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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE GEOCIÊNCIA DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA JUAREZ SOUZA LIMA ESTUDO INTEGRADO DA PAISAGEM, GEOMORFOLOGIA E GEOTECNOLOGIAS: PROPOSTA DE AUTOMATIZAÇÃO DOS ÍNDICES DE DISSECAÇÃO DO RELEVO. SALVADOR 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

INSTITUTO DE GEOCIÊNCIA

DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA

JUAREZ SOUZA LIMA

ESTUDO INTEGRADO DA PAISAGEM,

GEOMORFOLOGIA E GEOTECNOLOGIAS: PROPOSTA

DE AUTOMATIZAÇÃO DOS ÍNDICES DE DISSECAÇÃO

DO RELEVO.

SALVADOR

2018

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

INSTITUTO DE GEOCIÊNCIA

DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA

ESTUDO INTEGRADO DA PAISAGEM,

GEOMORFOLOGIA E GEOTECNOLOGIAS: PROPOSTA

DE AUTOMATIZAÇÃO DOS ÍNDICES DE DISSECAÇÃO

DO RELEVO.

JUAREZ SOUZA LIMA

Trabalho de conclusão de curso

apresentado ao colegiado do Curso de

Bacharelado em Geografia como requisito parcial

à obtenção do título de Bacharel em Geografia.

Orientador: Prof. Dr., Marco Antônio Tomasoni

SALVADOR

2018

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, pelo incentivo aos estudos;

Ao meu orientador, pela disponibilidade e paciência que teve durante todo o

processo.

À Ticiane Oliveira pela colaboração, incentivo e paciência.

Ao colegiado de Geografia pela atenção e colaboração.

À companhia dos colegas de curso;

Aos que contribuíram direta ou indiretamente para que esta conquista fosse

possível, meu muito obrigado!

RESUMO

A Teoria Geral dos Sistemas influenciou o pensamento científico no mundo

colaborando com o surgimento de novos campos científicos e modernização de outros.

A geografia, a pesar de já carregar princípios sistêmicos em determinados ramos desde a

sua formalização como ciência no século XIX, também passou por renovação

epistemológica e metodológica após os postulados de Bertalanfy (1955). Os estudos de

geomorfologia, bacias hidrográficas e a categoria de análise paisagem, representam o

desenvolvimento que a ciência geográfica passou após 1945 influenciadas pela TGS.

Aliado a isso, as geotecnologias desenvolvidas a partir do mesmo período contribuíram

mais ainda com os estudos geográficos, os Sistemas de Informações Geográficas e o

Sensoriamento Remoto representam esse desenvolvimento. A evolução dessas

tecnologias permitem aos geógrafos avançarem cada vez mais no desenvolvimento de

novas ferramentas e automatização de procedimentos que por hora eram realizados

manualmente demandando tempo e até mesmo dados imprecisos. Este trabalho

apropria-se dessas geotecnologias para apresentar uma proposta de automatização dos

índices de dissecação do relevo baseada em análises espaciais sobre um Modelo Digital

de Elevação. A metodologia teve seus resultados classificados de acordo com proposta

de Ross (1996), na qual o autor utiliza duas variáveis morfométricas (grau de

entalhamento dos vales x comprimento médio dos interflúvios) para determinar índices

de dissecação do relevo, e aplicadas na sub-bacia hidrográfica do rio Jacutinga que

compõe a bacia hidrográfica do rio Jequiriçá - BA.

Palavras chaves: sistemas; geomorfologia; sistema de informação geográfica;

dissecação; Teoria Geral dos Sistemas

RESUMEN

La Teoría General de los Sistemas influenció el pensamiento científico en el mundo

colaborando con el surgimiento de nuevos campos científicos y modernización de otros.

La geografía, a pesar de ya llevar principios sistémicos en determinadas ramas desde su

formalización como ciencia en el siglo XIX, también pasó por renovación

epistemológica y metodológica tras los postulados de Bertalanfy (1955). Los estudios

de geomorfología, cuencas hidrográficas y la categoría de análisis paisaje, representan

el desarrollo que la ciencia geográfica pasó después de 1945 influenciadas por la TGS.

Al mismo tiempo, las geotecnologías desarrolladas a partir del mismo período

contribuyeron más aún con los estudios geográficos, los Sistemas de Información

Geográfica y la Teledetección representan ese desarrollo. La evolución de estas

tecnologías permite a los geógrafos avanzar cada vez más en el desarrollo de nuevas

herramientas y automatización de procedimientos que por hora se realizaban

manualmente demandando tiempo e incluso datos imprecisos. Este trabajo se apropia de

esas geotecnologías para presentar una propuesta de automatización de los índices de

disección del relieve basado en análisis espaciales sobre un Modelo Digital de

Elevación. La metodología tuvo sus resultados clasificados de acuerdo con la propuesta

de Ross (1996), en la cual el autor utiliza dos variables morfométricas (grado de

entallado de los valles x longitud media de los interflúvios) para determinar índices de

disección del relieve, y aplicadas en la subcuenca de la cuenca hidrográfica del río

Jacutinga que compone la cuenca hidrográfica del río Jequiriçá - BA.

Palabras claves: Sistemas; geomorfología; Sistema de información geográfica;

disección; Teoría General de los Sistemas

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: perfil topográfico A - B _______________________________________________ 9

Figura 2: perfil topográfico C - D _______________________________________________ 9

Figura 3: perfil topográfico E - F _______________________________________________ 9

Figura 4: procedimento e ferramentas de SIG utilizadas para a metodologia a partir da entrada

do MDE.______________________________________________________________29

Figura 5: padrões de dissecação do relevo segundo Ross_________________________30

Figura 6: representação dos procedimentos realizados por OLIVEIRA (2010)________31

LISTA DE MAPAS

Mapa 1: localização da área de estudo ..................................................................................... 24

Mapa 2: mapa geológico da sub- bacia hidrográfica do rio jacutinga ...................................... 25

Mapa 3: hipsometria e unidades geomorfológicas da sub-bacia hidrográfica.......................... 07

Mapa 4: dissecação do relevo de acordo com a metodologia desenvolvida ............................ 32

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

SBHRJ..............................................................Sub-Bacia Hidrográfica do Rio Jacutinga

DH...................................................................................................Dissecação Horizontal

DV........................................................................................................Dissecação Vertical

MDE.......................................................................................Modelo Digital de Elevação

SIG...........................................................................Sistema de Informações Geográficas

SRTM.......................................................................Shutlle Radar Topographic Mission

TGS...........................................................................................Teoria Geral dos Sistemas

2

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 3

1.1. LOCALIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO ................................................................... 4

1.2. CARACTERIZAÇÃO GEOLÓGICA-GEOMORFOLÓGICA DA ÁREA DE

ESTUDO ................................................................................................................................ 5

2. REFERENCIAL TEÓRICO ................................................................................................. 10

2.1. A GEOMORFOLOGIA COMO ELEMENTO INTERPRETATIVO NO ESTUDO

INTEGRADO DA PAISAGEM E NO PLANEJAMENTO TERRITORIAL ..................... 18

2.2. GEOTECNOLOGIAS APLICADAS À GEOMORFOLOGIA, AO ESTUDO

INTEGRADO DA PAISAGEM E AO PLANEJAMENTO TERRITORIAL ...................... 21

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ......................................................................... 26

3.1.DEFINIÇÕES ..................................................................................................................... 26

3.2.MATERIAIS E MÉTODOS ............................................................................................... 27

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES ........................................................................................ 29

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 33

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 35

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1. INTRODUÇÃO

A Teoria Geral dos Sistemas (TGS) desenvolvida pelo biólogo Ludwig Von Bertalan-

fy a partir de 1925 colaborou com o pensamento científico no mundo, principalmente no perí-

odo pós 1945 quando a sociedade em seus diversos setores alcançou um elevado grau de

complexidade, que exigia um posicionamento diferente do meio científico, para responder as

questões emergentes desse período. O pensamento geográfico também recebeu influência da

referida teoria em seus diversos ramos, sendo o mais expressivo na Geomorfologia, estudos

em bacias hidrográficas e estudos da paisagem. Essa ciência, desde a sua sistematização pelo

geógrafo alemão Alexander Von Humboldt no século XIX, carrega parte dos princípios da

TGS através dos estudos da paisagem. Porém, é a partir da década de 1960 que os estudos

integrados da paisagem após um período de desenvolvimento epistemológico e técnico influ-

enciado, inclusive, pela TGS ganham notoriedade quando passam a ser aplicados ao planeja-

mento e as questões ambientais emergentes desse período.

A notoriedade dessa categoria de análise chega junto com o advento geotecnológico

do período em questão, que revolucionou as ciências cujo objeto de estudo é a superfície ter-

restre e seus elementos através dos sensores remotos embarcados em aeronaves e posterior-

mente em satélites. Os produtos de Sensoriamento Remoto abriram uma série de possibilida-

des para a Geografia e ciências afins. Nesse momento, influenciados pelas análises estatísticas

e espaciais cada vez mais complexas advindas da Nova Geografia, a paisagem é transposta

para os hardwares e softwares “materializando-se” na tela do computador através dos Siste-

mas de Informações Geográficas (SIG), que surgiram na década de 1960. Atualmente, os es-

tudos integrados da paisagem, em seu estado de desenvolvimento teórico, somado ao Sensori-

amento Remoto e aos Sistemas de Informações Geográficas conferem a Geografia o status de

uma ciência capaz de solucionar e prever problemas de cunho territorial e ambiental. Cabe ao

geógrafo prestar atenção a esse momento e apropriar-se conceitualmente e tecnicamente para

colaborar com o desenvolvimento e aplicação do conhecimento geográfico.

O leque de possibilidades para o estudo integrado da paisagem cresce, pois, as análi-

ses cada vez mais volumosas de dados, que até um tempo atrás eram impossíveis de serem

realizadas, não só ganham novas possibilidades, mas, evoluem à medida que as geotecnologi-

as aprimoram suas aplicações e possibilidades de uso. Uma rápida observação no site do Sim-

pósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto percebe-se que entre a primeira edição (1978) e a

última (2017), as aplicações saltaram de cinco para mais de cinquenta, concentrando a maioria

delas no âmbito da ciência geográfica. Isso permite aos geógrafos buscar através das geotec-

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nologias, procedimentos mais eficientes para tratar questões relativas aos seus diversos obje-

tos de estudo.

