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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO COORDENAÇÃO DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES MONOGRAFIA JURÍDICA A EVOLUÇÃO DO SIGILO BANCÁRIO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO RENO SILVA VASCONCELOS MATRÍCULA: 0276058 FORTALEZA-CE Junho/2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE DIREITO

COORDENAÇÃO DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES

MONOGRAFIA JURÍDICA

A EVOLUÇÃO DO SIGILO BANCÁRIO NO ORDENAMENTO JURÍDICO

BRASILEIRO

RENO SILVA VASCONCELOS

MATRÍCULA: 0276058

FORTALEZA-CE

Junho/2012

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RENO SILVA VASCONCELOS

A EVOLUÇÃO DO SIGILO BANCÁRIO NO ORDENAMENTO JURÍDICO

BRASILEIRO

Monografia apresentada como exigência parcial

para a obtenção do grau de Bacharel em Direito,

sob a orientação do Professor

Francisco de Araújo Macedo Filho.

FORTALEZA-CE

Junho/2012

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RENO SILVA VASCONCELOS

A EVOLUÇÃO DO SIGILO BANCÁRIO NO ORDENAMENTO JURÍDICO

BRASILEIRO

Fortaleza (CE), 13 de junho de 2012.

BANCA EXAMINADORA:

Francisco de Araújo Macedo Filho, Dr.

Prof. Orientador da Universidade Federal do Ceará

Denise Lucena Cavalcante, Dra.

Professora da Universidade Federal do Ceará

Fernanda Castelo Branco Araújo, Ms.

Mestranda em Direito pela Universidade Federal do Ceará

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, a minha família e a todas as pessoas especiais em minha vida e que de

alguma forma sempre me incentivaram e torceram pelo meu sucesso.

Agradeço também a todos os professores desta Faculdade de Direito que

compartilharam parte de seu conhecimento, possibilitando que eu chegasse até a conclusão da

graduação e em especial ao orientador deste trabalho, o Prof. Francisco de Araújo Macedo

Filho, que se mostrou sempre disponível para colaborar com o trabalho, e aos demais

professores que compõem a Banca Examinadora.

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RESUMO

O objetivo do presente trabalho é examinar as diferentes concepções que foram dadas

ao instituto do sigilo bancário ao longo do desenvolvimento do ordenamento jurídico

brasileiro, identificando os problemas e as possibilidades de sua quebra pela Administração

Tributária, a fim de garantir a efetivação da justiça fiscal no país, dentro de condições e

limites impostos pela lei e frente aos direitos fundamentais e garantias individuais

consagrados constitucionalmente. O trabalho parte da evolução histórica do instituto do sigilo

bancário desde os seus primeiros indícios na sociedade e, posteriormente daremos enfoque ao

seu tratamento jurídico no Brasil, apontando a sua legislação de regência, seu conceito,

estrutura e fundamentos. Por fim, procederemos a uma análise da Lei Complementar n.°

105/2001, seus principais dispositivos e as inovações que trouxe ao instituto, abordando

também a discussão existente na doutrina e nos tribunais acerca de sua constitucionalidade,

com o objetivo de oferecer uma visão do cenário atual e das conseqüências desta nova

abordagem dada ao sigilo bancário.

Palavras chave: Sigilo Bancário. Constitucionalidade. Direitos Fundamentais.

Intimidade. Vida Privada. Lei Complementar n.° 105/2001.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 6

2. CONCEITO E FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA DO SIGILO BANCÁRIO 8

2.1 CONCEITO 8

2.2 FUNDAMENTOS JURÍDICOS 10

2.2.1 TEORIA DO SIGILO PROFISSIONAL 102.2.2 TEORIA DA BOA FÉ OU DO DEVER DE LISURA 112.2.3 TEORIA CONTRATUALISTA 112.1.1 TEORIA CONSUETUDINÁRIA 122.2.5 TEORIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL 132.2.6 TEORIA DO DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA 14

3 ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO SIGILO BANCÁRIO 17

3.1 SIGILO BANCÁRIO – ANTIGUIDADE À IDADE MODERNA 17

3.2 SIGILO BANCÁRIO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO 19

3.2.1 LEI N.° 556/1850 (CÓDIGO COMERCIAL) 203.2.2 LEI N.° 3.071/1916 (CÓDIGO CIVIL) E DECRETO LEI N.° 2.848/1940 (CÓDIGO PENAL) 223.2.3 LEI N.° 4.595/1964 233.2.4 LEI N.° 5.172/1966 (CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL) 263.2.5 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 293.2.6 LEI N.° 8.021/1990 303.2.7 LEI COMPLEMENTAR N.° 70/1991 313.2.8 LEI N.° 9.311/1996 34

4 A LEI COMPLEMENTAR 105/2001 E O SIGILO BANCÁRIO NO CENÁRIO ATUAL 36

4.1 ANÁLISE DOS PRINCIPAIS DISPOSITIVOS DA LEI COMPLEMENTAR 105/2001 363.2 A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI COMPLEMENTAR 105/2001 42

4.3 A RELATIVIZAÇÃO DO SIGILO BANCÁRIO NA ATUALIDADE 46

5. CONCLUSÃO 48

BIBLIOGRAFIA 50

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1 INTRODUÇÃO

O sigilo sempre esteve, intrinsecamente, interligado às operações que envolviam questões

financeiras, sendo impossível precisar o momento histórico de sua origem. Entretanto, pode-

se afirmar que, ele decorre da confiança recíproca existente na relação entre o banqueiro e o

seu cliente, seja da parte daquele pela expectativa de adimplemento dos deveres contratuais

deste último, seja por parte deste, pela segurança que a instituição bancária representa do

ponto de vista da estabilidade, da liquidez e da discrição na prestação das atividades inerentes

às suas funções.

Inicialmente o instituto do sigilo bancário revestia-se de cunho sagrado, foi, aos poucos,

se desvinculando da atividade religiosa para se aproximar da bancária, deixando

gradativamente de ter fundamento exclusivo na fidúcia havida na relação cliente-instituição

financeira, passando a integrar o ordenamento jurídico dos países civilizados.

No Brasil, podemos encontrar traços de proteção a este instituto no ordenamento jurídico

desde os tempos do império, mesmo que de maneira indireta. O primeiro texto normativo a

regular a matéria de maneira mais específica foi o Código Comercial, o qual, em seu artigo

17, estabelece rígida segurança ao segredo dos livros e da escrituração mercantil, afastando,

inclusive, a possibilidade de restrição por ato do Poder Judiciário.

Posteriormente, a Lei nº 4.595/64 representou importante inovação, ao permitir

expressamente em seu artigo 38 a quebra do sigilo bancário pelo judiciário, Comissão

Parlamentar de Inquérito e agentes fiscais.

E, finalmente, em 10 de janeiro de 2001, nova regulamentação foi veiculada pela Lei

Complementar nº 105, que revogou expressamente o artigo 38 da Lei nº 4.595/64,

prescrevendo expressamente a possibilidade de quebra de sigilo bancário pelo Fisco, em

procedimento administrativo, independentemente de prévia ordem judicial.

Neste trabalho procuramos abordar a evolução que a concepção dada pelo Poder

Legislativo e pela visão dos doutrinadores acera do sigilo bancário no ordenamento jurídico

brasileiro.

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Para tal, no primeiro capítulo temos uma abordagem conceitual do sigilo bancário,

estabelecendo seu alcance e as diversas formas possíveis de definir este instituto. Trataremos

também acerca das principais teorias que tentam fundamentar o sigilo das operações

financeiras dentro da esfera jurídica e mostrando a influencia destas teorias no tratamento que

o ordenamento jurídico brasileiro dá ao instituto.

No segundo capítulo, faremos uma análise da evolução histórica do sigilo bancário,

detalhando as grandes transformações na concepção que lhe foi dada pela sociedade ao longo

do tempo. Posteriormente detalharemos as transformações sofridas pelo instituto no

ordenamento jurídico brasileiro, especificando os dispositivos legais que regiam a relação das

instituições financeiras com os particulares em relação à proteção das informações trocadas.

Por fim, no terceiro capítulo faremos um estudo do sigilo bancário na atualidade,

iniciando-o com uma análise das inovações trazidas pela Lei Complementar 105/2001, que

disciplina a transferência de informações submetidas ao sigilo bancário para a administração

tributária da União, e da discussão existente no mundo jurídico acera da constitucionalidade

desta norma. Trataremos também da atual tendência existente tanto no cenário nacional, como

internacional, da relativização do instituto do sigilo bancário como forma de combater a

lavagem de dinheiro, a sonegação fiscal e qualquer tipo de movimentação financeira de cunho

criminoso.

Desta forma, temos como objetivo uma análise à questão do sigilo bancário e as

conseqüências jurídicas do acesso pelas autoridades fiscais no Brasil às informações assim

mantidas sob sigilo pelas instituições financeiras, servindo como instrumento ao combate à

sonegação fiscal, além de outros crimes e, por conseguinte, colaborando para a concretização

de uma tributação mais justa e igualitária.

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2 CONCEITO E FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA DO SIGILO BANCÁRIO

2.1 CONCEITO

O significado da palavra “sigilo” está invariavelmente ligado ao da palavra “segredo”,

conforme se pode extrair da definição de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira: “sigilo sm. 1.

Obrigação de guardar um segredo. 2. Segredo.”. Nesse sentido, entende-se que tal palavra

indica algo que permanece escondido da vista ou do conhecimento de outros. Entretanto, no

campo jurídico o sigilo ganha contornos mais nítidos, referindo-se a um segredo inviolável,

segundo a lei, e cuja transgressão é punível perante esta. Pontes de Miranda se referia ao

vocábulo para designar a liberdade de negação ou a possibilidade de não emitir pensamento,

surgindo assim o direito à privacidade.

Portanto, apesar de nascer como um dever ético/moral, percebe-se que em sua dimensão

jurídica o dever de sigilo decorre da lei e sua não observância poderá implicar em

responsabilização civil e/ou criminal. Diante disto, pode-se inferir que, juridicamente, o sigilo

consiste numa obrigação, num dever de conduta, numa prestação negativa (não fazer), de não

revelar a informação sigilosa. Com isto, pode-se afirmar que a natureza jurídica do sigilo é um

vínculo obrigacional de natureza jurídica e não meramente um dever ético punível apenas

com a desaprovação social.

É inerente a própria natureza humana a pretensão de manter alguns aspectos de sua vida

econômica a salvaguarda, tanto das autoridades como dos olhos de terceiros. Esse

comportamento faz surgir a necessidade da proteção da privacidade e da intimidade das

pessoas e tal sentimento torna-se ainda mais latente quando relacionado às suas informações

financeiras, sendo, o sigilo, bancário o meio de proteção destas informações.

Na concepção de Sergio Covello, tal instituto seria a “obrigação, por parte dos bancos, de

não revelar, salvo por causa justa, as informações obtidas em decorrência da sua atividade

profissional”.1

Nesse sentido, sigilo bancário representa para o cliente da instituição o direito ao segredo

sobre os dados que lhe são concernentes e para o banco a correspondente obrigação de guarda

desses mesmos dados, cujo conhecimento se obteve através do desempenho das funções que

desempenha. 1 COVELLO, Sérgio Carlos. Sigilo Bancário. 2 Ed. São Paulo, 2001.p 86.

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Tem-se, portanto, que se trata da obrigação às instituições de crédito e organizações

auxiliares, bem como seus empregados e integrantes de sua administração de não revelar,

salvo em justa causa, direta ou indiretamente as informações e os dados que obtenham em

virtude da atividade de realizam.

Do conceito acima disposto podem-se extrair os elementos que compõem a estrutura

desta relação jurídica, os quais são: os elementos subjetivos (sujeito passivo e sujeito ativo) e

o elemento objetivo (objeto).

O sujeito passivo, ou seja, aquele que está obrigado a sua observância (conservar o

sigilo), não é representado somente pelos bancos, mas por qualquer instituição que seja

definida pela lei como financeira ou que a ela seja equiparada, englobando seus dirigentes e

empregados, razão pela qual a melhor denominação para o instituto seria sigilo financeiro.

Relativamente ao sujeito ativo, não só os clientes das instituições financeiras estão

localizados no pólo ativo da relação jurídica obrigacional, assim, aqueles que utilizam os

serviços bancários com habitualidade e detêm o direito de exigir o adimplemento da

obrigação de conservar o sigilo. Ainda, pode-se afirmar que há a obrigação de sigilo até

mesmo quando um terceiro que não seja cliente tenha recorrido à instituição para a prática de

alguma operação ou serviço ou esteja de alguma forma vinculado a tais operações, incluídas

as pessoas jurídicas.

