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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
FLAVIA REZENDE
"Uma sciencia que todos devemos conhecer":
um estudo sobre a higiene na série graduada
de leitura Puiggari-Barreto
CAMPINAS
2016
FLAVIA REZENDE
"Uma sciencia que todos devemos conhecer":
um estudo sobre a higiene na série graduada
de leitura Puiggari-Barreto
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Educação da
Faculdade de Educação da Universidade
Estadual de Campinas, como parte dos
requisitos exigidos para a obtenção do título
de Mestra em Educação na área de
concentração de Educação.
Orientadora Profa. Dra. Heloísa Helena Pimenta Rocha.
ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO
FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA
ALUNA FLAVIA REZENDE, E ORIENTADA PELA
PROFA. DRA. HELOÍSA HELENA PIMENTA
ROCHA.
CAMPINAS
2016
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
"Uma sciencia que todos devemos conhecer":
um estudo sobre a higiene na série graduada
de leitura Puiggari-Barreto
Flavia Rezende
COMISSÃO JULGADORA:
Orientadora Profa. Dra. Heloísa Helena Pimenta Rocha
Profa. Dra. Maria das Graças Sandi Magalhães
Profa. Dra. Norma Sandra de Almeida Ferreira
A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.
2016
Agradecimentos
Escrever estes “agradecimentos” significa que mais uma etapa da vida
acadêmica está se encerrando. Longe ser a parte mais fácil da escrita, esses
agradecimentos me fazem relembrar muitas vivências, que ao longo dos dois anos e
meio de pesquisa contribuíram para a construção desta dissertação. Neste momento, é
necessário o mais zeloso cuidado para que eu não me esqueça de agradecer a todos que,
direta ou indiretamente, participaram dessa caminhada.
Primeiramente, gostaria de agradecer à minha orientadora, Professora Heloísa,
por quem tenho uma enorme admiração. A ela, que desde a iniciação científica, em
2009, me acompanha e me orienta nos caminhos da pesquisa, dedico o meu mais
sincero agradecimento. Agradeço pelas leituras atenciosas do meu texto, pelas
indicações de que caminho seguir, pelos conselhos e pelos gestos de carinho, que vão
além da relação de orientação. Obrigada por sempre acreditar no meu trabalho e por me
oferecer oportunidades com as quais construí e enriqueci meu conhecimento. Muito
obrigada!
Em segundo, gostaria de agradecer aos meus colegas de grupo de pesquisa, que
sempre foram muito cuidadosos com a leitura dos meus textos e trouxeram
contribuições riquíssimas para que eu pudesse desenvolver a pesquisa. A Renata Esmi,
Larissa Lima, João Valério Scremin, Henrique Mendonça, Nadja Bonifácio e Eliane
Vianey, obrigada!
À minha amiga Cristina Carla Sacramento. Agradeço por tudo o que
compartilhamos juntas nesses últimos dois anos e meio. Sua amizade foi fundamental
para que eu conseguisse retomar, em muitos momentos, meu caminho acadêmico.
Obrigada pelas vivências, pelas leituras do meu trabalho, pela companhia em
congressos, pelos almoços e jantares no bandejão... Obrigada por ter entrado na minha
vida, ter participado de muitos e muitos momentos e por ser essa pessoa encantadora
que você é!
À minha querida Claudia Denardi, que também me acompanha há muito tempo.
Foi minha professora na graduação, minha colega nos trabalhos da RBHE e, nesta reta
final de produção do texto da dissertação, foi minha leitora, auxiliando-me muito com a
sua leitura atenta e com seus apontamentos. Não tenho palavras para agradecer seu
carinho, seu auxílio e sua atenção. Obrigada!
Agradeço à CAPES, por me conceder uma bolsa de pesquisa. Sem esse apoio
financeiro, seria impossível executar a pesquisa com tranquilidade e qualidade.
Agradeço à pós-graduação da Faculdade de Educação, em especial à Nadir, pelas
orientações em relação às questões burocráticas e a todos os funcionários da Pós, que,
de alguma forma, me auxiliaram em momentos distintos.
Agradeço à querida Maria das Graças Sandi Magalhães, pesquisadora que
disponibilizou os materiais que se tornaram fonte de pesquisa para este trabalho.
Agradeço pela disponibilização dos livros e pelo seu carinho em acolher a notícia do
acidente que aconteceu com eles. Graça tenha certeza que suas palavras naquele
momento foram muito importantes para que eu conseguisse seguir na pesquisa.
Agradeço ao meu porto seguro, minha família: meu Pai João, minha mãe Cida,
minha irmã Patrícia, minha dinda Maria, meu dindo João (em memória) e ao meu amor
Roni. Eles sempre foram e serão meu alicerce. Agradeço pelas oportunidades que me
concederam até hoje e por acreditarem que o mais importante nessa vida são os estudos.
Se em algum momento eu pensei em desistir, foram vocês a peça chave da retomada do
caminho! Devo muito a vocês! Obrigada!
Resumo
Este trabalho tem como objetivo examinar a presença da higiene nos livros de
leitura da série Puiggari-Barreto, publicada em São Paulo a partir de 1904. A análise da
coleção tem como foco um conjunto de lições que abordam a temática da higiene,
selecionadas nos quatro livros de leitura. Visando atingir esse objetivo, o trabalho
procura observar, por meio dos personagens que compõem as lições, quais eram os
comportamentos higiênicos prescritos e os comportamentos anti-higiênicos, bem como
o que se considerava como uma atitude saudável, em termos de alimentação, asseio e
práticas corporais. Nessa análise, procura-se ter presente o processo de apropriação, por
parte dos autores, do discurso médico-higienista em circulação no final do século XIX e
início do século XX, no qual se destacava a necessidade de moralização dos costumes
da população. Recenseando a presença da higiene nas lições reunidas nos livros de
leitura da série Puiggari-Barreto, menos que recompor os episódios, busca-se perceber
os preceitos higiênicos que figuram, de forma direta ou indireta, nas lições e ilustrações
e interrogar acerca das dimensões da vida cotidiana sobre as quais esses preceitos
incidem. Lendo a higiene como parte de um código moral, busca-se compreender o
modo como ela foi veiculada em livros cuja finalidade primeira era ensinar as crianças
das escolas primárias a ler.
Palavras-chave: Higiene; Livros de Leitura; Moral.
Abstract
This study aims to examine the presence of hygiene in reading books of
Puiggari-Barreto series, published in São Paulo after 1904. The analysis of the
collection focuses on a set of lessons that address the issue of hygiene, selected in the
four reading books. In order to achieve this objective, the work observes, through the
characters that make up the lessons, which hygienic behaviors were prescribed and
reprobated, and what was considered as a healthy attitude, in terms of food, cleanliness
and corporal practices. In this analysis, we try to keep in mind the process in which the
authors of appropriated the medical-hygienist discourse circulating in the late nineteenth
century and early twentieth century, which highlighted the need to moralize the
population customs. By recensing the presence of hygiene in the lessons gathered in
reading books of Puiggari-Barreto series we sought not so much to recompose the
episodes, but to see the hygienic precepts that are, directly or indirectly, in the lessons
and illustrations and ask about the dimensions of everyday life on which these
provisions relate. By reading hygiene as part of a moral code, we try to understand how
it was conveyed in books whose primary purpose was to teach primary school children
to read.
Keywords: Health; Reading books; Moral.
Lista de Imagens
Imagem 1: foto do autor Romão Puiggari......................................................................41
Imagem 2: foto do autor Arnaldo de Oliveira Barreto...................................................42
Imagem 3: contracapa do Terceiro Livro de Leitura Puiggari-Barreto (7ª edição – 1911)
destacando a aprovação da série no estado de São Paulo e outros estados
brasileiros.........................................................................................................................44
Imagem 4: contracapa do Primeiro Livro de Leitura Puiggari-Barreto (26ª edição –
1922) destacando os cargos públicos de Romão Puiggari e Arnaldo de Oliveira Barreto
no cenário educacional ...................................................................................................46
Imagem 5: dedicatória do Segundo Livro de Leitura Puiggari-Barreto à infância
brasileira (9ª edição – 1911)............................................................................................48
Imagem 6: ilustração da lição “Paulo” do Primeiro Livro de Leitura Puiggari-Barreto
(26ª edição – 1922)..........................................................................................................53
Imagem 7: ilustração da lição “O caderninho de Paulo” do Terceiro Livro de Leitura
Puiggari-Barreto (7ª edição – 1911)................................................................................54
Imagem 8: ilustração da lição “O caderninho de Paulo” do Terceiro Livro de Leitura
Puiggari-Barreto (7ª edição – 1911)................................................................................55
Imagem 9: ilustração da lição “Luiza” do Primeiro Livro de Leitura Puiggari-Barreto
(26ª edição – 1922)..........................................................................................................57
Imagem 10: ilustração da lição “Luiza” do Primeiro Livro de Leitura Puiggari-Barreto
(26ª edição – 1922)..........................................................................................................57
Imagem 11: ilustração da lição “Sermão inútil” do Primeiro Livro de Leitura Puiggari-
Barreto (26ª edição – 1922).............................................................................................63
Imagem 12: ilustração da lição “A imagem dos filhos” do Primeiro Livro de Leitura
Puiggari-Barreto (26ª edição – 1922)..............................................................................65
Imagem 13: ilustração da lição “Zilda fugiu” do Primeiro Livro de Leitura Puiggari-
Barreto (26ª edição – 1922).............................................................................................66
Imagem 14: ilustração da lição “Coração de ouro” do Primeiro Livro de Leitura
Puiggari-Barreto (26ª edição – 1922)..............................................................................67
Imagem 15: ilustração da lição “Coração de ouro” do Primeiro Livro de Leitura
Puiggari-Barreto (26ª edição – 1922)..............................................................................68
Imagem 16: ilustração da lição “O pae de Paulo” do Primeiro Livro de Leitura
Puiggari-Barreto (26ª edição – 1922)..............................................................................69
Imagem 17: ilustração da lição “Uma carta” do Primeiro Livro de Leitura Puiggari-
Barreto (26ª edição – 1922).............................................................................................71
Imagem 18: ilustração da lição “O pae de Paulo” do Primeiro Livro de Leitura
Puiggari-Barreto (26ª edição – 1922)..............................................................................72
Imagem 19: ilustração da lição “O primeiro dia de aula” do Primeiro Livro de Leitura
Puiggari-Barreto (26ª edição – 1922)..............................................................................73
Imagem 20: ilustração da lição “De volta da escola” do Primeiro Livro de Leitura
Puiggari-Barreto (26ª edição – 1922)..............................................................................75
Imagem 21: ilustração da lição “As histórias da vovó” do Primeiro Livro de Leitura
Puiggari-Barreto (26ª edição – 1922)..............................................................................76
Imagem 22: ilustração da lição “Nuvens...côr de rosa” do Primeiro Livro de Leitura
Puiggari-Barreto (26ª edição – 1922)..............................................................................77
Imagem 23: ilustração da lição “Histórias da vovó – A Joia magica” do Segundo Livro
de Leitura Puiggari-Barreto (14ª edição – 1913).............................................................78
Imagem 24: ilustração da lição “O discurso” do Primeiro Livro de Leitura Puiggari-
Barreto (26ª edição – 1922).............................................................................................80
Imagem 25: ilustração da lição “Outra quéda de Luiza – I” do Primeiro livro de leitura
(26ª edição – 1922)..........................................................................................................89
Imagem 26: ilustração da lição “Uma lição de higyene” do Segundo livro de leitura
(14ª edição – 1913)..........................................................................................................92
Imagem 27: ilustração da lição “Férias” do Segundo Livro de Leitura (9ª edição –
1913)................................................................................................................................94
Imagem 28: ilustração da lição “Férias” do Segundo Livro de Leitura (9ª edição –
1913)................................................................................................................................95
Imagem 29: ilustração da lição “A volta para a cidade” do Segundo Livro de Leitura (9ª
edição – 1913).................................................................................................................96
Lista de Quadros
Quadro 1- Autores de obras didáticas destinadas à escola elementar paulista,
publicadas pela Livraria Teixeira e Irmão, no final do século XIX................................37
Quadro 2 - Autores de obras didáticas destinadas à escola elementar paulista,
publicadas pela Livraria Francisco Alves........................................................................38
Quadro 3: Lições da série Puiggari-Barreto que abordam a temática da
higiene.............................................................................................................................85
Sumário
Introdução......................................................................................................................13
CAPÍTULO 1 - O LIVRO DE LEITURA NO CONTEXTO EDUCACIONAL
PAULISTA.....................................................................................................................24
1.1 – O projeto educacional republicano.........................................................................24
1.2 – O livro de leitura: o livro escolar da criança e o grande interesse editorial............32
1.3 - Autores e editores na produção dos livros de leitura e séries graduadas................35
1.4 A série graduada de livros de leitura Puiggari-Barreto: que série é essa?.................40
CAPÍTULO 2 – A SÉRIE PUIGGARI-BARRETO E A REPRESENTAÇÃO DA
CRIANÇA NOS LIVROS DE LEITURA...................................................................50
2.1 – Os personagens da série Puiggari-Barreto representados nas páginas dos livros...51
2.1.1 – Paulo...............................................................................................................51
2.1.2 – Luiza...............................................................................................................56
2.1.3 – D. Julia............................................................................................................64
2.1.4 – Dr. Silva Ramos..............................................................................................69
2.1.5 – A família Silva Ramos....................................................................................71
2.2 – A imagem da criança idealizada representada nos livros de leitura: a criança “com
o coração cheio das mais belas virtudes”........................................................................81
CAPÍTULO 3 - “Uma sciencia que muito recommendo a todos – a hygiene”...........84
3.1 - “Comer com moderação”....................................................................................... 87
3.2 - “Respirar um ar puro, oxygenado”......................................................................... 93
3.3 - “Fazer exercícios corporaes”...................................................................................97
3.4 - “Conservar o corpo escrupulosamente limpo”........................................................99
3.5 - “Histórias de um ignorante”..................................................................................102
Considerações finais....................................................................................................105
Fontes............................................................................................................................110
Bibliografia...................................................................................................................110
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Introdução
A presente pesquisa analisa a série graduada de livros de leitura escrita por
Romão Puiggari e Arnaldo de Oliveira Barreto, publicada em São Paulo a partir de
1904. A série Puiggari-Barreto, assim como outras séries graduadas, foi utilizada na
escola primária, em função da determinação do Estado de adotar apenas livros de leitura
para o uso corrente dos alunos. Razzini (2005) destaca que essa determinação
permaneceu desde os primórdios da Primeira República até a década de 1930, fazendo
com que eles se tornassem o centro dos interesses editoriais, redundando em uma
crescente produção dos mesmos.
As séries graduadas surgiram na educação paulista no momento de
institucionalização das escolas primárias graduadas. Oliveira (2004) destaca que as
séries foram produzidas a fim de atender a esse novo modelo de organização didático-
pedagógico de ensino elementar que se instituía no estado, caracterizada pela
organização em classes, compostas por alunos na mesma faixa etária. Segundo a autora,
as séries graduadas ganharam uma popularidade no período, pois se adequavam à
estrutura do ensino. Cada livro correspondia a uma série do ensino primário e a coleção,
de mesma autoria, mantinha a continuidade, a coerência e o aprofundamento das lições
e dos temas estabelecidos. Conforme assinala a autora,
os livros de leitura que compunham as séries se constituíam como
único livro didático permitido nas escolas públicas, o livro de
leitura compreendia um objeto cultural e era, ainda, um
instrumento de ensino da língua e da leitura e um auxiliar do
trabalho docente. (OLIVEIRA, 2004, p.26)
Nas últimas décadas, os estudos sobre livros de leitura e séries graduadas se
avolumaram em nosso país. Dentre os trabalhos já existentes, muitos são aqueles que
apontam os livros de leitura e séries graduadas como fonte de pesquisa para a História
da Educação brasileira. Destaco os trabalhos de Cabrini (1994), Batista e Galvão (2000,
2002, 2009), Batista, Galvão e Klinke (2000), Oliveira e Souza (2000), Laguna (2003),
Valdez (2003, 2004), Oliveira (2004), Maciel e Campelo (2011) e Panizzolo (2005,
2006, 2010, 2011).
Cabrini (1994), em sua dissertação de mestrado intitulada Memória do livro
didático - os livros de leitura de Felisberto Rodrigues Pereira de Carvalho, estuda os
livros de leitura de Felisberto de Carvalho e discute questões referentes ao ensino, à
cultura e à leitura, atentando para o momento histórico em que os livros foram
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produzidos. Seu trabalho ajuda a pensar como esses objetos culturais, denominados
livros de leitura, fizeram parte de um ideário de formação da criança, em um momento
de institucionalização da escola primária.
Batista e Galvão (2000; 2002; 2009), Batista, Galvão e Klinke (2000) e Oliveira
e Souza (2000) abordam os livros de leitura como instrumentos do ensino escolar,
compreendendo suas características, seus usos, seus conteúdos, seu formato, sua
produção, sua finalidade e seu lugar nos processos de alfabetização, organização e
institucionalização da escola brasileira. Os trabalhos desenvolvidos por esses autores
compreendem os livros de leitura em suas diferentes faces, sinalizando as formas
assumidas pelos livros escolares de leitura num período que vai do final do século XIX
às primeiras décadas do século XX, reunindo elementos que nos auxiliam na reflexão
sobre a organização desse gênero de livro escolar.
Laguna (2003), em sua tese de doutorado intitulada Uma leitura dos livros de
leitura da Escola Americana de São Paulo (1889-1933), investiga os livros de leitura
que constam na bibliografia dos programas dos cursos primário, intermediário e
secundário desse estabelecimento escolar, reconstrói o conceito de livro de leitura, a
partir dos dizeres de alguns escritores das primeiras décadas do século XX. A pesquisa
realizada pela autora realça quais eram os ensinamentos veiculados nesses livros,
fazendo um “inventário” dos conceitos e evidenciando os ensinamentos de cunho moral
e patriótico que eram privilegiados.
Assim como o trabalho de Laguna (2003), o de Oliveira (2004), resultado da sua
dissertação de mestrado intitulada As séries graduadas de leitura na escola primária
paulista (1890-1910), na qual estudou as séries graduadas de Puiggari-Barreto, de
Felisberto de Carvalho e a de João Kopke, verificando as feições desses materiais
enquanto únicos veículos ao qual a criança tinha acesso naquele período, destaca que
nas três coleções estudadas, as lições de cunho moral e patriótico, juntamente com um
conjunto de exercícios utilizados como dispositivos para a fixação da aprendizagem são
o que marca as coleções. A autora ao realizar a análise, fez uma abordagem dos
materiais de maneira comparativa, situando-os como instrumentos de ensino da língua e
da leitura e também como instrumentos auxiliares do trabalho docente. A partir do
“inventário” construído por Laguna (2003) e das considerações realizadas por Oliveira
(2004), será possível perceber os livros de leitura, nos aspectos relacionados aos seus
conteúdos, no qual se destacam as lições de cunho moral e patriótico.
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A análise de Maciel e Campelo (2011), sobre a circulação da produção didática
de Hilário Ribeiro – Cartilha Nacional e a série de leitura graduada, ampliam as
possibilidades de investigação a partir do estudo sobre a materialidade dos livros de
leitura. As autoras analisam o formato, o volume, as ilustrações, a disposição das lições
e exercícios, o tipo de letra, a proposta político-didática e a concepção de método de
leitura e escrita.
Panizzolo (2005; 2006; 2010; 2011) em seus estudos sobre a produção de João
Kopke, a constituição da criança civilizada e a infância impressa nos livros de leitura do
autor, ajuda a compreender dois propósitos fundamentais do discurso republicano, em
relação à formação da criança: o de educação e o de instrução, simultaneamente.
Educação relacionada à transmissão de valores e instrução relacionada à transmissão de
conhecimentos.
Muitos desses trabalhos têm olhado para os livros de leitura, considerando esse
livro escolar produzido entre o final do século XIX e início do século XX, como uma
estratégia utilizada para educar e civilizar a criança, dentro de um contexto da
institucionalização e consolidação da escola pública elementar, instaurada naquele
momento histórico, privilegiando a educação moral. Entres esses trabalhos se encontram
aqueles que abordam, especificamente, a série Puiggari-Barreto como fonte de pesquisa.
Os estudos produzidos recentemente sobre os livros de Puiggari-Barreto, são os
trabalhos de Oliveira & Souza (2000); Falcão, Oliveira e Schwartz (2008); Medina
(2013); Belo (2014) e Belo e Panizzolo (2013; 2015).
Esses trabalhos realizados a partir da série têm apontado que os livros de leitura
Puiggari-Barreto trazem no corpo dos seus textos “apenas assuntos de cunho moral,
poesias e histórias do dia-dia das crianças na família e na escola” (OLIVEIRA &
SOUZA, 2000, p.28), destacando em alguns textos feitos patrióticos e heróicos
brasileiros. A série Puiggari-Barreto
ao longo das lições, mantêm uma coerência entre os temas
discutidos, preocupando-se com o desenvolvimento não só da
habilidade de leitura, mas também com o “cultivo de bons
hábitos de moral, civismo e bom comportamento social”, que
deveriam ser aprendidos pelas crianças para utilização na sua
vida social. (OLIVEIRA & SOUZA, 2000, p. 28).
Os estudos realizados a partir dos livros têm observado também a configuração
da escola primária paulista e a cultura escolar nas páginas da série Puiggari-Barreto,
considerando-a como fonte de pesquisa para a História da Educação e também como
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objeto cultural que tem como propósito moralizar e civilizar as crianças por intermédio
da leitura.
Considerando essa produção sobre séries graduadas, e assumindo sua
importância para a pesquisa em História da Educação brasileira por perceberem tais
objetos culturais como parte de um projeto educacional que visava a formação da
criança, a fim de educá-las, a presente pesquisa pretende contribuir com os estudos já
realizados, ampliando as possibilidades de investigação a partir dos livros de leitura
escritos por Romão Puiggari e Arnaldo de Oliveira Barreto.
Nesse sentido, o objetivo central desta dissertação é examinar a presença da
higiene nos livros de leitura da série Puiggari-Barreto. A análise dos livros foca um
conjunto de lições que abordam a temática, visando observar, por meio dos personagens
que compõem as lições, quais eram os comportamentos higiênicos prescritos e os
comportamentos anti-higiênicos, bem como o que se considerava como uma atitude
saudável, em termos de alimentação, asseio e práticas corporais. Nessa análise, procura-
se ter presente o processo de apropriação, por parte dos autores, do discurso médico-
higienista em circulação no final do século XIX e início do século XX, no qual se
destacava a necessidade de moralização dos costumes da população.
Recenseando a presença da higiene nas lições reunidas nos livros de leitura da
série Puiggari-Barreto, busca-se perceber os preceitos higiênicos que figuram, de forma
direta ou indireta, nas lições e ilustrações e interrogar acerca das dimensões da vida
cotidiana sobre as quais esses preceitos incidem. Lendo a higiene como parte de um
código moral, busca-se compreender o modo como ela foi veiculada em livros cuja
finalidade primeira era ensinar as crianças das escolas primárias a ler.
Vale destacar que o interesse em analisar esse conjunto de livros surgiu durante
a iniciação científica, com o desenvolvimento do projeto Manuais escolares de Higiene
para a infância paulista, no qual foram pesquisados os inventários de bens escolares,
encontrados no Arquivo Público do Estado de São Paulo. O projeto, desenvolvido com
financiamento do CNPq/PIBIC – Quota Pesquisador, sob orientação da Profa. Dra.
