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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO FUNÇÕES EXECUTIVAS: HABILIDADES MATEMÁTICAS EM CRIANÇAS COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA) Salvador - Bahia 2016 DIANA MARIA PEREIRA CARDOSO

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

    FACULDADE DE EDUCAO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

    FUNES EXECUTIVAS: HABILIDADES MATEMTICAS EM

    CRIANAS COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA)

    Salvador - Bahia

    2016

    DIANA MARIA PEREIRA CARDOSO

  • DIANA MARIA PEREIRA CARDOSO

    FUNES EXECUTIVAS: HABILIDADES MATEMTICAS EM

    CRIANAS COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA)

    Tese apresentada ao Programa de Pesquisa e Ps-

    graduao em Educao, Faculdade de Educao

    da Universidade Federal da Bahia, como pr-

    requisito para obteno do grau de Doutora em

    Educao.

    Orientador: Prof. Dr. Flix Marcial Daz

    Rodriguez

    Linha de pesquisa Educao e diversidade

    Salvador

    2016

  • SIBI/UFBA/Faculdade de Educao Biblioteca Ansio Teixeira

    Cardoso, Diana Maria Pereira.

    Funes executivas : habilidades matemticas em crianas com transtorno

    do espectro autista (TEA) / Diana Maria Pereira Cardoso. - 2016.

    159 f. : il.

    Orientador: Prof. Dr. Flix Marcial Daz Rodriguez.

    Tese (doutorado) - Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Educao,

    Salvador, 2016.

    1. Crianas autistas - Educao. 2. Capacidade matemtica. 3. Autismo em

    crianas. 4. Autismo. 5. Capacidade de aprendizagem. I. Daz Rodriguez,

    Flix Marcial. II. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Educao. III.

    Ttulo.

    CDD 371.94 - 23. ed.

  • DIANA MARIA PEREIRA CARDOSO

    FUNES EXECUTIVAS: HABILIDADES MATEMTICAS EM CRIANAS COM

    TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA)

    Tese apresentada como requisito parcial para a obteno do grau de Doutora em

    Educao, tendo sido julgada e aprovada pela Banca Examinadora formada pelos

    professores:

    Aprovada em: 10 de junho de 2016

    Prof. Dr. Flix Marcial Daz Rodriguez orientador _______________________________

    Doutor em Cincias Pedaggicas pela Universidad Pedaggica Enrique Jos Varona UPEJV-

    Cuba.

    Prof. Dr. Telma Pantano - ___________________________________________________

    Doutora em Cincias (Fisiopatologia Experimental) Universidade de So Paulo - USP

    Prof. Dr. Jos Neander Silva Abreu _____________________________________________

    Doutor em Psicologia (Neurocincias e Comportamento) Universidade de So Paulo - USP

    Prof. Dr. Miguel Angel Garcia Bordas - __________________________________________

    Doutor em Filosofia Universidad Complutense de Madrid - UCM

    Prof. Dr. Maria Virgnia Machado Dazzani - _____________________________________

    Doutora em Educao Universidade Federal da Bahia - UFBA

    Prof. Dr. Alessandra Santana Soares e Barros - ___________________________________

    Doutorado em Cincias Sociais Antropologia Universidade Federal da Bahia - UFBA

    Prof. Dr. Antonio Eugenio Cunha - ______________________________________________

    Doutor em Educao Universidade Estcio de S

  • Dedico esta Tese a todas as crianas e adolescentes com

    Transtorno do Espectro Autista, incluindo seus pais,

    professores e demais profissionais comprometidos com

    esse trabalho.

  • AGRADECIMENTOS

    A gratido um sentimento que traduz reconhecimento e emoo. Agradecer

    manifestar carinho e relembrar de todas as pessoas que contriburam para a realizao desta

    conquista profissional. Espero ento que este trabalho sirva de contribuio para os

    profissionais comprometidos com o atendimento educacional de crianas que apresentam o

    Transtorno do Espectro Autista (TEA).

    Foram quatro anos exercitando a flexibilidade cognitiva, enfrentando momentos de

    sonho, de incerteza, de angstia, de persistncia e de concretizao da presente tese. Durante

    essa caminhada tive a oportunidade de encontrar pessoas maravilhosas que acreditaram e

    colaboraram para que eu prosseguisse com o tema desta pesquisa.

    Comeo agradecendo a Deus, Iemanj, a So Jorge pela proteo e orientao

    espiritual; em seguida agradeo aos meus pais Jos Daniel e Ana Maria e tambm minha

    famlia, especialmente minha tia Lcia Maria, pelo carinho e compreenso.

    Agradeo ao meu orientador Flix Daz, que se mostrou interessado pela temtica,

    pelo acolhimento, confiana e autonomia para que eu pudesse ter a liberdade de construir e

    reconstruir vrias vezes meu projeto de tese, a partir das diversas contribuies obtidas.

    Agradeo especialmente Telma Pantano pelo interesse e cooperao, atravs das

    discusses e orientaes fornecendo subsdios importantes para a realizao desta tese.

    Agradeo tambm Roberta Bortoloti pela oportunidade de trocarmos ideias e

    refletirmos sobre a pesquisa.

    Agradeo Nayara Argolo, Eliana Arajo, aos professores que conheci no curso de

    Neuroeducao (CEFAC/SP) e a todos que eu tive a oportunidade de dialogar sobre o tema

    desta pesquisa.

    De modo especial, quero agradecer Mnica Barreto, minha amiga e colega de

    trabalho e de doutorado, pelas valiosas opinies e pelo companheirismo nos eventos e

    discusses que serviram de aportes para a pesquisa.

    Agradeo a todos os professores, funcionrios do Programa de Ps-graduao da

    Faculdade de Educao da UFBA.

    Agradeo Adrielle Matos, Erica Bastos, Irenilson Barbosa e demais colegas do

    Curso pela troca de ideais, incentivo e experincias.

    Agradeo tambm ao diretor do CAEE-PB Ricardo Baqueiro e s crianas que fizeram

    parte da pesquisa e seus respectivos pais. Estendo os meus agradecimentos aos meus colegas

    de trabalho do CAEE-PB, minha amiga Graa Almeida, Aydil Muhana, Cristina Kaiow,

    Valria Macedo, Anailton Ges e a todos que contriburam de modo peculiar para a

    concretizao desta tese.

    Enfim, agradeo aos professores Flix Daz, Miguel Bordas, Telma Pantano, Neander

    Abreu, Eugenio Cunha, Alessandra Barros, Virginia Dazzani pela honra de t-los na banca

    examinadora da defesa de minha tese.

  • Conviver com o autismo abdicar de uma s forma de ver o

    mundo, percorrer caminhos que nos conduzem a uma mltipla forma de

    ver esse mesmo mundo, sem dvida falar e ouvir uma outra linguagem.

    (Cavaco, 2009, p. 129)

  • CARDOSO, Diana Maria Pereira. 2016, 159 f. il. Funes executivas: habilidades

    matemticas em crianas com transtorno do espectro autista (TEA). Tese (Doutorado em

    Educao) Faculdade de Educao, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2016.

    RESUMO

    A presente tese teve como objetivo verificar e analisar as habilidades bsicas da matemtica

    do 1 ciclo de aprendizagem do ensino fundamental I presentes na amostra de crianas com

    transtorno do espectro autista (TEA) e os comportamentos que sugerem relao com as

    funes executivas, observados por meio de atividades de matemtica utilizadas no

    atendimento educacional especializado realizado no Centro de Atendimento Educacional

    Especializado Pestalozzi da Bahia (CAEEPB). Como opo metodolgica foi adotada a

    pesquisa-ao, sob uma abordagem qualitativa. Fizeram parte desta pesquisa quatro crianas

    com diagnstico de TEA, com idade entre 8 e 10 anos, sendo trs do sexo masculino e uma do

    feminino. Atendendo ao propsito deste estudo, para a coleta de dados foram elaboradas

    quatro atividades matemticas denominadas: Cabides numerados, Pies coloridos,

    Cartes de contagem, Potes coloridos: aprendendo a classificar e a contar. De acordo com

    os dados encontrados foi possvel conhecer quais habilidades bsicas da matemtica as

    crianas pesquisadas dominam e perceber, a partir de atividades pedaggicas de matemtica,

    os comportamentos e atitudes que sugerem relao com as funes executivas como:

    flexibilidade cognitiva, controle inibitrio, memria de trabalho e ateno seletiva presentes

    nas quatro crianas que apresentam diagnstico de TEA. Embora no se possa afirmar que os

    achados sejam decorrentes de prejuzo da funo executiva, este estudo possibilitou saber o

    quanto importante e necessrio que o professor conhea mais sobre as funes executivas

    para melhor compreender os comportamentos repetitivos e perseverativos presentes nas

    crianas com TEA e, assim, saber quando e como intervir no contexto escolar.

    Palavras-chave: autismo em crianas, capacidade de aprendizagem, habilidades matemticas,

    funes executivas, transtorno do espectro autista.

  • CARDOSO, Diana Maria Pereira. 2016, 159 f. il. Executive functions: math skills in

    children with autism spectrum disorder (ASD). Thesis (Doctorate in Education) School

    of Education, Federal University of Bahia, Salvador, 2016.

    ABSTRACT

    The aim of this thesis was to verify and analyze the basic mathematical skills of the first cycle

    of elementary education I present in the sample of children with autism spectrum disorder

    (ASD) and the behaviors that suggest relation with the executive functions, observed through

    mathematics activities used in the specialized educational service performed at the Centro de

    Atendimento Educacional Especializado Pestalozzi da Bahia (CAEEPB). As a

    methodological option the research-action was adopted under a qualitative approach. This

    study included four children diagnosed with ASD, aged between 8 and 10 years, three of them

    male and one female. According to the purpose of this study, four mathematical activities

    were elaborated: "Numbered hangers", "Colored doodles", "Counting cards", "Colored pots:

    learning to classify and to count". According to the data found, it was possible to know which

    basic mathematical skills the children studied dominate and to perceive, from mathematics

    pedagogical activities, the behaviors and attitudes that suggest relation with the executive

    functions as: cognitive flexibility, inhibitory control, work memory and selective attention in

    the four children with a ASD diagnosis. Although it is not possible to say that the findings are

    due to impairment of the executive function, this study made it possible to know how

    important and necessary it is for the teacher to know more about the executive functions to a

    better understanding of the repetitive and persevering behaviors present in children with ASD,

    thus, knowing when and how to intervene in the school context.

    Key words: children with autism, ability to learn, mathematical skills, executive functions,

    autism spectre disorder.

