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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA - UFSC CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE PÓS - GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA O INTEGRALISMO E O TEUTO - BRASILEIRO: JOINVILLE - 1930-1938 LAUCÍAPARECIDA CAVALETT 1998 Florianópolis

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA - UFSC

CENTRO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE PS - GRADUAO EM HISTRIA

O INTEGRALISMO E O TEUTO - BRASILEIRO:

JOINVILLE - 1930-1938

LAUCAPARECIDA CAVALETT

1998

F lorian polis

LAUC APARECIDA CAVALETT

O INTEGRALISMO E O TEUTO-BRASILEIRO

JOINVILLE : 1930-1938

Dissertao de Mestrado apresentada como requisito parcial obteno do grau de Mestre no Curso de Ps - Graduao em Histria do Brasil Meridional da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC.Professor Orientador : Dr. Joo Klug.

1998

Florianpolis

O INTEGRALISMO E O TEUTO-BRASILEIRO : JOINVILLE 1930- 1938

LAUC APARECIDA CAVALETT

Esta Dissertao foi julgada e aprovada em sua forma final para obteno do ttulo de MESTRE EM HISTRIA DO BRASIL

BANCA EXAMINADORA

________________

Prof. D r Jo4kug (Orientador)

QMAi/lProf. Dr3. Maria Bemardete Ramos Flores

____________

Prof. Dr. Valberto Dirksen

Florianpolis, 03 de abril de 1998

Uma explicao sempre algo incompleto: sempre podemos suscitar um outro porqu. E esse novo porqu talvez leve a uma nova teoria, que no s explique mas tambm corrija a anterior 7

( K a rl. R. Popper)

Para Alceu, com carinho

AGRADECIMENTOS

So muitas as pessoas que colaboraram para o desenvolvimento desta pesquisa, e,

ainda que eu no tenha citado todos os nomes, antecipo meu sincero agradecimento.

Entre elas, as professoras Joana Maria Pedro e Maria Be-ndete Ramos Flores, as

quais incentivaram-me a prosseguir o projeto de pesquisa que iniciei no curso de

Especializao em Itaja, na Univali.

O convite das mesmas para que eu pudesse ser aluna especial no curso de ps-

graduao em Florianpolis, permitiu-me acreditar e realizar este trabalho.

Ao professor Valberto Dirksen, que acompanhou e orientou o incio da pesquisa.

Aos funcionrios do Departamento de Ps-Graduao de Histria, pela

disponibilidade, pacincia e ajuda em todos os momentos.

Aos professores Adriano, lio e Artur, pelas observaes e incentivo.

Aos amigos que se fizeram presentes em todas as ocasies.

Ao professor Joo Klug, mais que um orientador, um amigo, cuja pacincia e

orientao to cuidadosa, foi essencial.

minha famlia, pela compreenso e incentivo nas horas estressantes.

Ao CNPq., pelo incentivo financeiro para a realizao e concluso desta dissertao.

E a professora Ana Mrcia, pela disponibilidade e ateno na reviso final do texto.

A todos, obrigada!

SUMRIO

INTRODUO ............................................................................................................................03

1.BREVE ABORDAGEM SOBRE A COLONIZAO ALEM NO SUL DO

BRASIL ........................... 07

2..A CRISE SCIO - POLTICA DA DCADA DE 3 0 ....................................................... 16

3. A AO INTEGRALISTA BRASILEIRA: DOS PROTOCOLOS E R ITU A IS........ 22

3.1. O chefe nacional : o nascimento de um movimento................................................. 30

4. O INTEGRALISMO E O TEUTO-BRASILEIRO NO CENRIO POLTICO

CATARINENSE.......................................................................................................................44

5. INTEGRALISMO E NACIONAL-SOCIALISMO EM SANTA CATARINA..............55

6 FUNDAO E DIVULGAO DO NCLEO INTEGRALISTA JOINVILENSE. .. 66

6.1. O Integralismo no contexto joinvilense: identidade teuta ? ......................................75

CONSIDERAES FIN A IS................................................................................................ ..... 82

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .....................................................................................86

ANEXOS 94

RESUMO

Este trabalho prope-se a analisar nos anos de 1930 a 1938, a organizao e articulao

poltica do Integralismo em Santa Catarina, percebendo as condies e caractersticas

poltico-ideolgicas que tomaram possveis os apelos integralistas junto populao

joinvilense. O primeiro captulo apresenta uma breve abordagem sobre a colonizao

alem no sul do Brasil, especificando a atuao scio - poltica dos imigrantes e seus

descendentes em Joinville. O segundo captulo versa sobre a organizao dos movimentos

totalitrios europeus, tambm vivenciados na Amrica Latina - em especial, no Brasil,

cujas idias autoritrias passaram a ganhar impulso nos anos 20, fortalecendo-se na dcada

de 30, quando ocorre a criao da Ao Integralista Brasileira ( A.I-.B.) em 1932. O

terceiro captulo discorre sobre a A.I.B., no que concerne aos protocolos e rituais,

apresentando as idias integralistas, bem como o apelo ao pensamento poltico-idelogico

integralista. O quarto captulo versa sobre o contexto poltico-catarinense face s idias

nazi-fascistas e a insero teuta na poltica catarinense. O quinto captulo analisa o

Integralismo e o Nacional-Socialismo em Santa Catarina, e o sexto captulo aborda a

organizao e fundao do ncleo integralista em Joinville, buscando perceber a

participao da populao joinvilense nas eleies municipais de 1936, cujo resultado

eleitoral culminou com a vitria integralista.

ABSTRACT

This work will analyze from the years 1930 to 1938, the political organization and

articulation of the Integralism in Santa Catarina, realizing the idologist-political conditions

and characteristics that made the integralist appeals possible through the Joinville people.

The first chapter presents a short abordage about the German colonization in the south of

Brazil, specifying the political-social acting o f the immigrants and their descendants in

Joinville. The second is about the organization of the European totalitary movements, that

also happened in Latin America - specially in Brazil, where the authoritarian ideas started

gaining an impulse in the 20s, fortifying in the 30s, when the Brazilian Integralist Action

was created, in 1932. The third chapter talks about the Brazilian Integralist Action, the

protocols and rituals, presenting the integralist ideas, as well as the appeal to the integralist

ideologist-political thoughts. The fourth chapter is about the Santa Catarina political

context face to the nazist-fascist and the Teutonic insertion in the Catarinense politics. The

fifth chapter analyzes the Integralism and the National-Socialism in Santa Catarina, and the

sixth chapter approaches the organization and foundation of the Joinville integralist center,

trying to realize the participation of the Joinville people in the municipality election in

1936, which electoral outcome showed the integralist victory.

INTRODUO

O Integralismo, consolidado atravs da criao, em 1932, da Ao Integralista

Brasileira (AI.B.) por Plnio Salgado, difundiu-se por todo o estado brasileiro, e, em

especial, nas regies de colonizao alem e italiana no sul do Brasil.

Em Santa Catarina, o apelo ao pensamento poltico-ideolgico integralista junto

populao teuto-brasileira, determinado pela simpatia ou oposio aos fascismos europeus

foi fator primordial para o desenvolvimento deste estudo.

O interesse pelo tema em Santa Catarina deve-se ao apeio do pensamento poltico-

ideolgico1 integralista junto populao joinvilense, bem como importncia que o tema

possui na histria social e poltica catarinense.

Este apeio apresenta-se atravs do discurso simblico denominado por

LENHARO, de dispositivos discursivos de propaganda, que se manifestam no imaginrio

social , com elementos que se fortaiecem atravs da divisa do movimento: DEUS,

PATRIA, FAMLIA. Segundo o autor, o discurso viria atender a finalidades polticas,

atingindo o pblico receptor.

CHAUI, ao estudar o discurso integralista, observa o porqu da insistncia com que

os integralistas operavam com imagens, cujos smbolos, gestos e at mesmo o

1 Cf. CHAU, Marilena.(a) O que ideologia. So Paulo: Brasiliense, 980. p. 113 - No sentido amplo, Ideologia o conjunto de idias, concepes ou opinies sobre algum ponto sujeito a discusses. Abordaremos Ideologia, [. .]como um conjunto lgico, sistemtico e coerente de representaes ( idias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar e como devem pensar[ .|"

4

cumprimento, trazia todo um ritual que exclua a reflexo e criava a iluso do

iconhecimento, graas ao seu aspecto ordenador.

Nesse contexto, a problemtica d-se a partir das seguintes questes:

a) Qual a natureza ideolgica do Integralismo e como estas idias adentram em

Santa Catarina?;

b) de que maneira se constri o discurso da A.I.B., junto populao

joinvilense, para tomar possveis os apelos integralistas?

A temporalidade histrica delimitada entre os anos de 1930 e 1938 deve-se

organizao dos movimentos totalitrios europeus vivenciados tambm na Amrica Latina

a partir dos anos 20.

Este nacionalismo constitui-se na atmosfera intelectual que vai modelar

posteriormente o pensamento do Chefe integralista, cujas idias autoritrias levaram

instalao da Ao Integralista Brasileira, bem como do Partido Nacional Socialista

Alemo( NSDAP ) em Santa Catarina.

Alm disso, na dcada de 30, quando as articulaes poltico-ideolgicas

manifestam-se para fundamentar a existncia de um Estado forte, o qual levou ao poder

Getiio Vargas, h concomitantemente, a criao de um imaginrio social que se utiliza de

gestos, imagens e valores, como instrumentos para a consolidao de poder e dominao

das classes sociais, preconizando, tambm, os valores cristos que se mantm atuantes,

principalmente no Estado Novo.

LENHARO, Alcir. Sacrali/ao da Poltica. Campinas. Papirus, 1986, p.2 1.J CHAU, Marilena ; FRANCO, Marina S. Carvalho.(b) Ideologia e Mobilizao Popular. So Paulo/Rio de Janeiro, CEDEC/Paz e Terra, 1979, p 46

5

Neste cenrio construdo, a A.I.B. utiliza-se dos apelos poltico-religioso-sociais.,

para convencimento e fortalecimento da prtica integralista, justificando a necessidade

deste movimento como o agente que transformaria a sociedade e as regras vigentes.

Trazendo como bandeira, o lema Deus, Ptria, Famlia, que ser constantemente

trabalhado neste imaginrio, principalmente no que concerne s normas e condutas morais,

as quais so defendidas e apropriadas como meio de convencimento e assimilao, Plnio

Salgado toma-se o Chefe Nacional do Movimento , que posteriormente, transforma-se em

partido poltico.

O perodo de gestao do Estado Novo que se apresenta nos anos 30, e que culmina

com o golpe de 1937, revestido de um carter autoritrio, intervencionista e nacionalista

em relao ao conjunto da sociedade. A caracterizao deste pensamento implica na fora

propulsora do imaginrio social das idias europias que originaram os totalitarismos.

Paralelo fascistizao4 do pas e a subsequente ditadura do Estado Novo em 1937,

delineia-se o Integralismo.

A importncia do Integralismo neste estudo recai nas prprias dimenses scio-

polticas que alcanou o movimento. Isso tudo - que se articula como formaes

imaginrias - pode ser analisado na relao existente entre as formaes discursivas e a

formao ideolgica dominante.