Heloísa Helena Pimenta Rocha, como parte de um projeto mais amplo, intitulado
Biblioteca de Higiene para as crianças e seus mestres: produção, circulação e usos de
manuais escolares, tinha como objetivo central localizar informações sobre manuais
escolares de higiene, destinados à infância paulista, no final do século XIX e início do
século XX.
17
A pesquisa visou localizar documentos das comissões avaliadoras de livros
didáticos, bem como documentos que pudessem oferecer indícios sobre a aquisição de
livros para as escolas primárias paulistas da época. O ponto de partida foram os
inventários de bens escolares, que abrangem o período compreendido entre 1889 e
1914. Por meio do exame dos inventários, foi possível chegar a uma ampla listagem dos
objetos materiais que chegavam às escolas primárias paulistas.1
A análise dos 156 inventários apontou a grande presença de livros de leitura e
livros voltados para o ensino de primeiras letras (séries graduadas de leitura). A partir
da revisão bibliográfica realizada sobre o tema, por meio dos estudos de Razzini (2005),
Souza (1998), Bittencourt (2002; 2009) e Oliveira (2000; 2004), percebemos que, no
final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, somente os livros de leitura
eram destinados ao uso dos alunos das escolas primárias públicas do estado. Várias
séries graduadas apareceram nas listagens dos inventários, como as séries de Puiggari-
Barreto, João Köpke e Thomaz Galhardo.
Foi a partir dos resultados obtidos nessa pesquisa que surgiram as primeiras
indagações que orientam esta pesquisa de mestrado, cujo objeto e fonte é a série
Puiggari-Barreto: que conteúdos e temáticas os livros de leitura abordavam em suas
narrativas? Estariam os conteúdos de higiene inseridos nesses materiais? A partir de um
prévio contato com os livros de leitura, considerando tais indagações, escolhemos a
coleção a ser investigada: a série Puiggari-Barreto.
Parte dos livros analisados compõe o acervo particular da pesquisadora Maria
das Graças Sandi Magalhães. A outra parte dos livros estudados compõe o acervo da
Biblioteca Nacional de Maestros, vinculada ao Ministerio de Educación de la República
Argentina. Os exemplares que lá se encontram são os do Segundo livro (9ª edição),
Terceiro livro (7ª edição) e Quarto livro de leitura (edição sem número). O acesso a esse
material foi possível graças às pesquisadoras Fernanda Ferraguti e Thaís Anastácio, que,
ao realizarem um levantamento de documentos nessa biblioteca, localizaram os livros
de leitura Puiggari-Barreto.2
1 A pesquisa realizada com os 156 inventários de bens escolares resultou no trabalho de conclusão de curso intitulado
A constituição da escola primária paulista em sua dimensão material: um estudo sobre os Inventários de Bens
Escolares (1889-1914). Por meio do estudo da listagem de materiais presente nos inventários, foi possível refletir
sobre a constituição material das escolas primárias paulistas. 2
A série também pode ser encontrada no Museu Paulista, conhecido como Museu do Ipiranga, vinculado à
Universidade de São Paulo.
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Justificando o interesse em estudar as concepções de higiene na série Puiggari-
Barreto, o presente trabalho foi pensado em articulação com os trabalhos que vêm sendo
desenvolvidos pela Profa. Heloísa Helena Pimenta Rocha, referência nos estudos sobre
higienismo no Brasil. Rocha, que tem atuado com temas como cultura escolar, infância,
higienismo e manuais escolares tem dedicado investimentos, nos últimos anos, em
colaboração com outros pesquisadores da área de História da Educação, na constituição
de uma “Biblioteca de higiene”, por meio do levantamento, catalogação e análise de
manuais escolares de higiene destinados aos alunos das escolas primárias e à formação
de professores, produzidos entre o final do século XIX e a primeira metade do século
XX.
Sobre a constituição da “Biblioteca”, Rocha (2012) destaca que
a ida aos arquivos tem permitido observar que os conteúdos de
higiene e saúde podem ser encontrados em manuais cujos títulos
fazem referência explícita à higiene, mas também nos manuais de
ciências físicas, químicas e naturais, figurando, ademais, como
tema das narrativas de livros de leitura suplementar. Há, ainda,
indícios de que as temáticas ligadas ao asseio ocuparam lugar nos
manuais de civilidade, de moral e de economia doméstica. No que
diz respeito às obras voltadas para a formação de professores, a
higiene é tratada em manuais de fisiologia, biologia educacional,
eugenia, puericultura, entre outros. Cabe notar que, dentre os livros
localizados, nem todos foram produzidos para o uso estritamente
escolar, sendo possível identificar alguns concebidos para uso
doméstico, nos quais encontramos indícios de usos escolares; e
alguns pensados para o uso tanto na escola como no ambiente
doméstico, destinando-se às crianças e seus mestres, como também
às mães. (ROCHA, 2012, p.4)
Os dados levantados na elaboração desta dissertação permitem observar a
presença da temática da higiene na série Puiggari-Barreto, mesmo não sendo ela uma
série composta por livros que fazem referência explícita à temática. Esses achados
permitem perceber os modos como a higiene pode ter sido ensinada nas escolas, antes
mesmo da publicação dos primeiros manuais específicos de higiene.
Mas afinal, que higiene é essa? Qual é essa “sciencia”, conhecida como higiene,
que todos deveriam conhecer e que ensinava a maneira pela qual seria possível manter a
saúde, a que se refere a afirmação dos autores que tomamos como epígrafe para este
trabalho?
Para entendermos essa “ciência”, conhecida como higiene, a “Hygiene” com Y,
e que será estudada na série Puiggari-Barreto, nos apoiamos nos trabalhos de Vigarello
(1985), que realiza um estudo sobre a história da higiene corporal francesa. O autor
19
aponta que desde o fim da primeira metade do século XIX, quando surge o que ele
denomina de “pastoral da miséria”, na qual a imagem do pobre e, sobretudo de sua
miséria, começaram a ficar mais inquietantes para a sociedade, “a higiene do pobre seria
o garante de sua moralidade, e também de sua ordem” (VIGARELLO, 1985, p.151).
Dentro desse cenário, a higiene passou a ser vista como um instrumento da moral. É
essa higiene, como instrumento da moral, que vamos estudar na série Puiggari-Barreto.
Não podemos deixar de destacar aqui, que ao longo do século XIX, a higiene
havia se tornado um ramo específico da medicina, ganhando um novo estatuto junto
com a figura médica. Vigarello (1985) destaca que, nesse período,
há uma palavra que ocupa um lugar inédito: é a higiene. Os
manuais que se ocupam de saúde mudam de título. Até então,
todos se concentravam na “manutenção” ou na “conservação” da
saúde. Agora passam a ser manuais ou tratados de higiene. Todos
definem o seu terreno por meio desta denominação anteriormente
pouco utilizada. A higiene já não é o adjetivo que qualifica a saúde
(hygeinos significa em grego o que é são), mas o conjunto dos
dispositivos e dos saberes que favorecem a sua conservação. É uma
disciplina particular no seio da medicina. Trata-se de um conjunto
de conhecimentos e já não de um qualitativo físico. [...] É
impossível pensá-la sem a considerar um “ramo” do saber médico.
(VIGARELLO, 1985, p. 134)
A medicina que havia se tornado ciência, aproximando-se do âmbito político das
sociedades e desempenhando um importante papel no seu ordenamento, buscou
influenciar comportamentos coletivos, a fim de favorecer a conservação e preservação
da saúde da população. O novo estatuto dado à medicina e à higiene transformou a
medicina curativa em uma medicina social.
Engajados em formar cidadãos saudáveis e higiênicos, os médicos-higienistas,
através de seus discursos, defendiam a condução das políticas coletivas de saúde,
incentivando campanhas de erradicação de doenças e o comprometimento com a
educação higiênica da população. O que mais preocupava os médicos-higienistas era a
higiene do povo, sobretudo daqueles que viviam em condições consideradas insalubres.
Com o desenvolvimento urbano e industrial, a figura do pobre e, sobretudo da
sua miséria, se tornou uma ameaça para as sociedades que almejavam se modernizar.
Era preciso combater essa insalubridade para que se pudesse obter êxito no processo de
modernização social. Mas então, o que fazer? Como combater?
A resposta a essas questões, de acordo com o discurso médico-higienista, foi
investir! Investir na transformação dos costumes da população. Era preciso expulsar
20
seus vícios, modificando as práticas corporais já existentes. Na segunda metade do
século XIX, os médicos-higienistas passaram a argumentar e a defender o investimento
na dimensão moralizante da higiene do povo, como a única segurança para garantir a
ordem e o progresso social. Essa dimensão significava uma
ambição complexa e simultaneamente totalizadora, já que, da
higiene da rua à dos seus habitantes, do asseio dos quartos ao dos
corpos, o que se pretende é transformar os costumes dos mais
desfavorecidos. (VIGARELLO, 1985, p.151)
Era preciso sim investir em questões sanitárias, combatendo a sujidade e
investindo na limpeza urbana, mas era preciso também mudar os costumes e hábitos da
população. De que adiantaria a limpeza das ruas e o investimento na circulação da água,
se as casas e as pessoas continuassem sujas, sem práticas de higiene, vivendo em
condições de insalubridade?
Era preciso investir na higiene como instrumento moral, que consistia naquela
que vai progredindo até atingir os costumes íntimos dos mais
pobres. Uma higiene avassaladora, na qual lenta e confusamente
acaba por se juntar a ordem e a virtude. A gradação é mesmo
exemplar: da rua à habitação e desta à pessoa. Como higiene atrai
higiene, a da habitação atrairá a do vestuário, a do corpo e por fim
a dos costumes. Não se trata, como no século XVIII, de evocar
apenas o vigor, trata-se também de evocar os recursos
insuspeitados da ordem. (VIGARELLO, 1985, p.152)
Mas como gerar a moralização dos costumes? Um dos pontos de partida foi
pensar no investimento em um processo pedagógico, buscando na educação uma
alternativa para tentar a moralização. Tomar banho, realizar um asseio do corpo, lavar
as mãos, manter o vestuário limpo, observar a qualidade dos alimentos e respirar ar puro
eram os principais aspectos a serem moralizados, pois interferiam na qualidade da
saúde. Desta forma, o maior investimento na dimensão moralizante da higiene deveria
acontecer na educação das crianças, no âmbito da higiene escolar. Essa higiene escolar
contemplava os aspectos físicos, morais e intelectuais dos estudantes, incluindo
cuidados com o corpo, arquitetura e artefatos escolares, relação entre professor/aluno e
também a literatura moralizadora.
A higiene se tornou um indicativo de “boa educação”. O indivíduo bem educado
era aquele que aprendia e atendia, minimamente, às questões de higiene para
preservação da saúde, tomando banho, lavando as mãos, utilizando vestes limpas,
21
respirando ar puro e realizando o asseio corporal com a máxima frequência possível.
Era preciso investir na qualidade da higiene individual, cultivando bons hábitos de
saúde.
Referindo-se à realidade brasileira, Stephanou (1999), destaca que
os discursos médicos do final do século XIX e primeiras décadas
do século XX elaboraram, através de um crescente refinamento, os
procedimentos que cada pessoa deveria operar sobre si mesma para
manter-se sadia e asseada. Afinal, era recorrente a ideia de que “o
fenômeno coletivo é reflexo das condições individuais”.
(STHEPHANOU, 1999, p. 308)
No Brasil, nas últimas décadas do século XIX e primeiras décadas do século XX
as concepções médico-higienistas se proliferam com maior intensidade, e os projetos,
sob suas orientações, ganham força. Em São Paulo, local onde a série Puiggari-Barreto
foi publicada, as preocupações com as questões ligadas ao combate às doenças e à
preservação da saúde, podem ser observadas quando se tem em conta que, no ano de
1892, foi criado o Serviço Sanitário Estadual. Esta instituição, que tomou o lugar da
antiga Junta Provincial de Higiene, passou a ter a responsabilidade pelos serviços de
higiene do estado. Dois anos depois, em 1894, decretou-se o primeiro Código Sanitário
do Estado, ganhando visibilidade a figura do inspetor e da polícia médica. Em 1896, as
campanhas sanitárias, que antes só aconteciam nos períodos de epidemia, passaram a
acontecer permanentemente.
Romero (1996) destaca que
nos primeiros anos da república a saúde tornou-se uma importante
questão política. Rodrigues Alves, presidente de 1902 a 1906,
adotou como prioridade de governo o saneamento, o combate à
peste bubônica e à febre amarela. Em São Paulo, entre os anos de
1892 a 1895, criaram-se os Institutos Vacinogênico e
Bacteriológico, o Hospital de Isolamento, o Desinfectório Central e
estabeleceu-se o 1º Código Sanitário do Estado. Foi um período em
que os médicos adquiriram grande visibilidade. (ROMERO, 1996,
p.168)
No mesmo ano em que foi criado o Serviço Sanitário Estadual, a lei nº 88, de 08
de setembro de 1892 responsável pela reforma da instrução pública do estado, firmou a
higiene como aplicação das disciplinas de ciências, nos programas de ensino das escolas
elementares paulistas. Essa lei, em seu artigo 5º, assinalou as matérias que deveriam
compor os programas de ensino, considerando a formação integral da criança:
moral pratica e educação cívica, leitura e princípios de grammatica,
escripta e calligraphia; noções de geographia geral e
cosmogeographia; geographya do Brazil, especialmente do Estado
22
de São Paulo; historia do Brazil e leitura sobre a vida dos grandes
homens da história; calculo aritmético sobre os números inteiros e
frações, systema métrico decimal, noções de geometria,
especialmente nas suas applicaçoes á medição de superfície e
volume, noções de ciências physicas, chimicas e naturaes, nas suas
mais simples applicaçoes, especialmente á hygiene; desenho á mão
livre; canto e leitura de musica, exercícios gymnasticos e manuaes
apropriados á edade e ao sexo. (São Paulo, 08 de setembro de
1892)
Toda essa preocupação se relacionava à ideia de que os bons hábitos de higiene
iriam interferir diretamente nas questões da saúde da população, como medidas
profiláticas. De acordo com o discurso médico-higienista, a medicina social preventiva
deveria ser pensada juntamente com a educação. A educação desde o século XIX foi
representada como uma das maneiras para instauração da ordem nacional, bem como
uma forma de inserir o Brasil no âmbito das nações modernas, civilizadas.
Rocha (2011) estudando os vínculos entre saneamento, a alfabetização e a
regeneração nas iniciativas da difusão da escola primária em São Paulo na década de
1920, destaca que a saúde e a educação começaram a se configurar
como pilares da obra de redenção do povo da suposta ignorância e da
doença e, nessa medida, de regeneração da nação. Pensada como parte
de um amplo projeto de reforma dos costumes, a educação do povo
passou a ser vista como meio de formação de hábitos de vida saudável,
articulados em torno do objetivo de constituição do brasileiro como um
homem forte, saudável, produtivo, trabalhador e ordeiro. (ROCHA,
2011, p. 152)
Sobre esse mesmo aspecto, Stephanou (2000) aponta que
No Brasil, pelo menos desde o final do século XIX, discutia-se que
educação e saúde seriam as investidas mais importantes para “salvar o
país” do atraso, da degeneração, da catástrofe. [...] Curar implicava,
necessariamente, instruir e educar, para prevenir e erradicar as doenças
e a ignorância a que o povo estava condenado. (STEPHANOU, 2000, p.
2)
Rocha (2010), em seu trabalho intitulado A educação da infância: entre a
família, a escola e a medicina, um exame sobre as comunicações apresentadas no II
Congresso de Higiene Escolar e Pedagogia Fisiológica que aconteceu em Paris, no ano
de 1905, buscando flagrar representações sobre a infância e sua educação, produzidas
no campo da higiene escolar, destaca que
os médicos-higienistas, no afã de debelar as epidemias, combater a
mortalidade e produzir novos modos de viver em sociedade,
consideraram a escola como objeto privilegiado de intervenção,
dedicando-se ao estudo dos tempos e espaços da escolarização, dos
23
métodos e procedimentos de ensino, bem como da constituição física e
intelectual dos alunos. (ROCHA, 2010, p. 236) .
Imersos nesses estudos, os médicos-higienistas, passaram a discutir o processo
de formação do cidadão. Nesse sentido, Taborda de Oliveira & Pykosz (2009) apontam
que
a escola tornava-se naquele contexto um lugar de disseminação das
pretensões quanto ao progresso da nação e a civilização da sociedade,
visto que era na criança que se identificava o meio mais proveitoso de
se inculcar novos hábitos e costumes, aspecto que tem suas raízes já
lançadas no séc. XVIII europeu (TABORDA DE OLIVEIRA &
PYKOSZ, 2009. p. 137)
A escola serviria como lugar de difusão de valores e como ambiente reformador
dos costumes. Na escola seria possível incutir nas crianças um conjunto de hábitos,
inclusive os higiênicos, capazes de afastá-las da doença e da ignorância, formando-as
para viver na tão almejada “sociedade moderna”, como crianças “bem educadas”.
Rocha (2003) em seu trabalho intitulado Educação escolar e higienização da
infância, destaca que as tarefas atribuídas à escola primária eram as de
eliminar atitudes viciosas e inculcar hábitos salutares, desde a mais
tenra idade. Criar um sistema fundamental de hábitos de
higiênicos, capaz de dominar, inconscientemente, toda a existência
das crianças. Modelar, enfim, a natureza infantil, pela aquisição de
hábitos que resguardassem a infância da debilidade e da moléstia.
(ROCHA, 2003, p.40)
Considerando os processos de inculcação dos hábitos e comportamentos, a
relação entre educação e higiene e, ainda, os investimentos com vistas a configurar o
livro escolar como um instrumento de formação da criança, este trabalho se propõe a
investigar a presença da higiene nos livros de leitura Puiggari-Barreto como um
instrumento moral, indagando como a ela foi veiculada em uma série graduada de livros
de leitura, cuja função primeira era ensinar as crianças da escola elementar a ler.
24
CAPÍTULO 1 - O LIVRO DE LEITURA NO CONTEXTO EDUCACIONAL
PAULISTA
1.1 – O projeto educacional na República
Ao longo do século XIX, a educação foi alvo de inúmeras discussões. As
principais temáticas em discussão eram a importância da educação para a formação do
povo brasileiro, bem como os meios que seriam utilizados para efetivá-la. Na visão do
Partido Republicano Paulista, criado no ano de 1873, a educação representava o alicerce
para uma sociedade moderna e o elemento regenerador da nação. Seria por intermédio
dela que se garantiria a ordem e o progresso social. Rocha (2011, p.152), estudando o
projeto de educação higiênica que aconteceu na década de 1920, por meio do qual se
buscou incutir nas crianças um conjunto de hábitos, aponta para a necessidade de
lembrar que o termo povo “recobriu historicamente diferentes sentidos, servindo para
designar grupos sociais que não podem ser tomados como homogêneos”.
Para os republicanos paulistas, a educação popular se tornou um campo de ação
política e um instrumento responsável pela formação moral e intelectual do povo. A
educação atenderia as necessidades políticas e sociais do estado. No que se refere ao
viés político, a educação popular era imprescindível para que houvesse a participação
dos cidadãos nas eleições, que consolidariam o regime republicano.
Ao assumirem o poder em 1889, os republicanos paulistas, ancorados em um
projeto político e social e nas representações que tinham sobre a educação, colocaram
em prática uma política de educação popular, implantando um modelo de escola pública
primária. Essa escola estaria comprometida com a construção e consolidação desse novo
regime. Souza destaca que
os republicanos fizeram da educação popular um meio de
propaganda dos ideais liberais republicanos e reafirmaram a escola
como instituição fundamental para o novo regime e para a reforma
da sociedade brasileira. (SOUZA, 1998, p. 30)
Carvalho (1989, p.2), em seu estudo sobre o processo de definição do estatuto da
escola na ordem republicana, destaca que “a escola foi, no imaginário republicano,
signo da instauração da nova ordem”; ela seria capaz de garantir o progresso do país e
regenerar a nação. Segundo a autora, a escola foi vista pelos republicanos como única
arma capaz de gerar uma superação dos entraves que estariam impedindo a marcha do
país para o progresso, dentro da nova ordem que se estruturava. Formar o cidadão da
25
República foi a tarefa atribuída a ela. A formação integral do indivíduo aconteceria ali.
Na escola, as crianças poderiam ser educadas e instruídas para viver em sociedade.
A implantação da escola primária paulista se traduziu na criação dos Grupos
Escolares (Lei nº 169 de 7 de agosto de 1893 e Decreto nº 248 de 26 de julho de 1894),
construídos primeiramente para agrupar escolas e classes que anteriormente
funcionavam separadas.
Cada grupo escolar poderia comportar de 4 a 10 escolas isoladas e
seria regido pela quantidade de professores referentes a
agrupamentos de 40 alunos, contando também com adjuntos
necessários a critério da diretoria. Os alunos seriam distribuídos em
4 classes, para cada sexo, correspondentes ao 1º, 2º, 3º e 4º anos do
curso preliminar. Para a direção, o governo nomearia um professor
da mesma escola diplomado pela Escola Normal. Nos grupos
escolares poderiam funcionar no mesmo edifício escolas do sexo
masculino e do feminino, havendo completa separação dos sexos.
(SOUZA, 1998, p.47)
O surgimento dos Grupos Escolares aconteceu posteriormente à Reforma
Caetano de Campos (Decreto nº 27 de 12.03.1890), que propôs a primeira
reorganização do ensino paulista, com a reforma da Escola Normal e a criação da
Escola Modelo. É importante destacar que o estado de São Paulo foi o primeiro estado
brasileiro a colocar em prática uma reforma oficial do ensino, servindo de exemplo,
posteriormente, para outros estados brasileiros.3
A Reforma Caetano de Campos aperfeiçoou a Escola Normal e criou a Escola
Modelo, lugar onde os mestres (alunos da Escola Normal) colocavam em prática aquilo
que lhes era ensinado. Esse foi o primeiro passo da reforma geral da instrução pública
paulista: preparar professores para o ensino nas escolas elementares do estado.
Os reformadores republicanos acreditavam que a formação de professores era
imprescindível para o sucesso do projeto de renovação da escola pública, uma vez que
ela estava sendo concebida em termos da adoção de novos processos de ensino, entre os
quais a implantação de um novo método, o intuitivo, que consistia em um método
concreto, racional e ativo, denominado “ensino pelo aspecto”,
“lições de coisas” ou “ensino intuitivo”. O novo método pode ser
sintetizado em dois termos: observar e trabalhar. Observar significa
progredir da percepção para a ideia, do concreto para o abstrato,
dos sentidos para a inteligência, dos dados para o julgamento.
Trabalhar consiste em fazer do ensino e da educação na infância
3Souza (1998) e Razzini (2008) apontam que São Paulo foi o primeiro estado a colocar em prática a reforma oficial
do ensino, pois possuía condições favoráveis para isso, devido à cultura cafeeira que se desenvolvia no estado e
gerava desenvolvimento econômico e urbano.
