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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ LUÍS ROBERTO AZEVEDO DOS SANTOS IMPACTO DA AUSÊNCIA DO ASSISTENTE TÉCNICO NA LIDE PREVIDENCIÁRIA CURITIBA 2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

LUÍS ROBERTO AZEVEDO DOS SANTOS

IMPACTO DA AUSÊNCIA DO ASSISTENTE TÉCNICO NA LIDE PREVIDENCIÁRIA

CURITIBA

2019

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LUÍS ROBETO AZEVEDO DOS SANTOS

IMPACTO DA AUSÊNCIA DO ASSISTENTE TÉCNICO NA LIDE PREVIDENCIÁRIA

Artigo científico apresentado como requisito parcial à conclusão do curso de Pós-Graduação em Perícia Médica, Departamento de Saúde Coletiva, Setor de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Paraná. Orientador: Prof. MSc. Raffaello Popa Di Bernardi

CURTIBA

2019

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TERMO DE APROVAÇÃO

LUÍS ROBERTO AZEVEDO DOS SANTOS

IMPACTO DA AUSÊNCIA DO ASSISTENTE TÉCNICO NA LIDE PREVIDENCIÁRIA

Artigo científico apresentado como requisito parcial à conclusão do curso de

Pós-Graduação em Perícia Médica, Departamento de Saúde Coletiva, Setor de

Ciências da Saúde, Universidade Federal do Paraná.

______________________________________

Prof. MSs. Raffaello Popa Di Bernardi

Orientador – Departamento Saúde Coletiva, UFPR

USOC – Unidade de Saúde Ocupacional do Servidor, UFPR

Curitiba, 11 de Novembro de 2019.

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Dedico este trabalho aos meus amigos, colegas, familiares e professores.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pela oportunidade de aprofundar meus conhecimentos na

área de perícia médica, assim como a minha família pelo alicerce em minha vida, a

minha mãe Noemy M. A. dos Santos pela compreensão e apoio nos momentos de

pesquisa e aos professores dessa instituição que com maestria me capacitaram

para essa área de estudo.

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‘’A maior recompensa para o trabalho do homem não é o que ele ganha com

isso, mas o que ele se torna com isso’’. (JOHN RUSKIN)

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RESUMO

A perícia médica no âmbito da justiça federal necessita de perito especializado no objeto da perícia, nomeado por juiz, para esclarecimento do magistrado que geralmente não possui conhecimento técnico e científico na matéria em questão. O laudo pericial e os pareceres técnicos das partes contribuem, quando presentes, para o seu convencimento sentencial, embora este não esteja adstrito àqueles.

Comumente, na lide previdenciária não há a presença do assistente técnico, principalmente da parte autora, embora recentemente tem se destacado a presença desses profissionais no cenário nacional devido a cessação de benefícios previdenciários de longa data e, até mesmo, de desaposentadorias.

A perícia médica dos transtornos psiquiátricos é um desafio pela complexidade de suas apresentações clínicas diversas. Nesse sentido, a ausência do assistente técnico pode impactar consideravelmente na avaliação clínica do periciado. Palavras-chave: Perícia médica. Assistente técnico. Previdência. Transtornos

psiquiátricos.

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ABSTRACT

Medical expertise within the federal court requires expert on the subject matter, who is appointed by the judge, to clarify the magistrate that generally has no technical and scientific knowledge about the theme. When presents, the expert’s report and the technical opinions of the parties contribute to their sentencing, although it is not attached to them.

Commonly in the social security dispute, there is no presence of the technical assistant, especially from the plaintiff, although recently it has been noticed the presence of these professionals in the national scenario due to the cessation of long-term social security benefits and even retirement.

The medical expertise of psychiatric disorders is challenging because of the complexity of its diverse clinical presentations. Therefore, the absence of the assistant coach can significantly impact in the clinical assessment of the expert.

Keywords: Medical expertise. Technical assistant. Social security. Psychiatric disorders.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9

2 RELATO DE CASO DOCUMENTAL ..................................................................... 11

2.1 LAUDO PERICIAL DATADO DE 29/06/2018 (PERITO DO JUÍZO) .................... 12

3 DISCUSSÃO .......................................................................................................... 25

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 29

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 30

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1 INTRODUÇÃO

A ausência perpetuada ao longo do tempo do assistente técnico da parte

autora (muitas vezes, hipossuficiente) na lide previdenciária na justiça federal tem

impacto social e sobre o jurisdicionado substancial, podendo ser, até mesmo,

desastrosa. Além disso, quando o assistente técnico do Instituto Nacional do Seguro

Social (INSS) está presente no certame, geralmente influencia o perito judicial de

acordo com o objetivo da instituição que representa. Embora, no cenário atual, em

função das longas desaposentadorias, esse profissional de suma relevância esteja

começando a se destacar com maior frequência, em âmbito Federal, ele deve

começar a se fazer cada vez mais presente, de forma que haja sentenças mais

precisas e que a verdade venha à tona sendo feita, de fato, a justiça1.

Outras situações comuns no universo pericial são a falta de formação

técnica especializada em perícia médica, o desconhecimento em profissiografia

(atributo fundamental na medicina do trabalho), o desconhecimento de conceitos

normativos e a falta de consulta aos manuais de perícia médica. Certa parcela dos

magistrados desconhecem esses elementos, seguindo, assim, laudos

inconsistentes, superficiais e sucintos2.

Em muitos casos, tanto na esfera previdenciária quanto na trabalhista, os

peritos judiciais realizam atendimentos periciais em poucos minutos, com diversas

perícias acumuladas e com tempo insuficiente para um completo exame pericial. O

exame clínico pericial é composto por anamnese, exame físico e análise documental

detalhada, sobretudo na psiquiatria, em que um bom exame do estado mental

necessita de tempo considerável, já que alguns periciados são examinados pela

primeira e única vez2.