Quanto ao objeto, consiste este na prestação que é devida pelo sujeito passivo em

favor do sujeito ativo, que no presente caso é o sigilo em relação às informações obtidas a

partir de tal prestação, tratando-se de uma obrigação de cunho negativo (não revelar o

segredo), como já mencionado.

Pode-se falar ainda, segundo Covello2, que existe a divisão entre objeto imediato, ou

seja, os fatos sobre os quais se vão guardar o sigilo, que estão expressamente discriminados

na legislação de regência das instituições financeiras, ou seja, as operações bancárias

propriamente ditas que é a própria prestação, e objeto mediato, referente aos dados envolvidos

nessas operações (forma de pagamento, montante, juros, origem, destinação etc.) e todas as

informações que a instituição colha para a realização das operações ou da prestação dos

serviços (dados pessoais, endereço, estado civil, nome do cônjuge, valor dos vencimentos,

local de trabalho, telefones, fax, email, relação de bens, etc.), mesmo que o negócio não venha

a se consumar.

2 COVELLO, Sérgio Carlos. Sigilo Bancário. 2 Ed. São Paulo, 2001.

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2.2 FUNDAMENTOS JURÍDICOS

O recente disciplinamento legal do tema deste trabalho não só no Brasil, mas também

em vários outros países e a grande discussão doutrinária ao seu entrono, fez com que

surgissem diversas teorias sobre o fundamento jurídico do sigilo bancário. Dentre tais teorias,

merecem destaque: a consuetudinária, a contratualista, a do segredo profissional, a da boa-fé

ou dever de lisura, a da Responsabilidade Civil e a do Direito à Intimidade e à Vida Privada.

2.2.1 Teoria do Sigilo Profissional

A França foi primeiro país a estabelecer uma sanção penal em decorrência da quebra

do sigilo profissional, incluindo entre os profissionais obrigados ao sigilo, os banqueiros,

seguindo, assim, esta teoria que é dominante entre as doutrinas dos países europeus.

A teoria do segredo profissional é embasada no enquadramento do sigilo financeiro

como segredo profissional e, conseqüentemente, das instituições financeiras como integrantes

do rol das pessoas obrigadas à conservação do sigilo das informações e fatos que tenham

ciência em virtude de suas atividades profissionais. Esta teoria busca como fonte da obrigação

de guardar segredo a responsabilidade criminal sobre a sua violação. Portanto propõe a

inclusão dos bancos dentre aqueles cujo exercício da atividade profissional leva a tomar

conhecimento de certos fatos que dizem respeito à esfera íntima do indivíduo, fatos que

devem ser legalmente resguardados.

As objeções verificadas a esta teoria são, basicamente, de duas ordens.

Primeiramente, a doutrina espanhola, de um modo geral, repele a inclusão do sigilo financeiro

entre aqueles considerados como segredos profissionais uma vez que nem todas as pessoas

que trabalham em instituições financeiras são profissionais dessa atividade, motivo pelo qual

o sigilo somente é aplicável não só aos banqueiros propriamente ditos, mas como a todas as

pessoas que têm acesso a este tipo de informação em sua atividade profissional. Além disso,

as sanções penais acerca da responsabilidade pela violação de segredo profissional têm por

escopo a proteção de interesses públicos, enquanto o sigilo financeiro tem como fundamento a

proteção de interesses privados tanto das instituições financeiras, quanto de seus clientes e

demais pessoas que de alguma forma sejam interessadas na preservação do sigilo.

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A segunda ordem de objeções a esta teoria diz respeito à questão do fundamento do

sigilo financeiro, pois o fato de estar ele incluído na relação dos segredos profissionais não

resolve o problema da explicação sobre o seu fundamento. Desta forma, sendo ambos

espécies do gênero sigilos um não pode servir de fundamento para o outro, afinal tentando-se

fundamentar o sigilo financeiro com o sigilo profissional, resta ainda a dúvida da

fundamentação deste.

2.2.2 Teoria da Boa Fé ou do Dever de Lisura

Esta teoria sustenta que o fundamento do sigilo financeiro encontra-se no caráter

fiduciário da atividade bancária, com base nos princípios gerais de direito, como os da boa fé

e do dever de lisura, lealdade. O berço desta teoria está na doutrina italiana, sendo seus

principais seguidores Vellotti e Di Amato.

Esta teoria assemelha-se em muito às teorias consuetudinária e contratualista - que

serão abordadas posteriormente - uma vez que os princípios da boa fé e do dever de lisura são

derivados dos costumes e das práticas das atividades comerciais e bancárias, podendo, ainda,

estar previstos em contrato.

Desta forma, a teoria da boa fé ou do dever de lisura é válida, mas não encontra

autonomia, por tratar-se de uma reprodução da teoria contratualista, conseqüentemente

apresentando suas falhas, a serem apontadas posteriormente. Além disso, o dever de lisura só

pode ser invocado, como fonte de obrigação, em países como a Itália, onde existe consagração

legislativa expressa. Nas legislações onde falta regra parecida, esta teoria não encontra

amparo que lhe dê validade, a menos que se recorra aos princípios gerais de direito –

porquanto a boa fé como o dever de lisura são princípios gerais do direito – e, então

chegaremos ao direito natural, cujo princípio básico é fazer o bem e evitar o mal. Portanto, a

teoria não dá o fundamento do sigilo bancário, porque não aponta, senão de passagem, o fato

do qual decorre a obrigação.

2.2.3 Teoria Contratualista

Segundo Covello, esta é a teoria que reúne o maior número de adeptos, destacando-se

como seus principais seguidores Scheerer e Guggeheim. Esta doutrina tornou-se conhecida

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após ser acolhida pela jurisprudência inglesa no célebre caso Tournier v. National Provincial

Bank, em julgado de 19243, onde se lê:

"O contrato firmado entre o banqueiro e seu cliente contém cláusula

implícita que obriga o banqueiro a não revelar a terceiros, sem

consentimento expresso ou tácito do cliente, nem a situação da conta

do cliente nem suas transações com o banco, nem qualquer

informação que chegue ao conhecimento do banqueiro em virtude

do relacionamento com o cliente".

Desta forma, teoria contratualista parte da premissa de que o sigilo bancário tem como

fundamento jurídico o contrato estabelecido entre a instituição financeira e o cliente, havendo

neste uma cláusula pela qual a instituição se obriga a guardar segredo das operações efetuadas

pelo cliente, manifestada expressa ou tacitamente. Portanto, a obrigação de segredo seria um

dever acessório, que se situa ao lado do dever principal objeto do contrato, tendo em vista o

caráter fiduciário da relação bancária.

Contudo, esta teoria não explica porque as instituições financeiras devem conservar o

sigilo mesmo quando por alguma razão o contrato não chega a vigorar ou quando vigorou,

mas já se extinguiu ou ainda nos casos em que nem contrato há, como no caso das

informações pertinentes a terceiros estranhos à relação jurídica entre instituição financeira e

cliente, mas vinculados de alguma forma às atividades dessas instituições.

2.2.4 Teoria Consuetudinária

A teoria consuetudinária, como o próprio nome reflete, defende que o sigilo bancário

tornou-se obrigação jurídica em virtude dos usos e costumes das práticas comerciais bancárias

através dos tempos, tendo como seus principais seguidores na doutrina internacional Molle,

Folco, Castelana e Garrigues; e na doutrina nacional Lauro Muniz Barreto.

Os defensores desta teoria entendem que o dever de sigilo encontraria seu fundamento

no uso contínuo ao longo dos séculos, sendo observado como uma verdadeira tradição pelas

instituições financeiras, ou seja, a obrigação de guarda das informações advém de uma 3 GALLANT, Mary Michelle (2005). Money Laundering and the Proceeds of Crime: Economic Crime and Civil Remedies. Edward Elgar Publishing. p. 22.

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tradição universalmente observada pelas instituições de crédito, desde a Antigüidade, o que

vem sendo mantida ao longo dos séculos.

Para que o costume seja produtor de direito, seu uso deve ser prolongado e observado

pela coletividade, que precisa ter a consciência de que ele é obrigatório e produziria

conseqüências jurídicas.

Desta forma, se a relação entre o banco e o indivíduo desembocar numa operação, é

desejável que aquela seja reduzível a um contrato; mas, se o mesmo não acontecer, ainda

assim, haverá a obrigação do banco de assegurar o sigilo, já que o costume exprime a vontade

coletiva, devendo, portanto, ser respeitado. Na hipótese de a instituição deixar de observar o

sigilo, poderá incorrer em responsabilidade extracontratual.

Entretanto, esta teoria, ao confundir a origem do sigilo bancário com seu fundamento,

não explica a razão de ser do sigilo quando este se encontra positivado na lei. Portanto, tal

pensamento apenas é valido nos países em que não existe imposição legislativa para o sigilo,

perdendo importância nos demais países, inclusive no Brasil, onde o sigilo foi consagrado

legalmente.

2.2.5 Teoria da Responsabilidade Civil

A teoria da responsabilidade civil é antiga, sendo conhecida também como "Teoria

Delitual" ou "Teoria do Ato Ilícito". Seus defensores sustentam que o sigilo bancário

encontraria justificativa na responsabilidade civil da instituição financeira ou, mais

precisamente, no dever geral de não prejudicar a outrem, já que a transgressão resultaria na

obrigação de reparar o dano.

Especificamente no caso do sigilo financeiro, consiste na responsabilidade das

instituições financeiras pelos prejuízos causados aos clientes ou a terceiros pela divulgação

indevida das informações sigilosas.

A fragilidade desta teoria reside no fato de que ela aborda os efeitos, as conseqüências

da não observância da obrigação de conservação do sigilo, mas não o seu fundamento

jurídico.

Além disso, a responsabilidade extracontratual somente justificaria o segredo quando,

além da sua violação, ocorresse um dano ao cliente, o que, em sua opinião, colidiria com a

legislação de alguns países, onde a simples violação do segredo enseja a aplicação de sanção,

independentemente da comprovação do prejuízo.

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Entretanto, tais fatos não excluem a responsabilidade civil da concepção do sigilo

bancário, ou seja, a violação ou divulgação indevida de dados bancários pode gerar

responsabilização civil, mas não é suficiente para funcionar como seu fundamento jurídico.

2.2.6 Teoria do Direito à Intimidade e à Vida Privada

Esta teoria reflete o entendimento doutrinário e jurisprudencial majoritário e afirma

que o sigilo bancário fundamenta-se no direito à intimidade, o qual se inclui no elenco dos

direitos da personalidade, que tem o desiderato de garantir o direito à vida privada às pessoas.

No Brasil as expressões “intimidade” e “vida privada” possuem expressa menção no

texto constitucional (v.g. artigo 5.°, inciso X, da CF). E para uma melhor compreensão da

presente teoria é importante que se faça a distinção entre as definições de ambas as

expressões, bem como da sua correta utilização para designar o objeto dos direitos aqui

tratados.

Nesse sentido, apesar de alguns juristas utilizarem tais expressões como se fossem

sinônimas, a maioria dos doutrinadores acreditam que existe uma sensível diferença entre

elas. Corroborando com tal pensamento, Tércio Sampaio Ferraz Júnior 4 esclarece:

“A intimidade é o âmbito exclusivo que alguém reserva para si, sem

nenhuma repercussão social, nem mesmo ao alcance da sua vida

privada que, por mais isolada que seja, é sempre um viver entre os

outros (na família, no trabalho, no lazer comum). Não há um

conceito absoluto de intimidade. Mas é possível exemplificá-lo: o

diário íntimo, o segredo sob juramento, as próprias convicções, as

situações indevassáveis de pudor pessoal, o segredo íntimo cuja

mínima publicidade constrange. Já a vida privada envolve a

proteção de formas exclusivas de convivência. Trata-se de situações

em que a comunicação é inevitável (em termos de relação de alguém

com alguém que, entre si, trocam mensagens), das quais, em

princípio são excluídos terceiros. Terceiro é, por definição, o que

não participa, o que não troca mensagens, que está interessado em

4 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Sigilo de dados: o direito à privacidade e os limites a função fiscalizadora do Estado. Disponível em: <http://www.agu.gov.br/ce/EdEspecialNacional/EdEspecial_Doutrina_Tercio.htm>

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outras coisas. Numa forma abstrata, o terceiro compõe a sociedade,

dentro da qual a vida privada se desenvolve, mas que com esta não

se confunde. A vida privada pode envolver, pois, situações de opção

pessoal (como a escolha do regime de bens no casamento) mas que,

em certos momentos, podem requerer a comunicação de terceiros

(na aquisição, por exemplo, de um bem imóvel). Por aí ela difere da

intimidade, que não experimenta esta forma de repercussão.”

