’évasion fiscale en matière d’impôts sur le revenu, avec un protocole, signés à Brasilia le 10 septembre 1971.

(Anexo, 11–F)

Abaixo desse curto discurso vem a identificação do sujeito responsável pelo ato, ou,

em alguns casos, dos sujeitos: Presidente, Primeiro Ministro, Ministros, seguido da lista de

textos legais aplicados ao caso, sempre introduzidos pelas fórmulas: “Vu” / “Considerando”,

numa referência intertextual aos textos legais que permitiram que o atual exista.

Claude Bocquet também chama atenção para os enunciados padronizados que por si

só representam um discurso completo, esse é o caso, no discurso decisório (ou jurisdicional).

Note-se que a redação com a fórmula “considerando que”, geralmente abreviada por “cons. que”, é segundo uma tradição reconhecida em todos os países de língua francesa, um privilégio da Cour de Paris e do Conseil d’État. (BOCQUET, 2008, p.54, tradução nossa)

Por esse exemplo, concluímos que cada caso é um caso, tem de ser avaliado

individualmente. Mais uma vez encontramos o conhecimento sobre a Instituição no cerne da

Tradução Jurídica, a orientar as escolhas tradutórias.

Essa é a linha teórica adotada por Claude Bocquet, a qual consiste em “desconstruir

para reconstruir”, entremeada por uma etapa de Direito Comparado (op. cit. p.9), ou seja, do

confronto das Instituições nos dois Sistemas Jurídicos. Sendo assim, a última etapa – o

69

processo de reconstrução na língua e no Sistema Jurídico da cultura alvo – merece atenção,

devendo ser “coerente e coeso”. “Todo texto se desenrola segundo uma lógica interna que o

torna “coerente”. O agenciamento dos enunciados, na versão traduzida, deve seguir o mesmo

movimento da ideia geradora do texto original” (DELISLE, 1984, p.19, tradução nossa).

Para alcançar a fluidez textual, não é suficiente que o tradutor saiba trabalhar a língua

e o discurso, ou mesmo que seja iniciado no campo jurídico, detectando as mensagens

codificadas. É preciso costurar as ideias, ou mesmo operar modificações estruturais para

encontrar, na língua-alvo, a forma discursiva mais adequada para formar um conjunto

harmonioso, cujo texto pareça familiar aos olhos do público-alvo – escrito num bom

português jurídico – de Ruy Barbosa, de Pontes de Miranda –, ou, no caso da versão para o

francês, dans un bon français de Montaigne, de Montesquieu.

Mas para alcançar esse efeito há de se levar em conta as características de cada

cultura: a redundância ou economia, as frases curtas ou longas, desenvolvidas ou reduzidas, a

frase direta ou invertida, e assim por diante. Como podemos verificar:

« Faits donnant lieu à extradition » (Anexo, 4-F)

« Casos que Autorizam a Extradição »

(Anexo, 4–P)

Entretanto, como ensina o professor, pesquisador e tradutor Jean Delisle, é preciso que

o tradutor aprenda a “ conter” sua interpretação estilística para não desfigurar o original. E

conclui : “O tradutor não é totalmente livre” (op. cit.).

Recapitulando, embora o estudo da tradução jurídica não seja um estudo de Direito

Comparado – no sentido real da disciplina, que consiste em estudar Instituições análogas

pertencentes a vários sistemas jurídicos de países diferentes, com o intuito de aprimorar as

Instituições do país daquele que desenvolve o estudo –, de uma variante dele necessita para

inferir; como explica Bocquet : “Trata-se de relacionar as Instituições análogas do país de

70

língua-fonte e do país de língua-alvo para determinar os elementos de discurso da língua-alvo

que poderão ser utilizados para expressar o discurso-fonte” (2008, pp. 14,15, tradução nossa).

Sendo assim, a tradução jurídica é um trabalho que se sustenta sobre três eixos : a Instituição,

que não é de natureza linguística, mas jurídica, comparando a lógica do Direito nas

Instituições de culturas diferentes. E os outros dois eixos são: o Discurso e os Aspectos

Linguísticos. Essa teoria tradutória é compartilhada por alguns outros especialistas modernos

em tradução jurídica, porém com algumas nuances; entretanto, todos têm em comum a idéia

de que a tradução jurídica parte das diferenças Institucionais, tendo como procedimento

básico flexionar o significado para produzir um texto-alvo utilizável (2008, p.84, tradução

nossa).

2.3 OS ASPECTOS DISCURSIVOS

Claude Bocquet ensina que a tradução de discursos cuja tipologia é classificada de

jurídica deve seguir uma metodologia estruturada na lógica de uma das três subdivisões de

textos que ele qualifica de jurídicos (performativo, silogístico, descritivo), pois cada tipo

transporta suas características, marcas de sua lógica, nos enunciados dos quais se serve. Por

esse ângulo, enxergamos como tipologia tanto a origem do discurso, sob um aspecto amplo –

se ele pertence ao meio jurídico, científico, publicitário, ou qualquer outro; quanto a sua

origem, sob um aspecto restrito – se ele serve para criar uma realidade, para confrontar regras

com realidade, para descrever. Essas são “situações de comunicação”. Charaudeau (1992,

p.645, tradução nossa) esclarece que toda “situação de comunicação” existe em função de

finalidades repertoriáveis que permitem uma classificação em “Tipos de textos”, cada um

desses coincide com um Modo de discurso, o qual constitui sua organização dominante, não

impedindo que haja uma combinação com outros Modos. Em outras palavras, as “situações de

comunicação” têm finalidades que se repetem em situações semelhantes, com características

71

constantes, permitindo classificá-las segundo uma tipologia, por exemplo, a tipologia jurídica

carrega a finalidade de colocar o Direito em ação (CORNU, 2005, p.207, tradução nossa);

para tanto, o Discurso Jurídico serve-se de vários modos de discurso, um por vez ou

combinados em um mesmo texto, dependendo de suas necessidades, lógica da situação de

comunicação. Os Modos de discurso, o que nós classificamos como gêneros, é o veículo

usado para alcançar um objetivo (convencer, esclarecer, regulamentar, justificar, etc.), são

classificados por Bocquet em três (2008, pp.10,11, tradução nossa, grifo nosso)

Os textos normativos são os de leis, portarias, decretos, regulamentos [...] contratos [...]. Todos esses textos pertencem ao que os linguistas chamam de modo performativo. [...] A segunda categoria de textos jurídicos é aquela que podemos classificar de judiciária ou, se preferir, jurisdicional [...]. São as decisões de tribunais, da administração, intimações feitas por oficiais de Justiça ou pela polícia, etc. Existe aí um discurso descritivo ao qual se junta a confrontação de dois elementos dados: a regra e os fatos, desenvolvendo um silogismo. A terceira categoria de textos jurídicos é a dos textos ditos doutrina. São textos redigidos por autores juristas que escrevem sobre o Direito. [...] Os textos de doutrina são descritivos.

Apesar dessa classificação precisa, Bocquet esclarece que há imbricação dos modos,

assim o texto normativo que pertence ao modo performativo também é descritivo, o texto

jurisdicional também é descritivo, mesmo porque para criar um silogismo é necessária a

descrição da regra e dos fatos. Por esse motivo dizemos que os AJI têm uma composição

híbrida.

Neste ponto, voltamos a lembrar o que foi dito na introdução deste trabalho que diante

do fato de nosso teórico, Claude Bocquet, se servir da nomenclatura “tipologia” tanto para

classificar o Discurso Jurídico numa concepção ampla, ou seja, todo aquele que é produzido

no campo jurídico, como também para classificar os discursos, numa concepção restrita,

oriundos do Discurso Jurídico, dependendo da lógica da Instituição à qual pertence, e que

determina o “modo de discurso”, faremos uma distinção usando a classificação de “tipologia”

para todo discurso que for produzido no campo jurídico, e “gênero” para os discursos

existentes dentre dessa tipologia, segundo a sua lógica.

72

Focalizando o aspecto tradutório, é importante salientar que, embora o discurso-fonte

e o discurso-alvo pertençam à mesma classificação, os recursos linguísticos para a sua

produção variam de uma língua para outra. Bocquet aponta essa questão como o grande

problema da “tarefa do tradutor”. Assim ele afirma: “É condição prévia que o tradutor domine

e compare esses três modos de discursos [performativo, silogístico, descritivo] na língua-fonte

e na língua-alvo” (2008, p.20, tradução nossa). Da mesma forma, Sourioux e Lerat ministram

que é impossível trabalhar as palavras-atos do Direito sem levar em conta tanto seus aspectos

linguísticos quanto as condições institucionais de seu funcionamento, essa engrenagem eles

classificam como sociolinguística (1975, p.51). Entretanto, nós a chamamos de “situação de

comunicação”, ou seja, o contexto no qual outros elementos estão em jogo para que o discurso

seja produzido, a partir dos enunciados.

François Recanati43 nos mostra que

a enunciação, enquanto um acontecimento situado em um contexto espaço-temporal, desempenha um papel na representação, por meio do enunciado de um “estado de coisas”, enquanto que a frase, em virtude de sua modalidade (imperativa, declarativa, etc.), contribui para determinar o sentido pragmático veiculado por sua enunciação.

Considere-se como “estado de coisas” a condição de verdade, ou seja, o sentido do

enunciado, mais ainda, a condição de realização do ato. Assim, explica Cornu (2005, p.261,

tradução nossa): “A lei [regra] de um gênero vem inicialmente de seu fim: estabelecer,

declarar, combater, etc. [...] mas também é o destinatário da mensagem quem dita a lei [regra]

ao emissor, pois, geralmente, é dele que o emissor espera a eficácia de seu discurso”. Para

que essa condição exista, é preciso que o sujeito-receptor reconheça o valor de força (poder,

autorização, legitimação) que foi convencionado para aquele enunciado e para aquele sujeito-

emissor. Resumindo, o significado de um enunciado é dado pela força ilocutória do elemento

43RECANATI, François. Les Énoncés Performatifs. Paris: Minuit, 1981, p.24, tradução nossa. No contexto do modo performativo, nos serviremos dos ensinamentos de François Recanati, como aconselha Claude Bocquet (2008, p.21).

73

linguístico utilizado, somado ao contexto (quem, o que, para quem, onde, quando, como,

porque44) e à condição de realização (essas informações devem estar de acordo com a

Instituição). Compreende-se por força ilocutória, o valor que um enunciado tem pelo fato de

desencadear o cumprimento daquilo que enuncia.

Ora, no cerne desse movimento encontra-se a semântica, é a semantização da língua

que está no centro do aspecto da enunciação, e ela conduz à teoria do signo e à análise da

significância. Onde as formas linguísticas da enunciação se diversificam e se engendram45.

Na verdade, o sentido dado às palavras, por conseguinte, às frases, cabe ao Outro, aquele a

quem o discurso é direcionado – os cidadãos, no sentido amplo. Como o sujeito-receptor pode

ser, ou não, alguém iniciado na matéria jurídica, a sua compreensão passará pelo crivo dos

recursos intelectuais que o permitem compreender a mensagem. Vale lembrar que a lei é uma

mensagem estática e solitária. Sozinha a se fazer compreender, a voz do legislador vem do

alto e de longe. Nesse monólogo de poder direcionado ao destinatário ausente e mudo, a

mensagem emana de um emissor chefe e distante (CORNU, 2005, p.264, tradução nossa).

Estando o Discurso Legislativo no cruzamento da relação signo-objeto, cujo sentido

foi convencionado, nos perguntamos se seriam essas convenções uniformes em todas as

culturas. E ganhariam elas sentidos diferentes em aplicações diversas, ou seja, nas várias

Instituições da mesma cultura? Esse é um grande obstáculo que o tradutor jurídico enfrenta: o

significado pode não ser o mesmo nas duas culturas jurídicas, o que impede uma relação

biunívoca; citamos como exemplo a ordem judiciária que na França não engloba as questões

da alçada administrativa, como explica Fromont (2009, p.15): “Os juizes administrativos não

compartilham a mesma formação que os juízes cíveis e criminais; os próprios órgãos

jurisdicionais administrativos não são vistos como parte do Poder Judiciário”, tendo o

44 SOURIOUX e LERAT. L’Analyse de Texte. Méthode Générale et Applications au Droit. 2005, p.9, tradução nossa, explicam que responder a essas questões é o procedimento básico para uma metodologia de análise em qualquer disciplina. 45 SOURIOUX e LERAT.. 2005, p.83, tradução nossa.

74

“Conselho de Estado” (Conseil d’État) como sua instância máxima. Contrariamente, no

sistema judiciário brasileiro as questões de ordem administrativa, após percorrerem o caminho

da administração interna, saem dessa esfera para serem julgados pelo Supremo Tribunal

Federal, a instância máxima. Pelo exposto, verificamos que o significado, ou seja, o conceito

de “Corte Máxima = Conseil d’État” não encontra correspondente na língua-alvo, pois não

temos uma Justiça Especializada (no Brasil são: Militar, Eleitoral e Trabalhista) para as

questões administrativas – fazemos aqui uma ressalva: mesmo as Justiças Especializadas têm

como instância máxima o Supremo Tribunal Federal. Assim, uma vez que o significado

pertence a Instituições comparáveis, mas não idênticas. O tradutor deverá procurar

analogias (BOCQUET, 2008, p.13, tradução nossa), atento ao risco das ambiguidades.

Recanati (1981, p.16, tradução nossa) explica que não se pode dissociar a relação

semântica frase-‘estado de coisas’ [condição de verdade] da relação pragmática frase-

utilizadores [sujeitos do discurso]. O que ele diz é que é preciso conciliar o contexto da

enunciação com os sujeitos da mesma enunciação, sem o qual a semântica poderá gerar

ambiguidades, cabendo ao pragmatismo esclarecer essa ambiguidade, pois são os enunciados,

em uma situação de discurso determinada, que lhe darão sentido, é o seu contexto que estipula

um sentido único. Esse posicionamento está inserido na exposição das teorias da enunciação

apresentadas por Charaudeau (1992, p. 571, tradução nossa), entre as quais encontramos

aquela de orientação lógico-semântica, que procuram protótipos modais que garantem as

condições de verdade. Nestas, o sentido dos enunciados varia de acordo com as Instituições,

cada uma tem uma lógica que determina o sentido do que é comunicado. Citamos como

exemplo a expressão “denunciar”, como nesse exemplo

“Qualquer uma das Partes poderá expressar sua intenção de denunciar o presente Protocolo de Cooperação, por via diplomática.”

(Anexo, 10–P)

75

“L’une ou l’autre des parties peut exprimer sa volonté de dénoncer le présent protocole de coopération par voie diplomatique.”

(Anexo, 10–F)

A polissemia dessa expressão é conturbadora, enquanto o significante é o mesmo, o

significado, seu conceito, varia de acordo com os diversos campos do Direito, podendo, como

no caso do Direito Penal, pertencer a mais de uma Instituição (do Inquérito Policial e do

Ministério Público).

Direito Brasileiro (SILVA, 2009, p.435)

Direito Francês (CORNU, 2009, p. 292, tradução nossa)

Direito Penal I: O ato mediante o qual o Ministério Público formula sua acusação perante o juiz competente a fim de que se inicie a ação penal.

Direito Penal I: Declaração de um terceiro, afirmando não ter sido vítima de uma infração. Tem um sentido contrário à queixa.

Direito Penal II: A declaração de um delito praticado por alguém, feita perante a autoridade a quem compete tomar a iniciativa de sua repressão.

Direito Penal II: Declaração oral ou escrita na qual alguém informa às autoridades judiciárias de ato ilícito cometido.

Direito Tributário: Tem o mesmo significado que o Direito Penal II.

--------------------------------------------------------

Direito Civil: È empregado no sentido de notificação, ou seja, de ciência que se dá a uma pessoa que não está intervindo no feito, a fim de que venha participar do processo.

Direito Civil: Expressão tradicional dada à Ação Possessória de tipo preventivo para obter do juiz uma ordem de embargo de obra executada em propriedade privada, para evitar riscos às propriedades ameaçadas.

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO: A Denúncia do Tratado é o ato pelo qual um dos Estados contratantes, quando se trate de Acordos ou Tratados pode resolver unilateralmente que cessem os efeitos dos referidos Acordos ou Tratados, mediante notificação (denúncia).

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO: Expressão unilateral, de uma das Partes de um Acordo, manifestando a vontade de romper o Acordo, devido a uma mudança de circunstâncias. Deve constar em cláusula ou estar prevista por regra de Direito Internacional.

------------------------------------------------------

Direito Processual Civil: Ato pelo qual o advogado do réu comunica ao advogado do autor da ação sobre o fato de ter sido constituído. (NCPC, Art.756)

Quanto à dimensão pragmática, a ambiguidade aparece no Discurso Jurídico,

sobretudo, nos Discursos Normativos, em virtude de descrever um fato posterior ao discurso,

prescrevendo, criando, a partir do enunciado até a coerção do cumprimento, caso venha a

acontecer. É um discurso que ganha o aspecto pragmático porque é enunciado para ser

cumprido. Logo, encontramos no quadro pragmático, numa extremidade o sujeito-enunciador

76

do Discurso Normativo/Legislativo; na outra extremidade, aqueles a quem a Norma fala, os

sujeitos-receptores.

Exemplificando, nos serviremos de uma passagem de Bocquet (2008, p.24, tradução

nossa) na qual cita uma Norma do Código Civil francês e italiano em que a intenção do

sujeito-emissor é obscura.

“Tout fait quelconque de l’homme qui cause à autrui un dommage oblige celui par la faute duquel il est arrivé à le réparer”.

“Qualunque fatto doloso o colposo, che cagiona as altri un danno ingiusto,

obbliga colui che há commesso il fatto a risarcire il danno”. Nesses dois exemplos não se trata de uma verdadeira ordem, mas de uma

prerrogativa dada ao terceiro com quem não se fala. Quando a lei diz que aquele que causar prejuízo a outro deve ressarci-lo, significa apenas que a vítima poderá, eventualmente, se desejar e se as condições legais forem preenchidas, obter do juiz uma decisão obrigando o autor do fato em causa a reparar o prejuízo. (BOCQUET, op. cit., tradução nossa)

Quanto a esse exemplo, Bocquet estende-se ao esclarecer que tanto no francês quanto

no italiano é permitido o uso do presente do indicativo. A possibilidade de usar o presente do

indicativo (assim como o futuro) para dar ordens é uma consequência última do caráter

performativo do discurso legislativo (op. cit.). Essa afirmação de Bocquet diz respeito ao uso

linguístico-discursivo no francês e no italiano, o mesmo não ocorre no português jurídico em

prática no Brasil. Assim, o mesmo dispositivo legal em nossa legislação diz (Art. 927 do CC):

“Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Aqui temos

uma oração adjetiva introduzida pelo pronome relativo “que” de valor restritivo, somente

aquele que causar dano será obrigado a ressarcir. Ora, sabemos que se usa o subjuntivo nas

orações adjetivas que exprimem uma conjuntura e não uma realidade (BECHARA, 2009, pp.

281,282), essa conjuntura é a possibilidade da primeira situação (causar dano a outrem); o

Legislador brasileiro parte do momento presente da elaboração do texto, encarando a ação em

uma condição que não é realidade, é possibilidade, por essa razão o verbo vai para o

subjuntivo, caindo no campo semântico da oração condicional, “se”: se causar, fica obrigado;

77

a relação futuro do subjuntivo/ presente do indicativo deve-se ao fato de que uma vez o fato

acontecido, a norma é aplicada. Enquanto isso, o Legislador francês entra no presente do

tempo futuro, a primeira situação gera a segunda situação em um mesmo presente, por essa

razão os dois verbos estão no presente (o fato que causa... obriga); esse uso da língua é

classificado por Charaudeau (1992, p.465, tradução nossa) como um dos “efeitos do

Presente”, em seu uso na condição de “atualização no futuro”, no qual “se transporta para o

futuro para atualizar um de seus momentos”. Toda essa diferença não está no âmbito da

língua, está na subjetividade do discurso, isto é, na forma como o sujeito-Legislador se

posiciona com relação à primeira situação, “causar dano”, se será o momento presente da

elaboração do texto (Legislador brasileiro), ou se será no momento presente de quando a

primeira situação, verdadeiramente, acontecer: “causar um dano” (Legislador francês).

Quanto a segunda oração, verificamos que, em francês, a utilização do tempo presente

do indicativo, apresenta um sujeito ativo: o fato obriga o homem a reparar, são duas ações,

dois sujeitos, num tempo concomitante. No discurso brasileiro: um sujeito ativo torna-se

passivo da ação da Lei. Verificamos no discurso francês uma enunciação performativa

explícita, cuja força ilocutória recai sobre “oblige”; mesmo que o sujeito-emissor tenha tido a

intenção de estabelecer uma prerrogativa e não uma ordem explícita, o estabelecimento da

prerrogativa é uma norma incontestável, o que pode ser contestável é o entendimento a

respeito de ter ou não causado prejuízo, mas se causou, a Lei obriga a ressarcir. No discurso

brasileiro, a enunciação performativa é constativa: se houver o dano, o autor será obrigado; a

“condição de verdade” está na possibilidade de causar o dano. No primeiro caso, a “condição

de verdade” está em “obrigar” quem causa dano ao outro.

