universidade estadual de campinas instituto de...

195
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Instituto de Geociências ELIANE APARECIDA CABRAL DA SILVA QUANDO A TERRA AVANÇA COMO MERCADORIA PERDE-SE O VALOR DE USO NA CIDADE: REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA E A EXPANSÃO URBANA NA CIDADE DE MACAPÁ AMAPÁ CAMPINAS 2017

Upload: vodung

Post on 01-Dec-2018

216 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

  • UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

    Instituto de Geocincias

    ELIANE APARECIDA CABRAL DA SILVA

    QUANDO A TERRA AVANA COMO MERCADORIA PERDE-SE O VALOR DE

    USO NA CIDADE: REGULARIZAO FUNDIRIA E A EXPANSO URBANA NA

    CIDADE DE MACAP AMAP

    CAMPINAS

    2017

  • ELIANE APARECIDA CABRAL DA SILVA

    QUANDO A TERRA AVANA COMO MERCADORIA PERDE-SE O VALOR DE

    USO NA CIDADE: REGULARIZAO FUNDIRIA E A EXPANSO URBANA NA

    CIDADE DE MACAP AMAP

    TESE APRESENTADA AO INSTITUTO DE GEOCINCIAS DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS PARA OBTENO DO TTULO DE DOUTORA EM GEOGRAFIA NA REA DE ANLISE AMBIENTAL E DINMICA TERRITORIAL.

    ORIENTADORA: PROF DR ARLETE MOYSS RODRIGUES

    ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE VERSO FINAL

    DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA ELIANE

    APARECIDA CABRAL DA SILVA E ORIENTADA PELA

    PROFA. DRA. ARLETE MOYSS RODRIGUES

    CAMPINAS

    2017

  • Agncia(s) de fomento e n(s) de processo(s): No se aplica.ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8526-9863

    Ficha catalogrficaUniversidade Estadual de CampinasBiblioteca do Instituto de Geocincias

    Marta dos Santos - CRB 8/5892

    Silva, Eliane Aparecida Cabral, 1979- Si38q SilQuando a terra avana como mercadoria perde-se o valor de uso na cidade :

    regularizao fundiria e a expanso urbana na cidade de Macap - Amap /Eliane Aparecida Cabral da Silva. Campinas, SP : [s.n.], 2017.

    SilOrientador: Arlete Moyss Rodrigues. SilTese (doutorado) Universidade Estadual de Campinas, Instituto de

    Geocincias.

    Sil1. Urbanizao. 2. Propriedade fundiria. 3. Segregao socioespacial. 4.

    Macap (AP) - Condies sociais. I. Rodrigues, Arlete Moyss, 1943-. II.Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Geocincias. III. Ttulo.

    Informaes para Biblioteca Digital

    Ttulo em outro idioma: When land advances as commodity the city value of use is lost :land ownership regularization and urban expansion in the city of Macap - AmapPalavras-chave em ingls:UrbanizationLand ownershipSocio-spatial segregationMacap (AP) - Social conditionsrea de concentrao: Anlise Ambiental e Dinmica TerritorialTitulao: Doutora em GeografiaBanca examinadora:Arlete Moyss RodriguesAdriana Maria Bernardes da SilvaRicardo BaitzVicente Eudes Lemos AlvesRosana DenaldiData de defesa: 12-12-2017Programa de Ps-Graduao: Geografia

    Powered by TCPDF (www.tcpdf.org)

  • UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

    INSTITUTO DE GEOCINCIAS

    AUTORA: Eliane Aparecida Cabral da Silva

    QUANDO A TERRA AVANA COMO MERCADORIA PERDE-SE O VALOR DE

    USO NA CIDADE: REGULARIZAO FUNDIRIA E A EXPANSO URBANA

    NA CIDADE DE MACAP AMAP

    ORIENTADORA: Profa. Dra. Arlete Moyss Rodrigues

    Aprovado em: 12 / 12 / 2017

    EXAMINADORES:

    Profa. Dra. Arlete Moyss Rodrigues - Presidente

    Prof. Dr. Vicente Eudes Lemos Alves

    Profa. Dra. Adriana Maria Bernardes da Silva

    Profa. Dra. Rosana Denaldi

    Dr. Ricardo Baitz

    A Ata de Defesa assinada pelos membros da Comisso Examinadora, consta no

    processo de vida acadmica do aluno.

    Campinas, 12 de dezembro de 2017.

  • Dedico este trabalho minha Me e ao Pai, pelo exemplo de vida e por sempre,

    mesmo no tendo ultrapassado as salas de aulas do primrio e nunca terem

    entrado no recinto de uma universidade, terem me apoiado e incentivado nessa

    trajetria.

    Dedico este trabalho ao meu av Francisco, ao meu av Eudete (in memoriam),

    minha av Iracema e minha av Ana, migrantes do sul e nordeste do Brasil, que se

    deslocaram para o sul do Mato Grosso do Sul em busca de terra para reproduzir a

    sobrevivncia. Depois de anos de terem chegado e s custas de muito trabalho

    conseguiram seus pequenos lotes urbanos e hoje fazem (fizeram) dessa terra todo o

    sentido de uma existncia.

  • AGRADECIMENTO

    Como disse Harvey, o direito cidade, apesar de se realizar pelo

    indivduo, muito mais um direito coletivo do que individual, porque a cidade

    sobretudo obra coletiva. Assim tambm o conhecimento, apesar de se expressar

    atravs do sujeito, nunca uma construo individual, resulta de uma rede de ideias

    e aes coletivas e solidrias, que, somadas aos esforos individuais, possibilitaram

    a sua construo. Esta tese resultado de um esforo pessoal, mas tambm

    resultado das ideias, debates, crticas e contribuies, e o apoio de tantas outras

    pessoas que se fizeram presentes em minha trajetria durante a sua construo, e

    aqui expresso a minha gratido a algumas dessas pessoas que foram fundamentais

    nesse processo.

    Agradeo imensamente minha me Marilete, ao meu pai Natalino e

    meus irmos Andreia e Ivan Fernando que, apesar de se entristecerem com a minha

    ausncia, especialmente nesse ltimo ano, 2017, compreenderam a importncia do

    momento que vivi e sempre me deram fora para continuar.

    minha orientadora, a professora Arlete Moyss Rodrigues que, para

    alm da competncia indiscutvel e exigente na orientao, se fez tambm nesse

    processo uma figura humana extremamente generosa, e eu lhe agradeo por aceitar

    me orientar, aconselhar, compartilhar seu conhecimento e experincia,

    proporcionando-me momentos de valiosas reflexes e aprendizado.

    Agradeo aos amigos e amigas Roni Mayer Lomba, Patrcia Rocha, Pablo

    Fernandez, Genival Rocha, Camila Risso, Fabiana Estigarribia, Daguinete Chaves,

    Fabio Trindade, Juceline Amorim, Celina Marque e Jos Francisco Ferreira, que me

    confortaram nos momentos de angstia e com os quais dividi alegrias, risadas,

    tristezas, aflies e discusses acaloradas que me ajudaram a avanar no pensar

    essa pesquisa.

    Aos Gegrafos Ricardo ngelo Pereira de Lima e Marcelo Oliveira, ao

    Historiador Sidney Lobato e ao Cientista Social Antnio Srgio Monteiro Filocreo

    pelas informaes, bibliografias e dados disponibilizados, e que foram fundamentais

    para as anlises realizadas nesse trabalho.

    Agradeo a todos aqueles que aceitaram em conceder entrevistas ou que

    disponibilizaram uma parte do seu tempo, compartilhando um pouco de suas

    memrias e vivncias sobre o processo de urbanizao da cidade de Macap, me

  • permitindo ter acesso a fatos importantes e dados fundamentais para o

    entendimento da problemtica estudada.

    Emilly Watanabe e Priscyla Esquerdo, as mulheres que me ajudaram

    na elaborao cartogrfica dessem trabalho: dessa parceria resultaram mapas

    fundamentais para representao das anlises feitas no trabalho e sem os quais no

    seria possvel expressar informaes indispensveis s discusses presentes nesta

    tese.

    Aos meus colegas do LACAM (Laboratrio da Casa da Arlete Moyss),

    pelas discusses intensas de nossos colquios e pelo compartilhamento de ideias,

    dvidas, bibliografias e ansiedades vivenciadas no processo de elaborao de

    nossas pesquisas. Nesse grupo destaco o Rodrigo Dantas e a Vnia Silva, pelas

    bibliografias e informaes compartilhadas a respeito dos encaminhamentos

    burocrticos finais da tese, e a Mariana Fernandes pelos momentos agradveis e

    divertidssimos partilhados nos encontros geogrficos.

    Por fim, deixo os meus agradecimentos coordenao e aos funcionrios

    do Programa de Ps-Graduao em Geografia do Instituto de Geocincias, que

    sempre me atenderam com prontido e rapidez nas demandas realizadas. Deixo

    tambm meu reconhecimento s duas instituies pblicas brasileiras com que

    estive ligada durante a realizao deste trabalho: a Universidade Federal do Amap

    UNIFAP, onde exero a minha vida profissional, e que, dentro das possibilidades,

    contribuiu para que fosse possvel a realizao desse trabalho, e Universidade

    Estadual de Campinas UNICAMP, pela possibilidade de cursar gratuitamente este

    curso de Ps-Graduao, pois sei que, se as condies fossem outras, talvez isso

    no seria possvel.

  • RESUMO

    A histria de Macap mostra que o seu crescimento urbano foi consequncia de projetos que foram sendo inseridos no Estado do Amap depois que foi elevado categoria de Territrio Federal, em 1943. Desse perodo at a primeira dcada do sculo XXI, vrios acontecimentos dinamizaram o Estado, atraindo atividades econmicas e indivduos de outros lugares, com consequncias diretas no crescimento da capital. Entretanto, seu processo mais recente de urbanizao apresenta diferenas significativas no que refere aos agentes, s formas e contedos urbanos predominantes, quando comparado ao processo vigente at 2010. Destaca-se, nesse sentido, uma maior modernizao do territrio a partir da presena de elementos do meio tcnico-cientfico, o aparecimento de loteamentos murados e edifcios verticais como formas representativas da expanso do espao urbano, e o mercado imobilirio como principal agente promotor da expanso urbana e, nessas condies, impe-se o avano da terra urbana com o predomnio do valor de troca. Mas, para tanto foi necessrio resolver no espao urbano macapaense alguns gargalos, resultantes do processo de desenvolvimento desigual no territrio brasileiro das foras produtivas capitalistas e, assim, a regularizao fundiria urbana em Macap se apresenta como centralidade nesse processo. Em decorrncia das formas de controle e acesso terra urbana durante o perodo do Amap como Territrio Federal, realizado via instrumento jurdico da posse, destaca-se que, at 2012, 90% dos terrenos urbanos no eram titulados, e parte das terras sobre os quais avanou a expanso urbana no ltimo perodo ainda no tinha sido transferida pela Unio para o Municpio de Macap. Essa condio coloca limites na atuao do capital, visto que nem toda terra valorizada pode ser inserida no mercado, por no ter o ttulo de propriedade. Em que pese a existncia de legislaes que disciplinam a regularizao fundiria urbana e que garantem o interesse social da propriedade privada no urbano e da cidade, como o caso das Leis Federais n 11.952/09 e n 11.977/09, a recente edio da Lei Federal n 13.465/17, que desobriga respeitar as premissas da funo de interesse social, fortalecem a lgica da regularizao fundiria em Macap, cujo fim principal garantir a titulao da propriedade privada da terra. Tais aspectos do processo de urbanizao ocorrido aps 2010 tm razes nas novas formas sob as quais o capital passa a aplicar os seus excedentes na regio com objetivo de garantir o processo mais geral de acumulao e que faz do urbano macapaense mais um dos motores da acumulao do capital. E, neste sentido observa-se, aps 2010, que a terra como mercadoria e como valor de troca avana sobre as terras nas quais predominava o valor de uso.

