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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO CUIDADOS CLÍNICOS EM ENFERMAGEM E SAÚDE DOUTORADO ACADÊMICO CUIDADOS CLÍNICOS EM ENFERMAGEM E SAÚDE ARISA NARA SALDANHA DE ALMEIDA “A VIDA COMO ELA É”: UMA ANÁLISE EPIDEMIOLÓGICA E DISCURSIVA DO ABUSO DE BENZODIAZEPÍNICOS ENTRE MULHERES FORTALEZA-CEARÁ 2017

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO CUIDADOS CLÍNICOS EM

ENFERMAGEM E SAÚDE

DOUTORADO ACADÊMICO CUIDADOS CLÍNICOS EM ENFERMAGEM E

SAÚDE

ARISA NARA SALDANHA DE ALMEIDA

“A VIDA COMO ELA É”: UMA ANÁLISE EPIDEMIOLÓGICA E DISCURSIVA

DO ABUSO DE BENZODIAZEPÍNICOS ENTRE MULHERES

FORTALEZA-CEARÁ

2017

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ARISA NARA SALDANHA DE ALMEIDA

―A VIDA COMO ELA É‖: UMA ANÁLISE EPIDEMIOLÓGICA E DISCURSIVA

DO ABUSO DE BENZODIAZEPÍNICOS ENTRE MULHERES

Tese apresentada ao Curso de Doutorado em

Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde do

Programa de Pós-Graduação Cuidados

Clínicos em Enfermagem e Saúde do Centro

de Ciências da Saúde da Universidade

Estadual do Ceará, como requisito parcial para

à obtenção do título de Doutor em Cuidados

Clínicos em Enfermagem e Saúde. Área de

Concentração: Fundamentos e Práticas do

Cuidado Clínico em Enfermagem e Saúde.

Orientadora: Profa. Dra. Lia Carneiro Silveira

FORTALEZA-CEARÁ

2017

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ARISA NARA SALDANHA DE ALMEIDA

―A VIDA COMO ELA É‖: UMA ANÁLISE EPIDEMIOLÓGICA E DISCURSIVA

DO ABUSO DE BENZODIAZEPÍNICOS ENTRE MULHERES

Tese apresentada ao Curso de Doutorado em Cuidados

Clínicos em Enfermagem e Saúde do Programa de Pós-

Graduação Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde

do Centro de Ciências da Saúde da Universidade

Estadual do Ceará, como requisito parcial para à

obtenção do título de Doutor em Cuidados Clínicos em

Enfermagem e Saúde. Área de Concentração:

Fundamentos e Práticas do Cuidado Clínico em

Enfermagem e Saúde

Aprovada em: 20 dezembro de 2017

BANCA EXAMINADORA

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Aos meus filhos e esposo,

Antônio Pedro, Alissa Nara e

Alexandre Barbosa.

Aos meus Pais,

Neto e Elisa.

À minha tia mãe,

Margarida.

À minha grande amiga e orientadora,

Lia Silveira.

Pessoas que, de alguma forma,

São minhas referências de vida e de

cuidado.

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AGRADECIMENTOS

À DEUS, que me deu o dom da vida e a força necessária para a busca dos

meus sonhos.

À professora Lia Silveira pela amizade, carinho, atenção, dedicação, continua

orientação e disponibilidade na construção deste trabalho. Agradeço também

pelos momentos de escuta quando me sentia angustiada e insegura quanto ao

meu objeto de pesquisa. Pelos momentos de construção e desconstrução. Por

me indicar caminhos e tornar possível que eu os escolhesse com liberdade.

Enfim, obrigada!

Ao professor Paulo César pela amizade, carinho e atenção na orientação

desse trabalho. Foram longas orientações na abordagem quantitativa que

rendeu muito aprendizado.

Aos meus professores do doutorado pelos longos momentos de discussões e

dedicação na construção do conhecimento em enfermagem.

Aos colegas do doutorado pela amizade, companheirismo durante esses três

anos de doutorado.

Á secretaria do doutorado pela dedicação e presteza nas resoluções das

atividades.

Aos profissionais dos serviços, em especial a Dra Ana Lucia, Dra Solange Cid,

Dra Leila Memória, pela amizade, atenção, acolhida para o desenvolvimento

dessa pesquisa.

À minha banca, Profa. Rocineide Ferreira, Profa. Karla Miranda e Profa. Camila

Nayane, pela contribuição para finalização desse trabalho.

E ainda mais especialmente,

Ao Alexandre Barbosa, amor de uma vida toda, pelo apoio, companheirismo,

carinho e cumplicidade durantes minha formação.

À minha mãe, guerreira, que, ao seu jeito, soube me repassar os valores da

vida e o incentivo para eu sempre ir em frente.

À minha eterna tia Margarida, pelo amor incondicional, incentivo e dedicação.

Às minhas irmãs, Ádla, Ana Paula e Ayla, que sempre me ajudaram por

diversas vezes em minha caminhada.

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Às minhas irmãs de coração, Mirian e Juliana, que sempre me ajudaram por

diversas vezes em minha caminhada.

Ao meu irmão de coração, Herculano, que sempre me ajudou

incondicionalmente por diversas vezes em minha caminhada.

A minha chefe, Edna Guerra, que sempre me incentivou na busca dessa

vitoria.

E aos demais que, de alguma forma, contribuíram na elaboração deste

trabalho.

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―Uma parte de mim é todo mundo:

Outra parte é ninguém: fundo sem

fundo.

Uma parte de mim é multidão:

Outra parte estranheza e solidão.

Uma parte de mim pesa, pondera:

Outra parte delira.

Uma parte de mim almoça e janta:

Outra parte se espanta.

Uma parte de mim é permanente:

Outra parte se sabe de repente.

Uma parte de mim é só vertigem:

Outra parte, linguagem.

Traduzir uma parte na outra parte

— que é uma questão de vida ou morte

Será arte?‖

(Ferreira Gullar. Traduzir-se.)

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RESUMO

O estudo tem como objetivo: Investigar o uso abusivo de drogas

benzodiazepínicas (BZD‘s) na rede publica de saúde, considerando os

aspectos epidemiológicos e discursivos deste fenômeno. Trata-se de um

estudo transversal com abordagem quanti-qualitativa, realizado em Unidades

Básicas de Saúde e Centros de Atenção Psicossocial do município de

Fortaleza-Ceará. A pesquisa foi realizada em duas etapas, sendo a primeira

destinada a padrão do uso abusivo de Benzodiazepínicos entre mulheres

(n=520). A segunda etapa consistiu na análise dos discursos das mulheres em

situação de uso abusivo de BZD‘s. A análise quantitativa foi desenvolvida no

SPSS versão 20.0 licença número 10101131007, onde foram calculadas as

medidas estatísticas descritivas, médias e desvio padrão. A análise qualitativa

foi realizada utilizando a Análise de Discurso de Michel Pechêux. A pesquisa foi

aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do

Ceará com parecer número 690.266. As mulheres em uso abusivo do

benzodiazepínico caracterizam-se média de idade de 53,82 anos, a maioria

sem companheiro (60,3%), filhos (86,5%), baixa escolaridade (59,8%), religião

(94,8%) e não trabalhava (55,6%). O padrão de uso apresentou o diazepam

como o fármaco mais usado pelas mulheres com baixa escolaridade

(p<0,0001) e baixa renda familiar (p=0,007). Quando o motivo do uso foi

alguma perda (91,4%; ρ=0,028) ou tristeza (92,9%; ρ=0,041), a maioria das

mulheres usa o BZD por mais de dois anos. Identificamos a predominância de

três formações discursivas, a saber: Formação Discursiva Biomédica,

Formação Discursiva Religiosa e A Vida como ela é: pontos de ruptura. A

primeira formação representa os discursos voltados para perspectiva

farmacológica do uso, trazendo os motivos de uso, tipos de BZD utilizados e

conseqüências clínicas do uso abusivo. A segunda formação está relacionada

ao apelo religioso, a fé em Deus, que diante da angústia do ato de existir, a

religião comparece para tamponar o sujeito. Por fim, finalizamos com as

rupturas dos discursos, onde surgem algo que, apesar de silenciado, insiste em

se revelar. Encontramos uma metáfora que dá a tônica dessa formação

discursiva: o sujeito se anuncia como alguém ―perturbada‖, significante que faz

série com outros significantes como ―alterada‖, ―agitada‖, aquela que ―dá

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ataque‖. O uso abusivo caracteriza-se pelo tempo de uso excessivamente

prolongado e pelas queixas/motivos que não deveriam ter este tipo de fármaco

como medicação de escolha. Percebe-se a necessidade de pensar estratégias

de abordagem das demandas desse público específico que possam ir além da

medicalização das queixas relacionadas aos eventos da vida cotidiana.

Palavras-chave: Saúde Mental. Saúde da Mulher. Psicotrópicos. Receptores

de GABA-A. Estudos Transversais. Farmacoepidemiologia.

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ABSTRACT

The aim of the present study is to investigate the abusive use of

benzodiazepine drugs (BZD's) in the public health network, considering

the epidemiological and discursive aspects of this phenomenon. This is

a cross-sectional study with quantitative-qualitative methods, carried

out in Basic Health Units and Psychosocial Care Centers of the city of

Fortaleza - Ceará. The research was performed in two steps. The first

one focused on the pattern of abusive use of benzodiazepines among

women (n = 520). The second consisted in analysing the discourses of

women in abusive situations of BZD's. The quantitative analysis was

developed in SPSS software, version 20.0, license number 10101131007,

in which the descriptive statistical measures, means and standard

deviations were calculated. The qualitative analysis was made using

Michel Pechêux's Discourse Analysis. The research was approved by the

Research Ethics Committee of the State University of Ceará under

number 690266. Women in abusive use of benzodiazepine are

characterized by a mean age of 53,82 years old, most of them single

(60,3%), mother (86,5%), low education level (59,8%), religious

(94,8%) and not working (55,6%). The usage pattern presented diazepam

as the most used drug by women with low education (p <0.0001) and low

family income (p = 0.007). When the reason for the use was some kind

of loss (91,4%, ρ = 0.028) or sadness (92,9%, ρ = 0.041), most women

used the BZD for more than two years. It was identified a predominance

of three discursive formations: Biomedical Discursive Formation;

Religious Discursive Formation; and Life As It Is - rupture points.

The first formation represents the discourse focused on the

pharmacological perspective and brings the reasons for using, the

types of BZD and the clinical consequences of abusive use. The second

formation is connected to the religious appeal, the faith in God,

which facing the anguish of the act of existing, buffers the subject.

Lastly, we end up with a disruption of the discourses, where appears

something that, although muted, insists on revealing itself. We found

a metaphor that gives the emphasis on this discursive formation: the

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subject is announced as someone that is "disturbed", a signifier that

makes series with other signifiers in sense of "alteration",

"agitation" and "attacking". The abusive use is characterized by

extended time, such as by complaints and reasons that do not necessary

justify choosing this type of drug. It is noticed the need to think

about strategies to approach the demands of this specific public in a

way that could lead beyond the medicalization of the complaints

related to the events of daily life.

Keywords: Mental Health. Women's Health. Psychotropics. Receptors of

GABA-A. Transversal Studies. Pharmacoepidemiology.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 –

Tabela 2 –

Tabela 3 –

Tabela 4 –

Tabela 5 –

Tabela 6 –

Distribuição do número de mulheres em uso abusivo de

benzodiazepínicos, segundo as variáveis socioeconômicas e

demográficas. Fortaleza, 2015-2016.........................................

Distribuição do número de mulheres segundo os aspectos

do padrão de uso abusivo de benzodiazepínicos. Fortaleza-

CE, Brasil, 2015-2016...................................................................

Distribuição do número de mulheres segundo

queixas/motivos de uso dos benzodiazepínicos e as variáveis

socioeconômicas. Fortaleza-CE, Brasil, 2015-2016................

Distribuição do número de mulheres segundo o tipo de BZD

e as variáveis queixas/motivos e tempo do uso. Fortaleza-CE,

Brasil, 2015-2016...........................................................................

Distribuição do número de mulheres segundo o tempo de

uso do BZD e as variáveis renda e queixas/motivos do uso.

Fortaleza-CE, Brasil, 2015-2016.................................................

Distribuição do número de mulheres segundo a tentativa de

interrupção do uso de benzodiazepínicos e as variáveis sócio

clínicas. Fortaleza-CE, Brasil, 2015-2017.................................

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BZD Benzodiazepínico

RENAME Relação Nacional de Medicamentos Essenciais

SNGPC Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados

APS Atenção Primária em Saúde

ISRS‘s Inibidores Seletivos da Recaptação de Serotonina

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SUMÁRIO

1

2

2.1

2.2

3

3.1

3.1.1

3.1.2

3.1.3

3.2

3.3

4

4.1

4.1.1

4.1.2

4.2

4.2.1

4.2.2

4.2.3

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INTRODUÇÃO..............................................................................

OBJETIVOS.................................................................................

GERAL..........................................................................................

ESPECÍFICOS..............................................................................

METODOLOGIA..........................................................................

PRIMEIRA ETAPA DA PESQUISA - ANÁLISE

EPIDEMIOLÓGICA.......................................................................

Tipo de pesquisa e abordagem.................................................

Local, população e amostra.......................................................

Coleta e Análise dos dados.......................................................

SEGUNDA ETAPA DA PESQUISA - ANÁLISE DISCURSIVA...

ASPECTOS ÉTICOS....................................................................

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS...............

ANÁLISE CLÍNICO-EPIDEMIOLÓGICO DO ABUSO DE

BENZODIAZEPÍNICOS EM MULHERES....................................

Caracterização socioeconômica e demográfica das

mulheres em uso abusivo de BZD.............................................

Padrão de uso abusivo de benzodiazepínicos entre

mulheres......................................................................................

ANÁLISE DA PRODUÇÃO DISCURSIVA DAS MULHERES EM

USO ABUSIVO DO BENZODIAZEPÍNICO: PERSPECTIVA

SUBJETIVA E SINGULAR...........................................................

Formação Discursiva Biomédica...............................................

Formação Discursiva Religiosa................................................

A vida como ela é: pontos de ruptura.......................................

CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................

REFERÊNCIAS.............................................................................

APÊNDICES................................................................................

APÊNDICE A - INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS.........

APÊNDICE B - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE e

ESCLARECIDO............................................................................

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ANEXO..........................................................................................

ANEXO A - PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP.............

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1 INTRODUÇÃO

O atual cenário científico perpassa por mudanças nas atividades de

investigação, de pesquisa e de produção do saber voltado para inovações

tecnológicas e métodos disciplinares. No campo da saúde, esse movimento surge

no século XX com a medicina científica, que trouxe para a saúde mental a

―patologização‖ do sofrimento.

Neste contexto, as práticas de saúde são desenvolvidas para uma

tradução deste sofrimento em quadros psiquiátricos como transtorno do pânico,

depressão, déficit de atenção, compulsão alimentar, disfórica pré-menstrual, dentre

outros. Um dos exemplos mais evidentes é o catálogo de transtornos mentais

apresentados nas edições IV e V do Diagnostic and Statistical Manual of Mental

Disorders (DSM, sigla em inglês), pautado numa descrição, desprovido de uma base

teórico – cientifica. Essa categorização comporta uma abrangência maior das

possibilidades diagnósticas, permitindo a inclusão de um maior número de sujeitos.

Paralelo a isso, temos uma ênfase no tratamento medicamentoso, que desponta

como uma panacéia. A combinação desses dois fatores leva a um uso indevido de

fármacos na população.

Sobre o assunto, Ferrazza et al (2010) ressaltam que o saber psiquiátrico

vem definindo novas rotulações diagnósticas e novas formas de tratamento do

sofrimento psíquico. Os autores trazem termos e definições terapêuticas que se

tornaram parte da linguagem e da vida cotidiana. Observa-se, assim, um processo

de psiquiatrização da vida social, que vem transformando todo o mal-estar psíquico

em doença, e incentivando o tratamento baseado essencialmente em recursos

químicos.

Este saber embasa uma provável cientificidade da psiquiatria

contemporânea. Centrada na biologização do homem, utilizando as explicações da

neurociência e a oferta de medicamentos – que supostamente aplacariam o

sofrimento, maquilando os sintomas com ansiolíticos ou antidepressivos. Elia (2014)

ressalta que atualmente a ciência é conduzida pelo capitalismo, abrindo mão do seu

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rigor teórico, explicativo e da sua eficiência concreta. Fundamenta, agora, no lastro

que lhe confere o poder econômico dos grandes conglomerados e laboratórios da

indústria psicofarmacológica.

Na década de 1970 com o movimento de reforma psiquiátrica, houve um

processo de reformulações – críticas e práticas – que questionavam e propunham a

transformação do modelo clássico e do paradigma da psiquiatria. A construção desta

proposta tem como ponto nevrálgico o deslocamento operado no conceito de "doença

mental" para a concepção de "existência-sofrimento" do sujeito em relação ao corpo

social (ROTELLI; AMARANTE, 1992). Ou seja, redireciona o objetivo da psiquiatria,

passando da ‗cura‘ para a abordagem de como alguém vive, trabalha, ama e como

cada um significa essas experiências.

Ainda assim, mesmo com todos os avanços trazidos pelo ideário da

reforma psiquiátrica, grande parte da clínica direcionada ao sujeito em sofrimento

psíquico tem um caráter reducionista. O protagonista materializa-se na medicação,

destacando-se o uso de psicotrópicos. Portanto, continua-se esbarrando na

centralização, na medicalização da atenção, na ênfase em modelos biológicos e no

estímulo à fármaco dependência.

Sobre essa prática do incremento dos psicofármacos em detrimento de

atendimentos mais voltados às questões subjetivas do sofrimento, Birman (2000,

p.242) ressalta:

[...] diante de qualquer angústia, tristeza ou desconforto psíquico, os

clínicos passaram a prescrever, sem pestanejar, os psicofármacos

mágicos, isto é, os ansiolíticos e antidepressivos. A escuta da

existência e da história dos enfermos foi sendo progressivamente

descartada e até mesmo, no limite, silenciada. Enfim, por essa via

tecnológica, a população passou a ser ativamente medicalizada,

numa escala sem precedentes.

Estudos como o de Nordon et al (2009) discutem que fármacos como os

benzodiazepínicos (BZD) são a terceira classe de drogas mais prescritas no Brasil,

sendo utilizada por aproximadamente 4% da população. A representação de uso dos

BZD já foi avaliada em muitos países e perfis populacionais. No Brasil, estima-se

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que quase 2% da população adulta seja usuária crônica desse medicamente

(LARANJEIRA; CASTRO, 2017; MOLINA; MIASSO, 2008).

Em 2001, no mundo todo foram consumidas 26,74 bilhões de doses

diárias e 6,96 milhões de doses como hipnóticos (CEBRID, 2003). No Brasil, entre

setembro e agosto de 2011, foram consumidas 19.845.964 unidades (caixas) contra

23.470.193 unidades para o mesmo período em 2015, representando um aumento

de 15,45% no consumo (BRASIL, 2016). De acordo com o II Home Survey sobre o

uso de drogas psicotrópicas no Brasil (2005), entre os 7.939 entrevistados em 108

Cidades brasileiras com mais de 200 mil habitantes, 5,6% dos entrevistados

relataram uso de BZD. No último estudo realizado no Centro Brasileiro de

Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID, 2005), o consumo de BZD teve

porcentagens muito diferentes nas cinco regiões brasileiras. Assim, 2,4% dos

entrevistados do Norte já fizeram uso na vida desses medicamentos, ao passo que

no Sudeste foi de 6,6%.

O primeiro BDZ lançado foi o clordiazepóxido (Librium®) e causou grande

impacto no tratamento dos distúrbios de ansiedade. Sua grande aceitação pela

comunidade médica estimulou as empresas farmacêuticas produzirem drogas

simulares e trinta anos depois já existia no mercado cerca de 50 novos compostos

químicos derivados do clordiazepóxido. Na década de 70, medicamentos como o

diazepam (Valium®) tornaram-se as drogas mais prescritas em todo mundo para o

tratamento de doenças que afetavam o sistema nervoso central (SILVA, 1999).

Posteriormente, foram fabricados outros semelhantes e inseridos no mercado

nomeados de Clonazepam (Rivotril®), Bromazepam (Lexotan®), Alprazolam (Apraz®)

e, consequentemente, os BZD‘s se efetivaram como importante terapêutica

medicamentosa para a realidade da assistência psiquiátrica.

As drogas benzodiazepínicas ganham destaque, neste contexto, como

uma substância destinada a tratar os quadros ansiosos, devido aos seus efeitos de

sedação, diminuição da ansiedade e relaxamento muscular (FIRMINO et al, 2011).

Por diminuírem seus efeitos ao longo do tempo, os BZD‘s não são indicados para

tratamentos prolongados.

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Além disso, devido ao seu alto potencial para provocar tolerância e

dependência, a recomendação é de que a prescrição seja limitada a apenas poucas

semanas, com curta duração do uso (FIORELLI; ASSINI, 2017; CASALI, 2010). A

partir disso já pode-se afirmar sobre o ―abuso‖ do fármaco, com sério risco de

desenvolvimento de dependência. O uso abusivo define-se por padrões de

consumo, nos quais as posologias e o tempo de uso são determinados fora daquilo

que é preconizado cientificamente (FIORELLI; ASSINI, 2017).