Este trabalho apoia-se em produtos de Sensoriamento Remoto e seu tratamento em

Sistemas de Informações Geográficas, apresentando uma metodologia para determinação dos

índices de dissecação do relevo, que são fundamentais para entendermos e cartografarmos a

dinâmica da paisagem, além de orientar racionalmente a ocupação humana da paisagem natu-

ral. Fundamenta-se na geomorfologia como elemento interpretativo no estudo integrado da

paisagem, quantificando variáveis morfométricas através de Modelo Digital de Elevação e

análise espacial em Sistemas de Informações Geográfica. A metodologia à ser apresentada

caracteriza-se por ser uma proposta automatizada de procedimentos, que antes eram realiza-

dos manualmente ou de maneira semiautomática. Com isso pretende-se, com esse trabalho,

tornar esses procedimentos mais eficientes e gerar dados mais precisos.

1.1. LOCALIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO

Mapa 1: localização da área de estudo

A área definida para representação dos resultados da proposta desse trabalho foi a

Sub-Bacia Hidrográfica do Rio Jacutinga. Essa sub-bacia possui área aproximada em 149 km²

e localiza-se na região econômica do Recôncavo Sul da Bahia na Região de Planejamento e

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Gestão de Águas – IX Recôncavo Sul, sendo uma sub-bacia do Rio Corta-Mão que é afluente

do Rio Jequiriça. Nos limites da sub-bacia estão os municípios de Santa Terezinha e Elísio

Medrado. Os pontos extremos da área estão entre as coordenada: 13° 0'29.98"S;

39°31'37.93"O, ao Sul; 12°56'54.04"S; 39°33'30.77"O, ao Oeste; 12°48'19.41"S;

39°31'3.19"O, ao Norte; e 12°50'46.69"S; 39°28'28.38"O, ao Leste.

1.2. CARACTERIZAÇÃO GEOLÓGICA-GEOMORFOLÓGICA DA

ÁREA DE ESTUDO

A SBHRJ desenvolveu-se sobre o Cráton do São Francisco mais especificamente no

Domínio Bahia Oriental em uma Zona de Cisalhamento entre os Complexos de Jequié e o

Complexo Caraíba. Esses complexos são compostos por rochas formadas por intenso meta-

morfismo regional em ambientes de alta pressão e temperatura. Os litotipos encontrados são

variados devido à natureza dos materiais a partir dos quais foram formados (rochas sedimen-

tares, magmáticas e metamórficas de grau baixo), porém, as de maior expressão são das fácies

de granulitos como gnaisses e chernokitos.

Mapa 2:mapa geológico da SBHRJ. Adaptado do Mapa Geomorfológico da Folha SD.24 Salvador, 2014.

Datações geocronológicas apresentadas em RADAM BRASIL (1981, p.35-41) mos-

tram que as idades dessas rochas variam entre 1800 Ma a 3500 Ma, compreendendo o período

geológico que vai do Arqueano ao Pré-Cambriano. Os movimentos epirogênicos e o meta-

6

morfismo que caracterizam os complexos e o entorno da sub-bacia são responsáveis pela

grande quantidade de falhas bem distribuídas nos dois complexos. Essas características são

responsáveis pelo padrão dendrítico da drenagem que apresenta controle estrutural moderado

e canais retilíneos curtos formando confluências com ângulos obtusos.

Quanto à geomorfologia a sub-bacia está inserida no domínio dos Planaltos Cristali-

nos, na região dos Planaltos Rebaixados e na unidade Tabuleiros Pré-Litorâneos, respectiva-

mente seguindo a escala de mapeamento adotada pelo Projeto RADAM BRASIL (1981). As-

sim como todo o Complexo de Jequié e Caraíbas, esse domínio geomorfológico remonta os

ciclos orogenéticos antigos, Transamazônico e Guriense, apresentando alinhamento do relevo

no sentido NE-SO devido ao intenso metamorfismo sofrido pelas rochas. Também há presen-

ça de intrusões graníticas. Nesse domínio há presença de vários conjuntos de serras nas quais

as altitudes ultrapassam os 800m. A rede de drenagem apresenta, em sua maioria, corte per-

pendicular ao alinhamento do relevo seguindo falhas que contribuem para isso, destacando-se

aí o rio Jequiriçá que nasce e atravessa todo o domínio e o rio de Contas que nasce na Chapa-

da Diamantina e o corta em direção ao litoral. Sua nomenclatura está associada tanto à nature-

za das rochas que o compõem como a sua fisiografia.

A região dos Planaltos Rebaixados localizam-se à leste do domínio seguindo a linea-

ridade do relevo NE-SO. Apresentam descontinuidades ao sul intercalada pela depressão Ita-

buna-Itapetinga e à nordeste pela falha de Maragogipe intercalada pela bacia do Recôncavo.

Apresenta relevo rebaixado em relação ao Planalto Soerguido com altitudes que diminuem no

sentido leste (litoral). Apesar dessa característica há alinhamentos de serras intercalados que

ultrapassam os 800m de altitude. Predominam relevos alinhados no sentido NE-SO, com

ocorrência também no sentido NO-SE bem demarcados pela quantidade elevada de falhas,

fraturas e zonas de cisalhamentos. Esse fato define o padrão de drenagem dendrítico controla-

da por esses eventos tectônicos.

Por sua vez a unidade geomorfológica Tabuleiros Pré-Litorâneos localiza-se mais à

nordeste do domínio com prolongamentos ao sudeste. Compreende relevos dissecados ao lon-

go do dorso da falha de Maragogipe prolongando-se alguns quilômetros tanto a oeste como ao

sul da falha. Caracteriza-se por relevos uniformes intensamente dissecados devido à atuação

de clima úmido sob essa unidade. Sendo a parte mais rebaixada topograficamente do domínio.

Porém, destaca-se aí a Serra da Jiboia com altitudes que ultrapassam os 840 metros, além de

outras áreas elevadas ao sul.

Como mencionado anteriormente, a sub-bacia hidrográfica está sob uma zona de ci-

salhamento fato que definem bem duas unidades geomorfológicas: serras, com destaque para

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Mapa 3:hipsometria e unidades geomorfológicas da sub-bacia hidrográfica. Características do relevo sombreado

utilizado: azimute 270° e altitude 40 m.

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a Serra da Jiboia que faz parte do Complexo Caraíba; e os tabuleiros, que compreendem a

parte da sub-bacia sob o Complexo Jequié. A principal diferença entre esses dois complexos,

nos limites da sub-bacia, está na geocronologia. O primeiro, as serras, são mais novas com

rochas datadas entre 2800 a 2500 Ma, compreendendo o período do Neoarqueano. O Segundo,

os tabuleiros, são mais antigos com rochas datadas 3200 a 2500 Ma, compreendendo o perío-

do do Mesoarqueano.

A compartimentação das unidades (Mapa 3) seguiu uma breve análise das hipsome-

tria, declividade e da rugosidade do relevo. Assim, a unidade geomorfológica “Serras” é da

menor proporção compreendendo os divisores de águas da porção oriental da sub-bacia e os

divisores águas da porção NO da sub-bacia. Alcançam altitudes dessa unidade estão entre os

intervalos de 440m e mais 800m com declividades que podem passar dos 40°. A maior incisão

da drenagem e a amplitude do relevo chegam a 460m. Os topos de morros são aguçados e

curtos em sua maioria na porção oriental e pontiagudos e curtos na porção NO. As vertentes

apresentam-se mais suaves na porção mais ao norte e mais íngremes ao sul.

Por sua vez os “Tabuleiros”, foram compartimentados em dois seguindo os mesmos

procedimentos adotados e descritos anteriormente, fato que permitiu a sub compartimentação

dessa unidade em duas. Uma mais ao norte da bacia (Tabuleiros conservados) se apresenta

como superfície mais plana com topos de morros suaves, declividade que não ultrapassam os

25° e altimetria compreendida entre 350 e 430 metros. A densidade da drenagem apresenta-se

baixa com canais mais longos e retilíneos. Mais ao sul da bacia (Tabuleiros dissecados) estão

os tabuleiros mais trabalhados pelos agentes erosivos. Assim, nesse sub-compartimento a den-

sidade da drenagem é característica marcante por ser mais alta que na porção norte da sub-

bacia. A altimetria compreende um intervalo entre 252 metros à 430 metros com incisões da

drenagem no relevo que alcança os 149 metros de altura e declividades que podem ultrapassar

40°, sendo justamente nessa porção dos tabuleiros que se localizam e se concentram as maio-

res incisões. Apresentam interflúvios maiores e mais recortados pela drenagem densa. Os to-

pos de morros são mais pontiagudos.

Essas diferenças entre os dois sub-compartimentos estão associadas ao clima atuante

sobre a sub-bacia hidrográfica do rio Jacutinga que na porção norte, ou tabuleiros conservados,

podem chegar a menos de 700 mm anuais tornando-se mais úmido no sentido sul, ou tabulei-

ros dissecados, podendo ultrapassar os 1000 mm anuais.

Essas características da área podem ser mais bem observadas através dos perfis topo-

gráficos traçados sobre a sub-bacia. No Perfil A-B (NE>SE) de comprimento que ultrapassam

os 8,5km de extensão está representada duas Unidades Geomorfológicas: as Serras e Tabulei-

9

Figura 1: Perfil topográfico A - B

Figura 2: Perfil topográfico C - D

Figura 3: Perfil topográfico E - F

ros Conservados. Na primeira secção apresenta-se marcadamente a declividade da Serra da

Jiboia que, nesse traçado, alcança os 45º e amplitude altimétrica de 337m. Na segunda secção

o que marca é a baixa variação altimétrica dos Tabuleiros Conservados por quase 6.5km de

extensão. O Perfil C-D representa a Unidade Geomorfológica Tabuleiros Dissecados na qual é

marcante o relevo mais dissecado trabalhado pelas várias incisões de drenagem. A amplitude

do relevo é caracterizada entre média e baixa. No transecto há presença de topos de morros

pontiagudos e curtos além de vertentes íngremes e curtas. Também há vales em “V”. Por úl-

timo, o Perfil E-F, representa uma transição entre os dois compartimentos em formas de tabu-

leiros. Na primeira secção está representada os Tabuleiros Conservados com topos de morros

mais planos e alongados, além, de pouca presença de canas de drenagem. A segunda secção é

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dominada pela presença de topos de morros agudos declividade elevada e diversas incisões de

drenagem. Assim, esses três transectos representam muito as características geomorfológicas.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

No âmbito da Geografia a discussão do termo paisagem é longa e de bibliografia ex-

tensa devido a importância desta categoria de análise para a ciência geográfica. São vários os

trabalhos que, cada vez mais, buscam os primórdios do uso do termo, não só em Geografia,

mas também em outras áreas do conhecimento. Geralmente as pesquisas que abordam a pai-

sagem, seguem um roteiro que constrói um histórico, quase sempre acompanhado do debate

sobre a etimologia da palavra, desenvolvimento do conceito e sua inserção na Geografia, des-

de o período clássico até os usos atuais. No entanto, a construção desse histórico vai depender

a qual corrente de pensamento geográfico o autor esteja associado, causando, ou não, certo

desvio no entendimento do que realmente é importante para a ciência geográfica: a relação

homem-natureza. Por tanto, a noção de paisagem que aqui pretende se apresentar está associ-

ada à escola clássica alemã onde Humboldt destacou-se por sua visão holística da paisagem,

de forma que associava elementos diversos da natureza e da ação humana, sistematizando,

assim a ciência geográfica (SCHIER, 2003, p.82).

