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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA - UFBA
FACULDADE DE EDUCAÇÃO - FACED PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
DÉBORA MAGALI MIRANDA VIEIRA
A ESCOLA NORMAL DA BAHIA: SABERES VEICULADOS NA FORMAÇÃO DAS MULHERES PARA O
MAGISTÉRIO
(1890 - 1914)
Salvador
2013
DÉBORA MAGALI MIRANDA VIEIRA
A ESCOLA NORMAL DA BAHIA: SABERES VEICULADOS NA FORMAÇÃO DAS MULHERES PARA O
MAGISTÉRIO
(1890 - 1914)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Educação da Faculdade de Educação da Universidade
Federal da Bahia como requisito para a obtenção do grau
de Mestre em Educação.
Orientadora: Profª. Drª. Sara Martha Dick.
Salvador
2013
DÉBORA MAGALI MIRANDA VIEIRA
A ESCOLA NORMAL DA BAHIA: SABERES VEICULADOS NA FORMAÇÃO DAS MULHERES PARA O
MAGISTÉRIO
(1890 - 1914)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de
Educação da Universidade Federal da Bahia como requisito para a obtenção do grau de
Mestre em Educação.
Aprovada em 08 de agosto de 2013.
Banca Examinadora
Profª. Drª. Sara Martha Dick – Orientadora______________________________________
Doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)
Profª. Drª. Jane Soares de Almeida____________________________________________
Doutora em História e Filosofia da Educação pela Universidade de São Paulo (USP)
Profª. Drª. Lucia Maria da Franca Rocha________________________________________
Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC –SP)
Dedicatória
*A duas mulheres importantes para a minha vida:
- A primeira, referência eterna no meu processo de
tornar-me mulher. Com sua simplicidade,
honestidade e amabilidade ensinou-me a respeitar e
amar o próximo.
Edleuza: minha mãe, meu amor, minha vida.
- A segunda, referência no meu processo de tornar-
me mulher, amiga e professora.
Sara Dick: querida amiga, querida mestra.
*Ao homem, com quem compartilho os altos e
baixos da vida.
- Com amor, compreensão, companheirismo e,
sobretudo, bom humor sempre me leva a sorrir
quando tenho vontade de chorar.
Cristiano: meu amor, meu companheiro, meu amigo.
AGRADECIMENTOS
Neste percurso, tenho tantas coisas para agradecer a tantas pessoas, mas, como o espaço não
permite um inventário, farei algumas breves considerações e deixarei a cargo do tempo os (re)
encontros.
Agradeço a professora Sara Martha Dick, orientadora há alguns anos, por toda confiança
depositada em meu trabalho, esperando-o, pacientemente, mesmo quando os resultados
demoravam a chegar. Nunca cansarei de agradecer por todo carinho que sempre expressou por
mim.
A Professora Lucia Maria da Franca Rocha, por todos os momentos de saberes partilhados
desde a minha graduação. Participou da banca da minha monografia e mais uma vez tenho a honra
de recebê-la na banca de mestrado. Por outro lado, não posso de deixar de agradecer a
compreensão, principalmente, durante o processo de finalização deste trabalho.
A Professora Jane Soares de Almeida, não somente, por ter aceitado o convite para
participar da banca de avaliação deste trabalho, mas, agradeço imensamente por toda a
compreensão e paciência durante o processo de postergação.
A CAPES, pelo período de bolsa concedida a partir do segundo ano de Mestrado.
As colegas do Grupo de Educação: História, Trabalho e Sociedade, pelas contribuições
durante as nossas reuniões de estudo.
Jaci, Cidi, Lú, Chelle, Si, Dani, Iomar, Mari – queridas pedagogas pela parceria e torcida de
sempre.
Agradeço a Andréa pelos momentos de escuta das minhas angustias e de diálogos
descontraídos.
Ao Grupo de Pesquisa em Educação e Currículo – GPEC, pelos momentos de descoberta e
exploração de outros acervos históricos em Salvador.
A Escola de Teatro Vánacontramão e, em especial, a Confraria Vánacontramão da qual faço
parte, por todos os nossos momentos de alegria e de apoio mútuo no enfrentamento dos nossos
limites como nas descobertas e desenvolvimento das nossas potencialidades. Agradeço também, a
pequena Lara, a nossa mascote, por todo o sentimento que invade o meu coração em todas as
vezes que ela diz “Eu te amo Débora”.
Não posso deixar de agradecer ao meu esposo Cristiano pelo carinho, amor, compreensão e
incentivo.
Aos meus irmãos (Márcio e Marcelo), a minha sobrinha Flora (minha Flor), ao meu
sobrinho Fernando (gato da tia) para os quais reservo um lugar todo especial no meu coração.
A minha Mãe, por esta vida e por todo o amor reservado para mim.
E a todas/os que direta ou indiretamente contribuíram para a construção e conclusão deste
projeto.
"Quem viaja larga muita coisa na estrada. Além do que larga na
partida, larga na travessia. À medida que caminha, despoja-se. Quanto
mais descortina o novo, desconhecido, exótico ou surpreendente, mas
liberta-se de si, do seu passado, do seu modo de ser, hábitos, vícios,
convicções, certeza. Pode abrir-se cada vez mais para o desconhecido,
à medida que mergulha no desconhecido. No limite, o viajante
despoja-se, liberta-se e abre-se, como no alvorecer: caminhante,
não há caminho, o caminho se faz ao andar"
(Octávio Ianni, 2000)
"De todas as coisas que descobri, a que mais quisera
não perder é a alegria do conhecimento"
(Nietzche, Epistolário)
"Ninguém nasce mulher; torna-se mulher"
(Simone Beauvoir, 1980)
VIEIRA, Débora Magali Miranda. A ESCOLA NORMAL DA BAHIA: SABERES
VEICULADOS NA FORMAÇÃO DAS MULHERES PARA O MAGISTÉRIO (1890 -
1914) Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia,
Salvador, 2013.
RESUMO
O presente estudo tem como objetivo analisar o processo histórico de constituição do corpo de
saberes específico à formação das mulheres para o magistério pela da Escola Normal da Bahia
no período de 1890 a 1914. Tendo em vista os ideais republicanos que para a sua realização
dependia de um povo instruído, assim como, a recusa à co-educação e a consequente presença
crescente das mulheres no curso normal num período de obrigatoriedade do ensino primário,
inclusive, para as meninas, a pesquisa norteia-se pela seguinte questão: Qual o processo
histórico de constituição do corpo de saberes específico à formação das mulheres para o
magistério a cargo da Escola Normal da Bahia no período de 1890 a 1914? A questão central
e os objetivos traçados na pesquisa nos levaram a caminhar à sombra das contribuições
advindas das transformações na historiografia brasileira onde buscamos nos aproximar dos
elos que dão sentido à relação entre as perspectivas da História das Mulheres (com ênfase nos
estudos de gênero), da História Cultural e da História da Educação. A análise partiu
basicamente de fontes primárias como Leis, Resoluções e Regulamentos, Relatórios da
Diretoria da Instrução Pública, Periódicos e da Bibliografia disponível.
Palavras-chave: Saberes, Mulheres, Escola Normal da Bahia, Formação, Professoras
VIEIRA, Débora Magali Miranda. NORMAL SCHOOL OF BAHIA: KNOWLEDGE
CONVEYED IN TRAINING WOMEN FOR TEACHING (1890 - 1914). Dissertation
(Master) - Faculty of Education, Federal University of Bahia, Salvador, 2013.
ABSTRACT
The present study aims to analyze the historical process of formation of the body of
knowledge specific to the training of women as teachers in charge of the Normal School of
Bahia in the period 1890-1914. Given that Republican ideals for their achievement depended
on an educated, as well as the refusal to co-education and the consequent increasing presence
of women in the normal course over a period of compulsory primary education, including for
girls, research is guided by the following question: What is the historical context of the body
of knowledge specific to the training of women as teachers in charge of the Normal School of
Bahia in the period 1890-1914? The central question and the objectives outlined in the
research led us to walk in the shadow of the contributions of the changes in Brazilian
historiography where we seek to approach the links that give meaning to the relationship
between the perspectives of Women's History (with emphasis on gender studies), Cultural
History and the History of Education. The analysis was mainly from primary sources such
Laws, Resolutions and Regulations, Reports of the Board of Public Instruction, Journals and
Bibliography available.
Keywords: Knowledge, Women, Normal School of Bahia, Training, Teaching
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
Em viagem para a construção do objeto de investigação 11
INTRODUÇÃO
1. Caminhando à sombra rumo ao objeto de investigação 14
1.1. Caminhando à Sombra: tessitura teórico-metodológica 18
1.2. Procedimentos Metodológicos 19
2. Estruturação da Apresentação dos Resultados da Pesquisa 19
CAPÍTULO 1
POR UMA HISTÓRIA DAS MULHERES BAIANAS: O DESEJO
DE UM OUTRO RELATO, DE UMA OUTRA HISTÓRIA 21
1.1. História das Mulheres: rompendo com o silêncio dos relatos 27
1.1.1. História das Mulheres no Brasil: algumas aproximações 29
1.1.2. “Não somente uma nova história das mulheres, mas uma nova história” 33
1.2. Gênero: uma categoria útil de análise para a história cultural da educação
feminina 37
CAPÍTULO 2
HISTÓRIA CULTURAL DA EDUCAÇÃO FEMININA NA BAHIA
DE OUTRORA: ENTRE REPRESENTAÇÕES, PRÁTICAS E
APROPRIAÇÕES
43
2.1. Representações do feminino: uma breve história 44
2.2. A educação feminina na Bahia: entre representações, práticas e
apropriações 57
2.2.1. Espaços para a escolarização feminina 64
CAPÍTULO 3
SABERES VEICULADOS NA FORMAÇÃO DAS MULHERES
BAIANAS: AS PROFESSORAS NA VIRAGEM DO SÉCULO XIX
PARA O SÉCULO XX
73
3.1. Primeiros tempos da Escola Normal da Bahia: um espaço que se feminiza 74
3.1.1. Entre Escola e Instituto: (re) formar para quê? 94
3.2. Mulheres baianas, religião e educação 106
3.3. Fragmentos de significação: “(...) os nossos mais bellos ideaies” 111
CONSIDERAÇÕES FINAIS 115
REFERÊNCIAS 125
11
APRESENTAÇÃO
Em viagem para a construção do objeto de investigação
“Sem sair do lugar, pode-se viajar longe, no tempo e
no espaço, na memória e na história, no pretérito e no
futuro, na realidade e na utopia”. (IANNI, 2003, p.29).
Consideramos a afirmação de Octávio Ianni, na epígrafe acima, oportuna para
apresentar nosso estudo. Acreditamos que em nossos passos na prática de pesquisa e até
mesmo no ato de pensar, a viagem está sempre presente, seja como uma realidade ou
metáfora. Ela aparece como um guia nas escolhas que fazemos e nas travessias que
realizamos.
E quando se trata de um estudo histórico a analogia com a viagem advém do processo
de deslocamento que o objeto de pesquisa sugere. Paradoxalmente, desloca-se sem sair do
lugar, mas, projetando-se para um passado que buscamos nos aproximar e sobre ele realizar
descobertas, reflexões e aprendizados.
É nesse sentido que nos lançamos numa viagem quando nos propomos a buscar
vestígios de uma época remota e de sujeitos, alguns presentes nos relatos históricos outros
excluídos desses relatos. Desejamos com isso viajar no presente estudo que teve como
objetivo analisar o processo histórico de constituição do corpo de saberes específico à
formação das mulheres para o magistério a cargo da Escola Normal da Bahia no período de
1890 a 1914.
Na verdade, o interesse em realizar tal estudo decorre dos primeiros passos em
pesquisas na área da História da Educação durante a minha formação para Pedagoga. O ponto
de partida desta viagem que agora nos propomos a realizar foi quando em 2006, eu e a
Professora Sara Martha Dick começamos a estudar sobre as Políticas Públicas para Formação
de Professores na Bahia durante a Primeira República (1889-1930).1
1 Em 2006 e 2007, como voluntária do Grupo de História das Políticas Educacionais, sob a orientação da
Professora Sara Martha Dick, comecei a desenvolver um estudo sobre as Políticas Públicas para Formação de
Professores na Bahia durante a Primeira República (1889-1930). Diante dos resultados deste trabalho e como
desdobramento do mesmo sentimos a necessidade de recuar no tempo e analisar o Processo Histórico de
Feminização do Magistério baiano, entre 1873 a 1895. Tal pesquisa foi realizada entre 2007-2008 com o apoio
financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-CNPq.
12
Essa experiência como bolsista de iniciação cientifica foi oportuna para que o processo
histórico de inserção das mulheres no curso de formação para professoras primárias, ou seja,
no curso oferecido pela Escola Normal da Bahia tornasse uma problemática de estudo2.
Fomos, aos poucos, nos deparando com os relatos desta história, até então, desconhecidos por
mim, o que me inquietava na condição de mulher e futura professora.
Diante da minha trajetória lembro-me das palavras de Ianni (2003, p.13), de que em
viagens “são muitos os que buscam o desconhecido, a experiência insuspeitada, a surpresa da
novidade, a tensão escondida nas outras formas de ser, agir, realizar, lutar, pensar ou
imaginar”. Ora, descortinar esta história sobre a qual pouco sabia passou a impulsionar as
minhas buscas.
Quando resolvemos desenvolver a pesquisa sobre o Processo Histórico de Feminização
do Magistério baiano, entre 1873 a 1895, parte das motivações em realizá-la proveio do meu
“olhar interessado” para as informações que indicavam como as mulheres se tornaram maioria
no curso normal, sobre as diferenças de gênero na oferta deste curso, bem como, sobre a
relação entre a condição feminina e o destino social das mulheres daquela época.
Além desses, outros temas foram emergindo à medida que explorávamos e cotejávamos
as fontes oficiais com a literatura. Porém, as leituras que se mostraram necessárias de estudos
que desenvolvem uma analogia entre gênero e educação no campo da História da Educação, --
ao discutirem temas como o processo histórico de formação escolar/profissional das mulheres
para o magistério, as circunstâncias que levaram a feminização da profissão e os fatores
decorrentes desse processo - aguçaram a minha percepção para elementos que envolveram a
trama de relações e de contradições da história da formação das mulheres para professoras.
Com efeito, realizei a monografia de conclusão do curso de graduação em Pedagogia sobre as
condições em que foi concebido o processo de feminização do curso normal baiano, no
período de 1873 a 1895.3
Diante das contribuições da banca de avaliação da monografia referente a alguns pontos
do trabalho, surgiram outros caminhos possíveis para pesquisas posteriores. Foi aí que em
2009 ao cursar uma Especialização em Metodologia do Ensino Superior aproveitei a
oportunidade ao desenvolver o artigo final de conclusão deste curso para dar alguns passos
2 No segundo semestre de 2008 apresentei a minha monografia intitulada “Mulher e Formação para o
Magistério: ‘entre a condição desejável e a possível de se obter’. Bahia (1873-1895)”. 3 Buscamos apoio, por exemplo, em Jane de Almeida (1998;2006;2007); Guacira Lopes Louro
(2001;2003;2007); Denice Catani (2003), Tereza Fagundes(2005), trabalhos que nos aproximaram dos estudos
de gênero como categoria de análise incorporada às pesquisas do campo da História da Educação.
13
em direção à apreensão das normas e dos valores morais que orientaram a formação das
mulheres baianas para o magistério, considerando a mesma periodização dos dois últimos
estudos.
Permaneci com essa proposta ao me candidatar à seleção para o mestrado. Contudo, no
primeiro ano do curso, em meio aos encontros e desencontros com o objeto de pesquisa na
tentativa de apreendê-lo, os elementos que motivaram os recortes temporais com os quais
estamos trabalhando desde 2007 e algumas (re)leituras de obras como de Antonio
Nóvoa(1991), nos levaram a perceber a relação entre o corpo de saberes destinado à formação
das normalistas e as normas e valores imbuídos em tal formação.
Vale ressaltar que a periodização escolhida, até então, resultou da própria temática,
finalidades das pesquisas, do acervo e das aproximações que conseguimos realizar a partir do
cotejamento e interpretação das fontes. A demarcação decorreu, por exemplo, das reformas
educacionais na transição de regime politico que ensejou discursos e ações no âmbito da
formação de professoras/es; da constatação do processo de feminização em curso na Escola
Normal da Bahia a partir das três últimas décadas do século XIX; das alterações dicotômicas
na oferta do curso para homens e mulheres promovidas por tais reformas.
Assim, os recortes temporais dos estudos se mostraram importantes para
compreendermos o movimento de transformações ocorrido no processo de formação de
mestras e mestres para o ensino primário da Bahia nos anos relativos à segunda metade do
século XIX e inicio do século XX - fase que consideramos como de consolidação e tentativa
de expansão do curso normal baiano.
Cada vez mais percebemos quanto é importante e necessário para um estudo histórico
de uma temática educacional superar os limites dos marcos políticos. É um desafio
estimulante demarcar um período que nos aproxime mais do objeto de pesquisa estudado, ou
melhor, um período que derive das indicações do próprio objeto para melhor estudá-lo e
interpretá-lo. Alguns passos foram dados nesse sentido e continuamos estimuladas a encarar
tal desafio.
14
INTRODUÇÃO
1. Caminhando à sombra rumo ao objeto de investigação
Na apresentação deste trabalho nos referimos ao estudo histórico aqui desenvolvido
como uma viagem, devido dentre outros motivos, ao processo de deslocamento que o objeto
de pesquisa nos leva a realizar. Entendemos que esse movimento de deslocar-se é inerente à
natureza de um estudo que objetiva conciliar o passado com a história.
No entanto, desse conciliar surgem questões de cunho epistemológico e metodológico
advindas da atitude de problematizar o conhecimento histórico que, necessariamente, levamos
na bagagem como subsídios norteadores dos caminhos que seguimos ao desenvolver um
estudo histórico sobre uma temática educacional. Com isso queremos dizer que realizar uma
pesquisa histórica é caminhar à sombra de questões introdutórias por vezes problemáticas,
constituídas no cerne dos debates dos movimentos ocorridos nos campos da história e da
história da educação, principalmente, ao longo dos últimos quarenta anos.
Os diversos sentidos que foram e são atribuídos à “história”, por exemplo, exigiu que
fizéssemos uma escolha fundamental para esta investigação a qual buscou analisar o seu
objeto no processo histórico de constituição do mesmo. De saída, corroboramos com
Margareth Rago(2011) quando em sua breve apresentação do livro de Keith Jenkins (2011),
intitulado A História Repensada, afirma que:
Hoje, quando novas forças sociais, étnicas, sexuais e geracionais ganham
espaço e respeitabilidade no mundo público, já não se pode afirmar
simplesmente que a História é o registro do que aconteceu no passado, pois
se vários acontecimentos foram lembrados e registrados, muitos perderam
seus rastros, foram esquecidos, ou deliberadamente apagados. (RAGO, 2011,
p. 10).
Dito isso, o que e como é possível saber sobre o passado e, com efeito, sobre o nosso
objeto de investigação? A questão se fez necessária, pois, nos lançamos em busca de
elementos que perpassaram a formação das mulheres para professoras. Logo, a investigação
se deu a partir do que foi discursado e determinado oficialmente como disciplinas importantes
para a vida escolar/profissional das normalistas, pois foram as primeiras fontes que
encontramos nos acervos. Por outro lado, sentimos a necessidade de buscar as vozes e as
marcas dos silêncios destas mulheres, suas formas de aceitação ou subversão, de atuação na
sociedade e/ou na profissão, mas, são vestígios velados, escassos e até mesmo inexistentes.
15
Deparamo-nos aí com as fronteiras da invisibilidade feminina já que viajamos num
tempo de ausência das mulheres nos relatos como sujeitos históricos. Viajamos num tempo
em que se falava das mulheres, é claro, da sua presença marcante na Escola Normal, por
exemplo; das suas qualidades, muitas vezes tidas como natas, para exercer o magistério; da
sua importância na arte de educar as novas gerações. Contudo, usando as palavras da Michelle
Perrot(2008), a torrente de discursos, a avalanche de imagens produzidas na época decorria
de uma visão masculina, generalizada e presa a estereótipos. Falavam das mulheres e por elas,
porém, as suas próprias representações, práticas e formas de apropriação eram ignoradas.
Diante do exposto, a indagação sobre o quê e como poderíamos realizar com relação ao
objeto de estudo emergiu da necessidade de considerarmos os limites e possibilidades desta
viagem. Mais uma vez lembramo-nos das palavras de IANNI (2003, p.15), quando afirma que
“o que é presente e o que é pretérito, próximo ou remoto, revela-se no relato, descrição ou
interpretação daquele que aproveita os materiais colhidos em viagens, imaginando as formas
de ser, agir, sentir, pensar ou imaginar que podem constituir o outro”.
Assim, após muitas idas e voltas à bibliografia disponível, às fontes coletadas, em sua
maioria oficial, às andanças pelos Arquivos e Bibliotecas em busca de novas fontes, o que me
levou a encontrar a “Revista A Paladina” e ao diálogo no momento da qualificação sentimos
a necessidade de redimensionar o objeto de pesquisa e recuar um pouco no tempo.
Quando priorizamos, os saberes, as normas e valores que regularam a formação
feminina para a docência, a primeira documentação sobre a qual direcionamos o olhar foi a
legislação referente aos critérios para ingressar no curso normal, aos currículos, método de
ensino. Contudo, logo percebemos que os saberes não são elementos explícitos e tão pouco
independentes de normas e de valores que orientam uma formação escolar/profissional como
neste caso da formação feminina para a docência. Desta forma, tais saberes deveriam ser
rastreados subjacentes a esta formação, percebidos, por exemplo, como produto das
disciplinas que compuseram os currículos do curso normal.
Além do exposto, o interesse pelos saberes veiculados pela Escola Normal para formar
as jovens em professoras do ensino primário estava em tentar compreendê-los em seu
processo de constituição e daí extrair para quê, para quem e o porquê desta formação.
Estávamos em busca das finalidades da formação oferecida pela Escola Normal da
Bahia às mulheres. Assim, deveríamos considerar não somente as políticas de formação
escolar/ profissional proporcionada pelo poder público às normalistas, como as distâncias e
16
aproximações existentes entre o que diziam as leis da educação e o que se efetivou no
cotidiano da escola.
Era preciso, então, nos debruçar sobre esta formação com um olhar atento para o corpo
de saberes que a Escola Normal da Bahia priorizou para as alunas frente às demandas externas
e com o cuidado para não estabelecer uma relação direta entre as orientações oficiais e as
práticas da Escola Normal, no sentido de verificar os nexos existentes entre texto e contexto.
Porém, esbarramos na escassez de fontes sobre o cotidiano, sobre as práticas da Escola
Normal da Bahia.
No intuito de aproveitar os materiais colhidos nesta viagem, além das Leis, buscamos
através nos Relatórios oficiais rastrear a dinâmica interna do curso normal e dos saberes
específicos à formação das jovens para a docência do ensino primário. A revista A Paladina -
a qual contou com a colaboração de diferentes mulheres, dentre elas, algumas que exerceram
a função de professoras primárias - ampliaram as possibilidades de cotejamento e
interpretação dos dados oficiais, a medida que tais fontes nos forneceram informações
produzidas por sujeitos que fizeram a Escola Normal e nela se fizeram.
A Paladina nos trouxe possibilidades de rastrear as vozes de algumas mulheres que além
de terem exercido o magistério, estenderam a sua forma de atuação como educadoras por
meio deste periódico veiculado na Bahia entre 1910 e 1917, com a finalidade de propagar a
moral cristã e os ideais de uma educação feminina. Assim, diante dos propósitos da pesquisa e
das fontes, estabelecemos o período de 1890 a 1914, como referência para a apreensão dos
elementos que envolveram o objeto de investigação.
Esse período justifica-se, pois, entre esses marcos foram sancionadas reformas
educacionais que evidenciaram a politica de formação de professoras/es ensejadas por
discursos oficiais e ações do poder público. Ainda que a primeira reforma da instrução pública
do estado posterior à mudança de regime político tenha sido com o Ato de 31 de dezembro de
1889, esta foi logo suspensa após quatro meses de execução sem maiores esclarecimentos.
Então, em substituição tivemos o Ato de 18 de agosto de 1890, considerado nesse estudo
como um marco no campo da educação baiana após a Proclamação da República. Este Ato
manteve as duas escolas normais, - uma para homens e outra para senhoras- em externato e
com a duração de quatro anos de estudos.
Entre 1890 e 1914 as Escolas Normais feminina e masculina passaram por várias
reformas onde as ordenações legais alteraram a duração do curso, o quadro de disciplinas,
17
método de ensino e a denominação da instituição que oscilou entre “Escola” e “Instituto”
Normal. Nesta mesma linha organizacional foram criadas duas escolas normais, uma para a
cidade de Caetité e outra para a cidade de Barra. Estas escolas foram logo extintas em 19034,
no entanto, apesar da breve existência, consideramos tais escolas como tentativa de expansão
do curso normal baiano e mais um indicativo do processo de feminização em curso não só nas
Escolas Normais como no magistério, já que ambas só recebiam mulheres.
A fase é bastante característica de recém Proclamação da República e de significativa
importância histórica para o Brasil, de um modo geral e, em especifico, para a Bahia onde a
busca por mudanças na estrutura da sociedade se deu, também, por meio de iniciativas de
escolarização da população que, em sua maioria, era analfabeta. Em meio aos temas
candentes nos discursos que marcaram os anos de transição de uma sociedade provinciana
para a iminente vida republicana, a adequada formação de professoras/es assumiu destaque
como condição prévia para a eficácia da escola primária. Nesse contexto, cada vez mais a
formação docente se feminizava.
Tendo em vista os ideais republicanos que para a sua realização dependia de um povo
instruído, assim como, a recusa à co-educação e a consequente presença crescente das
mulheres no curso normal num período de obrigatoriedade do ensino primário, inclusive para
as meninas, passamos então a nortear a nossa viagem com a seguinte questão: Qual o
processo histórico de constituição do corpo de saberes específico à formação das mulheres
para o magistério a cargo da Escola Normal da Bahia no período de 1890 a 1914?
Assim, a partir da pergunta que norteou esta pesquisa e das fontes, traçamos os
seguintes objetivos:
4 A criação e regulamentação das escolas normais de Barra e Caetité foram, respectivamente, através do Ato de
17 de outubro de 1895 e do Decreto de 26 de maio de 1896. Porém, a extinção se deu através do Decreto n.215,
de 29 de outubro de 1903.
18
Objetivo Geral
Analisar o processo histórico de constituição do corpo de saberes específico à formação das
mulheres para o magistério a cargo da Escola Normal da Bahia no período de 1890 a 1914.
Objetivos Específicos
Compreender a Bahia na transição do século XIX para o século XX, nos seus aspectos
social, político, econômico e educacional frente às mudanças e demandas sociais de um
modo geral;
Investigar aspectos do processo histórico de educação/escolarização feminina entre o
final do século XIX e início do século XX;
Analisar as políticas públicas para formação de professoras/es na Bahia nos anos que
compreendem o recorte temporal deste estudo;
Apreender as finalidades da Escola Normal e das normalistas diante das demandas da
sociedade baiana no período de trabalho;
Estudar as mudanças que ocorreram no corpo de saberes expresso nos currículos, bem
como as permanências.
1.1 Caminhando à Sombra: tessitura teórico-metodológica
Retomando a questão central e os objetivos traçados, continuamos a nossa viagem
imbuídas das primeiras reflexões já abordadas, anteriormente, e de indagações que emergiram
da necessidade de nos aproximar mais do objeto de pesquisa. Por certo, os materiais colhidos
nesta viagem, ou seja, as fontes, os vestígios deste passado foram matéria-prima básica para a
construção do relato aqui pretendido. Contudo, não somente o encontro de materiais como a
escassez e a falta deles, os silêncios presentes no conteúdo foram considerados. Comungamos
com a posição de que as fontes em si, numerosas que sejam, não produzem o relato histórico,
não dão conta do passado.
Para além do trabalho de investigação dos fragmentos de um passado, mais importante é
a maneira com a qual buscamos entendê-los. O olhar, as questões formuladas sobre o que foi
produzido e sobre o que restou desse passado norteiam a caminhada. Acreditamos que esses
passos são fundamentais para a produção de um conhecimento histórico.
19
Foi diante do quadro que se inscreveram as transformações na historiografia brasileira
que buscamos nos aproximar dos elos que dão sentido à relação entre as perspectivas da
História das Mulheres (com ênfase nos estudos de gênero), da História Cultural e da História
da Educação.
1.2. Procedimentos Metodológicos
O trabalho foi desenvolvido a partir do levantamento, cotejamento e análise das fontes
primárias e e secundárias. Buscamos as fontes no Arquivo Público do Estado da Bahia
(APEBa), Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB) e Biblioteca Pública do Estado da
Bahia (BPEB). Deste modo, segue abaixo os procedimentos listados, salientando que esta é
apenas uma forma de exposição didática. Na verdade, os passos da pesquisa são dinâmicos,
recorrentes, não ocorre de forma linear, seqüencial.
a) Levantamento bibliográfico para caracterizar o período;
b) Levantamento e análise da produção acadêmica acerca do tema;
c) Levantamentos de documentos nos Arquivos e Bibliotecas;
d) Cruzamento dos dados encontrados nos vários tipos de documentos sobre a luz da
produção acadêmica levantada e selecionada;
e) Organização e seleção dos dados pesquisados para elaboração da dissertação de
Mestrado.
2. Estruturação da Apresentação dos Resultados da Pesquisa
O trabalho está dividido em três capítulos, a saber:
No primeiro capitulo buscamos percorrer a história do desenvolvimento de novas
posturas na produção historiográfica no decorrer das últimas quatro décadas através da
produção de um estado da arte, no intuito de conhecer o caminho da inserção das mulheres
como objeto e sujeitos da história, na historiografia brasileira e da educação. Destaquemos,
inicialmente, as contribuições advindas da passagem do modelo dito tradicional de produção
histórica, baseado em descrições densas e factuais dos grandes acontecimentos e das
20
trajetórias de instituições e de líderes políticos, para uma tendência - emergente a partir da
segunda metade do século XX - de interesses em torno de temas e grupos sociais que, até
então, estavam à margem das produções históricas, como é o caso das mulheres.
Posteriormente, desenvolvemos um relato sobre o percurso da História das Mulheres
enquanto campo de conhecimento, de como, este domínio histórico “não só acompanhou as
campanhas feministas para a melhoria das condições profissionais, como envolveu a expansão
dos limites da história. Fizemos também uma breve incursão sobre a História das Mulheres no
Brasil e de o conceito de gênero se espraiou na História da Educação.
No segundo capitulo versa sobre a história cultural da educação feminina na Bahia,
entre o século XIX e inicio do século XX. Tornou-se indispensável para este estudo pensar a
educação feminina entre o século XIX e as primeiras décadas do século XX. Como as
mulheres foram educadas e com quais finalidades? Quais os saberes destinados para o sexo
feminino desde a infância? Quais os espaços que foram reservados para a instrução das
jovens? São caminhos para apreendermos os elos existentes no movimento de constituição
dos saberes que foram considerados como necessários para o preparo das mulheres para o
magistério pela Escola Normal da Bahia, instituição a qual coube, a partir do século XIX, a
realização de tal formação.
No terceiro capitulo discutimos os saberes veiculados na formação das mulheres baianas
para professoras na viragem do século XIX para o século XX. Iniciamos a nossa abordagem
sobre os primeiros tempos da Escola Normal da Bahia para situar o processo de entrada e
permanência das mulheres no curso normal a partir das normas e finalidades que o
conduziram desde a sua origem. A partir daí abordamos o que foi determinado oficialmente
como disciplinas importantes para a vida escolar/profissional das normalistas entre 1890 a
1914. Procuramos entender o movimento deste processo a partir de elementos que
envolveram as políticas de formação de professoras/es, decorrentes das ações do poder
público quanto à educação, ao selecionar, institucionalizar saberes considerados necessários
para o preparo escolar/profissional das mulheres, o qual coube à Escola Normal da Bahia.
Terminamos este capitulo com algumas vozes femininas que exerceram a docência dando a
ver as suas formas de apropriação dos saberes requeridos para o exercício do magistério.
21
CAPITULO 1
POR UMA HISTÓRIA DAS MULHERES BAIANAS: O DESEJO DE UM OUTRO
RELATO, DE UMA OUTRA HISTÓRIA
As fontes jorram para o olhar de quem as procura. Esse olhar
que faz o relato que é a história.