A Organização Mundial da Saúde (2009) preconiza que os

benzodiazepínicos devem ser utilizados na menor dose eficaz durante o menor

tempo possível. Ou seja, por no máximo quatro semanas. A partir disso já se

considera ―abuso‖ do fármaco, com sério risco de desenvolvimento de dependência.

Uso ultrapassando de 6 meses leva a abstinência que ocorre de 1 a 11 dias após

retirada, pioram entre o 5º e o 6º dia de abstinência e desaparece em 4 semanas.

Diversos estudos realizados nos últimos anos (FIORELLI; ASSINI; 2017;

FIRMINO et al., 2017; LARANJEIRA; CASTRO, 2017; ALVIM et al., 2017) apontam

para o abuso desses fármacos como um complexo problema de saúde pública.

Ambiguamente, é motivo de revoltas e tabus no dia a dia das unidades de saúde,

com usuários implorando por renovação de receitas e médicos contrariados em

fazê-lo (BRASIL, 2013). Nesse sentido, para enfrentar essa pandemia (dada à

cronicidade das altas taxas de uso), faz-se necessário desenvolver estudos para

compreender esse fenômeno e melhor direcionar ações preventivas.

A literatura científica (MEZZARI; ISER, 2015; ALVIM et al., 2017,

ABI-ACKEL et. al, 2017) revela que essa questão é ainda mais evidenciada na

população feminina, indicando uma vulnerabilidade de gênero, associada por esses

autores à condição social da mulher. No cenário assistencial há um reforço desse

estereótipo e consequentemente uma naturalização do uso abusivo de BZD por

parte das mulheres (SOUZA; OPALEYE; NOTO, 2013). Segundo estudos recentes,

outro aspecto a ser considerado são os dados pessoais, sociais e clínicos dessas

mulheres, os quais possuem estreita relação com o uso abusivo (MEZZARI, ISER,

2015; ALVIM et al., 2017, ABI-ACKEL et. al, 2017).

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Essas mulheres carregam cada vez mais a incumbência de grandes

responsabilidades, tanto na sociedade quanto no meio familiar. Além de serem

quem mais frequentam os serviços de saúde, sendo atingidas pelas estratégias da

indústria farmacêutica (OLIVEIRA; AGUIAR; CAVALCANTE, 2011). Essa sobrecarga

que acompanha o papel de protagonista no gerenciamento de conflitos familiares e

das dificuldades financeiras tem deixado a mulher cada vez mais vulnerável ao

sofrimento psíquico.

Mas porque a mulher? Entre os usuários do BZD, as mulheres são as que

mais o utilizam. Comparando-se aos homens, chega a cerca de quatro vezes mais

em algumas regiões do Brasil (CEBRID, 2005). Indubitavelmente, as relações de

gênero induzem a vulnerabilidade feminina, compondo as questões sociais que irão

influenciar os papéis que cada um assume.

Diante da escassez de estudos epidemiológicos relativos a este objeto de

estudos, além de pesquisas defasadas que contemplem o padrão de uso em

mulheres de uma maneira mais sistematizada, questionamo-nos: qual o padrão de

uso abusivo de BZD entre mulheres no município de Fortaleza-Ceará? Por padrão

de uso consideramos o tipo de benzodiazepínico utilizado, a queixa e o motivo, o

tempo de uso e a tentativa de interrupção do uso. Este conhecimento faz-se

necessário no sentido de planejar uma assistência mais coerente com as demandas

das mulheres e, portanto, capaz de reduzir este uso abusivo.

Por outro lado, percebemos que, o uso abusivo de drogas lícitas

(psicotrópicos) para amenizar o sofrimento, configura uma situação de desaparição

do sujeito do desejo. Demonstra uma inabilidade em lidar com o mal-estar na

sociedade e sua consequente angústia (MENDONÇA, 2011). Quando algo constitui-

se como intolerável e não pode ser simbolizado, apontando para algo do sujeito, o

recurso às drogas benzodiazepínicas surge como saída.

Assim, consideramos também importante nos perguntarmos para além da

dimensão bioquímica e social, sobre como a medicação é simbolizada por esses

sujeitos, como ela entra nos discursos constituídos na atualidade como forma de

tratamento deste mal-estar. Ou seja, para além das dimensões médica e social,

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quais as formações discursivas que perpassam o uso abusivo de benzodiazepínicos

por mulheres? Quais os pontos de ruptura desses discursos? Quais as

possibilidades de pensar o lugar do sujeito na questão do abuso dessa substância?

Para a psicanálise, o sofrimento não é visto como algo a ser

simplesmente eliminado, mas como algo que denota a presença de um sujeito

diante de algo que lhe faz questão. O importante é ater-se ao discurso do sujeito,

possibilitar-lhe dizer ou apreender quais significados emergem da combinação entre

os significantes.

Relembremos que foi nos atendimentos de Freud aos sintomas das

histéricas que se deu o nascimento da psicanálise. Esses sintomas, por não

apresentarem lesão orgânica, eram destituídos de lugar no saber médico. Com

Freud o sintoma neurótico ganhou estatuto de mensagem a ser decifrada

(SILVEIRA, 2011). O conceito de sintoma é o que melhor convém ao trabalho

psicanalítico do caso a caso. Os sintomas falam, podendo revelar uma verdade

singular e fundamental para cada sujeito.

Observamos, então, a diferença entre o sintoma na psicanálise e na

medicina. Para medicina, o sintoma deve ser eliminado, é um sinal de desequilíbrio.

Já para psicanálise, o sintoma deve ser acolhido e decifrado. Ele representa uma

forma de o sujeito existir. São atos e como tais possuem sentidos e singularidades

próprios de cada sujeito. Mesmo sabendo que pode corresponder a um adoecimento

no corpo, o sintoma é sinal de um conflito inconsciente, possibilita ao sujeito

defrontar-se com o desejo recalcado.

Freud (1930) dedicou-se a abordar o mal-estar humano e afirmou que ele

decorre do próprio processo civilizatório. Para nos tornarmos humanos há um preço

a pagar: abrir mão de uma parcela importante de satisfação pulsional. Segundo ele,

para aplacar esse sofrimento, recorre-se a algumas estratégias, como o recurso às

drogas. Essa, porém, é uma medida paliativa para silenciar o sofrimento, e assim o

silêncio passa a ser preferível à linguagem, impedindo que a pulsão circule na

cadeia significante, fonte de angústia e mal-estar.

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A psicanálise aposta noutra forma de lidar com o sofrimento. Pela via da

palavra acessa-se o sujeito inconsciente, buscando apreender no sintoma o desejo

inconsciente indestrutível. Assim, o sujeito surgirá como efeito de linguagem,

estruturado na lógica de uma cadeia de significantes que é construída de maneira

singular para cada um. As marcas que cada homem carrega são também restritas à

sua existência. Ademais, com a formulação dos discursos, o inconsciente é

estruturado como uma linguagem na medida em que a própria linguagem aparelha o

gozo (LACAN, 2008).

Nessa perspectiva, pensando nas dimensões do desejo e gozo,

utilizaremos como método a análise do discurso. Essa permite abordar a fala desses

sujeitos para além de sua significação imediata, tomando-a em suas formações

discursivas e em seus pontos de ruptura. Para tanto, buscaremos compreender

como constrói-se o sentido do discurso, levando-se em conta um sujeito que falha

em dizer, porque as palavras escapam a seu domínio (TEIXEIRA, 2005).

Dessa forma, considerando todas essas questões trazidas acima,

pensamos na necessidade de ter um estudo quanti-qualitativo, onde a parte

quantitativa poderia dar conta da apresentação clínica e social do padrão de uso

abusivo do BZD, e a parte qualitativa iria abordar o lado discursivo do abuso. Ou

seja, como ele entra no discurso, como ele é apreendido pelas mulheres e a serviço

de que ele está.

Diante desse cenário, esse estudo tem como finalidade analisar o padrão

de uso abusivo de BZD entre mulheres no município de Fortaleza e compreender o

discurso das mulheres em uso abusivo de BZD, considerando as questões do

sujeito, do desejo, do gozo e do sintoma em psicanálise.

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2 OBJETIVOS

2.1 GERAL

Investigar o uso abusivo de drogas benzodiazepínicas entre mulheres na

rede pública de saúde, considerando os aspectos epidemiológicos e discursivos

deste fenômeno.

2.2 ESPECÍFICOS

a) Caracterizar as mulheres em uso abusivo de drogas benzodiazepínicas,

conforme seus dados pessoais, sócio-econômicos e clínicos;

b) Analisar o padrão de uso abusivo de drogas benzodiazepínicas em mulheres

através da correlação dos seus dados pessoais, sociais e clínicos.

c) Compreender o discurso das mulheres que fazem uso abusivo de drogas

benzodiazepínicas, considerando a dimensão do sujeito em sua relação com

o desejo, o sintoma e o gozo.

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3 METODOLOGIA

Devido a complexidade do nosso objeto, nós nos deparamos com a

necessidade de tanto conhecer essa realidade, caracterizando esses elementos que

estamos chamando de padrão de uso, como também compreender esse fenômeno

através do estudo qualitativo. Seguiremos com os detalhamentos do processo

metodológico, dividindo-o em duas etapas: primeira quantitativa e a segunda

qualitativa.

Trata-se de um recorte da pesquisa intitulada ―o uso abusivo de drogas

benzodiazepínicas na atenção à saúde mental: um estudo sobre a vulnerabilidade e

a subjetividade feminina‖, financiado pela Fundação Cearense de Apoio à Pesquisa

– FUNCAP, no edital PPSUS/MS/FUNCAP.

3.1 PRIMEIRA ETAPA DA PESQUISA - ANÁLISE EPIDEMIOLÓGICA

3.1.1 Tipo de pesquisa e abordagem

Nesta primeira etapa do estudo, realizamos uma pesquisa de natureza

transversal, utilizando uma abordagem quantitativa. Para Rouquayrol (2017), a

pesquisa transversal apresenta-se como um estudos epidemiológicos no qual causa

e efeito são observados num mesmo momento.

Constitui-se de um estudo de abordagem quantitativa visando investigar a

associação existente entre o abuso de drogas benzodiazepínicas por mulheres e

seus aos dados pessoais, sócio-econômicos e clínicos. Nesta perspectiva, iremos

recorrer à linguagem matemática para descrever as relações entre as variáveis

inerentes ao fenômeno em estudo. Para Creswell (2010), a pesquisa quantitativa se

centra na objetividade, considerando que a realidade só pode ser caracterizada com

base na análise de dados brutos.

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3.1.2 Local, população e amostra

Foi realizada uma estratificação segundo as seis Coordenadorias

Regionais de Saúde (CORES), do município de Fortaleza-CE. Selecionamos duas

Unidades de Atenção Primária em Saúde (UAPS) que havia dispensação de

psicotrópicos e um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) em cada CORES.

As Unidades de Atenção Primária em Saúde funcionam como nível

primário da rede de atenção à saúde, conceitua-a como o modo de organizar e fazer

funcionar a porta de entrada do sistema, enfatizando a função resolutiva desses

serviços sobre os problemas mais frequentes de saúde. Estas Unidades têm

também a responsabilidade de desenvolver ações de promoção de saúde mental e

cuidados ao sofrimento psíquico. Dessa forma, quando se analisa o tipo de

atendimento por condições de saúde na rede de atenção, 82% são condições

crônicas e 18% condições agudas, e dentre a assistência as condições crônicas

encontramos a demanda pelo benzodiazepínico (BRASIL, 2015).

Apesar da literatura configurar o abuso a partir do quarto semanas de

prescrição, optamos por tomar como população desse estudo aquelas mulheres

usuárias de benzodiazepínicos há mais de seis meses. Para o cálculo do tamanho

da amostra fixou-se P em 50%, haja vista que esse valor implica em tamanho

máximo de amostra.

Fixou-se o nível de significância de 5% ( = 0,05) e um erro amostral

relativo de 8% (erro amostral absoluto = 4%). A formula abaixo é indicada para

populações infinitas, e estes valores aplicados a ela proporcionaram uma amostra

em que ―n‖ seria igual a 520 mulheres.

z25% x P x Q

n = e2

O convite a participar da pesquisa foi realizado nos espaços de espera

das consultas de acolhimento, de hipertensão e diabetes, ginecológica ou na fila da

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farmácia. Partimos da perspectiva de que estes lugares seriam de mais circulação

das mulheres em uso do BZD. Segundo um estudo realizado no Paraná, a maioria

das prescrições eram realizadas por clínico geral, em segundo vem o cardiologista e

em seguida o ginecologista (SILVA; RODRIGUES, 2014)

Os critérios de inclusão foram: estar usando BZD há mais de seis meses;

ter idade igual ou superior a 18 anos; e não ser caracterizado como ―incapaz‖ que

necessite de autorização da família ou responsável. Como critérios de exclusão: ser

portador de doença aguda ou crônica que limite a sua verbalização e não ter

condições psíquicas ou econômicas para chegar ao serviço.

3.1.3 Coleta e Análise dos dados

A coleta dos dados foi realizada através de um instrumento que foi

aplicado junto à amostra selecionada (APÊNDICE A). Os sujeitos da pesquisa

(mulheres em uso abusivo de drogas benzodiazepínicas) foram abordados por

ocasião de sua ida aos serviços, no intuito de obter a referida medicação. Foi

apresentado o propósito da pesquisa e o Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido (TCLE – APÊNDICE B).

No instrumento abordamos as seguintes variáveis: dados pessoais (idade,

estado civil, escolaridade em anos de estudo, religião); dados socioeconômicos

(profissão, renda familiar, tipo de moradia, condições de moradia, e condições de

lazer); dados clínicos, a partir do prontuário (benzodiazepínico utilizado, diagnóstico

médico, co-morbidades, queixa, sintomas, motivo de uso, tempo de uso, tentativas

de interrupção de uso).

Os dados foram apresentados por meio de tabelas para melhor

compreensão dos resultados, sendo calculadas as medidas estatísticas descritivas

médias e o desvio padrão das variáveis quantitativas.

Analisamos a associação entre dependência química por BZD e as

variáveis qualitativas e/ou categóricas por meio dos testes não paramétricos de 2 e

do teste de razão de verossimilhança. Para aquelas associações com p>0,20, as

variáveis independentes entraram no modelo de regressão logística.

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As correlações entre variáveis foram feitas por meio do coeficiente de

correlação linear r de Pearson ou do coeficiente de correlação linear rs de Spearman.

As médias de dois grupos foram comparadas pelo teste t de Student ou

de Mannn-Whitney; as médias de três ou mais grupos (dados paramétricos) foram

comparadas pelo teste F de Snedecor. Sendo estatisticamente significante, as

comparações múltiplas foram realizadas pelo teste de Tukey ou de Games-Howell.

Para todas as análises considerou-se como estatisticamente significante

aquelas com p < 0,05. Os dados foram processados no SPSS versão 20.0.

3.2 SEGUNDA ETAPA DA PESQUISA - ANÁLISE DISCURSIVA

No segundo momento, foi realizado um levantamento qualitativo,

objetivando compreender o discurso das mulheres que fazem uso abusivo das

drogas estudadas, desenvolvido pelo método da análise do discurso.

Nos estudos de abordagem qualitativa, o pesquisador tenta estabelecer o

significado de um fenômeno a partir do ponto de vista dos participantes. Em outras

palavras, o investigador sempre faz alegações de conhecimento com base em

perspectivas construtivistas ou em perspectivas participatórias ou em ambas

(CRESWELL, 2010).

No nosso estudo o que interessa não é o acontecimento em si, mas sim,

como os fenômenos são apreendidos e subjetivados a partir da linguagem. Ou seja,

quais são significantes que um indivíduo em particular atribui aos fenômenos da

natureza que lhes dizem respeito.

Devido ao fato desta pesquisa tomar como objeto de estudo a questão da

experiência humana, notadamente no que diz respeito ao sofrimento, entendemos

que este não pode ser abordado de forma generalizada e implica numa investigação

pautada na AD.

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No entanto, o fato de debruçarmo-nos no aspecto singular desse

sofrimento não nos impede de buscar importantes considerações sobre o corpo de

conhecimentos da clínica em geral.

Definimos como campo dessa segunda etapa o território adstrito da

Coordenadoria Regional de Saúde I (CORES I), localizada no município de

Fortaleza-CE. A CORES I é composta por doze Unidades de Atenção Primária em

Saúde (UAPS), uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e dois Centros de

Atenção Psicossocial (CAPS) – um geral e outro Álcool e Drogas (AD), que

abrangem 15 bairros, com uma população de cerca de 360 mil habitantes. Dessas

unidades de saúde, duas possuem farmácias com dispensação de psicotrópicos.

Realizamos essa etapa em uma Unidade de Atenção Primária em Saúde

da CORES I com liberação de BZD. Este território possui aproximadamente 41 mil

habitantes, 3,5 mil famílias e sete equipes de saúde da família.

Com base nesse cenário, convidamos para esta pesquisa apenas as

mulheres que residem no território da unidade referida e participaram do primeiro

momento da pesquisa. Entramos em contato por telefone, após esclarecimentos

sobre a pesquisa, marcamos a entrevista na mesma unidade de saúde. Em se

tratando de uma abordagem qualitativa e do referencial psicanalítico que subsidiou a

entrevista e análise, a quantidade de sujeitos a serem pesquisados não foi definida.

No entanto, das 120 mulheres participantes da primeira etapa, conseguimos o

contato de 16 mulheres, dessas apenas nove compareceram a entrevista.

Durante a análise das entrevistas, essas mulheres receberam um nome

fictício de flores, a saber:

Entrevistada 01 - Alfazema

Entrevistada 02 - Bromélia

Entrevistada 03 - Rosa

Entrevistada 04 - Flor de Lótus

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Entrevistada 05 - Iris

Entrevistada 06 - Jasmim

Entrevistada 07 - Margarida

Entrevistada 08 - Orquídia

Entrevistada 09 - Violeta

Como forma de alcançar uma maior apreensão dos discursos dessas

mulheres em uso abusivo de BZD, utilizamos como técnica de produção de dados a

entrevista semiestruturada, que foi gravada para uma análise mais profunda do

material. Utilizou-se, também um diário de campo como fonte primária de coleta de

dados. Nele o pesquisador toma nota dos elementos do discurso, dos silêncios, das

expressões faciais. A pesquisadora participou de oficinas de supervisão para

discussão dos casos atendidos quinzenalmente.

A entrevista semiestruturada é amplamente utilizada nas pesquisas

qualitativas. Ela tem atraído o interesse dos pesquisadores em virtude da maior

possibilidade de os entrevistados expressarem o seu ponto de vista em uma

situação de entrevista, em detrimento da entrevista padronizada (FLICK, 2009).

Este tipo de entrevista utiliza-se de certos questionamentos comuns para

todos os entrevistados, a partir de um instrumento apoiado num referencial teórico

metodológico. Apresentando, assim, uma flexibilidade de introduzir novas questões

à medida em que o diálogo avança (LICHTMAN, 2010).

As entrevistas foram registradas através de um minigravador de voz

digital e posteriormente transcritas para leitura. Os dados foram armazenados em

CD-ROM e serão guardados por um período de cinco anos.

ANÁLISE DISCURSIVA

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Com vistas a compreender o discurso das mulheres que fazem uso

abusivo de drogas benzodiazepínicas na rede pública de saúde, optamos para

fundamentar esta pesquisa o referencial teórico da análise do discurso e da

psicanálise, considerando a dimensão do sujeito em sua relação com o desejo, o

gozo e o sintoma. Traremos em seguida uma discussão acerca da interseção

desses dois referenciais.

A ANÁLISE DO DISCURSO E SUA INTERSEÇÃO COM A PSICANÁLISE

Com o surgimento da ciência moderna, observam-se mudanças nas

formas de conceber o mundo, a sociedade e a relação do próprio homem com a

verdade. Essa ciência valoriza uma forma de relação do sujeito com a produção do

conhecimento que elimina de seu campo as questões relativas ao modo como o

acesso à ―verdade‖ modifica o sujeito. O que importa é a regularidade do método

que, se for seguido, permite reproduzir o conhecimento. Santos (2010, p. 29) situa o

método científico ao referir que conhecer significa quantificar. É preciso separar,

cortar e contar para depois perceber as relações. Ademais, o ―conhecimento causal

aspira à formulação de leis, à luz de regularidades observadas com vistas a prever o

comportamento posterior dos fenômenos‖.

Certamente se procuramos, encontramos alguma regularidade, algo que

se repete. Mas a vida não se resume as regularidades. Percebemos, então, que o

método científico consegue dar conta de explicar uma parcela do real, mas para isso

paga-se um preço: ao fixar regras e observar repetições, o método científico limita a

realidade, exclui as contradições, homogeneíza as diferenças e reduz a

complexidade da vida.

É exatamente o discurso da cientificidade que Sanada (2004) ressalta ser

responsável pela produção de objetos que visam ao suturamento da falta. Excluindo

o sujeito, a partir de uma universalização dos conceitos e dos instrumentos que

produz. É esse sujeito que a psicanálise busca reintroduzir em seu discurso,

considerando a dimensão da verdade como não-toda a partir da fala, e a dimensão

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do saber naquilo que se articula à cadeia significante. Se do lado da ciência busca-

se o Um-tudo, Um unificante. Do lado da psicanálise abri-se espaço para a

singularidade, para o desejo do sujeito, ou seja, para o inconsciente.

