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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES Juliana Delborgo Abra Olivato Maria Helena Rosas Fernandes: catálogo comentado da obra completa e fases composicionais CAMPINAS 2016

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ARTES

Juliana Delborgo Abra Olivato

Maria Helena Rosas Fernandes: catálogo comentado

da obra completa e fases composicionais

CAMPINAS

2016

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Juliana Delborgo Abra Olivato

Maria Helena Rosas Fernandes: catálogo comentado

da obra completa e fases composicionais

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Música do Instituto de Artes da

Universidade Estadual de Campinas como

parte dos requisitos exigidos para a obtenção

do título de Mestra em Música, na Área de

Concentração Música: Teoria, Criação e

Prática.

Orientadora: Profa. Dr

a. Lenita Waldige M. Nogueira

Coorientadora: Profa. Dr

a. Denise Hortência L. Garcia

Este arquivo digital corresponde à versão final da

dissertação defendida pela aluna Juliana

Delborgo Abra Olivato e orientada pela Profa.

Dra. Lenita Waldige Mendes Nogueira.

CAMPINAS

2016

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Dedico este trabalho

à minha família, que estará sempre comigo.

Ao Pedro, parceiro incontestável,

à Lucy, presença constante,

e à Cacau, filha do meu coração,

que nos amou demais e cedo se foi.

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AGRADECIMENTOS

À CAPES, peça concessão da Bolsa que possibilitou minha dedicação à essa pesquisa.

À minha orientadora Lenita Nogueira, sempre pronta em ajudar. Orientou esta pesquisa com

competência e clareza de ideias, me auxiliando a dar direção e coerência ao trabalho.

À minha coorientadora Denise Garcia, que se mostrou muito presente e participativa neste

trabalho, me ajudando a enxergar a obra de Maria Helena sob outra perspectiva e ampliando

meus horizontes da análise e da pesquisa musical.

À compositora Maria Helena Rosas Fernandes, que se mostrou solícita em ajudar desde o

primeiro contato e me recebeu com hospitalidade e gentileza em sua casa, abrindo seu acervo

e sua história para que essa pesquisa se realizasse.

Aos funcionários do CDMC, que sempre me atenderam com prontidão e boa vontade,

empenhados em ajudar, em especial à Fabiana Benine, que muitas vezes me “salvou”

enviando material e me socorrendo. Também à diretora do CIDDIC, na pessoa da Denise

Garcia, que possibilitou meu acesso integral ao CDMC e seus serviços.

À pianista Sylvia Maltese, que cedeu gentilmente uma entrevista para este trabalho e que

estuda e divulga a obra de compositores brasileiros com competência e delicadeza.

Aos professores Jônatas Manzolli e Marco Pupo Nogueira que em muito contribuíram com

suas colocações tecidas na banca de qualificação.

Aos amigos Danilo Andrade e Eduardo Guarnetti que me auxiliaram com as edições das

partituras.

Aos professores, amigos, colegas e funcionários do Instituto de Artes da UNICAMP pelo

aprendizado, parceria e ajuda.

À minha família e amigos que me apoiaram, ajudaram e compreenderam. Em especial, ao

meu marido Pedro Ivo que nunca demonstrou outra atitude senão de apoio, compreensão e

amor.

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RESUMO

Este trabalho se propôs a elaborar um catálogo comentado da obra musical completa de Maria

Helena Rosas Fernandes (1933), bem como definir fases e características em sua trajetória

como compositora. Maria Helena tem seu trabalho reconhecido por meio de premiações

recebidas, além de obras publicadas, gravadas e executadas tanto no Brasil quanto no exterior.

Buscamos preencher uma lacuna de estudo sobre tal obra musical com uma metodologia que

se apoiou sobre dois objetos de pesquisa, as partituras como fontes primárias e o objeto como

fenômeno real — que seria o material proveniente das entrevistas realizadas com a

compositora. O catálogo apresenta uma ficha catalográfica para cada uma das setenta e duas

peças, contando com diversas formações para solo, música de câmara, orquestral, óperas,

entre outras. As fichas contêm as informações de catalogação (título, ano da composição,

formação instrumental, edição, localização do manuscrito, duração, estreia, premiações,

gravações e outras informações) e ainda os comentários musicais, que podem tratar sobre a

forma, a estrutura, o gênero, o material musical, a temática extramusical, as características do

processo composicional, a rítmica e a instrumentação de cada peça. A partir da análise dos

objetos de pesquisa definimos três períodos distintos entre si e com caraterísticas peculiares

na carreira da compositora. Dentre estes se destacaram a segunda e terceira fases, que incluem

composições com influências da música indígena brasileira, a utilização de temas

extramusicais como elementos condutores do processo composicional e a aplicação de temas

variados — com maior proeminência para os relacionados ao Brasil e à sua natureza. A obra

de Maria Helena é brasileira (porém não é nacionalista) e singular, partindo de elementos

tipicamente brasileiros como cantos de índios e de pássaros nativos para compor uma obra

original.

Palavras-chave: Maria Helena Rosas Fernandes; Catálogo Comentado; Fases

Composicionais; Música Brasileira do séc. XX e XXI; Música Indígena; Compositora

Brasileira.

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ABSTRACT

This study aimed to develop a commented catalog of the complete musical work of Maria

Helena Rosas Fernandes (1933), as well as defining phases and characteristics in her career as

a composer. Maria Helena has her work recognized through awards received and works

published, recorded and performed both in Brazil and abroad. We seek to fill a gap of study

about her musical work with a methodology that is supported on two research objects, the

musical scores as primary sources and the object as real phenomenon — that would be the

material from the interviews with the composer. The catalog features a cataloguing record for

each of the seventy-two musical pieces, with diverse formations for solos, chamber music,

orchestral, opera, among others. The records contain the cataloging information (title, year of

composition, instrumental formation, editing, location of the manuscript, duration, premiere,

awards, recordings and other information) and also musical comments, which can handle on

the form, structure, the genre, the musical material, the extramusical theme, the characteristics

of the compositional process, the rhythm and instrumentation of each piece. We defined three

distinct periods each other and characteristics in the composer's career from the analysis of the

research objects. Among them stood out the second and third phases, which include

compositions with influences of Brazilian Indigenous music, the use of extramusical topics

such as driver element in the compositional process and the application of various themes —

with greater prominence for related to Brazil and its nature. The work of Maria Helena is

brazilian (but not nationalist) and singular, with typical brazilian elements like Indigenous

chants and chants of native birds to compose an original work.

Keywords: Maria Helena Rosas Fernandes; Commented Catalog; Compositional Phases;

Brazilian Music; Indigenous Music; Brazilian Woman Composer.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURAS

Fig. 1 - Seção A da peça Modinha para piano de 1975, manuscrita (trecho editado pela

autora do trabalho).................................................................................................................43

Fig. 2 - Seção B da peça Modinha para piano de 1975, manuscrita (trecho editado pela

autora do trabalho).................................................................................................................45

Fig. 3 - Trecho de Wamarĩ (parte 3: Canto de Caça, comp. 1-4) para barítono e piano,

manuscrita (trecho editado pela autora do trabalho)..........................................................73

Fig. 4 - Choro de Alegria, 1ª parte de Dawawa Tsawidi, 1979 (comp. 1-7), manuscrita

(trecho editado pela autora do trabalho)..............................................................................85

Fig. 5 - Choro de Alegria, 1ª parte de Dawawa Tsawidi, 1979 (comp. 8-12), manuscrita

(trecho editado pela autora do trabalho)..............................................................................86

Fig. 6 - Choro de Alegria, 1ª parte de Dawawa Tsawidi, 1979 (comp. 13-18), manuscrita

(trecho editado pela autora do trabalho)..............................................................................87

Fig. 7 - Choro de Alegria, 1ª parte de Dawawa Tsawidi, 1979 (comp. 19-22), manuscrita

(trecho editado pela autora do trabalho)..............................................................................89

Fig. 8 - Choro de Alegria, 1ª parte de Dawawa Tsawidi, 1979 (comp. 23-25), manuscrita

(trecho editado pela autora do trabalho)..............................................................................90

Fig. 9 - Choro de Alegria, 1ª parte de Dawawa Tsawidi, 1979 (comp. 26-29), manuscrita

(trecho editado pela autora do trabalho)..............................................................................91

Fig. 10 - Choro de Alegria, 1ª parte de Dawawa Tsawidi, 1979 (comp. 30-34), manuscrita

(trecho editado pela autora do trabalho)..............................................................................92

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Figura 11 - Rascunho do processo composicional de Maria Helena contendo transcrição

própria de cantos de pássaros da região mineira. Fotografado do arquivo pessoal da

compositora em janeiro de 2015, da obra Sinfonia das águas cantantes (2010)..............116

Figura 12 – A Chapada dos Guimarães (parte 1 de Brasil 92) de 1992, comp. 1,

manuscrita (trecho editado pela autora do trabalho) .......................................................119

Figura 13 – A Chapada dos Guimarães (parte 1 de Brasil 92) de 1992, comp. 2,

manuscrita (trecho editado pela autora do trabalho)........................................................120

Figura 14 – A Chapada dos Guimarães (parte 1 de Brasil 92) de 1992, comp. 3-4,

manuscrita (trecho editado pela autora do trabalho)........................................................121

Figura 15 – A Chapada dos Guimarães (parte 1 de Brasil 92) de 1992, comp. 5-6,

manuscrita (trecho editado pela autora do trabalho)........................................................122

Figura 16 – A Chapada dos Guimarães (parte 1 de Brasil 92) de 1992, comp. 7-8,

manuscrita (trecho editado pela autora do trabalho)........................................................123

Figura 17 – A Chapada dos Guimarães (parte 1 de Brasil 92) de 1992, comp. 9-10,

manuscrita (trecho editado pela autora do trabalho)........................................................124

Figura 18 – A Chapada dos Guimarães (parte 1 de Brasil 92) de 1992, comp. 11-12,

manuscrita (trecho editado pela autora do trabalho)........................................................125

Figura 19 – A Chapada dos Guimarães (parte 1 de Brasil 92) de 1992, comp. 13-16,

manuscrita (trecho editado pela autora do trabalho)........................................................126

Figura 20 – A Chapada dos Guimarães (parte 1 de Brasil 92) de 1992, comp. 17-18,

manuscrita (trecho editado pela autora do trabalho)........................................................127

Figura 21 – A Chapada dos Guimarães (parte 1 de Brasil 92) de 1992, comp. 19-20,

manuscrita (trecho editado pela autora do trabalho)........................................................128

Figura 22 – A Chapada dos Guimarães (parte 1 de Brasil 92) de 1992, comp. 21-22,

manuscrita (trecho editado pela autora do trabalho)........................................................129

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Figura 23 – A Chapada dos Guimarães (parte 1 de Brasil 92) de 1992, comp. 23,

manuscrita (trecho editado pela autora do trabalho)........................................................130

Figura 24 – A Chapada dos Guimarães (parte 1 de Brasil 92) de 1992, comp. 24-25,

manuscrita (trecho editado pela autora do trabalho)........................................................131

Fig. 25 - Cópia da tela de aprovação do Projeto de Pesquisa junto à Plataforma

Brasil......................................................................................................................................245

TABELAS

Tab. 1 – Relação intervalar entre a flauta e o clarinete em Choro de Alegria...................83

Tab. 2 – Relação intervalar entre o clarinete e a trompa em Choro de Alegria................84

Tab. 3 – Contagem geral das notas em A Chapada dos Guimarães..................................132

Tab. 4 - Densidade por instrumentação em cada compasso de A Chapada dos Guimarães,

parte da peça Brasil 92 (1992), manuscrita, de Maria Helena Rosas Fernandes............133

Tab. 5 – Quadro geral das temáticas extramusicais constantes em toda a obra de Maria

Helena.....................................................................................................................................185

GRÁFICOS

Graf. 1: Amostragem do número de peças compostas nos anos 1970................................38

Graf. 2: Amostragem do número de peças compostas nos anos 1980................................38

Graf. 3: Amostragem do número de peças compostas nos anos 1990................................39

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Graf. 4: Amostragem do número de peças compostas nos anos 2000................................39

Graf. 5: Amostragem do número de peças compostas nos anos 2010................................39

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LISTA DE ABREVIATURAS

A) Termos e Instituições

Centro de Documentação de Música Contemporânea: CDMC

Compasso: Comp.

Fundação Nacional de Artes: FUNARTE

Instituto Nacional de Música: INM

Irmãos Vitale Editora Brasileira de Música: VITALE.

Manuscrito: ms.

n.c.: não consta

n.l.: não localizado

Universidade Estadual de Campinas: UNICAMP.

B) Instrumentos musicais e vozes

Agogô: Ago.

Atabaque: Atb.

Baixo (vocal): B.

Baixo (instrumental): Bx.

Baixo profundo: B. prof.

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Barítono: Bar.

Berimbau: Ber.

Bombardão: Bbdão.

Bombardino: Bdn.

Bongo: Bng.

Bumbo: Bbo.

Caixa: Cx.

Caixa clara: Cx-cl.

Celesta: Cel.

Clarinete: Cl.

Chocalho: Choc.

Chocalho Tubular: Choc. Tub.

Carrilhão: Car.

Cimbasso: Cimb.

Clarineta: Cl.

Clarineta: Cl-Sib

Conguês: Cong.

Contrabaixo: Cbx.

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Contra Fagote: CFg.

Contralto: A.

Cordas: Cds.

Cornete: Cnt.

Corninglês: C. Ing.

Coro a capella: Coro a cap.

Coro em uníssono: Unís.

Coro infantil: Co. inf.

Coro misto: SATB

Cravo: Cemb.

Eufônio: Euf.

Fagote: Fg.

Flauta: Fl.

Flautim: Ft.

Flicorno: Flic.

Folha de Flandres: Fol. Flan.

Ganzá: Gnz.

Glockenspiel: Gloc.

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Gongo: Gg.

Gran-cassa: Gc.

Guiso: Gso.

Harpa: Hpa.

Látego: Ltg.

Maraca: Mar.

Matraca: Matr.

Mezzo soprano: Mez.

Narrador: Nar.

Oboé: Ob.

Oficleide: Of.

Órgão: Og.

Palmas: Plm.

Pandeiro: Pd.

Percussão: Perc.

Piano: Pno.

Piano a 4 mãos: Pno-4ms.

Piccolo: Picc.

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Prato: Pto.

Prato suspenso: Pto. Susp.

Quarteto de cordas: Qrt-cds.

Reco-reco: Rec.

Saxhorne: Sxh.

Saxofone: Sx.

Saxofone Alto: Sx-A.

Saxofone barítono: Sx-B.

Saxofone tenor: Sx-T.

Saxofone tenor: Sx-T-Sib

Sino: Sin.

Sinos Tubulares: Sin. Tub.

Sistro: St.

Soprano (coro): S.

Soprano (solista): Sop.

Soprano dramático: Sop. Dram.

Sopros: Sopr.

Surdo: Sdo.

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Tambor: Tamb.

Tambor grande: Tamb. Gde.

Tambor militar: Tamb-mil.

Tamborin: Tbrin.

Tam-Tam: Tt.

Tam-Tam agudo: Tt. Ag.

Tam-Tam grave: Tt. Gr.

Tam-Tam pequeno: Tt. peq.

Tam-Tam grande: Tt. gde.

Temple-block: T-block

Tenor: T.

Triangulo: Trg.

Tímpanos: Timp.

Trombone: Tbn.

Trombone: Tbn-Sib

Trompa: Tpa.

Trompa em fá: Tpa-F

Trompete: Tpt.

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Trompete: Tpt-Dó

Tuba: Tb.

Vibrafone: Vib.

Viola: Vla.

Violão: Vlo.

Violino: Vln.

Violoncelo: Vlc.

Voz: V.

Wood Block: W.Bl.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................23

1. A PRIMEIRA FASE (1970-1977): INICIAÇÃO.............................................................30

1.1. Considerações sobre a peça de amostragem da 1ª fase: Modinha ..............................40

1.2. Fichas catalográficas comentadas (1ª fase)....................................................................47

2. A SEGUNDA FASE (1977-1982): EXPERIMENTAÇÃO..............................................71

2.1. Sobre a música indígena e as técnicas composicionais de Maria Helena....................75

2.2. Considerações sobre a peça de amostragem da 2ª fase: Dawawa Tsawidi..................81

2.3. Fichas catalográficas comentadas (2ª fase)....................................................................94

3. A TERCEIRA FASE (A PARTIR DE 1983): LIBERTAÇÃO.....................................110

3.1. A libertação.....................................................................................................................110

3.2. Sobre o processo composicional....................................................................................113

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3.3. Considerações sobre a peça de amostragem da 3ª fase: Brasil 92.............................117

3.4. Fichas catalográficas comentadas (3ª fase)..................................................................134

CONCLUSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................183

REFERÊNCIAS....................................................................................................................188

ANEXOS................................................................................................................................193

Anexo I - Transcrição da entrevista completa I com Maria H. R. Fernandes................194

Anexo II - Transcrição da entrevista completa II com Maria H. R. Fernandes.............223

Anexo III – Documento da Entrevista com Sylvia Maltese...............................................240

Anexo IV – Documentação do Comitê de Ética em Pesquisa...........................................242

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“A vida é muito curta para ser pequena.”

Benjamin Disraeli

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INTRODUÇÃO

Mineira, nascida em 1933, na cidade de Brazópolis, Maria Helena Rosas

Fernandes recebeu educação formal em música que se estendeu por longos anos em

Conservatórios, Faculdades e com professores particulares, estudando com grandes nomes da

cena musical brasileira. Iniciou sua carreira de compositora em 1970 e continua ativa até os

dias de hoje, com intensa produção, sendo detentora de uma obra musical que soma setenta e

duas peças, incluindo composições para instrumento solo, coro a capella, duos, trios,

quartetos, quintetos, conjuntos de câmara, peças para voz e instrumentos, obras orquestrais,

para banda sinfônica e óperas.

É citada pela Enciclopédia da Música Brasileira (MARCONDES, 2000, p. 282) e

pelo Dicionário Biográfico de Música Erudita Brasileira (CACCIATORE, 2005, p. 137) como

compositora, pianista, regente e professora brasileira. Neste último consta que “(...) suas obras

tem participado de inúmeros eventos, tanto no Brasil como no exterior (...).” É considerada

entre as quinze compositoras brasileiras citadas pelo The New Grove Dictionary of Women

Composers (SADIE, 1994).

A autora Nilcéia Baroncelli em seu livro Mulheres Compositoras (1987. p. 96-99)

dedica quase quatro páginas à biografia e carreira de Maria Helena e, além dessas, são

encontradas citações no Dicionário Mulheres do Brasil (SCHUMAHER, 2000), na

Internacional Encyclopedia of Women Composers (COHEN, 1987) e nos livros Nós, as

mulheres: notícias sobre as compositoras brasileiras (ROCHA:1986); Precursoras

brasileiras (VIDAL, S. D.) e nas edições de História da Música no Brasil (MARIZ, 1981;

1983; 1994) e Música contemporânea brasileira, que cita Maria Helena como uma jovem

compositora (na época) “com lugar conquistado no panorama da música brasileira” (NEVES,

2008, p. 350).

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A obra de Maria Helena tem sido extensamente premiada, recebendo distinções

importantes como o Prêmio de Composição Nancy Van de Vate (2006) na Áustria, com a

Ópera Marília de Dirceu (1994), o 1º Prêmio do III Concurso Latino-Americano de

Composição de Montevideo, Uruguai, em 1988 pela peça Nakutnak para quinteto de sopros

(1987) e o 2º Prêmio do I Concurso Nacional de Composição de Música Erudita do Rio de

Janeiro em 1978, com a peça Ciclo para piano (1977). Em 2010 foi agraciada com a Comenda

Carlos Gomes e em 2013 recebeu o Prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte)

pelo Conjunto da Obra.

É idealizadora e organizadora do Encontro Internacional de Mulheres

Compositoras, que já contou com três edições1: no Rio de Janeiro (1993), em São Paulo

(1995) e em Poços de Caldas (2004), onde reside atualmente, sendo também membro da

Sociedade Brasileira de Música Contemporânea, da Sociedade Brasileira de Educação

Musical, da Sociedade Brasileira de Musicologia, da Internacional League of Women

Composers (Abilene, Estados Unidos) e da Fondazione Adkins Chiti: Donne in Musica2

(Roma, Itália).

Sua obra tem sido executada em importantes eventos no Brasil e no exterior,

como em Festivais Música Nova “Gilberto Mendes”, Bienais de Música Contemporânea,

Panoramas da Música Brasileira, Bienal Latino-Americana de Artes Plásticas, Encontros de

Compositores Latino-Americanos, Internacionales Festival Komponitinnen (Alemanha),

Workshop for Composers of Orchestral Works (República Tcheca), Congresso Brasil-Europa

500 anos (Alemanha) entre outros.

1 Maria Helena pretende empreender a quarta edição do evento, o qual reúne compositoras do Brasil e do

exterior para debaterem, trocarem experiências e pesquisas no campo da composição, além de terem algumas de

suas peças executadas por músicos convidados. 2 Fundação internacional que reúne mulheres compositoras.

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Uma pequena parte da obra foi publicada (pela Editora Vitale e pela FUNARTE)

e gravada, por exemplo, pela pianista brasileira Luciana Soares que registrou o Prelúdio

(1973) e a Valsa (1975) no CD Brasileira: Piano Music by Brazilian Women e o selo Rio Arte

Digital que gravou Nakutnak (1988) numa coletânea juntamente com outros compositores

brasileiros.

O trabalho mais completo que abordou sua trajetória foi a dissertação de mestrado

de Tânia Neiva intitulada Cinco mulheres compositoras na música erudita brasileira

contemporânea, defendida no Departamento de Música do Instituto de Artes da Unicamp em

2011, sob orientação de Lenita Nogueira. Nele, Maria Helena figura ao lado de outras quatro

compositoras, Jocy de Oliveira, Marisa Rezende, Vânia Dantas Leite e Denise Garcia. O

trabalho, de cunho mais sociológico, explorou a biografia e carreira das compositoras

enfocando a questão da posição da mulher no campo da composição de música erudita no

Brasil, não adentrando no campo de estudo das obras musicais em particular.

Apesar das diversas citações e de todo reconhecimento advindo das premiações

recebidas e participações em importantes eventos musicais não existia um trabalho de caráter

acadêmico sobre a obra musical de Maria Helena, deixando em aberto muitas questões, tais

como a importância de sua obra no contexto da música brasileira de concerto, como é a sua

obra, onde está disponível para consulta, para quais formações ela escreveu, suas fontes de

inspiração, correntes que a influenciaram, fases composicionais e respectivas características,

além da utilização do elemento indígena em suas composições.

Estas são questões que o presente trabalho buscou responder partindo de uma

metodologia que se baseou sobre dois objetos de pesquisa — as partituras como fontes

primárias e o objeto como fenômeno real (ECO, 2010, p. 35), que seria o material proveniente

das entrevistas realizadas com a compositora, tendo por objetivo elaborar um catálogo

completo da obra de Maria Helena Rosas Fernandes, contendo informações catalográficas,

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observações gerais e comentários musicais acerca de todas as peças, além da definição das

fases e características que a compositora desenvolveu ao longo de sua trajetória.

Primeiramente as partituras e gravações disponíveis foram buscadas na

Coordenação de Documentação de Música Contemporânea (CDMC) da Universidade

Estadual de Campinas e também no acervo pessoal de Maria Helena e foram organizadas a

partir das informações de um catálogo elaborado pela própria compositora e editado por

Rodolfo Braido, porém não publicado (contendo o ano da composição, o título, a

instrumentação, duração, edição e observações da maioria das peças). Também foram

observadas as temáticas extramusicais utilizadas e as características musicais em si, referentes

ao processo composicional, material musical, gênero, forma, rítmica e instrumentação.

Além das análises foram realizadas entrevistas3 com a compositora especialmente

sobre dados biográficos de sua formação musical e seu processo composicional. Estas foram

transcritas e encontram-se na íntegra para consulta nos Anexos e as informações decorrentes

dela foram organizadas cronologicamente, analisadas e interpretadas, juntamente com as

informações das análises musicais das peças, embasadas pela bibliografia disponível, de

forma que se obteve uma linha do tempo complexa, com grande quantidade de dados

inseridos interligando os elementos biográficos com a produção musical. Como resultado

foram observadas características marcantes, como exemplo, o momento em que ela começou

a se utilizar de temas indígenas como elemento de inspiração ou mesmo de citação4 em suas

composições.

Percebemos então que as peças mudaram significativamente ao longo dos anos,

pois ficaram mais longas, com mais divisões interna de partes, instrumentação maior e

3 Apesar das entrevistas constituírem um objeto de pesquisa, não se trata de um trabalho de história oral, já que

os depoimentos da compositora foram confrontados com as análises das partituras a fim de se chegar a

conclusões sobre a obra. As entrevistas foram previamente estruturadas a partir do estudo de Thompson (1992). 4 O termo “citação” é discutido e contextualizado dentro da obra no capítulo 2, a partir da pg. 58.

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também adquiriram caráter mais complexo quanto à textura,5 rítmica e material musical

utilizado. Com estes dados e análises em mãos foi possível definir fases composicionais na

trajetória da compositora, o que foi fundamental para o reconhecimento e aprofundamento das

particularidades de cada uma delas e para o entendimento dos processos composicionais,

possibilitando, desta forma, um caminho para um estudo mais aprofundado da obra e a

elaboração do catálogo comentado em si. A princípio foram pré-definidos dois e

posteriormente três períodos distintos e intimamente ligados à sua formação musical,

comprovando uma relação estabelecida entre os dados biográficos, as características das peças

e os exemplos de produções musicais.

De modo geral, as características e fatos biográficos que nortearam a divisão das

fases foram que de 1970 a 1977 encontramos peças mais curtas e simples, a maioria sem tema

extramusical. De 1977 a 1982 — período referente à segunda fase, quando a compositora

começou a se utilizar de temas e inspiração indígena para suas composições, no qual constam

a maioria das peças, coincidindo com a data em que encerrou os onze anos de estudo de

composição com Osvaldo Lacerda. Em 1983, quando terminou seus estudos formais em

música e se sentiu com maior liberdade de composição iniciou-se sua terceira fase que

perdura até os dias atuais, na qual notamos obras maiores e mais complexas para grandes

formações e a maioria das peças com temáticas extramusicais incluindo a mistura de assuntos

recorrentes como a natureza, o indígena, o religioso/místico e temas históricos.

Cada uma das fases será aprofundada nos capítulos a seguir, com as respectivas

fichas catalográficas de cada período e ainda considerações que foram elaboradas sobre peças

de amostragem de cada uma das fases, selecionadas com o propósito de aproximar o leitor da

obra em questão. Não se trata de análises aprofundadas, já que o objetivo principal do

trabalho não é analítico, antes, são considerações mais generalizadas e descritivas sobre as

5 O conceito de textura aqui mencionado está baseado na definição de Berry (1987). Veja mais na pg. 22.

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peças em questão. Tais peças de amostragem demonstram características importantes no

processo composicional de Maria Helena e foram apresentadas de forma completa (a parte ou

a peça toda separadas em trechos) para que o leitor tivesse uma visão mais ampla sobre a obra

em questão. Utilizamos apenas uma parte das peças selecionadas na segunda e terceira fases

pela extensão das mesmas, tendo em vista que as considerações são apenas complementares

ao catálogo comentado.

Foram realizadas duas entrevistas na casa da compositora em Poços de Caldas em

abril de 2014 e janeiro de 2015, além de contatos constantes desde 2013 por telefone e

correspondências (cartas e e-mails). Após estes encontros presenciais surgiu a necessidade de

conversar com a pianista Sylvia Maltese, que é considerada por Maria Helena a melhor

intérprete de sua obra, aquela que a compreendeu com maior profundidade. Sylvia cedeu uma

entrevista via Skype em fevereiro de 2015 e posteriormente enviou um documento por e-mail

relatando seus pensamentos e opiniões sobre a obra da compositora baseados em sua vivência

e estudo da mesma. A pianista gravou a peça Vales (2004) — que a ela foi dedicada, no CD

MULHERES COMPOSITORAS: França - Brasil de 2009.

Duas fontes bibliográficas serviram de inspiração para o tipo de escrita utilizado

neste trabalho. A primeira foi o livro de Verhaalen (2001), dedicado à vida e obra de Camargo

Guarnieri, sendo um catálogo completo no qual constam comentários de todas as partes das

peças escritos com fluência e domínio da linguagem musical que são impressionantes. O

outro livro é de Gompertz (2013) abordando de forma leve, porém consistente, um período de

cento e cinquenta anos de arte moderna, do Impressionismo até os dias de hoje. Além de

trazer conteúdos acerca dos períodos da história da arte (que foram temas de algumas das

peças de Maria Helena), o que mais chama a atenção é o fato do autor escrever sobre obras de

arte visuais com as quais (na maioria) não temos contato visual por meio do livro e, ainda

assim, a leitura é fluída, específica e nos garante um contato próximo com as obras de arte em

questão.

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Estas consultas se fizeram necessárias, pois, as maiores dificuldades encontradas

neste presente trabalho, além da reunião de todas as partituras das peças e a escassez de

gravações das mesmas, foi fazer com que a redação se mantivesse interessante ao leitor

considerando que este não se encontra em contato com as partituras, exceto nas peças de

amostragem para considerações mais detalhadas, nas quais optamos por colocar a partitura

(ou uma parte) completa a fim de conceder uma ideia um pouco mais sólida sobre a obra para

o leitor, ao invés de pequenos trechos e compassos soltos.

Na obra de Maria Helena encontra-se um total de setenta e duas composições,

contando com formações solistas para instrumentos (piano, violino, violão, percussão, órgão e

cravo), coro a capella, pequenos conjuntos de câmara, orquestra, orquestra e coro, banda

sinfônica, outros conjuntos instrumentais e óperas.

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1. A PRIMEIRA FASE (1970-1977): INICIAÇÃO

Maria Helena Rosas Fernandes nasceu em 08 de julho de 1933 em Brazópolis, cidade ao sul

de Minas Gerais. Filha de Ivette Braz e Pedro Rosas, foi com a mãe, pianista amadora, que

iniciou seus estudos ao piano, por volta dos seis anos de idade. Conta que o avô materno não

quis estudar Direito, ao invés disso, gastava o dinheiro destinado ao estudo assistindo a óperas

e comparando partituras de reduções para piano, “que ele ficava tocando até altas horas da

madrugada” (informação verbal).6 A mãe de Maria Helena, que veio de uma família que

gostava de tocar e cantar em casa, ensinava os filhos, como que brincando ao piano, e assim

ela adquiriu gosto pelo instrumento, talvez pela afinidade que tinha com a mãe, de quem

recorda com muito afeto, talvez pela forma carinhosa que lhe foi apresentado o instrumento. E

então saiu de Brazópolis, já mais velha (a idade exata não se recorda) e foi para Paraisópolis,

onde poderia continuar seus estudos. Em 1944 voltou para Brazópolis onde fez o Ensino

Médio e em 1950 foi para Itajubá (todas estas cidades no interior de Minas Gerais) onde fez o

Curso Normal pela Escola Normal Sagrado Coração de Jesus. Este foi o início de uma longa

jornada de estudos formais em conservatórios e faculdades, iniciando no conservatório de

música da cidade de Itajubá (para onde tentou levar uma filial do Conservatório Brasileiro de

Música do Rio de Janeiro). Ela comentou sobre as dificuldades encontradas nessa fase e seu

desejo de estudar:

Eu tinha um... Desespero para estudar, eu não sabia. Queria estudar! Não

sabia como e eu ouvi falar desse Conservatório que fazia filial, aí eu tentei

levar para lá, não deu certo. Eu comecei uma biblioteca só com livros de

música, pedia para Ricordi, pedia para Vitale. Eu fiz um livro de ouro para

ver se conseguia comprar um piano, um piano de cauda para fazer concerto

em Itajubá. Era uma cidade muito fria nessa área cultural. Eu não sei o

6 Fernandes, Maria Helena Rosas. Entrevista I [abr. 2014]. Entrevistadora: Juliana Abra. Poços de Caldas, 2014.

1 arquivo mp3 (90 min.). A entrevista na íntegra se encontra transcrita nos Anexos desta dissertação.

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porquê que eu era assim. Falar a verdade não sei. Porque o ambiente que eu

morava, com exceção da minha mãe, não favorecia. Era uma cidade muito

pequena, Paraisópolis, onde eu fui (...) É que eu nasci para isso. Você nasce

para isso e não há quem segure (informação verbal).7

Foi nessa época que ela ouviu falar sobre o curso profissionalizante em piano

oferecido pelo Conservatório Brasileiro de Música do Rio de Janeiro, no qual decidiu

ingressar passando a viajar de Paraisópolis para o Rio até quando se casou e se mudou para lá

(1960), onde o marido estudava medicina e onde residiram por aproximadamente três anos.

No Conservatório ela estudou piano com Elzira Amábile8 e iniciação musical com Liddy

Mignone9 (que lhe concedeu uma bolsa de estudo) e acabou se tornando muito próxima de

ambas as professoras, desenvolvendo uma relação de amizade. Concluiu o curso em 1964 e se

mudou para Campinas-SP por conta da profissão do marido.

Em 1966 iniciou um curso livre de composição com Osvaldo Lacerda (1927-

2011), “o melhor professor de composição de São Paulo” (informação verbal),10

segundo a

própria compositora, que durou onze anos (até 1977) e foi frequentado em Campinas e

posteriormente em São Paulo. Concomitantemente cursou sua segunda graduação, desta vez

em Composição e Regência pela Escola Superior de Música Santa Marcelina (São Paulo) que

foi concluída em 1977 enquanto ela também trabalhava com música e iniciava sua carreira

como compositora. Fez ainda um curso de aperfeiçoamento ao piano com João de Souza

7 FERNANDES, op. cit., 2014.

8 Elzira Amábile (1897-1983) foi Professora Catedrática em Piano pelo Conservatório Brasileiro de Música e

Titular-Fundadora da Academia de Música Lorenzo Fernandes, uma das mais renomadas mestras no Rio de

Janeiro da época. 9 Liddy Chiaffarelli Mignone (1891-1961), filha do famoso pianista Luigi Chiaffarelli foi quem iniciou o curso

de Iniciação Musical no Conservatório Brasileiro de Música e dedicou sua carreira ao ensino do piano e à

propagação dos métodos de iniciação musical no Brasil. 10

FERNANDES, op. cit., 2014.

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Lima11

de 1970 a 1973 e cursos de extensão universitária em educação musical, regência,

harmonia e composição com Hans- Joachim Koellreutter12

em 1971 e em composição com

Almeida Prado13

de 1976 a 1978, ambos pelo Departamento de Música do Instituto de Artes

da UNICAMP.

Dentre todos os grandes nomes da cena musical brasileira com quem estudou,

Maria Helena destaca Osvaldo Lacerda comentando sobre o quanto ele foi importante em sua

formação como compositora: “Ele era muito sistemático e muito organizado (...) ele dava tudo

bem claro, bem definido, seguindo uma linha certa (...) quando cheguei para ter aula com o

Almeida Prado eu estava pronta” (informação verbal).14

Segundo Neves (2008, p. 218),

Lacerda é o nome mais marcante da Escola de Composição de Camargo Guarnieri,15

com

quem estudou por dez anos, antes de receber os ensinamentos de Aaron Copland, nos EUA.

Também está entre os maiores talentos que passaram pelo estúdio de Guarnieri juntamente

com Sérgio Vasconcellos Correa, Ailton Escobar, Almeida Prado e Marlos Nobre, de acordo

com Verhaalen (2001, p. 57).

Viveu muitos anos em Campinas, onde estudou e atuou profissionalmente com a

música, regendo coros infantis e dando aulas de harmonia, análise e formando professores na

área de iniciação musical. Foi presidente do Grêmio Campinas Cultura e Arte, no qual

11

João de Souza Lima (1898-1982) foi um músico adepto do nacionalismo musical, tanto como intérprete

quanto como compositor. 12

Hans Joachim Koellreutter (1915-2005) foi um compositor e professor de origem alemã radicado no Brasil,

que exerceu muita influência na formação de músicos e professores, na produção cultural e no debate das ideias

do campo musical/político. Fundou o grupo Música Viva, que difundiu as técnicas contemporâneas da música

europeia, sobretudo o dodecafonismo. 13

José Antônio Rezende de Almeida Prado (1943-2010), compositor e pianista brasileiro considerado o

compositor mais destacado de sua geração por Salomea Gandelman (In NEVES, 2008:301). Almeida Prado

estudou no Brasil com Dinorá de Carvalho, Osvaldo Lacerda e Camargo Guarnieri, e com Nadia Boulanger e

Olivier Messiaen em Paris e György Ligeti em Darmstadt. Depois retornou ao Brasil e foi professor do curso de

música da UNICAMP por vinte e cinco anos. Segundo Neves (2008), ele não se ligou nem ao Grupo Música

Nova, nem ao nacionalismo da escola Camargo Guarnieri, assim como Maria Helena. 14

FERNANDES, op. cit., 2014. 15

A Escola de Composição de Camargo Guarnieri foi criada por volta de 1950 com o objetivo de dar orientação

a jovens compositores dentro da estética nacionalista.

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desenvolveu diversas atividades e ainda professora na Faculdade de Música da Universidade

Católica de Campinas, no Conservatório Musical Carlos Gomes, no Conservatório Musical de

Campinas, no Instituto Educacional Ave Maria e na Escola Pró-Música, todas estas

instituições campineiras, onde também apresentou peças de teatro infantil de sua autoria.

Toda esta fase inicial em sua formação resultou numa primeira fase composicional

que se iniciou em 1970 e foi até 1977, período em que ela compôs em quantidade, chegando

ao máximo de oito peças em 1974 (ver graf. 1, pg. 16). No entanto, notamos serem peças

curtas, de linguagem mais simples (quando comparadas às demais fases), com formas

consagradas e materiais musicais modernos (para época), a exemplo, o Prelúdio (1973) e a

Modinha (1975), ambas para piano.

Unicamente na primeira fase ela se utilizou de temas folclóricos brasileiros,

especialmente nas peças para coro a capella — suas primeiras composições, por meio das

quais homenageou os estados brasileiros, tais como: Nigue-Ninhas (1970) com tema do

folclore da Paraíba, Tatu é caboclo do sul (1970) com tema do folclore cearense e Pedreiros

(1971) com tema do folclore carioca. Ao longo de sua carreira trabalhou em geral com temas

brasileiros, porém nunca mais se inspirou no folclore nem tampouco demonstrou preocupação

em seguir a escola de Mário de Andrade, apesar dos muitos anos de estudo com Osvaldo

Lacerda (discípulo de Camargo Guarnieri).

A maioria das peças desta fase são para piano solo, que somam nove, seguidas de

sete para coro a capella, dois duos, um estudo para percussão, uma peça para coro e percussão

e duas outras peças maiores para coro e instrumentos, e para orquestra, coro e narrador. A

participação de um narrador é um recurso que Maria Helena começou a se utilizar em

Imagens (1977) e seguiu se aprimorando ao longo dos anos, pois ela diz que gosta de escrever

textos que compõe parte de suas peças situando o ouvinte acerca da época, discorrendo sobre

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o tema da música ou ainda compondo versos, motivo pelo qual os textos das peças são

geralmente de sua autoria.

