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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS DEPARTAMENTO DE DIREITO DIOGO JOSÉ LEAL INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO E SEUS PARÂMETROS NORMATIVOS: LIMITES PARA A DISCRICIONARIEDADE DO GESTOR PÚBLICO Florianópolis 2014

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

    CENTRO DE CINCIAS JURDICAS

    DEPARTAMENTO DE DIREITO

    DIOGO JOS LEAL

    INEXIGIBILIDADE DE LICITAO E SEUS PARMETROS NORMATIVOS:

    LIMITES PARA A DISCRICIONARIEDADE DO GESTOR PBLICO

    Florianpolis

    2014

  • Diogo Jos Leal

    INEXIGIBILIDADE DE LICITAO E SEUS PARMETROS NORMATIVOS:

    LIMITES PARA A DISCRICIONARIEDADE DO GESTOR PBLICO

    Trabalho de Concluso apresentado ao Curso de Graduao em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito parcial para obteno do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Dr. Luiz Henrique U. Cademartori

    Florianpolis

    2014

  • Dedico este trabalho ao grupo de

    estudos Colquios de Histria, pelo papel

    essencial em minha formao. Que

    venham os prximos finais de semana!

  • AGRADECIMENTOS

    Certamente, no se poderia visualizar a materializao deste trabalho sem o

    apoio incondicional da minha famlia, aos meus pais Jos e Enivalda, bem como aos

    meus irmos Leonardo, Cristiane e Alexandra.

    minha namorada, Larissa Badlhuk Nava, s ns dois sabemos o quanto

    voc me ajudou em mais essa empreitada, voc a principal responsvel por isso,

    tarefa difcil essa de me aguentar.

    quelas pessoas especiais que esto ou passaram pela 26 Promotoria de

    Justia da Capital (Ariane Zem Marchetti, Rodrigo Figueiredo Brelinger, Moacyr S.

    Coelho Neto, Lucas R. Engel e Valter Rosa), o convvio que tive com vocs tornou

    essa experincia profissional difcil de algum dia ser superada.

    Aos meus colegas de faculdade, o acmulo e aprendizado de todas as

    nossas conversas nesses anos certamente foi to ou mais proveitoso que cursar a

    melhor das disciplinas.

    Ao meu professor orientador, Luiz Henrique U. Cademartori, primeiro pela

    qualidade mpar de suas aulas e depois pelo privilgio que tive de ser por ele

    orientado.

    Um agradecimento especial ao Promotor de Justia Aor Steffens Miranda, por

    sem dvida ser a pessoa que tem cumprido o papel mais fundamental tanto em

    minha formao terico-jurdica como na prtica profissional, por meio das mais

    diversas lies que eu jamais encontraria em um manual.

  • A aprovao da presente

    monografia no significar o endosso do

    Professor Orientador, da Banca

    Examinadora e da Universidade Federal

    de Santa Catarina ideologia que a

    fundamenta ou que nela exposta.

  • RESUMO

    O presente estudo constitui a monografia para a concluso do curso de graduao em Direito, pela Universidade Federal de Santa Catarina. Seu objetivo estudar a licitao pblica com base em seus preceitos constitucionais, a fim de extrair seus princpios inerentes com o propsito de analisar especificadamente uma de suas excees, isto , a inexigibilidade de licitao pblica, verificando as causas de sua ocorrncia e o procedimento necessrio a fim de que seja demonstrada essa impossibilidade de licitar. analisada a possibilidade de verificao dos princpios da licitao tambm nos casos de inexigibilidade para, feito esse estudo, adentrar na definio do objeto que posteriormente pode servir de contratao por meio de inexigibilidade de licitao. O estudo do objeto do contrato ganha importncia na medida em que nele h margens para o gestor pblico atuar de maneira discricionria, assim so verificados os limites dessa discricionariedade a fim de que no se subverta a exceo que se configura a inexigibilidade de licitar.

    Palavras-chave: Administrao Pblica. Licitao. Inexigibilidade de licitao. Discricionariedade administrativa. Princpios da administrao.

  • SUMRIO

    INTRODUO ........................................................................................................... 9

    CAPTULO 1 - A OBRIGATORIEDADE DE EFETUAR LICITAO PBLICA ...... 11

    1.1. CONCEITO DE LICITAO PBLICA ............................................................ 12

    1.2. DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS E INFRACONSTITUCIONAIS ............... 14

    1.3. ENTIDADES OBRIGADAS A REALIZAR A LICITAO PBLICA .................. 16

    1.4. PRINCPIOS INERENTES LICITAO PBLICA ........................................ 19

    1.4.1. Princpio da legalidade ................................................................................ 20

    1.4.2. Princpio da impessoalidade ....................................................................... 22

    1.4.3. Princpio da moralidade ............................................................................... 24

    1.4.4. Princpio da publicidade .............................................................................. 27

    1.4.5. Princpio da eficincia ................................................................................. 29

    1.4.6. Princpio da isonomia ................................................................................. 31

    1.4.7. Outros princpios ........................................................................................ 33

    CAPTULO 2 - EXCEES OBRIGAO DE LICITAR...................................... 38

    2.1. DISPENSA DE LICITAO ............................................................................. 40

    2.2. INEXIGIBILIDADE DE LICITAO .................................................................. 45

    2.2.1.Exclusividade do fornecedor ....................................................................... 47

    2.2.2.Servios tcnicos de natureza singular com profissionais de notria

    especializao ........................................................................................................ 50

    2.2.3. Contratao de servios artsticos ............................................................. 54

    2.3. REQUISITOS FORMAIS DA DISPENSA E DA INEXIGIBILIDADE DE

    LICITAO .............................................................................................................. 56

    CAPTULO 3 - ASPECTOS DISCRICIONRIOS QUE INFLUENCIAM NA

    DEFINIO DO OBJETO QUE RESULTA EM INEXIGIBILIDADE DE

    LICITAO..... .............................................................................................. ..........60

    3.1. DEFINIO DE DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA ......................... 62

    3.2. ASPECTOS DISCRICIONRIOS NO QUE TANGE DEFINIO DO OBJETO

    INEXIGVEL DE LICITAO ................................................................................... 68

    3.2.1. Esclarecimentos doutrinrios ..................................................................... 68

  • 3.2.2. Verificao dos elementos na jurisprudncia ............................................ 73

    3.3. CONSEQUNCIAS DA INEXIGIBILIDADE DE LICITAO ILCITA ............... 76

    3.3.1.Sanes cveis .............................................................................................. 76

    3.3.2.Sanes penais ............................................................................................. 81

    CONCLUSO .......................................................................................................... 84

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ........................................................................ 87

  • 9

    INTRODUO

    Muitas polmicas, como se observa atravs dos variados posicionamentos

    doutrinrios e jurisprudenciais, ainda esto presentes no que tange ao tema das

    licitaes. Esses debates envolvem desde aspectos pertinentes principal Lei que

    disciplina o instituto, conhecida como Lei Geral de Licitaes (n. 8.666/93) a outras

    normas que tambm do relevncia ao tema.

    Para a atividade do gestor pblico, bem como para a fiscalizao dos rgos

    responsveis e da sociedade, isso produz como resultado uma no linearidade ao

    verificar a prtica pertinente a alguns aspectos previstos na Lei.

    Isso ofusca a transparncia e o controle, bem como afugenta a segurana

    jurdica ao mesmo tempo em que abre margens para que agentes mprobos tirem

    proveito da situao, o que deslegitima a Administrao Pblica perante os prprios

    cidados.

    Nesse contexto, temas em particulares de grande relevncia, como o da

    inexigibilidade de licitao, sofrem uma disparidade que afeta a todos, na medida em

    que muitas vezes utilizado de maneira imprecisa sem que com isso suas

    consequncias se faam valer.

    Nesse sentido, importante mencionar que, apesar de novas leis irem se

    somando ao conjunto de normas existentes a respeito da licitao muitas

    simplificando seu procedimento, a exemplo do Regime Diferenciado de Contrataes

    Pblicas (Lei n. 12.462/2011) a natureza e a normatizao da inexigibilidade de

    licitao esto expostas na Lei Geral de Licitaes (n. 8.666/93), motivo pelo qual esta

    Lei o centro deste estudo.

    No por falta de sanes que o problema pertinente inexigibilidade de

    licitao no corrigido, sua adequao ocorrer na medida em que tambm ocorra a

    compreenso em torno dos aspectos prticos que decorrem da sua natureza.

    Mas, para se chegar ao estudo das causas e natureza da inexigibilidade de

    licitao preciso antes analisar e descrever o contexto em que ela se insere, dentro do

    universo licitatrio que, por sua vez, parte dos princpios e da natureza da

    Administrao Pblica.

    Em termos metodolgicos, para que seja desmistificado o caos que se apresenta

    primeira vista ao observar o descompasso da utilizao prtica da inexigibilidade de

    licitao, deve-se retornar ao geral, analisando a atividade da Administrao Pblica e

    seus princpios, expostos na Constituio Federal, para que assim se verifique a

  • 10

    observncia deles no contexto das licitaes, que incrementam sentido ao instituto e,

    aps, verificar o prprio tema das licitaes j com esses pressupostos constitucionais,

    a fim de conceitu-lo e abord-lo com suas especificidades. nesse sentido que foi

    desenvolvido o primeiro captulo.

    Conhecida a finalidade, natureza e princpios inerentes licitao pblica, parte-

    se para a anlise das excees obrigao de licitar a fim de verificar em que medida

    elas ocorrem, adentrando na inexigibilidade de licitao, objeto deste estudo.

    Nesse contexto, no se perde o que anteriormente foi abordado; pelo contrrio,

    observa-se sua presena tambm na inexigibilidade de licitao, uma vez que essa

    tambm parte do instituto licitatrio. Dessa maneira, os captulos um e dois

    correlacionam-se dentro das particularidades que envolvem as excees de licitar.

    Por fim, j apresentados os pressupostos constitucionais, natureza, finalidade e

    princpios da licitao, suas excees com suas particularidades inerentes, mormente o

    adequado procedimento de dispensa e inexigibilidade de licitao com seus requisitos,

    no que possvel avaliar a legalidade da dispensa e da inexigibilidade medidas que

    buscam evitar o descompasso prtico na utilizao dessas excees avaliada a

    problemtica que d origem ao presente trabalho acadmico. Isto , um problema

    anterior prpria inexigibilidade de licitao, mas que nela se desmancha. Trata-se aqui

    da definio do objeto a constar na contratao da Administrao Pblica.

