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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE Programa de Pós-Graduação em Direito LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica. UZIEL SANTANA DOS SANTOS DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Área de Concentração: Direito Público. Sub-Área de Conhecimento: Teoria Geral do Processo. RECIFE 2005

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE Programa de Pós-Graduação em Direito

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

UZIEL SANTANA DOS SANTOS

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

Área de Concentração: Direito Público. Sub-Área de Conhecimento: Teoria Geral do Processo.

RECIFE 2005

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE Programa de Pós-Graduação em Direito

UZIEL SANTANA DOS SANTOS

LITÍGIO E LIDE: Uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Dissertação

Área de concentração: Direito Público. Sub-Área do conhecimento: Teoria Geral do Processo.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito – Curso de Mestrado – da Faculdade de Direito do Recife, Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito.

Orientador: José Luciano Góis de Oliveira. Co-orientador: Luiz Guilherme B. Marinoni.

RECIFE 2005

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FICHA CATALOGRÁFICA

341.161 S237l

Santos, Uziel Santana dos Litígio e Lide: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-

conceptual e empírico-crítica / Uziel Santana dos Santos – Recife : Edição do Autor, 2005.

470 f. ; tab. ; gráf.

Orientador: José Luciano Góis de Oliveira. Co-orientador: Luiz Guilherme B. Marinoni. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal de Pernambuco. CCJ.

Direito, 2005.

Inclui bibliografia e apêndices. 1. Litígio. 2. Lide. 3. Teoria Geral do Processo. I. Oliveira, José

Luciano Góis de. II. Marinoni, Luiz Guilherme Bittencourt. III. Título.

UFPE / CCJ – FDR / PPGD / EFR – ejr BPPGD2005 - 01

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A Deus,

Porque até hoje a ciência não pôde nem comprovar

e nem descomprovar a existência DEle. Destarte, o

único elemento que nos leva a assentir a Sua

existência é a fé que, na sábia definição bíblica, é o

firme fundamento das coisas que se esperam e a

certeza e a prova das coisas que não se vêem.

Porque Ele constitui a razão da minha vida.

Aos meus pais – José Francisco / Terezinha –

e irmãos – Marcos / Silas,

Porque eles constituem o sentido da minha vida.

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GRATIA

Este trabalho de pesquisa científico-jurídica é o resultado da conjunção de

vários fatores de ordem estrutural, intelectual e conjuntural. Desse modo, do ponto de vista da estrutura que me foi proporcionada para

a consecução desta importante empreitada acadêmica, agradeço, de coração, primeiramente a Deus que me deu forças e capacidade para suportar os momentos de dificuldade e de intensa atividade intelectual, porque passei, na construção das teses aqui propostas; aos meus pais que me proporcionaram tudo o que o tenho e sou hoje; aos meus irmãos, pelo incentivo e apoio cotidiano, e à minha noiva, Lívia Kathiane, pelo amor e carinho de sempre.

Do mesmo modo, agora do ponto de vista da formação intelectual que tive nesses anos iniciais de academia, agradeço, de coração, ao Prof. Carlos Rebêlo Júnior meu exemplo maior de sapiência e humildade; ao Prof. Carlos Ayres Britto pela iniciação na construção das idéias científicas sobre o fenômeno jurídico; ao Prof. José Afonso Nascimento pela apresentação, ainda na graduação, dos grandes teóricos da Ciência do Direito; às Profas. Amy Adelino e Ana Maria pela orientação na iniciação científica; ao meu orientador, o Prof. Luciano Oliveira, pelos ensinamentos recebidos e pelo grande exemplo de maturidade e honestidade intelectual; ao meu co-orientador Prof. Luiz Guilherme Marinoni pelas orientações recebidas; ao Prof. Eduardo Rabenhorst pelos fundamentais e notáveis conhecimentos apresentados em suas aulas; e, finalmente, ao Prof. Michel Zaidan pela oportunidade de vivenciar um prisma da ciência normalmente não cultivado nas escolas jurídicas.

Por outro lado, sob uma perspectiva eminentemente conjuntural, agradeço, de coração, a minha irmã de criação e consideração, Mônica (Tubi), pelo apoio nas horas certas e incertas; as minhas amigas-irmãs Simone e Fabiana e ao meu amigo-irmão Ívison pelo apoio moral e incentivo; aos amigos e irmãos da Igreja Batista Betel, na pessoa do Pr. Gérson Villas-Bôas e esposa, irmã Nadja Fraga Villas-Bôas, pelas orações e intercessões nos momentos cruciais; ao meu companheiro de convivência quase que diária Antonio Rufino pelo suporte material; a dona Socorro (Prof) pela acolhida inicial na cidade do Recife; ao meu amigo e interlocutor acadêmico David Morais; a Dona Carminha e Eurico pelo apoio administrativo e pela lealdade demonstrada e, principalmente, ao Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito, Prof. Raymundo Juliano, pelo decisivo apoio na formação do meu processo de defesa.

Por fim, de modo especial, gostaria de agradecer a minha grande amiga de todas as horas, Edjany Paiva, pela presteza, solicitude, companhia, dedicação e amizade de sempre. Sem o seu apoio, Paiva, talvez eu não chegasse até este momento.

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Não prometo dar-lhes sempre longas respostas, mas somente confessar com muita franqueza meus erros, se os reconhecer, ou então, se não os puder perceber, dizer simplesmente o que achei para a defesa daquilo que escrevi.

DESCARTES Gostaria muito que aqueles que pretenderem levantar-me objeções não se precipitem e procurem entender tudo o que escrevi, antes de julgarem uma parte: pois, o todo está relacionado e o fim serve para provar o princípio.

DESCARTES (Lettre à Mersenne)

O nosso programa latino-americano há de ser, hoje, o de superarmos a ciência européia, para que, quando os cientistas europeus voltarem à investigação, possam verificar que não fomos indignos da sua herança.

PONTES DE MIRANDA

O conceito de ciência não é nem absoluto nem eterno.

JACOB BRONOWSCK

A verdade sai do erro mais facilmente do que da confusão.

BACON

A nova mentalidade chega a ser mais importante do que a nova ciência e a nova tecnologia.

A. N. WHITEHEAD

Os conceitos e as categorias doutrinárias existem no plano lógico, como instrumentos destinados à melhor compreensão dos fenômenos. Bem por isso, não podem ser submetidos a um culto irrefletido, como se tivessem existência per se. A significação e o alcance de cada um deles variam segundo o ângulo visual e o plano de observação do processualista. Como tudo na vida, mais rica é a visão do observador na medida em que analisa um fenômeno por perspectivas diferentes e nada há de errado em tal metodologia, pois o que importa, acima de tudo, além da coerência dentro de cada linha metodológica, é a apreensão mais completa quanto possível dos dados que permitam a perfeita compreensão do objeto que se está a conhecer.

KAZUO WATANABE

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RESUMO1

Este trabalho de pesquisa científica, de natureza dissertativa, tem como objeto de estudo uma construção terminológico-conceptual, por certo analítica e distintiva, dos institutos jurídico-processuais, Litígio e Lide, incluindo nesta perspectiva de investigação, apriorística e eminentemente, teorética, uma análise empírico-crítica do fenômeno da teleologicidade processual e da decidibilidade de conflitos, apontando-se e aplicando-se, a posteriori, as implicações teorético-conceptual-metodológicas e tecnológico-pragmáticas que tal distinção traz, como corolário, para a Ciência Jurídico-Processual – e suas instituições e institutos fundamentais – e para a resolução de questões aparentemente aporemáticas da teoria jurídico-processual. Para a consecução deste objeto/problema, fizemos, preliminarmente, uma análise teórico-conceptual e histórico-descritiva dos institutos Litígio e Lide a partir da leitura da dogmática jurídico-processual clássica e moderna, posto que, até então, tais institutos são tomados como elementos conceptuais de mesma referibilidade fenomênica e terminológica. Em seguida, para justificar e mostrar a razão de ser da distinção proposta, demonstramos que tal indiscernibilidade e imprecisão terminológicas resultam numa série de aporias conceptuais para a teoria do processo e, em assim sendo, assentimos, peremptoriamente, como um imperativo categórico e como um verdadeiro pressuposto das teses aqui assentidas, que não há que se falar em conhecimento científico, em Ciência Jurídico-Processual, caracterizada pelos atributos da neutralidade axiológica, da asseptabilidade método-epistemológica, da assertibilidade do discurso científico e da verdade científica, sem a construção de uma terminologia jurídico-conceptual, por certo, específica, apurada e precisa. Nesta perspectiva, assentimos que os termos Litígio e Lide são elementos conceptuais de bedeutung (referência) e sinn (sentido) diferentes, sendo o Litígio um pressuposto processual de natureza fáctico-causal-sociológica, de referibilidade extrínseca, portanto, exoprocessual, caracterizado pela contendere de sujeitos em face de uma pretensão – resistida ou insatisfeita – vetorialmente contrária ao interesse da outra parte e a Lide, por sua vez, um suposto processual – conditio sine qua non do processo – de natureza jurídico-processual stricto sensu, de referibilidade intrínseca, portanto, endoprocessual, caracterizada por uma relação jurídico-processual sinalagmática entre partes e o Estado-juiz. Em síntese, a Lide seria o resultado da dedução quantitativa e qualitativa em juízo do Litígio. Tal construção analítico-distintiva teria, assim, um alto grau de aplicabilidade, sobretudo, para se elucidar algumas aporias da teoria jurídico-processual, tais como a asserção do atributo da jurisdicionalidade na chamada jurisdição voluntária e na aplicação do conceito de Lide na processualística penal. Do mesmo modo, agora do ponto de vista da análise empírico-crítica consecutada, chegamos à conclusão de que a teleologicidade processual, a priori, é a decidibilidade da Lide e, tão-somente, a posteriori – sem isso constituir um telos necessário – a decidibilidade do Litígio; assim também, concluímos que as técnicas processuais de estruturação e formatação de procedimentos diferenciados (especiais) e de limitação da cognição do juiz (Lide < Litígio) são utilizadas, muitas vezes, com influências ideológicas que repercutem, assim, no âmbito de abrangência da res judicata, no direito de acesso à justiça e nos princípios da inafastabilidade do controle jurisdicional e da congruência.

PALAVRAS-CHAVES: Litígio, Lide, Terminologia Jurídico-Conceptual, Decidibilidade de Conflitos, Teleologicidade Processual, Ideologia Técnico-Jurídico-Procedimental, Instituições e Institutos Fundamentais do Direito Processual, Ciência Jurídico-Processual.

1 Formatação de acordo com a normalização da ABNT – NBR 14724.

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ABSTRACT

This scientific research project, presented in the format of a dissertation, has as study object a terminological and conceptual construction, more correctly analytic and distinctive, of the institutes legal and procedural, Dispute and Lawsuit, including in this investigation perspective, aprioristic and eminently, theoretical, an empiric and critical analysis of the phenomenon of the teleologicity and the decidability, indicating itself and applying, a posteriori, implications theoretic, conceptual, methodological, technological and pragmatic that such distinction brings, as corollary, for the science legal procedural – and their institutions and fundamental institutes – and for the resolution of questions apparently of difficult solution (aporematicas) of the theory legal procedural. For the development of this problem we have, in the first time, a descriptive conceptual and historic theoretical analysis of institutes Dispute and Lawsuit from the dogmatist’s reading legal procedural classic and modern, in such way that, here such institutes are taken as the conceptual elements in the same way reference phenomenalist and terminological. To justify and show the existence of this proposition we demonstrate then, that such an indiscernibility and terminological imprecision resulting in a set of aporias (of difficult solution) conceptual for the theory of the process and, we approve this form, peremptorily, like a categorical imperative and like a presupposed truly of theses here approved, that cannot speak himself in scientific knowledge, in science legal procedural, characterized by attributes of neutrality axiological, of the acceptability method epistemological, of the assertibility of the scientific speech and scientific truth, without the development of a legal and conceptual terminology, more precisely, specific, refined and precise. In this perspective we approve that terms Dispute and Lawsuit are the conceptual elements of bedeutung (reference) and sinn (sense) different, being Dispute one presupposition procedural of artificial, causal, and sociological nature, of reference extrinsic, therefore, exoprocedural characterized by contendere of litigants in face of a pretension – resisted or unsatisfied – vectorially contrary to the interest of the other party and the Lawsuit, in turn, a presumption procedural – condition sine qua of the process – of natural legal procedural stricto sensu, intrinsic reference, therefore, characterized by a relation legal procedural synallagmatic between parts and the state judges. In synthesis Lawsuit would be the result of the quantitative and qualitative deduction in judgment of the Dispute. So such a distinctive analytic construction would have a high degree of applicability, especially, for the resolution of difficult solution questions (aporias) of the theory legal procedural, as the affirmation of the jurisdictional attribute in the voluntary jurisdiction and in the application of the concept of Lawsuit in the criminal process. Of the point of view of the critical empiric analyses achieved we arrive now to the conclusion in a similar way of which teleologicity procedural, a priori, is the decidability of Lawsuit and, only, a posteriori – without this to constitute a necessary telos – the decidability of the Dispute; thus also, we conclude that the technical procedurals of structuring and formatting of procedures differentiated (special) and of limitation of the judge’s knowledge (Lawsuit<Dispute) are used, several times, with the ideological influences that reverberate, so, in the context of the res judicata, in the law of access to the justice and in principles of the jurisdictional control and of the congruence. KEY WORD: Dispute, Lawsuit, Conceptual Legal Terminology, Social Conflict Decidability, Ideology Technique-Legal-Procedural, Institutions and Institutes fundamental of the law Procedural, Science Legal-Procedural.

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RÉSUMÉ

Ce projet de recherche scientifique, présenté sous la forme d’une dissertation, a comme objet d'étude une construction terminologique et conceptuelle, par correctement analytique et distinctive, des instituts juridiques et procédural, Litige et Poursuite, y compris dans cette perspective de recherche, aprioristique et éminemment , théorétique, une analyse empirique et critique du phénomène de la téléologicité et la décidabilité, en s’indiquant et en s’appliquant, à posteriori, les implications théorétique, conceptuel, méthodologique, technologique et pragmatiques que telle distinction apporte, comme corollaire, pour la science juridique procédural – et leurs institutions et instituts fondamentaux – et pour la résolution de questions apparemment de difficile solution (aporematicas) de la théorie juridique procédural. Pour le développement de cet objet/problème, nous avons tout d´abord réalisé une analyse théorique conceptuelle et historique descriptive des instituts Litige et Poursuite à partir de la lecture de la dogmatique juridique procédural classique et moderne, de manière que, jusqu’à ici, tels instituts sont pris comme des éléments conceptuels de même référence phénoméniste et terminologique. Ensuite, pour justifier et montrer l’existence de cette proposition, nous démontrons qu’une telle indiscernabilité et imprécision terminologique résultant dans une série de aporias (de difficiles solutions) conceptuels pour la théorie du processus et, de cette forme, nous approuvons, péremptoirement, comme un impératif catégorique et comme un vrai présupposé des thèses ici approuvées, que ne se peut pas parler en connaissance scientifique, en science juridique procédural, caractérisée par les attributs de la neutralité axiologique, de l’acceptabilité méthode épistémologique, de l’assertibilité du discours scientifique et de la vérité scientifique, sans le développement d’une terminologie juridique et conceptuelle, plus exactement, spécifique, raffiné et précise. Dans cette perspective, nous approuvons que les termes Litige et Poursuite sont des éléments conceptuels de bedeutung (référence) et sinn (sens) différent, étant de Litige un présupposition processuel de nature factice, causale, et sociologique, de référence extrinsèques, donc, exo processuel caractérisée par contendere des sujets en raison d’une prétention – résistée ou insatisfaite – vectoriellement contraire à l’intérêt de l’autre parti et Poursuite, à son tour, une présomption processuelle – condition sine qua non de la procédure – de nature juridique procédural stricto sensu, référence intrinsèque, donc, de endoprocédural, caractérisée par une relation juridique procédural synallagmatique entre des parties et l’Etat juge. Dans synthèse, Poursuite serait le résultat de la déduction quantitative et qualitative dans jugement du Litige. Ainsi une telle construction analytique distinctive aurait un haut degré d’applicabilité, surtout, pour la résolution de questions de difficile solution (aporias) de la théorie juridique procédural, comme l’affirmation de l’attribut juridictionnel dans la juridiction volontaire et en l’application du concept de poursuit dans la processus criminelle. De façon similaire, maintenant du point de vue de l’analyse empirique critique réalisée, nous arrivons à la conclusion dont la teleologicité processuel, a priori, est la décidabilité de Poursuit et, seulement, à posteriori – sans cela constituer un telos nécessaire – la décidabilité du Litige; ainsi aussi, nous concluons que les techniques processuelles de structuration et de formatage de procédures différenciées (spéciaux) et de limitation de la connaissance du juge (Poursuit < Litige) sont utilisés, plusieurs fois, avec des influences idéologiques qui réverbèrent, ainsi, dans le contexte de l’abrangência des res judicata, dans le droit d’accès à la justice et en principes du contrôle juridictionnel et de la congruence. MOT CLÉ: Litige, Poursuite, Terminologie Juridique-Conceptuelle, Décidabilité de Conflits Sociaux, Ideologie Técnique-Juridique-Procédural, Institutions et Instituts fondamentaux du Droit Procédural, Science Juridique Procédural.

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LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS

TABELA 1 – Traduções de Litígio e Lide. 195TABELA 2 – Matiz Teórico-Conceptual do Litígio. 204TABELA 3 – Matiz Teórico-Conceptual da Lide. 231TABELA 4 – Órgãos Judiciários dos Magistrados Entrevistados. 365TABELA 5 – Questionamento 1 – Resultado Geral: Sim/Não. 376TABELA 6 – Questionamento 1 – Razões afirmativas. 377TABELA 7 – Questionamento 1 – Razões negativas. 378TABELA 8 – Questionamento 2 – Resultado Geral: Sim/Não. 383TABELA 9 – Questionamento 2 – Razões afirmativas. 384TABELA 10 – Questionamento 2 – Razões negativas. 385TABELA 11 – Questionamento 3 – Resultado Geral: Sim/Não. 390TABELA 12 – Questionamento 3 – Razões afirmativas. 391TABELA 13 – Questionamento 3 – Razões negativas. 392TABELA 14 – Questionamento 4 – Resultado Geral: Sim/Não. 397TABELA 15 – Questionamento 4 – Razões afirmativas. 398TABELA 16 – Questionamento 4 – Razões negativas. 399TABELA 17 – Questionamento 5 – Resultado Geral: Sim/Não. 404TABELA 18 – Questionamento 5 – Razões afirmativas. 405TABELA 19 – Questionamento 5 – Razões negativas. 406GRÁFICO 1 – Representação gráfica do Litígio. 33 GRÁFICO 2– Representação gráfica da Lide. 34 GRÁFICO 3 – Representação gráfica do Litígio. 36 GRÁFICO 4 – Representação gráfica da Lide. 37 GRÁFICO 5 – Representação gráfica do Litígio e da Lide. 180GRÁFICO 6 – Representação gráfica do Litígio. 203GRÁFICO 7 – Pirâmide de Litigiosidade. 211GRÁFICO 8 – Representação gráfica do Litígio. 224GRÁFICO 9 – Representação gráfica da Lide. 230GRÁFICO 10 – Representação gráfica da Lide. 264GRÁFICO 11 – Diagrama das instituições e institutos jurídico-processuais. 274GRÁFICO 12 – Representação gráfica da Teoria Linear. 287GRÁFICO 13 – Representação gráfica da Teoria Triangular. 288GRÁFICO 14 – Representação gráfica da Lide. 290GRÁFICO 15 – Representação Gráfica do Questionamento 1. 376GRÁFICO 16 – Representação Gráfica do Questionamento 2. 383GRÁFICO 17 – Representação Gráfica do Questionamento 3. 390GRÁFICO 18 – Representação Gráfica do Questionamento 4. 397GRÁFICO 19 – Representação Gráfica do Questionamento 5. 404GRÁFICO 20 – Representação gráfica do Litígio. 429GRÁFICO 21 – Representação gráfica da Lide. 430

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SUMMARIUM

CONSPECTUS 14

1. INTRODUÇÃO 17

1.1 – Proposições sinópticas e propedêuticas. 22 1.2 – Proposições teórico-metodológicas. 39

2. ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO” E “LIDE”. 44

2.1 – Dogmática jurídico-processual estrangeira. 49

2.1.1 – A construção teorético-sistemática de Francesco Carnelutti. 49

2.1.2 – As acepções do direito romano, do direito comum e do direito lusitano a respeito do temário do Litígio e da Lide. 59

2.1.3 – Litígio e Lide na perspectiva da Escola Judicialista, Praxista e Procedimentalista. 66

2.1.4 – Litígio e Lide na perspectiva dos grandes autores da dogmática jurídico-processual estrangeira a partir da fase do processualismo científico. 71

2.2 – Dogmática jurídico-processual nacional. 118

2.2.1 – Litígio e Lide na perspectiva da legislação processual brasileira. 119

2.2.2 – Litígio e Lide na perspectiva dos grandes autores da dogmática jurídico-processual nacional. 125

3. TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIÊNCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.

150

3.1 – Cientificidade do Direito Processual: a imprescindibilidade das condições de validade método-epistemo-lógicas e a problemática da indiscernibilidade entre Litígio e Lide.

154

3.2 – Neutralidade Axiológica. 1663.3 – Asseptabilidade Método-epistemológica. 1713.4 – Condições de Assertibilidade do discurso jurídico-processual científico. 1733.5 – A problemática da Verdade na Ciência Jurídico-Processual. 174

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4. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 177

4.1 – Litígio e Lide: noções propedêuticas e etimo(lógicas). 1824.1.1 – Litígio e Lide: noções propedêuticas. 1824.1.2 – Litígio e Lide: noções etimo(lógicas). 1914.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico. 2024.2.1 – Litígio: definibilidade e conceituação. 2054.2.2 – Litígio: elementaridade constitutiva. 2144.2.3 – Litígio: caracterização principiológico-estrutural 2184.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual. 2274.3.1 – Lide: definibilidade e conceituação. 2324.3.2 – Lide: elementaridade constitutiva. 2434.3.3 – Lide: caracterização principiológico-estrutural. 2514.4 - Litígio, Lide e outros termos: a peremptória discernibilidade conceitual. 266

5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA CONSECUTADA.

271

5.1 – Relação Jurídico-Processual. 2755.2 – Ação. 2955.3 – Meritum Causae, Streitgegenstand e Thema Decidendum do processo. 3035.4 – Objeto de Cognição. 3165.5 – Res Judicata. 324

6. APLICAÇÃO TEORÉTICA DOS CONCEITOS DISTINTIVOS – “LITÍGIO” E “LIDE” – NA JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA E NA PROCESSUALÍSTICA PENAL. 336

6.1 – Jurisdição Voluntária. 3396.2 – A Lide como conteúdo do processo penal. 347

7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 357

7.1 – Suporte teorético-metodológico da pesquisa empírica consecutada. 3617.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou decidibilidade da Lide? 3677.3 – Análise empírico-crítica da técnica processual da limitação da cognição (Lide ≤ Litígio) como reflexo da ideologia procedimental. 418

8. CONCLUSÃO. 428

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 436

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ÍNDICE REMISSIV0 449

ÍNDICE ONOMÁSTICO 461

APÊNDICE 468

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CONSPECTUS

Segundo SHIALY RAMAMRITA RANGANATHAN, terminólogo idealizador da

Teoria da Classificação Facetada, utilizada na normalização da linguagem documentária –

Conspectus é o momento utilizado pelo autor para “falar não do texto que se propunha a

escrever, mas do ‘pré-texto’, daquele momento em que ocorre o ato de criação da escrita,

do momento em que o sujeito se torna autor”1.

Em assim sendo, o pretexto do presente trabalho de pesquisa científica

tem como leitmotiv três razões fundamentais, todas, é certo, de caráter científico e jurídico.

São elas: a primeira, de ordem terminológico-conceptual, a segunda, de ordem teórico-

metodológica e, a terceira, de ordem jurídico-processual, nos termos a seguir explicitados.

A primeira ratio do presente trabalho – esta, de ordem terminológico-

conceptual – reside na escassez de estudos jurídicos sobre a terminologia na Ciência

Jurídica. Tal exigüidade de pesquisas e despreocupação faz com que a Juris Scientia – isto é,

a Ciência Jurídica – seja constituída, notadamente, por um aglomerado de teorias, de

instituições e institutos jurídicos com ambivalências de significações, com atributividade e

referibilidade antinômicas, sem formar uma rede conceitual coesa e relacional. Pior que isso

é que, em não se adotando uma terminologia específica, construída em bases científicas, o

grau de indispensabilidade e cientificidade das novas investigações jurídicas consecutadas é

módico, pois, tão-somente, aglutina, “a-cientificamente”, informações – para não falar em

pseudo ou folk teorias e pseudo ou folk conceitos – sem o esmero da precisão terminológica.

Por outro lado, a segunda razão de ser deste trabalho – esta, de ordem

teórico-metodológica – reside no fato de que, pelo que temos observado2, o pesquisador em

Direito, ou seja, o sujeito cognoscente do fenômeno jurídico, ao manejar o instrumental

1 RANGANATHAN, apud CAMPOS, Maria Luiza de Almeida. Linguagem Documentária: teorias que fundamentam sua elaboração. Rio de Janeiro: EdUFF, 2001, p. 15. 2 SANTOS, Uziel Santana dos. Pesquisa Sócio-Jurídica: A imperatividade do instrumental teórico-metodológico como condição de neutralidade, asseptabilidade, assertibilidade e verdade científica. 2001. 23f. Monografia – Faculdade de Direito do Recife, Universidade Federal de Pernambuco.

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teórico-metodológico para a realização da sua investigação científica além de não se

preocupar, como assentimos acima, com o problema da indiscernibilidade de idênticos, da

polissemia e sinonímia dos caracteres terminológicos, por certo, negativos da cientificidade,

não o utiliza de modo adequado (adequação em relação ao objeto de estudo), de modo

racional (racionalidade no manejo do instrumental e com o mínimo indispensável de

neutralidade científica) e de modo sistemático (porque o conhecimento a ser produzido

pretende-se universal e não pontual). Mais que isso, as produções acadêmicas que têm sido

realizadas têm se caracterizado, notadamente, pela generalidade temático-conceitual, pela

superficialidade, pela utilização inadequada de métodos de pesquisa e, principalmente, como

uma prática recorrente, pela falta de especificidade3 e objetividade. E isso faz com que

encontremos, freqüentemente, trabalhos de pesquisa, em Direito, com exíguo grau de

importância acadêmico-científica4, posto que eivado de caracteres, conceitos e teorias

ambivalentes, não-relacionais – isso sem contar a falta, por parte do sujeito cognoscente, de

neutralidade axiológica no momento da apreensão e cognição do dado, assim como também

a falta5 de asseptabilidade epistemológica e de outros atributos principiológicos, de caráter

metodológico, do conhecimento científico que estudaremos, mesmo que de modo incidenter,

no presente trabalho de pesquisa.

Por fim, a terceira ratio que fundamentou a escolha do nosso

objeto/problema de estudo – esta, agora, de ordem jurídico-processual – reside na

3 Com essa preocupação de especificidade, sobretudo em teses do tipo teóricas, Umberto Eco, citando Gramsci, afirma: “uma tese teórica é aquela que se propõe atacar um problema abstrato, que pode já ter sido ou não objeto de outras reflexões”, mas, deve-se tomar cuidado com “os tipos de abordagem a que Gramsci chamava ‘breves acenos ao universo’” (ECO, Umberto. Como se faz uma tese. São Paulo: Editora Perspectiva, 1989, p. 11). 4 Adeodato, analisando tal situação, apresenta-nos os fatores condicionantes e causadores desta situação e mostra-nos que o ensino jurídico vem passando, nos últimos anos, por uma mudança estrutural e que, em assim permanecendo, aponta como eventual e possível conseqüência uma melhor qualificação dos trabalhos na área do Direito (ADEODATO, João Maurício. “Bases para uma metodologia da pesquisa em Direito”. Anuário dos Cursos de Pós-Graduação em Direito, nº 8. Recife: Ed. Universitária-UFPe, 1997, pp. 201-223). 5 Conforme assentem Luciano Oliveira e Eliane Junqueira em: Duas reflexões sobre a sociologia jurídica. In Cadernos do IDES. Rio de Janeiro, série pesquisa nº 8, maio de 2000. Neste mesmo sentido, o Professor Luciano Oliveira fala em vícios e problemas da produção científica em Direito, tais como, o manualismo, o reverencialismo, os evolucionismos desnecessários, vieses filosófico e sociológico inúteis e superficiais, a utilização de uma terminologia eminentemente retórica e alienada, usando de uma fundamentação baseada precipuamente em argumentos ab auctoritate, entre outros (OLIVEIRA, Luciano. Não fale do Código de Hamurábi. 2003. 21f. Artigo).

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possibilidade de construção de uma terminologia jurídico-conceptual específica e apurada

que, aplicada à Ciência Jurídico-Processual, possibilitaria a resolução de questões

emblemáticas e, aparentemente, aporemáticas da teoria processual. Neste sentido, é que

consecutamos a construção, distintivo-analítica, dos institutos jurídico-processuais Litígio e

Lide, conforme se verá.

Destarte, a importância de tal estudo, precipuamente como uma

contribuição crítico-reflexiva para o conhecimento jurídico, mais precisamente no que diz

respeito à Ciência Jurídico-Processual, reside no fato de que é de fundamental importância

para a aferição do atributo da cientificidade no campo jurídico, a adoção de uma

terminologia específica, própria, apurada, ou seja, uma terminologia jurídico-conceptual.

Outrossim, é de se salientar a importância e o grau de indispensabilidade científica de tal

construção distintiva proposta, pois, despretensiosamente, contribuirá no sentido de

equacionar, redimensionar e solucionar, conforme assentimos acima, algumas questões,

aparentemente, aporemáticas da Ciência Jurídico-Processual e algumas incoerências do

Sistema Jurídico-Processual de normas como tecnologia, evidentemente jurídica, de

decidibilidade de conflitos.

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17

1 – INTRODUÇÃO.

As hipóteses são redes: só quem as lança colhe alguma coisa.

NOVALIS

O presente trabalho de pesquisa científica, de natureza dissertativa, tem

como objeto/problema de estudo uma construção terminológico-conceptual, por certo

analítica e distintiva, dos institutos jurídico-processuais, Litígio e Lide, até então tomados

pela Ciência Jurídico-processual1 como elementos conceptuais de mesma referibilidade

fenomênica e terminológica, incluindo nesta perspectiva de investigação, por certo, teorética,

uma análise empírico-crítica do fenômeno da teleologicidade processual e da decidibilidade

de conflitos. A partir disso, observaremos e apontaremos, assim, as implicações teorético-

conceptual-metodológicas e tecnológico-pragmáticas que tal distinção traz como corolário

para a Ciência Jurídico-Processual, mormente no que diz respeito às suas instituições e

institutos fundamentais2, e para a resolução de questões, aparentemente, aporemáticas3 da

1 O conceito de Ciência Jurídica (ou Ciência do Direito, como alguns preferem denominar), aqui adotado, tem a mesma orientação conceitual proposta por Tércio Sampaio Ferraz Júnior. Para ele, fundamentado em proposições assertivo-terminológicas de Theodor Viehweg, a Ciência do Direito, em qualquer tipo de modelo teórico que se queira adotar – analítico, que tem a norma jurídica como objeto; hermenêutico, que tem como objeto de estudo o processo interpretativo de busca do sentido e alcance das proposições jurídicas hipotéticas; empírico, que tem como objeto de estudo a tecnologia jurídica de decidibilidade de conflitos – tem dois prismas metodológicos imprescindíveis para o entendimento do seu conceito, enquanto fenômeno jurídico-científico, quais sejam, o prisma dogmático e o prisma zetético. Pelo prisma metodológico dogmático, a Ciência do Direito – e aqui enquadramos os diversos tipos de conhecimento jurídico-científico como, no nosso caso, a Ciência Jurídico-Processual – teria um esquema conceitual voltado, precipuamente, para a formatação de uma técnica de decisão de conflitos, constituindo tal objetivo em fundamento de validade de qualquer proposição. Assim, diz Tércio Sampaio, a Ciência do Direito, do ponto de vista dogmático, tem como escopo a tecnologia jurídica de decidibilidade aliada a uma função pedagógica. Por assim dizer, os enunciados propostos, como no caso da presente dissertação, só terão validade e verificabilidade comprovadas se tiverem alguma relevância prática para o sistema jurídico-processual, entendido este como técnica-jurídica de decisão de conflitos. Por outro lado, pelo prisma metodológico zetético, a Ciência do Direito constituiria, do mesmo modo que nas outras ciências sociais e aplicadas em geral, um sistema de conhecimento formatado a partir dos postulados metodológicos e conceituais comuns a qualquer esquema de conhecimento científico, tal como o das demais ciências humanas e sociais, por exemplo. No caso do nosso estudo, entremeamos os dois prismas metodológicos para formular as teses aqui defendidas. Umas com relevância dogmática e outras com relevância zetética, conforme se verá. Nesse sentido, cf.: FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. A ciência do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1991. 2 Segundo preceitua Cândido Rangel Dinamarco (DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. 5. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2002, t. I., p. 110-111), no mesmo sentido de Vicente Ráo (RÁO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos. 5. ed. anot. atual. São Paulo: RT, 1999, p. 228-229), aquilo que, recorrentemente, denominamos na dogmática jurídica tradicional – mais um legado da tradição romanística, é certo – de Instituto Jurídico, na verdade, trata-se de uma convenção conceitual a respeito de um determinado conhecimento existente na Ciência Jurídica. Nesse sentido, afirma ele – fundamentado em Vicente Ráo – que Institutos Jurídicos são grandes unidades sistemáticas de conhecimento jurídico, isto é, categorias jurídicas

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1 - INTRODUÇÃO 18

Teoria Geral do Processo4, tais como a asserção do atributo da jurisdicionalidade na

chamada jurisdição voluntária e da aplicação do conceito de Lide para o processo penal.

Para a consecução de tais objetivos/hipoteses de pesquisa, e, por

conseguinte, verificabilidade e transformação dos mesmos em tese, procedemos, de plano,

em primeiro lugar, a uma análise teórico-conceptual e histórico-descritiva dos institutos –

Litígio e Lide – a partir da leitura da Ciência Jurídico-Processual clássica e moderna,

estrangeira e nacional, posto que na acepção da opinio communis doctorum – desde a

formulação do conceito de Lide por FRANCESCO CARNELUTTI5 até a dogmática

processualística mais recente – tais elementos conceptuais têm sido abordados como de

mesma significação fenomênica e terminológica e, como veremos, por conseguinte, tal

formuladas a partir de processos de generalização conceitual, que formam e delimitam as ciências jurídicas. Mas, por outro lado, nem Cândido Rangel Dinamarco, nem Vicente Ráo – aliás, pelo que pudemos observar, nenhum jurista o faz – distinguem instituto jurídico de instituição jurídica. Assim, nesta linha, assentindo tão-somente em parte a adoção conceitual dos referidos doutrinadores, propomos que “Instituto Jurídico” é, em verdade, uma unidade sistemática micro de conhecimento, enquanto que falar em instituição jurídica é pensar em unidade sistemática macro de conhecimento; isto é, enquanto instituição jurídica é categoria de conhecimento jurídico, instituto jurídico é subcategoria de conhecimento jurídico. De modo que, vários institutos jurídicos – que são unidades conceituais – formam uma instituição jurídica. Em assim sendo, teríamos, por exemplo, na Ciência Jurídico-Processual, como principais – assim consideradas pela unanimidade dos processualistas – instituições jurídico-processuais (unidades macro de conhecimento) a “Jurisdição”, a “Ação” e o “Processo” que, consubstanciariam em si, os vários institutos jurídico-processuais (unidades micro de conhecimento) que, também, formam a Ciência Jurídico-Processual. Exemplo: enquanto que a “Ação” é uma instituição jurídico-processual, “As condições da Ação” seriam institutos jurídico-processuais desta instituição; do mesmo modo, enquanto o “Processo” é uma instituição jurídico-processual, os “Pressupostos Processuais” seriam institutos jurídico-processuais de tal instituição. Em síntese: conceitos de um conceito maior que se adequam, ordenadamente, no sistema de conhecimento jurídico-processual por processos de definibilidade (utilizando critérios terminológicos, históricos, técnico-jurídicos, de genus proximum e diferentia specifica, entre outros) e de afinidade temático-conceptual. 3 Uma questão aporemática (de aporia) seria aquela, de acordo com a definição de Sócrates, citada por Platão, impossível de ser solucionada. Conforme, Robert François: “Impasse do pensamento. O raciocínio conduz quando nenhuma solução é possível. Sócrates conduz muitas vezes os seus interlocutores a aporias para os fazer mudar de problemática. Em Platão, um diálogo aporético é aquele que leva a uma impossibilidade de conclusão acerca do problema colocado” (ROBERT, François. Os termos filosóficos. 2. ed. Mem. Martins: PEA, 1995, v. 1). In casu, as lacunas e problemas teóricos aqui apresentados não constituem, na verdade, um problema aporemático. Diríamos que são aporias meramente aparentes, pois, como a de se ver, para todas as lacunas e incongruências apresentadas, apontamos uma solução, se não certa, ao menos, marcada pelo caractere da razoabilidade. 4 Entendemos aqui Teoria Geral do Processo como o conjunto de teorias processuais que fundamentam a Ciência Jurídico-Processual, nos seguintes termos: toda Ciência tem um suporte teórico que constitui o conjunto de teorias que fundamentam esta determinada ciência. Tais teorias são elaboradas a partir do conjunto de definições e conceitos de tal Ciência, sendo estes, na verdade, representações semióticas da realidade. Tais conceitos e definições são formulados a partir de termos que formam (ou pelo menos devem formar), assim, uma terminologia específica e apurada para esta determinada Ciência. É com base nesses postulados que devemos considerar a Ciência Jurídico-Processual. Neste mesmo sentido conferir: ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 17-22 e 30-41. 5 Cf. CARNELUTTI, Francesco. Instituições do Processo Civil. São Paulo: Classic Book, 2000, 3v. E: Idem. Sistema de Direito Processual Civil. São Paulo: Classic Book, 2000, 4v. Também: Idem. Teoria Geral do Direito. São Paulo: Lejus, 1999.

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

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1 - INTRODUÇÃO 19

indiscernibilidade e imprecisão terminológicas – e também metodológica – trazem uma série

de dificuldades conceptuais para a teoria processual.

Em seguida, tendo em vista esta problemática terminológico-conceptual

enfrentada de indiscernibilidade de identidade entre os institutos Litígio e Lide, analisamos e

assentimos, como condição de asseptabilidade, de assertibilidade e de verdade científica6 da

Jurisprudenz7 em geral – mormente no que concerne à Ciência Jurídico-Processual, seja ela

tomada pelo prisma dogmático ou zetético – a necessidade imperativa e categórica de

estruturação e adoção de uma terminologia jurídico-conceptual específica e apurada, com

delimitação precisa, sem ambivalência de significações, dos campos semânticos, sintáticos e

pragmáticos8 dos conceitos jurídicos. Isso porque, conforme assente RAFAEL BIELSA9, a

cientificidade das Ciências Jurídicas passa, a priori, como condição de procedibilidade

metodológica, pela formulação de definições e conceitos jurídicos precisos.

A seguir, na seção posterior, consecutamos a construção terminológico-

conceptual – por certo distintiva – proposta, assentindo, peremptoriamente, que Litígio e

Lide são elementos conceptuais de referibilidade e sentido diferentes, sendo um – o Litígio –

6 Tais atributos, por certo, princípios da atividade cognitivo-científica, serão melhor definidos e caracterizados, pormenorizadamente, mais adiante. Por hora, é necessário apenas salientarmos que se trata de atributos indispensáveis à identificação e enquadramento do conhecimento como científico. Neste sentido, temos, in verbis, que: “Asseptabilidade – diz-se que uma pesquisa atingiu a asseptabilidade científica, quando na consecução, demonstração, exposição e discussão da proposição hipotética o sujeito cognoscente manteve-se, especificamente, centrado na área de conhecimento científico a qual pertence o seu objeto de estudo e, quando das digressões e incursões epistemológicas, teve ciência e consciência dessas; Assertibilidade – do ponto de vista da Lógica, condições de assertibilidade são as condições que uma determinada elocução – proposição – tem de satisfazer para poder ser produzida cientificamente. Assim, no caso da pesquisa científica, para uma determinada proposição – hipotese – ser demonstrada, ou seja, considerada tese, é necessária a satisfação de certos requisitos e pressupostos de caráter teórico-metodológico na consecução da pesquisa. Assim, a utilização do instrumental metodológico constitui, em si, uma condição de assertibilidade, isto é, uma condição, indispensável, de produção do conhecimento científico; Verdade – a Verdade científica constitui um conjunto de condições que uma proposição tem de satisfazer para ser verdadeira, do ponto de vista científico. No caso da pesquisa científica, da produção do conhecimento científico, estas condições dizem respeito à observância de certos princípios e preceitos de ordem teoórico-metodológica e ao enquadramento epistemológico que dá sentido e definibilidade aos esquemas conceituais trabalhos pelo pesquisador” (SANTOS, Uziel Santana. Pesquisa Sócio-Jurídica: A imperatividade do instrumental teórico-metodológico como condição de neutralidade, asseptabilidade, assertibilidade e verdade científica. 2001. 23f. Monografia – Faculdade de Direito do Recife, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, p. 18-19). 7 Jurisprudez ou Jurisprudence – alemão e inglês, respectivamente – entendido, desde a Escola Histórica de Savigny como a Ciência do Direito (Juris Scientia). Neste sentido, cf.: FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. A ciência do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1991, p. 29. 8 Cf. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, decisão e dominação. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2001. E: WARAT, Luis Alberto. O Direito e sua linguagem. Porto Alegre: FABRIS, 1984. 9 Cf. BIELSA, Rafael. Los conceptos jurídicos y su terminologia. 3. ed. aum. Buenos Aires: Depalma, 1993.

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

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1 - INTRODUÇÃO 20

um antecedente fáctico-causal e lógico e o outro – a Lide – o conseqüente jurídico-

processual necessário para a formatação da relação jurídico-processual. E, em assim sendo,

isto é, assentindo-se e aferindo-se a análise e construção distintiva consecutadas, teríamos

várias repercussões e implicações de ordem teorético-conceptual e tecnológico-pragmática

na formatação das instituições e institutos fundamentais da Ciência Jurídico-Processual e,

por conseguinte, na teoria processual, tal como, por exemplo, na formatação da definição e,

conseqüente, conceituação dos institutos da “Relação Jurídico-Processual”, do “Meritum

Causae”, do “Thema Decindendum”, do “Objeto do processo” (o streitgegenstand dos

alemães), das “Condições de Admissibilidade do Julgamento da Lide” (Pressupostos de

constituição e desenvolvimento válido e regular do processo e Condições da ação –

Prozessvoraussetzungen e Klagvoraussetzungen, respectivamente), das técnicas

procedimentais de cognição e da “Res Judicata”, conforme inferiremos, assentiremos e

argumentaremos adiante.

Em seguida, ainda como aplicabilidade da distinção terminológico-

conceptual adotada, consecutamos a aplicação de tais conceitos distintivos na

processualística penal e no âmbito do temário da jurisdição voluntária, assentindo, na

primeira hipótese, quanto à processualística penal, que a Lide, ao contrário do que preceitua

a dogmática jurídico-processual10, é também o conteúdo do processo penal e, na segunda

hipótese, quanto à chamada Jurisdição Voluntária, que é aferível e factível a assertiva

proposicional do atributo da jurisdicionalidade nesta espécie de jurisdição, conhecida e

considerada pela dogmática processual, clássica e moderna, como tão-somente uma

atividade administrativo-integrativa do Estado em assuntos de interesse eminentemente

10 Neste sentido, Antonio Carlos Cintra, Ada Pallegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, afirmam: “quando se trata de lide envolvendo o Estado-administração, o Estado-juiz substitui com atividades suas as atividades dos sujeitos da lide – inclusive a do administrador. Esta idéia também encontra aplicação no processo penal. Quem admitir que existe a lide penal (de resto, negada por setores significativos da doutrina) dirá que ela se estabelece entre a pretensão punitiva e o direito à liberdade; no curso do processo penal pode vir a cessar a situação litigiosa, como quando o órgão da acusação pede absolvição ou recorre em benefício do acusado – mas o processo penal continua até a decisão judicial, embora a lide não exista mais. Em vez de ‘lide penal’ é preferível falar em controvérsia penal” (ARAÚJO CINTRA, Antonio Carlos; GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 13. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 132).

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

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1 - INTRODUÇÃO 21

privado11, onde não se tem, na verdade, um conflito intersubjetivo qualificado pela

pretensão de um e pela resistência do outro, isto é, uma Lide – na visão carneluttiana. Na

verdade, como explicitaremos e argumentaremos, não há um Litígio, mas sim uma Lide, isto

é, um conteúdo factual que foi deduzido e precisa de um pronunciamento jurisdicional.

Por fim, tendo em vista a investigação empírica realizada com membros da

magistratura do primeiro e segundo grau atuantes no Estado de Pernambuco, procedemos à

construção, também analítico-distintiva, agora através de uma análise empírico-crítica, dos

conceitos Litígio e Lide, observando-se e apontando-se qual o verdadeiro telos do processo:

se a decidibilidade do Litígio, isto é, do conflito social, ou se, meramente, a decidibilidade da

Lide, isto é, do conteúdo do processo, através da mera subsunção hermenêutico-silogística,

sem a preocupação com a real e material resolução do conflito (Litígio) que deu ensejo à

formação da Lide processual. Outrossim, nesta mesma perspectiva empírico-investigativa,

procedemos, ainda nesta última seção, a uma análise da técnica processual de limitação da

cognição (Lide ≤ Litígio) como reflexo de uma ideologia determinante na estruturação e

formatação dos procedimentos diferenciados, ditos especiais, associando tal assertiva

proposicional, na esteira da teoria cappellettiana12, à problemática do acesso à justiça e à

limitação cognoscitiva imposta pelo princípio da congruência em contraposição ao princípio

constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional.

11 Neste sentido, cf.: ALVIM, J. E. Carreira. Teoria Geral do Processo. 8. ed. rev. amp. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 75-81. 12 Cf. CAPPELLETTI, Mauro. O processo civil no direito comparado. Belo Horizonte: Editora Líder, 2001.

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

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1 – INTRODUÇÃO. 1.1 – Proposições Sinópticas e Propedêuticas. 22

1.1 – PROPOSIÇÕES SINÓPTICAS E PROPEDÊUTICAS.

A distinção conceptual que se propõe consecutar neste trabalho de

pesquisa científica se justifica, precípua e precisamente, em face da imprecisão terminológica

e metodológica da Teoria Geral do Processo, frente à definição, uso e menção13 dos termos,

Litígio e Lide, pois, como sabemos, na acepção assente da dogmática jurídico-processual,

esses institutos têm sido abordados como elementos conceptuais de mesma referibilidade e

significação. Em assim sendo, tal acepção sinonímica leva-nos à verificação de certas

incoerências e lacunas no conhecimento jurídico-processual. Talvez a maior dessas

incoerências, encontra-se no problema da teleologicidade e tecnologia jurídico-processual,

posto que, no plano teorético, assente-se, peremptoriamente, que a objetividade jurídica

precípua do processo é a resolução do Litígio (ou Lide, na acepção comum) e conseqüente

pacificação social, sendo que, no plano factual, conforme pudemos observar quando da

realização da pesquisa empírica com os magistrados atuantes em Pernambuco, temos, in

claris, que a teleologicidade do processo se assenta, tão-somente, na decidibilidade da Lide e

só a posteriori – sem isso constituir um conseqüente necessário – na resolução do Litígio, do

conflito.

Além disso, fazendo-se uma análise da técnica processual de cognição14,

segundo pudemos observar, quando o legislador estabelece, em certos procedimentos, ditos

especiais, algumas limitações à cognição do juiz, na verdade, em muitos casos, é evidente

que, ao contrário do discurso oficial que fala em especialização do procedimento para se

13 De um ponto de vista lógico, distinguir o uso de um termo ou de uma frase da sua menção é fundamental para evitar falácias. Assim, o uso de uma palavra tem a ver com a incidência do seu significado, já a menção da mesma deve ser feita de acordo com o contexto lingüístico em que ela está sendo utilizada (ENCICLOPÉDIA DE TERMOS LÓGICO-FILOSÓFICOS. Portugal. Sociedade Portuguesa de Filosofia. Disponível em: http://bd1.bn.pt/enci/. Acesso em: 18 set. 2000). 14 E, quanto a esta análise, os referenciais teóricos utilizados por nós foram: Mauro Cappelletti (CAPPELLETTI, Mauro. Processo e ideologie. Bologna: Il Mulino, 1969), Kazuo Watanabe (WATANABE, Kazuo. Da Cognição no Processo Civil. 2. ed. atual. Campinas: Bookseller, 2000), Luiz Guilherme Marinoni (MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 4. ed. rev. ampla. São Paulo: Malheiros, 2000) e Cândido Rangel Dinamarco (DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2002).

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

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1 – INTRODUÇÃO. 1.1 – Proposições Sinópticas e Propedêuticas. 23

atingir a efetividade da tutela jurisdicional, o que se está estabelecendo é um tratamento

diferenciado para uma determinada categoria de partes, atestando-se, assim, que na

consecução legislativa dos procedimentos, observa-se, decididamente, a influência de fatores

ideológicos15 que consubstanciam a estruturação e formatação das técnicas procedimentais

de cognição. Neste sentido, correspondeu-nos, o Professor LUIZ GUILHERME MARINONI16:

Na linha da sua proposta(...), estabelecendo-se a diferença entre lide e litígio, no sentido de que a lide é aquilo que, do litígio, é levado ao conhecimento do juiz, e assim delimitado pelo pedido contido na petição inicial, a lei, ao construir procedimentos diferenciados (ou especiais), permite que o investigador vislumbre o tratamento especial conferido a determinadas situações de direito substancial. Por exemplo: na ação de busca e apreensão, fundada no Decreto-Lei 911/69, o legislador desejou, em princípio, impedir que o réu pudesse alegar, em sua defesa, contrariedade à lei ou ao contrato; o réu somente poderia alegar o cumprimento da sua obrigação. Um procedimento deste tipo, como é evidente, limita a cognição do juiz, abreviando o tempo para a prestação da tutela jurisdicional, interessando apenas a alguns. É por isso que se pensa na técnica da cognição, como técnica de construção de procedimentos especiais, por meio da qual exclui-se a possibilidade das partes alegarem e discutirem determinada parcela da lide [litígio], definindo-se que somente algumas questões da lide [litígio] podem ser enfrentadas, e estas é que vão conformar o litígio [lide] a ser definido pelo juiz. Nesta linha, seria possível analisar a ideologia dos procedimentos, ou seja, as razões que estão por detrás dos procedimentos que tratam de forma especial determinadas situações de direito substancial e algumas posições sociais, excluindo a possibilidade de debate de determinada porção da lide [litígio] (Grifos no texto do remetente e alterações, em colchetes, minhas).

Tal ideologização das técnicas procedimentais tem, assim, ampla

repercussão e implicação na problemática do acesso à justiça – posto que, evidencia-se, in

claris, o impedimento da dedução de parte do Litígio, constituindo-se tal fato, por certo, em

um obstáculo jurídico17 de acesso à Justiça – e, sobretudo, na (de)limitação teórica e

15 Neste sentido, cf.: BECKER, L. A. Contratos Bancários: execuções especiais (SFH – SFI – Alienação Fiduciária – Crédito Rural e Industrial). São Paulo: Malheiros, 2002. 16 MARINONI, Luiz Guilherme. Publicação eletrônica [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <[email protected]> em 05 agos. 2002. 17 Isto é, além dos tradicionais obstáculos, apontados pela dogmática jurídico-processual moderna – obstáculos, por certo, de natureza material, como, por exemplo, o alto custo do processo judicial, a baixa capacidade econômica da maioria da sociedade, o desconhecimento dos direitos, entre outros – obstáculos esses que impedem o efetivo “Acesso à Justiça”, temos, ainda, pelo que estamos a demonstrar, na sistemática do processo, mais um tipo de obstáculo, o obstáculo de ordem jurídico-normativa, isto é, aquele que impede que parte do conflito (Litígio) seja deduzido em Juízo, formando, assim, a Lide. Sobre os obstáculos materiais, conferir Mauro

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

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1 – INTRODUÇÃO. 1.1 – Proposições Sinópticas e Propedêuticas. 24

tecnológico-pragmática dos princípios da inafastabilidade do controle jurisdicional e da

congruência (ou dispositivo), conforme explicitaremos adiante.

Por outro lado, a distinção teórico-conceptual proposta, repercute,

também, conforme já afirmamos, no processo de definibilidade e, por conseguinte, de

conceituação das instituições e institutos fundamentais da Ciência Jurídico-Processual. Assim,

se, por exemplo, admitíssemos, como a dogmática processual clássica assente, que a Lide é

o conflito de interesses qualificado pela pretensão de um e pela resistência do outro, e, em

assim sendo, uma realidade não só jurídica, mas, principalmente, sociológica18, em verdade,

não poderíamos nos limitar a estudar tão-somente as instituições “Jurisdição”, “Ação” e

“Processo” (e seus respectivos institutos jurídico-processuais) – denominadas, por RAMIRO

PODETTI19, de Trilogia Estrutural do Direito Processual e que, como assentimos, em nota,

consubstanciariam os pilares da Ciência Jurídico-Processual – sem estudar, assim, com o

mesmo grau de importância dogmático-científica, o conflito (Litígio ou Lide), como dado

sociológico que é, sob pena de não conseguirmos elaborar uma efetiva tecnologia jurídica de

decidibilidade de conflitos. Destarte, implicações dessa ordem são sentidas na

(re)formulação dos conceitos de certos institutos jurídico-processuais a partir da distinção

conceptual proposta, tais como, o do que é, na verdade, a “Relação Jurídico-Processual”, o

que consubstancia o “Meritum Causae” e, por conseguinte, o “Thema Decidendum” do juiz,

qual, enfim, o “Objeto do processo” (as condições de admissibilidade do julgamento da lide,

isto é, as condições da ação e os pressupostos processuais, e o mérito, entendendo-se este

como Lide = Litígio?) e, sobretudo, qual o âmbito de abrangência conceptual e material da

“Res Judicata”, tendo em vista, mormente, o que preceituam os artigos 468 e 474 do Código

de Processo Civil brasileiro a respeito da definição do que seriam “questões decididas”,

Cappelletti, em seu “Acess to Justice: The worldwide movement to Make Rights Effective: A general reports” (CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: FABRIS, 1988.). 18 Como afirmaram Calamandrei, Liebman e outros processualistas (Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil moderno. 5. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, t. I, p. 252-254.). 19 Cf. PODETTI. J. Ramiro. Teoria y Técnica del Proceso Civil y Trilogia Estructural de la Ciencia del Proceso Civil. Buenos Aires: EDIAR, 1963, p. 335-340.

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

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1 – INTRODUÇÃO. 1.1 – Proposições Sinópticas e Propedêuticas. 25

“questões da lide” e “julgamento parcial da lide”. Neste sentido, correspondeu-nos20,

também, o Professor LUIZ GUILHERME MARINONI:

Na linha da sua proposta (...), posta a distinção entre os conceitos de lide e litígio (e analisadas as doutrinas de Carnelutti e Liebman), também é interessante a análise dos arts. 468 e 474 do CPC. Em outras palavras: o art. 468 fala em julgamento parcial da lide. O problema é o de saber se tal dispositivo está falando da lide pré-processual [litígio] ou se está identificando lide e litígio? Mais: tal artigo fala em “questões decididas”. O conceito de questão, também ligado ao de lide, tem uma conceituação própria em Carnelutti. É importante definir o que é “questão da lide”. Por outro lado, como interpretar o art. 474? Este afirma que: ‘passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido’. Se o pedido conforma a lide, seria possível dizer que as alegações e defesas que não deram conformidade á lide (mas que fazem parte do litígio) estão acobertadas pela coisa julgada? (Grifos no texto do remetente e alterações, em colchetes, minhas).

Do mesmo modo, tal imprecisão referencial dos termos, leva-nos a uma

outra lacuna do sistema teórico-processual, qual seja: considerando-se ser a Lide – como na

teorização carneluttiana (que é a adotada) – o conteúdo necessário, uma propriedade

intrínseca do processo – com a idéia manifesta de conflito, de peleja, de litígio inter partes –

chegamos à constatação da existência de processos sem a incidência, propriamente dita, de

uma Lide (entendida aqui como Litígio – conforme CARNELUTTI21), como nos casos dos

procedimentos de Jurisdição Voluntária, que seriam, tão-somente, de caráter administrativo-

integrativo, sem a verificação de um conflito entre partes e, por conseguinte, sem o

caractere necessário da jurisdicionalidade, isto é, sem ser, propriamente dito, atividade

jurisdicional. Mas, efetivamente, considerando a construção distintiva aqui proposta, tal

compreensão não deve ser admitida e, assim, conforme assentiremos e argumentaremos a

posteriori neste trabalho, os termos – Litígio e Lide – utilizados de forma indistinta, como

20 MARINONI, Luiz Guilherme. Publicação eletrônica [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <[email protected]> em 05 agos. 2002. 21 Cf. CARNELUTTI, Francesco. Instituições do Processo Civil. São Paulo: Classic Book, 2000, t. I, p. 77-94.

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

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1 – INTRODUÇÃO. 1.1 – Proposições Sinópticas e Propedêuticas. 26

indexicais22, pela dogmática jurídico-processual, devem ser entendidos como de opacidade

referencial23, isto é, termos não co-referenciais, com Bedeutung24 (referência) e Sinn25

(sentido) diferentes – utilizando uma linguagem lógica. Tal caracterização distintiva elidiria,

por conseguinte, a presente lacuna do sistema, assim como também, no que diz respeito à

existência, ou não, de uma Lide no processo penal, posto que a dogmática jurídico-

processual entende que não há que se falar em Lide penal, pois, em absoluto, segundo

assentem eles, na res in judicium deductae do processo penal, mais precisamente nos pólos

da relação jurídico-processual penal, não encontramos uma Lide (entendida como Litígio)

entre partes. Na verdade, na há mais um Litígio inter partes, posto que este ocorreu antes

do processo, isto é, num plano pré-processual; in casu, no processo penal, há, então, um

conteúdo deduzido a partir do fato criminoso (o Litígio) que precisa de um pronunciamento

jurisdicional. Tal conteúdo seria, então, a Lide processual, consubstanciada aqui, no processo

penal, pela pretensão punitiva do Estado-Administração – através do órgão do Ministério

Público – e pela resistência a esta pretensão oferecida pelo acusado.

Pois bem. Embora ainda não seja este o momento de discorrermos sobre o

conceito de Litígio e Lide do ponto de vista teorético-conceptual e histórico-descritivo – pois

tal leitura será realizada na seção subseqüente – vamos, tão-somente, a título de

22 Segundo a Enciclopédia de Termos Lógico-Filosóficos da Sociedade Portuguesa de Filosofia, indexicais “são palavras ou expressões cujo valor semântico ou referência, relativamente a uma dada ocasião de uso, depende sistematicamente de certas características do contexto extralinguístico em que são utilizadas” (ENCICLOPÉDIA DE TERMOS LÓGICO-FILOSÓFICOS. Portugal. Sociedade Portuguesa de Filosofia. Disponível em: http://bd1.bn.pt/enci/. Acesso em: 18 set. 2000). Nesse mesmo sentido: KAPLAN, David. Demonstratives. Themes from Kaplan. Oxford: Oxford University Press, 1989. 23 Diz-se que há, em um contexto lingüístico, opacidade referencial, quando os termos utilizados não são co-referenciais entre si e, em assim sendo, num contexto lingüístico, assim, não pode ocorrer a substituição salva veritate. No caso, os contextos onde o princípio da substituição salva veritate não pode ser aplicado são referencialmente opacos e os contextos onde tal princípio lógico pode ser aplicado são referencialmente transparentes. Neste sentido, cf.: QUINE, W. V. Reference and Modality. From a Logical Point of View. Cambridge: Harvard University Press, 1953. 24 Técnica e logicamente falando, a Bedeutung de uma expressão lingüística (seja essa um termo, um predicado ou uma frase) é a referência de tal expressão, isto é, o correlato – correspondência – da expressão lingüística no mundo. Neste sentido, cf.: FREGE, Gottlob. Function and Concepts. Trad: P Geach e M. Black. Oxford: Blackwell, 1960. Também cf.: DUMMETT, Michael. Philosophy of Language. Londres: Duckworth, 1981. 25 O sinn (sentido) é o modo de apresentação de um objeto associado a um termo. Muitas vezes, alguns termos têm a mesma referência, mas, sentidos diferentes. No caso da distinção aqui proposta, Litígio e Lide têm referência (Bedeutung) e sentido (Sinn) diferentes (cf. FREGE, Gottlob, op. cit).

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1 – INTRODUÇÃO. 1.1 – Proposições Sinópticas e Propedêuticas. 27

apresentação sinóptica e propedêutica tecer alguns comentários sedimentados na dogmática

processual a respeito dos termos sub examen. Vejamos, então.

Como afirmamos, no campo da moderna dogmática processual26, coube, a

CARNELUTTI27, a formulação do conceito de “Lide”. Para ele, a Lide seria “um conflito

(intersubjetivo) de interesses qualificado por uma pretensão contestada (discutida)”28, sendo

assim, um fenômeno exterior ao processo que, deduzido em juízo, materializava-se numa

formulação peticional, num pedido. No caso, tal interesse seria a posição favorável de uma

das partes para a satisfação de uma necessidade sua e a pretensão (a anspruch dos

alemães), por sua vez, seria a exigência de subordinação de uma das partes a um

determinado interesse de outra. Para ele, também, apesar de estar certo, naquele momento,

que a terminologia a esse respeito ainda não estava consolidada, não havia distinção

sintática, semântica ou pragmática entre Lide, causa, Litígio e controvérsia, sendo tais

termos caracterizados pelo que na lógica e na lingüística se chama de indiscernibilidade de

identidade29.

Neste mesmo sentido, um outro processualista moderno da escola italiana,

de uma geração anterior, mas ainda contemporânea de CARNELUTTI, GIUSEPPE

CHIOVENDA30, adotou – embora com algumas reformulações e reservas – a mesma

conceituação e os mesmos critérios de definibilidade para a caracterização da Lide, de

CARNELUTTI, sendo que, para ele, tal conceito era de exígua e menor importância. De todo

26 Entendido aqui que a moderna dogmática jurídica processual teve como marco didático-temporal a publicação, em 1868, do livro de Oskar Von Büllow Die Lehre von den Processeinredem und die Processvoraussetzungen (A teoria das exceções processuais e os pressupostos processuais). 27 Cf. CARNELUTTI, Francesco. Teoria Generale del Diritto. 3. ed. Roma: Soc. Ed. Do Foro Italiano, 1951. Também: Idem. Lite e processo. Rivista di Diritto Processuale Civile, 1941. Tradução para o espanhol – Litis y proceso – por Santiago Sentis Melendo, em Estúdios de Derecho Procesal Civil, Buenos Aires, EJEA, 1952. 28 Cf. CARNELUTTI, Francesco. Instituições do Processo Civil. Trad: Adrián Sotero De Witt Batista. São Paulo: Classic Book, 2000, v. 1, p. 78. 29 Do ponto de vista lógico-lingüístico, a indiscernibilidade de idênticos estabelece-se sempre que for possível a aplicação do princípio da substituição salva veritate. Deste modo, dada uma afirmação de identidade verdadeira qualquer dos seus termos pode ser substituído pelo outro (Lide por Litígio e vice-versa) numa frase verdadeira sem mudar o seu valor de verdade. Tal proposição foi proposta por W. V. QUINE. Neste sentido, conferir os trabalhos: KRIPE, S.. Naming and Necessity. Oxford: Blackwell, 1980 e, também: QUINE, W. V. Reference and Modality. From a Logical Point of View. Cambridge: Harvard University Press, 1953. 30 Cf. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituciones de Derecho Procesal Civil. Trad: E. Gómez Orbaneja. Madri: Editorial Revista de Derecho Privado, 1941.

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1 – INTRODUÇÃO. 1.1 – Proposições Sinópticas e Propedêuticas. 28

modo, para CHIOVENDA, a Lide seria sim um conflito de interesses, qualificado pela

pretensão de um e resistência do outro, mas não se tratava de um fato exterior ao processo.

Ela, ao contrário, seria o conteúdo do próprio meritum causae, sendo assim, informada e

consubstanciada na demanda31. Desta maneira, em assim sendo, falar em Lide (ou Litígio) é

o mesmo que falar em meritum causae do processo ou em res in iudicium deductae, sendo

tais conceitos determinados a partir do ato processual da demanda, posto que, segundo

assente CHIOVENDA, sentença de mérito é o provimento do juiz acolhendo ou rejeitando tal

formulação (domanda) do autor. Mas, da mesma maneira que CARNELUTTI32, ele não

enfrentou ou assentiu numa diferenciação terminológica entre Litígio ou Lide, ou entre

Litígio, Lide e causa. Permanecendo, imanente e manifesto, na sua obra, a ambigüidade e

referibilidade dos termos. Sendo assim, o processo permanecia como uma moldura legal e

ficta de resolução de conflitos (Lide).

Nessa mesma perspectiva, outros clássicos processualistas como UGO

ROCCO33 e PIERO CALAMANDREI34 também corroboraram – com algumas modificações não

tão sistemáticas, muito embora com algumas críticas um tanto severas, como a que

CALAMANDREI fez em um trabalho de recensão feito na Rivista de Diritto Processuale35 a

pedido do próprio CARNELUTTI – a formulação teórica da Lide. Nesse sentido,

CALAMANDREI afirmava que a formulação carneluttiana, apesar de consistente, não tinha

grande utilidade sistemática36, apontando, em seguida, algumas falhas da teoria, conforme

veremos pormenorizadamente adiante. Mas, no geral, para esses autores, a Lide ou Litígio

31 Cf. CHIOVENDA, Giuseppe. Principii di diritto processuale civile. 4. ed. Nápoles: Jovene, 1928. 32 Cf. CARNELUTTI, Francesco. Teoria Generale del Diritto. 3. ed. Roma: Soc. Ed. Do Foro Italiano, 1951. Também: Idem, Francesco. Lite e processo. Rivista di Diritto Processuale Civile, 1941. Tradução para o espanhol – Litis y proceso – por Santiago Sentis Melendo, em Estúdios de Derecho Procesal Civil, Buenos Aires, EJEA, 1952. 33 Cf. ROCCO, Ugo. Corso di Teoria e Practica del processo civile. Nápoles: Scientifica Editrice, 1950. 34 Cf. CALAMANDREI, Piero. Estúdios sobre el proceso civil. Trad: Santiago Sentís Melendo. Buenos Aires: Editorial Bibliográfica Argentina, 1945. 35 Cf. Idem. Estudos de Direito Processual. Campinas: LZN Editora, 2003. E, principalmente: Idem. Il concetto di “lite” nel pensiero di Francesco Carnelutti. In Rivista di diritto processualle civile. v. V. Padova. Cedam, 1928. 36 CALAMANDREI, apud DINAMARCO. Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. 5. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 297.

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1 – INTRODUÇÃO. 1.1 – Proposições Sinópticas e Propedêuticas. 29

era um conflito de interesses que, deduzido em juízo, consubstanciava-se no mérito da

causa.

Outros importantes autores da dogmática jurídico-processual –

notadamente da segunda metade do século passado para cá – como LIEBMAN37, JAIME

GUASP38, NICETO ALCALÁ-ZAMORA Y CASTILLO39, EDUARDO COUTURE40, MAURO

CAPELLETTI41, entre outros, conforme veremos mais detidamente na próxima seção deste

trabalho – assentiram, em parte, com a teoria da Lide/Litígio propondo, por assim ser,

algumas reformulações à teorização carneluttiana. No que diz respeito à diferenciação

terminológico-conceitual aqui proposta, tais autores não enfrentaram diretamente esta

questão, acreditando, como os outros, na mesma significação dos termos, Litígio e Lide e, no

caso, apesar das incoerências e lacunas encontradas na formulação tética de CARNELUTTI,

assentiram e vislumbraram a importância do conceito de Lide para uma formatação unitária

e metodológica do sistema processual, sobretudo, civil.

Por sua vez, na dogmática processual brasileira42, as teorizações, no campo

da Teoria Geral do Processo, conforme se verá, com raras exceções, têm sido no sentido de

acompanhar o pensamento das escolas italiana e alemã. Assim, quanto à conceituação de

Litígio e Lide, os processualistas brasileiros têm concordado com a formulação carneluttiana,

com algumas poucas reformulações, fruto das considerações críticas já apontadas,

sobretudo, pela doutrina processual italiana. Até mesmo do ponto de vista do sistema de

normas jurídicas que regulamentam o processo civil pátrio, temos que o legislador utilizou,

na elaboração do Código de Processo Civil de 1973, a premissa metodológica carneluttiana,

37 Cf. LIEBAMN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. 2. ed. Trad: Cândido Rangel Dinamarco. Rio de Janeiro: Forense, 1985. 38 Cf. GUASP, Jaime. Derecho Procesal Civil I. 3. ed. Madrid: Institutos de Estúdios Políticos, 1968. 39 Cf. ALCALÁ-ZAMORA Y CASTILLO, Niceto. Proceso, autocomposición y autodefesa. Buenos Aires: Unam, 1970. 40 Cf. COUTURE, Eduardo. Estúdios de Derecho Procesual Civil. 3. ed. Buenos Aires: Depalma, 1989, t. 3. 41 Cf. CAPPELLETTI, Mauro. Processo e ideologie. Bologna: Il Mulino, 1969. 42 Sobretudo os autores ligados às escolas de direito processual Pernambucana, Paulista, Sulista e Paranaense. Nesse sentido, cf.: MOREIRA DE PAULA, Jônatas Luiz. História do Direito Processual Brasileiro – Das origens Lusas à Escola Crítica do Processo. Barueri: Manole, 2003.

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

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1 – INTRODUÇÃO. 1.1 – Proposições Sinópticas e Propedêuticas. 30

com algumas exceções que, inclusive, levaram à formação de uma grande incoerência

teórico-metodológica do sistema, conforme assente DINAMARCO43.

PONTES DE MIRANDA44, conjecturando a respeito do conceito de Lide, por

certo, um pouco diferentemente da visão tradicional dos nossos processualistas – até porque

ele tivera uma formação processual mais alemã do que italiana – assim declara:

Lide é ‘ação’, litígio (litigium), querela, disputa, em que se vai perder, ou em que se vai ganhar. Enquanto pende a ação, com o seu processo, há litispendência, de modo que não se pode chamar ‘lide’ o mérito da causa. Enquanto há lide, lida-se (donde ‘lida’, peleja, fadiga). Há o ‘litisconsórcio’. Quem teve a decisão que reputou nulo o processo perdeu a lide, sem se tratar de mérito. Já no antigo latim havia lis, luta.

JOSÉ FREDERICO MARQUES45, por sua vez, um outro importante

processualista brasileiro – que, junto com HÉLIO TORNAGHI46 – conforme veremos – foi um

dos poucos a enfrentar a questão da identidade entre os conceitos aqui estudados – afirma

que Litígio e Lide são palavras sinônimas, assim como o são Lide, causa, e contenda.

Enuncia, também, baseado em CARNELUTTI, que a Lide é um fenômeno exoprocessual,

constituindo uma condição essencial e indispensável para o processo. Outrossim, outros

autores mais recentes da dogmática jurídico-processual brasileira, tais como ADA

PELEGRINNI47, CÂNDIDO DINAMARCO48, ARAÚJO CINTRA49, ARRUDA ALVIM50, entre

43 Neste sentido, declara, in verbis, Dinamarco: “Outra fonte de imperfeições terminológicas, mais sérias porque mais profundas, é a coexistência, no mesmo diploma legal, de dispositivos presos à teoria da lide, com outros pertinentes à teoria da ação. Esses conceitos são inconciliáveis, eles revelam métodos diferentes, sendo desaconselhável que o mesmo Código oscile entre um e outro. O estatuto brasileiro do processo civil filia-se declaradamente a uma doutrina muito conhecida sobre a ação e suas condições, fazendo-o principalmente quando alude a estas e as discrimina nos termos da lição aceita (possibilidade jurídica, legitimidade, interesse: arts. 267, inc. VI, e 295, incs. II e III, e par., inc. III), e emprega o vocábulo ação em mais de uma centena de dispositivos; define a conexidade, coisa julgada, e litispendência segundo os cânones dos três eadem (partes, causa de pedir, pedido (...)). Esse linguajar é absolutamente incompatível com o sistema carneluttiano, que gira em torno da lide, mas em outros dispositivos o Código vale-se desta como critério para uma série de preceitos” (DINAMARCO. Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. 5. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 143.). 44 Cf. MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1996, t. I, p. XXXII. 45 Cf. MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 1976. 46 Cf. TORNAGHI, Hélio. A relação processual penal. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 1987. 47 Cf. ARAÚJO CINTRA, Antonio Carlos; GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 13. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 1997. 48 Op. cit.

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

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1 – INTRODUÇÃO. 1.1 – Proposições Sinópticas e Propedêuticas. 31

outros, seguem a doutrina carneluttiana, sem reparos, no que diz respeito à distinção aqui

proposta, muito embora com ressalvas quanto à colocação da teoria da Lide ou do Litígio

como ponto central51 do sistema jurídico-processual de conhecimento; muito desses, é bem

verdade, não chegaram nem a enfrentar, do ponto de vista de uma possível distinção, a

problemática aqui apresentada.

No que diz respeito à teleologicidade do processo, a dogmática jurídico-

processual moderna – a partir de WACH52, BÜLLOW53, KOHLER54, DEGENKOLB55 e

CHIOVENDA56 – é quase unânime em enunciar que, imediatamente, a função do processo é

a realização do direito objetivo e, tão-somente, mediatamente, a pacificação do conflito de

interesses, com a restauração do status quo ante. Nas palavras de PONTES DE MIRANDA57,

a teleologicidade do processo reside, precipuamente, na entrega da prestação jurisdicional

que satisfaz à tutela jurídica requerida. Em verdade, demonstraremos, aqui, que tal tese

sobre a objetividade jurídica do processo (o telos do processo), como sendo um instrumento

de resolução dos conflitos sociais e conseqüente pacificação, deve ser melhor compreendida,

posto que, pelo que pudemos observar da nossa incursão empírica, o sistema processual, tal

como ele está montado, oferece o instrumental para que o juiz decida e resolva58, precípua e

quase que exclusivamente, a Lide (e as questões atinentes a ela) e não, necessariamente, o

Litígio; isto é, o fato social conflituoso que ensejou a formação do processo judicial, onde se

49 Op. cit. 50 Cf. ARRUDA ALVIM, José Manuel de. Manual de Direito Processual Civil. 5. ed. São Paulo: RT, 1996. 51 Nesse sentido, conferir: DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do Processo. 10. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 56-58. 52 Cf. WACH, Adolf. Manual de derecho procesal civil. Buenos Aires: EJEA, 1977. 53 Cf. BÜLLOW, Oskar Von. La teoria de las excepciones procesales y los presupuestos procesales. Buenos Aires: EJEA, 1964. 54 KÖHLER, Apud DINAMARCO. Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. 5. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2002. 55 DEGENKOLB, apud Ibidem. 56 Cf. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituciones de Derecho Procesal Civil. Trad: E. Gómez Orbaneja. Madri: Editorial Revista de Derecho Privado, 1941. 57 Cf. MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1996, t. I. 58 A respeito desses termos – decidir e resolver – afirma Liebman, de modo coerente do ponto de vista terminológico, que o juiz decide sobre o mérito e resolve as questões sobre o mérito (Cf. LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 170-176.).

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1 – INTRODUÇÃO. 1.1 – Proposições Sinópticas e Propedêuticas. 32

consubstancia a Lide. De modo que, em muitos casos concretos observados, o juiz resolvera

e decidira a Lide processual, mas permaneceu latente na sociedade o Litígio interpartes.

Assim, pelo que pudemos observar, se a dogmática jurídico-processual,

seja ela estrangeira ou nacional, é quase uníssona – a maioria dela, é certo, por não ter

enfrentado a questão – em afirmar que a Lide é o conflito de interesses, a disputa pelo bem

da vida, objeto do Litígio, então, evidentemente, por isso não se fala em existência do

atributo da jurisdicionalidade na jurisdição voluntária, pois, nesta, efetivamente, não há um

Litígio e por isso, também, controvertem quanto à existência de uma Lide penal. Tais teses

tradicionais, verdadeiros topoi59 da Ciência Jurídico-Processual, vistas pelo prisma

dogmático, serão aqui, por nós, equacionadas, analisadas e redimensionadas, no sentido de

contribuir para a eliminação das aporias e lacunas, por nós aqui levantadas, do nosso

sistema processual.

Ex positis, diferentemente da acepção dada pela dogmática jurídico-

processual moderna, que enuncia o Litígio e a Lide como termos processuais de mesma

significação conceptual e fenomênica, assentiremos – com base na possibilidade de uma

maior especificação terminológica e conseqüente cientificidade do conhecimento jurídico-

processual – que o Litígio e a Lide são, peremptoriamente, lato sensu, elementos

terminológico-conceptuais de natureza diversa – posto que um, de ordem sociológica, o

Litígio, e o outro, a Lide, de ordem jurídico-processual, de significação – terminológica e

factual – também diferentes, com estrutura lógica de definiendum/definiens60 de

atributividade diversa, e de referibilidade não-coincidente.

In casu, o Litígio seria um pressuposto processual de natureza fáctico-

causal-sociológica e, em assim sendo, um conceito de referebilidade extrínseca, portanto,

59 Empregado no sentido de Theodor Viehweg, isto é, concepção dogmática de lugar-comum com aplicabilidade tão-somente tecnológico jurídico-pragmática, sem nenhuma preocupação zetética. Neste sentido, cf.: FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. A ciência do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1991. 60 Definiendum, expressão nova ou símbolo que se vai conhecer ou definir a partir de um Definiens, isto é, a partir de um conceito anteriormente conhecido ou adquirido. Para um melhor entendimento, cf.: TARSKI, Alfred. Introduction to Logic and to the Methodology of the Deductive Sciences. 4. ed. Oxford: Oxford University Press, 1994.

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1 – INTRODUÇÃO. 1.1 – Proposições Sinópticas e Propedêuticas. 33

exoprocessual a ser formatado de acordo não com critérios jurídico-processuais, mas sim

sociológicos61. Destarte, o Litígio seria o conflito de interesses caracterizado pela contenda

de sujeitos em face de uma pretensão – resistida ou insatisfeita – vetorialmente contrária ao

interesse da outra parte.

De tal modo, o Litígio seria, essencialmente, stricto sensu, de ordem

sociológica e não jurídica. Um a priori. Uma relação fáctica, intersubjetiva, conflitante. O

antecedente lógico e necessário do processo. Nestes termos, e com base no conceito da

“Actio”62 romana, poderíamos explicitar, graficamente, a contenda das partes no plano

factual – num momento exo e pré-processual – da seguinte forma:

L = Sc1 actio Sc2, onde L é litígio e Sc é sujeito contendedor.

Por sua vez, a Lide seria um suposto63 processual – conditio sine qua non

do processo – de natureza jurídico-processual stricto sensu e, em assim sendo, um conceito

de referibilidade intrínseca, portanto, endoprocessual. A Lide seria o resultado da dedução

quantitativa e qualitativa em juízo do Litígio. Em assim sendo, seria a Lide a componente

conteudística e objetiva da relação jurídico-processual resultante desse processo de

transformação e dedução quantitativa e qualitativa do Litígio em juízo e a partir da qual se

identifica e se delimita o meritum causae (o streitgegenstand) e o thema decidendum do

61 Neste sentido, cf.: DINAMARCO. Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. 5. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 253-254. 62 Segundo Pontes de Miranda, a Actio, no sentido romano, era a posição potencial do sujeito (sujeito contendedor, na fórmula que propomos) de exigir (pretensão) do outro o bem ou situação da vida em litígio. Por isso, na acepção romana a ação era contra o sujeito e não contra o Estado, conforme entende a moderna ciência jurídico-processual, a partir do processualismo científico alemão (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1996, t. I.). 63 Lembrando aqui da tese de Celso Neves sobre pressupostos e supostos processuais, sobre a qual nos deteremos mais adiante (cf. NEVES, Celso. Estrutura fundamental do processo civil: tutela jurídica processual, ação, processo e procedimento. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 199-200). No caso, importa entendermos aqui suposto como requisito, caractere sine qua non do processo. Nesse sentido, afirma Carnelutti: “Decomposição e recomposição dos conceitos. Aqueles caracteres do fenômeno que venho escolhendo para a formação do conceito costumam ser chamados de requisitos desse último. Também aqui a palavra é significativa: um caráter é um requisito quando é requerido para que o fenômeno pertença a uma categoria e, por conseguinte, a um genus (CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do Direito. Tradução de Frederico A. Paschoal. Campinas: Bookseller, 2002, p. 63-64).

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1 – INTRODUÇÃO. 1.1 – Proposições Sinópticas e Propedêuticas. 34

juiz64. Desta maneira, não seria – como o Litígio o é – uma relação fáctica intersubjetiva

conflitante, mas, ao contrário, uma relação jurídica processual, caracterizada por uma

relação sinalagmática entre parte e o Estado-Juiz ou partes e o Estado-Juiz, conforme a

Teoria Angular65, formulada por KONRAD HELLWIG:

Estado-Juiz

Lide

Autor Réu

Não só do ponto de vista de uma construção teórica podemos verificar a

distinção proposta. Até mesmo do prisma etimológico, conforme veremos mais

detalhadamente à frente – que não é o mais importante66, sobretudo, no campo jurídico,

tendo em vista a constante ficção vocabular dada a conceitos e termos e, também,

tomando-se em consideração os critérios da temporalidade e da espacialidade da linguagem

jurídica – as palavras Lide e Litígio – que têm origem latina – são de morfologia diferentes.

Assim, segundo a Etimologia, “Lide” vem de lis, litis, entendido como questão jurídica a

partir do século XIII e “Litígio” vem do latim litigium, do século XV. Assim, mesmo numa

definição contextual e histórica, os termos – Lide e Litígio – são expressões de

composicionalidade diferentes, sendo uma – o Litígio – categoremática67 (com sentido

64 Quase neste sentido, assentiram alguns processualistas – como Liebman e Calamandrei – afirmando que a Lide – em assim se entendendo – se materializaria no processo na formulação peticional do autor e não nos termos da teoria carneluttiana. 65 Mais adiante, quando consecutarmos a construção, distintiva, terminológico-conceptual dos termos Litígio/Lide, explicitaremos o porquê da adesão à Teoria Angular de Konrad Hellwig da relação jurídico-processual e não à Teoria Triangular de Adolf Wach e Oskar Von Büllow. 66 Nesse sentido, o processualista Eduardo Couture assim afirma, in verbis: “A incorporação da etimologia dos vocábulos escolhidos é feita, apenas, com o propósito de alargar o campo de análise de cada palavra. (...) A etimologia (...) é somente o liame de uma voz com seu passado histórico” (COUTURE, Eduardo. Interpretação das Leis Processuais. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p.194-195). 67 Na lógica, quanto à classificação, mais precisamente no que diz respeito à sua função, diz-se que um termo é categoremático quando, por si mesmo, já significa algo, isto é, é uma categoria, como o Litígio, que, em si, tem significado, já que se constitui numa realidade factual (sociológica) independente.

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1 – INTRODUÇÃO. 1.1 – Proposições Sinópticas e Propedêuticas. 35

completo, independente do processo) e a outra – a Lide – sincategoremática68 (com sentido

incompleto, só entendido no âmbito processual).

Certo, já anotamos, é que essa distinção terminológico-conceptual e

empírico-crítica tem várias implicações no campo da Ciência Jurídico-Processual e, por

conseguinte, da Teoria Geral do Processo, sobretudo, conforme assentimos anteriormente,

por apresentar soluções a questões, aparentemente, aporemáticas verificadas em algumas

instituições e institutos fundamentais da teoria processual e por contribuir para o

acoplamento estrutural e o fechamento organizacional – tendo em vista algumas lacunas

conceptuais e metodológicas – do sistema69.

Assim, no campo da teleologicidade processual, como tecnologia jurídica

fundamentada no princípio da inegabilidade dos pontos de partidas, do non liquet e da

decidibilidade de conflitos70, tomando-se como referencial teórico esta construção distintiva,

chegamos à conclusão de que a objetividade jurídica do processo, isto é, a teleologicidade

processual é a decidibilidade da Lide e não a decidibilidade do Litígio. Tal hipotese foi

investigada, nesta pesquisa, na práxis processual, e, conforme as observações e análises

consectutadas, em muitos casos concretos, apesar da incidência da decisão judicial

terminando, assim, a via processual, no plano material, factual, permaneceu, mesmo que

latentemente (quando não manifesto), o conflito (Litígio) que ensejou a Lide processual. E,

mais que isso, o que observamos é que a preocupação do sistema e do órgão julgador –

configurado na persona do juiz – é exatamente em decidir a Lide e não, necessariamente o

Litígio.

68 Ao contrário, na linguagem lógica, diz-se que um termo, quanto à sua classificação funcional, é sincategoremático, quando, por si mesmo, não tem significado conceptual. Em, assim sendo, só o terá, se associado a conectores lógicos, como no caso do conceito de Lide que depende do conceito de relação jurídico-processual. 69 Para um melhor entendimento de tais conceitos autopoiéticos, cf.: THE OBSERVER WEB. Sweden. Institutionen för Informatik, Umeä Universitet. Apresenta Encyclopaedia Autopoietica. Disponível em: http://www.informatik.umu.se/~rwhit/99Course.html. Acesso em: 18 set. 2000. 70 Cf. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. A ciência do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1991.

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1 – INTRODUÇÃO. 1.1 – Proposições Sinópticas e Propedêuticas. 36

Assim também, em se considerando a Lide diferentemente do Litígio, sendo

aquela um fenômeno endoprocessual e este um fenômeno exoprocessual, temos que, na

jurisdição voluntária, não há que se questionar o atributo da jurisdicionalidade, pois apesar

de não haver Litígio, há Lide; ou seja, não há um conflito intersubjetivo de interesses

(litígio), mas há um pedido formulado contra o Estado-Juiz, isto é, um mérito (aquilo sobre o

que vai se pronunciar e decidir o Estado-Juiz) e partes interessadas. Destarte, com este

entendimento, saneamos a problemática dos processos onde não há Litígio entre partes.

Quanto à existência da Lide penal ou não, efetivamente, diante do exposto,

há; pois, Lide, nestes termos, não seria um conflito de interesses, um conflito inter partes,

exoprocessual, como na fórmula carneluttiana. Conflito de interesses seria, como já

enunciamos, o Litígio. A Lide seria o conteúdo do mérito da causa penal: in casu, o interesse

do Ministério Público de promover a justiça, dialeticamente, controvertido pela defesa

processual do réu, como no esquema representativo de Konrad Hellwig.

Destarte, em síntese, as teses, básicas e secundárias, que defenderemos

aqui no presente trabalho de pesquisa científica são as seguintes:

a) O Litígio e a Lide são elementos terminológico-conceptuais de natureza

e significação diferente, coextensiva, necessária e seqüencial. Assim, o Litígio é um

pressuposto processual de natureza fáctico-causal-sociológica, exoprocessual, de

referibilidade extrínseca, caracterizado pela contundência – actio – de sujeitos

(Sc1 actio Sc2, onde Sc é sujeito contendedor), enquanto que a Lide é uma conditio sine

qua non do processo, isto é, um suposto processual, de natureza jurídico-processual stricto

sensu, endoprocessual, de referibilidade intrínseca, caracterizada por uma relação

sinalagmática entre parte e o Estado-Juiz ou partes e o Estado-Juiz, conforme a explicitação

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1 – INTRODUÇÃO. 1.1 – Proposições Sinópticas e Propedêuticas. 37

gráfica de Konrad Hellwig71:

Estado-Juiz

Lide

Autor Réu

b) Os atributos da neutralidade axiológica, da asseptabilidade, da

assertibilidade e da verdade – por certo principiológicos e direcionadores do conhecimento

científico e que, em assim sendo, dão cientificidade a um determinado conhecimento – só

são conferidos pela estrita observância – como um imperativo categórico – de uma

terminologia, precisa e apurada, com acepção conceptual e caracteres científicos, sem

ambivalência de significações, polissemias ou sinonímias. Assim, in casu, não há que se falar

em Ciência Jurídica, e, por conseguinte, em Ciência Jurídico-Processual – com todos os

atributos acima elencados – sem a observância de um sistema conceitual e terminológico

preciso e apurado72, constituindo, tal proposição assertiva, em um dos porquês da distinção

terminológico-conceptual e empírico-crítica estabelecida na presente dissertação;

c) A teleologicidade processual, a priori, é a decidibilidade da Lide e, tão-

somente, a posteriori – sem isso constituir um telos necessário – a decidibilidade do Litígio73;

d) Não há que existir dúvida quanto à natureza processual e, por

conseguinte, jurisdicional, da Jurisdição Voluntária, posto que, em se considerando a Lide

diferentemente do Litígio, sendo aquela um fenômeno endoprocessual e este um fenômeno

exoprocessual, temos que, na Jurisdição Voluntária, não há que se questionar o atributo da

jurisdicionalidade, pois apesar de não haver Litígio, há Lide; ou seja, não há um conflito

intersubjetivo de interesses (litígio), mas há um pedido formulado contra o Estado-Juiz, isto

71 Esta é a nossa hipótese básica de pesquisa frente ao problema da indiscernibilidade teórico-terminológico-conceitual e tecnológico-pragmática. 72 Esta é uma hipótese básica – mas incidental – da pesquisa, constituindo, também, em si, um pressuposto teórico-metodológico. Aliás, in casu, a distinção término-teórico-empírico-conceptual aqui proposta obedece a esse pressuposto de cientificidade do conhecimento jurídico e se apresenta como um fator inicial exemplificativo para a construção de uma terminologia jurídico-conceptual pura e específica; no caso, uma terminologia jurídico-processual. 73 Outra hipótese básica, decorrente da proposição problemática.

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1 – INTRODUÇÃO. 1.1 – Proposições Sinópticas e Propedêuticas. 38

é, um mérito (aquilo sobre o que vai se pronunciar e decidir o Estado-Juiz) e partes

interessadas, o que caracteriza, destarte, a existência da Lide e, por conseguinte, do

processo74;

e) Do mesmo modo que no campo da processualística civil, no processo

penal evidencia-se a diferenciação entre Litígio e Lide, sendo esta última caracterizada pelo

dever cogente do Estado-Administração do exercício do jus puniendi, e não pela

dispositividade das partes – como no processo cível. No caso da Lide penal, as relações

sinalagmáticas, jurídico-processuais, ocorrem, ordinariamente, entre: o Estado-Administração

(através do Ministério Público) e o Estado-Juiz ou o réu e o Estado-Juiz75;

f) No processo de estabelecimento e formatação dos procedimentos

jurisdicionais diferenciados – os ditos especiais – há uma nítida influência de ideologias

político-sociais ao se estabelecer tratamento especial a determinadas situações de direito

substancial (Lide < Litígio), com visíveis repercussões no direito de acesso à justiça –

constituindo, tais diferenciações jurídico-procedimentais, muitas vezes, em um obstáculo

jurídico – e nos princípios da inafastabilidade do controle jurisdicional e da congruência76;

g) Em sendo o Litígio e a Lide termos-conceituais não-referenciais, há que

se buscar, por via de conseqüência e de aplicabilidade, um sentido novo para alguns

conceitos das instituições e institutos fundamentais do direito processual, tais como, o de

“Relação Jurídico-Processual”, o de “Meritum Causae”, o de “Thema Decidendum”, o de

“Objeto do Processo”, o de “Res Judicata”, entre outros77.

Pois bem. Consecutadas estas proposições de caráter eminentemente

sinóptico e propedêutico, passaremos, a seguir, a tecer, também, considerações, ainda

propedêuticas, a respeito dos métodos e esquemas conceituais teórico-metodológicos

utilizados para a consecução da pesquisa.

74 Hipótese secundária dependente, isto é, uma aplicação da tese básica. 75 Também uma hipótese secundária dependente, isto é, uma aplicação da tese básica. 76 Hipótese secundária independente, isto é, decorrente, tão-somente, da análise empírico-crítica proposta sem relação de interdependência com as hipóteses básicas. 77 Hipótese secundária dependente, isto é, uma aplicação da tese básica.

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1 – INTRODUÇÃO. 1.2 – Proposições Teórico-Metodológicas. 39

1.2 - PROPOSIÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS.

O problema/objeto deste estudo, de natureza essencialmente híbrida,

posto que o enfoque da construção analítico-distintiva, aqui proposta, é, de um lado, de

natureza teórico-conceptual e, de outro, de natureza empírico-crítica, demandou, por

conseguinte, a escolha de métodos e procedimentos técnicos de abordagem eminentemente

qualitativos, fundados em postulados de pesquisa ao mesmo tempo conceitual e operativa78

com design79 de pesquisa bibliográfica e observacional.

Em assim sendo, para a construção da nova acepção terminológico-

conceptual das variáveis, Litígio e Lide nos termos anteriormente explicitados, utilizamos a

concepção de abordagem geral do método hipotético-dedutivo o qual, segundo LAKATOS80,

“se inicia pela percepção de uma lacuna nos conhecimentos acerca da qual formula

hipóteses e, pelo processo de inferência dedutiva, testa a predição da ocorrência de

fenômenos abrangidos pela hipótese”, e, mais especificamente, do método comparativo que,

nas palavras de GIL81, “procede pela investigação de indivíduos, classes, fenômenos ou

fatos, com vistas a ressaltar as diferenças e similaridades entre eles”, e do método

observacional, consubstanciados no modelo referencial e conceitual estruturalista82,

78 Nesta perspecticva, Gil assente que “a classificação das pesquisas em exploratórias, descritivas e explicativas é muito útil pra o estabelecimento de seu marco teórico, ou seja, para possibilitar uma aproximação conceitual. Todavia, para analisar os fatos do ponto de vista empírico, para confrontar a visão teórica com os dados da realidade, torna-se necessário traçar um modelo conceitual e operativo da pesquisa” (GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 43). 79 O delineamento – design para os metodólogos americanos – de uma pesquisa, refere-se ao planejamento da mesma em sua dimensão mais ampla, que envolve tanto a diagramação quanto a previsão de análise e interpretação de coleta de dados. Assim, entre outros aspectos procedimentais o delineamento considera o ambiente em que são coletados os dados e as formas de controle das variáveis envolvidas (Ibidem., p. 43). 80 LAKATOS, Eva Maria e MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia do Trabalho Científico: procedimentos básicos, pesquisa bibliográfica, projeto e relatório, publicações e trabalhos científicos. São Paulo: Atlas, 1992, pág. 106. 81 GIL, Antonio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. São Paulo: Atlas, 1995, pág. 35. 82 O estruturalismo é uma corrente de pensamento que recorre à noção de estrutura para explicar a realidade em todos os seus níveis. “O estruturalismo parte do pressuposto de que cada sistema é um jogo de oposições, presenças e ausências, constituindo uma estrutura, onde o todo e as partes são interdependentes, de tal forma que as modificações que ocorrem num dos elementos constituintes implica a modificação de cada um dos outros e do próprio conjunto – Levy-Strauss (modelo em caráter de sistema)” (Ibidem., p. 39).

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1 – INTRODUÇÃO. 1.2 – Proposições Teórico-Metodológicas. 40

atentando-se, filosoficamente, e sem perder de vista, para a idéia de Karl POPPER83 de

conjecturação e falsificabilidade, tomando-se em consideração, por conseguinte, o falibilismo

do conhecimento e a contingência da ação do que propomos. Do mesmo modo, é de se

salientar que as proposições hipotéticas – e depois téticas – aqui formuladas e que foram

objeto de verificação na consecução deste projeto são fruto da hermenêutica e da

compreensibilidade do pesquisador, tal como MAX WEBER84 assente.

Por sua vez, para a consecução da análise empírico-crítica da

teleologicidade do processo e do fenômeno da decidibilidade, isto é, para sabermos se o juiz,

ao se deparar com o processo judicial e, sobretudo, se com a decisão final, ocorre a

decidibilidade do Litígio ou decidibilidade da Lide, utilizamos, conforme anunciamos

anteriormente, os métodos de procedimento estatístico, observacional e comparativo. No

caso, o que fizemos foi, a partir da seleção de uma amostra qualitativa de magistrados e de

pessoas que foram partes em processos judiciais, investigamos, jurídica e sociologicamente,

através de técnicas de observação direta intensiva (com entrevistas semi-estruturadas) e de

observação direta extensiva (com análise de conteúdo, análise de discurso, história de vida e

pesquisa documental), se, peremptória e efetivamente, na resolução dos processos, se

dirime o conflito, o Litígio ou apenas se decide a Lide processual. Para a consecução de tal

investigação empírica proposta, sobretudo no que diz respeito à obtenção dos dados,

valemo-nos de fontes primárias e secundárias. No mais, quando da seção sete da presente

dissertação, explicitaremos, de forma mais pormenorizada, o suporte teórico-metodológico

utilizado, demonstrando-se, assim, como foi consecutada a delimitação do universo da

83 Cf. POPPER, Karl. Conjecturas e Refutaciones. Barcelona: Ediciones Paidos, s/d. Também: Idem. Conocimiento Objectivo. Trad. de C. Solis Santos. 2. ed. Madrid: Tecnos, 1982. 84 Cf. WEBER, Max. Metodologia das Ciências Sociais. São Paulo: Cortez, 1981, v. 1. Ainda, compreensão: “Max Weber opõe-se à utilização dos métodos das ciências naturais no estudo da sociedade, propondo em seu lugar a apreensão empática do sentido finalista de uma ação, parcial ou inteiramente oriunda de motivações irracionais. Este procedimento a que ele chama de compreensão envolve uma reconstrução no sentido subjetivo original da ação e o reconhecimento da parcialidade da visão do observador”. Tipos ideais: “é formado pela acentuação unilateral de um dos mais pontos de vista e pela síntese de um grande número de fenômenos concretos individuais, difusos, discretos, mais ou menos presentes e ocasionalmente ausentes, os quais são organizados de acordo com os pontos de vista unilateralmente acentuados numa construção analítica acentuada. Em sua pureza conceitual, essa construção mental não pode ser encontrada em parte alguma da realidade” (GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 40-41).

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1 – INTRODUÇÃO. 1.2 – Proposições Teórico-Metodológicas. 41

pesquisa empírica, a obtenção dos dados factuais, a análise e interpretação dos mesmos e

quais os procedimentos metodológicos utilizados para a realização da investigação empírica.

No que diz respeito à especificidade classificatória da pesquisa científica

que desenvolvemos, trata-se, quanto à tipologia de trabalhos acadêmico-científicos, de

dissertação científica85, quanto à aplicabilidade86, de pesquisa – dialeticamente – teorético-

empírica e, quanto à complexidade teórica87, uma pesquisa descritivo-explicativa, com a

utilização precípua de hipóteses bivariadas, nos termos a seguir explicitados.

As Hipóteses Básicas88 e as Hipóteses Secundárias89 apresentadas implicam

uma enunciação relacional entre duas variáveis – Litígio (variável independente) e Lide

(variável dependente) – que são, entre si, recíprocas e intervenientes (posto que

estabelecem uma relação de causa e efeito, lógico, mas não-necessário, sendo, in casu, o

Litígio o antecedente crono/lógico e a condição sine qua non para a existência da Lide),

constitutivas (pois, teóricas) e operacionais (pois, verificáveis empiricamente),

estabelecendo-se uma relação causal com as seguintes características:

a) coextensiva – posto que ocorrendo o Litígio, pode ocorrer a Lide;

b) seqüencial – posto que a priori ocorre o Litígio e a posteriori ocorre a

Lide;

c) contingente – posto que se ocorre o Litígio, então ocorrerá a Lide (o

processo) se os pressupostos processuais e as condições da ação

estiverem presentes;

85 Segundo Salomon, dissertação científica é aquela na qual se dá um “tratamento escrito, original, de assunto específico, com metodologia própria que resulte de pesquisa pura ou aplicada”. Cf. em: SALOMON, Décio Vieira. Como fazer uma monografia: elementos de metodologia do trabalho científico. 2. ed. Belo Horizonte: Interlivros, 1972, p. 224. 86 Metodologicamente falando, quanto à aplicabilidade, a pesquisa científica se classifica em pura (teórica) e aplicada (empírica). 87 Quanto à sua complexidade teórica, a pesquisa científica pode ser descritiva (fundamentada em hipóteses univariadas) e explicativa (fundamentada em hipóteses bivariadas). 88 Hipóteses básicas letras “a”, “b” e “c” das proposições sinópticas e propedêuticas apresentadas (p. 36-37). 89 Hipóteses secundárias letras “d”, “e”, “f” e “g” das proposições sinópticas e propedêuticas apresentadas (p. 37- 38).

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1 – INTRODUÇÃO. 1.2 – Proposições Teórico-Metodológicas. 42

d) probabilista ou estocástica – posto que dada a ocorrência do Litígio,

então provavelmente ocorrerá a Lide.

A operacionalização e controle das variáveis sub examen se deram quando

do processo de observação, experimentação e análise crítica da teleologicidade do processo.

Neste momento, investigamos as relações de dependência e independência, verificando-se o

grau de indispensabilidade científica da distinção terminológico-conceptual construída. No

que concerne a este último, destarte, é de se salientar a importância e o grau de

indispensabilidade científica de tal construção proposta, pois, despretensiosamente,

contribuirá no sentido de equacionar, redimensionar e solucionar algumas questões

aporemáticas da Ciência Jurídico-Processual e algumas incoerências do Sistema Jurídico-

Processual de normas como tecnologia, evidentemente jurídica, de decidibilidade de

conflitos. Quanto à viabilidade, é notória a acessibilidade aos dados teóricos e empíricos aqui

apresentados. Do mesmo modo, é notório – e claro – o fornecimento dos elementos e regras

de verificação e de reconhecimento do objeto que pretendemos estudar para posteriores

argumentações e contra-argumentações da academia90.

Por outro lado, do ponto de vista jusfilosófico, temos que a construção, por

certo analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica que aqui se quis

estabelecer não se trata apenas de uma questão de performance de linguagem tal como

assentem as teorias deflacionista de verdade de PAUL HORWICH e FRANK P. RAMSEY91. Isto

90 Na esteira do que estabelece Thomas Khun, a passagem da Prior Theory para a Passing Theory não se faz de modo estanque e por uma ruptura epistemológica. Ao contrário, é nos pressupostos teórico-metodológicos da Prior Theory que se baseia o cientista para formular sua nova concepção tética, já, agora, na Passing Theory. Desse modo, é imprescindível a dialética argumentativa estabelecida pela academia como requisito para a assertibilidade de uma nova teoria (KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. 7. ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 2003). 91 Para Ramsey, citado pelo Professor Paulo Ghiraldelli Jr., a respeito da sua concepção deflacionista de verdade, se digo que ‘é verdade que p’, estou afirmando, de um modo mais eficaz, apenas ‘p’. Se há diferença entre o primeiro enunciado e o segundo é meramente retórica, uma questão de performance lingüística, não de essência ou substantividade. Assim, a construção analítico-distintiva que estamos a estabelecer entre Litígio e Lide não é meramente retórica e performativa. Ao contrário, tem várias implicações teórico-metódo-epistemológicas (Filosofia – um guia de estudos. CEFA – Centro de Estudos em Filosofia Americana. Coordenação de Paulo Ghiraldelli Jr.. Apresenta textos sobre filosofia em geral, sobretudo filosofia pragmatista. Disponível em: <http//www.cefa.org.br/portal_filosofia/guia.html>. Acesso em 15 ago. 2003).

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1 – INTRODUÇÃO. 1.2 – Proposições Teórico-Metodológicas. 43

é, não se trata – a distinção que estabelecemos – de mera construção retórica. Ao contrário,

se fundamenta, filosoficamente, numa concepção de verdade substantiva, posto que a

construção analítico-distintiva entre Lide e Litígio tem correspondência factual92, tem

coerência93 com o sistema de acepções (crenças) da dogmática jurídico-processual e,

sobretudo, tem um alto grau de utilidade94 pragmática para a tecnologia jurídica de

decidibilidade de conflitos.

Muito bem. Consecutadas estas proposições de caráter sinóptico-

propedêutico-metodológico, passemos, agora, enfim, à exposição, demonstração, discussão

e argumentação das teses aqui propostas. Vejamos, então.

92 A Teoria (substantiva) da Correspondência assente que X é verdadeiro se e somente se X corresponde a um fato. Podemos aplicar isso tanto para o conceito de Litígio, pois corresponde a um conflito social, quanto ao conceito de Lide, pois corresponde a um elemento do processo, que é um fato jurídico (Filosofia – um guia de estudos. CEFA – Centro de Estudos em Filosofia Americana. Coordenação de Paulo Ghiraldelli Jr.. Apresenta textos sobre filosofia em geral, sobretudo filosofia pragmatista. Disponível em: <http//www.cefa.org.br/portal_filosofia/guia.html>. Acesso em 15 ago. 2003). 93 A Teoria (substantiva) da Coerência, por sua vez, assente que X é verdadeiro se e somente se X é um membro de um conjunto de crenças coerente internamente. W. V. QUINE e RICHARD RORTY afirmam que a verdade é a propriedade de se pertencer a um sistema harmoniosamente coerente de crenças ou enunciados. Em tais assertivas, podemos, perfeitamente, associar os conceitos de Litígio e Lide, tendo em vista, sobretudo, o Sistema Jurídico-Processual de normas e a Ciência Jurídico-Processual (Ibidem). 94 A Teoria (substantiva) Pragmatista assentem que X é verdadeiro se e somente se X é útil de se acreditar. Ora, conforme assentimos, a distinção estabelecida entre os termos Litígio e Lide tem um alto grau de utilidade para a tecnologia jurídica de decidibilidade de conflitos (Ibidem).

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

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2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”.

O meu sistema colhe o melhor de todos os lados.

G. W. LEIBNIZ

Nada é mais necessário ao investigador do que saber alguma coisa acerca da história (de uma disciplina) e acerca da lógica da pesquisa: ... a maneira de descobrir o erro, o uso de hipóteses, o uso da imaginação, o modo de efetuar testes.

LORDE ACTON

Conforme assentimos até então, em caráter de proposição sinóptico-

propedêutica, fazendo-se uma análise teórico-conceptual e historiográfico-descritiva dos

institutos jurídico-processuais Litígio e Lide, evidencia-se, in claris, que, do ponto de vista da

dogmática jurídico-processual – e até mesmo do ponto de vista do sistema normativo-

jurídico-processual brasileiro1 – tais termos têm sido abordados e concebidos como de

mesma significação fenomênica, conceptual e terminológica, sendo caracterizados, assim,

pelo caractere termino-lógico da indiscernibilidade de identidade. Tal indiscernibilidade, aliás,

nós já assentimos, tem sérias repercussões e implicações na teoria processual e, por

conseguinte, na Ciência Jurídico-Processual, implicações e repercussões estas que nós

analisaremos, equacionaremos e redimensionaremos na presente dissertação.

Pois bem. Nesta seção, consecutaremos, assim, agora não mais de modo

un passant, como no intróito deste trabalho, nem tão-pouco exauriente, dada a abrangência

e profusão do objeto, mas de modo tão-somente satisfaciente, tal análise teórico-conceptual

e histórico-descritiva dos referidos institutos a partir da leitura da dogmática jurídico-

processual estrangeira e nacional, remontando, mormente, o conceito de Litígio e Lide desde

as formulações pré-carneluttianas até a mais moderna dogmática processualística. Digo pré-

1 Conforme veremos, na subseção 2.2.1 – quando analisaremos os conceitos de Litígio e Lide na perspectiva da legislação processual brasileira, desde as disposições processuais civis constantes do Código de Processo Criminal de 1832 até o atual Código de Processo Civil, de 1973 –, no nosso sistema normativo processual, desde a sua gênese histórica, Litígio e Lide são termos indiscerníveis, às vezes aparecendo com o mesmo significado de demanda, causa e conflito.

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2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

carneluttianas, posto que, conforme assentimos na Introdução do presente trabalho, coube a

CARNELUTTI2 a precisa formulação dos conceitos Litígio e Lide, ora sub examen.

Certo é que esta reconstrução, digo, releitura historiográfica e descritiva

dos conceitos de Litígio e Lide, é de fundamental importância para entendermos a atual

sistemática da Ciência Jurídico-Processual e, por conseguinte, para o entendimento da

construção teórico-conceitual e empírico-crítica distintivas que iremos proceder no presente

trabalho de pesquisa científica.

Para a consecução de tal análise historiográfica, primeiramente, é de se

esclarecer que adotamos a concepção unitarista3 de direito processual, considerando-se,

assim, a TGP4 (Teoria Geral do Processo) como o suporte teórico-método-epistemológico

que fundamenta a Ciência Jurídico-Processual a qual, por sua vez, tem como objeto de

estudo o sistema normativo jurídico-processual, qualquer que seja o seu conteúdo, isto é, se

composto de normas processuais que disciplinam o processo civil (entendido como qualquer

processo de conteúdo extra-penal) ou o processo penal. Deste modo, analisaremos o

conceito de Litígio e Lide tanto a partir do estudo dos grandes teóricos da dogmática

jurídico-processual-civil estrangeira e nacional, quanto da dogmática jurídico-processual- 2 Francesco Carnelutti sistematizou o conceito de Lide (que para ele era o mesmo que Litígio, conflito, uma categoria, na verdade, metaprocessual ou exoprocessual) nas suas obras Sistema de Direito Processual Civil publicada em 1936 e Teoria Geral do Direito de 1940, a partir dos seus escritos relativos ao projeto do Código de Processo Civil italiano por ele elaborado em 1926. 3 A concepção unitarista – que pugna, por conseguinte, pela idéia de uma ciência processual – sustenta que o direito processual civil (entendamos aqui como civil tudo aquilo que não é penal, isto é, é extra-penal) e o direito processual penal são, em verdade, dois ramos jurídicos distintos da mesma ciência, que, no caso, é a Ciência Jurídico-Processual. O maior defensor da corrente unitarista foi o próprio Francesco Carnelutti que defendeu tal concepção em seu Sistema de Direito Processual Civil. Também, vários outros importantes processualistas defenderam tal tese como o uruguaio Eduardo Couture, o espanhol Niceto Alcalá-Zamora y Castillo, o italiano Giovanni Leone e outros mais. Por outro lado, assentiram na tese dualista, outros importantes processualistas tais como, por exemplo, Vicenzo Manzini e Eugenio Florian. No Brasil, o maior defensor da concepção unitarista foi, sem dúvida, José Frederico Marques e, mais recentemente, Fernando da Costa Tourinho Filho. Neste mesmo sentido, assim afirmam Cândido Rangel Dinamarco, Antonio Carlos de Araújo Cintra e Ada Pellegrini Grinover. Esta última, em sua obra O processo em evolução assim justifica a tese unitarista e a adoção de uma teoria geral do processo construída a partir da matriz normativo-constitucional: “os estudos de processo constitucional criaram clima metodológico para o desenvolvimento de uma teoria geral do processo, pois é na Constituição, antes de mais nada, que se encontra a plataforma comum às diversas disciplinas processuais” (GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo em evolução. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998, p. 8). 4 A propósito desta terminologia – qual seja, Teoria Geral do Processo – bastante utilizada pela dogmática jurídico-processual, embora não tão especificamente explicado o sentido de o porquê “geral”, temos que: a teoria processual (entendida como o conjunto de teorias processuais), conforme já explicamos, é aqui denominada de geral porque, em sendo o suporte teórico-epistemológico da Ciência Jurídico-Processual, fundamenta, assim, qualquer tipo de processo, não importando a natureza da lide, se penal ou extra-penal (civil, administrativo, previdenciário, trabalhista e etc).

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2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”.

46

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

penal, também, estrangeira e nacional, sem maiores preocupações analítico-distintivas entre

estes dois segmentos do direito processual, posto que, conforme preceitua ALBUQUERQUE

ROCHA5, o direito processual – não importando aqui se direito processual civil, penal,

trabalhista e etc. – é o objeto da Ciência do Direito Processual (Ciência Jurídico-Processual,

como achamos melhor denominar), ciência esta que, em verdade, trata-se de um

conhecimento qualificado e sistemático de tais normas que formam o chamado direito

processual, e que seria fundamentada em uma teoria geral do processo jurisdicional. In

casu, esta opção de estudar tanto a dogmática jurídico-processual estrangeira, quanto a

dogmática jurídico-processual nacional se deu porque, conforme atesta MOREIRA DE

PAULA6, o nosso sistema jurídico-processual e, por conseguinte, o nosso pensamento

jurídico-processual, foi construído a partir da influência das escolas processuais estrangeiras.

Primeiramente, por influência da escola portuguesa – a qual foi formada a partir da escola

alemã – e, posterior e principalmente, pela escola italiana, tendo ENRICO TULLIO LIEBMAN,

como nosso maior precursor e marco teórico, sem falar, é claro, na influência7 marcante e

decisiva do sistema romano-germânico na formação e desenvolvimento do nosso sistema

jurídico, conforme atestam RENÉ DAVID8, JOHN GILISSEN9 e VICENTE RÁO10.

Ademais, a análise teórico-conceptual e histórico-descritiva será

consecutada nos seguintes termos: primeiramente, partindo do estudo da dogmática

jurídico-processual estrangeira, por uma questão de pressuposição lógica e metodológica,

5 Cf. ALBUQUERQUE ROCHA, José de. Teoria Geral do Processo. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 36-37. 6 Cf. MOREIRA DE PAULA. Jônatas Luiz. História do Direito Processual Brasileiro: das origens lusas à Escola Crítica do Processo. Barueri: Manole, 2002, p. 339-340. 7 Sempre lembrando da assertiva do processualista Fábio Gomes, quanto à influência do sistema romano-germânico para a formação do nosso subsistema jurídico-processual, que: “É indispensável [...] considerar, quando se busca determinar as raízes romanas de nosso processo civil, que a herança que nos foi legada corresponde ao direito dos imperadores católicos do Império Romano, a partir de Constantino. [...] Esta particularidade da história de nossas instituições processuais não é considerada, em geral, pelos processualistas, que se limitam a dizer que o direito brasileiro, assim como as fontes européias que o alimentam, descendem do direito romano, sem advertir que essa descendência pouco ou nada tem a ver com as legítimas instituições, puramente romanas, tal como elas existiram no direito romano clássico” (BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. e GOMES, Fábio. Teoria Geral do Processo Civil. 3. ed. rev. atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 16). 8 DAVID, René. Os Grandes Sistemas do Direito Contemporâneo. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 61. 9 GILISSEN, JOHN. Introdução Histórica ao Direito. 2. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1995, p. 19-20 e 206-207. 10 RÁO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. 5. ed. anot. atual. São Paulo: RT, 1999, p. 111-112.

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2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

apresentaremos as definições de CARNELUTTI a respeito dos institutos em apreço, posto

que, conforme já afirmamos, coube a ele a construção terminológico-conceptual do instituto

processual Lide (Litígio); em segundo lugar, ainda dentro do estudo da dogmática jurídico-

processual estrangeira, trataremos de expor, do ponto de vista da historiografia do direito

processual e da historiografia do pensamento jurídico-processual, tal como o processualista

espanhol ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO11 as compreende, o tema do Litígio e da Lide, isto é,

analisando desde o direito romano até as correntes do direito processual cognominadas, por

ele, de judicialista, praxista e procedimentalista; em seqüência, ainda nesta mesma

perspectiva de classificação adotada por NICETO ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO, agora já na

fase que ele denomina de processualismo científico ou moderno, consecutaremos a análise

proposta através do estudo dos principais teóricos processualistas da dogmática jurídico-

processual, passando pelas diversas escolas processuais estrangeiras – escola alemã e escola

italiana, principalmente – e, em terceiro lugar, agora já analisando a dogmática jurídico-

processual nacional, estudaremos o pensamento das escolas, ou tendências – como diria

MOREIRA DE PAULA12 – do processualismo científico brasileiro a respeito dos institutos em

exame. Antes disso, nesta mesma subseção que trata da dogmática jurídico-processual

nacional, trataremos, de modo eminentemente enunciativo, do temário em análise na

perspectiva da historiografia do sistema normativo do direito processual brasileiro.

11 Niceto Alcalá-Zamora y Castillo entende que a historiografia do direito processual pode ser dividida nos seguintes momentos: a) o período romano; b) o período da escola de Bolonha, do direito comum e do fenômeno da recepção; c) o período da revolução francesa e da codificação napoleônica; e d) o período de Büllow (na doutrina) e de Klein (na legislação). Por sua vez, ainda segundo o processualista espanhol, a historiografia do pensamento (dogmática) jurídico-processual pode ser dividida nos seguintes períodos: a) período primitivo; b) escola judicialista; c) período do praxismo; d) período do procedimentalismo; e e) período do processualismo científico (ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO, Niceto. Estúdios de Teoria General e Historia del Proceso. México: UNAM, 1974, v. II, p. 293). 12 Moreira de Paula, neste sentido, afirma o seguinte: “A palavra ‘escola’, em termos de ciência processual, significa o conjunto de desmembramentos científicos originários de um mestre ou de uma unidade filosófica, literária ou doutrinária. E tem-se por ‘tendência científica’ o movimento pelo qual um grupo de cientistas move-se em direção a um ponto específico, a fim de construir essa absoluta unidade científica. Sendo assim, perceber-se-á ao longo do texto, principalmente no que se refere aos pensadores brasileiros, que existem poucas escolas e muitas tendências. Até porque as tendências se diferenciam quanto aos meios empregados, o modo pelo qual se aborda o direito e os fins propostos do direito processual” (MOREIRA DE PAULA. Jônatas Luiz. História do Direito Processual Brasileiro: das origens lusas à Escola Crítica do Processo. Barueri: Manole, 2002, p. 339).

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2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Outrossim, é de se salientar que o critério metodológico-procedimental que

utilizamos para a seleção, e conseqüente análise, dos autores da dogmática jurídico-

processual estrangeira e nacional se fundamentou na idéia de paradigma apresentada pelo

filósofo da ciência THOMAS KHUN13 e atendeu a dois requisitos: selecionamos os

processualistas que são considerados pela própria comunidade científica como paradigmas

conceituais do pensamento jurídico-processual e que, in casu, enfrentaram, ao menos

indiretamente, as questões relativas aos conceitos de Litígio e Lide.

Passemos, enfim, à análise teórico-conceptual e histórico-descritiva dos

institutos jurídico-processuais Litígio e Lide, nos termos anteriormente explicitados.

13 Thomas Kuhn, importante filósofo da ciência da atualidade, assente que a história da ciência é marcada por processos cumulativos e de ruptura de conhecimentos, onde paradigmas são constantemente superados. Mas, essa superação, muitas vezes, só ocorre, se o establishment da comunidade científica assim concorda, posto que tais paradigmas conceituais só são firmados a partir da interlocução do cientista inovador com o conhecimento assente da comunidade, fato esse que vai, de certo modo, de encontro às noções de objetividade e racionalidade da ciência (KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. 7. ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 2003).

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2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.

2.1.1 – A construção teorético-sistemática de Francesco

Carnelutti.

Segundo se observa da análise da dogmática jurídico-processual, coube a

FRANCESCO CARNELUTTI14 a formulação do conceito de Lide (ou Litígio) e a elevação do

mesmo à condição de categoria jurídica15 e, por conseguinte, de instituto jurídico-processual.

Antes dele, conforme apresentaremos adiante, os termos Litígio e Lide não haviam sido

concebidos na dogmática processual com a mesma acepção e importância que os mesmos

terão a partir da formulação teorético-conceptual do processualista da Universidade de

Milão. A dogmática jurídico-processual, aliás, utilizava, antes da teoria carneluttiana, os

termos Litígio e Lide indistintamente, confundindo-os, muitas vezes, com outros conceitos

como, por exemplo, os de causa (causa petendi, causa excipiendi, entre outros),

controvérsia, demanda, res in iudicium deductae, streitgegenstand (objeto do processo, para

os alemães), anspruch (pretensão), meritum causae (mérito do processo), entre outros

conceitos, conforme veremos adiante.

14 CARNELUTTI, Francesco. Sistema de Direito Processual Civil. São Paulo: Classic Book, 2000, v.1. e Idem. Teoria Geral do Direito. São Paulo: Lejus, 1999. 15 José Carlos Teixeira Giorgis, em sua obra “A Lide como categoria comum do processo”, assente, basicamente, que categorias jurídicas são conceitos jurídicos que são formatados e sistematizados, dentro da ciência jurídica, a partir de dados da realidade, assentindo mais que “enquanto as categorias são regras jurídicas que disciplinam matéria jurídica autônoma, integradas em corpo mais abrangente, a instituição jurídica é um núcleo de regras, unificadas por serem regidas por valores e princípios comuns, tendo a mesma finalidade (...), sendo que muitas categorias são também institutos jurídicos (a propriedade, p.e.), mas nem sempre a recíproca é verdadeira” (TEIXEIRA GIORGIS, José Carlos. A lide como categoria comum do processo. Porto Alegre: LeJur, 1991, p. 20). Concordamos, de certo modo, com a lição do jurista gaúcho, assentindo mais que: observando o fenômeno jurídico-processual, isto é, o dado factual, por um prisma dogmático, isto é, técnico-jurídico, o cientista do direito, por processos de dessemelhança (diferentia specifica), afinidade (genero proximum) e eliminabilidade, sistematiza o conhecimento, no caso jurídico-processual, através do estabelecimento e formatação de unidades sistemáticas de conhecimento, quais sejam, as instituições jurídico-processuais, unidades sistemáticas macro, que, por sua vez, agrupam os institutos jurídico-processuais, unidades sistemáticas micro; por outro lado, por um prisma zetético, o cientista do direito, utilizando os mesmos processos de dessemelhança, afinidades e eliminabilidade, sistematiza o conhecimento jurídico-processual através da formulação de conceitos jurídicos que são agrupados, agora, não mais em instituições e institutos jurídicos, mas em categorias jurídicas, como no caso da Lide (Litígio).

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2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Bem antes desse período, os romanos, conforme veremos, utilizavam os

termos Lide – para eles Lis, Litis – e Litígio – para eles Litigium – de modo a significar

questão ou disputa que havia entre os sujeitos e que, se não resolvida, espontaneamente,

seria resolvida a partir de uma Litiscontestatio consubstanciada num processo judicial

(iudicium). Na verdade, eles não davam tanta importância teórico-conceptual e terminológica

a tais termos, até porque, do ponto de vista do desenvolvimento do Direito, estávamos,

ainda, num momento (muito anterior) pré Juris Scientia e, por assim ser, sem maiores

preocupações terminológico-conceituais. Depois deles, dos romanos, até precisamente o

século XIX, dada ainda a despreocupação teorético-científica dos doutrinadores da

dogmática jurídico-processual, os autores, mesmo os alemães, não teorizaram e nem

elevaram à categoria de instituto jurídico os termos por hora analisados. Assim, somente a

partir de CARNELUTTI é que teremos uma verdadeira construção teórica e conceitual dos

elementos Litígio e Lide. Deste modo, segundo preceitua TEIXEIRA GIORGIS16 a respeito da

construção carneluttiana do conceito de Lide (Litígio), “a lide é a pedra angular da genial

sistematização do processo civil feita por Francesco Carnelutti, segundo a afirmação de

Calamandrei, delineada nas Lezioni e no Progetto”, conforme veremos agora.

CARNELUTTI, na verdade, elaborou um sistema teórico de estudo do

processo civil que teve como instituto fundamental – diríamos até que não apenas como um

instituto jurídico-processual, mas como uma verdadeira premissa metodológica – o conceito

de Lide (Litígio). Aliás, fazendo uma digressão, é pertinente salientarmos que CARNELUTTI,

conforme salienta CALAMANDREI17 em seu “Estudos de Direito Processual”, no mesmo

sentido da mudança metodológica promovida por CHIOVENDA nos estudos do direito

processual na Itália – a partir de 1903 com a publicação da sua obra “Ação no sistema dos

direitos” –, ao contrário de ENRICO REDENTI que estudava o direito processual de uma

perspectiva meramente pragmática, impôs ao estudo do direito processual uma metodologia

16 Ibidem., p. 19. 17 Cf. CALAMANDREI. Piero. Estudos de Direito Processual. Campinas: LZN Editora, 2003, p. 15-19.

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2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

baseada em pressupostos de caráter científico, utilizando, no caso, uma metodologia

histórico-dogmático-sistemática diferente da metodologia meramente exegética que se

praticava até então, sobretudo por influência dos praxistas franceses. Nesta perspectiva

metodológica, CARNELUTTI formula o seu conceito de Lide – aqui identificada por ele no

mesmo sentido que Litígio, conforme veremos mais adiante – e a partir deste constrói um

sistema de conhecimento jurídico-processual, onde todas as demais instituições e institutos

processuais gravitavam em torno de tal construção. Assim, para o processualista de Pádua a

Lide ou Litígio seria um conflito intersubjetivo de interesses qualificado por uma pretensão

resistida ou insatisfeita e, em assim sendo, a função da jurisdição seria a justa composição

desta Lide consubstanciada num processo judicial.