Outra característica composicional que se iniciou nesta fase e se aprofundou com

grande intensidade nas demais foi a utilização de um conteúdo extramusical como fonte de

inspiração e ponto de partida para a composição. Maria Helena diz que precisa de algo para

inspirá-la: uma ideia, uma história, uma palavra, uma frase, um tema e, a partir da escolha

deste assunto é que ela passa a desenvolver os temas musicais e a obra em si. Esse processo se

dá com diversos compositores, porém, é interessante notar que a obra musical dela se

desenvolve a partir do tema extramusical e não a partir de um tema musical, além do que,

estas composições estão, em sua maioria, ligadas ao Brasil e suas referências. Isso se iniciou

com a peça Apocalipse (1976) que faz referência à Segunda Guerra Mundial e depois em

Imagens (1977) na qual a compositora se inspirou nos textos do Romanceiro da Inconfidência

de Cecília Meireles que falam da história de Minas Gerais, ou seja, tratam sobre sua origem,

sua terra natal que ela tanto preza.

Os temas históricos estão entre os mais recorrentes de toda a obra, porém, a

maioria das peças desta fase não apresentam temáticas definidas, ou seja, não são baseadas ou

inspiradas em temas extramusicais, mas sim em ideias musicais. As únicas peças com

inspiração folclórica estão ainda nesta fase e foram justamente as primeiras a serem

compostas.

A obra não foi escrita, de forma geral, para iniciantes na música, pelo fato da

rítmica complexa, grande quantidade de dissonâncias e virtuosismo por vezes exigido do

intérprete. Mesmo as peças desta fase (que são as mais fáceis quando comparadas às demais),

não são para nível iniciante. Tomando como exemplo as peças para piano, o Guia Temático

de Piano das Edições Vitale para o instrumento, somente de autores brasileiros, datado de

1983 indica as peças Modinha, Polca e Sinhá Marreca (as três peças mais fáceis) de Maria

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Helena, que foram publicadas pela Vitale, como apropriadas para alunos do terceiro ano de

piano (VITALE, 1983, p. 136) e o Ciclo para piano (1977) adequado ao aluno que esteja

cursando o nono ano de piano (VITALE, 1983, p. 295).

A relativa simplicidade constante nas peças desta fase, quando comparadas às

demais, se dá pelo fato de ser um período inicial em sua carreira, sendo que algumas peças

funcionaram quase como exercícios onde ela colocava em prática o que aprendia nas aulas de

composição com Osvaldo Lacerda. Compôs inicialmente para coro a capella, depois para

piano solo, passando para duos e somente seis anos depois começou a experimentar a música

para conjunto de câmara e orquestra. Estas duas últimas formações vieram a ser, mais tarde,

as de maior destaque e mais premiadas dentro de sua obra. Apesar de inicial, esta fase já

indica características na forma de compor que serão sustentadas por toda sua carreira ou, pelo

menos, muito recorrentes nas fases seguintes. Uma delas é que tudo na obra de Maria Helena

está conectado, nada é feito aleatoriamente, a estrutura das obras apresentadas nesta primeira

fase é baseada em motivos que reaparecem ora exatamente iguais, ora com variações, ou

fragmentados dentro de outros trechos ou ainda como fragmentos para construção de novos

motivos. Quando questionada se suas composições se baseavam em motivos, ela respondeu:

“Motivos, isso. Faço esquemas. Esquemas rítmicos também. Eu acho que todo mundo

trabalha assim. Faço esquema da forma também, ABA’, fuga. Pode ser que eu faça uma fuga,

pode ser que não” (informação verbal).16

Outro aspecto importante a ser ressaltado é a forma (referência ao número de

partes ou seções dentro da peça), que aparece sempre muito bem definida, em geral ternária

nesta primeira fase. Quanto à harmonia e materiais utilizados, o tonalismo, em geral, não está

presente na obra de Maria Helena, e quando aparece vem acompanhado por muitas

dissonâncias e cromatismos, que funcionam como uma névoa, encobrindo a tonalidade,

16

FERNANDES, Maria Helena Rosas. Entrevista II [jan. 2015]. Entrevistadora: Juliana Abra. Poços de Caldas,

2015. 1 arquivo mp3 (168 min.). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita nos Anexos desta dissertação.

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permitindo que esta se revele apenas pontualmente. Há também algumas peças modais, mas

que não apresentam relações harmônicas, sendo que as tensões são utilizadas como “coloridos

sonoros” e não com a intenção de serem resolvidas. Outras ainda não são nem modais nem

tonais, evitando qualquer sensação de um centro tonal principal, havendo casos em que

apresentam centros, porém, sem definição de função harmônica, ou seja, indefinição da

tonalidade.

Sobre a rítmica e a métrica, há inúmeras mudanças de fórmulas de compasso e

deslocamentos de acentos durante as peças, ocorrendo, diversas vezes, dentro de pouco

espaço de tempo. Verhaalen (2001) propõe dois motivos para o uso de diferentes fórmulas de

compasso, sendo eles: “1. para efeitos puramente rítmicos; ou 2. para proporcionar inflexões

especiais à melodia.” (VERHAALEN, 2001, p. 129 apud DERI, 1968, p. 84). No caso das

peças da primeira fase de Maria Helena, o motivo cabível seria, na maioria das vezes, o

segundo, já que, quase sempre a melodia não perde sua fluência pela mudança de compasso,

apenas acomoda-se à nova métrica, ou a métrica é que se acomoda à melodia. Além disso, as

figuras rítmicas se alteram bastante, constituindo uma dificuldade neste campo para a

execução, com aparição constante de quiálteras das mais variadas (tercinas, quintinas,

sextinas, septinas e outras); grupos de semicolcheias, fusas e semifusas que se alternam;

passagens virtuosísticas com muitas notas; contraposição rítmica de um instrumento em

relação ao outro, ocorrendo com grupos de quiálteras diferentes (como cinco notas contra

seis; oito contra nove etc.); notas pontuadas, entre outras. Apesar da dificuldade para a

execução ocasionada pela métrica e pela rítmica complexa, a precisão é muito importante para

a compositora que coloca indicação metronômica em praticamente todas as suas peças (e em

suas respectivas partes internas) ou, minimamente, indicação de andamento e/ou caráter.

Há também o aspecto da novidade em cada peça, tendo cada uma um conteúdo

totalmente diferente, sobre o qual ela comentou: “(...) e cada obra você repara, que é uma obra

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completamente diferente. Eu não tenho essa preocupação de fazer uma coisa “modernosa”,

faço aquilo que eu acho, que eu posso fazer, que soa bem para mim” (informação verbal).17

Quem também comentou sobre isso foi Sylvia Maltese (1949), pianista paulista,

professora e pesquisadora na área da música que se dedica principalmente a gravar e divulgar

obras de compositores brasileiros, dando especial destaque às mulheres. Maria Helena lhe

dedicou a obra Vales para piano solo de 2004, a qual Sylvia registrou no CD Mulheres

Compositoras França-Brasil. Gravado em São Paulo em 2009, conta também com a

participação de Paola Tarditi, pianista italiana com quem Sylvia tem o Duo Tarditi-Maltese, o

qual tem em seu repertório obras de Maria Helena como Vales (2004) e Dualismo (2000) para

dois pianos. Em 2004 Sylvia participou do 3º Encontro Internacional de Mulheres

Compositoras em Poços de Caldas-MG, organizado por Maria Helena, no qual apresentou o

recital-conferência “Mulheres Compositoras do Brasil”. A compositora comentou em

entrevista que Sylvia Maltese é a intérprete que entende com maior profundidade sua obra,

motivo pelo qual Sylvia foi procurada e cedeu uma entrevista na qual comentou sobre a

trajetória e a obra de Maria Helena:

Maria Helena tem uma trajetória muito particular dentro da música

contemporânea. Suas obras são extremamente trabalhadas, muito bem

estruturadas, sem perder a liberdade de criação que permite que ela se

expresse com lirismo, extrema delicadeza, mas também com brilhantismo e

virtuosidade. A cada obra, Maria Helena nos propõe, como intérpretes ou

como público, acompanhá-la em uma nova aventura sonora, determinada

pelos textos, muitas vezes seus, que acompanham suas obras e que nos

sugerem e indicam o caminho a seguir (informação verbal).18

17

FERNANDES, op. cit., 2015. 18

MALTESE, Sylvia. Entrevista III [fev. 2015]. Entrevistadora: Juliana Abra. Online via Skype e e-mail, 2015.

1 arquivo em Word enviado pela entrevistada (14,8 kb). O arquivo na íntegra encontra-se transcrito nos Anexos

desta dissertação.

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Anteriormente à demonstração das considerações realizadas sobre a peça

selecionada para amostragem desta fase, construímos graficamente a produção da

compositora ano a ano, desde quando começou a compor em 1970 até os dias atuais (ver

gráficos 1-5). Desta forma, optamos por demonstrar toda a carreira da compositora nos

gráficos, ao invés de apenas a primeira fase por ora, para que se tenha uma ideia geral da sua

produção.

Graf. 1: Amostragem do número de peças compostas nos anos 1970.

Graf. 2: Amostragem do número de peças compostas nos anos 1980.

0

2

4

6

8

1970 71 72 73 74 75 76 77 78 79

Gráfico de Composição (anos 70)

N° de Peças/Ano

0

2

4

6

8

1980 81 82 83 84 85 86 87 88 89

Gráfico de Composição (anos 80)

N° de Peças/Ano

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Graf. 3: Amostragem do número de peças compostas nos anos 1990.

Graf. 4: Amostragem do número de peças compostas nos anos 2000.

Graf. 5: Amostragem do número de peças compostas nos anos 2010.

0

2

4

6

8

1990 91 92 93 94 95 96 97 98 99

Gráfico de Composição (anos 90)

N° de Peças/Ano

0

2

4

6

8

2000 01 02 03 04 05 06 07 08 09

Gráfico de Composição (anos 2000)

N° de Peças/Ano

0

2

4

6

8

2010 11 12 13 14 15

Gráfico de Composição (anos 2010)

N° de Peças/Ano

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40

A partir da leitura e interpretação dos dados dos gráficos acima observamos que a

produção variou no tempo o número de obras, porém, não houve períodos longos sem novas

composições, apenas alguns anos pontualmente. Observamos também que no início da

carreira ela compunha em maior quantidade, em média 2,75 peças/ano (graf. 1), chegando ao

máximo de oito peças em 1974. Porém, esse período corresponde à primeira fase (até 1977)

onde as composições eram mais curtas e simples. A partir da segunda fase (1977-82) essa

média cai para aproximadamente 1,6 peça/ano, estendendo-se sobre a terceira fase (a partir de

1983), na qual as peças aumentaram em tamanho e complexidade. Apesar disso, o maior

número de peças do repertório de Maria Helena encontra-se em sua terceira fase

composicional (graf. 2-5), que já dura mais de trinta anos.

O ano de 1977 conta com três composições que serviram como divisoras de fase

por apresentarem características diferenciadas. Imagens pertence à primeira fase (apesar de

ser a primeira peça para orquestra) porque a segunda fase é marcada pela predominância da

temática indígena e a inauguração de um repertório pianístico mais virtuoso, muito executado

e premiado, sendo então Territórios e Ocas (a primeira peça com temática e inspiração da

música indígena, também premiada) e Ciclo para piano pertencentes à segunda fase.

1.1. Considerações sobre a peça de amostragem da 1ª fase:

Modinha

A peça selecionada para ser comentada com maior profundidade nesta primeira

fase foi Modinha, de 1975, para piano. Além de ser uma escolha pessoal da compositora, uma

peça com a qual ela se identifica e acredita representar essa fase, Modinha, sendo escrita para

instrumento solo está junto à formação da maioria das peças deste período, apresentando

também uma característica marcante da obra que é trabalhar um gênero (ou forma) tradicional

com linguagem moderna (para época).

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A modinha, gênero característico de canção brasileira é derivada da moda

portuguesa e chegou ao Brasil no século XVI, com a qualidade de canção romântica conforme

escreveu MELO (1947):

Estamos em pleno século XVI, justamente na época em que a canção

romântica, transportando-se de Portugal para o Brasil como o título de

modinha, nome derivado de mote ou moda, estaciona-se entre nós até os fins

do século XVIII, quando sob a influência das açafatas brasileiras, que

constituíam a guarda de honra de D. Maria I, transportando-se de novo para

Portugal torna-se o gênero de música mais predileto nas distrações do paço

(MELO, 1947).

Como forma musical brasileira começou a surgir a partir do século XVIII, quando

o mulato brasileiro Domingos Caldas Barbosa (1738-1800) fez sucesso em Portugal com

algumas canções de forte conotação erótica, segundo a edição concisa do Dicionário Grove de

Música (SADIE, 1994, p. 612). Com o romantismo, a modinha, que geralmente era

acompanhada pelo violão, passou de um estilo espirituoso para algo mais sentimental e o

compasso binário se tornou ternário por influência da valsa. Ainda as ariettas italianas

influenciaram suas estruturas melódicas, conforme Neves (2008, p. 29). Os compositores

passaram então a se utilizar de textos de Gonçalves Dias (1823-1864), Álvares de Azevedo

(1831-1852) e Casimiro de Abreu (1839-1860), pois a poética era característica forte na

modinha. E muitos compuseram dentro do gênero no Brasil, entre eles, o espanhol Dom José

Amat (1810-1875) e os brasileiros Alberto Nepomuceno (1864-1920), Carlos Gomes (1836-

1896), Henrique Alves de Mesquita (1830-1906) e Elias Lobo (1834-1901) de acordo com

Valença (1985, p. 57).

Independentemente de ter sua origem em Portugal, na Itália, ou ainda remontar às

canções de trovadores, a modinha, de origem europeia, caiu no gosto do brasileiro e se

fortaleceu como música de salão. Acredita-se que D. Pedro I tenha composto modinhas

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(VALENÇA, 1985, p. 60), assim como também compositores populares, e mais tarde o

gênero entrou em contato com o ambiente e a arte dos chorões, adotando os quatro tempos do

schottisch. Mário de Andrade, em um dos artigos constantes de seu livro Música, Doce

Música traz uma discussão sobre a raridade do desnivelamento da modinha, ou seja, o fato do

gênero ter passado do salão para o povo, “neste se tradicionalizando como forma da canção

lírica brasileira, mas sem considerar a modinha como valor folclórico” (ANDRADE, 1976, p.

344).

A Modinha de Maria Helena sofreu a influência da valsa, possui compasso

ternário e, apesar de originalmente ser característica da canção brasileira, esta composição é

instrumental, apresentando forma ternária simples. A textura da peça é polifônica, escrita a

duas vozes que realizam o tempo todo um contraponto. Segundo ela “foi uma brincadeira que

fiz com as vozes” (informação verbal).19

Modinha tem caráter Dolente e é bem lírica (quem sabe pela influência melodiosa

das ariettas italianas aqui nesta composição estilizadas), parecendo que as vozes realmente

cantam, construindo uma textura polifônica na peça. É uma das poucas peças tonais de Maria

Helena e se utiliza do material escalar de Dó menor harmônico, sendo a tonalidade

reconhecida por pontos de harmonia apresentados durante a peça (que estão destacados em

amarelo nas figuras 1 e 2). Apesar da tonalidade, há muito cromatismo, configurado por

várias notas de passagem e a segunda voz (mais grave) constrói um contraponto em relação à

primeira que contradiz sua estrutura harmônica. Apesar das duas vozes serem melódicas e

contrapontísticas, a primeira voz (soprano) é a principal.

19

FERNANDES, op. cit., 2014.

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Fig. 1: Seção A da peça Modinha para piano de 1975, manuscrita (trecho editado pela autora do trabalho).

A figura 1 mostra a seção A da peça, que apresenta o tema inicial nos oito

primeiros compassos dividido em duas frases de quatro compassos cada. Logo no primeiro

compasso notamos a relação contrapontística da segunda voz em relação à primeira e, a partir

do terceiro compasso a segunda voz “responde” ao tema inicial dialogando com a primeira

voz, iniciando uma “conversa” entre elas que ocorre em quase toda a peça. O mesmo acontece

nos compassos 5 a 8 onde a primeira voz apresenta a segunda frase que é respondida pela voz

do tenor (segunda voz) nos compassos 7 e 8.

Maria Helena Rosas Fernandes

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A partir do compasso 9, o tema inicial é repetido literalmente até o início do

compasso 11, apenas com variação de altura (uma oitava acima) e depois é desenvolvido em

sequências. Ainda no mesmo compasso tem início um conflito entre as vozes, pois a segunda

apresenta um cromatismo que nem sempre confirma a harmonia da melodia principal, sendo

construído sobre segundas maiores e menores, trazendo uma sensação de dissonância ao

ouvinte. Em alguns momentos ocorrem pontos de harmonia entre as vozes, os quais estão

alguns exemplos destacados em amarelo na partitura, como no caso dos compassos 15 e 16

que apresentam uma tensão com notas do acorde dominante que será resolvida no compasso

17, onde se inicia a seção B. Ocorre alternância entre tônica e dominante na melodia

principal, por exemplo, os compassos 9-11 estão em Dó menor — tônica (porém sem

confirmação harmônica da linha mais grave), e no compasso 11 o Si natural da linha grave

somado ao Láb da voz mais aguda, como pontos fortes do compasso, indicam o acorde de Sol

(com 9m) que se estende para o compasso 12 e assim sucessivamente. A textura da seção A é

polifônica, dado o caráter contrapontístico das vozes e as figuras de notas são, em grande

maioria, semínimas, com apenas algumas colcheias.

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Fig. 2: Seção B da peça Modinha para piano de 1975, manuscrita (trecho editado pela autora do trabalho).

A seção B (fig. 2) apresenta uma textura mais densa, onde a segunda voz, toda

escrita em figuras de colcheias faz movimentos ascendentes, geralmente em arpejos, e

movimentos que descendem em cromatismos e graus conjuntos. O conceito de textura aqui

mencionado e também utilizado em todo trabalho está baseado na definição de Wallace Berry,

em seu livro Structural Functions in Music, que define:

Irmãos Vitale Editores Brasil

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Textura musical é conceituada como aquele elemento da estrutura musical

delineado (determinado, condicionado) pela voz ou número de vozes e

outros componentes projetando os materiais musicais no meio sonoro, e

(quando há dois ou mais componentes) pelas inter-relações e interações entre

eles (BERRY, 1987, p. 191, tradução livre).

Quando nos referimos à textura mais densa na seção B, embora não surgissem

mais vozes, fazemos referência à inter-relação entre as vozes, quando a segunda apresenta

maior número de notas com relação à primeira, criando uma sensação de densidade, de

aumento de materiais musicais projetados no meio sonoro. Apesar de a melodia permanecer

sempre na primeira, há um destaque também para a segunda voz, que recebe a indicação

cantando no início da seção B e sua sonoridade remete aos violões dos chorões, os quais

entraram em contato com a modinha e compuseram dentro do gênero.

Nos compassos 21 e 22 um novo motivo é apresentado pela primeira voz,

passando a repetir certos padrões intervalares e variar outros. Assim como na seção A, esta

também apresenta pontos de harmonia entre as vozes e quebra desta harmonia provocada pela

segunda voz que é trabalhada principalmente em segundas e terças maiores e menores. Ainda

aparecem bordaduras, notas de passagem e notas vizinhas ou auxiliares, estando algumas

destacadas em azul na figura 2.20

Apesar da construção simples, a peça é interessante para músicos e estudantes,

convidando seu intérprete a explorar um diálogo entre as vozes, sendo recomendada pelo

Guia Temático de Piano das Edições Vitale, para alunos do terceiro ano de piano (VITALE,

1983, p. 136).

20

A definição dos termos foi baseada em PISTON (1987, p. 119).

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1.2. Fichas catalográficas comentadas (1ª fase)

As fichas catalográficas foram organizadas em ordem cronológica, seguindo o

raciocínio da divisão da obra de Maria Helena em fases. Foram confeccionados dois tipos de

fichas21

(sendo uma específica para as óperas) contendo cada uma as informações referentes

ao título da peça, ano em que foi composta, formação/instrumentação, edição, localização do

manuscrito, duração, estreia, premiações recebidas, gravações, outras informações

consideradas relevantes (como autoria do texto da letra, dedicatória, observações feitas pela

compositora na partitura e referências sobre a peça que se queira destacar) e ainda os

comentários musicais contendo aspectos gerais e específicos das peças que podem aparecer

como uma breve contextualização histórico-social acerca da forma ou gênero musical

empregados naquela composição, sobre a forma da peça (número de partes internas), a

estrutura, a harmonia, a textura, o grau de dificuldade de execução, a rítmica, o material

escalar, entre outros. Os comentários também expressam a opinião da pesquisadora quanto às

peças, podendo conter observações subjetivas. As fichas das óperas contêm informações

adicionais sobre os atos, libretista, idioma, personagens e vozes, local e época, e enredo.

Todos os manuscritos originais são de posse da compositora, estando em seu acervo pessoal,

porém, uma fotocópia da obra completa (tanto as peças publicadas quanto as manuscritas22

)

foi doada por ela, a pedido da autora deste trabalho, para o CDMC/UNICAMP em 2015 a fim

de que esteja disponível para consulta a toda comunidade acadêmica e em geral. Algumas

peças não foram encontradas apesar de sabermos de sua existência, sendo marcadas no

catálogo com “n.l.” que seria “não localizada” e as informações não encontradas ou não

existentes (por exemplo, peças que não foram gravadas ou estreadas) constam como “n.c.”

que seria “não constam”.

21

Fizemos uma pesquisa sobre tipos de ficha para catalogação, porém, como não encontramos nenhuma

apropriada ao objetivo deste catálogo comentado, desenvolvemos nosso próprio modelo de ficha com as

informações pertinentes à obra e ao estudo. 22

Consideramos manuscritos o que não foi publicado, sejam partituras escritas à mão ou editadas em programa

de edição musical.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 01

Título: Nigue-Ninhas

Ano: 1970

Formação/Instrumentação: SATB

Edição: ms.

Localização do manuscrito: n.l.

Duração: 1min.

Estreia: n.c.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: Texto do folclore da Paraíba.

Comentários: n.c.

FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 02

Título: Cana-Fita

Ano: 1970

Formação/Instrumentação: SATB

Edição: ms.

Localização do manuscrito: n.l.

Duração: 1min.

Estreia: n.c.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: Canto de Usina (Pernambuco).

Comentários: n.c.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 03

Título: Tatu é caboclo do sul

Ano: 1970

Formação/Instrumentação: SATB

Edição: ms.

Localização do manuscrito: n.l.

Duração: 1min.

Estreia: n.c.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: Tema do folclore do Ceará.

Comentários: n.c.

FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 04

Título: Pedreiros

Ano: 1971

Formação/Instrumentação: SATB

Edição: ms.

Localização do manuscrito: n.l.

Duração: 2min.

Estreia: n.c.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: Tema do folclore do Rio de Janeiro.

Comentários: n.c.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 05

Título: Estrofes

Ano: 1971

Formação/Instrumentação: SATB

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 2min.

Estreia: n.c.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: O texto é de autoria da compositora, que brinca com algumas palavras

como o caboclo, o rio, a casa, a árvore, o mundo, o profundo, o fundo. Isso cria um jogo com

as palavras, de forma que se repetem formando novas combinações e as vozes do coro ora

cantam o mesmo texto em sincronia, ora cantam o texto em forma de cânone, criando um

efeito interessante.

Comentários: O ocorrido com o texto literário também se passa com o texto musical. A peça

é dividida entre momentos em que o coro canta de forma homofônica e momentos

polifônicos. Inicia em compasso quaternário com harmonia quartal e oito compassos depois a

fórmula de compasso passa a ser 12/8, a textura passa a ser polifônica e a harmonia

compreende outros tipos de intervalos. Alguns compassos a frente há um retorno ao

quaternário e à homofonia (forma ABA’).

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 06

Título: Pogrom 1943

Ano: 1971

Formação/Instrumentação: SATB

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 4min. 20seg.

Estreia: n.c.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: No texto inicial da partitura, a compositora explica que a partir da

observação de dois quadros de Lasar Segall (1891-1957, judeu): Campo de concentração e

Pogrom (1937), ela nomeou a peça Pogrom, por tratarem da destruição em massa dos judeus,

sendo 1943 a data em que milhares de judeus poloneses foram mortos nos guetos de

Varsóvia. A palavra pogrom tem origem russa e significa um ataque violento maciço a

pessoas, com a destruição simultânea do seu ambiente. O termo é mais aplicado a minorias

étnicas europeias.

Comentários: Pogrom apresenta seis partes, todas cantadas em alemão. Há bastante repetição

de notas em cada voz, glissandos, dissonâncias (ex. 6m com 6M harmônicos) e gritos. Em

alguns momentos o coro abre em oito vozes, formando blocos sonoros, com sons muitos

próximos entre si, quase como clusters. Não há sofisticação rítmica na peça, que conta com

figuras de notas simples (colcheias e semínimas em geral), começando em compasso binário

e depois passando a não ter fórmula de compasso. Na última parte ocorre uma abertura a

dezesseis vozes e posteriormente uma sobreposição de linhas melódicas que mantém a nota,

alterando a rítmica, terminando em seguida.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 07

Título: Prelúdio

Ano: 1973

Formação/Instrumentação: Pno.

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 3min.

Estreia: Auditório Antônio Rodrigues D´Oliveira, Itajubá-MG, 1979. Piano: Achille Guido

Picchi.

Premiações: n.c.

Gravações: BRASILEIRA: Piano Music by Brazilian Women. Maria Helena Rosas

Fernandes (Compositora). Luciana Soares (Intérprete, piano). Prelúdio e Valsa. Centaur

Records, Inc., 2004. [Compact Disc].

Outras informações: n.c.

Comentários: A peça apresenta compasso binário composto, caráter lento e grave e

andamento marcado para 104 colcheias por minuto. Não apresenta dificuldade rítmica, a

linha mais grave realiza um acompanhamento arpejado quase a peça toda, deixando a linha

superior livre para “cantar” a melodia, conforme indicado no início. Aqui vemos um exemplo

clássico na obra de Maria Helena, a utilização de uma forma tradicional livre — como neste

caso, o prelúdio, que é um movimento instrumental destinado a preceder uma obra maior

(SADIE, 1994), com uma linguagem musical moderna para a época, que apresenta centros

porém sem tonalidade definida.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 08

Título: Cançoneta

Ano: 1973

Formação/Instrumentação: Pno.

Edição: ms.

Localização do manuscrito: n.l.

Duração: 2min.

Estreia: n.c.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: n.c.

Comentários: n.c.

FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 09

Título: Cantai ao Senhor

Ano: 1974

Formação/Instrumentação: Unís.

Edição: ms.

Localização do manuscrito: n.l.

Duração: 1min.

Estreia: n.c.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: Texto de Maria Helena.

Comentários: n.c.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 10

Título: Choro

Ano: 1974

Formação/Instrumentação: Pno.

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 2min.

Estreia: n.c.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: n.c.

Comentários: O choro é um gênero da música popular urbana do Rio de Janeiro. Os chorões

(músicos que originalmente tocavam o choro) usavam geralmente flauta, clarinete, oficleide,

trombone, cavaquinho, violão e alguma percussão (SADIE, 1996, p. 194). Inicialmente o

repertório girava em torno das danças europeias que faziam sucesso nos salões cariocas,

como a polca, a valsa, o schottisch. Aos poucos o choro foi se enchendo de virtuosidade,

improvisações e melodias melancólicas que foram criando todo um repertório característico e

um gênero bem brasileiro que teve grandes expoentes e serviu de inspiração a compositores

como Heitor Villa-Lobos. O caráter desse Choro é Irriquieto e a mão esquerda do pianista

não funciona como simples acompanhamento característico do choro tocado ao piano (que

lembra o schottisch), mas soa como um violão de sete cordas dos chorões, executando alguns

pontos de harmonia e muito cromatismo que segue “costurando” toda a linha das notas

graves. Alguns motivos iniciais da linha superior são repetidos ao longo da peça cuja forma é

ABA’.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 11

Título: Polca

Ano: 1974

Formação/Instrumentação: Pno.

Edição: Irmãos Vitale, São Paulo, 1981.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 2min.

Estreia: Centro de Ciências, Letras e Artes, Campinas-SP, 1979. Piano: Gisela Muller.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: O Guia Temático de Piano das Edições Vitale para o instrumento,

somente de autores brasileiros, datado de 1983 indica a peça como apropriada para alunos do

terceiro ano de piano (VITALE, 1983, p. 136).

Comentários: De origem boêmia, a polca é uma dança de casais, uma forma musical alegre,

em compasso binário, que se tornou uma das danças de salão mais populares do século XIX.

Posteriormente se misturou aos ritmos brasileiros produzindo hibridismos como polca-lundu,

polca-tango, polca-militar entre outras (MELO, 1947). A Polca de Maria Helena é a segunda

peça para piano mais fácil do seu repertório. Apresenta forma ternária tradicional da polca

(ABA’) e está na tonalidade de Ré menor, tendo seu material escalar proveniente da escala

Ré menor harmônica. A peça inicia com a linha superior (toda na clave de sol) fazendo a

melodia e a mão esquerda (clave de fá) o acompanhamento, o que se inverte na seção B e

retoma a forma inicial na seção A’.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 12

Título: Sinhá Marreca

Ano: 1974

Formação/Instrumentação: Pno.

Edição: Irmãos Vitale, São Paulo, 1981.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 2min.

Estreia: Escola Livre de Artes Pró-Música, Campinas-SP, 1980.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: O Guia Temático de Piano das Edições Vitale para o instrumento,

somente de autores brasileiros, datado de 1983 indica a peça como apropriada para alunos do

terceiro ano de piano (VITALE, 1983, p. 136).

Comentários: Das peças para piano esta é a mais fácil, apresentando título infantil e forma

ternária. A seção A está em compasso ternário e andamento Larghetto. Na seção B o

compasso é quaternário e o andamento andante, retornando depois às mesmas características

iniciais na seção A’. Assim como na Polca, Sinhá Marreca também está na tonalidade de Ré

menor e o material escalar utilizado é proveniente da escala Ré menor harmônica.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 13

Título: Ponteio

Ano: 1974

Formação/Instrumentação: Pno.

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 3min.

Estreia: n.c.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: Existe versão para piano a quatro mãos.

Comentários: Esse gênero proveniente da escola nacionalista brasileira tem sua origem na

palavra “pontear” que, segundo Verhaalen (2001) significava, aos violonistas populares

brasileiros, verificar a afinação do instrumento, executando um pequeno prelúdio antes de

tocar. Ela complementa que Camargo Guarnieri foi o primeiro a empregar o termo com esse

conceito e que depois dele muito outros jovens compositores passaram a usá-lo em peças de

caráter improvisativo ou de prelúdio. O Ponteio de Maria Helena apresenta forma ABA’,

sendo uma peça sem definição de tonalidade e polifônica, composta para quatro vozes. O

texto musical apresenta certo grau de complexidade, com muito cromatismo e, apesar do

andamento Lento, as figuras rítmicas variam entre colcheias e semicolcheias conferindo

agilidade ao texto musical. Os motivos e fragmentos de motivos se repetem o tempo todo, em

repetições literais ou modificadas, o que traz fluência e coerência à peça.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 14

Título: Tema com variações

Ano: 1974

Formação/Instrumentação: Pno.

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 5min.

Estreia: n.c.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: n.c.

Comentários: Segundo Schoenberg, o Tema com variações “é o princípio estrutural de uma

peça inteira.” Ele comenta que “escrever uma peça utilizando tão-somente a variação é um

primeiro passo rumo às grandes composições.” (SCHOENBERG, 1996, p. 201) A forma

consiste em um tema e suas variações, geralmente ao final sendo concluída por uma coda,

finale ou fuga. E foi assim com a peça de Maria Helena (que fez esta composição a pedido do

Professor Almeida Prado quando fazia o Curso de Extensão Universitária na UNICAMP)

soando mesmo como um exercício de composição, fazendo parte desta fase inicial e estando

estruturada conforme a definição de Schoenberg. Apresenta um primeiro tema seguido de

seis variações, sendo a sexta mais prolongada, desenvolvida, finalizando com uma coda que

retoma o tema inicial e depois prepara para o final. A compositora escreveu alguns

compassos introdutórios às variações do tema. O tema principal, Andante, apresenta sete

compassos, alternando-se entre 4/4, 3/4, 2/4 e 5/16. A mudança continua ocorrendo nas

demais variações, não nesta ordem e não somente entre estes compassos. A peça não

apresenta variação I, como se o tema inicial já fosse a primeira variante. Segue: Variação II

(Allegretto), III (Moderato), IV (Allegro), V, VI e Coda (Andante).

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 15

Título: Cantilena nº1

Ano: 1974

Formação/Instrumentação: Fl./Pno.

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 2min.

Estreia: Salão Vermelho dos Jequitibás, Campinas-SP, 1974. Flauta: Valdilei Francisco de

Assis.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: O primeiro Duo da compositora.

Comentários: Cantilena é uma palavra latina que significa canção ou melodia (SADIE, 1994,

p. 165), sendo utilizada desde a Idade Média e mais tarde aplicada às peças polifônicas

inglesas dos séculos XIII e XIV. Posteriormente, Cantilena ficou sendo utilizada na música

com uma linha vocal, geralmente solista, em particular sustentada ou lírica e também para

passagem instrumental de caráter semelhante.

A Cantilena de Maria Helena é instrumental, porém tem o caráter de uma voz solista, no

caso a flauta, que apresenta a melodia de forma bem lírica e sustentada. Já o piano se

encarrega do acompanhamento, às vezes dobrando as notas da melodia, às vezes construindo

acordes com notas da melodia ou ainda com materiais diferentes (a partir do compasso 14).

A peça apresenta duas seções que se iniciam com o mesmo motivo melódico, apenas

transposto para outro grau, e vai se tornando mais densa pela quantidade de notas da flauta e

mudanças constantes de figuras rítmicas (ex. no compasso 15, quaternário, aparecem duas

colcheias seguidas de uma tercina de colcheias, um grupo de quatro semicolcheias e uma

sextina de semicolcheias), bem como as fórmulas de compasso que se alternam sempre. O

acompanhamento do piano também se intensifica com a dinâmica, o uso de oitavas na região

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grave do instrumento juntamente com acordes, somados a desenhos de notas rápidas no

baixo. Ocorre então um momento de descanso e o retorno ao motivo inicial transposto,

seguido de mais um momento de crescendo tanto da dinâmica quanto da textura da peça que

ao final apresenta uma sequência de três motivos diferentes. Indicada para ser tocada em

adagio (setenta e duas semínimas por minuto), esta peça não tonal é dotada de uma bela

melodia e um acompanhamento elaborado, alternando momentos tranquilos com outros de

certa virtuosidade ao instrumento.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 16

Título: Cantilena nº2

Ano: 1974

Formação/Instrumentação: Fl./Vlc.

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 2min.

Estreia: n.c.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: n.c.

Comentários: Esta segunda Cantilena (composta no mesmo ano da primeira) traz indicação

de andamento Moderado e mudanças na fórmula de compasso durante a peça, ocorrendo

entre compassos simples. Quase faz parecer que não é tonal, mas possui um centro tonal

principal em Fá# menor, acabando em Si menor no último compasso. A compositora se

utilizou da técnica da tonalidade expandida, levando a resolução da música para o último

compasso, que se confirma pela sensível (Lá#). O excesso de cromatismo funciona como uma

“nuvem”, deixando ainda mais confuso o centro tonal. O violoncelo faz arpejos bastante

abertos em glissando e pizzicato, que contribui para uma sonoridade passional na peça toda,

em especial no início. Uma melodia marcante da flauta e um acompanhamento muito

marcado e ritmado do violoncelo podem ser percebidos. Harmonicamente se inicia dentro do

campo harmônico do centro tonal, mas depois caminha para outros lugares, tonalidades

vizinhas, modulações rápidas e motivos em sequência que vão surgindo nas divisões internas

da peça.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 17

Título: Valsa

Ano: 1975

Formação/Instrumentação: Pno.

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 3min.

Estreia: Auditório Antônio Rodrigues D´Oliveira, Itajubá-MG, 1979. Piano: Achille Guido

Picchi.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: BRASILEIRA: Piano Music by Brazilian Women. Maria Helena Rosas

Fernandes (Compositora). Luciana Soares (Intérprete, piano). Prelúdio e Valsa. Centaur

Records, Inc., 2004. [Compact Disc].

Comentários: A valsa foi a dança de salão mais popular do século XIX, conforme SADIE

(1994), o qual relata que suas origens são obscuras, mas estão conectadas à história de outras

danças em compasso ternário do final do século XVIII. Tornou-se muito popular no início do

século XIX apesar das objeções médicas e morais contra o gênero, que afirmavam,

respectivamente, que rodopiar em alta velocidade pelo salão não fazia bem à saúde e que a

forma como os casais dançavam muito próximos era vergonhosa. Como forma de dança, a

valsa atingiu seu auge na década de 1860 com Johann e Josef Strauss e também teve um

papel muito importante em óperas e balés. Muitos compositores escreveram valsas brasileiras

e Maria Helena também seu utilizou da ideia, tratando a valsa de forma estilizada,

modernizando-a e até mesmo utilizando compasso binário composto em alguns trechos da

peça. Outras variações de compasso ocorrem, a partir do ternário para o ternário composto,

depois retornando, criando praticamente um ciclo de variações de compasso. A forma é

ternária (ABA’) e a peça tem melodia e acompanhamento definidos e separados, que vão se

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alternando entre a linha grave e aguda da partitura (mão direita e esquerda do pianista). A

estrutura da peça é bastante motívica, encontrando-se, várias vezes motivos que se repetem,

ora literalmente, ora com variações e às vezes recortes de motivos ou trechos que se repetem

com variações ou se desenvolvem em outro momento. Isso cria um fio condutor de forma

que tudo parece interligado, que nada está ali aleatoriamente. Apesar de ser uma melodia

acompanhada, esta valsa apresenta várias outras linhas entre os extremos (do baixo e da

melodia) que preenchem este entremeio harmônico, criando uma ideia de polifonia. O

andamento está indicado em Adagio e o metrônomo em setenta e duas semínimas por

minuto. Há também uma indicação de cantando para a linha da melodia.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 18

Título: Modinha23

Ano: 1975

Formação/Instrumentação: Pno.

Edição: Irmãos Vitale, São Paulo, 1981.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 1min.

Estreia: Escola Livre de Artes Pró-Música, Campinas-SP. Piano: Roberta Beatrice do

Rosário.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: O Guia Temático de Piano das Edições Vitale para o instrumento,

somente de autores brasileiros, datado de 1983 indica a peça como apropriada para alunos do

terceiro ano de piano (VITALE, 1983, p. 136).

Comentários: Esta Modinha sofreu a influência da valsa, pois possui compasso ternário e

forma ternária simples. A textura da peça é polifônica e contrapontística, escrita a duas vozes

que realizam o tempo todo um contraponto. Modinha tem caráter Dolente e é bem lírica

parecendo que as vozes realmente cantam, construindo uma textura polifônica em toda a

peça e é uma das poucas peças tonais de Maria Helena, que se utiliza do material escalar de

Dó menor harmônico. A tonalidade é reconhecida por pontos de harmonia apresentados

durante a peça que, apesar de tonal, apresenta muito cromatismo composto por notas de

passagem e a segunda voz (mais grave) constrói um contraponto em relação à primeira, que

não confirma sua harmonia. As duas vozes são melódicas e contrapontísticas, porém a

primeira (soprano) é a principal.

23

Há outras considerações sobre esta peça a partir da pg. 18.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 19

Título: Canto de Maracatu

Ano: 1975

Formação/Instrumentação: SATB e Perc. (SATB/Tamb./Bbo./Ago./Gnz./Pd.)

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 5min.

Estreia: n.c.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: O texto da peça é de referência folclórica.

