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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
CÂMPUS UNIVERSITÁRIO DE RONDONÓPOLIS
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
POLIANA RODRIGUES FLORENTINO
ALFABETIZAÇÃO E GÊNEROS TEXTUAIS: UM ESTUDO DA CANÇÃO COMO
PROPOSTA DIDÁTICA
Rondonópolis – MT
2018
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POLIANA RODRIGUES FLORENTINO
ALFABETIZAÇÃO E GÊNEROS TEXTUAIS: UM ESTUDO DA CANÇÃO COMO
PROPOSTA DIDÁTICA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Educação da Universidade
Federal de Mato Grosso, Câmpus Universitário
de Rondonópolis, na Linha de Pesquisa
Linguagens, Cultura e Construção do
Conhecimento, como parte dos requisitos para
obtenção do título de Mestre em Educação.
Orientador: Prof. Dr. Marlon Dantas Trevisan
Rondonópolis - MT
2018
2
3
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
PRÓ-REITORIA DE ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Rod. Rondonópolis-Guiratinga, km 06 MT-270 - Campus Universitário de Rondonópolis - Cep:
78735-901 - RONDONÓPOLIS/MT
Tel: (66) 3410-4035 - Email: [email protected]
FOLHA DE APROVAÇÃO
TÍTULO: "ALFABETIZAÇÃO E GÊNEROS TEXTUAIS: UM ESTUDO DA CANÇÃO COMO
PROPOSTA DIDÁTICA"
AUTORA: Mestranda Poliana Rodrigues Florentino
Dissertação defendida e aprovada em 24/08/2018.
Composição da Banca Examinadora:
__________________________________________________________________________
Presidente Banca / Orientador Doutor(a) Marlon Dantas Trevisan
Instituição : UNIVERSIDADE FEDERAL DO MATO GROSSO
Examinador Interno Doutor(a) Sandra Regina Franciscatto Bertoldo
Instituição : UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
Examinador Interno Doutor(a) Rosana Maria Martins
Instituição : Universidade Federal de Mato Grosso
Examinador Externo Doutor(a) ISAAC NEWTON DE ALMEIDA RAMOS
Instituição : UNEMAT
RONDONÓPOLIS,29/08/2018.
4
Dedico esse trabalho a todas as pessoas que se
perderam nos anos da escola e, por algum
motivo, nunca mais voltaram; àquelas crianças
desrespeitadas, que sofreram humilhações por
não conseguirem aprender os conteúdos. Uma
homenagem ao Gabriel, menino que eu não fui
capaz de alfabetizar, cujo rosto me incentiva a
continuar com os estudos...
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AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, ao universo, às forças positivas e negativas que me trouxeram até
aqui. Certamente não teria chegado sem o auxílio bondoso do Pai Celeste. Foram meses duros
e importantes para o aprendizado; se até aqui cheguei, foram as pulsões de vida que me
trouxeram.
A minha terra, agradeço o acolhimento: Fátima de São Lourenço – do ar mais puro, da
água mais limpa, do peixe mais saboroso – é o lugar mais lindo, incrível e acolhedor do
universo.
Sou grata a minha mãe, luz da minha vida, que me gerou em seu ventre e em seu coração,
pessoa que me ensinou a dignidade e o respeito pelas pessoas, nunca me esqueço de seus
ensinamentos. Ela sempre está em oração por mim, e sua vida é um dos motivos para seguir e
não desistir dos meus sonhos, mesmo em meio a esta vida tão cruel. Nela encontro o refúgio e
o amor de que preciso para viver. Minha mãe, agradeço por tudo que fez e faz por mim, fazendo
das “tripas o coração” para dar a mim tudo o que tinha de melhor: afeto, educação moral e
condições para que eu estudasse.
Agradeço ao meu pai, homem tão cheio de fé, de coragem e de dignidade. A ele toda a
gratidão pela vida. Nos momentos mais recentes que passamos juntos, firmamos laços de amor,
de afeto, de cumplicidade e, sobretudo, reforçamos aquela tal relação de pai e filha que por
muito tempo não tivemos. Hoje, mais madura, consigo compreender que ele me deu tudo o que
podia, o que tinha a oferecer. De meu pai vem a força da minha vida.
Aos meus irmãos, que amo sem medida, agradeço a singularidade de cada um, o amor
desmedido, o carinho em abundância e, principalmente, as discussões ferrenhas que tanto me
fazem crescer e fortalecem minha paciência. Em especial ao Rejão, que percorreu comigo quase
todo o processo de estudo, um irmão amável, preocupado e parceiro para tudo, inclusive para
nossos “sorvetes noturnos”. Agradeço, ainda, a Bia, que também acompanhou de perto alguns
momentos difíceis e cuidou de mim com tanto amor e dedicação.
Gratidão aos meus amigos, os de longe e os de perto, que me incluíram em suas orações,
torceram por mim e, sempre que possível, mandaram mensagens, telefonaram ou comentaram
alguma publicação no Facebook.
A minha querida amiga Maria Inês de Farias Oliveira, tão parceira. Fizemos a seleção
do mestrado juntas, choramos juntas na escola, sorrimos juntas... E em sala de aula, quando eu
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pensei em desistir de uma determinada turma, ela me trouxe de volta... minha querida
professora, amiga e hoje colega de profissão, meu muito obrigada!
Aos professores do PPGEdu, agradeço o carinho, a amizade, a preocupação e os saberes
partilhados ao longo desse período. Meu agradecimento especial à Raquel G. Salgado e à Érika
Virgílio, ex e atual coordenadora do Programa, que sempre foram tão atenciosas e preocupadas
com meu rendimento acadêmico.
Ao professor Ademar, sempre tão preocupado comigo, com minha saúde, com minha
produção. Agradeço os abraços e as palavras de força, o seu “avante” fez e faz toda a diferença
na minha vida. Fico muito feliz em saber que o senhor aprecia meu canto. Muito obrigada,
também, por aquele convite, feito na primeira aula no Mestrado.
Meu carinho e agradecimento ao meu grupo de pesquisa, ALFALE, que foi e é lugar de
construir conhecimento. Lá fortaleci meus saberes e aprendi muito.
Aos súditos da linha de Linguagem de 2016, todo meu afeto. Vocês são amigos para o
resto da vida: Áureo, Cristiana, Clotildes e Keila.
Não posso me esquecer de agradecer a todos os mestrandos de 2016, que caminharam
comigo. Mesmo em diferentes linhas de pesquisa, sempre foram especiais e atenciosos,
ajudando-me a chegar até aqui.
Também meu agradecimento a todos aqueles que me transportaram para a Universidade
ou me levaram para casa depois dos “assaltos” em 2016. Foram tantas pessoas que me ajudaram
que não me arrisco a citar nomes. A vida sempre me presenteia com anjos, é o Divino que cuida
de mim nas palmas de suas mãos.
Para além de todos, preciso citar duas pessoas especiais, que junto comigo completam
o trio parada dura, Cristiana de Jesus Xavier e Clotildes de Souza Farias, meninas extremamente
especiais e verdadeiros presentes de Deus em minha vida. Cris, por toda a trajetória de
disciplinas e reuniões sempre foi quem me buscou e levou da Universidade para casa, e Clo
sempre esteve no suporte – nunca deixei de estar nas aulas por falta de alguém que me levasse.
Tornamo-nos amigas, trocamos muitos cafés, pães de queijo, bolachinhas, carinho, amizade e
lealdade. E também um grupo no WhatsApp, “Mestrandas superpoderosas”, que nos permitiu
programar atividades, viagens, trabalhos e mesmo uma prosa para acalmar. Amo-as com toda
a força do coração e tenho fé de que essa amizade ainda vai longe!
Meu carinho a todos e todas que, por um momento, desejaram-me boas energias,
fizeram uma prece e de alguma forma torceram para que eu não desistisse. Deus seja louvado
em todos os momentos, em cada cuidado, pois sei que fui muito amada e cuidada.
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Agradecer é muito pouco, pois não existem palavras capazes de descrever o carinho que
sinto por você, meu querido orientador, professor Marlon Dantas Trevisan. Quero dizer que
tudo que me ensinou levo, a partir de hoje, em minha vida, e carrego em meu coração tudo de
bom que fizemos enquanto orientador e orientanda. Agradeço a paciência com minha teimosia,
no fundo, eu sou uma boa pessoa... Gratidão!
Grata ao universo por colocar Pedro Barreto em minha vida... encontramo-nos em um
momento em que nossas dificuldades eram as mesmas, tanto no campo de produção como na
vontade de prosseguir com a vida e com a academia. Você me inspirou a continuar, afinal, eu
vivia na sua cola para não sumir e não poderia falhar quando fosse minha hora. Gratidão, amigo.
Sou muito feliz por estar comigo nesta reta final.
Agradeço ao meu “namorido”, que tem enfrentado com paciência esta fase tão intensa
de escrita e de tensão, ajudando em tudo que lhe foi possível. Obrigada amor Jardel Júnyor da
Silva, você é o sopro de saúde e de alegria que me faltava. Amo você com todas as forças que
tenho neste momento – a tendência é só aumentar.
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"... A minha contribuição foi encontrar uma
explicação segundo a qual, por trás da mão que
pega o lápis, dos olhos que olham, dos ouvidos que
escutam, há uma criança que pensa.”
(Emilia Ferreiro, 1985).
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RESUMO
A presente investigação possui caráter bibliográfico e qualitativo, refletindo sobre a teoria
enunciativa de Bakhtin, especialmente no que diz respeito aos gêneros textuais e os nexos
possíveis com os processos de aquisição de leitura e escrita, destacando-se, em tal contexto, o
papel do gênero canção. Vincula-se à linha de pesquisa “Linguagens, cultura e construção de
conhecimento: perspectiva histórica e contemporânea” e ao grupo de pesquisa Alfabetização e
Letramento Escolar (ALFALE) do Programa de Pós-Graduação em Educação do Câmpus
Universitário de Rondonópolis, Universidade Federal de Mato Grosso (PPGEdu/CUR/UFMT).
Aborda-se a alfabetização sob a perspectiva dos gêneros textuais como objetos de ensino,
proposta que vem se consolidando na contemporaneidade. Dessa forma, escolheu-se a canção
como gênero a ser analisado, pelo que revela de possibilidades estéticas, sociais, afetivas,
lógicas, à medida que apresenta enunciados, e não mais sílabas ou palavras soltas, nas rotinas
alfabetizadoras. Pretende-se, também, discorrer sobre o percurso histórico da alfabetização,
seus conflitos, tensões, abordagens do som, avanços teóricos e metodológicos, com o aporte de
Mendonça (2011), Marcuschi (2008), dentre outros; para a reflexão sobre gêneros, recorre-se
às contribuições de autores como Dolz, Schneuwly, Noverraz (2004), Mortatti (2017), Soares
(2004), Bakhtin (2011); com relação à linguagem musical, destaca-se Gordon (2000) e Jeandot
(1997). Como objetivo geral, buscou-se refletir sobre o ensino de leitura e escrita, investigando-
se os nexos entre conceitos de alfabetização, gêneros textuais, natureza da canção e a sequência
didática proposta por Dolz, Schneuwly e Noverraz (2004), nesta ocasião orientada pela canção
e a perspectiva do alfabetizar letrando. Com o intuito de relacionar, ilustrar e consolidar tais
proposições, elaborou-se uma unidade didática (sequência) para turmas de alfabetização do
primeiro ano do primeiro ciclo do Ensino Fundamental, em que se verificam os ganhos para as
práticas pedagógicas pretendidos com o esforço da pesquisa. O percurso do trabalho revelou o
quanto a temática é desafiadora, pela riqueza, complexidade e efetividade do gênero canção
como objeto de ensino nas rotinas de alfabetização.
Palavras-chave: Alfabetização. Gêneros textuais. Gênero canção. Sequência didática.
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ABSTRACT
The present research of bibliographical character reflects on the enunciative theory of Bakhtin,
especially with regard to the textual genres and the possible links with the processes of
acquisition of reading and writing, highlighting in such context the role of the song genre. The
work is linked to the research line "Languages, Culture and Knowledge Construction: Historical
and Contemporary Perspective" and to the Literacy and Literacy study group (ALFALE) of the
Post-Graduate Program in Education of the University Campus of Rondonópolis, Federal
University of Mato Grosso (PPGEdu / CUR / UFMT). Literacy is approached from the
perspective of textual genres as teaching objects, a proposal that has been consolidating in the
contemporary world. In this way, the song was chosen as a genre to be analyzed, so it reveals
aesthetic, social, affective, and logical possibilities, as it presents statements and no more
syllables or loose words, in the literacy routines. It is also intended to discuss the historical path
of literacy, its conflicts, tensions, sound approaches, theoretical and methodological advances,
contributing in Mendonça (2011), Marcuschi (2008), among others; for reflection on genres,
the contributions of authors such as Dolz, Schneuwly, Noverraz (2004), Mortatti (2017), Soares
(2004), Bakhtin (2011); with regard to the musical language, stands out Gordon (2000) and
Jeandot (1997). As a general objective, we sought to reflect on the teaching of reading and
writing, investigating the links between literacy concepts, textual genres, nature of the song and
the didactic sequence proposed by Dolz, Schneuwly, Noverraz (2004), on this occasion oriented
by the song and the prospect of literate literacy. In order to relate, illustrate and consolidate
these propositions, a didactic unit (sequence) was developed for literacy classes of the first year
– first cycle – Elementary School, in which gains are verified for the pedagogical practices
intended with the effort of the search. The course of work revealed how challenging the theme
is, because of the richness, complexity and effectiveness of the song genre as an object of
instruction in literacy routines.
Keywords: Literacy. Textual genres. Genre song. Following teaching.
11
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 16
2 O SAPO NÃO LAVA O PÉ, NÃO LAVA PORQUE NÃO QUER... REFLEXÕES
SOBRE A ALFABETIZAÇÃO ......................................................................................... 21
2.1 Métodos de alfabetização ................................................................................................. 23
2.1.1 Método alfabético .......................................................................................................... 23
2.1.2 Método fônico ................................................................................................................. 24
2.1.3 Método silábico .............................................................................................................. 25
2.1.4 Método da palavração ................................................................................................... 26
2.1.5 Método de sentenciação ................................................................................................ 28
2.1.6 Método global ................................................................................................................. 28
2.2 Alfabetização no Brasil .................................................................................................... 31
2.2.1 O alfabetizar de Paulo Freire........................................................................................33
2.3 As contribuições da psicogênese para a alfabetização .................................................. 34
2.4 Alfabetização e letramento .............................................................................................. 36
3 SE ESTA RUA FOSSE MINHA, EU MANDAVA LADRILHAR... GÊNEROS
TEXTUAIS COMO OBJETOS DE ENSINO ................................................................... 41
3.1 A natureza do enunciado ............................................................................................. ...41
3.2 Textualização, coesão e coerência .................................................................................. 47
3.3 Gênero textual, tipo textual e domínio discursivo ........................................................ 48
3.4 Tipos textuais ................................................................................................................... 49
3.5 Os gêneros orais presentes no texto escrito ................................................................... 52
3.6 Os gêneros e a didática da alfabetização ....................................................................... 54
3.7 A importância de uma didática orientada pelos gêneros textuais, considerando o
protagonismo da infância ................................................................................................. 56
4 ALECRIM, ALECRIM DOURADO, QUE NASCEU NO CAMPO SEM SER
SEMEADO... O GÊNERO CANÇÃO ................................................................................ 60
4.1 A materialidade da canção............................................................................................... 61
4.2 Os gêneros primários e secundários na canção ............................................................. 62
4.3 A música e a formação do indivíduo ............................................................................... 63
4.4 Formação musical para a pequena infância .................................................................. 65
12
4.5 O suporte – lócus para o enunciado ................................................................................ 67
4.6 Elementos de linguagem musical na canção .................................................................. 68
4.6.1 Altura, intensidade e timbre ......................................................................................... 69
4.6.2 Cérebro e corpo – conceito de audiação ...................................................................... 71
4.6.3 O canto e suas possibilidades de expressão .................................................................. 73
4.6.4 Tipos de audiação ........................................................................................................... 74
4.6.5 A dimensão do ritmo ..................................................................................................... 76
4.6.6 A notação musical .......................................................................................................... 78
5 RELAÇÕES ENTRE ALFABETIZAÇÃO, GÊNERO CANÇÃO E SEQUÊNCIA
DIDÁTICA: SURPRESAS PARA A APRENDIZAGEM................................................82
5.1 Relações entre letramento e a sequência didática.........................................................83
5.2 Relações entre métodos de alfabetização e a aprendizagem musical... revendo o
percurso da pesquisa ........................................................................................................ 86
5.3 Contribuições didático-pedagógicas do gênero canção como objeto de ensino: uma
proposta de sequência didática ......................................................................................... 88
5.4 Algumas reflexões sobre as atividades da sequência didática.....................................109
VOU-ME EMBORA, PRENDA MINHA, TENHO MUITO QUE FAZER... PEQUENAS
CONSIDERAÇÕES DE UMA PROFESSORA ALFABETIZADORA......................... 114
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 116
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Gêneros orais e escritos 50
Quadro 2 – Figuras musicais e respectivos valores 78
Quadro 3 – Principais sinalizações de andamento 79
14
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Posicionamento das notas 70
Figura 2 – Esquema da sequência didática 85
Figura 3 – Sequência didática “Uma canção para a bailarina” 95
Figura 4 – Partitura da canção “Ciranda da Bailarina” 111
15
i
16
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho vincula-se ao Grupo de Pesquisa Alfabetização e Letramento Escolar
(ALFALE), do Programa de Pós-Graduação em Educação, Instituto de Ciências Humanas e
Sociais (PPGEdu/ICHS), da Universidade Federal de Mato Grosso, Câmpus Universitário de
Rondonópolis (UFMT/CUR), na linha de pesquisa: “Linguagens, cultura e construção de
conhecimento: perspectivas histórica e contemporânea”.
O estudo em tela trata da aquisição da língua materna – leitura e escrita – propondo uma
didática voltada aos gêneros textuais, destacando-se, dentre estes, a canção, pela potencialidade
que apresenta como promotora de experiências significativas para a formação das crianças.
A utilização dos gêneros nas metodologias didáticas tem se reafirmado como paradigma
contemporâneo, sobretudo no ensino da língua materna, uma vez que os mesmos remetem a
situações reais de comunicação, convívio social e vivências cotidianas. Dessa forma, defendo
que a escola deve promover ambientes de aprendizagem que valorizem o mundo vivido, o
cotidiano das crianças. Nesse sentido, na contramão do ensino tradicional de linguagem, que
prioriza a memorização e exercícios repetitivos, afirmo aqui a importância de um aporte teórico
como a teoria do enunciado (BAKHTIN, 2011), pelo que expressa da experiência comunicativa,
resgatando a vida, trazendo-a para dentro da sala de aula.
Algumas indagações nortearam meus passos nesta pesquisa: O que significa, para a
alfabetização, adotar os gêneros textuais como objetos de ensino? Que elementos teóricos e
práticos estão envolvidos nas vivências pedagógicas com a canção? Que relações (e ganhos)
podem se estabelecer entre alfabetização, canção e os conceitos de sequência didática?
Em termos metodológicos, o trabalho apresenta uma natureza qualitativa, com relação
à análise de dados, particularmente porque busca formular pontualmente uma proposta de
sequência (unidade) didática que, dentro dos limites do texto, contemple as abordagens teóricas
apresentadas no percurso do trabalho. Dessa forma, Gatti e André (2011) destacam também que
a pesquisa qualitativa é a incorporação do pesquisador bem como suas investigações mais
flexíveis. Tendo consciência da subjetividade como parte do processo de pesquisa, bem como
de que a compreensão se dá a partir da interpretação das questões e problemas da educação.
Dessa forma, o legado de Bakhtin (2011), em especial quanto aos conceitos sobre
enunciado e gêneros textuais, tem caráter relevante, assim como as contribuições de Gordon
(2000) para o ensino musical, ressaltando-se, dentre as mesmas, a concepção de audiação
(escuta atenta).
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A pesquisa tem como objetivo geral refletir sobre o ensino de leitura e escrita,
investigando-se os nexos entre conceitos de alfabetização, gêneros textuais, natureza da canção
e a sequência didática proposta por Dolz, Schneuwly e Noverraz (2004), nesta ocasião orientada
pela canção e a perspectiva do alfabetizar letrando. Como objetivos específicos, pretendo:
a) Discorrer sobre o percurso histórico da alfabetização, seus conflitos, tensões, avanços
teóricos e metodológicos;
b) Descrever a teoria enunciativo-comunicativa bakhtiniana e os conceitos sobre
gêneros textuais;
c) Descrever e analisar a natureza do gênero canção, em especial, elementos da
linguagem musical, seus elos com outros gêneros e como tal aspecto impacta na aprendizagem
da língua;
d) Apresentar uma proposta de sequência didática (unidade didática), nos termos de
Schneuwly e Dolz (2004);
e) Buscar inferências, a partir do esforço teórico empreendido, que contribuam de algum
modo para a didática da alfabetização.
Com relação às motivações para a pesquisa, retorno aos anos de 1990, quando eu, uma
bebê cantora, causava admiração a muita gente, sendo diversas vezes convidada a cantar,
declamar poesias na escola e em outros lugares... não era comum uma criança tão pequena com
tantos talentos artísticos. Naquela época, minha mãe me ajudava a decorar as músicas, ensinava
os ritmos para as apresentações...
Seriam necessárias muitas páginas para contar minha trajetória de amor e fuga da
música, mas este não é o assunto desta dissertação. No entanto, posso afirmar, com muita
emoção, que meu orientador foi a pessoa que me fez voltar a cantar, mesmo eu sentindo medo
e insegurança. Em uma tarde de março de 2013, em frente à biblioteca da UFMT/CUR, Marlon
me ensinou a canção “Ponta de areia”, de Milton Nascimento e Fernando Brant (1975),
pedindo, em seguida, que eu cantasse, dizendo que meu timbre fazia lembrar a voz das “cantoras
do rádio”, tempo que não vivi; foi um dos primeiros comentários que fez ao me ouvir. Daquele
momento em diante, convidou-me para cantar em alguns espaços da universidade, e, até hoje,
suas aulas têm sido palco de minhas cantorias: ele no violão e eu com a voz. Tornou-se, assim,
a pessoa que trouxe de volta meu sonho de cantar, a alegria de me ouvir e o prazer de estar entre
amigos para fazer música.
A partir desses encontros, cursando a graduação em Pedagogia, imaginava
possibilidades de construção de conhecimento que envolvessem a música e aspectos do ensino.
18
Eis os motivos de minha grande identificação com a canção: a infância com os estímulos
maternos, sua importância para os ambientes sociais e a cultura, a alegria de meu reencontro
com a música, ao som do violão e das orientações de Marlon, o que me faz crer que não há
razões para ela não estar presente no contexto escolar.
Muito mais do que alegrar a vida das pessoas, a música alegra a minha. Considero-a,
por isso, um importante instrumento de resistência à alfabetização mecanicista, descolada do
mundo e da vida. Acredito na educação que liberta, constrói, levando à autonomia, valorizando
o coletivo, o prazer de estar junto, a partilha de conhecimentos. A música não é a salvação do
texto, da língua, do mundo, mas pode se constituir importante ferramenta para trabalharmos
aspectos estéticos, filosóficos, sociológicos, religiosos, éticos e morais, nas rotinas
pedagógicas. Música é fluidez, pulsação, movimento, e se torna aprendizagem, sobretudo para
um ensino planejado.
Considerando esta introdução como o primeiro capítulo da dissertação, apresento o
segundo, intitulado “O sapo não lava o pé, não lava porque não quer... reflexões sobre a
alfabetização”, caracterizando o percurso histórico das metodologias de ensino das primeiras
letras, dentre as quais destacamos os sistemas alfabético, fônico, silábico, palavração,
sentenciação e global. Também reflito sobre as contribuições da psicogênese e o conceito
posterior de letramento. Recorro, para tal, a autores como Mendonça (2011), Mortatti (2004) e
Soares (2004), dentre outros. Considero relevante a revisão do caminho percorrido pelas
metodologias, porque pretendo apontar a importância do aspecto sonoro para as mesmas,
revelando incontáveis relações com a canção, que procurarei expor no capítulo conclusivo.
Defendo, aqui, não haver um método mais eficiente do que outro, uma vez que cada criança se
constitui como um ser único, exigindo, por parte do alfabetizador, flexibilidade no tocante à
melhor estratégia didática.
O terceiro capítulo, “Se esta rua fosse minha, eu mandava ladrilhar... gêneros textuais
como objetos de ensino”, discorre sobre os gêneros de forma ampla, sua aplicabilidade didática,
tipologia, além de outros aspectos específicos inerentes à produção discursiva. Destaco, das
contribuições bakhtinianas, o conceito de enunciado. Tal compreensão vem a possibilitar a
virada pedagógica que muitos almejam, no ensino com gêneros: o resgate das práticas sociais
nas rotinas escolares. Para as análises, conto com as contribuições de Bakhtin (2011), Dolz,
Schneuwly, Noverraz (2004), Mortatti (2017), Soares (2004), além de outros nomes relevantes.
No quarto capítulo, “Alecrim, alecrim dourado, que nasceu no campo sem ser
semeado...” o gênero canção, destaco, além de especificidades do gênero em questão, aspectos
da linguagem musical, como letra, melodia, ritmo etc., bem como a potencialidade que as
19
vivências musicais pedagógicas apresentam. Realço a importância do conceito de audiação
(escuta atenta) de Gordon (2000), suas relações com o movimento do corpo, enfim, a plenitude
da apreciação estética musical. Além de Gordon (2000), contamos com os escritos de Jeandot
(1997) e Caretta (2011), dentre outros.
O quinto capítulo, “Relações entre alfabetização, gênero canção e sequência didática:
surpresas para a aprendizagem”, busca consolidar a reflexão e o percurso da pesquisa, de modo
a discorrer sobre a proposta de Dolz, Schneuwly e Noverraz (2004), sobre sequência didática.
Recorro a Marcuschi (2005) e Dionísio (2005), no sentido de ratificar a importância do
alfabetizar letrando. Com o esforço de articular todo o arranjo teórico apresentado na pesquisa
– conceitos de alfabetização, gêneros textuais como objetos de ensino, natureza da canção
(destaque à audiação) – elaborei uma sequência didática que, ao materializar-se, torna-se uma
unidade didática, como se fosse um capítulo de livro voltado para alfabetização e o primeiro
ano do Ensino Fundamental, faixa etária de seis, sete anos, público escolhido para endereçar os
exercícios propostos. Pelos limites do trabalho, não contemplo, na sequência apresentada, todos
os aspectos envolvidos nas articulações conceituais possíveis, basicamente relativas aos
mecanismos de aquisição da língua e às experiências com a linguagem musical. Pretendo seguir
adiante, elaborando novas unidades didáticas, posto que verifiquei, no transcorrer do trabalho,
tratar-se de um veio de pesquisa de grandes possibilidades de produção didática voltada para a
alfabetização.
Por fim, “Vou-me embora, prenda minha, tenho muito que fazer... pequenas
considerações de uma professora alfabetizadora” traz as reflexões construídas a partir da
proposição da Sequência Didática (SD) e do diálogo estabelecido com os autores aqui
elencados, articulados às experiências desta pesquisadora com a alfabetização e a música.
Espero, com o esforço empreendido, contribuir, de algum modo, para as práticas
pedagógicas, analisando a complexidade e efetividade do gênero canção para as mesmas. Que
nas escolas se possa ouvir, a cada plim, plim, plim de um pianinho, ou o dão, dão, dão de um
violão, as vozes infantis a entoarem belas e alegres canções. Isto afirmo em tempos que
requerem o resgate da experiência estética, sejam em quais forem os contextos sociais,
especificamente os escolares, que pretendem propiciar a formação integral de nossas crianças.
20
ii
21
2 O SAPO NÃO LAVA O PÉ, NÃO LAVA PORQUE NÃO QUER... REFLEXÕES
SOBRE A ALFABETIZAÇÃO
O presente capítulo se constitui uma análise do percurso histórico da alfabetização, até
os dias atuais, apoiando-me em estudos de Mendonça (2011), Soares (2008), Ferreiro e
Teberosky (2008), dentre outros. Espero, desse modo, contribuir com a discussão sobre uma
didática da alfabetização, sem a defesa de um método em especial, dentre os que serão aqui
expostos; mais importante, creio, vem a ser a contribuição de cada um deles para a aquisição
de leitura/escrita, analisada sob um aspecto de relevância central para nossa pesquisa: o papel
do som em tais metodologias, característica esta que estabelece um elo com a canção que, a
meu ver, merece ser investigado. Mais que isso, merece – e deve – fazer parte do cotidiano do
ciclo de alfabetização, em escolas acolhedoras, que não se comportem como o sapo da cantiga,
que, teimosamente, não muda porque não quer. As percepções observadas ao revisar os
caminhos históricos da alfabetização ajudam a pensar o ensino da língua de forma mais
prazerosa para as crianças, no sentido de superar aquilo que pode torná-lo enfadonho e difícil,
de modo que seja possível, com a música, atenuar tal aspecto.