É comum se deparar com laudos periciais frágeis, resumidos,

monossilábicos e prejudicados. Os laudos devem ser circunstanciados com

fundamentação técnico-científica e argumentados com relatos minuciosos da

condição fática evidenciada, trazendo a verdade da prova técnica com elucidação

das razões de sua convicção e a conclusão pericial atingida após análise profunda

do caso3.

O médico perito judicial, nos benefícios por incapacidade laboral, está

envolvido com vidas humanas, com a subsistência do segurado e, muitas vezes, de

seus dependentes, patrimônios jurídicos essenciais de uma sociedade. Assim, ele

deve cumprir sua missão social com muita dedicação e responsabilidade. Não deve

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se esquecer do direito ao contraditório pleno e da ampla defesa, que é direito

fundamental de todo cidadão, respaldado pela lei magna e pelo código de processo

civil4.

Tendo em vista que o assistente técnico tem os mesmos direitos e deveres

éticos do perito oficial, salvo a não obrigatoriedade de ser imparcial, ele pode lançar

mão de todo instrumental técnico-científico necessário que o perito oficial possui

para realizar seu mister da melhor maneira possível, acompanhando todas as

diligências realizadas pelo perito do juízo, em prol de seu assistido, em todas as

fases do processo, e auxiliando de maneira capital o advogado da parte autora para

alcançar o pleito que o segurado ambiciona nos quesitos iniciais, complementares e

dos de esclarecimentos. Com a presença física do assistente técnico no ato da

perícia, o perito judicial terá, certamente, muito mais cuidado com o exame pericial e

suas ponderações, pois estará sujeito à fiscalização e considerações críticas do

assistente5.

Contudo, fundamentado em elementos objetivos, analisados e interpretados

por metodologia adequada, que conduzem à conclusões técnicas irrefutáveis, o

parecer do assistente técnico pode contrapor o laudo do perito oficial, levando o

magistrado a concluir contrariamente ao laudo pericial, tendo uma sentença

favorável à parte que representa2.

A parte autora não teve amparo do assistente técnico na contenda

previdenciária, fato esse que influenciou de forma substancial no desfecho da ação.

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2 RELATO DE CASO DOCUMENTAL

A parte promovente, G. N. da S. F., atualmente com 34 anos, mãe de três

filhos, solteira, desempregada, domiciliada numa cidade do interior do Paraná,

procura advogado com intuito de entrar com ação contra o INSS na justiça federal,

pleiteando benefício previdenciário por incapacidade laboral em 17/01/2018, após

indeferimentos pelo INSS de pedido de concessão de benefício auxílio doença

previdenciário por incapacidade laborativa.

A parte autora tem ensino fundamental completo, tendo como último vínculo

empregatício a função de manipulação de pescado, conforme colhido dos autos

processuais. Inclusive, a data colocada no laudo pericial do último vínculo está

equivocada (20/07/2009 a 03/07/2009). Outros vínculos elencados no laudo foram

de:

­ Ajudante de produção (07/08/2008 a 06/05/2009);

­ Auxiliar de produção (09/04/2008 a 21/05/2008);

­ Auxiliar de cortes (17/07/2007).

Chama a atenção que, além dos vínculos empregatícios de curta duração,

ela não mais teve trabalho formal supostamente desde então.

Tem data da última atividade (DUA) apontada como 2009 e Cadastro

Nacional de Informações Sociais (CNIS) de incapacidade de 05/12/2011 a

18/09/2014 e de 04/03/2016 a 22/11/2017.

A periciada é portadora de transtornos mental e neurológico de longa data e

concomitantemente associados ao uso de múltiplas drogas (álcool, maconha,

cocaína e crack), com início na adolescência, em torno dos 13 anos de idade, e

provavelmente até os dias atuais, embora em algumas ocasiões ela negue tal

condição, como no próprio dia da perícia médica, aparentemente nessa ordem.

Quanto a tratamentos intensivos: três internações afirmadas integrais em hospital

psiquiátrico. Nega acompanhamento em hospital dia. Está em seguimento não

intensivo e multidisciplinar em Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) há alguns

anos, embora não tenha esclarecido por que, nos primeiros meses de 2018, não

havia comparecido ao local com a freqüência necessária. Atualmente, faz uso

medicamentoso de fenitoína 330 mg/d, clonazepam 2 mg/d, carbamazepina 600

mg/d, clorpromazina 200 mg/d e fluoxetina 40 mg/d, apesar da última declaração

médica, expedida por outro clínico do CAPS em 03/01/2018, constar que também

fazia uso de lítio 300 mg/d e risperidona 2 mg/d. Foram também analisados

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documentos médicos anexados nos autos e indicação de documentos de relevância

pericial no laudo datado de 29/06/2018 (atestados, declarações, exames

complementares, etc.). A parte autora com baixa escolaridade teve desde a

adolescência relacionamentos conjugais não estáveis, vida familiar conturbada por

suas atitudes, duas prisões por roubo (fazendo, inclusive, uso de tornozeleira

eletrônica na última). A mãe sempre foi a figura parental mais presente e de maior

apoio, acompanhando na maioria das vezes os eventos relacionados à sua saúde.

Desde a infância, teve atraso no desenvolvimento global, embora nada nunca tenha

sido diagnosticado ou tratado. Durante a adolescência, saía de casa à noite, era

hostil se contrariada, mas negava uso de substâncias psicoativas. Foi presa pela

primeira vez em 2011 por roubo e, depois disso, teve piora, surgindo crises

epilépticas. Possui um eletroencefalograma (EEG) de 05/12/2011 que evidencia

atividade elétrica irritativa frontotemporal esquerda, laudado por neurologista.

Inclusive, teve novo laudo do mesmo neurologista datado de 24/07/2016 por crise

convulsiva demonstrando atividade elétrica irritativa temporal direita e, desde então,

as coisas em sua vida pessoal foram piorando do ponto de vista biopsicossocial.