Comentários: Uma das poucas peças da compositora que trabalha com componentes da

música africana, na qual se observa instrumentos de percussão com raízes africanas como o

agogô e o ganzá e elementos rítmicos característicos da música brasileira, em especial, o que

foi herdado da cultura africana. Tal rítmica se desenvolve sobre semicolcheias, colcheias

pontuadas e grupos de semicolcheia, colcheia e semicolcheia (conhecidos como “garfinho”

na música popular). A peça é tonal, apresentando dissonâncias em forma de trítonos, que ora

são resolvidos na tonalidade (Dó maior) e ora não, apenas dissolvendo-se em outros graus da

harmonia. Apesar da tonalidade, não observamos uma preocupação com um caminho

harmônico, antes, o que ocorre são escolhas da compositora que, neste caso, se resolvem ora

de forma mais tradicional e ora não.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 20

Título: Apocalipse

Ano: 1976

Formação/Instrumentação: SATB e Instr. (Tpt./Qrt-cds/Tamb-mil./Bbo./Sdo./Pto./Tt./Timp.

Matr./Sin.)

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 8min.

Estreia: n.c.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: Coincidência ou não, os temas norte-americanos As time goes by (tema

do filme Casablanca) e Moonlight Serenade que aparecem no Prelúdio da peça são

interrompidos pelo coro que entra cantando em alemão, e no filme Casablanca, o

personagem principal precisa decidir se ajuda sua amada a fugir com o marido, um dos

líderes da resistência tcheca, de modo que ele continue sua luta contra os nazistas. Além do

que As time goes by foi composto em 1931, mas só fez sucesso em 1942 com o filme e

Moonlight Serenade é de 1939, ou seja, duas músicas que fizeram muito sucesso durante o

período da Grande Guerra.

Comentários: Com Apocalipse a compositora se referiu à Segunda Guerra Mundial (1939-45)

juntamente com todos os seus horrores, tragédias e tristezas. Compôs a peça em quatro

partes, com variação de instrumentação em cada uma.

1) Prelúdio: Moderato com expressão. Inicia-se com piano solo tocando o tema As time goes

by arranjado em estilo jazzístico, do filme norte-americano Casablanca de 1942. Depois

entram as cordas e o trompete com outro tema, Moonlight Serenade, que termina junto com o

piano num final característico de jazz tradicional. Os temas norte-americanos são

interrompidos pelo coro que entra cantando em alemão.

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2) Interlúdio: Lento. Inicia com o coro a capella dividido em duas partes: uma cantando e

outra falando “Heil Hitler” freneticamente. Mudança para Súbito (oitenta e quatro

semínimas por minuto), entra a percussão e o coro segue cantando “Heil Hitler”. O

andamento se acelera e o trompete aparece tocando um tema muito simples com as três notas

da tríade de Dó maior.

3) Hecatombe: O termo deriva da Grécia Antiga, era o sacrifício de animais oferecidos aos

deuses gregos durante cerimônias religiosas. Hoje em dia é aplicado a grandes catástrofes

como genocídios ou eventos naturais desastrosos que causem grande mortandade. Aqui

Maria Helena se refere ao genocídio nazista contra os judeus. O trompete faz um tema

simples acompanhado da percussão onde sobressaem os tambores militares.

4) Juízo Universal: O trompete inicia novamente com um tema sobre a tríade de Dó maior

acompanhado da percussão. O coro entra e depois é seguido pelas cordas. É onde a textura da

peça se torna mais densa e o coro canta “aleluia” repetidas vezes.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 21

Título: Estudos nº1

Ano: 1976

Formação/Instrumentação: Perc. (Vib./Timp./Choc./T-bloc/2Tamb-mil./Bng./Bbo.)

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 5min.

Estreia: n.c.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: Houve interesse na Universidade Federal de Brasília em editar a peça.

Comentários: O único Estudo que Maria Helena escreveu apresenta um centro em Fá# e dois

motivos principais sobre os quais se desenvolve. O primeiro apresentado pelo vibrafone

parece uma série harmônica, porém não se completa, com apenas oito sons. O instrumento

continua a desenvolver este motivo inicial enquanto entram os demais. É o tímpano que

define o centro da peça em Fá# do início ao fim, o qual apresenta no compasso 32 um

segundo motivo solo, bem ritmado, que aparece também na linha do vibrafone (linha

principal). As partes dos instrumentos não melódicos tem baixo grau de dificuldade, exceto

em dois trechos onde se encontram quiálteras com diferentes agrupamentos para cada

instrumento formando combinações de cinco contra seis notas, seis contra sete e assim por

diante. Mais a frente, nos compassos 49-51 o vibrafone apresenta um novo motivo, desta vez

com os doze sons completos da série harmônica, porém isso não se desenvolve. O Estudo

traz duas partes (Andante e Lentissimo Cantando) e parece não ter pretensões de música para

concerto, soando mais como um exercício, se revelando uma composição que “brinca” com a

ideia dos doze sons, porém mantém um centro em Fá# todo o tempo.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 22

Título: Imagens

Ano: 1977

Formação/Instrumentação24

: Orq./SATB/Nar. (Ft./2Fl./2Ob./2Cl-Bb/2 Fg./Cfg./4Tpa-F/2Tpt./

3Tbn./3Timp./Cemb./Vib./Bbo./2 Atb./2 Gnz./Choc./Lat./Gso./Tamb./Sdo./Ago./Pd./Cds.)

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 14min.

Estreia: n.c.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: Tanto a obra musical quanto o texto do narrador da peça foram

inspirados na coletânea de poemas da escritora brasileira Cecília Meireles, publicada em

1953. Seus quase cem textos, a maioria poéticos, contam a história de Minas Gerais, dos

inícios da colonização no século XVII até a Inconfidência Mineira, revolta ocorrida no fim

do século XVIII na então capitania de Minas Gerais.

Comentários: As Imagens aqui são memórias sonoras da Vila Rica (primeiro nome da cidade

de Ouro Preto) na época de exploração intensa do ouro na região. Esta foi a primeira peça

orquestral da compositora e se utilizou de extensa instrumentação, coro misto e narrador

numa peça de quatorze minutos de duração dividida em oito partes. É a peça mais longa até

então, que contém elementos que estarão presentes na maior parte da obra de Maria Helena

deste ponto em diante: instrumentações extensivas, peças com longas durações, presença de

narrador e divisão interna em partes. Imagens conta com oito partes, tendo cada uma,

formações instrumentais diferenciadas e se revelando como uma grande forma ABA’ onde a

primeira parte (Cenário 1) é reapresentada ao final com variação.

24

Apesar de o cravo estar na lista de instrumentação na contracapa da partitura, não consta nenhuma parte

musical escrita para o instrumento.

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1) Cenário 1: Lento e misterioso (setenta e duas semínimas por minuto), compasso binário e

ternário que se alternam. O flautim e a flauta apresentam um motivo que será recorrente e

conduzirá toda esta primeira parte, sendo ele repetido literalmente, apenas transposto para

outros graus. As cordas também repetem este motivo e o narrador já entra nesta parte.

2) Revelação do ouro: Moderado (oitenta e quatro semínimas por minuto), compasso

quaternário. Entram os atabaques e o tema principal fica com o vibrafone que trabalha com

uma melodia composta por cinco sons, a escala pentatônica de Si. Mantem-se as cordas e os

sopros enquanto a parte dos violinos se torna bem elaborada, com muitos acordes e rítmica

complexa.

3) Ouro incansável: Apressado (sessenta e oito colcheias por minuto). Parte de cinco

compassos, cada um escrito em uma fórmula de compasso diferente, respectivamente 5/8,

10/8, 12/8, 9/8 e 12/8. Há ampliação da grade com a entrada de outros instrumentos de

percussão e a participação do coro misto, com a melodia executada a duas vozes por soprano

e contralto.

4) O negro nas catas: Muito lento – soturno. Imagens de tristeza e desamparo vividas pelos

escravos que trabalhavam forçadamente à procura de ouro e pedras preciosas nas minas de

Vila Rica. Só se ouve o narrador, os atabaques, alguns outros instrumentos de percussão e

tenores e baixos vocalizando vogais e repetindo ao final a frase: “Oxalá rebaba orixala rei!”

5) Chico Rei: n.c.

6) Cenário 2: n.c.

7) Madrugada: n.c.

8) Cenário 1: Começa igual à primeira parte mas depois modifica-se e finaliza com as cordas

e o narrador.

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2. A SEGUNDA FASE (1977-1982): EXPERIMENTAÇÃO

Para o compositor é interessante entrar em contato com a música indígena

brasileira. Ela nos transmite conhecimentos em termos de forma, de

combinações rítmicas, polifônicas, timbrísticas, que nos abrem um campo

novo, rico e muito nosso (FERNANDES, 1986, p. 112).

Foi no ano de 1977 que Maria Helena encerrou o Curso Livre de Composição

com Osvaldo Lacerda, o qual frequentou por onze anos em Campinas e São Paulo, e também

concluiu o Bacharelado em Composição e Regência pela Escola Superior de Música Santa

Marcelina em São Paulo. Ainda nesta época fez um Curso de Extensão Universitária em

Composição com Almeida Prado (1976-78) pelo Departamento de Música da UNICAMP.

Logo de início, esta fase foi marcada por um fato importante na vida da

compositora que, a pedido de Lacerda compôs um quarteto instrumental baseado em tema de

música brasileira para um trabalho do curso. Ao buscar um tema musical indígena, ela se

deparou com o acervo de pesquisa do antropólogo Desidério Aytai25

(que se tornaria seu

grande amigo) e compôs sua primeira obra com influência da música indígena. É a peça

Territórios e Ocas (1977) para Quarteto de Cordas e Percussão, que obteve o 2º lugar do

Prêmio Esso de Música Erudita do Rio de Janeiro em 1979. Após essa, escreveu diversas

outras composições nesta mesma linha, sendo que algumas delas foram também premiadas.

Assim a compositora, que ficou conhecida pela utilização de citações26

e/ou elementos

característicos da música indígena em sua obra tornou-se também uma estudiosa do assunto,

participando de eventos na área de antropologia sobre a música indígena, palestrando sobre o

25

Desidério Aytai (1905-1998) foi um antropólogo húngaro radicado no Brasil que se dedicou a estudar a

música e os ritos indígenas, tendo inclusive vivido por um tempo na aldeia dos índios Xavante, na reserva do

Sangradouro-MT. Registrou diversos cantos indígenas que serviram de base ou de inspiração para composições

de Maria Helena. 26

O termo se refere a uma técnica de colagem e será discutido na pg. 57.

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tema no Brasil, Estados Unidos, Itália, Argentina e Alemanha e publicando pesquisas na área.

Ela comentou esse início de sua relação com a música indígena onde podemos perceber sua

preocupação em não utilizar temas folclóricos na composição:

“O Professor Lacerda aquela vez que pediu para eu procurar um tema para

minha obra, a primeira, disse: Procura um tema folclórico. Eu falei: Tema

folclórico não, professor, de jeito nenhum! Eu vou procurar um tema

indígena. Não sei de onde saiu aquilo, eu não conhecia os índios, não

conhecia a musica dos índios (...) procurar um tema indígena? E aí para eu

achar um tema indígena?! Tive que descobrir um antropólogo (Desidério

Aitay), que mexia com isso, ficou muito meu amigo, segundo pai meu. E

esse antropólogo me deu muita força, muito material, muita orientação.

Então eu fui pegando, sabe, pegando de um, pegando de outro, e com minha

base, base teórica, base harmônica, base contrapontística, eu estudei muito, li

bastante e (sobre) instrumentação, eu escuto (...) então você vai se

aprimorando. É complicado o estudo de musica aqui no Brasil” (informação

verbal).27

A utilização de temas indígenas como influência para suas composições marcou o

início dessa segunda fase, bem como de outro tipo de estudo de caráter informal, que ela

realiza até hoje, numa busca incessante em conhecer, estudar, se aprofundar e encontrar ideias

e inspiração dentro do universo da música indígena. Foi essa a forma que a compositora

encontrou de usar algo genuinamente brasileiro em sua obra sem se utilizar do folclore, não

mantendo, assim, ligações com a escola nacionalista brasileira. Ela realizou uma pesquisa

intensa e profunda sobre a música indígena por meio de materiais escritos e gravados por

pesquisadores (antropólogos), sem nunca ter ido à campo como antropóloga ou

etnomusicóloga. Essa música primitiva,28

essencialmente ritualística, foi a base para as

composições desta fase, sendo que, de um total de doze peças, nove possuem temática

indígena. Em algumas composições para formações com voz são mantidos os dialetos

27

FERNANDES, op. cit., 2014. 28

De acordo com o significado do adjetivo, primitiva no sentido de ser a primeira, inicial, original do povo

indígena. (Houaiss, 2001).

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originais em que são cantadas conforme pode ser visto na figura 3, em um exemplo de

composição com inspiração indígena, a peça Wamarĩ para barítono e piano, de 1982.

Apesar de manter as transcrições dos cantos o mais próximo do original possível,

a compositora utiliza o sistema ocidental (temperado) de escrita para registrar a música dos

índios e a coloca dentro da escrita e normas da música de tradição europeia, escrevendo de

forma erudita para outros eruditos, em geral para instrumentos de orquestra e vozes com

treinamento lírico.

Fig. 3 - Trecho de Wamarĩ (parte 3: Canto de Caça, comp. 1-4) para barítono e piano (1982),

manuscrita (trecho editado pela autora do trabalho).

Neste período ela começou a escrever textos explicativos sobre as peças, seja

contando um pouco sobre a função daqueles cantos e temas para os índios, seja indicando de

onde e por quem foram recolhidos, contextualizando o músico/ouvinte acerca do cenário que

pretende descrever sonoramente. As peças se tornaram muito mais longas e complexas

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(quando comparadas à primeira fase), com diversas partes ou movimentos internos e sempre

com formas bem definidas. Em geral são divididas em partes, as quais são nomeadas, como

exemplo, Ciclo para piano de 1977 com cinco partes (Do Sol; Dos Pássaros; Da Chuva; Da

Lua e Das Estrelas) e Dapraba (1979) para coro a capella (Canto do Mutum; Imitação de

Animais; Canção de Ninar; 1º Canto de Meninas; 2º Canto de Meninas).

A utilização de temas extramusicais também se intensificou nesta fase, sendo

elementos que não só inspiraram, mas que nortearam e conduziram todo o processo

composicional, conforme já explicado anteriormente no capítulo um. Tais temas estão

geralmente relacionados ao Brasil e aqui nesta fase a presença marcante é do elemento

indígena, que é encontrado em nove das doze composições. As demais falam de elementos da

natureza — traduzidos em sons de pássaros, ou do mundo religioso/místico tratando sobre o

Criacionismo e ainda da música com influência africana.

Esta fase ainda é marcada por uma atualização da linguagem musical utilizada nas

peças em relação à primeira fase, mais moderna e alinhada com a música contemporânea da

época.29

Isso se percebe na utilização intensa de temas indígenas nas composições aliada ao

uso excessivo de dissonâncias e rítmica complexa, escrita polifônica com vozes que trabalham

de forma polirrítmica e transcrições de cantos de pássaros, como fazia Olivier Messiaen

(1908-92),30

compositor francês que também era ornitólogo e transcrevia sons de pássaros

para utilizar em suas composições. Segundo a compositora, seu trabalho de pesquisa sobre os

29

A morte de Villa-Lobos abriu caminhos para a “eclosão de movimentos de renovação, que recolocassem a

criação musical brasileira nos caminhos da música experimental e fizessem aparecer figuras que “mostrassem a

viabilidade de novas soluções composicionais que fossem, ao mesmo tempo, expressões artísticas

autenticamente nacionais e se inscrevessem nas linhas de pesquisa técnica e estética da música contemporânea

universal”. (NEVES, 2008:226) É então que o trabalho de Koellreutter começa a frutificar na década de 1950. 30 Almeida Prado foi aluno ouvinte das aulas de composição de Olivier Messiaen no Conservatório de Paris por

volta de 1970. Anos mais tarde, Maria Helena foi aluna de Almeida Prado em um curso de extensão universitária

em composição pelo Instituto de Artes da UNICAMP (1976-78).

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cantos dos pássaros se assemelha ao de Messiaen, “(...) só que ele fazia com os pássaros da

Europa, e eu fiz com os pássaros daqui (Brasil)”, declarou (informação verbal).31

A segunda fase conta com quatro peças para coro a capella, uma para piano solo,

dois duos, um quarteto de cordas, uma para coro e instrumentos (com participação de

narrador),32

uma para cordas e percussão, uma para sopros e percussão e uma para orquestra.

Desde então, Maria Helena começou a fazer versão de suas próprias composições para outras

formações, exemplo disso é a peça Dawawa Tsawidi originalmente escrita para sopros e

percussão em 1979 com versão para coro a capella do mesmo ano. O repertório pertencente a

esta fase foi estreado em Festivais Música Nova e Bienais de Música Brasileira

Contemporânea,33

bem como premiado em concursos de composição no Brasil e no exterior,

comprovando que suas composições estavam atualizadas com o cenário musical da época.34

2.1. Sobre a música indígena e as técnicas composicionais de

Maria Helena

É um exercício complexo olhar a musica indígena por meio dos parâmetros

ocidentais e tentar estabelecer relações com esta música, ou ainda analisá-la a partir dos

31

FERNANDES, op. cit., 2015. 32

A participação de um narrador iniciada um ano antes com Imagens ainda na primeira fase também se registra

aqui em Maráwawa de 1978. 33

Os Festivais Música Nova e as Bienais de Música Brasileira Contemporânea mostravam compositores e suas

obras mais contemporâneas, pertencentes a diversos movimentos musicais de vanguarda no país. 34

Coexistiam no Brasil da época a continuidade do Nacionalismo em figuras como Camargo Guarnieri e

Osvaldo Lacerda, o dodecafonismo de Koellreutter e seus discípulos, a música experimental vista no serialismo

integral, na aleatoriedade, na arte total, como o Grupo Música Nova que amadureceu sua renovação com o

concretismo poético, e ainda a música eletroacústica (Neves, 2008).

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critérios de análise da música ocidental, em especial da erudita. São visões de mundo

(portanto musicais) bastante diferentes, com padrões que não se equivalem, sendo uma

música que soa estranha aos nossos ouvidos, construída sobre melodias com poucos sons que

se repetem numa monotonia quase hipnótica e rítmica igualmente repetitiva. Portanto,

comentaremos um pouco sobre os elementos básicos da música indígena a fim de

compreender melhor as fontes que tanto inspiraram Maria Helena em toda a sua produção, em

especial nesta segunda fase.

Foram consultados artigos e livros que trouxessem uma visão geral sobre o tema,

já que o aprofundamento na música indígena não é a proposta do trabalho. O primeiro artigo

consultado foi escrito pela própria Maria Helena (FERNANDES, 1987), a partir de suas

pesquisas e vivências com a música indígena, o segundo foi o de Lentz (2008), o qual se

baseia no livro de Helza Cameu35

para falar sobre a função da música indígena como base

para composição e ainda o livro de Ohtake (1988) sobre os instrumentos brasileiros que

aborda diversos instrumentos indígenas tratando de seu contexto de origem e utilização.

Segundo Fernandes (1987), na música indígena há sempre um som básico que se

repete mais que os outros e em torno do qual “giram” outros sons, dando a ideia de um modo

provável em que se baseia cada música. Também há sempre um tema básico, que é

geralmente curto e repetido diversas vezes a intervalos regulares, com poucas variações,

dando a ideia de um plano formal bem definido. Ela ainda explica que as melodias podem

apresentar intervalos que ultrapassam uma oitava, intervalos aumentados e diminutos, de

segunda maior ou menor e glissandos apoiados em intervalos bem dissonantes. E sobre os

demais elementos musicais comenta que:

35

Um dos materiais mais completos e conhecidos no estudo da música indígena é o livro de Helza Cameu

intitulado Introdução ao estudo da música indígena brasileira (1977).

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Para o desenvolvimento da linha musical, a técnica indispensável é a

imitação. Notamos que o ritmo apresenta pouca complexidade e às vezes, a

variedade é dada pela combinação polifônica, em forma de uma imitação

cerrada, dando a ideia de um eco. Muitas vezes utilizam o recurso dos

acentos para quebrar a monotonia da acentuação natural dos compassos

(FERNANDES, 1987, p. 110).

Notamos que a compositora emprega termos exclusivos da música erudita para

tratar sobre a música indígena, enquanto que, essencialmente a música dos índios não

apresenta preocupação na utilização ou não de dissonâncias, compassos e glissandos, e muito

menos na utilização de tais termos, sendo que vivenciam uma cultura que trata a música como

parte de um ritual. Ao comentar sobre a pouca complexidade do ritmo da música indígena, ela

realiza uma comparação entre esta e a música erudita, muitas vezes repleta de excessos e

complexidades rítmicas. Se pensarmos na música indígena tendo um ritmo regular e sendo

dividida em compassos, podemos dizer que ocorre geralmente uma acentuação no tempo forte

de cada compasso, executada em geral pelos instrumentos de percussão, o que também pode

ocorrer em outros tempos do compasso. É sobre isso que ela se refere ao falar da utilização do

“recurso dos acentos para quebrar a monotonia da acentuação natural dos compassos”

(FERNANDES, 1987).

Complementando o pensamento acima, Lentz (2008) explica que as melodias

indígenas variam de tribo para tribo e, em cada uma foram se desenvolvendo formas

melódicas fixas, sendo que, o que dá sentido às suas linhas são os repousos e acentuações,

como na música erudita. Porém, os indígenas não trabalham com escalas de sons para

comporem suas músicas, eles se utilizam de grupos de sons, às vezes de dois, três, cinco,

sempre poucos, que são repetidos exaustivamente com pequenas variações. Isso pode soar

estranho aos nossos ouvidos ocidentais e caracterizar uma monotonia para nós, mas é

suficiente para suprir suas necessidades de músicas para todas as funções na aldeia conforme

comenta o autor abaixo:

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A primeira pergunta que um músico ou pesquisador que chega a uma tribo se

faz, quando começa a ouvir música indígena, é: “Como é possível fazer

música com apenas cinco notas?” De fato, ao ocidental acostumado aos doze

sons da escala e ao emaranhado de notas com que os grandes mestres foram

sofisticando suas composições ao longo da história da música, os cantos

indígenas podem soar excessivamente simples, repetitivos, pobres até. Se

esse mesmo ouvinte resistir à primeira impressão e insistir mais uns dois

meses, encontrará a resposta à sua dúvida inicial em outra pergunta: “Para

que mais de cinco notas?” Com estes poucos sons – que raramente chegam a

cinco, algumas tribos fazem músicas com apenas dois – os índios criam

melodias que suprem todas as suas necessidades: eles têm músicas para

dançar, cantar, caçar, exaltar suas divindades e espantar maus espíritos. Em

suma, todos os sons essenciais à vida (OHTAKE, 1988, p. 16).

Lentz (2008, p. 1) trata sobre a influência da música indígena na composição e

propõe duas abordagens diferentes em composições indígenas. Uma primeira traz um pouco

do universo da música erudita para dentro da música indígena, mantendo a instrumentação e a

técnica de imitação de motivos (repetição de um mesmo som, como ecos), característica dos

índios em se tratando de uma música mais rústica e primitiva, mantendo as questões

ritualísticas e a visão original do próprio índio perante a sociedade. Em uma segunda versão

se faz o inverso, trazendo a música indígena para o universo ocidental, se utilizando de alguns

temas ou timbres particulares dos índios apenas como uma coloratura ou para formar

determinada imagem para o ouvinte. Percebemos estas duas formas na obra de Maria Helena,

que na primeira abordagem se utiliza em geral de técnicas de colagem de temas indígenas.

O termo colagem musical é amplo e passível de inúmeras discussões e, apesar de

não ser o foco deste trabalho, há de ser mencionado já que se trata de uma técnica

composicional utilizada por Maria Helena a partir desta fase. Quando falamos em colagem,

primeiramente nos vem à mente a técnica utilizada nas artes visuais iniciada por Picasso e

Braque, o início da arte conceitual em Paris, em 1912, segundo Gompertz (2013, p. 152).

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O cubismo analítico estava se transformando em cubismo sintético, que é a

denominação oficial dada à introdução de papier collé por Braque e Picasso,

uma expressão que deriva do verbo francês coller, colar ou grudar. Esses

dois grandes pioneiros da arte haviam mais uma vez triunfado: tinham

inventado a colagem (GOMPERTZ, 2013, p. 152).

A partir das artes visuais o termo se expandiu para as outras áreas e certamente

chegou à música, surgindo o termo “colagem musical” do qual tratamos aqui. Salientamos

que, atualmente não se compreende o assunto apenas por trechos de músicas recortados e

colados, mas há uma grande variedade de termos e técnicas que tem uma mesma origem,

porém, foram se diferenciando e especificando ao longo do tempo. Para afunilarmos a

discussão usaremos as definições de Silveira (2012) para colagem (musical) e citação.

Segundo o autor, a colagem musical é considerada a utilização de músicas como material para

a criação e/ou execução de obras e performances (SILVEIRA, 2012, p. 75). Neste sentido,

consideramos as músicas (temas) indígenas que foram recolhidas (gravadas) por antropólogos

e transcritas por Maria Helena como materiais para criação de suas obras. Dentro da colagem,

o melhor termo que descreve a técnica da compositora seria a citação, que de acordo com

Silveira (2012) se define do seguinte modo:

(...) Uma transposição direta seria considerar que o material musical

utilizado quando não transformado e com intenção de se referir ao original,

seja então uma citação. Colagens musicais que não alterem

significativamente o que está sendo colado, nesse sentido, são citações

propriamente ditas (SILVEIRA, 2012, p. 93).

A partir destas citações musicais, a compositora desenvolve um novo texto

musical, ora mantendo a originalidade do tema indígena, ora modificando-o. Isso se percebe

por características marcantes como poucos sons, excesso de apogiaturas, glissandos e

dissonâncias comuns à música indígena (quando transcrita em linguagem musical

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convencional). Em geral ela utiliza um ou vários temas indígenas para uma mesma

composição, que são transcritos a partir de gravações registradas por antropólogos. Estes

temas, em geral, apresentam poucas variações em relação ao original e são escritos da forma

mais fiel possível e apresentados por instrumentos de sopros (um ou dois, em geral flauta e

clarinete). Somado a isso há uma nova composição que envolve os demais instrumentos e

modificações na forma da música e no tema. Este tipo de composição que trabalha com

citação, geralmente se apresenta sem os instrumentos de cordas (contando apenas com sopros

e percussão), mais uma vez aludindo à música dos índios, que pouco se utiliza desta classe de

instrumentos (cordas). Como exemplo, podemos citar Dawawa Tsawidi (1979), uma música

essencialmente ritualística, pura, primitiva, que foi utilizada como peça de amostragem para

considerações mais detalhadas, e pode ser vista a partir da página 59.

Na segunda abordagem composicional, que traz a música indígena para o universo

ocidental, ela utiliza alguns temas ou timbres particulares dos índios apenas como uma

coloratura ou para formar determinada imagem para o ouvinte, empregando uma

instrumentação mais ampla que inclui os instrumentos de cordas da orquestra e outras técnicas

de composição além da imitação, o que já se distancia bastante da realidade da música

indígena, tanto pelos instrumentos utilizados na música erudita não fazerem parte do universo

indígena, como pelo fato deles não se utilizarem de técnicas variadas de composição em sua

música original, mas basicamente a imitação, dando uma sensação de “eco”. Essas peças

apresentam melodias que se assemelham mais a melodias cantabile, com mais variações

temáticas e menos dissonâncias, como por exemplo, Territórios e Ocas (1977) e Tainahiky

(1984).36

36

Peça pertencente à terceira fase composicional.

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2.2. Considerações sobre a peça de amostragem da 2ª fase:

Dawawa Tsawidi

A peça de amostragem selecionada para que fosse comentada com mais

detalhamento na segunda fase composicional foi Dawawa Tsawidi para sopros e percussão, de

1979. O motivo da escolha foi a presença marcante do elemento indígena na peça,

característica esta que pertence a esta fase composicional e se faz notável a partir deste

momento nas composições de Maria Helena. Dawawa ainda foi eleita por ser uma obra

representativa para a compositora e vencedora do 1º Prêmio do Governo do Estado da Bahia,

no II Concurso Latino-Americano de Composição, executada na ocasião pelo Conjunto

Música Nova da Universidade Federal de Brasília, em 1979.

Apresentando uma formação pouco comum no repertório camerístico, porém

bastante aplicada pela compositora, Dawawa Tsawidi é escrita para sopros e percussão

(flauta, clarineta em Sib,37

trompa em Fá,38

trompete em Dó, fagote, tam-tam, maraca, guisos e

garrafas39

) e tem seis partes baseadas nos cantos indígenas Xavante40

e Tucuna41

. Dentre as

partes se encontram quatro nomeadas como Choros, que são uma forma rara de música para

os índios Xavante, onde se canta cada um em um estado emocional diferente para diversas

finalidades conforme Fernandes (1979). A peça conta com o Choro de Alegria, Choro de

Saudade, Choro do Curandeiro e Choro Comunal e ainda um Canto de Alegria (o único

baseado no canto das meninas Tucuna) e o Interlúdio, antes da parte final, tocado por cinco

37

A clarineta está escrita na partitura como soa. 38

A trompa está escrita na partitura como soa. 39

As garrafas aparecem como instrumentação na peça e a compositora especifica os tipos a serem utilizados e

como tocá-las, assoprando-as por cima. O Interlúdio é escrito apenas para garrafas. 40

Os Xavantes são um grupo indígena que habita o leste do estado brasileiro do Mato grosso, dividindo-se em

diversas reservas indígenas da região. 41

Os índios Tucuna (ou Ticuna) são o grupo indígena mais populoso do Brasil e habitam o estado do Amazonas,

ao longo do Rio Solimões.

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tipos de garrafas “sopradas” por cima, conforme instruções do texto constante no início da

partitura. Este mesmo texto explica que a composição se utilizou dos Choros da música

Xavante na tentativa de captar as características da música indígena brasileira, e apenas um

canto dos índios Tucuna foi apresentado para dar contraste pelo seu caráter alegre frente aos

cantos expressivos dos Xavantes. Consta ainda que a linha melódica, os elementos rítmicos e

parcialmente as estruturas e ornamentações originais foram respeitadas (FERNANDES,

1979).

As melodias Xavantes foram recolhidas e gravadas pelo antropólogo Desidério

Aytai em colônias dos índios Xavantes de Sangradouro e na missão de São Marcos, ambas no

estado brasileiro de Mato Grosso e a melodia dos índios Tucuna foi gravada por Harald

Schultz e Vilma Chiara. Nos cantos Xavantes o som grave é utilizado para expressar

sentimentos de saudade e as dinâmicas em p ou pp para expressar tristeza, assim como o grito

(ou falsete) indica o término ou o início do canto.

Justamente pela música indígena não estar dentro de um sistema musical

temperado e não sendo possível identificar escalas ou modos neste tipo de composição, a

análise não pôde ser realizada com a utilização de ferramentas de estudo da música ocidental,

se dando, portanto, a partir da contagem dos intervalos42

de sons encontrados e da

identificação do som básico (que apareceu em maior número de vezes), em torno do qual

outros sons (ou gestos) ocorrem.

As considerações a seguir ocorreram sobre a primeira parte da peça, intitulada

Choro de Alegria, onde foi possível observar um som básico na melodia Xavante, no caso, a

nota Mi (fig. 4 na p. 63). Consideramos os intervalos dos tempos inteiros dos compassos

binários entre a flauta e o clarinete, e entre o clarinete e a trompa. Num total de sessenta e dois

intervalos analisados, a nota Mi estava presente em cinquenta e um deles, provando que é o

42

As notas das apogiaturas não entraram na contagem.

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som básico da melodia, se repetindo mais que os outros sons, o que pode ser observado nas

figuras da página 63 em diante, que trazem a primeira parte completa da peça com marcações

e comentários que foram aprofundados no texto que segue.

Nota-se também que não há motivos, portanto, também não há desenvolvimento

motívico nesta parte, mas sim “gestos” em torno deste som básico aparecendo em oitavas

variadas. Tratam-se de notas que circundam o Mi de forma cromática com apogiaturas,43

trinados e outros sons que giram em torno da nota principal em intervalos de 2m a partir do

Mi na grande maioria das vezes44

(alguns exemplos encontram-se destacados em roxo na

partitura a partir da p. 63).

Existe praticamente um sinal de dinâmica para cada nota, ou para cada gesto,

funcionado como uma “dinâmica de expressão”, que traz mais expressividade ao Choro (linha

melódica). Os intervalos analisados entre a flauta e o clarinete e entre o clarinete e a trompa

mostraram uma maioria de vinte e um intervalos de 2m contra quinze intervalos de Uníssono,

o que reflete uma dissonância constante percebida na escuta da peça por meio dos batimentos

harmônicos dos intervalos de 2m que prevalecem. Entre a flauta e o clarinete a maioria dos

intervalos ficou empatada entre Uníssonos (oito) e 2m (oito), seguidos de 4J (sete), conforme

demonstra a tabela 1 abaixo.

Relação intervalar 2m Uníssono 4J

Flauta e Clarinete 8 8 7

Tab. 1 – Relação intervalar entre a flauta e o clarinete em Choro de Alegria.

43

As apogiaturas aparecem como forma de reforço da nota principal, quase como um acento, muitas vezes sendo

a mesma nota da seguinte. 44

Os intervalos de 9m foram reduzidos para 2m a fim de facilitar a compreensão dos resultados das análises

intervalares.

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Já entre o clarinete e a trompa, a maioria era de 2m (treze), seguidos de Uníssonos

(sete), conforme demonstrado na tabela 2.

Tab. 2 – Relação intervalar entre o clarinete e a trompa em Choro de Alegria.

A escrita da peça é polifônica, tendo cada voz uma linha melódica independente,

assim como também o são harmônica e ritmicamente. Choro de Alegria se inicia com a flauta,

que executa a voz principal, mostrando uma linha melódica bastante ornamentada e

expressiva, repleta de apogiaturas, acentos e trinados e ritmicamente complexa por conta

destes ornamentos, além das várias figuras pontuadas. O clarinete apresenta uma linha

melódica independente da flauta iniciada no compasso 7. As linhas melódicas da flauta e do

clarinete giram em torno de um conjunto de sons formado pelas notas Ré, Mi, Fá, Sol, Lá e

Mib, as quais são ornamentadas o tempo todo por cromatismos ao redor delas, o que

chamamos de gestos em torno das notas e que podem ser observados na figura 4 a seguir.

Relação intervalar 2m Uníssono

Clarinete e trompa 13 7

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Fig. 4 - Choro de Alegria, 1ª parte de Dawawa Tsawidi, 1979 (comp. 1-7), manuscrita (trecho editado pela

autora do trabalho). Para facilitar a leitura, a compositora escreveu todos os instrumentos transpositores

da partitura geral como soam.

O sinal encontrado nos compassos 3 e 4 logo no início da peça na parte da flauta é

um trêmulo lento, típico da música indígena e bastante utilizado nos choros Xavante. Logo

depois entra a trompa no compasso 9 e o fagote no compasso 12 (conforme pode ser visto na

fig. 5), os quais não se desenvolvem melodicamente com gestos em torno da nota principal

(Mi) como fazem a flauta e o clarinete, mas apresentam poucas notas, sendo repetitivas,

acompanhadas de muitas apogiaturas, trazendo uma “marcação” para a peça nos tempos

inteiros dos compassos (binários, com apenas um ternário). Do ponto de vista ocidental, essa

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marcação nos tempos fortes dos compassos (fig. 5) pode ser entendida como uma monotonia,

muito presente na música indígena, se apresentando rítmica e melodicamente na trompa e no

fagote aqui nesta parte.

O trompete faz uma breve aparição somente no compasso 8 tocando acima da

flauta e antecipando a mudança de gesto da flauta, que no compasso seguinte passa a soar

uma oitava acima do tema que vinha apresentando desde o primeiro compasso. A percussão é

aqui representada pela maraca que marca pontualmente a peça, tendo pouca participação,

aparecendo em 11 dos 34 compassos desta parte, iniciando no final do comp. 7.

Fig. 5 - Choro de Alegria, 1ª parte de Dawawa Tsawidi, 1979 (comp. 8-12), manuscrita (trecho editado pela

autora do trabalho).

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Notamos que há uma preocupação especial da compositora com o timbre dos

instrumentos e da peça de forma geral. O uso constante de apogiaturas e trêmulos juntamente

com a combinação dos instrumentos cria um efeito timbrístico (ex. comp. 9, fig. 5), além do

que, a combinação dos instrumentos cria ainda outro timbre. Este cuidado também é notado

na escolha do instrumental, já que a compositora não optou por um quarteto de madeiras, mas

sim por madeiras, metais e percussão, possivelmente para criar um timbre, uma textura

sonoramente diferenciada.

Fig. 6 - Choro de Alegria, 1ª parte de Dawawa Tsawidi, 1979 (comp. 13-18), manuscrita

(trecho editado pela autora do trabalho).

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Fizemos também um levantamento das notas tocadas pela trompa e pelo fagote e

ocorreu que a trompa apresentou cinco notas, sendo Mi a que mais aparece (dezesseis vezes),

seguida das notas Ré (cinco), Ré# (quatro), Sol

# (duas) e Dó

# (uma). No fagote, a nota Mi

também tem mais aparições (doze vezes), seguidas das notas Fá# (sete), Ré (uma) e Fá (uma).

Confirma-se, desta forma, que o som básico da peça é Mi e que a trompa e o fagote reforçam

essa sustentação à nota principal. Ocasionando batimentos de 2m com o som básico (Mi) e

reforçando a dissonância da peça, o clarinete faz insistentemente a nota Mib entre os

compassos 21 e 26 (fig. 7-8).

A partir do compasso 21 (fig. 7) notamos uma dinâmica geral que vai crescendo

até atingir o fff ao final da parte, bem como o andamento que vai apressando até o fim.

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Fig. 7 - Choro de Alegria, 1ª parte de Dawawa Tsawidi, 1979 (comp. 19-22), manuscrita

(trecho editado pela autora do trabalho).

Existe uma independência rítmica dos instrumentos, cada um com um perfil

rítmico diferente. A flauta é o instrumento que mais varia ritmicamente utilizando-se de

mínimas, semínimas, colcheias, semicolcheias pontuadas e fusas. A partir do compasso 20

(fig. 7) ocorre uma mudança rítmica na peça, antecipada pela trompa que faz uma figura mais

rápida. A partir de então a flauta faz um ritmo bastante quebrado e a clarineta pontua notas

rápidas nos tempos fortes e também nos contratempos dos compassos. A trompa e o fagote

passam a utilizar figuras mais rápidas como colcheias e semicolcheias (pontuadas), porém

ainda marcando os tempos inteiros da música.

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Fig. 8 - Choro de Alegria, 1ª parte de Dawawa Tsawidi, 1979 (comp. 23-25), manuscrita

(trecho editado pela autora do trabalho).

A partir do compasso 28 (fig. 9) há uma preparação para a finalização desta parte.

Os instrumentos reforçam as notas principais, ficando entre Ré, Mi e Lá, preparando um

momento consonante da peça que ocorre no compasso 31 (fig. 10) com dinâmica mf e

crescendo e o andamento apressando para o fim. Trata-se de um momento importante da

peça, que a compositora quis reforçar.

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Fig. 9 - Choro de Alegria, 1ª parte de Dawawa Tsawidi, 1979 (comp. 26-29), manuscrita (trecho editado pela

autora do trabalho).

Por se tratarem de Choros, os cantos dos índios Xavantes, apresentam-se em

linhas independentes umas das outras. A compositora quis dar esta ideia por meio dos

instrumentos, pois percebemos que há um “choque” de batimentos com intervalos de 2m entre

o clarinete e a flauta (comp. 26) e que as linhas melódicas são independentes, provocando

uma sensação de caos, conforme pode ser visto acima, na figura 9.

