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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
CENTRO DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
MESTRADO ACADÊMICO EM GEOGRAFIA
EVELIZE TEIXEIRA DE OLIVEIRA SOUSA
PRODUÇÃO DE TERRITÓRIOS NA FEIRA DA RUA JOSÉ AVELINO -
FORTALEZA - CE
FORTALEZA - CEARÁ
2015
EVELIZE TEIXEIRA DE OLIVEIRA SOUSA
PRODUÇÃO DE TERRITÓRIOS NA FEIRA DA RUA JOSÉ AVELINO - FORTALEZA
- CE
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico em Geografia do Programa de Pós-Graduação em Geografia do Centro de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Geografia. Área de Concentração: Análise Geoambiental e Ordenamento de Territórios de Regiões Semiáridas e Litorâneas. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Adelita Neto Carleial.
FORTALEZA - CEARÁ
2015
À todos que me inspiraram e contribuíram
para a elaboração e conclusão desta
pesquisa.
AGRADECIMENTOS
Agradeço inicialmente a Deus, que me fortaleceu e guiou meus passos até aqui.
Foram muitos os obstáculos, mas a fé me permitiu superá-los.
À minha família, meu porto seguro, que sempre me incentivou a crescer nos estudos
e na vida. Aos meus pais Rita e João, exemplos de amor, incentivo e paciência. Às
minhas irmãs Evely, Eveline e Neila pelo companheirismo, pela ajuda nos trabalhos
de campo e pela compreensão nos momentos de estresse. Às minhas tias, primos e
primas que torceram e acompanharam os momentos finais dos trabalhos. À Val e ao
Branco pelo apoio.
A todos os amigos que fiz ao longo da jornada da vida, que estiveram presentes em
momentos de alegria e de tristeza. Em especial, Aline Batista, Felipe Monteiro, Renata
Nayara, Jamyla Lima, Janaina Menezes, Germana Gurgel, Ticianna Pires, Patrícia de
Menezes, Renata Silvério e Lucas Soares. Aos amigos da turma de Português do
IMPARH. Ao amigo Gleison Maia, pelo apoio nos campos e pelas conversas. Ao
Gledson Lima, pelas contribuições nos mapas.
Aos amigos que me acompanharam desde a graduação do curso de Geografia na
UECE, principalmente Cáilla Belfort, Diego Silva (baiano), Jean Filippe, Jefferson
Santana, Kauê da Silva, Lizabeth Silva, Marcos Antônio, Mazé Carvalho, Tomaz
Alexandre e Yara Maria, que, pela convivência diária, tornaram-se grandes amigos.
Aos colegas da Turma de 2012 do Mestrado em Geografia da Uece, que, em um curto
período, intenso pelo convívio, troca de experiências e angústias, construíram uma
sólida amizade. Sendo eles: Débora Ferreira, Francisco Leandro, Graziela Gonçalves,
Jáder Ribeiro, Júnia de Cássia, Leandro Vieira, Maria Adriana, Otávio Augusto, Rafael
Brito, Rafaela Martins, Sarah Gonçalves e Washington Bezerra.
À minha orientadora, Professora Adelita Neto Carleial, que me acompanhou desde a
época de bolsista do Laboratório de Estudos de População - Lepop até o ingresso no
Mestrado. Pelo carinho, respeito e pela sua orientação, a que muito me ensinou e
ainda me ensina com sua ética e polidez.
Às professoras Antônia Neide Costa Santana e Virgínia Célia Cavalcante de Holanda,
que, por meio de sugestões e observações, contribuíram para o amadurecimento da
dissertação na etapa de qualificação e de defesa.
Ao Luiz Antônio Araújo Gonçalves pela ajuda com algumas referências bibliográficas
e pelas suas reflexões sobre o objeto de estudo.
Ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da UECE - PropGeo e aos
funcionários do programa, Adriana Livino, Aparecida, Fernando José e Júlia Oliveira,
que me auxiliaram em etapas diversas do curso.
À Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico -
Funcap pelo financiamento da bolsa.
Aos amigos do Lepop (Adriana de Araújo, Átila de Menezes, Diego Silva, Denise da
Silva, Jorge Luiz, Yara Maria, Roberto Antero, Sharon Darling, Lucas Araújo,
Washington Luis, William Mendes e Kélvia Mayara), pelas discussões de textos,
organizações de eventos, conversas, ensinamentos e aprendizados.
Ao Sávio André, pela correção gramatical dos textos e pela sua pronta disposição.
Aos feirantes e comerciantes que participaram de entrevistas, conversas, registros
fotográficos e que, de alguma forma, contribuíram para as análises que resultaram na
dissertação.
Feira de Mangaio
(Composição: Sivuca)
Fumo de rolo, arreio de cangalha
Eu tenho pra vender, quem quer comprar
Bolo de milho, broa e cocada
Eu tenho pra vender, quem quer comprar
Pé de moleque, alecrim, canela
Moleque, sai daqui me deixa trabalhar
E Zé saiu correndo pra feira dos pássaros
E foi pássaro voando pra todo lugar
Tinha uma vendinha no canto da rua,
onde o mangaieiro ia se animar
Tomar uma bicada com lambú assado, e
olhar pra Maria do Joá
Tinha uma vendinha no canto da rua,
onde o mangaieiro ia se animar
Tomar uma bicada com lambú assado, e
olhar pra Maria do Joá
Cabresto de cavalo e rabichola
Eu tenho pra vender, quem quer comprar
Farinha, rapadura e graviola
Eu tenho pra vender, quem quer comprar
Pavio de candeeiro, panela de barro
Menino, vou-me embora, tenho que voltar
Xaxar o meu roçado que nem boi de carro
Alpargata de arrasto não quer me levar
Porque tem um Sanfoneiro no canto da
rua, fazendo floreio pra gente dançar
Tem Zefa de Purcina fazendo renda, e o
ronco do fole sem parar
Porque tem um Sanfoneiro no canto da
rua, fazendo floreio pra gente dançar
Tem Zefa de Purcina fazendo renda, e o
ronco do fole sem parar.
RESUMO
O objetivo deste trabalho é analisar os territórios que compõem a Feira de confecção
da Rua José Avelino e sua dinâmica no contexto da cidade de Fortaleza. A Feira
ocorre nas madrugadas de quarta para quinta-feira e de sábado para domingo no
bairro Centro, em Fortaleza, atraindo compradores do interior do Ceará e de outros
estados do Brasil, principalmente, da região Nordeste. Além da caracterização dos
territórios que compõem a atividade, analisaram-se os grupos que a produzem: os
agentes sociais produtores da Feira. Nessa análise buscou-se identificar como eles
estabelecem as relações entre si e que conflitos são gerados nesse processo. Para
isso, realizaram-se levantamentos bibliográficos sobre territórios, territorialidade,
feiras e sobre o Centro de Fortaleza, elaboração de mapas, utilização de registros
fotográficos obtidos em visitas de campo e foram feitas ainda entrevistas
semiestruturadas. A pesquisa também usou informações obtidas em uma hemeroteca
criada com notícias específicas sobre o objeto de análise. O estudo da Feira da Rua
José Avelino permitiu compreender que a produção dos agentes gerou um território
bastante complexo que se articula com outros que foram criados com o
desenvolvimento e a expansão da Feira. Percebeu-se que as relações fundadas entre
os agentes produtores podem ser conflituosas, que a produção da Feira dinamizou a
porção onde se encontra e favoreceu o processo de valorização espacial do seu
entorno, o que beneficia, inclusive, os proprietários dos imóveis, que lucram com esse
processo.
Palavras-chave: Feira. Território. Conflitos. Feirantes.
RESUMEN
El objetivo de este estudio es analizar los territorios que componen la Feria de la calle
José Avelino y su dinámica en el contexto de la ciudad de Fortaleza. La feria tiene
lugar las madrugadas de los miércoles a los jueves y los sábados a los domingos en
el barrio Centro, en Fortaleza, y atrae a los compradores del interior del estado de
Ceará y de otros estados de Brasil, principalmente de la región noreste. Además de
la caracterización de los territorios que conforman la actividad, se analizan los grupos
que la producen: los agentes sociales productores de la Feria. En este análisis se
buscó identificar cómo ellos establecen las relaciones entre sí y qué conflictos se
generan en este proceso. Para ello, se realizaron levantamientos bibliográficos sobre
territorios, territorialidad, ferias y sobre el centro de Fortaleza, elaboración de planos,
utilización de registros fotográficos obtenidos en las visitas de campo y se hicieron
incluso entrevistas semiestructuradas. El estudio también utilizó informaciones
obtenidas en una hemeroteca creada con noticias específicas sobre el objeto de
análisis. El estudio de la Feria de la calle José Avelino permitió comprender que la
producción de los agentes generó un territorio muy complejo que se articula con otros
que se han creado con el desarrollo y la expansión de la Feria. Se observó que las
relaciones formadas entre los agentes productores pueden ser conflictivas, que la
producción de la Feria ha dinamizado la parte donde ella se encuentra y ha favorecido
el proceso de mejora espacial de su entorno, lo que beneficia, incluso, a los
propietarios de inmuebles, quienes obtienen ganancias con este proceso.
Palabras clave: Feria. Territorio. Conflictos. Feriantes.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Visão aérea do Moda Center Santa Cruz - Santa Cruz Capibaribe/2015
................................................................................................................ 42
Figura 2 - Cruzamento entre a Rua José Avelino e a Avenida Alberto Nepomuceno
na quinta-feira pela manhã durante a Feira - Fortaleza/2013 ................. 45
Figura 3 - Rua José Avelino - Quarta-feira, pela manhã, horas antes da Feira -
Fortaleza/2014 ........................................................................................ 46
Figura 4 - Micro-ônibus estacionados em frente à Praça Caio Prado durante a
Feira- Fortaleza/2013 ............................................................................. 47
Figura 5 - Feirante ambulante ocupando o canteiro da Avenida Alberto
Nepomuceno - Domingo - Fortaleza/2014 .............................................. 50
Figura 6 - Feirante ambulante ocupando calçada - Quinta-feira - Fortaleza/2014 .... 51
Figura 7 - Feirante ambulante ocupando via pública - Quinta-feira - Fortaleza/2014
................................................................................................................ 51
Figura 8 - Barracas sendo desmontadas na Rua José Avelino - Quinta-feira -
Fortaleza/2013 ........................................................................................ 54
Figura 9 - Barracas sendo desmontadas na Travessa Icó - Quinta-feira -
Fortaleza/2013 ........................................................................................ 55
Figura 10 - Barracas montadas na Rua José Avelino durante a Feira - Quinta-feira
pela manhã - Fortaleza/2013 .................................................................. 55
Figura 11 - Barracas da Feira em dia de chuva - Rua José Avelino - Fortaleza/2013
................................................................................................................ 57
Figura 12 - Barracas da Feira após a chuva - Rua José Avelino - Fortaleza/2013 ... 57
Figura 13 - Acesso ao Galpão da Felicidade pela Avenida Pessoa Anta -
Fortaleza/2014 ........................................................................................ 59
Figura 14 - Rua José Avelino antes da Feira - Quarta-feira pela manhã -
Fortaleza/2014 ........................................................................................ 60
Figura 15 - Boxes dispostos dentro do Galpão da Felicidade - Rua José Avelino –
Fortaleza/2013 ........................................................................................ 61
Figura 16 - Área para o estacionamento de ônibus no Galpão Pop Shop - Rua José
Avelino - Quarta-feira pela manhã - Fortaleza/2014 ............................... 62
Figura 17 - Galpões na Travessa Icó - Fortaleza/2015 ............................................. 63
Figura 18 - Vista frontal de box - Galpão da Felicidade - Rua José Avelino -
Fortaleza/2013 ........................................................................................ 64
Figura 19 - Banca sem reforma no Galpão da Felicidade - Fortaleza/2014 .............. 65
Figura 20 - Comprovante de pagamento de aluguel de box - Galpão da Felicidade-
Fortaleza/2014 ........................................................................................ 66
Figura 21 - Área ocupada pelo comércio ambulante no Centro - Fortaleza/ 1975 -
1985 ........................................................................................................ 72
Figura 22 - Piso da Praça Caio Prado demarcado pelos feirantes - Fortaleza/2014
................................................................................................................ 74
Figura 23-Demarcação no piso da Praça Caio Prado pelos feirantes -
Fortaleza/2014 ........................................................................................ 74
Figura 24 -Feirantes demarcando lugares com mercadorias na Praça Caio Prado -
Fortaleza/2014 ........................................................................................ 75
Figura 25- Lugares demarcados com mercadorias na Praça Caio Prado -
Fortaleza/2014 ........................................................................................ 75
Figura 26 - Feirante expondo mercadoria no chão da Praça Caio Prado -
Fortaleza/2014 ........................................................................................ 76
Figura 27 - Praça Caio Prado sendo ocupada por feirantes no sábado -
Fortaleza/2014 ........................................................................................ 76
Figura 28 - Presença de Fiscais na Feira - Fortaleza/2014 ....................................... 77
Figura 29 - Viatura da Guarda Municipal na Avenida Alberto Nepomuceno -
Fortaleza/2014 ........................................................................................ 77
Figura 30 - Notícia sobre o conflito entre feirantes e guardas municipais -
Fortaleza/2014 ........................................................................................ 77
Figura 31 - Notícia sobre a falta de fiscalização na Feira da Parangaba -
Fortaleza/2013 ........................................................................................ 78
Figura 32 - Notícia sobre o desordenamento na Feira da Parangaba -
Fortaleza/2014 ........................................................................................ 78
Figura 33 - Feirinha da Sé - Fortaleza/2014 .............................................................. 81
Figura 34 - Edifício de estacionamento antes de ser reformado em Feirinha da Sé-
Fortaleza/2014 ........................................................................................ 82
Figura 35 - Casarão dos Fabricantes - Fortaleza/2015 ............................................. 83
Figura 36 - Feirão Buraco da Gia - Fortaleza/2015 ................................................... 85
Figura 37 - Imagem aérea do local do empreendimento Feirão Baturité -
Fortaleza/2013 ........................................................................................ 86
Figura 38 - Imagem aérea do empreendimento Feirão Baturité já construído -
Fortaleza/ 2013 ....................................................................................... 86
Figura 39 - Local de instalação do Feirão Baturité - Fortaleza/2012 ......................... 87
Figura 40 - Feirão Baturité concluído - Fortaleza/2014 ............................................. 87
Figura 41 - Feirão Baturité - Fortaleza/2015 ............................................................. 88
Figura 42 - Feirão da Madrugada - Rua Boris - Fortaleza/2015 ................................ 88
Figura 43 - Feirão Alto da Gia - Rua Rufino de Alencar - Fortaleza/2015 ................. 89
Figura 44 - Feirão do Dragão - Rua Rufino de Alencar - Fortaleza/2015 .................. 89
Figura 45 - Pátio Central - Avenida Alberto Nepomuceno - Fortaleza/2015 .............. 89
Figura 46 - Visão frontal do Shopping Leiria - Avenida Presidente Castelo Branco -
Fortaleza/2015 ........................................................................................ 90
Figura 47 - Shopping Floriano em conclusão - Rua Floriano Peixoto -
Fortaleza/2015 ........................................................................................ 91
Figura 48 - Encarte de vendas de pontos comerciais no Shopping Floriano -
Fortaleza/2015 ........................................................................................ 91
Figura 49 - Fachada do Shopping Leiria - Avenida Leste Oeste - Fortaleza/2015 .... 91
Figura 50 - Muro frontal do Feirão da Madrugada - Rua Boris - Fortaleza/2015 ....... 91
Figura 51 - Feirantes ambulantes ocupando a Avenida Alberto Nepomuceno -
Fortaleza/2015 ........................................................................................ 93
Figura 52 - Feirantes desmontando barracas na Rua José Avelino após a Feira -
Fortaleza/2013 ........................................................................................ 93
Figura 53 - Fiscais da Sercefor observando a desocupação da via pelos feirantes
ambulantes - Fortaleza/2013 .................................................................. 95
Figura 54 - Policiais da Cavalaria na Praça Caio Prado - Fortaleza/2015 ................. 96
Figura 55 - Notícia sobre a ação de ordenamento na Feira da Rua José Avelino -
Fortaleza/2014 ...................................................................................... 101
Figura 56 -Notícia sobre conflito na Feira da Rua José Avelino -Fortaleza/2014 .... 102
Figura 57 - Manifestação realizada por feirantes em frente ao Paço Municipal-
Fortaleza/2015 ...................................................................................... 103
Figura 58 - Notícia sobre morte de coreano baleado na Feira - Fortaleza/2014 ..... 104
Figura 59 - Localização do antigo Porto de Fortaleza em relação à Rua José
Avelino - Fortaleza /2009 ...................................................................... 106
Figura 60 - Caixa Cultural - Antiga Alfândega - Fortaleza/2015 .............................. 107
Figura 61 - Prédio da Alfândega à direita na Avenida Pessoa Anta - Fortaleza/1891
.............................................................................................................. 108
Figura 62 - Estruturas de antigos armazéns localizados na Travessa Icó -
Fortaleza/2015 ...................................................................................... 109
Figura 63 - Café Java - Fortaleza ............................................................................ 110
Figura 64 - Café Elegante - Fortaleza ..................................................................... 110
Figura 65 - Café do Comércio - Fortaleza ............................................................... 110
Figura 66 - Café Iracema - Fortaleza ...................................................................... 110
Figura 67 - Praça do Ferreira - Fortaleza/ 2013 ...................................................... 111
Figura 68 - Igreja da Sé - Fortaleza/1920 ................................................................ 113
Figura 69 - Praça Caio Prado - Fortaleza/1938 ....................................................... 114
Figura 70 - Feira na Praça Caio Prado - Fortaleza/2009 ......................................... 117
Figura 71 - Notícia sobre a ação da Prefeitura de Fortaleza na Feira da Rua José
Avelino – Fortaleza/2013 ...................................................................... 118
Figura 72 - Pavimentação antiga tombada da Rua José Avelino - Fortaleza/2014 . 123
Figura 73 - Imóvel comercial na Rua José Avelino, nº 86 - Fortaleza/2015 ............ 131
Figura 74 - Imóvel residencial na Rua José Avelino, nº 86 - Fortaleza/2002 .......... 131
Figura 75 - Imóvel na Rua José Avelino, nº 257 - Fortaleza/2015 .......................... 132
Figura 76 - Imóvel na Rua José Avelino nº 247 - Fortaleza/2015 ........................... 132
Figura 77 - Placa de aluguel de imóvel na Rua José Avelino nº 247-Fortaleza/2015
.............................................................................................................. 132
Figura 78 - Cartaz da Boate Mystical - Fortaleza /2005 .......................................... 133
Figura 79 - Imóvel onde se localizava a boate Mystical - Fortaleza/2014 ............... 133
Figura 80 - Imóvel Sede do Clube Canto das Tribos na Rua José Avelino nº 42 -
Fortaleza/2000 ...................................................................................... 134
Figura 81 - Imóvel Sede do Galpão do Pequeno Empreendedor na Rua José
Avelino - Fortaleza/2014 ....................................................................... 134
LISTA DE MAPAS
Mapa 1 - Localização da Feira da Rua José Avelino - Fortaleza/2014 ..................... 38
Mapa 2 - Polígono de localização das áreas permitidas e não permitidas para a
realização da Feira – Fortaleza/2014 ......................................................... 49
Mapa 3 - Delimitação da área da Feira a ser pesquisada - Fortaleza/2014 .............. 53
Mapa 4 - Territórios da Feira - Fortaleza/2014 .......................................................... 80
Mapa 5 - Bens tombados no bairro Centro - Fortaleza/2015 .................................. 125
Mapa 6 - Bens tombados em um raio de 200 metros do entorno da Feira da Rua
José Avelino – Fortaleza/2015 ................................................................. 129
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 17
2 TERRITÓRIO: MÚLTIPLAS ANÁLISES E VIESES ....................................... 23
2.1 CONSTRUINDO O CONCEITO DE TERRITÓRIO PARA A PESQUISA ....... 23
2.2 O TERRITÓRIO E A FEIRA: EM BUSCA DE UMA RELAÇÃO ...................... 32
3 A FEIRA DA RUA JOSÉ AVELINO ............................................................... 37
3.1 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA FEIRA ............................................ 37
3.2 CARACTERÍSTICAS GERAIS DA FEIRA ...................................................... 40
3.3 CONHECENDO A FEIRA POR DENTRO ...................................................... 47
3.3.1 As barracas ................................................................................................... 54
3.3.2 Os galpões .................................................................................................... 57
3.3.3 Os boxes ........................................................................................................ 63
4 VALORIZAÇÃO DO ESPAÇO E PRODUÇÃO DE TERRITÓRIOS NA
FEIRA DA RUA JOSÉ AVELINO E EM SEU ENTORNO .............................. 67
4.1 Contexto de valorização do espaço no Centro de Fortaleza .......................... 67
4.2 A Feira como lugar da disputa territorial nos dias atuais ................................ 73
5 ANTECEDENTES HISTÓRICOS E CONTEXTUALIZAÇÃO DOS
TERRITÓRIOS DA FEIRA DA RUA JOSÉ AVELINO ................................. 105
5.1 USOS HISTÓRICOS DO ENTORNO DA RUA JOSÉ AVELINO .................. 105
5.2 PRAÇA CAIO PRADO: PRIMEIRO TERRITÓRIO DA FEIRA ...................... 112
5.2.1 Novos usos da Praça Caio Prado .............................................................. 115
5.3 A RUA DA FEIRA ......................................................................................... 118
5.3.1 A Rua José Avelino e o patrimônio histórico ........................................... 122
5.3.2 A paisagem da Rua ..................................................................................... 130
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 136
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 140
APÊNDICES ........................................................................................................... 147
APÊNDICE A – ROTEIRO DE ENTREVISTA 1 ..................................................... 148
APÊNDICE B – ROTEIRO DE ENTREVISTA 2 ..................................................... 149
APÊNDICE C – ROTEIRO DE ENTREVISTA 3 ..................................................... 151
17
1 INTRODUÇÃO
A feira livre é uma atividade comercial que pode ser encontrada em todos
os estados brasileiros. No Nordeste, elas foram essenciais para a sua formação
territorial e para o desenvolvimento das cidades, sendo um exemplo delas a Feira de
Caruaru, em Pernambuco. No entanto, as feiras se diversificaram ao longo dos anos.
Recentemente, surgiu uma nova modalidade de feira: a feira de confecção. Essa se
caracteriza, predominantemente, pela comercialização de produtos do gênero de
confecção voltados para comerciantes revendedores.
Antes de começar a tecer informações sobre o objeto de estudo em
questão, é necessário proferir algumas palavras que expliquem como a Feira e a
Geografia se uniram em minha trajetória.
Resgatando as memórias da minha infância, aos poucos, percebi que a
Feira esteve sempre em minha vivência. Aos domingos, quando ia junto com minha
família visitar meus avós paternos, o convite para comer pastel e tomar caldo de cana,
na Feira do Antônio Bezerra, era um hábito comum para mim. Da calçada da casa dos
meus avós, algumas vezes, observava aquele movimento de pessoas, o colorido das
bancas e dos produtos. Naquela época, o olhar era muito superficial, pois a pouca
idade não me permitia compreender as relações produzidas com aquela atividade.
Somente a paisagem da Feira chamava a minha atenção e me prendia.
Com o passar dos anos, outra vez, me vi inserida no ambiente da feira.
Dessa vez, não mais como espectadora, mas como sujeito. O período era início dos
anos 2000; na ocasião, meus pais participavam do Feirão da Oportunidade. Lembro-
me que era um programa realizado pela Prefeitura de Fortaleza, na gestão do Prefeito
Juraci Magalhães. O Feirão da Oportunidade era realizado, aos sábados, nas praças
de alguns bairros de Fortaleza. A cada feira era escolhido um bairro diferente, e o
evento era mensal. Os feirantes eram cadastrados e montavam suas próprias
barracas. A Prefeitura definia o local e, para atrair os compradores, realizava
pequenos shows, oficinas e reunia estruturas móveis, como exemplo, o ônibus
“Biblioteca-viva”, onde as crianças podiam ler livros e ganhar exemplares de histórias
infantis.
Nessa oportunidade, já compreendia um pouco a dinâmica da feira,
principalmente, a lógica comercial de compra e venda dos produtos que eram
18
comercializados pelos meus pais. Contudo, as atividades lúdicas realizadas pela
Prefeitura, como shows infantis, atraiam-me mais do que a própria feira.
Passados alguns anos, mais uma vez, eu estava envolvida com a feira. Na
época, cheguei a participar, junto com minha mãe, e depois com minha irmã, da Feira
de Pacajus, cidade localizada na Região Metropolitana de Fortaleza. Em 2007, com o
ingresso no curso de Bacharelado em Geografia, da UECE, a atividade como feirante
foi interrompida, e a de geógrafa começou a ser construída.
Conheci a Feira da Rua José Avelino ainda como Feira da Sé, sendo
realizada na Praça Caio Prado. As visitas à Feira, como feirante, para auxiliar minha
mãe, eram esporádicas, por conta do início da graduação, mas permitiram o
surgimento de algumas inquietações como a dinâmica da Feira e a origem dos
compradores. Aos poucos, elas foram amadurecidas e envolvidas em uma base
teórica geográfica compilada, que resultou na elaboração do texto desta dissertação.
A escolha da música “Feira de Mangaio” como epígrafe da dissertação não
foi por acaso. Os versos descrevem as características de uma feira livre realizada no
Brasil, provavelmente, pelos produtos citados e pelo gênero musical, no Nordeste.
Essa feira é local de troca, de alimentação, de encontro e de lazer. Apesar da Feira
da Rua José Avelino não ser uma feira realizada com esta variedade de produtos,
como o exemplo da música, foi possível encontrar alguns elementos em comum.
A Feira da Rua José Avelino é predominantemente atacadista, realizada
nas madrugadas de quarta para quinta-feira e de sábado para domingo no bairro
Centro, em Fortaleza.
A atividade ocorre de modo regular em galpões de proprietários privados
situados à Rua José Avelino e à Travessa Icó. Nessas mesmas vias, barracas são
montadas no início da noite, nas quartas-feiras e nos sábados, e desmontadas no dia
seguinte. Contudo, os horários e os dias de realização da Feira, nestas vias, são
designados pela Prefeitura de Fortaleza, especificamente, pela Secretaria Regional
do Centro de Fortaleza - Sercefor.
Os feirantes que não possuem barracas nas vias e boxes dentro dos
galpões passam a ocupar os seguintes espaços públicos: Avenida Alberto
Nepomuceno, Rua Sobral e Avenida Pessoa Anta.
A Feira teve origem no início da década de 1990 na Praça Caio Prado,
também conhecida como Praça Pedro II ou Praça da Sé. Hoje, esta atividade dinamiza
e atrai um grande número de pessoas. Os feirantes que comercializam suas
19
mercadorias, em determinadas épocas do ano, podem passar de sete mil. (CABRAL,
2013a).
Tal dinâmica não se restringe apenas aos locais onde ocorre a Feira, pois
a atividade contribuiu para o processo de valorização de imóveis no seu entorno, o
que culminou no surgimento de empreendimentos comerciais ligados à Feira.
O objetivo geral desta pesquisa é identificar e analisar os territórios que
compõem a Feira da Rua José Avelino e sua dinâmica no contexto da cidade de
Fortaleza. Ressalta-se que esses territórios são produzidos pela ação de indivíduos
específicos. Com base no conceito de Corrêa (1989) estes foram definidos como
agentes sociais produtores da Feira. Eles são os responsáveis pela produção dos
territórios que constituem a Feira da Rua José Avelino.
Para embasar teoricamente a pesquisa, realizou-se um levantamento
sobre conceitos e categorias geográficas, sendo o primeiro deles o território.
Compreende-se que o território é um “espaço definido e delimitado por e a partir de
relações de poder” (SOUZA, 2000, p. 78). A Feira da Rua José Avelino, pelas suas
características, pela valorização do espaço onde se encontra e do seu entorno e pelas
disputas e conflitos territoriais, foi analisada à luz desse conceito. Dessa forma, os
principais autores teóricos utilizados para a compreensão do território foram: Costa
(2007a e 2007b), Raffestin (1993) e Souza (2000).
Outro conceito incorporado à análise foi o de territorialidade, tendo em vista
que está diretamente relacionada aos agentes sociais produtores da Feira. Os teóricos
utilizados foram Sack (1986) e Souza (2000).
Com o objetivo de enriquecer a análise, amparou-se no conceito de
territórios plurais, do antropólogo colombiano Zambrano (2001), em razão das
diferentes características dos agentes sociais produtores da Feira e das lutas e
conflitos travados entre eles.
A Feira da Rua José Avelino não é uma feira livre como as outras onde se
comercializam frutas, verduras, carnes e outros produtos rurais. Ela é uma feira de
confecção, por isso, foi necessário referenciá-la de acordo com essa especificidade e,
também, pelo contexto onde se encontra inserida: o Nordeste. Com base em
Gonçalves e Amora (2013), percebeu-se que essas feiras de confecção compõem um
circuito formado por outras. Segundo Raposo e Gomes (2003), essas feiras
dinamizam seu entorno, a cidade onde se localizam e sua própria região, como é o
caso do Polo de Confecções do Agreste de Pernambuco.
20
Apesar da Feira da Rua José Avelino se diferenciar das demais feiras livres,
ela possui características comuns a essas outras, assim utilizaram-se as seguintes
referências sobre feiras: Dantas (2007), Pazera Jr. (2003) e Corrêa (1988).
Destaca-se que, nos últimos anos, a Feira analisada vem sendo objeto de
pesquisas na própria Geografia. Um dos estudos mais recentes é o de Silva, E. S.
(2013) que, também, foi referenciado em nossa dissertação.