A propósito dos “enunciados explícitos e constativos”, ambos são performativos;

porém, como nos explica François Recanati (1981, p.83, tradução nossa), a importância que

esses enunciados têm está na manifestação, explícita ou não, da intenção do sujeito-

78

enunciador. No primeiro caso, “explicitamente performativo”, a construção discursiva faz uso

de verbos, cujo sentido não deixa margem de dúvidas quanto ao sujeito do discurso, por

exemplo: dever, obrigar, precisar, (não poder), proibir, ordenar. Gérard Cornu (2005, p.264,

tradução nossa) explana que os verbos explícitos revelam a coerção, exibindo toda a soberania

incorporada no teor da lei; entretanto, eles podem ser enganadores, porque parecem expressar

o caráter imperativo da Norma legal, mas algumas fórmulas (está obrigado, é tido) anunciam

obrigações legais que aceitam uma derrogação convencional (op. cit. p.266). No segundo

caso, “constativo”,

o locutor se contenta em enunciar um fato, que pode receber “uma leitura performativa”, esse enunciado pode perfeitamente ser uma promessa, à qual o locutor não descreve um fato independente, mas se compromete pela sua palavra presente. Assim interpretado, o enunciado “é performativo”, mas ele não o é de forma explícita (RECANATI, 1981, p.83, tradução nossa).

Esses casos são descritos por Cornu como “verbos que expressam o Direito”. E

explica que eles exprimem outras ações da lei. Eles são claros. E transportam também marcas

intrínsecas de soberania, tanto na forma – visto que o caráter imperativo de uma regra não

está ligado aos verbos coercitivos ou proibitivos –, quanto no fundo – o perfil da Norma

Jurídica não está limitado ao caráter imperativo, todos os verbos que expressam regras

suplementares, dispositivos, etc., expressam o Direito (CORNU, 2005, p.267,tradução nossa).

Sourioux e Lerat (1975, p.52, tradução nossa, grifo nosso) observam as duas formas

acima descritas: explícita e constativa, de forma mais porosa; assim,

Uma vez que se privilegia a função à custa da forma, não há nenhuma razão para não acrescentar à lista de verbos citada [confessar, dar poder, dar quitação, instituir, jurar, legar, prometer, reconhecer] a famosa fórmula “lido e aprovado”, visto que se trata de uma transformação passiva elíptica.46

46 A língua portuguesa possui duas formas de voz passiva: analítica (com o auxílio do agente da passiva) e sintética ou pronominal (com o auxílio do pronome apassivador “se”). Da mesma forma, a língua francesa possui a forma passiva impessoal, sem complemento (quando “on” é o sujeito da ativa), passiva com o complemento, pronominal de sentido passivo.

79

Essa avaliação se sustenta no performativo constativo, que ganha o sentido de

performativo explicativo, pois a fórmula é entendida assim: “Eu atesto que li”, “Eu aprovo”.

Temos nessa construção “o pronome pessoal da 1ª pessoa e um verbo declarativo-jussivo no

presente do indicativo” (Todorov, apud SOURIOUX, LERAT, 1975, p.51,tradução nossa).

Não obstante o verbo “atestar” não ser performativo, no contexto, ele sofre uma mutação

semântica, adquirindo o valor de variante no interior de uma declaração, como ensina

Charaudeau (1992, p.616) que verbos como confessar, atestar, reconhecer dão ao sujeito-

enunciador a condição de que ele tem guardado um saber [e poder] que é transmitido ao

sujeito-receptor a partir do reconhecimento da ignorância deste; este deve conhecer para

aceitar e cumprir. Reside aí o aspecto performativo desses verbos. Diante da fórmula “lido e

aprovado”, não há mais nada a fazer, senão acatar e cumprir.

Mas encontramos outra categoria de constativos, são os constativos oficiais. Estes, são

estudados por Sourioux e Lerat sob o prisma do poder da Instituição, presentes através de

marcas linguísticas que comprometem igualmente seus enunciadores, à medida que, com sua

autoridade, determinam um “estado de verdade” para o que enunciam, isto é, aquilo que

enunciam está submetido a condições de validade. Essa autoridade vem da Instituição que o

sujeito-enunciador representa; assim, esse enunciado sai do âmbito das pessoas físicas,

estabelecendo-se no âmbito das Instituições. Eles explicam que o constativo oficial não é de

uso do cidadão comum, como no caso do performativo, mas de uso oficial de Instituições com

fins de Direito. E dizem que

encontraremos esse tipo de verbo na 3ª pessoa do singular, no tempo do enunciador qualificado, isto é, o presente. O que dá no mesmo, pois esse tempo só serve aqui para expressar o aspecto realizado (presente “resultativo”), a forma dita “passé composé”. (op. cit. p.53, tradução nossa).

Explicando melhor, significa que o sujeito-emissor do enunciado constativo oficial usa

a 3ª pessoa do singular, em seu tempo/momento, cujo sentido será o do passado (passé-

composé). Entretanto, o passado não existe no Discurso Normativo/Legislativo em nenhum

80

tempo, “o passé simple e o imperfeito não têm nenhuma aplicação do texto legislativo.

Somente o passé composé [pretérito perfeito] intervém ‘em correlação’ com o presente”47. Os

verbos usados na condição descrita por Sourioux e Lerat são (1975, p.53, tradução nossa):

constatar, declarar (estado civil = declarou; no caso dos tabeliães: declarou que + discurso

indireto), aceitar, confessar (3ª pessoa), tomar posse, comprometer-se, obrigar-se, dar

garantia, reconhecer, renunciar.

Podemos visualizar essa situação, 3ª pessoa do singular no presente, em nosso corpus:

“O Governo da República Federativa do Brasil (doravante denominada a Parte brasileira) e O Governo da República Francesa (doravante denominada a Parte francesa[...] Acordam o seguinte: [...] As Partes concordam [...] As Partes comprometem-se [...]”

(Anexo, 8–P)

“Le Gouvernement de la République française, désigné ci-après comme la Partie française,

Le Gouvernement de la République fédérative du Brésil, désigné ci-après comme la Partie brésilienne,

[...] Sont convenus de ce qui suit: [...] Les Parties s’engagent à [...]

(Anexo, 8–F)

Em face da posição de linguistas pragmáticos que veem distinção entre o ato

locucionário – aquele expresso com certo sentido – e o ato ilocucional – aquele expresso com

sentido e com certa força –, François Recanati (1981, p.248, tradução nossa) ensina que tanto

um quanto o outro possuem força, pois se a força do ilocucional está na força real da

enunciação, a força do locucionário está no sentido da enunciação. O sentido da enunciação

emanada do Legislador também é resultado da força, do poder dado a ele pela Instituição que

representa. Citamos como exemplo a determinação final que consta nos AJI: “O presente

Protocolo entrará em vigor na data de sua assinatura e terá vigência pelo prazo de cinco anos”

47 BERGEL, Jean-Louis. Théorie Général du Droit. 4ª ed. Dalloz, 2003, p.250, tradução nossa.

81

(Anexo, 7–P); “Le présent Protocole entre en vigueur à la date de sa signature et a une durée

de cinq ans” (Anexo, 7–F). É um discurso de valor convencionado. A linguagem é ação, é

uma forma de agir no mundo48, e, como dizem Sourioux e Lerat: “A linguagem do Direito é

uma linguagem em ação, e a palavra jurídica não é separável dos atos jurídicos” (1975, p.50,

tradução nossa).

Mas embora os verbos sejam a coluna vertebral da língua, eles não trabalham

sozinhos. Para que uma mensagem ganhe a dimensão de discurso é preciso que esteja

localizada no tempo e no espaço, identificando os sujeitos envolvidos na mensagem e a

forma como se manifestam. A forma como se manifestam é explicitada por meio de

elementos linguísticos classificados como “modalizadores”. A modalização, formada a partir

de elementos linguísticos, é a ferramenta da enunciação usada para exteriorizar a verdadeira

intenção do sujeito-enunciador com relação ao sujeito-receptor, com relação a ele mesmo e

também com relação ao conteúdo de seu enunciado. Neste contexto, encontramos os

“funtores”, explicados por Eduardo Bittar da seguinte forma: “O funtor é índice de conduta”

(2009, p.188). Entretanto, ele alerta: “os funtores não são condição de existência de uma

norma, [...] são a expressão do caráter normativo de um preceito, especialmente de natureza

jurídica” (op. cit.p.189). Por essa explicação entendemos que os funtores são as ferramentas

linguísticas que modalizam as asserções49, introduzindo o caráter prescritivo do Discurso

Normativo. O termo funtor vem da lógica e está ligado à concepção de silogismo, inerente

ao Discurso Jurídico. Esses funtores normativos são o núcleo prescritivo do enunciado da

norma. A sanção, seja permissiva seja proibitiva, decorre de uma ordem prefixada no

contexto da norma, que será modalizada pelas expressões funtoriais. Apesar de existirem

várias outras formas de modalização, são os funtores que modulam o Discurso Legislativo. 48 FIORIN, José Luiz. Introdução à Linguística I. Contexto, 2007, p.173. 49 FERRAZ JÚNIOR, apud COL, Helder Martinez dal. Classificação das Normas Jurídicas e sua análise nos planos da validade, existência e eficácia. Disponível em: http://jus.uol.com.br/revista/texto/2696/classificacao-das-normas-juridicas-e-sua-analise-nos-planos-da-validade-existencia-e-eficacia. Acesso em: 19 junho 2011.

82

Ferraz Júnior50 sustenta que as normas distinguem-se pelo funtor; assim, a asserção

“isto é comprar” pode ser modalizada por funtores como: é proibido comprar, é permitido

comprar, é obrigatório comprar. Verificamos então, que os funtores normativos resumem-se a

“proibir”, “permitir”, “obrigar” (poder-fazer-dever), marcando o caráter obrigatório,

permissivo e proibitivo da lógica da Norma.

Além disso, equivalentes linguísticos exercem a mesma função, como ainda ensina

Bittar: “uma proposição jurídica é expressa por meio de funtores ou equivalentes

linguísticos que exprimam a prescritividade da sentença enunciada pelo discurso

normativo” (op. cit, p.189, nota 16). Nesse sentido, ele pormenoriza através do exemplo (op.

cit., nota 17): “Ainda mais, há que se dizer que uma proposição normativo-jurídica como ‘O

credor anticrético tem direito a reter em seu poder a coisa, enquanto a dívida não for paga’,

[...] pode ser vista contendo os seguintes elementos, [...] um funtor (“tem direito a”)”. Por

esse exemplo compreendemos o que ele quis dizer com equivalentes linguísticos, acima

citados, escapando das formas padronizadas “é proibido”, “é permitido”, “é obrigatório”.

Estas pertencem à modalidade de enunciação alocutiva51, na qual se inscreve a “injunção”,

categoria que se manifesta pela posição de superioridade do sujeito-enunciador ao impor

leis, regras, costumes, estabelecendo uma relação de força, com o sujeito-receptor. Esse é o

atributo maior do Discurso Normativo, mesmo que não se manifeste pelas formas

padronizadas: “O locatário é obrigado [...]” Art. 569 do C.C., “[...] o adquirente não ficará

obrigado a [...]” Art. 576 do C.C., “Il est défendu aux juges de prononcer [...]” Article 5

C.C. ; mas essas não são as formas usualmente utilizadas pelo Legislador, como verificamos

no Art.5°, XVI da Constituição: “Todos podem reunir-se pacificamente [..]”, o que significa

“é permitido”; “Podem adotar os maiores de vinte e um anos” (Art. 42, C.C.), “Les juges

50 FERRAZ JR., apud COL. Helder Martinez dal. 51 A modalidade alocutiva implica a existência de um sujeito-enunciador e de um sujeito-receptor, considerando também a forma como a enunciação é imposta ao sujeito-receptor.

83

peuvent prescrire toutes mesures [...]” Article 9 C.C., significa que “é permitido”; Art.19 da

Constituição: “É vedado à União [...]”, o que significa “é proibido”.

As expressões funtoriais e os enunciados performativos constativos (oficial ou comum) e

explicativos estão no âmago da classificação do Discurso Performativo elaborada por Claude

Bocquet, segundo a qual são três suas funções: ordenar, definir e instituir. Os recursos

linguísticos e discursivos usados para cada objetivo (ou lógica, ou ideal) são diferentes.

Primeiramente, temos os “textos de ordem”, que são imperativos, seja positivamente ou

negativamente, não precisando, necessariamente, do verbo no imperativo. A questão

tradutória precípua, apresentada por Bocquet é a percepção, a partir de um conhecimento

prévio do gênero, da distinção entre “ordem” e “prerrogativa”. Nesse sentido, Cornu (2005,

p.237, tradução nossa) complementa dizendo que a consideração do objeto concreto da regra,

da decisão ou do acordo determina os enunciados de base que constituem o discurso, a

identificação desses elementos jurídicos e linguísticos aponta a essência do discurso na

Norma, pois as ações do Direito são expressas por verbos que, dependendo das variantes,

são espalhados por todos os enunciados de Direito, regra, decisão e acordos52. No rastro

dessa explicação, citamos Bocquet com sua abordagem do assunto com vistas ao exercício da

prática tradutória.

A língua francesa dispõe de várias possibilidades de expressão: seja com o emprego do presente do indicativo, que constitui a fórmula mais clara e elegante, seja com o futuro do indicativo, em um uso mais antigo e que corresponde à prática mais comum na época do Código Civil de 1804 [Código Napoleônico]. Podendo também empregar as fórmulas “deve” ou “está obrigado a”, além de outras opções.

A possibilidade de empregar o presente do indicativo assim como o futuro para dar ordens é uma consequência última do caráter performativo do Discurso Legislativo. O futuro do indicativo em francês tem um caráter arcaico; certos autores consideram que seu uso para dar ordens deve se limitar aos casos em que o sujeito da ação é uma autoridade pública. (2008, pp.24,25, tradução nossa)

52 Gérard Cornu define por “acordo” (2005, p.236, tradução nossa) os contratos individuais, isto é, entre pessoas físicas ou jurídicas, as convenções coletivas (citamos como exemplo as convenções entre patrões e empregados) e as convenções internacionais, ou seja, de Direito Internacional Público, são os AJI.

84

Diante do choque cultural, linguístico e jurídico, Claude Bocquet aconselha o tradutor

a fazer escolhas que não firam os costumes do público-alvo, explicando claramente que

o tradutor deve ter a fineza de empregar fórmulas francesas que expressam a ordem do legislador dirigida tanto ao cidadão quanto ao órgão público. Levando em conta o fato de que o francês tende a adotar a solução mais simples e mais curta, fazendo um uso considerável da técnica do presente imperativo [jussivo] do modo performativo. (2008, p.25, tradução nossa)

Quanto à segunda modalidade definida pelo teórico, os “textos de definição”, ele alerta

que as formas de expressar uma definição variam entre os sistemas jurídicos, podendo mesmo

ser responsáveis pela perda da validade do Ato. Citamos, como exemplo, o discurso do AJI

brasileiro que consta como sujeito-emissor do ato o Presidente da República (de acordo com a

Constituição Brasileira, Art. 84, VIII), como consta nos documentos – “O Presidente da

República, no uso da atribuição [...]”; enquanto que no AJI francês consta como sujeito-

emissor do Ato o Presidente da República, porém, em correlação com o Primeiro Ministro e o

Ministro das Relações Exteriores da França, pois assim determina o sistema jurídico francês

(Constituição da República da França, Art. 19) – “Le Président de la République, sur le

rapport du Premier Ministre et du Ministre des affaires étrangères, [...]”. Da mesma forma os

mesmos Atos devem ser assinados, no final, pelos mesmos sujeitos por ele responsáveis. É de

suma importância enfatizar que sem esses pequenos discursos de definição localizados no

início e no final dos Atos, estes não terão validade. Será um Ato Nulo, isto é, como define a

Lei (SILVA, 2009, p.164), “Quando não revestir a forma prescrita em lei. [...] O ato nulo se

gera com vício de morte e não sobrevive. E tudo fica no estado primitivo, na mesma situação,

como não tendo sido praticado o Ato”. Lembremos das palavras de D’Alembert53: “O tradutor

é obrigado a caminhar sem cessar por um caminho estreito e deslizante que não é de sua

escolha, tendo, às vezes, que se jogar de lado para evitar o precipício”.

53 IN: Clássicos da Teoria da Tradução, volume 2 Francês-Português. Universidade Federal de Santa Catarina, NUT – Núcleo de Tradução, 2004, p.87.

85

No que diz respeito aos “textos que instituem”, eles existem entre os textos

Normativos porque estabelecem princípios ao invés de darem ordens. Há dois aspectos

importantes nessa categoria, o primeiro é quanto à tradução, pois diz Bocquet (2008, p.8,

tradução nossa): “Os textos de definição e os textos de princípio são redigidos, em francês, em

italiano e em alemão, no presente do indicativo. Esse uso pode apresentar alguma

ambiguidade em francês, e às vezes em italiano, pois o presente do indicativo também é um

dos modos de expressar a ordem”. Aplicando em nosso material de análise, encontramos

instituição de conceitos em:

“Au sens de la présente Convention, l’expression “établissement stable” désigne une installation fixe d’affaires où l’entreprise exerce tout ou partie de son activité. L’expression “établissement stable” comprend notamment: a) Un siège de direction; b) Une succursale; c) Un bureau; d) Une usine; e) Un atelier; f) Une mine, une carrière ou tout autre lieu d’extration de resources

naturelles; g) Un chantier de construction ou de montage don’t la durée dépasse six

mois.” (Anexo, 11–F)

“Para efeitos da presente Convenção, a expressão “estabelecimento permanente” significa uma instalação fixa de negócio em que a empresa exerça toda ou parte de sua atividade. A expressão “estabelecimento permanente” compreende especialmente: a) Uma sede de direção; b) Uma sucursal; c) Um escritório; d) Uma fábrica; e) Uma oficina; f) Uma mina, uma pedreira ou qualquer outro local de extração de recursos

naturais; g) Um canteiro de construção ou de montagem cuja duração exceda seis

meses”. (Anexo, 11–P)

Os “textos que instituem” não escapam da intertextualidade, pois as ordens que dão

estão apenas implícitas, pertencem a outras disposições legais, às quais os textos dessa

natureza se remetem (Bocquet, 2008, p.28, tradução nossa).

86

Pelo exposto, constatamos que a situação de comunicação tem o sujeito como mola

propulsora, ou melhor, os sujeitos – que se apropriam de toda a língua designando-se como

“eu”54 –, sendo o ponto de referência da relação espaço-temporal, em torno da qual transitam

as outras referências. Mas quem são os sujeitos de um AJI?

2.3.1 Os Sujeitos do Discurso

O enunciador do Direito é todo aquele que, estando de alguma forma introduzido no

meio ou simplesmente de passagem, precisa através da linguagem oral ou escrita trabalhar

para o Direito, pelo Direito, ou fazer uso do Direito. O cidadão comum que chega a uma

delegacia de polícia para registrar uma ocorrência de perda de documento, por exemplo, está

incorporando a imagem do sujeito-emissor do Discurso Jurídico (Burocrático) ao elaborar um

enunciado na linguagem jurídica, fazendo uso de seu direito de comunicar que seus

documentos podem ser indevidamente utilizados por alguém; pelo Direito, pleiteando o seu

direito à segunda via e a não se responsabilizar pelo uso indevido do documento; para o

Direito, colaborando com a ordem pública. Da mesma forma, o cidadão comum também será

um sujeito-receptor ao assinar uma intimação (Discurso Jurídico Burocrático) para

comparecer na delegacia e tomar posse de seus documentos achados. Dessa forma, notamos

que o Discurso Jurídico está no cotidiano de todos os cidadãos, apesar de nem todos estarem

preparados para compreender os seus enunciados no sentido que eles produzem na Instituição

que lhes deu origem. Reproduzindo as palavras de Gérard Cornu,

a diversidade tem aqui não apenas na multiplicidade de emissores (agentes de expressão) e na dos receptores (destinatários da comunicação), mas também entre eles, na desigualdade de chances de compreensão, tendo em conta sua relação respectiva com o código e com o referente (2005, p.213, tradução nossa).

Neste contexto, encontramos o que o próprio Cornu identifica como “iniciados e não-

iniciados”. Dentre eles, os profissionais do Direito (juízes, advogados, defensores públicos, 54 BENVENISTE, Émile. Problèmes de linguistique générale,I. Paris: Gallimard, 1966, p.262, tradução nossa.

87

membros do Ministério Público, Legisladores, escrivães, escreventes, tabeliães, etc.), os

profissionais parajurídicos (redatores, revisores, tradutores, peritos, etc.) e os particulares.

Enfim, “O Direito tem mil bocas, que correspondem não apenas às fontes formais

propriamente ditas do Direito, mas a todas as vozes que se misturam na criação e na

realização do Direito” (op. cit.,p.214).