Apresentava cada vez mais distúrbios de comportamento, abuso de múltiplas

drogas, alucinações tanto auditivas quanto visuais, delírios persecutórios,

isolamento, oscilação do humor, insônia. Possuía medo excessivo de ficar sozinha

em casa e de dormir à noite, tanto que sempre tinha que estar com a luz do quarto

acesa. Também tinha episódios depressivos, crises de ansiedade (crises

conversivas), momentos de agitação e euforia, momentos que ficava muito calada e

distante, às vezes mutismo, culminando em 27/08/2017 em franca tentativa de

suicídio ao ingerir grande quantidade de clonazepam, sendo levada pelo Serivço de

Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) para a Unidade de Pronto Atendimento

(UPA) da cidade em que reside. Teve laudo pericial da justiça federal datado de

09/08/2016 em que foi considerada incapaz, contrariamente ao laudo mais recente

da justiça federal, datado de 29/06/2018, segundo o qual, ela foi considerada capaz.

2.1 LAUDO PERICIAL DATADO DE 29/06/2018 (PERITO DO JUÍZO)6

Esse laudo foi resumido, tendo informações não relevantes suprimidas, mas

com o cuidado de preservar a não exposição da periciada, embora o processo todo

seja público. Alguns erros de português contidos no laudo foram corrigidos, dentro

do possível, mas sem alterar o conteúdo.

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AUTOS: XXXXXXXXXXX

PARTE AUTORA: G.N. D.S.F.

PERITO NOMEADO: Dr. A.C.L. – Médico Psiquiatra – CRM XXXXX

CIRCUNSTÂNCIA DO EXAME PERICIAL:

1. IDENTIFICAÇÃO DA AUTORA:

RG: XXXXXXXXX

IDADE: 33 anos

SEXO: feminino

ESTADO CIVIL: solteira

QUALIFICAÇÃO DA AUTORA:

ESCOLARIDADE: ensino fundamental completo

PROFISSÃO DECLARADA: manipulador de pescado (última atividade)

2. CARTEIRA DE TRABALHO:

Último vínculo como: manipulador de pescados com admissão em

(20/07/2009 a 03/07/2009) obs.: acredito que a data tenha ficado invertida.

Outros vínculos como:

­ Ajudante de produção (07/08/2008 a 06/05/2009);

­ Auxiliar de produção (09/04/2008 a 21/05/2008);

­ Auxiliar de cortes (17/07/2007);

­ DUA: 2009.

3. OBSERVADO LAUDO ADMINISTRATIVO E CNIS ANEXADOS AOS

AUTOS:

- CNIS: Segundo dados do CNIS a parte autora esteve INCAPAZ de:

05/12/2011 a 18/09/2014, 04/03/2016 a 22/11/2017.

- Prontuários administrativos:

Ciente (pág. 119 a 133, 162 a 191).

4. ANAMNESE/HISTÓRIA DA DOENÇA:

Parte autora apresenta postura pouco cooperativa em ato pericial.

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Deixa de afirmar quesitos simplistas sobre sua auto orientação que não

podem ser explicados por quadros psíquicos conhecidos! Diante disso, esse perito

solicita diretamente que a autora colabore.

Em seguida informa dado que havia afirmado que não sabia, deixando claro

o padrão seletivo, não cooperativo inicial.

Afirma que tem muito ataque epiléptico.

Peço para descrever: afirma que não sabe.

Estimulada para que afirme como ocorre:

Afirma que tem queda ao chão, perde a consciência, após um tempo acorda

e está confusa e dolorida.

Ao exame atual (dado objetivo)

- sem edema

- sem hematoma

- sem escoriação

- sem corte recente

- sem mordedura de língua e boca.

Não afirma freqüência e não comprova com documentos.

Não afirma sobre uso de drogas (documentos). Pergunto diretamente.

Afirma que não faz uso há seis meses.

Quando começou com álcool aos treze anos, maconha com quinze anos,

após cocaína e por último crack há muitos anos.

Afirma padrão caótico de uso.

Descreve perda do controle, após iniciar uso não conseguir para em

seguida;

Priorização, deixando de realizar atividades em detrimento do uso;

Desejo intenso, vontade incontrolável pelo consumo;

Tolerância, demandando de cada vez doses maiores para obter resultados.

Não afirma sintomas psicóticos.

Vê vultos (descrições de pseudoalucinações).

Escuta chamar vai ver e não tem ninguém (descrições de pseudo

alucinações).

Não afirma e não são observados outros sinais e sintomas que indiquem

atual síndrome psicótica.

Períodos de euforia, agitação, impulsividade, diminuição da necessidade de

sono, aceleração do pensamento, aumento de energia.

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Quanto ao início dos sintomas: aos treze anos.

Quanto a tratamentos intensivos:

Três internações afirmadas em hospital integral em psiquiatria.

Nega acompanhamentos em hospital dia.

Está em seguimentos não intensivos em CAPS (multidisciplinar).

Em uso de: fenitoína 300 mg/d, clonazepam 2 mg/d, carbamazepina 600

mg/d, clorpromazina 200 mg/d, fluoxetina 40 mg/d.

5. ANÁLISE DOS DOCUMENTOS MÉDICOS ANEXADOS NOS AUTOS E

INDICAÇÃO DE DOCUMENTOS DE RELEVÂNCIA PERICIAL:

- Atestados e Declarações:

- 03/01/2018: Paciente em tratamento CID F20, F31, G40. Em uso de:

carbamazepina 800 mg/d, fluoxetina 20 mg/d, lítio 300 mg/d, risperidona 2 mg/d,

clorpromazina 200 mg/d, clonazepam 2 mg/d, fenitoína 300 mg/d. Dr XXXXXXXXX

CRM XXXX (clínico do CAPS).

NOTA: Diagnósticos afirmados são IMPOSSÍVEIS de coexistir, são

excludentes, ou seja, a presença de um exclui o outro.

- 13/12/2017: Paciente em tratamento CID F19.2. Em uso de: fenitoína,

carbamazepina, clorpromazina, risperidona, clonazepam, fluoxetina, lítio. Dr

XXXXXXX CRM XXXXX.