    Palavras chave: Urbanizao. Expanso urbana. Regularizao fundiria. Desigualdade Socioespacial. Macap-AP.

  • ABSTRACT

    The history of Macap demonstrates that its urban growth was a consequence of projects that had been inserted in the State of Amap after it was elevated to the category of Federal Territory, in 1943. From this period until the first decade of the twenty-first century, several events made the state more dynamic, attracting individuals and economic activities, from different places, affecting directly the city's growth. Nevertheless, its most recent urbanization process presents significant differences regarding urban agents, forms and contents when it is compared to the process experienced until 2010. It is noted, in this sense, a greater modernization of the territory due to the presence of elements of the technical-scientific environment, the appearing of walled portions of land and vertical buildings, as representative forms of urban space expansion, and the real estate market as the main agent of the urban expansion so, under these conditions, urban land advances with the predominance of exchange value. However, it was necessary to solve some obstacles in Macap's urban space that were results of the unequal development of capitalist productive forces in Brazil, and thus the urban land regularization in Macap is central to this process. As a result of the forms of control and access to urban land during the period of Amap as Federal Territory, made through a juridical instrument called possession, it is highlighted that, by 2012, 90% of urban land had not been legalized and part of the land on which urban expansion occurred in the last period, had not yet been transferred from the Union to the Municipality of Macap. This condition places limits on the performance of capital, since not all valued land can be inserted into the market because it does not have the legalized title of ownership. Despite the existence of laws governing urban land regularization and guaranteeing the social interest of private property in urban areas, such as Federal Laws 11,952/09 and 11,977/09, the recent edition of Federal Law 13.465/17, which exempts respect for the premises of the social interest, strengthens the logic of the land regularization in Macap, whose main purpose is to guarantee the titling of private property of land. These aspects of the urbanization process that took place after 2010 are rooted in the new ways in which capital applies its surplus in the region in order to guarantee the most general process of accumulation and, that makes the urban in Macap another engine of capital accumulation. So, in this sense, it is observed, after 2010, that land, as a commodity and with a value of exchange, advances where the value of use prevailed.

    Keywords: Urbanization. Urban expansion. Land regularization. Socio-spatial inequality. Macap-AP.

  • RESUMEN

    La historia de Macap muestra que su crecimiento urbano fue consecuencia de proyectos que fueron introducidos en el Estado de Amap, despus de que fue elevado a la categora de Territorio Federal, en 1943. De ese perodo hasta la primera dcada del siglo XXI, varios acontecimientos dinamizaron el Estado, atrayendo actividades econmicas e individuos de otros lugares, con consecuencias directas en el crecimiento de la capital. Sin embargo, su proceso ms reciente de urbanizacin presenta diferencias significativas en lo que se refiere a los agentes, a las formas y contenidos urbanos predominantes, en comparacin con el proceso vigente para 2010. Se destaca, en ese sentido, una mayor modernizacin del territorio a partir de la presencia de elementos del medio tcnico-cientfico, la aparicin de parcelas amuralladas y edificios verticales como formas representativas de la expansin del espacio urbano, y el mercado inmobiliario como principal agente promotor de la la expansin urbana y, en esas condiciones, se impone el avance de la tierra urbana con el predominio del valor de cambio. Pero para ello fue necesario resolver en el espacio urbano macapaense algunos cuellos de botella, resultantes del proceso de desarrollo desigual en el territorio brasileo de las fuerzas productivas capitalistas y, as, la regularizacin agraria urbana en Macap se presentan como centralidad en ese proceso. En consecuencia de las formas de control y acceso a la tierra urbana durante el perodo de Amap como Territorio Federal, realizado a travs del instrumento jurdico de la posesin, se destaca que, hasta 2012, el 90% de los terrenos urbanos no eran titulados, y parte de las tierras sobre los cuales avanzaron la expansin urbana en el ltimo perodo an no haban sido transferidos por la Unin al Municipio de Macap. Esta condicin coloca lmites en la actuacin del capital, ya que no toda la tierra valorada puede ser inserta en el mercado, por no tener el ttulo de propiedad. En cuanto a la existencia de legislaciones que disciplinan la regularizacin agraria urbana y que garantizan el inters social de la propiedad privada en el urbano y de la ciudad, como es el caso de las Leyes Federales n 11.952/09 y n 11.977/09, y la reciente edicin de la Ley Federal n 13.465 / 17, que desobriga respetar las premisas de la funcin de inters social, fortalecen la lgica de la regularizacin agraria en Macap, el fin principal es garantizar la titulacin de la propiedad privada de la tierra. Tales aspectos del proceso de urbanizacin ocurrido despus de 2010 tienen races en las nuevas formas bajo las cuales el capital pasa a aplicar sus excedentes en la regin con el objetivo de garantizar el proceso ms general de acumulacin y que hace del urbano macapaense ms uno de los motores de la acumulacin del capital. Y en este sentido se observa, despus de 2010, que la tierra como mercanca y como valor de cambio avanza sobre las tierras en las que predominaba el valor de uso.

    Palabras clave: Urbanizacin. Expansin urbana. Regularizacin de la tierra. Desigualdad Socioespacial. Macap-AP.

  • LISTA DE FIGURAS

    FIGURA 1 - LOCALIZAO DE MACAP -AP ................................................................... 18

    FIGURA 2 - IDENTIFICAO DOS ENTREVISTADOS NA PESQUISA ............................ 27

    FIGURA 3 - REA URBANA DE MACAP, EM 1951, COM A FORTALEZA SO JOS DE MACAP EM PRIMEIRO PLANO ................................................................................. 34

    FIGURA 4 - OCUPAO DA REA URBANA DE MACAP POR GRUPOS SOCIAIS E ATIVIDADES ECONMICAS EM MEADOS DE 1960 .................................................. 39

    FIGURA 5 - REGISTRO DE CASAS DE PADRO SIMPLES LOCALIZADAS NA REA CENTRAL DE MACAP AP ...................................................................................... 55

    FIGURA 6 - MAPA DE EXPANSO DA MALHA URBANA DE MACAP, 1943 A 2014 ...... 60

    FIGURA 7 - MAPA DE EVOLUO DA MALHA URBANA DE MACAP VERSUS CRIAO DE BAIRROS ............................................................................................................... 62

    FIGURA 8 - EVOLUO DA OCUPAO DE REAS MIDAS (RESSACAS) EM MACAP PARA MORADIA (1986, 1991, 2004, 2014) .................................................................. 64

    FIGURA 9 REA MIDAS (RESSACAS) OCUPADA PARA HABITAO EM MACAP . 65

    FIGURA 10 - IMAGEM VERTICAL DO BAIRRO MARCO ZERO E DA REA DE RESSACA DO MUCA QUE FAZ FRONTEIRA COM ESSE BAIRRO ............................................ 65

    FIGURA 11 - AMAP GARDEN SHOPPING - REGIO SUL DE MACAP ........................ 72

    FIGURA 12 - LOCALIZAO DOS EMPREENDIMENTOS IMOBILIRIOS EM MACAP, 2010 A 2014 ................................................................................................................. 75

    FIGURA 13 - LOCALIZAO DOS CONJUNTOS HABITACIONAIS EM MACAP AP ... 76

    FIGURA 14 - RESIDENCIAL CIDADE MACAPABA (MCMV FAIXA 1 - 4 MIL UNIDADES) COM PARTE DAS UNIDADES ENTREGUE EM 2014/2015 ........................................ 77

    FIGURA 15 - RESIDNCIA MESTRE OSCAR SANTOS - MCMV FAIXA 1, ENTREGUE EM 2013 ............................................................................................................................. 77

    FIGURA 16 LOTEAMENTOS E CONDOMNIOS MURADOS LOCALIZADOS NA RODOVIA DUCA SERRA ............................................................................................. 80

    FIGURA 17 - LOTEAMENTOS E CONDOMNIOS MURADOS - RODOVIA JK - ZONA SUL DE MACAP ................................................................................................................ 80

    FIGURA 18 - IMAGEM VERTICAL DO EMPREENDIMENTO VERANA MACAP - SUA REA INCORPORA REGIES MIDAS E SUAS EXTENSES TERMINAM QUASE NA MARGEM DO RIO AMAZONAS ............................................................................. 81

    FIGURA 19 - EMPREENDIMENTOS VERTICAIS NO CENTRO DE MACAP - INCORPORADORA ICON ............................................................................................ 81

    FIGURA 20 - LOTEAMENTOS E CONDOMNIOS ABERTOS E MURADOS LOCALIZADOS NA BR 156, ZONA NORTE DE MACAP ..................................................................... 82

    FIGURA 21 - IMAGEM DO FOLDER DE PROPAGANDA DO EMPREENDIMENTO VILA BELLA, NA RODOVIA DUCA SERRA .......................................................................... 83

  • FIGURA 22 - IMAGEM DA PLACA DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL E ENTRADA DO LOTEAMENTO BELLA VISTA, LOCALIZADO NA ZONA NORTE DE MACAP-AP .... 84

    FIGURA 23 - VEX CONSTRUTORA E INCORPORADA - PROJETOS E RELAES INTERESCALARES 2015 .......................................................................................... 89

    FIGURA 24 - REAS POSSVEIS DE VERTICALIZAO EM MACAP 2017 ............... 92

    FIGURA 25 - DESCRIO DO EMPREENDIMENTO COSTA NORTE DA INCORPORADORA ICON, EM PGINA DA CONSTRUTORA .................................... 93

    FIGURA 26 - MAPA DA GLEBA PATRIMONIAL DE MACAP E EXPANSO URBANA EM 2014 ............................................................................................................................. 97

    FIGURA 27 MEDIDAS E LEGISLAO DIRECIONADAS REGULARIZAO FUNDIRIA URBANA E RURAL EM MACAP 1970 A 1989, 1990 A 2004 E 2005 A 2016 ........................................................................................................................... 100