Os sujeitos do Discurso Jurídico não se limitam às pessoas que dele participam, vão

além, reproduzindo-se por diversas instâncias discursivas. Fiorin, ao explicar a “subjetividade

na linguagem” a partir de Benveniste, nos diz que há, num texto, basicamente três instâncias

enunciativas (2005, p.163). Assim, temos na primeira instância enunciativa, aquela na qual o

sujeito-emissor e o sujeito-receptor estão na condição de implícitos, são imagens construídas

deles. Em nosso corpus, encontramos a imagem dos representantes de dois Estados

soberanos, de um lado, em oposição, há a imagem do sujeito-receptor, que pode ser o outro

Estado, ou os cidadãos dos dois Estados, ou o tradutor, ou o corpo de profissionais do Direito

que farão uso daquele discurso como Norma legal, por exemplo: “O Governo da República

Federativa do Brasil (doravante denominado a Parte brasileira)”, “Le Gouvernement de la

République française (désigné ci-après comme la Partie française)” (Anexos, 8–P e 8–F),

estes são os participantes do ato enunciativo que se deu na situação de comunicação em que

os dois Governos firmaram um Acordo. Na segunda instância enunciativa, encontra-se o

sujeito-emissor real, concreto, as pessoas que representam o papel de representantes das

Repúblicas, que se encontram escondidas atrás do sujeito-emissor virtual, e por isso podem

permanecer implícitas, mas não estão, pois se manifestam no momento da assinatura do AJI,

por exemplo: “Pelo Governo da República Federativa do Brasil, Celso Amorim, Ministro das

Relações Exteriores”, “Pour le Gouvernement de la République française: Le ministre de

l’économie, des finances et de l’industrie, Thierry Breton”. Na terceira instância, faz-se

presente o narrador – o Legislador – que dá voz a um personagem: o Governo da República,

88

reproduzindo suas palavras na íntegra, em discurso indireto e se dirigindo ao mesmo TU das

outras duas instâncias, ou seja, o outro Estado, ou os cidadãos dos dois Estados, ou o tradutor,

ou o corpo de profissionais do Direito que farão uso daquele discurso como Norma legal.

Como podemos verificar

[Ele] Decreto n° 1111 Promulga o [...] [Ele] O Governo da República Federativa do Brasil, [Ele] O Governos da República Francesa, [Eles] ACORDAM o seguinte: [...]

(Anexo, 8–P)

[Ele] Le Gouvernement de la République française, [Ele] Le Gouvernement de la République Fédérative du Brésil, [Eles] Sont convenus de ce qui suit:

(Anexo, 8–F)

Em se tratando de Discurso Legislativo, o poder daquele que fala está na Instituição

Legislativa, tendo como representante o Legislador. Este sujeito não se apresenta nem como

emissor do discurso que deu origem ao Ato, nem como aquele que instituiu o Ato. É um

sujeito que fala na terceira pessoa do singular para fazer referência tanto aos Representantes

dos Estados quanto ao Decreto, isto é, o próprio Legislativo, a quem cabe o poder soberano

de reger a sociedade. Tendo o Legislador como representante, [...] este fala como soberano,

como se ele mesmo tivesse autoridade. Sendo assim, explica Cornu

O propósito imediato (regra, decisão, acordo) difere, e a consideração desse propósito remete necessariamente à pessoa do emissor (aquele que estabelece a regra, ou que toma a decisão, ou que conclui um acordo), pois a continuidade desse propósito se mede no poder daquele que fala. (2005, p.233, tradução nossa)

Os chefes de Estado não são os únicos responsáveis pelo AJI, pois compartilham essa

responsabilidade com o Poder Legislativo. Este, embora co-responsável, não participa da

situação de comunicação, logo pode se enquadrar na imagem do Terceiro Sujeito, fundando

uma outra situação de comunicação. Ferraz Júnior (1997, p.64) define esse outro sujeito da

seguinte forma:

89

O terceiro comunicador goza de uma qualidade comunicativa específica que se localiza no modo próprio do seu falar: suas ações linguísticas não são nem proposições puramente valorativas (“não se deve matar”) nem puramente fáticas (“há homens que matam outros homens”), mas algo peculiar (“quem matar será punido”).

Este “algo peculiar” é o caráter prescritivo e coercitivo da Norma Jurídica. No caso do

AJI, com apenas um objetivo: evitar conflitos.

No processo de elaboração dos AJI, os dispositivos propostos pelas duas partes

formam um todo, um único enunciado, que será adotado pelas duas Partes (Brasil e França)

sem ser nem o discurso de um, nem o discurso de outro, mas o discurso comum aos dois.

Estabelecido em um único exemplar original [com tradução] ou em um duplo original

[escrito nos dois idiomas] (CORNU, 2005, pp. 220,221, tradução nossa).

Seja qual for a função do Ato Jurídico, ele existe em razão de uma ideologia que

racionaliza os interesses e compromissos institucionais; esse é o seu espírito. Como explica

Eduardo Bittar: “Nenhum discurso está isento de ideologia, no sentido de que sempre

pressupõe atitudes e escolhas por parte daquele que o constrói, que o formula” (2007, p.181).

Ao refletir sobre a prática da tradução, deve o tradutor, atentar para esse objetivo,

respeitar o “espírito das leis” do texto-fonte e conservá-lo no texto-alvo. Observando que o

espírito de um texto jurídico obedece à ideologia de seu sistema jurídico, cabe ao tradutor

verificar se no sistema jurídico da língua-alvo a ideologia é a mesma. Nessas condições,

explica Claude Bocquet (2008, p.70, tradução nossa) que é preciso adotar um tom que informe

ao leitor [da língua-alvo] sobre a ideologia dos juristas da língua-fonte, quando eles adotam

posições desconhecidas no sistema jurídico da língua-alvo.

Neste cenário, deparamo-nos com o sujeito-receptor, seja ele o tradutor, enquanto

intérprete do texto-fonte, ou o público alvo, podendo ou não pertencer ao universo jurídico.

Como toda ciência, o Direito tem seus métodos, seus princípios e seus conceitos que o leigo

não conhece, mas que são familiares aos iniciados. Porém ele não pode dispensar essa

linguagem apropriada (BERGEL, 2003, p.239). Mas a lei fala para todos, todo cidadão deve

90

conhecê-la – Art. 3° da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro: “Ninguém se escusa de

cumprir a lei, alegando que não a conhece”. Dessa forma, o Discurso Normativo / Legislativo,

e por extensão os AJI, é por si um discurso com as duas faces: de iniciado a iniciado, e de

iniciado a não-iniciado. Embora faça diferença o conhecimento da “lógica do Direito” que os

primeitos têm, o “pensar jurídico” (Ferraz Júnior, 1997, p.71). Esse conhecimento

extralinguístico determinará as chances de compreensão, sobretudo quando surgem situações

como: o não-dito e a fraseologia.

O não-dito, uma expressão usada por Cornu (2005, p.230, tradução nossa) e também

conhecida entre os juristas brasileiros como “lacunas na lei” e “les vides juridiques” entre os

franceses, se para os iniciados na matéria jurídica causam transtornos, para os não-iniciados

podem provocar graves tropeços. Gérard Cornu ensina que essa situação se dá ao eliminar

palavras em substituição por siglas55, ou substituindo uma frase completa em substituição de

fórmulas padronizadas (inclusive os adágios), ou em um patamar mais elevado, a ausência da

norma que regule uma situação. Este caso toca muito de perto os praticantes do Direito, pois

cria uma possibilidade de desviar a interpretação da lei; por isso, Jean-Louis Bergel diz que

“les vides juridiques” são o paraíso dos juristas (1989, p.69, tradução nossa). Mas pela

afirmação de Bergel, verificamos que esse comportamento não é uma exclusividade brasileira.

Além disso, se por um lado as lacunas na lei podem ser um paraíso, por outro lado podem ser

um inferno, pois, diante desse vácuo os profissionais que trabalham com a matéria, inclusive

os tradutores deverão suprir a falta de explicação com a ajuda da compreensão da totalidade

do discurso ou com o “princípio da analogia”. Ferraz Júnior explica que a lacuna na lei resulta

de uma subversão nas expectativas dos valores capaz de redimensionar as expectativas

ideológicas [...] podemos dizer que a lacuna é, paradoxalmente, um recurso ideológico do 55 Sourioux e Lerat chamam atenção para o problema que as siglas, cada vez mais comuns nas Instituições francesas, causam aos não-iniciados. Dizem eles que os não-iniciados encontram muita dificuldade ao tentar decodificar essas unidades abreviadas que são as siglas. Sabe-se que a sequência de maiúsculas aflora no francês escrito e falado de nossos tempos, e que não é um fenômeno próprio ao Direito (1975, p.66, tradução nossa).

91

discurso da norma (1997, pp.140,141). Na mesma linha de raciocínio, Sourioux e Lerat

afirmam que a lógica interna do Direito faz com que o Direito crie noções que os não-

especialistas podem considerar como expressões estranhas (1975, p.57, tradução nossa), tal

situação deve-se ao fato de o sentido da expressão estar ligado a determinada Instituição.

Retomando os ensinamentos de Sourioux e Lerat, para melhor visualizar as

dificuldades encontradas pelos tradutores que trabalham com uma linguagem de

especialidade, sendo externos ao seu meio, reproduzimos as palavras: “Ora, em Direito, como

em qualquer linguagem técnica, a competência sociolinguística56 pertence apenas aos

especialistas. Encontramos aqui o problema da iniciação” (1975, p.66, tradução nossa). O que

pode ser agravado pelo fato de que cada cultura, por seus aspectos históricos de produção

sígnica locais, produzirem uma acepção precisa. [...] Numa dada cultura coexistem campos

semânticos organizados em diversos níveis de precisão analítica (BITTAR, 2009, p.179),

essa explicação pode ser resumida em: Cada Instituição, em cada cultura tem um campo

semântico por onde passeiam as expressões padronizadas, a terminologia e o estilo discursivo.

Tudo isso regido por sua lógica.

No contexto da tradução, podemos encontrar de um lado alguém iniciado na matéria,

mas que não tem um vasto conhecimento linguístico da língua do discurso-fonte – o

advogado sabe muito bem de que tratam as peças do processo que ele estuda (BOCQUET,

2008, p.16, tradução nossa) –, nesse caso, como diz Bocquet, basta um dicionário técnico para

ajudá-lo a compreender e traduzir o que lhe interessa. Por outro lado, o tradutor externo ao

ambiente jurídico, mas com profundo conhecimento das duas línguas, precisará conhecer a

lógica da Instituição. Dessa forma, ele explica que a iniciação ao Direito para tradutores

56 Sourioux e Lerat usam a expressão sociolinguística no sentido dado por Pride e Holmes (apud, 1975, p.65, tradução nossa, nota de rodapé), ou seja, são as situações nas quais os indivíduos interagem uns com os outros em um papel profissional, em locais apropriados para aquele relacionamento, com assuntos pertinentes àquele grupo.

92

deve ser centralizada sobre o aprendizado e o domínio da lógica do Direito e de seu

discurso57. “Só se pode traduzir o que se compreende bem” (BOCQUET, 2008, p.45).

Quanto à fraseologia, essa expressão tão frequente entre os jurilinguistas e tradutores,

significa as fórmulas convencionadas da linguagem jurídica, frequentemente consideradas

como a parte principal dessa linguagem. Poderíamos também usar a expressão: “expressions

figées” ou “expressões padronizadas”. Elas podem ser por si só, um enunciado completo; não

o sendo, certamente introduzirão o pensamento na lógica do gênero. Como explica Jean-Louis

Bergel (2003, p.248, tradução nossa)

Sem atribuir às expressões padronizadas um papel oculto, é preciso reconhecer que elas traduzem adequadamente a substância jurídica que tratam de expressar: a boa redação das fórmulas contribui com o valor das regras, que são o objeto de sua enunciação.

Georges Mounin define a fraseologia como o conjunto de tipos de frases próprias a

certa linguagem58. Essas frases, ou melhor, enunciados padronizados, são recursos pelos quais

a linguagem jurídica se manifesta. “A atividade jurídica tem tendência a se reduzir em

fórmulas. A lei se expressa em fórmulas, as decisões do juiz são fórmulas. É certo que essas

fórmulas não são refratárias à evolução do tempo, mas são substituídas por outras”, nos

ensinam Sourioux e Lerat (1975, pp.60,70, tradução nossa). Nessa forma de usar o enunciado,

através de expressões padronizadas com um sentido imutável, encontramos os adágios, como

citam Sourioux e Lerat: “Essa tendência a fórmulas é encontrada no estilo doutrinário, que

não é apenas didático, mas que abunda em máximas, adágios e brocardos” A concisão de

certos adágios e sobretudo a ausência de determinante lhes dá um ar de atemporalidade” (op.

cit., p.72).

Como sabemos, toda relação entre um significado e um significante depende do

sentido que ficou convencionado pela produção das ocorrências em contextos de enunciação

57 BOCQUET, Claude. Comment enseigner le droit servant de support à la traduction juridique?, tradução nossa. 58 MOUNIN, Georges. Dictionnaire de la linguistique. 1974, tradução nossa.

93

determinados e repetidos (RECANATI, 1981, p.15). Em se tratando de uma linguagem

própria a um campo de ação, a convenção fica fixada mais profundamente, cria raízes, e

atravessa o tempo. Assim explica Bocquet (2008, p.16, tradução nossa)

Mesmo que o tradutor, melhor do que ninguém, verifique no dia a dia que a existência de uma verdadeira língua do Direito não é demonstrada, ele pode constatar que os praticantes do Direito, devido às convenções válidas no interior do meio jurídico, empregam palavras com um sentido diferente daquele empregado no uso comum. Assim, eles empregam fórmulas, orações ou frases completas, isto é, uma fraseologia particular, cujo sentido só pode ser percebido por poucas pessoas, habituadas às convenções de linguagem dos juristas. Trata-se de procedimentos que algumas vezes podem ser classificados como figuras de retórica.

A retórica manifesta-se tanto no discurso oral quanto no escrito, e está impregnada no

Discurso Jurídico, seja de que gênero for. A retórica é de grande importância, sendo

responsável pela manifestação do pensamento, do sentimento, da ideologia, da lógica do Juiz,

do Advogado, do Ministério Público, do Legislador, enfim ... de todos aqueles que trabalham

com, para ou pelo Direito. Diante disso, não pode o tradutor deturpar a intenção do autor do

discurso; pelo contrário, ele deve, a partir da lógica da Instituição, captar a intenção do autor.

Sendo assim, na hora da desconstrução do enunciado-fonte, deverá o tradutor detectar os

pormenores da construção do Discurso Jurídico, inclusive acompanhar o ritmo da frase. O

ritmo está presente na manifestação oral e escrita, dando um tempo à frase, como se fossem os

versos de um poema ou de uma canção, sobretudo na frase francesa, que tanto zela pelo seu

ritmo.

Henri Meschonnic, em seu clássico ensaio sobre a língua francesa (1997), nos mostra

a íntima relação entre a noção tradicional do signo e a noção tradicional do ritmo,

explicando que as duas noções duelam:

o signo, um som e um sentido; o ritmo, uma alternância do mesmo e do diferente, um tempo fraco e um tempo forte. O ritmo, noção formal, inscreve-se no interior do signo, produzindo pela supremacia pragmática do sentido, esse resíduo. A tradução, em sua prática, verifica essa mecânica59.

59 MESCHONNIC, Henri. De la langue française. 1997, pp.401,402, tradução nossa.

94

Assim, Meschonnic fala da importância que o tradutor deve dar ao ritmo do

enunciado, porque a tradução mostra que transformar o sentido do ritmo e da prosódia pode,

ao traduzir, transformar aquilo que se faz com a língua (op. cit., p.410, tradução nossa).

Dessa forma, ele classifica em três os tipos de ritmo: linguístico, retórico e poético. E explica

O ritmo linguístico do francês é triplo: um ritmo pausado com entonação final no grupo (e não na palavra!), um ritmo prosódico (essencialmente com um acento de ataque consonantal), e um ritmo das finais. Os ritmos retóricos são culturais, a passagem do período nos moldes de Bossuet à frase curta nos moldes de Voltaire. (op. cit. p.403, tradução nossa).

O aspecto cultural dos ritmos retóricos do qual fala Meschonnic podem ser

determinados por seu contexto institucional. É a cultura praticada em certa Instituição, com

sua lógica que dará sentido ao ritmo da retórica de seu discurso, seja oral ou escrito.

Participando dessa construção de tempo, está o tom usado no discurso. Mesmo no

Discurso Normativo há a escolha de um tom. No caso do Discurso Legislativo, a escolha do

tom exerce influência sobre a funcionalidade do Ato; assim, explica Cornu (2005, p.311,

tradução nossa): “Os distanciamentos intencionais da expressão legislativa remetem ao

partido que toma o legislador, à escolha de um tom e aos efeitos de estilo”. É importante

observar que o sentido que Cornu dá ao “partido que toma o legislador”, significa os

interesses institucionais que o Legislador atenta em seu discurso. Esse recurso também é

aplicado nos contratos particulares, e no caso dos AJI (o qual não deixa de ser um contrato,

porém de Direito Internacional Público) também podem estar presentes, são conhecidos como

“nas entrelinhas”, e poderão dar uma brecha para que, no caso de uma divergência, sejam

manipulados como ferramenta de argumentação, a exemplo do caso citado (ver 2.2.2.2) por

Jean-Luc Orsoni a respeito da colocação do ponto-vírgula.

É importante salientar que a retórica se apresenta pela língua. São os recursos

linguísticos que apontam, entre outros, para a escolha do tom. “A arte de bem falar é, antes de

mais nada, uma arte de bem pensar” (CORNU, 2005, p.260, tradução nossa). E traduzir “um

95

bem pensar” é um grande desafio para o tradutor. Enfatizando essa qualidade que o tradutor

deve ter, Claude Bocquet (2008, pp.70,71, tradução nossa) cita o sucesso alcançado pelo

belga Meulenaëre, 1818-1892, (Presidente da Corte de Apelação de Gand) ao traduzir para o

francês a obra (doutrina) de Ihering, civilista alemão cuja obra fomentou as discussões a

respeito do Direito Objetivo e Subjetivo, em pleno século XIX, século do Positivismo. Diante

deste panorama, Meulenaëre teve de adotar um tom que mostrasse a ideologia do jurista

alemão – discurso-fonte – para os franceses – discurso-alvo. Por quê? Porque há momentos

em que a Instituição do Direito Civil alemão defende posições que não existem na Instituição

do Direito Civil francês. Para tanto, Meulenaëre adotou a posição rara que consiste em não se

afastar do ritmo da frase alemã, sem, no entanto, sacrificar a idiomática francesa.

Mas a língua também transporta outras marcas culturais, como observa Orsoni quando

fala da utilização sistemática das formas passivas, entretanto admite que esse uso existe

também nos textos franceses, porém numa proporção menor. Orsoni justifica, explicando que

as inversões, colocando a proposta no início da frase, mostrando imediatamente as intenções

do legislador, induzem a compreensão do leitor. Nesse caso, se essas escolhas estão presentes

na formação discursiva das duas culturas, então poderíamos entender que as marcas culturais

são oriundas do Sistema da Instituição Legislativa, de forma disseminada?

2.3.2 A Voz Passiva do Legislador

A voz passiva sai do âmbito gramatical e entra num patamar discursivo quando é

utilizada num contexto em que deve atender a uma ideologia.

A escolha pela constituição de frases invertidas de sua ordem normal (sujeito, verbo,

complemento) conduz o sujeito-leitor a deter sua atenção na ação, e não no autor da ação.

Dessa forma, como afirma Cornu (2005, p.325, tradução nossa): “A voz passiva permite

centralizar no objeto eleito a importância do enunciado”. A inversão da voz passiva tem um

96

papel bem definido no Discurso Legislativo: marcar a generalidade da Norma, cujo objeto

ganha contornos de impessoalidade. Para explicar de que forma o Legislador alcança o tom da

impessoalidade do Discurso Jurídico Legislativo, Sourioux e Lerat (1975, pp.45,46) explanam

sobre as construções possíveis, classificando-as em três.

A primeira é a construção passiva inacabada, também chamada de construção passiva

sem complemento de agente, este não figura por ser um sujeito indeterminado ou por já ser

presumido pelo sentido do verbo.

“O Acordo de Cooperação Judiciária em Matéria Penal [...], celebrado em Paris, em 28 de maio de 1996, apenso por cópia ao presente Decreto, será executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém”.

(Anexo, 6–P)

“La convention d’entraide judiciaire em matière pénale [...] , signée à Paris le 28 mai 1996, sera publiée au Journal officiel de la République française.

(Anexo, 6–F) Como podemos constatar, o exemplo citado atende as duas possibilidades: é um sujeito

indeterminado; entretanto, é um sujeito presumido pelo contexto do discurso, pela lógica da

Instituição de Direito Internacional Público, pois o Congresso Nacional deverá expressar seu

consentimento por meio de um decreto legislativo publicado no Diário Oficial da União, a

partir de então se tornará ordem. Na versão em francês, como é próprio ao seu espírito, o

discurso é mais objetivo e resumido.

A segunda possibilidade são as construções pronominais de sentido passivo, nesta

construção o agente da passiva não é indicado, o que aparece relacionado a um verbo

transitivo direto é o pronome apassivador SE. O sujeito desse tipo de construção aparece

depois do verbo60, como no exemplo dos dispositivos do Código Civil Brasileiro61:

“Revogam-se a Lei n° 3.081, de [...], e as demais disposições em contrário”; “Revogam-se as

disposições em contrário”. Aliás, Sourioux e Lerat explicam que essa construção pronominal

60 “A língua padrão pede que o verbo concorde com o termo que a gramática aponta como sujeito, ex: Não se perdem cinco contos, como se perde um lenço”. (BECHARA, 1999, p.563). 61 Lei n°6.383, de 7-12-1976, Art.34; Lei n°6.453, de 17-10-1977, Art.4°. Cócigo Civil Brasileiro, Ed. Saraiva, 2008, p.417.