- 10/05/2017: Paciente em acompanhamento CAPS – Psicóloga XXXXX

Coordenadora do CAPS.

- 06/02/2017: Paciente esteve internado de 19/12/2016 a 06/02/2017 CID

F23. Dra. XXXXX CRM XXXXX.

- 13/09/2016: Paciente em acompanhamento no CAPS – Psicóloga

XXXXXXX Coordenadora do CAPS.

- 05/05/2016: Paciente em acompanhamento no CAPS – Psicóloga

XXXXXXX Coordenadora do CAPS.

- 04/05/2016: Paciente em tratamento CID F19.2, F29. Em uso de:

levomepromazina, haloperidol, carbamazepina, fenobarbital, diazepam. Dr. XXXXXX

CRM XXXXX.

- 05/03/2013: Paciente em tratamento CID F06.8. Dr. XXXXXXX CRM

XXXXX.

- Prontuários médicos: pág. 33 a 35, 48 a 73.

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- Receitas médicas:

- 03/01/2018: carbamazepina 800 mg/d, fluoxetina 20 mg/d, lítio 300 mg/d,

clorpromazina 200 mg/d, clonazepam 2 mg/d. Dr. XXXXXXX CRM XXXXX.

- 27/09/2017: lítio 300 mg/dia. Assinatura e CRM ilegível.

- 30/08/2017: rivotril 2 mg/dia. Dr. XXXXXX CRM XXXXX.

- 06/02/2017: carbamazepina 600 mg/dia, fenitoína 300 mg/d, complexo B –

2 cp/dia. Dra. XXXXXX CRM XXXXX.

- 04/05/2016: diazepam 15 mg/dia, carbamazepina 800 mg/dia, haloperidol

20 mg/dia, fenobarbital 200 mg/dia, levomepromazina 200 mg/dia, Dr. XXXXXX

CRM XXXXX.

- 01/07/2013: biperideno 2 mg/dia, carbamazepna 200 mg/dia, fenobarbital

200 mg/dia, haloperidol 2 mg/dia, levomepromazina 300 mg/d. Dr. XXXXXX CRM

XXXXX.

- 12/05/2012: carbamazepina 400 mg/dia, clorpromazina 125 mg/dia,

fenobarbital 200 mg/dia, fluoxetina 20 mg/d. Dra. XXXXXXX CRM XXXXX.

- 14/12/2011: fenobarbital 200 mg/dia, fluoxetina 40 mg/dia, haloperidol 1

mg/dia. Dr. XXXXXX CRM XXXXX.

- Exames:

- 27/04/2016: EEG: Demonstra atividade elétrica irritativa temporal direita.

-Laudo Pericial Anterior:

- 09/08/2016: INCAPAZ – Dr. XXXXXX CRM XXXXX.

- TRAZ EM ATO PERICIAL:

- Atestados médicos:

- 09/04/2018: Paciente em tratamento no CAPS por CID F 31.8 e G 40.8, em

uso de fenitoína 300 mg/dia, clonazepam 2 mg/dia, carbamazepina 600 mg/dia,

clorpromazina 200 mg/dia, fluoxetina 40 mg/dia. Dra XXXXXX CRM XXXXX.

6. EXAME DO ESTADO MENTAL:

Aparência: Adequada para clima e ocasião.

Cuidados pessoais preservados.

Idade aparente correspondente à idade cronológica.

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Atitude: Não cooperativa, deixa de responder quesitos elementares se

perguntado diretamente e dialoga normalmente se não questionado direto.

Lamuriosa e poliqueixosa.

Eutímico (humor normal) modula afeto adequadamente, congruente com o

humor.

Nível de consciência: preservado.

Atenção: preservada.

Pensamento: Fluxo normal, estruturado, processa bem os questionamentos,

responde sem latência de tempo de resposta de maneira seletiva.

Fala: Padrão infantilizado.

Memória: Recente, imediata e tardia em dialogo se infere estar preservada,

em perguntas diretas seleciona.

Orientação: auto-psíquica preservada.

Orientação (tempo/espaço): preservada.

Inteligência: sem indícios de rebaixamento ao exame.

Psicomotricidade: Sem alterações.

Senso percepção: sem sinais de alteração em ato pericial.

Fixa o olhar.

Contactuante.

Autocrítica: Preservada.

7. COMENTÁRIOS E CONCLUSÃO DA PERÍCIA:

A parte autora está CAPAZ.

Em datas administrativas e após não há configuração de incapacidade.

Parte autora apresenta alguns diagnósticos como: transtorno afetivo bipolar,

síndrome de dependência de múltiplas drogas, epilepsia e transtorno de

personalidade.

Há alguns documentos que citam outros, porém não é possível coexistir o

que é afirmado em atestados.

Neste caso, observa-se que o quadro de transtorno afetivo bipolar está em

remissão e não há assim implicações e nem alterações de humor.

O quadro de síndrome de dependência, não há apenas pelo uso

incapacidade (até porque se assim fosse autora não teria sequer qualidade de

segurada) e nesse caso não comprova incapacidade nem por descompensação

clínica e nem por estar em regime internado.

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Ainda apresenta um evidente quadro transtorno de personalidade: nesse

caso é um padrão desarmônico de ser, funcionar e que não leva a incapacidade. É

um padrão imaturo de atitude. Neste caso não causa incapacidade, inclusive se

assim fosse autora não teria qualidade de segurada e nem história laboral. Inclusive

nestes casos é comum a busca por vantagens através do menor esforço possível, o

que não deve ser estimulado.

E por último apresenta um quadro de epilepsia que não há configuração nem

por exame clínico que está dentro (tendo) crises e nem por documentos.

Os dados de entrevista não denotam gravidade ou intensidade.

O exame do estado mental (dados objetivos técnicos) não indica

descompensação e nem restrições importantes, de modo que é compatível com o

desenvolvimento de suas atividades laborais. O que mais chama atenção neste caso

é a evidente falta de colaboração, seletividade em prestação de informação.