Michelle Perrot (2008)
Entendemos que a breve discussão aqui abordada se insere num processo, ainda em
curso, de rompimento de fronteiras. As fronteiras construídas pelo tratamento desigual dado
às mulheres ao longo do tempo. Muitas são as consequências até hoje sofridas pelas mulheres
em decorrência das desigualdades de gênero seja no âmbito político, jurídico, intelectual ou
de ordem social e econômica. A invisibilidade das mulheres, enquanto sujeitos dotados de
poder, de ação, de realizações, de identidade na história é uma dessas implicações. E no cerne
desta invisibilidade encontramos as crenças religiosas que por muito tempo deixaram a
mulher em condição inferior ao homem criando assim sociedades absolutamente patriarcais.
Em muitas sociedades, a invisibilidade e o silêncio das mulheres fazem parte
da ordem das coisas. É a garantia de uma cidade tranqüila. Sua aparição em
grupo causa medo. Entre os gregos, é a stasis, a desordem. Sua fala em
público é indecente. “Que a mulher conserve o silêncio, diz o apóstolo
Paulo. Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva. E não foi Adão que
foi seduzido, mas a mulher que, seduzida, caiu em transgressão”. Elas devem
pagar por sua falta num silêncio eterno. (PERROT, 2008, p.17).
Essas são algumas das explicações que fundamentaram a obscuridade feminina e ao
acompanhar a abordagem de Michelle Perrot(2008), observamos que por muito tempo
justificaram a ausência das mulheres no espaço público, o único sobre o qual existia interesse
e sobre o qual produziram relatos. Deste modo, a ausência feminina na vida pública
influenciou o que a autora apresentou como uma segunda razão do silêncio: o silêncio das
fontes. A esse respeito, a historiadora afirma:
As mulheres deixam poucos vestígios diretos, escritos ou materiais. Seu
acesso à escrita foi tardio. Suas produções domésticas são rapidamente
consumidas, ou mais facilmente dispersas. São elas mesmas que destroem,
apagam esses vestígios porque os julgam sem interesse. (PERROT, 2008,
p.17)
22
Com efeito, as mulheres assumiram um papel de subordinadas, sem voz ativa, fadadas a
uma situação de anonimato. E esta situação se faz sentir nas narrativas históricas onde, na
maioria dos relatos produzidos, a presença masculina destaca-se como protagonista dos
acontecimentos.
Não obstante o desejo e a necessidade de buscar as vozes e as marcas dos silêncios das
mulheres que viveram em Salvador-Bahia entre o final do século XIX e inicio do século XX,
bem como as suas formas de aceitação ou de subversão, de atuação na sociedade, na educação
e/ou na profissão, vale destacar que tais vestígios são velados, escassos e até mesmo
inexistentes. Deparamo-nos aí com as fronteiras da invisibilidade feminina já que viajamos
num tempo de ausência das mulheres nos relatos como sujeitos históricos.
Embora Mary Del Priore (2010, p. 8) em sua apresentação da História das Mulheres no
Brasil tenha abordado a superação das discussões em torno das dificuldades de construção da
história das mulheres, "mascaradas que eram pela fala dos homens e ausentes que estavam do
cenário histórico", muito há para se descortinar sobre a história da educação no Brasil e,
principalmente, na Bahia quando o objeto de estudo são as mulheres, mesmo reconhecendo os
esforços de pesquisadoras/es, escritoras/es como a Del Priore, imbuídas nestas últimas
décadas de preencher esta lacuna como um meio de reparação histórica. 5
É bem verdade que existem falas sobre as mulheres brasileiras e baianas. Encontramos
discussões acerca da finalidade da sua instrução, por exemplo; do lugar que deveriam ocupar
na família; da sua importância na arte de educar as novas gerações; das suas qualidades,
muitas vezes tidas como natas, para exercer o magistério; da sua presença marcante nas
Escolas Normais. Contudo, a torrente de discursos, a avalanche de imagens produzidas na
época decorria de uma visão masculina, generalizada e presa a estereótipos, ou seja, falavam
das mulheres e por elas, porém, as suas próprias representações, práticas e formas de
apropriação foram ignoradas.6
Portanto, para escrever sobre as mulheres em qualquer campo de
conhecimento, há de se valer de sinais, de vestígios, de fontes poucos
ortodoxas em um risco assumido de desconsiderar que apenas o que é
objetivo dá conta da existência humana, sejam seus atores homens ou
mulheres. Assim, procura-se mais que interpretar, reinterpretar, inferir,
concluir parcialmente, eliminando em parte a invisibilidade que, por tanto
5 Hoje já podemos contar com outra publicação sobre a história das mulheres no Brasil tratando de temas mais
recentes, dos séculos XX e XXI, numa perspectiva histórica: PINSKY, Carla Bassanezi(Org.). Nova História
das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2012. 6 Ao fazer referência às representações, práticas e formas de apropriação apoiamo-nos no pensamento de Roger
Chartier (1986).
23
tempo, vem se cristalizando em alguns espaços que, apesar de serem
majoritariamente femininos, como, por exemplo, a educação, sempre foram
analisados do ponto de vista masculino. (ALMEIDA, 2007, p. 18).
Mas, atualmente, as pesquisas no campo da História da Educação já podem contar com
aportes teórico-metodológicos oriundos de novas posturas desenvolvidas na produção
historiográfica no decorrer das últimas quatro décadas. São instrumentos aos quais
pesquisadoras/es, como a autora supracitada, Jane Soares de Almeida(2007), recorrem para
construir trabalhos que tenham como objetivo recuperar as mulheres enquanto sujeitos da
história.
Destaquemos, inicialmente, as contribuições advindas da passagem do modelo dito
tradicional de produção histórica, baseado em descrições densas e factuais dos grandes
acontecimentos e das trajetórias de instituições e de líderes políticos, para uma tendência -
emergente a partir da segunda metade do século XX - de interesses em torno de temas e
grupos sociais que, até então, estavam à margem das produções históricas, como é o caso das
mulheres.
A historiadora norte-americana Lynn Hunt (1992), expõe que esta fase de transição é
resultante do avanço do social no campo da interpretação histórica, a qual foi estimulado por
influências de dois paradigmas: o marxismo e a Escola dos Annales. Ambos, ainda que
divergissem em termos de categorias e modos de analisar a história, reagiram contra as
abordagens exclusivamente políticas, apresentando uma perspectiva da História de orientação
social, mais voltada para a análise das estruturas e menos ligada à narrativa dos
acontecimentos.
Segundo Hunt (1992), o interesse pela história social expressou-se entre historiadores
marxistas, em especial, no final da década de 1950 e nos primeiros anos de 1960, levando aos
mesmos a publicações sobre "a história vinda de baixo”, como os estudos de George Rudé
sobre as classes populares parisienses e os de E. P. Thompson sobre a classe operária inglesa.
Com essa inspiração, os historiadores das décadas de 1960 e 1970
abandonaram os mais tradicionais relatos históricos de lideres políticos e
instituições políticas e direcionaram seus interesses para as investigações da
composição social e da vida cotidiana de operários, criados, mulheres,
grupos étnicos e congêneres. (HUNT, 1992, p.2).
Seguindo o movimento de reformulação das produções historiográficas, não obstante os
caminhos e descaminhos teórico-metodológicos e temáticos traçados pelos pesquisadores
24
marxistas e pelo grupo dos Annales em suas gerações, os diversos aspectos da vida social
passaram a integrar os estudos no campo da História. A nova história, como ficou conhecida a
história associada à Escola dos Annales, "começou a se interessar por virtualmente toda
atividade humana"(...). Daí a expressão ‘história total’, tão cara aos historiadores dos
Annales”. (BURKE, 1992, p. 11). 7
Mais tarde, nos anos de 1970, novas histórias foram produzidas sobre temas que até
então não se havia pensado terem história, como a da infância, da morte, da loucura, dos
gestos, do corpo, da sexualidade, da leitura, da feminilidade e até mesmo do silêncio.
Necessariamente, ampliou-se a noção de fontes históricas e o diálogo com outras ciências
humanas assumiu maior importância no intuito de apreender as diversas dimensões dos
objetos de estudo.
De acordo com Hunt (1992), nos últimos anos, os próprios modelos de explicação que
contribuíram para a ascensão da história social passaram por uma mudança de ênfase, a partir
do interesse cada vez maior pela história cultural, identificado tanto nas gerações dos Annales
quanto no grupo dos marxistas. Mas, em relação aos historiadores dos Annales, destaca-se o
relativismo cultural como base filosófica da nova história. Desenvolveram a idéia de que a
realidade é social ou culturalmente construída. Assim, "o que era previamente considerado
imutável é agora encarado como uma 'construção cultural', sujeita a variações tanto no tempo
quanto no espaço" (BURKE, 1992, p. 11).
Em decorrência de tal pressuposto, a aproximação entre historiadores e antropólogos
amplia-se e merece ser enfatizada, pois, ela demarca a prática da história cultural sob o uso do
termo “cultura” num sentido mais amplo, mais plural. Tal como Peter Burke (2005, p. 43) se
refere, é a era de dois movimentos gêmeos: da “antropologia histórica” e da “nova história
cultural”.
Diante dos registros e interpretações produzidas, a Nova História Cultural (NHC) é uma
denominação que distingue o processo de renovação nos modos de se produzir no campo da
História Cultural entre os anos de 1970 e 1980. Ainda que haja evidências de publicações
anteriores, é a partir das últimas décadas do século XX que os historiadores culturais passam a
7 Para saber mais sobre a história total e a discussão acerca da fragmentação da história em contraposição a esta
totalidade - rotulada, sob severa critica, como “história em migalhas”- ver: REIS, José Carlos Reis. História &
Teoria: historicismo, modernidade, temporalidade e verdade. 3. ed. Rio de Janeiro Editora FGV, 2006.
25
considerar temas, objetos e problemas outrora relegados em suas pesquisas. São novas
possibilidades de estudos sob a polissêmica noção de cultura. 8
Conforme Peter Burke (2005, p. 45), esta virada cultural não só ocorreu na história
como em outras disciplinas. A psicologia cultural, a geografia cultural, a economia e a ciência
política, também, se voltaram para abordagens culturais em suas análises. No campo da
história há evidências desta tendência no uso das expressões “cultura da imprensa”, “cultura
de corte”, ou “cultura do absolutismo” pelos historiadores ao tratar dos seus objetos. “Estamos
a caminho da história cultural de tudo: sonhos, comida, emoções, viagem, memória, gesto,
humor, exames e assim por diante”, observa o autor. (Ibid., p.46).
A cultura que, por muito tempo, foi utilizada para se referir às artes e às ciências, passa
a ser relacionada aos elementos populares e cada vez mais busca se aproximar de objetos
culturais e das práticas sociais cotidianas. Deste modo, folclore, hábitos, crenças, valores,
símbolos, representações são alguns dos elementos de análise desta citada modalidade
historiográfica. E neste percurso, um novo campo de pesquisas se insurge, a saber, a história
das representações sociais e culturais, destacando-se neste campo as formulações teóricas do
historiador Roger Chartier, cujo principal objeto da história cultural, para ele, “é identificar o
modo como, em diferentes lugares e momentos, uma determinada realidade social é
construída, pensada, dada a ler”. (CHARTIER, 1986, p, 16-17). Nas suas análises três
categorias são fundamentais para a compreensão da história cultural: apropriação,
representação e práticas sociais sobre as quais nos deteremos mais adiante.
É nesse cenário que uma nova noção encontra lugar, a da “cultura feminina”, no interior
da qual gestos e práticas são pensados e analisados como formas de cultura. Foi de extrema
relevância o êxito obtido pela história cultural e das representações, além da contribuição
crescente das abordagens etnológicas e antropológicas para que os estudos sobre os papéis
sexuais adquirissem uma nova expressão na historiografia. Ao procurar descrever os papéis
femininos, chegou-se a traduzir certo número de práticas especificas à desenhar os traços de
uma cultura feminina. (DEL PRIORE, 2007). No entanto, não podemos perder de vista as
questões colocadas anos mais tarde pela historiografia das mulheres, por exemplo, acerca dos
modos de análise dos papéis sexuais construídos sob os pressupostos da Nova História.
8 Sobre publicações do campo da História Cultural anteriores e posteriores a 1970, Peter Burke apresenta uma
lista nas últimas páginas do seu livro: BURKE, Peter. O que é história cultural. Trad. Sérgio Goes de Paula.
Rio de Janeiro: Jorge Zaar. Ed., 2005. p 179-182
26
Questões que serão abordadas mais adiante no intuito de subsidiar o percurso de construção
deste trabalho.
Diante do exposto, vale ressaltar que tais transformações na história não só decorreram
de criticas internas, ou seja, daqueles que produziam no próprio campo, como,
simultaneamente, são fruto de influências de movimentos externos que contribuíram para a
busca do que deixavam à margem da história e para tornar aparente o que, por muito tempo,
esteve invisível.
O novo estilo de história cultural deve ser visto como uma resposta [...] à
expansão do domínio da “cultura” e à ascensão do que passou a ser
conhecido como “teoria cultural”. [...] As teorias podem ser vistas como
reação a problemas e também como reconceitualização deles. Certas teorias
culturais fizeram com que os historiadores tomassem consciência de
problemas novos ou até então ignorados, e, ao mesmo tempo, criassem por
sua vez novos problemas que lhes são próprios. (BURKE, 2005, p. 69-70). 9
Observemos o desenvolvimento da História das Mulheres enquanto campo de
conhecimento. Este domínio histórico “não só acompanhou as campanhas feministas para a
melhoria das condições profissionais, como envolveu a expansão dos limites da história”.
(SCOTT, 1992, p.75). Ainda que Joan Scott (1992) tenha lançado críticas quanto aos
primeiros estudos sobre a história das mulheres, desenvolvidos até a década de 1980 sob o
viés de “suplemento” da história, a historiadora evidencia a importância destas primeiras
produções para a avaliação dos modos tradicionais de construções historiográficas e aponta
para uma incômoda ambigüidade inerente ao projeto de história das mulheres, dizendo que se
por um lado ela foi um suplemento inócuo à história estabelecida, por outro, ela contribuiu
para um deslocamento radical dessa história.
Sem a intenção de desenvolver um inventário, precisar o tempo, o lugar, o fato que
marcou o advento deste campo, faz-se necessário abordar alguns fatores indicadores do seu
processo no sentido de nos situar diante dos desafios e das possibilidades de desenvolvimento
da discussão central deste e dos demais capítulos.
9 Como indicação de um estudo no campo da história cultural segundo o novo estilo, Burke (2005) discute o
livro de Caroline Bynum, considerado por ele um ótimo exemplo da chamada ”nova história cultural”. Segundo
o autor, este livro foi inspirado pela obra de feministas como Julia Kristeva e Luce Irigaray, que analisaram as
diferenças entre o discurso masculino e feminino. Sobre a preocupação da NHC com a teoria Burke cita que a
idéia de Jacques Derrida de “suplemento”, o papel da margem na formatação do centro, foi empregada por
historiadores em diferentes contextos. A estudiosa norte-americana Joan Scott também usou o termo para
descrever a ascensão da história das mulheres, em que “as mulheres tanto foram acrescidas à história” como
“ocasionaram a sua reescrita”. Para saber mais: BURKE, Peter. O que é história cultural. Trad. Sérgio Goes de
Paula. Rio de Janeiro: Jorge Zaar. Ed., 2005, p. 64-70.
27
1.1 História das Mulheres: rompendo com o silêncio dos relatos
Na sua obra, Minha História das Mulheres, Michelle Perrot (2008) ao falar sobre o
silêncio que marcou a existência feminina ao longo da história, afirma que o silêncio mais
profundo é o do relato. Atribui sentido à palavra “história” como “o relato que se faz dos
acontecimentos, da sequência dos fatos, das mudanças, das revoluções, dos acúmulos que
tecem o devir da sociedade” (Ibid., p.16), evidenciando os fatores que constituíram as marcas
da ausência feminina nas narrativas.
Assim como este trabalho de Michelle Perrot, encontramos outros que situam o
desenvolvimento da história das mulheres e, no bojo das discussões, a importância e utilidade
deste domínio histórico se encerra no seu objeto de interesse.10
Tal domínio,
fundamentalmente, surgiu da evidência da omissão ou do esquecimento que pesou sobre a
vida das mulheres ao longo do tempo. Esta constatação e o conseqüente interesse em trazer
luz ao elemento feminino no conjunto da história decorreram de fatores de natureza diferente
– científicos, sociológicos e políticos tal como os classificou Perrot (2008) – mas, que, em seu
conjunto, contribuíram ou foram produtores de estudos sobre as mulheres.
Seguindo a linha da autora citada, no que dizem respeito aos fatores científicos, alguns
já foram brevemente abordados neste capítulo, como as transformações teórico-metodológicas
ocorridas no campo da historiografia a partir da segunda metade do século XX, provenientes
da oposição ao paradigma tradicional de se fazer história. Oposição esta manifestada pelos
marxistas, mas, que tem o movimento dos Annales como referência significativa de
constituição de uma nova história. A inovação se expressou nas abordagens e nos objetos ao
construir as narrativas e, entre outros pontos, estes são apresentados como delineadores desta
outra prática historiográfica: a invasão da dimensão social e econômica na história,
subvertendo a visão tradicional que partia exclusivamente de marcos históricos carregados de
ações políticas; o desvio da história para a cultura, permitindo a discussão de objetos até então
10
Ao nos referirmos à história das mulheres como um domínio histórico, estamos nos pautando em José D’
Assunção Barros que em seu livro “O Campo da História: especialidades e abordagens” , como o próprio titulo
indica, discute aspectos ligados a cada uma das modalidades da historiografia moderna. O autor apresenta a
divisão da História sob três ordens de critérios: ‘dimensões’, ‘abordagens’ e ‘domínios’ que respectivamente
estão ligados a “enfoques”, “métodos” e “temas”. Uma dimensão implica em um tipo de enfoque ou em um
‘modo de ver’; uma abordagem implica em um ‘modo de fazer a história a partir de materiais com os quais deve
trabalhar o historiador; um domínio corresponde a uma escolha mais especifica, orientada em relação a
determinados sujeitos ou objetos para os quais será dirigida a atenção do historiador (campos temáticos como o
da ‘historia das mulheres’) (BARROS, 2004, p. 20).
28
não considerados e, conseqüentemente, o alargamento das fontes históricas para além dos
documentos.
Acrescentemos ainda que apesar dos Annales, sob a atuação de Lucien Febvre e de
Marc Bloch, não ter incorporado as mulheres aos seus primeiros estudos, eles contribuíram
para posteriores análises neste sentido à medida que buscaram “desvencilhar a historiografia
de idealidades abstratas, voltando-se para a história de seres vivos, concretos, à trama de seu
cotidiano, em vez, de se ater a uma racionalidade universal”. (SOIHET, 1997, p.276).
Alguns nomes são característicos deste período de novas incursões na história no qual a
prática da interdisciplinaridade, temas e objetos inéditos, novos problemas e novos campos de
pesquisa emergem, criando maiores possibilidades para a abordagem do feminino na
historiografia. “A trajetória de um Georges Duby, que chegou à história das mulheres pela via
da antropologia, ilustra esse percurso. Após estudo sobre o funcionamento do casamento
feudal no século XII, ele se pergunta: Mas as mulheres? O que se sabe sobre elas?”
(PERROT, 2008, p. 19-20). Deste modo, estudos sobre a família, a vida privada, as práticas
cotidianas, a sexualidade, o casamento passaram a ser desenvolvidos e, necessariamente, na
construção das análises as mulheres estavam presentes.
Sobre os fatores sociológicos, Perrot (2008) destaca a presença das mulheres na
universidade, como estudantes e como docentes, principalmente, a partir de 1970. Como
estudantes a autora relata que elas representavam quase um terço das matriculas nos anos de
1970 e como docentes após terem sido "indesejáveis" por muito tempo, elas conquistam o seu
espaço depois da Segunda Guerra Mundial, tornando-se presença considerável entre os
professores efetivos. “Essa feminização podia ser o fermento de uma demanda renovada, ou
pelo menos de uma escuta favorável”. (Ibid., p.20).
E quanto aos fatores políticos, compreendido no sentido amplo do termo, foram
decisivos. Segundo algumas narrativas, corresponde à origem da história das mulheres junto à
política feminista empreendida inicialmente nos Estados Unidos, a partir da década de 1960,
estendendo-se nos anos 70 para outras partes do mundo como da Europa e o Brasil.11
Parafraseando Perrot (2008, p.20), o movimento de liberação das mulheres desenvolvido nos
11
Estamos nos referindo ao período de eclosão do movimento feminino, datado a partir de 1970, porém,
tomamos conhecimento das primeiras manifestações de feminismo ocorridas na virada do século XVIII para o
século XIX quando mulheres iniciam este processo de lutas no sentido de valer os seus direitos. Certamente
essas primeiras iniciativas contribuíram para as buscas futuras. Para saber mais: PINTO, C. R. J. Uma história
do feminismo no Brasil. São Paulo: Editora Perseu Abramo, 2003. (Coleção História do Povo Brasileiro);
HAHNER, J. E. A mulher brasileira e suas lutas sociais e políticas (1850-1937). São Paulo: Brasiliense, 1981.
29
anos de 1970 não objetivava a universidade e o revisionismo histórico. No entanto, o referido
movimento produziu mudanças no saber, ao menos, de duas diferentes maneiras. Em busca de
ancestrais e legitimidade, por seu desejo de encontrar vestígios e torná-los visíveis começou
um “trabalho de memória” que continua a desenvolver-se desde então no seio da sociedade
em seu conjunto. Mais tarde passaram a criticar o protagonismo masculino na constituição
dos saberes, indo de encontro aos pressupostos que, historicamente, orientaram as ciências
sociais e humanas para o reconhecimento de um sujeito humano universal. Continuaram,
assim, a sua trajetória, produzindo questões que abalaram paradigmas teórico-metodológicos
das ciências. Daí nasce o desejo de outro relato, de outra história.
E quanto à história das mulheres no Brasil? Nas primeiras linhas deste capítulo
assumimos o desafio de romper fronteiras, pois, entendemos que o nosso trabalho se insere
neste processo que a nosso ver ainda se encontra em movimento. E por quê? Porque tais
fronteiras têm por base o que tornou a história das mulheres urgente e necessária: justamente a
ausência desta história, as suas razões e consequências. Ainda que nos dias atuais possamos
contar com os frutos do desenvolvimento e consolidação deste campo de pesquisa, longe está
de escrevermos sobre a história das mulheres com facilidade. Imaginemos, então, quando o
Brasil se lançou nesta empreitada a partir de 1970.
1.1.1. História das Mulheres no Brasil: algumas aproximações
Posterior a Europa e aos Estados Unidos, o Brasil empenha-se na busca de
conhecimentos sobre a história das mulheres a partir de 1970, sob influência das realizações
no campo da história da mulher ocorridas no estrangeiro, onde diversos fatores como os que
foram mencionados corroboraram para a inserção do sujeito feminino na historiografia.12
Lembremos que este foi um período forjado por um contexto maior de efervescência
cultural e política da década de 1960, no seio do qual os movimentos feministas ressurgem
contribuindo, ainda mais, para o desenvolvimento da história das mulheres. Com uma pauta
de lutas mais voltada para questões que envolviam especificidades da condição feminina em
12
Segundo Costa e Sardenberg (1994, p.389), pode-se dizer que os estudos sobre a mulher no Brasil, com uma
perspectiva de transformação da condição feminina, têm início nos anos 60 com o trabalho pioneiro de Heleieth
Saffioti, A Mulher na Sociedade de Classes. Entretanto, devido às nossas condições históricas específicas, só nos
anos 70, notadamente a partir das comemorações do Ano Internacional da Mulher, é que estes trabalhos
começaram a ganhar maior impulso.
30
detrimento das anteriores preocupações de caráter mais geral, esta retomada das feministas fez
emergir um período de interesse por estudos e pesquisas sobre mulheres e relações de gênero
em diversos campos do saber, inclusive, da história. Tornar visível aquela que fora ocultada
por uma história que negligenciava as diferenças e desigualdades sexuais e tornar aparente a
segregação social e política a que as mulheres foram submetidas, eram objetivos das
estudiosas feministas desses primeiros tempos.
Mais uma vez nos detendo na abordagem clara e objetiva da Mary Del Priore (2007),
para apreendermos, em linhas gerais, a história da história das mulheres no Brasil,
destaquemos que nesse período se verifica entre nós o início de produções bibliográficas
referente a trabalhos desenvolvidos na área de ciências humanas que versavam sobre o tema
“mulher” 13
, bem como produções de trabalhos sobre a família ou a demografia, que direta ou
indiretamente retiravam as mulheres da penumbra. O reflexo da influência da Nova História,
também, era evidente, levando ao desafio de pensar a sexualidade, a criminalidade, os
desvios14
e à ampliação do arcabouço documental através da exploração de arquivos e fontes
como das instituições de poder – a Igreja ou o Estado – que revelavam a subversão de normas
pelas mulheres15
.
De um modo geral, esta mobilização em favor do desenvolvimento de estudos e
pesquisas acerca da condição feminina na década de 1970, resultou na criação de núcleos de
estudos vinculados a instituições de ensino superior no Brasil, Grupos de Trabalhos em
Associações Cientificas, assim como, concursos de pesquisas foram realizados incentivando a
produção cientifica na área. Costa e Sardenbergue (1994), por exemplo, apontam que:
Em 1979 um passo importante no incentivo à produção científica nesta área
será dado com a criação do Grupo de Trabalho Mulher e Força de Trabalho
na ANPOCS e posteriormente, em 1980, na mesma Associação, com a
criação do GT Mulher e Políticas. No mesmo ano será criado o primeiro
núcleo de estudos em uma universidade brasileira, o Núcleo de Estudos da
Mulher - NEM -, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Fruto da iniciativa de Fanny Tabak, a criação deste Núcleo será um exemplo
a ser seguido, imediatamente, por muitas outras estudiosas em outras regiões
do país. Já em 1981 surge o Núcleo de Estudos, Documentação e Informação
sobre a Mulher - NEDIM, na UFCe e, em 1983, o Núcleo de Estudos
Interdisciplinares sobre a Mulher - NEIM da UFBa. Em 1984 são criados
13
A autora destaca o trabalho realizado, desde 1978, por pesquisadoras/es da Fundação Carlos Chagas de São
Paulo, que começaram a coletar material para a realização de uma bibliografia concernente a trabalhos , na área
de ciências humanas, voltados para o tema "mulher". Ela ressalta o pioneirismo de Miriam Moreira Leite na
organização de bases para pesquisas empíricas sobre as mulheres. (DEL PRIORE, 2007, p. 226; 453) 14
As obras de Michell Foucaul, por exemplo, traduzidas e publicadas, incentivaram o que no jargão acadêmico
convencionou-se chamar de "historiografia da transgressão". Para ver referências de livros pioneiros nestes
assuntos, Del Priore, 2007, p. 453. 15
Para consultar referências de trabalhos desenvolvidos nesta linha, ver: Ibid. p. 453-454
31
mais três núcleos nas Universidades Federais do Rio Grande do Sul, Santa
Catarina e Minas Gerais. Neste mesmo ano, dá-se a realização do Seminário
de Pesquisas Zahidé Machado, em Salvador, promovido conjuntamente pela
Fundação Carlos Chagas e o NEIM, com o apoio da Fundação Ford.
(COSTA; SARDENBERGUE, 1994, p.390). 16
Ressaltemos, também, que nesses primeiros anos, sob o patrocínio da Fundação Ford, o
papel da Fundação Carlos Chagas foi muito importante e se ampliou ao criar concursos de
pesquisas. A iniciativa serviu de estimulo para a produção de estudos no campo, resultando
em trabalhos sobre temas interessantes e lacunares. 17
Contudo, Mary Del Priore (2007)
informa que em 1996 a Fundação decidiu suspender os concursos para pesquisadores da área
de História, mantendo-o para outras áreas como Saúde, Higiene e Educação. Sobre este fato,
concordamos com a autora quando diz que tal decisão é passível de criticas no que concerne
ao papel das pesquisas e sua eficácia no contexto acadêmico mais geral. Na verdade, esta é
uma realidade cada vez mais presente no Brasil, aonde a lógica que vem orientando a
demanda e produção das pesquisas, cada vez mais, compromete a continuidade ou
inviabilizam a produção do conhecimento em determinadas áreas.
Reconhecemos que de lá para cá esses estudos se multiplicaram e hoje já podemos
contar com uma produção significativa entre artigos, livros, dissertações e teses envolvendo a
mulher e/ou a sua história. Entretanto, não se pode esquecer que neste percurso muitas
fronteiras foram construídas com base na visão atribuída a tais investigações que por muito
tempo questionou a sua relevância cientifica por procederem de práticas dos movimentos
feministas. Apesar da existência de muitos núcleos e grupos em atividade no país, conquistar
um espaço, no caso dos núcleos de estudos da mulher nas universidades, por exemplo, sempre
foi fruto de lutas travadas dentro da academia pelo reconhecimento da importância e
legitimidade da problemática feminina como objeto de discussão e análise. São questões que
caracterizaram a década de 1970 e que até hoje persistem, mesmo com todos os esforços
empregados e objetivos alcançados desde a atuação das pioneiras feministas.
16
Além do exposto, as autoras continuam evidenciando como foi sentido este impulso nas Associações
Científicas. Foram criados GT's na ANPED (Educação); na ABA (Antropologia); ABEP (Estudos
Populacionais); ANPUH (História); ABRALIC (Literatura Comparada); ABET (Trabalho); ABRAPSO
(Psicologia Social); ANPOLL (Letras e Literatura). (COSTA; SARDENBERGUE, 1994, p.391). 17
Segundo Mary Del Priore(2007, p.226), como fruto desses concursos, entre 1978 e 1985 surgiram Vivências;
Trabalhadoras do Brasil; Mulher, mulheres; Rebeldia e submissão; Entre a virtude e o pecado; Novos olhares:
mulheres e relações de gênero no Brasil além de número especial do Caderno de Pesquisas , revista trimestral
da Fundação Carlos Chagas.
32
Conforme relato de Mary Del Priore(2007), outras questões mais objetivas, ou melhor,
menos teóricas, concorreram para o insucesso do projeto revolucionário desses primeiros
tempos do movimento feminista. Havia uma dimensão utópica na sua agenda que funcionou
como um motor condutor das suas lutas, das suas pautas de reivindicações em oposição à
realidade objetiva que caracterizava os planos social, político e econômico daquele momento.
O projeto feminista não se restringia em apenas mudar a condição feminina, ambicionava a
mudança da sociedade como um todo com base em valores voltados para a qualidade de vida,
realização pessoal e uma sociedade mais humana. Este caráter revolucionário do movimento
não encontrou espaço onde “o mundo do trabalho como o mundo da política, que implica
domínio dos sentimentos, da emoção em face das exigências da concorrência ou da
brutalidade das relações de poder, eram pouco compatíveis com o frescor da sua utopia”.
(Ibid., p.222).
Além do exposto, os anos de 1970 foram marcados por questões de natureza sexual e
reprodutiva como o controle legal da procriação, pela contracepção, e do direito de uma
mulher interromper voluntariamente sua gestação, isto é, do aborto. Logo, as mulheres
esbarraram nos obstáculos ao êxito destas questões devido às imposições religiosas ou a
situação dos países em desenvolvimento, como o Brasil.
Outros freios, como o desenvolvimento da crise econômica e o das famílias
monoparentais nas quais as mulheres exercem o papel de chefes de família e ao mesmo tempo
de ‘mães de família’, acumulando a dupla responsabilidade de cuidar da casa, das crianças e
do seu sustento material, dificultavam a realização das mulheres, mesmo daquelas que viviam
em países considerados ricos naquela época, conduzindo-as muitas vezes à marginalização.
Ao expor tais limites Mary Del Priore (2007, p. 222) questiona: “Poder-se-ia, ainda, falar de
realização pessoal quando o limite da pobreza não permitia sonhar com outra coisa que a
sobrevivência diária?”.18
Com efeito, essas e outras questões que revelavam as desigualdades de direitos
enfrentadas pelas mulheres junto à força do projeto feminista que se expressava por meio de
marchas e protestos públicos, mas, também, através de pesquisa e produção intelectual,
levaram às primeiras (re)avaliações da historiografia da mulher.