Nas palavras de Silva e Kirschbaum (2008, p.488):

Pensar o inconsciente e o sujeito do inconsciente do ponto de vista

da pesquisa é considerar, dentre outras coisas, que há, sim, um não-

dito, muitas vezes por não se conseguir dizê-lo, ou simplesmente por

não se saber dizê-lo. Isso implica suportar a lacuna desse não-saber

ou, cuidadosamente, propor possíveis leituras desse não-dito.

Possíveis leituras e não verdades sobre aquilo que o discurso não

revelou. O que valida um saber do sujeito é o próprio sujeito.

Diante desse discurso da dimensão da verdade como não-toda a partir da

fala, adotaremos como referencial teórico dessa pesquisa os preceitos da

psicanálise, por considerar o não-dito na fala do sujeito. Ademais, um dos objetivos

desse estudo destaca-se por pretender analisar as singularidades nos discursos das

mulheres em uso abusivo de benzodiazepínicos, considerando a dimensão do

sujeito em sua relação com o desejo, o gozo e o sintoma.

Nesse ponto, nos perguntamos como examinar esse abuso, esse

excesso, esse gozo frente ao uso de BZD por mulheres? Nessa interrogação, não

nos interessa o fenômeno em si, nem o significado que as coisas ganham.

Significados estes que um indivíduo em particular ou um grupo determinado

atribuem aos fenômenos da natureza que lhes dizem respeito. Ou seja, esse estudo

não tem uma perspectiva hermenêutica. Aliás, aqui nos importa saber produzir

momentos de rupturas (ditos espirituosos, atos falhos, repetições, lapsos, silêncio)

nas palavras, para extrair delas o seu fundamento.

Ao pensar em um método de pesquisa que considere o sujeito da

linguagem, do discurso, do significante e do inconsciente, chegamos ao referencial

da análise do discurso na perspectiva da corrente francesa de pensamento,

representada por Michel Pechêux (1938-1983). Acreditamos que esse método seja

compatível as particularidades do presente estudo e seus objetivos, visto que a

teoria psicanalítica atravessa toda a epistemologia da análise do discurso.

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A Análise do Discurso (AD) surge na década de 1960, tendo como bases

epistemológicas: o materialismo histórico, postulado por Althusser a partir de sua

releitura da obra de Marx, adotando o conceito de ideologia; a linguística cuja maior

influência foi Ferdinand Saussure, abordando os processos de enunciação; e a

teoria do discurso e adoção do conceito de formação discursiva de Foucault,

trazendo a perspectiva das relações entre o discurso e suas condições de produção

(SANTOS, 2012).

Michel Pêcheux e Jacques Lacan, um filosofo e um psicanalítico,

contemporâneos do séc. XX, teorizam modos de pensar a linguagem e a teoria do

discurso, ambos foram leitores de Saussure e Freud. Destarte, a psicanálise

constitui um dos tripés de composição do campo teórico da AD. Um eixo de

fundação que auxilia o desenho que Pêcheux traça sobre o discurso como efeito de

sentidos, o sujeito, a interpelação ideológica, os esquecimentos e o real. Ademais, a

psicanálise permitiu fazer furo naquilo que os linguistas tão bem costuraram (e

costuram) conceitualmente como língua (MARIANI; ROMÃO ; MEDEIROS, 2012).

A AD de Pêcheux propõe-se a pensar os efeitos de sentido no discurso,

considerando as condições de produção, a ideologia, a posição do sujeito falante e

todo o processo discursivo (TEIXEIRA, 2005). Portanto, sua preocupação nunca foi

―o que isso significa?‖, não se importando com os significados dos fenômenos, mas

com os significantes que emergem de um sujeito que falha em dizer.

Em seu artigo A Análise do discurso: três épocas (1983), Pêcheux divide

sua obra em três momentos. O primeiro aborda a exploração metodológica da noção

de maquinaria discursivo-estrutural; o segundo, voltada para o estudo do

entrelaçamento desigual dos processos discursivos; e o terceiro, interessada em

fazer emergir novos procedimentos de análise a partir da consideração da

heterogeneidade/equivocidade do sujeito e do sentido (TEIXEIRA, 2005).

A articulação entre a língua e o discurso dá origem às formações

discursivas (FD), e elas são constituídas por um sistema de paráfrase ou polissemia.

Enquanto a paráfrase é um mecanismo de fechamento, de delimitação das fronteiras

em busca da preservação de sua identidade. A polissemia é o rompimento dessas

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fronteiras, instalando a pluralidade, a multiplicidade de sentidos. Ademais, a FD vem

homogeneizar os discursos que se organizam segundo as formações ideológicas

(FI). A AD apresenta nesses conceitos um sujeito totalmente assujeitado, interpelado

pela instância linguística e pela ideologia (BRANDÃO, 2004; SANTOS, 2012)

A AD é separada em fases. Dentre elas, a terceira pode-se observar a

influência da Psicanálise de forma mais acentuada, e é exatamente essa etapa que

iremos utilizar para aproximar nosso objeto de pesquisa. Sobre esse momento,

Teixeira (2005, p. 16) ressalta que abre-se a possibilidade de tratar da questão da

incompletude do sentido, que atravessa a literatura e as manifestações mais triviais

da vida cotidiana. Nessa perspectiva, a autora busca ―elementos para compreender

como se constrói o sentido no discurso, levando-se em conta um sujeito que falha

em dizer, porque as palavras escapam a seu domínio‖.

Pêcheux tenta conferir à subjetividade uma dimensão ao mesmo tempo

ideológica e psicanalítica, utilizando-se dos conceitos de Sujeito althusseriano e o

Outro lacaniano. No entanto, essa identificação de Pêcheux coloca o sujeito

predominantemente tomado pelo imaginário e simbólico, desconsiderando o registro

real (TEIXEIRA, 2005). Para Lacan, o sujeito para se constituir depende das

amarras do nó dos três registros. Portanto, a noção de sujeito aparece no

―entrecruzamento das tendências imaginárias com as cadeias simbólicas e as linhas

de força do real‖ (CABAS, 2009, p. 127).

A noção de heterogeneidade constitutiva, presente na terceira fase da

AD, traz um novo estatuto ao sujeito discursivo, pois inaugura a presença

determinante do discurso do Outro. Para Brandão (2004), esse Outro não é só o seu

destinatário para quem planeja e ajusta a sua fala. Envolve também outros discursos

historicamente já constituídos e que emergem na sua fala (interdiscurso), ou seja, é

aquilo que fala antes. O saber discursivo que torna possível todo dizer, o já-dito que

está na base do dizível.

Seguindo essa linha de raciocínio sobre a definição de sujeito, para

Lacan, ele é o efeito clivado, faltoso, desejante e dividido, interpelado pelo

inconsciente, do qual fala o Outro. Assim, o inconsciente é o discurso desse Outro,

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isto é, ele traduz naquelas palavras que surgem de algum lugar que não o da fala do

eu. Ou seja, está repleto da fala, das conversas, dos objetivos, das aspirações e das

fantasias de outras pessoas (CABAS, 2009).

Diante desses Outros, Lacan (2008) explica essa dupla dimensão da

alteridade, distinguindo o outro (minúsculo) – que é o eu, do Outro (maiúsculo) – que

não é um semelhante. É dele que se trata na função da fala, é o Outro da

linguagem, detendo as chaves de todas as significações inacessíveis ao sujeito.

Segundo Teixeira (2005, p. 80): ―o Outro é, em primeiro lugar, a mãe, objeto perdido

devido à proibição do incesto, mas constitui sobretudo o lugar onde os significados

já estão, antes de todo sujeito, sendo daí que ele recebe sua determinação maior‖.

É nesse sentido que Pêcheux toma o sujeito, integralmente pelo campo

do Outro, enfocando na perspectiva simbólica, a alienação total do sujeito à

estrutura, desconhecendo sua condição de desejante. No entanto, ao deter-se a

essa assertiva, o sujeito passa a ser um mero produto, sub julgado da linguagem,

entre uma forma discursiva e outra. Um sujeito que se institui no automatismo de

uma combinatória estrutural sem resto (TEIXEIRA, 2005).

A psicanálise, em contrapartida, defende que o sujeito não está só sub

julgado a linguagem. A linguagem não pode ser somente a fala, há uma revelia, algo

que escapa aos discursos já construídos, da ordem do desejo do sujeito. Isso

(re)produz certas rupturas, equívocos, lapsos, chistes, produzindo renovações

linguísticas. É através do interdiscurso que podemos nos amparar para trabalhar

com os ditos que escapam ao dizer, frente a questão, o que faz uma pessoa dizer

uma coisa e não outra.

Pêcheux em seu texto Só há causa daquilo que falha (1978) lamenta o

fato de ter levado o sujeito discursivo para uma dimensão de assujeitamento,

reconhecendo que esse sujeito precisa ser repensado. Passando, então, a referir a

categoria do real na estruturação do sujeito (TEIXEIRA, 2005), o mesmo autor (p.86)

discorre sobre esse real na obra de Pêcheux:

Embora não o formule explicitamente, parece-me que é por

considerá-la, fazendo nó com o imaginário e o simbólico, que ele se

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dá conta da impossibilidade constitutiva de um saber absoluto, da

realização simbólica consumada. A crítica à ―onipotência‖ do analista

de discurso e a conseqüente inclusão da AD entre as disciplinas de

interpretação, o deslocamento da atenção para o fato do equívoco, a

abertura na direção da heterogeneidade do campo enunciativo, a

ênfase dada ao fio do discurso atestam o reconhecimento por

Pêcheux de um Outro vazado.

Ainda sobre a articulação da AD e a psicanálise, Tfouni (2006) propõe

construir o conceito de interdito como fundador do discurso. O autor argumenta que

o sujeito fala a partir de discursos historicamente construídos. No entanto, a sua

posição frente a esses discursos não lhe será algo transparente, ou seja, sua

verdade enquanto sujeito não lhe será acessível. Ele não vê a realidade de sua

posição, por essa razão é alienado, dividido entre os discursos. Por isso, afirma-se

que o interdiscurso trata do sujeito que comparece fora do discurso. Ademais, o

sujeito só manifesta-se porque o inconsciente insiste em aparecer, rompendo a

barreira do recalque e surgindo através das formações do subconsciente (sonho, ato

falho, piadas ou sintoma).

Nesse sentido, é importante ressaltar com a noção de interdito que todos

os discursos são incompletos. Bem como a noção de incompletude do sujeito, não

existindo uma homogeneidade do discurso, furando a idéia de formação ideológica.

Assim, para a psicanálise, esse discurso vem a ser articulado com a noção de

repetição em Lacan, pois se uma vez o objeto foi perdido, o sujeito tenta alcançá-lo

pela palavra. Mas como nenhum discurso é completo, o sujeito vê-se obrigado a

repeti-los, para que possa expressar sua verdade (TFOUNI, 2006).

Para Orlandi (1995), o silêncio seria uma partícula fundadora de

discursos, pois nele residiria a incompletude da linguagem: todo dizer é uma relação

fundamental com o não dizer. O silêncio assumiria a condição de ―vir a ser‖ do

discurso, longe de ser um vazio ou um reservatório de coisas, ele possui significado.

Assim, pensando o interdito como formador do discurso, se por uma via

há a tentativa de silenciar, por outra há a de revelar. ―O discurso se alonga, se

desenrola, ora para silenciar, ora com momentos preciosos onde o enunciatário

aparece através de significantes‖ (TFOUNI, 2006, p.133).

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36

Portanto, pensando em um dos objetivos desse estudo, a AD irá contribuir

como método de apreensão do discurso das mulheres em uso abusivo de

benzodiazepínicos. De forma, ajudará a compreendê-las de uma maneira articulada

com as suas condições de produção. Ademais, buscaremos identificar os pontos de

rupturas desse discurso, delineando os significantes que nomeiam o sujeito em sua

relação com o desejo, o gozo e o sintoma.

Dessa forma, como já mencionado, as entrevistas semiestruturadas

realizadas junto às mulheres foram transcritas e analisadas por meio da Análise do

Discurso. Segundo Orlandi (2005), a AD não se ocupa do sentido do texto, ou do

sentido do discurso, procurando seus significados, mas sim com os modos e com as

dinâmicas do texto e do discurso por ocasião da produção de sentidos ao longo do

fio da história. Segue etapas do processo de realização da análise descrito por

Orlandi (2005):

Figura 1 - Etapas do processo de análise do discurso e suas correlações.

Fonte: elaborado pela autora

A primeira etapa de análise do discurso foi realizada durante as

transcrições das entrevistas. Nesse momento, faz-se a passagem da superfície

linguística (o material empírico bruto), de modo rigorosamente fidedigno, para objeto

discursivo. Foram considerados a marcação de tempo de fala, todos os elementos

linguísticos, que incluem desde as palavras utilizadas pelo sujeito, até os recursos

linguísticos, preservando o dito no momento da enunciação. Ademais, as partículas

linguísticas normalmente desconsideradas pela análise de conteúdo permanecem

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no corpus analisado. Como, por exemplo, as contrações como ―né‖, ―tá‖, ―é...‖, ―ah!‖,

―ahhhh...‖, que poderiam ser descartadas (GOMES, 2007).

A segunda etapa será aplicada ao realizar a passagem do objeto

discursivo para o processo discursivo. O que consiste na operacionalização de

sucessivas leituras do material que estejam vinculadas ao contexto social e histórico,

adotando assim uma dialogicidade com a soma dos fatores internos e externos ao

sujeito que a produz, em sua individualidade (GOMES, 2007).

Por fim, a terceira etapa, apresenta o esqueleto dos resultados dispondo

os elementos que constituem a AD. Após constituir o processo discursivo, observam-

se várias ideologias no dizer. Mas apenas uma apresenta-se como ―pano de fundo

sobre o qual se formaram e se desenvolveram as particularidades das distintas

formações discursivas‖ (GOMES, 2007, p. 560).

Nesse sentido, a análise das formações discursivas pode ir além do está

posto, podendo ser identificado através dos dispositivos analíticos, a saber:

paráfrase, polissemia, interdiscurso e metáfora (GOMES, 2006).

A metáfora é definida como um fato semântico produzido por uma

substituição contextual, pelos deslizamentos de sentidos; é a tomada de uma

palavra pela outra através de um mecanismo de transferência.

Para Orlandi (2001), metáfora é um dos lugares privilegiados em que a

ideologia e a historicidade se manifestam, pois, pelos equívocos gerados por essas

variáveis no inconsciente do enunciante, permite que os sentidos atribuídos pelos

próprios sujeitos se mostrem.

No interdiscurso, o sujeito elabora o seu dizer remetendo-o a outros

discursos. Ao fazer uso desses discursos de acordo com sua aproximação com os

mesmos, demarca também como se posiciona ideologicamente. Constitui-se como a

―memória do dizer‖. É através dessa memória que os sentidos se constroem, dando

a impressão de que a pessoa sabe do que está falando e de que esse dizer possui

origem exclusiva em seu pensar (GOMES, 2006).

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A paráfrase diz respeito a matriz de sentido da linguagem em suas

diversas manifestações, tratam-se de discursos já estabelecidos presentes na fala

do entrevistado, em que seus elementos repetem-se. Este dispositivo apresenta-se

como indispensável para a realização da AD, pois todo o dizer vai se estruturando a

partir de famílias parafrásticas, que dão continuidade espaço-temporal ao sentido

constituído em algum ponto da linha histórica do indivíduo ou da sociedade

(GOMES, 2006).

A polissemia contrapõe-se à paráfrase, sendo definida pelo

deslocamento, que provoca uma ruptura e experimenta um sentido novo no dito

cotidiano. Quando o enunciado passa a ter vários sentidos, causando um equívoco,

o diferente.

Se o real da língua não fosse sujeito à falha e o real da história não fosse

passível de ruptura, não haveria transformação, não haveria movimento possível,

nem dos sujeitos, nem dos sentidos. É porque a língua é sujeita ao equívoco e a

ideologia é um ritual com falhas que o sujeito, ao significar, se significa. Por isso,

dizemos que a incompletude é a condição da linguagem: nem os sujeitos, nem os

sentidos, logo, nem o discurso, já estão prontos e acabados (ORLANDI, 2001),

Nesse percurso, Gomes (2006) situa que os dispositivos analíticos

tornam-se imprescindíveis à análise do discurso, objetivando desvelar os

significantes para se (re)constituir o sentido impresso pelo sujeito. Considerando

uma formação discursiva sobre as dimensões do dito, da linguagem e sobre o não-

dito, o sentido.

3.3 ASPECTOS ÉTICOS

O presente estudo faz parte de um projeto contemplado no edital do PPSUS

intitulado ―Uso Abusivo de Drogas Benzodiazepínicas na Atenção à Saúde Mental:

um estudo sobre a vulnerabilidade e a subjetividade feminina‖, financiado pela

Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico

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(FUNCAP). Foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade

Estadual do Ceará (UECE), atendendo à Resolução 466/12 (BRASIL, 2012) – que

estabelece a regulamentação para a pesquisa com seres humanos, tendo sido

aprovado com o número de parecer 690.266.

Após isso, para cada participante foi entregue o Termo de Consentimento

Livre e Esclarecido, para que fosse assinado. O não consentimento por parte dos

pacientes não trouxe (ou trará) prejuízo ao tratamento que estes recebem na

instituição onde será desenvolvida a pesquisa. O sigilo sobre a identidade dos

indivíduos participantes será mantido, sendo que o seu nome próprio será

substituído por um nome fictício e os demais aspectos éticos serão observados

respeitando a resolução 466/12.

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4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

4.1 ANÁLISE CLÍNICO-EPIDEMIOLÓGICO DO ABUSO DE BENZODIAZEPÍNICOS

EM MULHERES

Estudos apontam o uso abusivo de drogas benzodiazepínicas como um

complexo problema de saúde pública (ALVIM et al, 2017; SCHALLEMBERGER E

COLET, 2016; CARLINI et al, 2007). Estes ressaltam alguns fatores preocupantes

na liberação dessas drogas, a saber: distribuição gratuita pelo SUS, tornando

acessível à população e a falta de protocolo para orientar sua prescrição e

dispensação.

A literatura cientifica anuncia uma percentagem maior de uso na

população feminina, indicando uma vulnerabilidade de gênero, associada à condição

social da mulher. Além da maior predisposição a problemas de cunho afetivo e

psicológico, o que confere a elas aproximadamente 30% de prevalência na utilização

dessa medicação (SCHALLEMBERGER E COLET, 2016; ALVARENGA et al, 2008;

CARLINI et al, 2007).

No cenário assistencial há um reforço desse estereótipo e

consequentemente, uma naturalização do uso abusivo de BZD por parte das

mulheres (SOUZA, OPALEYE e NOTO, 2013). Segundo estudos recentes, é

provável que, para além de ser uma questão de gênero, outros aspectos devem ser

considerados, entre eles podemos citar fatores pessoais, sociais e clínicos dessas

mulheres, os quais possuem estreita relação com o uso abusivo de medicamentos

(SCHALLEMBERGER E COLET, 2016; FIRMINO et al, 2011; VANTOUR et al,

2010).

Diante da elevada prevalência do uso de BZD entre mulheres, bem como

o potencial de abuso desses medicamentos e a ausência de estudos nessa área,

propomo-nos neste capitulo a analisar quantitativamente como se dá o padrão de

uso abusivo de drogas benzodiazepínicas por mulheres, na rede pública de saúde.

Consideramos como padrão de uso a queixa/motivo de uso, tipo de BZD utilizado,

tempo de uso e as tentativas de interrupção. Esses dados foram cruzados aos

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dados pessoais, socioeconômicos e clínicos, no sentido de identificar associações

entre estas variáveis.

4.1.1 Caracterização socioeconômica e demográfica das mulheres em uso

abusivo de BZD

A partir dos dados coletados na primeira parte do instrumento,

apresentamos a seguir a caracterização socioeconômica e demográfica das 520

mulheres em uso abusivo de BZD que procuram atendimento na atenção primária e

nos centros de atenção psicossocial da cidade de Fortaleza – CE.

Conforme observado na tabela 1, a média de idade dessas mulheres é de

53,82±13,39 anos, sendo 65,2% com idade na faixa etária de 21 a 59 anos. Esse

dado vai de encontro a literatura majoritária nesse campo que refere prevalência em

idosos (ALVIM et al, 2017; SILVA E RODRIGUES, 2014; TELES FILHO et al, 2011;

NORDON et al, 2009). No entanto, os resultados que encontramos são corroborados

por Firmino et al (2011), apontando para uma tendência na diminuição desta faixa

etária.

Quanto ao seu estado civil, em sua maioria (60,3%) é sem união estável

(solteira; 44,9% ou viúva; 15,4%). Sobre este quesito, dados levantados por Telles

Filho (2011) em sua pesquisa apontam número elevado de usuárias viúvas, o que

ainda as colocariam em um grupo de risco para isolamento social.