    Este terceiro captulo avaliar as margem de discricionariedade de que goza o

    gestor pblico na descrio do objeto, tratando daqueles que resultaro em

    inexigibilidade de licitao, a fim de verificar seus limites para que um objeto, em

    essncia licitvel, no seja desvirtuado com exigncias de caractersticas que o tornem

    invivel de competio.

    Para isso, sero levadas em considerao todas as questes abordadas e

    verificadas as poucas consideraes doutrinrias a respeito, acrescentando um teor

    prtico na medida em que sero apresentados julgados que apresentam pertinncia ao

    tema.

    Assim, busca-se contribuir para a consolidao de um posicionamento que fixe a

    extenso e limites da atividade do gestor pblico ao definir o objeto que ir contratar,

    norteando-o sempre s necessidades da Administrao Pblica de modo a evitar

    ocorrncias de inexigibilidade de licitao ilcitas.

  • 11

    1. A OBRIGATORIEDADE DE EFETUAR LICITAO PBLICA

    Em nossa vida cotidiana, quando necessitamos adquirir um produto o

    fazemos na maior parte das vezes atravs da compra, configurando-se esta na

    relao jurdica em que, por meio da obrigao de pagar determinado valor,

    obtemos em troca o produto desejado.

    Cada cidado possui seus prprios critrios para a realizao desse ato:

    alguns compram logo a primeira opo que veem, uns pesquisam visando obter

    maior vantagem econmica, outros prezam apenas pela qualidade do produto sem

    maiores consideraes acerca do valor etc.

    No entanto, em maneira abstrata, uma mesma caracterstica sobressai seja

    qual for o critrio adotado pelo indivduo particular: a escolha sobre como ele

    proceder e o que ir obter lhe cabe livremente, consagrando o princpio da

    autonomia da vontade.

    Em essncia, esse aspecto tambm se faz presente na alienao, locao ou

    demais contrataes realizadas pelos particulares. Nas palavras de Joel de

    Menezes Niebuhr (2012, p. 32):

    Sucede que o particular dispe livremente das coisas e dos interesses que lhe dizem respeito. Ele imprime administrao de seus interesses a sua prpria vontade, agindo de acordo com ela. Por exemplo, se o particular resolve beneficiar algum, por razes estritamente pessoais como as familiares e as afetivas, no h nada que o impea de faz-lo. Sem contrariar as proibies prescritas nas normas jurdicas, o particular atua com total liberdade.

    No entanto, essa caracterstica basilar aos negcios jurdicos realizados pelos

    particulares no se faz presente na Administrao Pblica, em seu mbito no

    admitida a realizao de negociaes dessa natureza com a mera finalidade de

    realizao de interesses pessoais.

    Isso ocorre porque a Administrao Pblica, por servir coletividade, deve

    agir conforme o interesse pblico, sendo esta a finalidade que vincula a atividade do

    administrador pblico.

    O interesse pblico, na lio de Celso Antnio Bandeira de Mello (2012, p.

    62), conceituado como o interesse resultante do conjunto dos interesses que os

  • 12

    indivduos pessoalmente tm quando considerados em sua qualidade de membros

    da Sociedade e pelo simples fato de o serem. Por decorrncia, este interesse

    possui supremacia com relao aos interesses particulares1.

    O interesse pblico implica que essas mesmas relaes travadas

    cotidianamente pelos particulares sero realizadas de maneira diversa no mbito da

    Administrao Pblica, isto , mediante o dever da utilizao de um procedimento

    que possa garantir a viabilizao desse interesse, vedando o mero benefcio

    particular do administrador pblico.

    1.1. Conceito de licitao pblica

    Diante desse contexto, utiliza-se do procedimento de licitao como meio

    necessrio de garantir a satisfao do interesse coletivo por parte da Administrao

    Pblica, em benefcio da sociedade.

    Assim, pode-se afirmar que a licitao pblica :

    [...] o meio para celebrar o contrato administrativo, que o meio para contemplar o interesse pblico, a fim de propiciar Administrao Pblica o recebimento de uma utilidade produzida por terceiros, que sirva a satisfazer a coletividade. Portanto, cabe afirmar que o objetivo imediato da licitao pblica escolher uma proposta de maneira legtima para que a Administrao celebre contrato administrativo. E o objetivo mediato da licitao pblica a satisfao concreta do interesse pblico, mediante a prestao de objeto til a ser recebido por meio de contrato administrativo que ser celebrado com base nela. Para que a licitao pblica cumpra em conjunto os seus objetivos imediato e mediato, imprescindvel que nela se selecione a proposta mais vantajosa para o interesse pblico, ou seja, que nela se escolha o melhor licitante (NIEBUHR, 2012, p. 34-35).

    Nesse passo, Maria Sylvia Zanella di Pietro (2013, p. 370) diz que

    [...] pode-se definir a licitao como o procedimento administrativo pelo qual um ente pblico, no exerccio da funo administrativa, abre a todos os interessados, que se sujeitem s condies fixadas no instrumento convocatrio, a possibilidade de formularem propostas dentre as quais selecionar e aceitar a mais conveniente para a celebrao de contrato.

    1 Alguns autores discordam, a exemplo de Maral Justen Filho (2012, p. 70-71) que afirma: o

    nico valor supremo a dignidade humana, ncleo dos direitos fundamentais consagrados constitucionalmente. A expresso interesse pblico no apresenta contedo prprio, especfico e determinado. Costuma ser invocada para a satisfao dos interesses escolhidos pelo governante, o que absolutamente incompatvel com a ordem jurdico-constitucional vigente.

  • 13

    Maral Justen Filho (2009, p. 374) expe o conceito de maneira semelhante,

    porm apontando outros elementos:

    A licitao um procedimento administrativo disciplinado por lei e por um ato administrativo prvio, que determina critrios objetivos de seleo da proposta de contratao mais vantajosa, com observncia do princpio da isonomia, conduzido por um rgo dotado de competncia especfica.

    Contudo, em decorrncia das alteraes que vem sofrendo a legislao de

    licitaes, Carlos Pinto Coelho Motta (2011, p. 104) afirma que esse tradicional

    conceito de licitao j no mais suficiente:

    Nesse sentido, o instituto da licitao passa por uma necessria mudana conceitual. Hoje, no mais diramos que o processo licitatrio visa unicamente selecionar a proposta mais vantajosa para suprimento do setor pblico. Esta seria uma definio pobre, mesmo considerando os princpios da eficincia e da economicidade balizadores do instituto. A conscincia do momento em que vivemos pleiteia uma nova concepo de licitao, a ser doravante entendida como um procedimento que resguarde o mercado interno integrante do patrimnio nacional e que incentive o desenvolvimento cultural e socioeconmico do Pas, nos precisos termos do art. 219 da Constituio Federal. um conceito que incorpora a varivel do fomento, decisiva para o tempo econmico atual.

    Assim, em consonncia com conceitos apresentados, licitao

    procedimento administrativo disciplinado por lei e por um ato administrativo

    decorrente do exerccio da funo administrativa por um rgo dotado de

    competncia especfica que abre a todos os interessados a possibilidade de lhe

    formularem propostas que, vinculado ao instrumento convocatrio tanto como os

    particulares, selecionar aquela que da maneira mais objetiva possvel seja a mais

    conveniente para celebrar o contrato, de acordo com os princpios e objetivos do

    pas, expostos na legislao e obedecidos no instrumento convocatrio.

    Embora a terminologia mais adotada seja licitao, alguns autores enfatizam

    o termo licitao pblica, pois segundo eles:

    A licitao tanto pode ser privada quanto pblica. No h bice algum ao fato de um particular vir a ofertar um negcio jurdico, abrindo oportunidade a terceiros com ele contratar, conforme suas convenincias, mediante propostas. Cientificamente esta situao jurdica enquadra-se no vocbulo licitar. A palavra herana romana, conforme anota Plcido e Silva, considerando a licitatio como o lanamento, para a venda da coisa e distribuio entre os proprietrios dela do maior preo obtido (NIEBUHR, 2000, p. 73).

  • 14

    Dessa maneira, as menes palavra licitao que forem feitas no decorrer

    do presente estudo referem-se licitao pblica.

    1.2. Dispositivos constitucionais e infraconstitucionais

    Em mbito constitucional, trs normas fazem referncia licitao, dentre

    elas a obrigatoriedade da Administrao Pblica realizar o processo licitatrio,

    decorrente do art. 37, XXI:

    XXI - ressalvados os casos especificados na legislao, as obras, servios, compras e alienaes sero contratados mediante processo de licitao pblica que assegure igualdade de condies a todos os concorrentes, com clusulas que estabeleam obrigaes de pagamento, mantidas as condies efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitir as exigncias de qualificao tcnica e econmica indispensveis garantia do cumprimento das obrigaes (BRASIL, 1988).

    Diante desse dispositivo, no pode a Administrao Pblica contratar sem a

    realizao prvia do certame licitatrio, salvo nas situaes que configuram as

    excees previstas em lei.

    O art. 22, XXVII, por sua vez, estabelece a competncia privativa da Unio

    Federal para legislar sobre normas gerais de licitao e contratao:

    Art. 22. Compete privativamente Unio legislar sobre: (...) XXVII normas gerais de licitao e contratao, em todas as modalidades, para as administraes pblicas diretas, autrquicas e fundacionais da Unio, Estados, Distrito Federal e Municpios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas pblicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, 1, III; (BRASIL, 1988. Redao dada pela Emenda Constitucional n 19, de 1998).

    Convm realar a expresso normas gerais; o que significa que Estados,

    Municpios e o Distrito Federal tambm podero legislar sobre normas especficas, a

    exemplo da Lei n 9.433 do Estado da Bahia2.

    Por fim, o art. 173, 1, III, remete ao legislador a tarefa de elaborar o

    estatuto jurdico das empresas estatais econmicas, devendo dispor tambm sobre

    licitaes e contratos:

    2 Dispe sobre as licitaes e contratos administrativos pertinentes a obras, servios,

    compras, alienaes e locaes no mbito dos Poderes do Estado da Bahia e d outras providncias (BAHIA, 2005).

    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc19.htm#art1http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc19.htm#art1

  • 15

    Art. 173... 1 A lei estabelecer o estatuto jurdico da empresa pblica, da sociedade de economia mista e de suas subsidirias que explorem atividade econmica de produo ou comercializao de bens ou de prestao de servios, dispondo sobre: (Redao dada pela Emenda Constitucional n 19, de 1998) (...) III - licitao e contratao de obras, servios, compras e alienaes, observados os princpios da administrao pblica; (BRASIL, 1988. Includo pela Emenda Constitucional n 19, de 1998).