  • LISTA DE SIGLAS

    ABC Autism Behavior Checklist

    ADI - R Autism Diagnostic Interview

    ADOS Autism Diagnostic Observation Schedule

    AEE Atendimento Educacional Especializado

    APA Associao dos Psiquiatras Americanos

    ASQ Autism Screening Questionnaire

    ATA Escala DAvaluaci Dels Trets Autistes

    BRIEF Escala Behavior Rating Inventory of Executive Functions

    CAEEPB Centro de Atendimento Educacional Especializado Pestalozzi da Bahia

    CARS Childhood Autism Rating Scale

    CDPC Conveno sobre os Direitos das Pessoas com Deficincia

    CHAT Check-list for Autism in Todlers

    CID - 10

    CNE/CEB

    Classificao Internacional de Doenas

    Conselho Nacional de Educao / Cmera de Educao Bsica

    CONADE Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficincia

    DI Deficincia Intelectual

    DSM IV Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorderes DSM 4 4 reviso

    DSM - 5 Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorderes DSM 5 5 reviso

    FACED Faculdade de Educao

    PEP - 3 Psychoeducation Profile Third Edition

    PEP - R Perfil Psicoeducacional Revisado

    PHANFE

    SECADI

    SEESP/MEC

    Programa de Habilitao Neuroeducativa das Funes Executivas

    Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao, Diversidade e Incluso

    Secretaria de Educao Especial do Ministrio da Educao

    TEA Transtorno do Espectro do Autismo

    TEACCH Theatment and Education of Autistic and Rilated Communication Handicapped

    Children, traduo - Tratamento e Educao para Autistas e Crianas com

    Deficincias Relacionadas Comunicao

    TGD Transtorno Global do Desenvolvimento

    TID Transtorno Invasivo do Desenvolvimento

    UFBA Universidade Federal da Bahia

    ZDP Zona de Desenvolvimento Potencial

    ZDPr Zona de Desenvolvimento Proximal

    ZDR Zona de Desenvolvimento Real

  • LISTA DE ILUSTRAES

    Figura 1 Regies cerebrais ................................................................................................ 43

    Figura 2 Cabides numerados ............................................................................................. 98

    Figura 3 Pies coloridos .................................................................................................. 100

    Figura 4 Cartes de contagem ......................................................................................... 102

    Figura 5 Potes coloridos .................................................................................................. 103

    Quadro 1 DSM - 5 Critrio A e Lei n 12.764/2012 Inciso 1 ........................................ 25

    Quadro 2 DSM - 5 - Critrios B e Lei n 12.764/2012 Inciso II ...................................... 26

    Quadro 3 Nveis de gravidade para transtorno do espectro autista ...................................... 31

    Quadro 4 Alteraes cerebrais presentes no TEA .............................................................. 42

    Quadro 5 Bases neurais das funes executivas a partir do caso clnico Renato1 ............... 77

    Quadro 6 Bases neurais das funes executivas a partir do caso clnico Renato 2 .............. 78

    Quadro 7 Participantes da pesquisa ................................................................................... 97

    Quadro 8 Habilidades - Atividade: Cabides numerados ................................................ 100

    Quadro 9 Habilidades - Atividade: Pies coloridos ...................................................... 101

    Quadro 10 Habilidades - Atividade: Cartes de contagem ............................................ 103

    Quadro 11 Habilidades - Atividade: Potes coloridos: aprendendo a classificar e a contar

    .......................................................................................................................................... 104

    Quadro 12 Sntese da anlise da criana HB .................................................................... 107

    Quadro 13 Sntese da anlise da criana IC ..................................................................... 116

    Quadro 14 Sntese da anlise da criana JS ..................................................................... 123

    Quadro 15 Sntese da anlise da criana PN .................................................................... 130

    Quadro 16 Sntese da anlise da criana HB .................................................................... 135

    Quadro 17 Sntese da anlise da criana IC ..................................................................... 136

    Quadro 18 Sntese da anlise da criana JS ...................................................................... 136

    Quadro 19 Sntese da anlise da criana PN .................................................................... 137

    Quadro 20 Sntese das habilidades matemticas conquistadas pelas crianas com TEA ... 137

    Quadro 21 Atitudes e comportamentos observados nas crianas com TEA que sugerem

    envolvimento com as funes executivas ........................................................................... 139

  • SUMRIO

    1 INTRODUO ............................................................................................................... 12

    2 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA) .................................................... 20

    2.1 BREVE HISTRICO DO PROCESSO DE CONCEITUAO DO TRANSTORNO DO

    ESPECTRO AUTISTA: REFLEXES PARA O CONTEXTO EDUCACIONAL .............. 20

    2.2 CARACTERIZAO E CRITRIOS DE DIAGNSTICO DO TEA (DSM - 5) .......... 27

    2.3 DETECO E DIAGNSTICO DO TEA: A INTERFACE ENTRE O OLHAR DO

    PROFISSIONAL DE EDUCAO E O OLHAR DO PROFISSIONAL DE SADE ......... 35

    2.4 ESTRUTURAS CEREBRAIS DO TEA: CONHECENDO UM POUCO MAIS DO

    TRANSTORNO .................................................................................................................. 42

    3 COMPREENDENDO O TEA A PARTIR DAS TEORIAS COGNITIVAS ................ 45

    3.1 TEORIA DA FUNO EXECUTIVA .......................................................................... 48

    3.1.1 Alteraes Cognitivas e Comportamentais em Crianas e Adolescentes com TEA:

    Dficits nas Funes Executivas ........................................................................................ 56

    3.1.2 Flexibilidade Cognitiva ............................................................................................. 62

    3.1.3 Memria de Trabalho ............................................................................................... 67

    3.1.4 Ateno Seletiva ........................................................................................................ 70

    3.1.5 Controle Inibitrio .................................................................................................... 71

    3.2 BREVES NOES DAS BASES NEURAIS DAS FUNES EXECUTIVAS:

    FALANDO PARA PROFESSORES .................................................................................... 72

    4 CONTRIBUIES DA NEUROCINCIA PARA O PROCESSO DE ENSINO E DE

    APRENDIZAGEM DE CRIANAS COM TEA. ............................................................ 80

    5 PROCESSO DE ENSINO E DE APRENDIZAGEM DA MATEMTICA EM

    CRIANAS COM TEA ..................................................................................................... 89

    6 METODOLOGIA ........................................................................................................... 95

    6.1 ESTRUTURA DA PESQUISA E PERCURSO METODOLGICO .............................. 95

    6.2 PARTICIPANTES: COMPOSIO DA AMOSTRA.................................................... 96

    6.3 INSTRUMENTOS E PROCEDIMENTOS DA COLETA DOS DADOS ....................... 97

    7 ANLISE E DISCUSSO DOS DADOS: RESULTADOS DA PESQUISA ............. 106

    8 CONSIDERAES FINAIS ........................................................................................ 141

    REFERNCIAS ............................................................................................................... 144

    APNDICE ...................................................................................................................... 155

  • 12

    1 INTRODUO

    O Transtorno do Espectro Autista (TEA), conhecido anteriormente como Transtorno

    Global do Desenvolvimento (TGD) e Transtorno Invasivo do Desenvolvimento (TID) vem

    sendo objeto de estudo de muitos pesquisadores nos ltimos anos.

    Na 5 edio do Manual Diagnstico e Estatstico de Transtornos Mentais (DSM - 5),

    o TEA faz parte do grupo de transtornos do neurodesenvolvimento, que se manifesta no incio

    do perodo do desenvolvimento infantil, s vezes, em idade muito precoce, at mesmo antes

    de a criana ingressar na escola (APA, 2014).

    O TEA caracterizado por dficits persistentes na comunicao social e interao

    social, incluindo tambm a presena de padres restritos e repetitivos de comportamento,

    interesses ou atividades presentes em mltiplos contextos, manifestados atualmente ou por

    histria prvia (APA, 2014).

    A incluso de alunos com TEA no ensino comum tem sido uma realidade. De acordo

    com a Lei 12.764/12 (BRASIL, 2012), que institui a Poltica Nacional de Proteo dos

    Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, so assegurados os mesmos direitos

    da pessoa com deficincia, dentre eles, o acesso educao, tanto na educao bsica quanto

    no ensino profissionalizante e, quando necessrio, dever ser disponibilizada ao aluno com

    TEA a presena de um profissional de apoio.

    No estado da Bahia, com base no Censo Escolar de 20151, o nmero de alunos com

    TEA matriculados em escolas regulares da rede pblica e privada de ensino corresponde a um

    quantitativo de 2.111 alunos, sendo 536 matriculados na educao infantil, 1.484 no ensino

    fundamental, 24 no ensino mdio e 67 matriculados na educao de jovens e adultos.

    Especialmente na cidade de Salvador, o nmero de alunos com TEA matriculados no ensino

    fundamental corresponde a 309, sendo 93 alunos distribudos nas escolas privadas, 200 nas

    escolas da rede municipal de ensino e 16 nas escolas da rede estadual.

    Alm do acesso classe comum do ensino regular, a pessoa com transtorno do

    espectro autista tambm tem direito ao Atendimento Educacional Especializado (AEE), como

    preconiza o artigo 1 da resoluo CNE/CEB n 4/20092 (BRASIL, 2009).

    1 BRASIL. Censo Escolar Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira (INEP).

    Disponvel em: . Acesso em: 12 abr. 2016. 2 Os sistemas de ensino devem matricular os alunos com deficincia, transtornos globais do desenvolvimento e

    altas habilidades/superdotao nas classes comuns do ensino regular e no Atendimento Educacional

    Especializado (AEE), ofertado em salas de recursos multifuncionais ou em centros de Atendimento

    Educacional Especializado da rede pblica ou de instituies comunitrias, confessionais ou filantrpicas sem

    fins lucrativos.

  • 13

    De acordo com a Nota Tcnica de n 55/2013 (BRASIL, 2013), que orienta a atuao

    dos centros de AEE e a recente portaria de n 243/2016 (BRASIL, 2016), que define os

    critrios para o funcionamento, a avaliao e superviso de instituies pblicas e privadas

    que prestam atendimento educacional especializado, estabeleceu-se como uma das atribuies

    do profissional do AEE a elaborao de atividades que desenvolvam as funes cognitivas e

    que estejam de acordo com as necessidades educacionais dos alunos com deficincia,

    transtornos do espectro autista e altas habilidades.

    Desse modo, imprescindvel considerar as habilidades cognitivas, especialmente as

    funes executivas a serem desenvolvidas nas crianas e nos adolescentes com transtorno do

    espectro autista, a fim de disponibilizar estratgias e recursos pedaggicos que promovam a

    aprendizagem escolar e o desenvolvimento das funes executivas.