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Fig. 10 - Choro de Alegria, 1ª parte de Dawawa Tsawidi, 1979 (comp. 30-34), manuscrita (trecho editado

pela autora do trabalho).

O “grito final” (fig. 10), que é uma fórmula frequentemente usada na música

Xavante para indicar o término do canto segundo Fernandes (1979), aparece no compasso 33,

em fortíssimo, no extremo agudo dos instrumentos, formando intervalos dissonantes entre a

flauta e o clarinete (5dim), entre o clarinete e trompa (7M) e entre a trompa e o fagote (2m). O

que vem a seguir é uma passagem (de um compasso) para a segunda parte, a qual é bastante

dissonante e ritmicamente complexa, parecendo um “mini-caos”. No compasso 34 há um

movimento ascendente de oito notas da flauta contra sete do clarinete, cinco da trompa e

quatro do fagote, seguidas de uma pausa no segundo tempo do compasso. Enquanto a flauta

faz uma escala pentatônica partindo de Dó#, o clarinete faz a escala de Lá menor natural (sem

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conclusão na nota Lá), ao mesmo tempo em que a trompa inicia uma escala quase cromática,

com exceção do primeiro intervalo de 2M, partindo de Mi e o fagote faz um arpejo de quatro

notas com um intervalo de 4aum, 2m e 2M entre elas.

Por fim, o resultado sonoro do Choro de Alegria é dissonante, polifônico,

chocante e caótico, soando até desorganizado aos nossos ouvidos ocidentais. É também

primitivo no sentido de manter características originais da música indígena e uma peça muito

bem planejada e escrita, mantendo a individualidade dos instrumentos a que se propôs, ao

retratar os Choros indígenas.

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2.3. Fichas catalográficas comentadas (2ª fase)

FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 23

Título: Ciclo

Ano: 1977

Formação/Instrumentação: Pno.

Edição: Vitale, São Paulo, 1979.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 10min.

Estreia: Sala FUNARTE, Rio de Janeiro, 1979. Piano: Nelson Neves.

Premiações: 2º Prêmio no I Concurso Nacional de Composição de Música Erudita do Rio de

Janeiro, 1978. Promoção MEC-FUNARTE, INM e Editora Vitale.

Gravações: Ciclo para piano. Ruth Serrão (Intérprete, piano). Projeto Memória Musical

Brasileira do INM-FUNARTE, Rio de Janeiro-RJ, 1984. Gravada por Frank Acker. [Long

Play]. Gravado também pela FUNARTE na Sala FUNARTE, Rio de Janeiro, 1979. Nelson

Neves (Intérprete, piano).

Gravação interna da FUNARTE por obra participante da Bienal de Música Contemporânea

Brasileira, Rio de Janeiro-RJ, sem publicação. Arquivo em mp3 localizado no acervo pessoal

da compositora.

Outras informações: Em 1982 foi coreografada por Clyde Morgan no Evening of Brazilian

Music & Dance, Milwaukee, EUA. Sobre a obra, Ronaldo Miranda escreveu no Jornal do

Brasil em 1979: “Uma obra que se inscreve entre o que de melhor se tem escrito na nossa

atual produção para teclado.” Patrocinada pelo Projeto ProMemus, essa obra obteve ampla

divulgação no Brasil e no exterior.

Comentários: O termo “Ciclo” traz a representação da ideia central da peça, de que todas as

coisas tem começo, meio e fim, tratando também de elementos da natureza. Este movimento

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cíclico ocorre na peça como um todo, ao longo de suas cinco partes e também dentro de cada

parte, sendo uma peça bastante virtuosística, mostrando recursos do instrumento como uso

intenso dos pedais, glissandos, notas repetidas, acordes muito dissonantes, ornamentos,

arpejos e polirritmia. Apesar da dificuldade, é a obra mais executada de Maria Helena até

então e apresenta elementos melodiosos e expressivos em meios a dissonâncias, polirritmias

e texturas densas. Ciclo conta com cinco partes onde observamos internamente a forma

ABA’:

1) Do sol: Lento e pesado, esta parte representa o ciclo do sol (nascente, a pino e poente). O

início lembra bastante o começo da marcha fúnebre de F. Chopin na Sonata nº2 para piano.

2) Dos pássaros: os cantos dos pássaros são representados por notas rápidas com

apogiaturas, cromatismos e dissonâncias.

3) Da chuva: esta parte surgiu de um desafio apresentado por Osvaldo Lacerda, na época seu

professor, que lhe pediu uma composição com uma nota só. O ciclo da chuva trabalha com a

nota Si na linha superior (mão direita) enquanto toda a harmonia e melodia se desenvolvem

na linha inferior (mão esquerda).

4) Da lua: é uma parte diferente na obra, contrastante com as demais, mais escura e

misteriosa. De textura mais densa, trabalha com muitos acordes (em ambas as mãos)

repetidamente.

5) Das estrelas: de caráter Movido apresenta muitos glissandos e ornamentos.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 24

Título: Territórios e Ocas

Ano: 1977

Formação/Instrumentação: Cds e Perc. (Vln.I/Vln.II/Vla./Vlc./Tamb./Tt./Gso.)

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 15min.

Estreia: Sala Cecília Meireles, Rio de janeiro-RJ, 1979. Quarteto da Orquestra de Câmara do

Brasil, sob regência de Henrique Morelenbaum.

Premiações: 2º lugar no Prêmio Esso de Música Erudita do Rio de Janeiro em 1979.

Gravações: n.c.

Outras informações: Foi a primeira peça com temática indígena composta por Maria Helena.

O tema indígena que serviu de base para composição foi recolhido pelo antropólogo

Desidério Aytai. A composição é resultado de um quarteto instrumental com tema nacional

pedido por Osvaldo Lacerda durante seu curso livre de composição que a compositora

frequentou.

Comentários: Na seção A, o violino I faz a melodia principal, formada por um conjunto de

quatro sons (Dó, Mib, Lá

b e Si

b) ao qual depois se acrescentam mais dois (Sol e Fá),

formando assim (exceto o Ré), a escala de Dó eólio (Dó, Mib, Fá, Sol, Lá

b e Si

b). A melodia é

claramente reconhecida e bem característica da música indígena e tem um sentido modal,

sendo muito próximo a Dó eólio pelos intervalos encontrados na melodia e pelas notas que se

repetem (apresentadas acima). O Vln. II faz outro conjunto de notas simultaneamente (Dó#,

Fá#, Ré

# e Sol

#) causando uma tensão e uma dissonância nesta seção ocasionada pelos

intervalos de 2m entre os violinos. A viola se desenvolve em torno de Mib, Fá, Fá#, Sol e Lá,

enquanto o violoncelo faz notas de apoio, em geral, repetitivas. A peça tem forma A(a)BC,

sendo: Expressivo, Rápido e Vivo.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 25

Título: Maráwawa

Ano: 1978

Formação/Instrumentação: SATB/Sopr./2T./Bar./B./Nar./Fl./3Tpa-F/3Choc./3Atb.

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 15min.

Estreia: Teatro do Ibirapuera. 1ª Bienal Latino-Americana, São Paulo-SP, 1978. Soprano:

Vitória Kerbauy, mezzo: Aura de Mendonça, baixo e narrador: Carlos Vial, Madrigal Pró-

Música de São Paulo. Regência: Jonas Christensen.

Premiações: n.c.

Gravações: Gravação interna da FUNARTE por obra participante da Bienal de Música

Contemporânea Brasileira, Rio de Janeiro-RJ, sem publicação. Arquivo em mp3 localizado

no acervo pessoal da compositora.

Outras informações: O texto do narrador é de Roberto Bicelli.

Comentários: É uma peça descritiva e narrativa. Juntamente com a música, que se apresenta

de forma bem próxima à realidade indígena, o narrador vai descrevendo a descoberta do

fogo, segundo um mito indígena sobre o roubo do fogo. O antropólogo Desidério Aytai

descobriu uma pedra com inscrições rupestres, que após analisada chegou-se a conclusão de

que os desenhos nela inscritos se tratavam da representação do mito do roubo do fogo. Dois

pintores se interessaram muito pelo assunto, juntamente com Maria Helena. A peça foi

apresentada no Parque do Ibirapuera em São Paulo, enquanto os pintores expuseram suas

telas na Bienal de Arte e Magia de 1978. Não caberia aqui uma análise formal sobre a peça,

que é muito baseada na música indígena e se apresenta de acordo com sua forma ritualística,

com instrumental indígena referido pelas flautas, atabaques e chocalhos. A peça apresenta

seis partes distintas: 1) Somos animais, disseram!; 2) Os heróis partem; 3) O roubo da

brasa; 4) Água e jacaré; 5) Os heróis estão no céu; 6) Os fogos estão acesos.

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Todo o enredo narra a vida deles antes do fogo, a saga que percorrem em busca dele, o preço

que pagam por trazer o elemento para vida na aldeia, perdendo muitos a própria vida, e por

fim a festa da tribo com o roubo do fogo e a melhora em sua qualidade de vida.

FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 26

Título: Dapraba

Ano: 1979

Formação/Instrumentação: Co.inf. a três vozes

Edição: FUNARTE – Publicada originalmente na colação Música Brasileira para Coro

Infantil.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia da partitura editada).

Duração: 7min.

Estreia: I Festival de Música do Terceiro Mundo, Sala Aloísio Magalhães da FUNARTE –

Organização INM. Rio de Janeiro-RJ, 1983.

Premiações: 1º Prêmio no Concurso de Composição para Coro Infantil, promovido pelo

Instituto Nacional de Música – FUNARTE, Rio de Janeiro-RJ, 1980.

Gravações: n.c.

Outras informações:

Comentários: Dapabra significa canto da manhã, e foi composta sobre cinco melodias

cantadas por crianças indígenas. A partitura traz dados técnicos, uma introdução e um guia

fonético para execução. Nestes textos, há comentários sobre a função das melodias originais.

1) Canto do Mutum: a melodia foi coletada e gravada pelo antrópologo Desidério Aytai e é

cantada pelos meninos Xavantes nas noites em suas cabanas, enquanto comem milho ou

outra comida. A escrita deste canto é polifônica, empregando a imitação a duas vozes sobre

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uma quarta aumentada. Há sempre uma linha rítmica escrita em ostinato para percussão

corporal, fazendo a marcação do ritmo presente na música indígena.

2) Imitação de animais: o tema foi gravado pelo antropólogo George Donahue e pertence aos

índios Carajás. A canção imita os sons dos animais mais de forma imaginativa do que realista

e há indicações para que aquele trecho melódico seja caracterizado como imitação de um

animal. Por exemplo: aholá = lobo; hamatá = jacu cigana.

3) Canção de Ninar: as crianças Xavantes passam a maior parte do dia em grandes cestos

que as mães carregam nas costas. Quando as crianças choram, as mães dão leves batidinhas

no cesto. Se isso não funciona, elas cantam “Ma ma ma”, que significa “papai, papai”. A

canção também foi gravada pelo antrópologo Desidério Aytai. Esta canção apresenta

polirritmia e dissonância. Em compasso binário, a primeira voz faz sempre intervalos

melódicos de terça menor em colcheias, enquanto a segunda voz faz intervalos de segunda

menor em tercinas de semínimas, também melódicos.

4) 1º Canto de meninas: cantada pelas meninas Tiriyó e coletada por Desidério Aytai. A

composição é uma imitação a três vozes que em diversos momentos formam intervalos de

4aum entre elas.

5) 2º Canto de meninas: a melodia foi coletada e gravada pelo antrópologo Desidério Aytai,

e é cantada pelas meninas Xavantes da Escola Salesiana do Sangradouro (MT). Escrita para

três vozes e percussão corporal.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 27

Título: Datsawão

Ano: 1979

Formação/Instrumentação: SATB

Edição: ms.

Localização do manuscrito: n.l.

Duração: 15min.

Estreia: n.c.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: n.c.

Comentários: Baseada nos Choros Xavante.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 28

Título: Dawawa Tsawidi (choro de alegria ou de saudade)45

Ano: 1979

Formação/Instrumentação: Sopr./Perc. (Tpt./Fl./Cl./Tpa./Fg./Tt./Mar./Gso./Garrafas)

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 15min.

Estreia: II Concurso Latino-Americano de Composição, Conjunto Música Nova. Regência:

Piero Bastianelli, Salvador-BA, 1979.

Premiações: 1º Prêmio Governo do Estado da Bahia, no II Concurso Latino-Americano de

Composição - Conjunto Música Nova da Universidade Federal de Brasília, 1979.

Gravações: III Bienal de Música Contemporânea Brasileira, vol. 3. Disco editado pelo

projeto Memória Musical Brasileira, Rio de Janeiro-RJ, 1984. [Long Play].

Outras informações: Há algumas observações iniciais na partitura para o momento do

Interlúdio. A compositora descreve quais tipos de garrafas devem usadas para produzir som

ao assoprá-las. Há ainda um texto antecedendo o início da peça onde ela explica que fez esta

obra utilizando como tema os Choros da música Xavante, na tentativa de captar as

características da música indígena brasileira. Apenas um canto dos índios Tucuna foi

apresentado para dar contraste, pelo caráter alegre, frente aos cantos expressivos dos

Xavantes. Frisa ainda que a linha melódica, os elementos rítmicos e parcialmente as

estruturas e ornamentações foram respeitadas. As melodias foram recolhidas pelo

antropólogo Desidério Aytai em colônias dos índios Xavante de Sangradouro e na missão de

S. Marcos, ambas no estado brasileiro do Mato Grosso e a melodia dos Tucuna foi gravada

por Harald Schutz e Vilma Chiara. As melodias tem um som básico que se repete mais que

os outros sons e apresentam poucos motivos que se repetem a intervalos regulares. O grave é

45

Há outras considerações sobre esta peça a partir da página 59.

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utilizado para expressar sentimentos de saudade. Eles ainda cantam em p ou pp para

expressar tristeza. O grito final é muito usado na música Xavante e indica o término do

canto. O termo Choro para os índios Xavantes é uma forma rara de música, onde se canta

cada um em um estado emocional bem diferente e com diversas finalidades.

Comentários: A peça tem seis partes:

1) Choro de Alegria: observa-se que o som básico da melodia Xavante nesta primeira parte

da peça é a nota Mi (ver fig. 4 na pg. 63). Nota-se que não há desenvolvimento motívico,

mas sim “gestos” em torno deste som, que aparecem em diversas oitavas. A escrita é

polifônica, tendo cada instrumento uma linha melódica independente, assim como também

são independentes harmônica e ritmicamente.

2) Choro de Saudade (por parentes falecidos), explica a compositora no texto da partitura,

que o Xavante que perdeu um parente ou um amigo, entoa seu choro individual. O jovem

aprende o choro e nunca mais modifica o seu ritmo ou melodia.

3) Canto de Alegria das meninas Tucuna: O único canto Tucuna da peça, usado para

contrastar a alegria do canto Tucuna com a expressividade dos cantos Xavante.

4) Choro do Curandeiro: O clarinete entoa o tema do curandeiro por meio de uma tristeza

mal disfarçada, uma queixa secreta do profissional que pede pela gratidão do cliente

relutante.

5) Interlúdio: Escrito a cinco vozes, para ser tocado por cinco tipos diferentes de garrafas,

com dinâmica e rítmica definida, em compasso quaternário, porém sem notas definidas. A

compositora pede que nesta parte sejam usadas as seguintes garrafas: 1- Coca-Cola de 290

ml; 2- guaraná Antarctica caçula; 3- guaraná Antarctica 300 ml; 4- cerveja Brahma 600 ml;

5- Coca-Cola 1 litro.

6) Choro Comunal: Entoado pela alegria da chegada de um parente, quando a aldeia toda

entoa um choro. Considerando que cada Xavante adulto possui seu próprio choro, o resultado

da fusão é o caos. A peça é finalizada por um grito vocalizado pelos músicos (Ha).

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 29

Título: Dawawa Tsawidi (choro de alegria ou de saudade)

Ano: 1979

Formação/Instrumentação: SATB

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 15min.

Estreia: n.c.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: Versão para vozes da peça original de mesmo nome para sopros e

percussão.

Comentários: Nesta versão para vozes, cada instrumento é transcrito para uma voz, com

mínimas diferenças quando comparada à versão original. A flauta é transcrita para o soprano,

a clarineta é transcrita para o contralto, a trompa é transcrita para o tenor, o fagote é

transcrito para o baixo e o trompete é transcrito para soprano solo, sendo que em alguns

momentos da peça o clarinete é transcrito para tenor solo. As transcrições são praticamente

idênticas, exceto que o último compasso da primeira parte não é uma passagem para segunda

parte, como na versão original, mas sim um reforço do grito final (com as mesmas notas do

compasso anterior, inclusive). Outra diferença é que as partes são nomeadas como Cantos e

não como Choros e não há Interlúdio. As partes são: Canto de Alegria, Canto de Saudade,

Canto de Alegria, Canto do Curandeiro e Canto Comunal.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 30

Título: Nakutnak

Ano: 1980

Formação/Instrumentação: Pno./Vln.

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 10min.

Estreia: Sala FUNARTE, Rio de Janeiro – RJ, 1981. Piano: Aleida Schweitzer, violino: Jerzy

Milewski.

Premiações: Finalista do II Concurso de Composição Musical, Duos de Violino e Piano,

1980. Patrocínio: Pró-MEMUS/MEC-FUNARTE/INM. Realização: Editora Vitale.

Gravações: n.c.

Outras informações: Nakutnak é uma palavra da língua Xetá sem significado em português.

A compositora se utilizou nesta peça dos temas indígenas Xetá, Bororo, Mamaindé, Carajá e

Xavante.

Comentários: As linhas melódicas aqui são formadas por poucos sons, ora bastante

ornamentadas, ora apresentadas com bastante simplicidade em frases bem definidas e com

várias repetições. O piano funciona como acompanhamento, quase como instrumento de

percussão, com rítmica simples e repetitiva, como é peculiar da música indígena brasileira,

cabendo ao violino os temas melódicos.

A peça tem quatro partes distintas e contrastantes entre si, sendo a primeira de caráter

melódico, com melodia simples e repetitiva, desenvolvida em poucos sons. Na segunda parte

o acompanhamento é mais rítmico. A terceira parte apresenta outro tema, também com

poucos sons e na parte final o acompanhamento é bem marcado e repetitivo.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 31

Título: Holocausto

Ano: 1980

Formação/Instrumentação: Quarteto de cordas (Vln.I e II/Vla./Vlc).

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 14min.

Estreia: n.c.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: Existem versões para Orquestra de cordas e para Orquestra.

Comentários: A obra trata da criação, na qual, segundo o Criacionismo, Deus criou toda a

natureza, os animais e o homem. O “Holocausto” está traduzido na última parte, quando o

homem destrói o que foi criado, parte essa que se inicia com um tema indígena, indicado e

apresentado pelo violoncelo. Toda esta história aqui narrada musicalmente, da criação ao

holocausto, está dividida em seis partes que seguem:

1) E Deus criou os rios e os mares;

2) E a terra produziu árvore que dá fruto;

3) E surgiram as grandes baleias;

4) E todas as aves de asas;

5) E o homem do pó da terra;

6) E a criatura destrói o que foi criado.

Na obra toda a rítmica se sobrepõe aos outros elementos e há bastante variação motívica. A

obra é difícil ritmicamente pelo excesso de polirritmias e remete a uma sonoridade oriental e

bem contemporânea.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 32

Título: Ogum, Ogum (Três cantos de candomblé)46

Ano: 1982

Formação/Instrumentação: SATB

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 8min.

Estreia: n.c.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: A compositora indica em uma nota presente na partitura que os cantores

deverão observar com muito cuidado as indicações de dinâmica e metronômica e que as

partes da peça deverão se suceder sem interrupção, para não tirar o significado de unidade

que deverá reger toda a obra. Indica ainda que os temas utilizados foram retirados do livro

Cem Melodias Folclóricas de Alceu Maynard Araújo e Aricó Júnior.

Comentários: Dividida em três partes (Ô Lirê, Ô Lirá; Um Dinha; Ogum, Ogum, Ogum) a

peça é ritmada e vibrante, assim como a música em um culto de candomblé, se utilizando de

recursos como glissandos na voz (que chegam a atingir intervalos de nona, por exemplo) e

muitos cânones. As palavras são cantadas de forma bastante rítmica (ex.: a palavra Ba-ba-lo-

ri-xá que possui cinco sílabas é executada numa quintina de semicolcheias), demonstrando

que a música está em função do texto, que já é bastante ritmado. As dissonâncias surgem em

intervalos de 7m entre as vozes e grande quantidade de trítonos.

46

O candomblé é uma religião de matriz africana derivada do animismo africano onde se cultuam os orixás,

voduns ou nkisis.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 33

Título: Wãnĩ A’Ama

Ano: 1982

Formação/Instrumentação: Orq. (2Fl./1Ob./Cl-Sib/2Tpa-Fá/2Tpt-Dó/2Tbn-Si

b/Bbo./Tamb./2

Mar./Tt./Gso./Cds.)

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 15min.

Estreia: Sala Cecília Meireles, Série Música do Século XX – Orquestra Sinfônica Brasileira,

Rio de Janeiro-RJ, 1983. Regente: Roberto Ricardo Duarte.

Premiações: 4º Prêmio do Concurso Internacional em comemoração aos 50 anos do programa

Meridien, da BBC Londres, maio de 1984.

Gravações: n.c.

Outras informações: A palavra Wãnĩ A’Ama vem de um canto Bororo pedindo ajuda para a

construção de uma cabana. Esta obra foi inspirada no livro Réquiem para os índios de

Felícitas Barreto. Os cantos, melodias e temas indígenas que serviram de referência para esta

composição foram gravados por Desidério Aytai, Vera Penteado Coelho e César Albisetti.

Baroncelli (1987) faz um comentário sobre esta obra: “Para esta composição, Maria Helena

pesquisou temas indígenas de diversas tribos e valorizou instrumentos de percussão que se

aproximassem dos instrumentos indígenas (...) procurando manter-se fiel e ao mesmo tempo

colorindo aquela monotonia melódica característica do índio, que diz muito em pouco texto

(ou som) e depois repete tudo.” (Célia Búrigo, Correio Popular, Campinas in Baroncelli, N.

Mulheres Compositoras, 1987).

Comentários: Sinfonia indígena escrita em cinco partes, sendo a única peça orquestral da

segunda fase composicional.

1) A magia da terra: inicia com um canto de flautas Xavantes e depois passa para imitação

Carajá de animais (jabuti, pirarucu, passarinho ureré). Observa-se uma intensificação da

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textura, pois a melodia começa apenas com a flauta e depois entram o oboé em homorritmia

com a flauta, seguido da percussão, cordas e clarinete, tecendo um contraponto com os demais

sopros. Estes se utilizam de recursos sonoros como colocar o barrilete junto com a boquilha e

a mão em concha embaixo, abrindo e fechando, ou a boquilha e barrilete colocados em

campânula (tudo indicado na partitura). Os instrumentos que estavam esparsos se unem agora

num ritmo frenético, bastante acentuado levado pelos instrumentos graves com intensificação

da sonoridade até o fim desta parte.

2) O ciclo dos ritos: um ciclo de cantos, formado pelo canto dos índios Wapité, depois da

corrida do buriti, iniciado pelo tambor e cordas, com ritmo marcado; canto para a última festa

dos moços e moças (Xavante), quando entram os sopros com linhas melódicas diferentes e a

flauta numa região bastante aguda: canto de festa do Waiwá (festa do respeito), mantendo

compassos ternários e binários com rítmica mais marcada (esta parte tem caráter mais

ritualístico, observada pela ritmo dos instrumentos bastante marcado nos tempos inteiros dos

compassos, repetitivamente, fazendo referência aos rituais indígenas, como o próprio nome

diz).

3) Os cantares de vitória: nesta parte a compositora utiliza um canto de vitória (Xavante), um

canto do meio-dia (melodia Kamaiurá), alternando trechos de rítmica repetitiva, com toda a

grade da orquestra executando o mesmo ritmo e trechos onde praticamente todos os

instrumentos executam glissandos entre as notas (ideia de caos sonoro) com vibrato mole,47

enquanto outros sustentam notas pedal.

4) Deus e os incontáveis espíritos se cobrem de prata e flores: esta parte traz uma melodia

para a festa do Kuarup dos índios Waiwá e um tema Bororo. O caráter é Misterioso e a

melodia polifônica.

5) A pirâmide dos mortos: a intensidade do som e a textura aumentam gradativamente

terminando em ffff.

47 A partitura traz uma indicação que o sinal indica um vibrato mole, que seria um vibrato longo e

lento.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 34

Título: Wamarĩ

Ano: 1982

Formação/Instrumentação: Bar./Pno.

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 5min.

Estreia: XIX Festival Música Nova de Santos, Teatro Municipal Brás Cubas, Santos-SP,

1983. Barítono: Eládio Perez Gonzalez; piano; Berenice Menegale.

Premiações: n.c.

Outras informações: Dedicada à Eládio Perez Gonzalez.

Comentários: Escrita em três partes distintas:

1) Canção da Raposa: O barítono inicia a capella com um tema Waurá (tribo pertencente

ao Parque do Xingú, cuja família é Aruak). No compasso 14 o piano entra com um

ostinato rítmico em oitavas na região grave do instrumento e permanece o tempo todo

com este pedal (nota contínua) em Fá#, fazendo o acompanhamento para a voz.

2) Chôro: forma musical indígena que apresenta muitos glissandos, trinados e trêmulos

longos, com melodia expressiva.

3) Canto de Caça: o barítono canta “wamarĩ” em vários momentos num tema bastante

repetitivo. O piano faz um acompanhamento com oitavas em ostinato rítmico, bem

marcado, cujo centro é Dó#.

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3. A TERCEIRA FASE (A PARTIR DE 1983): LIBERTAÇÃO

No início desta fase Maria Helena estudou regência com Robert Pratt e Júlio

Medaglia, e orquestração com Jorge Kaszas. Isso até 1987, quando, após um longo período de

formação musical (que durou mais de quarenta anos) encerrou seus estudos formais, o que

não significou o abandono do estudo da música, pelo contrário, foi quando ela passou a

estudar mais e profundamente os ritmos brasileiros, a música dos indígenas, os cantos dos

pássaros e todo tipo de elemento musical — ou formador de uma ideia musical, que pode ser

encontrado em sua obra.

3.1. A libertação

Com o término dos estudos formais (em 1987) percebemos uma maior liberdade

refletida nas obras da compositora justamente pelo fato de estar “por conta própria”, o que lhe

rendeu a sensação de liberdade na composição, em suas próprias palavras, “(...) me senti livre

para compor o que eu quisesse.”48

Tal liberdade se revela nesta terceira fase por meio do

aprofundamento de todas as características apresentadas na segunda fase e da observação do

aumento da duração das peças e da instrumentação (se compararmos com a produção das

fases anteriores), gerando peças longas para formações extensas. Assim como a duração, a

complexidade do material musical também aumenta, traduzindo-se no uso constante de

dissonâncias, polirritmias, mudanças de compasso e de andamento, bem como uma maior

exploração dos recursos próprios de cada instrumento.

A utilização de conteúdo extramusical como unidade motivadora em torno da qual

a composição se desenvolve é expandida, sendo reconhecida em praticamente todas as

composições desta época, ocorrendo ainda uma diversificação dos temas, a qual é percebida

48

FERNANDES, op. cit., 2015.

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por meio da mistura dos elementos inspiradores nesta fase. Exemplo disso, Akauá-se (1998)

que conta a história do descobrimento do Brasil mixando elementos da música indígena

(quando se refere aos “donos da terra”, por meio de dialeto indígena e outros elementos

musicais próprios de sua música) com elementos da música europeia (vistos na escrita

polifônica para ser cantada em latim). A última parte, Comunhão, é uma mistura do indígena

com o europeu, idealizando um encontro pacífico que não foi corroborado pela história, na

qual observamos que as vozes se alternam entre o dialeto indígena e o latim, combinando

também ambos os estilos composicionais.

Das trinta e oito peças catalogadas nesta fase apenas duas não apresentam

temática definida, sendo a mais recorrente a religiosa/mística, que trata de temas relacionados

à criação do universo, ao cosmos, aos sentimentos inerentes ao homem, assuntos filosóficos e

religiosos (católicos), seguida das temáticas indígena e das paisagens/locais, a que chamamos

de paisagens sonoras, que seria a busca da compositora em capturar sonoramente algumas

paisagens – geralmente naturais – e traduzi-las em sons e elementos sonoros integrantes de

suas composições.

Maria Helena se considera uma pessoa muito religiosa, o que justifica a

ocorrência de várias peças com temática religiosa/mística em sua terceira fase. Observamos

também outras influências, pois, na época em que foi aluna de Almeida Prado,49

este também

fez coexistir as diferentes influências de suas fases anteriores. De acordo com Hassan (1996,

p. 28), na carreira de Almeida Prado (que também se considerava bastante religioso)

coexistiram fases – ecológica, astrológica e afro-brasileira. Anos mais tarde, na terceira fase

composicional de Maria Helena (a de maior liberdade) se encontram justamente os elementos

religiosos e místicos, assim como os ligados à natureza na maior parte de suas composições,

elementos bastante assemelhados aos que influenciaram Prado.

49

Professor do Curso de Extensão Universitária em Composição que ela frequentou de 1976 a 1978 no

Departamento de Música da UNICAMP.

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112

Sobre a liberdade considerada em termos de distanciamento da tradição, expressa

por meio do discurso musical, Elias (2010) realizou um estudo sobre os compositores

brasileiros e apresentou parte destes resultados em um artigo, no qual classificou Maria

Helena como integrante do grupo de compositores que apresentam uma liberdade do discurso

que é relativa,50

onde se enquadram “todos aqueles que revelam inspiração, explícita ou sutil,

tendo como fontes as tradições populares ou o folclore brasileiro, embora não exclusivamente

(ELIAS, 2010).” Ainda explica que as composições deste grupo, para conservarem uma cor

local, regional, se utilizam destes elementos de inspiração (para dotar suas obras de certo

regionalismo ou ineditismo). Tais elementos são utilizados por compositores da atualidade de

forma transcendida por meio de “técnicas de composição e particularidades de discursos que

diluem, metamorfoseiam esta inspiração de base, em linguagens originais” (ELIAS, 2010).

Tal metamorfose dos elementos de inspiração de base é vista nesta terceira fase de

Maria Helena, que, não abandonando suas fontes de inspiração, as transforma de tal modo que

estão presentes muitas vezes, de forma intrínseca no texto musical, parecendo até ser fruto de

uma linguagem inconsciente da compositora, algo arraigado à sua personalidade

composicional. Isso pode ser visto, por exemplo, em peças como Lamento I e II, ambas para

violino solo de 1985, nas quais, se referindo aos choros da música Xavante, apresentam

melodias lamuriosas, expressivas e extremamente dissonantes com diversos glissandos,

trêmulos lentos, saltos e apogiaturas que aludem à música indígena sem se tratar de uma

citação propriamente dita. Esse processo, que parece ocorrer de forma espontânea e

inconsciente não é aleatório, mas sim fruto de muitos anos de estudo, pesquisa e prática

composicional, sendo observado também em temas relativos à natureza. Em Ciclo nº3 (1984),

por exemplo, os cantos de pássaros fluem livremente pela peça sem descrições exatas sobre

50

Elias (2010) esclarece que a classificação considerou a escolha dos materiais e elementos que servem à

invenção sonora e não as técnicas de composição empregadas. Também não foi feito nenhum julgamento de

valor artístico das obras e compositores, são simplesmente grupos que refletem aspectos de uma realidade sonora

múltipla e diferenciada, estando todos em pares de igualdade.

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eles, mas já fazendo parte do texto musical de forma natural, por uma linguagem própria da

compositora.

A maior parte da obra de Maria Helena está concentrada nesta fase, que também é

a mais extensa em sua carreira e onde encontramos um número maior de peças para grandes

formações,51

bem como para formações variadas e até incomuns na composição erudita. A

maioria das peças é para orquestra e somam sete, seis para orquestra e coro, além de cinco

para voz e instrumentos, cinco para piano, quatro duos, duas para violino solo, duas para coro

e instrumentos, uma para sopros e percussão, uma para orquestra de cordas, um quinteto de

sopros, um trio, uma para banda sinfônica, uma para outros instrumentos e uma para coro a

capella.

3.2. Sobre o processo composicional

Observamos que o processo composicional de Maria Helena parte da escolha do

tema extramusical, o seu elemento de inspiração, uma ideia na qual ela mergulha para estudar

e conhecer mais profundamente, podendo se apresentar como um capítulo da história de

Minas Gerais ou do Brasil, uma tribo indígena, uma paisagem natural, uma obra de arte, entre

outros. Este processo se iniciou no final da primeira fase, passando pela segunda e sofreu uma

total ampliação e aprofundamento nesta terceira fase, motivo pelo qual será tratado com

maiores detalhes aqui.

51

A partir de 2011 constata-se que algumas obras escritas para grandes formações propõem certo retorno ou

alusão à sonoridade do início do século XX, como a ópera Anita Garibaldi (2011), o Concertato Encantada

(2013) e O Mundo Sonoro das Minas Coloniais (2014), por meio de uma linguagem mais tonal dentro de formas

e gêneros mais tradicionais.

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Após a decisão do tema extramusical, a compositora começa a buscar informações

sobre o assunto e ferramentas para a manipulação do material musical a fim de representar a

sonoridade pretendida ou narrar sua história da melhor forma. Quando se trata sobre os

indígenas, ela realiza leituras sobre o assunto, além de escutas de gravações recolhidas por

antropólogos. No caso da transcrição destes temas (para escrevê-los em partitura

convencional) despende de muito tempo ouvindo e tentando reconhecer as notas e

vocalizações (que raramente são palavras para os ouvidos ocidentais). Já se o tema é histórico

ela lança mão de leituras e visitas a museus, a fim de embasar melhor sua obra.

Em entrevista, quando questionada se partia do tema, da ideia, para a composição,

corroborou a interrogativa dizendo que parte da ideia inicial (ao que chamamos de tema

extramusical) usando a peça Brasil 92 (1992) como exemplo.

Primeiro a ideia inicial. Aqui, em Brasil 92, então eu vou usar um tema, um

ritmo indígena, aqui uma melodia indígena. São fragmentos, eu não pego

uma coisa inteira. E cada obra, você repara, que é uma obra completamente

diferente. Eu não tenho essa preocupação de fazer uma coisa “modernosa”,

faço aquilo que eu acho, que eu posso fazer, que soa bem para mim

(informação verbal).52

Deste ponto em diante ela começa a trabalhar com esquemas de ritmo, de ideias

musicais e de forma. O esquema rítmico pode ser o estudo de uma dança brasileira que queira

utilizar, por exemplo, o jongo, no qual analisa sua rítmica básica, variações, acentos e

possibilidades. As ideias musicais podem ser, por exemplo, cantos de pássaros transcritos,

como pode se observar na figura 11 da página 94, que demonstra um estudo que ela fez dos

pássaros da região de Poços de Caldas-MG para compor a Sinfonia das águas cantantes

(2010). Isso vai definindo o discurso musical da obra e suas respectivas partes, que podem

52

FERNANDES, op. cit., 2015.

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contar com um Kyrie ou um Glória53

, por exemplo, conservando as características originais

(como o canto em latim), no entanto, se utilizando de uma linguagem contemporânea na

composição. É depois de todo esse caminho, nesse ponto que se dá a composição em si,

sempre realizada com o apoio do piano. Quanto ao gênero ou à formação instrumental, decide

posteriormente se vai ser um quarteto de cordas, uma sinfonia ou uma peça para instrumento

solo.

A forma considerada perfeita para Maria Helena é a ABA’ e, ainda que as peças

não obedeçam a uma divisão convencional em seções, notamos a intenção de começo, meio e

fim nas mesmas, conforme comentou a compositora abaixo, já que geralmente as peças

retornam, em seu final, com alguma ideia musical do inicio.

Eu sinto que eu tenho um equilíbrio nos meus trabalhos. Eu começo, tenho

um meio e um fim. Tem aquela linha curva de início, de fim e aquela parte

que tem um auge na minha obra. Eu acho que toda obra tem que ter isso

senão ela se quebra. Eu acho essa forma ABA’ perfeita, na realidade. Na

música ela fecha o sentido musical. Se você fizer isso na obra literária ela

não fica tão bem, mas acho que na obra musical ela dá um sentido de

equilíbrio. Percebe? (informação verbal).54

A explicação de Maria Helena logo abaixo sobre Memórias Sonoras das Minas

Colonias (2014) descreve um processo que se verifica praticamente em toda a obra e que se

confirma pelo estudo e análise das partituras.

Por exemplo, vou fazer uma obra sobre Minas. Vou estudar os terreiros de

Minas. Piano solo, com três partes: um batuque, um lundu, um jongo. Aí eu

estudo cada um, procuro um tema que me interessa, um ritmo que me

interessa. Ritmos de Minas, uma Folia de Reis, do Caxambu. Eu cito de onde

eu tirei e na obra eu ponho também de onde eu tirei. Da capoeira, dos

53

Kyrie e Glória são partes do Ordinário da missa latina. 54

FERNANDES, op. cit., 2015.

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pássaros, ritmos, olha quantos eu investiguei! Procurei saber quais os

pássaros de Minas. A pesquisa está sempre presente (informação verbal).55

Figura 11 - Rascunho do processo composicional de Maria Helena contendo transcrição própria de cantos

de pássaros da região mineira. Fotografado do arquivo pessoal da compositora em janeiro de 2015, da

obra Sinfonia das águas cantantes (2010).

Porém, a questão que mais chama atenção é o material musical, a forma como a

compositora manipula os elementos sonoros resultando em uma música brasileira que não é

nacionalista no sentido mais tradicional da palavra, seguindo a linha de Mário de Andrade e

55

FERNANDES, op. cit., 2015.

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seus discípulos, bem como não parte de materiais folclóricos ou nordestinos, e não é tonal ou

modal, nem dodecafônica ou serial, nem de tonalismo expandido ou ultra cromática, mas sim

um pouco de cada coisa, de forma única, criando uma linguagem própria e original que parte

de elementos brasileiros como pássaros e índios, sem a preocupação de fazer algo

nacionalista, ou se encaixar em algum nicho de composição ou ainda mesmo de fazer uma

obra comercializável.

3.3. Considerações sobre a peça de amostragem da 3ª fase: Brasil

92

A peça de amostragem selecionada para que fosse comentada com mais

detalhamento na terceira fase composicional foi Brasil 92 composta em 1992 para voz e

instrumentos, por demonstrar o controle na manipulação do material musical que a

compositora atingiu e também pela presença da voz como parte da formação. A peça ainda

contém uma característica corriqueira deste período que é a mistura de temas extramusicais,

assim como elementos e texturas variadas, tudo isso trabalhado por meio de paisagens

sonoras. O discurso sobre a paisagem é mais narrativo do que abstrato, no sentido em que

busca descrever sonoramente o local, principalmente por meio das transcrições de cantos de

pássaros regionais. Desta forma, Brasil 92 foi dedicada às paisagens naturais do estado

brasileiro de Mato Grosso, as quais a compositora buscou capturar sonoramente e dividiu em

três partes: 1) A Chapada dos Guimarães; 2) O Pantanal e 3) O Sangradouro (Reserva

Indígena). Nas duas primeiras partes encontram-se diversos cantos de pássaros transcritos,

citados e modificados, e na terceira parte cantos dos índios de Rondônia e da tribo Bororo.