Nesta perspectiva scio-poltica, pretendemos apontar para o fato de que as

interpretaes em si, so variveis, e, que dependendo do ngulo em que so expostas,

recebem interpretaes distintas, porm no contraditrias.

J BOBBIO, Norberto [et al ] Dicionrio de Poltica. 7,ed. Brasilia: UNB, 1995, p.466. O Fascismo ser abordado como um sistema autoritrio de dominao que caracterizado: pela monopolizao da representao poltica por parte de um partido nico de massa, hierarquicamente organizado; por uma ideologia timdada no culto do chefe, na exaltao da coletividade nacional, no desprezo dos valores do individualismo liberal e no ideal de colaborao de classes, em oposio frontal ao socialismo e ao comunismo, dentro de um sistema de tipo corporativo.

6

Refletir sobre a histria de Joinville, uma tentativa de contribuir para a

possibilidade de novos estudos que enriqueam a historiografia catarinense.

1. BREVE ABORDAGEM SOBRE A COLONIZAAO ALEMA NO SUL DO

BRASIL

Observa-se que o perigo alemo exteriorizado pelo eco nacionalista no poderia ser

caracterizado somente como resultado do contexto internacional em que se encontrava o

mundo capitalista. Sua origem d-se no sculo XIX, cuja efervescncia ocorre na primeira

guerra mundial.

A imigrao vem como resposta fome, ao desemprego e esperana de buscar em

outros lugares, o que no conseguiam mais obter na Europa. Conforme FOUQUET, alm

disso desejava-se ainda [...]o aproveitamento de suas capacidades, bem como manter-se

naquilo que desempenhavam, buscando a resoluo de seus problemas na emigrao. 5

A preferncia do alemo em relao s demais etnias, deve-se, em parte, pelo

prprio elevado fluxo imigratrio, impondo-se ainda, observa LENHARO, a questo da

orientao sangnea: [...] aos alemes, no so negados rasgados elogios pelo vigor de

sua raa0.

Considera-se ainda, a questo da necessidade de posse, demarcao e segurana das

terras, que contribuiu para a insero deste grupo no Sul do Brasil, resultando em fator

estratgico no incentivo imigrao. E sob uma tica estrategista, organizaram-se as

Colnias Oficiais, fundadas e tuteladas pelo governo central.

Ao final da primeira metade do sculo XIX, o processo imigratrio intensificou-se,

e, em Santa Catarina, de acordo com KLUG, [...] fundaram-se, entre outras, as colnias

' FOUQIJET. C arlos. O imigrante alemo e seus descendentes no Brasil . So Paulo : Instituto Staden. 1974. p.67.6 LENHARO. op. cit., p. 113.

8

de Piedade e Santa Isabel em 1847; Leopoldina em 1852; Terespolis em 1860, cuja

populao, em sua maioria, eram camponeses.

Blumenau foi fundada em 1850; Joinville em 1851 e Brusque, em 1860. Estas

colnias caracterizaram-se por uma nova etapa: a da iniciativa privada, as quais eram

resultantes da venda ou doao de terras, pelo governo a empresrios, chamadas colnias

particulares, tuteladas pelo Estado.

No que se refere a Joinville, que antes fra denominada Lugarejo de Schroeder e/ou

Colnia Dona Francisca, sua fundao tambm est relacionada com as transformaes

scio-polticas por que passou a Europa, especificamente, ligada ao exlio do rei Philipe da

Frana e sua famlia.

A colnia Dona Francisca foi estabelecida em 1851, pela Sociedade Hamburguesa

de Colonizao, (a Hamburger Kolonizationsverein, fundada em 1849), nas terras que o

prncipe Franois Ferdinand Philipe, terceiro filho do rei Luiz Felipe, recebeu como dote

ao casar-se em 1843 com a princesa Dona Francisca Carolina, irm de D. Pedro II. Em

conseqncia das dificuldades financeiras de sua famlia, decidiu vender parte do seu

patrimnio herdado como dote de casamento.

Das 25 lguas recebidas e situadas na Provncia de Santa Catarina, em 1843, e,

demarcadas em 1846, 08 lguas seriam cedidas atravs de contrato com a Sociedade

Hamburguesa de Colonizao. Aps as negociaes feitas entre Mathias Schroeder e o

procurador Lonce Aub, a documentao foi concluda e lavrada em 05 de maio de 1849.

A particularidade dessa colnia em relao s demais, refere-se aos imigrantes.

' K.LIJG, Joo. Imigrao e Luteranismo em Santa Catarina - A comunidade alem de Desterro. Florianpolis: Papa Livro, 1994, p..35-36

9

Muitos deles apresentam profisses diversas, so marceneiros, sapateiros, pedreiros e

teceles. A partir de setembro de 1851, chegam mais imigrantes, os quais, segundo

FICKER,

[...] no representavam o tipo de colono comum sem recursos e sim uma seleo de homens cultos[...]entre eles figuravam 08 oficiais com grau de universidade, 02 engenheiros diplomados, 01 mdico, 01 doutor em Direito, 02 candidatos a telogo, 01 professor, 05 comerciantes, 02 jardineiros e 02 aougueiros f...]chegavam a Joinville com dinheiro, adquirindo em seguida os seus lotes e [...] exercendo forte influncia em toda a colnia.:8

Proprietrio de navios e comerciante no sculo XIX, Schreder direcionava seus

negcios ao comrcio martimo. Pretendendo ampliar e diversific-los, idealizou a

implantao de uma colnia no Brasil. Para TERNES,

O projetof...] para a colnia na Provncia de Santa Catarina foi muito audacioso.r...] Assim, idealizou a implantao da maior colnia agrcola da Amrica do Sul. Os preparativos comearam de imediato, inclusive com a obteno de favores do governo imperial brasileiro, afinal conseguidos em 15 de maio de 1850.9

Porm, o projeto de Schreder no se realizou de imediato, pois dos dez primeiros

imigrantes que chegaram para a demarcao e preparao das terras, poucos puderam

fazer alguma coisa. Alis, essa situao inicial ficou conhecida como o caso Gnther10.

Em meio s dificuldades, a colnia foi se desenvolvendo, embora o sonho de

Schreder em torn-la a maior colnia agrcola jamais se concretizaria. Parte da falncia

desse sonho refere-se ao aspecto geogrfico. A colnia fra instalada na parte mais baixa e

8 FICKER. Carlos. Apud TERNES. Apolinrio. Histria de Joinville: uma abordagem critica. Joinville : Maver, 1984. p.in.9 TERNES, Apolinrio. Histria de Joinville: uma abordagem critica. Joinville : Mever, 1981, p. 16.10 Este caso ser comentado a seguir, cf. RODOWICZ, Theodor Oswiecimsky. A colnia Dona Francisca no sul do BrasiL Florianpolis: UFSC-FCC;Joinville: FCJ, 1992.

10

mida da rea que lhe foi destinada. Os caminhos estavam sempre molhados, a lama era

freqente, e as doenas tropicais atingiam constantemente os colonos.

A expanso dessa e de outras colnias no sul do Brasil desencadearam uma srie de

estudos apologticos e/ou acusatrios por parte de viajantes e autores brasileiros, que,

simpatizantes ou descrentes, passaram a defender posies contraditrias sobre as mesmas.

Assim, a imigrao alem e seus descendentes assumem, por ora, uma configurao

elogiosa e exaltada por suas realizaes no setor econmico, caracterizado pela

modernizao da regio.

Alguns recortes que seguem, selecionamos com o intuito de associar,

posteriormente, de que maneira o Integralismo penetrou em Joinville, onde, na dcada de

30, foi fundado um dos ncleos da A.I.B em Santa Catarina.

Referenciando as impresses de um viajante brasileiro sobre as colnias de Santa

Catarina, BERLINCK destaca que [...]nas colnias de So Bento, Joinville, Blumenau [...]

reinava uma grande abundncia de alimentos, difcil de ser imaginada mesmo pelas

populaes paulistas.11

Dentro desta mesma configurao elogiosa, FICKER frisa as narrativas de um

viajante brasilianense (sic), que, em 1858 esteve na colnia Dona Francisca (Joinville):

[...jmuito me chamou a ateno a ordem existente na colnia. Na sua maioria, os terrenos

j tem casa [...] o ponto central de toda colnia e daqui partem excelentes estradas em

vrias direes.12

Entretanto, h que se pensar nas palavras de RODOWICZ, que em fins de 1851,

comentava sobre o local que havia sido escolhido para fundar a colnia Dona Francisca,

dizendo que a mesma no fora estabelecida num local de fcil acesso e prxima a cidade

11 BERLINCK, E. L. Fatores adversos da formao brasileira .So Paulo, s.ed., 1954, p.219.12 FICKER, Carlos. A Administrao de Lonce Aube: 1855-1860. in: Histria de Joinville. Joinville : Ipiranga. 1964, p.201.

11

de So Francisco do Sul, ou pelo menos [...] em ponto mais salubre [...] teria que se andar

13at meia canela dentro dgua e lama, para alcanar a terra firme.

E isto ocorreu, segundo RODOWICZ, devido a incompetncia do agrimensor

Gnther, que havia sido contratado pelo senhor Schroeder para organizar e preparar a

colonia para receber os colonos que chegariam a partir de 1851.

Segundo os relatrios que Gnther enviava, bem como pelas verbas que o mesmo

pedia, parecia que tudo estava pronto para receber os colonos. O que realmente no

ocorreu, pois, com a chegada da embarcao Colon, os imigrantes encontraram apenas

uma picada, que [...] partindo do local do desembarque, ia at o edifcio que servia de

armazm, mais um rancho para recebimento dos colonos, a casa de Gnther e um casebre

do colono que o acompanhou14.

Existem muitas obras que exaltam as colnias economicamente, principalmente as

que se referem a Joinville, como por exemplo, a obra de OBERACKER JR:

[,..]a colonizao teuta diferia essencialmente da portuguesa [..] A colonizao alem era e ainda a penetrao lenta e sistematizada na mata virgem, que transformada em paisagem de cultura [...| o que. de modo geral, no se pode assegurar da portuguesa.15

Mas no que tange aos aspectos scio-poltico-culturais dos colonos e seus

descendentes, emergem falas , que, atravs de uma imagem nociva e hostil, traduzem um

tom acusatorio, principalmente no que diz respeito participao dos mesmos na vida

poltica brasileira.

Na primeira fala , h uma pequena parcela que defende os interesses brasileiros e

confere aos alemes e seus descendentes um excesso de envolvimento poltico .

13 RODOWICZ, op.cit., p. 18 e p. 38.' * RODOWICZ, op. cit., p. 1615 OBERACKER JR, Carlos H. A colonizao germnica. In: A contribuio teuta formao da nao brasileira.Rio de Janeiro : Presena, 1968, p. 310-11.

12

Sob o ttulo Um Estado no Estado, o jornal carioca Gazeta de Noticias, em

setembro de 1896 [...] publicava que a grande maioria dos cargos pblicos em cidades

como Joinville e Blumenau, foram conquistados [...] pelos allemes muitos dos quais

no faliam absolutamente a lngua nacional.16

J a fala hostil, bem mais difundida que a primeira fala, atribui a essa populao

teuta, um perigoso desinteresse pela realidade brasileira, acusando os alemes e os teuto-

brasileiros aqui residentes, de negarem o Brasil como sua ptria.