    FIGURA 28 - MAPA DE LOCALIZAO DOS LOTEAMENTOS/CONDOMNIOS HORIZONTAIS VERSUS TTULOS DE DOMNIO EMITIDOS PELO INCRA - 1984, 2003 E 2005 ............................................................................................................... 103

    FIGURA 29 - ALTERAO NA ALTURA E NMERO DE PAVIMENTOS DE EMPREENDIMENTO VERTICAIS - 2004, 2011, 2014 ............................................... 123

    FIGURA 30 - EMPREENDIMENTOS RESIDENCIAIS PBLICOS CONSTRUDOS EM MACAP DE 2010 A 2014 ......................................................................................... 188

    FIGURA 31 - EMPREENDIMENTOS RESIDENCIAIS PRIVADOS VERTICAIS CONSTRUDOS EM MACAP DE 2010 A 2015 ........................................................ 189

    FIGURA 32 - EMPREENDIMENTOS RESIDENCIAIS PRIVADOS HORIZONTAIS CONSTRUDOS EM MACAP DE 2005 A 2014 ........................................................ 190

    FIGURA 33 - MAPA DA SITUAO FUNDIRIA DA GLEBA AD 04 1984, 2003 E 2005 ................................................................................................................................... 192

    FIGURA 34 - RELATRIO DO PROGRAMA TERRA LEGAL MACAP - TERRAS URBANAS .................................................................................................................. 193

    FIGURA 35 - MEMORANDO N. 022/2015/TERRENOS LEGALIZADOS PELA PREFEITURA AT 2012 ................................................................................................................... 194

    FIGURA 36 CROQUI DA SITUAO FUNDIRIA DA GLEBA AD 04 1984 ................ 195

    file:///C:/Users/liane/OneDrive/Documentos/Eliane%202017/Doutorado%202017/Verso%20final/Tese_Eliane%20Cabral%20da%20Silva_Doutorado_Geografia_IGE_Unicamp_Verso%20Final.docx%23_Toc504317492file:///C:/Users/liane/OneDrive/Documentos/Eliane%202017/Doutorado%202017/Verso%20final/Tese_Eliane%20Cabral%20da%20Silva_Doutorado_Geografia_IGE_Unicamp_Verso%20Final.docx%23_Toc504317496file:///C:/Users/liane/OneDrive/Documentos/Eliane%202017/Doutorado%202017/Verso%20final/Tese_Eliane%20Cabral%20da%20Silva_Doutorado_Geografia_IGE_Unicamp_Verso%20Final.docx%23_Toc504317496file:///C:/Users/liane/OneDrive/Documentos/Eliane%202017/Doutorado%202017/Verso%20final/Tese_Eliane%20Cabral%20da%20Silva_Doutorado_Geografia_IGE_Unicamp_Verso%20Final.docx%23_Toc504317496file:///C:/Users/liane/OneDrive/Documentos/Eliane%202017/Doutorado%202017/Verso%20final/Tese_Eliane%20Cabral%20da%20Silva_Doutorado_Geografia_IGE_Unicamp_Verso%20Final.docx%23_Toc504317501file:///C:/Users/liane/OneDrive/Documentos/Eliane%202017/Doutorado%202017/Verso%20final/Tese_Eliane%20Cabral%20da%20Silva_Doutorado_Geografia_IGE_Unicamp_Verso%20Final.docx%23_Toc504317501file:///C:/Users/liane/OneDrive/Documentos/Eliane%202017/Doutorado%202017/Verso%20final/Tese_Eliane%20Cabral%20da%20Silva_Doutorado_Geografia_IGE_Unicamp_Verso%20Final.docx%23_Toc504317502file:///C:/Users/liane/OneDrive/Documentos/Eliane%202017/Doutorado%202017/Verso%20final/Tese_Eliane%20Cabral%20da%20Silva_Doutorado_Geografia_IGE_Unicamp_Verso%20Final.docx%23_Toc504317502file:///C:/Users/liane/OneDrive/Documentos/Eliane%202017/Doutorado%202017/Verso%20final/Tese_Eliane%20Cabral%20da%20Silva_Doutorado_Geografia_IGE_Unicamp_Verso%20Final.docx%23_Toc504317503file:///C:/Users/liane/OneDrive/Documentos/Eliane%202017/Doutorado%202017/Verso%20final/Tese_Eliane%20Cabral%20da%20Silva_Doutorado_Geografia_IGE_Unicamp_Verso%20Final.docx%23_Toc504317503file:///C:/Users/liane/OneDrive/Documentos/Eliane%202017/Doutorado%202017/Verso%20final/Tese_Eliane%20Cabral%20da%20Silva_Doutorado_Geografia_IGE_Unicamp_Verso%20Final.docx%23_Toc504317504

  • LISTA DE TABELAS

    TABELA 1 - POPULAO DE MACAP, 1940 E 1950 ...................................................... 35

    TABELA 2 - EVOLUO DA POPULAO URBANA E RURAL DE MACAP, 1940 A 20...49

    TABELA 3 - POPULAO ECONOMICAMENTE OCUPADA EM ATIVIDADES DO CAMPO, 1970 A 1980 ................................................................................................................. 50

    TABELA 4 - EVOLUO DA POPULAO URBANA E RURAL DE MACAP, 1960 A 199151

    TABELA 5 - EVOLUO DA POPULAO URBANA E RURAL DE MACAP, 1991 A 2010 ..................................................................................................................................... 58

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    ADA Agncia de Desenvolvimento da Amaznia

    ALCMS rea de Livre Comrcio de Macap e Santana

    AMCEL Amap Florestal e Celulose S.A.

    AP Amap

    BNDS Banco Nacional de Desenvolvimento

    BRUMASA Bruynzeel madeireira S.A.

    CAESA Companhia de gua e Esgoto de Amap

    CEA Companhia de Energia de Macap

    CIOSP Centros Integrados de Segurana Pblica

    COPRAM Companhia Progresso do Amap

    CPT Comisso Pastoral da Terra

    DETRAN Departamento Estadual de Trnsito do Amap

    DTC Diviso de Terras e Colonizao

    FACADE Frum de Acompanhamento de Conflitos Agrrios e

    Desenvolvimento

    FINAM Fundo de Investimento da Amaznia

    GERA Grupo Executivo da Reforma Agrria

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    IBRA Brasileiro de Reforma Agrria

    ICOMI Indstria e Comrcio de Minrios S.A.

    IMAP Instituto de Meio Ambiente e de Ordenamento Territorial do

    Amap

    INCRA Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria

    INDA Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrrio

    IPTU Imposto Predial e Territorial Urbano

    IRDA Instituto Regional de Desenvolvimento do Amap

    ITR Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural

    MCMV Programa Minha Casa Minha Vida

    PDSA Programa Desenvolvimento Sustentvel do Amap

    POLAMAZONIA Programa dos Polos Agropecurios e Agrominerais da Amaznia

    PROTERRA Programa de Redistribuio de Terras e Estmulos

    Agroindstria do Norte e Nordeste

  • PSB Partido Socialista Brasileiro

    PSDB Partido da Social Democracia Brasileira

    PSOL Partido Socialismo e Liberdade

    PT Partido dos Trabalhadores

    RENCA Reserva Nacional de Cobre e Associados

    SEMDUH Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e Habitao

    SEPLAN Secretaria de Planejamento

    SPU Superintendncia Patrimonial da Unio

    SPVEA Superintendncia do Plano de Valorizao Econmica da

    Amaznia

    SUDAM Superintendncia de Desenvolvimento da Amaznia

    SUDENE Superintendncia do Desenvolvimento do Nordeste

    TERRAP Instituto de Terras do Amap

    UNICAMP Universidade Estadual de Campinas

    UNIFAP Universidade Federal do Amap

    UPAS Unidades de Pronto Atendimento

  • SUMRIO

    INTRODUO .................................................................................................................... 18

    1 O PROCESSO DE URBANIZAO EM MACAP ANTES DA CRIAO DO ESTADO DO AMAP ......................................................................................................................... 31

    1.1 A OCUPAO DO TERRITRIO E AS PRIMEIRAS TRANSFORMAES URBANA .......................................................................................................................... 32

    1.2 AVANOS DO CAPITAL SOBRE O CAMPO E A EXPANSO URBANA EM MACAP APS 1960 ...................................................................................................................... 41

    1.3 CONSIDERAES SOBRE O CAPTULO 1 ............................................................. 55

    2 A URBANIZAO EM MACAP APS A CRIAO DO ESTADO ............................... 57

    2.1 A URBANIZAO EM MACAP ENTRE 1990 E 2010 .............................................. 57

    2.2 A URBANIZAO APS 2010: NOVAS FORMAS E CONTEDOS URBANOS ......................................................................................................................................... 69

    2.3 NOVOS AGENTES NA PRODUO DA CIDADE E A EMINNCIA DO CAPITAL IMOBILIRIO ................................................................................................................... 86

    2.4 CONSIDERAES SOBRE O CAPTULO 2 ............................................................. 94

    3 A QUESTO FUNDIRIA URBANA EM MACAP: DO GOVERNO TERRITORIAL CRIAO DO ESTADO DO AMAP .................................................................................. 96

    3.1 SITUAO FUNDIRIA EM MACAP EM 2016, NO QUE SE REFERE S REGULARIZAES ADMINISTRATIVA E DE INTERESSE ESPECFICO ..................... 96

    3.2 CRITRIOS E FORMAS DE ACESSO TERRA URBANA EM MACAP NO GOVERNO TERRITORIAL (1970 E 1988) ..................................................................... 101

    3.3 CRITRIOS E FORMAS DE ACESSO TERRA EM MACAP NA PS ESTADUALIZAO - 1990 A 2010 ................................................................................ 109

    3.3.1 Plano Diretor Participativo de 2004 e seus impactos na questo fundiria

    urbana de Macap .................................................................................................... 111

    3.4 FORMAS DE ACESSO TERRA E REGULARIZAO FUNDIRIA URBANA - 2010 A 2016 ................................................................................................................... 118

    3.4.1 A regularizao fundiria realizada pelo executivo municipal ..................... 118

    3.4.2 A regularizao fundiria realizada pelo executivo estadual ....................... 124

    3.4.3 Leis Federais referentes regularizao fundiria na Amaznia Legal e seus

    impactos sobre a regularizao da terra urbana em Macap ................................ 125

    3.5 CONSIDERAES SOBRE O CAPTULO 3 ........................................................... 139

    4 A SEGREGAO SOCIOESPACIAL SE ALARGA QUANDO A TERRA AVANA COMO MERCADORIA ...................................................................................................... 141

    4.1 A RENDA DA TERRA E SUAS CONDICIONANTES................................................ 141

    4.2 ANTES VALOR USO, AGORA VALOR TROCA: COMO A TERRA AVANA COMO MERCADORIA EM MACAP ............................................................................. 147