97

de sentido passivo é característica frequente no Código Civil (1975, p.45, tradução nossa) e

cita alguns exemplos: “Le mode de la servitude peut se prescrire comme la servitude même, et

de la même manière” (CC., art. 708); encontramos em nossa legislação a mesma formação

reflexiva: “Salvo nas desapropriações, a servidão, uma vez registrada, só se extingue, com

respeito a terceiros, quando cancelada” (C.C., Art. 1.387), “Também se extingue a servidão,

[...]” (C.C., Art. 1.389).

Em português, o acadêmico Evanildo Bechara (1999, p.223) ensina que a voz passiva

difere da reflexiva (diz-se pronominal) de sentido passivo em dois aspectos: pode apresentar

o verbo em qualquer pessoa, enquanto a reflexiva só se constrói na 3ª pessoa com o pronome

se (partícula apassivadora); pode seguir-se de uma expressão que denota o agente da

passiva, enquanto a reflexiva dispensa. Essa modalidade também é chamada de “passiva

sintética”, como vimos acima, nela o pronome apassivador SE ocupa o lugar de sujeito.

“La présente Convention s’applique aux personnes qui sont des résidents d’un Etat contractant ou de chacun des deux Etats”.

(Anexo, 11–F) “A presente Convenção se aplica às pessoas residentes de um ou dos dois

Estados contratantes”. (Anexo, 11–P)

As mesmas fórmulas poderiam ser ditas assim: A presente Convenção é aplicada [...] / La

présente Convention est appliquée [...], ou ainda, Aplica-se a presente Convenção [...] / On

applique [...]. Mas, neste caso, o uso do pronome “on” não significa nenhum Sujeito-agente

específico. [...] Esse pronome não se aplica como um sintagma agente da voz passiva, [...] é a

forma pronominal que assegura a passivação. Ex: “un document se prepare”62. Seria o

mesmo que “uma convenção se aplica”. Aliás, como explica Jean Darbelnet63: “A linguagem

jurídica jamais diz ‘on’”.

62 SPILKA, Irène V. Le Passif du Législateur. In: GÉMAR, Jean-Claude (Org.). Langage du Droit et Traduction 1982, pp. 105,106, tradução nossa. 63 DARBELNET, Jean. Niveaux et réalisations du discours juridique. In: Langage du Droit et Traduction, Jean-Claude Gémar (Org.). 1982, p.58, tradução nossa.

98

A terceira possibilidade são as transformações impessoais. Explicam Sourioux e Lerat

que esse uso existe em oposição aos verbos impessoais, como “Il faut”, sendo assim, a frase

começa por um sujeito aparente, apesar de ser impessoal, seguido do verbo na passiva. Na

mesma linha de pensamento, Gérard Cornu (2005, p.277, tradução nossa) avalia o caráter

objetivo da forma impessoal, e diz que a voz impessoal expressa uma realidade objetiva,

logo, uma espécie de verdade geral (Il est..., Il y a..., Il n’y a pas..., Il peut..., Il appartient...,

Il incombe..., Il entre..., Il faut – que é apenas impessoal). No francês encontramos o passivo

impessoal (o sujeito fictício, vazio, o Il impessoal64), como exemplo: “Il a été décidé de

limiter ...”. Assim, extraímos de nosso corpus o seguinte exemplo:

“Sont convenus de ce qui suit: Article 1er – Création du Centre franco-brésilien de la biodiversité

amazonienne 1. Il est créé un Centre franco-brésilien de la biodiversité amazonienne[...]

(Anexo, 7–F) “Decidem: Artigo 1 – Criação do Centro Franco-Brasileiro da Biodiversidade

Amazônica 1. Estabelecer o Centro Franco-Brasileiro da Biodiversidade [...]”

(Anexo, 7–P) Nesse exemplo, encontramos uma discrepância que vai além do que se pretendia demonstrar,

na voz passiva impessoal, encontramos uma organização enunciativa diferente. Enquanto o

discurso francês está focado no artigo 1° (criação de um Centro franco-brasileiro..),

enumerando abaixo as formas a serem utilizadas para a sua execução, servindo-se da voz

passiva impessoal; no discurso brasileiro o foco está na alínea 1 do Artigo 1° (estabelecer o

Centro ...), afastando a voz passiva no discurso brasileiro (eles decidem estabelecer), o

infinitivo no dispositivo da alínea 1 tem a função de objeto direto.

Irène Spilka, linguista e professora de tradução quebequense, em seu estudo sobre a

voz passiva no Discurso Legislativo, afirma que a posição do Legislador, enquanto sujeito

supremo “de direito divino”, é de falar na primeira pessoa instaurando a relação eu-tu na

64 SPILKA, Irène V. Le Passif du Législateur. In: GÉMAR, Jean-Claude (Org.). Langage du Droit et Traduction 1982, p.106, tradução nossa.

99

modalidade imperativa e imperiosa. A linguista ao fazer essa avaliação também inclui no

papel de sujeito-emissor do Discurso Legislativo, seus representantes e seus instrumentos

(Estado, governo, código, lei,... todos os atos que remetem à instância que legifera), estes nós

concebemos como a Instituição. Nesse discurso, o Legislador pode se colocar na primeira

pessoa, ou, como coloca Spilka, deixar que a regra se imponha por ela mesma, como

emanando da vontade comum, que não tem necessidade de ser identificada, “facilitando a

construção passiva inacabada” (1982, p.107, tradução nossa). Mas há outra forma de o

Legislador fazer sua presença, através do discurso indireto, assim ele pode se apagar enquanto

terceiro sujeito. É de grande relevância destacar que o Legislador é o terceiro sujeito na

medida em que está fora da situação de enunciação original, mas enuncia com poder, por

meio dos enunciados constativos oficiais. É um poder forjado na Instituição.

2.3.3 Discurso Indireto

Como sabemos, o AJI é um Discurso Legislativo, por força de lei, mas que pertence à

Instituição do Direito Internacional Público, o que cria peculiaridades que o diferenciam do

Discurso Legislativo corrente. Por ser um discurso citante pode a qualquer momento marcar

sua distância, embora o relator adote o ponto de vista do discurso citado, ele tende a se apagar

sob a condição de representante de uma Instituição. Nessas condições, vemos duas instâncias

enunciativas: o ato realizado pelos sujeitos-enunciadores do discurso inicial, representando o

papel do Estado, e o ato realizado pelo sujeito-enunciador do discurso final (o Legislador)

relatando o que ficou acertado no primeiro discurso, já aprovado pelos membros dos

governos, é um discurso relatado de forma indireta por meio do qual os sujeitos-receptores (os

cidadãos brasileiros e franceses) têm acesso ao discurso produzido na “situação de

comunicação”, num Ato Solene, no qual os representantes dos dois Estados acordaram

matérias de interesse das duas Nações. Quando entra em cena o tradutor, surge mais uma

100

instância enunciativa, pois o tradutor torna-se o sujeito-receptor do discurso-fonte e o sujeito-

emissor do discurso-alvo, para o público-alvo.

Trata-se de um discurso indireto, haja vista o Legislador usar um verbo introdutor para

fazer referência ao discurso relatado. Assim, o discurso indireto parece se tornar um simples

complemento do objeto direto do verbo introdutor (verbo de comunicação); porém, é sabido

que em todo ato de comunicação existe, de alguma forma, a manifestação da ideologia do

sujeito-emissor, esteja ele em que instância for. Nesse sentido, esclarece Charaudeau (1992,

p.650, tradução nossa): “Trata-se de um jogo que o sujeito-enunciador pratica, como se lhe

fosse possível não ter ponto de vista, de desaparecer completamente do ato da enunciação, e

de deixar que o discurso fale por ele mesmo”. Mas como isso não é possível, ele deixa sua

marca na escolha que faz do verbo introdutor, orientando o sujeito-receptor, indicando que um

ato linguístico foi cumprido, transportando outras informações da tríade enunciativa: espaço,

tempo, sujeito65. Podemos, assim, verificar algumas fórmulas que evidenciam o

posicionamento do Legislador,

“Ont résolu de conclure le présent traité et ont désigné à cette fin”. (Anexo, 1–F)

Resolveram concluir o presente Tratado, e, com esse objetivo, designaram: (Anexo, 1–P)

“[...] sont convenus des dispositions suivantes:” (Anexo, 4, 9, 7 –F)

“Convieram nas seguintes disposições:” (Anexo, 4–P)

“Acordam o que segue:” (Anexo, 9–P)

“Decidem:” (Anexo, 7–P)

Sob o prisma jurídico, Gérard Cornu (2005, pp.223,224) nomeia o discurso indireto

de “o discurso por outrem”, colocando o “outrem” em duas situações. No primeiro caso, na

condição de mensageiro, ele é aquele que não participa do processo de comunicação, ele

empresta a sua voz, deixando supor a existência de uma mensagem preexistente; no segundo 65 KALADI, Ahmed El. Discours Rapporté et Traduction Le Cas de L’Arabe. In: BALLARD, Michel ; EL KALADI, Ahmed (Org.). Traductologie, Linguistique et Traduction. 2003, p.204, tradução nossa.

101

caso, na condição de representante, ele se envolve (negociando, adaptando, modificando) no

limite de seus poderes. É o único que enuncia, pois coube a ele a elaboração do discurso,

sendo o único autor do enunciado, porém, imbuído do espírito de portador de uma missão a

cumprir.

Sob o prisma linguístico, encontramos na imagem do Legislador, o sujeito-relator,

aquele que relata o discurso inicial servindo-se de um verbo introdutor para cada frase distinta

e da expressão “que”, também utilizada como recurso introdutório. Em nosso caso, contamos

também com a referência nominal (o Sr. Presidente, o Vice-Presidente, o Primeiro

Ministro,...) e com a desinência verbal na terceira pessoa (concordam, declaram,...), colocada

ao final. Da mesma forma, ele faz sua presença na figura do Decreto – “(O) Decreto [...]

promulga o Acordo [...]” –; igualmente ocorre no discurso francês – “(Le) Décret [...] portant

publication de [...]” –, note-se que “portant”, oração reduzida de particípio, pode ser

substituída por uma oração desenvolvida, isto é, uma subordinada adjetiva – qui porte –; logo,

soa aos nossos ouvidos com o mesmo sentido de “que estabelece” (na 3ª p.s. do presente), é

um ato que acontece no momento presente, está sempre atual, o presente da instância da

palavra, a palavra lida pelo enunciador-receptor, como explica Benveniste: “O presente é

reinventado cada vez que o sujeito [enunciador] fala [e o sujeito-receptor lê], pois está na

palavra um momento novo, ainda não vivido” (BENVENISTE, 1974, II, p.74, tradução

nossa). O discurso citante tem seu momento e o discurso citado tem outro momento, mas

ambos, através do recurso verbal, atualizam-se a cada leitura, eternizando-se no momento

presente da leitura. No entanto, apesar da constante atualização do presente, o enunciado do

discurso indireto é um ato cumprido. Quanto à indicação de tempo, François Recanati (1981,

p.162, tradução nossa) explica que a informação de que o discurso citado trata de um ato

cumprido é indicada por intermédio de outro enunciado que tem por objetivo essa função.

Como podemos verificar

102

Le Président de la République, Sur le rapport du Premier ministre et du ministre des affaires étrangères, Vu les articles 52 à 55 de la Constitution; Vu la loi n°99-986 du 1er décembre 1999 autorisant l’approbation de la

convention d’extradition entre le Gouvernement de la République française et le Gouvernement de la Repúblique fédérative du Brésil;

Vu le décret n° 53-192 du 14 mars 1953 modifié relatif à la ratification et à la publication des engagements internationaux souscrits par la France,

Décrète: O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o

art. 84, inciso IV, da Constituição, e Considerando que o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo

da República Francesa celebraram em Paris, em 28 de maio de 1996, um Tratado de Extradição;

Considerando que o Congresso Nacional aprovou esse Tratado por meio do Decreto Legislativo n° 219, de 30 de junho de 2004;

Considerando que o Tratado entrou em vigor [...] DECRETA:

(Anexos, 4–P, 4–F) Encontramos as indicações de se tratar de um ato cumprido pelas indicações temporais

(datas), espaciais (locais), e de outros Atos Jurídicos que deram suporte para que este Ato da

Instituição de Direito Internacional Público pudesse existir. Da mesma forma, verificamos

claramente que a força ilocutória permanece na voz do Legislador, quando enuncia: “Ele

Decreta”. Nesse sentido, nos servimos do exemplo dado por Recanati (1981, p.161, tradução

nossa): “Eu ordeno que você parta” (“Je t’ordonne de partir”) tem, linguisticamente falando,

o mesmo potencial de força ilocutória que “Ele ordena que você parta” (“Il t’ordonne de

partir”).

Sob o prisma tradutório, encontramos em Bocquet a referência ao discurso indireto

utilizado no modo doutrinário, ou Discurso Científico (segundo a classificação de Bittar). A

doutrina faz uso do discurso indireto em comentários de decisões judiciais (acórdãos e

sentenças), sendo usado às vezes como paráfrase do discurso performativo, às vezes do

discurso silogístico. Assim, ainda com referência ao Discurso Doutrinário, Bocquet comenta:

[...] E o tradutor será confrontado com problemas importantes, dentre os quais o de expressar em sua língua, parafraseando pelo estilo indireto, ou eventualmente citando pelo estilo direto, o modo performativo. Pode acontecer que as formas de expressão desse gênero sejam diferentes na língua-fonte e na língua-alvo. (2008, p.65, tradução nossa

103

Concluímos a análise dos aspectos discursivos, justificando que, não obstante a falta

de referência a nosso teórico – Claude Bocquet – nas abordagens sobre a voz passiva e o

discurso indireto, especificamente no Discurso Legislativo, houve necessidade de apresentar

um estudo sobre esses temas, visto que são características do Discurso Legislativo, impondo

dificuldades nos âmbitos linguístico e jurídico, às quais o tradutor deve estar atento para evitar

deslizes. Essa preocupação encontra sustentação em Tesnière66: “A tradução de uma língua

para outra obriga que se recorra a uma estrutura diferente”.

2.4 OS ELEMENTOS LINGUÍSTICOS DO DISCURSO JURÍDICO

“Todo enunciado é realizado numa situação definida pelos participantes da

comunicação, pelo momento da enunciação e pelo lugar onde o enunciado é produzido”

(FIORIN, 2005, p.162). Mais uma vez encontramos a Instituição definindo os papeis na

“situação da enunciação”. Afinal, o enunciado só pode ser compreendido num contexto

específico, determinado pela Instituição a qual pertence. Essa situação é movida por uma

engrenagem que Benveniste chama de “aparelho formal da enunciação”, no qual o sujeito está

no centro, cercado por informações fundamentais para a compreensão: tempo e lugar. A esse

conjunto de informações, composto por elementos linguísticos,

Benveniste refere-se usando os termos latinos ego (eu), hic (aqui), nunc (agora), para mostrar que essas categorias, de pessoa, de espaço e de tempo, não existem apenas em algumas línguas, mas são constitutivas do ato de produção do enunciado em qualquer língua, em qualquer linguagem. (op. cit., p.163, grifo nosso)

Tudo começa, basicamente, com três conjuntos de morfemas que servem para

expressar a pessoa: os pronomes pessoais retos e oblíquos; os pronomes possessivos e as

desinências verbais número-pessoais (FIORIN, 2005, p.165). Em seguida, nos deparamos

66 TESNIÈRE, Lucien. Élements de syntaxe structurale. Apud: PAVEAU, Marie-Anne; SAFARTI, Georges-Élia. As Grandes Teorias da Linguística. Tradução de Maria do Rosário Gregolin et al. São Carlos: Claraluz, 2006, p.114.

104

com a situação definida pelos seus participantes, em um dado momento em certo lugar:

situação de comunicação. Neste panorama, encontramos os indicadores de “tempo e de lugar”

que são de responsabilidade dos dêiticos advérbios e pronomes demonstrativos. Porém,

outros elementos também são determinantes: conjunções e preposições, ou seja, os

conectivos: formas linguísticas que estabelecem a ligação entre dois termos de uma oração, ou

entre orações num período.

Todos esses elementos linguísticos, elementos colaboradores na construção de ideias,

quando vistos pelo ângulo da tradução, podem se transformar em inimigos, apresentando

grandes transtornos, são os “falsos cognatos”. A falsa semelhança é devida à evolução

semântica diferente das línguas, assemelham-se na forma, mas têm sentidos diferentes.

Reproduzindo as observações de Paulo Rónai67: “Certas estruturas sintáticas do francês, cujo

simples decalque em português não só produzem frases desajeitadas, mas muitas vezes

chegam a alterar-lhes o sentido”.

A preocupação com esse aspecto dos discursos nos dois idiomas deve receber atenção,

pois a “traição” pode acontecer em função da semelhança na lógica da Instituição do Direito

Internacional Público, nos dois idiomas, por ser um discurso com “enunciados concisos”

comungado com o “tom da generalização”, mas, sobretudo, por ter marcas explícitas de

soberania. Estas estão incorporadas no corpo da lei, entrando no próprio enunciado da regra,

principalmente por meio dos verbos. Cornu afirma que a escolha dos verbos representa um

papel primordial na construção da soberania do enunciado da lei – pode-se dizer que a

soberania do legislador está no verbo (CORNU, 2005, p.264, tradução nossa).

2.4.1 Verbos

Não obstante o caráter imperativo do enunciado soberano, o verbo não é

necessariamente usado no modo imperativo, podendo vir no modo indicativo e alcançando o

67 RÓNAI, Paulo. Guia Prático da Tradução Francesa. 3ª ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983, p. XIII.

105

mesmo objetivo performativo, ou seja, o sujeito-emissor anuncia o sentido veiculado no

enunciado pela força ilocutória do verbo. Essa substituição do imperativo pelo indicativo é

justificada por Cornu. Ele (2005, p.268, tradução nossa) explica que o indicativo afasta o

imperativo no enunciado legislativo, pois, paradoxalmente, o imperativo não é o modo

apropriado do discurso normativo, pelo menos na lei.

Entretanto, na visão da linguística podemos encontrar um entendimento diferente,

como explica François Recanati (1981, pp.23,24, tradução nossa)

O modo indicativo não “significa” a mesma coisa que o modo imperativo, e o que esses modos significam não têm ação idêntica sobre o estado de coisas representado pelos dois enunciados (“Jules vai a Londres amanhã”; “Vá a Londres amanhã, Jules”), mas dizem respeito ao ato ilocutório cumprido por aqueles que os enunciam.

No contexto jurídico, a justificativa dada por Cornu para o uso do presente do

indicativo, no lugar do imperativo é justificada por Sourioux e Lerat quando afirmam que as

palavras-atos do Direito não podem ser tratadas sem levar em conta, ao mesmo tempo, o

aspecto linguístico e as condições institucionais de seu funcionamento (1975, p.51, tradução

nossa). Nesse caso, usa-se uma construção que dá ao indicativo a força do imperativo: “O

pronome pessoal na 1ª pessoa e um verbo declarativo-jussivo no presente do indicativo” (op.

cit.), cuja relação já foi citada neste trabalho (ver 2.3). Neste aspecto, o mais importante para

dar a condição de performativo ao enunciado é que o pronome esteja na primeira pessoa. Mas

não é isso o que encontramos nos AJI, em que o Legislador alcança o objetivo performativo

embora não fale na primeira pessoa, pois ele enuncia com a força e a autoridade que a

Instituição lhe dá, encarnando o papel do sujeito-enunciador do discurso de outro.

O tempo verbal presente no Discurso Legislativo tem o espírito de estar “fora do

tempo”, é a atemporalidade. Quando o Legislador usa o presente ele tem a finalidade da

generalização temporal, segundo Sourioux e Lerat: “O presente jurídico é gramaticalmente

um caso particular do presente “atemporal”, o das verdades gerais, das definições e das

máximas” (1975, p.61, tradução nossa).

106

“As partes garantem a segurança e preservam o caráter confidencial [...] Os dados técnicos e as informações intercambiadas não serão [...]. As Partes asseguram que os materiais nucleares [...] serão utilizados unicamente [...] Cada Parte zelará [...] Cada Parte assegura que, [...].”

(Anexo, 9–P) “Les Parties garantissent la sécurité et préservent le caractère confidentiel Les données techniques et les informations échangées ne sont pas communiqués à de tiers, publics ou privés, […] Les Parties s’assurent que les matières [...] ne sont utilisés qu’à des fins [...] Chaque Partie veille à ce que [...] Chaque Partie s’assure que [...]

(Anexo, 9–F)

Como vimos, o uso do presente atemporal francês é predominante no Discurso

Legislativo. Ocorre que a correspondência com o português não é automática, pois o nosso

Legislador, apesar de ter a mesma intenção do Legislador francês, manifesta-se,

linguisticamente, através da correlação presente/ futuro.