18
Para saber mais sobre famílias monoparentais:
VITALE, M. A. F. Famílias monoparentais: indagações. In: Revista Serviço Social e Sociedade, São Paulo,
Cortez, n. 71, especial, 2002. BRUSCHINI, C.; BARROSO, C. Sofridas e mal pagas. Cadernos de Pesquisa,
São Paulo, Fundação Carlos Chagas, n. 37, 1981.
33
1.1.2 "Não somente uma nova história das mulheres, mas uma nova história”
Ainda seguindo as observações de Mary Del Priore(2007), nos anos de 1980 após
significativa produção, os historiadores se questionavam em que os estudos sobre a mulher
teriam modificado a história tradicional ou renovado os seus métodos. Pesquisadoras
feministas afirmavam que “sem fazer novas perguntas” era difícil fazer uma história
diferente.19
Historiadoras americanas reagiram sugerindo criar não apenas uma nova história
das mulheres, mas uma nova história. (Ibid., p.222). 20
Com base em Scott (1992, p.77), ao tempo que as/os historiadoras/es reivindicaram a
importância das mulheres na história, elas/es, necessariamente, foram contra as definições de
história e de seus agentes já estabelecidos como “verdadeiros”, ou pelo menos, como
reflexões acuradas sobre o que aconteceu (ou teve importância) no passado. Mas era preciso ir
mais além desse caminho inicial e romper com os limites das descrições a respeito das
mulheres em separado dos homens com o intuito de “equilibrar a balança”:
Novos fatos podem documentar a existência das mulheres no passado, mas
não necessariamente modificam a importância (ou falta dela) atribuída às
atividades femininas. De fato, o tratamento em separado das mulheres podia
servir para confirmar sua relação marginal e particularizada em relação aos
temas (masculinos) já estabelecidos como dominantes e universais.
(SCOTT, 1994, p.14).
Escreviam sobre as mulheres, trabalhadoras ou integrantes das classes trabalhadoras, por
exemplo, porém não se buscava esclarecer porque aqueles que escreveram sobre a história do
trabalho ignoraram por tanto tempo evidências a respeito das mulheres. Ora, como não se
questionava e, portanto, não havia explicações para esta ausência feminina, tais produções não
alteravam efetivamente os conceitos dominantes na disciplina. O cerne de uma nova
perspectiva apontada por Joan Scott (1994) está em perguntar por que e como as mulheres se
tornaram invisíveis na história.
Era o momento de fazer algumas releituras da produção da história das mulheres a partir
do seu movimento até então. Foi aí que historiadoras francesas ao desenvolver esta avaliação,
19
Mary Del Priore(2007) informa que esta constatação foi feita por Michelle Perrot a 18 de fev.1982, em reunião
do Grupo de Estudos Feministas da Universidade Sorbonne Paris VII consagrada “Ou on- est l’histoire des
femmes? 20
Mary Del Priore(2007) cita que foi o caso de Joan W. Scott, “Dix and d’ histoire dês femmes aux Etats Unis”,
Les Débat, dez. 1981. Joan W. Scott também faz esta observação em : Gênero: uma categoria útil de análise
histórica.
34
publicaram, em 1986, na revista dos Annales, um balanço das tendências seguidas. Teceram
criticas quanto às abordagens de alguns temas e propuseram reflexões metodológicas.
Paralelamente entre os anos de 1970 e 1980, a própria história mudava de fisionomia
quando incorporou ao conjunto de suas pesquisas novos objetos e novos temas onde a história
das representações sociais e culturais insurge e abre espaço para discussões em torno dos
papéis, do cotidiano e das práticas sexuais, identificando nestas análises uma “cultura
feminina”. Contudo, as lacunas que ainda emergiam dos trabalhos realizados levavam a
constatação da necessidade de uma mudança radical na ciência histórica de dentro para fora,
uma mudança que se revelasse, dentre outras abordagens, no tratamento da diferença sexual
para além das funções e papéis codificados, historicamente, pelas sociedades masculinas.
A solução foi mudar de abordagem. Tornava-se urgente abraçar o campo
histórico como um todo, sem restringi-lo ao território do feminino. Era
preciso interrogar as fontes documentais sobre as mulheres de outra maneira.
Doravante, a divisão sexual dos papéis é que seria sublinhada. Teria sido
justamente sobre a partilha de homens e mulheres que o silêncio da história
se abatera com maior peso. Desse silêncio, o masculino saíra vencedor,
inscrito na trama dos fatos históricos, enquanto o feminino desapareceria
duas vezes: uma primeira vez, sob a dominação efetiva do poder masculino e
sua lenta integração a um papel que lhe foi imposto. Uma segunda vez,
escondida pela memória coletiva e política que não fazia surgir das sombras
do evento masculino. (DEL PRIORE, 2007, p. 224-225).
Em outras palavras, era preciso subverter os limites de estudos históricos sobre as
diferenças e as desigualdades entre homens e mulheres que restringiam suas análises em
descrições ou evidências de papéis específicos para cada sexo sob o binômio dominação
masculina/opressão feminina, dominado versus dominante. Ora, como reorientar os relatos
históricos sem dar visibilidade às experiências das mulheres como seres sociais, dotadas de
poderes e capacidades de (re) ação? Inclusive, com tal prática, ignoravam-se as contribuições
dos estudos culturais através dos quais é possível observar que em termos de cultura as
mulheres também possuem poderes, subjacentes muitas vezes aos papéis atribuídos a elas.
Nada obstante, a crítica das historiadoras francesas, do mesmo modo, incidiu sobre as
abordagens culturais dos sexos que tinham como perspectiva estudar os poderes femininos. Se
por um lado o reconhecimento de tais poderes em determinadas culturas fazia-se necessário e
importante para a produção de novos relatos históricos, por outro, estudos nesse sentido
exigem rigor, pois, “podem introduzir tais abordagens numa perspectiva conciliadora,
justapondo culturas ao mesmo tempo plurais e complementares, esquecendo que a relação
35
entre os sexos é muito marcada pela violência e pelas desigualdades”. (DAUPHIN et al.,
1986, p. 6).
Tomando-se, por exemplo, o caso da agricultura, a divisão técnica do
trabalho entre homens e mulheres (os homens lavram, semeiam; as mulheres
colhem, tiram as ervas daninhas) pode ser analisada em termos de
complementaridade, caso permaneça somente no nível técnico. Mas no
momento em que a sociedade camponesa codifica e valoriza diferentemente
esta complementaridade técnica, “lavrar-semear” são trabalhos nobres,
enquanto “tirar ervas daninhas-colher” são trabalhos subalternos, a
complementaridade torna-se um princípio de hierarquização dos papéis, e
tem-se, na verdade, uma relação com uma complementaridade de
subordinação, ou “de oposição complementar”, que não apaga as
divergências e convergências de interesses, as desigualdades de direitos, as
relações contraditórias entre homem e mulher na relação do casal. Estas
pesquisas, e muitas outras, sugerem que, daqui em diante, não somente a
divisão técnica das tarefas, mas também os valores e símbolos que lhes são
vinculados sejam relevantes. (DAUPHIN et al., 1986, p. 7).
Assim, as pesquisas de cunho cultural que revelavam uma relação de
complementaridade na divisão sexual de tarefas passaram pela revisão teórica - feminista, no
intuito de advertir sobre o risco de negligenciar a hierarquia implícita nos valores e símbolos
que podem ser vinculados aos diferentes papéis e posições atribuídas ao masculino/feminino
em sociedade. As autoras salientam que estudos desta natureza imobiliza-se ao silenciar as
possibilidades de tensão e conflito, de confronto e subversão ao que à primeira vista parece
natural ou equivalente. É preciso atentar para esta idéia de complementaridade que justifica,
até os dias atuais, as desigualdades entre os sexos.
Do percurso teórico empreendido até aqui se verifica uma aproximação cada vez maior
entre a história das mulheres e a nova história cultural a medida que as diferenças sexuais são
percebidas para além do aspecto estritamente biológico, passando a ser tratadas como
construções socioculturais que envolvem o poder entre os sexos e que variam no tempo e no
espaço. Ligado à história social e à história cultural, de cujos pressupostos tem se apropriado,
o campo da história das mulheres, numa relação recíproca, vem contribuindo para novas
incursões historiográficas, sobretudo, com a introdução do conceito de gênero como uma
categoria cientifica a partir de 1970. Como bem aponta Rachel Soihet(1997):
A grande reviravolta da história nas últimas décadas, debruçando-se sobre
temáticas e grupos sociais até então excluídos do seu interesse, contribui
para o desenvolvimento de estudos sobre as mulheres. Fundamental neste
particular é o vulto assumido pela história cultural, preocupada com as
identidades coletivas de uma ampla variedade de grupos sociais: os
operários, camponeses, escravos e pessoas comuns. Pluralizam-se os objetos
36
da investigação histórica, e, nesse bojo, as mulheres são alçadas à condição
de objeto e sujeito da história. (SOIHET, 1997, 275).
Lynn Hunt (1992) precede a sua observação sobre a importância dessa aproximação
afirmando que “sem alguma discussão de gênero, nenhum relato de unidade e diferença
culturais pode estar completo" (Ibid., p. 24). Ao corroborar com a significativa contribuição
dos estudos da história das mulheres, nas décadas de 1960 e 1970, e da ênfase posterior sobre
as diferenças de gênero para o desenvolvimento dos métodos da história da cultura em geral, a
mesma autora destaca que Natalie Davis, por exemplo, "apoiou-se nas distinções entre
homens e mulheres para esclarecer os mecanismos dos primórdios da cultura moderna".
(Ibid., p. 24). Davis (apud Scott, 1991, p. 72), demandava ainda em 1975, a descoberta do
leque de papéis e de simbolismos sexuais em diferentes sociedades e períodos bem como a
necessidade de encontrar o seu sentido e como eles funcionavam para manter ou mudar a
ordem social.
Então, é através de uma nova linguagem onde gênero se constituiu como um conceito
importante para compreender as relações de homens e mulheres numa dada sociedade que
Joan Scott (1991, p. 87), diante das formulações de outras teóricas, defende uma visão mais
ampla deste conceito. Ela atribuiu ao mesmo um sentido que abarca não somente o sistema de
parentesco, ou seja, o uso do gênero centrando-se no lar e na família como base da
organização social, mas inclui também (em particular, para as sociedades modernas
complexas) o mercado de trabalho (um mercado de trabalho sexualmente segregado faz parte
do processo de construção do gênero), a educação (as instituições de educação socialmente
masculinas, não mistas ou mistas fazem parte do mesmo processo), o sistema político (o
sufrágio masculino universal faz parte do processo de construção do gênero). Assim, Scott
(1991) apresenta uma definição que agrega tanto a visão de construção social como a noção
de poder, dizendo que gênero:
(...) tem duas partes e diversos subconjuntos que estão interrelacionados,
mas devem ser analiticamente diferenciados. O núcleo essencial da definição
repousa sobre a relação fundamental entre duas proposições: gênero é um
elemento constitutivo das relações sociais baseadas nas diferenças
percebidas entre os sexos e mais, o gênero é uma forma primeira de dar
significado às relações de poder (SCOTT, 1991, 86).
Como podemos observar, gênero como um conceito contribuiu tanto para reorientar a
historiografia e, em especial, das mulheres, quanto implicou em novas preocupações para o
interior das pesquisas. O termo “gênero” emergiu através das feministas americanas, a partir
37
de 1970, com a finalidade de ampliar os estudos em torno das diferenças sexuais que, até
então, estreitavam as suas análises no determinismo biológico implícito no uso de termos
como sexo ou diferença sexual. Distinguindo-se de sexo, gênero introduz tais diferenças no
âmbito de sua constituição social onde não há uma negação de que o ser mulher, o ser homem
tem como fundante as características biológicas, no entanto, a biologia por si só não explica as
diferenças existentes entre os sexos.
Desse modo, as diferenças sexuais devem ser pensadas com base nos valores, sentidos e
significados que cada sociedade ou grupo social atribui a elas, sem perder de vista o momento
da história e de cada configuração sociocultural ao construir os seus conceitos acerca do
feminino e do masculino. Com base no exposto, gênero se mostra um conceito importante
para estudos de diferentes áreas, inclusive, da história da educação, que, no seu
desenvolvimento, busquem compreender, por exemplo, a trama da história cultural da
educação que ao longo do tempo foi pensada, organizada e oferecida sob um viés sexista.
1.2. Gênero: uma categoria útil de análise para a história cultural da educação feminina
Na esteira desses movimentos mais amplos, ou seja, da Nova História Cultural e da
História das Mulheres, novas práticas historiográficas e novos caminhos teórico-
metodológicos foram, gradativamente, aparecendo nas pesquisas do campo da História da
Educação, anos após a sua constituição em 1970, quando são instalados os programas de pós-
graduação e pesquisa no interior das universidades brasileiras.
Porém, não foi de imediato a apreensão das revisões críticas ocorridas sobre as
produções historiográficas pelas pesquisas históricas educacionais. Há quem defina entre os
marcos para a tomada de posições frente às fragilidades da historiografia da educação e da
necessidade de conhecimento da História da Educação para a formação de educadoras/es, a
criação e manutenção, no interior da Associação Nacional de Pós Graduação em Educação-
ANPEd, do Grupo de Trabalho de História da Educação e o Seminário sobre Historiografia e
Educação, promovido em 1984 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais-
INEP. 21
21
Sobre a constituição do campo da História da Educação, dentre outros trabalhos, ver:
SERPA, Luiz Felippe Perret. Perspectivas de estudos em História da Educação: identificando o campo. In.
Anais do XV EPENN em São Luis. julho, 2001.;
38
Desde então, pesquisadoras/es do campo educacional e externos ao campo, de diferentes
posições metodológicas e teóricas, desenvolvem suas pesquisas com base nas possibilidades
abertas pelos chamados novos temas, novos problemas e novas fontes. Emergem daí
investigações cada vez mais voltadas para aspectos específicos da história da educação,
expressando no bojo dos seus trabalhos a influência da virada cultural da História. É a Nova
História Cultural influenciando os caminhos teóricos e metodológicos da História da
Educação. Mas como ocorrem as possíveis relações entre a História Cultural e a História da
Educação?
Sérgio Castanho (2006, p. 159), afirma que "a interseção possível entre a história
cultural e a história da educação não ocorre pela absorção de uma por outra disciplina, pela
anulação de qualquer delas, mas, sem dúvida, por uma mútua fecundação". E a propósito:
A história cultural continuará sendo história cultural, interessada no estudo
da 'teia simbólica' tecida pelas sociedades humanas. A história da educação
seguirá sendo história da educação, preocupada com o estudo no tempo e no
espaço do fenômeno educativo em mudança. Mas, ao estudar as práticas e
representações dos atores e instituições educativas, a história da educação
estará filtrando para dentro de seu próprio campo, numa espécie de processo
osmótico, temáticas e olhares antes específicos da história cultural, não
importa em qual das modalidades das muitas que pontilharam seu itinerário.
(CASTANHO, 2006, p. 159).
Por outro lado, José Claudinei Lombardi (2006) distingue no campo de pesquisa da
história da educação, três grandes abordagens identificadas com a história cultural, cada qual
com uma temática, que, por sua vez, se confunde com objeto de investigação: cultura e
currículo; leitura e escrita; cultura escolar. Entre as áreas da história da educação que
encontram suporte nas diversas acepções de cultura escolar, há aquela que se volta para as
investigações dos saberes escolares, temática de interesse para este estudo. Souza Júnior e
Galvão (2005, p.393), esclarecem que “História das Disciplinas Escolares, História das
Matérias Escolares, História dos Saberes Escolares, História dos Conteúdos Escolares são
expressões que remetem a um mesmo campo de pesquisa”. Acrescentam ainda que “nesses
estudos, investiga-se a escola como local de produção do conhecimento com características
originais, ou seja, a compreensão de disciplina escolar como cultura escolar”. (Ibid., p. 399).
Nessa perspectiva, a formação de professoras/es, em especial, o estudo dos saberes
requeridos das/os futuras/os professoras/es nos diversos momentos da história da
profissionalização docente, aparece como uma dimensão da educação para ser analisada sob a
CARVALHO.M.M.C. A configuração da historiografia educacional brasileira. In: FREITAS, M. C. (Org.)
Historiografia brasileira em perspectiva.São Paulo: Contexto, 1998. p. 329-353.
39
luz da cultura escolar. Conforme o entendimento de Dominique Julia (2001, p.10), a cultura
escolar é descrita:
[...] como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e
condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão
desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e
práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas
(finalidades religiosas, sócio-políticas ou simplesmente de socialização)
(JULIA, 2001, p. 10).
Assim, através das vias propostas por Julia (2001) para o entendimento da cultura
escolar, será possível perscrutar o entorno que envolveu a definição dos saberes considerados
importantes para a formação das jovens mulheres para docência do ensino primário, durante o
período de 1890 a 1914, objetivo principal desse trabalho. Por outro lado, esta formação que
esteve a cargo da Escola Normal da Bahia neste período, coloca em cena esta instituição,
cujas normas e finalidades que a regiam eram traçadas pelas políticas públicas de formação
escolar/profissional voltadas para o preparo de mulheres e homens para o magistério.
Contudo, não obstante os fatores externos que, de fato, interferem e orientam a forma
como as instituições escolares devem conduzir as suas práticas, tanto André Chervel (1990)
quanto Dominique Julia (2001), apontam caminhos para pensar o papel ativo desempenhado
por estas instituições, as quais, não só transmitem uma cultura considerada válida pela
sociedade, como produzem uma cultura especifica, ou seja, uma cultura escolar que, por sua
vez, penetra, molda e modifica a cultura da sociedade.
Esse interesse pela cultura escolar que advém da viragem das historiadoras e dos
historiadores educacionais para a cultura, tornou-se cada vez mais necessária a medida que se
colocaram diante de questões sobre os sujeitos da educação, dando voz a personagens até
então silenciados e trazendo luz à novos temas. Deste modo, os tempos e os espaços
escolares, os saberes escolares, os agentes educacionais (professoras/es, alunas/os), cultura
escolar, as práticas escolares, categorias de análise como gênero, etnia, classe, práticas,
representações entre outras, são alguns dos motes que passaram a caracterizar a historiografia
educacional. Sobre tais categorias, Faria Filho; Diana Vidal et al. (2004), chamam a atenção
para a presença destas e de outras nos estudos sobre culturas escolares, ao estabelecerem uma
relação recíproca de contribuição no intuito de dar maior integibilidade às análises:
Assim, os trabalhos que se debruçam sobre os sujeitos escolares
(professores, alunos, diretores, inspetores, etc.) e suas ações conformadoras e
instituidoras das culturas escolares têm crescentemente utilizado as
categorias de gênero, classe, raça, geração, etnia, entre outras, como
40
instrumental teórico-metodológico para entender as ações e os lugares
ocupados por esses sujeitos nas teias que envolvem e fabricam as culturas
escolares (Vidal; Carvalho, 2001; Rosa, 2001; Peres, 2000; Vieira, 2002;
Villela, 2000). (FARIA FILHO; VIDAL et al, 2004, p. 152).22
.
No que tange ao interesse pelas relações de gênero, alguns balanços constataram como
tais incursões foram se espraiando no campo da história educacional brasileira. Diana Vidal
(2006), buscando atualizar o estado da arte sobre os trabalhos que versam gênero e educação
na produção acadêmica, nos dá conta do desenvolvimento do tema a partir de balanços já
realizados desde a década de 70/80; anos 90, atualizada em 2001 e 2004, constatando um
alargamento dos estudos de gênero no campo da História da Educação, assim como, uma
concentração da problemática no âmbito das pesquisas sobre a profissão docente. 23
Dentre outras análises, Vidal (2006) se refere a que foi feita por Marta Araújo (2005)
sobre dissertações e teses defendidas nos Programas de Pós- Graduação em Educação das
regiões Norte e Nordeste, entre 1982 e 2003, diante das quais a autora conclui que "dentre os
objetos de estudos em ascensão, destacam-se acesso da mulher à instrução escolar, imprensa
feminina, práticas de escritas femininas [...], educação sexual[...]"(ARAÚJO, 2005 apud
VIDAL, 2006, p.12). Por outro lado, ao atentar para a bibliografia citada nos trabalhos
apresentados, Vidal (2006) verifica a presença das/os seguintes autoras/es:
No plano internacional, destacam-se como autores Roger Chartier, com 22
aparições, Michele Perrot (16), Pierre Bourdieu (15), Joan Scott (15),
Michel Foucault (11) e Michel de Certeau (9). No cenário nacional , os mais
citados são Guacira Lopes Louro (22), Jane de Almeida (12), Maria
Arisnete de Morais (11) e Mary Del Priore (10). A freqüência de Chartier e
Certeau nos trabalhos explica-se pelo crescente interesse pelas mulheres
leitoras e escritoras como objeto, o que faz as pesquisadoras recorrerem aos
aportes de uma história do livro e da leitura, cuja tradução mais corrente no
campo remete à nova historia cultural francesa e, nela, a Roger Chartier
22
VIDAL, D. G.; CARVALHO, M. P. Mulheres e magistério primário: tensões, ambigüidades e deslocamentos.
In: VIDAL, D. G.;HILSDORF, M. L. (Orgs.) Tópicas em História da Educação. São Paulo: Edusp, 2001. p.
205-224.;
-ROSA, W. M. Instrução Pública e profissão docente em Minas Gerais (1825/1852). 2001. Dissertação
(Mestrado)– Faculdade de Educação da Universidade de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2001;
-PERES, E. T. Aprendendo formas de ensinar de pensar e de agir: a escola como oficina da vida: discursos
pedagógicos e práticas escolares na escola pública primária gaúcha (1909-1959). 2000. Tese (Doutorado)–
Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2000;
-VIEIRA, D. A. História do magistério: experiências masculinas na carreira administrativa no estado de
São Paulo (1950/1980). 2002. Dissertação (Mestrado)– Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2002;
-VILLELA, H. de O. S. O mestre-escola e a professora. In: LOPES, E. M. T.; FARIA FILHO, L. M.; VEIGA, C.
G. 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p. 95-134. 23
A autora considerou os trabalhos apresentados nos três congressos brasileiros de História da Educação,
realizados no Rio de Janeiro (2000), Natal (2002) e Curitiba (2004), bem como dois congressos de História da
Educação em Minas Gerais, realizados em Belo Horizonte (2001) e Uberlândia (2003).
41
como expoente. A associação entre histórias das mulheres e história cultural
extrapola, entretanto, os limites nacionais e o âmbito da História da
Educação. Peter Burke (2004, p.65) 24
identifica movimento semelhante
para a historiografia européia dos últimos 20 anos, na sua preocupação em
“desmascarar os preconceitos masculinos como em enfatizar a contribuição
feminina para a cultura, praticamente invisível na narrativa tradicional”.
(VIDAL, 2006, p. 18).
De acordo com o exposto, a elevação da mulher enquanto sujeito histórico difundiu-se a
partir desta aproximação cada vez mais latente entre a História Cultural e a História das
Mulheres, como já foi abordado em linhas anteriores deste capitulo. Vale lembrar que as
perspectivas de análise oriundas desta aproximação ganharam mais força quando
historiadoras e historiadores educacionais se apropriaram dos debates teóricos importados
pelo Brasil nos anos de 1990 sobre as relações de gênero, os quais se mostraram relevantes
tanto para a história da educação brasileira como para outras áreas de estudos sobre a mulher.
Verifica-se, nessa época, a influência da critica teórica-feminista entre os/as
pesquisadoras/es da educação, destacando-se nos seus trabalhos referências às reflexões da
historiadora Joan Scott, presentes em seu célebre artigo "Gênero: uma categoria útil de
análise histórica", que foi traduzido por Guacira Lopes Louro em 1990. Em acréscimo ao que
explanamos sobre o entendimento de Scott (1991) acerca do conceito de gênero, e mais uma
vez ratificando a essencial relação entre a abordagem da autora com a dimensão da cultura,
observemos que:
O termo “gênero” também é utilizado para designar as relações sociais entre
os sexos. Seu uso rejeita explicitamente explicações biológicas, como
aquelas que encontram um denominador comum, para diversas formas de
subordinação feminina, nos fatos de que as mulheres têm a capacidade para
dar a luz e de que os homens têm uma força muscular superior. Em vez
disso, o termo “gênero” torna-se uma forma de indicar “construções
culturais”- a criação inteiramente social de ideias sobre os papéis adequados
aos homens e às mulheres. (SCOTT, 1995, p. 75).
Com base no entendimento acima, isto é, considerando gênero como uma construção
sociocultural feita sobre as diferenças sexuais, pesquisadoras/es do campo da Educação
conduzem os seus estudos se valendo dos elos possíveis entre a História das Mulheres, a
História Cultural e a História da Educação. Sérgio Castanho (2006, p. 161) ao fazer um
levantamento das possibilidades da história cultural a partir da história da educação faz
referência a alguns títulos de trabalhos publicados no Brasil na década de 1990, dentre os
quais ele cita "Eliane Marta Teixeira Lopes (1992) que examina fontes e categorias para o
24
BURKE, Peter. O que é história cultural? Rio de Janeiro: Zahar, 2004.
42
estudo da história da educação da mulher, tema a que se dedica igualmente Guacira Lopes
Louro (1992), autora que também trabalha com oralidade como fonte para a história da
educação de gênero (1990)". Através do levantamento feito por Vidal (2006), acrescentemos
"Mulher na sala de aula" de Guacira Lopes Louro, publicado no livro de Mary del Priore
"História das Mulheres no Brasil(1997), seguido de "Gênero, sexualidade e educação(1997);
Mulher e Educação: a paixão pelo possível (1998) de Jane Soares de Almeida, dentre outros.
Em decorrência da interseção entre os campos mencionados, as abordagens
identificadas nos estudos são variadas. No que concerne aos estudos em História da Educação
que consideram gênero como categoria, verifica-se algumas possibilidades de pesquisa, fruto
da ampliação das análises nos últimos anos. A história da educação de meninos e meninas; a
instituição escolar como um espaço generificado; a imprensa e a educação feminina; as
relações de poder e os significados de gênero constituídos na cultura escolar; valores e regras
de condutas morais (e sexuais) cobradas de professoras e professores; a história das mulheres-
professoras e sua educação; a feminização do magistério; práticas docentes femininas;
currículos e saberes docentes nas Escolas Normais, dentre outros caminhos traçados para
investigações no campo.
Ressaltemos ainda o alargamento dos temas abordados pela História da Educação,
favorecendo a urgência da expansão das fontes. Objetos escolares, obras literárias;
autobiografias, correspondências, diários íntimos, relatos de viajantes, fotografias, jornais e
revistas, fontes orais, além das fontes oficiais que têm recebido um novo olhar e um novo
tratamento, compõem o conjunto de materiais explorados, atualmente, no desenvolvimento
das pesquisas históricas.
É diante desse quadro que se inscrevem as transformações na historiografia brasileira
que buscamos nos aproximar dos elos que dão sentido à relação entre as perspectivas da
História das Mulheres (com ênfase nos estudos de gênero), da História Cultural e da História
da Educação para estudarmos a partir deste momento a história cultural da educação feminina
na Bahia na viragem do século XIX para o século XX. Acreditamos na relação existente entre
a forma como as mulheres tiveram acesso aos processos e espaços de educação informais e
formais e os saberes considerados fundamentais na sua formação para a docência do ensino
primário. Percurso considerado importante neste trabalho para compreendermos a relação
entre os saberes específicos para a formação dessas jovens mulheres para o magistério e os
diversos fatores contribuintes ou definidores da constituição de tais saberes em seu processo
histórico.
43
CAPITULO 2
HISTÓRIA CULTURAL DA EDUCAÇÃO FEMININA NA BAHIA DE OUTRORA:
ENTRE REPRESENTAÇÕES, PRÁTICAS E APROPRIAÇÕES
O objetivo de iniciar este capítulo versando sobre a temática que o intitula é o de
analisar a relação entre o processo histórico de educação das mulheres e da sua escolarização
e a formação que receberam para exercer a docência do ensino primário. Tornou-se
indispensável para este estudo pensar a educação feminina entre o século XIX e as primeiras
décadas do século XX. Como as mulheres foram educadas e com quais finalidades? Quais os
saberes destinados para o sexo feminino desde a infância? Quais os espaços que foram
reservados para a instrução das jovens? São caminhos para apreendermos os elos existentes
no movimento de constituição dos saberes que foram considerados como necessários para o
preparo das mulheres para o magistério pela Escola Normal da Bahia, instituição a qual
coube, a partir do século XIX, a realização de tal formação.
Porém, convém, neste momento, buscar as formas de representação e de valorização do
feminino do período em foco desse trabalho, pois, percebe-se que as representações,
historicamente construídas, repercutiram e repercutem em diversos âmbitos da vida, seja no
plano formal-jurídico, na criação e encaminhamento de políticas públicas, nas profissões, no
valor dos salários, nas prescrições religiosas, nos tempos e espaços reservados para a
educação informal e formal, na elaboração de normas de conduta ou nos saberes requeridos de
mulheres e homens ao longo dos tempos.
Vale ressaltar que no capítulo anterior, mencionamos o entendimento do historiador
francês Roger Chartier acerca da história cultural como, também, fizemos referência às
categorias - representação, prática e apropriação – fundamentais nas suas formulações
teóricas. Portanto, para desenvolver a interpretação de elementos importantes que emergem
no percurso de desenvolvimento desse trabalho, estas categorias explicativas oriundas da
história cultural se mostram adequadas. Abordaremos, então, a história da educação das
mulheres baianas a partir de olhares antes específico da história cultural, atentas neste
percurso para as formas de valorização e/ou de representação das diferenças de gênero na
sociedade da época.
44
2.1. Representações do feminino: uma breve história
Inexistente no nível político, forte mas contido dentro da família, o lugar das
mulheres no século XIX é extremo, quase delirante no imaginário público e
privado, seja no nível político, religioso ou poético. A igreja celebra o culto
da Virgem Maria, cujas aparições geram grandes peregrinações. Os saint
simonianos sonham com a salvação por obra da Mãe, vinda do Oriente. A
República encarna-se numa mulher, a Marianne. Poetas e pintores cantam a
mulher, na mesma proporção de sua misoginia cotidiana. (PERROT, 1988,
p. 182).
As Mulheres? Ausentes nos relatos históricos ou meras coadjuvantes da História,
contudo, elas sempre foram assunto. Objeto de simbologias e de valores atribuídos a elas em
diferentes épocas. Como ressaltamos no início desse trabalho, falavam das mulheres e por
elas, porém, as suas próprias representações, práticas e formas de apropriação foram
ignoradas.
No decurso da história sempre existiu discursos reveladores do modo como a mulher
era vista, pensada ou das representações criadas sobre ela. Discursos de cunho filosófico,
médico, religioso, político ou provenientes do campo da educação. Não há dúvidas quanto ao
poder de tais discursos, em especial, quando foram/são elaborados e pronunciados por pessoas
influentes, afinal, como bem diz Roger Chartier (1986), “as representações do mundo social
assim construídas [...], são sempre determinadas pelos interesses de grupo que as forjam. Daí,
para cada caso, o necessário relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem
os utiliza”. (Ibid, p. 17).
Ainda que saibamos que o processo de apropriação de determinadas imagens, idéias
ou valores pelos sujeitos não é de mero reflexo, parafraseando Carla Bassanezi Pinsky (2012,
p. 470), torna-se importante conhecer as representações que prevalecem em cada época, pois
elas podem exercer influência nos modos de ser, de agir, de sentir das pessoas bem como nos
espaços que ocupam na sociedade e nas escolhas de vida que fazem. Destaquemos as escolhas
profissionais, muitas vezes fundadas a partir dessa influência. Assim, é preciso não perder de
vista o movimento de apropriação, mas, também, de reapropriação que os sujeitos fazem ao
conceberem determinadas concepções em diferentes períodos históricos.
Mas, por onde iniciar a abordagem das representações construídas sobre as mulheres?
O que foi dito e o que se pensava sobre o sexo feminino? De onde extrair indícios, marcas
dessas representações? Do corpo das mulheres tal como Michelle Perrot (2008) o abordou? É
um caminho, afinal, de acordo com a autora, nos corpos se encontram as marcas das
45
diferenças dos sexos. Não o corpo imóvel, mas, o corpo na história, em movimento, em
confronto com as mudanças do tempo, pois, o corpo tem história, seja física, estética, política,
ideal, material, da qual os historiadores progressivamente foram se conscientizando. (Ibid., p.
42).