    Entende-se por funes executivas um conjunto de habilidades cognitivas complexas e

    superiores, especficas da espcie humana, indispensveis para iniciar e desenvolver uma

    atividade, a ponto de alcanar o objetivo final. So responsveis pela capacidade de

    autorregulao e autogerenciamento de componentes como: memria de trabalho, ateno

    seletiva, planejamento, controle inibitrio, flexibilidade cognitiva, dentre outras habilidades

    cognitivas. Essas funes so indispensveis na aquisio e no emprego das habilidades

    sociais, na realizao de tarefas do cotidiano e no desenvolvimento do processo de

    aprendizagem. Sendo assim, importante o bom funcionamento das funes executivas, pois

    estaro presentes ao longo da vida (BARROS; HAZIN, 2013).

    Nesse sentido, at o momento da presente pesquisa, pesquisadores, como, Damsio e

    Maurer (1979), Ozonoff et al. (1991), Russel (1999), Pennington e colaboradores (1999) e

    pesquisadores contemporneos, como, Bosa (2001), Czermainski, Bosa e Salles (2013)

    abordam que os prejuzos executivos encontrados nas amostras envolvendo pessoas com TEA

    esto relacionados aos seguintes componentes das funes executivas: controle inibitrio

    (CHAN et al., 2009; CHRIST et al., 2007; CHRIST et al., 2011; GEURTS et al., 2004;

    KILINASLAN et al., 2010; ROBINSON et al., 2009; VAN EYLEN et al., 2011),

    planejamento (GEURTS et al., 2004; LANDA; GOLDBERG, 2005; LUPPI et al., 2005;

    ROBINSON et al., 2009), flexibilidade cognitiva (GEURTS et al., 2004; VAN EYLEN et al.,

    2011), fluncia verbal (GEURTS et al., 2004; KILINASLAN et al., 2010), memria de

    trabalho (GEURTS et al., 2004; LANDA; GOLDBERG, 2005) e funes executivas

    associadas a atividades do dia a dia (CHAN et al., 2009).

  • 14

    Como se pode perceber, as funes executivas tm despertado interesse de vrios

    pesquisadores nacionais e internacionais, no intuito de conhecerem o funcionamento das

    funes executivas no TEA e entenderem a relao dessas funes com os comportamentos

    que caracterizam esse transtorno.

    Para melhor esclarecimento sobre as funes executivas, na qualidade de pesquisadora

    responsvel pela presente tese, direcionei-me3 na busca de informaes bsicas sobre as reas

    cerebrais envolvidas nas funes executivas abordadas por autores, como Jdar-Vicente

    (2004), Wolfe (2007), Lima e Ferreira (2015), Richaudeau (2014), porm, sem me afastar do

    compromisso educacional e tambm sem esquecer de olhar para as bases neurais das funes

    executivas com as lentes de professora e psicopedagoga.

    Extrair da literatura de outras reas cientficas informaes que dessem sentido para o

    profissional de educao, especialmente o professor do AEE, tornou-se quase uma obsesso.

    Junte-se a isso, o fato de ter como perfil profissional o interesse pela interface entre a rea da

    educao e os conhecimentos relacionados a outras reas, como neuropsicologia e

    neurocincia aplicada na rea da educao, conhecida como neuroeducao.

    A experincia profissional como professora e psicopedagoga, acerca das necessidades

    educacionais especiais apresentadas pelos alunos com deficincia intelectual e transtornos do

    espectro autista, adquirida durante 23 anos, trabalhando no Centro de Atendimento

    Educacional Especializado Pestalozzi da Bahia (CAEEPB), direcionou-me na busca de

    conhecimentos em outras reas, principalmente da neuropsicologia e da neuroeducao.

    O fato de no ter encontrado pesquisas que abordassem as funes executivas em

    crianas com TEA, numa perspectiva educacional, especialmente no espao do atendimento

    educacional especializado, tornou-se no s um desafio, mas uma ousadia, o que me motivou

    a persistir no tema. Meu desejo, enquanto profissional de educao, era ter encontrado

    estudos, j realizados anteriormente, que abordassem o exerccio das funes executivas, por

    meio de atividades pedaggicas desenvolvidas no contexto do atendimento educacional

    especializado direcionadas para crianas com TEA.

    Assim, a escassez de pesquisas e o fato dos referidos estudiosos terem encontrado

    prejuzos nas funes executivas em pessoas com TEA, me instigaram a um olhar mais atento

    para os comportamentos das crianas com TEA no contexto do atendimento educacional

    3 Mesmo ciente do entendimento de alguns quanto ao informalismo do estilo acadmico com relao ao uso da

    1 pessoa, seja no singular ou no plural, me permito utiliz-la com a formalidade adequada, em detrimento da

    diluio impessoal do sujeito na 3 pessoa, pois acredito que o texto se torna mais claro e autoral, afinal

    abordo sobre minha experincia profissional. Aproveito para registrar que a formatao desta tese est em

    conformidade ao estabelecido pela ltima verso da NBR 14724 (ABNT, 2011).

  • 15

    especializado, alm de reforarem o meu interesse pelas habilidades cognitivas, especialmente

    as funes executivas em crianas com esse transtorno.

    Enfim, o desejo de pesquisar as funes executivas em crianas com TEA foi

    motivado por vrios fatores como, por exemplo: a experincia profissional adquirida no

    atendimento educacional especializado oferecido aos educandos com TEA no Centro de

    Atendimento Educacional Especializado Pestalozzi da Bahia (CAEEPB), as aulas ministradas

    para profissionais de educao sobre o TEA, como tambm as participaes em cursos e

    congressos sobre o TEA e em outras reas de conhecimento, como neuropsicologia e

    neuroeducao4.

    Embora o servio de AEE tenha sido implantado no CAEEPB em 2009, atravs da

    portaria de n 10.022/09, quando o Instituto Pestalozzi da Bahia (IPB) foi transformado em

    Centro de AEE, j constava na unidade escolar alunos com TEA, ainda que em menor

    proporo, alm daqueles que apresentavam deficincia intelectual (DI). Naquela poca, os

    professores tinham pouco conhecimento sobre o transtorno. A partir de 2010 o Centro passou

    a atender apenas alunos com TEA.

    Outro fator motivador para a realizao desta pesquisa foi saber que a Nota Tcnica de

    n 9/2010 (BRASIL, 2010) designa como uma das atribuies do professor que trabalha no

    Centro de AEE o desenvolvimento de atividades especficas que atendam s necessidades

    educacionais dos alunos com TEA e que exercitem e desenvolvam no AEE as suas funes

    cognitivas.

    Mediante o exposto, inteno que este estudo possa contribuir para o atendimento

    educacional especializado disponibilizado aos educandos com TEA em centros de AEE e nas

    salas de recursos multifuncionais, promovendo reflexes sobre o funcionamento das funes

    executivas em crianas com TEA, numa perspectiva pedaggica ou psicopedaggica,

    considerando, assim, a relevncia cientfica que este tema requer.

    At delimitar com clareza o objeto de estudo, transcorreram-se trs anos de angstia e

    ansiedade, gerados pelo conflito entre a necessidade e o desejo pelo tema atrelada escassez

    de estudos que abordassem as habilidades cognitivas, especialmente o funcionamento das

    funes executivas em crianas com TEA, numa perspectiva de carter educacional e no

    apenas clnico, no contexto da neuropsicologia.

    Assim sendo, o projeto de tese, a cada ano, foi sendo aperfeioado pela pesquisadora,

    4 Curso realizado em So Paulo no Centro de Especializao em Fonoaudiologia Clnica (CEFAC) Formao

    em Sade e Educao, no perodo de 2013/2014, em So Paulo.

  • 16

    gerando inmeras alteraes; no entanto, o desejo de pesquisar sobre as funes executivas se

    manteve presente, desde o anteprojeto, elaborado em 2011, intitulado Funes executivas em

    crianas com Transtorno de Dficit de Ateno e Hiperatividade (TDAH) e Transtornos

    Globais do Desenvolvimento (TGD): contribuies para o atendimento educacional

    especializado, submetido ao exame de seleo do doutorado Programa de Ps-Graduao da

    Faculdade de Educao da Universidade Federal da Bahia (FACED/UFBA).

    Em 2012/2013, o projeto passou por alteraes que resultaram na implantao de um

    Programa de Habilitao Neuroeducativa das Funes Executivas (PHANFE), direcionado

    para crianas com TEA inclusas no contexto escolar. Contudo, no foi possvel dar

    continuidade ao referido projeto e o tempo para a sua concluso era insuficiente, tendo em

    vista o necessrio para a implantao e a avaliao do programa.

    Diante dessa realidade, o projeto de tese foi novamente reestruturado. Vale tambm

    destacar que o projeto submetido ao exame de qualificao, ocorrido em 2014, intitulado

    Funes executivas em crianas com transtorno do espectro do autismo: contribuies para a

    aprendizagem, tinha como objetivo constatar se o Perfil Psicoeducacional Revisado (PEP-R),

    instrumento adotado para avaliar os aspectos do desenvolvimento e do comportamento de

    crianas com autismo, poderia tambm contribuir na avaliao das funes executivas das

    crianas pblico-alvo desta pesquisa.

    Novamente o projeto teve que ser readaptado em decorrncia do PEP-R ter sido

    revisto e lanado outra verso do instrumento denominado Psychoeducational Profile Third

    Edition (PEP-3). Entretanto, essa nova reviso do instrumento, at o ano de 2015, no tinha

    sido normatizada e traduzida para o idioma portugus e no estava disponvel para ser

    comercializado no Brasil. Enfim, por se tratar de um trabalho cientfico, o mais indicado seria

    aguardar a validao brasileira do instrumento, porm o tempo para a construo da tese

    tornou-se um fator impeditivo para tal.

    Nesse sentido, em julho de 2015, tive que abandonar a proposta inicial, que consistia

    na aplicao do instrumento, relacionando os itens das escalas de desenvolvimento e de

    comportamento com as funes executivas e tambm com as habilidades de matemtica do

    ensino fundamental 1. Ainda assim, foi mantido o anseio de investigar sobre as funes

    executivas envolvendo crianas com transtorno do espectro autista, sendo necessrio,

    portanto, reestruturar toda investigao para que a pesquisa pudesse ser concretizada e dar

    prosseguimento aos estudos das funes executivas em crianas com TEA para cumprir o

    prazo de concluso da presente tese.

    Enfim, as perguntas que nortearam esta tese consistiram em saber:

  • 17

    Quais habilidades matemticas esto presentes na amostra de quatro crianas

    com transtorno do espectro autista?

    Como as funes executivas se apresentam nessas crianas na realizao das

    atividades pedaggicas de matemtica?

    Desse modo, o objetivo geral da pesquisa foi:

    Verificar e analisar as habilidades bsicas da matemtica do I ciclo de

    aprendizagem e a presena de comportamentos que sugerem relao com as

    funes executivas presentes na amostra de quatro crianas com diagnstico de

    TEA.