  • 4.4 PRECISO MAIS TERRA: O ESTADO E A REGULARIZAO FUNDIRIA DE INTERESSE ADMINISTRATIVO .................................................................................... 159

    4.5 CONSIDERAES SOBRE O CAPTULO 4 ........................................................... 163

    CONCLUSES ................................................................................................................. 165

    REFERNCIAS ................................................................................................................. 175

    APNDICES ...................................................................................................................... 188

    APNDICE 1 .................................................................................................................. 188

    APNDICE 2 .................................................................................................................. 189

    APNDICE 3 .................................................................................................................. 190

    APENDICE 4 .................................................................................................................. 192

    ANEXOS ........................................................................................................................... 193

    ANEXO 1 ....................................................................................................................... 193

    ANEXO 2 ....................................................................................................................... 194

    ANEXO 3 ....................................................................................................................... 195

  • 18

    INTRODUO

    Macap a maior cidade e a capital do Estado do Amap (Figura 1). Sua

    histria mostra que o seu crescimento urbano foi consequncia de projetos que

    foram sendo inseridos no Estado do Amap depois que foi elevado categoria de

    Territrio Federal, em 1943. Vrios projetos, programas do governo federal e

    estadual, dinamizaram a economia do estado atraindo novas atividades econmicas

    e indivduos de outros lugares, com consequncias diretas sobre o crescimento da

    capital1. A criao do Territrio Federal (1943), a instalao da Indstria e Comrcio

    de Minrios S.A. - ICOMI (1957), empresa que explorou o mangans, da Jari

    Celulose (1979), a definio de Amap como estado (1988) e a implantao da rea

    de Livre Comrcio de Macap e Santana - ALCMS (1991) so acontecimentos que

    favoreceram um efeito de atrao tanto para atividades econmicas como para a

    populao em busca de trabalho e de acesso a determinados bens e servios, como

    sade, educao e emprego, determinando crescimentos rpidos da populao

    urbana de Macap, sobretudo a partir dos anos 1980.

    Figura 1 - Localizao de Macap -AP

    Elab.: FERREIRA (2015). Arcgis 10.0.

    1

    Cabe aqui uma referncia a outra grande cidade, desmembrada de Macap em 1991, Santana, com uma

    populao estimada, para 2015, de 112.218 habitantes.

  • 19

    A partir de 2010 o processo de expanso urbana de Macap apresenta

    sensveis mudanas, relacionadas a maior presena, no urbano, de objetos ligados

    ao meio tcnico-cientfico2, a novas formas de acumulao do capital, e ao

    comparecimento do mercado imobilirio como agente importante no processo de

    expanso urbana. Nesse sentido, uma das questes centrais do processo de

    urbanizao contemporneo de Macap est no fato de que, do ponto vista

    econmico, a cidade se insere em um novo patamar do desenvolvimento das foras

    capitalistas na regio, diferente do at ento observado como predominante para

    cidades como Macap, na Regio Amaznica.

    O processo de urbanizao nas pequenas e mdias3 cidades da

    Amaznia se encontrava ligado a surtos de dinamismo urbano associados ao

    desenvolvimento de determinadas atividades econmicas, mas que, no caso

    particular dessa regio, sempre estiveram relacionadas ao comrcio de exportao e

    associadas a interesses externos, conforme salientou Becker (2013). Dessa forma,

    segundo a autora, no foi possvel a existncia de um dinamismo que tivesse

    sustentao contnua, devido falta do desenvolvimento de condies de produo

    interna, fato que evitou justamente a criao de trabalho novo, elemento capaz

    dinamizar as cidades e as economias calcadas na economia interna. De forma que

    esses ncleos urbanos, em sua grande maioria, tm gerado extensas reas

    supridoras de importao, mas os servios essenciais aos negcios e s elites que

    nelas residem se concentram nas cidades estratgicas em relao circulao

    dominante em cada perodo histrico.

    Assim, para alm de um crescimento momentneo e sustentculo de

    atividades econmicas com fins de exportao, nota-se, aps 2010, que o urbano

    em Macap tambm se apresenta como um dos lcus importantes para acumulao

    do capital, a partir do desenvolvimento de atividades econmicas que elevam a

    2

    Sobre Meio Tcnico-Cientfico ver Santos (2009, p. 37 e 38). 3 Nesse trabalho no fazemos uso do termo cidade mdia, como recurso explicativo para Macap. Entendemos que sua especificidade est no fato de ser capital de um Estado. Embora Becker (2013) utilize as definies de cidades pequenas e mdias para falar do predomnio de um tipo de urbanizao que ocorre via surtos de dinamismo econmicos provocados pelo desenvolvimento de atividades voltadas a exportao, em nossa compreenso ela no aplica essa definio tendo por base o debate das hierarquias urbanas. A nossa opo por trabalhar com a ideia dos surtos de dinamismo econmico, como explicativo para a realidade de Macap at meados da dcada de 2000, se justifica por observarmos que esse processo foi decorrente na histria urbana de Macap, visto os picos de crescimento populacional e expanso urbana estarem associados ao desenvolvimento das atividades econmicas na forma citada por Becker.

  • 20

    lucratividade na obteno da renda da terra e na comercializao de imveis, com a

    titulao da propriedade privada da terra.

    Essa lgica de atuao do capital para garantir a acumulao ampliada se

    expande de forma crescente no atual perodo histrico. Harvey (2015), no livro

    Paris, capital da modernidade, ao analisar as reformas urbanas realizadas pelo

    Baro Haussmann, aponta que, j no primeiro quartel do sculo XIX, a cidade se

    apresentava como um espao importante para reproduo ampliada do capital.

    Entretanto, na fase atual de acumulao capitalista essa importncia parece se

    intensificar e chegar nas urbes localizadas nos mais diversos lugares. Harvey

    (2015) afirma ainda que a urbanizao incompleta uma estratgia do capital para

    garantir sempre novas condies para acumulao. O interesse que o capital tem na

    construo da cidade semelhante lgica de uma empresa que visa ao lucro. Isso

    foi um aspecto importante no surgimento do capitalismo. E continua a ser. Aps a

    Segunda Guerra, por exemplo, os Estados Unidos construram os subrbios de uma

    maneira muito rentvel ao setor imobilirio. O que temos visto, nos ltimos 30 anos,

    a reocupao da maioria dos centros urbanos com megaprojetos e/ou

    revitalizao de reas centrais4.

    Nesse nterim, observa-se que o avano das relaes de produo

    capitalista em vrias partes da regio da Amaznia, inclusive o Amap5, no s

    fortalece a agricultura capitalista nessa regio, como tambm impe uma nova

    importncia ao urbano das cidades como espao de reproduo ampliada do capital.

    Por certo, em Macap essa nova forma de atuao do capital, que se processa,

    especialmente, via setor imobilirio, no ocorre desconectada de outras atividades

    econmicas que so realizadas no mbito do territrio amapaense, e muito menos

    se do com a intensidade vista nas metrpoles a partir de prticas como a

    destruio criativa6. Mas, seguramente difere da dinmica urbana observada por

    4

    Entrevista concedida ao Canal IBASE em 2013. Disponvel em: . Acessado em: 15 jul. 2017.

    5 O campo no Amap tambm passa na atualidade por profundas transformaes. Conforme reportagem publicada por Greenpeace em 27-09-2017, Alardeada como nova fronteira agrcola do pas, no estado reproduz problemas enfrentados em toda a Amaznia durante o boom do agronegcio: desmatamento, grilagem de terras e conflitos no campo. Disponvel em: . Acessado em: 28 set. 2017.

    6 Termo apresentado por Harvey para explicar o movimento abrupto do capital em reas com terra urbana valorizada e geralmente ocupada por trabalhadores pobres, que tem por meio de megaprojetos ou revitalizao urbansticos destrudo construes antigas e reconstrudo outras

    http://www.canalibase.org.br/harvey-urbanizacao-incompleta-e-estrategia-do-capital/http://www.ihu.unisinos.br/572121-amapa-no-olho-do-furacao-do-agronegocio-e-da-especulacao-fundiariahttp://www.ihu.unisinos.br/572121-amapa-no-olho-do-furacao-do-agronegocio-e-da-especulacao-fundiaria

  • 21

    Becker (2013), visto que o urbano no se apresenta mais s como simulacro de

    outras atividades econmicas voltadas para exportao, mas tambm se apresenta

    como uma dinmica prpria, capaz de interferir e promover direcionamentos

    urbanizao atual da cidade, gerando dinmicas que afetam, por exemplo, o

    surgimento de servios e de outras infraestruturas urbanas.

    No contexto dessas transformaes em curso, uma outra questo

    problematizadora, no caso de Macap, a da regularizao fundiria urbana.

    Decorrncia do perodo em que o Amap foi Territrio Federal, at 2012, em torno

    de 90% dos terrenos urbanos em Macap no eram regularizados7. A no

    regularizao aqui se refere inexistncia do ttulo de propriedade registrado no

    cartrio de imveis. Como explicado nos captulos I e II deste trabalho, o acesso

    original da terra urbana em Macap foi realizado, especialmente via instrumento

    jurdico da posse, que embora garanta o direito terra a quem tem o termo, no

    define a propriedade das terras nos termos jurdicos e, portanto, no um

    documento que coloca a terra na condio de ser alienada ou usada em garantia no

    mercado financeiro, para ser, por exemplo, utilizada como garantia para

    emprstimos bancrios.

    Soma-se a isso o fato de que boa parte da rea de ocupao ou

    expanso urbana mais recente no ser realizada sobre terras que esto sob os

    domnios do poder pblico municipal, e sim, sobre terras que ainda se encontram

    dentro de glebas da Unio (INCRA) ou do estado do Amap. Essa realidade tem

    impactado de forma negativa, tanto no desenvolvimento das polticas pblicas

    urbanas municipais, quanto se apresentando como risco ao avano das atividades

    do mercado imobilirio, medida que a propriedade da terra, em algumas regies da

    cidade, est comprometida, ou seja, fora das normas gerais da propriedade

    fundiria privada urbana.

    mais modernas no mesmo lugar, expulsando a populao que vivia ali para periferias. No possvel utilizar a ideia de destruio criativa para explicar a realidade de Macap, contudo os inmeros condomnios construdos aps 2010 na periferia de Macap foram empreendimentos altamente rentveis para o mercado imobilirio.

    7 O nmero de unidades regularizadas aumentou depois de 2012, visto que o governo municipal implementa aes para que isto ocorra. No conseguimos obter a informao sobre a quantidade de terrenos a mais que foram regularizados, mas, considerando alguma reportagem do governo municipal citada no corpo desse texto, ao que parece esses nmeros no foram to significativos.