Quanto a religião, a maior parte (94,8%) declarou possuir uma crença e

55,6% declararam não ter trabalho. Em relação a quantidade de pessoas que

moram na mesma residência, temos uma média de 3,35±1,74, sendo 63,7% com

moradia própria.

No que tange escolaridade a maioria possui até o ensino fundamental

(59,8%), e quanto a renda familiar per capita autorreferida, a média foi 1,57±1,28

SM, onde 76,5% tinham renda inferior a dois salários mínimos. Esses dados são

corroborados por outros estudos (VALÉRIO e BECKER, 2014; HUF, LOPES,

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ROZENFELD, 2000), nos quais a maior parte das mulheres só possui o ensino

básico ou nenhuma escolaridade. Sobre esse aspecto, vale ressaltar que a pesquisa

foi realizada na rede pública, onde se tem uma demanda populacional com menor

poder aquisitivo.

Tabela 1 – Distribuição do número de mulheres em uso abusivo de

benzodiazepínicos, segundo as variáveis socioeconômicas e demográficas.

Fortaleza, 2015-2016.

Variável Nº % Média ±DP

Faixa etária (ano) (n=520)

53,82±13,39

21-39 80 15,4 40-59 259 49,8 60-87 181 34,8 Estado civil (n=519)

Solteira 233 44,9 Casada 206 39,7 Viúva 80 15,4 Tem filho (n=520)

SIM 450 86,5 NÃO 70 13,5 Escolaridade (n=513)

Até Fundamental 307 59,8 Médio/Superior 206 40,2 Religião (n=507)

SIM 493 97,2 NÃO 14 2,8 Ocupação (n=520)

Trabalha 231 44,4 Não trabalha 289 55,6 Renda per capita (SM*) (n=480) 1,57±1,28

0 – 1,0 151 31,5 1,1 – 2,0 216 45,0 2,1 – 13,0 113 23,5 Número de pessoas que moram na residência (n=513) 3,35±1,74

1 54 10,5 2 a 3 256 49,9 4 a 12 203 39,6 Tipo de moradia (n=513)

Própria 327 63,7 Alugada 186 36,3 Fonte: Elaborado pela autora, Notas: *SM (Salário Mínimo=R$ 788,00)

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Podemos considerar que a partir do século XXI, o papel da mulher na

sociedade foi reelaborado à luz das conquistas relativas à sua inserção no mercado

de trabalho, esta fase da vida (adulta), corresponde ao período em que ela exerce

atividades profissionais somadas aos afazeres domésticos.

Devemos destacar também o expressivo uso por idosas (34,8%),

realidade presente em várias literaturas (ALVIM et al, 2017; SILVA E RODRIGUES,

2014; TELES FILHO et al, 2011; NORDON et al, 2009). Uma vez que o consumo de

medicamentos sofre influência dos indicadores sócio demográficos, os quais nas

últimas décadas têm demonstrado uma tendência crescente no aumento na

expectativa de vida da população, há uma projeção de aumento neste consumo

(KANTORSKI et al, 2011).

Diante do uso abusivo dos benzodiazepínicos de forma mais precoce na

vida adulta, teremos em curto prazo um número elevado de idosas em uso desta

droga há mais de uma década. Por consequência, o processo de envelhecimento

será perpassado por situações de dependência física e psicológica. Além dos

problemas de saúde e socioeconômicos como perda da memória e da função

cognitiva, aumento das tentativas de suicídio, maior risco de acidentes e redução da

capacidade de trabalho (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA, 2013).

4.1.2 Padrão de uso abusivo de benzodiazepínicos entre mulheres

A seguir, consta a distribuição de mulheres segundo os aspectos do

padrão de uso abusivo de BZD (queixa/motivo de uso, tipo de BZD utilizado, tempo

de uso e as tentativas de interrupção). Iremos cruzar essas variáveis de padrão de

uso com os dados socioeconômicos, buscando assim alguma associação

estatisticamente significante para o uso abusivo de BZD por mulheres.

De acordo com a Tabela 2, as queixas/motivos do uso do BZD

predominaram depressão (36,9%), insônia (32,7%), estresse (21,0%) e ansiedade

(20,0%). Em vários estudos consultados, as principais indicações para o uso do BZD

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condiziam com o descrito no nosso estudo, referente aos sintomas depressivos,

ansiosos e dificuldade de dormir (NALOTO et al, 2016; MEZZARI E ISER, 2015;

SOUZA, OPALEYE e NOTO, 2013; NORDON et al, 2009). Vale salientar que

identificamos outros motivos de uso não citados em outras pesquisas, a saber:

estresse, pânico, perdas e tristeza.

Observamos que a queixa mais citada pelas mulheres foi a depressão.

Importante ressaltar que o uso prolongado de BZD não é a medicação de escolha

para esta queixa. Segundo Naloto et al (2016), esse medicamento até pode ser

combinado aos fármacos antidepressivos quando o diagnóstico de depressão está

associado também a um quadro ansioso. No entanto, essa conduta é recomendada

apenas nas primeiras quatro semanas do início terapêutico. Após esse período os

riscos de dependência e tolerância superam os benefícios terapêuticos.

No tocante aos tipos de benzodiazepínico, o mais consumido foi o

Diazepam® (63,0%), seguido pelo Alprazolam® (16,6%) e Clonazepam® (13,4%).

Esta prevalência da prescrição do Diazepam foi compatível com estudos também

realizados em instituições públicas no Brasil (FIRMINO et al, 2011; TELLES FILHO

et al, 2011; NORDON et al, 2009).

O que irá diferenciar um BZD de outro é seu mecanismo de metabolização,

ou seja, o tempo de permanência da droga no corpo, sendo nomeado esse processo

de meia-vida plasmática. Assim, têm-se os BZD‘s de meia-vida mais longa

(clordiazepóxido, diazepam, prazepam, clorazepato, halazepam, clonazepam,

bromazepam, flurazepam), meia-vida relativamente curta (oxazepam, lorazepam,

temazepam) e meia-vida curta (alprazolam, adinazolam e triazolam). No entanto,

não se deve fazer uma escolha terapêutica de um BZD apenas com base em sua

meia-vida, precisa-se entender como se dá seu índice de absorção e distribuição no

organismo, suas propriedades lipofílicas e hidrofílicas, e sua afinidade pelos

receptores (FEIJÓ, 1999).

Em 2012, a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) lançou a

segunda edição do Boletim do Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos

Controlados (SNGPC), que publica uma série de dados relativos ao comércio de

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medicamentos controlados no Brasil. Apresenta os ansiolíticos mais consumidos

pela população brasileira no período de 2007 a 2010, estando nas três primeiras

posições de venda os fármacos Clonazepam (301.437), Alprazolam (249.134) e

Bromazepam (177.039). Só em 2010, foram vendidas cerca de 10 milhões de caixas

do medicamento Rivotril® (Clonazepam) – o primeiro da lista (ANVISA, 2015).

O Alprazolam (16,6%), o segundo mais utilizado em nossa pesquisa, é

um fármaco com meia-vida intermediária (12 a 16 horas) e com características mais

ansiolíticas que sedativas (KATZUNG, 2014). Em um estudo realizado em uma

farmácia de manipulação da cidade de Paranavaí (PR), após análise de 500

receitas, apresentou o alprazolam (20,45%) como o mais prescrito (SILVA;

RODRIGUES, 2014).

Dentre as questões que permeiam o tempo de uso, constatou-se uma

predominância do uso há mais de 2 anos (77,1%), com média de 8,4±9,2 anos.

Segundo literatura especializada (NETTO, FREITAS E PEREIRA, 2012 e

CUNNINGHAM, HANLEY E MORGAN, 2010), este período de uso não deveria

ultrapassar seis meses, pois devido a sua elevada lipossolubilidade, o uso

prolongado induz à ocorrência de síndrome de abstinência. Como esta pode

acontecer entre um e onze dias após a suspensão do medicamento, quanto maior

for o tempo de uso mais difícil será para a paciente interrompê-lo (FUCHS, LENITA,

2010).

No referente à tentativa de interrupção, constatamos que 61,6% da

amostra empreendeu algum ensaio de interromper o uso do BZD, mas sem obter

sucesso. Dentre essas tentativas de interrupção, os principais motivos de insucesso

foram insônia (25,2%), angústia (15,6%), estresse (11,7%) e ansiedade (9,2%).

O distúrbio do sono (insônia) apresenta-se como principal motivo do

insucesso da tentativa de interrupção do uso. Na literatura internacional, pelo último

consenso de tratamento de insônia, os BZDs não são drogas de primeira escolha,

pelo contrário, o uso crônico de BZD é referido como causa de insônia. Atualmente a

tendência de uso de novos sedativos hipnóticos mais seguros e eficazes, como

menor dependência e abstinência. Por exemplo, os novos agonistas do receptor

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GABA-A ou drogas Z (Zolpidem, Zaleplona, Zopiclona), que irão agir de forma mais

seletiva (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA, 2013), no entanto, esses

fármacos não são disponibilizados na rede pública de saúde.

Tabela 2 – Distribuição do número de mulheres segundo os aspectos do padrão de

uso abusivo de benzodiazepínicos. Fortaleza-CE, Brasil, 2015-2016.

Variável Nº %

Queixa/motivo de uso*

Depressão 192 36,9

Insônia 170 32,7

Estresse 109 21,0

Ansiedade 104 20,0

Pânico 52 10,0

Perdas 49 9,4

Tristeza 42 8,1

Benzodiazepínico utilizado (n=506)

Diazepam 319 63,0

Alprazolam 84 16,6

Clonazepam 68 13,4

Bromazepam 35 6,9

Tempo de uso do benzodiazepínico (ano) (n=516) -Média±DP: 8,4±9,2

< 2 118 22,9

2 – 10 276 53,5

> 11 122 23,6

Tentativas de interrupção de uso (n=520)

Sim 317 61,6

Não 198 38,4

Motivo de insucesso do abandono*

Insônia 131 25,2

Angústia 81 15,6

Estresse 61 11,7

Ansiedade 48 9,2

Depressão 38 7,3

Crise 26 5,0

Medo 12 2,3

Outros 58 11,2

Fonte: Elaborado pela autora, Nota: *a mulher poderia relatar mais de um motivo

A população estudada nesta pesquisa tem uma média de uso do BZD de

aproximadamente 8 anos, fato este que dificulta a interrupção, pois a relação com o

fármaco já é possivelmente de dependência. Conforme várias literaturas confirmam,

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a razão para continuação do uso abusivo do BZD está relacionada ao temor do

retorno e da intensificação dos sintomas, ou do comprometimento do desempenho

das atividades cotidianas (ALVIM et al, 2017; NORDON et al, 2009). Neste sentido,

a dependência é uma síndrome comportamental com perda de controle (compulsão)

sobre o consumo do fármaco (fissura) com intensos prejuízos individuais e sociais.

Tal afirmação justifica-se ao identificarmos os motivos de insucesso

apreendidos neste estudo. A tentativa de interromper o uso levou ao retorno de

alguns sintomas como a insônia, angústia, estresse, ansiedade, depressão, crise e

medo de sentir algo. Desse modo, frente à perspectiva de retorno dos sintomas, o

receio de não conseguir dormir e pelo fato de não terem informações sobre a

importância de parar o uso do BZD, essa clientela adere ao uso abusivo deste

fármaco.

a) Queixas/Motivos de uso abusivo de BZD por mulheres

Este tópico vem apresentar as associações existentes entre as principais

queixas/motivos de uso (depressão, insônia, estresse e ansiedade) e as variáveis

socioeconômicas (estado civil, religião, escolaridade, idade, anos de casada,

número de filhos e renda familiar).

Conforme evidenciado na tabela 3, apenas a queixa depressão

apresentou associação com o estado civil, havendo diferença estatisticamente

significante (p<0,05). Desse modo, notamos a depressão com percentual maior nas

mulheres solteiras (43,8%), em comparação as mulheres viúvas (23,8%), com

p=0,003. O contrário acontece com a queixa estresse, temos um percentual maior

desta queixa nas mulheres viúvas (25,0%) e casadas (24,8%) em comparação as

solteiras (16,3%), p=0,060.

Não encontramos, porém, na literatura pertinente ao tema,

fundamentação teórica para justificar essas associações. Podemos relacionar esse

percentual elevado de mulheres solteiras relatando o uso do BZD para o tratamento

da depressão, com o fato de que muitas vezes a sociedade exige que a mulher

tenha uma relação estável, uma família.

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Tabela 3 – Distribuição do número de mulheres segundo queixas/motivos de uso dos

benzodiazepínicos e as variáveis socioeconômicas. Fortaleza-CE, Brasil, 2015-2016.

Variáveis

Queixa/Motivo de Uso

Depressão Insônia Estresse Ansiedade

Nº % Nº % Nº % Nº %

Estado Civil (n=519)

Solteira 102 43,8 70 30,0 38 16,3 22 9,4

Casada 70 34,0 69 33,5 51 24,8 17 8,3

Viúva 19 23,8 31 38,8 20 25,0 9 11,3

ρ 0,003a 0,344a 0,060a 0,728a

Religião (n=507)

Não 7 50,0 3 21,4 1 7,1 0 0,0

Sim 175 35,5 165 33,5 106 21,5 44 8,9

Ρ 0,265a 0,345a 0,194a 0,242a

Escolaridade (n=513)

Até

fundamental 105 34,2 108 35,2 73 23,8 29 9,4

Médio / Superior

82 39,8 60 29,1 36 17,5 19 9,2

Ρ 0,196a 0,152a 0,087a 0,932a

Média ± DP Média ± DP Média ± DP Média ± DP Ρ

Idade 51,1 ± 13,0 55,9 ± 13,6 54,6 ± 14,4 54,8 ± 13,4 0,006b

Anos de Casada

12,5 ± 14,8 20,3 ± 16,7 17,0 ± 16,8 19,2 ±16,5 0,001b

Nº de filhos 2,1 ± 1,8 3,0 ± 2,3 2,9 ± 2,8 2,9 ± 2,1 <0,0001b

Renda per capita (SM)

1,6 ± 1,5 1,6 ± 1,3 1,6 ± 1,3 1,5 ± 1,0 0,853b

Ρ

Idade Depressão e Insônia

0,004c

Anos de casada Depressão e Ansiedade

0,017c

Depressão e Insônia

0,001c

Nº de filhos Depressão e Ansiedade

0,028c

Depressão e Insônia

0,001c

Depressão e Estresse

0,009c

Notas: ρ (a): Qui-quadrado; ρ (b): ANOVA; ρ (c): Comparações múltiplas pelo teste de Tukey HSD

Fonte: elaborado pela autora

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49

As demais queixas/motivos de uso não diferem entre si quando

correlacionadas às variáveis religião e escolaridade (p>0,05). No entanto, vale

salientar algumas predominâncias: a maioria das mulheres que declararam não

terem religião apresentava depressão (50%). Além disso, percebemos que as

queixas insônia (35,2%) e estresse (23,8%) aparecem em um percentual maior nas

mulheres com menor escolaridade.

Ao se analisar as médias das variáveis, segundo as queixas, verificou-se

que diferiram as médias de idade (p=0,006), anos de casada (p=0,001) e número de

filhos (p<0,0001). Pelo teste de comparações múltiplas, a média de idade de

pessoas com depressão foi menor que a de insônia (p=0,004); a média de anos de

casada das mulheres com depressão foi menor que a ansiedade (p=0,017) e a

insônia (p=0,001); o número médio de filhos daquelas com depressão também foi

menor que as com ansiedade (p=0,028), insônia (p=0,001) e estresse (p=0,009).

Vale ressaltar que estados de insônia, estresse e ansiedade serão uma

constante na vida da mulher moderna. Resultando, portanto, no surgimento das

queixas e sintomas destacados como os motivos para a prescrição do BZD

(VANTOUR et al, 2010; NETTO, FREITAS E PEREIRA, 2012).

Além disso, a inserção da mulher no mercado de trabalho também lhes

trouxe um adicional de atividades, seja dentro seja fora de casa. Uma vez que foram

designadas à manutenção das tarefas que já lhe eram destinadas junto aos

cuidados com o lar e a educação dos filhos. Logo, torna-se inevitável que, para

algumas mulheres e em um determinado momento, este acúmulo de papéis venha a

ter consequências. Por isso, podem se constituir em fontes de conflitos e tensões

que se potencializam frente ao contexto socioeconômico que determina uma

subsistência precária em termos de acesso aos bens e serviços essenciais à vida.

Temos também o processo de senectude que por si mesma já apresenta

alterações fisiológicas nos padrões de sono e de adaptação às situações novas e

inusitadas. Nestes casos, o benefício obtido com o BZD precisa ser avaliado quanto

aos riscos que ele pode trazer. Principalmente porque o uso abusivo produz

sedação diurna em algum nível, favorecendo a ocorrência de quedas com fratura de

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fêmur, exacerbação de declínio cognitivo e inclusive comprometimento das funções

vitais (RISKA et al, 2014).

b) Tipos de BZD em uso abusivo por mulheres

A tabela 4 apresenta as relações existentes entre o tipo de BZD usado e

variáveis como idade, escolaridade, renda, tempo e motivo do uso. Houve

associação estatística significativa na maioria das variáveis, só não identificamos

p<0,05 na variável idade.

Tabela 4 – Distribuição do número de mulheres segundo o tipo de BZD e as variáveis

queixas/motivos e tempo do uso. Fortaleza-CE, Brasil, 2015-2016.

Variáveis

Tipo de BZD

Ρ Diazepam Alprazolam Clonazepam Bromazepam

Nº % Nº % Nº % Nº %

Idade (ano) (n=506) 0,323a

Até 59 216 64,7 52 15,6 47 14,0 19 5,7 60 ou + 103 59,9 32 18,6 21 12,2 16 9,3

Escolaridade (n=499) <0,0001a

Até fundamental

207 69,5 35 11,7 34 11,4 22 7,4

Médio / Superior

108 53,7 48 23,9 33 16,4 12 6,0

Renda per capita (SM) (n=466) 0,007a

0,0 – 1,0 111 74,0 18 12,0 11 7,3 10 6,7 1,1 – 2,0 120 58,2 36 17,5 36 17,5 14 6,8 2,1 – 13,0 58 52,7 26 23,6 17 15,5 9 8,2

Tempo de uso (ano) (n=502) <0,0001a

< 2 59 18,5 32 39,0 16 23,5 7 20,6 2 – 10 164 51,6 45 54,9 41 60,3 19 55,9 11 ou + 95 29,9 5 6,1 11 16,2 8 23,5

Queixa / Motivo de uso (n=506)* Depressão 122 63,5 32 16,7 26 13,5 9 4,7 <0,0001b

Insônia 107 62,9 27 15,9 17 10,0 11 6,5 <0,0001b

Estresse 69 63,3 17 15,6 15 13,8 7 6,4 <0,0001b

Angústia 66 61,7 12 11,2 18 16,8 8 7,5 <0,0001b

Pânico 23 44,2 14 26,9 14 26,9 1 1,9 0,004b

Perdas 35 71,4 7 14,3 3 6,1 4 8,2 <0,0001b

Tristeza 30 71,4 5 11,9 5 11,9 2 4,8 0,001b

Fonte: Elaborada pela autora, Notas: ρa: Qui-quadrado; ρb: Qui-quadrado para cada uma das queixas individualmente. *A mulher poderia citar mais de uma queixa

Desse modo, o estudo apresenta que a escolha do tipo de BZD

independe da idade. Atentamos, novamente, o predomínio de idosos em uso de

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Diazepam (59,9%) e de BZD de meia-vida longa (Diazepam e Clonazepam; 72,1%).

O estudo de Alvim et al (2017), realizado com 423 idosos na comunidade em Juiz de

Fora - MG, constatou também alta prevalência no uso de BZD de meia-vida longa

(59,2%), corroborando com nosso estudo.

Nesta perspectiva, colaborou também uma pesquisa realizada por Park,

Bae e Shin (2017) na Coréia do Sul com 58.056 pacientes idosos (38.910 mulheres,

67%). Constatou-se um número total de prescrições BZD de 78.843, das quais

44,7% eram farmacos de ação prolongada, sendo o Diazepam o BZD mais

freqüentemente prescrito (39,7%) para idosos.

A literatura aponta que existem limitações nas indicações de BZD para

idosos, principalmente os de meia-vida longa, pois acumulam quando administrados

repetidamente e seus efeitos indesejáveis podem manifestar-se depois de vários

dias ou semanas. Com isso, pode levar-se à depressão do sistema nervoso central,

como diminuição da atividade psicomotora, prejuízo da memória e a potencialização

do efeito depressor pela interação com outras drogas (ALVIM et al, 2017).

A política brasileira de acesso aos psicofármacos preconiza um

acompanhamento clínico que favoreça a realização de prescrições condizentes com

as indicações de cada medicamento, visando o seu uso racional e adequado. Nesta

perspectiva, a terapêutica medicamentosa não exclui outras abordagens

assistenciais que estejam em consonância com a necessidade de se questionar a

prescrição e o uso abusivo do BZD (KANTORSKI et al, 2011).