O advento da escrita se deu a partir da necessidade dos homens de se comunicarem uns
com os outros, o que fez nascer, junto com ela, a alfabetização. Era necessário aprender a
decifrar os símbolos usados para registrar ou comunicar algo e não apenas criá-los.
No âmbito dos estudos da alfabetização, da leitura e da escrita, Soares (2003) afirma
que:
No Brasil, porém, o movimento se deu, de certa forma, em direção contrária:
o despertar para a importância e necessidade de habilidades para o uso
competente da leitura e da escrita tem sua origem vinculada à aprendizagem
inicial da escrita, desenvolvendo-se basicamente a partir de um
questionamento do conceito de alfabetização. Assim, ao contrário do que
ocorre em países do Primeiro Mundo, como exemplificado com França e
Estados Unidos, em que a aprendizagem inicial da leitura e da escrita – a
alfabetização, para usar a palavra brasileira – mantém sua especificidade no
contexto das discussões sobre problemas de domínio de habilidades de uso da
leitura e da escrita – problemas de letramento –, no Brasil os conceitos de
alfabetização e letramento se mesclam, se superpõem, frequentemente se
confundem. Esse enraizamento do conceito de letramento no conceito de
alfabetização pode ser detectado tomando-se para análise fontes como os
censos demográficos, a mídia, a produção acadêmica. (SOARES, 2003, p. 7).
Assim, no Brasil, a confusão relativa a esse conceito está entre o objetivo de ler – que é
a compreensão do texto – e o processo de aprender a ler, que envolve a decodificação do que
está escrito. Esses equívocos têm implicações importantes, pois, quando não se diferenciam
22
objetivo e processo, confundem-se também os métodos de alfabetização, o que pode gerar
desastrosas consequências para a aprendizagem do aluno.
Conceituando alfabetização, Moura (1999) afirma que:
A alfabetização consiste num processo pedagógico e epistemológico que deve
possibilitar, ao sujeito, a apropriação do sistema de representação da
linguagem escrita e a sua consequente reconstrução e utilização para si como
objeto possibilitador da apropriação de novos conhecimentos e de intervenção
em diferentes situações sociais. (MOURA, 1999, p. 105)
Portanto, a alfabetização é um processo que possibilita ao indivíduo abrir novos
horizontes, reconhecer o mundo em que se insere, transitar por contextos sociais que se
interditam para os não alfabetizados. A própria relação da consciência com o mundo se altera,
a partir da apropriação da linguagem escrita, de modo que o existir se transforma.
Conforme Mortatti (2004), a alfabetização:
[...] passou a designar explicitamente um processo escolarizado e
cientificamente fundamentado, entendido como meio e instrumento de
aquisição individual de cultura e envolvendo ensino e aprendizagem escolares
simultâneos da leitura e da escrita, estas entendidas como habilidades
específicas que integravam o conjunto de técnicas de adaptação do indivíduo
às necessidades regionais e sociais. (MORTATTI, 2004, p. 67)
Os aspectos destacados permitem caracterizar a alfabetização como um processo
cognitivo, cujo percurso, alicerçado em rigor científico, visa promover a aquisição de duas
essenciais habilidades: ler e escrever. Sem elas, um indivíduo passa, consequentemente, a viver
à margem dos campos sociais em que aquelas são senhas de entrada. Não por acaso existem
firmes relações entre o analfabetismo e a exclusão social, bem como entre ascensão social e
nível de escolaridade.
Os lentos avanços de nossa vida em sociedade, sobretudo no que se refere às leis, à
tecnologia e aos bens de consumo, encontram reflexo na linguagem, o que fica evidente diante
da necessidade humana de registrar sua vida e história, transformá-la pelo que pode o símbolo
linguístico nas interações sociais. Cagliari (2011) mostra aspectos dessa marcha:
A escrita, pelo que se sabe hoje, começou de maneira autônoma e
independente, na Suméria, por volta de 3300 a.C. É muito provável que no
Egito, por volta de 3000 a.C., e na China, por volta de 1500 a.C., esse processo
autônomo tenha se repetido. Os Maias na América Central também
inventaram um sistema de escrita independentemente de um conhecimento
prévio de outro sistema de escrita, num tempo indeterminado ainda pela
ciência, que talvez se situe por volta do início da era cristã. (CAGLIARI, 2011,
p. 15).
23
A igreja foi uma grande difusora de conhecimento e incentivo ao aprendizado da língua
escrita, tendo em vista os textos sagrados e as orações. Isto levando em consideração a Reforma
Protestante, momento histórico em que as possibilidades de leitura e interpretação da Bíblia,
antes exclusivas dos padres, passaram a ser acessíveis aos indivíduos comuns. Logo, aprender
a ler tornou-se essencial para se relacionar com o divino.
Após as revoluções Francesa (1789) e Industrial (1840), e com o surgimento de várias
indústrias, o conhecimento da leitura e da escrita se transformou em um instrumento de
distinção social, pois as novas demandas exigiam cidadãos alfabetizados e mão de obra
qualificada. Com isso, a população começou a sentir, gradativamente, a necessidade de buscar
conhecimento e a reconhecer a importância da comunicação por meio da palavra escrita
(MORTATTI, 2004).
No processo de alfabetização, destacam-se três entes – aluno, professor e a natureza do
objeto do conhecimento envolvendo essa aprendizagem. A linguagem é compreendida como
um conjunto de conceitos alfabéticos, com características específicas, que permeia as interações
entre os dois primeiros e destes com o mundo. Nesse sentido, é indispensável argumentar sobre
o ponto de vista de algumas metodologias, para os caminhos da alfabetização e o trabalho com
a linguagem nas rotinas escolares.
2.1 Métodos de alfabetização
Surgem, desde a Antiguidade e Idade Média até o século XVIII, métodos diferenciados
de alfabetização, dividindo-se em dois grandes grupos: sintéticos e analíticos. Os métodos
sintéticos se subdividem em alfabético, fônico e silábico; os analíticos, em palavração,
sentenciação e global. A seguir, procuro delinear seus principais aspectos, buscando verificar
de que modo a sonoridade era abordada, pois tal aspecto interessa de modo especial a esta
pesquisa, tendo em vista as relações que o mesmo apresenta com a natureza da canção, gênero
aqui investigado.
2.1.1 Método alfabético
O método alfabético se dava pela fixação oral das letras, ou melhor, os alfabetizandos
memorizavam o nome de todas as letras do alfabeto em ordem; depois, ao contrário. Em
seguida, precisavam desenhá-las. Isso feito, deveriam reconhecer o som que cada grafema
representava, primeiramente as maiúsculas; depois, as minúsculas.
24
Memorizadas essas relações, passavam a juntar as letras para formar sílabas, em
seguida, começavam a formar as sílabas compostas. O passo seguinte consistia em escrever
monossílabos, dissílabos e trissílabos. As frases, então, começavam a ser elaboradas, sempre a
partir de uma palavra; as sílabas esparsas eram unidas nesse exercício.
Essa metodologia se denominou método alfabético, característica do primeiro grande
período da história da alfabetização, que se estendeu até fins da Idade Média, ocasião em que
aparece o costume de fazer bolos e doces em formas de letras.
Na fase alfabética, a criança começa a adquirir conhecimento sobre o princípio
alfabético, exigindo dela a consciência dos sons que compõem a fala; inicia-
se o processo de associação fonema-grafema, podendo decodificar palavras
novas e escrever algumas palavras simples. Em um primeiro momento, se
aprende as regras mais simples (decodificação sequencial) e, depois, as regras
contextuais (decodificação hierárquica). Com isto, a criança consegue, por
exemplo, ler ‘sapato’ sem alterar a sonorização dos fonemas (fazendo sua real
correspondência com os grafemas), porém pode alterar a sonorização do
fonema /z/ na palavra ‘casa’ devido à letra [s], e corrigir em seguida,
dependendo de sua contextualização (estar isolada ou dentro de um texto,
associada por imagem... (MARANHE, 2011, p. 139, grifos da autora)
Esse método de alfabetização, portanto, era centrado na codificação e decodificação das
letras, um ato mecânico, composto por momentos de seguida repetição. Nesse momento da
escolarização, o ensino era pautado na leitura apenas sonora e visual, sem a exigência de o aluno
compreender o texto. O ensino baseava-se na combinação entre letras e sons, com destaque para
a memorização desta relação.
2.1.2 Método fônico
No século XVI, surge um novo método, contrapondo-se ao alfabético, trata-se do
método fônico. A diferença deste consiste basicamente na pronúncia dos sons que as letras
produzem, ou melhor, o ensino do som dos grafemas, em vez do nome de todos eles.
Primeiro, ensinavam-se a forma e os sons das vogais, em seguida, ensinavam-se as
consoantes e depois a junção delas, o que gerava conexões gradativamente mais complicadas.
Para a compreensão dos sons, o principal objetivo é aprender, primeiramente, a relação entre
fonemas e grafemas, para depois ir para as relações mais complexas.
Nesse sentido, o método fônico traz várias vantagens e desvantagens. Uma das vantagens
é que há algumas letras que representam apenas um fonema e sempre representarão esse fonema,
como, por exemplo: p e b, v e f, entre outras, que facilitam a codificação e a decodificação.
25
A desvantagem é que algumas letras podem possuir outros fonemas em conformidade
com o seu lugar na escrita, como é o caso da letra s: se ela estiver no começo da palavra,
corresponde a um fonema (sapo, sapato etc.), e a outro, se estiver entre vogais (casa, música
etc.).
No Brasil, o método fônico tem sido levado adiante por diversos autores, dentre os quais
sobressai o casal Capovilla (2004), responsável pela autoria de materiais e instrumentos para se
trabalhar a consciência fonológica, tais como o “método das boquinhas”, técnica criada por
Fernando Capovilla e Renata Jardini, em 1985, para o ensino das primeiras letras. O papel do
som, nesta metodologia, é absolutamente essencial, porque a aquisição da leitura e da escrita
ocorre mediada por longos exercícios de fala, fortalecendo-se a articulação correta das palavras
e o processamento auditivo central. O aluno se alfabetiza por meio da representação dos
grafemas efetuada pelo trato bucal, principalmente.
Entre os muitos problemas presentes nesta perspectiva, Mendonça (2011), destaca o fato
de que o português é silábico: a menor unidade para o aprendiz é a sílaba, tal como aprendemos
a falar; a letra é parte da sílaba e não produz sentido quando ensinada separadamente.
Outro ensinamento de Mendonça (2011) expõe que:
Isolados, os fonemas consonantais são impronunciáveis, pois sempre que se
tentar pronunciar /b/, por exemplo, o som /e/ estará presente e se dirá /be/. O
método fônico, para tentar dissimular essa dificuldade, ignora a vogal nasal
/ã/ e, na tentativa de desenvolver o que denomina ‘consciência fonológica’,
faz o aluno pronunciar a sílaba /bã/ para o fonema /b/. Como demonstrado, no
método fônico parece que se trabalha o fonema, mas na verdade parte da sílaba
nasalizada e não do fonema para desenvolver a correspondência
grafema/fonema consonantais. (MENDONÇA, 2011, p. 29, grifo da autora).
O método fônico propõe ensinar, de forma clara, a relação entre grafemas e fonemas. O
aluno inicia sua aprendizagem a partir do som das letras, de modo a unir o som da consoante
com o som da vogal, para, enfim, pronunciar a sílaba formada.
2.1.3 Método silábico
O terceiro período também surge no Século XVI e se caracteriza justamente pela
percepção de que falamos por impulsos, o que gerou o método silábico. Primeiramente, eram
ensinadas as sílabas simples, só depois passava-se às mais complicadas, e da união delas
surgiam as famílias silábicas. Dessa forma, novas palavras eram criadas a partir das sílabas
simples já aprendidas, possibilitando a formação de pequenas frases e textos.
26
Voltando à história, visando à superação das dificuldades do método fônico,
na França, foi criado o método silábico: estratégia de unir consoante e vogal
formando a sílaba, e unir as sílabas para compor as palavras. No método
silábico, ensina-se o nome das vogais, depois o nome de uma consoante e, em
seguida, são apresentadas as famílias silábicas por ela compostas. Ao contrário
do fônico, no método da silabação, a sílaba é apresentada pronta, sem se
explicitar articulação das consoantes com as vogais. Na sequência, ensinam-
se as palavras compostas por essas sílabas e outras já estudadas.
(MENDONÇA, 2011, p. 26).
Esse método tem dois objetivos fundamentais: explicar as relações grafofonêmicas e
criar aptidões metafonológicas, ou seja, instruir sobre as ligações entre letras e sons e incentivar
o andamento da consciência fonológica, que se referem à capacidade de utilizar e raciocinar a
respeito da pronúncia da fala.
Quando relacionadas ao conhecimento das ligações entre letras e sons, a prática de
memorização e compreensão do modo de se falar tem maior finalidade sobre o aprendizado da
leitura e da escrita, sendo, portanto, um mecanismo muito eficiente para a alfabetização de crianças
disléxicas, dentre outras que apresentam maiores dificuldades na aquisição de leitura e escrita.
Vale aqui explicitar o entendimento de Frade (2005):
O método silábico tem uma vantagem: ao se trabalhar com a unidade sílaba,
atende-se a um princípio importante e facilitador da aprendizagem: quando
falamos, pronunciamos sílabas e não sons separados. Assim, suprime-se a
etapa tortuosa pela qual o aluno passa ao tentar transformar letras ou fonemas
em sílabas, como no método de soletração (alfabético) ou no fônico. Além
disso, o método silábico se presta bem a um trabalho com determinadas sílabas
às quais não se aplica o princípio de relação direta entre fonema e grafema.
Existem várias sílabas que comportam mais letras do que os sons que
pronunciamos: na representação da nasalidade, em algumas palavras,
escrevemos as letras n ou m sem que elas correspondam a algum som (canto,
campo); nos dígrafos, usamos duas letras para representar um único som
(chuva, carro, excelente, gueto, brinquedo). (FRADE, 2005, p. 29).
Em resumo, as metodologias que acompanham o processo sintético (da parte para o
todo) buscam privilegiar apenas a decodificação, ou melhor, o estudo fonológico, com mínimo
destaque ao texto e ao uso da escrita.
2.1.4 Método da palavração
Na reflexão sobre os métodos de alfabetização, seguem os métodos analíticos, que
iniciam do todo (palavras-chave, frases, texto) e caminham para as partes menores (sílaba). A
expressão “analítica” supõe que a palavra (frase ou texto) seja “quebrada” e analisada em partes
menores, após a sua visualização.
27
Mendonça (2011) assim explica e exemplifica os métodos analíticos:
Os métodos da palavração, sentenciação ou os textuais são de origem
analítica, pois partem de uma unidade que possui significado, para então fazer
sua análise (segmentação) em unidades menores. Por exemplo: toma-se a
palavra (BOLA), que é analisada em sílabas (BO-LA), desenvolve-se a família
silábica da primeira sílaba que a compõe (BA-BE-BI-BO-BU) e, omitindo a
segunda família (LA-LE-LI-LO-LU), chega-se às letras (B-O-L-A).
(MENDONÇA, 2011, p. 28).
Nicolas Adams (1787 apud MENDONÇA, 2011), formulou um raciocínio convincente:
quando ensinamos a uma criança o que é um vestido, o apresentamos a ela; não fazemos isso
aos poucos, vindo com a renda, depois os botões etc. Da mesma maneira, argumentava,
deveríamos agir com a alfabetização, o ideal é apresentar palavras e não retalhos delas. Iniciada
a abordagem analítica com a palavração, o que se seguiu foi a sentenciação – análise de frases
significativas, impactantes; posteriormente, o texto em sua totalidade – contos e outros gêneros.
Conforme o entendimento de Mortatti (2006):
Diferentemente dos métodos de marcha sintética até então utilizados, o
método analítico, sob forte influência da pedagogia norte-americana, baseava-
se em princípios didáticos derivados de uma nova concepção — de caráter
biopsicofisiológico — da criança, cuja forma de apreensão do mundo era
entendida como sincrética. A despeito das disputas sobre as diferentes formas
de processuação do método analítico, o ponto em comum entre seus
defensores consistia na necessidade de se adaptar o ensino da leitura a essa
nova concepção de criança. (MORTATTI, 2006, p. 7).
Os métodos analíticos se dividem em três grupos: palavração, sentenciação e método
global. Com ênfase na palavra, eis o método da palavração, cuja proposta, de modo geral,
determinava que a alfabetização se desse a partir de uma palavra significativa para a criança.
Ensinar letras ou sílabas, por conseguinte, não seria o melhor caminho, porque tais formações
se apresentavam como algo abstrato aos pequenos.
Comênius, em 1655, propõe o método iconográfico – correspondência entre imagem e
palavra, dentro da abordagem analítica. Este autor considerava a soletração a maior tortura feita
ao espírito (MENDONÇA, 2011). Esse período reúne características que permitem afirmar
tratar-se de uma contraposição às estratégias sintéticas.
O debate sobre os métodos de alfabetização sintéticos e analíticos, portanto, atravessa
séculos, acompanhando a história da própria educação. A palavração também foi criticada por
seu caráter de coleção vocabular, uma vez que desprezava a importância da compreensão do
conjunto alfabético escrito em situações reais de comunicação.
28
Segundo Mortatti (2006), na palavração, como o próprio nome diz, parte-se da palavra.
Primeiro, existe o contato com os vocábulos e, depois da aquisição de certo repertório, inicia-
se a formação das frases. Caracteriza-se pela decomposição da palavra em sílabas. Esta não é
dividida no começo do processo, em geral, será estudada integral e minuciosamente. Não se
segue uma regra ou parâmetro ortográfico para sua quebra (análise) em partes, por ser relevante
que o aluno as entenda e que tenham significado para sua vida, preferencialmente.
Uma vantagem deste método está no significado da palavra e em práticas pedagógicas
que podem resultar em uma leitura prazerosa, formadora. Já as desvantagens surgem nos
obstáculos encontrados diante de novas palavras, quando os educadores se restringem a uma
singela visualização, sem motivar a compreensão das palavras em partes. Mesmo memorizadas,
as palavras podem não coincidir com a aquisição de leitura, provocando enganos.
2.1.5 Método de sentenciação
Seguindo a ordem dos métodos, temos o método de sentenciação, a respeito do qual
existem poucas informações sobre a época de sua criação. Nele, o marco inicial do aprendizado
é a frase, que é dividida posteriormente em palavras, das quais são tiradas as unidades mais
simples, que são as sílabas.
Pouco se fala sobre este método e sua utilidade, mas, em geral, são demonstradas duas
vantagens, a saber: a de estudar a frase e sua sonoridade, priorizando uma forma de leitura, a
partir do texto. As parlendas, nesse sentido, são bastante pertinentes, especialmente pela
ludicidade e lirismo que apresentam. Entre as suas desvantagens, é válido ressaltar a demora
para memorização das palavras e a pouca relação que as sentenças poderão ter com a vida dos
alunos, além do perigo do mecanicismo dos métodos silábicos.
2.1.6 Método global
Já no método global, a alfabetização se inicia na análise total do texto, que deve ser
memorizado por um tempo para, assim, passar à identificação das sentenças. Destarte, esse
método é formado por diversos elementos de leitura que têm começo, meio e fim, unidos por
frases com significado para constituir uma história que interesse às crianças. Há quem diga que
nesse método a criança não aprende a ler, somente a memorizar o texto.
Do ponto de vista de Soares (2004):
29
Uma análise das mudanças conceituais e metodológicas ocorridas ao longo da
história do ensino da língua escrita no início da escolarização revela que, até
os anos 80, o objetivo maior era a alfabetização (tal como acima definida), isto
é, enfatizava-se fundamentalmente a aprendizagem do sistema convencional
da escrita. Em torno desse objetivo principal, métodos de alfabetização
alternaram-se em um movimento pendular: ora a opção pelo princípio da
síntese, segundo o qual a alfabetização deve partir das unidades menores da
língua – os fonemas, as sílabas – em direção às unidades maiores – a palavra,
a frase, o texto (método fônico, método silábico); ora a opção pelo princípio
da análise, segundo o qual a alfabetização deve, ao contrário, partir das
unidades maiores e portadoras de sentido – a palavra, a frase, o texto – em
direção às unidades menores (método da palavração, método da sentenciação,
método global). Em ambas as opções, porém, a meta sempre foi a
aprendizagem do sistema alfabético e ortográfico da escrita; embora se possa
identificar, na segunda opção, uma preocupação também com o sentido
veiculado pelo código, seja no nível do texto (método global), seja no nível da
palavra ou da sentença (método da palavração, método da sentenciação), estes
– textos, palavras, sentenças – são postos a serviço da aprendizagem do
sistema de escrita: palavras são intencionalmente selecionadas para servir à
sua decomposição em sílabas e fonemas, sentenças e textos são artificialmente
construídos, com rígido controle léxico e morfossintático, para servir à sua
decomposição em palavras, sílabas, fonemas. (SOARES, 2004, p. 98).
A maior vantagem do método global é que a palavra é exposta de uma forma que se
aproxima mais do uso efetivo do que nos outros métodos. As palavras que a criança lê ativam
esquemas de memorização, o que auxilia na compreensão do seu significado. É possível ler as
palavras, sentenças ou textos mantendo o interesse pela leitura e pela escrita.
Essa forma de leitura faz com que as crianças não se percam na tentativa de decifração
e que leiam mais rápido as palavras já conhecidas pelo método da memorização global.
Entretanto, também existem as desvantagens. Como saber se realmente os alunos estão
entendendo a leitura ou somente pronunciando palavras e textos memorizados? Nesses casos,
cabe ao professor uma intervenção.
Métodos de alfabetização se alternam: ora ocorre a partir da unidade menor da língua,
dos fonemas, das sílabas, em direção às unidades maiores – a palavra, a frase, o texto (método
fônico ou método silábico); ora pelo fundamento da análise, partindo das unidades maiores e
portadoras de sentido – a palavra, a frase, o texto – em direção às unidades menores (método
da palavração, método da sentenciação ou método global).
Nas duas estratégias, a meta consistia sempre no aprendizado do conjunto alfabético e
ortográfico da escrita. Ao invés de conviver com práticas efetivas de leitura e escrita, a criança
convivia com práticas exclusivamente escolares e com material escrito, que, por seu turno, eram
inexistentes fora das paredes da escola.
Soares (2004) ainda afirma que:
30
Assim, pode-se dizer que até os anos 80 a alfabetização escolar no Brasil
caracterizou-se por uma alternância entre métodos sintéticos e métodos
analíticos, mas sempre com o mesmo pressuposto – o de que a criança, para
aprender o sistema de escrita, dependeria de estímulos externos
cuidadosamente selecionados ou artificialmente construídos – e sempre com
o mesmo objetivo – o domínio desse sistema, considerado condição e pré-
requisito para que a criança desenvolvesse habilidades de uso da leitura e da
escrita, isto é, primeiro, aprender a ler e a escrever, verbos nesta etapa
considerados intransitivos, para só depois de vencida essa etapa atribuir
complementos a esses verbos: ler textos, livros, escrever histórias, cartas, etc.
(SOARES, 2004, p. 98).
Em outras palavras, para que a criança se interesse pelo conhecimento, é necessário que
exista a motivação dentro de casa, dos pais, e dentro da escola, pelos professores, de modo a
fazê-la entender a alfabetização como um requisito importante para a vida e o convívio entre as
pessoas. Sendo assim, as práticas sociais com a linguagem oral e escrita transcendem, inclusive,
o papel dos métodos alfabetizadores.
Mortatti (2006) explicita:
Para o ensino da leitura, utilizavam-se, nessa época, métodos de marcha
sintética (da ‘parte’ para o ‘todo’: da soletração (alfabético), partindo do nome
das letras; fônico (partindo dos sons correspondentes às letras); e da silabação
(emissão de sons), partindo das sílabas. Dever-se-ia, assim, iniciar o ensino da
leitura com a apresentação das letras e seus nomes (método da
soletração/alfabético), ou de seus sons (método fônico), ou das famílias
silábicas (método da silabação), sempre de acordo com certa ordem crescente
de dificuldade. Posteriormente, reunidas as letras ou os sons em sílabas, ou
conhecidas as famílias silábicas, ensinava-se a ler palavras formadas com
essas letras e/ou sons e/ou sílabas e, por fim, ensinavam-se frases isoladas ou
agrupadas. Quanto à escrita, esta se restringia à caligrafia e ortografia, e seu
ensino, à cópia, ditados e formação de frases, enfatizando-se o desenho correto
das letras. (MORTATTI, 2006, p. 5, grifos da autora).
No método silábico eram apresentados, primeiramente, os nomes das letras; depois, os
sons correspondentes a cada letra, de modo a formar sílabas, evidenciando a emissão dos sons
que a sílaba solicita; em seguida, ensinava-se a ler as palavras formadas e depois a formar frases.
Quanto a escrever, ensinava-se o desenho correto da letra, de modo a se estimular a cópia desse
desenho até formar frases completas.
Não nos cabe defender aqui a adoção de um ou outro método. O que interessa, neste
estudo, é a descrição de alguns deles, bem como sua perspectiva lógica, tendo em vista que cada
um, em sua medida, alcançou avanços e amargou fracassos frente ao aprendizado das crianças.
Ora um método funcionava em determinado grupo, ora funcionava em outro. Em alguns
métodos, a oralidade esteve mais presente, assim como as interações. Mesmo que em sua base
31
o método possa ser rígido e mecanicista, os educadores, de modo criativo, podem encontrar
caminhos para torná-lo significativo.
2.2 Alfabetização no Brasil
É importante lembrar que o formato de escola que hoje existe nasceu com a
Modernidade e o capitalismo, em meados do século XVI. No Brasil, foram os jesuítas que
iniciaram a história da docência, percurso que duraria 210 anos. Nessa época, os métodos fônico
e silábico superavam a soletração. A cartilha em língua portuguesa, de João de Barros, em 1539,
passou a ser adotada. A reforma pombalina expulsaria os jesuítas, mas seu estilo pedagógico
seria perpetuado pelos padres que aqui ficaram, ensinando nos colégios católicos, para aqueles
que pudessem pagar.
Com a República, em 1889, e a universalização da escola, temos a concorrência dos
métodos fônico e silábico com a palavração e a cartilha analítica de João de Deus, de 1880.
O método analítico, também uma influência norte-americana, destacou-se entre os anos
de 1890 e 1920, a partir de uma nova concepção pedagógica, que buscava centrar-se na criança,
o que popularmente ficou conhecido como escolanovismo. O pragmatismo norte-americano
tenderia, então, a propor a alfabetização pelo método analítico, por ser a palavra um símbolo de
experiência. O professor Anísio Teixeira trouxe para o Brasil as ideias de Dewey e as
concepções da Escola Nova.
Nos anos de 1960, tivemos a marcante presença das cartilhas “Caminho Suave”,
“Cartilha Sodré”, além da emblemática participação de Paulo Freire, propositor de um método
que parte da palavra geradora, assim como do estímulo à criticidade que esta pode gerar, quando
inserida na realidade do estudante. Mais adiante voltaremos a analisar as contribuições
freirianas para a alfabetização.
Na década de 1980 foi publicada a abordagem psicogenética de Ferreiro e Teberosky
(2009), descrevendo as hipóteses que as crianças formulam sobre sua escrita, e as observações
das pesquisadoras sobre como caminhava esse processo. As pesquisadoras traçam um
mapeamento lógico que auxilia inegavelmente o alfabetizador, desde que o professor não
entenda esse estudo como uma metodologia. Essa perspectiva construtivista trouxe uma nova
orientação para o aprendizado preliminar da língua escrita, propondo que a alfabetização
decorresse do letramento. Aqui, priorizava-se a comunicação com práticas de leitura e escrita,
na suposição de que o alcance do sistema de escrita ocorreria por meio desta interação e do
exercício social da língua.
32
Somando forças com as pesquisadoras acima citadas, Smith (1999) defendia a
alfabetização a partir de textos da experiência real. Outra influência marcante, desta feita,
propondo os gêneros textuais e o poder do enunciado que os engendra, é Bakhtin (2003), autor
no qual se ampara mais fortemente a presente pesquisa.
A perspectiva construtivista influenciou, de modo marcante, nos anos de 1990, a escrita
de documentos oficiais sobre os rumos da educação no Brasil – pareceres, resoluções, diretrizes,
entre outros – que tinham como objetivo orientar as práticas pedagógicas naquele período, de
modo a priorizar o ensino construtivista na educação pública (DEMO, 1997), assim como o
ensino de Língua Portuguesa a partir do texto, que foi abandonando, gradualmente, as
tradicionais abordagens mnemônicas e descritivas, como a obrigação de decorar flexões verbais
e outros expedientes ditos arbitrários.
Os críticos da psicogênese, tais como o casal Capovilla (2005), afirmam, dentre outros
apontamentos contrários a tal perspectiva, que esta não dá conta da consciência fonológica,
inclusive, desestimula-a. Discordâncias já haviam surgido na década de 1980, quando se
instaurou o debate entre os adeptos da abordagem psicogenética e os da consciência fonológica
(método fônico). Mais adiante retomaremos as abordagens psicogenéticas, pela importância das
mesmas para a história da alfabetização.