26
uma oportunidade para a realização de atividades concretas,
similares àquelas da vida adulta. Aliando observação e trabalho
numa mesma atividade, o método intuitivo pretende direcionar o
desenvolvimento da criança de modo que a observação gere o
raciocínio e o trabalho prepare o futuro produtor, tornando
indissociável pensar e construir. (VALDEMARIN, 2001, p.159)
Caetano de Campos, mentor dessa reforma, foi o responsável por implantar na
Escola Modelo inovações pedagógicas do período, preocupando-se em fazer com que os
futuros mestres observassem e aprendessem na prática como as crianças deveriam ser
instruídas. Essa escola foi a morada do método intuitivo. Lá os professores aprenderiam
“como” ensinar seus alunos, baseados nessa nova concepção didático-pedagógica.
Destinada à prática dos alunos que cursavam o 3º ano da Escola Normal, a Escola
Modelo se estruturava em três graus de ensino, organizados da seguinte maneira:
1º grau para crianças de sete a dez anos de idade; 2º grau para as
idades de dez a catorze; e o 3º para adolescentes de catorze a
dezessete anos. Entretanto, sua organização atingiu apenas o ensino
do 1º grau, com o seguinte programa de ensino: lições de coisas,
com observação espontânea; instrução cívica; leitura: ensino
proporcionado ao desenvolvimento das faculdades do aluno a
ponto de ler corretamente, prestando o professor atenção à
prosódia; exercício de análise de pequenos trechos lidos, de modo
a poder o aluno compreender e ficar conhecendo a construção de
frases e sentenças, sem decorar regras gramaticais; escrita
graduada até a aplicação das regras de ortografia; aritmética
elementar, incluindo as quatro operações fundamentais, frações
ordinárias e decimais, regra de três simples com exercícios
práticos, problemas graduados de uso comum; ensino prático do
sistema legal de pesos e medidas; desenho à mão livre; exercícios
de redação de cartas, faturas e contas comerciais; noções de
geografia; ginástica, compreendendo marchas escolares e
exercícios militares; coral e trabalhos manuais. (REIS FILHO,
1995, p.53)
Essa organização fez com que a Escola Modelo se configurasse em uma matriz
de escola graduada no Brasil4, sendo utilizada como exemplo para os grupos escolares
em 1893, no momento de sua implantação. Salas mais homogêneas, prédios próprios,
método de ensino simultâneo, que possibilitava ao professor ensinar vários alunos ao
mesmo tempo, deixando de lado o método individual amplamente utilizado no Brasil
durante a época do Império, várias classes, vários professores e um programa de ensino
4 O modelo de escola graduada não estava se difundindo só no Brasil no final do século XIX. A partir de 1870, ele já
vinha sendo implantado em alguns países da Europa (França, Inglaterra e Espanha) e também na América do Norte
(Estados Unidos). Souza (1998) destaca que o século XIX, mais precisamente a segunda metade, foi cenário da
experimentação mundial da construção desse modelo de escola.
27
graduado. Essas foram algumas das inovações pedagógicas propostas e aplicadas à
Escola Modelo, que depois foram transplantadas para a organização dos grupos. A partir
disso,
a Escola Modelo constituiu-se no protótipo de organização dos
grupos escolares em São Paulo. Adotando a mesma ordenação
administrativa e didático-pedagógica das escolas graduadas, ela se
tornou a referência a ser seguida pelas escolas agrupadas
designadas “grupos escolares”(VIDAL, 2006, p. 27)
A criação dos grupos escolares conferiu aos republicanos paulistas vantagens
econômicas, com a reunião de escolas em um mesmo edifício. Reunir e agrupar alunos
em um mesmo prédio gerou para o governo uma racionalização dos gastos e um
controle mais sistemático da instituição. Apropriados principalmente para os centros
urbanos em desenvolvimento, como o caso de São Paulo, os grupos possibilitavam
reunir, em um só prédio, as escolas de uma mesma localidade.
É importante destacar que o processo de implantação da escola primária paulista
não foi igual para todo o estado. Os republicanos optaram por privilegiar a construção
dos grupos escolares nos centros urbanos, onde havia maior desenvolvimento
econômico, ou em bairros com maior contingente populacional. Essa medida foi
adotada para viabilizar o uso de verbas, pois o custo para a construção era alto. A ideia
de implantá-los nos centros urbanos se deu também para garantir maior visibilidade
política e social às ações do Estado. Com isso, mesmo com a criação dos grupos
escolares, as escolas isoladas não deixaram de existir, configurando-se como um
segundo tipo de escola primária.
Em 18945, o Decreto nº 248, de 26 de julho, estabeleceu as seguintes orientações
em relação aos grupos escolares:
Artigo 81. Nos lugares em que, em virtude de densidade da
população, houver mais de uma escola no raio fixado para a
obrigatoriedade, o Conselho Superior poderá fazê-las funcionar em
um só prédio para esse fim construído ou adaptado.
§ 1.º - Taes escolas terão a denominação de “Grupo Escolar” com a
sua respectiva designação numérica em cada localidade.
§ 2.º - Por deliberação do Conselho os Grupos Escolares poderão
ter denominações especiais, em homenagem aos cidadãos que por
ventura concorram com donativos importantes para o
5Souza (1998) destaca que, apesar de os republicanos paulistas terem encontrado dificuldades financeiras para a
implantação dos grupos escolares, no período de 1894 até 1910, foram instalados 101 deles, nas principais regiões do
estado. A autora destaca também, que muitas vezes, para a construção dos edifícios que seriam destinados a eles, o
governo recorria a donativos particulares, por falta de recursos financeiros. Eram os “barões do café” que acabavam
financiando as construções, apoiando o lema republicano de difusão da ordem e do progresso.
28
desenvolvimento da educação popular, principalmente no que se
refere á reunião das escolas.
Artigo 82. - Cada Grupo Escolar poderá comportar a lotação de 4 a
10 escolas isoladas no máximo e será regida por tantos professores
quantos forem os grupos de 40 alunos e pelos adjuntos que forem
necessários á diretoria.
§ 1.º - Podem funcionar no mesmo edifício escolas do sexo
masculino e do feminino, havendo completa separação dos sexos.
§ 2.º - Nos Grupos Escolares, os alunos serão distribuídos em 4
classes para cada sexo, correspondentes ao 1.°, 2.°, 3.° e 4.° anos
do curso preliminar. (SÃO PAULO, Decreto nº 248, de 26 de julho
de 1894)
Compreendidos em um primeiro momento como um local no qual se reuniam
escolas, os grupos escolares passaram por uma transformação. As escolas que se
reuniam em um mesmo espaço, se transformaram em uma única instituição, organizadas
sob uma mesma administração6. A partir dessa transformação, os grupos ganharam uma
organização didático-pedagógica singular, garantindo seu lugar de destaque no cenário
educacional paulista.
Souza (1998) destaca que a organização didático-pedagógica que passou a
diferenciar os grupos escolares de uma simples reunião de escolas foi a divisão do
trabalho escolar; a formação de classes mais homogêneas; a racionalização e
padronização do ensino; a implantação de um programa enciclopédico (Artigo 5º da Lei
nº 88, de 08 de setembro de 1892); a necessidade da construção de prédios próprios
tendo em vista a constituição da escola como lugar; a organização de novos
procedimentos de ensino; a profissionalização do magistério; bem como a instauração
de uma nova cultura escolar, visando à formação do cidadão.
A construção dos grupos escolares passou a dar visibilidade à ação política do
estado em relação à educação popular, tornando-se uma forma de propaganda do
regime.
Os edifícios escolares, enquanto espaços projetados, além de se
diferenciarem dos demais edifícios (na medida em que eram
construídos para finalidades diversas e específicas), passaram a
competir com estes, dado o volume espacial que ocupavam na
malha urbana, além dos seus detalhes e formas. Assim, os grupos
escolares passaram a rivalizar a atenção dos habitantes. Competiu,
por exemplo, com a construção do Teatro Municipal em 1911;
competiu com os palacetes que estavam sendo construídos em
6Souza (1998) destaca que a prática de reunião de escolas em um mesmo edifício, mesmo com a legitimação dos
grupos escolares como modelo de escola graduada a ser seguido, continuou a existir criando outro tipo de escola
primária denominado escolas reunidas. Essas escolas, apesar de instaladas no mesmo prédio, tinham funcionamentos
independentes, como escolas isoladas.
29
Higienópolis, depois que a área foi loteada em 1880; chegou
mesmo a confundir-se com a sede da Beneficência Portuguesa,
inaugurada em 1876. Diferiam de outros edifícios, como os
construídos no Largo da Concórdia em 1870, as residências do
Braz e da Mooca, das fábricas e barracões de oficinas, que eram
construções simples, sem grandes recursos e adornos. Mas a
grande importância dos edifícios escolares dessa época esteve em
ter-se instituição escolar uma destinação superior se comparada à
que se lhe dava no período monárquico, pois doravante possuía um
prédio próprio, construído específica e especialmente para
funcionar como escola. (ARAÚJO JÚNIOR, 2007, p. 2)
A construção dos grupos escolares foi um investimento também vinculado à
ideia da ordem, por meio dos espaços próprios destinados ao ensino. Os novos prédios
construídos para a instalação das escolas graduadas traziam em sua arquitetura traços
que os diferenciavam dos demais edifícios públicos. Eles possuíam uma identidade
própria e destinavam-se ao ensino e ao trabalho docente.
A construção arquitetônica dos edifícios-escola fez parte do imaginário social
republicano, pautado em uma forte crença no progresso e na modernização do país. As
escolas, com suas construções monumentais, representariam emblemas da modernidade
social. Considerando esse imaginário, os republicanos paulistas mitificaram o lugar no
qual a instrução e a educação do povo seriam oferecidas, a um lugar moderno,
“majestoso, amplo e iluminado” (CARVALHO, 1998, p. 25).
Carvalho (1998) destaca que a política de construção de prédios próprios para os
grupos escolares elevou os edifícios-escola à importância atribuída pelos governantes à
educação popular naquele momento histórico. Na concepção deles, era preciso “educar,
convencer e dar-se a ver!” (SOUZA, 1998, p.123). Definido “como” e “onde” seria
colocado em prática o projeto de escolarização popular, os republicanos paulistas
dedicaram-se à criação dos programas de ensino. Era preciso definir “o que” seria
ensinado nessas escolas primárias.
Que matérias iriam compor o programa? O que deveria ser ensinado nas escolas,
a fim de formar o cidadão? Não bastava continuar ensinando somente a leitura, a escrita,
o cálculo e a religião, pois a formação do homem moderno ia além desses ensinamentos,
somando a eles um número maior de conhecimentos. Naquele momento, os princípios
que estavam em pauta eram os da ciência, da educação moral e cívica e os que
apontavam para a preparação da criança para a vida em sociedade. Foi a partir deles que
os republicanos paulistas definiram o programa de ensino para a escola primária do
estado, pensando na formação integral do indivíduo.
30
Foi pensando nessa formação, que as matérias foram elencadas para o programa
de ensino, matérias de natureza científica e moral.7 O programa deixou de lado o dogma
cristão, que, substituído pelo civismo republicano, se tornou a “moral prática sobre a
qual se fundamentaria a formação do cidadão” (SOUZA, 1998, p.173).
Souza (1998) destaca que, por meio da criação do programa de ensino, os
republicanos fundaram um projeto cultural a ser colocado em prática nas escolas
primárias do estado. Tal projeto tinha como meta alcançar dois objetivos: formar o
cidadão para a ciência e “cultivar seu coração”. Cultivar o coração significava formar o
espírito do aluno, influenciando na formação do seu caráter.
A fórmula adotada pelos reformadores da instrução pública em São
Paulo buscou conciliar a integralidade do conhecimento sintetizado
nas “noções básicas”, com as finalidades de formação do caráter.
[...]. Em primeiro lugar, noções básicas ou noções práticas
necessárias à vida eram o mínimo destinado aos filhos do povo,
crianças que não continuariam os estudos e muitas nem mesmo
chegariam a concluir o curso preliminar. À escola primária era
atribuída uma finalidade prática e utilitária. Em segundo lugar,
encontrava-se pressuposta a distinção entre instruir e educar,
comum no pensamento dos profissionais da educação daquele
período. (SOUZA, 1998, p.174)
A educação e a instrução foram concebidas como atos diferentes, mas
complementares no projeto de educação popular. A instrução era a ação de transmitir
conhecimentos e a educação era compreendida como o ato de transmitir valores e
normas, a fim de garantir a formação do caráter do cidadão. Por meio das matérias do
programa de ensino, ambas iam sendo colocadas em prática. Os saberes elementares e
as noções científicas compunham a parte educativa do programa, como educação moral
e cívica, juntamente com a história, a geografia, a educação física (ginástica) e a
educação militar.
Com um espaço próprio, com professores formados para lecionar a partir dos
princípios do método intuitivo e um programa de ensino enciclopédico destinado à
formação do cidadão, foi preciso dotar materialmente essas escolas.
A preocupação com a dimensão material da escola pública passou a impulsionar
investimentos estatais, a fim de atender a nova organização didático-pedagógica
instituída para o ensino.
7 Souza (1998) destaca que essas matérias já haviam sido inseridas em programas de ensino das escolas primárias de
países da Europa e Estados Unidos, países referência para o Brasil, no momento de implantação da escola primária
graduada.
31
Esse novo modelo de escola exigia altos investimentos, pois
pressupunha a edificação de espaços próprios e mobiliário
moderno e abundante material didático. A racionalidade e a
uniformidade perpassavam todos os aspectos de ordenação escolar,
desde o agrupamento homogêneo de crianças (alunos) em turmas
mediante a classificação pelo grau de conhecimento consolidando a
noção de classe e série, o estabelecimento de programas de ensino,
a atribuição de cada classe a um professor, a adoção de uma
estrutura burocrática hierarquizada - uma rede de poderes, de
vigilância e de controle envolvendo professores, diretores,
porteiros, serventes, inspetores, delegados e diretores de ensino.
(SOUZA, FARIAFILHO, 2003, p.28)
A abundância de material didático era para atender a aplicação do método
intuitivo e ao programa de ensino estabelecido para as escolas primárias, pois para
ensinar intuitivamente qualquer uma das matérias que compunham o programa, o
material didático era essencial.
Estudando as concepções sobre o método intuitivo, Valdemarin (2004) destaca
que
entre as inovações vinculadas ao método de ensino intuitivo, estão
a proposição que a escola deva ensinar coisas vinculadas à vida,
aos objetos e fatos presentes no cotidiano dos estudantes,
introduzindo assim os objetos didáticos como elementos
imprescindíveis à formação das ideias. (...) A introdução dos
objetos didáticos na educação tem um caráter lúdico, mas também
disciplinador: um elemento novo em sala de aula torna-se o centro
da atenção das crianças, instaurando assim algo que é comum a
toda a classe de alunos e ao professor, é aquilo que os une no
caminho do conhecimento. Mas, acima disso, traz consigo a
possibilidade de uniformizar raciocínios, modos de pensar,
cristalizando uma forma de apropriação das coisas exteriores num
processo que é dirigido pelo professor, o representante naquela
situação do legado das gerações precedentes, inclusive com seus
valores e seus preconceitos. (Valdemarin, 2004, p. 176)
Era preciso considerar tudo o que fosse condizente com a infância: a
imaginação, a curiosidade, o sentido e a observação. O material didático se tornou um
elemento necessário, caracterizando-se como ferramenta do trabalho docente. Nesse
sentido,
tiveram de ser reelaborados ou reinventados para se adequar aos
programas, acrescidos de matérias e de conteúdo, que passaram a
ser oferecidos “intuitivamente”, de maneira gradual e seriada. A
principal consequência de tal uniformização, aliada ao emprego do
modo simultâneo para toda a sala de aula, foi a exigência de que
cada aluno tivesse seu próprio material escolar, aumentando a
demanda por produtos que se tornariam cada vez mais de uso
individual, como penas, lápis, ardósias, folhas de papel, cadernos e
livros. (RAZZINI, 2010, p.106)
32
Era por meio do uso dos materiais e da aplicação do método intuitivo, que seria
possível atingir a uniformidade do ensino, tão almejada pelos republicanos. Foi dentro
dessa demanda de materiais, que o livro escolar ganhou seu lugar de destaque.
1.2 – O livro de leitura: o livro escolar da criança e o grande interesse editorial
O uso dos materiais escolares, principalmente dos livros didáticos, atrelados aos
programas de ensino, aos novos métodos e à nova concepção de educação, ganhou
importância em São Paulo na última década do século XIX, devido à expansão da
escola primária.
Razzini (2011) destaca que
em 1908, existiam 80 Grupos Escolares (18 na capital e 62 no
interior), em 1913, eles já eram 120 (25 na capital e 95 no interior)
e, em 1918, o número de Grupos Escolares já somava 176 (30 na
capital e 146 no interior). Os dados levantados sempre confirmam
a ampliação deste modelo escolar na rede estadual de ensino, tanto
no aumento de prédios, alunos e professores, como na crescente
concentração das matrículas nos Grupos Escolares. Em 1918, as
escolas estaduais respondiam por mais de 72% das matrículas do
ensino primário (45% nos Grupos Escolares e 27% nas Escolas
Isoladas) e o sucesso dos Grupos Escolares confirma-se ainda nos
índices de frequência, pois eles concentravam quase 65% dos
alunos que frequentavam a escola pública primária, justificando os
investimentos oficiais para sua modernização (RAZZINI, 2011, p.
3)
Essa expansão escolar gerou uma expressiva produção de livros, fazendo com
que o mercado editorial se ampliasse de maneira significativa no período entre 1889 e
1930. O alargamento da atividade editorial em São Paulo pode ser compreendida por
meio do estudo de Hallewell (1985), sobre a história do livro no Brasil. O autor destaca
que, no início da década 1890, havia apenas oito editoras instaladas no estado, “sendo
pequeno o interesse de São Paulo na produção de livros” (HALLEWELL, 1985, p.307).
Porém, ao longo de três décadas, os números se modificaram de maneira expressiva,
atingindo, na década de 1920, 15 editoras instaladas na cidade, totalizando 209 títulos
publicados por elas. No início da década de 1920, São Paulo produziu 293.000
exemplares de livros didáticos voltados ao ensino das escolas primárias.
Observando o crescimento no mercado de livros escolares em âmbito nacional,
Razzini (2007, p. 21) destaca que ele foi “parte das condições de infraestrutura (física e
33
cultural), criadas para a consolidação dos sistemas nacionais de educação”. Segundo a
autora foi a conformação da nova escola primária que gerou esse aumento, devido à
necessidade de se ter produtos adaptados ao ensino graduado, capazes de atender os
requisitos do método intuitivo e das matérias que compunham o currículo.
Após a reforma oficial do ensino paulista, o governo estabeleceu que somente os
livros de leitura deveriam ser destinados ao uso dos alunos, o que possibilitou uma vasta
produção desse tipo de material. Razzini (2010) destaca que
Em São Paulo, desde o início da República, o governo controlou a
escolha dos livros didáticos nas escolas públicas primárias, nas
quais só poderiam entrar aqueles que fossem aprovados
previamente pelo Conselho Superior da Instrução Pública e, mais
tarde, quando foi extinto (1897), pelas sucessivas comissões
designadas pela Diretoria Geral da Instrução Pública. Ao lado
disso, o governo estabeleceu que somente os livros de leitura
deveriam ser destinados ao uso dos alunos, o que desobrigava o
fornecimento de livros das demais matérias, as quais ficariam a
cargo da “palavra do mestre”. É importante frisar que a
determinação de adotar apenas “cartilhas e livros de leitura
corrente” para uso dos alunos persistiria até o final da década de
1930, colocando tais produtos no centro das adoções oficiais e do
interesse das editoras. (RAZZINI, 2010, p. 107)
Os livros de leitura se tornaram parte da lista de compras do governo,
influenciando de maneira significativa o desenvolvimento da indústria gráfica paulista,
a partir da última década do século XX. A livraria Francisco Alves, por exemplo,
fundada em 1854 na cidade do Rio de Janeiro, abriu sua unidade em São Paulo no ano
de 1894, visando atender a esse mercado de livros. Com a sua produção crescente, se
tornou a principal editora de livros escolares do Brasil, no período.
Hallewell (1985) destaca que a livraria Francisco Alves desde 1872, quando
ainda pertencia a Nicolau Antônio Alves e se chamava Livraria Clássica Alves & Cia
instalada na cidade do Rio de Janeiro, já tinha como especialidade a venda de livros
colegiais e livros acadêmicos. Quando Francisco Alves assumiu a empresa de seu tio
Nicolau em 1897, manteve essa linha de interesse e ampliou-a com a inclusão de
material para a escola primária e o desenvolvimento da parte editorial. Segundo o autor,
os livros didáticos constituíram uma linha de vendas segura
permanente, além de proporcionar ao editor nacional uma
vantagem sobre os competidores estrangeiros, cujos produtos
jamais poderiam adaptar-se tão bem às condições ou aos currículos
locais. (HALLEWELL, 1985, p.280)
34
A inclusão de material didático na lista de interesses da Francisco Alves se
deveu às reformas educacionais que ocorreram a partir do regime republicano. Segundo
o autor, o fator “mais importante para o mercado de livros didáticos naquele período
foram os grandes progressos nos métodos educacionais” (HALLEWELL, 1985, p.281).
No que se refere ao percurso histórico da edição de livros didáticos em nosso
país, é importante destacar que, no ano de 1808, instalou-se a Imprensa Régia no Brasil.
Porém, seu objetivo era a impressão de documentos governamentais, publicando, vez ou
outra, obras científicas e literárias, mas não didáticas. Por isso, para o uso das escolas, o
que se utilizava, na maioria das vezes, eram “os clássicos da literatura internacional e as
crianças aprendiam a leitura nos abecedários, em toscas cartilhas, papeis de cartório e
cartas manuscritas que professores e pais de alunos forneciam” (Valdez, 2004, p.220).
Bittencourt (2004) destaca que, com a quebra do monopólio da Imprensa Régia,
em 1822, iniciou-se a transferência dos encargos editorais para o setor privado. Segundo
a autora, a Tipografia Nacional continuou publicando algumas obras, porém em número
restrito. Nesse momento, surgem editores de origem estrangeira. É importante assinalar
que esses estrangeiros se mantiveram vinculados com seus países de origem para a
produção, devido ao custo de papel e tinta, que no Brasil eram muito elevados,
preferindo fazer a impressão das obras na Europa. A autora registra que até 1885 três
editoras se destacaram no Brasil, na produção de obras didáticas: a editora dos irmãos
Laemmert; a editora B. L. Garnier e a firma de Nicolau Alves (que, posteriormente,
passou a se chamar Livraria Francisco Alves).
Examinando a produção do livro escolar para as escolas elementares, a partir de
1889, Souza (1998) registra que, no período de difusão da escola primária,
o consumo escolar do livro lançou autores e editores num
empreendimento lucrativo ancorados na indústria de manuais
escolares. A falta de manuais escolares para professores e alunos
era atestada pelos reformadores da instrução pública em São Paulo.