Observamos que ao longo das épocas as representações dos sexos, feminino e
masculino, foram constituídas com base em fundamentos biológicos, através dos quais as
identidades eram definidas, ou seja, o ser mulher ou o ser homem estava estritamente ligado à
diferença anatômica e biológica do corpo. No que se refere à história das representações do
sexo feminino, Michelle Perrot (2008, p. 63) destaca que “de Aristóteles a Freud, o sexo
feminino é visto como uma carência, um defeito, uma fraqueza da natureza”. E continua:
Para Aristóteles, a mulher é um homem mal-acabado, um ser incompleto,
uma forma malcozida. Freud faz da “inveja do pênis” o núcleo obsedante da
sexualidade feminina. A mulher é um ser em concavidade, esburacado,
marcado para a possessão, para a passividade. Por sua anatomia. Mas
também por sua biologia. Seus humores – a água, o sangue (o sangue
impuro), o leite – não têm o mesmo poder criador que o esperma, elas são
apenas nutrizes. Na geração a mulher não é mais que um receptáculo, um
vaso do qual se pode apenas esperar que seja calmo e quente. Só se
descobrirá o mecanismo da ovulação no século XVIII e é somente em
meados do século XIX que se reconhecerá sua importância. Inferior, a
mulher o é, de inicio, por causa de seu sexo, de sua genitália. (PERROT,
2008, p. 63).
O comentário acima expressa a forma como a mulher e seu corpo foi abordado em
tempos remotos, mas que implicaram nas concepções de mulher por um longo período, desde
a Antiguidade até a Idade Moderna passando pela Idade Média, sem descartar que ainda hoje
encontramos marcas de todo esse imaginário. Tal tipo de abordagem que preconizava a
inferioridade e a imperfeição femininas, como se pode ver no pensamento aristotélico, está no
cerne das representações acerca das diferenças entre os sexos. Segundo o pensamento
filosófico grego, residia no corpo masculino a capacidade de criação da vida, através do falo,
do sêmen onde, inclusive, estavam presentes as características herdadas pela criança, cabendo
à mulher somente a função de receber e fazer brotar o fruto vindo do homem. Mais uma vez
tomando de empréstimo as palavras de Perrrot (2003, p. 20), em acréscimo à tradução desta
idéia do corpo feminino enquanto um mero receptáculo, “assimilavam-no a uma terra fria,
seca, zona passiva, que se submete, reproduz, mas não cria; que não produz nem
acontecimento nem história e do qual, consequentemente, não há nada a dizer”. Eis aí uma
46
das práticas que contribuíram para silenciar as mulheres, o silêncio que pesou sobre os seus
corpos.
Foi justamente contra os argumentos históricos da naturalização das identidades de
mulher e de homem que a teoria feminista propôs que se pensasse a construção cultural das
diferenças sexuais, indo de encontro ao determinismo natural e biológico, o qual justificava as
desigualdades sexuais, desqualificando as mulheres, tanto no que dizia respeito ao corpo
quanto ao intelecto.
Esse imaginário perdurou e as perspectivas que o formavam foram apropriadas pela
medicina e se encontram presentes na história das representações e práticas religiosas, em
especial, das religiões monoteístas ocidentais. Numa rápida incursão sobre os discursos
médico e religioso dos primeiros tempos da colonização do Brasil, por exemplo, quando a
Igreja Católica passa a encarregar-se da conversão e educação da população, constata-se que
no esforço de decifrar os mistérios do corpo da mulher, bem como a natureza e finalidade da
sua existência, a ciência médica e a Igreja construíram, de início, representações tão
semelhantes quanto complementares.
Ao acompanhar as análises de Mary Del Priore (2010), é possível afirmar que até
mesmo os saberes disseminados pela Igreja se sobrepuseram às descobertas científicas que
ocorreram entre os séculos XVII e XVIII e isto implicou em atraso ou estagnação no processo
de construção de conceitos no campo da medicina portuguesa com repercussões para a
colônia.
Nesse ambiente de atraso cientifico e de crença em poderes mágicos capazes
de atacar a saúde é que argumentos e noções sobre o funcionamento do
corpo da mulher foram fabricados. Apoiada na alquimia medieval, na
astrologia e no empirismo, a literatura médica refletia a enorme ingenuidade,
deixando transparecer o despreparo ocasionado por uma formação escolar
insuficiente. Além disso, a influência da escolástica, que impregnava todos
os conhecimentos, ajudava a sublinhar a inferioridade com que o corpo
feminino era considerado. (DEL PRIORE, 2010, p. 81).
O dogmatismo era tamanho que o olhar da medicina sobre as doenças estava
carregado de religiosidade. Ainda fazendo referência aos tempos da colonização, a atribuição
de diagnósticos médicos às doenças era feita estabelecendo uma relação com a quantidade de
pecados cometidos pelo enfermo. Portanto, a doença era vista como um castigo de Deus
àquelas /es que por algum motivo tivessem transgredido as leis divinas. E no caso da mulher,
em especial,
47
Num cenário em que doença e culpa se misturavam, o corpo feminino era
visto, tanto por pregadores da Igreja católica quanto por médicos, como um
palco nebuloso e obscuro no qual Deus e Diabo se digladiavam. Qualquer
doença, qualquer mazela que atacasse uma mulher, era interpretada como
um indício da ira celestial contra pecados cometidos, ou então era
diagnosticada como sinal demoníaco ou feitiço diabólico. Esse imaginário,
que tornava o corpo um extrato do céu ou do inferno, constituía um saber
que orientava a medicina e supria provisoriamente as lacunas de seus
conhecimentos. (DEL PRIORE, 2010, p. 78).
Além disso, a autora supracitada relata que os fisiologistas e médicos portugueses ao
estudar anatomia e patologia o faziam em busca de entender a natureza feminina, indagando-
se sobre os fins para os quais Deus havia criado a mulher e a que princípios esta obedeceria.
Assim, em busca de respostas, a crença na mulher enquanto um “depósito sagrado” criado
para a procriação foi disseminada não somente por padres e pregadores da Igreja Católica
como foi corroborada pelos médicos. E esta função atribuída à mulher, ou seja, da
reprodução, condicionava toda a busca do conhecimento médico sobre o corpo feminino.
Ainda de acordo com Del Priore (2010), os médicos, entre os séculos XVI e XVII,
acreditavam que a madre (nome dado ao útero naquela época) era o que chamavam de animal
errabundo (alguma coisa que conseguia se locomover no corpo da mulher), e uma vez que ele
não fosse alimentado por um filho anualmente, este útero subiria para a garganta da mulher
sufocando-a. Havia uma obsessão em compreender o funcionamento da madre, mas, o
entendimento que construíam era um tanto quanto resumido, limitado devido ao olhar
funcionalista da medicina portuguesa voltada apenas para o que dizia respeito à procriação.
Um aspecto importante apresentado pela autora acima citada decorre da valorização do
útero como um órgão responsável pela perpetuação da espécie. Ao valorizá-lo, valorizava-se a
sexualidade feminina, porém, não no sentido da realização da mulher, mas no de sua
disciplina, pois, o equilíbrio feminino, seja físico, psicológico ou emocional dependia do bom
funcionamento da madre. Deste modo, era preciso prevenir antes mesmo de remediar
qualquer possibilidade de contrariedade da função reprodutiva deste órgão, pois, caso
contrário acreditava-se que ele lançaria a mulher numa série de enfermidades caracterizadas
como a melancolia ou “banho do Demônio”, loucura, histeria e ninfomania.
Grosso modo, observa-se através dos estudos já existentes, que este corpo passivo,
mas, que misteriosamente procriava, por anos resumido ao seu sexo, precisava ser decifrado
ao tempo em que causava temor aos homens. Toda forma de manifestação da sexualidade
feminina deveria ser contida, reprimida, adestrada para não ameaçar o equilíbrio familiar,
48
social ou das ordens extremamente influentes da Igreja. Se ávidas por sexo, as mulheres
amedrontavam, pois, o seu insaciável desejo conduziria à impotência. Estas foram, também,
rotuladas como perigosas, maléficas e até mesmo vistas como feiticeiras. Fonte de inspiração
para os homens até enquanto não as possuíam, pois, essa posse os aniquilavam. Por isso que
alguns atletas quando precisam concentrar suas forças devem se afastar das mulheres; Se
frígidas seriam, justificadamente, substituídas por prostitutas ou amantes encarregadas de
suprir a falta da paga natural do casamento; Além dessas, havia as histéricas, atingidas pelos
furores uterinos. Estas, consideradas doentes de seu sexo foram objetos da psicanálise e da
psiquiatria, principalmente, a partir do século XIX.25
Como se vê, à medida que a ciência médica elaborava os seus conceitos acerca da
natureza feminina, ela avaliava as funções do corpo da mulher sob um olhar marcadamente
masculino, desconfiado e misógino. O sexo masculino ocupou desde então o lugar de controle
e manipulação sobre a mulher, um lugar justificado no desconhecimento anatômico,
fisiológico e até mesmo fantasioso sobre o seu corpo.
Del Priore (2010) afirma que nesse tempo, o médico era um criador de conceitos e os
efeitos de suas posições atingiam para além do âmbito da medicina. Desta forma, no intuito de
incentivar e garantir uma boa conduta feminina, os médicos reforçavam, sobretudo, a idéia de
que “o estatuto biológico da mulher (parir e procriar) estava sempre associado a um outro,
moral e metafísico: ser mãe, frágil e submissa, ter bons sentimentos etc.”. (Ibid., p. 83). Não
por acaso, a concepção e a gravidez eram consideradas um meio de remediar os achaques
femininos e este pensamento inscrevia-se no discurso da Igreja.
No processo de povoamento e colonização do Brasil, a doutrina católica que, a serviço
do Estado, exerceu por muitos séculos domínio sobre a cultura ocidental, representou a
mulher por duas vias míticas e antagônicas: Eva e a Virgem Maria ou a “nova Eva”26
. Eram
os pólos opostos de imagem de mulher disseminados pela religião. Partiam da premissa de
que a mulher partilhava de uma essência personificada na figura de Eva, ou seja, que por sua
natureza ela era mais vulnerável ao mal, ao pecado e a traição. No pólo oposto havia o modelo
de mulher como referência a ser seguida, a Virgem, arquétipo através do qual instituíam
formas de pensar e condutas a serem adotadas pelas mulheres.
25
Para saber mais: ENGEL, Magali. Psiquiatria e Feminilidade. In: DEL PRIORE, Mary. (Org.). História das
Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto. p. 322-361 26
REIS, Adriana Dantas (2000) apresenta esta denominação “nova Eva” com base em BEINERT,Wolfgang. O
culto a Maria hoje. São Paulo: Paulinas, 1979. Segundo este livro, no século II, começou-se a refletir
teologicamente sobre o conceito da “nova Eva”, que, para Cristo, era Maria, a qual com a obediência compensou
o que a primeira havia arruinado com a desobediência. (BEINERT, 1979, apud DANTAS, 2000, p.81).
49
Assim, dentre as práticas da Igreja para atingir os seus desígnios, observa-se formas de
controle do corpo e dentre os aspectos a ele relacionados, a sexualidade feminina, em
especial, deveria ser adestrada. O erro de Eva era um precedente para a necessidade de
controle do sexo feminino e a afirmação da superioridade do homem, conferindo a este total
autoridade sobre a mulher.
São Paulo, na Epistóla aos Efésios, não deixa dúvidas quanto a isso: “As
mulheres estejam sujeitas aos seus maridos como ao Senhor, porque o
homem é a cabeça da mulher, como Cristo é a cabeça da Igreja...Como a
Igreja está sujeita a Cristo, estejam as mulheres em tudo, sujeitas aos seus
maridos.” De modo que o macho (marido, pai e irmão etc.) representava
Cristo no lar. A mulher estava condenada, por definição, a pagar
eternamente pelo erro de Eva, a primeira fêmea, que levou Adão ao pecado e
tirou da humanidade futura a possibilidade de gozar da inocência
paradisíaca. (ARAÚJO, 2010, p. 46).
Diante do exposto, por conta desse estigma de carregar em sua constituição histórica a
essência de Eva, a mulher deveria pagar com a sua vida permanentemente controlada. Não
faltaram formas ou meios para reprimi-la, porém, como raiz dessa marca, o alvo a ser
perseguido era a sua sexualidade. Logo, era preciso preservá-la, mantendo-a longe de
qualquer possibilidade de cometer um pecado carnal. Desta necessidade emergem algumas
práticas como a vigilância exercida pela figura masculina (pais, irmãos e maridos), e a
reclusão, onde o ambiente doméstico, o espaço privado se constituiu como mais apropriado e
seguro para a sua formação.
Segundo Araujo (2010, p. 49), “repetia-se como algo ideal, nos tempos coloniais, que
havia apenas três ocasiões em que a mulher poderia sair do lar durante toda sua vida: para se
batizar para se casar e para ser enterrada”. Com a ressalva do autor da evidência do exagero
desta afirmação, alguns relatos de viajantes que passaram por Salvador entre os séculos XVII
e XIX, dentre outros relatos presentes em estudos realizados, apresentam em suas descrições
esta imagem de mulher recolhida. Vejamos um relato apresentado pelo autor, datado de 1751.
O arcebispo da cidade de Salvador queixou-se da proibição dos pais às moças de assistir às
devotas lições no Colégio das Mercês, das ursulinas, onde expôs a sua dificuldade em
conseguir que os pais e parentes consintam que suas filhas e mais obrigações 27
saiam de casa à missa nem a outra função, o que geralmente se pratica não
só com as donzelas brancas, mas ainda com as pardas e pretas chamadas
crioulas, e quaisquer outras que se confessam de porta adentro. (ARAÚJO,
2010, p. 49).
27
Segundo nota do autor, “pessoas de obrigação”, gente da família ou agregada à casa de alguém.
50
Atentemos agora para descrições de visitantes a Salvador. Mesmo sabendo que esses
registros são carregados de impressões oriundas de referências do universo cultural de quem
as produziu, eles nos dão conta do cotidiano em determinados períodos.
O viajante Canstatt, que esteve na Bahia no século passado, observa que não
teve oportunidade de conhecer as mulheres residentes na cidade, uma vez
que elas nunca se apresentam na rua, como é costume na Alemanha,
mostrando-se no máximo e excepcionalmente, na varanda de sua casa.
(AUGEL, 1980 apud LEITE, 1997, p. 25).
Lindley, viajante inglês que visitou a Bahia entre as primeiras décadas do século XIX,
nos fornece, também, importantes informações:
Parece aos estrangeiros curiosa a restrição a que estão sujeitas as mulheres
deste país, por não poderem passear pelas ruas sem estar hermeticamente
fechadas numa cadeirinha, ou segregadas em cabriolé; mas, tal é a força do
costume que nenhuma delas jamais é vista com liberdade, exceto no
recesso de suas casas. (LYNDLEY, 1969, p. 179).
Assim sendo, uma vez reclusas, essas mulheres que tinham sua sexualidade tolhida
viviam sob os olhares atentos da família, em especial da figura masculina que sempre
mantinha a vigilância, principalmente, nos raros momentos em que elas saiam de casa,
momentos estes que diante dos registros se resumiam à ida na Igreja. O controle também se
dava sobre a maneira como elas deveriam se vestir. As vestimentas deveriam ser marcas de
distinção da mulher santa, pudica, honesta e, por conseguinte, a compostura e a simplicidade
deveriam compor os trajes femininos.
Ora, nesta sociedade onde Igreja e medicina, de mãos dadas, construíram e
disseminaram representações fundamentadas em pensamentos misóginos, foram concebidos
estereótipos de gênero. Estereótipos produzidos com base na relação de oposição, uma prática
usada que, inclusive, assegurava a condição de subordinação da mulher. Algumas imagens de
mulher foram delineadas no processo de construção de uma identidade feminina segundo
modelos que emergiram de uma ideologia religiosa e patriarcal, presente desde os tempos
coloniais. Atentemos para o que diz Carla Bassanezi Pinsky:
De fato, a sexualidade feminina, as funções biológicas e as secreções a elas
ligadas costumavam ser matéria-prima para definir as imagens de mulher
mais marcantes e recorrentes. E estas vinham aos pares – a “casta” e a
“impura”, a “santa” e a “pecadora”, “Maria” e “Eva”- como pólos opostos
que ajudam a definir um ao outro. No Brasil não foi diferente. Mesmo a
chegada do século XX não provocou grandes rupturas: permaneceram as
heranças européias do medievo que valorizavam a pureza sexual das
mulheres e condenavam as que se deleitavam no sexo. (PINSKY, 2012, p.
471).
51
A mulher, que à luz da Igreja e da medicina foi considerada como um homem
imperfeito, detentora de uma parte interna que reproduzia o modelo do órgão sexual
masculino, criatura de ossos pequenos, moles, frágeis, desde então, foi representada como um
ser menor, inferior, diminuído. Esta visão se diferenciava daquela atribuída ao homem, este
ser de musculatura forte, ossos grandes, criaturas solares, portanto, para ele o mundo público,
o reconhecimento, o saber, a autoridade e o autoritarismo, enquanto para ela reservou-se o
mundo privado, desvalorizado e por muito tempo circunscrito ao espaço doméstico. Uma vida
de interditos, inclusive, ao saber.
Durante todo o processo de colonização do Brasil por Portugal, a mulher foi excluída
do direito à educação formal. O direito à instrução cabia aos homens, e nesta época,
reservava-se aos filhos de indígenas e colonos.28
A educação feminina se realizava no âmbito
doméstico, voltada, sobretudo para prepará-las para as suas principais funções: ser esposa e
mãe. E para a Igreja a maternidade, consequência “natural” do matrimônio, representava a
definitiva associação da mulher à Virgem Maria:
Finalmente, com prazer ou sem prazer, com paixão ou sem paixão, a menina
tornava-se mãe, e mãe honrada, criada na casa dos pais, casada na Igreja. Na
visão da sociedade misógina, a maternidade teria de ser o ápice na vida da
mulher. Doravante ela se afastava de Eva e aproximava-se de Maria, a
mulher que pariu virgem o Salvador do mundo. (ARAÚJO, 2010, p. 52).
Contudo, a partir das primeiras décadas do século XIX, o domínio e influência da
Igreja sobre aspectos como a educação e saúde da população sofreram alguns abalos em
decorrência de conflitos presentes nas relações com o Estado, sobretudo, após a
Independência do Brasil."A perda de controle sobre o cotidiano do povo foi proporcional ao
aparecimento e circulação de novas ideologias, novos dogmas e novos credos". (MATTOSO,
1992, p. 302).
De um modo geral, a Igreja que por anos esteve subordinada ao Estado, a se ver diante
das transformações políticas, econômicas e sociais emergentes no período oitocentista, sente-
se na urgência de se modificar e de conquistar uma nova posição frente ao Estado, mas,
também, ao clero e aos seus fiéis.
O regime do padroado foi contestado, e a Igreja entrou num processo de
reforma, no qual o Estado deixava de controlar os atos religiosos e Igreja
partia para um contato mais direto com Roma. Assim, a soberania do
28
Para saber mais ver, por exemplo, RIBEIRO, Arilda Inês. Mulheres educadas na colônia. In.: VEIGA, Cyntia
Greive (Org.) 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte: Autentica, 2000, p. 70-94
52
Imperador sobre assuntos religiosos e no campo da ideias, bem como a
difusão do liberalismo sobre a política e as novas propostas de educação que
ameaçavam a Igreja sofreram resistência por parte de uma minoria do clero
brasileiro, encabeçada pelo arcebispo baiano, D. Romualdo Antônio de
Seixas (1827-1860). (HAUCK, 1992 apud REIS, 2000, p. 82-83).
Na contramão das suas novas investidas a Igreja se deparou com correntes favoráveis
às idéias liberais e positivistas que segundo Katia Mattoso (1992), delas emergiram tendências
políticas e ideológicas que contribuíram para preservação do regime imperial como também
para a sua queda posterior. Tais tendências, entre as mais radicais e as mais ambíguas,
colocavam sob questão a aliança entre Estado e Igreja ou a separação de ambos.29
“Na Bahia
oitocentista, a prioridade da discussão foi contra alguns setores da sociedade que,
influenciados pelo cientificismo, defendiam uma ética secular para novos códigos de
comportamento, tarefa até então realizada pela igreja católica”. (SILVA, 1992 apud REIS,
2000, p. 83).
Com efeito, no intento por reformas e (re) afirmação de sua posição, a Igreja buscou
apoio para a manutenção da sua influência nas mulheres e por meio delas. Segundo Adriana
Reis (2000, p. 83-84), nesse período, o arcebispo da Bahia encontrou, nas mulheres da elite,
grandes aliadas no processo de reforma. A educação feminina e o seu papel na sociedade
foram objeto de preocupação dos representantes da Igreja, que militavam contra as influências
“perniciosas” de idéias liberais e também contra as novas formas “mundanas” de socialização.
Por outro lado, através de Mattoso (1992) temos noticias de que:
As mulheres aceitaram melhor a reforma, que, como vimos, dava à religião
um cunho nitidamente clerical, acentuava o peso da administração dos
sacramentos e entregava aos clérigos o controle sobre as associações
religiosas. Além dessas considerações, parece-me que a larga utilização das
mulheres como instrumentos da catequese decorreu, sobretudo do importante
papel que elas desempenhavam na família brasileira. (MATTOSO, 1992, p.
410).
De acordo com a abordagem da autora supracitada, o catolicismo nas suas formas de
materialização sempre teve um cunho eminentemente familiar, como por exemplo, os
batizados das crianças, o ensino das orações, a primeira comunhão, são algumas das práticas
de exercício desta religião que ao longo do tempo foram realizadas como parte da educação
doméstica. E de fato, até os dias atuais, mesmo sem tanta veemência da Bahia de outrora, se
29
Para saber mais sobre a história da Igreja Católica na Bahia oitocentista, inclusive sobre tais tendências, ver
MATTOSO, Katia M. de Queirós. Bahia século XIX: uma província do Império. Rio de Janeiro: Nova
fronteira, 1992. p. 293-332
53
mantém vivas algumas práticas do catolicismo popular, muitas delas realizadas no seio da
família, sobre as quais as mulheres ocupam uma posição de liderança. Além dos momentos
abordados acima, as rezas coletivas, as novenas, as recitações do rosário, festas de padroeiro
são alguns dos atos que sob a ausência do padre sempre foram dirigidos por uma mulher.
"Logo, a Igreja tinha interesse em promover a mulher, acentuando o seu papel de preciosa
auxiliar". (MATTOSO, 1992, p. 411).
Com efeito, no empenho de manter a sua antiga influência sobre a vida das mulheres e
de usá-las como instrumentos de propagação da sua fé, Katia Mattoso(2000) informa que as
igrejas brasileiras orientavam as mulheres seguindo os mesmos manuais de conduta moral
usados em toda a Igreja do resto do mundo e das sociedades ocidentais da época. A autora
também apresenta as normas impostas pela igreja às mulheres, no que diz respeito a sua forma
de ser e de agir nas diferentes fases da sua vida. Apesar da extensão do trecho que segue
abaixo, o consideramos oportuno para a nossa reflexão:
A moça devia ser modesta em suas ações, agir com prudência e permanecer
grave e conveniente em seus gestos e palavras. Devia gostar de ficar em
casa, ajudando a mãe. De todas as maneiras, devia evitar vaidades no
vestuário e nos adornos, conversas indiscretas com homens e divertimentos
profanos. devia, enfim, sair raramente, exercitar a piedade, ser franca, leal e
afetuosa com a mãe, não ter segredos para com ela e ajudar seus jovens
irmãos e irmãs através do bom exemplo e da explicação da doutrina.
A mulher casada devia, em primeiro lugar, amar o seu marido, respeitá-lo
como chefe e obedecer as suas decisões com afetuosa prontidão. Se
necessário podia chamar a sua atenção com prudência e discrição, sem
deixar de servi-lo solicitadamente. se ele estivesse irritado, ela devia calar-se
e tolerar seus defeitos com paciência e mansidão. Seus corações e seus olhos
nunca deviam ser para outro. os filhos precisavam ser educados na fé
católica. A esposa devia, enfim, ser doce, paciente e calma na relação com a
família, atenciosa com o sogro e benevolente com cunhados e cunhadas.
A viúva devia viver como as mulheres virgens, ser vigilantes com as
mulheres casadas e dar exemplos virtuosos a umas e outras, sendo amiga dos
retiros e inimiga dos divertimentos mundanos. Aplicada na oração, devia
zelar cuidadosamente pela a sua boa reputação, amar a mortificação e
trabalhar para a glória de Deus. (MATTOSO, 1992, p. 411).
Vale ressaltar que, neste período de reformas, as hierarquias eclesiásticas se
empenharam em atrair cada vez mais os fiéis para a ortodoxia da doutrina e da fé. Dentre as
atitudes da Igreja, destaquemos a substituição de devoções antigas (Santo Antônio, Santa
Bárbara etc.) por outras novas e já expressas na Europa como as do Sagrado Coração de Jesus
e do mês de Maria (maio). Mencionamos isto, pois, ainda que a devoção à Virgem já
existisse, o mês de Maria foi oficializado com a proclamação do dogma da Imaculada
54
Conceição em 1854, criando um novo ímpeto a esse culto e estimulando, inclusive, a
fundação, na Bahia, da Associação Filhas de Maria, cujas mulheres "ostentavam com orgulho
uma bela fita cor do céu e uma medalha da Virgem em volta do pescoço. Elas se reuniam nas
igrejas para participar de novenas, recitar o rosário, as litanias e cantar loas a Maria". (Ibid., p.
405).
Como se vê, a imagem de Maria se renova e se torna cada vez mais enfatizada pela
Igreja como modelo a ser seguido pelas mulheres. Adriana Reis (2000) nos fornece
informações do quanto os defensores da Igreja estavam voltados para disseminar a ideia de
que Eva fora regenerada por Maria e de que a Igreja, através do sacramento do matrimônio,
foi a responsável pelo respeito e honra dos quais a mulher passava a desfrutar. Não faltaram
discursos e artigos publicados em periódicos baianos 30
, nos anos correspondentes a segunda
metade do século XIX, defendendo a posição de que o Cristianismo foi o responsável pela
salvação e libertação da mulher através de Maria.
Para Marchal (1879 apud REIS, 2000, p. 86), em seu livro católico, “A mulher como
deveria sê-lo”, publicado em 1879, "a morte havia entrado no mundo pela prevaricação de
uma mulher, a uma mulher conferiu Deus a honra de restituir ao gênero humano a vida do
tempo e eternidade". E como Maria havia redimido o erro de Eva e, desde então, a mulher
estava recuperando os seus direitos: "o homem cristão, deixa[va] de considerá-la escrava sua,
respeita[ndo]-a como companheira de seus dias e ama[ndo]-a como a consolação de sua
vida”.
Apesar dessa expressão de mudança no modo como a mulher era vista e pensada em
relação às representações construídas em períodos anteriores, como foi brevemente exposto
em linhas precedentes, vale ressaltar que junto ao discurso de libertação mariana, ou seja, da
libertação da mulher da essência do mal e do pecado, estava a preocupação dos religiosos com
os perigos representados pelos novos modos de vida delineados na iminência da segunda
metade do século XIX.
Não obstante as diferenças regionais, pouco a pouco, as cidades cresciam e nesse
movimento bailes, salões, teatros, lojas, restaurantes, passeios públicos, escolas, bondes, trens
iam compondo o cenário urbano no seu processo de construção. Por maior que fosse a
repressão exercida sobre o sexo feminino, esses novos espaços de socialização que
30
Para ver mais sobre tais periódicos consultar REIS, Adriana Dantas. Cora: lições de comportamento
feminino na Bahia do século XIX. Salvador: FCJA: Centro de Estudos Baianos da UFBA, 2000.
55
coadunavam com novas propostas de hábitos e comportamentos não deixavam de exercer
influência no cotidiano das mulheres, sobretudo, da elite.
Os padrões europeus de civilidade, nos moldes parisienses, serviram de referência para
o Brasil desde o seu projeto de criação de um Estado Imperial, mas, é no período posterior ao
Segundo Reinado e, principalmente, com o advento da República, que o esboço de uma
sociedade européia passa a se constituir. Civilidade, higiene, modernidade eram algumas das
palavras que ecoavam e ganhavam força a medida que o final do período oitocentista se
aproximava. Logo, o Rio de Janeiro, sede do Império, não demorou para expressar na sua
aparência as idéias de civilidade que por lá circulavam e que por aqui eram divulgadas através
de periódicos como A Verdadeira Marmota, no qual se encontram artigos que dão a ler a
superioridade dos costumes da corte em comparação aos da província da Bahia. Este
periódico, dedicado às mulheres, foi trabalhado por Adriana Reis (2000) e através dele a
autora faz a seguinte afirmação:
Como percebemos, mesmo em 1850, ainda se criticava, em oposição às
cariocas, a falta de civilidade das mulheres baianas para lidar com o público,
no tratamento dos homens, a sua falta de apuro no vestuário e o não cuidado
com o asseio pela manhã; além disso, a ausência delas nas ruas, coisa que,
no Rio de Janeiro, já acontecia na Rua do Ouvidor, desde a década de 20,
como afirma Joaquim de Macedo. Portanto as damas conservavam ainda a
cultura do desalinho e do acanhamento. (MACEDO, 1850 apud REIS, 2000,
p.43).
Nesse período, além dos periódicos, foram editados e publicados manuais de etiquetas,
tratados de educação nos quais eram difundidos noções de civilidade e de boas maneiras,
condizentes com o padrão desejado de sociedade. Por outro lado, os médicos tiveram uma
significativa e influente participação no intento de imprimir uma nova imagem na sociedade
brasileira com as suas ações voltadas tanto para a saúde pública quanto para saúde privada.
Sobre a saúde pública, as intervenções médicas, em geral, contribuíram para adoção de
princípios de reordenamento urbano, onde a higiene, o sanitarismo e questões de salubridade
foram apontados como necessidades principais. Quanto à saúde privada, temas como a saúde
da mulher, educação física e moral, higienização da família eram debatidos na época.
Gilberto Freyre (1990) descreve a importância dos médicos para a vida da mulher, no
século XIX, aonde o mesmo chega a destacar a supremacia do “médico da família” diante do
“padre confessor”, dizendo que aquele “soube dar importância as influências do meio social,
de hábitos e de educação sobre a vida da mulher brasileira”. (FREYRE, 1990 apud REIS
2000, p. 113). Porém, diante de tais afirmações, Adriana Reis (2000) ao considerar que a
56
fundação das Faculdades de Medicina 31
e o envolvimento dos médicos no projetor civilizador
da sociedade, de fato, expressaram uma preocupação com assuntos concernentes à família -
resultantes de propostas advindas das idéias das luzes como da higiene - a autora faz algumas
ressalvas com as quais corroboramos:
Os elos que a Igreja e a Medicina estabeleceram na colônia seriam mantidos
em alguns aspectos. Apesar dos discursos médicos, baseados na filosofia
iluminista francesa (...), tornarem-se alvos de muitas criticas por parte da
igreja, a representação da mulher na sociedade mantém o mesmo sentido das
idéias religiosas, com ênfase na concepção da natureza feminina voltada para
o casamento e para a procriação, o que torna essas idéias muitas vezes
complementares. (REIS, 2000, p. 114).
Com relação ao exposto, ainda que tenha existido um movimento de mudanças de
mentalidades acerca do corpo e sexualidade femininos, o século XIX vai, na verdade, redefinir
as diferenças e divisões sexuais através de um discurso naturalista que ratifica a existência de
duas “espécies” com qualidades e aptidões particulares. “Aos homens, o cérebro a
inteligência, a razão lúcida, a capacidade de decisão. Às mulheres, o coração, a sensibilidade,
os sentimentos”. (PERROT, 1988, p. 178). Com efeito, dessa imagética feminina (re) definida
nos finais dos oitocentos e presentes no século posterior, emergiram qualidades atribuídas à
mulher consideradas importantes e necessárias para o advento de novos tempos. Assim,
O discurso das qualidades morais femininas armava-se de ambigüidades e
prestava-se admiravelmente bem para referendar o mito da inferioridade
biológica que vinha impregnando também o discurso dos evolucionistas,
segundo as idéias spencerianas, o que permaneceu por décadas. (ALMEIDA,
1998, p.18)
Não obstante as mudanças que movimentaram a construção de imagens sobre as
mulheres ou o perfil de mulher desejado ao longo da passagem dos séculos, o que a mulher
era, deveria ser ou fazer perpassava pela referência da mulher temente a Deus, “pura”,
virtuosa, recatada e abnegada - referência esta que resistiu às mudanças do tempo em
oposição a tudo que lembrasse a prostituta, a meretriz, a cortesã, a femme fatale. A partir
desses modelos opostos de mulher oriundos das representações historicamente construídas,
31
Adriana Reis (2000) informa que com a criação do ensino médico na Bahia (1808) e depois no Rio de Janeiro
(1815), a influência das idéias médicas no Brasil tomou outras proporções. Com o decreto de 1832, promulgado
pela Segunda Regência do Império, os colégios médicos foram transformados em escolas ou faculdades de
Medicina e, entre as reformulações por que passou o curso, estabeleceu-se que os professores apresentassem em
público uma tese escrita em idioma nacional ou em latim. Essas teses, assim como os periódicos O Atheoneo
(1849), Horizonte (1849), O Academico (1853) e Gazeta Medica (1866) da Faculdade de Medicina da Bahia,
seriam responsáveis pela divulgação das "ideias higiênicas". (REIS, 2000, p.112-113 ).