A explicação está no fato de que em português o tempo indicativo com valor

imperativo é alcançado com o uso do futuro, o futuro jussivo, ao contrário do que ocorre na

língua francesa, que também se serve do presente, ganhando status de “presente jussivo”,

sendo usados na linguagem jurídica legislativa tanto o presente como o futuro do indicativo

na condição de substitutos do imperativo, embora o futuro seja cada vez menos usado no

Discurso Legislativo. Tal não ocorre com o Discurso Legislativo brasileiro, como explica

Othon Garcia, ao relacionar as formas usuais do futuro do presente, cita o tempo-aspecto a

que alguns gramáticos dão o nome de “futuro jussivo”, com valor de imperativo. Usual nos

mandamentos, códigos, regulamentos, leis em geral. Artigos de leis, decretos, regulamentos,

empregam com frequência esse futuro jussivo68. Cornu (2005, p.268) explica que o presente

do indicativo expressa melhor a situação de forma indubitável, “expressa um fato que se

produz e continua a existir fora do tempo” (tradução nossa), perpetuando-se no presente.

68 GARCIA, Othon M. Comunicação em Prosa Moderna. 23 ed., 2003, p.94.

107

“Dans le cas où une activité conjointe implique l’accès, le [...], cette activité est soumise à la législation nationale pertinente”.

(Anexo, 8–F) “Caso alguma atividade conjunta envolva acesso, [...], essa atividade estará sujeita à legislação nacional relevante”.

(Anexo, 8–P)

Entretanto, nem sempre o presente do indicativo sozinho consegue dar conta de

manifestar o tom imperativo do enunciado, nesses casos são acrescidas expressões – être tenu

de, être obligé de, doit –, de valor modalizador, mas em categorias que são distribuídas na

organização do discurso.

“[…] Toute dépense relative à la mise en œuvre de projets [...] dans le cadre de cet accord doit être réglée par un contrat spécifique au projet [...]”.

(Anexo, 8–F) “[...] Qualquer custo relacionado à implementação de projeto [...] consideradas no marco deste Acordo deverão ser regulados por [...]”.

(Anexo, 8–P)

A modalização no Discurso Jurídico, por meio dos funtores, é utilizada com os

mesmos fins que em qualquer outro discurso: o posicionamento do sujeito-emissor com

relação ao sujeito-receptor, ao objeto de seu discurso e a ele mesmo, servindo-se dos recursos

linguísticos, as marcas explícitas. Claude Bocquet (2008, p.25, tradução nossa) comenta que

em razão de o futuro do indicativo ter um caráter arcaico, certos autores consideram que esse

uso deve ser reservado aos casos que tenham uma autoridade pública como sujeito do verbo;

e, para os outros casos, utilizar marcas de ordem (être tenu de, être obligé de, doit) que

pertencem às quatro categorias de recursos linguísticos explícitos, citadas por Sourioux e

Lerat e que dão o tom de: obrigação, proibição, permissão e opção (1975, p.49, tradução

nossa), como vimos no excerto acima.

A modalização está na essência da enunciação. Segundo Bally69 a modalização é a

forma linguística de um julgamento intelectual, de um julgamento afetivo ou de uma vontade

do sujeito pensante, enunciada a respeito de uma percepção ou de uma representação de sua

mente. São nuances que estão atreladas à lógica das Normas, e funcionam por meio de marcas 69 BALLY, Charles apud M. Fónagy. Bibliothèque de l’Information Grammaticale. Dynamique et Changement. 2005, p.318. Disponível em http://books.google.fr. Acesso em 15 março 2011.

108

modais, estruturando o silogismo jurídico, ou seja, a lógica deôntica, como explicam Sourioux

e Lerat (1975, p.49)70. Nessa perspectiva, encontramos termos específicos para cada

categoria: obrigatório (É obrigatório o regime da separação de bens no casamento: [...]71);

proibido (é proibido qualquer trabalho[...]72); permitido (podem os cônjuges, independente

de autorização do outro[...]73); facultativo (podem adotar os maiores de[...]74). Mas, a

categoria facultativa, embora assegurada por lei, depende de outros fatores que determinarão a

decisão do juiz, pois a Norma “faculta”, não “assegura”.

Esses procedimentos linguísticos embora tenham nos verbos suas marcas mais

representativas, aliados a eles encontram-se os advérbios (considerados de segunda classe),

os adjetivos ou os substantivos em construção pessoal ou impessoal, e os chamados status da

frase – imperativo, interrogativo, exclamativo (CHARAUDEAU, 1992, p.577, tradução

nossa).

Considerando que os verbos são a marca mais representativa, recordamos Bittar

(2009, p.196) ao destacar que por meio deles se podem alcançar descrições e categorias

elementares do discurso e, por conseguinte, compreender melhor a mensagem transmitida no

processo de decodificação, com atenção não só à língua como também à cultura e à lógica do

discurso.

2.4.2 Pronomes

Quanto ao tom de generalização citado anteriormente como componente da lógica do

Discurso Normativo, ao lado da concisão, ele fica a encargo dos pronomes indefinidos, pois,

como explicam Sourioux e Lerat: “o caráter de generalidade da norma é expresso com a ajuda

70 O nome deôntica vem do grego dever. A lógica deôntica é um tipo de lógica modal e tem a função de modalizar o enunciado normativo numa escala de valores: permitir, obrigar, ou, em oposição, proibir. Os operadores: é obrigatório, é permitido, é proibido, são responsáveis pelo silogismo jurídico. 71 Art. 1641 do CC. 72 Art. 60 da Lei 8069, de 13-7-1990. 73 Art. 1.643 do CC 74 Art. 42 da Lei 8069, de 13-7-1990.

109

de indefinidos” (1975, p.59, tradução nossa). Entretanto, será que podemos usar o mesmo

pronome indefinido no discurso de língua francesa e no de língua portuguesa do Brasil? Essa

matéria é abordada por Bocquet quando sustenta que as Normas ainda que dirigidas a todos,

pessoas indefinidas, mas determináveis, têm diversos contextos, fator elementar na construção

do enunciado. Por essa razão, diz ele (2008, p.33, tradução nossa)

Essa ideia, com milhares de colocações em um número considerável de contextos, levou cada língua a constituir seu próprio instrumento de expressão, que a história marcou mais do que as imposições linguísticas. A princípio, existe o jogo dos adjetivos e dos pronomes indefinidos, depois o uso das fórmulas de exclusão em uma ordem, depois as convenções sobre o modo de expressão da própria ordem.

Não obstante seu caráter de generalização, os pronomes indefinidos substantivos e

adjetivos têm nuances que os distinguem. Por essa razão, Cornu e Bocquet fazem três

classificações: afirmativos, negativos e indeterminados. Assim, é preciso ver a regra implícita

para o uso de cada um.

Bocquet Cornu Sourioux / Lerat Português

Afirmativos Tout, Toute, Quiconque (celui qui), Chaque, Chacun de

Tout, Chaque, Chacun

Tout (pessoa física e júridica e atos ou coisas75), Quiconque, Celui + relativo

Tudo (=todo) Cada, Algum, Qualquer

Negativos Nul 76 Nul, Aucun Nul, Aucun Nenhum

Indeterminado

On, Quiconque, Tel, Autrui

Outrem

75 Sourioux e Lerat ressaltam que no caso do indefinido “tout” fazer referência aos atos ou coisas, o Legislador acrescenta “quelconque”, ou seja, “qualquer”, prevendo uma aplicação mais ampla possível da Norma. Assim, eles citam como exemplo (1975, p.60): “Tout fait quelconque de l’homme qui cause à autrui un dommage oblige celui par la faute duquel il est arrivé à le réparer (art. 1382 C.C.)”. Paralelamente, encontramos em nossa legislação (C.C. art.927) a seguinte formação discursiva: “Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. 76 Bocquet assegura que a língua francesa usada no Discurso Legislativo evita “personne e “aucun”, preferindo o emprego de “nul” como adjetivo ou como pronome. Salvo nos casos em que “aucun” é o recurso utilizado quando razões estilísticas impedem o emprego de “nul”. Por exemplo: “Aucun acte de procédure ne peut être déclaré nul, pour vice de forme si la nullité n’est pas expressément prévue par la loi”. (2008, p.35, tradução nossa)

110

A língua portuguesa classifica os pronomes indefinidos segundo dois usos:

a) Pronomes indefinidos substantivos, os quais são invariáveis: tudo, nada, outrem;

b) Pronomes indefinidos adjetivos, os quais são variáveis, com exceção de “cada”, temos

então: nenhum, qualquer, algum.

Observemos os ensinamentos de Bechara (1999, p.169): “aplicam-se a quantidades

indeterminadas os indefinidos variáveis: todo, algum”. Da mesma forma, ele (op. cit., p.196)

relaciona o valor de “todo” a “cada” e “qualquer”, explicando que no singular, “todo” pode

referir-se tanto à totalidade distributivamente (= omnis), como à totalidade integral (= totus).

Essa explicação corresponde àquela dada por Cornu ao se referir aos pronomes indefinidos de

sentido afirmativo (tout, chacun, chaque), sendo que, explica o jurilinguista (2005, p.274,

tradução nossa): “chacun e chaque, enquanto distributivos, designam todo o elemento tomado

isoladamente de um grupo. Enquanto que tout, tendo retomado o valor do latim omnis,

suplantado por totus, expressa na indefinição a totalidade global, sem individualizar”.

“Tout transport de matériel protegé será soumis à l’accord des autorités nationales intéressées [...]”.

(Anexo, 5–f) “Todo transporte de material sigiloso será submetido à aprovação das

autoridades nacionais interessadas [...]”. (Anexo, 5–P)

Claude Bocquet observa que o adjetivo “tout / todo” e o pronome “quiconque / quem

quer que / (todo) aquele que” designam uma pessoa em um conjunto indefinido de indivíduos.

Por outro lado, “chaque / cada / qualquer” e “chacun” designam uma pessoa que pertence a

um grupo de pessoas determinadas por sua natureza e por seu número (2008, p.34, tradução

nossa).

“Chaque époux a la pleine capacité de droit...” (art. 216, CC; apud BOCQUET, 2008, p.34)

“Qualquer dos nubentes [...]” (Art.1565, §1° do C.C.). “Se qualquer dos cônjuges estiver [...]” (Art. 1570 do C.C.). “Qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de separação judicial” (Art. 1572 do C.C.).

111

Como foi possível observar, a correspondência é perigosa. Embora os elementos

linguísticos tenham o mesmo valor, cada cultura faz a sua escolha, levando cada língua a

constituir seu próprio instrumento de expressão, que a história marcou mais do que as

imposições linguísticas. Por essa razão, as escolhas linguísticas e discursivas do enunciado

legislativo estão presas ao momento histórico de sua formulação, como podemos ver no Art.

334 do CC de 1916: “Cada cônjuge é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade”.

Este texto ainda está em vigor no Código Civil atual (de 2002), tendo sido acrescentada a

condição do companheiro. A mesma condição histórica ocorre entre o Código Civil francês

atual e o de 1804, o Código Napoleônico. Situação que levou Claude Bocquet a colocar a

questão: “Por que o Legislador de 1804 empregou “tout” no lugar de “chacun?”. Assim

também perguntamos: “Por que o Legislador de 1916 empregou ‘cada’ no lugar de

‘qualquer’?” Resumindo...

Tout – toute – todo a totalidade global sem individualização Quiconque (toute personne, celui qui) – aquele que Chaque / chacun – cada / qualquer

Todo elemento tomado isoladamente de um grupo indefinido (Bocquet) Todo elemento tomado isoladamente de um grupo definido

Quanto ao grupo dos indefinidos de valor negativo, temos, em francês,

predominantemente, “nul”, seja como pronome ou como adjetivo. Bocquet explica que

“aucun” só é utilizado como solução estilística, no entanto, Cornu e Sourioux & Lerat

incluem “aucun” no uso corrente. Paralelamente, temos exemplos na legislação francesa do

uso desse indefinido, como por exemplo, na Constituição da V República, Art. 26: “Aucun

membre du Parlement ne peut être poursuivi, recherché, arrêté, détenu ou jugé [...]”; assim

como no material de nosso corpus: “Aucun établissement ne pourra être associé à l’éxecution

des accords de coopération, [...]”; “Aucune personne ne pourra prendre connaissance [...]”

(Anexo, 5–F). Em português, encontramos o indefinido de sentido negativo em: “Nenhum

estabelecimento poderá associar-se à execução dos acordos de cooperação, [...]”; “Nenhuma

112

pessoa poderá tomar conhecimento de informação sigilosa se não satisfizer [...]” (Anexo, 5–

P). Podemos encontrar, ainda na Constituição da V República, em seu Art. 66: “Nul ne peut

être arbitrairement détenu”. Se na linguagem comum a tradução de “nul” em geral não é

“nulo”, na linguagem jurídica, em casos determinados, pode ser. Nesta, a expressão

“nulo/nula”, “nul/nulle” significa o que não existe, sendo usado no texto legislativo no sentido

de “sem efeito”, por exemplo: “É nula a cláusula que autoriza o [...]” (Art. 1.365 do C.C.). Da

mesma forma em francês encontramos: “Le contrat de fiducie est nul s’il procede d’une

intention [...]” (Article 2013 C.C.).

Na terminologia jurídica, o nulo é rigorosamente tomado no sentido de inexistente, ineficaz, que não pode produzir efeitos jurídicos. [...] E nulo é tudo o que se faz contra a lei, ou seja, todo ato praticado com ofensa aos princípios fundamentais de ordem jurídica ou garantidores dos interesses coletivos. [...] A qualidade de nulo, assim, é imposta pela lei em razão de ordem pública, para que não se desrespeite a própria lei. Dela é que se gera a nulidade.77

Semelhante é a explicação dada por Cornu (2009, p.622, tradução nossa): “Quando

existe vício que afeta o ato jurídico, em virtude do qual incorre anulação”.

Se por um lado encontramos a generalização nos indefinidos; por outro lado

encontramos a definição na localização espacial e temporal por meio dos pronomes

demonstrativos. São os termos que determinam um hic e nunc da enunciação e que vão além

da noção gramatical dos pronomes demonstrativos78. Comecemos pela tríade enunciativa:

espaço, tempo, sujeito. Como já vimos as referências ao sujeito, iremos nos deter nas questões

de espaço e tempo.

“O espaço linguístico é expresso pelos demonstrativos e por certos advérbios de

lugar” (FIORIN, 2005, p.174). Sendo que esse espaço está no âmbito da “situação de

comunicação”. Os pronomes demonstrativos podem desempenhar a função dêitica ou coesiva,

tendo os demonstrativos este e esse no núcleo do mecanismo de localização espacial. Assim,

77 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico.28ª ed. 2009, p.962. 78 SOURIOUX e LERAT. Langage du Droit. 1975, p.48, tradução nossa.

113

este marca o espaço do sujeito-enunciador, enquanto que esse marca o espaço do sujeito-

receptor; entretanto, encontramos um terceiro referente, aquele, que marca o que está fora da

“situação de comunicação”. Neste contexto, na medida em que este é empregado em função

catafórica (referência ao que será enunciado), esse e aquele em função anafórica (referência

ao que foi enunciado), eles desempenham a função coesiva. Na função dêitica, os dois

demonstrativos [este, esse] tornaram-se equivalentes e estão em variação livre, sendo que há

um nítido predomínio do segundo sobre o primeiro. Mas há outros demonstrativos igualmente

úteis para o Discurso Jurídico, como: mesmo, tal, outro. Ainda que, como lembra Bechara

(1999, p.193), alguns estudiosos classifiquem tal e outro como pronomes indefinidos.

“O transporte de documentos sigilosos será efetuado de Governo a Governo, por via diplomática ou militar. Esta regra não terá nenhuma exceção no que diz respeito ao [...]” “Le transport de documents protégés sera effectué de Gouvernement à Gouvernement, par voie diplomatique ou militaire. Cette règle ne souffrira aucune exception en ce qui concerne [...]” “Os gastos ocasionados pelas visitas de verificação estarão a cargo [...]. Tais visitas terão como exclusivo propósito verificar a aplicação [...]” “Les frais entraînés par les visites de vérification seront à la charge [...] Ces visites auront comme seul objectif de vérifier l’application [...]”.

(Anexo, 5–P, 5–F)

Como vimos, os pronomes (adjetivos) demonstrativos têm, aqui, função anafórica, ou

seja, a função dêitica. Ora, notamos que o Legislador francês dispensou o complemento “ci”,

em “cette règle-ci”, equivalente a “esta”. Encontramos a resposta em Charaudeau e em Fiorin,

dizem os linguistas: “a oposição “ci/là” está em vias de desaparecimento quanto à distinção

semântica”79; “em função dêitica, no português moderno, está havendo uma neutralização da

oposição este/esse”80, tornando-se equivalentes e tendo a distinção da proximidade e da

distância marcados pelo “aquele”. Essa decisão do uso linguístico cabe ao Legislador

responsável. Podemos também encontrar o uso tradicional na condição de pronome 79CHARAUDEAU, Patrick. La Grammaire du sens et de l’expression. 1992, p.308, tradução nossa. 80 FIORIN, José Luiz (Org.). Introdução à Linguística, II. Princípios de análise. 2005, p.175.

114

substantivo (demonstrativo)/ pronom démonstratif, isto é, substituindo os nomes, como

verificamos nos Anexos 6–F e 6–P – “[...] à testemunha ou ao perito. Este será mencionado

na citação [...]; [...] au témoin ou à l’expert. Celle-ci sera mentionnée sur la citation [...]”.

Ocorre, também, que o Legislador francês prefere usar o pronome Ces no lugar de

Tels, apesar de ambos terem o mesmo valor de conclusão e de anúncio, como explica

Charaudeau81 quando esclarece que a identidade que o pronome representa é apresentada

como uma conclusão ou um anúncio, sintetizando o que foi dito anteriormente ou o que será

dito em seguida (classificaremos de valor “anafórico; catafórico”).

Outras expressões de localização espacial são usadas como referência. Nesse sentido,

Sourioux e Lerat (1975, p.48) nos apontam alguns exemplos usados com mais frequência no

Discurso Burocrático, o estilo notarial: soussigné, ci-après, sus-nommé, [....]. Em nosso

material de análise, os Atos Jurídicos Internacionais, encontramos, com frequência, tanto em

francês como em português a expressão “O Acordo/ A Convenção/ O Tratado presente/

présent (e)...”, essa referência também tem função de localização espacial. Da mesma forma,

essas fórmulas tradicionais são usadas para falar de si. Nesse aspecto, Bocquet (2008, p.37,

tradução nossa) comenta sobre a necessidade de chamar a atenção do tradutor para essas

fórmulas tradicionais, e acrescenta que essa é a escolha do Legislador francês (La présente loi

entrera en vigueur...), também é a escolha italiana, e, como vimos, também é a do Legislador

brasileiro.

Como já foi dito, alguns advérbios também desempenham papeis na localização

espacial da “situação de comunicação”. Assim ensina Benveniste, “Das formas linguísticas

reveladoras da experiência subjetiva, nenhuma é tão rica quanto aquelas que expressam o

tempo”82. E o tempo tem o “presente” como eixo central, é o presente do sujeito-enunciador,

que se repete a cada momento da fala, da leitura, da aplicação da Norma, eternizando-se no

81 CHARAUDEAU, Patrick. La Grammaire du sens et de l’expression. 1992, p.310, tradução nossa. 82 BENVENISTE, Émile. Problemas de Linguística Geral, II. 2ª Ed. 2006, p.70.

115

presente dos sujeitos-receptores, reinventando-se, e construindo, por oposição, e com recursos

linguísticos, a separação dos momentos não contemporâneos ao discurso.

2.4.3 Advérbios

Responsáveis também pela enunciação linguística do tempo, os advérbios indicam que

o tempo do discurso não corresponde ao tempo cronológico, pois o agora é sempre o

momento em que o enunciador enuncia; logo, a cada realização linguística, seja do sujeito-

enunciador ou do sujeito-receptor ocorrerá o agora. Dessa forma, para enxergar o passado e o

futuro no contexto discursivo nos servimos dos elementos linguísticos da referência, neste

caso, os advérbios de tempo.

Entretanto, em se tratando de documentos de valor jurídico, a referência, tanto dos

pronomes quanto dos advérbios, geralmente é substituída por uma citação nominal, pois o

pronome poderia gerar controvérsias; eis por que se cria um discurso redundante, porém com

maior precisão de interpretação. Desse fato, a instância enunciativa de tempo e de lugar tende

a se formar a partir dos nomes e das datas.

“Celebrado em Paris, em 30 de [...] . Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação. O ponto de partida definido no presente Artigo [...] Tendo o presente, o disposto no Tratado de Utrecht [...] Conferência da mencionada Comissão Mista. Feito em Paris, aos 30 de janeiro [...]

(Anexo, 1–P) “Signé à Paris, le 30 janvier [...] Le Premier ministre et le ministre des relations extérieures sont chargés de l’éxecution du présent décret. Le point de départ défini dans le présent article Le présent Traité entrera en vigueur le jour de […] Fait à Paris, le 30 janvier [...].

(Anexo, 1–F)

Por essa razão, Sourioux e Lerat ensinam que a localização temporal é manifestada na

expressão: “pelos presentes”, cujo caráter demonstrativo ainda pode ser reforçado

116

escrevendo:“pelos aqui presentes” (1975, p.48, tradução nossa). Esses são apenas dois

exemplos de uma gama de expressões cotidianas que apontam o tempo e o lugar.