No tocante a escolaridade e renda familiar, este estudo reforça que o tipo

de BZD Diazepam é mais usado pelas mulheres com baixa escolaridade (p<0,0001)

e baixa renda familiar (p=0,007). Ou seja, mulheres com escolaridade até o

fundamental e com renda menor que dois salários mínimos. Podemos justificar essa

associação pelo fato do Diazepam ser liberado na rede pública.

A seleção do Diazepam nos serviços público dá-se por ser uma droga

pertencente à Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – RENAME (2017).

Além de ser eficaz, seguro, de baixo custo e de grande experiência clínica nas suas

diversas aplicações (FIRMINO et al, 2011). O Clonazepam, também, está na lista do

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RENAME e é liberado na rede pública, sendo um fármaco com tempo de ação longo

e propriedades mais sedativas, porém proporciona um efeito com duração reduzida

quando comparado ao Diazepam (KATZUNG, 2014).

Em relação ao cruzamento tipo de BZD e o tempo de uso, o estudo

revelou que dentre as mulheres que fazem uso de Diazepam, 81,5% o fazem por

mais de 2 anos (p< 0,0001). Já as que usam Alprazolam, apresentam um percentual

maior no intervalo de tempo menor que dois anos (39,0%). Para Alvim et al (2017), o

uso prolongado inclui o desenvolvimento de tolerância e aumento da dose,

dependência e abuso de medicamentos. Sendo o Diazepam, o fármaco de ação

prolongada, que possui mais efeitos colaterais e maior tolerância a medicação.

De acordo com Katzung (2014), o Alprazolam é o BZD mais eficaz nos

quadros de ansiedade, tem boa tolerabilidade e promove menor sedação, assim

com menos efeitos colaterais. No entanto, ele não é fornecido na rede pública,

apenas em farmácias privadas.

Essas mulheres de classe social mais baixa ficam submissas às drogas

com maiores efeitos de dependência e tolerância, com estratégias terapêuticas

muito restritas para a abordagem de suas queixas. O uso abusivo do Diazepam em

mulheres, articula-se a um controle social, no qual a consolidação do domínio de

grandes corporações amplia a submissão da coletividade a padrões de conduta

massiva. Favorecendo, dessa forma, o enrijecimento de identidades unilateralizadas

e a condição de vulnerabilidade a que esse grupo fica exposto (BREILH, 2015).

No referente ao cruzamento do tipo de BZD com as queixas/motivos do

uso, identificamos diferença estatisticamente significante (p<0,05). A maioria das

mulheres que apresentam queixas como depressão (p<0,0001), insônia (p<0,0001),

estresse (p<0,0001), angústia (p<0,0001), perdas (p<0,0001) e tristeza (p=0,001)

fazem uso do Diazepam.

Em paralelo, o Diazepam foi mais utilizado pelas mulheres quando a

queixa era de perdas e/ou tristeza (71,4% cada). Enquanto o Alprazolam e

Clonazepam foram mais frequentes entre aquelas que relataram pânico (26,9%). Por

fim, o Bromazepam esteve mais associado, também, a queixa de perdas (8,2%). A

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literatura confirma a utilização de Alprazolam ou Clonazepam no transtorno de

pânico, por ter a vantagem de atuar rápido e não causar disfunção sexual, nem

aumento de peso. No entanto, a orientação é entrar também com inibidores seletivos

da recaptação de serotonina (ISRS‘s) e realizar a redução gradativamente após 3 a

4 semanas do BZD, uma vez que os benefícios dos ISRS‘s já estariam se

manifestado (SADOCK, 2007).

Ao analisar o uso do Diazepam, como sendo o fármaco mais prescrito,

com maior tempo de uso e prevalencendo em todas as queixas, percebemos que

algumas características estão associadas a esse abuso. Primeiro, o Diazepam é

uma das drogas mais antigas, conhecida pela comunidade. Segundo, este fármaco

é dispensado na rede pública e geralmente os médicos mantêm o medicamento, se

o paciente já usa há algum tempo. Dessa forma, a presente pesquisa vem

mostrando o uso inadequado dos BZDs para tratar problemas decorrentes das

adversidades da vida.

c) Tempo de uso do BZD

A tabela 5 relaciona o tempo de uso do BZD com as variáveis: idade,

estado civil, religião, escolaridade, renda familiar per capita referida e queixa/motivo

de uso. Não se encontrou associação entre tempo de uso e as variáveis estado civil

(p=0,116), religião (p=0,537) e renda familiar (p=0,528).

Constatamos associação entre tempo de uso com idade e escolaridade.

Ou seja, as mulheres com maior tempo de uso do BZD, em sua maioria, têm 60 ou

mais anos (80,5%, p=0,034) e baixa escolaridade (80,4%; p=0,001). Esta relação

era esperada, uma vez que essas mulheres tendem a começar o uso do

medicamento de forma precoce e sem conseguir interromper o tratamento inicial,

levando a uma alta dependência. Além da falta de informação sobre os efeitos do

uso abusivo pela baixa escolaridade e acesso aos meios de comunicação.

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Tabela 5 – Distribuição do número de mulheres segundo o tempo de uso do BZD e as

variáveis socioeconômicas e clínicas. Fortaleza-CE, Brasil, 2015-2016.

Variáveis

Tempo de Uso (anos)

ρ

< 2 2 – 10 11 ou +

Nº % Nº % Nº %

Idade (anos) (n=516) 0,034a

Até 59 83 24,6 186 55,2 68 20,2 60 ou + 35 19,6 90 50,3 54 30,2

Estado civil (n=515) 0,116a Solteira 46 19,8 128 55,2 58 25,0

Casada 58 28,4 106 52,0 40 19,6 Viúva 14 17,7 42 53,2 23 29,1

Religião (n=503) 0,537a Sem religião 5 35,7 6 42,9 3 21,4

Católica/Evangélica 113 23,1 263 53,8 113 23,1 Escolaridade (n=509) 0,001a

Até fundamental 60 19,6 158 51,6 88 28,8 Médio/Superior 58 28,6 114 56,2 31 15,3

Renda (SM) (n=476) 0,528b

0,0 – 1,0 32 21,3 78 52,0 40 26,7 1,1 – 2,0 53 24,8 115 53,7 46 21,5 2,1 – 13,0 22 19,6 67 59,8 23 20,5

Queixa / Motivo do uso* Depressão 43 22,4 104 54,2 45 23,4 0,970a

Insônia 46 27,1 90 52,9 34 20,0 0,184a

Estresse 30 27,5 52 47,7 27 24,8 0,325a

Angústia 22 21,0 52 49,5 31 29,5 0,283a

Pânico 12 23,1 29 55,8 11 21,2 0,901a

Perdas 4 8,5 27 57,4 16 34,0 0,028a

Tristeza 3 7,1 27 64,3 12 28,6 0,041a

Tentativas de interrupção de uso (n=511) 0,005a

NÃO 58 29,4 90 45,7 49 24,9 SIM 57 18,2 184 58,6 73 23,2

Motivo de insucesso do abandono* Insônia 28 21,5 76 58,5 26 20,0 0,384a

Angústia 8 9,9 42 51,9 31 38,3 <0,0001a

Ansiedade 7 14,6 29 60,4 12 25 0,349a

Fonte: Elaborada pela autora, Notas: ρ (a): Qui-quadrado de Pearson; ρ (b): Associação Linear. *A mulher poderia citar mais de um motivo.

Os principais fatores condicionantes da dependência são o tempo de uso

e a dose diária. A partir do terceiro mês de uso até doze meses, aumenta de 10% a

15% o risco de dependência. Acrescidos mais doze meses, a probabilidade aumenta

entre 25% a 40% (AUCHEWSKI et al, 2004). Além disso, quanto maior o tempo de

uso, maior o risco de acidentes (domésticos e ocupacionais); de aumento das

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tentativas de suicídio; e da redução da capacidade de trabalho, entre outros

(ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA, 2013).

A relação entre tempo e a queixa/motivo de uso do BZD foi

estatisticamente significante em duas queixas, a saber: perdas e tristeza. Quando o

motivo do uso foi alguma perda, a maioria das mulheres usam o BZD por mais de

dois anos (91,4%; ρ=0,028). O mesmo acontece para queixa de tristeza (92,9%;

ρ=0,041). Já os motivos de uso depressão, insônia, estresse, angústia e pânico não

influenciaram o tempo de uso.

Torna-se importante destacar essa medicalização de eventos da vida

cotidiana, como perdas e tristeza. O casamento da medicina científica com o modo

de produção capitalista alça o BZD à categoria de mercadoria. Servindo ao mesmo

tempo, para a manutenção do funcionamento de um corpo que atenda às

necessidades do mercado – sem demonstrar mal-estar ou dor, e a constituição de

um produto imensamente lucrativo para a indústria farmacêutica (SILVEIRA;

MARTINS; RODRIGUES, 2015).

Dessa forma, para Dantas (2009, p. 564):

O uso abusivo de medicamentos na atualidade parece ser um dos traços significativos de nossa cultura ocidental, na qual impera a convicção de que o mal-estar, bem como o sofrimento de todo gênero, deve ser abolido a qualquer preço. A medicalização da vida tem se tornado cada vez mais, na sociedade ocidental moderna, um dos caminhos mais eficientes e rápidos para amenizar o sofrimento psíquico e os problemas que nos assolam cotidianamente. Neste sentido, o psicofármaco aparece como uma solução técnica para eliminar nossas inquietações, diante de uma sociedade que nos impõe a necessidade de estar na condição de felicidade permanente.

Observamos também a associação entre o tempo de uso e a tentativa de

interrupção do uso do BZD. 58,6 % das mulheres que tentaram interromper a

medicação já a usavam por um intervalo de tempo de 2 a 10 anos. Em contrapartida,

apenas 18,2% das que fazem uso da droga por menos de 2 anos tentaram

interromper (p=0,005). Não encontramos estudos na literatura discutindo esta

associação. No entanto, algumas complicações podem ocorrer com maior

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frequência, após uso prolongado. Estimulando, assim, a mulher a tentar interromper

seu uso.

A Associação Brasileira de Psiquiatria (2013) descreve algumas das

complicações, a saber: disfunção sexual, ganho de peso, alterações de ciclo

menstrual, erupções cutâneas, anomalias hematológicas e agravamento de

glaucoma de ângulo fechado. Em 1% dos casos, pode ocorrer a reação paradoxal,

com instabilidade emocional, agitação psicomotora, irritabilidade e confusão mental.

Além dos principais efeitos colaterais que incluem a diminuição da atividade

psicomotora, a intolerância, o prejuízo na memória, a dependência e a

potencialização do efeito depressor.

Com relação ao tempo de uso e o motivo do insucesso da tentativa de

interrupção, o estudo apresentou associação na queixa angústia. Ou seja, 90,2%

das mulheres relataram a angústia como motivo de insucesso, utilizam o BZD por

mais de 2 anos (p<0,0001).

A angústia passa a ser traduzida como um estado patológico crônico,

resultando como única opção terapêutica a medicalização. Contexto este trazido por

Martins et al (2017) ao ressaltar que os serviços de saúde atendem essa demanda

em busca de alivio do sofrimento psíquico. Como resposta recebe uma assistência

unicamente realizada com tratamentos à base de recursos químicos

(medicamentos). A escuta dos problemas existenciais tem sido progressivamente

esquecida e até mesmo, muitas vezes, silenciada.

d) Tentativa de interrupção de uso do BZD

Quando se relaciona a tentativa de interrupção com os dados pessoais e

econômicos dessas mulheres, observamos que não há diferença estatisticamente

significante quanto ao estado civil (p=0,666), a religião (p=0,779) e a escolaridade

(p=0,239). Vale salientar que entre as mulheres casadas, 63,9% tentaram

interromper o uso da medicação em algum momento da vida (Tabela 6).

No referente a religião e a escolaridade, percebemos que não influenciam

diretamente as tentativas de interrupção. Daquelas que declararam uma religião

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60,9% iniciaram algum procedimento de desmame da medicação. Já as com maior

nível de escolaridade (ensino médio ou ensino superior), 64,4% realizaram alguma

tentativa de interrupção do uso de BZD.

Tabela 6 – Distribuição do número de mulheres segundo a tentativa de interrupção do

uso de benzodiazepínicos e as variáveis sócio clínicas. Fortaleza-CE, Brasil, 2015-

2017.

Variáveis

Tentativa de Interrupção do uso

NÃO SIM

Nº % Nº %

ρ

Estado Civil 0,666a

Solteira 90 39,3 139 60,7

Casada 74 36,1 131 63,9

Viúva 33 41,3 47 58,8

Religião 0,779a

Sem religião 6 42,9 8 57,1

Católica/Evangélica 191 39,1 297 60,9

Escolaridade 0,239a

Até básica 125 40,8 181 59,2

Médio/ Superior 72 35,6 130 64,4

BZD utilizado 0,204a

Bromazepam 16 45,7 19 54,3 Alprazolam 34 40,5 50 59,5 Clonazepam 31 46,3 36 53,7 Diazepam 109 34,6 206 65,4

Queixa/motivo de uso do BZD 0,697a

Insônia 62 36,5 108 63,5 Estresse 45 41,7 63 58,3 Angústia 44 41,5 62 58,5 Depressão 70 36,6 121 63,4

Média ± DP Média ± DP ρ

Idade 53,8 ± 13,9 53,7 ± 13 0,976b

Anos de Casada 15,7 ± 16,4 17,3 ± 16,3 0,330b

Nº de filhos 2,3 ± 1,6 2,4 ± 1,5 0,540b

Renda per capita (SM) 1,5 ± 1,9 1,6 ± 1,2 0,354b

Fonte: Elaborada pela autora, Notas: ρ (a): Qui-quadrado de Pearson; ρ (b): Teste t de Student.

Com relação aos cruzamentos entre tentativa de interrupção e os dados

clínicos (tipo de BZD e queixas/motivos de uso) não houve associação significante.

Vale ressaltar que entre as mulheres que usam Diazepam, 65,4% tentaram

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interromper o uso. Já as com motivos de uso depressão e/ou insônia, 63,4% e

63,5%, respectivamente, tentaram interromper.

Por conseguinte, as tentativas de interrupção demonstraram que essas

mulheres têm consciência das conseqüências do uso abusivo do BZD, algo que

deveria ser aproveitado pelos médicos para rever tratamentos alternativos ao

medicamentoso (NORDON et al., 2009).

A média de idade das mulheres que não empreenderam tentativas de

interromper no uso do benzodiazepínico (53,8 ± 13,9) foi igual a daquelas que

empreenderam (p=0,976). O mesmo aconteceu para as variáveis: anos de casada

(15,7 ± 16,4; p=0,330), número de filhos (2,3 ± 1,6; p=0,540) e renda per capita (1,5

± 1,9; p=0,354).

Percebemos um porcentual mais elevado na tentativa de interrupção do

uso em todas as variáveis cruzadas. Sabemos da dificuldade de retirar o BZD diante

do uso abusivo, o maior temor dessas mulheres está relacionado ao retorno dos

sintomas de forma mais intensa, comprometendo suas atividades cotidianas.

Em uma revisão sistemática sobre a temática, Castro et al. (2013)

ressaltam que 50% dos pacientes que interromperam um tratamento com BZD

voltaram a usar a droga após um ano. Sendo, portanto, o fármaco mais difícil de

interromper o uso.

O BZD, porém, não pode se constituir em um anteparo adaptativo que a

sujeite ao uso crônico e, consequentemente, à dependência desse medicamento.

Logo, o uso abusivo reflete uma abordagem reducionista das queixas das pacientes.

Além disso, há a falta de uma assistência em que sejam ofertadas outras

possibilidades terapêuticas para os sintomas inerentes à vida na sociedade atual

(CARRILHO et al, 2015).

Por sua vez, o discurso da vulnerabilidade feminina é produzido neste

contexto e tem ressonância no âmbito das políticas e dos serviços de saúde.

Principalmente quando sua organização é pautada em torno de uma apreensão do

corpo da mulher que o destina essencialmente à procriação. Ou quando lhe oferece

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um suporte assistencial focado no adoecimento orgânico justificado pela severidade

do câncer seja ele de mama ou do colo do útero. Ou ainda, pela ausência de uma

abordagem que considere a subjetividade feminina como um lugar onde ela possa

se colocar sem os cerceios forjados pelo viés da biopolítica (SILVA et al, 2015).

Esses discursos, em geral, têm justificado a prescrição e o uso abusivo

dos benzodiazepínicos, por compreender a mulher a partir de um estereótipo

construído socialmente ao longo dos anos. A publicidade da indústria farmacêutica

tem se apropriado desta imagem chegando a influenciar tanto os prescritores quanto

as próprias mulheres (NETTO, FREITAS E PEREIRA, 2012; CUNNINGHAM,

HANLEY E MORGAN, 2010).

Outro aspecto que merece destaque são as condições em que ocorre a

tradução de um sintoma ou de uma queixa em um diagnóstico biomédico. No

espaço de um atendimento individual estão em jogo perspectivas singulares de

acolhimento de uma demanda. Mesmo assim, faz-se pertinente interrogar em que

condições os diagnósticos de depressão, ansiedade e estresse foram elaborados e

utilizados como justificativa para a prescrição do BZD. Pois, em tese a existência por

si mesma não pode ser cunhada por uma patologicização dos modos de viver e de

reagir às adversidades (CARRILHO et al, 2015; SILVA et al, 2015).

Por fim, precisamos pensar o tipo de relações existentes nesses espaços

assistenciais, em que há uma alta dispensação de BZD‘s, muitas vezes por falta de

informações adequadas sobre a droga. Além disso, como apresentado em algumas

pesquisas, gera-se entre a equipe de saúde e o paciente um relacionamento

afetuoso, surgindo assim um receio de negar os medicamentos comumente tão

requisitados pelo usuário (NORDON et al, 2009).

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4.2 ANÁLISE DA PRODUÇÃO DISCURSIVA DAS MULHERES EM USO ABUSIVO

DO BENZODIAZEPÍNICO: PERSPECTIVA SUBJETIVA E SINGULAR.

Dialogamos no tópico anterior ―Análise clínico-epidemiológico do abuso

de benzodiazepínicos entre mulheres‖ acerca da análise quantitativa do padrão de

uso abusivo dos benzodiazepínicos por mulheres, trazendo a toma a medicalização

do sofrimento e a vulnerabilidade da mulher centrada numa perspectiva social e

cultural.

Consideramos que esta análise quantitativa não foi suficiente para

compreendermos este fenômeno do uso abusivo de BZD por mulheres, deixando de

fora a relação singular do sujeito com seu desejo. Nesse sentido, iremos tratar a

seguir da análise da produção discursiva dessas mulheres, numa perspectiva

subjetiva e singular.

Primeiramente, iremos apresentar as formações discursivas encontradas,

em seguida as rupturas que emergiram dos discursos, finalizando com a formação

ideológica que ampara o discurso, articulando o referencial da psicanálise.

4.2.1 Análise das formações discursivas

O processo discursivo se operacionaliza pelas sucessivas leituras do

material, considerando o contexto social e histórico em que as mulheres da pesquisa

realizaram seus discursos. Além da leitura individual, realizamos uma oficina de

trabalho para discussão das entrevistas com o grupo de estudo do Laboratório de

Psicanálise da UECE.

Durante a oficina, na perspectiva de identificar as formações discursivas,

utilizamos os dispositivos analíticos para irmos mais além do que foi dito. Ou seja,

processo de dessuperficialização do material analítico, objetivando encontrar os

mecanismos de produção de sentido dos sujeitos. Nesse sentido, iniciamos a

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análise do material empírico identificando os discursos parafrásticos e polissêmicos,

além da interdiscursividade, do efeito metafórico e do discurso de negação.

Após esse trabalho inicial, iremos apresentar as formações discursivas

emergidas a partir dos elementos enunciados presentes nas falas das mulheres

quando questionadas sobre o uso do BZD em sua vida cotidiana. Identificamos três

formações, a saber: Formação Discursiva Religiosa, Formação Discursiva Biomédica

e Medicalização da Vida Cotidiana: pontos de rupturas.

4.2.1 Formação Discursiva Biomédica

Iremos discutir a ―Formação Discursiva Biomédica‖, cuja base

epistemológica surge da união entre a clínica e a ciência moderna cartesiana, além

de desvelar aquilo que é formulado como demanda de cuidado e a oferta de uma

prescrição medicamentosa.

Para entendermos o contexto da produção discursiva acerca do abuso de

benzodiazepínicos entre mulheres, precisamos situá-lo inicialmente no cenário do

surgimento da medicina moderna em seus alicerces científicos.

O nascimento desta medicina é balizado por uma aproximação entre a

clínica e o aforismo científico, buscando na razão os recursos para a recuperação da

certeza científica. Nasce, portanto, o sujeito do conhecimento e, com ele, a certeza

de que a razão humana seria capaz de conhecer completamente as paixões e as

emoções, governando-as e dominando-as. O sujeito do conhecimento que será

definido pelo método cartesiano não é outro senão o sujeito da ciência, ou seja, o

detentor da verdade (SANTOS, 2010).

O modelo biomédico foi difundido no século XX através do Relatório de

Flexner que recomenda uma formação acadêmica de caráter experimental, biológica

e orientada para especialização dos profissionais da saúde. Este paradigma

flexneriano encontra-se hegemônico nas práticas clínicas atuais e tem como

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características: ―visão do corpo humano como máquina; visão das doenças como

coisas concretas, que não variam em pessoas e lugares, e que surgem como

defeitos das peças dessa máquina, de natureza material‖ (TESSER; POLI NETO;

CAMPOS, 2010, p.3616).