    No sentido de alcanar esse objetivo, foram elaborados trs objetivos especficos:

    1) Selecionar as habilidades bsicas de matemtica do 1 ciclo de aprendizagem do

    ensino fundamental 1 da Rede Municipal de Ensino da cidade de Salvador/Ba com

    base nas quatro funes executivas: flexibilidade cognitiva, controle inibitrio,

    ateno seletiva e memria de trabalho.

    2) Elaborar quatro atividades pedaggicas de matemtica que possam verificar, nas

    crianas com TEA, o domnio das habilidades bsicas da matemtica do 1 ciclo de

    aprendizagem do ensino fundamental 1.

    3) Verificar quais funes executivas podem ser observadas nas crianas com TEA

    enquanto realizam as atividades matemticas.

    A escolha pelas habilidades matemticas aconteceu em funo de elas estarem

    presentes no cotidiano das pessoas e serem habilidades bsicas necessrias para a

    aprendizagem das crianas matriculadas no 1 ciclo do Ensino Fundamental 1, bem como nos

    prximos nveis de escolarizao.

    Desse modo, nesta pesquisa foram priorizadas as habilidades bsicas de matemtica do

    1 ciclo de aprendizagem do Ensino Fundamental 1 da rede municipal de ensino da cidade de

    Salvador/Ba, tais como: desenvolver conceitos de classificao, de conservao e de

    quantificao; comparar e ordenar adequadamente os elementos, conhecer os numerais de 1 a

    10, sequenciar e colocar os numerais em ordem crescente e decrescente, fazer contagem

    utilizando material concreto, relacionar a ideia de nmero quantidade correspondente,

    reconhecer a dezena como agrupamento de 10 elementos, realizar contagem de um em um,

    associar a ideia de adio (juntar) e subtrao (retirar), reconhecer cores primrias e

    secundrias, seriar os numerais colocando-os numa ordem.

    A fundamentao terica alicerou quatro captulos, no sentido de esclarecer o

    transtorno do espectro autista. Estes foram desenvolvidos por meio de pesquisa bibliogrfica,

  • 18

    leitura de artigos cientficos, dissertaes e teses.

    Aps esta introduo, o segundo captulo foi escrito no sentido de esclarecer o

    transtorno do espectro autista e est subdividido em quatro sees, que trazem uma

    abordagem sobre o histrico do TEA, enfatizando as mudanas ocorridas no processo de

    conceituao do TEA ao longo dos anos, com algumas reflexes e contribuies para a rea

    da educao; as caractersticas e os critrios de diagnstico do TEA, com base no Manual

    Diagnstico e Estatstico de Transtornos Mentais (DSM-5), os instrumentos de avaliao,

    enfatizando tambm questes relacionadas educao, a partir das mudanas ocorridas no

    manual. Na terceira seo foi abordado sobre a importncia da deteco dos sinais do

    transtorno pelo profissional de educao e a necessidade de encaminhamento para

    profissionais de sade; alm disso, foi discutida a desmistificao do diagnstico e sua

    importncia para possibilitar ao aluno com TEA o que preconiza a legislao brasileira. Na

    quarta seo, foram abordados dados relevantes sobre as alteraes cerebrais presentes nas

    pessoas com TEA.

    No terceiro captulo h uma breve abordagem sobre duas teorias cognitivas teoria da

    mente e teoria da coerncia central; em seguida, foram destacadas as funes executivas que

    esto comprometidas nas pessoas com TEA, com base nas evidncias cientficas. Nas

    subsees tratou-se dos seguintes componentes das funes executivas: flexibilidade

    cognitiva, memria de trabalho, ateno seletiva e controle inibitrio. Esse captulo foi

    concludo sob as bases neurais das funes executivas. Vale ressaltar que o tema foi

    direcionado ao olhar da educao, dialogando com as reas da neuropsicologia.

    No quarto captulo o enfoque est no processo de ensino e de aprendizagem de

    crianas com TEA fundamentado em estudos da neurocincia aplicada na rea da educao,

    com nfase na importncia das funes executivas para o processo de aprendizagem.

    Dando sequncia estrutura terica desta pesquisa, no quinto captulo, esto algumas

    reflexes sobre o processo de ensino e de aprendizagem da matemtica em crianas com TEA

    e as modalidades de ajuda que lhes foram oferecidas.

    No sexto captulo foram descritos os procedimentos metodolgicos utilizados nesta

    pesquisa, a composio da amostra, os instrumentos (atividades pedaggicas) elaborados e os

    procedimentos adotados para a coleta dos dados desta pesquisa.

    Por fim, no stimo captulo, elaboramos a anlise com os resultados obtidos na

    pesquisa e, no oitavo e ltimo captulo, constam as consideraes finais.

    Os achados possibilitaram conhecer as habilidades matemticas presentes nas crianas

    que participaram desta pesquisa, bem como perceber comportamentos que sugerem relao

  • 19

    com as funes executivas. O estudo revelou ainda necessidade de elaborar atividades

    matemticas que considerem o funcionamento cognitivo das crianas com TEA, incluindo a

    capacidade de estimular o pensamento flexvel, a memria de trabalho, a ateno e outras

    habilidades cognitivas relacionadas s funes executivas por meio de atividades

    pedaggicas.

  • 20

    2 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA)

    2.1 BREVE HISTRICO DO PROCESSO DE CONCEITUAO DO TRANSTORNO DO

    ESPECTRO AUTISTA: REFLEXES PARA O CONTEXTO EDUCACIONAL

    O termo autismo foi proposto a partir do incio do sculo XX, em 1911, pelo

    psiquiatra suo Bleuler para descrever dois comportamentos considerados atpicos: fuga da

    realidade e retraimento para o mundo interior. Esses eram constitudos como sintomas

    presentes em pacientes adultos com diagnstico de esquizofrenia (FERRARI, 2007).

    At o incio do sculo XIX, especialmente na dcada de 30, as crianas com quadro de

    autismo eram confundidas e tratadas como pacientes esquizofrnicos e deficientes mentais,

    pois nessa poca pouco se sabia a respeito do TEA e havia uma tendncia em relacionar o

    quadro patolgico infantil com os mesmos comportamentos patolgicos presentes em adultos

    que sofriam de esquizofrenia. Nessa poca os transtornos mentais presentes na infncia no

    eram reconhecidos pela psiquiatria como transtornos especficos da infncia. Esse perodo foi

    marcado pela influncia das ideias psicanalistas frequentes na clnica da infncia e pelo

    modelo psicossomtico da psiquiatria infantil (MARFINATI; ABRO, 2014).

    O termo esquizofrenia infantil foi introduzido por Potter no incio do sculo e mantido

    por algum tempo pela comunidade mdica, ao se referir s pessoas com autismo (CAMPOS,

    1999). As divergncias entre o autismo e a esquizofrenia so concernentes idade do incio

    dos sintomas, ao histrico familiar e evoluo clnica do quadro (CAMPOS, 1999).

    Dando continuidade ao histrico do autismo, impossvel no abordar os estudos do

    pesquisador e psiquiatra austraco, Leo Kanner, realizados em 1943. Kanner, ao pesquisar 11

    crianas com idades entre 2 e 8 anos, percebeu a presena de comportamentos que se

    diferenciavam das alteraes psiquitricas da infncia, mas tinham caractersticas comuns,

    sendo a mais notada a incapacidade para se relacionar com as pessoas (BANDIM, 2010).

    Os prejuzos da linguagem eram evidentes nas crianas estudadas. Das 11 crianas, 3

    permaneceram no mutismo e 8 apresentaram histria de atraso na fala e outras

    especificidades, como: inverso pronominal e repetio ecollica (FERRARI, 2007).

    Para Kanner, as crianas apresentavam comportamentos bem especficos,

    caractersticos de um novo quadro patolgico. As alteraes estavam relacionadas ao prejuzo

    no contato afetivo ou na vinculao social e isso era percebido de modo intenso nas crianas

    estudadas ainda em idade bastante precoce. A essas alteraes de comportamento Kanner

    denominou de Autismo Infantil Precoce. A partir desse estudo, Kanner publicou um artigo

  • 21

    intitulado Autistic disturbances of affective contact traduzido no idioma portugus como

    Distrbios autsticos de contato afetivo, no qual apresentou suas primeiras descobertas

    acerca do autismo (BANDIM, 2010; FERRARI, 2007; LIMA, 2012).

    Naquela poca, o autismo era caracterizado por comprometimento significativo e

    qualitativo da socializao, alteraes da linguagem, dificuldade para simbolizao, abstrao

    e compreenso de significados e comportamento estereotipado. Dos comportamentos

    apresentados, trs chamavam a ateno de Kanner: a dificuldade no contato afetivo com as

    pessoas, a inabilidade para utilizar a linguagem, no intuito de se comunicar de modo

    recproco, ansiedade ou medo por coisas comuns do cotidiano, atividades e comportamentos

    repetitivos e estereotipados.

    Tambm na dcada de 40, praticamente um ano depois das descobertas de Kanner, em

    1944, outro psiquiatra e pesquisador austraco, Hans Asperger, em pesquisa realizada com 4

    crianas com dificuldade de interao social, encontrou comportamentos semelhantes queles

    observados por Kanner. Embora as crianas pesquisadas no apresentassem desempenho

    intelectual deficitrio, demonstravam dificuldades na utilizao social da linguagem e

    limitaes para compreender e utilizar gestos e expresses sociais, bem como dificuldades na

    interao social (BANDIM, 2010; CUMINE; LEACH; STEVENSON, 2006).

    Com base nos resultados da sua pesquisa, Asperger escreveu uma comunicao

    intitulada Psicopatias autistas na infncia para se referir s limitaes observadas nas

    crianas estudadas. Mais tarde, o termo Psicopatia autista foi substitudo por Sndrome de

    Asperger em homenagem a este pesquisador.

    Alm de ter encontrado aspectos semelhantes aos dados percebidos por Kanner,

    Asperger observou algo de estranho na linguagem verbal das crianas atpicas estudadas,

    como, por exemplo: pouca naturalidade na fala, sendo por vezes pedante, com uma voz

    montona, pouca modulao e sem entoao. Alm disso, o nvel cognitivo tambm chamou

    ateno desse pesquisador, pois as crianas apresentavam inteligncia normal ou acima da

    mdia, embora com dficits semnticos significativos. A diferena dos dois estudos estava no

    fato de as pessoas estudadas por Asperger terem desenvolvido a linguagem durante a infncia

    (ASSUMPO JNIOR; KUCZYNSKI, 2009; BANDIM, 2010; CUMINE; LEACH;

    STEVENSON, 2006; TAMANAHA; PERISSINOTO; CHIARI, 2008).