Os atestados médicos não comprovam incapacidade. Inclusive por vezes

ocorrem afirmações de diagnósticos que sequer podem coexistir.

Ao se avaliar condutas médicas, estas não indicam gravidade, está em

seguimento não intensivo e não passou atual e recentemente por qualquer tipo de

tratamento intensivo: Sem internamentos em Hospital Integral, sem

acompanhamentos em hospital dia, sem tratamentos intensivos em CAPS

(multidisciplinar).

Não comprova incapacidade por prontuários médicos (documentos que

registram a vida clínica do paciente, que registram que tipo de freqüência a autora é

assistida, que tipo de condutas foram tomadas, que descrições técnicas foram

registradas).

Em suma, não há conjunto de elementos técnicos periciais que indiquem

incapacidade ou restrições pela psiquiatria.

RESPOSTA AOS QUESITOS

A. Do Juiz (únicos)

1) A parte autora é (foi) portadora de alguma

doença/lesão/moléstia/deficiência física ou mental? Em caso de positivo,

que é (foi), e qual o CID correspondente? Em caso negativo, quais as

condições gerais de saúde da parte autora?

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Resposta: Transtorno mental e comportamental segundo o CID 10 - a parte

autora é portadora de F31.7 (transtorno afetivo bipolar, em atual remissão ); G40

(epilepsia); F60.9 (transtorno de personalidade não especificado);

A parte autora é portadora de transtorno mental e de comportamento

decorrente do uso de múltiplas substâncias – síndrome de dependência (CID F19.2).

2) Quais as características, conseqüências e sintomas

doença/lesão/moléstia/deficiência para parte autora? A

doença/lesão/moléstia/deficiência que acomete (u) a parte autora traz

alguma incapacidade para vida independente ou para o trabalho? Em

caso positivo, descrever as restrições oriundas dessa incapacidade e, se

a data de início da incapacidade for distinta da data de início da doença,

indicá-la.

Resposta: A parte autora é portadora de F31.7 (transtorno afetivo bipolar,

em atual remissão). O transtorno afetivo bipolar caracteriza-se pela ocorrência de

“mania” ou “hipomania” (caracterizados por exaltação do humor, euforia,

hiperatividade, loquacidade exagerada, diminuição da necessidade de sono,

exacerbação da sexualidade e comprometimento da crítica) em geral alternados

com período de “depressão” (humor triste, perda do interesse e do prazer

(anedonia), a esses sintomas soma-se perda de energia, alterações do apetite,

alterações do sono, sensação de desconforto, baixa autoestima, sentimentos de

culpa, dificuldade de concentração, retraimento social, dificuldades no trabalho,

ideação suicida) e períodos de normalidade. Nesse caso, o quadro encontra-se em

remissão atual.

A parte autora é portadora de transtornos mentais e de comportamento

decorrente do uso de múltiplas substâncias – síndrome de dependência (CID 10

F19.2). A síndrome da dependência de múltiplas substâncias é o conjunto de

fenômenos fisiológicos, comportamentais e cognitivos, no qual o uso de múltiplas

substâncias alcança uma prioridade muito maior para um indivíduo que outros

comportamentos que tinham maior valor. Uma das características centrais de

síndrome de dependência é o desejo (frequentemente forte, algumas vezes

irresistível) de consumir múltiplas substâncias. Esse diagnóstico é reservado quando

há uso caótico sem padrão de uso entre as drogas e de pelo menos duas

substâncias.

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A parte autora é portadora de F60.9 (transtorno de personalidade não

especificado), é uma perturbação da constituição caracterológica e das tendências

comportamentais do indivíduo, usualmente envolvendo várias áreas da

personalidade e quase sempre associado à considerável ruptura pessoal e social.

Tende a aparecer no final da adolescência e continua se manifestar pela vida adulta.

Pode apresentar inúmeras características como: atitudes e condutas marcadamente

desarmônicas, padrão de comportamento permanente, de longa duração e não

limitado a episódios de doença mental, padrão de comportamento mal-adaptativo. O

fato de não desenvolver atividades laborais só aumenta a tendência a reforçar

comportamentos disfuncionais.

A parte autora é portadora de CID 10 G40 (epilepsia), o qual é um distúrbio

cerebral causado por predisposição persistente do cérebro a gerar crises epilépticas

e pelas consequências neurobiológicas, cognitivas, psicossociais e sociais da

condição, caracterizadas pela ocorrência de pelo menos uma crise epiléptica.

Epilepsia é uma doença que se caracteriza por crises convulsivas

(ocorrência de descargas elétricas anormais cerebrais). Os sintomas são variados

de acordo com a área, tempo e extensão do cérebro que é atingida.

3) A incapacidade da parte autora a impossibilita de exercer sua profissão

habitual? A incapacidade tem relação/nexo causal/nexo técnico, com sua

atividade profissional descrita na inicial?

Resposta: Não há qualquer tipo de configuração de incapacidade. A parte

autora está capaz. Não há nexo causal.

4) É possível precisar tecnicamente a data de início (e de final se for o

caso), da doença/lesão/moléstia/deficiência que acomete (u) a parte

autora? Em caso de positivo, é possível estabelecer a data/momento,

ainda que aproximadamente, em que a doença/lesão/moléstia/deficiência

se tornou incapacitante para a parte autora? Com base em quê

(referência da parte autora, atestados, exames, conclusão clínica, etc.) O

perito chegou na (s) data (s) mencionada (s)? Se apenas com base o que

foi referido pelo periciando, o que deu credibilidade às suas alegações?

Resposta: DID: infância. Segundo a epidemiologia do transtorno em

questão.

DII: não há configuração de incapacidade.

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Em data administrativa e após não incapacidade.

5) Apesar da incapacidade, a parte autora pode exercer alguma outra

profissão? Em caso positivo, citar exemplos de profissões que podem ser

desempenhadas pela parte autora sem comprometimento das limitações

oriundas da sua incapacidade.

Resposta: Sem incapacidade. Tem adequadas condições para dormir.