Assim, apesar de na linguagem cotidiana o conteúdo das expressões ser muito

próximo, vida privada traz em sua raiz um conteúdo intersubjetivo, relacional, de

“proximidade”, “confidência” e “amizade”, enquanto intimidade parece significar algo

isolado, distante, solitário, ligando-se ainda ao sentido de “apropriação”, de “propriedade”.

Desta forma, muitos juristas entendem que a intimidade e a vida privada seriam

verdadeiros reflexos da personalidade jurídica, elevando-se até a uma espécie de premissa

geral desta, integrando a categoria dos direitos da personalidade, em suas diversas

manifestações, como o direito à imagem, ao nome, à inviolabilidade do domicílio, o direito

sobre o próprio corpo, à honra, à vida e à liberdade.

Entretanto, não parece adequada a associação do sigilo bancário, que pode ser

renunciado pela própria vontade do titular, com os direitos da personalidade, que, por sua

própria natureza, são irrenunciáveis. Vale ressaltar que o sigilo bancário não é um direito

inerente ao homem, sendo permitido na legislação dos mais diversos países, inclusive no

Brasil, o acesso aos dados bancários dos cidadãos, como instrumento de preservação do

interesse público. Tal entendimento é compartilhado pelo Ministro Francisco Rezek em seu

voto no julgamento do mandado de segurança n° 21.729-4 (DF) 5, abaixo:

Não obstante essa repercussão mais ampla, o núcleo da privacy

situa-se na esfera das convicções íntimas do indivíduo, como as

religiosas e políticas, nas relações de convivência familiar e afetiva,

nos bons costumes sexuais, hábitos, dados clínicos, enfim naquele

reduto que não se exteriorize no âmbito da vida pública. (...) que a

locução "vida privada" sempre exprimiu o contraste claramente 5 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Mandado de Segurança n° 21.729-4. Tribunal Pleno, rel. Min. Francisco Rezek, 30 ago. 1995. Diário da Justiça 05 set. 1995. p. 28020-28021.

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detectado pelo senso comum, que opõe o privado ao público, e que

se agrega a um conjunto constituído em torno da idéia de família, de

casa, de interior.(...)

Assim, os dados bancários concernentes a pagamentos de compra de

imóveis, os financiamentos para aquisição de casa própria ou os

financiamentos públicos para o desenvolvimento de atividades

produtivas são alguns dos exemplos de informações que não se

inserem no núcleo irredutível da privacidade. (..)

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3 ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO SIGILO BANCÁRIO

Os bancos e demais instituições financeiras desempenham, na atualidade, um papel

fundamental na prestação de serviços na área financeira, tanto na esfera privada quanto nas

relações com o Estado, a ponto de ser inimaginável pensar-se nas várias formas de transações

financeiras que ocorrem no cotidiano das pessoas sem que haja a intermediação dessas

instituições.

As operações bancárias precederam a existência da própria moeda, desenvolvendo-se

de forma natural. Já se fazia referência ao sigilo bancário no Código de Hamurabi, escrito

pelo então rei da Babilônia, que mencionava a proibição de um banqueiro, desvendar seus

arquivos em caso de conflito com o cliente.

Desta forma, a gênese do sigilo bancário está indelevelmente ligada ao próprio

surgimento dos bancos, sendo de crucial importância que se busque as raízes do surgimento

dessas instituições para que se compreenda a origem daquele instituto.

3.1 SIGILO BANCÁRIO – ANTIGUIDADE À IDADE MODERNA

Conforme mencionado anteriormente, o sigilo bancário tem sua origem no alvorecer

da própria atividade bancária, a qual remonta ao período antigo da civilização humana, tendo

a sua própria gênese nas transações comerciais e no surgimento da moeda.

O Código de Hamurabi, rei da Babilônia, introduziu regras relativas a operações

bancárias e de crédito, ao uso da moeda e à insolvência. As instituições bancárias babilônicas

aceitavam depósitos, realizavam pagamentos em outras praças e faziam operações de

compensação de créditos entre seus clientes6.

A mais antiga referência ao sigilo bancário é também encontrada neste instrumento

lega l “[...] mencionava a possibilidade que tinha o banqueiro de desvendar seus arquivos em

caso de conflito com o cliente. À contrario sensu, interpreta-se que, fora daí, o banco estava

adstrito à obrigação do segredo”.7

Entretanto, na Antigüidade a atividade bancária ainda não se revestia do caráter

profissional das instituições, estando fortemente vinculada com a atividade religiosa.

6 ABRÃO, Nelson. Direito Bancário. 8. ed. rev., atual. e ampl. por Carlos Henrique Abrão. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 64 7.

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Nas regiões da Babilônia, Egito e Fenícia, as operações bancárias eram realizadas nos

templos religiosos, a cargo dos sacerdotes, e limitavam-se a guarda e empréstimo de valores.

O segredo guardado em torno de tais operações, realizadas internamente, tinha íntima relação

com a inviolabilidade dos próprios templos religiosos. Por sua origem mística infere-se que a

atividade bancária deveria revestir-se de um caráter sagrado. É por isso que se chega a

assemelhar as expressões léxica e ontologicamente: sagrado e segredo.

A diversificação das atividades bancárias vem a lume somente com o surgimento da

civilização greco-romana.

Na Grécia da época homérica o pagamento nas operações comerciais era efetuado

mediante a troca da própria mercadoria. Porém, com a intensificação das trocas e a expansão

marítima foram criadas as condições para o aparecimento da moeda metálica “cunhada”, que

se deu entre os séculos VIII e VII a.C..

Quanto ao sigilo das operações nesta época, acredita-se que ele tenha permanecido

mesmo após as atividades bancárias terem deixado o recinto dos templos religiosos, uma vez

que os banqueiros gregos exerciam, além da intermediação de crédito, a função de notários e

confidentes de seus clientes. Sócrates sustentava: "Os negócios com banqueiros se fazem sem

testemunhas"8.

Em Roma, a expansão econômica se deu com as conquistas militares, quando houve a

introdução da moeda, fazendo com que sua economia sofresse transformações radicais. A

antiga aristocracia rural se sobrepôs, então, uma aristocracia do dinheiro, a dos proprietários,

em cujas mãos se acumularam grandes fortunas, expandindo-se também a atividade bancária.

Assim, no século III a.C., Roma já possuía comércio bancário, que se praticava tanto nos

templos como em outros recintos.

Quanto ao sigilo bancário, nota-se o início da separação da conotação religiosa e

sagrada e começou a ser objeto de regulação jurídica, na medida em que o banqueiro só

estaria obrigado a apresentar informações contidas no livro Codex, que as armazenava, diante

da Justiça e assim mesmo somente em caso de litígio entre o banqueiro e seu cliente.

Posteriormente, no início da Idade Média, prevalecia a chamada economia natural, na

qual a vida econômica se processava praticamente sem a utilização do dinheiro, baseando-se

na permuta de bens. Período que foi fortemente marcado pela influência da Igreja Católica

sobre a vida dos cidadãos. Em especial as proibições referentes à usura limitaram o

desenvolvimento das atividades bancárias. 8 ABRÃO, Nelson. Direito Bancário. 8. ed. rev., atual. e ampl. por Carlos Henrique Abrão. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 46

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Entretanto, as transformações ocorridas na sociedade medieval do ocidente nessa

época fizeram com que a prática usurária se tornasse necessária. A “Carta sobre a Usura”, de

Ítalo Calvino, de 1545, criticou esse entendimento, considerando incompreensível que um

proprietário de terra pudesse arrendá-la, enquanto ao proprietário do capital não fosse lícito

fazer o mesmo. Desta forma, percebe-se que a passagem da economia essencialmente feudal

para uma economia monetária teve repercussão também no terreno religioso.

O fator preponderante na escalada do comércio e da atividade bancária na idade média

foi o intercâmbio comercial das cidades italianas, como Florença, Gênova e Veneza, com o

Oriente, uma vez que nesta região surgiram os primeiros bancos comerciais.

Tem-se a partir daí a consolidação do sigilo bancário como regra de conduta

respeitada pelos banqueiros com a convicção de corresponder a uma necessidade ética e

jurídica, estabelecendo-se na consciência comum da sociedade a idéia de que as operações

bancárias devem permanecer sob reserva.

Na idade moderna, precisamente na época das grandes navegações e expedições

marítimas, quando se via a necessidade de buscar recursos para financiar tais expedições, os

grandes banqueiros e financistas desfrutavam de enorme respeito, prestígio e poder, tanto

frente ao Estado como aos particulares.

A exploração dos recursos naturais encontrados nas novas terras (metais e pedras

preciosas e produtos agrícolas) fez surgir a necessidade da internacionalização das operações

bancárias e, com o advento da Revolução Industrial que consolidou o capitalismo liberal e

promoveu a modernização das instituições financeiras, dinamizando suas operações para

adaptar-se ao progresso econômico. A partir daí, a questão do sigilo destas operações

financeiras desperta a atenção do legislador, deixando paulatinamente de ser costume para

alcançar positivação legislativa.

3.2 SIGILO BANCÁRIO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

No Brasil, a fundação do primeiro banco – Banco do Brasil - foi conseqüência da

vinda da família real portuguesa para o Rio de Janeiro. Contudo, o retorno da família real a

Lisboa e o período conturbado da luta pela Independência e da afirmação do Império

enfraqueceram sobremaneira o banco, a tal ponto de ter sua liquidação decretada pela

Assembléia Legislativa em 23 de setembro de 1829, sendo revitalizado no final deste

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mesmo século.

Atualmente os bancos e instituições financeiras desenvolvem atividades das mais

variadas e complexas, tanto para satisfação das necessidades dos particulares como para as

do Estado. Alem da prestação de serviços como a concessão de crédito em suas diversas

modalidades, consultoria, seguros, investimentos, custódia de valores etc., estas instituições

também auxiliam o poder público no desempenho de suas funções institucionais, como por

exemplo, no recebimento de tributos, intermediação na negociação de títulos da dívida

pública e fomento de atividades econômicas, sendo de extrema importância a

regulamentação acerca da guarda das informações trocadas na realização de todos estes

serviços.

A aplicação do sigilo bancário no Brasil, a exemplo do que ocorreu em outras partes

do mundo, teve origem consuetudinária, vindo a integrar o sistema jurídico positivo pátrio

somente no final do século XIX e sofrendo modificações estruturais desde então, como se

verá adiante.

3.2.1 Lei n.° 556/1850 (Código Comercial)

Conforme mencionado anteriormente, a normatização do sigilo bancário no Brasil

era inicialmente baseada nos costumes. Desta forma, os bancos sempre apresentaram

resistência a fornecer informações sobre seus clientes e as operações que realizavam.

Tal posição foi reforçada com a entrada em vigor da Lei n.° 556, de 25 de junho de

1850, que instituiu o Código Comercial, aplicável aos banqueiros e às relações bancárias

por força do disposto por seus artigos 119 e 120.

O artigo 17 deste Código previa o sigilo dos livros de escrituração mercantil, sendo,

portanto, considerado como o primeiro a fornecer uma idéia de rígida proteção legal do

sigilo, conforme se lê abaixo:

“Art. 17- Nenhuma autoridade, Juízo ou Tribunal, debaixo de

pretexto algum, por mais especioso que seja, pode praticar ou

ordenar alguma diligência para examinar se o comerciante arruma

ou não devidamente seus livros de escrituração mercantil, ou nele

tem cometido algum vício.”

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A redação deste artigo serviu de forte argumento para que os bancos, desde aquela

época, se negassem a prestar informações acerca das contas correntes de seus clientes, até

mesmo para as autoridades judiciárias, dando ao instituto do sigilo bancário um caráter

absoluto, ou seja, que não podia ser violado em hipótese alguma.

Entretanto, esta rígida proteção sofria as limitações previstas pelos artigos 18 e 19 do

mesmo Código Comercial, pelos quais se permitia que os livros fossem exibidos

judicialmente nos casos expressamente previstos, os quais são:

“Art. 18. A exibição judicial dos livros de escrituração comercial

por inteiro, ou de balanços gerais de qualquer casa de comércio, só

pode ser ordenada a favor dos interessados em questões de

sucessão, comunhão ou sociedade, administração ou gestão

mercantil por conta de outrem, e em caso de quebra.

Art. 19 - Todavia, o juiz ou Tribunal do Comércio, que conhecer de

uma causa, poderá, a requerimento da parte, ou mesmo do ex ofício,

ordenar, na pendência da lide, que os livros, ou de qualquer ou de

ambos os litigantes sejam examinados na presença do comerciante a

quem pertencerem e debaixo de suas vistas, ou na de pessoa por ele

nomeada, para deles se averiguar e extrair o tocante à questão

(...)”.