Sobre essa clínica médica contemporânea, Simanke (2002, p. 22) afirma que:

[...] a prática de ‗tomar notas à cabeceira dos doentes‘ só pode produzir confusão, já que não permite vincular os sintomas a um substrato real que os justifique. A fala do paciente, queixas subjetiva e desencaminhadora, é preterida em benefício do silêncio do cadáver. A medicina se dá um objeto adequado ao seu instrumento, às custas da subjetividade do paciente, considerando, a partir daí, como uma espécie de cadáver em potencial e, assim, potencialmente inerte, em sua objetividade ideal.

Ao longo do desenvolvimento da medicina, a clínica tem assumido

características conforme as condições históricas de possibilidade de sua existência

e do jogo de interesses que engendram sua produção. A clínica que predomina na

formação e nas práticas dos profissionais de saúde é organizada por saberes e

práticas que tomam o corpo anatomo-patológico como objeto e o esquadrinha em

órgãos, separa-o em físico e psíquico, físico e emocional. Nessa clínica, o corpo é

destituído de sua produção sociocultural, tendo um caráter simplificador dos

processos sobre os quais se propõe atuar (FOUCAULT, 1994). Ocorre que, na

tentativa de chegar à verdade essencial de uma doença, os sintomas são

transformados em signos, assim a singularidade se perde na padronização da

clínica, chegando ao saber cientifico totalizante.

Os enunciados que sinalizam para essa formação discursiva irão tratar

de: sinalização dos motivos biomédicos do uso abusivo do benzodiazepínico; a

oferta da prescrição medicamentosa; e, por fim, a revelação das conseqüências

biomédicas do uso abusivo do benzodiazepínico.

Assim, ao questionar as mulheres acerca da percepção do uso do

benzodiazepínico em sua vida cotidiana, alguns discursos surgiram na tentativa de

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justificar o uso através dos diagnósticos psiquiátricos estabelecidos pelo médico.

Vejamos abaixo:

[...] essa semana agora eu fui pro CAPS e o médico disse que eu tenho... aquele... trans...transtorno bipolar. (Voz embargada pelo choro) Aí eu tenho que tá tomando. Tem dia que eu tô alegre, tem dia que eu tô...meio chorona, tem dia que eu tô triste, tem dia que eu tô com raiva e hoje eu tô... um pouquinho mais... agitada. Então eu tenho que tá tomando ele direito, constantemente. Porque se eu não tomar eu fico fora de mim. Já tentei me matar uma vez (Margarida).

Essa doutora passou os remédio que nessa fase foi [...] Aí comprou a medicação e eu fiquei tomando dentro de casa, onde eu melhorei. Que era pra dormir, pra autoestima, né e pra arritmia cardíaca e pro distúrbio bipolar que ela disse que tinha transtorno bipolar, uma hora tava dum jeito, outra hora tava doutro. Então era esses 3 tipos de remédio que eu tomo e não dormi (Violeta).

Teve um tempo que meu irmão foi preso. Quando ele foi preso, aí foi onde eu tive depressão, que eu já tive depressão. Quando eu tive a depressão eu fiquei muito mal aí me encaminharam pro CAPS (Violeta).

Eu tenho uma diarréia, no dia que vou ao presídio é o dia pior que tenho. Tenho que tomar antes de sair, se eu não tomar, eu não consigo ir [...] Só quando fico nervosa, vou ao banheiro toda hora, aí tem xixi também, né? (Alfazema).

Eu não vi, eu sei que fiquei toda dura, desmaiei no hospital mesmo, na hora que deu a primeira injeção para mim operar, eu desmaiei. Aí quando eu já tava no quarto, quando me levantei para ir no banheiro e não agüentei e desmaiei de novo e fiquei toda dura, aí o médico falou que era para eu tomar, não era para deixar de tomar (Alfacema).

Percebemos nessas falas o reflexo do paradigma biomédico no cuidar do

sofrimento psíquico, ou seja, as experiências e comportamentos humanos são

redefinidos em problemas médicos recebendo assim um diagnóstico. Sobre isto,

Tesser, Poli Neto e Campos (2010) ressaltam que essa medicina moderna é

pautada em uma filosofia de transformar toda queixa em síndrome, transtorno ou

doença de caráter biológico, desligando-a da vida cotidiana do sujeito,

considerando-a em uma realidade distinta e independente da própria existência.

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Assim, temos "Margarida" que traz esta perspectiva ao comentar seu

diagnóstico de transtorno bipolar: "[...] Tem dia que eu tô alegre, tem dia que eu tô...

meio chorona, tem dia que eu tô triste, tem dia que eu tô com raiva e hoje eu tô... um

pouquinho mais... agitada". Essas alterações de humor são de certa forma

esperadas, pois tem dia que a pessoa acorda triste outro dia feliz, no entanto, a

tendência é nomear esses aspectos da vida como patológico.

Essa medicina científica trouxe para o campo da saúde mental a

―patologização‖ da loucura, seguido da substituição dos tratamentos de choque e

camisa-de-força pelos medicamentos da alma. Roudinesco (2000) ressalta que

mesmo não curando nenhuma doença mental, as pílulas revolucionaram as

representações do psiquismo, fabricando um novo homem, polido e sem humor,

esgotado pela evitação de suas paixões, envergonhado por não ser conforme ao

ideal que lhe é proposto.

É nesse cenário que, na década de 1950, foram sintetizados os primeiros

psicotrópicos, propondo-se à uma reintegração social através da normalização dos

comportamentos e eliminação dos sintomas mais dolorosos do sofrimento psíquico

(ROUDINESCO, 2000). Esse avanço veio trazer para medicina psiquiátrica a

suposta legitimidade científica, passando a direcionar sua clínica na utilização de

psicofármacos como dispositivos no tratamento e cura do sofrimento psíquico.

Quer se trate de angústia, agitação, melancolia ou simples ansiedade, é preciso, inicialmente, tratar o traço visível da doença, depois suprimi-lo e, por fim, evitar a investigação de sua causa de maneira a orientar o paciente para uma posição cada vez menos conflituosa e, portando, cada vez mais depressiva. Em lugar das paixões, a calmaria, em lugar do desejo, a ausência de desejo, em lugar do sujeito, o nada, em lugar da história, o fim da história (ROUDINESCO, 2000, p. 41).

Diante destes apontamentos, traremos as falas enunciadas pelas

mulheres que trazem sua relação com a medicação e seu sofrimento:

o Diazepam foi um dia que eu tomei 10 e não dormia. Tomei 15 e não dormia. Tomei a chegar 20 e não dormia [...] Eu cheguei em casa, cortei os pulsos. Aí eu tomei... já tava tomando esse... que o Diazepam não tava mais resolvendo. Eu tomei 10 Rivotril, que era o Rivotril, e 10 daquele outro do ‗vridinho‘ (Violeta).

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[...] um doutor, aliás, o Doutor X, ele era psiquiatra. Só que aqui ele exercia a função do médico da família. E eu conversando com ele, ele disse assim ―Olha, eu vou passar um remediozinho pra você‖. Aí passou o Bromazepam de 3 miligrama. ―Aí eu vou fazer um teste e você vai me dizendo‖. E ele foi me acompanhando e eu vi que eu fui melhorando com o Bromazepam. Aquela ansiedade que eu tinha diminuiu um pouco. Eu num vou dizer que diminuiu muito, mas diminuiu um pouco. Porque eu sou muito agitada já por... acho que por natureza mesmo (Flor de Lótus).

Desde daquele dia que eu vi aquela cena que eu adoeci. Foi quando eu vim pra cá. Aí eu voltei a tomar esse remediozinho Diazepam (Iris).

Aí... eu sinceramente, eu não tô vendo melhora. Eu tomo o Diazepam é pra poder me acalmar e parece que fica mais agitada, mais ansiosa, mais nervosa (Flor de Lótus).

Nos discursos acima, percebemos tanto a medicação como a pílula que

melhora um pouco a ansiedade como também a que pode matar. Na fala de Violeta,

observamos que o sentimento ganha proporções a beira do insuportável diante das

frustrações presentes na vida cotidiana. Ela recorre ao uso do benzodiazepínico

para aplacar e silenciar a tristeza frente aos conflitos familiares.

Os benzodiazepínicos (BZD) deveriam ser prescritos principalmente para

tratamento de transtorno de ansiedade e como indutores de sono. São fármacos

capazes de deprimir o sistema nervoso central (SNC) a partir de receptores

gabaérgicos específicos no cérebro, exibindo feitos como: ansiolítico-tranquilizantes,

hipnótico-sedativos, anticonvulsivantes, miorrelaxantes, induzem amnésia e

alterações psicomotoras (HALES, YUDOFSKY, GABBARD, 2012).

O primeiro agente utilizado para aliviar a ansiedade foi o álcool etílico.

Posteriormente, a partir de 1900, os barbituratos foram os principais fármacos para

tratar a ansiedade. No entanto, o mesmo causava vários efeitos colaterais,

apresentando principalmente o risco de superdosagem muito próximo a dose

terapêutica. Foi diante desse cenário que laçaram os benzodiazepínicos em 1960,

os quais tiveram de imediato uma grande aceitabilidade dos médicos e pacientes.

Além da eficácia terapêutica, os principais motivos do sucesso talvez tenham sido a

segurança em seu uso e a melhor tolerabilidade (SILVA, 1999).

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Nesse sentido, para prescrever um BZD, os médicos precisam considerar

sua rápida ação, tolerabilidade e segurança, além lógico basearem-se em

diagnóstico clínico. Ademais, os pacientes precisam ser informados dos efeitos

colaterais, do risco de dependência e abstinência no uso prolongado da medicação.

Sobre os enunciados que apontam o modo de uso e conseqüências do

uso abusivo do benzodiazepínico para o paciente, apresentaremos algumas falas:

Bem, a médica mandou...quando ela me deu, passou ela disse que não era pra mim ficar tomando. Que eu tomasse só uma bandinha na hora que eu... tivesse assim muito... nervosa (Orquídea).

Eu cheguei e contei o que tinha acontecido no hospital e ele perguntou, você precisa tomar mesmo? Falei que sim, ele falou que ia passar, mas não tomasse demais, quando você não puder tomar não tome, por que você fica viciada, por que é uma droga, né? Aí pronto, recebi, passa um tempo, recebo de novo. Consulto primeiramente para ter a receita (Alfazema).

Aí eu fui pedindo e o doutor disse assim: ―Não, Rosa, a senhora é tão nova, a senhora é tão nova, sabe, tá tomando esses remédio assim. Dá uma aparência assim que a senhora tá querendo se drogar”. Eu digo: ―Nam. Nunca usei droga na minha vida. O único remédio que eu uso só é esse daqui e é no último caso, quando eu tô muito nervosa, que eu sinto quando eu tô nervosa que a garganta começa a arranhar, entendeu? (Rosa).

Observamos nos discursos acima, o alerta do médico na atenção ao

modo de uso da medicação. Ademais, o aumento da dose de BZD pelo próprio

paciente causará problemas de dependência e abstinência em seu uso crônico,

além de poder se tornar objeto de consumo abusivo. Segundo Dodle (1998), na

prática clínica, o BZD tornou-se o principal fármaco de escolha para o sofrimento da

vida cotidiana, levando os clínicos gerais a fazerem prescrições indiscriminadas,

rotineiras e por longo prazo.

O uso prolongado de BZD compreende períodos acima de 4 semanas,

podendo levar ao desenvolvimento de tolerância, abstinência e consequentemente

dependência, particularmente quando prescreve-se doses elevadas de

benzodiazepínicos de alta potência e de meia-vida curta (midazolam, lorazepam,

alprazolam e triazolam) (WHO, 2009). Nesse sentido, o paciente chega desejando o

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alivio do seu mal-estar e encontra o terrível hábito, o aumento das doses e a

dependência.

Pensar na dependência como a adaptação do organismo à presença

continuada de uma determinada droga, de forma que sua retirada desencadeia

distúrbios físicos, geralmente opostos ao efeito farmacológico da droga. Já o uso

continuado provoca fenômenos de tolerância, ou seja, necessidade de doses cada

vez maiores para manutenção de efeitos terapêuticos. Outros efeitos bastante

comuns são os déficits cognitivos (perda de atenção e dificuldade de fixação), que

tendem a se instalar no curso da utilização desses medicamentos (BRASIL, 2013).

O potencial de abuso dos BZD‘s passou a ser considerado a partir dos anos

70, quando os primeiros estudos clínicos evidenciaram a evolução de dependência e

sintomas de abstinência em doses terapêuticas. Nos anos 80, observou-se que 50%

dos pacientes que usam benzodiazepínicos por mais de 12 meses evoluem com

síndrome de abstinência (emergência de novos sintomas seguintes à

descontinuação ou redução da droga). Os sintomas começam progressivamente

dentro de 2 a 3 dias após a parada de BZD‘s de meia-vida curta e de 5 a 10 dias

após a parada de BZD‘s de meia-vida longa, podendo também ocorrer após a

diminuição da dose (LARANJEIRA; CASTRO, 1999).

É fundamental considerar que, para o manejo de longo prazo para queixas

crônicas de ―ansiedade‖, é mais interessante incluir alguma medicação

―antidepressiva‖ (amitriptilina, fluoxetina etc.). Vale a pena esgotar as opções destes

―antidepressivos‖ (substâncias e doses) e resguardar ao máximo o uso dos BZD‘s

para eventos clínicos agudos (BRASIL, 2013).

Sonolência, sedação e fraqueza muscular são os efeitos colaterais mais

comuns a partir da utilização de benzodiazepinas. Outros efeitos menos comuns

incluem tontura, dor de cabeça, confusão, depressão, disartria, alterações na libido,

tremores, distúrbios visuais, retenção ou incontinência urinária, distúrbios

gastrintestinais, alterações na salivação e amnésia (WHO, 2009).

Enfim, a psiquiatria contemporânea atualmente vem definindo novas

rotulações diagnósticas e novas formas de tratamento do sofrimento. Agora para

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cada sinal de mal-estar cotidiano (tristeza, desamparo, solidão, receio, insegurança

etc) existe uma patologia correspondente que será tratada com psicofármacos.

Assistindo então ao processo de psiquiatrização da vida social, perpassado pela

valorização da concepção biológica e pelo tratamento baseado em recursos

químicos (FERRAZZA et al, 2010).

Vejamos o que Roudinesco (2000, p. 24) ressalta sobre o contexto acima:

Uma dada pessoa ―normal‖, atingida por uma série de infortúnios – perda de uma pessoa próxima, abandono, desemprego, acidente -, vê ser-lhe receitado, em caso de angústia ou de uma situação de luto, o mesmo medicamento receitado a outra que não tem nenhum drama para enfrentar, mas apresenta distúrbios idênticos em virtudes de sua estrutura psíquica melancólica ou depressiva.

Diante desse cenário, temos observado que quanto mais se promete a

cura do sofrimento psíquico através da medicalização, mais o sujeito se decepciona

e procura outras formas de eliminar seu mal-estar. Seja na obtenção de algum

objeto material, seja na religião na tentativa de dar sentido a tudo isso, seja em

terapias alternativas e integrativas.

4.2.2 Formação Discursiva Religiosa

Essa formação discursiva se destacou em predominância nas falas das

mulheres entrevistadas, quando comparada à formação discursiva biomédica e está

relacionada ao apelo religioso, a fé em Deus, que tudo pode, que tudo cura.

O discurso religioso ancora o sujeito num lugar de assujeitar-se ao grande

Pai. A existência desse Pai, Deus, que tudo pode, consente ao sujeito dar um

sentido a morte, ao sexo, a vida, enfim, diante das angústias, mal-estar, há alguém

que sabe, que traça o destino dos homens (BRUNETTO, 2010).

Segundo Sigmund Freud o homem encontra na religião uma resposta

ilusória às questões insolúveis do sofrimento e da morte. Esse tipo de controle é

exigido para que possamos viver em sociedade e caso ―a religião fosse extinta,

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inevitavelmente, o homem criaria outro sistema de doutrina com as mesmas

características para se defender‖ (GONTIJO, 2010, p.17).

As falas abaixo trazem a religião numa perspectiva de sobrevivência,

reforçando sua importância para a estruturação da vida subjetiva:

[...] por que eu tenho Jesus na minha vida [...] Por que a gente sem Jesus num é ninguém, Ele me dá muita força para resistir o que passo com ele, já passei muita coisa ruim com ele [...] Enquanto Deus não me levar, eu ainda vou ver, ele servindo ao Senhor, liberto! Que Deus é maior em nossas vidas, né? (Alfazema) Eu dou graças a Deus eu tenho 8 filho: 6 homem e 2 mulher. Mas em

tudo graças a Deus, Meu Deus, são pobre mas são trabalhador e

vivem à custa do trabalho deles [...] Aí ‗fumo‘ indo, ‗fumo‘ indo. E

nascendo menino, nascendo menino. Mas graças a Deus nunca

passaram um dia sem comer (Orquídia).

Diante da angústia do ato de existir, na ordem do real, a religião

comparece para tamponar o sujeito. Lacan (2005, p.72) em seu livro o Triunfo da

religião revela que ―Desde o começo tudo o que é religião consiste em dar um

sentido às coisas que outrora eram as coisas naturais. [...] A religião é feita para

isso, para curar os homens, isto é, para que não percebam o que não funciona‖.

Neste sentido, a religião vai operar na relação entre o sujeito e o real, este

último tomado no sentido do que não funciona, o que não anda, o que gera angústia.

Assim, a religião alcança o saber para suturar a falta de funcionamento que aflige o

real, ou seja, o trabalho da religião é apaziguar os sujeitos, aliviar sua angústia,

segregando novos sentidos que possam vir a gerar novos transtornos no homem. O

real se enche de sentido e o sujeito se adapta ao real (REBOLLO, 2010). Mas o que

é esse real?

O real é o lugar onde Deus está, ainda que morto, e é nesse lugar que se instaura a fé que move montanhas e pode não apenas ―salvar‖, mas ser um instrumento de destruição da vida. O real é o que não funciona nesse mundo, e podemos chamá-lo de i-mundo (RODRIGUES, 2015, p.50).

Para Gontijo (2010), a angústia operante no real é tamponada pela

religião, na medida em que esta é conforme a vontade Divina e já está escrito nos

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princípios da igreja e na Bíblia. Assim, o sujeito encontra na religião a possibilidade

de não ter trabalho com o seu próprio desejo, uma vez que basta entregá-lo a Deus.

Essa contextualização construída acima irá nos permitir trabalhar os

enunciados que se encontram articulados a essa formação discursiva. Na fala

abaixo, o uso abusivo da medicação é justificado pelo envio da medicação por Deus,

mostrando a impotência da mulher em assumir seu desejo. Vejamos:

Chorando direto, aí eu tomo, né? Mas não é todo dia, pra mim, já que Deus botou, né? Eu tomo um, né? Num acho ruim não. Era ruim se eu fosse viciada, né? Mas não sou não, graças a Deus! (Alfazema).

Percebemos que ―Alfazema‖ entrega a Deus a incumbência da causa,

como diz Lacan em Ciência e Verdade cortando seu acesso a verdade. ―Por isso é

levado a atribuir a Deus a causa de seu desejo, o que é propriamente o objeto do

sacrifício. Sua demanda é submetida ao desejo suposto de um Deus que, por

conseguinte, é preciso seduzir‖ (1965-1966, p.887).

Se por um lado a religião proibe, frusta e priva o sujeito, por outro ela

também promete compensá-lo pelos sofrimentos e privações que uma vida civilizada

apresenta. Ou seja, a religião promete recompensar aqueles que se submetem as

suas normas a qualquer custo (SOUSA; LENZI, 2010). Frente a este discurso,

apontamos as falas das mulheres em uso abusivo do benzodiazepínico que

assumem uma posição de apelo a Deus:

Mas Graças a Deus, eu não sou viciada. E nem vou ser em nome de Jesus. (Alfazema)

Eu ia dormir e dizia ―Meu Deus, será que aquela senhora conseguiu resolver aquele problema, que eu mandei pra aquele local. Será que a Dona Maria resolveu? O Seu João...‖ Eu sempre ficava nessa... nessa... nessa... (Flor de Lótus)

É difícil. Eu não vou. Juro perante a Deus do céu que eu não vou. Por amor que eu tenho a meu filho. Deus queira que isso nunca hei de acontecer, mas eu num vou não. Nesse ponto aí eu sou fraca. Eu num... eu num sou mais aquela pessoa que era antes desses trauma que eu tô de enfrentar cada coisa que eu enfrentava antes. Num sou mais (Iris).

―Meu Deus do Ceú, tenho que procurar uma píula pra mim‖ (Rosa).