Por eu não integrar o grupo de pessoas que compõe a Feira foi necessário
realizar estratégias que me permitissem, aos poucos, a aproximação com os feirantes
de um dos galpões da Rua José Avelino. Inicialmente, foram realizadas visitas de
campo utilizando apenas o método observacional, cujas ações importantes eram
escritas em um caderno de campo. Com o passar de algumas visitas e interações
ocorridas, principalmente, nas madrugadas, pude iniciar as entrevistas com feirantes
e compradores. Apresentei-me como pesquisadora e mestranda da Uece, todavia,
percebi o desconforto e a desconfiança com algumas perguntas feitas em conversas
informais e em entrevistas semiestruturadas. Acredito que esse receio se baseava na
suposta ligação que eles, embora eu tenha explicado o caráter do estudo,
estabeleciam entre a pesquisa e o Poder Público.
Cumprindo procedimentos éticos e mantendo o sigilo de alguns nomes, por
opção dos indivíduos, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com 14 pessoas,
no entanto, apenas cinco permitiram a gravação do conteúdo. Estas pessoas são:
uma ex-feirante que trabalhou na Feira no início dos anos 2000, duas feirantes que
atualmente trabalham no Galpão da Felicidade, um empresário proprietário do Galpão
do Empreendedor e administrador do empreendimento Fontenele Mall, ambos
localizados na Rua José Avelino e um dos administradores do empreendimento Feirão
Buraco da Gia que está situado na Rua Sobral.
As entrevistas semiestruturadas foram baseadas em roteiros apresentados
nos Apêndices. Algumas, devido a sua relevância, tiveram trechos incluídos na
dissertação. Os meses de realização das entrevistas foram novembro e dezembro de
2014 e maio de 2015.
Para apreender e capturar alguns elementos efêmeros que a Feira possui,
o cotidiano dos trabalhadores, os conflitos e como se materializa e influencia a
produção do espaço de Fortaleza, fez-se uso do registro fotográfico. Quase todas as
visitas foram registradas por fotografias da paisagem da Feira e dos seus agentes
produtores.
21
No tocante a outras fontes de informações buscadas para analisar e
compreender a dinâmica da Feira, foram visitadas a biblioteca da Universidade
Estadual do Ceará - Campus do Itaperi e a biblioteca do Curso de Arquitetura -
Campus do Benfica e do Centro de Ciências e Tecnologia - Campus do Pici, ambas
da Universidade Federal do Ceará. Realizou-se pesquisa sobre o contexto histórico
da Feira no Acervo do Jornal O POVO e na biblioteca do Instituto Histórico e
Geográfico do Ceará, localizado no bairro Centro.
Por sugestão dos colegas da turma de Mestrado, elaborou-se uma
hemeroteca com todas as notícias veiculadas sobre a Feira, no jornal impresso O
POVO de agosto de 2013 a dezembro de 2014. Em alguns momentos, foram
acrescidas notícias de outros jornais locais de Fortaleza, entre eles o Diário do
Nordeste. A cópia da hemeroteca será disponibilizada para consulta no Laboratório
de Estudos de População - Lepop do Programa de Pós-Graduação em Geografia da
UECE.
Outro importante elemento utilizado no decorrer da pesquisa foi a
elaboração de mapas. Eles facilitaram a espacialização dos territórios que compõem
a Feira e permitiram a realização de análises discutidas nos capítulos da dissertação.
Em resumo, a estrutura da dissertação se apresenta da seguinte forma: no
primeiro capítulo apresenta-se introdutoriamente o objeto e o contexto que o mesmo
será trabalhado, os procedimentos operacionais e as justificativas para a realização
da pesquisa.
No capítulo dois discute-se o conceito de território na Geografia e como
este foi operacionalizado para a realização da pesquisa tendo como base os teóricos
adotados. Nessa etapa, apresenta-se como o conceito de território e a feira se
relacionam.
O capítulo três expõe um conjunto de análises e reflexões detalhadas sobre
a Feira da Rua José Avelino: como ela se constitui, que espaços ela ocupa e como é
a sua dinâmica atualmente.
No quarto capítulo, articula-se a produção do território da Feira com o
processo de valorização do espaço onde está localizada e do seu entorno. Também
se expõem os agentes sociais produtores da Feira, os territórios produzidos, as
disputas territoriais e os conflitos entre os seus agentes.
O quinto capítulo mostra a caracterização e a evolução histórica dos
territórios onde ocorria e onde ainda ocorre a Feira: a Praça Caio Prado e a Rua José
22
Avelino. Nessa parte apresentam-se os antigos usos destes espaços, do século XIX
até os dias de hoje, tendo como contexto histórico, político, econômico e cultural a
cidade de Fortaleza. Ressalta-se que nesse capítulo destaca-se a relevância do
tombamento da pavimentação da Rua José Avelino, dos bens tombados no bairro e
sua espacialização.
A pesquisa almeja contribuir significativamente para o planejamento urbano
daquela porção espacial do Centro de Fortaleza por fornecer subsídios, seja pelas
análises científicas desenvolvidas, como pela elaboração de mapas dos territórios que
compõem aquela atividade comercial.
Adverte-se que este planejamento não deve ser realizado apenas como um
ordenamento espacial da atividade, mas que possa reconhecer a complexidade e as
especificidades da Feira, dos agentes que a produzem e dos demais
estabelecimentos que se articulam com a mesma.
Afirma-se que as discussões e as reflexões resultantes da elaboração
desta dissertação permitirão o desenvolvimento de trabalhos futuros ligados à
temática de feiras, sobretudo, as de confecção que ocorrem nas cidades do Nordeste
brasileiro.
23
2 TERRITÓRIO: MÚLTIPLAS ANÁLISES E VIESES
Neste capítulo apresentam-se reflexões sobre o conceito de território e seu
desenvolvimento na Geografia, no século XIX, tendo como principais referências as
contribuições de Ratzel e Raffestin. Após este resgate histórico inicial expõem-se
análises de autores mais recentes que, utilizando estas bases conceituais
geográficas, propuseram discussões que permitiram mais avanços aos estudos sobre
o território.
Na segunda parte deste texto mostra-se como a Feira da Rua José Avelino
foi interpretada à luz do conceito de território, sobretudo, em função de três dimensões
específicas: a econômica, a política e a cultural. Estas três dimensões territoriais foram
fundamentadas, principalmente, em Costa (2007a) e Souza (2000).
2.1 CONSTRUINDO O CONCEITO DE TERRITÓRIO PARA A PESQUISA
O território é uma palavra muito comum em nosso cotidiano e pode ser
utilizada para definir uma unidade espacial delimitada, seja ela pequena como uma
praça; ou grande, como um Estado. Todos os dias, ouve-se e aplica-se cada vez mais
esse termo; entretanto, o que significa de fato território?
Conforme a definição do dicionário Mini Aurélio (FERREIRA, 2010), essa
palavra vem do latim territoriu e significa: “1. Extensão considerável de terra. 2. A área
dum país, duma província, etc. 3. Jur. Base geográfica do Estado (solo, rios, lagos,
baías, portos, etc.), sobre a qual exerce ele a sua soberania”. (FERREIRA, 2010, p.
737). A partir dessa definição nota-se que o território possui essencialmente uma
conotação espacial. Essa concepção, se não justifica, induz a pensar que foi por meio
dessa relação com o espaço que o pensamento científico da Geografia incorporou
esse conceito e produziu diversas análises e interpretações sobre a realidade
socioespacial.
Território é um dos principais conceitos dessa ciência, juntamente com
espaço e região, porém, também é utilizado pela Economia, Antropologia, Sociologia,
Psicologia e Ciência Política, mas nesses casos ele é apropriado de acordo com os
respectivos fundamentos epistemológicos dessas ciências. Todavia, o conceito de
24
território não teve sua origem na Geografia, mas no campo da Etologia1. Para Costa
(2007a), tanto território como territorialidade tiveram suas bases conceituais
desenvolvidas no campo do conhecimento que compreende o comportamento dos
animais.
Pelo fato de ser utilizado por diversas áreas, pode-se afirmar que território
é um conceito polissêmico. Outro elemento que fundamenta essa pluralidade do
território são as influências que os meios histórico, econômico, cultural e social
exercem sobre a construção da ciência de modo geral. Assim, como em outras áreas
do conhecimento, o conceito de território passou a representar, ao longo da história,
os interesses de grupos específicos e a visão de mundo da época.
Em Geografia, o primeiro a utilizar o conceito de território foi o alemão
Friedrich Ratzel no século XIX. Segundo Moraes (1998), “a Geografia de Ratzel foi
um instrumento poderoso de legitimação dos desígnios expansionistas do Estado
alemão recém-constituído”. (MORAES, 1998, p. 52). Nesse período a ordem vigente
era o imperialismo e a busca por novos mercados, por isso, nota-se que esse contexto
influenciou muito a concepção de Ratzel. Destaca-se, ainda, que os conceitos e
análises desenvolvidos por ele, no âmbito da Geografia Política, tiveram como
elemento central o Estado. Não um Estado qualquer, mas o Estado moderno ou
Estado-nação, como “único núcleo de poder”. (RAFFESTIN, 1993, p.15).
Embora sejam feitas duras críticas a Ratzel, muitas foram as contribuições
desse teórico para a evolução do pensamento geográfico e, principalmente, para a
Geografia Política. Para Moraes (1998):
A Geografia proposta por Ratzel privilegiou o elemento humano, e abriu várias frentes de estudo, valorizando questões referentes à História e ao espaço, como: a formação dos territórios, a difusão dos homens no Globo (migrações, colonizações etc.), a distribuição dos povos e das raças na superfície terrestre, o isolamento e suas conseqüências, além de estudos monográficos das áreas habitadas. (MORAES, 1998, p. 57).
Apesar das contribuições à Geografia, destaca-se que esses estudos
tinham como fundamento central a influência que o meio natural exercia sobre a
sociedade. Por isso, os discípulos de Ratzel foram chamados de deterministas.
1 Na Etologia, o território animal é uma área geográfica definida pela existência contínua ou frequente de um sujeito que pode excluir a permanência simultânea de outros do mesmo sexo, ou não, com exceção dos indivíduos jovens da mesma família. (DI MÉO, 1998 apud COSTA, 2007a).
25
No tocante ao desenvolvimento do conceito de território, por Claude
Raffestin, a influência de Ratzel foi essencial, uma vez que esse teórico estabeleceu
novos elementos à análise da questão do poder e do Estado.
Para Raffestin (1993), o território é formado a partir do espaço e resulta da
ação de atores que produzem relações marcadas pelo poder. O território,
implicitamente, está ligado à noção de limite, ainda que não esteja traçado, e exprime
a relação que um grupo mantém com uma porção do espaço. Pensar em território, na
concepção desse autor, é estabelecer relações entre os atores que o produzem. Aí
que se insere a questão da territorialidade. Conforme Raffestin (1993), a
territorialidade:
[...] é um conjunto de relações que se originam num sistema tridimensional sociedade-espaço-tempo” [...]. A territorialidade se manifesta em todas as escalas espaciais e sociais; ela é consubstancial a todas as relações e seria possível dizer que, de certa forma, é a “face vivida” da “face agida” do poder. (RAFFESTIN, 1993, p.160,161-162).
Na perspectiva desse autor, nota-se que a chave para a compreensão do
conceito de território e territorialidade está nas relações estabelecidas entre os atores
que os produzem. Ressalta-se ainda que Raffestin (1993), dentro desse contexto,
inclui um importante elemento: o tempo. Sendo esse essencial nas reflexões
concebidas sobre o território da Feira da Rua José Avelino.
Buscou-se, nesse pequeno resgate histórico, apresentar importantes
teóricos que estabeleceram as bases fundamentais que contribuíram, e ainda
contribuem, para as análises atuais sobre o conceito de território que serão utilizados
ao longo do capítulo. Desse modo, no próximo subitem, apresentar-se-á a concepção
metodológica seguida e a operacionalização de conceitos e categorias adotadas.
Tais elementos têm por finalidade problematizar as múltiplas relações e os
processos constituídos com o desenvolvimento e a dinâmica da Feira da Rua José
Avelino, que se localiza na cidade de Fortaleza. A interpretação da Feira pelo conceito
de território justifica-se pelo fato dessa ocupar uma área bem definida e por apresentar
relações de poder e conflitos que têm como fundamento a disputa pelo domínio2 de
territórios e os diversos interesses dos atores sociais que compõem esta atividade.
2 Domínio é compreendido aqui como posse e controle do território, que pode ser apropriado e/ou comercializado. Esse território “dominado” pode, ainda, ser constituído por uma área gerada por relações de pertencimento (entre os atores que a produzem) ou de dominação.
26
A fim de basear uma perspectiva teórica condizente com o objeto de
estudo, foi necessário começar pela revisão bibliográfica dos principais estudos sobre
o conceito de território. Dentre eles destacaram-se o clássico de Claude Raffestin: Por
uma geografia do poder (1993), a obra de Rogério Haesbaert da Costa: O mito da
desterritorialização: do “fim dos territórios” à multiterritorialidade (2007a) e as
contribuições de Marcelo José Lopes de Souza no capítulo: O território: sobre espaço
e poder, autonomia e desenvolvimento do livro Geografia: conceitos e temas (2000).
Além disso, alguns artigos, dissertações e teses que tratam sobre o conceito de
território foram consultados e serão citados no decorrer da dissertação.
A feira livre é uma atividade extremamente dinâmica e complexa, por isso,
outros conceitos e categorias da Geografia Urbana deram aporte teórico às diversas
relações que se desenvolvem com base nessa atividade. No caso específico da Feira
da Rua José Avelino, foi fundamental agregar o conceito de espaço ao território, pois
muitas características dessa atividade comercial são provenientes do próprio contexto
econômico, histórico, social e cultural que constituem a espacialidade em que a Feira
está inserida. Para Santos (1986), o espaço deve ser considerado como um híbrido,
pois:
[...] se define como um conjunto de formas representativas de relações sociais do passado e do presente e por uma estrutura representada por relações sociais que estão acontecendo diante dos nossos olhos e que se manifestam através de processos e funções. (SANTOS, 1986, p. 122).
Dessa forma, o espaço reúne, contraditoriamente, características
antagônicas e diversas, que se complementam dialeticamente, aconteçam elas no
passado ou no presente, produzam riqueza e/ou pobreza, modernidade e/ou atraso.
Por conseguinte, foram consideradas ações e interesses praticados na capital
cearense que influenciam, de maneira direta ou indireta, o território da Feira da Rua
José Avelino, por exemplo, políticas públicas voltadas para o bairro Centro e
especificamente para a área e o entorno da Feira, destacando-se a obra da linha Leste
do Metrô de Fortaleza que, com base em seu projeto, prevê a supressão de algumas
áreas que compõem a Feira ou que estão sob sua influência.
Pelo fato da Feira estar inserida na cidade de Fortaleza, esse foi o recorte
físico-espacial adotado. De modo a centralizar os esforços e tornarem claras as
considerações sobre o estudo, foi indispensável estabelecer um recorte temporal que
27
delimitasse o objeto da análise. Em consequência disso, optou-se pelo período que
vai do final da década de 1990, época em que se deu a origem da Feira até início de
2015, quando se finalizou a pesquisa.
Retomando a construção da perspectiva teórica do conceito de território,
percebeu-se que, além de apresentar todos os elementos que o definem, é importante
determinar a linha metodológica que guiará esta pesquisa. Para isso, utilizou-se a
definição de território com base em Costa (2007a), como elemento central, porém
acrescida de outras concepções do conceito definidas por outros autores (SOUZA,
2000; RAFFESTIN, 1993; SACK,1986).
Para Costa (2007a, p. 74), “[...] o território carregaria sempre, de forma
indissociável, uma dimensão simbólica, ou cultural em sentido estrito, e uma dimensão
material, de natureza predominantemente econômico-política”. Essa concepção
apresentada pelo autor torna a análise do território mais complexa, tendo em vista que
permite refletir sobre mais de uma dimensão do território (econômica, política e
cultural) admitindo capturar as múltiplas relações existentes na Feira, todavia, requer
um mecanismo que proporcione tal reflexão, que Costa (2007a) o denomina como
perspectiva integradora. Desse modo, o território é concebido de forma articulada,
relacionando suas diferentes dimensões.
Com relação à Feira da Rua José Avelino, as dimensões econômica,
política e cultural foram concebidas e analisadas contemplando tais elementos:
Na dimensão econômica, foram apontados os territórios que compõem
a Feira, os territórios que foram criados com essa atividade, os territórios
do entorno que se articulam com essa atividade e como essas relações
se constituem;
Na dimensão política, destacaram-se os grupos que realizam a Feira.
Outra questão relevante incorporada na análise foi a ação do Estado,
seja por meio de instituições que o representam (Guarda Municipal,
Autarquia Municipal de Trânsito, Polícia, etc.) ou por ações políticas
propostas ou realizadas para o território da Feira. Nessa análise o poder
foi um elemento fundamental que indicou as questões por trás dos
conflitos e disputas que acontecem na Feira;
Na dimensão cultural, apresentaram-se as características que fazem da
Feira um território simbólico, não apenas formado por relações
28
econômicas ou de poder, mas por sociabilidades produzidas pelos
atores sociais ou grupos que a compõem.
No Organograma 1 são expostas as três dimensões de território que foram
abordadas na pesquisa, as quais formam um conjunto de elementos que se articulam
e compõem a Feira.
Organograma 1 - Dimensões analíticas da Feira da Rua José Avelino
Fonte: Elaborado pela autora.
As diferentes dimensões do território estão associadas diretamente aos
indivíduos que o produzem, como assinala Marcelo José Lopes de Souza. Para esse
autor, o território: “é fundamentalmente um espaço definido e delimitado por e a partir
de relações de poder” (SOUZA, 2000, p. 78). Nota-se que, segundo o autor, o principal
elemento que caracteriza um território são as relações de poder projetadas em uma
certa delimitação espacial.
Mas quem produz essas relações? Conforme Raffestin (1993), essas
relações de poder são constituídas pela população:
Nela residem as capacidades virtuais de transformação; ela constitui o elemento dinâmico de onde procede a ação. [...] sem a população, ele se resume a apenas uma potencialidade, um dado estático a organizar e a integrar uma estratégia. (RAFFESTIN, 1993, p. 58).
Com base nesse autor, percebe-se a importância da população na
compreensão de território, e a necessidade da população para se estabelecer o
território como tal. Porém, não se trata de uma população abstrata, mas grupos e
Dimensão econômica
Dimensão
cultural
Dimensão
política
Feira da
Rua José
Avelino
29
indivíduos constituídos como atores sociais, que produzem relações de poder no
território. Daí a necessidade de considerá-las na análise da Feira da Rua José Avelino.
Tanto Souza quanto Raffestin reconhecem a pertinência do poder nas
relações constituintes do território. Portanto, dado seu papel no contexto da formação
dos territórios é indispensável proferir algumas considerações sobre o poder.
De acordo com Raffestin (1993), com base em Foucault, o poder está
“presente em cada relação, na curva de cada ação: insidioso, ele se aproveita de todas
as fissuras sociais para infiltrar-se até o coração do homem. ” (RAFFESTIN, 1993, p.
52). Desta forma, verifica-se que o poder está em todo lugar do nosso cotidiano, seja
no trabalho, na família, na escola, na cidade, por exemplo. Entretanto, o que é
relevante na análise do território são as relações que se derivam da manifestação do
poder no território.
Mas que tipo de poder? Costa (2007b) assinala que o:
Território, assim, em qualquer acepção, tem a ver com poder, mas não apenas o tradicional “poder político”. Ele diz respeito tanto ao poder no sentido mais explícito, de dominação, quanto ao poder no sentido mais implícito ou simbólico de apropriação. Lefebvre distingue apropriação de dominação (“possessão”, “propriedade”), o primeiro sendo um processo muito mais simbólico, carregado de marcas do “vivido”, do valor de uso, o segundo mais concreto, funcional e vinculado ao valor de troca. (COSTA, 2007b, p. 20-21).
Corrobora-se ao pensamento de Costa (2007b), uma vez que o território é
constituído não só pelo poder político exercido principalmente pelo Estado, mas por
grupos, instituições e indivíduos que estabelecem nesta área relações de apropriação
e dominação. Sendo as disputas e o controle por estes territórios apropriados e
dominados na Feira da Rua José Avelino um dos principais indutores dos conflitos no
local.
Com isso, para compreender de maneira mais precisa o poder no território,
é mister qualificá-lo. Dessa forma, pode-se definir quem domina, como domina e que
relações de apropriação e dominação se estabelecem nesse contexto. Para capturar
tal processo, o ponto de partida são as relações produzidas pelos atores sociais.
Como será feita tal verificação? Conforme Costa (2007b, p. 22), “[...] devemos
primeiramente distinguir os territórios de acordo com aqueles que o constroem, sejam
eles indivíduos, grupos sociais/culturais, o Estado, empresas, instituições, como a
Igreja etc”. Ou seja, para compreender o território na Feira será necessário identificar
30
os atores sociais que produzem as relações de apropriação e de dominação,
demonstrar os impactos e os conflitos decorrentes.
Outro ponto incorporado na análise do território foi a implicação da
temporalidade na dinâmica da Feira. Esse fato justifica-se em virtude do território
[...] formar-se e dissolver-se, constituir-se e dissipar-se de modo relativamente rápido (ao invés de uma escala temporal de séculos ou décadas, podem ser simplesmente anos ou mesmo meses, semanas ou dias), ser antes instáveis que estáveis, ou mesmo, ter existência regular mas apenas periódica, ou seja, em alguns momentos – e isto apesar que o substrato espacial permanece e pode permanecer o mesmo. (SOUZA, 2000, p. 87).
Esta efemeridade faz parte da natureza das relações socioespaciais
ocorridas na Feira, e determina a condição de feirante, condicionando-o ao curto
espaço de tempo disponível para o desenvolvimento de suas atividades, implicando
em ações específicas e particulares por causa dessa natureza transitória3.
Nas diversas concepções adotadas de território e territorialidade têm-se
uma valorosa categoria que respaldará tal análise: o tempo. Conforme Raffestin
(1993, p. 49) “[...] em toda análise relacional o tempo e o espaço devem ser
considerados juntos”. Por quê? Porque o tempo revela as diferentes ações de
determinados atores no decorrer de um dado período. No caso da Feira da Rua José
Avelino, notou-se que ela foi realizada em diferentes locais e que essas áreas, antes
da atividade, eram utilizadas por outros grupos e possuíam outras funções. Dessa
forma, por meio da periodização dos usos dos territórios, pode-se analisar suas
transformações, evoluções ou retrocessos, tendo em vista as múltiplas dinâmicas
dessa atividade e também as relações que ocorrem no local onde está situada.
No cerne da análise do território, tem-se a territorialidade, um elemento tão
complexo e dinâmico quanto o próprio conceito que o originou. Sua definição varia de
acordo com a concepção adotada do território, porém, a territorialidade está
diretamente relacionada aos atores sociais que produzem/produziram o território.
Para Robert David Sack (1986), a territorialidade
3 Nos meses da pesquisa, observaram-se nitidamente mudanças significativas. Um exemplo é a ocupação e a produção de novos territórios dentro da Feira. Os últimos meses do ano (novembro e dezembro) são os de maior movimento. Com isso, mais feirantes e compradores são atraídos para a Feira. Em visita de campo realizada em 2014 observou-se a criação de novos territórios utilizados para o estacionamento de veículos de feirantes e compradores. Esses locais estavam, respectivamente, no quarteirão da Castro e Silva próximo à Praça Caio Prado e na Rua São Paulo, em frente ao Museu do Ceará.
31
[...] será definida como a tentativa de um indivíduo ou grupo de afetar, influenciar ou controlar pessoas, fenômenos e relações, através da delimitação e da afirmação do controle sobre uma área geográfica. Esta área será chamada: o território” (Tradução livre) (SACK, 1986, p. 20).
Com base nas palavras do autor, compreende-se que o território pode ser
constituído por diferentes territorialidades e que o seu controle será efetivado pelas
relações de poder entre os indivíduos ou grupos que compõem aquele território.
Conforme Sack (1986), a territorialidade é constituída por três relações
interdependentes:
Primeiro, por definição, a territorialidade deve envolver uma forma de classificação de área. [...] Segundo, por definição, a territorialidade deve conter uma força de comunicação. [...] Terceiro, cada exemplo de territorialidade deve envolver uma tentativa no esforço de controlar o acesso sobre a área e as coisas dentro dela ou restringir a entrada das coisas de fora. (Tradução livre) (SACK, 1986, p. 23-24).
Com o objetivo de não se restringir apenas a uma perspectiva, buscou-se
a concepção de outro autor. Para Souza (2000),
outra forma de se abordar a temática da territorialidade, mais abrangente e crítica, pressupõe não propriamente um descolamento entre as dimensões política e cultural da sociedade, mas uma flexibilização da visão do que seja território. Aqui, o território será um campo de forças, uma teia ou rede de relações sociais que, a par de sua complexidade interna, define, ao mesmo tempo, um limite, uma alteridade: a diferença entre “nós” (o grupo, os membros da coletividade ou “comunidade”, os insiders) e os “outros” (os de fora, os estranhos, os outsiders). (SOUZA, 2000, p. 86).
Essa visão apresentada pelo autor valoriza as relações entre os indivíduos,
estabelecendo a proposição de que as territorialidades e os seus limites são
constituídos por membros que compõem grupos com características comuns, que
formam uma coletividade e que ocupam áreas bem definidas, que atuam como um
campo de forças. Souza (2000) cita, como exemplo, a territorialidade das prostitutas,
dos camelôs e do tráfico de drogas. Ressalta-se, com base na concepção desse autor,
que essa definição de territorialidade traz consigo um forte componente: o sentimento
de pertencimento que permitirá certa coesão entre os indivíduos que constituem os
grupos.
Com base nas perspectivas teóricas discutidas, a pesquisa foi
desenvolvida metodologicamente da seguinte forma:
32
Primeiro: distinção dos territórios existentes na Feira, com base nos
indivíduos, grupos sociais e instituições que o constituem;
Segundo: Identificação dos interesses que estão por trás da produção
desses territórios;
Terceiro: Estabelecimento das relações existentes entre os territórios
que compreendem a Feira e o seu entorno.
Dessa maneira, os trabalhos de campo foram essenciais para capturar
informações, principalmente sobre as relações de poder, a dinâmica da Feira e a
espacialização dos territórios. Ressalta-se que, em alguns momentos, foi utilizado o
método observacional. Para Gil (1991, p. 35), “[...] no estudo por observação apenas
observa algo que já acontece ou já aconteceu”. Sendo assim, o pesquisador fica
atento às atividades que cercam o seu objeto. Por isso, na pesquisa, houve dias em
que, no trabalho de campo, era feito somente o registro fotográfico e a observação
das pessoas que circulavam e ocupavam os territórios da Feira.
As feiras livres podem ser interpretadas por diversos métodos resultando
em ricas análises, todavia, é comum na Geografia serem ressaltados o sistema
econômico e a dinâmica espacial produzida a partir dessa atividade. Buscou-se na
pesquisa dar um enfoque à interpretação da Feira por meio do conceito de território.
Para isso, foram necessárias operacionalizações de conceitos e incorporações dos
teóricos citados da Geografia e de outras ciências.
2.2 O TERRITÓRIO E A FEIRA: EM BUSCA DE UMA RELAÇÃO
Todas as feiras livres precisam de uma área para ser realizadas. Sejam
fixas ou móveis, elas ocupam espaços públicos ou privados e, portanto, produzem
territórios.
Os autores estudados definem, de modo geral, que, para uma área ser
concebida como território, deve haver: controle de acesso, disputa de poder,
delimitação física de uma área, sentimento de pertencimento e identidade,
apropriação e dominação. Essas características, entretanto, precisam ser articuladas
e determinadas pelas ações dos atores sociais para produzirem territórios. Na
acepção de Costa (2007a, p. 78), “O território, de qualquer forma, define-se antes de
33
tudo com referência às relações sociais (ou culturais, em sentido amplo) e ao contexto
histórico em que está inserido”.
Com base na análise desse autor, nota-se que são as relações sociais ou
culturais que definem e fundamentam o território. Outro ponto destacado por Costa
(2007a) é o contexto histórico, visto que, ao longo dos anos, os processos que
envolvem as relações de produção do território podem ser alterados. Mas quem
produz esses territórios? De acordo com Raffestin (1993, p. 7), o território “[..] não
poderia ser nada mais que o produto dos atores sociais”. É a ação dos atores que
concretiza a produção do território.
Porém, essa ação nem sempre ocorre pacificamente, pois os indivíduos
que produzem o território possuem interesses distintos. Na Feira da Rua José Avelino,
a territorialização4, em determinados momentos, gera conflitos motivados
fundamentados no poder, seja pela disputa, controle ou dominação dos territórios.
São essas relações de poder intrinsecamente ligadas ao território que se
tornam visíveis através dos conflitos. Seja resultante tanto do poder simbólico (valores
sociais que se impõem sobre os indivíduos), notado pelo olhar apreensivo dos
feirantes ao perceber a aproximação da repressão normativa dos guardas municipais
ou dos fiscais da Secretaria Regional do Centro de Fortaleza - Sercefor, “o rapa”; como
do poder materializado pela efetiva proibição da ocupação de certas áreas na Feira.
Essas ações foram percebidas em muitos aspectos, principalmente no cotidiano
dessa atividade.
Raffestin (1993), com base em Foucault, afirma que as relações de poder
são ao mesmo tempo intencionais e não subjetivas. Dessa forma, afirma-se que as
ações do poder municipal efetivadas pela presença constante da polícia no entorno
da Feira têm como principal objetivo intimidar, de modo ostensivo, os feirantes e os
trabalhadores, que, por essa medida, são considerados potenciais infratores do
disciplinamento urbano estabelecido pela Sercefor.