6) A doença/lesão/moléstia/deficiência da parte autora é suscetível de cura?

Qual o tratamento e qual o tempo de sua duração para a devida

reabilitação?

Resposta: A parte autora é capaz.

7) A parte autora precisa de assistência permanente de outra pessoa para

os atos do cotidiano?

Resposta: Não é o caso de demanda de 25%. Na demanda de ajuda,

suporte ou supervisão em tempo integral de terceiros de modo permanente.

8) De acordo com seus conhecimentos técnicos e científicos, qual o grau

(leve, moderado, grave) de comprometimento da incapacidade da autora

para vida laborativa?

Resposta: Sem qualquer tipo de restrição.

Resposta: Mencionado em corpo de laudo e ato pericial.

É o laudo.

Dr. XXXXXXXX - CRM XXXX

Após análise, ponderações, considerações e críticas perante o laudo pericial

em tela, já que esse trabalho parte da emissão do laudo do perito do juízo e também

da análise do processo, poderiam ser feitos quesitos de esclarecimento e também

do parecer do assistente técnico, elementos a serem usados pelo advogado da parte

autora para impugnação do laudo pericial ou convencimento contrário do

magistrado. Isso do ponto de vista acadêmico, já que na realidade o perito oficial

também poderia se posicionar ante aos quesitos formulados. Chama-se a atenção

da comunidade científica sobre quanto a ausência do assistente técnico poderia

mudar totalmente o desfecho de tal perícia e sua consequente sentença por parte do

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juiz, pois obviamente a ausência desse profissional, por si só, já é de relevância

substancial.

Começo meu parecer chamando a atenção de que o laudo do perito já inicia

colocando em alto relevo, antes de qualquer outra informação a respeito da perícia

na anamnese clínica, a postura não cooperativa e o padrão seletivo da periciada, em

relação às respostas dela a questionamentos básicos e simplistas relacionados à

sua orientação, que não seriam explicados por nenhum transtorno mental

conhecido. É sabido que o periciado para alcançar seus objetivos, pode agir de

forma não esperada em seu pleito, às vezes, mesmo não por sua vontade, mas sim

por orientação de seu representante e, inclusive, mal orientado, podendo com tal

interferência prejudicá-lo no que diz respeito às conclusões periciais. Não poderia o

perito estar fazendo juízo de valor, sugerindo ou até mesmo afirmando, que a

periciada intencionalmente estaria tentando ludibriá-lo? Parece-me temerário afirmar

que nenhum transtorno mental explicaria tal comportamento em relação a sua

orientação. Qual orientação autopsíquica ou alopsíquica?

Quando a periciada refere ter muitos ataques epilépticos e o perito pede

para que explique melhor e descreva tais afirmativas (e ela o faz), logo em seguida o

perito relata informações de exame físico que ela não apresenta nenhuma lesão no

corpo, querendo mais uma vez deixar evidente que a periciada não está com o

discurso condizente com a realidade fática observada por ele, já que ela não

apresenta nenhuma alteração traumática no exame físico. Será que toda pessoa

que tem uma crise convulsiva, apresenta sinais físicos devido a queda ou a

mordedura da língua? Ou mesmo, ficou claro que o ocorrido foi recente? Poderia a

crise convulsiva na verdade ser uma crise conversiva e, por isso, menos importante,

já que esta não se trata de disfunção cerebral? Observa-se em outros momentos do

seu histórico, inclusive nos autos, episódios de crises conversivas, embora ela tenha

diagnóstico de epilepsia emitido por neurologista fundamentado por alterações no

EEG.

O fato de a periciada afirmar que não usa drogas há seis meses é

verdadeiro? Será que o perito reparou que no seu prontuário médico isso já

acontecera mais de uma vez e ela, na verdade, estava usando drogas? Pelo uso

crônico de múltiplas drogas com padrão caótico, descrição de dependência química

feita pelo próprio perito, ainda com agravante de nos últimos tempos que

antecederam a perícia, estar faltando às consultas no CAPS, como descrito no

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prontuário médico, o perito não levantou a hipótese de a periciada estar faltando

com a verdade a respeito do uso de drogas?

O perito afirma que a periciada não refere sintomas psicóticos e também não

os observa, mas logo em seguida relata a respeito da avaliada: períodos de euforia,

agitação, impulsividade, diminuição da necessidade de sono, aceleração do

pensamento e aumento de energia. Sintomas esses que podem, inclusive, estar

presentes em um quadro psicótico como na mania, sem que apresente

necessariamente delírios e alucinações.

O fato de ela apresentar atestados com diagnósticos com CID 10

excludentes, como no caso de F20 e F31, por si só, não exclui que a periciada tenha

algum deles. O atestado com CID 10 F20 foi emitido por médico não psiquiatra,

inclusive. A periciada em seu histórico clínico apresenta os dois CID embora não

simultaneamente. Chama muito atenção o fato de o perito ter hipervalorizado e

deixado em alto relevo tal suposta inconsistência, se no prontuário médico dela,

contido nos autos, a periciada apresenta alguns CID de perturbações irrefutáveis de

transtornos psicóticos e de humor ao longo de sua história pregressa, os quais o

perito fez questão de frisar não serem compatíveis simultaneamente.

Na descrição do exame do estado mental da periciada, existem momentos

que parece não se tratar da mesma pessoa em questão. O perito faz afirmações

sem descrever como chegou a tais conclusões especificamente. O exame psíquico

foi sucinto, lembrando mais um cheklist do que uma avaliação clínica psiquiátrica

pormenorizada da atividade psíquica da periciada. O perito pesquisou risco de

suicídio? O perito está ciente que no final do ano anterior à perícia, a periciada foi

levada para UPA de sua cidade pelo SAMU após ter ingerido grande quantidade de

comprimidos de clonazepam 2 mg, configurando tentativa de suicídio conforme

presente nos autos?