Na entrada do Século XXI, a proposta construtivista foi contestada: as práticas sociais
de leitura e escrita, nesta perspectiva, foram duramente questionadas. A Teoria do
Processamento de Informações, derivação da psicologia cognitiva, propõe que o foco do ensino
seja a correspondência entre fonema e grafema, postura fônica (CAPOVILLA; CAPOVILLA,
2005).
A trajetória da alfabetização, aqui brevemente descrita, revela, também, que o
analfabetismo de jovens e adultos vem sendo reduzido no Brasil, no ano de 2004, era de 11,5%,
e, em 2012, de 8,7%, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio – PNAD
(BRASIL, IBGE, 2016). Atualmente, ainda de acordo com a referida pesquisa, apresenta um
percentual de 7,2%, com 11,8 milhões de analfabetos. Nas regiões Norte e Nordeste, que detêm
os maiores índices de analfabetismo no país, essa redução é ainda mais evidente. Dos 15 aos 19
anos, a PNAD de 2012 registra taxa de analfabetismo de 1,2%, inferior à média geral,
comprovando a efetividade das políticas em curso para a educação básica.
A taxa de retenção do 3º ano do Ensino Fundamental é de 11% no Brasil, lembrando
que esse é o último ano do ciclo de alfabetização. O índice se repete no 9º ano, quando os alunos
deveriam estar preparados para o ensino médio que é uma fase seriada. Para o Ministério da
Educação (MEC), há uma séria dificuldade em incitar a curiosidade dos alunos e mantê-los
33
estimulados a prosseguir na escola para aprender – a conta pesou quando houve queda de 1,8
milhão de matrículas no Ensino Fundamental nos últimos quatro anos.
Os dados de 2017 do Censo Escolar (BRASIL, INEP, 2017) mostraram que fracassos
na alfabetização impactam diretamente no aprendizado das fases seguintes. Não há uma base
sólida para as disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática, o que contribui para a não
aprendizagem dos demais conteúdos da Educação Básica (BRASIL, 2017).
A queda de 1,8 milhão nas matrículas no Ensino Fundamental de 2013 para os dias
atuais tem motivações complexas, sobretudo a distância entre as demandas da vida do aluno em
relação às rotinas da escola. A elevação da evasão é considerável no 5º ano, chegando a 19,6%,
e no último ano do Fundamental I ela atinge 24,2%.
Tal aspecto, para além do interesse pelas linguagens do som, despertaram o interesse
em analisar as metodologias que, desde a antiguidade, conforme exposto anteriormente, vêm
ordenando a ação educativa no sentido da aquisição de leitura e escrita. Nesse momento de uma
educação tão fragilizada, faz-se necessário que os profissionais da educação pensem estratégias
de ensino para amenizar a crise educacional.
Para somar forças, os partidários do método fônico no Brasil se alinham a autores que
afirmam ser a linguagem um módulo cognitivo independente de outras habilidades lógicas,
subdividindo-o em várias outras, na contramão das concepções que atrelavam a linguagem
verbal a outros terrenos, como o musical etc.
De qualquer modo, o fracasso escolar, em relação à alfabetização, levou à redação da
Lei nº 11.274/2006 (BRASIL, 2006), que alterou a LDB nº 9.394 de 1996, subtraindo um ano
da Educação Infantil, de modo a confirmar o que Mello (2012) afirmou sobre a tendência em
se pensar a Educação Infantil como preparação para o Ensino Fundamental. Os dados da
derrocada em alfabetização também dizem respeito à didática da alfabetização promovida no
Brasil, embora tenham causas complexas, ligadas ao fracasso escolar, entre elas, o preconceito
social e cultural, o colonialismo, o imperialismo e outros (BORDIEU, 1992; PATTO, 1999;
CUNHA, 1991).
2.2.1 O alfabetizar de Paulo Freire
A notória metodologia de Freire mesclava o método da palavração (analítico) com o
silábico (sintético). Conforme aquela concepção, cada palavra geradora passaria a ser analisada
(quebrada) em famílias silábicas. Ele propunha que houvesse um levantamento do vocabulário
dos alunos, a partir do qual o educador escolheria os termos mais utilizados, que orientariam as
34
lições. A silabação era formada a partir de segmentos das palavras geradoras, de forma
semelhante ao método tradicional silábico. Por exemplo, ao selecionar a palavra “rato”, as
sílabas seriam: RA-RE-RI-RO-RU, TA-TE-TI-TO-TU. As novas palavras seriam formadas
com base nas famílias estudadas anteriormente.
Para Freire, “Não basta saber ler mecanicamente que ‘Eva viu a uva’. É necessário
compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir
uvas e quem lucra com esse trabalho.” (FREIRE apud GADOTTI, 2003, p. 255). O patrono da
educação brasileira compreendia a educação como libertação, um passo essencial na luta por
direitos e conquista da autonomia através do saber. Pensar uma educação para trabalhadores
rurais, em tempos de ditadura militar, fez com que Freire se tornasse inspiração para muitos
alfabetizadores, até os dias de hoje.
Para este autor, a alfabetização não poderia se limitar à codificação e à decodificação
das letras, como ocorre no método alfabético. Com base na palavra geradora, oriunda da
experiência de viver do indivíduo, expressão prenhe de sentidos voltados à conscientização
política, eram estudadas e organizadas as famílias silábicas. Além disso, os diálogos com os
colonos, durante as aulas, também contavam como textos para o ensino e se tornavam
momentos de discussão, politização e aprendizado. Os alunos não viam mais a “Eva” como
mera observante da uva, Eva poderia ser uma mulher que sonhava em comer uva, mas seu poder
econômico não permitia que a comesse, apenas a visse de longe. Um aprendizado da língua
materna baseado nas relações econômicas e de poder, e, principalmente, conectado ao mundo
em que os alfabetizandos viviam.
O método freiriano se realizava com a análise de palavras fragmentadas em sílabas, a
elaboração de novos termos a partir destas, e proposição de atividades que partiam de textos orais da
vida dos alunos. Nesses casos, havia a alternância entre métodos sintéticos e analíticos, além da
“palavramundo”, parte da existência de cada um, fruto de suas vivências e perspectivas sociais.
2.3 As contribuições da psicogênese para a alfabetização
No final dos anos de 1980, Ana Teberosky e Emília Ferreiro publicaram a obra que, no
Brasil, intitulou-se Psicogênese da Língua Escrita, fruto de um estudo que se iniciou em 1974,
na Argentina, país de origem das pesquisadoras.
A Psicogênese da Língua Escrita surge baseando-se na concepção psicológica e
psicolinguística, segundo a qual a escrita é elaborada como um conjunto de conceitos e ensiná-
la diz respeito à criação de opiniões da criança sobre a importância da língua escrita. As
35
observações de Ferreiro e Teberosky (2008) auxiliaram bastante na reflexão sobre novas
perspectivas metodológicas acerca da aprendizagem da língua escrita. Com o sucesso de tais
contribuições surgiu, no contexto pedagógico, uma incerteza sobre as metodologias usuais de
alfabetização, e certa confusão com respeito aos procedimentos de alfabetização.
Conforme essa teoria, os métodos por si só não geram aprendizado. O procedimento de
alfabetização, nesse ponto de vista, contempla a experiência das crianças sobre a língua, o que
se intensifica no transcorrer do processo de alfabetização, com as produções escritas dos alunos.
Convém salientar que o percurso de aquisição da língua se constitui em níveis de
desenvolvimento, como explicam Ferreiro e Teberosky (2009):
▪ Nível 1: pré-silábico – neste, a criança não é capaz de estabelecer nenhum vínculo
entre a fala e a escrita, a leitura é global, sem estabilidade e muito pessoal, a criança faz círculos
e rabiscos que só ela sabe decifrar e começa a desenvolver sua atividade motora para a escrita.
Esta é uma fase que acontece não necessariamente na escola.
▪ Nível 2: intermediário silábico/ou sem valor sonoro – A criança procura escrever as
palavras, mas não compreende como se dá a relação som-fala/escrita; tenta escrever uma letra
para cada sílaba, mas nem sempre é capaz de escrever a letra correta. A palavra CAVALO, por
exemplo, dividida em sílabas CA - VA - LO, a criança poderá escrever algo como P A A.
▪ Nível 3: hipótese silábica/com valor sonoro – a criança procura fonetizar as letras e
começa a ter consciência da relação entre a pronúncia e a escrita. Assim, ela pode escrever
muitas vezes uma letra para cada sílaba, demostrando o início da sua capacidade de
compreensão de sons e letras.
▪ Nível 4: hipótese silábico-alfabética ou intermediário II – a criança já consegue
combinar consoantes e vogais em uma mesma palavra, na tentativa de combinar os sons, mas
ainda não produz uma escrita aceitável socialmente.
▪ Nível 5: hipótese alfabética – a criança compreende o modo de construção do código
da escrita, fazendo as relações entre grafemas e fonemas, mostrando-se capaz de escrever
palavras, nem sempre contemplando a ortografia. Chegará somente a partir de leituras e do
trabalho com diferentes gêneros textuais, momento em que a escrita e a oralidade devem
caminhar juntas, ocasião em que a canção é importante ferramenta no processo, pois alia a
escrita e a fala/canto.
A ideia da psicogenética, portanto, é respeitar o tempo de aprendizagem da criança, suas
experiências e os conhecimentos já adquiridos. Assim, o erro não mais é concebido como na
educação tradicional, pois, dali em diante, passaria a ser indicador de hipóteses e do percurso
discente, rumo à aquisição de leitura e escrita.
36
O centro dos debates sobre o aprendizado da leitura e da escrita estava, antes das análises
da psicogênese, na observação dos métodos de alfabetização. A partir da psicogênese, as
discussões situam-se em torno da aprendizagem do indivíduo, com foco em como a criança
aprende a ler e a escrever, passando-se a considerar a alfabetização como um procedimento e a
escrita como um instrumento educacional. Resumindo, a psicogênese da escrita revela que a
alfabetização não necessita unicamente de um método utilizado pelo educador. É,
consequentemente, um entendimento da cognição discente, em que se reconhece o aluno como
sujeito, desenvolvendo a ciência da escrita, relacionando-se com esse sistema comunicativo.
Compreendo, então, que os métodos tradicionais não criam aprendizagens, mas podem
ajudar na construção do conhecimento e que a teoria da psicogenética não defende a extinção
dos mesmos. Há o equívoco de se pensar a psicogênese como metodologia, o que negaria a
própria natureza de tal abordagem. Ante o exposto, fica claro o quão necessário é que o
alfabetizador seja criativo e estudioso, no sentido de avaliar quais as melhores estratégias para
cada criança, tendo nas contribuições psicogenéticas um diagrama mental, de ordem bastante
geral, capaz de auxiliá-lo a identificar em que ponto se encontra a aprendizagem de cada aluno.
2.4 Alfabetização e letramento
A palavra letramento começou a circular no Brasil em meados de 1980. Há pouco mais
de 30 anos, portanto, o termo foi inserido no vocabulário e nas ciências linguísticas da educação,
contribuindo para a compreensão de fatores culturais, sociais e econômicos que atravessam o
processo de aquisição da leitura e escrita em contexto escolar e não escolar. Tais aspectos foram
ganhando evidência e relevância conforme a vida social e o trabalho profissional das pessoas
submetidas à linguagem escrita.
Frequentemente, os termos alfabetização e letramento têm sido embaraçados ou mesmo
conciliados, o que torna necessário fazer a distinção de cada um. Sobre isso, argumenta Soares
(2004):
Assim, por um lado, é necessário reconhecer que alfabetização – entendida
como a aquisição do sistema convencional de escrita – distingue-se de
letramento – entendido como o desenvolvimento de comportamentos e
habilidades de uso competente da leitura e da escrita em práticas sociais:
distinguem-se tanto em relação aos objetos de conhecimento quanto em
relação aos processos cognitivos e linguísticos de aprendizagem e, portanto,
também de ensino desses diferentes objetos. Tal fato explica por que é
conveniente a distinção entre os dois processos. Por outro lado, também é
necessário reconhecer que, embora distintos, alfabetização e letramento são
37
interdependentes e indissociáveis: a alfabetização só tem sentido quando
desenvolvida no contexto de práticas sociais de leitura e de escrita e por meio
dessas práticas, ou seja, em um contexto de letramento e por meio de
atividades de letramento; este, por sua vez, só pode desenvolver-se na
dependência da e por meio da aprendizagem do sistema de escrita. (SOARES,
2004, p. 97).
Vale ressaltar o quanto a percepção das distinções entre letramento e alfabetização são
importantes, sobretudo para o educador. Não somente se faz necessário articular as
metodologias de aquisição técnica da língua, como propiciar situações reais de comunicação,
em que diversos registros de letramento se interpenetram, como no caso da aprendizagem
alicerçada em uma didática conduzida pelo gênero canção. As realizações de linguagens se
revelam em diferentes aspectos: na letra (normalmente um poema de valor literário), nos
símbolos musicais sonoros e escritos, na expressão corporal, conduzida pelo ritmo musical.
Essas são, portanto, algumas das interfaces com rotinas escolares e aspectos metodológicos
alfabetizadores.
Refletindo sobre o letramento, Mendonça e Mendonça (2011) frisam que
Letrar é uma tarefa extremamente ampla que, por definição, envolve
habilidades múltiplas de ler, interpretar e produzir textos adequados às
exigências sociais. [...], portanto é atitude ingênua pensar que, lendo apenas
histórias infantis, poemas ou parlendas, iremos letrar alguém. (MENDONÇA;
MENDONÇA, 2011, p. 47).
Reafirmo o enunciado acima e dele destaco um grave problema do país, no tocante ao
letramento, uma vez que este supõe interpretação de textos, uma dificuldade que 70% dos
brasileiros têm (LIBÂNEO, 1994), sendo possível afirmar que a maioria dos cidadãos
brasileiros não adquire plenas habilidades de letramento.
O explicitado acima dá uma noção da importância que recai sobre o direito das crianças
de desenvolverem a leitura e a escrita e, nesse sentido, chegar à efetivação de práticas de
letramento que possibilitem que os alunos compreendam o mundo ao seu redor, conhecendo e
produzindo os diferentes textos encontrados na sociedade. Dessa forma, o professor, dentro da
sala de aula, é aquele que possui, em geral, o maior nível de letramento, graças ao longo contato
com textos e outras produções discursivas, destacando-se as aquisições feitas na graduação.
Dessa forma, é fundamental que a escola assuma veementemente a função de promover
atividades significativas de letramento. A vida social fornece materiais e instrumentos para que
os estudantes reconheçam suas atividades educativas no cotidiano, enquanto o letramento supõe
38
todas as vivências com leitura, interpretação, produção e veiculação textual. Assim, a base das
experiências discursivas se constitui do conhecimento prévio e do que foi apreendido na escola.
Uma base de letramento é constituída por
um conjunto de atividades que se origina de um interesse real na vida dos
alunos e cuja realização envolve o uso da escrita, isto é, a leitura de textos que,
de fato, circulam na sociedade e a produção de textos que serão realmente
lidos, em um trabalho coletivo de alunos e professor, cada um segundo sua
capacidade (KLEIMAN 2000, p. 238).
O contato com a cultura movimenta informações, conhecimentos, habilidades,
estratégias, soluções, recursos materiais e tecnológicos, engendrados em situações concretas de
uso da língua escrita, tanto nos contextos formais quanto informais de aprendizagem. A
alfabetização se insere também neste cenário, ocasião em que se aprende a identificar as
relações entre fonemas e grafemas, as composições silábicas, a separação das sílabas, a
ortografia etc.
Soares (2004) ressalta, dentre as habilidades construídas no letramento, a interpretação,
alcançada por uma pessoa ou grupo social, como resultado da ampla aquisição da leitura e
escrita. Noutras palavras, o letramento diz respeito à promoção de práticas contextualizadas, de
maneira que a criança vivencie circunstâncias diferenciadas, significativas. É oportuno
enfatizar que o educador competente promove alfabetização e letramento, tendo em mente que,
embora diferentes, estas são ações inseparáveis.
Do mesmo modo, é preciso dizer que a presente reflexão é atravessada pelos avanços
dos estudos psicolinguísticos que priorizam os processos da aprendizagem e estudos sobre o
letramento, que têm ajudado a compreender fatores culturais, sociais e econômicos que
perpassam o processo de aquisição da alfabetização em contexto escolar e não escolar. Recentes
discussões, lideradas por autores como Frade (2005), descrevem de que maneira as práticas
sociais de leitura e escrita, dentro e fora da escola, determinam a criação de novas pedagogias
e metas para pensarmos novos patamares de alfabetização da população brasileira.
Kleiman (1995) esclarece que o conceito de letramento surgiu no meio acadêmico como
forma de dividir aquilo que relacionava alfabetização e os impactos sociais presentes na escrita
dos alunos. A autora considera a alfabetização como uma das práticas de letramento, que
conduz as rotinas pedagógicas do ensino de linguagem, e “desenvolve alguns tipos de
habilidades, mas não outros” (KLEIMAN, 1995, p. 19).
As práticas sociais alternativas de letramento entram em contato (e geram conflitos)
com os modelos alfabetizadores globalizantes, que algumas vezes tendem a perder seu status,
39
e podem também mediar metodologias oficialmente legitimadas. Logo, tais intervenções se
tornam essenciais para a “aquisição das práticas de letramento oficialmente legitimadas,
especialmente em vista dos enormes fracassos dos programas oficiais de alfabetização”
(KLEIMAN, 1995, p. 270).
Diante do apresentado, é possível afirmar que os estudos de letramento se pautam em
uma abordagem sócio-histórica e cultural, assumindo que as realizações de leitura e escrita são
produtos ideológicos das instituições, dentre as quais se destaca a escolar. E essa percepção
surge como aporte na compreensão de como as relações de poder se (re)constituem nas diversas
práticas de letramento presentes em nossa sociedade, o que possibilita uma reflexão capaz de
democratizar o acesso a essas práticas no ensino da língua escrita.
A concepção de letramento não se restringe apenas a evidenciar rotinas educativas, que
vão desde a iniciação da criança na escola até a efetivação da alfabetização. Trata-se de um
percurso de cada indivíduo, que se inicia em seu nascimento, encerrando-se ao fim da vida. O
ser humano está em constante aprendizado, haverá sempre algo a ser conhecido, dominado,
representado e construído, em termos culturais e existenciais. A escola é local de promoção de
práticas sociais de leitura e escrita, mas não o único. A família e a sociedade como um todo, em
incontáveis situações comunicativas, constituem contextos de construção do conhecimento.
Assim, a escola deve constantemente proporcionar nexos entre o que se vive em seu
interior com o mundo externo, para que as habilidades dos alunos se efetivem, dando condições
para que compreendam a vida, sobretudo esta, mediada pelo enunciado – célula da cadeia
comunicativa –, núcleo de linguagem que analisarei no próximo capítulo desta pesquisa.
40
iii
41
3 SE ESTA RUA FOSSE MINHA, EU MANDAVA LADRILHAR... GÊNEROS
TEXTUAIS COMO OBJETOS DE ENSINO
O homem comunica-se de diversas formas, desde textos orais ainda rudimentares, como
as primeiras palavras de um bebê, até produções escritas da complexidade de um tratado
filosófico. Cada um possui, assim como os coloridos ladrilhos que compõem a rua desta cantiga
de minha infância, características próprias, singularidades que podem fazê-los mais ou menos
elaborados, de acordo com o vocabulário, a argumentação e o discurso. Mikhail Bakhtin foi
quem definiu o gênero discursivo, pela primeira vez, como tipos relativamente estáveis de
enunciados. (BRAIT, 2006).
Assim, cabe lembrar que os gêneros são construções históricas e culturais realizadas
pelo ser humano. Não há estudos capazes de enumerá-los, os gêneros são infindos. Alguns
gêneros não perdem sua essência, mesmo diante de alguma situação, como afirma Marcuschi
(2005). Os gêneros presentes em situações comunicativas tornam-se importantes ferramentas
para o ensino, porque apresentam um contexto constituído de uma relação efetiva, presente
apenas na comunicação humana. Portanto:
[...] é devido a essas mediações comunicativas, que se cristalizam na forma de
gêneros, que as significações sociais são progressivamente reconstruídas.
Disso decorre um princípio que funda o conjunto de nosso enfoque: o trabalho
escolar, no domínio da produção de linguagem, faz-se sobre os gêneros, quer
se queiram ou não. Eles constituem o instrumento de mediação de toda a
estratégia de ensino e o material de trabalho, necessário e inesgotável, para o
ensino da textualidade. A análise de suas características fornece uma primeira
base de modelização instrumental para organizar as atividades de ensino que
esse objeto de aprendizagem requer. (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004, p. 51).
Pensar em gêneros textuais, segundo os autores acima, é compreender que os gêneros
trazem à comunicação um aspecto social, que se reconstrói a cada descobrimento de um novo
gênero. Consequentemente, eles colaboram na construção do trabalho escolar e na construção
da linguagem, são instrumentos que requerem estratégias de ensino para o professor. Os gêneros
auxiliam também na oralidade, ou seja, desenvolvem as interações e situações comunicativas,
como enunciados da fala.
3.1 A natureza do enunciado
O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos,
únicos, relativamente estáveis, e, quando isto ocorre, temos o gênero (BAKTHIN, 2011). Logo,
42
falar de enunciado é falar de comunicação, realização de discurso capaz de produzir sentido, de
modo a se considerar a vida que permeia a atividade do homem.
Assim, conforme Bakhtin (2011):
Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada
referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo o estilo de
linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e
gramaticais da língua mas, acima de tudo, por sua construção composicional.
(BAKHTIN, 2011, p. 261).
Destarte, não existe enunciado que seja apenas oração. O enunciado é um trabalho
humano, vivo e carregado de sentido, que não termina quando se compreende o sentido. Numa
conversa, o indivíduo, mesmo não sendo a sua vez de se pronunciar, está sempre produzindo
um discurso.
Em conformidade com esse raciocínio, quando se fala em livros didáticos e nas
situações em que os alunos produzem seus textos na escola, estes não são atos unilaterais, eles
não terminam após a sua produção textual propriamente dita. Eles são voltados a outra pessoa,
que os interpreta e produz a sua própria opinião sobre o enunciado, o que estabelece uma
corrente de comunicação social.
Bakhtin (2011) relata que, se não houvesse o gênero e se não o dominássemos, não
haveria comunicação. E continua: “se tivéssemos que criá-lo pela primeira vez no processo do
discurso, de construir livremente e pela primeira vez a cada enunciação, a comunicação
discursiva seria quase impossível” (BAKHTIN, 2011, p. 283). Com isso, esclarece sua proposta
de não existir criação enunciativa no processo discursivo, a fala humana pressupõe algo já dito
por alguém em dado momento. O que existe é a capacidade humana de pensar e construir
comunicação a partir de memórias, vozes e interlocuções já existentes.
Cabe reportar aqui o significado da palavra enunciado como “uma corrente que atrela
toda cadeia discursiva”, em cuja construção não há neutralidade, sendo produzido por uma
pessoa em determinada situação e sempre é “composta por barulhos produzidos por outros
enunciados” (BAKHTIN, 2011, p. 289-290).
Há uma diversidade surpreendente de gêneros que permeiam as relações sociais, por
exemplo, no discurso jornalístico temos as notícias, os artigos de opinião, as notas do leitor,
classificados, reportagens etc.; no religioso, temos as orações, livros da Bíblia, dentre outros.
Portanto, de acordo com o desenvolvimento e a necessidade de comunicação das pessoas,
cresce também a quantidade de gêneros para acolher as demandas sociais.
Nessa perspectiva, Meurer (2012) conceitua o gênero de discurso como sendo:
43
[...] linguagem em uso, ou simplesmente o próprio evento discursivo. Assim,
o termo discurso carrega em si uma ambiguidade: por um lado tem um
significado muito próximo de ideologia e por outro é apenas uma ocorrência
de uso de linguagem, muito próximo ao significado de texto. [...] essa
ambiguidade é ‘saudável’ porque permite considerar cada ocorrência
discursiva como sendo ao mesmo tempo um texto, a manifestação de um ou
mais discursos e uma forma de prática social. (MEURER, 2012, p. 87, grifo
do autor).
Bakhtin (2011) divide os gêneros de discurso em dois grupos: gêneros discursivos
primários e secundários. Os primários representam os gêneros mais simples e informais, usados
no dia a dia, numa conversa pessoal ou mesmo num bilhete ou lembrete. Já os secundários são
os gêneros mais profundos, mais elaborados, como os romances, teses, conferências científicas
etc. Estes incorporam e modificam os gêneros primários, o que os faz se integrarem.
Aprimorando o conceito dessa transformação do gênero primário, Bakhtin (apud DIAS,
2012) relata que:
Durante o processo de sua formação, esses gêneros secundários absorvem,
transmutam os gêneros primários (simples) de todas as espécies, que se
constituíram em circunstâncias de uma comunicação verbal espontânea. Os
gêneros primários, ao se tornarem componentes dos gêneros secundários,
transformam-se dentro destes e adquirem uma característica particular:
perdem sua relação com a realidade existente e com a realidade dos
enunciados alheios [...]. (BAKHTIN apud DIAS, 2012, p. 4).
Vale a pena assinalar esta mudança: ao se transformar em gênero secundário, o
enunciado primário inscreve-se em novo ambiente, ligando-se a novas vozes e discursos. Para
Bakhtin (2011), o que determina se o gênero é primário ou secundário não é a língua oral ou
escrita, mas sim as condições ligadas aos meios de comunicação em que os gêneros estão sendo
utilizados. O romance, por exemplo, pertence à esfera literária, pode absorver vários gêneros
primários, como um diálogo, um bilhete, uma carta, entre outros. A essa transformação de
gênero primário para secundário, Bakhtin denominou de transmutação, salientando que não é
uma simples junção, uma vez que o gênero primário acaba se tornando um ingrediente
específico do gênero secundário.
O autor tem no sociointeracionismo uma grande característica, comum aos autores
marxistas, que favorece o contexto, defende que nossa constituição subjetiva se faz nas
experiências vivenciadas com os outros, ao interagirmos nos diversos ambientes, sejam físicos,
sociais, culturais etc. Nessa perspectiva sociointeracional, de acordo com Bakhtin (2011), o
significado não é relacionado à linguagem, mas sim construído pelos integrantes do discurso,
que exercem suas atividades por meio da fala e escrita.
44
Concordando com Bakhtin, posso dizer que, quando as palavras e as orações são ditas
fora de um contexto, elas se tornam comuns, impessoais; não são ditas e nem escritas para
ninguém; tratando-se dos enunciados concretos presentes em um diálogo social, sempre existe
um falante e um ouvinte. Logo, não há produção de textos sem um diálogo, sem prováveis
ouvintes e interlocutores.
O estudo dos gêneros textuais começou há séculos atrás, por Aristóteles e Platão. No
entanto na perspectiva da linguística social, e como enunciado capaz de produzir sentido, esse
estudo só aconteceu nas últimas décadas do século XX. Luiz Antônio Marcuschi (2008) define
os gêneros textuais como “formas de ação social”, ou seja, o trato dos gêneros refere-se ao trato
da língua em seu dia a dia, nas mais distintas formas. A análise de gêneros aborda o texto, o
discurso, a língua, segundo a natureza ideológica de suas práticas, e ainda tenta responder a
questões de natureza sociocultural, nos usos comunicativos.
No entanto, como o autor acima citado pontua, a definição expressa dos gêneros é algo
muito complexo. Dependendo do sentido que se constrói para o falante, os gêneros textuais
podem ser uma categoria cultural, um esquema cognitivo, uma forma de ação social, uma
estrutura textual, uma forma de organização social e/ou uma ação retórica.
Marcuschi (2008) também foca na diferenciação entre gêneros textuais e tipos textuais,
geralmente confundidos na escola. Em virtude de o termo gênero estar, normalmente, ligado
aos estudos literários, é comum, na escola, o uso do termo ‘tipo de texto’ para gênero de texto,
relacionando-o, assim, à carta, ao memorando, ao artigo de opinião etc.
Isso se constitui equívoco, pois muitas sugestões de produção de texto, oral ou escrito,
referem-se aos tipos textuais e não aos gêneros. Este autor elucida que tipo de texto são
sequências textuais definidas pela natureza linguística de sua composição. Já que chamá-los de
gêneros textuais está muito além dessas sequências, pois estes envolvem características
específicas, como propósito comunicativo, interlocutores, suporte etc.
Marcuschi (2008) apresenta esse ponto de vista baseado no fato de que os gêneros
textuais são entidades sociodiscursivas imprescindíveis a qualquer situação comunicativa,
sejam elas escritas ou verbais. Seguindo essa linha de raciocínio, pode-se dizer que toda
comunicação ocorre por meio de gêneros textuais. De acordo com o autor, os gêneros textuais
se concretizam por meio da comunicação diária. Por essa razão, afirma que:
Os gêneros textuais são textos que encontramos em nossa vida diária e que
apresentam padrões sociocomunicativos característicos definidos por
composições funcionais, objetivos enunciativos e estilos concretamente
45
realizados na integração de forças históricas, sociais, institucionais e técnicas.
(MARCUSCHI, 2008, p. 155).