De fato, a literatura didática dos tempos do Império era bastante
precária. Poucos eram os compêndios pedagógicos em língua
portuguesa e nas escolas de primeiras letras era comum o uso de
cartas manuscritas de “debuxos” feitos pelo próprio professor. Para
sanar tais dificuldades, os reformadores previram a iniciativa do
Estado na publicação de periódicos pedagógicos e manuais
didáticos para a orientação de professores. Nascia, assim, a política
do livro didático. Em relação aos alunos, o Estado assumiu o
controle absoluto sobre os livros e materiais escolares. (SOUZA,
1998, p.231)
35
Os livros de leitura ganharam lugar de destaque dentre os livros didáticos
produzidos. Eles se tornaram o centro dos interesses editoriais, impulsionando a
expansão no campo das editoras. Diante da ampliação do ensino, muitos professores
passaram a elaborar obras didáticas, contribuindo com as editoras, que se interessavam
por esse tipo de material.
1.3 - Autores e editores na produção dos livros de leitura e séries graduadas
Abílio César Borges (Barão de Macaúbas), Felisberto de Carvalho, Hilário
Ribeiro, Thomaz Galhardo, João Kopke, Arnaldo de Oliveira Barreto, Francisco Vianna
e Romão Puiggari foram alguns dos nossos primeiros autores de livros de leitura.
Segundo Pfromm Netto (1974, p. 170), esses autores produziram “nossas primeiras
séries graduadas de livros de leitura, livros que foram verdadeiramente nacionais”. Com
experiência pedagógica proveniente dos cursos primário, secundário ou das escolas
normais de formação de professores, os autores se preocuparam com a elaboração de
livros destinados ao uso exclusivo das crianças. Esses professores se tornaram alvo de
observação das editoras, que passaram a selecioná-los considerando seus perfis
profissionais. Eles deveriam acompanhar os avanços pedagógicos do período.
Segundo Bittencourt (2004)
escrever um livro didático apresentava desafios, e os editores
possuíam consciência da complexidade da tarefa. Entre outros
desafios havia o de elaborar textos que pudessem mesclar
narrativas e “atividades” de aprendizagem, compondo as relações
de ensino e aprendizagem. (BITTENCOURT, 2004, p. 484).
Os autores deveriam organizar os saberes de acordo com os parâmetros ditados
pelo estado de São Paulo, que estipulava que os livros deveriam ter seus conteúdos
divididos por lições ou títulos, de acordo com a série para qual se destinava o material.
É importante destacar que a maioria dos livros de leitura produzidos por esses autores
foram organizados em séries graduadas, em que cada livro equivalia a um ano letivo da
escola primária, mantendo uma continuidade entre as matérias. Os autores distribuíam,
ao longo das séries, todos os conhecimentos a serem ensinados, desde o primeiro até o
último ano da escola primária.
Atender aos parâmetros ditados pelo estado era um fator primordial para que as
séries fossem aprovadas pelo Conselho Superior da Instrução Pública (até 1897) e,
36
posteriormente, pelas sucessivas comissões designadas pela Diretoria Geral da Instrução
Pública para aprovação dos livros didáticos.
As editoras possuíam grande interesse em lançar obras com chances de serem
aprovadas e adotadas8 para uso nas escolas. Essa é uma das razões pelas quais as
editoras procuravam esses professores do ensino primário, secundário e das escolas
normais para a escrita de livros, pois “as posições que muitos desses autores ocupavam
em setores educacionais proporcionavam a elaboração de textos com maior
probabilidade de aprovação por atenderem aos critérios dos Conselhos da Instrução
Pública” (BITTENCOURT, 2004, p.488).
O interesse editorial na produção dessas obras crescia. Desta forma, o livreiro
Francisco Alves, que assumiu em 1897 a firma criada por seu tio Nicolau Alves, no ano
1854 (Livraria Clássica e posteriormente Livraria Clássica de Alves & Comp.) quase
monopolizou a produção de livros destinados à escola primária, permanecendo no
mercado por algumas décadas do século XX.
A Livraria Francisco Alves, segundo Razzini (2004), se consagrou no mercado
de livros principalmente por produzir esses materiais voltados à escola elementar,
atingindo no período entre 1890 a 1919 a publicação de 307 títulos didáticos. A
expansão da escola elementar nos demais estados do país, a partir de 1910,
proporcionou à livraria Francisco Alves uma produção de livros que seriam destinados
não apenas ao estado de São Paulo. A livraria, que já possuía uma sede na cidade do Rio
de Janeiro, fundada no ano de 1854, abriu também uma sede em Belo Horizonte, no ano
de 1906.
Instalada em São Paulo no ano de 1894, ela acompanhou as inovações
tecnológicas na fabricação de livros “mantendo associações com empresas editoriais do
exterior, sobretudo para garantir impressões com menor custo” (BITTENCOURT,
2004, p.489). Com isso, a editora ganhou a oportunidade de colocar seus livros no
mercado a um preço bem baixo. Interessada em ampliar cada vez mais sua participação
nessas vendas de livros, a Francisco Alves passou a buscar obras já lançadas em outras
editoras para compor o seu catálogo.
Vale ressaltar que, um ano antes de sua instalação na cidade de São Paulo, essa
editora já havia tentado, junto ao Conselho Superior da Instrução Pública Paulista, a
8 Razzini (2004) destaca que há uma diferença entre livros aprovados e livros adotados pelo governo. Segundo a
autora, os livros aprovados eram livros liberados para uso nas escolas públicas, já os adotados eram aqueles que
seguramente seriam comprados pelo poder público.
37
aprovação e a adoção de duas obras publicadas por ela: um livro de leitura de Hilário
Ribeiro e um livro de leitura de Felisberto de Carvalho (ambos os autores nascidos em
outros estados brasileiros).
No ano de 1893, os livros de Hilário Ribeiro e Felisberto de Carvalho, que
passaram pelo Conselho, foram aprovados, porém não foram adotados para o uso nas
escolas públicas paulistas. A justificativa da não adoção foi o preço dos livros. O
Conselho considerou o preço muito alto para os livros de Ribeiro e Carvalho, se
comparados com livros de outros autores, principalmente paulistas.
A Francisco Alves percebeu que, para entrar no mercado paulista, teria,
primeiramente, que ajustar os preços de seus livros e depois procurar autores paulistas,
engajados na escrita desse tipo de material. Os escritores buscados pela editora
deveriam ser aqueles que possuíam cargos no magistério, já haviam exercido ou
estavam exercendo a profissão docente.
Não podemos deixar de ressaltar que essa editora tinha como uma de suas
principais concorrentes a livraria Teixeira & Irmão (T & I) que publicava obras de João
Kopke e Thomaz Galhardo (ambos professores em escolas primárias paulistas). O
quadro a seguir destaca as obras e os autores publicados pela T & I:
Quadro 1: Autores de obras didáticas destinadas à escola elementar paulista,
publicadas pela Livraria Teixeira e Irmão, no final do século XIX
AUTORES OBRAS PUBLICADAS
Latino Coelho Código juvenil (1891)
Julio Ribeiro Grammatica da puerícia (1891) Grammatica portugueza (1891) - 3ª edição
João Köpke Fábulas (1891); 4º Livro, leituras moraes e instructivas (1892); Leituras praticas (1892)
Tancredo do Amaral Geographia elementar (1893) - 2ª edição
**Fonte: Informações obtidas em RAZZINI, 2010, p.109.
A livraria Teixeira & Irmão decretou falência em 1894, o que fez com que os
livros de leitura de Thomaz Galhardo, Tancredo do Amaral e João Köpke, antes
publicados por ela, passassem a compor o catálogo da Francisco Alves naquele mesmo
ano.
38
A partir de 1894, essa editora começou a adquirir obras de autores vinculados ao
sistema de ensino paulista vindos de outras editoras. Ela comprou a N. Falconi, a
Livraria Melilo, passando a publicar obras de Tancredo do Amaral, Tomaz Galhardo,
Romão Puiggari, João Diogo Esteves da Silva, Arnaldo de Oliveira Barreto, Ramon
Roca Dordal e João Kopke. O quadro abaixo mostra os autores e suas respectivas
publicações pela Francisco Alves, no final do século XIX e início do século XX.
Quadro 2: Autores de obras didáticas destinadas à escola elementar
paulista, publicadas pela Livraria Francisco Alves
AUTORES OBRAS PUBLICADAS
Tancredo do Amaral História do Estado de São Paulo, 1894;
Geographia Elementar, 1895; Analectos
Paulistas, 1896; O Estado de São Paulo,
1896; Livro das Escolas, 1913.
Thomaz Galhardo Cartilha da Infância, 1895; Segundo, 1895 e
Terceiro Livro de Leitura, 1906.
Arnaldo Barreto Primeiras Leituras, 1908; Cartilha Analítica,
1909; Leituras Moraes, 1909; Cartilha das
Mães, 1911.
Romão Puiggari Cousas Brasileiras, 1895; Álbum de
Gravuras, 1898, e com Arnaldo Barreto, Série
Puiggari-Barreto: Primeiro, 1909; Segundo,
1911; Terceiro 1911; e Quarto Livro de
Leitura, 1911.
Ramon Roca Pequenas Leituras, 1913.
Alfredo Bresser Leitura Manuscripta, 1909, com Romão
Puiggari e Ramon Roca, sob a sigla BPR das
iniciais dos sobrenomes.
João Kopke Fábulas, 1910; Leituras Práticas, 1915;
Primeiro 1908; Segundo, 1908; Terceiro
1908; Quarto 1908; e Quinto Livro de
Leituras Moraes e instructivas, 1911.
Diogo Esteves da Silva Instrução Moral, 1897.
Mario Bulcão Vida Infantil; Primeiro 1906; Segundo, 1906;
Terceiro, 1906 e Quarto Livro de Leitura,
1906.
Francisco Viana Leituras Infantis: cartilha, 1912; Histórias
para pequeninos, leitura preparatória,1909;
Primeiro, 1908; Segundo, 1908 e Terceiro
Livro de Leitura, 1908; Primeiros passos na
leitura, 1915; Aprendizagem da Leitura,
1915; Cadernos de Linguagem, 1909.
Rita de Macedo Barreto Corações de Crianças: Leituras preparatórias,
1914; Primeiro, 1913; Segundo, 1913;
Terceiro, 1913 e Quarto Livro de Leitura,
1916. **Fonte: Informações obtidas em RAZZINI, 2010, p. 113.
39
Como podemos perceber nesse quadro, houve uma produção principalmente de
livros de leitura. Apesar de ser a maior, a Francisco Alves não foi a única editora a
produzir livros destinados ao uso escolar nesse período em São Paulo. A Tipografia
Siqueira, a editora Melhoramentos e a editora Monteiro Lobato também se destacaram
no mercado. Não podemos deixar de ressaltar que a Francisco Alves se manteve como a
líder até 1920, quando foi vendida.
Segundo Hallewell (1985) essa editora foi vendida para os antigos empregados
Paulo Ernesto de Azevedo e Antônio de Oliveira Martins. A nova firma adotou como
razão social, a partir de 1917, o nome Paulo de Azevedo & Companhia, mas continuou
a utilizar a marca Francisco Alves. O autor destaca que, após a morte de Francisco
Alves, a firma continuou a dominar o mercado brasileiro de livros didáticos, até o
aparecimento da Companhia Editora Nacional, pertencente a Octalles Marcondes
Ferreira e Monteiro Lobato. No final da década de 1920, ela colocou a Francisco Alves
em segundo lugar, no mercado de livros.
A Tipografia Siqueira entrou no mercado paulista também em 1894, mesmo ano
da Francisco Alves. Segundo Hallewell (1985), ela se dedicou primeiramente apenas à
editoração e publicação de livros destinados à Academia de Direito e ao fornecimento
de livros em branco, para a escrituração administrativa do estado, mas logo se inseriu na
produção de materiais e títulos didáticos para a escola elementar. Uma das obras
publicadas pela Tipografia Siqueira, que se destacou, foram os livros didáticos da
coleção FTD, elaborados pela Congregação Marista do Brasil, a partir de 1902. Durante
a Primeira República, ela publicou 23 títulos de livros didáticos.
No início do século XX, a editora Melhoramentos também se lançou no
segmento de livros didáticos. Fundada em 1899, ela iniciou seus trabalhos voltando-se
para o campo das artes gráficas na capital paulista. Sua primeira publicação aconteceu
no ano de 1907, com a obra Gramática Expositiva. Nesse momento, a chancela da
editora recebia o nome de Estabelecimento Graphico Weiszflog Irmãos e Companhia.
Somente em 1915, a editora Melhoramentos lançou o primeiro livro com chancela
própria: O Patinho Feio, de autoria de Hans Christian Andersen, traduzido por Arnaldo
de Oliveira Barreto.
No ano de 1920 Monteiro Lobato cria sua editora, a editora Monteiro Lobato &
Companhia. Segundo Azevedo (1997), que estudou o percurso da editora,
começando a operar em julho, a nova editora cria uma cadeia de
vendedores espalhados pelo país e entra no mercado publicando
40
livros em escala crescente. Todos os serviços foram reorganizados
no sentido de incrementar a produção e, com isso, ao término do
segundo semestre de 1920, o capital ascendia a 130 contos, tendo
sido impressos sessenta mil volumes. (AZEVEDO, 1997, p. 130)
1.4 A série graduada de livros de leitura Puiggari-Barreto: que série é essa?
Os autores paulistas, engajados na escrita de livros didáticos, produziram
diversos livros de leitura para serem utilizados na escola graduada elementar que estava
se instalando em São Paulo; livros esses, organizados em séries graduadas. Dentre as
séries, tem-se a série graduada Puiggari-Barreto.
Escrita pelos autores paulistas Romão Puiggari e Arnaldo de Oliveira Barreto, a
série foi editada, pela primeira vez, na Livraria Paulista de Miguel Melillo (N. Falconi
& Cia), no ano de 1904. Em 1908, quando a Livraria N. Falconi & Cia. foi adquirida
pela Francisco Alves, a série Puiggari-Barreto, assim como todo o catálogo passou a
fazer parte do catálogo da Francisco Alves, no qual permaneceu por mais de duas
décadas, ao longo do século XX.
A série Puiggari-Barreto é composta por quatro livros, tendo cada volume
aproximadamente 250 páginas. Eles se diferenciam em seus conteúdos, sendo
constituído em forma de textos narrativos (lições), cada um com um título diferente, de
acordo com a temática abordada. A série , assim como as demais, se organiza em
Primeiro, Segundo, Terceiro e Quarto livro de leitura, destinados ao uso dos alunos, de
acordo com a série em que estavam matriculados na escola elementar graduada. Os
livros de leitura mantêm uma gradação do conteúdo, como o próprio nome sugere,
respeitando a série escolar dos alunos que os utilizavam.
Romão Puiggari e Arnaldo de Oliveira Barreto foram atuantes no campo
educacional paulista e estavam engajados no âmbito educacional, no momento em que a
série foi escrita.
41
Imagem 1 – Romão Puiggari
(**Fonte: http://www.iecc.com.br/historias-caetanistas/277/jorge-americano)
Romão Puiggari nasceu em 1865, na cidade de Vigo, região da Galícia, na
Espanha. Chegou ao Brasil no ano de 1877. Formou-se professor no Brasil, iniciando
sua carreira na cidade de Mogi Mirim (SP). Em 1895 foi nomeado professor na Escola
Normal Caetano de Campos, na qual lecionou até ser promovido ao cargo de diretor, no
Grupo Escolar do Brás, na cidade de São Paulo. Trabalhou como diretor nesse grupo
escolar por dois anos, vindo a falecer em 1904, aos 39 anos. Foi autor de outras obras
educacionais, além dos livros da série de leitura. Escreveu também Cousas Brasileiras,
em 1895, e Álbum de Gravuras, em 1898.
42
Imagem 2 – Arnaldo de Oliveira Barreto
(**Fonte: https://campinasnostalgica.wordpress.com/tag/gomide/)
Já Arnaldo de Oliveira Barreto nasceu em Campinas, no dia 12 de setembro de
1869. Começou seus estudos no colégio Morton, na mesma cidade e em 1889
matriculou-se na Escola Normal de São Paulo, na qual recebeu seu diploma, no ano de
1891. Barreto foi responsável, em 1894, por reger uma das classes da Escola-Modelo do
Carmo (anexa à Escola Normal de São Paulo) e, mais tarde, no ano de 1897, tornou-se
inspetor das escolas anexas do estado. Atuou como redator-chefe da Revista de Ensino,
entre os anos de 1902 e 1904, ficando conhecido pelo conjunto de atividades que
desempenhou no campo educacional e também por sua ampla produção escrita.9
9 Sobre a biografia de Arnaldo de Oliveira Barreto, consultar Maziero (2015). A autora reuniu diversos trabalhos que
também versam sobre Arnaldo de Oliveira Barreto e discorreu sobre sua trajetória, enquanto educador da infância e
da juventude. A autora fala sobre a infância do autor, sua juventude e constelação familiar, seu ingresso na escola
normal e sua trajetória profissional.
43
Arnaldo Barreto foi autor de obras como Cartilha das Mães; Cartilha Analítica;
Leituras Morais; Primeiras Leituras; Cadernos de Cartografia, Cadernos de
Linguagem e Coleção de Cadernos de Caligrafia (coautoria com Ramon Roca Dordal).
No ano de 1915, organizou a Biblioteca Infantil da Editora Melhoramentos, traduzindo
e publicando como primeiro título a obra O patinho feio de Hans C. Andersen.10
Barreto
foi um dos principais escritores de livros de leitura e de cartilhas destinados ao uso das
crianças, no período entre o final do século XIX e o início do século XX. Viveu por 56
anos, falecendo na cidade de São Paulo em 1925.
Medina (2012) destaca que o envolvimento de Romão Puiggari e Arnaldo
Barreto nas questões educacionais, principalmente na produção de materiais didáticos,
ocorreu pelo fato de terem vivenciado
os problemas educacionais brasileiros, atuando como professores,
diretores, inspetores; eles participavam das discussões sobre
mudança e melhoria pedagógica e publicavam suas ideias e
propostas de ensino. Pode-se dizer que eram personalidades da
educação, no Brasil do início do século XX. (MEDINA, 2012,
p.98)
O fato de serem profissionais ligados ao sistema educacional paulista pode ter
auxiliado na aprovação e na adoção da série para as escolas públicas primárias do
estado. As informações presentes na contracapa do Terceiro Livro de Leitura, por
exemplo, publicado no ano de 1911 (7ª edição), indicam a aprovação e adoção da série,
bem como apontam as credenciais de seus autores e suas atuações:
10
Maziero (2015), em seu trabalho intitulado Arnaldo de Oliveira Barreto e a Biblioteca Infantil Melhoramentos
(1915-1925): histórias de ternura para mãos pequeninas, aborda a trajetória de Arnaldo de Oliveira Barreto enquanto
organizador dessa biblioteca, apontando as obras traduzidas pelo autor, que compuseram a coleção.
44
Imagem 3–Credenciais dos autores e aprovação do livro contida no
Terceiro Livro de Leitura Puiggari-Barreto - 7ª edição– 1911.
O registro da aprovação e adoção da obra vem acompanhado de informações que
apontam para a utilização da série em escolas primárias de outros estados brasileiros,
como Bahia, Santa Catarina e Espírito Santo. Nessa mesma contracapa, existem ainda
registros da premiação da série em uma exposição internacional.
Kuhlmann Jr. (2001; 2006), estudando as festas didáticas e as exposições
internacionais, destaca que a participação nessas exposições tinha como objetivo criar
45
uma comparação capaz de estabelecer uma classificação entre os diferentes países que
participavam. Segundo o autor
para arbitrar o processo comparativo entre as nações, as comissões
organizadoras das exposições universais elaboraram classificações
minuciosas dos produtos exibidos, visando abarcar o universo
produtivo e a totalidade da vida social. Nesse esforço taxionômico,
herdeiro do enciclopedismo, as diferentes dimensões do
pensamento e da atividade humana receberam seus rótulos, em
exercícios exaustivos de categorização e tipologia. Criaram-se
grandes grupos que envolviam das artes às tecnologias, passando
pelas políticas sociais. Os grupos eram subdivididos em várias
seções e distribuídos segundo áreas geográficas, tipos de seres
humanos, instituições, variados produtos, ou tipos de trabalho
humano. Os objetos expostos eram submetidos a uma avaliação
realizada por um corpo de jurados internacional, e os expositores
condecorados com medalhas e diplomas de honra. (KUHLMANN
JR, 2006, p. 6434)
Falcão, Oliveira & Schwartz (2008), em um trabalho sobre livros de leitura
utilizados no estado do Espírito Santo, nas primeiras décadas do século XX, destacam a
presença da série Puiggari-Barreto na listagem de compras realizadas pelo estado. O
documento publicado pelo estado do Espírito Santo, sobre seus negócios nos anos de
1908 a 1912, lista livros de leitura de Puiggari-Barreto, juntamente com os de João
Köpke e Thomaz Galhardo.
Um exemplar publicado no ano de 1922, do Primeiro Livro de Leitura,
apresenta na contracapa as mesmas informações presentes na 7ª edição do Terceiro
Livro de Leitura. Nesse exemplar a informação de que o livro corresponde à 26ª edição
possibilita pensar a utilização desta coleção, ao longo das primeiras décadas no século
XX.
46
Imagem 4– exemplar da 26ª edição do Primeiro Livro de Leitura Puiggari-Barreto –1922
A série Puiggari-Barreto pode ter sido reeditada um número maior de vezes,
indo além da 26ª edição. Porém, a falta de acesso a outras edições, impossibilita garantir
essa informação. Bittencourt (2004) aponta que os livros de leitura produzidos em São
Paulo, a partir de 1890, tiveram um número significativo de reedições. As editoras,
principalmente a Francisco Alves, com as inovações tecnológicas na fabricação de
livros, garantiram a “longa vida” de suas obras no mercado. Segundo ela,
47
um número significativo de obras produzidas no final do século
XIX e início do século XX tiveram inúmeras edições e foram
usadas por várias gerações de alunos. Além das obras da editora
Francisco Alves, que encabeçaram as listas de livros aprovados e
adotados nas escolas primárias e secundárias oficiais até 1920,
livros de outras editoras, especialmente as destinadas às escolas
confessionais, também tiveram uma longa duração.
(BITTENCOURT, 2004, p. 489)
Romão Puiggari e Arnaldo Barreto, ao produzirem a série Puiggari-Barreto,
assumem como gênero literário a narração. Organizada em quatro livros – Primeiro
livro de leitura (240 p.); Segundo livro de leitura (203 p.); Terceiro livro de leitura (227
p.) e Quarto livro de leitura (184 p.) – a série conta a história de Paulo, desde o
momento que antecede o seu ingresso na escola primária até o quarto ano, quando o
menino termina a instrução primária. Os quatro livros de leitura abordam a convivência
do garoto na escola e em casa, com familiares, amigos e professores.
Estudando livros de leitura utilizados na escola primária paulista, no início do
século XX, Oliveira e Souza (2000), destacam que a coleção de livros de leitura
Puiggari-Barreto representou
um estilo de livros de leitura muito semelhante à obra italiana
intitulada Cuore, de Edmundo de Amicis, a qual retrata em
suas páginas, em forma de diário, histórias vivenciadas por
um menino de nome Henrique. Nesses episódios estão
relatados o seu dia-a-dia na escola, na família e com os
amigos. (OLIVEIRA & SOUZA, 2000. P.17)
Observando aspectos da materialidade da obra, foi possível perceber que as
narrativas que compõem a coleção, juntamente com as ilustrações, participam da
produção de uma representação de criança ideal, por parte dos autores. Os livros,
pensados para o ensino da leitura e da escrita para as crianças que frequentavam a
escola, como sugere o próprio título, trazem em seus textos e ilustrações uma gama de
temáticas que possibilitam pensar a construção dessa representação, constituindo os
personagens como modelos idealizados de criança, expressão de comportamentos
“adequados”, segundo os padrões da sociedade, naquele momento.