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A formação de Brasil 92 é para voz (mezzo), flauta, clarinete em Sib, piano e

percussão (tímpano, tam-tam grande e pequeno, tambor, bumbo, chocalho, guiso e temple-

block). Foi dedicada à alemã Roswitha Sperber, motivo pelo qual, segunda a compositora, a

parte escrita para voz é construída com sons vocalizados, já que ela buscava um tema

brasileiro, que fosse possível uma alemã sem conhecimento da língua portuguesa cantar sem

grandes dificuldades. A voz não tem papel de solista nesta peça, soando como mais um

instrumento pertencente à formação.

Pela extensão da obra optamos por focar as considerações na primeira parte, A

Chapada dos Guimarães. O local, o Parque Nacional da Chapada dos Guimarães é uma

unidade de conservação brasileira, situada no estado de Mato Grosso, onde se encontram

belezas naturais como o cerrado, cachoeiras, cânions e formações rochosas, além de pinturas

rupestres. Trilhas levam até mirantes naturais de onde dizem que em dias claros é possível

avistar a planície pantaneira. De acordo com a compositora, os materiais escalares (que são

sempre ascendentes, finalizando em notas cada vez mais agudas) encontrados na parte da voz

e do piano fazem menção ao horizonte e à imensidão das planícies, no caso a planície

pantaneira.

Nesta peça a compositora trabalha com um conceito de camadas no qual, sobre

um elemento musical ou instrumentação são acrescidos outros elementos e outras

instrumentações criando um efeito de densidades e texturas56

diferentes. A variação do

material é decorrente das sobreposições e dos cortes, não havendo desenvolvimento de um

mesmo elemento musical, que pode aparecer de forma variada ou simplesmente repetida.

Também não há desenvolvimento do ponto de vista do plano harmônico. A intensidade da

peça é dada pela dinâmica e pela textura, ou seja, pela quantidade de instrumentos tocando ao

mesmo tempo, emitindo sons simultaneamente.

56

O conceito de textura é aqui utilizado de acordo com BERRY, op. cit., 1987.

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Figura 12 – A Chapada dos Guimarães (parte 1 de Brasil 92) de 1992, comp. 1.

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Como exemplo, a textura 1 (fig. 12) apresentada no inicio da peça pela flauta,

clarinete e mezzo se interrompe no compasso 3 para entrada da textura 2 (fig. 14, p. 99)

constituída pelo tam-tam mais o piano até atingir a dinâmica ffff. Os quatro primeiros

compassos da peça são introdutórios, inclusive sendo os únicos sem definição de fórmula de

compasso.

Figura 13 – A Chapada dos Guimarães (parte 1 de Brasil 92) de 1992, comp. 2.

No compasso 1 a melodia composta por Lá-Mi (flauta) é o primeiro elemento

observado. Antes da flauta, no mesmo compasso, o mezzo, faz alusão a um canto indígena57

se utilizando das mesmas notas da flauta. Este mesmo elemento retorna no compasso 23 (fig.

23) para logo em seguida concluir esta parte. O segundo elemento é o material escalar do

piano no compasso 3 (fig. 14) que faz alusão ao modo de Lá eólio, sendo trabalhado também

pela voz a partir do compasso 7 (fig. 16), criando uma sensação de unidade entre estes

elementos, que são sempre utilizados de forma ascendente e terminando em notas cada vez

mais agudas. Supomos que a compositora utiliza deste desenho melódico para dar a ideia da

57

Exemplo de um elemento de inspiração de base metamorfoseado pela compositora, já sendo parte intrínseca de

sua linguagem musical, conforme discutido anteriormente.

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grandiosidade da Chapada dos Guimarães. Ainda no compasso 3 (fig. 14 abaixo) aparece o

terceiro elemento que são os baixos oitavados alternando a nota Mi em diferentes alturas, no

extremo grave do piano.

Figura 14 – A Chapada dos Guimarães (parte 1 de Brasil 92) de 1992, comp. 3-4.

Figura 14 – A Chapada dos Guimarães (parte 1 de Brasil 92) de 1992, comp. 3-4.

Após isto se inicia uma nova textura (textura 3) no compasso 5 (fig. 15) com o

clarinete apresentando um canto de pássaro (Vira-folhas), o tímpano e o bumbo em

homorritmia e o piano com um novo elemento rítmico constante. Sobre esta textura, no

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compasso 7 (fig. 16) foram acrescentados a flauta (com novo canto de pássaro, o Inambu) e o

mezzo (textura 4), ao mesmo tempo em que o clarinete é interrompido, assim seguindo por

toda a peça com justaposições e recortes constantes na textura.

Figura 15 – A Chapada dos Guimarães (parte 1 de Brasil 92) de 1992, comp. 5-6.

Encontramos graduações de dinâmica, trechos que vão do ppp ao ffff, acabando

justamente onde existem os “cortes” para entrada de um novo elemento ou de uma nova

textura (por ex. no comp. 4), que é transformada por acréscimo ou decréscimo de camadas de

instrumentos ou de gestos. O quarto elemento é a “unificação” da percussão tocando em

homorritmia no comp. 5 (tímpano e bumbo) e o quinto aparece no piano, mostrando uma

rítmica constante.

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Figura 16 – A Chapada dos Guimarães (parte 1 de Brasil 92) de 1992, comp. 7-8.

As transcrições de cantos de pássaros da região são o sexto elemento identificado

(comp. 5), sendo também a parte central da peça, fazendo referência à Chapada por meio dos

cantos do Vira-folhas, do Inambu, do Mutum e do Gaturamo, que estão indicados na partitura.

Um mesmo pássaro é citado em outros momentos e às vezes de forma variada, como

exemplo, o canto do Vira-folhas apresentado pelo clarinete no compasso 5 (fig. 15) é citado

pela flauta no compasso 11 (fig. 18) com outra rítmica. Em outros momentos ocorrem

variações diversificadas como no canto do mutum (comp. 12) apresentado pela voz que se

repete como uma resposta-eco no clarinete e depois na flauta com variação de altura,

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mantendo o intervalo de 5dim. da figura inicial, constituindo a textura 5, dentro da qual

detectamos o sétimo elemento: o trinado longo do tímpano (comp. 12, fig. 18).

Figura 17 – A Chapada dos Guimarães (parte 1 de Brasil 92) de 1992, comp. 9-10.

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Figura 18 – A Chapada dos Guimarães (parte 1 de Brasil 92) de 1992, comp. 11-12.

No compasso 13 (fig. 19) a flauta retorna com o canto do pássaro Inambu

enquanto o clarinete, o tímpano e o mezzo são interrompidos (textura 6) para logo em seguida

o piano apresentar o oitavo e último elemento: os acordes em forma de clusters (comp. 14). A

partir do compasso 18 o clarinete entra com um novo canto de pássaro, o Gaturamo,

combinando ritmicamente com a flauta e os guisos para formar a textura de número 7, a qual

já é interrompida no compasso 19 com a entrada do piano seguida de uma imitação de canto

do pássaro Vira-folhas na flauta (comp. 20, fig. 21).

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Figura 19 – A Chapada dos Guimarães (parte 1 de Brasil 92) de 1992, comp. 13-16.

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Figura 20 – A Chapada dos Guimarães (parte 1 de Brasil 92) de 1992, comp. 17-18.

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Figura 21 – A Chapada dos Guimarães (parte 1 de Brasil 92) de 1992, comp. 19-20.

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No compasso 21 se inicia a textura 8 composta pelo flauta, clarinete, bumbo, o

mezzo, repetindo o elemento apresentado no compasso 7 (que é decorrente do elemento do

piano no comp. 3) e o piano variando sobre o que foi feito no compasso 10.

Figura 22 – A Chapada dos Guimarães (parte 1 de Brasil 92) de 1992, comp. 21-22.

No compasso 23 é acrescido o tam-tam, o piano passa a fazer o material

trabalhado anteriormente pelo mezzo, enquanto este volta com as notas Mi e Lá, como no

início da peça. A flauta e o clarinete também retornam às notas Mi e Lá do início. Estas

alterações definem a textura 9 (fig. 23) que encerra esta parte da peça.

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Figura 23 – A Chapada dos Guimarães (parte 1 de Brasil 92) de 1992, comp. 23.

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Figura 24 – A Chapada dos Guimarães (parte 1 de Brasil 92) de 1992, comp. 24-25.

Como a peça não é modal nem tonal realizou-se uma contagem geral das notas

para definir a região de preferência da composição (ver tab. 3), que é Mi-Lá (aludindo ao

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modo de Mi frígio), estando o centro em Mi, a nota mais recorrente. O piano, no caso o

instrumento com tessitura mais grave da formação, faz um pedal oitavado constante em Mi

numa região bastante grave, apenas modificando para Fá# em três compassos (14, 16 e 19) e

para Fá em metade do compasso 19 e no 20, depois retornando para o Mi. É justamente na

linha do piano e da flauta a maior ocorrência da nota principal. A tabela 3 abaixo demonstra a

contagem geral realizada das notas em A Chapada dos Guimarães.

Mi Lá Fá Dó Si Ré Mib Sol Fá

# Dó

# Si

b

367 122 63 40 33 25 19 15 9 3 1

Tab. 3 – Contagem geral das notas em A Chapada dos Guimarães.

Já a tabela a seguir (tab. 4) demonstra a densidade de instrumentação nos vinte e

cinco compassos de A Chapada dos Guimarães, onde se percebem as interrupções de

instrumentação que modificam bruscamente a textura, conferindo uma sensação de recorte ou

montagem à peça.

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Nº comp./

instrumentação

Fl. Cl.-

Sib

Timp. Tt.gde. Bbo. Choc. Gso. Mez. Pno.

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

13

14

15

16

17

18

19

20

21

22

23

24

25

Tab. 4 - Densidade por instrumentação em cada compasso de A Chapada dos Guimarães, parte da peça

Brasil 92 (1992), manuscrita, de Maria Helena Rosas Fernandes.

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3.4. Fichas catalográficas comentadas (3ª fase)

FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 35

Título: Ciclo nº2

Ano: 1983

Formação/Instrumentação: Pno.

Edição: Irmãos Vitale, São Paulo, 1984.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia da partitura editada).

Duração: 7min.

Estreia: VII Panorama da Música Brasileira, Escola de Música da UFRJ, Rio de Janeiro-RJ,

1984. Piano: Sônia Maria Vieira.

Premiações: n.c.

Gravações: Panorama da Música Brasileira (CIDDIC-UNICAMP), 2011. Piano: Maria José

Carrasqueira (em fase de edição).

Outras informações: Inspirada no disco “Aves Brasileiras” de Johan Dalgas Frisch e

dedicada ao marido da compositora, Cláudio Fernandes. Existe versão para órgão que conta

com pequenas alterações com relação à peça original. Com o acréscimo de uma linha inferior

para o pedal do órgão, a linha inferior do piano é distribuída entre a linha inferior do órgão e

o pedal, com notas graves, longas e repetitivas. Ainda que não explicitamente, os pedais de

notas são percebidos no entremeado do material musical.

Comentários: Trata da natureza, como o primeiro Ciclo, porém aqui se observa o ciclo do

dia, dividido em quatro partes: Da noite, Da madrugada, Do dia e Do crepúsculo. Repleto de

cantos de pássaros, a obra impressiona pela quantidade de cantos de aves diferentes que a

compositora transcreveu, dos mais simples aos mais complexos. Alguns deles são do sabiá-

branco, acauã, pinto-do-mato-de-cabeça-vermelha, chocão-de-barriga-branco, entre muitos

outros. A pianista Sylvia Maltese chama esta peça de “suíte dos cantos dos pássaros”,

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inspirada nos pássaros da Amazônia. Segundo ela “a linguagem contemporânea se apresenta

com características impressionistas, criando grandes quadros, de vários períodos do dia, onde

aparecem os cantos dos pássaros da noite, da madrugada, do dia e do pôr-do-sol.”58

58

MALTESE, op. Cit., 2015.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 36

Título: Ciclo nº3

Ano: 1984

Formação/Instrumentação: Pno.

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 10min.

Estreia: Sala Saint Cecília Music Society, Grand Rapids, Michigan, EUA, 1984. Piano: Ruth

Serrão.

Premiações: n.c.

Gravações: Gravação interna da FUNARTE por obra participante da Bienal de Música

Contemporânea Brasileira, Rio de Janeiro-RJ, sem publicação. (Intérprete: Ruth Serrão,

Piano). Arquivo em mp3 localizado no acervo pessoal da compositora.

Outras informações: Dedicado à Ruth Serrão.

Comentários: A peça está permeada por cantos de pássaros e cantos indígenas, que fluem

livremente, sem descrições exatas ou mais elaboradas sobre eles, mas já fazendo parte do

texto musical de forma natural, por uma linguagem internalizada pela compositora.

Continuando a ideia cíclica presente também nos Ciclos anteriores, este tem três partes:

1) Das manhãs: com acordes bastante dissonantes, o pensamento da compositora aqui é a

respeito do som e não acerca da tonalidade ou da harmonia.

2) Dos fins de tarde: demonstra a monotonia dos fins de tarde por meio de notas repetidas.

3) Da floresta mágica: uso extenso de pedal harmônico e acordes tipo clusters revelando o

amanhecer e os cantos dos pássaros. Também encontramos desafios ao intérprete, exigindo

muita precisão rítmica para executar fusas, semifusas, trinados, notas pontuadas, glissandos e

acentos em tempos fracos. Observa-se ainda pedais com notas graves sustentando trechos

deste movimento.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 37

Título: Tainahyky

Ano: 1984

Formação/Instrumentação: Sopr. e Perc. (Fl./Ob./Cl-Sib/Fg./Trp-Fá/Tpt-Dó/Timp./2Mar./

Gso.)

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 8min.

Estreia: Sala de Concertos da EMB, Orquestra da FOSB, Brasília-DF, 1984. Regente:

Frederico Richter.

Premiações: 3º Prêmio do 1º Concurso Nacional de Composição Heitor Villa-Lobos.

Promoção: FOSB-FUNARTE.

Gravações: Gravação interna da FUNARTE por obra participante da Bienal de Música

Contemporânea Brasileira, Rio de Janeiro-RJ, sem publicação. Arquivo em mp3 localizado

no acervo pessoal da compositora. Panorama da Música Brasileira (CIDDIC-UNICAMP),

2011. Orquestra Sinfônica da UNICAMP (em fase de edição).

Outras informações: As fontes de referência que constam da partitura são: 1- A caça (a-

Canto de caça Xavante gravado por Desidério Aytai. b- Canto Xavante para o início da

caçada comunal gravado por Desidério Aytai. c- Encontro de caçadores Xavante gravado por

Desidério Aytai. 2- O canto dos pagés59

(d- Canto dos pagés da tribo Tucano. Disco Música

do Mato-Grosso, Brasil). 3-Tainahyky (e- Melodia Xavante gravada por Desidério Aytai).

Comentários: Tainahyky é toda inspirada na música indígena brasileira.

Na parte 1 (A caça) a escrita se mostra em contraponto e os temas apresentados variam entre

os instrumentos, enfatizando o caráter contrapontístico.

A parte 2 (O canto dos pagés) se assemelha a uma melodia cantabile, com temas facilmente

59

Foi preservada a escrita original da partitura.

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reconhecíveis ao ouvido, que se repetem diversas vezes. Apesar de este não ser o pensamento

a respeito do material musical escolhido para a peça, que trabalha com conjuntos de sons, há

uma tendência ao modalismo percebida na escuta desta parte.

A parte 3 (Tainahyky) é a mais longa, também mais movida e bem marcada ritmicamente.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 38

Título: Ritus

Ano: 1984

Formação/Instrumentação: Orq. (Ft./Fl./Cl-Sib/Fg./Trp-Fá/Tpt-Dó/Tbn./Timp./Tamb./Bbo./

Tt./3Choc. Tub. (gde., méd., peq.)/Gso./Cds.

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 8min. 37seg.

Estreia: n.c.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: Consta o seguinte texto de autoria da compositora na partitura:

“Tentando capturar as características da música indígena brasileira, fiz este trabalho para

orquestra. Usei alguns temas dos índios Xavante, Carajá, Kamayurá, Bororo. A melodia

Xavante foi colhida pelo antropólogo Desidério Aitay e a Bororo, pelo padre César Albisetti.

A maior parte destas melodias, têm um som básico que se repete várias vezes. A repetição na

música indígena, gera monotonia, mas não tira o encanto e a magia que essa música

provoca.” (FERNANDES, 1984)

Comentários: A peça traz uma orquestração em torno de um tema indígena apresentado pelo

flautim e pela flauta. Tanto os temas quanto a orquestração são relativamente simples do

ponto de visto rítmico, de textura e do material musical (exceto as dissonâncias) quando

comparados às outras peças para orquestra desta mesma fase. Ritus apresenta três partes:

1) A cabana das flautas mágicas;

2) O rito dos iniciados;

3) Dança dos pagés.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 39

Título: Lamento I

Ano: 1985

Formação/Instrumentação: Vln.

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 2min.30

Estreia: n.c.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: Dedicado à Natan Schwartzman.

Comentários: A ideia da peça é de um lamento, como nos choros dos índios Xavante (forma

musical típica da tribo). A peça se apresenta como um prelúdio, com forma livre e soa até

com certo estranhamento para os ouvidos ocidentais, trazendo a ideia de caos sonoro, comum

aos Choros indígenas. Com escrita complexa para ser executada ao violino solo, Lamento

traz muitos trêmulos lentos (típicos da música indígena), glissandos (que indicariam os gritos

presentes nos choros Xavantes), saltos e mudanças na formulação de compasso. A forma é

ABB’A’, iniciando o A sem fórmula de compasso. O B inicia em compasso binário com

vários intervalos de oitava harmônicos. O B’ é bem parecido com o B começando meio tom

abaixo. Já o A’retoma o tema inicial uma quinta acima.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 40

Título: Lamento II

Ano: 1985

Formação/Instrumentação: Vln.

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 3min.

Estreia: n.c.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: n.c.

Comentários: Assim como o Lamento I, o Lamento II também se refere ao Choro Xavante

por meio de uma melodia solo do violino bem expressiva e dissonante. Com forma bastante

livre, não se encontra na peça divisões em partes ou seções definidas, apenas algumas

repetições de pequenas ideias musicais que sugerem um retorno das partes. Há muito uso de

apogiaturas de notas duplas seguidas de intervalos de oitava e trinados.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 41

Título: Holocausto

Ano: 1985

Formação/Instrumentação: Orq. de cds. (Vln.I e II/Vla.I, II e III/Vlc.I e II/Cbx).

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 15min.

Estreia: n.c.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: Versão da original para quarteto de cordas.

Comentários: Nesta versão para orquestra de cordas, o quarteto original da primeira

composição é expandido quanto à instrumentação. A composição mantém os elementos

principais apresentados na versão original e há novas partes escritas para as linhas

acrescentadas (mais duas violas, um violoncelo e um contrabaixo). No geral, há poucas

alterações no texto musical quando comparada à composição original.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 42

Título: Tetrastichum

Ano: 1985

Formação/Instrumentação: Orq. (Ft./2Fl./2Ob./2Cl-Sib/Fg./CFg./2Tpa-Fá/2Tpt-Dó/Tbn./

Timp./Tamb./Bbo./Gso./Trg./Choc./Fol. Flan./Cds.)

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 12min.

Estreia: n.c.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: “Os títulos foram inspirados nas obras de Juan Miró, pintadas em 1942”

(FERNANDES, 1985). Existe uma versão para cravo ou piano datada do mesmo ano.

Comentários: As partes desta peça são referências a pinturas do artista catalão Juan Miró

(1893-1983), considerado por Breton como “o mais surrealista de todos nós” (GOMPERTZ,

2013, p. 262). Gompertz (2013) ainda explica que ocorre uma espécie de derramamento do

inconsciente do artista sobre a tela, e esses elementos, sem estrutura aparente, tem

significados trazidos do seu inconsciente, os quais ficamos fazendo tentativas de decifrar.

Esta obra musical de Maria Helena é complexa e interessante do ponto de vista sonoro e

composicional, trazendo elementos sonoros (como se fossem leitmotifs) para representar a

mulher, o pássaro, a lua e as estrelas, porém, alguns não ficam tão aparentes quanto outros.

Podemos observar que os pássaros são demonstrados com notas muito rápidas, antecipadas

por apogiaturas. A figura da mulher é representada por intervalos grandes de sétimas

menores, oitavas, nonas, décimas menores, fazendo-se presente desta forma nas duas

primeiras partes e sofrendo alterações na terceira, porém sempre em figuras de colcheias. A

lua tem um tema especial na segunda parte, que aparece diversas vezes com variação rítmica

e transposto. Na terceira parte surgem ainda outros elementos como “mãe da lua” e um tema

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indígena (Aruak). Há bastante dissonância e polirritmia na peça e acordes do tipo cluster.

As partes de Tetrastichum são: 1) Donna e Uccelli (Mulher e pássaro); 2) Donna, Luna e

Uccelli (Mulher, lua e pássaro); 3) Donna, Uccelli e Stella (Mulher, pássaro e estrela).

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 43

Título: Ouvi o grito de Hiroxima

Ano: 1986

Formação/Instrumentação: SATB/Pno./Perc./Narr.

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 5min.

Estreia: Salão Leopoldo Miguez, Escola de Música da UFRJ, no XI Panorama da Música

Brasileira Atual. Coral e Conjunto de percussão da Escola de Música da UFRJ, Rio de

Janeiro-RJ, 1988. Regência: Lídia Podorolsky.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: O texto da peça é de Roberto Bicelli e se demostra poético e denso ao

falar sobre a Segunda Grande Guerra. Foi copiado integralmente abaixo para demonstrar a

intensidade da obra completa.

“A imensa rosa de fogo adubada de ódio

Com pétalas made in USA

Gritavam as crianças

Gritavam as bonecas

Gritavam as mães

Gritavam os pássaros

Gritavam os homens

Gritavam as mães

Gritavam as crianças

Gritavam os pássaros de nojo de dôr.

Deus deve ter escutado

Ele nunca interfere

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Tem medo do livre arbítrio

Tão velho, tão surdo.

A guerra acabou

Yes War is over.

Murcharam os seios

Use o creme da Helena Rubinstein.

Teu sexo caiu?

Arranje um baby, colecione borboletas.

Hollywood contrata, pagamos em dólares

Yes war is over.

Assunto besta rapaz! Hoje é dia de festa. Houve um espetáculo pirotécnico em Hiroshima.

A Metro apresentará documentário completo em Technicolor.”

Comentários: A peça está internamente dividida em três partes não nomeadas. A primeira

apresenta muitas dissonâncias no material musical, andamento lento e rítmica

descomplicada. Há sempre ao menos duas das vozes do coro misto cantando em homorritmia

acompanhadas pelo piano com notas pedais longas e bastante graves. A segunda parte é

brilhante e tem andamento mais rápido. Bastante consonante, trabalha sobre a tríade de dó

maior, material bastante simples visto pouquíssimas vezes na obra da compositora. Apesar da

consonância extrema, há muita polirritmia entre as vozes, que se alternam para cantar que “a

guerra acabou”. Talvez seja o alívio da tensão da guerra dissolvido com o seu final e

representado aqui pela simplicidade do material melódico e harmônico. Existe um sétima

menor ao final desta parte, preparando para a última que é expressiva e lenta, voltando com

as dissonâncias constantes da primeira parte (2m; 4aum).

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 44

Título: Natum Est

Ano: 1986

Formação/Instrumentação: Orq. e SATB (2Fl./2Ob./2Cl-Sib/2Fg.CFg./2Trpa-Fá/2Tpt./2Tbn./

Tb./Gso./Trng./Tt./Pand./Timp./Cds.)

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 15min.

Estreia: n.c.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: O termo “Loa” é usado na peça como um discurso elogioso, um elogio.

Comentários: Natum est é um oratório pelo conteúdo narrativo. O nome traduz-se do latim

por “nasce”, se referindo ao nascimento de Jesus, O Cristo. A maioria das partes vem com

uma referência bíblica e ao longo da peça encontramos versículos cantados pelo coro em

forma de solo, recitativo, contraponto ou homorritmia entre as vozes. Há trechos de intensa

expressividade e caráter melodioso evidenciando a religiosidade da compositora, sendo,

inclusive, o tema da maioria das peças desta fase. Está dividida em dez partes: 1) E sobre os

que habitavam na terra da sombra da morte; 2) Eis que uma virgem conceberá; 3) Loa da

Virgem; 4) A luz brilha hoje sobre nós, porque nos nasceu o Senhor (Loa dos Pastores); 5)

Louvai ao Senhor, vós todos os seus anjos; 6) Loa dos Querubins; 7) Aleluia, Aleluia! O

Senhor é Rei; 8) Loa dos reis magos; 9) Ó terra inteira, aclamai a Deus; 10) Loa dos homens

da Terra. Maria Helena comentou sobre esta composição: “Quando fiz a Loa de Nossa

Senhora... Eu sentei, toquei e fui até o fim. Parei, chorei. Foi uma coisa muito estranha, tem

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hora que acontece isso, “baixa” um negócio que você não sabe de onde vem. Tem hora que

você fica lutando em cima da obra e nada sai.” (informação verbal).60

60

FERNANDES, op. cit., 2015.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 45

Título: Nakutnak

Ano: 1987

Formação/Instrumentação: Quint. sopr. (Fl./Ob./Cl-Sib/Trpa-Fá/Fgt.)

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 10min.

Estreia: III Concurso Latino-Americano de Composição, de Montevidéo, Uruguai, 1988.

Premiações: 1º prêmio do III Concurso Latino-Americano de Composição, de Montevidéo,

Uruguai, 1988. Promoção do Serviço Oficial de Difusion Radiotelevision y Espectaculos.

Gravações: MÚSICA BRASILEIRA PARA SOPROS E PIANO. Ensemble Rio (Intérprete,

orquestra de sopros). Rio de Janeiro: Rio Arte Digital, 1988. [Compact Disc]

Gravação interna da FUNARTE por obra participante da Bienal de Música Contemporânea

Brasileira, Rio de Janeiro-RJ, sem publicação. Arquivo em mp3 localizado no acervo pessoal

da compositora.

Outras informações: Esta é a versão para quinteto de sopros da peça de mesmo nome escrita

para piano e violino sete anos antes. Nakutnak é uma palavra indígena da língua Xetá sem

significado em português. A compositora se utilizou nesta peça dos temas Xetá, Bororo,

Mamaindé, Carajá e Xavante.

Comentários: A peça conserva a mesma estrutura da original, com alguns acréscimos na

instrumentação e compassos a mais, nos quais retorna com o mesmo tema com outro

instrumento fazendo a melodia ou cria alguma variação. Como exemplo, na parte final, existe

uma tensão criada por intervalos sequenciais de 2m entre os instrumentos (alternadamente)

antes do final da peça. Em alguns momentos a parte do piano (da peça original) é feita pela

flauta nesta versão, e em outros momentos a parte do piano é distribuída entre o clarinete, a

trompa, o fagote e o oboé.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 46

Título: Hékélaly (Bailado completo)

Ano: 1987

Formação/Instrumentação: Orq. (Ft./ 2Fl./2Ob./C.Ing./2Cl-Sib/Fg./CFg./4Trpa-Fá/3Tpt.-Dó/

2Tbn./Tb./Vib./Timp./Tamb./Tamb. Mil./Bbo./Tt./Atb./3Choc. Tub. (gde./méd./peq.) /Gso./

Cel./Cds.

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 18min. 20

Estreia: 9ª Bienal de Música Contemporânea, Teatro Municipal do Rio de Janeiro, Rio de

Janeiro-RJ, 1991. Orquestra Sinfônica Brasileira. Regente: Ricardo Prado.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: Na partitura há um texto sobre a música indígena e suas características,

e outro sobre a história (ou lenda) de Hékélaly, uma jovem que foi raptada de sua tribo.

Comentários: Hékélaly pode ser chamada de suíte indígena. É uma obra bastante longa, com

uma orquestra maior do que a vista até então nas composições de Maria Helena. A peça está

dividida em duas grandes partes (diferentemente de outras peças, as partes não estão

enumeradas, mas em sequência, como danças para serem tocadas uma seguida da outra) e,

dentro destas, outras partes ou movimentos. Toda a peça Ritus (1984) está incorporada de

forma integral dentro da primeira parte de Hékélaly, com os mesmos temas indígenas, apenas

com instrumentação maior.

A primeira parte inicia com um Prelúdio (O amanhecer na mata) repleto de sons de pássaros

tocados pela flauta e pelo clarinete. Seguido de A dor de Hékélaly; A dança das mulheres; A

cabana das flautas mágicas; Rito dos iniciados e Dança dos pagés. Estas três últimas partes

são da peça Ritus. Na segunda parte da obra temos Chamada para a guerra e Rumo à

Plêiade, tendo, cada uma destas partes, caráter e andamento distintos entre si.

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Hékélaly é uma grande homenagem à cultura e à música indígena. Uma peça orquestral com

mais de dezoito minutos de duração, totalmente inspirada em cantos e música ritualística

indígena para contar uma história, a história de Hékélaly.

FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 47

Título: Canção para 3 violoncelos e oboé

Ano: 1988

Formação/Instrumentação: Ob./3Vlc.

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 2min.10

Estreia: n.c.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: n.c.

Comentários: Com formação diferenciada esta composição instrumental deixa a melodia por

conta do oboé, que é bem expressivo, lento e melodioso. Dois violoncelos se encarregam da

harmonia repleta de ritmo, com diversas aberturas a quatro vozes, enquanto o terceiro

violoncelo faz o baixo marcado e constante. A peça tem a forma ABA’ e nas seções A o oboé

toca uma melodia tonal em Sol menor, enquanto os “cellos harmônicos” trabalham com

elementos modais e o terceiro define a tonalidade, variando a maior parte do tempo entre as

notas Sol (centro tonal) e Fá# (sensível). Pelas características tonais e modais, esta peça se

diferencia das demais desta fase, sendo também curta. A sonoridade é interessante e

agradável.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 48

Título: Palácio dos Guarantãs

Ano: 1989

Formação/Instrumentação: Trio de cordas (Vln./Vla./Vlc.)

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 12min.

Estreia: Museu de Arte de São Paulo, Festival Música Nova, São Paulo-SP, 1990. Trio

Rogulski.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: n.c.

Comentários: Guarantã é uma árvore originária do sul da Bahia que floresce belamente.

Palácio dos Guarantãns tem seis partes e a compositora comentou sobre elas. “(...) eu tive

ideia de uma fazenda antiga, sabe essas casas antigas mineiras, ou paulistas, da época do

auge do café? Então, como é que eu pensei: eu na frente da casa. Então era eu em frente a

uma casa antiga. A visão frontal, a varanda, a grande sala e a visão global” (informação

verbal).61

Estas seriam as partes da obra: 1) Visão frontal; 2) Momento I (Pórtico); 3) Momento II

(Varanda); 4) Momento III (Guarantãns); 5) Momento IV (Grande sala); 6) Visão global.

Cada parte se diferencia das demais por meio de elementos musicais únicos como intervalos

melódicos, oitavas, trinados etc., e também apresentam fórmula de compasso e rítmica

variada, andamento e caráter especificados. A última delas (Visão global) é um resumo de

todas as cinco primeiras, sintetizando elementos musicais da obra.

61

FERNANDES, op. cit., 2014.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 49

Título: A Travessia

Ano: 1989

Formação/Instrumentação: Banda Sinfônica (Ft./2Fl./2Ob./3Cl-Sib/2Fg./CFg./2Sx-A./Sx-

T./Sx-B./2Trpa-Fá/3Tpt.-Dó/2Tbn-Dó/Tb./Pno./Timp./Bbo./Cx-cl./Pto./Tt.)

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 10min.

Estreia: n.c.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: A única peça para banda sinfônica é dedicada à Roberto Trench e

inspirada no livro “A linguagem dos pássaros” de Farid Ud-Din Attar. Este livro é um grande

poema místico escrito na Pérsia do século XII pelo autor. Trata-se de uma das mais

importantes narrativas alegóricas que contém a essência do pensamento sufi.62

Comentários: Esta peça demonstra a habilidade da compositora na manipulação do material

sonoro por meio de texturas variadas, intenso uso da orquestração, timbres e coloridos

sonoros diversos. Em cada uma das quatro partes encontramos materiais diversificados e

como habitualmente, as partes não apresentam relações entre si no que diz respeito ao

material musical. A Travessia divide-se em: 1) A busca; 2) Caminho; 3) A conquista e 4) O

júbilo. Caminho tem uma sonoridade oriental, certo misticismo percebido por trechos de

escalas pentatônicas. A conquista parece fazer uma alegoria a cantos de pássaros pelas

apogiaturas e notas curtas e O júbilo faz uso de acordes nos instrumentos harmônicos e

abertura de vozes em homofonia nos instrumentos melódicos formando assim uma textura

mais densa nesta parte.

62

O sufismo é uma corrente mística e contemplativa do Islão.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 50

Título: Vitória-Paz

Ano: 1990

Formação/Instrumentação: Sopr./Fl./2Trpa-Fá/Pand.

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 2min.20

Estreia: n.c.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: Dedicada à Vitória Kerbauy e conta com a participação de uma

bailarina. Há na partitura a indicação da disposição em que devem estar os instrumentos e a

bailarina no palco.

Comentários: Trata-se de uma peça multiartística, que une conceitos e ideias da escultura e

da dança além da música, é claro. Segundo a compositora, Vitória-Paz é uma imagem

plástica-musical de um ideal buscado avidamente pelo homem, que é vencer para conquistar

a paz. Foi concebida para ser apresentada sobre um praticável circular, com a obra plástica

— uma escultura de Maria Aparecida Bueno Mello, no centro do mesmo. O soprano e os

instrumentistas devem ficar em praticáveis diferentes e a bailarina se moverá em cima do

praticável circular. É a primeira vez que a compositora insere uma bailarina em seu esquema

de disposição dos instrumentos, apesar de não citar o quê ou como a bailarina deve dançar.

Maria Helena ainda comenta no texto da própria partitura da peça que: “A união das artes de

expressão: escultura, música, dança, foi uma tentativa de vivenciar o tema de forma plena”

(FERNANDES, 1990).

A instrumentação é inusitada, contando com voz, sopros e percussão. A linha melódica do

soprano se move a maior parte do tempo cromaticamente, em movimento ascendente. Com a

ausência de instrumentos harmônicos, é a flauta que oferece certo apoio para a voz, dobrando

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notas importantes da melodia com o soprano. Ainda assim, o resultado sonoro geral da peça é

bastante dissonante.

FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 51

Título: Momentu I

Ano: 1990

Formação/Instrumentação: Fl./2Vlc./Perc. (Pand./Choc. Glob.) e Bailarina

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 10min.10

Estreia: SESC Ipiranga, São Paulo-SP, 1995. Regência: Mônica Giardini; Fl.: José Ananias;

Vlc.: Marialbi Trisoglio e Cretchen Müller; Bailarina: Marise Godoy; Pand.: Elizabeth Del

Grande.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: A bailarina faz parte da instrumentação, pois há indicação na partitura

que ela deve usar sapatos para percutir e existe uma linha rítmica na grade da partitura para

“Batida de pé”, “Palmas” e “Chocalho” juntamente com a percussão, adicionado do

comentário: “A intenção da autora é que a dançarina faça parte da percussão, devendo seguir

as variações rítmicas determinadas” (FERNANDES, 1990). Há também indicação para a

iluminação do palco, a disposição dos instrumentos no mesmo, sobre a movimentação da

bailarina (tipos de movimentos), seu figurino e sobre os movimentos a serem executados

pelo pandeirista enquanto toca.

Comentários: Momentu I é a primeira composição que tem um sentido bastante amplo em

sua concepção, na relação entre as artes e os conteúdos sonoros, espaciais e visuais da obra.

A peça está dividida em quatro partes: 1) Lírico; 2) Mágico-Ritual; 3) Cadencial-Lírico; 4)

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Mágico (Afro). O violoncelo funciona o tempo todo mais como instrumento de percussão do

que melódico e faz um ritmo bem repetitivo na segunda parte, juntamente com a melodia

também repetitiva da flauta. A terceira e quarta partes tem ritmos muito marcados,

executados pelo violoncelo e na última parte temos três ritmos africanos entrelaçados que

criam esta ideia de magia (afro). É uma peça onde a rítmica sobrepõe a melodia o tempo

todo.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 52

Título: Brasil 9263

Ano: 1992

Formação/Instrumentação: Mez./Fl./Cl-Sib/Pno./Perc. (Timp./Tt.gde./Tt.Peq./Tamb./ Bbo./

Choc./Gso./T-block)

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 8min.

Estreia: X Bienal de Música Brasileira Contemporânea, Palácio Gustavo Capanema, Rio de

Janeiro-RJ, 1993. Regência: Roberto Vitório.

Premiações: n.c.

Gravações: Gravação interna da FUNARTE por obra participante da Bienal de Música

Contemporânea Brasileira, Rio de Janeiro-RJ, 1993, sem publicação. Arquivo em mp3

localizado no acervo pessoal da compositora.

Outras informações: Dedicada à alemã Roswitha Sperber.

Comentários: Brasil 92 foi dedicada às paisagens naturais do estado brasileiro de Mato

Grosso, as quais a compositora buscou capturar sonoramente. O discurso musical sobre a

paisagem é mais narrativo do que abstrato, no sentido em que busca descrever sonoramente o

local, principalmente por meio das transcrições de cantos de pássaros regionais. Foi dividida

em três partes: 1) A Chapada dos Guimarães; 2) O Pantanal e 3) O Sangradouro (Reserva

Indígena). Nas duas primeiras partes encontram-se diversos cantos de pássaros transcritos,

citados e modificados, e na terceira parte cantos dos índios de Rondônia e da tribo Bororo.

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Há mais considerações sobre esta peça a partir da página 97.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 53

Título: Marília de Dirceu

Ano: 1994

Formação/Instrumentação: Orq./SATB/Vozes (Ft./2Fl./2Ob./2Cl-Sib/2Fg./CFg./4Trpa-Fá/

2Tpt.-Dó/3Tbn./Tb./Timp./Bbo./Tt./Gr./Tt./Ag./Cx./Atb./Pto./Gnz./Choc./Ltg./Trg./Gso./Pd./

Cong./Gloc./Sin. Tub./ Cel./Pno./Cemb./Vib./Hpa./Cds.)

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 1h30min.

Estreia: n.c.

Premiações: 1º lugar no Nancy Van de Vate International Prize for Opera em Viena, Áustria,

2006.

Gravações: n.c.

Outras informações: Junto ao libreto há indicações de figurino.

Atos: Três Atos e um Prólogo.

Libretista: Isolde Helena Brans

Idioma: Português

Personagens e vozes: Marília (Sop.)/Thomas A. Gonzaga (T.)/Alferes Xavier (Bar.)/Cláudio

M. da Costa (Bar.)/Alvarenga Peixoto (T.)/Tte. Cel. Francisco de Paula Freire de Andrade

(T.)/Padre Rolim (B.)/Visconde de Barbacena (B.)/João R. de Macedo (T.)/Vidal

(Bar.)/Maciel (Bar.)/Embuçado (B. prof.)

Local e época: Vila Rica (atual Ouro Preto) - MG, por volta de 1786 a 1792.

Enredo: A história fala do amor entre Maria Dorotéia Joaquina de Seixas e o poeta Thomas

Antônio Gonzaga, a partir do noivado dos dois em 1786, tendo como contexto político a

Inconfidência Mineira, que foi abolida pela coroa portuguesa em 1789. Gonzaga, um dos

integrantes do movimento conspiratório, foi condenado ao exílio em Moçambique por dez

anos e sua amada, que ficou conhecida como Marília de Dirceu, foi impedida pelo então

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governo no Brasil de acompanhá-lo. O libreto conta até o momento da separação do casal,

em 1792.