  • 22

    Nesse cenrio a regularizao fundiria assume em Macap, no ltimo

    perodo analisado na tese, uma importncia estratgica, seja no sentido de colocar a

    terras em condies ideais para o uso/usufruto do mercado ou como um direito dos

    trabalhadores urbanos propriedade dos seus terrenos. E por isso que a anlise

    das Leis Federais no 11.952/09 e no 13.465/17, e das polticas municipais de

    regularizao de lotes urbanos, e os impactos dessas medidas sobre as dinmicas

    da urbanizao nessa cidade, tratada como uma das questes centrais neste

    trabalho.

    A regularizao das terras urbanas em Macap uma questo discutida

    desde 1988, quando houve a transformao do Territrio em estado do Amap,

    mas, s recentemente sua realizao comeou a ser colocada em prtica, a partir de

    duas aes: transferncias das terras da Unio para o Municpio de Macap,

    amparadas nos termos da Lei n 11.952, de junho de 2009, e a regularizao

    fundiria urbana, iniciada em 2013 pela Prefeitura Municipal de Macap, atravs da

    parceria pblico-privada, com a empresa Fototerra8.

    Portanto, neste trabalho tratamos, de forma mais especfica, de dois tipos

    de regularizao fundiria que esto em curso em Macap: 1. A Regularizao

    Administrativa, que se refere transferncia das terras da Unio, com ocupao

    urbana consolidada ou de interesse do municpio para expanso urbana futura, aos

    entes federados (estado e municpio). Essa medida prevista e regulada

    especialmente pelas Lei Federal n 11.952/09 e Lei Federal n 13.467/17; 2.

    Regularizao de interesse especfico, que se refere regularizao de lotes

    urbanos que esto dentro da gleba patrimonial de Macap, repassada no final da

    dcada de 1980 para o executivo municipal e que de responsabilidade do governo

    municipal fazer a regularizao.

    Contudo, essas modalidades de regularizao fundiria no esgotam a

    problemtica existente referente ao tema em Macap, questes como a ocupao

    de terras, objeto da Lei Federal no 9.760, de 5 de setembro de 1946, de

    responsabilidade da Superintendncia Patrimonial da Unio SPU, e o avano de

    8

    Fototerra uma empresa privada com foco voltado para a tecnologia da informao e gerao de imagens para fins de geoprocessamento, cartografia digital e sensoriamento remoto. Com sede no Estado de So Paulo, estabeleceu uma parceria na modalidade parceria pblico-privada com o municpio de Macap em 2013, com a finalidade de fazer o georreferenciamento da rea urbana de Macap e realizar o processo de regularizao de lotes localizados nela. Os servios realizados pela empresa, referentes regularizao de lotes urbanos em Macap, no so gratuitos, como apresentamos no decorrer do texto.

  • 23

    ocupao urbana sobre terras, que podem ser requeridas como quilombolas9, e a

    regularizaes de interesse social previsto na Lei no 11.977/2009, entre outras

    questes, alimentam a problemtica da regularizao fundiria em Macap; mas,

    dado ao tempo para o desenvolvimento deste trabalho, recortes temporais e

    objetivos estabelecidos para a pesquisa, embora sabendo da sua existncia,

    optamos por no trat-los.

    Dessa maneira, se, por um lado, o processo de urbanizao atual da

    capital amapaense, ao mesmo tempo que palco de uma nova experincia de

    dinmica econmica, atrelada ao atual movimento mais geral do capitalismo, que

    incorpora o espao urbano como estratgia para a reproduo ampliada do capital,

    intensificando a formao de morfologias urbanas cada vez mais desiguais e

    segregadas; por outro lado, apresenta especificidades, a exemplo, da no

    regularizao fundiria da terra urbana, que tem implicaes diretas na questo da

    propriedade privada. Posto isso, um tema que surge sobre como a funo social

    da terra urbana e da cidade, explicitada na Constituio de 1988 (BRASIL, 1988) e

    no Estatuto da Cidade (Lei n 10.257/01), est sendo cumprida em meio a toda essa

    realidade e, em especial, com a regularizao fundiria decorrente da Lei Federal n

    11.952, de 2009, e da Lei Federal n 13.465/17.

    Existe um outro fator que julgamos importante tratar nesta etapa do texto.

    Apesar de estarmos tratando de uma cidade na Amaznia e a questo indgena ser

    eminente em toda essa regio, nesta pesquisa no h reflexes que abordam a

    relao dessas populaes com o urbano, visto que, na realidade estudada, no

    foram verificados impactos ou relaes significativas entre ou sob essas populaes

    e o processo de urbanizao em curso em Macap. Dentro dos limites do municpio

    de Macap, temos terras quilombolas, mas no temos nenhuma terra indgena10 ou

    populaes desse grupo habitando ou que tenham sido objeto de contradies e

    conflitos especficos em relao a regularizao fundiria que estamos analisando.

    9 Sobre esta questo ver o trabalho de Iaparr, Lomba e Alves (2015) e Silva (2017).

    10 No Estado do Amap, extenses considerveis de terras foram demarcadas como terras indgenas e esto subdivididas em quatro reas: Terra Indgena Ua, Terra Indgena Jumin, Terra Indgena Galibi e Terra Indgena Waipi. As trs primeiras localizadas no territrio do Municpio do Oiapoque e a ltima nos territrios dos municpios de Pedra Branca do Amapari e Laranjal do Jari. A terra Indgena Waipi, com a recente edio do Decreto Federal n 9.147/17, que extingue a Reserva Nacional de Cobre e Associados RENCA, est ameaada pela explorao de grande escala de minrio na sua regio. A rea da RENCA faz limite com a Terra Waipi, e a explorao de minrio em grandes propores nessa regio pode ocasionar impactos que atingem diretamente o modo de vida tradicional dessa populao indgena. Mas, so fatos que esto determinados fora do recorte territorial abrangido nesse estudo, portanto aqui no tratamos dessa questo em especial.

  • 24

    Voltando questo da urbanizao em Macap, a partir das

    problemticas apresentadas fica claro de que estamos tratando de um fenmeno

    recente e que precisa ser melhor explorado para ser entendido. Nesse sentido, a

    investigao realizada nesta pesquisa teve como objetivo compreender as dinmicas

    da urbanizao em Macap depois da criao do Estado, a partir da anlise dos

    processos de expanso urbana e regularizao fundiria, ocorridos especialmente

    aps 2010.

    A pesquisa visa contribuir com a compreenso da realidade da passagem

    da terra com predomnio de valor de uso para o predomnio de valor de troca, a

    partir da anlise do processo de produo do espao urbano em curso em Macap.

    A pesquisa poder, acreditamos, colaborar para estudos futuros sobre a sociedade

    amapaense, no sentido de compreender as relaes sociais, econmicas, espaciais

    e dinmicas que conduzem a produo das atuais espacialidades urbanas, em

    especial no tocante ao papel da regularizao fundiria nesse processo. A

    importncia em estudar a Lei n 11.942/09 e a Lei n 13.467/17 est no fato de que

    adicionam elementos importantes para pensar as dinmicas contemporneas da

    urbanizao em Macap, visto que, diferente de outros locais, predominam terras da

    Unio concedidas para diferentes usos e terrenos urbanos, em sua maioria, sem o

    ttulo de propriedade.

    A realizao deste estudo se coloca tambm como uma possibilidade de

    aprofundar a reflexo sobre o papel e a importncia do Estado na produo do

    espao urbano via implementao de planos, projetos e leis, que ajudam na

    produo de espacialidades singulares. No Mestrado pesquisamos a influncia das

    polticas pblicas de transporte rodovirio, na produo do espao no Sul do Estado

    de Mato Grosso do Sul, a partir da anlise de um fundo estadual, criado

    exclusivamente para investir nas estradas rurais. E agora, trata-se de tentar

    compreender a complexidade de uma regularizao fundiria em terras da Unio,

    para averiguar como influi no processo de urbanizao e na questo do preo e das

    rendas da terra urbana.

    Em termos metodolgicos a expanso foi analisada a partir da perspectiva

    da produo e reproduo do espao urbano, que tem como estratgia um olhar

    dialtico e crtico sobre a cidade, de forma a identificar agentes, processos e

    contradies. Considerando a base terica/metodolgica escolhida, um dos

    enfoques adotados para compreenso dessa realidade foi o de averiguar a relao

  • 25

    capital/terra urbana. Henri Lefebvre (2001) e David Harvey (2011, 2013, 2014, 2015)

    foram as referncias fundamentais11 para pensar sobre o urbano, a cidade e os

    processos que envolvem sua reproduo; nesse sentido, cidade e urbano so

    preferencialmente entendidos como produo social e o direito cidade, entre

    outras questes, como dar potncia ao valor de uso do solo urbano sobre o seu

    valor de troca, e como um direito que se realiza mais de forma coletiva que

    individual.

    Como estratgia para conseguir as informaes e dados necessrios

    pesquisa realizamos leituras e anlise de bibliografias pertinentes s ideias e

    conceitos norteadores das discusses sobre a produo e reproduo do espao

    urbano na Geografia, tanto no geral como em relao urbanizao da Amaznia; e

    leituras referentes s caractersticas do processo de urbanizao ocorrido em

    Macap desde o sculo XX, de modo a identificar os seus rebatimentos na

    sistemtica da urbanizao aps 1988, quando o territrio foi transformado em

    estado e de forma a assinalar os perodos histricos de maior ou menor intensidade

    do processo de urbanizao em Macap.

    Foi analisado o Plano Diretor Municipal, Lei n 026/2004, de 20 de janeiro

    de 2014, com o objetivo de verificar se ele apresenta e define reas de expanso

    urbana, se h algum limite definindo reas de expanso urbana relacionado a terras

    do INCRA; a Lei Federal n 11.952, de 25 de junho de 2009, e a Lei Federal n

    13.465, de 11 de julho de 2017 (anterior MP 759/16) que dispe sobre a

    Regularizao Fundiria rural e urbana das terras do INCRA.

    Ocorreu tambm levantamento sobre a questo fundiria em rgos,

    como Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria INCRA no Amap,

    Superintendncia do Patrimnio da Unio SPU/Amap, Instituto de Terras do

    Amap TERRAP, Instituto de Meio Ambiente e de Ordenamento Territorial do

    Amap IMAP e Assembleia Legislativa do Amap/documentao da CPI das terras

    pblicas no Estado do Amap.

    A cartografia do trabalho, uma parte importante desta pesquisa, por

    apresentar dados inditos no que se refere expanso urbana de Macap e por

    recuperar informaes relevantes sobre reas regularizadas pelo INCRA at o incio

    de 1980, foi realizada utilizando processo de vetorizao executado de forma

    11

    As demais fontes de referncias esto citadas ao longo dos captulos e na bibliografia.

  • 26

    manual com interpretao das imagens selecionadas, conforme o ano de interesse.