O perito levou em consideração o diagnóstico dual, que tem particularidades

específicas, principalmente no que tange à abordagem terapêutica do enfermo

acometido por tal perturbação? A patologia dual é a presença concomitante, em uma

única pessoa, de uma perturbação aditiva e outra mental e está relacionada a

alterações neurobiológicas e ambientais, envolvidas nos comportamentos de adição

a substâncias psicoativas e comportamentais.

O perito concorda com a presença de transtorno afetivo bipolar, mas já no

ato da perícia e, consequentemente em laudo pericial, afirma que tal transtorno está

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em fase de remissão, mesmo sendo a primeira e única vez que examinou a

periciada. Emitiu, assim, outro CID (F31.8).

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3 DISCUSSÃO

A perícia médica é requisito obrigatório para a concessão da maioria dos

benefícios concedidos pelo INSS. Trata-se de atividade complexa, pois exige amplos

conhecimentos de medicina e de legislação, e que tem por finalidade garantir a

subsistência do trabalhador segurado quando incapacitado7.

Tanto as perícias trabalhistas quanto as previdenciárias no âmbito da

psiquiatria e de outras especialidades médicas têm aumentado a demanda de

nomeações, notadamente a primeira nos últimos tempos, basicamente pela

modernização da psiquiatria clínica e do maior acesso do reclamante às questões

relacionadas a essa especialidade. Na última década, por exemplo, os transtornos

mentais relacionados ao trabalho tornaram-se as enfermidades mais frequentes1.

Também é de suma importância a presença do assistente técnico não só na

configuração da incapacidade como na caracterização do nexo de causalidade e/ou

concausalidade, quando pertinentes8.

No que se refere às patologias psiquiátricas, elas devem ser

cuidadosamente avaliadas para que não sejam banalizadas como doença

relacionada ao trabalho, uma vez que sua constatação clínica é de ordem específica

(avaliação psiquiátrica) e o nexo causal com o trabalho (ponto fundamental de todo o

trabalho pericial) é de suma importância para a conclusão de um laudo. Devemos

estar munidos de subsídios técnico-científicos, de aplicação de todo o conhecimento

da organização do trabalho em questão, de estudo da patologia da demanda e de

histórico pregresso de outras patologias do requerente e doenças associadas com

tais síndromes para que o trabalho do perito tenha sustentação técnica e não seja

conduzido simplesmente pelo diagnóstico clínico, em que a assertiva de que se trata

de doença mental relacionada ao trabalho tenha embasamento irrefutável3. Concluir

um laudo somente pela presença de um diagnóstico clínico sem a constatação do

nexo causal compromete todo um trabalho pericial9.

No que se refere a nexo de causalidade e/ou de concausalidade com o

trabalho, não foi possível inferir especificidades, pois as informações contidas nos

autos não foram suficientes para tais conclusões, sendo assim direcionado para

avaliação de incapacidade laboral.

Do ponto de vista da avaliação neurológica, haja vista que a periciada é

portadora de epilepsia, um exame clínico neurológico pericial completo não consta

no laudo, deixando margem para questionamentos.

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Igualmente, a análise rigorosa dos CID presentes no processo e a formação

específica de seus emitentes, também quanto a avaliação cronológica de todos

esses que se encontram nos autos, não hipervalorizam um em detrimento do outro5.

Em muitas situações, o periciando se apresenta para o exame na justiça em fase de

parcial remissão dos sintomas, situação essa que compromete a avaliação dos

peritos e juízes quanto à concessão e à retroatividade do benefício.

Segundo a Resolução número 10 de 1999 do INSS, incapacidade é definida

como a impossibilidade de desempenhar as funções específicas de uma atividade

ou ocupação em conseqüência de alterações morfopsicofisiológicas provocadas por

doença ou acidente. O risco de vida para si ou para terceiros, ou de agravamento da

condição que a permanência na atividade possa acarretar está implicitamente

incluído nessa definição, desde que palpável e indiscutível.

No caso descrito, a paciente apresenta transtorno psiquiátrico e neurológico,

e problemas concomitantes de ordem legal e social. Fatores esses que, se

combinados, impactam de forma negativa na qualidade de vida pessoal e

profissional dela.

Conforme etiologia, epidemiologia, comorbidades e história natural da

doença do transtorno afetivo bipolar, os primeiros sintomas manifestam-se entre 15

e 20 anos de idade, associado à chance de 15% maior de suicídio efetivo ao longo

da vida. Altos índices de divórcio, história ocupacional de inúmeros trabalhos e vida

pessoal caótica4.

Baseado na integração de aspectos genéticos intracelulares,

fisiológicos e comportamentais, são influências ambientais do transtorno afetivo

bipolar: anormalidade no neurodesenvolvimento da criança, uso de substâncias

alucinógenas e eventos traumáticos (fim de relacionamentos, desemprego, etc.).

Eventos estressores da vida adulta servem como gatilhos para episódios de

transtorno de humor em pessoas cuja suscetibilidade está estabelecida desde o

início da vida.

A presença de outro diagnóstico psiquiátrico é mais comum que sua

ausência, 60% dos indivíduos com diagnostico desse transtorno desenvolvem abuso

de substâncias em alguma fase da vida e 50% desenvolvem algum aspecto de

transtorno de ansiedade (fobia social, síndrome do pânico, etc.).

O transtorno afetivo bipolar tende a ser condição crônica e recorrente.

O intervalo entre os episódios tende a ser mais curto com o passar dos anos. Os

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pacientes podem passar um terço ou mais de suas vidas em episódio de alteração

de humor plena ou com sintomas subliminares.

Em virtude das considerações supracitadas em uma avaliação pericial não

consistente e fugaz, pode-se dizer que os sintomas estão remitidos?

A entrevista do paciente com risco de suicídio deve ser aprofundada,

pormenorizada e inclusive com relatos de familiares e acompanhantes. Perguntar ao

suicida se o ato traz alivio e sensação de acolhimento. O questionamento sobre o

suicídio deve ser feito com empatia, mas de modo direto e objetivo.

Tipos de questões a serem feitas para avaliar o suicida:

­ Tem pensado em morte ultimamente?