Outra forma de apreender as relações de poder existentes na Feira foi
pelos relatos de feirantes e de representantes do poder público municipal.
Conforme Raffestin (1993, p. 58), “o poder visa o controle e a dominação
sobre os homens e sobre as coisas”. No caso da Feira da Rua José Avelino, são as
disputas por territórios e pelo controle desses que geram os conflitos. Destacam-se,
4 Processo de produção do território (COSTA, 2007a).
34
ainda, as divergências de interesses entre os comerciantes do entorno da Feira e os
feirantes.
Considerando não só os conflitos, mas principalmente os vários atores que
compõem a Feira da Rua José Avelino, buscou-se no conceito de territórios plurais de
Carlos Vladimir Zambrano apreender a dinâmica destas relações. Para Zambrano
(2001), os territórios plurais
[...] son una multiplicidad de espacios diversos culturales, sociales y políticos, con contenidos jurisdiccionales en tensión, que producen unas particulares formas de identidad territorial. Productos fluidos según la constancia e intensidad de las interacciones y cambios sociopolíticos que les impactan históricamente, potenciando los niveles de conflictividad y redefiniendo permanentemente las identidades colectivas y las territorialidades. (ZAMBRANO, 2001, p. 18).
Segundo esse autor as diferentes jurisdições em tensão que compõem os
territórios plurais resultam das diversas identidades territoriais que o formam. Mas
como esse conceito contribui para análise da Feira? Por meio de pesquisa de campo,
percebeu-se que a Feira da Rua José Avelino não é uniforme. Dentro da própria Feira
existem heterogeneidades e homogeneidades tanto nas estruturas físicas utilizadas
pelos feirantes para a venda dos produtos, como pelos atores sociais que a
constituem. Buscando qualificar os grupos que atuam na feira, embasou-se no
conceito de territórios plurais e em sua matriz: o sentimento de pertença, de identidade
e de domínio.
Conforme Zambrano (2001, p. 29), “Las luchas y conflictos propiamente
territoriales se producen cuando entran en relación distintas percepciones de
pertenencia, dominio y soberanía sobre el espacio”. Ressalta-se que na Feira alguns
conflitos também podem ser motivados pelas percepções diversas de pertença e
consequentemente dos territórios; contudo, outras podem ser motivadas pelo uso do
poder seja do Estado e suas instituições ou por grupos criminosos ou ainda por
motivos econômicos, na busca do lucro pela venda ou aluguel de territórios5.
Dessa forma, nota-se que os territórios são produzidos pela ação de
indivíduos. Raffestin (1993) os denomina atores sociais. Na análise realizada sobre a
Feira da Rua José Avelino, por se tratar de um fenômeno que ocorre no espaço
5 Pode parecer absurdo, mas na Feira da Rua José Avelino é comum a venda ou o aluguel de espaços públicos como canteiros, calçadas ou pequenas áreas de uma via. Alguns feirantes ou outros indivíduos se apropriam dessas áreas e cobram aluguel pelo seu uso.
35
urbano, optou-se por utilizar o conceito de agentes sociais produtores do espaço, de
Roberto Lobato Corrêa (1989).
Segundo esse autor, o espaço urbano é produzido por agentes sociais
concretos que “modelam o espaço”. Sendo eles “os proprietários dos meios de
produção, os proprietários fundiários, os promotores imobiliários, o Estado e os grupos
excluídos” (CORRÊA, 2012, p. 44). Esses, segundo Corrêa (2012), são tipos ideais
de agentes sociais produtores do espaço, que podem ser encontrados em sua forma
pura ou quase pura. Por isso, na análise da Feira da Rua José Avelino, o termo será
modificado para agentes sociais produtores da Feira. O objetivo será identificar estes
agentes e caracterizar como essas relações se produzem no território da Feira.
Com base nas análises e reflexões feitas até aqui, o uso do conceito de
território para a análise da Feira da Rua José Avelino possibilitou descobrir três
elementos importantes para a compreensão do fenômeno da Feira:
1) A delimitação territorial da Feira estabelecida pela Secretaria Regional
do Centro de Fortaleza - Sercefor e suas contradições com a
delimitação feita pelos próprios feirantes;
2) O surgimento de novos territórios que se articulam diretamente com a
Feira promovidos por intervenções públicas ou privadas no entorno da
Feira;
3) Os conflitos que ocorrem entre os agentes sociais produtores da Feira.
Pode-se pensar que as lutas existentes na Feira da Rua José Avelino são
exclusivas da realidade de Fortaleza, no entanto elas são comuns em outras cidades
do País.
São Paulo, importante metrópole brasileira localizada na região Sudeste do
País, também possui problemas semelhantes. Silva, S. C. (2012), analisando a Feira
da Madrugada, que ocorre na capital paulista, destacou os conflitos entre os feirantes
e a Prefeitura Municipal, entre os feirantes e os lojistas e entre os próprios feirantes.
Embora a Feira da Madrugada tenha surgido por iniciativa da Prefeitura Municipal de
São Paulo, apresenta similaridades6 com a Feira da Rua José Avelino, no tocante aos
conflitos observados.
6 Grande parte dos produtos comercializados na Feira da Madrugada são confecções populares. Outra semelhança entre esta Feira e a de Fortaleza é que a primeira também atrai compradores de cidades próximas do seu entorno e de outras regiões do País.
36
Destacou-se aqui a Feira realizada em São Paulo não com a finalidade de
estabelecer comparações, mas expor que os conflitos, apesar de se originarem em
contextos diferentes, possuem a mesma origem: a disputa entre classes resultante
das contradições do modo de produção capitalista.
Com base nessa concepção, nota-se que a Feira não pode ser explicada
somente pelas suas particularidades, pois se encontra envolvida em um contexto mais
amplo e dinâmico. Por isso, considera-se a Feira da Rua José Avelino um território.
Como tal [...] o território é também movimento, fluidez, interconexão — em síntese e
num sentido mais amplo, temporalidade” (COSTA, 2007a, p. 82). Tais características
definidas por este autor não só ampararam como permitiram estabelecer a correlação
entre as dimensões da Feira (econômica, política e cultural).
Tendo em vista a complexidade do objeto, optou-se por analisar o território
da Feira conforme a delimitação estabelecida pela Sercefor que foi utilizada por Silva,
E. S. (2013), porém, não se restringiu unicamente a esta espacialização. Em visitas
de campo, ao longo desses dois anos de pesquisa, observou-se a criação de novos
territórios que se relacionam com a Feira, mas que estão fora desses limites. No
capítulo seguinte discute-se detalhadamente as características atuais da Feira e o
recorte espacial analisado.
37
3 A FEIRA DA RUA JOSÉ AVELINO
Neste capítulo, apresentam-se as principais características da Feira da Rua
José Avelino. O texto é dividido da seguinte forma: a primeira parte expõe a história
da atividade desde sua criação até os dias atuais. A segunda parte compreende os
elementos que compõem a Feira: sua dinâmica, as mercadorias comercializadas e as
pessoas que participam da atividade. Já a terceira e última parte apresenta a
espacialização da Feira por meio de mapas e a delimitação da atividade em função
das visitas de campo realizadas ao longo da pesquisa.
O objetivo principal deste capítulo é mostrar um panorama geral da Feira
da Rua José Avelino, para que, em seguida, fossem destacadas as particularidades e
as relações constituídas com a realização dessa atividade tão complexa. Para isso,
foram feitos registros fotográficos, entrevistas, utilização de notícias jornalísticas,
confecção de mapas e visitas de campo.
3.1 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA FEIRA
As feiras livres são objeto de múltiplas análises nas ciências de cunho
social, podendo ser interpretadas, dentre outras perspectivas, pela dimensão
econômica, cultural, histórica ou etnográfica. Contudo, chega a ser um contrassenso
nessas análises não ser apontado seu caráter comercial, tendo em vista que as trocas
realizadas nas feiras constituem sua essência, posto que foi por causa delas que essa
atividade surgiu ao longo da história do homem.
No bojo dessa temática, tem-se a Feira da Rua José Avelino, que é
realizada semanalmente na cidade de Fortaleza. A atividade está localizada na cidade
de Fortaleza, precisamente no bairro Centro, na porção Norte da capital cearense.
(Mapa 1).
38
Mapa 1 - Localização da Feira da Rua José Avelino - Fortaleza/2014
Fonte: Própria autora, 2014.
Primeiramente, destaca-se que a Feira não se originou na Rua José
Avelino. Ela surgiu na Praça Caio Prado,7 localizada em frente à Catedral
Metropolitana de Fortaleza. Devido a esse fato, a Feira também é conhecida como
Feira da Sé ou Feira da Madrugada. Sobre o ano que esta atividade comercial teve
início, não se sabe ao certo, porém, com base em notícias de jornais e pesquisas
desenvolvidas a respeito da Feira, acredita-se que ela surgiu no começo da década
de 1990. Segundo Lima (2012), os primeiros comerciantes que deram início à Feira
foram rendeiras vindas do município de Itapajé, situado na região Norte do Ceará.
Segundo o depoimento de uma antiga feirante que trabalhou na Feira,
quando a atividade ainda ocorria na Praça Caio Prado, a dinâmica era muito diferente
da atual, não só quanto à venda dos produtos, mas quanto à quantidade de
vendedores. “[...] Eu ia muito lá na Feira da Sé, só que era só bordado, lá não tinha
nada. [...] era só as bordadeiras”. (Entrevistada A, 62 anos, 2014).
Já em meados dos anos 2000, vendedores de Fortaleza e de sua Região
Metropolitana passaram, também, a participar dessa atividade, cujo número de
7 A Praça Caio Prado também é conhecida como Praça da Sé ou Praça D. Pedro II por possuir a estátua do Imperador do Brasil.
39
feirantes e de compradores que vinham não só do interior do Estado como de outros
municípios do Nordeste aumentou.
Foi nesse período que, por pressão, devido à insatisfação entre os
comerciantes do Mercado Central e do seu entorno com a realização da Feira na
Praça Caio Prado, a Prefeitura de Fortaleza passou a limitar os horários da atividade.
Por isso, esta passou a ocorrer entre a madrugada de quarta-feira e o início do dia de
quinta-feira até aproximadamente 8h da manhã, horário em que as lojas do comércio
local começam suas atividades.
Conforme o proprietário do Galpão do Pequeno Empreendedor, já em
2005, alguns feirantes passaram a comercializar seus produtos em antigos
estacionamentos localizados na Rua José Avelino. Acredita-se que a determinação
do horário para o término da Feira provocou uma reação nos feirantes, que passaram
a realizar essa atividade tanto na Praça, como na Rua José Avelino. Finalizado o
horário estipulado pela Prefeitura de Fortaleza, alguns feirantes que vendiam seus
produtos na Praça os recolhiam e seguiam para a Rua José Avelino a fim de continuar
as vendas, pois, naquela época, parte dos ônibus que vinham de outros estados do
Nordeste estacionava nessa via.
Com o passar dos anos, a Feira atraía cada vez mais pessoas, além de
gerar mais insatisfação nos comerciantes dos arredores da Praça, principalmente do
Mercado Central, e até mesmo do Pároco da Catedral Metropolitana de Fortaleza. Os
comerciantes do entorno afirmavam que a realização da atividade diminuía o volume
de vendas em suas lojas, pelos baixos preços das mercadorias comercializadas na
Feira. Conforme recente entrevista concedida ao Jornal O POVO, o proprietário do
grupo Ponto da Moda informou que “a informalidade desenfreada tem trazido um
prejuízo incalculável para os formais” (CABRAL, 2013b).
Já o principal descontentamento do Pároco da Catedral se dava pelo fato
de que alguns feirantes utilizavam as calçadas e as grades da igreja para exporem
suas mercadorias e, consequentemente, dificultavam o acesso dos fiéis à Catedral,
além de transformar a fachada da igreja em mercado. Quando a situação estava
insustentável, o Ministério Público do Ceará, em 2008, moveu uma Ação Civil Pública
que ordenou a retirada dos feirantes da Praça Caio Prado e do seu entorno. Desse
ano até 2011, a Prefeitura e o Ministério Público não executaram a ação Civil que
proibia a realização da Feira na Praça. O cumprimento foi efetivado somente no final
de 2011, havendo conflito direto entre a Guarda Municipal de Fortaleza e os feirantes,
40
que resistiam a sair da Praça. O resultado da execução da ordem judicial foi alguns
feridos e outros detidos (LIMA, 2012).
Com a proibição da realização da Feira na Praça Caio Prado, duas áreas
foram utilizadas para a realização dessa atividade. A primeira consistia em um local
proposto pelo Prefeito de Maracanaú, que tinha interesse em alocar a atividade no
seu município, em uma área chamada de Feira Center8. No entanto, a distância, os
custos e a não adesão da maioria dos feirantes favoreceu o fracasso da alteração do
local da Feira. A segunda área era a Rua José Avelino, como foi citado anteriormente,
que já acomodava alguns feirantes que comercializavam na Feira. Todavia, os
feirantes retirados da Praça foram forçados a comprar barracas ou boxes na Rua José
Avelino, Travessa Icó e Feirão do Viaduto9 ou realizarem a atividade como feirantes
ambulantes. Atualmente, estes três locais reúnem as barracas montadas da Feira.
3.2 CARACTERÍSTICAS GERAIS DA FEIRA
Na Feira da Rua José Avelino, diferente das demais feiras livres
encontradas nos grandes centros urbanos brasileiros, não são comercializadas frutas,
verduras, legumes ou carnes frescas. Os principais produtos vendidos são do gênero
de confecção. Dentre outras mercadorias, há, ainda, bolsas, calçados, bijuterias,
cintos, pulseiras e carteiras. Por essas características, pode-se classificá-la como uma
feira de confecção.
O termo feiras de confecção é bastante recente, tendo em vista que a
atividade está ligada à fabricação desse gênero em indústrias e unidades produtivas
de pequeno porte que possuem como destino final a venda dos produtos em feiras e
lojas populares. Essas feiras estão localizadas, sobretudo, no Nordeste brasileiro, em
cidades ou Estados que têm como importante segmento econômico a produção têxtil.
Apesar das feiras de confecção serem uma temática, relativamente recente, existem
8 O Feira Center é um empreendimento particular do grupo SIL Investimentos Imobiliários Ltda. que foi construído em uma área disponibilizada pela Prefeitura Municipal de Maracanaú (LIMA, 2012). Possui uma ampla área destinada ao acesso direto de compradores e fabricantes de confecções. Disponível em: < http://www.feiracenter.com.br/feira.html>. Acesso em: 18 fev. 2015. 9 Segundo o gerente da Célula de Mercado Ambulante da Secretaria Executiva Regional do Centro - Sercefor, Rennan Custódio de Azevedo, em entrevista concedida à autora desta dissertação, realizada em fevereiro de 2014, o espaço chamado Feirão do Viaduto é uma área que pertence à Prefeitura Municipal de Fortaleza.
41
grupos de pesquisa e estudos significativos que permitem discussões sobre o
panorama desta atividade.
Segundo Gonçalves e Amora (2013, p. 3), as feiras de confecção são locais
onde se tem “a comercialização maciça de produtos da indústria de confecção e
vestuário”. Para esses autores, a Feira da Rua José Avelino, que ocorre em Fortaleza,
é a feira de confecção de maior movimento no Ceará.
As feiras de confecção no Nordeste são importantes espaços10 do comércio
popular de produtos desse gênero. A realização e o desenvolvimento dessa atividade
comercial dinamizam não só o entorno onde ela se espacializa, mas atrai vendedores
e compradores de outras cidades, estados e regiões. O papel de algumas dessas
feiras é tão relevante para a cidade em que se encontra que podem interferir
diretamente no setor econômico desses locais. Um exemplo disso é o
desenvolvimento do Polo de Confecções do Agreste de Pernambuco, que é composto
pelas cidades de Caruaru, Santa Cruz do Capibaribe e Toritama. Conforme Raposo e
Gomes (2003),
[...] cerca de 45 mil pessoas por semana comparecem às grandes feiras de confecções populares realizadas nas três cidades: às segundas, em Caruaru; às terças, em Toritama; e às quartas, em Santa Cruz do Capibaribe (RAPOSO; GOMES, 2003, p. 9).
Esse Polo de Confecções se desenvolveu de tal forma que atualmente as
três cidades juntas aglomeram indústrias têxteis e empresas de grande e de pequeno
porte ligadas ao ramo de confecção.
A Figura 1 mostra a visão aérea do local de ocorrência da Feira de
Confecção em Santa Cruz do Capibaribe em Pernambuco.
10 O espaço é entendido aqui não como conceito de espaço geográfico, mas sinônimo de local ou ambiente.
42
Figura 1 - Visão aérea do Moda Center Santa Cruz - Santa Cruz do Capibaribe/2015
Fonte: Moda Center, 2015.
Pode-se afirmar que as feiras de confecção se constituem em um novo
formato de feira, ou, como afirmam Gonçalves e Amora (2013), as feiras se
metamorfosearam pelas transformações da nova divisão internacional do trabalho e a
expansão do espaço urbano nordestino. No passado, as feiras livres nordestinas eram
caracterizadas pela venda de gado e de produtos agrícolas, hoje as feiras de
confecção comercializam produtos fabricados em pequenas indústrias de mão de obra
familiar, facções, ou são adquiridos em outras feiras de confecção da região Nordeste.
A Feira da Rua José Avelino não só se caracteriza como uma feira de
confecção, como também está incluída no circuito de feiras realizado por compradores
e feirantes da região Nordeste. Conforme compradores de outros estados nordestinos,
os principais atrativos da Feira de Fortaleza são a variedade dos produtos e o preço.
A cliente baiana Érika Ramoniele afirma: “Caruaru podia até ser mais em conta pra
gente, pois moramos em Santa Maria da Boa Vista, mas os produtos de lá são muito
ruins”. (Diário do Nordeste, 2013). Outra comerciante, Francisca Maria de Lima, de
Parnamirim - RN, 44 anos, que compra produtos da Feira da Rua José Avelino,
destaca: “Gosto mais de Fortaleza, porque aqui tem uma maior variedade de
produtos”. (CABRAL, 2013c).
Com base no relato destes compradores nota-se outro ponto a ser
destacado na Feira, que é a modalidade de venda. Nas feiras livres comuns, prioriza-
43
se o comércio no varejo, porém, na Feira em questão, predomina-se a venda no
atacado.
Ressalta-se ainda que a Feira é tão expressiva que atrai compradores e
vendedores não só da Região Metropolitana de Fortaleza, mas de cidades do interior
do Ceará, de estados do Norte e Nordeste do país e até outros países. No caso dos
compradores do Piauí e do Maranhão, eles responderam11 que a vinda à Feira se
justifica não só pelo preço e qualidade das mercadorias, mas pela ausência de
fabricantes nos seus estados de origem.
Para compreender as características da Feira da Rua José Avelino, é
necessário embasar teoricamente a análise em autores que discutiram e
desenvolveram pesquisas sobre essa temática. De modo geral, notou-se que a Feira,
em si, possui características internas e externas as quais apresenta dimensões
sociais, econômicas e simbólicas. Nas palavras de Dantas (2007), as feiras
[...] aparecem, então, como espaço apropriado por uma grande diversidade de atores e grupos que as frequentam e delas se apropriam por diversos objetivos. No nosso entendimento, esta apropriação se dá a partir de quatro dimensões: física, social, simbólica e econômica. (DANTAS, 2007, p. 39).
Com base na definição desse autor, compreende-se que a feira terá
significados diferentes de acordo com a apropriação que os indivíduos ou grupos têm
deste espaço. Por exemplo, na Feira da Rua José Avelino, o fiscal da Sercefor poderá
ter uma percepção dessa atividade ligada diretamente à função que ele cumpre, ou
seja, apenas pelo ato de exercer ações coercivas e disciplinadoras para com os
feirantes e ambulantes. Já o carreteiro pode conceber a feira como um ambiente de
trabalho onde obtém sua renda e se inclui, mesmo que de modo precário, na
sociedade.
Os carreteiros são indivíduos que transportam as mercadorias compradas
pelos clientes, na Feira, até os ônibus, vans ou veículos particulares. Esse tipo de
trabalho é temporário e surgiu como uma demanda das feiras. A presença desses
trabalhadores é muito comum nas diversas feiras espalhadas por todo o país, visto
que
11 Esta informação foi obtida por meio de conversas não gravadas realizadas nos dias de ocorrência da Feira.
44
[...] a feira livre se destaca também pela grande quantidade de empregos que gera, absorvendo significativa parcela de mão-de-obra desqualificada que vaga na maré inconstante do subemprego (JESUS, 1991, p. 95).
Mesmo que temporária, a criação de postos de trabalho na Feira da Rua
José Avelino é relevante, já que, por trás desta atividade, existe o trabalho de
diferentes pessoas para tornar a feira um ato concreto. Desde a pessoa que monta as
barracas nas vias, os trabalhadores que produzem as mercadorias a serem
comercializadas, os motoristas de ônibus e veículos fretados que vão para a Feira,
como os taxistas e mototaxistas que ficam estacionados nas proximidades da Rua
José Avelino. Essa atividade cria, sobretudo, nos dias de sua ocorrência, renda para
muitos trabalhadores e para a própria cidade onde está situada.
Consoante Pazera Jr. (2003), outro elemento que deve ser destacado
sobre as feiras é a mobilidade das pessoas que a compõem: “A característica mais
marcante das feiras nordestinas é a itinerância dos feirantes e que, indo de um
mercado, feira, a outro, criam um anel de mercado bastante movimentado [...]”
(PAZERA Jr., 2003, p. 52).
Concorda-se com este autor no tocante à mobilidade como forte traço das
feiras do Nordeste, pois tanto os compradores como os próprios feirantes realizam um
circuito de feiras onde adquirem e vendem suas mercadorias, respectivamente. Nas
palavras de Pazera Jr., ele cita o termo anel de mercado. Acredita-se que ele se refere
ao circuito das feiras. Mas de que modo é possível a realização desse circuito?
Roberto Lobato Corrêa fornece elementos que certamente respondem a
essa questão. Em seu artigo A rede de localidades centrais nos países desenvolvidos
(1988), cuja terminologia adotada para feiras é a de mercados periódicos, Corrêa
aponta que estes
[...] representam uma forma de sincronização espaço-temporal das atividades humanas. Assim os dias de funcionamento de cada mercado acham-se articulados aos dos demais, numa lógica de tempo e espaço, envolvendo o deslocamento periódico e sincronizado dos participantes de um dado mercado. (CORRÊA, 1988, p. 66).
É a sincronização espaço-temporal que permite a articulação entre
diferentes feiras formando um circuito. Dessa forma, essa periodicidade permite não
só aos feirantes participarem de outras feiras como produzirem ou reporem suas
mercadorias. Ainda sobre as feiras, Corrêa aponta que:
45
Quanto maior for a importância da cidade, em termos de centralidade, maior será a importância absoluta de sua feira, importância determinada segundo o número de participantes e a área de atuação da mesma. (CORRÊA, 1988, p. 73).
Tal afirmação condiz com a realidade da Feira da Rua José Avelino, uma
vez que esta é a mais importante feira realizada em Fortaleza. Com base em Corrêa
(1988), afirma-se que sua centralidade é definida pelo grande número de participantes
e pela sua área de influência.
A centralidade da Feira da Rua José Avelino pode ser observada por meio
da ocupação de vias, canteiros e calçadas do seu entorno. A dinâmica gerada com a
realização da Feira é evidente, visto que, nos dias de ocorrência desta atividade, o
acesso de veículos à Rua José Avelino e à Travessa Icó é interditado, podendo
transitar apenas pedestres e carreteiros. Já o tráfego na Avenida Alberto Nepomuceno
e na Avenida Pessoa Anta fica bastante congestionado (Figura 2).
Figura 2 - Cruzamento entre a Rua José Avelino e a Avenida Alberto Nepomuceno na quinta-feira pela manhã durante a Feira - Fortaleza/2013
Fonte: Própria autora, 2013.
Visão muito diferente pode ser registrada na Figura 3, em que se tem a Rua
José Avelino com pouco fluxo de pessoas e veículos. O registro foi feito horas antes
da realização da Feira.
46
Figura 3 - Rua José Avelino - Quarta-feira, pela manhã, horas antes da Feira - Fortaleza/2014
Fonte: Própria autora, 2014.
O grande fluxo de pessoas na Feira, como mostrou a Figura 2, materializa-
se pelo volume de dinheiro que circula com a realização da atividade em Fortaleza.
De acordo com o Jornal O POVO
É difícil saber quanto este mercado movimenta, mas as estimativas variam entre R$ 5 milhões e R$ 20 milhões, a depender do dia. O número de comerciantes pode passar de 7 mil em algumas épocas do ano, como nas proximidades do Natal e Dia das Mães (CABRAL, 2013a).
Acredita-se que parte desses valores adquiridos, com a venda das
mercadorias na Feira, seja utilizada para a aquisição de matéria-prima das confecções
e outros produtos, pagamento de mão de obra e outros custos diversos.
O grande fluxo de pessoas é confirmado pela quantidade de ônibus que
chegam ao local onde é realizada a Feira. Observou-se, em visitas de campo, que os
transportes utilizados por feirantes e compradores são veículos de passeio, ônibus,
vans e micro-ônibus (Figura 4).
47
Figura 4 - Micro-ônibus estacionados em frente à Praça Caio Prado durante a Feira - Fortaleza/2013
Fonte: Própria autora, 2013.
Toda dinâmica dos negócios da Feira, o fluxo de pessoas, as trocas
comerciais, e as relações sociais entre compradores e vendedores ocorrem em
períodos pré-estabelecidos, descontínuos, transitórios e interruptos.
O horário estabelecido pela Sercefor12 para a realização da Feira é iniciado
às 19h da quarta-feira indo até às 7h da manhã da quinta-feira. No sábado começa às
19h e termina às 11h do domingo (BRITO, 2014). Apesar deste horário ser delimitado
pela Sercefor, em visitas de campo à Feira, observou-se que os feirantes e
ambulantes, tanto nas quintas-feiras como aos domingos, excediam o tempo
determinado pelo órgão municipal.
No próximo item serão apresentados, detalhadamente, os locais onde a
atividade é realizada, além das infraestruturas utilizadas pelos feirantes e os grupos
que compõem a Feira.
3.3 CONHECENDO A FEIRA POR DENTRO
Segundo entrevista realizada, em fevereiro de 2014, com o gerente da
Célula de Mercado Ambulante da Secretaria Regional do Centro de Fortaleza -
Sercefor, a Feira está compreendida em uma poligonal que abrange a seguinte área:
12 A Sercefor é a secretaria municipal responsável por fiscalizar e organizar ações de ordenamento no bairro Centro de Fortaleza e especificamente na Feira da Rua José Avelino.
48
ao norte, da Rua Adolfo Caminha até a Avenida Pessoa Anta; a leste, da Rua Boris
até a Rua Rufino de Alencar; ao sul, da Rua São José até a Rua Visconde Sabóia; e
a oeste, da Rua Conde D’eu, seguindo pela Castro e Silva até a Rua Adolfo Caminha.
Essa delimitação tem por objetivo permitir ações de ordenamento e
controle13 do uso de locais públicos pela Sercefor, porém parte dos feirantes e
ambulantes, que comercializam produtos no local, vem descumprindo essas regras,
principalmente, quanto ao horário de funcionamento e a ocupação de locais proibidos.
Com o objetivo de espacializar a ocupação das áreas permitidas e não
permitidas, dentro da poligonal criada pela Sercefor, elaborou-se o Mapa 2. A
confecção do mapa resultou de informações obtidas por meio de entrevista na própria
Secretaria, de matéria publicada no Jornal Diário do Nordeste (RIBEIRO; BEZERRA,
2014) e dos mapas criados por Silva, E. S. (2013).
13 Estes termos foram utilizados pelo gerente da Célula de Mercado Ambulante da Sercefor e demostram que para este órgão a Feira não passa de uma atividade caótica que deve se adequar à ordem e ao controle estabelecidos pela Prefeitura de Fortaleza.
49
Mapa 2 - Polígono de localização das áreas permitidas e não permitidas para a realização da Feira – Fortaleza/2014
Fonte: Própria autora, 2014.
50
O Mapa 2 mostra quatro locais que são liberados pela Sercefor para o
funcionamento do comércio da Feira: a Rua José Avelino, a Travessa Icó, o Feirão do
Viaduto e a Rua Governador Sampaio. Das vias citadas, apenas a Rua Governador
Sampaio não é ocupada com barracas para a realização da Feira.
Pela análise desse mapa, nota-se, ainda, que outras vias são usadas de
modo irregular por feirantes e ambulantes, sendo esse um dos principais motivos dos
conflitos diretos entre estes trabalhadores e o Poder Público. Essa ocupação não se
restringe apenas às ruas, pois alguns feirantes utilizam canteiros e calçadas,
impedindo o fluxo de veículos e pedestres no local e no entorno da Feira (Figura 5).
Figura 5 - Feirante ambulante ocupando o canteiro da Avenida Alberto Nepomuceno - Domingo - Fortaleza/2014
Fonte: Própria autora, 2014.
Pelo fato da atividade não ser permitida em certos locais, os feirantes usam
ferramentas que facilitam não só a exposição das suas mercadorias, mas também que
permitem a eles certa mobilidade para evitar ou dificultar a apreensão dos seus
produtos pelos fiscais da Sercefor, mais conhecidos como “rapa”. Para isso, alguns
feirantes colocam suas mercadorias em lonas plásticas (Figura 6) ou em pequenas
barracas de madeira desmontáveis (Figura 7) de modo que, a qualquer ameaça de
apreensão, eles recolhem seus produtos.
51
Figura 6 - Feirante ambulante ocupando calçada - Quinta-feira - Fortaleza/2014
Fonte: Própria autora, 2015.