Além de abordarem nas lições os conteúdos específicos de aritmética, zoologia e
história, os livros Puiggari-Barreto possuem lições de cunho moral, cívico e patriótico,
nas quais se percebe a possível intenção dos autores de disseminar valores almejados
para a sociedade (LAGUNA, 2003; OLIVEIRA 2004). Nas páginas da série graduada,
encontramos as possíveis normas de comportamentos aceitáveis, as quais os alunos, por
48
meio da leitura, deveriam aprender e incorporar, observando as vivências dos
personagens, representados como exemplos.
Nos quatro livros de leitura, os autores deixam transparecer o intento de
formação da criança. No Segundo livro de leitura, publicado em 1911, os autores
dedicam a obra à infância brasileira, como um claro indício desse intento.
;
Imagem 5 – Dedicatória do Segundo Livro de Leitura Puiggari-Barreto
9ª de edição – 1911 à Infância brasileira
Santos (2013), ao estudar a série Puiggari-Barreto, aponta que ela, assim como
as demais séries, foram a primeira manifestação de uma literatura e de uma leitura
infantil dedicadas exclusivamente às crianças, sendo publicadas para atender ao novo
projeto de formação da criança. Nesse sentido, podemos ler a série Puiggari-Barreto,
como um instrumento desse processo de formação.
49
Por meio dos livros seria possível “moldar” a criança: “Os livros que, no menino
vão talhando o cidadão! (PUIGGARI-BARRETO, 1911, p.37). Além de se destinar ao
ensino da leitura, os livros da série formariam, gradualmente, a criança. Essa formação
estava ligada à dimensão moral, uma vez que, a moral estabelecida para o ensino nas
escolas,
abarcava um manancial de civilidade e bons costumes: hábitos de
ordem, comportamento da criança na escola, casa, rua e lugares
públicos, deveres para com os pais e superiores, histórias que
despertassem o amor pelo bem, deveres da criança na família –
deveres para com os pais e avós, deveres para com os irmãos e
irmãs, para com os servidores – a criança na escola, moral
individual, deveres corporais, temperança, prudência, coragem,
sinceridade, deveres de justiça e caridade, deveres de família e na
vida profissional, deveres cívicos e das nações entre si. (SOUZA,
1998, p.179)
Na construção dos personagens que compõem a série, fica evidente o esforço
dos autores no sentido de “disciplinar” e “moldar” as crianças, a partir de preceitos
morais. As lições que compõem os quatro livros da coleção são narrativas com fundo
moralizante. Nessas histórias, os personagens vão apresentando comportamentos ideais
que deveriam ser seguidos pelas crianças durante a infância, bem como ações
consideradas reprováveis, que surgem cercadas de censura. No conteúdo das lições, há
uma proposta dos autores de, por meio de historietas envolvendo crianças e adultos,
apresentar virtudes e valores que vão se insinuando nas páginas dos livros, construindo
pautas de comportamentos.
50
CAPÍTULO 2 – A SÉRIE PUIGGARI-BARRETO E A REPRESENTAÇÃO DA
CRIANÇA NOS LIVROS DE LEITURA
Este capítulo irá abordar aspectos da materialidade dos livros de leitura da série
Puiggari-Barreto, buscando compreender quem eram os personagens que compõem a
coleção e como foram representados nos quatro livros de leitura. Neste capítulo também
será examinada a imagem de criança idealizada, construída pelos autores, ao longo dos
volumes, destacando as pautas de comportamentos que deveriam ser ensinadas e
aprendidas pelas crianças leitoras do material.
Na análise dos aspectos materiais do livro, buscando as representações dos
personagens, dois itens que se interrelacionam foram considerados: o texto e imagem. A
compreensão dessa interrelação se pauta nos estudos produzidos por Chartier (1994,
1998, 2010), nos quais o autor destaca que as imagens, em relação com o texto, são
capazes de construir significados para a leitura, direcionando o leitor a se apropriar das
mensagens contidas no texto. Para Chartier (1998, p. 15) “a imagem é muitas vezes
uma proposta ou protocolo de leitura, sugerindo ao leitor a correta compreensão do
texto, o seu justo significado”.
O conceito de representação, utilizado na analise e desenvolvido por Chartier
(1988), é aquele que considera que
a noção de representação pode ser construída a partir das acepções
antigas. Ela é um dos conceitos mais importantes utilizados pelos
homens do Antigo Regime, quando pretendem compreender o
funcionamento da sua sociedade ou definir as operações
intelectuais que lhes permitem apreender o mundo. Há aí uma
primeira e boa razão para fazer dessa noção a pedra angular de uma
abordagem a nível da história cultural. Mas a razão é outra. Mais
do que o conceito de materialidade, ela permite articular três
modalidades da relação com o mundo social: em primeiro lugar, o
trabalho de classificação e de delimitação que produz as
configurações intelectuais múltiplas, através das quais a realidade é
contraditoriamente construída pelos diferentes grupos;
seguidamente, as práticas que visam fazer reconhecer uma
identidade social, exibir uma maneira própria de estar no mundo,
significar simbolicamente um estatuto e uma posição; por fim, as
formas institucionalizadas e objetivadas graças ás quais uns
representantes (instâncias coletivas ou pessoas singulares) marcam
de forma visível e perpétua a existência do grupo, da classe ou da
comunidade. (CHARTIER, 1988, p. 23)
51
Diante disso, não podemos deixar de destacar que o sentido de qualquer texto,
segundo o mesmo autor,
depende das formas que o oferecem à leitura, dos dispositivos
próprios da materialidade do escrito, assim, por exemplo, no caso
dos objetos impressos, o formato do livro, a construção da página,
a divisão do texto, a presença ou ausência das imagens, as
convenções tipográficas e a pontuação. (CHARTIER, 2010, p.07)
Observando a presença das imagens em muitas lições da série Puiggari-Barreto,
é possível perceber como elas participam, juntamente com o texto, da construção dos
personagens. Se a imagem é capaz de participar dessa construção, o estudo realizado
neste capítulo vai apresentá-las, observando-as como dispositivos textuais que criam um
importante papel na compreensão e decifração dos conteúdos ensinados, bem como
fornecem recursos para a apropriação, por parte dos leitores, dos ensinamentos
destinados às crianças.
2.1 – Os personagem da série Puiggari-Barreto representados nas páginas
dos livros
Os personagens que compõem as narrativas dos quatro livros de leitura são
amigos e membros da família Paulo, um menino que, ao longo da coleção, tem sua
rotina escolar narrada. Paulo, o personagem principal, tem uma irmã mais nova,
Luizinha, e um mais velho, Victor, que “já não tem mais aquelles modos de criança”
(PUIGGARI-BARRETI, 1922, p.05). O pai de Paulo é Dr. Silva Ramos, um médico
bastante querido na cidade: “Dr. Silva Ramos é um médico muito bom. O povo todo
tem muita fé nelle”. (PUIGGARI-BARRETI, 1922, p.08). A mãe dele é D. Julia, uma
mulher “ainda bem moça e muito sympathica” (PUIGGARI-BARRETI, 1922, p.08).
Sua avó é D. Lúcia e seu Padrinho, o tio José. Ambos sempre participam das histórias,
ensinando às crianças um aprendizado novo.
Paulo
Paulo é um menino que, nas lições sempre adquire um aprendizado novo. Ele é
representado como um menino comprometido com as tarefas e compromissado com a
rotina escolar e está sempre acompanhado de seus livros. Bem vestido, é obediente e seu
52
comportamento é exemplar. Quando o menino se comporta de maneira reprovável, logo
é corrigido pelos adultos, e passa a se comportar da maneira desejada. Paulo
experimenta vivências diferenciadas na escola e em casa, ao longo das lições.
No Primeiro livro há uma lição intitulada Paulo, na qual há uma apresentação do
menino em forma de poema:
Paulo
Entre risos e cuidados
Vivia aquela criança.
Tudo eram festas, agrados,
Tudo paz, tudo esperança.
O papai o estremecia;
A mamãe o idolatrava;
A vovozinha, a titia,
Todo mundo o estimava!
Quase sempre conseguia,
Por ser justo, seus desejos.
E presentes recebia
Entremeiados com beijos.
Passava os dias contente;
Era-lhe a vida um regalo.
Vizinho, amigo ou parente,
Mostravam todos amal-o!
(PUIGGARI-BARRETO, 1922, Primeiro livro, p.15)
Nesta poema Paulo é representado como um menino justo. Por ser justo, realiza
seus desejos e é presenteado por isso. A mensagem que fica para as crianças leitoras da
série é a de que, se fossem justas como Paulo também seriam presenteadas e
alcançariam seus desejos. A construção do personagem se faz dentro de um modelo
ideal de família, aquela família capaz de cuidar, proteger e ensinar a criança: a família
perfeita. A imagem que acompanha esta lição apresenta Paulo em um cenário
primoroso, gerando indícios para pensar nesse modelo de família que a série constrói:
família perfeita em uma casa perfeita.
53
Imagem 6 – Imagem contida na lição Paulo
Primeiro Livro de Leitura Puiggari-Barreto - 26ª de edição – 1922.
Sala impecável, tapete, cadeiras, mesa com enfeites, cortinas e quadro na parede
representam um modelo de espaço perfeito. Nesta imagem, Paulo é representado como
um pequeno adulto. Suas vestes limpas e bonitas. Paulo não está uniformizado para ir
para escola, mas traz nas mãos um livro. Ao longo da coleção, em diversas outras
lições, Paulo é representado dessa mesma forma.
54
Por meio das narrativas e das ilustrações contidas nas lições que descrevem
Paulo é possível apontá-lo como um menino estudioso. O livro como companhia do
menino, representa o papel que o livro deveria ganhar dentro do contexto da rotina de
um aluno, bem como lança a ideia de que os próprios autores puderam, por meio das
ilustrações da coleção, fazer a propaganda dos seus produtos: os livros que deveriam ser
adquiridos para as crianças.
A construção do personagem Paulo também acontece na lição O caderninho de
Paulo. Nesta lição, o texto dialoga com a imagem, apresentando a rotina do aluno.
Nesta lição é narrado o comportamento de Paulo, que todos os dias, após chegar da
escola, escrevem um poema em seu caderninho.
Imagem 7 – Imagem contida na lição O caderninho de Paulo
Terceiro Livro de Leitura Puiggari-Barreto - 7ª de edição – 1911.
Concentrado, Paulo está sentado escrevendo em seu caderno de estudos,
cumprindo seu dever de aluno. Não podemos deixar de destacar que esse era o seu
trabalho. Na imagem a seguir temos a mesma representação.
55
Imagem 8 – Imagem contida na lição O caderninho de Paulo
Terceiro Livro de Leitura Puiggari-Barreto - 7ª de edição – 1911.
Paulo está no seu quarto escrevendo um poema em seu caderninho. Depois de
terminar suas tarefas de casa, o menino sempre escrevia um poema para levar para sua
professora ler. A ilustração que acompanha a lição, percebemos que Paulo está em seu
quarto, concentrado, debruçado sobre a mesa. Paulo havia acabado de fazer sua lição e
estava pensativo, buscando ideias para escrever um novo poema.
Ao longo da série, Paulo vai vivenciando as mais diversas situações, deixando
transparecer que é uma criança ”bem educada”. A representação atribuída ao garoto,
como um garoto justo e estudioso deveria servir de exemplo para as crianças leitoras da
série. As crianças, em idade escolar, assim como Paulo, deveriam ser como ele e estar
sempre acompanhadas de seus livros, fazendo suas tarefas escolares, cumprindo seu
dever enquanto aluno. Sempre quem ensina algo novo ao garoto é um adulto. Seu pai,
sua mãe, sua professora ou seu padrinho tio José.
56
Luiza
Outra personagem que se apresenta na série é Luizinha, também protagonista
das lições. Luiza é uma pequena menina de cinco anos de idade, que ainda não
frequenta a escola. A todo o momento, Luiza é vigiada e castigada por seus pais, por
apresentar maus comportamentos, como desobedecer, não fazer boas ações e mentir
com muita frequência. A personagem Luiza, corporifica os comportamentos infantis
reprovados pela sociedade daquela época e que deveriam ser modificados. Ao contrário
de Paulo, Luiza não era uma criança exemplar. Ao final de cada lição, havia uma
correção dos seus comportamentos, e Luiza aprendia algo que auxiliaria sua mudança
de comportamento.
Na série, Luiza é representada como uma menina “pequenita, mas experta como
uma gatinha. [...] Anda sempre tão limpa e bem vestida que dá gosto vêl-a!”
(PUIGGARI-BARRETO, Primeiro livro, 1922, p.19). “Parece uma allemanzinha pelo
doirado dos seus cabellos, que são crespos e sedosos. Parece tambem uma allemanzinha
pelos olhos azues, vivos e buliçosos: vivos como os de um ratinho, e azues como um
pedaço de ceo! ” (PUIGGARI-BARRETO, Primeiro livro, 1922, p.19).
Acompanhando essa descrição para a personagem na lição intitulada Luiza, a
menina vem representada em duas ilustrações:
57
Imagem 9 – Imagem contida na lição Luiza
Primeiro Livro de Leitura Puiggari-Barreto - 26ª de edição – 1922.
Imagem 10 – Imagem contida na lição Luiza
Primeiro Livro de Leitura Puiggari-Barreto - 26ª de edição – 1922.
58
Nessa ilustração, Luiza está na sala de sua casa carregando suas bonecas, que
assim como ela, estão limpas e bem vestidas, com fitas no cabelo. Na lição intitulada
Luiza há uma menção ao comportamento higiênico da garota, ao se afirmar que a
menina está sempre limpa. O comportamento de Luiza é descrito em outras lições que
compõem a série. Ao longo dessas lições, Luiza comete vários deslizes, abrindo espaço
para que seus pais, tios e avós corrigissem seu comportamento.
Como um exemplo de comportamento à avessas, a menina é representada na
série como gulosa, desobediente e mentirosa. Por seus maus comportamentos, é
castigada diversas vezes. Luiza se torna um exemplo daquilo que não deveria ser
repetido e praticado, antagonicamente a Paulo, a figura exemplo daquilo que deveria ser
imitado.
Na narrativa A mentira disfarçada a personagem Luiza protagoniza uma ida ao
pomar para observar as lindas jabuticabeiras que haviam florescido e dado doces frutos.
Por ordem de sua mãe, ela deveria se manter com as mãos atrás das costas e não deveria
colhê-las. Observando o pomar, Luizinha sofria uma grande tentação. A menina não
conseguia deixar de desejar as lindas jabuticabas: “Os olhinhos vivos e cobiçosos não se
afastavam das jabuticabas. A boquinha já estava secca” (PUIGGARI-BARRETO, 1922,
p.60).
Foi então que teve a brilhante ideia, comeria as jabuticabas direto no pé apenas
utilizando sua boca. Dessa forma não precisaria colhê-las, desobedecendo as ordens de
sua mãe, e assim o fez: “com as mãozinhas para traz, inclinou-se um pouco, e trincou
com os dentinhos, a jabuticaba mais bonita”. (PUIGGARI-BARRETO, 1922, p.60). Ao
final, certa de que não havia desobedecido as ordens de D. Júlia, Luiza exclama: “Não
sou, pois, desobediente! Comi-as, é verdade; mas não puz as minhas mãos na
jabuticabeira” (PUIGGARI-BARRETO, 1922, p.60). Não podemos deixar de ressaltar
que a figura do adulto é quem ditava as formas como as crianças deveriam se portar, e
neste caso de Luiza, a menina havia descumprido as ordens de sua mãe.
Dando continuidade a esta última narrativa, a historieta intitulada Zilda fugiu
conta o retorno de Luizinha do pomar de jabuticabas. Logo que a menina chegou à sua
casa, procura a boneca Zilda para brincar e nota que ela havia desaparecido. Procura por
toda a casa e questiona sua mãe, D. Júlia, sobre o paradeiro da boneca. Sua mãe, sem
hesitar, logo responde: “Zilda foi-se embora [...] porque ella disse que a Luizinha, às
vezes, não procede como deveria proceder” (PUIGGARI-BARRETO, 1922, p.66).
“Zilda me disse que só voltará no dia que praticares uma bôa acção” (PUIGGARI-
59
BARRETO, 1922, p.68). A menina fica preocupadíssima, pega outra boneca, a Mimi,
antes desprezada por ela, abraça-a bem forte e permanece pensativa, lembrando-se da
situação. O fato de a boneca ter ido embora representou um castigo para Luiza, pois um
dos seus maiores prazeres era poder brincar com a boneca. A mãe da menina deixa bem
claro que a boneca só voltaria quando Luiza praticasse uma “boa ação”, que neste caso
seria o bom comportamento.
A personagem Luiza é representada nas lições como teimosa, mentirosa,
desobediente e gulosa, ela não respeita e não obedece ao que os adultos recomendam e
como consequência é castigada por isso. Toda criança, que tivesse um comportamento
como o de Luiza, não respeitando os adultos, mentindo e se comportando de maneira
indevida seria castigada. As meninas, que gostam tanto de brincar com suas bonecas,
poderiam ficar sem elas, assim como Luiza ficou. E em termos de comportamento, e
neste caso comportamento feminino o que se quer construir, a partir da correção dos
comportamentos da menina é a representação de uma boa garota, que no futuro se
tornará uma mãe, como D. Júlia.
Não podemos deixar de ressaltar que essa trama, que envolve a personagem
Luiza, acontece ao longo do primeiro livro de leitura, destinado às crianças de sete anos
de idade que acabavam de ingressar na escola primária. E a história continua...Zilda
continua desaparecida e Luizinha desesperada e ansiosa pela sua volta. D. Júlia
conversa com a filha, que a todo momento pergunta sobre o retorno da boneca. D. Julia
diz para a filha que a boneca Zilda mandou notícias, falando que está bem, mas que
ainda não iria voltar. “Zilda não quer voltar ainda! Continua a dizer que foste muito
ingrata. No dia que praticares uma acção bem bonita, Zilda voltará” (PUIGGARI-
BARRETO, 1922, p. 75). Motivada pelas palavras de sua mãe, Luizinha decide realizar,
naquele mesmo dia, uma boa ação. Todo esse diálogo entre as duas é apresentado na
lição E Zilda onde está?. Nesta lição, Luiza se redime em relação a sua atitude
reprovada na lição A mentira disfarçada. Ela passa a refletir sobre seu comportamento,
pensando em estratégias para corrigir aquilo que havia sido reprovado.
O empenho de Luizinha, na luta pela volta da boneca Zilda, continua na lição
Grosserias, não! Assim como havia prometido, Luiza estava pronta para realizar a sua
boa ação ainda naquele dia. Durante todo o tempo, se comportou ajuizadamente, pois
queria que Zilda voltasse. Sentada aos pés de D. Júlia, que costurava roupas para as
crianças, a todo momento Luizinha se propunha a ajudar. D. Júlia rapidamente percebeu
60
que a menina estava ansiosa por praticar um gesto que fosse reconhecido pela mãe
como digno de trazer de volta a boneca desaparecida, daí toda a sua presteza.
Com uma lição, D. Júlia ressalta à menina: “Estás muito boazinha, minha filha.
Zilda vae ficar muito contente quando souber disso” (PUIGGARI-BARRETO, 1922,
p.76). A menina fica feliz, mas logo sua esperança de que a boneca voltasse se desfaz.
Paulo, seu irmão, juntamente com um amigo haviam chegado da escola e convidaram a
pequena para brincar. Luizinha não hesita em responder que não iria, porém fez isso de
maneira muito grosseira, ao que sua mãe exclama:
Zilda não volta mais hoje! Ella se arrependeu e voltou do caminho. Ia
chegando, mas ouviu que respondias grosseiramente para teu irmão, e
fugiu horrorizada! Zilda não gosta de meninas grosseiras!
(PUIGGARI-BARRETO, 1922, p.79).
Luizinha entristecida, porém consciente da falta que havia cometido, abaixa a
cabeça e vai brincar com seu irmão, se desculpando pela atitude caracterizada pela mãe
como grosseira e punida com o atraso na devolução da boneca.
Mais uma vez a garota não consegue se comportar como esperado e sofre mais
uma punição, mas agora por outro comportamento indevido: a grosseria. Neste caso,
além de mentirosa, teimosa, gulosa, desobediente, Luiza também é uma menina
grosseira, e o castigo para tudo isso é ficar mais um tempo sem a boneca.
Luiza, durante todas as lições que protagoniza no Primeiro livro, representa em
suas atitudes os comportamentos reprovados. Percebemos que são reprovados, pois os
adultos responsáveis pela educação da menina estão sempre tentando fazê-la corrigir
suas atitudes.
Além dessas lições, em Outra quéda de Luiza I, há mais um episódio que
apresenta a figura feminina como protagonista da história, representando um mau
exemplo. Nessa lição, Tio José havia passado na casa de Luizinha e deixado lindas
ameixas que trouxera da Europa. As ameixas seriam degustadas no jantar que D. Julia
ofereceria para a família. Luizinha não resistiu e comeu uma das ameixas. “Não saberão
que fui eu!” (PUIGGARI-BARRETO, 1922, p.103), exclamou a menina, acreditando
firmemente em suas palavras.
Porém, a menina logo se arrependeu, depois de olhar para o prato de ameixas
todo desarrumado. Consciente da sua incapacidade de deixá-lo como antes, preocupada
com o fato de que perceberiam o sumiço da fruta, Luiza exclama mais uma vez, para si
61
mesma, suspirando profundamente: “Não saberão que fui eu!” (PUIGGARI-
BARRETO, 1922, p.103).
A saga de Luiza continua na lição Outra quéda de Luiza II, agora tentando
esconder o fato de ter apanhado as ameixas que seriam servidas como sobremesa no
jantar. Quando toda a família já havia jantado e se encontrava sentada à mesa,
esperando a sobremesa ser servida, Dr. Silva Ramos se levantou para pegar o prato com
as suculentas frutas e notou a ausência de uma delas: “Aqui falta uma! Quem a teria
comido?” (PUIGGARI-BARRETO, 1922, p.104). Todos negam o ato, até mesmo a
menina. Dr. Silva Ramos, muito esperto logo pondera:
Não é pela ameixa... Si ellas aqui estavam, eram para ser comidas.
Mas é que esta fructa é muito perigosa! O caroço tem um veneno
terrível que mata em menos de duas horas! Podia ser que, quem a
comeu, engolisse o caroço, e... (PUIGGARI-BARRETO, 1922,
p.105).
Desesperada, Luiza não hesita em exclamar, diante da observação do seu pai:
“Eu não engoli, não, papae. Atirei-o fora, quer ver?” (PUIGGARI-BARRETO, 1922,
p.105). Dito isto, a pequenina se põe a chorar, após todos caírem em uma profunda
gargalhada, caçoando da armadilha em que Luizinha acabara de cair.
Com esse comportamento, a menina é taxada como gulosa. Como seu
comportamento foi mais uma vez reprovado, Luiza continuaria sem a boneca Zilda, ou
seja, continuaria sendo castigada. Com a maneira errônea de se comportar, Luiza se
distancia cada vez mais daquilo que é esperado dela: praticar boas ações para poder
reaver a boneca. Em nenhum momento nas lições, Luiza consegue ter seu
comportamento aprovado.