Assim, pode-se observar que, desde a sua introdução no ordenamento jurídico

brasileiro, ao sigilo não foi imputado caráter absoluto. A própria lei estabelece os seus

contornos, prevendo as suas exceções. Entendimento que foi reconhecido pela

jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) que, por intermédio das Súmulas 390 e

439, entendeu que a exibição judicial dos livros comerciais poderia ser requerida como

medida preventiva, estando também sujeitos à fiscalização da administração tributária ou

previdenciária, sendo o exame limitado ao objeto da investigação.

Vale ressaltar que até então o ordenamento jurídico não tratava direta e

especificamente do sigilo bancário. Com efeito, a previsão legislativa objetivava proteger

os interesses dos comerciantes em geral, terminando por resguardar, obliquamente, a

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intimidade e a vida privada dos cidadãos que utilizavam os serviços bancários e

financeiros.

3.2.2 LEI N.° 3.071/1916 (CÓDIGO CIVIL) E DECRETO LEI N.° 2.848/1940

(CÓDIGO PENAL)

Em 1.° de janeiro de 1916 entrou em vigor a Lei n.° 3.071, que instituiu o hoje

revogado Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, e em seu artigo 144 trazia a

previsão de que ninguém poderia ser obrigado a depor sobre fatos que, por motivo

profissional devesse guardar segredo. Tal previsão estabeleceu uma ligação entre o

instituto do sigilo bancário com o sigilo profissional, portanto os banqueiros e

funcionários de instituições financeiras estariam incluídos no campo de aplicação desta

norma.

Posteriormente, foi aprovado o Decreto Lei n.° 2.848, de 7 de dezembro de 1940,

que instituiu o Código Penal Brasileiro. Tal Decreto, confirmando o entendimento trazido

pelo então vigente Código Civil, tipificou em ser artigo 154 o crime de violação do sigilo

profissional, conforme podemos ler em sua redação abaixo:

“Art. 154 - Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem

ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja

revelação possa produzir dano a outrem:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.”

Desta forma, passaram os segredos profissionais a contar com uma proteção penal

contra a sua inviolabilidade. Entretanto, atualmente, não é pacífico o entendimento de que

tal preceito aplica-se ao sigilo bancário, havendo parte da doutrina que acredita que este

não está incluído entre as espécies de sigilo profissional, por dedicar-se a resguardar

apenas o conteúdo das operações bancárias e das prestações dos serviços correlatos.

Posteriormente foi publicada a Lei n.° 1.579/1952 que, assim como as previsões

legais anteriores, não se referia expressamente ao sigilo bancário, que permitiu que o

Poder Legislativo, através de suas Comissões Parlamentares de Inquérito, tivesse acesso,

no exercício de sua atividade investigatória, a informações secretas de repartições públicas

e autárquicas, as quais incluem os bancos oficiais, como se verifica da sua redação:

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Art. 2º. No exercício de suas atribuições, poderão as comissões

parlamentares de inquérito determinar as diligências que reputarem

necessárias e requerer a convocação de ministros de Estado, tomar

o depoimento de quaisquer autoridades federais, estaduais ou

municipais, ouvir os indiciados, inquirir testemunhas sob

compromisso, requisitar de repartições públicas e autárquicas

informações e documentos e transportarse aos lugares onde se fizer

mister sua presença e requerer a convocação de ministros de

Estado.

3.2.3 LEI N.° 4.595/1964

A Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, conhecida como Lei do Sistema

Financeiro Nacional, foi inovadora ao reorganizar o sistema bancário brasileiro,

apresentando previsões expressas acerca do sigilo em suas operações. Esta norma

mostrou-se menos rígida em relação ao sigilo bancário em relação à posição adotada pelo

Código Comercial permitindo que a administração tributária tivesse acesso às informações

bancárias desde que dois requisitos fossem respeitados: deveria haver processo instaurado

e os documentos deveriam ser indispensáveis segundo a autoridade, conforme podemos

ler em seu artigo 38, in verbis:

Art. 38. As instituições financeiras conservarão sigilo em suas

operações ativas e passivas e serviços prestados.

§ 1º As informações e esclarecimentos ordenados pelo Poder

Judiciário, prestados pelo Banco Central da República do Brasil ou

pelas instituições financeiras, e a exibição de livros e documentos

em Juízo, se revestirão sempre do mesmo caráter sigiloso, só

podendo a eles ter acesso as partes legítimas na causa, que deles

não poderão servir-se para fins estranhos à mesma.

§ 2º O Banco Central da República do Brasil e as instituições

financeiras públicas prestarão informações ao Poder Legislativo,

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podendo, havendo relevantes motivos, solicitar sejam mantidas em

reserva ou sigilo.

§ 3º As Comissões Parlamentares de Inquérito, no exercício da

competência constitucional e legal de ampla investigação (art. 53 da

Constituição Federal e Lei nº 1579, de 18 de março de 1952),

obterão as informações que necessitarem das instituições

financeiras, inclusive através do Banco Central da República do

Brasil.

§ 4º Os pedidos de informações a que se referem os §§ 2º e 3º, deste

artigo, deverão ser aprovados pelo Plenário da Câmara dos

Deputados ou do Senado Federal e, quando se tratar de Comissão

Parlamentar de Inquérito, pela maioria absoluta de seus membros.

§ 5º Os agentes fiscais tributários do Ministério da Fazenda e dos

Estados somente poderão proceder a exames de documentos, livros

e registros de contas de depósitos, quando houver processo

instaurado e os mesmos forem considerados indispensáveis pela

autoridade competente.

§ 6º O disposto no parágrafo anterior se aplica igualmente à

prestação de esclarecimentos e informes pelas instituições

financeiras às autoridades fiscais, devendo sempre estas e os exames

serem conservados em sigilo, não podendo ser utilizados senão

reservadamente.

§ 7º A quebra do sigilo de que trata este artigo constitui crime e

sujeita os responsáveis à pena de reclusão, de um a quatro anos,

aplicando-se, no que couber, o Código Penal e o Código de

Processo Penal, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.

O dispositivo acima disciplinou de forma ampla e detalhada o instituto do sigilo

bancário, confirmando o seu caráter relativo com estabelecimento de seus limites, bem

como a previsão de punição criminal para o caso de sua violação em seu último parágrafo.

Com a finalidade de cumprir com os objetivos deste trabalho, o primeiro ponto a ser

abordado após a leitura do dispositivo diz respeito a quais as autoridades que podem

proceder ao exame de documentos, livros e registros de contas de depósitos. O parágrafo

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5.° refere-se a agentes fiscais tributários do Ministério da Fazenda e dos Estados,

silenciando quanto aos Municípios, ao que parece, em razão da falta de autonomia dos

Municípios à época, o que somente ocorreu com a promulgação da Constituição Federal

de 1988, por força do disposto em seu artigo 18.

Neste mesmo parágrafo são previstas duas condições cumulativas para que possam

ser realizados os exames pela autoridade fiscal. Em razão ambigüidade contida em sua

redação, foram suscitadas várias controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais.

Primeiramente, lê-se que deve haver processo instaurado, deixando em aberto se trata

de processo judicial ou administrativo. Posteriormente, dispõe que os documentos livros e

registros de contas de depósitos devem ser considera dos indispensáveis pela autoridade

competente, sem esclarecer qual autoridade.

Parte da doutrina defendeu a interpretação restritiva do dispositivo, onde processo e

jurisdição são conceitos correlatos, sendo que a palavra processo traduz a própria

jurisdição em exercício.

Desta forma pode-se compreender a interpretação dada pelo Banco Central ao

dispositivo da seguinte forma: a norma determina como regra, a manutenção do segredo,

estabelecendo exceções e tipificando ao final uma conduta criminosa, devendo,

conseqüentemente, ser interpretada de modo estrito em razão do rigor da punição

estabelecida para o crime de quebra de sigilo.

A interpretação do parágrafo 6.° do artigo 38 da Lei n.° 4.595/1964 não demanda

maiores esforços, pois pela sua redação fica estendido autoridades fiscais a possibilidade

de verificação e exame de documentos, livros e registros, a obtenção de esclarecimentos e

informes pelas instituições financeiras. Em sua parte final está disposta a obrigação de

manutenção do sigilo por parte das autoridades fiscais em relação às informações por ela

obtidas.

Nesse sentido, confirmando o entendimento trazido pelo dispositivo, anteriormente à

entrada em vigor do Código Tributário Nacional, a Terceira Turma do Supremo Tribunal

Federal, decidindo o recurso em mandado de segurança n.° 15.925GB, de relatoria do

Ministro Gonçalves de Oliveira (RTJ 37/373), no qual o banco pretendia recusar

esclarecimentos sobre conta de cliente correntista, firmou entendimento de que “o sigilo

bancário só tem sentido enquanto protege o contribuinte contra o perigo da divulgação ao

público, nunca quando a divulgação é para o fiscal do imposto de renda que, sob pena de

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responsabilidade, jamais poderá transmitir o que lhe foi dado a conhecer”.9 Portanto,

tornou-se evidente que o STF, antes mesmo da vigência do CTN, teria adotado a tese da

transferência de responsabilidade de observação ao sigilo dos bancos para o Fisco, ficando

a cargo dos agentes fiscais e evidenciando a flexibilização do instituto. Entretanto,

“transferência” não seria a expressão mais adequada para a situação, uma vez que o que

ocorre é o acréscimo de um novo sujeito obrigado à conservação do sigilo, podendo falar-

se em responsabilidade compartilhada.

Assim, quando as autoridades fiscais tomam conhecimento das informações sob

sigilo, na forma estabelecida pelos parágrafos 5.° e 6.° da Lei n.° 4.595/64, há a

responsabilidade agora não mais somente dos bancos responsáveis pelo sigilo, mas

também, concorrentemente, os órgãos que passaram a conhecer dos dados. Nesse caso,

somente ocorrerá quebra de sigilo quando terceiros não autorizados tomarem

conhecimento das informações sigilosas, ou seja, enquanto a informação estiver no âmbito

reservado dos órgãos públicos, que as recebeu legalmente, não havendo o fenômeno da

quebra de sigilo.

3.2.4 LEI N.° 5.172/1966 (CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL)

Com a entrada em vigor da Lei n.° 5.172, de 25 de outubro de 1966, o Código

Tributário Nacional, fortaleceu a tese da possibilidade de acesso direto aos documentos

bancários pelo Fisco, mediante simples processo administrativo, dispensada a autorização

judicial. Passou então a vigorar o seu artigo 197 que elencou uma nova possibilidade de

exceção ao sigilo, conforme transcreveremos:

Art. 197. Mediante intimação escrita, são obrigados a prestar à

autoridade administrativa todas as informações de que disponham

com relação aos bens, negócios ou atividades de terceiros: (...)

II - os bancos, casas bancárias, Caixas Econômicas e demais

instituições financeiras;(...)

Parágrafo único. A obrigação prevista neste artigo não abrange a

prestação de informações quanto a fatos sobre os quais o informante

9 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tributário. Sigilo Bancário: agentes do imposto de renda. Ação fiscal nos bancos. Recurso não provido. Recurso em mandado de segurança n.° 15925 – GB. Diário da Justiça. República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 24 jun. 1966.

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esteja legalmente obrigado a observar segredo em razão de cargo,

ofício, função, ministério, atividade ou profissão.

Para a maioria dos doutrinadores a polêmica sobre a possibilidade da quebra do

sigilo bancário pela administração fazendária restou, portanto, definitivamente superada,

ou seja, as instituições financeiras estavam obrigadas a prestar informações às autoridades

fazendárias, desde que atendidas às condições impostas pela Lei n.° 4.595/1964.

Entretanto, outros questionamentos surgiram com a edição do CTN. Primeiramente,

alguns doutrinadores vislumbram um conflito de normas entre os citados artigos do CTN

e o artigo 38 da Lei n.° 4.595/1964, ambos recepcionados pela Constituição Federal de

1988 com status de lei complementar. Para eles, o caput do artigo 197 do CTN derrogou

tacitamente os parágrafos 5.° e 6.° do artigo 38 da Lei n.° 4.595/1964, passando a ser

permitido à Administração Tributária carrear as informações bancárias sigilosas mediante

simples intimação escrita, não mais sendo necessário processo administrativo instaurado,

porém tal derrogação só não foi argüida pela administração tributária em razão do fato de

que para o fisco era muito mais fácil fazer constar nas intimações escritas a existência de

processo instaurado e a imprescindibilidade da requisição do que enfrentar o mérito da

derrogação, que demoraria muito mais e, não traria mudanças significativas.