Figura 7 - Feirante ambulante ocupando via pública - Quinta-feira - Fortaleza/2014
Fonte: Própria autora, 2014.
A ocupação das áreas não permitidas pelos feirantes ao longo dos anos foi
se espraiando para vias próximas dos locais onde é permitida a realização da Feira.
Acredita-se que esse fato é justificado por dois fatores, o primeiro é o aumento do
número de feirantes, e o segundo é a criação de novos territórios onde se
comercializam produtos similares aos da Feira. Para compreender como e porque os
feirantes ocupam essas áreas não permitidas, o próximo capítulo apresentará os
territórios que compõem a Feira, como estes foram criados, quem os produz e como
eles são ocupados atualmente.
Sobre o espraiamento da Feira nas outras vias que compreendem a
poligonal estabelecida pela Sercefor, tem-se um importante elemento, a Lei Nº 9.559,
de 18 de dezembro de 2009, que autoriza a criação do Polo de Negócios do
Empreendedor Individual na Rua José Avelino. Essa Lei autoriza o comércio de
confecções dentro de imóveis localizados na Rua José Avelino, entre a Avenida
Alberto Nepomuceno e Rua Boris; Rua Senador Almir Pinto, entre a Rua Governador
Sampaio e a Rua Conde D’eu; Rua Rufino de Alencar, entre a Rua São José e a
Avenida Alberto Nepomuceno; Rua General Bezerril, entre a Rua Dr. João Moreira e
a Rua Castro e Silva; Travessa Icó, entre a Avenida Alberto Nepomuceno e a Rua
Maranguape. Essa possibilidade de negócios nessas ruas facilitou a expansão desta
atividade no entorno da Feira, desenvolvendo novos pontos de vendas e trocas
comerciais.
52
As observações e as visitas de campo permitiram identificar que apesar da
Sercefor delimitar uma área, relativamente grande para a Feira, a atividade regular14
utiliza apenas o espaço público da Rua José Avelino e da Travessa Icó (Mapa 3).
Outros espaços, como calçadas, canteiros e vias são utilizados de modo irregular,
sobretudo, por feirantes ambulantes. Dessa forma, a pesquisa contemplará os
territórios que estão localizados nas vias citadas e também os demais que estão
situados no polígono criado pela Sercefor.
14 O termo regular é utilizado somente para indicar que, nesses espaços, a Feira é realizada com a concessão da Prefeitura Municipal de Fortaleza. Contudo, os feirantes que trabalham nesses locais devem respeitar os horários e os dias estipulados pelo Poder Público.
53
Mapa 3 - Delimitação da área da Feira a ser pesquisada - Fortaleza/2014
Fonte: Própria autora, 2014.
54
A seguir, apresenta-se como a Feira ocorre, quais recursos os feirantes
dispõem para realizar seus negócios, quais espaços ela utiliza e quais relações
permeiam essa atividade comercial.
3.3.1 As barracas
As barracas são estruturas metálicas ou de madeira articuláveis montadas
em locais determinados para a realização da Feira. Estas são utilizadas como abrigo
do sol e da chuva, e possuem elementos que permitem aos feirantes exporem suas
mercadorias em cruzetas, manequins ou bancadas. No caso da Feira da Rua José
Avelino, as barracas são móveis, pelo fato de ocuparem as vias. Ao final do horário
definido pela Prefeitura, as barracas são desmontadas e as vias são liberadas para o
tráfego de veículos e pedestres (Figura 8 e 9).
Figura 8 - Barracas sendo desmontadas na Rua José Avelino - Quinta-feira - Fortaleza/2013
Fonte: Própria autora, 2013.
55
Figura 9 - Barracas sendo desmontadas na Travessa Icó - Quinta-feira - Fortaleza/2013
Fonte: Própria autora, 2013.
Encerrada a atividade, essas estruturas são retiradas dos espaços outrora
ocupados e volta-se à rotina local da via. Tanto em feiras onde se comercializam
frutas, verduras, legumes, carnes e peixes, quanto em feiras de confecção, a barraca
é um elemento comum a essa paisagem.
As barracas utilizadas na Feira da Rua José Avelino nos dias da atividade
são ferramentas adequadas para a realização da Feira, pois ocupam pouco espaço,
podem ser implantadas e removidas facilmente, além de permitir que os feirantes se
ajustem às condições das vias públicas (Figura 10).
Figura 10 - Barracas montadas na Rua José Avelino durante a Feira - Quinta-feira pela manhã -
Fortaleza/2013
Fonte: Própria autora, 2013.
56
No caso da Feira da Rua José Avelino, foi realizada uma entrevista15 com
um feirante para saber mais informações sobre como funciona a organização das
barracas. Segundo o feirante entrevistado, as barracas são montadas por terceiros
que são conhecidos como barraqueiros. Eles cobram um valor diário que varia de
acordo com a localização da barraca. Esse feirante falou que possui duas barracas e
paga R$ 20,00 reais por cada uma, para cada dia de Feira. Esse valor refere-se a dois
tipos de situações: a primeira, quando o feirante é o proprietário da barraca, o valor
cobrado equivale ao custo por armazenar e montar as barracas; já na segunda
situação, para os feirantes que não possuem barraca própria, o preço arrecadado
equivale ao aluguel desta última.
Os barraqueiros são pessoas responsáveis por um número determinado de
barracas. Por exemplo, João16 possui 25 barracas; José, 15; e Francisco, 18. Como
essas estruturas ocupam locais específicos na Rua José Avelino e na Travessa Icó,
pode-se afirmar que os barraqueiros se apropriam e privatizam o espaço público, pois
só permitem o uso das barracas a quem paga por ele.
As barracas podem ser adquiridas pela compra direta aos proprietários,
sejam eles barraqueiros ou feirantes. Caso o feirante não compre a barraca, ele pode
optar por pagar apenas o valor do aluguel, contudo, ele não possuirá local fixo, pois,
a cada feira, a barraca disponível pode ocupar uma área diferente.
Para a realização da Feira, as barracas são montadas na Rua José Avelino
e na Travessa Icó às 18h de quarta-feira e do sábado, conforme concessão da
Prefeitura Municipal de Fortaleza, porém, uma feirante afirmou que às 16h já se inicia
a montagem das barracas.
Destaca-se que a atividade realizada nas barracas localizadas nas vias
José Avelino e Icó é bastante desgastante, visto que na rua os feirantes estão
expostos as intempéries da natureza, como sol forte ou chuvas, sem o conforto de
abrigos. Em uma das visitas de campo realizadas em 2013, especificamente, no
domingo do dia 18 de agosto, pode-se visualizar tal situação. Neste dia houve uma
forte chuva de curta duração que, logo nos primeiros instantes, forçou os feirantes das
barracas dispostas na Rua José Avelino a protegerem suas mercadorias com
plásticos e lonas a fim de evitar que estas fossem molhadas. Os ambulantes que se
encontravam na rua se abrigaram em marquises e nos galpões da Rua José Avelino.
15 Esta entrevista foi realizada em 2014. 16 Esses nomes são fictícios, sendo usados apenas para facilitar a compreensão da análise da Feira.
57
Passada a chuva, os feirantes voltaram aos seus postos de trabalho, porém, nos
primeiros minutos após o fato, a rua ainda se encontrava alagada, o que dificultou o
tráfego de pessoas e clientes em alguns pontos da via (Figura 11 e 12).
Figura 11 - Barracas da Feira em dia de chuva - Rua José Avelino - Fortaleza/2013
Fonte: Própria autora, 2013.
Figura 12 - Barracas da Feira após a chuva - Rua José Avelino - Fortaleza/2013
Fonte: Própria autora, 2013.
Apresentadas as principais características das barracas localizadas na Rua
José Avelino e na Travessa Icó, a seguir passa-se à descrição sobre os galpões e os
boxes. Atualmente, estes concentram os feirantes “legalizados17”, segundo a
Sercefor, pois não ocupam vias e espaços públicos naquela área.
3.3.2 Os galpões
Os galpões são áreas privadas que acomodam parte dos feirantes e outros
trabalhadores que atuam na Feira da Rua José Avelino. Na via que dá nome à Feira,
existem três galpões: o Galpão do Pequeno Empreendedor, o Galpão da Felicidade e
o Galpão Pop Shop. Esses, em particular, são mais antigos que os demais
estabelecimentos comerciais18, possuem vagas de estacionamento para ônibus,
banheiros e área exclusiva para a venda de lanches e almoço para feirantes e
compradores.
17 Esse termo foi utilizado, em entrevistas, pelo assessor do Mercado Central e pelo gerente da Célula do Mercado Ambulante da Sercefor. Estes feirantes “legalizados” ocupam espaços particulares e, como os demais, não são cadastrados pela Prefeitura porque a Feira não é reconhecida oficialmente como uma atividade regular em Fortaleza. 18 Em 2014 os estabelecimentos comerciais identificados foram: lojas de confecção, shoppings populares, galerias e uma loja de tecidos localizados na Rua José Avelino.
58
Foi nos anos 2000 que, na Rua José Avelino, começaram a ser criados
esses galpões, estabelecimentos comerciais ligados ao gênero de confecção. Como
afirma o proprietário de um deles:
No ano 2000, eu explorava um galpão, que é esse do Pequeno Empreendedor, como estacionamento... e na época nós resolvemos acolher alguns feirantes que queriam expor as suas mercadorias lá, então eu saí da atividade de estacionamento pra Feira e começamos aí, e rapidamente o galpão foi ocupado na sua ... no total da sua área, e os vizinhos vendo o exemplo também foram migrando para essa atividade. Onde tinha uma pousada, onde era uma boate, onde era é uma Chácara das Rosas, onde era... outras atividades que existiam por aqui todas foram migrando para esse negócio... pra esse comércio de confecção. Mudando de atividade. (Martinho Batista Neto, proprietário do Galpão do Pequeno Empreendedor e Administrador do Shopping Fontenele Mall, 2014).
Pela fala do Sr. Martinho, pode-se observar que, antes do surgimento dos
galpões, que hoje abrigam parte dos feirantes, havia na Rua José Avelino outros tipos
de estabelecimentos com funções diversas, inclusive no ramo de entretenimento
como as casas de show.
Apesar do Sr. Martinho dizer que a mudança na atividade e o
desenvolvimento dos galpões se deu rapidamente, descobriu-se o contrário. Por meio
de notícias jornalísticas antigas sobre a Rua José Avelino, encontrou-se uma que
falava sobre a casa de show Canto das Tribos. Esta localizava-se na via onde
atualmente ocorre a Feira e que, posteriormente, deu lugar ao Galpão do Pequeno
Empreendedor. Tal notícia afirmava que esta casa de show havia sido criada nos anos
1990 e esteve em funcionamento até 2005 (Diário do Nordeste, 2015).
Outro ponto relevante colocado pelo Sr. Martinho refere-se ao surgimento
de estabelecimentos comerciais, tipo galpões, na Rua José Avelino. De acordo com
ele, esse processo se deu pelo desenvolvimento da competição capitalista entre
empresários. Efetivamente, os galpões não foram criados pelo poder municipal ou por
políticas públicas implantada no bairro Centro. Com isso, pode-se afirmar que os
galpões foram resultados da influência direta que a Feira exerceu sobre o entorno,
pressionando a economia local e, com isso, permitindo seu espraiamento para além
da área permitida.
No tocante aos galpões da Rua José Avelino, pôde-se observar, em visita
de campo, que alguns deles possuem entradas e saídas de veículos e pedestres,
59
tanto para a Rua José Avelino quanto para a Avenida Pessoa Anta, como é o caso do
Galpão da Felicidade (Figura 13) e do Galpão do Pequeno Empreendedor19.
Figura 13 - Acesso ao Galpão da Felicidade pela Avenida Pessoa Anta - Fortaleza/2014
Fonte: Própria autora, 2014.
A dupla entrada facilita o acesso a estes galpões, visto que, nos dias de
Feira, a Rua José Avelino fica ocupada por barracas. Essa possibilidade de ir e vir na
feira é um desafio para comerciantes, donos dos galpões e feirantes em geral, porque,
além da disposição das barracas nas vias, existem ônibus estacionados em grandes
extensões das ruas, dificultando a mobilidade na área e em suas proximidades.
Os galpões seriam os novos formatos do comércio de confecção na área
da Feira, que vieram para competir com outros estabelecimentos comerciais de
compra e venda de mercadorias. A realização da Feira na Rua José Avelino e na
Travessa Icó favoreceu o surgimento de galerias, lojas e shoppings populares, nestas
vias e no seu entorno, os quais comercializam o mesmo seguimento de confecção.
Desta forma, pode-se afirmar que a Feira contribuiu para que a Rua José Avelino e o
seu entorno se tornassem um importante reduto comercial de produtos de confecção,
em Fortaleza. Tal afirmativa pode ser comprovada em campo, pois nos dias de
ocorrência da Feira há um maior fluxo de pessoas e veículos na porção espacial onde
é realizada a atividade. Na ocasião, visitou-se a Rua José Avelino em uma quarta-
19 A entrada e a saída de pessoas, ônibus e carros de passeio são feitas pela Avenida Pessoa Anta. Na Rua José Avelino, há, apenas, a saída e entrada de pessoas.
60
feira pela manhã e observou-se pouco movimento no comércio permanente e fixo do
local (Figura 14).
Figura 14 - Rua José Avelino antes da Feira - Quarta-feira pela manhã - Fortaleza/2014
Fonte: Própria autora, 2014.
Sobre a condição de trabalho dos feirantes que atuam dentro dos galpões,
observou-se que, caso algum trabalhador quisesse comercializar suas mercadorias
nesses locais, ele deveria comprar um box ou alugá-lo. O valor do aluguel do box20 é
de R$ 50,00 reais por semana, sendo esse preço igualmente cobrado nos três galpões
situados na Rua José Avelino: Galpão da Felicidade, Galpão do Pequeno
Empreendedor e Galpão Pop Shop.
A Figura 15 mostra os boxes existentes dentro do Galpão da Felicidade.
Pode-se observar pela imagem alguns boxes vazios e a predominância de produtos
de confecção expostos em manequins e cruzetas.
20 Dezembro de 2014.
61
Figura 15 - Boxes dispostos dentro do Galpão da Felicidade - Rua José Avelino – Fortaleza/2013
Fonte: Própria autora, 2013.
Acredita-se que estes boxes estão vazios, principalmente, pela condição
econômica que impede parte dos feirantes de trabalharem nestes locais. No
subcapítulo a seguir discutir-se-á algumas destas condições.
Os galpões possuem áreas destinadas a atender aos feirantes e aos clientes
que compram na Feira e no comércio do seu entorno. Esses locais possuem áreas de
alimentação e estacionamento próprio para acomodar ônibus e alguns veículos de
passeio dos compradores que vêm de outros estados para a Feira (Figura 16).
62
Figura 16 - Área para o estacionamento de ônibus no Galpão Pop Shop - Rua José Avelino - Quarta-feira pela manhã - Fortaleza/2014
Fonte: Própria autora, 2014.
A Figura 16 mostra uma área exclusiva para o estacionamento de ônibus
dentro do Galpão Pop Shop. O acesso ao local é feito pela Rua José Avelino, e o local
é utilizado, sobretudo, por veículos vindos dos estados do Piauí, Maranhão, Rio
Grande do Norte e Bahia.
Já as áreas de alimentação são locais onde se concentram três ou quatro
pequenas lanchonetes onde feirantes e clientes consomem lanches rápidos e outras
refeições para resistirem à jornada de trabalho na Feira.
O comércio realizado nos galpões ocorre das 5h às 12h nos dias em que
não acontece a Feira e das 3h às 12h às quintas-feiras, aos sábados e aos domingos.
Na Travessa Icó, a Feira é realizada apenas com a ocupação de barracas
ao longo dessa via, no entanto, o aumento do número de feirantes e clientes no local
possibilitou o surgimento de galpões localizados nesta rua. Diferente dos galpões mais
antigos da Rua José Avelino, o Galpão Feirão Central na Travessa Icó possui poucos
boxes ocupados e não conta com área de alimentação, banheiros nem
estacionamento para ônibus e veículos (Figura 17).
63
Figura 17 - Galpões na Travessa Icó - Fortaleza/2015
Fonte: Própria autora, 2015.
Apresentadas as características dos galpões que também constituem parte
da Feira da Rua José Avelino, abordar-se-ão, na seção seguinte, as estruturas que
compõem esses locais: os boxes.
3.3.3 Os boxes
Os boxes são similares às barracas, porém estão localizados dentro de
galpões na Rua José Avelino e na Travessa Icó. Eles possuem estruturas metálicas
que permitem aos feirantes não só exporem melhor os produtos como armazená-los
para os próximos dias de Feira (Figura 18).
64
Figura 18 - Vista frontal de box - Galpão da Felicidade - Rua José Avelino - Fortaleza/2013
Fonte: Própria autora, 2013.
A maioria dos boxes possui essas características, no entanto, ainda
existem, dentro dos galpões, barracas similares às utilizadas nas ruas em que ocorre
a Feira. Esse fato está relacionado diretamente à renda do feirante, visto que a
aquisição e todas as alterações realizadas nos boxes, como reformas e melhorias,
são custeadas pelos próprios feirantes. Tentando compreender essas diferenciações
dentro dos galpões, realizou-se uma entrevista21 com uma feirante que esclareceu
sobre essa questão:
A gente compra uma banca e transforma ela no que quiser. [...] Compra uma banca de R$ 5.000,00 e transforma em uma banca de alumínio com baú. Se você quiser, compra uma banca de R$ 5.000,00 e depois paga R$ 2.000,00 pra fazer a lataria. Isso é nos fundos, porque na frente é R$ 20.000.00, R$ 30.000,00, R$ 35.000,00. [...] compra uma banca pronta com baú por R$ 35.000,00 no Pop Shop. No Galpão da Felicidade, aqueles da frente, é tudo esse preço R$ 30.000,00, R$ 40.000,00. Varia de preço dependendo do galpão e dependendo do local. (Feirante B, 2014).
Nota-se que o custo para trabalhar dentro dos galpões é bastante oneroso.
Pelo depoimento da entrevistada percebe-se que as bancas mais baratas estão
localizadas em áreas de pouco movimento e, consequentemente, de menos lucro.
Agregado aos valores usados para a aquisição da banca tem-se o custo com a
produção de mercadorias, as despesas eventuais com funcionários, transporte e
21 Entrevista realizada em 2014. A entrevistada participa da Feira desde sua realização da Praça Caio Prado. É fabricante e proprietária do negócio em um box no Galpão da Felicidade.
65
alimentação, ou seja, nem todos os feirantes podem adquirir uma banca nos galpões
da Rua José Avelino ou na Travessa Icó e manter tais gastos.
A Figura 19 mostra bancas que não foram transformadas em boxes. Nesse
caso, ou as bancas ainda não foram adquiridas por feirantes ou ainda serão
reformadas.
Figura 19 - Banca sem reforma no Galpão da Felicidade - Fortaleza/2014
Fonte: Própria autora, 2014.
Todos os boxes são identificados com uma letra correspondente a um setor
específico do galpão e com uma numeração referente ao box. Essa identificação
permite aos clientes retornarem aos boxes e encontrarem os produtos específicos que
desejam, e, facilita a cobrança de aluguel aos administradores do lugar.
A Figura 20 mostra um recibo de pagamento do aluguel de um box
localizado no Galpão da Felicidade:
66
Figura 20 - Comprovante de pagamento de aluguel de box - Galpão da Felicidade - Fortaleza/2014
Fonte: Arquivo da autora, 2014.
Por meio da análise das características da Feira, pode-se observar que as
relações econômicas na Feira se relacionam diretamente com a produção da cidade
capitalista. Os espaços, as mercadorias e o próprio ingresso na Feira são mediados
pela condição financeira dos trabalhadores. Dessa forma, não são todas as pessoas
que estão aptas a trabalharem nos galpões, nas barracas dispostas na Travessa Icó
e na Rua José Avelino, ou nas calçadas e canteiros do entorno dessas vias, mas
apenas as que podem pagar por tal acesso.
No próximo capítulo, de modo a compreender as relações existentes com
a realização da Feira, serão apresentados os indivíduos que atuam nessa atividade,
os territórios que eles produzem, como se articulam e que conflitos são gerados nesse
processo.
67
4 VALORIZAÇÃO DO ESPAÇO E PRODUÇÃO DE TERRITÓRIOS NA FEIRA
DA RUA JOSÉ AVELINO E EM SEU ENTORNO
Os textos apresentados neste capítulo expõem, inicialmente, o processo
de valorização espacial do Centro de Fortaleza e sua relação com o comércio
ambulante. Estas reflexões fornecem subsídios as análises seguintes que tratam,
especificamente, sobre a Feira da Rua José Avelino, a produção de territórios e a
valorização espacial do seu entorno. Destaca-se ainda as disputas territoriais e os
conflitos existentes entre os agentes sociais produtores da Feira.
O objetivo deste capítulo é apresentar os diferentes territórios que
compõem a Feira da Rua José Avelino, como eles se apresentam, onde eles se
localizam e como eles são produzidos pelos seus agentes produtores. Para isso,
utilizou-se como referência espacial a delimitação da Feira estabelecida pela Sercefor
e também a analisada por Silva, E. S. (2013).
4.1 CONTEXTO DE VALORIZAÇÃO DO ESPAÇO NO CENTRO DE FORTALEZA
Antes de discutir sobre a valorização do espaço na Feira da Rua José
Avelino, é necessário caracterizar o valor do espaço urbano, contexto no qual ela está
situada.
Conforme Corrêa (1989), o espaço urbano é um conjunto de diferentes e
complexos usos da terra justapostos, simultaneamente fragmentado, articulado,
reflexo e condicionante social. Esse espaço é constituído por relações que possuem
particularidades, no entanto, encontra-se submetido à lógica do valor no modo de
produção capitalista. Assim, é fundamental, para a análise da Feira, considerar essa
realidade múltipla e complexa.
Outro ponto que Corrêa (1989) destaca sobre o espaço urbano é que ele é
produzido e consumido por agentes sociais concretos, sendo os responsáveis pela
produção do espaço e de sua valorização.
Mas qual a relação direta existente entre a Feira da Rua José Avelino e a
valorização do espaço? Por meio de observações realizadas em visitas de campo e
pela análise temporal de imagens do software Google Earth, percebeu-se que o
desenvolvimento da Feira favoreceu, entre outras coisas, o surgimento de novos
empreendimentos que comercializam produtos similares aos encontrados nesta
atividade comercial ou que a ela se relacionam de alguma forma. Esse fato instiga a
68
uma busca por desvendar como os feirantes contribuíram e influenciaram o processo
de valorização do espaço urbano da Feira e do seu entorno.
A princípio, é importante destacar quão complexo é o processo de
valorização do espaço. Conforme Moraes e Costa (1999), muito dessa complexidade
resulta das contradições e das relações estabelecidas entre a sociedade e o espaço,
no modo de produção capitalista. Na concepção marxista, a qual os autores se
embasam,
[...] a relação sociedade-espaço é, desde logo, uma relação valor-espaço, pois substantivada pelo trabalho humano. Por isso, a apropriação dos recursos próprios do espaço, a construção de formas humanizadas sobre o espaço, a perenização (conservação) desses construtos, as modificações, quer do substrato natural, quer das obras humanas, tudo isso representa criação de valor. (MORAES e COSTA, 1999, p.123).
Dessa forma, os elementos construídos no espaço são produzidos pela
força de trabalho que, nesse processo, agrega valor ao solo com o passar dos anos.
Esse valor será apropriado pelos proprietários do solo, que mediarão o seu uso pela
compra, venda ou aluguel do espaço ou de sua porção.
Moraes e Costa (1999) destacam que o processo de valorização do espaço
envolve relações estabelecidas concretamente no espaço e também “em condições
espaciais universais de reprodução dos modos de produção” (MORAES E COSTA,
1999, p. 130). Logo, crises e regulações no modo de produção capitalista podem gerar
implicações diretas e indiretas no processo de valorização do espaço.
Por isso, é imprescindível apresentar o contexto urbano e local da Feira em
que o processo de valorização do espaço se constitui.
Segundo Carlos (2001), a produção espacial é constituída pelos diversos
usos do solo e, consequentemente, de sua divisão técnica e social em um dado
momento histórico. Assim, os usos variam de acordo com o tempo e com as relações
sociais estabelecidas entre a sociedade e o espaço, no bojo do modo de produção
capitalista.
Especificamente em Fortaleza, no bairro Centro, o uso do solo e a ação
dos agentes sociais produtores do espaço, ao longo do tempo, se modificaram.
Nos séculos XVIII e XIX, além de concentrar espaços de lazer, transportes,
comércio e prédios públicos, o espaço urbano fortalezense era valorizado pela elite
que morava em mansões. Entretanto, no século XX, com o desenvolvimento urbano
69
e sua expansão para a porção leste da cidade, sobretudo no bairro Aldeota, a zona
residencial da classe abastada rumou na mesma direção (SILVA, J. B., 1992),
esvaziando o Centro da valorização dos imóveis residenciais.
Para Dantas (2014), foi a concentração inicial das residências nos bairros
Aldeota e Montese que favoreceu a criação do comércio e dos serviços naquelas
áreas, que passaram a concorrer com os do bairro Centro.
Com isso, tem-se a criação de novos centros em Fortaleza, provocando a
perda da hegemonia do Centro em relação aos outros bairros. Esse processo é
chamado de descentralização (CORRÊA, 1989). No caso de Fortaleza, esse processo
foi impulsionado pelo crescimento da cidade e o desenvolvimento de novas áreas de
expansão. Com isso, a cidade deixa de ser monocêntrica, passando a ser policêntrica.
Com o esvaziamento residencial da classe rica, o Centro tem seus usos
redirecionados para intensificar àqueles relacionados diretamente com o consumo
comercial. Após 1970, o bairro tem suas atividades de comércio e serviços fortalecidas
para atender, também, às classes de menor poder aquisitivo (DANTAS, 2009). Tal
medida repercutirá diretamente nas formas urbanas e na relação sociedade-espaço.
As edificações que outrora conservavam antigos usos da sociedade
fortalezense, como residências, passaram a ratificar essas novas funções, o comércio
atacadista e varejista:
No centro da cidade antigas residências foram transformadas em armazéns ou prédios comerciais. Em relação ao crescimento da cidade, na primeira metade do século XX, pouco foi realizado no sentido de proporcionar-lhe nova estrutura. As praças foram rareando e tanto as velhas como as novas passaram a ser ocupadas por edifícios. (JUCÁ, 2003, p. 45).
De acordo com o autor, nesse período, nota-se que o Centro passou por
mudanças expressas pelos novos usos, com a transformação de residências ricas em
locais comerciais ou repartições públicas.
Os agentes sociais produtores do espaço submetidos à lógica do modo de
produção capitalista vão garantir a valorização do espaço em novos formatos,
promovendo o comércio onde se realiza o valor do trabalho na venda das mercadorias
e pela ação do Estado que preserva, na memória da cidade, as mansões da classe
endinheirada como símbolos da acumulação capitalista. Outro ponto relevante,
colocado por Jucá (2003), é que essa produção espacial será realizada em uma base
material já existente. Como Fortaleza surgiu e se desenvolveu nesta porção da cidade,
70
apresentada em alguns momentos como área central, Centro ou bairro Centro, esta
área possuía condições22 propícias a estes novos usos.
Assim, a cidade, além de ser produzida enquanto obra, enquanto espaço
de vivência, intensifica-se como objeto de troca. Essa relação será mediada pela ação
do Estado, que regulará grande parte dos usos do solo da cidade. Segundo Carlos
(2001), o uso do solo será disputado por vários segmentos da sociedade, porém o
acesso legal à terra, que garantirá os diferentes tipos de apropriação, estará sujeito
ao pagamento (venda ou aluguel).
Por estar inserido nesse contexto e ser influenciado por estas relações, o
bairro Centro passará pelas mudanças em curso na cidade. Com a expansão urbana
e populacional, em Fortaleza, houve o aumento do número de vendedores ambulantes
e camelôs no bairro, os quais, já no século XVIII, ocupavam algumas praças e espaços
públicos do Centro (DANTAS, 2014).
A ocupação do Centro por vendedores ambulantes que passaram a
comercializar suas mercadorias em praças e vias do bairro, foi marcada por conflitos
e tensões entre vendedores e Estado, algumas vezes intensos e, outras vezes,
diminuídos, dependendo da postura mais ou menos liberal da Prefeitura de Fortaleza,
em relação às ações de repressão ou permissão do uso do espaço público por estes
trabalhadores.
Na década de 1950, a Praça Caio Prado já era ocupada por vendedores
ambulantes, todavia essa ocupação da Praça não se realizava com o consentimento
oficial da Prefeitura de Fortaleza. Nesse período e ainda hoje, a ação de repressão do
Poder Público se efetivava por meio da apreensão de mercadorias e proibição do uso
da Praça, fiscalizada pela atuação de guardas e fiscais da Prefeitura.
Uma das saídas encontradas pelos vendedores ambulantes para superar
os conflitos e disputas pelo espaço da Feira foi a fixação do comércio.
Para Dantas (2014), a fixação do comércio ambulante no Centro foi uma
medida efetivada
[...] não para resolver as contradições espaciais, mas para “impor’’ uma racionalidade – a do Estado – que tem o espaço por instrumento privilegiado, o que explicita a capacidade racional e organizadora do Estado, que se contrapõe aos interesses privados (locais, individuais, de classe...), consolidando o espaço enquanto lugar de circulação. (DANTAS, 2014, p. 78).
22 Compreende-se aqui como condições as infraestruturas urbanas de água, energia elétrica, vias e transportes.
71
Como diz o autor, a fixação dos vendedores ambulantes foi uma tentativa
em atender aos pressupostos de ocupação instituído pelo Código de Obras e
Posturas23 da cidade de Fortaleza, mas, contraditoriamente, outras disputas por
espaços foram vivenciadas pelos feirantes, que aumentaram quantitativamente,
reduzindo a qualidade das condições locais que passaram a ser insuficientes para
atender à demanda desses agentes sociais.