Não há materialidade no gênero, senão em seu próprio campo. Logo, pensando como
Bakhtin (2011), é possível afirmar que o domínio discursivo é uma esfera da atividade humana.
Assim o gênero é um instrumento essencial para agir em situações de linguagem.
Tipos textuais caracterizam-se por sequências linguísticas, são um conjunto restrito, que
contêm categorias como narração, descrição, exposição, injunção e argumentação. Relacionam-
se como um texto pela preponderância de elementos que as definem, podendo não expor um
único tipo textual em seu conteúdo.
O domínio discursivo envolve um campo de comunicação que não se resume a um único
gênero, o que origina vários deles em dada rotina comunicativa. Sendo assim, Marcuschi (2008)
assevera que:
[...] entendemos como domínio discursivo uma esfera da vida social ou
institucional (religiosa, jurídica, pedagógica, política, industrial, militar,
familiar, lúdica, etc.) na qual se dão práticas que organizam formas de
comunicação e respectivas estratégias de compreensão. (MARCUSCHI 2008,
p. 194).
Sobre os domínios discursivos, cada campo social ou institucional possui modelos de
comunicação de acordo com suas necessidades. Os modelos são descritos como gêneros
textuais e os campos sociais são os domínios. Desse modo, dizemos que os gêneros estão
presentes no domínio discursivo.
Marcuschi (2008) cita, ainda, que em alguns gêneros, podem constar mais de um
domínio discursivo, enquanto outros não têm a mesma flexibilidade. Partindo daí, observamos
que, em certos momentos, são utilizados determinados gêneros e, em outras ocasiões, usamos
modalidades discursivas completamente diferentes. Na maioria das vezes, isso acontece porque
os domínios discursivos confirmam-se por meio de um argumento histórico-social e formam as
práticas sociais comunicativas.
De acordo com o entendimento de Swales (1990), os textos são compostos de blocos,
chamados de movimentos, que se dividem em passos. Seus trabalhos se referem ao estudo do
gênero e ensino das línguas, principalmente o inglês. Seu ponto de vista proporcionou bases
para compreender o ensino da escrita conforme as especificidades do gênero, em sua finalidade
comunicativa.
Apresentando o conceito de comunidade discursiva, o autor anteriormente citado
esclarece seu ponto de vista sobre gênero textual. Para ele, trata-se de um conjunto de fatos
46
comunicativos que englobam também o ambiente de produção e recepção e os integrantes, de
maneira a compreender, nesse conjunto, fatores históricos e culturais.
Embora o propósito comunicativo seja o componente fundamental de definição do
gênero, Swales (1990) adota diversas propriedades, como a forma, a estrutura e as expectativas
da audiência, também a importância de identificarmos um exemplar, como prototípico de um
gênero em particular. Porém, ao avaliar, é preciso atentar aos exemplares de gêneros que
também variam de acordo com sua prototipicidade. Por conseguinte, é muito importante que
não nos fixemos somente em uma única característica do gênero. Uma vez enumeradas algumas
características ressaltadas por este autor, apresento o conceito de gênero, no qual todas elas são
agrupadas:
Um gênero compreende uma classe de eventos comunicativos em que os
membros da comunidade compartilham os mesmos propósitos comunicativos.
Esses propósitos são reconhecidos pelos membros mais experientes da
comunidade discursiva original e constituem a razão do gênero. Esta
racionalidade modela a estrutura esquemática do discurso e influencia e
restringe as escolhas de conteúdo e estilo. O propósito comunicativo, além de
ser um critério privilegiado, também opera para sustentar o escopo de um
gênero, mantendo-se enfocado estreitamente em determinada ação retórica
compatível com o gênero. Além do propósito, os exemplares de um gênero
exibem vários padrões de semelhança em termos de estrutura, estilo, conteúdo
e audiência. Se num exemplar forem realizadas todas as expectativas sobre a
caracterização de um determinado gênero, esse exemplar será visto como
prototípico pela comunidade discursiva em que ele circula. Os nomes dos
gêneros, herdados e produzidos pelas comunidades discursivas e importados
por outras, constituem uma comunicação etnográfica valiosa, mas necessitam
posteriormente de validação adicional. (SWALES, 1990 apud LIMA, 2007, p.
28-29).
Notemos a importância do gênero prototípico para a etnografia. À medida em que se
cristaliza, com relação aos usos sociais da comunidade falante, passa a espelhar aquela
experiência social, embora precise de posteriores validações. Em seus últimos trabalhos, Swales
(2001) acrescenta seu entendimento sobre gênero, especialmente as impressões quanto à
finalidade comunicativa. Resultante da dificuldade de uma identificação correta do propósito
comunicativo, Swales (2001), em um artigo em coautoria com Askehave, corrigiu sua visão,
discutindo as limitações do seu conceito. O propósito comunicativo começa a ser aceito por
esses autores, como um critério a ser considerado na identificação de um gênero, todavia, não
como o critério definitivo. Apesar disso, a identificação correta do gênero, como o autor alertou,
não está livre de contratempos. Opostamente, muitas vezes é adequado analisar outras
características constitutivas do gênero, evitando classificações engessadas.
47
3.2 Textualização, coesão e coerência
Textualidade é a qualidade essencial dos textos, sua aptidão a serem textos, sejam orais
ou escritos, o que os faz serem entendidos como tal, e não palavras amontoadas, são frutos de
relações estabelecidas pelos integrantes da interação verbal. O produtor tem interesses
comunicativos; o ouvinte/leitor tem perspectivas e disposições. Uma das principais
preocupações de quem elabora um texto é que seja compreendido e admirado pelo outro. Nesse
sentido, podemos afirmar que uma didática apoiada no gênero deverá ter como um de seus
objetivos centrais a textualização. Isto é, noutras palavras, conferir aos enunciados dos alunos
qualidades de um texto com acabamento estético, estruturado, eficiente quanto a suas
finalidades comunicativas.
Para Halliday e Hasan (1976), o conceito de coesão é semântico, é um julgamento que
se refere, dentre outros aspectos, às semelhanças de sentido que permanecem dentro do texto e
que o determinam como tal. A coesão relaciona informações que alimentam entre si relações
de dependência, ou seja, elementos semanticamente ligados. Para que haja compreensão de um
item, é necessário que, de algum modo, haja referência a outro no texto.
A diferenciação que Widdowson (1981) faz entre coesão e coerência leva às relações
proposicionais e aos atos prometidos, ao mesmo tempo. A primeira é distinguida no texto, e a
segunda aparece na relação locutor/interlocutor.
Conforme Halliday (2004), a coesão é uma relação entre proposições expressas em
frases. E quando estas são usadas em uma fala, mesmo que nem sempre estejam ligadas, pode-
se perceber a coerência do discurso, bem como estabelecer uma relação entre as sentenças, sem
referir aos atos completos da fala, com referência aos sinais da escrita formal. Assim coesão é
a relação explícita entre a lógica de descrever expressa nas frases. Assim se reconhece uma
relação entre os sinais da escrita, de forma que a lógica para ser realizada nem sempre explícita
esteja explícita, assim se percebe a coesão.
Por fim, a coerência corresponde a todo o conteúdo do texto, em especial no que diz
respeito às operações lógicas nele implicadas. A coesão consiste em todos os mecanismos que
promovem a ligação entre as partes do texto, com vistas à unidade semântica e a textualização
supõe coesão, coerência, harmonia, unidade, conteúdo, correção gramatical, criatividade,
dentre as principais virtudes discursivas.
48
3.3 Gênero textual, tipo textual e domínio discursivo
Os gêneros textuais, como objetos de ensino, inspiram-se nas ideias de Mikhail Bakhtin,
de modo a tornarem-se sólida referência para estudos sobre gêneros atualmente. Noutros
tempos, tais estudos se agrupavam na área da oratória, gramática e literatura, sem que fosse
dada a devida importância à “natureza linguística do enunciado” (BAKHTIN, 2011, p. 280).
Diversos autores colaboraram com os estudos dos gêneros: Joaquim Dolz, Bernard Schneuwly,
Roxane Rojo, Luiz Antônio Marcuschi (2004), entre vários outros.
Marcuschi (2005) completa a ideia dos gêneros textuais e explica-os de forma mais
didática quando faz a seguinte afirmação:
Fruto de trabalho coletivo, os gêneros contribuem para ordenar e estabilizar
as atividades comunicativas do dia-a-dia. São entidades sócio-discursivas e
formas de ação social incontornáveis em qualquer situação comunicativa. No
entanto, mesmo apresentando alto poder preditivo e interpretativo das ações
humanas em qualquer contexto discursivo, os gêneros não são instrumentos
estanques e enrijecedores da ação criativa. Caracterizam-se como eventos
textuais altamente maleáveis, dinâmicos e plásticos. Surgem aparelhados a
necessidades e atividades socioculturais, bem como na relação com inovações
tecnológicas, o que é facilmente perceptível ao se considerar a quantidade de
gêneros textuais hoje existentes em relação a sociedade anteriores à
comunicação escrita. (MARCUSCHI, 2005, p. 19).
Existe enorme diversidade de gêneros textuais, abarcando do diálogo simples a teses.
Conforme Marcuschi (2008), não existe comunicação que não seja realizada por algum tipo de
gênero, corroborando as proposições de Bakhtin (2011), que considera os sujeitos falantes e as
variações linguísticas do dia a dia, fator determinante no surgimento de muitos gêneros que utilizamos
espontaneamente. O discurso é adaptado ao gênero, até nos mais informais diálogos.
Hoje em dia, o ensino da língua portuguesa, pelos gêneros textuais, ganhou notória
importância, de forma que:
Nessa perspectiva, necessário contemplar, nas atividades de ensino, a
diversidade de textos e gêneros, e não apenas em função de sua relevância
social, mas também pelo fato de que textos pertencentes a diferentes gêneros
são organizados de diferentes formas. A compreensão oral e escrita, bem
como a produção oral e escrita de textos pertencentes a diversos gêneros,
supõe o desenvolvimento de diversas capacidades que devem ser enfocadas
nas situações de ensino. É preciso abandonar a crença na existência de um
gênero prototípico que permitiria ensinar todos os gêneros em circulação
social. (BRASIL, 1998, p. 23-24)
49
Uma didática ancorada nos gêneros representa um desafio, uma vez que deve procurar
contemplá-los em toda sua diversidade, sobretudo pelas capacidades comunicativas que cada
um requer. Definimos gêneros textuais por arranjos funcionais, objetivos comunicativos e
estilo. Eles se inscrevem em um tipo textual. Entretanto, enquanto os gêneros textuais possuem
número ilimitado, os tipos são cinco, na concepção de Dolz e Schneuwly (2004), embora haja
autores que os enumerem em maior quantidade.
É valido ponderar que um tipo textual poderá aparecer em qualquer gênero, da mesma
maneira que um único gênero poderá conter vários tipos textuais. Um ótimo exemplo é uma
carta, que pode possuir aberturas narrativas, descritivas e injuntivas e daí por diante.
O domínio discursivo envolve um campo de entendimento que não se reduz a um único gênero,
podendo surgir vários deles em certa rotina comunicativa. De acordo com Marcuschi (2008): O
domínio discursivo diz respeito a uma esfera de produção discursiva ou de atividade humana.
Esses domínios se referem especificamente a textos ou discursos, mas a práticas comunicativas,
que tendem a reunir gêneros.
As ideias apresentadas revelam que tipo, gênero e domínio discursivo conciliam-se no
texto de modo que este é escrito sob determinadas formas linguísticas. Sendo assim, tipo textual
vincula-se a um objetivo comunicativo e por isso diz respeito a certos gêneros e está envolvido em
uma esfera social na qual se constitui o gênero, oriundo de tal domínio discursivo.
3.4 Tipos textuais
Os tipos textuais apresentam características linguísticas essenciais, que os diferem entre
si. Torna-se impossível uma classificação tipológica definitiva, sobretudo pela diversidade de
autores e contribuições. Conforme a filiação teórica, podem variar de cinco a nove tipos, dentre
os quais os mais estudados são a narração, a descrição, a argumentação, a exposição e
a injunção. O que Travaglia (2012) considera viável vem a ser uma teoria que contemple um
quadro geral com as diversas pesquisas e estudos de aspectos mais pontuais. Para ser coerente
com as escolhas teóricas desta pesquisa, optei pela classificação de Dolz, Noverraz e Schneuwly
(2004) exposta no quadro 1 (p. 50).
50
Quadro 1 – Gêneros orais e escritos
Domínios sociais de comunicação
Aspectos tipológicos
Capacidades de linguagem
dominantes
Exemplos de gêneros orais e escritos
Discussão de problemas sociais
controversos
Argumentar
Sustentação, refutação e
negociação de tomadas de posição
▪ Textos de opinião
▪ Diálogo argumentativo
▪ Carta de leitor
▪ Carta de reclamação
▪ Carta de solicitação
▪ Deliberação informal
▪ Debate regrado
▪ Assembleia
▪ Discurso de defesa (advocacia)
▪ Discurso de acusação (advocacia)
Domínios sociais de comunicação
Aspectos tipológicos
Capacidades de linguagem
dominantes
Exemplos de gêneros orais e escritos
Discussão de problemas sociais
controversos
Argumentar
Sustentação, refutação e
negociação de tomadas de posição
▪ Resenha crítica
▪ Artigos de opinião ou assinados
▪ Editorial
▪ Ensaio
...
Transmissão e construção de
saberes
Expor
Apresentação textual de diferentes
formas dos saberes
▪ Texto expositivo (em livro didático)
▪ Exposição oral
▪ Seminário
▪ Conferência
▪ Comunicação oral
▪ Palestra
▪ Entrevista de especialista
▪ Verbete
▪ Artigo enciclopédico
▪ Texto explicativo
▪ Tomada de notas
▪ Resumo de textos expositivos e
explicativos
▪ Resenha
▪ Relatório científico
▪ Relatório oral de experiência
Instruções e prescrições
Descrever ações
Regulação mútua de
comportamentos
▪ Instruções de montagem
▪ Receita
▪ Regulamento
▪ Regras de jogo
▪ Instruções de uso
▪ Comandos diversos
▪ Textos prescritivos...
51
Cultura literária ficcional
Narrar
Mimeses da ação através da
criação da intriga no domínio do
verossímil
▪ Conto maravilhoso
▪ Conto de fadas
▪ Fábula
▪ Lenda
▪ Narrativa de aventura
▪ Narrativa de ficção científica
▪ Narrativa de enigma
▪ Narrativa mítica
▪ Sketch ou história engraçada
▪ Biografia romanceada
▪ Romance
▪ Romance histórico
▪ Novela fantástica
▪ Conto
▪ Crônica literária
▪ Adivinha
▪ Piada
Domínios sociais de comunicação
Aspectos tipológicos
Capacidades de linguagem
dominantes
Exemplos de gêneros orais e escritos
Documentação e memorização das
ações humanas
Relatar
Representação pelo discurso de
experiências vividas, situadas no
tempo
▪ Relato de experiência vivida
▪ Relato de viagem
▪ Diário íntimo
▪ Testemunho
▪ Anedota ou caso
▪ Autobiografia
▪ Curriculum vitae
...
▪ Notícia
▪ Reportagem
▪ Crônica social
▪ Crônica esportiva
▪ Curriculum vitae
...
▪ Histórico
▪ Relato histórico
▪ Ensaio ou perfil biográfico
▪ Biografia
▪ Curriculum vitae... Fonte: Adaptado de Schneuwly, Dolz e colaboradores (2004, p. 51-52).
A seguir, trago algumas reflexões sobre as características gerais dos tipos de texto.
Todavia, pelos limites da pesquisa, não haverá um aprofundamento neste aspecto, dada a alta
complexidade que requerem. Vale ressaltar que a canção, como gênero, inscreve-se em
qualquer um deles, dependendo de sua letra.
O principal atributo de uma narração é representar verbalmente uma história, ficcional
ou não, comumente apresentando um contexto em um tempo e espaço, onde atuam personagens.
52
Os gêneros que apresentam estrutura narrativa são diversos, entre eles: contos, crônicas,
fábulas, romances, biografias etc.
Os textos descritivos têm por principal marca caracterizar um objeto, seja este objetiva
ou subjetivamente uma pessoa, paisagem, situações etc. Os gêneros que se adaptam à estrutura
descritiva são, por exemplo: relatórios, laudos, atas, entre outros.
O texto dissertativo-argumentativo é um texto opinativo, no qual os posicionamentos
são desenvolvidos por meio de recursos argumentativos, que têm por finalidade satisfazer o
interlocutor. Os gêneros que se adaptam à estrutura dissertativa são os artigos de opinião, a
carta argumentativa, dissertação-argumentativa, editorial e outros. Dissertar é falar, expor e/ou
debater sobre determinado assunto. Na maioria das vezes, esses textos exibem a defesa de um
ponto de vista, e prevalece o aspecto detalhado de variados temas.
O texto expositivo tem como objetivo expor dados sobre um tema específico, informar,
decidir, explanar, ilustrar, debater, evidenciar e indicar alguma coisa, predominando, em geral,
o discurso técnico. Na organização do texto expositivo, é imprescindível escolher o tema a se
desenvolver, definir os objetivos, distinguir o destinatário da exposição. Os gêneros que se
adequam a essa estrutura expositiva são: resumo, artigo científico, seminário, dentre outros.
Os textos injuntivos tendem a interferir nas ações do interlocutor e empregam verbos no
imperativo para alcançar sua finalidade. Por essa razão, sua função é comunicar ao leitor mais
do que apenas informações, buscando alterar seu comportamento, ao fornecer instruções e
sugestões para a concretização de um trabalho ou a utilização correta de máquinas, aparelhos
e/ou ferramentas, por exemplo. Os gêneros que reproduzem a estrutura injuntiva são as receitas
culinárias, bulas, manuais de instruções, editais e assim por diante.
3.5 Os gêneros orais presentes no texto escrito
A dimensão da produção e compreensão de gêneros orais primários é a que implica mais
fortemente nas capacidades de uso da linguagem, oral em situações diversas. Os gêneros orais
secundários, todavia, frequentemente mantêm relações com a escrita.
As relações entre fala e escrita, em si mesmas, exigem reflexões sobre as semelhanças
e as diferenças entre textos orais e escritos, em diferentes níveis: discursivo, textual, linguístico.
A dimensão da oralização da escrita revela essa relação, pois se trata da socialização de textos
escritos por meio oral. Como discutido por Schneuwly e Dolz (2004), em situações de
oralização do texto escrito, recursos próprios da oralidade são mobilizados no processo de
interação, evidenciando, mais uma vez, a inter-relação entre as duas modalidades. Embora
53
Marcuschi e Dionísio (2007) afirmem que essa não se constitui propriamente em uma situação
de produção de textos orais, pois o texto já existe na modalidade escrita, a oralização do escrito
mobiliza diversas marcas de oralidade.
Por fim, na dimensão da valorização dos textos da tradição oral, que propõe a reflexão
sobre gêneros que se originaram e se difundiram pela cultura oral, é preciso levar em conta que,
na organização do trabalho pedagógico no Ciclo de Alfabetização, esses gêneros constituem
um rico repertório para as primeiras experiências de leitura e são privilegiados para a reflexão
sobre a escrita alfabética, como será discutido adiante. Assim, claro está que as dimensões do
eixo oralidade no trabalho relativo à Língua Portuguesa encontram articulações diversas com a
escrita.
Como argumentam Schneuwly e Dolz (2004), no contexto do ensino, especialmente nos
anos iniciais, é insustentável a abordagem do oral “puro”, sem alguma relação com a escrita.
Afinal, diversas práticas da Educação Infantil articulam as duas modalidades – como a escuta
de histórias lidas pelo professor, o reconto, a recitação de poemas, o ditado ao adulto –,
colocando os alunos em contato com a escrita via oralidade. Diferentes eventos de letramento,
antes da alfabetização, se dão, assim, por meio da oralidade, pois as práticas letradas relativas
a gêneros com os quais as crianças convivem em situações familiares e pré-escolares se acham
fortemente imbricadas com as práticas orais.
Rojo (1995) argumenta que, na infância, a oralidade é essencial na constituição do
letramento: é a partir do contato com a linguagem escrita, via oralidade, que a criança constrói
sua relação com a escrita, nas interações com os outros, que despertam sua atenção para essas
práticas. A constituição da escrita como foco de interesse das crianças se dá de diferentes modos
nas práticas orais, em diversos eventos de letramento: em conversas sobre gêneros, usos e
formas da escrita; na presença de material escrito; observando e interagindo com aqueles que
usam a leitura e a escrita; no fazer de conta que lê e escreve; ouvindo histórias – práticas que
são fundamentais para o letramento.
Como a participação das crianças em eventos de letramento tem relação com o grau de
letramento da família e dos grupos sociais com os quais interage – inclusive na Educação
Infantil – torna-se fundamental refletir sobre a responsabilidade da escola em, por um lado,
criar condições para que os alunos com menos oportunidades de vivenciar práticas letradas nos
contextos familiares e pré-escolares se envolvam em eventos de letramento diversos no Ciclo
de Alfabetização e, por outro, valorizar as práticas das quais as crianças puderam participar
nesses contextos.
54
Dessa maneira, é possível afirmar que as atividades de letramento devem acontecer de
forma sistematizada e se tornar uma rotina nas classes de alfabetização, pois é nelas que as
crianças aprendem a sistematizar a escrita, e esse é o momento para o contato com diversos
gêneros textuais, formado por enunciados, quais sejam: música, poema, bilhete, receita
culinária etc. Esses textos ordenam-se pela necessidade de compor o mundo ao nosso redor,
com práticas de ensino significativas que tenham atos sociodiscursivos nas mais distintas
esferas comunicativas
Para melhor compreender a questão dos gêneros e o ensino, é preciso considerar o que
explica Marcuschi (2005):
[...] os gêneros textuais surgem, situam-se e integram-se funcionalmente nas
culturas em que se desenvolvem. Caracterizam-se muito mais por suas
funções comunicativas, cognitivas e institucionais do que por suas
peculiaridades linguísticas e estruturais. São de difícil definição formal,
devendo ser contemplados em seus usos e condicionamentos sócio-
pragmáticos caracterizados como práticas sociodiscursivas. Quase inúmeros
em diversidade de formas, obtêm denominações nem sempre unívocas e,
assim como surgem, podem desaparecer. (MARCUSCHI, 2005, p. 20).
Em todo lugar, deparamo-nos com gêneros textuais, desde o panfleto do supermercado,
as placas na rua, letreiros, até as contas que recebemos. Portanto, os gêneros textuais são os
textos materializados em situações comunicativas recorrentes, encontrados em nosso cotidiano
(orais ou escritos) produzidos pela sociedade em interação.
Com o desenvolvimento dos estudos sobre a linguística, vários estudiosos passaram a
se aprofundar nas análises sobre o texto e os gêneros e o discurso, como sendo novos objetos
da linguística. Mikhail Bakhtin se tornou parâmetro para os estudos dos gêneros textuais até os
dias de hoje. Posteriormente, vieram os colaboradores, entre os quais sobressaem: Bernard
Schneuwly, Joaquim Dolz, Luiz Antônio Marcuschi (2004), entre outros.
3.6 Os gêneros e a didática da alfabetização
Segundo Bakhtin (2006), o indivíduo sempre vai utilizar-se do enunciado para tratar de
seus interesses, intenções e atividades profissionais, praticando a fala de várias formas. No
entanto, os tipos de comunicação entre os homens são diversificados e para cada tipo existe
uma determinada categoria para atender às dificuldades de comunicação. Essas categorias são
chamadas de gêneros do discurso ou discursivos, classificadas por efetivar a fala entre os
homens e por estarem ligadas à língua e à vida.
55
Em todas as formas de comunicação estão expostos os gêneros discursivos, presentes
no cotidiano de todo ser humano. O gênero discursivo é adaptado para todo tipo de conversa,
inclusive as mais simples. Destarte,
A verdadeira substância da língua não é um sistema abstrato de formas
linguísticas, nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato
psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação
verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal
constitui assim a realidade fundamental da língua. O diálogo, [...] é uma das
formas [...] mais importantes, da interação verbal. Mas [...], não apenas como
a comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face a face, mas toda
comunicação verbal, de qualquer tipo que seja. (BAKHTIN, 2006, p. 125).
A interação verbal acontece por meio das enunciações que produzimos, sendo assim, é a partir
do diálogo que toda comunicação acontece e todo sentido é produzido dentro dessas interações. Logo,
não existe palavra sem significado, fala que não produza em nós algum sentido ou discurso sem
intencionalidade.
Após as explanações feitas no presente capítulo, considero importante refletir sobre as
relações entre alfabetização e a teoria enunciativa de Bakhtin, especialmente no que este implica sobre
o gênero como objeto de ensino. Tais relações somente se viabilizam, a meu ver, se houver a perspectiva
do letramento, de modo que a proposta didática contemple o desenvolvimento da oralidade, da escrita
e da leitura. Nesses termos, a alfabetização se insere em práticas sociais de linguagem que abrangem os
gêneros orais e escritos, como cartas, telefonemas, poemas, crônicas etc. Isto supõe um esforço docente
maior no preparo das atividades, para que sejam feitas escolhas de textos e respectivos gêneros que
expressem as reais situações de comunicação e finalidades sociais inerentes ao mundo das crianças.
Para cada gênero, e por que não afirmar, cada tipo textual, específicas operações lógicas
e comunicativas são trabalhadas, tal como expusemos no presente trabalho, em especial nos
itens 3.6 (p. 54) e 3.7 (p. 56). A alfabetização, neste sentido, assume um caráter de prática social,
voltada à ampla experimentação dos gêneros orais e escritos. Notemos o quanto tal perspectiva se
alinha ao paradigma analítico, nas históricas metodologias alfabetizadoras. Seja qual for o tipo de
enunciado trabalhado com a criança, como, por exemplo, um bilhete para o pai, pedindo um
brinquedo, ou um pequeno vídeo, convidando a avó para o Natal, vale destacar que se quisermos nos
alinhar com o pensamento bakhtiniano, o carro chefe de nossa ação pedagógica vem a ser o
enunciado. Ganha destaque, com isto, a importância de variarmos os grupos textuais (que não devem
ser confundidos com tipos textuais, que também devem, por seu turno, variar) a que pertencem os
gêneros, de modo que todas as habilidades discursivas sejam trabalhadas e, assim, as crianças se
mantenham estimuladas e desafiadas a produzirem sua escrita.
56
Silva (2013, p. 8-9), em contribuição ao Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade
Certa (PNAIC), ressalta onze agrupamentos de textos a serem trabalhados nas rotinas do ensino
da língua, sendo que os primeiros cinco seriam mais apropriados ao contexto da alfabetização:
1 – Textos literários ficcionais (contos, fábulas, romances etc.);
2 – Textos do patrimônio oral (canções, parlendas, trava-línguas etc.);
3 – Textos com a finalidade de registro e análise das ações humanas (biografias, histórias
de vida etc.)
4 – Textos científicos (experiências, reportagens sobre assuntos científicos etc.)
5 – Textos com a finalidade de debater temas (cartas, artigos de opinião etc.)
6 – Textos de divulgação de produtos e campanhas educativas e publicitárias (campanha
sobre a dengue);
7 – Textos instrucionais (receitas culinárias, regras para jogos, bulas etc.);
8 – Textos organizadores do tempo e espaço nas atividades sociais (agendas,
calendários, mapas etc.);
9 – Textos mediadores de ações institucionais (requerimentos, ofícios etc.);
10 – Textos epistolares (cartas, bilhetes, e-mails etc.); e
11 – Textos não verbais (quadrinhos, pinturas, fotografias, esculturas etc.).
Reafirmamos com o exposto acima que as propostas didáticas para a alfabetização na
contemporaneidade precisam se alicerçar em perspectivas de linguística pragmática, de modo
que a aquisição de leitura e escrita não seja promovida mecanicamente, alheia aos usos sociais
da língua. Vemos a necessidade da busca por formação contínua por parte dos docentes,
sobretudo pela segmentação dos meios midiáticos e tecnologias de informação, de modo a
multiplicarem os suportes para aos gêneros, interferindo inclusive na estrutura dos mesmos, que
também se multiplicam.
3.7 A importância de uma didática orientada pelos gêneros textuais, considerando o
protagonismo da infância
Antes de concluir o presente capítulo, que tratou dos gêneros textuais como sistemas
que podem operar como objetos de ensino da língua, é essencial refletir também sobre a criança
e a infância e, deste modo, justificar e defender a importância de uma mudança nos métodos
57
tradicionais. Ensinar com os gêneros significa uma perspectiva didática recente, se comparada
à história da alfabetização, e ganha força ante a necessidade de acompanhar as transformações
nas representações de infância e de criança, compreendida como sujeito que possui
protagonismo social, não desempenhando papéis tão submissos como no passado.
Assim é possível considerar três perspectivas: a criança, enquanto um ser genérico; a
infância, como uma geração ou fase da vida (perspectiva superada pela Sociologia da Infância);
e as crianças, a partir do modo como vivem suas infâncias. Nesse cenário, o importante é que
não se pode conceber como sinônimos a infância e o ser criança, e também buscar não idealizar
uma única infância, ou única criança, pois as crianças vivem diferentes infâncias (AVANZINI;
GOMES, 2015). Portanto, atuam e participam nos diferentes espaços socioculturais em que se
inserem.
Durante a Idade Média, as crianças quase não tinham representatividade, não apareciam
sequer em retratos de família e não eram amamentadas por suas mães. Na modernidade,
ganharam “notória” aparição em fotografias familiares, como adultos em miniatura, lembrando
que, até então, não havia distinção entre as funções de adultos e crianças, todos realizavam a
mesma atividade laboral, inclusive. Como forma de educá-las, era comum que recebessem
muitos castigos físicos. (ARIÈS, 1973).
Avanzini e Gomes (2015) discorrem sobre “infância”, “criança” e “educação”, de modo
que o leitor perceba a continuidade no tempo de determinadas ideias e práticas. A infância é
considerada uma construção sócio-histórica, tal como fora apresentada por Ariès, produzida a
partir do conjunto social de ideias, práticas e valores que se referem às crianças, elementos que
se estabelecem, difundem e reproduzem social e culturalmente. (AVANZINI; GOMES, 2015).
Ariès (1973) confirma que a infância não é um processo natural, mas uma construção
social e coletiva, que assume forma, sentido e conteúdo, estabelecidos a partir do modo de agir,
pensar e/ou sentir de uma coletividade, independentemente das manifestações individuais.
Atualmente, os autores da infância defendem que esta não termina quando as crianças
crescem, pelo contrário, vai se perpetuando através dos filhos, ou seja, uma geração que
continua a existir à medida que recebe novas crianças. Infância é, portanto, uma categoria social
e não apenas uma fase da vida (CORSARO, 2011).
Hoje, são reconhecidas as necessidades das crianças e seus processos físicos,
cognitivos, emocionais e características individuais – gênero, idade, etnia e classe social – bem
como seus direitos e deveres (AVANZINI; GOMES, 2015).
Levando em consideração a história da alfabetização, é somente no escolanovismo do
século XX que ocorre a guinada pedagógica para o sujeito da aprendizagem (ROMANELLI,
58
2010). Na contemporaneidade, uma proposta alicerçada nos gêneros textuais – portanto, no
manuseio de enunciados, como os versos de uma canção infantil, parlenda e demais gêneros do
universo da criança –, poderão se configurar como metodologia que respeite o mundo infantil,
e assim ganhar voz e vez e romper com a lógica adultocêntrica que rege as relações de
aprendizagem quando não as conhece de fato (CORSARO, 2011).
Isto posto, a canção, como objeto artístico e lúdico, apresenta enorme potencial didático,
sobretudo porque o canto faz parte das culturas infantis, assim como as brincadeiras de roda, o
desenho livre e tantas outras manifestações culturais. Insisto nesta afirmação: precisamos
pensar em metodologias de alfabetização/letramento que considerem as crianças como atores
sociais e não seres submissos, frágeis, tábulas rasas, representação cristalizada na modernidade.
A infância contemporânea solicita do educador uma postura que supere as relações de mando
que eram facilmente verificadas até mesmo em simples lições do ensino cartilhado.
Não se constitui objetivo do presente trabalho analisar de que modo a sujeição das
crianças ao mundo adulto aparecia nas lições de alfabetização, embora seja uma temática
instigante. Assim mesmo, compreendo que, em geral, as propostas refletiam tal relação,
principalmente porque se concebia a infância como fase da vida, período em que o indivíduo
era um vir-a-ser (entendimento que ainda hoje persiste).
No próximo capítulo, será analisado o gênero canção, com o intuito destacado de
reafirmar o quanto este pode ser facilitador de novas relações no ambiente da aprendizagem de
leitura e escrita.
59
iv
60
4 ALECRIM, ALECRIM DOURADO, QUE NASCEU NO CAMPO SEM SER
SEMEADO... O GÊNERO CANÇÃO
A seguir, analiso o gênero canção, naquilo que possa contribuir para as rotinas
pedagógicas, em especial, o ensino da língua portuguesa. Se o alecrim nasce no campo sem que
ao solo sejam jogadas sementes, no chão da escola é preciso haver semeadura farta, para que
canções floresçam nas salas de aula, nas bibliotecas, nos corredores, e a colheita resulte em
aprendizado lúdico da língua materna, tendo em vista que, como assegura Costa (2005), a
didática que dispõe da canção permite que haja efeitos/produções de sentidos, ao passo que, de
maneira híbrida, relaciona texto e sonoridade, essenciais à interpretação do texto.
O gênero canção reúne as qualidades de grafia e sonoridade, de modo expressivo, lúdico,
o que estimula o entendimento da língua e da produção escrita. Diante disso, a opção pela
canção nos livros didáticos e outros aparatos pedagógicos constitui-se importante passo
metodológico, no que tange a rotinas e práticas sociais de texto.
Sendo assim, a principal finalidade deste capítulo é explanar sobre como o gênero
canção pode ser aproveitado como um motivador e facilitador da língua, para exercício de
composição textual, de interpretação de texto e de aspectos linguísticos, gramaticais e
estilísticos, atendendo aos propósitos da alfabetização.
A canção é um gênero bastante recomendado pelas diretrizes oficiais apresentadas pelo
sistema educacional brasileiro, por proporcionar ao estudante conhecimentos de diversas
naturezas, em que predominam a escuta e as leituras.
A música está relacionada a vários gêneros, assim como pode, também, articular
diferentes tipologias. Uma do universo infantil, exemplificando, pode descrever o amor, mas
também narrar uma brincadeira, acalentar um bebê; há também as que evocam sentimentos e
descrevem cenários naturais.
A música é uma vivência indispensável para a formação humana, na qual é possível
notar as extensões discursivas que foram postuladas por Bakhtin (2011), isto é, tema, construção
composicional e estilo, em definição estrita. Além do mais, a música/canção segue e expressa
as experiências que vivemos, como as festas e comemorações ou encontros com os amigos,
entre outros tantos eventos da vida.
A função da música está, em boa medida, ligada ao cotidiano de todos nós. Externa aos
muros da escola, é captada desde o nascimento, acompanhando-nos pela vida. Apesar de grande
parte dos sujeitos não ter o costume de refletir sobre essa experiência, o potencial de
aprendizagem musical é incontestável e sempre se revela produtivo nas práticas pedagógicas.
61
4.1 A materialidade da canção
A canção é um gênero literomusical e, por esse motivo, não podemos separar um aspecto
do outro: o textual do musical. A materialidade da canção não se limita aos aspectos
linguísticos, discursivos, sociocomunicativos, mas também se refere ao teor rítmico,
harmônico, melódico, gráfico, dentre outros elementos caracterizadores.
A materialidade se separa em três níveis: materialidade formal, materialidade linguística
e materialidade enunciativa ou pragmática. A materialidade formal é subdividida em cinco
momentos, de acordo com Costa (2003 apud MANZONI; ROSA, 2010):
▪ Momento da produção: quando a canção é formada apenas oralmente (texto e
melodia), a escrita é anterior ou paralela à produção oral, realização gráfica juntamente com a
letra e melodia, a escrita da letra pode ser posterior à produção da melodia.
▪ Momento de veiculação: a canção é executada ou reproduzida oralmente e por meio
de aparelhos tecnológicos, instrumentos musicais etc.
▪ Momento de recepção: dá-se por meio da audição (podendo ser seguida pela leitura)
e por uma variedade de sinais captados (as dinâmicas da canção, os movimentos de
anterioridade e posteridade, ainda os sentidos verbais ligados à letra).
▪ Momento do registro: é quando a canção pode ser gravada por meio de discos e
encartes do disco, partituras, catálogos, revistas, entre outros. Apesar disso, o registro escrito
não reproduz suficientemente seu verdadeiro objeto.
▪ Momento de reprodução: ocorre mediante a execução da canção, como em um recital
de canto.
No que se refere à materialidade linguística, Costa (2003 apud MANZONI; ROSA,
2010) afirma que, na canção, prevalecem as palavras mais utilizadas e recorrentes, há uma
maior liberdade quanto a regras normativas da sintaxe, concedem-se repetições e quebras de
frases, sílabas, palavras e sons sem intencionalidade, permite-se dar pouca atenção à coerência
do texto: quando não apresentar sentido, a melodia pode auxiliá-lo na composição.
No gênero canção, deparamo-nos ainda com a materialidade enunciativa ou pragmática
que estabelece principalmente uma cena enunciativa dialógica, situada na influência mútua
entre um ‘eu’ e um ‘tu’ formados no interior da letra. Trata-se de uma comunidade discursiva
pouco expressa, que apresenta identidade dividida entre a poesia e as músicas, determinando
uma habilidade de canto (artística ou não, todos podem cantar), a ciência da melodia (leitura
opcional) e é excepcionalmente permitida a relação com outras linguagens: dramática, cênica,
cinematográfica e plástica (fotografia, pintura e desenho), entre várias outras.
62
É possível notar, na materialidade da canção, a realidade que existe fora do mundo da
inspiração, da técnica, da alma do compositor. Na sala de aula, nas práticas religiosas, culturais
etc., a canção é lembrada, considerada e ouvida, geralmente, pelo ângulo de sua materialidade
mais sólida, isto é, a letra.
A música – sendo ela harmonia, melodia e ritmo – passa a ser compreendida como uma
linguagem fronteiriça que atinge a cognição, a emoção e a afetividade.
4.2 Os gêneros primários e secundários na canção
Toda canção contém uma letra e toda letra expõe uma circunstância de locução, em que
uma pessoa fala com outra, logo, não podemos desconsiderar, na canção, o seu ato de fala
original. São muito frequentes letras de canções que exibem gêneros da fala. Tatit (2004, p. 77,
grifo do autor), explicando a respeito da composição de canções na década de 1930, explica
que, “Com inflexões similares às da linguagem oral cotidiana, essas melodias geralmente
conduziam ‘letras de situação’, aquelas que simulam que alguém está falando com alguém em
tom de recado, desafio, saudação, ironia, lamentação, revelação etc.”
Tendo como fundamento a hipótese de que a letra da canção é um gênero secundário do
discurso musical, que refaz gêneros primários da esfera do cotidiano, entendo que o modo de
oralidade essencial da canção é decorrência do controle dos gêneros da fala, no seu método
constitutivo. Vale, então, afirmar: gêneros primários são espontâneos, menos estruturados, tais
como os diálogos familiares; gêneros secundários são mais elaborados, podem replicar
enunciados primários, mas tendem a apresentar estruturas artisticamente mais complexas.
A linguagem se revela sob o formato de enunciados que transmitem as condições
específicas e os fins para cada campo da atividade humana. Um domínio de comunicação,
idealizado como um grupo de relações entre enunciados, parte da hipótese de que estes se
compõem na dinâmica dialógica dos códigos culturais. Além disso, conservam relações
interdialógicas com enunciados e gêneros de outros campos da comunicação social; e, por outro
lado, relações intradialógicas, com enunciados de seu próprio domínio.
O fato é que essas duas formas de dialogismo se exibem na relação com a esfera do
cotidiano e com a esfera musical concomitantemente. Como gênero secundário, a canção tem
no vocabulário, nas demonstrações e nos gêneros primários da língua comum a fonte que a
abastece. Dentro de sua esfera, a canção forma relações dialógicas com outras canções; esse
intradialogismo é tão considerável na composição do discurso da canção quanto o
interdialogismo, em que a canção coloca relações dialógicas com outras esferas discursivas.
63
É necessário mencionar que o interdialogismo não acontece apenas pelo empréstimo de
formas da língua comum, porque a canção ainda pode colaborar para essa esfera, como, por
exemplo, nas letras de canções que replicam conversas do cotidiano.
Os gêneros secundários, também na canção, são obra de um entendimento cultural
complexo, próspero e sistematizado. Esses gêneros são inerentes às esferas artística, política,
religiosa, publicitária etc. Uma qualidade importante dos gêneros discursivos é que eles estão
em frequente dialogismo. Na canção, os gêneros primários dos domínios do cotidiano têm seu
formato, definição e tom adequados ao contexto singular a que foram requisitados, de modo
que possam se incorporar ao imaginário coletivo, replicados nos versos de um compositor.
Usando os gêneros primários da comunicação, como a música cantada, a música ainda
é capaz de trazer presente o gênero secundário, com a letra e a melodia. Dessa forma, as marcas
do discurso se evidenciam, ancoradas nos elementos da linguagem musical. O gênero canção é
adequado ao ensino, tal como os demais textos; os componentes discursivos são reproduzidos
nas expressões populares, modelos de ser e estar no mundo, na produção de cultura.
4.3 A música e a formação do indivíduo
O ser humano, desde o princípio da história, usa a linguagem sonora para compartilhar
informações, viver experiências. De acordo com Ferreira (2002), notas indicam que, para o
homem primitivo, a música era vivenciada como um meio indispensável à vida cotidiana; ela
simulava sons dos animais e buscava emitir outros, configurando-se como expressão cultural
utilizada na caça, nos cumprimentos, nos rituais e nos trabalhos habituais.
Em nossos dias, isto não é diferente, uma vez que a sociedade está totalmente envolvida
com o som, seja na cidade ou no campo. Ferreira (2002) ressalta a presença do som em nosso
cotidiano, como a campainha de uma casa, o apito do juiz de futebol, o assobio para chamar o
cão, os aplausos e até mesmo a melodia de Beethoven.
Sobre a presença da música, em vários setores da vida, afirma Jourdain (1998):
Particularmente nas sociedades industriais modernas, a música está em toda
parte e embutida em tudo. Acordamos com a música do rádio dos nossos
relógios, depois a usamos durante o café da manhã, para juntar energia,
durante a hora do rush, para nos acalmar, durante o trabalho, para nos
anestesiar, e para relaxar, no fim do dia. E somos bombardeados com música
não solicitada. Uma hora vendo televisão é acompanhada por dúzias de
melodias projetadas para atrair adrenalina, lágrimas ou dinheiro de consumo.
A música é usada para fazer operários de fábrica produzirem mais engenhocas
e as galinhas porem mais ovos. Já foi usada para curar, hipnotizar, reduzir a
64
dor e como auxiliar de memorização. Dançamos ao som de música,
compramos com música, limpamos a casa com música, fazemos ginástica com
música e amor com música. E, vez por outra, nos sentamos e ouvimos
atentamente música. (JOURDAIN, 1998, p. 305).
A música é imprescindível ao dia a dia e, por outro lado, é também arte. É necessário
conhecer o seu desenvolvimento, analisar suas funções e particularidades. Com o decorrer da
história, o homem aperfeiçoou seus conhecimentos na área da música, elaborando novas teorias
e enxergando outras estratégias que pudessem aprimorá-la.
Avaliando que a música cumpre uma importante função na formação do ser humano e
contribui para o ensino e a aprendizagem, traço, a seguir, um percurso geral do ensino de
música.
A música, ao longo do período medieval, abordava vários aspectos, como um fator
educacional e moral, uma ciência e um meio de o indivíduo viver uma relação de devoção a
Deus por meio do louvor. Pelo poder da Igreja, a música, que era de responsabilidade do Estado,
tornou-se parte da instituição religiosa. Zimmermann (2007) afirma que “as músicas religiosas
e eruditas marcaram a Idade Média, destacando-se em relação à música profana e popular”.
A aceitação da música é um acontecimento natural do corpo. Ao nascer, toda criança
conhece o universo sonoro que a cerca: sons elaborados pelo homem e por objetos. Seu vínculo
com a música é instantâneo, seja por meio do acalanto da mãe, de outras pessoas ou por efeitos
sonoros em sua casa.
Em todas as culturas, temos costume de acalentar as crianças com cantos e movimentos.
Já vimos muitas vezes uma mãe embalar seu filho, ao som de alguma melodia para acalmar ou
adormecer. Antes mesmo de nascer, ainda no útero materno, a criança já entra em contato com
um dos elementos fundamentais da música, o ritmo.
A Igreja inscrevia as crianças que tinham bom desenvolvimento no canto para
participarem de seus coros. Como era uma atividade recompensada, muitas delas proviam o
sustento da família, ainda que a música fosse vista como um mero meio que atendia às
necessidades litúrgicas. Esse método persistiu por muitos séculos.
O conceito de criança se diferenciava muito do atual, como foi salientado no item 3.7
(p. 56). Nesse período, havia certo descaso social com a família e a infância, tanto que a morte
de uma criança não era lastimada, pois, logo em seguida, seria substituída com o nascimento de
uma outra. Assim sendo, não havia inquietação com investimentos na Educação Infantil e nem
cuidados especiais, já que o índice de mortalidade infantil era muito alto.
Caso a criança sobrevivesse à primeira infância, estudaria os ofícios e capacidades para
65
trabalhar e colaborar para o sustento da família. Aquelas que apresentavam o dom do canto
eram designadas à profissão de músico nas igrejas e, ao se tornarem adultos, teriam uma
profissão para desempenhar. (ZIMMERMANN, 2007).
Os séculos seguintes adotaram esse mesmo padrão e as mudanças começaram a aparecer
no período renascentista. As crianças passaram a ser vistas como seres que demandam uma
atenção especial. São abertas escolas que enfocam o treinamento profissional, que, embora
apontadas como conservatórios, eram, verdadeiramente, orfanatos. Esse foi o princípio de
algumas mudanças, pois, diferentemente do que ocorria nos séculos anteriores, que não se
preocupavam com o caráter educativo, houve um despertar quanto às particularidades da
infância. A família, a Igreja e o Estado começam a ter mais responsabilidade com a educação
das crianças.
4.4 Formação musical para a pequena infância
O potencial de aprendizagem de uma criança é demasiadamente elevado no momento
em que ela nasce. Conforme Gordon (1997), quanto mais tenra a idade da criança, maiores são
as possibilidades de aptidão (performatividade) musical evolutiva.
Sobre as bases de formação na infância, em se tratando de educação, o professor
somente poderá contribuir para o desempenho das crianças quando estas tiverem possibilidades
de viverem situações musicais significativas. O referido autor toma como exemplo duas
crianças, nascidas com capacidades iguais, porém uma teve orientação mais cedo do que a
outra. A criança que possui uma base de aprendizagem mais tardia não aprenderá tanto quanto
a criança que recebeu formação semelhante em uma idade mais tenra. É possível perceber que
uma criança de oito meses, ao ouvir uma canção absorverá aleatoriamente o máximo possível
de informações e estímulos neurossensoriais. Após os dezoito meses, segundo Gordon (1997),
já não se pode afirmar o mesmo, já que a criança perde grandes funções sensoriais.
Gordon (1997, p. 307) traz um ponto importante, salientando que “Não se deve roubar
a infância às crianças para tentar fazer delas pequenos adultos”. Não há coerência em esperar
que uma criança reproduza musicalmente capacidades e interesses dos adultos. O ato de escutar
música, para a criança, funciona como uma preparação para aprender a cantar e também escutar
com atenção. Até os dezoito meses, quanto maior o contato com a música e a variedade dos
estilos musicais, mais apta a cantar, vivenciar e se mover a criança se tornará. É algo que muitas
mães proporcionam, mesmo antes de a criança nascer, ainda no útero, ao entoar cantigas aos
filhos, permitindo que, dessa forma, já mantenham contato com o som, seja intrauterino ou
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externo, com ritmos e melodias, através, inclusive, da ligação do cordão umbilical e com os
batimentos cardíacos da mãe.
Antes de começar a falar, já é possível ver o bebê cantar, gorjear de forma a
experimentar os sons produzidos pela boca. A criança se acostuma a ouvir sua mãe e consegue,
de alguma forma, como afirma Jeandot (1997, p. 18), reproduzir esse momento: “[...] podemos
vê-la cantarolando um versinho, uma melodia, ou emitindo algum som repetitivo e monótono,
balançando-se de uma perna a outra, ou então para frente e para trás, como que reproduzindo o
movimento do acalanto”.
Ao acompanhar as músicas com movimentos do corpo, com palmas, danças, pulos,
voltas, balanço de cabeça, a criança realiza as primeiras construções com relação à música, mas,
ao longo da vida, dependendo do quanto será estimulada, descobrirá o universo grandioso da
arte musical, ou poderá se tornar um indivíduo que pouco sentido vê na música, além de
entretenimento, o que acontece com a maioria das pessoas.
As crianças também devem manipular objetos que emitem sons, para interagir com eles
e o mundo sonoro em que vivemos. Em nossas próprias casas há muitos objetos que produzem
sons, entre eles estão a televisão, o celular, a máquina de lavar, a geladeira, o chuveiro, os pés
se arrastando no chão e tantos outros, ou seja, vibrações irregulares (ruídos) que existem no
cotidiano. Dessa forma, reflete Jeandot (1997, p. 19), “Ao entrar em contato com os objetos,
ela rapidamente começa a interagir com o mundo sonoro, que é o embrião da música, e, nessa
medida, qualquer objeto que produz ruído torna-se para ela um instrumento musical capaz de
prender sua atenção por muito tempo”.
Não há dúvidas sobre o fato da música ser linguagem, como frisa Jeandot (1997):
Assim, devemos seguir, em relação à música, o mesmo processo de
desenvolvimento que adotamos quanto à linguagem falada, ou seja, devemos
expor a criança à linguagem musical e dialogar com ela sobre e por meio da
música. [...] O educador, antes de transmitir sua própria cultura musical, deve
pesquisar o universo musical a que a criança pertence, e encorajar atividades
relacionadas com a descoberta e com criação de novas formas de expressão
através da música. (JEANDOT, 1997, p. 20),
Como explicita a autora, a relação com a música deve fazer parte da cultura infantil,
assim, cabe à escola, principal lugar de formação, possibilitar uma reflexão mesmo que básicas das
vibrações regulares (notas musicais), promovendo de forma sistêmica experiências com instrumentos,
sejam eles construídos ou já existentes, como a flauta doce que é de natureza melódica e harmônica.
Se o docente buscar formação musical, poderá trabalhar noções relacionadas a tal
expressão, utilizando-se de atividades que visem contribuir para o desenvolvimento da criança,
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inclusive no que diz respeito ao ensino da língua materna, pelo que coincide com a experiência
sonora.
Ainda para Jeandot (1997) há aspectos importantes sobre a diferenciação entre o ouvir
e o escutar no processo de aprendizagem musical: para ouvir é necessário apenas que tenhamos
o aparelho auditivo em funcionamento, já para escutar é fundamental atenção, interesse e
motivação, pois aí selecionamos o som que de fato nos interessa. A escuta envolve a tomada de
consciência do que foi captado através dos ouvidos.
4.5 O suporte – lócus para o enunciado
Os gêneros seguem a segmentação e complexificação das interações na sociedade e,
dessa maneira, se transformam, reinventam, nascem, no mesmo ritmo. Desde a invenção da
escrita alfabética, os gêneros vêm se transformando e outros sendo criados, a tradição impressa
também colaborou para esse progresso, basta lembrar que, com o passar do tempo, apareceu a
mídia eletrônica, que originou outros gêneros. Exemplo disso é a internet, matriz de incontáveis
gêneros: e-mail, chats, blogs, bate-papos, utilizados em diversas redes.
Os diferentes gêneros que nascem oferecem dois aspectos que os distinguem de seus
antecessores: primeiro, a maneira como a linguagem é abordada – destronando a visão
tradicional do estudo da língua, que afastava pontualmente a oralidade da escrita, agora
propondo “certo hibridismo”, como assegura Marcuschi (2005), conciliando a ambos; segundo,
a conexão com formas verbais e não verbais é outro sinal que converte os novos gêneros em
um formato próprio de comunicação.
O suporte textual (superfície em que se fixam os enunciados) pode ser qualificado em
dois grupos: os convencionais e os incidentais. Os primeiros são aqueles designados
especificamente para certo gênero, tais como a televisão, telefone, outdoor, livro, dentre outros.
Já os segundos apresentam uma materialidade incomum, muitas vezes surpreendente, como o
para-choque dos caminhões, que é uma peça do veículo, mas que é utilizada como suporte
textual, ou o muro, que serve para veiculação de mensagens de diversos gêneros, como frases
de protesto, propagandas comerciais ou políticas, mensagens não verbais, declarações de amor,
entre outras. (MARCUSCHI, 2008)
No caso da canção, torna-se um espinhoso desafio pensar qual seria seu suporte. Se ela
estiver em uma antologia poética de um autor como Vinicius de Moraes, teremos o livro como
suporte, mas quando executada em uma rádio, trata-se de um mídium (meio comunicativo); o
suporte dirá respeito aos ambientes acústicos por onde percorrerão os sons. Nesta reflexão, vale
68
a pena pontuar as diferenças entre mídium e suporte. O primeiro poderá alterar o segundo; este
poderá circular em muitos mídiuns.
Muitas mutações sociais se manifestam através de um simples deslocamento
‘midiológico’ (= relativo ao médium): quando casais em dificuldade discutem
em um ‘talk show’ na televisão, ao invés de se expressarem no consultório de
um psicólogo, não se trata apenas de uma simples troca de lugares e de canal;
toda uma transformação da sociedade aí se encontra (MAINGUENEAU,
2013, p. 82, grifos do autor)
Diante do que foi apresentado, é importante estudar a questão dos gêneros como
norteadores de objetivos de ensino nas rotinas escolares, a fim de que o aluno possa vivenciar
as formas estruturais e funcionais dos textos, mediante a leitura e a análise, e produzir outros
textos expressivos, desta feita, canções. Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)
(BRASIL, 1996), o professor precisa dos gêneros para trabalhar com os textos dos meios de
comunicação, orais e escritos, pois os gêneros proporcionam escolhas que instigam a
criatividade no momento da escrita e da fala, além de expressarem situações reais de
comunicação.
4.6 Elementos de linguagem musical na canção
Os vários gêneros textuais se formam, desde suas origens, em frequente relação com
outros tipos de gêneros textuais. No caso do gênero canção, existe a divisão do texto literário,
especialmente o texto poético. No gênero canção, há uma particularidade entre o texto e a
música (ritmo e melodia), não se afasta o poema da música, a não ser didaticamente, pois um
completa o outro, o que estabelece os sentidos em conjunto.
Marcuschi (2005) afirma que a canção, como gênero, é um texto consolidado, localizado
na cultura, tem propriedades sociocomunicativas, por cumprir funções variadas, de acordo com
a característica de cada canção, entre elas, a de promover reflexão, emocionar ou entreter. O
estilo é caracterizado, na maior parte das vezes, por escritos narrativos e descritivos e seu
formato composicional se dá em letra e melodia.
A canção “O caderno”, composição de Antônio Pecci Filho, o Toquinho, e Lupicínio
Moraes Rodrigues, o Mutinho, gravada pelo primeiro compositor juntamente com Vinícius de
Moraes, é um exemplo dos dados apresentados por Marcuschi (2005), isto é, nela estão
presentes a interação sociocomunicativa, o conteúdo, a função, o estilo e a forma
composicional:
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Sou eu que vou seguir você
Do primeiro rabisco até o be-a-bá.
Em todos os desenhos coloridos vou estar:
A casa, a montanha, duas nuvens no céu
E um sol a sorrir no papel.
Sou eu que vou ser seu colega,
Seus problemas ajudar a resolver.
Te acompanhar nas provas bimestrais, você vai ver.
Serei de você confidente fiel,
Se seu pranto molhar meu papel.
Sou eu que vou ser seu amigo,
Vou lhe dar abrigo, se você quiser.
Quando surgirem seus primeiros raios de mulher
A vida se abrirá num feroz carrossel
E você vai rasgar meu papel.
O que está escrito em mim
Comigo ficará guardado, se lhe dá prazer.
A vida segue sempre em frente, o que se há de fazer.
Só peço a você um favor, se puder:
Não me esqueça num canto qualquer
(PECCI FILHO; RODRIGUES, 1996, f. 8).
“O caderno” é, portanto, um exemplar do gênero canção, com propriedades
sociocomunicativas, amplamente veiculado pelos meios de comunicação, cujo conteúdo indica
ações habituais de pessoas normalmente anônimas, que foram observadas as experiências
particulares dos autores em uma vivência com seu caderno. Uma intenção em destaque é
mostrar a importância desse objeto tão utilizado na escola, como importante ferramenta social.
Por isso, os poetas usam a letra dessa canção para lançar uma reflexão sobre como um caderno
ganha importância na vida de tantas pessoas. O suporte dessa canção é um mídium, que encontra
espaço em folhas de caderno, música, som, vídeo e hoje em todos os formatos digitais possíveis.
A canção tem como temática a amizade e o companheirismo. Quanto ao estilo, há predomínio
de frases completas, os tipos textuais mais utilizados são a narração e descrição (narra a vivência
de uma pessoa e seu caderno) e (descreve os momentos vividos), ambos relacionados à função
do caderno na vida diária e no contexto estudantil. A forma composicional revela-se na conexão
do texto verbal (poema da canção) e o texto não verbal (melodia e ritmo).
4.6.1 Altura, intensidade e timbre
Com relação à natureza da produção do som, são três as qualidades a serem assinaladas:
altura, intensidade e timbre. A altura se diferencia de instrumento para instrumento, ela é a
70
frequência emitida pelo mesmo, ou seja, pelo número de vibrações que cada onda sonora emite
em um determinado intervalo de tempo: quanto menor o número de vibrações, mais grave será
o som, e quanto maior, mais agudo (JEANDOT, 2008, p. 23). O número de vibrações emitidas
pelo objeto sonoro vibrador caracteriza a altura: grave, médio ou agudo. Com relação à
vibração, podemos afirmar que o ar é posto em movimento a partir de um objeto que vibra, seja
este uma corda, membrana, metal etc., gerando ondas sonoras, que se espalham em todas as
direções simultaneamente, atingindo as membranas do tímpano, fazendo-as vibrar, ao que o
cérebro interpreta como tipos de sons diferentes. A altura de uma nota musical recebe
representação por meio de uma clave inscrita no pentagrama, a partir do que todas as notas
serão identificadas, tal como exposto na figura 1:
Figura 1 – Posicionamento das notas, a partir da referência das claves
Fonte: Wikipédia1.
Para as notas graves, em geral temos a função da clave de fá; para as médias, a clave de
dó em algumas posições; para as agudas, a clave de sol.
O segundo fator é a intensidade, que está relativamente ligada à força que se usa ao
tocar um instrumento (JEANDOT, 2008, p. 23). Por meio dela podemos distinguir os sons fortes
dos sons fracos, ou seja, o volume sonoro. A intensidade das notas pode variar ao longo de uma
música. Isso é chamado de dinâmica, ou seja, os momentos que apresentam variações de
intensidade, quando a música deve ser executada com mais ou menos força, no manuseio dos
instrumentos (e/ou voz). Para isto, devem ser utilizados sinais de intensidade, os mais comuns
são:
1 Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Clave#/media/File:Claves.png Acesso em: 12 ago. 2018.
71
PP = pianíssimo, tocar muito leve, com pouquíssima intensidade
p = piano, tocar bem leve, com pouca intensidade
mp = mezzo piano ou meio piano, tocar leve, com moderada
intensidade
mf = mezzo forte ou meio forte, tocar com força moderada
f = forte, tocar com força
ff = fortíssimo, tocar com muita força
sfz = sforzando, intensificar subitamente a força com que se toca
determinadas notas.
(PORTAL DE EDUCAÇÃO MUSICAL, 2013, p. 17)2.
A última qualidade se refere ao timbre: “qualidade do som que nos permite distinguir
a voz das pessoas dos instrumentos, mesmo que eles estejam produzindo a mesma nota com a
mesma altura e intensidade” (JEANDOT, 2008, p. 23). O timbre seria a identidade do som, por
meio dele reconhece-se a origem do som, os modos como este é produzido. Mesmo de voz para
voz há diferenças de timbre, pois cada aparelho fonador é único, dono de uma voz que não se
repete. O timbre é a impressão digital da voz, é com ele que podemos ser reconhecidos em meio
a uma multidão, cada voz é singular, mesmo quando possui semelhanças. Assim diz a autora:
[...] a voz das pessoas e o som dos instrumentos, mesmo que eles estejam
produzindo a mesma nota com a mesma altura e a mesma intensidade. O
timbre depende da forma como a energia se distribui entre as várias
frequências que determinam a vibração do som. (JEANDOT, 1997, p. 23).
Outro aspecto relevante é a duração de uma nota musical, que pode ser longa,
intermediária ou curta (breve). Na música, o som vai ter sua duração definida de acordo com o
tempo de emissão das vibrações. Este determinará as figuras que correspondem às notas que
soarão; na seção 4.6.6 (p. 78), sobre notação musical, trataremos de tais valores.
4.6.2 Cérebro e corpo – conceito de audiação
Para Mello (2012), a música ajuda no desenvolvimento cognitivo, psicomotor,
emocional e afetivo, assim como auxilia o indivíduo a gerenciar informações que, sem auxílio,
podem confundi-lo internamente. A autora ressalta que ao atingir as emoções do aluno, a música
torna a aprendizagem mais prazerosa, divertida e satisfatória, proporcionando-lhe prazer
enquanto aprende. Ballone (2010) frisa que a atividade musical é potencializadora de quase
2 Disponível em: Apostila-de-Educação-Musical-7º-ano-2018.pdf Acesso em: 01 ago. 2018.
72
todas as regiões do cérebro. Atualmente, é possível observar, através de exames imagéticos,
que a emoção causada pela música produz e libera dopamina e noradrenalina, importantes
neurotransmissores que contribuem para as atividades especialmente cognitivas.
As sinapses dizem respeito integralmente à compreensão da música que ouvimos e
executamos ou que, em algum momento do passado, ouvimos tocar, de onde procede uma
vivência potencializadora de nossas percepções estéticas, emocionais. Quando assimilamos e
temos a compreensão de uma música, podendo ou não a ter ouvido, mas que acabamos por
improvisar, compor ou ler em notação, temos uma experiência diferenciada, diríamos estética,
em um sentido mais amplo. Só passamos realmente a processar auditivamente um som após tê-
lo percebido, escutando-o verdadeiramente, uma vez que na percepção auditiva lidamos com
acontecimentos sonoros imediatos.
Neste momento, entra em cena o conceito de audiação. Trata-se de um processo
profundo, que diz respeito a uma escuta atenta. Nem o professor nem ninguém poderá ensinar
as crianças a audiar. Isso surge naturalmente. A audiação é uma questão de aptidão (treino, e
não dom) musical, contudo, facultando às crianças o conhecimento e as experiências
apropriadas, podemos ensinar-lhes como devem audiar, isto é, como devem usar o seu potencial
de audiação, determinado pela sua aptidão musical, maximizando o seu desempenho musical.
(GORDON, 1997, p. 17).
A base da aptidão (capacidade atualizada) musical e o desempenho na música dizem
respeito à audiação, ela é o alicerce para que se tenha uma aprendizagem musical, em suas
diversas manifestações. A tradução simultânea assemelha-se ao ato de audiar a música, assim
como traduzir idiomas diferentes. Em nosso idioma, fazemos ininterruptamente a tradução,
quando damos um significado específico para cada coisa, ou seja, ocorre uma tradução contínua
em nossa língua. A obra de Gordon apresenta a música como um processo que ocorre por meio
de construção de significados semelhantemente ao exercício de pensar e atribuir sentidos à fala.
Afirma ele que “Quando se audia, ouve-se simultaneamente, pensa-se musicalmente, não se
ouve nem se pensa separadamente.” (GORDON, 1997, p. 52).
Audiar consiste em mergulhar no universo estético da linguagem musical, audiar é
refletir sobre a música no mesmo instante em que ela está sendo executada. O desenvolvimento
das aptidões tonais e rítmicas é promovido pela audiação preparatória, logo, a educação musical
é a única capaz de fazer com que o indivíduo, ao audiar, possa compreender e se comunicar por
meio da música. Por meio da audiação, ao perceberem que cometeram um erro durante a
execução de uma música, as crianças logo farão uma correção, o que produzirá novos sentidos
à experiência musical, que será levada por toda a vida. Reconhecer um instrumento tocado em
73
uma canção pode ser um bom exemplo de audiação. Aspectos essenciais da linguagem musical,
tais como timbre, intensidade, altura, andamento, quando reconhecidos pela criança pequena,
também são exemplos de audiação. (GORDON, 1997).
4.6.3 O canto e suas possibilidades de expressão
O simples ato de cantar favorece a linguagem motora, a memorização, a atenção, a
emoção e o raciocínio. O prazer que a música proporciona transcende a diversão e o
entretenimento. É necessária uma atenção aos movimentos corporais, aos conteúdos afetivos e
reflexivos que as canções evocam. Para além destes aspectos, também a respiração passa a se
ordenar melhor, com benefícios físicos e emocionais.
Como uma especificidade do ensino de música para crianças pequenas (destaque ao
canto e ritmo), a audiação se divide em tipos e estágios. Gordon (2000) a classifica em três
tipos. O primeiro tipo é a aculturação, que acontece desde o nascimento até os dois anos e meio,
aproximadamente, com o balbucio – articulação de sons vocais – ocasião em que a criança
canta, reconhece e se insere no mundo. O segundo tipo (segunda etapa da audiação) é a imitação
– com crianças de dois anos e meio até cerca de três anos e meio, participando com o
pensamento consciente, procurando emitir sons semelhantes à fonte sonora. O terceiro tipo é a
assimilação (terceira etapa da audiação) – as crianças com mais de três anos e meio participam
conscientemente, concentrando-se em si próprias, conseguindo entoar vocalizes (sons vocais,
sem palavras), aprimorando a afinação. Vale lembrar que essas delimitações etárias servem
apenas como um parâmetro geral do percurso dos pequenos com as vivências musicais, pois
cada um deles é único e tudo o que experimenta vai muito além dessas representações etárias.
A audiação representa uma experiência musical que as crianças levarão para toda a vida:
Com o tempo, essas crianças passarão a ser capazes de desfrutar
verdadeiramente a música, porque, à medida que forem capazes de atribuir
significado a música, através da audiação, estarão preparadas para
compreender e apreciar a música como músicos, ao longo da vida, embora não
necessariamente como profissionais. Quando crescerem farão parte de um
público que exigirá que a música de qualidade seja executada nas melhores
condições (GORDON, 2000, p. 48-49).
Na audiação preparatória, que compete à aculturação, as crianças devem se movimentar
livremente, tendo em vista que o canto não se separa do ritmo, nem do movimento. Sendo
assim, toda a possibilidade de expressão corporal é bem-vinda.
74
4.6.4 Tipos de audiação
Gordon (1997), ao aprofundar sua teoria sobre expressão musical, elencou, para o indivíduo
que tenha tido orientação estruturada e vivências musicais formativas, oito tipos de audiação:
▪ Tipo 1 – Escutar música familiar (conhecida) ou não-familiar (desconhecida):
Este é o tipo mais comum de audiação, ocasião em que se escuta música familiar ou não-
familiar. Conforme vamos escutando e conhecendo a música, passamos a perceber padrões
tonais e padrões rítmicos, sendo estes familiares ou não. É através da sequência, da lembrança,
da antecipação e predição dos padrões juntamente à audiação que podemos dar significado
sintático ao que escutamos. O processo é similar no exercício de escuta da fala, concentração
nas palavras individualizadas em combinação com frases e períodos em nossa mente, para que
haja significado gramatical e sintático à medida que vamos escutando. Gordon (1997) afirma:
Enquanto agrupamos em sequências, lembramos antecipamos e predizemos
palavras, à medida que as ouvimos proferir, só prestamos atenção consciente
às palavras que são essenciais para o significado; as outras são absorvidas pelo
nosso inconsciente, porque reconhecer o essencial torna óbvio o que não é
essencial. (GORDON,1997, p. 28).
Neste trecho, observamos as semelhanças e as diferenças entre elementos presentes na
música e na aquisição da própria língua. Na linguagem verbal, lidamos com palavras completas
que são fundamentais para a articulação do discurso e das ideias; na música, porém, tratamos
com alturas, timbres, durações reais, dentre outros aspectos que constituem e definem os
padrões da sintaxe musical ou a sua estrutura. As relações entre os dois domínios são
inesgotáveis, merecedoras de estudos e aprofundamentos.
▪ Tipo 2 – Ler música familiar ou não familiar: É a audiação notacional, funciona
quando fazemos o exercício de ler (ou imaginar) a notação de padrões em música familiar e
não-familiar. É possível ler uma partitura silenciosamente, como também executar o que é lido,
reger a partir de uma obra por escrito e ler enquanto escutamos música. A capacidade de audiar
também se dá por meio da leitura, pela notação (escrita musical), pelo que será executado antes
mesmo de o som ser fisicamente ouvido. Conforme lemos e audiamos a notação de uma música
familiar ou não-familiar, audiamos as alturas e organizamos as durações essenciais, bem como
os padrões tonais e rítmicos essenciais, vindos diretamente da série de símbolos que vemos,
sem ter necessariamente a percepção auditiva.
▪ Tipo 3 – Escrever música familiar ou não-familiar ditada: Este é o terceiro tipo
de audiação com presença na ação de ditados de padrões familiares ou não-familiares de uma
75
música familiar ou não-familiar. Ainda que a escrita de uma música por ditado seja o oposto da
leitura de uma música transcrita em partitura, pode ser também considerada audiação
notacional. Ao escrever por ditado, podemos audiar o que já percebemos representado por
símbolos, na notação. Colocamos, automaticamente, todos os elementos da linguagem musical
– notas, compassos, intensidade etc. – na pauta musical.
▪ Tipo 4 – Recordar e executar música familiar memorizada: Ocorre quando
passamos a executar vocalmente padrões familiares em música familiar, por meio de recordações em
nossa mente. Esta ação também pode ser feita num instrumento musical, além da voz, o ato de reger o
que ouvimos internamente, ou a escuta em silêncio. Com relação a tal processo, Gordon (1997) enfatiza:
Cada um dos padrões da música, cuja audiação guardamos na lembrança,
conduz-nos à organização e à recordação sequencial dos restantes padrões.
Enquanto vamos audiando, vamos colocando as alturas e as durações não-
essenciais no padrão completo, mantendo-se este processo ao longo de toda a
peça musical. (GORDON, 1997, p. 31).
O fato de recordar, por audiação, uma peça de música familiar não significa que tal
música seja lembrada pelo simples fato de tê-la memorizado. A memorização não se constitui
fator determinante para a audiação, funciona apenas para reproduzir movimentos físicos, assim
como ocorre quando as pessoas, cujas capacidades audiativas não estão ainda completamente
desenvolvidas, estão a cantar ou tocar um instrumento e estão dependentes de uma ação
muscular – como dedilhados e movimentos das cordas vocais – o que acontece no processo de
memorização mecânica que as direciona ao longo da execução.
▪ Tipo 5 – Recordar e escrever música familiar memorizada: Este tipo também
envolve audiação notacional, funciona enquanto escrevemos padrões familiares em música
familiar, organizados por meio da audiação. O processo mental de organizar e recordar é
semelhante ao do tipo 4, com uma diferença fundamental: este culmina em alguma forma de
execução, enquanto o tipo 5 carece da conversão dos sons musicais em notação escrita.
▪ Tipo 6 – Criar e improvisar leitura música não familiar, durante a execução, ou
em silêncio: Acontece quando passamos a criar e improvisar, em silêncio ou durante a própria
execução, música não-familiar, utilizando padrões familiares e não-familiares. Cada padrão
musical que nos permite a criação e a improvisação nos orienta para uma organização interna,
de forma sequencial, de padrões musicais adicionais. À medida que criamos ou compomos,
usando padrões inventados por nós mesmos, ou improvisamos utilizando padrões ou fórmulas
em combinação como na improvisação do jazz, colocamos, de maneira automática, as alturas e
as durações não-essenciais em padrões completos.
76
▪ Tipo 7 – Criar e improvisar leitura de música não-familiar: Esta modalidade
também inclui audiação notacional, se dá quando lemos padrões tonais não-familiares e
familiares e, ao mesmo tempo, passamos a criar ou improvisar uma nova música não-familiar,
tanto no silêncio quanto na própria execução. A improvisação pode englobar a execução de
uma melodia central, ou mesmo linhas periféricas, que sustentem a harmonia, com acordes
(grupos de notas) que registramos em partituras.
▪ Tipo 8 – Criar e improvisar escrita de música não-familiar: funciona quando
escrevemos padrões familiares e não-familiares, criando ou improvisando ao mesmo tempo música
não familiar, este tipo também inclui audiação notacional. Se, no entanto, lembrarmos, durante um
certo tempo, daquilo que criamos antes de escrever, o tipo 8 pode tornar-se o tipo 5 de audiação. Os
processos para os tipos 7 e 8 são os mesmos, com a única diferença de que o tipo 7 culmina com a
leitura, enquanto o tipo 8 culmina com a escrita da música que improvisamos ou criamos.
Apresentar os tipos de audiação elencados por Gordon (1997) uma vez que é importante
conhecer tais conceitos ao pensarmos uma proposta de alfabetização que adote o gênero canção
como instrumental para a alfabetização. No capítulo 5 (p. 82) da presente pesquisa, será
proposta uma unidade didática, de modo a reproduzir a proposta de sequência didática nos
termos de Schneuwly e Dolz (2004), em que as noções de Gordon, bem como da teoria
enunciativa, serão articuladas, em busca de atividades com o gênero canção e que contribuam
para os estudos em alfabetização. É pertinente ressaltar que uma criança em tempos de
alfabetização não teria certamente condições de executar a maioria dos tipos de audiação que
um indivíduo musicalmente maduro o faria, mas podemos estimular o pequeno estudante a
improvisar uma melodia, após ouvir uma outra, ainda que de modo intuitivo e rudimentar, ou
ainda entoar canções conhecidas, reproduzir ritmos etc., exercícios que de algum modo são
audiativos. Estas pequenas ações musicais são essenciais ao trabalho com o gênero canção em
um contexto mais profundo e produtivo, de modo que a criança tenha a opotunidade de criar
melodias e letras, ou seja, canções.
4.6.5 A dimensão do ritmo
Ballone (2010) reflete sobre como a área rítmica é afetada pela experiência musical, e
assim completa que o ritmo se encontra relacionado às emoções conectivas cerebrais, comum
a todos os animais ligados ao instinto. O batuque e ritmo eletrônico, estimulam ainda mais essa
parte juntiva relacionada aos ritmos básicos. O ritmo é capaz de embevecer as mais grandiosas
emoções. E as músicas mais Bastante primitivo e capaz de entorpecer emoções mais sublimes.
77
As músicas mais elaboradas formais e cheias de melodias provocam o lado emocional, músicas
clássicas e românticas atingem o cérebro na região dos sentimentos. Essa elaboração ativa um
sistema relacionado à intuição e à defesa – o límbico.
A música afeta o ser humano de várias maneiras, desde as cantigas de ninar com que as mães
embalam seus filhos até a conjuntura social. O som e todas as suas qualidades de ritmo, melodia e timbre
significam, de fato, uma experiência sensorial ímpar, e uma das mais antigas do ser humano.
Os autores a seguir também tratam do desenvolvimento da psicomotricidade, de como
o ritmo auxilia o sistema nervoso da criança, aprimorando as habilidades motoras, o controle dos
músculos, e ressaltam que o ritmo tem fundamental importância no equilíbrio e formação do sistema
nervoso. Pois cada expressão musical age sobre a mente, o que favorece uma descarga emocional que
ativa reações motoras e alivia tensões. Cantar realizado dança, batidas de palmas e pés, gestos
imprescindíveis para a experiência sensorial, motora e senso rítmico Atividades como cantar fazendo
gestos, dançar, bater palmas, pés, são experiências importantes para a criança, pois elas permitem que
se desenvolva o senso rítmico, a coordenação motora, fatores que contribuem para o processo de
aquisição da língua. (CHIARELLI; BARRETO apud GARCIA, SANTOS, 2012).
É fundamental o ato de cantar a melodia para que a audiação ocorra. Isto também é uma
vivência rítmica. A interiorização de padrões melódicos se constitui um profundo experimento,
de grande impacto para a subjetividade. Do mesmo modo, temos a importância de se audiar
ritmicamente uma canção, buscar com palmas, por exemplo, o ritmo de sua melodia. Também
se faz relevante diferenciar, sempre, o pulso (batida constante) do ritmo (células sonoras
criativas), que caracteriza, inclusive, o estilo musical.
A criança tem essa noção espontânea de ritmo, mas, no início, não tem controle sobre ele, devido
à falta de maturidade de seu sistema nervoso, que não lhe permite as coordenações neuromusculares
indispensáveis. Ela brinca com sons e movimentos, do mesmo modo como brinca com formas e cores.
Pesquisas de Gordon (1997) e Jeandot (1997) confirmam que, desde a idade de um ano,
aproximadamente, a música estimula o bebê a se balançar, ainda que não exista sincronização
entre o ritmo da música e o balanço. Por volta dos três ou quatro anos de idade, essa sincronia se forma.
A psicologia contemporânea tem salientado a importância da relação que há entre o
desenvolvimento das noções gerais de espaço e tempo e o desenvolvimento harmonioso da
criança e seu crescente domínio do movimento ritmado.
Toda criança nasce com pelo menos alguma habilidade para a música. Como várias outras
qualidades, a habilidade musical se expressa entre as crianças, é natural, mas é afetada pelas
características do meio em que vive. Isso porque, para a maioria dos recém-nascidos, o espaço musical
não é tão rico como necessitaria ser. Por conseguinte, é esperado que o nível de capacidade musical
78
com que as crianças nascem decresça com o passar do tempo, ou mesmo seguidamente após o
nascimento, diminuindo continuamente até que o ambiente musical da criança se consolide. O cérebro,
segundo Gordon (1997), está absolutamente receptivo aos estímulos sonoros e musicais, mas se estes não
forem vivenciados, as sinapses se ordenarão em outras direções. Após a infância, as estruturas cerebrais
se tornam bem mais limitadas, com relação a transformações positivas relativas à linguagem musical.
4.6.6 A notação musical
A audiação da escrita musical denomina-se audiação notacional e ocorre quando há a
transcendência da pauta e o ato de audiar a música transcrita pelos símbolos representados nessa pauta.
A representação do som na linguagem escrita traz uma série de símbolos, que serão vistos ao longo desse
texto; as diferenças entre audiação e imitação, as contraposições entre ambas; o processo de audiação, o
qual se difere de imitação compreendida como “audiação interior”, o que não é, de fato, audiação.
A notação musical é um conjunto de símbolos visuais destinados a representar o som da
música. A teoria musical tenta definir e explicar os fundamentos por trás do uso destes símbolos
visuais, mas, na melhor das hipóteses, a notação funciona apenas como fotografia estática enquanto a
música flui como um filme. A audiação é a “compreensão do fluir da música” (GORDON, 1997, p. 21).
Os símbolos visuais presentes em uma partitura funcionam como suporte para se fazer música, assim
como ter nas mãos uma receita para fazer bolo: o bolo seria a música, e a receita, a partitura. O intérprete
solista não executa uma obra olhando apenas para a partitura, ele explora as informações que já estão
impressas no consciente trabalhando expressão e interpretação da obra. A audiação acontece quando
conseguimos reter e refletir sobre algo que ouvimos há segundos, minutos, horas, dias, semanas,
meses ou até mesmo anos. Por essa razão, trata-se de um tipo de aprendizagem muito diversa e profunda.
O quadro 2 ilustra a definição de notação musical por meio de símbolos visuais, isto é,
a representação e o valor (duração) das notas musicais, valores que podem ser trabalhados
ludicamente, de modo espontâneo, dentro das vivências do letramento musical.
Quadro 2 – Figuras musicais e respectivos valores
Fonte: Magia da música
3.
3 Disponível em: https://magiadamusica.webnode.pt/figuras-musicais/ Acesso em:
79
A música possui, ainda, o andamento, que se caracteriza basicamente pela velocidade da
execução de uma obra. Geralmente é indicado por palavras italianas, uma vez que sua grafia teve
origem na Itália. Os andamentos devem ser escritos antes do trecho onde deva acontecer o andamento.
Exemplos de marcas de andamento: largo, adágio, moderato, andante, alegro, presto etc. Com os
pequenos, diversas atividades poderão ludicamente enfatizar o andamento. O deslocamento das
crianças na classe, ora lento, ora rápido, durante a dramatização de uma música, é um exemplo de
como se trabalhar de modo corporal e prazeroso o conceito de andamento.
Quadro 3 – Principais sinalizações de andamento
Fonte: Bennett (1990).
Grave
Lento
Largo
Larghetto
Adagio
Andante
Andantino
Moderato
Allegretto
Allegro
Vivace
Presto
Prestíssimo
Allegro moderato
Presto con fuoco
Andante Cantabile
Adagio Melancolico
Accelerando
Rallentando
Stringendo
Alargando
Retardando
Ritenuto
Meno mosso
Piu mosso
A tempo ou Tempo primo
Tempo rubato
Andamento mais lento de todos
Muito lento
Muito lento, mas não tanto quanto o grave
Um pouco menos lento que o Largo
Moderadamente lento
Moderado, nem rápido nem lento
Semelhante ao andante, mas um pouco mais acelerado
moderadamente
Moderadamente rápido
Andamento veloz e ligeiro
Um pouco mais acelerado que o Allegro
Andamento muito rápido
É o andamento mais rápido de todos
Algumas variações:
Moderadamente rápido.
Extremamente rápido e com expressão intensa.
Velocidade moderada e entoando as notas como em
uma canção.
Lento e melancólico
Sinalizações de mudança no andamento
Indica que a execução deve se tornar mais rápida.
Indica que a execução deve se tornar gradativamente
mais lenta
apressando
alargando
atrasando
retardando subitamente M
mais devagar
mais depressa
Retorna ao andamento original.
Pequenas variações de andamento ao critério do
músico
80
Com relação aos elementos da linguagem musical na canção, há muito a enumerado e analisado,
tais como conceitos de acordes, encadeamento harmônico, intervalos, harmonia, contraponto, compassos
simples e compostos, orquestração, estrutura geral dos instrumentos, história da música popular,
folclórica e erudita, os diversos estilos e ritmos, dentre tantos tópicos específicos da arte musical.
Entretanto, pelos limites da pesquisa, infelizmente, não posso contemplá-los. Aqueles elementos que
foram aqui apontados afetam diretamente nossa concepção de SD, pelo menos naquilo que foi proposto
como estratégia para a alfabetização e que exigiu grande esforço para ser apresentado na unidade
didática, abordagem central do próximo capítulo
81
v
82
5 RELAÇÕES ENTRE ALFABETIZAÇÃO, GÊNERO CANÇÃO E SEQUÊNCIA
DIDÁTICA: SURPRESAS PARA A APRENDIZAGEM
Neste capítulo procuro, em suave ciranda, entrelaçar a alfabetização, a canção e a
sequência didática, embalando ideias e propostas que permitam a compreensão do processo de
alfabetização, refletindo sobre a importância da fala e da escrita, duas atividades humanas que
têm diferenças de uso na língua. Diariamente ocorrem situações que envolvem a oralidade (o
falar) e a língua escrita (escrever). Textualizar é dar formato de texto, encadeamento de
enunciados, resultado da comunicação, interação, e caráter da conversa, dependendo da
intencionalidade do falante, do que sabe do(s) outro(s) que o ouve(m), atingidos todos por
outras vozes.
Textos são compostos discursivos, cujo elo vem a ser o enunciado, fazem parte de um
contexto histórico, que revela valores, concepções, medos de um povo. A palavra texto (do
latim texere – tecer) supõe oralidade, leitura, escrita, gênero, formação discursiva, dentre tantos
aspectos.
Desse modo, cada enunciado possui determinado sentido e pertence a um gênero
relacionado à prática social de linguagem que o constitui. É possível concluir, então, que as
práticas sociais em que há utilização da linguagem são diretamente ligadas pela instância do
discurso de origem. A construção composicional faz parte da forma do texto, aquilo que revela
sua marca e faz com que seja reconhecido.
O autor é capaz de fazer-se compreender quando ressalta a dinâmica, a plástica e a
maleabilidade dos gêneros, sem nenhum problema em alterar seus contornos conforme as
necessidades sociais de cada momento histórico da vida do homem/mulher. Além disso, “esses
novos gêneros não são inovações absolutas, sem uma ancoragem em outros gêneros já
existentes. O fato já fora notado por Bakhtin (1997) que falava na transmutação dos gêneros e
na assimilação de um gênero por outro gerando novos.” (MARCUSCHI, 2005, p. 20).
Ao pensar dessa maneira, o autor explicita que é possível compreender que os gêneros
se misturam entre si. No tocante à plasticidade do gênero, verificamos como a alfabetização por
meio dos textos é mais expressiva. Não há motivos para desrespeitar outros métodos, mas para
abrir um novo (que nem é tão novo assim), uma proposta pedagógica pautada na compreensão
de que o ensino deve contribuir para a autonomia e capacidade de escrever e escrever bem.
Consequentemente, o processo da alfabetização se torna mais significativo, parte de uma prática
social, pois é através dos gêneros orais e escritos que a comunicação entre os indivíduos se
83
concretiza, do mesmo modo que as crianças desenvolvem suas habilidades cognitivas de fala e
de escrita.
A esta mescla de gêneros, o autor denomina hibridização ou intergenericidade, quando
um gênero assume a função do outro. De acordo com Marcushi (2005, p. 31), “não deve trazer
dificuldade interpretativa, já que o domínio da função supera a forma na determinação do
gênero, o que evidencia a plasticidade e a dinamicidade dos gêneros”. Um exemplo de
intergenericidade vem a ser a epígrafe, em uma tese, citando um trecho de uma crônica.
5.1 Relações entre letramento e sequência didática
As várias formas de letramento hoje estão expostas nas mais diversas atividades de
ensino. O termo letramento diz respeito aos contextos da cultura educacional, sendo assim,
explicita Dionísio (2005, p. 159), hoje em dia, “[...] uma pessoa letrada deve ser capaz de
atribuir sentidos a mensagens oriundas de múltiplas fontes de linguagem, bem como ser capaz
de produzir mensagens, incorporando múltiplas fontes de linguagem”.
Uma pessoa letrada é aquela que é capaz de ler e atribuir sentidos a todos os tipos de
textos, compreender e produzir mensagens de vários tipos de linguagem. No entanto, existem
pessoas não alfabetizadas (não sabem ler e escrever e participam da vida social com bastante
restrição, além dos conhecidos como “analfabetos funcionais”), cabe ressaltar que no mundo
globalizado quem não aprendeu ler e escrever, está às margens da sociedade; pessoas
alfabetizadas e não letradas; pessoas não alfabetizadas e letradas (pessoas mais velhas que são
capazes de saber do tempo, das horas, da época de colher, de pegar um ônibus ou pagar suas
contas); e uma pequena parcela da população – letrada – que consegue alcançar objetivos
acadêmicos.
Ante o exposto, convém frisar o papel da escola, dos professores e da gestão nesta
questão, considerando que muitas crianças só têm o espaço escolar para aprender, construir
conhecimento e se inserirem nas relações socioculturais e discursivas, de modo a se tornarem
sujeitos críticos e reflexivos. A música é fonte de movimento, de aprender a escutar, falar e
cantar, dentre tantas vivências estéticas que podem ser proporcionadas. Trabalhar com os
gêneros textuais na alfabetização-letramento enriquece o aprendizado, porque além do
desenvolvimento da escrita, há também o da oralidade. Deste modo, o aluno será beneficiado,
garantindo-se possibilidades expressivas em muitos contextos comunicativos.
Por refletirem situações reais do cotidiano, os gêneros se revelam potentes ferramentas
pedagógicas e, neste sentido, o acesso dos alunos aos mesmos precisa ser garantido, o que
84
expande os processos de letramento e, com isto, as experiências estéticas, transformadoras, as
quais dizem respeito à formação do leitor crítico.
Um bom exemplo de como pode ser produtivo trabalhar com os gêneros, dentre os quais
a canção, é a música “Vatapá”, de Dorival Caymmi:
Quem quiser vatapá, ô
Que procure fazer
Primeiro o fubá
Depois o dendê
Procure uma nega baiana, ô
Que saiba mexer
Que saiba mexer
Que saiba mexer
Procure uma nega baiana, ô
Que saiba mexer
Que saiba mexer
Que saiba mexer
Bota castanha de caju
Um bocadinho mais
Pimenta malagueta
Um bocadinho mais
Bota castanha de caju
Um bocadinho mais
Pimenta malagueta
Um bocadinho mais
Amendoim, camarão, rala um coco
Na hora de machucar
Sal com gengibre e cebola, iaiá
Na hora de temperar
Não para de mexer, ô
Que é pra não embolar
Panela no fogo
Não deixa queimar
Com qualquer dez mil réis e uma nega ô
Se faz um vatapá
Se faz um vatapá
Que bom vatapá (CAYMMY, s.d., p. 124-125).
Nesta música, é perceptível o potencial didático de atividades pensadas a partir dos
compassos do artista, além do que representa a canção como objeto cultural e, por conseguinte,
de letramento. Assim, é possível partilhar com as crianças as diferenças entre o que é letra de
música em geral e o que é receita, convidando-as a elaborar uma receita e depois realizá-la na
cozinha da escola; trabalhar a composição de um verso simples com letra e melodia, explicando
que o ritmo deverá ser o samba; encontrar palavras que rimam no texto, transcrevê-lo para o
85
caderno, conversar sobre as palavras desconhecidas, a fim de compreendê-las e registrá-las; a
partir da produção inicial, verificar como estão os pequenos em relação à escrita e à oralidade,
bem como ao canto; ao final, propor às crianças que exponham a produção conclusiva aos
colegas de outras turmas. Na canção, é nítida a intergenericidade – um gênero no lugar de outro:
um samba de Caymmi seria normalmente um poema descritivo, reflexivo, mas o que temos
vem a ser, principalmente, uma receita de vatapá baiano.
A perspectiva contemporânea de alfabetização considera, indubitavelmente, os
momentos de interação e construção social, nas práticas de linguagem oral e escrita, priorizando
o contato com os textos. Dessa maneira, a sequência didática proposta por Dolz, Noverraz e
Schneuwly (2004) tem se destacado como referência para o planejamento dos encontros com
os alunos, sob a ótica de uma didática com os gêneros textuais.
Figura 2 - Esquema da sequência didática
Fonte: Dolz, Noverraz, Schneuwly, 2004, p. 83.
Esta concepção de SD considera os gêneros textuais como objetos de ensino; sua força
reside principalmente no fato de os mesmos refletirem práticas sociais, o que faz com que a
aprendizagem considere o mundo vivido, as experiências comunicativas, diferentemente das
metodologias tradicionais.
O primeiro passo nessa abordagem pedagógica consiste em se apresentar a situação, ou
seja, propor aos alunos o gênero e um desafio a partir do mesmo, como escreverem uma carta
ao prefeito da cidade. Com o aceite, os alunos produzem um texto a partir dos conhecimentos
que possuem sobre o gênero abordado. Feito isso, o professor recolhe as produções e as analisa.
Estas servirão de norte para a elaboração dos módulos que se seguirão, podendo ser tantos
quantos forem necessários. A partir das necessidades observadas, o educador traçará o roteiro
modular, buscando saná-las, melhorando, assim, a leitura e a escrita dos alunos. A produção
final reproduz um acontecimento maior, em que os educandos poderão demonstrar sua
aprendizagem, criando um novo texto, agregando aquisições feitas durante os módulos
86
trabalhados, ou corrigindo e aprimorando o primeiro texto. As crianças devem participar nas
escolhas dos gêneros e da temática.
Cabe aqui destacar que em turmas do primeiro ano do primeiro ciclo do Ensino
Fundamental haverá, certamente, heterogeneidade com relação ao que cada criança faz em
termos de leitura e escrita, surgindo a necessidade de contar com outros gêneros no percurso da
unidade didática, sempre capitaneada pelo gênero guia, aquele ao qual correspondia a produção
inicial e que também será contemplado com a produção final. Na seção 5.3 (p. 88), será proposta
uma sequência didática alicerçada no esquema exposto na Figura 2 (p. 85), de modo a
demonstrar a viabilidade de tal concepção para o ensino da língua materna, destacando-se o
gênero canção.
5.2 Relações entre métodos de alfabetização e a aprendizagem musical... revendo o
percurso da pesquisa
Esta seção traz uma reflexão sobre aspectos pedagógicos comuns à aquisição da língua
e da linguagem musical, destacando o conceito de audiação (GORDON, 1997), exercício
sensorial e cognitivo de máxima importância para o aprofundamento das experiências musicais
e que, guardadas as devidas proporções, encontra procedimentos semelhantes na alfabetização.
Para ilustrar tal afirmação, retomo os princípios gerais de alguns métodos, a começar
pelo fônico, que centra sua didática no som das letras (grafemas) apresentadas ao aluno. Para
cada uma delas, há a intenção de se reproduzirem as vibrações correspondentes, articulando-se
regiões do trato vocal. Se forem consoantes, o ar será interrompido de algum modo, seja pelos
lábios, dentes, palato, língua, e assim por diante; se forem vogais, o ar não será interrompido
(SACCONI, 1986). O esforço discente em mirar um grafema e reproduzir com os órgãos do
aparelho fonador o fonema correspondente coincide com o que Gordon (1997) denominou de
audiação do “Tipo 2 – Ler música familiar ou não-familiar”, muito embora a leitura a que ele
se refira seja da partitura musical. Isto afirmo porque, em termos de decodificação simbólica,
tanto os sinais da linguagem musical (como uma semínima para a nota sol), quanto da língua
portuguesa escrita (a letra F, por exemplo) são símbolos visuais, portanto, pactuados
coletivamente, cujas relações com seus objetos (sonoros) são arbitrárias. Estes consistem em
formas sonoras que devem ser reconhecidas e reproduzidas por quem lê.
Sem parecer forçoso, é possível afirmar que a fonética, capítulo de muitas gramáticas
tradicionais, vem a ser um estudo audiativo, uma análise de aspectos, em grande medida,
musicais. Nesse sentido, consolida-se a interface entre expressão musical e alfabetização,
87
sobretudo por lidarem com vibrações sonoras (ondas mecânicas). Reparemos a importância de
uma parlenda, ou verso de uma canção folclórica como “Terezinha de Jesus”, em que a
professora (ou professor) apresentem o grafema T. O que poderia ser ensinado de modo
mecânico e descontextualizado adquire novos sentidos, potencializados pela emoção de um
canto profundamente popular, artefato de nossa identidade cultural. O método fônico, desse
modo, ganharia novas possibilidades didáticas, tornando-se menos árido para os alunos.
Com relação ao sistema silábico de alfabetização, evidenciam-se potentes conexões com
a linguagem musical. O fato deste método enfatizar o ensino das sílabas, sem explicitar,
inicialmente, as relações entre as consoantes e as vogais, assemelha-se aos exercícios de ritmo
da aprendizagem musical, particularmente o conceito de pulso. Noutras palavras, ao enfatizar
o fato de que falamos por impulsos vocais (sílabas), a silabação se alinha à própria sonoridade
da língua: “Quando falamos, pronunciamos sílabas e não sons separados” (FRADE, 2005, p.
29). Então, acrescento: quando cantamos, fazemos o mesmo. O método silábico, ao atribuir
maior importância ao modo de pronunciar as sílabas do que às ligações entre grafemas e
fonemas, aproxima-se bastante do modo como, em geral, aprendemos a cantar ou declamar
poemas, como as parlendas. Há uma apreciação estética em tal experiência, bem como a
ludicidade dos ritmos obtidos, uma vivência que pode se tornar percussiva. É válido afirmar, a
partir do exposto que, de todos os métodos sintéticos, o que mais se aproxima dos saberes
pedagógicos musicais vem a ser a silabação. A associação entre tais contextos poderá trazer
benefícios para as rotinas de alfabetização.
No que se refere aos métodos analíticos, também é possível encontrar firmes nexos com
o aprendizado de canções. Na palavração, os alfabetizandos têm contato com palavras inteiras,
tal como pronunciadas no cotidiano, destacando-se delas o significado. Na canção, a esta
característica acrescenta-se a melodia. Tal associação aprofunda os significados e emoções que
versos cantados podem evocar. As palavras enunciadas melodicamente, portanto tratadas pela
linguagem musical, assumem novos coloridos, potencializando-se como elementos estéticos,
reflexivos.
Se, com a palavração, temos generosas possibilidades didáticas, pensadas no contexto
da canção, diríamos que, na sentenciação e método global, aquelas se ampliam. Neste sentido
recorremos a Gordon (1997), ao afirmar que quando procedemos à audiação do “Tipo 2 –
Audiação de música familiar”, resgatamos ou conhecemos novos padrões rítmicos. Somente
pela sequência obtida da lembrança ou antecipação destes é que se torna possível a organização
sintática dos mesmos. A audiação, muito embora se volte para aspectos da estruturação musical,
possui similaridade com a aquisição da leitura e escrita, reafirmamos. A escuta atenta opera no
88
sentido de organizar palavras, frases, parágrafos – elementos que, em última análise,
constituem-se enunciados. Vale ressaltar a importância destes para a pesquisa em tela,
sobretudo por serem elos na cadeia de comunicação verbal (BAKHTIN, 2011). Somente se
torna possível a existência dos gêneros textuais porque temos o enunciado que, na regularidade
de seus aspectos tema, estilo e composição, dá origem aos gêneros. O enunciado reúne, salvo
melhor entendimento, aspectos de linguagem tanto oriundos da canção, quanto da aquisição da
língua. Isto compreendo por diversas razões, dentre as quais destaco o contexto comunicativo,
que espelha práticas sociais, reproduz vozes e projeta enunciações em outras, caracterizando a
polifonia, um conceito central no pensamento bakhtiniano que nos autoriza a seguir com as
análises da relação entre os elementos da canção e os processos cognitivos de aquisição da
língua. A expressão “polifonia”, oriunda do universo musical erudito foi um empréstimo do
autor para explanar sobre a arena de vozes que se espelham na materialidade do enunciado
(BAKHTIN, 2011). Tal recurso teve origem no canto gregoriano, durante a Idade Média, cuja
principal caraterística era a projeção de várias vozes, com uma base rítmica e harmônica
comum, tal como ocorria nos cânones e destacadamente no contraponto (GROUT; CLAUDE,
2007).
O enunciado, por conter em si a expressão do vivido, reúne aspectos discursivos que
transcendem a natureza linguística e formal de sua estruturação, podendo resumir-se a uma
palavra apenas, ou a um texto completo. Com relação ao método global, e consequentemente à
aprendizagem da língua materna, tendo os gêneros textuais como objetos de ensino, reafirmo
que a canção se constitui um vigoroso recurso pedagógico. A alfabetização desenvolve
esquemas de memorização, textos longos podem ser apreendidos sem a perda do interesse,
porque há uma experiência estética em sua leitura oral ou escrita; a emoção e a afetividade do
canto produzem sentidos que impactam positivamente a subjetividade das crianças. O método
global, ao contar com os aparatos da linguagem musical, potencializa suas virtudes, dentre as
quais destacam-se o sentido dos enunciados para a existência e o uso cotidiano dos mesmos, na
contramão do ensino cartilhado e descontextualizado.
5.3 Contribuições didático-pedagógicas do gênero canção como objeto de ensino: uma
proposta de sequência didática
Este subcapítulo tem como finalidade maior trazer sugestões didático-pedagógicas para
a alfabetização por meio do gênero canção. Para tanto, foi elaborada uma sequência didática
escrita nos moldes de Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), para servir como apoio para
89
professores que queiram tornar suas aulas mais significativas e menos monótonas. Nas seções
anteriores, procurei ressaltar a importância dos gêneros para o aprendizado, como produzem
efeitos na leitura, escrita e oralidade. Baseadas nessa convicção, a SD aqui proposta traz
atividades que podem contribuir para desenvolver as habilidades no uso da língua, mas também
o despertar para o corpo, o movimento e as diversas formas de criar.
Para propor esta sequência didática (que, em sua materialidade, tornou-se uma unidade
didática para livro de língua portuguesa), conduzida pelo gênero canção, foi preciso refletir,
ainda que brevemente, sobre planejamento para a Educação Básica, a fim de que a SD esteja
em consonância com um planejamento docente, em geral anual, que, por sua vez, se conecta a
um Projeto Político Pedagógico (PPP) concebido democraticamente por todos os atores sociais
envolvidos, no qual está expresso o perfil ideológico, filosófico, enfim, a visão de mundo e de
educação que caracterizam curricularmente a instituição escolar (VASCONCELLOS, 2002).
Atualmente, a perspectiva consolidada e mais aceita é a dos projetos de trabalho.
O primeiro passo para a criação de uma sequência didática com o gênero canção foi
imaginar que o projeto anual da escola teria, como tema, as “Profissões”. Isto significa afirmar
que os docentes, nos encontros para o planejamento do ano letivo, irão trabalhar
interdisciplinarmente questões relativas ao grande tema.
No caso do primeiro ano do primeiro ciclo, foco desta SD, simularei que as crianças
escolheram a profissão de bailarina; assim, toda a sequência didática estará diretamente
relacionada ao projeto de trabalho “Profissões”, buscando alfabetizar com o gênero canção. De
forma progressiva, surgirão diferentes atividades para que haja produção de textos escritos e
orais, mesmo que em um primeiro momento o escriba seja o professor. Enumero, aqui, alguns
objetivos que inspiram a sequência didática criada:
▪ Discutir com as crianças aquilo que elas querem aprender, dando-lhes voz nas
escolhas, desde os grandes temas que orientam os projetos de trabalho, até mesmo aqueles que
norteiam o planejamento mais pontual, ocasião dos planos de aula e as sequências didáticas;
▪ Apresentar uma didática em que se aproximem exercícios de alfabetização daqueles
inerentes à aquisição de linguagem musical;
▪ Exercitar a criatividade das crianças, ao lidarem com elementos da linguagem e o
letramento musical;
▪ Promover o acesso a produtos culturais de valor (canções), que representem a
identidade do país;
▪ Propiciar o acesso a diferentes estilos musicais, o que muitas vezes não ocorre no
ambiente familiar;
90
▪ Refletir, com as crianças, sobre questões estéticas, éticas, políticas, que se relacionam
às canções apresentadas, de modo a se estimularem narrativas verbais, visuais, dramáticas e
outras linguagens, capazes de ressignificar o vivido.
Cumpre ressaltar, aqui, a necessidade de as crianças estarem sempre em movimento,
seja dançando com a canção, seja fazendo ritmos corporais, dentre outras dinâmicas inerentes
à estimulação musical.
A seguir, em um esforço de articular conceitos expostos ao longo desta pesquisa, com
destaque à metodologia de alfabetização com textos (método global), importância da concepção
de enunciado, letramento e a natureza do gênero canção, apresento uma proposta de sequência
didática, com o título “Uma canção para a bailarina...”, que irá adquirir características de uma
unidade didática (capítulo), tal como verificamos nos livros adotados pelos docentes nas rotinas
pedagógicas.
A seguir, em um esforço de articular conceitos expostos ao longo desta pesquisa, com
destaque à metodologia de alfabetização com textos (método global), importância da concepção
de enunciado, letramento e a natureza do gênero canção, toma forma uma proposta de sequência
didática, com o título “Uma canção para a bailarina...”, que irá adquirir características de uma
unidade didática (capítulo), tal como verificamos nos livros adotados pelos docentes nas rotinas
pedagógicas.
De todos os conceitos analisados nos capítulos deste estudo, merece destaque a audiação
(GORDON, 1997), uma vez que esta aparecerá em todos os módulos da sequência. Tal atitude
musical, como demonstrarei nas atividades propostas, coincide com o que fazemos ao ouvir,
falar, ler ou escrever um enunciado linguístico. Vale afirmar que não se trata de um plano de
aula, muito embora haja uma intrínseca relação entre ambos (sequência didática e plano de
aula). Importante frisar que cada módulo poderá requerer vários encontros, dependendo do
andamento da turma.
Também é relevante, nas rotinas concernentes à sequência didática, que, pelo menos ao
término de cada módulo, seja efetuada uma avaliação do processo, preferencialmente
registrada. Tal expediente sinaliza para aquilo que deu certo e deve ser mantido, leva à revisão
ou ao descarte de procedimentos que não funcionaram, enfim possibilita diagnosticar as
respostas – individual e coletiva – dadas às propostas, de maneira a seguir em frente, sempre
mirando o objetivo geral, que vem a ser o aprofundamento do gênero escolhido como carro
chefe da SD, neste caso, a canção. É importante ter em mente o diagrama ilustrado na Figura 2
(p. 85), que orientou a estruturação das atividades criadas.
91
Em homenagem às mulheres da Educação Básica, maioria nas classes de alfabetização,
utilizo o termo “professora” nos enunciados da unidade didática criada.
Conforme as proposições de Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), a sequência tem início
com a apresentação da situação (p. 95): a proposição (para os alunos) de fazerem uma canção
para uma bailarina (tema escolhido por eles). Alguns estímulos são apresentados: a provável
visita da profissional e a possibilidade de esta dançar a canção criada pelos alunos.
Supondo que tenham aceito, na sequência é proposta a produção inicial (p. 95), um
desafio para as crianças, pois deverão criar uma canção (letra e melodia), de modo espontâneo,
intuitivo, com poucos recursos, além da foto da unidade didática e possíveis intervenções da
professora, que deverá gravar, com o auxílio do celular ou de outro aparelho eletrônico, as
primeiras canções, especialmente as letras. Diversas linhas na unidade didática foram
designadas para os alunos redigirem, cada um a seu modo, as composições – a produção escrita.
De posse deste material, além do áudio, a professora terá como diagnosticar o
desempenho verbal de cada um, formando um panorama da turma. Um aspecto relevante será
a possibilidade de comparar as gravações com as produções escritas, o que tornará o olhar
pedagógico mais atento às hipóteses infantis relativas à redação dos enunciados criados para a
bailarina. Por ser um material didático destinado ao primeiro ano do Ensino Fundamental, é
provável que as crianças não estejam alfabetizadas. Deste modo, a maioria dos exercícios foram
estruturados com o objetivo de, por um lado promoverem experiências significativas com a
canção e, por outro, serem apresentados textos orais e escritos, cujas palavras (e análise das
mesmas) possam se incorporar ao repertório linguístico das crianças. Os gêneros apresentados
a elas nos módulos servirão como ferramentas pedagógicas que atuarão no sentido de promover
situações comunicativas reais, sempre buscando a interface entre alfabetização e aspectos da
linguagem musical. Deste modo, a professora atuará na direção de estimular significativamente
as produções escritas dos discentes.
O módulo 1 (p. 97) centra-se no gênero entrevista em vídeo, sugerindo (e simulando) a
visita de uma bailarina à classe, para apresentar-se em um recital. Mais uma vez, a professora
agirá como escriba, anotando, previamente, as perguntas formuladas pelas crianças para
conduzir a entrevista, cujo texto final terá dois suportes básicos: o digital (telas de vídeo) e o
físico (caderno da professora e registros das crianças). Como proposta de produção escrita, há
ainda uma composição que conta com o desenho e a colagem. A escrita a partir das letras do
próprio nome é um expediente bastante usado em alfabetização, relacionando-se à identidade
de cada educando. Tal expediente foi contemplado em alguns exercícios com o nome da
bailarina (imaginada), Alessandra, associado ao nome da criança. Em seguida, é solicitado que
92
a criança cante, do seu jeito, soluções que obteve com o alfabeto móvel. No momento seguinte,
relacionam-se as sílabas e as semínimas (figura sonora de um tempo), com a proposição de
vários exercícios lúdicos, explorando a sonoridade e o ritmo do nome da bailarina. Estes
aspectos dizem respeito ao conceito de audiação (GORDON, 1997), experiência que permeará
toda a sequência proposta. A pausa de semínima também foi apresentada nestes breves jogos
entre sílabas e figuras de um tempo. Estas foram exploradas até mesmo representando sons de
bichos, realçando-se a ligação entre o pulso de um tempo e a sílaba. O nome da mãe da criança
foi mais uma sugestão para as brincadeiras musicais. O nexo mais forte entre o gênero entrevista
e os exercícios propostos com a semínima e sua pausa vem a ser o nome da bailarina, primeira
pergunta feita pelas crianças. A entrevista, portanto, realça a personalidade da bailarina,
contribuindo também para refletirem sobre tal profissão.
O módulo 2 (p. 100) apresenta a canção “Ciranda da bailarina”, do disco “O grande
circo místico”, de Chico Buarque e Edu Lobo (1983, f. 8). Após ouvirem (e audiarem), os
alunos são convidados a desenhar, descrevendo o que sentiram, imaginaram, lembraram, bem
como reconhecendo os instrumentos da produção musical. Nesse sentido, a professora poderá,
de forma paralela, apresentá-los às crianças, especialmente a flauta e o órgão eletrônico,
destaques na gravação. Na sequência, inserem-se conceitos musicais como pulso, melodia,
ritmo da melodia (com palmas), que serão explorados ludicamente, com o propósito de que as
crianças se apropriem da canção de Chico Buarque e Edu Lobo, até mesmo dançando. Tendo
em vista que as letras da música popular brasileira se estruturam em especial pela rima, a
professora aplicará, também, um exercício de associação entre a sonoridade da sílaba final de
“bailarina” e vários objetos da realidade, alguns cujos nomes rimam com a mesma; outros não.
Em seguida, exploram-se as letras iniciais destes nomes, de modo a buscarem novas palavras e
desenhos correspondentes. Após tal etapa, os cinco primeiros versos da canção “Ciranda da
bailarina” devem ser transcritos. Depois, os alunos, dentro de um círculo, as letras do texto que
se repetem e, dentro de um triângulo, as letras do alfabeto que não aparecem no trecho
transcrito. O exercício seguinte solicita que as crianças montem sílabas e depois as cantem.
Vale a pena lembrar a diferença entre voz falada e voz cantada, um importante aspecto para as
crianças poderem compor suas canções. A última etapa do módulo consiste em um poema
coletivo, que a professora deverá anotar em seu caderno, após a recolha de versos individuais
(criados a partir de sílabas montadas).
93
O módulo 3 (p. 104) tem início com a apreciação de uma impactante foto da bailarina
Amanda Gomes4 e dados sobre a sua carreira. As crianças formam grupos de quatro integrantes,
de modo que possam refletir sobre aspectos tanto da fotografia, quanto da própria profissão de
bailarina, somando-se todas as vivências que tiveram até o presente momento, especialmente a
visita da bailarina, o recital de dança e a apreciação da música de Chico Buarque e Edu Lobo.
Logo depois, os grupos explanarão para a turma as principais ideias da reflexão, formando um
painel integrado – gênero oral e argumentativo. Também se verifica a presença de outro gênero,
a resenha crítica, na exposição a ser feita pelas crianças, em sua espontaneidade, com os
recursos discursivos de que dispõem nesta etapa de sua formação. O exercício seguinte orienta
que elas identifiquem objetos na imagem e anotem as letras iniciais de seus nomes. Certamente,
em turmas ainda não alfabetizadas, esses exercícios exigem o auxílio da professora, dependendo
da necessidade de cada educando. Logo após serem anotadas as letras correspondentes a objetos
da fotografia, as crianças deverão, a partir delas, formar sílabas novas, e, em seguida, formarão
palavras a serem ditadas para a educadora. Tomando por base o conjunto de palavras anotadas,
frases serão formadas, a fim de estruturarem um poema (para a bailarina), a ser registrado pela
professora.
Ainda nesse módulo, uma brincadeira rítmica é apresentada, explorando sons corporais
(pés e mãos), a partir de uma representação gráfica e visual. Trata-se de um exercício de leitura,
concentração, ritmo, andamento, dentre outros aspectos audiativos, que mantém relação direta
com a noção de sílaba. Posteriormente, é apresentada uma linha horizontal, na qual cada aluno
deverá criar uma sequência rítmica, de maneira que todos possam experimentar aquela criação,
quando a professora a anotar na lousa. O exercício se torna mais complexo, no momento em
que é sugerida uma sequência em que certos pulsos são executados com pés e mãos juntos.
Brincando com os nomes próprios, pede-se que façam um diagrama rítmico para cada um deles,
associando as sílabas do nome aos sons das palmas e batidas de pés. Mais adiante, as barras
sobre e sob a linha serão substituídas pelas figuras de semínima e sua pausa correspondente. O
módulo se encerra com um exercício em que as crianças deverão escrever letras embaixo das
figuras musicais, de modo a poder cantar os fonemas, dentro daquele encadeamento rítmico.
4 Amanda Gomes é natural de Goiânia e estudou no Teatro Bolshoi, em Joinville. Aos 22 anos, é a primeira
bailarina do Balé e Ópera de Kazan/RU, elevando o nome do Brasil no cenário mundial da dança. Tendo já
conquistado as principais premiações em competições de dança, foi indicada, em 2018, ao Benois de La Danse
2018, o “Oscar” do balé, como melhor bailarina em 2017, pela sua performance no papel principal do Balé
“Esmeralda”. Disponível em: http://www.escolabolshoi.com.br/noticia/amanda-gomes-e-indicada-ao-oscar-da-
danca-na-russia Acesso em: 15 ago. 2018.
94
Seguindo as proposições de Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), a sequência didática é
encerrada com a produção final (p. 107), a saber, uma nova canção para a bailarina, um tanto
diferente da primeira, gravada pela professora, ao coletar a produção inicial. Partindo dos
versos de “Ciranda da bailarina”, retira-se a palavra “vacina”, disposta verticalmente, em forma
de cruzadinha, de modo que os alunos tenham que criar outras palavras, ou pelo menos sílabas,
dando sequência a novos quadradinhos, com letras dentro. Vale lembrar o quanto a ideia de
vacina impacta o cotidiano das crianças, gerando medo e curiosidade. Uma foto de um bebê
sendo vacinado contribui para o debate, enquanto questões relevantes são apresentadas. Em
seguida, explora-se a palavra “vacina”. Em evidente relação com a matemática, pedimos que
contem sílabas, vogais e consoantes. Retomando a semínima, as crianças são instruídas a criar
um ritmo para a mesma palavra, somada a outras três: “pereba”, “piriri” e “lombriga”. Explora-
se a sonoridade dos pés, mãos e da carteira (mãos sobre a mesa). Vale ressaltar, aqui, que não
há necessidade de se ter formação musical para auxiliar as crianças nesses exercícios que
aproximam a linguagem musical da alfabetização, muito embora seja importante que a
professora estude a sequência, no intuito de conduzir as atividades com tranquilidade e
segurança.
Neste momento, aproxima-se o término da unidade didática, durante o qual será
apreciada a valsa “Danúbio Azul”, de Johan Strauss (1867), bastante conhecida e tradicional no
contexto do balé clássico. As crianças são convidadas a dançar e cantar em vocalize e tema
sinfônico... “nã, nã, nã, nã, nã...” Após a expressão corporal, a professora anotará na lousa tudo
o que gravou no celular, bem como os registros de seu caderno, durante o percurso da sequência
didática. As crianças copiam o texto que fora estruturado a partir das contribuições individuais.
Em seguida, cada uma deverá cantar um verso e a professora, mais uma vez, gravará as vozes
entoando criações da turma. Como recomendação, um músico da cidade pode fazer um arranjo
para a canção e, por fim, os alunos devem convidar novamente a bailarina, para, desta feita,
apresentarem os versos musicais que compuseram em homenagem a ela.
A figura 3 (p. 95) contempla toda a sequência didática “Uma canção para a bailarina”,
sendo composta pelas folhas de atividades a serem utilizadas quando da realização da SD.
95
Figura 3 – Sequência didática “Uma canção para a bailarina”
Unidade didática 01: UMA CANÇÃO PARA A BAILARINA... Data:
Primeiro ano – Primeiro ciclo – Ensino Fundamental – Turma:
APRESENTAÇÃO DA SITUAÇÃO
OI, TURMINHA DO BARULHO!!
VOCÊS SABEM QUAL É O PROJETO DE NOSSA ESCOLA ESSE ANO?
ISSO MESMO! AS PROFISSÕES...
Fonte: http://nextecommerce.com.br/profissoes-futuro-tecnologia-movimenta-mercado-de-trabalho/
E QUAL FOI A PROFISSAO QUE VOCÊS ESCOLHERAM PARA ESTUDAR?
SIM!!... A BAILARINA...
O QUE ACHAM DE FAZERMOS UMA MÚSICA PARA ELA?
PODEMOS CONVIDAR UMA BAILARINA PRA NOS VISITAR!!
QUANDO ELA VOLTAR, PODE ATÉ DANÇAR A MÚSICA QUE FIZEMOS...
VOCÊS TOPAM??
Unidade didática 01: UMA CANÇÃO PARA A BAILARINA... Data:
PRODUÇÃO INICIAL
OLÁ, AMIGUINHOS DO PRIMEIRO ANO!
VOCÊS SE LEMBRAM DO PROFISSIONAL QUE ESCOLHEMOS PARA ESTUDAR?
ISSO MESMO... A BAILARINA!
Fonte: https://www.pinterest.com.mx/pin/368239707024274037/
96
NESSE ENCONTRO, QUEREMOS PEDIR A VOCÊS QUE CRIEM UMA CANÇÃO
PARA ELA...
ALGUNS AMIGUINHOS PODEM DIZER: “EU NÃO SEI FAZER MÚSICA”... TUDO
BEM, NÓS ENTENDEMOS... O QUE ESTAMOS PEDINDO É QUE TENTEM, DO
JEITINHO DE CADA UM.
DEPOIS A PROFESSORA (OU PROFESSOR) VAI GRAVAR NO CELULAR A
CANÇÃO QUE VOCÊ FEZ. NÃO SE PREOCUPE COM O RESULTADO... VAI SER
BEM LEGAL E ENGRAÇADO... A TURMA VAI OUVIR O QUE SAIU... QUEM NÃO
QUISER QUE TODOS ESCUTEM, TUDO BEM...
NO ESPAÇO ABAIXO, ESCREVA DO SEU JEITO A LETRA DA CANÇÃO QUE FEZ
PARA A BAILARINA...PODE DESENHAR TAMBÉM... TENTE CANTAR...
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Unidade didática 01: UMA CANÇÃO PARA A BAILARINA... Data:
Módulo 1 (entrevista)
OLÁ, TURMINHA DO PRIMEIRO ANO...
HOJE TEMOS UMA VISITA! ADIVINHEM QUEM É!!
ACERTARAM... É A BAILARINA!!!
ELA VAI DANÇAR PRA GENTE!
...........................................................................................................................................
RECITAL DE DANÇA
Fonte: https://www.allposters.com.br/-sp/Bailarinas-de-Azul-c-1895-posters_i1347260_.htm
..........................................................................................................................................
VAMOS FAZER UMA ENTREVISTA COM A BAILARINA?
ENTÃO NÓS PRECISAMOS PREPARAR AS PERGUNTAS...
O QUE PODEMOS PERGUNTAR? UM DE CADA VEZ...
A PROFESSORA ANOTARÁ TODAS AS PERGUNTAS NO CADERNO.
AGORA VAMOS FILMAR A ENTREVISTA...
GRAVANDO!...
COMO VOCÊ SE CHAMA?
QUE TIPOS DE MÚSICAS VOCÊ GOSTA DE DANÇAR?
DE QUEM É A MÚSICA QUE VOCÊ DANÇOU?
DÓI MUITO QUANDO VOCÊ ENSAIA E FICA NA PONTA DO PÉ?
QUAL A SUA CANÇÃO FAVORITA?
QUANTOS ANOS VOCÊ TINHA QUANDO COMEÇOU A DANÇAR?
CONTA PRA GENTE COMO É A PROFISSÃO DE BAILARINA.
98
NO ESPAÇO ABAIXO, FAÇA UMA COMPOSIÇÃO PARA A BAILARINA, COM
DESENHOS, LETRAS E OUTRAS COISAS QUE QUISER COLAR!
A BAILARINA ESCREVEU O NOME DELA NA LOUSA... ALESSANDRA
ESCREVA COM LETRAS BEM GRANDES O NOME DELA E EMBAIXO O SEU
NOME.
LIGUE COM UM TRAÇO AS LETRAS QUE APARECEM NO NOME DA BAILARINA
E NO SEU TAMBÉM... SE NÃO TIVER NENHUMA LETRA NO SEU NOME IGUAL
AO DA BAILARINA, DESENHE UMA CARINHA DE CHATEADO!
AGORA, ESCREVA AS LETRAS DO SEU NOME QUE NÃO APARECEM NO NOME
ALESSANDRA
99
COM O ALFABETO MÓVEL, BRINQUE COM AS LETRAS DA PALAVRA
ALESSANDRA... MUDE A ORDEM, TIRE LETRAS, FAÇA FIGURAS... ESCOLHA A
MAIS LEGAL... E COPIE NO ESPAÇO ABAIXO... TENTE CANTAR O QUE
ESCREVEU!
Fonte: http://www.pianissim.com/
CONTE AS SÍLABAS DO NOME ALESSANDRA... QUANTAS SÃO?
AGORA, TROQUE AS SÍLABAS PELA FIGURA (SEMÍNIMA) E ESCREVA O
NOME DELA SOMENTE COM SEMÍNIMAS...
FAÇA O MESMO COM SEU NOME...
QUE LEGAL!... AGORA JUNTE OS NOMES... QUANTAS SÍLABAS FICARAM?
A SEMÍNIMA REPRESENTA UMA NOTA MUSICAL DE UM TEMPO... A PAUSA
DELA É ASSIM: (UM SILÊNCIO DE UM TEMPO...PARECE UM Z COM UM C
DEBAIXO) DESENHE A PAUSA...
VAMOS MISTURAR AS SEMÍNIMAS DO NOME DA BAILARINA COM PAUSAS?
FICOU ASSIM:
VAMOS CANTAR: nã, nã, nã, nã... nã, nã, nã, nã... nã, nã, nã, nã...
OU ENTÃO: tu, tu, tu, tu... tu, tu, tu, tu... tu, tu, tu, tu...
AGORA INVENTE UM SOM PARA A SEMÍNIMA... O QUE VOCÊ QUISER...
100
ATÉ VOZ DE BICHO!! ...
COM O SOM DA VOGAL A, DO NOME ALESSANDRA E PAUSAS, VAMOS BRINCAR...
a, a ... ... a, a ... ... a, a ... ... a, a ... ...
AGORA COM O SOM DA CONSOANTE S...
s, s ... ... s, s ... ... s, s ... ... s, s ... ...
NO ESPAÇO ABAIXO, INVENTE UMA SEQUÊNCIA COM SEMÍNIMAS E PAUSAS
PARA O BRUNO TOCAR
Violinista Bruno Santos
Fonte: http://bahianalupa.com.br/notas-que-transformam/
QUE LEGAL, AMIGO!...
AGORA, PEDIMOS UMA FRASE COM SEMÍNIMAS E PAUSAS PARA O NOME DE
SUA MÃE, POR EXEMPLO... SE ELA SE CHAMAR ALICE... TEM 3 SÍLABAS:
AGORA VOCÊ... COM O NOME DE SUA MÃE... TROQUE POR SEMÍNIMAS... E
PAUSAS...
Unidade didática 01: UMA CANÇÃO PARA A BAILARINA... Data:
Módulo 2 (canção)
OLÁ, AMIGUINHOS!
VAMOS OUVIR UMA BELA CANÇÃO?
QUEM COMPÔS FOI CHICO BUARQUE E EDU LOBO, GRANDES MÚSICOS
BRASILEIROS... VAMOS FECHAR OS OLHOS...
TÍTULO DA MÚSICA: CIRANDA DA BAILARINA, DISCO: O GRANDE CIRCO
MÍSTICO
Https://www.youtube.com/watch?v=dkJjRcPeFsg
101
Fonte: (Buarque; Lobo, 1983)
NA RODA DE CONVERSA, CONTE O QUE VOCÊ SENTIU, LEMBROU, PENSOU,
IMAGINOU... E OS INSTRUMENTOS QUE RECONHECEU, OUVINDO A CANÇÃO...
AGORA PEDIMOS PARA VOCÊ DESENHAR TUDO ISSO NO ESPAÇO ABAIXO
VAMOS CANTAR A MELODIA SEM A LETRA... NÃ, NÃ, NÃ, NÃ, NÃ....
COM OS PÉS, VAMOS ACHAR O PULSO DA MÚSICA... TUM... TUM...
AGORA CANTAREMOS A MELODIA SEM LETRA, BATENDO OS PÉS...
VAMOS IMITAR A MELODIA COM PALMAS... E VAMOS DANÇAR...
..........................................................................................................................................
VAMOS BRINCAR DE RIMAS?
COPIE DO TEXTO A PALAVRA BAILARINA...
102
CIRCULE AS FIGURAS ABAIXO QUE TÊM OS NOMES RIMANDO COM
BAILARINA...
ESCREVA A LETRA INICIAL DE CADA IMAGEM EMBAIXO DELA...
VAMOS BRINCAR COM OS SONS DESSAS LETRAS?...
DESENHE ABAIXO OUTRAS FIGURAS QUE COMEÇAM COM ESSAS LETRAS...
ABAIXO, TEMOS OS PRIMEIROS VERSOS DA CANÇÃO CIRANDA DA
BAILARINA... ESCREVA DENTRO DO CÍRCULO AS LETRAS REPETIDAS....
E DENTRO DO TRIÂNGULO AS LETRAS QUE NÃO APARECERAM NA CANÇÃO...
USE O ALFABETO MÓVEL...
PROCURANDO BEM
TODO MUNDO TEM PEREBA
103
MARCA DE BEXIGA OU VACINA
E TEM PIRIRI, TEM LOMBRIGA, TEM AMEBA
SÓ A BAILARINA QUE NÃO TEM
JUNTE LETRAS DO CÍRCULO COM LETRAS DO TRIÂNGULO E FORME
SÍLABAS NOVAS... DEPOIS CANTE...
TENTE FAZER UM VERSO USANDO A PALAVRA BAILARINA E OUTRAS QUE
RIMAM OU NÃO... A PROFESSORA VAI ANOTAR NO CADERNO DELA... DEPOIS
VAI JUNTAR TODOS OS VERSOS DA TURMA... FAREMOS UM POEMA LINDÃO...
104
Unidade didática 01: UMA CANÇÃO PARA A BAILARINA... Data:
Módulo 3 (painel – gênero oral e argumentativo, resenha oral)
AMIGUINHOS, VEJAM ABAIXO NOSSA BAILARINA AMANDA GOMES,
APRESENTANDO-SE NO TEATRO BOLSHOI, EM MOSCOU, NO ANO DE 2017. ELA
TEM 22 ANOS, COMEÇOU A DANÇAR COM SETE. GANHOU MUITOS PRÊMIOS E
VENCEU OS FESTIVAIS MAIS DIFÍCEIS DO MUNDO DA DANÇA.
Fonte: http://www.patrialatina.com.br/diante-de-putin-brasileira-vence-competicao-de-bale-em-mosco/
FORMEM GRUPOS DE QUATRO AMIGOS... COMENTEM O QUE VOCÊS
ACHARAM DA FOTOGRAFIA...
CORES, MOVIMENTOS, SENSAÇÕES... ESCUTE O QUE CADA UM PENSA
DE SER BAILARINO... LEMBREM-SE DE TUDO O QUE VIRAM ATÉ AQUI...
DEPOIS OS GRUPOS SERÃO CONVIDADOS A APRESENTAREM SUAS IDEIAS
PARA A TURMA...
...................................................................................................................................
ESCREVA ABAIXO LETRAS DE FIGURAS QUE VOCÊ VÊ NA FOTOGRAFIA...
FORME NOVAS SÍLABAS COM ESSAS LETRAS... VAI FICAR LEGAL!
COM AS SÍLABAS ANOTADAS... FALE PALAVRAS NOVAS QUE VÃO SURGIR
DELAS... PARA A PROFESSORA ANOTAR NO CADERNO DELA...
105
VAMOS JUNTAR TODAS AS PALAVRAS QUE OS COLEGAS FALARAM...
NA LOUSA, A PROFESSORA VAI ANOTAR AS PALAVRAS... E AÍ VOCÊS CRIAM
FRASES NOVAS COM ESSAS PALAVRAS... MAIS UM POEMA PARA A
BAILARINA!
..........................................................................................................................................
UMA BRINCADEIRA NOVA!!... OLHE A FIGURA ABAIXO:
NOS TRAÇOS DE CIMA, BATEMOS AS MÃOS... NOS DEBAIXO, OS PÉS...
AÍ VAI FICAR UM SOM MAIS OU MENOS ASSIM:
PÁ, PÁ, TUM, PÁ, PÁ,TUM, TUM, TUM, TUM, PÁ, PÁ, PÁ,TUM,TUM, PÁ, TUM, PÁ,
PÁ, TUM, TUM, PÁ, TUM, PÁ, PÁ, PÁ!!
QUE LEGAL! VAMOS DE NOVO, A TURMA TODA JUNTA... UHUUU!...
AGORA, NA LINHA DEBAIXO, COLOQUE TRAÇOS EM CIMA E EMBAIXO, COMO
QUISER E DEPOIS FAÇA O EXERCÍCIO... COM PALMAS E PÉS...
AGORA A PROFESSORA VAI ESCOLHER UM AMIGO PARA FAZER NA LOUSA
UMA SEQUÊNCIA RÍTMICA PARA TODO MUNDO BRINCAR JUNTO... COPIE
VAMOS DEIXAR MAIS ENGRAÇADO!... MÃOS COM PÉS JUNTOS...EM ALGUMAS
BATIDAS...
VICHE!.... VAMOS DE NOVO....
106
COM AS SÍLABAS DE SEU NOME COMPLETO, CRIE UMA SEQUÊNCIA COM
PALMAS E PÉS...
POR EXEMPLO: PATRÍCIA SANTOS PEREIRA
FICOU ASSIM: pá, pá, tum, pá, tum, tum, pá, tum
AGORA, ESCREVA SEU NOME COMPLETO, DEPOIS DEBAIXO DELE, COLOQUE
OS RISCOS PARA PALMAS E PÉS... NAQUELA RETA ALI EMBAIXO
COMO FICOU O RITMO?
QUE LEGAL!!
LEMBRAM DA SEMÍNIMA? ( ) E DA PAUSA DELA? ( )
VAMOS TREINAR...
PALMAS
____________________________________
PÉS
ESCREVA LETRAS DEBAIXO DAS FIGURAS MUSICAIS
AGORA CANTE AS LETRAS...
107
Unidade didática 01: UMA CANÇÃO PARA A BAILARINA... Data:
Produção final (canção para a bailarina)
VAMOS BRINCAR COM A PALAVRA VACINA DA CANÇÃO CIRANDA DA
BAILARINA... A PARTIR DAS LETRAS DENTRO DOS QUADRADINHOS, CRIE
OUTRAS PALAVRAS... OU SÍLABAS... DESENHE OUTROS QUADRADINHOS
Fonte: AFRICASTUDIO/SHUTTERSTOCK
V
A
C
I
N
A
QUEM TEM MARCA DE VACINA AÍ?
CONTE QUANTOS AMIGOS TÊM MARCA...
QUEM TEM MEDO DE VACINA? A PROFESSORA VAI EXPLICAR MUITAS COISAS
SOBRE ISSO.... COMO É IMPORTANTE A GENTE SE VACINAR... ATÉ A
BAILARINA... TEMOS VACINA COM INJEÇÃO E TAMBÉM DE GOTINHA...
QUANTAS LETRAS TEM A PALAVRA VACINA?
QUANTAS SÍLABAS?
QUANTAS VOGAIS?
QUANTAS CONSOANTES?
108
AGORA VAMOS CRIAR UM RITMO PARA VACINA... E MAIS TRÊS PALAVRAS
DA CANÇÃO CIRANDA DA BAILARINA...
(CANTANDO) VACINA ... PEREBA ... PIRIRI ... LOMBRIGA ...
(SÓ COM OS PÉS)
(SÓ COM AS MÃOS)
(NA CARTEIRA)
QUE LEGAL!!!
............................................................................................................................................
AMIGUINHOS, CHEGOU A HORA DE TERMINAR A CANÇÃO QUE FAREMOS
PARA A BAILARINA...
VAMOS OUVIR O DANUBIO AZUL, DE JOHANN STRAUSS, DE 1867. UMA VALSA
MUITO APRESENTADA NOS BALÉS DO MUNDO INTEIRO...
Link: https://www.youtube.com/watch?v=Jcqg7_94wQc
(ORQUESTRA FILARMÔNICA DE VIENA)
VAMOS DANÇAR? NÃ, NÃ, NÃ, NÃ!...
A PROFESSORA ANOTOU NO CADERNO E NO CELULAR
NOSSOS VERSOS...
AGORA VAI ESCREVER NA LOUSA...
TODOS COPIAM O POEMA DA TURMA...
AGORA QUE OUVIMOS A ORQUESTRA, CHEGOU NOSSA VEZ...
CADA COLEGA NA SALA VAI CANTAR UM VERSO... TREINA AÍ, TURMINHA!
QUANDO VOCÊS FALAREM: “PODE GRAVAR!”, A PROFESSORA VAI PASSAR DE
CARTEIRA EM CARTEIRA... GRAVANDO SUA VOZ CANTANDO O VERSO...
PUXA!... O QUE SERÁ QUE VAI SAIR?...
ESTAMOS CURIOSOS!!... PROFESSORA... QUEREMOS OUVIR!!
QUANDO A BAILARINA VOLTAR, VAMOS CANTAR PARA ELA...
TURMINHA, CONVIDEM UM MÚSICO DA CIDADE PARA FAZER UM ARRANJO
MUSICAL, COM VIOLÃO, PIANO E OUTROS INSTRUMENTOS... FICARÁ LINDO!!
Fonte: Acervo de sequências didáticas da pesquisadora
109
5.4 Algumas reflexões sobre as atividades da sequência didática
Dentre os mais diversos nexos entre a alfabetização e a linguagem musical, uma
importante relação que se evidencia vem a ser a da sílaba e a figura sonora da semínima –
–. Quando a criança está aprendendo a ler, reproduz vocalmente seu esforço através de
impulsos que coincidem com pulsos musicais de um tempo. Esta relação inicial entre sílaba e
semínima foi bastante explorada na sequência (unidade) didática proposta, nos jogos que
sugerimos. Depois que se torna um leitor fluente, vale ressaltar, a criança se libertará da leitura
semelhante aos pulsos e buscará o ritmo da língua tal como se realiza na fala, o que significa
que articulará outras figuras de som, além da semínima, como a colcheia, o que foi verificado
nos primeiros versos da partitura de “Ciranda da Bailarina”, de Chico Buarque e Edu Lobo
(1983, f. 8): “Pro/cu/ran/do/ bem, to/do/ mun/do/ tem/ pe/re/ba”. [Ritmicamente temos: Quatro
colcheias, uma semínima, seis colcheias, duas semínimas].
Uma canção como esta, além de ter grande riqueza vocabular, de modo a facilitar o
ensino das primeiras letras, tem uma temática ampla, discutindo, dentre outros assuntos, as
diferenças e privilégios sociais implícitos na figura da bailarina virtuosa e performática e assim
por diante, o que torna aquela obra muito recomendável, assim como tantas outras canções de
nossos artistas. Merece destaque, sobretudo, a qualidade da produção musical do disco “O
Grande Circo Místico”, dos referidos músicos, o que propicia emoções estéticas para as
crianças, de modo a se tornarem narrativas e releituras orais, escritas, desenhadas, dançadas.
Abaixo, a letra completa da canção em estudo “Ciranda da Bailarina”:
Procurando bem
Todo mundo tem pereba
Marca de bexiga ou vacina
E tem piriri, tem lombriga, tem ameba
Só a bailarina que não tem
E não tem coceira
Verruga nem frieira
Nem falta de maneira
Ela não tem
Futucando bem
Todo mundo tem piolho
Ou tem cheiro de creolina
Todo mundo tem um irmão meio zarolho
Só a bailarina que não tem
Nem unha encardida
Nem dente com comida
110
Nem casca de ferida
Ela não tem
Não livra ninguém
Todo mundo tem remela
Quando acorda às seis da matina
Teve escarlatina
Ou tem febre amarela
Só a bailarina que não tem
Medo de subir, gente
Medo de cair, gente
Medo de vertigem
Quem não tem
Confessando bem
Todo mundo faz pecado
Logo assim que a missa termina
Todo mundo tem um primeiro namorado
Só a bailarina que não tem
Sujo atrás da orelha
Bigode de groselha
Calcinha um pouco velha
Ela não tem
O padre também pode até ficar vermelho
Se o vento levanta a batina
Reparando bem, todo mundo tem pentelho
Só a bailarina que não tem
Sala sem mobília
Goteira na vasilha
Problema na família
Quem não tem
Procurando bem
Todo mundo tem (BUARQUE; LOBO, 1983, f. 8).
111
Figura 4 – Partitura da canção “Ciranda da Bailarina”
Fonte: Superpartituras5.
Outras leituras podem dialogar com o gênero canção, nas rotinas pedagógicas: livros
como os que fazem parte do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) – obras
complementares, bem como outras canções, dos mais diversos estilos, no cantinho de leitura,
5 Disponível em: http://www.superpartituras.com.br/chico-buarque/ciranda-da-bailarina. Acesso em: 01 ago.
2018.
112
na biblioteca e grandes espaços escolares. Assim, as crianças podem escolher atividades de
leitura, aquilo que já conseguem ler, ou pelo menos que as agrade. Sugiro apresentar a letra da
música pelo chão da sala, deixando que as crianças se organizem para que a leitura seja
individual, em dupla ou grupo. Dessa forma, é válido afirmar que trabalhar com sequência
didática é dar voz às crianças, sujeitos da aprendizagem, aquelas com quem o professor deve
ter compromisso de educação de qualidade. A leitura tranquila e clara do educador, mesmo
dramatizada, se revela essencial, inclusive para a memorização da letra das canções pelas
crianças que, deste modo, operam com um texto oral, produto cultural de valor.
Para além do que foi apresentado na unidade didática proposta, muitas atividades
poderão ser propostas, não o fizemos pelo limite desta pesquisa. Os versos servem de motivação
para produção escrita livre, listagens, jogos com vogais e consoantes (como dominós e outros),
analogias entre as letras presentes na canção e as relações que mantêm com o alfabeto, dentre
tantas possibilidades didáticas.
As crianças se sentem valorizadas quando conseguem realizar atividades sozinhas, com
autonomia. Dessa forma é preciso que tentem interpretar as canções, movimentar-se
corporalmente, buscar narrativas de diversas linguagens, construir instrumentos e releituras,
como as paródias, etc, para, assim, participar audiativamente da canção.
113
vi
114
VOU-ME EMBORA, PRENDA MINHA, TENHO MUITO QUE FAZER... PEQUENAS
CONSIDERAÇÕES DE UMA PROFESSORA ALFABETIZADORA
Para fazer alguns apontamentos conclusivos sobre este trabalho, preciso pontuar,
primeiramente, que houve grande aprendizado. Compreender as relações entre alfabetização, gêneros
textuais e linguagem musical é perceber (e acreditar) que o ensino também pode acontecer em momentos
alegres, lúdicos e significativos. À medida que os capítulos foram se desenvolvendo, analisei essas
relações, culminando com uma sequência didática planejada segundo as proposições de Dolz, Noverraz
e Schneuwly (2004), de modo que o trabalho se tornou muito relevante para minha formação. A partir
daquele fechamento, inferi novas hipóteses e possibilidades de ensino que não caberiam na pesquisa,
devido à limitação de linhas, expandindo as atividades com a linguagem musical e a alfabetização –
destaque para os jogos rítmicos. Compreendo que uma proposta de ensino expressiva e formadora pode
promover a alfabetização; o letramento, em suas diversas realizações, possibilita os encontros de
metodologias alfabetizadoras com aspectos pedagógicos da expressão musical, e a aproximação teórica
de conceitos-chave, de imenso valor para esta investigação, tais como a audiação – escuta atenta que
reflete as emoções estéticas musicais – e o enunciado – portador do vivido, espelho materializado das
experiências sociais.
Ao apresentar os métodos históricos de alfabetização, incluindo alguns procedimentos com os
quais não concordo, por experiência pessoal, reconheço a contribuição que cada um deles trouxe para
sua época, e como podem ser ressignificados, principalmente em relação ao papel dos sons nas
abordagens dos mesmos.
Minha proposta de alfabetizar com a canção não inaugura nenhuma forma de ensino, apenas
reforça a importância de investirmos nessa direção, o que tenho feito, como pesquisadora e docente. Em
2015, lecionava em uma escola da rede estadual de ensino, turma de 5º ano, composta por 14 alunos.
Destes, oito não eram alfabetizados e todos, pouco letrados. No apoio pedagógico, levava as crianças e
adolescentes para debaixo das árvores, pois não havia salas desocupadas e sempre que íamos para o
laboratório de informática ou biblioteca, éramos interrompidos e convidados a nos retirar. Então pensei
que era melhor usar a grama como cadeira, a árvore como sombra e versos de músicas como objetos de
ensino da língua: encontrar as vogais, ordenar as consoantes presentes, registrar as letras repetidas,
reconhecê-las com círculos nas estrofes, dentre tantas práticas voltadas para a produção escrita. Foi um
tempo de duras e ricas experiências, que me fizeram crescer muito.
Com o passar do tempo, foram se tornando perceptíveis as aquisições dos alunos, embora
entendesse que a música não era a salvação do mundo e do analfabetismo. Nessa mesma escola e ano,
trabalhei com sequências didáticas semelhantes à que elaborei para a presente pesquisa, repletas de
brincadeiras rítmicas e melódicas. Sinto saudades desses meninos e meninas, de comportamentos tão
difíceis, que pouco me respeitavam ou obedeciam e, ainda assim – ou talvez por isso – tanto ensinaram.
115
Preciso aqui dizer que um trabalho como aquele somente poderá ocorrer em uma escola cuja gestão
confie na proposta e deixe o docente lecionar com autonomia.
A sequência didática, conforme a apresentei, considera os saberes prévios dos alunos e os utiliza
como ferramenta de ensino. A partir disto, o professor planeja suas ações, respeitando a individualidade
de cada um, que aprende com o que sabe aquilo que não viu, revisando o que já compreende. Assim,
trabalhar com a alfabetização é sempre desafiador, especialmente quando utilizamos um texto que
instiga a curiosidade e vontade de aprender. A aprendizagem é parte do universo da criança, quando
acontece de maneira significativa e repleta de construções, seja no sentido textual ou musical.
O percurso da pesquisa, reafirmo, foi essencial para que eu compreendesse a importância da
canção como objeto de ensino da língua. Um exemplo disso vem a ser a relação do pulso de uma
semínima com a pronúncia de uma sílaba, na fase de aquisição de leitura. Muito outros eu poderia
enunciar, além daqueles que ainda não foram sequer pensados, uma vez que investigar aspectos teóricos,
estéticos, metodológicos, envolvidos na interface alfabetização e ensino musical se constitui, a meu ver,
um grande veio de pesquisa.
Espero que o esforço feito por mim possa, de alguma maneira, contribuir para as reflexões sobre
as práticas e metodologias levadas adiante pelos professores e professoras em sala de aula, tornando as
rotinas menos arbitrárias e áridas. As crianças são únicas e aprendem cada uma a sua maneira. A
aprendizagem significativa pode estar presente em diversas formas de ensinar, para isto, é essencial que
as atividades façam sentido para o universo infantil. Neste cenário, a música, que além de som, é letra,
movimento, alegria, motivação, constitui-se cultura da infância. Uma vez que seja considerada, teremos
o mundo das crianças também considerado.
Por fim, é possível concluir que a alfabetização é processo contínuo, mesmo que depois da
apropriação plena dos primeiros textos, os estudiosos chamem este processo de letramento. Arrisco-me
a dizer que não há um sem o outro, alfabetização é processo de uma vida inteira. As práticas efetivas,
com significado formador para os alunos, podem lançá-los rumo a uma condição de escritores-leitores,
portanto autônomos, autores de si.
Vou-me embora, leitores, tenho (temos) muito o que fazer! Há um mundo luminoso de canções
a serem garimpadas para a formação das crianças; sabemos o quanto este gênero pode contribuir... o que
me anima a seguir adiante, como educadora, pesquisadora e amante da música.
116
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