De acordo com Bolós y Capdevila (1992, p.5):

El término <<paisaje>> procede del linguaje común, y em las lenguas románticas

deriva del latín (pagus, que significa país), com el sentido de lugar, sector territorial.

Así, de ella derivan las diferentes formas.” Las lenguas germánticas, por su parte,

presentan um claro paralelismo a través de la palavra originaria land, con um sentido

prácticamente igual, y de la que derivan Landschaft (alemán), landscape (inglês),

landschap (holandês), etc. Este significado de espacio territorial más o menos bien

definido de remonta al momento de la aparición de las lenguas vernáculas, y po-

de000mos decir que este sentido originário, com ciertas precisiones, es válido do

aún actualmente.

Para a autora, o termo foi introduzido na Geografia por A.Hommeyerem onde:

[...] se concibe como el conjunto de <<formas>> que caracterizam um sector deter-

minado de la superfície terrestre. Desde esta concepción, que considera puramente

las formas, lo que se distingue es la heterogeneidad de la homogeneidad de modo

que se pueden analizar los elementos em función de su forma y magnitud y así obte-

ner una classificación de paisajes: morfológicos, de vegetación, agrários, etc. [Así]

Se trata, em este caso, de subrayar em el paisaje el ámbito tangible de las formas re-

sultantes de la asociación del hombre com los demás elementos de la superfície ter-

restre. (BOLÓS Y CAPDEVILA, 1992, p.6).

Ao longo do tempo em que o estudo da paisagem avolumava-se, o seu conceito foi

ampliando-se a partir das preocupações com escala, complexidade e globalidade da superfície

terrestre, exigindo cada vez mais uma análise profunda baseada na estrutura, organização e

11

funcionamento da paisagem em seu conjunto (BOLÓS i CAPDEVILLE, 1992). A. Von Hum-

boldt introduz dentro da compreensão da paisagem, a importância de entender as correlações

entre todos os elementos que compõe determinadas paisagens (BOLÓS i CAPDEVILLE,

1992). Esta visão integrada da paisagem (incluindo o homem) foi mais disseminada na Geo-

grafia Física, passando por evolução do conceito e aplicação dos princípios do estudo integra-

do da paisagem. Dessa forma, seguidores de Humboldt (Von Ricntofen, Carl Troll, entre ou-

tros) foram ampliando e/ou modificando o conceito de paisagem, porém, as essências (impor-

tância das correlações, holismo, unidades etc.) originadas em O Cosmo do naturalista alemão,

foram mantidas, desenvolvidas e aprofundadas quanto mais era investigada e também influ-

enciada pelos avanços da ciência, tanto na perspectiva técnica como epistemológica (BOLÓS

i CAPDEVILLE, 1992).

Em meados da década de 1920 o biólogo austríaco Ludwig Von Bertalanfy começa a

sistematizar a TGS, trazendo uma luz para cientistas de todo o mundo que já sentiam a neces-

sidade de um redirecionamento na forma de pensar e fazer ciência, pois, os avanços nos diver-

sos campos do conhecimento (física, química, biologia e até ramos das ciências sociais), nos

quais o modus operandi preconizado pela ciência moderna cartesiana não respondia mais aos

estímulos dados aos objetos estudados isoladamente. O autor desenvolveu sua teoria a partir

da vivência na ciência que praticava na qual advogava um causa organísmica na biologia,

que acentuasse a consideração do organismo como totalidade ou sistema (BERTALANFFY,

1968, p.29), contrapondo a visão mecanicista vigente na época. A partir disso, essa teoria in-

fluenciou todos os ramos da ciência sinalizando uma quebra no paradigma científico vigente

ou outro método paralelo de desenvolvimento científico.

Segundo Bertalanfy (1968, p.27), o termo sistema há muito tempo vinha sendo

empregado na ciência, porém, somente entre as décadas de 20 e 30 do século passado, é que o

ambiente científico, impulsionado principalmente pelo desenvolvimento tecnológico que

trouxe a necessidade de pensar de forma sistêmica, além da sociedade que estava se tornando

cada vez mais complexa em vários aspectos e isso exigia uma reorientação do modo de pensar

e fazer ciência. Assim, este autor propôs uma nova forma mais orgânica e sistêmica de pensar

e encarar novos problemas teóricos e práticos, sugerindo noções de correlações e totalidade

entre as partes dos objetos em estudo, contrapondo o procedimento analítico que tem como

um dos fundamentos a divisão do objeto a menor unidade divisível possível para estudo

isolado. Esse princípio é o fundamento de todo o conhecimento científico que temos hoje.

Assim, a sua proposta:

12

Trata-se de uma transformação nas categorias básicas de pensamento da qual as

complexidades da moderna tecnologia são apenas uma – e possivelmente – não a

mais importante – manifestação. De uma maneira ou de outra, somos forçados a

tratar com complexos, com “totalidades” ou “sistemas” em todos os campos de

conhecimento. Isto implica uma fundamental reorientação do pensamento científico

(BERTALANFY, 1968, p.19-20)

Em sua obra Teoria Geral dos Sistemas (1968) o autor faz um breve panorama de

como as ideias de sistemas já eram utilizadas por cientistas de várias áreas e em diversas

partes do mundo, fato que só colaborou com a sistematização da TGS. Além dos ramos

precursores da referida teoria que já existiam até então, outros ramos passaram a fazer uso das

ideias sistêmicas em seus estudos. Também, outros tantos que atuam entre limiares das

ciências previamente constituídas (bioengenharia, biomedicina, biofísica, engenharia de

sistemas, etc.) passaram a surgir deixando claro a influência da TGS no pensamento cientifico

a partir de seu caráter interdisciplinar e sistêmico. Ao fim do último capítulo, o autor faz um

prognóstico da aplicação de sua teoria apontando áreas do conhecimento nas quais há

possibilidades de aplicação, justificando ainda mais os seus pressupostos teóricos.

Apesar de não mencionar a Geografia em nenhum momento, anterior ou posterior a

sua formulação, essa disciplina já aplicava noções sistêmicas aos estudos como também foi

muito influenciada após a formulação dessa teoria. Antônio Christofoletti, em sua obra

Análise de Sistemas em Geografia (1975), evidencia o quão é pertinente a abordagem

sistêmica em Geografia, descrevendo vários exemplos de aplicação e abordando diversos

conceitos aplicáveis, principalmente à Geografia Física. O autor também elenca a influência

da TGS nos estudos geográficos pelo mundo, citando vários autores e suas aplicações,

descrevendo de forma indireta uma grande movimentação teórica e prática nesta ciência. Fica

evidente que a maioria das aplicações se concentrou no ramo da Geografia Física, em que os

princípios sistêmicos foram mais aplicados nos estudos geomorfológicos, bacias hidrográficas

e, posteriormente, nos estudos da paisagem aplicados ao ordenamento territorial. São várias as

propostas metodológicas Sotchava (1977), Ab’saber, (1969), Bertrand (1968), Tricart (1977),

Ross (1990), entre outros, que surgirão para o tratamento integrado da paisagem como base

nos princípios sistêmicos que serão tratadas mais adiante.

Segundo Christofoletti:

A aplicação da teoria dos sistemas aos estudos geográficos serviu para melhor

focalizar as pesquisas e para delinear com maior exatidão o setor de estudo desta

ciência, além de propiciar oportunidade para reconsiderações críticas de muito dos

seus conceitos. A bibliografia específica avoluma-se continuamente, abordando

temas ligados com as geociências ou com as ciências humanas. No âmbito da

Geografia, todos os seus setores estão sendo revitalizados pela utilização da

abordagem sistêmica. (CHRISTOFOLETTI, 1975, XI, prefácio)

13

Foi nesse momento de movimentação na ciência geográfica devido a influência dos

postulados de Bertalanffy, que o geógrafo russo Viktor Sotchava formaliza o conceito e a

aplicação de geossistemas. Formalizando também as bases da geografia física moderna de

acordo com os postulados dessa teoria, o autor enfatiza a importância da análise sistêmica

para os estudos e aplicação desta ciência, exemplificando os diversos ramos onde o geógrafo

pode atuar a partir dos estudos do geossistema apresentando diretrizes para futuros

desdobramentos da sua formulação. Pois, segundo Sotchava, o geossistema Ressalta um novo

ponto de desenvolvimento em nossa ciência e aumenta as perspectivas para a utilização

prática de seus resultados (SOTCHAVA, 1977, p.3).

Destacando os geossistemas como um fenômeno natural, o autor define que as

aplicações da sua proposta, assim como da Geografia Física, devem ter como princípio

estritamente o estudo das correlações, dependência, dinâmica, estrutura funcional e conexões

entre as partes que compõem a geosfera. Questões estas que os Geógrafos alemães já vinham

tratando. Porém, avança na sua proposta quando inclui dentro do estudo do geossistema a

influência antrópica na dinâmica, estrutura e peculiaridades espaciais das paisagens

antropogênicas, alcançando o objetivo primordial da Geografia Física que é a relação do

homem com a natureza. Dessa forma, a concepção de geossistema confere precisão aos

limites de Geografia Física e outras disciplinas geográficas definindo, ao mesmo tempo, a

essência do seu campo de investigações e seu lugar no conjunto da Geografia (SOTCHAVA,

1977, p.6).

Ciente das limitações da sua proposta e da flexibilidade das concepções científicas,

Sotchava escreve em seu texto que:

[...] tentará mencionar as principais questões (inclusive as problemáticas e as ainda

não solucionadas) concernentes aos estudos de geossistemas, de modo a atrair a

atenção para elas e elaborar um plano provisório de temas e perspectivas em

Geografia Física, tal como é comprometida (SOTCHAVA, 1977, p.3).