    Em decorrncia da 2 Guerra Mundial e dos trabalhos de Asperger serem publicados

    em alemo houve dificuldade no acesso dos psiquiatras e especialistas aos estudos

    desenvolvidos. Enquanto as comunidades, mdica e cientfica, no tinham acesso s pesquisas

    de Asperger, as descobertas de Kanner tiveram grande repercusso. Hans Asperger tornou-se

  • 22

    conhecido depois que a pesquisadora e psiquiatra inglesa Lorna Wing, em 1981, publicou em

    ingls casos com sintomas similares aos descritos por Asperger, citando o referido autor

    (BANDIM, 2010).

    Dando sequncia discusso do conceito de autismo, autores como Assumpo Jnior

    e Kuczynski (2009, 2015) e Bandim (2010) enfatizaram o surgimento de uma nova concepo

    que diferenciou o autismo da psicose, ocorrida na dcada de 70, a partir dos estudos de Ritvo

    (1976), passando, assim, a considerar o autismo como uma sndrome, caracterizando-o como

    um transtorno do desenvolvimento e no mais como psicose.

    A partir da dcada de 80, essa discusso esteve presente nas primeiras edies da

    Classificao Internacional de Doenas (CID) e do DSM da Associao Americana de

    Psiquiatria, como cita Bosa (2002, p. 28):

    As primeiras edies da CID no fazem qualquer meno ao autismo. A oitava edio o traz como uma forma de esquizofrenia, e a nova agrupa-o

    como psicose infantil. A partir da dcada de 80, assiste-se a uma verdadeira revoluo paradigmtica no conceito, sendo o autismo retirado da categoria

    de psicose no DSM III e no DSM III-R, bem como na CID 10, passando a

    fazer parte dos transtornos globais do desenvolvimento.

    Como se pde perceber, o reconhecimento do autismo, enquanto transtorno presente

    na infncia, passou por um longo processo de discusso na rea da sade. Somente na terceira

    reviso do DSM, publicado em 1980, o autismo integrou uma nova categoria de transtornos,

    tendo incio na infncia, sendo denominado como Transtornos Globais do Desenvolvimento

    (TGD). Segundo Grandim e Panek (2015) a incluso do autismo no DSM III, em 1980, foi

    importante, porque formalizou um diagnstico prprio.

    Desse modo, o conceito de autismo proposto na Classificao Internacional de

    Doenas 10 edio (CID-10) passou a fazer parte dos transtornos globais do

    desenvolvimento; no DSM IV passou a pertencer ao quadro dos transtornos invasivos do

    desenvolvimento, sendo depois alterado para transtornos globais do desenvolvimento no texto

    revisado do DSM IV TR. Recentemente, em 2013, na 5 edio do Manual Diagnstico e

    Estatstico de Transtornos Mentais (DSM-5), o autismo foi includo entre os transtornos do

    desenvolvimento e denominado como Transtornos do Espectro Autista, conhecido pela sigla

    TEA. O termo Transtorno do Espectro Autista ento se refere a este distrbio do

    desenvolvimento, extinguindo o Transtorno Global do Desenvolvimento (TGD). Nesta nova

    edio no foi mais adotado o numeral romano e sim arbico.

    Conforme o DSM-5, o TEA um dos transtornos do neurodesenvolvimento que se

    apresenta no incio do perodo do desenvolvimento infantil, s vezes, em idade muito precoce,

  • 23

    at mesmo antes de a criana ingressar na escola. No entanto, existem casos de crianas que

    apresentam desenvolvimento normal no primeiro ano de vida e, s aps esse perodo, surgem

    sinais de atraso ou estagnao no desenvolvimento.

    O transtorno do espectro autista (TEA), como hoje denominado, continua mantendo

    os sinais clnicos identificados anteriormente por Kanner e Asperger, tais como: dficits

    persistentes na comunicao social e na interao social, incluindo tambm a presena de

    padres restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades presentes em

    mltiplos contextos, manifestados atualmente ou por histria prvia (APA, 2014).

    Apesar de o autismo ser denominado internacionalmente como um transtorno do

    espectro autista e pertencer ao grupo de transtornos do neurodesenvolvimento, Bosa (2002) e

    Gillet (2015) ressaltam que existem posicionamentos contrrios ao DSM-5, como a

    Classificao Francesa das Perturbaes Mentais da Criana e do Adolescente, em que o

    autismo permanece ligado aos transtornos psicticos, sendo designado de autismo infantil

    precoce. Desse modo, Bosa afirma que

    a concepo de autismo como psicose ou como transtorno de desenvolvimento depende do sistema de classificao empregado, o qual,

    por sua vez, traz implcitas concepes tericas diferentes sobre o

    desenvolvimento infantil (BOSA, 2002, p. 29).

    importante registrar que o termo espectro, relacionado ao autismo, foi empregado

    pela primeira vez pelas pesquisadoras Lorna Wing e Juditer Gould, em 1979, para justificar

    um grupo de crianas que, apesar de apresentarem caractersticas do autismo, no preenchiam

    todos os critrios para receber o diagnstico de TEA (LIMA, 2012). Desse modo, a expresso

    espetro autista, sugerida por Wing, utilizada at hoje para especificar as variaes das

    manifestaes do transtorno apresentadas em cada criana. Essa heterogeneidade se refere aos

    diferentes graus de severidade da condio autista que, provavelmente, esto relacionados

    idade cronolgica, ao nvel de desenvolvimento da criana e aos fatores ambientais.

    No Brasil, o termo transtorno do espectro autista na rea da educao passou tambm

    por um processo de reavaliao e essa mudana pde ser percebida nos documentos

    publicados pela Secretaria de Educao Especial do Ministrio da Educao (SEESP/MEC),

    como sero abordados mais adiante. Assim, embora desde a dcada de 80 o autismo no

    pertena mais ao quadro da esquizofrenia infantil ou psicose infantil, ainda h resqucios da

    no distino do transtorno.

    Em Educao, na dcada de 90, o autismo fazia parte da categoria de alunos com

    condutas tpicas provenientes de um quadro psiquitrico. A partir desse perodo, a

  • 24

    SEESP/MEC adotou a nomenclatura condutas tpicas para caracterizar os alunos que

    apresentavam manifestaes de comportamentos tpicos de sndromes e quadros psicolgicos,

    neurolgicos ou psiquitricos que ocasionam atrasos no desenvolvimento e prejuzos no

    relacionamento social, em grau que requer atendimento educacional especializado (BRASIL,

    2002).

    Lowenthal e Mercadante (2009) consideravam o termo condutas tpicas um conceito

    equivocado para se referir s pessoas com autismo. Segundo esses autores, o termo

    Transtorno Global do Desenvolvimento (TGD) foi citado nas legislaes brasileiras aps a

    Terceira Conveno Nacional de Sade Mental, ocorrida em dezembro de 2001. No Brasil, na

    rea da educao, esse mesmo termo foi citado pela primeira vez em 2008, atravs da Poltica

    Nacional de Educao Especial na Perspectiva da Educao Inclusiva.

    Durante anos o termo psicose foi utilizado, em documentos publicados pela Secretaria

    de Educao Especial do Ministrio da Educao, como sendo um dos transtornos globais do

    desenvolvimento. Desse modo, o termo psicose esteve presente na Poltica Nacional de

    Educao Especial na Perspectiva da Educao Inclusiva (2008) ao referir no captulo V os

    alunos atendidos pela educao especial Incluem-se nesse grupo estudantes com autismo,

    sndrome do espectro do autismo e psicose infantil (BRASIL, 2008, p. 11), tambm nas

    Diretrizes Operacionais da Educao Especial para o Atendimento Educacional Especializado

    na Educao Bsica regulamentado pelo Decreto n 6.571/2008 e na Resoluo n 4/2009, que

    institui as Diretrizes para o Atendimento Educacional Especializado (AEE) na Educao

    Bsica. E assim, esteve presente em outros documentos, como em 2010, quando foi publicado

    os Marcos Polticos Legais da Educao Especial na Perspectiva da Educao Inclusiva em

    que se definiu os alunos com transtornos globais do desenvolvimento como:

    [...] aqueles que apresentam alteraes qualitativas das interaes sociais recprocas e na comunicao, um repertrio de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. Incluem-se neste grupo alunos com

    autismo, sndromes do espectro do autismo e psicose infantil (grifo meu).

    (BRASIL; MEC/SEESP, 2010, p. 21).

    Alguns anos depois, em 2014, foi possvel observar o termo psicose na Nota Tcnica

    n 4/2014 publicada pela Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao, Diversidade e

    Incluso (SECADI/ MEC). importante esclarecer que, devido extino da SEESP, as

    aes e projetos desenvolvidos anteriormente passaram a ser da competncia da Secretaria de

    Educao Continuada, Alfabetizao, Diversidade e Incluso (SECADI). A Nota Tcnica n

    4/2014 orienta quanto aos documentos comprobatrios de alunos com deficincia, transtornos

  • 25

    globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotao no Censo Escolar, conforme

    citao: [...] Inclui-se nesta definio alunos com autismo clssico, sndrome de Asperger,

    sndrome de Rett, transtorno desintegrativo da infncia (psicose) e transtornos invasivos sem

    outra especificao (BRASIL, 2014).

    Em vista do que foi exposto, o conceito do autismo foi reformulado, tanto no contexto

    da sade quanto no contexto educacional, at ser reconhecido internacionalmente como um

    dos transtornos do neurodesenvolvimento, hoje denominado Transtorno do Espectro Autista.

    Vale destacar que, atualmente, essa terminologia est presente tambm na Nota Tcnica n

    20/2015, que d orientaes aos sistemas de ensino visando ao cumprimento do artigo 7 da

    Lei Federal n 12.764/2012 (BRASIL, 2012), conhecida como Lei Berenice Piana, que institui

    a Poltica Nacional de Proteo dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista.

    Como atualmente o termo TEA est presente nos documentos voltados para a rea da

    educao, vale discorrer a esse respeito, utilizando os critrios de diagnstico do TEA, A e B,

    abordados no DSM-5 e alguns dos aspectos da Lei Federal 12.764/2012. Desse modo, seria

    pretencioso dizer que os incisos I e II do 1 da Lei n 12.764/2012 estariam referindo-se aos

    critrios A e B do DSM-5? Assim, analisaremos os critrios A e B do DSM-5 com os incisos

    I e II da Lei Federal n 12.764/2012. Estaro em negrito as possveis semelhanas percebidas.

    Quadro 1 DSM-5 Critrio A e Lei n 12.764/2012 Inciso 1

    DSM-5 - critrio A

    Dficits persistentes na

    comunicao social e na interao social

    Inciso 1 da Lei n 12.764/2012

    1. Dficit na reciprocidade socioemocional

    2. Dficits nos comportamentos

    comunicativos no

    verbais, usados para

    interao social.

    3. Dficits para desenvolver, manter e compreender

    relacionamentos

    I Deficincia persistente e clinicamente significativa da comunicao

    e da interao social, manifestada por deficincia marcada de

    comunicao verbal e no verbal usada para interao social;

    ausncia de reciprocidade social; falncia em desenvolver e manter

    relaes apropriadas ao seu nvel de desenvolvimento;

    Fonte: APA (2014); BRASIL (2012)

    Como se pode perceber, as reas da educao e da sade esto bem prximas, ao

    caracterizarem os prejuzos relacionados ao item: comunicao social e interao social do

    critrio A do DSM-5. No entanto, vale ressaltar que na Lei n 12.764/2012 os prejuzos

    relacionados comunicao e interao social so considerados como deficincia de carter

    persistente e clinicamente significativa.

  • 26

    Quadro 2 DSM-5 - Critrios B e Lei n 12.764/2012 Inciso II

    DSM-5 - critrios B

    B Padres restritos e repetitivos de

    comportamento, interesses ou atividades,

    manifestados atualmente ou por histria

    prvia.

    Inciso II da Lei N 12.764/2012

    1. Movimentos motores, uso de objetos ou fala estereotipados ou

    repetitivos.

    2. Insistncia na mesmice, adeso inflexvel a rotinas ou padres

    ritualizados de comportamento verbal ou no verbal.

    3. Interesses fixos e altamente restritos anormais em

    intensidade ou foco.

    4. Hiper ou hiporeatividade a estmulos sensoriais ou

    interesse incomum por aspectos

    sensoriais do ambiente.

    II Padres restritos e repetitivos de comportamentos,

    interesses e atividades, manifestados por comportamentos

    motores ou verbais estereotipados ou por comportamentos

    sensoriais incomuns; excessiva aderncia a rotinas e padres

    de comportamento ritualizados; interesses restritos e fixos.

    Fonte: APA (2014); BRASIL (2012)

    No quadro 2, o mesmo foi percebido, ao relacionar o critrio B do DSM-5 com o

    inciso II da Lei Federal n 12.764/2012. A comparao entre a similaridade do que foi

    percebido sugere que as duas reas, educao e sade, no falam de transtornos diversos,

    apesar de a legislao considerar o TEA como deficincia e no como transtorno do

    neurodesenvolvimento, como abordado no DSM-5 e aceito pelos profissionais de sade.

    provvel que isso acontea, porque, sendo o autismo considerado como deficincia, para

    todos os efeitos legais, a pessoa com TEA tem seus direitos garantidos. Isso refora o

    pensamento de Costa (2013), ao mencionar que a falta de polticas pblicas se originava na

    falta de reconhecimento da pessoa com autismo como pessoa com deficincia - para fins

    legais.

    Outro aspecto importante encontrado em ambos os documentos se refere ao

    reconhecimento das respostas incomuns dadas aos estmulos sensoriais pelas pessoas com

    autismo. Apesar dos entraves e da escassez de dilogo entre os dois campos de saber,

    educao e sade, os prejuzos apresentados pelo espectro autista reforam a certeza de que

    vivel e necessrio o trabalho de parceria entre os profissionais de sade e de educao para

    melhor identificarem e atenderem s necessidades e especificidades do aluno com TEA, na

    perspectiva do contexto educacional inclusivo.

    Sendo o TEA enquadrado como deficincia no Brasil, por conseguinte, os alunos que

    apresentam esse transtorno so reconhecidos perante legislao brasileira de incluso como

    pertencentes ao pblico-alvo da educao especial. Desse modo, a legislao lhes assegura o

    direito matrcula em classes comuns de ensino em todos os nveis, modalidades e etapas de

  • 27

    escolarizao do sistema educacional brasileiro. Alm de garantir o acesso educao, a

    Constituio Federal do Brasil (1988), no artigo 208, III, j assegurava o atendimento

    educacional especializado (AEE) s pessoas com deficincia, preferencialmente na rede

    regular de ensino. Em 2009, com base no artigo da Resoluo n 4 do CNE/CEB, o

    atendimento s especificidades educacionais do aluno com TEA dever acontecer mediante a

    elaborao do plano de atendimento educacional especializado. Este deve ser elaborado em

    articulao entre o professor, a famlia e os profissionais da sade e outros, quando for

    necessrio.

    Nesse sentido, vale destacar mais uma vez que a articulao entre a educao e a sade

    necessria para a formulao e a implementao de aes a serem disponibilizadas a esses

    alunos, pois essa intersetorialidade, na perspectiva da incluso escolar, uma das diretrizes da

    Poltica Nacional de Proteo dos Direitos da Pessoa com TEA - Lei n 12.764/2012, e um

    dos direitos a serem conquistados.

    De fato, esse breve conhecimento importante e oportuno para que o professor de sala

    de aula e do AEE busquem mais informaes sobre o transtorno do espectro autista e

    conheam as especificidades desse transtorno, a partir de estudos que enfatizam prticas

    pedaggicas baseadas em evidncias cientficas para que possa oferecer um ensino de

    qualidade e atenda s necessidades do aluno, fazendo valer a Lei n 12.764/2012.

    Na verdade, a interface entre as duas reas referidas necessita ser uma realidade nos

    espaos de aprendizagem e teraputicos, visto que essa interao possibilitar um melhor

    prognstico do desenvolvimento da criana com TEA. Para entender melhor esse transtorno,

    abordaremos, na prxima sesso, os comportamentos que caracterizam o transtorno do

    espectro autista e os critrios de diagnstico explcitos no DSM-5.

    2.2 CARACTERIZAO E CRITRIOS DE DIAGNSTICO DO TEA (DSM-5)

    Conforme o referido, o termo Transtornos Globais de Desenvolvimento (TGD) foi

    alterado no ano de 2013 para Transtornos do Espectro Autista (TEA). A Associao dos

    Psiquiatras Americanos (APA) elaborou a 5 edio do Manual Diagnstico e Estatstico de

    Transtornos Mentais (DSM-5) e trouxe mudanas significativas para os critrios de

    diagnstico do TEA que sero considerados mais adiante. No Brasil o DSM-5 foi publicado

    em 2014.

    Fazem parte do grupo de transtornos do neurodesenvolvimento: transtornos da

    comunicao, deficincias intelectuais, transtorno do espectro autista, transtorno de dficit de

  • 28

    ateno/hiperatividade, transtorno especfico da aprendizagem e transtornos motores (APA,

    2014).

    Depois de vrias dcadas, at hoje so mantidos os aspectos que caracterizam o

    transtorno, observados por Kanner na dcada de 40, como: prejuzo qualitativo da interao

    social e da comunicao, comportamentos e interesses restritos e estereotipias. Estas

    caractersticas esto presentes na 10 reviso da Classificao Internacional de Doenas

    Mentais da Organizao Mundial de Sade (CID-10) e tambm na 5 edio do Manual

    Diagnstico e Estatstico de Transtornos Mentais da Associao Americana de Psiquiatria

    (DSM-5).

    Com base na leitura do DSM-5 (APA, 2014) e em autores como Assumpo Jnior e

    Kuczynski (2015), a nova edio trouxe algumas alteraes que, se for comparada com a

    quarta reviso do manual (DSM IV TR), possvel destacar algumas mudanas, como:

    Na 5 edio no se utiliza mais as categorias dos transtornos descritas

    anteriormente no DSM IV - TR: 299.00 transtorno autista, 299.80 transtorno de

    Rett, 299.10 transtorno desintegrativo da infncia, 299.80 transtorno de Asperger,

    299.80 transtorno global do desenvolvimento sem outra especificidade (incluindo

    autismo atpico) (APA, 2014).

    De acordo com o DSM-5 (APA, 2014, p. 51) indivduos com um diagnstico do

    DSM IV bem estabelecido de transtorno autista, transtorno de Asperger ou

    transtorno global do desenvolvimento sem outra especificao devem receber o

    diagnstico de transtorno do espectro autista. Desse modo, o transtorno foi

    tratado como uma nica categoria - TEA. Para Assuno Jnior e Kuczynski,

    (2015) as distines entre os transtornos intragrupos foram abolidas no DSM-5,

    porque ficaram inconsistentes com o passar do tempo e, havendo uma s

    categoria, facilita a comunicao entre os profissionais da sade.

    A sndrome de Rett, no DSM-5, no considerada mais um quadro categorial do

    transtorno; isto, porque os sintomas do autismo podem estar presentes apenas no

    incio e depois desaparecer no decorrer do desenvolvimento, sendo mais

    relevante considerar as outras complicaes que caracterizam a Sndrome de

    Rett, como: dificuldade no controle do tronco, processos mentais afetados, fala e

    o uso das mos, regulao cardiorrespiratria (APA, 2014).

    No DSM IV - TR os critrios de diagnstico se baseavam em uma trade de

    sintomas relacionados ao comprometimento na interao social, na comunicao

  • 29

    e na flexibilidade de pensamento, comportamento e interesse especfico. J o

    DSM-5 considera como critrio de diagnstico do TEA uma dade, isto , os

    sintomas devem estar relacionados ao critrio A: comunicao social e interao

    social e ao critrio B: padres restritos e repetitivos de comportamento, interesses

    ou atividades.

    De modo resumido, os critrios A e B de diagnstico do TEA adotados pelo DSM-5

    (APA, 2014) so:

    A Dficits persistentes na comunicao social e na interao social em mltiplos

    contextos, manifestados atualmente ou por histrias prvias.

    Dficit na reciprocidade socioemocional;

    Dficits nos comportamentos comunicativos verbais e no verbais usados para

    interao social;

    Dficits para desenvolver, manter e compreender relacionamentos.

    Especificar a gravidade atual baseia-se em prejuzos na comunicao social e em padres

    de comportamento restritos e repetitivos.

    Critrios diagnsticos

    B Padres restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades,

    manifestados atualmente ou por histria prvia, por pelo menos dois dos seguintes

    itens:

    Movimentos motores, uso de objetos ou fala estereotipados ou repetitivos;

    Insistncia na mesmice, adeso inflexvel a rotinas ou padres ritualizados de

    comportamento verbal ou no verbal;

    Interesses fixos e altamente restritos anormais em intensidade ou foco;

    Hiper ou hiporreatividade a estmulos sensoriais ou interesse incomum por

    aspectos sensoriais do ambiente.

    Especificar a gravidade atual baseia-se em prejuzos na comunicao social e em padres

    de comportamento restritos e repetitivos.

    Critrios diagnsticos

    C Os sintomas devem estar presentes precocemente no perodo do desenvolvimento.

    D Os sintomas devem causar prejuzo clinicamente significativo no funcionamento

    social, profissional e em outras reas importantes da vida do indivduo no presente.

    E Os sintomas no so melhor explicados por deficincia intelectual (transtorno do

    desenvolvimento intelectual) ou por atraso global do desenvolvimento.

  • 30

    O modo como o DSM-5 exemplifica os critrios A e B sugere relao com os

    dficits da teoria da mente, prejuzo na coerncia central, dficit nas funes

    executivas e prejuzos relacionados ao dficit de integrao sensorial. Embora o

    manual no traga de modo explcito essas teorias, os exemplos dos sintomas

    apresentados pelo DSM-5 para caracterizao do transtorno sugerem relao s

    teorias cognitivas.

    Outra questo importante que o DSM-5 considera que os sintomas possam ser

    manifestados atualmente ou por histrias prvias em mltiplos contextos.

    Considera a presena dos sintomas desde o nascimento ou no comeo da

    infncia, mesmo que no tenha sido detectado antes.

    A terminologia transtorno do espectro autista refora a ideia de que o autismo faz

    parte de um espectro, isto , h diferentes formas e graus da sintomatologia do

    autismo se manifestar na criana.

    Outra novidade que o DSM-5 trouxe foi abordar a heterogeneidade do transtorno do

    espectro autista em trs nveis, organizados de acordo com a gravidade dos sintomas. Vale

    destacar que os nveis do espectro descritos iniciam da maior gravidade para a menor, isto ,

    parte do nvel 3 para referir ao mais grave, em seguida so abordados o nvel 2 e o nvel 1,

    sendo este ltimo o mais leve. Alm de estabelecer a gravidade do nvel que vo de 1 a 3, o

    DSM-5 indica tambm qual o nvel de ajuda necessria, como: nvel 3 necessita de ajuda

    muito substancial, nvel 2 necessita de ajuda substancial e o nvel 1 necessita de ajuda.

    No contexto educacional, principalmente no atendimento educacional especializado,

    essa informao muito importante. No entanto, somente na prtica, durante o atendimento

    educacional especializado, o professor saber qual o tipo de ajuda que o educando precisa e

    qual ser a intensidade e frequncia dessa ajuda. Uma coisa certa; independentemente do

    nvel de TEA que a criana apresenta, a mediao do professor ser necessria, e este dever

    estar bem preparado para poder disponibilizar ao educando o tipo de ajuda imprescindvel.

    Essa informao tambm refora o quanto importante assegurar ao educando a necessidade

    do profissional de apoio, como est garantida na Lei 12.764/2012.

    Nesse sentido, o professor trabalhar como mediador desenvolvendo com o educando

    o que ainda no capaz de fazer com autonomia. difcil falar de mediao, sem mencionar

    trs conceitos abordados por Vygotsky, como a Zona de Desenvolvimento Real (ZDR), a

    Zona de Desenvolvimento Potencial e a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDPr). Quando

  • 31

    Vygotsky elaborou esses trs conceitos, o propsito foi explicar o processo de

    desenvolvimento sobre a aprendizagem, a partir de uma viso dialtica.

    Daz (2011) explica com clareza os trs nveis de desenvolvimento. A ZDR o que a

    criana consegue fazer sozinha, porque j tem o conhecimento consolidado, enquanto a ZDP

    o que ela faz sob a orientao ou com a ajuda de outra pessoa mais experiente, colegas e

    professores, porque ainda no domina o conhecimento, e a ZDPr est entre o real e o

    potencial, isto , se refere ao nvel quase acabado em sua maturao da Zona Potencial, ou

    seja, o que ainda no se desenvolveu, porm, est em processo de amadurecimento.

    Provavelmente, com a ajuda de outra pessoa mais experiente, o conhecimento se consolidar e

    tambm a criana progredir em outros aspectos do desenvolvimento.

    Outra informao trazida pelo DSM-5, que merece destaque, diz respeito alterao

    dos graus de gravidade do transtorno, que pode variar de acordo com o contexto ou oscilar

    com o tempo. Ainda a respeito dos nveis de gravidade do transtorno o DSM-5, destaca-se que

    as categorias descritas de gravidade no devem ser usadas para determinar a escolha e a

    proviso de servios, isso somente pode ser definido de forma individual e mediante a

    discusso de prioridades e metas pessoais (APA, 2014, p. 51).

    Nesse sentido, entende-se que h uma necessidade de elaborao e execuo de um

    plano individualizado, no contexto do atendimento educacional especializado, como

    determinam os seguintes documentos: Nota Tcnica n 55/2013, Resoluo n 4/2009,

    Portaria n 243/2016.

    Alm disso, nesse item do DSM-5, tambm se ressalta a importncia do trabalho da

    equipe interdisciplinar, quando aborda a necessidade de discusses para decidir as prioridades

    e estabelecer metas.

    Quadro 3 Nveis de gravidade para transtorno do espectro autista

    Nvel de

    gravidade

    Comunicao social Comportamentos restritos e repetitivos

    Nvel 3

    Exigindo

    apoio muito

    substancial

    Dficits graves nas habilidades de comunicao

    social verbal e no verbal, causam prejuzos

    graves de funcionamento, grande limitao em

    dar incio a interaes sociais, resposta mnima abertura social que partem de outros. Por

    exemplo, uma pessoa com fala inteligvel de

    poucas palavras, que raramente inicia as

    interaes e, quando o faz, tem abordagens

    incomuns, apenas para satisfazer s

    necessidades e reage somente a abordagens

    sociais muito diretas.

    Inflexibilidade de comportamento, extrema

    dificuldade em lidar com a mudana ou

    outros comportamentos restritos, repetitivos

    que interferem acentuadamente no funcionamento em todas as esferas. Grande

    sofrimento, dificuldade para mudar o foco

    ou as aes.

    Nvel 2

    Exigindo

    Dficits graves nas habilidades de comunicao social verbal e no verbal; prejuzos sociais

    aparentes, mesmo na presena de apoio;

    Inflexibilidade de comportamento, dificuldade de lidar com mudana ou outros

    comportamentos restritos, repetitivos que

  • 32

    apoio

    substancial

    limitao em dar incio a interaes sociais e

    resposta reduzida ou anormal a aberturas sociais

    que partem de outros. Por exemplo, uma pessoa

    que fala frases simples, cuja interao se limita a

    interesses especiais reduzidos e que apresenta

    comunicao no verbal acentuadamente

    estranha.

    aparecem com frequncia suficiente para

    serem bvios ao observador casual e

    interferem no funcionamento em uma

    variedade de contextos. Sofrimento e/ou

    dificuldade de mudar o foco ou as aes.

    Nvel 1

    Exigindo

    apoio

    Na ausncia de apoio, dficits na comunicao

    social causam prejuzos notveis. Dificuldade para iniciar interaes sociais e exemplos claros

    de respostas atpicas ou sem sucesso a aberturas

    sociais dos outros. Pode apresentar interesse

    reduzido por interaes sociais. Por exemplo,

    uma pessoa que consegue falar frases completas

    e envolver-se na comunicao, embora

    apresente falhas na conversao com os outros e

    cujas tentativas de fazer amizades so estranhas

    e comumente malsucedidas.

    Inflexibilidade de comportamento causa

    interferncia significativa no funcionamento em um ou mais contextos. Dificuldade em

    trocar de atividade, problemas para

    organizao e planejamento so obstculos

    independncia.

    Fonte: APA (2014, p. 52)

    Para entender melhor o transtorno do espectro autista, importante conhecer alguns

    dos comportamentos abordados pelo DSM-5 (APA, 2014) e por alguns autores como: Bandim

    (2010), Cumine, Leach e Stevenson (2006), Silva, Gaiato e Reveles (2012). So exemplos de

    dficits relacionados comunicao e interao social, abordados por esses autores e pelo

    DSM-5:

    Dficit na reciprocidade socioemocional, variando, por exemplo, de abordagem social

    anormal e dificuldade para iniciar e manter uma conversao e compartilhar interesses,

    emoes ou afeto; dificuldade em ajustar o comportamento para se adequar a

    contextos sociais diversos; manter e compreender relacionamentos; dificuldade para

    participar ativamente de jogos ou brincadeiras sociais, preferindo atividades solitrias;

    dificuldade em enunciar distintas respostas a diferentes pessoas e ajustar o

    comportamento para se adequar a contextos sociais diversos; saber responder

    adequadamente aos elogios ou crticas; dificuldade em compreender as prprias

    emoes e as dos outros; dificuldade em variar a entonao da voz de acordo com a

    situao; dificuldade em compartilhar brincadeiras imaginativas ou em fazer amigos;

    ausncia de interesse pelos seus pares.

    Dficits nos comportamentos comunicativos no verbais, usados para interao social,

    variando, por exemplo, de comunicao verbal e no verbal pouco integrada;

    dificuldade no contato visual, na compreenso e utilizao da linguagem corporal

    (gestos); ausncia total de expresses faciais e comunicao no verbal; dificuldade

    para variar as expresses faciais, a fim de estabelecer um contato social; dificuldade

  • 33

    para reconhecer e responder aos sinais sociais numa conversa como, por exemplo:

    franzir a sobrancelha e sorrir; no conseguem perceber o efeito dos prprios atos no

    ambiente.

    Quanto aos padres restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades,

    podem ser manifestados por comportamentos relacionados aos:

    Movimentos motores; uso de objetos ou fala de modo estereotipado ou repetitivo, a

    exemplo de: estereotipias motoras, alinhar brinquedos ou girar objetos, ecolalia, frases

    idiossincrticas, movimentos repetitivos e automticos de partes do corpo ou do corpo

    todo.

    Insistncia nas mesmas coisas; adeso inflexvel a rotinas ou padres ritualizados de

    comportamento verbal ou no verbal; sofrimento extremo em relao a pequenas

    mudanas; dificuldades com transies; padres rgidos de pensamentos; rituais de

    saudao; necessidade de fazer o mesmo caminho ou ingerir os mesmos alimentos

    diariamente; rituais especficos e no funcionais; dificuldade para generalizar a

    aprendizagem em outros contextos.

    Interesses fixos, restritos e perseverativos que chamam a ateno pela intensidade da

    ateno seletiva ou foco intenso: forte apego a/ou preocupao com objetos incomuns

    ou partes de objetos, interesses excessivos por determinados temas ou incomuns para

    sua faixa etria.

    Hipersensibilidade ou hiporreatividade a estmulos sensoriais ou interesses incomuns

    por aspectos sensoriais do ambiente, tais como: indiferena aparente

    dor/temperatura, reao contrria a sons ou texturas especficas, cheirar ou tocar

    objetos de forma excessiva, fascinao visual por luzes ou movimentos (APA, 2014).

    Gillet (2015) exemplifica diferentes atividades estereotipadas que podem ser

    observadas na pessoa com TEA relativos : postura (balanar o corpo ou a cabea,

    movimentar os dedos diante dos olhos), utilizao de um objeto (movimentar um objeto

    diante dos olhos ou faz-lo girar), conforme determinada rea de interesse (dinossauros).