Outro aspecto que causou polêmica, foi a previsão do parágrafo único do artigo 197

do CTN, uma vez que para os adeptos da teoria do segredo profissional ele excepcionava

os bancos do dever de prestar informações às autoridades administrativas, uma vez que

tais informações eram obtidas em razão de sua função.

Desta forma, chegou-se à conclusão de que a interpretação mais adequada dos dois

dispositivos é aquela que busca compatibilizá-los de modo a fazer prevalecer a eficácia de

ambos. Ainda, há que se ressaltar que o CTN traz disposições gerais, portanto não revoga

a lei anterior naquilo que com ela for compatível. A aplicação do art. 195 não tinha o

condão de afastar a Lei n.° 4.595/64, pois o seu art. 38 não limitou o direito de

fiscalização, apenas criou procedimentos para o seu exercício, devendo-se entender que o

poder de fiscalizar se aplica por interpretação extensiva aos municípios e que a expressão

“processo instaurado” signifique já ter regularmente iniciado o procedimento fiscal na

conformidade do art. 196 do CTN. O objeto da fiscalização continuou o mesmo.

Também resta claro, que o parágrafo único do art. 197 não se aplica aos banqueiros.

Assim, as autoridades administrativas ou os agentes fiscais tributários da União, dos

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Estados ou dos Municípios poderiam obter mediante intimação escrita, desde que

houvesse processo administrativo (ou procedimento fiscal) ou judicial instaurado,

informações sigilosas que fossem consideradas indispensáveis pela autoridade

competente.

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu sobre a questão no

julgamento do recurso extraordinário n. o 71.640/BA, em seção realizada em 17 de

setembro de 1971. O entendimento foi de que o sigilo bancário não estaria tutelado pelo

parágrafo único do artigo 197 do CTN, continuando em vigor o artigo 38 da Lei n. o

4.595/1964, numa interpretação harmônica com o CTN, e, tendo em vista o disposto no

artigo 38 daquele diploma legal, estendeu a aplicação de seu parágrafo 5º aos agentes

fiscais dos Municípios, os quais não vinham expressamente mencionados, possibilitando,

então, que estes tivessem acesso às informações financeiras.

Foi também manifestado o entendimento de que a prestação de informações

bancárias aos agentes fiscais não caracterizaria violação ao sigilo das comunicações

previsto no artigo 153, parágrafo 9º, da Constituição Federal de 1967 (atualmente previsto

no artigo 5º, inciso XII, da CF/88).

A promulgação do Decreto lei n. o 1.718, de 27 de novembro de 1979 confirmou de

forma expressa o entendimento acima descrito, prevendo em seu artigo 2º, abaixo:

Art 2º. Continuam obrigados a auxiliar a fiscalização dos tributos

sob a administração do Ministério da Fazenda, ou, quando

solicitados, a prestar informações, os estabelecimentos bancários,

inclusive as Caixas Econômicas, os Tabeliães e Oficiais de

Registro, o Instituto Nacional de Propriedade Industrial, as Juntas

Comerciais ou as repartições e autoridades que os substituírem, as

Bolsas de Valores e as empresas corretoras, as Caixas de

Assistência, as Associações e Organizações Sindicais, as

companhias de seguros, e demais entidades, pessoas ou empresas

que possam, por qualquer forma, esclarecer situações de interesse

para a mesma fiscalização.

Parágrafo único. Em casos especiais, para controle da arrecadação

ou revisão de declaração de rendimentos, poderá o órgão

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competente do Ministério da Fazenda exigir informações periódicas,

em formulário padronizado.(grifo nosso)

Contudo, esta tendência começou a mudar, sobretudo após a promulgação da

Constituição Federal de 1988, quando, após reiteradas decisões, firmou-se o entendimento

de que somente mediante processo judicial instaurado poderia o Fisco quebrar o sigilo

bancário, como veremos adiante.

3.2.5 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o direito à intimidade e à vida

privada foi incluído no rol de direitos e garantias fundamentais, conforme seu artigo 5.°,

inc. X. Tal fato reforçou a posição que defendia a impossibilidade da quebra do sigilo

bancário pelo Fisco em processo administrativo, sendo a principal fundamentação das

decisões judiciais que negam o acesso do Fisco diretamente às informações bancárias dos

contribuintes, uma vez que, tanto na doutrina majoritária, como na jurisprudência atual, o

entendimento é de que o sigilo bancário possui natureza constitucional.

O Ministro Demócrito Reinaldo, da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça

(STJ), manifestou no julgamento do Recurso Especial n.° 37.5665RS, em 2 de fevereiro

de 1994, o seguinte entendimento acerca da questão da adequação da Lei n.° 4.595/1964 e

do CTN à Constituição Federal de 1988, manifestando o seguinte entendimento:

“Tributário. Sigilo Bancário. Quebra com base em procedimento

administrativo fiscal. Impossibilidade. O sigilo bancário do

contribuinte não pode ser quebrado com base em procedimento

administrativo fiscal, por implicar indevida intromissão na

privacidade do cidadão, garantia esta expressamente amparada

pela Constituição Federal (artigo 5.°, inciso X). Por isso, cumpre às

instituições financeiras manter sigilo acerca de qualquer informação

ou documentação pertinente a movimentação ativa e passiva do

correntista/contribuinte, bem como dos serviços bancários a ele

prestados. Observadas tais vedações, cabe-lhes atender às demais

solicitações de informações encaminhadas pelo fisco, desde que

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30

decorrentes de procedimento fiscal regularmente instaurado e

subscrito por autoridade administrativa competente.

Apenas o Poder Judiciário, por um de seus órgãos, pode eximir as

instituições financeiras do dever de segredo em relação às matérias

arroladas em lei. Interpretação integrada e sistemática dos artigos

38, parágrafo 5.°, da Lei n.° 4.595/1964 e 197, inciso II e parágrafo

1.°, do CTN. Recurso improvido, sem discrepância”10.(grifo nosso)

Em análise ao voto do Ministro relator do acórdão, vimos que ele afirma que a

interpretação sistemática do artigo 38 da Lei n.° 4.595/1964 e seus parágrafos, à luz da

CF/88, levaria ao entendimento de que somente o Poder Judiciário e as Comissões

Parlamentares de Inquérito teriam a faculdade de acessar as informações sigilosas, uma

vez que estas estão protegidas pelo artigo 5.°, inciso X, da CF/88. Além disso, o parágrafo

5.° do artigo 38 da Lei n.° 4.595/1964 utiliza o substantivo “processo” ao invés de

“procedimento fiscal”, o que denotaria tratar-se de processo judicial, levando a crer que a

“autoridade competente” somente poderia ser aquela que preside tal tipo de processo.

3.2.6 LEI N.° 8.021/1990

Diante deste entendimento do STJ, com a necessidade de processo judicial para o

acesso do Fisco às informações bancárias dos contribuintes, sobreveio a Lei nº 8.021/90, a

qual derivou da Medida Provisória n.° 165, de 15 de março de 1990, que afastou

expressamente as disposições do art. 38 da Lei nº 4.595/64, alterando as condições anteriores,

trazendo literalmente em seu art. 8º, abaixo transcrito, que autoridade fiscal poderia solicitar

às instituições financeiras informações sobre operações realizadas pelo contribuinte.

Art. 8° Iniciado o procedimento fiscal, a autoridade fiscal poderá

solicitar informações sobre operações realizadas pelo contribuinte

em instituições financeiras, inclusive extratos de contas bancárias,

não se aplicando, nesta hipótese, o disposto no art. 38 da Lei n°

4.595, de 31 de dezembro de 1964.

10 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Tributário. Sigilo bancário. Quebra com base em procedimento administrativo fiscal. Impossibilidade. Recurso especial n.° 37.5665RS. Diário da Justiça [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 28 mar. 1994, p. 6.294

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31

Parágrafo único. As informações, que obedecerão às normas

regulamentares expedidas pelo Ministério da Economia, Fazenda e

Planejamento, deverão ser prestadas no prazo máximo de dez dias

úteis contados da data da solicitação, aplicando-se, no caso de

descumprimento desse prazo, a penalidade prevista no § 1° do art.

7°.

A promulgação da Lei nº 8.021/90, prevendo de forma expressa a possibilidade de a

autoridade fiscal solicitar de informações às instituições financeiras de dados dos

contribuintes, fez surgir questionamentos acerca de sua aplicação.

A primeira delas de caráter formal constitucional, uma vez que o art. 192 da

Constituição Federal exigia que as diretrizes do Sistema Financeiro Nacional fossem

disciplinadas através de lei complementar (dispositivo que atualmente conta com nova

redação dada pela Emenda Constitucional nº 40, de 29 de junho de 03, não mais subsistindo

essa exigência) a segunda dizia respeito ao vício formal cometido pelo legislador em

decorrência impossibilidade de uma lei ordinária, como é a Lei 8.021/90, derrogar uma Lei

que foi recepcionada pela ordem constitucional de 1988 como Lei Complementar, como é o

caso da Lei 4.595/64. Além disso, a própria aplicabilidade da norma gera questionamentos,

uma vez que o parágrafo único de seu art. 8º previa a expedição e a obediência de normas

regulamentares a cargo do Ministro da Economia, Fazenda e Planejamento, que nunca foram

regulamentadas.

Em sentido contrário, grande parte da doutrina afirmava que nos casos de leis que

foram aprovadas originalmente como leis ordinárias e posteriormente ganharam status de leis

complementares, por terem sido recepcionadas pela CF/88 como tal, as partes dessas leis que

não tratam de matéria reservada à lei complementar continuam a vigorar como leis ordinárias,

podendo ser alteradas ou revogadas por outra lei ordinária. Portanto, os parágrafos 5.° e 6.° do

artigo 38 da Lei n.° 4.595/1964 podem ser alterados ou derrogados por lei ordinária, como o

foram pelo artigo 8.° da Lei n.° 8.021/1990, posto não tratarem do Sistema Financeiro

Nacional, mas sim de meros procedimentos fiscais.

3.2.7 LEI COMPLEMENTAR N.° 70/1991

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A Lei Complementar n.° 70, de 30 de dezembro de 1991, instituiu a Contribuição

para Financiamento da Seguridade Social (COFINS). Entretanto, em seu artigo 12, previu

algumas disposições acerca do dever de informação das instituições financeiras à

Administração Tributária Federal, mais especificamente sobre as informações cadastrais

dos clientes destas instituições. Tal dispositivo tem a seguinte redação:

Art. 12. Sem prejuízo do disposto na legislação em vigor, as

instituições financeiras, as sociedades corretoras e distribuidoras de

títulos e valores mobiliários, as sociedades de investimento e as de

arrendamento mercantil, os agentes do Sistema Financeiro da

Habitação, as bolsas de valores, de mercadorias, de futuros e

instituições assemelhadas e seus associados, e as empresas

administradoras de cartões de crédito fornecerão à Receita Federal,

nos termos estabelecidos pelo Ministro da Economia, Fazenda e

Planejamento, informações cadastrais sobre os usuários dos

respectivos serviços, relativas ao nome, à filiação, ao endereço e ao

número de inscrição do cliente no Cadastro de Pessoas Físicas

(CPF) ou no Cadastro Geral de Contribuintes (CGC).

§ 1° As informações recebidas nos termos deste artigo aplica-se o

disposto no § 7° do art. 38 da Lei n° 4.595, de 31 de dezembro de

196

§ 2° As informações de que trata o caput deste artigo serão

prestadas a partir das relações de usuários constantes dos registros

relativos ao ano-calendário de 1992.

§ 3° A não-observância do disposto neste artigo sujeitará o infrator,

independentemente de outras penalidades administrativas à multa

equivalente a trinta e cinco unidades de valor referidas no art. 5°

desta lei complementar, por usuário omitido.

A principal controvérsia trazida por esta Lei em relação ao sigilo de informações

bancárias foi quanto ao seu conteúdo e extensão, ou seja, se ele abrangeria ou não todas as

informações em poder das instituições financeiras, como as informações cadastrais.

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Para alguns, o sigilo bancário inclui toda informação obtida através da relação entre a

instituição financeira e o cliente, abrangendo, portanto, os dados cadastrais e a informação

sobre a abertura ou a existência da conta. Já para outros, as informações cadastrais são

meros dados pessoais que identificam o sujeito em suas relações sociais e comerciais, não

sendo, portanto, parte do escopo do sigilo bancário.

Tendo em vista sua posição de lei complementar, a fiscalização tributaria trazida por

este dispositivo se rege sem as limitações estabelecidas na Lei 4.595/1964, não sendo as

informações cadastrais submetidas ao sigilo bancário por não serem exclusivas da relação

entre a instituição financeira e o cliente, embora sua revelação pelo Fisco possa provocar

penalidade, o que indica que estão albergadas pelo sigilo fiscal.