MOOG, em seu romance Um rio imita o R eno, atribui ao industrial Karl Wolf,

um brasileiro de nascimento, o seguinte pensamento: [...] em que poderia interessar-lhe

aquela conversa sobre poltica nacional, a ele que vivia de olhos voltados para os

problemas europeus? 17

Dentro da mesma realidade, surgem autores alemes e teuto-brasileiros que,

visando a defesa da cultura alem e sua identidade tnica, lamentavam a omisso poltica

dos mesmos. exatamente esta que a nossa desgraa: que a maioria dos colonos

ialemes no se interesse pela poltica no Brasil.

Todavia, OLIVEIRA19 informa que nos primeiros cinqenta anos de sua

existncia, em Joinville os nomes que figuravam no cenrio poltico-econmico eram,

basicamente, nomes alemes e/ou de origem. HERKENHOFF indica exemplos desses

nomes, os quais atuaram como Presidentes da Cmara Municipal, e, entre eles:

Johann Adolph H altenhoff nascido no reino de Hannover . que atuou como Presidente da Cm ara M unicipal de 1869 a 1873; Friedrich Lange, nascido no Ducado de Schleswig, assum iu no lugar de Johann HaltenhoT. em 1873. dada a precariedade de sua sade:

ln TERNES, op. c i t , p. 146. (sem gnfo no original)." MOOG, C. Vianna._Um rio imita o Reno. Porto Alegre : Globo, 1939, p.85.18KAHLE, Maria Siedler. Am ltajahy. Die Geschiehte Einer Deutsch Brasilianischen SLPPE - n.t.: Colonos do_Itaja. Histria do grupo tnico Teuto-Brasileiro- Reutlingem, Ensslinn 7 Laiblin, 1940, p. 43. Apud GERTZ, Ren. O fascismo no sul do Brasil. Germanismo -Nazismo - Integralismo. Porto Alegre : Mercado Aberto, 1987, p. 3219 OLIVEIRA, Carlos Gomes de. Da colnia Dona Francisca a cidade dos prncipes. Apud INTEGRAO: Estudos Sociais e histricos - Joinville / Santa Catarina. Florianpolis, Canarinho, 1984, p.98ss.

13

Ottokar Doerffel, nascido Waldenburg, no ento Reino da Saxnia, que alm da sua atuao poltica de 1874 a 1876, tambm firndou o Kolonie-Zeitung (Jornal da colonia), um dos primeiros jomis editados em lngua alem no Brasil ; August Stock, nascido em Haunichen, no ento Reino da Saxnia, foi presidente a partir de 1877 a 1880; Johann Paul Schmalz, nascido em Nidau. Suia. que atuou na Cmara Municipal a partir de 1883 a 1887; Frederico Brstlein , nascido em Mulhouse. Alscia. atuou de 1887 a 1890, porm foi substitudo por Albert Julius Kroehne, este ltimo, nascido em Waldenburg, devido as faltas constantes de Brstlein, o qual viajava constantemente Europa.20

Entretanto, a partir da Repblica, ocorre um refluxo poltico-econmico dessa

populao germnica, face a elite luso-brasileira que, atravs do comrcio, da produo

ervateira, do compadrio familiar, passam a promoverem-se no palco poltico, como forma

de auto-preservao em relao ao grupo germnico, como observa UNGER :

Assim, de 1889 at 1894, situam-se como presidentes da Cmara , os senhores; Ernesto Canac; Abdon Batista e Joo Paulo Schmalz. E, nos anos seguintes, nomes [...] como os [ da famlia] Batista; Machado da Cruz; Lobo; Maia; Oliveira; Cercal; Moreira; Macedo e Ribeiro alteram-se ou evidenciam-se paralelamente aos [de] Canac; Lepper; Richlin; Lasperg; Stoch; Schlemm; Behm; Stamm; Vogelsanger; Stein; Schwartz e Dhler.21

A partir de 1920 at 1940, torna-se novamente incisiva a atuao do elemento

tnico germnico em Joinville, causando um retrocesso poitico-econmico na elite luso-

brasileira.

Embora no se tenha registro de um partido basicamente teuto-brasileiro, que

expressasse unicamente os interesses tnicos, o fato, que as relaes entre o Governo

Estadual e a populao germnica, afirma GERTZ, [...Jprescindiam de instncias

20 HERKENHOFF, Ellv. Joinville, nossos prefeitos - 1869-1903. Joinville: Fundao Cultural /Arquivo Histrico de Joinville.21 UNGER, Beatriz Garcia. Joinville: uma ideologia em marcha.( Monografia em Histria da Amrica) Ps-Graduao da Universidade Federal do Paran, 1989).

14

mediadoras.[...] A ampla participao dos teutos na vida poltica no mais alto nvel no

22permite que se visse no governo estadual uma entidade estranha.

O imaginrio social se assenta no simblico, e a sua existncia implica a adeso a

um sistema de valores e a um sistema de regras que se remetem estruturao das foras

efetivas que atuam sobre o conjunto da vida social.

Isto possibilita-nos associar alguns dos elementos que contriburam para a

preservao do Deutschtum. Estes, em sua maioria, ao zelarem pela educao dos seus

filhos, criaram e dirigiram as Deutsche schulen (escolas alems).

Tais escolas no surgiram apenas por motivos tnicos. Segundo SEYFERTH, deve

ser lembrado que [...]o governo brasileiro no deu maior ateno questo do ensino e , o

* 9^23que mais grave, ao ensino primrio, nas regies povoadas por imigrantes.

Apresentando seus padres de cultura atravs da preservao de seusjornais^de

suas escolas e de seu idioma, as colnias vo se caracterizando como cidades visivelmente

germnicas, a exemplo de Blumenau e Joinville. Esta ltima, denominada por TERNES,

um Estado dentro do Estado, ou seja, o fortalecimento de uma comunidade

24essencialmente competente em termos de convivncia social fechada sobre si mesma.

A sntese do pensamento tnico Teuto-Brasileiro expressa pela palavra

Denischbrasiiianertum (germanismo teuto-brasileiro ), a qual SEYFERTH aponta como

ponto fundamental concepo de nacionalidade concebida pelo direito de sangue. Nesse

caso, a identidade tnica ou nacional dada pela origem e atualizada atravs de certos

elementos culturais como: a lngua materna, a capacidade de trabalho, o conhecimento de

suas tradies, como o folclore e a participao nas atividades das associaes.

2 GERTZ. Ren. O fascismo no sul do Brasil - Germanismo. Nazismo. Integralismo. Porto Alegre: Mercado Aberto. 1987, p. 55.23 SEYFERTH, Giralda.(a) Imigrao e Cultura no BrasiL Braslia : UNB, 1990. p. 82.24 A expresso um 'Estado dentro do Estado" foi citada por TERNES. Apolinrio. A consolidao de um status/ A Elite do comeo dosculo. in: Histria Econmica de Joinville , ACU, 1986, p.78-9). Os traos culturais e espirituais trazidos da Europa pelos imigrantes germnicos se fortaleceram, ampliando as diferenas com a comunidade luso- brasileira aqui existente, entre 1880 a 1920.

15

Logo, para os defensores do Deutschtum o excesso de envolvimento poltico

significava colocar em risco sua etnia e a prpria preservao do germanismo. Por outro

lado, o abstencionismo poltico significava a inatividade dos alemes e teuto-brasileiros na

defesa da cultura germnica em pblico, diante da sociedade brasileira.

A predominncia da cultura alem, a instituio dos partidos polticos Integralista

(A.I.B.) e Nacional-Socialista Alemo (NSDAP), o fechamento dos mesmos em 1937, e a

entrada do Brasil na segunda guerra mundial, geraram enormes reflexos na populao

germnica, especialmente em Blumenau e Joinville, culminando em 1938, com o impacto

imposto pela Campanha de Nacionalizao.

2. A CRISE SCIO - POLTICA DA DCADA DE 30

A inteno de compreender o Integralismo em Santa Catarina, refletido no elevado

grau de expanso do movimento nos municpios de colonizao alem e italiana, bem

como o contexto nacionalizante em que estes municpios se viram reduzidos, a partir de

1937, recomenda uma investigao da situao scio-poltica pelas quais passaram estas

populaes, necessitando retroceder , muitas vezes, alm do espao/tempo delimitados

inicialmente.

A anlise da mutao por que passa a sociedade brasileira na dcada de 20,25 se faz

necessria para a compreenso do itinerrio poltico- ideolgico do chefe integralista e das

transformaes que precedem a Revoluo de 30, em cujo contexto nascer a A.I.B.*6

A importncia da mudana econmica na dcada de 20 decorre do fato de que ela

representa a transio de uma economia baseada na exportao dos produtos primrios

para uma economia que se industrializa progressivamente, embora a atividade econmica

do ps-guerra ainda esteja ligada exportao do caf, o marco divisrio na crise de 1929.

Assim, no final da dcada de 20, segundo FURTADO, [...]o polo dinmico da

economia se desloca na direo do mercado interno, reforando o desenvolvimento

industrial e urbano27.

Embora no seja meu objetivo estudar especificamente as transformaes scio-polticas nos anos 20, busco nesta dcada, subsidios para a anlise do Integralismo nos anos 30 e seu discurso junto populao joinvilense.

TRINDADE, Hlgio. Integralismo: o fascismo brasileiro na dcada de 30. 2.ed. So Paulo: Difel, 1979, p. 19-20 - Um dos traos da evoluo ideolgica do ps- guerra a retomada do nacionalismo. A reconciliao dos intelectuais com a realidade do pas revela-se simbolicamente com a publicao de Os Sertes", em 1902, de Euclides da Cunha. Aps esta obra, rompem-se as barreiras plena afirmao do Nativismo Brasileiro .27 FURTADO, Celso. Formao econmica do Brasil Rio de Janeiro : Fundo de Cultura, 1959, p.29.

17

O contexto compreendido entre as duas grandes guerras mundiais foi fator

determinante no conjunto dos fatores scio-poltico-econmicos, nas novas relaes dos

grupbs sociais com o Estado.

A vitria dos aliados parecia significar o triunfo da Revoluo Democrtica. O

mundo se depararia com uma profunda crise. A chamada crise da democracia liberal, bem

como a decadncia dos sistemas polticos europeus.

Na esfera de contestao da ordem capitalista e burguesa, tem-se o florescimento

dos regimes autoritrios e totalitrios. Dos escombros destes antigos imprios, emergiram

e/ou reconstituram-se novos Estados.

18

Este colapso ocasionaria em 1930, direta ou indiretamente, o desregramento da

ordem capitalista , quer seja atravs da inflao, superproduo, quer seja na reduo de

preos e fragmentao das economias e falncia das empresas.

A crise econmico-social passou a ser confundida com o prprio modelo poltico,

abalando a confiana nas instituies democrticas. A interveno do Estado

apresentada como soluo superao da crise. Nesta conjuntura, a democracia sofre o

impacto do autoritarismo, estabelecendo-se entre as dcadas de 20 e 30 , a escalada das

ditaduras.

Para VESENTINI, A revoluo de 1930, foi, na verdade, o mais amplo e o mais

popular dos movimentos histricos republicanos, porque, na sua complexidade, continha

apelos que atraam ao povo brasileiro em conjunto e no a esta ou aquela classe ou regio

geogrfica.29

A consolidao dos movimentos de orientao nazi-fascistas e a tenso poltico-

ideolgica entre a Alemanha, Itlia, Rssia e Estados Unidos, refletiu no contexto

internacional, e entre eles, seus correspondentes em 1930 , no Brasil.