    A respeito dos dispositivos infraconstitucionais, so diversos. O principal deles

    a Lei Federal n. 8.666, de 21 de junho de 1993, que estabelece as normas gerais

    sobre licitaes e contratos administrativos, regulamentando o citado art. 37, XXI, da

    Constituio Federal. Segundo Jos dos Santos Carvalho Filho (2009, p. 227), trata-

    se da fonte legislativa primria disciplinadora das licitaes.

    Tambm merece referncia a Lei n. 10.520, de 17 de julho de 2002, que

    instituiu a licitao na modalidade prego, para aquisio de bens e servios

    comuns, aplicando-se de forma subsidiria a lei geral (n. 8.666/93).

    Posteriormente, inovando o instituto da licitao e acrescentando novos

    sentidos a ele, veio a Lei Complementar n. 123, de 14 de dezembro de 2006,

    instituindo o Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte, com

    normas especficas proporcionando tratamento diferenciado a tais categorias no

    mbito das licitaes.

    Joel de Menezes Niebuhr (2012, p. 51) finaliza:

    A legislao sobre licitao pblica composta por um cipoal de normas espalhadas por leis, decretos, portarias, etc. Alis, isso tumultua as atividades dos intrpretes, que, com frequncia, para tomarem decises, precisam recorrer a diversos diplomas normativos, muitos deles contraditrios.

    Contudo, esse cipoal de normas no retira a importncia da mencionada Lei

    8.666/93, que continua a ser a principal lei referente ao tema.

    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc19.htm#art22http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc19.htm#art22http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc19.htm#art22http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc19.htm#art22

  • 16

    1.3. Entidades obrigadas a realizar a licitao pblica

    Em ateno ao artigo 37, caput e inciso XXI da Constituio Federal, pode-se

    afirmar que so obrigadas a realizar o processo de licitao a administrao pblica

    direta e indireta de qualquer dos Poderes da Unio, dos Estados, do Distrito Federal

    e dos Municpios.

    importante frisar que as normas relacionadas licitao, portanto, se

    aplicam no somente ao Poder Executivo que exerce tipicamente a funo

    administrativa, mas tambm ao Legislativo e Judicirio quando a exercerem:

    Por outro lado, convm relembrar que a expresso administrao mencionada tem carter e sentido genrico, aambarcando tanto os rgos do Poder Executivo como os dos Poderes Judicirio e Legislativo, de vez que estes, ao efetivarem acordos com terceiros, esto desempenhando atividades tipicamente administrativas (BITTENCOURT, 2010, p. 33).

    Com relao ao Poder Executivo, que quem tipicamente exerce a funo

    administrativa, tambm digna de nota a meno de que tanto a Administrao

    direta quanto a indireta esto sujeitas licitao. Com relao a esta ltima, pode-se

    dizer:

    Inserem-se nos quadros da Administrao indireta as autarquias, as empresas pblicas, as sociedades de economia mista e as fundaes governamentais. Conquanto tais pessoas tenham autonomia e constituam personalidades distintas da do Estado, fazem parte da Administrao Pblica e, sob essa gide, lhes obrigatrio realizar licitao pblica. Importa assinalar, ainda, que as empresas subsidirias e controladas por empresas pblicas e sociedades de economia mista tambm se sujeitam ao regime da licitao pblica, pois no passam de desdobramentos destas (NIEBUHR, 2012, p. 37).

    Contudo, as empresas subsidirias controladas por empresas pblicas e

    sociedades de economia mista apresentam peculiaridades, na medida em que a

    participao estatal nelas pode variar. Maral Justen Filho (2012, p. 37) destaca:

    Para os fins de aplicao da Lei n 8.666/93, o relevante ser a existncia de controle (direto ou indireto) do Estado. Tanto pode tratar-se de uma subsidiria integral como no. Somente no incidir o regime da Lei n 8.666/93 quando a participao estatal no for apta a atribuir ao Estado (ainda que indiretamente) o poder de controle. Ou seja, a incidncia do regime licitatrio se vincula existncia de controle, no forma da entidade. irrelevante discutir o conceito de sociedade subsidiria, eis que a soluo jurdica se vincula questo do controle. Se uma sociedade

  • 17

    privada estiver sob o controle do Estado, ainda que indireto, aplicar-se- a disciplina licitatria prevista na Lei n 8.666.

    No sentido de todo o exposto, dispe o pargrafo nico do art. 1 da Lei

    8.666/93:

    Pargrafo nico. Subordinam-se ao regime desta Lei, alm dos rgos da administrao direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundaes pblicas, as empresas pblicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela Unio, Estados, Distrito Federal e Municpios (BRASIL, 1993).

    Maral Justen Filho (2012, p. 21) explica que embora todas essas entidades

    estejam sujeitas a realizar licitao pblica, isso no significa que o procedimento

    deva ser rigorosamente idntico para todas essas entidades. Existem

    peculiaridades que devem ser reconhecidas.

    Por fundos especiais, Carlos Pinta Coelho Motta (2011, p. 81) afirma que

    dever ser entendido:

    [...] como somas de recursos financeiros postas disponibilidade de determinados objetivos. So entretanto administrados por rgos pblicos e, nos termos do pargrafo em tela, devem submeter-se em igualdade de condies ao regramento licitatrio.

    Jos dos Santos Carvalho Filho (2009, p. 230), no entanto, critica a meno

    feita na lei aos fundos especiais, pois, segundo ele, os fundos especiais so

    despidos de personalidade jurdica, razo pela qual no licitam, alm de que

    constituem reservas financeiras criadas por lei, cuja gesto fica sempre, de alguma

    forma, a cargo de rgos pblicos, e estes, como se viu, esto mesmo obrigados a

    licitar.

    Ateno mais especial requer as empresas pblicas e sociedades de

    economia mista. Segundo Joel de Menezes Niebuhr (2012, p. 37), elas se

    subdividem em trs categorias: as que realizam atividade econmica em sentido

    estrito; as prestadoras de servios pblicos; e as auxiliares do Poder Pblico, que

    prestam a ele atividades inerentes, as duas ltimas se submetem ao regime

    licitatrio, contudo a primeira categoria, por realizar atividade econmica, possui um

    regime jurdico

    [...] hbrido, uma vez que foram criadas pelo Poder Pblico, para a

  • 18

    satisfao do interesse pblico, e, noutro lado, precisam atuar no mercado com desenvoltura, tanto que lhes foram atribudos os mesmos direitos e obrigaes incidentes sobre empresa privada.

    A soluo encontrada foi que:

    Para harmonizar essas duas faces das empresas pblicas e sociedade de economia mista, necessrio apartar as suas atividades fim das suas atividades meio. A atividade fim diz respeito produo industrial e comercializao de seus produtos, que se sujeita integralmente ao regime de Direito Privado, por consequncia, no que concerne a ela no se configura a obrigatoriedade de licitao pblica. (...) Todavia, no que tange aos meios para aportar a tais finalidades (atividades meio) incide o regime administrativo, protetor do interesse pblico, que impe a obrigatoriedade de licitao pblica (NIEBUHR, 2012, p. 37-38).

    Com relao ao terceiro setor, assim entendido aquele que composto por

    entidades da sociedade civil de fins pblicos e no lucrativos; esse terceiro setor

    coexiste com o primeiro setor, que o Estado, e o segundo setor, que o mercado

    (DI PIETRO, 2013, p. 555) so obrigados a licitar as organizaes da sociedade civil

    de interesse pblico3 e os servios sociais autnomos4, enquanto as organizaes

    sociais no esto obrigadas a realizar licitao5.

    Por fim, as entidades profissionais, como os conselhos profissionais, tambm

    se submentem a legislao licitatria porque a natureza de tais entidades

    autrquica, pelo que so consideradas pessoas jurdicas de direito pblico

    (NIEBUHR, 2012, p. 40). A exceo, em decorrncia de sua natureza sui generis,

    a Ordem dos Advogados do Brasil6.

    3 As organizaes da sociedade civil de interesse pblico tambm fazem parte do terceiro

    setor, j que celebram com o Estado termo de parceria, de acordo com o qual se credenciam a obter recursos e bens pblicos (Lei n 9.790, de 23.3.1999). Alm de exigncias de cunho formal, as citadas organizaes no podem ter fins lucrativos e devem desenvolver atividades socialmente teis. Na mesma linha tocante s organizaes sociais, por princpio, os recursos a serem recebidos pelo Poder Pblico devem ser administrados de modo consoante com o interesse pblico, sujeitando-se tais entidades s regras de licitao pblica (NIEBUHR, 2012, p. 39).

    4 O regime jurdico a que se sujeitam os servios sociais autnomos hbrido: regido em

    parte pelo Direito Privado, parte pelo Direito Pblico. Entre os ditames defluentes do Direito Pblico, ganha nfase a obrigatoriedade de licitao pblica, conquanto com rigores atenuados (NIEBUHR, 2012, p. 40).

    5 primeira vista e por princpio, dado que as ditas organizaes sociais devem gerenciar os

    bens, recursos e servidores pblicos de modo compatvel com a moralidade administrativa, com a impessoalidade e com a isonomia, so-lhes impostas as restries outorgadas Administrao Pblica, mormente a necessidade de proceder licitao pblica. Entretanto, em sentido diametralmente oposto, a inteno dos idelogos da Reforma do Estado foi a de isentar ditas organizaes das restries que afetam Administrao Pblica, inclusive da prpria obrigatoriedade de licitao pblica (NIEBUHR, 2012, p. 38-39).

    6 Por derradeiro, conveniente destacar que a Ordem dos Advogados do Brasil tem o

    mesmo perfil institucional das demais entidades profissionais e, por corolrio, deveria, tambm

  • 19

    1.4. Princpios inerentes licitao pblica

    Da compreenso dos princpios intrnsecos da licitao pblica

    possvel extrair a essncia do instituto da licitao, de forma que as regras presentes

    na legislao pertinente ao tema decorrem dos princpios que lhes so inerentes,

    pois essas refletem a integrao dos princpios que lhes serviram de base.

    Na linguagem comum, princpio significa o comeo, o incio, a base, o ponto de partida. Esse sentido aproveitado no Direito, j que os princpios jurdicos consubstanciam a base, o ponto de partida, a estrutura sobre a qual se constri o ordenamento jurdico. Da a importncia deles, porque, para se compreender as leis, fundamental que se compreenda o que deu origem e serviu de inspirao a elas (NIEBUHR, 2012, p. 41).

    Dessa forma, o domnio dos princpios fundamental para que eventuais

    contradies ou lacunas nas regras que tratam da licitao possam ser solucionadas

    de maneira que no se corrompa a essncia desse importante instituto do direito

    pblico.

    O princpio consagra uma diretriz valorativa, cuja aplicao envolve ponderao do aplicador. Por isso, o princpio no acarreta uma soluo nica, aplicvel de modo uniforme a todos os diversos casos. Comporta a adequao necessria s circunstncias e aos valores envolvidos na situao concreta (JUSTEN FILHO, 2012, p. 69).