Comentários: A compositora opta por uma linguagem mais acessível quando trabalha com

ópera, utilizando os recursos musicais de forma mais contida, o que se percebe pela

linguagem, ora tonal, ora modal e pela presença constante das cordas dando um “suporte” ao

texto musical principal executado pelas vozes ou sopros. Também utiliza recursos sonoros

para construir ambientações de lugares, por exemplo, a presença massiva da percussão no

Prólogo (Revelação do Ouro e Ouro incansável) fazendo referência à música dos negros que

foram mão-de-obra escrava na mineração, onde encontramos trechos da peça Imagens de

1977 da própria compositora. Ou na segunda cena do primeiro ato, quando os tambores

anunciam a chegada do Alferes com toques militares e ainda, na cena seguinte um coro

infantil canta brincadeiras de crianças ambientando a praça, onde transcorre a cena. Na

primeira cena do segundo ato ocorre um Sarau na Casa dos Contos, é onde encontramos a

peça Modinha (da própria compositora) transcrita para flauta e violoncelo seguida de uma

mazurca, um minueto, um lundum executado pelo cravo e outra modinha, trazendo a

ambiência dos fins do século XVIII no Brasil.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 54

Título: Rio de muitos Janeiros

Ano: 1995

Formação/Instrumentação: Sopr./Pno.

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 5min.

Estreia: n.c.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: É uma homenagem ao Rio de Janeiro inspirada nos livros Reunião de

Carlos Drummond de Andrade, Estrela da vida inteira de Manuel Bandeira, Um passeio pela

cidade do Rio de Joaquim Manuel de Macedo e no guia turístico da cidade. Segundo o texto

da partitura, da própria compositora: “A introdução, que se repete no final, onde são

utilizados os ritmos do batuque e do samba no trenzinho imaginável, que sai da Lapa

percorrendo aleatoriamente ruas ou bairros da zona norte, sul e centro, é uma homenagem

que presto ao grande Villa-Lobos, figura ímpar no campo da música erudita do Rio”

(FERNANDES, 1995).

Comentários: Rio de muitos Janeiros é uma canção escrita no modo de Dó eólio. Com

melodia e acompanhamento relativamente simples (comparadas às outras composições desta

fase), a peça homenageia o Rio com seus ritmos que remetem ao samba e à bossa-nova e

uma letra que fala dos bairros, das praias, dos morros, dos ritmos e das figuras icônicas da

cidade.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 55

Título: Pau Brasil I

Ano: 1996

Formação/Instrumentação: Orq. (Ft./Fl./Ob./Cl-Sib/Fg./Trpa-Fá/Tpt.-Dó/Tbn./Pno./Cds./

Tamb./Cx./Tt. Peq./Tbrim./T-block/Trg./Bbo./Ltg./Gso.)

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 10min.

Estreia: XII Bienal de Música Brasileira Contemporânea, Sala Cecília Meireles, Rio de

Janeiro/RJ, 1997. Regência: Piero Bastianelli.

Premiações: n.c.

Gravações: Gravação interna da FUNARTE por obra participante da Bienal de Música

Contemporânea Brasileira, Rio de Janeiro-RJ, 1997, sem publicação. Arquivo em mp3

localizado no acervo pessoal da compositora.

Outras informações: Há indicações para o uso da cor da iluminação durante a performance.

Comentários: O texto da partitura nos traz informações que se confirmam na obra, que

procura traduzir em sons (como “flashes musicais”) algumas regiões do Brasil. Como se a

compositora tivesse em mãos uma câmera utópica e tentasse captar sonoramente algumas

paisagens. Esta é a primeira peça da Série Pau Brasil (I, II e III), todas sobre as regiões

brasileiras. A primeira parte, Mantiqueira, é percebida pelos sons dos pássaros regionais

(ouvidos nas flautas) e pelo ritmo do Batuque (apresentado pelo piano). A segunda parte,

Xingu, trata da figura do índio habitante do Parque Nacional de mesmo nome. São

apresentados cantos dos índios das tribos Waurá e Assuriní, e também dos índios Pakaa-

Nova de Rondônia. Os cantos não são indicados na partitura, mas sim no texto inicial da

partitura. Na terceira parte, Pampas, são utilizados ritmos como o Tatu e o Tango Brasileiro,

porém, numa concepção mais contemporânea e pessoal da compositora, que também lembra

as Missões Católicas realizadas no Sul do Brasil por meio de um trecho onde ouvimos um

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tema indígena enquanto sinos badalam. A figura do gaúcho é representada pelos ritmos do

Sul do país já anteriormente apresentados, que são sustentados por um pedal no baixo, nos

instrumentos de cordas graves.

FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 56

Título: Pau Brasil II

Ano: 1998

Formação/Instrumentação: Sopr./Fl./Ob./Cl./ Sx-A./Sx-T./Trpa/Vln./Pno./Perc.

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 13min.04

Estreia: n.c.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: n.c.

Comentários: A primeira parte, A Caverna do Diabo, com caráter Misterioso inicia com a

maior parte da instrumentação da obra, porém, o soprano e o violino fazem uma espécie de

duo se repetindo ou se complementando enquanto os demais instrumentos elaboram uma

textura pouco densa, de notas mais espaçadas. Na segunda parte, A morada das almas, a

inspiração é indígena. O tema se inicia com as madeiras e há indicação como um choro,

fazendo referência ao choro indígena neste caso (espécie de canto próprio). O piano elabora

um ritmo marcado e repetitivo enquanto o soprano vocaliza e o violino continua a

complementar o canto. A terceira parte, O dedo de Deus (Canto de Xangô) começa com voz

e percussão, ao que se acrescentam os demais instrumentos.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 57

Título: Akauá-se (A descoberta)

Ano: 1998

Formação/Instrumentação: SATB

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 8min.

Estreia: XI Encuentro Internacional – VII Encuentro Iberoamericano de Mujeres em el arte,

Mexico, 2007.

Premiações: n.c.

Gravação: Nuove Canzoni per il Natale. Octandre e Musicattuale. Ensemble Octandre.

Editado em Bolonha, Itália, 2000. Comunhão (3ª parte de Akauá-se). [Compact Disc]

Outras informações: Peça para coro misto e solo de tenor e de baixo. Foi composta para o

aniversário de 500 da descoberta da Brasil.

Comentários: As três partes de Akauá-se contam a história do descobrimento do Brasil por

meio da música. A primeira parte, Os donos da terra, é escrita em dialeto indígena. O baixo é

constituído de rítmica e melodia repetitivas, assim como na música indígena. A parte

seguinte, O Monte Pascoal, apresenta escrita polifônica cantada em latim, fazendo referência

aos europeus que chegaram ao país e avistaram o Monte Pascoal. A última parte, Comunhão,

é uma mistura do indígena com o europeu, idealizando uma comunhão que não foi

corroborada pela história. As vozes se alternam entre o dialeto indígena e o latim, misturando

também os estilos composicionais. O efeito é interessante e, apesar do elemento indígena

presente, esta parte soa mais como uma composição tradicional ocidental para coro de difícil

execução.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 58

Título: Holocausto

Ano: 1999

Formação/Instrumentação: Orq. e Narr. (Ft./2 Fl./2 Ob./2 Cl-Sib/2 Fg./CFg./4 Tpa-Fá./4 Tpt-

Dó/3 Tbn./2Tb./ Vib./Timp./ Trg./ Pd./ Gso./ Tt. peq./Tt. gde./Sin. Tub./ Bbo./ Tamb./

Hpa./Pno./Cds./ Narr.

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 15min.

Estreia: n.c.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: A versão original é para quarteto de cordas e há outra versão para

orquestra de cordas. Há uma fonte de referência citada na própria partitura dizendo que o

som das baleias foi inspirado numa gravação da National Geographic e o som dos pássaros

em transcrições de pássaros brasileiros gravados por John Dalgas Frish em seu disco Ecos do

Inferno Verde. O tema que inicia o Momento VI é um tema indígena brasileiro. Também há

orientações sobre o posicionamento do narrador e dos trompetistas e ainda sobre a

iluminação.

Comentários: Esta versão para orquestra conta com uma parte a mais, o Gênesis e mais seis

Momentos, com títulos iguais à partitura original. Encontramos elementos da primeira versão

para quarteto de cordas, porém, com instrumentação bem ampliada e a composição mais

trabalhada em termos de rítmica e densidade, aumentando também o nível de dificuldade de

execução da obra. Os cantos de pássaros aparecem somente nesta versão e o que era

executado pelas cordas no original se torna praticamente a base da composição também com

as cordas aqui nesta versão. Podemos dizer que é uma nova composição sobre a original.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 59

Título: Dualismo

Ano: 2000

Formação/Instrumentação: Pno. I e II

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 15min.

Estreia: XIV Bienal de Música Contemporânea Brasileira, Sala Leopoldo Miguez, Rio de

Janeiro-RJ, 2001. Piano: Sônia Maria Vieira e Maria Helena Andrade.

Premiações: n.c.

Gravação: Gravação interna da FUNARTE por obra participante da Bienal de Música

Contemporânea Brasileira, Rio de Janeiro-RJ, 2001, sem publicação. Arquivo em mp3

localizado no acervo pessoal da compositora.

Outras informações: Existe versão para dois pianos e percussão (Marimbas, Xilofones,

Vibrafone, Sinos tubulares, Tam-tam pequeno e grande, Bumbo, Tarola, Triângulo, Címbalo

e Tamborim). O material musical dos pianos é idêntico ao original, sendo apenas

acrescentada a percussão, que não desempenha um papel de destaque na peça. Os

instrumentos de altura definida trabalham como apoio para os pianos, repetindo notas que

estão escritas para os mesmos, e os de altura não definida fazem breves marcações rítmicas,

atuando na sustentação do pulso.

Comentários: O conceito de dualismo aqui apresentado parte de um padrão de pensamento da

filosofia, que busca compreender a realidade e a condição humana dividindo-as em dois

princípios básicos, antagônicos e dessemelhantes, neste caso, O Kósmos e Eu (a figura

humana). Isto é confirmado por um texto constante de Dualismo II, onde a compositora

coloca esta peça, Dualismo I, como partindo de uma idealização do Kósmos, visto sob o

aspecto da relação humana frente a este espaço. Ainda segundo Maria Helena, esta

composição se trata de “uma concepção simbólica e ingênua do kósmos, num momento de

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cogitação existencial” (FERNANDES, 2000). Esta (longa) obra está dividida em duas

grandes partes, subdivididas em outras, sendo: I) O Kósmos e Eu (1- O Espaço; 2- O

Equilíbrio; 3- As Mutações e Expansões; 4- A Criatura diante do grande contexto) e II) Eu e

o Kósmos – A Sensação Cosmogênica (1- Do infinito; 2- Do movimento; 3- Da fragilidade

humana; 4- Da convergência).

A peça apresenta diversos materiais sonoros, ora repetidos com ou sem variação, ora

modificados, porém, convêm ressaltar alguns pontos de maior relevância, como na parte As

Mutações e Expansões, onde encontramos uma mudança significativa do material utilizado

até então e também movimentos de expansão (para o extremo agudo e extremo grave do

instrumento) representando as mutações e as expansões. Toda esta primeira parte, O Kósmos

e Eu, aparenta representar o princípio do universo, com o Espaço já existente, o equilíbrio em

que se encontrava. Depois começaram mutações e expansões no espaço (podem ser as

explosões explicadas pela ciência) e então surge a Criatura diante do grande contexto (diante

de tudo que já existia, ou do Criador). Já a segunda parte da obra trata da relação do “Eu”

frente ao Kósmos, da sensação cosmogênica. É então apresentado um novo tema melódico,

baseado na série harmônica, que é repetido ao final, em Da convergência, onde os dois

pianos “se encontram” fazendo o mesmo tema para finalização da obra.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 60

Título: Pau Brasil III

Ano: 2000

Formação/Instrumentação: Orq. e SATB (Ft./2 Fl./2 Ob./2 Cl-Sib/2 Fg./CFg./4 Tpa./2 Tpt./2

Tbn./Tb./Timp./Tamb./Bbo./Tt./Pd./Matr./Gso./Rec./Cx./Ber./Ago./Atb./Plm./Sin.Tub./Gloc./

Hpa./Sop./Mez./A./T./B./2Vln./Vlz./Vlc./Cbx.)

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 20min.32

Estreia: n.c.

Premiações: A compositora recebeu uma Bolsa da RIOARTE por esta obra, promovida pelo

Instituto Municipal de Arte e Cultura RIOARTE, Rio de Janeiro-RJ, 2001.

Gravações: n.c.

Outras informações: n.c.

Comentários: Novamente com a intenção de mostrar paisagens sonoras do Brasil, a

compositora se utiliza de extensa instrumentação nas três partes da obra. A primeira, Caraça,

se refere ao Santuário do Caraça (localizado nos municípios de Catas Altas e Santa Bárbara-

MG), na qual observamos cantos de pássaros transcritos para instrumentos de sopro e o coro

cantando em latim. A segunda parte faz menção ao famoso Largo do Boticário (localizado no

Bairro do Cosme Velho do Rio de Janeiro-RJ), homenageando a cidade por meio da letra

cantada pelo coro, aludindo à composição nomeada Rio de muitos Janeiros cuja letra e

melodia são parecidas com este trecho, obedecendo a indicação de ser cantado “como se

fossem ondas”. E por fim, a última parte homenageia o Pelourinho (Salvador-BA) iniciando

com o Glockenspiel tocando “como se fossem sinos”. Mais a frente o coro faz um Glória em

latim seguido de um canto em dialeto africano, referindo-se à diversidade cultural e religiosa

presente na Bahia.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 61

Título: Dreams

Ano: 2001

Formação/Instrumentação: Duo de violões

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 10min.

Estreia: Museu de Ciências da Terra, Rio de Janeiro-RJ, 2007. Violões: Clayton Vetromila e

Miguel de Laquilla. Bailarina: Amanda Paiva.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: Existe uma versão para violão solo datada de 2004 com

aproximadamente cinco minutos de duração, sendo estas as duas únicas composições para

violão em toda a obra de Maria Helena.

Comentários: A peça conta com cinco partes curtas, que soam como pequenas peças e a

temática é sobre a natureza, sendo:

1) Rodopiando com os ventos;

2) Dançando com as estrelas;

3) Chorando com os pingos da chuva;

4) Brincando de amor com a lua;

5) Sonhando com a lagoa dourada.

A compositora dá um tratamento cromático à obra e utiliza dissonâncias como sétimas

paralelas. Apesar dos elementos musicais dissonantes a obra tem um caráter leve, conforme

descrito nos títulos das partes. Cada parte apresenta um material distinto (repetição de notas,

acordes, arpejos, cromatismo).

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 62

Título: In Memorian

Ano: 2003

Formação/Instrumentação: SATB/Pno./Sx-T-Sib/Perc. (Vib./Timp./Cx./ Bbo./Pand./ Gso./

Matr.)

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 9min. 23seg.

Estreia: n.c.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: Feita In Memorian ao compositor e estudioso da música, o mineiro José

Maria Neves.

Comentários: In Memorian foi escrita em latim, com três partes:

1) A busca – Sonho Barroco;

2) A Esperança na Dor;

3) Pax Aeternae.

A inspiração desta obra foi a arte barroca da cidade de São João Del Rey, vista em seus

casarios, igrejas, na orquestra centenária e no rito de Encomendação das Almas,

acompanhado por matracas e cantos em latim, comum à vida dos são-joanenses.

Apesar da ocorrência constante de trítonos na peça, não existe tonalidade ou centro tonal

definido, pois não há intenção harmônica neste sentido. A composição tem tendências tonais,

trabalhando com o coro a maior parte do tempo em trítonos que se resolvem disfarçadamente

por meio de cromatismos e notas estranhas ao “acorde” (origem do trítono) que se aglutinam

à “resolução”, por assim dizer, trazendo dissonância à peça, impedindo, desta forma, uma

resolução tonal. Como exemplo, na segunda parte, A Esperança na Dor, soprano e contralto

cantam em homorritmia, o intervalo Ré-Láb, ou seja, o trítono do acorde de Si

b que tende a

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ser resolvido em Mib. Porém, junto com o trítono, encontramos variações de notas como Fá

#

e Dó# no tenor e no baixo, notas estranhas à harmonia em questão. Já no compasso 11

chegamos à uma resolução em Mib, porém, acompanhada de um cluster do piano (Lá, Si, Dó

e Ré).

Vemos então uma forma tradicional e até uma escrita tradicional para coro que canta em

homorritmia, sem maiores novidades para o momento, de acordo com a inspiração da

compositora presente nos ritos católicos de São João Del Rey. Porém, a questão que mais

chama atenção é o material musical, a forma como a compositora manipula os elementos

sonoros, resultando em uma peça que não é nem tonal, nem modal, mas utiliza uma

linguagem própria para “encobrir” possíveis tonalismos e modalismos.

Quanto à percussão, faz a marcação do pulso a maior parte do tempo, não tendo um papel de

destaque na obra.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 63

Título: Vales

Ano: 2004

Formação/Instrumentação: Pno.

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 9min.

Estreia: Sala Cecília Meireles, Rio de Janeiro/RJ, 2009. Piano: Ruth Serrão.

Premiações: n.c.

Gravações: MULHERES COMPOSITORAS: França - Brasil. Sylvia Maltese (Intérprete,

piano). São Paulo: Cia. Do Gato, 2009. [Compact Disc]

Gravação interna da FUNARTE por obra participante da Bienal de Música Contemporânea

Brasileira, Rio de Janeiro-RJ, 1997, sem publicação. Arquivo em mp3 localizado no acervo

pessoal da compositora.

Outras informações: Dedicado à Sylvia Maltese.

Comentários: A compositora comentou sobre a intenção da obra: “(...) eu quis passar para

som um sentimento. Isso é dificílimo! Então o primeiro é o Vale do Amor. Como você vai

passar esse sentimento para som? (...) para você atingir a paz, tem que passar pelo amor e

pela dor, tem que amar, tem que sofrer, aí você conseguiu (sobre o Vale da Paz)”

(informação verbal).64

Nota-se que, apesar de não haver relação alguma das características

musicais da peça com a música romântica ou neorromântica, o ideal, a ideia condutora da

composição artística assim se apresenta, pois idealiza o ser humano passando pelo sofrimento

e pela dor para alcançar a paz. Como um herói romântico que passava por desafios, lutas e

64

FERNANDES, op. cit., 2015.

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batalhas para alcançar, por exemplo, o amor da pessoa amada.

O comentário da pianista Sylvia Maltese, a quem foi dedicada a peça, explica bem sua

sonoridade: “(...) Maria Helena se utiliza de muitos recursos expressivos, em algumas obras

sua sonoridade é densa, interiorizada, quase tonal, dramática. É o caso da obra Vales n°1.”65

A peça está dividida em três partes: Do amor, Da dor e Da paz.

FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 64

Título: Celebração

Ano: 2006

Formação/Instrumentação: Sopr./Fl./Cl.-Sib/Fg./Pno.

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 10min.21

Estreia: Sala Cecília Meireles, Bienal de Música Brasileira Contemporânea, Rio de Janeiro-

RJ, 2007.

Premiações: n.c.

Gravações: Gravação interna da FUNARTE por obra participante da Bienal de Música

Contemporânea Brasileira, Rio de Janeiro-RJ, 2007, sem publicação. Arquivo em mp3

localizado no acervo pessoal da compositora.

Outras informações: O original é para trio de cordas e piano, sobre o qual Maria Helena

comentou: “Dependendo da obra, do significado, com determinado instrumento não

funciona. Essa aí não funcionou (se referindo a Celebração original).”66

Comentários: Diferentemente das peças da segunda fase que trabalharam exclusivamente os

temas indígenas sem misturas com outros elementos, esta peça adiciona aos temas indígenas,

65

MALTESE, op. cit., 2015. 66

FERNANDES, op. cit., 2015.

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sons de pássaros e da natureza, como é característico da terceira fase. Aqui ela trabalha estes

elementos base de sua composição atrelados ao tema musical e à sua própria linguagem, ora

especificados na partitura, ora não. Está dividida em três partes:

1) O cântico das criaturas: cada instrumento de sopro faz representações de sons diferentes,

ocorrendo simultaneamente. Ex.: enquanto a flauta faz “cigarras”, a clarineta “pássaro” e o

fagote “pica-pau”. A flauta é o instrumento mais versátil nesta primeira parte, representando

cachorro do mato, gralhas, carocojó, araponga branca e um canto do pajé Carajá. 2) As

oferendas da terra: entra com um tema que alude ao indígena (não-especificado na partitura)

juntamente com várias dissonâncias e cromatismos. 3) Comunhão: sons de pássaros não-

especificados na partitura, observados pelas notas curtas, repetitivas, antecipadas por

apogiaturas.

FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 65

Título: O homem dos mil tambores

Ano: 2006

Formação/Instrumentação: Orq. e SATB (Ft./2Fl./2Ob./2 Cl-Sib/2Fg./CFg./4Tpa.-Fá/2Tpt.-

Dó/2Tbn./Timp./Bbo./Gso./Tamb./Choc./SATB/2Vln./ Vla./Vlc./Cbx.)

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 16min.

Estreia: n.c.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: n.c.

Comentários: A obra fala sobre o homem guerreiro, sobre o tambor de guerra. Dividida em

três partes, é na segunda (E o guerreiro caminha) que o coro faz referência a três figuras que

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estão entre as mais sanguinárias da história do mundo. Primeiramente saúda o imperador

romano Julius César (100-44 a.C.) cantando “Ave César!”, depois o início do hino francês

“Allons enfants” com rítmica igual à abertura da 5ª Sinfonia de Beethoven, que homenageia

justamente o líder militar francês Napoleão Bonaparte (1769-1821). Os intervalos dessa ideia

musical são de terça menor (como na Sinfonia), porém, ascendentes, ao invés de

descendentes. O coro ainda canta “Deutschlan uber alles in der welt!”, traduzido do alemão

para “Alemanha sobre tudo no mundo!” fazendo referência ao ditador da Alemanha Adolf

Hitler (1889-1945) e por último o saúda diversas vezes cantando “Heil!” em notas

repetitivas. São ideias musicais ou textuais que fazem parte da memória coletiva e que a

compositora emprega para fazer referência à estas figuras históricas, dizendo que o homem

sempre lutou e continuará lutando. O tambor tem presença constante nesta parte, já na

primeira e na última partes (No limiar da vida e Na direção das estrelas) o coro apenas

vocaliza e as ideias musicais apresentadas na primeira são retomadas na última parte, que

inclusive são bem parecidas, sendo então a segunda parte o contraste e o trecho principal da

obra. A obra é longa com enfoque nas vozes, pois o instrumental apoia o coro, seja dobrando

os sopros com as vozes ou usando notas longas nas cordas enquanto o coro canta.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 66

Título: Vales II

Ano: 2007

Formação/Instrumentação: Pno.

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 7min.

Estreia: n.c.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: Dedicada à Maria José Carrasqueira.

A compositora escreve: “Esta obra enfoca três grandes sentimentos do homem: a Esperança

que sublima, que dá alento, que mostra caminhos; a Solidão que aniquila, que fragiliza, que

amedronta e a Paixão que fortalece, que encoraja, que impulsiona o homem para novas

conquistas. Três sentimentos imanentes em todo o ser humano, que o completa, tornando-o

um ser único, distinto de todos os seres viventes” (FERNANDES, 2007).

Comentários: Estes três sentimentos comentados pela compositora definem as partes da obra,

sendo: 1) Da Esperança; 2) Da Solidão e 3) Da Paixão. Semelhantemente à primeira obra de

mesmo nome, esta possui uma sonoridade densa, quase obscura, em alguns momentos

lembrando o tonalismo, porém, se dissolvendo em muitas dissonâncias e cromatismos. Tudo

de forma bastante dramática e intimista.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 67

Título: Dualismo II

Ano: 2009

Formação/Instrumentação: Pno. I e II

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 8min.20

Estreia: n.c.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: No texto da partitura, há um comentário da própria compositora sobre

os recursos sonoros utilizados: “No Dualismo II a autora parte de uma fração mínima de um

espaço sonoro, para um macro espaço e de um macro espaço, para um micro, tomando como

base a série harmônica. Na 3ª parte, a compositora manipula com plena liberdade todos os

recursos sonoros pesquisados, concretizando e finalizando a ideia a que se propôs”

(FERNANDES, 2009).

Comentários: Na parte I, Do Micro ao macro o texto musical parte de uma nota só para

ambos os pianos e vai se expandindo gradativamente, de forma a utilizar toda a extensão do

instrumento até o final desta parte. Já na segunda, Do macro ao micro, ocorre uma inversão,

partindo de uma grande abertura, tendo o pianista que trabalhar com os braços abertos, um na

região extremo grave e outro na região extremo agudo do instrumento, de forma a ir

“fechando” os braços até o retorno da mesma nota inicial da primeira parte da peça (Dó#

central, o Dó3). Na terceira parte, Dualismo (Macro micro macro) há a mistura dos materiais

utilizados anteriormente, que seria a manipulação com liberdade dos recursos sonoros,

conforme comentário da própria compositora.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 68

Título: Sinfonia das águas cantantes

Ano: 2010

Formação/Instrumentação: Orq. (Picc./2 Fl./2 Ob./2 Cl-Sib/2 Fg./CFg./4 Tpa.-Fá/2 Tpt.-Dó/

3Tbn./3Timp./ Sin.Tub./ Bbo./ Cx./Tamb./ Tt. Peq./Pto./Pto.Susp./Pd./Gso./ 5W.Bl./2Vln./

Vla./Vlc./Cbx.)

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: n.c.

Estreia: n.c.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: n.c.

Comentários: A Sinfonia é uma homenagem que a compositora faz à cidade de Poços de

Caldas-MG, onde reside desde 2002. Está dividida em três partes: 1) A idade de Aurora: faz

referências às muitas minas de água que se encontram por lá e à sua natureza exuberante e

em grande parte preservada, o que se reflete na obra em sons de água e cantos de pássaros da

região (Araponga, Siriema, Sabiá, Pinto-da-mata); 2) A idade do Ouro: época do auge da

jogatina na década de 1940, que movimentava bastante a cidade tanto econômica quanto

social e culturalmente; 3) A idade da Esperança: se refere aos dias de hoje, com a cidade

buscando uma forma diferenciada de turismo, independente do jogo. Apresenta sons de

pássaros e sinos, demonstrando que a natureza continua a ser atrativa no local, bem como as

atividades religiosas. Há alguma referência aos indígenas na obra com os próprios membros

da orquestra (tenores) vocalizando sons e sobre isso a compositora comentou: “(...) e naquela

Sinfonia das águas cantantes eu pus um tema indígena também porque aqui tinham os

Caiapós. Aqui em Poços, na festa do São Benedito, saem os índios caiapós dançando, eles

entram nas matas, os outros grupos vão tirar os índios da mata, tem um drama baseado nisso

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aí! (...)” (informação verbal).67

FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 69

Título: Improviso

Ano: 2011

Formação/Instrumentação: Pno. a 4 mãos

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 2min. 31seg.

Estreia: 20º Concurso de Piano “Prof. Abrão Calil Neto” de Ituiutaba-MG, 2011. Executada

por participantes do mesmo.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: Composta sob encomenda, especialmente para o 20º Concurso de Piano

“Prof. Abrão Calil Neto” de Ituiutaba-MG, que teve Maria Helena Rosas Fernandes como

figura homenageada no ano de 2011.

Comentários: É uma peça curta, de linguagem modal, mais compreensível (sonoramente) ao

público que as demais peças deste período, ainda que com diversas mudanças na fórmula de

compasso, para acomodar a melodia e uso intenso de cromatismos. Há muita repetição de

motivos com variação de altura, e as grades, escritas para as quatro mãos ao piano trabalham

em forma de pergunta-resposta.

67

FERNANDES, op. cit., 2014.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 70

Título: Anita Garibaldi

Ano: 2011

Formação/Instrumentação: Orq./SATB/Narr. (Ft./2 Fl./2 Ob./2 Cl-Sib/Fg./CFg./4 Tpa.-Fá/2

Tpt./3 Tbn./Tb./Pno./Hpa./4Timp./ Cx./ Bbo./ Tt./Gso./Sin.Tub./Pto./2Vln./Vla./Vlc./Cbx.)

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 1h06min.

Estreia: n.c.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: n.c.

Atos: Três atos e um Prólogo.

Libretista: Maria Helena Rosas Fernandes

Idioma: Português

Personagens e vozes: Anita Garibaldi (Sop. Dram.)/Garibaldi (T.)/Rossetti (Bar.)/General

Davi Canabarro (B.)/Coronel Melo Albuquerque (B.)/Cura (Bar.)/Mameli (T.)/Marinheiros

(B. e Bar.)

Local e época: Rio Grande do Sul e Santa Catarina (Laguna), durante parte da Revolução

Farroupilha (1839-49).

Enredo: O foco central desta ópera é o romance de Ana Maria de Jesus Ribeiro (que viria a

se chamar Anita Garibaldi) com o militar revolucionário italiano Giuseppe Garibaldi, tendo a

Revolução Farroupilha como pano de fundo (1835-45). Anita deixa a cidade de Laguna

(onde vivia com o marido) para lutar ao lado de Giuseppe em diversas campanhas e vai com

ele para a Itália em 1848. A ópera termina com a morte de Anita em batalha no ano de 1849.

Comentários: Nesta composição Maria Helena lançou mão de uma linguagem musical mais

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simples em termos de instrumentação, sonoridade, linguagem musical (intervalos mais

curtos, acordes consonantes) e recursos rítmicos, compondo uma ópera no sentido mais

tradicional do termo,68

em uma concepção romântica, com um libreto focado em uma história

de amor interrompida, tendo como pano de fundo a Revolução Farroupilha que ocorreu no

Brasil. Em Anita Garibaldi vemos a alternância constante de momentos solo das vozes, dos

instrumentos e do coro – que, inclusive, garante uma textura mais densa à peça. Tudo

elaborado com bom gosto e meticulosamente arranjado dentro do contexto apresentado, sem

nenhuma espécie de exagero.

68

As duas óperas da compositora são mais acessíveis ao público quando comparadas ao restante da obra.

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 71

Título: Encantada (Piano Concertato)

Ano: 2013

Formação/Instrumentação: Pno. e Orq. (2 Fl./2 Ob./2 Cl-Sib/2 Fg./CFg./4 Tpa.-Fá/2 Tpt.-

Dó/2 Tbn./Timp./Tamb. Gde./ Bbo./ Pto./ Tt. Peq./Choc./Cx./Gso./Vln. I e II/Vla./Vlc./Cbx.)

Edição: ms.

Localização do manuscrito: CDMC/UNICAMP (cópia).

Duração: 10min. 39seg.

Estreia: n.c.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: n.c.

Comentários: O termo Concertato deriva do italiano concertado, concerto, e significa “à

maneira de um concerto” sendo muito utilizado na música vocal Renascentista e Barroca

(SADIE, 1994, p. 211). Diferentemente da origem do gênero, nesta obra não temos a

participação de vozes, e tampouco o piano (instrumento de destaque) executa solos em

contraste com o conjunto orquestral, como se dá nos concertos clássicos. Em Encantada o

piano atua juntamente com os demais instrumentos quase todo o tempo, inclusive tendo suas

melodias dobradas pelos instrumentos de sopros, principalmente flautas, oboés e clarinetes.

Ao invés de concerto, a peça se assemelha mais a uma fantasia, com sonoridade próxima ao

clima do início do século XX, apresentando diversos momentos tonais, com a utilização de

harmonias que giram em torno de acordes diminutos. As partes indicam a forma da música

representando as fases da vida humana (infância, juventude e velhice), sendo,

respectivamente: 1) Prelúdio (Aurora); 2) Interlúdio (Crepúsculo); 3) Finale (Madrugada).

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FICHA CATALOGRÁFICA COMENTADA 72

Título: O Mundo Sonoro das Minas Coloniais

Ano: 2014

Formação/Instrumentação: Orq./SATB/Narr.

Edição: ms.

Localização do manuscrito: n.l.

Duração: 11min. 24seg.

Estreia: n.c.

Premiações: n.c.

Gravações: n.c.

Outras informações: O texto é de autoria da própria compositora. O manuscrito original

encontrava-se em processo de edição na época da elaboração desta dissertação e não foi

possível ter acesso a ele, sendo que as informações da ficha catalográfica vieram diretamente

da compositora.

Comentários: O tema da obra é o universo sonoro que existia em Minas Gerais na época

colonial brasileira. A partir de formas tradicionais comuns da música religiosa e popular

mineira do século XVIII, a compositora buscou retratar a época sonoramente. Utiliza-se do

Kyrie, do Christie, do Agnus Dei, do Glória (partes do Ordinário da missa Latina) com uma

linguagem moderna, bastante trabalhada em cromatismos se referindo também ao período

Barroco em Minas. Além das referências à vida cristã, a peça também conta com temas

indígenas dos habitantes da região na época e a música e a dança dos escravos como o

batuque e o jongo, por exemplo.

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CONCLUSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS

A dificuldade inicial deste trabalho foi reunir todo o material (as partituras) que se

encontrava somente no acervo pessoal da compositora (sendo que apenas algumas obras

foram pulicadas) e foi sendo recolhido aos poucos, à medida que a autora do trabalho se

deslocava até Poços de Caldas-MG para realizar entrevistas com a compositora. Enquanto se

realizava, o trabalho foi se mostrando volumoso, já que, justamente pela ausência de um

catálogo da obra não se sabia a extensão delas até deparar-se com todas as partituras e com o

catálogo elaborado pela própria compositora e constatar que a maioria das peças era bastante

longa, muitas com mais de dez minutos de duração. Vencida esta etapa de levantamento das

partituras e entrevistas com a compositora, nos deparamos com outro problema: a falta de

gravações das peças, já que apenas uma pequena porcentagem da obra está registrada, motivo

pelo qual as análises foram realizadas somente por meio das partituras, em sua maioria.

Foi muito interessante o processo de análise das partituras das obras que, por

serem temáticas, nos levam a universos diferentes em cada uma delas, sendo bastante distintas

entre si. Desta forma, foi necessária a realização de uma pesquisa sobre os temas

extramusicais paralelamente às análises das músicas para um melhor entendimento do

pensamento composicional de Maria Helena. Temas indígenas, obras de arte, acontecimentos

históricos do Brasil e do mundo e incontáveis sons de animais (especialmente cantos de

pássaros), enriquecem sua obra que agora fica acessível a toda comunidade acadêmica por

meio do CDMC da UNICAMP.

O estudo abarcou uma obra de difícil compreensão, pelo menos para ouvidos

acostumados ao tonalismo e/ou modalismo; uma obra que exige atenção, conhecimento

prévio sobre música e dedicação ao estudo e análise das partituras para ser compreendida e/ou

executada devido às muitas dissonâncias, mudanças de compasso, texturas variadas e um

discurso musical denso que passam a fazer mais sentido à medida que se debruça sobre o

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material. A obra se revelou cheia de camadas que, a cada etapa de estudo, demonstrou mais

possibilidades e novidades, com características marcantes tanto nas peças quanto no processo

composicional que foram se delineando a partir da definição das fases composicionais, que,

por sua vez, moldou a estrutura deste trabalho.

A utilização de temas extramusicais como fios condutores do processo

composicional, a liberdade na manipulação do material musical, a exploração sonora e

timbrística, a utilização de instrumentações e formações inusitadas e a falta de preocupação

em ter um pensamento (um caminho) harmônico para compor são algumas das características

mais marcantes na obra de Maria Helena. Para ela a rítmica é muito importante, às vezes até

se sobrepondo aos demais elementos. Ritmo e dinâmica são sempre especificamente

determinados nas peças e suas respectivas indicações são escritas para serem seguidas à risca.

Construímos abaixo um quadro geral com todas as temáticas apresentadas na obra

de Maria Helena a fim de demonstrar as que são mais ou menos recorrentes.

Indígena 16

Não definida 15

Religiosa/Mística 11

Paisagem/Local 6

Minas Gerais 5

Natureza 5

Folclore 4

Guerra 4

Afro-brasileiro 3

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História do Brasil 2

Inspirada em pinturas 1

Tab. 5 – Quadro geral das temáticas extramusicais constantes em toda a obra de Maria

Helena.

O quadro nos mostra a diversidade de temáticas na obra, com presença mais

constante do elemento indígena, seguido por “Não definida” indicando peças com ausência de

temática extramusical e depois por religioso/místico, que seriam temas relacionados à criação

do universo, ao cosmos, aos sentimentos inerentes ao homem, temas filosóficos e religiosos.

Estas três primeiras categorias somam quarenta e duas peças e formam a maior parte do

catálogo completo que conta com setenta e duas peças. O grupo das trinta peças restantes fica

dividido entre oito categorias de temas, sendo em ordem decrescente: paisagem/local (a que

chamamos de paisagens sonoras), temas concernentes ao estado de Minas Gerais, à natureza,

à guerra (principalmente à Segunda Guerra Mundial), ao elemento afro-brasileiro (que seriam

danças, músicas, ritmos ou religiões brasileiras que tem ou sofreram influência africana), à

história brasileira e inspirada em pinturas. As peças que misturam elementos em uma mesma

composição somam cinco.

A maior parte das peças de temática não definida se encontra na primeira fase (em

treze das quinze peças), onde também estão todas as quatro peças inspiradas em temas

folclóricos, sendo, inclusive, as primeiras de toda a obra. Ainda nesta fase houve um início

bastante discreto do emprego de temas extramusicais como a Segunda Guerra Mundial (duas),

o religioso (uma), elementos afro-brasileiros (uma) e sobre Minas Gerais (uma). À segunda

fase pertence uma presença dominante da temática indígena (em nove das doze peças) e um

uso ainda discreto de outros temas – assim como na primeira fase – sendo uma peça para cada

um que se segue: natureza, religioso e afro-brasileiro.

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É na terceira e última fase onde os temas se diversificam, ocorrendo, inclusive, a

combinação de dois na mesma peça. A grande maioria das peças desta fase (que somam trinta

e oito) parte de temas extramusicais, com exceção de duas delas e a temática mais recorrente

nesta fase é a religiosa/mística, seguida da indígena.

Se somarmos as temáticas de paisagem com natureza, por tratar muitas vezes do

mesmo assunto, referindo-se às paisagens naturais geralmente, teremos uma somatória de

onze, que é o número das religiosas/místicas. Portanto, as temáticas mais comuns na obra toda

são: a indígena, a religiosa/mística e a natureza (somada à paisagem/local), seguida da

histórica (abrangendo peças sobre Minas Gerais, sobre a Segunda Guerra Mundial e sobre a

história do Brasil).

No que diz respeito à sua linguagem musical e construção da carreira de

compositora, ela foi estabelecendo, ao longo dos anos, exatamente o caminho que queria

seguir e não se deixou levar por movimentos musicais que ocorriam no Brasil da época. Ela

não construiu uma obra sobre a ideia pós-romântica e nem serial ou dodecafônica, embora

tivesse experimentado um pouco de cada coisa e estudado com professores que defendiam

correntes estéticas específicas. Trazendo para o contexto musical do Brasil da época, ela não

se filiou nem ao nacionalismo de Mário de Andrade continuado na figura de Camargo

Guarnieri e posteriormente por Osvaldo Lacerda, com quem ela estudou por onze anos, mas

tampouco foi pelo caminho do Grupo Música Nova, um grupo de vanguarda no âmbito da

música erudita que se destacou também pelos Festivais Música Nova realizados em Santos,

alguns dos quais Maria Helena participou tendo suas peças tocadas e/ou estreadas. À parte

disso, ela traçou um caminho próprio e uma linguagem muito particular dentro da composição

brasileira que foi desenvolvida e aprofundada a partir de sua segunda fase composicional, na

qual ela planejou trilhar por caminhos totalmente individuais e inovadores. É claro que

algumas tendências foram mantidas, ocorrem citações a elas dentro de sua obra e as

influências recebidas dos professores e compositores ficam aparentes em alguns momentos,

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mas no que tange à força de criação independente e livre, ela fez e continua fazendo, cada vez

com maior liberdade. Não se importando em vender sua produção ou participar de grupos

fechados, fez da sua obra sua maneira de ver o mundo e expressá-lo em sons.