Tércio Sampaio Ferraz Júnior11 esclarece que esse tipo de dado, embora privativo do

sujeito, é condição de sua identificação para efeito dos intercâmbios sociais que ocorrem

inclusive na vida privada. E completa explicando que não há dúvidas de que a

Administração Fazendária, no exercício da fiscalização intermitente, pode exigir esse tipo

de dado, uma vez que o artigo 12 da lei sob comento refere-se à fiscalização continuada.

Ou seja, o que se pretende é alcançar, pelo cruzamento de cadastros de nomes, endereços,

filiação e número do CPF ou CGC, pistas que conduzam a eventuais fraudes, como o uso

de documento fiscal falso, ou de terceiros, etc. O interesse da fiscalização não está, aí, na

identificação das relações de convivência próprias da vida privada, mas na identificação

de um documento oficial e o respectivo portador. Não se quer atingir o uso do serviço

bancário, mas a identidade tributária do usuário.

Nesse mesmo sentido, destacamos o voto do Ministro Sepúlveda Pertence, do

Supremo Tribunal Federal, no julgamento da medida cautelar em Ação Direta de

Inconstitucionalidade número 1.790-5/DF, onde afirmou que a Constituição Federal de

1988 autoriza a existência de bancos de dados pessoais em poder de instituições

governamentais ou de caráter público (art. 5º, LXXII), conforme parte da ementa abaixo:

3 - A convivência entre a proteção da privacidade e os chamados

arquivos de consumo mantidos pelo próprio fornecedor de credito

ou integrados em bancos de dados, tornou-se um imperativo da

economia da sociedade de massas: de viabilizá-la cuidou o CDC,

11 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Sigilo de dados: o direito à privacidade e os limites a função fiscalizadora do Estado. Disponível em: <http://www.agu.gov.br/ce/EdEspecialNacional/EdEspecial_Doutrina_Tercio.htm>

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segundo o molde das legislações mais avançadas: ao sistema

instituído pelo Código de Defesa do Consumidor para prevenir ou

reprimir abusos dos arquivos de consumo, hão de submeter-se as

informações sobre os protestos lavrados, uma vez obtidas na forma

prevista no edito impugnado e integradas aos bancos de dados das

entidades credenciadas a certidão diária de que se cuida: é o

bastante a tornar duvidosa a densidade jurídica do apelo da

argüição à garantia da privacidade, que há de harmonizar-se à

existência de bancos de dados pessoais, cuja realidade a própria

Constituição reconhece (art. 5°, LXXII, in fine) e entre os quais os

arquivos de consumo são um dado inextirpável da economia

fundada nas relações massificadas de crédito.12 (grifo nosso)

3.2.8 LEI N.° 9.311/1996

A Lei n.° 9.311, de 24 de outubro de 1996, instituiu a, hoje extinta, Contribuição

Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de

Natureza Financeira – CPMF. Em seu artigo 11 encontrava-se prevista a prestação de

informações pelas instituições financeiras à Administração Tributária Federal, para fins de

fiscalização do recolhimento do referido tributo, conforme redação abaixo:

Art. 11 Compete à Secretaria da Receita Federal a administração da

contribuição, incluídas as atividades de tributação, fiscalização e

arrecadação.

§ 1º No exercício das atribuições de que trata esse artigo, a

Secretaria da Receita Federal poderá requisitar ou proceder ao

exame de documentos, livros e registros, bem como estabelecer

obrigações acessórias.

12 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tributário. Protesto cambial. M.Prov. 1638 1/98. Suspensão Cautelar Indeferida. Ação Direta de Inconstitucionalidade n.° 1790-5/DF. Diário da Justiça. República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 08 set. 2000.

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§ 2º As instituições responsáveis pela retenção e pelo recolhimento

da contribuição prestarão à Secretaria da Receita Federal as

informações necessárias à identificação dos contribuintes e os

valores globais das respectivas operações, nos termos, nas

condições e nos prazos que vierem a ser estabelecidos pelo Ministro

de Estado da Fazenda.

§ 3º A Secretaria da Receita Federal resguardará, na forma da

legislação aplicável à matéria, o sigilo das informações prestadas,

vedada sua utilização para constituição do crédito tributário

relativo a outras contribuições ou impostos.

§ 4º Na falta de informações ou insuficiência de dados necessários à

apuração da contribuição, esta será determinada com base em

elementos de que dispuser a fiscalização.

Vale ressaltar que a prestação de tais informações era imprescindível a própria

criação do tributo, uma vez que a fiscalização tributária ficaria sem os meios necessários à

verificação do seu correto recolhimento pelas instituições financeiras.

A princípio, os doutrinadores não foram contra os referidos dispositivos, tendo em

vista o fato de que a lei exigiu apenas os montantes globais e não as operações

individualizadas e, principalmente, em razão da vedação da utilização das informações para o

lançamento de outros tributos.

Entretanto, com a alteração da redação do §3º de seu artigo 11, abaixo, pela Lei n.°

10.174, de 9 de janeiro de 2001, gerou fortes reações contrárias por parte da doutrina:

§ 3º A Secretaria da Receita Federal resguardará, na forma da

legislação aplicável à matéria, o sigilo das informações prestadas,

facultada sua utilização para instaurar procedimento administrativo

tendente a verificar a existência de crédito tributário relativo a

impostos e contribuições e para lançamento, no âmbito do

procedimento fiscal, do crédito tributário porventura existente,

observado o disposto no artigo 42 da Lei 9430/96, de 27 de

dezembro de 1996, e alterações posteriores.

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A controvérsia reside na possibilidade de utilização, pela administração tributária

Federal, das informações prestadas para instauração de procedimento administrativo com o

objetivo de realizar o lançamento de possível crédito tributário existente, relativo a outros

impostos e contribuições. Desta forma, foram ajuizadas perante o Supremo Tribunal Federal

Ações Diretas de Inconstitucionalidade com a finalidade de impugnar o dispositivo, entretanto

tais ações não chegaram a ser julgadas em razão da promulgação da Lei Complementar

105/2001.

4 A LEI COMPLEMENTAR 105/2001 E O SIGILO BANCÁRIO NO CENÁRIO

ATUAL

Em meio a uma verdadeira guerra jurídica a respeito da “quebra” do sigilo bancário

pela Administração Tributária, nasceram os projetos de Lei nº 7 e 219/1995 de autoria dos

Senadores Lúcio Alcântara e José Eduardo Dutra, que deram origem à Lei Complementar nº

105, de 10 de janeiro de 2001, que revogou a Lei n° 4.595, de 31 de dezembro de 1964,

veiculando a nova regulamentação da matéria e representando uma ampla revisão da

disciplina do sigilo financeiro, tendo em vista a defasagem do art. 38 da Lei anteriormente em

vigor.

Por estabelecer a regra geral em matéria de sigilo financeiro, a Lei Complementar n.°

105/2001, merece estar no centro das atenções no que se refere à discussão acerca da

possibilidade do acesso direto do Fisco às informações bancárias dos contribuintes, assunto

que trataremos neste Capítulo.

4.1 ANÁLISE DOS PRINCIPAIS DISPOSITIVOS DA LEI COMPLEMENTAR 105/2001

Conforme mencionado acima, como parte do conjunto de medidas do governo para

facilitar a fiscalização tributária, foi publicada a Lei Complementar n° 105, de 10 de janeiro

de 2001, tratando sobre sigilo bancário de acordo com as disposições abaixo:

Art. 1o As instituições financeiras conservarão sigilo em suas

operações ativas e passivas e serviços prestados.

§ 1o São consideradas instituições financeiras, para os efeitos desta

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Lei

Complementar:

I – os bancos de qualquer espécie;

II – distribuidoras de valores mobiliários;

III – corretoras de câmbio e de valores mobiliários;

IV – sociedades de crédito, financiamento e investimentos;

V – sociedades de crédito imobiliário;

VI – administradoras de cartões de crédito;

VII – sociedades de arrendamento mercantil;

VIII – administradoras de mercado de balcão organizado;

IX – cooperativas de crédito;

X – associações de poupança e empréstimo;

XI – bolsas de valores e de mercadorias e futuros;

XII – entidades de liquidação e compensação;

XIII – outras sociedades que, em razão da natureza de suas

operações, assim venham a ser consideradas pelo Conselho

Monetário Nacional.

§ 2o As empresas de fomento comercial ou factoring, para os efeitos

desta Lei Complementar, obedecerão às normas aplicáveis às

instituições financeiras previstas no § 1o.

§ 3o Não constitui violação do dever de sigilo:

(...)

VI – a prestação de informações nos termos e condições

estabelecidos nos artigos 2o, 3o, 4o, 5o, 6o, 7o e 9 desta Lei

Complementar. (...)

Art. 5o O Poder Executivo disciplinará, inclusive quanto à

periodicidade e aos limites de valor, os critérios segundo os quais as

instituições financeiras informarão à administração tributária da

União, as operações financeiras efetuadas pelos usuários de seus

serviços. (...)

§ 2o As informações transferidas na forma do caput deste artigo

restringir-se-ão a informes relacionados com a identificação dos

titulares das operações e os montantes globais mensalmente

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movimentados, vedada a inserção de qualquer elemento que permita

identificar a sua origem ou a natureza dos gastos a partir deles

efetuados.

§ 3o Não se incluem entre as informações de que trata este artigo as

operações financeiras efetuadas pelas administrações direta e

indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios.

§ 4o Recebidas as informações de que trata este artigo, se

detectados indícios de falhas, incorreções ou omissões, ou de

cometimento de ilícito fiscal, a autoridade interessada poderá

requisitar as informações e os documentos de que necessitar, bem

como realizar fiscalização ou auditoria para a adequada apuração

dos fatos.

§ 5o As informações a que refere este artigo serão conservadas sob

sigilo fiscal, na forma da legislação em vigor.

Art. 6o As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão

examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras,

inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações

financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou

procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados

indispensáveis pela autoridade administrativa competente.

Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os

documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo,

observada a legislação tributária. (...)

O caput do seu artigo 1.° introduz a regra geral do sigilo bancário, endereçada às

instituições financeiras. O seu § 1.° define o que são instituições financeiras, para os efeitos

da lei. Já o seu § 3.° disciplina as hipóteses legais de exceção ao sigilo.

Em seus artigos 5° e 6°, encontra-se disposta a autorização concedida às autoridades

fiscais, do acesso aos dados financeiros, sem necessidade de intervenção judicial, na forma

desses dispositivos, restringindo o âmbito de proteção da garantia do sigilo bancário, o que

legitima a caracterização de tal norma como de natureza restritiva. Isto ocorre quando são

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adotadas pelo legislador normas que limitam ou restringem posições que se incluem no

domínio de proteção dos direitos fundamentais.

Desta forma, pelo disposto no artigo 5.°, as instituições financeiras ficam obrigadas a

remeter informações periódicas à Administração Tributária Federal, referentes às operações

financeiras efetuadas pelos usuários de seus serviços, operações que são definidas em seu §

1.°. Vale ressaltar que o dispositivo não é auto-aplicável, prevendo que o Poder Executivo

deverá disciplinar, inclusive quanto à periodicidade e aos limites de valor, os critérios

segundo os quais as instituições financeiras prestarão as informações à administração

tributária.

O § 2.° do artigo 5.° Lei Complementar 105/2001 prevê que as informações

periódicas, transferidas por instituições financeiras à Administração Tributária da União,

deverão ser restringidas a informes relacionados com a identificação dos titulares das

operações e os montantes globais mensalmente movimentados, vedada a inserção de qualquer

elemento que permita identificar a origem dos recursos financeiros e a natureza dos gastos

realizados.

A regulamentação deste dispositivo ocorreu com a edição do Decreto n.° 4.489, de

28 de novembro de 2002. , que, em seu artigo 3º cuidou de definir os montantes globais

mensalmente movimentados e em seu artigo 4º definiu os limites de valores que devem ser

considerados para a prestação de informações.

Com o pretexto de dar plena execução ao artigo 5º da Lei Complementar nº 105/2001

e, e com apoio no Decreto acima mencionado, a Secretaria da Receita Federal editou a

Instrução Normativa RFB 802, de 27 de dezembro de 2007, a qual prescreve que as

instituições financeiras deverão prestar informações semestrais relativas a operações

financeiras em que o montante global movimentado em cada semestre seja superior ao limite

de R$ 5.000,00, para pessoas físicas, e R$ 10.000,00, para pessoas jurídicas.