E atravs dos estudos que revisam 1930 enquanto fato histrico construdo sob a

tica do vencedor, VESENTINI diz que 1930, enquanto fato, [...] deixa de ser tema para

transparecer realizao coletiva e j dada.[...]30.

A data de 1930 estabelecida como fato, visava dar legitimidade ao poder,

apresentando sua origem no momento mtico de sua fundao. O que no seria necessrio

trabalhar em 1937. Segundo VESENTINI, [...] a utilizao do fato mtico da Revoluo

de 1930 [...] permite que 1937 se apresente como revoluo acabada e da qual tomar de

emprstimo sua origem mtica de fundao.31

VESENTINI, Carlos Alberto. A teia do fato. So Paulo:Hucitec,1997, p. 10230VESENTINI, op. cit., p. 190-1.

. . A instaurao do tempo e a (re) fundao na histria. Apud. LENHARO, op. cit.. p. 14.

19

Nesse cronotopo32, o mundo se depararia com uma de suas mais profundas crises,

florescendo a, os regimes autoritrios e totalitrios, afetando tambm o cotidiano do

l iTeuto-Brasileiro.

O Estado ps 30, na reestruturao e legitimao de seu contexto histrico, adotou

o papel de aniquilador dos vrios movimentos revolucionrios, ao mesmo tempo em que

encampou na totalidade de seu contedo scio-poltico o papel de absorvedor social da

classe operria, reestruturou-a, como forma de control-la.

Um movimento expressivo nasceu nos anos 30, quando m outubro de 1932, logo

aps a Revoluo Constitucionalista, Plnio Salgado e outros intelectuais fundaram, em

So Paulo, a Ao Integralista Brasileira ( A.I.B.).

O Integralismo, movimento poltico de carter conservador e autoritrio, se definiu

34como uma doutrina nacionalista, cujo contedo era mais cultural do que econmico.

FAUSTO aponta que a maior nfase encontrava-se na tomada de conscincia do valor

espiritual da nao, assentado em princpios unificadores : Deus, Ptria e Famlia, o qual,

alis, era o lema do movimento.35

A ideologia integralista elaborada num perodo de crise. A mutao da sociedade

brasileira que se acentua no ps-guerra engendra novas contradies entre as classes

sociais36.

32 cf. BAKHTIN, Mikhail. Questes de literatura e de esttica. A Teoria do romance. 3.ed. So Paulo: Hucitee, 1993. Esse termo empregado nas cincias matemticas e toi introduzido e fundamentado com base na teoria da relatividade[...|0 transportaremos para o processo de assimilao do tempo , do espao e do individuo histrico real que se revela neles. A interligao fundamental das relaes temporais e espaciais, historicamente assimiladas, chamaremos cronotopo.33 Afetou tambm os italianos e seus descendentes, porm , este trabalho se delimitar temtica teuta, uma vez que a colonizao joinvilense foi praticamente composta por elementos germnicos.'J Cf. TRINDADE, op.cit., p. 20ss - Dois elementos que permitem prever o nascimento da A.l.B. est no desejo de elaborar um pensamento novo, adaptados realidade brasileira e a existncia de uma pr-disposio para o engajamento, embora a soluo fascista no se lhe afigure ainda como a melhor opo. Esta nova concepo deve buscar sua inspirao, sobretudo, na anlise da sociedade nacional feita por autores nacionais.35 FAUSTO , Boris.[org.] O Brasil Republicano : Sociedade e Poltica - 1930-1964 . So Paulo : Difel. 1981, p. 353.30 TRINDADE define classes mdias no Brasil dos anos 30, como sendo duas categorias sociais: a mdia burguesia dos profissionais liberais e oficiais das Foras Armadas (classe mdia superior), e a pequena burguesia dos pequenos proprietrios urbanos e rurais, alm dos burocratas dos setor pblico/privado (classe mdia inferior .)

20

As transformaes das idias no Brasil do ps- guerra, segundo VEIGA, esto no

centro da problemtica poltica de Plnio Salgado, pois, com o fim das hostilidades na

Europa e a reorganizao econmica mundial, a nascente industrializao brasileira sofreu

inuma brusca freagem, com isso o capitalismo brasileiro entrou em crise.

VEIGA refere-se ainda como sendo reflexo desta crise, a inflao e queda do

consumo, e as novas foras burguesas industriais presentes na sociedade brasileira.39

Porm, preciso lembrar que essa anlise de Veiga sobre o Brasil entre as dcadas

de 1920 a 1930, aparece fragmentada, pontilhada por espaos em branco, pois, segundo

DE DECCA,

Essa operao terica j bastante conhecida e consubstancia-se, via de regra, na explorao dos temas da revoluo burguesa, da industrializao e do Estado autoritrio, que estariam preenchendo os espaos em branco deixados em suspenso pelos prprios enunciados contidos nessa fato histrico.40

37

O perodo que antecede a segunda guerra mundial foi marcado por crises scio-

polticas nas regies de colonizao alem e italiana no Brasil. Segmentos internos passam

a levantar a bandeira do nacionalismo, combatendo no apenas a Alemanha, como

tambm os imigrantes e seus descendentes.

Nessa perspectiva, h que se pensar de que maneira o Integralismo surge e se

configura para os teuto-brasileiros e como ir conciliar seu discurso nativista-*' face

Campanha de Nacionalizao.

cf. VEIGA , Luiz M. A Coluna Prestes. So Paulo : Scipione. 1992 - Ate 1930. o presidente da Repblica era escolhido pelas oligarquias . Esta politica ficou conhecida como a Poltica do cale com leite .,s _______ , op. cit, p. 15.39_______ , op.cit, p. 16. Embora este choque entre a oligarquia e as novas foras burguesas no fosse consciente e claro.comeava a acontecer, nas palavras de Veiga, a busca de uma reordenao econmico-poltica no pas.10 DECCA, Edegar S. de. O silncio dos vencidos. Memoria, historia e revoluo. So Paulo: Brasiliense, 1994, p. 49.11 TRINDADE, op.cit., p. 22. - Em 1919. organizou-se no Rio de Janeiro, a Propaganda Nati vista, uma sociedade de carter eminentemente poltico, que proclamou ideais econmicos, sociais e polticos, cujos ideais estavam assentados em princpios como: a emancipao financeira e econmica do Brasil; nacionalizao absoluta da imprensa: desenvolvimento das idias republicanas e democratas [...] combatendo a influncia da moderna civilizao europia, restringindo aos estrangeiros os exerccios de cargos eletivos e empregos pblicos, mesmo quando se tratasse de indivduos naturalizados.

21

Portanto, necessrio que se aborde a primeira questo apresentada na introduo

deste trabalho, quando nos referimos formao da Ao Integralista Brasileira, buscando

perceber qual a natureza ideolgica do Integralismo.

3. A AO INTEGRALISTA BRASILEIRA: DOS PROTOCOLOS E RITUAIS

Onando chegam ao poder, os movimentos passam a alterar a realidade segundo as suas afirmaes ideolgicas

( Hannah Arendt)

Os Protocolos e Rituais da Ao Integralista Brasileira tinham por finalidade,

decodificar os dispositivos gerais de seus Regulamentos, os quais estabeleciam normas,

frmulas e usos que regulavam os atos pblicos e os cerimoniais integralistas, bem como

42as honras, regalias, direitos e deveres relativos a todas as autoridades do Sigma .

Atualmente, estas regulamentaes tambm encontram-se reproduzidas em uma

pgina da Internet. A home page sobre o Integralismo traz como objetivo principal, a

pregao das idias integralistas, afirmando que a retomada dessas idias podero

transformar a situao poltica e econmica do Brasil. A home page pode ser acessada

atravs das palavras A.I.B. ou Integralismo. 4s>

Fiquei surpresa ao deparar com tais informaes, e, ainda que tenha procurado

descobrir quem est engajando a propaganda, o que consegui obter foram apenas

informativos com fotos e pregao do monitor integralista, cujos protocolos e rituais

reportam-se a dcada de 30, embora afirmem que a retomada do movimento integralista

poder transformar o Brasil em uma sociedade melhor.

42 cf. SALGADO , Plnio (a) A doutrina do Sygma . So Paulo : Verde-Amarelo , 1935.E\istem vrios endereos eletrnicos para acessar a home page sobre o Integralismo: http://\v\wv.i2.com.br/~sygma ou ainda:http.7/www.geocities.com/capitoHill/Lobby/8023/main.htm; quanto ao endereo do e-mail: SYGMAinet.com.br ou [email protected].

http:///v/wv.i2.com.br/~sygmahttp://www.geocities.com/capitoHill/Lobby/8023/main.htmmailto:[email protected]

23

A apresentao dos protocolos e rituais integralistas, as recomendaes de um

movimento ocorrido h mais de sessenta anos, em uma pgina da Internet, instigou ainda

mais pesquisa a que nos propusemos.

No que concern ao comportamento e orientao de vestimentas dos integralistas,

na poca, havia recomendaes quanto ao uso das roupas e quanto ao comportamento dos

integralistas, cujas regras, baseadas nas informaes colhidas atravs do Monitor

Integralista e da doutrina do Sigma, apresentamos a seguir: 44

a) A CAMISA VERDE: camisa simblica de cor verde ingls, de colarinho

pregado e preso pr botes nas pontas; passadeiras com 6 cm. na base e 5 nas pontas que

devem ser em semicrculo terminando a 1 cm. do colarinho; dois bolsos altura do peito

com pestanas retas abotoadas; no tero mdio do brao esquerdo, um crculo branco com

9.5 cm de dimetro, circundado por um vivo preto de 0.5 cm. de largura e sobre o campo

branco um Sigma preto, cujas dimenses so de 7 cm por 6 cm. Gravata de tecido preto,

liso, com lao vertical cada at prximo ao cinto.45

J o gorro era verde, da cor da camisa, de duas pontas com distintivo idntico ao

do brao, colocado do lado direito, com as seguintes dimenses: 4 cm para o dimetro do

crculo, 0.5 cm para o friso envolvente e 2 cm por 1,5 cm para o Sigma.

Calas pretas ou brancas. Cintos e sapatos, de preferncia, pretos. Era proibido o

uso de suspensrio com a camisa verde. Era tambm proibido usar a camisa verde em

desalinho ou com a manga arregaada.

O Integralista militante, em constante atividade do Sigma, era designado pelo nome

de "Camisa-Verde". As senhoras e senhoritas participantes das atividades do Movimento,

eram chamadas "Blusas-Verdes".

44 cf. BARROSO. Gustavo. O que o integralista deve saber 4 ed. Rio de Janeiro : Civilizao Brasileira, 1936.45 TRINDADE, p. 188-198. Protocolos e Rituais - Monitor Integralista.

24

Nos Distritos e Ncleos Rurais era permitido o uso da cala caqui. A camisa

integralista deveria ser confeccionada, de preferncia , com tecido de brim ou de algodo,

de fabricao nacional. As mulheres usavam a camisa com saias pretas ou brancas,

simples, sendo adotada tambm a blusa-verde, com a gola aberta e as mangas curtas; o

chapu deveria ser de usto ou brim branco, com uma copa de seis gomos e uma aba de 6

cm pespontada, levando uma fita de gorguro preto.