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Em seu texto O Futuro de Uma Ilusão, Freud (1997) apresenta a religião

como uma ilusão, não por ela ser falsa, mas por desprezar a realidade e não se

importar com a verificação. Nesta perspectiva, algumas falas são postas nesse

sentido que a religião não tem resposta para tudo, que Deus não olha para todos,

que a religião é mesmo uma ilusão:

Ela (a irmã) era... era da igreja, muito católica. Vivia lá. Dizimista, ia lá. E eu cheguei até ir num dia de domingo, na igreja... sai da minha casa cinco e meia da manhã pra pegar a missa das 7 horas lá no Conjunto... lá na Granja Portugal, onde ela morava, pra ir pra missa pedir a cura dela na igreja. Falando com Deus, pedindo pra... pra Nossa Senhora e num teve a cura dela. Ela morreu. [...] Eu num vou mentir não. Essa semana eu me ajoelhei, fui tentar rezar o terço bizantino do Padre Manzotti, que passa bem de manhã. Aí eu disse ―Pronto, o dia vai ser ótimo pra mim‖. Aí vem as bomba. (Flor de Lótus).

Acho que eu num fui a mãe boa. Eu acho que... sei lá se eu mereço

isso, Meu Deus? O sofrimento dele. Aí eu botei na cabeça, aí eu abro

o... nas oração do Padre Manzotti, eu vejo a situação daquelas mães

e digo assim pra mim mesma ―Meus Deus, o senhor num tá me

olhando? [...] Meu Deus é tão ruim. É horrível isso aí. Aí eu melhorei

de lá pra cá quando eu comecei a tomar... abandonei, num vou

mentir, comecei nessa besteira que eu tô fazendo. Num sei. Sabe.

Tem hora que eu penso que... Tem hora que eu num quero nem

viver. Porque você quer ajudar e num pode. Cadê Deus que num

ajuda as pessoa boas? Meu Deus me perdoe. Num dá (Iris).

Segundo Lacan, o poder da religião sobre o homem é pelo fato dela dar

sentido às coisas, ele não está disposto a viver sua vida sem um sentido. E nem a

ciência nem a psicanálise possuem essa capacidade, pelo contrário, Lacan coloca

as duas sob o mesmo estatuto, qual seja, o de engajar-se ―na falta central em que o

sujeito se experimenta como desejo‖ (1985, p.251).

Podemos pensar diante do uso abusivo dos benzodiazepínicos entre

mulheres que esse abuso perpassa por uma questão biológica situada no corpo,

além do sentido que a fé em Deus vem sustentar a dor de existir, na medida em que

o discurso religioso tampona o desejo e de alguma forma, ao menos imaginária, a

falta do sujeito.

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Aqui fazemos uma pausa de separação entre o que verificamos na

formação discursiva biomédica e na formação discursiva religiosa para delimitar

aquilo que, apesar do esforço de tamponamento dessas duas vias, escapa

insistentemente. Trata-se de pontos de ruptura desse discurso, os furos e não ditos

que chamaremos aqui de ―A vida como ela é‖.

4.2.3 A vida como ela é: pontos de ruptura

Esse tópico irá abordar o que surge na ruptura nos discursos, momento

destinado a ouvir o que se diz nessa ‖outra cena‖, como chamou Freud. Onde surge

algo que, apesar de silenciado, ao mesmo tempo, insiste em se revelar. Para além

de todas as respostas que a sociedade oferta para tamponar um sofrimento, sejam

biomédicas ou religiosas, algo desses sujeitos na sua relação como desejo e com o

gozo, se manifesta. Não como algo escondido a ser buscado nas profundezas, mas

como aquilo que se revela no cotidiano na vida como ela é.

Mas a que sujeito estamos nos referindo? Para responder a esse

questionamento, buscaremos abordar a seguir de que sujeito estamos falando,

traçando um percurso das primeiras definições sobre o ser sujeito até a dimensão do

sujeito na psicanálise.

No século XVII, com o questionamento ―O que sou eu?‖ Descartes

inaugura as primeiras ideias sobre o conceito de sujeito. Em sua obra Discurso do

Método, o filósofo racionalista busca na razão os recursos para a recuperação da

certeza científica, ou seja, o que é verdadeiro para Descartes é o que pode ser

concebido ―clara e distintamente‖ unicamente pela razão. Eis o passo precursor para

o desenvolvimento da ciência moderna (QUINET, 2000).

A exacerbação da dúvida coloca em xeque a objetividade do conhecimento científico. Se da máxima incerteza desponta uma primeira certeza – ―Se duvido, penso‖ –, esta é ainda, contudo, uma certeza a respeito da própria subjetividade (―penso‖) (PESSANHA, 1999, p. 21).

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Diante dessa explicitação de Descartes ―Se duvido, penso‖, inaugura-se

assim o cogito pela proposição que se tornou famosa: Cogito ergo sum, traduzida

como ―Penso, logo sou‖. Nasce, portanto, o sujeito do conhecimento e, com ele, a

certeza de que a razão humana seria capaz de conhecer completamente as paixões

e as emoções, governando-as e dominando-as (CHAUÍ, 2000). O sujeito do

conhecimento que será definido pelo método cartesiano não é outro senão o sujeito

da ciência. É esse mesmo sujeito da ciência sobre o qual opera a psicanálise – eis a

tese de Lacan – sem o advento do sujeito com Descartes, a psicanálise não poderia

ter vindo à luz (QUINET, 2000).

Foi pelas mãos de Sigmund Freud que a psicanálise surgiu na aurora do

século XX. Sua inovação ocorreu pela concepção de um psiquismo inconsciente, de

maneira que o sujeito não se restringia ao registro da consciência. Essa hipótese

pressupunha, então, uma divisão do sujeito de caráter estrutural, pois transcenderia

o campo da patologia mental e se evidenciaria na experiência psíquica normal

através das formações do inconsciente (BIRMAN, 1997). Freud formalizou suas

descobertas sobre o inconsciente e descreveu o funcionamento do aparelho

psíquico através de seus estudos sobre os sonhos.

Em seus escritos sobre a interpretação dos sonhos, Freud ([1900] 1996)

propõe que o sonho é um processo inconsciente, destarte não pode ser interpretado

como uma formulação ocorrida ao acaso, isto é, o sonho é uma estrutura provida de

sentido.

No entanto, antes dessa formalização das leis que regem os processos

oníricos, Freud ensaiava uma forma de fazer surgir os conteúdos inconscientes, que

apesar de não sabidos, não paravam de interferir a todo momento na vida vígil de

seus pacientes. Na França, ele havia aprendido com Charcot a prática da hipnose e

se surpreendera com seus efeitos em pacientes neuróticos. Em estado hipnóide

falavam livremente sobre coisas relacionadas aos seus sintomas e com isso

experimentavam certo alívio. Freud passou então a aplicar a técnica com seus

pacientes, mas logo percebeu as limitações do método: apesar de falarem durante a

sessão de hipnose, os pacientes pouco lembravam do que disseram ao acordar.

Assim como na ciência ou na medicina, na hipnose não há sujeito (ELIA, 2004).

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Além disso, os sintomas apresentados retornavam em pouco tempo. Foi aí que a

intervenção de uma paciente de Freud ao relatar: ―cale a boca e me deixe falar‖,

provocou um deslocamento no método (MANNONI, 1994).

Dessa maneira, Freud abandonou o uso da hipnose e da sugestão pós-

hipnótica e passou a instituir o método da associação livre, chamando-a de ―regra

fundamental‖, que consiste em permitir a livre expressão do paciente sobre o que lhe

vier à cabeça. Elia (2004) propõe-se ao analisante que se entregue à experiência da

fala de um determinado modo, muito peculiar, que consiste precisamente em não

qualificar, de modo algum que esteja ao seu alcance, a sua fala. O mesmo autor

afirma que:

Desqualificar a fala do sujeito equivale, portanto, a criar as condições

de desqualificação, de ausência de qualidades, que pavimentam as

vias de acesso do inconsciente à fala, ao discurso concreto do

sujeito. Desqualificar a fala do sujeito é o equivalente a ―qualificar‖ o

sujeito do inconsciente como ―um sujeito sem qualidades‖ e é a única

forma de criar um acesso precisamente pela via da fala assim

proposta a que o sujeito do inconsciente possa emergir nessa fala

(ELIA, 2004, p. 19).

Nesse contexto, a fala revela o sujeito, que emergirá nos tropeços das

intenções conscientes daquele que fala, além de emergir nesses tropeços,

reconhece-se como tal pelo falante. Assim, a partir desse reconhecimento não será

mais o mesmo, porquanto terá sido incentivado a admitir como sua uma produção

que desconhecia, mas que faz parte dele (ELIA, 2004).

Freud destaca que, nessa nova regra, o crédito de seu dispositivo não

está na pessoa do analisante, mas na sua palavra. Porém, poder-se-ia perguntar:

por que a fala? ―Ora, o inconsciente é estruturado como uma linguagem e que,

sendo assim, é a palavra, a via de acesso a ele‖ (ELIA, 2004, p. 20).

Em seus textos A interpretação dos sonhos (1900), A psicopatologia da

vida cotidiana (1901) e Os chistes e suas relações com o inconsciente (1905), Freud

teoriza sobre os mecanismos do que ele chamou de pensamento inconsciente, isto

é, trata-se do sujeito não da desrazão e sim da razão inconsciente. Para pensar

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como se estrutura esse sujeito inconsciente, tomaremos as obras do psicanalista

francês Jacques Lacan (1901-1981) que inaugura os três registros do processo de

constituição subjetiva: imaginário, simbólico e real.

No texto O estádio do espelho como formador da função do eu, Lacan

(1998a) ressalta que o eu não é pré-existente, mas surge de uma nova ação

psíquica. O bebê apenas possui uma imagem fragmentada do seu corpo, ele apenas

o vê em pedaços. Portanto, configura-se em um campo das pulsões parciais. Assim,

o bebê só irá construir a concepção de unidade, e não de partes, com a imagem de

outro. No entanto, esse estádio só opera se tiver um ―Outro‖ que dê uma moldura,

organizando o mundo imaginário ao qual o sujeito se aliena.

Para Lacan, um sujeito se constitui pela sua inserção nos laços sociais e

determinado pelo ―Outro‖, através da linguagem. Ao discorrer sobre o sujeito

lacaniano, Quinet (2000) afirma que esse sujeito não é o homem e tampouco é a

mente suscetível de estar doente ou saudável, visto que tais acepções reduzem-no

a uma simples dimensão objetiva. O sujeito é patológico por definição, afetado pela

estrutura que obedece a uma lógica: os significantes que o determinam e o gozo do

sexo que o divide, fazendo-o advir como desejo.

Para o mesmo autor, o sujeito é essa lembrança apagada, esse

significante que falta, esse vazio de representação em que se manifesta o desejo.

Para Freud, o inconsciente nos ensina a seguinte proposição: ―penso logo desejo‖

(cogito ergo desidero), pois a cogitação inconsciente presentifica o desejo sexual,

indestrutível, inominável, sempre desejo de outra coisa. Mas, o pensamento não o

define, pois não há representação própria para o desejo, pois, como o sujeito, ele

não tem substância; é vazio, aspiração, falta, se não deixaria de ser desejo

(QUINET, 2000).

Como já se pode ter percebido, o cogito freudiano cogito ergo desidero é

antes de tudo desidero ergo sum, isto é, lá onde se encontra o desejo está o sujeito

como efeito da associação das representações. Desejo logo sou. Desejo é o nome

do sujeito de nossa era: a era freudiana (QUINET, 2000).

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Portanto, diante da definição desse sujeito em questão, ou seja, o sujeito

do inconsciente, tivemos a condição de durante a construção das formações

discursivas levantar os pontos que quebram a linearidade nas falas das mulheres

em uso abusivo do benzodiazepínico.

Neste sentido, quando essas mulheres foram indagadas acerca do uso do

benzodiazepínico em sua vida cotidiana, identificamos a justificativa do motivo de

uso carregada de questões subjetivas que abrem a significação do que sejam estes

sintomas como perdas, nervosismo, abuso do corpo, uso de drogas e tristeza.

Encontramos uma metáfora que dá a tônica dessa formação discursiva: o

sujeito se anuncia como alguém ―perturbada‖, significante que faz série com outros

significantes como ―alterada‖, ―agitada‖, aquela que ―dá ataque‖. No entanto, Vemos

que esta identificação vem como metáfora no lugar de tudo aquilo que ela sente em

decorrência dos acontecimentos da vida que são difíceis de lidar, assim como aquilo

que ela identifica como doença mental no outro.

Eu morava com ele e minha sogra, criando meus filhos. Minha sogra me perturbava muito, eu tinha uma cunhada que era doente mental e eu cuidava dela, aí minha perturbação já vem de longe. [...] É meu filho mais novo, quando tá em crise, quebra as coisas tudo dentro de casa, sai correndo na rua gritando. A Enfermeira daqui faz visita lá em casa e conhece como é minha vida com ele. Ele tem 48 e minha doença maior é medo dele, do adoecimento dele, medo de tá perturbado e me tranco no meu quarto (Bromélia).

Era. Todo tempo triste que num... todo tempo... eu não tinha... era muita agitada com tudo eu já começava a chorar, a sair, eu não dormia de noite. Aí foi só devido essas coisas (Jasmim).

Quando eu posso, quando eu me lembro, quando eu tô agitada. As vezes eu tô tão descontrolada que eu tomo logo de 3, que é de 5 miligrama. Aí eu acho que 2 não dá jeito. Aí quando eu tomo, quando é no outro dia eu fico lesadinha. Querendo das as passada e parece que tá é beba. Porque eu tomei demais, né? (Iris).

Quando eu dei o ataque, meu filho ainda não usava droga, ele começou a usar com 16 anos (Alfazema).

Identificamos um ponto interessante no relato de ―Bromélia‖ como ―minha

doença maior é medo dele‖, refletindo que esta mulher tem clareza acerca do que a

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medicina está chamando de doença, ou seja, ela se depara com as dificuldades de

lidar com a vida como ela é, esta vida cotidiana.

Essa perturbação aparece na relação com o corpo, sob a forma de algo

que não se controla, a ―carne frouxa‖ ―a fraqueza da cabeça‖ e um esfíncter que não

―tranca‖:

Aí eu... nunca ele tinha me batido, aí de tanto ele me bater eu fiquei com crise. Aquela crise assim que as carnes ficam tudo solta dos ossos. Que você num vai... A sua vista vai embaçando. [...] O único remédio que eu uso só é esse daqui e é no último caso, quando eu tô muito nervosa, que eu sinto quando eu tô nervosa que a garganta começa a arranhar, entendeu? Aí as carne começa a afrouxar dos ossos aí eu tomo, mas se não for assim eu não tomo não. Só tomo em último caso mesmo. Em último caso. [...] É, eu sinto. A carne tremendo, as costas... aqui minha nuca começa a esquentar... Eu acho que isso num é normal não (Rosa).

Não sentia as perna, não sentia os braço e a fraqueza no meu corpo. Uma fraqueza muito grande e eu passando mal. Passando mal, passando muito mal. E os meus filho chorando. E comecei a ficar roxa, meus pés ficando roxo. E eu me sentido mal. Aí ligaram pro meu esposo. Meu esposo veio, me botou dentro do carro e eu desmaiei, apaguei (Violeta).

Aquelas fraqueza na cabeça. Acho que é. Sei lá. Que eu num comia. Aí fiquei um bocado de dia assim, aí depois melhorei com o Alprazolam, que eu tomava aí dormia, pronto. Dormia direto, num sonhava nada. Aí eu tornei a dormi, num tomava mais aí vou suspender...mas aí eu faço...tem dia que eu passo dois dias sem tomar. Passo até mais se num eu sentir mal, que eu começo a tremer assim. Aí eu tomo, pronto. Num instante melhoro (Orquídea).

Aí as vezes eu...o sistema é tão grande que eu me tremo, eu fico se tremendo. É se tremendo todinha, é suando frio. Aquele calafrio, quente e frio, quente e... E as vezes ou a pressão baixa ou as vezes alteia (Jasmim).

Tem hora que eu me acordo boazinha, aí eu sinto pra mim aqui no meu rosto tá tremendo, sabe? (Iris)

Só quando fico nervosa, vou ao banheiro toda hora, aí tem xixi também, né? Mas quando ele ta bem, aí não tomo, tomo de jeito nenhum, mas agora to necessitada (voz baixa), por que ele ta lá dormindo no chão, né? Cheio de ferida, por que lá cria curuba, né? Ele tava na tranca, né? (Alfazema)

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Vemos nessa falas como algo que se passa diretamente no corpo, sem

palavra que possa simbolizar o que perpassa nesse sujeito. Mas também como que

não se controla na relação com o outro. ―Alfazema‖, por exemplo, não controla o que

―tranca o corpo exatamente quando precisa visitar o filho na prisão‖

Ao refletir acerca destes sintomas apresentados no corpo, levando em

consideração o sujeito do inconsciente, podemos trazer algumas considerações para

compreender esse abuso.

Freud avança em sua teoria sobre o inconsciente trazendo a noção de

pulsão. Ele refere que ―uma pulsão nos aparecerá como sendo um conceito situado

na fronteira entre o psíquico e o somático, como o representante psíquico dos

estímulos que se originam dentro do corpo e alcançam a mente‖ (FREUD, [1915]

1996, p. 127). A pulsão liga o corpo à mente, aparecendo como um conceito limítrofe

entre o psíquico e o somático. Exatamente o que se desvela na fala de ―Alfazema‖ e

sua demanda pela medicação na tentativa do controle do esfíncter.

Assim, deixa a ―evidência de que o inconsciente é a tentativa de aprender,

por meio da representação psíquica da meta pulsional, aquilo que, em nome da

satisfação, faz palpitar uma vida‖ (CABAS, 2009, p.48). Essas pulsões sempre

insistem em cumprir com seu objetivo de descarga, tendendo à satisfação, podendo

aparecer no corpo como sintomas, conforme relatadas pelas mulheres

entrevistadas: ―carnes ficam tudo solta dos ossos‖, ―carne tremendo‖ e ―fraqueza na

cabeça‖.

Entretanto, o sintoma é um fenômeno que dependendo da área em que

está sendo abordada leva a interpretações e condutas distintas. Esse termo é muito

utilizado pela medicina como sendo distúrbios subjetivos referido pelo paciente, no

qual o médico apresenta a sua significação, decifrando-o. Diferentemente dos sinais

que são revelações objetivas da doença, observado por vários meios. Na medicina

este sintoma precisa ser eliminado, sendo a medicação uma forma de tentar

tamponá-lo.

Na psicanálise, o sintoma é tomado como algo dotado de sentido, como

um enigma a ser decifrado. No entanto, seu sentido não está do lado do profissional,

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mas do próprio sujeito. Além disso, para Freud, o sintoma é, também, uma forma

substitutiva de satisfação libidinal, substituição a algo que foi sentido como

traumático nas vivências infantis. Freud sustenta que o sintoma é eleito e colocado

no lugar de um conflito e estabelece a satisfação pulsional que permaneceu em seu

estado latente. É uma consequência do processo de recalque e tem como finalidade

orientar o curso dos fatos mentais de conformidade com o princípio de prazer

(GARCIA, 2004).

A libido insatisfeita liga-se a lembranças de experiências abandonadas na

infância, nas quais restos de energia libidinal ficaram desde então (FURTADO,

2005).

[...] a dor a que o sintoma se refere (conversões, obsessões, fobias)

não é exatamente a mesma que gerou sua constituição. Essa causa

é inconsciente, e o sujeito a recalca por ser traumático. Em seu lugar,

aparecem outras motivações que convergem para o sintoma. O

sintoma em sua vertente significante é sempre enganador (QUINET,

2003, p. 9).

Essa citação elucida que o sintoma é uma formação do inconsciente,

como o sonho, o chiste e o ato falho. Assim, seu sentido só poderá ser entendido

dentro da história de cada sujeito. Podendo ser decifrado com a participação do

psicanalista, mas só trará benefício ao paciente se adquirir sentido para o próprio

sujeito.

Nesse sentido, Freud afirma em seus textos que o analista não deve

negar ou combater o sintoma, mas sim acolhê-lo, pois este traz, tanto o engano,

quanto revelações. Tentar supri-lo é aumentar seu poder de engano, uma vez que a

dor ressurgirá em outro lugar, dessa forma, não adianta um maquilador: ansiolíticos,

antidepressivos (QUINET, 2003).

Não existe sujeito sem sintoma, sem falta. Quinet (2000, p. 47) escreve

que:

Essa falta, que se situa no nível dos significantes, corresponde

estruturalmente à falta descrita por Freud no complexo de castração.

Esse Outro é, portanto, marcado por uma falta que podemos chamar

de castração, mas o sujeito não quer saber da falta no Outro nem da

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sua própria. Na análise, o sujeito deve ser levado a se confrontar

com a falta para chegar à pura diferença. Trata-se de sua diferencia,

de sua singularidade.

Neste sentido, pensando aqui nos relatos de demanda dessas mulheres

apresentando suas queixas como motivo de uso abusivo do BZD, percebemos uma

medicalização dos acontecimentos da vida na tentativa de aplacar o sofrimento e

silenciar o sintoma.

Na perspectiva da psicanálise, o sintoma é encarado como motivo do

tratamento, produzindo um saber próprio, a verdade acerca de seu sintoma. Além

disso, é preciso que esse sintoma, que é um significado para o sujeito, readquira sua

dimensão de significante, implicando o sujeito e o desejo.