    Nesse diapaso, percebe-se que os princpios traam limites, alcance e

    sentido aplicao das regras licitatrias por estas serem decorrentes deles. Da a

    fundamental importncia de seu estudo.

    Para isso, o caput do art. 37 da Constituio Federal estabelece os seguintes

    princpios que moldam a todo o Direito Administrativo:

    Art. 37. A administrao pblica direta e indireta de qualquer dos Poderes da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios obedecer aos princpios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficincia... (BRASIL, 1988).

    sujeitar-se aos ditames do Direito Pblico e obrigatoriedade de licitao pblica. No entanto, os tribunais reconhecem Ordem dos Advogados do Brasil natureza sui generis, espcie de servio pblico independente, que no integra a Administrao indireta e no se sujeita a qualquer influxo do Direito Pblico, desobrigando-a de realizar licitao pblica ou qualquer procedimento correlato (NIEBUHR, 2012, p. 41).

  • 20

    Embora no fosse necessrio face previso constitucional, o caput do art. 3

    da Lei Geral de Licitaes repete a maior parte desses princpios, acrescentando

    outros:

    Art. 3o A licitao destina-se a garantir a observncia do princpio

    constitucional da isonomia, a seleo da proposta mais vantajosa para a administrao e a promoo do desenvolvimento nacional sustentvel e ser processada e julgada em estrita conformidade com os princpios bsicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculao ao instrumento convocatrio, do julgamento objetivo e dos que lhes so correlatos. (BRASIL, 1993).

    Com isso, parte-se anlise conceitual dos princpios para que, aps isso,

    seja possvel visualiz-los nas normas licitatrias.

    1.4.1. Princpio da legalidade

    Carlos Pinto Coelho Motta (2011, p. 107) afirma que o princpio da legalidade

    a pr-condio indispensvel do Estado de Direito. Todos os artigos

    constitucionais, em ltima anlise, velam por esse princpio.

    Embora seja assim, este princpio ganha contornos que variam conforme o

    sujeito. Os particulares, por exemplo, entendem o princpio da legalidade como

    decorrente do art. 5, II, da Constituio Federal, que estabelece que ningum ser

    obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa seno em virtude de lei, dessa

    forma, aquilo que no proibido est permitido.

    Para a Administrao Pblica, contudo, este princpio possui contedo diverso

    na medida em que impe ao agente pblico que ele s possa atuar nos termos

    estabelecidos pela lei, podendo fazer somente o que a lei antecipadamente autoriza.

    Dessa maneira, para a Administrao Pblica s permitido aquilo previsto em lei.

    "Da, relativamente, Administrao Pblica, fica condicionada ao que a lei

    determina, ou a realizar somente as condutas legalmente previstas" (RIZZARDO,

    2009. p. 441).

    A justificativa para isso se d porque

    [...] os agentes administrativos no atuam com liberdade, para atingir fins que reputem convenientes. Ao contrrio, eles esto vinculados ao

  • 21

    cumprimento do interesse pblico, uma vez que atuam nos estritos termos da competncia que lhes foi atribuda por lei. Em breves palavras, a Administrao Pblica cumpre a lei; os agentes administrativos exercem competncia atribuda por lei, nos termos dela (NIEBUHR, 2012, p. 44).

    Ora, como o agente administrativo deve agir conforme o interesse pblico

    decorre que no pode fazer tudo o que a lei no o probe; pelo contrrio, como

    representa o interesse da sociedade, deve fazer somente aquilo que a lei lhe

    autoriza, na competncia e termos estabelecidos nela.

    Isto , as licitaes pblicas devem ser processadas em estrita obedincia ao princpio da legalidade, uma vez que os agentes administrativos veem-se compelidos a agir nos termos das normas que lhes so apresentadas, procedendo conforme a lei e exigindo apenas o que nela for admitido (NIEBUHR, 2012, p. 44).

    Como apresentado, essa a concepo amplamente majoritria a respeito do

    princpio da legalidade. No entanto, Lucas Rocha Furtado (2012, p. 84-85) entende

    que conceber o princpio da legalidade para a Administrao Pblica dessa maneira

    um equvoco. Sua opinio merece ser destacada:

    Se existe rgo ou entidade administrativa dotado de competncia genrica para desenvolver atividades administrativas, no necessrio que seja aprovada lei que trate especificadamente de cada ato ou atividade a ser desenvolvida por essas unidades, salvo se esse ato ou essa atividade administrativa impuser ao particular a obrigao de fazer ou de deixar de fazer algo. No campo das atividades prestacionais (sade, educao, trabalho, lazer, proteo maternidade ou infncia), o Estado no atua por meio de atos que importem em qualquer tipo de imposio unilateral de vontade. Exigir que cada programa de governo, que cada ato praticado ou atividade desenvolvida tenham sido detalhadamente disciplinas por meio de lei se trata de equvoco acerca da interpretao do princpio da legalidade. (...) Afinal, se houvesse necessidade de lei para disciplinar qualquer atividade da Administrao, por que teria o texto constitucional tido o cuidado de indicar, apenas para algumas situaes especficas, a necessidade de lei? Se qualquer atividade ou atuao administrativa necessitasse de legislao prvia, qual o sentido de ter sido elaborado to longo elenco de situaes para as quais a Constituio exige lei como requisito ao exerccio de alguma atividade estatal? No teria sido mais simples a Constituio Federal ter simplesmente afirmado que qualquer atividade administrativa do Estado depende de lei?

    Apesar da respeitvel opinio elencada acima, talvez a crtica seja decorrente

    de uma interpretao demasiadamente rigorosa a respeito do princpio em tela, pois

    Maral Justen Filho (2012, p. 69) explica que preciso fazer a ressalva de que agir

    somente conforme os termos e limites expressos em lei no necessariamente

  • 22

    significa que a autoridade administrativa estaria constrangida a uma interpretao

    puramente gramatical ou literal. Nem se exige que toda e qualquer deciso se

    funde em uma disposio legal explcita (grifo nosso). Disso mais uma vez se

    denota a importncia principiolgica.

    Embora todos os artigos de alguma maneira sucedam da legalidade,

    possvel visualizar na Lei Geral de Licitaes os seguintes artigos que denotam de

    maneira mais clara a observncia ao presente princpio7:

    Art. 4o Todos quantos participem de licitao promovida pelos rgos ou entidades a que se refere o art. 1 tm direito pblico subjetivo fiel observncia do pertinente procedimento estabelecido nesta lei, podendo qualquer cidado acompanhar o seu desenvolvimento, desde que no interfira de modo a perturbar ou impedir a realizao dos trabalhos (BRASIL, 1993). Art. 41. A Administrao no pode descumprir as normas e condies do edital, ao qual se acha estritamente vinculada (BRASIL, 1993).

    Do princpio da legalidade no pode afastar-se o agente administrativo sob

    pena de incorrer em ilegalidade e anulao de seus atos (NASCIMENTO, 2012, p.

    29).

    1.4.2. Princpio da impessoalidade

    Tambm decorrente do interesse pblico, na medida em que a dimenso

    pblica dos interesses individuais (MELLO, 2012, p. 60), o princpio da

    impessoalidade impe ao administrador que aja de maneira igualitria com relao

    aos particulares, isto , sem poder utilizar-se de critrios pessoais no tratamento

    para com esses particulares, o princpio da impessoalidade o prprio fundamento

    para a existncia do procedimento licitatrio (FURTADO, 2012, p. 335).

    Assim, este princpio faz com que o administrador pblico no se utilize de

    valores subjetivos a fim de gerar preferncias para determinados particulares, pois

    seu dever dar a possibilidade para que os indivduos interessados atuem sob

    condies iguais perante a Administrao Pblica. O administrado no pode e no

    7 Conforme lio de Carlos Pinto Coelho Motta (2011, p. 108).

  • 23

    deve ser favorecido ou prejudicado, no exerccio da atividade da Administrao

    Pblica, por suas exclusivas condies e caractersticas (NOLASCO, 2010. p. 24).

    Dessa forma, no mbito da licitao pblica, vedado ao administrador

    utilizar-se de critrios discriminatrios com a inteno de beneficiar ou prejudicar

    determinado licitante, posto que a preferncia pessoal do administrador no

    considerada para o julgamento da licitao, mas somente os critrios objetivos

    previstos no edital de convocao que deve estar de acordo com a legislao.

    A impessoalidade e a objetividade do julgamento so emanaes da isonomia, da vinculao lei e ao ato convocatrio e da moralidade. Indicam vedao a distines fundadas em caracteres pessoais dos interessados, que no reflitam diferenas efetivas e concretas (que sejam relevantes para os fins da licitao). Excluem o subjetivismo do agente administrativo. A deciso ser impessoal quando derivar racionalmente de fatores alheios vontade psicolgica do julgador. A impessoalidade e a objetividade do julgamento conduzem a que a deciso independa da identidade do julgador (JUSTEN FILHO, 2012, p. 75).

    O princpio da impessoalidade se aplica corretamente, portanto, quando o

    tratamento dado ao particular pelo administrador seja o mesmo independente da

    identidade do agente pblico. Celso Antnio Bandeira de Mello (2012, p. 542) afirma

    que este princpio nada mais do que uma forma de designar o princpio da

    igualdade de todos perante a Administrao.

    A impessoalidade tambm impe aos administradores que esses no possam

    utilizar-se da Administrao Pblica para fazer propaganda ou beneficiar

    determinado grupo poltico, vinculando imagens de pessoas ou partidos

    Administrao (vide art. 37, 1 da Constituio Federal), bem como resulta na

    responsabilidade da pessoa jurdica pelos atos cometidos pelos agentes que por ela

    atuam8.

    Contudo, face s mais recentes finalidades da licitao j expostas em seu

    novo conceito, cumpre observar que o princpio da impessoalidade no absoluto,

    frente ao atendimento de determinadas questes sociais que estabelecem

    preferncias destinadas a resguardar determinados setores produtivos

    (NASCIMENTO, 2012, p. 30), o que no fere o princpio da isonomia9.

    8 Se determinado agente pblico, no exerccio da funo pblica, pratica ato, a

    responsabilidade atribuda diretamente pessoa jurdica qual o rgo em que o agente esteja lotado est vinculado. A rigor, os atos praticados pelos agentes pblicos foram praticados diretamente pelas respectivas pessoas jurdicas. (FURTADO, 2012, p. 89).