Apesar da fiscalização e da apreensão de mercadorias dos vendedores
ambulantes, por fiscais da Prefeitura de Fortaleza, o Centro continuou a concentrar
um grande número destes agentes sociais. Em 1978, a Prefeitura recadastrou quase
2 mil comerciantes ambulantes. Até 1983, a Secretaria de Serviços Urbanos da
Prefeitura de Fortaleza afirmava existir mais de 5 mil. Na gestão da Prefeita Maria
Luiza Fontenele (1986 - 1988), o número de vendedores ambulantes na área central
de Fortaleza chegou a 8 mil. (DANTAS, 2014).
Pela análise dos números apresentados, percebe-se a quantidade
expressiva de comerciantes ambulantes, no bairro Centro, de Fortaleza. A isso se
deve associar os locais ocupados por eles. De 1975 a 1985, a área ocupada era
significativa, como mostra a Figura 21.
23 Lei nº 5.530 de dezembro de 1981, que dispõe sobre o Código de Obras e Posturas do Município de Fortaleza e dá outras providências. Essa lei regulamenta e dá diretrizes ao comércio ambulante e às feiras livres na cidade.
72
Figura 21 - Área ocupada pelo comércio ambulante no Centro - Fortaleza/ 1975 - 1985
Fonte: Dantas, 2014.
As áreas ocupadas pelo comércio ambulante estão situadas em praças,
vias públicas, calçadas e no entorno do antigo Mercado Central, que, até o final da
década de 1990, localizava-se na Rua Conde D’Eu. (Ver, na Figura 21, a área indicada
pela letra M).
Os autores apresentados, até aqui, reforçam a ideia de que a ocupação do
Centro pelo comércio ambulante é bastante antiga. A partir dos anos 80, a cidade vai
presenciar uma estratégia dos governos municipais de remanejar os vendedores
73
ambulantes para áreas fixas, normatizadas pelo Poder Público, sendo a maior delas
a área denominada Beco da Poeira.
O Estado vem disputando o espaço urbano com os ambulantes de duas
maneiras: buscando discipliná-los com ações de repressão, retirando à força esses
agentes sociais das vias públicas ou utilizando a prática de convivência,
institucionalizando áreas permitidas para eles trabalharem sob condições consentidas
dentro de um reordenamento urbano. Ressalta-se que essa apropriação e/ou
desapropriação do comércio ambulante teve implicações diretas na produção do
espaço. Como aponta Dantas (2014)
Os comerciantes ambulantes, que outrora caracterizavam-se pela intensa mobilidade, com essa exigência, incorporavam a intenção normatizadora da Prefeitura Municipal de Fortaleza como estratégia de sobrevivência no Centro, o que levou ao freamento da fiscalização ostensiva e violenta do “rapa”; à criação de uma nova área para o comércio ambulante na Praça Valdemar Falcão e ao lançamento de bases de discussão para construção do Centro dos Comerciantes Ambulantes na área designada “Beco da Poeira”. (DANTAS, 2014, p. 107).
Assim, novas áreas foram criadas pelo Poder Público ou pela iniciativa dos
próprios vendedores ambulantes como discutir-se-á nos textos a seguir.
4.2 A FEIRA COMO LUGAR DA DISPUTA TERRITORIAL NOS DIAS ATUAIS
A ação governamental de controle e fiscalização da Feira encontra
resistência nos feirantes, que persistem buscando formas de manter sua atividade
comercial à revelia das medidas restritivas. Em 2014, parte dos feirantes voltou a
ocupar a Praça Caio Prado apesar da prática ser irregular. Essa ação foi comprovada
pelo registrado fotográfico dos locais demarcados por eles.
As Figuras 22 e 23 mostram o piso da Praça riscado pelos feirantes, com
traços que delimitam e indicam “os proprietários” daqueles espaços.
74
Figura 22 - Piso da Praça Caio Prado demarcado pelos feirantes - Fortaleza/2014
Fonte: Própria autora, 2014.
Figura 23 - Demarcação no piso da Praça Caio Prado pelos feirantes - Fortaleza/2014
Fonte: Própria autora, 2014.
De modo a garantir o uso desses espaços demarcados, os feirantes
ocupavam a Praça muito cedo. Por exemplo, no dia 5 de abril de 2014, em um sábado
pela manhã, na Praça Caio Prado, havia feirantes que amontoavam suas mercadorias
em espaços definidos por eles mesmos. Alguns ficavam na sombra enquanto lonas,
mercadorias e manequins demarcavam o espaço de cada um (Figura 24 e 25).
75
Figura 24 - Feirantes demarcando lugares com mercadorias na Praça Caio Prado - Fortaleza/2014
Fonte: Própria autora, 2014.
Figura 25 - Lugares demarcados com mercadorias na Praça Caio Prado - Fortaleza/2014
Fonte: Própria autora, 2014.
Outro registro feito pela pesquisadora da disputa pelo espaço urbano,
através da ocupação da Praça Caio Prado, foi no final da tarde do sábado dia 2 de
agosto de 2014. Nesse dia, o local estava completamente lotado de vendedores e
compradores que ocupavam a área da Praça (Figuras 26 e 27). Embora a Prefeitura
de Fortaleza tenha estabelecido o horário de realização da Feira das 19h às 7h (de
quarta para quinta-feira e de sábado para domingo), observou-se que essa
determinação não estava sendo cumprida pelos feirantes e pelos demais vendedores.
76
Figura 26 - Feirante expondo mercadoria no chão da Praça Caio Prado - Fortaleza/2014
Fonte: Própria autora, 2014.
Figura 27 - Praça Caio Prado sendo ocupada por feirantes no sábado - Fortaleza/2014
Fonte: Própria autora, 2014.
Nessa disputa por espaço urbano, o Estado enfrenta a indisciplina dos
feirantes com mais repressão. A presença de fiscais da Prefeitura, trajados de colete
azul, (Figura 28) e de viaturas da Guarda Municipal (Figura 29), no entorno da Feira,
mostra a tensão existente entre Estado e feirantes, evidenciando a falta de negociação
entre estes agentes sociais.
77
Figura 28 - Presença de Fiscais na Feira - Fortaleza/2014
Fonte: Própria autora, 2014.
Figura 29 - Viatura da Guarda Municipal na Avenida Alberto Nepomuceno -
Fortaleza/2014
Fonte: Própria autora, 2014.
Os conflitos entre Estado e feirantes chamam a atenção da opinião pública,
pois as ocupações da Praça e das vias que compõem o entorno da Catedral e da Rua
José Avelino, modificam a cidade e interferem na vida urbana, ao mesmo tempo em
que resolvem, ainda que temporariamente, a questão do trabalho dos feirantes. Criam
transtornos para os moradores da área, além de contrariar as normas e códigos de
postura urbana reivindicados pela Prefeitura, representada pela força de guardas
municipais e policiais (FREITAS, 2014) (Figura 30). Porém, essas ocupações são
estratégias de sobrevivência dos feirantes.
Figura 30 - Notícia sobre o conflito entre feirantes e guardas municipais - Fortaleza /2014
Fonte: Freitas, 2014.
Esses confrontos na Feira são apresentados, periodicamente, na mídia
impressa e em programas jornalísticos de televisão. Muitas vezes, eles destacam a
violência resultante desses embates e a recorrência do fato, mas não aprofundam a
discussão sobre os interesses de classes antagônicas que estão na raiz da disputa
por territórios e pelo comércio. Todavia, esses conflitos não são exclusivos da
78
realidade da Feira da Rua José Avelino. Em Fortaleza, outras feiras que possuem
problemas semelhantes são: a da Parangaba, que acontece aos domingos, no bairro
que dá nome a esta atividade; e a do São Cristóvão, que ocorre aos sábados, no
bairro Jangurussu.
Segundo notícia veiculada no Jornal O POVO (HOLANDA, 2013) (Figura
31), a Prefeitura de Fortaleza começou a organizar a Feira da Parangaba e o seu
entorno, contudo, as ações não foram constantes e, em 2014, os problemas no
trânsito do local e a desorganização por parte dos feirantes voltaram a ser elementos
preocupantes para o Estado (Figura 32).
Figura 31 - Notícia sobre a falta de fiscalização na Feira da Parangaba -
Fortaleza/2013
Fonte: Holanda, 2013.
Figura 32 - Notícia sobre o desordenamento na Feira da Parangaba - Fortaleza/2014
Fonte: Anjos, 2014.
Apesar da mídia e dos empresários comumente associarem a Feira às
questões negativas, como irregularidade e desordenamento urbano, para os agentes
sociais, feirantes e compradores, essa atividade traz benefícios, como emprego, lucro
para os proprietários das mercadorias e dos locais de venda, economia com os baixos
preços dos produtos, além de ganhos para os empresários que vendem ou alugam os
imóveis utilizados.
Até aqui, discutiu-se a valorização do espaço com base na disputa por
espaço urbano, na cidade, e na área de formação da Feira. Essa disputa é
caracterizada por conflitos e ações repressivas contra os agentes sociais da Feira,
promovidas pelo Estado. Também, foram identificadas as reações dos feirantes que
resistem, encontrando soluções dentro e fora da legalidade. Agora, convém
aprofundar como essas disputas resultaram em formações de territórios na Feira e em
seu entorno.
Por que estes estabelecimentos comerciais que foram ou estão sendo
construídos dentro da poligonal da Feira da Rua José Avelino e no seu entorno são
79
considerados territórios? Pelo fato de serem áreas onde há relações de poder e
disputas pelo espaço a ser apropriado, sobretudo, para a comercialização de
mercadorias. De modo a apreender estas relações, realizou-se um recorte
metodológico no qual foram consideradas as relações de poder pelo espaço como
critério definidor dos territórios analisados nessa pesquisa.
Na concepção de Souza (2000), os territórios “[...] são relações sociais
projetadas no espaço [...]” (p.87). Desta forma, os territórios podem ser constituídos
sem base material concreta, por isso, na análise da Feira da Rua José Avelino, foi
possível identificar dois tipos de territórios: os fixos e os cíclicos.
Os territórios fixos são facilmente percebidos por serem espaços
construídos, com o desenvolvimento da Feira ou, posteriormente, a sua valorização.
Os edifícios, lojas, galpões e shoppings, seriam exemplos de territórios fixos.
Os territórios cíclicos têm existência regular, mas são periódicos (SOUZA,
2000). No caso da Feira da Rua José Avelino, são locais bem definidos, produzidos
em determinados períodos com a finalidade de venda de mercadorias. As calçadas e
as vias utilizadas por vendedores e por feirantes ambulantes seriam exemplos de
territórios cíclicos.
A pesquisa direta, servindo-se dessa conceituação e dessa tipologia,
identificou e classificou os territórios fixos e cíclicos na Feira e em seu entorno, visando
configurar a dinâmica socioespacial dessa atividade (Mapa 4).
Por meio de visitas de campo, registros fotográficos e análise temporal de
imagens de satélite do software Google Earth, elaborou-se o Mapa 4, no qual estão
identificados os territórios fixos e cíclicos do comércio que compõem a Feira e seu
entorno.
80
Mapa 4 - Territórios da Feira - Fortaleza/2014
Fonte: Própria autora, 2014.
81
Territórios fixos
Por iniciativa dos vendedores, alguns territórios fixos foram criados, pela
disputa por espaço urbano no entorno da Feira, como: Feirinha da Sé, Casarão dos
Fabricantes, Feirão Buraco da Gia, dentre outros.
Feirinha da Sé
A Feirinha da Sé (Figura 33) é um local onde se comercializam produtos de
artesanato e confecção de fabricação própria, funcionando de domingo a domingo,
das 6h às 17h; e, nos dias da Feira (de quarta para quinta-feira e de sábado para
domingo), abre às 5h.
Figura 33 - Feirinha da Sé - Fortaleza/2014
Fonte: Própria autora, 2014.
Segundo Dantas (2014), anteriormente, o local era um estacionamento que
foi reformado para ser alugado aos comerciantes ambulantes (Figura 34). Com o
desenvolvimento da Feira houve, então, a mudança no uso do equipamento,
ampliando o comércio e reduzindo as condições de acessibilidade de motoristas
particulares ao local.
82
Figura 34 - Edifício de estacionamento antes de ser reformado em Feirinha da Sé - Fortaleza/2014
Fonte: Dantas, 2014.
Por meio de entrevista24 com um integrante da administração do local,
descobriu-se que os produtos artesanais passaram a ser comercializados no final da
década de 1990, período em que surge a Feira, podendo-se deduzir, daí, que esses
comerciantes participaram de sua origem, na época em que a atividade funcionava
apenas na Praça Caio Prado e no seu entorno restrito.
De acordo com Silva, E. S. (2013), “nos anos em que a Feira se consolidou,
surgiram centro comerciais populares fixos [...]” (SILVA, E. S., 2013, p. 107). Tal
afirmativa corrobora as reflexões de Dantas (2009, 2014) referentes à fixação do
comércio ambulante no Centro.
Embora tenha se notado que o espaço cuja Feira se localiza esteja sendo
produzido constantemente, salienta-se que este acesso está restrito apenas aos que
podem pagar por ele. Nem todos os feirantes e vendedores ambulantes podem
adquirir boxes, barracas ou espaços nesses territórios fixos. Isto acontece pelo fato
de que o espaço “torna-se objeto de troca” (MORAES e COSTA, 1999).
Casarão dos Fabricantes
Dentre os territórios fixos que surgiram com a desocupação dos feirantes
da Praça Caio Prado e com o desenvolvimento da Feira da Rua José Avelino destaca-
24 Entrevista não gravada realizada em dezembro de 2014.
83
se o Casarão dos Fabricantes (Figura 35). Este funciona em um imóvel que outrora
sediava a Fundação Estadual do Bem Estar do Menor do Ceará - Febem-Ce25. O
Casarão está aberto todos os dias da semana das 8h às 17h. Como o próprio nome
diz, o local aglomera fabricantes do gênero de confecção que comercializam
mercadorias, predominantemente, no atacado. O Casarão dos Fabricantes, diferente
dos outros territórios, ocupa um prédio de arquitetura antiga, do século XIX. Por isso,
nota-se que a Feira tem modificado os usos dos equipamentos urbanos,
transformando-os em objetos de consumo para promover a atividade comercial.
Figura 35 - Casarão dos Fabricantes - Fortaleza/2015
Fonte: Própria autora, 2015.
Nesse caso, a disputa pelo espaço de exposição e venda das mercadorias
ocorreu com o Estado, que foi retirado do local, em que funcionava uma de suas
repartições públicas de atendimento aos jovens em situação de risco, para, no local,
serem acomodados os interesses dos produtores das mercadorias. Nessa disputa por
espaço, perderam os jovens carentes e ganharam os comerciantes, evidenciando a
subordinação do Estado aos interesses comerciais do local.
25 O órgão funcionou na Avenida Alberto Nepomuceno, nº 339, até o final da década de 1990.
84
Feirão Buraco da Gia
O Feirão Buraco da Gia foi criado em 2008. Os produtos comercializados
são: confecções em geral, calçados e bolsas. Assim como o Casarão dos Fabricantes,
a modalidade de comércio predominante no local é a atacadista. O Feirão Buraco da
Gia está localizado próximo à Catedral Metropolitana de Fortaleza e possui dois
acessos: o principal, na Rua Sobral; e um secundário, na Rua São José. Funciona
aos sábados, domingos, quartas e quintas-feiras. Segundo entrevista26 realizada com
um dos responsáveis pela administração do empreendimento, os dias de maior
movimento são sábados e domingos. O entrevistado ainda afirmou que 90% dos
clientes são de estados da região Norte e Nordeste do País.
Em conversa com alguns comerciantes do entorno do Feirão Buraco da
Gia, comentou-se que a área futuramente será desapropriada para a construção da
Estação da Sé, que compõe o ramal Leste do metrô de Fortaleza. O trecho terá 13
quilômetros de extensão (12 quilômetros subterrâneos e 1 quilômetro em superfície)
e ligará o bairro Centro ao Fórum Clóvis Beviláqua no bairro Edson Queiroz
(GOVERNO DO ESTADO DO CEARÁ, 2014).
Sobre a futura desapropriação do local, um dos administradores do Feirão
Buraco da Gia comentou sobre as medidas que estão sendo tomadas quanto a isso:
Bom, hoje já existe vários galpões [...] caso, aqui, venha a não ser imediato a gente já tenha outros galpões para ser construídos. [...] já temos uma área, claro, mas vamos lutar pra uma área ... pra ... todo mundo, mas ... pra não ficar divididos, mas aqui já tem áreas divididas, entendeu ... construídas já. (Entrevistado C, 2014).
Apesar da obra do metrô estar prevista para ser concluída em 2019, sem
contar os possíveis atrasos, conforme o entrevistado, os proprietários do Feirão
Buraco da Gia já possuem uma área construída para acomodar os feirantes, porém a
área é pequena, e eles ficarão divididos.
A constante disputa pelo espaço, entre os feirantes e o Estado, nesse caso,
ocorre pela intervenção pública modernizadora relativa ao sistema viário da cidade,
priorizando o metrô e suas necessidades, em relação aos interesses dos
comerciantes.
26 Entrevista gravada realizada em dezembro de 2014.
85
Nessa mesma entrevista realizada, o entrevistado, em seu discurso,
denominava os comerciantes que atuam no Feirão Buraco da Gia como feirantes. O
caso chama à atenção, pois mesmo sendo pequenos empresários estes se identificam
como feirantes. Tal fato se confirma tanto na escolha do nome do empreendimento na
fachada do imóvel, como nos dias em que o local funciona, os mesmos da Feira da
Rua José Avelino (Figura 36).
Figura 36 - Feirão Buraco da Gia - Fortaleza/2015
Fonte: Própria autora, 2015.
Essa identificação com a Feira existe pelo fato de parte dos comerciantes
do Feirão Buraco da Gia participarem de feiras em outras cidades27 e também pela
valorização que os comerciantes dão a Feira da Rua José Avelino.
Feirão Baturité
A dinâmica da produção dos territórios é tão rápida que, do início da
pesquisa, em 2013, até as últimas visitas de campo realizadas no início de 2015,
percebeu-se a criação de novos territórios, como, por exemplo, o caso do Feirão
27 Em entrevista realizada em 2014 no Feirão Buraco da Gia uma trabalhadora de um dos boxes afirmou que participava de Feiras nas cidades de Ipu e Sobral.
86
Baturité. Pela análise temporal de imagens aéreas do software Google Earth Pro,
observou-se que o empreendimento foi construído em menos de 6 meses28 (Ver
Figuras 37 e 38).
Figura 37 - Imagem aérea do local do empreendimento Feirão Baturité - Fortaleza/2013
Fonte: Adaptado do Software Google Earth Pro, 2015.
Figura 38 - Imagem aérea do empreendimento Feirão Baturité já construído - Fortaleza/ 2013
Fonte: Adaptado do Software Google Earth Pro, 2015.
Pela análise da imagem aérea do local do empreendimento Feirão Baturité
(Figura 37), nota-se que o terreno, em fevereiro de 2013, não apresentava nenhuma
28 Este fato foi ratificado pela análise de duas imagens disponíveis datadas de 2 de fevereiro de 2013 e outra de 31 de julho deste mesmo ano.
87
construção. Já em julho do mesmo ano, observa-se a existência do telhado metálico
do Feirão Baturité (Figura 38).
Em 2012, por meio de imagens do Street View29, percebe-se que o
empreendimento ainda não existia (Figura 39); e, em 2014, observa-se o Feirão
Baturité já edificado (Figura 40).
Figura 39 - Local de instalação do Feirão Baturité - Fortaleza/2012
Fonte: Street View, 2012.
Figura 40 - Feirão Baturité concluído - Fortaleza/2014
Fonte: Street View, 2014.
Atualmente, o Feirão Baturité funciona nos dias de ocorrência da Feira da
Rua José Avelino e dinamiza bastante o entorno daquele local (Figura 41). Esses
territórios fixos orientam seu funcionamento com base na dinâmica da Feira,
mostrando sua interdependência com aquela atividade comercial.
29 Ferramenta de visualização de ruas disponível no software Google Earth.
88
Figura 41 - Feirão Baturité - Fortaleza/2015
Fonte: Própria autora, 2015.
Existem outros territórios fixos no entorno da Feira que, juntos, configuram
um conjunto de equipamentos complementares, mostrando sua influência na área,
inclusive ditando como esses empreendimentos devem se comportar para atrair
compradores, seguindo a imagem de Feira, com preços baixos, facilidades de compra
e venda e variedade de produtos: Feirão da Madrugada (Figura 42), Feirão Alto da
Gia (Figura 43), Feirão do Dragão (Figura 44).
Figura 42 - Feirão da Madrugada - Rua Boris - Fortaleza/2015
Fonte: Própria autora, 2015.
89
Figura 43 - Feirão Alto da Gia - Rua Rufino de Alencar - Fortaleza/2015
Fonte: Própria autora, 2015.
Figura 44 - Feirão do Dragão - Rua Rufino de Alencar - Fortaleza/2015
Fonte: Própria autora, 2015.
Shoppings
Outros empreendimentos, que se constituem em territórios fixos, são os
pequenos shoppings, que possuem semelhanças e diferenças com os Feirões. As
semelhanças devem-se ao tipo de produtos comercializados que também são do
gênero de confecção. Já as diferenças ficam por conta da infraestrutura física destes
locais, que se assemelham a pequenos shoppings, do modo de pagamento (dinheiro
ou cartão) e dos benefícios oferecidos pelos proprietários destes empreendimentos:
conforto, segurança e variedade. São exemplos de pequenos shoppings localizados
nas proximidades da Feira: o Pátio Central (Figura 45), o Shopping Leiria (Figura 46)
e o Shopping Floriano (Figura 47).
Figura 45 - Pátio Central - Avenida Alberto Nepomuceno - Fortaleza/2015
Fonte: Própria autora, 2015.
90
Figura 46 - Visão frontal do Shopping Leiria - Avenida Presidente Castelo Branco - Fortaleza/2015
Fonte: Própria autora, 2015.
Dentre estes shoppings o mais recente é o Shopping Floriano. O
empreendimento é direcionado aos comerciantes que possuem capital para investir
em um futuro negócio, tendo em vista a localização da área e a infraestrutura que
possui. Os preços dos pontos comerciais, naquele shopping, variam de R$ 6.000,00
a R$ 8.000,00 reais30, e o empreendimento encontra-se quase finalizado (Figura 47).
A Figura 48 mostra o encarte do Shopping Floriano ressaltando, diretamente, a
proximidade com a Praça da Sé e, de modo subjetivo, o comércio da Feira, devido a
sua realização no entorno do empreendimento.
30 Estes valores não incluem o valor do aluguel do espaço e da “luva”.
91
Figura 47 - Shopping Floriano em conclusão - Rua Floriano Peixoto -
Fortaleza/2015
Fonte: Própria autora, 2015.
Figura 48 - Encarte de vendas de pontos comerciais no Shopping Floriano -
Fortaleza/2015
Fonte: Arquivo da Autora, 2015.
Destaca-se que esses novos estabelecimentos criados com o
desenvolvimento da Feira, fazem menção direta a esta atividade, seja no próprio nome
ou em propagandas das suas fachadas (Figuras 49 e 50), demonstrando a influência
da Feira na constituição de novos territórios fixos, em seu entorno.
Figura 49 - Fachada do Shopping Leiria - Avenida Leste Oeste - Fortaleza/2015
Fonte: Própria autora, 2015.
Figura 50 - Muro frontal do Feirão da Madrugada - Rua Boris - Fortaleza/2015
Fonte: Própria autora, 2015.
Tal fato reforça não só a relação existente entre estes territórios e a Feira,
mas o processo de valorização decorrente da influência que essa atividade comercial
vem passando nos últimos anos, ao reunir muitos compradores e vendedores,
resultando em uma atividade de peso econômico e, consequentemente, de influência
política, demarcando a configuração da cidade naquela área.
92
Territórios cíclicos
Nos dias de ocorrência da Feira da Rua José Avelino, percebeu-se a
existência de territórios cíclicos. Eles são produzidos por feirantes ambulantes, por
feirantes que ocupam barracas na Rua José Avelino e na Travessa Icó ou vendedores
ambulantes. Esses territórios são criados em determinadas áreas da Feira e/ou no
seu entorno, horas antes ou depois do período deliberado pela Sercefor para o início
e o fim da Feira. Ao final da atividade comercial, esses territórios se desfazem; e o
espaço público, outrora ocupado, volta a seu uso comum de passagem de pedestres
e veículos.
A produção de territórios cíclicos na Feira da Rua José Avelino está
relacionada diretamente às contradições sociais e econômicas existentes na Cidade,
pois existem motivações específicas que determinam a ocupação destas áreas pelos
feirantes.
A primeira refere-se a questão econômica, visto o baixo custo na ocupação
dos territórios cíclicos. Neste caso, os feirantes não possuem grandes despesas como
os que alugam ou compram boxes em pontos comerciais existentes nos territórios
fixos (feirões, casarão, galpões, galerias ou shoppings). Por isso, estas áreas são uma
opção para aqueles feirantes que não possuem grandes rendimentos.
Já a segunda motivação baseia-se na mobilidade dos feirantes em relação
aos compradores. A não fixação destes trabalhadores permite o acesso a um número
maior de possíveis clientes, já que estes feirantes podem ir ao encontro dos
compradores.
Na pesquisa identificou-se dois tipos de territórios cíclicos: as áreas
ocupadas, sobretudo, por feirantes ambulantes e as áreas ocupadas por barracas.
A Figura 51 mostra um exemplo de território cíclico situado na Avenida
Alberto Nepomuceno, nas proximidades do Mercado Central, produzido por feirantes
ambulantes.
93
Figura 51 - Feirantes ambulantes ocupando a Avenida Alberto Nepomuceno - Fortaleza/2015
Fonte: Própria autora, 2015.
Pela análise da figura nota-se que os feirantes expõem as mercadorias em
lonas plásticas, em calçadas ou na própria via. Com o fim das vendas, os produtos
são recolhidos e a área é desocupada.
Figura 52 - Feirantes desmontando barracas na Rua José Avelino após a Feira - Fortaleza/2013
Fonte: Própria autora, 2013.
Na Figura 52 observa-se os feirantes desmontando as barracas na Rua
José Avelino, ao final do horário estabelecido pelos fiscais da Sercefor. Comparando-
se esta área com a ocupada por feirantes ambulantes, percebe-se que esta última é
mais complexa e mais volátil do que os territórios ocupados por barracas. Porque a
94
Rua José Avelino e a Travessa Icó são utilizadas por meio de concessão da Sercefor,
enquanto que as áreas ocupadas por feirantes ambulantes são irregulares.
Os territórios cíclicos diferem dos territórios fixos pelo baixo custo na sua
utilização pelo agente social, pela facilidade tanto em ser criado como em ser
destruído e por serem áreas onde o exercício da ação repressora do Estado é maior.
Pelas análises realizadas ao longo do capítulo, percebeu-se que os
territórios produzidos com a realização da Feira da Rua José Avelino compreendem
um conjunto interligado. Por isso, embora eles tenham sido apresentados
separadamente, notou-se que eles se articulam por meio de relações estabelecidas
entre os agentes sociais produtores da Feira.
As conexões realizadas por estes agentes que ligam os territórios da Feira,
em determinados momentos, podem resultar em relações de atração ou repulsão.
Sendo estas últimas caracterizadas pelos conflitos, os quais apresentaremos a seguir.
Agentes sociais produtores da Feira
Os agentes sociais produtores da Feira são indivíduos que produzem ações
que dinamizam a atividade comercial analisada. Destaca-se que o conceito é baseado
nos agentes sociais produtores do espaço, de Corrêa (1989).
Sobre a ação destes grupos, Corrêa (2012) cita que a produção do espaço
[...] é consequência da ação de agentes sociais concretos, históricos, dotados de interesses, estratégias e práticas espaciais próprias, portadores de contradições e geradores de conflitos entre eles mesmos e com outros segmentos da sociedade (CORRÊA, 2012, p. 43).
Com base na definição deste autor e na operacionalização do conceito para
a análise da Feira, identificaram-se quatro tipos de agentes: o Estado e seus
representantes, os feirantes que estão nos galpões, os feirantes que comercializam
seus produtos em barracas na Rua José Avelino e na Travessa Icó e os feirantes
ambulantes que ocupam vias, calçadas, canteiros centrais da Feira e do seu entorno.
Por que estes agentes foram caracterizados separadamente? Pelo fato de
alguns destes exercerem influência sobre mais de um tipo de território. Para identificá-
los, fez-se uso de entrevistas semiestruturadas, conversas informais, trabalhos de
95
campo, registros fotográficos e utilização de notícias jornalísticas extraídas da
hemeroteca.
O Estado e seus representantes
Com base nas pesquisas desenvolvidas sobre a Feira, percebeu-se que os
agentes sociais que representam o Estado são compostos por dois grupos: os
permanentes e os temporários.
O grupo dos permanentes é composto por fiscais da Secretaria Regional
do Centro de Fortaleza - Sercefor (Figura 53), guardas municipais e agentes da
Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania de Fortaleza - AMC, que estão presentes
constantemente nos dias da Feira.
Figura 53 - Fiscais da Sercefor observando a desocupação da via pelos feirantes ambulantes – Fortaleza/2013
Fonte: Própria autora, 2013.
O segundo grupo é formado pelos representantes do Estado temporários.
Como o próprio nome diz, eles são convocados para atuarem na Feira e no seu
entorno de modo a “controlar” determinadas situações por um curto período de tempo.