Os plinianos usavam a mesma camisa integralista, sendo a gravata substituda por

um leno branco com passador de couro ou de pano verde. A cala era branca ou azul,

culote preto, com meias ou perneiras de couro ou lona; o casquete integralista deveria ser

preto para passeio e chapu para excurses e acampamentos.

O uso da camisa verde era absolutamente obrigatrio para todos os Integralistas

que ocupavam cargos no Movimento, quando no exerccio do cargo ou presentes a

qualquer reunio ou solenidade oficial da A.I.B.

Aos demais Integralistas era exigido o uso da camisa-verde nas concentraes e

desfiles, ou quando a autoridade superior determinasse expressamente.

Todo Integralista era obrigado a ter sempre pronta, para ser vestida a qualquer

momento, a sua camisa verde.

Sendo ela um smbolo do seu idealismo, todo Integralista deveria sentir orgulho de

enverg-la. Mesmo viajando em carter particular, precisaria conduzir na mala a sua

camisa-verde.

Quando o Integralista envergava a camisa-verde, ficava expressamente proibido de

tomar bebida alcolica em lugares pblicos, danar, a no ser em casas particulares ou em

testas, constitudas exclusivamente de integralistas e pessoas que tivessem ingresso entre

os integralistas. Tambm era proibido participar de jogos de azar ou assisti-los, e no

deveriam freqentar cassinos ou lugares duvidosos. Essa proibio, estendida a todo

Integralista, trajando ou no camisa-verde, constitua uma falta de conscincia para o

paisano, e uma falta no s de conscincia, mas disciplinar para aquele que estivesse

usando o smbolo do Movimento do Sigma.

Caso um Integralista, encontrando-se de camisa-verde, fosse preso por prtica de

crime comum, no relacionado com o Integralismo, a recomendao seria a de pedir

autoridade, a permisso para despir a camisa-verde, a fim de que ela no entrasse tambm

para a priso e, quando a priso fosse motivada por perseguio poltica, o Integralista

poderia penetrar no crcere com sua camisa, a menos que isso se opusesse a autoridade,

que deve ser respeitada.

A camisa verde no era usada na semana do Carnaval. Sempre que no

Regulamento se tratasse do uso obrigatrio da camisa verde, subentendia-se que o uso seria

sem palet.

b) O SIGMA era o sinal simblico do Movimento Integralista. uma letra grega

que corresponde ao nosso "S" e indica soma. Leibnitz escolheu-a para indicar a soma dos

finitamente pequenos. o nome da estrela polar do hemisfrio sul. Lembrava que o

Movimento vinha no sentido de integrar todas as foras sociais do pas na suprema

expresso da Nacionalidade.

O Sigma maisculo foi preferido ao minsculo por uma questo de esttica .

c) ANAU: Anau um vocbulo Tupi que servia de saudao e de grito para os

indgenas. uma palavra afetiva que quer dizer : "voc meu parente".

Como o Integralismo pregava ser a grande famlia dos Camisas-verdes e um

Movimento Nacionalista, de sentido herico, Anau foi a palavra consagrada em louvor

do Sigma. Era a aclamao da saudao integralista. Servia ainda para exaltar, afirmar,

consagrar e manifestar alegria. Nas reunies e solenidades integralistas, o Anau coletivo

que, em lugares pblicos s seria dado quando houvesse mais de trinta pessoas, seria

25

26

provocado pela autoridade presente de maior graduao, ou, por sua delegao, da

seguinte forma: (considere-se o caso de uma saudao ao Chefe Nacional) a maior

autoridade, ou seu delegado, levantaria o brao direito e diria com voz forte e clara:

"Companheiros! Ao Chefe Nacional, trs Anaus"

Os Integralistas presentes levantavam o brao direito e bradavam, a uma s voz.

"Anau! Anau! Anau"

Para outras autoridades, seria dado um ou dois brados.

Anau!

A exclamao Anau era acompanhada do gesto integralista,46 uma e outro se

complementando simultaneamente na saudao, salvo as excees previstas no

Regulamento.

O Anau poderia ser pronunciado nas marchas para maior vibrao dos Camisas-

Verdes, nos comboios em marcha e nos momentos graves de luta, como clarim de rebate e

de vitria. Nesse ltimo caso, no era acompantrado do gesto integralista e nos dois

primeiros, regulando por um sinal de comando, seria ou no acompanhado do referido

gesto.

Nos templos, o Anau era pronunciado em voz moderada ou em surdina, se

permitido pela autoridade religiosa.

d) A BANDEIRA INTEGRALISTA: a Ao Integralista Brasileira era

simbolizada por uma bandeira (a Bandeira Azul Branca) com os seguintes caractersticos:

46 Este gesto pode ser visualizado na figura 04, que apresentamos na subunidade 2.1.

em campo azul real, uma esfera branca, ao centro da qual se destaca um Sigma maisculo

em cor preta.47

O azul da bandeira simbolizava a atitude do pensamento integralista. Evocava

distncias, mostrando que o Integralismo no se submetia aos limites polticos

amesquinhados, mas tinha um grande ideal que era a integridade do Brasil e a projeo de

sua grandeza entre os povos do Universo.

A esfera branca mostrava a pureza de sentimentos e a sinceridade dos propsitos

integralistas. A cor branca resultava da mistura da todas as cores, e o Sigma nela inscrito

significava, como est dito acima, a integralizao de todas as foras sociais na suprema

expresso da Nacionalidade.

A Bandeira Integralista estava abaixo da Bandeira Nacional.. Em lugares pblicos,

a Bandeira Integralista, seria hasteada ao lado da Nacional. Sempre que a Bandeira

Integralista estivesse ao lado da Bandeira Nacional, ficava esquerda desta, isto , a

Bandeira Nacional deveria estar no lugar de honra.

A Bandeira Integralista seria iada a meio pau em casos excepcionais e por ordem

do Chefe Nacional.

As Bandeiras Integralistas para atos oficiais possuam a forma de um paralelogramo

reto, sendo confeccionadas de preferncia, de filete. As Bandeiras triangulares (flmulas),

serviam apenas, para efeitos de decorao de ambientes e motivao da massa popular.

Com relao ao hino do Integralismo, a letra foi composta pelo padre Mello, reforando o

lema: Deus, Ptria e Famlia, como apresentamos a seguir:

27

47 As cores so elementos que aparecem como justificativa ao teor do movimento: so apresentadas como signos que evocam o nacionalismo e o lema: Deus.Ptria e Famlia.

28

HINO DO INTEGRALISMO [ Padre Mello ] :

Ardente amor da Ptria um grande gnio incende; imensa idia

explende qual astro em cu azul.

A idia fez-se verbo, o verbo fez se(sic) chama que lavra e se derrama

ao Norte, ao centro, ao sul.

Avante, brasileiros nova luz conversos! Nossos irmos dispersos

traremos ao redil. Sob uma s bandeira de pensamento novo una-se todo

o povo em terras do Brasil!

Da plebe ou de alta estirpe, inculto ou ilustrado, roceiro ou magistrado,

do burgo ou do serto, faamos o organismo de um corpo so e forte

pulsando ao sul e ao norte o mesmo corao.

Nem cor nem classe ou crena os passos embarace a quem o lema

abrace Famlia. Ptria e Deus. Ha (sic) de sofrer somente intrmino

ostracismo o rbido extremismo, o logro dos plebeus.

No entra em concorrncia a ao integralista; sua ideal conquista o

todo ideal no porvir.

Sigam tumulturias em linhas paralelas as sociais parcelas; um dia se

ho de unir. Se uma s a Ptria s uma a autoridade, queremos a

unidade na brasense grei.

One vivam s na Histria os trbidos partidos: vivamos ns unidos a

Deus, Ptria, Lei! 4s

LENHARO aponta que [...]o amplo investimento ideolgico repousava sobre essa

ordem comportamental [,..]49. O Integralismo. atravs de ritos e protocolos, tambm

buscava seu sustentculo poltico na ordem moral, instituindo a esfera de poder

hierarquicamente distribuda, acentuando assim, o papel que o integralista deveria

assumir, para atingir a sociedade idealizada , revestida de signos .

A doutrina integralista, de acordo com TRINDADE, foi

48 Sem grilo no original (grifo nosso).J' LENHARO, Alcir.Nazismo. O triunfo da vontade. So Paulo : tica , 1994, p. 62.

29

[...] desenvolvida mais sistematicamente por Salgado, repousa sobre a idia de que h na historia dois tipos de fenmenos [...] as realidades objetivas da sociedade . determinadas pelos fatos histricos e de outro . elementos subjetivos", criados pela imposio das ideologias e das doutrinas[...].50

tentativa de construo de uma ordem totalitria nos anos 30 no Brasil, ao

remeter ao desejo de identidade, transforma-se e alicera-se, segundo DUTRA, na

formao de polaridades temticas. [. ..] A presena de elementos da ideologia fascista no

discurso , na prtica e no dia-a-dia de diferentes elementos sociais significativa nestes

anos e no se restringem aos integralistas51, como possvel perceber ao analisar-se as

cidades de Joinville e Blumenau.

' TRINDADE, op. uL p.205.M DUTRA, Eliana R. de Freitas. O ardil totalitrio ou a dupla face na construo do Estado Novo (Tese de Doutoramento) Universidade de So Paulo.- USP. 1990, p. 72.

30

3 .1 .0 chefe nacional : o nascimento de um movimento

Plnio Salgado (1895-1975), chefe nacional da organizao integralista, nascido em

So Bento do Sapuca ( So Paulo), teve sua formao intelectual e aprendizagem

poltica a partir dos anos 20, perodo em que a conscincia nacionalista intensifica-se e

a revoluo modernista52 coloca em debate os valores estticos tradicionais, ao mesmo

tempo em que o partido Comunista organiza-se e a renovao catlica atinge amplas

camadas intelectuais.

Como escritor, Plnio publicou romances, entre os quais, O Estrangeiro, em 1926,

no qual [...] preocupa-se com o problema da assimilao do imigrante comunidade

nacional53 e O Esperado, no qual descrevia o drama das massas disponveis espera

de um messias .54

Ao terminar de escrever essa obra, o autor planejava formar um movimento, o qual

culminaria com a criao do Manifesto Integralista em outubro de 1932, e, dois meses

depois, apareceria O Cavaleiro de Itarar, no qual afirmava ter feito uma anlise crtica

das revolues brasileiras.55

Quando se pondera a importncia relativa desses fatores sobre a ormaao poltica

de Salgado, tende-se a concluir que foi sua experincia intelectual que o levou a

engajar-se progressivamente na ao poltica.