Posteriormente, o Decreto n.° 4.545 de 26 de dezembro de 2002 que estabeleceu que

a prestação de informações pelas instituições financeiras, na forma prevista pelo § 2.° da Lei

n.° 9.311/1996 (que instituiu a CPMF, como visto anteriormente), supre as exigências

previstas no Decreto n. 4.489/2002, ato normativo que encontra-se em vigor, devendo, ser

observado no caso de não serem prestadas as informações pelas instituições financeiras, na

forma desta Lei.

Desta forma, em razão desta disposição legal, alguns autores entendem que a

prestação das informações em referência não viola o direito à intimidade e à vida privada das

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pessoas, uma vez que nenhum dado que envolva a origem dos recursos financeiros e a

natureza dos gastos realizados são revelados e os informes se limitam à identificação de

pessoas e aos montantes mensais de suas operações bancárias. São, portanto, informes que

não dizem respeito à vida privada ou à intimidade das pessoas, mas tão somente a valores

globais das operações por elas realizadas no mercado, que devem ser de conhecimento da

administração tributária federal, sob pena de inviabilizar-se o dever do fisco de verificar o

cumprimento de obrigações tributárias, especialmente as da contribuição social sobre o lucro

das empresas, bem como do imposto de renda, cujo fato gerador é a aquisição de

disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou de proventos de qualquer natureza.

O § 4.° do artigo 5.° faculta à autoridade tributária federal requisitar, às instituições

financeiras, informações e documentos, complementares aos previstos no § 2.° do mesmo

artigo, assim como realizar fiscalização ou auditoria para a adequada apuração dos fatos,

quando, recebidas as informações de que trata o artigo 5.°, caput, forem detectados indícios de

falhas, incorreções ou omissões, ou de cometimento de ilícito fiscal.

Este dispositivo tem como objetivo a racionalização dos trabalhos de prestação de

informações bancárias ao fisco federal, desta forma, o detalhamento de dados sobre operações

e serviços de instituições financeiras pode ser requisitado na hipótese de haver indícios de

falhas que indiquem o cometimento de ilícitos fiscais.

O § 5.° do artigo 5.° traz importante mandamento, no que se refere à discussão sobre

a inviolabilidade dos direitos à intimidade e à vida privada, uma vez que preceitua que as

informações obtidas pela administração tributária serão mantidas sob sigilo fiscal, na forma

do artigo 198 do Código Tributário Nacional, cuja redação fora dada pela Lei Complementar

104/2001, que veda a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de

informação obtida em razão do ofício. Assim, as informações bancárias sigilosas são

transferidas à Administração Tributária da União sem perderem a proteção do sigilo.

O artigo 6º da Lei Complementar 105/2001 prevê a possibilidade de exame dos

documentos, livros e registros das instituições financeiras, inclusive os que sejam referentes a

contas de depósitos e aplicações financeiras, pelas autoridades fiscais federais, estaduais e

municipais, desde cumprido três requisitos: a) a existência de processo administrativo

instaurado ou procedimento fiscal em curso; b) que tais exames sejam considerados

indispensáveis pela autoridade administrativa competente; e c) que o resultado dos exames, as

informações e os documentos examinados sejam conservados sob sigilo fiscal, observada a

legislação tributária.

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Com a finalidade de regulamentar as disposições do art. 6º acima, foi elaborado o

Decreto 3.724/2001, que definiu quem era autorizado a examinar as informações transferidas,

quais as autoridades competentes para requisitar informações, em quais casos tais

informações são consideradas indispensáveis, qual o momento em que se inicia o

procedimento fiscal e que espécie de dados podem ser requisitados.

O § 5.° do artigo 2.° do referido Decreto determina que a administração tributária

somente poderá examinar informações relativas a terceiros, constantes de documentos, livros

e registros de instituições financeiras e de entidades a elas equiparadas, inclusive os referentes

a contas de depósitos e de aplicações financeiras, quando houver procedimento de fiscalização

em curso e tais exames forem considerados indispensáveis.

Desta forma o artigo 3º deste Decreto especifica as hipóteses possíveis de realização

do exame dos documentos, livros e registros das instituições financeiras pelas autoridades

fiscais, conforme se lê abaixo:

Art. 3o Os exames referidos no § 5o do art. 2o somente serão

considerados indispensáveis nas seguintes hipóteses: (Redação dada

pelo Decreto nº 6.104, de 2007).

I - subavaliação de valores de operação, inclusive de comércio

exterior, de aquisição ou alienação de bens ou direitos, tendo por

base os correspondentes valores de mercado;

II - obtenção de empréstimos de pessoas jurídicas não

financeiras ou de pessoas físicas, quando o sujeito passivo deixar de

comprovar o efetivo recebimento dos recursos;

III - prática de qualquer operação com pessoa física ou

jurídica residente ou domiciliada em país enquadrado nas condições

estabelecidas no art. 24 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996;

IV - omissão de rendimentos ou ganhos líquidos, decorrentes de

aplicações financeiras de renda fixa ou variável;

V - realização de gastos ou investimentos em valor superior à

renda disponível;

VI - remessa, a qualquer título, para o exterior, por intermédio

de conta de não residente, de valores incompatíveis com as

disponibilidades declaradas;

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VII - previstas no art. 33 da Lei no 9.430, de 1996;

VIII - pessoa jurídica enquadrada, no Cadastro Nacional da

Pessoa Jurídica (CNPJ), nas seguintes situações cadastrais:

a) cancelada;

b) inapta, nos casos previstos no art. 81 da Lei no 9.430, de

1996;

IX - pessoa física sem inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas

(CPF) ou com inscrição cancelada;

X - negativa, pelo titular de direito da conta, da titularidade de

fato ou da responsabilidade pela movimentação financeira;

XI - presença de indício de que o titular de direito é interposta

pessoa do titular de fato.

O artigo 4.° e seu § 1.° do Decreto n.° 3.724/2001 estabelecem quais as autoridades

administrativas competentes para requisição das informações referidas no caput do artigo 2.°

são também competentes para expedição do MPF, devendo a referida requisição ser

formalizada mediante a expedição do documento denominado Requisição de Informações

sobre Movimentação Financeira (RMF).

O artigo 7.° do Decreto em foco disciplina a conservação do sigilo em relação ao

resultado dos exames, das informações e dos documentos examinados, estabelecendo os

mecanismos internos de controle por parte da Administração Tributária. E danto continuidade

a esta disposição, os artigos seguintes tratam da responsabilização e punibilidade dos

servidores responsáveis pela divulgação indevida das informações sigilosas.

Vê-se, portanto, que o legislador não deixou de lado a preocupação com direitos e

garantias individuais constitucionalmente assegurados, uma vez que, ao lado das cautelas já

previstas na legislação em vigor, fixou outras, que entendeu indispensáveis e suficientes à

manutenção do sigilo das informações bancárias, prevendo, também, a responsabilidade

pessoal e direta do servidor que utilizar ou viabilizar a utilização de qualquer informação

obtida em decorrência da quebra de sigilo bancário, pelos danos decorrentes, sem prejuízo da

responsabilidade objetiva da entidade pública, quando comprovado que o servidor agiu de

acordo com orientação oficial.

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4.2 A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI COMPLEMENTAR 105/2001

A Lei Complementar 105/2001 deu origem a uma nova discussão jurídica de grande

complexidade, em razão de seu art. 6º, que, indo ao contrário do entendimento atual do

Supremo Tribunal Federal - STF e do Superior Tribunal de Justiça - STJ, permitiu que o

Fisco, sob determinadas condições, quebre o sigilo bancário independentemente de

autorização judicial.

Desta forma, para a melhor compreensão do alcance deste dispositivo, há que se

apontar os argumentos existentes na doutrina e na jurisprudência, contrários e favoráveis a

esta Lei Complementar, e procedendo a uma análise destes pensamentos.

Apesar da Lei Complementar nº 105/2001 ter passado pelo controle preventivo de

constitucionalidade da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, um número substancial

de renomados doutrinadores têm alegado sua inconstitucionalidade por ferir a cláusula pétrea

constitucional da garantia do sigilo de dados, do devido processo legal, da presunção da

inocência, da reserva de jurisdição, da dignidade da pessoa humana, da inviolabilidade da

vida privada e da intimidade.

Para estes autores, a lei Complementar nº 105/2001, em seu art. 1º, § 4º, ao permitir a

decretação da quebra do sigilo bancário, quando necessária para apuração de ocorrência de

qualquer ilícito, em qualquer fase do inquérito ou do processo judicial, e especialmente nos

crimes como os contra o sistema financeiro nacional, contra a administração pública, contra a

ordem tributária e a previdência social, entre outros viola o princípio do devido processo

legal. Portanto, consideram o sigilo bancário uma expressão da liberdade ferindo o art. 5º,

inciso LIV da Constituição Federal de 1988, que determina que ninguém terá sua liberdade

restringida, total ou parcialmente, ou privado de seus bens sem o devido processo legal e,

assim, entendem que a quebra do sigilo bancário não deveria ser possível fora do processo,

uma vez que dificultaria o contraditório e a ampla defesa, necessários no âmbito do inquérito

judicial ou administrativo.

Além disso, parte da doutrina entende que, sendo, o Sigilo Bancário, exceção, à

liberdade de negação e à privacidade, só poderia ser relativizado quando houver interesse

público que se sobreponha, mostrando-se imprescindível que haja garantia de adequação e

razoabilidade no caso concreto. Em razão disso, estes autores entendem que é necessária a

presença do Poder Judiciário nesta relação, avaliando a proporcionalidade através do

sopesamento de princípios nos moldes da Constituição Federal.

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Outro argumento contrário à relativização do sigilo bancário pela Administração

Tributária Federal nos termos da Lei Complementar nº 105/2001, reside no fato de que este

sigilo, em razão de seus fundamentos consagrados na Constituição Federal, estaria sob a

reserva absoluta da jurisdição. Desta forma, para eles, a Receita Federal deveria sempre

solicitar ao Poder Judiciário a quebra do sigilo bancário, caso houvesse indícios realmente

fortes, para que o mesmo possa deferi-lo.

Em suma, para os que partilham do entendimento acima descrito, o sigilo bancário só

poderá ser quebrado pelo Poder Judiciário, por constituir um direito individual do cidadão

previsto na Constituição Federal de 1988 e a interpretação literal da Lei Complementar

105/2001 resulta em afronta ao ordenamento jurídico nacional trazendo insegurança jurídica

em razão desta afronta.

Por outro lado, outros doutrinadores entendem o direito à privacidade deve conviver

com o interesse público, ou seja, acreditam ser necessário à fiscalização realizada pela

Administração Tributária que tenham acesso, em determinados casos, a informações de seus

contribuintes, fornecidas pelas instituições financeiras.

Entendem que os direitos constitucionais assegurados não são absolutos, devendo

ceder diante do interesse público, social e da Justiça, havendo que ceder na forma e com

observância de procedimento estabelecido em lei e com respeito ao princípio da razoabilidade

conforme tem se posicionado o STF, como podemos ver em decisão que teve como relator o

Ministro Celso de Mello, abaixo:

“Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias

que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de

relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio da

convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente

a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das

prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os

termos estabelecidos pela própria Constituição.

O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o

regime jurídico a que estas estão sujeitas - e considerado o substrato

ético que as informa - permite que sobre elas incidam limitações de

ordem jurídica, destinadas, de um lado, proteger a integridade do

interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa

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das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido

em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e

garantias de terceiros.”13(grifo nosso)

A intimidade, por tratar-se do espaço interior de cada um, refere-se a tudo que não se

irradia para o mundo social. Entretanto, a partir do momento em que a movimentação

bancária gera uma relação com terceiros deixa de ser assunto de mera intimidade, uma vez

que não se pode fazer do sigilo bancário um escudo a favor de atividades ilícitas ou

simulações contra terceiros, não havendo, portanto, qualquer risco de ofensa às garantias

constitucionais do direito à incolumidade da intimidade e da vida privada prevista no art. 5º,

inciso X, da Constituição Federal de 1988.

Além disso, tendo em vista a possibilidade de controle pelo Poder Judiciário contra

qualquer tipo de violação aos limites legalmente impostos às requisições do Fisco ou r abuso

verificado na utilização das informações bancárias recebidas por ele, o fato de a Lei

Complementar nº 105/2001 não estabelecer a necessidade de prévia autorização judicial para

acesso a informações bancárias nos casos enumerados em seu decreto regulamentar, não

implica violação de qualquer direito ou garantia individual. Não se podendo conceber a

necessidade de um processo judicial de exibição de documentos ou apresentação de

informações, envolvendo citação, defesa e recursos, para que a administração tributária

federal possa obter cada documento e informação, necessários à apuração de cada fato, que

possivelmente dê origem a um processo administrativo-fiscal, diferentemente dos processos

judiciais de execução fiscal ou de ação penal.