57
foram criadas e organizadas formas e espaços para educar homens e mulheres ao longo do
tempo.
2.2. A educação feminina na Bahia: entre representações, práticas e apropriações
Diante dos modos de ver a mulher, alguns deles expostos em linhas precedentes,
podemos perceber a estreita relação entre a cultura e as instituições enquanto agências de
produção e difusão cultural na organização de práticas aos sujeitos. Daí se percebe, também, o
quanto há uma relação de complementariedade entre as representações e as práticas culturais
e de como os sujeitos produtores e receptores de cultura transitam entre esses dois pólos, que
correspondem, respectivamente, aos “modos de ver” e aos “modos de fazer”. 32
Observamos que a visão construída sobre a mulher ao longo da história gerou práticas,
dentre elas, as atitudes, as normas de convivência, os modos de vida. A religião, por exemplo,
que por muito tempo produziu e disseminou representações sobre a mulher com base em uma
misoginia declarada, exerceu práticas frente ao sexo feminino que expressavam hostilidade,
desconfiança, discriminação, repressão. Assim, a função atribuída à mulher justificava as
normas, os valores, os modos de vida, a sua exclusão do processo de educação formal até o
final do século XVIII bem como o desenvolvimento de instituições e projetos de educação
específicos para educá-las.
Isso nos leva à reflexão acerca da cultura e da sua relação com alguns aspectos da
prática social como a educação e a religião. Ao acompanhar as considerações apresentadas
por Jane Soares de Almeida (2007) frente à temática, vale destacar, inicialmente, o pluralismo
através do qual podemos pensar o conceito de cultura.
A cultura pode ser definida pelos hábitos e costumes transmitidos pelas
gerações; os padrões de comportamento dos grupos humanos na organização
social; modos de vida, crenças e valores de um grupo; conjunto de esquemas
de vida socialmente adquiridos a serem legados as gerações futuras; as
relações entre os indivíduos; os recursos materiais e imateriais acumulados
que as pessoas herdam, empregam, transmitem, acrescentam e modificam;
tudo o que o ser humano adquire desde o nascimento como um produto da
educação; a religião, a arte e a filosofia de uma civilização (COELHO, 1990
apud ALMEIDA, 2007, p. 43-44).
32
Jósé D’ Assunção Barros ao discutir sobre diversos aspectos relacionados á História Cultural, apresenta o seu
entendimento acerca das noções de representação e práticas culturais, dentre outras, elaboradas por Roger
Chartier (1986). Ver BARROS, Jósé D’ Assunção. A História Cultural e a contribuição de Roger Chartier. In.
Diálogos, DPHI/PPH/UEM, v. 9, n. 1, p. 125-141, 2005.
58
Diante dessa tendência atual de falar de cultura num sentido mais amplo, mais plural é
que encontramos a convivência de questões oriundas de domínios diferentes, mas,
intimamente relacionadas, como é o caso da educação feminina e da religião.
No universo simbólico, a religiosidade, pela estreita relação que possui com
o mundo sobrenatural, se reveste de caráter disciplinador e, ao mesmo
tempo, consolador. A educação tem o poder de transitar entre esse espaço e o
mundo social na sua função de transmissora e veiculadora da cultura de um
povo, representada por um mundo plural imbricado pela tessitura das
relações sociais no contexto histórico de cada época. (ALMEIDA, 2007,
p.45).
Como já mencionamos, anteriormente, a inserção das mulheres no processo de
educação formal não foi imediata. Por muito tempo elas permaneceram excluídas desse
direito, em pelo menos, todo o período da colonização do Brasil. A ação educativa exercida
pela Companhia de Jesus destinou-se para uma minoria pertencente à classe dominante,
representada pelos filhos homens de donos de terras ou de senhores de engenho. Tanto as
mulheres quanto os filhos primogênitos foram destituídos do direito da educação escolarizada,
com prejuízo maior para as mulheres, pois, aos filhos primogênitos cabia uma rudimentar
educação escolar e a sua preparação para assumir, no futuro, os negócios paternos.
Essa prática educativa que, de inicio, se voltou, principalmente, para a catequese,
amplia o seu objetivo e deixa um legado para a história da escolarização brasileira: uma
educação de classe e como símbolo de classe, nas palavras de Romanelli (2010).”Dela estava
excluído o povo e foi graças a ela que o Brasil ‘se tornou por muito tempo, um país da
Europa’, com os olhos voltados para fora, impregnados de uma cultura intelectual
transplantada, alienada e alienante”. (Ibid. p. 36).
E foram esses olhos europeus que representaram as mulheres e para elas traçaram
destinos. A importação de formas de pensamento e de idéias da cultura européia para a
colônia brasileira culminou na instituição de espaços e papéis extremamente definidos para
cada sexo. “Para os portugueses, a responsabilidade feminina nunca deveria transpor as
fronteiras do lar, nem ser objeto de trabalho remunerado, o que era defendido em todas as
instâncias sociais”. (ALMEIDA, 1998, p.32-33).
Portanto, a educação das mulheres se dava no interior dos seus lares, voltada para os
destinos e funções que lhes caberiam: o matrimônio, a maternidade e os afazeres domésticos.
Quanto aos rudimentos do ler e escrever podia realizar-se em casa ou na clausura dos
59
conventos e dos recolhimentos.33
Em casa, o programa de estudos para as meninas
diferenciava-se dos meninos. E nos conventos há informações de que além da aprendizagem
da leitura e da escrita, aprendiam coser, bordar, um pouco de latim, de música e de princípios
cristãos, através dos quais se reafirmava os valores do Cristianismo.
Com base em Márcia Leite (1997, p 38), essas instituições, ou seja, os conventos ou
recolhimentos eram destinos das mulheres oriundas de famílias brancas. “Deixá-las reclusas
em um convento ou recolhimento ou casá-las precocemente com homens dignos e de status
elevado eram as únicas opções que os pais zelosos tinham para assegurar a honra de suas
filhas e a perpetuação da sua linhagem”.
Ainda acompanhando a abordagem da autora, posterior ao momento histórico de
multiplicação desses espaços no século XVIII, a ação religiosa se amplia e se diferencia na
sua clientela e objetivos, desempenhando importante papel nos âmbito da caridade, da
educação e da socialização feminina.
(...) guardadas as devidas diferenças de clientela e objetivos, tiveram
finalidades sociais importantes no que concerne à caridade, à educação e à
socialização femininas. Alguns desses institutos funcionaram com o objetivo
de proporcionar um tipo de educação, diversão e até autonomia ás reclusas;
já outros tiveram como finalidade exclusiva amparar meninas pobres,
ilegítimas ou órfãs, porém, honestas, e ainda promover casamentos
adequados através de dotes oferecidos aos pretendentes. (LEITE, 1997, p 41-
42).
Vale ressaltar que apesar dessas práticas de educação feminina, ainda não é possível
falar na existência de uma formação escolar/profissional para as mulheres, pois, além da
exclusão do sexo feminino desse direito, a formação rudimentar que algumas recebiam ficou
relegada à sua instrução para as tarefas domésticas. Acrescentemos que esta educação, uma
vez permitida pelos pais zelosos, servia como instrumento de vigilância e de repressão ao
sexo feminino dada a misoginia tão presente nessa época. No entanto, não podemos deixar de
considerar que, frente ao descaso com a instrução formal das mulheres naquele período, esta
pode ter sido uma oportunidade para algumas delas dar os primeiros passos rumo às
conquistas de acesso ao saber, ainda que este tenha sido por muito tempo informal, limitado e
excludente.
33 Segundo Adriana Reis (2000, p. 41), no movimento de multiplicação de conventos e recolhimentos no século
XVIII, Salvador passou a contar com os conventos das Ursulinas das Mercês, das Ursulinas da Soledade e o das
Ursulinas Franciscanas da Lapa, e além destes, os recolhimentos dos Perdões e o de São Raimundo.
60
Somente a partir da Independência é que, no Brasil, os legisladores determinam a
criação das “escolas de primeiras letras”, as chamadas “pedagogias, em todas as cidades, vilas
e lugarejos mais populosos do Império”. Mesmo com a criação dessas “escolas de primeiras
letras” por determinação da lei de 15 de outubro de 1827 - a primeira referente à instrução
pública do Brasil- a oferta da educação para as meninas continuou seguindo o mesmo ideário.
As distinções sexistas no processo de escolarização da população foram reafirmadas nesta lei
ao estabelecer, por exemplo, as tarefas das professoras ao ensinar as meninas e dos
professores ao ensinar os meninos:
Art. 6º Os professores ensinarão a ler, escrever, as quatro operações de
aritmética, prática de quebrados, decimais e proporções, as noções mais
gerais de geometria prática, a gramática de língua nacional, e os princípios
de moral cristã e da doutrina da religião católica e apostólica romana,
proporcionados à compreensão dos meninos; preferindo para as leituras a
Constituição do Império e a História do Brasil.
Art. 12. As Mestras, além do declarado no Art. 6o, com exclusão das noções
de geometria e limitado a instrução de aritmética só as suas quatro
operações, ensinarão também as prendas que servem à economia doméstica;
e serão nomeadas pelos Presidentes em Conselho, aquelas mulheres, que
sendo brasileiras e de reconhecida honestidade, se mostrarem com mais
conhecimento nos exames feitos na forma do Art. 7o.
Art. 13. As Mestras vencerão os mesmos ordenados e gratificações
concedidas aos Mestres.
A lei acima estabeleceu, no seu art. 7º, o concurso público como critério para ingresso
no magistério oficial, através do qual seriam selecionados professoras/es de melhor conduta e
instrução. No entanto, embora a lei determinasse igualdade nos salários no seu Art. 13, a
diferenciação curricular representou uma diferenciação salarial, pois, a geometria reservada
apenas para meninos implicava em outra possibilidade de remuneração no futuro, já que,
somente os homens, no exercício do magistério, ministrariam tal disciplina. E assim delineou-
se o processo de profissionalização docente no Brasil nesse momento de busca por
estruturação do Estado Imperial, o qual estabelecerá, anos mais tarde, a criação das Escolas
Normais.
Conforme Faria Filho (2007), essa lei vem marcar as primeiras iniciativas resultantes de
uma perspectiva político-cultural de construção da nação brasileira e do Estado Nacional,
quando se entendia que para a realização de tal empreendimento fazia-se necessário um povo
instruído e civilizado. “Instruir as ‘classes inferiores’ era tarefa fundamental do Estado
brasileiro e, ao mesmo tempo, condição mesma de existência desse Estado e Nação”. (Ibid., p.
137).
61
O autor ainda ressalta que os estudos a respeito da educação brasileira no século XIX,
particularmente, no período imperial, têm demonstrado que havia em várias Províncias
intensas discussões acerca da necessidade de escolarização da população. Algumas questões
eram postas, como a necessidade e a pertinência ou não da instrução dos negros (livres,
libertos ou escravos), índios e mulheres. Diante dessas circunstâncias, as ações das
Assembléias Legislativas buscaram ordenar legalmente a educação escolar.
Contudo, essa ordenação culminou no acesso da população à escolarização sob os
limites políticos e culturais, próprios de uma sociedade desigual, agravada pela pouca
condição das províncias de investir na organização e no desenvolvimento do ensino, dado,
inclusive, ao movimento descentralista praticado sob a interpretação do Ato Adicional de 12
de agosto de 1834. 34
“O Governo Central passou a ocupar-se apenas do ensino de todos os
graus na capital do Império e do superior em todo o país, ficando as províncias responsáveis
pela instrução primária e secundária nos respectivos territórios”. (TANURI, 2000, p. 63).
Mas, a instrução era a bandeira levantada para a construção de um Estado que dependia
de um povo “civilizado” para a sua composição. Nessa direção, seguindo a hierarquia de
prioridades no campo da educação nacional, a instrução elementar permaneceria como
privilégio das camadas abastadas que dispunham da possibilidade de financiá-la. Por algum
tempo as aulas aconteceram no interior dos lares e sob orientação de preceptores. A oferta da
instrução primária para o povo aconteceu de forma precária, enquanto o ensino secundário,
eminentemente masculino, proliferou-se por via da iniciativa privada, caracterizando-se como
um nível de ensino para a elite por se tratar de um curso acadêmico e propedêutico,
preparatório para o curso superior e humanístico.
Além disso, a escolarização feminina prevista na legislação imperial desde o Decreto de
1827 não se faz sentir de imediato. Os números indicam o quanto a criação de escolas para
meninas foi lenta e gradual.
Em relação à Bahia, é importante assinalar, deste período da regência trina, a
lei de 16 de junho, que manteve nesta província as 70 escolas de primeiras
letras então existentes (entre as quais 7 eram para meninas) e criou mais 94
outras, das quais 7 para meninas. A província da Bahia ficava, assim, com
164 escolas de primeiras letras, 150 para meninos e 14 para meninas,
ampliando a sua rede escolar. (NUNES, 2008, p.129).
34
O Ato concedia às Assembléias Legislativas Provinciais, entre outras atribuições, a autonomia para legislar
“sobre a instrução pública e estabelecimentos próprios a promovê-la” (art. 10, item 2) com exclusão das escolas
superiores então já existentes e de outros estabelecimentos de qualquer tipo ou nível que, para o futuro, fossem
criados por lei geral. Para maiores esclarecimentos ver: TANURI. Leonor Maria. História da formação de
professores. Revista Brasileira de Educação, n.14, maio-ago, 2000.
62
Nas camadas populares não havia cogitação da necessidade ou importância da instrução
feminina e quando realizada entre as mulheres de elite, estas recebiam em graus variados uma
educação doméstica. Ainda que pretendida, o fim último da educação feminina era o de
preparar as mulheres para atuar nesse espaço. Para elas foram destinados saberes condizentes
com a função social que exerceriam na sociedade, seja como mães de família ou, mais tarde,
como preceptoras das gerações futuras, expressão tão usada a partir da segunda metade do
século XIX. Como bem destaca Jane Soares de Almeida:
A educação das meninas, apenas a partir do século XIX, foi confiada a
colégios particulares e, no Brasil, sempre foi vista com descaso pelas
famílias, pela sociedade e pelo poder público. Nas casas mais abastadas as
jovens recebiam de professores particulares algumas noções elementares,
mas dedicavam-se, sobretudo às prendas domésticas e à aprendizagem de
boas maneiras. Mesmo essas moças privilegiadas tinham reduzido acesso à
leitura, pouco ou nada sabiam de história ou geografia, possuíam vagas
noções de literatura e cálculo, dedicavam-se mais à aprendizagem de uma
língua, de preferência o francês, vivendo nos limitados horizontes
domésticos, aguardando o casamento que deveria ser sua suprema aspiração
e para o qual eram preparadas por toda a vida. (ALMEIDA, 1998, p. 55-56).
Mas os tempos mudavam e, como mencionamos, a aspiração pelo progresso e
modernização do país estimulou algumas práticas, estas quando não provocaram efetivas
alterações tornaram-se substanciais para o delineamento de novas demandas e necessidades,
novos valores e padrões de comportamento. Temas candentes aquietavam a sociedade
brasileira, a saber, o conflito entre Estado e Igreja Católica iniciado no Império, resultando na
separação de ambos na República; a extinção da escravatura; a afirmação do projeto de
imigração; a urbanização e a penetração do capitalismo industrial; novas perspectivas de
trabalho, de espaços culturais e novas elites econômicas. Em seu conjunto, estes elementos
caracterizaram a viragem do século XIX para o século XX.
Diante das demandas, o imperativo de adequar-se aos “novos tempos” se constituía para
o país e as elites criaram dispositivos e estratégias no intuito de apresentar transformações nas
práticas sociais, mesmo que estas se expressassem muito mais na aparência do que na
essência. É assim que várias políticas públicas são instituídas para setores importantes, como
urbanismo, saúde e educação revelando a pretensão dos estados brasileiros em alterar os
modos de vida da população.
63
Nesse período, a transição de uma sociedade rural-agrícola para urbano-industrial toma
rumo, dinamizada, principalmente, pelas conquistas industriais e financeiras do Sudeste, pois,
o modelo de sociedade escravocrata e predominantemente rural do Nordeste não se abalou de
imediato. Na verdade, a Bahia, chega ao final do século XIX apresentando um quadro de
estagnação em diversos âmbitos. Antigo centro político e econômico do país predominante no
período colonial, a província baiana perde o prestigio e cede lugar para o Sudeste que desfruta
do auge alcançado no setor da economia. Como analisa Quadros:
No último quartel do século XIX, a Bahia tinha uma economia de
exportação diversificada, baseada no açúcar, cacau, fumo, café e algodão,
mas para nenhum desses produtos havia suficiente demanda que impedisse a
estagnação geral da economia baiana (QUADROS, 1977, p.8).
Assim, quanto à urgência de adequar-se aos “novos tempos”, a Bahia não logra êxito,
chegando às primeiras décadas do século XX com um cenário marcadamente rural, dispondo
de algumas escolas, poucas fábricas e oficinas, muito aquém das exigências de uma sociedade
que se pretendia moderna. Com isso, o modelo de economia permanece o mesmo e a
República que trazia novos estímulos à prosperidade se efetiva com mais brevidade no Rio de
Janeiro e em São Paulo.
Márcia Leite (1997, p.75) aponta que a integração da tradicional Salvador nesse
processo de vencer o atraso social (como se supunha naquela época), aconteceu lentamente e
contou com empresários mais dinâmicos e progressistas, associados a grupos políticos locais,
que conseguiram viabilizar seus interesses e direcionar os seus investimentos para a cidade.
Por outro lado, a autora destaca que “o universo mental baiano era um dos obstáculos à
modificação dos hábitos e à implementação das reformas; do mesmo modo que a família,
organizada segundo laços de solidariedade e de personalismo, impedia a ingerência de
qualquer poder estranho à sua esfera”.
Em meio a alterações e permanências, o final do século XIX e início do XX assistiu a
certo movimento intelectual e ideológico de idéias sobre federalismo, democracia e educação
para todos. Idéias positivistas e liberais advindas do meio intelectual nortearam o pensamento
de se construir um país livre do regime de trabalho escravo e da arcaica estrutura jurídico-
política da Monarquia. Nesse sentido, em resposta às mudanças da sociedade, os debates
giraram em torno da organização de um sistema nacional de ensino, com base em propostas
de leis ou na criação de escolas. Emergia a tendência de considerar a escola como solução
para os diversos problemas enfrentados pela sociedade.
64
2.2.1. Espaços para a escolarização feminina
No bojo das mudanças preconizadas pela necessidade de progresso e modernização da
sociedade brasileira, vale ressaltar que a demanda pela escolarização feminina ganha maior
importância. À mulher vincula-se a higienização da família, a boa conduta das futuras
gerações e como diz Almeida (1998), “a beleza e bondade que deveriam impregnar a vida
social”. Com efeito,
Um grande esforço teve que ser feito no sentido de enquadrar, por meio de
normas, as condutas femininas, demarcar o "lugar da mulher" e definir
claramente que tipo de mulher seria alvo do respeito social. Médicos,
juristas, religiosos, professores e demais autoridades preocupados com a
ordem pública alegavam questões de moralidade e uniam-se no coro das
vozes hegemônicas a esse respeito. A imprensa como caixa de ressonância,
dedicava-se a descrever os contornos da “mulher ideal” do novo século.
(PINSKY, 2012, p. 472).
Como observamos levou um longo período para que a inserção das mulheres nos
processos formais de educação se realizasse. Além disso, este acesso ocorre lento e
gradualmente, expresso não somente no número reduzido de escolas para meninas como
também na dissimetria sexual da seleção dos saberes para formá-las. Contudo, para além
desses fatores mais aparentes, é preciso não perder de vista que no cerne do direito de acesso
das mulheres ao mundo das letras, estão as mudanças do tempo, os conflitos e demandas
sociais, políticas e econômicas, mas, também, a permanência de um olhar que via a instrução
feminina com desconfiança.
Diríamos, com base em algumas palavras de Simone de Beauvoir (1949, apud Perrot,
2003, p.21) que esses contornos da “mulher ideal” emergiram da construção sociocultural da
feminilidade alicerçada nas características de “contenção, discrição, doçura, passividade,
submissão (sempre dizer sim, jamais não), pudor, silêncio. Eis as virtudes cardeais da
mulher”. Deste modo mais do que instruir o propósito seria educá-las. Afinal, a instrução é o
acesso ao saber: tem alguma utilidade?
O século XIX responde que não para as meninas do povo e dá um sim
reticente e bem dosado para as da alta sociedade. A educação, pelo contrário,
que é a formação dos bons hábitos e produz boas esposas, mães e dona de
casa, parece essencial. As virtudes femininas de submissão e silêncio, nos
comportamentos e gestos cotidianos, são centrais nela. (PERROT, 2003,
p.21).
65
Nada obstante, a entrada das mulheres na educação se deu atrelada ao crescimento da
demanda pela alfabetização da população brasileira como foi estimulada pela necessidade de
criação de escolas especializadas para a formação de professoras/es – as Escolas Normais -
espaços escolares aos quais coube a formação especializada de homens e mulheres para o
exercício da docência do ensino primário. De acordo com Nóvoa (1991, p.18) “as escolas
normais estão na origem de uma verdadeira mutação sociológica do corpo docente: o ‘velho’
mestre-escola é substituído pelo ‘novo’ professor de instrução primária”.
Como parte da história da profissão docente, Araújo et al (2008) pontua que tais
instituições podem ser pensadas em relação a essa discutida e discutível profissionalização.
Assim “a construção desta profissionalização, em sentido moderno, já ultrapassa quinhentos
anos. Historicamente, é uma profissão que passou pela regulação religiosa entre os séculos
XV e XVIII, e a partir do século XIX tem sido dominantemente regulada pelo Estado”.
Grosso modo,
Ao largo dessa longa construção histórica, a busca por sua razão de ser, em
sentido fundante, enveredou por ideologias, representações e utopias das
mais diversificadas, passando, por exemplo, pelo exercício profissional
docente vinculado concepcionalmente ao exercício do sacerdócio, pela
defesa da educação pública como vantajosa em relação à educação
doméstica, pela defesa da disciplina como central no processo da educação
escolar, pela defesa da educação fundada na liberdade, pela necessidade da
educação integral, pela sustentação da educação como reconstrução da
experiência, etc. (ARAUJO et all, 2008, p. 13)
Nas conclusões de Leonor Tanuri (2000, p. 62), a origem dessas escolas aqui no Brasil
procede de elos mantidos com o processo de institucionalização da instrução pública no
mundo moderno, isto é, com a implementação de idéias liberais de secularização e extensão
do ensino primário a todas as camadas da população. Mas, de fato, é com a adesão dos
princípios da Revolução Francesa, que se consolida a idéia de uma escola normal a cargo do
Estado destinada a formar professores leigos. Idéia essa que encontraria condições favoráveis
no século XIX quando paralelamente à consolidação dos Estados Nacionais e à implantação
dos sistemas públicos de ensino, multiplicaram-se as escolas normais.
A lei de 15 de outubro de 1827 já havia estabelecido critérios para selecionar
professores/as, mas, a fundação dos primeiros espaços voltados para a formação de docentes
no Brasil tem como marco o ano posterior ao Ato Adicional de 1834 com a criação da
primeira Escola Normal no Rio de Janeiro (1835). A segunda foi na Bahia (1836), a terceira
em Cuiabá (1842) e a quarta em São Paulo (1846). Estas Províncias/Estados dão inicio à
66
trajetória da escola de formação de professoras/es para a instrução primária no Brasil, e por
outro lado, inauguraram um período de aberturas e de sucessivos fechamentos de algumas
dessas escolas, os quais aconteceram à mercê da instabilidade política e econômica própria da
fase oitocentista e das primeiras décadas do século XX.35
O nome da escola, inclusive, guarda elos com a Europa, em especial com a França.
“Seguiu o modelo francês, inspirando-se em Joseph Lakanal, autor do projeto de 1793 da
escola normal de Paris, que tinha essa denominação ligada ao latim norma, regra, porque
deveria servir de tipo, de modelo, de regra ou norma para as demais que viessem a fundar”.
(CASTANHO, 2007, p. 46).
Assim, a Bahia foi a segunda província a criar a sua Escola Normal através da Lei nº 37
de 14 de abril de 1836. Izabel Villela Costa (1988), na sua Dissertação de Mestrado, ao
desenvolver uma investigação acerca da história da política governamental de formação de
professores primários, com base no estudo da criação e instalação da Escola Normal baiana,
no período de 1836 a 1862, destaca que a ação se deu no intuito de aparelhar-se para o
exercício da autonomia concedida às Províncias pelo Ato Adicional de 1834 e de dar inicio à
política baiana de oferta do ensino primário. Não obstante as dificuldades para a implantação
das Escolas Normais de um modo geral, “não é sem fóros de veracidade que já se tem dito
que das Províncias do Brasil, foi a Bahia que creou e manteve a primeira Escola Normal”.
(FRANCA, 1936, p.3).
De fato, a Escola Normal da Bahia teve um funcionamento contínuo, porém, a sua
implantação só ocorreu em 1842, segundo Costa (1988) motivada, em parte, pelas medidas
estabelecidas na Lei de criação da escola quanto ao seu funcionamento. Sobre as possíveis
explicações para este intervalo de seis anos entre criação e inicio das atividades do curso
normal, falaremos no próximo capítulo. Além do exposto, a Lei que deu origem a escola fez
menção à formação de professoras, no entanto, tal formação ficaria a cargo de um “curso
especial”. Então, aqui se constitui o início da trajetória da formação das mulheres para o
magistério baiano, mediante um espaço destinado exclusivamente para este fim.
Outros espaços foram criados para educar as meninas, principalmente, a partir do final
do século XIX. Após a proclamação da República, no governo de Manoel Victorino Pereira,
35
Ver: ARAUJO, J. C. S.; FREITAS, A. G. B. (ORGS). As Escolas Normais no Brasil: do Império à
República. Campinas. SP: Alínea, 2008
Ver: ROCHA, Lúcia Maria da Franca. A Escola Normal na Província da Bahia. In. ARAUJO, J. C. S.;
FREITAS, A. G. B. (ORGS). As Escolas Normais no Brasil: do Império à República. Campinas. SP: Alínea,
2008, p. 47-60.
67
emite-se o Ato de 31 de dezembro de 1889, cujo artigo 1°consagrava a liberdade à iniciativa
privada para abrir e manter escolas do ensino primário e secundário no estado da Bahia.
Assim, surgem outros espaços de escolarização feminina, sobretudo, para as meninas de
classe média, a medida que colégios e educandários particulares ou equiparados aos cursos
oficiais são implantados. Márcia Leite (1997) nos fornece informações a partir de uma análise
profícua, da qual nos valeremos em alguns momentos.
Segundo a autora, alguns colégios em Salvador se especializaram na preparação
exclusiva de meninas e moças oferecendo cursos infantis, primários e até secundários em
regime de internato ou externato. Entre os dirigidos por professoras particulares e irmãs
religiosas tiveram destaque os colégios Nossa Senhora das Mercês, Nossa Senhora da
Soledade, Nossa Senhora do Salete, Oito de Setembro, Educandário do Sagrado Coração de
Jesus e o Instituto Feminino da Bahia.
Havia, também, o Instituto Maria Auxiliadora dirigido por Amélia Rodrigues,
professora e fundadora da revista A Paladina, sobre a qual falaremos mais adiante. O Instituto
foi instalado na Baixa do Bonfim e recebia alunas internas, semi-pensionistas e externas. 36
Outra opção para as meninas de famílias aquinhoadas foi o Educandário do Sagrado
Coração de Jesus, fundado no início do século XX. Instituição de prestigio em Salvador-
Bahia, cujo objetivo da formação oferecida às meninas consistia na educação moral, religiosa,
física, intelectual e doméstica. Vale destacar, ainda, que este estabelecimento, além do seu
objetivo principal, agregou às suas práticas a função de preparar as moças para os exames de
admissão no curso do Instituto Normal até que o mesmo foi equiparado ao Instituto Normal
da Bahia em 19 de agosto de 1909 com o decreto de n° 613.
Esses estabelecimentos desfrutavam de grande prestígio e representavam para as
famílias das jovens um espaço próprio e seguro para a sua formação. A reclusão sob
vigilância e a educação oferecida asseguravam às famílias a aquisição de mulheres que
dispunham de princípios conforme o padrão desejado. Elizete Passos (1995, p. 232), dá
noticias sobre o Colégio Nossa Senhora das Mercês, este além de exigir polidez e aplicação
nos estudos determinava hábitos e normas de comportamento para as educandas. Vejamos
algumas:
Não trazer para o colégio, sem licença das mestras, livros, romances, jornais,
revistas, partituras musicais etc.; Não receber das externas nem por elas
36
Na Revista A Paladina do Lar, Bahia, anno II, n ° 3, mar. 1911, traz na contracapa uma propaganda do colégio
constando tais informações.
68
mandar recados, cartas, bilhetes etc. sem licença da Mestra de Divisão; As
alunas não atendem ao telefone; Não se retirar do colégio, sob qualquer
pretexto, sem a devida licença. Não usar termos ambíguos, palavras livres ou
conversas e escritos contra a fé ou contra a moral. (PASSOS, 1995, p. 232).
O Colégio das Mercês foi implantado no ano de 1897, oferecendo cursos em regime de
externato e internato, sob a orientação de freiras Ursulinas de origem francesa que chegaram à
Bahia em 1895 com o objetivo de revitalizar o Convento Nossa Senhora das Mercês. Dois
anos mais tarde inicia-se a ação do Convento no campo da educação formal, oferecendo
cursos primário, ginasial e secundário (este só veio a funcionar em 1926). No que tange ao
ensino primário, ensinavam Leitura, Escrita, Caligrafia, Contabilidade, Gramática, Francês,
Noções de Geografia, História Sagrada, Catecismo e Prendas domésticas. Os cursos eram
freqüentados por moças das camadas economicamente privilegiadas de Salvador e do
Recôncavo Baiano. Para as meninas das camadas populares funcionava a escola Santa
Ângela, anexa ao colégio, fundada em 1899 com fins assistencialistas. (Ibid., 1995).
Quanto ao curso secundário público feminino, segundo dados levantados por Sara Dick
(2001, 2007), referente à sua origem e implantação, tal fato ocorreu ainda no século XIX,
mais precisamente, em 1883, anos após o funcionamento do ensino público secundário
masculino já instalado desde 1836. O curso iniciou as suas atividades contando com o auxilio
de senhoras da sociedade baiana que exerceram a docência neste estabelecimento
voluntariamente. A implantação do curso se deu sob condições passiveis de criticas,
indicando, como diz a autora, a instabilidade política vivida na província do final do século
XIX, responsável, em grande parte, pelas condições adversas da educação secundária pública
feminina e pela expansão de instituições particulares de ensino.
No que diz respeito ao contexto da criação desse curso para as mulheres, a autora
pontua que tal intencionalidade “não se resumia simplesmente na generosidade do Diretor
Geral e dos demais legisladores. Por trás desta suposta conscientização verificamos, com o
acompanhamento de fontes primárias e secundárias, o caráter ideológico que perpassa o
referido ensino”. E continua apresentando algumas ressalvas sobre o assunto dizendo que:
As últimas décadas do século XIX apontam para a necessidade de educação
da mulher, vinculando-a à modernização da sociedade, à higienização da
família e à construção da cidadania dos jovens. A preocupação em afastar do
conceito de trabalho toda degradação que lhe era associada por causa da
escravidão e em vinculá-lo à ordem e progresso levou os condutores da
sociedade a arregimentar as mulheres das camadas populares. Nesse
contexto, em 1883, é implantado o primeiro curso secundário público
feminino na Bahia, confirmando um estatuto marcado pelas prendas
69
domésticas e legitimado por uma política influenciada pelos ideais
positivistas. É neste contexto que o curso foi aberto no dia 1º de maio de
1883, havendo 12 professoras lecionando gratuitamente para 39 alunas
matriculadas. (DICK, 2007, p.21). 37
Deste modo, o ensino secundário público, nível que antecedia o superior, caracterizou-
se como um ensino predominantemente masculino. Márcia Leite (1997, p. 88), fornece alguns
dados elaborados por Gelasio de Abreu Farias e Francisco da Conceição Menezes(1937),38
sobre o número de matrículas no ensino secundário a partir da criação do Ginásio da Bahia,
que passou a abrigar o curso sob a determinação da Lei n. 117 de 24 de Agosto de 1895.