    9 Vide item 1.4.6.

  • 24

    Pode-se observar o princpio da impessoalidade estampado em regra atravs

    dos seguintes artigos da Lei 8.666/93:

    Art. 7o (...) 5o vedada a realizao de licitao cujo objeto inclua bens e servios sem similaridade ou de marcas, caractersticas e especificaes exclusivas, salvo nos casos em que for tecnicamente justificvel, ou ainda quando o fornecimento de tais materiais e servios for feito sob o regime de administrao contratada, previsto e discriminado no ato convocatrio (BRASIL, 1993). Art. 15 (...) 7o Nas compras devero ser observadas, ainda: I - a especificao completa do bem a ser adquirido sem indicao de marca; (BRASIL, 1993).

    O que evidencia a importncia do princpio exposto.

    1.4.3. Princpio da moralidade

    Trata-se a moralidade de um princpio de difcil definio, com muitas

    divergncias a seu respeito em razo da profundidade de seu conceito10. Renato

    Nascimento (2012, p. 30), por exemplo, aborda a questo da seguinte maneira:

    Nem tudo que legal est em conformidade com o bom senso que deve imperar nos homens de bem. A administrao, na elaborao dos procedimentos licitatrios, dever agir com lealdade e boa-f, em respeito aos princpios ticos que devem nortear as aes dos agentes pblicos.

    Nesse sentido, por meio de um certo vis filosfico, nem tudo aquilo que

    legal moral, embora o princpio da moralidade deva ser atendido ao cumprir a

    legalidade.

    Maria Sylvia Zanella di Pietro (2013, p. 77-78) afirma que a moralidade

    [...] implica saber distinguir no s o bem e o mal, o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, mas tambm entre o honesto e o desonesto; h uma moral institucional, contida na lei, imposta pelo Poder Legislativo, e h a moral administrativa, que imposta de dentro e vigora no prprio ambiente institucional e condiciona a utilizao de qualquer poder jurdico, mesmo o discricionrio.

    10

    Nem todos os autores aceitam a existncia desse princpio; alguns entendem que o conceito de moral administrativa vago e impreciso ou que acaba por ser absorvido pelo prprio conceito de legalidade. (DI PIETRO, 2013, p. 77).

  • 25

    A partir disso, o princpio da moralidade determina que os atos praticados

    pelos agentes da Administrao Pblica estejam de acordo com os padres sociais

    que exigem uma gesto pblica coerente:

    No suficiente que o agente permanea adstrito ao princpio da legalidade, sendo necessrio que obedea tica administrativa, estabelecendo uma relao de adequao entre seu obrar e a consecuo do interesse pblico (ALVES; GARCIA, 2010. p. 91).

    Est, portanto, o princpio da moralidade prximo ao da legalidade, na medida

    em que o administrador deve buscar agir de maneira honesta no cumprimento da lei.

    A esse respeito, Joel de Menezes Niebuhr (2012, p. 45) esclarece:

    A moralidade posta no meio administrativo quer agregar fora ao princpio da legalidade, evitando que agentes administrativos deturpem as competncias que lhes foram atribudas por lei para a prtica de atos incompatveis com os valores que a sociedade considera acertados. Sobremaneira, para o Direito Administrativo, a moralidade significa harmonia com o interesse pblico, vetor mximo de todos os princpios e regras que o informam, revelando-se intimamente ligada legitimidade.

    Contudo, segundo Maria Sylvia Zanella di Pietro (2013, p. 78), o princpio da

    legalidade no pode se confundir com o da moralidade administrativa, ao passo que

    a Constituio de 1998 faz um avano, ao mencionar, no artigo 37, caput, como

    princpios autnomos, o da legalidade e o da moralidade.

    A autonomia da moralidade se d no seguinte sentido:

    Embora no se identifique com a legalidade (porque a lei pode ser imoral e a moral pode ultrapassar o mbito da lei), a imoralidade administrativa produz efeitos jurdicos, porque acarreta a invalidade do ato, que pode ser decretada pela prpria Administrao ou pelo Poder Judicirio. (DI PIETRO, 2013, p. 79).

    Segundo a autora (2013, p. 79), mesmo os comportamentos ofensivos da

    moral comum implicam ofensa ao princpio da moralidade administrativa; ao passo

    que Celso Antnio Bandeira de Mello (2012, p. 123) discorda, pois entende que

    [...] no qualquer ofensa moral social que se considerar idnea para dizer-se ofensiva ao princpio jurdico da moralidade administrativa, entendemos que este ser havido como transgredido quando houver violao a uma norma de moral social que traga consigo menosprezo a um bem juridicamente valorado. Significa, portanto, um reforo ao princpio da legalidade, dando-lhe um mbito mais compreensivo do que normalmente teria.

  • 26

    Maral Justen Filho (2012, p. 76) expe que moralidade e probidade so

    expresses quase sinnimas, estando a probidade abarcada pelo conceito de

    moralidade, sendo esta mais abrangente que aquela11.

    No mesmo sentido, tambm curioso notar que o citado caput do art. 3 da lei

    8.666/93 expressamente aponta tanto o princpio da moralidade como o da

    probidade, sobre o tema assevera Maria Sylvia Zanella di Pietro (2013, p. 382):

    A Lei n 8.666/93 faz referncia moralidade e probidade, provavelmente porque a primeira, embora prevista na Constituio, ainda constitui um conceito vago, indeterminado, que abrange uma esfera de comportamentos ainda no absorvidos pelo Direito, enquanto a probidade ou, melhor dizendo, a improbidade administrativa j tem contornos bem mais definidos no direito positivo, tendo em vista que a Constituio estabelece sanes para punir os servidores que nela incidem.

    A autora (2013, p. 79) tambm adverte que este princpio deve ser seguido

    no somente pelos agentes da Administrao Pblica como tambm pelos

    particulares, mormente ao se tratar da licitao pblica:

    Alm disso, o princpio deve ser observado no apenas pelo administrador, mas tambm pelo particular que se relaciona com a Administrao Pblica. So frequentes, em matria de licitao, os conluios entre licitantes, a caracterizar ofensa a referido princpio.

    Apesar da ampla polmica que envolve o tema, seu estudo ganha importncia

    na medida em que a Constituio Federal dispe em seu art. 5, LXXIII:

    LXXIII - qualquer cidado parte legtima para propor ao popular que vise a anular ato lesivo ao patrimnio pblico ou de entidade de que o Estado participe, moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimnio histrico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada m-f, isento de custas judiciais e do nus da sucumbncia (BRASIL, 1988).

    Da a concluso de que uma situao concreta que viole este princpio pode

    resultar na nulidade do ato violador, quer pela via judicial, quer pela via

    administrativa (FURTADO, 2012, p. 92).

    11

    Ainda quando as expresses no tenham significao precisa, a moralidade abarcaria a probidade. A utilizao cumulativa das expresses no representa conceitos qualitativamente diversos, mesmo que se possa reconhecer que a moralidade apresenta mbito de abrangncia mais amplo.

  • 27

    1.4.4. Princpio da publicidade

    Basilar em um Estado Democrtico de Direito12, o princpio da publicidade

    impe Administrao Pblica o dever de sempre agir com a maior transparncia

    possvel na prtica de seus atos para que os cidados tenham conhecimento do que

    vem sendo realizado pelo Poder Pblico. "Inexistindo transparncia, no seria

    passvel de aferio a necessria adequao que deve existir entre os atos estatais

    e a consecuo do interesse pblico, razo de ser do prprio Estado" (ALVES;

    GARCIA, 2010. p. 66).

    Para que essa transparncia possa ser alcanada no plano da licitao

    pblica, Luciano Dalvi (2012, p. 28-29) informa que:

    A Administrao Pblica deve propiciar meios eficazes de divulgao do edital de licitao, como tambm, de todas as fases pertinentes ao certame. Os interessados devem ter pleno acesso a todas informaes pertinentes licitao. O resultado final, bem como os critrios utilizados para aferi-lo devem estar disponibilizados a qualquer pessoa para que possa ser efetivado o princpio da publicidade.

    Mais que isso, o carter pblico da licitao decorre justamente do princpio

    da publicidade, pois como demonstra Joel de Menezes Niebuhr (2012, p. 45):

    Para a licitao pblica, o princpio da publicidade de vital importncia. Sem ele, j no se poderia falar em licitao pblica, mas to somente em licitao privada. Ora, se no h publicidade, se a licitao destinada a grupo restrito de pessoas, no se pode chamar de pblica. Alis, se alguns tm condies de saber da licitao e outros no, no h igualdade, que a causa da licitao. Desse modo, sem publicidade, no h utilidade em realizar licitao.

    Maria Sylvia Zanella di Pietro (2013, p. 382), por sua vez, nota que o grau de

    publicidade varia conforme a modalidade de licitao praticada pela Administrao

    Pblica, sendo a mais ampla possvel na concorrncia, em que o interesse maior

    da Administrao o de atrair maior nmero de licitantes, e se reduz ao mnimo no

    convite, em que o valor do contrato dispensa maior divulgao.

    12

    A publicidade consequncia direta do princpio democrtico. Somente em regimes ditatoriais pode ser admitida at porque no h outra opo a prtica de atos secretos, sigilosos. direito da populao, e dever do administrador, divulgar os atos praticados pela Administrao a fim de que possam os cidados tomar as providncias necessrias ao controle da legalidade, da moralidade, da eficincia das atividades do Estado.

    Se democracia o governo do povo, pelo povo, necessrio que o povo saiba o que ocorre nas entranhas das reparties pblicas. (FURTADO, 2012, p. 92).

  • 28

    Lucas Rocha Furtado faz notar que o princpio da publicidade no se

    confunde to somente com a publicao de atos, entendendo esta ltima como

    apenas uma das formas possveis de gerar publicidade (realizada por meio de dirio

    oficial), sendo a publicidade, portanto, mais abrangente em razo da possibilidade

    de ser realizada por diversos meios13.

    necessrio observar, contudo, que h circunstncias na licitao pblica em

    que a publicidade num primeiro momento no se faz presente justamente para

    preservar a eficcia da licitao. o caso, por exemplo, do contedo das propostas:

    O sigilo das propostas enunciado com o objetivo de evitar conluios e de dar maior competitividade ao certame. Esse sigilo tem quer ser mantido at o momento em que, de acordo com o processamento da licitao, deva ser realizada a sua abertura, o que ocorre em sesso pblica (FURTADO, 2012, p. 346).

    Ademais, h tambm casos excepcionais em que no incide o princpio da

    publicidade com o fim de resguardar outros interesses pblicos14.