O sujeito é desejo e sua existência mantém uma correlação com a cadeia

de significantes do inconsciente. Cadeias essas descritas por Lacan (1998b, p. 505)

como ―anéis cujo colar se fecha no anel de um outro colar feito de anéis‖. Essa

articulação em cadeias produz uma ordem capaz de engendrar o significado, que

não se encontra constituído desde o começo, antes da articulação significante. O

sujeito se constitui e não só nasce e se desenvolve. Dessa maneira, o sujeito só

pode se constituir em um ser humano que tem a vicissitude obrigatória e não

eventual de entrar em uma ordem social a partir da família ou de seus substitutos

sociais e jurídicos (ELIA, 2004).

Para um ser recém-nascido se manter vivo é necessário a intervenção de

um adulto próximo que realize ações essências para sua sobrevivência. A esse

fenômeno, Lacan propõe a categoria de Outro (escrito com ―o‖ maiúsculo) para

designar não apenas esse adulto próximo, mas também a ordem que este adulto

encarna para o ser recém-aparecido, ou seja, o que chega ao bebê ―é um conjunto

de marcas materiais e simbólicas – significantes – introduzidas pelo Outro materno,

que suscitarão, no corpo do bebê, um ato de resposta que se chama de sujeito‖

(ELIA, 2004, p. 41).

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Lacan é radical ao afirmar que uma criança não sabe o que quer antes da

assimilação da linguagem, pois quando um bebê chora, o sentido desse ato é dado

pelos pais ou pelas pessoas que cuidam dele que tentam nomear a dor que a

criança parece estar expressando. Deste modo, o Outro pode ser visto como um

intruso traiçoeiro que transforma nossos desejos, mas é, ao mesmo tempo, aquilo

que nos capacita a revelar uns aos outros nossos desejos e a nos comunicarmos

(FINK, 1998).

Seguindo essa linha de raciocínio, para Lacan, o inconsciente é o

discurso desse Outro, isto é, o inconsciente consiste naquelas palavras que surgem

de algum outro lugar que não o da fala do eu, ou seja, o inconsciente está repleto da

fala, das conversas, dos objetivos, das aspirações e das fantasias de outras pessoas

(CABAS, 2009).

Dessa forma, ao entender o inconsciente como linguagem, o sujeito se

constitui nesse mundo através daquilo que não pode ser satisfeito pela demanda

entendida no sentido estritamente biológico, que lhe garante a manutenção da

própria vida (fome, frio, desconforto físico, etc.) (GARCIA et al, 2006).

Entretanto, apesar de marcado por ele, o sujeito não é o significante. O

significante (S1) é o que representa o sujeito para outro significante (S2). O sujeito

surge nos intervalos da cadeia significante, ou seja, ―sobre a brecha que separa o

consciente do inconsciente‖ (CABAS, 2009, p. 44). Assim, para a psicanálise o

sujeito não está inserido no pensamento – ―sou onde não penso‖ – fora do

significante, lá onde se encontra a pulsão sexual. É também não identificável, mas

sujeito à identificação, e longe de ser unificado, ele é dividido – ele se divide em

relação ao sexo e à castração (QUINET, 2000).

Para que exista um sujeito, é preciso reconhecer o outro também como

faltante, ou seja, como algo que também se revela desejante (por exemplo, o bebê

ao perceber que a mãe tem outras ocupações além dele, que ela volta sua atenção

para o pai, para o trabalho, observa que a mãe é faltante). Nessas idas e vindas, o

sujeito percebe que a mãe não é completa, que a ela também faltam coisas que

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busca alcançar. Esse ponto fraco aparece justamente porque o outro também tem

que recorrer à linguagem, impossível de dizer tudo.

Essa linguagem não diz tudo porque inexiste o conjunto de todos os

significantes (Outro). Logo, todas as palavras de uma língua são incompletas para

conseguir expressar o que o sujeito (S) do inconsciente demanda. Diante disso, o

sujeito é levado a tentar preencher a falta do Outro se perguntando: mas o que é

que ele quer de mim?

E, a partir daí, o sujeito segue procurando responder a esta questão,

tomando o outro por objeto do seu próprio desejo e se colocando como o objeto que

poderia tamponar a falta do outro também desejante. Mas, esse momento é

hipotético e irrealizável, visto que o desejo, enquanto efeito de linguagem, já anuncia

a impossibilidade da simbolização totalizada, ou seja, de dar significantes a tudo que

o implica. Rompe-se a ilusão de totalidade e essa ruptura é uma divisão com resto:

―esse resto, esse Outro derradeiro, esse irracional, essa prova e garantia única,

afinal, da alteridade do Outro, é o a‖ (LACAN, [1962-63] 2005, p. 36).

Outra metáfora que podemos destacar nas formações discursivas é

aquela que aponta para uma relação velada com o benzodiazepínico como droga. O

benzodiazepínico é uma substancia que ―avicia”, metáfora que condensa a droga

BZD e a droga a que essa mulher se vê exposta no tráfico ilícito.

Aí meu menino começou a usar drogas, aí eu fui de novo e tirei. Mas eu não tomo todo dia não, pois quem toma todo dia se avicia e eu não quero isso para minha vida... (Alfazema)

Tem dia que eu não quero me levantar. Tem dia que eu quero ficar só deitada. Tem dia que eu fico triste. Tenho vontade de sumir. Tenho vontade de andar e ir embora, mas os meus filho são muito apegado comigo. Então é o que me dá muita força. Aí como eu tô procurando me libertar deles, que que eu tô fazendo agora? Eu entrego na mão do meu esposo pra mim não perder o controle da minha pessoa porque eu já me sinto já viciada neles né? [...] Esse aqui infelizmente eu tomo porque a gente precisa dormi. Mas por mim eu já tinha deixado. E... eu me sinto mal tomando eles. Eu me sinto drogada. Quando falta as minhas receita é preciso ir na bocada comprar. [...] Lá onde vende droga (Violeta).

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Ele se env... assim se... se envolveu nas drogas. (Voz embargada pelo choro) Aí... foi um choque pra mim né, porque eu já me juntei com ele pra ter uma vida melhor (Jasmim).

Num quer porque não quer. A verdade é essa. Então o medo que eu tenho o fim daquele menino é ir pruma cadeia. Aquelas crianças... Já foi polícia lá, ele drogado. Olha, no dia que eu cheguei ali e eu vi, eu num aguentei. Nesse dia que eu vi ele daquele jeito eu disse: ―Olha a polícia vem buscar essas criança, vai pro Conselho Tutelar e tu vai preso ((Iris).

Nos trechos das falas acima, as mulheres denunciam tanto o tráfico e

abuso das drogas ilícitas como a venda de BZD‘s na ―bocada‖, mesmo local de

venda da droga. O estudo de Carrilho (2016), realizado com profissionais da rede de

saúde pública acerca do uso abusivo dos BZD‘s, revela os psicotrópicos entrando no

esquema de tráfico na comunidade. Os profissionais justificam a prescrição dos

BZD‘s frente ao mal-estar causado pelas condições sociais (criminalidade e tráfico),

ao mesmo tempo em que essa engrenagem sustenta o tráfico e a criminalidade.

Dessa forma, conforme traz Carrilho (2016, p.79), ―estamos diante do

‗pior‘, do preço a ser pago pelo esvaziamento do lugar da palavra e pela tentativa de

tamponar o lugar da falta com objetos compráveis e ao acesso da mão‖. Levando

essa mulher a depender do fármaco para viver sua vida cotidiana, como anunciado

por ―Violeta‖ – ―[...] eu já me sinto já viciada neles‖; ―Eu me sinto drogada‖ – ―Quando

falta as minhas receita é preciso ir na bocada comprar‖.

Percebemos então a angústia operante no real nas falas acima. A

medicação sendo colocada como produto do saber que enfrenta as perturbações do

gozo do corpo. Nessa lógica do real, Laurent (2004. P.41) aponta que:

Pelo medicamento, o sujeito recorta seu organismo de outro modo. Ele o recorta com esse instrumento de saber específico que é o medicamento. Se o significante poda o corpo à sua maneira, o saber contido no medicamento o poda de outra forma. Ele faz o sujeito conhecer um ―gozo desconhecido dele mesmo‖, absolutamente desconhecido [...] Pelo medicamento o sujeito é levado a poder gozar de novas partes do corpo. A manipulação das doses por cada sujeito, a automedicação com a ajuda de um outro, consistindo numa negociação prescritiva, produz um gozo normatizado próprio de cada um.

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Para Lacan (1969-70) existe uma estreita relação entre a repetição, o

saber e o gozo. Acompanhando e ordenando as repetições são ordenadas por um

saber, atrelada ao meio de gozo. Esse saber é referenciado pelo conjunto dos

significantes que se repetem e reeditam, de forma não idêntica, o reprimido. Assim,

toda a vida dos sujeitos, por meio dos sintomas, de outras formações do

inconsciente e da estrutura do fantasma, está ordenada por esse saber que trabalha

em cada um (GIANESI, 2005).

Segundo Fink (1998), o sujeito passa a se apegar ao objeto a (desejo do

Outro como causa do desejo do S) como forma de ignorar sua divisão e é esse

mecanismo que Lacan vai chamar de fantasia, formalizando-o no matema $ ◊ a

(sujeito dividido em relação ao objeto a). É nessa relação complexa, que Lacan

descreve como ―envolvimento-desenvolvimento-conjunção-disjunção‖, que o sujeito

obtém uma sensação fantasmática de completude, preenchimento e bem-estar.

Assim, é na escuta da fantasia que o analista percebe como o sujeito gostaria de

estar posicionado em relação ao desejo do Outro.

Para Quinet (2002, p. 170), ―a fantasia é o quadro que o sujeito pinta para

responder ao enigma do desejo do outro; é sua forma de tapar cenicamente o furo

no Outro (S(A)) – a incompletude do todo da linguagem - que lhe retorna como

castração (-

não é apenas imaginária, mas contém uma estrutura significante. É essa estrutura

significante que vai permitir ao sujeito considerar-se o ―diretor da cena‖, saindo da

mera condição de alienado, marionete do desejo do Outro.

Criada a cena, é como se ela fosse um quadro que o sujeito põe sobre

sua janela. ―A tendência do neurótico é colocar um quadro em sua janela e

constituir, assim, a sua realidade a partir de sua fantasia sem, no entanto, dar-se

conta disso‖ (QUINET, 2002, p. 162). Seria possível uma paisagem além do quadro?

Ou seja, uma realidade isenta da fantasia?

Para a psicanálise, a histérica é, antes de mais nada, o nome que damos

ao laço e aos nós que o neurótico tece em sua relação com os outros a partir de

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suas fantasias. Isto é, o histérico, como qualquer sujeito neurótico, é aquele que,

sem ter conhecimento disso, impõe na relação afetiva com o outro a lógica doentia

de sua fantasia inconsciente. Uma fantasia em que ele desempenha o papel de uma

vítima infeliz e constantemente insatisfeita. O histérico inventa inconscientemente

um cenário fantasístico destinado a provar a si e ao mundo que só existe gozo

insatisfeito. Trata, portanto, seu semelhante, amado ou odiado, e mais

particularmente seu parceiro psicanalista, da mesma maneira que trata o Outro de

sua fantasia. (NASIO, 1991).

Contudo, o sofrimento na histérica é um sofrer conscientemente no corpo.

Portanto, esse sofrimento presentifica-se na angústia da fantasia inconsciente de

castração. Essa angústia é intolerável e, para se desfazer dela, o histérico não

encontrou outra solução senão transferi-la para sofrimentos corporais (NASIO,

1991).

Lacan se refere à ―travessia da fantasia‖ como sendo a função da análise:

―restabelecer ao Outro o estatuto do lugar da palavra é o ponto de partida

necessário onde cada coisa em nossa experiência analítica pode retomar seu justo

lugar‖ (LACAN, 1967, p. 5). Em outras palavras, o sujeito assume uma nova posição

em relação ao Outro como linguagem e ao Outro como desejo (FINK, 1998).

Entretanto, retirado o quadro (ou pelo menos deslocado) resta ainda a janela

(enquadre imaginário) que por sua vez é determinada pelo simbólico. Isso confere

caráter equívoco à realidade, ―pois ela é estruturada com a equivocidade própria do

significante‖ (QUINET, 2002, p. 132).

Podemos então trazer aqui que a droga BZD vem re-alienar o sujeito no

lugar do Outro, conforme contextualizado essa alienação do sujeito ao Outro e como

a psicanálise conduz o sujeito para assumir uma nova relação com esse Outro como

linguagem ou como desejo.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As questões que nortearam este estudo nasceram das inquietações: qual

o padrão de uso abusivo de BZD entre mulheres no município de Fortaleza-Ceará?

Para além das dimensões médica e social, quais as formações discursivas que

perpassam o uso abusivo de benzodiazepínicos por mulheres, considerando a

dimensão do sujeito em sua relação com o desejo, o gozo e o sintoma em

psicanálise? Partimos para a realização do estudo nesse campo cheio de novidades,

de um lado a perspectiva de trabalhar em uma abordagem quantitativa, nunca

realizada por nós, e do outro se aventurar na compreensão de fenômeno utilizando o

método da análise do discurso e com referencial teórico da psicanálise.

O primeiro momento da pesquisa consistiu na caracterização das

mulheres em uso abusivo de benzodiazepínicos de maneira geral por elementos que

dialogam com a literatura produzida sobre o tema até então. Algumas variações,

como uma mudança na faixa etária de idosas para adultas também foram

reconhecidas, porém os problemas derivados da ministração desses fármacos na

população de mais idade geram preocupações específicas.

Em idosas, predominam os fármacos de meia-vida longa, o que

acarreta um aumento dos efeitos adversos pela condição de senescência própria da

idade. É indicado que haja uma avaliação entre o risco e o benefício da prescrição

desses fármacos nessa população.

Nas mulheres adultas, o acúmulo de tarefas caracterizado por sua

inserção no mercado de trabalho, em acréscimos às atividades próprias do lar pode

constituir fontes de tensos e conflitos frente aos impasses socioeconômicos para a

sobrevivência em condições precárias de acesso a qualidade de vida.

As queixas e os sintomas apresentados pelas mulheres foram

traduzidos em um estado patológico cuja abordagem tem se restringido à

terapêutica medicamentosa. Esta prática resulta em uso indiscriminado do BZD,

porque muitas dessas queixas e sintomas não se enquadram nos critérios

diagnósticos para a referida prescrição. Além disso, o tempo de uso apresentado

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também se mostrou maior do que a indicação da literatura, apontado um uso para

além da função terapêutica recomendada.

A predominância de mulheres de baixa renda e baixa escolaridade

articula-se não só aos serviços públicos onde a pesquisa foi realizada, mas também

a uma condição de controle social advindo da utilização de benzodiazepínicos como

estratégia restrita diante de suas queixas. Inclusive, medicações com mais efeitos

colaterais, como é o caso do diazepam. Indicando assim que o modo de produção

da sociedade interfere tanto na produção de vulnerabilidades como no enrijecimento

através de identidades massificadas, com espaços reduzidos para a expressão de

subjetividade.

Ao tomar a sociedade contemporânea como o lugar onde essas mulheres

vivem e projetam sua existência, tem-se um contexto que lhe atribui estereótipos

excluindo a sua própria forma singular de enfrentar os dilemas cotidianos. A não

conformidade com este papel é precursora de justificativas para a prescrição do

BZD, bem como da justificativa para o uso abusivo.

O segundo momento do estudo, utilizando como método a análise do

discurso e a psicanálise como referencial da pesquisa, foi possível considerar a

abordagem da linguagem que situa o sujeito enquanto um ser que fala, concebendo

uma realidade que o cerca simbolicamente. Ademais, as formações discursivas são

matérias, constituídas pelo processo histórico social ideológico, que englobam o

sujeito e o sentido daquele fenômeno.

Faz-se, portanto, urgente a necessidade de pensar estratégias de

abordagem das demandas desse público específico, que possam ir além da

medicalização das queixas relacionadas aos eventos da vida cotidiana, buscando

ainda alternativas que permitam minimizar os riscos do uso abusivo nos casos onde

a medicação se mostre efetivamente necessária.

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APÊNDICES

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APÊNDICE A - INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS

Instrumento de coleta de dados com as usuárias de benzodiazepínicos

Dados de identificação

Código: ________________________________No.Prontuário:________________________

UBS a qual a usuária está vinculada: ______________________________________________

Aceita ser entrevistada posteriormente: ( ) sim ( ) não telefone: _______________________

Dados pessoais

1 Idade: _________ anos

2 Estado civil: 1( )Solteira 2( )Casada/União estável 3( )Divorciada4( )Viúva

3 anos de casada: _______anos

4 Escolaridade: 1( )sem escolaridade 2( )ensino básico 3( )ensino médio 4( )ensino superior

5 No de Filhos: ___________

6 Religião: 1( )católica 2( )evangélica/protestante 3( )outras 4( )sem religião

Dados Socioeconômicos

7 Profissão: 1( )Doméstica 2( )Do Lar 3( )Técnicos de nível médio 4( )Profissional Liberal 5(

)Aposentada 6( )Trabalhadores do Comercio 7( )Outros______________________

8 Renda familiar: ____________ reais

9 Recebe algum beneficio social: 1( )sim 2( )não

10 Quantas pessoas moram na casa:_________

11 tipo de moradia: 1( )própria 2( )alugada 3( ) outro

Dados clínicos

12 Benzodiazepínico utilizado: 1( )Diazepam 2( )Bromazepam 3( )Lorazepam

4( )Alprazolam 5( )Clonazepam 6( )Cloxazolam 7( ) Outro_______________________

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13 Dosagem prescrita: _____ mg/dia 14 Dosagem utilizada: ______mg/dia

15 Tempo de uso ________ meses

17 Queixa/motivo de uso: 1( )Depressão 2( )Ansiedade 3( )Insônia 4( )Perdas 5( )Tristeza 6(

)Pânico 7( )Estresse 8( )Outros: ________________

18 Tentativas de interrupção de uso: 1( )Sim 2( )Não

19 Motivo do insucesso: 1( )Depressão 2( )Angústia 3( )Estresse

4( )Insônia 5( )Crise 6( )Medo 7( )Ansiedade 8( )Outros:_____________________

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APÊNDICE B - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE e ESCLARECIDO

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ (UECE) SUJEITOS: MULHERES INCLUÍDAS PARA PESQUISA

Prezada Sra., você está sendo convidado para participar da pesquisa ―Uso abusivo de drogas benzodiazepínicas na atenção à saúde mental: um estudo sobre a vulnerabilidade e a subjetividade feminina” a ser coordenada pela prof.ª Dra. Lia Carneiro Silveira, docente do Programa de Pós Graduação em Cuidados Clínicos em Saúde e Enfermagem da UECE. Este estudo tem como objetivo investigar o uso abusivo de drogas benzodiazepínicas na atenção à saúde mental com enfoque nas dimensões da vulnerabilidade e da subjetividade feminina. Desta forma, gostaríamos de contar com sua participação, autorizando a realização de uma pesquisa me seu prontuário; serão pesquisados os seguintes dados: Dados de identificação; Dados pessoais; Dados Sócio-econômicos; Dados clínicos (A partir do prontuário); Dados clínicos (A partir da paciente). Esses dados estarão melhor explicados no instrumento em anexo a este termo, e a sra. pode solicitar o esclarecimento de qualquer dúvida que necessitar. Esses dados serão organizados em uma planilha eletrônica (Excel) e submetidos a análises estatísticas através de um programa de computador (SPSS). Garantimos que este registro será feito de modo a manter seu anonimato, ou seja, sua identificação será preservada. Garantimos que a pesquisa não trará nenhuma forma de prejuízo, dano para aqueles que participarem. Todas as informações obtidas neste estudo serão mantidas em sigilo e sua identidade não será revelada. Vale ressaltar que sua participação é voluntário e a Sra. poderá a qualquer momento deixar de participar deste, sem qualquer prejuízo ou dano. Comprometemo-nos a utilizar os dados coletados somente para a pesquisa e os resultados poderão ser veiculados através de artigos científicos e revistas especializadas e/ou encontros científicos e congressos, sempre resguardando sua identificação. Trata-se de uma pesquisa de relevância para a compreensão do uso de tais medicamentos e não visa realizar uma avaliação moral dos hábitos dos participantes. Assim, caso implique em alguma situação de risco, a questão será conduzida pelos responsáveis da pesquisa. Todos as participantes poderão receber quaisquer esclarecimentos acerca da pesquisa e, ressaltando novamente, terão a liberdade para não participarem quando assim não acharem mais conveniente. O Comitê de Ética da UECE encontra-se disponível para quaisquer esclarecimentos pelo fone (85) 3101 9890; o mesmo está localizado na Avenida Parajana 1700, Campus do Itaperi – Fortaleza-CE. Assim, após ter sido informado sobre a pesquisa, caso consinta em participar, você assinará DUAS CÓPIAS DESTE TERMO que também será assinado pelos pesquisadores, ficando uma cópia com você. Fortaleza - CE, ___/___/___. _____________________________ Assinatura do (a) Participante

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___________________________________ Dra. Lia Carneiro Silveira Docente – Programa de Pós-Graduação em Cuidados Clínicos em Saúde/UECE [email protected]

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ANEXO

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ANEXO A - PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP

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