Através desses dados, observamos que a matrícula de mulheres no Ginásio da Bahia chega a
ser inexiste de 1896 a 1899. E de 1900 - quando apresenta apenas 4(1,7%) matriculas
femininas para 233(98,3%) matrículas do sexo masculino - até 1930 com 682 (79%)
matrículas de homens para 181(21%) de mulheres- se mantém inferior por todo o período da
chamada Primeira República. Por outro lado, observa-se que o número de mulheres no quadro
de alunos se eleva um pouco mais a partir de 1920, dois anos após a instituição da cadeira de
pedagogia que sob a lei n° 1.293 de 1918 permitia às bacharelas o exercício do magistério.
Talvez este dado possa ser considerado como parte da explicação para o aumento do número
de matrículas femininas neste curso.
Outra questão que emerge da história da educação no Brasil é a inserção no nível
superior. Inútil dizer que este nível de ensino por muito tempo foi ocupado por homens
oriundos de famílias abastadas. Segundo Katia Mattoso (1992, p. 204), em 1808 foi fundada a
Faculdade de Medicina da Bahia, a primeira do Brasil e em 1877 a Escola Superior de
Agricultura e a Academia de Belas-Artes. Em 1891 foi criada a Faculdade de Direito e a
Escola Politécnica em 1895.
Ainda citando Márcia Leite (1997, p. 89-90), vale ressaltar que mesmo com a abertura
das instituições de nível superior no país às mulheres a partir de 1879, não foi sem
37
Para saber mais sobre a origem e implantação do ensino secundário público masculino e feminino ver: DICK,
Sara Martha. O Ensino Feminino na Bahia e as Políticas Públicas (1883-1930). In. MACEDO, Roberto
Sidnei(et al.). Educação, tradição e contemporaneidade: tessituras pertinentes num contexto de pesquisa
educacional. Salvador: EDUFBA, 2007, p. 15-33.
DICK, Sara Martha. A Origem da Política Pública do Ensino Secundário na Bahia : o liceu provincial,
1836-1862. Dissertação de mestrado, Salvador, Mestrado em Educação/UFBa, 1992.
DICK, Sara Martha. As Políticas Públicas para o ensino Secundário na Bahia no Século XIX- O Liceu
Provincial. 1860 a 1890. Salvador. 2001. Tese de Doutorado. Faculdade de Educação. Universidade Federal da
Bahia; 38
Gelasio de Abreu Farias & Francisco da Conceição Menezes. Memoria historica do ensino secundario
official na Bahia, durante o primeiro século, 1837-193. (Bahia, 1937), pp. 96-97.
70
dificuldades que as pioneiras baianas enfrentaram o curso superior em Salvador. Segundo a
autora, a faculdade de Medicina “continuava a matricular majoritariamente os jovens recém
saídos dos cursos secundários e, em termos comparativos, podemos observar que, no espaço
de sessenta anos, para um conjunto de 3.979 homens, apenas 117 mulheres se diplomaram”. 39
Sem falar no famigerado curso de Direito, “onde só no ano de 1911 diplomou-se uma mulher
bacharel, Marietta Guimarães”. (Ibid. p. 93).
O quadro abaixo fornece dados sobre o lento processo de inserção das mulheres em
algumas profissões. É evidente a predominância feminina no Magistério, fato que já se
processava entre final do século XIX e início do século XX. Nesta época a feminização, não
somente identificada no exercício da profissão como no número de matriculas do curso
normal, configurava-se como uma realidade em diversos províncias/estados, inclusive, na
Bahia.
PROFISSÕES LIBERAIS EM SALVADOR. 1920
Especificações Mulher Homem
Quant. % Quant. %
Religiosas 145 6,5 219 5,9
Judiciárias 4 0,2 568 15,4
Médicas* 229 10,2 942 25,5
Magistério 1644 73,3 372 10,1
Ciências, Letras e
Artes 220 9,8 1589 43,1
TOTAL 2242 100 3690 100 Fonte IBGE - Censo de 1920. Citado por LEITE, Marcia M. da S. B. Educação, Cultura e Lazer das
Mulheres de Elite em Salvador (1890-1930). Dissertação de Mestrado. Universidade Federal da Bahia,
Salvador, 1997, p. 94.
*Aí incluídos cirurgiões, farmacêuticos e parteiras.
Portanto, ainda que as mulheres desejassem mais do que educar-se para os papéis a elas
atribuídos naquela época, os caminhos para uma instrução escolar/ profissional apresentava-se
apenas delineado e bastante restrito, em especial para as jovens de poucos recursos. Além da
desigualdade presente na oferta da educação conforme critérios de classificação social e
econômica havia, também, a divisão sexista, agravada com o impedimento da co-educação,
que dificultava o acesso das mulheres a outros níveis de ensino para além do primário e do
curso normal.
39
Uma das pioneiras no exercício profissional da prática médica na sociedade baiana, Francisca Praguer Fróes.
Foi a quinta mulher a se diplomar na escola de Salvador. Diplomou-se em 1893. Para saber mais: RAGO,
Elisabeth Juliska. Outras falas: feminismo e medicina na Bahia (1836-1931). São Paulo, Annablume/Fapesp,
2007.
71
Ora, à revelia dos debates que situavam a necessidade de escolarizar a grande massa de
analfabetos40
, as iniciativas seguiram a estrutura política verticalizada priorizando os níveis de
ensino formadores das elites condutoras do país. Embora a desagregação do governo Imperial
e o advento do regime republicano representassem um movimento de idéias democráticas e
federalistas, o novo regime assume a forma de um Estado oligárquico, submetido à lógica dos
interesses dos grupos dominantes das regiões de hegemonia econômica e política, alcançada
pelo cultivo e exportação do café e através da “política dos governadores”. Assim, a
organização e implantação da instrução pública no país foram marcadas por disparidades
entre os estados, dado até mesmo a conservação da descentralização do Ato de 1834 na
Constituição de 1891.
Os primeiros anos da República mantêm e até aprofundam a dualidade que deixava aos
Estados o encargo de prover o ensino primário e profissionalizante, dirigido à população
pobre, e reservava ao governo federal a educação da classe dominante, isto é, o ensino
secundário e superior. Verifica-se, então, a pouca atenção dada à instrução primária e a
permanência de um sistema educacional elitista. Conforme Fernando de Azevedo:
É, como se vê, a anarquia que se estabeleceu no ensino do país, com essas
descentralizações que, além de reduzirem as possibilidades de um sistema de
educação nacional, deixavam a mercê das políticas nacionais e orçamentos
locais a educação primária que reside à base de toda organização
democrática do ensino. A Constituição (...), quebrou a unidade do ensino
público e anarquizou-o, por subordiná-lo a interferências diversas e
contingências, dependentes até da situação econômica das diversas
circunscrições da República (AZEVEDO, 1976, p.119).
Com efeito, a insuficiência de recursos aliada à má administração dos governantes
revelaram um período fértil em Leis, mas, desprovido de escolas que atendessem, de fato, as
demandas da democratização da educação primária para as camadas populares da Bahia. Não
foram poucas as dificuldades que perpassaram a oferta deste nível de ensino para o povo.
Apesar da criação de escolas, as matriculas não correspondiam ao número da população em
idade escolar assim como alunos e professoras/es sofriam com a carência extrema de prédios
escolares, mobília escolar, materiais de ensino. Muitos Relatórios foram expedidos por
Inspetores dos diversos distritos escolares apresentando suas impressões ao realizar as visitas
nas escolas. O Inspetor Aloysio Lopes do 4º distrito assim dizia:
Não sei como se póde leccionar com prazer intimo e interesse crescente, sem
hygiene na casa, sem mobília, sem compêndios, sem lousas para o
40
Segundo Vieira e Farias (2003, p. 67), o período Imperial termina e apenas 10% tinham acesso à escola. Ver:
VIEIRA, Sofia Lerche; FARIAS, Isabel Maria Sabino de. Política educacional no Brasil: introdução
histórica. Brasília, Plano Editora, 2003.
72
enunciado e desdobramento de problemas mathematicos, sem mappas para a
comprehensão duradouras das lições de geographia! (LOPES, 1894, p. 3).
Por outro lado, concomitante às escolas, por muito tempo as aulas funcionaram em
residências isoladas e de condições físicas e higiênicas comprometedoras. Essas aulas eram
ministradas por uma/um professor/a que não raro custeava o aluguel desses espaços com o seu
próprio salário e cada um/a desenvolvia o seu trabalho da forma mais conveniente. Márcia
Leite (1997) apresenta alguns anúncios dos serviços oferecidos por professoras ou jovens
recém-formadas, divulgados em Jornais. Posterior ao nosso recorte temporal esses anúncios
ainda eram comuns, como mostra a autora:
Uma senhora, não identificada, "com pratica de ensino propõe-se a leccionar
prendas tanto em collegios como em casas particulares".41
Outra professora
diplomada oferecia-se para ensinar "as materias primarias com noções de
francez" e preparar "candidatas à escola Normal, em sua residencia".42
Algumas mulheres se esforçavam para demonstrar a sua atualização em
matéria pedagógica, tentando com isto conseguir mais alunos: “Uma
professora offerece os seus serviços profissionaes, com o emprego do
methodo intuitivo, tanto no curso infantil, que acaba de iniciar em sua
residencia, à travessa das Mercês n. 96 como em casas de família”.43
O quadro exposto expressa o conteúdo contraditório do pensamento educacional da
época, pois ao tempo em que vislumbrou a necessidade de expansão ou extensão da escola
primária manteve sua principal característica elitista e dualista. Além disso, o período
republicano que trouxe os primeiros traços de uma política educacional estatal, não significou
a perda definitiva da influência da Igreja na educação brasileira. Apesar da laicidade do
ensino preconizada pela Constituição de 1891(art. 72, nº 6), as escolas regidas segundo as
concepções católicas continuariam a se expandir, dominando, até mesmo, as próprias escolas
públicas apesar da supressão do ensino religioso.
É diante dessas circunstâncias que as mulheres ingressaram no curso de formação para a
docência, contribuindo decisivamente no processo de constituição do ensino primário por
meio da criação de redes públicas de ensino. Com a feminização em curso na Escola Normal
da Bahia a partir da segunda metade do século XIX e já bem evidente no período da nossa
pesquisa, é de suma importância construir o relato do processo pelo qual se constituiu os
saberes para a formação das professoras do ensino primário na dinâmica da sociedade da
época.
A autora extraiu tais anúncios dos seguintes jornais: 41
Diário de Notícias, 03/10/1914, p. 7. 42
A Tarde, 15/04/1918, p. 5. 43
A Tarde, 06/03/1918, p. 3.
73
CAPITULO 3
SABERES VEICULADOS NA FORMAÇÃO DAS MULHERES BAIANAS PARA
PROFESSORAS NA VIRAGEM DO SÉCULO XIX PARA O SÉCULO XX
O caminho que trilhamos até aqui se mostrou necessário para pensarmos as relações
entre a condição feminina de um modo geral e, em especifico, das mulheres baianas, em meio
às representações historicamente construídas e as definições socioculturais das posições, dos
espaços de socialização e das formas de educação/instrução das mulheres entre o século XIX
e início do século XX. Acreditamos que neste percurso possamos elucidar questões em torno
das práticas que emergiram dessas representações como, por exemplo, a veiculação de saberes
na formação escolar/profissional das mulheres para o magistério.
Com efeito, o interesse por tais saberes se insere num movimento de compreensão dessa
formação no seu processo de constituição histórica, especialmente, no contexto do período
priorizado neste trabalho, fase de transição e implantação de um novo regime político, ou seja,
a República, que traz no bojo das mudanças preconizadas a necessidade do “novo”, do
“moderno”, do “civilizado” em oposição a tudo que lembrasse o “arcaico”, “o atrasado”, o
“incivilizado”. Assim, entre as representações e práticas construídas, a educação escolar
pública como um instrumento impulsionador para a transformação social junto à formação de
professoras/es, segundo os novos ideais, assumem destaque.
Dessa forma, é importante reconhecer neste tempo que demarca o recorte temporal
desta pesquisa, um espaço, a Escola Normal da Bahia, ao qual coube a formação das mulheres
para o magistério. Torna-se oportuno, então, perscrutar as normas construídas pelas políticas
públicas para a formação de professoras/es no período em tela, ainda que saibamos que nem
sempre o que é preconizado em lei se efetiva, de fato, nas escolas. Mas, como diz Dominique
Julia (2001, p. 19), “os textos normativos devem nos reenviar as práticas”. Assim, com base
nas representações construídas sobre as mulheres ao longo do tempo, cotejaremos tais
prescrições legais que nortearam o curso oferecido pela Escola Normal da Bahia com os
vestígios encontrados em Relatórios oficiais e nas poucas vozes de professoras/es,
74
Torna-se oportuno, os caminhos apontados por André Chervel (1990) e Dominique Julia
(2001), no sentido de enxergar o papel ativo e criativo desempenhado pelas instituições
escolares ao produzirem elas próprias uma cultura escolar, entendida pelo historiador Julia
(2001, p.10) como um conjunto de normas que instituem os saberes a serem ensinados e as
condutas a serem inculcadas bem como um conjunto de práticas que deverão possibilitar a
transmissão desses saberes e a incorporação desses comportamentos, tais normas e práticas
são orientadas por finalidades específicas que variam segundo as épocas (finalidades
religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização).
Essas finalidades serão algumas das vias condutoras da abordagem deste capítulo, tendo
em vista, colocar esses saberes em relação com as finalidades às quais eles foram atribuídos.
Assim, iniciaremos a nossa abordagem sobre os primeiros tempos da Escola Normal da Bahia
para situar o processo de entrada e permanência das mulheres no curso normal a partir das
normas e finalidades que o conduziram desde a sua origem.
3.1. Primeiros tempos da Escola Normal da Bahia: um espaço que se feminiza
Como mencionamos no capítulo anterior, a formação de professoras/es a partir de
instituições específicas teve início no Brasil nas primeiras décadas do século XIX com o
movimento de criação das Escolas Normais – escolas destinadas a formar professores/as para
atuar nas classes de séries iniciais. Assim, no ano de 1836, o governo provincial baiano cria a
sua Escola Normal, com a lei nº 37 de 14 de abril junto à criação do Liceu Provincial (Ginásio
da Bahia), com a Lei nº 33 de 9 de março.
A criação da Escola Normal da Bahia decorreu da política baiana de instrução pública
que sob as demandas do Ato de 1834 buscou formar professoras/es para garantir a oferta do
ensino primário. Mas, como já foi pontuado, as atividades do curso vieram acontecer somente
em 1842. A título de ilustração, o Liceu foi instalado em setembro de 1837, no ano posterior à
Lei de criação das duas escolas.
75
Segundo Izabel Villela Costa (1998), enquanto o Liceu foi criado para reunir as cadeiras
de "estudos maiores" então existentes, acrescidas de outras julgadas necessárias ao ensino
secundário, à Escola Normal caberia a viabilização da oferta de ensino primário por meio da
formação de docentes. Desse modo, a Província iniciou a organização do seu sistema de
ensino com base em finalidades distintas e culturas escolares opostas (cultura primária
oriunda da instrução do povo e a cultura secundária do ensino voltado para as elites).
Apesar desses seis anos de espera para que as aulas do curso normal tivessem inicio,
vale ressaltar, mais uma vez, que a Bahia manteve o funcionamento deste curso desde a sua
origem, ao contrário das demais províncias, cujas Escolas Normais tiveram seu
funcionamento interrompido.
Sobre esta questão Alípio Correia da Franca
(1936, p. 3), abordou um trecho do Relatório do
primeiro Diretor Geral de Estudos da Bahia, Dr.
Cacimiro de Senna Madureira, onde dizia: “em
1835, foi creada uma Escola Normal no Rio de
Janeiro e depois foi suppressa por não terem della
colhido os fructos que se esperavão”.
Na tentativa de explicar a demora para a
instalação do curso normal baiano, Izabel Villela
Costa(1998), indica, que o hiato de seis anos, pode,
em parte, está ligado às medidas estabelecidas pela
própria Lei de criação, quanto ao seu
funcionamento. Segundo esta Lei, dois professores
teriam que ir à França para aprender o método
teórico e prático do Ensino Mútuo, a ser ensinado
na Escola Normal. Deste modo, a necessidade
desta viagem condicionava o início das aulas ao
retorno dos professores.
Figura 1: Prof. Alípio Correia da Franca, Diretor
em impedimentos nos anos de 1931, 1932, 1934 e
1935; escreveu alguns livros sobre Pedagogia;
memorialista da Educação Normal na Bahia.
Fonte: TELES, J.F. de Memória Fotográfica -
Diretores da Escola Normal da Província da Bahia
(1836 a 1889) In.___ notícia histórica da instrução
na província da Bahia. (1836 a 1936). Salvador:
EGBA, 2003. p. 109
76
Outra pendência foi a necessidade da
elaboração de um regulamento, o qual só
veio a ser efetivado em 1842. Somado a isto,
o Art. 8º, determinava a construção de um
edifício para a escola ou a alocação de um
espaço conveniente. Contudo, a autora expõe
não ter encontrado nas fontes oficiais ou nos
relatos de Alípio Franca (1936), autor citado,
argumentos convincentes para esta lacuna de
seis anos entre as duas decisões.
No que concerne a inauguração da Escola Normal baiana, Alípio Franca (1936), dá
notícias:
Somente a 7 de outubro de 1841, com a assistência das autoridades civis e
militares, director e professores do Lyceu, director e professores da Escola
Normal, professores primários e pessoas de destaque, realizou-se a
inauguração da Escola, cujo acto de effectuou no Theatro São João, sob a
presidencia do Dezembargador Joaquim José Pinheiro de Vasconcellos,
Presidente da Província, o qual foi mais tarde, Visconde de Mont’ Serrat e
que, cumprindo a disposição do Art. 21 da Lei 37 citada, decretou, a 20 de
janeiro de 1842, o primeiro Regulamento para a escola, cujas aulas tiveram
inicio a 26 de Março do mesmo anno. (FRANCA, 1936, p. 13).
Posto isso, “a Escola Normal da Bahia foi instalada no Distrito da Sé, em prédio
alugado, localizado na esquina da Rua 3 de maio. Nesse mesmo endereço, instalou-se o
Conselho de Instrução Pública, ao ser criado em 1842, em um dos seus gabinetes”.(COSTA,
1998, p. 26). Ainda de acordo com Costa (1988), apesar da escola não iniciar as suas
atividades em prédio próprio, contou com uma boa localização na sua inauguração já que o
Distrito da Sé era considerado como uma parte privilegiada de Salvador, na época
denominada como o “pulmão administrativo da cidade”.
Figura 2: Busto do Dr. João Alves Portella, primeiro Diretor da
Escola Normal (1842 a 1859) Ele e Manuel Correia de Garcia
pioneiros que fizeram Curso Especial na Universidade de Paris,
França - Fonte: TELES, J.F. de Memória Fotográfica - Diretores
da Escola Normal da Província da Bahia (1836 a 1889) In.___
notícia histórica da instrução na província da Bahia. (1836 a
1936). Salvador: EGBA, 2003. p. 95
77
Assim, para a admissão na Escola Normal exigia ser maior de 16 anos; ter sido
aprovado em aula primária e apresentar prova de bom comportamento. E quanto ao curso, de
acordo com o Art. 2º da Lei, seria feito em dois anos e compreendia as seguintes cadeiras:
1º cadeira: Ensino Mútuo, na qual se ensinaria o referido método
2º cadeira: leitura da caligrafia; aritmética; desenho linear; princípios da religião cristã;
gramática filosófica da língua portuguesa.
Além do exposto, o Art. 17 estabelecia que “o curso para mulheres limitar-se-ia às
matérias do primário, mais o desenho linear e as prendas domésticas”.
A Lei de criação do Ensino Normal da Província da Bahia, a partir das suas
determinações nos leva a afirmar que a instituição foi criada com o objetivo principal de
formar mais homens para o magistério do que mulheres, dado o Art.16 que ao se referir à
formação das mestras de Instrução Primária dizia que estas seriam formadas por meio de um
curso especial.
Como resolução para a falta desse curso especifico para as mulheres, somente em 1847,
o então Presidente da Província Dr. João José de Moura Magalhães, por ato de 16 de outubro,
permitiu que enquanto não fosse criada uma Escola Normal para senhoras, àquelas que
quisessem ingressar no magistério, freqüentassem uma escola pública ou particular, de
meninas, designada pelo Conselho de Instrução Pública, ficando obrigadas ao “exame vago”
na Escola Normal, a fim de poderem exercer o magistério. (apud FRANCA, 1936, p.15).
Percebe-se que a lei resulta da necessidade de buscar meios para ambos os sexos
frequentarem o curso normal devido a impossibilidade de mulheres e homens estudarem no
mesmo espaço.
Na busca de viabilizar a formação das mulheres para o magistério sem que ainda
houvesse um espaço especifico para esse fim, algumas alternativas foram criadas: rapazes e
moças estudando no mesmo prédio em dias alternados, em 1850, e depois em prédios
separados em 1860
78
Somente neste ano, o curso para
formação de professores teve a inclusão
de uma sessão feminina, em decorrência
do primeiro Regulamento Orgânico da
Instrução Pública de 28 de dezembro, que
foi alterado em 1861 e entrou em vigor em
caráter definitivo em 1862. Por este
instrumento legal foram criadas duas
Escolas Normais na Bahia, sendo uma
para o sexo masculino e outra para o sexo
feminino, ambas em regime de internato,
oferecendo um curso de caráter "prático e
religioso" com duração de três anos.
Figura 4: Diploma da Escola Normal da Província da Bahia, datado em 25 de novembro de 1856. Fonte: Arquivo Público do
Estado da Bahia (APBa).
Estas formas de preenchimento prevaleceram desde a primeira fase de vida da Escola. Foram modificadas a partir de
dezembro de 1873, com o Regulamento "Freire de Carvalho", o qual estabelecia que "as Cartas (de formatura) dos Alunos-
Mestres passariam a ser assinadas pelo Diretor Geral, pelo Diretor e pelo Secretário da Escola.
Figura 3: Bellarmino Gratuliano de Aquino, Diretor da Escola
Normal da Província da Bahia (de 1859 a 1861). Compôs com
João Portella e Manuel Correia de Garcia a tríade pioneira da
nascente Congregação da Escola Normal. Fonte: TELES, J.F. de
Memória Fotográfica - Diretores da Escola Normal da Província
da Bahia (1836 a 1889) In.___ Notícia Histórica da Instrução na
Província da Bahia. (1836 a 1936). Salvador: EGBA, 2003. p. 96
79
Para a execução deste Regulamento, o
Internato de Homens instalou-se na Vitória,
sendo, posteriormente, transferido para o prédio
do antigo Portão da Piedade. Já o Internato das
Mulheres instalou-se em outro prédio, ao lado do
Internato Masculino, sob a direção da Professora
Anna Joaquina dos Santos Bonatti. Depois foi
transferido para um prédio na Rua Nova de São
Bento. (COSTA, 1998, p. 27). Deste modo, as
mulheres só passaram a estudar em prédio
designado para elas, efetivamente, a partir de
1862.
Em decorrência do Art. 2º desse
Regulamento, as disciplinas que deveriam dotar
os futuros professores/as de um conhecimento a
ser transmitido nas escolas primárias, ficaram
assim elencadas:
§1º instrução moral e religiosa; leitura; escrita; elementos da língua portuguesa; cálculo
e sistema de pesos e medidas nacionais, comparado com o sistema métrico; desenho linear; e
trabalhos de agulha para as meninas.
§ 2º aritmética aplicada as operações práticas; elementos de Geografia e História;
noções de ciências físicas e História Natural aplicada aos usos da vida; rudimentos de
agricultura e higiene; agrimensura; nivelamento; ginástica; música ou canto religioso
E quanto aos critérios para acesso dos/as alunos/as à Escola Normal, o referido
Regulamento aumentou as exigências anteriores passando a requisitar certidão de batismo;
idade de 17 a 20 anos; atestado médico; requerimento do próprio punho contendo dados de
identificação; atestado dos mestres primários e dos chefes de família das localidades onde
residiu nos últimos 3 anos; promessa de servir durante cinco anos na instrução pública e, para
as mulheres, era solicitada uma autorização dos pais, tutores ou marido.
Figura 5: Prof. Anna Joaquina dos Santos Bonatti,
Diretora do Internato Normal de Senhoras (de 1861
a 1880), inclusive na fase do Regulamento
Orgânico. Fonte: TELES, J.F. de Memória
Fotográfica - Diretores da Escola Normal da
Província da Bahia (1836 a 1889) In.___ Notícia
Histórica da Instrução na Província da Bahia. (1836
a 1936). Salvador: EGBA, 2003. p. 97
80
Figura 6: Pedido de admissão de uma candidata, de próprio punho, para prestar o exame exigido para ingresso na Escola
Normal. Fonte: Arquivo Público do estado da Bahia.
81
Figura 7: Autorização concedida por um tio de uma candidata para que a mesma pudesse, não somente, prestar o exame
exigido para admissão na Escola Normal, bem como, para matricular-se na referida escola após o exame. Fonte: Arquivo
Público do estado da Bahia.
82
Figura 8: Atestado comprovando que a candidata foi vacinada regularmente e que não sofria de nenhuma moléstia
contagiosa. Fonte: Arquivo Público do estado da Bahia.
84
Figura 10: Pedido de Atestado de comportamento moral e religioso. Fonte: Arquivo Público do estado da Bahia
85
Figura 11: Atestado de comportamento moral e religioso. Fonte: Arquivo Público do estado da Bahia
86
Porém, observamos que a Escola Normal da Bahia, em sua trajetória, apesar de
contínua, sofreu com a carência de instalações próprias e adequadas para a realização das suas
atividades, principalmente, com o curso em regime de internato o qual necessitaria de
condições para o acolhimentos das/os alunas/os. Sobre essa situação, a Diretora do Internato
Feminino, D. Anna Joaquina dos Santos Bonatti, se pronuncia ao Diretor Geral da Instrução
Pública:
[...] a casa, na verdade, já não é sufficiente para tão crescido numero de
alumnas internas, carecendo, por conseguinte, de mais e maiores commodos,
máxime para dormitórios. As alumnas não se banhão na cosinha, ao menos
que eu saiba, mas em uma saleta destinada a esse fim e contígua áquele
commodo; não sendo possível a conducção de água de banhos para os
pavimentos superiores, com tantas escadas a subirem-se com tantas pessoas
a banharem-se diariamente. Não há no Internato pessoal de criados bastante
e que se prestem para semelhante serviço. (apud FRANCA, 1936, p. 35-36).
A vigência do Regulamento Orgânico se estendeu até o ano de 1870 sem que houvesse
referência a algum tipo de iniciativa por parte do poder público, quanto à solução dos
problemas das instalações das escolas. Assim, o curso normal masculino e feminino
funcionaram sob as normas estabelecidas por esse Regulamento até o final da década de 1860,
quando o Presidente da Província, Barão de S. Lourenço se mostra insatisfeito com as altas
despesas geradas pelos Internatos que, segundo o mesmo, não compensava pela pouca
frequência de alunos/as, sobretudo, do sexo masculino. De acordo com Lúcia Maria da Franca
Rocha (2008, p. 53), "os dados demonstram que, até 1869, o internato masculino diplomara
16 alunos-mestres e o internato feminino, 37 alunas-mestras. Esses dados indicam que, na
Província da Bahia, no final dos anos 60, o magistério já era predomínio do sexo feminino."
Em busca de resolução para o problema, o mesmo Presidente baixou os atos de 18 e 23
de janeiro de 1870, os quais, respectivamente, suprimiu o Internato dos Homens, substituindo-
o por um curso de dois anos e conservou o Internato das Mulheres com a mesma duração de
três anos. Ao decretar a Resolução 1.116, de 16 de maio de 1870 que extinguia o Internato
Masculino, o Barão de S. Lourenço assim argumenta:
O internato dos homens, creado contra a indole e habitos da população que
não se sujeita à reclusão, afugentou os habilitados ao magistério, e fez secar
a fonte que havia dado tão distinctos professores apresentando em 10 annos,
16 alumnos com diploma e destes apenas 10 aproveitados! As cadeiras de
instrucção primaria entregues em sua grande maioria a individuos sem
habilitação alguma, retrogradando a província nesta parte a épocas muito
anteriores á creação da Escola Normal. E’ portanto evidente que o internato
dos homens não deve continuar. A Escola Normal de 1836 produziu mais
benefícios para as mulheres do que para os homens e a conversão para o
87
internato não foi tão fatal como succedeu com a dos homens por não
contrariar a indole, dos costumes do sexo naturalmente recolhido. (apud
FRANCA, 1936, p.40-41).
Diante do exposto, nesses anos que antecedem o recorte temporal deste trabalho, é
notável o quanto a presença feminina na origem do curso de formação para o magistério
exigiu do poder público uma reestruturação dos seus projetos iniciais. Mesmo após a mudança
de regime de funcionamento do curso normal masculino, as fontes oficiais, pouco a pouco, já
indicavam através do número de matriculas a predominância das mulheres no curso. Para
pontuar, na Fala com que abriu, no dia 1º de maio de 1879, a 2º sessão da 22º legislatura da
Assembléia Legislativa Provincial da Bahia o exmo.sr. dr. Antônio Araújo de Aragão Bulcão,
presidente da Província, consta que neste ano foram matriculados 109 Mulheres no Internato
Normal e 61 Homens no Externato.
Como se vê, o objetivo não foi alcançado em consonância com as expectativas. Por
outro lado, as palavras e ações do Barão S. Lourenço expressam certa apreensão com as
mudanças de hábitos e costumes atribuídos aos homens e mulheres na sociedade da época.
Além de resolver o problema da futura falta de professores para as escolas de meninos, tendo
em vista a não permissão das mulheres educá-los, era preciso que o exercício do magistério
pelas mulheres representasse muito mais o ajustamento das funções sociais que já exerciam.
Vejamos o que diz Guacira Lopes Louro (2001):
As jovens normalistas, muitas delas atraídas para o magistério por
necessidade, outras por ambicionarem ir além dos tradicionais espaços
sociais e intelectuais, seriam também cercadas por restrições e cuidados para
que sua profissionalização não se chocasse com sua feminilidade (LOURO,
2001, p. 453).
Não obstante as diversas reformas que apontaram repetidas vezes para a instabilidade no
funcionamento das Escolas Normais da Bahia (masculina e feminina), a partir de 1873, os
Relatórios da Instrução Pública nos dão conta de como o Internato Feminino tornou-se objeto
de atenção da província baiana. As condições de funcionamento do Internato Feminino
chamou a atenção do Diretor Geral João Vitor de Carvalho, que ao dirigir-se ao primeiro vice-
presidente desembargador João José de Almeida Couto no dia 1 de março de 1873, expressou
uma maior preocupação com esta instituição dada a tarefa que lhe caberia:
E’ este estabelecimento um dos que devem merecer do Governo e dos
Poderes Provinciaes os mais serios cuidados, e as mais dedicadas attenções,
pelo nobre e grande fim a que se destina, qual o de preparar professoras, e
88
estas as mães de família, de que depende o bem estar e a moralidade da
sociedade. (CARVALHO, 1873, p. 14).
Diante desse contexto, o referido Diretor, no mesmo Relatório, expressa a sua
convicção quanto à ampliação da afluência das mulheres aos bancos do curso normal, ao
mesmo tempo em que fornece informações quanto a origem social das alunas emergentes na
Instituição:
(...) É sabido, que hoje muitas famílias das menos abastadas da Província
procuram esse Estabelecimento, para n’elle dar ensino as sua filhas, vendo
que assim lhes preparam um futuro. E’ pois evidente, que esta instituição
tende a crescer e augmentar, e que à proporção que a instrucção for-se
desenvolvendo na Província, maior será o número de alumnas que hão de
procurá-lo, pelo que cumpre preparar um edifício com as precisas
proporções. (CARVALHO, 1873, p. 15).