    As informaes que subsidiaram a elaborao dos mapas foram obtidas no Google

    Earth Pro de 1983, 2004, 2014 e 2016; da ortoimagem da cidade de Macap de

    2014; do Projeto Base Cartogrfica Digital, de autoria do Governo do Estado do

    Amap e do Exrcito Brasileiro, 2014; de mapa analgico do perodo de 1943, 1973

    e 1984, contidos nos planos de desenvolvimento urbano de Macap e nos anexos

    da documentao do Projeto Fundirio do Amap, devido inexistncia dessas

    imagens na forma digital para o perodo. Foram ainda utilizados, como apoio,

    arquivo vetorial do tipo shapefile com o eixo de ruas da rea de interesse, assim

    como os limites de ressacas e a delimitao municipal, disponibilizados pela

    Secretaria de Estado de Meio Ambiente. Toda a manipulao das imagens foi

    realizada com apoio dos softwares ArcGIS e QGis para o processamento digital de

    imagens.

    Foi feito, ainda, levantamento dos principais empreendimentos

    residenciais pblicos e privados construdos em Macap aps 2010 e entrevistas

    com moradores da cidade que vivenciaram as transformaes do territrio Federal

    do Amap em estado e que presenciaram a urbanizao e as formas de acesso

    terra urbana para o perodo. No que se refere ao levantamento dos

    empreendimentos pblicos, ou seja, dos conjuntos habitacionais de interesse social,

    especialmente aqueles que receberam recurso do Programa Habitacional Minha

    Casa Minha Vida do Governo Federal, foi realizada a elaborao de mapas

    especficos que mostram sua localizao no contexto da cidade, de forma a

    demonstrar que, em Macap, eles esto localizados, em sua maioria, em reas que

    contm infraestrutura e servios pblicos, ou seja, esto bem localizadas. No caso

    dos empreendimentos privados optamos por registrar somente aqueles destinados a

    ocupao residencial, com maior extenso e ligados s principais incorporadoras e

    construtoras no perodo.

    As entrevistas foram em um nmero de cinco e seguiram a forma

    semiestruturada. Os entrevistados esto identificados no texto por nmero arbico,

    preservando dessa forma a identidade do mesmo, conforme descrito no Quadro da

    Figura 2.

  • 27

    Figura 2 - Identificao dos entrevistados na pesquisa

    Identificao Idade Funo

    Entrevistado 1 58

    anos Ex-funcionrio do territrio e morador de Macap desde 1960.

    Entrevistado 2 48

    anos Morador de Macap desde 1970 e vivenciou a formao do Bairro do Muca.

    Entrevistada 3 87

    anos Ex-funcionria do territrio e moradora de Macap desde 1950.

    Entrevistada 4 60

    anos Ex-funcionria do territrio e moradora de Macap desde 1960.

    Entrevistada 5 54

    anos Ex-funcionria da Secretaria de Planejamento da prefeitura de Macap no final da dcada 1990.

    Ocorreu ainda uma conversa informal com um engenheiro agrimensor,

    morador de Macap, que presta servios de elaborao de projetos de loteamentos,

    e com um tcnico da Secretaria de Planejamento; como eles no autorizaram

    gravarmos as falas e revelar suas identidades, nesse trabalho so identificados

    apenas como loteador e tcnico da Secretaria de Planejamento.

    Como procedimento na realizao da pesquisa, optamos por iniciar os

    trabalhos pela pesquisa emprica, com os levantamentos de dados referentes aos

    empreendimentos imobilirios realizados aps 2010, documentos oficiais e outros

    que tratam sobre a realidade fundiria da cidade, e pela construo do histrico do

    processo da urbanizao de Macap. Aps concluda essa etapa, iniciamos o

    dilogo com autores que nos ajudaram a entender a realidade. A opo por esse

    caminho se explica devido pouca bibliografia sobre o objeto estudado e pela sua

    especificidade, a urbanizao da capital, um ex-territrio Federal que se transforma

    em Estado em 1988, em que parte das terras sobre as quais ocorre a expanso

    urbana so ou eram terras pblicas, e que 90% dos terrenos urbanos no estavam

    regularizadas at 2012. Dessa maneira, fez-se necessrio, primeiro, conhecer mais

    sobre a realidade investigada, para estabelecer os dilogos com pensadores da

    questo urbana, cujos pensamentos e conceitos nos ajudassem na construo de

    reflexes.

    Este trabalho est organizado em quatro captulos, mais introduo e

    consideraes finais. No captulo um, intitulado O Processo de Urbanizao em

    Macap Antes da Criao do Estado do Amap, apresentamos aspectos da

    urbanizao em Macap no perodo anterior criao do Estado do Amap. Tal

  • 28

    retomada histrica se fez necessria para compreender as formas e contedos

    urbanos resultantes desse processo, que, de certo modo, ainda incidem sobre o

    perodo atual, em especial no que tange questo da regularizao fundiria. Nesse

    sentido, nele so evidenciadas as primeiras reformas urbanas que foram realizadas

    em Macap; as medidas presentes nos planos de desenvolvimento urbano e as

    principais formas de acesso terra urbana durante o perodo de existncia do

    governo territorial. Tambm discutido o impacto ou a influncia dos grandes

    projetos e das polticas de ocupao do territrio no Amap sob o processo de

    urbanizao de Macap, e ratificado que a terra, durante todo o perodo do governo,

    tem no sentido de uso o maior objetivo para sua ocupao.

    No captulo dois, intitulado A Urbanizao em Macap aps a Criao do

    Estado, apresentamos aspectos da urbanizao em Macap no perodo posterior

    criao do Estado. Nele debatido o significativo crescimento da populao de

    Macap, especialmente aps 1990, o impacto da criao do Estado do Amap e da

    aprovao da rea de Livre Comrcio de Macap e Santana ALCMS no aumento

    da migrao para essa cidade. apresentado por meio de mapas e dados os rumos

    da expanso urbana e destacado o papel do estado enquanto um agente importante

    no estmulo a expanso urbana at meados dos anos 2000. No captulo destaca-se

    tambm as mudanas significavas nos agentes, formas e contedo do processo de

    urbanizao que se torna hegemnico aps 2010, evidenciando a maior presena

    do mercado imobilirio no comando da expanso urbana, o avano da terra como

    mercadoria e a intensificao do processo de segregao socioespacial.

    No captulo trs, de ttulo A Questo Fundiria Urbana em Macap: Do

    Governo Territorial Criao do Estado do Amap, centra-se o debate nos

    processos e aes de regularizao que foram sendo realizados do governo

    territorial at 2016, evidenciando que, durante esse perodo, a questo da

    regularizao fundiria urbana, embora mencionada vez ou outra em planos e

    relatrios, nunca foi uma prioridade para o governo territorial, pois a terra urbana,

    nesse sentido, tinha mais importncia pelo seu valor de uso. demonstrado tambm

    que os processos de regularizao fundiria no Amap aps 2010 apresentam um

    carter administrativo e outro de regularizao da propriedade privada, ou seja,

    regularizao especfica. As aes e leis realizadas, que orientam o processo de

    regularizao fundiria, so problematizadas e, nesse caso, destaca-se a parceria

    pblico-privada entre a prefeitura de Macap e uma empresa chamada Fototerra, e

  • 29

    sobre as Leis Federais n 11.952/09 e n 13.465/17 que tratam das medidas para

    regularizao fundiria urbana e das terras na Amaznia legal. Nesse captulo

    tambm problematizado o papel da regularizao fundiria urbana, no avano da

    terra como mercadoria.

    O quarto e ltimo captulo, intitulado A Segregao Socioespacial se

    Alarga Quando a Terra Avana como Mercadoria, problematiza o avano da terra

    urbana como mercadoria, evidencia as estratgias mais recentes utilizadas pelos

    proprietrios de terra e pelo setor imobilirio para obter maior lucratividade na

    obteno da renda da terra urbana e na venda dos produtos imobilirios. Apresenta

    as contradies existentes entre a cidade como uma produo social e coletiva, e

    sua apropriao privada, medida que a terra avana como mercadoria e se

    destaca a negao da cidade como valor de uso, para a maioria dos seus

    moradores, e a desigualdade e a segregao socioespacial como um dos principais

    legados dessa fase contempornea da urbanizao em Macap.

    Por fim, concluimos esta introduo reconhecendo que este trabalho

    apresenta limites no que refere a uma anlise que d conta da totalidade do urbano

    em Macap, pois, parafraseando Porto (2002), Macapa urbana, Macapas

    urbanas12, a nossa contribuio foi no sentido de entender o urbano na perpectiva

    crtica e em entender a atual relao capital/terra urbana a partir dos processos de

    expanso urbana. Mas, nesse nterim, poderiamos ter avanado na apresentao de

    muitos outros dados, o que no foi possvel devido a prazos a serem cumpridos e,

    especialmente, pela dificuldade de acesso a algumas informaes de posse dos

    empreendimentos imobilirios e de algumas secretarias municipais. Contudo,

    resaltamos que informaes importantes e inditas sobre o processo

    expanso/urbanizao e a questo da regularizao fundiria em Macap esto

    presentes no trabalho, e que, nesse sentido, o trabalho contribui para o debate e

    12

    Porto (2001), no seu livro Amaznia, Amaznias d uma dimenso de como a realidade dessa regio complexa. Trindade Junior (2013), por exemplo, discute a dinmica do processo de urbanizao nas cidades da Amaznia; argumenta que existe o perfil de trs tipos de cidades pequenas (as cidades empresa, as cidades rodovirias e as cidades tradicionais). Esse autor tambm d a conceituao de cidades na floresta e cidades da floresta. Cidades na floresta so aquelas cidades que tendem a se articular principalmente s demandas externas regio; as cidades da floresta, por seu turno, que eram predominantes na regio at a dcada de 1960, normalmente apresentam caractersticas de pequenas cidades, associadas circulao fluvial e com fortes elos em relao dinmica da natureza e vida rural no moderna. Para saber sobre o assunto ver Trindade Junior (2013). Disponvel em: . Acessado em: 18 abr. 2017.

    http://www.naea.ufpa.br/naea/novosite/paper/215

  • 30

    reflexes referentes urbanizao em Macap aps a estadualizao, e esperamos

    que ele contribua para outras reflexes sobre os debates e a geografia atual.

  • 31

    1 O PROCESSO DE URBANIZAO EM MACAP ANTES DA CRIAO DO

    ESTADO DO AMAP

    Apresentamos neste captulo aspectos da urbanizao em Macap no

    perodo anterior criao do Estado do Amap. Tal retomada histrica se faz

    necessria para compreender as formas e contedos urbanos resultantes desse

    processo, que, de certo modo, ainda incidem sobre o perodo atual, em especial no

    que tange questo da regularizao fundiria. Acreditamos que, ao entender a

    produo do espao urbano desse perodo, em especial como o Estado atua no

    processo de ocupao da regio amaznica e na produo do espao urbano

    macapaense, tornam-se mais perceptveis aspectos das transformaes urbanas, do

    quadro da regularizao fundiria e, sobretudo, da lgica da expanso urbana, que

    ocorrem em Macap aps a criao do Estado, assim como as formas de obteno

    da renda terra.