    A aplicao do mencionado princpio pode ser observada em diversos

    dispositivos da Lei Geral de Licitaes, por exemplo:

    Art. 3o (...) 3o A licitao no ser sigilosa, sendo pblicos e acessveis ao pblico os atos de seu procedimento, salvo quanto ao contedo das propostas, at a respectiva abertura (BRASIL, 1993). Art. 21. Os avisos contendo os resumos dos editais das concorrncias, das tomadas de preos, dos concursos e dos leiles, embora realizados no local da repartio interessada, devero ser publicados com antecedncia... 4o Qualquer modificao no edital exige divulgao pela mesma forma que se deu o texto original, reabrindo-se o prazo inicialmente estabelecido, exceto quando, inquestionavelmente, a alterao no afetar a formulao das propostas (BRASIL, 1993). Art. 43 (...) 1o A abertura dos envelopes contendo a documentao para habilitao e as propostas ser realizada sempre em ato pblico previamente designado, do qual se lavrar ata circunstanciada, assinada pelos licitantes presentes e pela Comisso (BRASIL, 1993).

    13

    Ainda em relao publicidade, deve ser mencionado que ela no se confunde com a publicao de atos. Esta, a publicao, que salvo disposio legal em sentido contrrio deve ser entendida como publicao em rgo oficial (dirio oficial), uma das formas possveis de dar publicidade aos atos administrativos. So vrias as outras formas de publicidade existentes: notificao direta, afixao de avisos, internet etc. (2012, p. 95).

    14 Existem contrataes que envolvem questes sigilosas. Bem de ver que o sigilo no pode

    ser imposto de modo arbitrrio, mas deve ser cumpridamente justificado. Em tais casos, o princpio da publicidade poder ser afastado, mas nos estritos limites da necessidade. (JUSTEN FILHO, 2012, p. 77).

  • 29

    No que se reflete a base principiolgica da impessoalidade nas normas da Lei

    Geral de Licitaes.

    1.4.5. Princpio da eficincia

    Embora seja o nico dos princpios expressos no caput do art. 37 da

    Constituio Federal que no foi repetido pelo art. 3 da Lei 8.666/93 pelo motivo

    de ter sido inserido no dispositivo constitucional aps a edio da mencionada lei

    no h razes para crer que a licitao pblica no deve observar o princpio da

    eficincia, haja vista que o mencionado dispositivo constitucional prev os princpios

    que devem ser seguidos por toda a Administrao ao realizar seus atos, inclusive ao

    efetuar o procedimento licitatrio.

    que a licitao pblica deve ser, alm de garantidora da isonomia, instrumento para que a Administrao selecione o melhor contratante, que lhe apresente proposta realmente vantajosa, quer quanto ao preo (economicidade), quer quanto qualidade. Ademais, o processo de licitao pblica deve ser concludo com agilidade, porque a demora tambm prejudica o interesse pblico, uma vez que as demandas dele so postergadas (NIEBUHR, 2012, p. 43).

    Por isso, trata-se a eficincia de um conceito econmico, qualitativo e

    temporal, balizado na ideia de que a Administrao Pblica deve obter seus

    resultados almejados atravs do menor custo financeiro e de tempo possvel, pois

    dessa forma garantido um melhor proveito tanto de tempo como de recursos

    pblicos, visando satisfao social da forma mais qualitativa que seja alcanvel.

    A respeito, Maria Sylvia Zanella di Pietro (2013, p. 84) expe:

    O princpio da eficincia apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser considerado em relao ao modo de atuao do agente pblico, do qual se espera o melhor desempenho possvel de suas atribuies, para lograr os melhores resultados; e em relao ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administrao Pblica, tambm com o objetivo de alcanar os melhores resultados na prestao do servio pblico.

    Com isso, a Administrao Pblica melhora sua gesto do tempo e dinheiro.

    Nesse sentido, Lucas Rocha Furtado (2012, p. 97) complementa:

    O primeiro passo para o desenvolvimento de atividade de modo eficiente

  • 30

    corresponde necessidade de planejamento dos gastos pblicos; o segundo passo a ser dado est ligado definio de metas; e o terceiro passo corresponde ao exame dos custos necessrios realizao das metas.

    Com nfase na eficincia do procedimento de licitao, Joel de Menezes

    Niebuhr (2012, p. 43) declara:

    A eficincia em licitao pblica gira em torno de trs aspectos fundamentais: preo, qualidade e celeridade. Da que do princpio da eficincia, mais abrangente, decorrem outros princpios, entre os quais o do preo justo, o da seletividade e o da celeridade. O princpio do justo preo demanda que a Administrao no assuma compromissos com preos fora de mercado, especialmente com preos elevados. O princpio da seletividade requer cuidados com a seleo do contratante e da proposta, relacionando-se diretamente com a qualidade do objeto contratado. O princpio da celeridade envolve o tempo necessrio para realizar a licitao, que deve ser o mais breve possvel. Logo, tais princpios, repita-se, do justo preo, da seletividade e da celeridade, remetem ao princpio mais abrangente da eficincia. Ora, a observncia de todos eles, em conjunto, revela a to almejada eficincia.

    Celso Antnio Bandeira de Mello (2012, p. 125) faz ressalvas com relao ao

    mencionado princpio, entendendo que este princpio no pode ser concebido (...)

    seno na intimidade do princpio da legalidade, pois jamais uma suposta busca de

    eficincia justificaria postergao daquele que o dever administrativo por

    excelncia, preferindo denomin-lo de princpio da boa administrao15.

    Contudo, a importncia do princpio da eficincia, ao ponto de estar expresso

    no j citado dispositivo constitucional, tambm gera a questo da possibilidade de

    sancionar atos em que no se respeite o princpio em tela. A esse respeito:

    Do ponto de vista da tica, da moralidade, a fraude, o desvio de recursos pblicos mais reprovvel que a falta de eficincia. Quanto a isto no resta dvida. Do ponto de vista do resultado para a populao, todavia, se a escola no ficou pronta, se a construo do hospital foi abandonada, se a estrada no leva a lugar algum porque no foi concluda, se o programa de vacinao de crianas no pode ser cumprido porque expirou o prazo de validade das vacinas, seja por motivo de fraude ou por falta de planejamento, de eficincia do administrador pblico, o resultado um s: a populao, que paga impostos e mantm o Estado, no se beneficiar de referidos servios. (FURTADO, 2012, p. 99).

    15

    O fato que o princpio da eficincia no parece ser mais do que uma faceta de um princpio mais amplo j superiormente tratado, de h muito, no Direito italiano: o princpio da boa administrao (2012, p. 125).

  • 31

    A partir disso, o autor analisa os arts. 70 e 71, VIII, da Constituio Federal

    conjuntamente com o art. 57 e 58, III, da Lei n. 8.443/92 (Lei Orgnica do Tribunal

    de Contas da Unio) para afirmar que a concluso necessria que tanto o texto

    constitucional quanto o texto legal disponibilizam mecanismos de sano pela falta

    de eficincia (FURTADO, 2012, p. 100).

    Diversos dispositivos da Lei Geral de Licitaes demonstram a preocupao

    para que se licite de maneira eficiente, cite-se como exemplo o art. 7 que prev a

    necessidade de projeto bsico para a licitao de obras e servios, bem como

    previso oramentria, contemplao de metas etc.

    1.4.6. Princpio da isonomia

    No toa que o art. 3 da Lei 8.666/93 inicia mencionando que a licitao

    destina-se a garantir a observncia do princpio constitucional da isonomia, pois se

    trata do principal princpio relacionado licitao16, a prpria causa da licitao

    pblica (NIEBUHR, 2012, p. 43). Outros princpios como publicidade e

    impessoalidade so, em essncia, formas de garantir a almejada isonomia.

    Nesses termos, aponta Renato Nascimento (2012, p. 31):

    A igualdade ou isonomia trata do direito que todo licitante tem de competir em igualdade de condies com os demais, sem qualquer forma discriminatria ou favorecimento. Este princpio encontra-se intimamente ligado ao princpio da impessoalidade, por possurem o mesmo objetivo legal, que a iseno da Administrao no tratamento aos participantes do procedimento licitatrio.

    Aborda Maria Sylvia Zanella di Pietro, com clareza, que a isonomia tanto um

    princpio expressamente previsto na Lei Geral de Licitaes como tambm um de

    seus objetivos17.

    Nesse sentido, so os dizeres de Luciano Dalvi (2012, p. 18):

    De acordo com este princpio todas as normas e procedimentos da licitao devem seguir critrios objetivos com vistas a no prejudicar nenhum concorrente e deixar todos em condies isonmicas na realizao do

    16

    O princpio mais importante para a licitao pblica o da isonomia ou da igualdade. (NIEBUHR, 2012, p. 42)

    17 Na Lei n 8.666/93, a igualdade entre os licitantes mencionada duas vezes: como um

    dos objetivos da licitao e como um dos princpios expressamente previstos (2013, p. 375).

  • 32

    certame. A igualdade visa preservar a possibilidade de todos concorrem licitao com similaridade.

    Maral Justen Filho (2012, p. 60) atenta que a isonomia visa tutelar tanto aos

    interesses privados como aos coletivos. Com relao ao primeiro grupo:

    A isonomia significa, de modo geral, o livre acesso de todo e qualquer interessado disputa pela contratao com a Administrao. Como decorrncia direta e imediata da isonomia, vedado Administrao escolher um particular sem observncia de um procedimento seletivo adequado e prvio, em que sejam estabelecidas exigncias proporcionadas natureza do objeto a ser executado. Sob esse ngulo, a isonomia significa o direito de cada particular participar na disputa pela contratao administrativa, configurando-se a invalidade das restries abusivas, desnecessrias ou injustificadas. Trata-se, ento, da isonomia como tutela aos interesses individuais de cada sujeito particular potencialmente interessado em ser contratado pela Administrao.

    J com relao tutela dos interesses coletivos:

    A ampliao da disputa significa a multiplicao de ofertas e a efetiva competio entre os agentes econmicos. Como decorrncia da disputa, produz-se a reduo dos preos e a elevao da qualidade das ofertas, o que se traduz em contrataes mais vantajosas para a Administrao. Sob esse prisma, a isonomia reflete a proteo aos interesses coletivos. (JUSTEN FILHO, 2012, p. 60).

    Rafael Carvalho Rezende Oliveira (2013, p. 31) lembra que a isonomia

    pressupe, por vezes, tratamento desigual entre as pessoas que no se encontram

    na mesma situao ftico-jurdica (tratamento desigual aos desiguais), desde que

    respeitado o princpio da proporcionalidade.

    o caso, por exemplo, das microempresas e empresas de pequeno porte

    (art. 3, 14, da Lei 8.666/93). O que no caracteriza conflito ao princpio da

    isonomia18, pois a isonomia significa o tratamento uniforme para situaes

    uniformes, distinguindo-se-as na medida em que exista diferena (JUSTEN FILHO,

    2012, p. 59).