No que se refere à condição socioeconômica das alunas da Escola Normal da Bahia,
identificamos nos dispositivos da Reforma de 27 de setembro de 1873, posterior ao Relatório
acima citado, cinco classes de alunas que frequentavam o Internato:
1º Pensionistas subvencionadas pela província;
2º Pensionistas subvencionadas pelas câmaras municipais;
3º Pensionistas particulares - (10$00 por cada ano)
4º Alunas meio-pensionistas - (pagará metade da pensão abaixo +10$00 por cada ano)
5º Alunas externas - (contribuição mensal de 25$00 + 10$00 por cada ano).
Tais critérios revelam que a Escola Normal da Bahia não era acessível a todas as
camadas sociais. Com base nos Artigos da Lei supracitada, além da exigência do pagamento
para aquelas que se enquadravam na classificação de “Pensionistas particulares ou Alunas”,
havia uma cota de 12 matriculas para as “pensionistas subvencionadas provinciais”. E de
acordo com § único do Art. 48, para ser admitida como pensionista da província era
necessário que a aspirante tivesse sido plenamente aprovada no exame de admissão44
como
também provasse a juízo do presidente da província, a impossibilidade de manter-se com
recursos pessoais, de seus pais ou parentes, ou que fossem filhas de professores que tivessem
se destacado no magistério provincial, de empregados públicos provinciais ou de pessoas
outras que tivessem prestado relevante serviço no país.
44
No exame de admissão, a candidata ou candidato deveriam provar saber ler corretamente, escrever
legivelmente, ser familiar com as quatro espécies principais de historias sagradas, catecismo, sendo mulher, com
os trabalhos de costura. (REFORMA, 1873, Art. 21,§1)
89
Assim sendo, a partir da Reforma de 27 de
setembro de 1873 não mais existiriam duas
escolas sob a forma de internato, mas sim uma
para homens em regime de externato e outra para
mulheres em regime de internato. E o curso
passaria a ter duração de três anos para ambos os
sexos, com as disciplinas assim organizadas:
instrução moral e religiosa; leitura de prosa e
verso, recitação, caligrafia, redação, gramática e
análise gramatical dos clássicos prosadores e
poetas sistema métrico decimal comparado com
antigo sistema de pesos e medidas, desenho
linear, aritmética aplicada as operações praticas,
elementos de geografia e historia especialmente
do Brasil, pedagogia, metodologia e para as
alumnas-mestras,os trabalhos de agulha e prendas
domesticas.
Foram introduzidas as disciplinas "leitura de prosa e verso, recitação, caligrafia,
redação" bem como foram retiradas do plano de curso "catecismo, doutrina cristã e elementos
de história sagrada". Quanto a perspectiva de uma formação moral e de caráter religiosa foi
preservada a partir da conservação da disciplina "instrução moral e religiosa". Para atender o
caráter prático atribuído ao curso, haveria uma escola primária anexa a cada escola normal.
Vale destacar, ainda, que para prestar o exame exigido para poder ser admitida ao curso
normal, além dos documentos solicitados a ambos os sexos, como atestados de conhecimentos
prévios e de vida pregressa, o critério atribuído somente para as mulheres passou a ser mais
detalhado: "Sendo mulher casada, autorisação do marido; se estiver divorciada, certidão da
sentença; sendo viúva, certidão de óbito do marido". (REFORMA, 1873, Art. 21,§1).
Diante do exposto, os primeiros tempos da história da formação de professoras/es na
Bahia expressam uma fase de instabilidade nas tentativas de implantação e de consolidação do
curso normal baiano. As buscas por mudanças se efetivaram muito mais no plano formal
enquanto que a realidade demandava a urgência da realização de uma política que
preconizava na sua letra a necessidade da difusão do ensino primário e da formação adequada
de professoras/es. Na prática, não somente a instrução primária como o curso normal, sofreu
Figura 12: Prof. Joaquim José da Palma, Diretor da
Escola Normal de Homens, de 1874 a 1889. Fonte:
TELES, J.F. de Memória Fotográfica - Diretores da
Escola Normal da Província da Bahia (1836 a 1889)
In.___ Notícia Histórica da Instrução na Província
da Bahia. (1836 a 1936). Salvador: EGBA, 2003. p.
99
90
com problemas de falta de instalações ou com a inadequação destas, com falta de materiais,
oscilação na duração do curso normal e contínuas mudanças de conteúdos, dado as sucessivas
reformas. Problemas constantemente constatados e abordados nos Relatórios sem que fosse
apresentada uma solução concreta.
Observamos, também, que na origem da Escola Normal da Bahia, a ênfase recaiu sobre
o método e na estreita correspondência entre as disciplinas que formariam os professores/as e
as disciplinas do curso primário. Esta equivalência denota a finalidade primeira ou mais
urgente da Escola Normal - formar professores/as para atender a demanda da escolarização
primária. Sobre o método mútuo, expressão da influência da França como referência, Izabel
Villela Costa (1998), diz que aqui no Brasil, assim como, na Bahia, ele correspondeu a um
ensino voltado para alcances mais quantitativos do que formativos.
Para Villela (2007, p.107) “o método lancasteriano procurava desenvolver,
principalmente, os hábitos disciplinares de hierarquia e ordem, exercendo um controle pela
suavidade, uma vigilância sem punição física”. Segundo estudos, o método mútuo dará lugar
ao método simultâneo puro – este consistia na atuação simultânea de um professor numa
classe composta por alunos do mesmo nível de conhecimento – como também ao “método
misto”, que incidia na associação dos dois métodos já mencionados.
Sobre o ingresso das mulheres na origem do curso normal, percebemos que a Lei de
criação explicita a falta de prioridade da Província em estabelecer este curso para preparar a
mulher para o exercício da profissão, além disso, lhe vedava o acesso a algumas disciplinas,
reforçando os seus tradicionais papéis de mãe e esposa por meio do aprendizado de prendas
domésticas.
No que concerne ao regime de estudo, o regime de internato, reservado às alunas da
Escola Normal desde a sua origem será extinto somente com a Reforma de 5 de janeiro de
1881, conhecida como “Regulamento Bulcão”. Este Regulamento vigorou até 1890 - marco
inicial do nosso estudo.
91
Lúcia da Franca Rocha (2008, p. 57), em
seu estudo sobre a Escola Normal da Bahia
destaca que “há que se observar que os
fundamentos que nortearam o Regulamento
Bulcão o diferenciavam do anterior, na medida
em que refletiam, na educação, os ideais liberais,
que então se consolidavam. Foi ele bem aceito no
meio educacional da época, tendo recebido
muitos elogios”.
A partir desta reforma as duas Escolas
Normais, passaram a funcionar sob regime de
externato e com a seguinte denominação – Escola
Normal de Homens e Escola Normal de
Senhoras. No que concerne aos conteúdos houve
mudanças e algumas permanências de viés
sexista.
O conteúdo distribuído em três anos de duração do curso passou a ser composto de:
Língua nacional – gramática teórica e prática, literatura, exercícios de redação, caligrafia
teórica e prática; Pedagogia: sua historia, organização escolar, metodologia, educação moral,
física e intelectual e legislação de ensino; Práticas de métodos do ensino em todo o seu
desenvolvimento; Matemáticas: elementos de Aritmética, de geometria, de álgebra e de
Trigonometria; Geografia e História: Cosmografia, geografia geral, elementos de História
Universal, Geografia e História Pátrias e especialmente da província da Bahia; Língua
francesa: leitura, gramática e tradução; Ciências naturais: elementos de Botânica e Zoologia;
Física, química e Mineralogia: elementos; Desenho de imitação; Religião.
Esta Reforma, também indicou que para o curso normal do sexo feminino haveria uma
cadeira de prendas domésticas, compreendendo o uso de máquinas de costura e corte de
vestimentas de crianças e senhoras. No § único do Art. 129, consta que “na escola para
senhoras dar-se-á em todos os três anos o ensino de prendas domésticas”. A Reforma prevê
ainda no Titulo II do Art. 130 que na escola normal para o sexo feminino, todas as cadeiras
seriam regidas por senhoras, com exceção para as de Doutrina cristã; Ciências Naturais;
Física, Química e Mineralogia e Língua francesa, em que serão regidas a 1ª por sacerdote, a 2ª
Figura 13: Maria Augusta Besuchett, Vice-Diretora
depois Diretora do Internato de Senhoras de 1879 a
1880 e de 1881 a 1895. Fonte: TELES, J.F. de
Memória Fotográfica - Diretores da Escola Normal
da Província da Bahia (1836 a 1889) In.___ Notícia
Histórica da Instrução na Província da Bahia. (1836
a 1936). Salvador: EGBA, 2003. p. 98
92
3ª pelos respectivos professores do Liceu e as últimas pelo professor que o governo nomear
para a escola normal de homens.
Ao longo desse período o conteúdo das Escolas Normais passa por constantes
alterações, chegando ao final do século XIX apresentando uma relação bem mais ampliada de
disciplinas em comparação à sua origem. Neste momento, inclusive, identificamos constantes
ressalvas presentes em Falas e Relatórios quanto à necessidade de uma formação mais
cientifica, mais prática, ou seja, menos literária compatível com as transformações do período.
Somada a isto havia o desejo de um ensino normal uniformizado, ainda que este desejo fosse
de encontro à realidade do país, por, inexistir um sistema nacional de educação no Brasil.
Porém, contrapondo os discursos de teor acima apresentado, não foram poucos os
argumentos em torno da substituição da Trigonometria do curso feminino por outra disciplina
- Economia Doméstica - sob a justificativa daquela não possuir utilidade para as funções que a
mulher exercia naquela época:
Nada mais util do que a economia doméstica, maximo se trata-se de formar,
não simples donas de casa, porém mulhjeres instruídas de todo o bem que
podem fazer, quer no seio da família, quer na sociedade, levando para
ahiconhecimentos variados e um espírito elevado. N’este sentido, um curso
de economia domestica é um verdadeiro ensino moral applicado a todas as
circunstancias da vida. Fácil é, sem recorrer a despezas extraordinárias,
admitir este ensino no programa da casa normal de senhoras. (SEIXAS,
1882).
Oportuno, então, trazer as palavras da
Diretora interina da Escola Normal da
Bahia do sexo feminino, Izabel Gonçalves
da Silva Araújo, em citação contida no
Relatório apresentado por Dr. Romualdo
Maria de Seixas em 1882. A Diretora se
posiciona ante os discursos que havia em
favor da restrição e limitação de conteúdos
às futuras professoras, dizendo que:
Figura 14: Prof. Isabel Gonçalves da Silva Araújo, Vice-
Diretora da Escola Normal de Senhoras, em 1881. Fonte:
TELES, J.F. de Memória Fotográfica - Diretores da Escola
Normal da Província da Bahia (1836 a 1889) In.___ notícia
histórica da instrução na província da Bahia. (1836 a 1936).
Salvador: EGBA, 2003. p. 101
93
O regulamento de 5 de janeiro de 1881 deu a este estabelecimento nova
organização, erguendo-se do estado de abatimento em que achava-se. O
prestigio moral que hoje o-cerca e que eleva seu professorado, a garantia das
normalistas, o vasto plano de ensino que encerra seu programa, tudo, emfim,
que concerne as escholas normaes, faz-me crer que só dependerá de boa
vontade e de severo cumprimento da lei o torna-se uma realidade a educação
normal.
Em geral as pessoas pouco entendidas n’estas questões pensão ser precisa a
redução do ensino aqui dado às senhoras que desejam alcançar um titulo;
mas não considerão taes censores, em que nós as mulheres, não temos os
cursos instructivos de que póde utilizar-se o homem, e limitamos todo o
nosso aprendizado à eschola primária, e, quando muito, ao collegio que em
nossa província infelizmente bem longe está de satisfazer o fim do seu
destino.
Entretanto, a responsabilidade que sobre nós peza como depositarias da
felicidade doméstica, como economas, como mães, exige, sem dúvida, uma
sólida educação que nos torne dignas do nosso sexo e da missão que temos a
desempenhar.
Assim, longe de reducção, o que convém é alargar o circuito de
conhecimentos precisos à mulher em seu destino social. E’ assim que lhe
conviria estudar ainda a moral, a hygiene, a economia domestica, e direito
usual.
Hoje a educação da mulher é asumpto capital nos paises cultos: entre nós o
único recurso para tal fim é a eschola normal, da qual graças a reforma do
benemérito Sr. Barão de S. Francisco, tudo temos a esperar (ARAÚJO apud
SEIXAS, 1882).
As palavras da Diretora Izabel Gonçalves da Silva Araújo, em tom de desabafo,
expressam o conflito existente na posição que a mulher deveria assumir na sociedade, ou seja,
o imperativo de se manter no exercício de suas funções domésticas frente ao desejo de buscar
um espaço para atuação no espaço público, para atuação profissional.
Diante do exposto, as reflexões de Jane de Almeida (1998; 2007) se mostram
importantes para pensar, dentre os aspectos, o estabelecimento das relações de poder, próprias
das relações de gênero, quando as mulheres passaram a reivindicar saberes para além dos
domésticos e privados que já possuíam.
Esse fato implicava no estabelecimento de relações de poder entre os dois
sexos, as quais passavam, inclusive, pela questão do saber, pois
conhecimento e poder sempre estiveram necessariamente interligados.
Manter o dominado longe do saber foi e continua sendo uma estratégia
eficiente no controle e na manutenção dos mecanismos de dominação. Situa-
se aí a ambigüidade da posição feminina a respeito do trabalho e da
instrução, representada pelo equilíbrio entre a condição desejável e a
possível de se obter, instaurando entre esses dois extremos, a hermenêutica
da sua condição. (ALMEIDA, 2007, p.84).
94
Como vimos um viés sexista sempre orientou as modificações ocorridas no curso
normal baiano ao longo do seu funcionamento. As prioridades na política baiana de instrução
pública, as exigências para a admissão no curso normal, os conteúdos, os pronunciamentos
oficiais bastante expressivos quanto às representações construídas sobre a finalidade da
Escola Normal, sobre o magistério e sobre o papel daqueles/as que exerceriam esta atividade,
indicam as diferentes formas de ver e de tratar mulheres e homens na sociedade da época.
Por outro lado, é nesse cenário carregado de idealizações morais vigentes e de repúdio à
co-educação que cada vez mais as mulheres ingressam no curso normal para exercer o
magistério. Assim, na reconfiguração da sociedade progressista tão almejada, a crença na
imagem da escola que cuida, ampara, ama e educa se conjuga com a conquista de uma
oportunidade de atuação profissional para a mulher – o magistério - principalmente para
aquelas de poucos recursos.
3.1.1 Entre Escola e Instituto: (re) formar para quê?
O século XX se aproxima e, com ele, a eminente mudança de regime, de Monarquia
para a República. O imperativo de expansão da instrução primária, não alcançada no século
anterior, tornava-se premissa para que o curso de formação para o magistério adquirisse cada
vez mais relevância. Fatores sociais, políticos e econômicos que marcaram esta fase de
transição, inclusive, mencionados ao longo do trabalho, impulsionaram as idéias de
modernização, ordem, progresso e civilidade que passaram a nortear as reformas no campo da
educação. Com efeito:
Considera, então, como base da reforma a reconstrução do caráter nacional e
do sentimento nacional do povo brasileiro, definindo como eixos da nova
organização do ensino a educação do caráter, a educação cívica, a educação
física e o papel da mulher como educadora do caráter das novas gerações.
(SAVIANI, 2008, p. 169).
De acordo com o autor citado, difunde-se na época a concepção de que toda reforma
escolar poderia ser resumida na questão do mestre e dos métodos. Nessa linha, em 1890,
95
destaca-se a iniciativa de Caetano de Campos, então Diretor da Escola Normal de São Paulo
quando elaborou com Rangel Pestana, o decreto de 12 de março de 1890. Esta reforma foi
criada sob a seguinte premissa: antes de reformas na Instrução Pública, fazia-se necessário e
urgente as “escolas modelos” anexas à Escola Normal. “Em conseqüência, é criada Escola-
Modelo, anexa à Escola Normal de São Paulo, composta por duas classes, uma feminina e
outra masculina”. (Ibid, p. 171).
Nesse sentido, aqui na Bahia, há continuidade nas práticas de formação do quadro de
professoras/es neste período em que generalizar os rudimentos do saber ler, escrever e contar
ao contingente de analfabetos se tornou imperativo para a construção da sociedade desejada.
Entre o final do século XIX e primeira década do século XX, as reformas no campo da
educação e, em especial, no curso normal, decorreram da necessidade de garantir uma
instrução popular com bases sólidas e cientificas, assim demandavam os Relatórios. Em tais
fontes, encontramos recorrentemente, a demanda iniciar as reformas deveriam a partir das
Escolas Normais.
As Falas e Relatórios do final do século XIX a todo o momento são expressivos quanto
à necessidade de reformas na instrução pública baiana uma vez que as já realizadas durante o
período, inclusive, a de 1881, segundo avaliações, não atenderam as demandas existentes. É
válido destacar a Fala do Presidente da Província João Capistrano Bandeira indicando que
“nenhum ramo da administração existia que mais solicitasse interesse esclarecido e atento do
que a difusão do ensino popular”:
A nenhum de vós são estranhos os embaraços que envolvem este assumpto e
elles por si só explicam esta lentidão com que, em geral, a educação popular
vai alcançando desenvolver-se, a despeito da solicitude e energia
empregadas pelos Governos dos paizes mais cultos em promovel-a e
aperfeiçoal-a. É que o progresso da instrução pública depende de um
complexo de medidas, muitas das quaes são subordinadas à acção lenta do
tempo e ao desenvolvimento material do Estado.
Reconheço com viva satisfação que se tem feito n’este sentido alguns
esforços n’esta Província, mas ainda que o estado de sua instrucção pública
elementar não seja absolutamente mao, não corresponde, todavia à despeza
relativamente crescida que se lhe tem consagrado. (BANDEIRA, 1887, p.
97).
96
As Escolas Normais passaram a ter um
duplo fim: não só o de educar como o de instruir.
Cassiano da Franca Gomes (1894, p. 3),
Diretor da Escola Normal de Homens, dizia que
sem esse duplo caráter não teriam organizada em
boas bases a instrução e a educação popular;
“porque se era verdade que tanto vale o mestre,
quanto vale a escola, não é menos verdade que
tanto vale a escola normal, quanto valerão os
futuros mestres”.
Assim, entre 1890 e 1914, foram
sancionadas reformas educacionais que
evidenciaram a política de formação de
professoras/es ensejadas por normas oficiais e
ações do poder público.
Ainda que a primeira reforma da instrução pública do estado posterior à mudança de
regime político tenha sido com o Ato de 31 de dezembro de 1889, esta foi logo suspensa após
quatro meses de execução sem maiores esclarecimentos.
Deste modo, em substituição tivemos o
Ato de 18 de agosto de 1890, considerado nesse
estudo como um marco no campo da educação
baiana após a Proclamação da República.
Este Ato manteve as duas escolas
normais sob a mesma denominação, - Escola
Normal para Homens e Escola Normal para
Senhoras - em externato e com a duração de
quatro anos de estudos.
O direito a matrícula na Escola Normal
continuava sob a exigência de Atestados como da
aprovação no exame de admissão. Uma vez
matriculadas/os as alunas e alunos iriam estudar
as disciplinas que seguem abaixo, assim
distribuídas ao longo dos quatro anos de curso:
Figura 15: Prof. Cassiano da França Gomes, Diretor da
Escola Normal de Homens e do Instituto Normal, de
1890 a 1898; assessorou o Diretor Geral de Estudos,
Satyro de Oliveira Dias, na elaboração e implantação das
reformas naquele período. Fonte: TELES, J.F. de
Memória Fotográfica - Diretores da Escola Normal da
Província da Bahia (1836 a 1889) In.___ notícia
histórica da instrução na província da Bahia. (1836 a
1936). Salvador: EGBA, 2003. p. 102
Figura 16: Prof. Antônio Bahia da Silva Araújo, Vice
– Diretor da Escola Normal de homens, de abril a
novembro de 1890. Fonte: TELES, J.F. de Memória
Fotográfica - Diretores da Escola Normal da
Província da Bahia (1836 a 1889) In.___ Notícia
Histórica da Instrução na Província da Bahia. (1836 a
1936). Salvador: EGBA, 2003. p. 100
97
PRIMEIRO ANNO SEGUNDO ANNO
1 Grammatica portugueza e caligraphia theorica e
pratica.
1 Grammatica philsophica applicada á lingua
portugueza.
2 Leitura, grammatica e traducção da lingua
franceza.
2 Grammatica e traducção e versão da lingua
franceza; exercicios de conversação.
3 Grammatica e principio de traducção da lingua
latina.
3 Grammatica e traducção da lingua latina.
4 Arithmetica: applicações praticas. 4 Methodologia: educação physica e moral.
5 Desenho: traços. 5 Desenho: sombra.
6 Geographia geral e cosmographia. 6 Historia Universal.
7 Pratica de methodos. 7 Metrologia e Algebra.
8 Musica: solfejo. 8 Botanica.
9 Prendas (Escola Normal de senhoras). 9 Pratica de methodos.
10 Trabalhos manuaes (Escola Normal de
homens)
10 Musica: solfejo.
11 Prendas (Escola Normal de senhoras).
12 Trabalhos manuaes (Escola Normal de homens)
TERCEIRO ANNO QUARTO ANNO
1 Noções de litteratura portugueza,
principalmente nacional.
1 Pedagogia, legislação do ensino; noções de
hygiene.
2 Grammatica e traducção e versão da lingua
latina.
2 Redacção e estylo.
3 Geometria e trigonometria. 3 Chorographia e historia do Brazil (Escola Normal
de Homens).
4 Chorographia e historia do Brazil (Escola
Normal de senhoras).
4 Zoologia; noções de anatomia e physiologia
humana.
5 Pedagogia, sua historia; educação intellectual. 5 Chimica e Mineralogia.
6 Physica. 6 Logica; noções de direito patrio constitucional.
7 Psychologia; elementos de sociologia; noções
de economia politica.
7 Pratica de methodos
8 Pratica de methodos. 8 Musica: cantos.
9 Musica: solfejo. 9 Desenho: copia de modelos e objectos ao natural.
10 Desenho: sombra. 10 Prendas (Escola Normal de senhoras).
11 Prendas (Escola Normal de senhoras). 11 Gymnastica (Escola Normal de homens).
12 Trabalhos manuaes (Escola Normal de
homens)
12 Trabalhos manuaes (Escola Normal de homens).
Fonte: BAHIA, Acto de 18 de agosto de 1890. Regulamento da Instrução Primária e Secundária do Estado da Bahia. Atos do
Governo do estado da Bahia de 28 de novembro de 1889 a 30 de junho de 1891. Salvador: Tipografia Bahiana, 1911, p.68-
134. Arquivo Público do Estado da Bahia(APBa).
98
Esta reforma, de acordo com estudos realizados, tomou com base o regulamento
Bulcão, acrescentando-lhe algumas complementações. Por sua vez, a Reforma de 1890 previa
um ensino disciplinar e fiscalizado, estabelecendo no Art. 2º que a inspeção do ensino seria da
competência do Diretor Geral da Instrução Pública, do Conselho Superior de Ensino, do
Diretor do Liceu, dos Diretores das Escolas Normais, dos Inspetores de distrito e dos
Conselhos Escolares Municipais e Paroquiais. “Essa necessidade de garantir a inspeção é bem
característica do período republicano, uma vez que este se caracteriza pelos ideais positivistas.
Ideais estes que estavam assentados na manutenção da ordem, do controle e do civismo”.
(DICK, 2007, p.25).
Encontramos nesta Reforma, o acréscimo das disciplinas: Língua Latina, Ginástica,
Psicologia e Lógica; Elementos da sociologia, Noções de higiene e Práticas de ensino. Esta
transformação no currículo do ensino normal, já indicava o atendimento à necessidade de um
curso mais prático e menos conteúdista, bem como, certa interferência das idéias higienistas,
provenientes dos discursos médicos propagados para o campo da educação nas primeiras
décadas do século XX.
As finalidades atribuídas às Escolas Normais, principalmente, neste período, estavam
ligadas à formação de professoras /es a quem era confiada a missão de preparar as novas
gerações. Deste modo, tais instituições deveriam dar uma educação suficiente a tornar esses
futuros profissionais capazes de se encarregar de bem educar a mocidade, formando-lhe o
caráter, desenvolvendo-lhe o sentimento de amor a Pátria e da humanidade. Para tanto, era
preciso dispor de um ensino moderno, ou seja, um ensino rigorosamente prático e
experimental, habituando os alunos na arte de ensinar.
As aulas da Escola Normal de homens, a partir desta Reforma, aconteceriam entre as
8h. da manhã e às 4h da tarde e da Escola Normal de Senhoras das 8h às 3h da tarde, sendo
reservada uma hora para as refeições dentro ou fora do estabelecimento. Para tanto, as aulas
foram distribuídas por tempo, dando a ver na cultura escolar baiana a introdução do quadro de
horários.
99
Figura 17: SANTANA, Elizabete Conceição [et al.]. A construção da escola primária na Bahia: guia de referências temáticas
nas leis de reformas e regulamentos, 1890-1930. Salvador: EDUFBA, 2011, p. 74. Quadro elaborado a partir do Ato de 18 de
agosto de 1890. Regulamento da Instrução Primária e Secundária do Estado da Bahia.
100
Mas, apesar da ampliação do programa de estudos das Escolas Normais, o Título III do
Art. 134 da Lei, coloca que o ensino da língua latina e o de ginástica seriam privativos da
Escola Normal de homens e o de prendas domésticas da Escola Normal de Senhoras. Tal
determinação só vem confirmar o continuísmo da educação sexista que sempre permeou a
história da educação no Brasil. De acordo com Guacira Lopes Louro(2007):
Embora professores e professoras passem a compartilhar de uma vida
pessoal modelar, estabelece-se expectativas e funções diferentes para eles e
para elas: são incumbidos de tarefas de algum modo distintas separas por
gênero (senhoras “honestas” e “prudentes” ensinam meninas, homens
ensinam meninos), tratam de saberes diferentes (os currículos e programas
distinguem conhecimentos e habilidades adequados a eles e a elas), recebem
salários diferentes, disciplinam de modo diverso seus estudantes, têm
objetivos de formação diferentes e avaliam de forma distintas. (LOURO,
2007, p.95-96).
Na Reforma seguinte preconizada na Lei n.117 de 24 de Agosto de 1895- esta lei foi
regulamentada pelo Ato de 4 de outubro de 1895 - no que se refere às diferenças de gênero
identificadas nas práticas de educação e de escolarização, de um modo geral, há expressão de
futuras mudanças, porém, há muitas permanências. A partir desta reforma, as escolas normais
de mulheres e homens são aglutinadas em um mesmo prédio, denominado Instituto Normal da
Bahia - instituição de ensino secundário profissional que, segundo Art. 104, a finalidade do
Instituto era “formar professores para as escolas públicas, ministrando a educação physica,
intellectual, moral e prática necessária aos que se destinavam a arte de instruir e educar”.
No entanto, as salas seriam separadas e as portas de entrada seriam privativas a cada
sexo. Com a alteração sofrida no funcionamento do ensino elementar, o Ato de 4 de outubro
de 1895, posterior à Reforma n. 117, indica também, a possibilidade das professoras ministrar
as aulas para meninas e meninos na escola mista, contudo, para evitar a “promiscuidade”, as
aulas aconteceriam em sessões diárias: a primeira de três horas para meninos e a segunda, de
quatro, horas, para meninas. Deste modo, ainda não se fala em co-educação.
No que tange às disciplinas organizadas entre os quatro anos de curso, o Art. 109 do Ato
de 4 de outubro de 1895 estabelecia que a “língua latina, álgebra do 2º grau, trigonometria,
mecânica, estatística, agronomia, topografia, trabalhos manuais e exercícios militares seriam
destinadas exclusivamente ao sexo masculino”. Enquanto “jardinagem, horticultura, trabalhos
prendas e economia doméstica” seriam conteúdos reservados para o sexo feminino (Art. 110).
101
CADEIRAS
Homens Senhoras
HORAS POR SEMANA HORAS POR SEMANA
1º Anno
2º Anno
3º Anno
4º Anno
1º Anno
2º Anno
3º Anno
4º Anno
Portuguez 5 4 2 1 5 4 2 1
Francez 5 3 1 1 5 3 1 1
Latim 3 3 1 1
Mathematica 5 4 2 1 5 4 1 1
Geographia 3 1 1 1 3 1 1 1
Historia Universal 3 3 1 1 3 3 1 1
Historia do Brazil 3 1 1 3 1 1
Pedagogia 3 3 3 3 3 3
Physica 6 2 6 1
Biologia 5 2 5 2
Agronomia 2 3 1 2
Sociologia 5 3
Contabilidade e escripturação mercatil
5 3
Horas por semana 24 24 25 27 21 21 22 22
AULAS
Desenho 4 4 3 2 4 4 3 2
Gymnastica 2 2 2 2
Musica 2 2 2 2 2 2 2 2
Trabalhos manuaes 4 4 4 3
Prendas 3 3 3 4
Total das horas por semana 36 36 36 36 30 30 30 30
Fonte: BAHIA, Lei de 24 de agosto de 1895. n. 117. Leis e resoluções do estado da Bahia. Salvador: Tipografia do Correio
de Noticias, 1895, p.245-276. Arquivo Público do Estado da Bahia(APBa).
102
Somente com a implantação desta Lei de 24 de
agosto de 1895 é que os caminhos a serem seguidos pelo
curso normal expressam certa estabilidade, inclusive com
a expansão para o interior do estado. Conforme
estabelecido nesta Lei constituiu-se o Ato de 17 de
outubro de 1895 que criou duas escolas normais, uma para
cada cidade de Caetité e outra para a cidade da Barra. Este
Ato veio suprir a necessidade de aumentar
quantitativamente as escolas normais em lugares distantes
da capital. Infelizmente, estas escolas foram logo extintas
em 190345
, no entanto, apesar da breve existência,
consideramos tais escolas como tentativa de expansão do
curso normal baiano e mais um indicativo do processo de
feminização em curso não só nas Escolas Normais como
no magistério, já que ambas só recebiam mulheres.
Além da referida lei, em 1904 outra lei entra em
vigor - Lei n. 579, de 3 de outubro. Esta altera a lei
anterior de 24 de agosto de 1895, que organizava o ensino
público. Desde então, há uma mudança referente à duração
do curso normal que passa a ser dividido por seções. No
título III da lei 117, altera os artigos que se referem à
distribuição das cadeiras do Instituto Normal em seções.
Conforme Art. 319, as cadeiras do instituto ficam
subordinados á seguinte divisão por secções:
1ª secção: português e francês;
2ª secção: matemática ciências físicas e naturais
elementares e noções de higiene geral;
3ª secção: geografia; história principalmente
pátria e instrução cívica pedagogia e metodologia.
45
A criação e regulamentação das escolas normais de Barra e Caetité foram, respectivamente, através do Ato de
17 de outubro de 1895 e do Decreto de 26 de maio de 1896. Porém, a extinção se deu através do Decreto n.215,
de 29 de outubro de 1903.
Figura 18: Dr. Pedro da Luz Carrascosa,
Diretor do Instituto Normal, de 1898 a 1901 e
de 1908 a 1912. Fonte: TELES, J.F. de
Memória Fotográfica - Diretores da Escola
Normal da Província da Bahia (1836 a 1889)
In.___ notícia histórica da instrução na
província da Bahia. (1836 a 1936). Salvador:
EGBA, 2003. p. 103
Figura 19: Pharm. Leopoldino Antunes de
Freitas Tantu, Diretor do Instituto Normal de
1901 a 1902 e Vice-Diretor da Escola Normal
em 1923. Fonte: TELES, J.F. de Memória
Fotográfica - Diretores da Escola Normal da
Província da Bahia (1836 a 1889) In.___
notícia histórica da instrução na província da
Bahia. (1836 a 1936). Salvador: EGBA, 2003.
p. 104
103
Na seqüência de leis, vale ressaltar a
Lei nº 1051 de 18 de agosto de 1914, marco
final do nosso estudo. Esta lei reforma o
Instituto Normal do Estado, passando a
denominá-lo de Escola Normal, com o curso de
três anos para ambos os sexos, mas,
funcionando em salas separadas com as portas
de entrada e de saída privativas para cada sexo.
Os estudos seriam seriados de modo que as
respectivas matérias seriam ensinadas, de ano a
ano, com as ampliações necessárias.