Neste conjunto de lições que representam a personagem Luiza, a lição “Não
Peças!” é a última delas. A historieta aborda mais uma peripécia de Luiza, pondo em
cena mais uma ação considerada indesejada. A menina, que irá depois de muito tempo
visitar sua madrinha, recebe uma ordem de sua mãe, para que de forma alguma peça
algo à madrinha. D. Júlia recomenda à menina que, caso queira alguma coisa, deve
esperar sua madrinha oferecer.
A menina concorda e segue muito feliz para o passeio. Chegando à casa da
madrinha, logo se depara com uma apetitosa cesta de frutas. Depois de dar duas voltas
ao redor da cesta, ela exclama: “Eu agora sou muito obediente, sabe madrinha?”
(PUIGGARI-BARRETO, 1922, p.115). Rindo, a madrinha ressalta: “Ah! Sim? Pois
fazes muito bem, minha filha: assim devem proceder todas as meninas educadas!”
62
(PUIGGARI-BARRETO, 1922, p.115). Muito contente com o elogio, a menina sorri e
vai logo comentando com sua madrinha que D. Júlia havia lhe recomendado algo que
ela não iria esquecer, e que de forma alguma iria contar o que era. A madrinha, muito
curiosa, vai perguntando, perguntando, até que a menina não hesita e responde: “Está
bom, eu digo. Mas digo só porque a senhora mandou, e eu quero ser obediente. [...]
Mamãe me recommendou que não pedisse fructas; ainda que fossem bonitas como
essas” (PUIGGARI-BARRETO, 1922, p.116). A madrinha sorri, e de forma bastante
descontraída, diz à menina que a mãe não lhe havia proibido de comer, desta forma
poderiam saborear as deliciosas frutas. Foi o que fizeram. Luizinha e a madrinha
sentaram-se perto de uma mesa e degustaram as mangas, o abacate e as maçãs que
estavam na fruteira. Quando D. Julia descobriu, disse para a menina que Zilda nunca
mais iria voltar, pois de nenhuma forma Luiza havia realizado uma boa ação.
Muito triste e pensativa por tudo o que tinha feito, Luiza decidiu propor para sua
mãe que sua boa ação seria não se comportar mais daquela maneira. Ao invés de
praticar a boa ação, para recompensar os comportamentos reprovados, Luiza promete
para seus pais que não agiria mais daquela maneira, como forma de redenção e como
uma maneira de recuperar Zilda. D. Julia, após consultar Dr. Silva Ramos sobre a
proposta da menina, comunica a garota que seu pai aceitou sua proposta. Luiza deveria
deixar de lado aqueles maus comportamentos para ter seu castigo suspenso.
Depois de longos dias, os pais de Luiza avaliaram seu comportamento e
decidiram devolver sua boneca, pois a garota havia deixado de lado a mentira, a gula, e
desobediência e teimosia e a grosseria, fazendo sua boa ação. Luiza conseguiu sua
boneca de volta!
Como reprodução da atitude dos adultos, representando ter aprendido a lição que
seus pais haviam lhe ensinado, Luiza, na lição Sermão inútil, copia o discurso que ouviu
deles para sua boneca Zilda. Fazendo um gesto indicativo de ordem com o dedo,
apontando para a boneca, Luiza ensina para Zilda tudo aquilo que ela já havia
aprendido. Zilda não poderia ser mentirosa, mal educada, teimosa, grosseira e gulosa,
pois se fosse, seria castigada, como ela havia sido.
63
Imagem 11 – Imagem contida na lição Sermão inútil
Primeiro Livro de Leitura Puiggari-Barreto - 26ª de edição – 1922.
Luiza, aparentemente brava com a boneca, pela sua fisionomia, faz um gesto de
ordem. As recomendações da menina para a boneca são as mesmas que ela recebeu de
seus pais. Na lição, a boneca é apresentada como uma miniatura da menina, suas vestes
são muito parecidas com as vestes de Luzia. É como se Luiza estivesse ensinando outra
criança sobre a maneira ideal de se comportar, ou quem sabe como se estivesse
ensinando a si mesma sobre tudo o que havia aprendido, como uma prática de auto-
disciplinamento.
Diante dessa imagem, somos levados a pensar por que Luiza brinca com bonecas
enquanto Paulo lê livros? Não podemos deixar de destacar a presença, na representação
da figura do menino e da menina, de uma diferença de gêneros entre os personagens.
Paulo, um menino, é sempre o exemplo, está em todas as ilustrações acompanhado de
livros e estudando. Luiza, uma menina, é construída ao avesso de Paulo: não está em
idade escolar como o menino e ao invés de livros está sempre como uma boneca no
colo. A figura da menina é apresentada como aquilo que não se deve ser. Nesta
representação, fica nítida a diferença entre a educação de meninos e meninas, exaltando
a figura masculina. Em nenhuma das lições dos quatro livros Luiza aparece com um
64
material escolar, como se a presença das meninas na escola não fosse tão significativa
como seria a presença dos meninos.
D. Julia
A mãe de Luizinha, D. Julia, vai sendo construída nas lições paralelamente à
figura de sua filha. A personagem vai sendo representada na série de maneira
antagônica a Luiza. D. Julia é concebida em suas atitudes de bondade, caridade e
virtudes maternais, um modelo de virtude cercado de um conjunto de valores a serem
incorporados e aprendidos pela menina Luiza e, consequentemente, pelas meninas
leitoras.
Na lição A mãe de Paulo, D. Julia é caracterizada como uma senhora “muito
symphatica”, que vive “constantemente alegre e satisfeita” (PUIGGARI-BARRETO,
1922, p.11), despertando a admiração das pessoas que convivem com ela. D. Julia é
responsável por administrar os afazeres da casa, além de ser uma excelente costureira. É
ela quem confecciona os uniformes escolares de seus filhos Paulo e Victor. A jovem
senhora também confecciona luxuosos vestidos para sua filha Luizinha, assim como as
lindas roupas para a boneca da menina, Zilda. A narrativa, articulada em torno da figura
de D. Julia, é marcada pela exaltação da virtude do trabalho doméstico, como se pode
observar em uma de suas máximas: “quem trabalha não tem tempo para ficar triste”
(PUIGGARI-BARRETO, 1922, p.12).
“D. Julia é muito caridosa” (PUIGGARI-BARRETO, 1922, p.12): é assim que a
personagem é representada ao longo da série. Na lição que leva como título Coração de
ouro, D. Julia é elogiada pelos vizinhos por sempre ajudar o próximo, principalmente
dando esmolas aos pobres que batem à sua porta.
Nenhum pobre sae de sua casa sem levar a esmola que pede. Si não é
um nickel, ao menos um pedaço de pão ella lhe dá. Por isso, todos
pronunciam o seu nome com o maior respeito e amizade. E quem não
havia de a estimar, tão bôa como ella é? (PUIGGARI-BARRETO,
1922, p.16)
Além de caridosa, nas lições são exaltadas as virtudes maternais da mulher,
compondo a representação da personagem. Na narrativa denominada Imagem dos filhos,
do Primeiro Livro de leitura, podemos perceber essas virtudes:
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A tardinha depois do jantar, D. Julia foi descansar um pouco na
cadeira de balanço. Luizinha correu logo para o seu colo. Naqueles
dias quase não saia de junto de sua mãezinha [...]
– Estou vendo minha carinha em seus olhos! Como é que eu posso
estar nos seus olhos mamãe?
-por que tu és minha filhinha querida! Não sabes, então que a imagem
dos filhos está sempre nos olhos e no coração de suas mãezinhas? Não
sabias?! Pois fica sabendo agora!
Luizinha enternecida, curvou a cabeça de D. Julia até a altura de sua
boquinha, deu-lhe um beijo bem demorado, e disse imediatamente:
- as boas mãezinhas também estão na boca de seus queridos filhinhos!
A senhora não sabia?! Pois fique sabendo agora. (PUIGGARI-
BARRETO, 1922, p.152-4)
O relacionamento afetivo entre mãe e filha, o sentimento de carinho entre elas é
representado nesta lição. Percebemos que Luiza é representada como uma criança
carinhosa, meiga e inocente, que está aprendendo com os ensinamentos de sua mãe.
Dialogando com o texto, temos a imagem que representa a conversa entre mãe e filha:
Imagem 12 - imagem contida na lição A imagem dos filhos
Primeiro Livro de Leitura Puiggari-Barreto - 26ª de edição – 1922.
Pondo em cena a mãe e a criança, esta imagem é bastante enfática na
representação da figura da mulher como mãe e dos laços afetivos que devem unir a mãe
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aos filhos. O carinho e o cuidado, característicos do amor maternal, figuram como temas
centrais na representação da mulher.
Na lição Zilda fugiu, do Primeiro livro de leitura, essa representação é
enfatizada. Na imagem que compõe a lição, as duas figuras femininas encenam a
relação maternal, sublinhando as virtudes do carinho e do cuidado.
Imagem 13 - imagem contida na lição Zilda fugiu
Primeiro Livro de Leitura Puiggari-Barreto - 26ª de edição – 1922.
67
Imagem 14 - imagem contida na lição Coração de ouro
Primeiro Livro de Leitura Puiggari-Barreto - 26ª de edição – 1922.
Abrindo a porta da sua casa para os desafortunados, a representação de D. Julia
na imagem, apresenta as virtudes: caridade, bondade e exemplo. Note-se a pequena
menina observando as atitudes de sua mãe, atrás da porta. Temos nesta imagem só
figuras femininas sendo representadas. Essa imagem pode ser vista como um espelho,
que de um lado espelha as mulheres que têm e do outro, o sofrimento das que nada têm.
A menina que está na porta, observando a generosidade de D. Julia pode ser Luiza,
aprendendo com o exemplo de generosidade e caridade da mãe.
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Imagem 15 - imagem contida na lição Coração de ouro
Primeiro Livro de Leitura Puiggari-Barreto - 26ª de edição – 1922.
“D. Julia é muito caridosa! Por isso, todos pronunciam seu nome com maior
respeito e amizade” (PUIGGARI-BARRETO, 1922, p. 16). Esse fragmento acompanha
a imagem apresentada. D. Julia vai sendo configurada como um modelo ideal de
mulher, uma boa esposa e também uma mãe virtuosa. Seus principais atributos são: a
caridade, a bondade, a dedicação à família e aos afazeres domésticos, a paciência e a
realização de boas ações. A construção da personagem Luiza é um contraponto da
figura materna, por possuir inúmeros comportamentos indesejados, sendo alvo
recorrente de repressões e castigos, que visam à correção dos deslizes e à constituição
dos comportamentos desejáveis.
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Dr. Silva Ramos
O personagem Dr. Silva Ramos, o patriarca da família Silva Ramos, é
representado na série graduada como um médico “muito respeitado. O povo todo tem
muita fé nelle” (PUIGGARI-BARRETO, 1922, Primeiro livro, 1922, p.8). No conjunto
de lições, Dr. Silva Ramos ajuda muitas pessoas, principalmente os pobres. Na lição O
pae de Paulo, na qual as características do personagem são construídas, o médico é
descrito com as seguintes palavras:
O Dr. Ramos, além de ser um medico distincto, é também um homem
generoso e bom. Dos seus doentes pobres não cobra um vintem e
trata-os com o mesmo carinho e solicitude com que trata os ricos. Por
isso, todos os estimam sinceramente. Os ricos o veneram. A pobreza
adora-o! (PUIGGARI-BARRETO, 1922, Primeiro livro, 1922, p.8)
Acompanhando a generosidade e a bondade, temos a solicitude e a caridade
como características do personagem. Não cobrar dos pacientes pobres, além de um ato
generoso e bom, também é um ato caridoso. Construindo o personagem, temos na
mesma lição, uma ilustração do médico cuidando de um enfermo.
Imagem 16 – Imagem contida na lição O pae de Paulo
Primeiro Livro de Leitura Puiggari-Barreto - 26ª de edição – 1922.
70
Dr. Silva Ramos demonstra nesta ilustração estar recomendando alguma coisa
para o enfermo. No texto que acompanha essa ilustração não temos indicação do motivo
que levou o doente a ficar acamado. Em diálogo com o texto, percebemos que essa
ilustração representa o trabalho de Dr. Silva Ramos, que segura nas mãos do paciente,
dando-lhe as recomendações.
A partir desta imagem e desta narrativa que representam Dr. Silva Ramos
conseguimos perceber a construção, por parte dos autores, de um personagem que
carrega grande representatividade social naquele momento histórico: o médico. Não
podemos deixar de ressaltar aqui o fato de os médicos estarem preocupados com o
processo de formação da criança. O final do século XIX e início do século XX foi um
período em que a insalubridade das cidades se tornou alvo de discussão, sobretudo, pela
prevalência de diversas doenças. Para os médicos, não eram apenas as cidades que
mereciam uma transformação, para melhora desse aspecto, era preciso uma reforma dos
hábitos da população. O problema, para eles, não residia apenas nas ruas, nas avenidas,
nas construções, enfim, na urbanização. Era imprescindível para os médicos uma
reforma dos costumes, que ocorresse primeiro no núcleo familiar, através da inculcação
de hábitos higiênicos nas crianças.
Em muitas lições, quem ensina algo novo para as crianças ou corrige seus
comportamentos é o Dr. Silva Ramos. Nem sempre ensinando sobre hábitos de higiene,
mas comportamentos em geral, o médico tem uma legitimidade em seu discurso,
legitimidade da qual os autores se apropriam, criando o personagem médico Dr. Silva
Ramos.
Sobre a figura do médico, Stephanou (2005) destaca que
os médicos brasileiros, especialmente os sanitaristas e higienistas, nas
primeiras décadas do século, foram reconhecidos como aqueles que
detinham um saber “verdadeiro” e, por isso, o direito de falar sobre os
modos de cultivar uma vida saudável, a competência para
compreender os fenômenos da vida e da doença e definir uma
profilaxia e uma terapêutica, bem como a capacidade de investir no
discurso acerca da saúde e higiene em decisões, instituições ou
práticas” (STEPHANOU, 2005, p.147)
71
Imagem 17 – Imagem contida na lição Uma carta
Primeiro Livro de Leitura Puiggari-Barreto - 26ª de edição – 1922.
A figura do médico é representada na série como alguém que está sempre lendo.
Paulo, seu filho, segue o exemplo do pai. Ambos estão sempre com um livro na mão.
Podemos imaginar, a partir disso, a maneira como a imagem da criança vai sendo
representada como uma figura que se espelha nas atitudes do adulto. Dr. Silva Ramos
está sempre se informando e disseminando seu conhecimento. A figura do médico está
sempre presente, auxiliando, ensinando ou cuidando das pessoas. Os autores se
apropriam dessa figura do médico pelo peso que ela representava para a sociedade,
trazendo-a para seus livros como uma possível tentativa de persuadir o leitor, dando um
crédito para as lições construídas nos livros.
A família Silva Ramos
A família de Paulo é representada na série como um modelo de família ideal
para a sociedade brasileira. As situações, comportamentos e acontecimentos narrados
72
nas lições apresentam a família do menino como uma família perfeita em sua
constituição – pai, mãe, filhos, avós, tio e padrinho - e em sua convivência. Os
personagens estão sempre felizes, são honestos, caridosos, bondosos, econômicos e há
um respeito dos mais novos em relação aos mais velhos. Nas lições, é o pai, a mãe, o
tio, e os avós que ensinam os bons hábitos, educando as crianças, por meio de palavras
carregadas de conselhos e de disciplinamento, repletas de lições com tom moralizante.
Rocha (2003, p.51) em seu trabalho intitulado Educação escolar e higienização
da infância, destaca que “a aquisição dos bons hábitos configurava-se, desse modo,
numa obra de disciplinamento, por intermédio da qual se buscava modelar os mínimos
gestos da criança, tornando-os automáticos, quase naturais”.
Podemos perceber no conjunto de ilustrações que compõem os livros que o
adulto está sempre fazendo um gesto indicativo para a criança, como alguém que está
disciplinando, ordenando e ensinando algo novo para elas:
Imagem 18 – Imagem contida na lição O pae de Paulo
Primeiro Livro de Leitura Puiggari-Barreto - 26ª de edição – 1922.
73
Nesta imagem, D. Silva Ramos está com seus filhos no colo contando-lhes sobre
o seu dia de trabalho. A imagem representa o contato familiar entre pai e filhos. Os mais
novos – Luiza e Paulo - em seu colo e Victor, o filho mais velho ao seu redor, escutam o
que ele tem para contar sobre sua rotina. Ele olha para a menina de uma forma distinta,
parece indicar uma relação mais próxima, menos assimétrica. Dr. Silva Ramos ensina
para os meninos a importância do trabalho para a vida das pessoas. A partir da
ilustração vemos representado, além da relação paternal com os filhos, o respeito com o
mais velho e a atenção das crianças em relação ao discurso do pai.
Imagem 19 – Imagem contida na lição O primeiro dia de aula
Primeiro Livro de Leitura Puiggari-Barreto - 26ª de edição – 1922.
74
Já esta imagem representa D. Julia dando as instruções para Paulo de como se
comportar na escola no seu primeiro dia de aula. D. Julia está ensinando o menino sobre
a rotina escolar. Ela diz ao menino que as crianças na escola devem falar baixo, ocupar
o lugar estipulado pelo professor e respeitá-lo. Se assim o fizer será um bom aluno. Ela
diz também que na escola não se pode brincar sempre. O dever e trabalho do aluno é
estudar. Depois de estudar, os alunos até podem brincar, mas devem brincar pouco.
Olhando para o menino, D. Julia ensina que os alunos devem “trabalhar para aprender,
porque hão de ser homens educados! (PUIGGARI-BARRETO, 1922, Primeiro livro,
p.29).
O gesto da mulher na imagem, nos leva a pensar que tudo o que ela está falando
ao garoto tem caráter obrigatório. Todas as instruções dadas a ele deveriam ser
seguidas, como uma ordem. Segurando nas mãos do garoto e fazendo uma indicação, D.
Julia representa a figura do adulto que define as normas comportamentais que deveriam
ser seguidas pelas crianças.
A fala de D. Julia, ao recomendar o comportamento ideal para o garoto, vai
criando a representação idealizada de aluno para a escola primária no período. O bom
aluno é aquele comportado, que fala baixo e respeita o professor. Os leitores deveriam,
assim como Paulo, seguir o conselho de D. Julia, para se tornarem alunos exemplares.
75
Imagem 20 – Imagem contida na lição De volta da escola
Primeiro Livro de Leitura Puiggari-Barreto - 26ª de edição – 1922.
Demonstrando afetividade uma proximidade na relação pai e filho, nesta
imagem, Paulo está uniformizado, sentado no colo do seu Pai, Dr. Silva Ramos,
contando sua atividade escolar do primeiro dia de aula. Tendo conhecimento de que D.
Julia havia recomendado ao menino um bom comportamento na escola, na lição O
primeiro dia de aula, criando uma representação de aluno ideal, esta imagem nos induz
a pensar que o pai de Paulo poderia estar averiguando se o menino teria se comportado
da maneira recomendada pela mãe. A representação que temos na imagem, do adulto
conversando com a criança, demonstra a relação de diálogo entre pai e filho.
Ao contar para Dr. Silva Ramos como ele havia se comportado, Paulo narra o
comportamento das crianças na escola e descreve a escola com um lugar onde os alunos
não brincam tanto, assim como sua mãe havia dito. Ele diz que no recreio, os meninos
são muito delicados, não andam dando empurrões e não correm. Paulo conta que na
escola ninguém risca as paredes, todos os alunos são atenciosos e muito educados. Na
sua sala de aula não teve indisciplina durante todo o período que o lá permaneceu.
76
Ao ouvir Paulo contar sobre seu dia, Dr. Silva Ramos parabeniza o menino pelo
bom comportamento. Complementando a representação criada por D. Julia sobre o
modelo de bom aluno, a fala de Paulo acrescenta que as crianças deveriam se comportar
bem na escola, não correndo no recreio, não empurrando as outras crianças, não
riscando as paredes, sendo atenciosas e também delicadas. Esse era o modelo idealizado
de bom aluno. A partir da imagem e discurso do menino, ao seu pai, sobre seu dia
escolar, percebemos a família muito próxima da rotina das crianças, como fiscais de
seus comportamentos escolares.
Imagem 21 – Imagem contida na lição As histórias da vovó
Primeiro Livro de Leitura Puiggari-Barreto - 26ª de edição – 1922.
Esta imagem, parte da lição As histórias da vovó, na qual D. Lucia, mãe de D.
Silva Ramos, para entreter as crianças, conta histórias sobre fadas, princesas e animais
que falam. Reunindo as crianças na sala, todas de frente para ela, D. Lucia começa a
contar sobre os bichos de uma floresta encantada. Nesta história os animais conversam
entre si. Quando a vovó termina a história, Donato questiona sobre o fato de os animais
falarem. Segundo o menino isso é uma mentira: “Não é feio a gente aprender mentiras?”
(PUIGGARI-BARRETO, 1922, Primeiro livro, p.73). Seguindo a fala do garoto, D.
Lucia usa a história para ensinar uma lição às crianças:
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“- Sim, é feio contar mentiras que servem para enganar os outros.
Porém essas histórias não enganam a ninguem. Quem é que pensa
que os animais falam? E demais, taes historias encerram muita vez
certas verdades, que é bem bom que a gente as aprenda”.
(PUIGGARI-BARRETO, 1922, Primeiro livro, p.73).
D. Lucia, além da lição sobre a importância da verdade, traz em sua fala um
discurso no qual deposita valor na figura do adulto, ou seja, sempre que o adulto conta
uma história, ela deve ser aprendida pelas crianças. A lição que a vovó conta é para
Luiza, Paulo e Donato e para as crianças que estão lendo o livro.
Imagem 22 – Imagem contida na lição Nuvens...côr de rosa
Primeiro Livro de Leitura Puiggari-Barreto - 26ª de edição – 1922.
Reunido as crianças na sala da família Silva Ramos, para falar sobre o
aniversário surpresa que estavam preparando para D. Julia, Tio José, irmão de D. Julia e
padrinho de Paulo, dá as coordenadas para Paulo, Donato e Luiza, que estão a sua
frente, indicando o que cada uma delas deve fazer para surpreender D. Julia. Victor, que
está atrás de tio José, observa como ele dá as instruções.
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Na imagem, percebemos que tio José abraça um dos garotos. Esse garoto é
Donato. Donato gostaria de fazer algo a mais para D. Julia, mas não queria contar a
ninguém o que era. Repreendendo a atitude do menino, tio José diz que o garoto é um
garoto muito teimoso e que não se deve ser assim, pois a teimosia não é uma boa
atitude. Todos estavam compartilhando suas ideias e Donato deveria fazer o mesmo. O
gesto de tio José na imagem representa o conselho que ele está dando ao garoto sobre o
comportamento. Supostamente, o senhor está repreendendo a atitude do menino,
ensinando a ele qual deveria ser a maneira correta de se comportar, compartilhando suas
ideias com os amigos, deixando a teimosia de lado.
Imagem 23 – Imagem contida na lição As histórias da vovó – A Joia magica
Segundo Livro de Leitura Puiggari-Barreto - 14ª de edição – 1913.