Esse grupo é composto, principalmente, por policiais do Batalhão de Choque,
Comando Tático Motorizado - Cotam, Ronda de Ações Intensivas e Ostensivas - Raio,
Cavalaria (Figura 54) e Polícia Militar.
96
Figura 54 - Policiais da Cavalaria na Praça Caio Prado - Fortaleza/2015
Fonte: Blog do Fernando Ribeiro, 2015.
O primeiro grupo é responsável por ordenar e controlar diariamente a
ocupação dos espaços utilizados para a realização da Feira, sejam eles permitidos ou
proibidos. O segundo grupo intervém quando os feirantes ambulantes e outros
vendedores resistem em ocupar áreas proibidas pelo Poder Público.
Esta instituição, o Estado, é o agente, dentre os outros, que exerce o poder
de modo mais incisivo na Feira. Seja pela ação dos seus representantes, como pela
elaboração de leis e projetos políticos municipais.
Em pesquisa realizada no site da Câmara Municipal de Fortaleza,
identificou-se que, de 2013 a 2015, os parlamentares solicitaram 11 requerimentos
que se referiam diretamente à Feira da Rua José Avelino. Desses, oito solicitavam a
transcrição de matérias publicadas em jornais locais (nos anos de 2013 e 2014); dois
demandavam a realização de audiências públicas e o outro mais recente, de 29 de
abril de 2015, requeria o atendimento da reivindicação dos feirantes através do
cumprimento do Termo de Ajuste de conduta - TAC assinado pela Prefeitura de
Fortaleza, Ministério Público e União dos Feirantes do Estado do Ceará.
Notou-se, por meio desta pesquisa, que, desde 1992 até abril de 2015,
tramitam normas jurídicas (projetos de lei e decretos) que tratam sobre as feiras livres
existentes em Fortaleza. Somente a partir de 2008 é que começam a tramitar
legislações específicas sobre a Feira da Rua José Avelino31.
31 Neste período, a Feira era conhecida como Feira da Sé.
97
Dentre elas, destacam-se dois Projetos de Lei Ordinária - PLO e um Projeto
de Lei Complementar - PLC. O PLO nº 65/2008 “Cria no âmbito do município de
Fortaleza a Feira Popular de Confecções (FEIRA DA SÉ) e dá outras providências”
(PREFEITURA MUNICIPAL DE FORTALEZA, 2008). O PLO nº 130/2014 “Declara
patrimônio público e cultural do povo de Fortaleza, a Feira da Sé, localizada nas
proximidades da Catedral Metropolitana de Fortaleza, e dá outras providências”
(PREFEITURA MUNICIPAL DE FORTALEZA, 2014). O PLC nº 51/2012 “Transforma
em Patrimônio Público do Município de Fortaleza, a Feira localizada no centro da
cidade ao lado do Mercado Central denominada Feira da Sé, cabendo ao poder
público a sua organização”. (PREFEITURA MUNICIPAL DE FORTALEZA, 2012a).
Dessas leis e projetos, apenas o PLO 130/2014 encontra-se em tramitação, contudo,
foi encaminhado ao Departamento Legislativo com parecer contrário pela comissão
de vereadores da Câmara Municipal de Fortaleza.
Mas qual a justificativa em apresentar essa legislação sobre a Feira da Rua
José Avelino? Mostrar que a atividade é conhecida pelos vereadores de Fortaleza há
oito anos, no entanto, a falta de organização política dos demais agentes sociais
produtores da Feira e o desinteresse da Prefeitura em solucionar a questão fazem
com que a atividade comercial continue acontecendo de modo irregular.
Isso ocorre pelo fato do Estado não ser neutro em suas ações. Segundo
Damiani (2012), há “[...] o atrelamento entre o político e o econômico, no marco de
organizações estatistas, que viabilizam a realização da acumulação do capital ou da
produção política da sociedade” (DAMIANI, 2012, p. 44). Ou seja, os interesses
econômicos são priorizados em detrimento das iniciativas econômicas, de mercado
popular, de menor participação da economia. Trata-se de contradições no seio do
sistema capitalista.
O Estado e seus representantes, buscando solucionar a questão da Feira,
sugerem o remanejamento da atividade para outra área de Fortaleza. Segundo o
titular da Sercefor, Ricardo Sales, haverá “a construção de um shopping onde os
feirantes serão acomodados” (FEITOSA, 2014).
Apesar desta solução proposta pelo Estado, acredita-se que a medida,
caso venha ser efetivada, irá prejudicar as lojas, os shoppings, os Feirões construídos
na poligonal e no entorno da Feira e também feirantes e ambulantes que se beneficiam
com a realização da atividade.
98
Os feirantes dos galpões
Os feirantes que ocupam os galpões da Rua José Avelino e da Travessa
Icó, territórios fixos, são vendedores antigos da Feira, pois alguns deles ocupavam a
Praça Caio Prado quando a atividade era realizada naquele espaço público.
Esses feirantes são divididos em: proprietários dos boxes ou funcionários
de outros feirantes. Os primeiros são os donos do negócio, podendo ser fabricantes
ou não; os segundos seriam os feirantes que trabalham para os proprietários dos
boxes. Essa denominação de feirantes, portanto, guarda uma contradição, ao
denominar igualmente empregado e empregadores, categorias diferentes que se
opõem nas relações de trabalho. Nessa pesquisa, metodologicamente, o termo foi
utilizado mesmo assim, como no senso comum.
Para utilizarem o espaço, o feirante aluga ou adquire o box para expor suas
mercadorias. Caso o feirante o compre, mesmo assim, ele pagará, aos
administradores dos galpões, um aluguel, por cada dia da Feira. Em entrevista32
concedida por uma feirante, ela falou como ocorre a cobrança do aluguel: “Ele passa
todo o domingo e todas quinta cobrando. ” (Entrevistada D, 2014). Caso o feirante não
pague o aluguel, “[...] eles ficam só ameaçando né. [...] às vezes ele fala [...] ah ... se
tá atrasado então venha conversar comigo que senão você corre o risco da gente
chegar e fechar ... a barraca [...] por causa de atraso de pagamento. ” (Entrevistada
D, 2014).
Pelo discurso da feirante, percebe-se que o uso do espaço é trocado pelo
pagamento de uma quantia. Assim, nota-se que apenas os feirantes que possuem
condições financeiras regulares podem utilizar os galpões. Mas qual o benefício de
usufruir esse espaço?
A vantagem é a própria fixação do feirante, como apontou a entrevistada:
“O importante em você ter um lugar fixo é que você tem o cliente permanente”
(Entrevistada B, 2015). Ou seja, segundo a feirante, o box permite aos compradores
não só identificarem o vendedor, pois os galpões são numerados, como estabelecem
uma localização precisa.
Outro benefício do uso dos galpões é que a influência do Estado e dos seus
representantes é mínima, pois a atividade realizada dentro destes locais não é
32 A entrevista foi gravada e realizada em 2014 com uma feirante que possui box no Galpão da Felicidade e não fabrica a mercadoria que comercializa.
99
irregular. Nesse espaço, os feirantes não sofrem tanta pressão como os que
comercializam suas mercadorias em barracas na Rua José Avelino, na Travessa Icó,
calçadas, canteiros e vias do entorno da Feira. Todavia, nos dias em que as equipes
de fiscais, policiais, agentes da AMC e guardas municipais ocupam o entorno da Feira,
o fluxo de clientes é menor nos galpões, pois os compradores ficam temerosos com
os conflitos entre feirantes e representantes do Estado.
No tocante à rotina dos feirantes, observou-se que ela é bastante intensa,
tanto antes da Feira como no próprio dia da atividade. Segundo uma feirante, as
atividades realizadas por ela são as seguintes: “Segunda compro mercadoria, terça
corto, quarta fabrico e vendo na quinta” (Entrevistada B, 2015).
O exemplo anterior é de uma feirante que produz a própria mercadoria que
vende. Já no dia da Feira a rotina é outra. Alguns chegam ainda de madrugada para
organizar as mercadorias e para atender aos clientes, visto que os galpões abrem às
0h, como apresentado neste outro caso: “Eu tô entrando às nove horas... de quarta-
feira. Eu entro às nove hora da noite e vou sair no outro dia às onze horas. [...] O
galpão já tá ... aberto, só que eu boto uma lampadazinha que é ... tudo escuro. Quando
é meia noite eles acende a luz”. (Entrevistada D, 2014).
Conforme a fala da entrevistada, percebe-se que o trabalho na Feira é
muito cansativo, pois alguns feirantes ficam em média oito horas33, por dia, dentro dos
galpões. Esse período é dividido entre descanso, organização e exposição das
mercadorias no box, venda, recolhimento dos produtos e saída da Feira.
Em visitas de campo e observações do cotidiano dentro de um galpão,
notou-se que a Feira não é só trabalho e fonte de renda para os agentes sociais. Ela
também é um local de sociabilidade e solidariedade, práticas percebidas pela cortesia
e pelas conversas sobre diversos assuntos entre os feirantes proprietários,
trabalhadores e compradores. Quando perguntados sobre o que a Feira representava
para eles, as respostas foram as seguintes: “Eu converso com as pessoas, eu adquiro
novas amizades, meus clientes cada um é uma amizade”. (Entrevistada B, 2015).
Outra feirante respondeu: “Eu gosto de ir pra lá porque a gente fica achando graça.
Lá é muito divertido”. (Entrevistada D, 2014).
33 Média estipulada em visitas de campo, quando se chegou ao Galpão às 3h e saiu às 11h.
100
Por meio do discurso das feirantes, percebe-se que a atividade da Feira,
embora seja cansativa, muitas vezes, institui relações que não se limitam apenas ao
nível econômico, podendo a Feira ser considerada, também, um espaço de vivência.
Os feirantes que ocupam as barracas
Os feirantes que possuem barracas são, depois dos feirantes ambulantes,
os mais atingidos pelas ações de ordenamento e fiscalização da Prefeitura de
Fortaleza, isto ocorre por parte da Feira da Rua José Avelino ser realizada em
barracas dispostas nesta via e na Travessa Icó, ocupando espaço público. Os
horários34 e os dias permitidos para a realização da atividade e a concessão do uso
são estabelecidos pela Prefeitura de Fortaleza.
Devido a Feira não ser reconhecida legalmente pelo Estado e, também,
pelo tombamento da pavimentação da Rua José Avelino, os feirantes que ocupam as
barracas nas vias citadas, em territórios cíclicos, de modo irregular, estão sujeitos à
iminente desocupação e proibição do uso pelo Poder Público Municipal, ao contrário
dos feirantes dos galpões.
Conforme informações obtidas por meio de comerciantes do entorno da
Feira e do gerente da Célula de Mercado Ambulante da Sercefor, parte dos feirantes
que expõem suas mercadorias em barracas, nas vias citadas, possuem boxes nos
galpões da Rua José Avelino. A utilização das barracas é mais uma estratégia criada
por esses feirantes que ampliam suas margens de lucro. Finalizado o horário de uso
das vias, proposto pela Prefeitura, as barracas são desmontadas, parte dos feirantes
deixa o local da Feira e a outra parte segue para os seus boxes dentro dos galpões.
Os feirantes ambulantes
Os feirantes ambulantes dos territórios cíclicos ocupam calçadas, canteiros
e vias da Feira e das suas imediações. Eles expõem suas mercadorias em lonas,
manequins, pequenas barracas de madeira ou outras estruturas desmontáveis, de
modo improvisado. Alguns ficam em pontos “fixos” de localização, como, por exemplo,
a esquina de uma Rua ou a calçada de um empreendimento. Outros ficam em
34 Por meio de conversa com os próprios feirantes, eles relataram que, nos dias de feriado, é necessária a autorização da Prefeitura para que as barracas sejam montadas na via.
101
movimento, percorrendo as vias e os locais mais movimentados da Feira, sendo esses
feirantes os que levam mais vantagem no contato com os clientes em relação aos
demais. Em contrapartida, são os mais afetados pelas ações do Estado e dos seus
representantes.
Em conversa informal com os feirantes ambulantes, notou-se que eles são
atraídos pelo grande fluxo de compradores gerado pela Feira. Outro ponto destacado
por eles é o baixo custo das despesas se comparado com os feirantes que ocupam
os galpões ou as barracas. Pelo fato dos feirantes ambulantes de territórios cíclicos
utilizarem espaços públicos, eles não pagam aluguel pelo seu uso.
No tocante à rotina desses feirantes, assim como os outros, eles também
chegam cedo à Feira da Rua José Avelino, motivados em garantir um bom local para
esperar a chegada dos compradores.
Sobre as ações de ordenamento, apreensão de mercadorias e conflitos, os
feirantes ambulantes são os mais facilmente atingidos, principalmente, em virtude de
sua visibilidade ao ocuparem os espaços públicos e não obedecerem às normas
estabelecidas pelos representantes do Estado.
Os conflitos
Os conflitos entre feirantes e Estado resultam de ações mais incisivas de
fiscalização e repressão, seja pela apreensão de mercadorias ou pela proibição de
ocupação de espaços públicos. O embate direto entre esses dois grupos, na maioria
dos casos, gera feridos e repercute diretamente sobre a Feira. As Figuras 55 e 56
mostram duas notícias veiculadas em jornais impressos que relatam os confrontos na
Feira da Rua José Avelino.
Figura 55 - Notícia sobre a ação de ordenamento na Feira da Rua José Avelino - Fortaleza/2014
Fonte: Ribeiro e Bezerra, 2014.
A Figura 55 trata de uma ação realizada no dia 10 abril de 2014, que contou
com fiscais da Prefeitura, Polícia Militar, policiais do Raio, guardas municipais,
102
agentes da AMC e agentes do Departamento Estadual de Trânsito - Detran. A polícia
usou balas de borracha para dispersar os manifestantes, já os feirantes atiraram
pedras em um veículo de reboque da Prefeitura. Entre os feridos estavam alguns
feirantes e o motorista do reboque, que teve 15% do corpo queimado por um homem
não identificado, que ateou fogo nele. (RIBEIRO e BEZERRA, 2014).
Figura 56 - Notícia sobre conflito na Feira da Rua José Avelino – Fortaleza/2014
Fonte: Freitas, 2014.
A Figura 56 refere-se a outra ação, executada em 31 de agosto de 2014. O
conflito foi motivado pela apreensão da mercadoria de um feirante e teve início por
volta das 22h40min. Um fiscal foi ferido e foi registrada uma ocorrência no 34º Distrito
Policial localizado no bairro Centro. Na madrugada, a operação foi retomada e houve
tiros de balas de borrachas, spray de pimenta e gás lacrimogênio. Os feirantes
revidaram com pedras enquanto os guardas municipais e fiscais entraram no
estacionamento do Mercado Central para se protegerem. (FREITAS, 2014).
Nesses dois casos, observa-se, claramente, o poder sendo exercido.
Conforme Raffestin (1993), “o poder visa o controle e a dominação sobre os homens
e sobre as coisas” (RAFFESTIN, 1993, p. 58). Nesses exemplos, notou-se a busca
pelo controle do território, seja pelos feirantes ou pelos órgãos que representam o
Estado.
Apesar da Prefeitura Municipal realizar ações de repressão, muitas vezes,
violentas contra os feirantes, percebeu-se que eles dão respostas, seja pela
resistência em permanecer usando locais proibidos para a realização da Feira, como
se manifestando contra o poder público. Este último caso ocorreu em janeiro de 2015.
Na ocasião, os feirantes realizaram uma caminhada, que se concentrou em frente ao
Paço Municipal (Figura 57).
103
Figura 57 - Manifestação realizada por feirantes em frente ao Paço Municipal-Fortaleza/2015
Fonte: Própria autora, 2015.
A manifestação contou com a adesão de uma quantidade significativa de
feirantes, os quais denunciavam a violência das ações realizadas pela Prefeitura de
Fortaleza, nos primeiros meses de 2015, e reivindicavam a criação de um espaço para
acomodá-los.
Outro tipo de conflito envolvendo os próprios feirantes ou grupos que
produzem a Feira, mas que não representam o Estado, procede da disputa por
territórios. Nesse caso, essa informação foi apreendida por conversas informais
obtidas diretamente com indivíduos que compõem esses grupos.
No tocante à Feira da Rua José Avelino, destaca-se uma questão que vem
tornando-se cada vez mais comum: a violência. Tomou-se conhecimento desse fato
por meio de relatos dos próprios feirantes e pela veiculação de notícias sobre o
assunto na mídia. Em agosto de 2014, um desses casos de violência ganhou maior
projeção. No dia 3, deste mesmo mês, um coreano que trabalhava na Feira, próximo
à Catedral, foi baleado após reagir a um assalto. Três dias depois, ele faleceu. (Ver
Figura 58).
104
Figura 58 - Notícia sobre morte de coreano baleado na Feira - Fortaleza/2014
Fonte: Diário do Nordeste, 2014.
Segundo os feirantes, os casos de furtos e assaltos a vendedores e
compradores são bastante comuns. Esses episódios são consequência do grande
volume de valores que circula com a realização da Feira e, também, pelo fato de não
haver policiamento, excetuando-se nos galpões, lojas, galerias e shoppings
populares, onde há segurança privada.
Embora seja cada vez mais comum os casos de violência na Feira e no seu
entorno, o Estado representado pelo poder público municipal e estadual, não dispõe
efetivo policial extra para a área nos dias da atividade, gerando uma sensação de
abandono e descaso não só para os feirantes e comerciantes, mas para os
compradores que também são atingidos pelos casos de violência. Buscou-se dados
oficiais na Controladoria e Ouvidoria Geral do Estado, porém, o órgão disponibilizou
informações criminais de toda a Área Integrada de Segurança - AIS 1 que é constituída
pelo Centro e por outros vinte oito bairros de Fortaleza. Desta forma, os dados não
descriminam as ocorrências de acordo com o bairro, por isso, não foi possível utilizá-
los.
105
5 ANTECEDENTES HISTÓRICOS E CONTEXTUALIZAÇÃO DOS
TERRITÓRIOS DA FEIRA DA RUA JOSÉ AVELINO
O objetivo principal deste capítulo é oferecer instrumentos que permitam
identificar e caracterizar a evolução do território da Feira, mostrando as mudanças
ocorridas nos usos da Rua José Avelino em decorrência de sua relação direta com as
alterações que o bairro Centro e a cidade de Fortaleza vivenciaram do século XIX aos
dias atuais.
Para isso, a elaboração dos escritos resultou de análises e interpretações
teóricas, visitas de campo, registros do acervo do Jornal O POVO, notícias
catalogadas na hemeroteca de 2013 a 2014, livros, dissertações, artigos científicos e
documentos referentes à história da cidade de Fortaleza e da Feira da Rua José
Avelino, alguns disponíveis na internet.
5.1 USOS HISTÓRICOS DO ENTORNO DA RUA JOSÉ AVELINO
Para compreender os usos da Rua José Avelino é necessário estabelecer
uma cadeia de conexões entre equipamentos urbanos e estruturas que, na segunda
metade do século XIX, dinamizaram a via e seu entorno. Dentre eles destaca-se o
antigo Porto de Fortaleza, inicialmente, erguido na Praia de Iracema, cuja construção
e operacionalização fizeram surgir edificações como a antiga alfândega e armazéns
localizados nos limites do perímetro da Feira, na Avenida Pessoa Anta, Avenida
Presidente Castelo Branco e Travessa Icó.
O Porto situava-se no então bairro da Prainha e era conhecido como
Trapiche do Ellery (ESPÍNOLA, 2007). Sua instalação contribuiu para a formação e
consolidação comercial daquela área no século XIX. A Figura 59 mostra a área onde
o Porto foi construído.
106
Figura 59 - Localização do antigo Porto de Fortaleza em relação à Rua José Avelino - Fortaleza /2009
Fonte: Adaptado do Software Google Earth, 2014.
O equipamento, em 1809, servia para exportação de algodão, couros,
açúcar e mandioca (STUDART, 2010). Por isso, seu uso era relevante não só para a
Vila de Fortaleza como para o estado.
Conforme Lima (2002), a produção do algodão inseriu o Ceará no circuito
internacional do trabalho, tendo em vista que a capitania, em 1808, passou a exportá-
lo diretamente para a Europa, passando a ser um dos principais fornecedores do
produto. No entanto, com o fim da Guerra da Secessão, os Estados Unidos
recuperaram o posto de fornecedor de algodão e, no século XX, o Nordeste não
detinha mais a hegemonia de antes.
O desenvolvimento da cotonicultura no Ceará não se limitou apenas à
produção agrícola, visto que teve implicações na estrutura urbana de Fortaleza.
Segundo Lima (2002),
A cultura do algodão engendra necessariamente o desenvolvimento de uma incipiente indústria artesanal que tinha como centro a cidade de Fortaleza. A indústria têxtil que se desenvolveu em Fortaleza ampliaria ainda mais a distância desse centro em relação aos demais centros urbanos do Estado. (LIMA, 2002).
107
Concorda-se com este autor, pois a produção e exportação de algodão no
Ceará contribuíram para a consolidação de Fortaleza enquanto cidade comercial e
centro do poder político, econômico e cultural do Estado. Tal reconhecimento foi
oficializado em 1823 quando Fortaleza foi elevada à categoria de cidade.
A instalação do Porto de Fortaleza nas proximidades da Rua José Avelino
demandou a criação de estabelecimentos comerciais e infraestruturas ligadas às
atividades portuárias, como instituições de controle alfandegário.
Como registra Brígido (1912), um importante equipamento público de
Fortaleza em 1810 foi localizado na Rua José Avelino: a antiga Alfândega ou
Alfândega primitiva, que controlava a entrada e saída das mercadorias do Porto de
Fortaleza.
Posteriormente, a Alfândega foi transferida para a Avenida Pessoa Anta e
inaugurada apenas em 1891 (CASTRO, 1977). Atualmente, nesse prédio, funciona o
Centro Cultural Caixa Econômica Federal. (Figura 60). Segundo o site da Prefeitura
de Fortaleza, o imóvel foi tombado pelo patrimônio estadual em 2005 (PREFEITURA
DE FORTALEZA, 2013b).
Figura 60 - Caixa Cultural - Antiga Alfândega - Fortaleza/2015
Fonte: Própria autora, 2015.
Na Avenida Pessoa Anta do século XIX, a paisagem revela um pouco da
vida urbana da época, quando passava o bonde elétrico, transporte coletivo de então.
O pavimento das ruas era conjugado aos trilhos dos bondes, existia a presença
108
numerosa de árvores na calçada à esquerda e no canteiro central da via, e, à direita,
o robusto prédio da Alfândega, expressão do aparato governamental de apoio ao
poder econômico comercial (Figura 61).
Figura 61 - Prédio da Alfândega à direita na Avenida Pessoa Anta - Fortaleza/1891
Fonte: Castro, 1977.
Outro relevante elemento de apoio e que permaneceu como resquício da
atividade portuária daquela época na paisagem do entorno da Rua José Avelino,
foram os armazéns (Figura 62) utilizados para estocar as mercadorias que chegavam
ou saíam pelo Porto de Fortaleza, até a década de 1920.
A zona portuária de Fortaleza, entretanto, mudou-se para o bairro do
Mucuripe, motivada pelas condições naturais daquele local. A força das ondas, dos
ventos e a falta de estruturas e equipamentos tornavam desastrosos o desembarque
de passageiros e mercadorias no antigo Porto da Praia de Iracema. A solução só veio
em 1933, com a aprovação do Decreto nº 23.60635, de 20 de dezembro daquele
mesmo ano, assinado pelo presidente Getúlio Vargas.
Com a transferência do Porto de Fortaleza para a enseada do Mucuripe,
houve uma interferência direta no comércio e no fluxo de pessoas no entorno da Rua
35 O decreto concedia ao Estado do Ceará a autorização da obra e do aparelhamento do Porto de Fortaleza (BRASIL, 1933). Mais tarde esse decreto foi alterado com a aprovação do Decreto – Lei nº 544, de 7 de julho de 1938, que modifica o Decreto nº 23.606, de 20 de dezembro de 1933, no qual “fica transferido a localização do Porto de Fortaleza para a enseada de Mucuripe a que se refere a concessão outorgada ao Estado do Ceará” (BRASIL, 1938).
109
José Avelino, pois os estabelecimentos que antes funcionavam, dada a demanda da
atividade portuária, foram desativados. Para Castro (1977), a mudança do porto para
o Mucuripe “conduziu a área à decadência”. Algumas estruturas antigas, entretanto,
que davam suporte à atividade portuária, resistiram ao tempo. (Figura 62).
Figura 62 - Estruturas de antigos armazéns localizados na Travessa Icó - Fortaleza/2015
Fonte: Própria autora, 2015.
No entorno da via onde é realizada atualmente a Feira, inúmeras praças
formavam uma paisagem para a contemplação dos transeuntes. Essas praças de
Fortaleza, nos séculos XIX e XX, eram locais de encontro, de roda de conversa, de
lazer. As principais eram, e ainda são, a Praça do Ferreira, a Praça José de Alencar
e o Passeio Público ou Praça dos Mártires.
A Praça do Ferreira pode ser apontada como sendo exemplo de um bem
público com sucessivas modificações. Essa Praça, que possuiu vários nomes (Feira
Nova, Largo das Trincheiras, Praça D. Pedro II e Praça da Municipalidade), foi
utilizada como local da elite burguesa cearense atraída pelos cafés-bares inaugurados
no final do século XIX (LEITÃO, 2002): Café Java, Café Elegante, Café do Comércio
e Café Iracema (Figuras 63, 64, 65 e 66).
110
Figura 63 - Café Java - Fortaleza
Fonte: Nirez.
Figura 64 - Café Elegante - Fortaleza
Fonte: Ponte, 2010.
Figura 65 - Café do Comércio - Fortaleza
Fonte: Ponte, 2010.
Figura 66 - Café Iracema - Fortaleza
Fonte: Fortaleza em Fotos, 2010.
Apesar dos usos citadinos, em encontros e desencontros, marcadamente
por intelectuais e literatos, os cafés-bares foram demolidos em 1925 devido a uma
reforma urbanística realizada na gestão do prefeito Godofredo Maciel.
A Praça do Ferreira sofreu mudanças e reformas em 1902, 1925, 1933,
1946, 1968 e 1991 (LEITÃO, 2002), todas elas intervenções governamentais para
adequá-la aos interesses dos negociantes e ao formato das cidades brasileiras. Ponto
turístico, hoje, o espaço público é frequentado por turistas, por parte dos fortalezenses
que passam pelo Centro e por moradores daquelas proximidades. Por isso, a Praça
encontra-se preservada (Ver Figura 67), sendo objeto de ações públicas de
manutenção. No entanto, a Praça não é um bem oficialmente tombado, portanto, sem
garantias mais efetivas de preservação.
111
Figura 67 - Praça do Ferreira - Fortaleza/ 2013
Fonte: Opinião em perspectiva, 2013.
A Praça José de Alencar, assim como as outras, era bastante utilizada
pelos fortalezenses. Conforme Castro (1977), ela se chamava Praça Marquês Herval,
no seu centro havia um pavilhão usado para a patinação e no seu entorno havia
estátuas de estilo classicizante. Atualmente, é utilizada por moradores de rua, artistas,
vendedores ambulantes e por demais pessoas que frequentam o bairro Centro.
O Passeio Público, por sua vez, inaugurado ainda no século XVIII
(OFICINA DE PROJETOS, 2015), tinha sua entrada pela Rua da Palma,
posteriormente renomeada por Rua Major Facundo. Compunha um conjunto
arquitetônico com sobrados (das Mississipis), hotéis (Hotel de France, depois
chamado de Palace Hotel e o Hotel do Norte, depois Correios em seguida Ceará
Tramway Light and Power Co. Ltda.) e hospitais (Casa de Misericórdia), todos de
grande porte (LOPES, 1999).
Essa praça, caracterizada por jardins, estátuas (Banheuse, Júpiter
Olímpico), lampiões a gás, alamedas, bancos longos e fontes, ficou marcada pelos
usos diferenciados entre as classes sociais. Com níveis escalonados, a Praça
possibilitou que a elite fortalezense circulasse pelo belvedere, na Avenida Caio Prado,
uma área diferente de outra, que era frequentada por pessoas menos abastadas, na
Avenida Carapinima (LOPES, 1999).
112
5.2 PRAÇA CAIO PRADO: PRIMEIRO TERRITÓRIO DA FEIRA
A praça, como aponta Leitão (2002), é “o parlamento do povo”. Nela,
encontram-se os usos e os traços de seus habitantes. Reflexões sobre esses locais
permitem impressões sobre aspectos culturais, econômicos, políticos e sociais de
uma cidade ou povoado.
A praça é um local marcante em vilas, povoados e cidades por ser um
espaço de encontro, de convergência de interesses e de referência para as pessoas
na cidade. A Praça Caio Prado, também, possui sua importância tendo em vista que
foi a primeira praça de Fortaleza e por fazer parte do conjunto arquitetônico do
patrimônio histórico e cultural local, ao lado de elementos que remontam à origem
desta cidade: o Rio Pajeú, o Forte de Nossa Senhora da Assunção e a Igreja Matriz.
A Praça Caio Prado está situada em frente à Catedral Metropolitana de
Fortaleza, antes chamada de Matriz e que, posteriormente, veio tornar-se Igreja da
Sé.
Na descrição de Fortaleza, em 1810, Brígido (1912) já aponta a localização
dessa igreja, ao lado do Rio Pajeú: “na curva, que faz este ribeiro, os índios collocaram
sua igreja, precisamente no terreno onde agora está a cathedral” (BRIGIDO, 1912, p.
87).
O antigo templo foi demolido, sendo reedificado em 1820, com o nome de
Igreja de São José, e concluída apenas em 1854, como aponta Castro (1977).