Há uma necessidade praticamente imperativa em dar continuidade a este estudo,

que demonstrou possuir muitas vertentes e assuntos que podem ser aprofundados e melhor

trabalhados. Como exemplo, um estudo sobre a utilização dos temas indígenas nas obras por

meio da confrontação dos originais recolhidos pelos antropólogos com as peças para melhor

entendimento do processo composicional, bem como o estudo de tal processo quanto às

técnicas e abordagens utilizadas (ex.: técnicas de colagem), a questão da semiótica implícita

nas composições, análises aprofundadas das peças, estudos de performance nas peças para

piano, por exemplo, explorando as sonoridades, os timbres e a utilização de pedais do

instrumento. Pretendemos dar sequência a estes estudos em nossas pesquisas futuras, para as

quais, certamente, este trabalho servirá de primeiro elemento de consulta, assim como o será

para os demais interessados na obra musical de Maria Helena Rosas Fernandes.

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MÚSICA BRASILEIRA PARA SOPROS E PIANO. Maria Helena Rosas Fernandes

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ANEXOS

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Anexo 1 – Entrevista I concedida por Maria Helena Rosas Fernandes à Juliana Abra no

dia 19/04/2014 em sua casa, Poços de Caldas-MG.

Parte I

[Ela me mostrou a paisagem local e sentamos à mesa. Iniciou a conversa falando sobre suas

obras mais recentes. Primeiramente, Sinfonia das águas cantantes. Começou a falar da

natureza, dos pássaros da sua região].

Maria Helena - (...) Então eu fiz um estudo sobre isso, me inspirei nesses sons de água,

porque aqui tem muita mina de água, sabe? Essa seria a primeira parte. Em vez de sax eu

passei para clarineta em Si, sabe? (solo de clarineta). A idade do ouro seria a época do auge,

de Poços de Caldas, do jogo, 1940, na época do Getúlio. Ele veio aqui, tinha um lugar lá no

Palace, uma suíte maravilhosa lá. Então vinha gente do Brasil inteiro aqui, era uma cidade

vivíssima por causa da jogatina. Você nunca ouviu falar? Tinha um monte de cassinos aqui e

vinha gente do Rio representar aqui as figuras. Carmen Miranda esteve aqui, então era uma

cidade muito movimentada, muito agitada por gente rica e essas pessoas importantes da época

que vinham aqui tocar, cantar, dançar e se apresentar, sabe? Essa era a idade do ouro que eu

representei. E a última parte eu pus a idade da esperança, eu comecei também com pássaros,

com sinos. Por que aqui a cidade depois que fecharam os cassinos se fechou, acabou, não

tinha mais dinheiro, não entrava mais dinheiro e ela ficou um tempo no “baixo”. Agora que

ela está se levantando, uns anos atrás ela começou a se levantar, mas muito devagar, sabe?

Então eles estão procurando agora um turismo diferente, porque não vem mais gente rica

aqui. Eram pessoas riquíssimas que vinham aqui, da Bahia, de São Paulo, do Rio, de todo

lugar do Brasil, só gente que tinha muito dinheiro. E ficava aqui um mês, agora o povo que

vem aqui fica cinco dias. Vem mais gente de São Paulo, sabe? Vem muita gente de São Paulo

(e não só da capital, mas das cidades de São Paulo). E aí essa para mim é a idade da

esperança, esperança de que vai melhorar, que não precisa do jogo... Foi essa a ideia.

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[Comentário sobre a mesma obra que foi para Concurso]

(...) Pediram para eu tirar o título, olha que absurdo, como pode? Qualquer obra você tem que

dar título, é ou não é? Às vezes é a partir do titulo que a obra engrena.

Juliana – E vocês69

tem orquestra aqui para tocar essas obras?

M. H. – Não. Eu ia tocar com a orquestra do evento meu, do 4º Encontro (Internacional de

Mulheres Compositoras) que eu tinha de trazer orquestra, mas até agora não consegui fazer

esse 4º Encontro por falta de dinheiro.

J. – Falando dessa obra, a Sinfonia das águas, você falou que trabalhou com material de

cantos de pássaros, de sons da natureza e a partir desse material, como é o seu processo de

criação?

M. H. – É complicado (risos), eu fiz uma palestra lá, uma palestra não, é, não foi bem palestra

não, depois da apresentação da minha obra, aquele trabalho que a Denise fez convidando os

compositores para apresentar suas obras lá, você lembra?

J. – Na UNICAMP?

M. H. – É.

J. – Agora?

M. H. – Não, há uns três anos atrás. Ela fez uma série.

69

O pronome utilizado nas entrevistas e conversas com a compositora foi “você” devida à liberdade concedida

pela própria Maria Helena que dispensou qualquer tratamento mais formal desde o primeiro contato. Não se

trata, de forma alguma, de desrespeito à pessoa, ou ainda à sua idade e importância no meio musical, mas sim de

uma relação de maior proximidade que se estabeleceu com a autora do trabalho.

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J. – Sei, você esteve lá.

M. H. – Sim, eu estive lá. Então depois da apresentação a gente sentava e os alunos, ou quem

quisesse conversar, ficavam perguntando como que a gente faz. É complicado dizer como a

gente faz, porque como eu falei para você, às vezes o título inspira você. O homem dos mil

tambores, o que você percebe nisso aí?

J. – Uma peça muito percussiva...

M. H. – Só isso?

J. – Muita instrumentação e...

M. H. - O homem dos mil tambores...

Juliana - Uma mesma pessoa tocando muitas coisas?

M. H. - Não. A ideia que eu tive foi o homem guerreiro, sabe?

J. - Do tambor de guerra?

M. H. - Do tambor de guerra. Então eu comecei com o... Os romanos. Ave César! Ave César!

Sabe? Então a ideia é que o coro cantava essas saudações que tinham principais nessas

épocas. Foi o César, o Napoleão, eu usei um pouquinho do “Allons enfants de la Patrie,” e o

outro, qual foi o outro que eu usei? Foram três. Hitler! Heil Hitler! Heil Hitler! Ficou lindo.

Estou louca para apresentar esse trabalho. E a última parte... E o homem segue para as

estrelas Então começa bem lá na Antiguidade e ele continuando do mesmo jeito, o homem

guerreiro, matando, então, como é que se faz isso? Como é que eu vou explicar que eu faço

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isso? Entende? Eu tenho a ideia, eu faço um esquema, eu sempre faço um esquema, o projeto

da obra, sabe? E não tem uma obra que eu não faço projeto. E agora ultimamente eu estou

escrevendo, porque eu tenho muita facilidade para escrever, eu estou escrevendo texto, a

última obra eu fiz Memórias, Memórias de... das minas do século XVIII. Memórias sonoras

das Minas do século XVIII. Então como é que eu fiz?... Como é que eu podia falar para você?

O que é que eu vou fazer? Eu vou fazer o... a essência do negócio que é a música religiosa

mineira, não é? Das igrejas, o pensamento meu foram as igrejas... Ontem eu assisti a

Congonhas do Campo, a descida da cruz. Maravilha!!! Igualzinho o que era alguns anos atrás,

um espetáculo! São João Del Rei, você já viu? Nossa, menina, eu até chorei de tão lindo que

é! Então eu pus primeiro as igrejas barrocas, o nome da igreja já sugere para mim a essência

religiosa da época. Eu estudei muito, li... Livros obre Minas, a música das Minas Colonial, eu

sou mineira, eu gosto muito. E... a segunda parte eu joguei o moderno com o antigo, sabe? Eu

fiz um jogo. Como é que eu vou explicar isso para você? Não tem jeito de explicar.

J. – Mas pelo jeito a concepção da obra é muito clara na sua cabeça. Antes você diz que faz

um esquema e parece que o conceito, a concepção da obra você tem já muito definido?

M. H. – Tenho. E enquanto eu não defino, por exemplo, no caso dessa Memórias das Minas,

o segundo foi o sarau, um sarau naquelas casas antigas, senhoriais, ricas. Como que era o

sarau naquele tempo? Eu li muito. Eu fiz modinhas, duas modinhas, sabe? E instrumentei de

acordo com a época, eu li como é que era feita a instrumentação da época. Então é tudo muito

trabalhado. Aquela história de cair do céu, para mim não.

J. – É para orquestra essa obra também?

M. H. – Também.

J. – Acho que ela não está aqui (no catálogo). É recente?

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M. H. – É, eu acabei agora.

J. – Esse é o título? Memorias das Minas do Século XVIII? É de 2014?

M. H. – Espere aí que vou lá pegar. Foi, tá fresquinho, saiu do forno.

J. – E a Sinfonia das águas?

M. H. – Já tem uns quatro anos.

Parte II

[Ela sentou-se ao piano e mostrou a peça recente Memórias sonoras].

M. H. – Olha como é que eu fiz: “Nas encostas das montanhas mineiras, ergueram-se, belas

igrejas, ricamente ornadas com o ouro que brotava do solo como as águas das fontes. Dentro e

ao redor delas corria, calmamente a vida do século XVIII (isso é um narrador que vai falar).

As missas cantadas, os Te Deum, as ladainhas, as procissões centralizavam a vida cultural da

época.” Então aqui, quem fazia isso? O Liszt fazia. Fazia textos poéticos, usava os textos

poéticos para fazer os poemas sinfônicos dele, não é? Ah! Mas não é por aqui, aqui já está

orquestrado. Eu vou tocar só um pedacinho para você ver. É “O Mundo sonoro das minas

colonial”. Então aqui já está o trabalho orquestrado e aqui a essência do trabalho. Tudo eu

trabalho, veja a orquestra, como é que era a orquestra daquele tempo, uma flauta, um oboé,

sabe? Poucas coisas se usavam na orquestração.

[Ela começou a tocar um trecho da peça]. O que é isso? Passos. O que é isso? Sinos. Aí entra

um coro fazendo Kyrie. Tudo isso estudado, viu? E depois entra a ideia que eu falei para você,

como se eu estivesse caminhando no tempo. São flashes, Kyrie Eleison. Então novamente os

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sinos. E isso é um canto, um canto de índio que existia muito em Minas. O coro... Fazendo

Kyrie. Ah! Minha mão não funciona mais. Você tem aqui o cromatismo, (Kyrie) vai subindo

com esse tema, depois volta. Aqui entra outra visão da época que era o Te Deum. Como é que

é? Era o baixo sustentando e a voz fazendo... [mostrou o exemplo tocando], aí entra outra vez

o Kyrie. É uma concepção moderna dentro disso. Não é a igreja barroca, não é só a coisa

religiosa, entendeu? Então isso é trabalhado, é estudado, como é que vou explicar isso para

você? As ideias vão se formando, sabe? Eu pego a essência da coisa que era o Te Deum, era a

ladainha, as coisas principais que existiam na igreja na época. A missa, o Kyrie, o Christie, o

Kyrie Eleison, o Christie Eleison, Agnus Dei, e vou indo. E aqui [mostrou o exemplo tocando]

o Glória: Glória in Excelsis Deo. Todo trabalhado em cromatismo junto com a ideia do

Barroco.

J. - Agora esclarece bastante coisa porque parece que você até se remete ao passado quando

trabalha aqui, por exemplo, as igrejas barrocas, o que era cantado, mas você traz isso para um

nova linguagem, uma linguagem moderna do cromatismo, da não-tonalidade. Acho que é a

mesma coisa que você faz nas obras com temas indígenas, não é?

M. H. - Sim, a mesma coisa.

J. - O tema ali está puro, está modal, mas a roupagem toda que você dá...

M. H. - É a minha roupagem, dentro do meu tempo.

J. - E de onde veio isso? Eu acho que deve ter sido muito pelo estudo com o Koellreutter...

M. H. - Eu não sei...

J. - O que você acha que é essa sua linguagem, é mistura do que?

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M. H. - Não sei!!! Eu sou muito criativa, não sei de onde, por exemplo, a segunda parte dos

Saraus: “Nas ricas mansões do século XVIII os saraus aconteciam sempre e movimentava a

vida dos moradores, poesias, modinhas, danças, acompanhados de farta mesa de docinhos,

salgados, refrescos, vinhos caros que eram avidamente degustados.” Isso aqui é ideia minha,

de botar um narrador na música, sabe? Dentro desse contexto de obra. Eu já fiz ópera, mas

assim, música com orquestra eu nunca tinha usado isso. Enquanto ele vai falando a orquestra

vai fazendo [mostrou o exemplo tocando]... Agora eu entro no espírito do tema. A letra

também fui eu que fiz, tá dando para você ler? Isso aí eu não podia fugir do tempo.

J. - Muito lindo isso.

M. H. – “Eu vou cantar-te nos meus versos, eu vou falar-te só de amor, eu vou cantar-te nos

meus versos, que me falam, só, de amor” [mostrou o exemplo cantando]. A orquestra

[mostrou o exemplo tocando]. Você vê que aqui ela “quer” tonal. Eu não posso fugir disso

aqui. Entra outra modinha. “Minha flor, minha flor, meu amor, meu amor, vivo sempre para te

amar [mostrou o exemplo cantando]. Minha flor, minha flor, meu amor, minha amor, vivo

sempre para te amar.” Eu tive que voltar no tempo para fazer isso aí.

J. – Eu até me emocionei, é muito lindo isso, Maria Helena.

M. H. – Agora faz isso [mostrou o exemplo tocando]. Aí um poeta fala a poesia: “Acaso são

estes os sítios famosos onde passavas os anos gostosos (isso é do Tomás Antônio Gonzaga).”

Depois entra uma polca minha.

J. - É a polca para piano, não é?

M. H. – Aquela polca minha, eu usei aqui um pedaço dela. E usei um pedacinho daquela

valsa minha para piano. Mas é dentro do espírito da época. Daí volta outra vez aquele tema

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numa outra altura... [mostrou o exemplo tocando] como se fosse uma névoa que cobrisse o

tempo. Depois o narrador entra. Isso aí eu tive que fazer dentro do contexto, porque não dava.

Como é que você vai fazer para botar isso no meu tempo? Pensei muito e falei: vou fazer

como se realmente fosse um sarau daquele tempo. Gostou?

J. - Adorei, muito lindo, muito lindo.

M. H. – É? Eu não toco nada, você viu?

J. - Imagina. Você estudou pouquinho piano, não é, Maria Helena? (risos)

M. H. – Mas meus dedos estão horríveis, menina.

(Falando como o narrador): “Nas fazendas mineiras do século XVIII ao som dos tambores

rústicos, negros cantavam e dançavam o batuque, o jongo, o caxambu, o congo. Os terreiros

tremiam debaixo dos pés descalços. E a luz das fogueiras retratavam o espectro dos corpos

desnudos numa dança desenfreada e faziam os dançarinos esquecerem por alguns momentos

as angustias do dia a dia e as saudades da terra distante.” Isso são textos que eu escrevo

também. Aí enquanto ele está lendo tem um solo do mezzo fazendo uma toada de Xangô

[mostrou o exemplo tocando].

J. – Toada de Oxum?

M. H. – De Oxum. Aí entra o grupo, depois entra outra vez o solo, agora entra isso [mostrou

o exemplo tocando]. Eu preciso tocar esse batuque aqui (região grave do piano), aqui é

orquestrado e não dá. Vê se você gosta. Isso é com orquestra. E eu fiz só para piano também,

chamei “Terreiro de Minas”. Isso com orquestra vai ficar bonito, hein? Mais, mais! (se

referindo à dinâmica). Isso é o batuque.

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J. - Muito interessante.

M. H. - Gostou?

J. - Gostei.

M. H. - Isso com orquestra vai ficar lindo.

J. - Quem seria o grave?

M. H. - Eu pus o contrabaixo, tambores... E como é? Deixa eu ver o que eu pus. Olha a minha

escrita como é clara. Eu dou para o copista, ele fala: “Nossa! Como é que você escreve!”.

Violoncello, contrabaixo, e tam-tam grande. Depois entra o jongo. O jongo é difícil... Eu não

saberia tocar isso para você. Ele é bastante ritmado também. Eu estudei tudo isso. Estudei

todos esses ritmos para fazer isso aqui. O jongo é isso [mostrou o exemplo tocando]. Eu não

vou conseguir fazer esse acento aqui. O jongo é dificílimo!

J. - Sim, difícil.

M. H. - Sabe? E ele vai crescendo e olha! Ele é BEM difícil.

J. - Você usa muito ostinato nas suas músicas também, não é? Às vezes uma figura rítmica

que vai se repetindo como aqui, certo?

M. H. - Certo.

J. - Como nesse pedal do baixo aqui.

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M. H. - Mas aí eu trabalhei com ritmo. O ritmo do jongo é 1, 2, 3, tá, tá, 1, 2, 3, tá, tá, e usei

isso, o ritmo no baixo da obra.

J. - E isso vai se repetindo sempre?

M. H. - Se repetindo sempre. Modificando pouco aqui, a mão direita trabalha. Aí o narrador:

“Majestosas igrejas barrocas, dourados templos centenários, elegantes saraus coloniais, (...)

belos terreiros de Minas, tristes terreiros mineiros.” Bonita?

J. - Linda. Está terminada? Foi terminada em?

M. H. - 26/03/2014, eu comecei em 01/10/2013. Levei quanto?

J. - Seis meses, mais ou menos.

M. H. - Seis meses. Então é isso, tudo dá trabalho, não é só você vir de Bauru. (risos)

J. - Imagina, o trabalho maior é seu. (risos)

M. H. - Então você cria, você trabalha, você analisa, você estuda, você pesquisa. Olha aqui,

exemplos de orquestração que eles usavam, o tipo de coro que se usava, pego dos livros, nada

eu faço assim... Aleatoriamente. Muito pouca coisa, só quando eu sento para improvisar no

piano, isso é outra coisa. Mas qualquer obra minha você pode ter certeza que tem muito de

pesquisa, muito trabalho, certo?

Parte III

M. H. - Então na musica do índio, pego os elementos essenciais da musica, do ritmo, um

elemento melódico, algumas vezes. Eu não pego a musica do índio e transcrevo ela inteira, ela

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é motivo para fazer um trabalho. Como o batuque. Como que eu fiz esse batuque? Eu não

peguei um BATUQUE e copiei o BATUQUE não. O ritmo do batuque eu trabalhei...

J. - E o batuque em si, os elementos do batuque você vai buscar aonde?

M. H. - Ah, diversos livros. Eu tenho uma serie de livros com ritmos brasileiros, tem muita

coisa.

J. - Mas você nunca foi a campo coletar esse tipo de material?

M. H. - Conforme preciso vou. Na ópera eu estive lá em... Fui até no Museu da Inconfidência

para coletar material para fazer minha ópera, certo? E conversei com.... Eu tenho uma amiga

que é musicóloga. Ela trabalha muito em Mariana, ela fez uma... Ela organizou aquela

biblioteca musical de Mariana. Menina, tem muita coisa! Um trabalho de anos e anos e anos.

Ela saiu de lá e o trabalho degringolou, foi uma judiação. E eu a conheci lá em São João Del

Rey, e eu fiquei amiga, quando eu preciso eu pergunto tudo relacionado com Minas, ela é

autora de um livro enorme sobre a música colonial mineira.

J. - Quem é?

M. H. - É... Vou mostrar para você. Conceição Rezende. Conhece?

J. - Não.

M. H. - Ela já está bem idosa, bem idosa. Essa obra aqui foi a mesma coisa (segurando uma

partitura sua que foi encaminhada para concurso). Eles riscaram aqui (título), chama Akauá-

se. Isso aqui teve um concurso, é... Quando fez 500 anos da descoberta do Brasil eles fizeram

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um concurso e eu fiz essa obra inspirada em temas indígenas, para coro e foi tocada sabe

aonde? Não no Brasil, foi tocada na Itália.

J. - Varias coisas suas foram tocadas fora e não aqui, não é?

M. H. - Não aqui. Absurdo, já dei isso aqui para uma porção de gente lá no Rio. É linda essa

obra, tenho ela gravada. Eu estou com o aparelho quebrado senão eu mostraria para você.

Fiquei emocionada quando ouvi. Ela é muito difícil. Acho que é por isso que não gravaram

por aqui.

J. - Você acha que essa é a questão?

M. H. - Eu acho. Foi feito por um coro famosíssimo lá da Itália. O coro segundo a... Aquela

Adkins Chiti é o coro mais importante lá de Roma, o madrigal. Dificílimo, mas ficou lindo,

ficou lindo.

Esse Palácio dos Guarantãns... Isso aqui eu tive ideia de uma... Fazenda antiga, sabe essas

casas antigas mineiras, ou paulistas, da época do auge do café? Então, como é que eu pensei?

Eu na frente da casa. Então era eu... Em frente a uma casa antiga. A visão frontal, a varanda.

O guarantã é uma árvore. A grande sala e a visão global (partes da obra). Isso já foi tocado

pelo pessoal lá de São Paulo, é... Festival de Santos e foi tocado lá no Rio de Janeiro por um

trio... eles fizeram uma apresentação ao lado do Teatro Municipal. É um lugar onde tem uma

sala grande onde eles fazem apresentação. Eles fizeram lá. Muito bonito.

M. H. - E essa modinha, você tem?

J. - Tenho, inclusive tenho um aluno meu estudando ela.

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M. H. - Está gostando?

J. – Estou sim. É interessante a obra porque quanto mais a gente estuda, mais a gente gosta

dela, de observar as vozes, porque parece que você trabalha em duas vozes aqui.

M. H. - É uma brincadeira. Você viu esse Vales? O vale da dor, vale do amor, vale da paz.

Você vê que são ideias completamente diferentes uma da outra. Eu não sigo uma linha, não

fico naquela... Quando eu vejo eu estou fazendo outra coisa completamente diferente. É

gozado, tem gente que fica numa linha só, não é? Celebração você tem?

J. - Não tenho.

M. H. - Essa Celebração foi tocada na... Bienal. Eu fiz para quarteto de cordas e piano. Não

gostei. Aí eu passei para sopros, para sopros ela não foi tocada ainda. Eu acho que vai soar

muito melhor, sabe?

J. - De 2006 ela?

M. H. - De 2006. Esse Holocausto teve um concurso lá na Bahia e eu fiz isso aqui baseado na

criação do mundo. “E Deus criou os rios e os mares”. Aí eu achei pouco, era muito pequeno

para a ideia e passei para orquestra de cordas, depois eu passei para orquestra. Mas ela é

muito difícil.

J. - Tem várias obras que você faz para mais de um tipo de formação.

M. H. - Às vezes. Aquela Nakutnak foi feita para piano e violino e entrou num concurso só

como menção honrosa. O... Como ele chama, aquele compositor lá do Rio, aquele português?

Baixinho? Ele estava julgando, ele falou: Maria Helena, passa essa obra para sopros.

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J. - Que foi gravada depois?

M. H. - Que eu ganhei o concurso lá no... Uruguai, Montevidéu. Primeiro lugar. Mas quem

sugeriu foi... Como é que ele chama? Guerra-Peixe! Uma gracinha de pessoa! Pessoa simples,

maravilhosa.

Isso aqui é um Oratório. Natum est. Nunca foi tocado. O pessoal daqui deu uma treinada, o

coro deu uma treinada para tocar no Encontro das mulheres. Acharam difícil. Vai ficar muito

lindo.

J. - Então Maria Helena, tem algumas coisas que eu queria saber, algumas questões da sua

biografia. Dá para ver bastante coisa naquele trabalho da Tânia, que foi mais biográfico,

aquela dissertação de mestrado dela sobre você. Mas tem umas coisas que eu gostaria de saber

mais, principalmente da questão musical e da sua formação. Você começou a estudar piano

com a sua mãe?

M. H. - É, com a minha mãe.

J. - Como era o nome dela?

M. H. - Ivette Braz. Aquela bonitona.

J. - E seu pai?

M. H. - Pedro Rosas.

J. - E você tinha quantos anos quando começou a estudar com sua mãe?

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M. H. - Ah, acho que uns... Seis, sete anos. Mas era uma brincadeira. A família da minha

mãe, o pai da minha mãe era irmão do Wenceslau Braz, aquele presidente da República. E ele

não quis estudar Direito, em vez de estudar, ele pegava o dinheiro do estudo e ia assistir

ópera. E ele comprou um monte de óperas, redução para orquestra, então ele gostava demais

de música, ele ficava tocando até altas madrugadas aquelas óperas. E a filha dele, os filhos,

mamãe tocava bandolim, tocava violino, cantava, tinha outro que só tocava piano, eles faziam

um sarau na casa deles. E mamãe casou, saiu lá de Brazópolis, arranjou família, e papai não

tinha muita formação musical, a família dele era mais de fazendeiros. Aí mamãe ficava

ensinando, sabe? Brincando, vem tocar, vem aprender. E eu adquiri gosto por aquilo, entrei no

jogo. Saí de Brazópolis, fui para Paraisópolis. Em 1944 voltei para Brazópolis onde fiz o

Ensino Médio. Em 1950 fui para Itajubá onde fiz o Curso Normal.

J. - E lá em Itajubá você diz que até ajudou o Conservatório Brasileiro de Música ir para lá.

Como que foi esse processo?

M. H. - Eu tinha um... Desespero para estudar, eu não sabia. Queria estudar! Não sabia como

e eu ouvi falar desse Conservatório que fazia filial, aí eu tentei levar para lá, não deu certo. Eu

comecei uma biblioteca só com livros de música, pedia para Ricordi, pedia para Vitale. Eu fiz

um livro de ouro para ver se conseguia comprar um piano, um piano de cauda para fazer

concerto em Itajubá. Era uma cidade muita fria nessa área cultural. Eu não sei porquê que eu

era assim. Falar a verdade não sei, porque o ambiente que eu morava, com exceção da minha

mãe não favorecia. Era uma cidade muito pequena, Paraisópolis, onde eu fui. É que eu nasci

para isso. Você nasce para isso não há quem segure.

J. - Com certeza deve ser.

M. H. - Aí eu soube desse curso profissionalizante lá no Rio, eu fiz o curso lá no

Conservatório Brasileiro.

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J. - Esse Conservatório Brasileiro de Música não chegou a ir para Itajubá?

M. H. - Chegou, mas não deu muito certo e ele voltou, ele fechou lá.

J. - E você estudou um tempinho lá?

M. H. - Muito pouco.

J. - Você tinha quantos anos nessa época, quando você morava em Paraisópolis?

M. H. - Eu devia ter uns 18. E eu ia esporadicamente pro Rio fazer esse curso

profissionalizante. Aí quando eu me casei, meu marido estudava medicina lá no Rio. Aí eu fui

morar no Rio e eu fiz o Conservatório Brasileiro direito. Eu fiz os anos que precisava. Não era

a melhor escola de música, mas eu tinha a melhor professora de piano da Escola Nacional que

trabalhava lá e ela gostava muito de mim, eu sei que ela me ajudou muito.

J. - Elzira Amábile?

M. H. - Elzira Amábile. Liddy Mignone, eu estudei com ela.

J. - Depois você estudou musicalização com ela, não é? Ela era muito famosa nessa área.

M. H. - A Liddy me deu uma bolsa, eu pedi a bolsa porque eu não tinha dinheiro para estudar.

Meu marido era estudante de medicina. “Ah! Dona Liddy, eu tenho tanta vontade de fazer

esse curso porque eu preciso trabalhar. Fica quieta, Maria Helena, eu vou te dar uma bolsa,

não conta para ninguém.” Dona Liddy, ótima, mulher do Francisco Mignone. Dona Elzira

Amábile fez a mesma coisa, eu não pagava um tostão para ela. Estudei com ela uns três anos.

J. - Boas almas a gente vai encontrando pelo caminho.

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M. H. - Nossa!

J. - Então foi difícil esse começo?

M. H. - Não é bem dificuldade, eu não sei porquê que eu ia, eu não sei. Pensa bem, você

morando numa cidade. Fala o nome de uma cidade bem pequena.

J. - Minha avó mora em Fernando Prestes, uma cidade mínima.

M. H. - Você morando em Fernando Prestes, até com a idade de 18 anos. O que é que você

faz?

J. - Não tinha expectativa...

M. H. - Na época não tinha... era rádio só. Não tinha televisão, não tinha... Meu pai comprou

uns discos de L.P. Não tinha nada, você não via nada. Eu não entendo menina, toda vez vocês

me entrevistam, eu não sei explicar. É uma coisa assim por Deus, eu já nasci assim, com essa

tendência. É... Cada um Deus dá...

J. - Mas eu acho que esse gosto da sua mãe pela musica te incentivou bastante. Foi um

começo?

M. H. - Foi um começo. Ela mostrou que existia alguma coisa. Ela só apenas mostrou.

J. - Ela chegou a estudar piano? Ela tocava em casa?

M. H. - Eu não sei com quem que ela estudou, mas eles tinham uma formação boa de música

porque o meu avô tocava ópera, redução de ópera é difícil tocar. Você já tentou? E ele fazia

aquelas óperas todas. Eu acho que ele que ensinou, eu não sei, essa particularidade eu não sei.

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Eu sei que deu certo, fui indo, eu sempre buscando, eu nunca parei de buscar. Meu caminho

fui eu que fiz.

Parte IV

J. - Muito bom, não é?

M. H. - Eu não acho muito bom. Por exemplo, aquele pianista, o Nelson Freire, ele foi muito

bem orientado. A cidade dele é aqui de Minas. Sua professora, depois de certo tempo falou:

“Eu não tenho mais condições de orientar você.” E falou para os pais, e os pais levaram ele

para o Rio. Eles deviam ter um conhecimento de música, de arte, encaminharam muito bem.

Agora, eu não tive isso. Eu que fiquei procurando os melhores professores. Quando eu estava

em Campinas, eu queria fazer Composição, também não sei o porquê. Aí eu perguntei: Qual o

melhor professor de composição de São Paulo? E todo mundo falava: “Osvaldo Lacerda,

Osvaldo Lacerda”. Então, eu que consegui o curso com o Osvaldo Lacerda. Eram oito alunos

a princípio e ele cobrava muito. As aulas eram de quinze em quinze dias e ele dava três,

quatro horas de aula.

J. - Você morava em Campinas e ia para São Paulo?

M. H. - Não. Ele ia para Campinas. Ele foi seis anos para Campinas. Eu estudei onze anos

com ele.

J. - E depois você começou a ir para São Paulo?

M. H. - Eu ia para São Paulo.

J. - E como eram as aulas com ele?

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M. H. - Ele era muito sistemático e muito organizado. Por exemplo, eu queria logo entrar na

composição. “Não! Você tem que se preparar, menina.” E ele dava tudo bem claro, bem

definido, seguindo uma linha muito certa, sabe? E quando eu cheguei num determinado

ponto, ele disse: “Agora você vai pegar um tema para fazer um quarteto.” Sei lá, depois de

três anos que eu fazia aula com ele. Então, ele era um professor... eu tive aula com o Almeida

Prado (...). O que ele foi bom para mim foi que eu estava pronta. Aí ele falava: “Faz isto!” e

eu fazia, “faz aquilo”, eu fazia, mas eu sabia. Mas aquela turma que não tinha a base que eu

tinha ficava louca com as aulas dele. Me dava um nó na cabeça. Eu falava: “Meu Deus do

céu! Estudei tanto, não estou entendendo nada que esse homem está falando!” Chegava em

casa que nem uma desesperada. Pegava os livros, que é isso? Era aquela modulação

encadeada que se fazia. (...) A orquestração ninguém dá. Eu fiquei louca. Eu estava estudando

lá na Santa Marcelina e tinha o curso de regência orquestral. Cadê? Cadê regência orquestral?

Eu precisava de alguém que me ensinasse isso, e eu saí procurando e fui parar no Eleazar de

Carvalho. Cobrava os olhos da cara! Isso foi nessa época em que eu morava em Campinas e

estudava em São Paulo. Eu cheguei lá um dia, peguei o trem, o trem atrasou. Cheguei atrasada

e o Eleazar já tinha começado a dar aula para um americano. Ele olhou firme para mim e

disse: “Fica aí e espera!” Não deu tempo para falar nada. Esperei a aula inteira. Agora posso

te atender, disse ele. Você o conheceu? Ele tinha um olhar que a desconcertava. Ele falou

assim: “Por que você chegou atrasada?” Eu fiquei um pouco espantada e falei: “Não tenho

condição de ter aulas com o senhor. É para mim muito caro e difícil de vir de Campinas.” No

Festival de Campos do Jordão de 1973 eu tentei novamente ter aulas com ele. Ele só tinha

alunos de fora: italianos, americanos, ingleses. Um rapaz do Rio Grande do Sul participava

como ouvinte. Eleazar de Carvalho me aceitou como aluna. Na primeira aula me pediu para

reger o primeiro movimento do Concerto nº1 de Beethoven. Eu falei: Meu Deus! Eu ainda

não estudei. Como é que vou reger? Não sei. Eu vim aqui para aprender. Eu fiquei tão

assustada que não voltei. O que você faria?

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J. - Você não acha que tinha um preconceito por ser mulher?

M. H. - Não, ele era dominador (...).

M. H. - Quais são as dificuldades que você encontra? Você não pode desanimar, que tem

muita gente que quer te atrapalhar, que quer te humilhar, Nossa Senhora! Um horror... Ainda

mais a gente sendo mulher, não é?

J. - Você em alguns momentos fala dessa dificuldade de ser compositora nesse meio musical.

M. H. - É que aqui no Brasil não é tanto, mas no exterior...

J. - Você acha que lá é mais?

M. H. - Na Europa é muito mais. Tem uma sociedade famosa chamada Adkins Chiti, a

presidente é uma mulher que viu essa dificuldade de outras mulheres nessa área, e ela

começou a ajudá-las e criou essa sociedade que hoje é vinculada a UNESCO, ela tem uma

força incrível. Continuamente ela manda através da internet, ela tem um jornalzinho mensal,

falando, incentivando as mulheres, arranjando jeito das orquestras tocarem as obras de

mulheres. Na Europa é um negocio terrível, poucas mulheres participam das orquestras e as

compositoras para se apresentarem tem que pagar, criam grupos, sociedades delas para

mostrar o trabalho.

J. - Voltando um pouquinho lá atrás, depois você foi estudar com o Koellreutter?

M. H. - Eu estudei com o Koellreutter (...) eu fiz uma porção de cursos de extensão na

UNICAMP.

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J. - E foi nesse mesmo período?

M. H. - Foi. O Koellreutter gostava muito de mim, ele me pôs como aluna renomada dele,

mas eu fui pouca, muito pouca aluna dele, sabe?

J. - Sei. E como você acha que eles influenciaram sua obra? Osvaldo Lacerda, o Koellreutter?

Você acha que eles tiveram uma influencia sobre a sua obra?

M. H. - É, eu (...) O Professor Lacerda aquela vez que pediu para eu procurar um tema para minha

obra, a primeira, disse: Procura um tema folclórico. Eu falei: Tema folclórico não, professor, de jeito

nenhum! Eu vou procurar um tema indígena. Não sei de onde saiu aquilo, eu não conhecia os índios,

não conhecia a musica dos índios (...) procurar um tema indígena? E aí para eu achar um tema

indígena?! Tive que descobrir um antropólogo (Desidério Aitay), que mexia com isso, ficou muito

meu amigo, segundo pai meu. E esse antropólogo me deu muita força, muito material, muita

orientação. Então eu fui pegando, sabe, pegando de um, pegando de outro, e com minha base, base

teórica, base harmônica, base contrapontística, eu estudei muito, li bastante e (sobre) instrumentação,

eu escuto (...) então você vai se aprimorando. É complicado o estudo de musica aqui no Brasil.

J. - Você acha que é uma questão nacional, uma questão geral do ensino da música?

M. H. - Nossa! É muito deficiente. Se você quiser ser um profissional nessa área, você tem

que se virar.

J. - Você nunca chegou a estudar fora do país?

M. H. - Não.

J. - Então sua formação foi toda aqui?

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M. H. - Toda aqui.

J. - Olhando seu catálogo, Maria Helena, a década de 70 foi a década que você mais compôs,

em 74 tem oito composições. Nessa época você estava com o Osvaldo Lacerda, fazendo piano

com o Souza Lima, Bacharelado da Santa Marcelina, tudo ao mesmo tempo.

M. H. - Eu compus mais nessa época, mas você repara que no inicio são mais peças pequenas.

J. - No início são mais peças para piano, não é?

M. H. - Você analisando meu trabalho agora, são menos peças, mas são peças enormes. Eu

não faço peça com menos de dez minutos, quinze minutos. Não são pecinhas de dois minutos,

são peças grandes. Como diz o Lacerda, desmembrando cada peça você teria não sei quantas

obras. Essa ópera que fiz, ela é uma ópera de 1h20 min e esse tempo é música toda vida, é

uma partitura assim (mostrou o tamanho com as mãos). A segunda ópera minha é de

1h10min, é musica para toda a vida. Essa peça que eu terminei agora, ela tem uns quinze

minutos. Eu não faço obra de dois minutos, de cinco minutos, no mínimo dez minutos. São

obras grandes, sabe? Então parece que é menos, mas o menos é mais e cada obra é

subdividida. Então esse período que você fala que eu tenho mais produção, eram obras

pequenas que eu fazia naquela época.

J. - E então a gente vê que até 76 eram mais essa peças para piano, temática mais livre, e que

depois de 77 você começou a compor mais com temas indígenas, inspiração indígena, certo?

M. H. - Foi na época que eu encontrei esse antropólogo, o Desidério Aitay, que eu fui

pegando material, fui trabalhando e fui me interessando por essa musica. Eu ainda uso sempre

(...) essa mesma peça, eu usei o tema “mamainde” nessa Memorias, um tema de índio

pequenininho para lembrar de um índio na região de Minas alí, certo? E eu não gosto de ficar

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numa linha só. Nessa época eu ganhei muitos prêmios mexendo com a música indígena. Você

não pode ficar (...) presa numa linha, você não pode.

J. - Você acha que a gente pode dividir a sua obra em fases, ou você não acredita nisso? Por

exemplo, de 70 a 76 seria uma primeira fase, de 77 até 90 mais ou menos uma segunda fase,

mais com temas indígenas apesar de ter outras temáticas também. A partir de 90 parece que

você compõe praticamente e exclusivamente para grandes grupos instrumentais, orquestras,

eu percebi isso. A partir de 2000, são obras como você falou, são obras com vários

movimentos e aparentemente outras inspirações, porque o foco não é mais indígena em si.

Você concorda com isso?

M. H. – Concordo (...) e aquela Sinfonia das águas cantantes eu pus um tema indígena

também, porque aqui tinha os Caiapós. Aqui em Poços na festa do São Benedito saem os

índios caiapós dançando, eles entram nas matas, os outros grupos vão tirar os índios da mata,

tem um drama baseado nisso ai! (...) Então eu trabalhei um pouco com essa temática na minha

obra dessa Sinfonia e eu fiz agora uma (...) Anita Garibaldi que tem 1h10min e fiz concerto,

você está sabendo desse concerto?

J. - Do Concertato? Você esta trabalhando nele, não é?

M. H. - Já terminei (...) e ela é longa também. Quantos minutos tem?

J. - Não tem ela no catalogo, diz que você estava trabalhando nela e que está para finalizar em

2015.