De fato, Sotchava conseguiu chamar a atenção com a sistematização do estudo dos

geossistemas destacando a importância desse conceito para a Geografia Física. O biogeógrafo

francês George Bertrand, apresenta no texto Paisagem e Geografia Física Global: um esboço

metodológico (1968) um roteiro sistemático para ser aplicado aos estudos das paisagens, to-

mando como referência o conceito de Geossistemas. Juntos, esses autores e suas respectivas

obras, somada a TGS, passam a ser a base teórico-conceitual no estudo integrado da paisagem.

Bertrand da ênfase sucessivamente a problemas de taxonomia, dinâmica, tipologia e de car-

tografia da paisagem (BERTRAND, 1968, p.142), apresentando alguns autores que, de algu-

14

ma forma, aplicaram uma metodologia de classificação de paisagens, porém, mostraram-se

insatisfatórias do ponto de vista global da paisagem geográfica que, na visão deste autor:

É, em uma determinada porção do espaço, o resultado da combinação dinâmica, por-

tanto, instável, de elementos físicos, biológicos e antrópicos que reagindo dialetica-

mente uns sobre os outros, fazem da paisagem um conjunto único e indissociável,

em perpétua evolução. (BERTRAND, 1968, p.141)

A partir desta visão sistêmica da paisagem, o autor define uma metodologia de apli-

cação do geossistema baseada em três pilares: Potencial Ecológico (clima, hidrologia, geo-

morfologia), Exploração Biológica (vegetação, solo, fauna) e Ação Antrópica. Também apre-

senta uma proposta de compartimentação das paisagens com seis níveis temporo-espaciais (1-

Zona; 2-Domínio; 3-Região; 4-Geossistemas; 5-Geofáceis; 6-Geótopo), onde os Geossistemas

encontram-se entre a 4º e 5º grandeza. O autor representa a posição dos Geossistemas na refe-

rida escala justificando que:

É nesta escala que se situa a maior parte dos fenômenos de interferência entre os

elementos da paisagem e que evoluem as combinações dialéticas mais interessantes

para o geógrafo. Nos níveis superiores a ele só o relevo e o clima importam e, aces-

soriamente, as grandes massas vegetais. Nos níveis inferiores, os elementos biogeo-

gráficos são capazes de mascarar as cominações de conjunto. Enfim, o geossistema

constitui uma boa base para os estudos de organização do espaço porque ele é com-

patível com a escala humana. (BERTRAND, 1972, p.144)

Para estudo e aplicação da proposta geossistêmica é importante fazer algumas consi-

derações. É imprescindível que se considere a natureza como sistemas dinâmicos abertos e

hierarquicamente organizados passíveis de delimitação (RODRIGUES, 2001, p.73), passíveis

de trocas de energia, matéria e fluxos múltiplos. Para o estudo dos geossistemas é necessário

saber que este difere de ecossistemas principalmente quanto ao objeto e objetivo. O geossis-

tema tem como fim, o estudo das relações dinâmicas entre todos os componentes da geosfera,

limitado pela área de estudo, em uma relação vertical e policêntrica. O ecossistema tem como

fim, o estudo de determinado indivíduo e a influência do meio sobre este, em uma visão mo-

nocêntrica. Quanto à classificação e análise, a autora chama a atenção para o fato de ter que

considerar os Geossistemas do ponto de vista bilateral onde a “estrutura homogênea” caracte-

riza o geômero e por outro lado, “qualidades integrativas” que caracteriza o geócoro dentro de

determinado geossistema. (RODRIGUES, 2001, p.73)

No Brasil, Aziz Ab’Saber (1969), já influenciado pelas ideias sistêmicas e pelos es-

tudos da Geomorfologia Climática, que também já vinham sendo influenciados pelas mesmas

ideias, apresentou uma proposta de estudo integrado da paisagem, baseada em um conceito de

“Geomorfologia tripartite”, onde compartimentação da topografia regional, estrutura superfi-

cial da paisagem e fisiologia da paisagem, tornam-se essenciais na metodologia das pesquisas

15

geomorfológicas. O autor aplica esses princípios aos estudos do Quaternário no Brasil e divi-

de o território em cinco grandes compartimentos: Domínios dos Chapadões Tropicais, com

duas estações, recobertos por cerrados e penetrados por florestas galerias; Domínios das De-

pressões Intermontanas semiáridas pontilhadas de Inselbergs, dotadas de drenagem intermi-

tentes e recobertas por caatingas extensivas; Domínios de Planalto Subtropical, recobertos por

araucárias e pradarias de altitude; Domínios das Coxilhas Subtropicais Uruguaio-Sul-rio-

grandenses, extensivamente recobertas por pradarias mistas; Domínios das Terras Baixas

Equatoriais extensivamente florestadas da Amazônia Brasileira.

Ross, descreve bem as premissas sistêmicas (estudo de correlações, dinâmicas e flu-

xos de energia e matéria) contidas na proposta de Ab’Saber:

Percebe-se assim que a tônica da interpretação geomorfológica passa a ser a correla-

ção da tipologia do modelado com os processos denudacionais influenciados pelos

diferentes tipos climáticos e coberturas vegetais, onde se combinam os fatores liga-

dos à alteração físico-química das rochas de um lado e o desgaste erosivo das águas

correntes, geleiras, oceanos e ventos, de outro. (ROSS, 1996, p.25)

Em Ecodinâmica (1977), o Geógrafo francês Jean Tricart avança ainda mais na cons-

trução e aplicação de uma Geografia cada vez mais global e holística, baseando-se na Geo-

morfologia como elemento interpretativo do meio físico e enfatizando a necessidade de anali-

sar os fluxos de energia e matéria entre os componentes do meio. Assim, o conceito de Ecodi-

nâmica é integrado no conceito de ecossistema. Baseia-se no instrumento lógico de sistemas

e enfoca as relações mútuas entre os diversos componentes da dinâmica e os fluxos de ener-

gia/matéria no meio ambiente (Tricart, 1977.p.32).

Em seu texto, o autor deixa claro a preocupação com os problemas ambientais e dire-

ciona a solução/amenização para a gestão e ordenamento territorial, baseado nos estudos sis-

têmicos do meio ambiente. Pois, segundo Tricart:

O conceito de sistema é, atualmente, o melhor instrumento lógico que dispomos para

estudar o problema do meio ambiente. Ele permite adotar uma atitude dialética entre

a necessidade da análise – que resulta do próprio progresso da ciência e das técnicas

de investigação – e a necessidade contrária, de uma visão de conjunto, capaz de en-

sejar uma atuação eficaz sobre esse meio ambiente. Ainda mais, o conceito de siste-

mas é, por natureza dinâmico e por isso adequado a fornecer os conhecimentos bási-

cos para uma atuação – o que não é o caso de um inventário por natureza estático.

(Tricart, 1977.p.19).

É a partir do estudo dessas relações acima citadas, e colocando a morfodinâmica

como elemento interpretativo da paisagem, determinante e integrativo que o autor classifica

em três modalidades os meios de acordo com a Ecodinâmica. Assim, os meios estáveis são

caracterizados por cobertura vegetal densa, dissecação moderada, vertentes de lenta evolução,

16

tectônica estável, predominância da pedogênese e solos maturos e espessos. Já os meios

intergrades, apresentam características de transição entre a estabilidade e a instabilidade, com

concorrência entre a morfogênese e a pedogênese. Por sua vez, os meios fortemente instáveis

são caracterizados vegetação ausente ou aberta, geodinâmica interna instável, relevo

fortemente dissecados, declives acentuados, solos rasos e/ou pedregosos e área submetidas à

desertificação (SOUZA, 2011, p.212-213). Em cada classificação descrita acima, é

perceptível a integração dos componentes do meio ambiente, sendo que para os meios

fortemente instáveis, acrescenta-se a ação humana que potencializa a sua condição de

instabilidade.

Em Geomorfologia: Ambiente e Planejamento (1990) e posteriormente em Análise

empírica da fragilidade dos ambientes naturais e antropizados (1994), Jurandyr Ross apre-

senta uma proposta metodológica para diagnóstico e planejamento ambiental, baseada na

identificação da fragilidade/vulnerabilidade dos meios. Em seus textos, Ross, deixa claro o

papel importante da Geomorfologia, dos estudos integrados e da dinâmica da paisagem para o

planejamento ambiental e ordenamento territorial, visando um uso mais racional e adequado

para os recursos naturais.

Assim:

Os estudos integrados de um determinado território pressupõem o entendimento da

dinâmica de funcionamento do ambiente natural com ou sem a intervenção das

ações humanas. Assim, a elaboração do Zoneamento Ambiental deve partir da ado-

ção de uma metodologia de trabalho baseada na compreensão das características e

da dinâmica do ambiente natural, e do meio sócio econômico, visando buscar inte-

gração das diversas disciplinas científicas específicas, por meio de uma síntese do

conhecimento acerca da realidade pesquisada. (ROSS, 1994, p.64)

Esta proposta caracteriza-se por ser um desdobramento da proposta de Tricart (1977)

e também do que vinha sendo produzido, até então, sobre análise integrada da paisagem e

geomorfologia. O desdobramento é referente à aplicação dos conceitos de meios estáveis e

instáveis, preconcebidos em Ecodinâmica, que apresentavam, entre outros, problemas de es-

calas de representação geralmente significativas na metodologia e na representação carto-

gráfica final (ROSS, 1990, p.67). Por tanto, nas palavras do autor:

Para que esses conceitos pudessem ser utilizados como subsídio ao Planejamento

Ambiental, Ross (op cit) ampliou o uso do conceito, estabelecendo as Unidades

Ecodinâmicas Instáveis ou de Instabilidade Emergente em vários graus, desde Insta-

bilidade Muito Fraca a Muito Forte. Aplicou o mesmo para as Unidades Ecodinâmi-

cas Estáveis, que apesar de estarem em equilíbrio dinâmico, apresentam Instabilida-

de Potencial qualitativamente previsível face as suas características naturais e a

sempre possível inserção antrópica. Deste modo as Unidades Ecodinâmicas de Ins-

tabilidade Potencial em diferentes graus, tais como as de Instabilidade Emergente,

ou seja, de Muito Fraco a Muito Forte. (ROSS, 1994, p.66).

17

Como já mencionado anteriormente, a Geomorfologia e os processos morfodinâmi-

cos, nesta metodologia, assim como na Ecodinâmica de Tricart, assumem papel central na

identificação da fragilidade dos meios, destacando a importância dessa disciplina no enfren-

tamento dos problemas ambientais emergentes nesse período.