    A partir da perspectiva de surtos de dinamismo das cidades amaznicas,

    a que Berta Becker (2013) faz aluso, destacamos como momentos pices de

    crescimento ou de transformaes urbanas em Macap, at a criao do estado, em

    1988, dois momentos: um que se inicia em 1943, com a criao do Territrio Federal

    do Amap, quando o governo territorial, em conjunto com o governo federal,

    programou uma srie de aes, dentre elas, reformas urbanas do centro de Macap

    e incentivou a ocupao territorial via criao de colnias agrcolas e apoio a

    grandes projetos, impactando no aumento da populao de Macap e no

    reordenamento da ocupao da rea central da cidade; e outro, ps 1964, quando o

    governo federal prioriza a implantao dos grandes projetos e incentiva a migrao

    para a Amaznia, como formas de ocupao da regio, aes que, igualmente,

    influenciam no crescimento da populao e expanso urbana de Macap.

  • 32

    1.1 A OCUPAO DO TERRITRIO E AS PRIMEIRAS

    TRANSFORMAES URBANA

    Durante os Governos Vargas, iniciados em 1930 at 1945, o Brasil

    vivenciou transformaes importantes. Bresser-Pereira (2014) assinala que esse foi

    o momento da revoluo capitalista brasileira, da revoluo nacional e industrial que

    marcou o fim do Estado oligrquico e o incio do Estado nacional-

    desenvolvimentista, que resultou na adoo de polticas de cunho nacionalista e de

    um desenvolvimento econmico voltado prioritariamente para industrializao e

    formao de um mercado interno de consumo que lhe desse sustentao. Segundo

    o autor, a grande preocupao foi a constituio de um novo Estado capaz de

    manter a unidade nacional, o equilbrio das foras sociais, e dirigir a nao acima

    das oligarquias regionais promovendo a industrializao (BRESSER-PEREIRA,

    2014, p. 109).

    Nesse sentido, o Governo de Vargas programou uma srie de medidas de

    ordem territorial com vista integrao do territrio nacional e superao da

    condio econmica, at ento conhecida como arquiplagos econmicos

    regionais, conforme explicado por Goldenstein e Seabra (1982, p. 29). Entretanto,

    esse processo de integrao territorial e insero ao mercado nacional no teve na

    Amaznia as mesmas propores de outras regies do Brasil. Ocorreu de forma

    diferente, foi mais motivado por preocupaes geopolticas e de proteo territorial

    do que de integrao ao mercado nacional.

    A Amaznia era apontada, nessa poca, pelo governo federal, como um

    vazio demogrfico13 a ser superado e como uma terra de riquezas para explorao

    futura. Dizia o governo: o que a natureza nos oferece aqui um presente magnfico,

    que exige ser cuidado e cultivado pela mo do homem. De colonizao esparsa,

    subserviente a interesses casuais, consumindo energia, mas com pouco lucro,

    deveres mudar para a concentrao e fixao do elemento humano (VARGAS apud

    DAVIS, 1977, p. 46).

    Por essas e outras razes de ordem poltico-estratgica no incio da

    dcada 1940, parte da periferia amaznica foi desmembrada dos Estados do Par e

    13

    So inmeros os autores que criticam essa ideia de vazio que o governo central apresentava da Amaznia; na realidade esse espao desde sempre foi ocupado por inmeras populaes tradicionais. Ver Becker (2007), Gonalves (2001), Raiol (1992) e Ianni (1979).

  • 33

    Amaznia, e se tornaram Territrios Federais, originando os Territrios do Amap,

    atual estado do Amap, do Rio Branco, atual estado de Roraima, e do Guapor,

    atual estado de Rondnia.

    A criao dessas unidades administrativas implicou no aparecimento de

    novas funes urbanas nas cidades da Amaznia, sobretudo aquelas ligadas s

    atividades governamentais. Isso, por sua vez, aludiu em crescimento significativo

    das populaes das cidades que se transformaram em capitais desses territrios

    federais, contexto na qual se insere Macap14 (CORRA, 1987, p. 55).

    Informaes do Plano Urbanstico da Cidade de Macap, elaborado pela

    empresa Grunbilf15 (1960) do conta de que at 1960, passados 17 anos da criao

    do Territrio, e de Macap ter se tornado sua capital, a sua populao havia

    chegado a quase 20 mil pessoas e que a cidade se apresentava distribuda sobre

    uma perspectiva de ocupao do solo urbano relativamente organizado com

    arruamentos, praas e lotes bem dimensionados e os habitantes se concentravam

    em torno da Praa Veiga Cabral e da Igreja da Matriz, no Bairro do Trem e no Bairro

    do Laguinho, sendo a maioria das casas construdas de madeiras, por serem mais

    baratas.

    Na Figura 3 podemos ver aspectos da paisagem urbana da cidade, nesse

    perodo. Nela, em primeiro plano aparecem a Praa Baro do Rio do Branco e a

    Fortaleza So Jos de Macap e, em segundo, algumas construes em alvenaria,

    direcionadas nos sentidos Norte-Sul e Leste-Oeste, acompanhando a linha da

    margem do rio Amazonas.

    14

    O Decreto Federal n 6.550, de 31/15/1944, que retificou os limites e a diviso administrativa dos Territrios Federais do Amap, Rio Branco, Guapor, Ponta Por e Iguau, veio tambm ratificar a transferncia da Capital do Territrio Federal do Amap do Municpio do Amap para Macap, a pedido do Governador Janary Nunes. Em parecer encaminhado ao Presidente da Repblica, o governador Janary Gentil Nunes apresentava inmeras razes para transferncias da capital do Territrio Federal, da cidade do Amap para Macap, dentre elas os fatos de que: Macap era a principal cidade do Territrio; estava mais bem situada em relao s demais regies do Amap; seus portos eram acessveis a grandes navios, em todos os perodos do ano; possua terras mais adequadas para agricultura e pecuria; tinha a necessidade de se desenvolver sem grandes aterros e drenagem; estava mais saneada; a existncia da Fortaleza de So Jos e da paisagem do Rio Amazonas lhe dava aptides para o desenvolvimento do turismo; apresentava maiores facilidades de navegao at Belm, tanto pela costa ocenica, quanto pelas vias fluviais; estava destinada a ser o ponto de partida da rodovia Macap-Clevelndia; era a cidade mais tradicional do passado do territrio, pois nela ocorreram lutas de brasileiros e portugueses para expulso de ingleses, holandeses e franceses (LOBATO, 2013, p. 29).

    15 Plano Urbanstico da Cidade Macap, elaborado pela Empresa Grunbilf do Brasil em 1960, a

    pedido da Companhia de Energia de Macap CEA, em funo da construo da Hidreltrica Coaracy Nunes no estado e ao planejamento do sistema de transmisso de Energia.

  • 34

    Figura 3 - rea urbana de Macap, em 1951, com a Fortaleza So Jos de Macap em primeiro plano

    Fonte: Site Porta-retratos, disponvel em: . Acessado em: 08 jan. 2015.

    A imagem na Figura 3, registra a paisagem de Macap a partir das

    transformaes urbansticas iniciadas na dcada de 1940, com destaque especial

    para a mudana na caracterstica das construes que passam a ser no centro de

    alvenaria, antes predominante de madeira. A criao do Territrio Federal do

    Amap, em 1943, a instalao nele do governo territorial em janeiro de 1944 e a

    indicao do General Janary Gentil Nunes para comand-lo, marcam um perodo de

    importantes mudanas no urbano na cidade de Macap.

    De sua transformao em cidade, de 1758 at meados de 1940, Macap

    viveu uma fase de relativa estagnao no desenvolvimento e crescimento urbano.

    Sua populao era de pouco mais de mil pessoas e preservava muitas das

    caractersticas scioespaciais da vila que lhe deu origem. Todavia, conforme j

    apontado, essa realidade apresenta mudanas aps 1940, sendo o primeiro sinal

    dessa alterao o crescimento da populao urbana, que atingiu um total de 9.748

    pessoas em 1950, e 36.214 em 1960. Essa dinmica demogrfica pode ser auferida

    na Tabela 1.

    http://porta-retrato-ap.blogspot.com.br/

  • 35

    Tabela 1 - Populao de Macap, 1940 e 1950

    Populao 1940 1950

    Urbana 646 3.987

    Suburbana 366 5.761

    Total 1.012 9.748

    Fonte: Censos Demogrficos do IBGE - Par e Amap de 1940 (p. 179) e 1950 (p. 68).

    Esse crescimento populacional ocorre porque, como capital do Territrio,

    Macap se torna a sede do governo e o seu centro administrativo, poltico e

    comercial, condio que a torna atrativa, especialmente para as populaes

    ribeirinhas que viviam em cidades e vilas situadas na Ilha do Leste do Estado do

    Par, e que se mudam para essa cidade, atrados pela possibilidade de emprego e

    dos servios que o Governo territorial passa a oferecer.

    Outros fatores, ainda na primeira metade do sculo XX, tambm

    exerceram influncia no processo de crescimento populacional de Macap, como a

    instalao da Indstria e Comisso de Minrios S.A. ICOMI no Amap e a poltica

    de povoamento a partir da instalao, em pontos estratgicos do Territrio Federal,

    de colnias de pequenos produtores.

    A empresa ICOMI, ainda que tenha se alojado na regio de Serra do

    Navio, ao desenvolver algumas das suas atividades em Santana16, situado a 12 km

    do ncleo urbano de Macap, conforme explica Lobato (1996, p. 57), abriu nessa

    regio um novo epicentro de gerao de oportunidades de trabalho e,

    consequentemente, de atrao populacional para a cidade de Macap. Do mesmo

    modo, ao instalar suas atividades em parcelas considerveis do territrio

    amapaense, ocupou reas para explorao mineral, expropriando os camponeses e

    forando um deslocamento campo-cidade desses trabalhadores, que se dirigem

    para o urbano, em especial, para Macap.

    Igualmente, o insucesso de parte significativa dos projetos das Colnias

    Agrcolas17 que foram instaladas no Amap entre 1943 a 1960, tambm contribuiu

    16

    Serra do Navio e Santana faziam parte do territrio do municpio de Macap quando a ICOMI se instalou pela primeira vez no Amap. Santana transformado em municpio em 1987 e Serra do Navio em 1992.

    17 A criao das Colnias Agrcolas que ocorreu, inseridas em um contexto de modernizao e

    crescente racionalizao do Estado Brasileiro e na Amaznia, se propunha a expressarem no

  • 36

    para migrao rural-urbano e para aumento da populao de Macap no perodo,

    conforme averiguado em estudo por Cunha Jr. e Genschow (1958, p. 77): Os

    autores relatam que alm da Colnia do Matapi existiam outras colnias ou ncleos

    coloniais como eram conhecidos, porm, no passaram de meros projetos, devido

    no apresentarem estrutura adequada. Tais dificuldades e a impossibilidade dos

    camponeses vindos de outras regies para viver nessas colnias, em conseguir

    recursos, infraestrutura e assistncia tcnica para produo, levou muitos deles a

    abandonarem o campo e buscarem formas de garantir a reproduo da vida na

    cidade.