52 BOBBIO, op. cit., p.766. "Este neologismo surge por meados do sculo XIX, para indicar muito vagamente uma corrente de estilos e contedos polticos novos. O Modernismo representou um esforo por modernizar a f com o progresso cientifico, esforo que se apresentaria de novo na transio de uma poca a outra. Historicamente [...] o movimento modernista no pode ser reduzido a um bloco doutrinal compacto e homogneo, apresentando-se antes como um estado de espirito marcado por aspiraes comuns, mas de valencias diversas, no s nos diferentes contextos ambientais e sociais, como tambm no mbito da mesma confisso religiosa e at da mesma regio.5TRINDADE, op. cit., p. 30,- Na obra "O Estrangeiro, Plinio Salgado limita seu tema s regies brasileiras. Publicado em janeiro de 1926, sob a influncia da imigrao, preocupando-se com o problema da assimilao.54 No que concerne as obras "O Esperado e 'O Cavaleiro de Itarar', ainda que o enredo se circunscreva a So Paulo, se referem ao sistema poltico e social brasileiro. A obra O Esperado foi publicada em 1931. J O Cavaleiro de Itarar , foi publicado em 1932, dirigido juventude civil e militar brasileira.55 TRINDADE, op. cit., p. 31.

31

Mas a influencia do meio familiar antecede este pensamento, pois o mesmo

descendia de uma famlia de tradio poltica. Seu av paterno era portugus e emigrou

para o Brasil por razes polticas e havia estudado Humanidades em Coimbra, a

exemplo de seu av materno, nascido na Espanha, professor das letras latinas e poltico

do Partido Conservador do Imprio. Sua me era professora e seu pai, Francisco das

Chagas Esteves Salgado, farmacutico e poltico local.

A formao intelectual de Plnio Salgado constitui-se, desde o incio, de um

sentimento religioso e nacionalista. Plnio prosseguiu seus estudos em Minas Gerais at

1911, ano em que seu pai faleceu. Sem recursos, comea a trabalhar em So Bento do

Sapuca, e, a partir de 1916, cursando Jornalismo, tomou-se redator de um jornal que

pertencia a seu futuro cunhado, Joaquim Cortez Renno Pereira. A partir da, Plnio

desenvolve diversas atividades e, a medida que elas se ampliavam, tambm crescia sua

influncia, tornando-se conhecido como personalidade local.

Buscando novas perspectivas para sua formao poltica e cultural, atravs de

contatos com grupos de intelectuais e polticos na capital paulista, consegue emprego no

jornal Correio Paulistano.

Pressupe-se que a ida de Plnio para So Paulo tenha relao com os artigos e

contos que ele escrevia. Mas alm disso, Plnio combatia a poltica municipalista, o que

tomou a sua situao insustentvel em So Bento do Sapuca.

Na vspera das eleies para vereadores nessa cidade, Plnio preso por tentativa

de homicdio. No processo alegou haver defendido a casa do cunhado contra um assalto

a tiros. Posto em liberdade e sem recursos, perseguido politicamente, vai para So

Paulo, deixando a filha com a me dele.36

" cf. SILVA, Hlio. 1938 - terrorismo em campo verde. O ciclo de Vargas - vol. X. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1964.

32

A transformao poltica de Plnio d-se em meio revoluo esttica. A obra O

Estrangeiro, na qual ele afirmara: [...] meu primeiro manifesto foi um romance,57

estabelece a passagem de Plnio entre a atividade literria e a poltica.

Segundo PRADO,

Plnio situa como momento decisivo da ruptura dos processos de estilo os anos de 1926-27, insistindo [...] na canalizao dos processos de vanguarda europia para um projeto que lhe parecia, como aos modernistas da ordem, de absoluta importncia.58

A exemplo disso, temos as obras j citadas, nas quais se permite observar a

expresso do desejo poltico de Plnio, refletindo sua inquietude perante s contradies

de uma sociedade em transio e, ao mesmo tempo, [...] constituem o contexto onde se

esboaro alguns dos temas fundamentais da ideologia integralista .59 Por este

caminho, Plnio descartaria as conquistas da Semana de 1922.

Na anlise de PRADO,

No conjunto do iderio integralista, a literatura funciona, assim, como uma fora articuladora do sistema, pois a partir dela [da literatura] que se impe uma espcie de retrica emblemtica da nova ordem nacional.60

Assim, a fase pr integralista de Plnio Salgado, iniciada sob o signo dos temas

nacionalistas dominantes do Modernismo,61 consolidada quando ele rompe com o

partido Republicano e viaja para a Europa em 26 de abril de 1930.

' ' SALGADO, Plmo.(b) Despertemos a Nao. Rio de Janeiro : Jos Olympio, 1935, p . 05.'8 PRADO, Antnio Anioni. 1922: itinerrio de uma falsa vanguarda. Os dissidentes, a Semana e o Integralismo So Paulo: Brasiliense, 1983, p. 95.59 TRINDADE . op. cit..p. 29.00 PRADO, op. cit., p. 97.01 PRADO, op. cit., p. 49-50. a fresta por onde se insinua Plnio Salgadof...] Plnio transfere para o Modernismo [...| algumas das crticas com que justificaria o pretenso afastamento do movimento dissidente em face das correntes literrias convencionais.

neste contexto que Plnio acredita que as experincias polticas europias

despertam nele maior sensibilidade sobre a poltica brasileira, ao mesmo tempo em que

as idias fascistas tambm insinuam-se em suas concepes polticas.

Ao retomar ao Brasil, em outubro de 1930, Plnio caminha para a concretizao da

idia que amadurecera enquanto esteve na Europa: o despertar de uma conscincia

poltica da opinio pblica.

E Plnio no s acredita nisto, como afirma, dizendo: [...] o perodo que vai de

1927 a 1930 revelou-me a impossibilidade de fazer algo novo dentro dos velhos quadros

62partidrios e sociais do pas.

Plnio obtm contatos com a poltica de pases como a Turquia, alm da leitura de

uma ampla literatura sobre o estudo da social democracia da Alemanha, a

reflexo sobre o imperialismo ingls no Egito, bem como a influncia do fascismo

italiano.

medida em que vai absorvendo estas experincias, escreve para os amigos

brasileiros, dizendo estar cada vez mais convicto da necessidade de mudanas

emergentes no Brasil.

Para Plnio, isto ocorreria inicialmente pela mudana poltica, pois [...] antes de

organizar um partido, necessrio um movimento de idias.63

Esta breve abordagem sobre Plnio Salgado possibilita entender o lanamento de

seu Manifesto em outubro de 1932, concretizando a formalizao de um projeto, que

culminaria com a organizao da Ao Integralista Brasileira.

O Integralismo surgiu num perodo de radicalizao poltica e de desprestgio do

modelo liberal de democracia. Para Plnio, o esprito nacional estava no Brasil agrrio

33

SALGADO.(b) op. cit.. p. 1503 TRINDADE, op.eit., p. 36.

34

do interior, em contraposio ao metropolitanismo aberto s influncias estrangeiras nas

cidades do litoral.

Numa poca em que se exigia de um lder poltico, agilidade oratria e bom texto,

Plnio foi um doutrinador hbil, publicando cerca de 70 livros e ensaios, entre os quais,

organizava as bases e a disciplina dos integralistas.

Com a instalao do governo provisrio em 1930 e a indiferena dos partidos

polticos ao discurso de Plnio, este, a princpio, colabora com o governo provisrio,

escrevendo, inclusive, vrios artigos intitulados Diretrizes Ditadura , mostrando-se

favorvel ao governo.

Mas, ao perceber que esse governo tambm se mostra indiferente sua pregao,

Plnio, em 1931, comea a buscar as bases ideolgicas que incidiriam na criao do

Manifesto.

o momento em que lana um apelo ' a juventude, pois, nas palavras de Plnio,

[..]essa a que deve assumir a direo dos negcios da Ptria [...] que deve agir, que

deve governar .64

No ano seguinte, antes da divulgao do Manifesto de outubro de 1932, acontece

em So Paulo, a fundao da Sociedade de Estudos Polticos (S.E.P.), a qual reuniria

jovens intelectuais sob a inspirao de Saigado.

O Manifesto de 1932, marca o lanamento oficiai da A.l.B. como movimento

poltico independente, composto por dez artigos, sendo :

I. Concepo do Universo e do Homem ( prega que os homens e as

classes podem viver em harmonia, relacionando-os s razes crists

que estariam em todos os coraes);

01 SALGADO, Plnio, (c) O Horror das Responsabilidades. A Razo, 01 de julho de 1931.

35

2. Como entendemos a Nao Brasileira ( exalta a necessidade de um

povo unido para que a nao seja forte e poderosa e a necessidade da

dissoluo do pluripartidarismo);

3. O Princpio de Autoridade (justifica a importncia da

disciplinarizao e hierarquia para tornar o Estado forte);

4. O Nosso Nacionalismo (apresenta a averso aos costumes

estrangeiros, buscando uma identidade brasileira, ao resgatar valores

culturais na literatura e nas artes, retomando a campanha nativista );

5. Ns, os Partidos e o Governo ( apresenta a necessidade da

construo de uma cultura tipicamente brasileira e a reafirmao da

necessidade da extino dos partidos e governos municipais e

estaduais);

6. O que Pensamos das Conspiraes e da Politicagem de Grupos e

Faces (afirma que uma campanha deve ser feita de maneira

explcita, que vise a cultura, a moral, a educao e a sociedade, sem

visar aos interesses particulares e alheios aos interesses da nao);

7. Questo Social Como a Considera a Aco Integralista

Brasileira (o Comunismo apresentado como aquele que escraviza os

operrios e a famlia, no possibilitando uma ascenso social),

8. A Famlia e a Nao (busca a relao paternalista existente entre a

famlia e o Estado, cabendo a este ltimo, defender as famlias, e, para

isso, necessitando da inscrio do mesmo em seu programa

integralista);

9. O Municpio Centro das Famlias Clula da Nao (prega que a

administrao local deve ser vigiada pelos moradores, pois o

municpio considerado uma reunio de famlias, que lutariam pela

moralidade);

10. O Estado Integralista ( apresenta-o como um Estado livre de

qualquer princpio de diviso, funcionando nele, os poderes

Executivo, Legislativo e Judicirio e o sentido do espirito nacional e

humano estaria expresso na filosofia, literatura e artes).

36

A idia de Estado inserida neste Manifesto a de um Estado autoritrio, que

coroaria a concepo espiritual-nacionalista contida no discurso ideolgico. O Estado

toma-se o princpio e o fim do universo ideolgico integralista.

Pretendemos realizar o Estado Integralista, livre de todo e qualquer princpio de diviso [...] Pretendemos criar a suprema autoridade da nao. [...] mobilizar todas as capacidades tcnicas [...].Pretendemos como base o homem da nossa terra, na sua realidade histrica, econmica[...]; nas suas aspiraes, estudando-o profundamente.65

Ou seja, o papel fundamental do Estado seria o de realizar a unidade nacional.

Transformando-se de Movimento a real Partido Poltico, o Integralismo introduziu-se no

cenrio nacional dos anos 30 - pela defesa de seu programa - no principal partido brasileiro

de extrema direita.

Defendendo em seu discurso, a centralizao, o estatismo econmico, o

corporativismo, o fim da luta de classes pela insero do homem na famlia, no municpio

e na nao, estimulando o orgulho ptria, atravs dos princpios conservadores explcitos

na divisa Deus, Ptria e Famlia, o Integralismo condicionou os indivduos obedincia

cega autoridade do Chefe, evitando as criticas doutrina.

Aps o Manifesto de 932, difundiu-se as diretrizes integralistas por todas as

provncias do pas. A sociedade enaltecida como a unio moral necessria66 que

permitiria uma vida harmnica para os indivduos, mas necessitando, para isso, de um

Estado forte, o qual possibilitaria condies de satisfazer as aspiraes humanas,67 tendo

como primeira e importante instituio social, a familia.