    Sobre as diferentes possibilidades de respostas de comportamento que possam surgir

    nas pessoas com TEA, Goldstein d alguns exemplos. Contudo, por se tratar de um espectro, a

    autora enfatiza que as respostas podem variar de pessoa para pessoa e se apresentar de

    diferentes formas, alm de diversificar, conforme o dia ou o momento.

    Para Goldstein (2011, p. 19-20) a pessoa hipersensvel percebe intensamente os

    estmulos dificultando a compreenso da informao, podendo apresentar alguns desses

  • 34

    comportamentos: incmodo ao cortar as unhas e o cabelo; desconforto com etiquetas de

    roupas em atrito com a pele ou com um gesto fsico de carinho; no gosta de andar descalo;

    chora quando toma banho de chuveiro; evita o toque fsico se distanciando das pessoas; cria

    rituais e rotinas; costuma selecionar os alimentos com base na textura ou consistncia;

    demonstra mal-estar ao escovar os dentes; costuma sentir enjoos ao andar em automveis; se

    incomoda e se distrai com barulhos de eletrodomsticos; evita brinquedos de parque como

    gira-gira, balanos, escorregador, pula-pula; costuma no gostar de atividades que envolvem

    pintura e argila ou outra que tenha que sujar as mos ou o corpo.

    No caso da pessoa hipossensvel, Goldstein (2011) enfatiza que, em geral, costuma ter

    dificuldade para perceber os estmulos do meio ambiente e apresenta alguns exemplos de

    como costuma reagir aos estmulos: nem sempre consegue perceber quando tocada por outra

    pessoa; adora andar descala, principalmente na areia ou na grama; morde a si prprio ou

    morde o outro; costuma esbarrar em objetos, demonstra interesse exagerado e brinca de modo

    intenso nos brinquedos de parque como gira-gira, balano, escorregador, pula-pula, parece

    no se sentir saciado quando se alimenta, parece no ouvir ou adora sons altos, costuma

    cheirar objetos, tende a levar boca ou comer objetos no comestveis, adora tomar banho

    constante de chuveiro, no reclama ou se incomoda quando est sujo ou quando realiza

    atividades que melam as mos ou o corpo.

    Ter conhecimento dos variados comportamentos que uma criana com TEA possa

    apresentar frente aos estmulos internos e externos, nos variados contextos sociais, pode

    auxiliar os profissionais, especialmente o professor, a entender melhor a criana. Assim,

    poder observar e intervir de modo eficaz no contexto escolar, alm de direcionar na escolha

    de estratgias pedaggicas que possam beneficiar a criana, considerando suas necessidades e

    especificidades no modo de preparar o ambiente ou a situao, bem como selecionar o

    material pedaggico para propiciar a aprendizagem e acolh-la de maneira apropriada.

    Enfim, ter hoje conhecimento sobre o transtorno no uma necessidade somente dos

    pais de crianas autistas e de profissionais que trabalham com elas, mas sim uma questo

    ampla que envolve uma sociedade (SURIAN, 2010). Quando as pessoas conhecem o

    transtorno aumentam-se as chances de elas contriburem no desenvolvimento das crianas

    com TEA, oportunizando um convvio social mais agradvel para a criana e para seus pais

    que, geralmente, restringem o convvio social da criana por no saberem lidar,

    principalmente em pblico, com situaes inusitadas, porque se sentem constrangidos e

    fragilizados diante dos comportamentos estereotipados, repetitivos e inflexveis dos filhos.

  • 35

    2.3 DETECO E DIAGNSTICO DO TEA: A INTERFACE ENTRE O OLHAR DO

    PROFISSIONAL DE EDUCAO E O OLHAR DO PROFISSIONAL DE SADE

    Discutir sobre a importncia da deteco precoce e da avaliao diagnstica de

    crianas com suspeita de TEA desafiador, principalmente, quando o assunto abordado por

    um profissional de educao. Ao mesmo tempo em que desafiador, motivador, por ser

    necessrio e oportuno, visto que o diagnstico percebido por alguns profissionais ou pessoas

    que conhecem superficialmente o transtorno como algo rotulador. Todavia, o diagnstico no

    dever ser utilizado com a inteno de rotular, mas para oferecer s crianas que sofrem os

    impactos do transtorno a oportunidade de terem garantido o direito a um plano clnico e

    teraputico de tratamento e serem inseridas nos servios educacionais, como o atendimento

    educacional especializado (AEE). Esse atendimento disponibilizado aos educandos com

    TEA no turno oposto sua escolarizao, a fim de que possam usufruir de intervenes

    necessrias para que venham a ter melhor prognstico e consolidar outros direitos garantidos

    pela Poltica Nacional de Proteo dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista

    Lei n 12.764/2012 e pela Lei Brasileira de Incluso da Pessoa com Deficincia LEI n

    13.146/ 2015 (BRASIL, 2012, 2015).

    Desse modo, Bandim (2010, p. 47) esclarece o sentido do diagnstico, ao afirmar que

    [...] o diagnstico no significa simplesmente um rtulo (como muitos profissionais desavisados costumam colocar); o diagnstico pode ser considerado como o princpio fundamental para um direcionamento e ponto

    de partida para o tratamento mais adequado possvel.

    Outra questo relevante refere-se ao estigma, que pode gerar constrangimentos para a

    criana e seus pais. Para Siegel (2008, p. 113) o rtulo importante na medida em que abre

    as portas a um plano de tratamento. Assim dever ser visto pelos profissionais da educao,

    isto , jamais dever ser utilizado como estigma, engessando a prtica do professor ao supor,

    erroneamente, que alunos com TEA no aprendem, nem podem ser contrariados, deixando,

    assim, de promover oportunidades para que possam desenvolver a socializao, a

    comunicao e criar estratgias para agirem e pensarem de modo mais flexvel.

    Apesar do TEA ser um transtorno de etiologia desconhecida, que demanda muitas

    explicaes, o crebro infantil tem grande plasticidade e est em desenvolvimento, cuja

    estrutura e modo de funcionamento so modificados ao longo da vida, por meio de estmulos

    ambientais e experincias obtidas no dia a dia (COSENZA; GUERRA, 2011). Assim,

    corroboramos o pensamento de Siegel (2008, p. 40), ao inferir que o diagnstico de cada

  • 36

    criana necessita de ser estabelecido com uma margem de certeza, mas tambm deve ser

    acompanhado de informaes de qual a probabilidade de se vir a alterar.

    Nesse sentido, profissionais de sade e de educao devem se unir e estabelecer uma

    sincronia para, juntos, criarem oportunidades de interveno que auxiliem no

    desenvolvimento e na aprendizagem da criana.

    No ambiente escolar, quando a criana se depara com um professor/pesquisador que

    constantemente participa de cursos de formao continuada e se interessa em conhecer sobre

    o desenvolvimento infantil e os transtornos na infncia, a exemplo do TEA, isto faz uma

    diferena no processo de desenvolvimento da criana. Ele ter mais fundamentos para

    direcionar os pais a buscarem profissionais capacitados para investigar melhor essa suspeita.

    Sobre essa questo, Cunha (2011) ressalta a participao dos professores da escola

    como sendo fundamental na deteco do transtorno, pois muitos casos de comportamento

    autstico foram percebidos no ambiente escolar. Por ser o autismo um dos transtornos do

    neurodesenvolvimento que se apresenta na infncia, justamente quando o crebro da criana

    est em processo de desenvolvimento, torna-se imprescindvel a todo profissional que

    trabalha com crianas conhecer esse transtorno para que ele possa ser detectado e

    diagnosticado precocemente. Desse modo, a infncia uma etapa do desenvolvimento

    humano que merece bastante ateno dos pediatras e professores que lidam com a educao

    infantil. Quanto mais cedo forem percebidos os sinais indicativos do transtorno, maiores sero

    as chances de a criana obter melhor prognstico, em decorrncia dos profissionais

    oportunizarem intervenes com base na elaborao de um plano de atendimento clnico e

    educacional individualizado e direcionado para atender as necessidades da criana.

    Tambm vale destacar que, no contexto escolar, antes de o professor realizar qualquer

    observao, preciso que se aproprie do marco normal do desenvolvimento infantil para que

    possa, na sua prtica de sala de aula, comparar e perceber os possveis atrasos do

    desenvolvimento que possam estar acontecendo.

    Outros pesquisadores como Silva, Gaiato e Reveles (2012, p. 25) abordam que,

    cada pessoa tem seu tempo de amadurecimento, suas preferncias e seu jeito de ser. Porm, no caso do autismo, a conexo com o mundo que est

    prejudicada. Esperar o tempo dessa criana perder tempo, deixar uma ave

    rara presa em uma gaiola e esperar que ela saia voando sem abrirmos a porta.

    Ainda sobre a deteco precoce do autismo, Lima (2012) enfatiza que, alm dos pais e

    professores, os mdicos, principalmente os pediatras, devem prestar ateno aos primeiros

    sinais de alerta da presena do transtorno, mesmo quando no aparecem no discurso dos pais.

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    Isso pode ser verificado em Bandim (2010, p. 47), quando aponta para as melhores

    chances de interveno mediante a rapidez de diagnstico:

    Quanto mais precoce for o diagnstico, mais chances tem a criana de responder aos diversos tipos de intervenes, j que quanto mais nova a

    criana, maior o que chamamos de plasticidade cerebral ou neuroplasticidade [...], quanto mais tempo perdemos em proceder o

    diagnstico e consequentemente o tratamento, mais a criana vai

    consolidando formas de comportamento rgidas e resistentes s intervenes, e mais e mais a famlia vai ficando desgastada e desacreditando

    verdadeiramente no que seu filho tem e o que pode ser feito para ajud-lo.

    Nesse sentido, quando os neurnios no so estimulados no perodo adequado do

    desenvolvimento infantil, a criana deixa para trs etapas importantes que poderiam contribuir

    no seu processo de desenvolvimento.

    Para perceber um provvel atraso no desenvolvimento infantil, importante que o

    pediatra, alm de observar a criana escute atentamente as queixas trazidas em consultrio

    pelos pais relacionadas ao histrico de atraso ou perda da linguagem receptiva e expressiva,

    comportamentos que expressam isolamento social, interesses especficos e inapropriados

    idade, ausncia ou perda do interesse por brincadeiras e brinquedos, dentre outros

    comportamentos. Segundo Lima (2012), a principal queixa dos pais e o motivo mais comum

    para marcar uma consulta com especialista referem-se ao atraso de linguagem, que costuma

    ser mais frequente quando a criana est com aproximadamente um ano e seis meses de idade.

    Nesse sentido, vale ressaltar a importncia de realizar uma avaliao detalhada,