Para a formatação de tal definição de Lide (=Litígio), CARNELUTTI, na sua

obra Sistema de Direito Processual Civil18 e, posteriormente, de modo mais elucidativo, na

sua Teoria Geral do Direito19, elabora, a priori, conceitos básicos e propedêuticos relativos ao

direito processual, a partir dos quais construiria o conceito de Lide (Litígio). Tais conceitos

básicos e propedêuticos – que mais tarde foram re-analisados pelo processualista, também

italiano, UGO ROCCO em seu Trattato di Diritto Processuale Civile20 – são os de necessidade,

bem, utilidade, interesse, conflito de interesses, pretensão e resistência que, uma vez

elaborados e sistematizados – de um ponto de vista eminentemente jurídico-processual –

desembocariam na formação da terminologia Lide ou Litígio. Tais conceitos básicos, na

verdade, foram analisados e formatados do ponto de vista da Ciência Jurídico-Processual, na

perspectiva carneluttiana de se chegar a um sentido unívoco dos mesmos dentro da teoria

geral do processo, posto que, a construção de um sistema terminologicamente coerente e

preciso é, também, uma das premissas metodológicas essenciais, segundo CARNELUTTI,

para se chegar ao conhecimento das coisas e, no caso, para se formar um conhecimento

18 Cf. CARNELUTTI, Francesco. Sistema de Direito Processual Civil. São Paulo: Classic Book, 2000. 19 Cf. Idem. Teoria Geral do Direito. São Paulo: Lejus, 1999. 20 Cf. ROCCO, Ugo. Trattato di Diritto Processuale Civile. Torino: UTET, 1966.

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2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.

52

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

jurídico-processual nos moldes científicos. Falemos, então, na perspectiva carneluttiana, dos

tais conceitos básicos da teoria geral do processo.

Falando de necessidade, CARNELUTTI afirmou que esta seria uma

situação, vivida pelo ser humano (ou, na linguagem carneluttiana, ente humano), de

carência, de falta ou inexistência de algum elemento. Tal elemento, na linguagem do

processualista italiano, também, um ente, estaria, assim, apto a satisfazer a esta condição

de necessidade do homem. Tais necessidades humanas ensejariam, por assim ser, uma

relação (entendida, esta, como elemento de uma determinada situação, simples ou

complexa) de dependência que o ente humano teria, enfim, com esses outros entes, por

certo, complementares. Vejamos, in verbis, o que ele disse a respeito desses conceitos na

sua Teoria Geral do Direito21:

O estímulo age por via de uma sensação penosa por todo o tempo em que se não efetue a combinação, e de uma sensação agradável logo que a combinação se produza. Esta tendência para a combinação de um ente vivo com um ente complementar é uma necessidade. A necessidade satisfaz-se pela combinação. O ente capaz de satisfazer a necessidade é um bem: bonum quod beat, porque faz bem. A capacidade de um bem para satisfazer uma necessidade é a sua utilidade. A relação entre o ente que experimenta a necessidade e o ente que é capaz de a satisfazer é o interesse. O interesse é, pois, a utilidade específica de um ente para outro ente.

Neste mesmo sentido, CARREIRA ALVIM22, demonstrando o conceito de

necessidade de CARNELUTTI assente, in verbis, que:

Esta expressão – necessidade – é difícil de ser definida e traduz-se numa situação de carência ou desequilíbrio biológico ou psíquico. Etimologicamente, deriva de necesse, que significa não ser, não existir. Em outras palavras, traduz a falta de alguma coisa, algo que não é. O homem experimenta necessidades as mais diversas, sob variados aspectos, e tende a proceder de forma a que sejam satisfeitas; que desapareça a carência ou se restabeleça o equilíbrio perdido. A necessidade decorre do fato de que o homem depende de certos elementos, não só para sobreviver, como para aperfeiçoar-se social, política e culturalmente, pelo que não seria errôneo dizer que o homem é um ser dependente.

21 CARNELUTTI, op. cit., p. 89. 22 CARREIRA ALVIM. J. E. Teoria Geral do Processo. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 2.

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2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Por sua vez, entendendo-se a necessidade como sendo satisfeita mediante

a combinação desta com determinado ente (bem), restou a CARNELUTTI, como vimos

anteriormente, formular o conceito deste ente que estaria, assim, apto a satisfazer uma

necessidade humana. A tal ente o processualista de Pádua denominou bem. Assim, um bem,

seja ele de qualquer espécie – material ou imaterial, precipuamente – seria o ente

(complementar) que é ou está apto a satisfazer uma necessidade humana. A partir de tal

conceito de bem, CARNELUTTI formulou, como também vimos anteriormente, o conceito de

utilidade, assentindo que esta seria, enfim, a capacidade ou a aptidão que um bem (ente)

tem para satisfazer a uma necessidade do ente vital, isto é, do ser humano.

Relacionando tais conceitos, sempre na visão carneluttiana, teríamos que

na vida social a necessidade humana e o critério e o grau de utilidade de cada um desperta

o interesse das pessoas pela satisfação de tais necessidades via bens da vida, utilizando aqui

uma expressão chiovendiana23. De tal interação de elementos, surge, assim, o conceito de

interesse.

Para CARNELUTTI, interesse seria, assim, a posição favorável do homem

para satisfazer uma necessidade sua. Desta maneira, o interesse (etimologicamente inter

quod est que significa aquilo que está entre) seria o elemento de ligação entre o ser humano

e o bem jurídico que está apto a satisfazer a sua necessidade. A partir isso, CARNELUTTI,

classificando o conceito de interesse, define que existe um interesse imediato e um interesse

mediato. Aquele seria o que levaria a uma satisfação imediata da necessidade, já este, o

interesse mediato, seria aquele que, apenas por via oblíqua, isto é, indiretamente, levaria à

satisfação da necessidade. Do mesmo modo, existe o interesse individual e o interesse

coletivo, tendo em vista o número de sujeitos que se posicionam numa situação de

satisfação de uma necessidade, sendo que, em verdade, como lembra, ele24:

23 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2000, p. 17. 24 CARNELUTTI, Francesco. Sistema de Direito Processual Civil. São Paulo: Classic Book, 2000, p. 56.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Todas as necessidades são individuais. A necessidade é uma atitude do homem, no singular; não existe necessidades da coletividade como tal. Quando se fala de necessidades coletivas emprega-se uma expressão translatícia, para significar necessidades que são sentidas por todos os indivíduos pertencentes a um dado grupo.

Ocorre que – afirma CARNELUTTI25, in verbis:

Se o interesse significa uma situação favorável à satisfação de uma necessidade; se as necessidades do homem são ilimitadas, e se, pelo contrário, são limitados os bens, ou seja, a porção do mundo exterior apta a satisfazê-las, como correlativa à noção de interesse e à de bem aparece a do conflito de interesses. Surge conflito entre dois interesses quando a situação favorável à satisfação de uma necessidade excluir a situação favorável à satisfação de uma necessidade distinta.

Deste ponto de vista, CARNELUTTI afirma ainda que tais conflitos de

interesses são fenômenos ínsitos à sociedade e, em assim sendo, não há sociedade sem

conflitos, importando, no caso, para o direito, como um relevante jurídico, os conflitos que

sejam não intra-subjetivos, mas os que são intersubjetivos. Assim como também, preleciona

ele, em geral tais conflitos intersubjetivos de interesse tendem a ser dirimidos pelos próprios

sujeitos sociais em grupo. Quando tal não ocorre, isto é, quando um dos contendores na

disputa pelo bem da vida que está apto a satisfazer a sua necessidade não chega a um

consenso com o outro sujeito contendedor, diz-se que estamos diante de dois fenômenos

também ínsitos ao conflito de interesses, quais sejam, os fenômenos da pretensão e da

resistência.

A pretensão, diria CARNELUTTI26, seria a “exigência de subordinação do

interesse de outrem ao interesse próprio”, não se confundindo esta – a pretensão – com o

25 Ibidem., p. 60-61. 26 Ibidem., p. 93.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

direito27. Em sentido contrário, aquele que não quer ver o seu interesse subordinado ao de

outrem, oferece, contra o interesse deste, resistência. Desta maneira, a resistência é a não-

adaptação à situação de subordinação do interesse próprio ao interesse alheio, ou

simplesmente, “a oposição a tal exigência”28. Arrematando tais conceitos, na esteira da lição

de CARNELUTTI, assim preleciona CARREIRA ALVIM29:

A resistência pode consistir em que, sem lesionar o interesse, o adversário contesta a pretensão ou, pelo contrário, sem contestar a pretensão, lesiona o interesse; pode ocorrer, também, que a resistência se estenda a uma e outra (contesta e lesiona o interesse). Tanto a contestação como a lesão da pretensão, do mesmo modo que a pretensão, são dois atos jurídicos, mas de espécie diversa: a contestação, como a pretensão, é uma declaração; a lesão, pelo contrário, uma operação jurídica (ato jurídico de evento físico). Assim se distinguem, em razão da qualidade da resistência, a lide de pretensão contestada e a lide de pretensão insatisfeita.

Em assim sendo, sintetizando todos esses conceitos propedêuticos da

Ciência Jurídico-Processual, CARNELUTTI30 arremata formulando seu célebre conceito de

Lide (= Litígio): um “conflito de interesses, qualificado pela pretensão de um dos

interessados e pela resistência do outro”, sendo aquele, o conflito de interesses, seu

elemento material e estes, a pretensão e a resistência (conflito de vontades) o seu elemento

formal. Assentindo, mais, em sua Teoria Geral do Direito31 que “ao conflito de interesses,

quando se efetiva com a pretensão e com a resistência, poderia dar-se o nome de contenda,

ou mesmo de controvérsia. Pareceu-me mais conveniente e adequado aos usos da

linguagem o de lide [ou litígio]”. Assertiva essa que nos informa que, para ele, Lide e Litígio

27 Carreira Alvim, neste sentido afirma, in verbis: “Observa Carnelutti que, desde que se dedicou ao estudo do processo, percebeu a necessidade de separar a ‘pretensão’ do ‘direito’, porque, de outro modo, não se poderia admitir uma pretensão infundada, mas, em princípio, nas suas Lezioni, confundiu a pretensão com a afirmação do direito, já que não havia percebido que pode ocorrer não só a pretensão infundada, senão, também, a pretensão desarrazoada (quia nominor leo). Por isso, no seu Sistema, definiu a pretensão como ‘exigência de subordinação do interesse alheio ao interesse próprio’. Assim, não só a pretensão é separada do direito, como, também, da razão (ragione); a razão (ratio petendi) é precisamente o que vincula a pretensão ao direito” (CARREIRA ALVIM. J. E. Teoria Geral do Processo. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 9.). 28 CARNELUTTI, Francesco. Teoria Geral do Direito. São Paulo: LEJUS, 1999, p. 108. 29 CARREIRA ALVIM, op. cit. p. 10. 30 CARNELUTTI, op. cit. p. 93. 31 Idem. Teoria Geral do Direito. São Paulo: LEJUS, 1999, p. 108.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

seriam expressões sinônimas, indicando, ainda, que tais conceitos se referem ao fato de

natureza metaprocessual que ocorrera na realidade social, muito embora, é válido citarmos

mais uma vez, a ressalva feita por ele mesmo em suas Instituições do Processo Civil32 e no

seu Sistema de Direito Processual Civil33, respectivamente, in verbis:

O conflito existente de interesses denomina-se lide. A terminologia a esse respeito ainda não está consolidada; certamente, antes que se propusesse seu uso, com um significado científico preciso, a palavra era usada com mais de um sentido, tanto para denotar o conflito de interesses para cuja composição opera o processo, como para denotar o próprio processo; há de se reconhecer também que as resistências à adoção do uso proposto têm sido justificadas em parte por certas imperfeições ou exageros inevitáveis nas primeiras investigações sobre a função do processo: um fruto dessas resistências é a terminologia incerta e imprópria do Código (grifos nossos).

Até agora, assim como no latim e no italiano, a palavra lite serviu para significar não apenas o conflito de interesses que, como veremos, constitui conteúdo do processo, mas também o próprio processo: quando, por exemplo, os romanos diziam ‘sub judice lis est’, a adotavam para indicar o conflito e, pelo contrário, na frase ‘litem infere’ ou ‘litem orare’, para designar o processo; o primeiro significado é utilizado, por exemplo, no art. 1.764 do Código Civil, enquanto os nºs 4, 5 e 7 do art. 116 do Código de Procedimento Civil empregam o segundo. Por outro lado, em italiano predomina a palavra causa para determinar o processo. Mas agora, em que a ciência do Direito efetuou a distinção entre o conflito e o processo, que constitui uma das linhas fundamentais do meu sistema, é necessário, pelo menos na linguagem técnica, atribuir a esta palavra um significado único e preciso (grifos nossos).

Muito bem. Consecutado tal conceito de Lide (=Litígio), CARNELUTTI,

então, assente, peremptoriamente, que “se o conflito se não compõe por si, isto é, por obra

dos contendores, é necessário, para que não degenere em violência, ou seja, para que o

contraste não se transforme em disputa, que, por outrem, qualquer coisa se faça compor”34

tal, então, o objetivo do processo: seria, pois, a justa composição35 desta Lide (=Litígio),

acreditando o processualista italiano, assim, que a função jurisdicional do Estado se

32 CARNELUTTI, Instituições do Processo Civil. São Paulo: Classic Book, 2000, p. 77. 33 Idem. Sistema de Direito Processual Civil. São Paulo: Classic Book, 2000, p. 93. 34 Idem. Teoria Geral do Processo. São Paulo: LEJUS, 2000, p. 110. 35 Idem. Sistema de Direito Processual Civil. São Paulo: Classic Book, 2000, p. 98.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

resumiria à definição de controvérsias, distinguindo, deste modo, função jurisdicional de

função processual, tese essa que teve várias implicações teoréticas, como por exemplo, na

não consideração da jurisdição voluntária como atividade jurisdicional, mas, meramente,

processual, conforme veremos mais adiante no presente trabalho. Também, é a partir do

conceito de Lide, conforme já afirmamos, que CARNELUTTI, dentro do seu estudo

sistemático do direito processual, elabora todos os demais conceitos das instituições e

institutos jurídico-processuais. Por último, é válido ressaltarmos que, em nenhum momento,

CARNELUTTI propugna pela tese por nós defendida no sentido de distinguir Lide de Litígio,

até mesmo porque, na linguagem italiana, não havia tal distinção e nem se queira obstar,

por exemplo, que ele tenha separado o conflito (para ele Lide) do processo, posto que, na

linguagem dele, a Lide compõe o conteúdo do processo, pois o julgador se encontra com a

Lide através da petição do autor. Eu diria, na verdade, a Lide é aquilo que do Litígio fora

deduzido em juízo, podendo haver, assim, portanto, Lide com dedução só de pretensões,

isto é, processos sem litígios. Ao contrário, na sua concepção, por certo, ideária, para não

dizer irreal, através do processo, da jurisdição – entendida esta sob a perspectiva do seu

conceito de função jurisdicional – o Estado objetivava e sempre chegava à justa composição

da Lide, isto é, do conflito social que deu ensejo à formação do processo. Em assim sendo,

não haveria a possibilidade de processo sem Litígio (Lide) e mesmo se considerando tal

possibilidade, no caso, teríamos, tão-somente, processo em sentido impróprio.

Outrossim, em última análise, é de se indagar o porquê de ter CARNELUTTI

sistematizado toda a sua estrutura teórico-conceitual com base no conceito de Lide (Litígio),

isto é, o porquê de tal adoção, posto que, conforme veremos em seguida, nenhum outro

autor antes dele havia feito tal construção ou dado uma formatação ou importância

semelhante ao conceito de Lide (Litígio), até mesmo porque, conforme nos informa

CALAMANDREI, resenhando a obra do processualista da Universidade de Milão, ele adotou

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

tal terminologia inclusive de forma diferente da adotada pelo Código de Processo Civil

italiano de 1940, in verbis:

Assim, também quanto a estas Istituzioni de Carnelutti, o problema metodológico poderia expor-se, como disse, nos mesmos termos indicados por ele na nota bibliográfica dedicada a mim, isto é, se seu sistema, semelhante ao traje de confecção e não talhado na medida, é o mais apropriado para revestir e para fazer destacar os membros ainda em crescimento do novo código; ou seja, prescindindo de metáforas, se seu sistema, no qual, no lugar da função jurisdicional está a função processual, no lugar da causa está a lide, e no qual a ordem de exposição está toda baseada sobre a distinção entre estática e dinâmica processual, é idôneo para fazer compreender aos principiantes a verdadeira fisionomia do novo código mais do que uma simples exposição de velhos conceitos chiovendianos.36

Mas deste modo (...) corre-se também o risco de entrar em polêmica com o código, o qual continua falando de ‘causa’ e não de ‘lide’, de ‘jurisdição voluntária’ e não de ‘processo voluntário’, de ‘função jurisdicional’ e não de ‘função processual’.37

Sobre essa adoção, parece-nos acertada, mesmo, a resposta dada por

TEIXEIRA GIORGIS38 que, citando artigo de LUCIANO MARQUES LEITE39, assim afirma, in

verbis:

A lide, como observa Luciano Marques Leite, era uma palavra de uso antigo na nomenclatura jurídica, vindo freqüentemente confundida com o conceito de ações ou associada a fenômenos de natureza processual, tal como ainda ocorre (litiscontestatio, litispendência, litisconsórcio, lide temerária, etc.). A preferência de Carnelutti pelo termo, segundo o mestre paulista, decorreu de que a palavra causa – que também serviria para indicar o ‘conteúdo’ do processo – no Código de Processo Civil italiano, como também acontece com o nosso, era utilizada para significar o processo, estando ainda sobrecarregada de significados diversos, tanto populares como jurídicos.

36 CALAMANDREI, Piero. Estudos de Direito Processual. Campinas: LZN Editora, 2003, p. 124. 37 Ibidem., p. 129. 38 TEIXEIRA GIORGIS, José Carlos. A lide como categoria comum do processo. Porto Alegre: LeJur, 1991, p. 32. 39 LEITE, Luciano Marques. O conceito de “lide” no processo penal – um tema de Teoria Geral do Processo. In Justitia, v. 70, São Paulo, 1970.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Destarte, CARNELUTTI, para não incorrer nestes mesmos erros de

indiscernibilidade terminológico-conceitual – por certo fruto das tradições jurídico-romanas –

preferiu a construção do conceito de Lide (Litígio), nos moldes da análise que consecutamos

atrás, até mesmo porque, antes dessa sua formulação teorético-conceptual-terminológica, os

conceitos de Lide e Litígio não eram bem definidos pela dogmática jurídico-processual, posto

que, até então, as construções e discussões teoréticas a respeito do direito processual eram

todas formuladas a partir do prisma metodológico da Actio (direito de ação), conforme

passaremos a expor de agora em diante.

2.1.2 – As acepções do direito romano, do direito comum e do

direito lusitano a respeito do temário do Litígio e da Lide.

Entre os romanos, Lide (para eles, Litis ou lis) e Litígio (para eles, Litigium)

eram termos – não conceituais, mas apenas referenciais – que tão-somente designavam

uma situação fáctica intersubjetiva de violação de direitos, isto é, um conflito intersubjetivo,

onde, em assim sendo, haveria, por conseguinte, uma disputa fáctica e depois jurídica entre

os sujeitos envolvidos no conflito. Processualmente falando, na linguagem dos romanos,

aquele, no caso, que tivesse o seu direito violado (numa Litis ou Litigium) teria, assim, Actio

– isto é, direito de perseguição in iudicium – contra o violador e, também, por conseguinte,

direito à proteção jurídica. Deste modo, mais ou menos assim, compreendeu-se o significado

de Actio nos três períodos de desenvolvimento do processo romano – quais sejam, o período

das legis actiones, o período formulário (per formulas) e o período da extraordinaria cognitio

– de maneira que, por assim ser, os conceitos de Litígio e Lide estiveram subordinados a tal

conceito de Actio ou, até mesmo, de Iudicium (processo, para os romanos), posto que, em

muitos momentos, percebe-se, no direito romano clássico, a indiscernibilidade dos termos

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

actio e iudicium, conforme atesta o romanista brasileiro VANDICK L. DA NÓBREGA40, in

verbis:

Não encontramos nos juristas republicanos e clássicos definição de actio, pois a única que chegou aos nossos dias é de origem pós-clássica: - nihil aliud est actio quam ius, quod sibi debeatur, judicio persequendi. O verbo agere significa ‘agir’ e actio quer dizer actus, numa acepção ampla que compreende cada processo judicial, e não partes de cada modalidade de processo. Portanto, a actio tanto abrangia o processo in iure como o processo apud iudicem. [...] em algumas frases legais típicas, o têrmo actio significa sòmente o processo apud iudicem: - actio a praetore danda est significa um processo apud iudicem que seria estabelecido pelo pretor; actio proposita est in edicto praetoris significa: - um processo apud iudicem é prometido no edito do pretor. Nestas frases actio confunde-se com iudicium (grifos nossos).

No primeiro período de desenvolvimento do direito processual romano,

denominado de período das legis actiones41, caracterizado, sobretudo, pelo formalismo e

ritualismo procedimentais, o processo se desenvolvia em duas fases distintas, quais sejam,

in iure e apud iudicem (in iudicium). A primeira fase ocorria frente ao magistrado que

tomava, a partir do autor [que levava o réu (in ius vocatio)], conhecimento da Lide,

indicando-se, mais adiante, a Actio e o Iudex que julgaria a Lide (Litígio, causa, res in

iudicium deductae) já na fase apud iudicem. Assim, na verdade, o sujeito tinha direito a uma

actio que faria, posteriormente, valer o seu direito violado. É exatamente por isso que

CHIOVENDA42 e outros autores, neste sentido, assentiram, categoricamente, que, em

verdade, o sistema jurídico romano era não um sistema de direitos (de Ius), mas um sistema

40 NÓBREGA, Vandick L. da. Compêndio de Direito Romano. 7. ed. rev. aum. atual. Rio de janeiro: Biblioteca Universitária Freitas Bastos, 1972, v. 1, p. 391. 41 No caso, havia ações específicas para serem manejadas pelos cidadão romano, não podendo, neste caso, utilizar a ação de modo indistinto. Existiam as seguintes ações: legis actio per sacramentum, legis actio per condictionem, legis actio per iudicis arbitrive postulationem, legis actio per iniectionem e a legis actio per pignoris capionem (Cf. NÓBREGA, op. cit., p. 391 et seq.). 42 Cf. CHIOVENDA, Giuseppe. A ação no sistema dos direitos. Belo Horizonte: Ed. Líder, 2003.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

de ações (Actio). Também nesta mesma perspectiva, MOREIRA DE PAULA43, citando o

romanista português ANTONIO DOS SANTOS JUSTO44, aponta que:

Santo Justos, confessadamente, destaca enorme importância da actio no estudo do direito romano. (...) o ius era concebido e enunciado sob o aspecto mais processual do que substancial e, por isso, permitia-se caracterizar, na sua época áurea (época clássica que corresponde ao período formulário), como um conjunto de actiones. Explica o mestre conibrense que a actio, sob o aspecto formal, é o primeiro ato que assinala o início de um processo. Do ponto de vista material, a actio é o instrumento jurídico que permite a uma pessoa obter a tutela de um direito subjetivo previamente reconhecido pelo ordenamento jurídico ou de uma situação de fato que o magistrado prometeu proteger no seu edictum.

No período formulário, agora sem toda aquela ritualística e formalização

excessivas das ações da lei, a Lide (Litígio), isto é, o conflito, era levado ao magistrado, na

fase in iure, pelo autor a fim de obter a fórmula específica ao seu direito que seria, assim,

julgado na fase in iudicium, tendo em vista a litis contestatio formada com o réu. A litis

contestatio, no caso, era “o ato que assinala o desacordo entre as partes e o propósito de

ser o litígio resolvido pelo juiz [...]; é o momento em que a lis é inchoata ou o iudicium é

aceito”45. Por fim, na fase do processo extraordinário, desaparecem as fases do in iurem e

do in iudicio, ficando todo o processo (iudicium) concentrado nas mãos de uma só pessoa, o

magistrado, daí o caráter de publicização do julgamento, mutatis mutandis, nos mesmos

moldes que temos hoje.

Lide (Litígio), neste contexto histórico-romanístico, como uma disputa

factual ou, mesmo depois, como um fato a partir do qual se tinha o direito de perseguição

em juízo (daí o conceito de Actio de Celso: nihil aliud est actio quam ius, quod sibi debeatur,

in judicio persequendi – Inst. Liv. IV, Tít. VI), sobretudo no período das legis actiones e do

processo per formulas, onde o procedimento era do tipo ordo iudiciorum privatorum, isto é,

43MOREIRA DE PAULA. Jônatas Luiz. História do Direito Processual Brasileiro: das origens lusas à Escola Crítica do Processo. Barueri: Manole, 2002, p. 33-34. 44 SANTOS JUSTO, Antonio dos. Direito Privado Romano – I – Parte Geral. Boletim da Faculdade de Direito DA Universidade de Coimbra. Coimbra: Coimbra Editora, 2000. 45 NÓBREGA, op. cit. p. 418.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

marcado essencialmente por sua natureza privatista e não publicista como na fase da

cognitio extra ordinem, designava, ou, pelos menos, estabelecia os parâmetros

(con)formatadores, para os romanos, do conceito de Actio. Dado interessantíssimo esse que

se nos apresenta, posto que, modernamente, tais conceitos são absolutamente distintos,

sendo, inclusive, a Actio moderna um direito público subjetivo e não uma ação (atitude) de

ordem privada tomada por uma das partes contra46 o outro, como na Actio (Lide ou Litígio)

romana47. A propósito disso, vejamos o que nos diz, em análise – do ponto de vista do

direito romano – dos conceitos de Lide (Litígio) e Actio, PONTES DE MIRANDA48, in verbis:

Lide é ‘ação’, litígio (litigium), querela, disputa, em que se vai perder, ou em que se vai ganhar. Enquanto pende a ação, com o seu processo, há litispendência, de modo que não se pode chamar ‘lide’ o mérito da causa. Enquanto há lide, lida-se (donde ‘lida’, peleja, fadiga). Há o ‘litisconsórcio’. Quem teve a decisão que reputou nulo o processo perdeu a lide, sem se tratar de mérito. Já no antigo latim havia lis, luta. Na L. II, D., de alienatione iudicii mutandi causa facta, 4, 7, há o texto tirado de Ulpiano (libro quinto opinionum, fragmento até hoje não encontrado): ‘ Cum miles postulabat suo nomine litigare de possessionibus, quas sibi donatas esse dicebat, responsum est, si iudicii mutandi causa donatio facta fuerit, priorem dominum experiri opostere, ut rem magis quam litem in militem transtulisse credatur’. O caso era de um militar que postulara em seu nome litigar sobre posses, que dizia lhe terem sido doadas; respondeu-se que, se a adoção tivesse sido feita com o intuito de mudar o juízo, o dono anterior devia pleitear, para se entender que tranferiu mais a coisa do que o litígio. Na L. 9, C., de suis et legitimis liberis et ex filia nepotibus ab instestato venientibus, 6, 55, ‘de lite’ está em lugar de ‘litígio’ (grifos nossos).

46 CELSO NEVES, fundamentado em PUGLIESE, assente que a Actio para os romanos – neste sentido de um agir contra o outro – não significava um agir qualquer, mas uma agir de determinado modo, isto é, “antes de constituir um ato de força ou defesa violenta, é mais provável que actio aludisse ao ritualismo e ao formalismo oral, por meio do qual, originariamente, se faziam valer as próprias razões” (NEVES, Celso. Estrutura fundamental do processo civil: tutela jurídica processual, ação, processo e procedimento. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 85). 47 A propósito desta dialética histórico-conceitual de mudança de significação e referibilidade das instituições e institutos jurídicos, Fábio Gomes anota que: “Esta espécie de modelo dialético, em virtude do qual um determinado instituto acaba transformado em seu contrário, no curso da História, parece ser uma constante, a marcar o sentido da evolução de nossas instituições processuais. Se considerarmos a extrema severidade com que o direito romano primitivo tratava os devedores em geral, legitimando a vingança privada e toda sorte de castigos corporais, é fácil constatar, como observa Alessandro Pekelis, referindo-se ao sentido da evolução do conceito de ação, que a categoria processual que o direito moderno conserva, no lugar da originária ação privada do direito romano primitivo, é nada mais, nada menos, do que uma não-ação (Azione, ‘Teoria Moderna’, Novíssimo Digesto Italiano, v. 2, p. 33) (BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. e GOMES, Fábio. Teoria Geral do Processo Civil. 3. ed. rev. atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 19). 48 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1996, t. I, p. XXXII.

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2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Em síntese, para o direito romano, seja no período das legis actiones, seja

no período formulário, seja no período da cognitio extra ordinem, a Lide ou Litígio, estes

termos inclusive tomados, por eles, indistintamente, consubstanciava-se, lato sensu, no

conceito de Actio, sem constituírem em si categorias de importância jurídico-processual49.

Tanto é assim que a Actio levava à formação da Litis contestatio. Ademais, o termo causa50

– que também tinha uma significação senão igual, mas pelo menos próxima à de Lide

(Litígio) – denotava, também, para os romanos, a res iudicium deductae a qual,

modernamente, poderíamos, dependendo do conceito de mérito adotado, assentir como a

Lide em si, ou, como na acepção que estamos a defender neste trabalho, o Litígio – ou

parcela deste – que fora levado (deduzido) a juízo conformando tal Lide. Por fim, “o termo

causa, documentado por Gaio com referência ao processo da época mais antiga, servia para

indicar a matéria litigiosa – causa ex quibus agebatur -, isto é, o fato, a razão, o fundamento

que legitimava o agere da parte”, afirma CRUZ e TUCCI51.

Posteriormente, por volta do século XI em diante, já com a formação do

chamado direito comum medieval52, proveniente das conjunções do direito romano com os

direitos germânico e canônico53 que ocorrera por obra das invasões bárbaras e dos

49 É, peremptório e evidente para nós, fundamentado na doutrina romanística, que embora os romanos utilizassem, o termo Lis – lide – para nominar seus institutos, eles não davam tanta importância conceitual ao mesmo e, aliás, não chegaram nem a formular um conceito preciso de Lide, muito embora o Professor Alfredo Buzaid afirme em um ensaio seu, entitulado “Da Lide: estudo sobre o objeto litigioso”, de 1980, que o objeto do processo civil romano era a lide e esta era a res in iudicium deductae. Em verdade, concordamos com o professor BUZAID com a ressalva, de que, os romanos mesmos, isto é, a “dogmática” romana, não precisou, como Carnelutti o fez, o conceito de Lide, pois tal, para eles era apenas um elemento referencial, isto é, mais um nomen iuris sem uma maior elaboração teórico-conceptual (Cf. BUZAID, Alfredo. Estudos e Pareceres de Direito Processual Civil. Adaptação de Ada Pellegrini Grinover e Flávio Luiz Yarshell. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 75-78). 50 A propósito disto, esclarece José Rogério Cruz e Tucci que: “A noção de causa petendi ou causa actionis foi utilizada, na maioria das vezes, para indicar duas res in iudicium deductae que, embora tivessem as mesmas partes e o mesmo petitum, contrastavam-se por encerrarem fundamentos diferentes, ou, ainda, em hipóteses mais freqüentes, relacionadas com a praxe forense, nas quais os jurisconsultos procuravam encontrar um critério para verificar se, em duas ações entre as mesmas pessoas, a causa era idêntica, ou se, na demanda posterior, havia sido deduzida uma nova causa” (CRUZ e TUCCI, José Rogério. A causa petendi no processo civil. 2. ed. rev. atual. amp. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 30.). 51 Ibidem, p. 34. 52 A respeito da formação do direito comum medieval, conferir as importantes lições de Jônatas Luiz Moreira de Paula – fulcrado nos trabalhos dos romanistas portugueses – em: MOREIRA DE PAULA. Jônatas Luiz. História do Direito Processual Brasileiro: das origens lusas à Escola Crítica do Processo. Barueri: Manole, 2002, p. 121-130. 53 Salientando-se, na perspectiva aduzida por Fábio Gomes, que: “A influência do cristianismo, como é natural, expandiu-se constantemente durante a Idade Média, de modo que a contribuição do direito canônico – para sermos mais precisos, direito romano-canônico, do período oriental do direito romano tardio – para a formação

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2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

imperadores romano-cristãos do oriente (como Teodósio e Justiniano, por exemplo),

respectivamente, a partir do século V, os termos Litígio e Lide, em linhas gerais, tal como na

acepção clássica do direito romano, continuaram sendo tomados como elementos de mesma

significação denotando, assim, o conflito intersubjetivo que foi deduzido em juízo através do

libellum reclamationis do autor que indicava o réu e especificava o objeto da Lide (Litígio).

Daí se falar, no processo canônico de ante litis contestationem e post litis contestationem.

Já no período das ordenações portuguesas – ordenações manuelinas,

afonsinas e filipinas –, ordenações essas que foram promulgadas com o objetivo precípuo de

unificação do estado nacional português – tais termos, Litígio e Lide, foram tomados,

também, como de mesma significação e referibilidade, querendo demonstrar, do mesmo

modo que na acepção do direito comum, o conflito de interesses levado a juízo. Vejamos,

como comprovação desta assertiva, o que nos diz o Livro III, Título LI, § 1 das Ordenações

Filipinas54:

Da contestação da lide (§1)Tanto que o julgador receber o libello do autor, enquanto com Direito fôr de receber, contestará a demanda per negação, E sendo a parte presente per si ou per seu Procurador, poderá contestar negando ou confessando direitamente a ação do autor, ou dizendo perfeitamente a verdade do caso, como passou, e não pela cláusula geral , que era confessar o réu o que era por ele, e negar o que he contra elle. E estes modos de contestar a lide bastam, e por qualquer delles que se fizer, será a lide havida por contestada, e o julgador irá pelo feito em diante (grifos nossos).

Em vários outros momentos do texto das ordenações portuguesas55

(Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas), sobretudo nos livros III e V dessas, que

tratavam, respectivamente, do processo civil e do processo criminal, encontramos os termos

do chamado direito comum medieval foi, além de decisiva, amplamente predominante, sobrepujando largamente a contribuição do direito dos povos germânicos, cujo estágio cultural era muito inferior ao nível de desenvolvimento alcançado pela civilização romana, e por seus representantes medievais, particularmente, pela Igreja, centro exclusivo da cultura clássica greco-romana (BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. e GOMES, Fábio. Teoria Geral do Processo Civil. 3. ed. rev. atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 20). 54 ORDENAÇÕES FILIPINAS On-line. Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Instituto de História e Teoria das Idéias. Portugal. Disponível em: http://www.uc.pt/ihti/proj/filipinas/L3P636.HTM. Acesso em: 14 nov. 2003. 55 Ibidem.

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2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Lide e Litígio (e suas variantes, como, por exemplo, litigantes), e outros, tais como, causa,

demanda, conflito, usados para denotar a mesma significação e referência factual e jurídica.

Pois bem. É válido salientarmos também que, do ponto de vista da

historiografia do direito processual e da dogmática jurídico-processual, enquanto

conhecimento jurídico-científico, estamos, até aqui, num momento onde as concepções

formadas a respeito do fenômeno jurídico-processual e dos seus institutos fundamentais são

consecutadas sem nenhuma preocupação cognitivo-científica, até mesmo porque, conforme

já explicitamos no intróito deste trabalho, o direito só alcançou o seu status de ciência –

Juris Scientia – a partir do século XVIII com a escola histórica56. Desse modo, as

formulações feitas, até então, a partir do fenômeno jurídico, têm preocupações meramente

práticas e não teoréticas. Assim, peremptoriamente, do ponto de vista da produção de uma

Ciência Jurídico-Processual, nem o direito romano, nem o direito comum, nem o direito

lusitano, nesta fase inicial, foram estudados, pelos juristas do seu tempo, a partir de um

prisma metodológico-científico, daí que, também, por isso, não havia uma preocupação

terminológica na construção dos conceitos e categorias jurídicas. De tal maneira que,

evidentemente, como temos demonstrado, até esse período, os termos Lide, Litígio, Causa,

Actio, Res Iudicium Deductae tinham, lato sensu, o mesmo âmbito de significação, isto é,

representavam o conflito intersubjetivo que fora levado ao julgador para que, enfim, este

desse uma solução a tal caso concreto.

56 Cf. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. A ciência do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1991, p. 18.

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2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

2.1.3 – Litígio e Lide na perspectiva da Escola Judicialista, Praxista

e Procedimentalista.

Conforme afirmamos, em nota, anteriormente, do ponto de vista da

historiografia do direito processual, NICETO ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO57, na sua clássica

obra “Estudios de Teoría General e Historia del Proceso”, assente que vivenciamos os

seguintes momentos históricos: em primeiro lugar, o período romano; em segundo lugar, o

período da escola de Bolonha (fundação da Universidade de Bolonha, escola de glosadores

etc.), do direito comum medieval e do fenômeno da chamada recepção por parte dos

estados nacionais europeus, das concepções jurídico-romanísticas, agora, imbricadas, com

as concepções do direito canônico; em terceiro lugar, o período da Revolução Francesa e do

movimento de codificação (Código Civil Napoleônico); e, em quarto lugar, o período pós-

publicação da revolucionária obra doutrinária de OSKAR VON BÜLLOW e das idéias

legislativo-processuais de FRANZ KLEIN consubstanciadas, principalmente, no seu projeto de

código de processo civil austríaco, convertido em lei em 1895. Na mesma obra, ALCALÁ-

ZAMORA y CASTILLO58 afirma, ainda, que, do ponto de vista da evolução, agora, da

dogmática jurídico-processual, teríamos os seguintes períodos doutrinários: em primeiro

lugar, o período da dogmática primitiva o qual foi marcado pela falta de autênticas

exposições jurídico-processuais, mas onde, de qualquer modo, podemos encontrar dados e

idéias acerca da justiça e do seu funcionamento; tal período, segundo ele, se estendeu,

desde as concepções mais primitivas – como a Bíblia dos Hebreus, o Código de Hamurábi

dos mesopotâmicos, o Código de Manu dos indianos, Las avispas de ARISTÓFANES, as

Etimologias de SANTO ISIDORO DE SEVILHA, as Institutas de GAIO entre outros – até o

século XI; em segundo lugar, o período da Escola Judicialista que se estenderia desde a 57 ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO, Niceto. Estudios de Teoria General e Historia del Proceso. México: UNAM, 1974, v. II, p. 293. 58 Ibidem., p. 293.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

fundação da Universidade de Bolonha em 1088 até o final do século XV; em terceiro lugar, o

período da “escola” do Praxismo ou, como o processualista espanhol melhor denominou,

período da Tendência dos práticos que se estenderia do século XVI ao século XIX; em quarto

lugar, o período do chamado Procedimentalismo, de gênese eminentemente francesa, e que

teve assento na historiografia do pensamento jurídico-processual no século XIX; e, por fim,

em quinto lugar, o período do denominado Processualismo científico ou moderno, surgido a

partir da publicação da obra de OSKAR VON BÜLLOW, em 1868, na Alemanha, estendendo-

se até o momento atual, nas suas diversas variações, quais sejam, o processualismo

germânico, o processualismo italiano, o processualismo espanhol e o processualismo ibero-

americano.

Pois bem59. Na subseção anterior, nós consecutamos a análise teórico-

conceptual e histórico-descritiva dos termos Litígio e Lide, a partir da historiografia do direito

processual, nos termos retro explicitados. Agora, procederemos a tal análise a partir da

evolução da dogmática jurídico-processual, nos mesmos termos assentidos por NICETO

ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO, desprezando o período primitivo, posto já ter sido esse, de

certo modo, analisado em momento anterior, sobretudo, quando falamos de Litígio e Lide na

perspectiva romanística e também por ser um período assistemático na história da

dogmática jurídico-processual, não sendo, assim, metodologicamente, viável para nós a

verificabilidade do mesmo. Vejamos, então.

Segundo preleciona o processualista espanhol, o período da Escola

Judicialista – cujas concepções basilares a respeito do direito processual foram

fundamentadas, principalmente, no conceito de Iudicium (juízo), daí o porquê da sua

59 A propósito destas classificações e compartimentalizações da historiografia do direito processual e da dogmática, isto é, o pensamento jurídico-processual, o processualista espanhol esclarece que: “ahora bien: si la marcha del Derecho procesal tomado en bloque es, sobre poco más o menos, la que acabamos de esbozar, dentro de ella se impone deslindar la historia de las instituciones procesales, y la evolución de la doctrina procesal. Existen entre ambas, claro está, influjos mútuos e interferencias manifiestas, pero son dos territorios que conviene contemplar por separado, a causa de su distinto contenido y de su distante aparición en el tiempo, porque el proceso como realidad es muy anterior al proceso como literatura” (BMA. EL FORO. Evolución de la doctrina procesal: conferencia data en la Universidad de San José da Costa Rica el 21 de abril de 1949. Disponível em: http://www.bma.org.mx/publicaciones/elforo/1950/junio/evolucion.htm. Acesso em: 14 nov. 2003).

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

denominação – estende-se desde a criação da Universidade de Bolonha na Itália, no século

XI, até o final do século XV, tendo em vista, sobretudo, o fenômeno da recepção do direito

romano e seus consectários por parte das principais nações européias.

Os estudiosos desta escola doutrinária realizaram estudos a partir da

análise do direito comum medieval nas suas vertentes romano-canônica, medieval-italiano e

ítalo-canônico com preocupações não tão comprometidas, ainda, com a elaboração de um

saber teórico-científico sobre o processo. Desse modo, efetivamente, não trabalharam nesta

perspectiva teórico-terminológica de construção dos conceitos das instituições e institutos do

direito processual. Em assim sendo, não encontramos dados na literatura que demonstrem

alguma construção ou mesmo maior análise, precisa e específica, dos conceitos de Litígio e

Lide. Tais conceitos jurídico-processuais, como todos os demais, eram analisados e

enfocados a partir da noção de juízo, sendo, portanto, o Litígio ou a Lide, tal como para os

romanos e no direito comum, aquilo que era levado a juízo para ser decidido por um órgão

julgador, tribunal ou juiz. Duas obras de grande importância deste período e que tem como

conceito central o de Iudicium são: Ordo Iudiciarius (1216) de Tancredus Canonico

Bononiense e Speculum Iudiciale (1271) de Guilherme Duranti. Em tais obras, encontramos

o conflito intersubjetivo levado a juízo denominado de Litis60 (Lide ou Litígio).

Já a partir do século XVI, surge na Europa, sobretudo na Espanha, um

movimento no campo do direito processual denominado, conforme já afirmamos, por

ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO, como Tendência dos práticos ou “escola” do Praxismo que se

estendeu até os idos do século XIX. Tal movimento, sem maiores pretensões científicas ou

teóricas, visava apenas à construção de modelos aplicados para a prática forense. Neste

sentido, CARREIRA ALVIM61, embasado nas concepções históricas do processualista

espanhol, assim se expressa, in verbis:

60 KIRCHENLEXIKON. Biographisch-Bibliographisches. Disponível em: http://www.bautz.de/bbkl/t/tankred_v_b.shtml. Acesso em: 14 nov. 2003. 61 CARREIRA ALVIM, J. E. Teoria Geral do Processo. 8. ed. rev. amp. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 34.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Esse período denominou-se praxismo porque o direito processual foi considerado pelos jurisconsultos, advogados, legistas e práticos como um conjunto de recomendações práticas sobre o modo de proceder em juízo. Preocupavam-se com a forma de realizar o processo, sem grandes preocupações com estudos teóricos do processo. Os estudos dessa época eram impregnados de nítida preocupação forense; apenas questões de ordem prática.

Imaginemos nós, então, que distinguir Lide (litis), Litígio (litigium), Causa,

Res iudicium deducta etc. não era coisa tão essencial e importante para os praxistas. Nas

obras que consultamos deste período, como a Practica Nova Imperialis Rerum Criminalium62,

escrita na Alemanha, em 1635, por Benedikt Carpzov, a Practica civil y criminal e instrucción

de escribanos, escrita na Espanha, em 1563, por Monterroso e os Elementos de Practica

Forense de Gómez y Negro, escrito na Espanha, em 1825, assim, não encontramos

quaisquer formulações teóricas sobre os conceitos hora em análise.

Do Praxismo – com uma diferenciação, do tipo conceitual, meramente

cronológica – passou-se, sobretudo por influência francesa, ainda no século XIX, para o

período do Procedimentalismo. Tal concepção dogmática do direito processual, assim como a

tendência anterior, caracterizou-se por preocupações também, meramente, praxistas, a

respeito dos procedimentos judiciais. Isso se deu, segundo informa ALCALÁ-ZAMORA y

CASTILLO63, tendo em vista acontecimentos de ordem político-jurídico-legislativa. CARREIRA

ALVIM64, resumindo esta preceituação do processualista espanhol, assim preleciona, in

verbis:

A causa política do procedimentalismo foi a Revolução Francesa e a causa jurídica, a codificação napoleônica, que, ao separar a legislação processual civil (1806) da legislação processual penal (1808) e estas dos respectivos corpos legais substantivos, marca um roteiro que é logo seguido pelas demais nações, fazendo brotar cátedras e livros independentes consagrados ao seu estudo. (...) outro fator apontado pelo próprio Niceto Alcalá-Zamora

62 RUPRECHT-KARLS-UNIVERSITÄT HEIDELBERG. Disponível em: http://digi.ub.uni-heidelberg.de/diglit/drwcarpzov1670B3. Acesso em: 15 de setembro de 2003. 63 ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO, Niceto. Estudios de Teoria General e Historia del Proceso. México: UNAM, 1974, v. II, p. 293. 64 CARREIRA ALVIM, J. E. Teoria Geral do Processo. 8. ed. rev. amp. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 35.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

y Castillo foi a obra do inglês Jeremias Bentham, especialmente o seu Tratado das Provas Judiciais e outras, dele ou de seus discípulos, que tiveram uma ressonância extraordinária não somente na Inglaterra como também em toda a Europa.

Na verdade, a grande contribuição que a escola procedimentalista deu para

o desenvolvimento do direito processual foi no sentido de terem realizado uma vasta análise

do tipo exegética e descritiva dos textos legais e do fenômeno jurídico-processual,

respectivamente. Agora, do ponto de vista da construção de um conhecimento qualificado,

sistemático e metodológico sobre o processo, não tiveram grandes resultados para a teoria

processual. Em obras importantes deste período, tais como, o Traité de l’instruction

criminelle, publicado em 1845, pelo procedimentalista francês FAUSTINO HÉLIE, o Tratado

histórico-crítico filosófico de los procedimientos judiciales en materia civil, publicada entre os

anos de 1856 e 1858, pelo procedimentalista espanhol JOSÉ DE VICENTE Y CARAVANTES e

o Traité Théorique et pratique de procédure, aparecido entre os anos de 1882 e 1897, do,

também, procedimentalista francês, GARSONNET, não encontramos qualquer formulação

especifica a respeito dos conceitos de Lide (Litígio).

Assim, do mesmo modo que nas demais escolas ou tendências – primitiva,

judicialista e praxista – não tiveram, os processualistas da escola Procedimental, a

preocupação de elaboração de conceitos jurídicos. Um conceito jurídico, para eles, só tinha

valor do ponto de vista da historicidade do mesmo. Daí que Litígio e Lide eram vistos – sem

maiores enfrentamentos – como conceitos que designavam o conflito inter-partes deduzido

em juízo ou mesmo a lide ou litigância que ocorre entre as partes dentro do processo.

No período seguinte, o, na lição ainda de ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO65,

do chamado Processualismo científico ou moderno é que teremos, sim, um aprofundamento

técnico e científico dos conhecimentos e conceitos jurídico-processuais, sobretudo porque é

a partir deste momento que o direito processual deixará de ser um mero apêndice do direito

65 ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO, Niceto. Estudios de Teoria General e Historia del Proceso. México: UNAM, 1974, v. II, p. 293.

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2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

material (civil) e passará a ser um ramo autônomo e independente do conhecimento

jurídico-científico. Desse modo, vejamos, então, tal período, pois é a partir daqui que nos

interessa, principalmente, a análise-teórico-conceptual e histórico-descritiva dos institutos

Litígio e Lide.

2.1.4 – Litígio e Lide na perspectiva dos grandes autores da

dogmática jurídico-processual estrangeira a partir da fase do processualismo

científico.

O pensamento jurídico-processual (isto é, a dogmática jurídico-processual),

do ponto de vista da sua gênese historiográfica, toma assento de ciência, no caso de Ciência

Jurídico-Processual, a partir da publicação, no ano de 1868, em Giessen, Alemanha, da obra

“Teoria das Exceções Processuais e os Pressupostos Processuais”66 (Die Lehre von den

Prozesseinreden und die Prozessvorausetzungen), de autoria do processualista alemão

OSKAR VON BÜLLOW. Tal obra constituiu para a doutrina processual um marco histórico67,

posto que, é a partir daí, que o fenômeno jurídico-processual começará a ser estudado de

um ponto de vista método-teórico-conceito-termino-epistemológico próprio.

CARREIRA ALVIM68, sintetizando, sob a ótica analítica de ALCALÁ-ZAMORA

y CASTILLO, a importância da obra de BÜLLOW, dentro da perspectiva historiográfica da

dogmática jurídico-processual, e seus principais postulados teoréticos, assim assente, in

verbis:

66 Cf. BÜLLOW, Oskar Von. La Teoría de las Excepciones Procesales y los Presupuestos Procesales. Traducción de Miguel Angel Rosas Lichtschein. Buenos Aires: EJEA, 1964. 67 Como bem lembra CARREIRA ALVIM, “alguns autores assinalam duas datas como início do processualismo científico: os anos de 1856/1857, em que se desenvolveu a histórica polêmica entre Windscheid e Muther em torno do conceito de ‘ação’ e o ano de 1868, em que aparece a obra de Büllow, Teoria das Exceções Processuais e os Pressupostos Processuais” (CARREIRA ALVIM, J. E. Teoria Geral do Processo. 8. ed. rev. amp. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 36). 68 Ibidem., p. 36.

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2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Não se trata mais de conhecer o processo segundo a praxe (praxismo), nem de abordá-lo, tendo em vista o modo como a lei o regula (procedimentalismo), mas de tomar como ponto de partida o estudo do próprio processo, segundo a sua natureza jurídica, e, assim, todos os institutos básicos do direito processual. O mérito dessa empreitada deve-se, inquestionavelmente, a Oskar Von Büllow. Começa Büllow por assinalar que a ciência processual civil tinha um longo caminho a percorrer, para alcançar o progresso a que se havia chegado nos demais campos do direito, e que jaziam na penumbra as mais importantes e básicas idéias processuais, obscurecidas por uma construção conceitual inadequada e uma errônea terminologia, ambas herança recebida do direito medieval e conservadas com a maior fidelidade e constância. Concebe Büllow o processo como uma relação jurídica [...]. Demonstrando que o processo é uma relação jurídica de direitos e obrigações entre as partes e o juiz, ou seja, uma relação jurídica processual, destacou o mestre alemão a noção de processo, da noção de procedimento.

A partir deste momento da historiografia da dogmática processual, o

fenômeno jurídico-processual, então, será analisado e estudado não mais como um conjunto

de procedimentos judiciais, mas, sim, a partir de um prisma eminentemente teorético-

científico (muito embora não possamos esquecer que o direito, lato sensu, é, na verdade,

uma técnica que visa a decidibilidade de conflitos e os estudos que começam a ocorrer a

partir deste momento tinham essa orientação teleológica). Os conceitos, categorias,

instituições e institutos jurídico-processuais serão elaborados – muitas vezes reelaborados –,

agora, do ponto de vista de construções hipotético-dedutivas e sintético-analíticas, claro,

sem se perder de vista, ainda, a historicidade do fenômeno jurídico. Do mesmo modo, uma

maior preocupação terminológica e metodológica com o manejo do dado processual será

observada. Aliás, é exatamente por isso que, deste momento em diante, será inconcebível

para os juristas o estudo do direito processual a partir dos postulados do direito material,

sobretudo do direito material civil, tal como nos anos anteriores a 1868.

Nesta perspectiva, é que serão, então, formulados, pelos processualistas,

as principais instituições e institutos do direito processual, como as definições exatas de

“Jurisdição, “Ação”, “Processo”, “Competência” e outros mais e, por assim ser, o conceito de

Litígio e Lide que hora examinamos.

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2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Vejamos, então, a partir de agora, desta fase eminentemente científica da

dogmática jurídico-processual – que se expandiu, conforme atesta ALCALÁ-ZAMORA y

CASTILLO, primeiramente pela Alemanha, tendo em vista a obra de BÜLLOW, depois pela

Itália, a partir da obra de CHIOVENDA, pela Espanha, a partir de BECEÑA e, a posteriori,

GUASP e, por fim, pela América (Ibero-América) a partir dos estudos de vários

processualistas, tais como, RAMIRO PODETTI e HUGO ALSINA (ambos da Argentina),

EDUARDO COUTURE (Uruguai), ALFREDO BUZAID (Brasil), entre outros – quais as

concepções dos principais processualistas da dogmática jurídico-processual estrangeira a

respeito de tais termos, sempre tendo em vista que o primeiro processualista a fazer menção

conceptual, e não apenas referencial, dos aludidos institutos foi CARNELUTTI, já no início do

século XX, conforme analisamos anteriormente.

a) Bernhard Windscheid e Theodor Muther.

Na historiografia da doutrina processual, BERNHARD WINDSCHEID,

professor da Universidade de Greifswald, e THEODOR MUTHER, professor da Universidade

de Könisberg, são conhecidos pela discussão acadêmico-doutrinária que tiveram, entre os

anos de 1856 e 1857, a respeito do conceito de ação, Actio para os romanos e Klage para os

germânicos.

A discussão operada pelos dois juristas – na verdade, dois juriscivilistas –

circunscreveu-se, tão-somente, às definições da natureza jurídica da ação para os romanos e

para os alemães, naquele período. Não é o nosso objetivo aqui estudar e fixar os pontos

principais desta polêmica, posto que vários processualistas já o fizeram muito bem69. No

69 A propósito disso, conferir os estudos de: Chiovenda (CHIOVENDA, Giuseppe. A ação no sistema dos direitos. Tradução de Hiltomar Martins Oliveira. Belo Horizonte: Editora Líder, 2003), Celso Neves (NEVES, Celso. Estrutura Fundamental do Processo Civil: tutela jurídica processual, ação, processo e procedimento. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997), Pontes de Miranda (MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1996, t. I.) ou Dinamarco (DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, v. 1).

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

caso, o nosso intento aqui é o de observar, tão-somente, de que maneira os dois juristas

alemães assentiram os conceitos de Litígio e Lide, ora em análise.

A respeito disso, observa-se que as discussões travadas entre os dois

juristas alemães tiveram como cerne o âmbito teórico-conceitual e jurídico-normativo do

instituto jurídico-processual da ação, seja ela entendida tal como os romanos, isto é, como

Actio, direito de perseguir em juízo aquilo que nos é devido – como na formulação de Celso,

reproduzida por Ulpiano, actio autem nihil aliud est quam ius persequendi in iudicio quod sibi

debetur – ou tal como os alemães, modernamente, assentiam, isto é, Klagerecht. Na

verdade, conclui WINDSCHEID que a Actio romana seria o que modernamente se chamava

de Anspruch, ou seja, pretensão; no caso, a pretensão de direito material70, isto é, como o

direito de exigir de outrem um ato ou omissão (conforme preceituado no BGB alemão), e

não de direito processual como se construirá a partir das lições de ADOLF WACH.

WINDSCHEID, no caso, contestou o paralelismo que existia, até então, na

dogmática jurídico-processual alemã, entre os conceitos da Actio romana e da Klagerecht,

ação no sentido moderno, para os alemães e, sobretudo, questionou ele as relações entre a

actio e o direito subjetivo material, assentindo que, em verdade, a actio romana equivaleria,

modernamente, à anspruch (pretensão) a qual emanaria do direito subjetivo e não do

klagerecht.

Melhor explicando, WINDSCHEID definia a actio dos romanos como sendo

o que os alemães modernamente denominavam de gerichtlich verfolgbarer anspruch, isto é,

pretensão deduzida em juízo (Iudicium, entendido aqui como Tribunal) contra o réu,

salientando, assim, a existência de uma situação de direito substancial completamente

diversa da ação em sentido processual (klagerecht), inclusive, sendo esta, não identificável

70 Neste sentido, Alfredo Buzaid afirma que, in verbis: “desde logo, a um simples relance de olhos, bem se vê que o significado de pretensão no Código de Processo Civil difere do sentido que tem no Código Civil (§ 194). A glória de haver elaborado o conceito processual de pretensão toca a Adolf Wach, em seu famoso estudo publicado no volume em honra de Windscheid em 1888. Se Windscheid foi o criador do conceito de pretensão em direito privado, Wach foi o criador do conceito de pretensão em direito no direito processual civil, pondo-o como objeto imediato do processo civil.” (BUZAID, Alfredo. Estudos e Pareceres de Direito Processual Civil. Adaptação de Ada Pellegrini Grinover e Flávio Luiz Yarshell. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 94).

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

com o direito subjetivo, mas uma mera emanação deste.

Vejamos o que nos diz ALFREDO BUZAID, neste sentido, in verbis71:

Foi também na segunda metade do século XIX que surgiu um novo conceito. Trata-se de Anspruch, que se pode traduzir por pretensão. Ao direito romano foi alheio o conceito de Anspruch. As antigas teorias indicavam que o que hoje se chama pretensão, no direito romano se expressava por actio, isto é, a ação em direito material. A actio estava, pois, em lugar da pretensão. Coube a Windscheid o mérito de haver sugerido o conceito de pretensão, entendido este vocábulo como a tendência do direito a submeter a vontade alheia como tal, independentemente de ser ele direito real ou pessoal, absoluto ou relativo. Este conceito teve fortuna singular e veio a ser incorporado no Código Civil alemão, que o designa como ‘o direito de obter de outrem um ato ou uma omissão (§ 194: ‘das Recht Von einen Anderen ein Tum oder Unterlassung einverlangen’).

CELSO NEVES72, por sua vez, fundamentado em PUGLIESE, assim depõe,

in verbis:

Tinha ele [Windscheid] um conceito puramente processual da ação que se acomodava à equivalência por ele estabelecida entre a actio romana e a pretensão. Segundo Pugliese, pode-se, especificar, em seu magistério, duas teses: 1ª) a actio não era um poder secundário e instrumental relativamente ao direito, mas o elemento primário de que, lógica e historicamente, derivava o direito; 2ª) a actio, antes de posta a serviço do direito, era expressão do direito, equivalente não à ação moderna, mas à pretensão.

E, por fim, WINDSCHEID, traduzido por CELSO NEVES73, assim teoriza, in

verbis:

Não se pode dizer que a actio romana seja a nossa pretensão; no conceito de actio compreende-se um elemento que não se contém em nosso conceito de pretensão, o tribunal, na audiência, a tutela judiciária, a possibilidade de obter do juiz o acolhimento da própria instância. Mas está bem longe de ser verdade que os Romanos, quando falam de actio, pensem, sempre, nesses elementos, em seu valor específico; em um número extraordinário de casos, no seu conceito ela não tem outro sentido senão o de reconhecimento jurídico da instância. Segundo uma concepção que lhes é bastante comum,

71 Ibidem., p. 89. 72 NEVES, Celso. Estrutura fundamental do processo civil: tutela jurídica processual, ação, processo e procedimento. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 90. 73 Ibidem., p. 80.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

a possibilidade de fazer valer em juízo, uma pretensão, é expressão de seu reconhecimento jurídico genérico; em lugar de dizer: uma pretensão é assegurada pelo direito, eles dizem: ela é assegurada pelo juiz. O que nós denominamos pretensão jurídica, para os Romanos é pretensão judiciária. – O conceito romano se explica, especialmente, por motivos históricos; isso nos é estranho. Se nós quiséssemos, atualmente, falar de um direito de persecução judiciária, de um direito de ação, em vez de falar simplesmente, de uma pretensão jurídica, estaríamos denominando o efeito, em vez da causa. Pelo nosso conceito, a possibilidade de fazer valer, em juízo, uma pretensão não é, senão, uma conseqüência de ser ela reconhecida pelo direito; esse é um aspecto da pretensão, e não aquilo que a constitui.

Por sua vez, MUTHER – sem entrarmos aqui, pois esse não é o nosso

objetivo, nas demais críticas74 que o professor de Königsberg fez ao trabalho de

WINDSCHEID – concebeu, e essa foi a sua maior contribuição para a dogmática jurídico-

processual da época, a actio como um direito contra o magistrado, melhor dizendo, contra o

Estado, a fim de que este prestasse a tutela jurisdicional para o demandante.

Assim sendo, pela leitura que pode ser feita da obra destes dois juristas –

sobretudo WINDSCHEID –, assim como também, pela releitura que se foi feita de tais obras,

posteriormente, por outros grandes processualistas da dogmática jurídico-processual

moderna75, podemos, peremptoriamente, assentir que, ainda influenciados pelos estudos

romanísticos – até pelo fato de nenhum dos dois autores serem processualistas

propriamente dito, mas, sim, civilistas – não enfrentaram a questão da definição,

terminológico-processual, de Litígio ou Lide e mesmo que se venha a pensar em sentido

contrário a tal assertiva, no máximo, eles analisaram tais conceitos à luz da definição da

categoria jurídico-processual da Actio ou Klage.

Por via oblíqua, podemos, também, assentir que, tendo em vista o que

afirma a doutrina moderna sobre a polêmica dos dois autores alemães, ao contrário da

74 Para isso, ver o clássico estudo de Chiovenda, qual seja, “A ação no sistema dos direitos” (CHIOVENDA, Giuseppe. A ação no sistema dos direitos. Tradução de Hiltomar Martins Oliveira. Belo Horizonte: Editora Líder, 2003, p. 10-14). 75 Chiovenda (CHIOVENDA, Giuseppe. A ação no sistema dos direitos. Tradução de Hiltomar Martins Oliveira. Belo Horizonte: Editora Líder, 2003); Celso Neves (NEVES, Celso. Estrutura Fundamental do Processo Civil: tutela jurídica processual, ação, processo e procedimento. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997) e Pontes de Miranda (MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1996, t. I.).

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

moderna processualística que, em linhas gerais, preceituam Lide (ou o Litígio, pois ainda há

identidade) como sendo o conteúdo da relação processual, para MUTHER e WINDSCHEID o

conteúdo do processo, na verdade, é formado pela Anspruch, isto é, pela pretensão que,

como vimos, na lição do professor de Greifswald, constitui a res in judicium deductae (em

alemão, gerichtlich verfolgbarer anspruch). Como vimos, diferentemente, mais à frente,

CARNELUTTI vai falar sobre isso dizendo que, em verdade, o conteúdo da lide processual é

formado não só pela pretensão, mas também pela resistência.

b) Oskar Von Büllow.

Conforme explicitamos anteriormente, o jurista alemão OSKAR VON

BÜLLOW, professor da Universidade de Giessen, é um marco divisório na historiografia do

direito processual, pois, a partir da publicação da sua obra em 1868, qual seja, A teoria das

Exceções Processuais e os Pressupostos Processuais76 é que tal tipo de conhecimento

jurídico será tratado nos moldes científicos.

BÜLLOW na sua teoria das exceções processuais e os pressupostos

processuais expõe a revolucionária tese de que, com o ajuizamento da ação e conseqüente

formação do processo, estabelece-se uma nova relação jurídica, agora, entre as partes e o

Estado-juiz, independente e diferente da relação jurídica material que fora quebrada, no

plano factual, e que deu origem ao conflito (Litígio), agora, deduzido em juízo. A tal relação

jurídica, BÜLLOW denominou de relação jurídico-processual. Tal tese sua teve enormes

repercussões e implicações no desenvolvimento da dogmática processual, posto que, até

então, o fenômeno processual era visto e teorizado a partir do prisma da relação jurídico-

material.

Em assim sendo, teorizou mais BÜLLOW dizendo que o juiz, antes de julgar

76 BÜLLOW, Oskar Von. La Teoria de las Excepciones Procesales y los Presupuestos Procesales. Trad. de Miguel Angel Rosas Lichtschein. Buenos Aires: EJEA, 1964.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

a “materia litigiosa civil”77, deve julgar, primeiramente, como uma conditio sine qua non do

processo, não as matérias pertinentes a tal relação jurídico-material, mas pertinentes à

relação jurídica processual que, agora, forma-se com a dedução daquela em juízo; ou seja, o

juiz, primeiramente, deve julgar se estão presentes – na relação processual – o que ele,

tecnicamente, e utilizando uma terminologia adequada78, denominou de pressupostos

processuais.

Quanto aos conceitos de Litígio e Lide, pelo que pudemos observar da

leitura da sua principal obra, BÜLLOW os coloca como termos referentes ao conteúdo do

processo, isto é, o dado factual conflituoso que fora deduzido em juízo a partir do direito de

ação e sobre o qual o juiz deve se pronunciar, uma vez presentes os pressupostos de

constituição e desenvolvimento válido da relação jurídico-processual. Deste modo, para ele –

embora não afirme diretamente isso, claro, posto que só com CARNELUTTI, tais conceitos

foram elevados à categoria de institutos processuais – Litígio e Lide se referem à relação

jurídico-material litigiosa que fora deduzida em juízo. Vejamos, neste sentido, o que ele diz,

in verbis79:

Con los grupos mencionados de requisitos procesales – los presupuestos procesales – se añade a la relación litigiosa sustancial existente en el proceso (la llamada merita causae) una materia de debate más amplia y particular. El tribunal no solo debe decidir sobre la existência de la pretensión jurídica em pleito, sino que, para poder hacerlo, también debe cerciorarse si concurren las condiciones de existência del proceso mismo: además del supuesto de hecho de la relación jurídica privada litigiosa (de la res in iudicium deducta [cosa deducida em juicio (o llevada a juicio)]), tiene que comprobar si se da el supuesto de hecho de la relación jurídica procesal (del iudicium).

77 BÜLLOW, Oskar Von. La Teoria de las Excepciones Procesales y los Presupuestos Procesales. Tradução de Miguel Angel Rosas Lichtschein. Buenos Aires: EJEA, 1964, p. 5. 78 Adequada porque preferiu utilizar a expressão pressupostos processuais à exceções processuais, posto que, para ele, as exceptio, em linhas gerais, tinham a mesma natureza jurídica que as actio. Vejamos o que ele diz, neste sentido: “A causa de la refutación de la teoría de las excepciones procesales se há ganado, ante todo, la seguridad de que la institución de la exceptio, lo mismo que la de la actio, pertenecen, por su contenido, al derecho material exclusivamente.” (Ibidem., p. 252). 79 Ibidem., p. 6-7.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

c) Plósz e Degenkolb.

PLÓSZ, que escreveu no ano de 1876, sua obra Beiträge zur Theorie des

Klagerechts (Contribuição à teoria do direito de queixa, publicada, no alemão, com esse

título, em 1880) e DEGENKOLB, que escreveu em 1877, em Leipzig, sua obra

Einlassungszwang und Urtheilsnorm (Ingresso forçado e norma judicial) criaram, ainda no

âmbito das discussões doutrinárias sobre a Actio, a teoria do direito abstrato de agir segundo

a qual o direito de ação é de natureza público-subjetiva e é exercido contra o Estado; em

razão disso, afirmaram eles, sempre se poderia obrigar o réu a comparecer em juízo. Por

outro lado, e essa é a tese mais importante do trabalho deles, o direito de ação é um direito

que se verifica independentemente da existência do direito material que fundamenta a

demanda, sendo, deste modo, um direito que se tem de obter uma sentença judicial e não,

necessariamente, uma sentença judicial favorável.

A respeito do conceito de Litígio e Lide, DEGENKOLB e PLÓSZ, diretamente,

nada teorizaram e, pela nossa leitura, assim como os demais autores até então, não

distinguiam os termos demanda (Bedarf, Nachfrage, Beanspruchung, Klage), causa

(Rechtsfall), lide e litígio (Streit, Streitigkeit, Rechtsstreit, Prozess), posto que todos, de uma

maneira genérica, caracterizavam a situação factual, decorrente da quebra da relação

jurídico-material, que foi levada a juízo. Além do que, nenhum deles, neste momento da

historiografia da Ciência Jurídico-Processual, estava tão preocupado, assim, com uma

construção terminológico-conceitual específica e apurada a respeito das instituições e

institutos processuais.

A respeito da doutrina de DEGENKOLB, assim preceitua o grande

processualista uruguaio EDUARDO COUTURE80, in verbis:

80 COUTURE, Eduardo. Introdução ao Estudo do Processo Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 8-9.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Este escritor nos mostrou de que maneira a ação civil, autônoma em relação ao direito, pode carecer de fundamento. Quando o autor promove a demanda ante o tribunal, pode não ter razão e, apesar disso, ninguém lhe porá em dúvida o direito de se dirigir ao órgão judiciário, pedindo-lhe uma sentença favorável. O demandado poderá negar o seu direito e obter, até mesmo, uma sentença nesse sentido. Mas nunca lhe tolherá o direito de comparecer ante o tribunal. Este é um direito que pertence mesmo àqueles que não têm razão.

CHIOVENDA81, no mesmo sentido, concluindo sobre a teoria dos autores,

afirma, in verbis:

Degenkolb e Plósz, considerando que também aquele que, por último, perde a lide, se, todavia, admite-se que a promova e a conduza, e buscando fora da lide um fundamento jurídico a este poder, eles o determinaram no direito de acionar em juízo, direito subjetivo público, independentemente da correspondência efetiva do direito privado, também por algum desses escritores chamados ‘abstrato’. Esse direito preexiste à demanda judicial e vem exercitado por meio desta.

d) Adolf Wach, Josef Köhler e Konrad Hellwig.

ADOLF WACH, partindo das formulações de THEODOR MUTHER, quanto ao

conceito de pretensão à tutela jurídica, publicou, em 1885, sua obra Handbuch des

deutschen Zivilprozessrechts (Manual de Direito Processual Civil) e, em seguida, no ano de

1888, um trabalho mais específico chamado de Der Feststellungsanspruch (A pretensão de

declaração), onde, em tais ensaios, assentia que o direito de ação é, em sua natureza,

autônomo, público, dirigido contra o Estado e só existe na medida em que o autor recebe

uma sentença favorável à sua demanda. Tal teoria ficou conhecida, tendo em vista esta

última assertiva, como Teoria da ação como direito concreto (Konkretklagerecht).

Em tais trabalhos, assente o autor alemão – também idealizador, junto com

81 CHIOVENDA, Giuseppe. A ação no sistema dos direitos. Tradução de Hiltomar Martins Oliveira. Belo Horizonte: Editora Líder, 2003, p. 15.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

BÜLLOW82, da teoria triangular da relação jurídico-processual, embora, este, mais tarde

venha a abandonar tal concepção triangularista – que o direito de ação é autônomo em

relação ao direito subjetivo material que fora violado, mas que tal direito de ação, embora

distinto do direito subjetivo material, pressupõe, efetivamente, a existência desse direito.

CELSO NEVES83, em importante e literal análise da teoria de WACH, assim

sintetiza, in verbis:

Ao tratar da pretensão declaratória como pretensão à tutela do direito, estabelece Wach o cerne de seu pensamento quanto ao conceito de ação. A esse respeito, começa por dizer que tal pretensão dirige-se ao Estado, ao qual incumbe outorgar a tutela e também contra a parte contrária, em face da qual deve ser ela outorgada. Tem natureza de Direito Público e não constitui emanação ou expressão do direito privado subjetivo. Porém, não é aquela faculdade de demandar, de Direito Público, que compete a qualquer um que, segundo as formas estabelecidas e com fundamento jurídico, sustente uma pretensão à tutela do direito.

Na verdade, a fundamental importância da obra de WACH para a

dogmática jurídico-processual alemã é que, como vimos no texto acima, elaborou o conceito

de pretensão processual ou pretensão à tutela jurídica (klagbarkeit, rechtsschutzanspruch)84

como o objeto imediato do processo civil, não se confundindo esta nem com o klagerecht,

isto é, o direito de ação, nem com o direito subjetivo que fundamenta a pretensão de direito

material – anspruch – (entendido, esta, como o direito de exigir de outrem um ato ou uma

omissão, tal como estatuído no BGB alemão no al. § 194).

Falando a respeito da consecução, por parte de WACH, do conceito de

pretensão processual, assim, preceitua o processualista brasileiro ALFREDO BUZAID,

82 Neste sentido, Chiovenda, em nota, esclarece: “Büllow [...] inseguro primeiramente, precisou, mais tarde, que a relação processual acontece somente entre as partes e o juiz, porque somente o juiz tem deveres processuais [...].” (Ibidem., p. 95, nota 47). 83 NEVES, Celso. Estrutura fundamental do processo civil: tutela jurídica processual, ação, processo e procedimento. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 98. 84 Aliás, este conceito foi, inclusive, adotado pelo Código de Processo Civil alemão (§ 253, II), onde se menciona que entre os requisitos da petição inicial deve-se constar a indicação do objeto e do fundamento da pretensão exigida.

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inclusive citando textos do próprio processualista alemão, in verbis85:

A glória de haver elaborado o conceito processual de pretensão toca a Adolf Wach, em seu famoso estudo publicado no volume em honra de Windscheid em 1888. Se Windscheid foi o criador do conceito de pretensão em direito privado, Wach foi o criador do conceito de pretensão em direito no direito processual civil, pondo-o como objeto imediato do processo civil. ‘O objeto do processo civil’, escreve Wach, ‘é uma pretensão, a pretensão à tutela jurídica, isto é, a pretensão do autor e, quando o caso, do réu, para que se conceda tutela jurídica processual’. O objeto do processo é, assim, a Rechtsschutzanspruch, isto é, a pretensão de tutela jurídica. Esta pretensão de tutela jurídica não é uma função do direito subjetivo, pois não está condicionada por ele. O interesse à tutela jurídica e a pretensão à tutela jurídica não existem somente onde há direito. Não se move a chamada ação declaratória negativa para a proteção, a realização de um direito subjetivo, antes é posta para a proteção da posição jurídica integral do autor.

Pois bem. Por assim considerar, o processualista alemão, no que diz

respeito aos conceitos de Litígio e Lide – objeto da nossa análise –, aliás, tal como a doutrina

alemã em geral (é, inclusive, o que temos visto até aqui) – na esteira da sua teorização

sobre o direito concreto de ação e sob a construção do conceito de pretensão processual,

denomina, indistintamente, sem maiores teorizações, aquilo que é levado a juízo – a res in

iudicium deductae dos romanos ou, gerichtlich verfolgbarer anspruch, na linguagem alemã –

de demanda (klagerecht), causa (rechtsfall), pretensão (rechtsschutzanspruch), Litígio ou

Lide (streit, streitigkeit, rechtsstreit, prozess). Neste mesmo sentido, e sem maior atenção a

esta temática, assentem JOSEF KÖHLER – fundador da teoria linear da relação jurídico-

processual – e KONRAD HELLWIG – fundador da teoria angular da relação jurídico-

processual e também um concretista.

85 BUZAID, Alfredo. Estudos e Pareceres de Direito Processual Civil. Adaptação de Ada Pellegrini Grinover e Flávio Luiz Yarshell. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 94-95.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

e) Leo Rosenberg, Adolf Schönke, Friedrich Lent, Arthur Nikisch,

Arwed Blomeyer, Karl Heinz Schwab e Walter J. Habscheid.

Segundo afirma ALFREDO BUZAID, cumpre assinalar, a respeito dos

conceitos de ação, pretensão e direito subjetivo do ponto de vista da dogmática jurídico-

processual alemã produzida até então86, que, in verbis:

Através dessa longa e fecunda evolução dos conceitos chegou a doutrina a formular uma trilogia – direito subjetivo, pretensão e ação – como categorias jurídicas distintas, tendo cada qual caracteres próprios. Antes de atingir tal resultado, o primeiro esforço consistiu em separar num processo de abstração mental o direito subjetivo e a ação. Deu Savigny um passo fundamental neste sentido, ao atribuir à ação o caráter de novo direito, oriundo do direito ofendido. Deve-se o segundo passo a Windscheid, que introduziu o conceito de pretensão. O terceiro passo, deu-o Adolf Wach, ao considerar a pretensão em sentido processual. ‘O objeto de cada processo’, escreveu Wach, ‘é uma pretensão, uma pretensão à tutela jurídica, isto é, uma pretensão do autor, ou sendo o caso do réu, a que se conceda tutela jurídica processual.

Depois disso, vários outros processualistas alemães lançaram suas teorias a

respeito, agora, do objeto litigioso do processo – da Lide, da doutrina italiana – sobre esses

conceitos basilares que a priori foram construídos. Assim é que LEO ROSENBERG, ADOLF

SCHÖNKE, FRIEDRICH LENT, ARTHUR NIKISCH, ARWED BLOMEYER, KARL HEINZ SCHWAB

e WALTER J. HABSCHEID, muitas vezes corroborando as teses uns dos outros, vão discutir e

teorizar – influenciando toda a doutrina processual Européia e suas extensões nas Américas

– a respeito das relações existentes entre os conceitos de pretensão, objeto do processo,

objeto litigioso do processo, incluindo, nesta perspectiva, embora não de modo direto, a

análise dos conceitos de Litígio e Lide. Vejamos, o que nos dizem esses autores.

LEO ROSENBERG escreveu, a partir de 1932, vários estudos que tratavam

dos temários da pretensão processual e do objeto litigioso do processo. Dentre esses,

destacam-se os seus estudos Zur Lehre vom Streitgegestand e Zeitschrift für Deutschen 86 Windscheid, Muther, Büllow, Plósz, Degenkolb, Wach, Köller e Hellwig.

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2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Zivilprozess e, mais à frente, seu manual Lehrbuch des Deutschen Zivilprozessrechts.

Primeiramente, ROSENBERG começa por assinalar que o Código de Processo Civil alemão,

sem um maior rigor teórico-terminológico, usa a expressão objeto litigioso de modo

indiscernível, confundindo-a com outros termos e expressões como o de pretensão, objeto

da pretensão, direito, relação jurídica.

Segundo ele, falando de pretensão processual e objeto litigioso do

processo, o objeto do processo, em verdade, consiste no pedido jurídico derivado da

pretensão do autor – pretensão, esta, que está consubstanciada na petição inicial –,

acrescido do suporte fáctico-causal (Sacherverhalt) que fundamenta tal pedido; isto é, para

ROSENBERG, os elementos do objeto litigioso são os fatos e o pedido. Desse modo, recai

sobre o objeto aquilo que será decidido pelo juiz, “seja a ação julgada no mérito, seja

julgada inadmissível”87 e o que será decidido, por assim dizer, pelo juiz, é o pedido

formulado pelo autor, fundamentado no Sacherverhalt. Observemos, desta maneira, que

para ele o conteúdo do processo é formado pela pretensão, e não, necessariamente, por

toda a Lide, nos termos carneluttianos.

Por sua vez, ADOLF SCHÖNKE, apesar de concordar com o conceito de

pretensão não o utiliza para determinar o alcance do objeto litigioso do processo. Afirma ele

que, em verdade, o conteúdo da ação é que forma a pretensão processual, sendo, esta,

evidentemente, diferente da pretensão de direito material. Nesse sentido, o objeto litigioso

do processo, para SCHÖNKE, seria, tão-somente, a afirmação jurídica explicitada pelo autor

na petição inicial, afirmação, esta, que, por sua vez, não se confunde com a afirmação da

real existência de uma pretensão material favorável ao autor. O juiz, ao proceder a sua

cognição, é que observará se há conexão – e, por conseguinte, procedência – entre as duas

pretensões.

87 BUZAID, Alfredo. Estudos e Pareceres de Direito Processual Civil. Adaptação de Ada Pellegrini Grinover e Flávio Luiz Yarshell. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 97.

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2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Em síntese: para SCHÖNKE, o objeto litigioso do processo não seria o

pedido de tutela jurídica, mas a afirmação jurídica exposta com todos os seus consectários.

De outra maneira: não seria o pedido de tutela jurídica o objeto litigioso, posto que tal

solicitação não pode ser acolhida ou rejeitada pelo juiz ou, até mesmo, reconhecida ou não

pelo réu. Outrossim, do mesmo modo que ROSENBERG, SCHÖNKE assente que o conteúdo

do processo seria formado não pela Lide, mas pela pretensão processual, se afastando,

assim, da tese carneluttiana.

FRIEDRICH LENT, por sua vez, também, escreveu várias obras a respeito

do temário do objeto litigioso do processo. Dentre elas, destacam-se o seu Zivilprozessrecht

e o seu artigo Zur Lehre vom Streitgegestand publicado na Zeitschrift für Zivilprocess em

1916.

LENT, em linhas gerais, assente que o elemento inaugural que é

determinante do conceito de objeto litigioso é a declaração feita pelo autor no seu pleito

inicial (klageantrag), tendo em vista o princípio dispositivo. ALFREDO BUZAID, comentando e

traduzindo a obra do processualista alemão, assim, afirma, in verbis88:

A determinação do objeto litigioso é um direito do autor; não é, por outro lado, nenhum dever, antes um ônus no sentido de que, pela falta de determinação, sofre um prejuízo jurídico, o qual consiste no sucumbimento no pleito. E prossegue Lent: ‘O autor deve precisar inequivocamente o objeto litigioso, pois, de outro modo, como parece evidente, o objeto litigioso não realiza a função que lhe é atribuída no processo, desde a admissibilidade da ação até os limites objetivos da coisa julgada’. A determinação do objeto litigioso tem lugar no início do processo. E como o processo se inicia pela ação, nesta é que figura, estabelecendo-se um estreito liame entre o objeto do processo e o conteúdo da ação. O processo civil alemão não permite que o autor se limite a expor um estado de fato (Sacherverhalt) e de submetê-lo ao juiz para que o decida, mas exige que ele próprio requeira uma determinada decisão. Sobre ele é que segue propriamente o litígio, se a sentença pedida pode ou não ser proferida. O pedido constante da ação determina o objeto do processo.

88 BUZAID, Alfredo. Estudos e Pareceres de Direito Processual Civil. Adaptação de Ada Pellegrini Grinover e Flávio Luiz Yarshell. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 100.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Para ele, assim, a resistência oferecida pelo réu na demanda pouco importa

para a formatação do objeto do processo, entendendo, deste modo, também, de modo

contrário ao pensamento de CARNELUTTI.

ARTHUR NIKISCH, por outro lado, teorizando, também, em seu Der

Streitgegestand im Zivilprozess, a respeito do objeto litigioso do processo, assente, na

mesma perspectiva dos seus colegas processualistas, que o objeto litigioso do processo é,

realmente, determinado pelo pedido da ação – o klageantrag – traduzindo-se numa

afirmação de direito reclamada pelo autor da demanda e que, por assim ser, será apreciada

pelo juiz e julgada, operando-se, desse modo e por conseqüência, a coisa julgada. Diz mais

ele que, em assim sendo, o que constitui o objeto do processo não é o direito existente (pois

este será ainda analisado), mas o direito, por hora, afirmado.

ALFREDO BUZAID, também comentando a tese de NIKISCH, assim, afirma,

in verbis89:

Segundo Nikisch, o que constitui o objeto do processo não é direito existente, mas o direito afirmado. Assim, onde pode o autor fazer valer uma pretensão (Anspruch) à prestação, tal pretensão não constitui o objeto litigioso; o que o forma é a afirmação do autor. Ainda neste caso a pretensão processual não coincide com a de direito material. Voltando a tratar do significado de pretensão (Anspruch), diz que não podemos entendê-la senão como a afirmação do direito feita pelo autor na ação, sobre a qual este pede uma sentença suscetível de coisa julgada. Esta afirmação do direito, reitera Nikisch, constitui o objeto litigioso. Determina-se o objeto litigioso, pois, para cada processo, pelo pedido da ação (Klageantrag). No pedido assevera o autor sobre que deve decidir-se e estabelece com isso os limites da atividade decisória do juiz.

Não é preciso explicar, pois, que NIKISCH, assim como os já citados

processualistas alemães, não assente com o conceito de Litígio e Lide, nos moldes

carneluttianos.

Por sua vez, ARWED BLOMEYER, em sua principal obra Zivilprozessrecht,

afirma, de modo claro e simples, que o objeto litigioso do processo é formado daquilo que se 89 Ibidem., p. 102.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

litigará em juízo e, em assim sendo, ele variara segundo a sua função no processo e na

sentença (daí os diversos tipos de ação: condenatória, constitutiva e declaratória). Do

mesmo modo, existem dois objetos litigiosos no pedido de ação, quais sejam, o objeto

litigioso processual e o objeto litigioso de mérito, que serão conhecidos e julgados pelo juiz,

sendo um, o processual, pré-requisito do segundo, o de mérito.

BUZAID, analisado o pensamento de BLOMEYER, assim preceitua, in

verbis90:

Blomeyer distingue por isso, dois objetos litigiosos: um processual e outro de mérito. Na verdade, cada ação aspira a uma sentença de mérito por meio de uma condenação, declaração ou constituição de um direito. Nos pressupostos processuais estabelece a lei as condições, sob as quais pode ser proferida uma sentença de mérito. Se elas faltarem no caso em litígio, a ação pode ser rejeitada somente por uma sentença sobre o processo, isto é, fica afastada uma sentença de mérito. A sentença versa não sobre o objeto material apresentado para ser decidido, mas apenas sobre o pedido concreto de sentença e daí se infere que não é possível sentença de mérito. Objeto da rejeição do processo é, portanto, o pedido da ação, segundo a sua capacidade, uma sentença de mérito a alcançar, objeto litigioso do processo. Concorrendo os pressupostos processuais, então afirma a sentença de mérito a admissibilidade da ação e com ela julga positivamente o objeto litigioso do processo; ao mesmo tempo decide, porem, correspondentemente ou contrariamente ao pedido da ação sobre o objeto litigioso no mérito, isto é, sobre o próprio mérito.

BLOMEYER também, devido a influência da processualística alemã, não

vislumbra a Litígio ou Lide como o conteúdo do processo, inclinando-se para ver mais como

este a pretensão processual.

KARL HEINZ SCHWAB, por sua vez, também em análise do objeto do

processo (streitgegenstand) publica em 1954 sua influente monografia intitulada Der

Streitgegestand im Zivilprozess na qual, depois de estudar as teorias de LENT, ROSENBERG,

NIKISCH, SCHÖNKE, LAUTERBACH e BÖTTICHER, e de estudar outros institutos jurídico-

processuais tais como o da acumulação de ações, modificação da ação, litispendência e da

coisa julgada, define o que, para ele, seria o objeto litigioso do processo.

90 Ibidem., p. 103.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Em síntese, para SCHWAB, assim, corroborando a tese de vários outros

processualistas alemães, o pedido é que constitui o cerne da questão a respeito do objeto

litigioso e, desse modo, sendo vários os pedidos, vários serão, por conseguinte, os objetos

litigiosos. Vejamos o que nos diz BUZAID, em análise da teoria de SCHWAB, in verbis91:

Concluindo as considerações acima expostas, define Schwab o objeto litigioso como o pedido do autor, a fim de que sobre ele seja proferida uma sentença bem precisa. Esta definição que, a seu sentir, corresponde à realidade do ponto de vista objetivo, não se adequa à linguagem do Código de Processo Civil alemão. Este emprega freqüentemente o vocábulo pretensão (Anspruch), quando designa o objeto do litígio. Na oração o verbo usado foi posto em conexão com este conceito. Assim a terminologia exige-se, faz-se valer, se reconhece, se acolhe ou se rejeita uma prestação. Esta nomenclatura não convém ao conceito de pedido. Um pedido não se exige; também não se faz valer. Formula-se. Não se reconhece, não se acolhe, não se rejeita, antes ou se está de acordo com ele, ou se o recusa. Quando o autor apresenta um pedido, ele requer ao juiz que o julgue de conformidade com ele. Igualmente formula também uma afirmação de que a sua relação jurídica com o réu autoriza a condenação pedida. Ambos os conceitos, pedido e afirmação jurídica, as mais das vezes juntos, são empregados para definir a pretensão processual.

Litígio e Lide, assim, são conceitos que, na teoria de SCHWAB, tal como na

dogmática processual alemã como um todo, não têm tanta importância, posto que, também,

para ele, a pretensão processual é que melhor demonstra o conteúdo do processo.

Por fim, WALTER J. HABSCHEID – o último grande processualista alemão a

discorrer sobre o temário do objeto litigioso do processo – procede, de um modo exauriente,

em sua obra Der Streitgegestand im Zivilprozess und im Streitverfahren der freiwilligen

Gerichssbarkeiti, a uma análise sintética das principais correntes de teorias que versam sobre

o temário do objeto litigioso do processo, assentindo que tais correntes de teorias podem ser

agrupadas em três espécies, do seguinte modo: a) teoria do objeto litigioso como de direito

material; b) teoria do objeto litigioso como de direito processual; c) teoria do objeto litigioso

intermediária. No primeiro grupo, incluem-se aqueles que, como BETTERMANN, associam o

objeto litigioso com a pretensão (Anspruch) e o klagerecht; no segundo, aqueles que, como

91 Ibidem., p. 106.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

STEIN, IONAS, SCHÖNKE, SEUFFERT, WALSMANN, BAUMBACH, LAUTERBACH, NIKISCH,

BÖTTICHER, ROSENBERG, SCHWAB e outros, aderem às teorias da pretensão à tutela

jurídica; e, por último, no terceiro grupo, aqueles que associam o objeto litigioso do processo

com o direito subjetivo afirmado.

Depois de realizar tais análises, HABSCHEID preceitua – do mesmo modo

que a doutrina dominante – que o objeto litigioso no processo civil seria a afirmação jurídica

do autor contida no pedido inicial. Vejamos a conclusão de BUZAID na análise da teoria do

processualista alemão, in verbis92:

Depois de analisar minuciosa e longamente a doutrina dos autores alemães já referidos, propõe-se Habscheid a definir o objeto litigioso, o que faz nos seguintes temos: objeto litigioso no processo civil é a afirmação jurídica do autor, para que lhe seja declarado no procedimento ajuizado o efeito jurídico requerido num determinado fato da vida. O objeto litigioso será, pois, constituído pela afirmação do autor (objeto da pretensão) e pelo fato da vida (fundamento da pretensão). A determinação do objeto litigioso é um ato obrigatório de disposição do autor. O objeto da pretensão resulta essencialmente do pedido, podendo ser necessário, para a sua determinação complementar, recorrer ao fundamento da ação. A afirmação jurídica estabelece, em conjunto, a afirmação do procedimento e a afirmação do efeito jurídico.

Em assim sendo, os conceitos de Litígio e Lide para HABSCHEID não têm

importância para a determinação do conteúdo do processo. Isso ocorre – e vimos que é uma

constante nos diversos autores da dogmática jurídico-processual alemã – porque, ao

contrario da doutrina italiana que procura determinar o objeto litigioso do processo – o

conteúdo do processo por assim dizer – através do conceito de direito de ação, os

processualistas alemães procuram defini-lo a partir das definições de pretensão (Anspruch) e

Rechtsschutzanspruch. Assim, o que ocorre é que, enquanto que para os italianos,

principalmente a partir das lições de CARNELUTTI, o conceito de ação – e, por conseguinte,

de Litígio ou Lide e todos os seus consectários, principalmente, tomando-se em consideração

os conceitos de pretensão e resistência – é essencial para a determinação do conteúdo do 92 Ibidem., p. 108.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

processo, para os alemães este – o conceito de objeto litigioso do processo – é determinado

a partir das noções de pretensão material e pretensão processual, nos termos anteriormente

explicitados.

f) Giuseppe Chiovenda, Enrico Redenti e Piero Calamandrei.

CHIOVENDA, REDENTI e CALAMANDREI constituem, cada um de per si,

pilares da dogmática jurídico-processual italiana. Os três foram contemporâneos, sendo que,

na leitura do próprio CALAMANDREI93, CHIOVENDA é, entre todos desta época, o grande

marco divisor na doutrina processual italiana, posto que, antes dele, os estudos sobre o

direito processual, tinham um cunho meramente exegético94 (dada a influência dos

franceses) e centrado, também, na influência que a doutrina alemã95 exerceu até então,

entre os italianos. Desse modo, numa ordem cronológica, teríamos, respectivamente, o

seguinte: primeiro, CHIOVENDA, depois REDENTI e por último CALAMANDREI.

Segundo informa CALAMANDREI, em seu “Estudos de Direito Processual”,

coube à CHIOVENDA o “influxo inovador” dos estudos do direito processual na Itália, posto

que, até então, como dissemos acima, a dogmática jurídico-processual italiana, era

completamente influenciada e marcada pelos procedimentalistas da escola exegética

francesa – com preocupações, quanto ao fenômeno processual, nitidamente pragmáticas –

e, sobretudo a partir do século XIX, pelos estudos elaborados pela dogmática jurídico-

processual alemã. Em síntese: não havia, nos moldes acadêmico-científicos, uma produção 93 Diz ele, a respeito da importância da obra de Chiovenda para a historiografia do direito processual italiano: “O momento em que o influxo de Giuseppe Chiovenda começou a dar seus frutos entre os estudiosos, de forma que permitia considerar como já surgida em virtude de seu ensinamento uma verdadeira e própria escola, pode-se fazer remontar aproximadamente ao final do primeiro decênio deste século [XX].” (CALAMANDREI, Piero. Estudos de Direito Processual. Tradução de Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: LZN Editora, 2003, p. 16). 94 Neste sentido, assente Calamandrei: “Antes deles [Chiovenda], até os últimos anos do século XIX, o estudo do processo civil tinha sido realizado na Itália com método predominantemente exegético, seguindo os rastros dos comentaristas franceses” (Ibidem., p. 12). 95 Afirma Calamandrei: “Giuseppe Chiovenda se dedicou a esta reconstrução sistemática do processo civil depois de ter submetido a ciência processual alemã a uma metódica visão, e depois de ter tomado contato, no direito romano e no direito comum, com o filão mais genuíno de nossa tradição nacional; assim, a reelaboração das teorias, formuladas já pelos processualistas alemães na segunda metade do século XIX, significou na obra de Chiovenda superá-las e liberar delas o pensamento italiano.” (Ibidem., p. 13-14).

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2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

doutrinária sobre o processo na Itália. Somente, a partir de MORTARA96, o último dos

exegéticos, é que se começará a formação de um pensamento doutrinário tipicamente

italiano. Com CHIOVENDA, então, a dogmática processual italiana vai entrar no período mais

áureo da sua história, influenciando, a partir daí, todas as demais escolas e tendências da

dogmática processual no mundo, isto porque, depois dele, o fenômeno processual deixará

de ser estudado a partir de uma metodologia meramente exegético-pragmática e passará a

ser estudado a partir de uma metodologia histórico-dogmático-sistemática.

No que diz respeito aos conceitos de Litígio e Lide, CHIOVENDA, ainda

influenciado pelas discussões a respeito do conceito moderno de Actio, não teceu, nas suas

principais obras – Princípios do Direito Processual Civil97 e Instituições do Direito Processual

Civil98 – maiores considerações sobre o sentido de tais termos para a dogmática processual,

até mesmo porque a construção carneluttiana, montando o seu Sistema sobre o conceito

jurídico-processual da Lide (Litígio), é consecutada somente em 1936, isto é, um ano antes

do seu falecimento (1937).

Pois bem. Dentro daquelas discussões – que vinham lá da dogmática

processual alemã – sobre o direito de ação, teorizou, CHIOVENDA, afirmando que tal direito

era sim, como diziam os alemães, um direito autônomo, exercido contra o Estado e, em

assim sendo, consistia num poder que o autor tinha de criar uma condição para a atuação da

vontade da lei, independentemente da vontade do réu, pois este, apenas, se sujeitaria à

produção do efeito jurídico da atuação da lei. Nesse sentido, assentiu ele que tal direito de

ação tem três elementos consubstanciadores, quais sejam, os sujeitos (sujeito ativo – autor

e sujeito passivo – o réu), a causa da ação, consubstanciada em dois elementos, a relação

jurídica e um estado de fato contrário ao direito, e o objeto, aquilo que se pede imediata e

mediatamente. Tal teorização de CHIOVENDA sobre o direito de ação ficou conhecida na

96 Cf. Idem. Lembrança de juristas. Tradução de Karina Andrea Furemberg. Campinas: LZN Editora, 2003, p. 85-90. 97 CHIOVENDA, Giuseppe. Principii di diritto processuale civile. 4. ed. Nápoles: Jovene, 1928. 98 Idem. Instituições de Direito Processual Civil. Tradução de Paolo Capitanio. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2000.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

doutrina processual como ação como direito potestativo.

Desse modo, embora, como afirmamos acima, ele não tenha enfrentado

esta questão de frente, vislumbrasse, no pensamento chiovendiano, uma nítida identificação

dos conceitos de Lide e Litígio com o de Causa, res in iudicium deductae ou, até mesmo, de

demanda, sendo tais conceitos, assim, não tão importantes para a discussão do momento,

na Itália, que era sobre o direito de ação.

Por sua vez, ENRICO REDENTI – cuja contribuição é mais no plano da

práxis jurídico-processual do que na teoria processual99 – nada assentiu de diferente a

respeito do conceito de Lide (ou Litígio) a não ser criticar o seu contemporâneo CARNELUTTI

– de formação completamente diversa da sua, posto que este tivera uma preocupação

eminentemente teórico-científica – por o mesmo construir um Sistema tendo como cerne um

termo (instituto processual) que o próprio Código de Processo Civil italiano de 1942 (cujo

projeto, deveu-se, inclusive a ele e ao próprio CARNELUTTI) não utilizou, posto que em tal

diploma legislativo, como já assentimos, preferiu-se utilizar o termo causa para indicar o que

CARNELUTTI chamara de Lide (Litígio) processual. No mais, assente REDENTI que o objeto

do processo seria constituído pela matéria contenciosa (materia del contedere) que fora

deduzida em juízo pelo autor, sendo tal o constituinte do que chamaríamos de mérito ou le

fond (na linguagem francesa), isto é, o “fundamento intrínseco da ação e das exceções”100,

de onde podemos assentir a despreocupação do processualista com a utilização dos termos

Lide e Litígio.

99 Neste sentido, assentiu Calamandrei: “Entre estes tratadistas mais recentes merecem atenção especial dois estudiosos eminentes que podem considerar-se hoje, nos estudos do direito processual, como representantes típicos de dois métodos científicos contrapostos: Francesco Carnelutti e Enrico Redenti. [...] Nitidamente, e também conscientemente anti-dogmática é a direção de Enrico Redenti. [...] [posto que] não é um processualista puro, seu volume Dei contratti nella pratica commerciale (1933) demonstra um conhecimento profundo, e que não é somente teórico, do direito substancial e da vida econômica sobre a qual ele se plasma. Mas, diferentemente de Carnelutti, Redenti quer ser essencialmente um empírico: ele se propõe a expor o direito processual ‘de modo praticamente útil’ a quem deve servir-se dele para empregar nos negócios próprios ou nos alheios, como litigante, como advogado ou como juiz e tem a esperança de que ‘destas posições práticas obtenham mais remoto proveito também os estudos chamados científicos. Será necessário, entretanto, que uma vez ou outra também a ciência descenda, com espírito de humildade, a refrescar seus dados e seus problemas na vida de cada dia, em lugar de esgotar-se na sublimação solitária de algum conceito.” (CALAMANDREI, Piero. Estudos de Direito Processual. Tradução de Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: LZN Editora, 2003, p. 20-21). 100 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. 5. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 249.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Já PIERO CALAMANDREI, um dos colaboradores de CHIOVENDA e

CARNELUTTI na Rivista di Diritto Processual, por ser, embora contemporâneos, de um

período um pouco à frente de CARNELUTTI, discutiu de modo exauriente o conceito de Lide

e Litígio propostos. Aliás, CALAMANDREI, a pedido do próprio FRANCESCO CARNELUTTI,

consecutou uma importante e significativa recensão da obra deste, qual seja, a Instituzioni

del nuovo processo civile italiano (Roma, 1941) que foi publicada na Rivista di Diritto

Processual no mesmo ano, 1941.

Em tal resenha, CALAMANDREI aponta diversos traços característicos do

sistema carneluttiano, inclusive em contraposição à doutrina então vigente e ao Código de

Processo Civil recém promulgado na Itália. Nesse sentido, notadamente no que diz respeito

ao termo Lide, CALAMANDREI afirma que, embora se tratasse de um conceito meritório, tal

não tinha sido adotado pela nova terminologia do código, posto que essa chamava o conflito

intersubjetivo qualificado pela pretensão e pela resistência de causa e não de lide

processual. Afirmou mais ainda que, no sentido carneluttiano, reduzir à composição de

controvérsias (de lide ou litígio ou causa) a função da jurisdição seria um verdadeiro

retrocesso, posto que nem todo processo consubstancia em si uma Lide processual, tal como

nos casos de jurisdição voluntária e nos processo de execução e cautelar; e, mesmo assim,

nestes casos, afirma CALAMANDREI, estaríamos diante do fenômeno da jurisdição, tendo em

vista, sobretudo, o caráter publicista do processo – enquanto relação jurídica que é – e da

função jurisdicional. Por fim, assente, ainda, em tal resenha, que a Lide ou Litígio, na

verdade, é mais um conceito de natureza sociológica do que jurídica, posto que o que juiz vê

no processo, mediante a demanda do autor, é na verdade, aquilo que foi deduzido por este

em juízo, não sendo, necessariamente, igual ao conflito de interesses (que ele chama de

Lide e que nós chamamos de Litígio). Em síntese, afirma CALAMANDREI, o juiz se encontra

frente à lide por meio da petição.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Em outro momento101, mais precisamente, através de artigos publicados na

Rivista di Diritto Processual, onde travaram célebres polêmicas CALAMANDREI e

CARNELUTTI, CHIOVENDA e MORTARA, LIEBMAN e CARNELUTTI102, o processualista

florentino, CALAMANDREI, assente mais ainda que o grande equívoco de CARNELUTTI

encontra-se nesta redução da função jurisdicional à resolução de conflitos de interesses

qualificados pela pretensão de um e pela resistência do outro (a Lide, carneluttiana). Isso

porque, em alguns tipos de processos, haver ou não uma Lide seria um irrelevante jurídico,

na medida em que o que se objetiva pela parte, nestes casos, é a atuação da vontade da lei

– através do Judiciário – no sentido de prestar a tutela jurisdicional para aquela situação

específica. Além do que, diz ele, o percurso lógico-jurídico de cognição que o magistrado

deve cumprir para prestar a tutela – o pronunciamento jurisdicional – independe da atitude

do réu no processo. Em sua resposta a esta assertiva, CARNELUTTI afirma que tal problema

de classificação e enquadramento destes tipos de processo sem Lide (Litígio) – que ele

chamaria de função processual e não função jurisdicional – se dá, tendo em vista as zonas

de confluência que existem entre as funções e órgãos dos poderes estatais. Outrossim,

corroborando o que dissemos anteriormente sobre o próprio CALAMANDREI, quando este

afirma que a Lide (Litígio) seria uma categoria sociológica e não jurídico-processual, assente

tal processualista que, em verdade, o objeto do processo não pode ser representado pelo

conflito de interesses (pretensão versus resistência), tendo em vista que este, para chegar

ao conhecimento do juízo, precisa ser deduzido e qualificado pela parte autora e nesse

processo de dedução – a demanda – muitas vezes o juiz acaba tomando conhecimento da

Lide (Litígio) não do mesmo modo que ela ocorreu na realidade social, mas do modo que a

demanda do autor o evidencia com a sua petição inicial. Assim, aduz CALAMANDREI que as

partes, a causa de pedir e o pedido, constituem em si os elementos deduzidos – e por assim

101 CALAMANDREI, Piero. Il concetto di “lite” nel pensiero di Francesco Carnelutti. In Rivista di diritto processualle civile. v. V. Padova. Cedam, 1928. 102 A propósito dessas interessantes polêmicas, conferir, no capítulo VII: DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

ser, visíveis – qualificados e relevantes da Lide (Litígio), agora em juízo. Refutando isso,

CARNELUTTI, afirma que tais elementos – partes, causa de pedir e pedido – sendo pessoas,

bens e interesses e não razões jurídicas, não poderiam formar o objeto do processo, posto

que esse só opera com tais razões.

O fato é que, em síntese, para CALAMANDREI103, Lide ou Litígio – posto

que para ele eram conceitos indiscerníveis – constituía um conceito sem qualquer

referibilidade à tutela jurídica pretendida pelo autor, posto que, em verdade, pertence, tal

categoria, ao mundo dos fatos, como um fenômeno sociológico que é. Em assim sendo, só

depois de deduzida e qualificada em juízo, é que importaria, como, agora, categoria jurídica

que seria, para o processo. Na verdade, como estamos nós a defender aqui, se

CALAMANDREI assenti-se que a Lide seria aquilo que do Litígio, isto é, do conflito

intersubjetivo de interesses, fora deduzido em juízo, aí sim, teria resolvido este seu dilema

doutrinário.

g) James Goldschmidt.

JAMES GOLDSCHMIDT, autor alemão de importância fundamental no

desenvolvimento da dogmática jurídico-processual, foi o criador, dentro das teorias que

tentaram explicar a natureza jurídica do processo, da chamada teoria do processo como

situação jurídica. Tal teoria assente, peremptoriamente, que, no processo, em verdade, não

ocorre uma relação jurídico-processual entre as partes ou mesmo entre as partes e o juiz.

Isso porque, no caso, o juiz atua, dentro do processo, apenas por dever funcional de caráter,

eminentemente, administrativo e, em assim sendo, as partes estariam tão-somente sujeitas,

nesta situação processual em que se encontram, à autoridade do órgão jurisdicional; ou

seja, não existem direitos das partes nesta “relação” de natureza processual, mas, apenas,

103 CALAMANDREI, Piero. Derecho procesal civil. Estudios sobre el proceso civil. Buenos Aires: EJEA, 1973.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

expectativas, perspectivas, possibilidades, encargos nesta situação jurídica. Tal teoria, assim,

vem de encontro à tão propagada, nesta época, teoria do processo como relação jurídica

que fora, anos antes, também na Alemanha, proposta por BÜLLOW.

Em uma das suas principais obras sobre o direito processual civil – na

esteira dessa sua teorização – GOLDSCHMIDT104, assim, expõe, em síntese, a sua doutrina,

in verbis:

O conceito de situação jurídica diferencia-se do de relação processual no qual este não se encontra em relação alguma com o direito material que constitui o objeto do processo, enquanto que aquele designa a situação em que a parte encontra-se com respeito ao seu direito material, quando o faz valer processualmente. É errôneo crer, por isso, que o conceito de ‘situação jurídica’ não é diferente do de relação processual, senão do direito material que constitui o objeto do processo. Resulta por isso desnecessário recorrer ao conceito de relação processual, para assegurar a unidade do processo, uma vez que tal unidade vem predeterminada pelo direito material, objeto de referência das ‘situações jurídicas’ que surgem no processo. Também é equivocado discutir o valor do conceito de ‘situação jurídica’, uma vez que, graças a ele, determina-se não somente o conceito e caracteres dos direitos e ônus processuais, senão que dele emana o conceito de ‘atos de postulação’ (cf. mais adiante § 39, n. 2 s., e §§ 42 s.) e a peculiaridade de sua qualificação como ‘admissíveis’ ‘e fundamentados’, assim como a luz que clareia os conceitos de litisconsórcio especial, de sucessão processual etc. É igualmente errônea a suposição de que o conceito de situação jurídica em geral, e em particular o de ‘expectativa’ juridicamente assegurada, seja de caráter sociológico; para dizer a verdade, não têm este caráter, como tampouco participa dele o conceito de ‘expectativa’ do Direito Civil, ainda que como esta, não é estado jurídico mais que em caso de que o benefício que se espera esteja seguro na sua efetividade futura, ou seja, quando o árbitro judicial não seja livre frente a ela, senão vinculado por normas jurídicas ou da experiência. O T. S. (RTS 129, 25) mostra-se conforme conosco ao qualificar os direitos processuais como ‘expectativas asseguradas pelo Direito processual’.

Em assim sendo, GOLDSCHMIDT constrói a sua teoria tomando como base

o conceito de direito judicial material, por ele, também, formatado. Assim, para ele, o direito

judicial material seria a projeção jurídica e pública do direito material, isto é, toda vez que o

direito privado impõe a um sujeito um dever jurídico (uma obrigação jurídica), está, também,

por conseguinte, como um corolário, insitamente dirigindo ao juiz um preceito, também,

104 GOLDSCHMIDT, James. Direito Processual Civil. Tradução de Ricardo Rodrigues Gama. Curitiba: Juruá, 2003, p. 17-18.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

jurídico, para que este, quando for demandado, decidir de conformidade com a obrigação de

direito privado. Vejamos o que nos diz, neste sentido, in verbis, em sua Teoria Geral do

Processo105:

He demonstrado em mis trabajos ‘Derecho justicial material’ (Materielles Justizrecht), que apareció em 1905, y ‘Dos contribuciones al Derecho justicial civil material’ (Zwei Beiträge zum materiellen Ziviljustizrecht), ‘Festschrift der Berliner Juristenfakultät für Brunner’, 1914) que el concepto de la exigência de protección jurídica no es de índole procesal, aun siendo pública. Pertenece, más bien, al âmbito del derecho justicial material. Éste no es otra cosa sino el Derecho privado considerado y completado desde um ponto de vista jurídicopúblico. Detrás de cada precepto del Derecho Privado se encuentra su proyección em el Derecho justicial material. Detrás de casi todos los derechos subjetivos privados se encuentran las acciones correspondientes.

No que diz respeito aos conceitos de Litígio e Lide, temos que, do mesmo

modo que a doutrina alemã de até então, GOLDSCHMIDT, apesar de ser de um período

contemporâneo ao de CARNELUTTI, não chega a enfrentar tais questões, sendo que,

encontramos em sua obra, uma total indiscernibilidade entre os termos Litígio, litis, causa,

demanda, negotium, pretensão, res in iudicium deductae etc. Todos estes termos serviam

para designar para ele o conteúdo factual que fora deduzido em juízo através do autor e do

réu nos seus atos de alegação e prova e, no sentido do qual, o juiz deveria prestar, através

da sua sentença, a tutela jurídica. Nesta perspectiva, vejamos, por via oblíqua, no conceito

de parte e jurisdição, o que ele nos diz a esse respeito, in verbis106:

Chama-se autor ao que solicita a tutela jurídica (is qui rem in iudicium deducit), e demandado aquele contra quem pede-se esta tutela (is contra quem res in iudicium deducitur). Não é preciso que as partes sejam necessariamente os sujeitos do direito ou da obrigação controvertidos (ou seja, da res iudicium deductae). Entende-se por jurisdição civil a faculdade (e dever) de administrar justiça nos litígios deste caráter.

No mais, segundo afirma NICETO ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO,

105 GOLDSCHMIDT, James. Teoría General del Proceso. Buenos Aires: Editorial Labor, 1936, p. 25-26. 106 Idem. Direito Processual Civil. Tradução de Ricardo Rodrigues Gama. Curitiba: Juruá, 2003, p. 165.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

prefaciando a tradução para o espanhol do Sistema de CARNELUTTI, há uma nítida

diferenciação entre as abordagens teórico-conceituais deste processualista italiano e as de

JAMES GOLDSCHMIDT, posto que, embora sejam abordagens que tenham revolucionado o

estudo do direito processual nos seus respectivos países, entre si, vislumbrassem grandes

diferenciações doutrinárias. Exemplo disso é a própria forma como GOLDSCHMIDT encara a

definição de situação jurídica e, de que modo, CARNELUTTI a encara. Diz ALCALÁ-ZAMORA y

CASTILLO, in verbis107:

Em Goldschmidt, a situação jurídica é o conjunto de expectativas, possibilidades, deveres e liberação de deveres de cada uma das partes, e significa o estado de uma pessoa do ponto de vista da sentença judicial que se espera com fundamento às normas jurídicas (cf. Der Prozess als Rechtslage – Berlim, 1925 – p. 259 e Teoría general del proceso – Barcelona, 1936 -, nº 24). Em Carnelutti, a situação jurídica representa cada um dos elementos ou interesses (o protegido e o subordinado) que se combinam para se integrar a relação jurídica (cf. Sistema, nº 11).

h) Elio Fazzalari.

ELIO FAZZALARI, também um importante processualista da dogmática

jurídico-processual italiana dos últimos anos, escreveu, entre as suas principiais obras, a

Instituzioni di diritto processuale108, na qual assente – e essa é a sua maior contribuição para

a moderna teoria geral do processo – que, em verdade, a respeito das discussões sobre a

natureza jurídica do processo, este seria uma modalidade de procedimento na qual ocorre,

diferentemente dos outros tipos de procedimento, e tendo em vista as premissas diretivo-

constitucionais, o contraditório.

FAZZALARI, assim, refuta a idéia de BÜLLOW de relação jurídica processual

no conceito de processo. Para ele, o processo – ou, melhor dizendo, na linguagem dele,

Módulo Processual – é uma espécie de procedimento manejado pelo autor contra o Estado

107 CARNELUTTI, Francesco. Sistema de Direito Processual Civil. São Paulo: Classic Book, 2000, p. 16. 108 FAZZALARI, Elio. Istituzioni di diritto processuale civile. 8. ed. Padova: Cedam, 1996.

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no qual é garantido, constitucionalmente, que aquele em face de quem é manejado tal

processo, participe do mesmo, nos mesmos moldes da participação do autor. Dizia ele,

então, que a “presença da relação jurídico-processual no processo é a projeção jurídica e

instrumentação técnica da exigência político-constitucional do contraditório”109.

Nesta perspectiva, FAZZALARI, falando sobre o objeto do processo, e,

indiretamente, a respeito dos conceitos de Lide e Litígio, afirma que o juiz, no processo, vai

conhecer e resolver a situação substancial, isto é, o mérito que fora deduzido em juízo a

partir das participações do autor e do réu. Para ele, tal objeto do conhecimento do juiz, o

mérito, seria, enfim, o objeto da controvérsia que ocorrera no plano factual (Litígio, para

nós), sendo esta, a controvérsia, a situação substancial externa ao processo e seus

componentes que deveria ser resolvida pelo órgão julgador. Sinteticamente, para ele, o

mérito (o objeto do conhecimento do juiz, sendo assim, o parâmetro para a determinação

dos deveres do juiz e poderes das partes) seria constituído pela afirmação por parte do autor

de um direito subjetivo, de uma obrigação correspondente, de uma lesão ou de uma

situação extraordinariamente legitimante para o exercício do direito de ação.

O processualista brasileiro CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, comentando o

pensamento de FAZZALARI a respeito do que seria o objeto do processo, assim dispõe, in

verbis110:

Fazzalari [...] na assertiva de que ‘mérito é o objeto da controvérsia, ou seja, a situação substancial e seus componentes’ [...] não traz progresso algum em nossas investigações, porque controvérsia está ali provavelmente no sentido de processo(ou até, para quem bem conhece a linha de pensamento desse processualista, esse vocábulo visa a designar o contraditório que no processo tem lugar), sabendo-se já de antemão que a problemática do meritum causae corresponde precisamente à do objeto do processo [...]. A alusão à situação substancial, como expressão do mérito, não é tão inconveniente quanto a referência à relação controvertida. Situação jurídica é locução menos precisa e mais ampla e corresponde, na linguagem desse autor, ao ‘direito subjetivo deduzido em estado de

109 FAZZALARI, apud ARAÚJO CINTRA, Antônio Carlos de; GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido R. Teoria Geral do Processo. 13. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 1997, p. 287. 110 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 249.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

asserção’. Diz ele, ainda, ao enunciar os ‘outros componentes da situação substancial proposta’, que a alegação feita ao demandar ‘não pode limitar-se ao direito e à obrigação correspondente (i. é, à fattispecie concreta a que a norma liga um e outra), mas deve estender-se a outros elementos substanciais’ que se representam pela lesão do direito e, na hipótese de legitimidade extraordinária, pelo fator determinante desta.

Destarte, não se vislumbra na obra de FAZZALARI uma preocupação em

assentir o conceito carneluttiano de Lide (Litígio), mas de reformulá-lo – ou mesmo

‘desprezá-lo’ – nos termos anteriormente expostos.

i) Ugo Rocco

UGO ROCCO, outro grande processualista italiano da modernidade, em sua

obra Trattato di Diritto Processuale Civile111, na qual analisa os conceitos propedêuticos e

basilares do processo, colocados por CARNELUTTI na sua teoria geral do direito, corrobora,

sem maiores críticas ou diferenciações, o conceito de Lide (Litígio) como sendo, este, o

conflito intersubjetivo de interesses qualificado pela pretensão um e pela resistência do

outro.

Para ROCCO, tal conflito intersubjetivo de interesses qualificado pelos

caracteres sociológicos da pretensão e da resistência é que consubstancia o objeto litigioso

do processo, isto é, é sobre isso que, no fundo, o juiz irá decidir. No mais, do mesmo modo

que os demais autores da dogmática jurídico-processual italiana, não enfrenta qualquer

distinção entre os conceitos de Litígio e Lide.

j) Enrico Tullio Liebman.

LIEBMAN foi, indubitavelmente, o processualista italiano que mais exerceu

111 ROCCO, Ugo. Trattato di Diritto Processuale Civile. Torino: UTET, 1966.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

influencia na formação e no desenvolvimento do pensamento jurídico da dogmática

processual brasileira. GRINOVER, em estudo feito em homenagem ao magistério do

processualista italiano no Brasil, lembra que, in verbis112:

Recordar o magistério de Liebman no Brasil é olhar, num só relance, ao passado, ao presente e ao futuro. Olhar ao passado é ver o jovem titular da Universidade de Parma desembarcar no Brasil em 1940, impelido pela tempestividade política. [...] o momento da chegada de Liebman era o mais oportuno possível para o desenvolvimento da ciência processual. O novo Código [1939] trazia algumas inovações inspiradas pelos ordenamentos europeus mais avançados [...]. O terreno era fértil, tendo também em conta os estudos do passado, especialmente em São Paulo, onde a cátedra de direito processual sempre gozou de inegável prestígio. O espírito generoso e criativo do Mestre foi capaz de compreender em toda sua plenitude as circunstâncias favoráveis. E à sua atividade acadêmica, ele somou uma outra, que produziu resultados permanentes.

LIEBMAN, deste modo, constituiu – e porque não dizer: constitui – o

grande marco teórico e metodológico113 da dogmática jurídico-processual brasileira. Antes

dele, estávamos, ainda, desatualizados no que diz respeito às modernas tendências do

processualismo científico mundial. Ele nos legou estudos114 que, precipuamente,

influenciaram na formação do nosso pensamento jurídico-processual e no desenvolvimento

das leis processuais do nosso país, como no caso do Código de Processo Civil de 1973, todo

feito com base nos ensinamentos do professor de Parma, sobretudo se pensarmos em

questões como mérito da causa, condições da ação, processo de execução e etc.

No que diz respeito, especificamente, ao temário aqui em análise, isto é,

112 GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas tendências do direito processual: de acordo com a constituição de 1988. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990, p. 439. 113 Neste sentido, Ada Pellegrini afirma que ele trouxe para o Brasil um método científico até aquele momento desconhecido dos processualistas brasileiros e, em assim sendo, “a verdadeira novidade dessa orientação, que a distingue de outras de tendência sociológica, é a estrita fidelidade ao método técnico-científico”. Tal metodologia de estudo do direito processual influenciou, assim, a formação do pensamento da chamada Escola de Direito Processual de São Paulo, posto que “conciliando e fundindo o pensamento e o método técnico-científico com as preocupações sócio-políticas, a nova escola congrega processualistas civis e penais que, a partir de uma teoria geral, se dedicam aos problemas atuais do processo, na plena observância dos mais rigorosos cânones científicos e empregando escrupulosamente a técnica processual para atingir os diversos escopos da jurisdição.” (GRINOVER, op. cit. p. 439-441). 114 Obras importantes do autor consecutadas no Brasil: LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. Trad. de Cândido Rangel Dinamarco. Rio de Janeiro: Forense, 1984, v. I; Idem. Estudos sobre o Processo Civil Brasileiro. Araras: Bestbook Editora, 2001; Idem. Processo de Execução. Araras: Bestbook Editora, 2003; e Idem. Embargos do Executado: oposições de mérito no processo de execução. Campinas: Bookseller, 2003.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

quanto aos conceitos de Litígio e Lide, LIEBMAN assente em sua obra que a Lide (ou Litígio

já que para ele não havia distinção entre os dois termos, até porque ele nunca enfrentou

esta questão), na verdade, diferentemente da teorização carneluttiana, é aquilo que do

conflito – do Litígio, para nós – foi levado a juízo pela parte autora através da sua pretensão

que fora deduzida, através do pedido constante da petição inicial, e que, portanto, constituir-

se-á no mérito do processo (no caso, no mérito do processo de cognição), sendo assim o

objeto principaliter do thema decidendum do juiz. Nesse sentido, ele se afasta da teoria de

CARNELUTTI e se aproxima do pensamento crítico de CALAMANDREI com relação a isso.

Vejamos o que ele afirma, in verbis, em sua obra Estudos sobre o processo

civil brasileiro115 a respeito do conceito de Lide e meritum causae:

Lide é, portanto, o conflito efetivo ou virtual de pedidos contraditórios, sobre o qual o juiz é convidado a decidir. Assim modificado, o conceito de lide torna-se perfeitamente aceitável na teoria do processo e exprime satisfatoriamente o que se costuma chamar de mérito da causa. Julgar a lide e julgar o mérito são expressões sinônimas que se referem à decisão do pedido do autor para julgá-lo procedente ou improcedente e, por conseguinte, para conceder ou negar a providência requerida (grifos nossos).

Afirma ele, ainda, que, ao contrário do que dissera CARNELUTTI, no

sentido de identificar a Lide como um conflito de interesses qualificado pela pretensão do

autor e pela resistência do réu, depois que tal conflito (Litígio) é qualificado e deduzido em

juízo pelo autor, pouco importa, para a configuração da Lide processual (para o meritum

causae, na concepção dele) a atitude do réu (resistindo ou não) no processo. Vejamos o que

ele diz mais neste sentido, sintetizando sua doutrina, in verbis116:

Observamos já que o pedido que forma objeto dum processo de cognição admite necessariamente, pela própria essência de sua estrutura lógica, a possibilidade de dois resultados opostos. O juiz pode declarar procedente o pedido, dando ganho de causa ao autor; e pode, também, declará-lo

115 LIEBMAN, Enrico Tullio. Estudos sobre o Processo Civil Brasileiro. Araras: Bestbook Editora, 200, p. 103. 116 Ibidem., p. 101-103.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

improcedente, dando assim a vitória ao réu. Tudo depende dos resultados do estudo e do exame da causa. Naturalmente a improcedência do pedido do autor equivale à procedência da contestação do réu, que pediu a rejeição da ação proposta. Pedido e contestação representam dois pedidos em conflito e a função do juiz consiste, justamente, em julgar qual dos dois é conforme ao direito, concedendo ou negando, em conseqüência, a medida requerida pelo autor. Esse conflito de pedidos forma a matéria lógica do processo e o elemento formal de seu objeto, ao passo que o conflito de interesses, na medida em que foi deduzido em juízo, representa seu substrato material. A natureza dialética da lide é a tal ponto essencial à sua estrutura lógica, que nem pode ser modificada pela atitude que porventura o réu possa assumir no processo. A doutrina tradicional, utilizando o conceito do direito romano, deformado e adaptado a uma realidade diferente, costumava atribuir a determinação do objeto do processo ao ato bilateral da contestação da lide. Hoje podemos afirmar que esse ato não mais existe no processo moderno. A suposta natureza contratual ou quase-contratual do processo, que era uma das conseqüências dessa doutrina, está em aberto contraste com a realidade de nosso tempo, a qual configura o processo como uma relação jurídica de direito público, fundada no poder jurisdicional da autoridade judiciária, combinado com a iniciativa dos interessados. Esta iniciativa cabe ao autor; ele é que propõe o pedido e com isso suscita a lide e fixa o mérito da causa. A atitude do réu é para esse efeito sem conseqüência (grifos nossos).

No mais, é válido destacarmos que LIEBMAN não elaborou ou vislumbrou

alguma distinção entre mérito e questões de mérito, tal como na nossa moderna

processualística. Para ele, nessa perspectiva de indiscernibilidade entre mérito e questões de

mérito, in verbis117:

o conhecimento do juiz é conduzido com o objetivo de decidir se o pedido formulado no processo é procedente ou improcedente e, em conseqüência, se deve ser acolhido ou rejeitado. Todas as questões cuja resolução possa direta ou indiretamente influir em tal decisão, formam, em seu complexo, o mérito da causa.

Esta é, enfim, a doutrina de LIEBMAN que – como se verá mais à frente,

quando consecutarmos a análise teórico-conceptual e histórico-descritiva dos termos Lide e

Litígio a partir da dogmática jurídico-processual nacional – tanto influenciou, quase à

unanimidade, o pensamento dos nossos processualistas.

117 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil I. Tradução de Cândido Rangel Dinamarco. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 170-171.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

k) Mauro Cappelletti.

MAURO CAPPELLETTI é considerado, pela dogmática jurídico-processual,

sem dúvida alguma, um dos maiores processualistas da atualidade, senão o maior. Nas suas

principais obras – Proceso, Ideologias, Sociedad118; Juízes Irresponsáveis?119; Juízes

Legisladores120; e Acesso à Justiça121 – vislumbra-se, precipuamente, que a grande – para

não dizer única – preocupação do processualista da Universidade de Florença é com a

problemática do acesso à justiça e da ideologia formatadora e conformadora dos

procedimentos judiciais, incluindo nesta perspectiva o poder jurisdicional do magistrado.

CAPPELLETTI, nesta perspectiva, realiza estudos teóricos e empíricos nos

quais assente que o sistema jurídico-processual de normas, estabelecido em uma

determinada sociedade, é conseqüência da ideologia – técnico-jurídica, política, econômica,

cultural e etc. – estabelecida no contexto das forças dos grupos dominantes desta

sociedade. Para isso, dá vários exemplos históricos122, onde se vislumbra, peremptoriamente,

que aquilo que é estabelecido como norma processual e que, por conseguinte, vai formatar e

abalizar o pensamento dogmático jurídico-processual da época é conseqüência direta dos

ditames de caráter ideológico da sociedade.