    Mas existem tambm excees ao mencionado princpio, a exemplo da

    possibilidade de ser estabelecida margem de preferncia para produtos

    manufaturados e para servios nacionais que atendam a normas tcnicas

    18

    As excees criadas em benefcio das microempresas e empresas de pequeno porte no conflitam com o princpio da isonomia, tendo em vista que, no caso das microempresas e empresas de pequeno porte, o tratamento diferenciado resulta da prpria situao desigual dessas empresas em relao a outras que no tm essa mesma natureza. (DI PIETRO, 2013, p. 380-381).

  • 33

    brasileiras (art. 3, 5, da Lei 8.666/93), bem como para os produtos

    manufaturados e servios nacionais resultantes de desenvolvimento e inovao

    tecnolgica realizados no Pas (art. 3, 7, da Lei 8.666/93)19.

    Pode-se afirmar que a Lei Geral de Licitaes como um todo busca assegurar

    a isonomia, destacando-se o seguinte dispositivo:

    Art. 3 (...) 1 vedado aos agentes pblicos: I - admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocao, clusulas ou condies que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu carter competitivo, inclusive nos casos de sociedades cooperativas, e estabeleam preferncias ou distines em razo da naturalidade, da sede ou domiclio dos licitantes ou de qualquer outra circunstncia impertinente ou irrelevante para o especfico objeto do contrato, ressalvado o disposto nos 5o a 12 deste artigo e no art. 3o da Lei no 8.248, de 23 de outubro de 1991; (Redao dada pela Lei n 12.349, de 2010) II - estabelecer tratamento diferenciado de natureza comercial, legal, trabalhista, previdenciria ou qualquer outra, entre empresas brasileiras e estrangeiras, inclusive no que se refere a moeda, modalidade e local de pagamentos, mesmo quando envolvidos financiamentos de agncias internacionais, ressalvado o disposto no pargrafo seguinte e no art. 3o da Lei no 8.248, de 23 de outubro de 1991 (BRASIL, 1993).

    Nota-se que o citado art. 3, 1o, I, menciona preferncias ou distines (...)

    impertinente ou irrelevante para o especfico objeto do contrato da onde se extrai

    que se a preferncia ou distino for relevante, podem-se abrir margens para

    excees ao princpio20.

    1.4.7. Outros princpios

    O caput do art. 3 da Lei 8.666/93 tambm expressamente menciona os

    princpios da vinculao ao instrumento convocatrio e do julgamento objetivo.

    19

    A esse respeito, Di Pietro (2013, p. 378) assevera que no existe, na Constituio, dispositivo especfico que permita essa discriminao em favor de produtos e servios nacionais em detrimento dos estrangeiros. A justificativa tem que ser buscada em princpios mais genricos, como os da soberania (art. 1, I), o da garantia do desenvolvimento nacional (art. 3, II), o da promoo e capacitao tecnolgicas, com apoio e estmulo s empresas que invistam em pesquisa, criao de tecnologia adequada ao Pas (art. 218 e ), incentivo ao mercado interno, definido como patrimnio nacional (art. 219).

    20 exatamente esse o dizer de Di Pietro (2013, p. 378) ao afirmar que se a circunstncia for

    pertinente ou relevante para o especfico objeto do contrato, ela razovel.

    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12349.htm#art1http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8248.htm#art3.http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8248.htm#art3.

  • 34

    Trata-se o primeiro princpio de uma derivao da impessoalidade e da

    isonomia com relao licitao pblica21, pois implica que tanto os particulares

    como a Administrao esto vinculados aos termos do instrumento convocatrio a

    fim de que sejam evitadas surpresas no decorrer do certame22. Dessa forma, aps

    iniciada a licitao, fica impedida a criao de critrios diferenciados daqueles

    estabelecidos no ato convocatrio23.

    No instrumento convocatrio, a Administrao Pblica dever consignar o que pretende contratar, ou seja, qual o objeto do contrato e, por deduo, da licitao pblica, com todas as suas especificidades (art. 40 da Lei n 8.666/93). Os licitantes, ao analisarem o instrumento convocatrio, devem ter condies de precisar tudo o que sero obrigados a fazer, caso saiam vencedores do certame. E, por outro lado, a Administrao Pblica s pode exigir aquilo que efetivamente estiver nos instrumento convocatrio, salvo, futuramente, se alterar o contrato, dentro das balizas legais, restabelecendo o equilbrio econmico-financeiro. Demais disso, o instrumento convocatrio deve indicar os documentos a serem apresentados pelos licitantes para que eles sejam habilitados no certame. E, ainda, em linha geral, deve enunciar os critrios objetivo a serem levados em conta para cotejar as propostas (NIEBUHR, 2012, p. 44).

    O instrumento convocatrio , portanto, a lei interna da licitao24 e, por isso,

    existindo irregularidades no edital ou instrumento convocatrio, poder o licitante

    impugn-lo no intuito de ver corrigida a anomalia jurdica (NASCIMENTO, 2012, p.

    31). No apenas o licitante, qualquer cidado parte legtima para efetuar a

    impugnao, desde que tempestiva (art. 41, 1o, da Lei 8.666/93).

    Merece considerao as ressalvas feitas por Lucas Rocha Furtado (2012, p.

    347):

    Esse princpio no deve ser entendido no sentido de que o edital ou o convite sejam imutveis. Havendo a real e efetiva necessidade de ser feita retificao no edital que possa, inclusive, vir a afetar o contedo das propostas apresentadas, a Administrao no somente poder como dever

    21

    Quando a Administrao estabelece, no edital ou na carta-convite, as condies para participar da licitao e as clusulas essenciais do futuro contrato, os interessados apresentaro suas propostas com base nesses elementos; ora, se for aceita proposta ou celebrado contrato com desrespeito s condies previamente estabelecidas, burlados estaro os princpios da licitao, em especial o da igualdade entre os licitantes. (DI PIETRO, 2013, p. 384).

    22 O princpio dirige-se tanto Administrao (...) como aos licitantes, pois estes no podem

    deixar de atender aos requisitos do instrumento convocatrio (edital ou carta-convite). (DI PIETRO, 2013, p. 384).

    23 Princpio da Vinculao ao Instrumento Convocatrio, que impede a criao, depois de

    iniciado o procedimento licitatrio, de critrios diferenciados daqueles estabelecidos no ato convocatrio. (BITTENCOURT, 2010, p. 43).

    24 O instrumento convocatrio (edital ou carta convite) a lei interna da licitao que deve

    ser respeitada pelo Poder Pblico e pelos licitantes. (OLIVEIRA, 2013, p. 31).

  • 35

    faz-lo. A lei expressamente prev apenas, na hiptese de a alterao vir a afetar o contedo das propostas, a obrigatoriedade de nova divulgao do instrumento convocatrio (edital ou convite), nos mesmos termos em que se deu a divulgao anterior e a reabertura de novo prazo para a apresentao de novas propostas.

    Trata-se de princpio essencial cuja inobservncia enseja nulidade do

    procedimento (DI PIETRO, 2013, p. 383).

    Na Lei Geral de Licitaes, o artigo 41 o mais exemplar para se visualizar a

    observncia do presente princpio, expresso no caput:

    Art. 41. A Administrao no pode descumprir as normas e condies do edital, ao qual se acha estritamente vinculada (BRASIL, 1993).

    Por sua vez, o princpio do julgamento objetivo indica que o julgamento das

    propostas apresentadas pelos licitantes deve ser pautado por critrios objetivos

    elencados na legislao (OLIVEIRA. 2013, p. 32), para isso deve-se abstrair ao

    mximo o subjetivismo no cotejo das propostas apresentadas (NIEBUHR, 2012, p.

    44).

    Luciano Dalvi (2012, p. 41) explica que este princpio visa estabelecer como

    condio de validade da licitao: a clareza e a objetividade nas regras do processo

    licitatrio. Os critrios devem ser baseados em regras objetivas e de fcil

    assimilao.

    Os critrios para julgamento esto expostos no art. 45 da Lei 8.666/93, que

    so: I menor preo; II melhor tcnica; III tcnica e preo; ou IV maior lance ou

    oferta (nos casos de alienao de bens ou concesso de direito real de uso).

    A respeito, Celso Antnio Bandeira de Mello (2012, p. 547) esclarece que:

    Cumpre reconhecer, entretanto, que objetividade absoluta s se pode garantir previamente nos certames decididos unicamente pelo preo. Quando entram em causa qualidade, tcnica, rendimento muitas vezes indispensveis para a aferio das propostas -, nem sempre ser possvel atingir-se o ideal da objetividade extrema, pois, quando os bens ou servios so fortemente aparentados nestes atributos, a primazia de um ou de outro depende de apreciaes irredutveis a um plano excludente de opinies pessoais.

    Merece observao o fato de que esses critrios no so aplicados para o

    concurso (art. 45, 1o, da Lei 8.666/93).

  • 36

    A objetividade respeitada mesmo no caso de empate entre os licitantes,

    onde devero ser observados os critrios de desempate expressamente previstos na

    legislao (art. 3o, 2o e art. 45, 2o , da Lei 8.666/93).

    exemplar a influncia deste princpio no art. 45 da Lei Geral de Licitaes,

    cujo caput dispe:

    Art. 45. O julgamento das propostas ser objetivo, devendo a Comisso de licitao ou o responsvel pelo convite realiz-lo em conformidade com os tipos de licitao, os critrios previamente estabelecidos no ato convocatrio e de acordo com os fatores exclusivamente nele referidos, de maneira a possibilitar sua aferio pelos licitantes e pelos rgos de controle (BRASIL, 1993).

    A doutrina tambm menciona princpios que no esto expressos na Lei

    8.666/9, mas que dela so correlatos25. Muitos autores destacam, por exemplo, o

    princpio do procedimento formal, da adjudicao compulsria, da competitividade e

    o da licitao sustentvel.

    O princpio do procedimento formal extrado do pargrafo nico do art. 4 da

    Lei Geral de Licitaes que estabelece que o procedimento licitatrio previsto nesta

    lei caracteriza ato administrativo formal, seja ele praticado em qualquer esfera da

    Administrao Pblica.

    A esse respeito, Rafael Carvalho Rezende de Oliveira (2013, p. 32) escreve

    que os procedimentos adotados na licitao devem observar fielmente as normas

    contidas na legislao, destacando que o princpio do procedimento formal no

    significa excesso de formalismo.