­ Tem pensado em morrer?

­ Tem pensado em acabar com sua vida?

­ Tem feito planos para acabar com sua vida (ou para morrer)?

Deve-se levar em consideração fatores predisponentes (transtorno de

humor, abuso de substâncias, transtorno de personalidade) e precipitantes

(separação conjugal, rejeição afetiva ou social, desemprego, modificação de

situação econômica ou financeira)4.

As substâncias psicoativas são definidas como aquelas que penetram no

sistema nervoso central, causam efeito psíquico e são capazes de gerar

dependência. Em virtude das diferenças entre as substâncias psicotrópicas, os

aspectos epidemiológicos devem ser discutidos especificamente2.

Existem diversos padrões de consumo de substancias. O modelo de um

continuum que relaciona a frequência e a intensidade com os prejuízos existentes é

o mais aceito10.

No caso da periciada, evidenciamos transtorno por uso de substâncias: uso

continuado caracterizado por comprometimento físico e funcional, tolerância,

sintomas de abstinência e desejo intenso de uso.

Com o desenvolvimento da dependência química, ocorre, principalmente

para substâncias ilegais, aumento da preocupação e de atitudes que visam a sua

aquisição11. Vai se intensificando uma redução dos interesses do indivíduo por

questões não relacionadas à substância (redução do repertório), passando o sujeito

a dedicar todo o seu tempo e energia para localizá-la, adquiri-la e consumi-la. Essa

obsessão pela substância leva a negligenciar outros aspectos de sua vida12.

A aplicação da epidemiologia clínica à psiquiatria, uma matéria da qual esta

última cada vez mais se aproxima, revelou uma condição sindrômica suficientemente

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conspícua para ser considerado um paradigma na disciplina de psiquiatria e saúde

mental. Trata-se da existência de uma alta prevalência de comorbidade em

dependência química e doenças mentais, que chega a atingir quase dois terços das

coortes. Tão significativa é esta associação que ela passa a se comportar

epidemiologicamente como uma entidade clínica e, por isso, foi denominada

“patologia dual”13.

A designação nasceu do fato de existirem, concomitantemente no mesmo

doente, uma patologia psiquiátrica e uma patologia aditiva (álcool, drogas ou outra).

Isso não se limita, contudo, apenas a uma associação estatística. A condição

interfere no tratamento e na conduta tradicionais da psiquiatria em relação à pessoa

com o transtorno mental, pois a abordagem de uma ou outra condição não é

suficiente para um tratamento responsivo. Em outras palavras, se tratado para uma

e outra condição, a resposta não é satisfatória para nenhuma delas, o que exige

uma abordagem que considera ambas as patologias como parte de um mesmo

cluster13.

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O perito do juízo refere que o quadro de síndrome de dependência por si só

não gera incapacidade, sem analisar cuidadosamente que a concomitância entre o

transtorno mental e a dependência química de múltiplas drogas tem especificidade

peculiar. A periciada teria capacidade laborativa plena após tantos anos afastada do

mercado de trabalho com essa realidade psicossocial fática atual?

Será que o perito se atentou para última atividade profissional exercida pela

periciada, que era em frigorífico de pescados, no setor de cortes com uso de faca?

Seria no mínimo prudente ou aconselhável devolver uma pessoa para o mercado de

trabalho, na sua atividade última, por exemplo, portadora de epilepsia, transtorno

mental com dependência química e com histórico recente de tentativa de suicídio?

Estaria a parte autora plenamente capaz, como concluiu o perito do juízo?

Após a descrição do relato de caso, o assistente técnico demonstra a

fragilidade, a relativa inconsistência, o aparente juízo de valores, a fundamentação

superficial e mesmo lacônica em certos momentos do laudo pericial apresentado

pelo perito do juízo, com objetivo de impugnação e de comprovar, no mínimo,

incapacidade laborativa parcial da periciada.

Após as considerações supracitadas, evidencia-se que a ausência do

assistente técnico causa impacto relevante no desfecho do conflito entre as partes.

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REFERÊNCIAS

1 BARROS, D. M.; TEIXEIRA, E. H. Manual de Perícias Psiquiátricas. Porto Alegre: Artmed, 2015. 2 SAVARIS, J. A. Curso de Perícia Judicial Previdenciária. Curitiba: Alteridade, 2014. 3 TABORDA, J. G. V. Exame pericial psiquiátrico. Porto Alegre: Artmed, 2012. 4 BISCAIA, L. Perícia Médica: consulta rápida. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. 5 TABORDA, J. G. V., et al . Avaliação da capacidade civil. Porto Alegre: Artmed, 2012. 6 EPROC. Processo Número 0000199-14.2018.8.16.0117. Foz do Iguaçu; 2018. p. 1-112. 7 LISE, Michelle Larissa Zini et al . Isenção e autonomia na perícia médica previdenciária no Brasil. Brasília: Revista de Bioética, 2013. 8 MAIA NETO, F. O assistente técnico no código de processo civil. Belo Horizonte. Disponível em: http://www.precisao.eng,br/artgos/assistec.html. Acesso em: 13 set. 2019. 9 BUONO NETO, A.; BUONO, E. A. Perícias judiciais na medicina do trabalho. Curitiba: LTr, 2018. 10 FORLENZA, O. V.; MIGUEL, E. C. Clínica Psiquiátrica de Bolso. Barueri: Editora Manole Ltda., 2018. 11 DALGALARRONDO, P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. Porto Alegre: Artmed, 2019. 12 FRANKLIN, K. B. J.; ABBOT, F. V., Techniques for Assessing the Effects of Drugs on Nociceptive Responses. Psychopharmaclogy, Totowa, v. 13, p. 145-216, 1989. Disponível em: https://doi.org/10.1385/0-89603-129-2:145. Acesso em: 17 set. 2019. 13 CÂMARA, F. P., O que é patologia dual? Washington, 2011. Disponível em: http://www.polbr.med.br/ano11/cpc0611.php. Acesso em: 02 out. 2019.