"5 FENELON, Dca Ribeiro. 5

37

A famlia utilizada para ressaltar a importncia que a mesma possui nas diretrizes

integralistas: sua participao e cooperao, atravs dos votos, fortaleceria as bases do

Estado imaginado pelo discurso integralista.

Nos artigos de nmeros 8 e 9 do Manifesto de 1932, percebe-se quo forte o apelo

famlia. Ela aparece como sendo o principal ncleo a ser alcanado, para que se tenha

xito dos camisas-verdes ao penetrarem as provncias do pas.

O discurso integralista objetiva sua prpria definio, acrescentando diferentes

imagens associativas de mobilizao social ou poltica, isto , a de uma revoluo cultural,

espiritual e civilizadora.

E para isso, denuncia a democracia liberal68 como geradora da luta de classes, bem

como o marxismo,69 como responsvel por sua evoluo acirrada, que nega a existncia

real das mesmas, ao pretender estabelecer um projeto de reestruturao integral da

sociedade.70

Recordando CHAU,71 a aplicao destas imagens no discurso integralista, explica-

se segundo o seu significado poltico: o autoritarismo, o qual se delineia visivelmente no

apenas no manifesto de 1932 e/ou nas diretrizes integralistas de 1933, mas no prprio

estatuto de 1934, que apresenta suas finalidades enquanto partido poltico:

Artigo 3) - Como partido poltico, a Aco Integralista Brasileira objectiva

a reforma do Estado, por meio de formao de uma nova cultura filosfica

e jurdica, de sorte que o Povo Brasileiro, livremente, dentro das normas da

08 SALGADO. Plnio.(c) A Liberal Democracia. So Paulo: Amricas, 1955 , v. IX , p.30/31. Nesta obra, Plnio diz que A liberal democracia criou um Estado meramente espectador, o qual foi fragmentado pelas foras em conflito, no sendo capaz de instaurar economicamente, a harmonia entre a produo e o consumo.0 9 . (f) A Quarta Humanidade. Rio de Janeiro : Jos Olympio, 1934, p.87. Nesta obra, alega que om arasm o prestou o servio de mostrar que no h classes, e o seu eiTo estaria na sua concepo meramente formal das classes, que, na viso de Plnio, seria importante organizar a sociedade em categorias profissionais, viso que ele no encontrara no marxismo.0 CHAU , (b), op. cit., p. 44. - Traduzindo o conceito de classe social para o dado emprico da categora profissional, a imaginao realiza aqui o mesmo trabalho que efetuou no caso do materialismo histrico, qual seja, obscurece a fora explicativa pela sua diluio em imagens facilmente reconhecidas na experincia cotidiana. Todavia, agora essa operao tem uma finalidade precisa e que ultrapassa a simples tentativa de provar a falsidade do marxismo.'* CHAU, (b), op. cit., p.46.

38

Constituio de 1934 e das leis em vigor, possa assegurar de maneira

definitiva, evitando lutas entre Provncias, entre classes, entre raas ;[...]

f ) paz entre as Famlias Brasileiras e entre as fras vivas da Nao,72mediante o sistema orgnico e cristo das corporaes [ . .]

A associao Famlia-Estado reforada ainda a partir da prtica do catolicismo

ento vigente , no campo cultural e espiritual, cujas normas e conceitos da famlia incidem

em outras leituras que necessariamente no so institucionalizadas.

A A.I.B. soube apreender estes sentidos pela prtica da represso sexual e sua

restrio ao interior da famlia monogmico-patriarcal, canalizando seu discurso na

valorizao do trabalho e incentivo educao moral e cvica.

A apropriao da idia do poder patriarcal, amparada pelos dogmas religiosos e

circunscrita na ordem organizacional integralista por meios legais, assinalou a

subservincia de seus militantes, bem como o culto ao seu chefe nacional.

Desta forma, o Integralismo impediu que a autoridade de seu lder fosse posta em

causa, quer pela introduo de mecanismos legais (Estatutos), quer pela utilizao litrgica

de conceitos secularmente tradicionais, como por exemplo, a concepo do universo e do

homem, apresentada no .Artigo 01 do Manifesto de 1932.

Atravs de textos discursivos envolventes, como: panfletos, jornais, canes,

fotografas e usos de uniformes, alm de outros smbolos, o movimento buscou

dimensionar o espao fsico para ento reform-lo e model-lo sua imagem. O exemplo

que temos na figura 1, st relacionado com a cano que foi publicada no Jornal de

Joinville73, em 1935.

12 CHAU, (b), op.cit., p. 4673 JORNAL DE JOINVILLE , 01.10.34 - p. 01

39

Figura I: Cano Integralista74

I S i ^ I d t a c t s - d U a S i s m a , . a v a n t e 1

D o b r a d o - C a n c o - '

A A t s s s i * r g & J e M a g i l a l e o a

r a < $ . l e r } a n * .

-. is : . # * * * T T

r i o ' * * t tn r * , s c t v t *t . : f j -, a

< > H . i V* * t ! B U ? W 4 r < ! > ) I s s i K - s . j u s , -

S * S t , 1 SF f -

, ; * a e l 5 1 : V K S S : S I t , i f i . ' j N t !

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'tf', J| >,1 lO t H f > H f * ? ' !) H '1 S. > 1 f> & V o - . t f f t . m i " , >** t a -. * r >

Fonte: Jornal de Joinville, 1934.

A dinamizao destes mecanismos que se poderia denominar de agentes

socializadores, assegurariam o aprendizado poltico-ideolgico de seus integrantes. A

ordem e a disciplina nos desfiles para receber seu chefe nacional faz-se presente,

cumprindo o princpio de autoridade contido no Artigo 03 do Manifesto, como podemos

observar nas fotos que seguem :

74 Fotografia pertencente ao acervo do ARQUIVO DE BLUMENAU - SC - pasta Nazismo - Integralismo.

40

75Figura 2: Comitiva de Plnio Salgado em Blumenau, 1935

Fonte: Arquivo Jos Ferreira da Silva - Blumenau - SC

Nesta fotografia (figura 2), Plnio Salgado recepcionado pelos integralistas de

Blumenau, por ocasio do Congresso que reuniu integralistas de vrias cidades. Observa-se

que nesse desfile, impera essencialmente a ordem e a disciplina de seus militantes.

Esta ordem e disciplina tambm pode ser conferida na figura 3, em Blumenau, por

membros integralistas de outras cidades, que participavam do Congresso Integralista em

1935.

75 Fotografia pertencente ao acervo do ARQUIVO DE BLUMENAU - SC - pasta Nazismo e Integralismo.

41

Figura 3 - Congresso Integralista em 1935 - Blumenau - SC 76

Fonte: Arquivo Jos Ferreira da Silva - Blumenau - SC

A ideologia dos integralistas partia do Estado nacionalista,77 da necessidade de uma

transformao emergente,78 e para isso, necessitava de um suporte que conferisse uma

identidade no apenas aos seus militantes, mas tambm queles que pretendia atingir com

seu discurso.

Assim, havia todo um ritual que buscava compor este suporte, quer seja na

saudao Anau, no uniforme verde, ou no emblema do Sigma (2). Quanto a demonstrao

76 Fotografia pertencente ao acervo do ARQUIVO DE BLUMENAU - SC - pasta Nazismo e Megralismo77 BOBBIO, op. cit., p.799. Em seu sentido mais amplo, o termo nacionalismo designa a ideologia nacional, a ideologia de determinado grupo poltico, o Estado nacional [..] E um componente essencial das ideologias fascista e nazista.78 LENZI, Carlos Alberto Silveira. Partidos e Polticos de Santa Catarina . Florianpolis : UFSC, 1983, p. 120.

42

de disciplina rgida, de fora e ordenamento cvico, a demonstrao dessa disciplina era

empreendida atravs dos desfiles integralistas que ocorriam.

Compondo nestas imagens a preocupao de um Estado forte, integral, o

Integralismo pregava que seria representado por classes profissionais, as quais garantiriam

a possibilidade dos indivduos se representarem.

Havia discursos fervorosos que conclamavam as pessoas a participarem dos ideais

integralistas. Como exemplo, citamos Gustavo Barroso, que pregava: Precisamos de

pessoas que queiram tomar-se brasileiros, renovando nosso sangue em troca da

hospitalidade que concedemos .

Outro exemplo, seria a carta Mensagem aos Catarinenses, de Plnio Salgado,

publicada em maro de 1934, na qual Plnio reafirmava as bases integralistas contidas nos

artigos 01, 03 e 04 do Manifesto.

Ou seja, novamente se valia do apelo ao nacionalismo (Artigo 04); reafirmava a

necessidade do princpio de autoridade (Artigo 03) e a concepo do universo e do homem

(Artigo 01) como meio de atingir as provncias do pas.

Assim, o Integralismo foi sendo semeado em Santa Catarina, instalando-se,

principalmente, nos municpios onde predominava o elemento tnico germnico.80

A expanso geogrfica da Ao Integralista , no perodo de 1934 a julho de 1937,

pode ser conferida com Trindade81, no levantamento que o autor elaborou, utilizando a

coleo do jornal integralista A Offensiva .

Quanto a animosidade aos teuto-brasileiros (que remonta a Revoluo de 30), nota-

se que foi intensificada, quando da instituio do movimento integralista no estado, pois

19 HUNSCHE. Karl-Heinrich. Der brasilianische Integralismus . Stuttgart : Kohlhamnier-Verlag, 1938, p. 90 Apud. GERTZ , op. c it., p. 69.80 LENZI, op. cit., p. 12281 cf. TRINDADE , op. cit., p. 315-321.

43

acabou sendo interpretado pelo governo catarinense, como uma organizao representante

da ideologia Nacional Socialista a servio do governo alemo.

Alis, essa interpretao tambm foi tomada por Nereu Ramos, governador de

Santa Catarina. Em entrevista dada sobre a vitria integralista nas eleies de 1936 no

norte do estado, Nereu diz :

[...Jquero explicar-lhes a vitria do Integralismo, ou melhor, do Hitlerismo, porque al o fenmeno do Integralismo no se apresenta com as mesmas caractersticas que nos demais Estados da Federao. Em todos os municpios que o Integralismo venceu, predomina o elemento alemo. A bandeira no Plnio Salgado, mas sim Hitler.[...] Creio que est na hora de se iniciar uma enrgica obra nacionalizadora nos municpios em que a colonizao alem no quer adaptar-se vida brasileira [...].82

Discorrendo sobre a difuso do Integralismo no Brasil e a real' adeso dos teutos

A.I.B., vrios autores correlacionam esta adeso com a prpria identificao do

Integralismo com a ideologia nazista, constituindo-se em ponte s pretenses pan-

OIgermanistas do governo alemo .

No captulo IV, abordaremos sobre essas opinies confusas, para compreender por

que o Integralismo tambm conseguiu apoio da populao teuta em Santa Catarina.