    Por outro lado, no mbito da produo do espao urbano, ao assumir o

    governo do territrio, Janary coloca em evidncia uma narrativa e um projeto que

    pretendia transformar o territrio Amapaense, considerado um lugar decadente e

    atrasado, em espao desenvolvido e moderno, tendo como referncia os padres

    das principais cidades do Brasil, e assim promover a sua integrao ao restante do

    pas (LEAL, 2009, p. 273).

    Desse modo, e a partir da crena na racionalidade tcnica como

    transformadora do territrio, Janary coloca em prtica a primeira reforma urbanstica

    de Macap, realizando aes de embelezamento do centro da cidade e edificando

    prdios pblicos, praas e casas para diretores e funcionrios do Territrio Federal

    na sua rea central. Essas medidas deram a tnica e esttica do novo padro

    urbanstico que passara a vigorar para a ocupao da rea central da capital.

    Como estratgia, para garantir esse padro urbanstico, criou normas e

    regras que definiram as caractersticas das residncias e edificaes que poderiam

    se localizar na rea central da cidade, sendo a principal delas que as construes

    fossem em alvenaria e as existentes em madeiras serem substitudas por

    construes de tijolos. No caso de impossibilidade de realizao de tal reforma pelos

    moradores, admitia-se desapropriaes, conforme verificado no trecho citado do

    Plano urbanstico elaborado pela Empresa Grunbilf do Brasil (1960, p. 20), que

    afirmava ser inevitvel que algumas desapropriaes se fariam necessrias, porm

    campo, a ordem modernizante presente no iderio do governo federal, a partir da superao da agricultura de modo interino e nmade.

  • 37

    de esperar a substituio paulatina das construes de madeira por construes

    de tijolos18.

    Em outro trecho desse mesmo plano, temos revelada a perspectiva

    altamente segregadora da reforma urbana imposta, medida que o plano descreve

    como normal a existncia e o planejamento de reas dentro da cidade, onde s

    residncias de alto padro poderiam ser construdas, como pode ser observado no

    seguinte trecho:

    [...] somos a princpio contra seleo de bairros e habitantes, dividindo-os entre ricos e pobres, todavia sempre existir tal seleo normal, e assim somos de opinio que se faam as reas, ao Norte da Rua Major Eliezer Levy e Marechal Rondon como rea residencial das classes mais abastadas. (EMPRESA GRUNBILF DO BRASIL, 1960, p. 20).

    Tais medidas da reforma urbanstica do governo territorial recaram de

    forma negativa, sobretudo para a populao negra e pobre que habitava o centro de

    Macap. Constitudos por migrantes e descendentes de escravos, em sua maioria,

    trabalhadores envolvidos na agricultura, comrcio informal, atividades domsticas e

    nas lidas da construo civil, viviam em residncias modestas, construdas em

    madeira e no tinham as condies financeiras necessrias para adequ-las s

    novas exigncias urbansticas, e em funo disso, foram remanejadas19 pelo

    governo para reas suburbanas distantes de seus locais de trabalhos, dos servios

    pblicos. Foram transferidos para reas sem nenhuma infraestrutura.

    18

    Apesar de o Trecho do Plano Urbanstico, elaborado pela Grunbilf do Brasil, se referir desapropriao, informaes obtidas a partir de entrevistas e pesquisas em documentos da poca, indicam que a propriedade da terra nesse momento era do Estado (Unio) e no de particular. Outra questo a mencionar que as aes de interveno no urbano ocorriam de forma a inexistir conflito entre os poderes, j que no havia superposio de atribuies entre a unio, estados e municpios, porque tudo territrio federal, situao que s muda em 1988, com a criao do Estado do Amap. Alm disso, ressalte-se que o plano fala em desapropriaes, o que contrasta com o fato de a maior parte do territrio no ser propriedade privada, como ser apontado em outra parte da pesquisa.

    19 Lobato (2013) menciona, em seus trabalhos, que o governo do territrio, quando da realizao do remanejamento, prometeu populao que seria retirada do centro da cidade, indeniz-las pelas benfeitorias realizadas nos terrenos, contudo, conforme relato do autor, boa parte dessas pessoas no recebeu qualquer tipo de indenizao. Esse autor tambm explica que a retirada dessa populao no se deu sem conflito e que o descontentamento dos negros com essa retirada foi expresso na poca, de vrias formas, dentre elas uma bastante original, que foi atravs da famosa Msica de Marabaixo, intitulada Onde tu vai rapaz, que tinha, em um de seus versos Ladro, o seguinte texto: a Avenida Getlio Vargas t ficando que um primor/ essas casas foram feitas pra moura douto (sic)19. O refro citado expressa bem a percepo dos negros sobre o momento e sobre o que estava ocorrendo no mbito da reforma urbanstica e, em especial, sobre o entendimento do processo de segregao espacial em curso, ao mesmo tempo em que evidencia a sua noo sobre o distanciamento social em relao quela classe que foi privilegiada pelas reformas urbansticas de Macap.

  • 38

    Ao negar e transformar, o centro da cidade, espao em que,

    historicamente, a populao afrodescendente viveu em Macap e deu significado a

    partir de suas relaes socioculturais e espaciais, o governo desconstruiu tambm

    as bases materiais, sociais, polticas e simblicas que, at ento, eram a expresso

    material e imaterial das formas de ser desse povo. H por parte do governo a

    realizao de um processo de desterritorializao dessa populao, em que esse

    povo , no sentido explicado por Haesbaert (2002, p. 64), privado do territrio no seu

    sentido mais elementar, o da terra, terreno, como base material primeira da

    reproduo social.

    Videira (2009) levanta tambm a perspectiva da segregao tnica a que

    o povo negro foi submetido a partir das reformas urbanistas realizadas pelo governo

    territorial. Segundo a autora, mais que um processo de segregao socioespacial,

    motivado pela condio econmica das pessoas que foram remanejadas, foi

    colocado em prtica, um processo de limpeza tnica da parte alta da cidade, rea

    compreendida, na poca, pelo Largo de So Joo, Praa de Cima e Vila Santa

    Egrcia, tirando dela o negrume de visibilidade e escondendo-o na periferia, longe

    dos olhos dos ditos civilizados.

    Ao pensarmos a produo do espao urbano no governo do territrio at

    meados dos anos 1960, nota-se que a reforma urbanstica realizada na capital pelo

    governo territorial, resultou em uma morfologia urbana com reas de forte

    homogeneidade social interior e forte disparidade entre elas, conforme apontado por

    Castell (2006) ao falar das caractersticas dos processos de segregao, em

    especial, aos promovidos sob o comando do Estado. Temos, desse modo, uma

    cidade que se organiza, sobretudo, a partir de trs ncleos distintos: rea central,

    ocupada por prdios pblicos, comerciais e residncias de alto padro; bairros

    centrais (reas ao Norte da Rua Major Eliezer Levy e Marechal Rondon), com a

    presena de populao mais abastada e de residncias de mdio e alto padro; e a

    regio suburbana (Laguinho, trem e adjacncias), as reas mais afastadas do centro

    onde foram viver os negros, pobres e trabalhadores da cidade. O croqui da Figura 4,

    elaborado por Lima (2003), nos d uma dimenso dessa organizao.

    Desse modo, elimina-se a cidade concentrada espacialmente e diversa

    socialmente, e se instala a cidade sob a tica centro periferia, onde seus moradores

    so divididos espacialmente por classe social. O Estado , nesse perodo, o principal

    agente dessa produo do espao urbano, se realizando um caso exemplar do que

  • 39

    Lefebvre (2001) chama de segregao programada, que consiste no fato de que o

    Estado, a partir de prticas de embelezamentos e de normatizaes para ocupao

    do centro cidade, expulsa os pobres das reas centrais para reas mais distantes e

    cria as periferias pobres e sem infraestrutura.

    Figura 4 - Ocupao da rea urbana de Macap por grupos sociais e atividades econmicas em meados de 1960

    Extrado de: LIMA (2003).

    Nota-se que, na reforma urbana implementada pelo governo territorial,

    que envolveu a retirada de muitas famlias dos locais onde moravam, a questo da

    propriedade da terra e a regularizao fundiria no foram temas relevantes. A

    explicao para isso parece estar relacionada ao fato de que no se tinha

    propriedade privada da terra urbana, em Macap, naquele momento. As terras sobre

    as quais estava situada a rea urbana eram da Unio, portanto, todo processo de

    expanso e transformao urbana ocorreu sobre terras que eram do prprio

    Governo Federal. Condio recorrente para o perodo, no s no Amap, mas em

    boa parte da Amaznia, como assinalam Loureiro e Pinto (2005, p. 77), ao dizerem

    que at meados dos anos de 1960 as terras amaznicas pertenciam basicamente

    Unio e aos estados, e que, dos 1,8% das terras ocupadas com lavouras, s metade

  • 40

    delas possua ttulo de propriedade privada. A quase totalidade das terras da

    Amaznia era, portanto, constituda por terras da Unio e livres de titulao como

    propriedade privada.

    A forma de acesso terra no urbano, nesse momento, se dava pelo

    dispositivo legal de posse. Os moradores que residiam na cidade recebiam do poder

    pblico, via Departamento de Terras do Governo Municipal, a concesso de lotes

    para fins de moradia20, mas no o ttulo de domnio. Desse modo, o conflito pelo

    direito a propriedade21 no se instala, e a regularizao fundiria no se apresenta

    como uma necessidade, visto que, sendo terras estatais, o Estado tinha maior

    liberdade de interveno e de realizar as mudanas que julgasse necessrias.

    Igualmente, ao pensamos sobre o processo de resistncia com relao ao

    remanejamento de parte da populao negra que vivia no centro da cidade de

    Macap para reas perifricas, duas questes se intuem: que, apesar da resistncia

    dos negros, o fato das terras serem do governo tenha facilitado, no mbito legal, a

    retirada dessa populao que ocupava o centro da cidade h algumas dezenas de

    anos; e que o movimento de resistncia aos remanejamentos foi, sobretudo, uma

    luta pelo direito cidade, por habitar o centro, por permanecerem na parte da cidade

    que era forma e contedo das trajetrias desses sujeitos sociais; uma luta pelo

    direito cidade enquanto construo e obra tambm dos negros, nos termos de

    Lefebvre22.

    Um ltimo fator a considerar sobre esse primeiro perodo de dinamismo

    urbano em Macap, fortemente marcado pela interveno do Estado, , em que

    pese, no caso de Macap a reforma urbana ter promovido um processo de

    segregao social e, com ele, o desvelar de uma sociedade dividida em classes

    20