Assim também, CAPPELLETTI, em um estudo que influenciou mundo à fora

– principalmente na América Latina – o estudo do processo civil e a problemática que

envolve a estrutura judiciária – estamos falando de Acess to Justice: The worldwide

118 Cf. CAPPELLETTI, Mauro. Proceso, Ideologias, Sociedad. Tradução de Santiago Sentís Melendo e Tomás A. Banzhaf. Buenos Aires: EJEA, 1974. 119 Cf. Idem. Juízes Irresponsáveis? Tradução de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre: FABRIS, 1989. 120 Cf. Idem. Juízes legisladores?. Tradução de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre: FABRIS, 1993. 121 Cf. Idem. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: FABRIS, 1988. 122 Isso é bem factível quando Cappelletti nos apresenta o exemplo do sistema de provas em sua evolução social, mostrando que, por exemplo, no período do feudalismo o depoimento de um senhor feudal tinha um valor probatório muito maior que a soma de diversos vassalos (Cf. Idem. Proceso, Ideologias, Sociedad. Tradução de Santiago Sentís Melendo e Tomás A. Banzhaf. Buenos Aires: EJEA, 1974, p. 7).

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2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

movement to Make Rights Effective: A general reports123 – afirma que, modernamente, a

grande problemática que aflinge e, por assim ser, condiciona a dogmática jurídico-

processual, diz respeito ao acesso à Justiça124. E, mais que isso, não importa, hoje, que o

autor e o réu tenham, a qualquer tempo, direito a um pronunciamento jurisdicional sobre

algum dado factual conflituoso que tenha ocorrido, mas que, sobretudo, o tenham de modo

efetivo, eficaz e eficiente, num menor tempo processual possível. Para isso, nesta sua

pesquisa, aponta os obstáculos e algumas soluções que precisam ser encaradas pelo

legislador e, por conseguinte, pela ordem jurídico-política dos Estados nacionais.

Vejamos o que ele nos diz a respeito dessas questões, in verbis125:

Embora o acesso efetivo à Justiça venha sendo crescentemente aceito como um direito social básico nas modernas sociedades, o conceito de efetividade é, por si só, algo vago. A efetividade perfeita, no contexto de um dado direito substantivo, poderia ser expressa como a completa ‘igualdade de armas’ – a garantia de que a conclusão final depende apenas dos méritos jurídicos relativos das partes antagônicas, sem relação com diferenças que sejam estranhas ao Direito e que, no entanto, afetam a afirmação e reivindicação dos direitos. Essa perfeita igualdade, naturalmente, é utópica. As diferenças entre as partes não podem jamais ser completamente erradicadas. A questão é saber até onde avançar na direção do objetivo utópico e que custo. Em outras palavras, quantos dos obstáculos ao acesso efetivo à justiça podem e devem ser atacados? A identificação desses obstáculos, conseqüentemente, é a primeira tarefa a ser cumprida.

Neste contexto, apesar de não tratar diretamente do temário da Lide

processual, enquanto centro gravitacional do sistema jurídico-processual, como o fizera

CARNELUTTI, nota-se que, por via oblíquoa, ele realiza uma construção sociológica (ou, pelo

menos, sociológico-jurídica) do conceito de Litígio, tal como propomos no presente trabalho.

123 Cf. Idem. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: FABRIS, 1988. 124 Neste sentido, assente que “o recente despertar de interesse em torno do acesso efetivo à Justiça levou a três posições básicas, pelo menos nos paises do mundo ocidental” e aí ele vai afirmar que o pensamento dogmático jurídico-processual – e porque não dizer legislativo – passou, no que diz respeito ao temário do acesso à Justiça, por três ondas renovatórias, sendo a primeira a da assistência judiciária gratuita para os pobres, a segunda a da representação jurídica dos chamados direitos difusos e coletivos e a terceira a que enfoca diretamente a problemática deste acesso à Justiça (Ibidem., p. 31). 125 Ibidem., p. 15.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Neste sentido é que ele, na esteira dos ensinamentos de GALANTER126, fala em litigância

eventual, litigância habitual, pequenas causas, dados esses que são, evidentemente,

sociológicos e não jurídicos, e métodos alternativos de resolução de litígios, como por

exemplo, o uso de tribunais sociais ou populares. Mais à frente, quando consecutarmos a

distinção, sob o prisma empírico-crítico, dos elementos Litígio e Lide, teceremos maiores

comentários a respeito das teorias cappellettianas sobre Litígio e os temários da ideologia

procedimental e do acesso à Justiça.

l) José Alberto dos Reis.

JOSÉ ALBERTO DOS REIS, um dos maiores processualistas portugueses de

todos os tempos, professor da Universidade de Coimbra, que teve como principal obra os

seus Comentários ao Código del Processo Civil127, sem tecer maiores diferenciações e

considerações a respeito do sistema carneluttiano, assente que Lide é sim o conflito

intersubjetivo de interesses que foi levado para a apreciação judicial e que, em assim sendo,

determina o mérito a ser apreciado e julgado pelo juiz.

ALBERTO DOS REIS, influenciado que foi pelas construções teórico-

processuais da doutrina italiana, assente, ainda, como na dogmática jurídico-processual

brasileira, na existência das condições da ação que condicionam, assim, junto com os

pressupostos processuais, o julgamento da Lide, do mérito. Para ele, o juiz, na verdade,

aprecia, como objeto do processo, um trinômio de questões composto pelas condições da

ação, pelos pressupostos processuais e pelo mérito da causa, sendo, este último, o conflito

de interesses que fora deduzido em juízo pelo autor através do seu pedido.

No mais, o processualista de Coimbra, quanto à distinção aqui proposta por

nós, entre Litígio e Lide, não a enfrenta, usando, inclusive, várias vezes, em sua obra, de

126 GALANTER, Marc. “Afterword: Explaining Litigation”. In: Law and Society Review. v. 9, 1975, p. 347, 360. 127 REIS, José Alberto dos. Comentários ao Código del Processo Civil. Coimbra: Coimbra Editora, 1945.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

forma indistinta, tais termos, sempre querendo designar o conflito de interesses que

consubstancia a questão de fundo a ser resolvida pelo órgão jurisdicional, nos moldes da

teoria carneluttiana revisada pelos estudos de CALAMANDREI e, mais recentemente, de

LIEBMAN.

m) Jaime Guasp.

JAIME GUASP, um dos mais importantes processualistas espanhóis do

século XX, que publicou na década de sessenta, em Madri, seu Derecho Procesal Civil128, e,

um pouco mais tarde, La Pretensión Procesal129, diferentemente, mas, ao que parece,

querendo, assim como CARNELUTTI o fez, construir um sistema de direito processual, não

assente como centro de tal sistema o conceito carneluttiano de Litígio ou Lide, mas o de

pretensão processual, em consonância com a moderna dogmática jurídico-processual alemã.

Em verdade, as abordagens teórico-conceptuais de GUASP que tiveram

maior repercussão na dogmática jurídico-processual dizem respeito à construção da

chamada teoria do processo como instituição. Em tal teorização, GUASP vai buscar o

fundamento de natureza jurídica do processo no campo sociológico e dizer, assim, que o

processo, como meio de resolução de conflitos que é, é, tal como uma instituição (nos

termos das ciências sociais), uma forma padronizada de comportamento social relativamente

a uma determinada necessidade. No caso, o que teríamos é que a sociedade, ao longo da

sua história, chegou a um estágio de desenvolvimento onde, dado um conflito intersubjetivo

de interesses, a solução necessária para a resolução deste seria, não mais o uso da força, da

violência, da mediação, da arbitragem, mas do processo. Esta teoria de GUASP, parece-nos

muito interessante. O grande problema a ser enfrentado – como assentiu FREDERICO

128 GUASP, Jaime. Derecho Procesal Civil. 3. ed. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1977. 129 Idem. La Pretensión Procesal. Madrid: Editorial Madrid, 1981.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

MARQUES130 – é quanto à imprecisão teórico-terminológica do conceito de instituição, posto

que, em assim sendo, tudo o mais pode ser reduzido ao esquema conceitual por ele

adotado, o de instituição.

Ademais, como dissemos acima, GUASP propõe a construção do seu

sistema em torno do conceito de pretensão processual, divergindo – ou, pelo menos, não

concordando – da noção de sistema de CARNELUTTI, formulada, esta, a partir do conceito

de Lide. Para isso, GUASP, primeiramente, procede a uma importante distinção (coisa que,

como vimos, os alemães, de certo modo, nunca fizeram, englobando todos esses conceitos)

entre os conceitos de ação, demanda e pretensão processual. A ação, neste sentido, para

ele, seria o direito de formular pretensões (ou de satisfazê-las) ao órgão jurisdicional, não se

confundindo, assim, com a pretensão processual que seria a declaração de vontade pela

qual se solicita a atuação de um órgão jurisdicional em razão de um sujeito necessariamente

determinado e, claro, distinto do autor da declaração131. Por sua vez, tais conceitos – de

ação e pretensão – não se confundiriam com o conceito de demanda. Para ele, a demanda

é, tão-somente, o ato pelo qual se inicia o processo, sendo, desse modo, peremptoriamente,

distinto do exercício (direito) da ação (núcleo essencial que integra o conceito da pretensão)

e que se manifesta em todo o agir processual. Ele aponta que, uma das principais razões da

confusão terminológica que ocorre entre tais conceitos – sobretudo entre pretensão e

demanda – se dá, tendo em vista a identidade cronológica de tais categorias, pois o ato no

qual consiste a pretensão, dever ser identificável ab initio, no mesmo momento, assim, é

claro, da demanda. Mas, como afirma GUASP132, tal identificação cronológica não implica,

por assim dizer, identificação lógico-jurídico-processual entre os dois conceitos.

Em síntese, teríamos, assim, para JAIME GUASP, que o direito de ação

seria o poder de dirigir-se aos órgãos jurisdicionais para formular pretensões; esta seria, por

sua vez, a declaração de vontade que o sujeito realiza a fim de reclamar um bem da vida em 130 MARQUES, José Frederico. Instituições de Direito Processual Civil. Campinas: Millenium, 1999, v. II, p. 84. 131 GUASP, Jaime. Derecho Procesal Civil. 3. ed. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1977, t. I, p. 217. 132 Idem. La Pretensión Procesal. Madrid: Editorial Madrid, 1981, p. 99.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

face de outro sujeito diante de tal órgão jurisdicional, através de uma iniciativa específica –

um ato inicial – que, tecnicamente, chamamos de demanda.

Deste modo, o processualista espanhol, constrói toda a sistemática do seu

pensamento com base no conceito de pretensão processual, assentindo que este é

efetivamente o conceito coordenador de todas as singulares realidades processuais, isto é,

todas as demais instituições e institutos jurídico-processuais gravitam em torno de tal

definição.

Destarte, Litígio ou Lide, tal como CARNELUTTI compreende, para ele só é

importante na medida apenas do qualificativo da pretensão, sendo, assim, de menor

importância o conceito de resistência. Tanto é assim que, GUASP vai, enfim, afirmar que o

objeto do processo nada mais é que a própria pretensão processual. Vejamos o que ele diz,

neste sentido, in verbis133:

Entendiendo por objeto no ya el principio o causa de que el proceso parte, ni el fin, más o menos inmediato, que tiende a obtener, sino la materia sobre que recae el complejo de elementos que lo integran, parece evidente que, puesto que el proceso se define como una institución jurídica destinada a la satisfacción de una pretensión, es esta pretensión misma, que cada uno de los sujetos procesales, desde su peculiar punto de vista, trata de satisfacer, la que determina el verdadero objeto procesal.

n) Pietro Castro.

PIETRO CASTRO, outro importante processualista espanhol, publica, em

1968, sua mais importante obra, qual seja, Derecho Procesal Civil 134 na qual, tendo em vista

a repercussão, na Espanha, das discussões da dogmática jurídico-processual alemã a

respeito do objeto litigioso do processo, assente que, este, em verdade, seria formado pelo

tema que o demandante – o autor – submete ao órgão jurisdicional, mediante o exercício do

133 Ibidem., p. 211. 134 Cf. PRIETO CASTRO, Leonardo. Derecho Procesal Civil. Madrid: Editorial Madrid, 1968.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

direito de ação e, em assim sendo, “posto que o tema, a ação, a demanda, e a questão

unicamente podem referir-se aos tipos de tutela jurídica que ao processo de declaração se

assinalou, segundo as respectivas espécies de ações existentes [...] o objeto será de

condenação, mera declaração e constitutivo”135.

Neste sentido, é importante destacarmos aqui, segundo a lição de

ALFREDO BUZAID, que, in verbis136:

As posições doutrinárias de Guasp e de Pietro Castro são, quanto ao objeto litigioso, diametralmente opostas. Enquanto o primeiro considera a pretensão o objeto litigioso, o segundo o reputa o tema que a ação submete ao juiz para obter tutela jurídica. Enquanto o primeiro quer eliminar o conceito de ação, pondo em seu lugar o de pretensão, o segundo defende a continuidade histórica e o valor científico do conceito de ação.

Deste modo, embora PIETRO CASTRO, quanto aos conceitos de Litígio e

Lide, não venha a enfrentá-los, na sua análise, de frente, corrobora, em certa medida, a tese

carneluttiana, com as reformulações feitas posteriormente pelos autores da dogmática

jurídico-processual italiana.

o) Niceto Alcalá-Zamora y Castillo.

NICETO ALCALÁ-ZAMORA Y CASTILLO foi um dos mais prestigiados

processualistas do século XX e, também, sem dúvida alguma, junto com SANTIAGO SENTIS

MELENDO, o maior divulgador (tradutor) das teorias da dogmática jurídico-processual

italiana no continente americano, principalmente, da obra de FRANCESCO CARNELUTTI. Isso

se deu, sobretudo, no período em que ele ficou exilado – cerca de trinta anos – no México,

por conta da guerra civil que era travada no seu país de origem, a Espanha. Em todo esse

tempo, marcou, assim como LIEBMAN marcou a nossa, a dogmática jurídico-processual 135 PRIETO CASTRO, apud BUZAID, Alfredo. Estudos e Pareceres de Direito Processual Civil. Adaptação de Ada Pellegrini Grinover e Flávio Luiz Yarshell. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 130-131. 136 Ibidem., p. 131.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

mexicana, a partir dos seus ensinamentos e publicações na Universidad Nacional Autónoma

de México, mais particularmente no Instituto de Investigaciones Jurídicas. Neste sentido,

vejamos o que disse o processualista mexicano HÉCTOR FIX-ZAMÚDIO em homenagem

póstuma ao processualista espanhol radicado no México, in verbis137:

Señalar lo que significo para la ciencia jurídica mexicana y especificamente para los estudios procesales, la labor de Niceto Alcalá-Zamora y Castillo resulta a la vez sencillo y complicado. Sencillo porque el derecho procesal mexicano puede dividirse en dos etapas, antes y después de Alcalá-Zamora, pero al mismo tiempo difícil porque la obra del maestro es tan extensa que non podría dividirse ni siquiera sinteticamente en pocas paginas, si tomamos en cuenta que su historia academica constituye um verdadero libro.

E arremata, in verbis138:

Si la obra de Büllow, Teoría de las excepciones dilatorias y de los presupuestos procesales que apareció em Leipzig en el año de 1868, si estima como el verdadero inicio del procesalismo cientifico alemán y la léccion inaugural de Chiovenda en el año de 1903 en la Universidad de Bolonha, La acción en el sistema de los derechos, el del procesalismo italiano, consideramos plenamente calificar la obra: Proceso, Autocomposición y Autodefensa como el comienzo del verdadero procesalismo cientifico mexicano.

Nesse ínterim, além da obra que FIX-ZAMÚDIO faz referência acima, uma

das principais publicações de ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO no México foi a sua Cuestiones

de terminologia procesal139, em 1972. Tal obra é de grande valia para o nosso estudo porque

é nela que ele vai sintetizar o conteúdo – de um ponto de vista teórico-metodológico – das

suas investigações sobre, inclusive, a obra de CARNELUTTI.

Em tal estudo, ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO assente, ab initio, que, na

verdade, nos estudos processuais de até então, com exceção da obra de CARNELUTTI, havia

137 Universidad Nacional Autónoma de México. INSTITUTO DE INVESTIGACIONES JURÍDICAS. Serie E. VARIOS, Núm. 39. Reforma procesal. Estudios en memoria de Niceto Alcalá-Zamora y Castillo. Cuidado de la edición: Pedro Arroyo Soto. Elaboración de formato PDF: Lissette Huerta Morales. Primera edición: 1987. Disponível em: http://www.bibliojuridica.org/libros/libro.htm?l=639. Acesso em: 14 nov. 2003. 138 Ibidem. 139 ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO, Niceto. Cuestiones de terminologia procesal. México: UNAM, 1972.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

uma certa imprecisão terminológica na formatação dos institutos jurídico-processuais,

sobretudo, se pensarmos nas traduções que as grandes teorias – de alemães e italianos –

tinham em outros sistemas jurídico-processuais. Ele, assim, tentando se desvencilhar de tal

problemática, elabora este seu dicionário (estudo) terminológico a fim de aclarar algumas

dúvidas que pairavam na dogmática jurídico-processual a respeito de alguns termos

traduzidos do italiano e do alemão para o espanhol e para o castelhano. Na próxima seção

deste trabalho, vamos atentar bastante para tal estudo, por ser este de suma importância

para a determinação das teses aqui propostas. Por enquanto, vamos nos ater, tão-somente,

a alguns pontos relativos aos conceitos de Litígio e Lide apresentados por ALCALÁ-ZAMORA y

CASTILLO nesta sua obra. Vejamos, então.

No que diz respeito, especificamente, aos conceitos de Litígio e Lide,

preceitua o processualista espanhol, radicado no México, e que, saliente-se, foi o tradutor,

para o espanhol, da principal obra de CARNELUTTI, onde ele deu contornos finais à teoria da

Lide, o seu Sistema de Direito Processual Civil, que a palavra Lite, do italiano, deveria, por

razões histórico-etimológicas, ser traduzida pelo termo Litígio, de modo que, assim, para ele,

Lide (um conceito, segundo a sua cátedra, desconhecido para a linguagem espanhola) seria

o mesmo que Litígio, significando, ambos os termos, a idéia carneluttiana de conflito de

interesses intersubjetivos qualificado pela pretensão de um e pela resistência do outro. Desta

maneira, observa-se que para ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO, a teoria carneluttiana é, nestes

termos, correta.

A primeira vez que ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO explicita a adoção do

termo Litígio para designar a Lite carneluttiana, foi no prefácio da tradução que fez para o

espanhol do Sistema de CARNELUTTI. Vejamos o que ele diz, in verbis140:

O pensamento processual de Carnelutti se sintetiza ou culmina como tarefa legislativa, no projeto de 1926 (posto que o Código de 1940 é fruto de sua colaboração com Redenti e Calamandrei), e como trabalho doutrinário, no

140 CARNELUTTI, Francesco. Sistema de Direito Processual Civil. São Paulo: Classic Book, 2000, p. 13.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Sistema. As duas obras, e o mesmo que as Lezione (que são seu antecedente), como antes e depois diversas monografias e artigos, repousam sobre umas tantas diretivas e noções tão proeminentes, que tornam inconfundível a produção carneluttiana. Sem maiores intenções que não a de consignar alguns de seus traços mais característicos (e além dos que no prólogo o autor menciona) indicarei que como base e chave do Sistema aparece o termo lite (que traduzi por litígio: infra, notas ao nº 14), como idéia extraprocessual ou meta processual (cf. nº 410 c), a cuja justa composição está adscrito o processo (cf. nº 16, 57, 82, 83, 519 b).

Já, por sua vez, conforme assentimos acima, em suas Cuestiones de

terminologia procesal141, assim arremata, in verbis:

Lite, ‘litis’, litígio. Prescindiendo de lid, que etimológica e historicamente podría traerse a colación, pero que en la actualidad está desusado em su acepción forense, tres palabras se ofrecen para la versión de lite, concepto clave del Sistema carneluttiano: la latina litis y las castellanas lite y litigio. La primera es utilizada en la ley o en la prática, en las expresiones litispendência, litis-contestatio, litis-consorcio y sus derivadas, litis-expensas, quota-litis curador ad litem, in limine litis. [Litis-denuntiatio, a su vez, es concepto empleado por los procesalistas españoles, pero no por la ley ni por los prácticos]. Sin embargo, habiendo prescindido Carnelutti de la voz latina y optado por la romance, he creído que en la traducción debería adaptarme a su critério. En cuanto a lite, que coincide letra a letra con el término italiano, carece, si no mi equivoco, de entrongue legal, y su uso forense en España es muy escaso. Por ello, y además por ser la unica con derivados directos, entiendo que debe escogerse litigio, aun cuando esta denominación no concuerde siempre (como tampoco ningula de las otras dos) con el significado peculiar que la lite da el autor. La ley de enjuiciamento civil, más aún que de litígio, se sirve de sus derivados: litigante y colitigante, litigar y litigioso.

Destarte, para ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO, Litígio é, em espanhol, o

designador de Lide (lite), na acepção carneluttiana. Em assim sendo, Litígio e Lide, para ele,

são termos co-referenciais que designam o conflito de interesses a que CARNELUTTI

assentiu como o cerne das questões em seu Sistema.

141 ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO, Niceto. Cuestiones de terminologia procesal. México: UNAM, 1972, p. 122-123.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

p) Eduardo Couture.

EDUARDO COUTURE é um dos maiores processualistas sul-americanos de

todos os tempos e que, de modo contrário ao influxo natural que ocorria (a importação e

adesão das teses européias, principalmente, da Itália e da Alemanha, por parte dos

processualistas latino-americanos), conseguiu estender suas lições142 para o continente

europeu, exercendo, inclusive, influência no processualismo científico tardio143 dos franceses.

COUTURE, um dos discípulos e admiradores das teorias de CALAMANDREI, foi professor da

Universidade de Montevidéu, no Uruguai e publicou várias obras importantes, entre as quais

destacamos o seu manual Fundamentos do Direito Processual Civil144 e as lições proferidas

por ele, em 1949, na Universidade de Paris, consubstanciadas no seu Introdução ao Estudo

do Processo Civil145.

Nas teorizações consecutadas por COUTURE a respeito da dogmática

jurídico-processual, destaca-se, conforme salienta CALAMANDREI146, a abordagem

constitucional que o processualista uruguaio deu aos estudos do direito processual,

assentindo, assim, na formação de um direito processual constitucional, baseado, sobretudo,

no princípio do due process of law tão proclamado, neste tempo, pelos processualistas

americanos e no, a propósito das discussões sobre a natureza jurídica do direito de ação,

chamado, por ele, direito de petição cujo fundamento seria, eminentemente, constitucional.

142 Neste sentido, assim escreveu Calamandrei, quando da sua morte: “Há mais de vinte anos professor de direito processual na Faculdade Jurídica de Montevidéu, decano nestes últimos anos da mesma Faculdade, converteu-se rapidamente, entre os juristas sul-americanos, na figura de mais alto-relevo; e depois rapidamente sua fama tinha transpassado o oceano e se estendeu fora dos países de língua espanhola, à América do Norte, à Alemanha, à França, à Itália.” (CALAMANDREI, Piero. Chiovenda: Lembrança de Juristas. Tradução de Karina Andrea Fumberg de Pauletto. Campinas: LZN Editora, 2003, p. 154). 143 Tardio porque em plena efervescência das novas teorias jurídico-processuais que se alastraram por toda a Europa, a partir da publicação da obra de Oskar Von Büllow (teoria dos pressupostos processuais) em 1868 e, sobretudo, com as revoluções doutrinárias propostas por Giuseppe Chiovenda, na Itália, a partir de 1903, com a adoção de um novo método de estudo – Método histórico-dogmático-sistemático – na França, em pleno século XX, ainda se praticava um processualismo baseado nos postulados da Escola Exegética. 144 COUTURE, Eduardo. Fundamentos del Derecho Procesal Civil. 3. ed. Buenos Aires: Depalma, 1958. 145 Idem. Introdução ao Estudo do Processo Civil. Tradução de Mozart Victor Russomano. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. 146 CALAMANDREI, Piero. Chiovenda: Lembrança de Juristas. Tradução de Karina Andrea Fumberg de Pauletto. Campinas: LZN Editora, 2003, p. 155.

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2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.

115

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Além disso, destaca-se na obra de COUTURE sua adoção à tese do processo encarado como

uma instituição. Não – como ele mesmo afirma147 – que ele tenha abandonado a concepção,

sobre a natureza jurídica, do processo como relação jurídica, mas, tendo em vista,

mormente, o grau de imprescindibilidade que tal meio de resolução de conflitos atingiu nas

sociedades modernas.

Quanto aos conceitos de Litígio e Lide, COUTURE, fundamentado nas lições

de ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO, traduz o termo designativo da Lite carneluttiana por

Litígio. E, um pouco diferente da noção de CARNELUTTI, eleva, ele, a posição que o réu

ocupa nesta relação jurídico-processual, afirmando que a função primordial do processo é a

resolução de conflitos e, em assim sendo, a oportunidade de participação do demandado no

processo é fundamental, de tal modo que, assim como o autor tem de direito de ação, o réu,

tendo em vista o caráter bilateral do Litígio (Lide), tem o direito de exceção. Ação e Exceção,

assim, estariam formando o objeto do processo. Vejamos as palavras dele, neste sentido, in

verbis148:

A ação, como direito de ataque, tem uma réplica no direito do demandado de se defender. Toda demanda é um modo de agredir. A exceção é a defesa contra o ataque, usada pelo réu. Se a ação é, como dizíamos, o substitutivo civilizado da vingança, a exceção é o substitutivo civilizado da defesa. O autor ataca mediante a sua ação e o demandado se defende mediante sua exceção. Tenho a impressão de que se pudesse mostrar o paralelismo profundo que existe entre a ação e a exceção teria logrado evidenciar ante vós um ritmo singular do direito. O preceito antigo, mil vezes repetido em textos jurídicos e literários, aconselhava audiatur altera pars. Bem observado – como veremos adiante, com mais amplitude – o direito procede aplicando aqui, o princípio dialético da tese, da antítese e da síntese. O litígio aparece, portanto, marcado por uma idéia que chamamos de bilateralidade. As partes se acham no litígio em pé de igualdade e essa igualdade, dentro do processo, outra coisa não é senão u’a manifestação do princípio de igualdade dos indivíduos perante a lei. [...] O direito de defesa em juízo aparece-nos, então, como um direito paralelo à ação judicial, ou, se se quiser, como a ação do réu. O autor pede justiça reclamando algo contra o réu e este pede justiça solicitando a rejeição da demanda.

147 COUTURE, op. cit. p. 74. 148 COUTURE, Eduardo. Introdução ao Estudo do Processo Civil. Tradução de Mozart Victor Russomano. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 23-24.

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2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.

116

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

No mais, talvez por adotar e concordar com as severas críticas que

CALAMADREI fez à teoria da Lide de CARNELUTTI, EDUARDO COUTURE não fez maiores

considerações sobre tal proposição carneluttiana, muito embora, como se viu, ele não tenha

aderido à formação de um sistema baseado no conceito de Lide.

q) Héctor Fix-Zamúdio.

HÉCTOR FIX-ZAMÚDIO – o último autor da dogmática jurídico-processual

estrangeira a ser analisado aqui nesta análise teórico-conceptual e histórico-descritiva dos

institutos jurídico-processuais Litígio e Lide –, segundo aponta a atual dogmática jurídico-

processual mexicana, é um dos maiores processualistas mexicano de todos os tempos. Toda

sua obra – especialmente a sua Constitución y proceso civil en Latinoamérica149 - é marcada

por uma preocupação, assim como EDUARDO COUTURE, voltada essencialmente às relações

entre o processo e os direitos constitucionais fundamentais. FERRER MAC-GREGOR150,

processualista mexicano da atualidade, destacando a importância da obra de FIX-ZAMÚDIO

para os estudos processuais a partir do prisma metodológico da teoria constitucional dos

direitos fundamentais, afirma que este sofreu decisiva influencia do processualismo científico

de CALAMANDREI – sobretudo a partir da leitura do seu ensaio La illegittimitá constituzionale

delle leggi nel processo civil, em 1950 – e do processualista uruguaio EDUARDO COUTURE

que foi considerado pelo próprio FIX-ZAMÚDIO como o pai do direito processual

constitucional.

Quanto às questões relativas, especificamente, ao conhecimento

dogmático-técnico-processual, mais precisamente no que diz respeito ao temário ora sub

examen, temos que, FIX-ZAMÚDIO, apesar de, em certa medida, corroborar as teses 149 FIX-ZAMÚDIO, Héctor. Constitución y proceso civil en Latinoamérica. México: UNAM, 1974. 150 FERRER MAC-GREGOR, Eduardo. Aportaciones de Héctor Fix-Zamudio al derecho procesal constitucional. In Revista de Investigaciones Jurídicas. N. 26. México, 2002.

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2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.

117

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

carneluttianas, e afirmar que o objeto do processo151 é o Litígio (tradução de Lide para o

espanhol, na esteira das lições de ALCALÁ-ZOMARA y CASTILLO) que nele fora deduzido,

não tem uma maior preocupação no sentido de distinguir ou caracterizar a Lide (Litígio), nos

moldes da teoria de CARNELUTTI, assim como o fez, por exemplo, NICETO, que tanta

influencia causou na formação da doutrina processual mexicana.

Muito bem. Consecutada a análise teórico-conceptual e analítico-descritiva

dos institutos jurídico-processuais Litígio e Lide a partir da leitura da dogmática jurídico-

processual estrangeira, onde, em síntese, pudemos observar que, em verdade, não há uma

uniformidade teórico-conceptual ou, ao menos, terminológica – sobretudo, se vislumbrarmos

as diferenças teóricas das escolas italiana e alemã – sobre o âmbito conceitual e de

referibilidade de tais termos, passemos, agora, na próxima subseção, a consecutar tal

análise do ponto de vista da dogmática jurídico-processual brasileira. Vejamo-la, então.

151 FIX-ZAMÚDIO, Héctor. Derecho Procesal. México: UNAM, 1991.

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2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.2 – Dogmática Jurídico-Processual Nacional.

118

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

2.2 – Dogmática Jurídico-Processual Nacional.

Antes de iniciarmos a análise teórico-conceptual e histórico-descritiva dos

institutos jurídico-processuais Litígio e Lide a partir, agora, da dogmática jurídico-processual

nacional, procederemos, preliminarmente, mesmo que de um modo un passant, a uma

análise dos referidos termos processuais a partir do estudo do sistema jurídico-normativo-

processual brasileiro, tendo em vista a leitura, por nós consecutada, da legislação processual

nacional, desde o Código de Processo Criminal de 1832 que continha uma disposição

provisória sobre o processo civil, passando pela regulamentação processual civil de 1842,

pelo Regulamento nº 737 de 1850, pela Consolidação Ribas sobre o processo civil de 1898,

pelo Decreto nº 848 de 1890, pelo período de pluralismo processual estadual, que fora

estatuído pela Constituição Federal de 1891, pelo Código de Processo Civil de 1939, até o

Código Processual Civil de 1973, sendo que, sobre este último diploma legislativo, faremos

uma melhor análise terminológica na próxima seção, quando discorrermos sobre a

terminologia jurídico-conceptual como condição de procedibilidade método-epistemológica

de se produzir um conhecimento jurídico-científico.

Quanto à análise da dogmática jurídico-processual nacional, isto é, quanto

ao pensamento dos maiores processualistas brasileiros a respeito do conceito de Litígio e

Lide, é de se salientar, preliminarmente, que a maioria dos doutrinadores assente a tese de

ENRICO TULLIO LIEBMAN a respeito do conceito carneluttiano de Lide. Isto é, a Lide sendo,

tão-somente, o mérito do processo o qual está consubstanciado no pedido formulado pelo

autor na sua petição inicial, não sendo assim, necessariamente, todo o conflito intersubjetivo

de interesses qualificado pela pretensão de um e pela resistência do outro, tal como assentiu

CARNELUTTI. Vejamos, então.

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2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.2 – Dogmática Jurídico-Processual Nacional.

119

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

2.2.1 – Litígio e Lide na perspectiva da legislação processual

brasileira.

A análise, por certo, não-exauriente, mas, tão-somente, satisfaciente, que

consecutaremos aqui, nesta subseção, tem por objetivo verificar qual a acepção (ou quais as

acepções) terminológica e semântica utilizada pelo legislador na construção, ao longo da

historiografia do nosso direito processual, nos diversos diplomas normativo-processuais que

já foram editados no Brasil, dos conceitos de Litígio e Lide. Certo é, conforme veremos, que,

de acordo com o que constatamos, há uma identidade, se não conceitual, pelo menos

referencial, de tais termos, ao longo das edições processuais que já tivemos. Vejamos.

Segundo JOSÉ DA SILVA PACHECO152 e JÔNATAS LUIZ MOREIRA DE

PAULA153, a historiografia do direito processual brasileiro começa, por força do que dispunha

o decreto de 20 de outubro de 1823, mais precisamente seus livros III e V, com a aplicação

das Ordenações Filipinas no disciplinamento do nosso processo civil e penal,

respectivamente. Depois disso, com a promulgação da Constituição Imperial de 1824,

determinou-se, nesta, que fosse elaborado um Código Criminal e, por conseguinte, um

Código de Processo Criminal, que veio a entrar em vigência em 1832. Em 1850, foi

sancionado o Código Comercial e, também, por conseguinte, no mesmo ano, o famoso

Regulamento 737 que regulava, exatamente, o processo de causas comerciais. Tal

regulamento, mais tarde, por força, agora, do Decreto nº 763 de 1890, foi estendido às

causas civis em geral. Nesse ínterim, tendo em vista a profusão de ordenamentos esparsos

relativos ao direito processual, ficou determinado pela Lei Nº 2.033, de 30 de setembro de

1871 que Antonio Joaquim Ribas, procederia à consolidação dos textos legislativos

152 PACHECO, José da Silva. Evolução do processo civil brasileiro: desde as origens até o advento do novo milênio. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. 153 MOREIRA DE PAULA. Jônatas Luiz. História do Direito Processual Brasileiro: das origens lusas à Escola Crítica do Processo. Barueri: Manole, 2002.

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2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.2 – Dogmática Jurídico-Processual Nacional.

120

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

concernentes ao direito processual bem como ao direito subsidiário, romano e

consuetudinário. Tal consolidação tornou-se oficial a partir da Resolução Imperial de 28 de

dezembro de 1876. Com a proclamação da República, surge, tendo em vista o Decreto Nº

848, de 11 de outubro de 1890, a Justiça Federal que deveria adotar como estatuto

processual o Regulamento 737 de 1850. Com a constituição de 1891, institui-se o sistema

pluralista de codificação, no qual haveria um estatuto processual federal – no caso a

Consolidação feita por José Higino Duarte Pereira, que foi aprovada pelo Decreto Nº 3.084,

de 5 de novembro de 1898 – e cada estado federado teria o seu próprio código de processo

civil e criminal. A doutrina assente que, entre esses códigos processuais que foram feitos,

apenas os de São Paulo e da Bahia (códigos de processo civil), tiveram alguma relevância do

ponto de vista doutrinário, pois os demais eram meras cópias do estatuto processual federal.

Com a Constituição de 1934, restabelece-se o sistema unitário de codificação processual,

preceituando tal constituição que a competência para legislar sobre matéria processual era

de autoridade exclusiva da União. A partir daí esse foi o sistema adotado nas constituições

seguintes, até a atual de 1988. Em 1939, tendo em vista o preceito constitucional, constante

da Constituição de 1937, é promulgado, através do Decreto-Lei Nº 1.608, de 18 de setembro

de 1939, o Código de Processo Civil, cujo projeto fora elaborado por Pedro Batista de

Martins. Já em 03 de outubro de 1941, por força do Decreto-Lei Nº 3.689, foi promulgado o

Código de Processo Penal, este baseado no projeto elaborado por Vieira Braga, Nélson

Hungria, Narcélio Queiroz, Roberto Lyra, Florêncio de Abreu e Cândido Mendes de Almeida.

Também em 1º de maio de 1943, com o advento do Decreto-Lei Nº 5.452 é promulgada a

Consolidação das Leis do Trabalho, contendo, em seu texto, disposições sobre o processo

trabalhista. Enfim, depois da verificação, por parte da doutrina, de alguns problemas e

entraves que existiam no Código de Processo Civil de 1939, Alfredo Buzaid foi nomeado –

juntamente com José Frederico Marques, para o processo penal – para a elaboração de um

anteprojeto de um novo Código de Processo Civil. Tal projeto de Buzaid veio a se tornar

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2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.2 – Dogmática Jurídico-Processual Nacional.

121

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Código de Processo Civil, por força da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – nosso atual

CPC. Quanto ao projeto de José Frederico Marques, este não vingou, de modo que até a

presente data, tramita-se no Congresso Nacional outra proposta para um novo Código de

Processo Penal.

Pois bem. Em todos os estatutos processuais acima elencados,

encontramos – a não ser de modo módico no Código de Processo Civil de 1973 – uma certa

despreocupação do legislador com a terminologia utilizada na construção dos conceitos e

definições legais. De tal modo que, com relação aos temos Litígio e Lide, objeto da nossa

análise, há um uso/menção caracterizado pela indiscernibilidade de sentidos e de referência.

Em vários momentos, inclusive, encontramos os termos lide, litígio, causa, demanda, mérito,

ação, contenda, conflito e controvérsia sendo usados para designar a mesma realidade

jurídico-processual ou, até mesmo, sendo usados em situações variadas para designar

conceitos que, do ponto de vista da teoria processual, são distintos, demonstrando-se,

assim, a falta de rigor teórico-metodológico na consecução de tais diplomas legislativos.

De certo modo, isso é até compreensível, tendo em vista que, como vimos,

somente a partir da década de 30 – e, sobretudo, a partir da década de 40 com a vinda ao

Brasil de LIEBMAN – é que o conceito de Litígio e Lide vai se tornar um topoi na nossa

dogmática jurídico-processual, sendo, assim, como veremos no próximo item, objeto de

investigações mais precisas e apuradas por parte dos nossos processualistas. Tanto é assim

que, no atual Código de Processo Civil – o de 1973 – já encontramos uma terminologia mais

adequada no que diz respeito ao uso dos termos em apreço (muito embora exista, ainda,

indiscernibilidade de sentidos, constante em tal diploma processual, com relação aos

conceitos de Lide e Litígio, conforme veremos mais à frente).

Vejamos, assim, adiante, alguns textos dos vários diplomas legislativos que

citamos anteriormente, onde o legislador brasileiro usa de modo, indiscernível e polissêmico,

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2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.2 – Dogmática Jurídico-Processual Nacional.

122

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

os termos Lide e Litígio, causa, conflito, demanda, sem qualquer preocupação teórico-

terminológica na consecução e uso dos conceitos e termos:

- Código de Processo Criminal de 1832154 - Lei de 29 de novembro de

1832:

Tiítulo Único – Disposição provisória ácerca da administração da Justiça Civil. Art. 6º Nas causas, em que as partes não podem transigir, como Procuradores Públicos, Tutores, Testamenteiros; nas causas arbitraes, inventarios, e execuções; nas de simples officio do Juiz; e nas de responsabilidade, não haverá conciliação (grifos nossos).

- Consolidação Ribas de 1898 – Decreto N. º 3084 de 5 de novembro de

1898155:

Primeira parte – Consolidação das Leis referentes à Justiça Federal. Art. 8º O Tribunal decidirá as questões de sua competência, ora em primeira e unica instancia, ora em segunda e ultima, conforme a natureza ou o valor da causa, ora como tribunal de revisão. Art. 9º Compete ao Tribunal julgar e processar originária e privativamente: g) as causas e conflitos entre a União e os Estados, ou entre estes; h) os litígios e as reclamações entre nações estrangeiras e a União ou os Estados, inclusive as homologações das cartas de sentença de tribunaes estrangeiros para serem exeqüíveis na República. Art. 57 Compete-lhes processar e julgar: d) os litígios entre um Estado e cidadãos de outro, ou entre cidadãos de Estados diversos, divergindo as Leis destes. Terceira Parte – Processo Civil. Art. 11 Dar-se-há curador à lide, sob pena de nullidade do processo:

154 BRASIL. Código de Processo Criminal. Lei de 29 de novembro de 1832. Aprova o Código de Processo Criminal. Collecção das leis do Império do Brazil de 1832. Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1874, p. 239. 155 BRASIL. Decreto N.º 3.084, de 05 de novembro de 1898. Approva a Consolidação das Leis referentes à Justiça Federal. Collecção das leis da República dos Estados Unidos do Brazil de 1898. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1900, p. I-III, p. 781, 795, 951, 989 e 1009.

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2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.2 – Dogmática Jurídico-Processual Nacional.

123

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Art. Os autores nacionaes ou estrangeiros residentes fóra do paiz, ou que delle se ausentarem durante a lide, sendo requeridos, prestarão fiança às causas do processo [...]. Art. 132 Pendente a lide póde o autor nos mesmos casos em que tem logar o embargo preparatório requerel-o, procedendo de conformidade com as disposições deste capítulo. Art. 202 Considera-se a lide contestada depois de offerecidos os artigos de uma e outra parte. Art. 314 O juramento in litem quanto ao valor da causa não terá logar, si esse valor já se achar estimado na sentença (grifos nossos).

Código de Processo Civil – Decreto Lei Nº 1.608, de 18 de setembro de

1939156:

Código de Processo Civil – Decreto Lei Nº 1.608, de 18 de setembro de 1939. Art. 96 Ordenada a citação, ficará suspenso o curso da lide. Art. 97 Vindo a juízo o denunciado, receberá o processo no estado em que êste se achar, e a causa com êle prosseguirá sendo defeso ao autor litigar com o denunciante. Art. 144 Compete originariamente ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar: II – os litígios entre nações estrangeiras e a União ou Estados. Art. 282 Na sentença em que resolver questão prejudicial, o juiz decidirá igualmente do mérito da causa, salvo se esta decisão fôr incompatível com a proferida na questão prejudicial. Art. 287 A sentença que decidir total ou parcialmente a lide terá força de lei nos limites das questões decididas. Art. 289 Nenhum juiz poderá decidir novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide, salvo [...] (grifos nossos).

Código de Processo Civil – Decreto Lei Nº 1.608, de 18 de setembro de

1973157:

156 BRASIL. Código de Processo Civil. Atualização, notas remissivas e índice alfabético e remissivo por Manoel Augusto Vieira Neto. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1965, p. 49, 61, 97, 98.

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2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.2 – Dogmática Jurídico-Processual Nacional.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Código de Processo Civil – Lei Nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Art. 5º Se, no curso do processo, se tornar litigiosa relação jurídica de cuja existência ou inexistência depender o julgamento da lide, qualquer das partes poderá requerer que o juiz a declare por sentença. Art. 46 Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando: I – entre elas houver comunhão de direitos ou obrigações relativamente à lide. Art. 70 A denunciação da Lide é obrigatória [...]. Seção II – Do Julgamento Antecipado da Lide - Art. 330. Art. 462 Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a sentença. (grifos nossos).

Percebe-se, assim, que não houve, na consecução de tais estatutos

processuais, qualquer preocupação – com exceção do Código de Processo Civil de 1973 – em

se estabelecer um sistema teórico-conceitual, pautado em critérios terminológicos precisos,

que privilegiasse a adoção de uma linguagem específica e apurada. Muito pelo contrário. Na

verdade, o que encontramos, como se viu na leitura dos trechos anteriores, é um

aglomerado de preceitos legais estabelecidos a partir de uma terminologia polissêmica, para

não dizer equívoca, onde, muitas vezes, um termo, como Lide, é usado diversas vezes no

mesmo texto ora para designar processo, ora para designar mérito, ora para designar ação,

ora para designar causa, ora para designar conflito.

A propósito disso, vejamos o que nos diz, o autor do projeto do Código de

Processo Civil de 1973, ALFREDO BUZAID, em comentários ao Código de Processo Civil de

1939, in verbis158:

157 BRASIL. Código de Processo Civil. Pinto, Antonio Luiz; Windt, Márcia Cristina Vaz dos Santos e Céspedes, Lívia. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 49, 61, 97, 98. 158 BRASIL. Código de Processo Civil. Pinto, Antonio Luiz; Windt, Márcia Cristina Vaz dos Santos e Céspedes, Lívia. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 4.

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2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.2 – Dogmática Jurídico-Processual Nacional.

125

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Da Terminologia do Projeto. Fiel a essa orientação, esforça-se o projeto por aplicar os princípios da técnica legislativa, um dos quais é o rigor da terminologia na linguagem jurídica. Haja vista, por exemplo, o vocábulo ‘lide’. No Código de Processo Civil vigente [1939] ora significa processo (art. 96), ora o mérito da causa (arts. 287, 684, IV e 687, § 2º)

Muito bem. Consecutado este resgate histórico-legislativo, onde

vislumbramos, também, a indiscernibilidade de identidade entre os termos Lide e Litígio,

passemos, agora, enfim, à análise teórico-conceptual e histórico-descritiva de tais institutos

jurídico-processuais a partir, agora, da leitura dos grandes autores da dogmática jurídico-

processual nacional.

2.2.2 - Litígio e Lide na perspectiva dos grandes autores da

dogmática jurídico-processual nacional.

Neste momento, veremos, ainda dentro desta fase da dogmática jurídico-

processual que NICETO ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO classifica de eminentemente científica

– o chamado processualismo científico – quais as concepções dos principais processualistas

da dogmática jurídico-processual nacional a respeito dos conceitos de Litígio e Lide, sempre

tendo em vista a premissa método-epistemológica de que a maioria dos processualistas

brasileiros, na esteira das lições de LIEBMAN, entende, um pouco diferente da concepção

carneluttiana, que a Lide (ou Litígio, porque, como veremos, para a quase unanimidade dos

doutrinadores são termos sinônimos) constitui tão-somente o mérito do processo, isto é, a

pretensão do autor, consubstanciada no pedido inserto na sua petição inicial, sobre o qual o

juiz proferirá seu julgamento e não necessariamente todo o conflito intersubjetivo de

interesses qualificado pela pretensão de uma e pela resistência do outro.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

a) Francisco de Paula Baptista e os primeiros processualistas.

Segundo atestam os processualistas paulistas CÂNDIDO RANGEL

DINAMARCO159 e ADA PELLEGRINI GRINOVER, a história do direito processual brasileiro se

inicia “em meados do século passado [século XIX], com a figura ímpar de Paula Baptista,

mestre da Faculdade de Olinda e Recife, ainda hoje altamente considerado pela profunda

percepção de problemas fundamentais do processo civil (ação, demanda, execução)”160,

seguido de outros grandes autores processualistas como PIMENTA BUENO, JOÃO

MONTEIRO, JOÃO MENDES JÚNIOR, ESTEVAM DE ALMEIDA, GALDINO SIQUEIRA, todos de

uma fase da nossa historiografia processual onde o prisma teórico-metodológico ainda

estava focado nos estudos processuais a partir das teorias do direito material. Somente, a

posteriori, afirmam GRINOVER161 e DINAMARCO162, sobretudo, com a promulgação do

Código de Processo Civil de 1939 e, a partir dos estudos de ESTEVAM ALMEIDA e GABRIEL

DE REZENDE FILHO, ambos da Faculdade de Direito de São Paulo, de MACHADO

GUIMARÃES, no Rio de Janeiro, de AMÍLCAR DE CASTRO e LOPES DA COSTA, ambos de

Minas Gerais e, principalmente, a partir das contribuições teóricas de LUÍS EULÁLIO DE

BUENO VIDIGAL – discípulo eminente de LIEBMAN – é que haverá uma atualização e

renovação metodológicas fruto das contribuições do processualismo científico europeu que

se inicia, como vimos, a partir da obra de BÜLLOW. Assim, tendo em vista essa divisão

historiográfica da nossa doutrina processualista, estudaremos163 agora, dentre os chamados

159 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 31. 160 GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo em evolução. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998, p. 3. 161 Ibidem., p. 4. 162 DINAMARCO, op. cit. p. 33. 163 A preferência de estudar Francisco de Paula Batista, dentre os demais autores desta primeira fase da nossa historiografia processual, deu-se por dois motivos essenciais: por ser este considerado o nosso primeiro grande processualista e porque todos os demais desta fase, como Paula Batista, com poucas variações, realizaram seus estudos a partir do prisma metodológico do direito material.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

“velhos processualistas brasileiros”164, as idéias de FRANCISCO DE PAULA BATISTA a

respeito dos conceitos de Litígio e Lide, lembrando que é somente anos mais tardes que

CARNELUTTI formularia o seu conceito.

Na principal obra de PAULA BATISTA, Compêndio de Teoria e Prática do

Processo Civil165, observa-se, nitidamente, a influência das concepções romanísticas166 –

transportadas que foram para a nossa doutrina a partir da influência portuguesa – na

consecução, por parte deste processualista, dos conceitos jurídico-processuais.

Deste modo, a grande preocupação de PAULA BATISTA, na sua obra, é na

elaboração dos institutos jurídico-processuais do processo de conhecimento a partir do

conceito de ação. Assim é que na introdução e em toda a primeira parte do seu Compêndio

ele vai falar sobre as “ações e exceções em geral” e das “leis que regem o exercício das

ações”, para, em seguida, discorrer sobre o procedimento judicial.

Em assim sendo, PAULA BATISTA não formula, ou ao menos caracteriza, os

conceitos de Litígio e Lide. Poderíamos, com segurança, afirmar que, na verdade, aquilo que

modernamente nós chamamos de Lide ou mesmo de meritum causae, como definições

importantes para a teoria processual – consistindo, assim, em verdadeiras categorias

processuais – o referido processualista vai, de maneira indiscernível, mitigá-los ou mesmo

desprezá-los, em função do conceito de ação, denominando-os de várias modos tal como,

por exemplo, de questão, luta, pretensão e etc. Vejamos, a propósito disto, algumas

passagens do seu texto, onde o autor define todos os demais conceitos processuais a partir

do seu conceito de ação, in verbis:

Ante à impossibilidade em que está o homem de fazer justiça a si mesmo, concebe-se perfeitamente que, se uma parte reclama algum direito, e a outra o nega, ou recusa cumprir a obrigação correlativa, é necessário que,

164 DINAMARCO, op. cit. p. 31. 165 PAULA BATISTA, Francisco de. Compêndio de Teoria e Prática do Processo Civil. Atualização de Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: Russell Editores, 2002. 166 MOREIRA DE PAULA. Jônatas Luiz. História do Direito Processual Brasileiro: das origens lusas à Escola Crítica do Processo. Barueri: Manole, 2002, p. 340-346.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

nesta luta, uma e outra vontade sejam submetidas à ordem e à justiça por um poder superior e desinteressado, perante o qual as duas pretensões opostas sejam presentes,discutidas, verificadas e julgadas. Este direito, ou faculdade de invocar a autoridade pública (juiz) e de agir (agendi) regularmente perante ela para obter justiça, é que chamamos de ação (grifos nossos).167 Processo (procedere, marchar) é o modo de agir em juízo, ou antes, de fazer marchar a ação segundo as formas prescritas pelas leis (grifos nossos).168 Conciliação é o procedimento preliminar, e pacífico, que precede ao exercício das ações civis e comerciais, para o fim de se acomodar as partes dissidentes sobre os seus direitos (grifos nossos).169 Libelo é a dedução escrita e articulada da ação do autor, pedindo a condenação do réu (grifos nossos).170 Contestação é a legítima contradição do réu à ação do autor, que firma a questão de que o juiz tem de conhecer (grifos nossos).171 Sentença é a decisão proferida pelo juiz sobre a questão submetida ao seu conhecimento (grifos nossos).172

Assim sendo, para FRANCISCO PAULA BATISTA, Litígio e Lide são conceitos

desconhecidos, nem ao menos referenciais, ou, se quisermos assim admitir, Litígio e Lide

consubstanciam-se no exercício da ação.

b) Luis Eulálio de Bueno Vidigal, Alfredo Buzaid, José Frederico

Marques e Celso Neves.

LUIS EULÁLIO DE BUENO VIDIGAL, ALFREDO BUZAID, JOSÉ FREDERICO

MARQUES e CELSO NEVES foram discípulos do processualista italiano ENRICO TULLIO

LIEBMAN. Deste modo, é evidente na bibliografia desses autores que as suas concepções a

respeito do conceito de Lide (Litígio) são no sentido de referendarem as lições do professor

167 PAULA BATISTA, op. cit. p. 21-22. 168 Ibidem., p. 87. 169 Ibidem., p. 103. 170 Ibidem., p. 122. 171 Ibidem., p. 130. 172 Ibidem., p. 200.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

da Universidade de Parma, sem maiores diferenciações e sem, inclusive, preceituarem

alguma distinção teórica ou mesmo terminológica entre os termos Litígio e Lide. BUENO

VIDIGAL, ALFREDO BUZAID e CELSO NEVES, depois de corroborarem a tese liebmaniana a

respeito do conceito de Lide, não chegam, sequer, a enfrentar a questão de se há ou não

distinção entre Litígio e Lide; já FREDERICO MARQUES, conforme veremos, enfrenta tal

questão teórico-terminológica e assente que tais termos são caracterizados pela

indiscernibilidade de identidade.

LUÍS EULÁLIO BUENO VIDIGAL – segundo PELLEGRINI173 e

DINAMARCO174, um dos maiores processualistas brasileiros do século XX – em consonância

com a teoria de LIEBMAN, assente, categoricamente, que a Lide nada mais é do que o

mérito da causa, isto é, o conflito efetivo ou virtual de pedidos contraditórios, como na lição

liebmaniana; isto é, a Lide é aquilo que, do conflito social, foi levado ao conhecimento do

juiz pela parte autora através da petição inicial, mais precisamente, do seu pedido.

Neste mesmo sentido, em um denso estudo sobre a Lide na perspectiva do

objeto litigioso do processo, ALFREDO BUZAID, também corroborando a tese liebmaniana,

em contraposição, de certo modo, à tese carneluttiana, assim afirma, in verbis175:

Liebman conclui que a iniciativa do processo cabe ao autor: ele é que propõe o pedido e com isso suscita a lide e fixa o mérito da causa. A atitude do réu é, para esse efeito, sem conseqüência. O máximo que ele pode fazer é contestar o pedido do autor, sem alterar-lhes os limites; [...] o réu, suscitando novas questões de fato ou de direito, amplia o objeto de conhecimento do juiz, não, porém, o objeto de sua decisão. Lide é, portanto, o conflito efetivo ou virtual de pedidos contraditórios, sobre o qual o juiz é convidado a decidir (grifos nossos).

173 GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas tendências do direito processual de acordo com a constituição de 1988. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990, p. 443-449. 174 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 33. 175 BUZAID, Alfredo. Estudos e Pareceres de Direito Processual Civil. Adaptação de Ada Pellegrini Grinover e Flávio Luiz Yarshell. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 124-125.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Aliás, enquanto elaborador do Projeto do Código de Processo Civil de 1973,

BUZAID assente, textualmente, na exposição de motivos deste Código176, in verbis, que:

O projeto só usa a palavra “lide” para designar o mérito da causa. Lide é, consoante a lição de CARNELUTTI, o conflito de interesses qualificado pela pretensão de um dos litigantes e pela resistência do outro. O julgamento desse conflito de pretensões, mediante o qual o juiz, acolhendo ou rejeitando o pedido, dá razão a uma das partes e nega-a à outra, constitui uma sentença definitiva de mérito. A lide é, portanto, o objeto principal do processo e nela se exprimem as aspirações em conflito de ambos os litigantes (grifos nossos).

No mais, conforme explicitamos anteriormente, para BUZAID E BUENO

VIDIGAL, Litígio e Lide são conceitos sinônimos.

Por sua vez, JOSÉ FREDERICO MARQUES – sem dúvida alguma um dos

maiores processualistas brasileiros de todos os tempos – em sua obra Manual de Direito

Processual Civil, a respeito dos conceitos de Litígio e Lide, traz-nos importantes formulações,

posto que assente, in claris, que tais conceitos são de mesma referibilidade semântica e

fenomenológica, assim também como o é o conceito de contenda, aferindo, ainda, por

último, nesta mesma obra, uma interessante acepção do termo causa. Vejamos, in verbis177,

o que ele nos diz:

Lide e litígio são vocábulos sinônimos. O Código de Processo Civil emprega indistintamente um e outro: faz uso de litígio, por exemplo, nos arts. 25, 73, 125, 135, IV, bem como de expressões dele derivadas, como ‘direito litigioso’ (art. 42, caput), relação jurídica litigiosa (art. 5º), ‘litigar’ (art. 46) e outras; e adota a palavra lide também em vários dispositivos, como, verbi gratia, os dos arts. 22, 47, 70, 82, III, e 126. Largo emprego ainda faz aquele diploma legal do vocábulo causa, que é gênero de que o litígio constitui espécie: causa é toda e qualquer questão levada ao Judiciário, seja litigiosa ou não. Na chamada jurisdição voluntária, por exemplo, inexiste lide, havendo, no entanto, uma causa. Sinônima de litígio é ainda a palavra contenda, de nenhum emprego, porém, na terminologia legal do processo. Dela deriva contencioso, que, quando adjetivo, significa um conjunto de determinados litígios (contencioso

176 BRASIL. Código de Processo Civil. Organização dos textos, notas remissivas e índices por Manuel Augusto Vieira Neto e Juarez de Oliveira. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. 177 MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 1976, p. 153-154.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

fiscal, contencioso trabalhista etc.), suscetíveis de serem apreciados e julgados por órgão judiciário (grifos nossos).

Deste modo, para FREDERICO MARQUES, Litígio e Lide são conceitos

processuais que designam – e aí ele assente, também, a tese de LIEBMAN – o meritum

causae e que, em assim sendo, dependendo do tipo de direito em análise, pode haver Lide

de direito público ou privado, de interesses disponíveis ou indisponíveis, de natureza penal

ou não-penal e, nesses casos, a finalidade do processo é a composição de tais lides.

CELSO NEVES, em uma das suas principais obras – Estrutura Fundamental

do Processo Civil: tutela jurídica processual, ação, processo e procedimento178 – por ser,

também, como já frisamos, discípulo de LIEBMAN, adota a mesma posição deste a respeito

do conceito de Lide. Além disso, fulcrado na doutrina processual alemã, e nas descrições

feitas por PONTES DE MIRANDA a respeito da mesma, constrói conceitos importantes do

ponto de vista da teoria processual como o de ação de direito material e sua respectiva

tutela jurídica material, distinguindo-os dos conceitos de ação de direito processual e sua

respectiva tutela jurídica processual. Quanto à definições de Litígio e Lide, apesar de não

enfrentar esta questão de se há ou não uma coincidência de sentidos, da sua leitura,

podemos apreender que para ele Litígio e Lide são termos referenciais e de mesma

significação fenomênica, não sendo, necessariamente, todo ele, tal como o assentiu

CARNELUTTI, o conteúdo do processo, numa palavra, o mérito. Tanto é assim que CELSO

NEVES, em consonância com as críticas consecutadas por CALAMANDREI, em face da teoria

carneluttiana sobre a Lide, assim preceitua, in verbis179:

Embora o conceito carneluttiano de lide tenha sofrido reelaboração doutrinária, imposta pela preocupação de eliminar, dele, o caráter sociológico – não jurídico – apontado por Calamandrei, a especificação a que foi submetido denota, bem, aquela natureza diversa de atividades a que já

178 NEVES, Celso. Estrutura Fundamental do Processo Civil: tutela jurídica processual, ação, processo e procedimento. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. 179 Ibidem., p. 30.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

nos referimos e que importa sublinhar. Em verdade, uma coisa é a resistência no plano do juízo que põe em pauta a incerteza sobre quem tem razão. Outra coisa é a resistência no plano da vontade, que evidencia a necessidade de satisfazer a quem tem razão. Na primeira hipótese, a incerteza se elimina mediante uma atividade destinada a revelar, em face da pretensão, se esta se ajusta à pré-composição estabelecida pelo direito. Na segunda hipótese, destina-se a atividade, apenas, a satisfazer a pretensão.

Assentindo por último, além disso, que a Lide não predetermina em si o

objeto do processo, posto que, também, entram no âmbito da cognição do juiz, como parte

do objeto, as condições da ação, os pressupostos processuais e o que ele chamou de

supostos processuais.

c) Pontes de Miranda.

FRANCISCO CAVALCANTI PONTES DE MIRANDA, um dos maiores juristas

brasileiros de todos os tempos, desenvolveu sua extensa obra a respeito da dogmática

jurídico-processual a partir de estudos da doutrina alemã, sobretudo, a partir de autores

como WACH, KÖHLER, DEGENKOLB, GIERKE, PLÓSZ, PLANCK e outros.

Deste modo, percebemos um certo viés na sua doutrina que converge

todas as instituições e institutos jurídico-processuais por ele estudado para a doutrina da

Actio (a Klage, dos alemães), já que tal fenômeno processual, antes de se tornar o cerne das

questões processuais entre os processualistas italianos, era o grande objeto de preocupação

e conhecimento da mais antiga dogmática jurídico-processual alemã. Em assim sendo, ao

estudar o conceito de Lide, ele assim disciplina, in verbis180:

‘Ação’ ou demanda ou lide é negócio jurídico com o qual o autor põe o juiz na obrigação de resolver a questão, ainda que seja ‘se cabe a constituição, ou o mandamento’, ou a execução’. À base da sua legitimação para esse negócio jurídico estão a capacidade de ser parte e a pretensão à tutela jurídica (uma e outra pré-processuais). Da demanda é que surge o dever

180 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1996, t. I, p. XIX.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

concreto de resolver;o de dar sentença favorável é dependente de ser fundada (‘’procedente’) a ação.

Mais à frente, nestes seus Comentários ao Código de Processo Civil de

1973, ele, novamente, fundamentado na leitura que a dogmática jurídico-processual alemã

(sobretudo, WACH, WINDSCHEID, HELLWIG e BÜLLOW e os primeiros processualistas

modernos) fez do conceito de Actio no direito romano, confirma que Lide é ação, ou Litígio,

ou querela, ou disputa, conforme trecho já citado por nós neste trabalho181.

d) Barbosa Moreira.

JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, sem maiores diferenciações, reproduz

em suas obras – principalmente no seu texto O novo processo civil brasileiro182 – as lições de

LIEBMAN e que foram incorporadas por BUZAID no Código de Processo Civil de 1973. Assim,

para o processualista carioca, Lide e Litígio além de serem termos co-referencias, com o

mesmo sentido, identificam-se com o meritum causae, isto é, com aquilo que vai ser objeto

da apreciação judicial e que, em assim sendo, será acolhido ou rejeitado, a teor do que

preceituam os arts. 128, 459 e 460 do Código de Processo Civil brasileiro.

Vejamos, a propósito disso, uma passagem do seu livro, in verbis183:

Através da demanda, formula a parte um pedido, cujo teor determina o objeto do litígio e, conseqüentemente, o âmbito dentro do qual toca ao órgão judicial decidir a lide (art. 128). Ao proferir a sentença de mérito, o juiz acolherá ou rejeitará, no todo ou em parte, o pedido do autor (art. 459, 1ª parte).

181 Cf. tal trecho na página 62. 182 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O novo processo civil brasileiro. 22. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2002. 183 Ibidem., p. 10.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

e) Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Dinamarco.

A tríade mais importante da atual Escola Processual de São Paulo, formada

pelos processualistas ANTONIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA, ADA PELLEGRINI GRINOVER e

CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, todos discípulos de LIEBMAN e de processualistas

brasileiros anteriores como ALFREDO BUZAID, LUIS EULÁLIO BUENO VIDIGAL, assim, é

claro, corroboram184 a tese dos seus mestres. Isto é, definem, também, o conceito de Lide e

Litígio – para eles tais termos, no caso, são sinônimos – como sendo, de uma maneira

genérica, o mérito da causa, nos termos que anteriormente explicamos.

DINAMARCO, em sua obra Fundamentos do Processo Civil Moderno185,

apesar de criticar severamente a adoção, por parte do Código de Processo Civil, de dois

prismas metodológicos antinômicos (quais sejam, a teoria da ação e a teoria Lide) para a

edificação do seu sistema, preleciona que o conflito de pedidos (a Lide ou o Litígio) forma a

matéria lógica do processo e, in casu, o elemento formal do seu objeto, enquanto que o

conflito de interesses, na exata medida em que foi deduzido em juízo (res in iudicium

deductae), representa o seu suporte material. Em assim sendo, conclui, do mesmo modo

que LIEBMAN, que a Lide será o conflito (que nós chamamos de Litígio) depois de deduzido

e qualificado pelas partes nos pedidos formulados ao juiz ou o que, na doutrina, se

convencionou chamar de mérito da causa. Na verdade, DINAMARCO prefere associar ao

conceito de mérito apenas o de pretensão, não importando, assim, muito, para ele, a teoria

da Lide de CARNELUTTI. Vejamos o que nos diz ele, neste sentido, em sua obra A

instrumentalidade do processo186, in verbis:

184 Com exceção de Cândido Rangel Dinamarco, conforme se verá agora. 185 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil moderno. 5. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, t. I. 186 Idem. A instrumentalidade do Processo. 10. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 57-58.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

O método centrado na lide teve mais profunda aceitação no Brasil do que na Itália, onde fora proposto. Foi lá que vieram críticas a ela, certeiras. A mais conhecida foi a de Calamandrei, no sentido de que a lide, tal qual definida e delineada por Calamandrei, ‘pertence ao mundo sociológico, não ao jurídico’, e que, ‘para poder a lide entrar no processo precisa, pois, que ela seja apresentada ao juiz, não no seu aspecto sociológico, mas no jurídico’ (cfr. Calamandrei, ‘Il conccetto di lite nel piensero di Francesco Carnelutti’, II, n. 11, esp. p. 93). Essa crítica procedente foi endossada por Liebman, num dos seus escritos brasileiros: ‘a lide, tal como entende Carnelutti, é conceito sociológico e não jurídico’ e ‘o conflito de interesses não entra para o processo tal como se manifestou na vida real, mas só indiretamente, na feição e configuração que lhe deu o autor em seu pedido’ (cfr. Liebman, ‘O despacho saneador e o julgamento do mérito’, esp. nn. 7-9, pp. 114 ss.).

Arrematando de forma interessante, quanto à coincidência dos termos Lide

e Meritum Causae, como propôs a doutrina brasileira fundamentada em LIEBMAN, in

verbis187, que:

No Brasil, o empenho em ‘salvar’ o conceito de lide e transportá-lo do mundo sociológico para o mundo jurídico levou a tentativas que acabaram por distorcê-lo por completo e apresentá-lo completamente destituído de conteúdo útil. Trata-se de encontrar a substancia do objeto do processo (streitgegenstand), ou seja, de encontra aquilo que constitui o meritum causae. Pois, na passagem do sociológico para o jurídico, os juristas definiram a lide como sendo, então, ‘o conflito de interesses, na medida em que foi deduzido em juízo’ (cfr. Liebman, ‘O despacho saneador’, cit., 9, esp. p. 121); ‘pedido e contestação representam dois pedidos em conflito’ (id. Ib., esp. p. 120). Ora, desconsiderando a lide existente antes do processo (‘a razão de ser, a causa remota’: op. Cit. n. 7, p. 118), esse modo de ver a lide do ponto de vista jurídico deixa-a sem aptidão a explicar alguma coisa. Se lide é o mérito e mérito é a lide, segue-se que um dos dois vocábulos é supérfluo e o acréscimo do primeiro na linguagem do jurista constituiria uma excrescência. A sinonímia não seria nociva, se fosse mera sinonímia e não conduzisse à ilusão de poder fazer coabitar no mesmo diploma processual o método que tem a lide ao centro e o que tem a ação, como se eles não se repudiassem.

Em outra obra sua, os seus Fundamentos do Processo Civil Moderno188,

DINAMARCO corrobora tal pensamento assentindo que cada vez mais estava convencido da

inadequação da colocação do conceito de Lide (Litígio), como prisma metodológico, na teoria

do processo, e no atual Código de Processo Civil brasileiro, pelos motivos retro expostos. 187 Ibidem., p. 56. 188 Idem. Fundamentos do Processo Civil moderno. 5. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, t. I, p. 253-254.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

ADA PELLEGRINI GRINOVER, por sua vez, em sua obra consecutada em

parceria com ARAÚJO CINTRA e o já comentado CÂNDIDO DINAMARCO, assente que o

temário do meritum causae constitui uma das categorias fundamentais da Ciência Jurídico-

Processual e que este, no caso, seria formatado a partir da res in iudicium deductae, isto é,

do conflito consubstanciado na pretensão e na resistência, numa palavra, a partir da Lide (ou

Litígio). Percebe-se, assim, conforme já explicitamos, a influencia de LIEBMAN para a

formação do seu pensamento (que, nestes termos, é o mesmo de ARAÚJO CINTRA).

PELLEGRINI e ARAÚJO CINTRA ainda – exatamente de acordo com os

preceitos liebmanianos e calamandreinianos – assentem que para se transferir a posição de

FRANCESCO CARNELUTTI, a respeito do conceito de Lide, do plano sociológico para o

jurídico, basta identificar o meritum causae com a parcela desta (Lide) que é deduzida pelo

autor, em juízo, preceituando, assim, que o conflito de interesses existente entre as partes

fora do processo é a razão de ser, isto é, na terminologia processual, a causa remota, mas

não o objeto do processo.

Por último, é de se salientar que ADA PELLEGRINI189 adota o conceito de

Lide, inclusive, para o processo penal, muito embora chegue a afirmar que em vez de se

falar em Lide penal é preferível que se fale em controvérsia penal. Mais à frente, quando

discorrermos sobre a Lide como conteúdo do processo penal, discorreremos mais sobre a

noção desta autora a respeito desta temática.

f) Moacyr Amaral Santos.

MOACYR AMARAL SANTOS, na sua principal obra, a respeito do conceito de

Lide, segue a concepção de CARNELUTTI com as formatações que o Código de Processo

Civil lhe deu, isto é, sendo a Lide igual ao meritum causae, muito embora nos pareça que o 189 GRINOVER, Ada Pellegrini. As condições da ação penal. São Paulo: Bushatsky, 1974; Idem. Novas tendências do direito processual de acordo com a constituição de 1988. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990 e Idem. O processo em evolução. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

processualista paulista tenha confundido ou não tenha sido muito claro, pelo menos nesse

seu trabalho, ao falar dos conceitos de Lide e meritum causae. Vejamos, in verbis, o que ele

diz em vários trechos da sua obra Primeiras linha de Direito Processual Civil190:

[...] litígio ou lide [...] se caracteriza por ser um conflito de interesses em que à pretensão de um dos sujeitos se opõe a resistência do outro (grifos nossos).191 Compor a lide é função da jurisdição. Processo, enfim, é meio de que se vale o Estado para exercer sua função jurisdicional, isto é, para resolução das lides e, em conseqüência, das pretensões.192 Também mais de uma vez já se falou qual seja o objeto do processo. A finalidade do processo é a composição da lide. Na lide se contém uma pretensão resistida, ou insatisfeita. É a pretensão que dá origem à lide, e, por isso mesmo, ao processo. Este se instaura porque o autor formula um pedido, deduzindo uma pretensão. E o seu pedido é o de que o juiz acolha a sua pretensão, sem embargo da resistência que lhe opuser o réu. Objeto do processo, pois, é a pretensão do autor. Conhecendo da ação, o juiz acolherá ou não a pretensão, de qualquer forma compondo a lide. Assim pode-se dizer, com CARNELUTTI, que o processo é continente de que a lide é conteúdo. Em síntese, o processo é o continente, a lide seu conteúdo, a pretensão seu objeto.193

Assim, é de se salientar que a Lide só é o conteúdo do processo para o

nosso Código de Processo Civil e para a maioria da nossa dogmática jurídico-processual se

esta for reduzida ao conceito de mérito, conforme temos explicitado, na visão dos principais

autores da nossa doutrina, até então.

No mais, como ficou claro, para AMARAL SANTOS, Lide e Litígio são termos

de mesma referibilidade fenomênica e de semântica coincidentes.

190 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de Direito Processual Civil. 22. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2002, v. 1. 191 Ibidem., p. 9. 192 Ibidem., p. 270. 193 Ibidem., p. 271.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

g) Galeno Lacerda.

O processualista GALEANO LACERDA, professor no Rio Grande do Sul, em

seus Comentários ao Código de Processo Civil194, corrobora as teses carneluttianas,

sobretudo no que diz respeito à tomada do conceito de Lide como identificador e

caracterizador da jurisdição estatal. Nesse sentido, assente ele que, embora a doutrina tenha

feito inúmeras restrições às teses carneluttianas, no sentido de elevar à categoria de

caractere essencial da jurisdição a Lide, esta, indubitavelmente, é a única maneira de

diferenciar os atos jurídicos dito jurisdicionais dos atos jurídicos dito administrativos.

A Lide – que, para ele, seria o mesmo que Litígio, isto é, conflito levado a

juízo – é o fato jurídico que dá causa à relação jurídico-processual. Trata-se de uma

realidade dialética que, ao se consubstanciar no processo, compreende um complexo de

questões – de direito e de fato – controvertidas que devem ser conhecidas e julgadas pelo

juiz. E o juiz, em assim fazendo, estará exercendo a função jurisdicional.

Nestes termos, a verdadeira jurisdição é aquela que visa à composição da

Lide (Litígio), assentindo, assim, com a distinção que CARNELUTTI faz entre função

jurisdicional e função processual. Deste modo, reconhece ele que o juiz ora jurisdiciona, ora

administra, dentro do processo jurisdicional, consoante venha a resolver a lide e as questões

a ela inerentes ou simplesmente, na linguagem calamandreiniana, ordena no processo, no

caso das medidas cautelares, da execução e da jurisdição voluntária.

Por fim, ele afirma categoricamente que o conceito de Lide não só é

importante como prisma metodológico da teoria processual e da sistemática do nosso Código

de Processo Civil, como deveria ser ampliado de modo a não só abordar conflito de

interesses privados, mas também conflitos de interesses públicos, como nos casos do

194 LACERDA, Galeno. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1980, t. I, v. VIII.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

processo penal e do processo civil inquisitório. Lide ou Litígio, enfim, para ele, é o elemento

essencial e (con)formatador da jurisdição.

h) Arruda Alvim:

ARRUDA ALVIM, em seu Código de Processo Civil Comentado195,

discorrendo sobre os conceitos de objeto do processo e objeto litigioso do processo,

disciplina que o objeto do processo é um conceito mais amplo que abrange o objeto litigioso

do processo, isto é, o que se convencionou chamar, na esteira das lições de CARNELUTTI e

LIEBMAN, de Lide ou mérito, mais as questões suscitadas pelo réu em sua resposta à

demanda do autor.

Assim, para ele, o objeto litigioso do processo seria o conflito de interesses

qualificado pela pretensão do autor, numa palavra, a Lide (Litígio), ou o meritum causae. Por

sua vez, o objeto do processo seria composto pelas questões levantadas pelo réu acrescidas

do objeto litigioso, isto é, da pretensão do autor e, em assim sendo, tudo isso é que seria

objeto do processo e sobre o qual incidiria a atividade jurisdicional.

Tal concepção de ARRUDA ALVIM é criticada por alguns processualistas,

pois, na verdade, o que ele chama de objeto do processo é aquilo que, na melhor técnica

doutrinária, é chamado de objeto da cognição do juiz, no caso, o objeto formal do processo.

i) Ovídio Batista e Fábio Gomes:

OVÍDIO BATISTA, outro grande processualista do Rio Grande do Sul, na

sua influente obra Sentença e Coisa Julgada (ensaios e pareceres)196, ao expor importantes

195 ARRUDA ALVIM, Eduardo. Curso de direito processual civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 49, 387, 411. 196 BATISTA DA SILVA, Ovídio A. Sentença e Coisa Julgada (ensaios e pareceres). 4. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

considerações sobre o âmbito de significação da Lide e das questões da Lide na doutrina

carneluttiana e seus influxos e reflexos na formação da coisa julgada, tendo em vista o que

preceitua o nosso Código de Processo Civil, assim explica, em algumas passagens, in verbis:

[...] a lide, por definição, vem delimitada, com seus contornos nitidamente estabelecidos, na petição inicial, tal como a formulou o autor, o qual, na sua atividade processual subseqüente, poderá e, na generalidade dos casos, deverá oferecer novos elementos visando a precisá-la, torná-la compreensível aos olhos do juiz, para que este possa cumprir com exatidão seu dever de prestar a tutela jurisdicional, que nunca poderá ser maior, ou menor, ou diversa da que foi pedida pelo demandante. [...] as questões contidas implicitamente nessa lide hão de ser abrangidas, inexoravelmente, pela coisa julgada, se constituírem antecedente lógico necessário para a solução expressa da decisão final(grifos nossos).” 197 “O processo então ‘compreende todas as questões cuja solução constitua um pressuposto necessário para o julgamento da lide’; contudo essas questões integram a demanda, quer sejam debatidas, quer não, contanto que sejam um prius em relação à conclusão, como diz o professor Buzaid, ou seja, um pressuposto para a solução da demanda, como afirma Carnelutti.198

O que o processualista gaúcho quis assentir é que o conceito de Lide (ou

Litígio, posto que para ele são termos indiscerníveis), que tantas vezes é utilizado no corpo

dos dispositivos do Código de Processo Civil brasileiro, deve ser entendido, como na lição

liebmaniana, um pouco diferente da sistemática teórico-conceitual construída por

CARNELUTTI, sobretudo, no caso da análise que ele faz, quanto às questões atinentes à res

judicata e seus reflexos em outros institutos jurídico-processuais como a litispendência, por

exemplo.

FÁBIO GOMES, por sua vez, em sua obra conjunta com OVÍDIO BATISTA,

qual seja, Teoria Geral do Processo Civil199, embora discorde do pensamento de LIEBMAN,

quanto à teoria das condições da ação, corrobora a tese do mestre italiano no que diz

197 Ibidem., p. 122. 198 Ibidem., p. 125. 199 BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. e GOMES, Fábio. Teoria Geral do Processo Civil. 3. ed. rev. atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

respeito ao conceito de Lide (ou Litígio, já que pare ele eram sinônimos), identificando-o,

assim, ao conceito de mérito da causa. Vejamos o que ele diz, in verbis200:

Lide é conceituada por Liebman como conflito efetivo ou virtual de pedidos contraditórios. Não aceita ele, por conseguinte, o conceito carneluttiano, com toda razão, afirmando, apoiado em Calamandrei, que se o conflito de interesses não entrar para o processo tal como verificou-se na vida real, descaberá ao Juiz conhecer do que não constitui objeto do pedido. Já o conceito de mérito identifica-se com o de lide. Incluem-se no mérito todas as questões que, de qualquer forma, refiram-se à controvérsia existente entre as partes e submetida ao conhecimento do Juiz, cuja solução pode levar ao julgamento do pedido, quer para acolhê-lo, quer para rejeitá-lo (grifos nossos).

j) Ernane Fidélis, Humberto Theodoro e Vicente Greco Filho.

Os três processualistas – ERNANE FIDÉLIS, HUMBERTO THEODORO e

VICENTE GRECO – em seus manuais, por certo dogmáticos, sobre o processo civil brasileiro,

ratificam a posição doutrinária de LIEBMAN a respeito do conceito de Lide (que também para

eles significa o mesmo que Litígio), posição esta que, inclusive, como sabemos, é a adotada

no Código de Processo Civil em vigor.

ERNANE FIDÉLIS, em seu Manual de Direito Processual Civil201, quanto ao

conceito de Lide, identificando-o com o de mérito e, inclusive, com o de petitum, assim,

assente, in verbis:

O juiz, após verificar que ocorrem os pressupostos processuais (ausentes os de ordem negativa) e as condições da ação, passa a julgar o mérito. O mérito é a matéria de fundo do Processo de Conhecimento e do Cautelar. No Processo de Conhecimento é o próprio litígio, a lide, que constitui seu objeto. A lide é o conflito de interesses, qualificado por uma pretensão resistida. [...] Se uma formula pretensão e a outra resiste, nasce o litígio, a lide, mas ainda como fenômeno puramente sociológico. A lide, na acepção tomada pelo Direito Processual, não é fenômeno que se passa extraprocesso. Ela se revela exclusivamente no processo. O autor,

200 Ibidem., p. 115. 201 SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil. 9. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2002, v. 1, p. 545.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

quando propõe a ação, não faz simples denúncia do conflito de interesses e de sua pretensão resistida. Ele vai além: formula pedido de providência jurisdicional concreta que satisfaça seu interesse. No pedido se encontra a limitação da lide. Pedido, lide e mérito são, portanto, figuras processuais que se equivalem (Grifos nossos).

HUMBERTO THEODORO, do mesmo modo, em seu Curso de Direito

Processual Civil202, afirma que o conflito de interesses deduzido em juízo pelo autor através

da petição é que conforma a Lide, isto é, o mérito da causa, sendo, no caso, Lide e Litígio,

também, termos referenciais e de mesma semântica. Vejamos, in verbis, o que ele nos diz:

Extinção do processo com julgamento do mérito. Lide e mérito da causa são sinônimos para o Código. O pedido do autor, manifestado na propositura da ação, revela processualmente qual a lide que se pretende compor através da tutela jurisdicional. ’o julgamento desse conflito de pretensões (lide ou litígio), mediante o qual o juiz, acolhendo ou rejeitando o pedido, dá razão a uma das partes e nega-a a outra, constitui uma sentença definitiva de mérito’. Outras vezes, as próprias partes se antecipam e, no curso do processo, encontram, por si mesmas, uma solução para a lide. Ao juiz,, nesses casos, compete apenas homologar o negócio jurídico praticado pelos litigantes, para integrá-lo ao processo e dar-lhe eficácia equivalente ao julgamento do mérito. É o que ocorre quando o autor renuncia ao direito material sobre o que se funda a ação (art. 269,V), ou quando as partes fazem transação sobre o objeto do processo (art. 269, III). Nesses casos, como em todos os demais em que, por um julgamento do juiz ou por um outro ato ou fato reconhecido nos autos, a lide deixou de existir, haverá sempre, para o código, extinção do processo com julgamento do mérito, ainda que a sentença judicial seja meramente homologatória (grifos nossos).

Por sua vez, VICENTE GRECO FILHO, em seu Direito Processual Civil

Brasileiro203, depois de corroborar a posição da maioria da doutrina processual nacional a

respeito da identificação do conceito de Lide (ou Litígio) com o de mérito, assente, in

verbis204, quanto ao objeto litigioso do processo, que:

202 JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil. 33. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, v. 1., p. 287. 203 FILHO, Vicente Greco. Direito Processual Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003. 204 Ibidem., p. 58.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Várias posições doutrinárias procuraram definir de maneira diferente o objeto da relação processual. Assim, por exemplo, para Carnelutti, o objeto do processo é a composição da lide, o conflito de interesses. Na atualidade, porém, domina o entendimento de que o objeto litigioso do processo é ‘o pedido de decisão judicial contido no pedido inicial’, ou seja, a pretensão processual. O bem jurídico material pretendido pela atuação jurisdicional é o objeto da própria relação de direito material, pretendido como efeito do processo, o qual tem como objeto o próprio pedido de determinada prestação jurisdicional, que pode ser de conhecimento (condenatório, constitutivo ou declaratório), de execução (também chamado satisfativo) ou cautelar.

k) Luiz Guilherme Marinoni.

MARINONI, em sua obra conjunta com SÉRGIO CRUZ ARENHART, qual

seja, Manual do Processo de Conhecimento205, apesar de não tecer maiores comentários

sobre o conceito de Lide e Litígio, assente com a tese adotada no nosso Código de Processo

Civil no sentido de identificação do conceito de Lide (ou Litígio) com o de meritum causae ou

o thema decidendum.

l) Rogério Lauria Tucci.

ROGÉRIO LAURIA TUCCI, em seu Temas e problemas de Direito

Processual206 assente, reproduzindo as lições de ALFREDO BUZAID e do próprio

CARNELUTTI, que a Lide é a representação do conflito perante o juiz. Afirma ele que a Lide

está no processo, pois, sem este, ela é como um quadro sem tela. A Lide, em assim sendo,

seria um pressuposto do próprio processo, havendo entre eles – processo e Lide – uma

relação de continência, onde o continente seria o processo e o conteúdo deste a Lide (ou

Litígio).

205 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do Processo de Conhecimento: a tutela jurisdicional através do processo de conhecimento. 2. ed. rev. atual. amp. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. 206 TUCCI, Rogério Lauria. Temas e problemas de Direito Processual. São Paulo: Saraiva, 1983.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Assente ainda ele que a Lide ou Litígio é uma categoria jurídica meta e

extraprocessual que constitui, em si, o objeto material do processo, depois de moldado pela

pretensão do autor que está consubstanciada no pedido inserto na petição inicial.

Em estudo mais recente, Teoria do Direito Processual Penal207, discorrendo

sobre a Lide no processo penal e a irrelevância deste conceito no contexto deste tipo de

processo, afirma, ainda, que, tendo em vista o caractere da impessoalidade dos interesses

contrapostos que determinam, assim, o traço de indispensabilidade do contraditório, como

forma inelutável de se atingir a finalidade do processo penal (a busca da verdade real), a

lide, no processo penal, deve ser concebida como um conflito de interesses de alta

relevância social que só pode ser solucionado pelo pronunciamento judicial emanado de um

órgão judiciário competente e que, em assim sendo, não pode ser solucionado, em hipótese

alguma, por meio exoprocessual, sendo, nestes termos, inevitável, necessário e

imprescindível tal processo judicial penal.

m) José Rogério Cruz e Tucci.

CRUZ E TUCCI, embora não enfrente, de modo direto, o conceito de Litígio

e Lide, sistematicamente, podemos assentir que ele corrobora, em duas das suas principais

obras, quais sejam, A Causa Petendi no Processo Civil208 e Tempo e Processo209, também, a

tese carneluttiana, re-elaborada por LIEBMAN, sem maiores distinções.

Vejamos o que ele diz em Tempo e Processo, in verbis210:

Com a eclosão da lide, que é um fenômeno metaprocessual, em muitas ocasiões, a parte que se sente prejudicada necessita buscar a satisfação de

207 Idem. Teoria do Direito Processual Penal: Jurisdição, Ação e Processo Penal (Estudo sistemático). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. 208 CRUZ e TUCCI, José Rogério. A Causa Petendi no processo civil. 2. ed. rev. atual. amp. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. 209 Idem. Tempo e Processo: uma análise empírica das repercussões do tempo na fenomenologia processual (civil e penal). 2. ed. rev. atual. amp. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997. 210 Ibidem., p. 24.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

seu direito pela via jurisdicional. Três são os esquemas clássicos de tutela, dependendo da pretensão a ser formulada, que são colocados à disposição do demandante pelo nosso sistema processual. Com efeito, o processo de conhecimento tem por finalidade o proferimento de uma sentença compositiva do conflito de interesses existente entre os litigantes; o processo de execução visa à satisfação do direito que a sentença condenatória (ou título a ela equiparado) declarou pertencer à parte vitoriosa; e o processo cautelar tem por escopo assegurar a efetividade da tutela a ser concedida no futuro.

n) Fernando da Costa Tourinho Filho.

TOURINHO FILHO, que junto com TORNAGHI e ESPÍNOLA FILHO211,

constitui a tríade mais importante da dogmática jurídico-processual penal brasileira, assente,

na sua influente obra Processo Penal, com a doutrina carneluttiana de Lide, com as devidas

restrições elaboradas por LIEBMAN.

Nesta sua principal obra, Processo Penal212, ele, além de assentir com a

posição carnelutti-liebmaniana, considera os conceitos de Lide e Litígio como coincidentes e,

em assim sendo, de mesma significação. Aliás, no que diz respeito ao uso dos mesmos, ele

prefere até a adoção do termo Litígio ao de Lide. Diz ele, in verbis213:

Os conflitos de interesses, dos mais singelos aos mais complexos, verificam-se com freqüência. Por outro lado, quando o ‘sujeito de um dos interesses em conflito encontra resistência do sujeito do outro interesse’. fala-se em lide. Esta é, pois, na difundida lição de Carnelutti, um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida ou insatisfeita [...]. [quando] a pretensão de Tício está encontrando resistência, diz-se que há litígio ou lide (grifos nossos).

Além disso, TOURINHO FILHO, alarga o conceito carneluttiano para o

âmbito do processo penal, assentindo, porém, que o Litígio ou Lide, no processo penal, tem

uma natureza suis generis, tendo em vista a qualidade e especialidade do bem jurídico que é 211 Na obra de ESPÍNOLA FILHO, embora encontremos a noção de pretensão punitiva ele não faz alusão a tal conceito como um dos componentes da Lide ou Litígio penal (Cf. ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. Código de Processo Penal brasileiro anotado. 6. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1965). 212 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 19. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 1997. 213 Ibidem., p. 5.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

deduzido em juízo. Esclarece ele que a Lide penal é formada a partir da pretensão punitiva

do Estado e, mesmo que o autor da conduta punível não queira resisti-la deve fazê-lo, posto

que o Estado, também, imprescindivelmente, tutela e ampara o direito de liberdade do ora

réu. Mais tarde, quando estudarmos, a Lide como conteúdo do processo penal, veremos

melhor tal assertiva.

o) Hélio Tornaghi.

Por fim, HÉLIO TORNAGHI – o último autor da dogmática jurídico-

processual nacional a ser analisado aqui nesta análise teórico-conceptual e histórico-

descritiva dos institutos jurídico-processuais Lide e Litígio –, diferentemente do pensamento

de toda a dogmática jurídico-processual, seja ela estrangeira ou nacional, apresenta-nos

uma importante distinção entre os conceitos de Litígio e Lide.

Tal posição de HÉLIO TORNAGHI, quanto aos conceitos de Litígio e Lide, é,

aliás, de suma importância para o presente trabalho, posto que é na mesma direção da tese

do processualista que elaboramos a construção analítico-distintiva em torno de tais

conceitos. No caso, diferente de toda a doutrina anterior e posterior, HÉLIO TORNAGHI – na

nossa direção –, distingue214 os conceitos dos termos Litígio e Lide, assentindo, em linhas

gerais, que a Lide é aquilo que do Litígio foi deduzido em juízo.

Assim, para ele, o conteúdo da Lide é formado pela dedução em juízo,

através da demanda do autor, do conflito de interesses – o Litígio – que ocorreu na

concretude social. Tanto é assim, diz ele, que muitas vezes o conteúdo daquilo que se

convencionou denominar de Lide é menor que o conflito – o Litígio – que ocorreu na

realidade social.

214 Muito embora se evidencie que tal distinção proposta por ele carece de uma maior fundamentação teórico-conceitual – e até mesmo empírico-pragmática –, problema esse que, despretensiosamente, tentaremos resolver no presente trabalho.

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2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.2 – Dogmática Jurídico-Processual Nacional.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Abaixo, apresentamos, embora longo, o texto da sua obra “A relação

processual penal”215 na qual ele faz a distinção acima apresentada entre os conceitos Lide e

Litígio. Tal texto, inclusive, mais à frente, será de suma importância na compreensão da tese

aqui defendida, in verbis216:

A lide é aquela parte do litígio entre duas ou mais pessoas, regulado pelo Direito Substantivo, e que é levada à decisão do juiz por uma das partes conflitantes. Pode ter por objeto uma relação de Direito Público ou uma de Direito Privado. Em trabalhos anteriores usei sempre a palavra litígio para designar o choque de interesses submetido à decisão do juiz por uma das partes conflitantes. Agora emprego a palavra lide pelos seguintes motivos: - lide é o vocábulo que aparece na literatura e nas leis de processo; - dele e de sua forma latina (lis, litis) provêm os derivados litispendência, litisconsórcio, quota litis, in limine litis, litisdenunciatio, contestação da lide, curador à lide etc.; - o conteúdo daquilo que se convencionou chamar lide pode ser menor que o do litígio. Esse é a controvérsia entre duas ou mais pessoas acerca de matéria disciplinada pelo Direito Substantivo; o termo lide, usado no Direito Processual, indica apenas aquela parte do litígio que é proposta à decisão do juiz. O autor de uma ação pode pleitear apenas uma porção daquilo a que se julga com direito e é objeto de choque com outra pessoa. Ainda que o juiz saiba que o litígio versa sobre outros pontos, não pode conceder o que o autor não pediu. Tem que cingir-se aos limites da lide; - entre os romanos, o termo lis, litis era usado tanto para designar o processo quanto para indicar o objeto dele. Mas os conceitos foram depurados e o que hoje chamamos lide é o litígio, na medida em que é levado a juízo. Na realidade, a controvérsia jurídica, o litígio, é anterior ao processo e pode não ser em tempo algum levado a juízo. Se ali é apresentada, torna-se controvérsia judiciária, lide, cuja extensão pode coincidir com a do litígio ou ser menor que a dele, se somente uma parte do litígio é levada à decisão do juiz. O processo é sempre uma relação de Direito Público; o litígio, que temporalmente o antecede, e a lide, que é objeto da decisão do juiz, pode ser de Direito Privado (grifos nossos).

Muito bem. Consecutada esta análise teórico-conceptual e historiográfico-

descritiva dos institutos jurídico-processuais Litígio e Lide, pudemos, evidenciar, in claris,

que, do ponto de vista da dogmática jurídico-processual, seja ela estrangeira ou nacional –

e, como vimos, até mesmo do ponto de vista do sistema normativo-jurídico-processual

215 TORNAGHI, Hélio. A relação processual penal. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 1987. 216 Op. cit. p. 243-244

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2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.2 – Dogmática Jurídico-Processual Nacional.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

brasileiro, desde a edição das Ordenações Filipinas até o atual Código de Processo Civil de

1973 – tais termos têm sido, em geral, abordados e concebidos como de mesma significação

fenomênica, conceptual e terminológica, sendo caracterizados, assim, conforme temos

preceituado, pelo caractere lógico da indiscernibilidade de identidade; indiscernibilidade essa

que, além de ser injustificável, tanto do ponto de vista teórico-conceptual, quanto do ponto

de vista empírico-crítico, como estamos a afirmar na presente dissertação, traz sérias

repercussões e implicações na teoria processual e, por conseguinte, na Ciência Jurídico-

Processual.

O que ocorreu exatamente é que, como vimos, depois que CARNELUTTI

formulou o conceito de Lide – não distinguindo este do conceito de Litígio – o que os

processualistas posteriores fizeram foi, em geral, apenas corroborar ou modificar, mesmo

que apenas em parte, a tese carneluttiana, sem se preocuparem com a problemática

distintiva aqui proposta217. Isso ocorreu, por exemplo, com CALAMANDREI e, mais

recentemente, com LIEBMAN, quando tais doutrinadores assentiram em parte o conceito de

Lide, mas identificando este, não com o conflito intersubjetivo qualificado pela pretensão e

pela resistência, como CARNELUTTI o fez, mas sim com o mérito da causa; mérito este que

seria formatado pelo pedido formulado pelo autor na petição inicial. Destarte, tais

processualistas, assim como também os demais, com exceção, entre os processualistas

nacionais, de TORNAGHI, não se preocuparam em tecer qualquer distinção entre o conflito

que ocorreu no plano factual – ao qual denominamos de Litígio – e aquilo que do conflito

social fora deduzido em juízo – ao qual denominamos de Lide, fato esse que levou a doutrina

processual, quase que uníssona, a considerar Lide e Litígio como termos, institutos jurídico-

processuais, referenciais e indiscerníveis.

Na verdade, tal indiscernibilidade e despreocupação teórico-terminológica

decorrem de uma outra problemática, qual seja, porque até hoje não há ainda no campo das 217 Aliás, conforme pudemos perceber, os autores da dogmática processual, muitas vezes, confundiram os conceitos de Lide e Litígio com os de outros institutos jurídico-processuais como causa, res in iudicium deductae, demanda, e etc.

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2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.2 – Dogmática Jurídico-Processual Nacional.

149

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Ciências Jurídicas, como um todo, seja esta considerada do ponto de vista dogmático ou até

mesmo zetético (e, desse modo, na Ciência Jurídico-Processual), uma grande preocupação

com os aspectos teórico-método-terminológicos na apreensão, manejo e formação do

conhecimento jurídico. De tal modo que, conforme expomos no conspectus deste trabalho, o

que observamos é que o Direito – como um conhecimento técnico-científico que é – é

constituído por um aglomerado de teorias, de instituições e institutos jurídicos com

ambivalência de significações, com atributividade e referibilidade antinômicas, sem formar

uma rede conceitual coesa e relacional. E, em assim sendo, o que ocorre é que, em não se

adotando uma terminologia específica, construída em bases científicas, como estamos a

propor no presente trabalho, não há como se falar em Ciência do Direito e, por conseguinte,

em Ciência Jurídico-Processual, conforme veremos na próxima seção. Vejamo-a, então.

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3 – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA

CIÊNCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.

A primeira exigência do progresso da ciência processual é a pureza dos conceitos e a propriedade dos vocábulos.

CARNELUTTI

Importa muito para o jurista prático conhecer o vocabulário com que tem de jogar, acompanhando ou dirigindo um processo.

COSTA CRUZ

A desgraça da ciência jurídica são as incertezas terminológicas.

TÚLIO ASCARELLI

Uma palavra para cada idéia, uma idéia para cada palavra, eis um programa que não é de natureza a favorecer somente a ciência do Direito, mas também de molde a fazer diminuir o império da chicana e acrescentar a força da Justiça e da paz social.

RENÉ CASSIN

A distinção teórico-conceptual e empírico-crítica que nos propomos a

consecutar neste trabalho de pesquisa científica, conforme temos, constantemente,

assentido, justifica-se, precipuamente, em face da imprecisão teórico-terminológica e,

também, epistemo-metodológica218, da Teoria Geral do Processo – e, por conseguinte, da

Ciência Jurídico-Processual – frente à definição, denominação, uso e menção dos termos,

Litígio e Lide. Assim, pelo que temos visto até aqui, na acepção assente e majoritária da

dogmática jurídico-processual, seja ela estrangeira ou nacional, tais institutos têm sido, em

geral, abordados como elementos conceptuais de mesma referibilidade e significação.

O que ocorre é que tal problemática de indiscernibilidade, sinonímia e

equivocidade dos institutos sub examen leva – juntamente com outras incongruências219,

218 Neste sentido, Cândido Dinamarco preceitua que a doutrina processual nacional, impulsionada pelo sistema jurídico-processual brasileiro, realiza, ainda hoje, suas construções teórico-conceituais utilizando, indistintamente, como pólos metodológicos, a teoria da lide de Carnelutti e a teoria da ação de Liebman; teorias essas que, efetivamente, se não antinômicas, pelos menos são incompatíveis entre si (cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil moderno. 5. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, t. I, p. 253-254.). 219 Cândido Dinamarco, em sua obra Fundamentos do Processo Civil moderno, aponta-nos diversas incoerências e incongruências termino-epistemológicas existentes no sistema normativo jurídico-processual e que foram, por descuido ou até mesmo acomodação da dogmática, incorporadas nas diversas obras dos processualistas nacionais. Neste sentido ele afirma: “O Código de Processo Civil de 1973, apesar das circunstâncias favoráveis em que foi editado, obviamente muita coisa encontrou diante de si para demolir, da velha estrutura representada pelo de 1939. [...] É compreensível, então, que do entulho aproveitado algum resíduo viesse a ficar aparente – resíduos que talvez imperceptivelmente foram aplicados nas colunas da edificação de 1973”. Desse modo, prossegue ele: “A doutrina brasileira do processo civil [...], embora criticando essas classificações tecnicamente

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3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.

151

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

também de ordem teórico-método-terminológica, do nosso sistema de conhecimento

jurídico-processual – à formação de uma teoria processual e, conseqüentemente, de um

conhecimento jurídico-processual que não atende, estritamente, aos pressupostos teórico-

metodológicos do conhecimento científico.

Assim sendo, uma produção cognitiva deste tipo não pode ser considerada

e enquadrada na categoria de conhecimento científico, isto é, como uma Ciência Jurídico-

Processual, nem do ponto de vista dogmático e, muito menos, do ponto de vista zetético220.

Por quê? Porque o grau de indispensabilidade e cientificidade de determinada área do

conhecimento é diretamente proporcional à observância, rigorosa e estrita, de certos

pressupostos e requisitos de ordem terminológico-conceitual, pois esses constituem –

juntamente com o instrumental teórico-metodológico que o sujeito cognoscente deve utilizar

para a apreensão e manejo do objeto de estudo e os atributos da neutralidade axiológica, da

asseptabilidade, da assertibilidade e da verdade – as denominadas, por nós, condições de

validade método-epistemo-lógicas de uma ciência.

incorretas, é obrigada a levá-las em conta, porque ‘legis habemus’ e todo trabalho dogmático há de ser construído sobre o que existe no direito positivo” (cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil moderno. 5. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, t. I, p. 141 e 156.). Na verdade, data vênia ao mestre paulista, o papel exercido pelo processualista, mesmo do ponto de vista dogmático e, principalmente, do ponto de vista zetético, no caso, é de desconstrução dessas imprecisões e equivocidades terminológicas e não de perpetuação das mesmas, sob pena de estar produzindo qualquer tipo de conhecimento, mas não um conhecimento técnico-científico. 220 Tércio Sampaio Ferraz Jr., neste sentido, e demonstrando, principalmente, as vacilações teórico-terminológicas da dogmática jurídica – posto que essa, pela sua própria função pedagógica e institucional, como assentimos anteriormente, fulcrado na teorização deste mesmo jurista, não tem uma maior preocupação com a utilização de uma terminologia especifica e apurada – assim afirma: “Ao contrário das teorias zetéticas, as dogmáticas, preocupadas com a decidibilidade de conflitos, não cuidam de ser logicamente rigorosas no uso de seus conceitos e definições, pois para elas o importante não é a relação com os fenômenos da realidade (descrever os fenômenos), mas sim fazer um corte na realidade, isolando os problemas que são relevantes para a tomada de decisão e desviando a atenção dos demais.”. Mais à frente, continua ele: “Assim, os conceitos mais importantes da dogmática, usados de modo não problemático (por exemplo, o conceito de vigência, vigor, eficácia), reúnem, simultaneamente, aspectos de conteúdos descritivos e de fórmulas de ação.” (FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, decisão e dominação. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 87). O fato é que, mesmo para cumprir a sua missão maior, o seu problema central, que é a decidibilidade de conflitos, a chamada Ciência Dogmática do Direito (e daí Ciência Dogmática do Direito Processual), para assim ser considerada e, inclusive, para evitar problemas no próprio processo de decidibilidade, como dúvidas de caráter hermenêutico e silogístico, deve, como um pressuposto de enquadramento epistemo-metodológico, adotar uma terminologia especifica e apurada.

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3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.

152

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Destarte, o propósito desta seção, apenas como um pressuposto método-

epistemológico221 do presente trabalho científico, é, antes de adentrarmos na consecução da

distinção terminológico-conceptual e empírico-crítica proposta, apresentar tais condições de

validade método-epistemo-lógicas que validam e enquadram o conhecimento hora produzido

como científico. Isso porque, nossa argumentação, para a asserção, demonstração,

discussão e proposição das teses aqui apresentadas só terá um alto grau de plausibilidade

acadêmico-científica se demonstrada, não só, de um ponto de vista epistemológico – com

uma argumentação persuasivo-racional –, lógico – com uma argumentação válida – e

metafísico – com uma argumentação (asserção) verdadeira, mas também de uma forma

metodologicamente correta, sistemática e ordenada.

Deste modo, para justificar a razão de ser da distinção e das demais teses

aqui propostas, demonstraremos, aqui nesta seção, que tal indiscernibilidade e imprecisão

terminológicas além de resultarem numa série de aporias conceituais para a teoria do

processo e, em assim sendo, para a Ciência Jurídico-Processual – como no caso de Litígio e

Lide –, levam à formação de um conjunto de conhecimentos que, categoricamente, não

atendem aos pressupostos de validade método-epistemo-lógica de uma ciência.

Destarte, a tese – na verdade, conforme assentimos na introdução deste

trabalho, esta é uma hipotese básica e incidental da pesquisa, constituindo, também e

principalmente, em si, um pressuposto teórico-metodológico – que estamos a defender aqui

é que: os atributos da neutralidade axiológica, da asseptabilidade, da assertibilidade e da

verdade – por certo principiológicos e direcionadores do conhecimento científico e que, em

assim sendo, dão cientificidade a um determinado conhecimento – só são conferidos pela

estrita observância – como um imperativo categórico – de uma terminologia, precisa e

apurada, com acepção conceitual e caracteres científicos, sem ambivalência de significações,

polissemias ou sinonímias, como estamos a tentar desenvolver, neste trabalho dissertativo,

221 Uma, eu diria, espécie de digressão metodológica e justificadora da distinção terminológico-conceptual e empírico-crítica aqui proposta.

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3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.

153

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

na asserção, demonstração, discussão e comprovação das teses aqui propostas. Assim, in

casu, não há que se falar em Ciência Jurídica (e, por conseguinte, em Ciência Jurídico-

Processual) – com todos os atributos acima elencados – sem a observância de um sistema

conceitual e terminológico preciso e apurado, aliado a um instrumental teórico-metodológico

adequado. Tais são, assim, as condições de validade método-epistemo-lógica de um sistema

de conhecimento científico.

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3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.

3.1 – Cientificidade do Direito Processual: a imprescindibilidade das condições de validade método-epistemo-lógicas e a problemática da indiscernibilidade entre Litígio e Lide.

154

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

3.1 – Cientificidade do Direito Processual: a imprescindibilidade

das condições de validade método-epistemo-lógicas e a problemática da

indiscernibilidade entre Litígio e Lide.

A problemática da imprecisão terminológica e, por conseguinte, da

inadequação metodológica, na formação e desenvolvimento, tanto do sistema normativo

jurídico-processual, quanto do sistema de conhecimento jurídico-processual, não é nova. E,

por assim ser, se fizermos uma análise detida da terminologia e dos procedimentos

metodológicos adotados nos diversos estatutos processuais – e, por conseguinte, no

conhecimento jurídico-processual produzido a partir destes – que já tivemos, encontraremos,

facilmente, sérios problemas de imprecisão teórico-terminológica e de inadequação

metodológica. Aliás, foi isso que vimos, por exemplo, quando da análise dos conceitos de

Litígio e Lide do ponto de vista da legislação processual brasileira.

DINAMARCO222, neste sentido, aponta-nos que muitos processualistas

anteriores, tais como, CARNELUTTI223 (em seu Direito e Processo e Metodologia do Direito),

ADOLF WACH224 (em seu Handbuch), EDUARDO COUTURE225 (em seu Vocabulario Jurídico),

NICETO ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO226 (em seu Cuestiones de Terminologia Procesal),

LOPES DA COSTA227 (em seu Direito processual civil brasileiro), ELIÉZER ROSA228 (em seu

Dicionário de Processo Civil), entre outros, percebendo as incongruências e incoerências da

dogmática jurídico-processual, decorrentes, em certa medida, das vacilações legislativas do

222 Cf. DINAMARCO. Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. 5. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 138. 223 Cf. CARNELUTTI, Francesco. Diritto e processo. Nápoles: Morano, 1958; e CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do Direito. Tradução de Frederico A. Paschoal. Campinas: Bookseller, 2002. 224 Cf. WACH, Adolf. Manual de derecho procesal civil. Trad: Tomás A. Branzhaf. Buenos Aires: EJEA, 1977. 225 Cf. COUTURE, Eduardo. Vocabulario Jurídico. Buenos Aires: Depalma, 1976. 226 Cf. ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO, Niceto. Cuestiones de Terminologia Procesal. México: UNAM, 1972. 227 Cf. LOPES DA COSTA, Alfredo de Araújo. Direito processual civil brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959. 228 Cf. ROSA, ELIÉZER. Dicionário de Processo Civil. Rio de Janeiro: Editora de Direito, 1957.

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3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.

3.1 – Cientificidade do Direito Processual: a imprescindibilidade das condições de validade método-epistemo-lógicas e a problemática da indiscernibilidade entre Litígio e Lide.

155

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

direito positivo processual, se preocuparam em desenvolver estudos monográficos que

pudessem modificar ou, pelo menos, atenuar, esse quadro229 de imprecisão e inadequação

termino-metodológica. Isso porque, muitos desses autores, imbuídos do espírito cientificista

que se apoderou dos estudos processuais a partir da publicação da obra de BÜLLOW, em

1868, na Alemanha, e dos influxos da Escola Histórica230 – que já demonstrara uma certa

preocupação ou, pelo menos, correlação entre o direito (ciência) e a linguagem

(terminologia) – perceberam que não se poderia construir uma ciência processual a partir de

um amontoado de teorias231 onde o traço marcante era a equivocidade, a indiscernibilidade e

a sinonímia dos termos, conceitos, definições e institutos processuais.

Assim, nesta perspectiva de tentativa de superação, por parte da doutrina

processual, de tais imprecisões terminológicas, COUTURE, em seu Vocabulário Jurídico232,

escrevendo a respeito das relações entre ciência jurídica e linguagem, alerta-nos no sentido

de superarmos “nuestra habitual equivocidad”, assentindo mais que, na literatura processual

que se produzira até então, “rara vez utilizamos en nuestro lenguaje jurídico vocablos

unívocos”233. Segundo ele, ao contrário disso, a dogmática jurídico-processual, no processo

de construção dos conceitos, das definições, das instituições e dos institutos jurídico-

processuais, precisa se esforçar no sentido de utilizar uma terminologia precisa e apurada,

posto que, para ele, “ninguna ciencia puede jactarse de ser tal, si no trabaja con vocablos

unívocos, manejados com rigor y precisión de lenguaje”234. E, assim, exatamente nesta

229 Muito embora, é bem verdade, muitas dessas obras – como a de Eliézer Rosa, por exemplo – têm valor apenas pela carga de historicidade e conservação, em termos de onomatologia, da tradição jurídica; isto é, sem constituir em si um trabalho que apresente um rigor teórico-terminológico na consecução dos conceitos e definições jurídicas. 230 Neste sentido, Rafael Bielsa afirma que os juristas (Gustavo Hugo, por exemplo) da Escola Histórica, a partir do processo de “cientificização” que empreenderam, no século XIX, no direito, entenderam que “solamente um lenguaje adecuado, preciso, proprio, en suma, científico, puede expresar bien los conceptos de derecho. Es éste uno de los méritos de la Escuela Histórica.” (BIELSA, Rafael. Los conceptos jurídicos y su terminología. 3. ed. aum. Buenos Aires: Depalma, 1993, p. 15). 231 Lembremos, aqui, da confusão terminológica que os alemães e italianos faziam, na segunda metade do século XIX até o início do século XX, no uso – dogmático, zetético e legislativo – dos termos demanda, causa, lide, litígio, mérito, res in iudicium deductae, ação. 232 COUTURE, Eduardo. Vocabulario Jurídico. Buenos Aires: Depalma, 1976, p. 45. 233 Ibidem., p. 45. 234 Ibidem., p. 4.

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3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.

3.1 – Cientificidade do Direito Processual: a imprescindibilidade das condições de validade método-epistemo-lógicas e a problemática da indiscernibilidade entre Litígio e Lide.

156

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

perspectiva metodológica, ele constrói seu trabalho terminológico, buscando encontrar na

tradição jurídica e, principalmente, nas teorias terminológico-conceituais, elementos para a

formação de um vocabulário jurídico-processual que seja marcado, essencialmente, pelo

traço da univocidade semântico-conceitual.

Desse mesmo modo, CARNELUTTI, segundo ALCALÁ-ZAMORA y

CASTILLO235, um dos primeiros processualistas – e também, nesse sentido, mais importante

– a se preocupar com o problema da cientificidade do direito e da imprecisão terminológica,

assente que um dos maiores problemas enfrentados na construção dos conceitos jurídicos é

o da assimetria e heterogeneidade conceituais; problema, esse, conseqüência, no nosso

caso, da historicidade e tradição romano-germânica acrescida da falta de rigor terminológico

da linguagem forense236. Isso porque, para ele, para se evitar os perigos da equivocidade,

da dissociação conceito/imagem, da sinonímia, da tautologia conceitual, enfim, da

imprecisão terminológica – que leva à inadequação metodológica – a regra a ser utilizada

pelo cientista do direito na formação dos conceitos e definições é a da simetria conceitual.

No caso, CARNELUTTI entende como simetria conceitual o processo de formação de

conceitos no qual os caracteres e qualidades essenciais do definiendum são colocados em

uma ordem segundo a classe – gênero/espécie –, série e grupo de um modelo ou termo de

comparação preordenado teoricamente (o definiens). Tal processo levaria, assim, à formação

de uma terminologia caracterizada, sobretudo, pelo traço da homogeneidade e univocidade

dos termos.

235 ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO, Niceto. Cuestiones de Terminologia Procesal. México: UNAM, 1972, p. 9. 236 Neste sentido, Lopes da Costa, sem seu Direito processual civil brasileiro, assim preceitua: “Não se pode negar que uma parte, não pequena, da grandeza dos juristas romanos foi a sua feliz intuição das palavras jurídicas, como também que uma parte não pequena do hodierno envelhecimento da linguagem forense é o pouco caso pela frase, a falta de correção e de precisão nas expressões do direito. Os verba iuris têm a sua história e a sua tradição. Conhecê-los bem e dêles bem usar é condição necessária para um bom raciocínio jurídico. De outro modo, continuaremos a ver freqüentemente o que Bacon chamava os idola fori, vale dizer, sofismas de linguagem, nos quais tropeça a prática forense, ou porque use de palavras ambíguas e mal definidas, ou porque atribua a uma idéia palavra diversa, sem perceber que, muitas vezes, cai numa tautologia de conceito, por não distinguir do significado comum o sentido técnico ou, ainda, por, de qualquer outra forma, não aprender a relação entre a palavra e a idéia.” (LOPES DA COSTA, Alfredo de Araújo. Direito processual civil brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959, p. 168/169).

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3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.

3.1 – Cientificidade do Direito Processual: a imprescindibilidade das condições de validade método-epistemo-lógicas e a problemática da indiscernibilidade entre Litígio e Lide.

157

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Tal viés terminológico e de cientificidade do direito processual foi tão

importante e fundamental, do ponto de vista metodológico, na obra de CARNELUTTI que,

como vimos na seção anterior, ele elaborou todo um Sistema teórico-conceptual baseado na

definição precisa, específica e unívoca do que ele denominou de Lide. Mas, como dissemos

anteriormente, naquele momento, o viés da precisão terminológica não era, ainda,

prioridade na formação dos sistemas normativos – e da própria dogmática jurídica. Tanto é

assim que o projeto de reforma do Código de Processo Civil italiano, datado de 1926, que

fora elaborado por CARNELUTTI e que tinha como traço marcante a precisão teórico-

terminológica, não fora adotado, in totum, pela dogmática jurídico-processual italiana.

NICETO ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO, neste mesmo sentido de

imprescindibilidade de uma terminologia precisa, especifica e apurada, aliada a um

instrumental teórico-metodológico adequado, para se atingir, no processo de investigação e

de cognição do fenômeno jurídico e, principalmente, de formação das leis, a cientificidade do

direito, propõe requisitos mínimos para a construção de uma adequada linguagem jurídica.

Afirma ele, in verbis237:

Hay que acabar, portanto, com el caos, la fantasia y la arbitrariedad en la formulación terminológica de las normas de derecho, no por un prurito de perfeccionismo intrascedente, sino por motivo de utilidad indudable. 3) Veamos ahora cuáles serían esas exigencias mínimas del lenguaje jurídico. Ante todo, la expresividad, con objeto de que se manifieste desde el primer momento la perfecta correspondencia entre denominador y denominado. En segundo lugar, la accesibilidad del vocabulario: las idéias más profundas pueden y deben exteriorizarse con absoluta diafanidad, y con mayor motivo en los domínios del derecho, en los que faltan, o en los que sólo funcionan con alcance especial y restringido, métodos de concretización conceptual que en otras ramas del saber son de empleo decisivo y constante. Há de procurarse también, hasta donde sea posible, el empleo de palabras unívocas y no equívocas, así como habrá de evitarse com cuidado sumo el divorcio entre nombre y contenido, en la doblé direción de unidad del primero e diversidad del segundo, o vice-versa. Todavia, cuando lá penuria del léxico disponible obligue a la invención o la recepción de neologismos, ellos tendrán que a una elaboración efectuada con exquisito esmero, es decir, conforme a la más escrupulosa observancia de la trayetorias y singularidades del

237 ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO, Niceto. Cuestiones de Terminologia Procesal. México: UNAM, 1972, p. 11-13.

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3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.

3.1 – Cientificidade do Direito Processual: a imprescindibilidade das condições de validade método-epistemo-lógicas e a problemática da indiscernibilidade entre Litígio e Lide.

158

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

proprio idioma, para no saturar éste de suprimibles y, más que bárbaros, salvajes barbarismos. [...] Por ultimo, en materia de traducciones, hay que salvar el escollo de brindar, arrastrados por la literalidad, una falsa sensación de identidad o de analogia entre instituciones que, pese a su semejanza nominativa, posean distinto alcance en él país de exportación y en el de importación (grifos nossos).

Tais requisitos mínimos estabelecidos pelo processualista espanhol foram,

inclusive, utilizados por ele para a tradução para o espanhol e castelhano da principal obra

de CARNELUTTI, qual seja, o Sistema de Direito Processual Civil, na qual, conforme já

informamos, o processualista italiano estabeleceu a sua teoria da Lide. A grande

preocupação e motivação de ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO era, justamente, a precisão

terminológica dos termos empregados no processo de tradução, para se evitar, assim,

possíveis equivocidades, ambigüidades e tautologias conceituais.

Um outro importante jurista, o argentino RAFAEL BIELSA, depois de

denunciar e demonstrar, em sua obra “Los conceptos jurídicos y su terminologia”, as

imprecisões e deformações terminológicas da linguagem jurídica utilizada na prática forense,

na lei e na doutrina238, preceitua – no sentido de corroborar, também, a imprescindibilidade

do atendimento das condições de validade método-epistemo-lógicas, no processo de

produção do conhecimento jurídico-científico, – que “las deficiones [precisas, específicas e

apuradas] son necesarias para compreender y diferenciar los conceptos, sobre todo esto

último. Es también uma exigência del método en el estudio del derecho”239. E acrescenta: “la

formación de los conceptos jurídicos es tarea esencial de la metodología del derecho”240.

DINAMARCO, por sua vez, também nesta mesma perspectiva de correlação

entre cientificidade, precisão terminológica e adequação metodológica, assente, de forma 238 Inclusive, quanto a essa – a dogmática jurídica –, afirma ele, falando a respeito de ideas generales sobre las tesis doctorales, que “outra de las fallas visibles en muchos de los egresados de las escuelas de derecho es la poca atención que ponen en los conceptos jurídicos y su terminología. E advertindo, quanto a isso, acrescenta ele: “Sin una terminología adecuada es impossible escribir, legislar, sentenciar bien em derecho. El autor de toda tesis, repetimos, debe estudiar bien los conceptos, su substancia, su ubicación institucional, su terminología”, sob pena de estar produzindo qualquer coisa – eu diria – menos ciência ((BIELSA, Rafael. Los conceptos jurídicos y su terminología. 3. ed. aum. Buenos Aires: Depalma, 1993, p. 242-243). 239 Ibidem., p. 25. 240 Ibidem., p. 25.

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3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.

3.1 – Cientificidade do Direito Processual: a imprescindibilidade das condições de validade método-epistemo-lógicas e a problemática da indiscernibilidade entre Litígio e Lide.

159

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

sintética e muito elucidativa, resumindo, assim, a idéia que estamos aqui a desenvolver, que,

in verbis241:

Mede-se o grau de desenvolvimento de uma ciencia pelo refinamento maior ou menor de seu vocabulário específico. Onde os conceitos estão mal definidos, os fenômenos ainda confusos e insatisfatoriamente isolados sem inclusão em uma estrutura adequada, onde o método não chegou ainda a tornar-se claro ao estudioso de determinada ciência, é natural que ali também seja pobre a linguagem e as palavras se usem sem grande precisão técnica.

Nessa mesma obra, DINAMARCO, depois de assentir que, a partir da

promulgação do Código de Processo Civil de 1973, o apuro terminológico passou a ser uma

das preocupações centrais da doutrina e do legislador brasileiro, afirma que, mesmo assim,

podemos encontrar, ainda, no sistema jurídico-processual brasileiro, como um todo, fruto do

uso inadequado dos termos da tradição romanística, diversas incoerências e incongruências

teórico-terminológicas. A mais séria delas, aponta ele (nós, inclusive, já fizemos alusão a

esta anteriormente), encontra-se no próprio Código de Processo Civil de 1973, quando

encontramos, no mesmo estatuto processual, dispositivos legais que se coadunam com a

teoria da Lide de CARNELUTTI e dispositivos legais que se coadunam, por sua vez, com a

teoria da ação de LIEBMAN. Afirma, assim, DINAMARCO: “esses conceitos são inconciliáveis,

eles revelam métodos diferentes, sendo desaconselhável que o mesmo Código oscile entre

um e outro”242.

A partir dessas constatações, o processualista paulista, também no sentido

de contribuir para o aprimoramento da terminologia jurídico-processual – e sabendo ele que

só assim construiremos um conhecimento jurídico-processual marcado pelo caractere da

cientificidade –, elabora um vocabulário de direito processual, apontando e reparando, desse

241 DINAMARCO. Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. 5. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 136-137. 242 Ibidem., p. 143.

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3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.

3.1 – Cientificidade do Direito Processual: a imprescindibilidade das condições de validade método-epistemo-lógicas e a problemática da indiscernibilidade entre Litígio e Lide.

160

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

modo, erros terminológicos do sistema normativo jurídico-processual e, também, da

dogmática jurídico-processual.

Assim, pelo que temos visto até então, no que diz respeito à

imprescindibilidade da precisão terminológica como requisito de cientificidade, evidencia-se

que, no estágio243 em que se encontra o pensamento jurídico-processual, é mais do que

premente e peremptória, a necessidade, para a consecução de um conhecimento jurídico-

processual que seja pautado no modelo teórico-científico – seja ele dogmático ou zetético –,

a observância, por parte do cientista do direito processual, das condições de validade

método-epistemo-lógicas.

E, assim, pautado em tais postulados de ordem metodológica, é que

estamos a tentar desenvolver a presente dissertação, principalmente no que diz respeito à

distinção terminológico-conceptual e empírico-crítica aqui estabelecida entre os termos Litígio

e Lide. Até porque, conforme já afirmamos, em se considerando tais termos como elementos

conceituais de mesma significação e referibilidade, como acontece ainda hoje na dogmática

jurídico-processual, encontramos, por conta disso, várias aporias e lacunas na teoria

processual. Implicações aporemáticas e lacunosas tanto de ordem teórico-conceptual,

quanto de ordem empírico-pragmática. A maior delas, sem dúvida, nós já apontamos

introdutoriamente, é a que diz respeito à teleologicidade processual e à problemática da

decidibilidade de conflitos, posto que ao contrário do que diz a doutrina processual, baseada

na teorização carneluttiana de Lide (=Litígio), a qual afirma que o objetivo da jurisdição – e,

por assim ser, do juiz – é a decidibilidade do conflito (do Litígio) que deu origem ao

processo, pelo que observamos, na realização da nossa pesquisa empírica, o objetivo real e

imediato da jurisdição é a decidibilidade da Lide, isto é, do processo e, tão somente, a

243 Sobre isso, entende Dinamarco que: “o refinamento de uma linguagem, mediante o uso de palavras distintas destinadas à designação sempre mais precisa de fenômenos afins, é sinal de uma maturidade cultural que em direito processual já temos em grau mais que suficiente” (Ibidem., p. 171).

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3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.

3.1 – Cientificidade do Direito Processual: a imprescindibilidade das condições de validade método-epistemo-lógicas e a problemática da indiscernibilidade entre Litígio e Lide.

161

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

posteriori, sem isso constituir uma finalidade essencial do órgão julgador, a decidibilidade do

conflito – Litígio – que deu origem a tal processo.

Desse modo, a distinção que estamos a estabelecer entre os conceitos de

Litígio e Lide, nesta direção de observancia de tais condições de validade método-epistemo-

lógicas, serve-nos, por um lado, como um exemplo de aplicabilidade de tais pressupostos de

ordem metodológica, assim como também, por outro lado, como principio de formação de

uma terminologia jurídico-conceptual aplicada ao direito processual e que, em assim sendo,

leva à formação de um conhecimento jurídico-processual marcado pelos atributos da

cientificidade, isto é, leva à formação de uma Ciência Jurídico-Processual.

Pois bem. Apresentados os problemas apontados pela dogmática jurídico-

processual sobre o não atendimento do que nós denominamos de condições de validade

método-epistemo-lógicas e, desta maneira, por via oblíquoa, um dos porquês da distinção

entre Litígio e Lide que está sendo estabelecida, neste trabalho de pesquisa científica, por

nós, falemos, agora, um pouco sobre tais condições.

As condições de validade método-epistemo-lógicas:

Numa definição clássica do que vem a ser “ciência”, ou mesmo

“conhecimento científico”, apontam-nos os metodólogos que a Ciência seria uma forma de

conhecimento que tem como principal objetivo a formulação – através de uma linguagem

rigorosa e apropriada – de leis que regem os fenômenos e, em assim sendo, seria uma “uma

forma de conhecimento objetivo, racional, sistemático, geral, verificável e falível”244.

Do mesmo modo, historiográfica e classicamente, entende-se, também, na

metodologia cientifica, que “para que um conhecimento possa ser considerado científico,

torna-se necessário identificar as operações mentais e técnicas que possibilitam a sua

244 GIL, Antonio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. São Paulo: Atlas, 1995, p. 21.

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3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.

3.1 – Cientificidade do Direito Processual: a imprescindibilidade das condições de validade método-epistemo-lógicas e a problemática da indiscernibilidade entre Litígio e Lide.

162

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

verificação (...), em outras palavras, determinar o método que possibilitou chegar a esse

conhecimento”245. O método, então, nesta perspectiva de enquadramento, seria o

instrumental de caráter procedimental utilizado pelo sujeito cognoscente – o pesquisador –

para a consecução do estudo, científico, do objeto sub examen. Na definição de GIL246, o

método seria, em síntese, “o conjunto de procedimentos intelectuais e técnicos adotados

para se atingir o conhecimento”.