Crepani et al (2001) apresenta uma metodologia que também pode se classificar co-

mo um desdobramento e adaptação para as geotecnologias da Ecodinâmica proposta por Tri-

cart (1977) e também da proposta de Ross (1994) quanto à classificação dos meios de acordo

com a sua vulnerabilidade, para fins de zoneamento e ordenamento territorial. A metodologia

em questão foi desenvolvida (INPE Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e a Secretaria

de Assuntos Estratégicos da Presidência da República) como uma das fases do Zoneamento

Ecológico-Econômico da Amazônia e que posteriormente se estendeu para outros biomas do

país, e que, assim como na Ecodinâmica, baseia-se nos princípios do estudo integrado da pai-

sagem e Geomorfologia como elemento interpretativo a partir da correlação dos Planos de

Informações (PI Geomorfologia, PI Geologia, PI Vegetação, PI Pedologia e PI Climatologia)

e no balanço morfogênese x pedogênese, para gerar como produto final Cartas de vulnerabi-

lidade natural à perda de solo.

O grande diferencial dessa metodologia é a integração das informações (PI’s) em Sis-

temas de Informação Geográficas informatizados tendo como base (“âncora”) produtos de

sensoriamento remoto. É a partir do processamento e interpretação das imagens de satélites, e

sobrepondo os PI’s que se chegam as Unidades Territoriais Básicas (UTB’s), que por sua vez,

podem ser divididas em Unidades de Paisagem Naturais e Polígonos de Intervenção Antrópica.

Becker e Egler (1996) apud Crepani et al (2001, p.12):

As unidades territoriais básicas são as células elementares de informação e análise

para um zoneamento ecológico-econômico. Como em um ser vivo, cada célula con-

tém um conjunto de informações à manutenção e à reprodução da vida e compõe um

tecido que desempenha determinadas funções em seu desenvolvimento. Uma unida-

de territorial básica é uma entidade geográfica que contém atributos que permitem

diferenciá-la de suas vizinhas, ao mesmo tempo em que possui vínculos dinâmicos

que a articulam a uma complexa rede integrada por outras unidades territoriais.

A classificação dos meios quanto à sua vulnerabilidade, a partir da caracterização da

morfodinâmica, é classificada quantitativamente diferente da Ecodinâmica (1 – Meios Está-

veis; 2 – Meios Intermediários e 3 – Meios Instáveis) e acrescentando mais dois graus de vul-

nerabilidade somando cinco (vulnerável, moderadamente vulnerável, medianamente está-

vel/vulnerável, moderadamente estável e estável). A correlação dessas variáveis dá origem a

um modelo com vinte e um tipos de unidades de paisagens. No decorrer do texto da proposta

os autores descrevem como cada elemento físico, representados através dos PI’s, influenciam

18

os processos da morfodinâmica e a tomada de decisão quanto a determinação e/ou classifica-

ção dos meios e consequentemente quais valores devem ser atribuídos para cada tipo de solo,

rochas, relevo etc. Assim, a proposta é conhecer e identificar o que ocorre dentro das Unida-

des de Paisagens Naturais para orientar uma forma de uso mais adequada as características e

potencialidades dentro dos Polígonos de Intervenção Antrópica.

2.1. A GEOMORFOLOGIA COMO ELEMENTO INTERPRETATIVO NO

ESTUDO INTEGRADO DA PAISAGEM E NO PLANEJAMENTO TERRITORIAL

Como mencionado anteriormente a Geomorfologia foi a disciplina que mais agregou

os pressupostos sistêmicos com um volume muito grande de estudos e aplicações que pode-

mos consultar em Christofoletti (1975). Das metodologias de estudo integrado da paisagem

anteriormente apresentadas quase todas (AB’SABER, 1969; TRICART, 1977, ROSS, 1990 e

CREPANI et al 2001) tem na Geomorfologia as bases de suas formulações, pois, é reconheci-

da como a interface entre a atmosfera e litosfera e onde ocorrem as ações do homem sobre o

meio, justificando assim a importância do entendimento da sua dinâmica de relações com os

outros elementos que compõem determinadas unidades de paisagens. Dessa forma, essa disci-

plina fornece subsídios para racionalizarmos o uso e ocupação da superfície com vistas ao

equilíbrio entre exploração e conservação dos recursos naturais, principalmente a partir da

ótica do entendimento da dinâmica geomorfológica.

Foi Passarge um dos percussores dos estudos integrados da paisagem e criador do

termo “fisiologia da paisagem” (CASSETI, 2005) que mais tarde Ab’Saber (1969) incorpora-

rá em sua proposta. A inter-relação entre elementos da paisagem nos estudos de Geomorfolo-

gia tem suas origens na escola alemã de geografia com Von Richthofen (1886) e A. Penk

(1894), ambos precursores de Passarge que viria a ter como sucessores na mesma linha de

raciocínio C. Troll (1932) e J.P. Gerasimov (1946) (CASSETI, 2005), autores que emprega-

ram em suas formulações concepções sistêmicas.

[...] S. Passarge explica em su libro Geomorlogía (Passarge, 1931), em el capítulo

dedicado a la génesis de las formas del terreno, cómo éstas mantienen íntimas vincu-

laciones con los elementos climáticos y con la vegetación: mientras que los primeros,

los elementos climáticos, tienden a la destrucción de las formas, los segundos, los

procedentes de la vegetación, contribuyen a su conservación. Las relaciones o con-

junto de fuerzas semejantes a las indicadas a modo de ejemplo conducen a las uni-

dades integradas y les confieren una serie de características que les son propias y

que se pueden precisar de la forma siguiente: [las unidades integradas no son nunca

la simple somo de sus componentes; son relativamente homogéneos; apresentam una

clara delimitación; presentan dinámica propia; presentan estrutura relacionadas con

su funcionamento.] (BOLÓS e CAPDEVILE, 1992).

19

Posterior aos estudos de Passarge, Christofoletti (1999) apud Guerra e Marçal (2006,

p.96), afirma que o conceito de sistema foi introduzido na Geomorfologia por Chorley, em

1962, sendo incorporado por vários outros pesquisadores. Assim, Tricart (1976) define que a

Geomorfologia deve ser tratada do ponto de vista dinâmico nos estudos integrados da paisa-

gem para o ordenamento do meio natural, considerando a morfogênese como produto da in-

ter-relação entre fatores ambientais, incluindo a interferência antrópica. O autor compara essa

visão da Geomorfologia com a que foi empregada no mapeamento de terras na Austrália em

1941, segundo Tricart, nesse projeto a Geomorfologia foi encarada de acordo com os pressu-

postos teóricos daivisianos, reinante no período, e apresentou uma visão estática dessa disci-

plina, pois, limitou-se a descrições fisiográficas, materializados através de blocos diagramas

representando amostras de diversas unidades. Todo aspecto dinâmico foi deixado de lado

(TRICART, 1976, p.17). Nesse texto o autor relaciona a falha de alguns projetos de ordenação

territorial à falta de entendimento sistêmico do meio natural, causando prejuízos econômicos

aos projetos e degradação ambiental. Dessa forma, trata as aplicações analíticas como unilate-

rais e atrasadas cientificamente por sobrepor trabalhos setoriais, ao invés de priorizar uma

síntese entre os elementos do meio, desconsiderando as inter-relações sistêmicas que ocorrem

em uma unidade territorial.

Toda intervenção antrópica na paisagem, em maior ou menor grau, é passível de alte-

rar sua dinâmica de funcionamento, como consequência, o equilíbrio natural é quebrado pro-

piciando alterações em seu funcionamento. Sobre isso Tricart (1976, p.17) afirma que toda

ordenação deve leva-la em conta, por um lado, para salvaguardar seus aspectos benéficos e

que dão recursos, por outro lado, para limitar seus aspectos nefastos ou para controla-los,

eliminá-los, algumas vezes. Dessa forma, tornam-se imprescindíveis estudos integrados que

subsidiem as intervenções humanas, pois, assim como Passarge, Tricart entende que a visão

integrada e dinâmica da paisagem, sob a ótica da geomorfologia fornece entendimento para,

ainda que de forma empírica, a paisagem (meios) possa ser delimitada em unidades conside-

rando uma série de fatores dinâmicos e com os processos geomorfológicos como elemento

interpretativo. O autor enfatiza que:

Sob o ponto de vista dinâmico a abordagem deve ser trada logo no início. Deve guiar,

portanto, a classificação dos meios ao nível taxionômico mais elevado [...] Formos

levados a distinguir três grandes tipos de meios morfodinâmicos, em função dos

processos atuais: [meios estáveis; meios intergrades; e meios instáveis] Esta noção

de estabilidade aplica-se ao relevo, à interface atmosfera-litosfera. (TRICART, 1976,

p. 20)

Ross (1990), em uma proposta que se caracteriza por ser um desdobramento dos

princípios propostos por Tricart (1977), reitera que:

20

Dentro dessa perspectiva fica evidente a importância do entendimento da dinâmica

das unidades de paisagem onde as formas do relevo se inserem como um dos com-

ponentes de muita importância e torna-se necessário entender o significado da apli-

cação dos conhecimentos geomorfológicos ao se implantar qualquer atividade an-

trópica de vulto na superfície terrestre. (ROSS, 1990, p.13)

Os pressupostos da metodologia apresentada por Ab’Saber (1969) contidos na pri-

meira secção deste capítulo somados com o que foi apresentado até aqui nesta secção leva-nos

a concluir que a Geomorfologia pode desempenhar dupla função na análise integrada da pai-

sagem e sua aplicação para o planejamento territorial, reafirmando a sua importância para

encarar as questões ambientais no presente. A primeira função, fisiográfica, é possibilitar uma

compartimentação da paisagem com base na interpretação visual de suas características topo-

gráficas e/ou morfométricas em campo ou através dos produtos de sensoriamento remoto,

cartas ou mapas, permitindo assim, delimitar as unidades de paisagens de maneira mais efici-

ente que qualquer outro elemento da paisagem, por ser o componente mais sensível aos olhos

através de suas variações na superfície terrestre. Características como amplitude do relevo,

altimetria, formas dos morros, tipos de vertentes, entre outros, se apresentam muito eficiente

para tal. A segunda função, a dinâmica, talvez a mais importante para os fins aqui tratados, é

fornecer através de técnicas e métodos próprios da Geomorfologia a dimensão do funciona-

mento da paisagem por considerar os fluxos de energia e matéria entre os elementos que a

compõem levando em consideração as características acima referidas. Algumas dessas técni-

cas baseiam-se na quantificação das características topográficas do relevo sobre imagens de

radar, cartas topográficas e, recentemente, com o uso de Modelos Digitais de Elevação em

ambiente de Sistema de Informação Geográfica. Nessa perspectiva, pode-se afirmar, em par-

tes, que as concepções daivisianas e tricartianas coexistem para chegarmos até o produto final

das unidades de paisagens, a proposta de Ab’Saber (1969) é que, de alguma forma, congre-

gam essas concepções.

Guerra e Marçal (2006, p.101), resumem afirmando que A Geomorfologia pode ser

privilegiada, tendo em vista possuir metodologias e ferramentas de grande importância para

as pesquisas ambientais que podem definir e espacializar as interações entre os diferentes

componentes do meio natural. Assim, espacializar as interações dinâmicas da paisagem pode

ser tarefa difícil ou até mesmo impossível de ser realizado a depender da escala a ser utilizada

para mapeamento, em Tricart (1977) podemos ter ideia da variedade de interações através de

fluxos de matéria e energia que ocorrem em determinada porção da superfície terrestre. A ge-

omorfologia, por ser o elemento controlador da maioria dos processos ocorridos nas paisagens,

é condicionador das atividades humanas, além de representar a evolução das mesmas, tem na

21

delimitação e caracterização dos processos morfogenéticos, essa possibilidade através de téc-

nicas e métodos próprios. Uma das formas de espacializar a dinâmica das paisagens é através

da definição de níveis de morfogênese tomando como referência a análise morfométrica do

relevo que consiste na medição e quantificação das características planialtimétricas de deter-

minada área. Crepani et al (2001) descreve bem a relação entre os parâmetros morfométricos

e sua influência nos processos morfogenéticos:

Na metodologia proposta a Geomorfologia oferece, para a caracterização da

estabilidade das unidades de paisagem natural, as informações relativas à

Morfometria, que influenciam de maneira marcante os processos ecodinâmicos. As

informações morfométricas utilizadas são: a amplitude de relevo, a declividade e o

grau de dissecação da unidade de paisagem. Essas informações, relacionadas a

forma de relevo da unidade de paisagem natural, permitem que se quantifique

empiricamente a energia potencial disponível para o escoamento superficial

(“runoff”), isto é, a transformação de energia potencial em energia cinética

responsável pelo transporte de materiais que esculpe as formas de relevo. Dessa

maneira, podemos entender que em unidades de paisagem natural que apresentam

valores altos de amplitude de relevo, declividade e grau de dissecação, prevalecem

os processos morfogenéticos, enquanto que em situações de baixos valores para as

características morfométricas prevalecem os processos pedogenéticos. (CREPANI et

al, 2001, p.74)

Os parâmetros morfométricos citados pelo autor, tomados em conjunto ou separada-

mente, vão determinar o nível de evolução das paisagens como também o grau de instabilida-

de das mesmas, mostrando-se como um fator muito importante para a análise geomorfológica,

estudo integrado da paisagem e o planejamento territorial, fato que nos leva a sempre buscar

eficiência na quantificação dessas características. A maneira de obter esses dados mudou nos

últimos anos com o desenvolvimento de geotecnologias capazes de tornar esse trabalho mais

eficiente, trazendo assim, novas possibilidades que veremos adiante.

2.2. GEOTECNOLOGIAS APLICADAS À GEOMORFOLOGIA, AO ESTU-

DO INTEGRADO DA PAISAGEM E AO PLANEJAMENTO TERRITORIAL

Os Sistemas de Informações Geográficas surgiram no Canadá em meados da década

de 1960 no órgão responsável por gerir os recursos naturais desse país no decorrer do

desenvolvimento tecnológico ocorrido no mundo após 1945. Também fez parte desse período

o lançamento da série de satélites de Sensoriamento Remoto mais antiga para observação da

superfície terrestre, o programa LandSat lançado em 1972 pela agência espacial americana –

NASA. Esses e outros fatos históricos importantes para as Ciências da Terra só foram

possíveis com o desenvolvimento da informática, base científica e social da sociedade pós-

moderna, que modificou a investigação, tratamento e publicação de dados geoespaciais. A

princípio, as duas tecnologias acima citadas tiveram origem em órgãos governamentais e na

22

área acadêmica, posteriormente a comercialização permitiu o desenvolvimento e

diversificação ainda maior e mais focada nas necessidades dos mais variados usuários,

gerando os mais diversos usos e aplicações. Esses fatos colaboraram para o desenvolvimento

das ciências que tem como foco de estudo a superfície terrestre e seus elementos com

automatizações e surgimentos de procedimentos que antes eram manuais ou até mesmo

impossíveis de serem realizados sem esses avanços tecnológicos.

Para Novo (2008, p. 15), Sensoriamento Remoto é:

A utilização conjunta de sensores, equipamentos para processamento de dados,

equipamentos para transmissão de dados colocados à bordo de aeronaves, espaçona-

ves ou outras plataformas com o objetivo de estudar eventos, fenômenos e processos

que ocorrem na superfície do planeta Terra a partir do registro e da análise das inte-

rações entre radiação eletromagnética e as substâncias que compõem em suas mais

diversas manifestações.

Por sua vez, Sistemas de Informações Geográficas são definidos como:

[...] um sistema constituído por um conjunto de programas computacionais o qual

integra dados, equipamentos e pessoas com o objetivo de coletar, armazenar, recupe-

rar, manipular, visualizar e analisar dados espacialmente referenciados em um siste-

ma de coordenadas conhecido. (FITZ, 2008, p. 15)

Ferreira (2007) faz uma abordagem teórica sobre os fundamentos dos SIG’s

explicitando que esses se desenvolveram a partir da necessidade da Nova Geografia trabalhar

uma quantidade grande de dados que demandavam análises espaciais cada vez mais

complexas e que a sobreposição de cartas e mapas não possibilitavam. O autor enfatiza que:

as técnicas de análises espaciais disponíveis em um sistema de informações

geográficas foram concebidas sem a necessidade prioritária de computadores –

surgiram como produtos da tradição geométrica ou espacial da geografia anglo-

saxônica dos meados do século XX. (FERREIRA, 2007. p. 105)

Ainda sobre os fundamentos dos SIG’s, Ferreira (2007, p.105 e p.112) aborda

brevemente os estudos de Sack (1973; 1974a; 1974b), nos quais podemos encontrar as bases

da análise espacial produzida atualmente em SIG, e Berry (1964), no qual estabeleceu as

bases da escola espacial, contribuindo involuntariamente para o desenvolvimento das

funções espaciais de análise espacial para SIG. Ambos compõem o quadro de autores da

Nova Geografia e abordam em suas determinadas obras conceitos fundamentais para o leque

de ferramentas e técnicas que temos disponíveis nos softwares de SIG, mas que tiveram

origens nas formas geométricas dos mapas, por exemplo, dependência espacial, análise de

vizinhança, matriz geográfica e etc. Sobre a escola espacial geográfica e o comportamento do

geógrafo que à segue, Ferreira (2007, p.105) afirma que esta agrupa toda a porção da ciência

geográfica praticada pela cartografia, a análise espacial e o sistema de informação

23

geográfica, cujo elemento de interface é o mapa, por sua vez, Sack (1974b, p.447) apud

Ferreira (2007, p.106) afirma que o pensamento espacial estabelece que o geógrafo deve

prestar atenção destacada ao arranjo espacial do fenômeno e não ao fenômeno em si.

O advento tecnológico possibilitou a transposição das formas geométricas dos

fenômenos geográficos em mapas e cartas (papel) e os fundamentos teóricos da análise

espacial para dentro dos hardwares representados nos softwares a parir de algoritmos lógico-

matemáticos, originando os Sistemas de Informações Geográficas. Longley et al (2013, p. 19)

apresentam uma tabela histórica com diversas iniciativas ao redor do mundo que de alguma

forma contribuíram para o SIG na sua concepção atual, e mostram a ligação intrínseca dos

SIG’s com a Geografia. No entanto, é comum na literatura a referência como primeiro SIG o

CGIS (Canadian Geographic Information System) que foi criado pelo Departamento

Canadense de Florestas e Desenvolvimento Regional na década de 1960.

A sua finalidade era a detecção baseada em mapas e a classificação dos enormes

recursos naturais do Canadá, bem como servir de apoio para o planejamento do uso

dos recursos hídricos e da acessibilidade por estradas. Já naquela época havia

preocupação com aspectos de proteção ao meio ambiente, como, p.ex., a detecção de

demandas de habitat de populações de animais silvestres. (LANG E

BLASCHKE, 2008. p. 43)

Assim, Lang e Blaschke (2008) afirmam que os Sistemas de Informações

Geográficas tiveram suas raízes no planejamento de paisagens e do meio ambiente. (p. 41),

acrescentam que A utilização de Sistemas de Informações Geográficas tem uma longa

tradição, especialmente no planejamento de paisagem e do meio ambiente em nível

internacional... (p.45). Nessa referida obra os autores trazem uma série de experiências

concretas e possibilidades de aplicação dos SIG’s para análise da paisagem e do meio

ambiente. Esses fatos tornam o SIG e suas potencialidades, que vão além de visualização e

representação, elemento fundamental para os estudos de análise integrada da paisagem, por

possibilitar uma abstração holística do mundo real decomposto e sobreposto, ao mesmo

tempo, em camadas ou planos de informação (layers), através da modelagem de dados

geográficos (formatos raster e vetorial), transformando a paisagem real em paisagem digital.

Concebidos em linguagem matemática a paisagem digital e os produtos de

Sensoriamento Remoto possibilitaram no ambiente SIG uma infinidade de aplicações que

crescem cada vez mais a medida que o sensores remotos avançam tecnologicamente e os

SIG’s alcançam outras áreas do conhecimento cientifico. A álgebra de mapas é uma das

diversas possiblidades de análise espacial que se tem disponível para trabalharmos de maneira

eficiente o estudo integrado da paisagem, consiste na obtenção de um plano de informação (ex.

fragilidade) que é uma síntese de tantos outros planos de informação, (solos, geologia, uso da

24

terra e etc.) que se possam ou queiram trabalhar integrados em um SIG, através da aplicação

de expressões matemáticas entre os planos de informação individual.

Ziv Naveh apud Lang e Blaschke (2008, p.41), afirma que SIG e Sensoriamento

Remoto são as mais importantes ferramentas holísticas para análise, planejamento e gestão

de paisagem (Prefácio em Bastian e Steinhardt, 2002, p. 25).

[...] a analise espacial apoiada em SIG objetiva fundamentalmente gerar novas

informações, o que se dá por meio da manipulação e integração com camadas de

dados já existentes. Essa nova geração de informações serve para apoiar decisões

referentes a áreas. [...] A análise como um processo aqui pode resultar em um grau

variável de complexidade. Sistemas modernos e mais complexos de apoio a tomada

de decisão oferecem, p.ex., as opções de combinação das mais diferentes camadas

de entrada, dando diferentes pesos para vários critérios de decisão. (LANG E

BLASCHKE, 2008, p.63)

Na primeira secção desse capítulo foram abordadas algumas concepções teóricas e

metodológicas de estudo integrado da paisagem e seus fundamentos apoiados nos princípios

sistêmicos. De todas as possibilidades apresentadas, apenas Crepani et al (2001) já nasce “em

meio digital” quando as bases geotecnológicas para estudo do estrato geográfico já estão

consolidadas através dos SIG’s e do Sensoriamento Remoto e passando por evoluções

constantes. Como mencionando anteriormente as UTB’s (Unidades Territoriais Básicas) são

informações geográficas sínteses de outros planos de informação obtidas justamente por

álgebra de mapas, porém, todas as outras metodologias são passiveis de ser trabalhadas em

ambiente SIG devido a disponibilidade e facilidade atual de obter dados geográficos primários

e secundários (solos, vegetação, geologia e etc.), necessários para análise holística da

paisagem, produzidos principalmente através de técnicas de Sensoriamento Remoto além do

imprescindível trabalho de campo.

O final dos anos 60 já estava adotando a imagem orbital como um novo paradigma

da análise espacial, fosse pela visão sintética dela resultante como pela capacidade

de geração de grandes quantidades de dados terrestres obtidos por sensores

programados para diferentes faixas do espectro eletromagnético (FERREIRA, 2007,

p. 118)

Atualmente várias informações geográficas na escala geossistêmica (unidade dimen-

sional compreendida entre alguns quilômetros quadrados e algumas centenas de quilômetros

quadrados (BERTRAND, 1972, p.146)) necessárias para elaborar um produto síntese de um

estudo integrado da paisagem por meio de um SIG podem ser produzidas com apoio de Sen-

soriamento Remoto. Exemplo disso são os mapas de uso e cobertura da terra que podem ser

pré-idenficados através das imagens de sensores orbitais levando em consideração, além de

outros fatores, a diferenciação no nível de radiação eletromagnética refletida pelos diversos

25

elementos na superfície terrestre. Também, variáveis geomorfométricas podem ser extraídas

de um modelo digital de elevação para colaborar no mapeamento detalhado de solos (COE-

LHO, 2010, p.17).

O Sensoriamento Remoto orbital e suborbital contribuíram muito para o mapeamento

geomorfológico, principalmente através das imagens suborbitais de Radar e dos Modelos

Digitais de Elevação obtidos por sensores orbitais de micro-ondas. Um exemplo disso é o

mapeamento geomorfológico realizado pelo Projeto RADAM BRASIL, entre as décadas de

1970 e 1985, que teve sua metodologia alterada positivamente quatro vezes nesse período por

influência das técnicas de fotointerpretação sobre imagens do radar (PROJETO RADAM

BRASIL, 1984, p.11-22).

Florenzano (2008) aborda um histórico da Geomorfologia e suas tecnologias atuais

apresentando uma evolução teórica, metodológica e técnica do mapeamento geomorfológico.

A autora destaca que:

Atualmente a Geomorfologia dispõe de uma variedade de dados e técnicas de

sensoriamento remoto que fornecem níveis de informação sem precedentes. Os

avanços tecnológicos dos novos sensores remotos, que produzem imagens com

melhor resolução espacial, espectral, radiométrica e temporal, além do recurso

estereoscópico, permitem ao especialista em Geomorfologia mapear, medir e estudar

uma variedade de fenômenos geomorfológicos com maior rapidez e precisão.

Recentemente, vêm sendo obtidos pares estereoscópicos digitais por sensores

ópticos, a bordo de satélites, bem como dados topográficos orbitais de radar

interferométricos, como os da missão SRTM (Shutlle Radar Topographic Mission).

Esses dados permitem visualizar o espaço geográfico em três dimensões e, com o

uso se SIG, obter, de forma automática, variáveis morfométricas (altitude,

declividade, orientação de vertentes etc.) que são essenciais nos estudos

geomorfológicos, entre outros. (FLORENZANO, 2008, p.120)

Valeriano (2008, p.73-93) apresenta algumas técnicas de Sensoriamento Remoto em

ambiente SIG para obtenção de dados topográficos para fins de caracterização morfométrica

do relevo, como exemplo, comprimento de vertentes, curvatura do relevo, relevo sombreado,

densidade de drenagem, amplitude do relevo e etc. O mesmo autor é responsável pelo desen-

volvimento e execução do projeto TOPODATA (INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Es-

paciais) que consiste na construção e disponibilização de um banco de dados geomorfométri-

cos para todo o território brasileiro, a partir do tratamento dos produtos do SRTM, no qual

podemos ter acesso a dados sobre a declividade, orientação de vertentes, relevo sombreado,

curvatura do relevo, entre outros dados, importantes para os estudos de geomorfologia. Silva

e Rodrigues (2009) também apresentam procedimentos metodológicos para mapeamento ge-

omorfológico do primeiro ao terceiro táxon (de acordo com a classificação de Ross 1992),

sobre produtos de Sensoriamento Remoto e apoiadas em SIG, através de análises espaciais de

“vizinho mais próximo”. Ambos os trabalhos representam parte dos procedimentos que temos

26

disponíveis quando integramos as tecnologias de imageamento remoto em ambiente computa-

cional.

Assim, visto o que foi apresentado até aqui, o trabalho atual apresenta o

desenvolvimento de uma metodologia para caracterização do relevo, através dos índices de

dissecação do relevo apresentados por Ross (1996), identificando e quantificando duas

variáveis morfométricas: grau de entalhamento dos vales e comprimento médio dos

interflúvios.

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

3.1.DEFINIÇÕES

Antes de adentrarmos a metodologia é importante trabalharmos algumas definições

que foram tomadas para embasar o trabalho tecnicamente.

Guerra (1993) define relevo dissecado como a parte da crosta terrestre sulcada com

grande vigor pela rede hidrográfica (p.168) ou paisagens trabalhadas pelos agentes erosivos.

(p.108) Assim a dissecação do relevo vai se apresentar de forma heterogênea ao longo de toda

a superfície terrestre, pois, os agentes erosivos se distribuem irregular no tempo e no espaço

colaborando na formação de diversos tipos de paisagens. Para representar a metodologia pro-

posta nesse trabalho optou-se pela matriz de dissecação do relevo apresentada por Ross (1996,

p.313-314) na qual o autor utiliza as duas variáveis morfométricas, grau de entalhamento dos

vales X dimensão interfluvial média.

Para representar o grau de entalhamento dos vales optou-se por utilizar a amplitude

relativa do relevo que é a diferença entre os pontos mais altos e mais baixos, considerada em

um nível relativo (GUERRA, 1993, p.24) por área amostral, que tem relação com o aprofun-

damento da drenagem, assim, podemos defini-la como Dissecação Vertical (DV). Por sua vez,

a dimensão interfluvial média é a medição do tamanho dos interflúvios em determinada por-

ção da superfície terrestre, Guerra (1993, p.237) define interflúvios como pequenas ondula-

ções que separam os vales. Essa variável morfométrica pode ser definida como Dissecação

Horizontal (DH).

Cruzando os valores obtidos na quantificação dessas variáveis morfométricas chega-

se aos Índices de Dissecação do relevo que nos fornecem informações sobre a energia poten-

cial (ou potencial erosivo) disponível em determinada porção da superfície terrestre. Informa-

ções essas que são imprescindíveis utilizá-las para racionalizar qualquer intervenção antrópica

27

nas unidades de paisagens, visto que, a ação humana sem uma análise prévia da dinâmica das

paisagens pode potencializar os processos dentro das unidades de paisagens.

3.2.MATERIAIS E MÉTODOS

Como já mencionado anteriormente o modelo digital de terreno SRTM é a base do

desenvolvimento desse trabalho. Foi adquirido seguindo os procedimentos contidos em Erth

Explorer Help Documentation, USGS (2013), e posteriormente recortado para a área de inte-

resse a fim de facilitar o manuseio no software como também diminuir o tempo de processa-

mento. Esse recorte deve estar com uma distância considerável (para este trabalho foi adotado

um buffer de 3km) da área efetiva de estudo, pois, caso o contrário, as análises podem ser

prejudicadas. Após aquisição e recorte, é imprescindível a aplicação da ferramenta fill para

correção de depressões inexistentes que são oriundas de falhas durante a obtenção do modelo

pelo sensor orbital. Caso não corrigidas essas depressões podem influenciar negativamente

nos dados da Dissecação Vertical, principalmente. O software utilizado foi ArcMap 10.0 cedi-

do pela Faculdade Escola de Engenharia de Agrimensura da Bahia, no entanto, todos os pro-

cedimentos foram testados no software Quantum GIS versão 2.14.20 e apresentaram os mes-

mos resultados.

O procedimento seguinte é usar a calculadora de campo para inverter a topografia da

área representada pelo raster gerado no último processo multiplicando o por -1 (esse procedi-

mento inverte os valores de altitude do MDE possibilitando que o fluxo seja direcionando

para os topo dos morros invertidos). Finalizado esse processamento, aplica-se a ferramenta

Flow direct sobre o raster invertido para que o fluxo seja calculado em direção aos topos dos

morros. Em seguida aplica-se a ferramenta basin sobre o raster gerado após o último proce-

dimento para delimitar a base de cada morro da área de estudo. Os procedimentos menciona-

dos até aqui foram desenvolvidos por Hott et al (2005, p.3061-3068). Esse último raster gera-

do deve ser convertido para formato vetorial, pois, será a malha vetorial utilizada para os pro-

cedimentos de estatística por zona. Assim, já com a camada convertida aplica-se a ferramenta

zonal statistic table sobre o modelo digital de terreno (o que foi corrigido) usando a camada

de morros como malha para extrair as informações necessárias do terreno para cada área de

morro. De todas informações geradas na tabela apenas o campo “RANGE” será utilizado para

representar os valores de amplitude do relevo. Todos os procedimentos descritos até aqui são

realizados para a extração da Dissecação Vertical (DV), a seguir serão descritos os procedi-

mentos para extrair a Dissecação Horizontal (DH).