Neste sentido, especificamente, o Decreto nº 3.724, de 10 de janeiro de 2001 que

regulamentou o art. 6º da Lei Complementar nº 105/2001, traz, em seu art. 3º, as hipóteses

autorizadoras do indispensável exame de informações constantes em instituições financeiras,

repudiando qualquer alegação de arbitrariedade pelo Fisco, já que se trata de ato plenamente

vinculado. Ainda, afirma-se que o contraditório e ampla defesa estão inegavelmente inseridos

na regulamentação da Lei Complementar, uma vez que o art. 4º §2º do Decreto nº 3.724/01

estabelece que a Requisição de Informações sobre Movimentação Financeira - RMF será

precedida de intimação ao sujeito passivo para apresentação de informações, termo em que se

constará a motivação da expedição. Ressaltando que como em qualquer ato administrativo 13 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança n. 23452/RJ, publicado no DJ de 12 de maio de 2000, p. 00020.

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vinculado, sempre competirá ao órgão judicial a análise dos pressupostos autorizadores da

emissão do ato.

Em suma, os favoráveis à constitucionalidade da Lei Complementar 105/2001

entendem que pode-se perfeitamente aplicar a redução proporcional aos princípios

constitucionais do sigilo de dados e da vida privada, em face do princípio geral do sistema

tributário, possibilitando ao Fisco, com a finalidade resguardar-se da sonegação fiscal,

identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas dos contribuintes, pois é

através da arrecadação de tributos que se pode construir uma sociedade livre, justa e solidária,

garantir o desenvolvimento social, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as

desigualdades sociais, promovendo o verdadeiro Estado Democrático de Direito. Portanto,

acreditam ser indispensável para alcançar a justiça fiscal, que a Administração Tributária

possa dispor de instrumentos para que alguns continuem a utilizar o sigilo bancário como

escudo, para fugirem de obrigações tributárias, fazendo com que contribuintes de menor renda

suportem a carga tributária desproporcional proveniente da sonegação.

A constitucionalidade da Lei Complementar 105/2001, em razão da gama de

argumentos favoráveis e desfavoráveis, continua a ser um tema bastante polêmico nos

Tribunais Superiores, sendo, inclusive, objeto de Ações Diretas de Inconstitucionalidade

perante o STF, o qual já reconheceu a repercussão geral deste tema no RE 601.314, cujo

relator é o Ministro Ricardo Lewandowski. Além disso, como reflexo da controvérsia deste

tema, é possível encontrar decisões conflitantes entre si, não havendo um posicionamento

uniforme dos tribunais, o que aumente a insegurança em relação ao tema. Como exemplo

desta situação, podemos citar as decisões abaixo:

“SIGILO DE DADOS –AFASTAMENTO .Conforme disposto no

inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal, a regra é a

privacidade quanto à correspondência, às comunicações

telegráficas, aos dados e às comunicações, ficando a exceção -a

quebra do sigilo -submetida ao crivo de órgão eqüidistante -o

Judiciário -e, mesmo assim, para efeito de investigação criminal

ou instrução processual penal. SIGILO DE DADOS BANCÁRIOS -

RECEITA FEDERAL. Conflita com a Carta da Republica norma

legal atribuindo à Receita Federal -parte na relação jurídico-

tributária -o afastamento do sigilo de dados relativos ao

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contribuinte.XII 5º Constituição Federal Carta da Republica”.14

Em sentido contrário o Ministro Gilmar Mendes proferiu em decisão:

“(...) Ademais, o sigilo fiscal não representa garantia absoluta,

devendo ser relativizado para dar efetividade à prestação

jurisdicional invocada e comprovadamente resistida, sem que

haja qualquer violação ao disposto no inciso X do art. 5º da Carta

Magna. Em síntese, o sigilo deve ser excepcionalmente quebrado

quando for medida necessária para preservar um outro valor com

status constitucional que se sobreponha ao interesse na

manutenção do sigilo. (...)” (grifo nosso) 15

4.3 A RELATIVIZAÇÃO DO SIGILO BANCÁRIO NA ATUALIDADE

É inegável que a situação do Brasil quando se trata do sigilo bancário ainda é

bastante controvertida, com decisões bastante conflitantes, até mesmo nos Tribunais

Superiores. Entretanto, não podemos ignorar que a Lei Complementar 105/2001 representa

uma forte tendência no sentido de regulamentar a flexibilização deste instituto, que, como

vimos em capítulos anteriores, já foi tido como inviolável.

No cenário interno, em um contexto onde a prática da evasão tributária16 tem

assumido grandes proporções e se tornado cada vez mais sofisticada, contando com os

avanços tecnológicos, o combate a tal pratica necessita da implantação de medidas que

facilitem a fiscalização tributária, o que somente é possível com a utilização de instrumentos

legislativos instituídos com a finalidade de combater a sonegação fiscal, otimizando o sistema

de arrecadação de tributos pela fazenda pública.

Não podemos olvidar que o sigilo bancário é importante conquista garantida pela

Constituição Federal de 1988, sendo uma representação dos direitos à intimidade e à vida

privada. Entretanto, como já vimos em entendimentos já pacificados na jurisprudência, não se

pode dar a este instituto um caráter absoluto, sendo de extrema importância a imposição de

14BRASIL, Supremo Tribunal Federal. RE389808 PR , Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 15/12/2010, Tribunal Pleno. 15 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. AI774879/SP. Rel. Min. Gilmar Mendes. Julgado em 20/03/2012. 16 Evasão tributária consiste no uso de meios ilícitos para evitar o pagamento de taxas, impostos e outros tributos.

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limites para que possa coexistir com o interesse público no combate à sonegação fiscal e a

outros crimes que por ventura possam esconder-se por trás de um sigilo de caráter absoluto.

Desta forma, a Lei Complementar n.° 105/2001, ao estabelecer a disciplina

normativa e limites do sigilo bancário, desempenha a função de norma conformadora do

artigo 5.°, inciso X, da Constituição Federal, que contempla os direitos fundamentais à

intimidade e à vida privada.

Portanto, considerando a importância que as instituições financeiras detêm

atualmente, no que se refere à intermediação de transações financeiras, a obtenção, pelo Fisco,

de valores globais movimentados pelos contribuintes, bem como a possibilidade de exame de

documentos, livros e registros de instituições financeiras, observados determinados requisitos,

constitui instrumento legal mais eficaz contra a sonegação fiscal e negar o acesso do Fisco a

estas informações seria ignorar a ocorrência dos próprios fatos geradores dos tributos, fazendo

depender a arrecadação tributária da mera boa vontade dos sujeitos passivos.

A nível internacional, grande parte dos países desenvolvidos já permite o acesso do

Fisco às informações financeiras dos contribuintes, inclusive alguns que até bem pouco tempo

adotavam o chamado segredo reforçado, sendo considerados paraísos fiscais. Tal tendência,

envolvendo países como Estados Unidos, Espanha, Bélgica, França e Holanda, dentre tantos

outros, repousa na urgência em se combater a lavagem de dinheiro, decorrente do

narcotráfico, do terrorismo internacional e de outras práticas criminosas, além de se viabilizar

uma fiscalização tributária mais eficaz.

Inclusive há recomendações da Organização para a Cooperação Econômica e

Desenvolvimento – OECD - e da própria União Européia no sentido da relativização do sigilo

bancário perante o Fisco. Nesse sentido, o Grupo de Ação Financeira sobre Lavagem de

Dinheiro (GAFI/FATF) no âmbito da OECD, com o intuito de examinar, desenvolver e

promover políticas de combate à lavagem de dinheiro, Grupo46publicou 40 recomendações a

serem seguidas pelos países que tenham o objetivo de combater o crime de lavagem de

dinheiro. Suas principais metas consistem em fornecer instrumentos para o desenvolvimento

de um plano de combate à lavagem de dinheiro e discutir as ações de cooperação

internacional entre os países. Ainda, noticias sobre o envolvimento de determinados bancos

com a lavagem de dinheiro decorrente de atividades criminosas passou a ser objeto de

profunda análise e de sérios estudos por parte dos serviços de inteligência de quase todo o

mundo, dando início a uma nova era na relação entre o banco e seus correntistas.

Desta forma, vê-se que o intercâmbio de informações tributárias e a colaboração

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internacional em matéria fiscal estão se materializando, sobretudo, através da elaboração de

convênios e tratados bilaterais, de forma a tomar atitudes reconhecendo o fato de que a

globalização e o incremento das relações comerciais internacionais têm permitido um amplo

espectro de transações bancárias que ultrapassam os limites estabelecidos pelas fronteiras dos

países, em que o usuário se mantém anônimo, tornando a questão da evasão fiscal um

problema que não se restringe a um país isoladamente. Não sendo, portanto, correto fazer do

sigilo bancário um mito, transformando-o em escudo para a prática da criminalidade,

favorecendo a lavagem de dinheiro, a sonegação tributária e a impunidade.

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5. CONCLUSÃO

O sigilo bancário, que, como vimos, tem sua origem no alvorecer da própria

atividade bancária, a qual remonta ao período antigo da civilização humana, já foi objeto de

inúmeras discussões no mundo jurídico, apresentando-se de diversas formas ao longo de sua

historia. No Brasil o tratamento a este instituto não se mostra de forma diferente, tendo sido

previsto no ordenamento jurídico em diferentes intensidades e sempre figurando como um

ponto controverso na doutrina e na jurisprudência.

O sigilo bancário ingressou em nosso direito como costume e só tardiamente

mereceu a atenção do legislador pátrio, conforme o artigo 38 da Lei n.° 4.595, de 31 de

dezembro de 1964, que reorganizou o sistema bancário brasileiro. Hoje temos a Lei

Complementar 105/2001 como principal dispositivo legal que disciplina o sigilo bancário,

introduzindo no ordenamento a possibilidade de exame dos documentos, livros e registros das

instituições financeiras, inclusive os que sejam referentes a contas de depósitos e aplicações

financeiras, pelas autoridades fiscais federais, estaduais e municipais, desde que sejam

satisfeitos os requisitos legalmente previstos.

O tratamento dado ao sigilo bancário pelo dispositivo legal acima mencionado é um

ponto de grande controvérsia entre os doutrinadores, tendo sido objeto de diversas discussões

acerca de sua constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, ainda não decididas de forma

definitiva.

Entretanto sabemos que o entendimento doutrinário e jurisprudencial majoritário

reconhece que o sigilo bancário tem como fundamento os direitos à intimidade e à vida

privada, previstos na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º , inciso X, porém tais

direitos não possuem caráter absoluto, posicionamento que foi confirmado pelo Supremo

Tribunal Federal, devendo-se buscar uma forma que estas garantias fundamentais possam

coexistir com a efetivação do interesse público.

A medida restritiva aos direitos à intimidade e à vida privada, prevista nos artigos 5.°

e 6.° da Lei Complementar n.° 105/2001, é adequada para das à Administração Tributária

condições para garantir a eficácia de sua atividade. Considerando a importância que as

instituições financeiras detêm atualmente, no que se refere à intermediação de transações

financeiras, a obtenção pelo Fisco de valores globais movimentados pelos contribuintes, bem

como a possibilidade de exame de documentos, livros e registros de instituições financeiras,

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observados determinados requisitos, constitui instrumento legal da maior eficácia contra a

sonegação fiscal e possibilita a concretização da justiça fiscal. Podendo afirmar-se, portanto,

que não existe outra medida menos gravosa apta a propiciar o mesmo resultado de forma tão

eficaz.

O conhecimento das informações bancárias do contribuinte pelas autoridades fiscais,

sem necessidade de autorização judicial prévia, propicia à fiscalização federal meios de

aumentar a arrecadação, através de procedimentos de fiscalização mais céleres e eficazes, sem

aumento de tributos e com melhor distribuição da carga tributária

Além disso, com a crescente abertura do mercado e a globalização há a larga difusão

das transações bancárias que ultrapassam os limites das fronteiras dos países, o que facilita

transações anônimas e imediatas levando a evasão fiscal e a corrupção fiscal a qualquer parte

do mundo, inclusive fazendo com que nosso país seja destino de criminosos. E, embora o

capital estrangeiro traga recursos ao país, este capital, se for proveniente de atividades ilícitas

traz com ele práticas condenáveis como tráfico internacional de drogas, máfias estrangeiras,

turismo sexual, marginalização, que trazem prejuízos não só a nível nacional. Diante disto,

faz-se necessário a adoção de medidas que adéqüem o instituto do sigilo bancário de forma

que possa coexistir com políticas de combate a tais movimentações financeiras de caráter

ilícito, equilibrando a necessária proteção aos direitos à intimidade e à vida privada com a

adequada atividade de fiscalização do Poder Público.

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