Assim, pelo que pudemos observar dessas definições clássicas, é

imperativo, para se fazer ciência (e aqui se enquadra a Ciência, dogmática ou zetética,

Jurídico-Processual), a utilização – a priori e a posteriori – por parte do sujeito cognoscente

(o processualista, por exemplo), de um método procedimental, também científico. No caso, é

uma condição de procedibilidade, essencial e de referibilidade intrínseca ao fenômeno de

cognição científica, isto é, uma condição de validade método-epistemo-lógica. E, em assim

sendo, a diferenciação, o elemento residual caracterizador e singular, que distingue o

conhecimento científico das demais formas de conhecimento – tais como, o conhecimento

vulgar, religioso e etc. – é a verificabilidade metodológica, isto é, “a posição epistemológica

segundo a qual o significado de uma proposição depende da possibilidade da sua verificação,

ou ainda do método escolhido para a sua verificação”247. Daí, também, a importância da

escolha da metodologia correta e adequada, na hora da consecução da produção cientifica,

para não ocorrer, como por exemplo, em algumas obras de autores da dogmática processual

nacional que, influenciados pela sistemática do atual Código de Processo Civil, de 1973,

fundamentam muitas de suas proposições, em dois pólos metodológicos distintos e

inconciliáveis: o fundado na teoria da Lide, de CARNELUTTI, e o fundado na teoria da ação,

de LIEBMAN.

245 Ibidem., p. 27. 246 Ibidem., p. 27. 247 Para um melhor entendimento ver: ENCICLOPÉDIA DE TERMOS LÓGICO-FILOSÓFICOS. Portugal. Sociedade Portuguesa de Filosofia. Disponível em: http://bd1.bn.pt/enci/. Acesso em: 18 set. 2000.

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3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.

3.1 – Cientificidade do Direito Processual: a imprescindibilidade das condições de validade método-epistemo-lógicas e a problemática da indiscernibilidade entre Litígio e Lide.

163

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Por outro lado, também como uma condição de validade método-epistemo-

lógica – esta assentida e corroborada pela maioria dos processualistas –, a cientificidade de

um determinado conhecimento só é conferida com a observância peremptória – além da

utilização do instrumental teórico-metodológico – de uma terminologia específica, própria e

apurada, com acepção conceitual e caracteres científicos, sem ambivalência de significações,

polissemias, sinonímias ou tautologias conceituais. Em assim sendo, no que concerne à

Ciência do Direito – e, no nosso caso, mais precisamente no que concerne à Ciência Jurídico-

Processual – há a necessidade premente de estruturação e adoção de uma terminologia

jurídico-conceptual apurada, com delimitação precisa, sem ambivalência de significações nos

campos semânticos, sintáticos e pragmáticos dos conceitos jurídicos. Porque, conforme

temos exaustivamente assentido, a cientificidade das Ciências Jurídicas passa, a priori, como

condição de procedibilidade, pela formulação de conceitos jurídicos precisos. É, aliás, esse o

nosso grande leitmotiv, metodológico, na consecução da distinção teórico-conceptual e

empírico-crítica entre Lide e Litígio, aqui proposta.

Pois bem. Visto isso, as duas grandes questões que se nos apresentam,

então, seriam: como construir uma terminologia jurídico-conceptual específica, com

delimitação conceitual precisa, sem ambivalência de significações nos campos semânticos,

sintáticos e pragmáticos e como utilizar o instrumental teórico-metodológico correto e

adequado para a produção de um conhecimento jurídico-processual que atenda às condições

de validade método-epistemológicas da ciência?

Esse, por certo, não é o momento mais adequado para respondê-lo, posto

que, se fôssemos aqui pormenorizar, deixaríamos de estar fazendo, aqui nesta seção,

apenas uma digressão metodológica e estaríamos apresentando uma outra tese. Mas, de um

modo geral, a resposta para a primeira indagação seria: para a construção de uma

terminologia jurídico-processual precisa e apurada – e esse foi o recurso termino-

metodológico que utilizamos para a consecução da construção analítico-distintiva por nós

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3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.

3.1 – Cientificidade do Direito Processual: a imprescindibilidade das condições de validade método-epistemo-lógicas e a problemática da indiscernibilidade entre Litígio e Lide.

164

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

proposta – deve-se utilizar os princípios e preceitos da Teoria Geral da Terminologia248 e da

Teoria do Conceito249, além dos princípios e preceitos da Lógica250. Já para a segunda

indagação, de um modo geral, a resposta seria: o instrumental teórico-metodológico que o

cientista do direito processual deve utilizar para a consecução de uma produção cientifica,

seja ela dogmática ou zetética, é o mesmo utilizado nas demais ciências sociais e aplicadas;

por exemplo, o método hipotético-dedutivo, o método dialético, o método fenomenológico

(métodos gerais) e, mais especificamente, o método experimental, observacional,

comparativo, estatístico, e etc., assim como também, os relativos, mais ainda precisamente,

à Ciência do Direito, como o método sociológico (pesquisa sócio-jurídica251), por exemplo.

Destarte, esse foi, também, o postulado, a orientação metodológica – conforme

apresentamos na introdução – que utilizamos para a consecução das nossas investigações.

Por fim, conforme temos defendido até aqui, cabe-nos, agora, neste

momento, apresentar, ainda como requisito de cientificidade da produção jurídico-

processual, as demais condições de validade método-epistemológicas do conhecimento

científico.

Tais condições dizem respeito, agora, aos atributos da neutralidade

axiológica, da asseptabilidade método-epistemológica, da assertibilidade do discurso e da

verdade. Em linhas gerais, esses atributos, por certo, são princípios direcionadores do

conhecimento científico e, assim também, condições de validade método-epistemo-lógicas

desse e, in casu, só são conferidos pela estrita observância de uma terminologia específica,

248 Para isso, conferir “Teoria Geral da Terminologia: a construção de Eugen Wüester” aplicada à Ciência Jurídica em: SANTOS, Uziel Santana. Terminologia Jurídico-Conceptual: uma condição de neutralidade, asseptabilidade, assertibilidade e verdade científica da Jurisprudenz. 2001. 31f. Monografia – Faculdade de Direito do Recife, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, p. 07-19. 249 Do mesmo modo, conferir: “Teoria do Conceito: a construção de Ingetraut Dahlberg” aplicada à Ciência Jurídica em: Idem. Terminologia Jurídico-Conceptual: uma condição de neutralidade, asseptabilidade, assertibilidade e verdade científica da Jurisprudenz. 2001. 31f. Monografia – Faculdade de Direito do Recife, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, p. 19-22. 250 Entre outros, conferir: ENCICLOPÉDIA DE TERMOS LÓGICO-FILOSÓFICOS. Portugal. Sociedade Portuguesa de Filosofia. Disponível em: http://bd1.bn.pt/enci/. Acesso em: 18 set. 2000. 251 Para um maior aprofundamento do método da pesquisa sócio-jurídica, conferir: SANTOS, Uziel Santana. Pesquisa Sócio-Jurídica: A imperatividade do instrumental teórico-metodológico como condição de neutralidade, asseptabilidade, assertibilidade e verdade científica. 2001. 23f. Monografia – Faculdade de Direito do Recife, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, repro.

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3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.

3.1 – Cientificidade do Direito Processual: a imprescindibilidade das condições de validade método-epistemo-lógicas e a problemática da indiscernibilidade entre Litígio e Lide.

165

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

precisa e apurada, posto que, como veremos a partir de agora, não há como se vislumbrar

tal objetividade e racionalidade – características essenciais desses atributos e do

conhecimento cientifico como um todo – em um contexto de construtos, termos, conceitos e

definições desordenados, sem coerência sistêmico-terminológica, eivados de

multirreferencialidade e indiscernibilidade teórico-conceitual.

Passemos, então, ao estudo de tais atributos.

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3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.

3.2 – Neutralidade Axiológica. 166

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

3.2 – Neutralidade Axiológica.

Conforme assente LUCIANO OLIVEIRA252, muito se tem discutido253 sobre a

questão da neutralidade nas pesquisas empreendidas no âmbito das ciências sociais e

humanas; isto é, muito se tem discutido sobre a possibilidade – ou não possibilidade – de

consecução de uma pesquisa científica na qual o sujeito cognoscente, o pesquisador, possa

manejar o dado factual de um ponto de vista metodologicamente neutro. Para nós, que

estamos, no presente texto, tentando, dentro da Ciência Jurídico-Processual, produzir um

conhecimento que seja essencialmente caracterizado pelo caractere da cientificidade, o que

importa aqui sabermos, a respeito de tal discussão acadêmico-científica, são duas asserções

essenciais. Quais sejam: que, em primeiro lugar, a neutralidade axiológica, enquanto

caractere que condiciona o enquadramento da produção cognitiva como científica, só pode

ser alcançada pelo sujeito cognoscente – o pesquisador, para nós, o processualista – com a

utilização de um instrumental teórico-metodológico adequado e associado a um sistema

terminológico específico, preciso e apurado (no caso, uma terminologia jurídico-conceptual

aplicada, específica e univocamente, ao direito processual); em segundo lugar, o que

importa, também, sabermos é que tal neutralidade axiológica é imprescindível e

indispensável para a produção de resultados objetivos, racionais e de natureza cognitivo-

científica, tão-somente em determinados momentos da consecução da pesquisa.

A grande questão que é colocada pelos metodólogos das ciências sociais e

humanas é se em algum momento da consecução da pesquisa há a possibilidade fáctica do

pesquisador não ser influenciado por seu suporte teórico-axiológico. Para nós, conforme

temos defendido, tal possibilidade só pode ser, em tese, vislumbrada, no caso do

pesquisador utilizar-se dos preceitos e princípios do instrumental teórico-metodológico e de 252 Cf. OLIVEIRA, Luciano. “Neutros e Neutros”. In Revista Humanidades. Brasília: UnB, nº 19, 1988. 253 Desde as discussões entre os adeptos do historicismo alemão – como Dilthey, Simmel – e os marxistas, passando por Mannheim, Max Weber e, mais recentemente, Boaventura de Souza Santos e Michel Löwy.

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3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.

3.2 – Neutralidade Axiológica. 167

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

um sistema terminológico-conceitual próprio, por serem estes caracterizados por elementos

ensejadores da objetividade e racionalidade da ciência. A tal proposição metodológica, por

exemplo, foi que tentamos seguir na consecução das teses aqui demonstradas.

Assim também, conforme assente, também, LUCIANO OLIVEIRA254, em um

determinado momento da apreensão investigativo-cognitiva, a neutralidade é essencial e

constitui condição de procedibilidade científica. Nesse sentido, afirma o sociólogo:

Na elaboração do saber científico, os pesquisadores, quais quer que sejam as suas visões sociais do mundo, submetem-se a regras objetivas. No instante de colher na realidade empírica o apoio factual sistematicamente controlado – e só nesse instante – o pesquisador deve adotar uma postura neutra, condição indispensável para que ele produza resultados objetivos.

De outro modo, pensando a pesquisa e o conhecimento científico em

termos genéricos, totais, podemos assentir que não há – pois, impossível de sê-lo –

neutralidade axiológica na relação sujeito cognoscente e objeto cognoscitivo – ressalvando-

se, contudo, que essa valoração deve ser, mesmo desse ponto de vista lato, onde não há

possibilidade de neutralidade, disciplinada por princípios metodológicos. Por exemplo, no

nosso caso, existiram várias razões, subjetivas, evidentemente – de várias ordens255 (de

ordem terminológico-conceptual, de ordem teórico-metodológica, de ordem jurídico-

processual), todas, é claro, fruto da nossa maior afeição, inclusive, axiológica, pela temática

jurídico-processual – que nos levaram à proposição das hipoteses aqui apresentadas; mas,

mesmo assim, no momento da apreensão e do manejo dos dados factuais que nos levaram

à comprovação de tais hipoteses, e, mesmo na formatação de tais razões que nos levaram à

formação de tais teses, utilizamos a principiologia metodológica, sobretudo, a metodologia

aplicada ao direito processual. Daí, porque, por exemplo, depois de consecutada a distinção

teórico-conceptual e empírico-crítica entre os institutos Litígio e Lide, aplicamos tal

254 Ibidem., p. 122. 255 Rever o Conspectus deste trabalho.

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3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.

3.2 – Neutralidade Axiológica. 168

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

teorização na construção das demais instituições e institutos fundamentais da Teoria Geral

do Processo.

Por outro lado, pensando a pesquisa em termos específicos, subdividida em

fases procedimentais, temos que a questão da neutralidade é inelutável, imprescindível e

imperativa; ou seja, “não pode haver atividade de pesquisa que se pretenda científica se a

noção de neutralidade for totalmente descartada”256. Assim, na delimitação do objeto de

estudo, na formulação do problema de pesquisa e das hipóteses a serem trabalhadas, por

exemplo, sabemos que o sujeito cognoscente trás, em si, todo um suporte axiológico, todo

um background or bias, que o influencia na construção e consecução destes momentos da

pesquisa (como dissemos no caso das razões que nos levaram à escolha e formatação do

objeto de estudo e, conseqüente, das teses, aqui proposta). Agora, em determinados

instantes da pesquisa, como por exemplo, no manejo do método científico, na manipulação

da amostra representativa257, nos processos de inferência estatística, na análise conteúdo-

discursiva, é imprescindível que o pesquisador mantenha-se neutro, de modo que a

consecução da atividade de pesquisa deva seguir, tão-somente, a regras, pressupostos e

requisitos de caráter lógico, sistemático, objetivo e racional, sob pena de não estar se

fazendo episteme258 (ciência), mas apenas doxa (opinião). Por essa razão, LUCIANO

OLIVEIRA259 fala em neutros e neutros e em interpretação e factualidade demonstrada.

Nesse sentido, fundamentando em WEBER, arremata o autor260:

Método, para Weber, é basicamente o trabalho de construção dos conceitos auxiliares a serem utilizados na pesquisa, os famosos tipos-ideais. Ora, esses não correspondem rigorosamente a realidades empíricas, uma vez que são

256 Ibidem., p. 126. 257 Veja-se, por exemplo, o nosso suporte teorético-metodológico da pesquisa empírica consecutada com os membros da magistratura. Nesse momento, toda a carga axiológica tem que ser deixada de lado e a objetividade e racionalidade científicas tem que orientar o pesquisador na formatação das regras de manipulação, análise e interpretação dos dados factuais do objeto. 258 Doxa = saber do senso comum, da vida, do day-by-day, expresso em uma linguagem comum e aceito de um modo geral, espontaneamente ou por imposição da maioria. Ao contrário, Episteme = corpo de conhecimentos teóricos e verdadeiros cientificamente, obtidos através de um método. 259 Ibidem., p. 126. 260 Ibidem., p. 124.

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3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.

3.2 – Neutralidade Axiológica. 169

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

construções prévias do pesquisador que deles se serve exatamente para ver até que ponto a realidade se afasta ou se aproxima desses quadros idealmente construídos. Ora, também aqui, diz Weber, ‘é o ‘ponto de vista’ dominante que (...) constitui o elemento determinante para a construção dos conceitos auxiliares’; mas, ‘no que diz respeito à maneira de utilizar os conceitos, o cientista aqui, como acontece em toda parte está evidentemente jungido às normas do nosso pensamento’. Ou seja, é apenas no momento de utilizar os conceitos na realidade empírica que o cientista está obrigado a abandonar o mundo dos valores e sujeitar-se às regras impessoais do pensamento lógico, por exemplo. É o instante da neutralidade axiológica.

Destarte, a neutralidade axiológica stricto sensu, como fundamento

principiológico da pesquisa e do conhecimento científico, isto é, como condição de

validade método-epistemo-lógica que é, é de observância imperativa e obrigatória, pois

constitui, em si, condição epistemológica de se fazer ciência; ou seja, constitui, em si, um

elemento residual ínsito e indispensável à atividade cognitiva da ciência e que, no caso, só

pode ser alcançada com a operacionalização do aparato teórico-metodológico associado a

um sistema terminológico-conceitual específico.

Agora, a esta noção de neutralidade axiológica, estão associados,

insitamente, outros três atributos, na verdade, princípios-fim da pesquisa e do

conhecimento científico, que são: a asseptabilidade método-epistemológica, a

assertibilidade do discurso jurídico-científica e a questão da verdade, como condição de

argumentação válida. Assim, em síntese: é utilizando-se o instrumental teórico-

metodológico associado a um sistema terminológico-conceitual próprio, de forma,

axiologicamente neutra, que a pesquisa e o conhecimento atingirão e seguirão os vetores

teleológicos (finalísticos) do conhecimento científico; isto é, em outras palavras, em assim

sendo, a pesquisa e o conhecimento serão assépticos, de acordo com as condições de

assertibilidade do discurso científico e caracterizados pelo traço precípuo e unívoco da

verdade científica. In casu, é isso que estamos a tentar desenvolver no presente estudo.

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3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.

3.2 – Neutralidade Axiológica. 170

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Dito isso, vejamos, então, no que consistem estes princípios vetores, de

natureza teleológica, da pesquisa e, por conseguinte, do conhecimento científico; no caso,

do conhecimento jurídico-processual-científico.

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3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.

3.3 – Asseptabilidade Método-epistemológica. 171

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

3.3 – Asseptabilidade Método-epistemológica.

Diz-se que uma pesquisa atingiu a asseptabilidade científica, quando, na

consecução, demonstração, exposição e discussão da proposição hipotética, o sujeito

cognoscente manteve-se, especificamente, centrado na área de conhecimento científico a

qual pertence o seu objeto de estudo e, quando das digressões e incursões epistemológicas,

fê-lo de modo a evitar antinomias, incoerências e incongruências teórico-conceituais.

Explicando melhor: numa pesquisa científico-jurídico-processual, como a

nossa, por exemplo, a asseptabilidade método-epistemológica resta caracterizada quando o

pesquisador se mantém, coerente e fiel, do ponto de vista da comparação externa e interna,

com as teorias e quadros de referência que fundamentam a Ciência Jurídico-Processual.

Isso, evidentemente, não quer, de maneira alguma, afastar a possibilidade de estudos

interdisciplinares, multidisciplinares ou transdisciplinares, pois, conforme se sabe, as

incursões e digressões em outros campos do conhecimento são sempre bem-vindas. Agora,

o que é necessário evidenciarmos é que tais incursões e digressões epistemológicas só serão

aceitáveis a partir do momento em que o pesquisador tem plena consciência do corte

epistemológico que está a realizar e saiba, assim, explicitar e manejar esses suportes

teóricos externos em concatenação com o suporte teórico da sua realidade epistemológica.

Do mesmo modo, do ponto de vista interno, o pesquisador, para cumprir o requisito da

asseptabilidade método-epistemológica, não pode utilizar, na fundamentação teórica do seu

estudo, teorias e quadros de referências que sejam antinômicos entre si. Nesse sentido,

lembremos da adoção inadequada, e, por assim ser, não asséptica, metodológica e

epistemologicamente, da teoria da Lide e da teoria da ação como fundamento de validade de

estudos jurídico-processuais.

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3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.

3.3 – Asseptabilidade Método-epistemológica. 172

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

No caso do nosso estudo, essa foi uma das nossas preocupações

prementes e peremptórias, principalmente, no momento de fundamentação teórica das teses

aqui expostas.

No mais, é válido reforçarmos que, conforme temos assentido, o uso de

uma terminologia precisa e apurada – no caso, uma Terminologia Jurídico-conceptual – é

imprescindível para atingirmos tal requisito da asseptabilidade – posto que as definições,

termos e sistemas conceituais utilizados pelo sujeito cognoscente, pelo pesquisador, devem

ser de mesma natureza epistemológica e de mesma referibilidade terminológico-conceitual.

Em assim sendo, resta caracterizada, na produção do conhecimento jurídico-processual, a

asseptabilidade método-epistemológica; por conseguinte, a cientificidade do mesmo.

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3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.

3.4 – Condições de Assertibilidade do discurso jurídico-científico. 173

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

3.4 – Condições de Assertibilidade do discurso jurídico-processual

científico.

Por sua vez, as condições de assertibilidade ou asseribilidade do discurso

científico são, também, imprescindíveis e de observância imperativa para a caracterização da

produção cognitiva como científica. E no que consistem, então, tais condições de

assertibilidade, no nosso caso, do discurso jurídico-processual científico? Vejamos.

Do ponto de vista da Lógica, condições de assertibilidade são as condições

que uma determinada elocução – proposição – tem de satisfazer para poder ser produzida

cientificamente. Assim, no caso da pesquisa científica, e do mesmo modo na pesquisa

jurídico-processual-científica, para uma determinada proposição – hipótese – ser considerada

demonstrada, ou seja, considerada tese, é necessária, na consecução de tal pesquisa, a

satisfação de certos requisitos e pressupostos que, neste caso, dizem respeito ao uso de um

instrumental teórico-metodológico associado a um sistema terminológico-conceitual próprio.

Assim, a utilização de um instrumental teórico-metodológico adequado – o

qual, como vimos, no caso da Ciência Jurídico-Processual, deve ser o mesmo adotado nas

demais ciências sociais e aplicadas – associado a um sistema terminológico-conceitual

específico, preciso e apurado – no caso, uma terminologia jurídico-conceptual própria para o

direito processual – constitui, em si, uma condição de assertibilidade do discurso jurídico-

processual cientifico, isto é, uma condição, indispensável, de produção de um conhecimento

jurídico-processual que seja marcado pelo caractere da cientificidade.

No caso da presente dissertação, também, é notório que, pelo menos,

tentamos enquadrar nossa produção cognitiva também nessa condição de validade método-

epistemo-lógica.

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3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.

3.5 – A problemática da Verdade na Ciência Jurídico-Processual. 174

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

3.5 – A problemática da Verdade na Ciência Jurídico-Processual.

Do mesmo modo que as condições de assertibilidade, a verdade científica,

ou condições de verdade, do ponto de vista da Lógica, constitui um conjunto de condições

que uma proposição hipotética tem de satisfazer para ser considerada verdadeira (tética), do

ponto de vista epistemológico, isto é, científico.

No caso da pesquisa científica, da produção do conhecimento científico e,

em assim sendo, da Ciência Jurídico-Processual, tais condições de verdade dizem respeito,

por um lado, à observância de certos princípios e preceitos de ordem teórico-metodológica e,

por outro lado, ao enquadramento epistemológico que dá sentido e definibilidade aos

esquemas conceituais trabalhado pelo pesquisador, no nosso caso, pelo processualista.

Nesta perspectiva, o caráter de validade cognitivo-científica de uma

pesquisa jurídico-processual tem fundamento, metodológico, no procedimento teórico-

método-lógico adotado e desenvolvido pelo pesquisador e fundamento, epistemológico, no

esquema teórico-sistemático-conceitual no qual esteja inserida esta investigação científica.

Neste sentido, pensemos, no caso da presente investigação, que o caráter de validade

cognitivo-científica da nossa produção é verificado a partir do momento em que, para a

consecução da distinção teórico-conceptual e empírico-crítica entre Litígio e Lide, utilizamos

uma metodologia e um suporte epistemológico próprios, observando-se, inclusive, o

requisito da asseptabilidade método-epistemológica, do qual já falamos.

Assim, se este duplo fundamento – metodológico/epistemológico – não for

respeitado, a validade cognitivo-científica das proposições, aferidas como tese na pesquisa,

serão, no mínimo, questionáveis. Isso porque, em ciência, a verdade não constitui um

dogma, fechado em si mesmo e indemonstrável, mas, ao contrário disso, constitui um

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3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.

3.5 – A problemática da Verdade na Ciência Jurídico-Processual. 175

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

conjunto de conhecimentos calcados no postulado popperiano261 da demonstrabilidade, da

falibilidade e da contingencialidade, daí porque a necessidade de demonstração e de

apresentação da regras de reconhecimento e manipulação do objeto de estudo.

De outro modo, agora não mais do ponto de vista da Lógica, mas do ponto

de vista filosófico, temos várias teorias que fundamentam a concepção de verdade. Desde as

teorias mais tradicionais sobre a questão da verdade, as chamadas teorias substantivas da

verdade262, até às mais modernas, as chamadas teorias minimalistas263 ou deflacionistas da

verdade. No caso do nosso estudo, nesta perspectiva classificatória, conforme assentimos na

introdução deste trabalho, a construção, por certo analítico-distintiva, terminológico-

conceptual e empírico-crítica dos institutos Lide e Litígio que estabelecemos não se tratou,

tão-somente, de uma questão de performance de linguagem tal como assentem os adeptos

das teorias deflacionistas de verdade como PAUL HORWICH e FRANK P. RAMSEY. Ao

contrário disso, se fundamentou, precipuamente, nas concepções teoréticas de verdade

substantiva, posto que a construção analítico-distintiva que realizamos a respeito dos

institutos do Litígio e da Lide tem, efetivamente, correspondência factual (teoria da

correspondência), coerência com o sistema de acepções (crenças) da dogmática jurídico-

processual (teoria da coerência) e, sobretudo, tem um alto grau de utilidade pragmática para

a tecnologia jurídica de decidibilidade de conflitos (teoria pragmatista), conforme veremos

adiante.

261 Cf. POPPER, Karl. La Lógica de la Investigaçión Científica. Madrid: Tecnos, 1973. 262 São elas: a teoria da correspondência, a teoria da coerência, a teoria pragmatista e a teoria da verificação ideal. Para um maior aprofundamento nas mesmas, conferir: (Filosofia – um guia de estudos. CEFA – Centro de Estudos em Filosofia Americana. Coordenação de Paulo Ghiraldelli Jr.. Apresenta textos sobre filosofia em geral, sobretudo filosofia pragmatista. Disponível em: <http//www.cefa.org.br/portal_filosofia/guia.html>. Acesso em 15 ago. 2003). 263 São elas: a teoria minimalista, a teoria deflacionista e a teoria da redundância. Do mesmo modo, para um maior aprofundamento nas mesmas, conferir: Ibidem.

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3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.

3.5 – A problemática da Verdade na Ciência Jurídico-Processual. 176

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Assim, vale dizer, no final dessa nossa indispensável digressão

metodológica, como forma de justificativa teórico-temática das asserções hipotéticas por nós

propostas no presente trabalho de pesquisa, que o conhecimento jurídico-processual que

estamos a tentar produzir nesta dissertação, pelo menos teoricamente, pretende-se pautado

e modelado pelos caracteres da neutralidade axiológica, da asseptabilidade método-

epistemológica, das condições de assertibilidade do discurso jurídico-processual cientifico e

da verdade científica, posto que, em assim sendo, restar-se-ia, peremptoriamente,

caracterizado que a nossa produção, por atender aos pressupostos e condições de validade

método-epistemo-lógica do conhecimento, é marcada pelo caractere da cientificidade.

Destarte, consecutada tal digressão metodológica e, por assim ser,

apresentada tal hipotese básica, mas incidental da nossa pesquisa, passemos, enfim, à

proposição, demonstração, argumentação, discussão e asserção das teses por nós propostas

em torno da distinção teórico-conceptual e empírico-crítica entre Litígio e Lide.

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177

4 – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL.

Mede-se o grau de desenvolvimento de uma ciência pelo refinamento maior ou menor de seu vocabulário específico. Onde os conceitos estão mal definidos, os fenômenos ainda confusos e insatisfatoriamente isolados sem inclusão em uma estrutura adequada, onde o método não chegou ainda a tornar-se claro ao estudioso de determinada ciência, é natural que ali também seja pobre a linguagem e as palavras se usem sem grande precisão técnica.

CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO

Conforme apresentamos no intróito da presente dissertação, nosso

trabalho de pesquisa científica tem, a priori, como objetivo/hipótese principaliter de estudo

uma construção terminológico-conceptual, por certo analítica e distintiva, dos institutos

jurídico-processuais, Litígio e Lide, incluindo nesta perspectiva de investigação, apriorística,

evidente e eminentemente, teorética, uma análise empírico-crítica de tais termos, tendo em

vista os fenômenos da teleologicidade processual e da decidibilidade de conflitos. A

posteriori, com base na consecução de tal construção analítico-distintiva – primeiramente,

terminológico-conceptual e, depois, empírico-crítica –, ainda como desenvolvimento do

objeto principal do nosso estudo, apontamos as implicações e repercussões de ordem

teorético-conceptual-metodológica e de ordem tecnológico-pragmática que tal distinção traz

como corolário para a Ciência Jurídico-Processual, e suas instituições e institutos

fundamentais, para, em seguida, aplicar, também, tal proposição hipotética na resolução de

questões aparentemente aporemáticas da teoria jurídico-processual. Desse modo,

relembrando, este é o nosso objeto/problema de estudo.

Pois bem. O propósito da presente seção é de, justamente, seguindo a

nossa linha teórico-metodológica de proposição, demonstração, argumentação, discussão e

asserção das hipoteses básicas e secundárias da presente pesquisa científica, apresentar,

agora, em segundo lugar – depois de consecutada a digressão metodológica referente à

adoção de uma terminologia jurídico-conceptual específica e apurada aliada à observância

das condições de validade método-epistemo-lógicas como requisitos de cientificidade da

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL.

178

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

produção cognitiva – a construção, por certo, analítica e distintiva, dos termos Litígio e Lide,

no que diz respeito, neste momento, ao aspecto terminológico-conceptual264.

Tal construção terminológico-conceptual dos termos Litígio e Lide, é certo –

e nós já salientamos esse aspecto –, apresenta-se, na verdade, como uma possibilidade

teórica de superação de algumas incoerências e lacunas do sistema jurídico-processual de

normas e, por conseguinte, do conhecimento jurídico-processual-científico produzido a partir

deste. Assim também, esta construção terminológico-conceptual apresenta-se como uma

possibilidade de resolução de questões aparentemente aporemáticas da Teoria Geral do

Processo, frente a essas incoerências e incongruências do sistema e do conhecimento

jurídico-processuais. Tais são os casos, nós já enunciamos, da problemática da decidibilidade

de conflitos e da teleologicidade processual, da aferição do atributo da jurisdicionalidade na

chamada Jurisdição Voluntária e da Lide como elemento da res in iudicium deductae da

processualística penal, para ficarmos, tão-somente, em alguns exemplos.

Neste sentido, diferentemente da acepção dada pela quase que

unanimidade da dogmática jurídico-processual que, como vimos, pormenorizadamente, até

aqui, enuncia os termos Litígio e Lide como institutos jurídico-processuais de mesma

significação conceptual e fenomênica, nós assentiremos – inclusive, com base nos

postulados de ordem teórico-término-metodológica expostos na seção anterior e, por

conseguinte, na possibilidade de uma maior especificação terminológica e conseqüente

cientificidade do conhecimento jurídico-processual – que tais termos – Litígio e Lide – são,

em verdade, peremptória e decididamente, elementos terminológico-conceptuais de

natureza e significação diversas.

264 Isso porque, nas seções seguintes – cinco e seis –, procederemos à aplicação de tal construção terminológico-conceptual de Litígio e Lide na formatação dos conceitos de certas instituições e institutos jurídico-processuais, tentando elucidar, assim, algumas incongruências e incoerências da teoria processual para, em seguida, na última seção – a seção sete – consecutarmos a construção, analítico-distintiva, de Litígio e Lide, agora, sob o prisma empírico-crítico e enfocando, principalmente, os temários da decidibilidade de conflitos e da teleologicidade processual.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL.

179

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Certo é que tal proposição hipotética (depois, tética) dos termos Litígio e

Lide tem, dentro da teoria jurídico-processual, várias implicações e repercussões.

Implicações e repercussões essas – conforme pudemos observar, mesmo que en passant,

nas proposições propedêuticas deste trabalho e conforme veremos mais adiante, quando

aplicarmos esta construção terminológico-conceptual dos referidos elementos na formatação

e redimensionamento do conceito de certas instituições e institutos jurídico-processuais – de

várias ordens: teórica265, conceitual266, metodológica267 e, sobretudo, tecnológico-

pragmática268, todas no sentido de elidir certas aporias e lacunas existentes no sistema e no

conhecimento jurídico-processual por conta do problema da indiscernibilidade de identidade

entre Litígio e Lide. Daí, desse modo, a importância e relevância deste estudo para a Ciência

Jurídico-Processual – seja esta considerada pelo prisma dogmático ou pelo prisma zetético.

Destarte, a tese que estamos a defender aqui – e esta, na verdade, é a

hipotese básica principal da presente dissertação – é que: os termos sub examen, Lide e

Litígio, são elementos terminológico-conceptuais de natureza, significação e etimologia

diferentes, com bedeutung (referência), sinn (sentido) e atributividade também diferentes,

com estrutura de definiens/definiendum diversa e caracterizados pelos caracteres lógicos da

discernibilidade de identidade e da opacidade referencial. Litígio e Lide são, também,

metodologicamente falando, variáveis de ordem sócio-jurídico-processual que se relacionam

265 Porque, como já enunciamos, tal construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual além de contribuir no sentido de apresentar soluções a questões, aparentemente, aporemáticas verificadas em algumas instituições e institutos fundamentais da teoria jurídico-processual, contribui para o acoplamento estrutural e o fechamento organizacional – tendo em vista algumas lacunas conceptuais e metodológicas – do sistema. 266 Porque, tentando elucidar o problema da indiscernibilidade de identidade existente entre os conceitos de Lide e Litígio, contribui no sentido de dar uma nova formatação, principalmente, ao conceito de Lide formulado por Francesco Carnelutti e, em assim sendo, ressalvando-o das críticas que a dogmática jurídico-processual já fez a este, principalmente, por considerar que, na visão carneluttiana, o conceito de Lide era mais sociológico do que jurídico, desse modo, sem maior importância para a teoria processual. No caso, nós assentimos que, em verdade, Lide é um conceito jurídico-processual e Litígio, sim, é um conceito de ordem sociológica, protojurídica. 267 Porque, com a construção analítico-distintiva aqui estabelecida, busca-se afastar o conceito de Lide como pólo metodológico e, tão-somente, adequá-lo conceitualmente como mais um instituto jurídico-processual da Ciência Jurídico-Processual. Desse modo, o nosso objetivo não é colocar – ou como diria Cândido Rangel Dinamarco – salvar o conceito de Lide como pólo metodológico, tal como fez Carnelutti e seus seguidores. 268 Porque com a distinção estabelecida entre Litígio e Lide, fornecemos elementos para a teoria processual adequar os conceitos e funções da Jurisdição como mecanismo estatal de resolução de conflitos. Isso porque, conforme vimos, do modo como o sistema está estabelecido hoje, a preocupação e, por conseguinte, a atuação do julgador ao se deparar com o processo é no sentido de resolver a Lide e não, propriamente, o Litígio que deu origem ao processo.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL.

180

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

entre si – de modo interdependente – de forma coextensiva, seqüencial, contingente e

probabilista (estocástica). No caso, o Litígio é um instituto (conceito-categoria) protojurídico-

sociológico, um pressuposto processual, de natureza fáctico-causal-sociológica, de

referibilidade extrínseca, portanto, exoprocessual, de composicionalidade lógica

categoremática, constituindo em si um antecedente fáctico-causal e lógico do processo e

caracterizado pela contendere de sujeitos em face de uma pretensão – resistida ou

insatisfeita – vetorialmente contrária ao interesse da outra parte que, graficamente,

baseados na concepção romanística de actio e na Teoria Linear de JOSEF KÖHLER (aplicada

esta não à representação da relação processual, mas do conflito social – o Litígio, nos

termos em que estamos a assentir), num momento exo e pré-processual, poderíamos

representar do seguinte modo: L = Sc1 actio Sc2, onde L é litígio e Sc é sujeito

contendedor. Por sua vez, a Lide é um instituto (conceito-categoria) jurídico-processual, um

suposto processual, a partir do qual se identifica e se define o chamado meritum causae (ou

streitgegenstand) e o thema decidendum e, desse modo, uma conditio sine qua non do

processo, de natureza jurídico-processual stricto sensu, de referibilidade intrínseca, portanto,

endoprocessual, de composicionalidade lógica sincategoremática, constituindo em si um

conseqüente jurídico-processual necessário do conflito social deduzido em juízo (o Litígio) e

caracterizada por uma relação jurídico-processual sinalagmática entre parte(s) e o Estado-

juiz que, graficamente, baseados na concepção da Teoria Angular de KONRAD HELLWIG,

poderíamos representar do seguinte modo:

Estado-Juiz Lide

Autor Réu

Em síntese: a Lide, ao contrário do que enuncia a opinio communis

doctorum da dogmática jurídico-processual, seria não o correspondente sinonímico do Litígio,

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL.

181

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

mas o resultado da dedução quantitativa e qualitativa deste em juízo, nos termos em que

adiante, pormenorizadamente, explicitaremos.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.1 – Litígio e Lide: noções propedêuticas e etimo(lógicas).

182

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

4.1 – Litígio e Lide: noções propedêuticas e etimo(lógicas).

4.1.1 – Litígio e Lide: noções propedêuticas.

Da análise teórico-conceptual e histórico-descritiva dos institutos Litígio e

Lide que consecutamos, pudemos apreender, entre outros, que tais termos sub examen,

antes da formulação teorético-sistemática de CARNELUTTI não tinham uma maior

significação e importância semântica, sintática ou até mesmo pragmática para a Ciência

Jurídico-Processual. Eram, inclusive, termos que, lato sensu, tinham a mesma formatação de

definibilidade de outros institutos processuais. Aliás, conteudística, genérica e

referencialmente, Litígio e Lide tinham o mesmo conceito – ou, ao menos, uma proximidade

semântico-conceitual – de outros termos, tais como, demanda, causa, pretensão, conflito,

objeto do processo, meritum causae, ente outros. Daí o problema já apontado por nós da

indiscernibilidade de identidade.

Desta maneira, pelo que vimos, somente a partir da elaboração conceitual

de CARNELUTTI é que tais termos – que para o processualista italiano eram, inclusive,

sinônimos e referentes entre si – vão passar a ter significativa importância para a teoria

processual. Importância, esta, saliente-se, fundamental para a Ciência Jurídico-Processual,

posto que é a partir da definição de Lide/Litígio que CARNELUTTI vai elaborar todo um

sistema de conhecimento jurídico-processual que, por assim ser, será adotado269 pela

maioria dos processualistas da dogmática jurídico-processual.

269 Salientando-se aqui que tal adoção, muitas vezes, foi recebida com ressalvas pelos processualistas. Lembremos, nesse sentido, das críticas que processualistas importantes da dogmática processual fizeram ao conceito carneluttiano de Lide; processualistas como Giuseppe Chiovenda, Piero Calamandrei e Enrico Tullio Liebman – entre os italianos – e de Cândido Rangel Dinamarco, Alfredo Buzaid e Celso Neves, entre os brasileiros, para ficarmos tão-somente em alguns exemplos.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.1 – Litígio e Lide: noções propedêuticas e etimo(lógicas).

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

O grande objetivo, na verdade, de CARNELUTTI – e, nesse ponto,

conforme bem expressou LIEBMAN270, “não se pode negar que esta doutrina representa o

mais ousado esforço feito até hoje para procurar identificar o conteúdo material do

processo” – era estabelecer a base conteudística do fenômeno processual e, a partir desta, e

das dimensões que ele chama de estática e dinâmica271 do direito, montar todo um sistema

de conhecimento jurídico-processual, onde deveria imperar o caráter teórico-científico e

sistemático-metodológico da produção cognitiva, ao contrário do que se tinha, até então, na

dogmática processual, onde os estudos sobre o direito processual ainda eram eivados de

uma metodologia baseada, sobretudo, na práxis jurídica, sem uma maior profundidade ou,

ao menos, preocupação teórica na formulação dos conceitos das instituições e institutos

jurídico-processuais.

Mas, conforme vimos, quando da análise da construção teorético-

sistemática do processualista italiano, suas contribuições para a Teoria Geral do Processo e,

conseqüentemente, para a Ciência Jurídico-Processual, param por aí, posto que várias

objeções – e, por conseguinte, reparos – foram e podem ser feitos à sua teorização.

Principalmente, no que diz respeito ao conceito de Lide (Litígio)272 como sendo o conteúdo

material do processo, isto é, como sendo o meritum causae do processo e como categoria

jurídica e pólo metodológico da teoria processual.

LIEBMAN, neste sentido – nós vimos – afirma que “esta definição da lide,

como sendo o mérito da causa [...] e outras aplicações que faz Carnelutti de sua referida

270 LIEBMAN, Enrico Tullio. Estudos sobre o processo civil brasileiro. Araras: Bestbook, 2001, p. 95-96. 271 Dizia Carnelutti a respeito disso que: “[...] a ciência jurídica vai ordenada em dois capítulos, os quais, sem vacilação, se pode nomear estática e dinâmica do Direito. Quando distingui, por exemplo, a composição do desenvolvimento do processo como dois aspectos diversos de sua estrutura, não fiz mais que procurar multiplicar os fotogramas; a teoria das situações jurídicas e a teoria dos atos jurídicos não são senão o fruto de uma observação do dado, partindo de diferentes pontos de vista (do setor estrutural). Porém, por sua vez, mais que pontos de vista, a estática e a dinâmica são setores que se prestam a ser decompostos, pois cada uma das situações e cada um dos atos que resultam da observação são observados in se e em suas combinações.” (CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do Direito. Tradução de Frederico A. Paschoal. Campinas: Bookseller, 2002, p. 53). 272 “Conflito intersubjetivo de interesses qualificado pela pretensão de um e pela resistência do outro”, diz Carnelutti.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.1 – Litígio e Lide: noções propedêuticas e etimo(lógicas).

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

doutrina pode ser aceita, a meu ver, só com alguns importantes reparos”273. E aí, afirma o

processualista da Universidade de Parma que, ao contrário do que preceitua CARNELUTTI,

na verdade, o conflito de interesses que ocorre na realidade social entre duas ou mais

pessoas só entra para o processo – e, por assim ser, define o seu conteúdo – na exata

medida em que ele é deduzido em juízo pelas partes, objetando, assim, principalmente, as

teses carneluttianas de processo integral e processo parcial274 e do conceito de Lide como

uma categoria jurídico-processual central.

Em assim sendo, prossegue LIEBMAN, o elemento que delimita, que define,

precisamente e em concreto, o meritum causae – o conteúdo objetivo e material do

processo – não é, portanto, o conflito existente entre as partes fora de tal processo, tal

como ele ocorrera, mas sim o pedido formulado pelo autor ao órgão judiciário em relação a

este conflito275. Dito isso, arremata, contundentemente, sua crítica, afastando, assim, o

conceito de Lide nos moldes em que CARNELUTTI o estabeleceu na teoria processual,

afirmando que com razão estava CALAMANDREI ao assentir que a Lide, tal como entende

CARNELUTTI, é conceito sociológico e não jurídico.

273 LIEBMAN, op. cit. p. 96. 274 E, neste sentido, Liebman faz, ao meu ver, uma duríssima crítica, do ponto de vista acadêmico-científico, a esta formulação de Carnelutti. Diz, ele, in verbis: “Tomamos do próprio Carnelutti o exemplo seguinte: quem pretende uma herança por dupla vocação, testamentária e legítima, pode pedir o reconhecimento de seu direito com fundamento em uma só delas ou em ambas; no segundo caso, diz ele, o processo é integral porque contém toda a lide existente; no primeiro, o processo é parcial, porque contém só uma parte dela. Carnelutti vê-se, assim, em face do problema da continência do processo com respeito à lide, que é a meu ver um falso problema. Para o processo, interessa o que for nele deduzido efetivamente e não importam os outros fatos que podem ocorrer pelo mundo a fora. Do ponto de vista imaginado por Carnelutti, nunca haveria, na verdade, processo integral, pois não há conflito de interesses que não apresente, ou possa apresentar, aspectos diferentes daquele que a imaginação do advogado conseguiu em cada caso concreto configurar, ou problemas colaterais,, secundários ou conseqüentes que as partes acharam mais conveniente ignorar.”. E arremata, perspicazmente: “Aliás, porque deveríamos deter-nos na consideração das duas figuras do processo integral e do parcial? Quantos são os conflitos de interesses que nunca foram nem serão levados perante o juiz? O quadro deveria, pois, ser completado com a hipótese do processo inexistente, e levar em consideração a série dos processos que não foram propostos e ficaram no limbo dos seres que não puderam nascer, o que representa a redução ao absurdo do problema imaginado (grifos nossos).” (Ibidem., p. 96-97). 275 Criticando, também, severamente, Francesco Carnelutti, neste sentido, afirma Liebman: “Desse modo, o conflito de interesses não entra para o processo tal como se manifestou na vida real, mas só indiretamente, na feição e configuração que lhe deu o autor em seu pedido. Por sua vez, o juiz não age diretamente sobre o conflito, não o compõe – como diz Carnelutti – pois que ele constitui uma realidade psicológica praticamente inatingível: o que o juiz faz é verificar a procedência do pedido que lhe foi feito para, conseqüentemente, conceder-lhe ou negar-lhe deferimento, em aplicação do que a lei manda e preceitua.” (Ibidem., p. 99).

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.1 – Litígio e Lide: noções propedêuticas e etimo(lógicas).

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

A partir disso, LIEBMAN, como vimos, formula o seu próprio conceito de

Lide (Litígio) dizendo que esta, na verdade, um pouco diferente da teorização carneluttiana,

é o conflito, efetivo ou virtual, de pedidos contraditórios sobre o qual o juiz é convocado a

decidir. Diz ele: “assim modificado, o conceito de lide torna-se perfeitamente aceitável na

teoria do processo e exprime satisfatoriamente o que se costumar chamar de mérito”276.

CALAMANDREI277, nesta mesma perspectiva identificada por LIEBMAN,

afirma que a Lide (Litígio), no momento em que se desenrola na concretude social, isto é,

ainda sem qualquer referência à tutela jurídica, é, por assim ser, indiferente ao mundo

processual e, por conseguinte, para a formação dos conceitos jurídico-processuais. Trata-se,

em verdade, de uma realidade fenomênica, pertencente, assim, ao mundo sociológico e não

jurídico (jurídico-processual).

A Lide (Litígio), para figurar no mundo jurídico-processual, afirma

CALAMANDREI, precisa ser apresentada – tecnicamente falando, deduzida – em juízo

através de um ato (demanda) de uma das partes; ato esse que é consubstanciado, por sua

vez, em um direito (facultas agendi), qual seja, o direito de ação. E nesse deduzir, o juiz, ao

tomar conhecimento da Lide (Litígio), não se encontra com a mesma, necessariamente, do

mesmo modo em que ela ocorrera na realidade social, mas do modo como esta fora

formulada e evidenciada pela parte autora, tudo isso através de um ato processual

denominado petição inicial. Daí porque CALAMANDREI “sustenta ser mais consentânea com

a realidade dos fenômenos processuais, a doutrina que considera a ação como objeto

imediato do processo”278 e não a da teoria carneluttiana da Lide (Litígio).

Com esses reparos, assim, a dogmática jurídico-processual tenta salvar o

conceito carneluttiano de Lide como conteúdo material do processo (objeto do processo).

Por outro lado, é muito importante salientarmos, ainda, que, mesmo nesta tentativa de

276 Ibidem., p. 103. 277 CALAMANDREI, Piero. Il concetto di “lite” nel pensiero di Francesco Carnelutti. In Rivista di diritto processuale civile. v. V. Padova: Cedam, 1928. 278 TEIXEIRA GIORGIS, José Carlos. A lide como categoria comum do processo. Porto Alegre: LeJur, 1991, p. 38.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.1 – Litígio e Lide: noções propedêuticas e etimo(lógicas).

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

reparação e adequação da tese carneluttiana, quanto ao conceito de Lide (Litígio) como

centro do sistema de conhecimento jurídico-processual, muitos outros processualistas279 – e

até mesmo o próprio PIERO CALAMANDREI – assentiram que a Lide, na verdade, como

conceito e fenômeno, não é tão essencial, assim, ao exercício da jurisdição, nem constante

em todo processo. Lembram, dessa maneira, tais doutrinadores, da chamada jurisdição

voluntária e do processo penal (para aqueles que consideram que não há Lide neste). Neste

sentido, CALAMANDREI280 – como dissemos – afirma que:

[...] parece que a existência da lide não pode ser considerada como condição necessária para o interesse de agir em todos os casos nos quais, mesmo se lide não existisse, nem por isso seria possível ao interessado conseguir extrajudicialmente, pelo consenso espontâneo da outra parte, aquilo que somente a sentença pode dar-lhe.

O fato é que, mesmo abstraindo-se tal advertência – por certo, contrária à

tese carneluttiana –, veja-se que o conceito de Lide (Litígio), tal como o re-elaboraram

CALAMANDREI, LIEBMAN e outros processualistas, fica totalmente desfigurado, tomando,

desse modo, um outro sentido, uma outra significação conceitual e referencial, diferente da

que CARNELUTTI propôs. Isso porque, como vimos, para CARNELUTTI, Lide, Litígio, conflito

– como se queira denominar – tal como ocorrera na realidade social, ou, até mesmo, tal

como fora levado a juízo pelas partes (daí a noção de Lide integral e Lide parcial),

constituiria em si o conteúdo do processo. Ou seja, aquele conflito de interesses qualificado

pela pretensão de um (o autor) e pela resistência do outro (o réu) é que seria objeto da

cognição do juiz, pouco importando aqui, a formulação peticional do autor, até porque, diria

CARNELUTTI, o processo jurisdicional – a Jurisdição – tem como principal objetivo, enfim, a

resolução justa dessa Lide (Litígio)281.

279 Tal como, por exemplo, Cortesia de Serego em: SEREGO, Cortesia de. Il processo senza lite. Pádua: Cedam, 1930. 280 CALAMANDREI, apud DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 56. 281 Daí estabelecer Carnelutti a distinção entre função processual e função jurisdicional.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.1 – Litígio e Lide: noções propedêuticas e etimo(lógicas).

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Em assim sendo, as indagações que se apresentariam para nós seriam: que

importância teria tal conceito de Lide (Litígio) – com esta nova acepção dada por alguns

processualistas – para a teoria processual já que, no mesmo sentido, sinonimicamente já

temos o instituto jurídico-processual denominado mérito da causa? E mais: esta nova

acepção, dada à teoria da Lide, contribuiria, assim, para elidir as objeções282, apontadas por

esses mesmos processualistas que construíram esse novo conceito de Lide (Litígio)? Isto é a

partir desta nova acepção, poderíamos considerar que a Lide também seria o conteúdo do

processo penal e dos processos de jurisdição voluntária? Mais ainda: em se considerando

esta nova acepção, qual, enfim, o grande telos da jurisdição e, por conseguinte, do

processo: a decidibilidade do conflito que deu origem a tal processo ou da Lide que o

compõe, como meritum causae? E por último: será que não é tão importante para o jurista –

o processualista, o juiz, enfim – conhecer, teórica e tecnicamente – além da Lide (nesta

acepção nova), o conflito (diríamos, o Litígio) que deu origem ao processo? Será que isolar o

conceito de Lide, para afastá-lo do dado sociológico, como disse CALAMANDREI e, depois,

LIEBMAN, afim de salvá-lo na teoria processual, é a melhor solução para a dogmática

jurídico-processual, enquanto ciência tecnológica que deve se preocupar, essencialmente,

com a decidibilidade de conflitos?

Todas essas questões serão equacionadas e redimensionadas a partir da

construção analítico-distintiva que ora elaboramos. No entanto, in limine, poderíamos

assentir que tal acepção se trata de mera sinonímia e equivocidade dos institutos. Sinonímia

e equivocidade essas, já aqui, neste trabalho, condenadas por nós, quanto à observância

dos requisitos de cientificidade. Isso porque comparar, tão-somente, Lide a meritum causae

não elidiria, em absoluto, nenhuma das incongruências e incoerências acima apontadas. No

máximo, constituir-se-ia uma nova teoria a respeito do objeto do processo

(streitgegenstand). Just it.

282 Questões que nós chamamos de aparentemente aporemáticas.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.1 – Litígio e Lide: noções propedêuticas e etimo(lógicas).

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Neste mesmo sentido, corroborando a nossa asserção, quanto a essa nova

formulação do conceito de Lide (Litígio) de CARNELUTTI, feita por processualistas como

CALAMANDREI, LIEBMAN – entre os italianos e CELSO NEVES283, ALFREDO BUZAID284 –

entre os brasileiros, parece-nos completamente acertada e bem postada a colocação do

eminente processualista brasileiro CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO285, in verbis:

No Brasil, o empenho em ‘salvar’ o conceito de lide e transportá-lo do mundo sociológico para o jurídico levou a tentativas que acabaram por distorcê-lo por completo e apresentá-lo completamente destituído de conteúdo útil. Trata-se de encontrar a substância do objeto do processo (Streitgegenstand), ou seja, de encontrar aquilo que constitui o meritum causae. Pois, na passagem do sociológico para o jurídico, os juristas definiram a lide como sendo, então, ‘conflito de interesses, na medida em que foi deduzido em juízo’ [...] [Liebman]; ‘pedido e contestação representam dois pedidos em conflito’ [...] [Liebman]. Ora, desconsiderando a lide existente antes do processo (‘a razão de ser, a causa remota’ [...] [Liebman]), esse modo de ver a lide do ponto de vista jurídico deixa-a sem aptidão a explicar alguma coisa. Se lide é o mérito e o mérito é a lide, segue-se que um dos dois vocábulos é supérfluo e o acréscimo do primeiro na linguagem do jurista constituiria uma excrescência. A sinonímia não seria nociva, se fosse mera sinonímia e não conduzisse à ilusão de poder fazer coabitar no mesmo diploma processual o método que tem a lide ao centro e o que tem a ação, como se eles não se repudiassem.

Na verdade, a grande problemática a ser enfrentada aqui é: elaborar um

conceito unívoco para a Lide (Litígio) a fim de que se possa colocá-la na teoria processual –

e, por conseguinte, na Ciência Jurídico-Processual – numa posição não, necessariamente,

central – nem metodológica nem epistemologicamente, posto que incompatível, no caso

brasileiro, com a teoria da ação –, mas tão-somente de enquadramento adequado, junto às

demais instituições e institutos jurídico-processuais. E é aqui que entra a nossa proposição

hipotética de distinção entre os conceitos de Lide e Litígio como tentativa de superação

283 Cf. NEVES, Celso. Estrutura fundamental do processo civil: tutela jurídica processual, ação, processo e procedimento. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 223-224. 284 Lembrar aqui da exposição de motivos do Código de Processo Civil de 1973 feita pelo autor – então Ministro da Justiça e relator do projeto – e do seu estudo “Da Lide: estudo sobre o objeto litigioso” de 1980 (Cf. BUZAID, Alfredo. Estudos e Pareceres de Direito Processual Civil. Adaptação de Ada Pellegrini Grinover e Flávio Luiz Yarshell. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 72-132). 285 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 56-57.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

dessas lacunas e incongruências apontadas pela dogmática jurídico-processual – e por nós –

frente à teoria da Lide de CARNELUTTI.

O que ocorre é que, para nós, aquilo que LIEBMAN, CALAMANDREI e

outros grandes processualistas – na esteira da teorização carneluttiana – denominam de Lide

– como conflito de interesses que o é, ou como aquilo que do conflito fora levado à juízo

pelas partes – na verdade, é o que nós denominamos de Litígio.

Desse modo, conforme veremos pormenorizadamente na próxima

subseção, o conflito que ocorre na realidade social – conflito esse caracterizado pela

pretensão e pela resistência das partes, como afirmara CARNELUTTI – peremptória e

decididamente, como bem assentiram CALAMANDREI, LIEBMAN, DINAMARCO e outros

processualistas, é um dado sociológico e não jurídico, mas que por importar à Ciência

Jurídico-Processual, enquanto tecnologia de decidibilidade de conflitos que é, deve ser,

assim, conhecido a fundo (o Litígio). Jurídico (processual), no entanto, só o é, a partir – e,

tão-somente, a partir – do momento em que tal conflito (Litígio) é deduzido em juízo. E,

assim, como afirmamos anteriormente, tal processo de dedução quantitativa e qualitativa do

Litígio em juízo leva à formação, agora, sim, de um conceito jurídico (processual),

denominado por nós de Lide.

Lide, portanto, é aquilo que do Litígio fora deduzido em juízo. Daí ser a

Lide um conceito (conceito-categoria, como veremos adiante) jurídico e o Litígio, por sua

vez, um conceito (também, conceito-categoria) sociológico, mas que, por importar ao Direito

– enquanto sistema de normas e de regulação de condutas sociais – também apresenta um

mínimo viés de juridicidade; daí porque assentimos que se trata de um conceito, também,

além de sociológico, protojurídico.

Encarados – Litígio e Lide – por esse prisma analítico-distintivo (nós

veremos isso quando da aplicação de tal construção na formatação de alguns conceitos

jurídico-processuais), elidiríamos, assim, tais incoerências e incongruências da teoria

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.1 – Litígio e Lide: noções propedêuticas e etimo(lógicas).

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

processual, principalmente no que diz respeito ao atributo da jurisdicionalidade na jurisdição

voluntária e da Lide como conteúdo do processo penal.

No mesmo sentido dessa nossa proposição, nós vimos, embora sem se

deter a maiores explicações, assentiu o processualista da dogmática jurídico-processual

brasileira HÉLIO TORNAGHI286. Mesmo assim, de igual modo aos outros processualistas

(como LIEBMAN, CALAMANDREI, CELSO NEVES, BUZAID e etc.), depois de isolar do

contexto sociológico, o instituto da Lide, desprezou e cindiu, da teoria processual, todo o

dado conflituoso que dá origem aos processos judiciais, preocupando-se, apenas, em

resgatar tal conceito de Lide. Ora, indagaríamos: para que, então, serve a jurisdição estatal

e o processo judicial senão como meios de resolução de conflitos (litígios)? E: como resolver

os conflitos sociais, os Litígios, sem os conhecer a fundo287? Importa, efetivamente, para o

processualista, para o julgador, enfim, conhecer – inclusive, teórica e cientificamente – o

dado sociológico, isto é, o conflito (o Litígio) para poder, assim, tornar o processo um

instrumento de efetivação de justiça social. Esse, indubitavelmente, é o maior programa, na

atualidade, da teoria processual288. Daí, porque, no nosso estudo, Lide e Litígio são institutos

com a mesma importância teórico-conceitual, pois, na nossa perspectiva teórica e ideológica,

conhecer os elementos e caracteres não só da Lide processual, mas também do Litígio social

286 TORNAGHI, Hélio. A relação processual penal. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 1987. 287 E aqui, é válido destacarmos, a grande, importante e alvissareira contribuição teórica da obra de Francesco Carnelutti para a elaboração de uma teoria, jurídica, do conflito. Isso porque Carnelutti – dentro da dogmática jurídico-processual – foi um dos únicos processualistas preocupados com o dado sociológico ensejador das lides processuais e, por conseguinte, um dos únicos preocupados com a formação de uma teoria do litígio. Não sei, na verdade, se ele o fez de modo incidental e acidental, isto é, sem ter tal preocupação axiológica ou se fê-lo de modo consciente, sabendo da importância, para a Ciência Jurídico-Processual, enquanto tecnologia de decidibilidade de conflitos, de tal temário. O fato é que a sua teoria da Lide (Litígio) – e dos métodos de resolução da mesma – tem uma grande importância neste sentido. E observe que, justamente por causa disso, Carnelutti foi muito criticado pelos demais processualistas, pois esses afirmavam que, em verdade, a lide, enquanto conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida ou insatisfeita, interessava mais ao mundo sociológico (e desse modo às ciências sociais) do que ao mundo jurídico (e desse modo à Ciência Jurídico-Processual). 288 Neste sentido, conferir: Mauro Cappelletti em – CAPPELLETTI, Mauro. Processo e ideologie. Bologna: Il Mulino, 1969; Kazuo Watanabe em – WATANABE, Kazuo. Da Cognição no Processo Civil. 2. ed. atual. Campinas: Bookseller, 2000); Luiz Guilherme Marinoni em – MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 4. ed. rev. ampla. São Paulo: Malheiros, 2000 e Cândido Rangel Dinamarco em – DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.1 – Litígio e Lide: noções propedêuticas e etimo(lógicas).

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

é condição inelutável e indispensável para a constituição e o exercício de uma jurisdição

otimizante, não apenas satisfaciente.

Desse modo e em assim sendo, importa para o processualista e para o

jurista, em geral, enquanto integrante da jurisdição estatal, conhecer os conceitos de Lide e

Litígio de todos os prismas e matizes teóricos e empíricos possíveis. Até porque, conforme

estamos a afirmar e ver, teórica e empiricamente não há que existir dúvidas, quanto à

discernibilidade de tais elementos conceptuais.

4.1.2 – Litígio e Lide: noções etimo(lógicas).

Até mesmo do ponto de vista etimológico, lexicográfico e filológico, que

são, deveras, também, muito importante289 para a formulação das definições, conceituações

e denominações290 das instituições e institutos da teoria jurídico-processual – conforme bem

assinalou CARNELUTTI291 – Litígio e Lide são conceitos não-referenciais entre si e, por assim

ser, não sinonímicos.

289 Não o mais importante – tendo em vista os problemas da temporalidade, espacialidade e, por assim ser, da contingencialidade da formulação dos construtos –, como salientamos, em nota, na introdução, a observação do processualista uruguaio Eduardo Couture em seu Vocabulário Jurídico (COUTURE, Eduardo. Vocabulario Jurídico. Buenos Aires: Depalma, 1976.). 290 Fazendo uma importante distinção de tais termos (conceito, definição e denominação), assim preceitua Carnelutti que, como vimos, foi um dos poucos, e melhores, processualistas preocupados com o problema da indiscernibilidade de identidade e da equivocidade na formulação dos conceitos jurídico-processuais, in verbis: “O conceito, nascido e formado do pensamento, deve, até certo ponto, sair deste, transferindo-se a uma idéia e, assim, tornar sede diversa no homem. Não vejo, ao menos por hora [sic], outro meio para tal transferência que a linguagem. Assim, da formação interna se passa à formação externa do conceito; pudera dizer-se de sua formação à sua expressão. As fases da expressão do conceito são duas: a definição e a denominação. A definição, em substância, não é mais que a expressão verbal dos caracteres originários do conceito; pode-se dizer, exatamente, a fórmula do conceito. A definição é para o conceito como o modo para o conteúdo [...]. [...] Definir os objetos não quer dizer outra coisa que fabricar os conceitos. [...] Uma ciência sem definições é tão pouco concebível quanto uma ciência sem conceitos. Por outro lado, a definição não basta. Se os conceitos são instrumentos que têm de ser continuamente manejados, necessitam uma luva para colhê-los com a mão; não saberia expressar melhor a utilidade e a eficácia da denominação. A linguagem careceria de agilidade se em lugar dos nomes (comuns) usasse definições. Para usá-las, importa que sejam abreviadas ou concentradas; ou também que a cada definição e, ainda, a cada conceito corresponda um indício próprio, de modo que o segundo chame à primeira. Em suma, sobre a caixa, falta a etiqueta. Essa é a denominação.” (CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do Direito. Tradução de Frederico A. Paschoal. Campinas: Bookseller, 2002, p. 68-69.). 291 Neste sentido, cf.: Ibidem., p. 68-73.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.1 – Litígio e Lide: noções propedêuticas e etimo(lógicas).

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Assim, segundo a etimologia lexicográfica292 dos elementos terminológicos

Litígio e Lide, tais termos são de origem latina – e esse é o único traço em comum entre

ambos – e de morfologia e composicionalidade diferentes. Litígio, no caso, embora utilizado

no português medieval, por volta do século XIII, com uma acepção próxima à de Lide – daí o

termo lidear (século XIII), do latim litigare, de lis litis –, na verdade, deriva do latim litigium

ii, passando a ser usado, assim, a partir do século XV e derivando do verbo, da língua

portuguesa, litigar (século XV). Por sua vez, Lide, mais utilizado na terminologia jurídica (de

língua portuguesa) que Litígio, significando contenda, luta, querela, questão jurídica, a partir

do século XIII, deriva do latim lis litis o qual deu origem, na língua portuguesa, ao verbo

lidear, isto é, pleitear, questionar em juízo (século XIII) e a vários outros substantivos, de

semântica jurídica, tais como litisconsórcio (século XX), litisconsorte (1899), litiscontestação

(século XX), litispendência (1844), todos esses derivados do latim tardio do direito romano.

Sendo assim, Litígio e Lide, termos que, na língua portuguesa – e nas línguas latinas como

um todo –, têm origens etimológicas e lexicográficas diferentes.

Nesta mesma perspectiva de análise etimo-lexicográfica, o processualista

uruguaio EDUARDO COUTURE, em sua valiosa obra Vocabulário Jurídico, falando,

sintaticamente, a respeito da Lite/Litigio (Lide e Litígio, respectivamente, no italiano) de

CARNELUTTI, preceitua, no mesmo sentido de NICETO ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO. Isto

é, traduz a Lite carneluttiana para o espanhol, e para o castelhano, como Litigio, muito

embora também exista, nessas mesmas línguas, o vocábulo Lite, que coincide, inclusive,

letra a letra com a italiana Lite. A explicação, para tanto, é-nos dada pelo próprio “don

NICETO”293 em suas Cuestiones de terminologia procesal294 (texto esse que, inclusive, já

292 Para tal pesquisa, utilizamos o valioso e significativo trabalho de Antônio Geraldo da Cunha em: CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa. 2. ed. 9. reimp. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. 293 Como era carinhosamente chamado Niceto Alcalá-Zamora y Castillo entre os processualistas mexicanos, no período em que ele ficou exilado naquele país. 294 ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO, Niceto. Cuestiones de terminologia procesal. México: UNAM, 1972, p. 122-123.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.1 – Litígio e Lide: noções propedêuticas e etimo(lógicas).

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

reproduzimos aqui, mas que, por sua importância elucidativa, do ponto de vista etimológico,

neste momento, fazemo-lo de novo), in verbis:

Lite, ‘litis’, litigio. Prescindiendo de lid, que etimológica e historicamente podría traerse a colación, pero que en la actualidad está desusado em su acepción forense, tres palabras se ofrecen para la versión de lite, concepto clave del Sistema carneluttiano: la latina litis y las castellanas lite y litigio. La primera es utilizada en la ley o en la prática, en las expresiones litispendência, litis-contestatio, litis-consorcio y sus derivadas, litis-expensas, quota-litis curador ad litem, in limine litis. [Litis-denuntiatio, a su vez, es concepto empleado por los procesalistas españoles, pero no por la ley ni por los prácticos]. Sin embargo, habiendo prescindido Carnelutti de la voz latina y optado por la romance, he creído que en la traducción debería adaptarme a su critério. En cuanto a lite, que coincide letra a letra con el término italiano, carece, si no mi equivoco, de entrongue legal, y su uso forense en España es muy escaso. Por ello, y además por ser la unica con derivados directos, entiendo que debe escogerse litigio, aun cuando esta denominación no concuerde siempre (como tampoco ningula de las otras dos) con el significado peculiar que la lite da el autor. La ley de enjuiciamento civil, más aún que de litígio, se sirve de sus derivados: litigante y colitigante, litigar y litigioso (grifos nossos).

COUTURE afirma, ainda, em seu Vocabulario Jurídico295, nesta perspectiva

de análise etimo-lexicográfica, que, etimologicamente falando – assim como nós assentimos

anteriormente – Litigio (que para ele, também, era o termo que melhor traduzia a Lite

carneluttiana; no caso, Lite e Litigio eram termos sinônimos e de mesmo sentido296) derivava

da “voz culta, del latín litigium, ii, de igual significado, derivado del verbo litigo, -are”.

Por sua vez, traduzindo tal termo para a língua de outros países onde a

dogmática jurídico-processual atingiu um alto grau de desenvolvimento acadêmico-científico,

completa, ele: “Litigio. Traducción: Francés, Litige; Italiano, Lite, Litigio; Portugués, Litígio;

Inglés, Dispute, Lawsuit; Alemán, Rechtsstreit”297.

No caso da tradução para o português, equivocou-se o processualista

uruguaio – pelo menos no que diz respeito ao processualismo brasileiro – ao afirmar que o

termo Litígio é o que melhor corresponde à tradução de Lite, já que, entre nós, é mais

295 COUTURE, Eduardo. Vocabulario Jurídico. Buenos Aires: Depalma, 1976, p. 392. 296 “Conflicto de intereses caracterizado por la existencia de una pretensión jurídica resistida o insatisfecha” (Ibidem.,. p. 392). 297 Ibidem., p. 392.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.1 – Litígio e Lide: noções propedêuticas e etimo(lógicas).

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

corrente (embora seja aceitável também o termo Litígio) o uso do termo Lide para

denominar a Lite carneluttiana. Veja-se, por exemplo, a respeito disso (além dos diversos

outros autores que mostramos, quando da análise teórico-conceptual e histórico-descritiva

de Litígio e Lide e da própria nomenclatura utilizada pelo atual Código de Processo Civil), em

trechos de três grandes dicionários jurídicos feitos por importantes processualistas nacionais,

qual a denominação é mais utilizada na dogmática jurídico-processual brasileira para

designar o termo Lite da doutrina carneluttiana:

ELIÉZER ROSA298. Até o aparecimento da obra carnelutiana, o vocábulo ‘lide’ não tinha um significado científico preciso; ora era empregado para designar o conflito de intêresses para cuja composição opera o processo; ora para designar o processo propriamente. CARNELUTTI, porém, compreendendo que a primeira condição do progresso científico é a pureza dos conceitos e a propriedade dos vocábulos, propôs definir a lide como o conflito de intêresses qualificado pela pretensão de um dos litigantes e pela resistência do outro. A lide é, portanto, o objeto fundamental do processo e nela se exprimem as aspirações em conflito de ambos os litigantes. Determinado que o mérito é, no sistema do Código, a lide, impõe-se considerá-la em suas relações com os conceitos de ação e de processo. PLÁCIDO E SILVA299. LIDE. Derivado do latim lis, litis, quer o vocábulo significar contenda, questão, luta. Na terminologia jurídica, designa a demanda ou a questão forense ou judiciária, em que as partes contendoras procuram mostrar e provar a verdade ou razão de seu direito. Embora, por vezes, seja o vocábulo aplicado em sentido equivalente a demanda, traz consigo significação mais ampla: lide é a demanda já contestada aquela em que a luta entre as partes está travada. É a formação já do litígio, nem sempre ocorrente em toda demanda, quando o réu não vem contestar nem se opor às pretensões do autor. CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO300. Logo à abertura da seção reservada a considerações sobre a terminologia do Projeto, cuida a Exposição de Motivos de apresentar o vocábulo lide como o primeiro objeto de suas preocupações, dizendo que ele só vem empregado, no Projeto e, portanto, no Código, ‘para designar o mérito da causa’. A Exposição de Motivos declara expressamente aceitar a conceituação de lide como ‘o conflito de interesses qualificado pela pretensão de um dos litigantes e pela resistência do outro’, para dizer finalmente: ‘lide é, portanto, o objeto fundamental do processo e nela se exprimem as aspirações em conflito de ambos os litigantes’. Logo, observa-se, contundentemente, que na dogmática jurídico-

processual brasileira há uma certa prevalência do termo Lide como designador do conceito

de Lite de CARNELUTTI, muito embora, é sempre válido destacarmos, Lide e Litígio, para a 298 ROSA, Eliézer. Dicionário de Processo Civil. Rio de Janeiro: Editora de Direito, 1957, p. 252. 299 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 23. ed. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 847. 300 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil moderno. 5. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, t. I, p. 193.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.1 – Litígio e Lide: noções propedêuticas e etimo(lógicas).

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

quase unanimidade de processualistas nacionais, são termos sinônimos e referenciais entre

si.

Por outro lado – um pouco diferente da proposta de tradução de

COUTURE, que, como se vê, não presa pela univocidade e simetria denominacional – no

caso das demais línguas dos países301 onde o conhecimento jurídico-processual galgou

patamares de cientificidade, e, sobretudo, tendo em vista a construção, analítico-distintiva,

terminológico-conceptual que ora estamos a estabelecer entre os termos Litígio e Lide,

vejamos, no quadro abaixo, as traduções302 que melhor expressariam a nossa proposição

hipotética de que Lide e Litígio são termos que designam realidades distintas, isto é, a Lide

sendo uma componente resultante do processo de dedução quantitativa e qualitativa do

Litígio em juízo:

LÍNGUA LITÍGIO LIDE Italiano303 Litigio Lite Espanhol304 Litigio Lite Francês305 Litige Poursuite

Alemão306 Streitsache Rechsstreit

301 Em ordem cronológica, tendo em vista o grau de cientificidade das produções cognitivo-jurídico-processuais consecutadas: Alemanha, Itália, Espanha, França e Inglaterra (e Estados Unidos). 302 No entanto, é válido ressaltarmos aqui que, mesmo nessa nossa tentativa de construção de uma denominação unívoca e precisa dos termos Litígio e Lide, algumas dessas denominações, nas suas línguas de origem, servem, também, na práxis jurídica, para designar conceitos de outras instituições e instituições processuais; fato esse que faz com que se prejudique, em certa medida, a univocidade e precisão aqui defendidas para a formulação dos conceitos e denominações jurídicas. Trata-se, como diria Couture, da “nuestra [velha] e habitual equivocidad”. Veja, neste sentido, por exemplo, o caso do termo Lawsuit que, em inglês, além de servir para designar aquilo que na nossa construção chamamos de Lide, serve, também, para indicar, denominacionalmente, a instituição Ação ou, até mesmo, o instituto da Demanda. Na verdade, o que importa aqui, para nós, é deixar claro – não importando tanto, desse modo, o denominador – que os referentes de tais termos são, peremptoriamente, diferentes. 303 Cf. LOGOS LANGUAGE SERVICE. The Logos Group. Italy. http://www.logos.net/. Acesso em: 01 de dezembro de 2003. 304 Cf.: RAE. NTLLE. REAL ACADEMIA ESPAÑOLA. NUEVO TESORO LEXICOGRÁFICO de la LENGUA ESPAÑOLA. España. Real Academia Española. Disponível em: http://buscon.rae.es/ntlle/jsp/azul.jsp. Acesso em: 21 nov. 2002. 305 Cf.: YOURDICTIONARY.COM LIBRARY. The Web of on-line dictionaries. Advisory Council of Exeperts. Disponível em: http://www.facstaff.bucknell.edu/rbeard/diction.html. Acesso em: 21 nov. 2002. E: XREFER. DICTIONARIES OF LAW. Oxford. Collins French Dictionary (2000). Disponível em: http://www.xreferplus.com/. Acesso em: 15 de dezembro de 2003. 306 Fonte: YOURDICTIONARY.COM LIBRARY. The Web of on-line dictionaries. Advisory Council of Exeperts. Disponível em: http://www.yourdictionary.com/languages/germanic.html#german. Acesso em: 21 nov 2001. E: XREFER. DICTIONARIES OF LAW. Oxford. Collins German Dictionary (2001). Disponível em: http://www.xreferplus.com/. Acesso em: 15 de dezembro de 2003.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.1 – Litígio e Lide: noções propedêuticas e etimo(lógicas).

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Inglês307 Dispute308 Lawsuit

Assim, em síntese, por tudo aqui visto, não só do ponto de vista da

construção teórico-conceptual que estamos a consecutar, terminológica, etimológica e

lexicograficamente, Litígio e Lide são termos distintos entre si.

Distintos, também porque, conforme assentimos teticamente antes, do

ponto de vista lógico, Litígio e Lide são elementos terminológico-conceptuais que possuem

bedeutung (referência) e sinn (sentido) diferentes, apresentando, assim, uma estrutura de

definiens/definiendum de atributividade diversa, com composicionalidade, também,

diferentes, sendo, deste modo, o Litígio uma expressão categoremática e a Lide, por sua

vez, sincategoremática, ambos caracterizados pelos caracteres, também lógicos, da

discernibilidade de identidade e da opacidade referencial e, dessa maneira,

metodologicamente falando, constituem-se, entre si, variáveis que se inter-relacionam de

forma coextensiva, seqüencial, contingente e probabilista (estocasticamente). Falemos,

então, um pouco dessa, também, diferenciação lógica e metodológica dos termos Litígio e

Lide.

Conforme vimos anteriormente, do ponto de vista lógico, a Bedeutung309

de uma expressão lingüística – entendendo-se essa como um termo, um predicado310 ou

uma frase – é a referência (o referente), isto é, o correlato, a correspondência (o

correspondente), de tal expressão lingüística no mundo factual. Desse modo, efetivamente,

pelas análises que temos consecutado, até então, a respeito dos elementos conceptuais

Litígio e Lide – como expressões lingüísticas que o são (no caso, são termos lingüísticos) –

307 Fonte: CAMBRIDGE DICTIONAIRES ON-LINE. England. Cambridge University Press 2004. Disponível em: http://dictionary.cambridge.org/. Acesso em: 21 nov. 2002. E: XREFER. DICTIONARIES OF LAW. Oxford. Peter Collin Publishing (2000), Wiley Dictionary of Conflict Resolution (2002), Collins Dictionary of Law (1996). Disponível em: http://www.xreferplus.com/. Acesso em: 15 de dezembro de 2003. 308 Poderíamos, também, ter Litigation como sinônimo de Litígio. 309 Cf. FREGE, Gottlob. Function and Concepts. Trad: P Geach e M. Black. Oxford: Blackwell, 1960. Também: DUMMETT, Michael. Philosophy of Language. Londres: Duckworth, 1981. E: ENCICLOPÉDIA DE TERMOS LÓGICO-FILOSÓFICOS. Portugal. Sociedade Portuguesa de Filosofia. Disponível em: http://bd1.bn.pt/enci/. Acesso em: 18 set. 2000. 310 “Trata-se aqui da noção de predicado em sentido lógico, e não no sentido da gramática tradicional ou mesmo generativa. Um predicado é uma expressão linguística de uma linguagem natural ou formal.” (ENCICLOPÉDIA DE TERMOS LÓGICO-FILOSÓFICOS. Portugal. Sociedade Portuguesa de Filosofia. Disponível em: http://bd1.bn.pt/enci/. Acesso em: 18 set. 2000.).

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

trata-se, tais termos, de expressões denominacionais que designam realidades factuais

diferentes, de maneira que o correspondente referencial e factual do Litígio é o conflito

intersubjetivo de interesses qualificado pela pretensão resistida ou insatisfeita, enquanto

que, no caso da Lide, o seu correspondente, isto é, o seu correlato referencial e factual é o

conteúdo (para alguns o meritum causae ou streitgegenstand) do mecanismo judicial de

resolução de conflitos que se denomina processo, sendo assim, Litígio e Lide, termos de

bedeutung diferentes.

Deste mesmo modo e por assim ser – isto é, como corolário desta última

assertiva –, Litígio e Lide são, também, termos que possuem sinn311 diferentes, não-

coincidentes. Isso porque, em sendo o sinn (sentido) o modo de apresentação de um objeto

associado a um termo, temos que, no nosso caso, Litígio e Lide – por terem referentes

diferentes (bedeutung e, por conseguinte, objetos diferentes) – têm, também, sinn diversos,

sendo o Litígio o termo referente de uma realidade que chamamos de sociológico-

protojurídica e a Lide o termo referente de uma outra realidade que chamamos de jurídico-

processual.

Por sua vez, ainda do ponto de vista lógico, Litígio e Lide são elementos

conceptuais que têm uma estrutura de definiens/definiendum de atributividade, também,

diversa. De que forma? Vejamos.

Na linguagem lógico-linguística, Definiendum312 é uma expressão nova ou

símbolo que se vai conhecer ou definir a partir de um Definiens313, isto é, a partir de um

conceito anteriormente conhecido ou adquirido. Por sua vez, uma descrição (um conceito) é

usada, estruturalmente, de forma atributiva se o seu conteúdo descritivo for relevante para

estabelecer ou fixar o referente da descrição, caso em que a descrição ocorre

311 Cf. FREGE, op. cit. Também: ENCICLOPÉDIA DE TERMOS LÓGICO-FILOSÓFICOS. Portugal. Sociedade Portuguesa de Filosofia. Disponível em: http://bd1.bn.pt/enci/. Acesso em: 18 set. 2000. 312 Cf. TARSKI, Alfred. Introduction to Logic and to the Methodology of the Deductive Sciences. 4. ed. Oxford: Oxford University Press, 1994. Também: ENCICLOPÉDIA DE TERMOS LÓGICO-FILOSÓFICOS. Portugal. Sociedade Portuguesa de Filosofia. Disponível em: http://bd1.bn.pt/enci/. Acesso em: 18 set. 2000. 313 Ibidem..

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

essencialmente. Além disso, num contexto de uso atributivo, uma descrição (um conceito) é

interpretada como identificando aquele único referente (termo) que satisfaz o seu conteúdo

descritivo, pois, se assim não for, se não houver exatamente o referente (termo) que a

satisfaça, isto é, se a condição de unicidade não for satisfeita, então, a descrição (o

conceito) não tem referência (referência imprópria) e em qualquer contexto lingüístico em

que ocorra é ou falsa ou está sendo usada, apenas referencialmente314, eivada, assim, de

equivocidade. No caso, aplicando tais assertivas aos elementos Litígio e Lide e seus

respectivos referentes conteudísticos, isto é, seus objetos de referência, temos que, na

formatação dos conceitos de tais termos, o definiens – e, por conseguinte, o definiendum –

que foi utilizado para o designador Litígio é diferente do usado para o designador Lide,

sendo o definiens daquele o conceito de conflito de interesses qualificado pela pretensão

resistida ou insatisfeita e o, deste, o conceito de conflito (Litígio), mas na exata medida em

que foi deduzido em juízo, consubstanciando assim o meritum causae ou streitgegenstand

do processo. Em assim sendo, e pelo que temos visto, tais termos – Litígio e Lide – dentro

da teoria jurídico-processual e, por conseguinte, da Ciência Jurídico-Processual, para se

evitarem os perigos da equivocidade e da sinonímia conceituais, devem ser usados de forma

atributiva e nunca referencial, posto que Lide e Litígio são designadores distintos.

De outra parte, falando ainda de um logical point of view, os termos Litígio

e Lide são elementos conceptuais caracterizados, também, por aquilo que na linguagem da

lógica e da linguística se denomina de opacidade referencial315 e de discernibilidade de

314 A respeito do uso referencial de uma descrição ou conceito, entenda-se: “uma descrição é usada referencialmente se a conformidade com o seu conteúdo descritivo não for uma condição necessária para a identificação do seu referente – isto é, se essa identificação se der, não através desse conteúdo descritivo, mas da verificação de condições contextuais que permitam tornar clara a intenção do locutor de se referir, por meio da descrição, a um indivíduo específico. Quando uma descrição está a ser usada referencialmente, portanto, ela não tem de satisfazer a condição de unicidade para que as frases em que ocorre possam ser verdadeiras; e o significado dessas frases seria preservado se a ocorrência da descrição nelas fosse substituída por qualquer outra maneira de designar o seu referente. A descrição, neste caso, é não mais do que um substituto lingüístico do gesto de apontar.”, em: Ibidem. 315 Cf. QUINE, W. V. Reference and Modality. From a Logical Point of View. Cambridge: Harvard University Press, 1953. E: ENCICLOPÉDIA DE TERMOS LÓGICO-FILOSÓFICOS. Portugal. Sociedade Portuguesa de Filosofia. Disponível em: http://bd1.bn.pt/enci/. Acesso em: 18 set. 2000.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

identidade316. No caso, diz-se que há, num determinado contexto lingüístico, opacidade

referencial, quando não se pode ocorrer o principio lógico da substituição salva veritate, isto

é, quando não há possibilidade de substituição de um determinado termo por outro, posto

que tais termos não são referenciais entre si (como, na nossa perspectiva, Lide e Litígio).

Assim sendo, os contextos lingüísticos onde o princípio da substituição salva veritate não

pode ser aplicado são referencialmente opacos e, ao contrário, os contextos lingüísticos onde

tal princípio lógico pode ser aplicado são referencialmente transparentes. Por sua vez, a

indiscernibilidade de idênticos estabelece-se sempre que for possível a aplicação do princípio

da substituição salva veritate. Deste modo, dada uma afirmação de identidade verdadeira

qualquer dos seus termos pode ser substituído pelo outro. Por assim ser, no nosso caso,

Litígio e Lide são termos caracterizados não pela indiscernibilidade de identidade, mas pela

discernibilidade de identidade, posto que não-referenciais entre si, tendo cada um deles um

campo semântico, sintático e pragmático próprio.

Por fim, ainda sob o prisma lógico, Litígio e Lide são elementos

terminológico-conceptuais de composicionalidade diferentes, sendo um – o Litígio – de

composicionalidade categoremática e o outro – a Lide – de composicionalidade

sincategoremática. Explicando melhor: na lógica, quanto à classificação, mais precisamente

no que diz respeito à sua função, diz-se que um termo é categoremático quando, por si

mesmo, já significa algo, isto é, é uma categoria, como, no nosso caso, o Litígio o é, posto

que, em si, tem significado, já que se constitui numa realidade factual (sociológica)

independente. Ao contrário, na linguagem lógica, diz-se que um termo, quanto à sua

classificação funcional, é sincategoremático, quando, por si mesmo, não tem significado

conceptual. Em, assim sendo, só o terá, se associado a conectores lógicos, como no caso do

conceito de Lide que depende do conceito de relação jurídico-processual, de processo.

Assim, em síntese, o termo Litígio tem composicionalidade categoremática, posto que tem 316 Cf. KRIPE, S.. Naming and Necessity. Oxford: Blackwell, 1980. E: QUINE, W. V. Reference and Modality. From a Logical Point of View. Cambridge: Harvard University Press, 1953. Também: ENCICLOPÉDIA DE TERMOS LÓGICO-FILOSÓFICOS, op. cit.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.1 – Litígio e Lide: noções propedêuticas e etimo(lógicas).

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

sentido completo, independentemente do processo. Por sua vez, o termo Lide tem

composicionalidade sincategoremática, posto que tem sentido incompleto, só entendido,

assim, como tal, no âmbito processual.

Por último, no que diz respeito à relação método(lógica) que se pode

estabelecer entre os elementos terminológico-conceptuais sub examen, como mais uma

possibilidade atestativa da discernibilidade existente entre tais elementos, temos que Litígio

e Lide são variáveis (conceitos-categoria) da teoria jurídico-processual – sendo o Litígio uma

variável independente e a Lide, por sua vez, uma variável dependente317 – que se inter-

relacionam de forma recíproca e interveniente – posto que estabelecem uma relação de

causa e efeito, lógico, mas não-necessário, sendo, in casu, o Litígio o antecedente

crono/lógico e a condição sine qua non para a existência da Lide ; coextensiva – posto que

ocorrendo o Litígio, pode ocorrer a Lide; seqüencial – posto que a priori ocorre o Litígio e a

posteriori ocorre a Lide; contingente – posto que se ocorre o Litígio, então ocorrerá a Lide (o

processo) se os pressupostos e supostos processuais e as condições da ação estiverem

presentes; e probabilista ou estocástica – posto que dada a ocorrência do Litígio, então

provavelmente ocorrerá a Lide.

Assim – acrescentando tais argumentações ao que já enunciamos

assertivamente antes – em síntese, por tudo o que vimos nesta subseção, a construção,

analítico-distintiva, que estamos a consecutar entre Litígio e Lide é aferível, tanto do ponto

de vista terminológico, etimológico e lexicográfico, quanto, também, do ponto de vista

método(lógico).

Destarte, feito isso, passemos, agora, dentro desta nossa perspectiva

analítico-distintiva, à consecução, precisa, das definições e delimitações teórico-conceituais

dos institutos Litígio e Lide, já sabendo, até aqui, que, diferentemente das acepções dadas

pela dogmática jurídico-processual para tais elementos conceptuais, para nós, Litígio e Lide

317 Lembremos, aqui, do sentido de categoremático e sincategoremático para entendermos o porquê do Litígio ser uma variável independente e a Lide uma variável dependente.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.1 – Litígio e Lide: noções propedêuticas e etimo(lógicas).

201

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

são conceitos-categoria distintos entre si, sendo aquele – o Litígio – um conceito-categoria

de ordem sociológica e protojurídica e este – a Lide – um conceito-categoria de ordem

jurídico-processual, nos termos adiante explicitados.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.

202

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.

O Litígio, conforme estamos a enunciar, propor e demonstrar, teticamente,

aqui, do ponto de vista terminológico-conceptual318 e empírico-crítico319, difere do instituto

da Lide – que veremos a seguir.

Assim, o Litígio – nós assentimos – ao contrário do que enuncia e propõe –

sem nenhum respaldo de demonstrabilidade, é verdade, mas apenas de dogmatismo ou, ao

menos, de conformismo semântico e histórico – a opinio communis doctorum da dogmática

jurídico-processual, seja ela clássica ou moderna, estrangeira ou nacional, seria não o

correspondente sinonímico e referencial do instituto da Lide, mas, diferentemente, um

fenômeno de ordem, eminentemente, sociológica e protojurídica – com todos os caracteres

principiológicos e estruturantes que veremos adiante – a partir do qual ocorre a formação da

Lide, enquanto fenômeno jurídico-processual que o é.

In casu, como dissemos, tal Lide é formada a partir de um processo de

transformação e dedução, quantitativa e qualitativa, do Litígio social em juízo, sendo assim,

aquela, apenas um dos momentos sociológicos – o qual BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS320

denomina de domínio de judicialização oficial do Litígio – porque passam os conflitos

interindividuais ou grupais dentro da “trama social”321, conforme veremos nesta subseção.

Destarte, em síntese, o Litígio é, tética e conteudisticamente, um instituto

(conceito-categoria) protojurídico-sociológico, um verdadeiro pressuposto processual, de

natureza fáctico-causal-sociológica, de referibilidade extrínseca, portanto, exoprocessual, de

composicionalidade lógica categoremática (como vimos), constituindo em si um antecedente

318 E aqui se enquadram as noções distintivas de ordem etimológicas, lexicográficas, metodológicas, lógicas e teórico-conceptual que acabamos de ver. 319 Por sua vez, aqui se enquadrando mais, precipuamente, as noções distintivas de ordem teleológico-funcional. 320 SOUSA SANTOS, Boaventura de; LEITÃO MARQUES, Maria Manuel e PEDROSO, João. Os tribunais nas sociedades contemporâneas. In Revista Brasileira de Ciências Sociais. N. 30. 321 Ibidem.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.

203

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

fáctico-causal, e lógico, do processo judicial e caracterizado, essencialmente, pela

contendere (contenda) de sujeitos em face de uma pretensão – resistida ou insatisfeita –

vetorialmente contrária ao interesse da outra parte que, graficamente, baseados na

concepção romanística de actio e na Teoria Linear de JOSEF KÖHLER, num momento exo e

pré-processual, poderíamos representar da seguinte maneira:

Pretensão

L = Sc1 actio Sc2, onde L é litígio e Sc é sujeito contendedor.

Resistência

Assim, e do mesmo modo, diagraficamente, agora tendo em vista a

proposição tética acima enunciada e, sobretudo, tomando-se em consideração as variantes

relativas aos matizes teórico-conceptuais322 da definibilidade/conceituação, da

elementaridade constitutiva e da caracterização principiológico-estrutural, temos,

representativa e sinteticamente, o instituto do Litígio, nos seguintes termos:

322 Entendemos aqui – sob uma perspectiva lógica, terminológica e lingüística – como Matiz Teórico-conceptual as diversas variáveis – por certo, ponderáveis – de ordem epistêmica e cognoscitiva (por isso, teórico e conceitual) que delimitam, definem (daí o matiz definibilidade/conceituação), constituem (daí o matiz elementaridade constitutiva), caracterizam, principiam e estruturam (daí o matiz caracterização principiológico-estrutural) um determinado objeto de conhecimento. In casu, tais variáveis epistemo-cognoscitivas estão sendo aplicadas no processo de cognição (qualificação e quantificação) do objeto aqui denominado Litígio. Para um melhor entendimento de tais termos e associações, conferir: ENCICLOPÉDIA DE TERMOS LÓGICO-FILOSÓFICOS. Portugal. Sociedade Portuguesa de Filosofia. Disponível em: http://bd1.bn.pt/enci/. Acesso em: 18 set. 2000. Também: CAMPOS, Maria Luiza de Almeida. Linguagem Documentária: teorias que fundamentam sua elaboração. Rio de Janeiro: EdUFF, 2001. E ainda: DUBOIS, Jean, MATHEÉ, Giacomo et alii. Dicionário de Lingüística. 8. ed. São Paulo: Editora Cultrix, 2001.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.

204

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Matiz Teórico-Conceptual Litígio323

Definibilidade/Conceituação Conceito-categoria sociológico – uma construção social.

Elemento subjetivo: Indivíduo ou grupo. Elemento objetivo: Bem da vida. Elemento causal: Pretensão/Resistência. Elemento material: Conflito de interesses.

Elementaridade constitutiva

Elemento formal: Pretensão resistida ou insatisfeita.

Instituto sociológico-protojurídico. Pressuposto processual. Natureza fáctico-causal-sociológica. Referibilidade extrínseca. Exoprocessual. Antecedente fáctico-causal e lógico.

Caracterização principiológico-estrutural

Composicionalidade categoremática.

Representação Gráfica (Teoria Linear, Josef Köhler)

Pretensão L = Sc1 actio Sc2,

Resistência

onde L é litígio e Sc é sujeito contendedor.

Pois bem. Visto isso e em assim sendo, passemos a estudar, a partir de

agora, de forma eminentemente pormenorizada e objetiva, o instituto do Litígio, tomando-se

em consideração a proposição tética anteriormente enunciada – qual seja, a de que o Litígio

é, terminológico-conceptualmente, um instituto (conceito-categoria) protojurídico-

sociológico, um verdadeiro pressuposto processual, de natureza fáctico-causal-sociológica,

de referibilidade extrínseca, portanto, exoprocessual, de composicionalidade lógica 323 É importante ressaltarmos aqui que, do ponto de vista da terminologia sociológica, prefere-se utilizar, para designar aquilo que aqui denominamos de Litígio, o designador Conflito. Assim, os principais autores e trabalhos sociológicos utilizam o termo conflito para designar a situação de conflitualidade social e, desse modo, somente se esta chegar aos tribunais, é que a partir daí se erige uma nova categoria: a de Litígio. No caso do nosso estudo, a partir do momento em que o conflito (Litígio) é deduzido em Juízo, forma-se não o Litígio, mas a Lide. Parece-nos mais coerente e adequado, assim, tanto do ponto de vista terminológico-conceptual, quanto do ponto de vista da teoria jurídico-processual.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

categoremática, constituindo em si um antecedente fáctico-causal, e lógico, do processo

judicial e caracterizado, essencialmente, pela contendere de sujeitos em face de uma

pretensão – resistida ou insatisfeita – vetorialmente contrária ao interesse da outra parte –

associada, agora, aos matizes teórico-conceptuais da definibilidade/conceituação,

elementaridade constitutiva e caracterização principiológico-estrutural, todos representados

no diagrama retro. Vejamos, então.

4.2.1 – Litígio: definibilidade e conceituação324.

O Litígio, enquanto dado sociológico que é325, deve ter o seu campo de

definibilidade e conceituação formatado não só pelo viés da teoria jurídico-processual –

como o faz a doutrina processual tradicional –, mas também e precipuamente, pelo viés da

teoria sociológica. Talvez esse seja, inclusive, um dos grandes erros e enganos da dogmática

jurídico-processual no caso dos institutos Lide/Litígio. Isso porque, como vimos, no processo

de definibilidade e conceituação de tais elementos – por certo, de natureza híbrida, posto

que, de um lado, jurídico-processual e, de outro, sociológica – procura esta (a dogmática

processual) tão-somente dentro da teoria jurídico-processual, sem se preocupar com a teoria

sociológica dos conflitos, os elementos, caracteres e critérios para delimitar o campo teórico-

termino-conceptual de tais institutos; daí a noção de Lide (Litígio) como sendo, apenas, o

meritum causae do processo – destituída, assim, de qualquer viés sociológico – levada a

324 Lembremos aqui da distinção entre definição e conceito já consecutada por nós neste trabalho, sendo este, em verdade, o conteúdo referencial daquela. Assim, através de processos de definibilidade – processos nos quais são utilizados certos critérios, como o de eliminabilidade, genus proximun e diferentia specifica, por exemplo – se chega à formatação – dentro de um determinado campo teórico – dos conceitos (Cf. CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do Direito. Tradução de Frederico A. Paschoal. Campinas: Bookseller, 2002, p. 68-69. Também: BIELSA, Rafael. Los conceptos jurídicos y su terminologia. 3. ed. aum. Buenos Aires: Depalma, 1993, p. 24-25.). 325 Posto que, diferentemente do processo judicial que é um dado culturalmente estabelecido (cultura jurídica de resolução de conflitos), o Litígio é um elemento ínsito ao fenômeno social, independentemente da elaboração cultural dos indivíduos. Neste sentido, Miranda Rosa, afirma: “É elementar na teoria sociológica a afirmação de que a vida social envolve dois grandes tipos de processos de interação, uns tendentes a aglutinar ou acentuar a associação, e outros tendentes a afastar ou reduzir a interação grupal. Os mais importantes dos processos dissociativos, ou de afastamento, segundo os autores consagrados, são os processos de competição e conflito. [...] Em realidade, o processo de conflito é observável em todas as manifestações da vida social” (MIRANDA ROSA, F. A. de. Sociologia do Direito: o fenômeno jurídico como fato social. 7. ed. rev. acresc. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1980, p. 78).

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.

206

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

cabo por processualistas como CALAMANDREI, LIEBMAN, ARRUDA ALVIM e CELSO NEVES e

ALFREDO BUZAID, entre os nossos.

Um erro crasso e grave com várias repercussões e implicações – tanto do

ponto de vista teórico-conceptual, quanto do ponto de vista da práxis jurídica – que não

contribuem, assim, conforme estamos a ver, para o acoplamento estrutural e conceitual do

sistema de conhecimento da Ciência Jurídico-Processual e para o aprimoramento do

processo judicial como instrumento de tecnologia de decidibilidade de conflitos.

Litígio, assim, fora desta perspectiva de definibilidade tradicional e

enquanto dado sociológico que é, e, por assim ser, definindo-o a partir de critérios não

apenas jurídicos, mas também sociológicos, como bem fê-lo CARNELUTTI a contrario

sensu326, inclusive, do pensamento de importantes processualistas da dogmática jurídico-

processual que o condenaram por elaborar um conceito que, desse modo, importava mais à

Sociologia do que ao Direito é, sim, peremptoriamente, um conflito de interesses qualificado

por uma pretensão resistida ou insatisfeita que ocorre no plano factual, fora, ainda, do plano

jurídico-processual.

Em assim sendo, trata-se de um conceito de ordem sociológica, mas que,

por importar, de forma contundente, incidental e peremptória para o Direito, enquanto

sistema oficial de regulação de condutas, é, também, um conceito de ordem jurídica, no

caso, protojurídica, na exata e mínima medida de fator ensejador das lides processuais. Daí

o porquê da terminologia “protojurídico”: isto é, no sentido de dado inicial (proto) – pelo

menos potencialmente – de formação do fenômeno da litigação ou lidegação (“lidegação” =

lide + ação) judicial – utilizando, aqui, um neologismo a partir da distinção proposta.

No caso, e mais ainda, o Litígio enquanto dado sociológico e protojurídico

que é, mais que um conceito, formatado a partir de critérios sócio-jurídicos, trata-se, pela

sua importância e posição fundamentais (embora não-central, claro) dentro da teoria 326 Embora, como dissemos anteriormente, não sabemos se o processualista italiano montou tal conceito de Lide/Litígio consciente de que se tratava de um conceito a ser elaborado, sobretudo, dentro de uma perspectiva sociológica.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

processual e, por conseguinte, da Ciência Jurídico-Processual, de um conceito-categoria327.

Conceito-categoria este que, sociologicamente falando, segundo LEWIS A. COSER328, citado

por MIRANDA ROSA329, pode ser definido “como uma luta a respeito de valores ou

pretensões a posições, a poder ou a recursos que não estão ao alcance de todos, em que os

objetivos dos oponentes, ou ‘adversários’ são neutralizar, ferir ou eliminar os rivais”.

Do mesmo modo, definindo-o, ainda, segundo as teorias sociológicas,

EMILIO WILLEMS330, também citado por MIRANDA ROSA, afirma que se trata de um

processo conflituoso de “competição consciente entre indivíduos ou entre grupos, que visa à

sujeição ou à destruição do rival [intragrupal ou intergrupal]”331, e que se reveste de

diversas formas, tais como “a rivalidade, a discussão até o litígio [Lide], o duelo, a

sabotagem, a revolução, a guerra, compreendidas[os] nele, portanto, todas as formas de

lutas abertas ou não”332.

Neste mesmo sentido, BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS, falando sobre o

fenômeno da litigiosidade (lidegiosidade) e da conflitualidade social e interindividual, na

nossa direção, assente que o Litígio, muito mais que um dado jurídico, que um conceito

jurídico – até porque, diz ele, o simples “comportamento lesivo de uma norma não é

suficiente para, por si só, desencadear o litígio”333, existindo, assim, diversos outros fatores

confluenciadores do mesmo – é uma construção social e, por assim ser, um conceito

sociológico “na medida em que o mesmo padrão de comportamento pode ser considerado

litigioso ou não consoante a sociedade, o grupo social ou o contexto de interações em que

ocorre”334.

327 Lembremos aqui da noção de categoria que já apontamos, isto é, categoria como unidade sistemática de conhecimento (instituição ou instituto) instituída no campo da Zetética Jurídica – rever p. 17/18, nota 2. 328 Cf. COSER, L. A. The Functions of Social Conflict. New York: The Free Press, 1956. 329 MIRANDA ROSA, F. A. de. Sociologia do Direito: o fenômeno jurídico como fato social. 7. ed. rev. acresc. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1980, p. 77-78. 330 WILLENS, Emilio. Dictionnaire de Sociologie. Paris: Marcel Riviere et Cie, 1960. 331 MIRANDA ROSA, op. cit. 1980, p. 78. 332 Ibidem., p. 78. 333 Ibidem., p. 17-18. 334 Ibidem., p. 17.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.

208

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Assim, continua ele, em verdade, o Litígio é uma construção nitidamente

de cunho sociológico sob a qual, de forma interativa e relacional, age um conjunto de

variáveis, de várias ordens (estrutural, conjuntural335, interpessoal, psicológica), todas

sociológicas – tais como, o nível de desenvolvimento econômico e social336, o tipo de cultura

jurídica337, o nível de percepção e avaliação do dano338, o tipo de domínio social onde estão

inseridos os sujeitos conflitantes (família, trabalho, igreja, vizinhança etc) e, por conseguinte,

de relação social339, o tipo de objetivos dos litigantes e, por fim, os mecanismos de

335 Porque, segundo ele, há uma nítida influência de fatores estruturais e conjunturais nos níveis e tipos de conflitualidade e litigação. Veja-se, por exemplo, que no período do Estado Liberal, por fatores estruturais e conjunturais conhecidos por nós, os litígios que eram levados aos tribunais eram tão-somente aqueles relativos à litigiosidade interindividual (microlitigiosidade), extravasando-se, assim, a chamada macrolitigiosidade social. Por sua vez, no período do Welfare State, surgiram, por conta também de fatores estruturais e conjunturais outros tipos de litígios, tais como, os relativos aos direitos de terceira geração (direito do consumidor, direito ambiental e etc). Assim ele resume: “uma análise sociológica do sistema judiciário não pode assim deixar de abordar as questões de periodização, do desempenho judicial de rotina ou de massa, e dos fatores sociais, econômicos, políticos e culturais que condicionam historicamente o âmbito e a natureza da judicialização da conflitualidade interindividual e social num dado país ou momento histórico” (Ibidem., p. 3). 336 Neste sentido, diz Boaventura de Sousa Santos: “O nível de desenvolvimento econômico e social afeta o desempenho dos tribunais [...]. [...] o nível de desenvolvimento condiciona [também] o tipo e o grau de litigiosidade social e, portanto, de litigiosidade judicial. Uma sociedade rural dominada por uma economia de subsistência não gera o mesmo tipo de litígio que uma sociedade fortemente urbanizada e com uma economia desenvolvida. [...] Acresce que o aumento do desenvolvimento socioeconômico não induz necessariamente ao aumento da litigação; em geral, pode induzir um aumento em certas áreas ou tipos de litigação ao mesmo tempo que induz uma diminuição noutras.” (Ibidem., p. 12,15). 337 Nesta perspectiva, Boaventura afirma, ainda, que a variável “nível de desenvolvimento socioeconômico” não pode explicar por si só o nível e o tipo de conflitualidade e de litigação interindividual e social. Assim, outros fatores, tal como a variável “cultura jurídica dominante” do país – associada à cultura política e, por assim ser, à cultura de cidadania – explicam tal tipologia de conflitualidade e litigação. Diz ele, explicando tal variável: “A cultura jurídica é o conjunto de orientações a valores e interesses que configuram um padrão de atitudes diante do direito e dos direitos e diante das instituições do Estado que produzem, aplicam, garantem ou violam o direito e os direitos. [...] A idéia [é] que a propensão a litigar é maior numas sociedades que noutras e que as variações estão, em parte pelo menos, ancoradas culturalmente, na medida em que a propensão a litigar não aumenta necessariamente na mesma medida do desenvolvimento econômico. Se em certas sociedades os indivíduos e as organizações mostram uma clara preferência por soluções consensuais dos litígios ou de todo modo obtidas fora do campo judicial, noutras a opção por litigar é tomada facilmente.” (Ibidem., p. 16). 338 Quanto a esta importante variável que determina o tipo e o grau de conflitualidade e litigiosidade social e judicial, Boaventura assente que a simples violação da norma – como citamos antes – não é por si só, em muitos casos, um elemento a partir do qual irá emergir o litígio. Isso só se dá quando há por parte do sujeito (indivíduo ou grupo) uma certa capacidade de identificação e avaliação dos danos produzidos. Acrescenta ele que, desse modo, níveis baixos de litigiosidade não indicam necessariamente baixa incidência de comportamentos injustamente lesivos. E resume: “As pessoas expõem-se a danos e são injustamente lesadas em muito mais situações do que aquelas de que têm consciência. Certos grupos sociais têm uma capacidade muito maior que outros para identificar os danos, avaliar a sua injustiça e reagir contra ela.” (Ibidem. p. 18). 339 Neste sentido, diz Boaventura: “Para além do fator de personalidade e das variáveis estruturais há ainda que contar com as variáveis interpessoais, ou seja, com a natureza das relações entre indivíduos, no contexto das quais surge uma situação potencialmente litigiosa. Por exemplo, o mesmo comportamento tido por um familiar íntimo ou por um estranho pode ter significados totalmente distintos. O tipo de domínio social em que se tecem as relações é igualmente decisivo. [Assim], a consistência, a multidirecionalidade, a profundidade e a duração da relação são fatores decisivos, consoante as circunstâncias, na criação ou no bloqueio de situações de litigiosidade.” (Ibidem., p. 18).

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

resolução340 de tal conflito – que formam entre si um complexo sistema de feedback que, em

assim sendo, influenciam e determinam todo o processo de emergência, transformação e

resolução do Litígio.

Fala-se, assim, em processo de emergência, transformação e resolução do

Litígio, porque, este fenômeno, a partir do momento em que é desencadeado na realidade

social – influenciado que é por todas essas variáveis de ordem sociológica apontadas por

BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS – não é o mesmo em toda a sua trajetória de vida na

trama social. Daí a importância que se tem de o jurista, o processualista e, principalmente, o

juiz, conhecer tal fenômeno do Litígio em suas múltiplas e variadas faces a fim de se fazer

cumprir os postulados da efetividade e eficácia do processo e da tutela jurisdicional,

enquanto instrumentos de promoção de justiça social e de uma jurisdição otimizante e não

meramente satisfaciente.

Desse modo, ao contrário do que pensam os processualistas da dogmática

jurídico-processual ao assentirem que o conflito (Litígio) tem a mesma forma em toda a sua

extensão até chegar aos tribunais, o Litígio passa, assim, por uma verdadeira trajetória de

mutação, tudo isso tendo em vista os fatores variantes já apontados e, principalmente,

tomando-se em consideração os objetivos e mecanismos utilizados pelas partes para a sua

resolução. De modo que, uma vez submetido a um determinado método de resolução –

qualquer que seja este341 – o Litígio é, substancialmente, transformado, tendo em vista,

agora, outras variáveis, tais como, poder de decisão de quem julga342, estilo da decisão343 e

340 Afirma Boaventura, a respeito destas variáveis: “Uma vez desencadeado o litígio, o seu âmbito pode variar enormemente, não só em função dos fatores ou variáveis de que falamos atrás, mas também dos objetivos dos litigantes e dos mecanismos que julgam ter à sua disposição para levar a cabo esses objetivos.” (Ibidem., p. 19). 341 E aqui vale salientar, segundo a teorização de Boaventura de Sousa Santos, que o processo de escolha dos mecanismos de resolução de conflitos – sejam estes oficiais ou não-oficiais – tem a ver, sobretudo, com os tipos de relações que existem entre as partes em Litígio, com a área social de litigação (domínio social), com os níveis de socialização de ambas as partes, com os mecanismos de resolução de que dispõem estes para realizar a sua escolha, além de outros fatores de ordem econômica, social e cultural, conforme vimos. 342 Quanto aos poderes de decisão de terceiros, as decisões, segundo Boaventura de Sousa Santos, podem ser de três tipos: mediação, arbitragem e adjudicação. Na mediação, o terceiro chamado não decide, nem sequer propõe uma decisão, limitando-se, tão-somente, a aproximar, progressivamente, as posições das partes em Litígio, até conseguir reduzir a zero as contradições ou diferenças entre elas. Por sua vez, na arbitragem, o terceiro é chamado pelas partes a proferir uma decisão, qualquer que seja ela, que será, inclusive, vinculativa entre as partes. Já na adjudicação, há, também, uma decisão vinculativa, sendo que, no caso desta, tal decisão

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

tipo de recurso normativo344, “antes mesmo de ser eventualmente resolvido por ele”. Daí

porque, da emergência e surgimento do fenômeno litigioso até a sua efetiva resolução por

parte da Jurisdição estatal – quando tal resolução não é feita por um meio alternativo –

peremptoriamente, o Litígio, enquanto fenômeno sociológico que é levado ao processo,

passa por um amplo processo de transformação345 qualitativa e quantitativa que, no âmbito

da teoria processual, denominamos de procedimento de dedução (da res in iudicium

deductae, dos italianos ou da gerichtlich verfolgbaren anspruch, dos alemães)346.

Neste sentido, falando sobre esse processo de transformação por que

passa o Litígio no seio social e, depois, perante as instâncias judiciais, BOAVENTURA DE

SOUSA SANTOS, assente, in verbis, apresentando, por fim, a sua chamada “Pirâmide de

Litigiosidade”, por certo, representativa deste fenômeno de transformação do Litígio, que:

Uma vez submetido a um dado mecanismo de resolução, qualquer que seja o seu tipo, o litígio é transformado pelos poderes, estilos e recursos normativos do mecanismo, antes mesmo de ser eventualmente resolvido por ele. O familiar, o terapeuta, o vizinho, a associação, a Igreja, cada um deles à sua maneira reformula, expande ou contrai o litígio à medida que toma notícia dele, de modo a adequá-lo ao tipo de solução que pode credívelmente proferir à luz dos seus poderes, estilos e recursos normativos. A resolução do litígio pode então ocorrer e ser aceita, caso em que a trajetória do litígio chega ao fim. E o mesmo sucede se a parte lesada se resigna perante a ausência de resolução ou perante uma resolução que, apesar de iníqua, não sente poder contestar. Se nenhuma dessas situações acontecer, o mecanismo de resolução terá falhado os seus propósitos e a trajetória do litígio prossegue e com um nível de polarização eventualmente ainda mais elevado. E pode prosseguir, quer para se submeter a outros mecanismos de resolução informal ou não oficial, quer para se submeter aos

não deriva de um contato interpartes, mas de um comando jurídico a que estão efetivamente sujeitas, por força do Direito, todas as partes envolvidas no Litígio. 343 Quanto ao estilo decisório e, é certo, vinculando tais estilos aos poderes de decisão de terceiros, temos que as decisões, segundo Boaventura de Sousa Santos – baseado nas classificações de Laura Nader e Phillip Gulliver, podem ser de dois tipos: decisão mini-max e decisão soma-zero. Na decisão do tipo mini-max, procura-se maximizar o compromisso entre as pretensões em oposição de maneira que a distância entre quem ganha e quem perde seja o mínimo possível, tendendo a nulo tal diferença. Por outro lado, na decisão do tipo soma-zero, as chamadas decisões de adjudicação, maximiza-se a distinção e a distância entre a pretensão acolhida e a pretensão rejeitada e, por assim ser, a distância entre quem ganha e quem perde. 344 Quanto aos recursos normativos de que se utiliza o terceiro para decidir o Litígio, estes podem ser, segundo Boaventura de Sousa Santos, de três tipos: de natureza jurídica, técnico-profissional, ou ética. 345 Nesta perspectiva, Boaventura, também, afirma que a transformação judicial a que é submetido o Litígio começa já com a simples consulta ao advogado. Diz ele que, neste momento, já se abre um leque de possibilidades para o Litígio, criando-se, assim, novas alternativas de resolução, algumas das quais com um alto grau de extrajudicialidade. 346 Perceba que esta assertiva está sendo fundamentada em uma pesquisa sociológica! Não é apenas uma enunciação teórico-conceptual.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

tribunais [domínio de judicialização oficial do litígio]. [...] o processo de transformação do litígio no seio dos mecanismos de resolução informais que eventualmente intervieram e falharam em momentos anteriores prossegue agora e com muito maior intensidade, dado o caráter especializado e profissionalizado da intervenção judicial (grifos e intercalações nossas).347 O conceito de pirâmide de litigiosidade tem vindo a ser utilizado para dar conta, por recurso a uma metáfora geométrica, do modo como são geridas socialmente as relações litigiosas num dada sociedade. Sabendo-se que as que chegam aos tribunais e, destas, as que chegam a julgamento, são a ponta da pirâmide, há que conhecer a trama social que intercede entre a ponta e a base da pirâmide.348

Pirâmide de Litigiosidade e de Métodos de Resolução.

(Boaventura de Sousa Santos)

Legenda Pirâmide dos Litígios e sua resolução

1 Relações sociais com potencialidades de lesão 2 Lesão com percepção e avaliação da lesão 3 Reclamação junto do responsável pela lesão 4 Polarização 5 Tentativa de resolução por terceira parte (resolução e não resignação) 6 Polarização 7 Recurso ao Tribunal (desistência e acordo) 8 Julgamento

347 Ibidem., p. 20-21. 348 Ibidem.. p. 17.

8

7

6

5

4

3

2

1

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Assim, analiticamente e em verdade, pelo que se observa de tal pirâmide

de litigiosidade – por certo representativa dos processos de emergência e transformação

porque passa o Litígio no seio social – a intervenção judicial, instante em que tal Litígio se

transforma em uma Lide processual, apesar de ser um momento crucial e determinante na

história de vida de um Litígio, não esgota a compreensão de tal fenômeno em toda a sua

riqueza e dimensão sociológicas. Isso porque, como se vê na base da pirâmide (figuras de 1

a 5), muitas das situações de conflitualidade interindividual e grupal, ocorridas na realidade

social, são resolvidas por mecanismos alternativos de justiça ou, simplesmente,

abandonadas – tendo em vista o conformismo e resignação das partes ou outros fatores

como o de avaliação do custo-benefício da formação de uma eventual Lide – sem que se

chegue, assim, tal Litígio, a uma instância judicial.

De igual modo, observa-se que a transformação dos Litígios sociais –

enquanto relações intergrupais ou intragrupais que emergem e se transformam segundo

dinâmicas sociológicas identificáveis – em Litígios judiciais (Lides), só ocorre em

determinadas situações específicas que, mesmo assim, não constituem, estas, na maioria

das vezes, situações primárias de resolução de conflitos, de forma que a instância judicial –

mesmo de primeiro grau – passa a ser, sociologicamente falando, mais uma instância

recursal, isto é, uma última possibilidade de resolução do conflito.

No mais, é de se destacar também, quanto aos elementos e caracteres que

devem ser, ainda, levados em conta para o processo de definibilidade e conceituação do

Litígio, que todas aquelas categorias, também de ordem teórico-sociológica (eu diria até, de

ordem teórica e psicossociológica349) que CARNELUTTI nos legou para chegar ao conceito,

por ele definido, de Lide (Litígio), são também muito importantes para a formatação e

delimitação conceitual do instituto do Litígio. Sobretudo, no que diz respeito à caracterização

349 Digo de ordem teórica e psicossociológica porque, em primeiro lugar, em contraposição às variáveis estudadas por Boaventura de Sousa Santos – todas, efetivamente, de ordem empírica – as de Carnelutti são variáveis eminentemente teóricas, verdadeiros tipos-ideais. Em segundo lugar, porque as variáveis trabalhadas por Carnelutti são variáveis que estão mais afetas ao campo de uma psicologia do Litígio do que de a uma sociologia do Litígio, como no caso das variáveis trabalhadas por Boaventura de Sousa Santos.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

das situações litigiosas realmente ocorridas – às quais nós chamamos de Litígio efetivo (ou

cinético) – e das situações litigiosas em potencial – às quais nós denominamos de Litígio em

potencial. Por quê? Porque a montagem dos caracteres da teoria carneluttiana nos denota

que toda a situação conflituosa – litigiosa – que ocorre no seio da sociedade, nasce de um

estado psicológico, em potencial, de carência, de necessidade e de interesse por um

determinado bem. Assim, o que queremos dizer com tal distinção – Litígio efetivo e Litígio

potencial – é que, existem, na “trama social” – eu diria até, na gênese da teia, por certo,

complexa, de relações sociais – determinadas situações (estados psicológicos) que não

caracterizam, em si, efetivamente, um Litígio, mas que, potencialmente (daí a importância

do viés teórico-psicológico da teoria de CARNELUTTI), devido ao alto grau de polarização

dos indivíduos, e da complexidade dos interesses envolvidos, tornam-se situações que, uma

vez não conduzidas, administradas e integradas pelo Estado, fatalmente ensejariam a

efetivação de Litígios e, conseqüentemente, de Lides processuais. Tal distinção é,

fundamentalmente, importante, quando pensamos nos casos – conforme veremos

pormenorizadamente adiante – em que o Estado exerce uma jurisdição tão-somente de

administração de negócios privados: tal a Jurisdição Voluntária.

Assim, voltando a CARNELUTTI, as noções de necessidade (situação de

carência, falta ou inexistência de algum elemento – ente), bem (ente apto a satisfazer uma

necessidade humana), utilidade (grau de aptidão de um ente para satisfazer uma

determinada necessidade), interesse (posição ou juízo favorável à satisfação de uma

determinada necessidade), conflito de interesses (conflito intersubjetivo), pretensão

(exigência de subordinação de um interesse alheio ao interesse próprio) e resistência (não-

adaptação à situação de subordinação do interesse próprio ao interesse alheio), conforme

vimos quando da análise da construção teorético-sistemática do processualista italiano, são,

deveras, fundamentais e essenciais, também, para a compreensão do fenômeno do Litígio

(em potencial, ou efetivamente) e, por conseguinte, para a formatação do seu conceito.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Destarte, em resumo, o Litígio, tendo em vista todas essas considerações

de ordem de definibilidade e conceituação, é um fenômeno social que, teórico-termino-

conceptualmente, segundo critérios e variáveis de ordem sócio-jurídica, fulcrado nas

teorizações de CARNELUTTI (teoria jurídico-processual) e de BOAVENTURA DE SOUSA

SANTOS (teoria sociológica), podemos defini-lo como sendo um conflito intersubjetivo de

interesses – potencial ou efetivo – qualificado pela pretensão de um dos sujeitos e pela

resistência do outro o qual emerge, desenvolve-se, transforma-se e, por fim, extingue-se, na

teia social de relações, tendo em vista certos fatores variantes de ordem sócio-psico-jurídico-

político-econômica e interpessoais, conforme vimos. Tal é o conceito de Litígio, por certo,

muito importante e com muitas implicações, nestes termos, para a teoria jurídico-processual

e, por assim ser, para a Ciência Jurídico-Processual, enquanto ciência tecnológica

preocupada com a decidibilidade de conflitos.

4.2.2 – Litígio: elementaridade constitutiva.

Por sua vez, sob o prisma teórico-conceptual da elementaridade

constitutiva, temos que o Litígio, enquanto instituto de ordem sociológica e protojurídica que

é, apresenta os seguintes elementos constitutivos: elemento subjetivo (sujeitos – individual

ou grupal – do conflito); elemento objetivo (bem da vida contendido); e o elemento causal

(pretensão e resistência). Assim, para que ocorra um Litígio, é necessário que existam dois

ou mais sujeitos – entendido estes como indivíduos ou grupos – que estejam em contenda

entre si, isto é, em conflito de interesses, em relação a um ente – denominado bem da vida

ou bem jurídico – onde um dos sujeitos exige ou pretende algo do outro, enquanto que este,

por sua vez, resiste a tal exigência ou pretensão. Tais são, assim, utilizando a terminologia

carneluttiana350, os elementos simples ou genéricos do Litígio.

350 CARNELUTTI, Francesco. Sistema de Direito Processual Civil. São Paulo: Classic Book, 2000.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Do mesmo modo, em sendo o Litígio, como nós vimos, um conflito

intersubjetivo de interesses qualificado pela pretensão de um pela resistência do outro,

temos, também, que tal conflito intersubjetivo de interesses constitui o denominado

elemento material do Litígio, enquanto que, por sua vez, os qualificativos da pretensão e da

resistência, constituem o denominado elemento formal deste. Tais são, assim, os elementos

considerados por CARNELUTTI351 como específicos do Litígio. Em que termos, estes e

aqueles? Vejamo-os.

a) Elemento subjetivo:

Evidentemente, por ser um conflito intersubjetivo de interesses, o Litígio

não pode existir sem dois sujeitos distintos. Sujeitos esses que, em verdade, tomando-se em

consideração a teoria jurídico-processual, são partes em sentido material.

Os sujeitos do Litígio tanto podem ser indivíduos, quanto grupos sociais.

Daí as noções de interesse individual e interesse coletivo e de sujeito simples e sujeito

complexo.

Por outro lado, diferentemente do elemento subjetivo da Lide – conforme

veremos adiante – e por, ainda, estar o Litígio num momento pré e exoprocessual, os

interesses em conflito tanto podem ser mais que dois, quanto podem ser, também, mais que

dois os sujeitos de tal Litígio. Isso porque, somente com o processo de dedução quantitativa

e qualitativa do Litígio em juízo, isto é, por causa das implicações de ordem jurídico-

processual que tal individuação enseja – como, por exemplo, para a caracterização dos

institutos da litispendência, da conexão, da continência, da res judicata entre outros –, é que

será necessária a individuação técnica, precisa e específica destes sujeitos em Litígio, posto

que, agora, componentes subjetivos (como partes) da Lide processual.

351 CARNELUTTI, op. cit.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Assim, no caso, a individuação do elemento subjetivo do Litígio tem, aqui,

tão-somente uma função de fornecimento de dados iniciais para uma possível resolução do

conflito, ainda no plano sociológico, isto é, pré-processual.

b) Elemento objetivo:

O elemento objetivo do Litígio, isto é, o objeto do interesse das partes em

Litígio é um ente352, denominado de bem da vida (utilizando aqui uma linguagem

chiovendiana353) ou bem jurídico, que está apto a satisfazer a necessidade das partes em

Litígio.

Esta noção de bem como elemento objetivo do Litígio é muito importante

para a teoria processual, posto que, como veremos mais adiante quando do estudo do

instituto da Lide, o objeto controvertido desta é, também, esse mesmo bem em Litígio, no

plano social. Assim, tudo se evidencia numa cadeia sucessiva de eventos de ordem

sociológico-jurídica, porque, em primeiro lugar, o objeto da relação jurídica (material) entre

as partes, no plano social, é o bem jurídico. Havendo quebra de tal relação jurídico-material,

surge o Litígio e o elemento objetivo deste, conseqüentemente, é o mesmo bem objeto da

relação jurídica. Por sua vez, se tal Litígio não for contornado, tendo em vista aqueles

fatores que interagem na pirâmide de litigiosidade, este é levado a juízo e, em assim sendo,

transformado em Lide processual. Pois bem, o elemento objetivo e controvertido desta Lide

diz respeito, também, por corolário, ao mesmo bem da relação jurídica material e do Litígio,

anteriores. In casu, conforme veremos pormenorizadamente adiante, na Lide, tal bem

jurídico passar a ser o objeto da pretensão processual (Rechtsschutzanspruch) e material

(anspruch) do autor da ação.

352 Lembremos da noção carneluttiana de que ente ou bem jurídico é tudo aquilo que está apto a satisfazer uma necessidade humana. Cf. CARNELUTTI, Francesco. Teoria Geral do Direito. São Paulo: Lejus, 1999, p. 89. 353 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2000, p. 17.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

c) Elemento causal:

O elemento causal – que, inclusive, a posteriori, consubstanciará a causa

petendi e a causa excipiendi da Lide, caso a instância judicial seja acionada – do Litígio é

formado pela pretensão e pela resistência dos sujeitos em conflito. Isso porque, conforme já

assentimos, o simples conflito de interesses se converte em Litígio em virtude de uma

atitude específica de tais sujeitos em conflito, qual seja, o pretender, a exigência (pretensão)

de um e a oposição, a tal pretensão, por parte do outro (resistência).

Desse modo, a pretensão, é um ato, e não um poder (ou direito), de um

dos sujeitos que exige do outro que se subordine ao seu interesse. Por sua vez, a resistência

é também um ato (não um poder ou direito) de um dos sujeitos no sentido de não se

sujeitar à exigência de subordinação formulada pelo outro sujeito, conforme bem assentiu

CARNELUTTI.

No mais, é muito importante destacarmos, aqui também, que tais

elementos causais são, por certo, muito influenciados – e, por assim ser, o Litígio também o

é, daí o processo de transformação porque passa – por variáveis de ordem interpessoal,

como, por exemplo, pelo nível de percepção e avaliação do dano que os sujeitos têm no

conflito, pela natureza das relações interpessoais de tais sujeitos envolvidos no conflito, pelo

domínio social em que estes estão inseridos, pelo grau de conformismo e de resignação dos

contendores, entre outras, conforme pudemos ver quando da análise sociológica do conceito

de Litígio.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

d) Elemento material e elemento formal:

Dessas noções dos chamados elementos simples ou genéricos do Litígio,

decorrem os conceitos de elemento material e elemento formal, chamados que são, por sua

vez, de elementos específicos, isto é, caracterizadores e individualizadores do conflito.

Assim sendo, o elemento material do Litígio é formado pelo conflito de

interesses e o elemento formal deste pela pretensão e pela resistência. Tal ocorre porque,

em verdade, o Litígio não é apenas um conflito de interesses, porque, se assim fosse, os

conflitos intra-subjetivos entrariam nesta categoria; fato esse que seria absurdo e

irrelevante, tanto do ponto de vista sociológico, quanto, principalmente, do ponto de vista

jurídico-processual, só interessando, assim, à ciência da psicologia humana. Dessa maneira,

o Litígio, em verdade, é um conflito intersubjetivo de interesses, qualificado, assim (por ser

intersujeitos e não intra-sujeitos), pela pretensão e pela resistência dos contendores. São

esses elementos específicos que individualizam o conflito (o Litígio).

4.2.3 – Litígio: caracterização principiológico-estrutural.

Do mesmo modo, agora tendo em vista o matiz teórico-conceptual da

caracterização principiológico-estrutural, temos que o Litígio enquanto instituto de ordem

sociológica e protojurídica que é, conforme pudemos analisar, apresenta os seguintes

caracteres principiológicos estruturais: trata-se de um instituto sociológico-protojurídico,

assim como também, de um pressuposto processual, de natureza, conforme vimos, fáctico-

causal-sociológica, de referibilidade extrínseca, portanto, exoprocessual, de

composicionalidade categoremática – posto que se trata de um fenômeno de cuja existência

não depende de nenhum outro requisito – constituindo, assim, um antecedente fáctico-

causal e lógico do processo judicial, caracterizado, essencialmente, pela contendere

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

(contenda) de sujeitos em face de uma pretensão – resistida ou insatisfeita – vetorialmente

contrária ao interesse da outra parte, nos termos adiante explicitados.

a) Instituto sociológico-protojurídico:

O termo instituto, como vimos no intróito do presente trabalho, aparece

aqui para designar uma determinada unidade sistemática de conhecimento (unidade essa

micro ou macro) que é formulada – dentro de um certo sistema de conhecimento-científico,

como o sistema de conhecimento jurídico-processual, por exemplo – a partir de um processo

de generalização e categorização teórico-conceitual354.

Desse modo, o Litígio, enquanto dado sociológico e protojurídico que

interessa à teoria jurídico-processual e, por conseguinte, à Ciência Jurídico-Processual –

posto que esta tem como objetivo principal a construção de uma tecnologia eficaz e eficiente

de decidibilidade de conflitos – constitui em si uma unidade sistemática de conhecimento

inserida no âmbito de tal teoria processual.

No caso, como unidade sistemática de conhecimento que é para a teoria

jurídico-processual, o conceito de Litígio, trata-se de um conhecimento que tem como dado

de apreensão e cognição um objeto construído socialmente – daí ser um instituto sociológico

– e que, por interessar ao sistema jurídico, enquanto instância decisória de conflitos, é,

também, um conhecimento produzido a partir de um dado jurídico; no caso, pelas razões já

expostas por nós, protojurídico. Daí, em conclusão, ser o Litígio, enquanto unidade

sistemática de conhecimento – no caso uma unidade micro de conhecimento – um instituto

caracterizado por um dado, por um lado, sociológico e, por outro, protojurídico.

354 Neste sentido, rever, no intróito do presente trabalho (p. 17, nota 2) as noções distintivas por nós estabelecidas entre instituição jurídico-processual, instituto jurídico-processual e categoria jurídico-processual.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

b) Pressuposto processual:

Assim também, o Litígio, tendo em vista os postulados da teoria jurídico-

processual, concernentes mais especificamente ao processo judicial e seus requisitos de

admissibilidade355, é um pressuposto processual, posto que só existirá a formação deste –

isto é, do processo e, por conseguinte, da Lide – se, necessariamente, ocorrer,

preliminarmente – em potencial ou cineticamente –, no plano factual e pré-processual, um

conflito intersubjetivo de interesses qualificado por uma pretensão resistida ou insatisfeita

(Litígio) que, por assim ser e uma vez deduzido, quantitativa e qualitativamente, em juízo,

transformar-se-á em uma Lide, já no plano processual.

Potencial ou cineticamente, posto que, conforme assentimos

anteriormente, existem algumas relações sociais que carregam em si um alto grau de

situação conflituosa que ainda não se exteriorizou no seio social, mas que se não houver a

intervenção imediata e concreta de algum elemento da sociedade (o vizinho, o delegado, o

Estado-juiz, por exemplo), pode-se desembocar, efetivamente, o conflito interpartes. Daí

porque falamos em Litígio potencial e Litígio efetivo (cinético)356.

c) Natureza fáctico-causal-sociológica:

Em sendo o Litígio – como definimos – um conflito intersubjetivo de

interesses – potencial ou cinético – qualificado pela pretensão de um dos sujeitos e pela 355 E aqui, é decisivo, lembrarmos da distinção estabelecida por Celso Neves, e apresentada por nós na introdução deste trabalho, no que diz respeito à teoria quadrinômica da cognição do juiz, entre pressupostos e supostos processuais ” (NEVES, Celso. Estrutura fundamental do processo civil: tutela jurídica processual, ação, processo e procedimento. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 189-191). Assim como também, a construção teorética inauguradora do processualismo cientifico, formulada pelo processualista alemão Oskar Von Büllow, em 1868 e denominada por ele de Teoria dos Pressupostos Processuais (Cf. BÜLLOW, Oskar Von. La Teoria de las Excepciones Procesales y los Presupuestos Procesales. Tradução de Miguel Angel Rosas Lichtschein. Buenos Aires: EJEA, 1964). 356 Justamente nessas relações em que há um Litígio em potencial é que o Estado reservou para si a intervenção, melhor dizendo, a administração, a integração dos interesses em foco, a fim de evitar a eclosão do conflito (Litígio efetivo). Tais, como dissemos, são os casos sujeitos à Jurisdição Voluntária, onde não há, anteriormente, um Litígio efetivo, mas uma situação que, se não administrada e integrada pelo Estado, pode vir a se tornar em Litígio efetivo e, por conseguinte, Lide processual.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

resistência do outro o qual emerge, desenvolve-se, transforma-se e, por fim, extingue-se, na

teia de relações sociais, tendo em vista certos fatores variantes de ordem sócio-psico-

jurídico-político-econômica e interpessoais e, por assim ser, uma relação jurídico-social

intersubjetiva e conflitante – trata-se de um instituto, evidentemente, de natureza357 fáctico-

causal-sociológica.

De natureza fáctica, porque se trata de um fenômeno e não só de um

“nômeno”; isto é, trata-se de um fato, por certo, social e concreto e não, apenas, de um

conceito, de um elemento de significação apenas intelectual.

Por sua vez, é de natureza causal, posto que constitui em si a causa

material e remota358 da eventual Lide processual que venha a se formar a partir do processo

de transformação e dedução, quantitativa e qualitativa, do mesmo em juízo.

E, por fim, é de natureza sociológica, porque, como vimos, é um fato da

vida social359, ou seja, é uma construção social.

357 Determina-se a natureza de um objeto através da identificação dos elementos essenciais e constitutivos desse. Isto é, através da identificação dos elementos que se requer para a configuração da existência, no plano factual ou teórico, de tal objeto. Assim, falar, na Teoria Geral do Direito, assim como também, na Teoria Geral do Processo, em natureza jurídica de alguma instituição ou instituto significa falar nos elementos essenciais e constitutivos que o identificam e que, por assim ser, o inserem num determinado esquema conceitual do sistema de conhecimento jurídico-científico. A propósito dessas noções, conferir: BIELSA, Rafael. Los conceptos jurídicos y su terminologia. 3. ed. aum. Buenos Aires: Depalma, 1993, p. 70 e CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do Direito. Tradução de Frederico A. Paschoal. Campinas: Bookseller, 2002, p. 63/64. 358 A denominada Causa Petendi remota que, no dizer de Cruz e Tucci, segundo moderna doutrina, é: “locução que indica o fato ou conjunto de fatos que serve para fundamentar a pretensão (processual) do demandante: ex facto oritur ius – o fato gera o direito e impõe um juízo” (CRUZ E TUCCI, José Rogério. A Causa Petendi no processo civil. 2. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: RT, 2001, p. 24.).

359 E aqui, inclusive, podemos enquadrá-lo como um fato social na exata medida em que o define o sociólogo Émile Durkheim, isto é, como sendo um fato social por ser uma realidade dotada, tendo em vista o contexto social, de coercibilidade, de existência exterior, independente da vontade dos indivíduos que apenas se enquadram, quando nascem, através da coerção social, em tal contexto de padrão de conduta e que é marcado, essencialmente, pelo traço da generalidade, ou seja, é um fato que se repete e reflete na vida de todos os indivíduos. Neste sentido, conferir: DURKHEIM, Émile. De la division du travail social. 7. ed. Paris: PUF, 1960); Idem. Les règles de la méthode sociologique. Trad. de Maria Isaura Pereira de Queiroz. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1972; Idem. La science sociale et faction. Paris: PUF, 1970.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.

222

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

d) Referibilidade extrínseca:

Do mesmo modo, o Litígio, em sendo um fenômeno da vida social, como

fato social que é, e tomando-se como ponto referencial a realidade processual, trata-se, é

evidente, de um elemento de referibilidade externa ao processo. Porque, muito embora tal

processo judicial tenha como objetivo a resolução desse conflito de interesses que se

desencadeou na realidade social, e, em assim sendo, se refira a este (daí a noção de res in

iudicium deductae), o Litígio, enquanto realidade conceitual, se refere não ao conflito que

fora deduzido qualitativa e quantitativamente em juízo, mas sim ao conflito na exata medida

em que este ocorreu na concretude social. Daí ser um instituto, um conceito, de

referibilidade extrínseca.

A propósito disso, lembremo-nos da noção lógica de referência e

correspondência, o denominado Bedeutung de uma determinada expressão lingüística. Ou

seja, o referente (o correspondente) de uma determinada expressão lingüística é o objeto

representativo desse no plano factual, material. Daí que o referente (Bedeutung) do Litígio é

o conflito de interesses do modo e nos exatos termos em que este ocorreu no mundo

sociológico e não do modo e nos exatos termos em que este ocorre no mundo jurídico

(processual), sendo, portanto, de referibilidade extrínseca.

e) Exoprocessual:

Evidentemente, como corolário do caractere da referibilidade extrínseca e

tomando-se, ainda, em consideração o processo como ponto referencial, o Litígio é um

fenômeno exoprocessual, isto é, que ocorre fora da realidade processual.

No caso, o que é importante aqui salientarmos é que, em verdade, o

Litígio, enquanto fenômeno sociológico, não só é um fenômeno exoprocessual, que ocorre

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.

223

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

fora do processo, como também um fenômeno que ocorre ou pode ocorrer em três

momentos distintos, quais sejam: num momento pré-processual – posto que, como vimos,

trata-se de um elemento desencadeador do processo (da Lide); num momento processual –

posto que mesmo existindo o processo judicial, enquanto instância de resolução do conflito

e, por conseguinte, mesmo formada a Lide, permanece, paralela e concorrentemente, no

plano factual, o Litígio pendente e que, por assim ser, continua afetando as relações sociais;

e, em alguns casos, num momento pós-processual – posto que, em muitas situações, como

veremos, quando da análise empírico-crítica, mesmo terminada a Lide, e, por conseguinte, o

processo, permanece imanente ou manifesto, na realidade social, tal Litígio. Tal assertiva é

bem fácil de ser demonstrada se lembrarmos da pirâmide de litigiosidade proposta por

BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS, onde ele aponta os diversos processos de transformação

porque o passa o Litígio, no que ele denomina de trama social, até se chega a sua efetiva

resolução, seja no plano social, seja no plano jurídico-processual do Estado.

f) Antecedente fáctico-causal-lógico:

Um antecedente fáctico-causal-lógico, porque, como estamos a ver, a Lide

processual que eventualmente poderá ser formada, só o é se, necessariamente, de modo

potencial ou efetivo360, ocorrer o Litígio. Em resumo: não há a Lide, e, por conseguinte, o

processo, se não existir, anteriormente, potencial ou efetivamente, o Litígio. Ou mais: não há

Lide sem Litígio anterior que a defina e delimite.

Numa linguagem lógica: o conseqüente necessário (a Lide – que

denominamos de conseqüente jurídico-processual necessário) não ocorre se,

precedentemente, não ocorre o antecedente lógico (o Litígio, o qual, por sua vez,

denominamos de antecedente fáctico-causal-lógico). 360 Daí as noções de processo contencioso e processo voluntário, conforme veremos quando da aplicação da construção analítico-distintiva que estamos a consecutar entre Litígio e Lide como forma de elucidar a problemática da juridicidade ou não da chamada Jurisdição Voluntária.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.

224

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

g) Composicionalidade categoremática:

Por fim, ainda sob o prisma da caracterização principiológico-estrutural do

Litígio, temos que se trata esse de um elemento terminológico-conceptual de

composicionalidade categoremática, nos seguintes termos: na lógica, quanto à classificação,

mais precisamente no que diz respeito à sua função, diz-se que um termo é categoremático

quando, por si mesmo, já significa algo, isto é, é uma categoria, como, no nosso caso, o

Litígio o é, posto que, em si só, tem significado, já que se constitui numa realidade factual

(sociológica) independente do plano jurídico-processual. Assim, em síntese, o termo Litígio

tem composicionalidade categoremática, posto que tem sentido completo, exauriente,

independentemente do processo.

• Representação gráfica do Litígio:

Por fim – segundo assentimos – graficamente, baseados na concepção

romanística de actio e nas concepções representativas da Teoria Linear de JOSEF KÖHLER,

num momento exo e pré-processual, poderíamos representar o Litígio do seguinte modo:

Pretensão

L = Sc1 actio Sc2, onde L é litígio e Sc é sujeito contendedor.

Resistência

Por que baseado na concepção romanística de Actio? Porque, conforme

vimos, quando da análise teórico-conceptual e histórico-descritiva, os romanos, no que diz

respeito ao que hoje denominamos direito de ação, afirmavam que esta, em verdade, ocorria

no plano factual, num verdadeiro duelo que travavam os sujeitos contendedores (Sc1 e

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.

225

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Sc2) em torno do objeto do conflito. Além do mais, a actio isto é, a pretensão de um sujeito

(Sc1) e, por sua vez, a resistência do outro sujeito (Sc2) não eram dirigidas contra o Estado

– como afirmaram, depois, os processualistas alemães, como WACH, WINDSCHEID,

MUTHER entre outros – mas, diretamente, isto é, interpartes, e de modo linear, como na

proposição gráfica (Sc1 versus Sc2).

Desse modo, estavam os litigantes – contendedores – numa posição de

linearidade ativa e passiva, onde, no caso, um pretendia algo de outrem e este, por sua vez,

resistia. Assim, somente se as partes envolvidas no Litígio não chegassem a uma conclusão

sobre o conflito é que o magistrado, já em uma fase eminentemente processual (angular) e

não linear, se pronunciaria, dando um veredicto.

Tal tese, quanto ao direito de ação, teve tanta repercussão que séculos

mais à frente influenciou o jurista alemão JOSEF KÖHLER que teorizou no sentido de assentir

que a relação jurídica que ocorre entre as partes envolvidas no Litígio, agora no processo,

era desse tipo, linear. No caso, ao nosso sentir, tal teoria de KÖHLER serve para explicarmos

o que acontece, no plano material, factual, entre os sujeitos contendedores do Litígio e não

para explicar o que ocorre, no plano da relação jurídico-processual, entre autor e réu. Nesse

plano, conforme veremos, quando da análise da Lide, as relações são sempre angulares, isto

é, por intermédio do juiz.

Assim, em síntese, no plano factual, o conflito de interesses, caracterizado

pela pretensão e pela resistência das partes, ocorre linearmente, mesmo que tal linearidade

venha a se apresentar num plano complexo, tendo em vista a multiplicidade dos sujeitos em

Litígio.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.

226

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Muito bem. Visto o Litígio, do ponto de vista da proposição tético-distintiva

enunciada, associada, essa, aos seus diversos matizes teórico-conceptuais –

definibilidade/conceituação, elementaridade constitutiva e caracterização principiológico-

estrutural – passemos, agora, por sua vez, a estudar, continuando, a construção, analítico-

distintiva, terminológico-conceptual que estamos a consecutar, o instituto da Lide. Vejamo-o,

então.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.

227

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.

Pois bem. Visto que o Litígio é, diferentemente do que assente, enuncia e

propõe (Litígio = Lide) – por certo, “a-técnica” e “a-cientificamente” – a opinio communis

doctorum da dogmática jurídico-processual, um instituto, um conceito-categoria, de natureza

sociológica e protojurídica, um verdadeiro pressuposto processual e antecedente fáctico-

causal e lógico do processo, sendo ainda de natureza fáctico-causal-sociológica, de

referibilidade extrínseca, portanto, exoprocessual, e de composicionalidade categoremática,

e que podemos conceituar, agora, sim, técnica e cientificamente, como sendo um fenômeno

social que, teórico-termino-conceptualmente, segundo critérios e variáveis de ordem sócio-

jurídica, materializa-se em um conflito intersubjetivo de interesses – potencial ou efetivo –

qualificado pela pretensão de um dos sujeitos e pela resistência do outro o qual emerge,

desenvolve-se, transforma-se e, por fim, extingue-se, na teia social de relações, tendo em

vista certos fatores variantes de ordem sócio-psico-jurídico-político-econômica e

interpessoais, passemos, enfim, neste momento, à caracterização teórico-termino-

conceptual, agora, daquilo que denominamos de Lide.

Neste sentido e, in limine, é de se assentir que a Lide, enquanto elemento

de ordem jurídico-processual, conforme temos, categoricamente, afirmado até então, é, em

verdade, formada e delimitada a partir do processo de transformação e dedução,

quantitativa e qualitativa, de tal Litígio social em juízo. Desse modo, e como vimos

anteriormente, a Lide constitui, tão-somente, um dos momentos sociológicos – talvez até o

mais importante deles, o momento denominado pela sociologia jurídica de domínio de

judicialização oficial do Litígio361 – porque passam tais conflitos (Litígios) interindividuais ou

grupais dentro da sociedade. Por isso, destarte, ressaltamos a importância do conceito de tal

361 SOUSA SANTOS, Boaventura de; LEITÃO MARQUES, Maria Manuel e PEDROSO, João. Os tribunais nas sociedades contemporâneas. In Revista Brasileira de Ciências Sociais. N. 30.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.

228

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

fenômeno, o Litígio, para a elaboração e definição do conceito do seu corolário lógico-

jurídico – não correspondente sinonímico – qual seja, a Lide.

Assim, tomada a Lide nesta perspectiva, seria ela, sinteticamente

assentindo, nada mais do que a resultante do processo de transformação e dedução,

qualitativa e quantitativa, do Litígio – que emergiu e se desenvolveu na trama social – em

juízo. Nas palavras de TORNAGHI362 (conforme vimos, o único processualista a assentir,

mesmo que un passant, sem um maior aprofundamento do temário, alguma distinção entre

os termos sub examine), a Lide “é aquela parte do litígio entre duas ou mais pessoas,

regulado pelo Direito Substantivo, e que é levada à decisão do juiz por uma das partes

conflitantes”. Em assim sendo, prossegue ele, “o conteúdo daquilo que se convencionou

chamar lide pode ser menor que o do litígio”, por isso “ainda que o juiz saiba que o litígio

versa sobre outros pontos, não pode conceder o que o autor não pediu. Tem que cingir-se

aos limites da lide”.

A Lide, por assim ser e conforme veremos pormenorizadamente nesta

subseção, constitui-se, em verdade – através de tal processo de transformação e dedução

quantitativa e qualitativa do Litígio em juízo – num dos componentes da relação jurídico-

processual que é formada a partir da demanda inicial e da conseqüente angularização que

ocorre com a citação da parte ex-adversa. Deste modo, seria ela, a Lide, o componente

objetivo e conteudístico de tal relação jurídico-processual e, enfim, do processo judicial

formado. Em assim sendo, seria, a Lide, um componente de fundamental e elementar

importância para a identificação, delimitação e definição daquilo que se convencionou

denominar, na dogmática processual moderna (sobretudo, na doutrina processual italiana, já

que os alemães preferem falar em objeto do processo - streitgegenstand), de meritum

causae – o objeto central da cognição e, conseqüente, decisão do juiz – que, ao fim do

processo, consubstanciará o thema decidendum do processo.

362 TORNAGHI, Hélio. A relação processual penal. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 243-244.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.

229

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Por outro lado, falando nos termos da linguagem tradicional e clássica da

dogmática jurídico-processual, seria a Lide o componente objetivo da relação jurídico-

processual que é formatado a partir da dedução (através do ato processual denominado

demanda), quantitativa e qualitativa, em juízo, da chamada res in iudicium deductae, isto é,

da relação litigiosa, controvertida (relação jurídico-material), que ocorrera no plano factual

da realidade social e que fora levada a juízo. Assim, fazendo uma associação – ainda nesses

termos da linguagem da doutrina clássica e tradicional do processo – entre os conceitos de

Lide/Litígio com os tradicionais conceitos de Res Iudicium in deductae/Iudicium, o Litígio

conformaria a Res in iudicium deductae, assim como, por sua vez, a Lide, uma vez obtida a

partir da dedução do Litígio, conformaria o Iudicium (processo) e os seus elementos –

subjetivo, objetivo e causal, sem com ele (o Iudicium), e eles (elementos do Iudicium), se

confundir363.

Destarte, numa síntese inicial, sem partirmos ainda para uma definição

precisa e aprofundada do termo em análise, poderíamos assentir que a Lide é, tética e

conteudisticamente, um instituto (conceito-categoria) jurídico-processual, que se

consubstancia num verdadeiro requisito – conditio sine qua non – para a existência do

processo, ou seja, um suposto processual (utilizando aqui a terminologia do quadrinômio de

CELSO NEVES364), sendo, assim, de natureza jurídico-processual stricto sensu, de

referibilidade intrínseca ao fenômeno processual, portanto, endoprocessual, de

composicionalidade lógica sincategoremática (como vimos), constituindo, em si, um

conseqüente jurídico-processual lógico e necessário do Litígio deduzido em juízo, e

caracterizado, essencialmente, por uma relação sinalagmática entre parte e o Estado-Juiz ou

363 Neste sentido, é interessante, e correta, a lição de Celso Neves: “À determinação dos elementos objetivos do processo é indiferente, portanto, a res in iudicium deducta, a ele, preexistente, não obstante referir-se a essa a tutela processual pretendida. Por isso a determinação do objeto da relação jurídica deduzida em juízo não predetermina o objeto do processo, tal como os elementos subjetivos daquela não predeterminam os destes” (NEVES, Celso. Estrutura fundamental do processo civil: tutela jurídica processual, ação, processo e procedimento. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 217). 364 Conforme bem explicitou Kazuo Watanabe, falando sobre o objeto do processo e os elementos da cognição do juiz, na visão do consagrado processualista da Escola de São Paulo, Celso Neves (WATANABE, Kazuo. Da Cognição no Processo Civil. 2. ed. atual. Campinas: Bookseller, 2000, p. 100-103).

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.

230

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

partes e o Estado-Juiz, que, graficamente, baseados na concepção da teoria angular da

relação jurídico-processual, formulada por Konrad Hellwig365, num momento

(endo)processual, poderíamos representar da seguinte maneira:

Estado-Juiz

Lide Autor Réu

Outrossim, e do mesmo modo, diagraficamente, agora tendo em vista a

proposição tética acima enunciada e, sobretudo, tomando-se em consideração aquelas

mesmas variantes366 estudadas anteriormente, quando da análise e construção do conceito

de Litígio, variáveis, essas, relativas aos matizes teórico-conceptuais da

definibilidade/conceituação, da elementaridade constitutiva e da caracterização

principiológico-estrutural, temos, também, representativa e sinteticamente, o instituto da

Lide, nos seguintes termos:

365 Formulada, em resposta à Teoria Triangular da Relação Jurídico-Processual, de Adolf Wach e Oskar Von Büllow, em 1905 e 1907, por Konrad Hellwig, em seus manuais “Klagrecht und Klagmöglichkeit” e “Lehrbuch”, respectivamente, conforme informa Celso Neves (NEVES, Celso. Estrutura fundamental do processo civil: tutela jurídica processual, ação, processo e procedimento. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 212). 366 As mesmas variáveis de natureza epistemo-cognoscitiva que foram aplicadas no processo de cognição (qualificação e quantificação) do objeto Litígio, agora, serão aplicadas para o conhecimento do objeto Lide.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.

231

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Matiz Teórico-Conceptual Lide

Definibilidade/Conceituação

Conceito-categoria jurídico-processual – uma construção da Teoria Geral do Processo. Elemento subjetivo: Partes.

Elemento objetivo:

Pretensão processual (Rechtsschutzanspruch) = pedido (Antrag) + causa de pedir (Sacherverhalt).

Elemento causal: Demanda (Klageantrag) Elemento material: Litígio

Elementaridade constitutiva

Elemento formal:

Ação em sentido positivo e negativo (Petitum/causa petendi versus Contestatio/causa defendendi ou excipiendi).

Instituto jurídico-processual.

Suposto processual: conditio sine qua non.

Natureza jurídico-processual stricto sensu.

Referibilidade intrínseca.

Endoprocessual.

Conseqüente jurídico-processual necessário.

Caracterização principiológico-estrutural

Composicionalidade sincategoremática.

Representação gráfica

(Teoria Angular, Konrad Hellwig)

Estado-Juiz

Lide Autor Réu

(Complexo de juridicidade: direitos, deveres, ônus, responsabilidades e faculdades.)

Pois bem. Visto isso e em assim sendo, passemos a estudar, a partir de

agora, de forma eminentemente pormenorizada e objetiva, o instituto da Lide, tomando-se

em consideração a proposição tética anteriormente enunciada – qual seja, a de que a Lide é,

terminológico-conceptualmente, um instituto (conceito-categoria) jurídico-processual, um

verdadeiro suposto processual, conditio sine qua non do processo, de natureza jurídico-

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.

232

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

processual stricto sensu, de referibilidade intrínseca, portanto, endoprocessual, de

composicionalidade lógica sincategoremática, constituindo em si um conseqüente jurídico-

processual necessário e lógico do Litígio deduzido em juízo e caracterizado, essencialmente,

por uma relação sinalagmática entre parte e o Estado-Juiz ou partes e o Estado-Juiz, nos

exatos termos da concepção angular da relação jurídico-processual – associada, agora, aos

matizes teórico-conceptuais da definibilidade/conceituação, elementaridade constitutiva e

caracterização principiológico-estrutural, todos representados no diagrama retro. Vejamos,

então.

4.3.1 – Lide: definibilidade e conceituação.

Ao contrário do conceito de Litígio que teve, por sua natureza sociológica e

protojurídica, seu âmbito de validade e definibilidade teórico-termino-conceptual formatado

no suporte epistemológico – a partir de caracteres de ordem sócio-psico-jurídico-político-

econômica e interpessoais – mais das teorias sociológicas do que das teorias processuais, o

conceito de Lide, também, evidentemente, por sua natureza, agora, de ordem

eminentemente jurídico-processual, terá, aqui, o seu âmbito de validade e definibilidade

teórico-termino-conceptual formatado a partir de caracteres não mais sociológicos, mas,

essencialmente (eu diria até que exclusivamente), jurídico-processuais367 e, por conseguinte,

formatado a partir do suporte epistemológico das teorias processuais. Isso porque, trata-se,

a Lide, como estamos a ver, de um elemento de ordem e natureza jurídico-processual stricto

sensu e não mais, como o Litígio o é, de ordem e natureza sociológica e protojurídica. E é

exatamente, sob a égide dessa premissa metodológica, que iremos construir, terminológico-

367 Aliás, neste sentido, a Ciência Jurídico-Processual, no patamar em que se encontra, é bastante rica no processo de associação dos diversos termos que conformam as teorias processuais. Assim, construir o conceito de Lide a partir de caracteres essencialmente jurídico-processuais – como pretensão processual, meritum causae, thema decidendum, streitgegenstand, objeto do processo, ação, demanda, anspruch e etc – em princípio, parece ser, tarefa, mais simples para o cientista do processo do que construir o conceito representativo de um fenômeno sociológico, como o Litígio, a partir de caracteres e variáveis, subjetivamente definidas e muitas vezes imponderáveis, como no caso das variáveis de ordem sociológica (lato sensu).

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.

233

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

conceptualmente, a partir do presente processo de definibilidade, o conceito do instituto da

Lide.

In casu, é de se ressaltar, inicialmente, também, que, do mesmo modo que

o Litígio, a Lide – enquanto dado jurídico-processual que é, formado, em juízo, a partir da

dedução do conflito social (Litígio) – mais que um conceito a ser definido e que, como

dissemos acima, deve ser formatado a partir de critérios essencialmente processuais (para

não incorrermos no mesmo erro de CARNELUTTI, muito embora a indiscernibilidade de

identidade por ele, e pela grande parte, dos processualistas, empregada), trata-se, também,

pela sua importância e posição singular – mas não central – dentro da teoria geral do

processo e, por conseguinte, da Ciência Jurídico-Processual, de um conceito-categoria. Não

que – conforme já ressaltamos anteriormente, quando das noções propedêuticas e

étimo(lógicas) sobre os termos sub examen – queiramos, assim como o fizeram

CARNELUTTI e seus seguidores, transformar a Lide em pedra angular e mais fundamental da

Ciência Jurídico-Processual ou mesmo do Sistema Jurídico-Processual. O que queremos,

apenas, é, dentro da construção analítico-distintiva – neste momento, terminológico-

conceptual – que estamos a consecutar entre Litígio e Lide e, sobretudo, tomando-se em

consideração a premissa metodológica do emprego de uma terminologia jurídico-conceptual

específica, pura e aplicada, como condição indispensável e imperativa de se fazer ciência,

conforme vimos na seção anterior, colocar a Lide, enquanto conceito-categoria da teoria

geral do processo, numa posição não necessariamente central – nem metodológica, nem

epistemologicamente, posto que incompatível com a teoria da ação e da relação processual

– mas, tão-somente, de enquadramento adequado, junto às demais instituições e institutos

da Ciência Jurídico-Processual. E por que isso? Com o objetivo, único e precípuo, de tentar

elucidar e, quiçá, resolver algumas questões de ordem teórico-conceitual-metodológica e

tecnológico-pragmática368, aparentemente, aporemáticas, da teoria processual e, por

368 Conforme explicitamos e demonstramos, em nota, na página 179.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

conseguinte, da Ciência Jurídico-Processual, as quais, nos termos em que se encontram, não

contribuem para o acoplamento e fechamento estrutural dos conceitos (instituições e

institutos) jurídico-processuais, dentro da ciência processual.

Pois bem. Antes de fazê-lo – a construção precisa, e dentro das premissas

retro afirmadas, do conceito de Lide – ainda é necessário destacarmos que não nos parece

de todo certo, conforme teorizaram LIEBMAN369, CALAMANDREI370 e outros grandes

processualistas371, simplesmente, tentando “salvar”372 o conceito carneluttiano de Lide,

identificar o conceito de Lide ao de meritum causae (como os autores italianos, em geral, o

fizeram) ou ao de objeto (litigioso) do processo (como alguns autores brasileiros, fulcrados

nos ensinamentos da doutrina processual alemã, o fizeram). Isso porque, conforme vimos e

assentimos em momento anterior, na esteira das lições do eminente processualista da Escola

de São Paulo, CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, que importância teria tal nova acepção de

Lide, tendo em vista que, no mesmo sentido semântico-jurídico, sinonimicamente, já temos

formatado e definido o instituto jurídico-processual denominado meritum causae? Se assim

assentíssemos estaríamos, inclusive, contrariando a premissa metodológica desta pesquisa

que é a tentativa de formação e adoção de uma terminologia jurídico-conceptual específica,

pura e aplicada, onde não há espaço para indiscernibilidades e polissemias. Além do que,

369 Como vimos, Liebman, neste sentido, reconstruindo o conceito carneluttiano de Lide, afirmou que o elemento que delimita, que define e que constitui o próprio mérito da causa não é o conflito existente entre as partes fora do processo, mas o conflito, efetivo ou virtual, de pedidos contraditórios sobre o qual o juiz é convocado a decidir. A Lide, assim considerada, diz ele, “torna-se perfeitamente aceitável na teoria do processo e exprime satisfatoriamente o que se costuma chamar de mérito” (LIEBMAN, Enrico Tullio. Estudos sobre o processo civil brasileiro. Araras: Bestbook, 2001, p. 103). 370 Calamandrei, por sua vez, e nesta mesma perspectiva, afirma que a Lide, tal como Carnelutti a concebeu, era conceito que se adequava mais ao mundo sociológico, do que ao jurídico. Isso porque, dizia ele, a Lide, para figurar no mundo jurídico-processual, precisar ser apresentada, deduzida, em juízo através da iniciativa do autor (demanda). Em assim sendo, continua ele, o juiz, ao tomar conhecimento da Lide, não se encontra com a mesma, do mesmo modo como ela ocorrera na realidade social, mas, ao contrário, nos exatos termos em que ela foi deduzida, em juízo, pelo autor. Desta maneira, sentencia ele, falar em Lide, nessa nova estrutura conceitual, é falar em mérito, em questão de fundo do processo (Cf. CALAMANDREI. Piero. Estudos de Direito Processual. Campinas: LZN Editora, 2003. E: Idem. Il concetto di “lite” nel pensiero di Francesco Carnelutti. In Rivista di diritto processualle civile. v. V. Padova. Cedam, 1928). 371 Como Alfredo Buzaid (Em: BUZAID, Alfredo. Do agravo de petição no sistema do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1956), Arruda Alvim (Em: ALVIM, Arruda. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: RT, 1975, v. II), e vários outros autores da dogmática jurídico-processual brasileira. 372 Esse, inclusive, é o termo que o próprio Cândido Rangel Dinamarco utilizou para comentar as diversas teorias reformuladoras do conceito de Lide que foram elaboradas, no sentido de se buscar corrigir os erros da teoria de Carnelutti.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

conforme bem salientou DINAMARCO373, “(...) ora, esse modo de ver a lide do ponto de vista

jurídico deixa-a sem aptidão a explicar alguma coisa”. Por quê? Continua ele: “Se lide é o

mérito e o mérito é a lide, segue-se que um dos dois vocábulos é supérfluo e o acréscimo do

primeiro na linguagem do jurista constituiria uma excrescência”. Na verdade, DINAMARCO

diz isso (corretamente, pensamos), pois não admite que se possa coexistir, num mesmo

sistema jurídico-processual374 e, por assim ser, na Ciência Jurídico-Processual, teorias tão

antinômicas, quanto a teoria da Lide (nos termos em que CARNELUTTI a construiu ou

mesmo com as reformulações feitas por autores como LIEBMAN e CALAMANDREI) e a teoria

da ação375. Melhor dizendo, nas palavras do próprio DINAMARCO: “A sinonímia [lide =

mérito] não seria nociva, se fosse mera sinonímia e não conduzisse à ilusão de poder fazer

coabitar no mesmo diploma processual o método que tem a lide ao centro e o que tem a

ação, como se eles não se repudiassem”. Assim, diferentemente e a par de todas essas

questões e considerações, pensamos que o conceito de Lide não coincide com o de mérito

da causa, e muito menos com o conceito de objeto do processo ou, na linguagem de

ARRUDA ALVIM376, do objeto litigioso do processo. O que ocorre, tão-somente e em

verdade, é que é a partir do conceito de Lide – na acepção que estamos a construir – que se

definem tais conceitos, quais sejam, os conceito de meritum causae – ou objeto do processo

(streitgegenstand), na linguagem dos processualistas alemães – e do thema decidendum,

entre outros conceitos (institutos) processuais, como o de litispendência, de res judicata e

etc.

373 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 56-57. 374 No caso, no sistema jurídico-processual brasileiro é assim, conforme afirma Dinamarco, analisando as imprecisões terminológicas e teórico-conceptuais do Código de Processo Civil pátrio (Conferir em: Ibidem., p. 136-153). 375 Claro que, no nosso caso, entendendo o Litígio e a Lide nos exatos termos que estamos a construir, não há, por certo, antinomia ou incongruência nenhuma entre a Teoria da Lide e a Teoria da Ação. Aliás, muito pelo contrário, em verdade, como iremos demonstrar adiante, há um nítido e congruente eixo de simetria que interliga os conceitos e elementos da Teoria da Lide e do Litígio, tal como os entendemos, com os conceitos e elementos da Teoria da Ação e da Teoria do Processo (como relação jurídico-processual que o é). 376 Conforme vimos, Arruda Alvim identifica o conceito de lide ao de mérito da causa e ao de objeto litigioso do processo.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Em assim sendo, terminológico e conceptualmente, fundamentado na

premissa método-epistemológica de se construir um conceito unívoco e monoreferencial para

o termo Lide, e ainda tendo em vista as observações e advertências retro referidas, qual

seria o conceito que melhor representaria tal fenômeno que – já sabemos – é resultante do

processo de transformação e dedução, quantitativa e qualitativa, do Litígio em juízo?

Vejamo-lo, então.

Para nós, em verdade e peremptoriamente, a Lide nada mais seria que a

componente conteudística e objetiva da relação jurídico-processual que é resultante do

processo377 de transformação e dedução, quantitativa e qualitativa, do Litígio – potencial ou

efetivo – em juízo e a partir378 da qual se identifica, se delimita e se define o meritum

causae379 – ou o objeto litigioso do processo (streitgegenstand) ou a res in iudicium

deductae – e, por conseguinte, o thema decidendum do processo e objeto principaliter da

cognição do juiz, entre outros institutos (conceitos) processuais como o da res judicata, o da

litispendência, o de partes, e etc. Em que termos? Continuemos a construção.

O processo de transformação e dedução, quantitativa e qualitativa, do

Litígio em juízo, a partir do qual se forma e se consubstancia a Lide, ocorre,

processualmente falando, tendo em vista o direito de ação (o klagerecht, da doutrina alemã)

que o autor tem – digo, qualquer pessoa tem – de pedir ao Estado uma tutela jurisdicional;

vale dizer, de pedir ao Estado um pronunciamento jurisdicional sobre uma determinada

situação fáctico-jurídica vivenciada por ela. Tal é o fundamento e substrato jurídico380 desse

processo de transformação e dedução do Litígio em juízo, formando, assim, a Lide.

377 Cientificamente assentindo, eis aqui a sua causa (antecedente lógico). 378 Também, cientificamente assentido, eis aqui o seu efeito (conseqüente necessário). 379 Sem com ele se confundir, pois, em ciência, não se pode definir um determinado objeto pelos efeitos por ele produzidos, mas sim pelos seus elementos constitutivos. Neste sentido: DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, v. 1, p. 273. 380 Modernamente, a natureza jurídica desse direito – o direito de ação – encontra suporte no direito constitucional fundamental de petição, muito embora persistam algumas divergências dogmáticas sobre isso. Nesse sentido, assentem Eduardo Couture (COUTURE, Eduardo J. Estúdios de Derecho Procesual Civil. 3. ed. Buenos Aires: Depalma, 1989.) e Héctor Fix-Zamúdio (FIX-ZAMUDIO, Héctor. Constitución y Proceso Civil en Latinoamérica. México: UNAM, 1974). Por outro lado, é de se ter em vista, também, que, de modo estrito, tal processo de dedução do Litígio em juízo, formando a Lide, tem como fundamento o simples direito de demandar

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Esse direito de ação – direito público e subjetivo que qualquer pessoa tem

de pedir ao Estado uma tutela jurisdicional – é operacionalizado, inicialmente381, a partir de

um ato processual (o primeiro ato do processo, aliás) que é denominado pela dogmática

jurídico-processual tradicional de demanda382. A demanda que – conforme assentiremos

mais à frente, quando distinguirmos os conceitos ora formados de Litígio e Lide de outros

termos da dogmática jurídico-processual383 – muitos autores confundem com o próprio

direito de ação ou com o meritum causae ou o streitgegenstand do processo, ou a pretensão

processual (rechtsschutzanspruch) e material (anspruch). In casu, não há porque se

confundir, posto que ela, a demanda, como ato processual que é, nada mais é – e nesse

sentido é muito importante trazermos à baila as lições do processualista espanhol JAIME

GUASP384 – do que o veículo da pretensão do autor (tanto a pretensão processual – a

rechtsschutzanspruch, quanto a pretensão material – a anspruch). Por assim ser, a demanda

define e delimita o conteúdo subjetivo e objetivo da Lide e, por conseguinte, da relação

jurídico-processual, incluindo, nesta perspectiva, o mencionado meritum causae ou o

ou, como diria Botelho de Mesquita, o simples direito à administração da justiça. Essa distinção ocorre na doutrina processual, posto que, nos casos em que o pronunciamento não é de mérito – quando é caso de extinção sem julgamento do mérito – processo também houve, evidentemente, muito embora, em alguns situações dessas, a carência de ação. Nesses casos, a dedução é válida, muito embora o não conhecimento do juízo, por falta de condição de admissibilidade do julgamento da Lide. Em síntese, o que queremos dizer é que, stricto sensu, o fundamento do processo de transformação e dedução, quantitativa e qualitativa, do Litígio em juízo, formando a Lide é o simples direito de demandar, como diria Cândido Rangel Dinamarco, ou o simples direito à administração da justiça, como diria Botelho de Mesquita, e não o direito de ação, isto é, o direito ao pronunciamento, de mérito, sobre determinada situação jurídica. 381 Digo inicialmente, pois o direito de ação é um direito permanente na dialética da relação jurídico-processual. Isto é, o direito de ação não se exaure simplesmente e por si só no ato inicial da demanda. Muito pelo contrário, pois como diria Cândido Rangel Dinamarco, o direito de ação, analiticamente falando, “é a soma das posições jurídicas ativas do demandante no processo, tendo por objeto o provimento jurisdicional por ele pedido e devido pelo Estado” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, v. 1, p. 107). 382 Tal demanda, por sua vez, é materializada, formalizada, na Petição Inicial do autor. Como diria Dinamarco: “A petição inicial, como papel em que os termos da demanda estão escritos (art. 282), não é um ato mas a representação física de um ato – assim como a escritura instrumentalizadora de um contrato não é o contrato. Em alguns casos especialíssimos a lei admite demanda oral (LJE, art. 14) – e nesses casos a demanda não é instrumentalizada numa petição.” (Idem. Instituições de Direito Processual Civil. 4. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2002, V. II, p. 104.). 383 Subseção primária 4.4 (Litígio, Lide e outros termos: a indiscernibilidade conceitual). 384 Isso porque foi Jaime Guasp quem melhor definiu o conceito de Demanda, sobretudo, distinguindo-o dos conceitos de Ação e de Pretensão Processual. Nesse sentido dizia ele que “concedido pelo Estado o poder de dirigir-se aos Tribunais de Justiça para formular pretensões: direito de ação, o particular pode reclamar qualquer bem da vida, em face de outro sujeito distinto, de um órgão jurisdicional: pretensão processual, iniciando para isto, mediante um ato especifico: demanda, o correspondente processo, o qual terá como objeto aquela pretensão” [tradução nossa] (GUASP, JAIME. Derecho Procesal Civil. 3. ed. Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1977, Tomo I, p. 216.).

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

streitgegenstand do processo, sem com eles se confundir semântica e referencialmente.

Neste sentido, afirma CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, in verbis385:

Não creio que a demanda seja o mérito da causa. Vejo nela, apenas, o veiculo de algo externo ao processo e anterior a ele, algo que é trazido ao juiz em busca do remédio que o demandante quer. A demanda é fato estritamente processual, pressuposto processual, é ato formal do processo, que com ele tem vida e nele se exaure. Ela é o veiculo da pretensão do demandante, que é uma sua aspiração a determinado bem ou a determinada situação jurídica que, sem o processo e sem a intercessão judicial,o sistema o impede de obter.

Em verdade, numa síntese objetiva e fundamental para a elaboração do

nosso conceito de Lide, poderíamos assentir que a demanda – como ato formal e

estritamente processual – é que consubstancia em si o tal processo de transformação e

dedução, quantitativa e qualitativa, do Litígio em juízo, formando a Lide. Isso porque,

conforme assente, também, CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO “é na demanda inicial que

residem os elementos determinantes do conteúdo e responsáveis pelos limites do

provimento a ser proferido pela autoridade jurisdicional. (...) A demanda [é] verdadeiro

projeto do provimento desejado”386. E quando falamos em transformação e dedução,

quantitativa e qualitativa, do Litígio, formando a Lide, tal se dá porque, como bem esclarece

o insigne processualista da Escola Processual de São Paulo, in verbis387:

É ajuizando a demanda que o sujeito traz à presença do juiz a situação a que pretende seja posto reparo e dele postula uma medida capaz de conduzir à solução que, por uma razão ou por outra, não lhe é dado obter pelos próprios meios. E a demanda, narrando fatos, conclui por colocar diante do juiz uma pretensão, veiculada no pedido de emissão de um provimento jurisdicional de determinada ordem, com o conteúdo que indica e referente ao bem da vida especificado (além, naturalmente, de identificar os sujeitos a serem envolvidos na imperatividade do provimento).

385 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, v. 1, p. 247. 386 Ibidem., p. 235. 387 Ibidem. p. 236.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Ou seja, em outras palavras, é com a demanda que se vai identificar,

delimitar e definir, subjetiva e objetivamente falando, todos os elementos (partes, causa de

pedir – o suporte fáctico-causal e jurídico – pretensão processual e material) que, a partir do

Litígio, vão formar e compor a Lide, agora, num plano, estritamente, jurídico-processual. E é

exatamente nisso que consiste a dedução388 quantitativa e qualitativa389 do Litígio formando

a Lide. Aliás, esse é um processo muito importante para a relação jurídico-processual a se

formar, sobretudo, tendo-se em vista o princípio processual da congruência que está

estabelecido, peremptoriamente, no sistema jurídico-processual brasileiro, nos artigos 128390

e 460391 do Código de Processo Civil. Porque, conforme estabelecem tais preceitos legais, o

juiz não pode conhecer aquilo que do Litígio não foi deduzido em juízo, formando a Lide,

mesmo que, materialmente, tal situação realmente tenha ocorrido no plano factual do

conflito (Litígio). Diz a dogmática jurídico-processual sobre isso que o juiz não pode julgar

nem citra, nem ultra e nem extra petita. E mais, conforme analisaremos mais adiante,

estabelece ainda o sistema processual civil que “passada em julgado a sentença de mérito,

reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor

assim ao acolhimento como à rejeição do pedido”392. Então, percebe-se da leitura desses

dispositivos legais, o quanto é importante e vital para as partes e para a dialética processual

em si, o processo inicial de dedução quantitativa e qualitativa do Litígio em juízo, formando a

Lide processual.

388 E, segundo nos ensina Cândido Rangel Dinamarco, em nota, “Deduzir é trazer (do latim de + ducere)” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 4. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2002, V. II, p. 104.). 389 Dedução quantitativa, porque, é a partir disso, que se vai determinar, objetiva e subjetivamente, os limites e elementos da rechtsschutzanspruch e da anspruch; por sua vez, dedução qualitativa, porque, também, se vai identificar a qualidade, digo a natureza, do bem da vida em Litígio, do direito que fundamenta a pretensão material e das partes em Lide. É por essa razão que se fala, por exemplo, em objeto (pedido) imediato e mediato do processo, isto é, tal distinção e identificação são obtidas e são conseqüência da quantificação e qualificação daquilo que é deduzido em juízo. 390 “O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte”. 391 “É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado”. 392 BRASIL. Código de Processo Civil. Pinto, Antonio Luiz; Windt, Márcia Cristina Vaz dos Santos e Céspedes, Lívia. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 101.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Do mesmo modo, e por outro lado, é necessário assentirmos, destacarmos

e demonstrarmos, ainda, que tal processo de transformação e dedução do Litígio em juízo,

dá-se, também (aliás, completa-se tão-somente), com a participação efetiva e essencial da

parte ex-adversa; isto é, com a participação do réu. Por que, conforme assente a moderna

dogmática jurídico-processual, baseada, sobretudo, nas lições de ELIO FAZZALARI393 e do

sociólogo do direito NIKLAS LUHMANN394, a Relação Jurídico-Processual nada mais é do que

a projeção jurídica da exigência política do contraditório. Aliás, é por essa razão que os

processualistas mais modernos – eu diria até pós-modernos – modificaram a conhecida

Trilogia Estrutural do Direito Processual (Jurisdição, Ação e Processo) sintetizada assim,

nestes termos, pelo processualista argentino, RAMIRO PODETTI395, acrescendo a esta, mais

um elemento (isto é, mais uma instituição jurídico-processual), qual seja, a Defesa396 (ou

Exceção) do réu. É por isso que podemos falar hoje em uma ação em sentido positivo

(formulada pelo autor) – que nós denominamos de demanda ativa – e em uma ação em

sentido negativo397 (formulada pelo réu) – que nós denominamos de demanda passiva. Em

que termos essa demanda passiva? Continuemos.

In casu, o réu participa, também, desse processo de transformação e

dedução, quantitativa e qualitativa, do Litígio em juízo, formando a Lide, sendo que, em

verdade, sua participação se circunscreve aos limites fixados pelo autor na sua demanda398.

393 Conferir em: FAZZALARI, Elio. Istituzioni di diritto processuale. Pádua: Cedam, 1975. 394 LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Trad. Maria da Conceição Corte-Real. Brasília: UNB, 1980. 395 PODETTI. J. Ramiro. Teoria y Técnica del Proceso Civil y Trilogia Estructural de la Ciencia del Proceso Civil. Buenos Aires: EDIAR, 1963, p. 335-340. 396 Neste sentido, afirma José Albuquerque Rocha: “Tradicionalmente, costuma-se usar o conceito de ação para designar apenas a situação jurídica do autor, ou seja, fala-se da ação somente em relação á parte que promove o processo. Isto, porém, não é correto. O réu é também titular de uma série de poderes, faculdades e até deveres, que lhe são conferidos pelo ordenamento jurídico para que concretize sua participação no processo e que configuram também um direito à tutela jurisdicional efetiva, ou seja, um direito de ação, só que de caráter negativo. É claro que os poderes, faculdades e deveres do réu não têm o mesmo conteúdo dos poderes, faculdades e deveres do autor. Assim, enquanto o autor tem o poder de pedir a prestação jurisdicional, ao réu cabe o poder de pedir sua rejeição. Mas a diversidade de conteúdo das duas situações jurídicas não nega a tese de que o réu é titular de uma situação jurídica paralela à do autor. Quanto à essência, a situação do réu não é diferente da do autor.” (ALBUQUERQUE ROCHA, José de. Teoria Geral do Processo. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2003, 167). 397 Sobre tais conceitos – ação em sentido positivo e ação em sentido negativo – falaremos mais à frente, quando falarmos, dentro da elementaridade constitutiva da Lide, do seu elemento formal. 398 Muito embora, saibamos que, no caso da reconvenção e do pedido contraposto (no caso dos procedimentos sumário e sumaríssimo e das ações de natureza dúplice), os limites são alterados com a dedução do réu, apesar

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

De qualquer modo, conforme estabelece o Sistema Jurídico-Processual brasileiro e a própria

doutrina processual, o réu, na oportunidade que tem, inicialmente, de demandar (demanda

passiva), traz, na sua resposta ao pedido (pretensão) do autor, à cognição do juízo –

integrando assim a Lide – todas as suas possibilidades de alegações e defesas – tanto a

defesa material, direta e indireta, quanto a defesa processual, dilatória e peremptória.

Nesses termos, consubstanciada está a Lide através da completude399 do processo de

dedução, quantitativa e qualitativa, do Litígio em juízo, formado, tal processo, a partir das

deduções do autor e do réu.

Ademais, conforme estamos a assentir e demonstrar aqui, é a partir de tal

processo de transformação e dedução, quantitativa e qualitativa, do Litígio em juízo,

formando a Lide, agora, no plano jurídico-processual, que se consubstanciam vários outros

importantes institutos – eu diria até institutos fundamentais – da Ciência Jurídico-Processual.

Tal é o caso dos institutos meritum causae – ou o streitgegenstand do processo – do thema

decidendum do juiz, da res judicata, da litispendência, entre outros. Nesse caso, veremos a

formatação de tais conceitos, a partir dessa nova acepção da Lide, mais à frente, quando da

construção teorético-conceptual das instituições e institutos fundamentais da Ciência

Jurídico-Processual a partir da análise distintiva consecutada entre Litígio e Lide. Por hora, é

preciso, apenas, entendermos a importância que tem a construção precisa e específica do

conceito de Lide para a teoria processual, a fim de se evitar as incoerências e congruências

por nós já apontadas na construção de tais institutos jurídico-processuais.

de que, num desses casos (na reconvenção), em verdade, o que ocorre é a formação de uma nova Lide, agora, agregada, à Lide anterior. 399 Neste sentido de completude da formação da Lide, a partir da participação efetiva do autor e do réu (o que chamamos aqui de demanda ativa e demanda passiva), é válido lembrarmos o conceito que Liebman deu à Lide, reformulando-o dos caracteres sociológicos que, segundo ele, Carnellutti empregou para a formação da sua teoria, in verbis: “Observamos já que o pedido que forma objeto dum processo de cognição admite necessariamente, pela própria essência de sua estrutura lógica, a possibilidade de dois resultados opostos. O juiz pode declarar procedente o pedido, dando ganho de causa ao autor; e pode, também, declará-lo improcedente, dando assim a vitória ao réu. Tudo depende dos resultados do estudo e do exame da causa. Naturalmente, a improcedência do pedido do autor equivale à procedência da contestação do réu, que pediu a rejeição da ação proposta. Pedido e contestação representam dois pedidos em conflito e a função do juiz consiste, justamente, em julgar qual dos dois é conforme ao direito, concedendo ou negando, em conseqüência, a medida requerida pelo autor. (...) Este conflito de interesses, qualificado pelos pedidos correspondentes, representa a lide, ou seja, o mérito da causa. A lide é aquele conflito, depois de moldado pelas partes, e vazado nos pedidos formulados ao juiz.” (LIEBMAN, Enrico Tullio. Estudos sobre o processo civil brasileiro. São Paulo: Bestbook, 2001, p. 101-102.)

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Por fim, fala-se em Lide como a componente conteudística e objetiva da

relação jurídico-processual resultante do processo de transformação e dedução, quantitativa

e qualitativa, do Litígio em Lide, posto que é nesta que reside a matéria principaliter que

será objeto de cognição e decisão do juízo. Daí ser ela, a Lide, o conteúdo e o objetivo

(finalidade) do processo, da relação jurídico-processual, numa verdadeira relação de

continência. Isso porque, conforme veremos adiante, a relação jurídico-processual forma um

complexo de juridicidade, onde existem elementos constitutivos subjetivos e objetivos400,

sendo a Lide, assim, a componente elementar objetiva desta relação que ocorre no plano

processual, entre autor, réu e juiz (o actus trium personarum).

Destarte, em síntese, por tudo o que vimos aqui, a Lide, tendo em vista

todas essas considerações de ordem de definibilidade e conceituação, é um conceito-

categoria jurídico-processual – uma construção da Teoria Geral do Processo e, por assim ser,

da Ciência Jurídico-Processual – que, teórico-termino-conceptualmente, segundo critérios e

variáveis de ordem, estritamente, jurídico-processual, podemos defini-la como sendo a

resultante conteudística e objetiva da relação jurídico-processual que é obtida a partir do

processo de transformação e dedução, quantitativa e qualitativa – numa palavra, da

demanda – do conflito intersubjetivo de interesses – potencial ou efetivo – qualificado pela

pretensão de um dos sujeitos e pela resistência do outro o qual emerge, desenvolve-se,

transforma-se e, por fim, extingue-se, na teia social de relações, tendo em vista certos

fatores variantes de ordem sócio-psico-jurídico-político-econômica e interpessoais que ocorre

na realidade, isto é, o Litígio, e partir da qual se identifica, se delimita e se define o meritum

causae – ou o objeto litigioso do processo (streitgegenstand) ou a res in iudicium deductae –

e, por conseguinte, o thema decidendum do processo e objeto principaliter da cognição do

juiz, entre outros institutos (conceitos) processuais como o da res judicata, o da

litispendência, o de partes, e etc. Tal é o conceito de Lide, por certo, muito importante e

400 Neste sentido, cf.: NEVES, Celso. Estrutura fundamental do processo civil: tutela jurídica processual, ação, processo e procedimento. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 207-218.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

com muitas implicações, nestes termos, para a teoria jurídico-processual e, por assim ser,

para a Ciência Jurídico-Processual.

Visto isso, passemos, agora, à análise das variáveis da elementaridade

constitutiva da Lide.

4.3.2 – Lide: elementaridade constitutiva.

Por sua vez, agora sob o prisma teórico-conceptual da elementaridade

constitutiva, temos que a Lide, enquanto instituto (e conceito-categoria) de ordem,

estritamente, jurídico-processual que é, apresenta os seguintes elementos constitutivos, que,

por certo, delineiam e delimitam o seu campo de significação semântico e teórico-

conceptual: o elemento subjetivo (constituído pelas partes – sujeito ativo e sujeito passivo);

o elemento objetivo (constituído pela pretensão processual – Rechtsschutzanspruch –

consubstanciada no pedido – Antrag – e na causa de pedir – Sacherverhalt – que são

formuladas pelo autor); o elemento causal (constituído pela demanda – Klageantrag); o

elemento material (constituído pelo Litígio – efetivo ou potencial) e o elemento formal

(constituído pela Ação em sentido positivo – consubstanciada na causa petendi e no petitum

do autor – e pela Ação em sentido negativo – consubstanciada na causa excipiendi e na

contestatio do réu).

First of all, antes de iniciarmos o estudo da elementaridade constitutiva do

instituto da Lide, é necessário salientarmos ainda que muitos desses elementos constitutivos,

conforme veremos mais adiante, consubstanciam e formam os componentes da própria

relação jurídico-processual que se forma a partir do processo de dedução do Litígio em juízo,

formando a Lide. Assim, por exemplo, o elemento subjetivo da Lide – as partes – forma o

elemento subjetivo da própria relação jurídico-processual; por sua vez, o elemento causal da

Lide – a demanda – delimita e circunscreve o meritum causae e o objeto de cognição do

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

juízo, entre outros. Daí a importância, também, da definição e delimitação precisa, apurada e

específica do conceito de Lide. Aliás, como já afirmamos outrora, na verdade, há um nítido

eixo de congruência entre os elementos da teoria da ação, os elementos da teoria do

processo e os elementos da teoria da Lide e do Litígio, nos termos aqui consecutados.

Vejamos, então, os elementos constitutivos da Lide.

a) Elemento subjetivo:

In limine, é de se assentir, categoricamente, que o elemento subjetivo da

Lide é composto pelo que a dogmática jurídico-processual tradicional denomina de partes.

Partes essas que compõem, cada uma, um dos pólos ativo e passivo da relação jurídico-

processual que é formada a partir da dedução do Litígio em juízo, formando a Lide; daí se

falar em sujeito ativo – o autor da ação em sentido positivo – e em sujeito passivo – o réu,

demandante da ação em sentido negativo. Inobstante isso, conforme veremos agora, não há

uma necessária coincidência entre os sujeitos da relação litigiosa material e os sujeitos da

Lide que compõem, assim, os pólos ativo e passivo da relação jurídico-processual.

Na realidade, o que ocorre é que, por ser a Lide, deduzida e formada a

partir do Litígio que ocorrera na realidade social, muitas vezes os sujeitos contendedores –

que a doutrina chama de partes ou sujeitos em sentido material – do Litígio, coincidem com

os sujeitos da relação, agora, jurídico-processual. Aliás, quase sempre é assim, ou seja,

quase sempre há essa coincidência entre os sujeitos – os sujeitos do Litígio (indivíduo ou

grupo) e os sujeitos da Lide (as partes: autor e réu), muito embora essa coincidência não

seja necessária. Isso porque, conforme entende majoritariamente, hoje401, a dogmática

jurídico-processual, “o conceito processual de parte há de vincular-se, estritamente, à

estrutura subjetiva do processo, independentemente da existência da pertinência subjetiva 401 Digo hoje porque até se chegar a essa noção muitas discussões e polêmicas foram travadas na doutrina processual. No caso, como tal não é nosso objeto central de estudo, importa, neste momento, sabermos qual é hoje a definição exata que os processualistas têm do conceito de parte. E, no caso, essa, acima, é a definição.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

da relação de direito material, nele deduzida”402. Ou seja: é parte aquele que pede a

prestação da tutela jurídica processual e aquele em face de quem é ela demandada, não

sendo necessária, então, a coincidência entre os sujeitos da relação jurídico-material litigiosa

e os sujeitos da relação jurídico-processual403. Neste mesmo sentido e aludindo, também, à

não necessidade de coincidência dos elementos objetivos da relação jurídico-processual com

os elementos da relação material litigiosa que ocorrera no plano factual, complementa

CELSO NEVES, in verbis404:

À determinação dos elementos objetivos do processo é indiferente, portanto, a res in iudicium deductae, a ele preexistente, não obstante referir-se a essa a tutela processual pretendida. Por isso a determinação do objeto da relação jurídica deduzida em juízo não predetermina o objeto do processo, tal como os elementos subjetivos daquela não predeterminam os destes. Neste sentido, a relação direito-processo existe, pela instrumentalidade deste em relação àquele, mas não se confunde com a relação jurídica processual (grifos nossos).

PIERO CALAMANDREI, citado por DINAMARCO405, no mesmo sentido,

assim assente:

Confirma-se que a parte é sempre um sujeito do processo e a condição de sujeito do processo é, em si mesma, dado suficiente para qualificar a pessoa como parte. É a melhor doutrina que ‘’as partes como sujeitos da relação processual não devem ser confundidas nem com os sujeitos da relação substancial controvertida, nem com os sujeitos da ação: se freqüentemente essas três qualidades coincidem, na medida em que o processo se instaura precisamente entre os sujeitos da relação substancial controversa (legitimados a agir e a defender-se em relação a esta), pode acontecer que a demanda seja proposta por quem (ou contra quem) não seja na realidade interessado na relação substancial controversa ou não legitimado à ação ou à defesa’ (grifos nossos).

402 NEVES, Celso. Estrutura fundamental do processo civil: tutela jurídica processual, ação, processo e procedimento. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 211. 403 Tanto é assim que, na nossa sistemática processual, temos vários exemplos onde o sujeito da relação jurídico-processual, na verdade, está em juízo representando o interesse do sujeito da relação jurídico-material litigiosa. Tais são, por exemplo, os casos em que o Ministério Público atua como parte, representando os interesses de outrem. Do mesmo modo, os sindicatos e associações que agem como “substitutos processuais”. 404 Ibidem., p. 217. 405 DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio. 7. ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 26.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Por outro lado, ainda com relação ao elemento subjetivo da Lide, é

importante destacarmos, também, que a dogmática jurídico-processual tradicional ainda

assente, categoricamente, que na relação jurídico-processual é necessário distinguirmos os

conceitos de parte do conceito de sujeitos do processo. As partes, como vimos, são autor

(aquele que pede em juízo proteção jurisdicional para o seu direito) e réu (aquele em face

de quem esta proteção jurisdicional é pleiteada). Mas tais partes não se encontram sozinhas

na relação jurídico-processual que se constitui a partir da dedução do Litígio em juízo. Ao

contrário, agem, elas, na dialética processual, sempre por intermédio da figura do juiz (por

isso a Teoria Angular de KONRAD HELLWIG) e daí que é nesse agir de partes mais juiz que

se consubstancia um complexo de juridicidade composto de deveres, poderes, faculdades,

ônus e responsabilidades recíprocos. É exatamente por isso que os romanos falavam que

“Iudicium est actus trium personarum: iudicis, actoris e rei”. Em assim sendo, autor, réu e

juiz constituem sim os sujeitos da relação jurídico-processual (do processo), sendo aqueles

dois – autor e réu – os sujeitos parciais (partes) e este, o juiz, o sujeito imparcial desta

relação406. Por último, alguns processualistas – como JOSÉ FREDERICO MARQUES407, por

exemplo – falam ainda em sujeitos secundários da relação jurídico-processual. Tais seriam

os auxiliares da justiça, o Ministério Público, os advogados, defensores, procuradores e

etc408.

406 Corroborando tudo isso, afirma-nos Celso Neves: “Do exposto resulta a distinção feita pela doutrina processual e pelas legislações entre subjetivação processual e o conceito de parte, aquela abrangente da figura do juiz, enquanto este alcance, apenas, as pessoas dos litigantes.” (NEVES, Celso. Estrutura fundamental do processo civil: tutela jurídica processual, ação, processo e procedimento. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 215-216. 407 Cf. MARQUES, José Frederico. Instituições de Direito Processual Civil. rev. atual. compl. Campinas: Millenium, 1999, v. II, p. 89. 408 Resumindo tudo isso, assim afirma-nos Cândido Rangel Dinamarco, in verbis: “Sujeitos processuais são todas as pessoas que figuram como titulares das situações jurídicas ativas e passivas integrantes da relação jurídica processual. Ser sujeito do processo é ser titular dessas faculdades, ônus, poderes, deveres, autoridade ou sujeição. Só os sujeitos processuais, entre os quais o juiz, as partes e os auxiliares da Justiça, são legitimados a realizar os atos do processo, ao longo do procedimento. Há sujeitos processuais parciais (...) e que são as partes e os advogados; e sujeitos imparciais, que são os juízes (...) bem como todos os auxiliares da Justiça. (...) O juiz e as partes dizem-se sujeitos principais, porque são estas as pessoas envolvidas nos conflitos de interesses trazidos à Justiça e é aquele quem decide a respeito do conflito e dirige o processo. São sujeitos secundários o advogado, que representa as partes, e os auxiliares da Justiça, subordinados ao juiz” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 198.).

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Assim, por tudo visto, o elemento subjetivo da Lide é constituído pelas

partes em sentido processual (autor e réu) as quais, por sua vez, constituem os sujeitos

parciais da relação jurídico-processual. In casu, como já salientamos atrás, é muito

importante a definição e delimitação desses elementos subjetivos, posto que é sobre eles

que irão recair os efeitos do instituto da res judicata. Em assim sendo, ao contrário da

identificação dos elementos subjetivos do Litígio que tem como função, apenas, “o

fornecimento dos dados iniciais para uma possível resolução, sociológica, do conflito social”,

conforme afirmamos, a identificação dos elementos subjetivos da Lide – e, por conseguinte,

da relação jurídico-processual – tem uma função essencial dentro desta relação processual,

qual seja, a de delimitar o alcance subjetivo dos efeitos da decisão judicial e, por

conseguinte, da coisa julgada.

b) Elemento objetivo:

Por sua vez, como apresentamos no diagrama retro, o elemento objetivo

da Lide – isto é, o elemento que está diante das partes e do juiz e que faz nascer a Lide e

que, por assim ser, a compõe e delimita objetivamente – é constituído pelo que a moderna

dogmática jurídico-processual, a partir dos alemães – sobretudo de ADOLF WACH409 –

denominou de Pretensão Processual (ou Rechtsschutzanspruch).

A Pretensão Processual (sobre a qual nos deteremos,

pormenorizadamente, mais adiante, quando discorrermos sobre o meritum causae e o

streitgegenstand do processo) nada mais é do que a componente objetiva da Lide que se

delineia e se identifica a partir da dedução do conflito social em juízo; isto é, a partir da

dedução do conflito intersubjetivo de interesses, qualificado pela pretensão de um e pela

resistência do outro, tendo em vista um determinado bem jurídico, em juízo. Por quê?

Porque a pretensão processual é a exigência que o autor da demanda, no plano jurídico- 409 Cf. WACH, Adolf. Handbuch des deutschen Zivilprozessrechts. 1885.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

processual (não no plano da vontade, pois, se não, seria a pretensão material – a Anspruch)

faz a fim de que o seu interesse jurídico se sobreponha ao interesse jurídico da parte ex-

adversa. Em outras palavras, a Rechtsschutzanspruch é uma pretensão à tutela jurídica que

é formulada pelo autor, ou, em alguns casos, também pelo réu, a fim de que se conceda a

tutela jurídica processual para a resolução da situação jurídica por eles vivenciada. E é,

tendo em vista, tal polarização, entre autor e réu, que se configura a Lide.

Por assim ser, conforme se verá adiante, a Pretensão Processual, como

elemento objetivo da Lide que o é, constitui, em si, o próprio objeto litigioso da relação

jurídico-processual (isto é, do processo); ou seja, constitui em si, a pretensão processual, o

que os alemães chamam de streitgegenstand (objeto litigioso do processo) e o que os

italianos chamam de meritum causae (mérito da causa) e que será objeto, assim, da

cognição e decisão do juiz.

Sobre o conteúdo desta, apesar das grandes discussões e vacilações da

doutrina, tem-se que a Pretensão Processual é formada (e veiculada, eu diria) pelo pedido

do autor – o que os alemães chamam de Antrag – associado que é, este, ao suporte fáctico-

causal e jurídico da sua demanda – em outros termos, associado, tal pedido, ao que

denominamos de causa petendi remota e próxima ou, na linguagem alemã, ao

Sacherverhalt.

Por último, é de se destacar, também, que o bem jurídico objeto do Litígio

e que, como vimos, constitui o seu elemento objetivo, é de fundamental importância para a

definição do objeto da Lide, até porque a pretensão do autor se manifesta em dois planos,

quais sejam, no plano processual (a rechtsschutzanspruch) e no plano material (a anspruch)

e tem como objetivo específico a procedência do seu pleito com relação a tal bem jurídico.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

c) Elemento causal:

Com relação ao elemento causal da Lide, isto é, com relação ao elemento

que dá ensejo à formação e constituição da componente objetiva e conteudística da relação

processual – a Lide processual – temos que, pelo que foi visto até então, esta se forma a

partir do elemento que se denomina, tecno-processualmente, na dogmática jurídico-

processual, de demanda (o Klageantrag, da doutrina alemã). E esta, a demanda, conforme,

pormenorizadamente, já vimos e demonstramos, nada mais é do que o processo de

transformação e dedução, quantitativa e qualitativa, que ocorre para a formação da Lide

processual a partir do Litígio social.

Em assim sendo, a demanda é o elemento causal da Lide, pois esta, como

se demonstrou, somente é constituída, a partir do Litígio, se houver tal processo de dedução

em juízo, até porque, como sabemos da sistemática do direito processual brasileiro e da

maioria dos paises ocidentais, pelo principio da inércia da jurisdição, impede-se e é vedado

que o órgão judiciário ex officio instaure as Lides processuais. Daí os enunciados de base

romanista “Ne procedat judex ex officio” e “Nemo judex sine actore”.

Ademais, ainda sobre o elemento causal da Lide – a demanda – lembremo-

nos de que podemos vislumbrá-la sob dois prismas nitidamente distintos, porém

complementares, quais sejam: o prisma do autor – daí falarmos em demanda ativa – e o

prisma do réu – daí falarmos em demanda passiva. Isto é: a Lide se configura na ação do

autor e na reação do réu. Eis, aí, o seu elemento causal.

d) Elemento material e formal:

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Por último, ainda dentro dessa análise da elementaridade constitutiva do

instituto da Lide, falemos, agora, dos seus elementos material e formal. Vejamo-los: primeiro

o elemento material – o Litígio – e, depois, o elemento formal – a Ação em sentido positivo

(petitum/causa petendi) versus a Ação em sentido negativo (contestatio/causa excipiendi).

Pois bem. Por ser a Lide a resultante conteudística e objetiva do processo

de dedução, quantitativa e qualitativa, do Litígio em juízo, evidentemente, que, neste, está

configurada a sua elementaridade material e factual, pois, o Litígio, pelo que temos visto até

então, como conflito intersubjetivo que ocorrera no plano social, pré-processual, constitui o

suporte fáctico-causal e material da Lide, porque, ora, peremptoriamente, tudo o que ocorre

na dialética da relação jurídico-processual entre as partes nela envolvida, tem em vista,

mesmo que num plano estritamente formal e lógico-jurídico (com todas as ficções e

suposições inerentes ao sistema de normas), a materialidade dos fatos que ocorreram na

sociedade, no plano factual. Isso tanto no âmbito da processualística extrapenal, quanto no

âmbito da processualística penal. Assim, é a partir do Litígio que se deve buscar todos os

elementos e componentes do seu respectivo corolário em juízo, qual seja, a Lide.

Por sua vez e de outro modo, o elemento formal da Lide é composto pela

Ação em sentido positivo, deduzida pelo autor, e a Ação em sentido negativo, deduzida pelo

réu410. Isso porque, na relação jurídico-material que ocorrera no plano factual e a partir da

qual se originou o Litígio, os sujeitos contendedores atuam, em verdade, no plano da

vontade e, concretamente falando, um contra o outro. Daí porque se fala em conflito

intersubjetivo de interesses qualificado pela pretensão de um e pela resistência do outro. Daí

porque se fala, também, ainda na linguagem carneluttiana, em pretensão como sendo a

exigência de subordinação do interesse alheio ao interesse próprio e em resistência como

sendo a não-adaptação a esta exigência de subordinação de interesse. Pois bem. Com a

dedução de tal relação jurídico-material litigiosa (o Litígio) em juízo, formando-se, assim, a 410 Sobre tais conceitos – Ação em sentido positivo e Ação em sentido negativo – lembremo-nos da asserção de José Albuquerque da Rocha, por nós aqui já citada na página 240. Conferir também: ALBUQUERQUE ROCHA, José de. Teoria Geral do Processo. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2003, 167.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Lide, os sujeitos contendedores – agora, partes da Lide e, por conseguinte, da relação

processual – passam a atuar não no plano estritamente da vontade, mas no plano jurídico-

lógico-formal-processual. E, em assim sendo, essa atuação se faz, não mais por meios

aleatórios e factuais (como a simples exigência ou resistência do plano da vontade), mas por

meio do instrumental judiciário que a própria sistemática do processo estatui para que o juiz

possa, assim, dizer o direito no caso concreto. Por isso, a possibilidade de demanda do autor

– através do seu direito de ação (ação em sentido positivo) e, também, a possibilidade de

defesa do réu – através do seu direito de negativa à ação do autor (ação em sentido

negativo). Tudo isso num plano eminentemente formal, lógico e jurídico-processual. Daí

porque o autor, formalmente, através da sua Actio, pede, isto é, veicula a sua pretensão (tal

o petitum), fundamentado em um suporte fáctico-causal e jurídico (tal a causa petendi) e o

réu, por sua vez, também formalmente, defende-se, isto é, apresenta a sua Exceptio,

veiculada em sua contestatio e fundamentada na sua defesa material e processual (tal a

causa excipiendi). Eis, formalmente, constituída a Lide.

Muito bem, visto isso, vejamos, agora, a Lide sob o prisma da

caracterização principiológico-estrutural.

4.3.3 – Lide: caracterização principiológico-estrutural.

De acordo com o diagrama representativo da Lide que apresentamos

anteriormente, agora tendo em vista o matiz teórico-conceptual da caracterização

principiológico-estrutural, temos que a Lide enquanto instituto, conceito-categoria, de ordem

estritamente jurídico-processual que é, conforme pudemos analisar, apresenta os seguintes

caracteres principiológicos estruturais: trata-se de um instituto jurídico-processual, assim

como também, de um verdadeiro suposto processual, de natureza jurídico-processual stricto

sensu e referibilidade intrínseca ao fenômeno processual, e, por assim ser, um elemento

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

endoprocessual, de composicionalidade sincategoremática – posto que se trata de um

fenômeno cuja existência depende de um outro requisito, qual seja, a formação da relação

jurídico-processual – constituindo, assim, um conseqüente jurídico-processual necessário do

fenômeno litigioso que ocorrera na realidade social e que foi deduzido em juízo,

caracterizado, essencialmente, por uma relação sinalagmática entre parte e o Estado-Juiz ou

partes e o Estado-Juiz, nos exatos termos da concepção da Teoria Angular da relação

jurídico-processual, formulada por KONRAD HELLWIG, nos exatos e específicos termos

adiante explicitados. Vejamos, então.

a) Instituto jurídico-processual:

Conforme propomos e demonstramos na introdução do presente trabalho

de pesquisa científico-jurídica – e aliás, relembramos tal asserção, quando do estudo e

análise do instituto do Litígio – o termo instituto aparece aqui como designador

(denominador) de uma determinada unidade sistemática (micro) de conhecimento jurídico-

científico que é formatada a partir de um processo de generalização e categorização teórico-

conceitual e que pertence, por assim ser, a um determinado sistema de conhecimento

jurídico-cientifico. No nosso caso, estamos a estudar e analisar institutos do sistema de

conhecimento cientifico jurídico-processual, isto é, institutos da denominada Ciência

Dogmática Jurídico-Processual411.

Pois bem. Desse modo, a Lide, enquanto elemento de ordem estritamente

jurídico-processual que é obtido a partir da dedução do dado factual – o Litígio – em juízo e

que, por assim ser, pertence e interessa à teoria jurídico-processual e, por conseguinte, à

Ciência Dogmática Jurídico-Processual, constitui em si uma unidade sistema de

conhecimento inserida no âmbito de tal teoria e ciência do processo. 411 Para ficar bem claro as noções distintivas por nós estabelecidas entre instituição jurídico-processual, instituto jurídico-processual, categoria jurídico-processual, Ciência Zetética Jurídico-Processual e Ciência Dogmática Jurídico-Processual remetemos o leitor, mais uma vez, ao intróito do presente trabalho (cf. p. 17, notas 1 e 2).

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

In casu, do mesmo modo que o instituto do Litígio, o instituto da Lide,

como unidade sistemática de conhecimento que é para a teoria jurídico-processual e, por

conseguinte para a Ciência Dogmática Jurídico-Processual, trata-se de uma unidade micro de

conhecimento sobre o processo que tem como dado de apreensão e cognição para a sua

formatação teórica e conceitual o fenômeno litigioso (Lidegioso) que ocorre no plano

estritamente da relação jurídico-processual. Como vimos, tal dado se consubstancia no que

denominamos de objeto litigioso do processo (o streitgegenstand do processo), onde se

veicula a pretensão processual (rechtsschutzanspruch: antrag + sacherverhalt) e material

(anspruch) do autor da demanda.

Destarte, em conclusão, ser a Lide, enquanto unidade sistemática de

conhecimento, isto é, enquanto instituto, um instituto de ordem jurídico-processual.

b) Suposto Processual:

Assim também, a Lide, nesse mesmo prisma de caracterização

principiológico-estrutural, trata-se, segundo os postulados da teoria jurídico-processual dos

pressupostos processuais – sobretudo a partir das inovações que o processualista da Escola

Processual de São Paulo, CELSO NEVES412, consecutou na teorização do processualista

alemão OSKAR VON BÜLLOW, responsável pela elaboração de tal teoria dos pressupostos

processuais – de um suposto processual. Em que termos? Vejamos.

Segundo pudemos observar quando da análise teórico-conceptual e

histórico-descritiva dos termos sub examen, Litígio e Lide, o jurista alemão OSKAR VON

BÜLLOW, na sua obra inspiradora e inauguradora do denominado processualismo científico,

qual seja, a “Teoria das exceções processuais e os pressupostos processuais” – obra essa

que foi escrita e publicada no ano de 1868, quando o eminente processualista ensinava na

412 Cf. NEVES, Celso. Estrutura fundamental do processo civil: tutela jurídica processual, ação, processo e procedimento. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.

254

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Universidade de Giessen – expõe a revolucionária tese de que, com o ajuizamento da ação

(o Klagerecht, deles), através da demanda (Klageantrag), e a conseqüente formação do

processo, ao contrário do que se pensava e afirmava até em então, na dogmática jurídica

alemã, estabelecia-se uma nova relação jurídica – agora, entre as partes e o Estado-juiz –

independente e diferente da relação jurídica material que fora quebrada, no plano factual, e

que, portanto, deu origem ao conflito (Litígio), este, agora, deduzido em juízo (Lide). A tal

relação jurídica, BÜLLOW denominou de relação jurídico-processual e com isso – com a

adoção de tal tese pela dogmática jurídico-processual – passou-se a se dar o mesmo valor e

status jurídico às normas que disciplinavam tanto a relação que ocorria no plano factual e

social – a relação jurídico-material – quanto às normas que disciplinavam, agora, a relação

que ocorria no plano processual – isto é, a relação jurídico-processual.

Mas mais do que isso, a grande contribuição à ciência processual – que,

por certo, nascia naquele momento – que consecutou BÜLLOW, foi a de que o juiz, antes de

julgar a “materia litigiosa civil”413 (matéria essa que era objeto da relação que ocorrera no

plano social: a relação jurídico-material), deveria julgar, em primeiro plano, como uma

conditio sine qua non do processo que se formara a partir dela, não as matérias pertinentes

a tal relação jurídico-material, mas as matérias e conteúdos pertinentes, neste momento a

priori, à relação jurídica que se formara no novo plano, o plano processual; isto é,

pertinentes ao que ele denominou de relação jurídico-processual que, agora, formara-se com

a dedução daquela, a relação jurídico-material, em juízo. Em outros termos: o juiz,

primeiramente, deve julgar se estão presentes – na relação jurídico-processual – o que ele,

tecnicamente, e utilizando uma terminologia adequada414, denominou de pressupostos

413 BÜLLOW, Oskar Von. La Teoria de las Excepciones Procesales y los Presupuestos Procesales. Tradução de Miguel Angel Rosas Lichtschein. Buenos Aires: EJEA, 1964, p. 5. 414 Adequada porque preferiu utilizar a expressão pressupostos processuais à exceções processuais, posto que, para ele, as exceptio, em linhas gerais, tinham a mesma natureza jurídica que as actio. Vejamos o que ele diz, neste sentido: “A causa de la refutación de la teoría de las excepciones procesales se há ganado, ante todo, la seguridad de que la institución de la exceptio, lo mismo que la de la actio, pertenecen, por su contenido, al derecho material exclusivamente.” (Ibidem., p. 252).

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

processuais415, pois sem a existência e observância dos mesmos, o processo – a relação

jurídico-processual – não haveria de ter se constituído e desenvolvido de modo válido e

regular. Estava, assim, formada e delineada a teoria dos pressupostos processuais416.

A partir daí, tal teoria foi adotada e, evidentemente, aprimorada pela

dogmática jurídico-processual, de modo que, hoje, temos que o juiz só pode julgar o

meritum causae, o objeto litigioso do processo (streitgegenstand) se presentes tais

pressupostos417, até porque, sem a presença de alguns desses requisitos constitutivos, há

quem defenda que nem processo há, mas mero fato – por isso se fala em pressupostos de

existência e pressupostos de validade da relação jurídico-processual418.

In casu, embora a grande variação (e eu diria até, vacilação) da doutrina

em identificar e determinar o conteúdo dos pressupostos processuais419, temos que tais

415 Neste sentido, ele assim afirmou, in verbis: “Con los grupos mencionados de requisitos procesales – los presupuestos procesales – se añade a la relación litigiosa sustancial existente en el proceso (la llamada merita causae) una materia de debate más amplia y particular. El tribunal no solo debe decidir sobre la existência de la pretensión jurídica em pleito, sino que, para poder hacerlo, también debe cerciorarse si concurren las condiciones de existência del proceso mismo: además del supuesto de hecho de la relación jurídica privada litigiosa (de la res in iudicium deducta [cosa deducida em juicio (o llevada a juicio)]), tiene que comprobar si se da el supuesto de hecho de la relación jurídica procesal (del iudicium).” (Ibidem., p. 6-7). 416 Nestes termos, o processualista Carreira Alvim, assente, in verbis: “O processo como conceito pode existir na mente de qualquer um, mas, para que ele existe concretamente no mundo dos fatos impõe a lei o preenchimento de certos requisitos, sem os quais não existirá. A estes requisitos, a doutrina convencionou chamar de pressupostos processuais de existência. Embora existente o processo, pode acontecer que lhe faltem elementos indispensáveis à sua validade. Além de existir, o processo deverá ser válido e nele estarem presentes certos requisitos que lhe garantam eficácia. A estes requisitos, convencionou a doutrina chamar de pressupostos processuais de validade.” (CARREIRA ALVIM, J. E. Teoria Geral do Processo. 9. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 175-176). 417 Daí se falar em condições de admissibilidade do julgamento da lide (pressupostos processuais, mais as condições da ação), conforme veremos adiante. 418 Com este entendimento, afirma Carreira Alvim, in verbis: “Não é possível que exista um ‘processo’ sem a existência de um órgão estatal investido de jurisdição, incumbido de compor os conflitos de interesses. Da mesma forma, não é possível existir ‘processo’ sem a existência de partes (autor e réu). Não haverá processo se alguém não se dirigir a um órgão jurisdicional, pedindo a tutela do direito em face de outrem (nem iudex sine actore).” (Ibidem., p. 176). Inobstante isso, há quem defenda, como Ernane Fidélis dos Santos, que não existem pressupostos de existência do processo, mas, tão-somente, pressupostos de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo. Vejamos o que ele nos diz, neste sentido, in verbis: “O juiz, para solucionar o litígio, em primeiro lugar, examina se o processo se formou validamente. A prestação jurisdicional propriamente dita só é alcançada através de processo válido. A validade do processo não se confunde com sua existência. Mesmo o processo inválido se forma e tem existência, a ponto de o juiz não estar isento de pronunciar a própria invalidade nele ocorrida. Existem, pois, pressupostos de validade do processo e não pressupostos de sua existência. Pressupostos processuais são, pois, requisitos necessários à constituição e desenvolvimento válidos e regulares do processo.” (SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil: Processo de Conhecimento. 10. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2003, v. I, p. 34-35). 419 Neste sentido, afirma-nos Kazuo Watanabe: “No tocante aos pressupostos processuais, Cintra, Grinover e Dinamarco sustentam concepção restritiva: ‘a doutrina mais autorizada – dizem eles – sintetiza esses requisitos nesta formula: uma correta propositura da ação, feita perante uma autoridade jurisdicional, por uma entidade capaz de ser parte em juízo’. Reduzem a apenas três os pressupostos processuais: a) um pedido; b) a capacidade de quem formula; c) a investidura do destinatário do pedido, ou seja, a qualidade de juiz. Acolhem, nessa

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

pressupostos, numa síntese bem elaborada por CARREIRA ALVIM420, revelam-se nos

seguintes termos:

a) Pressupostos Processuais de Existência:

a.1) Pressupostos Processuais de Existência Subjetivos: partes e juiz. Pois,

“não pode haver processo sem a existência de autor, juiz e réu, porque segundo a

concepção dominante, a relação jurídico-processual (processo) é um vínculo (no mínimo)

entre esses três sujeitos”421;

a.2) Pressupostos Processuais de Existência Objetivo: a Lide. Pois “o

processo existe para resolver a lide, para solucionar o conflito de interesses travado entre os

litigantes.”422.

b) Pressupostos Processuais de Validade:

b.1) Pressupostos Processuais de Validade quanto às partes: as partes têm

que ter capacidade de ser parte (capacidade de ser titular de direito), capacidade de estar

em juízo (capacidade processual – legitimatio ad processum – de praticar, por si só, atos

processuais) e capacidade postulatória (para postular em juízo).

b.2) Pressupostos Processuais de Validade quanto ao juiz: competência

(jurisdição) e imparcialidade (ausência de impedimento e suspeição)423.

colocação, a doutrina de Calmon de Passos, que é apoiada por Bueno Vidigal. Autores há, porém, que preferem ampliar o elenco dos pressupostos processuais, como ocorre com Galeno Lacerda, Moacyr Amaral Santos, Lopes da Costa, Waldemar Mariz de Oliveira Jr., Frederico Marques prefere falar, simplesmente, em ‘pressupostos para a composição da lide e entrega da prestação jurisdicional, visto que – sustenta o renomado publicista – ainda que faltem alguns desses pressupostos, nem por isso deixa o processo de caminhar para diante, ainda que sem atingir, muitas vezes, a sua fase final’, e diz que ‘todos eles, em última análise, não passam de pressupostos de admissibilidade da tutela jurisdicional para a composição da lide’. Botelho de Mesquita também opta por elenco mais amplo.” (WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 2. ed. atual. Campinas: Bookseller, 2000, p. 75). 420 CARREIRA ALVIM, J. E. Teoria Geral do Processo. 9. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 181. 421 Ibidem., p. 176. 422 Ibidem, p. 177. 423 Na verdade, preferimos falar em pressupostos processuais quanto ao JUIZ e quanto ao JUÍZO, porque este há de ser competente, ter medida de jurisdição e aquele, por sua vez, há de ser imparcial, isto é, não pode ser nem impedido, nem suspeito. Fazemos essa distinção, pois, do ponto de vista lógico-jurídico, a competência é um

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

b.3) Pressupostos Processuais de Validade quanto à lide: originalidade, isto

é, ausência de litispendência e ausência de coisa julgada.

Pois bem. Esses são os pressupostos processuais nos termos em que a

dogmática jurídico-processual moderna assente. Mas, conforme chegamos a afirmar, a Lide,

nos termos da construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual, que estamos a

consecutar, trata-se de um suposto processual e não um pressuposto processual. Por que

isso, então? Em que termos, já que, como vimos acima, a teoria assente fala em

pressupostos do processo? Bem, vejamos.

O eminente processualista CELSO NEVES, analisando a teoria dos

pressupostos processuais formulada por OSKAR VON BÜLLOW, e adotando, a partir desta,

uma concepção singular dos requisitos necessários para a constituição e validação da relação

jurídico-processual, assente que, na verdade, existem os pressupostos de existência de tal

relação e o supostos de tal relação, esses, já, no plano da validade e não da existência da

mesma.

Assim, ele resume essa sua tese, in verbis424:

A cognição alcança, pois, desde o momento em que se estabelece a relação jurídica processual, questões atinentes à sua validade, aos requisitos que definem a propriedade da pretensão, em tese, e à solução da lide, segundo uma seqüência natural de prejudicialidade que tem sido enunciada mediante as figuras dos pressupostos processuais, das condições da ação e do meritum causae. Todavia, a nosso ver, pressuposto processual, no sentido próprio de, antecedente lógico-jurídico de que depende a existência da relação jurídica processual, é só o exercício do direito de ação. Com ele o processo passa a existir e os problemas atinentes à sua validade já pertencem ao plano da sua estrutura, não podendo ser considerados como pressupostos seus, mas, isto sim, como supostos de que depende o seu

atributo do órgão e não da persona do juiz. O juiz, apenas, como diria Pontes de Miranda, presenta o órgão, exprime a sua vontade. Se não fosse assim, toda vez que o magistrado fosse removido do órgão judiciário os processos jurisdicionais o acompanhariam, pois a competência seria dele e vincularia. Ora, tal não acontece, pois, peremptoriamente, a competência é do órgão (juízo ou tribunal). Já, por sua vez, os atributos da suspeição e do impedimento são sim inerentes à persona do juiz. Isso se evidencia, facilmente, com a leitura dos incisos dos arts. 134 e 135 do Código de Processo Civil (BRASIL. Código de Processo Civil. Pinto, Antonio Luiz; Windt, Márcia Cristina Vaz dos Santos e Céspedes, Lívia. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 44-45). 424 NEVES, Celso. Estrutura fundamental do processo civil: tutela jurídica processual, ação, processo e procedimento. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 199.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

desenvolvimento ulterior. É no processo já existente que se dá a atividade do juiz tendente à verificar a sua própria competência, in casu, a legitimidade ad processum e da representação de quem exercitou o direito de ação e a inexistência de fatos que excluam a legitimidade desse exercício. Se esses supostos se verificam, volta-se a atividade do juiz para subseqüente ordem de questões, relativas à legitimatio ad causam das partes, à possibilidade jurídica do pedido e ao interesse de agir, já então no âmbito das chamadas condições da ação que, se existentes, abrem ensejo ao exame e solução da lide. A esse teor de considerações, no plano de classificação das questões que tocam ao juiz enfrentar, no processo civil, já não se pode falar em trinômio, mas em quadrinômio: pressuposto processual, supostos processuais, condições da ação e mérito da causa. Restrito o pressuposto processual ao exercício do direito de ação, sem o qual não pode ter existência a relação jurídica processual dispositiva, os supostos processuais envolveriam os requisitos de validade do processo, permanecendo as condições da ação no plano das circunstâncias que tornam possível o exame do mérito (Grifos nossos).

Em verdade, razão assiste a CELSO NEVES ao formular tal tese, posto que,

conforme já afirmara, muito antes (1956), o processualista LOPES DA COSTA, a expressão

pressuposto processual é inadequada semanticamente, pois “pressuposto de uma coisa, de

um fato, de um fenômeno, é uma circunstância prévia que lhe condiciona a existência. Ora,

as qualidades de que se deve revestir o processo não são prévias a ele, não lhe são

externas, mas internas a ele, inseparáveis. Não são pressupostos, são requisitos”425.

Pois bem, a partir dessas concepções – CELSO NEVES e LOPES DA COSTA

– é que nós, nos termos da construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual, que

estamos a consecutar, podemos afirmar que a Lide, destarte, trata-se de um suposto

processual e não um pressuposto processual. Isso porque, no nosso entendimento e como

estamos a demonstrar, a Lide é a componente objetiva e conteudística elementar da relação

jurídico-processual, numa palavra, do processo que é resultante do processo de dedução,

quantitativa e qualitativa, do Litígio em juízo. Assim, como tal, é um requisito, uma conditio

sine qua non, do processo, pois não há processo, isto é, não há relação jurídico-processual,

425 LOPES DA COSTA, Alfredo de Araújo. Manual Elementar de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1956, p. 199.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

sem Lide que a defina e delimite. Pressuposto, na verdade, seria, além do exercício da ação,

como disse CELSO NEVES – exercício esse, consubstanciado na demanda – o Litígio – efetivo

ou potencial – posto que, sem ele, não haveria o que ser deduzido, quantitativa e

qualitativamente, em juízo. Assim sendo, parece-nos superada a idéia que a doutrina coloca

de distinção entre pressupostos de existência e pressupostos de validade do processo. É

mais técnico, lógico e cientifico falarmos em pressuposto processual de existência e supostos

processuais de constituição e desenvolvimento válido e regular. Esses juntos às condições da

ação e o meritum causae (streitgegenstand) constituem o objeto da cognição do juiz,

conforme veremos adiante.

c) Natureza jurídico-processual stricto sensu:

Conforme sabemos e demonstramos quando do estudo e análise do

instituto do Litígio, determina-se a natureza de um objeto através da identificação dos seus

elementos essenciais e constitutivos; ou seja, através da identificação dos elementos que se

requer para a configuração da existência, no plano factual ou teórico, de tal objeto. Assim,

dizíamos: “falar na, na Teoria Geral do Direito, assim como também, na Teoria Geral do

Processo, em natureza jurídica de alguma instituição ou instituto significa falar nos

elementos essenciais e constitutivos que o identificam e que, por assim ser, o inserem num

determinado esquema conceitual do sistema de conhecimento jurídico-científico”426.

Em assim sendo, a Lide, por toda a análise teórico-conceptual que estamos

a consecutar e demonstrar, sobretudo tendo em vista a sua elementaridade conceitual e

constitutiva, isto é, por ser, ela, um conceito-categoria jurídico-processual – uma construção

da Teoria Geral do Processo e, por assim ser, da Ciência Jurídico-Processual – que, teórico-

426 Para um melhor entendimento sobre esses termos, remetemos novamente o leitor para as seguintes leituras, cf.: BIELSA, Rafael. Los conceptos jurídicos y su terminologia. 3. ed. aum. Buenos Aires: Depalma, 1993, p. 70 e CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do Direito. Tradução de Frederico A. Paschoal. Campinas: Bookseller, 2002, p. 63/64.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

termino-conceptualmente, segundo critérios e variáveis de ordem, estritamente, jurídico-

processual, podemos defini-la como sendo a resultante conteudística e objetiva da relação

jurídico-processual que é obtida a partir do processo de transformação e dedução,

quantitativa e qualitativa – numa palavra, da demanda – do conflito intersubjetivo de

interesses – potencial ou efetivo – qualificado pela pretensão de um dos sujeitos e pela

resistência do outro o qual emerge, desenvolve-se, transforma-se e, por fim, extingue-se, na

teia social de relações, tendo em vista certos fatores variantes de ordem sócio-psico-jurídico-

político-econômica e interpessoais que ocorre na realidade, isto é, o Litígio, e partir da qual

se identifica, se delimita e se define o meritum causae – ou o objeto litigioso do processo

(streitgegenstand) ou a res in iudicium deductae – e, por conseguinte, o thema decidendum

do processo e objeto principaliter da cognição do juiz, entre outros institutos (conceitos)

processuais como o da res judicata, o da litispendência, o de partes, e etc., trata-se de um

instituto, evidentemente, de natureza jurídico-processual stricto sensu427.

d) Referibilidade intrínseca:

Quando da análise étimo(lógica) dos institutos da Lide e do Litígio, vimos

que ambos os termos, como expressões lingüísticas que o são, apresentam Bedeutung

(referência, correspondência, isto é, o correlato da expressão lingüística no mundo factual) e

Sinn (o modo, o sentido, de apresentação de um objeto associado a seu respectivo termo)

diferentes. No caso, vimos que Litígio e Lide são termos de expressões lingüísticas que

designam realidades factuais diferentes, de maneira que o correspondente referencial e

factual do Litígio é o conflito intersubjetivo de interesses qualificado pela pretensão resistida

427 O stricto sensu aparece aí para demonstrar categoricamente que a Lide pertence ao plano estritamente jurídico-processual. Não de modo amplo, mas de modo restrito mesmo. Porque, por exemplo, poderíamos assentir que, lato sensu, o Litígio também tem natureza jurídico-processual, posto que se liga diretamente, através do processo de dedução, ao fenômeno processual. Assim, para ficar bem claro o nosso posicionamento a Lide é de natureza estritamente jurídico-processual e o Litígio, por sua vez, de natureza fáctico-causal-sociológica.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

ou insatisfeita, enquanto que, no caso da Lide, o seu correspondente, isto é, o seu correlato

referencial e factual é a componente conteudística e objetiva (para alguns o meritum causae

ou streitgegenstand) do mecanismo judicial de resolução de conflitos que se denomina

processo, sendo assim, Litígio e Lide, termos de bedeutung diferentes.

Do mesmo modo, como corolário dessa assertiva, vimos, também, que

Litígio e Lide são termos que possuem sinn diferentes, isto é, não-coincidentes. Isso porque,

em sendo o sinn (sentido) o modo de apresentação de um objeto associado a um termo,

temos que, no caso do Litígio e da Lide – por terem, eles, referentes diferentes (bedeutung

e, por conseguinte, objetos diferentes) – têm, também, sinn diversos, sendo o Litígio o

termo referente de uma realidade a que chamamos de sociológico-protojurídica e a Lide o

termo referente de uma outra realidade a que chamamos de jurídico-processual.

Ora dessas considerações, deduzimos, logicamente, que a Lide é um

fenômeno de referência estritamente jurídico-processual e não de referência, como o Litígio

o é, sociológico-protojurídica. Em outros termos: a Lide é um fenômeno de referibilidade

intrínseca ao mecanismo jurídico-processual, posto que se refere, e se constitui na verdade,

na componente objetiva e conteudística da relação jurídico-processual.

e) Endoprocessual:

Por assim ser, como corolário do caractere da referibilidade intrínseca e

tomando-se, sobretudo, o processo judicial como ponto de referência, a Lide é um fenômeno

que acontece dentro e no plano da realidade jurídico-processual. Isto é, a Lide é um

fenômeno endoprocessual e não exoprocessual, como o Litígio o é.

No mais, é de se destacar, quanto a esse caractere, que a Lide, por

ocorrer, formalmente, no plano estritamente jurídico-processual, não exaure em si, todo o

fenômeno da litigância social. Tanto é assim que, conforme afirmamos, quando da análise do

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

instituto do Litígio, muitas vezes, enquanto ocorre a Lide no plano endoprocessual, no plano

exoprocessual, permanece o fenômeno do conflito. Aliás, falamos que este – o Litígio – tanto

pode ocorrer num momento pré-processual, como num momento, concomitantemente,

processual e, até mesmo, pós-processual. Isso tudo, porque a Lide é tão-somente, segundo

assente BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS428, um dos momentos porque passa e se reveste

o conflito social (Litígio).

f) Conseqüente jurídico-processual necessário:

Um conseqüente jurídico-processual necessário, posto que, como estamos

a propor e demonstrar, a Lide é o resultado da transformação e dedução, quantitativa e

qualitativa, do Litígio em juízo.

Aliás, quando da caracterização do Litígio como um antecedente fáctico-

causal e lógico da Lide, nós assentimos o seguinte: a Lide processual que eventualmente

poderá ser formada, só o é se, necessariamente, de modo potencial ou efetivo, ocorrer o

Litígio. Em resumo: não há a Lide, e, por conseguinte, o processo, se não existir,

anteriormente, potencial ou efetivamente, o Litígio. Ou mais: não há Lide sem Litígio anterior

que a defina e delimite. Numa linguagem lógica: o conseqüente necessário (a Lide – que

denominamos de conseqüente jurídico-processual necessário) não ocorre se,

precedentemente, não ocorre o antecedente lógico (o Litígio, o qual, por sua vez,

denominamos de antecedente fáctico-causal-lógico).

Assim também, assentimos, quando da análise étimo(lógica) que o Litígio e

a Lide, do ponto de vista método-lógico-jurídico, são variáveis (conceitos-categoria) da teoria

jurídico-processual – sendo o Litígio uma variável independente e a Lide, por sua vez, uma

variável dependente – que se inter-relacionam de forma recíproca e interveniente – posto

428 SOUSA SANTOS, Boaventura de; LEITÃO MARQUES, Maria Manuel e PEDROSO, João. Os tribunais nas sociedades contemporâneas. In Revista Brasileira de Ciências Sociais. N. 30.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.

263

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

que estabelecem uma relação de causa e efeito, lógico, mas não-necessário, sendo, in casu,

o Litígio o antecedente crono/lógico e a condição sine qua non para a existência da Lide;

coextensiva – posto que ocorrendo o Litígio, pode ocorrer a Lide; seqüencial – posto que a

priori ocorre o Litígio e a posteriori ocorre a Lide; contingente – posto que se ocorre o Litígio,

então ocorrerá a Lide (o processo) se os pressupostos e supostos processuais e as condições

da ação estiverem presentes; e probabilista ou estocástica – posto que dada a ocorrência do

Litígio, então provavelmente ocorrerá a Lide.

Daí, porque ser a Lide o conseqüente jurídico-processual necessário do

Litígio.

g) Composicionalidade sincategoremática:

Por fim, ainda sob o prisma da caracterização principiológico-estrutural da

Lide, temos que se trata este de um elemento terminológico-conceptual de

composicionalidade sincategoremática, diferentemente do Litígio que, como vimos, é de

composicionalidade categoremática.

Assim, explicando melhor, a partir de um logical point of view (que, aliás,

já vimos e demonstramos), quanto à classificação, mais especificamente no que diz respeito

à sua função, diz-se que um termo é categoremático quando, por si mesmo, já significa algo,

isto é, é uma categoria, como, no nosso caso, o Litígio o é, posto que, em si, tem

significado, já que se constitui numa realidade factual (sociológica) independente do plano

jurídico-processual. Do mesmo modo e ao contrário, ainda do ponto de vista da linguagem

lógica, diz-se que um termo, quanto à sua classificação funcional, é sincategoremático,

quando, por si mesmo, não tem significado conceptual. Em assim sendo, só o terá, se

associado a conectores lógicos, como no caso do conceito de Lide que depende do conceito

de relação jurídico-processual, de processo. Assim, em síntese, o termo Litígio tem

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.

264

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

composicionalidade categoremática, posto que tem sentido completo, independentemente

do processo e, por sua vez, o termo Lide tem composicionalidade sincategoremática, posto

que tem sentido incompleto, só entendido, assim, como tal, no âmbito da relação jurídico-

processual.

• Representação gráfica da Lide.

Por último, conforme assentimos anteriormente, do ponto de vista de uma

representação gráfica, baseado nas concepções da Teoria Angular da Relação Jurídico-

Processual formulada pelo processualista alemão KONRAD HELLWIG, num momento

estritamente endo-jurídico-processual, poderíamos representar a Lide, da seguinte maneira:

Estado-Juiz

Lide

Autor Réu

Tal se dá, pois, conforme se demonstrou até aqui, a Lide é a componente

objetiva e conteudística da relação jurídico-processual que se materializa no actus trium

personarum da doutrina romanista tradicional.

Desse modo, autor, réu e juiz, no plano da relação jurídico-processual,

estão, segundo assente JAMES GOLDSCHIMIDT, numa situação jurídico-processual – a qual

denomino de complexo de juridicidade – onde existem direitos, deveres, poderes, ônus,

faculdades e responsabilidades inerentes à participação de cada um na dialética processual.

Isto é, estão autor, réu e juiz numa situação jurídica – eu diria, num complexo de situações

jurídico-processuais – onde se estabelece uma relação sinalagmática de direitos, deveres,

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.

265

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

poderes, ônus, faculdades e responsabilidades recíprocas. E a Lide entre autor e réu se dá

exatamente, nos termos e com a participação efetiva do Estado-Juiz.

Assim, ao contrário do Litígio onde as relações que se estabelecem entre os

sujeitos contendedores são lineares e sem a observância de mecanismos reguladores

próprios do Estado, na Lide tais sujeitos contendedores – ora partes ou sujeitos principais

parciais da relação processual – estão sob a égide da Jurisdição Estatal, de modo tal que

somente através do magistrado se pode pretender e resistir, daí porque adotamos a

concepção da Teoria Angular de KONRAD HELLWIG e não a concepção da Teoria Triangular

de OSKAR VON BÜLLOW e ADOLF WACH. Aliás, sobre as diferenças entre essas duas

concepções nos deteremos mais adiante, quando do estudo e formatação do conceito de

Relação Jurídico-Processual, a partir da análise distintiva aqui consecutada entre Litígio e

Lide.

Destarte, em síntese, no plano jurídico-processual, a Lide enquanto

fenômeno estritamente processual, resultante do processo de transformação e dedução,

quantitativa e qualitativa, do Litígio em juízo, ocorre, na dialética da relação jurídico-

processual, entre autor e réu, de modo angular, onde tais sujeitos parciais participam das

atividades processuais de modo sinalagmático e sempre por intermédio da autoridade

judicial; nunca diretamente, como na linearidade do Litígio.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.4 – Litígio, Lide e outros termos: a peremptória discernibilidade conceitual.

266

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

4.4 – Litígio, Lide e outros termos: a peremptória discernibilidade

conceitual.

Bem, ex positis, pelo que vimos até aqui, desde a análise teórico-

conceptual e histórico-descritiva dos institutos jurídico-processuais sub examen, até a

proposição, demonstração, argumentação, discussão e asserção da hipotese básica e

principal do presente trabalho de pesquisa científico-jurídica – frente ao problema

apresentado da indiscernibilidade teórico-terminológico-conceitual e tecnológico-pragmática

entre os institutos em exame – tais termos, Litígio e Lide, peremptoriamente, ao contrário do

que assente a dogmática jurídico-processual clássica e moderna, constituem institutos que

teórico-término-método-lógico-conceptualmente são distintos e discerníveis entre si, sendo

um, o Litígio, como vimos, um pressuposto processual de natureza fáctico-causal-sociológica,

de referibilidade extrínseca, portanto, exoprocessual, caracterizado pela contendere de

sujeitos em face de uma pretensão – resistida ou insatisfeita – vetorialmente contrária ao

interesse da outra parte e que, em assim sendo, poderíamos definir como um fenômeno

social que, teórico-termino-conceptualmente, segundo critérios e variáveis de ordem sócio-

jurídica, fulcrado nas teorizações de CARNELUTTI (teoria jurídico-processual) e de

BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS (teoria sociológica), se consubstancia no conflito

intersubjetivo de interesses – potencial ou efetivo – qualificado pela pretensão de um dos

sujeitos e pela resistência do outro o qual emerge, desenvolve-se, transforma-se e, por fim,

extingue-se, na teia social de relações, tendo em vista certos fatores variantes de ordem

sócio-psico-jurídico-político-econômica e interpessoais; já a Lide, por sua vez, seria um

suposto processual – conditio sine qua non do processo – de natureza jurídico-processual

stricto sensu, de referibilidade intrínseca, portanto, endoprocessual, caracterizado por uma

relação jurídico-processual sinalagmática entre partes e o Estado-juiz que, em assim sendo,

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.4 – Litígio, Lide e outros termos: a peremptória discernibilidade conceitual.

267

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

poderíamos defini-la como sendo a resultante conteudística e objetiva da relação jurídico-

processual que é obtida a partir do processo de transformação e dedução, quantitativa e

qualitativa do Litígio – potencial ou efetivo – em juízo. Em síntese, como vimos, a Lide seria

a resultante do processo de transformação e dedução, quantitativa e qualitativa, em juízo do

Litígio. Daí a peremptória discernibilidade teórica e conceitual entre Litígio e Lide, tal a nossa

hipótese básica e principal, proposta, demonstrada, argumentada, discutida e afirmada aqui.

Pois bem. Aplicando tal construção hipotética na formatação teórica e

conceitual das demais instituições e institutos fundamentais da Ciência Jurídico-Processual,

com o objetivo-premissa de se tentar elucidar certas incoerências, incongruências e lacunas

do sistema jurídico-processual de normas e do sistema de conhecimento jurídico-científico429,

no manejo e adequação teórico-metodológica de alguns desses conceitos processuais, é de

se assentir e demonstrar, agora, a discernibilidade conceitual existente entre os termos

(conceitos-categoria) Litígio e Lide – na acepção tética aqui preposicionada – e tais

instituições e institutos fundamentais da Ciência Jurídico-Processual. Exatamente porque,

como afirmamos anteriormente, tal construção analítico-distintiva – nesse momento,

terminológico-conceptual – dos termos Litígio e Lide, foi consecutada430 como uma

429 Neste sentido, é conveniente citarmos, novamente, a nota que escrevemos sobre Cândido Rangel Dinamarco onde ele nos informa algo a esse respeito: “Cândido Dinamarco, em sua obra Fundamentos do Processo Civil moderno, aponta-nos diversas incoerências e incongruências termino-epistemológicas existentes no sistema normativo jurídico-processual e que foram, por descuido ou até mesmo acomodação da dogmática, incorporadas nas diversas obras dos processualistas nacionais. Neste sentido ele afirma: ‘O Código de Processo Civil de 1973, apesar das circunstâncias favoráveis em que foi editado, obviamente muita coisa encontrou diante de si para demolir, da velha estrutura representada pelo de 1939. [...] É compreensível, então, que do entulho aproveitado algum resíduo viesse a ficar aparente – resíduos que talvez imperceptivelmente foram aplicados nas colunas da edificação de 1973”. Desse modo, prossegue ele: “A doutrina brasileira do processo civil [...], embora criticando essas classificações tecnicamente incorretas, é obrigada a levá-las em conta, porque ‘legis habemus’ e todo trabalho dogmático há de ser construído sobre o que existe no direito positivo’ (cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil moderno. 5. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, t. I, p. 141 e 156.). Na verdade, data vênia ao mestre paulista, o papel exercido pelo processualista, mesmo do ponto de vista dogmático e, principalmente, do ponto de vista zetético, no caso, é de desconstrução dessas imprecisões e equivocidades terminológicas e não de perpetuação das mesmas, sob pena de estar produzindo qualquer tipo de conhecimento, mas não um conhecimento técnico-científico.”. 430 Além do que, conforme assentimos antes, tal construção analítico-distintiva entre Litígio e Lide tem implicações e repercussões, de várias ordens, dentro da teoria jurídico-processual, tais como, de ordem teórica – porque, como já enunciamos, tal construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual além de contribuir no sentido de apresentar soluções a questões, aparentemente, aporemáticas verificadas em algumas instituições e institutos fundamentais da teoria jurídico-processual, contribui para o acoplamento estrutural e o fechamento organizacional, tendo em vista algumas lacunas conceptuais e metodológicas, do sistema; de ordem conceitual – porque, tentando elucidar o problema da indiscernibilidade de identidade existente entre os conceitos de Lide e Litígio, contribui no sentido de dar uma nova formatação, principalmente, ao conceito de Lide formulado por

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.4 – Litígio, Lide e outros termos: a peremptória discernibilidade conceitual.

268

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

possibilidade teorética de superação de tais incoerências e lacunas do sistema jurídico-

processual de normas e, por conseguinte, do conhecimento jurídico-processual-científico

produzido a partir deste. Assim como também, esta construção terminológico-conceptual

apresenta-se, na verdade, como uma possibilidade de resolução de questões aparentemente

aporemáticas da Teoria Geral do Processo, frente a essas incoerências e incongruências do

sistema e do conhecimento jurídico-processuais. Tais são os casos, por exemplo (e nós já

enunciamos), da problemática da decidibilidade de conflitos e da teleologicidade processual,

da aferição do atributo da jurisdicionalidade na chamada Jurisdição Voluntária e da Lide

como elemento da res in iudicium deductae da processualística penal, além de outras,

apontadas recorrentemente pela doutrina, como a indiscernibilidade semântica e conceitual

entre o conceito de Lide e o de meritum causae.

Assim, ao contrário do que se afirma até então, na dogmática jurídico-

processual, os termos sub examen – Litígio e Lide – além de serem discerníveis entre si –

conforme propomos, demonstramos, argumentamos, discutimos e afirmamos – não se

confundem conteudística, semântica e conceptualmente com as demais instituições e

institutos jurídico-processuais da Teoria Geral do Processo. Isto é, a partir da construção

analítico-distintiva proposta, há um nítido e evidente prisma de discernibilidade entre os

conceitos de Litígio e Lide e os demais conceitos conformadores da Teoria Geral do Processo

e da Ciência Jurídico-Processual. Em assim sendo, não há que se confundir, teorética e

empiricamente (conforme veremos, quando da construção analítico-distintiva, sob o prisma

Francesco Carnelutti e, em assim sendo, ressalvando-o das críticas que a dogmática jurídico-processual já fez a este, principalmente, por considerar que, na visão carneluttiana, o conceito de Lide era mais sociológico do que jurídico, desse modo, sem maior importância para a teoria processual. No caso, nós assentimos que, em verdade, Lide é um conceito jurídico-processual e Litígio, sim, é um conceito de natureza sociológica, protojurídica; de ordem metodológica – porque, com a construção analítico-distintiva aqui estabelecida, busca-se afastar o conceito de Lide como pólo metodológico e, tão-somente, adequá-lo conceitualmente como mais um instituto jurídico-processual da Ciência Jurídico-Processual. Desse modo, o nosso objetivo não é colocar – ou como diria Cândido Rangel Dinamarco – salvar o conceito de Lide como pólo metodológico, tal como fez Carnelutti e seus seguidores; por fim, de ordem tecnológico-pragmática – porque com a distinção estabelecida entre Litígio e Lide, fornecemos elementos para a teoria processual adequar os conceitos e funções da Jurisdição como mecanismo estatal de resolução de conflitos. Isso porque, conforme vimos, do modo como o sistema está estabelecido hoje, a preocupação e, por conseguinte, a atuação do julgador ao se deparar com o processo é no sentido de resolver (melhor dizendo, decidir) a Lide e não, propriamente, o Litígio que deu origem ao processo.

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.4 – Litígio, Lide e outros termos: a peremptória discernibilidade conceitual.

269

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

empírico-crítico) os conceitos de Litígio e Lide com os conceitos de demanda, causa,

pretensão, conflito, objeto litigioso do processo, meritum causae, res in iudicium deductae,

relação jurídico-processual, ente outros, até porque, como asseveremos anteriormente, em

assim sendo, tal problemática de indiscernibilidade, sinonímia e equivocidade dos institutos

sub examen, levaria – juntamente com outras incongruências, por nós já apontadas,

também de ordem teórico-método-terminológica, do nosso sistema de conhecimento

jurídico-processual – à formação de uma teoria processual e, conseqüentemente, de um

conhecimento jurídico-processual que não atenderia, estritamente, aos pressupostos teórico-

metodológicos do conhecimento científico. Daí o problema também demonstrado por nós da

indiscernibilidade de identidade e da inadequação teórico-metodológica de certas teorias e

conceitos processuais, aos quais nos referimos no conspectus desse trabalho como sendo

pseudo e/ou folk conceitos e teorias.

Na verdade, o que ocorre é que, aplicando a construção analítico-distintiva

aqui consecutada, há, peremptoriamente falando, uma discernibilidade teórica e conceitual

entre os institutos do Litígio e da Lide e as demais instituições e institutos fundamentais da

Ciência Jurídico-Processual. De modo tal que, sinteticamente, é a partir da dedução,

quantitativa e qualitativa – através do direito de ação, materializado na demanda – do Litígio

em juízo, formando a Lide, que se irão consubstanciar os conceitos de relação jurídico-

processual – e de todos os seus elementos constitutivos: subjetivo, causal e objetivo; assim

como também, os conceitos de meritum causae ou streitgegenstand do processo e, por

conseguinte, do thema decidendum do juiz; da tutela jurisdicional e do seu respectivo

provimento; da pretensão processual e material do demandante; da causa petendi e

excipiendi da ação em sentido positivo e negativo, respectivamente; da res judicata, e dos

seus limites objetivos e subjetivos; do pedido imediato e mediato do processo; da res in

iudicium deductae e do iudicium; do objeto de cognição do juízo, consubstanciado que está

no quadrinômio processual, qual seja, pressuposto processual de existência, supostos

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4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.4 – Litígio, Lide e outros termos: a peremptória discernibilidade conceitual.

270

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

processuais, condições da ação e Lide; da litispendência, da conexão e continência, do

litisconsórcio, do cúmulo de ações e demandas, entre outros termos processuais431.

In casu, conforme anunciamos no intróito – aliás, esta é, inclusive, uma

das hipóteses secundárias dependentes do nosso trabalho de pesquisa científico-jurídica, em

verdade, uma aplicação da hipótese básica afirmada e demonstrada – todos esses conceitos

da Teoria Geral do Processo e, por conseguinte, da Ciência Jurídico-Processual, serão, agora,

objeto de equacionamento, (re)dimensionamento e (re)construção teorético-conceptual, a

partir da construção analítico-distintiva, terminológico-conceptual, consecutada aqui entre os

institutos do Litígio e da Lide. Tal é o objeto da próxima seção. Vejamo-a, então.

431 É exatamente neste mesmo sentido que os processualistas alemães buscaram encontrar e bem definir o objeto do processo (o que eles chamam de streitgegenstand e os italianos chamam de meritum causae), posto que, segundo eles, é a partir deste que se formam e compreendem os conceitos de cúmulo de demandas, modificação da demanda, litispendência, coisa julgada material, entre outros. No nosso caso, a partir do conceito de Litígio e Lide – sem se importa em fazer desses, conceitos centrais da Teoria Geral do Processo e da Ciência Jurídico-Processual – o que pretendemos é (re)dimensionar, (re)construir – ou simplesmente, melhor entender – os demais conceitos (instituições e institutos) da Ciência Jurídico-Processual.

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271

5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE

DISTINTIVA CONSECUTADA.

Os conceitos doutrinários não têm outra finalidade legítima senão exprimir e condensar, em ordem logicamente coerente, a realidade fenomênica do direito. Os conceitos jurídicos nada mais são do que hipóteses de trabalho, cuja exatidão deve ser constantemente verificada à luz do direito positivo, o único que ministra os dados, isto é, os materiais para a construção do sistema do direito.

ENRICO TULLIO LIEBMAN

Pois bem. Uma vez proposta e demonstrada a discernibilidade teórico-

termino-lógico-conceptual entre os institutos do Litígio e da Lide, o propósito, agora, de mais

esta seção, é o de equacionamento, (re)dimensionamento e (re)construção teorético-

conceptual das instituições e institutos fundamentais da Teoria Geral do Processo – e, por

conseguinte, da Ciência Jurídico-Processual – a partir da análise distintiva consecutada.

Destarte, o que se pretende consecutar e demonstrar agora aqui é que,

uma vez considerando a Lide não teórica e conceptualmente igual ao Litígio, mas como a

resultante conteudística do processo de transformação e dedução, quantitativa e qualitativa,

deste em juízo, há que se identificar, neste momento, as acepções teórico-conceptuais de

alguns432 dos elementos da Trilogia Estrutural da Ciência Jurídico-Processual433 – e seus

respectivos institutos fundamentais – que, a partir disso, melhor caracterizam e se

coadunam com tal proposição hipotética demonstrada, posto que, em assim sendo,

tentaremos desconstituir os problemas detectados e apresentados, outrora, de

indiscernibilidade teórico-conceptual e de aporias teórico-processuais encontrados no âmbito

teórico-epistemo-metodológico de tais conceitos processuais. Essa é, inclusive – foi o que

432 De alguns dos elementos da Trilogia Estrutural da Ciência Jurídico-processual, posto que, conforme assentimos antes, são nesses que encontramos, precipuamente, determinados problemas de ordem teórica, metodológica e conceitual que, por assim ser, necessitam de uma melhor compreensão e adequação epistemológica. Assim também, digo de alguns elementos, posto que, dada a abrangência e profusão de reflexos da nossa construção teorética, entre os termos Litígio e Lide, na Ciência Jurídico-Processual, seria demasiado genérico, impreciso e pretensioso da nossa parte, tentar, em um só trabalho de pesquisa, abranger todos os elementos da Teoria Processual, sob este novo prisma. Daí, também, o porquê da escolha de tão-somente alguns conceitos (instituições e institutos) da Teoria Geral do Processo e da Ciência Jurídico-Processual. 433 Consubstanciada, como já afirmamos, com base nos ensinamentos de Ramiro Podetti, nas instituições jurídico-processuais Jurisdição, Ação e Processo.

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5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA

CONSECUTADA. 272

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

dissemos no intróito deste trabalho – uma das aplicações secundárias e dependentes da

nossa proposição hipotética básica.

Assim, em outras palavras, há que se ident(mod)ificar agora, a partir desta

proposição tética e básica do nosso trabalho de pesquisa – Litígio ≠ Lide –, sobretudo, os

conceitos de Relação Jurídico-Processual (por certo, o elemento consubstanciador da

instituição jurídico-processual Processo), de direito de Ação (Klagerecht) e de demanda

(também, por certo, elementos consubstanciadores da instituição jurídico-processual Ação),

de Meritum causae (ou streitgegenstand, isto é, objeto litigioso do processo, como elemento

principaliter da cognição do juiz e que, como vimos, a dogmática insiste em coincidir com o

conceito de Lide), de Thema decidendum (objeto do provimento jurisdicional e aferido não a

partir do conceito de Litígio, como o faz a doutrina tradicional, mas do de Lide), de objeto de

cognição (consubstanciado não só na Lide ou no mérito, mas no denominado, por CELSO

NEVES, quadrinômio de questões processuais), de res judicata (sobretudo, conforme vimos

na introdução, tendo em vista as dificuldades de compreensão e hermenêutica dos arts. 128,

468 e 474 do Código de Processo Civil) e demais conceitos jurídico-processuais, a esses,

correlatos (como por exemplo, os conceitos de pretensão processual e material,

litispendência, litisconsórcio, cúmulo de ação, partes, sujeitos do processo, provimento,

tutela jurisdicional, condições da ação, pressuposto e supostos processuais, pedido,

questão/ponto/razão, e etc).

Ademais, in limine, para termos uma visão global e diagramática

representativa de todos os fenômenos, sociológicos e jurídico-processuais, que ocorrem

desde o desencadeamento do conflito social (Litígio) – ainda no plano pré-processual – até a

sua resolução judicial (Res judicata) – já no plano processual (no denominado, por

BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS, domínio oficial de judicialização do Litígio) –

apresentamos, a seguir, um gráfico (diagrama) que bem representa a constituição e

desenvolvimento de tais principais elementos conceituais (instituições e institutos) da Teoria

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5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA

CONSECUTADA. 273

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Geral do Processo e da Ciência Jurídico-Processual que serão, como dissemos, objeto de

(re)dimensionamento e (re)construção teorético-conceptual na presente seção434.

Vejamo-os, então – tais elementos conceituais – técnica, científica e

pormenorizadamente.

434 Sobre o gráfico (diagrama), o que ele, sintética e representativamente, apresenta-nos é que: a partir do Litígio (L= Sc1 versus Sc2) – que constitui em si a Relação Jurídico-Material Litigiosa, isto é, a Res in Judicium Deductae dos romanos – melhor dizendo, a partir da sua dedução em juízo, através do direito constitucional, subjetivo e público de Ação (o Klagerecht, da processualística alemã) do Autor e do Réu (daí se falar em Ação em sentido positivo e negativo, com todos os seus elementos constitutivos: subjetivo, causal e objetivo), materializado no ato processual denominado de Demanda (Klageantrag) – demanda ativa e passiva – se forma o Processo Judicial que, nada mais é, em sua natureza jurídica e segundo a doutrina processual moderna, que a Relação Jurídico-Processual (o Iudicium da doutrina romanística) – com todos os seus elementos conformadores: subjetivo, causal e objetivo) mais o procedimento. Tal Relação Jurídico-Processual consubstancia em si e tem como componente conteudística a Lide, que fora deduzida a partir do Litígio. A partir de tal Lide é que se constituirá o meritum causae ou streitgegenstand do processo, isto é, é a partir dela que se consubstanciará e se formará o Thema objeto de decisum do juiz (o Thema Decidendum), sendo este, o objeto principaliter – mas não único e exclusivo – de cognição do juiz. Não único e exclusivo, posto que além desse – como objeto litigioso do processo que é – também é objeto de cognição do juiz – inclusive, do ponto de vista (crono)lógico – os pressupostos e supostos processuais e as condições da ação que, juntos, formam as denominadas condições de admissibilidade do julgamento da Lide. E sobre essa Lide, então, como consubstanciadora do Meritum Causae que é, irá incidir o julgamento de mérito (a decisão) e, em assim sendo, o Provimento da Tutela Jurisdicional, assim como também, como corolário, os efeitos da res judicata .

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5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA CONSECUTADA.

274

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Litígio

L: Sc1 actio Sc2

Ação (Klagerecht)

Processo Judicial

Juiz

Lide Autor Réu

Demanda (Klageantrag) Relação Jurídico-Processual

(Iudicium)

Relação Jurídico-Material Litigiosa

(Res in Iudicium Deductae)

Objeto de Cognição do Processo: Quadrinômio de questões.

1. Pressupostos Processuais

2. Supostos Processuais (Prozessvoraussetzungen) 3. Condições da Ação (Klagvoraussetzungen)

4. Lide (Ação versus Defesa)

Thema Decidendum

Tutela Jurisdicional

Provimento

Ação em sentido positivo

1. Elemento subjetivo: Partes

2. Elemento causal:

Causa petendi remota (suporte fáctico-causal). Causa petendi próxima

(suporte jurídico).

3. Elemento objetivo: Petitum imediato. Petitum mediato.

Ação em sentido negativo Partes Causa Excipiendi Contestatio

Pretensão Processual(Rechtsschutzanspruch)

Pretensão Material (Anspruch)

Princípio da Congruência: simetria.

Processo (Relação Jurídico-Processual)

1. Elemento subjetivo:

Sujeitos processuais

2. Elemento causal: Demanda = Pretensão Processual e Material = petitum (antrag) + causa petendi (sacherverhalt). 3. Elemento Objetivo-Conteudístico:

Lide

Resolve: Questão de Mérito.

Decide: Mérito.

Res Judicata

Meritum Causae (Streitgegenstand)

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5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA

CONSECUTADA. 5.1 – Relação Jurídico-Processual. 275

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

5.1 – Relação Jurídico-Processual.

Segundo propomos e demonstramos teticamente, a Lide constitui em si a

componente conteudística e objetiva da relação jurídico-processual que é resultante do

processo de transformação e dedução, quantitativa e qualitativa, do Litígio em juízo. Em

assim sendo, é a partir dela – da Lide – que se deve aferir a matéria principaliter (o

streitgegenstand do processo) que será objeto de cognição e decisão do juízo, assim como

também, é a partir dela que se deve identificar o conteúdo – por isso falamos em relação de

continência – e o elemento objetivo da nova e diferente relação jurídica que agora se

estabelece, ato contínuo à dedução em juízo da relação jurídico-material litigiosa (a res in

iudicium deductae da doutrina tradicional), entre os sujeitos originários do Litígio. No caso,

tais sujeitos contendedores – agora, partes no sentido processual – junto ao representante

do Estado – o juiz – comporão o, chamado pela doutrina romanística, actus trium

personarum (autor, réu e juiz).

Ora, se tal se dá, podemos assentir, corolariamente, também, que é a

partir do conceito de Lide e de seus caracteres estruturantes – numa relação de causa/efeito

e de implicação concorrente e, sobretudo, de elementaridade constitutiva – que se deve

deduzir e aferir o conceito de Relação Jurídico-Processual, como elemento consubstanciador

que é, assim considerado, hoje, pela maioria da dogmática jurídico-processual, da natureza

jurídica do Processo Judicial, conjuntamente com o procedimento nele descrito, constituído e

desenvolvido435.

435 Dizemos isso, sem nos preocuparmos com outras teorizações a respeito da natureza jurídica do processo judicial – como a teoria da Instituição de Jaime Guasp, ou a teoria da Situação Jurídica de James Goldschimdt – tendo em vista o assentimento majoritário da dogmática jurídico-processual no sentido de considerar o processo judicial, hoje, como sendo, em sua natureza, uma relação jurídica, consubstanciada num procedimento. Tal é a tese de Büllow, um pouco reformulada pela doutrina processual moderna. Neste sentido e resumindo as diversas correntes existentes sobre a natureza jurídica do processo judicial, assim nos afirma Dinamarco, in verbis: “A teoria do processo como relação jurídica, formulada em 1868 por Oskar Von Büllow e vitoriosa em todos os quadrantes da doutrina continental européia – com notória repercussão na brasileira – jamais explicou como poderia o processo ser só uma relação processual, sem incluir em si mesmo um procedimento. Ela teve o mérito

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5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA

CONSECUTADA. 5.1 – Relação Jurídico-Processual. 276

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Dito isso, o que seria, então, conceitual, estrutural e elementarmente a

Relação Jurídico-Processual nesta nossa tética perspectiva? Vejamos.

De plano e in limine, podemos assentir que a Relação Jurídico-Processual,

sob o prisma da definibilidade, evidentemente nesta nossa (sin)tética perspectiva, seria,

então, o vínculo – ou sistema de vínculos – de ordem jurídica que se estabelece – uma vez

deduzido em juízo o Litígio – entre os sujeitos que passam a integrar o complexo de

juridicidade constitutivo do processo judicial e da Lide que o integra.

Explicando melhor: a relação jurídico-processual, nesta nossa perspectiva,

seria o vínculo – ou sistema de vínculos – de ordem jurídica, consubstanciador do complexo

– o qual, como já afirmamos anteriormente, denominamos de complexo de juridicidade – de

situações jurídico-processuais, ativas e passivas, vivenciadas pelos sujeitos componentes de

tal relação em todo o itere procedimental do processo judicial.

Em outras palavras e ainda no plano da definibilidade: a relação que ocorre

no plano do processo judicial constitui em si um verdadeiro sistema de vínculos relacionais e

de ordem jurídico-processual estabelecido entre os sujeitos envolvidos em tal processo, onde

existe inerente a este sistema de vínculos uma plêiade ou feixe de deveres, ônus, faculdades

e poderes que configuram um complexo de juridicidade e que, por assim ser, interligam tais

sujeitos, ditos, processuais.

Por outro lado, no plano da sua elementaridade constitutiva e característica

estrutural, trata-se, a relação jurídico-processual, de uma relação composta pelos seguintes

caracteres estruturais: é uma relação de natureza de direito público, procedimentalmente

de suplantar a arcaica visão do processo como pura seqüência de atos – ou seja, como mero procedimento, sem cogitações de um específico vínculo de direito entre seus sujeitos – mas por sua vez acabou sendo suplantada pela percepção de que procedimento e relação processual coexistem no conceito e na realidade do processo, sem que este pudesse ser o que é se lhe faltasse um desses dois elementos. São rejeitadas na doutrina moderna todas as muitas teorias que ao longo da história das instituições processuais procuraram explicar a natureza jurídica e a conceituação do processo. Mesmo a do processo como situação jurídica, muito respeitada em razão da autoridade e méritos de quem a formulou (James Goldschimdt), acabou por mostrar-se destoante da realidade (...). Houve também as teorias do processo como instituição, como entidade complexa ou como quase-contrato. No Brasil, foi muito louvada mas não teve seguidores de renome a teoria ontológica do processo, de Joao Mendes Júnior. De todos os modos pelos quais se encarou o processo, a teoria que se encontra sepultada em caráter mais categórico e definitivo é a do processo como contrato (...).” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2004, v. II, p. 27-28).

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CONSECUTADA. 5.1 – Relação Jurídico-Processual. 277

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

complexa, progressiva (ou evolutiva), unitária (ou sistemática), autônoma, mas também

relacional (pois é obtida a partir da res in iudicium deductae), e de estrutura lógico-formal

triádica (ou trinária) e angular, de caractere efectual, do tipo reflexiva e assimétrica, de

conexidade instrumental com a relação jurídico-material litigiosa a partir da qual teve

origem, cujos elementos constitutivos são: o elemento subjetivo – constituído pelos sujeitos

processuais (o actus trium personarum mais os denominados sujeitos secundários da

relação), o elemento causal – constituído pela demanda que é o veículo da pretensão e

resistência processual e material das partes – e o elemento objetivo-conteudístico –

constituído pela Lide, nos termos adiante explicitados. Continuemos a explicação.

Primeiramente, a relação jurídico-processual é um vínculo (ou sistema de

vínculos) de ordem jurídica, pois interliga, não apenas factualmente – como no Litígio que

ocorre no plano pré-processual –, mas, sobretudo, juridicamente, os vários sujeitos nela

envolvidos, isto é, os sujeitos processuais. Nesse relacionar, como dissemos, forma-se, em

verdade, um complexo sistema de deveres, faculdades, poderes e ônus recíprocos entre os

sujeitos componentes desta relação. E quem são tais sujeitos integrantes desta relação

jurídico-processual?

Pois bem. Diz a moderna doutrina processualística que tais integrantes da

relação que ocorre no plano do processo judicial – os denominados sujeitos processuais –

são todas as pessoas físicas ou jurídicas que, de algum modo, figuram como titulares das

diversas situações jurídico-processuais ativas e passivas consubstanciadoras e formatadoras

do que nós denominamos de complexo de juridicidade. Assim, de plano, já podemos

perceber e assentir que não são sujeitos processuais apenas436 o autor, o réu e o juiz, mas

também, da mesma forma, todos aqueles que de algum modo participam ou intervem, como

titulares de deveres, poderes, faculdades e/ou ônus, em tal relação jurídico-processual.

436 Inclusive, já assentimos isso, quando do estudo do elemento constitutivo subjetivo da Lide.

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5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA

CONSECUTADA. 5.1 – Relação Jurídico-Processual. 278

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Nesse sentido, afirma-nos CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO437, in verbis,

que:

Ser sujeito do processo é ser titular dessas faculdades, ônus, poderes, deveres, autoridade ou sujeição. Só os sujeitos processuais, entre os quais o juiz, as partes [e seus respectivos advogados] e os auxiliares da Justiça, são legitimados a realizar os atos do processo, ao longo do procedimento (Intercalações nossas).

Em assim sendo, a dogmática, classificando de diversas maneiras os

sujeitos que atuam no plano do processo judicial, aponta-nos que na relação jurídico-

processual existem os sujeitos processuais ditos parciais, os sujeitos processuais dito

imparciais, os sujeitos processuais ditos principais e os sujeitos processuais ditos

secundários. Vejamo-os, então, começando por esses últimos.

Sujeitos processuais principais da relação jurídico-processual são autor, réu

e juiz – os formadores do actus trium personarum da doutrina romanística. Tais são assim

considerados os sujeitos processuais principais, evidentemente, porque “são estas as

pessoas envolvidas nos conflitos de interesse trazidos à Justiça e é aquele quem decide a

respeito do conflito e dirige o processo”438.

Por sua vez e como contraponto classificatório desses, são sujeitos

processuais secundários “o advogado, que representa as partes, e os auxiliares da Justiça,

subordinados ao Juiz”439. São secundários, exatamente, porque não exercem atividade de

dedução, qualitativa e quantitativa, de interesses conflituosos próprios em juízo, nem podem

conhecer ou decidir sobre os elementos processuais e materiais do processo judicial.

Por outro lado, como dissemos antes, existem, também, sob um outro

prisma classificatório, os sujeitos parciais e imparciais da relação processual. Assim, di-no a

dogmática processualística moderna que são sujeitos processuais parciais as partes e seus

437 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2004, v. II, p. 198). 438 Ibidem., p. 198. 439 Ibidem., p. 198.

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CONSECUTADA. 5.1 – Relação Jurídico-Processual. 279

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

respectivos advogados. Isso porque esses, de modo vetorialmente contrário, “estão no

processo em busca da satisfação de uma pretensão própria, ou alheia, ou mesmo de um

grupo ou da sociedade como um todo”440.

Por sua vez, di-no também a doutrina, são sujeitos processuais imparciais o

juiz e os auxiliares da Justiça, exatamente porque, ao contrário das partes, aquele – o juiz –

no exercício da Jurisdição, atua e exerce atividade na qualidade de um terceiro alheio ao

conflito de interesses deduzido em juízo, enquanto que, estes, os auxiliares, atuam

realizando atividades complementares e imparciais a fim de que a função jurisdicional seja

exercida de igual modo para todos aqueles que participam do processo.

Pois bem. A relação jurídico-processual, além de constituir-se em um

sistema de vínculos que interligam os cognominados sujeitos processuais, constitui, também

em si, como afirmamos anteriormente, um complexo de situações jurídico-processuais de

ordem ativa e passiva – as quais consubstanciam e formam o que denominamos de

complexo de juridicidade – onde, interna e reciprocamente, existe um conjunto de deveres,

faculdades, poderes e ônus ínsitos à participação de cada um dos sujeitos processuais. Em

assim sendo, a dogmática jurídico-processual, no sentido da nossa construção, assente que

“são ativas ou passivas as situações jurídicas em que sucessivamente se encontram os

sujeitos do processo”441, no complexo de juridicidade que forma a relação jurídico-

processual.

Sobre tal complexo de juridicidade, é necessário salientarmos que usamos

o termo “Complexo”, pois, como estamos a ver, não se trata de uma relação simples,

estática, de natureza bimembre ou binária – utilizando aqui uma linguagem lógica –, onde

cada sujeito ocupa uma única posição no itere procedimental. Muito pelo contrário. Na

verdade, cada sujeito na dialética da movimentação processual ocupa várias posições que se

sucedem de acordo com os momentos e fases da marcha procedimental. Por outro lado,

440 Ibidem., p. 198. 441 Ibidem., p. 201.

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CONSECUTADA. 5.1 – Relação Jurídico-Processual. 280

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

falamos de “Juridicidade” (qualidade ou caractere daquilo que é jurídico), posto que nesse

sistema relacional de natureza complexa existem, formando-o, os elementos normativo-

jurídicos que, ordinariamente, caracterizam e integram uma relação de natureza jurídica442,

quais sejam, os deveres, as faculdades, os poderes e os ônus.

Assim, no sentido da nossa construção, discorrendo sobre as diversas

situações jurídicas ativas e passivas que ocorrem no plano do “Complexo de Juridicidade” da

relação processual, assim nos afirma a doutrina443, in verbis:

São situações processuais ativas as que permitem realizar atos processuais segundo a deliberação ou o interesse do seu titular, ou exigir de outro sujeito processual a prática de algum ato. Elas são sempre favoráveis ao titular, porque apontam à realização, por ele próprio ou por outrem, de um ato de seu interesse. As situações jurídicas ativas caracterizam-se como faculdades que a lei outorga às partes, ou poderes de que elas ou o juiz são titulares no processo. O juiz não tem faculdades no processo. Dizem-se passivas as situações jurídicas processuais que impelem o sujeito a um ato (deveres e ônus) ou lhe impõem a aceitação de um ato alheio. (...). Nenhuma das situações jurídicas que compõem a relação processual tem por objeto um bem material. O objeto de cada uma delas é sempre uma conduta – conduta permitida, com ou sem sanções pelo descumprimento (faculdades, ônus), conduta devida (deveres), conduta vedada (sujeição), mas sempre conduta e nunca bem material algum (Grifos nossos).

E mais:

Todas as situações jurídicas do juiz no processo remotam ao poder estatal que ele exerce como agente público – e por isso é que, em regime democrático de Estado-de-direito, a cada poder do juiz corresponde um dever, sendo cada um deles, na realidade, um poder-dever. As situações processuais ativas das partes têm por fundamento as garantias constitucionais do acesso à justiça, do contraditório e da ampla defesa – porque todas elas se resolvem na possibilidade de combater em busca de uma solução favorável; as situações passivas constituem limitações à vontade de cada uma delas, indispensáveis ao equilíbrio entre os litigantes e à boa ordem do processo.444

442 Neste sentido, lembremo-nos da construção do conceito de relação jurídica formulada por Savigny. 443 Ibidem., p. 201. 444 Ibidem., p. 202.

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CONSECUTADA. 5.1 – Relação Jurídico-Processual. 281

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Ademais, como estamos a ver, dentro do espectro desse complexo de

juridicidade, isto é, dessas diversas situações jurídico-processuais ativas e passivas

vivenciadas pelos sujeitos processuais – sobretudo, as vivenciadas pelos sujeitos principais

da relação: autor, réu e juiz – existe um conjunto de possibilidades de condutas ativas e

passivas que os sujeitos podem (ou devem) realizar no decorrer do itere procedimental. Tais

são, como vimos no trecho acima, os deveres, as faculdades, os poderes e os ônus próprios

do vínculo jurídico-processual. Sobre esse conjunto de possibilidades de condutas, quem

bem as definiu foi, indubitavelmente, explicando a sua teoria da situação jurídica, como

consubstanciadora da natureza jurídica do processo, o processualista alemão JAMES

GOLDSCHIMDT445.

Assim, a dogmática processual moderna, na esteira das lições do eminente

autor e processualista alemão, reformulando, é certo, de algum modo, tais elementos, dessa

maneira os definiu:

a) Dever: é um imperativo de conduta no interesse alheio. Em assim

sendo, uma vez não cumprido o dever, ato contínuo e por conseqüência, incorre em ilícito a

parte que o não cumpriu. Em havendo tal conduta ilícita, também por conseqüência, aplica-

se uma sanção. Neste sentido, a doutrina nos informa que: “descumprir imperativos de

conduta instituídos em benefício alheio é lesar o titular desse interesse. (...) Daí a reação da

ordem jurídica, que é do interesse geral do Estado.”446;

b) Faculdade: caracteriza a liberdade de conduta que os sujeitos têm no

plano processual, mas especificamente no plano das situações processuais ativas. Somente

as partes as têm. O juiz jamais. Classificam-se em faculdades puras – posto que com o

exercício ou não da faculdade não fica aumentada a carga de deveres do juiz perante a

parte, nem agravada ou favorecida a posição do adversário – e em faculdades impuras –

quando o exercício ou não da faculdade acresce vantagens ao sujeito que a exerce ou

445 GOLDSCHMIDT, James. Direito Processual Civil. Tradução de Ricardo Rodrigues Gama. Curitiba: Juruá, 2003. 446 Ibidem., p. 209-210.

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CONSECUTADA. 5.1 – Relação Jurídico-Processual. 282

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

deveres para o Poder Judiciário ou desvantagens para a parte adversa, ainda que indiretas

(é o caso dos ônus e dos poderes);

c) Poderes: é a capacidade que a parte tem de através de uma conduta

sua produzir efeitos sobre a esfera jurídica alheia. Trata-se, na verdade, de uma faculdade

impura, isto é, de uma faculdade que, uma vez exercida, gera uma conseqüência jurídica

para a outra parte ou juiz. Nesse ínterim, é bom salientarmos que os poderes das partes não

se confundem com os poderes do juiz, posto que esses são, na verdade, poderes-deveres.

Diz a doutrina sobre isso que: “os poderes do juiz não se confundem com os das partes. Os

destas têm por fundamento as garantias constitucionais inerentes à participação e à defesa,

enquanto aqueles constituem desdobramentos técnicos do próprio poder estatal”447;

d) Ônus: é um imperativo categórico do próprio interesse da parte. “É o

reverso de certas faculdades outorgadas às partes e caracteriza-se pelas conseqüências

desfavoráveis que a lei associa a algumas delas”448. Existe ônus, quando é necessário o

cumprimento de uma determinada faculdade ou quando, ao menos, é conveniente e

oportuno para a obtenção de uma certa vantagem ou para evitar uma certa situação

desvantajosa. “Os ônus não são impostos para o bem de outro sujeito, senão do próprio

sujeito a quem se dirigem”449. Classificam-se os ônus em absolutos e relativos. São ônus

absolutos “aqueles cujo não-cumprimento conduz inevitavelmente ao resultado

desfavorável”. Por sua vez, são ônus relativos aqueles que “não trazem conseqüências

inexoráveis”450. Isto é: uma vez descumprida a faculdade, seu titular corre o risco de ser

prejudicado, mas ainda é possível que tal risco não se consume, fato esse que se dará, tão-

somente, se ocorrer algum evento favorável.

Por fim, ainda sobre os elementos que compõem o complexo de

juridicidade conformador da relação jurídico-processual, é importante destacarmos que não

447 Ibidem., p. 206-207. 448 Ibidem., p. 205. 449 Ibidem., p. 205. 450 Ibidem., p. 206.

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5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA

CONSECUTADA. 5.1 – Relação Jurídico-Processual. 283

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

existem, implícita ou explicitamente nele (no complexo de juridicidade), conforme de modo

eminente técnico-científico, demonstrou CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, direitos subjetivos

e/ou obrigações de natureza e ordem processual; ou seja, os sujeitos envolvidos na relação

processual não têm, em suas respectivas esferas de possibilidades jurídicas, em nenhum

momento do itere procedimental, direitos subjetivos e/ou obrigações de natureza processual.

Por quê? Porque, exatamente, como vimos na afirmação de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO,

nenhuma das situações jurídicas que compõem o complexo de juridicidade da relação

processual tem por objeto um bem material. Em verdade, como acabamos de ver, o objeto

de cada uma dessas situações vivenciadas pelos sujeitos é sempre uma conduta – conduta

permitida, com ou sem sanções pelo descumprimento (tais as faculdades e os ônus),

conduta devida (tais os deveres), conduta vedada (tais as situações de sujeição) – mas

sempre conduta e nunca bem material algum.

Nesse mesmo sentido de inexistência de direitos subjetivos e obrigações de

ordem processual, de modo certeiro e profundamente correto, DINAMARCO nos ensina que,

in verbis451:

Direito subjetivo é uma situação jurídica de vantagem em relação a um bem. Obrigação, como contraposto negativo do direito subjetivo, é uma situação jurídica de desvantagem em relação ao mesmo bem. Ser titular de um direito significa receber da ordem jurídica a promessa de manutenção do bem ou a legítima expectativa de obtê-lo; ser titular de obrigação é ter o dever de entregá-lo ou de realizar o facere ou o nec facere exigido pela lei. O cumprimento da obrigação e correlativa satisfação do direito importam acréscimo ao patrimônio de quem recebe e diminuição daquele que fica privado do bem. Trata-se de um sacrifico segundo a lei e sua imposição é eticamente legitima, mas não deixa de ser um sacrifício. Mas o Estado-Juiz não se despoja de bens, nem se considera patrimonialmente diminuído ou sacrificado, quando realiza atos inerentes ao exercício jurisdicional. É do próprio interesse do Estado, que assume para si o encargo de outorgar tutela a quem tiver razão, que a justiça se faça e os conflitos se eliminem: interest rei publicae a pacificação social que pelo processo se promove. Daí ser impróprio falar em direitos e obrigações no processo, porque os deveres impostos aos seus sujeitos têm por objeto imediato a criação de situações processuais e não a obtenção de um bem da vida. Os deveres do juiz não visam a favorecer alguém mediante alguma suposta restrição dos interesses

451 Ibidem., p. 210-211.

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5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA

CONSECUTADA. 5.1 – Relação Jurídico-Processual. 284

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

do Estado, que ele personifica no processo. Quando o juiz julga o mérito, reconhecendo que o autor tem o ‘direito’ de ação, isso para ele não é sacrifício, mas realização de uma das funções estatais. (...) Só por costume ou comodidade tolera-se o emprego do vocábulo direito, no processo. Fala-se em direito à prova, direito à sentença de mérito etc., como modos simplificados e mais práticos de aludir ao poder de exigir a produção de prova, ou de exigir a sentença etc. O ‘direito’ de ação não é um autentico direito subjetivo, mas o poder de criar condições para que o Estado possa decidir e, se for o caso, conceder a tutela jurisdicional ao autor (Grifos nossos).

Muito bem. Analisando, agora, a relação jurídico-processual no plano da

sua elementaridade constitutiva e característica estrutural, temos que, conforme assentimos

anteriormente, trata-se esta de uma relação composta pelos seguintes caracteres

estruturais: é uma relação de direito público; complexa; progressiva (ou evolutiva); unitária

(ou sistemática); autônoma, mas relacional; de estrutura lógico-formal triádica (ou trinária),

angular, efectual, irreflexiva, assimétrica, e de conexidade instrumental, nos seguintes

termos:

a) É uma relação de direito público, porque a simples presença do Estado,

como juiz, a indica. Diferentemente das concepções privatistas e romanistas, que entendiam

o processo judicial, a relação jurídico-processual, como um contrato ou quase-contrato,

modernamente, a partir de BÜLLOW, como vimos, é majoritário, para não dizer unânime, o

entendimento de que o processo, em sua natureza, é caracterizado por uma relação jurídica

de ordem pública e não privada, posto que as partes em Lide se submetem de modo

eminentemente cogente e inevitável à Jurisdição e ao poder do Estado;

b) É uma relação procedimental complexa, posto que se apresenta como

um sistema de vínculos e de situações ativas e passivas que se formam, desenvolvem-se e

se extinguem, sucessivamente, no itere procedimental. DINAMARCO452, neste sentido,

ensina-nos que “no processo, o cumprimento de um ato extingue uma situação jurídica mas

452 Ibidem., p. 199.

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5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA

CONSECUTADA. 5.1 – Relação Jurídico-Processual. 285

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

de imediato cria outra, que por sua vez conduz a um novo ato, e o novo ato gera nova

situação jurídica – e assim, sucessivamente, até que o processo seja extinto (...)”;

c) É uma relação progressiva, exatamente, porque ela não permanece igual

em todo o itere procedimental. Na verdade, as diversas situações jurídicas que se sucedem

modificam, numa cadeia sucessória de eventos processuais, o seu status jurídico e de todos

os seus componentes, subjetivos e objetivos, constitutivos;

d) É uma relação unitária ou sistemática, porque, inobstante o complexo de

situações jurídicas ativas e passivas vivenciadas ao longo do itere procedimental, conforme

assente DINAMARCO453, “chega-se a sua unitariedade mediante a percepção de que

nenhuma das situações jurídicas que se sucedem conduz, isoladamente, à produção dos

resultados para os quais o processo existe”. Desse modo, complementa o eminente

processualista paulista, “a consciência teleológica do processo e do conjunto das efêmeras

situações jurídicas processuais que ele contem é o responsável pela unitariedade da relação

jurídica processual”454. Ademais, fala-se em relação sistemática porque, em verdade, cada

uma das situações jurídicas que se sucedem ao longo do itere procedimental constitui um

elemento desse sistema e, em assim sendo, todos esses elementos são coordenados e

dirigidos ao grande objetivo comum que é a prestação da tutela jurisdicional;

e) É uma relação autônoma, mas também relacional. É autônoma, porque,

conforme já demonstrou a dogmática processual moderna, não se confunde, subjetiva,

causal e objetivamente, com a relação jurídico-material litigiosa que ocorreu no plano factual

e pré-processual. Por outro lado, é relacional, posto que, inobstante a autonomia com

relação à res in iudicium deductae, é obtida a partir desta. Neste sentido, LOURIVAL

VILANOVA, analisando a relação que ocorre no plano do processo judicial, sob o prisma da

moderna dogmática processualística, assim afirma, in verbis455:

453 Ibidem., p. 200. 454 Ibidem., p. 200. 455 VILANOVA, Lourival. Causalidade e Relação no Direito. 4. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 194.

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5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA

CONSECUTADA. 5.1 – Relação Jurídico-Processual. 286

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Realmente, ainda que a teoria processual moderna tenha a segunda relação, a relação processual, como autônoma, abstrata, não é ela desligada da relação substantiva. Tanto que entre as condições da ação requer-se que o sujeito ativo deduza regularmente sua pretensão material, fundamente o pedido de tutela jurisdicional. A relação processual é instrumentalmente conexa com a relação material. Assim, entre as relações R’ e R’’ há a relação R’’’ (na teoria das relações, têm-se as relações-de-relações, como uma categoria, que se enche de concreção de acordo com os campos especificados de fatos e objetos) (Grifos nossos).

f) É de estrutura lógico-formal triádica ou trinária e angular, posto que se

estabelece entre três elementos (ou pólos) subjetivos: um que representa a posição do

autor, outro que representa a posição do réu e outro que representa a posição do Estado-

Juiz, sendo que, aqueles, autor e réu, nunca se relacionam linearmente, mas sempre

angularmente, através do Estado-Juiz.

Outra vez LOURIVAL VILANOVA, nesse sentido, analisando sob um prisma

eminentemente lógico-formal a relação jurídico-processual que se forma a partir da relação

jurídico-material litigiosa que foi deduzida em juízo (Litígio formando a Lide) e lembrando

que a angularização não é sempre necessária (veja, por exemplo, os casos da jurisdição

voluntária), assim nos afirma, in verbis456:

Para não incorrer na antijuridicidade do exercício da coação sobre o sujeito passivo inadimplente, o sujeito da relação R’ abre via da relação jurídica R’’, que não é bimembre, entre A e B. É relação trinária, como se denomina na teoria geral das relações: é entre A, B e C, i. e., entre autor, réu e juiz. Em rigor, não é uma relação linear, em série, por assim dizer horizontal. A relação processual – simbolicamente estabelecida na norma secundária – consta de duas relações, como é tese dominante na processualística moderna: é a relação entre A e C e a relação entre B e C; relação entre o sujeito processual ativo e o órgão jurisdicional; relação entre o sujeito processual passivo e o mesmo órgão jurisdicional. Temos, então, duas relações cujo termo comum de intersecção reside em C. São relações em ângulo, cujo ponto de confluência reside no órgão-juiz. Essa angularidade não é necessária, pondera Pontes de Miranda, levando em conta a relação processual em que o sujeito processual meramente pede que judicialmente se declare a existência ou inexistência de relação: de outra relação, que pode ser substantiva, ou

456 VILANOVA, op. cit. p. 195.

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5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA

CONSECUTADA. 5.1 – Relação Jurídico-Processual. 287

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

mesmo de direito processual. Sem a contraparte processual, que lhe conteste o pedido, sem haver, pois, a contenciosidade (Grifos nossos).

Ademais, ainda analisando a estrutura lógico-formal triádica e angular da

relação processual, é de se ressaltar, também, tomando aqui partido, quanto às diversas

concepções teoréticas que caracterizaram, representativa e graficamente, a relação jurídico-

processual, ao longo da história da dogmática processual, que, indubitavelmente, a que a

melhor caracteriza é a Teoria Angular, formulada pelo processualista alemão KONRAD

HELLWIG entre os anos de 1905 e 1907.

Na verdade, como se sabe, ao longo da história da dogmática jurídico-

processual, surgiram três grandes teorias a respeito da relação que ocorre no plano do

processo judicial. Tais foram: a Teoria Linear de JOSEF KÖLHER, a Teoria Triangular de

ADOLF WACH e OSKAR VON BÜLLOW e a Teoria Angular, conforme já dissemos, de

KONRAD HELLWIG. Vejamo-as, então.

A primeira delas, a chamada Teoria Linear da Relação Jurídico-Processual

foi formulada pelo processualista alemão JOSEF KÖHLER, no final do século XIX. In casu,

KÖHLER entendia e afirmava que a relação que ocorria no plano do processo judicial era,

apesar de diferente e autônoma da relação jurídico-material litigiosa, como havia

demonstrado BÜLLOW em 1868, tão-somente estabelecida e constituída entre o Autor e o

Réu de modo direto e linear, sem a necessária angularização com o Estado-Juiz. Em

verdade, este, o Estado-Juiz, no caso, embora presente nesta relação processual, seria um

mero expectador no processo. Desse modo, gráfica e representativamente, sua teoria era

assim representada:

Autor Réu

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CONSECUTADA. 5.1 – Relação Jurídico-Processual. 288

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Claro que, por razões óbvias (pois, o juiz não é um mero expectador do

processo), tal teoria não vingou por muito tempo na dogmática jurídico-processual moderna.

Aliás, quando do estudo do instituto do Litígio, nós aproveitamos tal teorização do eminente

processualista germânico para assentir e demonstrar que o que ocorre linearmente, nos

exatos termos da formulação dele, é, no plano pré-processual, exoprocessual, o Litígio entre

os sujeitos contendedores (Sc1 versus Sc2) e não a Lide que a partir da dedução de tal

conflito em juízo, vem a se formar.

Por sua vez, em um segundo momento, a Teoria Triangular surgiu a partir

dos estudos de dois outros grandes processualistas alemães, quais sejam: OSKAR VON

BÜLLOW, o pai do processualismo científico e ADOLF WACH. Um, como já dissemos, foi o

criador da Teoria da Relação Jurídica. O outro, por sua vez, foi o criador do importante

conceito de Prozessanspruchrecht (Pretensão Processual), distinguindo-o, assim, do conceito

de pretensão material (anspruch), formulado por BERNARD WINDSCHEID anos antes.

Bem, segundo essa concepção, as relações que ocorrem no plano do

processo judicial, mais precisamente no âmbito da relação jurídico-processual, estabelecem-

se e constituem-se entre Autor-Juiz, Réu-Juiz e Autor-Réu, sempre linear e de modo

congruentemente angular, entre tais sujeitos. De modo que, tal relação poderia se

caracterizar, graficamente, como um triângulo eqüilátero, nestes termos gráficos:

Estado-Juiz

Autor Réu

Ora, conforme tem apontado a moderna processualística, é evidente que o

grande problema dessa teoria consiste em admitir que existem relações no plano processual

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CONSECUTADA. 5.1 – Relação Jurídico-Processual. 289

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

que ocorrem, direta e linearmente, entre Autor e Réu. Na verdade, teorética e

empiricamente, tal não ocorre, pois tudo que acontece neste plano processual, mesmo entre

as partes, é sempre por intermédio do Estado-Juiz. Desde um simples procedimento de

tomada de depoimento pessoal, onde os advogados formulam suas questões através do juiz,

até a constatação de que, mesmo na conciliação, judicial ou extrajudicial levada a juízo, tal

só vale, dando cabo à extinção do processo com julgamento do mérito, tão-somente se o

Estado-Juiz a homologar. Ou seja, todas as situações do complexo de juridicidade se

constituem, desenvolvem-se e extinguem-se sempre através do Estado-Juiz e nunca

linearmente entre as partes.

Outrossim, como nós vimos até aqui, o complexo de situações jurídicas,

onde se configuram os deveres, poderes, faculdades, e ônus processuais não existe de per

si, isto é, só existe em função do processo e, em assim sendo, mesmo havendo deveres

recíprocos, por exemplo, entre as partes, isso não caracteriza uma relação linear direta

entres eles, já que tais deveres só existem em função do processo e neste instrumento há

alguém que o preside e sempre angulariza as situações: este é o Estado-Juiz. Assim, sem

dúvida alguma, a melhor concepção que caracteriza a relação jurídico-processual não é a da

Teoria Triangular, mas sim é a da Teoria Angular457, sob a qual nos deteremos agora.

A Teoria Angular, conforme já assentimos, foi formulada por um outro

processualista alemão, KONRAD HELLWIG, entre 1905 e 1907 nas suas obras “Klagrecht und

Klagmöglichkeit” e “Lehrbuch”.

457 Carreira Alvim, analisando as três concepções teoréticas (sobretudo, as teorias triangular e angular), inclusive apontando na dogmática jurídico-processual brasileira, suas repercussões, assim assinala, in verbis: “Muitos têm sido os argumentos contrários à angularidade da relação jurídica processual e favoráveis à tese triangular. Assim, dizem os triangularistas: as partes têm o dever de lealdade processual recíproca, estão as partes sujeitas, ainda, ao pagamento das custas processuais; as partes podem convencionar a suspensão do processo e também podem transigir, quando a lide versa sobre interesses disponíveis. A estes argumentos, respondem os angularistas (Celso Agrícola Barbi) que não existe nenhuma relação entre o autor e o réu, pois tudo no processo se passa por intermédio do juiz.” (ALVIM, Carreira. Teoria Geral do Processo. 9. ed. rev. atual. ampl. Rio de Janeiro: Editora Forense, p. 174.). Bem, sobre essas colocações, já assentimos que, em verdade, a suspensão e os outros atos apontados pelos triangularistas, só ocorrem, quando o juiz homologa o ato. Assim, sempre ocorre a angularização, via Estado-Juiz.

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5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA

CONSECUTADA. 5.1 – Relação Jurídico-Processual. 290

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Segundo esta teoria, que, na verdade, só se distingue da Teoria Triangular

sob um único aspecto, as relações que ocorrem no plano jurídico-processual entre os

sujeitos nele envolvidos nunca ocorrem direta e linearmente entre Autor e Réu, mas sempre,

angularmente, por intermédio do representante do Estado-Juiz. Tal é a distinção, com

relação aos triangularistas, que, como vimos, assentem no sentido dessa relação linear e

direta entre Autor e Réu. Em assim sendo, essa sim, como dissemos, parece ser a teoria que

melhor caracteriza e representa graficamente a relação que ocorre no plano processual,

entre Autor, Réu e Juiz.

Na verdade, como vimos no trecho do jurista pernambucano LOURIVAL

VILANOVA, no plano jurídico-processual, ocorrem, dialética e sinalagmaticamente (tendo em

vista a reciprocidade dos elementos ativos e passivos do complexo de juridicidade), duas

relações lineares que se angularizam, uma vez constituídas, na figura do Estado-Juiz.

Destarte, e ainda considerando, conforme vimos, quando da análise do instituto da Lide,

esta, a Lide, como a componente objetiva e conteudística de tal relação, eis a sua

representação gráfica458:

Estado-Juiz

Lide

Autor Réu

458 Na realidade, inobstante tudo isso, isto é, todas essas formulações teoréticas e diagramáticas sobre a relação jurídico-processual, acertada, parece-nos, as lições de Dinamarco, quando nos diz, in verbis, que: “Quando se diz que iudicium est actus trium personarum, judicis, actoris, rei e, na doutrina contemporânea, se salienta a estrutura tríplice da relação jurídica processual (angular? triangular?), é apenas um esquema mínimo que através dessas formulações se pretende apresentar. Esquema mínimo em que aparece o Estado (juiz) no exercício da jurisdição, poder do qual mantém o monopólio; o autor, exercendo a ação porque a autotutela lhe é vedada e porque o exercício da jurisdição não se faz espontaneamente (princípio da inércia da jurisdição, ou princípio da demanda); e o réu, finalmente, a quem é franqueada a defesa através da qual ele se ombreia ao autor em oportunidades, nesse palco da atividade dos três, que é o processo.” Na verdade, continua ele, in verbis: “Tal é, contudo, como já se advertiu, apenas um esquema mínimo, a ser alterado quando a complexidade de certas relações impõe ou possibilita a participação de mais que duas partes (pluralidade de partes) e sem considerar a indispensável atividade de certos sujeitos secundários (advogados, auxiliares da Justiça, representante das partes)” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 17, 19 e 28). Assim, as clássicas representações geométricas e diagramáticas com que a doutrina procura expressar a idéia da estrutura da relação jurídico-processual (autor, réu e juiz) constituem, apenas, um esquema mínimo que se refere, tão-somente, às situações jurídico-processuais vivenciadas pelos sujeitos mais importantes do processo judicial. No caso, trata-se de um esquema mínimo, como lembra Dinamarco, pois sem esses sujeitos – ditos principais – não se chegaria nem a constituir a relação jurídico-processual.

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CONSECUTADA. 5.1 – Relação Jurídico-Processual. 291

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

g) Do mesmo modo, voltando agora à análise dos caracteres estruturais da

relação jurídico-processual, trata-se de uma relação efectual, posto que só se concretiza, só

se materializa com o acontecimento de um fato que repercute na ordem jurídica, isto é, com

a concretização do suporte fáctico-causal descrito na norma processual.

Nesse sentido, LOURIVAL VILANOVA, analisando a efectualidade no plano

jurídico, di-no, de modo brilhante, que o ser sujeito de direitos nada mais é do que o efeito

da incidência de uma norma jurídica sobre um determinado fato. Di-no ele, ainda neste

sentido, que inexiste a subjetividade como propriedade inata, originária, pois tal só se dá

com a concretude factual, isto é, com a ocorrência do fato descrito na hipótese de incidência

da norma. Assim, transportando tal idéia lógico-formal para a teoria da relação jurídico-

processual, ele assim nos afirma, in verbis459:

Há a abstrata e potencial titularidade ativa processual do sujeito, como há a abstrata e potencial titularidade passiva do Estado, através de seu órgão-juiz, da prestação de tutela jurisdicional. Nesse ponto, sem nenhum fato não surge relação jurídica processual. Ordinariamente, provém do sujeito titular da pretensão ativa a manifestação de vontade, que é justamente o exercício do direito subjetivo público de acionar. Encontrando-se com a manifestação de vontade do Estado-Juiz, aceito o pedido ou requerimento (a petição inicial), a potencialidade abstrata se converte em ato jurídico-processual. Satisfeitos os pressupostos e as condições do exercício do direito de agir, e pressupondo-se a competência do órgão, tem-se o suporte factual, do qual resulta o efeito: a relação jurídico-processual (Grifos nossos).

Deste modo, exatamente, por isso, a relação jurídico-processual é efectual.

E continua ele, em outra passagem, in verbis460:

Se o direito à tutela jurisdicional do Estado-Juiz, revestido de todos os requisitos e condições previstas na lei processual, e universalmente distribuído (a todo cidadão), não se exercita, inexiste subjetivação,

459 VILANOVA, Lourival. Causalidade e Relação no Direito. 4. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 201. 460 Ibidem., p. 202-203.

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CONSECUTADA. 5.1 – Relação Jurídico-Processual. 292

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

direito subjetivo individualizado a requerer. E se a abstrata obrigação de prestar a tutela por parte do órgão judicante não vier a se compor – como correspectivo comportamento do Estado em face do autor -, então fato jurídico (fato com efeito jurídico – a relação processual) não se dá, por falta do pressuposto fáctico desse efeito de direito. Antes, a relação jurídica é subjetivamente indeterminada, como sublinha Ugo Rocco (Trattato di diritto processuale civile, cit., v. 1, p. 251-259), ainda não se concretizou com a determinação dos sujeitos da relação, e seu conteúdo. É certo, o pressuposto fáctico (o suporte fáctico) da relação jurídico-processual é, por sua vez, tomado em si mesmo, efeito da incidência de várias outras normas (Grifos nossos).

h) Por último, é uma relação, do ponto de vista lógico-formal, do tipo

reflexiva, assimétrica, e de conexidade instrumental.

In casu, é de se assentir e explicar que, do ponto de vista da teoria geral

das relações, uma relação é do tipo reflexiva, exatamente, quando vale entre o termo

referente e ele mesmo como termo relato. No nosso caso (da relação que ocorre no plano

do processo judicial), o que se observa é que há uma nítida coincidência dos elementos da

relação no plano estritamente formal e jurídico-processual, com os elementos desta mesma

relação no plano efectual e factual.

Por outro lado, é de se assentir e explicar, também, que, ainda do ponto

de vista lógico-jurídico, uma relação é do tipo simétrica e assimétrica, nos seguintes termos:

simétrica é uma relação que, se vale entre A e B, vale em sentido inverso. Assim, se “A igual

a B”, então “B igual A”. Por sua vez, a relação é do tipo assimétrica quando, se vale em

sentido direto, não vale em sentido inverso. Assim, “A maior que B” dá a conversa “B menor

que A”. Ora, no caso da relação jurídico-processual, evidentemente, esta é do tipo

assimétrica, tendo em vista, conforme já explicamos, o conjunto de situações jurídicas

vivenciadas por cada um dos sujeitos processuais no plano do complexo de juridicidade da

relação processual.

Por fim, é de conexidade instrumental, posto que esta, a relação jurídico-

processual, conforme apresentamos e demonstramos anteriormente, não está de todo

apartada da relação jurídico-material litigiosa que ocorreu no plano factual. Ao contrário, há

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CONSECUTADA. 5.1 – Relação Jurídico-Processual. 293

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

uma demonstrável e verificável relação entre elas – a relação jurídico-processual e a relação

jurídico-material litigiosa – inclusive, sob o ponto de vista dos elementos subjetivos, causais

e objetivos que as caracterizam. Neste sentido, afirma-nos LOURIVAL VILANOVA461, in

verbis, que:

Trata-se agora de saber que relação se dá (se existe) entre a relação processual e a relação de direito material. Esta ingressa no processo, como objeto sobre o qual incidirá a sentença, declarando-se certa, ou eliminando a controvérsia na titularidade ativa e passiva. (...) Tudo isso nos leva a pensar que se a relação processual não é indiferente à presença ou ausência da relação material, mas a leva em conta, entre as condições da ação, esta relação entra compondo o pressuposto fáctico para o exercício do direito de pedir a prestação jurisdicional. Não se insere como fato jurídico com eficácia de direito/deveres substantivos. A causalidade jurídica que interliga tal fato jurídico com tais efeitos é norma de direito substantivo, não norma de direito processual. E se a decisão vem a confirmar, modificar ou desconstituir esses efeitos, a eficácia advém do direito substantivo, que o direito processual tem em vista aplicar. Essa relação de aplicação é de conexidade instrumental, como anotou Liebman (Grifos nossos).

Outrossim e em última análise, agora já no plano da elementaridade

constitutiva da relação jurídico-processual, temos que esta é, conforme apresentamos,

constituída e formatada pelos seguintes elementos de natureza constitutiva:

a) o elemento subjetivo – constituído pelos sujeitos processuais, isto é, por

todos aqueles, pessoas físicas ou jurídicas que, de algum modo, figuram como titulares das

diversas situações jurídico-processuais ativas e passivas consubstanciadoras e formatadoras

do que nós denominamos de complexo de juridicidade (tais os sujeitos processuais principais

e secundários da relação, conforme vimos);

b) o elemento causal – constituído pelo ato jurídico-processual denominado

de demanda que, como ato formal que é, trata-se do veículo da pretensão e resistência

processual (Prozessanspruchrecht) e material (anspruch) das partes, além de ser o elemento

461 Ibidem., p. 206-207.

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5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA

CONSECUTADA. 5.1 – Relação Jurídico-Processual. 294

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

iniciador do fenômeno relacional que ocorre no plano processual. No caso, a demanda é o

ato formal que dá ensejo à formação da relação jurídico-processual – a partir da dedução do

Litígio em juízo – e que consubstancia e veicula em si o pedido (petitum ou antrag) e a

causa de pedir (causa petendi ou sacherverhalt) que serão objeto de cognição e decisão pelo

Estado-Juiz;

c) e o elemento objetivo-conteudístico – constituído pela Lide nos exatos

termos da construção analítico-distintiva já demonstrada por nós.

Em assim sendo, por tudo visto, tal é o conceito de Relação Jurídico-

Processual, sob o prisma do nosso enfoque tético e conteudístico462.

Vejamos, agora, sob este mesmo prisma método-epistemológico, a

instituição jurídico-processual Ação, seus elementos constitutivos, e alguns institutos

fundamentais a ela ligados.

462 Antes de passarmos adiante, falando ainda, em última análise, da relação jurídico-processual, um dado do processo judicial, muito interessante, que se apresenta para nós e que merece ser aqui, mesmo que en passante, em nota explicativa, sem um maior aprofundamento teórico (até porque não constitui objeto central das nossas preocupações) analisado. Qual seja: o fenômeno da pluralidade de partes e da intervenção de terceiros, diante da estrutura trinária e angular da relação jurídico-processual. Na verdade, as questões a serem abordadas são: nos fenômenos de cumulação subjetiva e de intervenção de terceiros que ocorrem nos processo judiciais, o que se forma ou acontece, em realidade, no plano processual? Ocorre uma pluralidade de Lides dentro de um mesmo processo? Ou uma pluralidade de relações processuais dentro de um mesmo processo? Ou, ainda, uma pluralidade de processos judiciais constantes de um mesmo instrumento formal que são os autos processuais?. Em nosso sentir, na verdade, quando tal ocorre – por exemplo, no caso do litisconsórcio, não importa a classificação dele – forma-se, ainda sim, uma única relação jurídico-processual, dentro de um mesmo processo judicial. Claro que, na realidade, tal relação se torna ainda mais complexa, tendo em vista as diversas situações jurídico-processuais vivenciadas pelos sujeitos, ainda mais aumentadas pela participação plurissubjetiva de partes. Mas não deixa de ser o mesmo complexo de juridicidade, formatador da relação jurídico-processual. Assim, não importa a quantidade de sujeitos processuais parciais, pois, sempre, temos uma mesma relação jurídico-processual, num só processo judicial. Por outro lado, quando ocorre o fenômeno da intervenção de terceiros, tudo depende do tipo de intervenção que ocorre. Isto é, é preciso saber se a intervenção é do tipo ad coadjuvandum – como a assistência o é; ou do tipo ad excludendum – como a nomeação à autoria o é; ou ainda como no caso da oposição, onde se deduz nova ação e nova Lide; ou ainda nos termos da denunciação da Lide e do chamamento ao processo. No caso, sem nos aprofundarmos muito nessas questões, em passante, parece-nos que a melhor solução seria a seguinte: se houver nova Lide – como no caso da denunciação da Lide e da oposição – com o estabelecimento de novo procedimento, paralelo ao da ação principal, nova relação há e, também, por conta do novo procedimento a ser observado, novo processo há (já que processo = relação jurídica + procedimento). Se não, trata-se tudo da mesma relação processual, dentro de um só processo judicial. Para um melhor entendimento, aprofundamento e posicionamento sobre essas questões, melhor conferir: DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 15-37.

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5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA

CONSECUTADA. 5.2 – Ação. 295

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

5.2 – Ação.

A Ação – a despeito de seu conhecido prisma de definibilidade na

dogmática jurídico-processual moderna, entendida, assim, hoje, como sendo o direito

público subjetivo de natureza constitucional-fundamental que qualquer pessoa tem de pedir

ao Estado uma tutela jurisdicional, um pronunciamento sobre uma determinada situação por

ela vivenciada e, sobretudo, tendo em vista a construção analítico-distintiva, teórico-termino-

lógico, aqui proposta e demonstrada entre os institutos do Litígio e da Lide – nada mais

seria, nesta nossa tética perspectiva, do que o poder – ou a possibilidade jurídica – que

ambas as partes têm – autor e réu – de veicular em juízo, perante o Estado-Juiz, através de

um processo de transformação e dedução do conflito que ocorrera no plano da realidade

factual e pré-processual, suas pretensões e aspirações contraditórias (tal a Lide)463.

Isso porque, conforme vimos, quando da construção, nos termos da nossa

suposição hipotética, do instituto da Lide, o processo de transformação e dedução,

quantitativa e qualitativa, do Litígio em juízo, a partir do qual se forma e se consubstancia tal

Lide, ocorre (e só ocorre, na verdade), processualmente falando, tendo em vista,

exatamente, este chamado “direito” de ação (o klagerecht, da doutrina alemã) que as partes

têm de pedir, na forma legal-procedimental, ao Estado-Juiz, uma tutela jurisdicional, isto é,

um pronunciamento jurisdicional de mérito sobre uma determinada situação fáctico-jurídica

vivenciada por eles. Por isso, dizíamos que tal é – a Ação – o fundamento e suporte jurídico

desse processo de transformação e dedução do Litígio em juízo, formando, assim, a Lide, a

Relação Jurídico-Processual e, por conseguinte, o processo judicial.

Em outras palavras, há uma nítida relação de implicação lógica e derivativa

entre o Litígio, a Ação (materializada na demanda), a Lide, a Relação Jurídico-Processual e, 463 Neste sentido, já salientamos, Liebman falava em “conflito efetivo ou virtual de pedidos contraditórios, sobre o qual o juiz é convidado a decidir” (LIEBMAN, Enrico Tullio. Estudos sobre o processo civil brasileiro. Araras: Bestbook, 2001, p. 103.).

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5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA

CONSECUTADA. 5.2 – Ação. 296

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

enfim, o Processo Judicial, posto que ela – a Ação –, na nossa tética perspectiva, é o

elemento desencadeador e formatador de tudo aquilo que acontece no plano jurídico-

processual. Neste sentido, assentimos anteriormente que, em verdade, a demanda – como

ato processual operador e materializador de tal direito (ou poder) de Ação – é o elemento

causal da Lide, pois esta, como se demonstrou, somente é constituída, a partir do Litígio, se

houver tal processo de dedução em juízo, até porque, como sabemos da sistemática do

direito processual brasileiro, pelo principio da inércia da jurisdição, impede-se que o órgão

judiciário, ex officio, instaure as Lides processuais464.

Em assim sendo, assentindo a Ação como o poder ou direito465 público e

subjetivo que as partes têm de formular em juízo as suas pretensões, temos que tal poder é,

conforme vimos anteriormente, operacionalizado inicialmente (inicialmente, pois, como já

assentimos, o direito de ação é um direito permanente na dialética da relação jurídico-

processual e que, por assim ser, não se exaure na omissão ou comissão de uma única

conduta processual, como é o caso da demanda)466, a partir de um ato processual – sendo

este, inclusive, o primeiro ato do processo – denominado pela dogmática jurídico-processual

tradicional de demanda (o que os alemães chamam de Klageantrag).

Tal ato processual (a demanda), por sua vez, conforme também frisamos,

constitui, em verdade, em si, o próprio processo de transformação e dedução, quantitativa e

qualitativa, do Litígio em juízo, formando a Lide e todos os demais elementos da relação

jurídico-processual agora formada. Seria, então, a demanda o elemento operador e

materializador do poder processual denominado Ação.

Destarte, não há que confundi-la (é o que temos assentido), a demanda,

como muitos autores já o fizeram (e continuam a fazer, na verdade) com o próprio direito

464 Daí os enunciados de base romanista “Ne procedat judex ex officio” e “Nemo judex sine actore”. 465 Lembremo-nos aqui da concepção afirmada por nós, na esteira das lições de Cândido Rangel Dinamarco, de que não existem, na acepção estrita do termo, direitos e obrigações de natureza processual. 466 Cândido Rangel Dinamarco, neste sentido, afirma-nos que o direito de ação, analiticamente falando, in verbis: “é a soma das posições jurídicas ativas do demandante no processo, tendo por objeto o provimento jurisdicional por ele pedido e devido pelo Estado” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, v. 1, p. 107).

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5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA

CONSECUTADA. 5.2 – Ação. 297

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

(ou poder) de Ação ou com outros institutos, como o meritum causae ou o streitgegenstand

do processo, ou a pretensão processual (rechtsschutzanspruch) e material (anspruch) das

partes.

In casu, como vimos, não há porque se confundir tais institutos com a

demanda, posto que ela, como ato processual que é, nada mais é – conforme bem assentiu

JAIME GUASP467 e já salientamos isso – do que o ato processual que materializa e

instrumentaliza o direito (ou poder) de Ação, sendo assim, por via de conseqüência, tão-

somente o veículo da pretensão do autor (tanto a pretensão processual – a

rechtsschutzanspruch, quanto a pretensão material – a anspruch) e do réu (lembrando-se e

salientando-se aqui os conceitos, já vistos por nós, de demanda ativa e passiva).

Por assim ser, a demanda, como ato processual que materializa e

instrumentaliza o direito (ou poder) de Ação, sendo assim, por via de conseqüência, o

veículo do Litígio a ser levado a juízo, tão-somente define e delimita o conteúdo subjetivo e

objetivo da Lide e, por conseguinte, da relação jurídico-processual, incluindo, nesta definição

de elementos, o chamado meritum causae ou o streitgegenstand do processo, sem com eles

se confundir semântica e referencialmente468.

Desta maneira, conforme também demonstramos, quando do estudo do

instituto da Lide, numa síntese objetiva e fundamental, temos que a demanda – como ato

formal e estritamente processual que é – é que consubstancia em si o tal processo de

467 Cf. GUASP, JAIME. Derecho Procesal Civil. 3. ed. Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1977, Tomo I, p. 216. 468 Neste sentido (já apresentamos), afirma-nos Cândido Rangel Dinamarco, em diversas passagens que, in verbis: “Não creio que a demanda seja o mérito da causa. Vejo nela, apenas, o veiculo de algo externo ao processo e anterior a ele, algo que é trazido ao juiz em busca do remédio que o demandante quer. A demanda é fato estritamente processual, pressuposto processual, é ato formal do processo, que com ele tem vida e nele se exaure. Ela é o veiculo da pretensão do demandante, que é uma sua aspiração a determinado bem ou a determinada situação jurídica que, sem o processo e sem a intercessão judicial,o sistema o impede de obter.”. Do mesmo modo, continua ele, in verbis: “é na demanda inicial que residem os elementos determinantes do conteúdo e responsáveis pelos limites do provimento a ser proferido pela autoridade jurisdicional. (...) A demanda [é] verdadeiro projeto do provimento desejado”. E mais: “É ajuizando a demanda que o sujeito traz à presença do juiz a situação a que pretende seja posto reparo e dele postula uma medida capaz de conduzir à solução que, por uma razão ou por outra, não lhe é dado obter pelos próprios meios. E a demanda, narrando fatos, conclui por colocar diante do juiz uma pretensão, veiculada no pedido de emissão de um provimento jurisdicional de determinada ordem, com o conteúdo que indica e referente ao bem da vida especificado (além, naturalmente, de identificar os sujeitos a serem envolvidos na imperatividade do provimento)”.(DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, v. 1, p. 247, 235 e 236).

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5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA

CONSECUTADA. 5.2 – Ação. 298

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

transformação e dedução, quantitativa e qualitativa, do Litígio em juízo, formando a Lide e,

por assim ser, os demais elementos da relação jurídico-processual. Em outras palavras, é

com a demanda que se vai identificar, delimitar e definir, subjetiva e objetivamente falando,

todos os elementos (partes, causa de pedir – o suporte fáctico-causal e jurídico – pretensão

processual e material) que, a partir do Litígio, vão formar e compor a Lide, agora, no plano

da relação jurídico-processual.

Outrossim, é de se assentir, destacar e demonstrar mais uma vez que tal

processo de transformação e dedução do Litígio em juízo (a demanda), completa-se tão-

somente, com a participação efetiva e essencial da parte ex-adversa; isto é, com a

participação do réu. Por isso, temos colocado insistentemente que a Ação é o poder – ou a

possibilidade jurídica – que ambas as partes têm – autor e réu – de veicular em juízo,

perante o Estado-Juiz, suas pretensões e aspirações contraditórias. Exatamente, por que,

conforme assente peremptoriamente a processualística moderna, fulcrada, é certo – nós já

vimos –, nas teorizações do processualista italiano ELIO FAZZALARI469 e do sociólogo do

direito alemão NIKLAS LUHMANN470, a Relação Jurídico-Processual nada mais é do que a

projeção jurídica da exigência política do contraditório.

Em assim sendo, conforme já assentimos, é por essa razão e posição da

dogmática que os processualistas mais modernos modificaram a conhecida Trilogia Estrutural

da Ciência Jurídico-Processual (Jurisdição, Ação e Processo), acrescentando a esta, mais um

elemento processual (isto é, mais uma instituição jurídico-processual), a qual denominaram

de Defesa (ou Exceção) do réu. Neste sentido, ALBUQUERQUE ROCHA471, em certeira lição

nos assevera, in verbis, que:

Tradicionalmente, costuma-se usar o conceito de ação para designar apenas a situação jurídica do autor, ou seja, fala-se da ação somente em relação á

469 Cf. FAZZALARI, Elio. Istituzioni di diritto processuale. Pádua: Cedam, 1975. 470 Cf. LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Trad. Maria da Conceição Corte-Real. Brasília: UNB, 1980. 471 ALBUQUERQUE ROCHA, José de. Teoria Geral do Processo. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 167.

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5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA

CONSECUTADA. 5.2 – Ação. 299

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

parte que promove o processo. Isto, porém, não é correto. O réu é também titular de uma série de poderes, faculdades e até deveres, que lhe são conferidos pelo ordenamento jurídico para que concretize sua participação no processo e que configuram também um direito à tutela jurisdicional efetiva, ou seja, um direito de ação, só que de caráter negativo. É claro que os poderes, faculdades e deveres do réu não têm o mesmo conteúdo dos poderes, faculdades e deveres do autor. Assim, enquanto o autor tem o poder de pedir a prestação jurisdicional, ao réu cabe o poder de pedir sua rejeição. Mas a diversidade de conteúdo das duas situações jurídicas não nega a tese de que o réu é titular de uma situação jurídica paralela à do autor. Quanto à essência, a situação do réu não é diferente da do autor.

Exatamente por isso é que falamos em uma ação em sentido positivo –

formulada e deduzida em juízo pelo autor, através do ato processual que nós denominamos

de demanda ativa – e em uma ação em sentido negativo – formulada e deduzida em juízo

pelo réu, na oportunidade que lhe é dada para contestar a formulação peticional do autor,

através do ato processual que nós denominamos de demanda passiva – salientando, apenas,

que, no caso, o réu tem sua participação, nesse processo de transformação e dedução,

quantitativa e qualitativa, do Litígio em juízo, formando a Lide, circunscrita aos limites

fixados pelo autor na sua demanda inicial472.

De qualquer modo, conforme estabelece o Sistema Jurídico-Processual

brasileiro e a própria dogmática jurídico-processual, o réu, na oportunidade que tem,

inicialmente, de demandar (demanda passiva), traz, na sua resposta ao pedido (pretensão)

do autor, à cognição do juízo – integrando assim a Lide – todas as suas possibilidades de

alegações e defesas – tanto a defesa material, direta e indireta, quanto a defesa processual,

dilatória e peremptória. Nesses termos, consubstanciada está a Lide através da

completude473 do processo de dedução, quantitativa e qualitativa, do Litígio em juízo,

formado, assim, tal processo, a partir das deduções do autor e do réu.

In casu, neste sentido de completude da formação da Lide e da relação

jurídico-processual como um todo, a partir da participação efetiva tanto do autor, quanto do

472 Muito embora, é bom ressaltarmos mais uma vez que, no caso da reconvenção e do pedido contraposto (no caso dos procedimentos sumário e sumaríssimo e das ações de natureza dúplice), os limites são alterados com a dedução do réu, apesar de que, num desses casos (na reconvenção), em verdade, o que ocorre é a formação de uma nova Lide, agora, agregada, à Lide anterior. 473 (LIEBMAN, Enrico Tullio. Estudos sobre o processo civil brasileiro. São Paulo: Bestbook, 2001, p. 101-102.)

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5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA

CONSECUTADA. 5.2 – Ação. 300

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

réu (através das suas respectivas ações – ação em sentido positivo e ação em sentido

negativo –, materializadas nas suas respectivas demandas – demanda ativa e demanda

passiva), é válido salientarmos mais uma vez, o conceito que o processualista italiano

ENRICO TULLIO LIEBMAN deu à Lide, reformulando-o dos caracteres sociológicos que,

segundo ele, CARNELLUTTI empregou para a formação da sua teoria. Di-no, ele, assim, in

verbis:

Observamos já que o pedido que forma objeto dum processo de cognição admite necessariamente, pela própria essência de sua estrutura lógica, a possibilidade de dois resultados opostos. O juiz pode declarar procedente o pedido, dando ganho de causa ao autor; e pode, também, declará-lo improcedente, dando assim a vitória ao réu. Tudo depende dos resultados do estudo e do exame da causa. Naturalmente, a improcedência do pedido do autor equivale à procedência da contestação do réu, que pediu a rejeição da ação proposta. Pedido e contestação representam dois pedidos em conflito e a função do juiz consiste, justamente, em julgar qual dos dois é conforme ao direito, concedendo ou negando, em conseqüência, a medida requerida pelo autor. (...) Este conflito de interesses, qualificado pelos pedidos correspondentes, representa a lide, ou seja, o mérito da causa. A lide é aquele conflito, depois de moldado pelas partes, e vazado nos pedidos formulados ao juiz.

Assim também, conforme vimos, nesta relação de implicação lógica e

derivativa entre a instituição Ação e o instituto da Lide, o elemento constitutivo formal deste

é composto, exatamente, pela Ação em sentido positivo, deduzida em juízo pelo autor, e a

Ação em sentido negativo, deduzida em juízo pelo réu. Isso porque, na relação jurídico-

material que ocorrera no plano factual e a partir da qual se originou o Litígio, os sujeitos

contendedores atuaram, em verdade, no plano da vontade e, concretamente falando, um

contra o outro (pretensão versus resistência). Daí porque se fala, na dogmática jurídico-

processual, a partir das lições de CARNELUTTI, em conflito intersubjetivo de interesses

qualificado pela pretensão de um e pela resistência do outro. Daí porque se fala, também,

ainda na linguagem carneluttiana, em pretensão como sendo a exigência de subordinação do

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5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA

CONSECUTADA. 5.2 – Ação. 301

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

interesse alheio ao interesse próprio e em resistência como sendo a não-adaptação a esta

exigência de subordinação de interesse.

Assim, com a dedução de tal relação jurídico-material litigiosa (o Litígio ou

a res in iudicium deductae) em juízo, formando-se, assim, a Lide, os sujeitos contendedores

– agora, partes da Lide e, por conseguinte, da relação processual, conforme vimos – passam

a atuar não mais no plano estritamente da vontade, mas no plano jurídico-lógico-formal-

processual. E, em assim sendo, essa atuação se faz, como também vimos, não mais por

meios aleatórios e factuais (como a simples exigência ou resistência do plano da vontade),

mas por meio do instrumental judiciário que a própria sistemática do processo estatui para

que o Estado-Juiz possa, assim, dizer o direito no caso concreto em última instância. Por

isso, assim, a possibilidade de demanda do autor – através do seu direito de ação (ação em

sentido positivo) e, também, a possibilidade de defesa do réu – através do seu direito de

negativa à ação do autor (ação em sentido negativo). Tudo isso num plano, eminente e

estritamente lógico-formal e jurídico-processual. Daí porque o autor, formalmente, através

da sua Actio (ou Klagerecht), pede, isto é, veicula a sua pretensão (tal o petitum),

fundamentado em um suporte fáctico-causal e jurídico (tal a causa petendi) e o réu, por sua

vez, também formalmente, defende-se, isto é, apresenta a sua Exceptio, veiculada em sua

contestatio e fundamentada na sua defesa material e processual (tal a causa excipiendi). Eis,

formalmente, os elementos constitutivos da ação; eis, formalmente, como vimos, constituída

a Lide no plano do complexo de juridicidade da relação jurídico-processual.

Por fim, atentando-se agora para a elementaridade constitutiva da Ação,

temos que esta, conforme assente majoritariamente a dogmática processual, é formada

pelos seguintes elementos constitutivos:

a) Elemento Subjetivo: constituído pelas partes legitimadas para agir em

juízo, no caso, autor e réu (os sujeitos processuais parciais principais), sendo aquele, o

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5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA

CONSECUTADA. 5.2 – Ação. 302

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

autor, o que deduz em juízo uma pretensão veiculada no petitum e este, o réu, o que, por

sua vez, resiste, em juízo, através da sua contestatio.

b) Elemento Causal: constituído pela causa petendi – próxima e remota –

do autor e pela causa excipiendi – próxima e remota – do réu. Fala-se em causa remota em

alusão ao que denominamos de suporte fáctico-causal da demanda – isto é, os fatos de

relevância jurídica que ocorreram no plano social – e, por sua vez, fala-se em causa próxima

em alusão ao que denominamos de suporte jurídico da demanda – isto é, a repercussão

jurídica dos fatos que ocorreram no plano social. Ademais, é de se ressaltar, quanto a isso,

que na sistemática do processo brasileiro se adotou a teoria da substanciação e não a teoria

da individuação da causa de pedir474;

c) Elemento Objetivo: constituído pelo pedido imediato e pelo pedido

mediato da ação. In casu, como se sabe, chama-se de pedido imediato o pedido veiculado

pelas partes no sentido de se obter uma específica tutela jurisdicional para a Lide. Por sua

vez, chama-se de pedido mediato o pedido veiculado pelas partes no sentido de se obter

uma prestação relativa ao bem jurídico que se quer que seja tutelado.

Em assim sendo, por tudo visto, tal é o conceito de Ação, sob o prisma do

nosso enfoque tético e conteudístico475.

Vejamos, agora, sob este mesmo prisma método-epistemológico, o

instituto jurídico-processual do Meritum Causae ou Streitgegenstand que, constitui, em si,

conforme se verá, o Thema Decidendum do processo.

474 Para maiores informações sobre tais teorias, conferir o importante ensaio de Cruz e Tucci: CRUZ e TUCCI, José Rogério. A causa petendi no processo civil. 2. ed. rev. atual. amp. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. 475 Sob o temário dos requisitos que devem ser observados – dentro da nossa tética perspectiva – para a consecução do direito (ou poder) de Ação – as chamadas condições da Ação – nos deteremos no item 5.4 desta seção, quando discorreremos sobre o objeto de cognição do juiz.

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5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA

CONSECUTADA. 5.3 – Meritum Causae, Streitgegenstand e Thema Decidendum do processo. 303

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

5.3 – Meritum Causae, Streitgegenstand e Thema Decidendum do

processo.

Atualmente, um dos temários mais emblemáticos e intrigantes – uma

verdadeira hard question ou vexata quaestio – da Teoria Geral do Processo – por

conseguinte, da Ciência Jurídico-Processual – e do Sistema Jurídico-Processual de normas, é,

indubitavelmente, o temário do mérito da causa e do objeto (litigioso) do processo. Isto é, a

grande questão que se coloca na doutrina é buscar encontrar, dentro da relação jurídico-

processual e do seu complexo de juridicidade, como vimos, aquilo que constitui o objeto

principaliter de cognição e decisão juiz. Isso porque tal temário tem várias implicações e

repercussões no âmbito dos demais elementos (institutos) que constituem tal relação

jurídico-processual. Veja-se, por exemplo, que é a partir da definição do conceito de mérito

da causa que, na nossa sistemática, se extingue o processo com ou sem o julgamento deste

(como dizem os arts. 267 e 269 do Código de Processo Civil) e, em assim sendo, se ocorre

ou não a formação da coisa julgada material e seus respectivos limites objetivos e se há ou

não, ainda, possibilidade de uma nova apreciação judicial sobre esta mesma Lide. Tal é,

então – e veremos ainda mais – a importância da definição e delimitação dos conceitos de

mérito da causa e do objeto do processo.

Em assim sendo, dada a magnitude e importância dos temários, vários

foram os grandes processualistas – sobretudo, italianos e alemães, locais onde tal discussão

mais se acentuou e se asseverou nas últimas décadas – que, na tentativa de se achar uma

adequada solução método-epistemológica e teórico-conceptual dentro da Ciência Jurídico-

Processual e do Sistema Jurídico-Processual de normas para tais temários, teorizaram sobre

os mesmos. Nesse sentido, lembremo-nos dos ensaios e obras476 de grandes autores

476 Inclusive já os comentamos e estudamos neste trabalho.

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5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA

CONSECUTADA. 5.3 – Meritum Causae, Streitgegenstand e Thema Decidendum do processo. 304

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

processualistas, tais como, KARL HEINZ SCHWAB (em seu Der Gegenstand im Zivilprozess,

de 1954), ARTHUR NIKISCH (em seu Der Streitgegenstand im Zivilprozess, de 1935)

FRIEDRICH LENT (em seu ensaio Zur Lehre Streitgegenstand, em Zeitschrift für Zivilprozess,

de 1953), WALTHER J. HABSCHEID (em seu Der Streitgegenstand im Zivilprozess, de 1956),

ARWED BLOMEYER (em seu Zivilprozessrecht, da década de 50), WOLFRAM HEIDELBERG

(em seu Parteilehre und Streitgegenstand im Zivilprozess, de 1961), ADOLF SCHÖNKE (em

seu Lehrbuch des Zivilprozessrechts, de 1940) e LEO ROSENBERG (em seu Zur Lehre vom

Streitgegenstand e Zeitschrift für Deutschen Zivilprozess, de 1932, e, mais à frente, em seu

manual Lehrbuch des Deutschen Zivilprozessrechts), entre os processualistas alemães;

assim como também, GARBAGNATI (em seu Questioni di merito e questioni pregudiziali, de

1976), FRANCESCO CARNELUTTI (em seu Instituzioni del processo civile italiano, de 1956),

ENRICO TULLIO LIEBMAN (em seu Manual de Direito Processual Civil, de 1983), GIUSEPPE

CHIOVENDA (em seu Principii di diritto processuale civile, de 1928), MONTESANO (em seu

Questioni preliminari e sentenze parziali di merito, de 1969), ELIO FAZZALARI (em seu

Instituzioni di diritto processuale, de 1975), ENRICO REDENTI (em seu Diritto processuale

civile, de 1960) e BETTI (em seu Ragione e Azione, de 1932), entre os processualistas

italianos. No Brasil, grandes autores processualistas nossos, na esteira das lições do

processualismo científico alemão e italiano, também produziram obras de grande importância

e contribuição científica sobre tais temas. Assim, por exemplo, ALFREDO BUZAID (em seu Do

agravo de petição no sistema do Código de Processo Civil), MOACYR AMARAL SANTOS (em

seu As condições da ação no despacho saneador), MACHADO GUIMARÃES (em seu Carência

de Ação), GALENO LACERDA (em seu Despacho Saneador), ELIÉZER ROSA (em seu Leituras

de processo civil) e, mais recentemente, CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, indubitavelmente,

o processualista brasileiro que produziu, cientificamente falando, o melhor ensaio sobre tais

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CONSECUTADA. 5.3 – Meritum Causae, Streitgegenstand e Thema Decidendum do processo. 305

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

temários, em seu O conceito de mérito em processo civil, na sua obra Fundamentos do

Processo Civil Moderno477.

Pois bem. Sobre tais temas – o mérito da causa (ou o meritum causae, na

linguagem da dogmática processual tradicional italiana, fruto das concepções romanísticas) e

o objeto do processo (na linguagem dos processualistas alemães, o streitgegenstand do

processo) – DINAMARCO, aliás, de início, já nos leciona e demonstra, numa técnica e

científica argumentação, que, em verdade, buscar encontrar aquilo que constitui o objeto

principaliter de cognição e decisão do juiz e que, por assim ser, será o Thema Decidendum

do processo, é o mesmo que buscar encontrar o meritum causae ou streitgegenstand do

processo, sem haver, assim, nenhuma importante e fundamental distinção teórico-

conceptual entre tais termos (meritum causae e streitgegenstand). Di-no ele, desse modo,

que tal distinção terminológica e de nomenclatura ocorre tão-somente em função da

diversidade de matriz metodológica existente entre o processualismo alemão – que centra

suas teorias no método que tem a Relação Jurídico-Processual como cerne de todos os

demais conceitos processuais – e o processualismo italiano – que tem, na instituição Ação, o

seu grande pólo metodológico central.

Assim, neste sentido, assente-nos ele, in verbis478:

De tudo quanto se disse, fica fácil inferir também que o objeto do processo é, em outras palavras, o mérito da causa (meritum causae). Confrontando-se a linguagem tradicional, que fala no mérito, com a dos processualistas que investigam acerca do objeto do processo, ver-se-á que o problema é um só e a busca do objeto do processo outra coisa não é, senão a busca do conceito do mérito. [...] Na Alemanha, como disse, é que os estudos sobre o objeto do processo têm sido mais acurados. Os germânicos, a quem a ciência processual deve os primeiros trabalhos científicos sobre a ação; hoje não são afeitos a esta, tanto quantos são os italianos e somos nós brasileiros. [...] O streitgegenstand figura, na ciência processual alemã, na mesma posição ocupada pela lide, no sistema carneluttiano: mais do que

477 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. 478 Ibidem. p. 238, 263 e 267.

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CONSECUTADA. 5.3 – Meritum Causae, Streitgegenstand e Thema Decidendum do processo. 306

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

um conceito constantemente burilado e polido nas especulações dos doutrinadores, mais do que um considerável instituto na ciência do processo, ele constitui, entre os germânicos contemporâneos, um respeitável pólo metodológico, verdadeiro centro ao qual converge a disciplina de inúmeros institutos processuais. Entre os italianos, o interesse pelo objeto do processo é menor. Ligados por tradição bastante longeva ao método centrado na ação, eles a têm como centro de convergência. Mesmo os que se aplicam ao estudo do oggetto del processo, os autores peninsulares mostram-se ainda presos ao esquema da ação, de seus elementos, da teoria dos três eadem. São autores que, reconhecendo embora a necessidade de definir o objeto do processo, ou seja, de definir a natureza daquilo que se põe diante do juiz à espera do ato imperativo a ser emitido, fazem-no a partir de suas próprias concepções, sem se transportar ao clima metodológico em que a ciência processual germânica está medularmente inserida (grifos nossos).

Assim, em síntese, falar em meritum causae é falar, nos mesmos termos e

modos, em streitgegenstand do processo; ou seja, ambos os elementos constituem uma só

realidade fenomênico-processual: o objeto litigioso do processo e que, por assim ser, será

“objeto” principaliter de cognição e decisão do juiz479. Sobre este, inclusive – o objeto de

cognição –,deter-nos-emos na próxima seção.

Em assim sendo, isto é, em sendo o Meritum Causae, referencial e

semanticamente, o mesmo que o Streitgegenstand do processo, o grande problema que aqui

se nos apresenta é tentar encontrar um conceito unívoco e monorreferencial para tais

479 Sobre tais conceitos – meritum causae, streitgegenstand , objeto litigioso do processo e objeto de cognição do processo – importante é a afirmação de Dinamarco, comentando acerca de um ensaio de Arruda Alvim, onde este distingue o “Objeto do Processo” do “Objeto Litigioso do Processo”, na esteira das discussões sobre o que seria o meritum causae e o streitgegenstand do processo. Vejamos, o que ele nos diz neste sentido: “No Brasil, manifesta interesse pelo tema o processualista Arruda Alvim. Ele critica o emprego da locução objeto do processo para designar o fenômeno de que cuidamos, ou seja, o objeto que constitui alvo do provimento esperado. Para ele, esse é o objeto litigioso, conceito que coincide com o de mérito (afirma uma sinonímia entre objeto litigioso, lide e mérito). Objeto do Processo seria um conceito mais amplo, abrangendo o objeto litigioso do processo ‘mais as questões suscitadas pelo réu’. Objeto litigioso seria o ‘conflito de interesses qualificado pela pretensão do autor’, ou seja, a lide; objeto do processo, ‘as questões levantadas pelo réu somadas ao objeto litigioso (pretensão)’. Esse conjunto formaria ‘o objeto do processo sobre o qual incide toda a atividade jurisdicional’. Poder-se-ia até dar razão ao conceituadíssimo estudioso. Traduzir Streitgegenstand por objeto litigioso revela conhecimento do vocábulo traduzido (Streit = Lide) e fidelidade na tradução. Em abono ao autor, lembra-se ainda que a obra de Schwab, bastante conhecida e aqui citada, chama-se em alemão Der Streitgegenstand im Zivilprozess e seu tradutor argentino lhe deu publicidade com o título El Objeto Litigioso en el Proceso Civil. Essa fidelidade verbal não é contudo tão importante, nem conduz aos melhores resultados substanciais. Falando em oggetto del processo, ou oggetto del giudizio (giudizio = processo), os italianos dão bem a idéia do objeto de uma relação jurídica,a relação jurídica processual; ou seja, do objeto sobre o qual incidirão os efeitos principais do ato jurisdicional imperativo preparado ao longo do procedimento. Na realidade,o que Arruda Alvim prefere designar por objeto do processo outra coisa não é senão o conjunto de questões que constituem a matéria lógica a ser elaborada pelo juiz na preparação do julgamento da causa. Constitui em outras palavras, o que se chama objeto do conhecimento do juiz, a exemplo da preferência assim manifestada por Liebman.” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 265-266).

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

elementos, sobretudo, porque, conforme também demonstra DINAMARCO, há uma

verdadeira confusão teórica e conceitual na definição do que viria a ser tal Meritum Causae

ou Streitgegenstand do processo; isto é, na definição daquilo que seria o objeto litigioso de

cognitio e decisum principaliter – o Thema Decidendum – do processo judicial. Tanto é assim

que, nós vimos, o nosso objetivo aqui nesta subseção é tentar desconfigurar a idéia

recorrente na dogmática jurídico-processual brasileira de que o conceito de meritum causae

(streitgegenstand) do processo é, semântica e jurídico-processualmente, o mesmo que o

conceito de Lide.

Neste sentido, afirma-nos a dogmática jurídico-processual que três

posições fundamentais se formaram e se desenvolveram ao longo dos tempos, sobretudo, a

partir da fase do processualismo científico moderno, iniciada com OSKAR VON BÜLLOW, na

Alemanha, em 1868, a respeito do conceito de meritum causae ou streitgegenstand do

processo. Assim, sintetizando tais posições, afirma-nos DINAMARCO480, in verbis, que:

Os autores que se detiveram um pouco na conceituação do mérito podem ser divididos em três posições fundamentais: a) os que o conceituam no plano das questões, ou complexo de questões referentes à demanda [como por exemplo, Liebman, Carnelutti e Garbagnati]; b) os que se valem da demanda ou de situações externas ao processo, trazidas a ele através da demanda [como por exemplo, Chiovenda e Montesano que acreditavam ser a demanda o mérito da causa, e Redenti, Fazzalari e Lent, que acreditavam constituir o mérito da causa a relação jurídico-material litigiosa, a res in iudicium deductae, da doutrina romanística]; c) especificamente, para os quais o mérito é a lide, tout court (Exposição de Motivos) [como por exemplo, Alfredo Buzaid, o autor do projeto do nosso atual Código de Processo Civil] (Grifos e intercalações, entre colchetes, nossas).

Todas essas posições, conforme bem esclarece DINAMARCO, em profunda

análise sobre as mesmas, podem ser contestadas e refutadas, pois de fato não representam,

específica e corretamente, o conceito de meritum causae ou, na linguagem alemã, do

streitgegenstand do processo. Sobretudo, quando se tenta colocar a Lide processual como

sendo um elemento coincidente e representativo do mérito da causa ou do objeto litigioso do 480 DINAMARCO, op. cit. p. 239.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

processo. Tanto é assim que, por tudo o que vimos outrora, quando da nossa asserção e

proposição tética sobre tal instituto (a Lide), não há, em hipótese alguma, que se confundir

o mérito da causa com a Lide, enquanto elemento resultante do processo de dedução do

Litígio em juízo. Na verdade, o que realmente ocorre é que, conforme sempre assentimos e

demonstramos, é a partir dos elementos teórico-conceptuais da Lide que se define e se

delimita o conteúdo e o conceito do meritum causae ou streitgegenstand do processo, mas

sem haver essa coincidência teorética e conceitual entre tais termos. Foi isso o que dissemos

atrás481 e que podemos perceber, agora, neste equacionamento, (re)dimensionamento e

(re)construção do conceito de meritum causae ou streitgegenstand do processo.

Em assim sendo, diferentemente de tais concepções e acepções teórico-

conceptuais e ainda fulcrado, sobretudo, nas lições de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO,

entendemos que o meritum causae ou o streitgegenstand do processo se consubstancia e

reside não a partir e no complexo de questões materiais e processuais da Lide, ou, como

disseram outros, a partir da demanda ou da res in iudicium deductae, ou, ainda, a partir do

instituto da Lide (ou Litígio, já que quem afirma assim, não distingue tais conceitos)

481 Vejamos, novamente, o que dissemos neste sentido: “Antes de fazê-lo – a construção precisa, e dentro das premissas retro afirmadas, do conceito de Lide – ainda é necessário destacarmos que não nos parece de todo certo, conforme teorizaram Liebman, Calamandrei e outros grandes processualistas, simplesmente, tentando “salvar” o conceito carneluttiano de Lide, identificar o conceito de Lide ao de meritum causae (como os autores italianos, em geral, o fizeram) ou ao de objeto (litigioso) do processo (como alguns autores brasileiros, fulcrados nos ensinamentos da doutrina processual alemã, o fizeram). Isso porque, conforme vimos e assentimos em momento anterior, na esteira das lições do eminente processualista da Escola de São Paulo, Cândido Rangel Dinamarco, que importância teria tal nova acepção de Lide, tendo em vista que, no mesmo sentido semântico-jurídico, sinonimicamente, já temos formatado e definido o instituto jurídico-processual denominado meritum causae? Se assim assentíssemos estaríamos, inclusive, contrariando a premissa metodológica desta pesquisa que é a tentativa de formação e adoção de uma terminologia jurídico-conceptual específica, pura e aplicada, onde não há espaço para indiscernibilidades e polissemias. Além do que, conforme bem salientou Dinamarco, “(...) ora, esse modo de ver a lide do ponto de vista jurídico deixa-a sem aptidão a explicar alguma coisa”. Por quê? Continua ele: “Se lide é o mérito e o mérito é a lide, segue-se que um dos dois vocábulos é supérfluo e o acréscimo do primeiro na linguagem do jurista constituiria uma excrescência”. Na verdade, Dinamarco diz isso (corretamente, pensamos), pois não admite que se possa coexistir, num mesmo sistema jurídico-processual481 e, por assim ser, na Ciência Jurídico-Processual, teorias tão antinômicas, quanto a teoria da Lide (nos termos em que Carnelutti a construiu ou mesmo com as reformulações feitas por autores como Liebman e Calamandrei) e a teoria da ação481. Melhor dizendo, nas palavras do próprio Dinamarco: “A sinonímia [lide = mérito] não seria nociva, se fosse mera sinonímia e não conduzisse à ilusão de poder fazer coabitar no mesmo diploma processual o método que tem a lide ao centro e o que tem a ação, como se eles não se repudiassem”. Assim, diferentemente e a par de todas essas questões e considerações, pensamos que o conceito de Lide não coincide com o de mérito da causa, e muito menos com o conceito de objeto do processo ou, na linguagem de Arruda Alvim, do objeto litigioso do processo. O que ocorre, tão-somente e em verdade, é que é a partir do conceito de Lide – na acepção que estamos a construir – que se definem tais conceitos, quais sejam, os conceito de meritum causae – ou objeto do processo (streitgegenstand), na linguagem dos processualistas alemães – e do thema decidendum, entre outros conceitos (institutos) processuais, como o de litispendência, de res judicata e etc.”.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

genericamente falando, mas, sim, a partir, tão-somente, do elemento constitutivo-objetivo

desta, ou seja, a partir da pretensão processual (Rechtsschutzanspruch) – consubstanciada

que é no pedido (Antrag) mais a causa de pedir (Sacherverhalt) – e material (anspruch),

pois esta é veiculada em juízo a partir daquela, do autor. Por quê? Exatamente porque é

sobre tal pretensão do autor que o Estado-Juiz vai, principaliter, conhecer e se manifestar

decidindo se ela é procedente ou improcedente. O réu, inobstante a sua participação

decisiva e precípua no plano da relação jurídico-processual e da constituição da própria Lide

(daí porque falamos atrás em ação em sentido negativo), não altera o espectro e o prisma

da cognitio do juiz, tanto é assim que, afirmamos outrora, a sua demanda passiva se

circunscreve – a não ser nas exceções previstas no ordenamento – aos limites da demanda

do autor (a demanda ativa). Assim, é sobre tal exigência – a pretensão processual e material

do autor – que o Estado-Juiz se pronunciará e decidirá. Em assim sendo, constitui essa – a

Rechtsschutzanspruch e a anspruch – o meritum causae ou o objeto litigioso (o

streitgegenstand da doutrina alemã) do processo.

Nesta nossa mesma perspectiva, inclusive trazendo uma importante

fundamentação etimológica sobre o termo meritum causae, ligando-o, assim, à pretensão

processual e material, afirma-nos DINAMARCO482, in verbis:

Mérito, meritum, provém do verbo latino mereo (merere), que, entre outros significados, tem o de pedir, pôr preço; tal é a mesma origem de meretriz e aqui também há a idéia do preço, exigência. Daí se entende que meritum causae (ou, na forma plural que entre os mais antigos era preferida, merita causae) é aquilo que alguém vem a juízo pedir, postular, exigir. O mérito, portanto, etimologicamente é a exigência que, através da demanda, uma pessoa apresenta ao juiz para exame. Ora, a partir das inovações trazidas por Carnelutti, a ciência do processo vai aceitando que a pretensão à satisfação de um interesse outra coisa não é que a exigência de subordinação de um interesse alheio. Quem pretende, manifestando exteriormente sua exigência, quer impelir o outro a uma conduta apta à satisfação desta ou quer, de alguma forma, obter o bem da vida ou situação jurídica que a satisfaça. Mais do que isso: falhando todas

482 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 254-255.

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as demais tentativas de determinação do conceito de mérito (relação litigiosa, lide) e não sendo ele coincidente com as questões de mérito, a indicação da pretensão tem sido vitoriosa em doutrina e é satisfatória. É ela que constitui o elemento substancial da demanda, seu conteúdo socialmente relevante. Não há dúvida de que, como ato do processo, a demanda desempenha papel relevantíssimo ao romper a inércia imposta aos órgãos jurisdicionais (nemo judex sine actore). Ela não passa disso, porém, e não devemos ceder à ilusão do continente, desconsiderando seu conteúdo substancial. Em parte anterior, procurei expor como se comporta o demandante em juízo, dando dupla direção à pretensão que ostenta, para exigir do juiz o provimento que lhe seja útil e para acabar obtendo o bem da vida pretendido. Pois a pretensão que a pessoa vem expor ao juiz, sendo uma exigência, por isso mesmo vem ao encontro do conceito de mérito, o qual, como procurei demonstrar mediante substratos etimológicos, também é uma exigência. Por tudo quanto foi dito nos itens precedentes, fica portanto a certeza de que é a pretensão que consubstancia o mérito, de modo que prover sobre este significa estabelecer um preceito concreto em relação à situação trazida de fora do processo. O ato jurisdicional cumpre o escopo social do processo, ao remover as incertezas representadas pelas pretensões insatisfeitas (grifos nossos).

Outrossim, é de se ressaltar, também, que a grande importância dessa

definição dos exatos termos do meritum causae (ou streitgegenstand) do processo se dá

porque é a partir dele que se consubstanciam e se configuram alguns fundamentais

institutos da Ciência Jurídico-Processual e do Sistema Jurídico-Processual de normas, tais

como, o da incidência da res judicata – posto que é sobre a pretensão processual e material

que incide a coisa julgada material –, o da possibilidade do cúmulo de ações e demandas –

posto que esta, a demanda, é que, como vimos, veicula a pretensão processual e material –,

o da modificação de demanda – pela mesma razão –, o da perempção – posto que é a partir

da pretensão que se vai identificar sobre qual ação se operou a perempção –, o da carência

de ação, o da improcedência da pretensão e o da litispendência – posto que, é a partir da

pretensão, que se vão identificar os demais elementos da ação. Em verdade, de todos esses

institutos, do ponto de vista da sistemática processual civil, o que mais sofre influência da

formatação do conceito de meritum causae ou streitgegenstand do processo é o instituto da

res judicata, posto que os efeitos materiais dessa incidir-se-ão, exatamente, sobre tal objeto

litigioso do processo: qual seja, a pretensão.

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Por isso, uma vez definido e demonstrado, técnica e cientificamente, que o

meritum causae ou streitgegenstand do processo reside e se delimita a partir do elemento

constitutivo-objetivo da Lide, qual seja, a pretensão processual e material do autor, a grande

questão que se coloca, sobretudo, entre os processualistas alemães, é saber qual o conteúdo

e a natureza de tal pretensão; isto é, em que consiste e reside tal pretensão, sobretudo,

processual do autor: na simples afirmação de um direito material, como disseram

FRIEDRICH LENT, ARTHUR NIKISCH e ARWED BLOMEYER? ou se revela em fatores

exclusivamente processuais, isto é, consubstancia-se no pedido (antrag) conjuntamente com

a causa de pedir (sacherverhalt), como afirmou LEO ROSENBERG? Ou, ainda, tão-somente,

no pedido (antrag), como afirmou KARL HEINZ SCHWAB, muito embora com dúvidas sobre

tal afirmação? In casu, ao que se sabe da dogmática jurídico-processual, difícil tem sido a

resposta para todas essas indagações.

Em verdade, os processualistas alemães, segundo nos demonstra ALFREDO

BUZAID483 e DINAMARCO484, durante muito tempo travaram importantes e grandes

polêmicas a respeito dessas indagações, ou seja, a respeito de saber, corretamente, qual o

conteúdo e a natureza da pretensão que o autor deduz em juízo, sobretudo, tendo em vista

as repercussões que tal definição tem para os institutos da coisa julgada material e da

litispendência. Assim, sem querer adentrar muito em tais teorizações discursivas – até

porque esse não é o objetivo desta subseção – podemos, em síntese, resumir que,

modernamente, sem ainda haver uma unanimidade de posições, entende-se que a

pretensão processual do autor reside tão-somente no pedido (no que os alemães chamam

de antrag), sem vinculações com o Sacherverhalt (isto é, o estado de coisas que nós

denominamos de causa de pedir), conforme bem assentiram e demonstraram,

monograficamente, LEO ROSENBERG e SCHWAB, inobstante algumas críticas –

contundentes, saliente-se – que se podem fazer a tais afirmações. Neste sentido, só para 483 Cf. BUZAID, Alfredo. Estudos e Pareceres de Direito Processual Civil. Adaptação de Ada Pellegrini Grinover e Flávio Luiz Yarshell. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. 484 Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

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CONSECUTADA. 5.3 – Meritum Causae, Streitgegenstand e Thema Decidendum do processo. 312

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

termos uma noção mesmo que un passante de tais discussões, vejamos a síntese que

DINAMARCO485 faz delas, in verbis:

Não tendo resolvido satisfatoriamente e por inteiro toda a problemática da caracterização do Streitgegenstand, chegaram contudo os alemães a dois pontos fundamentais. O primeiro deles é a identificação do objeto do processo na pretensão, excluídas as questões de cujo deslinde e excluído também que a lide ou a própria demanda inicial é que consubstanciassem tal objeto. O segundo ponto alcançado é que a pretensão representativa do objeto do processo não é aquela mesma Anspruch referida no Bürgerliches Gesetzbuch. É pura pretensão processual, consistente na aspiração do demandante, veiculada pela demanda, devendo sobre ela prover o órgão jurisdicional. Não chegaram os germânicos, todavia, a pacificar-se sobre se a pretensão processual assim considerada coincide com o antrag (pedido) ou se é integrada por este, mais a Sacherverhalt (estado de coisas, ou causa de pedir). A posição assumida por Schwab, insatisfatória porque desprovida de unitariedade, peca também por inserir no conceito de Streitgegenstand elementos que não dizem respeito a ele próprio mas a uma de suas possíveis projeções – que seria a disciplina da coisa julgada. Não é metodologicamente correto, em ciência alguma, definir um fenômeno pelos seus efeitos – senão por seus próprios elementos constitutivos. Menos lícito ainda é afirmar que o objeto do processo tem uma configuração para certos efeitos e outra, para o fim de oferecer limites à coisa julgada. Nessa parte, e só nela, Schwab focaliza o Streitgegenstand a partir do modo como ele se projeta no instituto da coisa julgada material.

E, ainda comentando a posição de SCHWAB de que é somente no pedido

(antrag) que se encontram os limites conteudísticos da pretensão, assevera ainda ele, in

verbis486, que:

A posição de Schwab é precisamente essa. Na sua obra individual aqui tantas vezes citada, ele afirma que ‘o pedido ocupa posto-chave no litígio’ e ‘a fundamentação da demanda carece de significação para a definição do objeto do processo’. A exigência de fundamentação tem no processo outra finalidade e outra eficácia. E agora, ao projetar suas idéias sobre os quatro institutos que recebem o influxo do conceito e amplitude do objeto do processo (cúmulo de demandas, alteração da demanda, litispendência e coisa julgada material), Schwab acaba por encontrar uma dificuldade, que não conseguiu superar, quanto ao último deles. A prevalecer a opinião que sustenta, caracterizando-se o objeto do processo apenas pelo Antrag (pedido) porém não pelo Sacherverhalt (entre nós, causa de pedir), a autoridade da coisa julgada material teria efeito de exclusão sobre toda e qualquer demanda futura sobre o mesmo objeto, ainda que apoiada em fatos diferentes (outro estado de coisas).

485 DINAMARCO, op. cit. p. 273. 486 Ibidem., p. 272.

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CONSECUTADA. 5.3 – Meritum Causae, Streitgegenstand e Thema Decidendum do processo. 313

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Na verdade, a posição do próprio DINAMARCO sobre tal polêmica, isto é,

sobre o que viria a ser o conteúdo e a natureza da pretensão processual do autor, é no

sentido que esta reside, real e tão-somente, no pedido (antrag), sem vinculação alguma com

a causa de pedir (o sacherverhalt, da doutrina alemã). Di-no ele, nesse sentido, que a

objeção que fazem à teoria de SCHWAB – aliás, foi o próprio SCHWAB quem primeiro

colocou tal objeção à sua teoria – não encontra embasamento substancial na técnica

processual, posto que, absolutamente, assim como não incidem os efeitos da coisa julgada

material na motivação da sentença judicial, do mesmo e igual modo, não incidem tais efeitos

sobre o Sacherverhalt (causa de pedir) da ação. Assim sendo e respondendo à objeção

lançada pelo próprio SCHWAB de que “a prevalecer a opinião que sustenta, caracterizando-

se o objeto do processo apenas pelo Antrag (pedido) porém não pelo Sacherverhalt (entre

nós, causa de pedir), a autoridade da coisa julgada material teria efeito de exclusão sobre

toda e qualquer demanda futura sobre o mesmo objeto, ainda que apoiada em fatos

diferentes (outro estado de coisas)”, afirma-nos ele que a garantia da coisa julgada material

tem o objetivo único de afastar o que ele denomina de conflitos práticos entre julgados e

não conflitos teóricos de julgados. Portanto, resume ele, in verbis487, que:

A limitação do objeto do processo ao pedido não é portadora de qualquer incompatibilidade com a construção dogmática e conceitual da coisa julgada, porque são coisas diferentes a própria auctoritas rei judicatae e a sua capacidade de impedir novos julgamentos da mesma causa. Em si mesma, a coisa julgada é objetivamente limitada ao decisum, sendo notório e pacífico que não se estende aos motivos (CPC, art. 459): o que importa é imunizar os efeitos da sentença, a bem da estabilidade das relações jurídicas. Os §§ 1º a 3º do art. 301 do Código de Processo Civil apenas disciplinam a coisa julgada como fator impeditivo de novo julgamento da mesma demanda, mas não a sua dimensão como elemento estabilizador das relações jurídicas. Diante disso, não há a menor incompatibilidade entre (a) ter como objeto do processo somente o pedido e como objeto da coisa julgada somente os efeitos contidos na parte dispositiva da sentença e (b) reconhecer que a coisa julgada, como fator impeditivo de julgamento do mérito, só ocorrerá se, além de idêntico o pedido, também o forem as partes e a causa de pedir.

487 Ibidem., p. 276.

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5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA

CONSECUTADA. 5.3 – Meritum Causae, Streitgegenstand e Thema Decidendum do processo. 314

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Neste sentido, inclusive, ele nos diz que há um verdadeiro eixo de simetria,

que percorre toda a relação jurídico-processual, entre o pedido de provimento – e a causa

que o sustenta (a causa de pedir) –, passando pela contestatio e causa excipiendi do réu, e

o decisum que se encontra, tão-somente, no dispositivo da sentença e que se fundamenta

na motivação dada pelo órgão julgador. Vejamos o que ele ainda nos diz sobre isso, in

verbis488:

Há um eixo sistemático interligando a causa de pedir e a motivação da sentença, passando pelos fundamentos da defesa. Sobre o que cada uma das partes alega como fundamento de sua própria conclusão manifesta-se o juiz na segunda parte estrutural da sentença, ou seja, naquela em que soluciona questões (art. 485, inc. II). Assim como os fundamentos da demanda são essenciais para delimitar o alcance desta, os da sentença também o são – não porém como sede de preceitos, mas com o fito de legitimar o decisum. Este, sim, é ligado ao petitum por outro eixo sistemático – porque nele reside a resposta sim ou não ao que o autor pode. Por isso é que, assim como o núcleo da sentença está no decisório, o da demanda reside no pedido. É neste que o autor diz o que quer e com isso compõe o objeto do processo.

No mais, entendendo ser, como demonstramos aqui, o meritum causae ou

streitgegenstand do processo a pretensão processual e material do autor – a

Rechtsschutzanspruch e anspruch da doutrina alemã – é, exatamente, esta que constitui o

objeto central de cognição e decisão do juiz e, em assim sendo, constitui essa o Thema

Decidendum do processo judicial.

Ademais e por último, em sendo o mérito da causa ou o objeto litigioso do

processo definido a partir do elemento constitutivo-objetivo da Lide, isto é, a partir da

pretensão processual e material a ser conhecida, analisada e decidida pelo juiz, podemos

classificá-lo – o mérito –, nesta nossa tética perspectiva, de acordo com o tipo de Lide e de

processo existente, nos seguintes termos:

488 Ibidem., p. 274-275.

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5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA

CONSECUTADA. 5.3 – Meritum Causae, Streitgegenstand e Thema Decidendum do processo. 315

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

a) no processo de conhecimento e cautelar – onde temos

uma Lide deduzida, porém não decidida – temos a

Rechtsschutzanspruch que veicula uma pretensão

material resistida;

b) no processo de execução – onde temos uma Lide

deduzida e decidida – temos a Rechtsschutzanspruch

que veicula, agora, uma pretensão material

insatisfeita;

c) no processo voluntário – onde temos uma Lide

eventual, rarefeita ou imprópria, deduzida a partir do

Litígio potencial – temos, tão-somente, uma

Rechtsschutzanspruch que veicula uma pretensão

material que pode, ou não, vir a se tornar resistida.

Em assim sendo, por tudo visto, tal é o conceito de meritum causae ou

streitgegenstand do processo e de Thema decidendum, sob o prisma do nosso enfoque

tético e conteudístico.

Consecutado isso, vejamos, agora, sob este mesmo prisma método-

epistemológico, no que se constitui o objeto de cognição processo judicial.

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5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA

CONSECUTADA. 5.4 – Objeto de Cognição. 316

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

5.4 – Objeto de Cognição.

A razão de ser do processo judicial – isto é, o seu verdadeiro leitmotiv e

ratione materiae – está, exatamente, no poder-dever que o Estado tem de, conhecendo o

conflito social – seja na forma de Litígio (como melhor seria), seja na forma de Lide (como

ocorre de ordinário e como atesta, o nosso sistema jurídico-processual, que deve ser) – dizer

o direito, no caso concreto, em última instância. Tal o conceito de jurisdição, tal a idéia da

doutrina clássica – baseada nas concepções romanísticas, é certo – de jurisdição como sendo

um jurisdictio, isto é, um dizer o direito no caso concreto, atrelada que é, ela, a outros

elementos que a consubstanciam, como por exemplo, a notio (ou cognitio), a vocatio, a

coertio, o iudicium e a executio489.

E é exatamente nesse “conhecer para decidir” em que consiste e se

caracteriza, essencial e precipuamente, a função jurisdicional do Estado. Há quem afirme,

inclusive, nesta perspectiva, que a idéia de jurisdição – como jurisdictio que é – não

subsiste, em hipótese alguma, sob qualquer outra ratio ou paradigma legitimador de tal

poder de imperium do Estado, sem um mínimo viés de cognição; cognição ou conhecimento

de fatos que são relevantes juridicamente. Neste sentido, o processualista KAZUO

WATANABE490, um dos maiores pesquisadores do assunto, afirma-nos, in verbis, que:

“inexiste ação em que o juiz não exerça qualquer espécie de cognição; até mesmo na ação

de execução por título judicial, o juiz é seguidamente chamado a proferir juízos de valor” e,

489 Sobre tais elementos, assim nos escreve Carreira Alvim, in verbis: “Segundo a concepção clássica, a jurisdição compreende cinco elementos assim discriminados: Notio – é a faculdade de conhecer certa causa, ou de ser regularmente investido da faculdade de decidir uma controvérsia (...0; Vocatio – é a faculdade de fazer comparecer em juízo todos aqueles cuja presença seja útil à justiça e ao conhecimento da verdade; Coertio – é o direito de fazer-se respeitar e de reprimir as ofensas feitas ao magistrado no exercício de suas funções; Iudicium – é o direito de julgar e de pronunciar a sentença; Executio – é direito de em nome do poder soberano, tornar obrigatória e coativa a obediência às próprias decisões.” (CARREIRA ALVIM. J. E. Teoria Geral do Processo. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 65). 490 WATANABE, Kazuo. Da Cognição no Processo Civil. 2. ed. atual. Campinas: Bookseller, 2000, p. 37.

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5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA

CONSECUTADA. 5.4 – Objeto de Cognição. 317

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

por isso, em assim sendo, ele propõe uma “relativização da dicotomia processo de

conhecimento – processo de execução”491.

Pois bem. Em sendo a cognitio492 o principal elemento que caracteriza e

fundamenta, assim, a jurisdição do Estado, a indagação que se nos coloca agora é: no que

consiste, técnica e cientificamente, tal conhecer, isto é, tal processo de cognição? E mais:

que elementos do conflito social devem e podem ser conhecidos pelo Estado-juiz, uma vez

constituído e desenvolvido o processo judicial? Em outras palavras: qual é e no que se

constitui, enfim, o Objeto de Cognição do Processo, sobretudo, tendo em vista o nosso

enfoque e prisma tético-conteudístico de que o elemento conteudístico-objetivo da relação

jurídico-processual, qual seja, a Lide, é constituído a partir da dedução, quantitativa e

qualitativa, do Litígio em juízo? Bem, a todas essas indagações tentaremos responder a

partir de agora. Vejamo-as, então.

Do ponto de vista etimológico, conforme bem nos demonstra DINAMARCO,

em seu “Fundamentos do Processo Civil Moderno”493, o vocábulo (ou termo) Objeto, in

verbis:

[...] resulta do encontro da preposição latina ob com o verbo jacio, dando o verbo composto objicio. Ora, ob significa diante, defronte, à vista; e jacio quer dizer lançar, atirar, arremessar. Daí o significado de objicio, que é propor (pro + pôr), ou seja, pôr diante de. E objeto, que é a fórmula vernácula do substantivo latino formado a partir desse verbo (objectus), serve para designar algo que se põe diante de uma pessoa, ou como alvo de alguma atividade sua (grifos nossos).

Desse modo, partindo deste prisma eminentemente terminológico, falar em

Objeto de Cognição do Processo, significa falar naquilo que se coloca diante do Estado-juiz –

como detentor do poder-dever de dizer o direito no caso concreto que é, isto é, como

detentor da função jurisdicional – a fim de que ele, o Estado, conheça o conflito social e se 491 WATANABE, op. cit. p. 47-52. 492 Sobre as origens históricas do conceito de “Cognição” (cognitio), conferir o já citado estudo de Kazuo Watanabe (Ibidem., p. 51-57.). 493 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 238.

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CONSECUTADA. 5.4 – Objeto de Cognição. 318

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

pronuncie, decidindo, através do denominado provimento jurisdicional494 que é sentenciado

no final do procedimento judicial com a prestação da tutela jurisdicional. Assim, diz

DINAMARCO, “é o objeto do processo, que se coloca diante do juiz, à espera do provimento

que ele proferirá a final”495. E: “por objeto do processo designa-se o conteúdo deste, posto

diante do juiz através do ato de iniciativa”496 e sobre ele “o juiz se considera autorizado e

obrigado a pronunciar-se (vedado o non liquet: CPC, art. 126)”497.

Muito bem. Em assim sendo, que elementos constituem tal Objeto de

Cognição do Processo? Isto é, o que dever se conhecido – e, uma vez conhecido, decidido –

pelo Estado-juiz, uma vez constituída a relação jurídico-processual, no plano do processo

judicial? Todo o Litígio? A Lide, nos termos da nossa tética perspectiva, isto é, como a

resultante conteudística da dedução em juízo do Litígio? O chamado meritum causae? O

streitgegenstand do processo? Os pressupostos processuais e as condições da ação? Ou

tudo isso concorrentemente?

Bem, primeiramente, antes de tentar responder a essas colocações, é de

se ressaltar, conforme já vimos, que, exatamente como bem assentiu ARRUDA ALVIM498,

não há que se confundir as expressões Objeto do Processo, Objeto Litigioso do Processo e

Objeto de Cognição do Processo. Isso porque, como vimos, constitui o objeto litigioso do

processo o chamado meritum causae ou streitgegenstand do processo, consubstanciando

que são na pretensão processual (rechtsschutzanspruch) e material (anspruch) do autor, nos

termos que explicitamos na subseção anterior. Assim, falar em objeto litigioso do processo é

o mesmo que falar em meritum causae ou em streitgegenstand do processo. Por outro lado,

constitui o objeto do processo – na proposição consecutada por ARRUDA ALVIM – o objeto

litigioso (vale dizer, a pretensão processual e material do autor) acrescido das questões

494 Sobre tal provimento jurisdicional, Kazuo Watanabe, assente que este “é o resultado da atividade cognitiva do juiz” (WATANABE, op. cit. p. 37). 495 Ibidem., p. 238. 496 Ibidem., p. 238. 497 Ibidem., p. 238. 498 ARRUDA ALVIM, Eduardo. Curso de direito processual civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 49, 387, 411.

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5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA

CONSECUTADA. 5.4 – Objeto de Cognição. 319

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

deduzidas e suscitadas em juízo pelo réu. Já, por sua vez, o objeto de cognição do processo

este é constituído nos exatos termos que iremos a partir de agora propor, demonstrar e

afirmar. Vejamos, então.

Na nossa tética perspectiva, conforme, inclusive, já apresentamos em

momento anterior, o objeto de cognição do processo é constituído pelo quadrinômio de

questões relativas: a) aos pressupostos processuais; b) aos supostos processuais; c) às

condições da ação; e d) à Lide.

Assentimos nesse sentido – do quadrinômio de questões – e não do

trinômio de questões – pressupostos processuais, condições da ação e mérito da causa –

como o faz a maioria da dogmática jurídico-processual, sem falar, assim, em suposto

processual, posto que, conforme demonstramos a partir dos ensinamentos de CELSO

NEVES499 e de LOPES DA COSTA500, pressuposto de um fenômeno é aquilo que tem que

ocorrer, previamente, para o fenômeno acontecer. Já o suposto ou requisito de um

fenômeno é algo que está intrínseca e concorrentemente ligado ao fenômeno para que ele

continue a existir. Ora, como vimos, para existir o processo e a relação nele deduzida – a

relação jurídico-processual – é preciso a ocorrência tanto de pressupostos, quanto de

supostos processuais. Por isso, então, falamos em quadrinômio e não em trinômio de

questões, pois desmembramos em pressupostos e supostos aquilo que a maioria insiste em

denominar – no nosso entender de modo equivocado – tão-somente de teoria dos

pressupostos processuais. Nas palavras de LOPES DA COSTA, novamente, explicando tal

distinção, ele nos diz que a expressão pressuposto processual é inadequada

semanticamente, pois “pressuposto de uma coisa, de um fato, de um fenômeno, é uma

circunstância prévia que lhe condiciona a existência. Ora, as qualidades de que se deve

499 NEVES, Celso. Estrutura fundamental do processo civil: tutela jurídica processual, ação, processo e procedimento. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 85. 500 LOPES DA COSTA, Alfredo de Araújo. Manual Elementar de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1956.

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5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA

CONSECUTADA. 5.4 – Objeto de Cognição. 320

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

revestir o processo não são prévias a ele, não lhe são externas, mas internas a ele,

inseparáveis. Não são pressupostos, são requisitos”501.

Ademais e por outro lado, di-no KAZUO WATANABE, há quem defenda,

inclusive, além da teoria do trinômio e do quadrinômio de questões como objeto de cognição

do processo, um simples binômio de questões como elemento de cognição do juízo,

constituído nos seguintes termos, in verbis502:

A teoria do trinômio, informa Alfredo Buzaid, substituiu o binômio iudicium e res in iudicium deducta do primórdio da ciência processual e também o binômio pressupostos processuais e condições da ação da teoria da ação como direito concreto à sentença favorável. Pressupostos processuais, condições da ação e mérito da causa são elementos desse trinômio. É a teoria defendida por Liebman, que no Brasil formou inúmeros discípulos e continua ainda exercendo uma significativa influência (grifos nossos).

Em verdade, o que ocorre é que quem fala, ainda, em binômio de questões

como objeto de cognição do processo, fá-lo assentindo e considerando que falar em

condições da ação, sobretudo, quando se pensa nas condições da ação denominadas de

possibilidade jurídica do pedido e legitimatio ad causam, é o mesmo que falar no mérito da

causa503. Neste sentido, por exemplo, concordam os eminentes processualistas CALMON DE

501 LOPES DA COSTA, op. cit. p. 199. 502 WATANABE, Kazuo. Da Cognição no Processo Civil. 2. ed. atual. Campinas: Bookseller, 2000, p. 72. 503 Há quem afirme, por exemplo – e os alemães dizem isso – que as condições da ação formam uma espécie de mérito secundário, enquanto que o meritum causae forma uma espécie de mérito principal. Neste sentido, Alfredo Buzaid, citando um importante estudo consecutado por Luis Machado Guimarães, com base no processualismo cientifico alemão sobre tal temática, assente que, in verbis: “(...) Uma parte da doutrina alemã estabelece uma distinção entre mérito (Sache) e mérito principal (Hauptsache), sendo o mérito principal a coisa (res) que constitui o objeto do processo (WACH,Handbuch des deutchen Zivilprozessrechts, vol. I, p. 292, nota 20). Entre nós adotou essa doutrina LUIS MACHADO GUIMARÃES, ‘Comentário’ (Revista de Crítica Judiciária, vol. 29, p. 179). ‘Há muitas questões referentes ao mérito que ao juiz cumpre decidir preliminarmente,. Daí a diferença necessária entre as questões referentes ao mérito principal (Hauptsache dos alemães) e questões referentes ao mérito (Sache), mas não ao mérito principal (p. 181).’ Distingue a seguir os pressupostos processuais das condições da ação e do mérito propriamente dito. Sustenta que as condições da ação se agrupam no domínio do mérito, mas o que constitui o mérito principal é a res in iudicium deducta e o seu julgamento importa na procedência, ou improcedência, da ação (p. 184).” (BUZAID, Alfredo. Estudos e Pareceres de Direito Processual Civil. Adaptação de Ada Pellegrini Grinover e Flávio Luiz Yarshell. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 115). Do mesmo modo, assente Celso Neves, in verbis, que: “Percebe-se que, nessa impostação, o problema das condições da ação aparece como fronteiriço, na linha de limite entre o processual e o material, porém mais dominado por este, enquanto relacionado à res in iudicium deductae. Sobre elas observa Machado Guimarães, reportando-se a Allorio, a ‘distinção entre os requisitos referentes ao mérito principal (Hauptsache) e pressupostos referentes ao mérito (Sache), mas não ao mérito principal. Deve o juiz, aceitando provisoriamente as afirmações feitas pelo autor – si vera sint exposita – apreciar preliminarmente a existência das

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5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA

CONSECUTADA. 5.4 – Objeto de Cognição. 321

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

PASSOS504, OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA505 e FÁBIO LUIZ GOMES506, adeptos que são da

teoria abstrativista da ação. Na realidade, sobre isso, ao nosso sentir, razão assiste à KAZUO

WATANABE, quando, discorrendo sobre tal problemática das condições da ação e do mérito,

na esteira das discussões sobre a teoria eclética, concreta e abstrata da ação, assente, in

verbis507, que:

As condições da ação, entretanto, não são inconciliáveis com a teoria do direito abstrato de agir, que em nosso entender é a mais aceitável. Seriam “condições” para o julgamento do mérito da causa, impostas basicamente por razões de economia processual, e não condições para a existência da ação. Barbosa Moreira prefere falar em ‘condições do legítimo exercício do direito de ação’. O ponto nodal da problemática está em saber se as condições da ação (rectius: ‘condições para o julgamento de mérito’) devem ser aferidas segundo a afirmativa feita pelo autor na petição inicial (in statu assertionis) quanto às condições da ação (com a apresentação, evidentemente, das provas necessárias desde o início da ação, para se evitar o prosseguimento inútil do processo, como por exemplo a escritura de aquisição do imóvel na ação reivindicatória, o contrato escrito celebrado por aquele que pretende anulá-lo por vício de vontade, o ato constitutivo que demonstre a existência da associação civil por mais de 1 ano para a propositura da ação civil pública etc.) ou conforme seu elo efetivo com ‘a situação de fato contrária ao direito’, ou seja, com o objeto litigioso do processo, que vier a ser evidenciado pelas provas produzidas pelas partes. Somente se afigura compatível com a teoria abstratista a primeira opção. O exame das condições da ação deve ser feito ‘com abstração das possibilidades que, no juízo de mérito, vão deparar-se ao jogador: a de proclamar existente ou a de declarar inexistente a relação jurídica que constitui a res in iudicium deducta’; vale dizer, o órgão julgador, ao apreciá-las, ‘considera tal relação jurídica in statu assertionis, ou seja, à vista do que se afirmou’, raciocinando ele, ao estabelecer a cognição, ‘como que admita, por hipotese e em caráter provisório, a veracidade da narrativa, deixando para a ocasião própria (o juízo de mérito) a respectiva apuração, ante os elementos de convicção ministrados pela atividade instrutória’, como preleciona Barbosa Moreira (grifos nossos).

condições da ação, julgando, na ausência de uma delas, o autor carecedor da ação; só em seguida apreciará o mérito principal, isto é, a procedência ou improcedência da ação.” (NEVES, Celso. Estrutura fundamental do processo civil: tutela jurídica processual, ação, processo e procedimento. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 124). 504 CALMON DE PASSOS, J. J. A ação no direito processual civil brasileiro. Bahia, 1960. 505 SILVA, Ovídio Baptista da. A ação cautelar inominada no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1979. 506 BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. e GOMES, Fábio. Teoria Geral do Processo Civil. 3. ed. rev. atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. 507 WATANABE, Kazuo. Da Cognição no Processo Civil. 2. ed. atual. Campinas: Bookseller, 2000, p. 79-81.

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5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA

CONSECUTADA. 5.4 – Objeto de Cognição. 322

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Bem, inobstante tudo isso, conforme assentimos, o nosso entendimento é

o de que são quatro os elementos que constituem, cronológica e logicamente, a massa de

questões508 objeto de conhecimento do juiz, quais sejam: os pressupostos processuais que,

como vimos, consubstanciassem no Litígio – potencial ou efetivo – que, via direito de ação,

exercido através da demanda, será deduzido em juízo; os supostos processuais – relativo às

partes (capacidade de ser parte, capacidade processual e capacidade postulatória), relativo

ao juiz (imparcialidade aferida com a ausência de impedimento e suspeição) e ao juízo

(competência jurisdicional) e relativo à Lide (ausência de litispendência, coisa julgada,

perempção, convenção de arbitragem, e etc); as condições da ação – possibilidade jurídica

in abstrato do pedido, legitimidade para a causa e interesse processual; e a Lide, enquanto

resultante do processo de dedução, quantitativa e qualitativa, do Litígio em juízo e

formalizada no exercício, pelo autor, da ação em sentido positivo (causa petendi/petitum) e

da ação em sentido negativo (causa excipiendi/contestatio), pelo réu.

In casu, é de se salientar que falamos não em meritum causae ou

streitgegenstand do processo como um elemento do quadrinômio de cognição, posto que,

em verdade, não há que se confundir a cognitio com o decisum do processo. Ou seja,

conforme vimos, o Estado-juiz conhece o dado factual deduzido em juízo (Litígio deduzido

em Lide) para, assim, enfim, decidir. Então, pelo que já vimos, é fácil entendermos que o

juiz decide sobre o meritum causae ou streitgegenstand que está consubstanciado na

pretensão processual e material do autor, mas, para isso, conhece não só de tal mérito, mas

de toda a Lide, com todos os seus elementos constitutivos, isto é, conforme foi esta

subjetiva, causal e objetivamente509 deduzida em juízo, inclusive com a participação decisiva

508 Aqui é de se ressaltar que falamos de questão na perspectiva da teoria carneluttiana, isto é, como sendo uma questão processual um ponto de fato ou de direito controverso, pelas partes, em juízo. Nesse sentido, conferir: CARNELUTTI, Francesco. Istituzioni del Processo Civile Italiano. 5. ed., v. II, p. 13. 509 Como vimos, os elementos constitutivos da Lide são: a) elemento subjetivo: partes; b) elemento objetivo: pretensão processual (rechtsschutzanspruch) = pedido (antrag) + causa de pedir (Sachverhalt); c) elemento causal: demanda (klageantrag); d) elemento material: Litígio; e) elemento formal: ação em sentido positivo e negativo (Petitum/causa petendi versus Contestatio/causa excipiendi).

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5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA

CONSECUTADA. 5.4 – Objeto de Cognição. 323

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

do réu. Por isso falamos, assim, em ação em sentido positivo – a demanda ativa do autor – e

em ação em sentido negativo – a demanda, por sua vez, passiva do réu.

Destarte, em síntese, a Lide constitui um dos elementos de cognição do

processo – o mais importante deles, é certo – e a sua componente conteudístico-objetiva – a

pretensão processual (rechtsschutzanspruch) e material (anspruch) do autor –,

consubstanciada no petitum, o elemento, principaliter, de decisão do processo. Tanto é,

assim, que o provimento jurisdicional o qual, como vimos, na acepção de KAZUO

WATANABE, é o resultado da cognição consecutada pelo juiz, é dado sobre a pretensão do

autor, isto é, sobre aquilo que a dogmática jurídico-processual convencionou denominar de

meritum cause ou streitgegenstand do processo, a partir de todo o processo de cognição

realizado no itere procedimental sobre a Lide deduzida em juízo.

Em assim sendo, por tudo visto, tais são os elementos consubstanciadores

do objeto de cognição do processo, sob o prisma do nosso enfoque tético e conteudístico.

Por fim, ainda nesta seção de construção teorético-conceptual das

instituições e institutos fundamentais da Teoria Geral do Processo a partir da análise

distintiva consecutada entre Litígio e Lide, vejamos, agora, sob este mesmo prisma método-

epistemológico, quais os elementos constitutivos da denominada res judicata, sobretudo, a

coisa julgada material.

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5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA

CONSECUTADA. 5.5 – Res Judicata. 324

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

5.5 – Res Judicata.

Conforme anunciamos no intróito do presente trabalho de pesquisa

científico-jurídica, em caráter, é certo, de proposição sinóptico-propedêutica, uma das mais

importantes e fundamentais aplicações de natureza teorético-conceptual da análise distintiva

por nós proposta, demonstrada e, enfim, teticamente afirmada, entre os institutos do Litígio

e da Lide, dá-se no que diz respeito ao âmbito de abrangência conceptual e material da

denominada “Res Judicata”. Sobretudo – como dizíamos – tendo em vista, especificamente,

o que preceituam e disciplinam os dispositivos legais constantes dos artigos 468 e 474 do

Código de Processo Civil brasileiro510, quando descrevem e prescrevem – de modo vacilante,

diga-se de passagem – a respeito da definição do que viria a ser “questões decididas”,

“questões da lide”, “julgamento parcial da lide” e presunção de dedução de toda e qualquer

matéria referente ao Litígio em juízo, conformando, assim, aquilo que entendemos ser a Lide

processual.

Pois bem. Nesta perspectiva, analisando tais dispositivos legais em face da

proposição tética por nós consecutada aqui neste trabalho de pesquisa no sentido de

distinguir, teorética e empiricamente, o instituto do Litígio do instituto da Lide, conforme já

apresentamos – e vale aqui salientarmos tal proposição observacional e valorativa outra vez

– o professor LUIZ GUILHERME MARINONI511, correspondeu-nos, in verbis:

Na linha da sua proposta (...), posta a distinção entre os conceitos de lide e litígio (e analisadas as doutrinas de Carnelutti e Liebman), também é interessante a análise dos arts. 468 e 474 do CPC. Em outras palavras: o art. 468 fala em julgamento parcial da lide. O problema é o de saber se tal dispositivo está falando da lide pré-processual [litígio] ou se está identificando lide e litígio? Mais: tal artigo fala em ‘questões decididas’. O conceito de questão, também

510 BRASIL. Código de Processo Civil. Pinto, Antonio Luiz; Windt, Márcia Cristina Vaz dos Santos e Céspedes, Lívia. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 100-101. 511 MARINONI, Luiz Guilherme. Publicação eletrônica [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <[email protected]> em 05 agos. 2002.

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5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA

CONSECUTADA. 5.5 – Res Judicata. 325

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

ligado ao de lide, tem uma conceituação própria em Carnelutti. É importante definir o que é ‘questão da lide’. Por outro lado, como interpretar o art. 474? Este afirma que: ‘passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido’. Se o pedido conforma a lide, seria possível dizer que as alegações e defesas que não deram conformidade á lide (mas que fazem parte do litígio) estão acobertadas pela coisa julgada? (Grifos no texto do remetente e alterações, em colchetes, minhas).

Bem, como se vê, a grande questão, em verdade, que se apresenta aqui

para nós, tomando-se em consideração a preceituação firmada nos aludidos dispositivos

processuais, é saber de que modo podem ou devem ser interpretado tais dispositivos legais

referentes ao instituto da coisa julgada, sobretudo, tendo em vista a nossa tética perspectiva

de asserção da Lide como a componente objetiva e conteudística da relação jurídico-

processual que é formada a partir da dedução quantitativa e qualitativa do Litígio em juízo.

Em outras palavras: como deve ser melhor interpretado o art. 468 do Código de Processo

Civil brasileiro quando este nos diz, in verbis, que “a sentença, que julgar total ou

parcialmente a Lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas”. Do

mesmo modo, como deve ser melhor interpretado o art. 474 do aludido Código de Processo

Civil, quando este nos diz, também, in verbis, que “passada em julgado a sentença de

mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte

poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido”?.

O que ocorre, assim, é que, conforme nos interroga o professor LUIZ

GUILHERME MARINONI, há de se identificar, nos casos desses dispositivos do Estatuto

Processual Civil pátrio, se quando tais dispositivos falam em “julgar total ou parcialmente a

Lide”, “nos limites da lide e das questões decididas”, em presunção de dedução de “todas as

alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do

pedido” estão, na realidade, referindo-se, na nossa tética perspectiva, ao Litígio ou àquilo

que dele foi deduzido em juízo, isto é, numa palavra, à Lide. Essa é a questão a ser

equacionada, redimensionada e reconstruída aqui.

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5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA

CONSECUTADA. 5.5 – Res Judicata. 326

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Bem, mas antes de respondermos a tais colocações – colocações e

respostas estas que serão, por certo, consecutadas a partir da análise distintiva por nós

consecutada na presente pesquisa – é preciso falarmos um pouco, em primeiro lugar,

mesmo que de modo un passante, sobre o instituto da res judicata em seus prismas de

definibilidade e de elementaridade constitutiva, sempre tendo em vista a construção

analítico-distintiva aqui estatuída entre o Litígio e a Lide. Vejamos, então.

Do ponto de vista da Ciência Jurídico-Processual e do Sistema Jurídico-

Processual de normas, coisa julgada – ou, na linguagem romanística, res judicata – significa

imutabilidade e, como diria alguns processualistas, imunização processual e material do

decisum e tal só ocorre, conforme prescreve o sistema processual, com o trânsito em

julgado do ato processual que põe termo e extingue o processo, isto é, com o trânsito em

julgado da sentença. É isso que nos informa o art. 467 do Código de Processo Civil brasileiro,

muito embora sua má redação.

Não que com a simples prolatação da sentença não já se exalem os efeitos

ordinários decorrentes de tal prolatação, pois, conforme nos afirma LIEBMAN512, eficácia e

imutabilidade são conceitos que, embora aplicados de igual modo à decisão judicial, são

distintos entre si, do ponto de vista jurídico-processual. Além do que, conforme demonstra

LIEBMAN, a res judicata não constitui um efeito da sentença judicial prolatada513. Na

512 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. Tradução de Cândido Rangel Dinamarco. Rio de Janeiro: Forense, 1984, v. I e Idem. Estudos sobre o Processo Civil Brasileiro. Araras: Bestbook Editora, 2001, p. 127-130. 513 Neste sentido, Dinamarco, em importante lição, com base nos estudos de Enrico Tullio Liebman, assim assente, in verbis: “Caracterizada como um estado de segurança jurídica quanto às relações entre os que litigaram no processo, a coisa julgada material incide sobre os efeitos da sentença de mérito mas não é, ela também, um efeito desta. Nos efeitos da sentença reside a fórmula de convivência não encontrada pelos sujeitos de modo amigável e pacífico, tanto que precisaram valer-se do processo e do exercício da jurisdição pelo Estado-juiz. A sentença estabelece essa fórmula, lançando-os para fora do processo e tendo uma natural tendência a impor-se na vida comum dos sujeitos (eficácia natural da sentença). A coisa julgada é somente uma capa protetora, que imuniza esses efeitos e protege-os contra as neutralizações que poderiam acontecer caso ela não existisse (...)”. E, criticando a redação do art. 467, complementa: “O art. 467 do Código de Processo Civil define a coisa julgada material como ‘a eficácia que torna imutável e indiscutível a sentença não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário’. Seria melhor não falar em eficácia. Qual ato seria produtor dessa eficácia? A própria sentença, não. Nem algum outro ato, do juiz ou de quem que fosse, capaz de conferir-lhe imutabilidade. E, mais precisamente, a coisa julgada material incide sobre os efeitos da sentença, não sobre ela própria como ato jurídico-processual – a proteção desta é feita pela coisa julgada formal.”. E acrescenta: “A distinção entre a eficácia da sentença e a autoridade de seus efeitos é uma das mais elegantes conquistas da ciência processual no século das luzes processuais (Enrico Tullio Liebman) e a consciência de que se trata de dois fenômenos distintos

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5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA

CONSECUTADA. 5.5 – Res Judicata. 327

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

realidade, o que acontece é que, conforme nos demonstra CÂNDIDO RANGEL

DINAMARCO514, in verbis:

Quando proferida a sentença, ela própria e seus efeitos ainda são mera proposta de solução do litígio [na nossa perspectiva, Lide] (sentenças de mérito), ou simplesmente proposta de extinção do processo (terminativas), uma vez que ainda é possível a substituição da sentença e a alteração do teor do julgamento, em caso de recurso interposto pela parte vencida. Uma decisão judiciária só fica imune a qualquer questionamento futuro quando já não comporta recurso (CPC, art. 467), embora em alguma medida a lei a libere para produzir seus efeitos, ou alguns deles, antes que isso aconteça: é prudente condicionar em tese a eficácia da sentença à sua imutabilidade, mas essa correspondência não é necessária nem constante porque há também razões para liberar a primeira, em alguns casos, antes que ocorra a segunda. Eficácia e imutabilidade são conceitos distintos [...] (grifos e comentários em colchetes nossos).

Por outro lado, como se sabe também da dogmática jurídico-processual, tal

imutabilidade é um fenômeno que além de decorrente da res judicata atua, projeta-se e se

consubstancia em dois planos nitidamente distintos – porém, concorrentes – da relação

jurídico-processual que se estabelece entre as partes envolvidas na Lide. Tais são os planos

formal e material e que dão ensejo à formação da coisa julgada formal e material,

respectivamente. Di-no, assim, a respeito disso, a doutrina, in verbis515:

Quando a sentença se limita a decidir sobre o processo, extinguindo-o sem julgamento do mérito, sua imutabilidade é fenômeno puramente processual, inerente e interno ao processo que se extingue, sem repercussões na vida das pessoas em suas relações exteriores a ele: simplesmente, aquele processo deixa de existir e provavelmente as partes ainda poderão voltar a juízo, com o mesmo conflito a ser apreciado pelo juiz (art. 268). Quando ela contém a decisão do mérito e assim projeta efeitos para fora do processo e sobre a vida das pessoas, já não se cuida apenas de preservá-la contra possíveis questionamentos no processo em que foi proferida, mas também de preservar os seus efeitos – de modo que o julgamento daquela pretensão, entre aquelas pessoas e por aquele fundamento fique perenemente imunizado e assim se implante uma situação de segurança quanto aos direitos, obrigações e deveres dos litigantes. Essa estabilidade e imunização, quando encarada em sentido bastante amplo, chama-se coisa julgada e atinge, conforme o caso, somente a

é a chave para a solução de muitos problemas teóricos e práticos relacionados com o instituto.”. (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 4. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2002, V. II, p. 303-304.). 514 Ibidem., p. 296. 515 Ibidem., p. 296.

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5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA

CONSECUTADA. 5.5 – Res Judicata. 328

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

sentença como ato processual ou ela própria e também os seus efeitos. A distinção entre coisa julgada formal e material revela somente que a imutabilidade é uma figura de duas faces, não institutos diferentes (Liebman).

Ademais, é de se salientar, também, que, sob um prisma eminentemente

teleológico-processual, o instituto da coisa julgada tem como função e finalidade precípua a

materialização do denominado princípio da segurança jurídica nas relações que ocorrem,

tanto do ponto de vista processual, quanto do ponto de vista material. Esse, sem dúvida, é o

grande escopo social e jurídico da res judicata. DINAMARCO516, fulcrado nas teorizações de

LIEBMAN, chega a assentir que “a imutabilidade da sentença e de seus efeitos é um dos

mais importantes pesos responsáveis pelo equilíbrio entre exigências opostas, inerente a

todo sistema processual”.

Por outro lado, quanto aos limites objetivos da coisa julgada material,

inobstante as complexas teorizações e discussões a respeito do tema, tem-se que está se

produz em relação ao objeto litigioso do processo que fora deduzido em juízo através da

pretensão processual (rechtsschutzanspruch) e material (anspruch) do autor e que, como

vimos, constitui o meritum causae ou streitgegenstand do processo. Ainda sobre isso é

válido salientarmos que, conforme insistentemente demonstra DINAMARCO517, “somente o

preceito concreto contido na parte dispositiva das sentenças de mérito fica protegido pela

autoridade da coisa julgada material, não os fundamentos em que ele se apóia”.

Por sua vez, quanto aos limites subjetivos da coisa julgada, tem-se que,

conforme estabelece o art. 472 do Código de Processo Civil brasileiro, fulcrado que é, é

certo, tal dispositivo legal, nos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa e

na técnica processual da legitimatio ad causam, a imutabilidade dos efeitos da sentença

vincula tão-somente os sujeitos que figuraram no processo como partes – isto é, como

sujeitos principais parciais – da relação jurídico-processual nele constituída e desenvolvida.

516 Ibidem., p. 296. 517 Ibidem., p. 313.

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5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA

CONSECUTADA. 5.5 – Res Judicata. 329

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Pois bem. Dito tudo isso, sob um prisma eminentemente de definibilidade e

elementaridade constitutiva do instituto da coisa julgada, passemos, enfim, neste momento,

à análise das indagações problemáticas que temos colocado a respeito da melhor

interpretação dos termos dos artigos 468 e 474 do Código de Processo Civil brasileiro.

Vejamos, então.

Conforme afirmamos anteriormente, as grandes questões ou indagações

que se colocam para nós é no sentido de como deve ser (melhor) interpretado o art. 468 do

Código de Processo Civil brasileiro quando este nos diz, in verbis, que “a sentença, que

julgar total ou parcialmente a Lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões

decididas” e, assim também e do mesmo modo, como deve ser (melhor) interpretado o art.

474, quando este nos diz, também, in verbis, que “passada em julgado a sentença de

mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte

poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido”, sobretudo, no sentido de se

tentar identificar, nos casos desses dispositivos do Estatuto Processual Civil pátrio, se estão

eles, na realidade, referindo-se, na nossa tética perspectiva, ao Litígio ou àquilo que dele foi

deduzido em juízo, isto é, numa palavra, à Lide. Como dissemos, essa é, precipuamente, a

questão a ser equacionada, redimensionada e reconstruída aqui.

Bem, para se responder a tais questionamentos é de se colocar,

inicialmente, que a disposição normativa do art. 468518 do atual Código de Processo Civil

brasileiro, conforme nos informa, numa profunda análise da temática, o processualista

OVÍDIO A. BAPTISTA519, é uma reprodução, por certo melhorada da disposição normativa

constante do art. 287 do Código de Processo Civil de 1939. Diz o processualista gaúcho ser

uma reprodução melhorada, posto que, diferentemente do art. 287 do CPC de 1939 onde

não figurava a palavra Lide na oração principal, figura hoje, no texto do atual art. 468, tal

518 O art. 468 assim preceitua, in verbis: “A sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas.” (BRASIL. Código de Processo Civil. Pinto, Antonio Luiz; Windt, Márcia Cristina Vaz dos Santos e Céspedes, Lívia. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 100). 519 SILVA, Ovídio A. Baptista. Sentença e coisa julgada: ensaios e pareceres. 4. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 105-106.

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5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA

CONSECUTADA. 5.5 – Res Judicata. 330

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

palavra que, por certo, é de fundamental importância para a boa exegese do dispositivo. Na

verdade, o código de 1939, ao redigir o art. 287 copiara o art. 290 do projeto de Código de

Processo Civil elaborado pela comissão presidida pelo eminente processualista LUDOVICO

MORTARA, em 1926, para a Itália, suprimindo da sua redação, na tradução para o

português, a palavra Lide, na locução “há forza di legge nei limiti della lite e della questione

decisa”, de modo que o referido art. 287 do CPC de 1939 ficou redigido nos seguintes

termos: “A sentença que decidir total ou parcialmente a lide terá força de lei nos limites das

questões decididas”; e não, como no art. 468 do atual CPC, “nos limites da lide e das

questões decididas”.

Mais do que isso, conforme ainda nos leciona OVÍDIO BAPTISTA a respeito

das origens filológicas dos artigos sub examen (art. 468 e 474), in verbis520:

O legislador de 73, contudo, se permaneceu fiel á origem inspiradora do dispositivo contido no art. 468, traduzindo-o corretamente da versão italiana, ao mesmo tempo afastou-se do modelo, ao suprimir a segunda parte do art. 290 do chamado Projeto Mortara, que, ao contrário de agora, estava reproduzido integralmente no parágrafo único do art. 287 do Código revogado. A versão italiana era a seguinte: ‘’Si considera decisa, anche se non sia risoluta espressamente, ogni questione, la cui risoluzione constituisca una premessa necessária della disposizione contenuta nella sentenza’. O legislador de 39 recolheu essa regra, no parágrafo único do art. 287 assim: ‘Considerar-se-ão decididas todas as questões que constituem premissa necessária da conclusão’. O Código de 73 suprimiu o parágrafo único do art. 287 e, em seu lugar, introduziu duas disposições importantes, a do art. 469 e a disposta no art. 474, que vamos transcrever, para facilitar o raciocínio. ‘Art. 469. Não fazem coisa julgada: I – os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença; II – a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença; III – a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentalmente no processo.’ Art. 474. Passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido. (grifos nossos).

Bom, mas a questão que, como vimos, se coloca para nós é o que são tais,

no caso do art. 468, questões decididas, e quais, nesse caso, os limites da Lide e o que viria 520 Ibidem., p. 105-106.

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5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA

CONSECUTADA. 5.5 – Res Judicata. 331

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

a ser decisão parcial da Lide, sobretudo, tendo em vista a técnica processual da nulidade do

julgamento citra petita e, no caso do art. 474, o que se deve entender quando este nos diz,

também, que “passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e

repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como

à rejeição do pedido.

Pois bem. Sem querer entrar no bojo das polêmicas e discussões que se

travaram ao longo dos anos sobre tais disposições constantes dos arts. 468, 469 e 474 do

atual Código de Processo Civil, e, sobretudo sem querer avançar na complexidade da

questão, dado não ser esse o nosso objeto principaliter de estudo aqui, é de se assentir que

quando o Código de Processo Civil fala, no aludido art. 468, em questões decididas e limites

da Lide devemos entender, de acordo com a moderna dogmática jurídico-processual, que,

inobstante o legislador, na esteira das lições de CARNELUTTI – pois, como sabemos, o termo

questão da Lide tem uma conotação teorética própria para ele521 – fale em questões

decididas está ele aí se referindo não às questões internas ou prejudiciais da Lide, mas ao

elemento processual que consubstancia, delineia e define o decisum do juiz; isto é, está ele

se referindo ao objeto litigioso da Lide que, como vimos, se consubstancia na pretensão do

autor (a rechtsschutzanspruch e anspruch), materializada, processualmente falando, no

521 Sobre isso, afirma Dinamarco, criticando, também, aqueles que entendem que o mérito da causa reside no complexo de questões da Lide que, in verbis: “Carnelutti prefere falar no mérito da lide. E diz: ‘mérito da lide significa, portanto, o complexo das questões materiais que a lide apresenta’. Esse trecho é precedido de algumas considerações sobre a distinção das razões e das questões, segundo o tipo das relações jurídicas às quais se referem (materiais ou processuais). O próprio conceito de questão, elaborado magistralmente por CArnelutti, torna difícil aceitar sua conceituação do mérito assim girando em torno das questões, da mesma forma que a idéia alvitrada por Liebman. Segundo ele, questão é a dúvida quanto a uma razão. Havendo dúvida em torno de alguma razão alegada em apoio da pretensão ou da contestação, diz ele, com isso surge a questão. E adverte que ‘a questão não é a lide’, dado que esta se apresenta como um conflito de interesses. Ora, daí há de decorrer o entendimento de que, para dar solução ao conflito de interesses manifestado entre as partes (ou para dar-lhe justa composição, como Carnelutti pregava), o juiz precisa antes resolver cada um desses pontos duvidosos que caracterizam as questões surgidas no processo.”. E prossegue explicando ainda com base na teoria carneluttiana: “Emprego agora, deliberadamente, o vocábulo pontos. Ponto é, em prestigiosa doutrina, aquele fundamento da demanda ou da defesa que haja permanecido incontroverso durante o processo, sem que as partes tenham levantado discussão a respeito – e sem que o juiz tenha, de ofício, posto em dúvida o fundamento. Discordes as partes, porém, i. é, havendo contestação de algum ponto por uma delas (ou, ainda, havendo o juiz suscitado a dúvida), o ponto se erige em questão. A questão é, portanto, o ponto duvidoso. Há questões de fato, correspondentes á dúvida quanto a uma assertiva de fato contidas nas razões de algumas das partes; e de direito, que correspondem á dúvida quanto á pertinência de alguma norma ao caso concreto, à interpretação de textos, legitimidade perante norma hierarquicamente superior etc.” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 240-241.).

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5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA

CONSECUTADA. 5.5 – Res Judicata. 332

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

pedido (tal o meritum causae ou streitgegenstand do processo). Isso porque, conforme

demonstramos – e como o faz de ordinário a moderna dogmática processual – os limites da

Lide (o streitgegenstand do processo) se configura a partir, não do complexo de questões

internas ou prejudiciais da Lide que são deduzidas pelas partes em juízo, mas do elemento

objetivo e peticional do autor constante da sua demanda ativa. Tanto é assim que, a teor do

que prescreve o art. 469 do CPC, tais questões internas e prejudiciais não entram no âmbito

da coisa julgada (a não ser, no caso das questões prejudiciais, quando assim demandadas,

via ação declaratória incidental; é o que diz o art. 470).

Em assim sendo, agora do ponto de vista da nossa tética perspectiva que

distingue o instituto do Litígio do instituto da Lide, está o art. 468 ao falar em questões

decididas e limites da Lide a se referir não ao conflito social tal como ocorrera no plano pré-

processual, mas sim, evidente e logicamente, àquilo que dele – do Litígio – já no plano

processual, fora deduzido em juízo formando a Lide. Nesse ínterim, é de se destacar e

criticar mais uma vez a idéia de julgamento parcial da Lide (em verdade o artigo quis se

referir ao Litígio), posto que, conforme demonstrou LIEBMAN, em contundente análise crítica

da teoria da Lide de CARNELUTTI (e nós já apresentamos tal crítica aqui neste estudo), só

importa para o processo aquilo que foi realmente deduzido em juízo e não o que poderia ter

sido em hipótese deduzido a partir do Litígio, sobretudo no que diz respeito à pretensão

(rechtsschutzanspruch). Nesse sentido, nada de importante se pode extrair do art. 468,

quando este fala em julgamento total ou parcial da Lide a não ser que, conforme no diz

LIEBMAN522, in verbis:

“Tomamos do próprio Carnelutti o exemplo seguinte: quem pretende uma herança por dupla vocação, testamentária e legítima, pode pedir o reconhecimento de seu direito com fundamento em uma só delas ou em ambas; no segundo caso, diz ele, o processo é integral porque contém toda a lide [na nossa concepção: LITÍGIO] existente; no primeiro, o processo é parcial, porque contém só uma parte dela [do Litígio]. Carnelutti vê-se, assim, em face do problema da continência do processo

522 LIEBMAN, Enrico Tullio. Estudos sobre o processo civil brasileiro. Araras: Bestbook, 2001, p. 96-97.

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5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA

CONSECUTADA. 5.5 – Res Judicata. 333

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

com respeito à lide [ao Litígio], que é a meu ver um falso problema. Para o processo, interessa o que for nele deduzido efetivamente e não importam os outros fatos que podem ocorrer pelo mundo a fora. Do ponto de vista imaginado por Carnelutti, nunca haveria, na verdade, processo integral, pois não há conflito de interesses que não apresente, ou possa apresentar, aspectos diferentes daquele que a imaginação do advogado conseguiu em cada caso concreto configurar, ou problemas colaterais,, secundários ou conseqüentes que as partes acharam mais conveniente ignorar. [...] Aliás, porque deveríamos deter-nos na consideração das duas figuras do processo integral e do parcial? Quantos são os conflitos de interesses que nunca foram nem serão levados perante o juiz? O quadro deveria, pois, ser completado com a hipótese do processo inexistente, e levar em consideração a série dos processos que não foram propostos e ficaram no limbo dos seres que não puderam nascer, o que representa a redução ao absurdo do problema imaginado (grifos nossos).

Por outro lado, analisando as disposições constantes do art. 474, quando

este nos fala da presunção de dedução de toda e qualquer matéria referente ao Litígio em

juízo é de se assentir que, em verdade, conforme bem demonstra e concorda a moderna

dogmática jurídico-processual, está o código a falar do que se chama doutrinariamente de

efeito de exclusão da coisa julgada ou, na linguagem do processualista BARBOSA

MOREIRA523, de efeito preclusivo da coisa julgada sobre as questões dedutíveis e não

deduzidas. Assim, o que se quis dizer na redação do art. 474 – e essa é a sua melhor

interpretação – é que todas as alegações e defesas – tecnicamente falando a causa petendi

e excipiendi ou, como dizem os alemães, o sacherverhalt – que, essencial e logicamente524,

relacionam-se com as pretensões deduzidas em juízo através da formulação peticional, ainda

que não deduzidas e controvertidas em juízo pelas partes, obstarão o ajuizamento de uma

nova demanda sobre tais pretensões (rechtsschutzanspruch e anspruch), posto que, sobre

essas, incidem os efeitos de exclusão ou de preclusão da coisa julgada. In casu, trata o art.

523 MOREIRA, José Carlos B. A eficácia preclusiva da coisa julgada material no sistema do processo brasileiro. In Temas de Direito Processual. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 97. 524 Nesta mesma perspectiva, afirma Ovídio A. Baptista, in verbis: “No fundo, a questão é de essencialização de fatos jurídicos processuais, que no nosso direito positivo ressalta, ao orientar-se no sentido de só se terem por relevantes os fatos essenciais, para a identificação da demanda”. E mais à frente, sintetiza: “(...) mesmo assim, e por isso mesmo, as questões contidas implicitamente nesta lide hão de ser abrangidas, inexoravelmente, pela coisa julgada, se constituírem antecedente lógico necessário para a solução expressa da decisão final.” (SILVA, Ovídio A. Baptista. Sentença e coisa julgada: ensaios e pareceres. 4. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 120-122.).

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5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA

CONSECUTADA. 5.5 – Res Judicata. 334

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

474 do chamado julgamento implícito e dos denominados sucessos históricos525 que

caracterizam a causa petendi e excipiendi da Lide.

Nesse sentido, analisando todas essas problemáticas inerentes às

disposições dos arts. 468, 469 e 474 do CPC, assim afirma OVÍDIO BAPTISTA526, in verbis:

Depois do que ficou exposto, cremos estar mais próximos de poder distinguir as questões que serão abrangidas pela coisa julgada e que serão objeto do que a doutrina denomina, com alguma impropriedade, julgamento implícito (art. 474) e as questões que, sendo fundamento da decisão, ainda que importantes para entender-se o significado real da sentença, não fazem coisa julgada (art. 469), pois as questões decididas que entram no art. 474 e as que ficam fora da sentença, sejam motivos, ou questões prejudiciais, decididas incidentemente na causa (art. 469), terão de ser identificadas pelos critérios do art. 468. Isto, em última análise, nada mais é do que um regresso a nosso ponto de partida, pois a operação que o raciocínio nos impõe, para que possamos saber quais as questões decididas a que se refere o art. 468, mesmo implicitamente (art. 474), é a exigida para saber identificar uma determinada demanda, com rigor absoluto, pois a sentença não poderá, jamais, ultrapassar os limites da lide, tal como eles foram postos na inicial (art. 128).

E, fulcrado na Teoria de SCHWAB sobre a identificação do streitgegenstand

do processo como elemento fundamental e consubstanciador do instituto da coisa julgada,

assim arremata e sintetiza, a respeito das disposições normativas constantes dos artigos do

CPC em comento, in verbis527:

Segundo pensamos, o legislador disciplinou com muita segurança a questão dos limites objetivos da coisa julgada, absorvendo, excelentemente, o que há de mais moderno na doutrina sobre a tormentosa questão da identificação de ações, superando, realmente, os equívocos da teoria de Carnelutti e ensejando uma construção sistemática, cientificamente correta. Ao contrário, porém, do que se possa imaginar, nosso Código não se filia à corrente doutrinária da substanciação, como de resto não acolhe a doutrina contrária, radical, da individualização, mesmo porque, modernamente, as duas posições radicais são rejeitadas. Outra, aliás, não é a conclusão a que chega Schwab, em sua obra considerada clássica sobre o assunto, quando afirma que o efeito de exclusão causado pela coisa julgada atingirá toda a cadeia de fatos similares, mas não abrangerá os fatos que não guardem relação com o

525 Diz a doutrina que “sucessos históricos” é o conjunto de circunstancias, espacial e temporalmente individualizado, integrante da causa petendi (SILVA, op. cit. p. 129). 526 Ibidem., p. 123. 527 Ibidem., p. 134-136.

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5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA

CONSECUTADA. 5.5 – Res Judicata. 335

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

material do primeiro processo, vale dizer que correspondam a uma pretensão discrepante da exposta na primeira demanda, pois ‘o objeto litigioso é a petição de uma resolução designada no pedido. Essa petição necessita, contudo, em qualquer caso, ser fundamentada por fatos’. Para a doutrina de Schwab, que nos parece na essência correta e conforme à nossa lei – ao contrário do que seguidamente imaginam seus opositores – não é o pedido só que importa, mas o pedido convenientemente interpretado. E para interpretá-lo, diz o processualista de Nüremberg, deve recorrer-se aos fatos, ou ao que ele denomina ‘estado de coisas’, que abrange fatos e relações jurídicas deduzidas ou deduzíveis [sic]. [...] Essa é, sem dúvida, a fórmula correta para interpretar as regras, aparentemente antinômicas, dos arts. 468 e 474 do Código de Processo Civil. De tal sorte, quando afirmamos que o conceito de questão, na locução ‘questões decididas’, incluída no art. 468, deveria ser entendido a partir dos conceitos carneluttianos de lide e questão, queríamos significar que a origem do problema teria de ser descoberta na doutrina de Carnelutti, mas as conotações doutrinárias de tais conceitos haverão de submeter-se aos princípios gerais do sistema e às correções teóricas que a ciência posterior desenvolveu sobre eles.

Destarte, por tudo o visto, nestes termos, devemos entender o instituto da

res judicata à luz do que preceituam as disposições normativas constantes dos arts. 468 e

474 e sob a nossa perspectiva tética onde se distingue os conceitos de Litígio e Lide.

Muito bem. Consecutada a (re)construção teorético-conceptual de algumas

das instituições e institutos fundamentais da Teoria Geral do Processo – e, por conseguinte,

da Ciência Jurídico-Processual – a partir da proposição tética e distintiva consecutada entre

os institutos do Litígio e da Lide, passemos, neste momento, à proposição e demonstração

de uma outra aplicação teorético-conceptual da referida construção distintiva entre Litígio e

Lide, agora aplicando-a no âmbito da denominada Jurisdição Voluntária e da processualística

penal. Vejamos, então.

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6. APLICAÇÃO TEORÉTICA DOS CONCEITOS DISTINTIVOS – “LITÍGIO” E “LIDE” – NA JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA E NA PROCESSUALÍSTICA PENAL.

Infelizmente a natureza não foi suficientemente amável para fazer as coisas tão simples como gostaríamos. Temos de enfrentar as complexidades.

T. DOBZHANSKY

Conforme apresentamos na introdução do presente trabalho de pesquisa

científico-jurídica, uma das possíveis aplicações da construção, analítico-distintiva,

terminológico-conceptual por nós aqui proposta e demonstrada entre os institutos do Litígio

e da Lide, inclusive – como afirmávamos até então – como uma possibilidade teorética de

superação de algumas questões dito aporemáticas pela dogmática – seria no que diz

respeito à asserção, tendo em vista essa nossa tética perspectiva distintiva entre Litígio e

Lide, do atributo da jurisdicionalidade na chamada Jurisdição Voluntária e da aplicação do

conceito de Lide como sendo, também, o conteúdo principaliter do processo penal.

Apresentávamos isso no intróito e afirmávamos categoricamente – embora

se tratasse, é claro, naquele momento, de uma hipótese528 de estudo do nosso projeto de

pesquisa científico-jurídica – que, sobre a denominada Jurisdição Voluntária, não há que

existir dúvida quanto à natureza processual e, por conseguinte, jurisdicional desta, posto

que, em se considerando a Lide diferentemente do Litígio, sendo aquela um fenômeno

endoprocessual e este um fenômeno exoprocessual, temos que, na Jurisdição Voluntária,

não há que se questionar o atributo da jurisdicionalidade, pois apesar de não haver Litígio,

há Lide; ou seja, não há um conflito intersubjetivo de interesses (litígio), mas há um pedido

formulado contra o Estado-Juiz (porque só a ele outorgou a lei a possibilidade de se

manifestar, decidindo, sobre isso), isto é, um mérito (aquilo sobre o que vai se pronunciar e

decidir o Estado-Juiz) e partes interessadas, o que caracteriza, destarte, a existência da Lide,

na nossa perspectiva, e, por conseguinte, do processo. E, do mesmo modo, afirmávamos,

ainda, hipoteticamente, que, quanto à processualística penal, da mesma maneira que no

528 Em verdade uma hipótese secundária dependente e decorrente da nossa hipótese básica.

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6. APLICAÇÃO TEORÉTICA DOS CONCEITOS DISTINTIVOS – “LITÍGIO” E “LIDE” – NA JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA E NA PROCESSUALÍSTICA PENAL.

337

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

campo da processualística civil, evidencia-se a diferenciação entre Litígio e Lide, sendo esta

última também a componente conteudística e objetiva do processo penal e, assim,

caracterizada pelo dever cogente do Estado-Administração do exercício (pretensão) do jus

puniendi contra a liberdade do ora imputado réu. No caso da Lide penal, as relações

sinalagmáticas que ocorrem no plano da relação jurídico-processual, ocorrem,

ordinariamente, entre: o Estado-Administração (através do Ministério Público) e o Estado-

Juiz ou o réu e o Estado-Juiz, nos mesmos termos da formulação representativa e

diagramática de KONRAD HELLWIG.

Bem, em verdade, partindo destas duas hipóteses de pesquisa e chegando

até à nossa tética perspectiva de hoje sobre tais temários – depois de passar, é claro, por

todo um procedimento metodológico de estudo, análise, proposição, demonstração,

argumentação, discussão, interpretação e asserção – chegamos à conclusão de que sobre a

segunda hipótese – a da Lide como conteúdo do processo penal – esta é verificável,

demonstrável, aferível e teticamente assertível, conforme iremos ver nesta seção. Agora, por

outro lado, quanto à nossa primeira hipótese – a da asserção do atributo da

jurisdicionalidade, tendo em vista a nossa construção distintiva entre Litígio e Lide, no

âmbito da Jurisdição Voluntária – ainda não estamos seguros e cônscios de que ela – tal

hipótese – por este nosso fundamento, seja factível, demonstrável e assertível. Isso porque,

conforme demonstraremos, a temática da Jurisdição Voluntária é altamente intrigante,

vacilante, complexa e discutível seja do ponto de vista eminentemente dogmático, seja do

ponto de vista, mesmo, zetético.

Mas com isso – é de bom alvitre salientarmos – não queremos afirmar que

o atributo da processualística e da jurisdicionalidade não sejam factíveis, demonstráveis,

aferíveis e assertíveis no campo da Jurisdição Voluntária. Muito pelo contrário: o são. Agora,

não necessariamente por este nosso hipotético fundamento. Talvez por um outro, por

exemplo, pelo fundamento da existência da relação jurídico-processual e do procedimento

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6. APLICAÇÃO TEORÉTICA DOS CONCEITOS DISTINTIVOS – “LITÍGIO” E “LIDE” – NA JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA E NA PROCESSUALÍSTICA PENAL.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

como caracterizadores de todo e qualquer tipo de jurisdição, inclusive, a Jurisdição

Voluntária. Mas sobre isso veremos e falaremos, pormenorizadamente, adiante.

Dito isso, vejamos, então, esta nossa aplicação teorética dos conceitos

distintivos – Litígio e Lide – no âmbito teórico-conceptual da denominada Jurisdição

Voluntária e, de igual modo, no âmbito da processualística penal.

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6. APLICAÇÃO TEORÉTICA DOS CONCEITOS DISTINTIVOS – “LITÍGIO” E “LIDE” – NA JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA E NA PROCESSUALÍSTICA PENAL. 6.1 – Jurisdição Voluntária.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

6.1 – Jurisdição Voluntária.

Numa das obras mais importantes e profundas já publicadas até hoje sobre

a temática – os “Ensaios sobre a Jurisdição Voluntária”529, publicada pela primeira vez no

ano de 1952, pelo eminente processualista JOSÉ FREDERICO MARQUES – o autor, de plano,

já nos adverte que, apesar dos estudos e conclusões doutrinárias já firmados e assentidos

até então sobre o assunto e, ainda, tendo em vista o viés de profundidade teórica tentado

por ele na análise do tema da Jurisdição Voluntária530 nesta sua obra, afirma, in verbis, que:

Verificamos, porém, que ainda há necessidade de mais pesquisas e especulações para que a obra perca o caráter de simples ‘ensaio’. A ‘jurisdição voluntária’, que tirou essa designação e ‘nomen iuris’ de um texto equívoco e discutidíssimo de MARCIANO, numa das passagens do ‘Digesto’, continua envolta em obscuridades e traduzida em conceitos ainda pouco claros. A caracterização de sua essência e natureza, como ato estatal, persiste controversa e entremeada de dissídios doutrinários. Nos seus aspectos particulares, não é menor a série de dificuldades que se apresentam; e na aplicação prática da vida forense também dominam as incertezas, vacilações e insegurança.

Assim, o que se observa na realidade é que, do ponto de vista acadêmico e

doutrinário – seja numa perspectiva zetética ou dogmática – as discussões a respeito de se a

Jurisdição Voluntária é ou não atividade jurisdicional estão longe de terminar.

Em verdade, o que se tem estabelecido de concreto em sede doutrinária a

respeito da temática é que a Jurisdição Voluntária não se trata de jurisdictio, isto é, de

Jurisdição propriamente dita, com todos os caracteres elementares que a constituem531,

posto que, essencialmente, não se trata ela de uma atividade estatal de resolução de

529 Cf. MARQUES, José Frederico. Ensaios sobre a Jurisdição Voluntária. Campinas: Millenium, 2000. 530 E, nesse sentido, o próprio Niceto Alcalá-Zamora y Castillo, um dos maiores processualistas do século XX, disse sobre a obra de José Frederico Marques que, in verbis: “Ensaio sobre a Jurisdição Voluntária (San Paolo, 1952), il lavoro più notevole apparso in America in torno a un concetto cosi difficile” (ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO, Niceto. La Scuola Processuale di San Paolo del Brasile. In Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile. México: UNAM, 1956, p. 869.). 531 Sobre tais elementos constitutivos da Jurisdição, conferir: CARREIRA ALVIM, J. E. Teoria Geral do Processo. 9. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 65-66.

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6. APLICAÇÃO TEORÉTICA DOS CONCEITOS DISTINTIVOS – “LITÍGIO” E “LIDE” – NA JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA E NA PROCESSUALÍSTICA PENAL. 6.1 – Jurisdição Voluntária.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

conflitos de interesses ou, como diria CARNELUTTI, de resolução de uma Lide (Litígio, para

nós). Diz a dogmática jurídico-processual assim que, na Jurisdição Voluntária, não há uma

pretensão resistida ou insatisfeita. Em assim sendo, não se trata, nela, de dizer o direito em

última instância a partir da cognição de um dado factual conflituoso (o Litígio, na nossa

perspectiva) e, do mesmo modo, não se trata, então, de uma atividade jurisdicional

substitutiva das partes em conflito.

Pois bem. A designação terminológica Jurisdição Voluntária, segundo nos

demonstra a doutrina jurídico-processual, surge – muito embora, como vimos, a controvérsia

deste surgimento532 – em contraposição à designação terminológica Jurisdição Contenciosa.

Em realidade, segundo nos informa o processualista CARREIRA ALVIM533, trata-se de um dos

modos de classificação534 da jurisdição. Assim, trata-se de classificá-la – a jurisdição –

quanto à forma, nos seguintes termos: jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária. A

primeira, di-no o eminente processualista, é exercida em face de um Litígio, quando há uma

controvérsia do tipo inter nolentes, isto é, entre os que não querem, voluntariamente, o

exercício da função jurisdicional por parte do Estado. Já a segunda – a Voluntária – ocorre,

532 Sobre tal origem, escreve-nos José Frederico Marques, in verbis: “Poucas vezes uma construção jurídica de existência plurissecular, como a jurisdição voluntária, tem dado margem a tantas discussões e dúvidas. É o que diz ÁLCALA-ZAMORA, estranhando que uma insípida passagem de MARCIANO, onde pela primeira vez surge a dicotomia – a jurisdição voluntária e jurisdição contenciosa, tenha resistido às inclemências do tempo, engendrado tantas teorias e criado dificuldades sem conta. Resultou, de fato, de um trecho de MARCIANO, incluído na compilação de JUSTINIANO, a contraposição entre os atos de jurisdição contenciosa e os de jurisdição voluntária, segundo CHIOVENDA, no seguinte tópico: ‘A contraposição tradicional entre jurisdição voluntária e contenciosa é hoje imprópria: batizou-se com nome romano, na doutrina e prática medieval, àquele complexo de atos que os órgãos da jurisdição realizavam frente a um só interessado ou com base no acordo de mais interessados, in volentes’. SIRO SOLAZZI entende que a denominação de iurisdictio voluntaria, que se encontra nas fontes do direito romano, é pós-clássica e provem de interpolação.” (MARQUES, José Frederico. Ensaios sobre a Jurisdição Voluntária. Campinas: Millenium, 2000, p. 147-148.). 533 CARREIRA ALVIM, J. E. Teoria Geral do Processo. 9. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 71-72. 534 Segundo demonstra Carreira Alvim, baseado, é certo, no que assente a maioria da dogmática jurídico-processual, a Jurisdição, embora manifestação una do poder de soberania estatal, pode-se classificar do seguinte modo, in verbis: “a) Quanto à graduação (ou gradação) dos seus órgãos: jurisdição inferior e jurisdição superior [na verdade, no nosso entendimento, deve-se classificar, sob esta perspectiva, em jurisdição a quo e jurisdição ad quem, posto que, sob a ótica da função jurisdicional, não existe hierarquia entre os órgãos do Poder Judiciário e, em assim sendo, não haveria jurisdição superior e inferior] (...). b) Quanto ao objeto (ou matéria): jurisdição penal e jurisdição civil (...). c) Quanto à origem (ou proveniência): jurisdição legal (ou permanente) e jurisdição convencional (ou momentânea) (...) [também não concordamos com essa classificação, pois não acreditamos que a arbitragem seja uma forma de jurisdição. No máximo seria, como afirma Chiovenda, um equivalente jurisdicional]. d) Quanto aos organismos judiciários que a exercem: jurisdição comum (ou ordinária) e jurisdição especial (ou extraordinária) (...). e) Quanto à forma: jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária.” (Ibidem, p. 72-73.).

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6. APLICAÇÃO TEORÉTICA DOS CONCEITOS DISTINTIVOS – “LITÍGIO” E “LIDE” – NA JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA E NA PROCESSUALÍSTICA PENAL. 6.1 – Jurisdição Voluntária.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

de modo contrário, quando a função do Estado-juiz se limita a homologar a vontade dos

interessados, ou quando o juiz decide, mas em face de interesses do tipo inter volentes, isto

é, entre os que querem o exercício da função jurisdicional no sentido de administrar ou

integrar um determinado negócio por eles vivenciados. Dito de outro modo: em uma – na

Jurisdição Contenciosa – o juiz conhece e decide sobre um conflito de interesses qualificado

pela pretensão de um e pela resistência do outro; por sua vez, na outra – na Jurisdição

Voluntária – o juiz também conhece e também decide, mas não sobre um conflito de

interesses, mas sim sobre uma situação vivenciada pelas partes (ou, como se chama, na

doutrina, pelos interessados) que o Estado, por entender ser tal situação de importância

crucial e fundamental para a sociedade e para a res publica, reservou para ele e não para as

partes, a administração e decisão sobre ela. Por isso se fala que na Jurisdição Voluntária o

que o ocorre é que o Estado-juiz, na verdade, administra ou gerencia – conhecendo e

decidindo, é claro – situações negociais de ordem privada, a fim de que a partir de tais

situações não venha a ocorrer um Litígio. Daí o célebre conceito proposto pela doutrina mais

clássica, in verbis535:

Os traços fundamentais de cada uma dessas atividades, inconfundíveis e heterogêneos, aparecem, no tocante à jurisdição voluntária, com os seguintes caracteres: antes de mais nada, é atividade resultante de negócio jurídico em que se exige um ato do Estado, para que o negócio em que se exige um ato do Estado, para que o negócio se realize ou complete. Como conseqüência, a atuação estatal é aí substancialmente constitutiva, devendo acrescentar-se que a lei a exige com o fim de prevenir lesões ou lides futuras, como bem salienta CARNELUTTI. Donde concluir-se que, na jurisdição voluntária, a atuação do magistrado traduz a pratica de ato estatal de administração de direitos individuais, que, além de sua natureza constitutiva, também apresenta caráter preventivo: o Estado intervém em certas relações jurídicas, para que o ato ou negócio jurídico se forme de maneira a evitar litígios posteriores e irregularidades ou deficiências que possam prejudicar, de futuro, algum dos interessados. REDENTI, caracterizando com muita exatidão a iurisdictio voluntaria, traçou, com mão de mestre, esses dois traços inconfundíveis de sua conceituação material:

a) com o exercício da jurisdição voluntária, o Estado concorre ‘al procedimento constitutivo o formativo di rapporti, di atti o talvolta

535 MARQUES, op. cit. p. 61-62.

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6. APLICAÇÃO TEORÉTICA DOS CONCEITOS DISTINTIVOS – “LITÍGIO” E “LIDE” – NA JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA E NA PROCESSUALÍSTICA PENAL. 6.1 – Jurisdição Voluntária.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

anche di provvedimenti di autorità, di contenuto e di carattere giuridico’;

b) com essa participação em determinadas relações jurídicas, exerce o Estado sobre elas ‘a sua volta un controllo preventivo quasi di polizia giudiziaria, cioè di legalità o di legittimità e, non di rado, anche di utilitá o di moralità (quando il rispetto di ragioni di questo genere acquisti rievanza agli occhi della legge)’.

Exatamente por isso, na nossa hipotética perspectiva nós assentimos que,

na realidade, tais situações que o Estado reservou para o âmbito de atuação e aplicação da

cognitio e decisum do processo voluntário constituem situações, em verdade, de Litígio em

potencial536, posto que, em não bem administrada e gerida tal situação, pode-se

desencadear um Litígio efetivo e uma conseqüente Lide processual, nos termos da Jurisdição

Contenciosa. Desse modo, em assim sendo, na verdade, na Jurisdição Voluntária não há um

Litígio deduzido perante o Estado-Juiz, mas há um conteúdo deduzido a partir de tal situação

litigiosa em potencial que precisa ser conhecida e decidida (administrada). Na verdade, há o

que denominamos de uma Lide imprópria, como iremos demonstrar daqui a pouco.

Bom, mas nesse caso, pelo que afirmamos acima, restaria uma importante

dúvida: então, quer dizer, que a Jurisdição Voluntária tem sim o atributo constitutivo da

jurisdicionalidade, posto que, realmente, há uma situação litigiosa em potencial (o que

chamamos de Litígio potencial) sobre a qual o Estado reservou a sua administração e

integração, mas que ainda não se tornou, na nossa perspectiva distintiva, em Lide? Então,

536 Neste sentido, afirmamos outrora que, in verbis: “No mais, é de se destacar também, quanto aos elementos e caracteres que devem ser, ainda, levados em conta para o processo de definibilidade e conceituação do Litígio, que todas aquelas categorias, também de ordem teórico-sociológica (eu diria até, de ordem teórica e psicossociológica) que CARNELUTTI nos legou para chegar ao conceito, por ele definido, de Lide (Litígio), são também muito importantes para a formatação e delimitação conceitual do instituto do Litígio. Sobretudo, no que diz respeito à caracterização das situações litigiosas realmente ocorridas – às quais nós chamamos de Litígio efetivo (ou cinético) – e das situações litigiosas em potencial – às quais nós denominamos de Litígio em potencial. Por quê? Porque a montagem dos caracteres da teoria carneluttiana nos denota que toda a situação conflituosa – litigiosa – que ocorre no seio da sociedade, nasce de um estado psicológico, em potencial, de carência, de necessidade e de interesse por um determinado bem. Assim, o que queremos dizer com tal distinção – Litígio efetivo e Litígio potencial – é que, existem, na “trama social” – eu diria até, na gênese da teia, por certo, complexa, de relações sociais – determinadas situações (estados psicológicos) que não caracterizam, em si, efetivamente, um Litígio, mas que, potencialmente (daí a importância do viés teórico-psicológico da teoria de CARNELUTTI), devido ao alto grau de polarização dos indivíduos, e da complexidade dos interesses envolvidos, tornam-se situações que, uma vez não conduzidas, administradas e integradas pelo Estado, fatalmente ensejariam a efetivação de Litígios e, conseqüentemente, de Lides processuais. Tal distinção é, fundamentalmente, importante, quando pensamos nos casos – conforme veremos pormenorizadamente adiante – em que o Estado exerce uma jurisdição tão-somente de administração de negócios privados: tal a Jurisdição Voluntária.”.

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6. APLICAÇÃO TEORÉTICA DOS CONCEITOS DISTINTIVOS – “LITÍGIO” E “LIDE” – NA JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA E NA PROCESSUALÍSTICA PENAL. 6.1 – Jurisdição Voluntária.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

quer dizer que na Jurisdição Voluntária há um processo sem Lide ou com uma Lide

imprópria? Bem, essa é uma hard question e como dissemos no intróito dessa seção não

temos ainda o espírito passivo quanto a essa hipotética assertiva. Mas continuemos a

construção do nosso raciocínio.

Na verdade, como afirmamos anteriormente, há, neste processo de

Jurisdição Voluntária, uma Lide do tipo que denominamos de eventual, rarefeita ou

imprópria. Isto é, explicando melhor: no plano pré-processual há uma situação

potencialmente litigiosa – o Litígio potencial – que o Estado, dada a sua importância social e

pública, reservou para si a sua administração e integração via processo judicial; pois bem,

em tal plano – o do processo judicial, este, claro, jurídico-processual – tal situação

potencialmente litigiosa uma vez deduzida em juízo forma, não uma Lide nos termos que

explicitamos e construímos, mas uma Lide que denominamos de eventual, rarefeita ou

imprópria. Eventual porque pode vir a nunca a se formar537 (e aí teríamos uma situação de

processo sem Lide, a qual não teríamos como responder, com esse nosso hipotético

fundamento, a respeito da jurisdicionalidade da Jurisdição Voluntária). Rarefeita porque a

situação vivenciada pelas partes no processo não tem a mesma densidade de conflitualidade

que existe, por exemplo, no processo contencioso538. E imprópria, posto que, efetivamente,

Lide, nos termos da nossa tética construção, sobretudo, tomando-se em consideração o

elemento formal dela (da Lide) – qual seja, ação em sentido positivo e negativo

(Petitum/causa petendi versus Contestatio/causa defendendi ou excipiendi) – não há, muito

embora, de qualquer modo, presentes estejam os seus elementos: a) subjetivo – as partes;

b) causal – porque há, sim, uma demanda, embora de via única; c) material – porque deriva

de uma situação litigiosa, mesmo que em potencial; e, sobretudo, seu elemento d) objetivo,

qual seja, a pretensão processual (Rechtsschutzanspruch), que se consubstancia no pedido

537 E essa possibilidade de vir a existir uma Lide efetiva há. Tanto é assim que o próprio Sistema Jurídico-Processual e, por certo, também, a dogmática jurídico-processual, assente que, uma vez vindo a existir contenciosidade no processo de Jurisdição Voluntária, esse se transmuda em processo de Jurisdição Contenciosa. 538 Sobre isso há quem diga que, inclusive, meras dissensões de opinião e valores não caracterizam uma situação de contenciosidade (MARQUES, op. cit. p. 218.).

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

(Antrag) mais a causa de pedir (Sacherverhalt). Uma pretensão? Uma exigência? Em que

termos? Vejamos.

Os processualistas também afirmam que a Jurisdição Voluntária não se

trata de uma jurisdição stricto sensu, posto que nesta, ao contrário da Jurisdição

Contenciosa, não há um conflito de interesses qualificado pela pretensão de um e pela

resistência do outro. Na verdade, o que, realmente, ocorre é que não há um conflito de

interesses entre os envolvidos – melhor dizendo, na nossa tética perspectiva, não há um

Litígio cinético ou efetivo – mas, peremptoriamente, há uma pretensão, mesmo que comum.

Assim, o que não há, na realidade, é uma pretensão material (a anspruch dos alemães),

posto que esta, como vimos, sempre é dirigida, no plano pré-processual, contra alguém e

ora, no caso da Jurisdição Voluntária, não há, efetivamente, um conflito interpartes.

Mas, inobstante isso, há, peremptoriamente, uma pretensão processual (a

rechtsschutzanspruch dos alemães), posto que como o Estado reservou de modo privativo e

exclusivo para o Judiciário a administração de tais situações, as partes nela envolvidas têm o

direito constitucional, público e subjetivo, de obter dele – do Estado – um pronunciamento

sobre isso, isto é, as parte têm direito de ação. Assim, não há que duvidar: essa é uma

exigência, ou seja, uma pretensão. In casu, a pretensão processual. Não há como negar

isso.

Por outro lado, dizem os processualistas – e essa é ao meu ver uma grande

dificuldade a ser superada, realmente, pela dogmática jurídico-processual – que a Jurisdição

Voluntária não tem o atributo da jurisdicionalidade, posto que sobre o decisum dos

processos que correm sob a égide das disposições que regem a Jurisdição Voluntária não se

operam os efeitos da coisa julgada, sobretudo, a coisa julgada material. Neste sentido,

afirma-nos FREDERICO MARQUES, com base nos postulados doutrinários e legais, que, in

verbis539:

539 MARQUES, op. cit. p. 312-313.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Os procedimentos de jurisdição voluntária não produzem coisa julgada e a decisões neles proferidas também não podem ser objeto de ação rescisória. (...) JORGE AMERICANO diz que os atos de jurisdição voluntária não fazem coisa julgada, porque ‘não havendo litígio, há sempre como obter modificação da decisão, renovando-se o pedido, pois o critério da decisão é, em regra, de mera conveniência, ou proteção aos interesses que o juiz é chamado a resolver. O que ontem era inconveniente, amanhã será talvez útil, ou necessário. Essa é a orientação mais acertada, porque, se houvesse a coisa julgada formal, como pretende PONTES DE MIRANDA, o juiz não poderia atender a essas flutuações da conveniência ou oportunidade do negócio. Neste passo, o que prepondera, para a resolução do problema, é a natureza administrativa do pronunciamento judicial. Uma vez que o provimento de jurisdição voluntária tem caráter administrativo, revestido se acha ele de plena eficácia, como todo o ato estatal. No entanto, falta a seus efeitos aquela imutabilidade que só encontra no ato jurisdicional consubstanciado em sentença.

Bem, se considerarmos que o atributo da res judicata é, real e

peremptoriamente, o elemento essencial e característico que distingue os atos dito

jurisdicionais dos atos dito administrativos, então, assim, não teríamos como assentir o

atributo da jurisdicionalidade na Jurisdição Voluntária e, em assim sendo, tal seria mera

atividade administrativo-integrativa do Estado. E aqui, sim, encontramos uma questão

aporemática, isto é, de difícil solução para a doutrina. No caso, como o nosso objeto de

estudo nesta seção se circunscreve, tão-somente, à tentativa de aplicabilidade dos conceitos

distintivos do Litígio e da Lide no âmbito da Jurisdição Voluntária, não nos parece

conveniente e oportuno aprofundarmos a análise sobre a questão da coisa julgada na

processualística voluntária. Mas, só para acendermos o debate, usamos aqui um argumento

metodológico nosso que tem parecido ser, em qualquer ciência, infalível, qual seja: o de

que, na ciência, a exceção é uma regra. Assim, no caso da Jurisdição Voluntária, o único

atributo que poderia ensejar a não consideração dela como jurisdição propriamente dita

seria a ausência do elemento da res judicata em seus julgados, sendo assim, esta apenas

uma exceção da regra (a de que a jurisdição voluntária tem caráter processual e

jurisdicional) o que, destarte, não descaracterizaria a jurisdicionalidade dela.

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Na verdade, como dissemos anteriormente, inobstante essa nossa

construção hipotética, ao longo da nossa pesquisa temos construído, paralelamente,

tentando ainda salvar a jurisdicionalidade e processualística da Jurisdição Voluntária, uma

outra hipótese de pesquisa que nos parece mais consistente e substancial. Qual seja: a de

que o atributo da jurisdicionalidade está presente em qualquer tipo de processo a partir da

constatação de que neste está consubstanciada uma relação jurídico-processual – sobretudo,

com a indispensável presença, em um dos pólos, do Estado-juiz – seu inerente complexo de

juridicidade e o procedimento estatuído em normas formais a partir do qual ela – a relação

jurídico-processual – constitui-se, desenvolve-se e se extingue, com ou sem julgamento do

meritum causae. Assim, uma vez presentes esses elementos, pode-se, categoricamente,

aferir, demonstrar e afirmar que se trata de um processo judicial e, em assim sendo, de

Jurisdição Estatal. Parece-nos que tal proposição hipotética é mais factível, aferível,

demonstrável e assertível do ponto de vista científico-jurídico do que a nossa hipótese inicial,

baseada na construção distintiva entre Litígio e Lide540.

Dito isso, vejamos, agora, a aplicabilidade desta nossa tética perspectiva

distintiva, agora, no plano da processualística penal.

540 Chegamos a essa ilação, a partir do estudo da causalidade que existe, segundo nos demonstra Lourival Vilanova, em sua obra “Causalidade e Relação no direito” (já citada aqui por nós), entre a relação que ocorre no plano pré-processual – a relação jurídico-material – e a relação que ocorre no plano processual – a relação jurídico-processual. Trata-se, no caso, da aplicação da tese liebmaniana da conexidade instrumental existente entre as duas relações. É isso que ocorre – isto é, essa conexidade – tanto na jurisdição contenciosa, quanto na jurisdição voluntária.

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6. APLICAÇÃO TEORÉTICA DOS CONCEITOS DISTINTIVOS – “LITÍGIO” E “LIDE” – NA JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA E NA PROCESSUALÍSTICA PENAL.

6.2 – A Lide como conteúdo do processo penal. 347

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

6.2 – A Lide como conteúdo do processo penal.

Fazendo-se uma análise sistemática da dogmática jurídico-processual a

respeito da questão de se considerar ou não a Lide como o conteúdo objetivo e principaliter

do processo penal, temos que tal questão – também uma verdadeira hard question, é certo

–, na realidade, tem como substrato e, assim, reside, fundamentalmente, em dois

pressupostos teóricos sobre os quais a doutrina ainda não chegou a um entendimento

pacífico, quais sejam, o primeiro no sentido de se considerar ou não a admissibilidade da

construção de uma Teoria Geral do Processo que seja matriz e fundamento método-

epistemológico de todo e qualquer tipo de processo judicial (inclusive o penal) e, o segundo,

no entendimento de se considerar tal Lide que seria o conteúdo do processo penal, não nos

termos da nossa tética proposição, mas sim nos exatos termos da construção carneluttiana,

isto é, como conflito intersubjetivo de interesses qualificado pela pretensão de um e pela

resistência do outro (já que este autor, diferentemente de nós, não distingue Lide de Litígio).

Bem, sobre o primeiro pressuposto teórico, o que ocorre é que, para alguns

processualistas, não se deve admitir a construção de uma Teoria Geral do Processo que sirva

de fundamento metodológico e epistemológico tanto para o processo civil (extrapenal),

quanto para o processo penal, posto que, segundo assentem esses, o objeto de cognição e

decisão, os princípios informadores e orientadores e, sobretudo, os bens jurídicos em

consideração nesses dois tipos de processo, são distintos entre si e, por isso, precisam de

um regime jurídico próprio, diferenciado, para cada um dos tipos de situações processuais

vivenciadas pelas partes. Sobre tal distinção de elementos entre os processos de conteúdo

penal e extrapenal, dizem, por exemplo, que, no caso do processo civil (de conteúdo

extrapenal), há uma nítida dispositividade sobre o seu objeto litigioso que, no caso do

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6.2 – A Lide como conteúdo do processo penal. 348

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

processo penal, tendo em vista os bens jurídicos em apreço (o jus puniendi do Estado e o

jus libertatis do acusado), não há.

Assim, nesse sentido, corroborando a tese de impossibilidade de uma

Teoria Geral do Processo como fundamento, inclusive, do processo penal, o processualista

italiano EUGÊNIO FLORIAN citado por TEIXEIRA GIORGIS541, na esteira das lições, inclusive,

de outros grandes processualistas estrangeiros que também concordam com tal assertiva

(como por exemplo, GIUSEPPE BETTIOL542) , afirma-nos, in verbis, que:

Anota o professor de Turim, que é inadmissível a seu juízo, a identidade entre os dois processos, alinhando os seguintes argumentos: a) o objeto essencial do processo penal é uma relação de direito público,

por que nele se desenvolve uma relação de direito penal, enquanto no processo civil o objeto, quase sempre, é uma relação de direito privado, seja civil ou comercial, o que tem repercussão de grande importância sobre o conteúdo dos dois processos;

b) o processo penal é instrumento normalmente indispensável para a aplicação da lei penal, o que nem sempre ocorre na sede civil, para atuar as relações de direito privado;

c) o poder dispositivo das partes é muito restrito no processo penal, embora o seja para o juiz, diferindo do processo civil, em que é grande o poder das partes e mínimo o de juiz;

d) no processo civil o juízo está presidido por critérios jurídicos puros, com abstração da qualidade das pessoas, prescindindo-se de critérios e apreciações discricionárias, de eqüidade e éticas; ao contrário, no processo penal, o juiz tem que julgar um homem, e por isso deve inspirar-se em critérios éticos e sociais. Em resumo, o processo civil tem caráter estritamente jurídico e o penal, além, agrega um caráter ético, requerendo valorações psicológicas, antropológicas ou sociológicas, estendendo-se sobre a personalidade do acusado e de sua periculosidade.

Do mesmo modo, assentindo tal impossibilidade de construção de uma

Teoria Geral do Processo, o eminente processualista brasileiro ROGÉRIO LAURIA TUCCI –

também, na esteira de lições de outros grandes processualistas brasileiros que assentem tal

tese (como por exemplo, JACINTO NÉLSON DE MIRANDA COUTINHO543) – em um conhecido

541 TEIXEIRA GIORGIS, José Carlos. A lide como categoria comum do processo. Porto Alegre: LeJur, 1991, p. 68-69. 542 Cf. BETTIOL, Giuseppe. Instituições de Direito e Processo Penal. Coimbra: Coimbra Editora, 1974. 543 Cf. MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nélson de. A lide e o conteúdo do Processo Penal. Curitiba: Juruá, 1989.

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6.2 – A Lide como conteúdo do processo penal. 349

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

artigo seu sobre a temática – “Considerações acerca da inadmissibilidade de uma Teoria

Geral do Processo”544 – assente que, in verbis:

Notória, de sorte a tornar despiciendas mais alentadas considerações a respeito, mostrou-se, por muito tempo (mais de um milênio, quase dois), a relação de subsidiariedade do processo penal ao processo civil. Assim também que dela decorreu, em nosso entender negativamente, o equivocado alvitre da — tal o estreitamento entre esses ramos do Direito Processual, ou proclamada vinculação do penal ao civil — existência da denominada teoria geral do processo. Na realidade, contribuíram, para isso, precipuamente, a contemplação (ou confusão...) unívoca dos denominados princípios, regramentos e institutos de cada um deles, tendo-os, portanto, como se idênticos ou semelhantes fossem; e, simultaneamente, a versação destes, em larga escala, por processualistas civis, deslocados no mais das vezes ocasionalmente para o campo de abrangência exclusiva do Direito Processual Penal.

Pois bem. Sobre tal tese já nos pronunciamos anteriormente aqui neste

trabalho de pesquisa científico-jurídica no sentido de que adotamos a concepção unitarista

de direito processual545, considerando, destarte, a Teoria Geral Processo546 como o suporte

teórico-método-epistemológico que fundamenta a Ciência Jurídico-Processual a qual, por sua

vez, tem como objeto de estudo o sistema normativo jurídico-processual, qualquer que seja

o seu conteúdo, isto é, se composto de normas processuais que disciplinam o processo civil

544 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE RONDÔNIA. EMERON – Revista da Escola da Magistratura. Disponível em: http://www.tj.ro.gov.br/emeron/revistas/revista8/02.htm. Acesso em: 10 dez. 2004. 545 E sobre esta concepção, explicamos, pormenorizadamente, que: “A concepção unitarista – que pugna, por conseguinte, pela idéia de uma ciência processual – sustenta que o direito processual civil (entendamos aqui como civil tudo aquilo que não é penal, isto é, é extra-penal) e o direito processual penal são, em verdade, dois ramos jurídicos distintos da mesma ciência, que, no caso, é a Ciência Jurídico-Processual. O maior defensor da corrente unitarista foi o próprio Francesco Carnelutti que defendeu tal concepção em seu Sistema de Direito Processual Civil. Também, vários outros importantes processualistas defenderam tal tese como o uruguaio Eduardo Couture, o espanhol Niceto Alcalá-Zamora y Castillo, o italiano Giovanni Leone e outros mais. Por outro lado, assentiram na tese dualista, outros importantes processualistas tais como, por exemplo, Vicenzo Manzini e Eugenio Florian. No Brasil, o maior defensor da concepção unitarista foi, sem dúvida, José Frederico Marques e, mais recentemente, Fernando da Costa Tourinho Filho. Neste mesmo sentido, assim afirmam Cândido Rangel Dinamarco, Antonio Carlos de Araújo Cintra e Ada Pellegrini Grinover. Esta última, em sua obra O processo em evolução assim justifica a tese unitarista e a adoção de uma teoria geral do processo construída a partir da matriz normativo-constitucional: “os estudos de processo constitucional criaram clima metodológico para o desenvolvimento de uma teoria geral do processo, pois é na Constituição, antes de mais nada, que se encontra a plataforma comum às diversas disciplinas processuais” (GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo em evolução. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998, p. 8).”. 546 E a propósito desta terminologia – Teoria Geral do Processo – bastante utilizada pela dogmática jurídico-processual, embora não tão especificamente explicado o sentido de o porquê “geral”, explicamos anteriormente que: “a teoria processual (entendida como o conjunto de teorias processuais), conforme já explicamos, é aqui denominada de geral porque, em sendo o suporte teórico-epistemológico da Ciência Jurídico-Processual, fundamenta, assim, qualquer tipo de processo, não importando a natureza da lide, se penal ou extra-penal (civil, administrativo, previdenciário, trabalhista e etc).”.

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6. APLICAÇÃO TEORÉTICA DOS CONCEITOS DISTINTIVOS – “LITÍGIO” E “LIDE” – NA JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA E NA PROCESSUALÍSTICA PENAL.

6.2 – A Lide como conteúdo do processo penal. 350

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

(entendido como qualquer processo de conteúdo extrapenal) ou o processo penal, sem

maiores preocupações analítico-distintivas entre estes dois segmentos do direito processual,

posto que, conforme preceitua o processualista cearense ALBUQUERQUE ROCHA547, o direito

processual – não importando aqui se direito processual civil, penal, trabalhista e etc. – é o

objeto da Ciência Jurídico-Processual, ciência esta que, em verdade, trata-se de um

conhecimento qualificado e sistemático de tais normas que formam o chamado direito

processual, e que seria fundamentada, assim, em uma Teoria Geral do Processo

jurisdicional.

Dessa maneira, não concordamos com as – como bem denominou o

processualista LUCIANO MARQUES LEITE548 – teorias dualistas ou pluralistas do direito

processual “que negam, categoricamente, a construção de uma TGP, em vista da

diversidade de objeto de vários processos”, assim como também, não pactuamos com as

denominadas, também por ele, teorias ecléticas ou intermediárias do direito processual, que

“embora admitindo uma Teoria Geral, não abdicam da exigência de atender as

peculiaridades do fenômeno processual penal”. Na verdade, nesse ínterim de

posicionamentos teoréticos, filiamo-nos, como dissemos e explicamos outrora, às teorias

monistas ou unitárias do direito processual que “admitem a unidade, face a identidade da

função e fim” de todos os processos judiciais.

Mas, enfim, por que estamos a colocar esse problema da unidade ou

pluralidade do direito processual e, por assim ser, da formação, ou não, de uma Teoria

Geral do Processo que fundamente, metodológica e epistemologicamente, qualquer tipo de

processo judicial se o nosso objetivo aqui é tentar demonstrar se a Lide é ou não o objeto

conteudístico do processo penal?

Bem, na verdade, estamos a fazê-lo, posto que se percebe, no estudo dos

diversos autores da dogmática jurídico-processual que aqueles que não assentem com a tese 547 ALBUQUERQUE ROCHA, José de. Teoria Geral do Processo. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 36-37. 548 LEITE, Luciano Marques. A Teoria Geral e o Processo Penal. In Revista da Faculdade de Direito de Taubaté. Ano 3, nº 1, p. 27, passim.

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6.2 – A Lide como conteúdo do processo penal. 351

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

da Lide como conteúdo do processo penal o fazem, primeiramente – além dos conhecidos

argumentos contrários a tal tese – por não acreditar que se possa construir uma mesma

base teórico-conceptual e método-epistemológica tanto para o processo civil, quanto para o

processo penal. E, em assim sendo, dizem ser impossível estudar e analisar o processo penal

pelo prisma dos institutos e instituições do processo civil. Tal é o caso do conceito da Lide

carneluttiana que fora transportado, pelo próprio CARNELUTTI e por seus seguidores, da

sistemática do processo civil para a sistemática do processo penal.

Nessa perspectiva, em contundente afirmação de posição contrária à

relevância do conceito de Lide para o processo penal, assente-nos, outra vez, ROGÉRIO

LAURIA TUCCI549, depois de, como vimos, já ter criticado, veementemente, a construção e

adoção de uma Teoria Geral do Processo jurisdicional, em um texto, por certo longo, mas

que, por traduzir de modo brilhante o pensamento de todos aqueles que, como ele,

partilham de tal idéia, vale a pena inserirmos aqui, in verbis:

Isso, necessariamente, esclarecido, somos instados a reiterar, neste novo lavor, e com o devido respeito a eminentes processualistas cultores da nomeada teoria geral do processo, que se nos afigura grave o equívoco em que tem elaborado boa parte da doutrina processual, particularmente da brasileira, no trato desse (por que não dizer?) fascinante tema. Com efeito, ao contrário do que propagam, e repristinando posicionamento assumido já há cerca de vinte anos, temos como inadmissível a absorção, pelo processo penal, de diversificados regramentos e institutos, próprios do civil. E tal, principalmente, por entendermos, e enfaticamente asserirmos, ser excogitável a identificação, ou, mesmo, a assemelhação, de situações manifestamente díspares, tanto nas suas essencialidades como nas respectivas peculiaridades formais. Aliás, em abono dessa afirmação, exsurge oportuna e apropriada a relembrança, também, de ter sido o renomado processualista (marcadamente civil) peninsular Francesco Carnelutti o introdutor da concepção de lide no processo penal. Concebendo-a, a partir da verificação da exigência de subordinação de interesse de outrem ao de quem a efetiva, pontuou-lhe o significado, dizendo-a um ‘conflitto di interessi qualificato dalla pretesa di uno degli interessati e dalla resistenza dell’altro’ (...). Destaca-se, na definição transcrita, o vocábulo pretensão, que, na esteira desse magistério, temos como “uma declaração de vontade impositiva, formulada em face de outrem, a fim de obter-se a satisfação de um

549 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE RONDÔNIA. EMERON – Revista da Escola da Magistratura. Disponível em: http://www.tj.ro.gov.br/emeron/revistas/revista8/02.htm. Acesso em: 10 dez. 2004.

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6.2 – A Lide como conteúdo do processo penal. 352

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

interesse”(cf. nosso Do julgamento conforme o estado do processo, 3ª ed., São Paulo, 1988, p. 3) ; e que, segundo, já agora, aguda observação de Jacinto Nélson de Miranda Coutinho, A lide e o conteúdo do processo penal, Curitiba, 1989, pág. 29, ‘aparece como um dos conceitos mais importantes’, e representa, principalmente, ‘um dos momentos mais delicados na compreensão do sistema montado pelo autor para o direito processual’. Esse sistema foi, de tal modo, cultivado pelo mestre peninsular, que, no art. 87 de seu Progetto di Codice di Procedura Civile, como que extrapolando da noção inicialmente difundida, expressou: ‘Due persone sono in lite quando l’una pretente che il diritto tutele immediatamente il suo interesse in conflitto con un interesse dell’altra e questa contrasta la pretesa, o pur non contrastandola, non vi sodisfa’ (...). Mostra-se aí, outrossim, facilmente perceptível a adição que Carnelutti fizera à sua original proposição, estabelecendo, então, a distinção entre lide de pretensão resistida, pressuposto do processo civil de conhecimento, e lide de pretensão insatisfeita, pressuposto fático (segundo posterior ensinança de Liebman; e — aditamos nós — inexistente no penal) do processo civil de execução. Aliás, tanto isso é certo que, na Exposição de motivos do Projeto de Código de Processo Civil de 1973, seu ilustre autor, Alfredo Buzaid, deixou classificado no Capítulo III, n. II/6, que “...O projeto só usa a palavra ‘lide’ para designar o mérito da causa. Lide é, consoante a lição de Carnelutti, conflito de interesses qualificado pela pretensão de um dos litigantes e pela resistência do outro. O julgamento desse conflito de pretensões, mediante o qual o juiz, acolhendo ou rejeitando o pedido, dá razão a uma das partes e nega-a à outra, constitui uma sentença definitiva de mérito. A lide é, portanto, o objetivo principal do processo e nela se exprimem as aspirações em conflito de ambos os litigantes”. Essas idéias foram trasladadas (em nosso entendimento, inapropriadamente, com real e manifesta falha de percepção) para o âmbito do processo penal, entre nós, por José Frederico Marques (Elementos de direito processual penal, 2ª ed., Rio de Janeiro - São Paulo, l965, v. I, p. 11-3), asserindo, então, a existência de lide penal, decorrente de prática de crime ou contravenção, e ostensiva do ‘conflito entre o direito de punir do Estado e o direito de liberdade do réu. Mesmo porque — acrescenta — a ‘pretensão punitiva’ (rectius: intenção) encontra, ‘no direito de liberdade, a resistência necessária para qualificar esse conflito como litígio, visto que o Estado não pode fazer prevalecer, de plano, o seu interesse repressivo’. E, outrossim, vigorando o regramento nulla poena sine iudicio, o processo penal apresente-se, também — segundo a ensinança do mesmo autor —, como um processo de partes, cujos interesses, contrapostos, constituiriam a lide penal, em que se consubstanciaria o seu objeto litigioso, a res in iudicio deducta. Paradoxalmente que seja, todas essas afirmações prestam-se para evidenciar a irrelevância processual, ou do conceito de lide, em processo penal; tanto mais quanto se tenha na devida conta que a pretensão, tal como concebida, somente pode ser verificável concretamente, isto é, como fato da vida, ocorrente entre duas ou mais pessoas, com efetiva atuação (‘exigência de subordinação de interesse de outrem ao próprio’) de uma das partes, e negação explícita da outra (resistindo, portanto, ou — aduzindo, dada a complementação supramencionada, feita pelo citado Mestre italiano — não satisfazendo). Em suma, e inequivocamente, a lide é o pressuposto do processo civil; vale dizer, não há processo civil em lide.

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6. APLICAÇÃO TEORÉTICA DOS CONCEITOS DISTINTIVOS – “LITÍGIO” E “LIDE” – NA JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA E NA PROCESSUALÍSTICA PENAL.

6.2 – A Lide como conteúdo do processo penal. 353

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Por assim ser, para quem desse modo entende teoreticamente, não

havendo a possibilidade metodológica de adoção de uma mesma teoria geral, não há,

também, por corolário, a possibilidade de se importar os elementos conceituais (instituições

e institutos) do direito processual civil para o direito processual penal. Esse é o caso da

teoria da Lide e por isso falamos, nesses termos, em tal pressuposto teórico como

impedimento de tal entendimento dela – a Lide – como, também, elemento conteudístico do

processo penal.

Por outro lado, o segundo pressuposto teórico a ser aqui considerado e

analisado para a afirmação da tese da Lide como conteúdo do processo penal, dá-se no

entendimento de se considerar tal Lide que seria o conteúdo do processo penal, não nos

termos da nossa tética proposição, mas sim nos exatos termos da construção

carneluttiana550, isto é, como conflito intersubjetivo de interesses qualificado pela pretensão

de um e pela resistência do outro.

Em outras palavras, o que queremos dizer com isso é que, na realidade, os

autores processualistas que não comungam com a tese da Lide como conteúdo do processo

penal, não o fazem, posto que detectam em tal construção teorética alguns problemas de

ordem lógica e conceitual na adoção pura e simples da tese carneluttiana de Lide no âmbito

do processo penal. Isso porque, como sabemos, CARNELUTTI – e os demais processualistas

que fizeram tal transposição do conceito de Lide para o processo penal – não distingue as

situações pré-processuais e processuais vivenciadas selos sujeitos do fato criminoso que

denominamos de Litígio e Lide. Por isso, em parte, concordamos com as críticas elencadas

pela dogmática jurídico-processual àqueles que adotam a tese da Lide como conteúdo,

também, do processo penal.

Na realidade, tal acontece, posto que, como dissemos, a inserção da Lide

como elemento conteudístico do processo penal tem sido feita sem um melhor entendimento

550 Já que este autor, como dissemos, diferentemente de nós, não distingue Lide de Litígio.

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6. APLICAÇÃO TEORÉTICA DOS CONCEITOS DISTINTIVOS – “LITÍGIO” E “LIDE” – NA JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA E NA PROCESSUALÍSTICA PENAL.

6.2 – A Lide como conteúdo do processo penal. 354

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

das situações vivenciadas pelo ofendido, pelo réu e pelo Ministério Público – enquanto

agente do Estado e responsável pela persecução criminal em juízo (o dominus litis) –, nos

planos pré-processual e jurídico-processual. E é, exatamente, aqui é que entra a nossa tética

perspectiva distintiva entre o que ocorre na realidade social – no plano pré-processual –

entre o ofendido e o ofensor – o que denominamos de Litígio – e o que ocorre no processo

judicial – agora, no plano jurídico-processual – o que denominamos de Lide – entre o ora réu

e o Ministério Público.

Desse modo e em assim sendo, entendemos que, no que diz respeito à

existência, ou não, de uma Lide no processo penal, efetivamente, diante da nossa

proposição tética, há; pois, Lide, nestes termos, não seria o conflito intersubjetivo de

interesses qualificado pela pretensão de um (o ofensor) e pela resistência do outro (o

ofendido) que ocorrera no plano exoprocessual, como na fórmula carneluttiana. Na verdade,

tal conflito intersubjetivo de interesses, qualificado pela pretensão de um e pela resistência

do outro, seria, como já enunciamos, não a Lide, mas o Litígio – no caso, representaria esse,

em sede de processo penal, a conduta típica e antijurídica denominada de crime. A Lide, por

sua vez, também nesta nossa tética perspectiva, seria consubstanciada a partir de tal fato

criminoso, isto é, na nossa fórmula, a partir da dedução, quantitativa e qualitativa, de tal

Litígio (fato delituoso) em juízo e, assim, consubstanciaria o elemento objetivo e

conteudístico do processo penal. Além do que, nesta Lide, teríamos, assim, de um lado a

pretensão material e processual representadas pela pretensão punitiva e executória do

Estado (aqui presentado pelo órgão acusatório Ministério Público) – o denominado jus

puniendi – e do outro a resistência material e processual do réu representada pelo direito de

permanecer livre – o denominado jus libertatis. Em assim sendo, nesta nossa tética

perspectiva – o Litígio (crime) como elemento pré-processual e a Lide como elemento

processual –, não há que se obstar que o conteúdo do processo penal não é

consubstanciado e formatado numa Lide tal como ocorre de ordinário no processo civil.

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6. APLICAÇÃO TEORÉTICA DOS CONCEITOS DISTINTIVOS – “LITÍGIO” E “LIDE” – NA JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA E NA PROCESSUALÍSTICA PENAL.

6.2 – A Lide como conteúdo do processo penal. 355

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Nem se venha aqui objetar que, no processo penal, por serem indisponíveis

os interesses e pretensões conflitantes e, por assim ser, o objetivo principal de tal processo

não é o de chegar a uma composição de tais interesses, mas sim a atuação da vontade

concreta do Estado a partir da observância da regras penais de conduta, não se trata de

uma Lide. Na verdade, assentiríamos assim, se corroborássemos a tese carneluttiana de Lide

como o conflito que ocorre no plano pré-processual. Não é o que estamos a afirmar. Assim,

a indisponibilidade dos interesses em Lide não é um elemento atestativo da impossibilidade

dessa ser o conteúdo do processo penal, mas, tão-somente, uma peculiaridade da Lide penal

que não a torna, em essência, diferente ou oposta à Lide que ocorre no plano do processo

civil.

Por outro lado, não há que se assentir com a crítica de que a Lide não seria

o objeto conteudístico do processo penal, posto que nele não há uma pretensão do ofendido

contra o ora réu. Em verdade, pelo que já vimos, tal, realmente, não há, porque a anspruch

ocorreu na realidade social, no momento da consecução do fato criminoso. Agora, no plano

do processo, como vimos, há sim uma pretensão esta agora, por serem interesses

indisponíveis e de ordem pública, representada pela pretensão punitiva e executória do

Estado contra o réu que, por sua vez, resiste a tal pretensão, como dissemos, via jus

libertatis.

Assim também, não se venha objetar que a Lide não seria o objeto

conteudístico do processo penal, posto que nele os sujeitos processuais são diferentes dos

sujeitos envolvidos no fato delituoso. Ora, na verdade, o que ocorre aí é que a pretensão do

ofendido de ver o ofensor preso, sendo apenado, é substituída pela pretensão maior da

sociedade de que isso ocorra. Na verdade, são pretensões similares, ocorrendo, apenas,

processualmente, uma substituição processual no pólo ativo da relação, de modo que o

Ministério Público é quem atuará em nome do ofendido e de toda a sociedade, isto é, em

nome do Estado, a fim de ver a pretensão punitiva do Estado e do ofendido julgada

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6. APLICAÇÃO TEORÉTICA DOS CONCEITOS DISTINTIVOS – “LITÍGIO” E “LIDE” – NA JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA E NA PROCESSUALÍSTICA PENAL.

6.2 – A Lide como conteúdo do processo penal. 356

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

procedente. Desse modo, a Lide – diferentemente do Litígio (crime) que ocorrera no plano

social entre o ofendido e o ofensor – é, no plano jurídico-processual, materializada no

complexo de juridicidade vivenciado agora pelo ora réu e pelo Estado, presentado que é,

neste momento, pelo órgão do Ministério Público.

Ademais e em síntese, efetivamente o que ocorre no plano do processo

penal, mas especificamente, no plano da Lide penal, é que as relações jurídico-processuais,

do tipo sinalagmáticas, ocorrem, ordinariamente, entre o Estado-Administração (através do

Ministério Público) e o Estado-Juiz ou o réu e o Estado-Juiz, exatamente, nos termos da já

vista concepção da Teoria Angular de KONRAD HELLWIG.

Destarte, entendemos ser esta, como dissemos nas proposições

propedêuticas e sinópticas desta seção, mais uma tética aplicação da nossa hipótese básica

que considera o instituto do Litígio terminológica, teorética e conceptualmente, diferente do

instituto da Lide e, desse modo, pensamos estar contribuindo para a elucidação de mais uma

questão aparentemente aporemática da Ciência Jurídico-Processual.

Muito bem. Visto tudo isso em mais esta seção do nosso presente trabalho

de pesquisa científico-jurídica, passemos, enfim, nesta que será a última e talvez mais

importante parte dele, à construção analítico-distintiva dos institutos do Litígio e da Lide

agora sob a fundamental perspectiva empírico-crítica. Vejamos, então.

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357

7 – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA.

Sempre mantendo a convicção fundamental de que as análises abstratas, sem a mediação das ciências jurídicas dogmáticas, não alcançam minimamente o direito positivo, que se compõe dialeticamente de realidade social e de estruturas normativas – donde a normatividade do fáctico e a factualidade do normativo.

LOURIVAL VILANOVA A instrumentalidade do direito processual ao substancial e do processo à ordem social constitui uma diretriz a ser permanentemente lembrada pelo processualista e pelo profissional, para que não seja subvertida a ordem das coisas, nem feitas injustiças em nome de um injustificável culto à forma. A invocação desse fundamental princípio constitui seguro expediente metodológico, apto a conferir certeza aos resultados encontrados.

CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO

A construção analítico-distintiva que temos proposto, demonstrado,

argumentado, discutido e assertido, peremptoriamente, entre os institutos sócio-jurídico-

processuais do Litígio e da Lide, assim como também a aplicabilidade da mesma na

formatação dos conceitos e teorias das instituições e institutos fundamentais da denominada

Teoria Geral do Processo e, por via de conseqüência, da Ciência Jurídico-Processual, tem

sido consecutada, até o presente momento, sob um prisma, precípua e exclusivamente,

teorético-conceptual. Tal tem ocorrido, é certo, conforme apresentamos anteriormente,

tendo em vista que a nossa proposta de estudo, do ponto de vista metodológico, é

eminentemente híbrida, posto que, de um lado, nosso trabalho de pesquisa científico-jurídica

tem como objetivo/hipótese principaliter de estudo uma construção teórico-termino-lógico-

conceptual, por certo analítica e distintiva, dos referidos institutos (Litígio e Lide) e, do outro,

uma análise empírico-crítica de tais elementos conceptuais, tendo em vista, agora e

sobretudo, os fenômenos da teleologicidade processual, da decidibilidade de conflitos e da

ideologização da técnica jurídica de consecução de procedimentos.

Assim, visto até o presente momento, tal construção analítico-distintiva dos

institutos sócio-jurídico-processuais do Litígio e da Lide a partir de um prisma a priori e

eminentemente teorético-conceptual, o que faremos a partir desse instante é a continuação

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7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 358

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

dessa mesma construção analítico-distintiva entre os referidos elementos conceptuais só

que, agora, sob um prisma, eminentemente, empírico-crítico.

Em verdade, o que se vai tentar demonstrar aqui nesta nossa última seção,

a partir da investigação empírica por nós consecutada entre os membros da magistratura de

primeiro e segundo graus com atuação no Estado de Pernambuco, é que, no campo da

teleologicidade processual, como tecnologia jurídica fundamentada no princípio da

inegabilidade dos pontos de partidas, do non liquet e da decidibilidade de conflitos551,

tomando-se como referencial teórico esta construção distintiva entre os institutos do Litígio e

da Lide, chegamos à conclusão de que a objetividade jurídica do processo, isto é, o que

denominamos aqui de teleologicidade processual, é, ao contrário do que se possa imaginar e

assentir, a decidibilidade da Lide (do processo em si) e não, necessariamente, a

decidibilidade do Litígio, nos exatos termos em que este ocorreu no plano da realidade

social.

Tal hipotese de pesquisa foi investigada, no presente trabalho científico, na

práxis processual, e, conforme as observações e análises por nós consecutadas, em muitos

casos concretos, apesar da incidência de uma decisão judicial terminando, assim, a via

processual (na nossa terminologia: a Lide), no plano material, factual, permaneceu, mesmo

que latentemente (quando não manifesto), o conflito interpartes (na nossa terminologia: o

Litígio) que ensejou a formação da Lide processual. Mais que isso – e essa é a grande ilação

da pesquisa a que chegamos –, pelo que observamos da investigação empírica consecutada,

o que se constata no plano das relações sociais e jurídico-processuais é que a grande

preocupação, isto é, o grande leitmotiv justificador do sistema processual e do órgão

julgador – configurado na persona do juiz – é em, exatamente, decidir a Lide – isto é, o

processo – numa simples, lógica e hermenêutico-silogística intelecção e subsunção de um

551 Cf. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. A ciência do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1991.

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7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 359

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

fato a uma norma e não, necessariamente, nos termos e anseios da sociedade e das partes

que vivem a situação conflituosa, o Litígio.

Por outro lado, através de tal investigação empírica por nós consecutada e

fulcrado, também, em incursões teoréticas que realizamos no sistema jurídico-processual de

normas, pudemos perceber ainda que, em verdade, quando o legislador estabelece, em

certos procedimentos, ditos especiais, algumas limitações à cognição do juiz, em muitos

casos, fica evidente que, ao contrário do que preceitua e propaga o discurso oficial que fala,

assim, em especialização do procedimento e instrumentalidade do processo para se atingir a

efetividade da tutela jurisdicional, o que se está estabelecendo, na realidade, é um

tratamento diferenciado e, no mais das vezes, privilegiado, para uma determinada categoria

de partes, atestando-se, assim, que na consecução legislativa dos procedimentos judiciais,

observa-se, decididamente, a influência de fatores ideológicos552 que consubstanciam a

estruturação e formatação das técnicas procedimentais de cognição, com ampla repercussão

e implicação – a partir de tal ideologização das técnicas procedimentais – na problemática do

acesso à justiça – posto que, evidencia-se, in claris, o impedimento da dedução de parte do

Litígio em juízo, constituindo-se tal fato, por certo, em um obstáculo que denominamos aqui

de obstáculo jurídico553 de acesso à Justiça – e, sobretudo, na (de)limitação teórica e

tecnológico-pragmática dos princípios da inafastabilidade do controle jurisdicional e da

congruência (ou dispositivo).

Assim sendo, e em síntese, as hipóteses que defenderemos aqui nesta

seção, a partir da nossa investigação empírico-crítica, é que, em primeiro lugar, pelo temos

552 Cf. BECKER, L. A. Contratos Bancários: execuções especiais (SFH – SFI – Alienação Fiduciária – Crédito Rural e Industrial). São Paulo: Malheiros, 2002. 553 Ou seja, além dos tradicionais obstáculos, apontados pela dogmática jurídico-processual moderna – obstáculos, por certo, de natureza material, como, por exemplo, o alto custo do processo judicial, a baixa capacidade econômica da maioria da sociedade, o desconhecimento dos direitos, entre outros – obstáculos esses que impedem o efetivo “Acesso à Justiça”, temos, ainda, pelo que estamos a demonstrar, na sistemática do processo, mais um tipo de obstáculo, o obstáculo de ordem jurídico-normativa, isto é, aquele que impede que parte do conflito (Litígio) seja deduzido em Juízo, formando, assim, a Lide. Sobre os obstáculos materiais, conferir Mauro Cappelletti, em seu “Acess to Justice: The worldwide movement to Make Rights Effective: A general reports” (CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: FABRIS, 1988.).

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7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 360

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

visto, a teleologicidade processual, isto é, a finalidade do processo, a priori, é a

decidibilidade da Lide e, tão-somente, a posteriori – sem isso constituir um telos necessário

– a decidibilidade do Litígio554; por outro lado e em segundo lugar, também pelo que temos

visto, no processo de estabelecimento e formatação dos procedimentos jurisdicionais

diferenciados – os ditos especiais – há uma nítida influência de ideologias político-sociais ao

se estabelecer tratamento especial a determinadas situações de direito substancial (Lide <

Litígio), com visíveis repercussões no direito de acesso à justiça – constituindo, tais

diferenciações jurídico-procedimentais, muitas vezes, em um obstáculo de ordem jurídica – e

nos princípios da inafastabilidade do controle jurisdicional e da congruência555.

Destarte, dito isso, passemos, enfim, à proposição, demonstração,

argumentação, discussão e asserção de tais teses por nós propostas em torno da distinção

entre os institutos sócio-jurídico-processuais do Litígio e da Lide, neste momento, sob um

prisma eminentemente empírico e crítico.

Antes, porém, teçamos algumas considerações, mesmo que sinóptica e

propedeuticamente, sobre o suporte teórico-metodológico da pesquisa empírica

consecutada. Vejamos, então.

554 Como vimos, trata-se, esta, de outra hipótese básica, decorrente da proposição problemática. 555 Como vimos, também, outra hipótese secundária independente, isto é, decorrente, tão-somente, da análise empírico-crítica proposta sem relação de interdependência com as hipóteses básicas.

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7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.1 – Suporte Teórico-metodológico da pesquisa empírica consecutada.

361

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

7.1 – Suporte Teórico-metodológico da pesquisa empírica

consecutada.

Conforme apresentamos nas proposições teórico-metodológicas deste

trabalho de pesquisa científico-jurídica, o problema/objeto do nosso estudo é de natureza

essencialmente híbrida, posto que o enfoque e o prisma da construção analítico-distintiva

aqui proposta entre os institutos sócio-jurídico-processuais do Litígio e da Lide, é, como

vimos, de um lado, de natureza teórico-conceptual e, de outro, de natureza empírico-crítica.

Por assim ser, para a consecução desta investigação teorético-empírica, conforme também

assentimos, demanda-se a escolha de métodos e procedimentos técnico-metodológicos de

abordagem eminentemente qualitativos, fundados, assim, em postulados de pesquisa ao

mesmo tempo conceitual e operativa com delineamento (design) de pesquisa, por um lado,

bibliográfica e documental, e, por outro, observacional e de estudo de campo, com aportes e

inserções procedimentais de estudo de casos.

Em assim sendo – afirmamos nestas mesmas proposições teórico-

metodológicas iniciais – que, para a construção da nova acepção terminológico-conceptual e

empírico-crítica das variáveis Litígio e Lide, nos termos anteriormente explicitados e

demonstrados, utilizamos a concepção metodológica de abordagem geral do método

hipotético-dedutivo e de abordagem específica do método observacional, consubstanciados

no modelo referencial e conceitual estruturalista, atentando-se, filosoficamente, e sem nunca

a perder de vista, para a idéia popperiana556 de conjecturação e falsificabilidade, tomando-se

em consideração, assim, o falibilismo do conhecimento e a contingência da ação daquilo que

teticamente estamos aqui a propor.

556 Cf. POPPER, Karl. Conjecturas e Refutaciones. Barcelona: Ediciones Paidos, s/d. Também: Conocimiento Objectivo. Tradução por C. Solis Santos, 2ª ed., Madrid, Tecnos, 1982.

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7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.1 – Suporte Teórico-metodológico da pesquisa empírica consecutada.

362

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Do mesmo modo, assentimos também que as proposições téticas aqui

formuladas e que foram objeto de verificação, proposição, demonstração, discussão,

argumentação e asserção, na consecução desta pesquisa científico-jurídica, são fruto, tão-

somente, da hermenêutica e da compreensibilidade do pesquisador, tal como MAX WEBER557

assente. Assim também, assentimos que, do ponto de vista jusfilosófico, a nossa construção,

analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica entre os institutos sócio-

jurídico-processuais Litígio e Lide que aqui se quis estabelecer, não se trata apenas de uma

mera questão de performance de linguagem, tal como assentem os teóricos adeptos das

teorias deflacionistas de verdade (como por exemplo, PAUL HORWICH e FRANK P.

RAMSEY). Em outras palavras: não se trata – tal proposição tético-distintiva que

estabelecemos entre os referidos elementos – de mera construção retórica. Ao contrário,

fundamenta-se, filosoficamente, na concepção teorética de verdade substantiva, posto que a

construção analítico-distintiva firmada entre tais elementos conceptuais (Lide e Litígio) tem,

como demonstramos, correspondência factual, coerência com o sistema de acepções

(crenças) da dogmática jurídico-processual e, sobretudo, tem um alto grau de utilidade

pragmática para a tecnologia jurídica de decidibilidade de conflitos.

Outrossim, assentimos ainda que, no que diz respeito à especificidade

classificatória da pesquisa científico-jurídica aqui desenvolvida, trata-se, esta, (a) quanto à

tipologia de trabalhos acadêmico-científicos, de uma dissertação científica, (b) quanto à

aplicabilidade, uma pesquisa – dialeticamente – teorético-empírica e, (c) quanto à

complexidade teórica, uma pesquisa descritivo-explicativa, com a utilização precípua de

hipóteses bivariadas.

Muito bem. Relembrando, tal é o contexto teórico-metodológico de

desenvolvimento e consecução dos objetivos do presente trabalho de pesquisa científico-

jurídica. Visto isso, vejamos, agora, em que termos método-procedimentais se desenvolveu a

557 Cf. WEBER, Max. Metodologia das Ciências Sociais. São Paulo: Cortez, 1981, v. 1.

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7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.1 – Suporte Teórico-metodológico da pesquisa empírica consecutada.

363

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

pesquisa empírica sobre Litígio e Lide, na perspectiva da teleologicidade processual e da

fenomenologia da decidibilidade de conflitos, por nós consecutada.

Para a consecução da análise empírico-crítica da teleologicidade do

processo e do fenômeno da decidibilidade de conflitos a partir da distinção proposta entre os

institutos do Litígio e da Lide, isto é, para sabermos se o juiz, ao se deparar com o processo

judicial e, sobretudo, se com a prolatação do decisum final, ocorre, categórica e realmente, a

decidibilidade do Litígio que ocorrera na realidade social no plano pré-processual, ou, tão-

somente, no plano eminentemente formal e jurídico-processual, a decidibilidade da Lide (isto

é, do processo), valemo-nos, conforme anunciamos anteriormente, dos métodos de

procedimento estatístico558, observacional559 e comparativo560.

In casu, o que fizemos foi, a partir da seleção de uma amostra, por certo,

qualitativa de magistrados com atuação em órgãos judiciários de 1º e 2º graus estabelecidos

no Estado de Pernambuco – não nos importando, tanto assim, a classificação judiciária do

órgão, até mesmo porque, como é notório, para a obtenção dos dados factuais que

queremos não é fundamental saber, ou mesmo levar em conta, a competência do órgão, já

que todos, de igual modo, exercem função jurisdicional, isto é, a função de dizer o direito no

caso concreto em última instância, como método oficial de resolução de conflitos que o

Estado adota – e de pessoas que foram partes (ou parente de partes) em processos

judiciais, investigamos, jurídica e sociologicamente, através de técnicas de observação direta

558 O qual, segundo nos ensina Antonio Carlos Gil, in verbis: “(...) fundamenta-se na aplicação da teoria estatística da probabilidade e constitui importante auxílio para a investigação em ciências sociais.” (GIL, Antonio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. São Paulo: Atlas, 1995, pág. 36.). No nosso caso, utilizamo-o, porque a partir das constatações e ilações a que chegamos a respeito da investigação empírico-crítica sobre os elementos do Litígio e da Lide, podemos inferir, estatisticamente, que tais resultados representam uma realidade que se estende aos demais elementos do universo que não foram objeto de estudo. 559 Que, também, na concepção de Gil, in verbis: “é um dos mais utilizados nas ciências sociais (...) e difere do experimental em apenas um aspecto: nos experimentos o cientista toma providências para que alguma coisa ocorra, a fim de observar o que se segue, ao passo que no estudo por observação apenas observa algo que acontece ou já aconteceu” (Ibidem., p. 35). No nosso caso, utilizamo-o, também, posto que a investigação empírico-crítica sobre os elementos do Litígio e da Lide, as suas análises, processos de interpretação e resultado, deram-se, sobretudo, a partir das observações que realizamos no nosso corpus de estudo. 560 O qual, ainda segundo Gil, in verbis: “procede pela investigação de indivíduos, classes, fenômenos ou fatos, com vistas a ressaltar as diferenças e similaridades entre eles” (Ibidem., p. 35). No nosso caso, utilizamo-o, também, posto que no processo de investigação empírico-crítica sobre os elementos do Litígio e da Lide, sobretudo, nas análises e interpretações dos dados factuais, consecutamos diversos tipos de categorizações e comparações entre os dados encontrados nas entrevistas realizadas.

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7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.1 – Suporte Teórico-metodológico da pesquisa empírica consecutada.

364

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

intensiva561 – com entrevistas562 tópicas e semi-estruturadas563 – e de observação direta

extensiva564 (com aportes de análise de conteúdo, análise de discurso e pesquisa

documental), se, peremptória e efetivamente, na resolução dos processos, se dirime o

conflito – o que denominamos de Litígio – ou, tão-somente, como dissemos, se decide a Lide

processual (isto é, o processo judicial).

Assim, para a consecução de tal investigação empírica proposta, sobretudo

no que diz respeito à obtenção dos dados factuais, valemo-nos das seguintes fontes

primárias565:

uma amostra, por certo qualitativo-representativa566, do tipo

aleatória ou casual567, consubstanciada em entrevistas, como dissemos, tópicas e semi-

estruturadas, abrangendo, assim, um universo total de 105 magistrados atuantes em órgãos

judiciários do 1º e 2º graus no Estado de Pernambuco, nos seguintes termos:

561 Segundo a metodologia, consiste a técnica de observação direta intensiva em uma “técnica de coleta de dados para conseguir informações que utiliza os sentidos na obtenção de determinados aspectos da realidade” (MARCONI, M. A; LAKATOS, E. M. Técnicas de Pesquisa. São Paulo: Atlas, 1991.). 562 Ver “questionário” no apêndice deste trabalho. 563 Segundo assentem os metodólogos, entende-se por “Entrevista Tópica e Semi-Estruturada” aquela na qual o temário e as perguntas são feitas de forma seqüencial, lógica e de certa forma fechada, podendo-se, também, utilizar abordagens abertas, mas, nesse caso, sempre focalizada e dirigida ao temário em análise. Neste sentido, ver: BECKER, Howard. Métodos de Pesquisa em Ciências Sociais. Trad. Marco Estevão e Renato Aguiar. 3. ed. São Paulo: HUCITEC, 1997. 564 Segundo a metodologia, consiste a técnica de observação direta extensiva em uma técnica de coleta de dados onde as informações são obtidas a partir da utilização de instrumentos procedimentais, como formulários, questionários e outros tipos de documentos. (MARCONI e LAKATOS, op. cit.). 565 Segundo a metodologia, grosso modo, fontes primárias são aquelas produzidas por contemporâneos de um acontecimento (por exemplo, documentos oficiais, obras de arte, artefatos, diários, relatos de pessoas e etc.). Por sua vez, fontes secundárias são aquelas produzidas posteriormente aos acontecimentos. Como por exemplo, as referências bibliográficas, constantes de livros, revistas e etc. 566 Ainda segundo assentem os metodólogos, uma amostragem é qualitativa quando representa uma pequena percentagem do universo de estudo. Por sua vez, uma amostragem é quantitativa, quando representa uma grande percentagem do universo de estudo. 567 Diz se que uma amostragem é do tipo aleatória ou casual quando, sem critério objetivo ou subjetivo definido, selecionam-se os elementos de um determinado universo a serem estudados, como no nosso caso, onde a seleção dos magistrados e pessoas a serem entrevistadas não obedeceu a nenhum critério básico.

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7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.1 – Suporte Teórico-metodológico da pesquisa empírica consecutada.

365

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Órgão Judiciário Quantitativo % 1º Grau – Justiça Federal 9 8,50% 2º Grau – Justiça Federal 2 1,90% 1º Grau – Justiça Estadual 67 64% 2º Grau – Justiça Estadual 18 17% 1º Grau – Justiça Trabalhista 5 4,70% 2º Grau – Justiça Trabalhista 4 3,90% Total 105 100%

Do mesmo modo, uma amostra, por certo, também, qualitativo-

representativa, consubstanciada em entrevistas, também, tópicas e semi-estruturadas,

abrangendo, assim, um universo total de 51 pessoas – todas com capacidade civil plena –

que já foram partes – ou que, ao menos, vivenciaram tal situação jurídico-processual com

algum membro da família – em um processo judicial.

No caso, para a análise e interpretação dos dados factuais obtidos com as

entrevistas consecutadas com os magistrados, valemo-nos das técnicas método-

procedimentais da pesquisa observacional e documental, com alguma inserção nas técnicas

de análise de conteúdo e de análise de discurso568.

Por sua vez, para a análise e interpretação dos dados factuais obtidos com

as entrevistas consecutadas com as pessoas que já vivenciaram, direta ou indiretamente,

uma Lide processual, valemo-nos das técnicas método-procedimentais, não tão rigorosas – 568 Com, tão-somente, algumas inserções nas técnicas de análise de discurso e de análise de conteúdo, posto que o propósito da nossa investigação empírico-crítica não é a análise do discurso proferido pelos magistrados a respeito da teleologicidade processual e do fenômeno da decidibilidade de conflitos, mas sim, em essência, a interpretação que eles fazem do sistema processual a respeito da nossa tética perspectiva distintiva entre Litígio e Lide e, sobretudo, o seu modus procedendo no julgamento dos processos. In casu, trata-se, a análise de conteúdo e de discurso, segundo nos afirma Laurence Bardin, in verbis, de: “um conjunto de análise das comunicações visando obter, por procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens” (BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977, p. 42). Assim também, conforme nos ensina e orienta o professor Luciano Oliveira, do ponto de vista sociológico, pelo que se tem visto até então dos estudos consecutados, os resultados obtidos com a utilização do instrumental da análise de discurso ou de conteúdo não têm conseguido demonstrar, a contento, aquilo que se propõe em uma análise empírica como a nossa, exatamente, porque outros elementos de natureza sociológica (sócio-jurídica, na verdade) não são considerados e levados em conta na consecução das análises do tipo conteúdo-discursiva. Por isso, por opção metodológica, procedemos à análise e interpretação dos resultados da nossa investigação empírico-crítica apenas com um mínimo viés de inserção técnica neste tipo de análise.

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7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.1 – Suporte Teórico-metodológico da pesquisa empírica consecutada.

366

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

mas eficientes, tendo em vista o que nos propomos a realizar – da pesquisa do tipo estudo

de caso569.

Por fim, para a análise da técnica processual da limitação da cognição,

tendo em vista a impossibilidade legal de se deduzir em juízo determinada parcela do Litígio

(Lide ≤ Litígio), do mesmo modo que consecutamos, metodologicamente, as análises dos

demais pontos do presente trabalho, valemo-nos de fontes, eminentemente secundárias, e

de técnicas método-procedimentais da pesquisa do tipo bibliográfica e documental.

Destarte, apresentado o nosso suporte teórico-metodológico da pesquisa

empírica por nós consecutada, passemos, então, à construção, analítico-distintiva, dos

institutos sócio-jurídico-processuais do Litígio e da Lide, a partir de agora, sob tal prisma

empírico-crítico.

Vejamos, então.

569 Segundo a metodologia, consiste o “Estudo de Caso”, in verbis: “no estudo profundo e exaustivo de um ou poucos objetos, de maneira que permita seu amplo e detalhado conhecimento (...) e com diferentes propósitos, tais como (...) formular hipóteses ou desenvolver teorias e (...) explorar situações da vida real cujos limites não estão claramente definidos. A despeito de sua crescente utilização nas Ciências Sociais, encontram-se muitas objeções a sua aplicação. Uma delas refere-se á falta de rigor metodológico, pois, diferentemente do que ocorre com os experimentos e levantamentos, para a realização de estudos de caso não são definidos procedimentos metodológicos rígidos.” (GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 54.).

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7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou

decidibilidade da Lide? 367

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual:

decidibilidade do Litígio ou decidibilidade da Lide?

Segundo o entendimento majoritário da dogmática jurídico-processual

moderna, do ponto de vista teorético e paradigmático, a Jurisdição é uma função – ou

poder-dever – do Estado através da qual este faz atuar o direito objetivo na composição dos

conflitos de interesses, com o fim precípuo de resguardar a paz social, o império da norma

de direito e a realização de justiça social no caso concreto. Mais ou menos nesses termos

convergem, quase à unanimidade, os processualistas, quanto ao telos, isto é, quanto à

finalidade ou escopos da função jurisdicional do Estado570.

Neste sentido, corroborando tal concepção teorético-conceptual, o

eminente processualista CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, depois de afirmar que os escopos

da jurisdição não devem se limitar, como a doutrina clássica o fazia, aos aspectos

eminentemente legais e jurídico-formais da relação processual – como por exemplo, se

afirmava, até então, que a grande finalidade da jurisdição era, tão-somente, a realização do

direito subjetivo das partes, como se a jurisdição estivesse à mercê de interesses apenas de

caráter individual – assente que, modernamente, tem-se entendido que, na realidade, de

três ordens são (ou, pelo menos, devem ser) os objetivos – na terminologia dele, escopos –

visados pelo Estado com o exercício da função jurisdicional, quais sejam: escopos sociais,

políticos e jurídicos571, sendo que a pacificação social e a consecução de justiça no caso

concreto continuam como ideais máximos a serem perseguidos. Assim, di-nos ele, in

verbis572, que:

570 Nesta perspectiva, cf.: CARREIRA ALVIM, J. E. Teoria Geral do Processo. 9. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 55. 571 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do Processo. 10. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2002. 572 ARAÚJO CINTRA, Antônio Carlos de; GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido R. Teoria Geral do Processo. 13. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 1997, p. 25.

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7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou

decidibilidade da Lide? 368

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

A pacificação é o escopo magno da jurisdição e, por conseqüência, de todo o sistema processual (uma vez que todo ele pode ser definido como a disciplina jurídica da jurisdição e seu exercício). É um escopo social, uma vez que se relaciona com o resultado do exercício da jurisdição perante a sociedade e sobre a vida gregária dos seus membros e felicidade pessoal de cada um. A doutrina moderna aponta outros escopos do processo, a saber: a) educação para o exercício dos próprios direitos e respeito aos direitos alheios (escopo social); b) preservação do valor da liberdade, a oferta de meios de participação nos destinos da nação e do Estado e a preservação do ordenamento jurídico e da própria autoridade deste (escopos políticos); c) a atuação da vontade concreta do direito (escopo jurídico). É para a consecução dos objetivos da jurisdição e particularmente daquele relacionado com a pacificação com justiça, que o Estado institui o sistema processual, ditando normas a respeito (direito processual), criando órgãos jurisdicionais, fazendo despesas com isso e exercendo através dele o seu poder (grifos nossos).

Nesta mesma perspectiva, nós vimos que o grande processualista

FRANCESCO CARNELUTTI573, construiu todo um sistema teorético sobre o direito processual,

assentindo que o grande telos da jurisdição do Estado deve ser a justa composição do que

ele denominou de Lide com a conseqüente busca da paz social e realização do direito

objetivo e do ideal de justiça no caso concreto.

Do mesmo modo, PONTES DE MIRANDA574, falando a respeito da temática

da teleologicidade processual, assente que esta reside, precipuamente, na entrega da

prestação jurisdicional que satisfaz à tutela jurídica requerida, tendo, assim, uma função

imediatamente de realização do direito objetivo e, mediatamente, de pacificação social e

realização de justiça no caso concreto.

Pois bem. Por assim ser, como corolário de tal assertiva teleológica sobre a

função jurisdicional do Estado, assente, também, a dogmática jurídico-processual moderna

que o processo judicial, como instrumento de realização e materialização de tal função

jurisdicional do Estado, tem – e deve ter – como escopos precípuos e fundamentais não

573 Cf. CARNELUTTI, Francesco. Sistema de Direito Processual Civil. São Paulo: Classic Book, 2000, v.1. e CARNELUTTI, Francesco. Teoria Geral do Direito. São Paulo: Lejus, 1999. 574 Cf. MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1996, t. I, prólogo.

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7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou

decidibilidade da Lide? 369

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

mais, como outrora, tão-somente, a realização do direito objetivo no caso concreto ou como

instrumento de defesa dos direitos subjetivos das partes575, mas sim e, sobretudo, a

consecução social, política e jurídica dos objetivos da jurisdição do Estado. Tanto é assim

que a grande onda renovatória por que passa o processo hoje é classificada pela doutrina

processual como fase da instrumentalidade do processo576, onde se busca, como prima facie

e ratio, a efetividade da tutela jurisdicional prestada. Assim, conforme alerta-nos,

novamente, CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO577, in verbis:

A afirmação de que através da jurisdição o Estado procura a realização do direito material (escopo jurídico do processo), sendo muito pobre em si mesma, há de coordenar-se com a idéia superior de que os objetivos buscados são, antes de mais nada, objetivos sociais: trata-se de garantir que o direito objetivo material seja cumprido, o ordenamento jurídico preservado em sua autoridade e a paz e ordem na sociedade favorecidas pela imposição da vontade do Estado. O mais elevado interesse que satisfaz através do exercício da jurisdição é, pois, o interesse da própria sociedade (ou seja, do Estado enquanto comunidade) (grifos nossos).

575 Sobre tais posicionamentos teóricos, por certo, eminentemente ultrapassados, tendo em vista a atual concepção instrumentalista do processo, onde não se admite apenas que a função jurisdicional e seu instrumento – o processo – tenham, tão-somente, escopos de ordem técnica e jurídica, assim leciona o processualista Carreira Alvim, explicando-as, in verbis: “Alguns doutrinadores assinalam como escopo do processo a tutela dos direitos subjetivos (Hellwig, Jellinek, Weismann); outros sustentam que esse escopo é a atuação do direito objetivo (Büllow, Schönke, Chiovenda); e uma terceira posição procura conciliar essas duas tendências (Betti, Couture). [Assim] para a corrente subjetivista, o processo funciona como instrumento de defesa do direito subjetivo, violado ou ameaçado de violação. (...) A corrente objetivista, por seu turno, assinala como escopo do processo a atuação do direito objetivo. Assim pensa Chiovenda, para quem o processo visa ao escopo geral e objetivo de fazer atuar a lei. (...) A corrente objetivista-subjetivista assinala que, entre as duas formulações, não subsiste, no fundo, um real contraste de substância. [Assim], os direitos subjetivos e, mais genericamente, as posições jurídicas, não são algo que se possa separar e contrapor ao direito objetivo, mas produto de valorações jurídicas expressas pelo próprio direito objetivo e, neste sentido, identificam-se com ele. Nem é crer-se que o direito objetivo possa ser atuado, no processo, como norma geral e abstrata, porque faltaria o interesse de agir numa demanda em que se pedisse ao juiz a interpretação de uma norma jurídica na sua abstração e generalidade, fora de um caso concreto.” (CARREIRA ALVIM, J. E. Teoria Geral do Processo. 9. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 23-25.). 576 Neste sentido, afirma-nos, também, Dinamarco, com base nas teorizações do processualista italiano Mauro Cappelletti, que, in verbis: “Essa postura caracteriza uma nova fase metodológica na vida do direito processual, depois do profundo e irracional sincretismo das origens e do fecundo período autonomista que durou um século, fundado pela obra revolucionária de Oskar Von Büllow em 1868. A gradativa mudança de atitude veio envolvida, segundo a análise feita com autoridade por Mauro Cappelletti, em três movimentos (principiados em 1965) que ele denominou ondas renovatórias: uma voltada à assistência judiciária aos necessitados, a segunda empenhada na absorção de pretensões à tutela coletiva, a terceira caracterizada pela reforma interna da técnica processual segundo os objetivos do sistema e à luz da consciência de seus pontos sensíveis. Integra essa terceira onda renovatória a proposta de uma justiça mais acessível e participativa, atraindo a ela os membros dos grupos sociais e buscando a superação da excessiva burocratização” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, v. 1, p. 305.). 577 ARAÚJO CINTRA, Antônio Carlos de; GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido R. Teoria Geral do Processo. 13. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 1997, p. 131.

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7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou

decidibilidade da Lide? 370

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Destarte, em síntese, tal é o discurso oficial propagado e aclamado pela

dogmática jurídico-processual a respeito do que denominamos aqui de teleologicidade

processual.

Bem, inobstante tudo isso – isto é, todas essas preocupações e colocações

de ordem eminentemente teleológica feitas pela doutrina sobre quais devem ser, realmente,

os escopos jurisdicionais e processuais a serem perseguidos pelo sistema jurídico-processual

de normas – em verdade, de acordo com a investigação empírico-crítica que realizamos a

fim de identificarmos os verdadeiros componentes objetivos da teleologicidade processual, o

que temos observado – e demonstraremos, isso, adiante, através das análises tabulares e

gráficas a que procederemos – é que tal tese consubstanciada no discurso oficial e

dogmático sobre a objetividade jurídica do processo (isto é, o telos ou escopo do processo),

como sendo um instrumento efetivo de resolução dos conflitos sociais, com a aplicação do

direito objetivo no caso concreto e a conseqüente obtenção da pacificação social e realização

de justiça entre as partes, deve ser melhor compreendida, posto que, pelo que pudemos

observar da nossa incursão empírica, o sistema processual, tal como ele está montado e

formatado hoje (sobretudo, tendo em vista o princípio da congruência) – muito embora

todas as inovações pelas quais vem este passando nos últimos anos578 –, oferece, tão-

somente, o instrumental para que o juiz decida e resolva, precípua e quase que

exclusivamente, a Lide (e as questões atinentes a ela), no plano jurídico-processual – por

certo, eminentemente formal – e não, necessariamente, o Litígio que ocorreu no plano da

realidade social – isto é, em outras palavras, o fato social conflituoso que ensejou a

formação do processo judicial, onde se consubstancia tal Lide processual. De tal modo que,

em muitos casos concretos observados por nós, constatamos que o juiz resolvera e decidira

578 Neste sentido, Marinoni e Dinamarco em, respectivamente: MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do Processo Civil. 4. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2000 e DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do Processo. 10. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2002.

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7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou

decidibilidade da Lide? 371

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

a Lide processual, mas permaneceu latente na sociedade o Litígio interpartes, mesmo após o

decisum final579.

Com isso não queremos dizer que o discurso oficial que fala hoje,

veemente e peremptoriamente, em instrumentalidade do processo, em efetividade da tutela

jurisdicional, em escopos sociais, políticos, culturais, e, é claro, jurídicos do processo, seja

vazio e não deva ser exaltado pela dogmática. Muito pelo contrário, pois uma das funções

precípuas da dogmática – segundo nos afirma TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR580 – é

exatamente a função pedagógica de transformação da realidade. Em verdade, o que

queremos apresentar é que, inobstante todos os avanços já alcançados nos últimos anos em

termos de instrumentalização jurídica dos processos judiciais – com a introdução de

institutos inovadores e que aperfeiçoaram, realmente, a técnica processual de prestação

jurisdicional, como a tutela antecipada, a tutela inibitória, a execução provisória, alguns

procedimentos especiais que diminuem o tempo da prestação jurisdicional em algumas

situações de direito substancial, por exemplo – ainda existe um grande campo a ser

conquistado para que a tutela jurisdicional do Estado venha a prover realmente o Litígio nos

termos em que ele ocorreu na realidade social e não somente a Lide, como se o processo

fosse um palco de diletantismo e ilações, tão-somente, silogísticas, intelectivas e

hermenêuticas.

Isso porque, evidentemente, os ideais teleológicos de resolução efetiva do

conflito social, com a conseqüente pacificação social e realização de justiça no caso concreto,

só se materializarão a partir do momento em que o juiz tiver a possibilidade jurídica, isto é,

os instrumentos jurídico-processuais aptos e necessários para a resolução não só daquilo

que foi levado a juízo pelo processo técnico de dedução quantitativa e qualitativa formando,

579 E aqui nos lembramos da Pirâmide de Litigiosidade proposta por Boaventura de Sousa Santos, onde ele nos demonstra que, em verdade, a realização da Lide processual é, tão-somente, um dos momentos pelos quais se materializa o Litígio. 580 Cf. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. A ciência do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1991.

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7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou

decidibilidade da Lide? 372

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

assim, a Lide, mas, sobretudo, para a resolução do conflito do modo como ele ocorrera na

sociedade.

Sobre isso, nem se venha obstar aqui que, no caso do processo civil, por

exemplo, a dispositividade dos interesses em conflito impede que o juiz venha a conhecer de

parcela do Litígio, exatamente porque as partes assim entenderam e assentiram não a

deduzindo em juízo. Na verdade, num Estado onde o acesso à justiça é obstacularizado por

razões de ordem material – nos termos em que demonstra MAURO CAPPELLETTI581 – tal

premissa é falsa, posto que, em muitos casos, o que ocorre é que parcela do Litígio não é

deduzida em juízo, exatamente, por falta de conhecimento e de entendimento, pelas

pessoas, da situação jurídico-material por elas vivenciadas582.

Ademais, é de se ressaltar e salientar que a distinção que estamos a

estabelecer entre os institutos sócio-jurídico-processuais do Litígio e da Lide – seja pelo

prisma teórico-término-conceptual, seja, agora, pelo prisma empírico-crítico – não constitui

um fim em si mesmo, posto que o grande objetivo por nós colimado é no sentido de

contribuir técnica e cientificamente para que o sistema jurídico-processual de normas e, a

partir dele, a Ciência Jurídico-Processual, venha a dirimir, ou ao menos mitigar, os espaços

sociológicos e jurídico-processuais existentes entre o Litígio que ocorrera na realidade social

e a Lide estabelecida no plano processual, exatamente, porque o processo como método

oficial de resolução de conflitos instituído pelo Estado a partir do pacto social deve atender

aos anseios da sociedade.

581 CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: FABRIS, 1988, p. 15-29. 582 Neste sentido, assentimos, quando da construção do conceito de Litígio que muitas vezes as partes deixam de ir a juízo e se conformam com a situação por ela vivenciada, porque não tem noção da realidade jurídico-material na qual se encontra. Dissemos, in verbis, sobre isso que: “Quanto a esta importante variável [nível de percepção e avaliação do dano] que determina o tipo e o grau de conflitualidade e litigiosidade social e judicial, Boaventura assente que a simples violação da norma – como citamos antes – não é por si só, em muitos casos, um elemento a partir do qual irá emergir o litígio. Isso só se dá quando há por parte do sujeito (indivíduo ou grupo) uma certa capacidade de identificação e avaliação dos danos produzidos. Acrescenta ele que, desse modo, níveis baixos de litigiosidade não indicam necessariamente baixa incidência de comportamentos injustamente lesivos. E resume: “As pessoas expõem-se a danos e são injustamente lesadas em muito mais situações do que aquelas de que têm consciência. Certos grupos sociais têm uma capacidade muito maior que outros para identificar os danos, avaliar a sua injustiça e reagir contra ela.” (Ibidem., p. 18).”.

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decidibilidade da Lide? 373

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Pois bem. Dito isso, passemos, agora, à análise da teleologicidade

processual a partir dos resultados obtidos com a consecução da investigação empírica.

Antes, é de se assentir que tal análise da teleologicidade processual

(decidibilidade do Litígio ou decidibilidade da Lide?) será consecutada, pari passu, por

intermédio das tabelas e gráficos que adiante se seguem, de acordo com cada

questionamento realizado aos magistrados e pessoas envolvidas, direta ou indiretamente,

em processos judiciais.

In casu, consecutaremos a análise, em primeiro lugar, a partir das

entrevistas realizadas com os magistrados, apresentando as questões formuladas a eles, os

objetivos colimados com a formulação de cada questão, e os resultados obtidos a partir da

indagação. Em segundo lugar, procederemos à análise aqui proposta a partir das entrevistas

realizadas com as pessoas que, direta ou indiretamente, estiveram envolvidas em processos

judiciais, apresentando, do mesmo modo que procedemos com os magistrados, as questões

formuladas a essas pessoas, os objetivos colimados com a formulação de cada questão, e os

resultados obtidos a partir da indagação.

Comecemos, então.

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decidibilidade da Lide? 374

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Análise empírico-crítica da teleologicidade processual:

decidibilidade do Litígio ou decidibilidade da Lide? Resultado das Entrevistas Tópicas e Semi-Estruturadas com os Magistrados.

QUESTIONAMENTO 1

Historicamente, sabe-se que, para a resolução dos conflitos sociais, existiram diversos métodos. Primitivamente, tivemos a autodefesa ou defesa privada, onde imperava a lei do mais forte. Depois, tivemos a autocomposição, onde por meio de persuasão racional, pelo convencimento, as partes chegavam a uma solução para o litígio. Dessa autocomposição surgiram a mediação e a arbitragem. Hoje, o método por excelência, adotado pelo Estado, para a resolução dos conflitos sociais é a heteronomia, através do processo judicial; isto é, um terceiro, imparcial, que é o juiz, determina qual a solução a ser dada no caso concreto. Isso é a jurisdição estatal. Vossa Excelência acha que a heteronomia – isto é, a Jurisdição – é a melhor forma de resolução dos conflitos sociais? Se sim ou não, por quê? Sinteticamente: A heteronomia (jurisdição) é a melhor forma de resolução dos conflitos sociais?

Objetivo:

O objetivo a ser alcançado com este primeiro questionamento sobre se a

Jurisdição é, para o magistrado, a melhor forma de resolução de conflitos – tendo em vista

inclusive o fortalecimento e surgimento oficial583 de outros meios alternativos de resolução

do conflito, como a arbitragem, por exemplo – é o de saber o nível e grau de credibilidade e

confiabilidade que ele – o magistrado – tem, diante dos instrumentos que o Estado lhe 583 Oficial posto que, como sabemos a partir dos ensinamentos de Luciano Oliveira, do ponto de vista sociológico, outros meios alternativos, extra-oficiais, foram e são, diuturnamente, criados pela sociedade. Neste sentido, por exemplo, o referido autor aponta-nos que, durante muito tempo – e, aliás, essa ainda é uma realidade presente na nossa sociedade – a Polícia se tornou, em comunidades mais carentes, um meio alternativo de resolução de conflitos (Cf. OLIVEIRA, Luciano. Sua Excelência o Comissário e outros ensaios de sociologia jurídica. Rio de Janeiro: Letra Legal, 2004.).

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decidibilidade da Lide? 375

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

proporciona e assegura para o exercício da sua função, na Jurisdição como método – como

dissemos, melhor – de resolução dos conflitos sociais, isto é, do que denominamos de Litígio,

e, em assim sendo, quais as razões que o levam a pensar assim, afirmativa ou

negativamente.

Os resultados obtidos são os que se seguem adiante nas tabelas (TABELA

1, TABELA 2 e TABELA 3) e representação gráfica.

No caso, na TABELA 1 apresentamos, percentual e quantitativamente, os

dados factuais das respostas dadas.

Nas TABELAS 2 e 3, apresentamos, por sua vez, as razões afirmativas e

negativas584, respectivamente, que levaram o magistrado a responder ao nosso

questionamento de um – SIM – ou de outro modo – NÃO.

Ademais, sobre as análises e interpretações a que procederemos dos dados

factuais resultantes da nossa investigação, é de se destacar que tais análises e

interpretações serão consecutadas apenas sobre as razões – afirmativas ou negativas – que

julgamos mais importantes e fundamentais para o nosso estudo empírico-crítico dos

institutos do Litígio e da Lide, até mesmo porque seria demasiado cansativo e

metodologicamente incorreto analisar, uma a uma, todas as razões encontradas.

Vejamos, então, os resultados do nosso primeiro questionamento.

584 Só para esclarecermos metodologicamente como chegamos às razões de natureza afirmativa e negativa, constante das TABELAS 2 e 3, o que fizemos foi, a partir da análise textual e referencial (utilizando a técnica de Análise de Conteúdo e de Discurso) das respostas dadas ao questionamento, nós categorizamos, sinteticamente, tais respostas dadas em assertivas-matrizes (razão afirmativa ou razão negativa) nos exatos termos em que colocamos nas referidas tabelas. Assim, cada assertiva-matriz – seja ela razão afirmativa ou negativa – representa a idéia e o conteúdo transmitido pelo entrevistado, com relação ao questionamento que lhe foi consecutado. Isso vale, também, para as demais tabelas representativas das razões afirmativas e razões negativas, constantes dos demais questionamentos realizados.

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decidibilidade da Lide? 376

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Resultados:

TABELA 1

Questionamento 1

A heteronomia (jurisdição) é a melhor forma de resolução dos conflitos sociais?

Resposta Quantitativo Freqüência (%)

SIM 80 76%

NÃO 25 24%

TOTAL 105 100%

REPRESENTAÇÃO GRÁFICA

24%

76%

0

10

20

30

40

50

Freqüência

Questionamento 1: A heteronomia (jurisdição) é a melhor forma de

resolução dos conflitos sociais?

SIMNÃO

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

TABELA 2

Questionamento 1

A heteronomia (jurisdição) é a melhor forma de resolução dos conflitos sociais?

Razões afirmativas: é a melhor forma de resolução de conflitos porque (...) Quantitativo Freqüência

Possibilita o ajuste das relações sociais. 2 2,6%

Concretiza efetivamente a aplicação da lei. 2 2,5%

Decorre de uma conscientização social. 1 1,3%

Reflete a cultura jurídica positivista do nosso ordenamento. 5 6,2%

Possibilita a aplicação do devido processo legal. 7 8,8%

Agrega os princípios jurídicos da eficácia e da efetividade da tutela jurisdicional. 7 8,8%

É a manifestação concreta, coercitiva e de força do Estado. 17 21,3%

Garante à sociedade a paz social. 5 6,2%

Garante o princípio da isonomia entre as partes em juízo. 4 5,0%

Materializa o princípio da imparcialidade do juiz. 27 33,8%

Concretiza o princípio da isonomia entre as partes. 2 2,5%

Demonstra o comprometimento dos operadores do Poder Judiciário. 1 1,3%

TOTAL 80 100%

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

TABELA 3

Questionamento 1

A heteronomia (jurisdição) é a melhor forma de resolução dos conflitos sociais?

Razões negativas: não é a melhor forma de resolução de conflitos porque (...) Quantitativo Freqüência

As formas procedimentais são facilmente manipuláveis pelos patronos das partes. 2 5,50%

Não garante através de seus processos a adequação social esperada pelo autor. 3 12%

Seus resultados não alcançam o ajuste necessário às relações sociais, sobretudo, a justiça no caso concreto. 9 36,5%

Inviabiliza a possibilidade de conciliação entre as partes. 2 8%

A sociedade brasileira desconhece os mecanismos de atuação jurídico-processual 2 8%

O excesso da demanda desestabiliza a relação Juizes x causas judiciais. 1 4,50%

O princípio da imparcialidade é uma utopia na sociedade brasileira. 1 4,50%

Reflete um modelo decadente com o método proposto pelo ordenamento jurídico-processual brasileiro. 1 4,50%

Não se associa peremptoriamente ao princípio da eficácia e da efetividade da prestação jurisdicional. 1 4,50%

Privilegia apenas uma categoria de partes: as pertencentes à classe dominante. 3 12%

TOTAL 25 100%

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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Análise e interpretação dos dados:

A TABELA 1 e a REPRESENTAÇÃO GRÁFICA que lhe segue apresentam –

quantitativa e percentualmente – o grau de confiabilidade e credibilidade que o magistrado

entrevistado tem da função estatal que ele desempenha, isto é, a função jurisdicional.