A imagem que compõe a lição A joia magica representa D. Lucia e seus netos
reunidos na casa da família Silva Ramos, para que a senhora lhes ensinasse uma lição
sobre a importância das virtudes. Os netos estão reunidos ao redor dela para escutar
mais uma história que ela tem para lhes contar. Assim como ela mesma já havia
destacado em outra narrativa, suas histórias sempre ensinam verdades para as crianças,
por isso elas deveriam ficar atentas ao que iria lhes dizer.
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Contando a história da jóia mágica, uma jóia composta por várias virtudes, capaz
de salvar a vida das pessoas que viviam com dificuldades em um povoado distante, a
avó ensina para seus netos sobre a importância dessas virtudes para a vida das pessoas.
Ela fala sobre o trabalho, a perseverança, a honradez e a economia. Essas eram as jóias
mágicas capazes de salvar as pessoas das dificuldades que enfrentavam, por isso, as
crianças deveriam aprender desde cedo como colocá-las em prática ao longo da vida.
Contando a história, D. Lucia ressalta esse aspecto, ao dizer para as crianças que
- As joias afugentavam todos os males. Para quem a possui e a
guarda com carinho e amor, tudo corre ás mil maravilhas: suas
colheitas amadurecem depressa; seu commercio prospera; seus
negocios melhoram de dia para dia; e, quando chegam a velhice,
esta era sempre calma e feliz, como todos a desejam ter. Mas, ai de
quem perde a tal joia, ou não a estima bastante. Tudo lhe corre ás
avessas. Não conseguem ter amizades; não tem, durante a vida,
nem tranquillidade, nem felicidade. [...] Milhares e milhares de
pessoas, ainda hoje, não obstante conhecer as virtudes da joia
magica, a desprezam, e assim procuram soffrer por sua propria
culpa! (PUIGGARI-BARRETO, 1913, Segundo livro, p.113).
Além de ensinar que para se ter uma vida tranquila é preciso zelar por suas jóias,
a avó complementa dizendo que, “como um verdadeiro talisman, as virtudes de uma
jóia magica, são deixadas por um anjo no berço de cada criança, por ocasião do
nascimento” (PUIGGARI-BARRETO, 1913, Segundo livro, p.113). Desta forma, todas
as crianças já guardam em seus corações tais virtudes, desde o seu nascimento,
precisando só colocá-las em prática, para ter uma vida tranquila.
Jóias recebidas pelos anjos possuem substâncias, que reunidas e combinadas,
produzem uma vida honrada: “As substancias preciosas são o trabalho, a perseverança,
a honradez e a economia. Combinadas, formam o talisman que dá todas as felicidades!”
(PUIGGARI-BARRETO, 1913, Segundo livro, p.115).
Todas essas virtudes, segundo a avó, permitem que as crianças possam ser
felizes, uma vez que a felicidade está condicionada a todas elas. Fazendo menção a
todas essas “substâncias”, assim chamada por ela, D. Lucia deposita nas crianças uma
expectativa de cumprimento desses deveres. Ao ensinar essa lição, a avó contribui com
a representação de criança ideal que se constrói: a criança trabalhadora, perseverante,
honrada e econômica.
Assim como a representação de criança idealizada, a série também constrói a
representação de família. A família brasileira idealizada e representada nos livros da
série Puiggari-Barreto é uma família burguesa, composta por personagens que
80
representam figuras importantes para a sociedade daquela época, como por exemplo, o
patriarca da família, o médico Dr. Silva Ramos. Essa representação da família, contida
nas lições, pode ser observada nas ilustrações abaixo:
Imagem 24 – Imagem contida na lição O discurso
Primeiro Livro de Leitura Puiggari-Barreto - 26ª de edição – 1922.
Esta imagem faz parte da lição O discurso, na qual a família Silva Ramos se
encontrava reunida na sala, quando chegou Donato, imitando o diretor da sua escola. Na
ilustração, percebemos que Donato, o menino com as vestes brancas, gesticula com a
mão direita, enquanto parece discursar. Sentada na cadeira, com um vestido longo,
temos a representação de D. Julia, que abraça uma pequena menina com um laço no
cabelo. Na sequência temos Paulo, o menor, e Victor o menino maior. Ao fundo um
móvel, supostamente um piano, com um livro aberto sobre ele. Observando a maneira
como cada personagem é representado na ilustração da lição, temos indícios de que a
família Silva Ramos é uma família que está sempre reunida.
81
2.2 – A imagem da criança idealizada representada nos livros de leitura: a
criança “com o coração cheio das mais belas virtudes” 11
Os personagens representam na série Puiggari-Barreto as mais diversas
vivências e situações, aprendendo lições de vida a partir delas. Com isso, somos levados
a pensar as pautas de comportamento que a série levanta. Que modelos de
comportamento são privilegiadas? Que gestos são reprovados ou interditados? Quais
deles deveriam ser aprendidos pelas crianças? Que imagem de criança idealizada se
constrói nos livros da coleção?
A partir da leitura e da análise realizada da série, elencamos “temáticas” que
predominam nas lições, as quais podem ser lidas como pautas de um código moral
estipulado para os indivíduos. As temáticas que aparecem nas lições dos quatro livros
são:
Pautas de comportamentos que deveriam ser aprendidos pelas crianças (condutas
aprovadas): honestidade, respeito, caridade, trabalho, economia, higiene, honra,
perseverança, paciência, coragem, modéstia, verdade, generosidade,
maternidade, fraternidade, prudência, disciplina e boa educação;
Pautas de comportamentos reprovados: desobediência, inveja, injustiça,
preguiça, mentira e gula.
Muitas desses comportamentos estão presentes na rotina dos personagens em
uma mesma lição. A presença delas no conjunto de livros nos dá indícios para pensar a
série Puiggari-Barreto como um “manual” de comportamentos, que deveriam ser
aprendidos pelos alunos, leitores da série, em idade escolar.
Esses indicativos ganham sustentação no que diz Chartier (2003, p. 47),
estudando os livros que veiculam a noção de civilidade desde o século XVII. O autor
destaca que existem muitos livros e textos de civilidade que propõem um código de
conduta, mostrando o comportamento civil esperado, sem mesmo tê-lo nomeado. 12
11
Fragmento retirado da lição intitulada Um rapaz corajoso, contida no Quarto Livro de Leitura Puiggari-Barreto,
publicado em 1909.
12 Chartier (2003, p. 47) cita como exemplo os trabalhos de Erasmo e La Salle.
82
Oliveira e Souza (2000) no estudo sobre as diferentes faces dos livros de leitura,
abordando o conteúdo, a finalidade, o formato, a produção editorial e a autoria,
destacam que a série Puiggari-Barreto possui “lições ingênuas e vivazes de boas
maneiras, tolerância, respeito e afeição” (OLIVEIRA E SOUZA, 2000, p. 33). Segundo
as autoras, a série
representa um estilo de livros de leitura muito semelhante à obra
italiana intitulada Cuore, de Edmundo de Amicis, a qual retrata em
suas páginas, em forma de diário, histórias vivenciadas por um
menino de nome Henrique. Nesses episódios estão relatados o seu
dia-a-dia na escola, na família e com os amigos, sempre
evidenciando as atividades de cunho moral e patriótico. Na série
Puiggari-Barreto, um narrador conta a história de Paulo e o seu
convívio no lar e na escola, com os amigos e professores. Cada
livro da série representa um ano de escola do personagem Paulo. (OLIVEIRA E SOUZA, 2000, p. 33)
Seguindo os exemplos dos personagens, o leitor infantil poderia ir conformando
seus comportamentos. Essas pautas de comportamento não aparecem em todos os
livros, conservando uma incidência e uma gradação das temáticas em cada livro da
série. Os personagens que emergem nas páginas dos livros da série Puiggari Barreto
cumprem seus deveres e, quando apresentam um comportamento indesejado, logo
aprendem a lição e demonstram ter mudado seus hábitos, na perspectiva de moralização
dos costumes. Desta forma, Romão Puiggari e Arnaldo de Oliveira Barreto vão
construindo nos quatro livros de leitura um código boas maneiras.
Essa iniciativa de tentar desenvolver nas crianças comportamentos como a
coragem, a verdade, a economia, a higiene, fizeram parte, segundo Belo e Panizzolo
(2015), da produção de uma identidade coletiva almejada pelos republicanos para a
população. Segundo as autoras, através da definição dos valores, hábitos e atitudes que
deveriam ser compartilhados e aprendidos por todos os alunos, seria possível criar a
possibilidade de uma homogeneização cultural.
Estudando a imagem da criança e da infância nas páginas de livros de leitura
utilizados pelas escolas primárias paulistas, na transição do século XIX para o século
XX, Panizzolo (2011) destaca que tais livros procuravam afirmar em suas histórias
fundamentos essenciais para a transformação das crianças em futuros cidadãos. Esses
fundamentos nada mais eram do que as virtudes e os comportamentos ideais, que,
impostos pouco a pouco às crianças por meio das narrativas, lições e personagens,
divulgavam a imagem de uma criança idealizada pelos republicanos.
83
A criança verdadeira, corajosa, econômica, honesta, caridosa, trabalhadora,
higiênica, perseverante, obediente, modesta, prudente, fraterna, disciplinada e bem
educada é a criança que vemos transparecer nas páginas da série Puiggari-Barreto. Por
meio das histórias oferecidas às crianças, os autores construíram personagens que
exibem comportamentos que podem ser vistos como bons ou maus para a sociedade da
época.
Belo (2015) aponta que a representação de criança idealizada, que se materializa
nas páginas dos livros Puiggari-Barreto, pode demonstrar a “concepção ou a
representação que os adultos fizeram sobre o período inicial da vida” (BELO, 2015,
p.181), que acreditavam ser o período essencial para o processo de formação da criança,
a fim de moldá-las.
A partir da imagem de criança idealizada que se constrói nos livros, e
considerando o que destaca Choppin (2002), ao apontar que os autores de livros
escolares, muitas vezes, pretendiam, em vez de descrever a sociedade, transformá-la,
percebemos que Romão Puiggari e Arnaldo de Oliveira Barreto deixam explícitos no
texto sua intenção de formar e “transformar” a criança, através dos livros da coleção.
84
CAPÍTULO 3 - “Uma sciencia que muito recommendo a todos – a hygiene” 13
Há uma sciencia, que todos devemos conhecer, e que nos ensina a
maneira pela qual podemos manter a nossa saúde: é a hygiene! A
hygiene ensina-nos que a saúde depende de: comer com
moderação; respirar ar puro, oxygenado; fazer exercícios
corporaes; dormir a horas certas, e durante 9 horas no maximo; e
conservar o corpo escrupulosamente limpo. (PUIGGARI-
BARRETO, Segundo livro de leitura, 1911, p.104)
Este fragmento, parte da lição que tem como título “Uma lição de higiene”, no
Segundo livro de leitura constitui-se em uma entrada privilegiada quando se procura
interrogar a presença da higiene nos livros da série graduada Puiggari-Barreto. A
higiene, como ciência que ensina a manter a saúde, figura como um dos temas
abordados nos livros da coleção. Enunciada como um código de preceitos que se
articulam ao asseio corporal, ao sono, à alimentação, aos exercícios físicos e à
respiração de ar puro, a higiene é o tema principal desta lição, apresentada no Segundo
livro de leitura, e comparece em mais dezessete lições ao longo dos volumes.
Na lição, da qual o trecho acima faz parte, o personagem central, Paulo, um
menino de seis anos de idade, adoece, após comer pêssegos de maneira exagerada. O
discurso da higiene, marcado pela moderação, encontra eco na voz do seu padrinho, tio
José, que reprova o comportamento do menino. Interpelando-o, o tio aproveita o
episódio da doença do menino, para ensinar a Paulo “Uma lição de hygiene”, nos
seguintes termos: “Perdeste o dia escolar de hoje. É justo que aprendas ao menos uma
lição. Escuta: uma de nossas obrigações é cuidar de nossa saúde, e fazer tudo o que for
possível para nos tornamos robustos e fortes”. (PUIGGARI-BARRETO, Segundo livro
de leitura, 1911, p.104).
Esta lição nos permite observar quais são os comportamentos higiênicos
prescritos e os anti-higiênicos; o que se considera como uma atitude saudável em termos
de alimentação, asseio corporal e práticas corporais; que atitudes os personagens das
narrativas da série graduada deveriam adotar na vida cotidiana e, ao mesmo tempo, que
atitudes deveriam ser evitadas.
Neste capítulo vamos nos debruçar sobre os livros de leitura da série Puiggari-
Barreto, procurando recensear a presença da higiene nas lições, considerando a sua
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Fragmento retirado da lição De Cama, que compõe o Terceiro livro de leitura Puiggari-Barreto, 7ª
edição, 1911, p.163.
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distribuição nos livros da série. Menos que recompor os episódios, interessa perceber
quais são os preceitos que figuram, quer de forma direta, quer indireta, nas lições e
ilustrações que compõem os quatro livros graduados e sobre que atitudes da vida
cotidiana esses preceitos incidem. Por meio desse exame, busca-se compreender o modo
como a higiene foi veiculada em livros cuja finalidade primeira era ensinar as crianças
das escolas primárias a ler.
Nas lições da série, alguns personagens apresentam comportamentos higiênicos
ideais, que deveriam ser seguidos pelas crianças. Em contraposição, também
encontramos ações reprováveis, marcadas pela censura dos adultos, que corrigem e
ensinam uma “lição” para ajustar o mau comportamento. No conjunto dos preceitos
higiênicos, os personagens Paulo, Luiza, Negrinha (a gatinha de estimação da família S.
Ramos) e Donato encenam comportamentos ideais e reprováveis, representações do
bom comportamento opondo-se ao mau. Nas lições, esses personagens aprendem um
conjunto de comportamentos a serem incorporados, representando a imagem idealizada
de criança para as primeiras décadas do século XX. Na análise da higiene nos livros de
leitura considerou-se a intencionalidade dos autores de atingir o leitor infantil,
conformando-lhes os comportamentos.
Para observarmos a presença das narrativas que abordam a higiene nos livros da
série Puiggari-Barreto, o quadro a seguir apresenta o título dessas lições na coleção,
bem como em que volume ela se encontram, juntamente com a marcação da paginação
de cada narrativa:
Quadro 3: Lições da série Puiggari-Barreto que tematizam a higiene
Livro de leitura Títulos das narrativas Páginas no livro
Primeiro livro “Luiza” p.19
Primeiro livro “O primeiro dia de aula” p.27
Primeiro livro “Volta de Zilda II” P.142
Primeiro livro “Outra quéda de Luiza – I” p.101-103
Primeiro livro “Outra quéda de Luiza – II” p.104-106
Segundo livro “Férias” p.5-7
Segundo livro “A volta para a cidade” p.12-14
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Segundo livro “História de um ignorante” p.52-54
Segundo livro “A ran” p.81-82
Segundo livro “Azedo e amargo” p.100
Segundo livro “Uma lição de hygiene” p.101-104
Segundo livro “Presente furtado” p.143-145
Terceiro livro “Preparativos” p.22-25
Terceiro livro “Margarida” p.117-118
Terceiro livro “A bycicleta” p.154
Terceiro livro “O desastre” p.158
Terceiro livro “De cama” p.161
Terceiro livro “Um 12 – álbum de Paulo” p.200
Fonte: Livros de leitura Puiggari-Barreto (Primeiro livro – 1922; Segundo livro – 1911/1913, Terceiro
livro – 1911, Quarto livro, 1909)
Realizando uma leitura do quadro, percebemos que a maior incidência da
temática é no Segundo livro de leitura, no qual temos sete lições que versam sobre a
higiene. No Primeiro livro, são cinco e no Terceiro livro, seis lições. Essa organização
faz levantar algumas hipóteses. Não podemos deixar de considerar que a coleção é uma
série graduada e mantém uma gradação entre os seus conteúdos, que deveriam ser
ensinados e aprendidos pelas crianças.
Analisando as lições, percebemos que as narrativas do Primeiro livro
apresentam a higiene como um comportamento a ser aprendido, diferente das narrativas
do Segundo livro, nas quais o comportamento higiênico está sendo corrigido para ser
devidamente incorporado pelos personagens. Já no Terceiro livro a higiene aparece
como comportamento incorporado, como se os personagens tivessem obtido êxito nos
ensinamentos do Primeiro e Segundo livro.
Para interrogar a presença da higiene nos livros de leitura, a construção do
capítulo se orienta a partir dos preceitos de higiene elencados por tio José, em “Uma
lição de higiene”, abordando-os como pautas de comportamento. A partir disso,
tentaremos compreender como a higiene se configura como parte de um código de
comportamento, atrelado a um código moral e disciplinar, elaborado pelos autores, na
coleção. Por meio das histórias oferecidas às crianças, os autores construíram os
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personagens que exibem comportamentos que podem ser vistos como bons ou maus
para a sociedade da época.
Panizzolo (2011) enfatiza que os livros de leitura produzidos no final do século
XIX e início do século XX conciliavam dois propósitos fundamentais do discurso
republicano, em relação à formação da criança: o de educação e o de instrução,
simultaneamente. Educação relacionada à transmissão de valores e instrução
relacionada à transmissão de conhecimentos.
Souza (1998), discorrendo sobre esse processo educacional destinado à criança,
destaca que era na formação moral e cívica que se encontravam as bases dessa
formação. Segundo a autora, a moral abarcava um manancial de civilidade e bons
comportamentos, dos quais se encontravam os hábitos e costumes que deveriam ser
aprendidos pelas crianças, para serem utilizados na vida social.
3.1 - “Comer com moderação”
A moderação alimentar é o primeiro comportamento higiênico que se
materializa na série Puiggari-Barreto, entrando em cena logo no Primeiro livro de
leitura. Ele surge na lição intitulada Gulodice, construída de maneira antagônica ao
hábito da gula, pois a moderação é apontada como o comportamento esperado e a gula
como o comportamento reprovado, e é representada na atitude da gata Negrinha, animal
de estimação da família Silva Ramos.
Negrinha, uma gata “sem moderação e muito gulosa, que anda pela cozinha,
disfarçada a farejar, mesmo tendo a pança cheia” (PUIGGARI-BARRETO, 1922, p.
61), compõe um episódio em que, ao entrar na cozinha sentindo o cheiro de galinha
cozinhando, sobe no fogão para assaltar a panela e acaba se queimando com a água
quente. O fato de a gata ter se queimado com a água, ao tentar roubar da panela a
galinha que cozinhava, é apontado como um castigo pela falta de moderação e gula.
Neste episódio, vivenciado pela gata Negrinha, a falta de moderação é apontada
como gula e como um comportamento que iria gerar uma punição. A mensagem que a
empregada transmite à gata, ensinando-lhe uma lição é que sempre que um
comportamento não se enquadra a um “bom comportamento”, quem o praticasse seria
repreendido.
Na lição, essa mensagem para os leitores, sobre a importância da moderação,
ganha destaque na voz da empregada: “Se não fosse tão gulosa não teria se queimado”
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(PUIGGARI0-BARRETO, 1922, p.62). Neste episódio, a moderação é o hábito ideal, a
gula é apontada como comportamento reprovado e o castigo como consequência do mau
comportamento.
Não podemos deixar de ressaltar que os autores, para ensinarem sobre a
moderação para as crianças, primeiramente apresentam a atitude reprovada (a gula)
como parte do comportamento de um animal: a gata Negrinha. É como se os autores
relacionassem o mau comportamento à irracionalidade. Os animais, por não pensar
sobre o que fazem, agem de maneira indevida. As crianças, como seres racionais, jamais
poderiam agir como a gata, devendo atuar de maneira diferente dela.
Ainda no Primeiro livro de leitura, o preceito higiênico da moderação ganha
espaço em outras duas lições, que se intitulam: Outra quéda de Luiza – I e Outra quéda
de Luiza – II. Nessas duas lições não é mais o animal que comete o erro e sim uma
personagem que representa as crianças. Em ambas as lições, a moderação se atrela a
gula e ao castigo.
Percebemos a higiene se conectando a um código disciplinar. O castigo tinha
como objetivo criar uma disciplina em relação a determinado comportamento esperado
pelo adulto. Nas duas lições, a moderação é apresentada como um comportamento
essencial para preservação da saúde e se constrói, assim como em Gulodice, de maneira
antagônica à gula. Nessas duas lições, produzidas em sequência, Luiza não consegue
controlar sua vontade e, antes do jantar, come algumas ameixas que seriam servidas
como sobremesa para toda sua família.
Comparando a atitude de Luiza com o comportamento da gata Negrinha, na
lição Gulodice, é como se pudéssemos pressupor que a menina agiu de maneira
irracional, assim como a gata, sendo gulosa. Seu pai, Dr. Silva Ramos, quando percebe
a situação, tenta descobrir o malfeitor e aproveita para repreender a gula, utilizando-se
da seguinte estratégia:
-Aqui está o prato de ameixas... Aqui faltam algumas! Quem as
teria comido?
- Eu não fui; disse Paulo.
- Nem eu; disse Donato.
-Nem eu também, afirmou Luizinha. Eu nem sabia que aqui em
casa havia ameixas!
-Não é pelas ameixas; continuou o Dr. Silva Ramos, e sim pela
saúde. Estas fructas são muito perigosas! O caroço tem um veneno
terrível que mata em menos de duas horas. Podia ser que, quem as
comeu,engolisse os caroços, e... (PUIGGARI-BARRETO,
Primeiro livro de leitura, 1922, p.104)
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É possível perceber que, em ambas as lições, para ensinar sobre a moderação, foi
necessário ensinar sobre os perigos da gula. Neste trecho percebemos que o castigo,
pela falta de moderação, poderia ser indiretamente, a morte. O pai da menina, além de
tentar descobrir quem havia sido o “ladrão de ameixas”, aproveita para transmitir uma
lição. A importância da moderação se firma na fala de Dr. Silva Ramos, quando ele
ressalta a preocupação com a qualidade da saúde, atrelando em seu discurso o fato de
que a falta de moderação alimentar poderia levar, naquele caso específico das ameixas,
até a morte. O argumento do “suposto” caroço envenenado foi utilizado como uma
estratégia para descobrir quem havia sido guloso, e possivelmente para poder inserir e
reforçar, por meio de uma lição, a importância da moderação, sendo discursada por
médico, figura representativa para a época.
Nesta lição, temos uma imagem que dialoga com o texto, indicando a atitude de
Dr. Silva Ramos ensinando uma lição de higiene para Luiza. Como a garota também
havia mentido sobre seu comportamento, possivelmente em um mesmo discurso, seu
pai estivesse lhe ensinando a importância de duas condutas essenciais para a vida: ser
moderado e não mentir.
Imagem 25: Primeiro livro de leitura, 1922, p. 102 – Lição: Outra quéda de Luiza – I
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Nesta imagem, vemos por meio do gesto que o médico faz com as mãos,
levantando um dedo em direção a menina, uma representação de que ele está ensinando
algo para ela, como um disciplinamento. A fim de produzir esse disciplinamento ou o
comportamento desejado, a imagem reforça o que o texto apresenta.