M. H. - Pega o catalogo pela internet, você pode pegar meu catálogo?

J. - Posso. Onde?

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M. H. - Põe Catálogo de Maria Rosas Fernandes. Eu mandei meu catálogo para Academia

Brasileira, meu catálogo (...) ficou tão bonito. Deixa eu ver se eu tenho um aqui.

Parte V

J. – Olha! Um aluno seu? (autor do catálogo)

M. H. - Não é bem aluno, ele é muito amigo, ele quis botar a minha foto.

J. - É esse que eu tenho.

M. H. - Você tem esse?

J. - Tenho.

M. H. - Onde você pegou?

J. - Você me enviou, acho que você me enviou.

M. H. - Não tem nenhum Concertato aí?

J. - Vamos ver se o que eu tenho...

M. H. - Pega obras para orquestra aí... Olha uma de quinze minutos... Doze minutos... Wani

A’Ama, Hekelaly 18 minutos e vinte... Concertato 10 minutos.

J. - Esse aqui está atualizado, mas já tem o Concertato.

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M. H. - Imagens... Natum est tem quinze minutos... O homem dos mil tambores... Aqui as

partes: No limiar da vida... E o guerreiro caminha... Só a paz constrói. No limiar da vida eu

pus os índios... Esta o rapaz está copiando para mim.

J. - Esse já está mais completo, não é?

M. H. - Sim, este está mais completo... E a Marilia (ópera) deu uma hora e trinta... É música

toda vida...

J. - Com certeza.

M. H. - Deixa eu ver esse que você está falando que é... Eu fiz mais obras, onde é que está?

J. - Na década... No ano de 74, não é? Acho que são mais obras para piano mesmo.

M. H. - Piano e flauta dois minutos... Cantilena dois minutos...

J. - Algumas coisas para coro.

M. H. - Dualismo... É... São obras pequenas.

J. - Sim... Foram ampliando o tamanho das obras, certo?

M. H. - Foi (risos)... Pau Brasil II treze minutos... O que você queria mais de mim? Você está

achando que eu estou te ajudando?

J. - Está muito sim... Eu queria esta parte do Concertato depois, copiar isso, não sei... Você

tem isso digitalizado?

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M. H. - Tenho, tenho.

J. - Se puder me mandar depois.

M. H. - O Concertato, não é? Essa lista que você falou...

J. - E esse catálogo atualizado, porque o que eu acho que tenho lá não está atualizado.

M. H. - Este aqui eu que trouxe?

J. - Foi, esse é seu.

M. H. - Então pode ficar com um.

J. - É? É que está escrito aqui atrás: original, talvez esse seja a copia?

M. H. - Então dá.

J. - Obrigada, aí depois tem umas obras faltantes. Mas eu te mando a lista de novo então, das

obras que eu não tenho. Olha, eu não tenho: Vitoria paz, Rio de muitos janeiros, Pau Brasil II,

a Akáua-se eu estou levando. Essas obras para coro, você tem essas obras?

M. H. - Tenho.

J. - Tem todas?

M. H. - Não se esqueça de dar a Akáua-se para aquela menina, a Guilhermina.

J. - Sim, vou marcar aqui.

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M. H. - Diz para ela que eu estava com muito problema... Com pedreiro, fiquei um mês

mexendo com pedreiro e não tinha cabeça para pensar em mais nada.

J. - Então, o quarto Encontro não aconteceu?

M. H. - Tem um rapaz organizando para mim aqui, ele entrou com o pedido para a lei

Rouanet, e até agora não saiu. Eu acho que para esse ano não vai dar mais.

J. - Por que eu cheguei a ver na programação aqui de Poços e estava na programação da

secretaria de cultura para 2011, não é? Setembro de 2011 estava agendado.

M. H. - Estava pronto, o programa estava pronto, já tinha convidado todo mundo... Todo

mundo... Tudo pronto e o dinheiro não tinha. Nossa! Quase que eu morri, quase que eu tive

sei lá.... Aí eu escrevi para todo mundo, eles estão entendendo... A situação da Itália está

terrível, a Adkins Chiti chegou a pedir dinheiro para organizar as bibliotecas da sociedade.

J. - Está. De toda a Europa.

M. H. - Então eles compreenderam minha situação... “Não perca sono por causa disso, Maria

Helena, não vai ficar doente por causa disso. Não tem problema nenhum,” ela falou. “Nossa...

Estamos passando por uma situação terrível por aqui.”

J. - Então você acha que para o ano que vem...

M. H. - Vamos ver, está tudo pronto.

J. - É o dinheiro da Lei Rouanet que não está sendo liberado?

M. H. - E depois esse ano tem esse negocio do futebol.

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J. - Tem a copa.

M. H. - E mais as eleições. Vamos ver se eu vou ter coragem de fazer isso aí, está tudo

prontinho... Você vem?

J. - Venho, venho sim.

M. H. - Vem me ajudar aqui.

J. - Com certeza. Tomara que dê certo. Se precisar de alguma ajuda...

M. H. - Claro que a gente precisa de ajuda.

J. - Estamos aí... E você ganhou o premio da APCA recentemente, não é? Como foi? Foi

bom?

M. H. - Eles estão dando prêmios para todas as áreas de arte, não é? Então tinha gente toda a

vida, grupos de teatro infantil, grupos de teatro adulto, nossa! ... Televisão, aquele pessoal

todo de televisão, famosos. Foi interessante. Você sabe quantas horas durou a premiação?

Foram quatro horas... De tanta gente que tinha para premiar, mas foi muito bom, porque eu fui

a única mineira, a única mineira. E lá na frente eu estava só prestando atenção e tinha muita

gente, pessoal de São Paulo. E eu falei: Meu Deus do céu, o que é que eu estou fazendo aqui?

Aí na hora de falar lá, eu disse assim: “eu estava lá pensando, só vendo gente de São Paulo...

Será que paulista não gosta de mineiro?” E o pessoal: “kkkkkkkkkkkkk”. Aí eu falei assim: e

será que os mineiros não gostam de paulista? Nossa! Aí o teatro veio abaixo, foi a parte mais

descontraída!

J. - Divertiu o pessoal?

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M. H. - Diverti o pessoal. Aí só eu de mineira, daí veio um grupo do norte e um grupo

gaúcho, o resto tudo paulista... Você quer ver o negocio que eles dão?

J. - O prêmio?

M. H. - Dizem que é um famoso... Um famoso...

[Ela comentou mais sobre o prêmio e a conversa foi encerrada. Depois tomamos café e

conversamos sobre a vida cultural de Poços de Caldas].

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Anexo II - Entrevista II concedida por Maria Helena Rosas Fernandes à Juliana Abra

em 30/01/2015 em sua residência em Poços de Caldas, MG.

Parte I

[Começo apresentando o que estou escrevendo, falo sobre o artigo do Chile, a estrutura da

dissertação e a definição das fases composicionais].

J. - Eu dividi sua carreira de compositora em três fases, a princípio, e queria saber se você

concorda com essa divisão. A 1ª fase seria de 1970 a 1977, onde você compõe peças mais

curtas, com uma linguagem mais tradicional. A 2ª fase seria de 1977 a 1982 quando você

começa a compor se utilizando de temáticas indígenas e a 3ª fase é a partir de 1982 quando

você conclui seus estudos formais em musica e faz peças maiores para grandes formações

com linguagem mais elaborada.

M. H. – Isso, eu concordo.

J. - Olhando isso me dá a sensação que você nessa época (3ª fase) você se sentiu... Livre.

M. H. - Livre para compor o que eu quiser.

J. - Exatamente.

M. H. – Em uma Bienal eu fiz uma música para piano, Dualismo, e realmente aquela obra é

boa. O Dualismo I. Você escutou?

J. - Escutei.

M. H. - E gostou?

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J. - Gostei.

M. H. - Eu acho que aquela obra foi uma obra forte e eu dei para Sônia Vieira e Maria Helena

Andrade (para tocarem). Você conhece a Sônia Vieira? A pianista? Ela gosta muito de mim.

Nossa! Eles ficaram encantados com a música! E aquele dia nós ensaiamos três horas

seguidas, eles ficaram alucinados com a música. Aí eu já sabia que eu tinha feito uma obra

boa e confirmei. Na Bienal elas iam tocar. Isso aqui (me apresentando seus estudos,

esquemas, rascunhos), por exemplo, eu transcrevi sons de pássaros. Sabiá-do-papo-vermelho,

gralhas. Então olha como é que eu faço, com a dinâmica e tudo.

J. - Maria Helena, você procura transcrever literalmente o que você está escutando dos cantos

dos pássaros?

M. H. - Dos pássaros eu tento transcrever literalmente.

J. - Não é uma leitura sua sobre os cantos dos pássaros, é uma transcrição mesmo?

M. H. - Uma gralha, como é que é uma gralha?

J. - Messiaen fazia isso, não é?

M. H. - É. Só que ele fazia os pássaros da Europa e eu fiz com os pássaros daqui. Aqui são

cantos para caça. Xavante.

J. - Esquema harmônico você não costuma fazer? Por que harmonicamente são livres suas

peças.

M. H. - Não.

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J. - Eu vejo muita coisa modal nas suas obras. Mas também não podemos determinar que

seria só modal porque mistura muito.

M. H. - Por exemplo, o canto indígena não tem uma escala própria. Cada peça tem um grupo

de sons. Você não pode dizer que é modal, que é tonal, não existe isso. Então ele tem uma

obra com três sons, uma obra com cinco sons, com sete sons. Certo? Então ele faz com

aqueles sons da melodia dele.

J. - E mesmo nas obras suas que não tem temática indígena parece que você compõe muito

sobre motivos.

M. H. - Motivos, isso. Então você tá vendo como eu faço. Esquemas. Esquemas rítmicos

também. Eu acho que todo mundo trabalha assim. Faço esquema da forma também. ABA.

Fuga. Pode ser que eu faça uma fuga, pode ser que não.

J. - Outra coisa que fui reparando nas partituras é que parece que você parte do tema, muitas

vezes, da ideia, daquele tema da obra, por exemplo, o Holocausto, e você desenvolve a obra a

partir disso. Ou não? Você desenvolve a peça e daí diz: isso é um Holocausto?

M. H. - Não. Primeiro a ideia inicial. Aqui, Brasil 92, então eu vou usar um tema, um ritmo

indígena, aqui uma melodia indígena. São fragmentos, eu não pego uma coisa inteira. E cada

obra, você repara, que é uma obra completamente diferente. Eu não tenho essa preocupação

de fazer uma coisa “modernosa”, faço aquilo que eu acho, que eu posso fazer, que soa bem

para mim.

J. - E sai muito moderno.

M. H. - Sai muito moderno?

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J. - Eu acho (risos).

M. H. - É um trabalho insano! (risos). Você procura muito material, sabe?

J. - Os cantos indígenas que você escreve são muitas vezes dialetos indígenas.

M. H. - Eu procuro, porque eu não sei o que é, não sei o significado. Eu ouço aquilo umas

trinta, quarenta vezes. É escutando. Eles falam “hei, ho, ho, herê...” Poucas vezes são

palavras. E para eu tirar isso eu escuto umas quinhentas vezes.

J. - Então não é algo pesquisado em fontes bibliográficas?

M. H. - Não. É escutando. Não é brincadeira não. Naquela obra Akauá-se, na parte da

Comunhão, eu fui escutando, escutando (enquanto isso ia me mostrando os esquemas). E

depois que eu estou com essas informações aí eu começo. Eu acho que todo artista é assim.

Você lembra do Leonardo da Vinci? Como ele estudava o corpo humano? Os detalhes, a

anatomia. E depois que ele estudou bem aquilo, fez a Monalisa, fez todos os quadros famosos

dele. Então a cabeça da gente é um computador muito fabuloso, que trabalha, que manipula.

Então como você falou, minhas obras iniciais eram mais simples. Não só porque eu não tinha

conhecimento, mas porque eu não sabia manipular o instrumental. O que eu tinha de

bagagem? As análises, os estudos que eu fiz. Eu fiz muito com Osvaldo Lacerda. Você faz

análise de uma obra, escuta outra, escuta outra. Analisa milhões de obras, escuta milhões de

discos. Então tudo isso vai acumulando, vai formando uma bagagem e você vai trabalhando

com aquilo. Tira um pouco daqui, um pouco de lá... Essa última obra que eu fiz (Memórias) é

outro tipo de obra, que eu preciso me ater com o que existiu realmente. Eu estou falando sobre

memórias sonoras do século XVIII, então o que naquela época soava? O que se cantava? Eu

passei a estudar um monte de coisa. Isso aqui é uma coisa que eu tirei (esquema), um Kyrie,

trechos de missa. Eu pedi para uma maestrina arranjar para mim uma porção de material e eu

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estudei tudo aquilo, mas eu não fiz igual, eu tirei elementos, apenas elementos para lembrar.

Mas eu fiz dentro de um contexto histórico usando dos recursos composicionais meus. Não

repetindo aquilo, apenas a memória. Mas o conjunto, o grupo, fui eu que dei a forma, do jeito

que eu quis. Então fica assim, o antigo e o moderno. A música gregoriana junto com acordes

contemporâneos, com cromatismo e tudo mais que eu quero. Então é essa bagagem que você

vai formando aos poucos. Não sei como a gente faz isso, não sei.

J. - Você faz sempre isso, faz o antigo e o moderno se conversarem. Tem muitos Te Deum,

Kyrie, Gloria nas suas peças, mas tudo com linguagem moderna, muito cromatismo, não

tonal, sem relações harmônicas. A questão do índio que também é algo tradicional, vem de

um passado e que você traz um arranjo moderno, um corpo moderno.

M. H. - Quando começaram a ouvir minha obra todo mundo falava isso. Ela é contemporânea

usando um recurso antigo, primitivo. É gregoriano, mas usando um recurso contemporâneo. É

o meu jeito de compor. Quando fiz a Loa de Nossa Senhora... Eu sentei, toquei e fui até o fim.

Parei, chorei. Foi uma coisa muito estranha, tem hora que acontece isso, “baixa” um negócio

que você não sabe de onde vem. Tem hora que você fica lutando em cima da obra e nada sai.

A ópera Anita Garibaldi tinha trechos que eu fazia numa sentada e outros que... Eu remoía o

casamento dela, tenho até vontade de tirar. Mas é bonito. Acho que todo artista passa por isso,

é um processo. Nada eu faço sem consultar, eu não chuto, eu trabalho bem trabalhado. Por

exemplo, vou fazer uma obra sobre Minas. Vou estudar os terreiros de Minas. Piano solo, com

três partes. Um batuque, um lundu, um jongo. Aí eu estudo cada um, procuro um tema que me

interessa um ritmo que me interessa. Ritmos de Minas, uma Folia de Reis, do Caxambu. Eu

cito da onde eu tirei e na obra eu ponho também de onde eu tirei. Da capoeira, dos pássaros,

ritmos. Olha quantos eu investiguei! Procurei saber quais os pássaros de Minas. A pesquisa

está sempre presente.

J. - Seria interessante uma cópia disso para ilustrar a forma como você trabalha.

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Parte II

[Começamos a ouvir as gravações das peças e a compositora foi comentando livremente sobre

elas].

Primeiro ouvimos Celebração, Oferendas da terra (parte II)

M. H. – Tem os índios, tema indígena. Eu não gostei da versão com cordas e piano.

J. – Você acha que tem algo de minimalista na sua obra?

M. H. – Não, eu acho que não. Uso bastantes motivos que se repetem e pedal prolongado. Eu

sinto que eu tenho um equilíbrio nos meus trabalhos. Eu começo, tenho um meio e um fim.

Tem aquela linha curva de início, de fim e aquela parte que tem um auge na minha obra. Eu

acho que toda obra tem que ter isso senão ela se quebra. Eu acho essa forma ABA’ perfeita na

realidade. Na música ela fecha o sentido musical. Se você fizer isso na obra literária ela não

fica tão bem, mas acho que na obra musical ela dá um sentido de equilíbrio. Percebe? Foi o

Ronaldo Mirando que uma vez escreveu falando sobre o meu trabalho, que ele achava que eu

tinha um profundo conhecimento da música, da construção musical, da análise musical.

[Ouvindo a parte III (Comunhão)]

M. H. – São pássaros. Eu fiz Nakutnak (piano e violino) e no grupo que estava julgando

estava o Guerra-Peixe e consegui só menção honrosa. Ela chegou a mim e falou: “Maria

Helena, passa isso para sopros!” Dependendo da obra, do significado, com determinado

instrumento não funciona. Essa aí não funcionou (se referindo à peça Celebração que

ouvíamos no momento).

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[Ouvindo Ciclo nº1]

M. H. – A ideia desse primeiro foi realmente fazer essa ideia das coisas. Começo, meio e fim.

O nascimento do sol, o sol a pino e o sol poente. Essa peça foi tão tocada... Muitos pianistas

tocaram ela. Ela é difícil! O sol se pondo (fim da primeira parte).

[Parte II] Dos pássaros, um monte de pássaros. Então o pássaro é apenas um motivo, o

elemento rítmico dele. Agora eu volto com os pássaros que eu comecei (comp. 20).

[Parte III- Da Chuva] Essa parte o Lacerda falou: Maria Helena, compõe uma obra com uma

nota só! O ciclo da chuva. Eu trabalho com a mão esquerda. Está percebendo ritmos

diferentes? (Comp. 12-16). Volta àquela curva de começo, meio e fim. Por isso que chama

ciclo. Ciclo do primeiro ao último e também dentro de cada parte. Não como frase, mas como

ideia. Começo, meio e fim de uma obra, de um quadro...

[Parte IV – Da lua] O Almeida Prado falou para eu fazer uma parte diferente.

[Parte V – Das estrelas] Eu sou bem modernosa, mas eu consigo colocar alguma coisa

melodiosa, expressiva. Não fica aquela música fria, sem nada, dura. Então nesse trabalho eu

usei todos os recursos do piano. Glissandos, notas repetidas, muito pedal, acordes muito

dissonantes, ornamentos diferentes, arpejos.

[Ouvindo Vales]

M. H. – Esse Vales eu quis passar para som um sentimento. Isso é dificílimo! Então o

primeiro é o Vale do amor. Como você vai passar esse sentimento para som? O Holocausto

(outra peça) é difícil... Teve um maestro... O Ernst Widmer. Eu estava em um Concurso da

Bahia, eu participei. Aí ele veio conversar comigo. Eu sei que essa obra é boa, por que ela não

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passou? Ele falou: “Essa obra ficou duas horas na minha mão. É uma obra muito boa, mas

muito difícil. Ela tem polirritmia de montão!”

[Vales da paz, parte III] Esse caminhando em direção à alguma coisa. Para você atingir a paz,

você tem que passar pelo amor e pela dor, tem que amar, tem que sofrer. Aí você conseguiu.

No final tem um trecho do amor e da dor.

[Ouvindo Ciclo nº3] [Foi dedicado à Ruth Serrão e gravado por ela]

M. H. – Ela gosta demais e eu não acho tão boa assim.

[Parte I – Das manhãs]

M. H. – Tem acordes muito dissonantes, eu não penso em tonalidade de jeito nenhum. A

sonoridade é que importa. Do que eu quero, naquele momento.

[Parte II – Dos fins de tarde]

M. H. – Tem horas que eu penso muito, em outras vou pela intuição. Tem pássaros aqui, eu

gosto muito da natureza.

J. – Maria Helena, de onde são essas gravações? São das Bienais?

M. H. - É assim, você vai fazer parte da Bienal, sua obra é aceita. Ou você sugere um grupo

para tocar a obra ou eles colocam um grupo para tocar. Pelo menos era assim. Agora essa obra

eu acho muito boa (estávamos ouvindo Pau Brasil I). Essa é a Mantiqueira. Se quiser

perguntar alguma coisa...

J. – Tem uma proposta de solo nessa obra?

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M. H. – Eu quis dar a ideia da vastidão da Mantiqueira, do cenário. Da ideia de você estar em

cima de uma montanha. Há muitos pássaros regionais e o ritmo é um ritmo de Minas. Essa

não ficou muito boa, mas a segunda e a terceira eu gostei muito (partes). Eu fui para o ensaio,

o maestro falou assim: “Vocês sabem quem é ela? Ela é a compositora dessa obra, Maria

Helena, a compositora dessa obra. Estão vendo?” Eles suaram para tocar essa obra (risos). Ai,

meu Deus do céu! Essa não é tão difícil, é mais difícil a outra. Eu fui mais feliz na segunda, é

o Xingu. Eu quis dar a ideia de eu lá na aldeia dos índios.

J. – E as obras que foram para os Festivais Música Nova, não foram gravadas?

M. H. – Algumas foram, mas não foram bem gravadas.

J. – O que é látego?

M. H. – Látego é um chicote. O que é típico na música indígena? Eles andam com os guizos

presos aqui (mostrando os pulsos) marcando o ritmo, o tambor (...) eles andam em círculo, a

monotonia... A beleza do Xingu, a riqueza. Eu achei que eu fui muito feliz nessa música. É

difícil você fazer uma coisa e não escutar. Você não escuta! Só escuta internamente. Aí

quando você ouve (...), é muito boa a sensação de você escutar com os instrumentos mesmo.

Aí voltei àquela primeira parte, do índio andando. Os próprios elementos da orquestra

cantando [começa a terceira parte da peça]. Esse aí que eu achei bonito, Pampas. Eu quis dar

a ideia do vento, da extensão da terra. Aquela coisa de alumínio assim.

J. – Aquela folha?

M. H. – Bonito, não é?

J. – Bonito.

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M. H. – Lembrando os bois. O látego, e lá atrás o cavalo. O chicote. Tá gostando?

J. – Bem bonita. Bem característica.

M. H. – Difícil isso (parte). As missões, lembrando as missões do Sul.

J. – Você é religiosa, Maria Helena?

M.H. – Sou.

J. – Tem muito do religioso nas suas peças.

M.H. – Acredito muuuito no Criador. Eu acho essa uma das minhas melhores obras. Depois

você ouve.

J. – Sim, vou levar o CD e ouvir tudo com calma.

[Ouvindo Akauá-se]

M.H. – E1es gravaram só a terceira parte, Comunhão (da peça Akauá-se). Esse daí é um dos

coros de câmara mais importantes da Itália inteira. Nossa! Que coro! Maravilha!

J. – Você estava lá?

M.H. – Não. São músicas de Natal, de compositores do mundo inteiro. Eles gostaram muito.

Esse Akauá-se é para o aniversário da descoberta, dos 500 anos, eles fizeram um concurso e

eu mandei essa obra. Então eu pus na primeira parte os índios, a segunda mostrando a... Deixa

eu pegar aqui.

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J. – Aqui. Akauá-se, A Descoberta. Os donos da terra seriam os índios que estavam aqui.

Isso?

M.H. – Isso.

J. – Depois o Monte Pascoal eu entendi que era a chegada dos descobridores.

M.H. – Dos portugueses.

J. – E a Comunhão seria a união dos dois. Eu analisei assim. Porque eu vi que aqui você usou

dialeto indígena, aqui você usou latim e aqui você usou os dois juntos.

M.H. – Você viu o Amém? Então você não ouviu, não é? Você viu só pela partitura?

J. – Só pela partitura.

M.H. – Nossa, que danada! (risos)

J. – Eu estou começando a entender, Maria Helena... (risos). É muito interessante, eu até ia te

perguntar sobre o Akauá-se, sobre os dialetos, você disse que escuta, você tira (de ouvido)?

M.H. – Para quem eu vou perguntar? Eu vou lá no meio do índio? Beleza de voz, não? Agora

troca, ela faz o índio e ele faz o branco. Bonito, não?

J. – Muito lindo. Maravilhoso.

M.H. – Você viu isso aqui? Anita Garibaldi?

J. – Não vi ainda, estava ansiosa para ver essa ópera.

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M.H. – Você não pode pensar, tem que esquecer muita coisa, porque você está compondo

para coro, para vozes, você não pode fazer muito complexo, os acordes muito dissonantes,

intervalos muito complicados, senão fica muito difícil.

J. – E já tem muita gente envolvida, não é?

M.H. – Muita gente envolvida, então sua maneira de pensar muda musicalmente. Agora você

pega a ideia e trabalha em cima dessa ideia. Então na abertura eu fiz um resumo de toda obra

na parte orquestral. E o primeiro ato então você vai, é uma escrita fácil, muito mais fácil,

orquestra simples. Você não pode fazer uma orquestra pesada para “fechar” as vozes. Então é

um pensar musicalmente diferente.

J. – O libreto é seu também?

M.H. – É. O primeiro ato mostra os marinheiros cantando. Vai passando só para você ver.

Então é um pensar musicalmente diferente e dentro do contexto do libreto. Tem que entrar no

libreto e trabalhar em cima.

J. – Você foi fazendo o libreto conforme ia compondo ou fez antes?

M.H. – Não, eu fiz antes. Li muito sobre o assunto, diversos livros, meu marido comprou

diversos livros para mim, eu já tinha alguns. Mandei buscar lá em Laguna, onde ela nasceu.

Lá tem o Museu da Anita Garibaldi. Eu conversei lá com o homem que toma conta, ele

entende muito dessa época em que aconteceu a ópera e fui pegando material, li muito, fiz o

libreto em três meses, aí depois fiz a música.

J. – O libreto ficou grande?

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M.H. – Ficou. Quer ver?

J. – Quero.

M. H. – Quem fez o libreto de Marília de Dirceu foi uma escritora que tinha três livros sobre

a Inconfidência mineira. Ela estudou muito sore Tiradentes, foi lá em Portugal, na França,

caminhando de acordo com os passos de Tiradentes lá na Europa. E ela fez três livros, eu

acho, sobre a inconfidência. E eu soube disso, eu falei com ela. “Olha, Isolde, eu nunca fiz

isso, eu gostaria que você me ajudasse.” Ela era uma advogada lá de Porto Alegre. Eu levei a

ópera lá no Rio para registrar e eu registrei no meu nome. Falei que a ópera era minha e o

libreto dela, e ela retirou o registro da obra. Quando eu pensei em fazer o libreto de Marília de

Dirceu (é que eu tenho facilidade para escrever versos), eu falei: Eu vou tentar fazer! Eu

estudei muito, ia lá nas bibliotecas de Campinas, pegava os livros do Thomás Antônio

Gonzaga, da Marília, porque muitos trechos dela eu utilizei do livro do Dirceu, das poesias

dele. Na hora que ele está na prisão, aquele trecho é tirado do livro dele, quando ele tá triste,

morrendo lá de dor, de sofrimento, de saudade da Marília. Então eu trabalhei junto com ela

(Isolde), ela não fez tudo sozinha. Eu sinto o ritmo! Isto aqui tá bom, dá para fazer. E depois

eu ainda corrigi. Às vezes, na hora de fazer a música não encaixa! Aí você muda um pouco o

libreto, tira uma frase. Para Anita Garibaldi eu li bastante e foi ótimo. Eu sinto o ritmo do

verso na música. Deu perfeito, perfeito para mim, sabe? Olha para você ver. É um libreto

grande, é uma hora.

J. - Eu pensei em colocar no trabalho, mas é um libreto grande, tem trinta e poucas páginas.

M. H. - Eu levei uns três meses para fazer isso. Só o prologo e o fecho do trabalho que um

jornalista me ajudou, mas o resto eu fiz tudo sozinha. Tá pronto para um programa de ópera,

eu fiz um resumo da Guerra dos Farrapos. Veja o segundo ato, cena um. Esse texto é inteiro

meu. Fica fácil botar musica nisso aí, e eu sinto a música junto. E foi uma experiência

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interessante. Eu estou com vontade de fazer um terceiro, só que menor, mais condensado,

sobre um tema indígena. Vamos ver o que é que dá. E olha o tamanho da Marília! É musica

que não acaba mais! Pelo menos vou deixar alguma coisa no meu caminho. Você viu o

Holocausto? Essa obra ainda não foi tocada, eu sinto muito. A gente sente que os maestros

querem tocar. A Sylvia, a pianista de São Paulo falou: “Maria Helena, os músicos querem

tocar coisa conhecida.” E o que é conhecido? Mozart, Beethoven, Bach. Eles não querem

pegar uma partitura e ter trabalho. Ainda mais de mulher, não é?

J. - Outra coisa que eu queria te perguntar. Parece que você prefere os sopros às cordas?

Muitas vezes você usa sopros e percussão, o que é diferenciado.

M. H. - Dependendo do tema, do contexto. Como eu falei para você, aquela Celebração, a

história. O cântico das criaturas, o que eu estou pensando? Na natureza, nos pássaros, nos

bichos, nas coisas da natureza. Você colocar cordas não dá. Tem hora que não dá. Certo?

Agora, dependendo da obra você põe e fica bom, quase todas as orquestrais eu uso cordas,

como que não?

J. - Não, você usa em muitas. Eu estou falando que em algumas você não põe. Por exemplo,

Pau Brasil, Vitória-Paz, Tainahyky... Você fala que escutou muita coisa para aprender sobre

instrumentação. Você ainda escuta? O que você escuta? Ou com o que você acha que mais

aprendeu?

M. H. - Sabe que eu acho que é mais de intuição, eu não sei explicar para você como é que a

gente sente. Não dá para explicar. Você está compondo para orquestra, você fala: “Aqui vai

ficar bom uma flauta, aqui uma trompa! Aqui um trompete.” Às vezes você fica na dúvida.

Então você tem que ter uma audição interior. Eu sempre falava para o professor Osvaldo que

eu tinha tristeza de não ter ouvido absoluto, que eu ouço assim, integralmente. Ele falava

assim: “Maria Helena, para um compositor esta é audição principal, você ouvir todo o

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contexto e não ouvir o som isolado.” Então eu sei que aquele lá combina com esse aqui. É

uma coisa intuitiva. Você tem que estudar também, conhecer o instrumento. Eu quando estava

estudando, eu ia lá na Orquestra de Campinas, eu ia no intervalo deles. Aí um dia eu falava:

Eu vou pegar a trompa, vou pegar o oboé. E ficava sentada com eles e pedia para eles falarem

sobre o instrumento. Aí eu pegava o livro, ia lendo e perguntando sobre o instrumento. Eu fiz

isso com todos os instrumentos. E ainda comprei um violino, bem vagabundo, e comecei a

estudar para tomar conhecimento do instrumento. Não consegui tocar, muito difícil o

instrumento, mas eu tomei conhecimento das cordas através daquele violino. Depois a

extensão dos outros. É muita particularidade de cada coisa. Aí você estuda das combinações,

tem umas regras na parte de instrumentação. Fica bom você fazer a flauta com o primeiro

violino, fazer o oboé com o segundo violino, entendeu? O trompete você não pode usar assim,

assado, porque ele tem uma potencia. Você tem que estudar continuamente, não para de

estudar.

J. - E você escutava muita música?

M. H. – Escutava.

J. - O que você escutava?

M. H. - Ah... Quando fiz óperas eu escutava muito. Meu marido comprou uma coleção

completa de óperas para mim e eu ouvi todas. Você não para de estudar, senão você fica para

trás. Por exemplo, essa coisa de computador, eu sei que eu preciso aprender. Mas eu não sinto

falta disso para compor, se eu sentisse, eu já teria aprendido. Essa coisa da musica eletrônica

sozinha eu não gosto, mas se usar como recurso eu acho interessante. Pegar um instrumento

ou pegar um trecho da musica eletrônica com orquestra. Música eletroacústica eu fiz um curso

lá no Festival de Inverno, com um americano. Lá em Campos do Jordão. Ele tinha um

aparelho. Eu já não acho legal. Só fazer com aquilo eu não acho interessante. E fica frio

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também. Usar como recurso, isso eu aceitaria. Então eu utilizo essa pesquisa dentro das coisas

que eu quero. Sons naturais, sons dos animais, do vento, da chuva, sons da natureza, sons que

estão em volta da gente. Isso eu uso muito, eu acho que eu estou dentro deste mundo sonoro.

Eu acho muito agressiva essa musica dos jovens. As guitarras elétricas, aquele som para mim

é muito agressivo, muito cansativo, não é um som agradável para você fazer uma musica e a

pessoa gostar. Não acho. Para cabeça dos jovens, nasceram ouvindo isso, gostam disso, mas

aposto que logo eles vão cansar. Não tem nada, não sobra nada daquela musica, sobra?

J. - A sua obra é muito do que você percebe, como você escuta o mundo, não é? Como você

escuta o vento, os pássaros...

M. H. – É isso que eu estou falando. Eu no meu mundo. Agora eu posso fazer um Dualismo

pensando como seria fora deste mundo, mas ainda utilizo os recursos daqui. Não é? Eu tento

fazer um som que não seria daqui. Como? Mas dentro do meu contexto. Sem usar musica

eletroacústica.

J. - Eu acho que nossa conversa está ótima, bem esclarecedora. Sabe uma peça que eu estou

curiosa? Aquela Ogum, Ogum, Ogum. Tem cantos de candomblé nela?

M. H. - Eu não sou assim também, faço uma obra e vou jogar fora porque eu não gostei,

porque está antiga (se referindo à peça da primeira fase). Cada obra para mim tem um sentido

e se eu fiz foi porque eu gostei. Eu participei de um Concurso lá em Ituiutaba e tocaram umas

obras minhas, umas obras simples.

J. - Eu vi. Tem umas coisas na internet.

M. H. - Você precisa ver que gracinha! As crianças tocando. Eles fizeram um arranjo com a

Sinhá Marreca, com bandinha. Não, com a Modinha. Nossa! Só faltou eu chorar. O Ponteio

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eu passei para quatro mãos. Ficou uma gracinha eles tocando isso! Eu fiz uns arranjos a

quatro mãos para o concurso. Eu não gosto de escrever para quatro mãos. Mas pediram para

eu fazer, aí eu peguei duas musicas que eu tinha, eu fiz uma espécie de contraponto, que dava

para fazer, sabe? Ficou bonitinho. E tinha composto uma obra para dois pianos e botei para

quatro mãos. Ficou bonitinha.

[Falamos sobre as partituras que ainda me faltavam ter em mãos para análises e sobre dados

do catálogo de obras].

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Anexo III – Entrevista cedida por Sylvia Maltese à Juliana Abra em fevereiro de 2015

via Skype. Posteriormente a entrevistada enviou um arquivo em Word por e-mail à

autora do trabalho (14,8 kb), o qual consta copiado abaixo.

Sobre as obras de Maria Helena Rosas Fernandes,

Maria Helena tem uma trajetória muito particular dentro da música

contemporânea, suas obras são extremamente trabalhadas, muito bem estruturadas, sem

perder a liberdade de criação que permite que ela se expresse com lirismo, extrema

delicadeza, mas também com brilhantismo e virtuosidade.

A cada obra, Maria Helena nos propõe como intérpretes ou como público

acompanhá-la em uma nova aventura sonora, determinada pelos textos, muitas vezes seus,

que acompanham suas obras e que nos sugerem e indicam o caminho a seguir.

Como intérpretes, ela nos faz parceiros neste processo de criação de sonoridades,

exploração de timbres o que possibilita uma maior compreensão artística da obra.

É muito prazeroso praticar técnicas de pedal e de obtenção de sonoridades para

criar um quadro sonoro peculiar a cada obra e a partir disto realizar a interpretação artística.

Só para dar alguns exemplos, Maria Helena se utiliza de muitos recursos

expressivos, em algumas obras sua sonoridade é densa, interiorizada, quase tonal, dramática, é

o caso da obra Vales n°1.

Na obra Dualismo, para dois pianos, os efeitos sonoros nos levam à compreensão

do espaço, do Cosmos. E através da harmonia do homem com o Cosmos, a obra finaliza em

Dó Maior, em clima de uma incrível paz!

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Em outras obras, como no Ciclo nº2, que é inspirado no canto dos pássaros da

Amazônia, a linguagem contemporânea se apresenta com características impressionistas,

criando grandes quadros, de vários períodos do dia, onde aparecem os cantos dos pássaros da

noite, da madrugada, do dia e do por do sol.

Sylvia Maltese, pianista e intérprete.

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Anexo IV – Documentação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências

Médicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) – Cópia do TCLE

e do Comprovante de Aprovação junto à Plataforma Brasil.

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

TÍTULO DA PESQUISA: MARIA HELENA ROSAS FERNANDES: CATÁLOGO

COMENTADO DA OBRA COMPLETA E FASES COMPOSICIONAIS

NOME DA RESPONSÁVEL: JULIANA DELBORGO ABRA OLIVATO

NÚMERO DO CAAE:

A Sra. está sendo convidada a participar como entrevistada da pesquisa sobre a obra

musical de Maria Helena Rosas Fernandes intitulada “Maria Helena Rosas Fernandes:

Catálogo Comentado da Obra Completa e Fases Composicionais”. Este documento, chamado

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, visa assegurar seus direitos como participante e

é elaborado em duas vias, uma que deverá ficar com a senhora e outra com a pesquisadora.

A entrevista da Senhora é importante para realização deste trabalho no sentido

de complementar as informações colhidas e analisadas junto às partituras das obras e

referências bibliográficas. Dados pessoais como nome e outros dados biográficos,

concernentes ao propósito da pesquisa, serão divulgados neste trabalho com a maior

fidedignidade.

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A autora deste trabalho de pesquisa se responsabiliza pela veracidade das

informações constantes sobre a vida e obra da Senhora, Maria Helena Rosas Fernandes,

objetos de pesquisa, bem como fidedignidade aos textos escritos provenientes das entrevistas.

A Senhora poderá obter todas as informações que quiser sobre este estudo e

pela sua participação não receberá qualquer valor em dinheiro nem terá qualquer despesa com

o mesmo.

Por meio deste Termo, a Senhora autoriza a divulgação do conteúdo das

entrevistas cedidas à autora deste trabalho, bem como divulgação de seus dados pessoais e

biográficos como entrevistada, tais como nome, data e local de nascimento, curriculum e

imagens como fotos e vídeos, sendo guardadas de posse da pesquisadora por um período de

05 (cinco) anos.

Esta autorização fica válida para apresentação dos resultados da pesquisa em

textos como dissertação de mestrado, estudos, palestras, congressos e publicações em livros e

revistas dirigidos a profissionais da música e áreas afins.

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE, APÓS ESCLARECIMENTOS.

Eu, _______________________________________________,portador do documento

de identidade nº ____________________________________, expedido pelo órgão

_________________, li e/ou ouvi o esclarecimento acima e compreendi para que serve o

estudo no qual estou participando. Eu entendi que sou livre para aceitar os termos para

participação desta pesquisa ou não. Sei que as informações que darei, incluindo o meu nome,

minha imagem e outros dados biográficos poderão ser divulgadas para estudantes e

profissionais da música e áreas afins. Sei que não terei despesas e não receberei dinheiro por

participar do estudo. Eu concordo em participar e confirmo ter recebido cópia desse

documento por mim assinado.

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______________________, ____/ ____/_______.

_________________________________________

Assinatura da voluntária

____________________________

Assinatura da pesquisadora principal

Contato da pesquisadora principal:

Juliana Delborgo Abra Olivato

(14) 98141-0342

E-mail: [email protected]

Contato com o Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da

Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) - Rua Tessália Vieira de Camargo, 126,

Barão Geraldo, Campinas, SP, CEP: 13083-887. Telefone: (19) 3521-8936, e-mail:

[email protected]

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Cópia da tela de aprovação do Projeto de Pesquisa junto à Plataforma Brasil.

Fig. 25 - Cópia da tela de aprovação do Projeto de Pesquisa junto à Plataforma Brasil. Disponível

em

http://aplicacao.saude.gov.br/plataformabrasil/visao/pesquisador/gerirPesquisa/gerirPesquisaAgrupador.j

sf