Lembremos que no Discurso Jurídico as indicações dos sujeitos, do lugar e do

momento movimentam toda a aplicação da Norma, são os fundamentos da legitimação do

Discurso Normativo e do Discurso Burocrático; do silogismo do Discurso Decisório; da

argumentação do Discurso Científico, a doutrina.

2.4.4 Preposição

As preposições, ao lado dos advérbios, são invariáveis do ponto de vista formal. Não

obstante essa classificação comum, as preposições diferenciam-se porque além de

desempenhar a função conectiva penetram no campo semântico mudando o papel dos outros

elementos linguísticos. Assim, além da sua função gramatical, de introduzir um elemento cuja

função é religar e subordinar a outros elementos da frase, a preposição encontra outras

aplicações, expressando circunstâncias de lugar, tempo, modo, causa e domínio (GRÉVISSE,

apud CHARAUDEAU, 1992, p.414). O uso da preposição é variável, pois ela serve par

construir combinações linguísticas expressas de formas diferentes nas línguas trabalhadas na

tradução. O choque que pode ocorrer no uso da preposição, ao transpor um enunciado de uma

língua para outra, é abordado por Benveniste em seu estudo sobre os empregos causal e

comparativo da preposição, diz ele:

É preciso insistir sobre este ponto: cada preposição de um determinado idioma esboça, nos seus diversos empregos, certa figura na qual se coordenam o seu sentido e as suas funções e que precisamos reconstituir se quisermos dar uma definição coerente do conjunto das particularidades semânticas e gramaticais83

Por essa razão, Benveniste propõe que o estudo das preposições em agrupamentos pelo uso deve ser revisto, seja em que língua for, pois os sentidos das preposições não são estáticos.

83 BENVENISTE, Émile. Problemas de Linguística Geral I. 5ª ed. 2005, p.141.

117

“Pour la France: [...] Pour le Brésil: [...]

Pour l’application de la Convention par un Etat contractant, [...] “No caso do Brasil: [...] No caso da França: [...] Para a aplicação da Convenção por um Estado contratante, [...]

(Anexo, 11–P, 11–F)

Nessa transferência de preposição, encontramos o sentido de “no” (= em+o)

equivalente a uma situação imprecisa, cujo grupo inclui com, entre, sem (BECHARA, 1999,

p.300), mas não podemos esquecer que o artigo definido “o” define a imprecisão; e o sentido

de “para” equivalente a uma situação dinâmica de aproximação ao seu término, pertence ao

grupo das preposições de a, até, contra, ‘por’ (op. cit.). Paralelamente, encontramos em

Charaudeau (1992, p.438, tradução nossa) o sentido de “pour” enquadrado numa classificação

de preposições com sentido de extensão das visões de localização, definindo o movimento de

aproximação, no mesmo grupo das preposições vers e à; enquanto que a preposição “par” é

classificada no grupo cujo significado exprime extensão do movimento de percurso, ao lado da

preposição à travers.

Benveniste (BENVENISTE, 2005, p.149) ressalta que a classificação tradicional pelos

usos dos grupos de preposição lhes dá um sentido mais ou menos semelhante, que pode bastar

para as necessidades imediatas da tradução, mas que dissimula a sua verdadeira relação

linguística. É preciso delimitar exatamente essa diferença para definir suas respectivas

configurações. Assim, ele resume (op. cit.)

No estudo das preposições, seja qual for o idioma e a época considerados, uma nova técnica da descrição é necessária, e se torna possível, para reconstituir a estrutura de cada uma das preposições e integrar essas estruturas num sistema geral. A tarefa acarreta a obrigação de reinterpretar os dados adquiridos e refundir as categorias estabelecidas.

Aplicando o conteúdo do que foi dito no contexto das datas (Anexo 8), como por

exemplo: “Feito em Paris, em 15 de julho de 2005, em dois exemplares, em língua

portuguesa e francesa [...]”, “Fait à Paris, le 15 juillet 2005, en deux exemplaires, chacun en

langue française et portugaise [...]”. Encontramos então a primeira diferença na preposição

118

“a”, para explanar sobre a matéria, nos serviremos de Rónai (RÓNAI, 1983, p.1) ao enumerar

a correspondência nas duas línguas, começando por esclarecer que frequentemente o uso é

semelhante, porém, no que diz respeito à referência de lugar, corresponde ao nosso “em” se

responder à pergunta “onde?” (Onde foi assinado o Tratado? Em Paris). Outro exemplo é a

preposição “de”, da qual fala Rónai: “Na maioria dos casos corresponde ao nosso ‘de’. Às

vezes, porém, verte-se por outra preposição: por, com”, são alguns exemplos.

Entretanto, a atenção maior recai sobre a regência verbal e nominal; vale lembrar que

as normas linguísticas não são equiparadas nas duas línguas, podendo na falta ou na colocação

indevida ou mal escolhida causar mal estar na interpretação. Temos: “Sont convenus de ce qui

suit” (convenir de, transitivo indireto), “Acordam o seguinte” (transitivo direto); “O objetivo

deste Acordo é fomentar...”, “L’objectif du présent accord est de favoriser...”.

Rónai também alerta para a preposição “depuis”, nesta encontramos “o sentido de

indicação do tempo de duração, incluindo o ponto de partida” (Espero há uma hora, ou Estou

esperando há uma hora) – localização de posição84; “o sentido de indicação do afastamento

em continuidade, incluindo o ponto de partida” – localização de movimento85. Neste ultimo

sentido, encontramos “dès”, como consta neste exemplo: “Le présent Accord entre en vigueur

dès la date de signature...”, “O presente acordo entra em vigor na data de sua assinatura...”86.

Para tal aplicação em francês, Charaudeau explica que essa preposição focaliza a visão sobre

o ponto de partida como se todo o resto dele dependesse (op. cit. p. 418, tradução nossa).

Dentro da categoria dos elementos linguísticos invariáveis encontramos, além dos

advérbios e das preposições, as conjunções que em alguns casos representam mais de uma

categoria linguística, este é o caso de “depuis”, que acabamos de ver, desempenha o papel de

advérbio, preposição e conjunção. O grupo das conjunções é amplamente abordado por

jurilinguistas e tradutores, visto que, sobretudo no Discurso Legislativo, elas abrem as orações 84 CHARAUDEAU, Patrick. La Grammaire du sens et de l’expression. 1992, p.438, tradução nossa. 85 op. cit. p. 418. 86 Todos os exemplos desta página foram extraídos do Anexo, 8–P; 8–F.

119

que estruturam a lógica do Discurso Legislativo: prescrever uma “hipótese” e estabelecer,

através da coerção, uma “consequência”.

2.4.5 Conjunções

Pelas palavras de George Mounin87, na perspectiva da linguística, as conjunções de

subordinação são, como as preposições, indicadores de função ou monemas funcionais. À

parte sua missão de reunir orações num mesmo enununciado, de aplicação ampla,

debruçamo-nos sobre sua função específica de introduzir orações subordinadas, entre as quais

aquelas cujo uso é recorrente no Discurso Jurídico, ou melhor, no Discurso Legislativo, visto

que compõem a lógica da Instituição, são as orações condicionais e consecutivas.

As orações condicionais podem expressar três finalidades: uma hipótese desejada,

uma hipótese irrealizável e uma hipótese possível, provável, prescritível. Esses casos, como

explica Othon Garcia, “são os tempos do infectum88. ‘Se me convidassem, iria’; ‘Se me

convidarem, irei’ (2009, p.97)”. Notemos os verbos na relação imperfeito do subjuntivo /

futuro do pretérito; futuro do subjuntivo89 / futuro do indicativo. Esta é a fórmula preferida do

Legislador – o fato incerto e possível de realizar da hipótese combinado com o futuro do

indicativo da consequência irremediável, ou seja, “se matar, será preso”. Enquanto que em

francês a mesma condição da oração condicional introduzida por “si”, a qual manifesta o

valor realizável da hipótese, tem a seguinte formação verbal: presente do indicativo / futuro

do indicativo. Este é o uso de temporalidade corrente na língua francesa. Assim, verificamos

no exemplo abaixo:

“A transferência poderá ser recusada: a) se a pessoa detida não a consentir; b) se sua presença for necessária num processo [...];

87 MOUNIN, Georges. Dictionnaire de la Linguistique. 1974, p.78, tradução nossa. 88 É o conjunto dos tempos verbais que, em latim, correspondiam ao aspecto de ação inacabada, incompleta; imperfeito (Houaiss). 89 O futuro do indicativo pode ser usado no lugar do presente do indicativo, quando circula uma ideia de incerteza ou de possibilidade (Bechara, 1999, p.279).

120

c) se essa transferência for suscetível [...]; d) se outras considerações imperiosas se opuserem a essa transferência”

(Anexo, 6–P) “Le transfèrement pourra être refusé: a) Si la personne détenue n’y consent pas; b) Si sa présence est nécessaire dans une procédure pénale [...]; c) Si son transrèrement est susceptible de [...]; d) Si d’autres considérations impérieuses s’opposent à son transfèrement”.

(Anexo, 6–F) Entretanto, vale lembrar as palavras de Cornu quando diz que o emprego do presente

do indicativo no enunciado da regra legal é suficiente para expressar o Direito, por marcar a

obrigação (2005, p.267). Isto se dá, no francês, em razão do caráter performativo do

enunciado da regra que leva as duas orações (principal e subordinadas temporal e condicional)

para o presente do indicativo. Neste contexto, na perspectiva do discurso performativo, a

subordinada condicional e a subordinada temporal ganham a mesma ideia (BOQUET, 2008,

p.31, tradução nossa). Como podemos verificar no enunciado em francês,

“Lorsque, selon la disposition du paragraphe 1, une personne physique est considérée comme résident [sic] de chacun des Etats contractants, les cas est résolu d’après les règles suivantes:”

(Anexo, 11–F)

“Quando, segundo a disposição do parágrafo 1, uma pessoa for considerada como residente de ambos os Estados contratantes, a situação será resolvida segundo as seguintes regras:”

(Anexo, 11–P)

Para explicar esses usos linguísticos, citamos Sourioux e Lerat (1975, p.62, tradução

nossa), dizem eles: “As conjunções temporais têm um valor exclusivamente lógico nos textos

legais”. Por essa linha de raciocínio encotramos a justificativa para as duas orações estarem

no presente: quando o primeiro fato acontece, é lógico que a consequência acontecerá.

Citamos o exemplo do Art. 50 da Constituição francesa: “Lorsque l’Assemblée nationale

adopte une motion de censure ou lorsqu’elle désapprouve [...], le Premier ministre doit

remettre au Président [...] la démission du gouvernement”. Bocquet explica (2008, p.31) que

121

no modo performativo as conjunções “lorsque, quand e si” têm exatamente o mesmo sentido.

Mas essas conjunções não são os únicos elementos que introduzem a ideia da prescrição,

Cornu cita outras expressões (pendant, à la suíte de...) como sendo elementos de caráter

condicional, sem distingui-los das conjunções propriamente condicionais. Observamos que os

exemplos citados por Cornu são classificados por Othon Garcia (2009, p.95) como “partículas

denotadoras de tempo simultâneo” (quando, enquanto, depois que, sempre que, toda vez que)

o que demonstra que a hipótese e a consequência tornam-se concomitantes, pois desde o

momento em que a hipótese passa a existir como realidade, a consequência já é aplicada.

Sendo assim, Bocquet explica que para expressar a condição da Norma, a língua francesa faz

um jogo com os tempos e os modos verbais, com a principal e a subordinada, servindo-se de

uma gama de expressões que manifestam a hipótese.

A diferença de sentido que certas conjunções ganham de acordo com a finalidade do

discurso – ordenar, definir ou instituir princípios – é imperiosa no processo tradutório, pois só

a partir dessa compreensão, que representa a primeira e a segunda fase da teoria de Bocquet, o

tradutor poderá, na terceira fase, reconstruir o texto na língua-alvo.

Mas as estruturas nos campos linguístico e discursivo não são as únicas preocupações

do tradutor, elas atingem também a terminologia e a fraseologia (expressões padronizadas),

apesar da afirmação de Bocquet (2008, p.15,tradução nossa): “A tradução jurídica não se

reduz a uma questão de terminologia e de fraseologia comparadas”. Sabemos que ela não se

reduz, mas ambas impõem muitas barreiras, pois o Direito traçou em cada língua, em cada

cultura [o que Sourioux e Lerat chamam de sócio-linguistique], em cada Sistema Jurídico, um

caminho diferenciado com sua terminologia e seu discurso. Tanto a terminologia quanto a

fraseologia podem ter sentidos próprios de acordo com as Instituições, podendo causar um

outro problema, a polissemia. Contamos também com os nomes próprios, muitas vezes

122

resumidos por siglas. Enfim este grupo de elementos representa verdadeiros transtornos à

“tarefa do tradutor”.

2.4.6 Problemas

A primeira discussão que surge a respeito da linguagem jurídica reside em seu aspecto

técnico ou não. Encontramos entre os especialistas da área duas opiniões contrárias, enquanto

Bocquet não a qualifica na condição de linguagem técnica, Bittar se posiciona de forma

contrária. Assim, ele justifica o seu posicionamento explicando que a prática do Direito, que

procura determinar usos precisos para a língua natural, redundou no condicionamento e na

especialização de sua linguagem (BITTAR, 2009, p.178), ressaltando que a especificidade

dos termos é diferenciada dentro do Direito como um todo, e explica que cada um dos

universos [Instituições] possui um processo gerativo diverso. Consequentemente,

Para a terminologia tecnicizada que compõe o dicionário jurídico, mister se faz sejam determinados precisamente os correspondentes aos institutos jurídicos nacionais no estrangeiro, quando da ocorrência da tradução jurídica (contratos, acordos internacionais, tratados, convenções, ...). Essa abordagem se privilegia em face das discussões que se podem produzir quando da aplicação do direito estrangeiro pelo juiz nacional, ou vice-versa.

(op. cit, p.179)

Da mesma forma, encontramos na obra do jurista Jean-Louis Bergel essa posição, pela

qual esclarece que o significado dos termos é determinado por seu contexto, este permite uma

pré-interpretação do seu sentido, acrescentando que o sentido dos termos jurídicos não está

preso ao Sistema Jurídico geral, mas dependente da lógica de certa Instituição que, num todo,

compõe o Sistema Jurídico. O jurista avalia os dois aspectos da situação, se por um lado

fechar o significado de um termo em um sentido próprio pode ser prático, por outro lado

existe o risco de limitar a interpretação. Bergel destaca que há uma tendência no Direito

Internacional em determinar os sentidos das palavras, encerrando-os em terminologias, a fim

de harmonizar as diferenças das línguas e dos sistemas jurídicos nos AJI, sobretudo no

123

tocante à União Europeia. Mas, segundo ele, esse método de trabalhar a língua é perigoso,

principalmente no Direito Interno, pois negligencia a necessária coerência de toda a ordem

jurídica (2003, p.219, tradução nossa). Essa metodologia tende a evitar, parcialmente, os

problemas causados pela polissemia, e, neste caso, a polissemia mais perigosa não está entre a

língua comum e a língua de especialidade, ela está dentro da própria língua de especialidade,

nos diversos sentidos que as expressões ganham entre as mais diversas Instituições.

Entretanto, vale lembrar que o Sistema Jurídico, com suas diversas Instituições, forma um

todo, que, apesar de todas as diferenças, está em constante interação.

Sobre a polissemia referida acima, Sourioux e Lerat abordam a matéria sob o mesmo

prisma, e provam que no seio da linguagem jurídica, uma palavra pode se revestir de

significações diferentes. [...] Destacamos que certas palavras submetem-se a uma variação

de sentido de acordo com a disciplina à qual se referem (1975, p.58, tradução nossa), só

havendo um caminho para acabar com qualquer ambiguidade: “levar em consideração a

situação de uso ou ambiente linguístico” (op. cit., p.35). Assim, citamos como exemplo a

palavra “Convenção”, que, segundo De Plácido e Silva90, é percebida como equivalente de

Acordo, mas isso no Direito Privado, tendo o mestre citado como exemplo uma de suas

acepções: “Às vezes é tido num sentido estrito, corresponde às cláusulas que são impostas no

‘contrato de casamento’”; no entanto, no Direito Internacional, entende-se Convenção como

“o ajuste ou acordo sobre assuntos de interesse das Nações, de caráter não político”,

possuindo um sentido mais estrito que “Tratado”. Na mesma linha de raciocínio, encontramos

em Cornu91 a distinção dos significados da expressão Convention ao dizer que, de forma

geral, no seio dos atos jurídicos, representa qualquer acordo de vontades destinado a produzir

efeito de Direito; enquanto que no Direito Internacional sua acepção é mais específica, por

designar acordos de caráter técnico, o que podemos entender como “não político”, este é mais

90 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 2009, p.382. 91 CORNU, Gérard. Vocabulaire Juridique. 2009, p.239, tradução nossa.

124

indicado aos Tratados. Concluímos que compreender Convenção como contrato, fica mais

reservado às relações dirigidas pelo Direito Privado; caso contrário, é melhor não criar

dúvidas, pois no Direito Internacional elas não têm o mesmo peso.

Ademais, ocorre que a terminologia não se limita ao léxico, também engloba as

expressões-chave/ expressions figées, ou, como preferem Sourioux e Lerat: “Séquences

figées” (1975, p.31), eles se referem à sequência de elementos linguísticos intocável,

formando um único sentido e que são usados corriqueiramente em situações idênticas. Assim,

eles explicam: “são unidades cujo status linguístico é de um discurso repetido, isto é, grupos

complexos que não se prestam a nenhuma modificação formal”. Assim, encontramos nos AJI

as expressões-chave: “En foi de quoi” / “Em fé do que”; “entrera en vigueur le” / “entrará em

vigor na data de sua publicação”. Dessa forma, as expressões-chave – chamadas por Cornu de

“pérolas” que presas ao texto fazem cintilar a lei, são “mots justes” –, tendo a missão de

transportar valores que legitimam atos, como por exemplo: “Il reste sous leur autorité...”, “se

soumet”92; “autorisés à cet effet...” / “autorizados para esse efeito...”

Neste jogo de Instituições, a terminologia alcança o patamar das siglas e dos nomes

próprios. Quanto às siglas, elas são de uso cada vez mais frequente, principalmente devido à

expansão da aplicação do Direito, mas também por economizar espaço no texto. Ora, partindo

da premissa de que o público-alvo desconhece o significado da sigla, espera-se do tradutor

que ele a explique, mas se o fizer incorporando a tradução ao corpo do texto (entre parênteses)

ele não atenderá a finalidade de economizar espaço; sendo assim, sobra-lhe a opção de

explicar em nota de rodapé, ou ao final do texto. Quanto aos nomes próprios, compreendemos

por nomes próprios os nomes de órgãos, funções, procedimentos e alguns outros casos. Nesse

sentido, encontramos situações cuja equivalência no Sistema Jurídico da língua-alvo não

existe. Se a ideologia das Instituições é a mesma, ou seja, ambas têm o mesmo fim, o mesmo

92 Ambos exemplos foram retirados de Cornu (2005, p.330).

125

não se dá com a organização judiciária, esta é construída de acordo com cada cultura. Então,

por exemplo, encontramos na França o Juge d’Instruction, que não existe no Brasil; essa

função é exercida aqui, parcialmente, pela Autoridade Policial, parcialmente pelo Ministério

Público, este, após receber os autos do inquérito policial fará ou não a Denúncia, dando início

à Ação Penal. Na França, o Juge d’Instruction é designado para a missão de proceder toda a

fase de investigação (colher provas, expedir mandados, fazer interrogatórios, acareação, etc.)

até a fase final que consiste na instauração da Ação Penal (mise en cause) ou com o pedido de

arquivamento por falta de provas / uma ordenança de non-lieu. Outras discrepâncias existem

e precisam de solução.

Se no Brasil o juiz da Corte Suprema recebe o título de Ministro, o mesmo título dado

a um membro da equipe do governo federal responsável por um Ministério, o mesmo não

ocorre na França; lá, o membro da equipe do governo da República responsável por um

Ministério recebe o título de Ministre; enquanto que o juiz da Cour Suprême recebe o título de

Conseiller. Não se trata apenas uma questão de terminologia, é preciso ler o texto da lei para

saber se as atribuições dadas pela Lei ao Juiz da Corte Máxima são as mesmas. Igualmente,

ocorre com o entendimento do que é a Corte Máxima. Em primeiro lugar, como disse

Bocquet, e por nós já citado: “Nesse momento o tradutor tem de fazer uso do seu

conhecimento sobre o assunto – do seu conhecimento do Direito Nacional” (2009, p.13,

tradução nossa). A partir de então, deve conhecer o Sistema Jurídico na língua-fonte. Partindo

da premissa de que o Juge d’Instruction não tem equivalência, de que as Instituições são

comparáveis e não idênticas, qual seria a melhor solução tradutória? Para essa questão,

contamos com a explicação de Malcolm Harvey93 que nos apresenta algumas possibilidades

de trabalho.

93 HARVEY, Malcolm. Le Traducteur Juridique face à la différence. In:Traduire, dezembro2009, pp.80-82, tradução nossa. O autor é coferencista na Université de Lumière Lyon 2. Autor de uma tese de doutorado sobre a linguagem jurídica, e do “Manual de tradução. Método e Prática”, Dunod, 1992.

126

2.4.7 Soluções

Inicialmente temos a “equivalência cultural” que consiste em se servir da analogia,

procurando um equivalente na cultura-alvo; entretanto, o professor e tradutor Malcolm

Harvey deixa claro: “existem riscos de imprecisão apesar da semelhança formal, essas duas

formas abordam realidades muito diferentes” – ressaltamos que o exemplo dado por Harvey

foi o “juge d’instruction”, vertido para o inglês –, por essa razão, ele alerta que a

“equivalência cultural”, classificada como tradução etnocêntrica, apresenta muitos perigos e

que deve ser trabalhada com precaução em uma tradução destinada aos especialistas da

área. E completa

Levada ao extremo, a vontade de explicar tudo por analogia por meio de uma realidade já conhecida apaga a diferença, criando a impressão de uma cultura mundializada e homogênea. Essa abordagem não valoriza nem mesmo o tradutor, pois no lugar de ser uma ponte entre duas culturas, ele apaga uma em proveito de outra (2009, p.82, tradução nossa).

Por outro lado, caso o tradutor decida por um caminho imediatamente oposto, ele

poderá adotar a “equivalência formal”, na qual, segundo o professor, existe o risco do

“decalque”. Esse método de tradução é decididamente orientado para a cultura-fonte,

assumindo e acentuando, em alguns casos, as diferenças (HARVEY, op. cit., p.83). O

decalque é um dos procedimentos técnicos da tradução enumerados por Vinay e Darbelnet

(1977, apud BARBOSA, 2004, pp.23,26) no eixo da “tradução direta”; para eles, o decalque é

quase um empréstimo, sendo que ele abrange um sintagma, no lugar de apenas uma palavra;

pode ser classificado em decalque de expressão, quando utiliza as palavras e a estrutura

sintática da língua-alvo, ou em decalque de estrutura, quando utiliza as palavras da língua-

alvo, embora em construções sintáticas estranhas a ela (BARBOSA, 2004, pp.26,27). Esse

recurso é proposto quando da total impossibilidade de tradução, como foi dito por José

Lambert94: “A ‘não-tradução’ faz parte da tradução. É o decalque”.

94LAMBERT, José. Conferência de José Lambert na Faculdade de Letras – UFRJ, dia 29 de abril de 2009.

127

Em seguida, Harvey apresenta o método da “tradução descritiva”, que consiste em

uma explicação concisa com o uso de termos genéricos, não específicos a nenhuma cultura.

Ocorre que a concisão não satisfaz o especialista da área, que deverá buscar mais explicações.

Podemos visualizar aqui o uso dos hiperônimos e dos hipônimos como recurso para os

problemas tradutórios, como ensina Michel Ballard95 sobre a relação “hipero-hiponímica”: “É

gerada pela constatação de um déficit lexical no âmbito da contextualização, necessitando de

uma intervenção maior do tradutor na medida em que sua participação solicita criatividade”

(2003, p.255, tradução nossa), podendo ser desencadeada, entre outros fatores, pela

necessidade de clareza, é antes de tudo um ato de consciência. Assim, no lugar de usar um

“decalque” para traduzir “Cour de Cassation” por “Corte de Cassação”, o tradutor optaria por

seu hiperônimo “Corte Suprema da França”.

Por último, Harvey nos fala da “transcrição”, esta adota o uso de glosas para resolver

as questões tradutórias. A “transcrição” apresenta como aspecto positivo a impossibilidade de

criar ambiguidade, apresentando a expressão tal como é, mas com explicações em glosas, seja

no corpo do texto, entre parênteses, ou em nota de rodapé. Nesse caso, no exemplo dado

acima – “Cour de Cassation” –, o tradutor adotaria: “Corte de Cassação” (A Corte de

Cassação é a mais alta instância do Poder Judiciário Francês, corresponde ao Supremo

Tribunal Federal, no Brasil). Entretanto, essas glosas no corpo do texto podem interromper a

leitura, enquanto que as glosas localizadas no rodapé ou no final do texto não causam

interrupções obrigatórias, mas orientam o leitor, sobretudo quando se trata de alguém iniciado

na matéria. É um método que deixa clara a diferença, que respeita o Outro, nesse caminho o

tradutor se faz presente, ele sai da sombra e intervém diretamente no texto para guiar o leitor

(HARVEY, 2009, p.84, tradução nossa).

95 BALLARD, Michel. Entre Choix et Créativité: Balisage d’un parcours de traduction. In: BALLARD, Michel ; KADAFI, Ahmed El (Org.), Traductologie, Linguistique et Traduction. Arras: Artois Presses Université, 2003, tradução nossa.

128

Essa intervenção é justificada por Bocquet quando analisa as decisões tradutórias

aplicadas por Aubry e Rau, ainda no século XIX (1837), dois juristas alsacianos responsáveis

pela tradução da obra doutrinária de autoria de Zachariae do Código Civil Napoleônico, que

havia sido traduzido do francês para o alemão, acompanhado de comentários96. Assim,

Bocquet avalia (2008, p.75, tradução nossa): “É muito difícil para uma personalidade forte [o

tradutor] ficar como um intérprete passivo da doutrina de alguém. Fatalmente, a originalidade

do tradutor se afirma diante das ideias do autor”.

Durante o processo de tradução, Aubry e Rau depararam-se com um dilema, o qual

consistia em não fazer uma tradução literal. Mas era preciso agradar o público-alvo francês

(orgulhosos do Código Napoleônico). Nesse momento, vemos a tradução à mercê dos

interesses políticos e econômicos. Dessa forma tomaram, inicialmente, a decisão de adotar as

glosas. Ora, essa metodologia das notas explicativas acarretaria um problema maior, e

extremamente atual, deixaria a obra muito volumosa e consequentemente com um valor muito

elevado (BOCQUET, p.74, tradução jurídica). Sendo assim, apresentaram as seguintes opções

de tradução97: Em primeiro lugar, decidiram por uma adaptação ao gosto e às necessidades

políticas do público-alvo francês [...] É o preceito das “Belles Infidèles”: agradar seu

público, e não chocá-lo (op. cit., p.73); porém, era preciso explicar que contexto político-

social do momento da obra traduzida era bem diferente daquele da obra original, levando em

conta as mudanças com as “novas ciências” que vinham ocorrendo na sociedade – tratava-se

do Positivismo Jurídico do século XIX. Assim, a segunda decisão foi pelas glosas, o método

das notas explicativas consistia em apresentar o texto original em duas ou três linhas, em

destaque e no alto da página, seguido de notas, em caracteres pequenos, ocupando

aproximadamente cinquenta linhas, explicando o texto original. A terceira decisão foi a

96 Trata-se do Cours de Droit Civil Français, de Zachariae, jurista, professor e um dos mestres mais ilustres de universidades alemãs (BOCQUET, 2008, p.75, tradução nossa). 97 BOCQUET, Claude. Traduction Juridique et Appropriation par le Traducteur. L’Affaire Zachariae, Aubry et Rau. Disponível em “ http://www.tradulex.org//Actes2000/bocquet.pdf”. Acesso em: 11 nov.2010.

129

inclusão de um prefácio justificando as decisões tradutórias, o contexto histórico da obra

original e do contexto das escolhas, deixando entrever o original – o Outro –, respeitando,

assim, a diversidade de línguas, de Sistemas Jurídicos, enfim... de culturas.

Após breve exposição dos prós e dos contras de quatro metodologias de tradução,

propostas para os casos de “problemas tradutórios”, que podemos resumir em: naturalizadora

(etnocêntrica), identificadora (literal/ decalque), descritiva (hiperônimo) e explicadora

(glosas), concluímos que o neologismo não é uma opção adotada pelos estudiosos da tradução

aqui expostos.

Embora o neologismo tenha sido um recurso tradutório adotado ao longo da história,

provocando fortes correntes tanto de adeptos quanto de opositores, nos tempos modernos ele

não é completamente rechaçado, pois alguns o veem pelo prisma da evolução natural da

língua. Assim, sobre os neologismos, Cornu faz uma observação, não como solução

tradutória, mas como um processo de evolução da língua, que pode acontecer eventualmente

na linguagem do Direito. Diz ele: “Algumas expressões do Direito, por serem arcaicas, por

um lado, ao se modernizarem sofrem uma metamorfose; por outro lado, a maioria dos termos

jurídicos conserva sua forma, não por uma questão de respeito à tradição, mas pela

necessidade de seu sentido de precisão” (2005, p.317, tradução nossa).

Apesar das soluções aqui propostas, em se tratando de Tradução Jurídica, mormente

do Discurso Legislativo, fica a advertência lançada por Gérard Cornu (op. cit.,p.318):

“Sempre que um termo técnico (próprio da terminologia jurídica) for o único capaz de

restituir com precisão a ideia do Legislador, ele deve prevalecer. Na inexistência de um

equivalente, decide-se por mantê-lo.”

Enfim, pelo exposto neste capítulo, verificamos, sob o prisma do teórico Claude

Bocquet, que a tradução jurídica consiste em três etapas: a primeira corresponde a um

trabalho linguístico de desconstrução do discurso; na segunda o discurso é atravessado pelo

130

seu contexto jurídico. Neste momento, o tradutor trará à tona o conhecimento que detém do

seu Direito, aquele cujas normas regem a sua vida e a de seus concidadãos. Ao trabalhar com

o Discurso Normativo/ Legislativo, deve o tradutor ter em mente que a prescrição e a coerção

são a lógica da Instituição, instituindo o gênero do discurso que, por sua vez, indicará suas

marcas estilísticas e funcionais.

As duas primeiras etapas correspondem ao método de análise de texto jurídico

proposto por Sourioux e Lerat98, o qual consiste em cinco etapas: a primeira é o estudo da

situação de enunciação, são as informações básicas que localizam os sujeitos e o contexto; a

segunda consiste na terminologia e na fraseologia, nesse momento encontramos os desafios

da polissemia, das expressões padronizadas com sentido atrelado a sua cultura, assim como o

sentido metafórico; a terceira etapa estuda a construção estética e lógica (modo, língua e

discurso); a quarta etapa focaliza a lógica da Instituição; o último momento é a elaboração de

um plano de análise (quem, o que, quando, onde, como, porque), este, na verdade, já faz parte

do primeiro, a situação de enunciação.

Por fim, vem a terceira etapa: a reconstrução linguística em outro idioma, adaptando a

outro Sistema Jurídico (língua-alvo). É uma trama complexa que justifica o questionamento

feito pelo Professor Jacques Pélage sobre a possibilidade de uma tradução produzir o mesmo

resultado discursivo e jurídico daquele produzido em seu discurso de origem.

Dessa forma, encerramos este capítulo, resumindo o método defendido por nosso

teórico, reproduzindo suas palavras: “A tradução de textos jurídicos tem a particularidade de

precisar flexionar o significado em uma fase intermediária entre a decodificação do discurso-

fonte e recodificação no discurso-alvo, levando em conta a necessária comparação das

diferentes Instituições”99.

98 SOURIOUX; LERAT. L’Analyse de Texte. Méthode Générale et Applications au Droit. Dalloz, 2004. 99 BOCQUET, Claude. Traduire les Textes Nobles, Traduire les Textes Ignobles. In: BALLARD, Michel; KADAFI, Ahmed El (Org.), Traductologie, Linguistique et Traduction. Arras: Artois Presses Université, 2003, p.15, tradução nossa.

131

CONCLUSÃO

Embora a Tradução Jurídica tenha atravessado a história da humanidade contribuindo

com a disseminação da filosofia do Direito e do ordenamento jurídico, com a aproximação e

entendimento entre os povos, sobretudo no campo das “relações internacionais”, com o

estabelecimento de Tratados, Acordos e Convenções que registravam o fim de disputas e

organizavam as regras que determinariam as relações subsequentes, foi a partir do século do

Positivismo que ganhou novo impulso. O século XIX viu nascer o Código Civil Napoleônico,

que, a partir de sua tradução e adaptação para o alemão, inspirou vários outros Estados na

elaboração de seus Direitos Civis, tal se deu com a própria França. Entretanto, o apogeu da

Tradução Jurídica ocorreu no século XX, o século das duas Grandes Guerras. A necessidade

de evitar uma terceira guerra deu ensejo a reflexões e práticas nos âmbitos político,

econômico e jurídico, num plano europeu e mundial. Em consequência dessa aproximação,

cujo resultado é sempre firmado em documentos jurídicos, a presença do tradutor jurídico faz-

se cada vez mais imponente, colocando a tarefa do tradutor num cruzamento de reflexões,

ganhando status acadêmico.

Nesse caminho, surgem diversas Escolas de Tradução cujas linhas teóricas divergem

ou convergem parcialmente. Dentre elas, encontramos a Escola de Genebra, da qual nosso

teórico faz parte defendendo que a tradução não se reduz a uma operação linguística, ela é a

passagem de um discurso produzido em um Sistema Jurídico para outro. Considerando que

cada Sistema Jurídico tem suas diversas Instituições, e que cada uma delas tem um gênero

próprio, segundo a lógica do seu funcionamento, atendendo a sua ideologia, diz Bocquet que

se deve considerar que cada gênero possui regras próprias. Assim, ele classifica os gêneros

em três modos: jurisdicional, doutrinário e normativo; desses modos, o discurso normativo é

aquele que se faz mais presente na vida cotidiana das sociedades; por essa razão, debruçamo-

nos sobre ele para produzir nossa pesquisa.

132

A partir dessa classificação, o teórico apresenta uma metodologia em três etapas que

permeia todos os três modos – decodificação do discurso-fonte, comparação das Instituições

do país da língua-fonte com a do país da língua-alvo e recodificação no discurso-alvo.

Para tanto, desenvolvemos neste trabalho a apresentação do que afirmamos ser os três

pilares que sustentam a Tradução Jurídica: Instituição, Discurso e Língua.

Em se tratando do Discurso Normativo/ Legislativo, que já representa uma Instituição,

e considerando que nosso material de análise foi composto de Documentos Jurídicos

Internacionais, deparamo-nos com duas Instituições, o Legislativo e o Direito Internacional

Público, sendo que o segundo depende do primeiro, sem o qual não tem validade. Logo os

dois trabalham sobre uma só lógica com dois eixos: a prescrição e a coerção. Esses eixos

traçam o gênero do discurso, manifestando-se por suas marcas estilísticas e funcionais. Essas

marcas que identificam o gênero induzem o leitor a identificar a que Instituição o discurso

pertence. A estilística apresenta características como a retórica e o ritmo, as frases curtas ou

longas, as orações desenvolvidas ou reduzidas, assim como opção pelas maiúsculas ou

minúsculas, são matrizes de uma cultura linguística, mexer nesses moldes pode desconfigurar

o estilo, pois estão atrelados à cultura de cada língua. Entretanto, como vimos, essas situações

exigem que o tradutor elabore uma adaptação para atender as normas estilísticas da cultura da

língua-alvo.

Em segundo lugar, vêm as marcas funcionais discursivas, com as construções muitas

vezes diferentes, em razão da influência cultural ou das imposições da língua. Neste contexto,

a situação de enunciação aponta os sujeitos do discurso, em suas instâncias, fazendo uso dos

enunciados performativos que fazem valer a lógica do Discurso Legislativo. Mas a

subjetividade cria um jogo de cena por meio dos recursos modalizadores do discurso, entre

eles os funtores; estes têm a função de evidenciar a performance do poder: é proibido, é

permitido, é obrigatório, faz parte da lógica da Instituição. Portanto, deve o tradutor encontrar

133

as formas linguísticas equivalentes para produzir no discurso-alvo o mesmo efeito encontrado

no discurso-fonte. Paradoxalmente, o Discurso Legislativo serve-se da voz passiva, criando

um ambiente de generalidade e de distância, ao qual, como vimos, o tradutor procura ser fiel,

respeitando devidamente as possibilidades de formação da passiva na língua-alvo.

Por último, e no funil da análise do mais amplo para o mais restrito, encontramos os

aspectos linguísticos que embalam a tradução do Discurso Normativo/ Legislativo, dos AJI.

Assim, encontramos os pormenores da língua, é o caso dos verbos, cujas escolhas pelos

modos (indicativo, subjuntivo, condicional) envolvem até mesmo a história. Ainda no campo

dos verbos encontramos o uso do tempo-aspecto jussivo, que tem a função de dar o tom

imperativo ao presente ou futuro do indicativo. Caminhando pelas veredas da língua, surgem

os pronomes cuja correspondência não é linear, a escolha dos indefinidos (de sentido

afirmativo, negativo ou indeterminado) e dos demonstrativos além de se situarem no campo

linguístico também se situam no campo discursivo. O mesmo ocorre com as preposições, haja

vista a observação feita por Benveniste de que elas não devem ser classificadas por grupos de

uso posto que esboçam em cada língua sentidos diferentes. Essas condições de falta de

paridade evidenciam que a tradução “não produz identidade, apenas equivalências”. Fechando

as indicações apresentadas na situação de enunciação, vêm os advérbios de tempo e de lugar –

lembremos que no Discurso Jurídico as indicações dos sujeitos, do lugar e do momento

movimentam toda a aplicação da Norma, são os fundamentos da legitimação do Discurso

Normativo e do Discurso Burocrático; do silogismo do Discurso Decisório; da argumentação

do Discurso Científico, a doutrina. Finalizando com o uso das conjunções, as quais ao abrirem

as orações subordinadas determinam a posição do sujeito-enunciador em relação ao

enunciado. A importância da representação que os elementos linguísticos têm em cada cultura

linguística justifica as escolhas cautelosas feitas pelo tradutor.

134

Verificamos que diante da falta de expressão homóloga na terminologia ou na

fraseologia não há soluções consagradas. Essas situações são trabalhadas de forma individual

pelos tradutores, cada tradutor busca a solução que lhe parece mais conveniente, seja

mantendo a forma original com explicação no corpo do texto ou no rodapé, seja com a

tradução literal também acompanhada de nota explicativa. Assim como há aqueles que por

entenderem que a tradução literal não induz a erro, é preferível traduzir literalmente e permitir

que o jurista compreenda.

Após o exposto concluímos que a Tradução Jurídica, mesmo pertencendo a uma

linguagem de especialidade – a linguagem do Direito –, não escapa da interferência cultural.

Aliás, o Discurso Jurídico é acima de tudo um discurso cultural. Esse é o fundamento que

justifica a metodologia da Tradução Jurídica apresentada por nosso teórico.

Vivemos a era da unificação, da unificação na diversidade cultural, linguística e

jurídica. A divisa da União Europeia – “Unidos na Diversidade” – ganhou proporção mundial.

Ao analisar a proposta existente no universo jurídico sobre a Internacionalização do

Direito, veiculada como ferramenta de aproximação entre os Estados, facilitando a

comunicação no âmbito jurídico, verificamos que a grande barreira que esse projeto enfrenta é

a cultura de cada povo, isso é intransponível. A tradução é a única forma de superar a barreira

cultural, é o homem, enquanto tradutor, sujeito-receptor do discurso original e transformado

em sujeito-enunciador do discurso final, que intermedeia essa comunicação.

Portanto, partindo da premissa de que cada Sistema Jurídico pertence a uma cultura, e

cada cultura tem um espírito jurídico próprio – o seu “Espírito das Leis”, concluímos que a

tarefa do tradutor jurídico consiste em elaborar um discurso que seja, acima de tudo, o

“reflexo de uma prática cultural”. Só assim é possível contornar “Os Meandros da Tradução

Jurídica”.

135

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140

ANEXO MATERIAL DO CORPUS: 1–P: “Tratado de Delimitação Marítima entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Francesa. Regulamentado pelo Decreto n° 88.945 de 07/11/1983”. Disponível em: http://www2.mre.gov.br/dai/b_fran_111_2349.htm. Acesso em: 15 abril 2010. 1–F: “Traité de Démilitation Maritime entre la République Française et la République Fédérative du Brésil. Décret n° 83-1027 du 23/11/1983”. Disponível em: http://www.doc.diplomatie.gouv.fr/BASIS/pacte/webext/bilat/DDD/19810070.pdf Acesso em: 15 abril 2010. p.37 “O PRESIDENTE DA REPÚBLICA CONSIDERANDO que o Congresso Nacional... CONSIDERANDO que o referido Tratado... DECRETA...” (preâmbulo)

“Le Président de la République Sur le rapport du Premier ministre et du Ministre des relations extérieures, Vu les articles 52 à 55 de la Constitution ; Vu les décret nº 53-192 […] souscrits par la France. Décrète... » (préambule)

p.100: Resolveram concluir o presente Tratado, e, com esse objetivo, designaram: (preâmbulo)

“Ont résolu de conclure le présent traité et ont désigné à cette fin” (préambule)

p.115: “Celebrado em Paris, em 30 de [...]. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação. O ponto de partida definido no presente Artigo [...] Tendo o presente, o disposto no Tratado de Utrecht [...] Conferência da mencionada Comissão Mista. Feito em Paris, aos 30 de janeiro [...].”

“Signé à Paris, le 30 janvier [...] Le Premier ministre et le ministre des relations extérieures sont chargés de l’éxecution du présent décret. Le point de départ défini dans le présent article Le présent Traité entrera en vigueur le jour de […] Fait à Paris, le 30 janvier [...].”

2–P: “Acordo por troca de Notas sobre a Gratuidade Parcial da Execução das Cartas Rogatórias em Matéria Penal, entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Francesa. Regulamentado pelo Decreto n°585 de 26/06/1992”. Disponível em: http://www2.mre.gov.br/dai/b_fran_100_2330.htm. Acesso em: 19 jul. 2010. 2–F: “Accord portant publication de l’échange de lettres franco-brésilien relative à l’exécution de commissions rogatoires. Décret n° 91-725 du 22/10/1991”. Disponível em: http://www.legifrance.gouv.fr/affichTexte.do;jsessionid=46FF6B47CC43569400CB8A214A85EDA0.tpdjo05v_1?cidTexte=LEGITEXT000006077846&dateTexte=20100414. Acesso em: 19 jul. 2010

141

pp. 56; 57: “DECRETO N° 585, DE 26 DE JUNHO DE 1992 Promulga o Acordo, por troca de Notas, sobre a Gratuidade Parcial [...]” O VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA, [...] DECRETA: (preâmbulo)

« DECRET Décret n°91-725 du 22 juillet 1991 portant publication de l’échange de lettres... » Le Président de la République, [...] Décrète: (préambule)

3–P: “Acordo de Cooperação em Matéria Cível entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Francesa. Regulamentado pelo Decreto n°3.598 de 12/09/2000”. Disponível em: http://www2.mre.gov.br/dai/b_fran_155_3598.htm. Acesso em 19 jul. 2010. 3–F: “Convention d’entraide judiciaire en matière civile entre le Gouvernement de la République Française et le Gouvernement de la République fédérative du Brésil. Décret n° 2000-940 du 19/07/2000. Disponível em: http://www.legifrance.gouv.fr/affichTexte.do?cidTexte=JORFTEXT000000766813&dateTexte=. Acesso em 19 jul. 2010. http://admi.net/jo/20000926/MAEJ0030092D.html. Acesso em 08 jul. 2011. p.26:

“Os atos públicos expedidos no território de um dos dois Estados serão dispensados de legalização ou de qualquer formalidade análoga, quando tiverem que ser apresentados no território do outro Estado.” (Artigo 23)

“Les actes publics établis sur le territoire de l’un des deux États sont dispensés de légalisation ou de toute formalité analogue lorsqu’ils doivent être produits sur le territoire de l’autre État.” (Article 23)

p.26:

“As decisões proferidas pelos tribunais de um dos dois Estados serão reconhecidas e poderão ser declaradas executórias no território do outro Estado, se reunirem as seguintes condições:” (Artigo 18)

“Les décisions rendues par les tribunaux de l’un des deux Etats sont reconnues et peuvent être déclarées exécutoires sur le territoire de l’autre si elles réunissent les conditions suivantes:” (Article 18)

p. 27:

“O processo de reconhecimento e execução da sentença é regido pelo direito do Estado requerido.” (Artigo 19)

“La procédure de reconnaissance et d’exécution de la décision est régie par le droit de l’État requis.” (Article 19)

142

p.30 “DECRETO N° 3.598, DE 12 DE SETEMBRO DE 2000. Promulga o Acordo de Cooperação em Matéria Civil entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Francesa, celebrado em Paris, em 28 de maio de 1996.” (ementa)

Décret n°2000-940 du 18 septembre 2000 portant publication de la convention d’entraide judiciaire en matière civile entre le Gouvernement de la République française et le Gouvernement de la République fédérative du Brésil, signée à Paris le 28 mai 1996.” (chapeau)

p.31

“Este Decreto entrará em vigor na data de sua publicação.” (Artigo 3°)

“La présente convention entrera en vigeur le 1er octobre 2000.” (Article 2 (1))

p. 62, nota de rodapé:

“Considerando que o Congresso Nacional aprovou esse Acordo por meio do Decreto Legislativo n° 163, de 03 de agosto de 2000; Considerando que o Acordo entrará em vigor em vigor em 1° de outubro de 2000, nos termos do seu Art. 27, DECRETA:” (preâmbulo)

“Vu les articles 52 à 55 de la Constitution; Vu la loi n° 99-979 du 1er décembre 1999 autorisant l’approbation de la convention d’entraide judiciaire en matière civile entre le Gouvernement de la République française et le Gouvernement de la République fédérative du Brésil, signée à Paris le 28 mai 1996; Vu le décret n° 53-192 du 14 mars 1953 modifié relatif à la ratification et à la publication des engagements internationaux souscrits par la France, Décrète:” (préambule)

4–P: “Tratado de Extradição entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Francesa. Regulamentado pelo Decreto n° 5.258 de 27/10/2004”. Disponível em: http://www2.mre.gov.br/dai/b_fran_153_1362.htm. Acesso em: 19 jul. 2010. 4–F: “Convention d’extradition entre le Gouvernement de la République française et le Gouvernement de la République fédérative du Brésil. Décret n° 2004-827 du 13/08/2004”. Disponível em: http://www.legifrance.gouv.fr/affichTexte.do?cidTexte=JORFTEXT000000253920&dateTexte=. Acesso em: 19 jul. 2010. pp.62; 101; 102:

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e Considerando que o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Francesa celebraram em Paris, em 28 de maio de 1996, um Tratado de Extradição; Considerando que o Congresso Nacional aprovou esse Tratado por meio do Decreto Legislativo n° 219, de 30 de junho de 2004; Considerando que o Tratado entrou em vigor em 1° de setembro de 2004, nos

Le Président de la République, Sur le rapport du Premier ministre et du ministre des affaires étrangères, Vu les articles 52 à 55 de la Constitution; Vu la loi n° 99-986 du 1er décembre 1999 autorisant l’approbation de la convention d’extradition entre le Gouvernement de la République française et le Gouvernement de la République fédérative du Brésil; Vu le décret n° 53-192 du 14 mars 1953 modifié relatif à la ratification et à la publication des engagements internationaux souscrits par la France, Décrète:”

143

termos do parágrafo 2 do seu Artigo 23; DECRETA: (preâmbulo)

(préambule)

p.69:

“Casos que Autorizam a Extradição” (Artigo 2)

« Faits donnant lieu àextradition» (Article 2)

p.100:

“Convieram nas seguintes disposições:” (preâmbulo)

“Sont convenus des dispositions suivantes:” (préambule)

5–P: “Acordo de Segurança relativo a Trocas de Informação de Caráter Sigiloso entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Francesa. Disponível em: http://www2.mre.gov.br/dai/b_fran_77-B_5546.htm. Acesso em: 14 abril 2010. 5–F: “Accord de sécurité relatif aux échanges d’informations protégées entre le Gouvernement de la République française et le Gouvernement de la République fédérative du Brésil. Décret n°2010-215 du 4 mars 2010”. Disponível em: http://www.legifrance.gouv.fr/affichTexte.do?cidTexte=JORFTEXT000021902188&dateTexte=#. Acesso em: 14 abril 2010. p.54:

“[...] os dois Governos se comprometem a [...]” (Artigo 2°)

“[...] les deux Gouvernements s’engagent à [...]” (Article 2)

p.66:

“Se um documento que contenha informações sigilosas for reproduzido, ou traduzido, total ou parcialmente, as marcas de segurança serão apostas sobre as reproduções ou traduções que devam receber o mesmo grau de sigilo que o documento de origem”. (Artigo 2°)

“Si un document qui contient des informations protégées est reproduit, ou traduit, entièrement ou en partie, les cachets de sécurité seront apposés sur les reproductions ou sur les traductions qui doivent recevoir le même degré de protection que le document d’origine”. (Article 2)

p. 110:

“Todo transporte de material sigiloso será submetido à aprovação das autoridades nacionais interessadas [...]”. (Artigo 7°)

“Tout transport de matériel protegé sera soumis à l’accord des autorités nationales intéressées [...]”. (Article 7)

pp.111; 112:

“Nenhum estabelecimento poderá associar-se à execução dos acordos de cooperação, [...]”; “Nenhuma pessoa poderá tomar conhecimento [...]” (Artigo 4°)

“Aucun établissement ne pourra être associé à l’éxecution des accords de coopération, [...]”; “Aucune personne ne pourra prendre connaissance [...]” (Article 4)

144

p.113: “O transporte de documentos sigilosos será efetuado de Governo a Governo, por via diplomática ou militar. Esta regra não terá nenhuma exceção no que diz respeito ao [...]” (Artigo 7°)

“Le transport de documents protégés sera effectué de Gouvernement à Gouvernement, par voie diplomatique ou militaire. Cette règle ne souffrira aucune exception en ce qui concerne [...]” (Article 7)

p. 113:

“Os gastos ocasionados pelas visitas de verificação estarão a cargo [...]. Tais visitas terão como exclusivo propósito verificar a aplicação [...]” (Artigo 9°)

“Les frais entraînés par les visites de vérification seront à la charge [...] Ces visites auront comme seul objectif de vérifier l’application [...]”. (Article 9)

6-P: “Acordo de Cooperação Judiciária em Matéria Penal entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Francesa. Regulamentado pelo Decreto n° 3.324, de 30 de Dezembro de 1999”. Disponível em: http://www2.mre.gov.br/dai/frapenal.htm. Acesso em: 15 jul. 2010. 6-F: “Convention d’entraide judiciaire en matière pénale entre le Gouvernement de la République française et le Gouvernement de la République fédérative du Brésil. Décret n° 2000-314 du 3 avril 2000”. Disponível em: http://www.legifrance.gouv.fr/affichTexte.do?cidText=JORFTEXT00000076391&dateTexte=. Acesso em: 15 jul. 2010. http://admi.net/jo/20000408/MAEJ0030027D.html. Acesso em 08 jul. 2011. p.52:

“A cooperação judiciária poderá ser recusada: [...] b) se o pedido referir-se a infrações consideradas pelo Estado requerido como infrações políticas, ou a elas conexas; [...]”. (Artigo 2°)

“L’entraide judiciaire pourra être refusée: [...] b) Si la demande se rapporte à des infractions considérées par l’Etat requis soit comme des infractions politiques, soit comme des infractions connexes à des infractions politiques; [...]”. (Article 2)

p.96:

“O Acordo de Cooperação Judiciária em Matéria Penal [...], celebrado em Paris, em 28 de maio de 1996, apenso por cópia ao presente Decreto, será executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém”. (ementa)

“La convention d’entraide judiciaire em matière pénale [...] , signée à Paris le 28 mai 1996, sera publiée au Journal officiel de la République française. (chapeau)

p.114:

“[...] à testemunha ou ao perito. Este será mencionado na citação [ ..].”. (Artigo 9°)

“[...] au témoin ou à l’expert. Celle-ci sera mentionnée sur la citation [...]”. (Article 9)

145

pp.119; 120: “A transferência poderá ser recusada: a) se a pessoa detida não a consentir; b) se sua presença for necessária num processo [...]; c) se essa transferência for suscetível [...]; d) se outras considerações imperiosas se opuserem a essa transferência” (Artigo 2°)

“Le transfèrement pourra être refusé: a) Si la personne détenue n’y consent pas; b) Si sa présence est nécessaire dans une procédure pénale [...]; c) Si son transfèrement est susceptible de [...]; d) Si d’autres considérations impérieuses s’opposent à son transfèrement”. (Article 2)

7–P: “Protocolo adicional ao Acordo de Cooperação Técnica e Científica entre os Governos da República Federativa do Brasil e o Governo da República Francesa para a criação do Centro Franco-Brasileiro da Biodiversidade Amazônica”. Disponível em: http://www2.mre.gov.br/dai/b_fran_192.htm. Acesso em: 7 maio 2009. 7–F: “Protocole additionnel à l’accord de coopération technique et scientifique entre le Gouvernement de la République française et le Gouvernement de la République fédérative du Brésil relatif à la création du Centre franco-brésilien de la biodiversité amazonienne”. Disponível em: http://www.legifrance.gouv.fr/affichTexte.do?cidTexte=JORFTEXT000021006582&dateTexte=. Acesso em: 7 maio 2009. pp. 80; 81:

“O presente Protocolo entrará em vigor na data de sua assinatura e terá vigência pelo prazo de cinco anos”. (Disposições Gerais)

“Le présent Protocole entre en vigueur à la date de sa signature et a une durée de cinq ans”. (Dispositions générales)

p.98:

“Decidem: Artigo 1 – Criação do Centro Franco-

Brasileiro da Biodiversidade Amazônica Estabelecer o Centro Franco-Brasileiro da

Biodiversidade [...] (Artigo 1°)

“Sont convenus de ce qui suit: Article 1er – Création du Centre franco-brésilien de la biodiversité amazonienne 2. Il est créé un Centre franco-brésilien de la biodiversité amazonienne [...] » (Article 1er)

p.100:

“Decidem” (preâmbulo)

“Sont convenus de ce qui suit:” (préambule)

8–P: “Acordo Complementar entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Francesa sobre Cooperação na Área de Mudança do Clima e Desenvolvimento e Implementação de Projetos no Âmbito do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Protocolo de Quioto”. Disponível em: http://www2.mre.gov.br/dai/b_fran_173_4033.htm. Acesso em: 15 jul. 2010.

146

8–F: “Accord complémentaire entre le Gouvernement de la République fédérative du Brésil pour la coopération dans le domaine du changement climatique ainsi que le développement et la mise en œuvre de projets au titre du mécanisme pour un développement propre du protocole de Kyoto. Décret n° 2006-590 du 23/05/2006”. Disponível em: http://www.legifrance.gouv.fr/affichTexte.do;jsessionid=E775645EDDFAGE98C7714E8EE185AF16.tpdjo12v-3?cidTexte=JORFTEXT000000789342&datetexte&oldAction=rechJO&categorieLien-id Acesso em: 15 jul. 2010. p. 80:

“O Governo da República Federativa do Brasil (doravante denominada a Parte brasileira) e O Governo da República Francesa (doravante denominada a Parte francesa[...] Acordam o seguinte: [...] As Partes concordam [...] As Partes comprometem-se [...]” (preâmbulo)

“Le Gouvernement de la République française, désigné ci-après comme la Partie française, Le Gouvernement de la République fédérative du Brésil, désigné ci-après comme la Partie brésilienne, [...] Sont convenus de ce qui suit: [...] Les Parties s’engagent à [...] » (préambule)

p.87:

“O Governo da República Federativa do Brasil (doravante denominado a Parte brasileira)” (preâmbulo)

“Le Gouvernement de la République française, (désigné ci-après comme la Partie française)” (préambule)

p. 88:

[Ele] Decreto n° 1111 Promulga o [...] [Ele] O Governo da República Federativa do Brasil, [Ele] O Governos da República Francesa, [Eles] ACORDAM o seguinte: [...]

[Ele] Le Gouvernement de la République française, [Ele] Le Gouvernement de la République Fédérative du Brésil, [Eles] Sont convenus de ce qui suit:

p. 107:

“Caso alguma atividade conjunta envolva acesso, [...], essa atividade será sujeita à legislação nacional relevante”. (Artigo 7°)

“Dans le cas où une activité conjointe implique l’accès, le [...] , cette activité est soumise à la législation nationale pertinente”. (Article 7)

p. 107:

“[...] Qualquer custo relacionado à implementação de projetos [...] consideradas no marco deste Acordo deverão ser regulados por [...]”. (Artigo 9°)

“[...] Toute dépense relative à la mise en œuvre de projets ou [...] considérés dans le cadre de cet accord doit être réglée par un [...]”. (Article 9)

p. 118:

“Acordam o seguinte” “Sont convenus de ce qui suit” “O objetivo deste Acordo é fomentar” “L’objectif du présent Accord est de favoriser” “O presente acordo entra em vigor na data de sua assinatura”

“Le présent Accord entre en vigueur dès la date de signature”

147

9–P: “Acordo de Cooperação entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Francesa para o Desenvolvimento das Utilizações Pacíficas de Energia Nuclear. Regulamentado pelo Decreto n° 5.517 de 23/08/2005”. Disponível em: http://www2.mre.gov.br/dai/b_fran_172_5046.htm. Acesso em: 03 agosto 2010. 9–F: “Accord de coopération entre le Gouvernement de la République française et le Gouvernement de la République fédérative du Brésil pour le développement des utilisations pacifiques de l’énergie nucléaire. Décret n° 2005-1081 du 23/8/2005”. Disponível em: http://www.legifrance.gouv.fr/affichTexte.do?cidTexte=JORFTEXT000000447066&dateTexte=. Acesso em: 04 agosto 2010. p.100:

“Acordam o que segue:” (preâmbulo)

“Sont convenus de ce qui suit:” (préambule)

p.106:

“As partes garantem a segurança e preservam o caráter confidencial [...] Os dados técnicos e as informações intercambiadas não serão [...]. As Partes asseguram que os materiais nucleares [...] serão utilizados unicamente [...] Cada Parte zelará [...] Cada Parte assegura que, [...].” (Artigo V, VII, XI)

“Les Parties garantissent la sécurité et préservent le caractère confidentiel Les données techniques et les informations échangées ne sont pas communiqués à de tiers, publics ou privés, […] Les Parties s’assurent que les matières [...] ne sont utilisés qu’à des fins [...] Chaque Partie veille à ce que [...] Chaque Partie s’assure que [...] (Article V, VII, XI)

10–P: “Protocolo de Cooperação entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Francesa sobre a colaboração recíproca na promoção do ensino dos idiomas”. Disponível em: http://www2.mre.gov.br/dai/b_fran_179_5766.htm. Acesso em: 25 maio 2011. 10–F: “Protocole de Coopération entre le Gouvernement de la République Française et le Gouvernement de la République fédérative du Brésil sur la promotion réciproque des langues dans l’enseignement”. Décret n° 2007-1761 du 14/12/2007. Disponível em: http://textes.droit.org/JORF/2007/12/16/0292/0010. Acesso em 25 maio 2011. pp. 74; 75:

“Qualquer uma das Partes poderá expressar sua intenção de denunciar o presente Protocolo de Cooperação, por via diplomática”. (Artigo VI)

“L’une ou l’autre des parties peut exprimer sa volonté de dénoncer le présent protocole de coopération par voie diplomatique”. (Article VI)

11–P: “Convenção entre a República Federativa do Brasil e a República Francesa com a finalidade de Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento. Regulamentada pelo Decreto n° 70.506 de 12/05/1972”. Disponível em: http://www2.mre.gov.br/dai/b_fran_74_2300.htm. Acesso em: 16 fev. 2011.

148

11–F: “Convention entre la République française et la République fédérative du Brésil tendant à éviter les doubles impositions et à prevenir l’évasion fiscale em matière d’impôts sur le revenu. Décret n° 72-1054 du 18/11/1972. Disponível em: http://www.doc.diplomatie.gouv.fr/BASIS/pacte/webext/bilat/DDW?W%3DTOUSTI+PH... Acesso em: 13/02/2011. http://www.impots.gouv.fr/portal/deploiement/p1/fichedescriptive_1799/fichedescriptive_1799.pdf. Acesso em 9 jul. 2011. p. 68:

Decreto n° 70.506, de 12 de maio de 1972 Promulga a Convenção com a França para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento”. (ementa)

« Décret n° 72-1054 du 18 novembre 1972 portant publication de la convention entre la République française et la République fédérative du Brésil tendant à éviter les doubles impositions et à prévenir l’évasion fiscale en matière d’impôts sur le revenu, avec un protocole, signés à Brasilia le 10 septembre 1971. (chapeau)

p.85:

“Para efeitos da presente Convenção, a expressão “estabelecimento permanente” significa uma instalação fixa de negócio em que a empresa exerça toda ou parte de sua atividade. A expressão “estabelecimento permanente” compreende especialmente: a)Uma sede de direção; b)Uma sucursal; c)Um escritório; d)Uma fábrica; e)Uma oficina; f)Uma mina, uma pedreira ou qualquer outro local de extração de recursos naturais; g)Um canteiro de construção ou de montagem cuja duração exceda seis meses”. (Artigo 5°)

“Au sens de la présente Convention, l’expression “établissement stable” désigne une installation fixe d’affaires où l’entreprise exerce tout ou partie de son activité. L’expression “établissement stable” comprend notamment: a) Un siège de direction; b)Une succursale; c)Un bureau; d)Une usine; e)Un atelier; f)Une mine, une carrière ou tout autre lieu d’extration de resources naturelles; g)Un chantier de construction ou de montage don’t la durée dépasse six mois.” (Article 5)

p. 97:

“A presente Convenção se aplica às pessoas residentes de um ou dos dois Estados contratantes”. (Artigo 1°)

“La présente Convention s’applique aux personnes qui sont des résidents d’un Etat contractant ou de chacun des deux Etats”. (Article 1er)

p.117:

No caso do Brasil: [...] No cado da França: [...] Para a aplicação da Convenção por um Estado contratante, [...] (Artigos 2°,3°)

Pour la France: [...] Pour le Brésil: [...] Pour l’application de la Convention par un Etat contractant, [...] (Articles 2, 3)

149

p.120: “Quando, segundo a disposição do parágrafo 1, uma pessoa for considerada como residente de ambos os Estados contratantes, a situação será resolvida segundo as seguintes regras:” (Artigo 4°)

“Lorsque, selon la disposition du paragraphe 1, une personne physique est considérée comme résident de chacun des Etats contractants, les cas est résolu d’après les règles suivantes:” (Article 4)