Seguindo os ideais de mudança e de quebra com o passado, verificado claramente
na análise da história de Fortaleza, essa Igreja construída em feições neoclássicas, é
novamente demolida em 1938. Reerguida posteriormente, em estilo gótico, a Catedral
ou Igreja da Sé permaneceu nesse tipo de construção até a atualidade. A Figura 68
mostra a Igreja na década de 1920 e destaca um elemento particular em frente a esta
edificação: o cruzeiro.
113
Figura 68 - Igreja da Sé - Fortaleza/1920
Fonte: Castro, 1977.
A Praça Caio Prado, em 1890, ficou denominada de Praça da Sé por meio
de resolução municipal de 29 de outubro desse mesmo ano. Essa última nomenclatura
oficial esteve vigente até 28 de abril de 1891, quando a Câmara de Vereadores de
Fortaleza anulou a resolução (GIRÃO, 1979). Ainda que, constitucionalmente, tenha
sido anulada a antiga nomenclatura, esse ato não destruiu os laços construídos entre
os fortalezenses e a Praça, que continuou sendo conhecida, também, como Praça da
Sé.
Observa-se que as mudanças em nomes de ruas e de logradouros são
constantes. Edifícios são demolidos e reerguidos em novos formatos, de acordo com
interesses econômicos e políticos, adequados aos novos padrões arquitetônicos e às
necessidades da época, isto é, ao nível de desenvolvimento da sociedade. Convém
registrar que as pessoas moradoras da cidade resignificam essas mudanças de
acordo com suas perspectivas. Algumas vezes negando as novidades e mantendo os
nomes anteriores e, em outras, identificando os objetos com nomes simplificados e
populares.
O Poder Público, no século XX, entre suas funções administrativas,
adotava medidas de embelezamento desses locais, com jardins, porque esses
lugares, igrejas, fortes, palacetes, câmaras e grandes comércios formavam áreas
centrais de poderes: econômico, religioso e político.
A Figura 69 mostra a visão da Praça Caio Prado da perspectiva do Cruzeiro
da Igreja da Sé. No centro da Praça, está posicionada a estátua de D. Pedro II,
114
inaugurada em 1913. Observando os detalhes da foto, nota-se o jardim da Praça, as
árvores no seu centro e, ao fundo, edificações de um ou dois pavimentos.
Figura 69 - Praça Caio Prado - Fortaleza/1938
Fonte: Fortaleza em Fotos, 2010.
Destaca-se que, no século XX, a Praça Caio Prado era apropriada pelos
habitantes da cidade enquanto lugar. Segundo Carlos (2007), “o lugar abre a
perspectiva para se pensar o viver e o habitar, o uso e o consumo, os processos de
apropriação do espaço. [...] (CARLOS, 2007, p. 14). Ou seja, o lugar é um espaço
onde os indivíduos estabelecem relações que não são mediadas pelo dinheiro, como
um fragmento social do espaço e, por isso, carrega as especificidades de um
determinado período histórico vivido e percebido pelos habitantes que o ocupavam e
que ainda o ocupam.
Jucá (2003) assinala que, no século XX, as praças de Fortaleza já vinham
sendo usadas por vendedores ambulantes. Um exemplo disso é a Praça do Ferreira,
cujas calçadas, na década de 1950, eram locais de vendedores de pequenos animais,
roupas, comidas, entre outras coisas (JUCÁ, 2003).
Nota-se, pelas considerações do autor, que a relação entre o comércio e o
bairro Centro é bastante antiga, justificável pela própria natureza de centro que
aglomera serviços e bens públicos acessíveis aos os moradores da cidade,
independentes de seus bairros de residência.
115
A Praça Caio Prado ou Praça da Sé, também, foi alvo de intervenções do
Poder Público de modo a restringir e impedir o uso dos vendedores ambulantes:
Os guardas municipais de trânsito retinham todas as bancas e caixões usados pelos vendedores. Nem as cafeteiras escapavam da fiscalização na Praça da Sé, nas ruas Conde d’Eu, Barão do Rio Branco, Governador Sampaio, no Passeio Público e na zona da praia. [...] Os pontos mais fiscalizados eram a Praça da Sé e ruas centrais (JUCÁ, 2003, p. 70).
Com base no registro do autor observa-se a existência do comércio
realizado por ambulantes na Praça Caio Prado. No entanto, quatro décadas depois,
outros comerciantes mudaram os produtos, mas a prática de venda continuou no
espaço público, provavelmente pela natureza de centro do bairro, onde circulam
muitas pessoas, local de dinamismo econômico, com trocas intensas e fluxos de
mercadorias. Sendo esse tipo de uso que deu origem, na Praça Caio Prado, à Feira
da Rua José Avelino.
5.2.1 Novos usos da Praça Caio Prado
No final da década de 1990, surge, na Praça Caio Prado, a Feira da Rua
José Avelino. Nesse período, a atividade era conhecida como Feira da Sé ou Feira da
Madrugada, que, aos poucos, passou a se consolidar e dinamizar aquele local e o seu
entorno.
Conforme a entrevista36 de uma feirante, que participou da atividade no
início dos anos 2000, sua inserção na Feira, se deu de modo precário, sem apoio
logístico, com iniciativa e esforço individual cujas regras foram estabelecidas no
cotidiano da atividade:
[...] eu peguei e fui com as bonecas, uma sacola com as boneca, pouco e fiquei, fiquei. Aí começou a chegar aquele povo, aí começou a chegar, pronto. Aí todo mundo lá foi...caçando um canto. [...] E sei que nós ficamo. Aí pronto. Ficamo ...no ... esse ... tempo todim no chão né, cada um tinha um canto, quando começou era lá em cima, depois já foi enchendo, foi descendo mais de lá pra baixo. Naquela parte lá de baixo...da praça mesmo. E gente.. aí teve aquelas invasões...do pessoal tomando a rua tudim. Aí...aí pronto. Aí eu sei que eu fiquei lá quando descemos pra lá, pra Zé Avelino, elas foram né, eu não fui pra...não me inscrevi pra barraca nem nada. Mas fiquei com as minhas coisa na mão, que como as minhas coisa era pouca, era coisa que eu podia empendurar na mão, eu fiquei vendendo na mão. (Entrevistada A, 62 anos, 2014).
36 Entrevista gravada realizada em 2014.
116
Pela descrição da entrevistada, os feirantes ocuparam o espaço público da
Praça e se apropriaram dela para realizarem a Feira. Eles expunham suas
mercadorias no chão, e cada um definia seu local de venda. A feirante destaca que,
inicialmente, a atividade era realizada na parte da Praça correspondente às
proximidades da Rua Castro e Silva. Pelo crescente número de feirantes, estes
passaram a ocupar a parte próxima à Rua Dr. João Moreira. Como a Praça já não
comportava tantos feirantes, eles incorporaram, também, as vias do entorno da Praça
Caio Prado.
A entrevistada, ainda, cita que houve um momento em que parte dos
feirantes foi para a Rua José Avelino. Dessa forma, nota-se que o primeiro território
da Feira foi a Praça Caio Prado, mas, devido ao grande número de feirantes resultou
na criação de um segundo território: a Rua José Avelino.
Os territórios, como apresentado nos capítulos anteriores, são espaços
ocupados e apropriados, historicamente, por pessoas que interagem entre si e formam
agrupamentos socioespaciais de natureza complexa e diversificada, delimitados por
disputa de poder em permanente mudança ao longo do tempo. A Feira da Rua José
Avelino, da década de 1990 a 2014, é um exemplo disso pois os feirantes e
ambulantes que compõem essa atividade não só ocuparam, como produziram antigos
e novos territórios, com tensões e conflitos entre eles, com outros comerciantes e com
o Estado, modificando a feição da cidade.
Ressalta-se que essa produção de territórios na Feira não era harmônica.
Já em 2007 os transtornos da Feira tornavam-se cada vez mais evidentes. Tal
situação demandou a intervenção do Poder Público, como foi registrado em matéria
de Guimarães publicada no Jornal O POVO (2007):
Comerciantes da feira da madrugada estiveram reunidos na manhã de ontem, no Centro de Referência do Professor (antigo Mercado Central), com o titular da Secretaria Extraordinária do Centro (Sece), Paulo de Tarso Melo. O objetivo do encontro foi discutir soluções para a feira, que ocupa a praça Pedro II, em frente à Catedral de Fortaleza, dificultando o trânsito de veículos e pedestres (GUIMARÃES, 2007).
O principal problema apontado com a realização da Feira era o
congestionamento gerado pela aglomeração de pessoas e veículos, pois os feirantes
ocupavam vias públicas e dificultavam o trânsito daquele entorno (Figura 70).
117
Figura 70 - Feira na Praça Caio Prado - Fortaleza/2009
Fonte: Santiago, 2009.
A Figura 70 mostra a visão noturna da Feira realizada na Praça Caio Prado.
São tantas pessoas que não é possível perceber onde começa ou termina a área da
Praça.
O grande número de feirantes e vendedores que eram atraídos para a Feira
e a insatisfação dos lojistas, sobretudo, do Mercado Central, vizinho ao perímetro da
Praça, culminaram na proibição da Feira na Praça. Em 2007 o Ministério Público do
Estado do Ceará propôs uma Ação Civil Pública com pedido de liminar contra a
Prefeitura de Fortaleza requerendo a retirada dos feirantes da Praça. (MINISTÉRIO
PÚBLICO DO CEARÁ, 2007). O argumento legal em que o órgão se embasou para
suspender a atividade no local foi o descumprimento do parágrafo 1º, do Art.107, da
Lei Orgânica do Município, que diz:
Ficam proibidas: a doação, permuta, venda, locação ou concessão de uso de qualquer fração de áreas dos parques, praças, jardins ou lagos públicos, admitindo-se apenas a permissão de uso de pequenos espaços destinados à venda de jornais, revistas, artesanatos ou lanches, em condições a serem estabelecidas por ato do Prefeito. (PREFEITURA DE FORTALEZA, 2006).
Segundo o Ministério Público (2007), com base nesse artigo citado, seria
ilegal a ocupação da Praça para a realização da Feira e a venda irregular de produtos.
Uma outra questão identificada conforme declaração de alguns feirantes foi o aluguel
e a venda de pequenas áreas do espaço público. Esta prática era mais comum nos
períodos de maior comercialização, principalmente no fim do ano.
118
Em 2008 uma ordem judicial determinou a desocupação da Praça pelos
feirantes, de modo a atender a Ação Civil Pública de 2007. Quando o cumprimento da
medida foi realizado, em junho daquele ano, houve confronto direto entre feirantes e
guardas municipais de Fortaleza, resultando em detidos e feridos (VASCONCELOS,
2008).
Apesar do confronto, somente em 2011 os feirantes foram proibidos e
impedidos de ocupar a Praça Caio Prado. Com isso, parte dos feirantes passou a
ocupar o entorno da Catedral Metropolitana de Fortaleza, do Mercado Central, da Rua
Sobral e de canteiros e calçadas da Avenida Alberto Nepomuceno.
No início de 2013, com o início da gestão do Prefeito Roberto Cláudio,
houve ações do Estado a fim de estabelecer horários e áreas para a realização da
Feira. A Figura 71 mostra uma notícia publicada no Jornal o Povo em fevereiro de
2013, que fala sobre a delimitação e fiscalização da Prefeitura de Fortaleza nos locais
onde ocorria a atividade.
Figura 71 - Notícia sobre a ação da Prefeitura de Fortaleza na Feira da Rua José Avelino – Fortaleza/2013
Fonte: Anjos, 2013.
Para executar essa ação do Estado, citada na notícia acima, foi necessária
uma equipe composta por fiscais da Prefeitura, agentes de trânsito, guardas
municipais e alguns policiais (ANJOS, 2013). Entretanto, apesar das medidas
exercidas pelo Poder Público, a Praça Caio Prado voltou a ser ocupada pelos
feirantes, em 2014.
5.3 A RUA DA FEIRA
Conhecer a história da Feira da Rua José Avelino é compreender seus
antecedentes e como eles influenciaram as modificações sucedidas no tempo. Além
119
disso, é entender a origem do próprio comércio do bairro Centro e da cidade onde a
atividade está situada. Por quê? Pelo fato de que ainda hoje é possível encontrar, na
paisagem da Rua José Avelino e do seu entorno, indícios sobre os antigos usos da
via e principalmente sobre os aspectos da economia e da cultura do século XIX e XX
na capital cearense. Mas o que se compreende por paisagem? Para Milton Santos
(2006),
A paisagem é o conjunto de formas que, num dado momento exprimem as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre homem e natureza. (p. 66). [...] A paisagem se dá como um conjunto de objetos reais-concretos. Nesse sentido a paisagem é transtemporal, juntando objetos passados e presentes, uma construção transversal. (SANTOS, 2006, p. 67).
Concorda-se com o autor, tendo em vista que, por meio da análise da
paisagem, é possível identificar sucessivos aspectos do passado ou do presente de
uma área qualquer ou de determinado lugar37. Por isso, partiu-se inicialmente da
análise das diversas formas de intervenções humanas formadoras da paisagem da
Rua José Avelino, como elemento instigador das relações que existiram entre o
homem e a natureza, transformadas em estruturas físicas, algumas das quais ainda
permanecem hoje em dia.
A rua, além de ser um espaço público onde trafegam carros, transportes
públicos, ciclistas ou pedestres, pode revelar o modo como as pessoas ocuparam e
ocupam uma determinada área. Como aponta Carlos (2007), “a rua nos dá pistas, nos
abre perspectivas de análise, nos dá elementos sobre o mundo real, sobre a vida, os
cidadãos. Sua história, suas perspectivas” (CARLOS, 2007, p. 58).
O nome atual da Rua foi uma homenagem a José Avelino Gurgel do
Amaral, bacharel em Direito, escritor, jornalista e teatrólogo que nasceu em Aracati
em 10 de novembro de 1843. Essa denominação de vias e logradouros urbanos que
homenageia pessoas de posse, renomadas ou autoridades é um costume da história
recente da cidade. Antes, as ruas eram denominadas em referência a algum fato ou
objeto de uso ou importância coletiva. Por exemplo, a Rua José Avelino, por razões
históricas, no século XIX, foi chamada, entre outras denominações, de Rua do
Chafariz (FALCÃO, 2015).
37 O termo é utilizado, neste caso, não como conceito, mas como uma área ou espaço qualquer.
120
Nos registros históricos pesquisados, foram encontradas referências sobre
a Rua do Chafariz no texto intitulado A Fortaleza em 1810, de João Brígido. O autor
fala:
Em 1817, as marés ainda chegavam até o sobradinho indicado. Existia alli uma casinha, com uma bonita cajazeira, junto a ponte de madeira que havia no lugar ora chamado Chafariz, em consequencia de ter alli existido um, começado em fevereiro de 1813 e concluído em setembro desse anno. (BRÍGIDO, 1912, p. 86).
Essa descrição destaca um objeto importante na paisagem, que revela as
condições do abastecimento de água naquela época, significando o modo como se
dava a relação das pessoas com um recurso público necessário à vida urbana,
conforme salienta Menezes (1977) apud Sampaio (2010).
Depois a Rua foi denominada de Singlehurst, quando nomes de pessoas
influentes superaram os nomes de objetos e de acontecimentos como razão para
identificar oficialmente as vias públicas. No caso, Singlehurst tratava-se do nome de
um comerciante imigrante endinheirado, reconhecido pelo Estado como importante
para o crescimento econômico local. O texto de Girão (1979) aponta o seguinte:
Consgina o cronista Hugo Vítor que, em sessão de 26 de janeiro de 1882, propôs o vereador Coelho da Fonseca, à Câmara Municipal, dar-se à Rua do Chafariz o nome de Singlehurst, em homenagem à casa comercial que, segundo os termos da proposta, “faz mais de meio século foi estabelecido nesta cidade pelo cidadão inglês Robert Singlehurst e ainda continua por seus sucessores e herdeiros.” Justificava a sugestão, alegando terem sido eles “os principais iniciadores do desenvolvimento que tem tido nossa agricultura, já mandando vir maquinismos e entregando-os aos lavradores a longo prazo, já fazendo adiantamentos de dinheiro animando, assim, o trabalho” (GIRÃO, 1979, p.102).
Nesse caso, conforme apresentado por Girão (1979), a mudança do nome
da Rua deveu-se à importância dada pelo Poder Público às relações econômicas
estabelecidas entre os ingleses e o Ceará, premiadas pelo reconhecimento oficial.
Tratava-se de trocas econômicas e simbólicas. Ao mesmo tempo em que se
importavam máquinas, como aponta o autor, e mercadorias eram consumidas pela
elite cearense, a valorização desse setor econômico era destacado no espaço da
cidade, por onde as pessoas circulavam, moravam, e se situavam no espaço,
consolidando essa valorização no imaginário social.
121
Em nova pesquisa realizada em artigos e textos, sobre a história do Ceará
e de Fortaleza, contendo citações sobre o nome Singlehurst, destacou-se o de Denise
Monteiro Takeya. A autora descreve que, em 1835, o irlandês William Wara criou no
Ceará a casa comercial de importação-exportação R. Singlehurst & Co.. Conforme
Takeya (1994),
A filial ficou popularmente conhecida como “Casa Inglesa e sobreviveria, por todo o século XIX: como a principal distribuidora das mercadorias vindas da Inglaterra, além de compradora dos produtos cearenses para o mercado europeu. A Singlehurst & Co. era proprietária da Red Cross Line of Mail Steamers, uma das duas companhias de navegação a vapor que estabeleceram as primeiras linhas regulares ligando o Ceará à Europa, na década de 1870 (TAKEYA, 1994, p. 115).
Por meio das considerações da autora, observa-se que a Singlehurst & Co.
tinha expectativas expansionistas no Ceará, ampliando seus negócios para a criação
de linhas de navegação entre o Ceará e a Europa (TAKEYA, 1994), e a construção
da linha férrea de Baturité - Fortaleza, como destaca Rodolfo Espínola (2007). De
acordo com este autor,
No dia 9 de julho de 1870, Souza Brasil, o Senador Pompeu, acompanhado pelas principais autoridades da Província, engenheiros e arquitetos, assinou solenemente com o inglês Henry Brocklehust, da empresa R. Singleresut & Companhia (um dos sócios do investimento), o contrato para a construção da ferrovia Fortaleza-Baturité (ESPÍNOLA, 2007, p. 41).
Essa citação de Espínola menciona “Singleresut”, mas, dada a semelhança
com a palavra Singlehurst, tudo leva a crer que se trata da mesma empresa. A
mudança dos nomes de ruas passou a ser um costume comum, sendo verificado não
só em Fortaleza, mas em outras capitais e estados brasileiros. Essas alterações são
expressões estatais sobre a cidade, sobre o que é valorizado pelos gestores e a
submissão ao Capital a que as gestões públicas estão sujeitas. Além disso, muitos
desses nomes de personalidades são desconhecidos pela população:
As velhas denominações, ingênuas e poéticas, vêm sendo constantemente mudadas, em caráter laudatório, para nomes de personalidades cujos méritos, muitas vezes ocasionais ou nenhuns, se esquecem em menos de um decênio (CASTRO, 1977, p. 43).
Quando a rua tem seu nome trocado, seus moradores e frequentadores
perdem o referencial, pois, em alguns casos, a nomenclatura havia sido criada por
122
eles próprios. Ressalta-se que as mudanças nos nomes das ruas fazem parte da
história de Fortaleza. Ao mesmo tempo em que apagam parte da memória da rua,
criam novas memórias com as novas denominações, e os traços culturais da
população vão se redefinindo, historicamente.
5.3.1 A Rua José Avelino e o patrimônio histórico
A Rua José Avelino está relacionada ao patrimônio histórico da cidade, por
duas razões: primeiro, tem uma parte do calçamento tombada e, segundo, porque
está situada em uma área urbana onde se concentra o maior número de prédios
tombados pelo Poder Público.
Isso se deve particularmente por sua localização no bairro Centro, que
também é o centro histórico de Fortaleza. A via é constituída por cinco quarteirões,
que possuem fachadas, estruturas e imóveis variados, sendo os mais antigos datados
do século XIX. Essas edificações fazem referência não só aos antigos usos da Rua
José Avelino como também à economia, aos transportes e à cultura da sociedade
fortalezense, principalmente, do século XIX e XX.
Conforme o Decreto nº 13.035, de 10 de dezembro de 2012, o Estado
instituiu o tombamento da pavimentação da via “haja vista o seu alto valor simbólico,
portador de inelutável referência à identidade e à memória da sociedade fortalezense”
(PREFEITURA MUNICIPAL DE FORTALEZA, 2012b).
Segundo notícia publicada no Jornal O POVO (MENESES, 2012), a Rua
José Avelino é um dos poucos trechos do Centro que mantém a pavimentação original
em pedra tosca, daí a particularidade que justifica sua preservação. Já outra fonte
(DEFENDER, 2012) aponta que o tombamento da pavimentação se deve ao fato de
que no local passava um bonde puxado por burro, outra referência à memória do lugar.
Quando a Rua José Avelino não está ocupada por feirantes e veículos, é possível
visualizar blocos de pedras retangulares que, segundo a arquiteta da Coordenação
de Patrimônio Histórico-Cultural - CPHC da Secretaria de Cultura de Fortaleza –
Secultfor, formavam os trilhos (Figura 72) por onde o bonde se deslocava
(DEFENDER, 2012).
123
Figura 72 - Pavimentação antiga tombada da Rua José Avelino - Fortaleza/2014
Fonte: Própria autora, 2014.
A Figura 72 destaca a pavimentação da Rua José Avelino formada por
blocos que eram utilizados como trilhos e as pedras toscas ferruginosas que, segundo
Girão (2000), foram retiradas da pedreira do Mucuripe.
Pôde-se observar, ainda, em visita de campo, que apenas o trecho que
compreende o primeiro quarteirão da Rua José Avelino possui a pavimentação com
as características definidas em seu tombamento. Destaca-se que não existe nenhuma
placa indicativa referente ao bem tombado, nem tão pouco restrições sobre o tráfego
de veículos ou pedestres nessa via, o que contribui para sua degradação. Esse caso
não é exclusivo da Rua José Avelino, mas também ocorre em outros patrimônios
tombados em diferentes pontos da cidade.
O que se compreende por patrimônio? No Brasil, a primeira legislação que
faz referência ao patrimônio histórico é o Decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de
1937:
Art. 1º - Constitue o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interêsse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico. (BRASIL, 1937).
Segundo esse Decreto-lei, nota-se a importância do patrimônio histórico
pelo reconhecimento do Poder Público ao bem (móvel ou imóvel) que representa fatos
memoráveis, expressa o modo como se vivia no passado e permite preservar a
124
história e a memória coletiva do País. Tal decreto, ainda, dispõe sobre o processo que
assegura o reconhecimento do patrimônio que é chamado de tombamento38.
Outro artigo da legislação brasileira que define e caracteriza o patrimônio
cultural está presente na Constituição de 1988, Seção II, Art. 216:
Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I- as formas de expressão; II- os modos de criar, fazer e viver; III- as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV- as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V- os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. (BRASIL, 1988).
Esse artigo da Constituição Federal é bem mais específico do que a Lei de
1937, pois já classifica o patrimônio cultural em material e imaterial. Como define o
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, o patrimônio material é
constituído por bens móveis e imóveis. No caso das edificações, estruturas e fachadas
e a própria pavimentação da Rua José Avelino, estas se enquadram nos bens imóveis.
Fortaleza possui uma quantidade significativa de bens tombados,
principalmente na área do entorno da Rua José Avelino, no bairro Centro. A
espacialização dos bens tombados de Fortaleza (PREFEITURA MUNICIPAL DE
FORTALEZA, 2013a) no bairro Centro está representada no Mapa 5.
38 O tombamento é um ato administrativo realizado pelo Poder Público, nos níveis federal, estadual ou municipal. Os tombamentos federais são responsabilidade do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN e começam pelo pedido de abertura do processo por iniciativa de qualquer cidadão ou instituição pública. O objetivo é preservar bens de valor histórico, cultural, arquitetônico, ambiental e também de valor afetivo para a população, impedindo a destruição e/ou descaracterização de tais bens (INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL, 2015).
125
Mapa 5 - Bens tombados no bairro Centro - Fortaleza/2015
Fonte: Própria autora, 2015.
Por meio da análise do Mapa 5, observa-se que os bens tombados se
concentram na porção central do bairro, na parte histórica originária da cidade. Isso
ocorre tendo em vista que a cidade de Fortaleza cresceu e se desenvolveu na área
que atualmente é chamada de bairro Centro. Não é à toa que, nessa porção,
encontram-se o Forte de Nossa Senhora de Assunção, a Catedral Metropolitana de
Fortaleza, antiga Igreja da Sé, o primeiro porto de Fortaleza, Praça Caio Prado e
outros imóveis antigos tombados do século XVIII, XIX e XX.
O Quadro 1 reúne informações complementares ao Mapa 5, identificando
no bem tombado: sua denominação, endereço, decreto e data dos tombamentos de
iniciativa do governo municipal de Fortaleza.
Quadro 1 - Lista de Bens Tombados pela Prefeitura Municipal de Fortaleza no bairro Centro – Fortaleza/1988-2012
Bens Tombados em caráter definitivo
Nº Bem Tombado Endereço Decreto e data
do Tombamento Gestão
Municipal
1 Teatro São José
Rua Rufino de Alencar, nº 523 – Praça do Cristo
Redentor
Lei nº 6.318, de 01 de julho de
1988
Maria Luiza Fontenele - PT
126
Nº Bem Tombado Endereço Decreto e data
do Tombamento Gestão
Municipal
2 Parque da Liberdade
Rua Pedro I, s/n Lei nº 6.837, de 24 de abril de
1991
Juraci Magalhães -
PMDB
3 Palácio João
Brígido Rua São José, nº 1
Decreto Municipal 11. 909, de 23 de
novembro de 2005
Luizianne Lins-PT
4 Bosque do Pajeú Rua São José, nº 1
Decreto Municipal 11. 909, de 23 de
novembro de 2005
Luizianne Lins-PT
5 Escola Jesus Maria José
Rua Coronel Ferraz, s/n
Decreto Municipal 12.303, de 5 de dezembro de
2007
Luizianne Lins-PT
6 Casa do Barão de
Camocim Rua General
Sampaio, nº 1632
Decreto Municipal 12.304, de 5 de dezembro de
2007
Luizianne Lins-PT
7 Mercado dos
Pinhões Praça Visconde de
Pelotas
Decreto Municipal 12.368, de 31 de março de 2008
Luizianne Lins-PT
8 Pavimentação da Rua José Avelino
Rua José Avelino
Decreto Municipal 13.035, de 10 de
dezembro de 2012
Luizianne Lins-PT
9 Farmácia
Oswaldo Cruz Rua Major Facundo,
nº 576
Decreto Municipal 13.040, de 10 de
dezembro de 2012
Luizianne Lins-PT
10 Santa Casa de
Misericórdia Rua Barão do Rio
Branco, nº 20
Decreto Municipal 13.041, de 10 de
dezembro de 2012
Luizianne Lins-PT
Bens Tombados em caráter provisório – Aguardando regulamentação
Nº Bem Tombado Endereço Decreto e data
do Tombamento Gestão
Municipal
11 Escola de Música
Luís Assunção Rua Solon Pinheiro,
nº 60
Decreto Municipal 11.961, de 11 de janeiro de 2006
Luizianne Lins - PT
12 Lord Hotel Rua Liberato
Barroso, nº 555
Decreto Municipal 11.968, de 11 de janeiro de 2006
Luizianne Lins - PT
13 Casa Frei Tito de
Alencar Rua Rodrigues Júnior, nº 364
Decreto Municipal 12.843, de 22 de
julho de 2011
Luizianne Lins-PT
Bens Tombados pelo Estado no Município
Nº Bem Tombado Endereço Decreto e data
do Tombamento Gestão
Municipal
14 Secretaria da
Fazenda Rua Alberto
Nepomuceno, nº 2
Decreto nº 11.958, de 11 de janeiro de 2006
Luizianne Lins-PT
15 Antiga Cadeia
Pública Rua Senador
Pompeu, nº 350
Decreto 11.958, de 11 de janeiro
de 2006
Luizianne Lins-PT
127
Bens Tombados pelo Estado no Município
Nº Bem Tombado Endereço Decreto e data
do Tombamento Gestão
Municipal
16 Estação João
Felipe Rua Dr. João
Moreira
Decreto nº 11.958, de 11 de janeiro de 2006
Luizianne Lins-PT
17 Palacete Ceará - Caixa Econômica
Federal
Rua Floriano Peixoto, nº 570
Decreto 11.958, de 11 de janeiro
de 2006
Luizianne Lins-PT
18 Igreja Nossa Senhora do
Rosário Praça dos Leões
Decreto 11.958, de 11 de janeiro
de 2006
Luizianne Lins-PT
19 Praça General
Tibúrcio Praça dos Leões
Decreto 11.958, de 11 de janeiro
de 2006
Luizianne Lins-PT
20 Solar Fernandes
Vieira Rua Senador
Pompeu, nº 648
Decreto 11.958, de 11 de janeiro
de 2006
Luizianne Lins-PT
21 Antiga Escola Normal – Atual
IPHAN
Rua Liberato Barroso, nº 525
Decreto 11.958, de 11 de janeiro
de 2006
Luizianne Lins-PT
22 Banco Frota
Gentil Rua Floriano
Peixoto, nº 326
Decreto 11.958, de 11 de janeiro
de 2006
Luizianne Lins-PT
23 Sociedade União
Cearense Rua João Moreira,
nº 143
Decreto 11.958, de 11 de janeiro
de 2006
Luizianne Lins-PT
24 Sobrado Dr. José
Lourenço Rua Major Facundo,
nº 150
Decreto 11.958, de 11 de janeiro
de 2006
Luizianne Lins-PT
25 Galpões da
REFFSA Rua 24 de maio, s/n
Decreto 11.958, de 11 de janeiro
de 2006
Luizianne Lins-PT
Bens Tombados pela União no Município
Nº Bem Tombado Endereço Decreto e data
do Tombamento Gestão
Municipal
26 Assembleia Provincial
Rua São Paulo, nº 51
Decreto 11.971, de 11 de janeiro
de 2006
Luizianne Lins-PT
27 Palacete
Carvalho Mota Rua Pedro Pereira
nº, 683
Decreto 11.971, de 11 de janeiro
de 2006
Luizianne Lins-PT
28 Passeio Público -
Praça dos Mártires
Rua Dr. João Moreira, s/n
Decreto 11.971, de 11 de janeiro
de 2006
Luizianne Lins-PT
29 Teatro José de
Alencar Rua Liberato Barroso, s/n
Decreto 11.971, de 11 de janeiro
de 2006
Luizianne Lins-PT
Fonte: Adaptado de Prefeitura Municipal de Fortaleza, 2013b.