28

Para representar a Dissecação Horizontal (DH) utilizou-se a malha vetorial dos inter-

flúvios obtendo através de cálculos matemáticos algumas características desses polígonos.

Christofoletti (1970, p.113-117) apresenta uma série de fórmulas que são utilizadas para aná-

lise areal das bacias hidrográficas, para este trabalho utilizou-se área da bacia (A): polígono

que circunda toda uma rede de drenagem, limitado pelos divisores de água da mesma bacia; e

comprimento da bacia (L): é a distância medida em linha reta entre a foz e determinado ponto

do perímetro, que assinala equidistância no comprimento do perímetro entre a foz e ele.

(CHRISTOFOLETTI, 1970, p.113). Além da largura média da bacia (�̅�) que é a projeção de

vários segmentos de retas perpendicular ao traçado do rio principal (GRH-UFBA, 2005, p.10).

e o perímetro (P) que consiste em vários seguimentos de retas que contorna a bacia sob os

divisores de água. Por serem mais complexos que os demais cabe aqui destacar duas fórmulas

utilizadas para calcular o comprimento da bacia e a largura média das mesmas.

Para calcular o comprimento da bacia (L) utiliza-se a fórmula:

𝐿 =𝑃

2

Por sua vez a largura média da bacia (�̅�) é medida através da fórmula:

�̅� =𝐴

𝐿

Esses cálculos são aplicados aos estudos de área de bacias hidrográficas, no entanto,

aqui, aplicaram-se os mesmo procedimentos para obter os mesmo resultados para as áreas da

camada vetorial dos interflúvios, visto que assim como as bacias hidrográficas esses também

são polígonos. Assim alcançamos os resultados necessários para dimensionar os interflúvios e

representa-los através da Dissecação Horizontal na matriz de dissecação do relevo.

Prosseguindo com a metodologia, a ferramenta calculadora de campo foi utilizada

para realizar todos os cálculos mencionados à seguir. O primeiro passo é calcular a área e o

perímetro dos polígonos de interflúvios. Em seguida aplica-se a primeira fórmula para extrair

o comprimento dos interflúvios (ou comprimento axial), após este procedimento, deve-se

aplicar a segunda fórmula para obter a dimensão média dos interflúvios. Ainda com a calcu-

ladora de campo criam-se dois campos. O primeiro deve conter a classificação dos polígonos

de interflúvios de acordo com a metodologia definida para representar somente para a Disse-

cação Horizontal (ROSS, 1996). O segundo deve conter a classificação dos polígonos de

acordo com os índices da Matriz de Dissecação do Relevo, sendo a junção dos dois campos

(Dissecação Vertical e Dissecação Horizontal) previamente classificados.

29

Figura 4: procedimentos e ferramentas de SIG utilizadas para a metodologia a partir da entrada do MDE.

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES

A metodologia em questão foi desenvolvida visando a sua aplicação às metodologias

de fragilidade ambiental de Ross (1996) de Crepani et al (2001) (figura 2) que, entre outros

usos, são aplicadas aos estudos de zoneamento territorial e ambiental, porém, os mesmos pro-

cedimentos podem ser realizados e classificados visando outras propostas, como exemplo,

IBGE (2009). Através dessa metodologia foi possível extrair os índices de dissecação do rele-

vo para cada área de interflúvio que somados representaram bem as características do relevo

da sub-bacia hidrográfica onde foi aplicada. Os procedimentos desenvolvidos se caracterizam

como automação de procedimentos já realizados manualmente.

30

Figura 5: padrões de dissecação do relevo segundo Ross (1996). Fonte: Crepani et al (2001, p .79)

Ross (2005, p.75) apresenta brevemente como eram os procedimentos para extrair a

morfometria do relevo quando não se tinha disponível as geotecnologias atuais. Resumiam-se

em medições manuais sobre cartas topográficas e imagens de radar que em muitas situações

tinham usos limitados por se constituírem produtos impressos em uma determinada escala

fixa. Como exemplo, as imagens de radar do Projeto RADAM BRASIL impressas na escala

de 1:250.000, nas quais a metodologia apresentada por Ross (1990) se baseia. Essas caracte-

rísticas dos produtos e procedimentos davam origem a resultados generalistas visto que o au-

tor cita em seu trabalho que os valores eram retirados em área amostrais. Oliveira (2013,

p.225) (Figura 6) e IBGE (2009, p.45), sob o aporte geotecnológico disponível em seu tempo

utilizaram perfis topográficos gerados sob Modelo Digital de Elevação em ambiente de Sis-

temas de Informações Geográficas e posteriormente mediram o grau de entalhamento dos

vales e o comprimento médio dos interflúvios de maneira semiautomática com ferramentas

31

disponíveis nesses sistemas. Posteriormente, é feito cálculos de média entre os valores encon-

trados para obter os valores definitivos para cada área em estudo.

A depender do tamanho da área em que se deseja realizar tais análises as duas técni-

cas apresentadas por último para extrair os índices de dissecação do relevo pode demandar

muito tempo por combinar procedimentos manuais e automáticos. Além disso, por analisar

trechos através dos perfis topográficos podem trazer resultados mais generalistas, visto que

esses devem ser aplicados às manchas de padrões de relevo semelhantes e ter seus resultados

generalizados para cada tipo de mancha.

Figura 6: representação dos procedimentos realizados por Oliveira (2010)

Comparando o mapa dos interflúvios (índices de dissecação do relevo) (Mapa 4) com

o mapa hipsométrico visualmente percebe-se que os resultados mostram uma inversão: os

tabuleiros conservados que no mapa hipsométrico apresentam-se visualmente como menos

dissecados, após a aplicação de metodologia essa mesma área apresentou resultados de áreas

muito dissecadas. Os dados mostraram que nessa unidade geomorfológica predominam em

sua maior parte interflúvios com 40 metros de desnível em pequenas áreas, assim, os dados

representam fielmente as características do relevo. O mesmo fato não ocorreu com os tabulei-

ros dissecados que visualmente apresentam-se mais dissecados e os resultados representam

essa informação.

Por representar as características do relevo da sub-bacia foram gerados automatica-

mente polígonos de diversos tamanhos e formas. Um controle de campo foi realizado em um

trecho da área para averiguar polígonos que possuem área e altimetria duvidosa (pequenos

polígonos com baixa altimetria relativa), assim, foi constatado que são formas de relevo muito

suave que quase passaram despercebidas ao atravessá-los em campo. As formas variadas e,

talvez, pouco harmônicas estão associadas às características do Modelo Digital de Elevação

utilizada que possui resolução espacial de 30m, dessa forma, quanto menor a resolução espa-

32

Mapa 4:dissecação de relevo da BHRJ de acordo com a metodologia desenvolvida.

33

cial desses produtos base para a metodologia mais harmoniosa será as formas dos polígonos

gerados.

Foi definida para representação a escala de 1:82.000. No entanto, o produto gerado

possibilita sua aplicação em escalas até 1.250.000, pois, os resultados podem ser representa-

dos através da malha vetorial dos interflúvios (morros) ou generalizados para outros recortes

de análises, inclusive, ser associados às manchas de padrões de formas de relevo semelhantes

referentes ao terceiro táxon da metodologia de mapeamento geomorfológico de Ross (1992).

O uso dessa metodologia em escalas de detalhes não é aconselhável por ser, a dissecação, um

fenômeno relacionado com a rugosidade topográfica que se torna não representativa em esca-

las maiores. Ross (1994, p.66) orienta que devem ser utilizadas as classes de declividade. Os

resultados obtidos foram classificados de acordo com a Matriz de Dissecação do Relevo apre-

sentada por Ross (1996, p.314). Assim, na sub-bacia hidrográfica onde se aplicou a proposta

foram identificadas as determinadas classes de fragilidade representadas no Mapa 4.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A metodologia desenvolvida para obtenção dos índices de dissecação do relevo a

partir de análises espaciais apresentou resultados satisfatórios e representativos das caracterís-

ticas do relevo da área de estudo o que a torna replicável para outras áreas principalmente pela

praticidade dos procedimentos envolvidos. No entanto, deve-se tomar cuidado com aplicações

em áreas de relevo cárstico, pois, o imageamento por radar associado a resolução espacial do

produto utilizado nesses procedimentos (SRTM 30 m) pode homogeneizar a superfície desses

ambientes, dessa forma, não identificando algumas características desses relevos como exem-

plo as dolinas. O uso de MDE’s com resolução menor que 30m possivelmente possam ser

aplicados para essas áreas e apresentem resultados mais fies as características reais do terreno.

Os resultados foram classificados de acordo com a metodologia da Matriz de Disse-

cação do Relevo de Ross (1996), o que não impede que os valores obtidos sejam atribuídos à

outra metodologia, como Crepani et al (2001) ou IBGE (2009) ou até mesmo sejam categori-

zados livremente por quem aplicá-la, visto que podem ser muito distante dos resultados obti-

dos através de perfis topográficos e medições em cartas topográficas, dessa forma, abrindo

novas possibilidades para a obtenção de índices de dissecação e, ou mesmo, avaliação do que

já foi produzido.

Essa diferença foi constatada em uma breve comparação realizada entre o que foi

proposto nesse trabalho com os resultados do mapeamento geomorfológico realizado pelo

34

IBGE (2014) para a folha SD24 que contém a área de aplicação, na qual os resultados dos

índices de dissecação do relevo apresentaram-se muito distintos. Assim, chega-se em um dos

objetivos futuros que é comparar de forma mais aprofundada a metodologia proposta com

outras metodologias que são utilizadas atualmente, incluindo, propostas automáticas de mape-

amento da rugosidade topográfica. Posteriormente, pretende-se aplicar a metodologia de dis-

secação automática à um estudo completo de fragilidade ambiental proposto por Ross (1994).

Os resultados obtidos podem ser generalizados para associá-los aos Padrões de for-

mas semelhantes, referente ao terceiro táxon na metodologia de mapeamento geomorfológico

de ROSS (1992). Exemplo disso, em uma breve análise feita no mapa dos índices de disseca-

ção do relevo poderia associar o índice “54” para toda a serra no setor oriental da sub-bacia

visto que esse resultado é que predomina para esse padrão de relevo.

Por fim, a validação da metodologia somada à simplicidade dos processos (análises

espaciais e cálculos geométricos) envolvidos no desenvolvimento da mesma abre a possibili-

dade para aplicar linguagem de programação aos procedimentos gerando um algoritmo ou

ferramenta que possibilite, a partir da entrada do dado primário (MDE SRTM), de maneira

totalmente automática, obter os índices de dissecação do relevo para qualquer ambiente.

35

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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