    Pelo princpio da adjudicao compulsria, esclarece Lucas Rocha Furtado

    (2012, p. 348):

    O princpio da adjudicao compulsria deve ser entendido no sentido de que, se a licitao for concluda, o que pressupe a sua homologao pela autoridade competente, somente poder ser contratada a empresa vencedora da licitao. Se a Administrao desejar celebrar o contrato, dever convocar a licitante vencedora para assin-lo, nos termos do edital. Porm, caso a Administrao no queira mais celebrar o contrato, no ter o licitante vencedor direito subjetivo contratao.

    Nesse sentido, Luciano Dalvi (2012, p. 44) v duas alternativas:

    25

    Tais princpios so mltiplos e poderiam ser todos aqueles que tm relao com o objeto licitado, ou seja, lhe tenham correspondncia. (MOTTA, 2011, p. 119).

  • 37

    1. Empresa vence a licitao e o Estado, por razes de interesse social, desiste da obra objeto da licitao. Nesse caso, a licitao ter um vencedor que no efetivar o objeto constante do certame. No entanto, caso o Estado resolva adiante prosseguir na obra dever contratar o vencedor da licitao. 2. Empresa vence a licitao e o Estado promover o contrato para realizao da obra. Neste caso, o Estado est obrigado a promover o ajuste contratual com a empresa vencedora da licitao.

    Do art. 3, 1o, I da Lei 8.666/93 se extrai, alm da isonomia, tambm o

    princpio da competitividade que se justifica pela busca da proposta mais vantajosa

    para a Administrao, da a razo para que seja vedado admitir, prever, incluir ou

    tolerar, nos atos de convocao, clusulas ou condies que comprometam,

    restrinjam ou frustrem o seu carter competitivo.

    Da os dizeres de Joel de Menezes Niebuhr (2012, p. 46):

    O princpio da competitividade significa a exigncia de que a Administrao Pblica fomente e busque agregar licitao pblica o maior nmero de interessados, para que, com olhos na eficincia e na isonomia, aumentando o universo das propostas que lhes so encaminhadas, ela possa legitimamente escolher aquela que seja a mais vantajosa ao interesse pblico. (...) que as formalidades no podem ser exacerbadas a ponto de impedir a participao daqueles que teriam, em tese, condies de contratar com a Administrao Pblica. Em anlise acurada, percebe-se que as formalidades descabidas, que no guardam justificativa ou utilidade, agridem o princpio da competitividade.

    Por fim, pelo princpio da licitao sustentvel, Maria Sylvia Zanella di Pietro

    (2013, p. 386) entende que, possvel, por meio do procedimento licitatrio,

    incentivar a preservao do meio ambiente. Complementa a autora (2013, p. 389):

    na realidade, o princpio da licitao sustentvel autoriza a previso, nos

    instrumentos convocatrios, de exigncias que podem ser vistas como

    discriminatrias, mas que se harmonizam com o princpio da isonomia.

    Pode-se visualizar a observncia desse princpio no art. 12, VII, da Lei Geral

    de Licitaes ao afirmar que nos projetos bsicos e projetos executivos de obras e

    servios sero considerados principalmente os seguintes requisitos: impacto

    ambiental.

  • 38

    2. EXCEES OBRIGAO DE LICITAR.

    Como visto, a licitao um dever que se impe Administrao Pblica ao

    querer celebrar contrato com particular; contudo, este dever comporta excees.

    Assim ocorre porque, como a licitao visa a preservar o interesse pblico, existem

    hipteses que em que o resguardo do interesse pblico no encontra guarida na

    licitao pblica.

    Expliquemos: h casos em que por mais que a Administrao Pblica deseje

    realizar um certame licitatrio, ela observa que o mesmo ser incuo porque o

    objeto que ela necessita de natureza nica no mercado, no havendo qualquer

    espcie de concorrente, de modo que nesse cenrio um dos pressupostos da

    licitao (a competio) invivel; diante disso, o administrador pblico

    observando que somente aquele objeto exclusivo contempla a referida necessidade

    da Administrao pode justificadamente contratar diretamente o fornecedor deste

    objeto mediante um procedimento denominado inexigibilidade de licitao (arts. 25 e

    26 da Lei 8.666/93).

    Por isso, Celso Antnio Bandeira de Mello (2012, p. 551) diz que so

    licitveis unicamente objetos que possam ser fornecidos por mais de uma pessoa,

    uma vez que a licitao supe disputa, concorrncia, ao menos potencial, entre

    ofertantes.

    Existem tambm hipteses excepcionais previstas em lei que preveem a

    dispensa de licitao, isto , se determinado caso concreto em que o administrador

    pblico esteja diante for um daqueles previstos em lei como de dispensa de licitao,

    deve ele analisar se o que resguarda o interesse pblico realizar o certame

    licitatrio ou a contratao direta mediante a justificada dispensa de licitao frente

    situao apresentada (arts. 17, 24 e 26 da Lei 8.666/93).

    Da os trs pressupostos da licitao que menciona o referido autor (2012, p.

    550-551):

    pressuposto lgico da licitao a existncia de uma pluralidade de objetos e de uma pluralidade de ofertantes. Sem isto no h como conceber uma licitao. (...)

  • 39

    pressuposto jurdico o de que, em face do caso concreto, a licitao possa se constituir em meio apto, ao menos em tese, para a Administrao acudir ao interesse que deve prover. (...) pressuposto ftico da licitao a existncia de interessados em disput-la. Nos casos em que tal interesse no concorra, no h como realiz-la.

    Disso, extrai-se que na inexigibilidade de licitao existe um impedimento

    ftico realizao do processo de licitao, pois a competio invivel e em

    decorrncia, no h por que licitar, pois atravs da licitao no se chegar ao que

    almeja o Poder Pblico porque uma imposio ftica impede que a Administrao

    realize licitao para obter o que necessita, seja, por exemplo, a compra de um

    objeto ou a prestao de um servio singular por um profissional muito acima da

    mdia. Diferentemente, na dispensa de licitao, poder-se-ia preceder ao processo

    de licitao pblica, porm as hipteses excepcionais (j previstas em lei) que

    enfrenta o administrador faz com que ele, em observncia aos princpios jurdicos,

    justificadamente proceda contratao direta mediante dispensa de licitao.

    Ou, nas palavras de Joel de Menezes Niebuhr (2011, p. 109-110):

    Ao lado do tema da obrigatoriedade de licitao pblica, vem a talho o seu inverso, isto , a inexigibilidade e a dispensa dela. A inexigibilidade ocorre em face da inviabilidade de competio, o que esvazia o sentido da licitao pblica, que pressupe disputa. A dispensa relaciona-se s hipteses em que a realizao de licitao pblica, conquanto a disputa fosse vivel, causaria gravames ou prejuzos a outros valores pertinentes ao interesse pblico, que no deveriam, por obsquio razoabilidade, ser suportados. Nesta ordem de ideias, os casos de inexigibilidade, por se referirem inviabilidade de licitao pblica, no so prescritos taxativamente pelo legislador, a rigor, nem precisam de norma jurdica que os autorize. J os casos de dispensa, em sentido oposto, requerem especfica previso normativa, cabendo, portanto, ao legislador enunci-los, mesmo em obedincia ao princpio da legalidade.

    Por isso, Srgio Ferraz e Lcia Valle Figueiredo (1994, p. 33) afirmam que

    cabe, de incio, ponderar que s h de se falar em dispensabilidade ou

    inexigibilidade se e quanto no se puserem em confronto os princpios

    determinantes da licitao.

    Por bvio que seja assim, afinal, se a contratao direta (seja por

    inexigibilidade ou dispensa de licitao) violasse os princpios determinantes da

    licitao, estar-se-ia diante da regra geral da obrigatoriedade da licitao pblica e

    no em uma de suas excees, j que estas pressupem exatamente aqueles casos

    em que a licitao no cumpriria os almejados princpios que a cercam. Tambm

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    decorre disso a razo de que as hipteses de inexigibilidade de licitao no esto

    todas expressas em lei, pois tal tarefa seria impossvel em face das inumerveis

    situaes possveis de ocorrer no cotidiano, bem como aquelas de dispensa so

    taxativas, pois como a competio seria vivel, a situao de sua dispensa deve

    estar expressa a fim de que no se viole a regra da licitao e, em decorrncia, seus

    princpios inerentes.

    So as palavras de Maral Justen Filho (2012, p. 329):

    A contratao direta no significa que so inaplicveis os princpios bsicos que orientam a atuao administrativa. Nem se caracteriza uma livre atuao administrativa. O administrador est obrigado a seguir um procedimento administrativo determinado, destinado a assegurar (ainda nesses casos) a prevalncia dos princpios jurdicos fundamentais. (...) Portanto, a contratao direta no significa eliminao de dois postulados consagrados a propsito da licitao. O primeiro a existncia de um procedimento administrativo. O segundo a vinculao estatal realizao de suas funes.

    Dessa forma, parte-se anlise individual das mencionadas excees.

    2.1. Dispensa de licitao

    As hipteses de dispensa de licitao na Lei n. 8.666/93 esto previstas nos

    artigos 17 e 24.

    Basicamente, o art. 17 dispe a respeito da alienao de bens da

    Administrao Pblica e, com referncia aos bens imveis (art. 17, I) traz as

    seguintes hipteses de dispensa de licitao:

    Art 17. (...) I - quando imveis, depender de autorizao legislativa para rgos da administrao direta e entidades autrquicas e fundacionais, e, para todos, inclusive as entidades paraestatais, depender de avaliao prvia e de licitao na modalidade de concorrncia, dispensada esta nos seguintes casos: a) dao em pagamento; b) doao, permitida exclusivamente para outro rgo ou entidade da administrao pblica, de qualquer esfera de governo, ressalvado o disposto nas alneas f, h e i; (Redao dada pela Lei n 11.952, de 2009) c) permuta, por outro imvel que atenda aos requisitos constantes do inciso X do art. 24 desta Lei; d) investidura;

    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L11952.htm#art39

  • 41

    e) venda a outro rgo ou entidade da administrao pblica, de qualquer esfera de governo; (Includa pela Lei n 8.883, de 1994) f) alienao gratuita ou onerosa, aforamento, concesso de direito real de uso, locao ou permisso de uso de bens imveis residenciais construdos, destinados ou efetivamente utilizados no mbito de programas habitacionais ou de regularizao fundiria de interesse social desenvolvidos por rgos ou entidades da administrao pblica; (Redao dada pela Lei n 11.481, de 2007) g) procedimentos de legitimao de posse de que trata o art. 29 da Lei no 6.383, de 7 de dezembro de 1976, mediante iniciativa e deliberao dos rgos da Administrao Pblica em cuja competncia legal inclua-se tal atribuio; (Includo pela Lei n 11.196, de 2005) h) alienao gratuita ou onerosa, aforamento, concesso de direito real de uso, lo