Primeiro Anno Segundo Anno
a) Portuguez; a) Portuguez;
b) Francez; b) Historia;
c) Arithemetica e Algebra; c) Geometria e Escripturação Mercantil;
d) Geographia; d) Geographia do Brazil;
e) Pedagogia e) Pedagogia
f) Prendas; f) Methodologia;
g) Desenho; g) Prendas;
h) Gymnastica h) Desenho;
i) Musica
Terceiro Anno
a) Portuguez;
b) Historia do Brazil;
c) Sciencias Physicas;
d) Sciencias Naturaes e Hygiene;
e) Methodologia;
f) Instrucção Civica e Direito;
g) Prendas;
h) Economia domestica;
i) Musica;
j) Trabalhos manuaes
Fonte: BAHIA, Lei n. 1051 de 18 de agosto de 1914. Reforma o Instituto Normal do Estado - Leis do Estado da
Bahia do ano de 1915. Salvador: Tipografia Bahiana. 1915
Figura 20: Prof. Elias de Figueiredo Nazareth, Diretor
da Escola Normal, de 1912 a 1921. Fonte: TELES, J.F.
de Memória Fotográfica - Diretores da Escola Normal
da Província da Bahia (1836 a 1889) In.___ notícia
histórica da instrução na província da Bahia. (1836 a
1936). Salvador: EGBA, 2003. p. 105
104
Essa Lei revela no seu Art. 10, que a intensidade dos programas, em desdobramentos
do plano geral de ensino é com o intuito, de torná-lo fundamentalmente prático, de maneira a
assegurar a instituição com o seu tipo de escola profissional, a indispensável feição
pedagógica.
Mas, para isso, era preciso dispor de escolas com estrutura física e com materiais
apropriados para alcançar as finalidades objetivadas. No entanto, segundo os Relatórios
oficiais, subsistiam ainda os mesmos problemas já apontados como a carência de instalações e
de materiais ou a demora de chegada de materiais que compravam na Europa. Ainda existiam
as criticas quanto à forma como ensinavam determinados conteúdos, quanto à dificuldade
integrar o método intuitivo à realidade das escolas de alcançar, portanto, a finalidade própria
de cada conteúdo. A título de exemplo:
Resente-se o ensino de sciencias physico-naturaes da falta de gabinetes, onde
possam os alumnos receber a instrução prática indispensável á aprendizagem
dessas disciplinas. (GOMES, 1893, p. 52).
A cadeira de desenho nada tem. Ainda se aprende e ensina desenhar olhos,
narizes, boccas, mãos e paisagens europeas, isto é, não executa-se um
verdadeiro desenho, representando os objectos ao natural, mas, imita-se uma
imitação. Desta maneira desvirtua-se o ensino desta disciplina, fazendo
desaparecer a observação directa, intelligente, e tira-se lhe assim seu valor
prático e educativo. (GOMES, 1894, p. 6).
Nada se impõe presentemente com mais urgente necessidade que a
inauguração dos trabalhos manuaes, prescrita no regulamento em vigor. Não
é que a escola deva formar artistas, mas é que esse ensino, espelhado e
seguido hoje pela Europa inteira e pela América, é o mais próprio à cultura
das capacidades physicas, da intelligencia e do sentimento. O trabalho
manual educativo, creado em Nãas da Suecia, adotado no mundo inteiro, não
é propriamente um officio, embora exija uma certa dextreza de mãos. O que
o recommenda não é sua utilidade, sim o seu caracter educativo. (Ibid., 1894,
p. 8-9).
O professor Diogo Vallasques (1893) ao escrever para Revista do Ensino Primário46
em 1893, fala também sobre o ensino nas Escolas Normais:
46
A Revista do Ensino Primário foi publicada na Bahia em 1892. Até o momento foram localizados 12 números,
de 1º de novembro de 1892 a outubro de 1893. A revista era uma publicação mensal, vinculada ao professorado
baiano. Os redatores e autores dos artigos eram professores primários das escolas da Bahia.De acordo com
Elizabete Conceição Santana (2008), a revista estava empenhada na causa do professorado, da criança e do
ensino primário.
* Nesta Revista não houve escritos de professoras.
*Para saber mais: SANTANA, Elizabete Conceição. A voz dos professores baianos no início da República: a
Revista do Ensino primário (1892-1893). In. Revista HISTEDBR On-line. Campinas, n. 36, p. 70-82, dez.2009
– ISSN: 1679-2584.
105
As escolas normaes são estabelecimentos de instrução profissional,
pertencem, por conseguinte, a um ramo de ensino inteiramente prático. O
que notamos no ensino do externato de homens, a mesmíssima cousa
notamos no de senhoras: falta de applicação prática ao ensino das diversas
matérias alli ensinadas. (...) Queremos o professorado de um ou de outro
sexo bem preparado nas diversas materias de ensino: o que combatemos o
que reprovamos é a maneira pela qual se encaminhão para uma profissão
toda especial aquelles que procuram conquistar um diploma de alumno-
mestre. (VALLASQUES, 1893, p. 69).
Ao se apropriar das representações sociais da docência, o referido professor, assim
como os seus pares, através dessa Revista, forjaram tais idéias como meio de legitimação da
classe da qual faziam parte, colocando-se como importantes para a sociedade desejada,
reivindicando melhores condições de trabalho, mostrando conhecimento ao criticar e propor
soluções que atendessem as reais necessidades do Estado. Criaram outras representações
sobre si, sobre a categoria ao distinguirem o possível do desejado. Deste modo, os professores
também ao se posicionaram sobre as Escolas Normais da Bahia deram a ver as representações
construídas sobre as mulheres e os saberes requeridos das futuras professoras:
Não achamos sufficiente uma hora, em determinados dias da semana, para
uma alumna dedicar-se aos trabalhos de prendas. Este ensino deveria ter uma
sessão inteira, para seo melhor desenvolvimento.
A mulher tem o seo circulo de acção traçado na familia.
Querer elevar-se a mulher ao mais alto gráo de perfectibilidade scientifica,
fazendo-a desconhecer as prendas do seo sexo e a economia domestica é
sacrifical-a nos misteres da sua missão.
Educada nos estabelecimentos normaes sem lhes indicar o caminho a seguir
na vida pratica de ensinar, veremos reproduzir-se em nossas escolas o mal
que já apontamos, de meninas responderem em exames alguma cousa de
historia natural, chymica e physica; porem nada virmos que podesse dar uma
prova de aproveitamento no ensino de prendas.
(...) Quem quizer aprofundar os seos conhecimentos scientificos faça-o fora
da escola pública. A eschola publica tem uma missão – ensinar
sufficientemente a uma criança as matérias do curso primário para o
desenvolvimento de suas faculdades, e não accumular essas theorias de
lições abstractas comprejuizo do ensino de prendas, que é de grande
importância para a mulher. (VALLASQUES, 1893, p. 71).
Era contra essas formas de pensar que as mulheres tiveram que lutar. Mentalidades
que as excluíram de direitos e as postergaram de outros como o seu ingresso no mundo das
letras, no mercado de trabalho. E os números indicavam o seu predomínio na Escola Normal,
tornado-a um ambiente cada vez mais feminino. “Encerradas as matriculas nas diversas series
do curso normal, inscreveram-se 128 alumnos, sendo 123 do sexo feminino e 5 do sexo
masculino”.(SILVA, 1901, p. 3).
106
3.2. Mulheres baianas, religião e educação
Entre as décadas de 1910-1920 inicia-se na Bahia um movimento feminino imbuído de
idéias “modernizantes” que discutia a inserção da mulher no espaço público, na vida política e
produtiva da sociedade. Segundo Elizete Passos (1993), havia dois tipos de feminismo, o
revolucionário que pleiteava a igualdade entre os sexos, e outro, um feminismo elitista e
conservador, portanto, mais aceito e difundido. Esta autora afirma “que o feminismo
conservador seguia a doutrina cristã e defendia o espaço doméstico para as mulheres como a
subordinação destas ao homem”(Ibid,p.18). Ora, com o rompimento entre Estado e Igreja,
esta apoiará este movimento e fará dessas mulheres um instrumento de comunicação das suas
normas e valores na sociedade.
É assim que, a partir de 1910, dentre os periódicos que circulavam na Bahia, surge A
Paladina sob o incentivo e apoio da Igreja. Segundo Aline Paim de Oliveira (2000),
O titulo da revista provavelmente foi uma criação das redatoras. [...] o
substantivo masculino paladino é o nome com que se designavam os
principais cavaleiros que acompanhavam Carlos Magno à guerra das
Cruzadas e, no sentido figurado, significa homem intrépido e 'cavaleiroso'.
Esses cavaleiros lutavam pela Igreja católica na Idade Média, procurando
levar o cristianismo a todos os territórios e expulsar os infiéis da Terra Santa,
quase sempre utilizando a força para alcançar seus objetivos. Essas lutas pela
retomada do cristianismo duraram os séculos XI, XII e XIII e envolveram
muitos cristãos nestas batalhas. (OLIVEIRA, 2000, p. 27).
A Liga Católica das Senhoras baianas foi uma entidade que deu origem à Revista e da
qual faziam parte a maioria das colaboradoras. Esta Revista teve a ilustre educadora Amélia
Rodrigues como a primeira diretora e Maria Luiza de Souza Alves como vice. Na contracapa
da Revista elas informam o objetivo da sua existência: “A Paladina, revista fundada
especialmente para propagar idéas moralisadoras e conhecimentos úteis, será por isso de
grande auxilio às mães de família na tarefa de educar os filhos”. Ambas exerceram o
magistério na Bahia e estenderam a sua atuação como educadoras através dos seus escritos na
imprensa periódica. Encontramos na Revista Bahia Ilustrada, notas elogiando as referidas
professoras.
107
Amélia Rodrigues: Fale desta sacerdotisa da instrução primaria a propria
Bahia Illustada, que a conhece de sobejo. Que primor de mestra, e que
distincção de escriptora! D. Amelia Rodrigues na Bahia, é uma escriptora
brilhantissima e fecunda, de raros dons de observação, agudeza e penetração
analytica. Seus artigos literarios evidenciados na imprensa indigena,
preciosos todos elles, dão para substanciosos volumes. Inspiração fulgurante;
alliada á mais primorosa fórma, estylo sobrio efascinador...
Maria Luiza de Souza Alves nesta uma montanha de conhecimentos parece
ter-se escondido na estatura reduzida de crença. Um velho professor,
distincto e sabio mestre no ensino secundario, dissera-me della uma feita: - é
talvez a mais competente das educadoras bahianas. Quem a não conhce, por
ahi a fora, como emerita traductora de livros religiosos, historicos,
instructivos?... (LIMA, 1918, p.3).
Observamos, também, que a igreja estava atenta às mudanças que ocorriam na sociedade
e buscavam divulgar as prescrições religiosas, pois "somente com uma instrucção religiosa
verdadeiramente solida, pode a mulher tomar na família o logar que lhe pertence e exercer a
influencia salutar que as necessidades actuaes da sociedade reclamam d'ella".47
Os escritos
femininos na Revista expressavam apropriações condizentes com as representações
construídas sobre o sexo feminino ao longo do tempo. As palavras da professora e escritora
Maria Luiza de Souza Alves dão evidências da sua apropriação acerca das mentalidades
fundamentadas em argumentos biológicos e essencialistas:
Basta considerar, ainda que rapidamente os predicados physicos,
intellectuaes e moraes que predominam em um e outro sexo, para chegar á
conclusão que seu destino é a mutua dependencia. Dispõe o homem de
intelligencia mais robusta, mais precisa, capaz de maior applicação; é dotoda
de raciocínio mais seguro, de espirito de observação e creação mais
pronunciados, ao passo que a mulher possue mais aguda penetração,
imaginação mais fecunda, faculdade mais intensa de amar e sacrificar-se.
(ALVES, 1911, n. 3, p.8).
Em outro artigo a referida professora expõe o seu pensamento acerca da instrução
feminina. Maria Luiza de Souza Alves defende a importância de uma formação para a mulher
mais educativa do que instrutiva:
47
A Paladina do Lar, Bahia, anno II, n° 7, jul. 1911, p. 27
108
A poucos dias, em nossa bella cidade do Salvadior, tivemos a honra de
affectuar o 3º congresso de instrucção primaria e secundaria. Grandioso
tentamen, realmente, que muito glorifica o nosso paiz, é tratar do
levantamento do níve da instrucção popoular, (...) Instruir é util e necessario,
porem mais util e mais necessario ainda é educar, disciplinar a natureza,
corrigir-lhe os maus instinctos, depositando e desenvolvendo no coração
todos os germens da virtude, que invulneraveis nos torna aos contratempos
da vida. (...) Relativamente às meninas, embora com algumas sensiveis
modificações, a instrucção que não for orientada pela educação moral e
religiosa ha de, imprescindivelmente, produzir lastimosas consequencias.
(ALVES, 1911, n. 8, p.213-216).
Por outro lado, a professora Cordula Spinola (1913), mais uma escritora da Revista, em
sua Tese apresentada ao terceiro Congresso Brasileiro de Instrução primária e secundária
discutia o problema do ensino profissional no país e, em especial, a educação da feminina.
Para esta professora este nível de ensino deveria ter grande circulação no Brasil, pois, neste
ponto o país estava atrasado em relação às nações do velho mundo, assim se expressava.
Considerava, portanto, que se fazia necessário e importante o ensino profissional a nível
médio para as mulheres, independente do nível social a que pertenciam. Ela ainda explicava
que o referido ensino abrangia "tudo o que a mulher, perfeitamente educada, deve conhecer
nas letras, nas artes, nos officios, não só para ter o caracter de mulher instruída, como para
achar, em seus proprios recursos educativos, um meio facil de subsistencia".
Assim, na memória apresentada por essa professora ela pleiteava "a abertura de escolas
profissionaes, onde a educação marche de accordo com as exigencias da sociedade actual". A
professora afirmava ainda que a degradação moral da mulher, bem como a sua falta de
autonomia na sociedade, procediam da falta de mais acesso à instrução profissional, já que “a
mulher no Brasil, embora bem instruída, é quase sempre rica de theorias e pauperrima na
pratica do trabalho da vida”.
De forma breve expomos alguns indícios de formas de apropriações de mulheres que,
inclusive, exerceram o magistério primário, acerca do seu papel na sociedade e da
educação/instrução que deveriam ter. Encontramos em Cordula Spinola o desejo e a defesa
por maior acesso ao saber e por uma formação profissional como meio de emancipação
feminina. Maria Luiza de Souza Alves, uma mulher à frente ao seu tempo, porém, a sua
109
associação aos ideais do feminismo conservador se mostrava claras. As palavras desta
professora expressavam os fundamentos dos postulados científicos que estabeleceram a
existência de uma identidade feminina e uma identidade masculina diferenciadas,
particularmente, no século XIX e no mundo ocidental que, por muito tempo, foram utilizados
para justificar as desigualdades entre os sexos. Com base nesse pensamento foram
constituídos saberes para educar mulheres e homens ao longo do tempo como nortearam a sua
formação escolar/profissional entre ambos de forma desigual.
Com efeito, o acesso das mulheres ao saber, ainda que permitido, deveria ser regrado, de
forma que não alterasse o quadro das posições e papéis atribuídos às mulheres e homens
naquela época. Ligadas a esse propósito, estavam as exigências para a admissão das mulheres
na Escola Normal da Bahia desde a sua origem e os saberes oferecidos a elas durante a sua
formação para professoras. O ensino de prendas domésticas e o interdito a outros conteúdos
ilustram essas mentalidades.
Diante do caminho percorrido até aqui, observamos que nos anos relativos ao recorte
temporal deste estudo, a urbanização permitiu, paulatinamente, a saída das mulheres dos
limites do mundo privado, mas, a sociedade burguesa exigiu delas comportamentos morais
frente ao papel que desempenhariam na família, com a educação dos filhos e no apoio ao
marido. Assim, “a incipiente república que se delineava no final do século apresentava ao
imaginário social uma figura de mulher inspirada na filosofia comteana, a mulher-mãe com
qualidades altruístas, a fêmea humana, bondosa, redentora” (ALMEIDA, 1998, p.115).
As famílias tornaram-se alvo dos ideais republicanos, afinal a elas caberia a educação
dos novos cidadãos. Deste modo, à educação familiar, centrada na figura feminina, era
destinada a formação de bons filhos para a nação e ao pai caberia o papel de prover a família.
No processo de exclusão da mulher do direito à cidadania e emancipação perpassa a sua
inclusão na esfera doméstica como formadora dos seus lares e responsáveis pelo futuro da
pátria, portanto, subordinadas não somente aos maridos como aos deveres que deveriam
cumprir perante o Estado-Nação. Ai se encontram os fundamentos dos saberes veiculados na
formação das mulheres para a magistério a cargo da Escola Normal da Bahia. Não há palavras
110
que traduzam melhor a apropriação desses saberes pelas normalistas do que a delas próprias.
Vejamos o que diz Regina de Almeida Soares em seu discurso proferido no ato solene de
formatura pela Escola Normal da Bahia em 1893.
115
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No curso da viagem há sempre alguma transfiguração, de tal modo
que aquela/e que parte não é nunca a/o mesma/o que regressa”.
(IANNI, 2003, p.31, grifo nosso).
Percorremos esse caminho para desenvolver um estudo sobre os saberes específicos à
formação das mulheres para o magistério a cargo da Escola Normal da Bahia, no período de
1890 a 1914. A pesquisa foi desenvolvida com o fim de investigar o objeto de estudo no seu
processo histórico de constituição.
Logo, pensamos na investigação a partir das fontes oficiais, ou seja, a partir do que foi
determinado oficialmente como disciplinas importantes para a vida escolar/profissional das
normalistas. Na verdade, o intuito estava em entender o movimento deste processo a partir de
elementos que envolveram as políticas de formação de professoras/es, decorrentes das ações
do poder público quanto à educação, ao selecionar, institucionalizar saberes considerados
necessários para o preparo escolar/profissional das mulheres, o qual coube à Escola Normal
da Bahia.
No entanto, ao perceber que no cerne da história da constituição de tais saberes se
encontram as fronteiras construídas pelo tratamento desigual dado às mulheres ao longo do
tempo, buscamos percorrer a história do desenvolvimento de novas posturas na produção
historiográfica no decorrer das últimas quatro décadas através da produção de um estado da
arte, no intuito de conhecer o caminho da inserção das mulheres como objeto e sujeitos da
história, na historiografia brasileira e da educação.
Identificamos que a elevação da mulher enquanto sujeito histórico difundiu-se a partir
da aproximação cada vez mais latente entre a História Cultural e a História das Mulheres.
Vale lembrar que as perspectivas de análise oriundas desta aproximação ganharam mais força
quando historiadoras e historiadores educacionais se apropriaram dos debates teóricos
importados pelo Brasil nos anos de 1990 sobre as relações de gênero, os quais se mostraram
116
relevantes tanto para a história da educação brasileira como para outras áreas de estudos sobre
a mulher.
Diante do quadro que se inscreveu as transformações na historiografia brasileira,
buscamos nos aproximar dos elos que dão sentido à relação entre as perspectivas da História
das Mulheres (com ênfase nos estudos de gênero), da História Cultural e da História da
Educação para estudarmos a partir daquele momento a história cultural da educação feminina
na Bahia na viragem do século XIX para o século XX.
Acreditamos na relação existente entre a forma como as mulheres tiveram acesso aos
processos e espaços de educação informais e formais e os saberes considerados fundamentais
na sua formação para a docência do ensino primário. Assim, tornou-se indispensável para este
estudo pensar a educação feminina entre o século XIX e as primeiras décadas do século XX.
Buscamos, então, abordar a história da educação das mulheres baianas a partir de olhares
antes específico da história cultural, atentas neste percurso para as formas de valorização e/ou
de representação das diferenças de gênero na sociedade da época.
Desde então, nos valemos das noções de representação, prática e apropriação
fundamentais nas formulações teóricas Roger Chartier (1986), e continuamos o nosso
percurso sobre os discursos reveladores do modo como a mulher era vista, pensada ou das
representações criadas sobre ela. Observamos que ao longo das épocas as representações dos
sexos, feminino e masculino, foram constituídas com base em fundamentos biológicos,
através dos quais as identidades eram definidas, ou seja, o ser mulher ou o ser homem estava
estritamente ligado à diferença anatômica e biológica do corpo.
Não obstante as mudanças que movimentaram a construção de imagens sobre as
mulheres ou o perfil de mulher desejado ao longo da passagem dos séculos, o que a mulher
era, deveria ser ou fazer perpassava pela referência da mulher temente a Deus, “pura”,
virtuosa, recatada e abnegada - referência esta que resistiu às mudanças do tempo em
oposição a tudo que lembrasse a prostituta, a meretriz, a cortesã, a femme fatale. A partir
desses modelos opostos de mulher oriundos das representações historicamente construídas,
117
foram criadas e organizadas formas e espaços para educar homens e mulheres ao longo do
tempo.
Observamos que a visão construída sobre a mulher ao longo da história gerou práticas,
dentre elas, as atitudes, as normas de convivência, os modos de vida. A religião, por exemplo,
que por muito tempo produziu e disseminou representações sobre a mulher com base em uma
misoginia declarada, exerceu práticas frente ao sexo feminino que expressavam hostilidade,
desconfiança, discriminação, repressão. Assim, a função atribuída à mulher justificava as
normas, os valores, os modos de vida, a sua exclusão do processo de educação formal até o
final do século XVIII, bem como o desenvolvimento de instituições e projetos de educação
específicos para educá-las. Consideramos esta discussão relevante, sobretudo, num país de
escolarização tardia, marcado pelas distinções sociais, étnicas e de gênero que significou para
as mulheres uma vida de interditos, mas, também, de lutas contra mentalidades que as
excluíram de direitos e as postergaram de outros como o seu ingresso no mundo das letras, no
espaço público, no mercado de trabalho.
Mesmo após a previsão da escolarização feminina na legislação imperial, desde o
Decreto de 1827, esta não se faz sentir de imediato. Os números indicam o quanto a criação
de escolas para meninas foi lenta e gradual. Além disso, o ingresso das mulheres no processo
de educação, por muito tempo, aconteceu no interior dos seus lares, voltada para os destinos e
funções que lhes caberiam: o matrimônio, a maternidade e os afazeres domésticos.
Por todo o século XIX, Igreja e medicina, de mãos dadas, construíram e disseminaram
representações fundamentadas em pensamentos misóginos, foram concebidos estereótipos de
gênero. Estereótipos produzidos com base na relação de oposição, uma prática usada que,
inclusive, assegurava a condição de subordinação da mulher. Algumas imagens de mulher
foram delineadas no processo de construção de uma identidade feminina segundo modelos
que emergiram de uma ideologia religiosa e patriarcal, presente desde os tempos coloniais.
Insurge daí algumas práticas como a vigilância, a reclusão, onde o ambiente doméstico, o
espaço privado se constituiu como mais apropriado e seguro para a sua formação feminina.
Ainda com a perda de domínio da Igreja sobre o cotidiano do povo, a partir do século
118
XIX, redefinem-se as diferenças e divisões sexuais através de um discurso naturalista que
ratifica a existência de duas “espécies” com qualidades e aptidões particulares. Estereótipos
de gênero são reforçados e demandam uma continuidade no sexismo presente nas formas de
educar homens e mulheres e vão refletir nos espaços destinados à escolarização feminina.
Escolas para meninos, escolas para meninas, Escola Normais para homens, Escolas Normais
para Mulheres veiculando saberes diferenciados para as meninas voltados para as prendas
domésticas.
Constatamos que, na primeira metade do século XIX, a formação escolar/ profissional
das mulheres não se configurou no plano de prioridades da Província baiana. A educação
feminina, apesar de pretendida, centrou-se, sobretudo em preparar a mulher para atuar no
espaço doméstico como mãe e esposa. E “ser professora” seria apenas o prolongamento
dessas funções.
Dentro desta visão, o destino da mulher no magistério é traçado: a ela caberia educar as
futuras mães de família, importantes para o bem da sociedade. Porém, isto implicou na
imposição de uma série de normas, doutrinas que foram mobilizadas para produção e controle
dessas mulheres - professoras.
Vários foram os mecanismos utilizados para manter as mulheres dentro de certos
limites, de modo que não ameaçariam os lares, a família e o homem. A própria exigência que
antecedia o ingresso da mulher no curso normal, a colocava na dependência de uma
autorização do pai, irmão ou marido, conforme fosse o caso.
Além disso, o curso normal feminino oferecia um quadro de disciplinas reduzido e
associado, inclusive, às tarefas domésticas como corte e costura, bordados. Acrescente-se a
estes fatores, o regime de estudo estabelecido pela legislação de criação e implantação do
curso normal: as mulheres estudariam em regime de internato.
Continuidades e descontinuidades marcaram essa produção docente. Da criação da
escola Normal em 1836, até o marco inicial da nossa pesquisa, o curso passa por várias
119
reformulações que apontam para a instabilidade do seu funcionamento. A primeira Escola
Normal feminina seria criada apenas dezoito anos após a implantação da masculina.
Esse foi um dos indicativos da contradição da política baiana que, no plano formal-
jurídico atribuía o sucesso da extensão da instrução primária ao modelo escolarizado de
preparação para o magistério, por meio da Escola Normal. Acresce ainda, a nítida postura de
descaso dos poderes públicos quanto aos problemas apresentados nas escolas, como os de
conteúdo, de instalações físicas, freqüência irregular dos alunos, muitas vezes constatados e
discutidos nos seus diversos Relatórios sem que fosse apresentada uma solução concreta.
E como destacamos, muitas são as conseqüências até hoje sofridas pelas mulheres em
decorrência das desigualdades de gênero seja no âmbito político, jurídico, intelectual ou de
ordem social e econômica. Logo, perscrutar a história da formação de professoras é,
necessariamente, rastrear a história das mulheres, portanto, uma história de repressão, de
silencio, de subalternidade, mas, de resistências, lutas, inclusões nas exclusões.
Não obstante as especificidades regionais, tais elementos que caracterizam a história da
profissão docente no Brasil foram destacados por António Nóvoa (1991) em sua apresentação
breve do modelo de análise da história da profissão docente em Portugal, desenvolvido em
torno da observação de quatro etapas ou momentos do processo histórico de
profissionalização do professorado.
Conforme o autor, a partir das primeiras iniciativas de estatização do ensino no século
XVIII, que consistiu, sobretudo, na substituição de um corpo de professores religiosos (ou sob
o controle da Igreja) por um corpo de professores laicos (ou sob o controle do Estado), a
atividade docente que por algum tempo foi exercida sem especialização e como ocupação
secundária, passou a ser encarada como uma ocupação principal demandando a elaboração de
um corpo de saberes e de técnicas e um conjunto de normas e de valores específicos da
profissão docente.
Assim, do século XVIII ao século XIX com a gradativa expansão da escola - a qual
passou a ser vista como um instrumento de mobilidade social - os professores se utilizaram da
120
importância das suas funções como agentes deste projeto de escolarização para reivindicar
uma formação especializada e longa para o exercício do magistério. De acordo com Nóvoa
(1991) as escolas normais representam uma conquista importante do professorado, e sobre
estas instituições ele ressalta:
As instituições de formação ocupam um lugar central na produção e
reprodução do corpo de saberes e do sistema de normas da profissão
docente, desempenhando um papel crucial na elaboração dos conhecimentos
pedagógicos e uma ideologia comum. Mais do que formar professores (a
titulo individual), as escolas normais produzem a profissão docente (a nível
coletivo), contribuindo para a socialização dos seus membros e para a gênese
de uma cultura profissional. (NÓVOA, 1991, p. 18).
E a presença feminina na história da formação desta modalidade de ensino? Ainda
conforme o autor, a segunda metade do século XIX adquire importância quando se quer
compreender a ambigüidade do estatuto dos professores. É neste período que se percebe uma
oscilação na imagem dos professores na sociedade: os professores não são burgueses, não são
do povo, não devem ser intelectuais, devem ter instrução e relacionar-se com todos os grupos
sociais. Neste período todas estas questões são reforçadas com a feminização que introduz um
novo dilema entre as imagens masculinas e femininas da profissão, principalmente, na
viragem do século, ressalta Nóvoa (1995). Tais observações são relevantes, pois, apontam
caminhos para o nosso estudo, ou seja, consideramos a história da formação feminina como
parte do processo histórico de profissionalização do professorado como foi destacado pelo
autor.
É bem verdade que o período do nosso trabalho está entre o final do século XIX e inicio
do século XX, algumas décadas depois da gênese da profissão, da criação da primeira escola
normal brasileira datada de 1835 no Rio de Janeiro e da segunda em 1836, aqui na Bahia.
Contudo, se faz necessário atentar para as seguintes ressalvas:
Apesar das precauções teóricas e metodológicas, a análise do processo de
profissionalização sugere sempre uma evolução linear e inexorável. Nada de
mais errado. A afirmação profissional dos professores é um percurso repleto
de lutas e de conflito de hesitações e de recuos. O campo educativo esta
ocupado por inúmeros actores (Estado, Igreja, famílias, etc.), que sentem a
consolidação do corpo docente como uma ameaça aos seus interesses e
121
projectos. Por outro, o movimento associativo docente tem uma história de
poucos consensos e de muitas divisões (Norte / Sul, progressistas /
conservadores, nacionalista / internacionalistas, católicos / laicos, etc). A
compreensão do processo de profissionalização exige, portanto, um olhar
atento às tensões que o atravessam. (NÓVOA, 1995, pág.21).
De acordo com as palavras acima, consideramos a história da inserção e permanência
das mulheres nesta profissão importante para entender esse percurso de lutas, de conflitos que
se estende até os dias atuais. Com a feminização já em curso na Escola Normal da Bahia a
partir da segunda metade do século XIX e já bem evidente no período da nossa pesquisa, é de
suma importância construir o relato do processo pelo qual se constituiu os saberes para a
formação das professoras do ensino elementar na dinâmica da sociedade da época.
122
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Salvador: Tipografia Bahiana. 1915
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BULCÃO, Antônio Araújo de Aragão. Fala com que abriu, no dia 1º de maio de 1879, a 2º
sessão da 22º legislatura da Assembléia Legislativa Provincial da Bahia o exmo.sr. dr.
Antônio Araújo de Aragão Bulcão, APBa
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presidente Desembargador João José de Almeida Couto, no dia 1º de março de 1873. Bahia.
Tip. do correio da Bahia. APBa
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Mensagem e Relatórios apresentados pelo dr. Joaquim Manuel Rodrigues Lima, governador
do Estado. Bahia, Tip. do Diário da Bahia, 1893. p. 49-58. APBa
GOMES, Cassiano da Franca. Relatório do Diretor da Escola Normal de Homens.
Apresentado ao Sr. Diretor Geral da Instrução Pública.Anexo à Mensagem e Relatórios
apresentados pelo dr. Joaquim Manuel Rodrigues Lima, governador do Estado. Bahia, Tip. do
Diário da Bahia, 1893. p. 1 -12. APBa
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do 4º distrito escolar. Anexo ao relatório apresentado pelo dr. Sátiro de Oliveira Dias, diretor
geral. Bahia, Tip. do Diariio da Bahia, 1894.
SEIXAS, Romualdo Maria de. Relatório da Diretoria Geral da Instrução Pública da Bahia,
apresentado por dr. Romualdo Maria de Seixas em 27 de março de 1882. Anexo ao relatório
quando o 2º vice-presidente João dos reis de Souza Dantas, passou a administração da
Província ao Sr. Conselheiro Pedro Luis Pereira de Souza, em 29 de março de 1882. APBa
SILVA, Manoel Cicero Peregrino da. Relatório da Diretoria do Instituto Normal do ano de
1901. In: Relatório apresentado ao exm. Sr. Cons. Luiz Vianna. Governador da Bahia pelo
Secretário do Estado dr. Satyro de Oliveira Dias, em 7 de março de 1898. P. 3-7. APBa
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IMPRENSA
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n° 8, ago. 1913, p. 213-216.
ALVES. Maria Luiza de Souza. Conferência pronunciada na 4º reunião geral da Liga
Catholica das Senhoras Baianas pela vice-presidente da mesma D. Maria Luiza de
Souza Alves, em janeiro de 1911 (Continuação)". In. A Paladina do Lar, Bahia, anno II, n°
3, mar. 1911, pp. 8-9.
ATHAYDE, Cordula Spinola de "Que circulação deve ter no paiz o ensino profissional?"
In. A Paladina do Lar, Bahia, anno IV, n° 10, out. 1913, p. 281.
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