K Der Governador von S. Catharina und die Integralisten. KOLONIE ZEITUNG. Joinville : 74 (24): 2,24 mar. 1936.83 BASBAUM, Leoncio. Histria sincera da Repblica: de 1930 a 1960. So Paulo : Fulgor, 1965

4. O INTEGRALISMO E O TEUTO-BRASILEIRO NO CENRIO POLTICO

CATARINENSE

Quando a crena na onipotncia da fora fisica predomina na vida poltica , essa fora adquire vida prpria e demonstra ser mais forte do que os prprios homens que pensam usar a fora como instrumento

(Albert Einstein)

Na dcada de 30, as promessas de Getlio Vargas de eleies livres, alm da

instalao de uma Assemblia constituinte, levaram o pas perspectiva de uma reviravolta

normalidade poltica.

Nesse momento, oficialmente provisrio e intervencionista, ressurgiu o Partido

Republicano, tendo frente o poltico teuto-brasileiro, Marcos Konder.

O Partido Liberal catarinense foi fundado em 1931, tendo como presidente, Nereu

Ramos. O final de 1931 e o primeiro semestre do ano seguinte, foram caracterizados por

uma srie de crises polticas sentidas pelo ento interventor Ptolomeu de Assis Brasil.

Essas crises fragilizavam os grupos polticos catarinenses, impedindo-os de exercer

presso sobre o governo central e sobre a Interventoria.

De acordo com CORRA, o interventor Ptolomeu de Assis Brasil, desde a sua

posse em agosto de 1930, havia [...] declarado que no era seu pensamento permanecer

durante muito tempo no governo catarinense. A idade, a sade, interesses particulares no

Rio Grande do Sul [...] no o incentivavam a ficar no governo[...]

84 CORRA, Carlos H. Um Estado entre duas Repblicas: a revoluo de trinta e a poltica em Santa Catarina. Florianpolis: UFSC, 19&4, p. 97

45

Alm disso, o Partido Liberal reclamava das influncias que o interventor recebia

dos elementos do Governo derrubado em outubro de 1930.

Na anlise de CORREA, o interventor [...jinfluenciado por figuras da sociedade

catarinense ligadas famlia de Herclio Luz, nomeava para cargos administrativos,

85candidatos indicados por essas pessoas que o pressionavam.

Assim, os problemas passaram a girar em tomo de um s objetivo: a substituio

do Interventor. O ressurgimento dos Republicanos, as coligaes e as eleies de 1933 se

manifestam na perspectiva do retorno do pas normalidade poltica.

E isso ocorre atravs da promessa de eleies livres em 1933 e a instalao de uma

Constituinte, permitindo, assim, o retorno luta do partido Republicano Catarinense, que

havia sido derrubado em outubro de 1930.

Os problemas sociais ainda no haviam sido discutidos em Santa Catarina e os

operrios, a maioria de origem germnica, trabalhavam e no possuam a conscientizao

daquilo a que tinham direito. Grande parte desses operrios viviam na regio do Vale do

Rio Itaja.

Seuundo HERING.

Q uanto origem c forniao da m o-de-obra difcrcnciou-se o processo dc industrializao no pas. o que decorreu da estrutura social em que sc assentou a explorao econmica anterior. Em Santa Catarina, uma das marcas deixadas pelo regime de pequena propriedade foram condies sociais relativam ente |... | slidas, que. em grande parte, transferiram -se para a indstria. Em consequncia, a estabilidade no em prego c conm nente apontada como um fator oifcrcnciador da m o-de-obra do sul. T ena contribudo para esse fato.1 .. 1 a origem tnica dos operrios traduzidos nos valores com uns e nos laos de solidariedade criados nos anos dc esforo conjunto quando sc estabelecem os im igrantes nas coimas. o que determ inou seu vnculo ao local dc

S5 CORRA, op. cit. p.S2

4

trabalho, onde o patro xomumente fora o antigo companheiro de luta do operrio[..].86

No que se rfr as eleies de 1933 para a Constituinte Federal, elas serviram

para o exerccio da prtica poltica dentro de um cenrio pluripartidrio. Com a

possibilidade da fundao de vrias organizaes partidrias, os polticos passaram a

ter uma conscincia maior das vrias tcnicas de luta poltica.

As eleies de 1933 promoveram, entre outros, o adestramento do exerccio

poltico dos catarinenses para uma luta que, em 1934, desencadearia na organizao da

Assemblia Constituinte Estadual.

E, se at aquele momento no havia aparecido uma agremiao poltica

nacionalmente forte, apoiada pelas ideologias de cunho internacional, surgiria, agora, a

Ao Integralista Brasileira.

Em Santa Catarina, os primeiros ncleos do Integralismo foram fundados em

municpios nos quais o elemento tnico alemo era quantitativamente superior aos

demais, abrangendo Joinville, Blumenau, expandindo-se para outras localidades, at

87atingir 16 governanas regionais, perfazendo um total de 41 municpios aps 1935.'

Algumas das outras localidades s quais me refiro podem ser recordadas nas

palavras de LENZ1:

a partir "de 34. o Integralismo vicejou rapidam ente, m stalando-se nos municpios |... | de Joinville. Blumenau. Jaragu. Rio do Sul. Brusque. Hamnia. Rodeio. So Bento. Timb. Ararangu. Canoinhas. e com m enos expresso, em Cricima. Cam pos Novos, itajai. Florianpolis. Lages . Laguna. Cruzeiro. Curitibanos. Itaipolis. So Francisco. Palhoa. Caador. Chapec. Urussanga. Campo Alegre. Iniam.

*" HERING, Maria Luiza Renaux. Colonizao c indstria no Vaie do Itajai: o modelo catarinense de desenvolvimento. Blumenau: FURB. 1987, p. 140-141.*' KUEIINE, Joo. O Integralismo nazi-faseista em SC. in: O Punhal nazista no corao do Brasil, p. 108-128.

47

Mafra. So Jos. Tubaro, Concrdia, Orlees. Jaguanma, Porto Unio, Tijucas, Parati e So Joaquim.ss

Paralelamente aos preparativos para as eleies Constituinte Estadual, a A.I.B.

fortalecia-se atravs da definio dos papis a serem ocupados na organizao.

89Oiiadro 01 - A organizao da A.I.B. ( maro - 1934 /

Fonte: TRINDADE (1979:174)

LENZI.op. cit.. p. 122. w TRINDADE, op. cit.. p. 174

48

Observe-se que os rgos que esto dispostos hierarquicamente no quadro 01,

estabelecem as funes que seriam executadas pelos membros da A.I.B. Entretanto, quem

delegaria as funes seria Plnio Salgado, o qual ocupava o cargo de chefe integralista.

Ao verificar-se os Estatutos de 1934,90 percebe-se que os demais membros iriam

comunicar-se com o Chefe atravs dos Departamentos Nacionais, salvo as excees.

Quanto ao chefe provincial, este tambm no se comunicaria diretamente com

Plnio Salgado. Sempre que necessrio, deveria procurar o Departamento ao qual estava

ligado o seu problema, exceto nos casos em que havia relevncia particular.

Desta forma, o Conselho Nacional tinha a funo consultiva. Era um rgo que

assessorava o chefe nacional e estava integrado por secretrios dos Departamentos

Nacionais, pelos chefes provinciais e por outras pessoas que fossem designadas pelo chefe

nacional.

A partir de 1936, ocorre a reorganizao da A.I.B., aumentando a quantidade de

rgos executivos, ampliando suas funes. Segundo TRINDADE,

A reorganizao da A.I.B., em 1936, bastante significativa para a anlise do sentido da evoluo do movimento. O Departamento de Organizao Poltica transforma-se, com mltiplas atribuies, em Secretaria nacional das Corporaes e dos Servios Eleitorais.91

Esta reorganizao tem um amplo significado, lanto eleitoral, quanto poltico.

No que concerne ao aspecto ideologico, procurou desenvolver a atividade sindical

do movimento integralista, propagando entre os m embros o espirito corporativo.

J o aspecto eleitoral preparava-se para a organizao das eleies em 1936. com a

inscrio eleitoral de seus membros e simpatizantes, almejando a candidatura de Plnio

Salgado presidncia da Repblica para o ano de 1937.

Cf. MONITOR INTEGRALISTA . Estatutos da Ao Integralista Brasileira, artigo 25, maio de 1934.TRINDADE, op. cit., p. 176.

49

Mas outros movimentos surgiram, entre os quais, houve a formao da Aliana

Nacional Libertadora (ANL) fundada no Rio de Janeiro em 1935. A ANL reunia

comunistas, socialistas, lderes sindicais e ex-tenentes.

Quanto ao seu contedo poltico, a A.N.L. aprovou um programa de reformas

sociais, econmicas e polticas, que inclua o aumento dos salrios, a nacionalizao das

empresas estrangeiras e a defesa das liberdades pblicas.

Os confrontos entre militantes comunistas e integralistas tornam-se frequentes. Em

Santa Catarina, a ANL estava concentrada nos municpios de Itaja e So Francisco do

Sul, cidades porturias.

O Ncleo Catarinense do NSDAP, com sede em Blumenau era outra organizao

existente na poca. J em Florianpolis, [...] a organizao nazista era chefiada por Heinz

Schmidt, alemo de nascimento.92.

Schmidt, em entrevista ao jornal A Ptria, em 28/08/1933, dizia que o objetivo do

Ncleo partidrio no Brasil, a exemplo de 51 outros pases, era desenvolver uma poltica

que retomasse a situao de relevo a que tinha direito, depois da derrota da Ia guerra

mundial.93

Ressaite-se que da organizao participaram somente aiemes natos, no sendo

admitidos filhos de alemes. Em Florianopolis, o NSDAP contava com 23 filiados.

Quanto as obrigaes dos membros, o NSDAP contava com o esforo destes para

aumentar o nmero de adeptos, e era preciso ser um combatente de primeira linha e estar

sempre em contato com a literatura hitlerista. bem como unir-se de qualquer maneira, aos

partidos locais.

''- CORRE/V op. cit., p. 171.A PA TRIA, Florianpolis, 28.08.33, p.02

50

No livro O Punhal Nazista No Corao do Brasil, constam as vrias atividades

denominadas hitleristas que colaboram com a Ao Integralista no territrio catarinense.

Mas deve-se considerar, no entanto, que o livro publicado tinha por objetivo nico, mostrar

as chamadas atividades subversivas e perigosas dos nazistas no Estado, procurando,

assim, justificar a participao do Brasil na 2a guerra mundial contra os pases do Eixo.

O autor do livro, Lara Ribas, membro da Polcia Poltica do Estado, dissera ter

pesquisado nos arquivos secretos do DOPS catarinense para transcrever os documentos.

Mas estes documentos no foram mostrados, o que fez com que alguns estudiosos

levantassem dvidas a respeito da autenticidade da documentao.

No que se refere ao Integralismo em Santa Catarina, Lara Ribas em momento

algum citara o nome do chefe do Ncleo no Estado, Othon Gama D Ea, que possua

destacada posio social e intelectual em Santa Catarina, bem como, influentes ligaes

com a ciasse dominante da poca, em 1943.

A simpatia do teuto-brasileiro pelo movim ento Integralista plausvel de

compreenso, pois ambos os m ovimentos (nazista e integralista) tinham um a estrutura

poltica semelhante e as organizaes puramente germnicas no aceitavam aqueles que

no fossem alemes naos, com exceo da Juventude Teuto-brasileira. Porem, isto no

responde totalmente a pergunta inicialmente proposta neste trabalho,* pois ainda que

fossem consideradas semelhantes, a A