A ampliação da legislação específica sobre o tombamento histórico, no final
dos anos 1980, veio frutificar duas décadas depois. Em Fortaleza, dos vinte e nove
bens patrimoniais relacionados no Quadro 1, apenas dois foram tombados há mais de
vinte anos: o Teatro São José, em 1988; e o Parque da Liberdade, em 1991. Os outros
vinte e sete foram criados no início dos anos 2000.
128
Ressalta-se que, dos dez bens tombados em caráter definitivo, nove foram
criados na gestão municipal do governo do Partido dos Trabalhadores - PT,
evidenciando a preocupação com a preservação histórica da cidade, por parte desse
governo, que foi superior à dos outros partidos, no período analisado.
Para Abreu (2012), essa valorização ao passado é uma tendência recente
e inédita no Brasil que resulta da mudança dos valores e atitudes sociais dominantes,
consolidada na Constituição Federal. Por que há essa busca pela valorização de
bens? Para Abreu (2012),
O passado é uma das dimensões mais importantes da singularidade. Materializado na paisagem, preservado em “instituições de memória”, ou ainda vivo na cultura e no cotidiano dos lugares, não é de se estranhar, então, que seja ele que vem dando o suporte mais sólido a essa procura de diferença. A busca da identidade dos lugares, tão alardeada nos dias de hoje, tem sido fundamentalmente uma busca de raízes, uma busca do passado (ABREU, 2012, p. 21).
Esse autor destaca aspectos interessantes sobre a preservação do
patrimônio histórico que remetem à memória e à identidade dos habitantes, porém
afirma que a preservação está ligada à busca pela diferenciação entre os demais
lugares devido à lógica crescente de homogeneização dos espaços.
Apesar dessas tentativas de preservação, as cidades estão em
permanentes reformas urbanísticas, adaptando-se aos avanços tecnológicos e às
novidades dos “ares da modernidade”.
Como se apresentou no Quadro 1, o bairro Centro tem vinte nove bens
tombados, entre definitivos e provisórios. Mas o que justifica essa quantidade
concentrada na porção central de Fortaleza? Além do fato da capital cearense ter
surgido e se desenvolvido nas proximidades da Fortaleza de Nossa de Senhora da
Assunção, nessa área estão situadas as edificações mais antigas, que formam um
conjunto arquitetônico representativo do passado da cidade. A valorização, pelo
Estado, possibilitada pelo tombamento, de bens imóveis que representaram poderes
dominantes (religioso, cultural, político e econômico), na sociedade, precisariam ser
preservados na memória coletiva, porque consolidam o sistema social desenvolvido a
partir dessas representações.
Conforme Silva, J. B. (2009), no primeiro quartel do século XVIII, “Fortaleza
não passava de um acanhado núcleo e suas edificações (poucas e pobres) se
localizavam junto ao riacho Pajeú”. (SILVA, J. B., 2009, p. 90). Desse período, poucos
129
foram os bens imóveis preservados. Já na segunda metade do século XIX, com o
desenvolvimento do comércio e a ampliação do poder político, Fortaleza não só passa
a influenciar cidades com origens mais antigas como Aracati, bem como se torna o
centro econômico, político e cultural do Ceará (PONTE, 2010). Alguns imóveis
construídos pelo Estado ou por pessoas ricas, desse período, foram preservados e
puderam ser tombados, conservando parte da história de Fortaleza.
A Feira da Rua José Avelino está situada nessa área central do conjunto
arquitetônico que representa o passado originário da cidade. Destaca-se ainda que
parte da atividade utiliza a via pública que compõe o calçamento remanescente do
século XIX que foi tombado. Por isso, de modo a aproximar a relação entre o
patrimônio histórico tombado no bairro Centro e a Rua José Avelino, foi elaborado o
Mapa 6, com a poligonal da Feira definida pela Sercefor e os bens tombados que
estão em um raio de 200 metros daquele entorno.
Mapa 6 - Bens tombados em um raio de 200 metros do entorno da Feira da Rua José Avelino – Fortaleza/2015
Fonte: Própria autora, 2015.
130
O Mapa 6 indica quinze bens tombados, dos quais oito foram
representados em fotos, inclusive a pavimentação da Rua José Avelino39. Alguns
deles estão localizados na poligonal da Feira ou estão bem próximos a ela. Entretanto,
só o tombamento não é garantia para a preservação do bem, pois muitos carecem
tanto de manutenção física, como de iniciativas que conservem a sua memória, visto
que poucos destes bens tombados possuem placas de identificação.
O tombamento preserva, na maioria das vezes, a história do poder e da
riqueza das elites, enquanto muitas práticas, costumes e locais utilizados pelas
classes menos favorecidas são esquecidos e destruídos com o desenvolvimento de
Fortaleza. No caso específico da Rua José Avelino, os prédios conservados, nessa
via e no seu entorno, “cristalizaram” parte dos usos econômicos, políticos e culturais
da elite fortalezense em um dado período histórico. Por outro lado, a referência aos
usos da cidade pelas classes pobres foi apenas registrada em livros, textos antigos e
na memória de poucos moradores.
5.3.2 A paisagem da Rua
No tocante à paisagem, especificamente, da Rua José Avelino encontram-
se indícios em fachadas de imóveis antigos, de um padrão arquitetônico usual por
pessoas de classe média ou ricas, moradores da cidade no século XIX até o início do
século XX.
Pela observação dessas fachadas e dos usos dos imóveis antigos que
resistiram ao tempo, pode-se dizer que a rua foi se transformando, ao longo da
história, em uma área predominantemente de comércio e de serviços. Isso porque, a
princípio, foi influência da zona portuária que existia ali e, depois, pela permanência
do intercâmbio comercial que veio a caracterizar aquela área.
No trecho que compreende a Feira, na Rua José Avelino, entre a Avenida
Alberto Nepomuceno até a Rua Boris, chamam à atenção dois imóveis que
39 Quatro figuras utilizadas neste mapa foram retiradas dos seguintes endereços eletrônicos: Figura 2 - Passeio Público. Disponível em:<https://pt.wikipedia.org/wiki/Pra%C3%A7a_dos_M%C3%A1rtires#/media/File:Baoba_no_Passeio_Publico_em_Fortaleza.jpg>.; Figura 3 - Banco Frota Gentil. Disponível em:<http://static.panoramio.com/photos/original/78984955.jpg>; Figura 4 - Palacete Ceará. Disponível em:<http://static.panoramio.com/photos/original/77493265.jpg> e Figura 8 - Escola Jesus Maria e José. Disponível em: <http://www.fortalezaemfotos.com.br/2013/03/predio-da-escola-jesus-maria-jose.html>. O acesso foi feito no dia 23 de outubro de 2013. As demais figuras foram registradas pela própria autora nos anos de 2014 e 2015.
131
preservaram as características originais de suas fachadas. O primeiro imóvel fica no
número 86, e atualmente é utilizado para fins comerciais, mas vem mantendo sua
conservação (Figura 73) se comparado a uma imagem registrada em 2002 (Figura
74), há treze anos atrás, quando era usado como habitação.
Figura 73 - Imóvel comercial na Rua José Avelino, nº 86 - Fortaleza/2015
Fonte: Própria autora, 2015.
Figura 74 - Imóvel residencial na Rua José Avelino, nº 86 - Fortaleza/2002
Fonte: Cals, 2002.
O segundo imóvel data de 1923 e possui estrutura e pintura bem
preservadas, contudo, partes do muro estão pichadas. O prédio, de número 257,
132
abriga a unidade do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – Sesc/Senac
Iracema (Figura 75).
Figura 75 - Imóvel na Rua José Avelino, nº 257 - Fortaleza/2015
Fonte: Própria autora, 2015.
Ainda nesse trecho da Rua José Avelino, observou-se um imóvel antigo
desocupado, exposto a aluguel, para atividades comerciais (Figuras 76 e 77), como
os outros imóveis envolvidos com a dinâmica da Feira e das lojas locais, ressaltando-
se, ainda, que sua estrutura arquitetônica se assemelha a edificações datadas do
século XIX.
Figura 76 - Imóvel na Rua José Avelino nº 247 - Fortaleza/2015
Fonte: Própria autora, 2015.
Figura 77 - Placa de aluguel de imóvel na Rua José Avelino nº 247- Fortaleza/2015
Fonte: Própria autora, 2015.
133
Na década de 1990, conforme pesquisa em jornais de Fortaleza, relatos de
feirantes e de um dos proprietários dos galpões onde ocorre a Feira, a Rua José
Avelino era utilizada para o entretenimento. Nessa via, existiam casas de shows,
boates e galeria de arte.
Como exemplo desse antigo uso da Rua José Avelino tem-se a boate
Mystical, que funcionava no número 62. A Figura 78 mostra um cartaz com o endereço
da antiga boate situada nessa via. Atualmente, no local, funciona um conjunto de lojas
de confecção (Figura 79).
Figura 78 - Cartaz da Boate Mystical - Fortaleza /2005
Fonte: Fotolog, 2005.
Figura 79 - Imóvel onde se localizava a boate Mystical - Fortaleza/2014
Fonte: Própria autora, 2014.
Outro exemplo é a casa de show Canto das Tribos (Figura 80). Segundo
entrevista no jornal Diário do Nordeste (2015), a casa foi fundada nos anos 1990 e
funcionou até 2005. O Canto das Tribos era um clube, situado também à Rua José
Avelino, número 42, onde eram realizados shows de reggae, de bandas locais e
internacionais, desse segmento musical específico. Hoje, essa área foi transformada
no Galpão do Pequeno Empreendedor (Figura 81).
134
Figura 80 - Imóvel Sede do Clube Canto das Tribos na Rua José Avelino nº 42 -
Fortaleza/2000
Fonte: Impressões mundanas, 2012.
Figura 81 - Imóvel Sede do Galpão do Pequeno Empreendedor na Rua José
Avelino - Fortaleza/2014
Fonte: Própria autora, 2014.
Outras casas de shows situadas à Rua José Avelino, como o Acervo
Imaginário, mudaram-se para a Avenida Pessoa Anta ou foram extintas, em 2013,
para dar lugar à atividade econômica predominante: o comércio.
Por que tecemos tantas considerações sobre esta rua onde ocorre
atualmente a Feira? Pelo fato de que
[...] na rua se tornam claras as formas de apropriação do lugar e da cidade, e é aí que afloram as diferenças e as contradições que permeiam a vida cotidiana, bem como as tendências de homogeneização e normatização impostas pelas estratégias do poder que subordina o social (CARLOS, 2007, p. 51).
A autora destaca que a rua pode ter o sentido de passagem, o sentido de
fim em si mesma, o sentido do mercado/aquele vinculado à troca, o sentido da festa,
o sentido da reivindicação, o sentido do morar, pode ser apropriada como território de
domínio de gangues, têm sentido da normatização da vida, têm o sentido da
segregação social, a formação de guetos, e a rua ainda pode preservar o sentido do
encontro (CARLOS, 2007).
No caso da Rua José Avelino, nota-se que, hoje, a via está diretamente
organizada no sentido do mercado e da troca, não só pela Feira, mas pelo surgimento
de outros estabelecimentos comerciais que se concentraram naquele local e no seu
entorno.
Todavia, pela análise temporal feita até aqui, percebe-se que a Rua José
Avelino se modificou, ao longo de sua existência, refletindo aspectos da dinâmica da
135
própria cidade. Atualmente, a Rua reflete a Feira em sua complexidade. Essa
atividade comercial desenvolveu-se porque estava naquela Rua, naquele bairro, e
herdou as características do passado de intercâmbios comerciais do local. Por isso,
foi transformando antigos usos, como o residencial e o de lazer, em novos usos
tipicamente comerciais.
A ação de agentes sociais na Rua e na Feira permitiram a formação de
territórios fixos e cíclicos interligados e interdependentes. A Feira constituiu-se em um
território plural onde estão agregados diferentes sentidos, sociabilidades, trocas
comerciais, relações de poder, conflitos e, fundamentalmente, a força propulsora da
mudança, o trabalho dos feirantes, na produção da cidade naquele bairro.
136
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Feira da Rua José Avelino é uma atividade que se originou no início dos
anos 1990, na Praça Caio Prado, em frente à Catedral Metropolitana de Fortaleza.
Hoje, realizada nas madrugadas de quarta para quinta-feira e de sábado para
domingo, a Feira, a partir dos anos 2000, passa a se projetar enquanto atividade
comercial na cidade e começa a influenciar o seu entorno. Todavia, essa projeção e
influência limitam-se, inicialmente, à porção do bairro Centro, que compreende a
Praça onde a Feira surgiu e, posteriormente, a Rua José Avelino.
Com o passar dos anos, a atividade começou a atrair mais pessoas, e o
espaço utilizado na Praça não era suficiente para acomodar o número crescente de
feirantes e compradores, que passaram a ocupar parte das vias, o que limitava esse
espaço público, interferindo no trânsito local. Aliado a isso, a insatisfação de parte dos
comerciantes do entorno, sobretudo do Mercado Central, pressionou a Prefeitura de
Fortaleza a delimitar um horário de encerramento para a Feira, às 8h.
A pressão realizada pelos comerciantes descontentes, que afirmavam ser
prejudicados pelos baixos preços dos produtos da Feira, ainda realizada na Praça, e
a Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público do Ceará em 2008 favoreceram o
processo de acomodação da atividade na Rua José Avelino. Por que acomodação?
Pelo fato de alguns feirantes, antes da proibição, já utilizarem barracas em antigos
estacionamentos e na própria via. Embora a Ação tenha sido movida em 2008, apenas
em 2011 a retirada dos feirantes da Praça foi efetivada.
Essa mudança, além de criar um novo território para a Feira, favoreceu o
surgimento de empreendimentos como feirões, lojas e shoppings nas proximidades
da Praça Caio Prado, da Rua José Avelino e do seu entorno, que se articulam com a
própria Feira. Esses locais foram denominados territórios fixos. Com isso, observa-se
que houve a valorização espacial daquela porção da cidade em função da expansão
da Feira. No entanto, o acesso a esses espaços é mediado pelo pagamento de aluguel
ou pela compra de um ponto comercial. Apenas os feirantes e comerciantes que
possuem condições financeiras podem ter acesso a eles.
Os feirantes que não estão inseridos na atividade por meio desse acesso,
que para alguns é bastante oneroso, criam novos territórios: os territórios cíclicos.
Esses espaços são produzidos nos dias da Feira e estão sujeitos a uma periodicidade
bem definida. Os territórios cíclicos são utilizados, em grande parte, por feirantes
137
ambulantes que expõem suas mercadorias em lonas ou em estruturas móveis
situadas em calçadas, canteiros centrais e faixas das vias públicas. Com o fim do
horário permitido pela Prefeitura ou pela solicitação dos fiscais da Sercefor, as
mercadorias são recolhidas pelos feirantes, e o território é desconstruído.
Observou-se, ainda, que a produção desses territórios fixos e cíclicos,
especialmente os últimos, é mediada por conflitos e disputas entre os agentes sociais
produtores da Feira. Por meio de relatos dos próprios feirantes e de notícias
catalogadas na hemeroteca, notou-se que estes confrontos decorrem da resistência
dos feirantes em ocuparem locais proibidos pela Prefeitura. Outra situação colocada
por eles é a repressão efetivada pela ação de guardas municipais e policiais ou ainda
pela apreensão de mercadorias realizada por fiscais da Sercefor. Sobre os conflitos,
percebeu-se que eles podem envolver os próprios feirantes e serem motivados pela
disputa de territórios na Feira ou, no caso mais comum, entre feirantes e
representantes do Estado.
Falar de território, ainda que de modo abstrato, requer a definição dos seus
limites espaciais. No caso da Feira, utilizou-se a delimitação definida pela Secretaria
Executiva Regional do Centro de Fortaleza - Sercefor, que foi espacializada por Silva,
E. S. (2013). A princípio, buscou-se analisar apenas a Feira que ocorre na Rua José
Avelino e na Travessa Icó. Contudo, ao longo das visitas de campos e das análises,
sobre o objeto percebeu-se que essa separação não poderia ser realizada tendo em
vista que os territórios fixos e cíclicos que compõem a Feira encontram-se interligados.
Dessa forma, a Feira da Rua José Avelino foi analisada como um território
delimitado pela poligonal criada com base na definição da Sercefor, mas que é
composta por outros territórios definidos com características e agentes produtores
específicos. Com base em Zambrano (2001), qualificou-se a Feira como um território
plural, tendo em vista que “as lutas e conflitos propriamente territoriais se produzem
quando entram em relação diferentes percepções de pertença, de domínio e
soberania sobre o espaço” (ZAMBRANO, 2001, p. 29, tradução livre). Na Feira, os
conflitos entre feirantes e representantes do Estado ocorrem pelo fato de um grupo
alegar e querer manter o domínio daquele território.
No caso dos confrontos entre os próprios feirantes, identificou-se a
motivação tanto econômica em querer possuir um território para comercializar suas
mercadorias, como a busca em garantir o seu domínio.
138
A elaboração da pesquisa procurou mostrar que a Feira da Rua José
Avelino é uma atividade que produz um território complexo constituído,
predominantemente, por relações comerciais, mas também por relações de
identidade, sociabilidades, desigualdades e conflitos.
A realização da Feira estabelece uma teia de relações econômicas
concretizadas tanto no local onde a atividade ocorre como no seu entorno. Sua prática
cria postos de trabalhos temporários e movimentação financeira, pelo consumo das
mercadorias na própria Feira e em lojas onde se adquire a matéria prima para a
fabricação dos produtos. Em conversas informais com comerciantes do entorno da
Feira, alguns afirmaram que atividade contribuiu para a permanência de pequenas
lojas nas proximidades da Catedral.
A Feira também cria relações de solidariedade. Em visitas de campo, pode-
se perceber que os feirantes se ajudam mutuamente. Pelo convívio intenso nos dias
da Feira, eles conversam sobre assuntos diversos e estabelecem vínculos de
sociabilidade que vão além da relação comercial entre vendedores e clientes.
Destaca-se, ainda, que a Feira da Rua José Avelino se articula com outros
tipos de comércio localizados não só no bairro Centro, mas em outras regiões do País.
Segundo depoimento de compradores, as mercadorias adquiridas na Feira são
revendidas em pequenas lojas nas cidades de origem, movimentando a economia
local.
Em Fortaleza, a atividade movimenta outros estabelecimentos como lojas
de tecidos e aviamentos, hotéis e pousadas do Centro localizadas próximo à Feira.
Vendedores ambulantes, vendedores de lanches, taxistas e mototaxistas também se
beneficiam com o fluxo de pessoas atraídos para a Feira.
Ressalta-se que, apesar da Feira da Rua José Avelino ser realizada por
uma quantidade significativa de feirantes e atrair compradores de outros estados da
região Nordeste, a atividade não é reconhecida oficialmente pelo município. Segundo
entrevista realizada com o gerente da Célula de Mercado Ambulante em 2014, ele
afirmou que a Feira da Rua José Avelino, realizada nessa via, na Travessa Icó, na
Avenida Alberto Nepomuceno e na Rua Sobral, ocorre de modo irregular. O que a
Prefeitura faz é permitir a realização da atividade, que é controlada e fiscalizada pela
Sercefor. Ou seja, a Feira continua a se expandir, e o Poder Público Municipal realiza
apenas ações de “ordenamento” e fiscalização.
139
Conforme a Lei nº 5.530, de 17 de dezembro de 1981, que institui o Código
de Obras e Posturas de Fortaleza, as feiras devem ser orientadas, fiscalizadas,
redimensionadas, remanejadas ou proibidas pelo órgão competente da Prefeitura. O
responsável por estabelecer soluções para os problemas decorrentes da realização
da Feira é a própria Prefeitura de Fortaleza, no entanto, pouco tem sido feito por essa
questão. São, aproximadamente, 20 anos de existência da Feira (1995 a 2015), e as
medidas buscadas para se estabelecer um diálogo entre feirantes e Poder Público
não levam a ações concretas.
A pesquisa procurou capturar, nesse período, as relações e a própria
dinâmica que a Feira da Rua José Avelino possui no bairro Centro e seu contexto na
cidade de Fortaleza. As entrevistas gravadas e as conversas com os agentes
envolvidos na atividade buscaram apreender questões relevantes que foram pouco
desenvolvidas por outros autores.
Apesar do empenho em caracterizar e discutir as análises que resultaram
na elaboração da dissertação se reconhece que as transformações na Feira e naquela
porção da cidade continuarão a ocorrer, por isso, demandam novas análises que
poderão ser realizadas em pesquisas futuras.
Conclui-se que a Feira não é apenas uma atividade comercial, mas um
local de encontro, de sociabilidades, de trabalho e, também, inclui um bem tombado
pelo patrimônio histórico municipal. Por isso, os agentes sociais produtores da Feira,
especialmente, o Estado e os feirantes, compõem um conjunto de relações sociais
produtoras de territórios que alteram a cidade, valorizam o espaço urbano e estão em
permanente tensão, modificando o modo como a cidade é construída.
140
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______. Decreto nº 13.035, de 10 de dezembro de 2012b. Dispõe sobre a proteção do Patrimônio Histórico-Cultural, através do tombamento da PAVIMENTAÇÃO DA RUA JOSÉ AVELINO, na forma que indica. ______. Projeto de Lei Ordinária Nº 65, de 13 de maio de 2008. Cria no âmbito do município de Fortaleza a Feira Popular de Confecções (FEIRA DA SÉ) e dá outras providências. ______. Lei Orgânica do Município,15 de dezembro de 2006. Disponível em: < http://cmfor.virtuaserver.com.br/Leis_Brasil/Lorg.htm>. Acesso em: 17 abr. 2015. RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993. RAPOSO, Maria Cristina; GOMES, Gustavo Maia. Estudo de caracterização econômica do polo de confecções do agreste pernambucano. Relatório Final apresentado ao SEBRAE-PE. Recife: FADE/UFPE, 2003. REGGAE sob o sol de Iracema. Diário do Nordeste, Fortaleza, 01 fev. 2015. Caderno 3. Disponível em: < http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/caderno-3/reggae-sob-o-sol-de-iracema-1.1210240>. Acesso em: 13 abr. 2015. RIBEIRO, Germano; BEZERRA, Renato. Ação de ordenamento termina em confusão na José Avelino. Diário do Nordeste, Cidade, p. 3. 11 abr. 2014. SACK, Robert David. Territorialidade humana: sua teoria e história. Cambridge, 1986. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/122069571/Sack-Robert-David-Territorialidade-Humana-sua-teoria-e-historia#scribd>. Acesso em: 03 jun. 2015. SAMPAIO, Jorge Henrique Maia. Para não perder o bonde: Fortaleza e o transporte da light nos anos 1913-1947. Dissertação de mestrado em História Social. Fortaleza/CE, 2010. SANTIAGO, Waleska. Feira na Praça Caio Prado. Publicado em 26 de abril de 2009. Disponível em: <https://www.flickr.com/photos/waleskasantiago/3483956262/in/photostream/>. Acesso em: 16 abr. 2015. SANTOS, Milton. A natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. 4. ed. 2ª. Reimpr. São Paulo: Edusp, 2006. ______. Por uma geografia nova: da crítica da Geografia a uma Geografia crítica. 3. ed. São Paulo: Hucitec, 1986. SILVA, José Borzacchiello da. Formação socioterritorial urbana. In: Dantas, Eustógio Wanderley Correia. De cidade à metrópole: (trans)formações urbanas em Fortaleza. Edições UFC, 2009, p. 87/141. SILVA, José Borzacchiello da. Os incomodados não se retiram: uma análise dos movimentos sociais em Fortaleza. Fortaleza: Multigraf, 1992.
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APÊNDICES
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APÊNDICE A – ROTEIRO DE ENTREVISTA 1
Universidade Estadual do Ceará - UECE
Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa Centro de Ciência e Tecnologia - CCT
Programa de Pós-Graduação em Geografia da Uece - ProPGeo Laboratório de Estudos de População - Lepop
Roteiro de entrevista 1 - Feirantes das barracas e Feirantes dos galpões
Nº_____ Nome____________________________ Data___/___/______
1. As barracas são montadas por quem?
2. Quanto é o valor do aluguel das barracas? 3. As barracas possuem proprietários? 4. Onde as barracas são armazenadas ao final da Feira? 5. Que dia e horário as barracas são montadas? 6. Quem estipula os dias e os horários para a montagem das barracas?
7. Quantos galpões existem na Rua José Avelino?
8. Quem são os proprietários dos galpões?
9. Como é feita as reformas dos boxes nos galpões?
10. Qual é o valor cobrado pelo uso dos boxes?
11. Quais os dias e horários de funcionamento dos galpões?
12. As reformas e ampliação dos galpões foram realizadas em que ano?
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APÊNDICE B – ROTEIRO DE ENTREVISTA 2
Universidade Estadual do Ceará – UECE
Pró-Reitoria de Pós-Graduação E Pesquisa Centro de Ciência e Tecnologia - CCT
Programa de Pós-Graduação em Geografia da Uece – ProPGeo Laboratório de Estudos de População - Lepop
Roteiro de entrevista 2 - Feirantes da Rua José Avelino e do seu entorno
Nº_____ Nome____________________________ Data___/___/______
1. Qual o bairro que você mora?___________ Cidade______________________ 2. Em que ano você iniciou o trabalho na Feira?_________ 3. Você participa/participava de outra Feira?
( ) Sim Qual ? ______________ ( ) Não 4. Qual é/era a sua situação de emprego? ( ) empregado(a) ( ) desempregado(a) ( ) aposentado(a) ( ) outro ______ 5. Qual é/era a sua situação de trabalho na Feira? ( ) proprietário do negócio ( ) funcionário ( ) outros ____________ 6. Você é/era chefe da família? ( ) Sim ( ) Não 7. Você produz/produzia a mercadoria que vende/vendia? ( ) todas ( ) algumas ( ) nenhuma 8. Onde você compra/comprava as matérias-primas (aviamentos, linhas) para
produzir as mercadorias? Qual o bairro?
9. O que você faz/fazia nos dias que não vem/vinha para a Feira? ( ) produz as mercadorias ( ) possui outro trabalho ( ) faz bicos ( ) cuida da casa ( ) outros______________ 10. Fale um pouco como era a Feira quando você começou a trabalhar nela:
11. Que área você ocupava? Onde eram expostas suas mercadorias? Atualmente,
que espaço você utiliza?
12. Em que dias e horários da semana acontece/acontecia a Feira?
13. Existe/existia o controle dos horários por parte da Prefeitura (Guarda Municipal, Polícia, etc.)?
14. Você sabe/sabia a origem dos seus clientes?
15. Como é/era a relação entre você e os outros feirantes?
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16. Existem/existia regras ou normas para o uso do espaço onde você trabalha/trabalhou?
17. Existem/existia conflitos, disputas ou desafetos entre os feirantes onde você trabalha/trabalhou?
18. O(s) proprietário(s) do espaço onde você trabalha/trabalhou exercem/exerciam algum tipo de repressão, intimidação ou exigências?
19. Cite pelo menos 3 aspectos negativos da Feira:
20. Cite pelo menos 3 aspectos positivos da Feira:
21. O que te fez trabalhar na Feira?
22. Qual é/era a importância da Feira para você?
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APÊNDICE C – ROTEIRO DE ENTREVISTA 3
Universidade Estadual do Ceará - UECE Pró-Reitoria de Pós-Graduação E Pesquisa
Centro de Ciência e Tecnologia - CCT Programa de Pós-Graduação em Geografia da Uece - ProPGeo
Laboratório de Estudos de População - Lepop
Roteiro de entrevista 3 - Representantes/proprietários de territórios fixos no entorno da Feira da Rua José Avelino
Nº_____ Nome____________________________ Data___/___/______
Estabelecimentos do entorno da Praça Caio Prado
Nome do estabelecimento ________________________________________
Tipo do estabelecimento ( ) comercial ( ) outros ( )____________
Relação entre o comércio e o seu entorno
1. Qual o ano de criação do estabelecimento?
2. Os produtos comercializados atualmente são os mesmos desde o período de criação?
( ) sim ( ) não 3. Quais os dias de funcionamento do estabelecimento? ( ) Dom ( ) Ter ( ) Qui ( ) Sáb ( ) Seg ( ) Qua ( ) Sex 4. Quais os dias de maior venda ou de maior movimento? ( ) Dom ( ) Ter ( ) Qui ( ) Sáb ( ) Seg ( ) Qua ( ) Sex 5. Quem são os clientes? Eles são de Fortaleza ou de outros Estados? São
sacoleiras ou revendedores? 6. Qual sua opinião sobre a realização da Feira e sobre o comércio de confecção do
entorno? 7. O seu estabelecimento é influenciado de alguma forma nos dias de ocorrência da
Feira? ( ) sim ( ) não 8. Caso seja influenciado, cite aspectos positivos e negativos: 9. Caso o estabelecimento seja da década de 1990, descreva como era a Feira da
Sé e que tipo de estabelecimentos existia no entorno da Praça Caio Prado: