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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
ANDRESA CRISTINA DAMACENO LIBERALI
É PERMITIDO BRINCAR? UM ESTUDO SOBRE O MOVIMENTO LÚDICO
NO ENSINO FUNDAMENTAL
CUIABÁ/MT 2011
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UFMT
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
ANDRESA CRISTINA DAMACENO LIBERALI
É PERMITIDO BRINCAR? UM ESTUDO SOBRE O MOVIMENTO LÚDICO NO ENSINO FUNDAMENTAL.
CUIABÁ/MT 2011
ANDRESA CRISTINA DAMACENO LIBERALI
É PERMITIDO BRINCAR? UM ESTUDO SOBRE O MOVIMENTO LÚDICO NO ENSINO FUNDAMENTAL
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso como requisito para obtenção do título de mestre em Educação na área de concentração Educação Cultura e Sociedade, Linha de Pesquisa Culturas Escolares e Linguagens. Orientador: Professor Doutor Cleomar Ferreira Gomes
CUIABÁ/MT 2011
L695p
Liberali, Andresa Cristina Damaceno.
É permitido brincar? Um estudo sobre o movimento lúdico no
Ensino Fundamental / Andresa Cristina Damaceno Liberali. -- Cui_
bá (MT): IE/UFMT, 2011.
168 f.: il.; 30 cm.
Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal de
Mato Grosso. Instituto de Educação. Programa de Pós-Graduação
em Educação.
Orientador: Prof. Dr. Cleomar Ferreira Gomes.
Inclui bibliografia.
1. Infância. 2. Sala de aula. 3. Brincar. 4. Ludicidade. I. Título.
CDU: 372
ANDRESA CRISTINA DAMACENO LIBERALI
Profa. Dra. Marynelma Camargo Garanhani Examinador Externo (UFPR)
Profa. Dra. Ana Carrilho Grunennvaldt
Examinadora Interna (UFMT)
Prof. Dr. Cleomar Ferreira Gomes
Orientador (UFMT)
Aprovado em 31/03/2011
DISSERTAÇÃO APRESENTADA À COORDENAÇÃO DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
EM EDUCAÇÃO DA UFMT
Aos meus filhos Natália e Juliano, que entenderam os propósitos de minha ausência em vossas vidas por um breve período. Vocês são, para mim, exemplos de maturidade e companheirismo.
AGRADECIMENTOS
À FAPEMAT pela ajuda nos custos materiais da pesquisa.
Aos meus pais que me ensinando sobre a vida me foram exemplos de perseverança e amor. À Júlio César, meu marido, pelo incentivo e motivação, não me deixando desistir nos momentos mais difíceis do percurso. À dona Teresinha pela dedicação e cuidados com meus filhos durante um ano. Às amigas, Fabiana, Eunice, Silvia, pelas discussões, companheirismo e desabafos. A meus amigos que fizeram parte desta caminhada e que por ventura estão mais distantes. A meus colegas do mestrado que compartilharam diversos momentos. A Cleomar Ferreira Gomes, professor-orientador, pela oportunidade de participar do Grupo de Pesquisa e trilhar os caminhos para o conhecimento.
RESUMO
Esta investigação busca retratar aspectos da ludicidade na sala de aula do
primeiro ano do ensino fundamental, buscando indícios de cerceamento do
brincar para priorizar às facetas do conteúdo advindas de leitura, escritas e
cálculos. Para tal empreitada, a pesquisa constitui-se em moldes etnográficos,
quando durante quatro meses foi possível investigar o espaço de duas escolas
da cidade de Sinop/ MT, sendo uma da rede municipal e outra da rede
particular de ensino. Recorremos à técnica de observação participante,
fotografia que ilustra e mostra o lócus do estudo e entrevistas com cinco pais,
duas professoras e dez alunos devidamente matriculados no primeiro ano do
ensino fundamental, todos com idade de seis anos Os principais teóricos que
referenciaram o estudo foram Gilles Brougère, Tizuko Kishimoto, Roger
Caillois, Philippe Ariès e Walter Benjamin, nos quais encontra-se produções
pertinentes ao tema e para subsidiar o suporte metodológico foram
apresentados à investigação Minayo, Lüdke, M. & André e Bogdan e Biklen. A
percepção que obtivemos diante das análises de dados, são prerrogativas de
que pelos olhos da criança a brincadeira é o momento de invenções e
descobertas, da mesma maneira que não tem hora para acontecer, não tem
início estipulado e nem término determinado, ela possui particularidades e
questões temporais que acontecem de acordo com que os participantes assim
as definirem. ―Infelizmente‖, e contradizendo os documentos oficiais da escola
como planos políticos pedagógicos, as alfabetizadoras de crianças com apenas
seis anos, admitem a importância de brincar, mas confessam que em sala de
aula, na qual os alunos passam quatro horas diárias, o movimento lúdico,
assim, podemos chamar, tem hora determinada para acontecer, na educação
física e num outro momento que as professoras assim decretam: ―se sobrar
tempo‖.
Palavras-chave: Infância. Sala de aula. Brincar. Ludicidade
RESUMEN
Esta investigación busca retractar aspectos de la ludicidad en el aula del primer
año de la enseñanza elemental, buscando indícios de la supresión del
juguetear para priorizar a las facetas del contenido advindas de la lectura,
escritas y cálculos. Para este destajo, la pesquisa se constituyó en los moldes
etnográficos, cuando durante cuatro meses fue posible investigar el espacio de
dos escuelas de la ciudad de Sinop/ MT, siendo una de la municipalidad y otra
de la red particular de enseñanza. Recurrimos a la técnica de observación
participante, fotografia que ilustra y muestra el ámbito del estudio y entrevistas
con cinco padres, dos profesoras y diez alumnos debidamente matriculados en
el primer año de la enseñanza elemental, todos con edad de seis años. Los
principales teóricos que referenciaron el estudio fueron Gilles Brougère, Tizuko
Kishimoto, Roger Caillois, Philippe Ariès y Walter Benjamin, en los cuales se
encuentran producciones pertinentes a la temática. La percepción que
obtuvimos delante del análisis de datos, son prerrogativas de que por los ojos
de los niños el entretenimiento es un momento de inventos y descubiertas, de
la misma manera que no hay hora para ocurrir, no hay comienzo estipulado y ni
término determinado, ella posee particularidades y cuestiones temporales que
acurren de acuerdo con lo que definen los participantes.
―Desafortunadamente‖, y contradiciendo los documentos oficiales de la escuela
como los planes políticos pedagógicos, las alfabetizadoras de niños con sólo
seis años, admiten la importancia de jugar, pero confesan que en el aula, en la
cual los alumnos pasan cuatro horas diárias, el movimiento lúdico, así,
podemos llamar, tiene hora determinada para ocurrir, en la educación física y
en un otro momento que las profesoras así decretan: ―si restar tiempo‖.
Palabras-clave: Niñez. Aula. Jugar. Ludicidad.
SUMÁRIO
Introdução....................................................................................................... 13
1 Infância , a ludicidade e a cultura lúdica....................................................20
1.1 Cultura lúdica na infância.........................................................................20
1.2 Produção da cultura lúdica.......................................................................30
1.4 A infância e a ludicidade ..........................................................................34
2 Brincar: o brinquedo, a brincadeira e o jogo ........................................... 47
2.1 Brincadeira e o brinquedo....................................................................... 47
2.2 Brinquedo e a brincadeira pelos olhos da criança................................ 56
3 Escola e a sala de aula: perspectiva do ensino de nove anos.................64
3.1 Escola .......................................................................................................64
3.2 Ensino fundamental de nove anos...........................................................65
3.3 Sala de aula: cadê a ludicidade que estava aqui?..................................78
3.4 Brincar e aprender ou será brincar ou aprender?..................................89
4 Metodologia: O caminho percorrido........................................................106
4.1 Sujeitos: Os atores..................................................................................107
4.2 Escola: O cenário....................................................................................109
4.3 A cena investigada..................................................................................111
5 Discussão dos dados ― Interpretando os episódios.............................119
5.1 Posso brincar?.........................................................................................121
5.1.1 Brincar quando sobrar tempo.............................................................127
5.1.2 Aula de educação física: aqui pode brincar.......................................129
5.2 Escola para que te quero........................................................................133
5.3 O ritual escolar:o que se viu e ouviu na sala de aula...........................140
Considerações finais.....................................................................................152
Referenciais bibliográficas...........................................................................158
Anexos............................................................................................................164
13
13
INTRODUÇÃO
Um brinquedo... O que é um brinquedo?
Duas ou três partes de plástico, de lata... Uma matéria fria
Sem alegria Sem história...
Mas não é isso, não é filho! Porque você lhe dá vida
Você faz ele voar, viajar...
(Casa de Brinquedos, Toquinho e Fernando Faro)
Este trabalho pretende responder algumas questões que me inquietam e
são desafiadoras na busca de ampliar minhas reflexões enquanto parte
integrante do processo educacional, que até então abrange, a escola, as
crianças que aqui especificamente são os sujeitos da pesquisa (seis anos de
idade), e o brincar no espaço institucionalizado da sala de aula, como forma de
movimento e expressão corporal.
Diante do comportamento das crianças na escola, constatei que em
algumas turmas eram recorrentes a agitação, a vontade de brincar e
movimentar-se, então identifiquei as do primeiro ano do ensino fundamental,
agora na lei vigente de nove anos de escolarização1, que seria justamente um
dos ritos de passagens importantes da criança em seus estudos, é uma etapa
de transição no processo de desenvolvimento global do indivíduo enquanto
ainda parte da primeira infância e além, há o fator do desaparecimento do
brinquedo e do brincar, que então são consideradas características específicas
1 Cumprindo as determinações do governo federal, em 2010 todas as redes de ensino do país
devem matricular os alunos de seis anos no 1º ano. Os objetivos do Ministério da Educação (MEC) com o aumento do número de anos da Educação Básica obrigatória são vistos como um avanço. "A inclusão dessa clientela é um grande passo para a democratização do acesso escolar. Apenas os filhos das classes mais pobres não estudavam aos seis anos", analisa Patrícia Corsino, que leciona Prática de Ensino de Educação Infantil na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)- fonte:Revista Nova Escola (Edição 225 | Setembro 2009 | Título original: Prepare-se! Um novo aluno está chegando).
14
da educação infantil e não mais neste núcleo de ensino, ainda como fato
agravante que percebo, está relacionado aos conteúdos pedagógicos que
devem ser trabalhados seguindo orientações do período em que, a partir
daquele momento a criança está inserida, onde em sua maioria são
enfadonhos e muito sistemáticos.
Quando a criança sai da educação infantil e vivencia o espaço do ensino
fundamental como descrito no parágrafo anterior, estas relações com a
brincadeira e o movimento ficam restritas às aulas de educação física e aos
recreios, pois a partir daquela fase o ler e escrever são os conteúdos que está
em pauta para o sujeito. Se pensarmos que a criança aprende só quando é
submetida a um ensino sistemático estaremos desconsiderando a criança
como um ser globalizado e totalmente lúdico. A ludicidade é um instrumento de
estimulação prático, utilizado em qualquer fase do desenvolvimento infantil e
para qualquer criança, como forma de aprendizado. É uma maneira global de
expressão, comunicação e exploração do mundo infantil que envolve todos os
domínios da natureza.
Diante da possibilidade de brincar, é permitido à criança identificar,
classificar, agrupar, ordenar, seriar, simbolizar, combinar e estimar, e ao
mesmo tempo, desenvolver a atenção, concentração, socialização sem mesmo
a interferência do adulto. A brincadeira é por si só construtora de um
conhecimento.Brincar é uma linguagem infantil, que a coloca em comunicação
com o meio, com o adulto e com outras crianças.
O que percebemos nos espaços considerados sagrados enquanto
instituições de ensino, é que cada vez mais a brincadeira, o jogo, o lúdico e o
movimento corporal estão destituídos do processo de aprendizagem. Questões
relacionadas com a escola, à criança e a ludicidade nortearam o estudo mais
propriamente dito, levantando a seguinte problematização:
A sala de aula do primeiro ano do ensino fundamental oportuniza
momentos de brincadeira, favorecendo o movimento lúdico tão requerido pela
infância? Onde é permitido brincar na instituição escolar? Não poderia deixar
de mencionar um fato atual na educação e pensando no ensino de nove anos -
agora com as crianças de seis anos de idade parte do ensino fundamental e
não mais da educação infantil – é que realizei uma reflexão durante o trabalho
15
referente ao rito de passagem de um nível de ensino para o outro na visão dos
adultos, aqui me refiro aos pais e professoras, e como as crianças percebem a
sala de aula em seu cotidiano.
Com a evolução do homem, vejo cada vez mais necessário oportunizar
o movimento corporal através do jogo e da brincadeira pelo processo escolar,
por este compreender através de estudos as necessidades infantis de relação
com o mundo que a cerca, a interação com outros sujeitos, com o brinquedo e
ainda entendendo a criança como um ser lúdico, criativo, curioso, ativo
corporalmente e expressivo e ao adentrar nossas escolas castramos a
liberdade corpórea e mostramos que o ensino fundamental, desde o primeiro
ano caracteriza-se como um espaço mais formal do que o da Educação Infantil
na qual ele estava habituado, tendo atividades dirigidas e de caráter
pedagógico a maior parte do tempo. A escola nesse momento deixa claras as
suas regras: o ambiente da sala de aula é tipicamente um espaço de ―silêncio e
ordem‖. (COLELLO, 2006).
A ludicidade, além de fazer parte da infância, apresenta grandes
benefícios do ponto de vista físico, intelectual, social e didático para a criança.
Durante as brincadeiras, as crianças entram em cumplicidade com os objetos,
transformando-os de acordo com sua imaginação, criatividade e de que forma
ela quer utilizá-lo. Não é preciso conceitos e normas para transformar objetos
em brinquedos interessantes na infância. A criança cria seus próprios conceitos
e estabelece sentidos para o objeto que de certa forma possuem significados
pessoais.
É importante destacarmos que enquanto cria algo, a criança conhece o
mundo, constrói seu universo particular através da imaginação, da fantasia,
que é primordial para sua essência de existir, e este jogo lúdico se torna um elo
de ligação, formando uma relação estreita entre a fantasia e a realidade, ao
contrário do que pensa o senso comum, que enxerga como antagônico a
imaginação e a realidade.
Devemos compreender a ludicidade como aspectos gerais da
brincadeira bem como o corpo em movimento, podendo expressar-se e ser
valorizado no ambiente da sala de aula.
16
O processo de construção do conhecimento acontece sob forma de
anulação do corpo em sala de aula, há uma tendência de negar o indivíduo em
seu processo de alfabetização como um único ser em desenvolvimento.
Observamos que dentro das escolas a práxis ainda se encontra enraizada aos
primórdios da nossa história, quando com uma visão cartesiana, se mantém,
enfatizando uma separação entre o corpo e a mente, e o que vemos é um
"corpo" mantido em imobilidade, limitado e controlado em seus movimentos e
expressões, sendo desprezada toda a história do saber corporal que cada
indivíduo possui.
Entendo que o corpo que é prioridade nas aulas de educação física que
envolve o movimento e a expressão, é o mesmo que incomoda e se agita nas
aulas de ―raciocínio‖. ―Educar quer dizer formar cidadãos, que não estão
parcelados em compartimentos estanques, em capacidades isoladas‖
(ZABALA, 1998, p. 28 apud MATTOS, 2008, p. 139). Quando se trata de
educar o ser humano de forma integral talvez falta entendimento das
possibilidades de trabalho com os corpos livres, e a escola raramente os
consideram no ambiente de educação.
Deveria ser prioridade nas escolas reconhecer o processo educacional
buscando atender adequadamente às necessidades gerais do ser humano,
biológicas, psicológicas, sociais, culturais e de aprendizado. Segundo GoTani
et al (1998) os movimentos estão presentes em todas as atividades humanas:
no cotidiano, no trabalho, no lazer e no desporto, como então, negar sua
presença em sala de aula, sabendo que através dele podemos interagir com
tudo que nos permeiam. A escola está fragmentada, algumas disciplinas visam
somente o aspecto cognitivo e intelectual, outras o afetivo-emocional e ainda,
os aspectos do comportamento motor.
Segundo Gonçalves em sua obra2, há uma tendência das instituições
escolares a uma valorização exacerbada dos processos cognitivos, uma
atenção especial a ler, escrever, calcular, e não oportunizam aos educandos
2 GONÇALVES, Maria Augusta Salin. Sentir, Pensar, Agir. Corporeidade e Educação.
Campinas S.P., Papirus, 1994.
17
momentos de manifestações corporais, emocionais, enfim, anulam o ―ser-
humano‖.
A primeira infância, em sua essência corporal, deveria ser motivo de
alegria, vivenciar o lúdico e promover prazer é transformado em incômodo para
a escola, a sala de aula deveria ser mais viva, recorrendo a uma aprendizagem
significativa que privilegiasse a criança em sua integralidade, ―[...] que é um
corpo, que sente o corpo, que vive esse corpo e que expressa suas emoções
por intermédio desse corpo‖ (CATUNDA, 2005, p. 31).
Na verdade o que vejo nos ambientes educacionais é uma
predominância de atividades e encaminhamentos pedagógicos que propiciem o
trabalho com os corpos presos em carteiras, em controle, enfileirados, um
espaço onde se perdeu a livre expressão e a interatividade, onde se evadiu a
―vida‖ escolar.
As regras, deveres e rituais na sala de aula, sobressaem aos valores
que pregam na educação, que deveriam ser o de proporcionar vivências e
experiências de aprendizagens. Não cabe aqui, suponho um discurso em
detrimento à desordem, mas percebo que o fato de transmitir conhecimento
tem acontecido somente com rigidez nos comportamentos dos
educadores/alfabetizadores, e as crianças assim buscam subterfúgios para
burlar tantas ordens a serem cumpridas.
Estes acontecimentos nas escolas em que investiguei são bastante
frequentes. Remeto-me a alguns conceitos estabelecidos por Peter McLaren,
em sua obra: ―Rituais na escola, em direção a uma economia política de
símbolos e gestos na escola‖, que discute e aponta e classifica o conceito de
ritual.
Constatei que a escola é plena destes rituais a serem cumpridos.
McLaren, em sua pesquisa etnográfica descreveu considerações sobre ritual
no cenário escolar, relatando que as escolas servem como repositórios de
sistemas rituais, que devem representar um papel primordial na vida dos
estudantes e que tais rituais estão intrínsecos nos eventos da instituição.
Ritual também possui a conotação de poder e controle de professores
sobre os alunos, legitimando a ordem social vigente, onde os símbolos podem
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ser verbais ou não verbais, assim podemos também entender de que forma os
rituais e símbolos influenciam e moldam a vida dos estudantes e professores.
Ao longo de nossa história vários educadores se atentaram para os
rituais escolares de forma superficial, no que se referem às lições, exames,
idas ao banheiro, atividades tradicionais em sala de aula, saídas e entradas na
escola, enfim sabemos que estes ritos fazem parte desta passagem do
estudante e de tal maneira que o corpo deste indivíduo é deixado de lado como
se ele fosse um ser dividido em ―corpo‖ e ―mente‖.
Entendemos que o educador deva criar possibilidades para que o aluno
construa o conhecimento motor, cognitivo, social e afetivo e não apenas o
receba como ato de aprender. O grande desafio para o educador no contexto
atual de educação, diante de tantas informações e da tecnologia, é ensinar os
conteúdos propostos pelo projeto escolar de forma criativa, contextualizada e
prazerosa para os aprendizes. Que o aluno possa internalizar e interagir com o
aprendizado, fazendo do mesmo um ato significativo, assim é preciso que a
escola mostre aos pais, alunos e professores uma razão de estudar, sem
deixar que o aprendizado se torne uma habilidade mecânica.
O importante, que todos nós educadores deveríamos saber, que o papel
que a brincadeira pode e deve ocupar no cotidiano escolar é fundamental, não
somente na educação infantil, mas em todo o período escolar. O momento de
transição da criança da Educação Infantil para o Ensino Fundamental é
interessante por ser tradicionalmente considerado um rito de passagem, uma
ruptura.
No primeiro capítulo abordaremos discussões sobre a infância na
perspectiva da cultura lúdica e sua produção, vislumbrando também os
conceitos da brincadeira, brinquedo e jogo, bem como questões relacionadas
com os aspectos lúdicos da infância.
No capítulo dois, faremos considerações sobre o brincar, o brinquedo e
a brincadeira e principalmente como são vistos pelos olhos da criança.
Num terceiro momento referenciaremos a escola e a sala de aula, com
temáticas sobre o ensino de nove anos e suas implicações na ludicidade que
com a passagem do aluno de seis anos da educação infantil para o ensino
19
fundamental, consideramos que há uma ruptura do que chamamos de
movimento lúdico, que será descrito durante o estudo.
Assim, no capítulo quatro, apresentaremos os caminhos percorridos
para o estudo etnográfico e após as discussões dos dados produzidos e a
conclusão da investigação.
20
1 A INFÂNCIA, A LUDICIDADE E A CULTURA LÚDICA
Oh! que saudades que tenho Da aurora da minha vida, Da minha infância querida Que os anos não trazem mais! — Que amor, que sonhos, que flores, Naquelas tardes fagueiras À sombra das bananeiras Debaixo dos laranjais! (―Meus oito anos‖, Casimiro de Abreu)
1.1 A cultura lúdica na infância
O jogo e a brincadeira podem ser considerados a porta de entrada da
criança na cultura, sua apropriação passa por mudanças histórico-culturais que
seriam impossíveis sem o aspecto sócio-econômico, neste sentido, a história, a
cultura e a economia se fundem dialeticamente fornecendo subsídios, ou
melhor, símbolos culturais, com os quais a criança se identifica com sua
cultura. Os jogos e brincadeiras tiveram ao longo da história um papel
importante na aprendizagem de tarefas e no desenvolvimento de habilidades
sociais, necessárias às crianças para sua própria sobrevivência.
O jogo apresenta-se como uma atividade que responde a uma
expectativa da sociedade em que vivem as crianças e da qual devem chegar a
serem membros ativos. Então, se são sempre os adultos que introduzem os
brinquedos na vida das crianças e as ensina a utilizá-los, é de fato também,
como aponta Brougère (1995), que manipular brinquedos é acima de tudo,
manipular símbolos, nesse sentido, nem sempre a criança vai fazer do
brinquedo o uso que o adulto espera quando o apresenta à criança. Acredito
que para se construir ―uma análise do brincar na escola enquanto prática
educativa deve-se conhecer a história do jogo infantil, aqui será desenvolvida
superficialmente, para uma discussão em maior escala num próximo capítulo.
21
Huizinga (2007) relata sobre a história dos jogos a partir da relação do
homem com o trabalho em uma perspectiva cultural, entendo o jogo como
―fenômeno cultural‖ 3. Segundo ele, na sociedade antiga, o trabalho não tinha o
valor que lhe atribuímos atualmente, tão pouco, ocupava tanto espaço do
nosso cotidiano. Os jogos e os divertimentos eram um dos principais meios de
que dispunha a sociedade para aproximar-se coletivamente. Isso se aplicava a
quase todos os jogos, e esse papel social era evidenciado principalmente em
virtude da realização das grandes festas sazonais, parte de uma determinada
comunidade. Para este autor, ―o jogo ultrapassa a esfera da vida humana‖, ele
ultrapassa quaisquer necessidades imediatas da vida deixando, é preciso
compreender que o jogo não é material.
O referido autor também fala em características comuns que são
encontradas entre jogos, cultos e rituais, tais como: ordem, tensão, mudança,
movimento, solenidade e entusiasmo, todos presentes na sociedade. Além
disso, segundo Huizinga (2007), ambos têm o poder de transferir os
participantes, por um espaço de tempo, para um mundo diferente da vida
cotidiana transformando mesmo que momentaneamente, uma realidade.
Adultos, jovens e crianças participavam juntos em toda a atividade
social, ou seja, nos divertimentos, no exercício das profissões e tarefas diárias,
nas festas, cultos e rituais, Benjamin (1984), já nos apontou sobre a construção
dos brinquedos feitos por famílias, adultos e crianças em suas estruturas
manufatureiras. Os cerimoniais dessas celebrações não distinguiam
claramente as crianças dos jovens e estes dos adultos. Até porque estas fases
sociais estavam pouco claras em suas diferenciações.
Outro fator de extrema importância a ser ressaltado nessas festas era
seu caráter místico. Nas representações sagradas, principalmente nas
sociedades não industriais, encontrava-se em jogo um elemento espiritual,
difícil de definir, algo de invisível e inebriante ganhava uma forma real, bela e
sagrada.
Conforme Huizinga (2007, p.17), os participantes do ritual estavam
"certos de que o ato concretiza e efetua uma certa beatificação, faz surgir uma
3 Grifo nomeado por Huizinga, 2007. Homo Ludens: O jogo como elemento da cultura. São
Paulo: Perspectiva, 2007.
22
ordem de coisas mais elevada do que aquela em que habitualmente vivem".
Apesar desta intenção estar restrita à duração do ritual e da festividade,
acreditava-se que seus efeitos não cessariam depois de acabado o jogo; pois
sua magia continuaria sendo projetada todos os dias, garantindo segurança,
ordem e prosperidade para todo o grupo até a próxima época dos rituais
sagrados, na verdade o mito explicava muitos fatos que aconteciam numa
sociedade.
Pode-se dizer que o jogo na sociedade primitiva, encontra-se presente
na criança com características lúdicas na medida em que há um entendimento
das semelhanças que caracterizam a participação infantil tanto nos cultos,
quanto nos jogos, onde ambos levam a uma transcendência, ou seja, a outro
universo. A delimitação espacial do ritual sagrado é estabelecida tanto quanto a
uma delimitação de espaço onde acontecerá um jogo, por exemplo, tabuleiro
do jogo de xadrez, um campo de futebol, e outros.
A relação estabelecida diante destas abordagens atuais está
historicamente articulada numa reflexão do que se passava numa sociedade
primitiva e que vem arrastando-se na atualidade. É preciso perceber que a
relação da brincadeira ou do jogo com os aspectos culturais estão expostos
nas comunidades desde os tempos antigos, o divertimento, a ludicidade e a
seriedade são parte dos comportamentos humanos primitivos que se seguem
atualmente, é claro que o trabalho, nesta sociedade pós-moderna em que
vivemos ocupa um espaço totalmente prioritário, exceto em alguns grupos
etários. Mas para o adulto a importância de trabalhar vem se dissipando na
infância, por imposição que seja, mas está cada vez mais presente na escola,
ocupando um espaço imenso na vida infantil, destituindo a brincadeira.
A compreensão desta relação e semelhança entre rituais de uma
sociedade antiga e aplicação dos jogos na modernidade, finda na prerrogativa
de que a brincadeira tem sua gênese na cultura lúdica vinda do grupo social
em que habita e partilha informações.
Para explicar o que é cultura, diante dos diversos conceitos existentes
na sociedade, cito Geertz (1989), onde para ele ―cultura é um conjunto de
mecanismos simbólicos para o controle do comportamento‖ ou ―sistemas de
significados criados historicamente em termos dos quais damos forma, ordem,
23
objetivo e direção às nossas vidas‖. Para que a cultura se desenvolva é preciso
que os indivíduos a criem, a interpretem, a transformem, a partir de suas
relações sociais com os significados, cujas ocorrem em diferentes contextos
sociais, onde as ações assumem diferentes significados. Portanto, o
desenvolvimento da criança ocorre numa determinada cultura, pois é na cultura
que se concretiza cada indivíduo da espécie humana.
Segundo Geertz (1989), é por meio desse mecanismo chamado cultura
que o homem adquiriu a capacidade de ser o construtor de sua própria história,
desde a utilização de ferramentas, passando pelo convívio social, pela
linguagem chegando a outras formas mais complexas de significar o fazer
humano. O autor demonstra com isto, como o convívio entre povos foi tecendo
uma teia de significados que foram ganhando densidade ao longo da história
da humanidade, significados estes que, por sua vez, estão em constante
processo de re-significação.
Geertz (1989), afirma que para entender o que é cultura, e como ela
influencia as ações de um determinado grupo, é preciso identificar e perceber
como as pessoas são, como se relacionam, como agem e interagem, é,
portanto, ir além do visível, é mergulhar, de fato, no significado das ações
desenvolvidas pelos indivíduos em suas sociedades.
Ainda entendendo a cultura, Cortella (2009), desenvolve com
propriedade a ligação: Humano e Cultura, como uma interferência de um sobre
o outro simultaneamente, ―começada a Cultura, começa o Humano e vice-
versa‖, numa relação que se confunde evidenciando a proximidade, onde um
não existe sem o outro, pensar cultura é pensar na existência do ser humano,
como agente participe. Ainda neste autor, concordo com sua expressão de que
a cultura está impregnada de tudo o que fazemos em função das idéias que
temos e vice-versa, ―há uma interdependência entre ambas‖, pois as idéias são
geradas com o contato com o mundo material e se origina diante da
capacidade de pensar. É importante além de produzir cultura, reproduzi-la,
para que ela não acabe, e assim fazer com a infância em sua totalidade,
oportunizar vivências de aprendizado cultural para possíveis produções e
reproduções.
24
Entendendo este mecanismo cultural na sociedade de forma geral,
quero discutir a cultura infantil em especial, a cultura lúdica, termo utilizado por
Brougère (2008), pois na sociedade as crianças mantêm suas relações com o
outro, sejam adultos ou crianças por meio de variados tipos de linguagens, seja
através de gestos, palavras, expressões ou qualquer atividade do seu
cotidiano. Assim, considera-se que existem elementos vivenciados pelas
crianças em seu cotidiano que seriam da Cultura Infantil.
Entende-se que as crianças são parte do processo social e possuem
papeis específicos que cabem a ela cumpri-los, papeis estes estabelecidos
pelos olhos dos adultos de maneira antecipada, de modo a destruir a infância.
As crianças atualmente estão imersas em uma pluralidade de contextos sociais
e juntas formam a categoria da infância, diante da diversidade em que cada
criança constrói seu universo e apropria-se da sua cultura, pode-se dizer que
desta forma existam várias culturas infantis, assim possuindo diversas formas
de manifestações e produções culturais.
Nos dias atuais, nossas crianças participam da indústria de produtos
para infância, através dos programas de televisão, filmes, brinquedos, jogos,
entre outros. Mas, cada grupo estabelece estratégias e significados diferentes
para o que é utilizado e como se apropria de tal produto ou objeto, o que torna
possível identificar particularidades em determinados grupos sociais. As
crianças sofrem grande influência da cultura adulta e do que os adultos
produzem e transmitem para ela, mas suas especificidades mantêm a
identidade da infância, onde não podendo mais ser entendidas como sujeitos
que apenas se adaptam às regras, costumes e valores dos adultos, mas que
constituem suas próprias regras. Desde o nascimento, o bebê, necessita do
convívio social principalmente com os adultos, para a sua sobrevivência, ele
não tem condições para se alimentar, se locomover ou se proteger e precisa
ser cuidado por um longo tempo.
Este tempo que o bebê vive na dependência dos outros ― adultos ―
favorece a transmissão do que foi anteriormente criado pelos homens, desta
forma aprendem através da convivência social e a partir dai carregam uma
herança cultural particular do seu grupo seja nas maneiras de brincar ou jogar,
de hábitos alimentares ou de comportamentos. A princípio a criança entra em
25
contato com a cultura pela relação com os outros, conhecendo determinado
saber que lhe é transmitido, mas para que ocorra o aprendizado deste
conhecimento, é preciso também que este conhecimento assuma significados
para ela, assim o aprendizado acontece gradativamente na infância. Uma das
ações aprendidas pela criança diante do processo de apropriação cultural
destaca-se o ―aprender a brincar‖.
É sabido que as culturas apresentam-se de diferentes formas em uma
sociedade, mas estabelecem uma realidade que é interpretada e representada
pela criança através de imagens pelas quais ―[...] ela poderá se expressar, é
com referencias a elas que a criança poderá captar novas produções‖
(BROUGÈRE 2008, p.40) criando-se assim um universo imaginário. Tanto a
criança como o adulto não se sentem satisfeitos em estabelecer ligações
somente com a realidade, com os objetos, as imagens, os símbolos, as
representações e seus significados, estão presentes na cultura infantil, cabe a
criança compreender e articular em seu mundo.
Para Brougère (2008, p.40), ―a infância é, consequentemente, um
momento de apropriação de imagens e de representações diversas [...]‖
quando o brinquedo, com suas características, oferece à criança um suporte de
ação, manipulação, de conduta lúdica com isso agrega em suas
especificidades, imagens e símbolos. Assim pode-se considerar o brinquedo
uma representação simbólica na vida de uma criança, pelo qual ela reinventa
sua realidade, portanto a utilização de um brinquedo remete, entre outras
coisas, a manipulação de significações culturais geradas num grupo social.
A cultura na qual a criança está submetida é responsável pelos aspectos
comportamentais apresentados por ela durante as brincadeiras, a criança
manipula não somente o objeto, através do brinquedo, também manipula as
imagens e as significações simbólicas lhes dando novas formas de utilizações,
o brinquedo nas mãos da criança é uma imagem a ser decodificada. Segundo
Brougère (2004, p. 14), ―[...] o brinquedo é mais do que um objeto. É um
sistema de significados e práticas, produzidas não só por aqueles que o
difundem, como por aqueles que o utilizam”.
A criança aprende a brincar no meio em que vive, com seus familiares e
amigos, de acordo com as experiências e vivencias pessoais, relações sociais,
26
com adultos e outras crianças, estabelece relações com o grupo ao qual
pertence, constituindo assim sua cultura lúdica. Desde bebê, somos parte da
cultura dos adultos, os pais brincam com seus filhos desde a mais tenra idade,
mesmo inconscientemente escondem o rosto atrás das fraldas, cantam para
seus bebês, imitam vozes de animais, fazendo do ambiente familiar um lugar
privilegiado para aprender a brincar. A princípio, a criança se envolve e
participa do jogo da mãe sem maiores interações, onde mais tarde participa
como parceiros de brincadeira e aprende a conhecer especificidades do jogo,
como: a ficção, o faz de conta, a inversão de papéis, a repetição da
brincadeira, estabelecimentos de acordos com o parceiro, enfim cria uma
atmosfera lúdica formando estruturas preexistentes de cada uma das
brincadeiras, para que depois elas possam ser utilizadas, sozinhas ou em
grupos maiores e menores, apontando desta maneira o jogo como uma
atividade cultural.
O brincar é revelador de culturas, sendo a criança sujeito cultural, o seu
brinquedo tem as marcas do real e do imaginário vividos por ela, e ―a
brincadeira pode ser considerada uma forma de interpretação dos significados
contidos nos brinquedos‖ (BROUGÈRE, 1997, p.8). O mundo infantil é marcado
pela história, é constituído pelas relações que estabelece com as gerações
precedentes.
Antes de qualquer aprendizado, ―quando se brinca se aprende antes de
tudo a brincar, a controlar um universo simbólico particular‖ (BROUGÈRE apud
KISHIMOTO, 2008, p.23). Assim, para que a ação ocorra e a criança se
identifique com a brincadeira fazendo da mesma uma prática duradoura, com
um significado e um desenvolvimento da atividade, é necessário compreender
o quanto o objeto carrega uma cultura lúdica (própria da infância), “um conjunto
de esquemas, de regras e de imagens que permite às crianças executarem
atividades lúdicas‖. (BROUGÈRE, 2004, p. 262).
Mas afinal, o que é cultura lúdica?
Cultura lúdica é baseada nas ações da criança possibilitando assim que
o jogo aconteça, onde o jogo pode ser considerado uma atividade que atribui
às situações de vida comum outro sentido, transforma uma realidade, imbui o
faz-de-conta e atribui novas significações a vida real. É interpretar atividades
27
como jogo que poderiam não ser vistas como tal por algumas pessoas. Para tal
interpretação, as crianças são especialistas em fazê-la e denota situações de
problemas para os adultos que não interpretam algumas atividades realizadas
na infância como lúdicas, e exprimem punições, como por exemplo, cito a cena
de dois alunos ―brincando de lutar‖ na hora do recreio, tal fato é coibido na
instituição, por ser considerada violência. Quem fornece subsídios para
determinadas interpretações a respeito do jogo infantil é propositalmente a
cultura lúdica.
A cultura lúdica não é estável, ela passível de transformações ―conforme
os indivíduos e os grupos, em função dos hábitos lúdicos, das condições
climáticas ou espaciais‖ (BROUGÈRE apud KISHIMOTO, 2008, p.25).
Depende então, de como essa pessoa vive em seu grupo social, quais são
suas condições de vida, onde vivenciam a brincadeira e como se relacionam
com os outros, é uma particularidade de cada indivíduo. A cultura lúdica
compreende estruturas de jogo, que se aplicam diferentemente das regras de
um jogo, ou seja, pode-se dizer que ela compreende as estruturas de uma
brincadeira, que se trata de regras vagas, de imprecisão nas ações permitindo
assim jogos de imitação e faz de conta.
Para brincar, as crianças se apropriam de esquemas, segundo Brougère
apud Kishimoto (2008, p.25), define:
[...] que são uma combinação complexa da observação da realidade social, hábitos de jogo e suportes materiais disponíveis. Da mesma forma sistemas de oposições entre os mocinhos e os bandidos constituem esquemas bem gerais utilizáveis em jogos muito diferentes. A cultura lúdica evolui com as transposições do esquema de um tema para outro.
Durante a brincadeira, a criança usa recursos próprios (referentes à
utilização do próprio corpo) aliado com os recursos disponíveis no ambiente e
transporta para o contexto do brincar, situações vivenciadas por ela ou por
outras pessoas, através do processo de imitações, e consequentemente,
constrói novos significados.
As crianças se apropriam de certos elementos da cultura para estreitar
suas relações umas com as outras e com os adultos. Para tal, estabelecem
28
formas de comunicação, as quais estão presentes no cotidiano como maneiras
simples de se comunicar e se fazer presente na sociedade. Estes elementos
culturais são resgatados do meio ambiente da criança para adaptá-las ao jogo
e a brincadeira.
A cultura lúdica se diferencia dependendo do local onde a criança vive,
mas mesmo havendo diferenças claras, são comunicáveis. É comum vermos
pessoas criticando as crianças dos tempos modernos, dizendo que elas não
brincam como antigamente. Temos que analisar na perspectiva de que a
crianças ainda brinca com propriedade, porém suas brincadeiras realmente são
diferentes, pois as mesmas vivem em outro contexto social, fazendo parte de
outra realidade cultural sendo assim influenciada por ela. Em tempos modernos
até mesmo a cultura é transformada com fluidez, devido à rapidez das
informações.
A criança continua brincando, mas suas atividades são diferentes,
devido sua inserção num contexto tecnológico e de diversidades de ofertas dos
objetos/brinquedos, entretanto, a cultura lúdica destes indivíduos foram
transformados devido às novas experiências que estão sendo vivenciadas por
eles, novos objetos marcam presença na sociedade, mostrando a importância
dos mesmos na constituição da cultura infantil.
Para compreender a Cultura infantil é preciso olhar a criança em suas
relações com os outros, ou seja, é a partir da reação do outro que ela constrói
os significados para suas ações e para os objetos. A criança constitui-se como
um ser cultural, na interação com o outro.
Segundo Tonietto4, (2009, p.28), sobre as relações interpessoais ou
interatividade, nos relata, ―a partir do momento que a criança recebe as
informações provenientes dos outros ela vai produzindo suas ações, mas é nas
respostas que o outro produz a essas ações que ela vai compreender e
constituir os significados. Para possibilitar o entendimento sobre a
interatividade, o autor, ressalta que as crianças são seres sociais que estão em
constante contato com seus pares ― sua família, com a escola, com a
comunidade, entre outros.
4 Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal do Paraná, na Linha Cultura, Escola e Ensino, como requisito parcial à obtenção do título de mestre. Orientadora: Dra. Marynelma Camargo Garanhani. CURITIBA, 2009.
29
As atividades realizadas pelas crianças durante suas ações assumem
significados no pensamento delas, e por estes podem ser identificados em
alguns contextos próprios da infância, como os jogos e as brincadeiras.
Nos jogos e brincadeiras, a criança desenvolve suas formas próprias de
comunicação, as quais podem ser identificadas como um elemento da Cultura
Infantil. Para ampliar a discussão, vemos que a linguagem utilizada pelas
crianças não é apenas a verbal, mas todas as outras formas de comunicação,
como os desenhos, os gestos e as movimentações do corpo. Assim, a Cultura
Infantil constitui os valores, os artefatos, regras e os costumes, na forma como
ocorre à interatividade com a cultura dos adultos.
Também compõem a cultura lúdica na infância além do processo de
interação acima descrito, outros elementos importantes como: a ludicidade, a
fantasia ou o faz-de-conta e a reiteração. (SARMENTO, 2004).
Outro elemento que Sarmento (2004) apud Tonietto (2009, p.29)
considera central da Cultura Infantil é a ludicidade. Não que a ludicidade seja
um elemento exclusivo das crianças, é uma atividade que compõe a cultura
dos homens, mas a identificação está na importância que as crianças e os
adultos dão ao brincar. Brincar aos olhos de uma criança é o tão importante e
sério como o trabalho é para o adulto.
Na brincadeira é possível identificar outro fator fundamental da Cultura
Infantil, a fantasia, a transformação da realidade. ―O ‗mundo de faz de conta‘
faz parte da construção pela criança da sua visão do mundo e da atribuição do
significado às coisas‖ (SARMENTO, 2004, p. 26 apud TONIETTO, 2009, p.29).
Na Cultura Infantil o processo que permite a imaginação do real pela fantasia é
o modo pelo qual a criança coloca em ação seu intelecto. A criança passa a
compreender acontecimentos sociais que permeiam seu cotidiano,
relacionamentos interpessoais e informações, ao imaginar que está brincando
de médico com suas bonecas ou ao criar uma guerra com seus soldadinhos de
plástico. Assim, neste mundo que é reinventado, é possível que os
acontecimentos estejam em uma dimensão que possa ser aceita pelas
crianças.
No que se refere às questões de temporalidade da criança, Sarmento
(2004 apud Tonietto, 2009, p. 29) sistematiza que
30
[...] a ideia de reiteração ou reiteratividade ― outro elemento da Cultura Infantil ― remete ao fato de que ela vive em um processo contínuo de re-investimento de novas possibilidades e seu tempo é ―um tempo sem medida, capaz de ser sempre reiniciado e repetido‖.
A cultura infantil produz informações, conhecimentos e possibilidades
para a criança, mas é preciso considerar que a inserção da criança desde o
seu nascimento num grupo, não caracteriza uma estagnação social, a cultura
lúdica presente na infância é afetada por todas as transformações ocorridas no
meio em que habita.
1.2 A produção da cultura lúdica
Para iniciar este capítulo faço a seguinte reflexão: É possível estabelecer
uma ligação entre a cultura e a brincadeira? No texto anterior, podemos
perceber que qualquer cultura é produzida pelos indivíduos que dela participam
(BROUGÈRE, 2004, p.27), que o ambiente social transformado por
consequencias políticas, climáticas, educacionais favorecem ou não formas de
viver em determinadas comunidades. As ações transformadoras dos homens
realizadas de forma consciente, ou seja, que tenham intenção de mudanças no
meio em que participam é que vai nos diferenciar dos demais animais,
produzindo sua própria cultura.
Segundo Cortella (2009, p. 37),
essa ação transformadora consciente é exclusiva de ser humana e a chamamos trabalho ou práxis; é conseqüência de um agir intencional que tem por finalidade a alteração da realidade de modo a moldá-la às nossas carências e inventar o ambiente humano.
Pensar em cultura, em sua produção, não é condizer com abordagens
cognitivas e intelectuais do indivíduo, como muitos assim o dizem, todos somos
passíveis de uma produção cultural, somos também ―produtos de uma cultura‖
31
diante de nossas atitudes enquanto participes no meio em que habitamos,
devemos compreender a multiplicidade desta construção coletiva
intencionalmente elaborada pelos humanos, até mesmo pela sobrevivência.
Parafraseando Cortella (2009, p. 37), ―podemos entender cultura como um
conjunto dos resultados da ação do humano sobre o mundo por intermédio do
trabalho‖, onde iremos discutir tais questões relacionadas com a instituição do
trabalho mais a frente no capítulo relacionado com a escola, mais precisamente
na função que se estabelece nas salas de aula.
Nestas considerações de cultura quero me ater mais precisamente na
especificidade infantil, que aqui considero a cultura lúdica um subproduto
cultural produzido pela humanidade, partindo da premissa de que ―não há
humano fora da Cultura, pois ela é nosso ambiente e nela somos socialmente
formados (valores, crenças, regras, objetos, conhecimentos etc.) [...]‖,
(CORTELLA, 2009, p.37).
Para que a cultura lúdica exista, é preciso que oportunizar aos indivíduos
ações concretas que seriam as próprias atividades lúdicas, assim a criança
constrói sua cultura lúdica, experimentando e vivenciando, desde as primeiras
brincadeiras familiares até mesmo o acúmulo de todas elas ao longo do seu
desenvolvimento. As experiências e vivências exploradas pelas crianças
acontecem diante de algumas oportunidades como, jogos em grupos, as
observações feitas por crianças mais novas em crianças mais velhas quando
brincam em espaços comuns tentando aprender com o outro as mais diversas
brincadeiras, pela exploração de ambientes e objetos de jogo. Experiências
estas, que permitem o ―[...] enriquecimento do jogo em função evidentemente
das competências da criança‖ (BROUGÈRE, 2004, p. 27), mostrando do que
as crianças são capazes.
Algumas evidências são que, para determinados tipos de jogos
acontecerem precisam da interferência da criança, ou seja, um jogo de ficção
supõe a capacidade de simbolização para existirem. A interferência infantil no
jogo torna a brincadeira possível de acontecer, porém não produz por si só a
cultura lúdica, é preciso que haja à interação social, a relação com outro,
tornando a experiência uma maneira para a construção desta cultura. De
acordo com a exploração que a criança fizer diante dos objetos, ela se
32
apropriará do significado do mesmo, que é particular de cada criança, agindo
em função do significado que ela estabeleceu, para isso
[...] adaptando-se à reação dos outros elementos da interação, para reagir também e produzir assim novas significações que vão ser interpretadas pelos outros. A cultura lúdica, visto resultar de uma experiência lúdica, é então produzida pelo sujeito social [...] (BROUGÈRE, 2004, p. 27).
É preciso lembrar que este processo interno de produção da cultura
lúdica não é único, ela está inserida numa cultura geral, que é influenciada por
elementos oriundos do exterior, esta influência inicia-se com o ambiente e com
as condições materiais, ou seja, ―[...] as proibições dos pais, dos mestres, o
espaço colocado à disposição da escola, na cidade, em casa, vão pesar sobre
a experiência lúdica, um elemento a ser citado aqui também é a mídia, que
oferece uma cultura com a qual as crianças estão em contato frequentemente
em suas casas. A mídia televisiva como o brinquedo transmitem conteúdos
através de propagandas e programas que contribuem para a modificação da
cultura lúdica que vem se tornando internacional (BROUGÈRE, 2004). Para
Brougère, estas novas formas de transmitir cultura vêm substituindo os modos
antigos de oralidade.
Percebe-se que a criança também é responsável pela aquisição e
reprodução da cultura lúdica a partir do instante que constrói esquemas e
significações no contexto das estruturas sociais em que vive e que lhes são
proporcionadas, desta forma ela co-produz sua cultura lúdica, em diferentes
aspectos de idade, sexo e meio social. Devemos analisar que na escola as
crianças convivem com as mais variadas culturas que se misturam num único
espaço, cada uma delas querem estabelecer-se sobre as outras, de maneira
que os educadores devem mediar o conhecimento de uma pela outra cultura,
inter-cambiando as mesmas. O uso que meninos e meninas fazem dos
brinquedos quando lhes são permitidos, são os mais diversificados possíveis,
de acordo com as experiências acumuladas de cada indivíduo anteriormente.
A sala de aula, cenário de vivências diversificadas, desde aportes
teóricos sistematizados a seguimentos estéticos e complementares, deve
33
respeitar a infância enquanto ainda aprendiz cultural, um sujeito social,
histórico e cultural que se coloca como autor das transformações sociais. A
criança. Em sua especificidade é marcada pela expressão máxima em sua
linguagem corporal, o movimento corpóreo infantil natural da criança, e ao
contrário do que muitos pensam, as crianças de seis anos, inseridas no ensino
fundamental, ainda são indivíduos constituintes desta infância ativa e que
necessita que movimento lúdico para o sucesso de processo de escolarização.
A esta produção de cultura lúdica cabe ao ambiente escolar num todo,
favorecer as diferentes linguagens que a escola assim precisa trabalhar com os
alunos para atender os preceitos educacionais, explicitando também o lúdico
como vias para o aprender infantil. O grande desafio é mediar a situação da
criança que vive em constante confronto entre o que ela é, com suas
características e especificidades, e o que vivência nas suas experiências
sociais com os adultos. É um confronto mediado por elementos ― elementos
da Cultura Lúdica Infantil ― que auxiliam na transposição do que é passado
pelos adultos e o que é assimilado pela criança.
As crianças não podem mais ser compreendidas e tratadas em sala de
aula, como sujeitos que apenas obedecem a regras e valores dos adultos. Ela
é um sujeito partícipe na relação de interação e incorporação da cultura dos
adultos e na produção de sua própria cultura. Assim é preciso entendê-la como
um ser humano que pode aprender e se desenvolver de forma ativa no
contexto da cultura que está inserida.
Partindo da premissa que de que a criança também é responsável pela
construção do seu conhecimento, da cultura e de sua própria identidade, sendo
um ser único e individual, pensamos que ela ao mesmo tempo que produz e é
produto cultural seja de qual for a espécie, dão significado ao mundo, junto com
os adultos e igualmente com outras crianças, porém de forma autônoma.
Produção da Cultura Lúdica Infantil pode ser identificada nas ações das
crianças que são carregadas de sentidos e significados que são criados no
interior das relações sociais com as outras crianças e com os adultos e se
expressam facilmente nos jogos e brincadeiras.
Brincando com o outro, a criança interage e efetua suas primeiras
realizações culturais. Agora sabemos que as crianças são portadoras de
34
cultura, a cultura infantil. Se considerarmos que tudo o que os homens fazem e
inventam é cultura, assim tudo que as crianças fazem e inventam é cultura. Os
fazeres dos adultos são de adultos e os de crianças são de crianças, mas
todos nós humanos somos sujeitos históricos e onde agimos, deixamos nossa
marca. Nesta reflexão, se os adultos são portadores de cultura porque fazem e
inventam uma diversidade de coisas criando e recriando a sociedade, também
as crianças o são com suas invenções e criações do seu mundo infantil. Elas,
ao interagirem, lançam mão de seus próprios elementos de cultura ―
símbolos, significados, a língua materna, os códigos sociais de relações ―
para reinventarem pequenos mundos culturais próprios.
1.3 A Infância e a Ludicidade
A história das práticas lúdicas no decorrer dos tempos é permeada pela
história da humanidade e, principalmente, pela história da infância e dos
conceitos que a sociedade carrega desta. Visto que a concepção frente à
criança foi diferente e a infância teve variadas interpretações dependendo do
tempo histórico e da cultura de cada sociedade, também houve transformações
no que se refere à ludicidade. Assim, nem sempre os jogos, os brinquedos e as
brincadeiras tiveram a mesma importância para o desenvolvimento infantil, e
ainda hoje, há casos de desvalorização das atividades lúdicas na infância. A
utilização dos jogos, brinquedos e brincadeiras infantis ao longo do tempo
sofreu muitas transformações. É importante entendermos que as concepções e
ações que temos, hoje, frente à utilização de práticas lúdicas para o
desenvolvimento das crianças são permeadas pela nossa cultura e por
diferentes concepções e estudos realizados até então.
Percebemos que não há possibilidade de falarmos dos jogos,
brinquedos e brincadeiras infantis sem estudarmos um pouco da infância e dos
conceitos que a sociedade lhe atribui.
35
Entretanto, Brougère (2001) afirma que os estudos existentes sobre
brinquedos, até então, não costumam muito associá-los à cultura da sociedade,
o que seria bastante relevante. Segundo Brougère (2001), no período histórico
de Rousseau não se atribuía valor a comportamentos espontâneos originados
pela própria criança, o que desvalorizava totalmente o ato de brincar e,
consecutivamente, a existência dos brinquedos. Já durante o Romantismo,
Brougère (2001) enfatiza que houve a exaltação dos comportamentos naturais
das crianças, pois enxerga-se aí uma verdade maior que aquelas provindas da
razão por meio dos conhecimentos constituídos, acreditando na sociabilidade
como destruidora da espontaneidade das pessoas. Assim, neste período houve
uma importante reavaliação do conceito de brincadeira, a qual passou a ser
entendida como o ―comportamento por excelência da criança‖.
Concordo com Gomes quando diz,
A impressão que tive no rastreamento feito foi que brincadeira + liberdade + prazer + escola é temática que pende mais para o literário e, portanto, coisa ―menos nobre‖ para as lentes científicas. Há um bom número de ―memórias‖ de uma infância perdida, de traquinagens de um tempo alegre que não volta mais. E há uma ainda exigüidade de textos de vocação sociológica, psicológica, antropológica e, mormente pedagógica sobre brincadeira + liberdade + prazer + escola.
5
Realmente, o tema ludicidade é pouco explorado na sua cientificidade,
percebem-se aspectos superficiais sobre os estudos que se apresentam na
literatura. A ludicidade associada ao prazer dentro da escola é quase que
abominada neste espaço, pois há uma tendência reducionista dos aspectos da
brincadeira enquanto fim em si próprio, parece sempre preciso arrumar funções
para o lúdico adentrar as portas da escola bem como a sala de aula, cujo
espaço é mais restrito no que se refere ao brincar.
Na acepção lúdica, o jogo é tomado por Rosamilha, assim como por
outros, de origem francesa, como algo que você faz quando está livre para
fazer o que desejar. Nessa acepção, portanto, jogo se liga à fantasia, à
criatividade e, sobretudo, à liberdade. E assim sendo, o jogo se dá quando o
5 GOMES, Ferreira Cleomar. Tese de doutorado intitulada ―Meninos e Brincadeiras de
Interlagos: Um Estudo Etnográfico da Ludicidade‖, FeUSP, 2001.
36
organismo está livre para brincar, tem sentido de brinquedo-brincadeira,
conforme o ―diálogo‖ dos autores e crianças na seção anterior, e é
descompromissado com os ―resultados‖ ou com a obediência a regras
prescritivas pré-estabelecidas. Esse autor lembra que o termo lúdico é
originário de ―ludus‖ do Latim ― ―divertimento‖ ―, por sua vez num sentido
similar a ―jocus‖ ― ―gracejo‖ e ―zombaria‖, portanto, ―divertimento‖.6 O prazer
é característica essencial da ludicidade, pois compreendendo as palavras de
Rosamilha apud Gomes (2001, p.24),
[...] ―a brincadeira‖ tende a não ocorrer quando o organismo está em estado de alta incerteza subjetiva ou medo. Os estímulos novos que são subitamente introduzidos precisam ser ―explorados‖, antes de se brincar com eles. O corpo que brinca provavelmente ri, sorri, mostra-se relaxado ― e muitas vezes suado ― mostrando emoção: há um ―forte elemento de prazer‖ na atividade que é lúdica.
Candau (2000, p. 182) ao tratar dessa questão escreve que a escola,
influenciada pela modernidade, ―terminou por criar uma cultura escolar
padronizada, ritualística, formal [...] que enfatiza processos de mera
transferência de conhecimentos, quando esta de fato acontece, e está referida
a cultura de determinados atores sociais‖, produtores da cultura hegemônica e
universal.
Assim sobre essa questão é preciso trazer as contribuições de Foucault
(1987) ao tratar sobre a instituição escolar e seus sistemas e relações de
poder. Conforme relata o autor, a sua organização espacial, o regulamento
meticuloso que rege sua vida interior, as diferentes atividades nela
organizadas, os diversos personagens que nela vivem e se encontram cada um
com uma função, um lugar, um rosto bem definido ― tudo isto constitui um
‗bloco‘ de capacidade-comunicação-poder. A atividade que assegura o
aprendizado e a aquisição de aptidões ou tipos de comportamento aí se
desenvolve através de todo um conjunto de comunicações reguladas (lições,
questões e respostas, ordens, signos codificados de obediência, marcas
diferentes do ‗valor‘ de cada um e dos níveis de saber) e através de toda uma
6 Rosamilha In Gomes (2001), p. 23.
37
série de procedimentos de poder (enclausuramento, vigilância, recompensa e
punição, hierarquia).
Dessa forma, a escola enquanto instituição social auxilia na
manutenção da hierarquia de poder, reforçando estruturas sociais, onde o
corpo e suas manifestações através de movimentos lúdicos, de certa forma,
ameaçam o controle escolar com sua infinidade de expressões e
possibilidades, promovendo o descontrole do rígido sistema da escola que
geralmente se sustenta pela disciplina de diversas regras construídas, por
muitas vezes, sem sentido e significado para os alunos.
Tais características que definem a cultura escolar, se traduzem em
um importante aspecto para uma reflexão crítica. Considerando que vivemos
em uma sociedade amplamente diversificada culturalmente, que nos dificulta
inclusive identificar, como indica Hall (2005), a identidade cultural de um sujeito
devido à multiplicação dos sistemas de significação e representação cultural, a
escola, inserido num contexto social mais amplo, não pode fechar os olhos
para essa situação, simplesmente ignorando-a.
As práticas corporais como integrantes da cultura escolar, trazem
inscritas as marcas de certa cultura, que não devem, ou não deveriam ser
homogeneizadas. Não deveriam porque a estrutura do contexto escolar em
seus vários espaços, na sala de aula, na sala dos professores, no pátio, no
recreio e na aula de Educação Física acaba por abarcar e ter sob controle o
corpo dos sujeitos, modelando-os dentro dos padrões socialmente desejados.
O movimento lúdico acaba por não ter espaço suficiente para manifestações de
espontaneidade e possibilidades de relacionar-se mostrando culturalmente no
cenário escolar.
Segundo Gomes (2001, p. 27), na visão etológica de Konrad Lorenz
relata que, a criança brinca porque a brincadeira ― a ludicidade é fenômeno da
corporeidade humana. O brincar humano se caracteriza não pela racionalidade,
mas pela ludicidade: o ―Homo sapiens‖ é, antes ou além, um ―Homo ludens‖.
Para compreender essa ludicidade, mais do que saber defini-la com precisão,
basta observar, quando brinca, esses pequenos brincadores.
A escola para transmitir sistematicamente conhecimentos de ordem
produtiva às crianças ― o que podemos afirmar que é uma das consequências
38
de um mundo ocidental voltado para a ciência e para a modernidade, manifesta
certo sentimento de perda, se afastando cada vez mais da essência humana.
Assim nos profere Gomes (2001), que ―a criança que trabalha precisa de
recreação, senão ela não consegue mais produzir‖.
Em decorrência de várias leituras, percebe-se que muitos autores
concordam que a escola é um lugar para ensinar e não de brincar, que é
campo de disciplina e não de alegria e prazer. Mas quando retratamos em
nosso estudo a essência cultural da criança que aprende a brincar e carrega
esta ação como verdade para si, não podemos admitir que a instituição referida
não oportunize tais momentos. É claro e preocupante que ao restringir e
cercear o movimento lúdico na infância de maneira exposta ou implícita, seja
qual for a intenção, a escola corre o risco de empreender a indisciplina e a
bagunça em seu cenário. Na verdade é necessário o currículo abrir espaço
para a ludicidade adentrar a escola pela porta da frente e não camuflada pelas
crianças.
Os aspectos lúdicos na escola ficam por conta das aulas de educação
física, parque, hora do recreio, enfim do lado de fora da sala de aula. Muitos
professores, inclusive sujeitos da minha pesquisa, me mostraram claramente
tais fatos. Momentos de brincadeiras são propícios e restritos a alguns espaços
na escola determinados pelos adultos. A impressão que se tem é a mesma de
reviver no passado onde a dicotomização de corpo e mente era evidenciado. O
que precisa refletir é que brincar, fantasiar, simbolizar e jogar é inerente as
vontades humanas de separar corpo e mente, o que acontece é uma sinergia
de ambos a favor da ludicidade.
Gomes (2001) afirma que para Camargo7, ―um corpo que brinca é o
melhor receptáculo para um espírito que aprende, que se desenvolve‖.
Concordo plenamente com Gomes quando retrata a escola em duas visões,
―primeira: a escola não tem sido, mas deveria ser um lugar de brincadeira ― de
ludicidade ―, refundando-se e refazendo-se, como se endereçasse à matriz
ociosa grega. Segunda: a escola não é um lugar de brincadeira, mas a
brincadeira pode acontecer, pela própria natureza das crianças ingressas nela‖
7 Camargo, Luiz Octávio de Lima. Universidade de Sorocaba. Entrevista concedida a Cleomar
Ferreira Gomes e transcrita em julho de 1999, em Londrina.
39
(2001, p.44). A brincadeira acontece em infinitos momentos implícitos em meio
a tantas obrigações e responsabilidades no ambiente escolar, mesmo longe
dos olhos que repudiam a ludicidade na sala de aula- a professora, o brincar é
fato e necessário, o lápis transforma-se em avião a jato, a cadeira em balanço,
e a mesa palco de um banquete onde a borracha é o alimento e o caderno é a
bandeja que permeia a sala em busca de novos adeptos aquela brincadeira.
Mais precisamente, o recreio escolar é o espaço que melhor se destina
ao movimento lúdico dos escolares, muito mais que a própria educação física,
pois, a adoção de padrões de movimento, de gestos técnicos e mecânicos,
comumente encontrado nas aulas, nos apontam para o que McLaren (1991, p.
137) denominou de 'estado de estudante', o qual ―[...] se refere a uma adoção
de gestos, disposições, atitudes e hábitos de trabalho esperados do 'ser um
estudante'‖.
Conforme o autor ainda, nesse estado, ―[...] os jovens geralmente ficam
quietos, demonstram boas maneiras, são previsíveis e obedientes, [...] há
pouco movimento físico, exceto sob o comando do professor‖. Na aula, isso é
percebido quando os alunos são expostos a uma série de limitações de suas
ações de movimento, e conseqüentemente das relações sociais e culturais de
troca e aprendizagem de novas formas de movimento, e seus
sentidos/significados. E ainda, são expostos a uma avaliação, onde para
obterem êxito precisam realizar o movimento tal qual foi demonstrado pelo
professor, deixando-o alheio ao seu movimento, como se este, seu meio de
expressão e linguagem estivesse completamente errado e/ou inadequado.
Já o referido o recreio escolar, que pode ser compreendido como o
tempo livre que a criança dispõe dentro da escola, principalmente no aspecto
de liberdade de escolha das atividades que deseja realizar e com quem irá
realizá-las, sem a interferência direta dos adultos. Nesse sentido, essas
características nos reportam para ao estado de interação denominado de
‗estado de esquina de rua‘, proposto por McLaren (1991), em que as ações,
raramente se conformam a um cenário previsível, ―os limites entre espaços,
papéis e objetos são mais plásticos, adaptáveis e maleáveis, [...] os estudantes
parecem mais imprevisíveis, barulhentos e desordeiros, que em outros estados
de interação [...]‖.
40
Conforme o autor, o movimento corporal, nesse estado, traz nuances de
alegria, barulho e geralmente não possuem as demarcações de gestos
padronizados, e, além disso, há muito contato físico. Os comportamentos
geralmente enfatizam as funções pessoais que normalmente são controladas,
e que nesse estado não são consideradas como tabu, como, por exemplo,
algumas manifestações corporais. E ainda, segundo McLaren (1991, p. 135),
―[...] o espírito característico nesse estado é lúdico ou da natureza do jogo e da
brincadeira‖.
Já que se perdeu a atitude lúdica em sala de aula, é preciso refazer o
caminho para reencontrá-la, afinal é o espaço de convívio infantil. Numa visão
racional de ser humano, é preciso buscar em sua essência os valores e as
intenções lúdicas, que foram meramente substituídos pela racionalidade, se
Schiller (apud Santin 2001, p. 24) nos diz que ―o homem se tornou humano
quando começou a brincar‖, podemos então pensar que aspectos sensíveis do
homem estão realmente em extinção já que o brincar na escola é cada vez
mais restrito.
A ludicidade é muito mais do que realizar uma atividade prazerosa, vai,
além disto, ela depende das ações lúdicas e de alguns elementos que nos
subsidiarão a compreensão da atividade lúdica, que são próprios dos seres
humanos, próprios do Homo ludens.
O Homo ludens é capaz de simbolizar, de transformar objetos em
brinquedos carregados de representações, identidades e que assumem uma
função que cabe somente a criança estabelecer qual é o papel do objeto em
determinadas brincadeiras.
Tal poder de simbolizar é permitido enquanto capacidade do ser humano
a partir de outro elemento que é a criatividade, para Santin (2001, p.25), ―o
homem, por sua capacidade de simbolizar consegue ser criador de mundos
pela sua imaginação ou fantasia. O brinquedo é o resultado da criatividade da
fantasia da criança [...]‖. Para criar é preciso olhar os outros as coisas e a si
mesmo sem limitações de uma ordem biológica, na possibilidade de criar
‗novas ordens e novas criaturas‘. Sobre isso, Schiller (apud Santin, 2001, p.27),
―que a primeira ordem inventada pelo homem segue os princípios lúdicos. As
41
invenções do ser humano começam como brinquedo; somente depois
assumem outras funções e formas, como ferramentas e o trabalho‖.
Seguindo a reflexão de Santin, que confere e é bastante pertinente
mencionar, a fantasia e a criatividade somente poderá manifestar-se se houver
liberdade, ou seja, é preciso que as escolas oportunizem momentos para a
brincadeira, para a manifestação lúdica e criativa das crianças. Não podemos
limitar situações lúdicas, limitar reflexões em prol de vigiar os corpos
escolarizados.
Ao tratar a liberdade, a fantasia e a criatividade como elementos
importantes a serem observados na constituição da ludicidade, temos que
mencionar também que ao brincar livremente a criança está despojada de
qualquer intenção a não ser a de ―brincar‖. Não existe recompensa e nem
imposição, a criança brinca numa situação de gratuidade e a própria vivência
do ato de brincar se transforma em alegria justamente por não ‗ser obrigada‘ a
fazer algo que não queira perdendo a natureza de divertimento. Enfim ―o lúdico
é fundamental para preservar e desenvolver a criatividade nas crianças‖
(SANTIN, 2001, p. 29).
Assim, para compreendermos a ludicidade é preciso observar a intenção
de quem brinca, ou seja, ―apreender o ato original que deu origem ao
fenômeno lúdico. [...] apreender o impulso lúdico que levou o homem a brincar‖
(SANTIN, 2001, p.40). A ludicidade caminha paralelamente aos processos de
humanização de uma sociedade, a humanidade do homem é uma construção
dependente da ação do homem. Para Schiller nos relatos de Santin (2001, p.
41), ―não resta dúvida de que homem atingiu a condição humana pela invenção
do brinquedo‖. Condição humana esta que o diferencia dos animais,
justamente na capacidade de atuar na ausência do objeto real, de transcender
o real, de imaginar, ficcionar, assim surgiu o mundo do brinquedo, na
possibilidade de posicionar-se em algo incerto, sem limitações espaciais ou
temporais, assim surgiu também o primeiro mundo humano, onde através de
seu processo criativo que para Lorenz, é particular do humano, dá continuidade
no processo de humanização, ou seja, não se esgota no desvelar do humano
no homem. Fica evidente a aproximação da criatividade humana com a
ludicidade enquanto participe da evolução e construção do homem.
42
Sabemos que ao ingressar a escola, a criança também ingressa na vida
produtiva, a obrigação sistematizada introduz o tempo do relógio que organiza
as atividades compartimentando cada vez mais o conhecimento. É preciso
enfatizar que a cada dia, com os processos de transformações sociais a
infância vem se dividindo entre o mundo da escola ― obrigações e deveres, e
o mundo lúdico ― da fantasia e do brincar. A sociedade moderna e a escola
também enquanto parte dela, nos empurra para o mundo escolar e produtivo
devido as suas exigências, onde o que impera é a racionalidade, eficiência,
competitividade, sucesso financeiro e produtividade para que as crianças
tenham o futuro sonhado por sua família, cuja exige da escola tal postura em
suas ações pedagógicas.
O trabalho na sociedade capitalista se caracteriza exclusivamente como
trabalho produtivo, ou seja, de alguma forma, ele deve dar lucro, mesmo que
seja com sacrifício da vida e de seu significado, ou seja, pela alienação. No
caso, o ser humano tem que trabalhar para produzir mais capital, não porá
realizar-se nos anseios de sua alma. O trabalho como ―valor de troca‖, servindo
ao capital, e não como ―valor de uso‖, servindo à vida. Essa foi uma das
importantíssimas descobertas de Marx, ao estudar a sociedade capitalista.
Percebe-se que preparar a criança para a vida futura na perspectiva do
trabalho e da homogeneização dos sujeitos, requer da escola atitudes de
negação da infância, onde o lúdico é de definitivamente banido da vida da
criança, ou ao menos é o que se tenta fazer nas instituições em prol da
produtividade.
Como vimos anteriormente no texto, o lúdico faz parte da construção do
ser humano, do processo de humanização do homem, assim não pode ficar
muito tempo ausente da existência humana. A escola não suportaria longas
datas sem a ludicidade permeando o espaço, somente com disciplina e
deveres. Os alunos ludibriam as regras e transformam longe dos olhares dos
professores, o real em fantasia e o objeto em brinquedo, dando ao lúdico a sua
verdadeira especificidade, ou seja, a espontaneidade, o caráter imediatista e
não o pensamento futuro e principalmente a liberdade.
43
Segundo Olivier (2003, p. 15)8
Reconhecer o lúdico é reconhecer e a especificidade da infância: permitir que as crianças sejam crianças; é ocupar-se do presente [...]; é redescobrir a corporeidade ao invés de dicotomizar o homem em corpo e alma; é abrir portas e janelas e deixar que a inclinação vital penetre na escola, espane a poeira, apague as regras escritas na lousa e acorde as crianças desse sonho letárgico no qual por tanto tempo deixaram de sonhar.
Respeitar as especificidades das faixas etárias deveria ser um papel da
sociedade como um todo, mas fundamentalmente da escola, atuando na
preservação do movimento lúdico na infância e de seus valores infantis, o que
significa lutar contra o seu enquadramento compulsório no mundo do enrijecido
do adulto, impedindo assim nossa criança experimentar possibilidades que
cabe somente a tal idade.
Autores como Huizinga, Château, Winnicott, consideram o jogo como
vital e fundamental no universo infantil, de extrema importância para a
humanização da criança, portanto reduzir os aspectos da ludicidade é
corroborar para o conceito da inutilidade da infância, vislumbrar a criança como
um objeto descartável e manipulável.
É sabido que todo brincador gosta de liberdade, de fantasia, de sonhos,
de criatividade. O lúdico favorece tais elementos, o que não permite o trabalho,
a espontaneidade e o caráter frívolo é característica da brincadeira e
pressupõe uma necessidade vital na infância, é como comparar com a
necessidade de alimento, higiene entre outros. Para se obter liberdade na
infância precisamos valorizar o movimento lúdico nas escolas como forma de
difundir o reconhecimento da infância enquanto parte contribuinte da produção
de cultura da nossa sociedade. E é conhecido também que a instituição escola
não valoriza a ludicidade como componente curricular do ensino.
O elemento lúdico, além de ocasionar um encontro mais espontâneo entre as pessoas, é também capaz de resgatar componentes da cultura infantil, a bagagem cultural que cada criança criou e que teve que abandonar do lado externo dos muros escolares quando seu ingresso na escola. (MARCELLINO, 2003, p. 80)
8 OLIVIER, Giovanina Gomes de Freitas. Lúdico e a escola: entre a obrigação e o prazer. In Marcellino,
Nelson Carvalho. Lúdico, educação e educação física, 2003.
44
A escola é entendida por professores e pais como uma instituição
educacional representada pela seriedade, onde o saber deve ser evidenciado
caminhando paralelamente com a disciplina que por sua vez, não permite
barulho, gritos e manifestações. Prevalece a acomodação nas salas de aula
em carteiras enfileiradas, onde a frente possui uma lousa e a mesa do
professor, que consequentemente orquestra toda a sistematização no
ambiente, como ir ao banheiro, beber água e tantas outras coisas que para a
aquisição do saber escolar, não são tão importantes assim.
É compreensivo que o lúdico no olhar do adulto é provido de denuncias
relacionado a ―não seriedade‖ que denota a brincadeira, mas para se entender
a ludicidade é preciso acompanhar, analisar e observar uma criança brincando,
pois assim será possível perceber como a ação lúdica acontece de fato, como
entrega e construção da infância. É possível compreender que brincar,
brinquedo e brincadeira fazem parte de uma linguagem, é uma simbologia
inerente do mundo infantil, podemos dizer que é uma forma de pensar, agir e
expressar. A criança é considerada potencialmente lúdica exatamente por sua
capacidade de brincar sem racionalizar ações, pelo contrário, ela fantasia
ações e recria seu mundo, portanto não é errôneo dizer que a vida infantil é
regida pelo brinquedo e pela brincadeira. Um mundo construído pela criança e
não para a criança, a partir de possibilidades que lhes são oportunizadas,
momentos de brincadeiras, onde a liberdade de movimentar-se, criar
personagens e manipular objetos seja prevalecida, pois o comportamento
lúdico é vivência, experimentação prática, não se aprende com palavras e sim
com momentos.
Segundo Santin (2003, p.53)
Ludicidade é fantasia, imaginação e sonhos que se constroem como um labirinto de teias urdidas com materiais simbólicos. A ludicidade é uma tessitura simbólica fecundada, gestada e gerada pela criatividade simbolizadora da imaginação de cada um. Brincar é acima de tudo exercer o poder criativo do imaginário humano construindo um universo, do qual o criador ocupa lugar central, através de simbologias originais e inspiradas no universo real de quem brinca.
45
A ludicidade explorada pela criança é capaz de resgatar componentes
da cultura lúdica infantil e a bagagem cultural que a criança criou e que teve
que abandonar do lado externo dos muros escolares ao ingressar na escola.
Assim a escola propaga que está muito mais interessada na obediência e
disciplina do que na formação integral das nossas crianças. Não se valoriza o
momento presente, seu objetivo é voltado para a preparação da vida futura, ou
seja, preparação para o vestibular e mercado de trabalho. Em contrapartida
uma aprendizagem que valorize o aspecto lúdico encontra-se estreitamente
vinculada a valorização do ser humano e do momento presente, onde o prazer
se vê acompanhado do saber escolar.
Estranha-me muito em discutir a ludicidade nas reuniões pedagógicas
escolares, com professoras e coordenadoras que atuam com crianças na idade
de seis anos. É visível o discurso considerando tal importância, porém é
lamentável acompanhar o trabalho das mesmas pessoas desenvolvendo suas
aulas de forma que o movimento lúdico é reduzido a um ―joguinho para ocupar
o tempo no final das aulas‖. É triste saber que os educadores pertencentes à
classe de intelectuais, estudiosos da infância não a respeitam e nem a
valorizam como deveriam, e mais negam a infância a partir do momento em
que não possibilitam espaços e oportunidades lúdicas para seus alunos.
E a escola? Com o discurso de formar cidadãos capazes de
compreender o mundo que a cerca, críticos e atuantes na sociedade na qual
pertence na perspectiva de transformação social e formar seres mais humanos.
Lemos estes dizeres nos planos políticos pedagógicos, nos planejamentos dos
professores, e ouvimos similaridades nas reuniões e salas do professorado.
Mas o que lemos e ouvimos não são condizentes com as práticas que são
observadas, as salas de aula são nichos onde prevalece a autoritarismo do
professor, que como já dizemos em outro momento, mais parece com um ator
no palco teatral ou com um líder espiritual do que eventualmente professor com
propriedades de estimular o aprendizado crítico e transformador e de dar vida
as nossas escolas que estão a cada dia mais obscuras em meio do descaso
que é dado ao jogo, a brincadeira, ao brinquedo e ao brincar. Afinal a
ludicidade provoca risos, fantasias, alegrias, algazarras. Promove uma
46
movimentação corporal que a escola não valoriza em detrimento ao
aprendizado de leituras e escritas dentro de quatro paredes e em fileiras.
47
2 BRINCAR: O BRINQUEDO, A BRINCADEIRA E O JOGO
“Agora eu era o rei
Era o bedel e era também juiz E pela minha lei
A gente era obrigada a ser feliz
E você era a princesa
Que eu fiz coroar E era tão linda de se admirar...”
(Chico Buarque, João e Maria)
2.1 Brincadeira e o brinquedo
Ao analisar atentamente o modo como as diferentes crianças brincam, é
possível perceber que a forma com que utilizam os brinquedos e como
relacionam com a brincadeira, estão articulados com seus contextos de vida e
expressam concepções de mundo particulares, deixando evidente que brincar
depende fundamentalmente da cultura na qual a criança esta inserida e suas
permissões diante do movimento lúdico. Segundo Brougère (1998), a primeira
relação do brincar com a aprendizagem é que a criança aprende a brincar, ou
seja, não há, na criança uma brincadeira natural. Toda brincadeira humana
supõe contexto social e cultural, sendo, portanto uma atividade social.
Neste capítulo, ao dissertar sobre o brincar venho destacar pontos de
esclarecimentos, devido a diferentes conceitos e aplicações dos sentidos das
palavras jogo, brinquedo e brincadeira, no Brasil, que articulam a ação do
brincar, apesar de apresentar conceitos diferentes, há uma interpelação entre
ambos quando passamos a visualizar que um pode ser suporte do outro.
Em nosso idioma a palavra jogo vem do latim jocus, que quer dizer
"brinquedo, folguedo, divertimento, passatempo sujeito a regras", por sua vez
brincar, de origem latina, resulta das diversas formas que assumiu a palavra
vinculum, passando por vinclu, vincru até chegar a vrinco. É assim que do
48
significado inicial "laço" passa por "adorno, enfeite, jóia que se usa presa na
orelha ou pendente dela" até chegar à idéia de brinquedo e brincadeira.
Para desvelar o entrelaçamento de sinônimos designados as palavras
descritas no parágrafo anterior, venho destacar o significado da ação de brincar
atribuído segundo dicionário HOUAISS (2009), ―distrair-se com jogos infantis,
representando papéis fictícios, entreter-se com (um objeto ou uma atividade
qualquer)‖, também abarca a idéia de ―adornar‖. E ainda recorrendo a esta
consulta, o dicionário, ele aborda o conceito de jogar sendo ―divertir-se,
entreter-se com (um jogo), mover-se alternadamente de um para outro lado;
agitar-se; oscilar, sendo que a origem da palavra também trás significados
como ―brincar, gracejar‖.
Assim, trago para a discussão Kishimoto (2003) que define tais relações
que parece não haver diferenças, mas, bem posta e definida pela autora e que
utilizo no texto compartilhando sua ideia sobre o brinquedo, ―brinquedo será
entendido sempre como objeto, suporte de brincadeira [...]‖ (2003, p. 7),
independente se são brinquedos fabricados e criados pelo mundo adulto ou
confeccionado e inventado pela própria criança, de diferentes materiais como
madeira, plástico, tecidos, diversificadas formas e funções, de acordo com sua
cultura, o que nos importa aqui é perceber o investimento lúdico intrínseco no
objeto que o torna brinquedo nas mãos infantis. Neste caso, o brinquedo pode
representar a realidade daquela criança, como também expressar o desejo e
sonho infantil.
Friedmann (1996) teoriza a brincadeira como o ato de brincar exercendo
um comportamento espontâneo e sem regras fixas, sem ignorar a sua
existência, nesse caso regras de uma regularidade interna alimentadas pelo
desejo, imaginação e criatividade; e o brinquedo é entendido muito próximo do
conceito de Kishimoto, como objeto de brincar.
O brincar, assim como a arte, o movimento, a expressão plástica, verbal e musical, pode ser considerado como uma linguagem, através da qual as crianças se comunicam, entre si e com os adultos. [...] um meio de comunicação, a partir do qual designa-se uma realidade mais complexa. (FRIEDMANN, 2005, p. 88).
49
Essa linguagem dita por Friedmann é a junção tanto do brinquedo
quanto da brincadeira em consonância com as atitudes do brincante, pois
quando brinca a criança põe em jogo o seu corpo inteiro, suas habilidades
motoras e seus movimentos são desafiados constituindo assim um sistema de
signos, ou seja, ―uma linguagem que precisamos aprender a ouvir, a decifrar, a
compreender‖ (FRIEDMANN, 2005, p. 88). Compactuo a veracidade com a
autora, pois na escola, tanto na educação física como no parque ou na sala de
aula, quando é permitido a brincadeira, o movimento lúdico, que mais adiante
irei explicitar melhor seu sentido, surge como forma de expressão e
comunicação humana, seja em qualquer espaço, ou momento, é sempre bem
recebido pela criança.
O brinquedo em si, se apresenta antes de tudo, como um objeto para
manipulação, livre de regras fixas, fazendo parte do mundo exclusivamente
infantil, é muito comum vermos crianças entrelaçadas com seus brinquedos
em vários lugares da sociedade até mesmo aqueles menos prováveis, já o
adulto não é comum uma proximidade ou relacionamento com o brinquedo,
torna-se motivo de zombaria e visto com outro olhar. Brougère (2008, p.13)9,
nos aponta que ―os objetos lúdicos dos adultos são chamados exclusivamente
de jogos [...]‖.
Brougère (1981, apud Kishimoto, 2003, p.8), nos mostra que brinquedos
construídos para crianças, ―[...] só adquirem sentido lúdico quando funcionam
como suporte para a brincadeira. Caso contrário não passa de objetos‖,
estabelecendo então a função lúdica como componente que valida o objeto
como um brinquedo. O brinquedo estimula à ação do brincar, além de
pressupor a relação da realidade com a ilusão, aspectos relevantes para que
haja a brincadeira. ―O brinquedo é uma ilusão materializada‖ (BROUGÈRE,
2004, p. 65).
Ainda em Kishimoto (2003, p.7), a brincadeira é definida, ―[...] como a
descrição de uma conduta estruturada, com regras e jogo infantil para designar
tanto o objeto e as regras do jogo da criança (brinquedo e brincadeiras)‖.
Fazendo uma analogia com as leituras e observações ligadas aos
termos em discussão, entende-se que a brincadeira é construída a partir de
9 Brougère In Kishimoto, T. (orgs). O brincar e suas teorias, publicado em 1998.
50
algo que já existe de verdade, que já é parte da vivência infantil, onde mais
tarde esta realidade é transformada num mundo imaginário, fictício, do faz de
contas, onde as coisas não são de verdade, todos os participantes assumem
papéis ilusórios em comum acordo, construindo e desconstruindo regras como
e quando acharem pertinentes, a brincadeira foge de qualquer função definida
ou rígida e é, sem, dúvida, estes o motivo que a definiu, em torno das ideias de
gratuidade e até mesmo de futilidade.
Walter Benjamim, em sua obra ―Reflexões: a criança, o brinquedo, a
educação‖ (1984), remete-nos a museus de brinquedos onde se encontram
brinquedos clássicos, como as bonecas de porcelana, os soldadinhos de
chumbo para iniciar suas considerações diante da transformação de uma
sociedade que sai de nichos familiares e segue em direção ao processo de
industrialização mundial. Em detrimento a esta emancipação social, o
brinquedo sobre bruscas mudanças desde o modo de criação até a fabricação
e denotação das formas, cores, materiais, enfim surge assim a indústria do
brinquedo, que deixa as oficinas primitivas, para obedecerem à corporação da
fabricação especializada.
A cada dia, observamos diferentes brinquedos sendo lançado pelos
fabricantes especializados, o que antes não se presenciava tal fato já que nos
seus primórdios, brinquedos foram construídos artesanalmente, sendo assim
os marceneiros construíam animais de madeira; o caldeireiro, soldadinhos de
chumbo; o fabricante de velas, bonecas de cera e o confeiteiro, figuras de doce
(BENJAMIN, 1984, p.68). Não eram comerciantes especializados os
responsáveis pela distribuição de brinquedos.
Com a industrialização, a fabricação artesanal perde força e o mercado
de brinquedos cresce de forma acelerada. Com a engenhosa arte de produzir o
desejo pelo consumo, a mídia faz com que tais brinquedos façam parte do
cotidiano das nossas crianças. Pois bem, esses brinquedos são feitos para (o
consumo das) crianças, mas pensados e concebidos pelos adultos que a cada
dia buscam sofisticações para chamar a atenção sobre eles.
Desta maneira o brinquedo passa a ser construído para a criança e não
pela criança, necessitando de novas abordagens de utilização do objeto, pois
51
aquilo que para o adulto é predestinado a determinadas funções, ao mesmo
tempo não há significação alguma para o mundo infantil.
Estes objetos que propiciam à criança o contato, a construção e a
desconstrução, encontrados nos mais diferentes lugares, inclusive lugares
incomuns ao brinquedo produzem mais prazer à criança do que os brinquedos
sofisticados, que denotam como devem ser explorados, o fato explicam o
inusitado interesse das crianças pelas caixas dos presentes, ao invés do objeto
propriamente dito. Episodiam gostar mais do continente, que do conteúdo.
Repensando sobre tudo isso percebe-se que o brinquedo industrializado
é o que o adulto idealiza para a criança; o brincar é a resposta da criança da
forma como interpreta, cria e recria a realidade. As crianças quando brincam
estão interpretando a realidade vivida por todos nós. Elas são agentes vivos na
transmissão, elaboração e recriação de cultura desde que nascem.
Seguindo o texto, pode-se dizer que a função do brinquedo é nula, ou
seja, não se estabelece uma função específica para o brinquedo além de
proporcionar um suporte para a brincadeira e um estímulo para brincar. Porém,
o que apontam como características da brincadeira é justamente esta
gratuidade com que a ação acontece, a invenção e fabricação dos objetos de
acordo com o que a imaginação estabelece, e o que é preciso considerar sobre
a brincadeira é que ―é uma atividade livre, que não pode ser delimitada‖ ,
assim define Brougère. Para Brougère, o brinquedo tem uma função sim, que é
o valor simbólico, articulado justamente com a lógica da brincadeira, que é a
ação associada com a ficção, entretanto a representação e o simbólico são
aspectos preponderantes sobre a utilidade funcional do objeto, que irá traduzir
um mundo real ou imaginário para a criança. A imagem, a representação e o
símbolo que o objeto expressa, levam a percepção do poder que o brinquedo
exerce na criança, através dele, o mundo infantil é visto pelo olhar da
brincadeira, em coerência com a realidade vivenciada pela criança, Brougère
exemplifica o fato:
[...] pelo fato de representar um bebê, pede carinho, pede para ser vestida, lavada, e todos os atos ligados à maternagem. Mas no brinquedo não há uma função de maternagem, o que há uma representação que convida a essa atividade, fundamentada no
52
significado (bebê) dado ao objeto num cenário social de referência‖ (2004, p.71).
Este objeto desperta imagens e representações que mais tarde darão
sentido a ação de brincar, tais imagens são adaptadas a infância no que tange
a seu conteúdo e sua forma, para assim ser considerado brinquedo.
Entendo desta maneira, baseada nas leituras de Brougère (2008),
Kishimoto (2003), Benjamim (1984), estudiosos da brincadeira, do jogo e do
brinquedo, que a essência lúdica sobreposta à função do objeto manipulável se
denomina de brinquedo, que será o suporte para a brincadeira que por sua vez
não denota uma função específica, é livre de normas, fictícia e não é delimita
em tempo e espaço, pois em ambas situações percebemos uma ação livre,
improdutiva, imprevisível, simbólica, regulamentada e bem definida em termos
de espaço e tempo de realização, como definiu Caillois (1990) a atividade
lúdica. Bem se vê o quanto à indeterminação conceitual pode ser benéfica, e
que mais importante do que diferenciar estes conceitos é conhecer o que têm
em comum.
Falando um pouco mais sobre a definição desta atividade lúdica que
aqui chamarei de jogo na perspectiva de Roger Caillois, as definições e
aproximações são muito perniciosas, pois diante do que diz o autor sobre o
jogo, a brincadeira se encaixa perfeitamente as mesmas essências, partindo do
principio que ―uma característica do jogo não é criar nenhuma riqueza, nenhum
valor. Por isso se diferencia do trabalho[...]‖ (1990, p. 25). Justamente como
acontece na definição de ―brincadeira‖, não tem um fim lucrativo, é livre, sendo
assim, também se diferencia de momentos de trabalho.
Para Caillois, somente existirá jogo se assim os jogadores o quiserem,
tornando a atividade incerta e livre, ―só se joga se quiser, o quanto quiser e o
tempo que quiser [...] essa liberdade de ação do jogador, essa margem
concedida à ação, é essencial ao jogo e explica, em parte, o prazer que ele
suscita‖ (1990 p. 27-28). Exatamente como ocorre na brincadeira onde as
crianças combinam o que querem fazer e repentinamente estagnam o jogo em
prol de outra atividade que mais lhes interessarem que seja atraente e
divertida. Outro aspecto que se aproxima com a brincadeira está relacionado
53
com o espaço que é delimitado e pré- estabelecido para que haja um jogo, ou
seja, ambos acontecem em uma área escolhida pelos participantes, para
Huizinga (2007),
A limitação do espaço é ainda mais flagrante do que a limitação no tempo. Todo jogo se processa e existe no interior de um campo previamente delimitado, de maneira material ou imaginária, deliberada ou espontânea. Tal como não há diferença formal entre o jogo e o culto, do mesmo modo o ―lugar sagrado‖ não pode ser formalmente distinguido do terreno do jogo. A arena, a mesa de jogo, o círculo mágico, o templo, o palco, a tela, o campo de tênis, o tribunal etc., têm todos a forma e a função de terrenos de jogo, isto é, lugares proibidos, isolados, fechados, sagrados, em cujo interior se respeitam determinadas regras. Todos eles são mundos temporários dentro do mundo habitual, dedicados à prática de uma atividade especial.
(p. 13).
Assim prevalece com ―nossas‖ crianças quando criam regras em torno
de suas brincadeiras e são altamente respeitadas, e, certo que o espaço
escolhido também é digno de ser um ―local sagrado‖ [grifo meu], provido de
autorização para a interferência, principalmente de um adulto. Por se tratar de
algo que também é fictício, além de regulamentado, se torna cada vez mais
interpelado com a identidade do brincar, segundo Huizinga (2007, p. 11),
[...] o jogo não é vida ―corrente‖ nem vida ―real‖. Pelo contrário, trata-se de uma evasão da vida real para uma esfera temporária de atividade com orientação própria. Toda criança sabe perfeitamente quando está ―só fazendo de conta‖ ou quando está ―só brincando‖.
Nas definições descritas a respeito da brincadeira, na visão de
Brougère, Kishimoto, percebe-se que o faz de conta está vivo na infância e é
consenso dos estudiosos como Callois e Huizinga, que a ficção também é uma
das características fundamentais a especificidade do jogo, e nos mostram isso
quando afirmam que há uma evasão do real nos momentos lúdicos, ao
assumirem papéis de fadas, polícias, ladrões, aviões. Para Caillois (1990),
―supõe uma livre improvisação e cujo principal atrativo advém do gozo de
desempenharmos um papel, de nos comportarmos como se fôssemos
determinada pessoa ou determinada coisa [...]‖ (p.28). ―Todo jogo é capaz, a
qualquer momento, de absorver inteiramente o jogador‖ HUIZINGA, (2007, p.
54
11). Percebe-se então, que o jogo e a brincadeira se confundem por ter
significados muito próximos e isso nos leva a refletir que jogo e brincadeira
podem ser compreendidos como o simples ato de brincar.
Em Bomtempo (2010), encontramos a brincadeira de faz-de-conta, que
quando a criança brinca na verdade ela está representando, fingindo; finge ser
um herói, um grande monstro, uma princesa ou a bruxa malvada. A criança
brinca e fantasia personagens, cenários e objetos, ora uma espada, É na
perspectiva do faz-de-conta que nos deparamos com todo o mistério dos
brinquedos que encantam as crianças, pois, favorecem ações destemidas e
nada previsíveis aos olhos de quem brinca.
O que nos faz humanos é que somos dotados de uma condição de
criação arbitrária de símbolos. Cada grupo ou cada comunidade interpreta e
cria a sua realidade segundo valores próprios que têm sentido apenas se vistos
sob o ponto de vista do próprio grupo. Assim, as crianças, brincando, estão
interpretando e dando sentido ao que vêem, escutam e aprendem.
Piaget (1971 apud Bomtempo, 2010), chama essa brincadeira de faz-
de-conta de jogo simbólico, o qual pode apresentar-se com representações de
papéis (pirata, soldado, médico), ou contexto para as re-significações de
objetos, como um pedaço de madeira ser um foguete ou um avião. É no jogo
simbólico que a criança cria e re-cria as suas fantasias, sem limite, restrições
ou punições; porque a fantasia é um mundo livre, de aventuras e histórias. ―No
jogo simbólico as crianças constroem uma ponte entre a fantasia e a
realidade‖. (Bomtempo, apud Kishimoto, p.74, 2010).
O brinquedo para a criança é a uma forma de explorar o mundo em
todas as suas dimensões, sem restrições ou punições, porque explorar a
realidade através da imaginação é um caminho que se pode seguir e voltar à
hora que quisermos, é só desejarmos. A criança utiliza-se do brinquedo como
um meio de chegar ao imaginário, utiliza-se assim, de um objeto comum que
aparentemente não tem utilidade alguma para brincar, como uma articulação,
transformando-o naquilo que sua imaginação quiser.
Em suas palavras, Brougère (1998), nos diz que o caráter lúdico de
uma atividade está exatamente no como se está brincando. Um brinquedo não
é um objeto lúdico simplesmente porque é um brinquedo, mas será lúdico a
55
partir do momento que alguma criança utilizá-lo em suas brincadeiras.
Para Moyles (2006, p. 13), ainda na introdução do livro em que
organiza, trás em uma tribuna americanizada o sentido do termo play, na língua
inglesa, onde traduzido para a língua portuguesa significa o mesmo do que
―brincar e jogar‖ admite-se tais sentidos,
[...] pode ser considerado um objeto, um substantivo, um verbo, um advérbio e um adjetivo – um jogo ou um objeto para brincar, como uma peça de teatro ou um brinquedo; agir em relação a um método ou modo; realizar alguma coisa de forma divertida; ou podemos descrever alguém como um a ―criança divertida‖
Mesmo em outro país, o termo play ― brincar e jogar ― aparece numa
conceituação muito próxima da que abordamos em nossa língua, a idéia de ser
algo divertido, motivador e que ao mesmo tempo possui vários entendimentos
de sua importância na infância, porém é negada em muitos ambientes
educacionais não somente no Brasil, mas também em outros países,
principalmente por seu caráter lúdico.
Seguindo na mesma linha de Janet Moyles (2006), Peter K. Smith10
nos relata que seja em qualquer situação que se estabeleça a ação do brincar,
ou seja, com palavras, fisicamente, imitação dos adultos, ―[...] o certo é que o
brincar evoca um mundo infantil livre de preocupações para adultos que se
sentem esmagados pelas responsabilidades do trabalho‖ (2006, p. 25). O
brincar é visto como sendo oposto ao trabalho como o autor afirma, por ser
―uma atividade livre e sem limitações‖. Concordando com Smith, pois o trabalho
é provido de regras e submissões, que articulo com a escola provida de
normas e punições, cerceando cada vez mais o aluno, essencialmente aquele
que sai da educação infantil (cinco anos) e adentra o espaço do ensino
fundamental com apenas seis anos de idade, fazendo parte das ações
repressoras em prol ao aprendizado da leitura e da escrita.
Para Smith (2006, p. 25)11, ―o brincar é extremamente característico na
faixa etária dos 2 aos 6 anos. Esse é o período mais importante para o brincar
10
Peter K. Smith, colaborador de Janet Moyles em seu livro ―A Excelência do brincar‖, 2006. 11
Peter K. Smith, colaborador de Janet Moyles em seu livro ―A Excelência do brincar‖, 2006.
56
simbólico‖. O que observamos no lócus da pesquisa é que o brincar está em
pleno desencontro com a criança na sala de aula.
Para Tina Bruce (2006)12, o brincar ― no sentido de ser lúdico ― é uma
prática do mundo todo, porém, tal atividade não é tratada da mesma maneira
em todas as culturas e civilizações, para ele, ―em diferentes culturas o
brinquedo de fluxo livre é incentivado, desestimulado, reprimido ou valorizado
de maneiras diversas que têm grande impacto sobre o acesso da criança a ele‖
(2006, p. 222).
Moyles & Cols (2006), definem o brincar, que aqui já conceituei em sua
plenitude de ser livre, lúdico, com poucas ou com regras institucionalizadas
pelos próprios brincantes, como o ―brincar de fluxo livre‖, e defende a proposta
da sua importância e necessidade para a criança, principalmente na fase inicial
entre dois a seis anos, que as escolas devam abarcar esta idéia na perspectiva
de formarmos crianças com comportamentos mais humanos, com ações
autônomas tornando o jogo e a brincadeira valorativa nas instituições infantis.
Brincar é uma atividade criativa. Brincando a criança imagina, comunica-
se e se expõe. Sobre essa idéia assim diz Winnicott (1975, p. 80): ―É no
brincar, e somente no brincar, que o indivíduo, criança ou adulto, pode ser
criativo e utilizar sua personalidade integral: e é somente sendo criativo que o
indivíduo descobre o eu (self)‖.
2.2 Brinquedo e a Brincadeira pelos olhos da criança
Neste capítulo proponho a discussão do ato de brincar, numa
perspectiva prática, buscando uma reflexão para a compreensão da sua
importância para a criança. Estudar a criança somente em seus aspectos de
12
Tina Bruce, colaboradora de Janet Moyles em seu livro ―A Excelência do brincar‖, 2006.
57
desenvolvimento das funções, crescimento, fases motoras sem considerar o
brinquedo e a brincadeira, é negar algo inerente a ela.
É importante esclarecer, que no decorrer deste texto os termos
brincadeira, jogo e lúdico podem ser vistos com um mesmo conceito e
aplicação, isto é, como atividades livres ou dirigidas (se proposta por adultos),
sem regras ou regras constituídas pelas crianças, que tenham um caráter de
frivolidade, capazes de envolver seus participantes.
A brincadeira no olhar da criança não representa o mesmo que o jogo e
o divertimento para o adulto, ocupação do tempo livre, afastamento da
realidade alivio de estresse. Brincar não é ficar sem fazer nada, como pensam
alguns adultos, é preciso estar atento a esse caráter sério do ato de brincar,
pois, esse é o seu trabalho, atividade através da qual ela desenvolve
potencialidades, descobre papéis sociais, limites, experimenta novas
habilidades, vivencia um mundo real e cria seu próprio mundo, estabelece
conceitos de si mesma e constrói conhecimentos. Portanto, brincar é o trabalho
da criança, um ato muito sério, e por meio de suas conquistas no jogo, ela
afirma seu ser, proclama seu poder e sua autonomia, explora o mundo, faz
pequenos ensaios, compreende e assimila gradativamente suas regras e
padrões, absorve esse mundo em doses pequenas e toleráveis.
Château (1987, p. 29) já nos dizia: ―O jogo representa, então, para a
criança o papel que o trabalho representa para o adulto. Como o adulto se
sente forte por suas obras, a criança sente-se crescer com suas proezas
lúdicas‖. Além do caráter de seriedade, outro ponto a ser percebido neste relato
é a diferença fundamental entre o jogo infantil e o jogo do adulto, para a criança
o jogo tem fim em si mesmo, ele basta por si só, já no segundo caso ele é
triste, tedioso, ele existe para curar a fadiga, e a exaustão do cotidiano do
trabalhador. A finalidade do jogo é dada de acordo com as atitudes que
impulsionamos ao realizá-lo, assim ―[...] o jogo infantil tem apenas um aspecto
porque só tem um princípio, e esse princípio só pode resultar em alegria‖
(CHÂTEAU, 1987, p.33).
Dessa forma, nenhuma criança brinca só para passar o tempo, sua
escolha é motivada por processos pessoais e vontades próprias, constituindo
assim o brincar como uma linguagem infantil que se deve respeitar mesmo se
58
não a entende. O professor/educador deve perceber as necessidades infantis,
para proporcionar possibilidades e situações de jogos/brincadeiras, é
imprescindível que as suas aulas sejam repletas de atividades lúdicas, para
que a criança tenha a oportunidade de expressar-se, de evadir-se do mundo
real e de ser séria no seu pequeno mundo lúdico.
A especialidade da criança é a brincadeira, ninguém melhor do que ela
sabe brincar, o brinquedo, como vimos anteriormente, é o suporte para que a
brincadeira aconteça e serve também de estímulo para a invenção da mesma.
O brinquedo nas mãos de uma criança transforma uma realidade, o que para o
adulto é um simples objeto, para a criança possui uma representação e uma
simbologia própria, aproximando assim o real do fictício ao explorar o objeto à
sua maneira, de acordo com a sua verdade.
Segundo Brougère (2004, p. 64), ―O brinquedo não é unicamente
instrumento de ação, ele é, também, um instrumento de sonho, de desejo, de
fantasia‖. O brinquedo em seu caráter lúdico é portador de um ―desejo de
utilização ‖13 no qual as crianças são seduzidas a constituírem uma relação
com o objeto, a significação que a imagem e o símbolo propõem ao mundo
infantil o transforma em objeto manipulável, com volume e formas definidas,
porém sua utilização é estabelecida pela criança individual ou coletivamente,
distanciando do que está inscrito nele e aproximando-se das representações
ele oferece.
A criança na escola enxerga em seus materiais escolares possibilidades
de brincar quando ela se apropria do objeto e constrói imagens fictícias com
ele, estabelecendo uma relação íntima, especifica do mundo infantil, o objeto
rapidamente estimula a ação do brincar, permitindo assim uma criação original
da utilização do objeto, ou seja, o lápis que no cenário escolar tem função de
escrever, naquele espaço infantil, ele é transformado em avião, guarda-chuva e
quebra-molas. A capacidade de modificar uma realidade faz da criança
possuidora de poderes sobre o objeto que em suas mãos virou um brinquedo.
Quando a escola propicia momentos lúdicos em seu espaço, ela
favorece também possibilidades de criação da autonomia entre os alunos,
criatividade, socialização e uma estimulação a conceberem conceitos diante de
13
BROUGÈRE, 2004 p. 67, usa tal expressão.
59
uma brincadeira. Château, quando escreve sobre brincar e suas implicações na
criança, faz uma reflexão que julgo ser importante destacar:
Não se pode imaginar a infância sem seus risos e brincadeiras. Suponhamos que, de repente, nossas crianças parem de brincar, que os pátios de nossas escolas fiquem silenciosos, que não sejamos mais distraídos pelos gritos ou choros que vêm do jardim ou do pátio, que não tivéssemos mais perto de nós este mundo infantil que faz a nossa alegria e o nosso tormento, mas um mundo triste de pigmeus desajeitados e silenciosos, sem inteligência e sem alma. Pigmeus que poderiam crescer, mas que conservariam por toda a sua existência a mentalidade de pigmeus, de seres primitivos. Pois é pelo jogo, pela brincadeira que crescem a alma e a inteligência [...] (1987, p.14).
Para incrementar a discussão venho me apropriar da palavra utilizada
por Brougère (2004, p.68), ―afrodância‖14 que designa o estamos procurando
no brinquedo, que vai além de significados e representações, vejo aqui uma
definição bastante pertinente para tal, que é o caráter de manter-se livre, à
disposição da criança para a ação, de acordo com a percepção infantil ―[...] a
criança decodifica as ―afrodâncias‖ do objeto que a levam a agir (pegar um
boneco no colo, acariciar um urso) [...]‖, permitindo o entrelaçamento de ação e
imagens. Percebe-se que aquele lápis, que por um momento foi um avião, em
outra situação foi um guarda-chuva, isso nos mostra que a o objeto está á
disposição, porém, sua utilização é definida pela criança, por mais que haja a
interferência do adulto.
Criança está vinculada de forma imediata ao brinquedo e a brincadeira,
é natural que se estabeleça tal ligação. As relações que as crianças criam com
o brinquedo nos apontam tal afirmação. É comum vermos na sala de aula,
desde a mais tenra idade, os alunos carregarem consigo ursinhos, carrinhos,
uma boneca, chaveiros dos personagens preferidos em suas mochilas,
estabelecendo assim uma relação emocional com o brinquedo, uma segurança
que com ele por perto estarão protegidos.
14
Segundo Brougère (2004, p 68) ―afrodância‖ não é uma palavra usualmente adotada em português, é derivada do verbo em inglês ―to afford‖ que significa pôr à disposição. Essa noção foi proposta por James J. Gibson em The Ecological Approach to Visual perception, Boston, Houghton Mifflin, 1979.
60
O adulto-professor na escola tende facilmente a desvincular os laços
íntimos da criança com o brinquedo e a brincadeira, em prol aos estudos, o
movimento lúdico é deixado para um segundo plano, segundo Gonçalves
(1994), há uma valorização extrema da escola em favorecer os aspectos
intelectuais no seu ambiente considerado como ―sério‖, desvalorizando a
criança em sua essência, a meu ver, ―desrespeitando o direito da criança de
viver a brincadeira em sua plenitude‖.
Brincar pelos olhos da criança é percebido como sinônimo de vivacidade
que lhe é próprio, o movimento corpóreo e lúdico pelos quais a brincadeira
acontece é que dá sentido ao brinquedo, aquele objeto manipulável com
volume e forma, é carregado de representações típicas da infância que causam
desejos, seduz, produz sonhos aos que dele se apropriam. A brincadeira se
transforma assim na essência da infância, que corre, pula, grita, luta, gesticula
muitas vezes em locais onde não lhes permitem tais ações e está apenas
brincando.
A criança vê em seu corpo, possibilidades de brincar, tanto que se
perguntarmos a ela o que está fazendo ao vermos uma correria desenfreada
no pátio da escola — ―brincadeira de pegador‖ — ela nos dirá que está
―brincando‖. Assim atribuo mais uma característica da brincadeira, a liberdade,
a alegria do movimento, o corpo em ação em prol do entreterimento e da
ludicidade. O ―pegador‖ tão querido pela sociedade infantil é modificado a cada
novo jogo, ou seja, de acordo com que os participantes combinam, ele hora é
―Polícia e ladrão‖, hora é ―Pega-corrente‖, e termina quando assim decidirem,
conota desta forma a função da regra formalizada destituída pela criança, em
detrimento aos interesses do grupo. A fantasia e o faz de conta, ganha espaço
no universo infantil, a realidade é momentaneamente aludida, para dar vez ao
cenário da brincadeira infantil.
A exposição do brinquedo na escola estimula a criança a fazer
descobertas, mas o caminho para isso não depende apenas de fornecer uma
grande variedade, é necessário também que haja a presença da educadora
intervindo, quando necessário, para que a criança possa, com o brinquedo, dar
oportunidade ao desenvolvimento das suas diferentes dimensões (motora,
afetiva, social e cognitiva) sem deixar de lado a espontaneidade do brincar.
61
No olhar de Brougère (2004), o brinquedo é um objeto que a criança
manipula livremente. Ele destaca que este objeto é infantil, especificando que
só tem função o brinquedo se estiver sendo manipulado pela criança, já que,
segundo o autor, ―o valor simbólico é a função‖ (2004, p.14).
Na obra Brinquedo e Cultura (2004), Brougère destaca que não basta
apenas a criança, que para que o brinquedo exista apesar de ele ser
considerado um objeto infantil, são necessários outros membros da sociedade
que possibilitam que o brinquedo chegue às mãos dela. As pessoas que se
apoderam dos objetos dão uma significação social diferente da que o
fabricante, o fornecedor e o comerciante lhe conferem. Para Brougère (2004), a
significação que estes sujeitos conferem ao brinquedo é extremamente
importante, uma vez que eles fazem parte do ambiente social em que a criança
está inserida. Neste cenário é possível identificar a significação social do
brinquedo e a forma como ele pode ser inserido na escola.
Segundo Brougère (2004, p. 15), ―o objeto é aquele que encontramos
nas vitrines das lojas, o que pode ser presenteado e reconhecido pelos
diversos protagonistas‖. E o brinquedo é aquele que não se limita à dimensão
social. Que é pertinente a criança e é um ―sistema de significados e práticas,
produzidas não só por aqueles que o difundem, como por aqueles que o
utilizam‖ (p. 14). ―O brinquedo é um extraordinário concentrado de cultura‖,
(Brougère, 2004, p. 264), cujo proporciona uma estruturação da brincadeira,
não inventada pelos fabricantes, por intermédio do objeto. O objeto sustenta e
orienta a ação lúdica a partir do momento que a criança o caracterize como
brinquedo, então ele irá substanciar esta ação. Além do brinquedo, existem
outros apoios para a ação, como: ―os parceiros da brincadeira, [...] ou a
organização do espaço (devemos lembrar-nos da brincadeira de esconde-
esconde, cuja riqueza varia de acordo com a configuração do lugar em que ela
ocorre)‖ (Brougère, 2004, p. 263).
Para Walter Benjamin (1984) o conteúdo de um brinquedo não
determina a brincadeira da criança e sim o ato de brincar é que revela o
conteúdo do brinquedo.
Estes entendimentos são importantes para justificar o brinquedo nas
Instituições de ensino, uma vez que ele pode oportunizar a criança
62
possibilidades de ações coerentes com sua realidade sócio-cultural. Para
Brougère ―pelo fato de representar um bebê, uma boneca-bebê desperta atos
de carinho, de troca de roupa, de dar banho e o conjunto de atos ligados à
maternagem. Porém, não existe no brinquedo uma função de maternagem, há
uma representação que convida a essa atividade num fundo e significação
(bebê) dada ao objeto num meio social de referência‖. (Brougère, 2004, p. 16).
A criança como brincante por excelência vai dar significado ao objeto, com o
seu olhar próprio de criança.
A criança, também sujeito lúdico, tem sua constituição e sua significação
nas práticas culturais; logo, ele é resultado da construção histórica e cultural da
sociedade em que participa. o brinquedo e um dos objetos culturalmente
produzidos, devido a isso, a criança, muitas vezes, ―suprime‖ deste a marca
registrada das fábricas, para assim poder registrar a sua própria marca,
estabelecendo outros significados e funções próprias da infância.
Para Benjamin, a criança desmonta o brinquedo para se apoderar dele,
assim vê além do aparente, estabelece uma relação íntima, afetiva e de
aproximação com o mesmo. Este é o lado épico da brincadeira, a re-
significação das partes na construção de um todo feito com o olhar infantil,
talvez esteja neste fato à grande resposta para entendermos por quais motivos
as crianças gostam de destruir algo já pronto, o valor da experiência e da re-
construção pessoal.
Segundo esse autor, o brincar significa um libertar-se dos horrores do
mundo através da reprodução miniaturizada: as crianças, rodeadas por um
mundo de gigantes, criam para si, enquanto brincam um pequeno mundo
próprio. Para Gomes (2003) reinterpretando este autor, a criança se protege no
mundo que compõe, onde as leis são feitas pela própria cultura ― a cultura
infantil. Nesta, a lei maior é a brincadeira, o brincar movido pela aventura e pela
alegria. Na linha dessa interpretação, pode-se pensar numa criança
essencialmente lúdica, que utiliza o brincar como um aprendizado sociocultural,
ao produzir seus próprios brinquedos, que registra neles suas histórias e a
história de sua família.
63
Benjamin acredita que o brinquedo é um confronto15 entre a criança e o
adulto, muito mais do adulto do que da criança. O autor afirma isto a partir da
seguinte premissa: ―pois de quem a criança recebe primeiramente seus
brinquedos se não deles?‖ (Benjamin, 1984, p. 72). Resta, assim, para a
criança usar de sua imaginação e transformar todo e qualquer objeto em
brinquedo.
É preciso compreender que brincando de mamãe, papai e filhinha as
crianças retratam os papéis sociais, mas com sua interpretação utilizando uma
comunicação específica, porém, comum a todos os envolvidos na brincadeira.
Durante todos os anos em que atuo na Educação Infantil enquanto professora
de educação física ― responsável pelos aspectos da brincadeira na instituição
- observo o quanto às crianças se envolvem com o faz-de-conta especialmente
retratando o ambiente familiar e em segundo plano o ambiente escolar.
Se pudéssemos relembrar das muitas situações que vivemos enquanto
crianças, talvez compreendêssemos mais facilmente os pequeninos. Quantas
vezes estávamos brincando de Casinha, fazendo camas para as bonecas com
lençóis ―emprestados‖ da nossa mãe, organizando as divisões dos cômodos da
casa, as prateleiras com as panelinhas, copinhos, e tudo o mais que fazia parte
e ouvíamos: ―Hora de dormir!‖ E unanimemente respondíamos: ―Ah, a
brincadeira começou agora...‖ E por mais que a mãe argumentasse que
estávamos há horas brincando, para nós, era apenas o começo. Mas os
tempos e os espaços vividos pelas crianças só fazem sentido para elas
mesmas. No impulso lúdico que movimenta as ações pela fantasia, cada
momento é único e quando a criança o sente, quer vivê-lo naquele momento,
pois é naquele momento que faz sentido para ela, é onde encontra significado
e espaço para expressão do movimento lúdico.
15
Confronto, termo utilizado por Walter Banjamin em sua obra Reflexões: a criança, o
brinquedo, a cultura. São Paulo: Summus, 1984, p. 72.
64
3. A ESCOLA E A SALA DE AULA: PERSPECTIVA DO ENSINO DE
NOVE ANOS
Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo. . .
e vivo escolhendo o dia inteiro!
Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranqüilo.
Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.
(Cecília Meireles)
3.1 Escola
A escola tem apresentado, nas últimas décadas, uma das instituições
privilegiadas para propagar as verdades que uma sociedade cria e fornece, por
meio de complexas práticas de disciplinamento, controle e governo. Pensando
nos corpos que adentram as instituições, uma das coisas que mais
aprendemos na escola ― alunos, professores, equipe diretiva, enfim, todos nós
que passamos pela instituição ― é levar os corpos de determinada maneira e
estimular certo tipo de relações corporais, com o nosso próprio corpo e os
corpos alheios.
As carteiras dispostas de acordo com alguma posição predeterminada,
os corpos alinhados nas fileiras nos pátios em diversas situações, o uso de
uniformes e outras normas sobre vestimenta, as regras para controlar a
entrada e saída da escola, a permanência nos banheiros e horários de beber
água são algumas das mais evidentes técnicas de disciplinamento corporal
dentro das instituições. É uma negação deste corpo no processo de
aprendizagem, a escola desconsidera o movimento lúdico nas séries iniciais do
ensino fundamental em detrimento a instituir a leitura e a escrita com
65
veemência. A escola é o lugar, por natureza, em que a aprendizagem da leitura
e da escrita é sistematizada, nas práticas de alfabetização e letramento.
A discussão sobre as práticas educativas a serem desenvolvidas nos
primeiros anos do Ensino Fundamental de nove anos de duração deve,
responder ao desafio de assegurar uma educação de qualidade para nossas
crianças. Aos olhos das crianças, não importa que a escola seja um direito,
importa que seja agradável, interessante, instigante, que seja um lugar para
onde elas desejam sempre retornar. É importante assegurar acesso e
permanência. Mas, a freqüência à escola não pode ser entendida apenas como
direito a um espaço que ofereça proteção física e desenvolvimento cognitivo. É
preciso que as crianças se sintam bem, que sejam cuidadas; e cuidar implica
oferecer aquilo que satisfaça o conjunto de suas necessidades e desejos.
As nossas escolas, não são pensadas para as crianças em sua
totalidade, numa perspectiva de ―crianças brincalhonas, alegres, que correm e
se movimentam‖, os espaços são arquitetados para uma articulação de
restrição ao movimento lúdico, nesta escola de ensino fundamental,
principalmente roubaram o pátio, a areia, o parque, o gramado, e lhes deram
como ―recompensa‖ um maior tempo em sala de aula na condição de que
desta forma será garantida uma aprendizagem eficaz.
3.2 Ensino Fundamental de Nove Anos
Aqui neste capítulo quero discutir as implicações do Ensino Fundamental
de nove anos de duração e desta forma discutir a Lei nº 11.274 de 06 de
fevereiro de 200616, que obriga os pais a matricularem seus filhos no ensino
fundamental com idade de seis anos.
O ensino fundamental com duração de nove anos foi inserido no
contexto da educação brasileira na intenção de atender as exigências por
maior democratização do ensino, ―além de dar maiores condições para a
16
LEI FEDERAL nº 11.274, de 06 de fevereiro de 2006. Disponível em www.planalto.gov.br/ccivil_3/_Ato 2004-2006/2005/Lei/L 11114.htm>.Acesso em; 3.set.2006.
66
formação do cidadão e atender às solicitações da sociedade civil, destacando-
se as exigências do mundo produtivo‖ 17. A inclusão dessas crianças concretiza
o preceito legal de ampliar de oito para nove anos o Ensino Fundamental, único
nível de ensino de matrícula obrigatória no País, sendo o ano de 2010 a
entrada definitiva das crianças de seis anos de idade em todas as redes
educacionais do País. Ao ter sua duração ampliada, o Ensino Fundamental
passou a receber, principalmente, uma parcela da população brasileira que não
encontrava vagas na rede pública de educação infantil e que não podia arcar
com o custo de uma educação privada.
Consideramos que, apesar da ampliação do Ensino Fundamental para
nove anos representarem uma maior permanência da criança na escola, não
garante a qualidade deste de ensino. A qualidade da aprendizagem do aluno
vincula-se a mudanças efetivas no modo de conduzir o sistema de ensino, vai
para além de procedimentos que tantas vezes se mostraram incapazes de
conceber satisfatoriamente com seu papel na educação.
A princípio inserir estas crianças ―antecipadamente‖ ― um julgamento
pessoal ― no ensino fundamental, seria um papel fácil de proceder, porém,
quais são as implicações que tais fatos e ações estão gerando, pois já existem
escolas que aderiram antes mesmo de 2010, onde seria o ano obrigatório à
adesão, ou que podem gerar ainda, considerando que não é somente a
preocupação com o primeiro ano de entrada no ensino fundamental, e sim
todos os outros que seguem como uma engrenagem no processo educacional.
Nesta produção, não quero trabalhar com questões burocráticas das leis
e promulgações, mas sim discutir como os romantismos dos documentos de
orientações acontecem na práxis do professor, que recebe e trabalha com os
pequenos na obrigação de ―fazer dar certo‖, mas esta mudança educacional.
A meu ver, a extensão do ensino fundamental para nove anos, garante a
entrada da criança de seis anos na escola, ampliando em um ano, que antes
era criança de sete anos, não sou contrária a medida, mas não podemos
esquecer que mais do que a universalização ao acesso, é importantíssimo
garantir e assistir a permanência das crianças para que finalizem este ciclo de
17
Cleiton de Oliveira, Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação da Unimep. Trecho do livro Ensino Fundamental de Nove Anos, Teoria e Prática na Sala de Aula, 2009.
67
ensino, pois aumentam também a responsabilidade dos educadores, pais na
constante luta contra a evasão e repetência escolar.
Concordo com Kramer (2007) quando ela explicita o reconhecimento do
direito da criança de seis anos à educação, principalmente o de ingressar no
primeiro ano do ensino fundamental, mas com algumas ressalvas. O principal
reconhecimento e preocupação que devemos ter é reconhecer ―as crianças
como sujeitos de cultura e história, sujeitos sociais‖ (Brandão, 2009, p. 20).
Assim é pertinente entender as especificidades infantis, sua cultura lúdica, suas
ações imaginárias, o direito à brincadeira, a produção cultural, ou seja,
reconhecer que apesar de inseridas no ensino fundamental, são crianças e não
apenas alunos.
Segundo as orientações da Secretaria de Educação Básica do Ministério
da Educação explicita algumas recomendações:
[...] não se trata de transferir para as crianças de seis anos os conteúdos e atividades da tradicional primeira série, mas de conceber uma nova estrutura de organização dos conteúdos em um EF de nove anos, considerando o perfil de seus alunos. O objetivo de um maior número de anos de ensino obrigatório é assegurar a todas as crianças um tempo mais longo de convívio escolar, maiores oportunidades de aprender e, com isso, uma aprendizagem mais ampla. [...] Recomenda-se que as escolas, organizadas pela estrutura seriada, não transformem esse novo ano em mais uma série, com as características e a natureza da primeira série. Assim, o Ministério da Educação orienta que, nos seus projetos político/pedagógicos, sejam previstas estratégias possibilitadoras de maior flexibilização dos seus tempos, com menos cortes e descontinuidades
18.
Nesta orientação documentada como uma forma a ser seguida nas
instituições deixa claro que as preocupações de preservar a criança em
diversos seguimentos, porém o que se observa nas escolas, pesquisadas
neste estudo não nos mostrou o seguimento das orientações. A criança da
educação infantil com seis anos de idade é a mesma criança do ensino
fundamental com seis anos de idade, então o diálogo entre os dois níveis de
ensino deve ser muito próximo e articulado a fim de atender a singularidade
18
―Orientações Gerais sobre o EF de 9 anos‖ do MEC: www.portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf
68
infantil. O sucesso da medida de implantação do ensino fundamental de nove
anos dependerá, em grande parte, da maneira como a proposta chegou às
escolas, foi analisada, entendida, recebida por aqueles que irão atuar
diretamente com o processo e realmente como foi implementada na instituição.
No entendimento da grande maioria da população, ensino fundamental é
um nível da escola onde realmente começa o aprendizado. No entanto que se
o governo tem obrigação de matricular as crianças somente no ensino
fundamental, antes com sete agora com seis anos de idade, é realmente o que
podemos compreender. Nestes quatro meses de inserção na sala de aula de
duas escolas, de seguimentos diferentes, ou seja, uma da rede particular e
outra da rede pública de ensino, da cidade de Sinop/MT, pude observar
claramente que há um conflito por parte das professoras que atuam neste nível
de ensino, justamente por não estar ainda claro, qual a diretriz a ser seguida.
As vozes se calam, quando são questionadas a respeito, uma escola difere da
outra quanto às avaliações, a sistematização de conteúdos. Os pais ao
deixarem seus filhos nas escolas — no portão - são unanimes em dizer-lhes:
Pai 1 (escola pública): “[...] nada de brincadeira, agora você é
primeiro aninho”.
Pai 2 (escola particular): [...] pede para a professora dar bastante
tarefa de casa, primeiro ano nada de moleza”.
Deveria ser indispensável que essa transição ocorresse de forma a
ampliar as possibilidades de experiências das crianças, incorporando novos
olhares e diretrizes, sem que para isso seja preciso desconsiderar formas de
trabalho pedagógico apropriadas para cada faixa etária. Os conteúdos e
métodos de ensino devem corresponder às características, potencialidades e
especificidades da infância ― criança de seis anos seja em que escola ela esti-
ver inserida.
Quanto mais harmoniosa for essa passagem, mais condições a criança
terá de manter seu interesse em aprender sem mesmo romper os aspectos da
infância. A escola de Ensino Fundamental faz questão de reforçar as rupturas
entre as duas etapas da educação básica: aponta nitidamente que acabou o
69
direito à brincadeira, que a obrigação é prioritária, que a aprendizagem é
imposta e não construída, que todos devem seguir no mesmo ritmo,
independentemente de suas diferenças individuais, culturais ou de nível de
conhecimento.
Segundo Maria Malta Campos19, ―[...] a criança pré-escolar aprende a
ser aluno e a ser cidadã; não há motivos para que sua passagem para a
primeira série signifique um rompimento brusco de um processo vivido
intensamente por ela nos anos em que freqüentou a Educação Infantil‖ (2009).
Afinal, a criança que chega com seis anos na escola fundamental é a
mesma que a pouco estava na educação infantil ou ainda não tinha sido
escolarizada. Suas necessidades e sua fase de desenvolvimento são as
mesmas. Assim como aquela que acabou de completar sete ou oito anos não
deixa de ser criança por isso. O direito à aprendizagem, na primeira e na
segunda etapa da educação básica, depende do respeito ao direito de ser
criança, ambas as fases são complementares.
Portanto, para a escola, ficam os desafios de organizar espaços,
objetos, relações que propiciem a brincadeira, o jogo, a ludicidade, encontros e
alegrias. Isso não significa deixar de lado ou de fora o pensamento e a razão,
mas de equacioná-los com o corpo e a emoção, na perspectiva de estabelecer
significados aos acontecimentos da vida, o que é diferente de controlar a vida,
antes que ela aconteça.
Do ponto vista da educação de forma geral, a organização de uma sala
de aula de ensino fundamental é disposta de forma que a obediência e o
silencio sejam elementos considerados fundamentais para o desenvolvimento
do trabalho, a começar pela disposição das carteiras, colocadas uma atrás da
outra. Desta forma não havendo mesmo possibilidades para interação dos
alunos, outro fato importante a ser considerado é que existem brinquedos nas
salas de aula, porém, são guardados a uma altura onde até mesmo um adulto
deve se apoiar em algo para alcançá-lo. Há uma abrupta transposição de um
19
Professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, presidente da diretoria colegiada da ONG — Ação Educativa e pesquisadora da Fundação Carlos Chagas, Salto para o Futuro, Anos iniciais do Ensino Fundamental — ISSN 1982 – 0283, Ano XIX – Nº 12 – Setembro/2009, Ministério da Educação.
70
nível de ensino para o outro, é muito evidente as rupturas existentes na mesma
instituição.
Segundo Gonçalves (1994), "a escola supervaloriza as operações
cognitivas e se distancia progressivamente da experiência sensorial direta,
pretendendo assim não só disciplinar o corpo como também os sentimentos, as
idéias e as lembranças (memória) a ele associadas, enfim anulá-lo".
A aprendizagem de conteúdos é uma aprendizagem sem corpo, e não somente pela exigência de o aluno ficar sem movimentar-se, mas, sobretudo, pelas características dos conteúdos e dos métodos de ensino, que o colocam em um mundo diferente daquele no qual ele vive e pensa o seu corpo (Gonçalves, 1994, p.34).
Neste sentido, a escola promove um processo de ‗descorporalização‘
(ibid.), no qual o corpo gradativamente vai sendo posto em plano secundário,
contido e torna-se quase um desconhecido. Distanciar-se do corpo, ao mesmo
tempo, implica num afastamento das experiências emocionais, sensitivas e
sentimentais diretas, portanto a vida escolar também desencadeia
a‗desafetivação‘ dos corpos.
A grande preocupação é que juntamente com esse processo de
negação ao corpo e adestramento em prol da aquisição do conhecimento, a
brincadeira, o jogo e brinquedo — que são caminhos viáveis para trabalhar o
corpo em movimento na escola — seguem o caminho da destituição. O
importante é saber que o papel que a brincadeira pode e deve ocupar no
cotidiano escolar é fundamental, não somente na educação infantil, mas em
todo o período escolar. A transição de um nível de ensino para o outro é
considerada um rito de passagem, ele se repete em vários momentos na vida
escolar do aluno, neste caso quando a criança passa da educação infantil para
o ensino fundamental, a sociedade em geral, considera que a criança está
pronta para aprender a ler e escrever e que a brincadeira, ou o movimento
lúdico deva situar-se em outro plano, muitas vezes, desconsiderada no âmbito
escolar.
O que se percebe na escola com as pesquisas realizadas é que no
primeiro ano do ensino fundamental o controle dos corpos aumenta na medida
71
em que a instituição exclui a brincadeira e o jogo dos momentos de
aprendizagem. Em entrevista realizada com a professora A ela deixa bem
claro quando me responde,
Observador: Eu vi que você trabalhou com música e gestos, eles me
disseram que você brinca de morto e vivo na sala, como você utiliza a
brincadeira na sala de aula, em que momento, como ela é utilizada?
Professora A: “Olha, normalmente é quando eles estão cansados,
eu aproveito pra brincar, assim, rapidinho... e outros momentos é pra
introduzir um conteúdo, que daí é como se fosse uma motivação,
para motivar a aula. Mas não é todo dia não, senão eles acostumam”.
A brincadeira quando aparece, acontece de maneira funcional no espaço
escolar, nos anos iniciais, assim podendo justificar a presença dela em sala de
aula. Observo como é difícil a adaptação dos alunos que saem da educação
infantil e seguem para as primeiras semanas de aula e, às vezes, durante todo
o ano letivo no primeiro ano do ensino fundamental. Observo, há algum tempo,
nas crianças um conflito muito grande entre a satisfação de estar no ensino
fundamental, numa sala de aula dita ―de gente grande‖, num espaço preparado
para ―aprender a ler e escrever‖ e um desejo do corpo que clama por
movimento, por expressão lúdica e pela vontade de ainda ser criança. É muito
complexa à criança a compreensão na separação de corpo e mente em sala de
aula e ficar disposta a somente o aprender como se naquele momento, em sala
de aula, fosse somente um ser pensante, em que a aprendizagem — ler e
escrever - esteja separada do todo corpo. Como se a mente não fosse parte
desse mesmo corpo.
É nesse momento que começa, institucionalmente, a disciplinarização do
corpo. Podemos considerar o começo da disciplina corporal que parte do
desejo de ler e escrever, tão difundido e importante entre nós, para a
domesticação do corpo/ sujeito. Os professores negam o movimento lúdico -
esse corpo vivo, para que a mente aprenda, como que se somente assim
pudesse haver crescimento cognitivo.
As práticas educativas de qualidade exigem, portanto, que se considere
a criança como principal eixo do processo de aprendizagem e considere as
72
diferenças individuais de sua formação. Requer, portanto, que se leve em conta
a concepção de infância que se encontra implícito às práticas e ações educati-
vas.
Atualmente, a partir da contribuição de diferentes áreas do
conhecimento humano, tem-se construído um consenso em torno da ideia de
que a infância, tal como a conhecemos hoje, não é um fenômeno natural e
universal, mas sim, o resultado de uma construção cultural das sociedades
moderna e contemporânea. A infância deixou de ser compreendida como uma
etapa que antecede a fase adulta, sendo identificada como um estado
diferenciado, parte contribuinte deste meio. Assim, ao mesmo tempo em que se
reconhece que a definição de infância é primordial no contexto histórico, social
e cultural no qual se desenvolve, admite-se a especificidade que a constitui
como uma das fases da vida humana.
Esse reconhecimento das características específicas da infância
possibilitou avanços desde a perspectiva do desenvolvimento infantil, ou seja,
de como as crianças compreendem o mundo e se apropriam dele.
Cabe salientar que nove anos de escolaridade obrigatória devem
significar a ampliação do direito à educação não apenas quantitativamente —
mais crianças na escola e mais anos de escolarização para cada uma delas ―,
mas, sobretudo, qualitativamente ― mais crianças, por mais tempo, em uma
escola de qualidade. Uma escola que respeite as crianças e que lhes assegure
o tempo da infância.
A discussão sobre as práticas educativas a serem desenvolvidas nos
primeiros anos do Ensino Fundamental de nove anos de duração deve,
responder ao desafio de assegurar uma educação de qualidade para nossas
crianças.
Aos olhos das crianças, não importa que a escola seja um direito,
importa que seja agradável, interessante, instigante, que seja um lugar para
onde elas desejam sempre retornar. É importante assegurar acesso e
permanência. Mas, a freqüência à escola não pode ser entendida apenas como
direito a um espaço que ofereça proteção física e desenvolvimento cognitivo. É
preciso que as crianças se sintam bem, que sejam cuidadas; e cuidar implica
oferecer aquilo que satisfaça o conjunto de suas necessidades e desejos.
73
As nossas escolas, não são pensadas para as crianças em sua
totalidade, numa perspectiva de ―crianças brincalhonas, alegres, que correm e
se movimentam‖, os espaços são arquitetados para uma articulação de
restrição ao movimento lúdico, nesta escola de ensino fundamental,
principalmente roubaram o pátio, a areia, o parque, o gramado, e lhes deram
como ―recompensa‖ um maior tempo em sala de aula na condição de que
desta forma será garantida uma aprendizagem eficaz.
A qualidade de tempo ampliado de permanência nas escolas, somente
ele, não fará com que a criança tenha acesso aos bens culturais,
conhecimentos, aprendizagens sistematizadas, dependerá também da
qualidade do trabalho que será desenvolvido com este aluno
independentemente do nível de ensino, portanto é preciso que o professor
entenda as maneiras de organizar os conteúdos para a nova proposta de
ensino, ou então correremos o risco de prejudicar a criança em seu
desenvolvimento escolar. Segundo Moreno e Paschoal
se o professor não entender a proposta de trabalho para esse ano adicional, estaremos encurtando uma fase tão importante da infância na vida da criança em detrimento da exigência de uma organização escolar que prevê do ponto de vista curricular o acumulo de conhecimentos, desvinculados da realidade dos alunos, embora não seja este o discurso (2004, p.43).
De tal forma, acredito que seja importante pensar na concepção e ideia
de criança de seis anos ao se julgar um processo que a meu ver antecipa
etapas infantis quando insere esta criança no ensino fundamental concebendo
a preparação para o trabalho nas instituições.
Considerando que existem grandes diferenças entre o ensino
fundamental e a educação infantil, onde as crianças podem movimentar-se
com maior fluidez, é preciso receber os alunos de seis anos de idade nesta
nova fase com tranqüilidade, promovendo a transição gradualmente, o
acolhimento não deve ser considerado uma ruptura para a criança no processo
escolar. A fantasia, o faz-de-conta, o movimento lúdico deveriam caminhar
paralelos a toda e qualquer sistematização de conteúdos como matemática e
português. Inerente a mudança de nível escolar, principalmente esta transição
74
estudada, a própria arquitetura da sala de aula deveria ser ao menos
equiparada a do nível anterior, são estruturas muitos eqüidistantes, os livros
podem ficar a disposição dos meninos, mas os brinquedos devem ficar ao alto
dos armários para as crianças terem pouco acesso, ou melhor, para nem se
lembrarem que os mesmos existem.
Barbosa (2001) escrito em Brandão e Paschoal (2009, p.43), nos fala da
importância de considerar a criança como um ser biológico, social, histórico,
físico bem como seus aspectos psicológicos, ―o espaço físico e social é
fundamental para o desenvolvimento das crianças, na medida em que ajuda a
estruturar as funções motoras, sensoriais, simbólicas, lúdicas e relacionais‖. Os
espaços escolares, tanto externos quanto internos, devem ser explorados ao
máximo por professores para que a criança usufrua de forma adequada os
ambientes.
Em uma das escolas pesquisadas, da rede particular de ensino, os
espaços pertencentes a tal, eram fantásticos, gramados arborizados, piscina,
parque infantil, quadra poliesportiva, saguão de entrada para recepção das
crianças. A escola municipal de ensino, com mais fragilidades, naturalmente,
apesar de pouco espaço ainda é possível explorá-lo, há uma quadra de areia,
algumas árvores, quadra poliesportivas, tudo mais precário, porém, é possível
estruturar relações favoráveis quanto ao movimento lúdico infantil.
O ensino de nove anos na escola assumiu com a criança de seis anos
responsabilidades de ensino fundamental em sua totalidade, com
características específicas deste nível, esqueceu-se da nossa criança, que ―se
movimenta‖, que exerce sua cultura lúdica, a articulação com a educação
infantil deve ser mantida por muito tempo, respeitando até mesmo o que diz as
orientações do MEC e que nas escolas foram distorcidas, cada um entendeu
da maneira como melhor lhe conviesse no momento de implementar a
proposta, já que não houve um estudo aprofundado por parte das duas escolas
pesquisadas, ambas receberam o alunado com características de ensino
fundamental, apesar de as professoras negarem que a mudança se deu
bruscamente.
Na escola particular de ensino, de uma maneira implícita a mudança foi
implantada gradualmente em 2006, anos antes da obrigatoriedade, para que já
75
houvesse uma adequação diante das idades e uma adaptação familiar e
pedagógica as novas nomenclaturas.
De acordo com informações recebidas durante os contatos informais
com a professora da rede municipal de ensino, a mudança só ocorreria mesmo
no ano de 2010, até porque naquela sala de aula ― no ano da pesquisa (2009)
― tinha uma garota de cinco anos, que foi remanejada de outra escola e por
ser bastante ―esperta‖20 freqüentava as aulas. Não houve uma preocupação da
rede pública no município de Sinop em proporcionar uma adaptação de toda a
mudança.
Fica evidenciado o despreparo das redes de ensino para receber a nova
lei, talvez a grande diferença seja a antecipação da rede particular para que
não houvesse um impacto de maior grandeza na comunidade escolar. Mas não
se entusiasmando com tal situação, estudos não foram feitos de forma
aprofundada para que houvesse um acolhimento dos pequenos estudantes
neste rompimento, onde antes tudo era movimento e agora tudo é imobilidade.
Sabemos muito bem da polêmica que se instaura em torno deste
ingresso da criança de seis anos no ensino fundamental, tanto por professores
como também por parte das famílias e pesquisadores de diversas áreas, por
ser pesquisadora e participe deste movimento interno na escola, me incomoda
bastante pelo fato de não haver ninguém dentro da escola para se preocupar
com a especificidade infantil que é o respeito de sua cultura lúdica. Sinto-me na
obrigação de abordar este assunto, atual na condição de indignação com a
desatenção ao movimento lúdico que deveria acontecer na sala de aula.
Para Brandão (2009), medidas devem ser tomadas no sentido de
realizar leituras aprofundadas e estudos, para que não seja posto um sentido
equivocado na proposta do ensino de nove anos, o que poderá contribuir ainda
mais para o fracasso escolar já no inicio da escolarização.
[...] questões como alfabetização precoce, o excesso de conteúdos da primeira série, a cobrança de atitudes e comportamentos mais maduros por parte da criança, espaço não adequado para o trabalho com essa faixa etária, o cerceamento do corpo e a falta de qualificação do professor, dentre outros, podem comprometer
20
Adjetivação pela voz da professora quando me relatou e justificou os motivos de uma criança tão nova estar já no primeiro ano do ensino fundamental.
76
qualquer possibilidade de trabalho inovador com os pequenos ( Brandão, 2009, p.49).
Assim me posiciono, de acordo com direito da criança em ingressar na
escola com seis anos de idade, porém, que seja na educação infantil, onde na
ordem prática da situação educacional é onde acontece o respeito às
peculiaridades da infância, pois ensino fundamental, pelo menos na cidade de
Sinop/ MT, é conceito de comprometimento com a leitura e escrita, como se
nada destes itens passassem pela corporeidade nesta faixa etária de
construção do conhecimento. Ou então já que a proposta está
institucionalizada no país, e a distancia entre um nível de ensino e outro é
bastante grande, é preciso fazer uma articulação que aproxime um trabalho do
outro no que diz respeito ao aspecto pedagógico, metodológico, relacionais.
Para o MEC (BRASIL 2004), é louvável, que para uma qualidade no
ensino principalmente com crianças de seis anos, faz-se necessário,
[...] planejamento e diretrizes norteadoras para o atendimento integral da criança no aspecto físico, psicológico, intelectual e social, o que implica assegurar um processo educativo respeitoso e construído com base nas múltiplas dimensões e na especificidade do tempo da infância.
Não podemos deixar para segundo plano o que deve ser primordial no
processo educativo, que é pensar na criança como um sujeito construtor de
uma história na qual é a história que ele se apropria como verdadeira, valorizar
somente as disciplinas vistas como primordiais no ensino fundamental em
detrimento das demais áreas é negar um ser único em sua essência cultural.
Conforme Moura apud Brandão e Paschoal (2009),
[...] mediante trabalho integrado é possível envolver as crianças num universo rico de possibilidades de aprendizagem, ajudando-as a perceber a escola como um lugar no qual se aprendam ―coisas legais‖ para a vida. Na escola, a criança pode viver uma grande experiência e enxergar esse espaço como uma ponte para unir pessoas na construção coletiva de um mundo melhor. (2009, cap.3, p. 54).
77
É justamente o que se ―grita‖ tanto na escola, busca-se incessantemente
uma valorização do espaço escolar por parte dos alunos para que eles possam
visualizar significados educacionais e suas implicações na vida diária, para tal,
em se tratando de crianças de seis anos de idade, o movimento, e aqui vou
mais adiante, o movimento lúdico deve estar presente na rotina escolar,
independentemente das aulas de educação física, além de todos os benefícios
que o brincar oferece, é uma ação facilitadora diante do processo de adaptação
de passagem de um nível de ensino para o outro.
A infância, hoje, é considerada um dos períodos mais importantes da
formação do indivíduo. Se, antes, a infância era um período sem muitas
preocupações ou sem despertar qualquer interesse, hoje vivemos o oposto.
Buscamos mais e mais subsídios para entendermos e tratarmos as crianças,
porém, embora se saiba da importância da escola no período inicial,
aproximadamente até os seis anos da vida da criança, ainda assim é na escola
a criança passa a ser vista de forma compartimentada em corpo e mente,
momento caracterizado pela compreensão do abstrato e do ingresso no mundo
escrita. Momento ideal para domesticar o corpo em prol da aprendizagem
intelectual. Infelizmente, a privação da infância acontece entre os mais
diferentes lugares. Mas, sabemos que existem escolas superando essa
concepção, mesmo que ainda timidamente através de experiências isoladas.
Ou que pelo menos o discurso pretenda ser uma tentativa de articular o
movimento lúdico no processo de aprendizagem.
Negligenciar esse tempo da infância deveria ser proibido
institucionalmente, afinal à criança é o ―próprio corpo‖ e negar essa vivência é
negar o direito de ser criança. Na escola do ensino fundamental a criança é vis-
ta com prioridade sob seus aspectos cognitivos. É invisível, mas sentido,
percebido: a escola ― ensino fundamental ― não tem como foco a criança, e
sim seus pressupostos baseados nas verdades institucionais de ensinar a ler e
escrever e criar no aluno departamentos individualizados de informações.
Embora, dentro da escola, o discurso seja o oposto, mas quando se vive a
escola por determinado período considerável de quatro a cinco meses,
percebe-se claramente a diferença do discurso com a prática.
78
3.3 Sala de aula: cadê a ludicidade que estava aqui?
Falar da sala de aula é preciso também a pensar em quem habita este
espaço tão particular no cenário escolar, e quais as suas aspirações.
Habitantes como professores e alunos compartilham, ou pensando melhor,
disputam a cena, na incessante busca de ensinar, para uns e de aprender,
para outros.
Para tal, trago os seguintes questionamentos, que a muito me inquieta
na escola, De quem é a sala de aula? Qual sua função no espaço escolar? O
que acontece por lá?
Para refletir tais indagações, é importante que se entenda também o que
é educar, assim considero pertinente a definição etimológica do termo
apresentada por Novaski21 em uma de suas produções, onde educar significa
―levar de um lugar para outro‖, que para o autor representa densidade de
vivências e experiências que se tem, é a interação entre duas pessoas que
configura e fundamenta um processo de ensino-aprendizagem. Quando há
esse encontro de pessoas possibilita uma possível troca de informações a
partir de mundos diferentes que se inter-relacionam e vai se acumulando em
conteúdos enriquecedores, propiciando a aprendizagem que seria a função
escolar em sala de aula.
Neste sentido de encontro interpessoal, o mútuo ―levar de um lugar para
o outro‖, leva-nos a pensar realmente em um processo de ensino e
aprendizado humano, de um ―conhecimento que se pode ter cada vez mais do
ser humano‖, ―do mundo humano‖ (Novaski, 2005), para a filosofia, diz o
mesmo autor, ―aprender o que é humano é fundamental nesse sentido: dele
derivam todas as aprendizagens‖ (2005, p. 13).
21
Augusto João Crema Novaski: Mestre em filosofia pela PUC de São Paulo, Doutor em Educação pela UNICAMP, onde leciona e chefia o Departamento de Filosofia e História da Educação, na Faculdade de Educação. Escreveu um artigo no livro organizado por Regis De Morais intitulado, Sala de aula: Que espaço é esse?19ª edição, editora Papirus, 2005.
79
Ao falar da sala de aula temos que perceber que por vezes os conteúdos
a serem transmitidos e ensinados que devem ser cuidadosamente planejados
podem e deve ser vivida a aprendizagem que antes me referia, e que é uma
das aprendizagens mais importantes na vida: o humano. É importante salientar
que o professor em sala de aula, com sua gama de títulos e conhecimentos, só
terá sentido sua presença no espaço discutido se no decorrer da profissão
professor houver encontro com gente, percebe-se que na escola o aprendizado
está deixando de ser humano na iminência de ―tornar-se instrumento com o
qual me aproprio do outro, reduzo o outro a mão de obra barata por seu eu o
dono do capital intelectual‖ (NOVASKI, 2005).
A sala de aula é um ambiente multicultural, produtor e mediador destas
culturas, nela observamos multiplicidade de valores e crenças pessoais,
conhecimentos e regras familiares num mesmo espaço coletivo, segundo
Cortella (2009), não há ser humano fora de um processo cultural, temos que
admitir que se faça necessário, considerando a escola-sala de aula um
facilitador cultural que é pertinente o conhecimento deste homem, ―em suma o
homem não nasce humano, e sim, tornar-se humano na vida social e histórica
no interior da cultura‖ (CORTELLA, 2009, p.37).
Anteriormente dissemos que é preciso ―conhecer o humano, o mundo
humano‖, para tal, a sala de aula deve favorecer este aprendizado propiciando
atitudes deste processo de acessar informações ―com o outro‖ e também
ofertar suas perspectivas ―para o outro‖. Desta forma abordando uma
pedagogia crítica, seria o mesmo que associar a educação e a sala de aula
como um processo de descentralização do professor ou no aluno, mas sim na
formação do homem, ―o que se pode fazer pelo homem de amanhã‖ (NEIRA,
2004, p.15). Se pensarmos num espaço que contribua para a transformação da
própria sociedade já sairemos a frente na possibilidade de que cada criança
presente, é um agente facilitador e transformador em suas comunidades de
origem, saindo do espaço da escola.
Ainda em Neira (2004, p.17) ―ensinar compreende o plano da relação
humana (ambiente da sala de aula), o aspecto técnico (objetivos e conteúdos)
e todos os aspectos culturais da sociedade‖, concebendo que a cultura infantil
será levada para a sala de aula e não caberá dentro do planejamento do
80
professorado, talvez devido às estruturas organizacionais, o ensinar, assim,
faltará algo de essencial, que é o de trabalhar com as várias culturas inclusive
a cultura lúdica, desfavorecendo desta forma a infância, e não contribuindo
para o desenvolvimento do ―homem de amanhã‖.
O ensino atual é impregnado da atuação do professor na preparação do
aluno para o trabalho, o que nos revela alguns momentos da pesquisa, que
cada vez mais cedo, estão instituindo-se estes valores (digo trabalho) na
instituição escolar. É quando nos preocupamos e com demasiado valor com o
ensino de nove, cujo, não possuímos opiniões contrárias, porém, temos
reconhecimentos de que a inserção do aluno com seis anos de idade no ensino
fundamental lhe garantirá mais um ano na escola, mas também lhe garantirá
mais um ano de trabalho e menos um ano de brincadeira e ludicidade — que
bem ou mal, rege a educação infantil ― que lhe cabe o direito. É notório e
sabe-se dos ideais políticos que envolvem as mudanças referentes aos níveis
de ensino, mas não me remeterei à tamanha discussão, penso que seria
preciso um novo estudo para abarcar especificamente o tema nesta esfera.
Prefiro trabalhar na proposta das conseqüências que acarretam para a criança,
a sua antecipação na entrada para o ensino fundamental.
Porém se continuar nesta estruturação de ensino, sem leituras e estudos
a respeito da faixa etária que atendemos, estaremos rompendo com a natureza
infância. Já vivemos em um período onde todas as informações estão à
disposição das crianças por diversos seguimentos tecnológicos e que fizeram e
fazem com que todos os ―segredos22‖ da vida adulta sejam revelados de forma
clara e objetiva pelos meios de comunicação, televisão, internet, telefones,
entre outros. Conforme relata Postmam (1999, p. 63), sobre o surgimento da
idéia de infância a partir da invenção da prensa tipográfica no século XVI por
Gutenberg, ―a tipografia fechou o mundo dos assuntos cotidianos com os quais
os jovens estiveram tão familiarizados na Idade Média‖, pois a partir daí inicia-
se o pensamento de que a criança deveria ser classificada como uma nova
sociedade, com roupas apropriadas, linguagem pertinente, literatura infantil,
cuidados especiais, com informações resguardadas que deveriam pertencer
22
A expressão ―Segredos‖ abordada por Neil Postman no livro ―Desaparecimento da Infância‖, quer dizer informações que deveriam ficar restritas à fase adulta, e que nem tudo as crianças deveriam saber.
81
somente aos adultos. Bem como discorre Postman a idéia de infância não
surgiu de uma hora para outra, levaram se aproximadamente duzentos anos
para se transformar num processo de aceitação de uma civilização ocidental.
Mas onde quero chegar ao expor tais fatos? Primeiro que até que
acontecesse o surgimento de infância, houve muitas atrocidades com a criança
justamente por não haver uma diferenciação entre elas (crianças) e os adultos,
tudo o que se pensava numa sociedade medieval era para ambas, inclusive os
―segredos‖, as roupas, enfim, a criança era retratada como um adulto em
miniatura, e é justamente o ponto que eu quero discutir, que escola é esta, que
invadem e transformam as nossas crianças em pequenos adultos com apenas
seis anos de idade.
Quero dizer que através das minhas leituras sobre a invenção desta
infância, estamos revivendo o passado e regredindo quando subordinamos os
alunos a horas infindáveis de reclusão nas salas de aula, quando queremos
ensiná-lo um mundo que ainda não é próprio dele estamos ―adultizando‖ este
indivíduo, e mais quando lhe tiramos algo que faz parte de sua cultura lúdica
que é o jogo, o brinquedo e a brincadeira, ao meu ver, retrocedemos a idade
média, que não se importava com suas crianças. Como o próprio Postman
(1999, p. 18) nos disse, ―os jogos infantis, em resumo, são uma espécie
ameaçada‖, isso há onze anos, e agora, o que fizemos e faremos com eles, já
que nas ruas não há mais espaço para sua utilização, a escola poderia ser o
ambiente de resgate ao mesmos.
Se nos preocuparmos com as definições etimológicas das palavras ―jogo
e brincar e brincadeira‖, veremos o caráter frívolo, de alegria, associados com a
improdutividade com o prazer acabariam abarcando ideais banalizadores em
relação e utilização dos mesmos nos espaços escolares, o que acontece nas
salas de aulas pesquisadas, os reducionismos do jogo-brincadeira.
Como mediadores deste ambiente em que estamos refletindo que é a
sala de aula, deveríamos conhecer melhor nosso aluno (quem á esta criança
de seis anos), conhecê-lo como parte ou representante de uma classe, como
um sujeito produto e produtor de uma cultura, que possui marcar do passado
onde muitas vezes é na escola que ele pretende reelaborar este futuro, e não
encontra possibilidades de expressar-se, aí intervém o movimento lúdico, como
82
forma de transformação e de liberdade de expressão em prol de dar ―voz‖ a
este aluno, seja qual for à linguagem que o mesmo se utilizará. Porém
oportunizar algo que a sala de aula silencia.
Penso numa educação permeada por um sentido mais amplo ao que se
aplica atualmente, somente a preparação para ser alguém na vida- bem
sucedido, que hoje é ser médico, advogado, empresário, é preciso ir além dos
bancos escolares, e perceber circunstancias que abarcam o conhecimento
espontâneo de uma comunidade, articulando com o conhecimento formal do
ensino escolar, mas sempre respeitando a infância à luz de suas
especificidades, uma delas é o direito de brincar, que lhe ensinará entre tantas
prerrogativas que a escola prega com veemência, a autonomia pessoal, que
em muitos espaços não lhes são dados devido ao cerceamento do movimento
lúdico.
A criança necessita agir para compreender e expressar significados
presentes no contexto histórico-cultural em que se encontra, ou seja, ao
transformar em símbolo aquilo que pode experimentar corporalmente, a criança
constrói o seu pensamento primeiramente sob a forma de ação. Por isto, a
criança necessita agir, se movimentar para conhecer e compreender os
significados presentes no seu meio. (GARANHANI, 2004).
Uma maneira de expressão corporal e movimento é o brincar, a grande
questão a ser examinada é que sempre que a brincadeira aparece na sala de
aula ela deve ser justificada pelos professores como se estivessem irregulares
em suas propostas de ensinar suas crianças, estabelecendo sempre uma
função no ato de brincar, ―[...] como uma maneira de orientar e estruturar a
aprendizagem das crianças para que elas estejam – este é o argumento -
adequadamente preparadas para a vida adulta e sejam ajudadas a aprender de
maneira apropriada à infância‖ (BRUCE, 2006, p. 223,) 23.
O brincar é visto na escola pelos professores e equipe diretiva como um
recurso mediador no processo de ensino-aprendizagem em sala de aula,
tornando-o mais fácil enriquecendo o processo das relações sociais na sala de
aula, possibilitando um fortalecimento da relação entre o ser que ensina e o ser
que aprende.
23 Tina Bruce, colaboradora de Janet Moyles em seu livro ―A Excelência do brincar‖, 2006.
83
Na aula tradicional, o professor tem a palavra como poder e a autoridade
como reforço e condutor do conhecimento onde é necessário para dar-lhe
segurança perante a turma. Não obstante, o brincar ganha espaço na aula
modelada pela criatividade, espontaneidade e desafio do pensamento da
criança, numa perspectiva mais moderna. Em tal aula, busca-se criar um
ambiente de plena estimulação, envolto num clima de respeito mútuo, no qual o
professor procura ajudar o seu aluno a estruturar sua personalidade,
autonomia, auto-estima, iniciativa própria e conhecimentos.
Todavia, o brincar, na sala de aula, acrescenta ao currículo escolar uma
série de situações que ampliam as possibilidades de o aluno aprender e
construir e estruturar o conhecimento. O brincar permite que o aprendiz tenha
liberdade de pensar e de criar para desenvolver-se plenamente.
O movimento lúdico oferecido pela possibilidade de brincar em sala de
aula gera realmente um desconforto no professor, que é habituado a manter-se
no controle destes corpos em suas disciplinas, como língua portuguesa,
matemática, ciências e outros, onde predomina a situação do poder já dito no
parágrafo anterior, submetendo à disciplinarização dos corpos e do espaço da
sala de aula dos alunos que se encontram subdivididos em compartimentos em
determinadas horas do seu dia, para executar tarefas já estabelecidas. Essa
prerrogativa de transformar o indivíduo em departamentos e separar os corpos
no tempo e espaço é relatada por Foucault. Segundo o autor, ―esses métodos
que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que realizam a
sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade-
utilidade, são o que podemos chamar as ‗disciplinas‘‖ (FOUCAULT, 1987,
p.126).
O sistema de controle aos quais os alunos estão sujeitos se mostra
articulado ao estabelecimento de regras e saberes tidos como verdadeiros e
aceitos no processo de educação como um todo, já está estruturado e
sistematizado como formas institucionais na educação incluindo no ensino
infantil, que aqui nomeamos crianças de seis anos, matriculadas no primeiro
ano do ensino fundamental.
A começar pelo mobiliário que preconiza o primeiro ano do ensino
fundamental, as mesas e cadeiras são iguais para todo o ensino fundamental,
84
do primeiro ao nono ano. Modelos idênticos, às vezes podendo diferenciar o
tamanho como é o caso da escola da rede particular de ensino que foi um dos
locais pesquisado, porém, mobiliários que potencializam a socialização e a
comunicação como na educação infantil, já não é permitido nesta faixa etária
de ensino.
Outro aspecto que ajuda a diferenciar uma rede de ensino da outra, ou
seja, a particular da municipal seria a disposição em que são arranjadas as
carteiras na sala de aula, por mais que as crianças se sujeitem a mobílias
menos infantis, numa das escolas – da rede particular- ainda se dispõe em
formas de meia lua, formando semi-círculos com demais carteiras ao meio
como segue algumas fotos.
Fig.1: escola particular de ensino/2009.
Na rede municipal a organização da classe (mesas /cadeiras) é em filas,
uma atrás da outra ficando a cargo da professora a distribuição e a maneira de
trabalhar. Uma das falas da professora é pelo motivo de que o material é muito
pesado, é feito de madeira e são extremamente grandes para que haja
mudanças diárias da distribuição das mesmas.
85
Fig.2: escola municipal de ensino/2009.
Nota-se o predomínio de atividades preparatórias para a leitura e escrita
em detrimento do brincar, desde os primeiros estágios infantis: desenhos
preparados, cópias de frases da lousa seguidas de um desenho relativo à
frase, recorte, colagem, entre outras atividades consideradas pertinentes na
sala de aula. A idéia de brincar está muito associada à Educação Física, ao
movimento e à atividade externa à sala de aula (pátio e parque) exemplifica, de
modo geral, as concepções dos profissionais de educação. Não se concebe o
brincar no interior da sala de aula, esse é o espaço privilegiado da atividade
pedagógica, caracterizando a função da escola como espaço para aquisição de
conteúdos.
Favorecer um espaço agradável para a brincadeira é função do adulto,
no caso da discussão, função das professoras que administram suas salas de
aula. O principio básico que deveria ser priorizado é a distribuição das mobílias
que como dissemos anteriormente são totalmente dispostas na intenção de
que não haja formas extensivas de comunicação. Na grande maioria há a
preocupação de se justificar momentos lúdicos dentro da sala, que é lugar para
silêncio, para corpos quietos, enfim, para o domínio do professor, sendo assim
mais fácil controlar as crianças no período em que se encontra sob seus
cuidados.
Ainda existem professores que relacionam o movimento lúdico,
momentos de descontração pelos educandos à bagunça e não a um
aprendizado. É comum observar-se cenas em que as crianças brincam
86
sentadas em suas cadeiras retratando a imobilidade e o silêncio como desejo
do adulto do controle do corpo, como que para aprender a ler e escrever
sempre fosse necessário acontecer entre quatro paredes e em absoluto
silêncio oral e corporal.
Quando se remete a falar da sala de aula é bom lembrar-se da enorme
diferença que assola os dois loci de investigação. Não vou me ater na
discussão da diferença de investimentos financeiros que há entre ambas,
porém quero memorar como ambas são preparadas para receber as crianças
de apenas seis anos de idade, ou seja, ainda vive o faz-de-conta: a Paidéia.
Clara e evidente ao adentrar as duas salas de aula percebem-se a ―tristeza‖
que se instaura diante da monocromia no ambiente da rede municipal de
ensino. Por mais que há um esforço da professora em melhorar tais aspectos
não se compara a sala da rede particular de ensino, alegres e coloridas,
recheada de atrativos, personagens nas paredes, nomes dos alunos, letras e
números destacados. Assim dá ―um pouquinho‖ mais vontade de estudar.
Fig. 3 – Rede Particular de ensino Fig. 4 – Rede Municipal de ensino
Um ponto a ser relatado e que faz diferença, é a relação entre o universo
vivencial dos alunos e o que é feito em sala de aula pelos professores que
causa tanta resistência pelos alunos, assim nos diz Cortella (2009, p. 96)
[...] é só observar a alegria com a qual chegam, algazarra no portão, os gritos no pátio; de repente, toca o sinal e vão, cabisbaixas, para a sala de aula, onde ficarão quietinhas (à força?). Toca o sinal do intervalo, saem correndo, esfuziantes, colocando em risco até a própria segurança; acabando o intervalo, retornam melancólicas [...].
87
Percebe-se a partir deste relato que os meninos adoram ir para a escola,
mas não gostam de entrar para suas salas de aula, que ali caracteriza o
momento de estudar, o ―estado de esquina de rua‖, como nomeia McLaren
(1991), caracterizado por comportamentos descontraído, sem vigilância, é a
expressão exuberante dos corpos contorcidos emanados em contatos físicos e
desgovernados. Os alunos são donos do seu próprio tempo. É uma atitude que
pode ser observada nas ruas, pátio da escola, parques que são transferidos
para dentro das escolas em momentos descontraídos, se é que eles existem
em tal ambiente.
McLaren nos relata também o momento de sala de aula como sendo o
―estado de estudante‖, onde se processa o poder de dominação dos
professores em relação aos alunos sem o uso da força. É a adoção de gestos,
disposições, atitudes e hábitos de trabalho esperado de ser estudante, cujo
principal tema é ―trabalhar duro‖. Constitui também pelo desconforto dor e
opressão, provindo da grande quantidade de tempo em que as crianças
passam sentadas nas carteiras, ao serem vigiadas pelo professor:
Fig. 5 – Rede municipal de ensino Fig. 6 – Rede Particular de ensino
Venho ressaltar que a escola consequentemente os professores nas
salas de aula, devem buscar uma harmonia entre seus métodos e estratégias
de ensino na preocupação de equilibrar o ―estado de estudante‖ e o ―estado de
esquina de rua‖, equilibrar as ânsias dos alunos com o que nós professores
queremos transmitir relacionados aos conhecimentos das disciplinas e
informações sistematizadas. Deixar o ambiente da sala de aula mais lúdico,
88
autônomo, propiciando a fala dos alunos, novas ideias, movimento de interação
e comunicação. Uma sala de aula onde o conhecimento caminha livremente. O
estado de ―esquina de rua‖ é muito animado, alegre e preferido pelos
estudantes, vejam as fotos que seguem:
Fig. 7 – Rede Particular de ensino Fig. 8 – Rede municipal de ensino
É correto afirmar que há momentos dentro da sala de aula em que os
alunos rompem as convenções pré-estabelecidas e se expressam como se
fossem donos do seu próprio tempo naquele cenário.
Uma comparação da sala de aula com outros ambientes sagrados como
cultos nos mostra como está instituído o sistema educacional, assim Cortella
(2009, p. 98-99) aponta que ―para uma infinidade de educadores, a sala de
aula é um lugar de culto, com as seguintes características‖:
[...] a sala é um lugar de uma cerimônia com rituais quase religiosos: a aula. Como no interior de um templo, requer silêncio obsequioso, um celebrante que domine os instrumentos do culto e fiéis conscientes de sua fragilidade na produção da cerimônia. [...] nesse lugar, a disposição espacial obedece à hierarquia: o celebrante à frente [...] aos fieis cabe arrumarem-se ordenadamente, em filas ou círculos [...]. É o celebrante que dá inicio ao culto, quem o dirige e quem tem poder de interrompê-lo [...]. Dos demais participantes é esperado que se pronunciem quando avocados [...].
E assim funciona a sala de aula, o professor no comando de seus fiéis
alunos, que somente pronunciam-se quando são permitidos a tal fato, e devem
comportar-se de forma organizada e respeitosa com aquele que conduz o
aprendizado — o professor. Se pensarmos nas crianças freqüentando um
destes ambientes, podemos entender o desgosto em comparecer à sala de
aula, afinal, qual seria o interesse de uma criança num espaço frio e sem
89
espaço para o movimento lúdico, para expressão corporal, maleabilidade,
oralidade enfim sem espaço para a vida, que tem se perdido na escola, a
alegria e a vivacidade.
Cortella afirma que
[...] um dos componentes fulcrais do comportamento infantil e adolescente é o lúdico (que os adultos parcialmente represamos em nós, e neles) e a amorosidade, e a sala de aula deve ser, portanto, antes de todo o mais, o lugar de uma situação com contornos amorosos: a aula (p. 101)
A sala de aula também é um lugar para relações afetivas, conflituosas,
de rejeições, paixões, confrontos, ―por isso essa sala exala humanidade e
precariedade‖24. Por ser um ambiente que circulam várias emoções e
sentimentos aqueles conteúdos que parecem fúteis aos olhos dos alunos
fazendo-os gostarem da escola e não da sala de aula, podem tornar-se
atraentes quando ensinados
3.4 Brincar e aprender: ou será brincar ou aprender?
Neste sub-capítulo, discutiremos as relações existentes entre o brincar e
as formas de ensino-aprendizagem na escola, bem como considerações de
como é explorado a brincadeira, o brinquedo e o jogo25 no cenário escolar.
A primeira infância26, em sua essência corporal, deveria ser motivo de
alegria, vivenciar o lúdico e promover prazer é transformado em incômodo para
a escola, a sala de aula deveria ser mais viva, recorrendo a uma aprendizagem
significativa que privilegiasse a criança em sua integralidade, ―[...] que é um
corpo, que sente o corpo, que vive esse corpo e que expressa suas emoções
por intermédio desse corpo‖ (CATUNDA, 2005, p. 31).
24
Cortella (2009, p. 101). 25
Jogo, neste texto será empregado como o jogo infantil, sinônimo de brincadeira e de brinquedos. 26
Aqui no texto compreende crianças de até 6 anos de idade.
90
Quando a criança perpassa a educação infantil e adentra o espaço do
ensino fundamental, as relações com a brincadeira e o movimento ficam
restritas às aulas de educação física e aos recreios, pois a partir daquela fase o
ler e escrever são o que está em pauta para o sujeito, desta forma é importante
lembrar que a criança que é inserida nas salas de alfabetização ou do primeiro
ano, possuem seis anos de idade, ainda com necessidades específicas de
envolver-se intimamente com o movimento corporal e lúdico.
O uso de atividades lúdicas é um instrumento de estimulação prático,
utilizado em qualquer fase do desenvolvimento infantil e para qualquer criança,
apresenta grandes benefícios diante dos aspectos físico, intelectual, social e
didático para a criança. Podemos afirmar que a ludicidade é uma estratégia de
ensino viável e importante, para quem trabalha com crianças e
adolescente,quem disse que o jovem que ingressam no ensino fundamental
após o sexto ano, não gostam de brincar? Os cursinhos pré-vestibulares
utilizam-se da música e instrumentos musicais para estimular a prendizagem
deste jovem, então como é possível, a professora alfabetizadora negar a
ludicidade que é tão próprio da infância na faixa etária de seis anos, que é a
idade dos sujeitos da minha pesquisa?
Desde o nascimento o ser humano percorre fases na constante busca
de construção de um conhecimento significativo. As primeiras conquistas dos
seres humanos são simbologias e passam por diferentes fases, tendo origem
nos processos mais primitivos da infância. Vale salientar que a criança aprende
pelo corpo, é através dele que explora e se relaciona com o meio em que vive.
É observando, olhando, conhecendo, tocando, manipulando e experimentando
que se vai construindo conhecimento. Este movimento lúdico permitem às
crianças identificar, classificar, agrupar ,ordenar, seriar, simbolizar, combinar e
estimar na expectativa de produzir conhecimento.
Podemos dizer que o ato de jogar e brincar acompanha a história do
homem, e a evolução para a descoberta da infância, pois este sempre
demonstrou um impulso para o jogo, portanto através dele e do brinquedo, o
mesmo reproduz e recria o meio circundante.
Desta forma, é correto dizer que a brincadeira simbólica fornece à
criança a possibilidade de ir a outros espaços, viver suas respectivas
91
experiências e voltar novamente ao seu próprio mundo. A criança, ao brincar,
exercita sua capacidade de trabalhar com fatos reais de formas cada vez mais
abstratas, bem como constrói sua realidade, tanto pessoal quanto social.
Brincando, a criança toma consciência de si mesma como ser agente e criativo.
A relação do brincar produz e reproduz emoções, possibilitando nomear e
organizar um mundo de caos para um mundo de descobertas, facilitando a
abertura para o campo cognitivo.
No jogo da busca do conhecimento, onde se pode brincar, jogar e
determinar um espaço e tempo surreal, onde tudo é possível, um espaço digno
de confiança, onde a imaginação pode desenvolver-se de forma favorável,
onde se pode viver entre o real e o imaginário, este é o lugar e tempo propício
produzir conhecimento. Na perspectiva de Santos:
[...] o grande desafio é alfabetizar a criança a partir de seu próprio cotidiano, sem deixar de lado a aprendizagem social (conhecimento elaborado historicamente), respeitando seu processo global de desenvolvimento e [...] quanto mais significativo o conhecimento for para o aprendiz, maior e mais adequada será sua relação com o mundo social e com a natureza. É bom lembrar que onde há criança, há movimento, barulho, risos e música. (1998 p.63).
Na verdade o que vejo nos ambientes educacionais é que é bem mais
fácil lidar com os corpos presos em carteiras do que com os corpos livres que
fogem do poder de controle exercido pela escola. ―O controle da sociedade
sobre os indivíduos não se faz apenas através da consciência ou da ideologia,
mas também no corpo e com o corpo‖. (FOUCAULT, 1994, p.80)
As regras e deveres são muitos e variados na sala de aula, sempre
proporcionando a distância social e corporal, não estou fazendo aqui um
discurso em favorecimento da desordem, do aprender somente através da
ludicidade e corporeidade, mas percebo que o fator transmitir conhecimento
tem acontecido somente com rigidez nos comportamentos dos
educadores/alfabetizadores, e as crianças assim buscam subterfúgios para
burlar tantas ordens a serem cumpridas.
Na infância, o corpo em movimento, o movimento lúdico, constitui o
alicerce para a aprendizagem pelo fato de administrar as significações do
aprender, ou seja, a criança transforma em símbolo aquilo que pode
92
experimentar corporalmente e seu pensamento se constrói, primeiramente, sob
a forma de ação.
Portanto é fundamental o resgate do tempo de brincar em sala de aula,
entendendo a ação como um ato educativo e como possibilidades lúdicas no
processo de construir conhecimentos, promovendo a interação da criança com
o meio, com objetos e com o outro, na qual ela possa assim construir e buscar
conhecimentos significativos ao seu mundo infantil. Temos que enxergar o
brinquedo no ambiente escolar como facilitador e mediador da aprendizagem e
deixar de vê-los como fúteis e para serem usados para preencher o tempo
livre. Segundo Friedmann (2003, p.14):
O brincar oferece-nos a possibilidade de que nos tornemos mais humanos, abrindo uma porta para sermos nós mesmos, poder expressar-nos, transformar-nos curar, aprender, crescer. O brincar surge como oportunidade para o resgate dos nossos valores mais essenciais como seres humanos [...].
Em Arribas (2004), complementando Friedmann (2003):
Os desenvolvimentos físicos e perceptivos têm uma grande importância para a criança, já que o corpo constitui a base orgânica na qual se assentará a personalidade infantil. O corpo é um instrumento que permite realizar os processos básicos de adaptação ao meio exterior e é o canal de comunicação com os demais seres humanos (2004 p. 35-36).
Tanto Friedmann, quanto Arribas, nos permitem fazer uma articulação
entre o ―brincar‖ e o ―corpo‖, em que ambos possibilitam possibilidades de
comunicação, de exploração do meio circundante, oportunidade de adaptações
externas, vínculos com a infância, são carregados de valores humanos, enfim,
estabelecem uma pareceria fundamental para o desenvolvimento e o
crescimento infantil.
O momento de transição da criança da Educação Infantil para o Ensino
Fundamental é interessante por ser tradicionalmente considerado um rito de
passagem, uma ruptura. Preocupa e inquieta-me bastante, pois a Educação
Infantil costuma ser identificada como uma ―escola para brincar‖, enquanto no
93
Ensino Fundamental considera-se que a criança já está ―pronta‖ para aprender,
segundo Kramer, 200727.
O brinquedo é parceiro inseparável da criança na brincadeira, Amorim
(1994, p. 15) através de uma observação do brincar da criança articulando com
sua forma de aprender na escola, nos revela o seguinte:
Descubro, assim, que as brincadeiras infantis são a forma própria da criança aprender e dar sentido ao mundo que encontra. Brincar é coisa séria. Do mesmo modo que para o adulto, brincar com o que não é importante não tem graça.
Quando ouvimos ou lemos a expressão, ―brincar é coisa séria‖, dita
inclusive em Amorim na citação acima descrita, e também utilizada por outros
estudiosos do assunto, gera a impressão ao censo comum que o conceito de
―seriedade‖ conota o sinônimo de ―sisudo‖, ―cansativo‖, assim a idéia de algo
que é realizado com muito esforço, com sofrimento. Para correlacionar o
contexto da expressão, apropriei-me das palavras de Cipriano Carlos Luckesi
numa de suas produções28:
[...] poderíamos configurar o sério como aquilo que é profundo, aquilo
que é cuidadoso. Então, o sério será o oposto de leviano, de
superficial, porém não o oposto de leve e de prazeroso. Leviano e
leve são coisas bem diferentes.
Diante deste conceito apresentado e das observações na escola, brincar
é uma atividade tão profunda quanto qualquer outra atividade do ser humano,
que seja cuidadosa, criativa e produtiva. Essa compreensão nos leva a não
mais desqualificar o brincar na escola em detrimento ao estudar, assim o ato
de brincar se torna sério porque é profundo. Profundo sem deixar de ser leve e
prazeroso para a criança, ou para quem se apropria do brincar.
27
KRAMER, Sonia. A infância e sua singularidade. In: Caderno de Orientações para inclusão da criança de seis anos no Ensino Fundamental de nove anos. MEC: www.portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Ensfund/ensifund9anobasefinal.pdf Acesso em junho/2007. 28
Brincar II: brincar e seriedade, este texto foi publicado originalmente em www.faced.ufba.br / RD Disciplinas / Gepel – Educação e Ludicidade, por Cipriano Carlos Luckesi
94
Brincar no ambiente escolar, principalmente no ensino fundamental, nas
turmas de primeiro ano ― crianças com seis anos de idades ― deve ser uma
prática adotada não somente nas aulas de educação física, mas também como
prática pedagógica em sala de aula. Esta criança de seis anos está no ensino
fundamental antecipadamente de acordo com a lei promulgada pelo governo
federal, somente como ato de garantir seu ingresso nas redes de ensino
público, porém não podemos banalizar o fato da faixa etária que é relevante
quando se trata de aspectos maturacionais na infância. O fato de ela estar no
ensino fundamental não que dizer que ela não deve mais brincar, devemos
considerar que é apenas uma criança que está se tornando uma vítima do
processo educacional, quando lhes tiram o direito de brincar.
É preciso destacar, como dito num dos capítulos anteriores, que a
brincadeira tem hora marcada para acontecer na sala de aula do ensino
fundamental: ―quando der tempo‖, e neste nível de ensino, sabemos que o
cenário do jogo é fundamental para levar nossos alunos a criar hipóteses,
propor soluções, internalizar idéias, conhecimentos, habilidades e
competências, assim faz-se necessário romper com a visão reduzida do
―brincar‖ na escola, adotando concepções amplas que possam permear a
prática docente. ―O brincar precisa desprender-se, libertar-se dos discursos
para ser resgatado na pele de cada brincante, no cotidiano do viver‖.
(FRIEDMANN, 2003, p.16).
Quando tratamos do assunto em questão ligando o ato de brincar com
as possibilidades de aprender, quero explicitar que aprender vai além dos
conhecimentos sistematizados em sala de aula. É preciso entender que esta
relação acontece diante do fato de a criança em primeira instância ―aprender a
brincar‖, ou seja, a brincadeira humana supõe um contexto social e cultural, ela
não é natural. Partindo desta premissa Brougère nos esclarece:
A criança está inserida, desde o seu nascimento, num contexto social e seus comportamentos estão impregnados por essa imersão inevitável. Não existe na criança uma brincadeira natural. A brincadeira é um processo de relações interindividuais, portanto de cultura. É preciso partir dos elementos que ela vai encontrar em seu ambiente imediato, em parte estruturado por seu meio, para se adaptar às suas capacidades. A brincadeira pressupõe uma aprendizagem social. Aprende-se a brincar. (2004, p.97-98).
95
É de extrema importância compreender o brincar como uma atividade
social, que permite desta forma a interação e a construção da realidade pela
criança, para não cairmos no reducionismo de que a brincadeira seja natural da
criança, mais sim na idéia de conceber a brincadeira como um produto de
diversas interações sociais desde o nascimento.
Nessa atividade humana as crianças brincam e se divertem (dimensão
lúdica). Mas, além de se divertirem, elas estão aprendendo com e pelo brincar
do outro. Uma criança que mostra sua brincadeira está ensinando como é que
se faz naquela situação e se assim o faz é porque tem alguém para aprender
(dimensão pedagógica). Divertindo-se, aprendendo e ensinando, as crianças
criam e recriam códigos e regras estabelecendo papéis sociais e condições
éticas para o brincar (dimensão cultural).
Quando brincam, as crianças estão engajadas umas com as outras
construindo e partilhando significados sobre a realidade que as circundam,
podemos dizer que toda brincadeira é uma imitação da vida real, porém,
transformada no plano das idéias e das emoções infantis.
Esta natureza social que a brincadeira se institui, advém do fato da
criança, desde a mais tênue idade possuem necessidades de se comunicar e
compartilhar de uma vida simbólica com adultos e outras crianças. O brincar é
uma atividade sociocultural, origina-se nos valores, hábitos e regras de um
determinado grupo social, a criança se apropria de um código cultural e social
do meio em que habita, através das vivencias que a elas são oportunizadas.
A partir do momento em que a criança possui o desejo de utilização de
um brinquedo que evoque a brincadeira, e que ela passe pela experiência da
posse e das negociações necessárias com os outros, ela entra no universo
social do consumo, das barganhas, do contato com o outro em prol de uma
conquista pessoal. A socialização deve ser entendida como ―[...] um processo
de apropriação e de reconstrução a partir do contato com o brinquedo‖
(BROUGÈRE, 2008, p.74). Esta construção de relações sociais e culturais, é
instituída na sociedade infantil através do suporte oferecido pelo brinquedo
para a realização da brincadeira, assim somente poderá ser percebida através
da entrega total ao jogo e do uso que se faz do objeto no processo de
transformar uma realidade vigente.
96
Como brincar não oferece à criança muitas responsabilidades, afinal
está apenas brincando, como muitos adultos assim dizem, é o momento de
entrega total à brincadeira, que favorece ao invés de normatizações, liberdade
de criação, invenção, de curiosidade e de experiências diversificadas, mesmo
em sociedades que não oportunizem as crianças os meios para isso.
É preciso entender que são etapas sequenciais na vida cognitiva das
crianças diante do processo de aprendizado, quando a criança brinca e
estabelece relação com o meio em que vive, elas se movimentam, correm,
manipulam objetos, saltam obstáculos, criam situações lúdicas que exploram
diversos aspectos corporais infantis, consequentemente, desenvolvem em suas
experiências brincantes habilidades e elementos motores que corroboram com
as facilidades no momento em que precisam aprender a ler e escrever, e
segundo Soares29 tais aspectos são fundamentais:
[...] as habilidades motoras de manipulação de instrumentos e equipamentos para que codificação e decodificação se realizem, isto é, a aquisição de modos de escrever e de modos de ler; aprendizagem de uma certa postura corporal adequada para escrever ou para ler; habilidades de uso de instrumentos de escrita (lápis, caneta, borracha, corretivo, régua, de equipamentos como máquina de escrever, computador...); habilidades de escrever ou ler, seguindo a direção correta da escrita na página (de cima para baixo, da esquerda para a direita); habilidades de organização espacial do texto na página [...] (SOARES, 2003, p.91).
Em seu texto Soares (2003) deixa evidente a importância dos aspectos
corporais na aquisição da escrita, quando relata que para aprender técnicas da
escrita é preciso desenvolver as habilidades motoras de manipulação,
aprendizagem de uma postura corporal adequada para escrever ou para ler,
habilidades de uso de instrumentos de escrita, a direção correta da escrita na
página e habilidades de organização espacial do texto na página, e enquanto
profissional de educação física, denomino tais necessidades de ―esquema
corporal‖ e não vejo outra maneira de despertar no aluno, senão através de
vivencias lúdicas.
29 Magda Soares, escritora do livro Letramento no Brasil: reflexões a partir do INAF 2001. São Paulo: Global, 2003.
97
Enxergar novas possibilidades no brincar sem cair no reducionismo,
visto na prática de muitos educadores nas escolas, permitirá ao aluno novas
experiências intelectuais, sociais e motoras, que fornecerá subsídios para a
prática do aprender a ler e escrever. Desta forma digo que o processo é
seqüencial, pois um fato articula-se ao outro, constituindo o aprendizado
infantil.
Para Vygotsky (1991), brincadeira é entendida como atividade social da
criança, que permite a construção da sua personalidade, também deve ser
percebida como uma situação imaginária precedida do contato da criança com
a realidade social.
O brincar é entendido pela criança como um desafio de situações já
conhecidas ou novas possibilidades, na obtenção de conhecimentos,
informações, habilidades, descobertas, invenções e ações. Ela usa o
movimento nas brincadeiras para relacionar-se com as pessoas e com o
ambiente. Por meio do lúdico, descobre suas emoções e a existência do outro,
suas possibilidades e limitações. Através da brincadeira, do brinquedo e dos
jogos, é possível aprimorar fatores como a cooperação, a imaginação, a
criatividade a auto-estima e o auto-controle. Porquanto, ―as brincadeiras
espontâneas de nossas crianças não são arbitrárias: são dinâmicas corporais
ligadas a territórios ancestrais de comportamento‖ (MATURANA; VERDEN-
ZÖLLER, 2004, p. 187).
Vygotsky (1991), também chama atenção para as brincadeiras que
permitem o desafio infantil, pois a ação do brincar é se suma importância para
a aprendizagem das crianças, pois o brincar é fonte de interação social e de
construção de conhecimentos que facilita e torna mais eficiente a
aprendizagem. A brincadeira favorece a criança a aquisição de novas
experiências, principalmente quando individual ou coletivamente ela cria e
recria novos jogos, brinquedos ou um novo universo.
Muito educadores ainda apresentam receios quanto à utilização dos
jogos ou brinquedos em sala de aula, devido à visão reducionista que a
sociedade educacional expressa ao brinquedo. De acordo com Kishimoto
(2003, p. 14):
98
Conforme a visão que o adulto tem da criança e da instituição infantil, o jogo torna-se marginalizado. Se a criança é vista como um ser que deve ser apenas disciplinado para a aquisição de conhecimentos em instituições de ensino acadêmico, não se aceita o jogo.
É de acordo de muitos estudiosos do jogo, da brincadeira que ambos
devem ser entendidos como uma ação livre, com fim em si mesmo, com início
e fim estabelecido pelo aluno, o prazer de jogar, mas este jogo não teria lugar
na sala de aula, pois esta ação tem um fim predestinado pelo adulto, um
resultado a ser obtido, que seria a aprendizagem, assim destina-se ao jogo a
categoria de ―jogo educativo‖, aquele que adentra a escola com fins
pedagógicos.
O que precisa ficar claro é que quando me reporto ao brincar na escola e
mais especificamente em sala de aula, quero evidenciar que a atividade não
precisa ter somente fins pedagógicos, o brincar pode acontecer em vários
ambientes da instituição, pelo simples fato de explorar a brincadeira. Desta
forma, mesmo sem objetivos específicos elencados durante a ação, ela
promove uma interação motora com a criança inquestionável, as crianças de
seis anos em plena fase motora de movimentos fundamentais (GALLAHUE,
1998), possuem características especificas da faixa etária, que é preciso ser
respeitada, pela escola. A criança nesta fase em que se encontra é
característico a necessidade de explorar objetos diversificados e ambientes
diferentes, a criança precisa vivenciar experiências motoras que favorecem a
organização dos movimentos.
Tais experiências motoras na infância são adquiridas através da ação
―brincar‖, explorando objetos que durante a brincadeira se transformará em
brinquedo, e criando situações lúdicas que permitirá o movimento corporal
espontâneo da infância.
A sequencia de ideias que trago no texto possibilita a reflexão do brincar
no cenário escolar, pensando na construção do conhecimento infantil, ou seja,
brincar é essencial na infância, através do jogo, da brincadeira possibilita uma
ação que produz movimentos corporais diversos e espontâneos, se tudo que
queremos em sala de aula é que aconteça o aprendizado da leitura e da escrita
de forma significativa, no jogo podemos encontrar tais possibilidades, favorecer
99
o encontro entre as crianças, promover a troca de informações, mesmo sendo
elas ―sobre como encaixar uma peça que estragou num brinquedo‖. Desta
forma, criam-se ambientes de socialização, de comunicação entre as crianças,
de estruturação dos esquemas corporais infantis, imbuídos na aprendizagem
escolar.
Conforme assegura Le Boulch (1986, p. 16), a construção mental de
uma criança se realiza gradualmente, de acordo com o uso que ela faz do
próprio corpo. A primeira instância, portanto, que auxilia seu desenvolvimento
intelectual, é a organização de seu esquema corporal. Isto significa que o
conhecimento do corpo deve ser compreendido não somente como algo
biológico e orgânico; que possibilita a visão, a audição, o movimento, mas
também, lugar que expressa emoções e estados superiores. Portanto, ―o
esquema corporal representa um verdadeiro marco referencial, permitindo a
cada instante, através dele, construir um modelo postural de nós mesmos‖
Aprender vai além de somente se relacionar com letras e números, para
Freire (1991) a aprendizagem formal, está presente de corpo inteiro. Pois o ser
que pensa é também o ser que age e que sente. O sujeito realiza-se e se
constrói movido pela intenção, pelo desejo, pelos sentidos, pela emoção, pelo
movimento, pela expressão corporal e criativa. Esta idéia do homem como
construtor de si mesmo marca o pensamento renascentista e coloca as
atividades humanistas como um projeto pedagógico de grande valor social. A
educação do corpo assume um papel significativo na história das idéias
pedagógicas, sendo o ser humano elemento fundamental de toda a educação.
Assim o homem instituiu várias formas de comunicação que não fosse
incorporada somente na expressão verbal, mas também possibilitando a
comunicação através do movimento lúdico.
Segundo Donaldson (1978) apud Bruce (2006, p. 224),
[...] as crianças apresentam um desempenho melhor em tarefas nas quais estão absorvidas, que produzem ―sentido humano‖ para elas. Quando as tarefas fazem parte do contexto de sua vida cotidiana, quando elas tem propósito e função, as crianças obtêm melhores resultados.Sua auto estima é mais elevada.Elas são mais confiantes[...].
100
Uma das preocupações com o aprendizado infantil faz parte deste
contexto pessoal, onde cada criança ao chegar na escola leva consigo suas
frustrações pessoais, suas limitações internas e que os professores avaliam e
trabalham com as dificuldades em sala de aula na possibilidade de assim saná-
las, a brincadeira faz esta função de modo natural para a criança, ela ensina,
leva o aluno a pensar e resolver problemas e situações de conflitos,
propiciando o desenvolvimento de capacidades jamais conhecidas por eles.
Para João Batista Freire, (1989 p. 128), ―corpo e mente devem ser
entendidos como componentes que integram um único organismo. Ambos
devem ter assento na escola, não um (a mente) para aprender e o outro (o
corpo) para transportar‖.
Como discorre Rosa30, ―sendo o corpo em movimento, o meio pelo qual
a criança se relaciona com mundo dos objetos, faz se necessário e
indispensável desenvolver a consciência corporal para estar disponível a
aprender‖ (2009, p.23). É de fundamental importância que a criança possa
expressar-se com seu corpo, em seu corpo, imaginando e reconstruindo o
movimento igual ao que faz com a palavra, a escrita ou o desenho. Mas, não
experimenta somente o seu movimento, observa os demais e reconhece o seu
valor expressivo, em relação com os outros, em relação com o grupo.
Na infância, o corpo em movimento constitui a matriz básica da
aprendizagem pelo fato de gestar as significações do aprender, ou seja, a
criança transforma em símbolo aquilo que pode experimentar corporalmente e
seu pensamento se constrói, primeiramente, sob a forma de ação
(GARANHANI, 2004).
Na condição de educadores e estudiosos, não podemos descartar algo
que está intrínseco na vida infantil, o jogo, o brinquedo e as formas de
brincadeiras que lhes são pertinentes, à escola cabe a função de propiciar o
espaço para que as crianças possam se manifestar ludicamente, não enquanto
ambiente físico, mas também possibilidades, permissão á ação de brincar, a
atividade lúdica prepara a criança para as atividades intelectuais e sociais, a
criança constrói seu corpo, identifica-se no mundo em que vive, elabora
30
Organizadora do livro: Lúdico & Alfabetização, 2009, e autora do livro: Atividades Lúdicas: sua importância na alfabetização. Curitiba: Juruá Editora, 2008.
101
hipóteses, o autoconhecimento, descobre e aprende com o outro e com
objetos, justamente pelo aspecto de liberdade que a brincadeira favorece.
Trazendo um dado da pesquisa para enriquecer o texto, em um dos dias
das observações na Escola Municipal Paraíso, um aluno brincava de trator,
espontaneamente, e sem a permissão da professora, ele próprio encontrou as
representações necessárias para a brincadeira, a carteira se transformou no
trator, a cadeira onde tinham seus pés apoiados, era o acelerador e a
embreagem como ele mesmo relatou:
[...] esse trator vai voar, aqui (cadeira) vai ser de pisar o pé e acelerar, e pra dirigir é só pegar o caderno, as estradas vai ser na fila mesmo, está transito parado, cheio de trator na fazenda. (fala do aluno Gustavo
31)
Jogar e brincar, não reporta somente benefícios físicos à criança, é uma
vivência lúdica acompanhada de interação social, afetiva e cognitiva, portanto,
concordo com Brougère ao criticar aqueles que consideram o brinquedo um
objeto fútil sem importância e assim ele defende:
Se o brinquedo é um objeto menor do ponto de vista das ciências sociais, é um objeto de profunda riqueza. A sua sombra, a sociedade se mostra duplamente naquilo que é mais, sobretudo naquilo que se dá a conhecer as suas crianças. Assim sendo, mostra a imagem que faz da infância. O brinquedo é um dos reveladores de nossa cultura, incorpora nossos conhecimentos sobre a criança ou, ao menos, as representações largamente difundidas que circulam as imagens que nossa sociedade é capaz de segregar (Brougère, 2000, p. 98).
É nesta perspectiva, do brinquedo e da brincadeira, do jogo e do
movimento que a ludicidade deve ser pensada e proposta enquanto prática em
sala de aula, deixando de ter espaço somente na hora do recreio, para fazer
parte da prática pedagógica, oportunizando a criança vivenciar a magia, o faz-
de-conta, dentro do plano real. Na narrativa de Rosa (2009, p.68), nos remete
qual é a idéia do resgate do lúdico associado com a aprendizagem:
31
Coleta de dados, na Escola Municipal ―Paraíso‖. Durante a correção de caderno pela professora, ele aproveitara o momento para brincar em seu espaço privado, a sua carteira e cadeira de madeira muito pesada e de difícil deslocamento. Captei esta fala do aluno por estar bem próximo a ele.
102
A criança deve perceber que das atividades lúdicas surgirão as atividades de linguagem oral e escrita; sem, no entanto, isso ser uma regra, estando intrínseco em cada explicação da brincadeira pela professora, em cada relato de jogo pelos alunos, na motivação do aprender pelo aprender, sem cobranças, mas brincando; é como se estivesse no seu mundo, o infantil, aquele do qual a criança nunca deveria ser tirada, a não ser quando crescesse, e não pela mídia, pela necessidade de produzir, ou necessidade de imaturamente torna-se adulta.
O processo educativo é uma interlocução entre quem ensina com quem
aprende, o que observo em minha prática é que os alunos chegam até a escola
sem vontade de aprender e a necessidade do brincar ultrapassa qualquer
tentativa de mantê-los tradicionalmente em silêncio o tempo todo em sala de
aula.Minha preocupação é que as escolas estão se fechando cada vez mais,
deixando de fora as coisas boas e agradáveis que a cercavam.
Piaget (1976) diz que a atividade lúdica é o berço obrigatório das
atividades intelectuais da criança. Estas não são apenas uma forma de
desafogo ou entretenimento para gastar energia das crianças, mas meios que
contribuem e enriquecem o desenvolvimento intelectual. Ele afirma:
O jogo é, portanto, sob as suas duas formas essenciais de exercício sensório-motor e de simbolismo, uma assimilação da real à atividade própria, fornecendo a esta seu alimento necessário e transformando o real em função das necessidades múltiplas do eu. Por isso, os métodos ativos de educação das crianças exigem todos que se forneça às crianças um material conveniente, a fim de que, jogando, elas cheguem a assimilar as realidades intelectuais que, sem isso, permanecem exteriores à inteligência infantil. (Piaget 1976, p.160).
Conforme Freire (1989, p.76) [...] ―causa mais preocupação, na escola
da primeira infância, ver crianças que não sabem saltar que crianças com
dificuldades para ler ou escrever‖. Descobrir as habilidades de saltar, correr,
lançar, subir, entre outras, é importante para o desenvolvimento pleno do
aluno, como um organismo integrado, levando-se em conta que tais
habilidades são consideradas como formas de expressão do ser humano.
A escola não deve se preocupar em ensinar essas habilidades apenas
para que o aluno saiba executá-las bem ou para facilitar a execução das
103
tarefas escolares, mas sim direcionar a aprendizagem para a formação integral
do aluno. A escola dentro de seus princípios documentais inclusive atende
todas as necessidades das crianças, inclusive a necessidade de brincar, do
movimento lúdico.
Brincar na escola é diferente de brincar em casa, tem uma importância
para a criança. Os brinquedos são do ambiente escolar, as possibilidades de
brincadeiras em grupo são maiores e várias crianças da mesma idade
costumam ficar sob a responsabilidade de poucos adultos, possibilitando
invenções de brincadeiras. Todos esses fatores influenciam os modos de
brincar e exigem uma reflexão por nós educadores. Na área da educação,
muitas vezes, a preocupação com o lúdico se manifesta apenas pela
quantidade de brinquedos disponíveis no acervo, sem se levar em conta os
significados que esses objetos carregam e quão importe é para o aluno a
manipulação dos mesmos.
O brincar na visão de Kishimoto vai além da distração e do divertimento
O brincar também contribui para o aprendizado da linguagem. A utilização combinatória da linguagem funciona como instrumento de pensamento e ação. Para ser capaz de falar sobre o mundo, a criança precisa saber brincar com o mundo com a mesma desenvoltura que caracteriza a ação lúdica (2008, p.148).
Na perspectiva desta autora, o que é importante na infância são as
oportunidades que a criança tem para brincar com a linguagem e o
pensamento, muito mais do que somente treinar na criança a aprendizagem da
língua ou formas de raciocínio. A situação lúdica livra a criança de qualquer tipo
de pressão ou punição, fazendo com que elas se mostrem naturalmente,
experimentem novas formas de falar, manipular objetos, se movimentar, enfim
executam habilidades intelectuais de forma natural que somente o jogo, o
brinquedo e a brincadeira poderiam favorecer.
Para Dewey em Kishimoto 2008, vários povos em diferentes tempos
contaram com o jogo como um segmento importante na educação das
crianças. ―Por certo, grande parte da vida das crianças é gasta brincando‖, seja
qual for a brincadeira, aquelas aprendida com outras crianças, com adultos ou
104
criadas por elas próprias. Uma criança quando imita uma rotina de um adulto é
por uma necessidade particular de entrar num mundo que a priori não é dela, e
a imitação possui valores educacionais na medida em que ensina a criança a
observar seu meio, bem como os aspectos necessários para seu
desenvolvimento, em seu livro ao falar de Dewey, Kishimoto nos trás a
seguinte fala, brincando, ―elas observam mais atentamente e deste modo fixam
na memória e em hábitos muito mais do que se elas simplesmente vivessem
indiferentemente todo o colorido da vida ao redor‖ (2008, p. 99).
Portanto a atitude escolar de deter o corpo ou reduzir o movimento
lúdico e expressão corpórea repercute uma implicação restritiva sobre a
manifestação lúdica na escola de maneira que,
Como conseqüência dessa realidade, as manifestações do brincar e
do jogar no ambiente escolar são relevadas a um segundo plano, já
que não se trata de um conhecimento socialmente eleito como útil
pela sociedade. Uma hipótese que recata de forma concisa o porquê
desse fato é a de que o brincar e o jogar encontram-se na contramão
dos processos de produção do mercado (SNYDERS, 1988, p. 11).
Seguindo o pensamento de Snyders (1988, p. 11), no qual compactuo, a
escola apresenta-se em uma função bem distinta, sendo ela a de
[...] preparar os jovens para o futuro, para a vida de adultos, em
particular, para uma profissão. Esse é o papel essencial, inicialmente
por razões econômicas e técnicas evidentes; e também porque assim
uma resposta é dada ao desejo de crescer, de ser iniciado no mundo
dos adultos, de penetrar nos segredos que os adultos detêm; a
criança sente que se prepara para inserir-se e agir entre os ―grandes‖;
tem consciência de que o que se passa na escola é valorizado pela
sociedade — e não é considerado como uma brincadeira.
A ludicidade e o prazer no momento de aprender não se apresentam
dentre as propostas de se fazer educação. A imposição de preparar nossas
crianças para o trabalho é bastante forte mesmo quando falamos de crianças
de apenas seis anos de idade, que já são inseridas na escola e, aliás, cada vez
mais precocemente, com o intuito de serem bem sucedidas em seu futuro
próximo.
105
E com esta concepção de educação, em que a escola desempenha a
função de preparar o indivíduo para ser inserido no labor, assim como relatou
Maffesoli (1999, apud GOMES, 2001, p. 49), em entrevista cedida à
Universidade da Sorbonne, o espaço para a interação lúdica fica cerceado na
escola, visto que ―o jogo se opõe ao trabalho, como aquilo que é frívolo contra
algo que é sério. A escola é uma instituição que vai dar a formação e o lugar
onde o indivíduo faz coisas produtivas‖.
Para a sociedade em geral, o trabalho passou a ter o quase único
significado de atividade produtiva e, portanto, se opondo a brincadeira. ―Até o
pensar, em nossos dias, passou a ser um ato produtivo ou um projeto de
trabalho. Nesse caso, o sentido de ―brincar à vontade‖ vinculou-se ao da
inutilidade, do desrespeito ou da não-seriedade‖ (Gomes, 2001, p.28). Desta
forma, o brincar livre não tem espaço na escola, nem partindo da perspectiva
de aprender, é visto como passatempo infantil, o brincar é inútil aos olhares do
adulto, e essencial pelos olhos da criança.
106
4. METODOLOGIA ― O CAMINHO PERCORRIDO
Ao remetermos nossos olhares para a escola, enxergamos uma
diversidade de situações a serem investigadas em prol de levantar de dados,
analisá-los e interpretá-los de maneira a responder inquietações de tal
comunidade. Para tal foi preciso planejar a investigação seguindo etapas
fundamentais para validar os estudos de forma a ser aceito pela ciência.
Investigar o campo da escola e suas ações faz parte de uma
investigação social, que significa ingressar num espaço polêmico por sua
diversidade de questões que devem ser apontadas e resolvidas pelas
pesquisas, diante de fatos reais.
Para Minayo (2006, p. 47) ―é a pesquisa que alimenta a atividade de
ensino. Pesquisar constitui uma atitude e uma prática teórica de constante
busca [...]‖. Ao pesquisarmos, estaremos em contato com as diferentes
realidades que jamais se esgota, ―[...] fazendo uma combinação particular entre
teorias e dados, pensamento e ação‖.32 Pesquisar nos coloca frente à realidade
do mundo e constantemente atualizado em prol das indagações e construções
da realidade.
A escola é repleta de fatos reais e componentes de um grupo social em
constantes mudanças e representações, assim, podemos dizer que nela aplica-
se a pesquisa social com o intuito de investigar o ser humano em sociedade,
suas produções culturais e simbólicas. Investigar vem neste momento como
uma forma de respondermos a questões pessoais que nasceram de um fato
real específico e observado no campo escolar. Para retratar a pesquisa social,
utilizar-se-á da abordagem qualitativa pela qual há uma proximidade com o
campo social, podendo assim desenvolver a proposta de investigação dentro
das etapas científicas, verificando as características estabelecidas pelos
32
Id, Ibid, p. 47.
107
métodos frente ao objeto de estudo a ser investigado pelo pesquisador,
proporcionando a credibilidade e veracidade dos fatos e analises.
A abordagem qualitativa permitiu um olhar multifocal do processo de
educação em sala de aula, com o uso de técnicas da Etnografia e com o
emprego de técnicas específicas a esta metodologia, possibilitando um quadro
geral do contexto social do lócus da pesquisa.
A particularidade deste estudo visa compreender e correlacionar à
escola e mais especificamente a sala de aula do primeiro ano do ensino
fundamental, na perspectiva da ludicidade, verificando como o brinquedo e a
brincadeira são percebidos no universo escolar, particularmente da infância e
regidos por adultos, aqui, os professores-sujeitos desta pesquisa.
4.1 Sujeitos: os atores
Participaram deste estudo quarenta e cinco crianças matriculadas no
primeiro ano do Ensino Fundamental, portanto pertencentes à faixa etária de
seis anos, cuja foi selecionada para a pesquisa, pelo motivo de que são
crianças que constituem a transição que aqui utilizei como ―rito de passagem‖,
ou seja, a transposição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental, cuja
em minha práxis escolar, pude averiguar que esta faixa etária ficou vulnerável à
ruptura do brincar na fase educacional em que se encontra, na qual há uma
necessidade de cumprir conteúdos referentes à escolarização quando os
aspectos lúdicos e expressivos foram destituídos do processo da infância.
Para explicar melhor, os sujeitos foram escolhidos entre dois espaços de
pesquisa, ou seja, uma escola da rede particular e outra da rede municipal de
ensino da cidade de Sinop no Estado de Mato Grosso. Elegemos vinte e um
alunos (21), destes, catorze (14) do sexo feminino e sete (7) do sexo masculino
pertencentes à escola particular e vinte e quatro (24) alunos, sendo, quinze
(15) do sexo feminino e nove (9) do sexo masculino procedente da escola
municipal.
108
Sabe-se que a principio os sujeitos correspondem a um número bastante
elevado para a investigação, mas segundo Minayo 2006, pode-se considerar
que uma amostra qualitativa ideal é a que reflete a totalidade das múltiplas
dimensões do objeto de estudo, que no caso são os comportamentos dos
estudantes na sala de aula. Alguns critérios foram observados na escolha dos
sujeitos, como,
[...] (b) assegurar que a escolha do lócus e do grupo de observação e informação contenham o conjunto das experiências e expressões que se pretende objetivar na pesquisa; (c) privilegiar os sujeitos sociais que detêm os atributos que o investigador pretende conhecer; (d) definir claramente o grupo social mais relevante, ou seja, sobre o qual recai a pergunta central da pesquisa, centralizar nele o foco das entrevistas, dos grupos focais e da observação; (e) dar atenção a todos os outros grupos que interagem com o do foco principal, buscando compreender o papel de cada em suas interações.
33
Desta forma consideramos uma quantidade elevada de sujeitos e depois
conhecendo melhor o campo de pesquisa, pudemos focar naqueles que
forneceram dados relevantes e não desprezar os coadjuvantes que interagiam
com os demais alunos em todos os momentos da investigação, gerando fatos
para a pesquisa. Foi importante começar o estudo de tal forma, pensando em
possíveis desistências dos alunos nas aulas, principalmente na escola pública,
e outros imprevistos como a não autorização dos pais na referida pesquisa.
Para a observação fizeram parte todos os alunos do primeiro ano do
ensino fundamental de ambas as escolas. Para a entrevista foram
selecionadas cinco (5) crianças de cada escola, seguindo os critérios de
focalizar no grupo que mais apresentou informação relevante ao objeto de
estudo. Desta forma, para preservar a identidade das crianças entrevistadas
adotei um formato de siglas que se procedeu da seguinte maneira:
33
Minayo, 2006,p. 197.
109
NOME ESCOLA
SEXO
SIGLA
ADOTADA
Aluno 1 (AL 1) Particular (P) Masculino (M)
Feminino (F)
AL1-P-M
AL1- P-F
Aluno 1 (AL 1) Municipal (M) Feminino (F)
Masculino (M)
AL1-M-M
AL1- M-F
Professora
(PROF)
Municipal Feminino PROF-M
Professora
(PROF)
Particular Feminino PROF-P
Fonte própria.
4.2 A escola: o cenário
Para as inserções da pesquisa, foram escolhidas duas escolas da
cidade de Sinop/Mato Grosso: o Colégio ―Cristhiane Archer Dal‘Bosco‖, parte
da rede particular de ensino, onde estão sendo realizada a observação de vinte
e um alunos (21), destes, catorze (14) do sexo feminino e sete (7) do sexo
masculino.
A entrada no ambiente da pesquisa, neste, em particular, foi tranqüila,
devido já fazer parte do meu convívio pessoal, porém gerou uma confusão por
parte da equipe diretiva e da professora da sala de aula na questão de tentar
me abordar como uma auxiliar da turma, inicialmente colaborou com algumas
submissões até que todos pudessem entender a verdadeira função do
pesquisador. Após trinta dias da minha presença em sala de aula, todos se
adaptaram e não percebiam com tanta veemência minha estada.
A escola está localizada na região central da cidade, compreendendo de
um prédio com dois pisos de estrutura física, quadra poliesportiva, uma piscina
pequena de uso da educação infantil, gramados arborizados, campo de futebol,
área para lanche com cantina, laboratório de informática, salas de aula e
110
biblioteca. Enfim um espaço que favorece o movimento lúdico dos escolares
em perfeitas condições de práticas.
Mais especificamente o lócus da pesquisa ― a sala de aula ― é muito
agradável, com uma boa ventilação e luz natural que ilumina o espaço. As
paredes são multicoloridas, cartazes ilustrativos, painéis com desenhos, figuras
e imagens. Letras e números completam o cenário alegre e acolhedor.
Seguindo na apresentação do espaço, as carteiras são dispostas em um
semicírculo, ao redor das duas paredes laterais e do fundo da sala, e o restante
no meio do semicírculo em duas fileiras de frente para o quadro, e assim
permaneceram todos os momentos que foram solicitados pela pesquisadora.
O segundo lócus de interferência do estudo foi a Escola Municipal
―Jardim Paraíso‖ da rede pública de ensino, cuja análise fez-se com vinte e
quatro (24) alunos, sendo, quinze (15) do sexo feminino e nove (9) do sexo
masculino. Aqui, a entrada da pesquisadora foi permitida após a apresentação
do cronograma de pesquisa e da carta de apresentação pela instituição que
promoveu a investigação.
A escola municipal segue um padrão de arquitetura de escolas públicas
da cidade, ou seja, salas de aula construídas sem ventilação, com janelas
basculantes situadas nas duas laterais da sala, porém em uma altura
considerável, que dificulta a entrada e a circulação de ar, transformando o
prédio em um ambiente inóspito, considerando o clima quente de Mato Grosso.
Nas paredes, com alguns cartazes referentes aos conteúdos trabalhados, a
sala possui uma pintura acinzentada deixando o local escuro e ―triste‖. Existem
acima do quadro verde, o alfabeto e alguns números.
As carteiras são desproporcionais ao tamanho das crianças, são
grandes e altas demais, além de pesadas pelo fato de ser feitas de madeira,
tornando assim quase impossível a constante troca de disposição das mesmas
pelas crianças, somente com a colaboração da professora, portanto
permaneciam dispostas sempre em colunas.
Senti uma resistência da professora em me aceitar em sala de aula,
mesmo após a liberação da direção. Esse desconforto foi-me possível
perceber, no momento em que entrei na sala de aula, mesmo após uma
semana de muita conversa, houve a tentativa de encaminhar a aula em
111
conformidade com os pontos da minha observação, até mesmo as crianças
foram ―preparadas‖ para me receber em sala de aula, na condição de que
estariam sendo vigiadas, e que, portanto, deveriam manter-se em silêncio.
O tempo, aliás, pouco tempo de participação daquele grupo, as
―máscaras‖ desvelaram a verdadeira identidade de cada um, ou seja, a
professora em dez dias trabalhava normalmente com as crianças, de forma
natural e os alunos já não me perguntavam mais se eu ia contar para a diretora
quem bagunçava em sala de aula. Foi quando comecei efetivamente as
observações e coleta de dados, após a confiança, melhor seria, ― a permissão
― dos sujeitos da pesquisa, após eu ser aceito pelo grupo.
Tais campos diversificados de pesquisa foram selecionados justamente
para propiciar a observação de duas realidades sociais distintas, na intenção
de averiguar se há estratégias de ensino diferentes quanto ao tratamento dos
corpos escolarizados e quanto ao aparecimento da ludicidade nestas
instituições no ambiente sala de aula.
Mesmo com a autorização da instituição para a entrada em campo,
segui os critérios que foram citados por Bogdan e Biklen (1994), que motiva
uma boa relação entre os sujeitos da pesquisa e o investigador, fazendo com
que haja colaboração e que os pesquisados sintam-se a vontade e sintam que
o ajudaram na investigação. Desta forma é preciso conversar com os
investigados tanto as crianças quanto os adultos obtendo a autorização para
realizar o estudo.
4.3 A cena investigada: ações metodológicas
Tendo em vista meu foco de estudo ser no ambiente educacional e
abarcar uma pesquisa social, a investigação foi realizada através da
abordagem qualitativa, que com este tipo de abordagem é de fundamental
importância no processo de investigação escolar, buscando fonte direta dos
dados no ambiente natural por um longo período e o investigador se preocupa
em freqüentar os locais de estudo para aproveitar todas as ocorrências no
112
contexto habitual dos sujeitos, como os rituais que procedem da sala da aula.
Preocupei-me muito mais com o processo de investigação em si, do que
simplesmente com resultados da pesquisa, propriamente ditos.
Para Bogdan e Biklen, (1994, p.48)
os investigadores qualitativos freqüentam os locais de estudo porque se preocupam com o contexto‖, vai muito além de apontar uma determinada ação, ele quer investigar também fatos que influenciam e determinam certos comportamentos dos sujeitos.
Segundo Minayo (1995, p. 21-22) a abordagem qualitativa permite que o
investigador utilize-se da sua percepção e intuição no momento da coleta de
informações no campo da pesquisa, para analisar o contexto e as suas
relações que se estabelecem, sendo, portanto, possível descrever e interpretar
as situações:
[...] a pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado, ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.
Com este procedimento foi possível coletar os dados em forma de
palavras e imagens, ou seja, como a investigação qualitativa é descritiva,
sendo abordada de forma minuciosa, detalhando as situações que foram
observadas como gestos, conversas, comportamentos e, detalhes da sala de
aula. Assim, nada foi desprezado durante as incursões nas escolas. Como
relata Minayo, ―esse tipo de método que tem fundamento teórico, além de
permitir desvelar processos sociais ainda pouco conhecidos referentes a
grupos particulares, propicia a construção de novas abordagens [...] e
categorias durante a observação‖.
Devido ao tipo de análise que realizei no espaço escola, interpretando os
fatos observados, descrevendo-os durante e após observações diretas com os
dois grupos de sujeitos escolhidos, a abordagem qualitativa do tipo etnográfica
incorpora o estudo delineando a pesquisa. Sabe-se que pesquisas etnográficas
113
envolvem longos períodos de observação, um a dois anos, preferencialmente,
portanto neste estudo, para melhor esclarecer adotamos moldes de uma
etnografia, porém ela consta do ―tipo‖ etnográfica.
A etnografia como abordagem de investigação científica traz algumas
contribuições para o campo das pesquisas realizadas em grupos escolares,
mesmo em grupos pequenos, pois possibilita a revelar as relações e interações
ocorridas no interior da escola cujo objetivo é registrar, acompanhar e
encontrar significados para as ações observadas. Segundo Cohen e Manion
(1990) apud Triviños e Neto (1999), ―a etnografia é particularmente importante
nos cenários educativos‖ e ―a credibilidade também é garantida pela fidelidade
à informação e a validez interpretativa‖, creditando no investigador a
responsabilidade de interpretar os fatos e contraste com referências
bibliográficas estabelecer um significado plausível de cientificidade.
Etnografia compreende o estudo, pela observação direta e por um
período de tempo, das formas costumeiras de viver de um grupo particular de
pessoas: um grupo de pessoas associadas de alguma maneira, uma unidade
social representativa para estudo, seja ela formada por poucos ou muitos
elementos. Encaixa-se perfeitamente nesta investigação por estudar
preponderantemente os padrões mais previsíveis do pensamento e
comportamento humanos manifestos em sua rotina diária; estuda ainda os
fatos e/ou eventos menos previsíveis ou manifestados particularmente em
determinado contexto interativo entre as pessoas ou grupos.
Para estarmos na categoria de pesquisa do tipo etnográfica seguimos o
que é exigido, ou seja que o trabalho apresente algumas características como:
a) uso de técnicas (associadas a observação participante, a entrevista
intensiva, analises de documentos que são características próprias das
pesquisas qualitativas), b) pesquisador como instrumento principal na coleta e
na análise dos dados, c) ênfase no processo e não nos resultados, d)
preocupação com o significado atribuído pelos sujeitos às suas ações, e)
envolve um trabalho de campo e finalmente outras características importantes
que são a descrição e a indução. (Oliveira e Gomes, 2005)34
34
Sonia Cristina de Oliveira, Cleomar Ferreira Gomes - Sonia Cristina de Oliveira: Psicóloga no Estado de Mato Grosso. Mestre em Educação pela UFMT. Especialização em Psicopedagogia
114
Conforme Ferreira (1986) define a etnografia como ―estudo e descrição
dos povos, sua língua, raça, religião e manifestações materiais de sua
atividade; descrição da cultura material dum determinado povo‖. Ou seja, é a
descrição de determinados aspectos da cultura sem que se faça juízo de valor.
Para validar a pesquisa qualitativa do tipo etnográfica, utilizou-se de
instrumentos que puderam corroborar com a investigação proposta, ou seja,
entrar em sala de aula para realizar observações de comportamentos, fatos,
gestos e situações que impôs a pesquisa, no intuito de buscar aspectos do
movimento lúdico em sala de aula. Oportunizou o trabalho investigativo com
mais profundidade na entrevista com as duas professoras e algumas crianças,
onde voltarei a abordar a quantidade entrevistada, e a utilização de imagens
através da fotografia.
Uma das técnicas de coleta de dados empregadas no estudo foi a
observação participante, pois, nem tudo podemos verificar através de
documentos ou entrevistas, e devem ser observados na realidade, segundo
Minayo (2006, p. 273), ―a observação participante pode ser considerada parte
essencial do trabalho de campo da pesquisa qualitativa‖, favorecendo assim a
compreensão de situações reais. Schwartz & Schwartz apud Minayo (2006, p.
274) conceitua a observação participante da seguinte forma:
Definimos observação participante como um processo pelo qual mantém-se a presença do observador numa situação social, com a finalidade de realizar uma investigação científica. O observador está em relação face a face com os observados e, ao participar da vida deles, no seu cenário cultural, colhe dados. Assim o observador é parte do contexto sob observação, ao mesmo tempo modificando e sendo modificado por este contexto (1955, p. 355).
De acordo com Minayo, Viana (2003, p. 50) também conceitua a
observação participante como sendo aquela que o observador é parte dos
eventos que estão sendo pesquisados, e para Wilkinson, 1995, (apud Viana
2003, p. 50):
pela UNIC e Especialização em Dinâmica de grupos pela UFMT. Professora no Curso de Direito da Universidade de Cuiabá – UNIC. Cleomar Ferreira Gomes: Professor Doutor da Universidade Federal de Mato Grosso do Programa de Pós-Graduação em Educação. A ABORDAGEM DE PESQUISA ETNOGRÁFICA: REFLEXÕES E CONTRIBUIÇÕES. Publicado em 18/07/2005 16:19:00.
115
Este tipo de observação possibilita a entrada em determinados acontecimentos que seriam privativos e aos quais um pesquisador estranho não teria acesso e permite a observação não apenas de comportamentos, mas também de atitudes, opiniões, sentimentos, além de superar a problemática do efeito do observador.
Vale ressaltar que foram seguidas as orientações concebidas por
Bogdan e Biklen (1994), para a entrada no campo de investigação, inclusive
estabelecendo alguns cuidados como, não chegar ao ambiente a ser
observado de forma invasiva, permanecendo ―distante‖ até que todos o
observem e seja aceito. Os primeiros dias observados foram complicados no
sentido de que muita informação foi dada a criança principalmente na escola
municipal, até mesmo na perspectiva de que a pesquisadora era uma pessoa
que estaria no local para cuidar da bagunça e relatar para a direção da escola.
Nos primeiros cinco dias foram realizadas as incursões por cerca de
uma hora, seguindo orientações de Bogdan e Biklen (1994, p. 133), ―nos
primeiros dias, limitei as sessões a uma hora ou menos, a medida que a
confiança e os conhecimentos crescem, aumente também as horas do período
de observação‖. Após a quinta sessão em ambas as escolas as sessões
investigativas passaram a compreender entre 13h e 17h, totalizando assim
quatro horas diárias, por dois dias na semana, alternando o lócus da pesquisa.
Ao final, as incursões totalizaram 64 horas de observação na rede
particular de ensino e 52 horas de observação na rede municipal de ensino. As
sessões aconteceram após o início mês de agosto e terminaram no dia quinze
de dezembro do ano de 2009, portanto totalizaram quatro meses e quinze dias
participando do ambiente escolar dos sujeitos estudados.
Outros instrumentos que foram fundamentais para a análise dos dados
juntamente com as descrições de campo foram: fotos e entrevista semi-
estruturada com as professoras e alunos de ambas as escolas. A transcrição
das coletas foram descritivas, permitindo detalhar o contexto observado em
toda a sua amplitude e riqueza de fatos, abordando de forma minuciosa gestos,
falas, comportamentos, olhares, obter percepções das crianças e professoras.
A função do investigador na pesquisa etnográfica é de intérprete da realidade
que ele está observando, ou seja, de dados empíricos, retirados de contextos
sociais reais.
116
A entrevista35 com os alunos transcorreu tranquilamente, sem nenhum
entrave, foi realizada no próprio ambiente escolar para que os entrevistados
não tivessem constrangimentos e individualmente para que não houvesse
influencia nas respostas de um e de outro. Com a autorização da escola e dos
entrevistados pude gravar o diálogo realizado. Já com as professoras, precisei
de um cuidado maior ao abordá-las, utilizando-me de estratégias para deixá-las
à vontade durante a entrevista, então comecei a conversa de forma bem
informal e quando percebi certa disposição das mesmas, iniciei. A forma de
posicionar seus corpos rigidamente diante da pesquisadora foi um sinal
comportamental de resistência à entrevista, assim como o ―soltar de braços‖,
relaxar o corpo na cadeira e parar de balançar os pés, foram evidencias
observadas como um sinal de cooperação com o processo de entrevista.
A entrevista seguiu no modelo semi-estruturada, proposto por Bogdan e
Biklen (1994), ou seja, a entrevista foi realizada informalmente de maneira que
a entrevistada pudesse discorrer de maneira autônoma, especialmente, por
estar falando sobre sua prática docente. Desta forma, foram oportunas as
sessões de observação antecedentes à entrevista, pois na medida em que
houve um clima de estímulo e de aceitação mútua, as informações fluíram de
maneira notável e autêntica.
Como relatam Ludke e André, (1986, p. 33-34), ―a grande vantagem da
entrevista sobre outras técnicas é que ela permite a captação imediata e
corrente da informação desejada, praticamente com qualquer tipo de
informante e sobre os mais variados tópicos‖.
A entrevista com os sujeitos foram pensadas na possibilidade de serem
analisadas em conjunto com a observação participante e não como forma
dominante na coleta de dados. Foi utilizada para recolher dados descritivos na
linguagem dos sujeitos ―permitindo o investigador desenvolver intuitivamente
uma idéia sobre a maneira como os sujeitos interpretam aspectos do mundo‖.
Como a entrevista partiu de uma observação já realizada, foi mais fácil a
abordagem, pois já havia uma relação amigável entre pesquisador e
pesquisados.
35
Segue em anexo a entrevista realizada com alunos e professoras.
117
Para criar um ambiente de maior informalidade, foi utilizado como
recurso a gravação (com a permissão dos responsáveis dos sujeitos),
possibilitando uma conversa sem interrupções para quaisquer anotações.
O objetivo maior era colher informações tanto das crianças quanto das
duas professoras em questão, de forma mais fidedigna possível, sem
contaminações por parte do pesquisador e do meio externo que pudessem
alterar os dados. Ao tratarem de pesquisa participante ou etnográfica, Bogdan
e Biklen (1994, p. 134) afirmam que a entrevista é utilizada para coletar dados
descritivos na linguagem do próprio sujeito e que existem duas maneiras de se
realizar entrevistas dentro da investigação qualitativa ― como estratégia
dominante ou juntamente com observação participante, análise documental
entre outras, esclarecendo assim, que pesquisa qualitativa não acontece
apenas por meio de entrevistas.
Para dar voz aos sujeitos36 a entrevista se mostrou bastante significativa
mediante a abordagem qualitativa do tipo etnográfica, pois, ―ela tem o objetivo
de construir informações pertinentes para um objeto de pesquisa, e abordagem
pelo entrevistador, de temas igualmente pertinentes com vistas a este objeto‖.
Como uma técnica privilegiada de comunicação, a entrevista esclareceu e
complementou determinados comportamentos observados e que necessitavam
de uma informação mais precisa por parte do sujeito.
No caso específico desde estudo, houve a preferência por elaborar uma
entrevista semi-estruturada37, na tentativa de favorecer com que os sujeitos
entrevistados pudessem discorrer mais tranquilamente sobre os assuntos
tratados, referentes ao brincar e suas possibilidades na sala de aula.
A entrevista semi-estruturada, como conceitua Minayo, (2006, p. 267)
―obedece a um roteiro que é apropriado fisicamente e utilizado pelo
pesquisador. Por ter um apoio claro na seqüencia das questões [...], facilita a
abordagem e assegura aos investigados [...]‖
As imagens se postaram fundamental na investigação pelo fato de
registrarem comportamentos que muitas vezes os olhos não vêem. As imagens
devem ser uteis também ao analisar mobílias, disposições das carteiras, 36
Os Sujeitos da investigação compreendem duas professoras do primeiro ano do ensino fundamental e as crianças que freqüentam a escola nesta turma, na faixa etária de seis anos. 37
Segue em anexo o roteiro da entrevista, realizada com os alunos e professores.
118
organização geral da sala de aula para que detalhes possam colaborar na
triangulação dos dados obtidos. A princípio todas as crianças queriam ser
fotografadas. Na voz desses meninos eu era ―a tia da foto‖, aproximadamente
três ou quatro sessões, as crianças se acalmaram e eu já conseguia produzir
um material fotográfico com mais tranqüilidade, sem ser notada.
Para a análise recorrente da pesquisa, a descrição dos dados
observados nas escolas foram minuciosamente considerados, criando
categorias mediante as várias situações coletadas em sala de aula
principalmente referente ao brincar e suas particularidades.
Para a triangulação de dados obtidos, considerando que estar inserido
no espaço de vivência do grupo pesquisado permitiu interpretar
comportamentos dos alunos diante das ações da professora, comportamentos
dos alunos com a interação com outras crianças e impressões do investigador
com os aspectos comportamentais de alunos e da professora, criei categorias
para compreender as divisões dos momentos em sala de aula, como meus
sujeitos são as crianças, me apropriei da denominação de McLaren (1991),
quando desenvolve juntamente com outros estudiosos, o conceito de ritual, que
o define como sendo parte da vida social, é preciso de uma sistematização dos
tempos escolares criando uma rotina, para a organização do ambiente.
Como na pesquisa qualitativa de natureza etnográfica costumam gerar
um grande volume de informações, e sua coleta de dados é eclética, ou seja,
permite o uso de várias técnicas ― ―triangulação‖ (COHEN e MANION, 1990
apud TRIVINOS E NETO,1999), foi necessário confrontar notas de campo,
fotografias e entrevistas para a conclusão do estudo, considerando todos os
fatos inter-dependentes. No momento da interpretação nada pode escapar à
análise. Todas as observações devem ser tratadas com devida importância,
atribuindo significados aos dados que precisam ser desvelado.
119
5 DISCUSSÃO DOS DADOS: INTERPRETANDO OS EPISÓDIOS
Com o encerramento das observações e do processo de entrevista com
as professoras e com os alunos finaliza-se também uma etapa da pesquisa,
assim ocorre a minha retirada do campo de investigação no dia 15 de
dezembro de 2009, logo após ter recolhido uma quantidade significativa de
informações sobre a estrutura escolar e também a respeito do grupo de alunos.
Desta maneira pude iniciar a tarefa de apreciação das informações
coletadas durante a estada no campo de investigação. Os dados que foram
recolhidos partiram de uma organização prévia do roteiro de observação e um
roteiro inicial de entrevistas com três sujeitos diferentes, ou seja, pais, alunos e
professoras. E para complementar a triangulação dos dados, me apoderei sob
a autorização dos sujeitos registrar além do diário de campo, mas também
através do recurso da máquina fotográfica.
A organização e análise dos dados, a partir das idéias de Minayo (1994),
sempre foram tratadas simultaneamente, caracterizando um mesmo estudo
que em parte objetiva estabelecer uma compreensão dos dados coletados,
permitindo responder ou não as proposições apresentadas no início da
pesquisa e ampliar o conhecimento do assunto, numa contribuição para
pesquisa social.
A análise dos dados, neste estudo foi conduzida por momentos de
leitura dos dados e da busca de categorias que respondessem o objetivo
proposto. Foram realizadas várias leituras de todo o material coletado, a
princípio sem o compromisso de sistematização, mas tentando apreender de
uma forma geral as idéias principais e os seus significados. Nesta fase da
análise existiu uma interação significativa do pesquisador com o material de
análise, promovendo uma melhor assimilação do material e elaborações
mentais que forneceram indícios iniciais no caminho a uma apresentação mais
sistematizada dos dados.
Posteriormente, novas leituras foram elaboradas mais exaustivamente
sendo identificados temas mais significativos, emersos dos dados. A partir
120
desta identificação, procurou-se estabelecer conexões entre esses temas com
os objetivos propostos pelo estudo e essas emergiram totalmente do contexto
das respostas dos sujeitos da pesquisa, o que inicialmente exige do
pesquisador um intenso ir e vir ao material analisado e teorias que norteiam o
estudo.
As leituras dos dados recolhidos apontaram para a constituição de
categorias temáticas para a apuração e discussão final dos dados através de
inferências particulares de cada grupo de dados estudado, sendo entrevistas
com pais, professoras e alunos, e o grupo das observações realizadas em sala
de aula, onde para guiar a criação das categorias de análise é preciso que o
pesquisador, além da leitura atenciosa seja sensível ao que está implícito nas
vozes dos sujeitos e também possua a capacidade de interpretar e intuir o que
presenciou durante todo o período de observação e entrevistas.
A triangulação das informações coletadas permitiu estabelecer temas
que colaboraram para o entendimento do estudo. A compreensão dos dados foi
possível após o entendimento do que se observou no campo de estudos, o que
se ouviu nas entrevistas e o que está implícito nas vozes e comportamentos
dos sujeitos, chegando às seguintes categorias:
Posso brincar? Permeiam as vozes dos sujeitos sobre a brincadeira;
Escola, para que te quero? Abordam as intenções de se freqüentar a
instituição escolar;
O ritual escolar. São as notas de campo que interpretam as vozes dos
sujeitos e relatam as rotinas das escolas observadas.
Para facilitar o entendimento durante as análises, as vozes dos sujeitos
estarão escritas em itálico e recuadas, seguindo as siglas já determinadas.
Assim segue a categorias estabelecidas no estudo:
121
5.1 Posso brincar?
Para esta categoria o entendimento se deu a partir dos questionamentos
feitos com as crianças, professoras e pais, pelos quais tentarei esboçar seus
pensamentos, ideias e sugestões, estabelecendo uma interlocução com os
teóricos.
A brincadeira para muitas pessoas seja de qualquer nível social
existente, é percebida como algo que se atribui a ―não seriedade‖ no sentido de
reduzir sua essência de liberdade e de atemporalidade. A impressão que se
tem é que as crenças e os preconceitos dos adultos em relação ao brincar,
principalmente a relação deste com o fracasso escolar, foram internalizados
pelas crianças. As afirmações das crianças como “na sala de aula não é lugar
de brincar”, de que “quando brinca não aprende”, entre outras, bem como as
atitudes dos adultos em relação a isto, parecem indicar que o ―brincar‖ na
escola ainda é concebido como sinônimo de ―desordem‖, de algo que não é
necessário neste espaço. As duas professoras quando questionadas sobre o
brincar em sala de aula foram diretas em suas respostas:
PROF-M: “Eu sei que é importante brincar com os meninos, mas, como tem educação física à gente até não se preocupa muito, eles já vão à aula, então fica pra professora trabalhar mesmo. Até porque não dá tempo, além de ensinar leitura escrita, já pensou ainda ter que brincar com eles”. PROF-P: “Porque apesar de gostar muito do material positivo, vem muito conteúdo, conteúdo, para trabalhar com as crianças e o tempo, tem atividades que você programa para ser feita em uma hora, mas as crianças não fazem às vezes vai a tarde toda, tem que respeitar eles. Por conta do conteúdo eu tenho que vencer a apostila, acabo brincando pouco”
Mesmo reconhecendo os aspectos positivos da brincadeira, as
professoras em detrimento dos conteúdos cognitivos, ditos como ler, escrever e
calcular, suprimem a brincadeira em suas aulas, estimulando as crianças a
procurarem subterfúgios para utilizar-se do brincar longe dos olhos das
professoras.
122
É preciso entender o jogo e a brincadeira como um instrumento que
facilita as ações mentais da criança, ou seja, deixar a criança motivada a usar a
inteligência, superar limitações de construções mentais ou emocionais, como
diz Ide38 (2010, apud KISHIMOTO, p. 107, 2010), ―estando mais motivados
durante o jogo, ficam também mais ativas mentalmente‖
Vejo que o jogo pode ser visto como um facilitador da aprendizagem e
desenvolvimento infantil, apesar da grande discussão entre o jogo lúdico e o
jogo educativo. Penso que a diferença entre ambos os conceitos está na visão
e objetivos que os adultos estabelecem sobre o brincar ou jogar em sua sala de
aula, pois para a criança, brincar é simplesmente ―brincar‖, tem fim em si
mesmo, é autotélico, que contamina a brincadeira é o olhar adulto perante a
atividade lúdica.
A brincadeira se põe para a criança dando-lhes a liberdade de re-
construção e organização, é possível preservar sua essência e estabelecer
conexão com as aprendizagens. É preciso compreender que os jogos
pedagógicos, apesar de tudo não possuem um conhecimento pronto e
acabado, eles esboçam um saber em potencial que cabe ao brincante ativar ou
não.
Outro aspecto sobre o material pedagógico que é importante ressaltar é
que ele é sempre dinâmico entendendo que a capacidade de imaginar e criar é
subjetiva, ou seja, parte do processo simbólico de cada aluno. Assim é possível
brincar, preservar o movimento lúdico e ―não perder tempo‖, como dá a
entender na fala das professoras.
Na concepção dos pais, a brincadeira é importante e favorece o
aprendizado infantil, dos oito familiares entrevistados, todos foram unânimes
em responder que brincar é fundamental para o desenvolvimento dos seus
filhos e passam para a escola esta responsabilidade. Temos que lembrar que
os pais que responderam o questionário foram da escola particular de ensino,
pois os pais da escola municipal não devolveram o roteiro de perguntas, se
recusando a participar da investigação. Tal resposta em unanimidade pode-se
atribuir ao fator idade, das crianças, ou seja, possivelmente se
38
Sahda Marta Ide é autora do artigo ―O jogo e o fracasso escolar‖, no livro Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação (Kishimoto, 2010).
123
entrevistássemos pais de alunos do ―Ensino Fundamental II39‖ não obteríamos
tais respostas que evidenciariam a importância do brincar na escola. Na voz
dos pais entrevistados podemos evocar tais opiniões:
PAI 1. “a brincadeira é um momento onde ela ― criança pode soltar sua imaginação e criatividade e não deixa de ser uma forma de desenvolvimento infantil” ― “qualidade, criatividade e método agregado a brincadeira com o intuito de ensinar a ler e escrever é possível sim obter um aprendizado com excelente qualidade”.
PAI 2. “Sim, através do brinquedo e da brincadeira a criança aprende a ler e escrever porque ela tem contato físico e visual, além de ser significativo para ela”.
PAI 3. “A brincadeira sugere uma maneira alegre, divertida e fácil de se trabalhar a linguagem oral, escrita e corporal” PAI 4. “A brincadeira é um complemento para facilitar a aprendizagem”.
Na visão destes pais, a brincadeira facilita o aprendizado da leitura e da
escrita, porém há uma dualidade de pensamento quando os mesmos falam dos
aspectos que procuram numa escola, ou seja, o que eles querem da escola de
seus filhos, assim as professoras dissertam sobre isso no momento em que
dizem sofrer fortes cobranças dos pais e familiares a respeito da quantidade de
conteúdos que devem ser trabalhados em sala.
As duas professoras relataram que um dos fatores que as impossibilitam
de utilizar-se mais dos jogos e brincadeiras é justamente atender as
expectativas dos pais,
PROF-M: “Bom, as mães quando vem nas reuniões querem saber do caderno cheio de atividades, se não tem muita coisa, elas reclamam que precisa ter tarefa”. PROF-P: “Gostaria de ser mais lúdica mesmo, mas aqui tem até prova, vai na agenda os horários, então tenho que estar atenta aos conteúdos, pois os pais querem caderno cheio, interessante, nunca me perguntaram sobre as brincadeiras que
39
Compreende o ensino de quinto ano ao nono ano- Ensino Fundamenta II.
124
fazemos na escola, mas sempre me questionaram sobre as tarefas‟.
Pais e professoras entram sempre em conflito quando diz respeito ao
que acreditam ser importante para as crianças e ao que pensam que devem
ser feito com as crianças na escola. Reconhecem que brincar é fundamental,
mas sabem que devem trabalhar muito mais para os aspectos cognitivos do
que para a ludicidade. Percebemos tal fato quando questionei os pais sobre o
que eles procuram numa escola ao ingressar seus filhos, a minoria respondeu
que busca saber sobre momentos ou espaços lúdicos que a escola oferece.
Percebe então que há um conflito entre o que pensam e o que querem
enquanto ação escolar.
Mesmo percebendo a importância da brincadeira para os seus filhos, ao
falarem dos aspectos educacionais dos mesmos, não hesitam em cobrar e
atribuir à escola a principal função, fazer das crianças futuros ―doutores‖. Nisso
cobram da escola nas reuniões, nas coordenações que as crianças aprendam
a ler antes mesmo de estarem preparadas para tal.
A brincadeira aos olhos do adulto, passa também pelo ―quem é este
adulto‖ de qual lado do jogo ele se encontra. Uma coisa é o ―que eu penso‖,
outra coisa é o ―que deve ser feito‖, sobretudo quando se refere ao futuro de
um filho, para atender as grandes oportunidades que o mercado de trabalho
oferece e que as crianças devem perseguir para uma boa qualificação na vida
futura. Isto é tal forte que as crianças internalizam alguns conceitos sobre este
brincar na escola:
AL 5-P-M: “Escola é pra ficar inteligente, senão fica burro e tem que carpir quando crescer ― minha mãe que disse isso, se ficar em casa, aprende um pouco, só aprende a brincar”. AL 2-M-F: ―Minha mãe fala que eu venho pra escola pra aprender, escrever palavras, no caderno, no quadro, pra eu ser gente quando crescer”.
AL 5-M-M: “Eu quero me tornar um artista igual o meu pai, que pinta letra, que ele cobra bem caro porque senão como que eu vou comer, ganhar presente, tem que escrever tudo certinho, pra pintar. Pra ser rico meu pai disse que tem que estudar e não só ficar de brincadeira- quem brinca não aprende”
125
AL1-M-F: Na sala não pode brincar, tem que estudar pra aprender, na sala não pode brincar porque senão não aprende, só pode escrever ficar no lugar, ou quando a pro pede, pode pegar um livrinho... eu queria brincar. Todo dia minha mãe e a „pro‟ também, fala que precisa estudar, estudar e nada de ficar brincando. Pra ser professora, médica.
Fica evidente a influência dos familiares na posição das crianças a
respeito do brincar na sala de aula, podemos perceber que em vossas falas,
sempre aparece a palavra ―mãe‖ ou ―pai‖, evidenciando que eles disseram algo
as crianças, por exemplo, que na escola prepara o aluno para a vida futura.
As crianças em questão, nas quais se investiga, possuem seis anos de
idade, não podemos deixar de lembrar que um ano atrás ela fazia parte do
grupo de alunos da educação infantil, quando agora com o ensino de nove
anos esta criança entra no Ensino Fundamental, cumprindo regras pertinentes
a tal faixa de ensino, e não pertinente a sua faixa etária.
O brincar permeia os pensamentos das professoras, mostrando-nos
preocupação quando se referem à ludicidade:
PROF-P: Mas o que mais eu sinto, é que agora, eu sou parte do fundamental, ai tudo que era atividade que a educação infantil fazia eu estava junto, jogos, brincadeiras, passeios. Agora não, eu fico com o ensino fundamental que dá muita diferença nas atividades de interesse dos meninos.
PROF-M: Aqui nesta escola tem um agravante, tem muita criança que vem sem o pré... ― (referindo-se a educação infantil) ― sem noção nenhuma de letras, números, e pior, sem adaptação com a convivência entre amigos, aí é que eu vejo a importância da Educação Física, da brincadeira pra trabalhar, lateralidade, equilíbrio... é pouco ainda porque é... são duas aulas só.
Não se pode perder de vista quem é este aluno que está em sala de
aula, é uma retórica que sempre voltarei a questionar, o ser humano é um ser
em constante construção, ―um ser sensível que diante do mundo, busca
significações, o que torna seu pensamento dinâmico por excelência‖ (Dias40,
40
Maria Célia Moraes Dias escreveu o capítulo II do livro Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação (Kishimoto, 2010).
126
apud Kishimoto, 2010, p. 52). Assim a brincadeira é carregada do aspecto
simbólico, oportunizando a mediação entre a realidade e o pensamento. Faz-se
necessário, diante de muitas opressões que a escola oferece trazer a tona uma
educação que tenha como cerne a visão deste homem como ser simbólico,
―que se constrói coletivamente e cuja capacidade de pensar está ligada à
capacidade de sonhar, imaginar, jogar com a realidade‖ (Idem. ,ibidem, p. 50).
Porém quando tratamos o homem como ser cultural, esqueceu-se que
este contexto é permeado por representações coletivas simbólicas, que serão
produtos do pensamento humano, como mito, linguagem, arte, religião, entre
outras. Para Dias (2010), o pensamento é formado por um conjunto de
relações simbólicas apropriadas culturalmente, mas elaboradas e recriadas
pelo sujeito a partir de condições internas próprias. Portanto aquele aluno que
chega a sala de aula não é somente um ser racional, possui também um
caráter simbólico, que precisa ser resgatado pela sociedade, inclusive pela
escola
[...] que se vê cada dia mais reprimida, enrijecida e massificada, numa sociedade cuja filosofia de vida é racionalista e reducionista e que, muitas vezes, leva à alienação do próprio processo de criação e simbolização do sujeito, em que as crianças não têm mais espaço para viver a infância de maneira plena e enriquecedora (idem., ibidem. p. 55)
Parafraseando Dias (2010) ―a criança precisa de tempo e de espaço
para trabalhar a construção do real pelo exercício da fantasia‖. À luz desta
mesma categoria, seguindo a releitura dos dados, constata-se que é preciso
subdividir a categoria temática Posso brincar? pela diversidade de informações
que se obteve neste item. Assim para ficar mais visível a análise encontrei os
seguintes fragmentos que irei apresentar e logo abaixo, explicitarei as relações:
a) Brincar: quando “sobrar tempo”: cheguei a este sub-tema devido a
inúmeras inferências das crianças sobre a brincadeira em sala de aula
acontecer somente ―se sobrar tempo‖, o que me chamou atenção para a
discussão.
127
b) Aula de educação física: aqui pode brincar: perante as investigações
realizadas no campo de pesquisa, e através das entrevistas, pude
chegar a um novo sub-tema que retrata a aula de educação física como
o espaço propício para a ação de brincar.
A seguir faremos as discussões referentes sub-temas acima
mencionados.
5.1.1 Brincar: quando “sobrar tempo”
Ao falarem sobre o tempo para brincar na escola, os alunos afirmam que
o espaço da escola oportuniza o ―brincar‖ e o estabelecimento de novas
amizades entre elas, mas reclamam do pouco tempo que lhes é possibilitado
para isto. Como elas dizem, ―fazer amigos é conversar e brincar‖, mas a
organização do tempo e do espaço escolares acaba não permitindo que as
crianças brinquem como gostariam. Elas reivindicam mais tempo para brincar
na escola.
AL-5-P-M: “Na sala não dá pra brincar, porque a „profe‟ chama atenção. tem que ficar quietinho, quietinho, às vezes sobra um tempinho”.
AL-4-P-F: “Mas com a „profe‟ da sala não dá tempo de brincar, tem muita coisa pra escrever, de vez em quando sobra uma horinha de brincar”.
AL-3-P-M: “[...] só quando a „profe‟ deixa, quando está perto de bater o sinal...”
AL-5-M-M: Na sala a gente brinca quando tem tempo, “de vivo morto”, mas quando a gente brinca, a gente desaprende o que tem na cabeça, assim , quando a gente tá brincando agente esquece de falar pra mãe as coisas, esquece de fazer tarefa... ah!, brincar faz a gente esquecer tudo, tudo... mas não dá pra ficar burro, eu não quero não. Acho que talvez que brincar é muito bom pra esquecer de tudo...tudo mesmo!
Percebe-se desta maneira como é difícil para a criança relacionar o
brincar em sua vida escolar, há certamente a influencia e o olhar do adulto,
muitas vezes implícito nas vozes infantis, mas também há o desejo de ser
criança mais um pouquinho, nem que seja ―brincar para esquecer de tudo‖,
128
como disse o garoto acima em sua entrevista. Ainda posso me recordar deste
momento, eu tentando estabelecer um diálogo com este aluno, estávamos num
corredor improvisado em meio de trânsito de outros alunos curiosos com o que
estava acontecendo, ele, sujeito, subia e descia da carteira, pendurava-se na
janela, estendia suas pernas a todo instante como se estivesse num local
apertado.
Dar voz as crianças é reconhecer o seu valor diante de uma ação que é
tão pertinente ao mundo infantil, não seria viável falar sobre o assunto sem
ouvir àqueles que são especialistas do brincar. A fala do aluno AL-5-M-M,
evidencia exatamente o que venho discutindo no texto, quando ele diz ―brincar
faz a gente esquecer tudo, tudo...”, atento ao que disse Fröbel na obra de
Kishimoto (2010, p.68), ―a brincadeira é a atividade espiritual mais pura do
homem neste estágio e, ao mesmo tempo, típica da vida humana enquanto um
todo [...]. Ela dá alegria, liberdade, contentamento [...]‖. Brincar é como
transcender a realidade, ―a gente esquece tudo‖, até mesmo de falar pra mãe o
que deve ser dito — como disse o sujeito da pesquisa.
Mesmo entre repressões em sala de aula, as crianças revelam, através
de seus depoimentos, os meios e subterfúgios que utilizam para garantir o
tempo do brincar na escola. Nas observações e em conversas informais com
os alunos, pude constatar que eles procuram chegar mais cedo, de modo que
possam brincar antes do início das aulas e, enquanto permanecem nas salas,
utilizam a ida ao banheiro como uma possibilidade de sair para poder
conversar e brincar com os colegas, na correção dos cadernos e aproveitam os
trabalhos em equipes para brincar "escondido" da professora.
AL-2-M-F “Eu, tem vez que eu converso, até sozinha... até com as paredes. A gente brinca na sala quando tem uma hora certa, quando dá um tempinho, ela para a aula pra descansar, fazer um movimento assim ó (fez um alongamento com os braços), e tem que fazer rápido, pra não atrasar o dever... e o dedo dói de tanto escrever. A sala é lugar de estudar, mas algumas vezes tem que ter brinquedo, brincar não ensina muito... Tem que prestar atenção na aula, ficar olhando pro homem aranha não aprende, só brinquedo de memória, alfabeto, que aprende qual é a letra A, E, I...é bom pra cabeça. Até que eu queria que tivesse mais brincadeira, alongamento não é brincadeira, eu brinco em baixo da mesa, a professora nem vê, porque ela está corrigindo caderno”
129
AL-2-M-F: “A „profe‟ brinca com a gente quando nós pedimos, por favor, pra ela. Ela faz gato mia. Mas é chato porque, não tem lugar pra esconder. E é só de vez em quando, quando ela está boazinha e dá tempo. Seria bem legal brincar na sala, queria 3 vezes por dia de recreio. E daí agente fica na sala até a noite”.
Existe algo muito comum nas vozes dos sujeitos que é representada
pela retórica da necessidade de haver mais brincadeiras na escola, lendo nas
entrelinhas das falas, entende-se como ―ter mais recreios‖, como um apelo do
mundo infantil, gritando por momentos lúdicos.
O professor precisa entender que ―nas brincadeiras a criança tenta
compreender seu mundo ao reproduzir situações de vida. Quando imita, a
criança está tentando compreender‖ (Fröbel, apud, Kishimoto, 2010,p.74).
Oportunizar a brincadeira — denomino também como movimento lúdico, está
brincadeira ativa na infância, que pula, senta, corre, fala, enfim, levar para a
escola a ação do brincar representa a liberdade de expressão — tão dita nos
planos políticos pedagógicos de ambas as escolas pesquisadas — que permite
a criança a construir significações a partir de objetos e situações
experimentadas.
Compreender o brincar na escola não é de hoje, Fröbel em 1912, como
aponta na obra de kishimoto (2010), já relata sobre tal, mostrando a
importância da brincadeira na infância como representação de necessidades
internas, como parte do desenvolvimento do ser humano que cresce sabendo
usar seu corpo, sentidos, mesmo inconscientemente, mas desde bebe brinca
com suas mãos, língua, pés, dedos, portanto o bebe, não tem preocupação
com a finalidade de seus atos, afinal o brincar representa uma finalidade em si.
Para Frobel, a brincadeira possui uma ação livre, espontânea, prazerosa, séria
para quem se apodera dela, além de uma atividade altamente voltada para a
representação e o simbolismo infantil.
5.1.2 Aula de educação física: aqui pode brincar.
130
Na visão das crianças aqui estudas, o espaço da brincadeira na escola é
preenchido pelo espaço de silêncio, da imobilidade e de esperar a permissão
para a brincadeira. Volto a repetir como em outro local do texto, não estou
dizendo que a brincadeira deva acontecer em todo o período escolar, em todas
as situações de sala de aula, mas digo que ela precisa acontecer como forma
de compreender que é uma necessidade infantil, e que o movimento lúdico
favorece a produção cultural na infância, consequentemente a construção de
pensamentos, elaboração de processos mentais, a partir da interação com
objeto-brinquedo, com outras crianças e com a professora e com o meio ao
qual está inserido.
―A criança precisa de espaço e tempo para trabalhar a construção do
real pelo exercício da fantasia‖ 41, portanto a sala de aula — professores —
carece de uma adequação ao que tange o planejar das rotinas escolares,
observa-se que o brincar não é elencado como parte do planejamento das
professoras, a brincadeira é vista como uma estratégia para aliviar o cansaço,
por vários motivos ditos pelas entrevistadas:
PROF-M: “Olha, brinco normalmente quando eles estão cansados, eu aproveito pra brincar, assim, rapidinho... e outros momentos é pra introduzir um conteúdo, que daí é como se fosse uma motivação, para motivar a aula, não é sempre não”.
PROF-P: “Quando as crianças começam a ficar assim... (me mostrou levantou os braços, como se fosse espreguiçar, sacudiu a cabeça, mexeu o corpo na cadeira), entediadas, cansadas, começam a querem espreguiçar na cadeira...então eu percebi e procurei não fazer mais isso- planejar a hora de brincar ou movimentar- então muitas vezes eu levo, eu aproveito e levo os coitadinhos para fora... (parou, pensou e continuou sua fala como se tivesse lembrado de algo) levo não, porque tem horário pra sair, pro parque gramado, tem horário pra tudo”.
Na escola particular, com a PROF-P, percebe-se um esforço enorme de
trabalhar muito mais com a brincadeira, porém muitas vezes é barrada pela
estruturação escolar e por ter que vencer os conteúdos do material didático.
41
Dias, Maria Célia Moraes. A metáfora e o símbolo como chaves da natureza do homem In Kishimoto, 2010, p.55.
131
PROF-P: “[...] por conta do conteúdo eu tenho que vencer a apostila, e acabo brincando pouco”.
É pontual reconhecer que no ensino particular o brincar ainda é
preservado pela professora pesquisada, apesar de todas as dificuldades
atribuídas por ela. Mas reconhece que a educação vem para auxiliar em toda
essa discussão dentro da sua escola.
Na escola municipal de ensino a situação é mais precária, além de não
possuírem material didático, as crianças devem copiar todo o enunciado das
atividades, muitos conteúdos que são imprescindíveis, fazendo com que o
tempo que é existente na escola particular no qual as crianças não precisam
copiar, copiar, copiar, não é cedido aos alunos da escola municipal.
Uma das professoras investigadas acredita que é possível compensar a
falta de brincadeiras na sala de aula, nas aulas de educação física, que preciso
citar que acontece uma ou duas vezes na semana.
PROF-M: “Aqui nesta escola tem um agravante, tem muita criança que vem sem o pré (educação infantil), sem noção nenhuma de letras, números, e pior, sem adaptação com a convivência entre amigos, aí é que eu vejo a importância da Educação Física, pra trabalhar, lateralidade, equilíbrio... é pouco ainda porque é... são duas aulas só e uma aula é dentro da sala. Mas se já tem educação física, já ajuda, não é preciso trabalhar com a brincadeira tanto na sala de aula”.
Vivenciando a escola durante aproximadamente quatorze anos como
professora e agora na entrada no campo com olhos de pesquisadora, é
possível intuir que a muito do que se faz na sala de aula depende de que tipo
de pessoa conduz o espaço. Se o mediador do conhecimento infantil –
professora- não é lúdica em sua essência, não há como oportunizar momentos
lúdicos em sua sala de aula, ludicidade, não se aprende, já é próprio de ―ser
humano‖, porém com o tempo vai se perdendo, com as experiências vividas,
inclusive tais como as experiências que nós oferecemos aos nossos alunos.
Além dos aspectos pessoais, aspectos da formação individual de cada uma
132
das professoras investigadas influenciam diretamente na maneira de se
posicionar perante o lúdico em sala de aula.
Na visão dos pequenos o brincar está muito mais atrelado as aulas de
educação física do que a sala de aula é óbvio que há uma internalização do
que elas ouvem em casa — partindo a visão do adulto — e acreditam que até
deveria ter mais brincadeiras na sala de aula, mas relatam também que é
preciso estudar pois brincar não faz parte do aprender, só se o jogo for de
letras ou de números. Para eles, pequenos produtores e produtos de uma
cultura, a educação é momento de liberdade e diversão.
AL4- M-F: “Não brincamos na sala não. Só na educação física, a sala é de estudar. Mas só pode brincar quando a profe fala pra descansar, ler, conversar bem baixinho, a profe conta história, na minha sala não tem brinquedo, só a profe de educação física que tem brinquedo”. AL3- M- F: “Na sala não pode brincar, só quando a profe deixa. Mas a profe de educação física, não dá tarefa na sala ela só brinca, na areia, na quadra. Brincar mesmo... ah, só pode brincar na areia, na quadra, e no pátio, e na aula de educação física, que é bem legal”.
AL3- P- F: ―Brincar, só na quadra, na educação física [...], é uma diversão”.
AL4- P- F: “Ah... Brincar na sala não, porque tem que estudar na sala de aula. Mas na sala de aula só pode brincar na aula da professora de educação física, a gente brinca de dama, joguinho, qualquer coisa. O legal é ir pra quadra. Mas com a profe da sala não dá tempo de brincar, tem muita coisa pra escrever”. AL5- P- M: “É, mas pode só na hora do lanche, na hora de ir embora e na educação física que a gente se diverte de verdade”.
Atribuir dentro de uma escola o papel de brincar somente à educação
física é reduzir o compromisso que a instituição para com as crianças, quando
a escola parte para este princípio, ela fragmenta o saber em compartimentos,
não dá oportunidade para a interrelação dos saberes escolares, principalmente
quando me refiro a crianças de seis anos de idades.
133
O que identifico é que há uma distorção do jogo quando utilizado em
sala de aula. Os pais não acreditam fielmente que possa acontecer um
aprendizado efetivo através dele, as professoras ficam refém de uma
sistematização educacional e as crianças sentem a necessidade de jogar,
brincar, movimentar, mas são alienadas pelo que ouvem, ―na escola é permito
estudar, fazer provas, para ser vencedor na vida‖, ou seja, em prol de trabalho.
E a criança não vista como ela é, a criança tem a imagem que o adulto
faz dela, na infância, o futuro não tem a importância que tem para o adulto, ―a
realidade é o presente vivido, sentido de maneira imediata [...], tudo acontece
no reino do brinquedo‖ (SANTIN, 2001, p.45). Para Santin, a criança é
considerada pelo adulto como uma miniatura de homem, dificilmente ela é vista
como criança, assim é também inserida precocemente no mundo do trabalho
que deveria ser lugar próprio do adulto, atribuindo à infância uma fase
preparatória para a fase adulta. É claro que a infância antecede ao mundo
adulto, é um destino natural, porém precisa-se respeitar a criança porque nela
existem valores essenciais que tem fim em si mesmo e não podem ser
esquecidos. O desenvolvimento da mente do humano e as necessidades
pessoais conduzem automaticamente a assumir o trabalho quando adulto.
Brincar se opõe ao trabalho, pois é desprovido que qualquer atividade
lucrativa, é gratuito, não produz riquezas ou bens materiais, a brincadeira é
autotélica, e segundo Caillois (1990, p. 9), ―vê-se qualificada de frívola‖. Como
a escola é vista como preparação para o trabalho, acaba por não ter espaço
para a brincadeira.
5.2 Escola, para que te quero?
Abordo nesta categoria temática as intenções de se freqüentar a
instituição escolar, os conflitos existentes entre a visão dos pais, dos alunos-
crianças e das professoras. Pretende-se mostrar o que a escola representa
para tais sujeitos, e o que dizem os autores.
134
Sabe-se que a escola é o local que naturalmente há um grande encontro
de culturas diferenciadas que culminam muitas vezes em uma mesma sala de
aula, e cabe ao professor e equipe escolar trabalhar para respeitar a
diversidade cultural ao invés de homogeneizar, ou padronizar este encontro. O
trabalho do professor é o de socializar questões sociais, políticas, psicológicas
ou ideológicas trazidas pelas crianças. Em uma ―sala de aula tudo envolve,
tudo reúne, tudo implica‖ (ARAÚJO, 1988 apud MORAIS, p.43), é preciso
assim que a sala de aula seja compreendida como um processo dinâmico, em
constante mudanças, que receba a criança como parte da cultura e produtora
da cultura lúdica.
A escola e a sala de aula é o local onde se desenvolve a escolaridade,
ao transitar por ela o educando pode ser considerado escolarizado, acessa a
instrução e o conhecimento sistematizado e organizado em forma das
disciplinas, é o espaço da educação formal da sociedade. Na sala de aula não
tem espaço para a entrada de coisas que não sejam ―sérias‖, é vista como
soberana nas questões do saber, o que eu discordo, penso a sala de aula
como uma via de mão dupla, onde deva haver uma cumplicidade entre
educando e educador que buscam simultaneamente construir o conhecimento
e oportunizar a aprendizagem partindo da visão do aluno, da nossa criança,
compreendendo a escola pelo olhar da infância. Concordo com Novaski (2005),
quando ele diz que educar é levar o indivíduo de um lugar ao outro, é dar
dinamismo no processo, é transformar comportamentos e atitudes.
Consigo visualizar uma sala de aula onde tenha sim um espaço para a
ludicidade, para que ela não precise entrar burlando os olhares das
professoras, acredito ser possível termos abordagens pedagógicas de caráter
lúdico, isso não significa que omissão ao conhecimento ou a informação. Além
disso, acredito que a escola também possa ser um espaço de manifestações
lúdicas em seu cotidiano e não apenas em datas comemorativas que vem de
fora da escola e são estabelecidas em datas-calendários pela escola. Não se
trata também de instrumentalizar o lúdico, senão, deixa de ser lúdico, mas de
dar espaço para que as vivências lúdicas aconteçam.
Assim, ouvindo os pais nas entrevistas, é possível analisar quais as
exigências que fazem de uma escola, quais as competências necessárias são
135
atribuídas por eles a uma escola. Vale salientar que os pais entrevistados
fazem parte dos sujeitos da rede particular de ensino.
PAI 1: ―A escola serve para orientar e ensinar meus filhos, além da alfabetização, a formação do caráter da criança.Busco uma estrutura adequada para a idade do meu filho, com bons materiais didáticos e professores qualificados”. PAI 2: ―De formar a criança para ser um indivíduo com condições futuras de bons empregos. Bons materiais didáticos e bons professores”. PAI 3: “Quero que a escola ajude a orientar os alunos e nós pais na difícil arte de formar indivíduos mais íntegros, no sentido de aprender a conviver em sociedade”.
PAI 4: ―Ensinar a preparar para um futuro, uma vida financeira melhor”. PAI 5: ―A função da escola é dar aos alunos oportunidades de desenvolvimento do processo intelectual e despertar o senso crítico e a opinião própria”.
PAI 6: ―Além de ensinar, orientar sobre problemas que temos em nosso dia a dia como drogas, abuso sexual, pedofilia, ajudar nós pais a educar no sentido do respeito, honestidade”.
Confesso que não me assustei ao transcrever as respostas dos pais dos
alunos, referentes ao que buscam na escola dos seus filhos, ―nós professores
sentimos na pele e cada vez mais a responsabilidade que a escola pegou para
si‖. Ficam evidentes, na voz dos pais dos alunos que não se contentam
somente em atribuir funções de aprendizagem a escola, como também em
solicitar ajuda ao que lhes cabe como função, como por exemplo, orientação a
respeito de drogas.
Outro aspecto bastante recorrente na fala dos pais, diz respeito ao
desejo dos filhos serem bem sucedidos. Questionei o que eles entendem por
―ser bem sucedidos‖, e mais uma vez não me surpreendi com a resposta. ―Ser
bem sucedido‖ é sinônimo de ter uma profissão que lhes atribua uma condição
de vida financeira satisfatória, enfim que a escola prepare sim as crianças para
o mercado de trabalho, numa visão capitalista, competitiva exigida pela
136
sociedade. Infelizmente segundo Maturana e Verden-Zoller, nossa cultura
ocidental moderna,
desdenhou o brincar como uma característica fundamental generativa na vida humana integral. Talvez ela faça ainda mais: negue o brincar como aspecto central da vida humana, mediante sua ênfase na competição, no sucesso e na instrumentalização de todos os atos e relações. (2004, p. 245)
Concordo com os autores quando adiantam que para recuperar uma
melhor convivência na sociedade de forma geral – crime, opressão- devemos
devolver ao brincar o seu papel central na vida humana. Para Maturana e
Verden-Zoller, para que isso aconteça teremos que aprender a viver
novamente nesta atmosfera.
Muitos pais reconhecem o fato de que as crianças brincam, mas hesitam
em compactuar que é essa maneira pela qual seus filhos aprendem. Isso é um
reflexo do que os pais pensam verdadeiramente sobre o brincar, todavia,
encaram a brincadeira como perda de tempo, consequentemente não verão
importância na mesma ao ser adotada na escola como forma de construção do
conhecimento. Quando retrato que o brincar é essencial para o
desenvolvimento humano, não quero dizer que é imediato e que a criança vai
aprender a ler e escrever diretamente com a brincadeira. Quero explicitar que
brincar, favorece habilidades de manipulação, descobertas, capacidade de
resolução de problemáticas durante um jogo, raciocínio, relações inter-
pessoais, enfim abre caminhos para que aprender a ler e escrever, a criança
estabelece conceitos, constroem relações, expressam sentimentos e através
das ações motoras tomam consciência de seu corpo e do meio em que habita.
Será que a escola atende a todas as exigências sociais? Quero dizer,
será que a escola realmente ensina a ler e a escrever? Afinal, qual é a função
da escola?
No olhar e nas vozes das crianças a escola serve sim para aprender a
ler e a escrever, além de ensinar a pensar, a não ficar burro, veja nos trechos
abaixo citados
137
AL 1- P-M: “Escola é pra ficar inteligente, senão fica burro e tem que capinar mato, se ficar em casa, aprende um pouco, só a brincar (em casa pode brincar). Mas o que mais gosto de fazer é ir na areia e na quadra, jogar futebol”.
AL2 - P- F: “Pra aprender, estudar, ler, escrever. E o que eu mais gosto de fazer lá, é brincar no recreio e na educação física, pular corda” AL3 P-F: “Pra aprender, ler escrever fazer continhas. Eu gosto de ir na escola, porque tem dias que tem piscina e parque‖. AL3-M-M: “Eu quero me tornar um artista igual o meu pai, que pinta letra, que ele cobra bem caro porque senão como que eu vou comer, ganhar presente, tem que escrever tudo certinho, pra pintar, mas eu gosto de vir na escola pra brincar na areia de pegador”.
AL4-M-F: “Para aprender a ler e escrever. Olha, a escola deixa a gente inteligente. A escola parece um computador, que entre na nossa cabeça e nunca mais sai, a escola é legal a gente conversa com as amigas, dança na hora do recreio”.
De acordo com o que já havia dito na categoria anterior as crianças
sabem da função da escola, criada e construída pelo adulto, na visão do adulto
e tal conceito já foi associado pela criança. Mas é preciso perceber que em nas
falas, ficam subtendido que a escola é para aprender a ler e escrever, mas o
que nós gostamos nela é ir à quadra, brincar na areia, jogar futebol, pular
corda... Estudar é preciso, é atribuído como fundamental para que o ser
humano sobreviva no mundo capitalista, mas brincar é essencial no olhar da
criança.
Faz-se imprescindível, que o professor conheça seu aluno na essência,
não somente identificando as fases em que a criança se encontra, mas
também descobrindo como e do que os alunos brincam e gostam de brincar,
considerando que a criança
é um sujeito histórico e social, capaz de expressar idéias, sentimentos e de produzir cultura [...] Se considerarmos que a criança é protagonista do seu processo de socialização nos espaços culturais em que vive e que produz cultura, precisamos pensar numa concepção de escola que atenda às especificidades deste sujeito.
42.
42
GARANHANI, Marynelma Camargo e NADOLNY, Lorena de Fatima. Cultura e escola & movimento e linguagem na educação de crianças pequenas.
138
Percebendo a criança como sujeito cultural, é possível conceber uma
escola muito mais voltada para atender as necessidades da infância.
Quero salientar que na visão das duas professoras há uma grande
diferença do que pensam a respeito da utilização da ludicidade, da brincadeira
e do movimento em sala de aula, primeiro devido a própria personalidade
diferenciada de cada uma delas, uma mais alegre, lúdica, brincalhona e muito
carinhosa com as crianças pequenas, a outra, da escola municipal, mais séria,
reservada, teve uma formação acadêmica e pessoal mais tradicional, não deixa
de ser carinhosa com os alunos, porém nunca a vi em uma situação mais
próxima, nem do tipo, segurar na mão dos alunos para escrever, ou sentar-se
no chão com as crianças.
PROF-P: “Brincar é ótimo, maravilhoso! Principalmente nas atividades de matemática, eu uso as crianças para fazer a contagem, diminuição, separar grupo, adição, pego o jogo do corpo para fazer isso, e sempre falo “vocês lembram aquele dia que nós brincamos de tal jogo... então vamos fazer agora no caderno”. Eles buscam na memória e lembram, e é bem legal isso ai, eu gosto muito. É proveitoso e tem bons resultados, mas na cabeça das crianças elas estão apenas brincando. Eu faço assim, se a atividade já está no material eu já sei que tenho que fazer mesmo, mas quando não está, eu invento, imagino um jogo, algo que eu possa aproveitar e levá-los lá fora... Dificilmente não dá certo... Sempre dá certo, e eles gostam”.
Fig. 9 – Rede particular de ensino
139
Fig. 10 – Rede particular de ensino
PROF-M: “Acho que as crianças podem sim aprender brincando, você dá um joguinho pra eles pensando no aprendizado, mas pra eles, é brinquedo, é brincar. Eu gostaria que tivesse na minha sala mais brinquedo, pra eu aproveitar, é igual livro, aqui não tem, eu tenho que pegar livro de uma sala, de outra, e eu tenho que me virar do jeito que dá, até que os professores oferecem (de outras salas), mas é complicado, porque eles não gostam de emprestar. Eu acho que toda vez, toda vez, fica muito rotineiro trabalhar a brincadeira, não sei, sempre, sempre, eles também não se interessam tanto, então eu trabalho, duas vezes por semana, pra não enjoar, senão acaba banalizando a brincadeira e não motiva ninguém”.
Fig. 11 – Rede municipal de ensino
140
Fig. 12 – Rede municipal de ensino
Entende-se assim que enquanto uma professora da rede particular de
ensino adota e é totalmente favorável aos momentos lúdicos e corpóreos em
sua prática pedagógica, a outra pensa a brincadeira no aspecto da motivação e
encara a ludicidade rotineira como entediante por parte dos alunos, se é que é
possível entediar-se com algo que é prazeroso, alegre, divertido. Vejo maior
possibilidade de entediar-se com uma cena mostrada nesta última foto, do que
uma cena onde a expressão corporal é evidenciada.
5.3 O ritual escolar: o que se viu e ouviu na sala e aula
Nesta categoria temática, serão episodiadas as notas de campo que
interpretam os comportamentos dos sujeitos e explicitam as rotinas das escolas
investigadas, apontam também fatos que complementam o que foi evidenciado
nas falas dos sujeitos das categorias anteriores. As imagens servirão para
afirmar o que se viu e ouviu no espaço escolar.
Sabe-se que em toda instituição escolar há uma rotina sistematizada
que organiza o ambiente em prol do aprendizado das crianças. Bem, se
estamos falando de alunos de seis anos de idade inseridos no primeiro ano do
141
ensino fundamental, não podemos esquecer que dentre as rotinas instauradas
na sala de aula, entendemos que deva existir momentos organizados para ―o
brincar‖, depois de tudo que relatamos no referencial teórico juntamente com
os autores sobre a brincadeira e a ludicidade, não podemos mais conceber que
aprender passa somente pelo crivo da ordem e do silêncio. Para aprender
também é preciso compartilhar momentos lúdicos, de confiança entre professor
e aluno, assim aprender é uma troca de informações e sentimentos. Brincar
desenvolve a imaginação, a criatividade, estimula a construção do sistema de
representação do cérebro, beneficiando, por exemplo, a aquisição da leitura e
da escrita. Enquanto ação e transformação da realidade, o brincar implica
também numa ação mental, refletindo-se tanto no domínio lógico, quanto no
desenvolvimento do raciocínio. ―Na atividade lúdica os aspectos operativos e
figurativos do pensamento são desenvolvidos‖43.
Mas então, o que realmente aconteceu nas escolas em questão? Será
que o movimento lúdico presencia a sala de aula do primeiro ano do ensino
fundamental? No município ou no ensino particular, onde o brincar é mais
evidente? Vejamos nos episódios que serão contados – na voz da
pesquisadora:
Episódio 1- ESTADO DE EUFORIA: longe dos olhares da professora.
“Repleto de divertimento o pátio das escolas investigadas no estudo
compreendem a mesma história, mesmo na presença da “tia do
portão” — inspetora de alunos — é notório a excitação dos alunos
quando adentram o espaço escolar. É difícil controlar o encontro das
crianças no momento da chegada na escola. Muito divertimento, para
dizer bem a verdade, muita bagunça, gritos, correria, uma bolinha de
plástico, muito pequena, cabia na palma da mão dos pequenos
alunos, de repente se transformou numa bola de futebol de campo,
vista pelas crianças como um prêmio encontrado embaixo do banco
— fora esquecida por alguém do período matutino”.
43
Publicado como FORTUNA, T. R. Vida e morte do brincar. In: ÁVILA, I. S. (org.) Escola e sala de aula: mitos e ritos. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004. p. 47-59.
142
A chegada na escola é muito esperada pelas crianças, é vista como o
momento de liberdade, onde os encontros são oportunizados e organizados
pelas próprias crianças. Tais comportamentos observados em nossas escolas,
assemelha-se com o que já havia sido estudado por McLaren (1991), “estado
de esquina de rua”44, caracterizado por comportamentos descontraídos, sem
vigilância, é a expressão exuberante dos corpos contorcidos emanados em
contatos físicos e desgovernados. Os alunos são donos do seu próprio tempo.
―Num outro espaço, bem em frente à sala de aula — escola municipal - as crianças gritavam e puxavam os cabelos umas das outras, entre um grito e outro, muita risada permeava a brincadeira, que a princípio fiquei assustada, depois me acostumei com a cena nomeada por eles (as crianças) de ‗brincadeira‘‘.
―Fugindo dos olhos da professora, uma garrafa pet, achada na quadra de esportes pelas crianças fez a festa de onze pequenos, que imediatamente a transformaram numa bola e do objeto surgiu à brincadeira, o jogo de futebol, isso por alguns minutos, até que a professora se apresentou no recinto, e com sua interferência, acabou com a brincadeira‖.
Como dizem os estudiosos, e comprovamos neste episódio, a
brincadeira tem sentido para a criança, quando é criada por ela, quando suas
regras são compartilhadas entre os que brincam, a partir do momento que há a
intervenção do adulto, o jogo perde o sentido lúdico.
Fig. 13 – Rede municipal de ensino Fig. 14 – Rede municipal de ensino
44
Expressão utilizada por Peter McLaren, em sua obra Rituais na escola: em direção a uma economia política de símbolos e gestos na educação, 1991.
143
É visível nas salas de aula de ambas as escolas, um momento que é
muito visado pelas crianças para brincadeira, é quando as professoras sentam-
se em suas cadeiras, atrás das mesas, para a correção dos cadernos:
“No chamado da professora, segue a mesa, um a um, onde são corrigidos os cadernos e coladas às tarefas. Neste momento as crianças aproveitam, para burlar as regras instituídas, do silencio e da ordem, conversam com os colegas, sentam nas mesas, fazem passos de dança, a batucada na mesa com lápis também caiu no gosto dos meninos. Corridas entre as cadeiras também faz parte do repertório de brincadeiras. É claro que a euforia encerra-se quando tudo é percebido pela professora, que não se cala diante da situação: - „todos sentados, é bom que hoje não precisa de recreio,
afinal, estão recreando dentro da sala não é mesmo?‟ Assim, a brincadeira se acaba, por pouco tempo, até que os cadernos voltam a ser corrigidos, e a divagação toma corpo novamente em sala de aula”.
Fig. 13 – Rede municipal de ensino Fig. 14 – Rede municipal de ensino
Fig. 15 – Rede particular de ensino Fig. 16 – Rede particular de ensino
144
Episódio 2- A ORAÇÃO
“Todos os dias, é realizada na sala de aula uma oração, na qual a professora inicia a benção, como o sacerdote na igreja que dá início a sua missa. Após a fala da professora, todos fecham os olhos, entrelaçam seus dedos e realizam sua oração. Exatamente às treze horas a cena se repete diariamente, a fala é decorada por todos”.
Muito bem investigada por McLaren (1991), o comportamento das
crianças investigadas neste estudo é muitíssimo parecido com o que ele já
nomeou de “estado de santidade” que é um estado de reconhecimento de
forças ou entidades desconhecidas, caracterizando a subserviência a um
estado de busca de um ―ser‖. Considera este momento de santidade evocando
gestos como sinal da cruz, mãos postas em oração.
Apesar de toda postura exigida neste episódio, podemos dizer que ainda
assim as crianças aproveitam os olhos fechados das professoras para fazer do
momento um espaço de ludicidade, apertando as mãos dos colegas que estão
ao lado — quando fazem círculo- e abrindo os olhos para dar uma risada tímida
entre si.
Episódio 3- LER E A TOMAR A LIÇÃO
Na escola particular de ensino, as crianças já sabem ler sozinhas,
algumas ainda com dificuldades, porém, são estimuladas a construírem o
conhecimento dia a dia, a leitura.
“Após o estado de santidade, assim podemos chamar,
inicia-se a leitura de um livro escolhido pelas crianças. Em
dupla ou sozinhos, seguem a frente da sala de aula para
apresentação da história infantil. Outro tipo de leitura, e a
realizada pela professora, com as crianças dispostas em
circulo. É um momento que exige um certo tempo e
paciência por aqueles que ouvem a história, onde muitos
145
alunos acabam se dispersando, brincam com os pés,
conversam com os colegas...”
Fig. 17 – Rede particular de ensino Fig. 18 – Rede particular de ensino
Na escola municipal esta estratégia já não é adotada, primeiro que na
sala de aula não há livros, segundo porque é a minoria que sabe ler. Então
após a oração é realizada o que a professora de ―tomar a lição‖.
“A professora aponta a régua para os números e letras
que estão fixados nas paredes da sala de aula, assim as
crianças vão dizendo o que está escrito, coletivamente.
Depois deste ritual concretizado, inicia-se a tomada de
lição individual, aqueles com muita dificuldade acabam
por não se saírem muito bem nesta lição”.
Fig. 19 – Rede municipal de ensino Fig. 20 – Rede municipal de ensino
146
Episódio 4- A AULA
Neste episódio serão contadas situações ocorridas dentro da sala de
aula como em outras cenas, porém, quando se fala de aula entende-se por
parte das crianças como participar das disciplinas de ―português e matemática‖.
Para os pequenos, a disciplina de educação física e artes não fazem parte do
que eles chamam de ‗aula‘,
AL3-M-M: “Sabe, aula, aula mesmo, é de matemática e português, porque não são muito legais, tem silêncio total. Educação física, que é lá fora, é igual brincar, é um divertimento, todo mundo corre prá lá e para cá, sobe e desce, se esconde do outro. Ave-Maria, é até damos muita risada e fazemos muito barulho lá fora”.
Percebendo a euforia do aluno durante a entrevista, seu gesto e seu
olhar indicam na sua descrição, o que Caillois (1990) relata sobre a paidia
Ela intervém de toda a animada exuberância que traduza uma agitação imediata e desordenada, uma recreação espontânea e repousante, habitualmente excessiva [...]. Essa elementar necessidade de agitação e de algazarra aparece inicialmente sob a forma de um impulso para tocar em tudo, para apanhar, provar, farejar, e, depois, abandonar [...]. Em breve surgirá o desejo de mistificar ou desafiar, deitando a língua de fora, fazendo caretas [...]. (p. 48-49)
A representação das aulas de educação física para a criança é um
divertimento, levado por muita algazarra, um tanto desregrada,quando assim
permite o professor, porém no olhar do pequeno é desta forma que se
apresenta.
Em outra dimensão, existem as disciplina como português e matemática
que são designadas pelas crianças ―não muito legais‖, exigem mais disciplina e
silêncio. Roger Caillois (1990, p. 32) aponta que
147
Se numa extremidade - educação física - reina, quase absolutamente, um princípio de diversão, turbulência e improviso [...], na extremidade oposta – português e matemática - essa exuberância alegre e impensada é praticamente absorvida, ou praticamente disciplinada, por uma tendência complementar, contrária nalguns pontos [...].
A extremidade oposta dita por Caillois refere-se ao que ele chama de
ludus, que ―surge como complemento e adestramento da paidia, disciplina e
enriquece‖ (1990, p. 50). Ludus está entendido aqui como o comportamento
que é peculiar nas ditas ―aulas‖, que necessita de concentração e
comprometimento dos educandos, que permitem somente ações ―pensadas‖,
que a paidia não agrega tais atitudes.
“Seguindo a rotina habitual de ambas as escolas, adentra a sala de aula, logo em seguida, marca-se o calendário, numa escola é feito isso numa folha que fica fixada num cordão, parecido com um varal, onde cada criança identifica o seu calendário, que por sinal é muito colorido, pintado por elas próprias, e faz as anotações necessárias. Já noutra escola, a anotação do dia é realizada no caderno mesmo, numa folha monocromática, colada e fixada ali mesmo” “[...] após a rotina do calendário, existe um momento que é a distribuição do material das crianças, enquanto na escola particular adota-se a estratégia de escolher um ajudante do dia, que é um aluno- na outra tudo é feito pela professora de sala. O ajudante se envolve com as questões da sala, se sente valorizado e importante no contexto, ajuda a professora em diversas situações da aula, o que mais chama atenção é que eles se organizam facilmente quando um outro colega realiza funções que seriam do adulto, deixando assim a expectativa dos demais para serem sorteados ou escolhidos nos próximos dias.” “[...] na hora de prestar atenção ― a aula ― que refiro-me ao momento da explicação, é preciso muito silêncio e atenção, assim as professoras pedem as crianças para deixa o lápis, borracha ou qualquer material, em cima da mesa, e fixar os olhos no quadro, ou nela mesma. De acordo com uma das professoras, é preciso estar com os braços parados, pois com eles soltos, ficam se mexendo e não se dedicam a aula”.
148
Por certo a professora deve ter razão, talvez ela queira evitar o
descontentamento dos pais, e equipe diretiva, e alcançar é claro resultados
significantes com a turma, que por sinal é uma turma que lê e escreve, que
conta números e histórias.
“A rotina da leitura é muito praticada no ensino particular,
todos os dias há de alguma forma a leitura, seja em grupo
apresentada pelas crianças ou lida pela professora, seja
simplesmente senta-se no chão da sala e manusear o
livro de escolha dos meninos”.
Fig. 21 – Rede particular de ensino Fig. 22 – Rede particular de ensino
“Na rotina da escola municipal, presenciei somente dois
momentos de leitura, pelo menos nos dias em que estive
presente na investigação, aconteceu num dia realizado
por uma professora substituta, e em outro momento
quando foi distribuída a turma um texto bem pequeno e
colado no caderno para a famosa interpretação. Inclusive
uma reclamação da regente da sala, é não existir livros
nas salas para as crianças manusear e interagir com o
material”.
149
Fig. 23 – Rede municipal de ensino
Na rotina da sala de aula do ensino público, além de ler, escrever,
calcular, também conseguimos identificar isolados e esporádicos movimentos
lúdicos propostos pela professora. Já os alunos propõem em todos os
momentos a ludicidade, mesmo quando a professora está explicando a lição. E
como já conversamos numa outra categoria temática, o brincar não tem muito
espaço na sala de aula pelo fato de priorizar a atividade cognitiva e caracterizar
como não séria a atividade lúdica.
“Neste dia aconteceu algo inesperado, pelo menos para mim que já estava a alguns meses na sala de aula e não presenciava ações lúdicas. A professora entregou-lhes um “texto musical”-assim é chamado na pedagogia- fizeram a leitura do mesmo e depois se puseram a cantarolar. Todos ficaram de pé, fizeram gestos e além de cantar, dançavam muito, pulavam. Enfim a aula foi muito elogiada pelos pequenos estudantes, e pediram sempre mais e mais. Queriam que a professora repetisse a atividade por várias vezes. Tiveram a oportunidade de vivenciar uma experiência lúdica, com movimentos livres, descontraídos. Isso aconteceu uma única vez durante a investigação. Sabe-se que a ação lúdica foi voltada para dar início a um conteúdo pretendido, porém, isso poderia ser deixado de lado e como quando a professora pediu que eles cantassem, deixou livre para que cada um fizesse o movimento pretendido.
150
Fig. 24 – Rede municipal de ensino
―Já no ensino particular, o movimento lúdico, é um pouco menos restrito do que no ensino público, o próprio material de apoio ao professor, sugere o quesito brincadeira, movimento. Brincar de passa anel, ovo choco, teatralizar textos, confeccionar brinquedos”
Fig. 25 – Rede particular de ensino Fig. 26 – Rede particular de ensino
Sei que corremos o risco de cair na discussão de que se o brincar tiver
um encaminhamento pedagógico já não possui uma dimensão lúdica, porém
quero trazer nesta análise e puder comprovar na observação, é que a criança
transforma o que o adulto a principio imagina realizar com determinada ação, a
criança pensa somente no brincar, na dimensão lúdica do objeto que lhe é
oferecido, mesmo que tenha uma função pedagógica, esta função está na
151
mente do adulto-professor. As crianças transformaram os ―jogos pedagógicos‖
em apenas ―brinquedos‖.
A criança está sempre pronta para criar outros sentidos para os objetos que possuem significados fixados pela cultura dominante, ultrapassando o sentido único que as coisas novas tendem a adquirir [...]. A criança conhece seu mundo enquanto cria, e, ao criar o mundo ela nos revela a verdade sempre provisória da realidade em que se encontra. (JOBIM E SOUZA, 1994 apud KRAMER E LEITE, 1996, p.49)
Na realidade quem deve se preocupar com o aprendizado da criança é o
adulto, familiares, professores, na criança a preocupação fica em ―não de
preocupar‖, agir de acordo com sua essência lúdica, não pensando em que
situações serão oportunizadas a brincadeira, mas sim que estarão brincando,
baseado na gratuidade do jogo, no ideal de liberdade que lhe é próprio. É
possível a sala de aula equilibrar-se entre a paidia e o ludus, ora exuberante e
eufórica, ora calma e disciplinada, adequando-se as diversidades de situações
abarcam este espaço.
Fig. 27 – Rede particular de ensino Fig. 28 – Rede particular de ensino
152
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que se constata nas escolas investigadas até então, é justamente que
as crianças são vítimas preferencial de uma sociedade controladora,
ritualizados em busca de uma disciplina pré-estabelecida pelo processo
educacional, que institucionalizou que lugares que acontecem o aprendizado
são dignos de silêncio e ordem.
Independentemente da escola, particular ou municipal, as ações do
sistema educacional como um todo, são voltadas para a preparação do aluno
para o mercado de trabalho, pois os rituais estabelecidos nas instituições são
igualados aos ritos criados nas empresas ou locais de trabalho, ou seja, hora
para entrar, fazer oração, abrir o caderno, lanchar, conversar com os colegas,
principalmente horários determinados para brincar, e sair da escola.
Percebe-se que na rede particular de ensino há uma vontade imensa da
professora em estabelecer uma nova rotina em sua sala de aula, instituindo o
brincar em maior relevância na sua sala de aula. Como relata na entrevista e
identifica-se na observação no lócus da pesquisa, somente a intenção de
brincar não é válida, é preciso agir e propiciar momentos lúdicos relevantes
para as crianças, o sistema de educação deste ambiente não permite tamanha
liberdade em sala de aula por diversas situações que esbarram no material
didático a ser finalizado pelo aluno em sua totalidade, no entendimento dos
pais quanto ao aprender a ler, escrever e calcular e na compreensão dos
adultos sobre a dimensão da brincadeira na escola.
Na escola particular, o brincar é mais aparente, muito por sugestão do
material de apoio didático que estimula a prática de jogos educativos, com
finalidades no aprender. Outra evidência de tentativas de oportunizar o brincar
é ditada pela professora que entende a brincadeira como fundamental para
esta faixa etária e tenta incluí-la em seu cotidiano escolar quando vão ao
parque, à piscina e ao gramado. Situações raras na sala de aula, que são
eventos e horários já estabelecidos pela escola.
O fato de a professora ser muito alegre e descontraída, sua sala de aula,
apesar dos diversos afazeres preparatórios aos princípios que somente
153
interessam aos adultos, é muito colorida e atraente. Às crianças é permitido,
pentear o cabelo, maquiar e sentar no colo da professora, como sinais de
afetividade e ludicidade própria do ―ser‖ desta professora. É claro que os
aspectos lúdicos partem da identidade de cada um, é como a essência do ser
humano, são retratos individuais dos seres humanos, que mostram em suas
atitudes e comportamentos, sem velar uma identidade.
Reconhecendo que a brincadeira deveria fazer parte do cotidiano
escolar, a professora da rede particular de ensino se acha omissa diante de
tantas obrigações a serem cumpridas na instituição, e não por uma imposição
somente da escola em questão, mas por uma situação que é posta pelo
sistema geral da educação como governo, pais e sociedade, que preconizam
um modelo de ensino, como é visto pelo novo sistema de ensino de nove anos,
imposto como uma nova verdade. Assim deixo uma indagação a ser pensada
por todos nós sobre o ensino de nove anos, mais especificamente sobre a
entrada da criança de seis anos no ensino fundamental. Criança de seis anos
de idade submetida ao ensino mais sistematizado será beneficiada em sua
essência de ser criança, ou será adultizada precocemente pela escola em suas
diversas interpretações do que fazer com este aluno?
O ensino de nove anos nas escolas de Sinop, nos espaços investigados,
mostrou-se bastante ambíguo no que tange sua interpretação e aplicação das
suas normativas e orientações. Em conversas informais que realizei pelos
ambientes escolares com a coordenação, direção e com as professoras me
mostrou que para a implementação da nova lei, do ensino de nove anos, não
houve nenhum estudo por parte da escola de forma coletiva, que pudesse criar
uma discussão entre todos que estão envolvidos direta ou indiretamente com a
mudança. O que aconteceu nas instituições de ensino foi o entendimento de
imposição pelo governo e secretaria de educação dos estados e municípios,
onde as escolas abarcaram a proposta, implantaram o ensino de nove anos-
que é lei - porém não foram estudadas com profundidade suas consequencias
principalmente para a criança, que a meu ver, foi a mais afetada com a
mudança. Percebe-se que há muitos conflitos na sala de aula, as professoras
estão divididas com as informações recebidas, em alguns momentos a turma
de alunos do primeiro ano do ensino fundamental é incluída nas programações
154
da educação infantil, em outras situações a turma é parte das atividades
organizadas pelo ensino fundamental. Então é preciso refletir: A quem pertence
efetivamente o aluno do primeiro ano (seis anos)? Nos documentos oficiais do
governo, este aluno é integrante do ensino fundamental, mas nas ações
práticas, observa-se uma grande confusão na instituição escolar.
No ensino público a situação é mais declarada na sala de aula, a
professora dos alunos de seis anos, sente uma dificuldade enorme em
desenvolver a ludicidade em sua sala de aula, por sua própria característica
pessoal, não possui aspectos da ludicidade na condição de ―ser humano‖, ou
seja, nesta sala, não se evidencia alegria e descontração. A sala é triste
primeiramente em sua arquitetura, é monocromática, escura. Aqui as
condições de ser adulto e de ser criança é muito bem separada pela
professora, desta maneira, nesta sala de aula, a brincadeira é cerceada e o
movimento lúdico é inexistente.
As crianças têm a função de copiar todos os enunciados ― que muitos
livros já trazem prontos ― de todas as atividades que realizam em sala, isso é
um fator relatado pela escola como um empecilho de oportunizar momentos de
brincadeira pela injusta ocupação do tempo infantil. As crianças possuem um
trabalho a mais, além de somente executar as atividades pedidas pela
professora, situação esta que é provocada por um sistema educacional além
dos muros desta escola, é uma questão política, que escapa dos domínios da
professora. Porém, além de imposições do sistema educacional, nesta sala de
aula não há realmente a intenção de estabelecer ligação com a ludicidade, pela
falta de tempo e pelo entendimento sobre a brincadeira que de acordo com o
relato da professora, a brincadeira na sala de aula todos os dias é enfadonho
para as crianças, acaba caindo na monotonia se for instituída diariamente na
sala de aula.
Nas duas escolas, evidenciou-se uma necessidade de movimentar-se e
brincar na sala de aula pelas crianças. Os alunos mostraram indícios de que
sentem a necessidade de libertar-se fisicamente das ordens e regras
estabelecidas pelos adultos e não discutidas com eles.
Neste estudo não houve intenção de comparar o ensino público e
particular, houve a preocupação de enxergar as situações do brincar em sala
155
de aula de ensinos diferentes, num espaço e no outro como as crianças
percebem e como a instituição trata e conduz a ação do brincar na escola.
Retratando um pouco mais sobre a brincadeira, na escola ela não
aparece como um aspecto a ser levado em consideração, pois em
favorecimento do ler, escrever e calcular a ludicidade é deixada para um
segundo plano, ou seja, ―quando sobrar tempo‖, como foi mostrado nas
discussões dos dados.
Percebemos que existem visões diferenciadas a respeito da brincadeira,
de acordo com os interesses ― uma visão da criança e outra do adulto (pai e
professor). Há uma ―consciência‖ por parte de professores e equipe
pedagógica que é importante e necessário o espaço e momentos de
brincadeiras na instituição escola, mas que elas são feitas, sim, nas aulas de
educação física e no recreio escolar, pois há uma imensa quantidade de
conteúdos a serem trabalhados e cumpridos durante o período letivo, mas que
as crianças brincam e se movimentam em sala de aula quando é possível,
fraudando os olhares das professoras.
As crianças brincam quando é permitido pelas professoras, porém
aproveitam alguns momentos como corrigir caderno, passar conteúdo no
quadro e atender à porta para saírem dos lugares, lançarem objetos, fantasias
personagens.
As crianças mostraram indícios das necessidades infantis de
movimentar-se e expressar-se fisicamente, mas, infelizmente as escolas não
adotam as atividades lúdicas e o movimento em seu planejamento efetivo,
parte da sala de aula, somente nas aulas de educação física estes corpos são
trabalhados, pois se considera pela escola que tudo que é movimento não cabe
em sala de aula e sim nas quadras, e que a partir do momento em que
conhecemos melhor as áreas psicomotoras podemos aperfeiçoar as atividades
para que a criança possa adquirir habilidades e capacidades cujas lhes trarão
benefícios tanto para sua escolarização como para sua vida social, afirmando
assim que as aulas de educação física são também colaboradoras na
aquisição do aprendizado escolar.
Nas análises dos dados podemos compreender dessa forma, os nossos
gestos e expressões como olhar, andar, sentir, pensar, conversar representa
156
nossos modos de vida, podendo-se dizer que o corpo é um corpo no mundo
que possibilita na escola representações mental e absorção concreta de
conteúdos, o movimento lúdico é tão importante quanto à ação da professora
de ensinar. O corpo infantil deve ser visto como uma maneira de que toda e
qualquer forma de aprendizagem deva passar por ali.
A sala de aula é um lugar de brincar se o professor conseguir conciliar
os objetivos pedagógicos com as vontades dos alunos ― de movimento. Para
isto é necessário encontrar o equilíbrio entre o cumprimento de suas funções
pedagógicas: ensinar conteúdos e habilidades, para a construção do ser
humano autônomo e criativo e para o exercício da cidadania e da vida coletiva.
Para tal, este é um equilíbrio que o processo educativo persegue sem nunca
atingir totalmente, dada a sua própria escassez.
As brincadeiras proporcionam desafios que provocam os alunos gerando
interesse e prazer. Portanto é importante que as brincadeiras façam parte do
currículo e da cultura escolar, cabendo ao professor avaliar a sua aplicação
dando ênfase, portanto, à formação lúdica que se possa desenvolver junto às
crianças, permitindo assim um trabalho pedagógico mais envolvente e lúdico.
Cabe ao professor proporcionar os momentos lúdicos, a criança faz o seu
momento lúdico longe dos olhos do adulto, se escondendo das professoras ou
criando subterfúgios para assim utilizá-la durante a permanência em sala de
aula.
Se falarmos de criança é preciso compreender que a escola é um
espaço propício para promulgar o aprendizado da brincadeira, é espaço de
desenvolver a cultura lúdica através de favorecer ambientes lúdicos. Para que
haja a brincadeira é preciso do espaço de brincar, para que a criança além de
explorar o ambiente, crie situações sociais de interação e convívio com outras
crianças e até mesmo com adultos, que no caso, seria as professoras. A
criança quando joga e brinca cria mecanismos de comunicação e interação
simbólica com a sua cultura. Neste contexto de liberdade que o jogo oferece à
criança, ela fica mais propensa a pensar, a falar, agir e ser ela mesma, pelo
fato de não se sentir coagida. A brincadeira contribui para liberar o nosso aluno
de qualquer pressão sofrida em situações de sala de aula, quando em
157
atividades cognitivas. A ludicidade é despida de punição e revela a identidade
infantil na escola.
O brincar para a criança é sinônimo de autonomia, liberdade de
expressão e de simbolismo. Infelizmente há uma grande influencia da visão do
adulto sobre a ideia que a criança faz do brincar na escola. Elas reconhecem e
dão indícios de suas necessidades brincantes em seus comportamentos,
gestos, conversas e representações gráficas, porém dizem que a escola é
lugar de estudar, é lugar para aprender a ler e escrever. Acreditaria nas
palavras da criança se não fossem precedidas por um pensamento de adultos.
A criança acredita que na escola devemos somente estudar porque seus pais
disseram que devem ser alguém na vida: ser médico, advogado, arquiteto,
enfim, que a escola é uma preparação para o mercado de trabalho quando
assim forem adultos.
Outro fator é que a passagem da educação infantil para o ensino
fundamental há rupturas nas aplicações metodológicas do ato de ensinar, a
partir de então o momento é de ler e escrever, de estudar, fazer provas enfim,
a brincadeira, o brinquedo, o jogo e a ludicidade é propriedade do ciclo anterior
(educação infantil), cabendo então à educação física através de seus
conteúdos, organizarem a maior quantidade de vivências motoras trabalhando
em prol, também do processo de alfabetização.
Transpor o aspecto pedagógico na sala de aula significa pensar o outro
como aluno dotado de uma identidade e cultura construída através de aspectos
históricos e sociais. Executar as tarefas ditadas pelos adultos, não fazem da
criança um exemplo na infância, é justamente pelo fato de transgredir as regras
impostas pelo professor que as fazem partícipes do contexto infantil, regras
como a ordem e o silencio. Para a criança o movimento corpóreo é a porta de
entrada do aprendizado tão dito na escola, pois o movimento favorece ações
concretas carregadas de significados para a infância. Para a criança tudo é
corpo, tudo passa pelo corpo, então a educação precisa rever suas ações e
pensar na criança em sua essência.
158
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164
ANEXOS
165
Roteiro de entrevista com as professoras
1. Nome
2. Idade
3. Formação superior/ ano
4. Especialização/ano
5. Quanto tempo atua na alfabetização?
6. Como você analisa a educação atual, com a lei de ensino de 9 anos?
7. Houve mudanças em sua forma de trabalhar com as crianças, que agora
chegam mais cedo no ensino fundamental?
8. Você julga ser importante a utilização do lúdico, jogos, brinquedo e
brincadeiras, como uma estratégia de aprendizado em sua sala de aula?
9. Por quê? Explique .
10. Em que momentos você utiliza a ludicidade?
11. Você acredita ser possível aprender através dos jogos?
12. Observei que você utiliza do brinquedo cantado com os alunos, fazendo
gestos e movimentos, quando você percebe a necessidade de utilizá-lo?
Tem um planejamento específico para o uso?
13. Você percebe que eles gostam de movimentar-se, brincar?
166
Roteiro de entrevista com as crianças
1. Você gosta de vir à escola?
Como ela é?
2. Qual é o lugar que você mais gosta aqui na escola?
Por quê?
3. E sua sala de aula, como ela é, o que ela tem?
4. O que você faz na sala de aula? Pode brincar? Por quê?
5. Como é sua professora?
6. Por que você vem à escola?
7. Se você fosse um mágico, o que você mudaria na sua escola?
8. Você gosta de brincar?
9. Na sua casa, você brinca do que?
10. Aqui na escola você gosta de brincar, do que?
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IMAGENS COMPLEMENTARES DO ESTUDO
Escola municipal
Foto 29 Foto 30
Foto 31 Foto 32
Foto 33 Foto 34
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Escola Particular
Foto 35 Foto 36
Foto 37 Foto 38
Foto 39 Foto 40