Ao que se vê, a grande maioria (76%) dos magistrados entrevistados

acredita que a Jurisdição, apesar dos conhecidos problemas de ordem estrutural e legal –

citados, inclusive, por alguns, nas razões apontadas por eles para darem as suas respostas –

é, na avaliação que eles fazem, a melhor forma de resolução dos conflitos sociais. Tal

resultado reflete e se coaduna com o pensamento da própria dogmática jurídico-processual

que, como se sabe, comparando os diversos métodos de resolução de conflito, coloca a

Jurisdição como o método mais razoável de resolução dos conflitos sociais585. Assim

também, tal resultado se coaduna com a própria idéia máter, elementar e legitimadora da

concepção de Estado586.

Por sua vez, a TABELA 2 e a TABELA 3 apresentam – quantitativa e

percentualmente – as razões afirmativas e negativas, respectivamente, invocadas pelos

magistrados entrevistados para assentirem, ou não, com a proposição da Jurisdição como o

melhor método de resolução dos conflitos sociais.

Pelo que se observa dos resultados encontrados, para os que assentem a

Jurisdição como o melhor e mais racional método de resolução de conflitos (76% dos

entrevistados), a razão de tal asserção se encontra, precipuamente, fundada no valor

principiológico da imparcialidade do julgador. Assim, 33,8% dos entrevistados que assentem

a Jurisdição como o melhor método de resolução de conflitos, fazem-no por entender que

585 Neste sentido, assente Niceto Alcalá-Zamora y Castillo (Cf. ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO, Niceto. Proceso, Autocomposición y Autodefensa (contribución al estúdio de los fines del proceso). México: UNAM, 2000.). 586 Nesta perspectiva, assentem Darcy Azambuja (Cf. AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 28. ed. São Paulo: Editora Globo, 1990.) e Paulo Bonavides (Cf. BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1995).

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decidibilidade da Lide? 380

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

esta é o meio de resolução de conflitos onde a imparcialidade do julgador é manifesta,

perceptível e razoável. Em verdade, realmente, segundo a sistemática do nosso

ordenamento jurídico, o traço fundamental e legitimador do poder jurisdicional do Estado

encontra-se fundado nos princípios da independência do Poder Judiciário e da imparcialidade

do juiz. A respeito disso o que temos que ter em mente é que, não há que se confundir a

imparcialidade do juiz, com a sua neutralidade axiológica, posto que, conforme acreditamos,

baseados em estudos e teorias de cunho psicológico, sociológico e antropológico, a

imparcialidade do juiz é factível e objetivamente aferida, conforme apreendemos da

preceituação constante dos arts. 134 e 135 do Código de Processo Civil. Agora, não existe,

em relação ao juiz, neutralidade axiológica absoluta, porque, enfim, o julgamento dele

perpassa, mesmo que num mínimo viés, pelo sentir que ele tem em relação ao fato

conflituoso objeto de seu conhecimento e decisum587.

Do mesmo modo, ainda com relação aos que assentem a Jurisdição como o

melhor e mais racional método de resolução de conflitos, a segunda maior razão de tal

asserção se encontra, conforme podemos ver das tabelas sub examen, no poder de

imperium e de coerção que o Estado tem para fazer valer as suas decisões (21,3%). Tal

resultado nos leva a assentir que, em verdade, os próprios magistrados entrevistados

reconhecem que a Jurisdição é o melhor método de resolução de conflitos não porque

atinge, como veremos mais à frente, os proclamados ideais de justiça e paz social, mas sim

porque é o método mais possível de ser realizado, tendo em vista, é claro, o poder, inclusive

de polícia, que o Estado tem para dizer o direito no caso concreto.

Por sua vez, pelo que se observa da TABELA 3 – isto é, para aqueles que

não assentem com a tese de que a Jurisdição é a melhor forma de resolução de conflitos

587 É o que acontece de igual modo com o pesquisador com relação ao seu objeto de estudo. Assim, não existe neutralidade axiológica absoluta. Neste sentido, inclusive, já citamos bem construído texto do Professor Luciano Oliveira (Cf. OLIVEIRA, Luciano. “Neutros e Neutros”. In Revista Humanidades. Brasília: UnB, nº 19, 1988) falando-nos, no caso do pesquisador, da sua impossibilidade da neutralidade axiológica absoluta com relação ao objeto de investigação. Tais preciosas lições servem, do mesmo modo, mutatis mutandis, para a análise da neutralidade do juiz diante dos conflitos apresentados a ele em juízo.

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decidibilidade da Lide? 381

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

(24% dos magistrados entrevistados) – esta não o é, principalmente (36,5% assentem

assim), porque “seus resultados não alcançam o ajuste necessário às relações sociais,

sobretudo, a justiça no caso concreto”. Bem, duas importantes interpretações podemos fazer

de tais resultados: a primeira ocorre tendo em vista o surpreendente e alto índice de

integrantes do próprio judiciário que não entendem que a jurisdição é a melhor forma de

resolução de conflitos. Isso nos mostra, então, que, na avaliação dos próprios magistrados, o

poder judiciário passa, realmente, por uma crise de legitimidade588. Por outro lado, a

segunda interpretação que podemos fazer de tais dados – e essa é a que nos importa mais

nesta análise – é que, ora, se os próprios juízes entendem que a jurisdição não tem

alcançado os ajustes necessários a fim de que os ideais, sobretudo, de justiça sejam

atingidos na resolução dos conflitos é, porque, do ponto de vista da nossa análise empírico-

crítica e distintiva sobre os institutos do Litígio e da Lide, o que tem acontecido é que no

exercício da função jurisdicional se tem decidido não o Litígio, mas, tão-somente, a Lide.

Tanto é assim que um considerável número de magistrados entrevistados (12% deles)

entendem que o exercício da função jurisdicional do Estado “não garante através de seus

processos a adequação social esperada pelo autor” na resolução do caso concreto.

Por fim, com os resultados obtidos a partir do questionamento

consecutado, é de se concluir que o objetivo por nós colimado com o questionamento – no

caso, o objetivo de saber o nível e grau de credibilidade e confiabilidade que o magistrado

tem da Jurisdição como método melhor de resolução dos conflitos sociais – temos que, em

síntese, há um crescente descrédito, dentro da própria magistratura, da jurisdição como

método de resolução de conflitos. Não porque se queira adotar um outro método, mas

porque os meios e instrumentais que estão disponíveis para os juizes dizerem o direito no

caso concreto não tem sido suficientes para alcançar os escopos ansiados pela sociedade.

588 Neste sentido, cf.: CÁRCOVA, Carlos Maria. Direito, Política e Magistratura. Trad. Rogério Viola Coelho, Marcelo Ludwig Dorneles Coelho. São Paulo: LTr, 1996.

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decidibilidade da Lide? 382

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

QUESTIONAMENTO 2

Dentre as várias definições clássicas, formuladas pela dogmática jurídico-processual, uma delas diz que a Jurisdição é a função do Estado, pela qual este atua o direito objetivo na composição dos conflitos de interesses, com o fim de resguardar a paz social e o império da norma de direito, fazendo-se justiça no caso concreto e, desse modo, alcançando-se a referida pacificação social. No caso, Vossa Excelência acha que esse discurso que justifica o monopólio da jurisdição pelo Estado tem se realizado na prática, isto é, na resolução dos processos tem-se atingido esses ideais de paz e justiça sociais? Sinteticamente: Na resolução dos processos judiciais tem-se atingido os ideais de paz e justiças sociais?

Objetivo:

O objetivo a ser alcançado com este segundo questionamento é o de saber

se, na perspectiva de quem julga diuturnamente pessoas e fatos, os ideais colocados pela

dogmática jurídico-processual como fundamentais e legitimadores da função jurisdicional do

Estado tem sido real e efetivamente cumpridos, isto é, se se tem atingido os proclamados

ideais de pacificação social e justiça na resolução dos casos concretos e, em assim sendo, se

é legítima, ou não, a atuação do Estado-Juiz enquanto exercente da função jurisdicional,

como método oficial de resolução de conflitos que é.

Os resultados obtidos são os que se seguem adiante nas tabelas (TABELA

1, TABELA 2 e TABELA 3) e representação gráfica, nos mesmos termos metodológicos do

questionamento anterior. Assim também, com relação às análises e interpretações

consecutadas a partir dos dados factuais encontrados e apresentados.

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decidibilidade da Lide? 383

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Resultados:

TABELA 1

Questionamento 2

Na resolução dos processos judiciais tem-se atingido os ideais de paz e justiças sociais?

Resposta Quantitativo Freqüência (%)

SIM 26 25%

NÃO 79 75%

TOTAL 105 100%

REPRESENTAÇÃO GRÁFICA

75%

25%

0

20

40

60

80

Freqüência

Questionamento 2: Na resolução dos processos judiciais tem-se atingido

os ideais de paz e justiças sociais?

SIMNÃO

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decidibilidade da Lide? 384

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

TABELA 2

Questionamento 2

Na resolução dos processos judiciais tem-se atingido os ideais de paz e justiças sociais?

Razões afirmativas: sim a solução dos processos judiciais tem atingido os ideais (...) Quantitativo Freqüência

Apesar do acesso limitado da sociedade ao Judiciário. 1 3,90%

Pela adequação da lei e senso de justiça dos operadores do direito. 1 3,90%

Pela perfeita adequação das leis e princípios existentes no ordenamento. 4 15,5%

Pela possibilidade de associação da aplicação das leis e princípios. 3 11,20%

Pela efetiva analise das provas constantes nos autos. 1 3,90%

Tendo em vista a observância do princípio da isonomia entre as partes. 1 3,90%

Tendo em vista a observância do princípio do devido processo legal. 1 3,90%

Pela garantia de acesso da parte perdedora ao duplo grau de jurisdição. 1 3,90%

Apesar dos quadros reduzidos de pessoal em detrimento ao excesso demanda. 3 11,6%

Apesar do reconhecimento que a Justiça social extrapola a esfera do Judiciário. 7 26,7%

Pelos resultados manifestados pela sociedade com obtenção de paz e justiça. 1 3,90%

Senão estaríamos vivenciando um verdadeiro caos social. 2 7,70%

TOTAL 26 100%

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decidibilidade da Lide? 385

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

TABELA 3

Questionamento 2

Na resolução dos processos judiciais tem-se atingido os ideais de paz e justiças sociais?

Razões negativas: a solução dos processos judiciais não tem atingido os ideais (...) Quantitativo Freqüência

Devido aos obstáculos de acesso da população ao Judiciário. 5 6,40%

Descomprometimento dos operadores do direito em adequar as leis e princípios. 1 1,25%

Aplicação indevida das fontes do direito. 1 1,25%

Baixo senso crítico Magistratura para a aplicação das leis e princípios. 12 8,85%

Multiplicidade do conceito de Justiça pelo senso comum. 1 1,25%

Porque não promove a conciliação entre as partes. 1 1,25%

Está sujeito a falibilidade do juiz, comprometendo a satisfação com os resultados. 1 1,25%

Pela falta de celeridade no Poder Judiciário. 12 15,15%

Descrença da população pelo formalismo excessivo do Judiciário. 2 2,50%

Pelo desrespeito ao princípio da isonomia entre as partes. 1 1,25%

A responsabilidade pela justiça social extrapola a esfera do Judiciário. 42 53,25%

Tendo em vista certos privilégios de que gozam as partes integrantes das classes dominantes. 5 6,35%

TOTAL 79 100%

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decidibilidade da Lide? 386

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Análise e interpretação dos dados:

A TABELA 1 e a REPRESENTAÇÃO GRÁFICA que lhe segue apresentam –

quantitativa e percentualmente – o entendimento que os magistrados entrevistados têm a

respeito do atendimento, ou não, na resolução dos processos judiciais, dos proclamados e

legitimadores ideais da função jurisdicional do Estado, quais sejam, os ideais de paz e justiça

social.

Pelo que se observa dos resultados encontrados a partir do

questionamento consecutado, a esmagadora maioria dos magistrados entrevistados (75%

deles) entendem, categoricamente, que no exercício da função jurisdicional não se tem

atingido os ideais colimados e legitimadores da Jurisdição. Ora, tal dado, por si só, já é

caracterizador e explicativo da tese por nós proposta entre os institutos do Litígio e da Lide.

Assim, confrontando-se os dados factuais obtidos a partir do questionamento 1 com os

dados, agora, apresentados do questionamento 2, temos que, inobstante se creia que a

Jurisdição é o melhor meio de resolução de conflitos – sobretudo, como se viu, pela

possibilidade que o Estado tem de fazer valer e cumprir as suas decisões – sabe-se que os

ideais justificadores de tal poder de imperium do Estado não estão sendo atingidos, de modo

que, na nossa tética perspectiva, o que se tem resolvido é, tão-somente, a Lide e não o

Litígio nos exatos termos em que este aconteceu, posto que, se assim ocorresse, em

absoluto os ideais de paz e justiça social seriam, mesmo que não num grau máximo,

atingidos.

Por sua vez, a TABELA 2 e a TABELA 3 apresentam – quantitativa e

percentualmente – as razões afirmativas e negativas, respectivamente, invocadas pelos

magistrados entrevistados para assentirem, ou não, com a proposição do atendimento, por

parte da Jurisdição, dos ideais de paz e justiça social.

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7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou

decidibilidade da Lide? 387

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Ora, pelo que se observa dos resultados encontrados, daqueles 25% que,

inobstante a realidade que se nos apresenta, acreditam que tais ideais de paz e justiça social

têm sido atingidos, uma considerável parcela desses (cerca de 27%) assentem que, mesmo

assim, o atendimento de tais ideais não é função precípua do Poder Judiciário o que nos faz

concluir (e tal conclusão se confirma, quando observamos, também, que 15,5% dos

entrevistados entendem que tais ideais são atingidos, tendo em vista, tão-somente, a

“perfeita adequação das leis e princípios existentes no ordenamento”) um certo

posicionamento eminentemente formalista de quem assim assente a contrário senso,

inclusive, do pensamento majoritário da dogmática jurídico-processual que, como vimos,

entende que tais escopos devem, sim, serem concretizados no momento da decisão

judicial589. E aí nos lembramos da critica que já colocamos de que o processo judicial não

deve ser, apenas, um palco de diletantismos e ilações silogísticas, intelectivas e

hermenêuticas.

Por outro lado, dos 75% que entendem que os ideais de paz e justiça

social não tem sido atingidos com o exercício da função jurisdicional do Estado, cerca de

54% deles afirma, conscientemente, que esse não atendimento não constitui em si um

problema fundamental do Poder Judiciário a ser solucionado, posto que, entendem esses,

que “a responsabilidade pela justiça social extrapola a esfera do Judiciário”. Outra vez aqui,

percebemos um posicionamento eminentemente formalista de quem assim assente e, então,

já antecipando a análise que procederemos adiante sobre o princípio da congruência, o que

podemos concluir é que, na verdade, para quem assim pensa e assente, o processo judicial

é, tão-somente, um instrumento de realização do direito objetivo de acordo com aquilo que

foi deduzido e pleiteado pelas partes, não cabendo, desse modo, ao juiz, ir além daquilo que

foi levado ao seu conhecimento.

589 Neste sentido, Cândido Rangel Dinamarco e Luiz Guilherme Marinoni (Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do Processo Civil. 4. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2000 e DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do Processo. 10. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2002).

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decidibilidade da Lide? 388

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Ademais, um considerável percentual de magistrados (15,5% deles)

entende que tais ideais de paz e justiça social não têm sido atingidos tendo em vista a

morosidade dos procedimentos judiciais o que, também, nos leva a intuir – e, veremos isso,

quando da análise das entrevistas realizadas com pessoas que já foram partes em processos

judiciais – que, por assim ser, ao mesmo tempo em que se desenrola a Lide processual,

concorrentemente e no plano exoprocessual, desenvolve-se, na teia de relações sociais, o

Litígio, de modo que muitas vezes, por essa morosidade excessiva do Poder Judiciário em

prestar a tutela jurisdicional, a resolução da Lide não faz extinguir o Litígio que, nesses

termos, já está num grau de desenvolvimento e complexidade muito maior que o do

momento da propositura da ação.

Por fim, com os resultados obtidos a partir do questionamento

consecutado, é de se concluir que o objetivo por nós proposto de tentar saber se, na

perspectiva de quem julga pessoas e fatos levados a juízo, os ideais colocados pela

dogmática jurídico-processual como fundamentais e legitimadores da função jurisdicional do

Estado tem sido real e efetivamente cumpridos e, em assim sendo, se tem sido legítima, ou

não, a atuação do Estado-Juiz enquanto exercente da função jurisdicional, em síntese, pelo

que vimos, peremptoriamente, tais ideais não tem sido atingidos e nem buscados pelos

juízes, posto que, conforme demonstramos, para uma parte considerável dos entrevistados,

tal não é a função precípua do Poder Judiciário. Ora, se assim não é, do ponto de vista

teorético e doutrinário, temos que a função jurisdicional, como prática, não é (ou não tem

sido) legítima.

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7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou

decidibilidade da Lide? 389

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

QUESTIONAMENTO 3

Quando Vossa Excelência se depara com um processo, a preocupação do senhor é em decidir a Lide (penal ou cível) nos termos do pedido formulado pelo autor, julgando-o procedente ou improcedente, a partir da dialética processual? Existe alguma outra preocupação? Sinteticamente: A preocupação principal para decidir a Lide é com o pedido ou há outras?

Objetivo:

O objetivo a ser alcançado com este terceiro questionamento é o de tentar

identificar a partir da resposta formulada pelo magistrado se a preocupação dele ao se

deparar com um processo judicial é a de, tão-somente, de modo hermenêutico-silogístico,

fazer, de acordo com o pedido do autor, uma intelecção do fato apresentado a uma norma

constante do ordenamento jurídico, pouco importando se se faz, ou não, justiça e paz sociais

– ou, ao menos, no caso concreto – ou se a preocupação dele em julgar a Lide se estende a

outros fatores, notadamente, sociológicos, culturais, ideológicos, econômicos, políticos,

buscando, assim, os escopos da paz e da justiça social.

Os resultados obtidos são os que se seguem adiante nas tabelas (TABELA

1, TABELA 2 e TABELA 3) e representação gráfica, nos mesmos termos metodológicos do

questionamento anterior. Assim também, com relação às análises e interpretações

consecutadas a partir dos dados factuais encontrados e apresentados.

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decidibilidade da Lide? 390

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Resultados:

TABELA 1

Questionamento 3

A preocupação principal para decidir a Lide é com o pedido (sim) ou há outras (não)?

Resposta Quantitativo Freqüência (%)

SIM 66 63%

NÃO 39 37%

TOTAL 105 100%

REPRESENTAÇÃO GRÁFICA

37%

63%

0

20

40

60

80

Freqüência

Questionamento 3: A preocupação principal para decidir a Lide é com o

pedido ou há outras?

SIMNÃO

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decidibilidade da Lide? 391

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

TABELA 2

Questionamento 3

A preocupação principal para decidir a Lide é com o pedido (sim) ou há outras (não)?

Razões afirmativas: a preocupação principal para decidir a Lide e com o pedido (...) Quantitativo Freqüência

Porque assim se proporciona à sociedade a paz e o bem-estar social. 21 31,80%

Porque assim se analisa efetivamente a pretensão das partes. 2 3,0%

Porque assim se realiza um julgamento justo. 11 16,60%

Tendo em vista o princípio do devido processo legal e da congruência. 26 40,10%

Porque assim se observa o princípio da imparcialidade. 6 9,0%

TOTAL 66 100%

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decidibilidade da Lide? 392

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

TABELA 3

Questionamento 3

A preocupação principal para decidir a Lide é com o pedido (sim) ou há outras (não)?

Razões negativas: outras preocupações para decidir a Lide (...) Quantitativo Freqüência

O atendimento dos anseios sociais e das partes. 1 2,60%

Desenvolver a aplicabilidade das leis e princípios legais. 2 5,00%

Efetivar a realização da Justiça. 12 31%

Efetivar o princípio do devido processo legal. 17 43,40%

Possibilitar as condições para a realização de julgamento imparcial. 1 2,60%

Observação específica e prioritária do principio da efetividade. 6 15,40%

TOTAL 39 100%

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decidibilidade da Lide? 393

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Análise e interpretação dos dados:

A TABELA 1 e a REPRESENTAÇÃO GRÁFICA que lhe segue apresentam –

quantitativa e percentualmente – o resultado do entendimento que os magistrados

entrevistados têm a respeito de qual dever ser a preocupação principal – ou, numa

terminologia técnica, o objeto principaliter de cognição e decisão do juiz – do juiz ao se

deparar, ele, com o processo judicial, isto é, a Lide: se, tão-somente, se deve preocupar,

precipuamente, com o pedido formulado pelo autor ou, também, com outros matizes de

ordem jurídico-processual ou até mesmo de ordem social, como, por exemplo, o

atendimento dos ideais de pacificação e justiça social.

Bem, pelo que se observa dos resultados encontrados a partir do

questionamento que realizamos, a grande maioria dos magistrados entrevistados (cerca de

63% deles) entende que a principal preocupação do juiz ao se deparar com o processo

judicial deve ser, tão somente, em decidir o pedido que lhe foi formulado pelo autor, dado

esse que nos demonstra que, sob a perspectiva da nossa hipótese de investigação, o que

tem ocorrido é que o juiz ao se deparar com o processo tem se preocupado, tão-somente,

em decidir a Lide e não o Litígio.

Nessa perspectiva, a TABELA 2 e a TABELA 3 apresentam – quantitativa e

percentualmente – as razões afirmativas e negativas, respectivamente, invocadas pelos

magistrados entrevistados para assentirem, ou não, a respeito de qual deve ser a

preocupação principal do juiz ao se deparar com o processo judicial, se com o julgamento,

tão-somente, do pedido ou com outros matizes de ordem social e jurídico-processual.

Bem, dos que consideram que o objeto de preocupações centrais do juiz

deve ser, tão-somente, o pedido formulado pela parte autora, cerca de 41% deles entendem

que tal deve ocorrer, tendo em vista o que preceituam os princípios do devido processo legal

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decidibilidade da Lide? 394

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

e da congruência. No mesmo sentido e com um fundamento bem próximo a esse, 9%

entende que tal deve ocorrer, tendo em vista o princípio da imparcialidade.

Ainda sobre os que entendem que o juiz deve focar sua cognição e

decisum tão-somente naquilo que lhe foi pleiteado, um dado interessante que se nos

apresenta é que cerca de 50% deles entendem que o juiz deve se ater apenas a julgar de

acordo com o pedido, sem ter qualquer outra preocupação central, posto que, em assim

sendo (notem só!), “se proporciona à sociedade a paz e o bem-estar social” (31,80%) e

“porque assim se realiza um julgamento justo.” (16,60%). O que podemos concluir disso é,

peremptoriamente, trata-se, pelo que estamos a ver, de um argumento sofismático e irreal.

Por outro lado, dos 37% que entendem que o juiz, ao se deparar com o

processo, deve ter como foco outras questões que não necessariamente se ligam ao pedido

formulado pela parte autora, a grande maioria – cerca de 43,40% - mesmo assim, entendem

que tais outras preocupações devem se ligar a questões, eminentemente, de ordem jurídico-

processual, como por exemplo, a efetivação do princípio do devido processo legal. Ainda

sobre esses, apenas cerca de 16% entendem que o juiz deve se preocupar, precipuamente,

com a efetividade da tutela jurisdicional, dado esse um tanto quanto alarmante para nós,

tendo em vista que, conforme assente a dogmática jurídico-processual moderna, vivemos

hoje uma fase da Ciência Jurídico-Processual, onde o foco mais importante das

preocupações dos processualistas é com a instrumentalidade do processo e a efetividade da

tutela jurisdicional a ser prestada às partes590.

Por último, com os resultados obtidos a partir do questionamento

consecutado, é de se concluir que, tendo em vista o objetivo por nós proposto de tentar

identificar a partir da resposta formulada pelo magistrado se a preocupação dele ao se

590 Neste sentido, Cândido Rangel Dinamarco (Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do Processo. 10. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2002), Luiz Guilherme Marinoni (Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do Processo Civil. 4. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2000), Kazuo Watanabe (Cf. WATANABE, Kazuo. Da Cognição no Processo Civil. 2. ed. atual. Campinas: Bookseller, 2000), todos na esteira das lições do processualista italiano Mauro Cappelletti (Cf. CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: FABRIS, 1988.).

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decidibilidade da Lide? 395

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

deparar com um processo judicial é a de, tão-somente, de modo hermenêutico-silogístico,

fazer, de acordo com o pedido do autor, uma intelecção do fato apresentado a uma norma

constante do ordenamento jurídico, pouco importando se se faz, ou não, justiça e paz sociais

ou se, diferentemente, a preocupação dele em julgar a Lide se estende a outros fatores,

notadamente, sociológicos, culturais, ideológicos, econômicos, políticos, buscando, assim, os

escopos da paz e da justiça social, em síntese, pelo que vimos, peremptoriamente, a

preocupação que tem sido cerne da questão na resolução dos processos judiciais é de,

apenas, se resolver sobre o pedido formulado pelo autor, julgando-o procedente ou

improcedente. Em assim sendo, podemos intuir que a preocupação que se tem sido

observado é com a decidibilidade da Lide e não com a decidibilidade do Litígio.

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decidibilidade da Lide? 396

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

QUESTIONAMENTO 4

O princípio da congruência diz que o juiz deve decidir a lide – o processo – nos limites em que ela foi proposta e, em assim sendo, deve-se ater exclusiva e peremptoriamente ao que existe, inclusive de provas, nos autos processuais. O que o senhor pensa sobre esse postulado principiológico da jurisdição? Sinteticamente: O princípio da congruência está inserido na decisão da Lide/Processo.

Objetivo:

O objetivo a ser alcançado com este quarto questionamento é o de, na

perspectiva da interrogação anterior, se entender qual o grau de importância que tem para o

magistrado o princípio estatuído de modo peremptório no sistema processual que assente

que o juiz decidirá a Lide tão-somente nos termos em que ela é proposta, não podendo,

assim, realizar julgamentos extra, citra ou ultra petita ou, menos que isso, conhecer de

dados factuais e jurídico-materiais que não foram deduzidos em juízo pelas partes. Isto é, o

denominado princípio da congruência (ou dispositivo, ou ainda, da demanda, para alguns).

Os resultados obtidos são os que se seguem adiante nas tabelas (TABELA

1, TABELA 2 e TABELA 3) e representação gráfica, nos mesmos termos metodológicos dos

questionamentos anteriores. Assim também, com relação às análises e interpretações

consecutadas a partir dos dados factuais encontrados e apresentados.

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decidibilidade da Lide? 397

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Resultados:

TABELA 1

Questionamento 4

O princípio da congruência está inserido na decisão da Lide/Processo.

Resposta Quantitativo Freqüência (%)

SIM 73 69%

NÃO 32 31%

TOTAL 105 100%

REPRESENTAÇÃO GRÁFICA

31%

69%

0

20

40

60

80

Freqüência

Questionamento 4: O princípio da congruência está inserido na decisão da

Lide/Processo?

SIMNÃO

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decidibilidade da Lide? 398

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

TABELA 2

Questionamento 4

O princípio da congruência está inserido na decisão da Lide/Processo?

Razões afirmativas: O princípio da congruência está inserido na decisão da Lide/Processo. Quantitativo Freqüência

Porque, através do atendimento dele, se atinge a paz e o bem-estar sociais. 1 1,40%

Aplicação efetiva das leis e princípios. 4 5,90%

Porque todo principio tem que ser, categoricamente, obedecido. 8 11%

Limitação da apreciação tão-somente das provas existentes no processo. 2 2,80%

Por causa do principio do devido processo legal. 28 38,40%

Porque assim se atende ao princípio da efetividade processual. 1 1,40%

Tendo em vista o atendimento do principio da imparcialidade. 7 9,10%

Por que é um princípio basilar e fundamental do sistema processual, inclusive como garantidor da segurança jurídica das relações entre os sujeitos processuais.

22 30,40%

TOTAL 73 100%

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decidibilidade da Lide? 399

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

TABELA 3

Questionamento 4

O princípio da congruência está inserido na decisão da Lide/Processo?

Razões negativas: O princípio da congruência não está inserido na decisão da Lide. (...) Quantitativo Freqüência

Porque o atendimento único e exclusivo de tal princípio resultaria em julgamentos eminentemente formais. 4 12,50%

Deve-se buscar a aplicação de outros princípios processuais objetivando uma melhor decisão quanto à Lide.

4 12,50%

Por que o Princípio do devido processo legal não se consubstancia apenas no princípio da congruência. 3 9,40%

Porque precipuamente deve-se buscar a efetividade da tutela jurisdicional. 1 3,12%

Mas é um princípio necessário para a garantia da segurança jurídica das partes. 20 56,24%

TOTAL 32 100%

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decidibilidade da Lide? 400

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Análise e interpretação dos dados:

A TABELA 1 e a REPRESENTAÇÃO GRÁFICA que lhe segue apresentam –

quantitativa e percentualmente – o resultado do entendimento que os magistrados

entrevistados têm a respeito do grau de importância que se tem do princípio estatuído no

sistema processual – o denominado princípio da congruência – que assente que o juiz deve

decidir a Lide, tão-somente, nos termos em que ela é proposta, não podendo, assim, realizar

julgamentos extra, citra ou ultra petita ou, menos que isso, conhecer de dados factuais e

jurídico-materiais que não foram deduzidos em juízo pelas partes.

Pelo que se observa dos resultados encontrados a partir do

questionamento que consecutamos aqui, do mesmo modo que na indagação anterior onde

vimos que a grande maioria dos magistrados entrevistados entende que a principal

preocupação do juiz ao se deparar com o processo judicial deve ser, tão somente, em decidir

o pedido que lhe foi formulado pelo autor, a maioria – 69% – dos magistrados entrevistados

entendem que se deve observar, peremptoriamente, na resolução dos processos judiciais, o

princípio da congruência, enquanto que, apenas, 31% entende que tal princípio não deve ser

observado de modo irrestrito. Não que, como veremos aqui, esses 31% entendam que o juiz

deva, na nossa perspectiva, ir, em seu âmbito de cognitio e decisum, além do que lhe foi

pedido, julgando, assim, não só a Lide, mas, sobretudo, o Litígio. Não. Decididamente, não é

essa a razão que levou a um assentimento contrário aos que entendem categoricamente que

o principio da congruência deve ser de modo irrestrito observado. Outras foram as razões, e

veremo-as agora.

Nesse ínterim, a TABELA 2 e a TABELA 3 apresentam – quantitativa e

percentualmente – as razões afirmativas e negativas, respectivamente, invocadas pelos

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decidibilidade da Lide? 401

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

magistrados entrevistados para assentirem, ou não, com o atendimento precípuo e irrestrito

do princípio da congruência no âmbito de resolução dos processos judiciais.

Bem, pelo que se observa dos que entendem que o princípio da

congruência deve ser atendido irrestritamente, cerca de 31% desses assim entendem, posto

que, segundo esses, o principio da congruência é “um princípio basilar e fundamental do

sistema processual, inclusive como garantidor da segurança jurídica das relações entre os

sujeitos processuais.”. Do mesmo modo, cerca de 39%, assim, entende, posto que, segundo

esses, o princípio em epígrafe é um princípio fundamental corolário do “principio do devido

processo legal.”.

Ora, o que podemos concluir a partir desses dados factuais resultantes é

que, decididamente, como estamos a perceber dessa investigação empírico-crítica, a

tendência dos magistrados é de, fulcrado em razões de ordem eminentemente formal e de

segurança jurídica, privilegiar o denominado princípio da congruência em detrimento,

inclusive, do atendimento dos ideais basilares e fundamentais da função jurisdicional

consubstanciados que são na pacificação social e na consecução de justiça no caso concreto.

Em assim sendo, ora, a teleologicidade processual a ser observada é a decidibilidade da Lide

ou a decidibilidade do Litígio? Evidentemente, pelo que estamos a ver, a decidibilidade da

Lide.

Por outro lado, agora analisando e interpretando o resultado daqueles que

entendem que o princípio da congruência não deve ser atendido de modo irrestrito, temos

que, mesmo para os que assentem desse modo, tal princípio constitui em si um elemento

indispensável do sistema jurídico-processual de normas. Tanto é assim que cerca de 57%

desses magistrados afirmaram que, inobstante a tese por eles defendida, este princípio é

indispensável, fundamental e “necessário para a garantia da segurança jurídica das partes.”

E, dessa maneira, apenas 12,5% desses magistrados afirmaram que “o atendimento único e

exclusivo de tal princípio resultaria em julgamentos eminentemente formais.”.

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decidibilidade da Lide? 402

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Destarte, o que podemos continuar a intuir desses resultados é que a

preocupação eminente de se atender ao postulado principiológico da congruência leva-nos a

aferir que a decidibilidade da Lide e não necessariamente do Litígio que deu origem a ela é o

objeto central da dialética processual, nos termos em que o nosso sistema está montado.

Isso porque, como sabemos, é o próprio sistema jurídico-processual que estatui de modo

peremptório e cabal que o magistrado, na forma dos arts. 128 e 460 do Código de Processo

Civil não pode julgar – ou sequer conhecer – de questões não suscitadas e deduzidas em

juízo pelas partes.

Assim sendo e por fim, com os resultados obtidos a partir de mais este

questionamento consecutado, é de se concluir que – tendo em vista o objetivo por nós

proposto aqui de se tentar entender qual o grau de importância que tem para o magistrado

o princípio estatuído de modo peremptório no sistema processual que assente que o juiz

decidirá a Lide tão-somente nos termos em que ela é proposta, não podendo, assim, realizar

julgamentos extra, citra ou ultra petita ou, menos que isso, conhecer de dados factuais e

jurídico-materiais que não foram deduzidos em juízo pelas partes – em síntese, pelo que

vimos, peremptoriamente, aqui, tendo em vista o elevado grau de importância que se dá ao

princípio da congruência, até mesmo porque o próprio sistema assim de modo categórico e

cogente estatui, a teleologicidade processual reside não na decidibilidade do Litígio, mas sim

na decidibilidade da Lide.

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decidibilidade da Lide? 403

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

QUESTIONAMENTO 5

O objetivo do juiz, ao se deparar com o processo, é em decidir a Lide, o processo, ou é em decidir o Litígio que deu origem ao processo? Sinteticamente: O objetivo do Juiz é decidir a Lide (S591) ou o Litígio (N592) que deu origem ao processo?

Objetivo:

O objetivo a ser alcançado com este último questionamento é o de, em

síntese, tentar se buscar do magistrado qual efetivamente a preocupação, anseios e

objetivos dele ao decidir um processo judicial. Se apenas a decisão daquilo que foi deduzido,

quantitativa e qualitativamente, em juízo, pelas partes – sobretudo a parte autora, com a

dedução da sua pretensão processual e material – o que denominamos de Lide – ou se,

efetivamente, o conflito – o qual denominamos de Litígio – nos exatos termos em que ele

ocorreu na realidade social.

Os resultados obtidos são os que se seguem adiante nas tabelas (TABELA

1, TABELA 2 e TABELA 3) e representação gráfica, nos mesmos termos metodológicos dos

questionamentos consecutados anteriormente. Assim também, com relação às análises e

interpretações consecutadas a partir dos dados factuais encontrados e apresentados.

591 S = Sim. 592 N = Não.

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Resultados:

TABELA 1

Questionamento 5

O objetivo do Juiz é decidir a Lide (S) ou o Litígio (N) que deu origem ao processo?

Resposta Quantitativo Freqüência (%)

SIM 47 44,5%

NÃO 58 55,5%

TOTAL 105 100%

REPRESENTAÇÃO GRÁFICA

56%

45%

0

10

20

30

40

50

Freqüência

Questionamento 5: O objetivo do Juiz é decidir a Lide (S) ou o Litígio (N)

que deu origem ao processo?

SIMNÃO

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TABELA 2

Questionamento 5

O objetivo do Juiz é decidir a Lide (S) ou o Litígio (N) que deu origem ao processo?

Razões afirmativas: a Lide como objetivo da decisão do juiz. Quantitativo Freqüência

Tendo em vista o princípio do devido processo legal. 4 8,50%

Esta decisão garante a paz social. 1 2,12%

Tendo em vista o princípio da congruência. 22 46,84%

Porque esse é um requisito legal para a garantia da imparcialidade dos julgamentos. 3 6,36%

Porque o objetivo do Estado-juiz é resolver aquilo que foi deduzido em juízo. 2 4,24%

A resolução de um – a Lide – implica a resolução do outro – o Litígio. 15 31,94%

TOTAL 47 100%

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decidibilidade da Lide? 406

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TABELA 3

Questionamento 5

O objetivo do Juiz é decidir a Lide (S) ou o Litígio (N) que deu origem ao processo?

Razões negativas: o Litígio como objetivo da decisão do juiz. Quantitativo Freqüência

Adequação da sentença com as aspirações da sociedade. 4 7,0%

Para cumprimento do requisito do devido processo legal. 1 1,20%

Porque a decisão do Litígio implica a garantia da paz social. 5 8,50%

Porque assim se atenderá ao principio da efetividade da tutela jurisdicional. 24 41,50%

Porque se deve buscar a resolução tanto da Lide como do Litígio. 24 41,80%

TOTAL 58 100%

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decidibilidade da Lide? 407

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Análise e interpretação dos dados:

A TABELA 1 e a REPRESENTAÇÃO GRÁFICA que lhe segue apresentam –

quantitativa e percentualmente – o resultado do entendimento que os magistrados

entrevistados têm a respeito do que, realmente, deve ser decidido e resolvido com o

julgamento dos processos judiciais, isto é, se, tão-somente, aquilo que foi deduzido,

quantitativa e qualitativamente, em juízo, pelas partes – mormente a parte autora, com a

dedução da sua pretensão processual e material – o que denominamos de Lide – ou se,

efetivamente, o conflito – o qual denominamos de Litígio – nos exatos termos em que ele

ocorreu na realidade social.

Os dados obtidos demonstram-nos que, ao que parece, há uma nítida

indiscernibilidade conceitual entre os magistrados a respeito dos elementos conceptuais sub

examen. Tanto é assim que quase metade dos entrevistados entendem que o juiz deve ter

como preocupação e objetivo maior, no momento da decisão judicial dos processos, a

resolução da Lide e, por outro lado, a outra metade, entende que o objetivo e preocupações

centrais da cognição e decisão do juiz, deve-se ater à resolução do Litígio. Inclusive, como

mostraremos abaixo, as razões afirmativas e negativas que os levam a assim assentirem

convergem para a tese de que, resolvendo um, resolve-se, como corolário, o outro. Ora,

pelo que estamos a construir aqui não é bem assim que as coisas funcionam e ocorrem no

plano da concretude dos fatos, posto que se a resolução do Litígio implica, por conseguinte e

por via de conseqüência, a resolução da Lide, a hipótese contrária não pode ser assertida

necessariamente.

Pois bem. A TABELA 2 e a TABELA 3, por sua vez, apresentam –

quantitativa e percentualmente – as razões afirmativas e negativas, respectivamente,

invocadas pelos magistrados entrevistados para assentirem, ou não, com o entendimento

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decidibilidade da Lide? 408

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

que eles têm a respeito do que, realmente, deve ser decidido e resolvido com o julgamento

dos processos judiciais se, apenas, aquilo que foi deduzido, quantitativa e qualitativamente,

em juízo, pelas partes– o que denominamos de Lide – ou se, realmente, o conflito – o qual

denominamos de Litígio – nos exatos termos em que ele ocorreu na realidade social.

Bem, pelo que se observa dos resultados obtidos, os que entendem que a

Lide é que deve constituir o objeto central das preocupações e objetivos do magistrado ao

dizer o direito no caso concreto, fazem-no, exatamente como já temos visto nos outros

questionamentos, tendo em vista, fundamentalmente, o princípio da congruência (cerca de

47% desses, assim entende). Por outro lado, como já afirmamos aqui, uma grande parte

desses (cerca de 32%) magistrados, entende que a Lide deve constituir o objeto central da

cognição e decisão do juiz, posto que, segundo eles, resolvendo-se a Lide, de modo

corolário, resolve-se o Litígio que deu origem a ela como componente objetivo-conteudística

do processo judicial que é. Em verdade, da análise que estamos aqui a consecutar, tal não

consiste em uma tese com correspondência factual, posto que, como veremos na análise das

entrevistas realizadas com as pessoas que já foram partes em um processo judicial, na

maioria dos casos, a simples resolução da Lide não leva, de modo necessário, à resolução do

conflito que deu ensejo à sua formação. Isso porque outros elementos de caráter sociológico

devem ser levados em consideração no momento da decisão judicial que não apenas os

elementos meramente técnico-formais do decisum judicial.

Por outro lado, agora analisando e interpretando o resultado daqueles que

entendem que o Litígio é que deve constituir o objeto central das preocupações e objetivos

do magistrado ao dizer o direito no caso concreto, temos que cerca de 42% desses assim o

fazem por entender que o prestigiado, modernamente, principio da efetividade da tutela

jurisdicional é que deve constituir-se no cerne das preocupações e anseios do magistrado no

exercício da função jurisdicional. Inobstante tal dado factual resultante, o que pudemos

perceber, a partir das observações consecutadas, é que, em verdade, o que tem ocorrido em

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decidibilidade da Lide? 409

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

muitos casos é que tal idéia adotada constitui-se em mera retórica retumbante do julgador,

posto que, efetivamente, diante, inclusive, dos infindáveis problemas estruturais do Poder

Judiciário (alta demanda e pouca oferta, morosidade e etc) e das lacunas e problemas de

subsunção e interpretação apresentados a partir da intelecção das normas materiais

constantes do ordenamento jurídico pátrio, o que tem ocorrido é que o princípio da

efetividade da tutela jurisdicional não tem sido materializado na concretude processual e, por

assim ser, mesmo assentindo que a preocupação maior deve ser com a resolução do Litígio,

no plano da pragmática processual, tal não tem ocorrido593.

Outrossim, conforme assentimos anteriormente, ainda com relação aos

magistrados que entendem que o Litígio é que deve constituir o objeto central das

preocupações, anseios e objetivos do magistrado, tal acontece porque, segundo atestam

eles (cerca de 42% o fazem), “se deve buscar a resolução tanto da Lide como do Litígio”.

Em outras palavras, inobstante se adote, discursivamente, nesse caso, que o Litígio é que se

constitui no objeto principaliter da decisão judicial, em verdade, pelo que pudemos observar

das entrevistas consecutadas, o que, na realidade acontece é que, no mesmo sentido que

vimos apresentando até aqui nesta análise empírico-crítica, os magistrados não entendem

que existe um vácuo sociológico entre as decisões judiciais e a resolução efetiva dos Litígios

sociais. Mesmo para os que entendem que tal Litígio deve ser o centro das preocupações e

anseios do juiz, fazem-no, na verdade, sem perder de vista a tese de que resolver o Litígio é

o mesmo que resolver a Lide. Nota-se, assim, um forte viés formalista e positivista nas

concepções teleológicas dos magistrados entrevistados.

Destarte, o que podemos concluir a partir desses resultados obtidos é que,

em verdade, o que se tem procurado resolver com a prolatação da decisão judicial não é o

593 Neste sentido, assente José Rogério Cruz e Tucci (Cf. CRUZ e TUCCI, José Rogério. Tempo e Processo: uma análise empírica das repercussões do tempo na fenomenologia processual (civil e penal). 2. ed. rev. atual. amp. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997), Ovídio A. Baptista da Silva (Cf. SILVA, Ovídio A. Baptista. Processo e ideologia: o paradigma racionalista. Rio de Janeiro: Forense, 2004) e Celso Fernandes Campilongo (Cf. CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, Sistema Jurídico e Decisão Judicial. São Paulo: Max Limonad, 2002).

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decidibilidade da Lide? 410

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Litígio que ensejou a formação da Lide processual, mas sim, tão-somente, hermenêutico e

silogísticamente, esta.

Assim sendo e por fim, com os resultados obtidos a partir deste último

questionamento consecutado com os membros da magistratura atuantes no primeiro e

segundo graus das justiças sediadas no Estado de Pernambuco, é de se concluir que – tendo

em vista o objetivo por nós proposto aqui de se tentar entender o que, realmente, deve ser

decidido e resolvido com o julgamento dos processos judiciais se, apenas, aquilo que foi

deduzido, quantitativa e qualitativamente, em juízo, pelas partes – sobretudo a parte autora,

com a dedução da sua pretensão processual e material – o que denominamos de Lide – ou

se, efetivamente, o conflito (o qual denominamos de Litígio) nos exatos termos em que ele

ocorreu na realidade social – em síntese, pelo que vimos, peremptoriamente, aqui, a

teleologicidade processual, na práxis e vivência forense, tem se consubstanciado não na

decidibilidade do Litígio, mas sim, e tão-somente, na decidibilidade da Lide.

Desse modo, como conclusão da análise empírico-crítica da teleologicidade

processual a partir das observações direta, intensiva e extensiva, realizada com os membros

da magistratura e, tendo em vista, sobretudo, os dados factuais resultantes dos

questionamentos ora apresentados, o que podemos intuir é que, na nossa perspectiva tética

e distintiva entre os institutos sócio-jurídico-processuais do Litígio e da Lide, o que temos é

que tal construção analítico-distintiva se observa não só do ponto de vista dos conceitos e

teorias da Ciência Jurídico-Processual, mas também, do ponto de vista da pragmática

processual, dado esse que nos deixa alarmados, posto que, em assim sendo, os ideais e

escopos legitimadores da atuação da função jurisdicional do Estado não têm sido,

precipuamente, materializados o que, cabalmente, poderíamos, a partir disso, em síntese,

afirmar que temos um Poder Judiciário que não corresponde aos anseios da sociedade ou,

de modo mais contundente, um Poder Judiciário ilegítimo.

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decidibilidade da Lide? 411

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Visto isso, continuemos a nossa análise da teleologicidade processual a

partir agora das entrevistas consecutadas com as pessoas que já foram partes num processo

judicial.

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decidibilidade da Lide? 412

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Análise empírico-crítica da teleologicidade processual:

decidibilidade do Litígio ou decidibilidade da Lide? Resultado das Entrevistas Tópicas e Semi-Estruturadas com as Partes.

QUESTIONAMENTO ÚNICO E SEQÜENCIAL.

No processo judicial vivenciado por você (ou parente seu), o juiz ao sentenciar, você acha que ele agiu com justiça? Se sim ou não, por quê? A sentença que ele deu na sua causa lhe foi favorável (ou ao seu parente)? Você (ou seu parente) ficou satisfeito com a decisão, isto é, você acha que ele resolveu, realmente, o seu problema, o seu conflito?

Objetivo:

O objetivo a ser alcançado com esses questionamentos consecutados com

as pessoas que já viveram, direta ou indiretamente, alguma situação de Lide processual é o

de tentar se identificar a partir dos elementos factuais, por certo, qualitativos, apresentados

nas respostas dessas pessoas entrevistadas, se, efetivamente, nos processos judiciais em

que participaram, o juiz, decidindo-o, na visão delas, resolveu o Litígio ou a Lide594.

594 É importante lembrarmos aqui do que explicitamos no suporte teórico-metodológico do presente trabalho de pesquisa científico-jurídica no sentido de que a abordagem método-procedimental específica de que nos valemos, neste item, para a consecução do objetivo proposto é a da pesquisa de estudo de caso. Assim sendo, como característica metodológica dessa os resultados a que chegamos e, principalmente, as análises e interpretações a que procedemos são marcadas, essencialmente, pela subjetividade e compreensibilidade do pesquisador.

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decidibilidade da Lide? 413

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Resultados:

Como resultado do primeiro questionamento que formulamos aos

entrevistados no sentido de saber, se no processo judicial vivenciado por eles o juiz, ao

sentenciar, decidiu o processo com justiça tivemos que, uma grande parte das pessoas

entrevistadas – cerca de 40% delas – assentiram que o juiz, no caso deles, “agiu com

justiça”. Os outros 60% dos entrevistados assentiram, de modo contrário, que o juiz, na

situação processual vivenciada por eles, “não agiu com justiça”.

Por outro lado, dentre esses (40%) que assentiram que o juiz agiu com

justiça ao decidir o processo judicial, 76% deles afirmaram que a sentença que foi prolatada

foi favorável ao seu pleito. Os outros 24% inobstante terem sido vencidos na Lide processual

consideraram que a decisão foi a mais justa possível.

Por sua vez, dentre os que assentiram que o juiz não agiu com justiça ao

decidir o processo judicial por eles vivenciados (os outros 60%), cerca de 80% deles

afirmaram que a sentença que foi prolatada pelo magistrado não foi favorável ao seu pleito.

Os 20% restante afirmaram que sentença lhes foi favorável.

Por fim, dentre os entrevistados, no que diz respeito ao questionamento

que fizemos de se ele ficou satisfeito com a decisão proferida e se ela resolveu, realmente, o

conflito social, temos que dos 60% que haviam afirmado que o juiz não agiu com justiça ao

decidir o proceso, cerca de 75% assentiram a sua insatisfação com a decisão, dizendo que,

no plano concreto, o conflito em si não foi solucionado. Por outro lado, dos 40% que

assentiram que o juiz agiu com justiça ao decidir o processo, 60% afirmaram a sua

satisfação com a decisão, assentido, ainda, que se não se resolveu por completo o conflito

social ocorrido e existente, deu uma solução a ele.

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decidibilidade da Lide? 414

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Análise e interpretação dos dados:

Pois bem. Os dados factuais resultantes apresentados anteriormente nos

abre um prisma grande de possíveis interpretações e compreensões. Não dá, evidentemente,

para se chegar, categoricamente, a uma única ilação, posto que dos elementos que

encontramos, quando dessa investigação empírica, várias são as possíveis combinações de

resultados.

Mas, inobstante esse dificuldade metodológica de interpretação dos

resultados, algumas conclusões apresentam-se, in claris, para nós, como por exemplo, de

que há uma visível interdependência entre o entendimento de que o juiz agiu com justiça, ou

não, no caso concreto, com a prolatação de uma sentença que lhe foi favorável ou não. Os

dados nos mostram isso e, desse modo, as conclusões a que podemos chegar com isso não

são as mais certas e claras possíveis.

Do mesmo modo, uma outra conclusão a que chegamos a partir dos dados

obtidos – e essa, também, apresenta-se como uma conclusão nítida – é a de que o conceito

de justiça se apresenta ligado ao fato de se ter recebido, ou não, uma sentença favorável, o

que nos faz entender as preocupações – e diríamos até, reclamações – dos magistrados no

sentido do quanto é difícil se mensurar os ideais de justiça e paz social – colimados pela

dogmática jurídico-processual como os mais essenciais ideais legitimadores da função

jurisdicional do Estado – no caso concreto.

A despeito disso tudo, os dados factuais resultantes que se apresentam

mais importantes para a análise do que propomos aqui – a análise da teleologicidade

processual, no sentido de tentar encontrar se, na prática processual, ocorre a decidibilidade

da Lide ou a decidibilidade do Litígio – são os obtidos com o último questionamento, isto é, o

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decidibilidade da Lide? 415

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

de saber se a parte ficou satisfeita com a decisão proferida pelo magistrado e se ela

resolveu, realmente, o conflito social.

In casu, os dados obtidos com tal questionamento revelam-nos que 60%

das pessoas entrevistadas que haviam afirmado que o juiz não agiu com justiça ao decidir o

proceso, cerca de 75% delas assentiram a sua insatisfação com a decisão, dizendo que, no

plano concreto, o conflito em si não foi solucionado e, por outro lado, dos 40% que

assentiram que o juiz agiu com justiça ao decidir o processo, 60% afirmaram a sua

satisfação com a decisão, assentido, ainda, que se não se resolveu por completo o conflito

social ocorrido, foi dada uma solução a ele.

Ora, pelo que se observa de tais dados, mesmo para os que entendem que

o juiz agiu com justiça no caso concreto – 40% assim afirmaram – o mais importante da

decisão judicial não foi o conteúdo da mesma, ou seja, o julgamento da pretensão autoral,

mas sim, porque, enfim, uma decisão foi dada e, pela força do Estado, coercitivamente

cumprida. Em assim sendo, mesmo que tal decisão não tenha resolvido por completo o

conflito – disseram alguns – o importante é que algum tipo de solução foi dada ao conflito.

Bem, o que podemos entender disso tudo – e aqui nos lembremos,

novamente, da pirâmide de litigiosidade proposta por BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS595,

onde ele nos demonstra as instâncias sociais de resolução de conflitos porque passam, no

decorrer da trama social, os Litígios até se chegar ao que ele denomina de domínio de

judicialização oficial do Litígio – é que, em verdade, apesar de, como se percebeu da análise

das entrevistas consecutadas com os magistrados, o juiz, ao decidir os processos judiciais,

muitas vezes, decidir e resolver somente a Lide e não o Litígio que deu origem a ela, pelo

que pudemos observar das entrevistas consecutadas com as pessoas que já foram partes em

um processo judicial, há um contentamento, ou melhor dizendo, um sentimento de

595 Cf. SOUSA SANTOS, Boaventura de; LEITÃO MARQUES, Maria Manuel e PEDROSO, João. Os tribunais nas sociedades contemporâneas. In Revista Brasileira de Ciências Sociais. N. 30.

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decidibilidade da Lide? 416

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

resignação com relação á função jurisdicional do Estado, no sentido de se pensar que o

Poder Judiciário, como disseram alguns dos entrevistados, “é um mal necessário”.

Ademais, pelo que pudemos observar das incursões empíricas realizadas

com as pessoas entrevistadas, na realidade, conforme já havíamos assentido anteriormente,

quando da construção teórico-término-lógico-conceptual dos institutos do Litígio e da Lide596,

em muitos casos que nós vimos e analisamos, o que ocorre é – que embora instaurada a

Lide no plano da relação endo-jurídico-processual – no plano exoprocessual – num momento

pré, concomitante e pós-processual, porque, como assente BOAVENTURA DE SOUSA

SANTOS597, a Lide é, tão-somente, um dos momentos porque passa e se reveste o conflito

social – permanece o fenômeno do Litígio.

Em assim sendo, como conclusão dessa análise fruto das nossas

observações dos estudos de casos, podemos assentir que, embora os caracteres

essencialmente subjetivos encontrados nos dados factuais resultantes da investigação, o

que, realmente, tem ocorrido com a decisão dos processos judiciais é a decidibilidade da

Lide e não, necessariamente, do Litígio, até porque, como vimos, o próprio sistema impede

que o juiz venha a conhecer de parcela do Litígio que, embora importante para a resolução

justa da Lide, não pode levá-la em conta, tendo em vista o princípio da congruência. Aliás,

nesse sentido, o sistema jurídico-processual de normas, impede, inclusive que, em algumas

situações de direito substancial vivenciadas por certas categorias de partes, mesmo assim

desejando, as partes venham a deduzir determinados tipos de pretensões processuais e

596 Neste sentido, havíamos afirmado, in verbis, que: “em verdade, o Litígio, enquanto fenômeno sociológico que o é, não só é um fenômeno exoprocessual, que ocorre fora do processo, como também um fenômeno que ocorre ou pode ocorrer em três momentos distintos, quais sejam: num momento pré-processual – posto que, como vimos, trata-se de um elemento desencadeador do processo (da Lide); num momento processual – posto que mesmo existindo o processo judicial, enquanto instância de resolução do conflito e, por conseguinte, mesmo formada a Lide, permanece, paralela e concorrentemente, no plano factual, o Litígio pendente e que, por assim ser, continua afetando as relações sociais; e, em alguns casos, num momento pós-processual – posto que, em muitas situações, como veremos, quando da análise empírico-crítica, mesmo terminada a Lide, e, por conseguinte, o processo, permanece imanente ou manifesto, na realidade social, tal Litígio. Tal assertiva é bem fácil de ser demonstrada se lembrarmos da pirâmide de litigiosidade proposta por BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS, onde ele aponta os diversos processos de transformação porque o passa o Litígio, no que ele denomina de trama social, até se chega a sua efetiva resolução, seja no plano social, seja no plano jurídico-processual do Estado.”. 597 Cf. SOUSA SANTOS, LEITÃO MARQUES e PEDROSO, op. cit.

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7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou

decidibilidade da Lide? 417

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

materiais. É o caso, por exemplo, dos processos de desapropriação, onde, em alguns casos,

o próprio sistema veda que a parte expropriada venha a discutir em juízo qualquer outro tipo

de defesa material a não ser a referente ao preço pago pela indenização. Ora, como se pode

decidir o Litígio, então, em situações extremas como essa? Bem, é sobre isso que

discutiremos na nossa próxima e última subseção que trata, como nesse caso do exemplo,

da “Análise da técnica processual de limitação da cognição (Lide ≤ Litígio) como reflexo da

ideologia procedimental”.

Vejamo-a, então.

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7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.3 – Análise empírico-crítica da técnica processual da limitação da cognição (Lide ≤ Litígio)

como reflexo da ideologia procedimental. 418

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

7.3 – Análise empírico-crítica da técnica processual de limitação

da cognição (Lide ≤ Litígio) como reflexo da ideologia procedimental.

Conforme apresentamos – de modo sinóptico e propedêutico, é certo – no

intróito do presente trabalho de pesquisa científico-jurídica, fazendo-se uma análise da

técnica processual de cognição598 e de construção dos procedimentos judiciais, a partir das

observações teoréticas da dogmática jurídico-processual e das incursões empíricas que

consecutamos, segundo pudemos observar – e essa é a tese599 a ser defendida aqui nesta

última subseção – quando o legislador estabelece, em certos procedimentos, ditos especiais,

algumas limitações à cognição do juiz, na verdade, em muitos casos, é evidente e

peremptório que, ao contrário do que assente o discurso oficial que fala, assim, em

especialização do procedimento para se atingir a efetividade da tutela jurisdicional, o que se

tem estabelecido, em algumas situações, é um tratamento diferenciado e privilegiado para

uma determinada categoria de partes, atestando-se, assim, que na consecução legislativa

dos procedimentos judiciais, observa-se, decididamente, a influência de fatores ideológicos600

– notadamente, ligados aos grupos sociais de maior poderio econômico e político – que

consubstanciam a estruturação e formatação das técnicas procedimentais de cognição.

Assim, neste sentido, corroborando e analisando a tese acima descrita, o

Professor LUIZ GUILHERME MARINONI601 correspondeu-nos, nos termos que – por seus

598 E, quanto a esta análise, conforme já assentimos, os referenciais teóricos utilizados por nós foram: Mauro Cappelletti (Cf. CAPPELLETTI, Mauro. Processo e ideologie. Bologna: Il Mulino, 1969), Kazuo Watanabe (Cf. WATANABE, Kazuo. Da Cognição no Processo Civil. 2. ed. atual. Campinas: Bookseller, 2000), Luiz Guilherme Marinoni (Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 4. ed. rev. ampla. São Paulo: Malheiros, 2000) e Cândido Rangel Dinamarco (Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2002). 599 E esta, na verdade, é mais uma hipótese secundária independente – isto é, decorrente, tão-somente, da análise empírico-crítica proposta sem relação de interdependência com as hipóteses básicas – do presente trabalho de pesquisa. 600 Neste mesmo sentido, assente: BECKER, L. A. Contratos Bancários: execuções especiais (SFH – SFI – Alienação Fiduciária – Crédito Rural e Industrial). São Paulo: Malheiros, 2002. 601 MARINONI, Luiz Guilherme. Publicação eletrônica [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <[email protected]> em 05 agos. 2002.

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7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.3 – Análise empírico-crítica da técnica processual da limitação da cognição (Lide ≤ Litígio)

como reflexo da ideologia procedimental. 419

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

caracteres bastante elucidativos e concludentes – é importante apresentarmos mais uma

vez, in verbis:

Na linha da sua proposta(...), estabelecendo-se a diferença entre lide e litígio, no sentido de que a lide é aquilo que, do litígio, é levado ao conhecimento do juiz, e assim delimitado pelo pedido contido na petição inicial, a lei, ao construir procedimentos diferenciados (ou especiais), permite que o investigador vislumbre o tratamento especial conferido a determinadas situações de direito substancial. Por exemplo: na ação de busca e apreensão, fundada no Decreto-Lei 911/69, o legislador desejou, em princípio, impedir que o réu pudesse alegar, em sua defesa, contrariedade à lei ou ao contrato; o réu somente poderia alegar o cumprimento da sua obrigação. Um procedimento deste tipo, como é evidente, limita a cognição do juiz, abreviando o tempo para a prestação da tutela jurisdicional, interessando apenas a alguns. É por isso que se pensa na técnica da cognição, como técnica de construção de procedimentos especiais, por meio da qual exclui-se a possibilidade das partes alegarem e discutirem determinada parcela da lide [litígio], definindo-se que somente algumas questões da lide [litígio] podem ser enfrentadas, e estas é que vão conformar o litígio [lide] a ser definido pelo juiz. Nesta linha, seria possível analisar a ideologia dos procedimentos, ou seja, as razões que estão por detrás dos procedimentos que tratam de forma especial determinadas situações de direito substancial e algumas posições sociais, excluindo a possibilidade de debate de determinada porção da lide [litígio] (Grifos no texto do remetente e alterações, em colchetes, minhas).

Em assim sendo, o que ocorre é que tal ideologização das técnicas

procedimentais de limitação do âmbito de cognição do juiz, tem, conforme já assentimos,

ampla repercussão e implicação na problemática do acesso à justiça – posto que, evidencia-

se, assim, in claris, o impedimento da dedução de parte do Litígio em juízo, constituindo-se

tal fato, por certo, naquilo que convencionamos denominar de um obstáculo jurídico602 de

acesso à Justiça e, sobretudo, de (de)limitação teórica e tecnológico-pragmática dos

602 Isto é, além dos tradicionais obstáculos, apontados pela dogmática jurídico-processual moderna – obstáculos, por certo, de natureza material, como, por exemplo, o alto custo do processo judicial, a baixa capacidade econômica da maioria da sociedade, o desconhecimento dos direitos, entre outros – obstáculos esses que impedem o efetivo “Acesso à Justiça”, temos, ainda, pelo que estamos a demonstrar, na sistemática do processo, mais um tipo de obstáculo, o obstáculo de ordem jurídico-normativa, isto é, aquele que impede que parte do conflito (Litígio) seja deduzido em Juízo, formando, assim, a Lide. Sobre os obstáculos materiais, conferir Mauro Cappelletti, em seu “Acess to Justice: The worldwide movement to Make Rights Effective: A general reports” (CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: FABRIS, 1988.) e Luiz Guilherme Marinoni (MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 4. ed. rev. ampla. São Paulo: Malheiros, 2000).

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7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.3 – Análise empírico-crítica da técnica processual da limitação da cognição (Lide ≤ Litígio)

como reflexo da ideologia procedimental. 420

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

princípios da inafastabilidade do controle jurisdicional e da congruência (ou dispositivo), nos

termos que iremos, a partir deste momento, explicitar.

Muito bem. Como se sabe da dogmática jurídico-processual moderna,

sobretudo a partir dos estudos realizados pelo processualista italiano MAURO CAPPELLETTI –

que a muitos processualistas, sobretudo, nas Américas, influenciou de modo cabal e

determinante no processo de formação de uma conscientização democrático-social da

doutrina processual a respeito de tais assuntos –, um dos temários mais importantes da

moderna Teoria Geral do Processo e, por conseguinte, da Ciência Jurídico-Processual, é o

temário relativo aos princípios do acesso à justiça, da inafastabilidade do controle

jurisdicional e da efetividade da tutela jurisdicional. Isso porque, conforme nos afirma LUIZ

GUILHERME MARINONI603 “a exigência de tornar a justiça acessível a todos é uma

importante faceta de uma tendência que marcou os sistemas jurídicos mais modernos do

nosso século”, fruto de uma concepção de Estado onde os valores da democracia e da

justiça social604 são valores imperativos e categóricos. Do mesmo modo, KAZUO

WATANABE605 nos afirma de modo bastante elucidativo que, in verbis:

Uma das vertentes mais significativas das preocupações dos processualistas contemporâneos é a da efetividade do processo como instrumento da tutela de direitos. Do conceptualismos e das abstrações dogmáticas que caracterizam a ciência processual e que lhe deram foros de ciência autônoma, partem hoje os processualistas para a busca de um instrumentalismo mais efetivo do processo, dentro de uma ótica mais abrangente e mais penetrante de toda a problemática sócio-jurídica. Não se trata de negar os resultados alcançados pela ciência processual até esta data. O que se pretende é fazer dessas conquistas doutrinárias e de seus melhores resultados um sólido patamar para, com uma visão crítica e mais ampla da utilidade do processo, proceder ao melhor estudo dos institutos processuais – prestigiando ou adaptando ou reformulando institutos tradicionais, ou concebendo institutos novos – sempre com a preocupação de fazer com que o processo tenha plena e total

603 MARINONI, op. cit. p. 24. 604 Neste sentido, é importante destacarmos aqui uma tese que temos – e formulamo-a a partir de discussões em sala de aula com o hoje ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto – a respeito dos valores do Estado de Direito, na qual, assentimos que não basta, para a efetivação dos valores da justiça social e dos escopos que se buscam com essa nova onda renovatória do processo, termos um Estado Democrático de Direito, mas, sobretudo, um Estado de Direitos Democráticos, isto é, um Estado onde os direitos preconizados, teoreticamente, no ordenamento jurídico são, realmente, acessíveis a todos os cidadãos. 605 WATANABE, Kazuo. Da Cognição no Processo Civil. 2. ed. atual. Campinas: Bookseller, 2000, p. 19-21.

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7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.3 – Análise empírico-crítica da técnica processual da limitação da cognição (Lide ≤ Litígio)

como reflexo da ideologia procedimental. 421

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

aderência à realidade sócio-jurídica a que se destina, cumprindo sua primordial vocação que é a de servir de instrumento à efetiva realização dos direitos. É a tendência ao instrumentalismo que se denominaria substancial em contraposição ao instrumentalismo meramente nominal ou formal.

Ocorre que, conforme nos demonstra também a doutrina, inobstante todas

essas idéias que fervilham nas academias e no âmbito das discussões doutrinárias a respeito

de se buscar um efetivo acesso à justiça e uma tutela jurisdicional eficiente, o que tem

ocorrido é que, tendo em vista certos obstáculos, sobretudo, de ordem material, tais

princípios privilegiados na órbita doutrinária – e, também, legal – não têm sido, na práxis

processual, efetivados.

MARINONI, neste sentido e na esteira das lições de MAURO CAPPELLETTI,

assente que as dificuldades para uma possibilidade efetiva de acesso à ordem jurídica justa

se dá, do ponto vista material, tendo em vista, sobretudo, os seguintes fatores:

a) o alto custo dos processos judiciais;

b) a morosidade da prestação jurisdicional, assentida na duração dos

processos judiciais606;

c) o problema cultural do reconhecimento dos direitos.

d) A questão psicológica607;

e) A questão da disparidade existente entre os denominados litigantes

habituais608 e os litigantes eventuais609.

606 Nesta perspectiva, José Rogério Cruz e Tucci em uma importante obra sua a respeito da temática da duração dos processos judiciais assim afirma-nos, in verbis: “um julgamento tardio ira perdendo progressivamente seu sentido reparador, na medida em que se postergue o momento do reconhecimento judicial dos direitos; e, transcorrido o tempo razoável para resolver a causa, qualquer solução será, de modo inexorável injusta [...]” (TUCCI, José Rogério Cruz. Tempo e Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p.65). 607 Posto que, segundo afirma ele, in verbis: “O pobre, por uma série de motivos, sente-se intimidado diante de determinadas formas de manifestação de poder” (MARINONI, op. cit. p. 66). 608 Os que, recorrentemente, tendo em vista o seu poderia econômico, político e cultural, ingressam em juízo para deduzir pretensões: é o caso dos empresários e dos componentes dos grupos sociais mais privilegiados da sociedade. 609 Os que, somente, em último caso, recorrem ao judiciário para resolver seus conflitos: é o caso dos cidadãos mais carentes da sociedade (como nos informa Luciano Oliveira em seu ensaio, já aqui citado, Sua Excelência o Comissário).

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7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.3 – Análise empírico-crítica da técnica processual da limitação da cognição (Lide ≤ Litígio)

como reflexo da ideologia procedimental. 422

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Do mesmo modo, o mesmo MARINONI, no sentido da nossa perspectiva

terminológica de construção de uma teoria de obstáculos jurídicos de acesso à justiça,

apresenta-nos que, no próprio ordenamento jurídico-processual, podemos encontrar,

também, fatores que impedem e obstacularizam, sob um prisma eminentemente formal, um

efetivo acesso à justiça, posto que, como assente a mais moderna doutrina, o direito

principiológico de acesso à justiça não é um direito que se exaure e se consubstancia, tão-

somente, na simples possibilidade de se demandar em juízo, mas, sobretudo e

principalmente, é um direito que, em sua esfera conceitual e técnica, compreende-se, além

da simples possibilidade de se demandar, a possibilidade de se ter uma prestação

jurisdicional efetiva, célere e com um menor custo possível para as partes.

Assim sendo e nesta perspectiva, o processualista paranaense nos afirma

que constituem (ou constituíam, já que, alguns desses fatores, com as reformas processuais

ocorridas nos últimos anos, foram mitigados ou mesmo dirimidos) fatores impeditivos – isto

é, obstáculos jurídicos – que impedem um efetivo acesso à justiça:

a) as premissas processuais constantes da estrutura

arcaica do denominado processo comum610;

b) a indiferença pela desigualdade das pessoas e dos

bens e a uniformidade de procedimentos;

c) a uniformidade de procedimentos como resultante da

confusão entre instrumentalidade do processo e

neutralidade do processo em relação ao direito

substancial;

610 Muito embora as transformações alvissareiras e importantes que este tem sofrido, nos últimos anos, com a introdução de mecanismos que favorecem o implemento de uma prestação jurisdicional efetiva, como por exemplo, a introdução do instituto da tutela antecipada, da execução provisória, do procedimento monitório – entre outros procedimentos especiais – e a fundamental tutela inibitória que, de modo contrário aos tradicionais tipos de tutela, atua com o objetivo de se impedir o dano.

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7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.3 – Análise empírico-crítica da técnica processual da limitação da cognição (Lide ≤ Litígio)

como reflexo da ideologia procedimental. 423

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

d) o papel atribuído ao juiz pelo direito liberal, onde, por

assim ser, o juiz perdeu grande parte do seu poder

jurisdicional, limitando-se, tão-somente, a proferir

juízos formais611;

e) A proibição, tendo em vista o procedimento ordinário

clássico e o principio da nulla executio sine titulo, dos

juízos de verossimilhança;

f) O princípio da unidade e da unicidade do julgamento

como impediente do fracionamento do julgamento de

mérito.

Por outro lado, analisando agora as perspectivas de superação de tais

obstáculos materiais e jurídicos que impedem um efetivo acesso à justiça, depois de elencar

uma série de inovações612 que tem ocorrido, nos últimos anos, no âmbito do sistema

jurídico-processual de normas e que, segundo ele, tem conseguido atenuar os problemas

referentes ao efetivo acesso à justiça e à prestação de uma tutela jurisdicional eficiente,

assente MARINONI que uma grande inovação que tem ocorrido, ultimamente, nos sistemas

processuais dos países é a introdução das denominadas tutelas jurisdicionais diferenciadas

como corolário do emergente e fundamental, segundo ele, direito à tutela adequada ao

plano do direito material. Assim, assente ele, in verbis, que613:

611 Como no caso da nossa tética perspectiva onde, na análise empírico-crítica que empreendemos, pudemos observar que, entre outros, o juiz, tendo em vista o estabelecido no sistema jurídico-processual, fica à mercê do principio da congruência. 612 Tais como por exemplo, a implementação dos juizados especiais e dos juízos universitários, a incrementação da assistência judiciária gratuita, a melhor informação e orientação acerca dos direitos, o aperfeiçoamento da organização judiciária, a efetivação da tutela dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, a adoção mais contundente do princípio da oralidade, a instrumentalidade do processo no sentido negativo, a participação efetiva do juiz no processo, a importância da participação do Ministério Público, a implementação de novos institutos processuais, como a tutela antecipada, a execução provisória e a tutela inibitória e etc. (Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 4. ed. rev. ampla. São Paulo: Malheiros, 2000). 613 Ibidem., p. 165-167.

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7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.3 – Análise empírico-crítica da técnica processual da limitação da cognição (Lide ≤ Litígio)

como reflexo da ideologia procedimental. 424

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

De grande importância para a efetividade do processo é o estudo das chamadas ‘tutelas jurisdicionais diferenciadas’. As tutelas diferenciadas são necessárias para assegurar o exercício do direito à adequada tutela jurisdicional. O processo, por ser a contrapartida que o Estado oferece aos cidadãos diante da proibição da autotutela, deve traduzir-se na disposição prévia dos meios de tutela jurisdicional (de procedimentos, provimentos e meios executórios) adequados às necessidades de tutela de cada uma das situações de direito substancial. Para que seja assegurada a tutela jurisdicional de uma determinada situação de vantagem não é suficiente que seja previamente disposto um procedimento qualquer, mas é necessário que o titular da situação de vantagem violada, ou ameaçada de violação, tenha ao seu dispor um procedimento estruturado de modo a lhe fornecer uma tutela efetiva, e não meramente formal ou abstrata, do seu direito. O procedimento, portanto, deve ser adequado às peculiaridades da pretensão de direito material, falando-se, então, em diferentes tipos de procedimento, tendo em vista, as diferentes formas de tutela jurisdicional que se apresentam em função de lides estruturalmente diversas, isto é, que traduzem combinações de situações subjetivas inconfundíveis, quanto à necessidade de tutela a que aspiram (grifos nossos).

Assim, conclui o eminente processualista paranaense, in verbis, que “a toda

afirmação de direito deve corresponder uma tutela jurisdicional adequada”614 e específica. E

complementa: “falamos em ‘ação adequada’ para explicar a necessidade de procedimento,

cognição, provimento e meios executórios adequados às peculiaridades da pretensão de

direito material”. É, exatamente, aqui que entra a nossa análise crítica sobre tal técnica

processual de implementação das tutelas jurisdicionais diferenciadas. Vejamos, então.

O que acontece é que, inobstante todas essas importantes inovações e

aperfeiçoamentos que, por certo e evidente, tais tutelas jurisdicionais diferenciadas têm

implementado no sistema jurídico-processual de normas e, por conseguinte, na práxis

processual, um outro fenômeno conseqüente de tal implementação que tem, também,

acontecido – um efeito colateral, diríamos – é que o legislador – fulcrado nesse discurso de

implementação do principio da efetividade da tutela jurisdicional – de modo temerário e

inescrupuloso, tem estabelecido e formatado no sistema processual procedimentos judiciais

onde, por um lado, privilegia-se (diga-se de passagem: sem razão ordenada alguma) uma

determinada categoria de partes em detrimento de outras e, por outro, limita-se o espectro

614 Ibidem., p. 215.

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7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.3 – Análise empírico-crítica da técnica processual da limitação da cognição (Lide ≤ Litígio)

como reflexo da ideologia procedimental. 425

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

de cognição do juiz, de modo que se impede que parte do Litígio que ocorreu no plano

factual e exoprocessual, seja deduzido em juízo, formando, assim, a Lide, tudo isso, como

dissemos, em nome do principio da efetividade da tutela jurisdicional e do direito (por certo,

emergente) a uma adequada tutela.

Ora, evidentemente, tal não parece ser a razão que levou a doutrina a criar

a teoria das tutelas jurisdicionais diferenciadas. O certo é que, o legislador, aproveitando-se

de tal técnica processual de construção de procedimentos – fundada, claro, em uma

ideologia, por certo, correta e consentânea com os ideais virtuosos de um Estado onde se

tem uma estrutura não apenas de Estado Democrático de Direito, mas também e sobretudo,

de Estado de Direitos Democráticos – tem enxertado o nosso sistema jurídico-processual de

procedimentos judiciais nos termos adiante explicitados.

O mais grave disso tudo, e aqui temos que ter em vista a nossa tética

proposição distintiva entre os institutos do Litígio e da Lide, é que, em assim acontecendo,

os problemas que, como já vimos na análise empírico-crítica da teleologicidade processual, já

eram enormes, tendo em vista a impossibilidade jurídica de o juiz, em certas situações, não

poder ir além do que lhe foi demandado (como preceituam os arts. 128 e 460 do CPC),

julgando, assim, muitas vezes, tão-somente a Lide e não, necessariamente, o Litígio,

agravam-se mais ainda, posto que, o próprio procedimento estatuído na lei impede já, de

plano e legalmente, que parte do Litígio seja deduzido em juízo. O interessante dessa

situação que temos vivenciado no plano da constituição dos procedimentos ditos especiais é

que isso tem acontecido de modo a privilegiar, sobretudo, os grupos e setores mais

importantes da sociedade, como no caso, diz LAÉRCIO A. BECKER615, dos contratos e demais

relações jurídico-materiais que envolvem as instituições financeiras. Vemos, assim, neste

exemplo, nitidamente, um cunho – por certo, ideológico – neoliberal e individualista na

utilização de tais técnicas processuais de limitação da cognição.

615 Cf. BECKER, L. A. Contratos Bancários: execuções especiais (SFH – SFI – Alienação Fiduciária – Crédito Rural e Industrial). São Paulo: Malheiros, 2002.

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7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.3 – Análise empírico-crítica da técnica processual da limitação da cognição (Lide ≤ Litígio)

como reflexo da ideologia procedimental. 426

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

Neste sentido, condenando tais práticas legislativas, assim, afirma-nos,

MARINONI616, in verbis:

O procedimento de cognição parcial privilegia os valores ‘certeza’ e ‘celeridade’ – ao permitir o surgimento de uma sentença com força de coisa julgada material em um tempo inferior àquele que seria necessário ao exame de toda a extensão da situação litigiosa –, mas deixa de lado o valor justiça material. O que deve ser verificado, portanto, em cada hipótese específica, e a quem interessa a limitação da cognição no sentido horizontal ou, em outros termos, a tutela jurisdicional célere e imunizada pela coisa julgada material em detrimento da cognição das exceções reservadas. O que importa saber, quando há limitação do direito de defesa, é em nome do quê o legislador construiu o procedimento especial. É necessário indagar, em outras palavras, se a situação de direito material privilegiada pelo legislador merece, de fato, tratamento diferenciado em face dos valores constitucionais e da própria peculiaridade do direito material a ser tutelado. Não basta a simples e óbvia resposta de que o procedimento foi construído para propiciar a celeridade da justiça ou a efetividade do processo. Em nome da celeridade da justiça e da efetividade do processo não poucas injustiças podem ser cometidas. É necessário saber se o procedimento está de acordo com o due process of law no sentido substantivo. Não há justificativa, por exemplo, para a limitação da defesa no caso do Decreto-lei 911/69, nem muito menos, para a execução privada do Decreto-lei 70/66.

E conclui, in verbis617:

O conceito de processo de cognição parcial permite a visualização dos valores contidos nos procedimentos especiais e, além disso, demonstra a insuficiência da análise de princípios, como o da ampla defesa, a partir de um ângulo que não considere as necessidades do direito material. Ora, pouco adianta constatar que o réu, no caso do Decreto-lei 70/66, tem a possibilidade de propor uma ação para discutir a matéria que não pode ser abordada na execução privada. Se for assim, ou seja, se basta dar ao réu oportunidade para discutir em outra via o ponto litigioso afastado, sempre será possível a construção de procedimentos que limitem a defesa. Mas serão construídos para quem? Obviamente, para aqueles que podem patrocinar o lobby. É preciso, assim, que a doutrina acorde para o fato de que o procedimento, no Estado social, tem de assumir a sua cor, não podendo permanecer neutro em relação às necessidades do direito substancial e aos valores constitucionais. Os procedimentos que foram construídos para privilegiar determinados grupos econômicos e os seus direitos não têm mais lugar no atual Estado Democrático de Direito.

Destarte, o que podemos concluir a partir disso é que, em assim

acontecendo, vários princípios processuais deixam de ser atendidos como, por exemplo, os

616 MARINONI, op. cit. p. 234. 617 Ibidem., p. 235.

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7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.3 – Análise empírico-crítica da técnica processual da limitação da cognição (Lide ≤ Litígio)

como reflexo da ideologia procedimental. 427

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

princípios do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal – como assinalou

MARINONI – e, sobretudo, o principio da inafastabilidade do controle jurisdicional que, na

visão da dogmática mais moderna, não se exaure apenas na idéia de juiz natural e direito de

ação, mas sim, também, e sobretudo, nos postulados da cognição adequada e abrangente

de todos os matizes conformadores do Litígio que ocorreu na realidade social.

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428

8 – CONCLUSÃO

No meu fim está o meu começo.

T. S. ELIOT

... Fazer por toda parte enumerações tão completas e exames tão gerais que eu estivesse certo de nada omitir.

DESCARTES

Destarte, por tudo visto, fazendo, neste momento, tão-somente, uma

apresentação e análise geral, sistemática e final do problema/objeto leitmotiv do presente

trabalho de pesquisa científico-jurídica618 chegamos, concludente e sinteticamente, a partir

das investigações, proposições, demonstrações, argumentações, discussões e asserções, de

caráter teórico-término-lógico e empírico-crítico, consecutadas, tendo em vista a construção,

analítico-distintiva, dos institutos sócio-jurídico-processuais do Litígio e da Lide, às ilações –

agora não mais hipotéticas, mas téticas – que adiante se seguem:

1.ª) O Litígio e a Lide, tendo em vista a construção analítico-distintiva por

nós proposta e demonstrada, são, peremptoriamente, sob os prismas teorético-conceptual e

empírico-crítico – ao contrário do que vem preceituando, como vimos, de longa data, a

dogmática jurídico-processual – elementos término-lógico-conceptuais de natureza e

significação diferente, coextensiva, necessária e seqüencial. Assim, como assentimos, o

Litígio é um instituto, um conceito-categoria, de natureza sociológica e protojurídica, um

verdadeiro pressuposto processual e antecedente fáctico-causal e lógico do processo, de

natureza fáctico-causal-sociológica, de composicionalidade categoremática, de referibilidade

extrínseca, e, portanto, exoprocessual, e que podemos conceituar, agora, sim, técnica e

cientificamente, como sendo um fenômeno social que, teórico-termino-conceptualmente,

618 Do mesmo modo que Luiz Guilherme Marinoni, “pensamos que não é o caso de reprisar [para não sermos repetitivos] as várias conclusões a que chegamos no curso do trabalho, mas sim de reafirmar, através de uma tarefa de síntese, as principais propostas” da presente dissertação (MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória (individual e coletiva). 3. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: RT, 2003, p. 477).

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8 – CONCLUSÃO. 429

segundo critérios e variáveis de ordem sócio-jurídica, materializa-se em um conflito

intersubjetivo de interesses – potencial ou efetivo –, qualificado pela pretensão de um dos

sujeitos e pela resistência do outro, o qual emerge, desenvolve-se, transforma-se e, por fim,

extingue-se, na teia social de relações, tendo em vista certos fatores variantes de ordem

sócio-psico-jurídico-político-econômica e interpessoais que, baseados na concepção

romanística de actio e nas concepções gráfico-representativas da Teoria Linear de JOSEF

KÖHLER, num momento exo e pré-processual, poderíamos representar do seguinte modo:

Pretensão

L = Sc1 actio Sc2, onde L é litígio e Sc é sujeito contendedor.

Resistência

Por sua vez, a Lide, diferentemente, como demonstramos, é, tética e

conteudisticamente, um instituto (também conceito-categoria) jurídico-processual – uma

construção da Teoria Geral do Processo e, por assim ser, da Ciência Jurídico-Processual –

que se consubstancia num verdadeiro requisito – conditio sine qua non – para a existência

do processo, ou seja, um suposto processual, sendo, assim, de natureza jurídico-processual

stricto sensu, de referibilidade intrínseca ao fenômeno processual, portanto, endoprocessual,

de composicionalidade lógica sincategoremática, constituindo, em si, um conseqüente

jurídico-processual lógico e necessário do Litígio deduzido em juízo que, teórico-termino-

conceptualmente, segundo critérios e variáveis de ordem, estritamente, jurídico-processual,

podemos defini-la nos seguintes termos: trata-se da resultante conteudística e objetiva da

relação jurídico-processual que é obtida a partir do processo de transformação e dedução,

quantitativa e qualitativa – numa palavra, da demanda – do Litígio em juízo, e a partir da

qual se identifica, se delimita e se define o meritum causae – ou o objeto litigioso do

processo (streitgegenstand) ou a res in iudicium deductae – e, por conseguinte, o thema

decidendum do processo e objeto principaliter da cognição do juiz, entre outros institutos

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

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8 – CONCLUSÃO. 430

(conceitos) processuais como o da res judicata, o da litispendência, o de partes, e etc., que,

baseado nas concepções gráfico-representativas da Teoria Angular da Relação Jurídico-

Processual formulada pelo processualista alemão KONRAD HELLWIG, num momento

estritamente endo-jurídico-processual, poderíamos representar, da seguinte maneira:

Estado-Juiz

Lide

Autor Réu

Em assim sendo, ao contrário da opinio communis doctorum, por tudo o

que vimos e tentamos demonstrar são institutos (conceitos-categoria) distintos entre si.

2.ª) Por sua vez, como vimos e demonstramos também, os por nós

denominados atributos da neutralidade axiológica, da asseptabilidade método-

epistemológica, da assertibilidade do discurso cientifico e da verdade – por certo

principiológicos e direcionadores do conhecimento científico e que, em assim sendo, dão

cientificidade a um determinado conhecimento – só são conferidos pela estrita observância –

como um imperativo categórico – de uma terminologia, precisa e apurada, com acepção

conceitual e caracteres científicos, sem ambivalência de significações, polissemias ou

sinonímias – como tentamos desse modo desenvolver, neste trabalho dissertativo, na

asserção, demonstração, discussão e comprovação das teses aqui propostas sobre Litígio e

Lide. Destarte, in casu, pelo que apresentamos, não há que se falar em Ciência Jurídica (e,

por conseguinte, em Ciência Jurídico-Processual) – com todos os atributos acima elencados –

sem a observância de um sistema conceitual e terminológico preciso e apurado, aliado a um

instrumental teórico-metodológico adequado. Tais são, assim, o que denominamos de as

condições de validade método-epistemo-lógica de um sistema de conhecimento científico.

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8 – CONCLUSÃO. 431

3.ª) Do mesmo modo, aplicando tal construção hipotética na formatação

teórica e conceitual das demais instituições e institutos fundamentais da Ciência Jurídico-

Processual, com o objetivo-premissa de se tentar elucidar certas incoerências,

incongruências e lacunas detectadas no sistema jurídico-processual de normas e no sistema

de conhecimento jurídico-científico, no manejo e adequação teórico-metodológica de alguns

desses conceitos processuais, temos que, ao contrário do que se afirma até então, na

dogmática jurídico-processual, os termos sub examen – Litígio e Lide – além de serem

discerníveis entre si – conforme propomos, demonstramos, argumentamos, discutimos e

afirmamos – não se confundem conteudística, semântica e conceptualmente com as demais

instituições e institutos jurídico-processuais da Teoria Geral do Processo.

Isto é, a partir da construção analítico-distintiva por nós proposta, há um

nítido e evidente prisma de discernibilidade entre os conceitos de Litígio e Lide e os demais

conceitos conformadores da Teoria Geral do Processo e da Ciência Jurídico-Processual. Em

assim sendo, não há que se confundir, teorética e empiricamente os conceitos de Litígio e

Lide com os conceitos de demanda, causa, pretensão, conflito, objeto litigioso do processo,

meritum causae, res in iudicium deductae, relação jurídico-processual, ente outros, até

porque, como assentimos com base na nossa segunda proposição tética (na verdade um

pressuposto metodológico do nosso trabalho), em assim sendo, tal problemática de

indiscernibilidade, sinonímia e equivocidade dos institutos sub examen, levaria – juntamente

com outras incongruências, por nós já apontadas, também de ordem teórico-método-

terminológica, do nosso sistema de conhecimento jurídico-processual – à formação de uma

teoria processual e, conseqüentemente, de um conhecimento jurídico-processual que não

atenderia, estritamente, aos pressupostos teórico-metodológicos do conhecimento científico.

Destarte, o que ocorre é que, aplicando a nossa construção analítico-

distintiva consecutada, há, peremptoriamente falando, uma discernibilidade teórica e

conceitual entre os institutos do Litígio e da Lide e as demais instituições e institutos

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8 – CONCLUSÃO. 432

fundamentais da Ciência Jurídico-Processual, de modo tal que, sinteticamente, é a partir da

dedução, quantitativa e qualitativa – através do direito de ação, materializado na demanda –

do Litígio em juízo, formando a Lide, que se irão consubstanciar os conceitos de relação

jurídico-processual – e de todos os seus elementos constitutivos: subjetivo, causal e

objetivo; assim como também, os conceitos de meritum causae ou streitgegenstand do

processo e, por conseguinte, do thema decidendum do juiz; da tutela jurisdicional e do seu

respectivo provimento; da pretensão processual e material do demandante; da causa

petendi e excipiendi da ação em sentido positivo e negativo, respectivamente; da res

judicata, e dos seus limites objetivos e subjetivos; do pedido imediato e mediato do

processo; da res in iudicium deductae e do iudicium; do objeto de cognição do juízo,

consubstanciado que está no quadrinômio processual, qual seja, pressuposto processual de

existência, supostos processuais, condições da ação e Lide; da litispendência, da conexão e

continência, do litisconsórcio, do cúmulo de ações e demandas, entre outros termos

processuais que analisamos anteriormente.

4.ª) Assim também, aplicando a nossa construção analítico-distintiva entre

os institutos do Litígio e da Lide, agora no âmbito da denominada Jurisdição Voluntária,

temos que, apesar de ainda não estarmos seguros e cônscios de que ela – tal hipótese – por

este nosso fundamento, seja factível, demonstrável e assertível (exatamente, por conta da

complexidade que a temática apresenta), não há que existir dúvida quanto à natureza

processual e, por conseguinte, jurisdicional, da Jurisdição Voluntária, posto que, em se

considerando a Lide diferentemente do Litígio, sendo aquela um fenômeno endoprocessual e

este um fenômeno exoprocessual, temos que, na Jurisdição Voluntária, não há que se

questionar o atributo da jurisdicionalidade, pois apesar de não haver Litígio, há Lide (seja ela

eventual, rarefeita ou imprópria); isto é, não há um conflito intersubjetivo de interesses

(litígio), mas há um pedido formulado contra o Estado-Juiz, isto é, um mérito (aquilo sobre o

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8 – CONCLUSÃO. 433

que vai se pronunciar e decidir o Estado-Juiz) e partes interessadas, o que caracteriza,

destarte, a existência da Lide e, por conseguinte, do processo jurisdicional619.

5.ª) Da mesma maneira, aplicando agora a nossa construção analítico-

distintiva entre os institutos do Litígio e da Lide no âmbito da processualística penal temos

que, no que diz respeito à existência, ou não, de uma Lide no processo penal, efetivamente,

diante da nossa proposição tética, há; pois, Lide, nestes termos, não seria o conflito

intersubjetivo de interesses qualificado pela pretensão de um (o ofensor) e pela resistência

do outro (o ofendido) que ocorrera no plano exoprocessual, como na fórmula carneluttiana.

Na verdade, tal conflito intersubjetivo de interesses, qualificado pela pretensão de um e pela

resistência do outro, seria, como já enunciamos, não a Lide, mas o Litígio – no caso,

representaria esse, em sede de processo penal, a conduta típica e antijurídica denominada

de crime. A Lide, por sua vez, também nesta nossa tética perspectiva, seria consubstanciada

a partir de tal fato criminoso, isto é, na nossa fórmula, a partir da dedução, quantitativa e

qualitativa, de tal Litígio (fato delituoso) em juízo e, assim, consubstanciaria o elemento

objetivo e conteudístico do processo penal. Além do que, nesta Lide, teríamos, assim, de um

lado a pretensão material e processual representadas pela pretensão punitiva e executória

do Estado (aqui presentado pelo órgão acusatório Ministério Público) – o denominado jus

puniendi – e do outro a resistência material e processual do réu representada pelo direito de

permanecer livre – o denominado jus libertatis.

619 Na verdade, como dissemos anteriormente, inobstante essa nossa construção hipotética, ao longo da nossa pesquisa temos construído, paralelamente, tentando ainda salvar a jurisdicionalidade e processualística da Jurisdição Voluntária, uma outra hipótese de pesquisa que nos parece mais consistente e substancial. Qual seja: a de que o atributo da jurisdicionalidade está presente em qualquer tipo de processo a partir da constatação de que neste está consubstanciada uma relação jurídico-processual – sobretudo, com a indispensável presença, em um dos pólos, do Estado-juiz – seu inerente complexo de juridicidade e o procedimento estatuído em normas formais a partir do qual ela – a relação jurídico-processual – constitui-se, desenvolve-se e se extingue, com ou sem julgamento do meritum causae. Assim, uma vez presentes esses elementos, pode-se, categoricamente, aferir, demonstrar e afirmar que se trata de um processo judicial e, em assim sendo, de Jurisdição Estatal. Parece-nos que tal proposição hipotética é mais factível, aferível, demonstrável e assertível do ponto de vista científico-jurídico do que a nossa hipótese inicial, baseada na construção distintiva entre Litígio e Lide.

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8 – CONCLUSÃO. 434

Em assim sendo, nesta nossa tética perspectiva – o Litígio (crime) como

elemento pré-processual e a Lide como elemento processual –, não há que se obstar que o

conteúdo do processo penal não é consubstanciado e formatado numa Lide, tal como ocorre

de ordinário no processo civil, inobstante as importantes objeções apresentadas,

ordinariamente, pela dogmática jurídico-processual, conforme vimos.

6.ª) Ademais, a partir das investigações de ordem empírico-crítica que

consecutamos a respeito da construção analítico-distintiva entre os elementos conceptuais

do Litígio e da Lide, chegamos à conclusão de que, peremptoriamente, a teleologicidade

processual, a priori, é a decidibilidade da Lide e, tão-somente, a posteriori – sem isso

constituir um telos necessário – a decidibilidade do Litígio. Tal hipotese de pesquisa, como

vimos, foi investigada na práxis processual, e, conforme as observações e análises por nós

consecutadas, em muitos casos concretos, apesar da incidência de uma decisão judicial

terminando, assim, a via processual (na nossa terminologia: a Lide), no plano material,

factual, permaneceu, mesmo que latentemente (quando não manifesto), o conflito

interpartes (na nossa terminologia: o Litígio) que ensejou a formação da Lide processual.

Mais que isso – e essa é a grande ilação da pesquisa a que chegamos –, pelo que

observamos da investigação empírica consecutada, o que se constata no plano das relações

sociais e jurídico-processuais é que a grande preocupação, isto é, o grande leitmotiv

justificador do sistema processual e do órgão julgador – configurado na persona do juiz – é

em, exatamente, decidir a Lide – isto é, o processo – numa simples, lógica e hermenêutico-

silogística intelecção e subsunção de um fato a uma norma e não, necessariamente, nos

termos e anseios da sociedade e das partes que vivem a situação conflituosa, o Litígio.

7.ª) Por fim, através de tal investigação empírica por nós consecutada e

fulcrado, também, em incursões teoréticas que realizamos no sistema jurídico-processual de

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8 – CONCLUSÃO. 435

normas, pudemos perceber que, em verdade, quando o legislador estabelece, em certos

procedimentos, ditos especiais, algumas limitações à cognição do juiz, em muitos casos, fica

evidente que, ao contrário do que preceitua e propaga o discurso oficial que fala, assim, em

especialização do procedimento e instrumentalidade do processo para se atingir a efetividade

da tutela jurisdicional, o que se está estabelecendo, na realidade, é um tratamento

diferenciado e, no mais das vezes, privilegiado, para uma determinada categoria de partes,

atestando-se, assim, que, na consecução legislativa dos procedimentos judiciais, observa-se,

decididamente, a influência de fatores ideológicos que consubstanciam a estruturação e

formatação das técnicas procedimentais de cognição, com ampla repercussão e implicação –

a partir de tal ideologização das técnicas procedimentais – na problemática do acesso à

justiça – posto que, evidencia-se, in claris, o impedimento da dedução de parte do Litígio em

juízo, constituindo-se tal fato, por certo, em um obstáculo jurídico de acesso à Justiça – e,

sobretudo, na (de)limitação teórica e tecnológico-pragmática dos princípios da

inafastabilidade do controle jurisdicional e da congruência (ou dispositivo).

Destarte, tais são as nossas proposições téticas que tentamos demonstrar,

a contento, ao longo deste trabalho de natureza dissertativa. No mais, cabe aqui

ressaltarmos e salientarmos, por último e mais uma vez, que tais proposições téticas aqui

afirmadas e que foram objeto de constante verificação e demonstração na consecução deste

trabalho de investigação científica são fruto, como dissemos, tão-somente, da hermenêutica

e da compreensibilidade do seu autor, de modo que fulcrado nos postulados popperianos de

conjecturação, falibilismo e contingência do conhecimento que propomos, pensamos estar

dando, tão-somente, a nossa simples contribuição para o desenvolvimento da Teoria Geral

do Processo e da Ciência Jurídico-Processual, assim como também, para a elucidação dos

problemas teorético-conceptuais e método-epistemológicos identificados a partir da análise

do nosso Sistema Jurídico-Processual de normas.

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

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449

ÍNDICE REMISSIVO

A

Ação:

49; 58; 61; 63; 71-91; 98; 101-109; 114; 115; 120; 123; 125-127; 130-134; 139-141;

146; 157; 160; 169; 182; 185; 191; 197; 203; 214; 222; 228; 230; 232; 233; 237; 240-

242; 246-248; 254-256; 260; 266; 267; 269; 282; 284; 291-297; 299; 300; 302-304;

307; 308; 311; 314; 316; 320.

Ação em Sentido Positivo:

228; 237; 240; 246; 247; 248; 266; 271; 297; 298; 299; 320; 321; 341.

Acesso a Justiça:

103; 104; 105; 278; 357; 370.

Actio:

58; 59; 60; 51; 62; 64; 72-75; 78; 90; 131; 132; 178; 200; 201; 221; 222; 248; 299.

Anspruch:

48; 73; 74; 76; 80; 81; 85; 87; 88; 207; 214; 234; 245; 250; 286; 292; 295; 307; 310;

312; 316; 321; 326; 330; 331; 342; 353.

Antrag:

228; 240; 245; 250; 271; 292; 307; 309; 310; 311; 320; 342.

Aporemática:

343; 353.

Asseptabilidade:

149; 150; 151; 162; 167; 169; 170; 172; 174.

Asseptabilidade Método-Epistemológica:

162; 167; 169; 170; 172.

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ÍNDICE REMISSIVO 450

Autor:

56; 59; 63; 79; 81-85; 87; 88; 90-94; 96; 98; 99; 101; 102; 104; 106; 107; 109; 112; 114; 115; 117; 121; 124; 126; 128; 131; 134; 136; 138; 139; 141; 143; 145; 147; 166; 181; 183; 191; 214; 222; 225; 233; 234; 237-241; 243-248; 250; 253; 261; 262; 273; 275; 276; 279; 282; 284; 290; 293; 295; 296-305; 307; 309; 311; 312; 316; 317; 319; 320; 321; 326; 330; 337; 345; 350; 375; 380.

C

Caracterização Principiológico-Estrutural:

200 -202; 215; 221; 223; 227-229; 248; 250; 260.

Categoria:

43; 48; 49; 62; 64; 71; 75; 77; 82; 93; 107; 126; 135; 137; 143; 150; 177; 178; 180;

181; 186; 196; 197-199; 201; 204; 210; 215; 221; 224; 226; 228; 230; 239; 240; 248;

256; 259; 260; 264; 284; 357; 275.

Causa de Pedir:

93; 94; 228; 236; 240; 292; 296; 300; 307; 309-312; 322; 342.

Cognição:

187; 226; 271; 314-316; 318; 319.

Cognitio:

58; 61; 62; 305; 307; 314; 315; 320; 340.

Composicionalidade Categoremática:

196; 197; 216; 221; 224; 260.

Condições de Admissibilidade do Julgamento da Lide:

123; 139; 252; 270.

Condições de Assertibilidade:

167; 171; 174.

Condições de Validade:

150; 151; 152; 156; 158; 159; 161; 162; 174; 175.

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ÍNDICE REMISSIVO 451

Conflito:

199; 201-203; 206; 209; 211-220; 222; 224; 230; 236; 239; 244; 247; 252; 253; 257-259; 263; 265; 266; 269; 276; 277; 281; 286; 293; 298; 311; 314-316; 325; 330; 331; 334; 337-339; 342; 345; 350-353; 356; 360-362; 365; 368; 369; 370; 372-376; 386; 390.

Conflito de Interesses:

50; 53-55; 63; 92; 93;101; 102; 106; 111; 113; 129; 133-138; 142-144; 146; 180; 181;

183; 185; 186; 187; 191; 195; 201; 203; 211; 214; 215; 219; 222; 238; 253; 277; 298;

304; 329; 331; 339; 342; 350.

Conseqüente Jurídico-Processual Necessário:

178; 220; 228; 229; 248; 259; 260.

Construção Analítico-Distintiva:

145; 161; 170; 171; 173; 175; 184; 220; 230; 264; 265; 267; 292; 293; 324; 354; 355;

359; 360.

Construção Terminológico-Conceptual:

45; 175; 176; 265.

Contestatio:

228; 271; 341.

D

Decidibilidade da Lide:

71; 158; 159; 173; 175; 176; 184; 186; 203; 211; 216; 265; 355; 356; 357; 360; 361; 365;

Decidibilidade do Litígio:

71; 158; 159; 173; 175; 176; 186; 203; 265; 355; 356; 360; 361.

Dedução:

03.

Defesa:

237; 296; 271; 390.

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ÍNDICE REMISSIVO 452

Demanda (Klageantrag):

85; 228; 240; 246; 250; 294

Dever:

84; 94-96; 107; 131; 139; 278; 279; 281; 314-316; 335; 365.

Devido Processo Legal:

374; 378; 382; 385; 388.

Dispute:

190; 192.

Dogmática Jurídico-Processual:

48; 117; 249.

E

Efetividade:

95; 104; 144; 206; 357; 369; 374; 375; 382; 385; 388.

Elemento Causal:

02; 177; 199; 201; 212; 214-216; 218; 222; 226; 236; 240; 245; 248; 271.

Elemento Formal:

237; 320; 344.

Elemento Material:

199; 212; 215; 216; 222; 244; 272; 357; 382.

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ÍNDICE REMISSIVO 453

I

Ideologia Procedimental:

105; 391.

Imparcialidade:

253; 320; 374; 375; 382; 385; 388.

Indivíduo ou Grupo:

53; 115; 195; 201; 202; 204; 205; 210; 212; 218; 241; 340; 361; 370.

Instituições:

52; 55; 90; 107; 213; 234; 236; 243; 274; 276; 325; 346.

Institutos:

63; 64; 110; 201; 216; 228; 249.

J

Juiz:

121; 140; 178; 226; 227; 229; 249; 261; 271; 276; 281; 285; 289; 290; 293; 296; 299;

334; 386; 387.

Jurisdição:

71; 176; 183; 207; 210; 237; 262; 265; 277; 282; 296; 333; 335-338; 340-344; 365;

372; 376.

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ÍNDICE REMISSIVO 454

L

Lawsuit:

190; 192.

Lide:

43; 50; 54-58; 60; 61; 68-73; 75-79; 81-90; 92-94; 98; 99; 101; 102-105; 106-111; 113; 120; 121-129; 158; 159; 173; 175; 176; 183; 195; 184; 186; 203; 211; 216; 265; 355; 356; 357; 360; 361; 365.

Litige:

190; 192.

Litígio:

43; 50; 54-58; 60; 61; 68-73; 71; 75-79; 81-90; 92-94; 98; 99; 101; 102-105; 106-111; 113; 120; 121-129; 158; 159; 173; 175; 176; 183; 186; 203; 265; 355; 356; 360; 361;195; 184; 186; 203; 211; 216; 265; 355; 356; 357; 360; 361; 365.

M

Mérito:

48; 61; 62; 71; 74; 83; 86; 91; 98; 100-106; 117; 120-124; 128; 130-134; 136; 140;

142; 182; 184; 185; 191; 232; 235; 236; 245; 255; 269; 271; 282; 293; 301-305; 306;

308; 313; 325; 328; 334; 350.

Meritum Causae:

48; 98; 101; 126; 130; 132; 134; 135; 138; 142; 178; 181; 184; 194; 195; 202; 225;

231-235; 238-242; 245; 252; 254; 256; 266; 269; 295-301; 304; 305; 309; 312; 3113;

316; 320; 326; 344.

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ÍNDICE REMISSIVO 455

Método:

44; 70; 105; 117; 124; 133; 134; 148; 150; 152; 156-167; 169-172; 174; 185; 197; 206;

208; 232; 233; 259; 263; 266; 292; 300; 301-304; 313; 321; 345; 347; 349; 359; 360-

364; 370-373; 376.

O

Objeto de Cognição:

83; 93; 101; 102; 131; 138; 135; 160; 183; 216; 225; 233; 239 ; 245; 249; 254-256;

266; 269; 273; 292; 297; 301; 312-317; 326; 332; 345; 356; 357; 364; 391.

Ônus:

84; 95; 228; 243; 261; 274-281; 287.

P

Partes:

59; 61; 69; 71; 76; 93; 96-98; 104; 115; 121; 123; 127; 129; 133; 135; 140; 146; 181-

185; 187; 191; 206; 209; 212; 213; 217; 222; 225; 227; 229; 233; 236; 239-244; 247;

249; 250; 253; 255; 257; 263; 269; 273-276; 278-282; 287; 292; 296; 298; 299; 300;

312; 319; 320; 325; 327; 330; 331; 334; 338; 339; 341; 342; 345; 346; 350; 356; 357;

361; 363; 365; 367-370; 372; 374; 375; 378; 379; 382; 385; 386.

Paz Social:

365; 366; 374; 376; 388.

Pretensão:

48; 50; 53; 54; 73; 79; 81-87; 89; 92; 93; 96; 99; 101; 106-109; 111; 117; 124; 126; 129; 131; 133; 135; 136; 138; 140; 143; 145; 148; 178; 179; 183; 186; 191; 194; 200; 202; 203; 211; 212; 214-218; 222; 224; 234-240; 248; 250; 254; 257; 263; 275; 284; 286; 289; 291; 295; 297; 303-307; 312-316; 320; 321; 325; 326; 330; 333; 335; 339; 341-345; 349; 350-354; 389.

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ÍNDICE REMISSIVO 456

Pesquisa Empírica:

158; 166; 358; 359; 360; 364.

Petitum:

62; 140; 228; 246; 248; 271; 292; 299; 300; 312; 320; 321; 341.

Poursuite:

192.

Pragmático:

161; 196.

Pressuposto Processual:

70; 76; 77; 86; 105; 106; 113; 131; 140; 217; 250-254; 271; 317; 318; 320.

Pretensão Material:

48; 50; 53; 54; 73; 74; 76; 78; 79. 85; 191; 194; 200-203; 214; 216; 350; 352; 382;

386.

Pretensão Processual:

85; 87; 88; 89; 92; 101; 106; 109; 111; 117; 124; 126; 133; 136; 140-145; 147; 178;

179; 183; 186; 349; 350-353; 382.

Pretensão Resistida/insatisfeita:

93; 96; 99; 107; 108; 117; 124; 133; 186; 194-198; 224; 228; 234-236; 238; 239; 339;

341; 342; 345; 349; 382; 386.

Pretensão Resistência:

286; 289; 291; 295-300; 307; 309-314; 316; 317; 320-323; 325; 326; 330; 333; 335;

338; 339; 341; 342; 343; 345; 349.

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ÍNDICE REMISSIVO 457

Princípio da Congruência:

271; 368; 383; 384; 385; 388.

Principio da Inafastabilidade:

357; 358.

Princípios da Procedibilidade:

117; 160; 161; 165.

Processo Penal:

45; 57; 64; 119; 120; 135; 143; 145; 183; 184; 186; 334; 335; 345; 350; 352; 353; 354.

Processualismo Científico:

46; 70.

R

Resistência:

50; 53-55; 76; 84; 88; 92; 99; 101; 108; 11; 117; 124; 130; 135; 136; 144; 145; 147;

183; 186; 191; 200; 202; 214; 215; 218; 221; 222; 224; 239; 244; 247; 257; 263; 275;

291; 298; 342; 345; 350; 352.

Rechsstreit:

192.

Rechtsschutzanspruch:

80; 81; 88; 214; 228; 234; 235; 240; 244; 245; 250; 295; 307; 312; 313; 316; 320; 321;

326; 330; 331; 341; 342;

Referibilidade Extrínseca:

177; 199; 201; 215; 219; 224; 263.

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ÍNDICE REMISSIVO 458

Referibilidade Intrínseca:

160; 178; 226; 228; 229; 248; 257; 258; 263.

Relação Jurídico-Material:

776-78; 213; 226; 242; 247; 251; 271; 273; 275; 283-285; 291; 298; 299; 305.

Relação Jurídico-Processual:

59; 61; 69; 71; 76; 93; 96-98; 104; 115; 121; 123; 127; 129; 133; 135; 140; 146; 181-

185; 187; 191; 206; 209; 212; 213; 217; 222; 225; 227; 229; 233; 236; 239-244; 247;

249; 250; 253; 255; 257; 263; 269; 273-276; 278-282; 287.

Res In Iudicium Deductae:

62; 140; 228; 246; 248; 271; 292; 299; 300; 312; 320; 321; 341.

Res Judicata:

21; 32; 45; 48; 52; 85; 96; 97; 98; 102; 105; 108; 110; 115; 120; 250; 287; 295; 320;

352; 400.

Responsabilidade:

83; 93; 101; 102; 131; 138; 135; 160; 183; 216; 225; 233; 239 ; 245; 249; 254-256;

266; 269; 273; 292; 297; 301; 312-317; 326; 332; 345; 356; 357; 364; 391.

Réu:

59; 61; 69; 71; 76; 93; 96-98; 104; 115; 121; 123; 127; 129; 133; 135; 140; 146; 181-

185; 187; 191; 206; 209; 212; 213; 217; 222; 225; 227; 229; 233; 236; 239-244; 247;

249; 250; 253; 255; 257; 263; 269; 273-276; 278-282; 287; 292; 296; 298; 299; 300;

312; 319; 320; 325; 327; 330; 331; 334; 338; 339; 341; 342; 345; 346; 350; 356; 357.

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ÍNDICE REMISSIVO 459

S

Sachverhalt:

83; 228; 240; 245; 250; 292; 307; 309; 310; 311; 342.

Segurança Jurídica:

326; 385.

Semântico:

199; 240.

Sentença:

78; 79; 84-87; 96; 97; 121-123; 127; 129; 131; 138; 141; 144; 183; 236; 282; 291; 311;

312; 318; 323-329; 332.

Simetria:

154; 192; 312.

Streitgegenstand :

48; 195; 234; 235; 238; 244; 245; 250; 266; 273; 295; 300-307; 309; 310; 312; 313;

316; 320; 321; 326; 330; 332.

Streitsache:

192.

T

Técnica Processual:

326; 329; 364; 369; 391.

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ÍNDICE REMISSIVO 460

Teleologicidade Processual:

158; 175; 176; 265; 355-357; 360; 365; 366; 368; 371; 372; 390.

Teoria Angular:

81; 178; 227; 228; 243; 249; 261; 262; 285; 287; 354.

Teoria Geral Do Processo:

96; 97; 139; 149; 166; 176; 180; 228; 230; 239; 2565-269; 301; 321; 333; 345-349;

355.

Teoria Linear:

81; 178; 200; 201; 221; 285.

Terminologia Jurídico-Conceptual:

117; 149; 159; 161; 164; 170; 171; 175; 230; 231.

Trilogia Estrutural do Direito Processual:

237.

U

Utilidade:

50-52; 173; 211; 360.

Z

Zetética:

160; 162; 337.

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

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461

ÍNDICE ONOMÁSTICO

A

ALVIM, J. E. Carreira – 21; 30; 31; 51; 52; 55; 68; 69; 71; 139; 206; 235;256; 318;

340.

ALCALÁ -ZAMORA Y CASTILLO, Niceto – 29; 47; 66; 67; 69; 97; 110; 111; 117; 125;

154; 156; 157; 192; 339; 349; 379.

ALSINA, Hugo – 73.

ALMEIDA, Estevam de – 126.

ALVIM, Eduardo Arruda – 139; 206; 235; 306; 308; 318.

ARENHART, Sérgio Cruz – 143.

B

BIELSA, Rafael – 19; 155; 158; 205, 221; 259.

BECKER, Laércio Alfredo – 23; 359; 418; 425.

BÜLLOW Oskar Von – 27; 31; 67; 71; 72; 73; 77; 78; 81; 96; 98; 111; 126; 133;

155; 253; 254; 257; 267; 284; 287; 288; 307.

BAPTISTA DA SILVA, Ovídio – 46; 62; 64; 139; 140; 321; 329; 330; 334.

BUZAID, Alfredo – 63; 73; 75; 81; 83; 85; 86; 89; 88; 89; 110; 120; 124; 128; 129;

130; 133; 134; 140; 143; 188; 190; 206; 304; 307; 311; 320; 352.

BLOMEYER, Arwed – 83; 86; 87; 304; 311.

BAPTISTA, Francisco de Paula – 126; 127.

BUENO , Pimenta – 126.

BETTIOL, Giuseppe – 348.

BECKER, Howard – 364.

BARDIN, Laurence – 365.

C

CARNELUTTI, Francesco – 18; 25; 27; 28; 33; 43; 44; 48; 49; 50; 51; 52; 53; 54;

55; 56; 57; 58; 72; 76; 77; 84; 88; 91; 92; 93; 94; 96; 97; 99; 101; 105; 106; 107;

108; 110; 111; 114; 115; 116; 117; 125; 133; 135; 137; 142; 147; 152; 154; 155;

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ÍNDICE ONOMÁSTICO 462

156; 157; 160; 179; 180; 181; 183; 185; 188; 189; 191; 202; 203; 210; 211; 212;

213; 214; 218; 230; 232; 238; 256; 263; 298; 302; 320; 329; 330; 339; 340; 349;

351; 366.

CINTRA Antonio Carlos Araújo – 20; 30; 44; 98; 133; 135 ; 365; 367; 368.

CAPPELLETTI, Mauro – 21,22; 23; 27; 29; 103; 104; 357; 370.

CHIOVENDA, Giuseppe – 27; 28; 31; 49; 52; 59; 71; 72; 75; 79; 89; 90; 92; 93; 115;

179; 213; 302.

CALAMANDREI, Piero – 24; 28; 34; 49; 56; 89; 91; 92; 93; 94; 101; 106; 115; 130;

133; 147; 179; 181; 182; 183; 184; 185; 186; 187; 203; 231; 232; 30.

COUTURE, Eduardo – 29; 34; 44; 72; 78; 113; 114; 115; 152; 153; 189; 190; 192;

233; 242.

CRUZ e TUCCI, José Rogério – 62; 142; 218; 300.

CARPZOV, Benedikt – 6.

CARAVANTES, José de Vicente y – 69.

CASTRO, Pietro – 108.

CASTRO, Almícar – 125.

COSTA, Lopes – 125 ; 256.

CUNHA, Antônio Geraldo da – 188.

CALMON DE PASSOS, J. J. – 318.

D

DINAMARCO, Cândido Rangel – 20; 22; 24; 28; 30; 31; 33; 44; 72; 91; 93; 98; 99;

125; 128; 133; 134; 135; 149; 152; 156; 158; 179; 185; 186; 231; 232; 233; 234;

235; 236; 242; 243; 264; 274; 275; 276; 280; 288; 292; 294; 295; 302; 303; 304;

305; 306; 307; 309; 310; 311; 314; 315; 316; 324; 325; 329; 365; 367.

DUMMETT, Michael – 26.

DAVID, René – 45.

DURANTI, Guilherme – 67.

DURKHEIM, Émile – 218.

E

ESPÍNOLA FILHO, Eduardo – 144.

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

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ÍNDICE ONOMÁSTICO 463

F

FERRAZ, Tércio Sampaio Junior - 17; 19; 32; 35; 64; 150; 356; 369.

FREGE, Gottlob – 26.

FLORIAN, Eugenio – 44; 345.

FALLAZARI, Elio – 97; 98; 99; 237; 296; 302.

FIX - ZAMÚDIO, Héctor – 110; 115; 116; 233.

FERRER MAC-GREGOR, Eduardo – 115.

FIDÉLIS, Ernane – 140.

G

GRINOVER, Ada Pellegrini – 20; 30; 44; 74; 99; 100; 125; 128; 133; 135; 348; 367.

GUASP, Jaime – 29; 106; 107; 108; 234; 295.

GIORGIS, José Carlos Teixeira – 48; 49;56; 182; 345.

GIL, Antonio Carlos – 39; 40; 159; 361; 364.

GHIRALDELLI, Paulo Jr. – 42; 43; 173.

GOMES, Fábio – 45;61;63; 139; 140.

GILISSEN, John – 45.

GOLDSCHMIDT, James – 94; 95; 96; 97; 261; 279.

GALANTER, Marc – 105.

GUIMARÃES, Machado – 125; 302.

GRECO, Vicente Filho – 140; 141.

H

HELLWIG, Konrad – 34; 36;37; 227; 243; 262; 285; 286; 335; 354.

HÉLIE, Faustino – 69.

HELLWIG Konrad – 79; 81; 188; 249.

HABSCHEID, Walter J. – 81; 82; 302.

HORWICH, Paul – 173; 360.

HEIDELBERG, Wolfram – 302.

J

JUSTO, Antonio dos Santos – 60.

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ÍNDICE ONOMÁSTICO 464

K

KUHN, Thomas - 42;46.

KLEIN, Franz – 65.

KÖHLER, Josef – 79; 81; 221; 222; 285.

HABSCHEID, Walter J. – 87; 88.

L

LIEBAMN, Enrico Tullio – 24; 25; 26; 29; 31; 34; 93; 99; 100; 101; 102; 110; 117;

120; 124; 125; 127; 130; 132; 133; 134; 135; 139; 141; 142; 147; 157; 160; 179;

180; 183; 184; 185; 186; 231; 232; 238; 289; 293; 297; 298; 302; 306; 324; 326;

330.

LAKATOS, Eva Maria – 39; 362.

LEONE, Giovanni – 44.

LEITE, Luciano Marques – 57; 348.

LENT, Friedrich – 81; 83; 86; 309.

LACERDA, Galeno – 135; 252; 302.

LOPES DA COSTA, Alfredo de Araújo – 152; 255; 317; 318.

LÖWY, Michel – 164.

LEITÃO MARQUES, Maria Manuel – 205; 224.

LUHMANN, Niklas – 237; 296.

M

MARINONI, Luiz Guilherme – 22; 23; 25; 142; 322; 323; 368.

MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de – 30;31; 33; 61; 72; 130; 131; 253; 342;

366.

MOREIRA DE PAULA, Jônatas Luiz – 29; 45; 46; 60; 62; 118; 125.

MARQUES, José Frederico – 30; 107; 119; 127; 128; 129; 130; 243; 337; 339; 340;

342.

MARCONI, Marina de Andrade – 39.

MANZINI, Vicenzo – 44.

MUTHER, Theodor – 72; 75; 76; 79; 222.

MORTARA, Ludovico – 90; 93; 328.

MONTEIRO, João – 125.

MENDES, João Junior – 125.

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

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ÍNDICE ONOMÁSTICO 465

MOREIRA, Jose Carlos Barbosa – 132; 331.

MIRANDA ROSA, F. A. de. – 203; 204.

MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nélson de. – 346.

N

NEVES, Celso – 32; 61; 72; 74; 75; 80; 127; 128; 130; 179; 185; 187; 203; 218;

226; 227; 238; 242; 243; 250; 252; 254; 255; 256; 269; 317.

NÓBREGA, Vandik – 59; 60.

NIKISCH, Arthur -81;.82; 84; 85; 86; 302; 309.

O

OLIVEIRA, Luciano – 164; 165; 166; 372.

P

PODETTI. J. Ramiro – 24; 72; 237; 268.

POPPER, Karl – 40; 172; 359.

PUGLIESE, Giovanne – 74.

PACHECO, Jose da Silva – 118.

PEDROSO, João – 205; 224.

Q

QUINE, Willard Von – 26; 27; 43.

R

ROCCO, Ugo - 28; 50; 99; 100.

RAMSEY, Frank Plunptom – 42; 173; 360.

RORTY, Richard – 43.

RÁO, Vicente – 45.

ROCHA, José de Albuquerque – 44; 237; 247; 296; 347.

REDENTI, Enrico – 49; 89; 91; 302.

ROSENBERG, Leo – 81; 82; 83; 86; 88; 302; 309; 310.

REIS, José Alberto dos – 105.

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

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ÍNDICE ONOMÁSTICO 466

REZENDE, Gabriel Filho – 125.

ROSA, ELIÉZER – 152; 153; 191; 302.

S

SANTOS, Uziel Santana – 19, 162.

STRAUSS, Levy – 39.

SALOMON, Décio Vieira – 40.

SCHÖNKE, Adolf – 81; 82; 83; 86; 302.

SCHWAB, Karl Heinz – 81; 82; 86; 87; 88; 302; 309; 310; 311; 332.

SAVIGNY, Karl Von – 82.

SIQUEIRA, Galdino – 125.

SANTOS, Moacyr Amaral – 135; 136; 302.

SANTOS, Ernane Fidélis dos – 140; 252.

SANTOS, Boaventura de Souza – 164; 199; 204; 205; 206; 207; 208; 210; 211; 220.

224; 259; 263; 269; 319.

SILVA, de Plácido – 191.

T

TARSKI, Alfred – 32.

TOURINHO, Fernando da Costa Filho – 44; 144; 145.

TORNAGHI, Hélio – 30; 145; 186; 187; 225.

THEODORO, Humberto – 140; 141.

TUCCI, Rogério Lauria – 142; 349.

V

VIEHWEG, Theodor – 32.

VIDIGAL, Luis Eulálio de Bueno – 125; 127; 128; 129; 133; 252.

VILANOVA, Lourival – 283; 284; 288; 289; 291.

W

WARAT, Luis Alberto – 19.

WATANABE, Kazuo – 22; 225; 252; 253; 314; 315; 316; 318; 319.

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

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ÍNDICE ONOMÁSTICO 467

WACH, Adolf – 31; 34; 79, 80; 82; 131; 152; 222; 227; 244; 262; 285; 286.

WEBER, Max – 40; 164; 166; 360.

WINDSCHEID, Bernhard – 72; 73; 74; 75; 76; 82; 131; 132; 222; 286.

WILLENS, Emilio – 207.

Y

YARSHELL, Flavio Luiz – 63; 74; 82; 129; 188; 311; 320.

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

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468

APÊNDICE A

QUESTIONÁRIO DA PESQUISA EMPÍRICA – MAGISTRADOS.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE Programa de Pós-Graduação em Direito

ROTEIRO: PESQUISA EMPÍRICA (Entrevista)

JUÍZO OU TRIBUNAL NOME DO MAGISTRADO

QUESTIONAMENTOS

1. Historicamente, sabe-se que, para a resolução dos conflitos sociais, existiram

diversos métodos. Primitivamente, tivemos a autodefesa ou defesa privada, onde imperava a lei do mais forte. Depois, tivemos a autocomposição, onde por meio de persuasão racional, pelo convencimento, as partes chegavam a uma solução para o litígio. Dessa autocomposição surgiram a mediação e a arbitragem. Hoje, o método por excelência, adotado pelo Estado, para a resolução dos conflitos sociais é a heteronomia, através do processo judicial; isto é, um terceiro, imparcial, que é o juiz, determina qual a solução a ser dada no caso concreto. Isso é a jurisdição estatal. O senhor acha que a heteronomia – isto é, a Jurisdição – é a melhor forma de resolução dos conflitos sociais? Se sim ou não, por quê?

2. Dentre as várias definições clássicas, formuladas pela dogmática jurídico-processual,

uma delas diz que a Jurisdição é a função do Estado, pela qual este atua o direito objetivo na composição dos conflitos de interesses, com o fim de resguardar a paz social e o império da norma de direito, fazendo-se justiça no caso concreto e, desse modo, alcançando-se a referida pacificação social. No caso, Vossa Excelência acha que esse discurso que justifica o monopólio da jurisdição pelo Estado tem se realizado na prática, isto é, na resolução dos processos tem-se atingido esses ideais de paz e justiça sociais?

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APÊNDICE 469

3. Quando Vossa Excelência se depara com um processo, a preocupação do senhor é em decidir a lide (penal ou cível) nos termos do pedido formulado pelo autor, julgando-o procedente ou improcedente, a partir da dialética processual? Existe alguma outra preocupação?

4. O princípio da congruência diz que o juiz deve decidir a lide – o processo – nos

limites em que ela foi proposta e, em assim sendo, deve-se ater exclusiva e peremptoriamente ao que existe, inclusive de provas, nos autos processuais. O que o senhor pensa sobre esse postulado principiológico da jurisdição?

5. O objetivo do juiz, ao se deparar com o processo, é em decidir a lide, o processo, ou

é em decidir o litígio que deu origem ao processo?

LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.

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470

APÊNDICE B

QUESTIONÁRIO DA PESQUISA EMPÍRICA – PARTES.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE Programa de Pós-Graduação em Direito

ROTEIRO: PESQUISA EMPÍRICA (Entrevista)

NOME DO ENTREVISTADO:

JUÍZO OU TRIBUNAL DO JULGAMENTO. NOME DO MAGISTRADO.

QUESTIONAMENTOS

1. Você (ou parente seu) já foi parte em um processo judicial? Conte, por favor, sua

história de vida neste sentido. 2. No processo judicial vivenciado por você (ou parente seu), o juiz ao sentenciar, você

acha que ele agiu com justiça? Se sim ou não, por quê?

3. A sentença que ele deu na sua causa lhe foi favorável (ou ao seu parente)?

4. Você (ou seu parente) ficou satisfeito com a decisão, isto é, você acha que ele resolveu, realmente, o seu problema, o seu conflito?