Essa relação entre texto e imagem, estudada Chartier (1990), em seu trabalho
sobre textos e suas edições, é expressa pelo autor nos seguintes dizeres:
a ilustração induz uma leitura, fornecendo uma chave que indica
através de que figura deve ser entendido o texto, quer a imagem
leve a compreender a totalidade do livro pela ilustração de uma de
suas partes, quer ela proponha uma analogia que irá orientar a
decifração. (CHARTIER, 1990, p.179)
O gesto do pai representa uma reprovação em relação à atitude da menina. Com
o prato de ameixas no colo, Dr. Silva Ramos simboliza estar falando sobre a
importância de não comer nada de maneira exagerada. O gesto do médico representa
uma possível correção em relação ao fato de a menina também ter mentido. O médico,
em um mesmo episódio está ensinando duas lições para Luiza e para as demais crianças
sentadas à mesa: deve-se comer com moderação e não se deve mentir. Nesta lição, a
imagem é uma fonte de sentido ao texto. Ao promover com o texto um diálogo, ela
possibilita que o discurso do médico se reafirme na lição. Essa representação pode
indicar que, assim como os meninos aprendem, escutando o que Dr. Silva Ramos ensina
à Luiza, as crianças deveriam aprender ao ler o livro de leitura, não mentindo e não
sendo gulosos.
No Segundo livro de leitura, a moderação alimentar se materializa em Uma lição
de hygiene e em Azedo e amargo. Nestas lições, percebemos a permanência do tema nas
narrativas por intermédio da gula, entrelaçando-se a outras temáticas, como por
exemplo, a frequência escolar. A moderação alimentar é um requisito para que as
crianças não perdessem dias de aula na escola.
Na lição Azedo e amargo, Dr. Silva Ramos se aproveita da atitude de Paulo, que
come pêssegos de maneira exagerada e passa mal, para ensinar-lhe uma lição e reprovar
seu comportamento:
- Foi uma gulodice tua. A gulodice é um vicio, e, como todos os
vícios, faz-nos esquecer as mais triviais obrigações, como a
moderação. Tu, que tanto caçoava de Luizinha no anno passado,
por ser gulosa, acabas de commetter a mesma falta! A
consequencia eil-a ahi: por causa de cinco pecegos, perdes um dia
de aula, e o que é pior, ficas doente! (PUIGGARI-BARRETO,
Segundo Livro de leitura, 1911, p.101)
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Nas lições do Segundo livro, as crianças já sofrem as consequências pelo mau
comportamento. No Primeiro livro se constrói a ameaça e no segundo ela se concretiza.
Tudo o que havia sido aconselhado no Primeiro livro, para que não houvesse
repercussões sobre a saúde, aparece no Segundo livro atrelado a alguma consequência
pelo mau comportamento. No caso de Paulo, se ele tivesse aprendido sobre a
moderação, não teria ficado doente e perdido um dia escolar. O código disciplinar
ensinado à Luiza, para que se comportasse de maneira esperada, no livro anterior, não
foi aprendido por Paulo e por isso o garoto pagaria pela sua falta.
O exagero marca a reprovação do comportamento e a gula é apresentada como
viciou. Uma criança educada deveria ser uma criança livre dos vícios, a começar pela
gula. O vício é apontado no discurso como um mau comportamento, do qual as crianças
deveriam se afastar. O vício seria capaz de afastar as crianças de suas obrigações,
incluindo a rotina escolar. Como oposição às virtudes, o vício era a marca da má
conduta.
Na narrativa intitulada Uma lição de higyene, entre todos esses preceitos que tio
José ensina o que mais ganha peso dentro da própria lição é a moderação alimentar, pelo
fato de seu sobrinho, Paulo, ter comido os pêssegos de maneira exagerada e estar
acamado, com problemas de saúde, por conta do ocorrido. A moderação alimentar é
apresentada como um pré-requisito para ter boa saúde. Nesta lição, que é continuação
da lição Azedo e amargo, percebemos o peso da moderação alimentar, reafirmada como
bom comportamento, nas palavras de Tio José:
- Uma de nossas obrigações é cuidar de nossa saúde [...] Para isso,
temos de ser comedidos no comer e no beber. Comer de mais é
sempre prejudicial. Beber de mais, nem se fale; além de estragar o
estomago, transforma o homem num verdadeiro animal,
inconsciente e repugnante. Ninguém se arrependeu ainda de comer
pouco às refeições. Entretanto, milhares de pessoas, ou antes,
milhões e milhões, têm-se arrependido de comer além da conta!
Para se ter saúde é mister attender-se à quantidade e a qualidade do
que se come! [...] Si, em vez de cinco ou seis, tivesse comido dez
ou doze pecegos, talvez a esta hora estivéssemos tratando do seu
enterro! (PUIGGARI-BARRETO, Segundo Livro de leitura, 1911,
p.101)
A conduta reprovada do garoto é comparada a atitude de um animal.
Acompanhando o que Tio ensina para Paulo em Uma lição de hygiene, temos a imagem
que reforça a lição:
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Imagem 26: Segundo livro de leitura, 1913, p. 122 – Lição: Uma lição de higyene
Nesta imagem vemos representada a consequência da atitude de uma criança que
não tem moderação na alimentação. O mau comportamento, gerado pela gula
prejudicou a saúde de Paulo, fazendo-o ficar acamado. O mesmo poderia acontecer com
as crianças que se comportassem como ele. Segurando nas mãos do menino enfermo, tio
José expressa na imagem um conselho que está dando ao menino, principalmente pelo
gesto de sua mão direita. Tio José, buscando disciplinar o garoto naquele aspecto.
Em Uma lição de higyene, tanto o texto como a imagem se articulam para
mostrar que a higiene, pode ser ensinada às crianças por intermédio de um adulto que
não é um médico. Essa situação permite perceber a própria apropriação dos autores, do
discurso médico, para ensinar higiene em seus livros. Os autores, por exemplo, se
apropriam do discurso médico
No caso das crianças em idade escolar, quem ensinaria sobre higiene para elas
seria o professor, tendo no seu discurso o mesmo peso que teria o discurso de um
médico, para transmitir o assunto.
3.2 - “Respirar um ar puro, oxygenado”
Esse é outro preceito higiênico ensinado nos livros da série Puiggari-Barreto.
Observamos que esse preceito se materializa nos livros de leitura por meio da
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construção antagônica entre cidade e campo, trabalho e repouso. A temática é abordada
a partir do Segundo Livro de leitura, com a lição intitulada Férias, apresentando as
qualidades da vida no campo. Nessa lição, por intermédio das palavras de Paulo, a
importância de respirar o “ar puro” é ressaltada da seguinte forma:
- Passei as férias na roça, esquecendo, por dous mezes, os
trabalhos, os revezes e o preparo das lições! Foram semanas
alegres, em que refiz a saúde; diverti-me quanto pude, respirando o
ar puro do povoado e dos sertões! (PUIGGARI-BARRETO,
Segundo Livro de leitura, 1911, p.5)
Não podemos deixar de destacar que, no período em que a série foi produzida,
mais precisamente 1904, é um momento em que a urbanização de São Paulo estava
acontecendo. As pessoas estavam começando a migrar do campo para a cidade.
Nogueira e Carvalho (2009), estudando o processo de desenvolvimento urbano
paulista, destaca que
o deslocamento de um grande contingente de pessoas que viviam o
modo de vida rural para as cidades, implicava em uma transição na
organização do modo de viver urbano. Não foi um processo fácil,
sobretudo para as pessoas mais pobres que estavam sendo expulsas
para as cidades pela nova forma de acumulação capitalista. A
“desordem” que se instalou a partir do movimento migratório
crescente, fez com que o poder público realizasse intervenções nas
grandes cidades, inicialmente fundamentadas em princípios
higienistas. O aglomerado de pessoas em condições insalubres
disseminou inúmeras doenças, assim como a falta de saneamento
adequado contribuiu para o agravamento das doenças.
(NOGUEIRA E CARVALHO, 2009, p.7)
A impressão que temos, a partir das lições construídas por Puiggari-Barreto, é
que a única possibilidade de ter saúde, respirando o “ar puro” seria vivendo no campo.
A cidade não proporcionaria isso às pessoas. Segundo o que destaca Paulo,
subentendemos que para se ter saúde era preciso ficar longe das cidades.
Paulo diz que refez sua saúde no campo. Para isso, além da qualidade do ar,
Paulo precisou se afastar da rotina de trabalho escolar. O repouso foi a solução. A rotina
das atividades exercidas na cidade aparece na lição dando indícios para pensá-la como
algo capaz de prejudicar a saúde dos indivíduos.
A representação dos dois lugares (cidade e campo), construída nas ilustrações
que compõem as lições, diferenciam antagonicamente os lugares, reafirmando o que o
menino diz sobre a qualidade de vida e de saúde que o campo proporciona. É importante
destacar que os autores abordam a linguagem comparativa não só para a higiene, como
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também para outras temáticas. Criar oposições é uma característica da forma como eles
compõem as histórias. Esta imagem a seguir é parte da lição Ferias. A partir dela somos
levados a imaginar como seria esse lugar capaz de proporcionar ao indivíduo a
oportunidade de respirar o tão almejado “ar puro, oxigenado”:
Imagem 27 - Segundo livro de leitura, 1913, p. 5 – Lição: Férias
Passarinhos, folhagens, montanhas, um rio e a possível sensação de uma brisa,
representando o ar puro, capaz de fazer as folhas ganharem movimento. Essa é a
representação de campo que a imagem nos traz, o campo que Paulo utilizou para poder
refazer sua saúde nas férias. É a brisa que aparentemente faz com que a folhagem se
movimente a mesma brisa que pode proporcionar saúde para Paulo, aspecto que não
pode ser encontrado na cidade, lugar onde há a presença de fábricas, chaminés, carros e
poluição.
Observando a interlocução entre a imagem e a fala do menino, podemos
perceber que a qualidade do ar poderia incidir na rotina das pessoas. Pela forma como se
apresenta, a vida no campo se mostra mais saudável que a vida na cidade. No campo, as
pessoas têm contato com a natureza e com os animais. Em outra imagem, que também
compõe a lição Férias, há mais uma representação do campo. Assim como é
representado na primeira imagem, nesta ilustração vemos acrescentada a presença dos
animais.
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Imagem 28: Segundo livro de leitura, 1913, p. 7 – Lição: Férias
De maneira antagônica a essa representação sobre o campo, construída na lição
Férias, temos em A volta para a cidade, no Segundo livro de leitura, algumas
características da cidade. A partir disso, cria-se uma distinção entre os dois lugares. Na
lição A volta para a cidade, que narra a volta do personagem Paulo para sua casa após
dois meses de férias na fazenda, se destaca a fala do narrador, que descreve o ambiente
urbano, visto de dentro do vagão do trem: “ Paulo avista a estação, a casaria branca da
cidade, as altas chaminés das fábricas e as torres da igreja” (PUIGGARI-BARRETO,
Segundo livro de leitura, 1911, p.13).
Acompanhando os dizeres do menino, há uma imagem que representa a estação
de trem onde Paulo vai desembarcar, ao retornar do campo. Nesta imagem conseguimos
perceber algumas características que distinguem campo e cidade, reafirmando a fala de
Paulo:
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Imagem 29: imagem contida na lição: A volta para a cidade
Segundo livro de leitura, 1913, p. 13
Nesta representação da estação, há marcas que permitem interpretar a diferença
entre a qualidade do ar do campo e da cidade. Como respirar “ar puro” na cidade, se
esta recebe a fumaça dos trens, nas estações? Na imagem a presença da fumaça é nítida.
As qualidades do campo são mais uma vez exaltadas na mesma lição, quando Paulo
destaca:
Que agradáveis foram as semanas que lá passei, robustecendo-me
no bem estar daquella vida simples e rude, porém cheia de
attractivos! [...] Não é que, o encanto da vida da cidade eu não
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compreenda, mas a vida da fazenda eu nunca me esquecerei!
(PUIGGARI-BARRETO, Segundo Livro de leitura, 1911, p.12)
Na fala de Paulo, temos o indicio de que é o estilo de vida do campo,
caracterizado como simples e rude, o estilo de vida capaz de manter uma pessoa
saudável. Assim como fez Paulo, para refazer a saúde já prejudicada pelo ambiente
urbano, as pessoas deveriam passar um tempo no campo usufruindo do preceito
higiênico do repouso e do ar puro. Somente assim as pessoas se tornariam robustas e
fortes, para voltarem à cidade e retomarem suas rotinas de trabalho e de afazeres, que no
caso das crianças é a rotina do trabalho escolar.
3. 3 - “Fazer exercícios corporaes”
Um exercício leve, moderado, todos os dias, é o melhor meio de
obter-se o vigor de que todos nós precisamos. (PUIGGARI-
BARRETO, Terceiro livro de leitura, 1911, p.157)
Esta é a lição que o médico Dr. Silva Ramos dá a seu filho Paulo e ao amigo
Donato, após terem chegado em casa “corados, derramando suor” (PUIGGARI-
BARRETO, Terceiro Livro de leitura, 1911, p.156), por andar de bicicleta o dia todo,
competindo quem era o melhor ciclista. Nesta lição, intitulada A bycicleta, a higiene se
relaciona aos exercícios corporaes, atrelada a moderação, assim como ocorreu com a
temática da alimentação, na qual o excesso marca a possibilidade de problemas com a
saúde. Nesta lição aparecem duas outras questões até então ausentes nos livros: o
robustecimento e o vigor, ambos indicativos de saúde.
A moderação é um princípio que deveria reger a rotina das crianças durante toda
sua vida. Esta lição faz parte do Terceiro livro de leitura e é a primeira de três outras
lições que abordam os exercícios corporais como temática. Nesta lição percebemos que
a mensagem a ser transmitida às crianças é a mensagem de que exercícios corporais são
necessários para a preservação da saúde, mas não podem ser feitos em excesso, pois o
excesso causa malefícios, indo no sentido contrário do que se espera da atividade
corpórea.
A importância dos exercícios físicos se destaca em dois momentos em uma
mesma lição. Após ensinar aos garotos sobre a importância e moderação dos exercícios,
ao ver os meninos encostarem suas bicicletas e irem tomar um “banho frio, mudar de
roupa e jantar com o mais salutar appetite” (PUIGGARI-BARRETO, Terceiro livro,
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191, p.157), o médico, satisfeito com a forma como os meninos se alimentavam,
aproveita para discursar mais uma vez:
Estão vendo como é hygienico o exercício phisico? Mas vocês não
devem abusar como hoje. Havendo excesso, elle produz mais
males do que benefícios. (PUIGGARI-BARRETO, Terceiro livro
de leitura, 1911, p.157)
O excesso é o comportamento reprovado. Nesta narrativa os preceitos higiênicos
se articulam: asseio e alimentação são apresentados como sinônimo de boa conduta.
Essa sequência representa a rotina a ser seguida por aquelas crianças que se
exercitassem como os meninos.
A necessidade da moderação nos exercícios físicos segue além dessa lição, se
estendendo por mais duas, que se intitulam O desastre e De cama, todas no Terceiro
livro. Ambas, na sequência de A bycicleta, trazem no corpo da lição o resultado da
aprendizagem das crianças em relação à importância da moderação nos exercícios. Em
O desastre, Paulo mostra que escutou os ensinamentos de seu Pai, sendo moderado nos
exercícios. Diferentemente de seu amigo Donato, que demonstra não ter aprendido.
Paulo, após ser desafiado pelo amigo para apostar uma corrida de bicicletas, se nega a
participar da competição e deixa que o amigo corra sozinho. Nesta lição, é o exemplo de
Paulo que as crianças leitoras deveriam seguir, e perceber que o comportamento de
Donato era o comportamento repreendido, pois além de desobediente, o menino havia
prejudicado sua saúde, pela sua má conduta.
A desobediência de Donato, observado como um mau comportamento fez com
que ele se machucasse, pois após pedalar excessivas vezes com a bicicleta e ganhar
velocidade, o menino caiu e ficou acamado por longos dias, com a perna machucada,
perdendo dias de escola. O comportamento do menino foi reprovado pelo amigo Paulo,
por Dr. Silva Ramos e por seus familiares. Donato, através de sua atitude demonstrou
não ter aprendido a lição ensinada pelo médico.
Dando sequência a esse episódio, em De cama, Donato “deitado de costas e com
uma perna a descansar sobre um travesseiro” (PUIGGARI-BARRETO, Terceiro livro,
1911, p.161), escuta de tio José, a mesma lição que havia escutado do Dr. Silva Ramos,
como uma reafirmação. Ensinando sobre a higiene, como um remédio para que o
menino pudesse refazer sua saúde, tio José aponta:
Para os casos, como o que te aconteceu, ha o remédio da prudência
e, para esse e os outros demais casos ha os remedios que nos ensina
uma sciencia que muito recommendo a todos – a hygiene.
(PUIGGARI-BARRETO, Terceiro Livro de leitura, 1911, p.163)
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Junto com a moderação, para ensinar sobre a importância dos exercícios, a
prudência é citada. Quando tio José ensina mais uma vez a lição para o menino, não
hesita em dizer que a falta de moderação nos exercícios físicos poderia ter levado o
menino à morte. Junto com essa observação, aproveita para ensinar sobre outras
situações que podem levar as pessoas à morte:
- Não só um simples tombo. Uma falta de cuidado qualquer,
passando-se, por exemplo, de uma temperatura muito alta para um
lugar muito frio; uma digestão mal feita; um descuido na occasião
em que se desenvolvem doenças contagiosas, também produzem a
morte! Isto é um horror! (PUIGGARI-BARRETO, Terceiro Livro
de leitura, 1911, p.163)
Com esse conjunto de lições, percebemos que a moderação nos exercícios
físicos se apresenta, de maneira gradativa dentro do próprio Terceiro livro de leitura.
Primeiramente, em forma de conselho e preceito a ser seguido, depois como algo que
pode ser descumprido, podendo levar o indivíduo até mesmo à morte.
Pinheiro & Moreira (2010), em um trabalho sobre os livros de leitura utilizados
nas escolas primárias no período republicano, abordando diferentes autores e suas séries
graduadas,entre elas a série Puiggari-Barreto, apontam que os livros de leitura além de
abordar áreas variadas e desejar facilitar a aprendizagem dos alunos, perseguiam o
objetivo da educação humana, que consistia em preparar o indivíduo para se autodirigir,
ser generoso, lúcido, honesto, corajoso e “bem” comportado socialmente. Segundo as
autoras, as crianças que faziam uso dos livros poderiam desfrutar das narrativas para
adquirir os conhecimentos e comportamentos que proporcionariam a elas formação
intelectual, cívica e moral. Indo ao encontro do que as autoras destacam, percebemos
que a higiene faz parte dos ensinamentos direcionados a essa criança. A partir dessa
lição, percebemos a higiene, assim como a prudência, dentro de um código de condutas,
no qual todos os ensinamentos deveriam reger a vida das criaças.
3.4 - “Conservar o corpo escrupulosamente limpo”
“Andam sempre tão limpas e bem vestidas que dá gosto de vêl-as!”
(PUIGGARI-BARRETO, Primeiro livro, 1922, p.20). Esta frase faz parte da lição
intitulada Luiza, do Primeiro livro de leitura e introduz a temática sobre o asseio
corporal nos livros de leitura Puiggari-Barreto. A frase apresentada faz parte de um
episódio no qual Luiza conta para suas amigas sobre sua coleção de bonecas,
100
caracterizando-as. Luiza, ao falar sobre elas, também se identifica e se apresenta
dizendo: “também estou sempre limpa e bem vestida” (PUIGGARI-BARRETO,
Primeiro livro, 1922, p.20). Nesta lição, o asseio não aparece como algo que está sendo
ensinado, mas como algo que já faz parte da vida cotidiana da personagem, ou seja, já
foi incorporado por ela.
Ainda no Primeiro livro, o asseio continua aparecendo em uma nova narrativa,
intitulada O primeiro dia de aula. Nesta, o preceito nasce dentro da rotina de Paulo, que
ansioso pelo primeiro dia de aula, acordou às seis horas da manhã, “lavou-se, penteou-
se e vestiu-se” (PUIGGARI-BARRETO, Primeiro livro de leitura, 1922, p. 27) para ir
para escola. Como um hábito, Paulo realizou todas essas tarefas para então começar seu
dia. Nesta história, o asseio é representado como um comportamento incorporado pelo
menino.
O mesmo acontece na lição Volta de Zilda II, a terceira lição do Primeiro livro
na qual o preceito tem sua presença afirmada. Nela, Luiza que esperava ansiosa pela
volta da sua boneca preferida – Zilda, que havia desaparecido por estar descontente com
o comportamento da menina, toma um banho e se veste lindamente para aguardar o
retorno da boneca. “As dez horas, Luizinha já tomou o seu banho e está graciosamente
vestida de branco, esperando Zilda voltar” (PUIGGARI-BARRETO, Primeiro livro,
1922, p.143). Nas três lições do Primeiro livro vemos o asseio como um
comportamento incorporado das crianças.
No Segundo livro de leitura o asseio aparece também em três lições: Férias, A
ran e Presente furtado. Na lição Férias, Paulo narra sua rotina na fazenda, e descreve
que toda manhã costumava tomar “o banho frio, por baixo da cachoeira” (PUIGGARI-
BARRETO, Segundo livro, 1911, p. 6). Juntamente com a qualidade do ar que ele pode
respirar no campo e o repouso, o banho matinal ajudou o menino a refazer sua saúde
antes de voltar para a rotina na cidade, rotina de trabalho escolar.
Na lição Presente furtado, o asseio corporal também já faz parte da rotina de
Luizinha. A garota demonstra já ter incorporado o comportamento higiênico, afirma:
“Todas as manhãs, depois que me visto e me lavo, e penteio meus cabelos, dou um
abraço na mamãe”. (PUIGGARI-BARRETO, Segundo livro, 1911, p. 145). Todas as
manhãs, assim como ela, as crianças deveriam se lavar.
A lição A ran é a única na qual a temática sobre o asseio corporal ganha outro
enfoque. O asseio é apresentado como um hábito essencial para a vida das pessoas, pois
sua ausência é responsável por causar repugnância entre os indivíduos que convivem
101
entre si. Em A ran, tio José se aproveita do episódio no qual os meninos – Paulo e
Ricardo - encontram uma rã no quintal e querem matá-la, por acharem que ela é um
bicho repugnante, para dar-lhes uma lição sobre o asseio corporal.
Reprovando o comportamento dos meninos, o tio ensina que “repugnante só é
aquillo que prejudica e que é pernicioso, como a mentira, a falta de asseio e a preguiça!”
(PUIGGARI-BARRETO, Segundo livro, 1911, p. 81).
No Terceiro livro, o asseio aparece nas lições Preparativos, Margarida e Um 12
– Álbum de Paulo. Em Preparativos o preceito higiênico ganha voz nas palavras de D.
Julia, ao preparar vestimentas para seus filhos voltarem à rotina escolar. D. Julia veste-
os com as roupas novas que ela mesma fez para todos eles. Luiza, que ganhou da mãe
um vestido novo, feito de chita, reclamou que gostaria de ter ganhado um vestido de
seda, pois o de seda seria mais luxuoso. D. Julia, inconformada com a fala da filha, deu-
lhe uma bronca, apontando o asseio como comportamento luxuoso a ser aprendido pela
garota: “Luxo! Queria ter luxo? Pois que o tivesse, mas no asseio escrupuloso da roupa
e do corpo. Isso sim é luxo!” (PUIGGARI-BARRETO, Terceiro livro de leitura, 1911,
p.24).
O Terceiro livro apresenta nas outras duas lições, assim como no Primeiro livro,
o asseio corporal como comportamento já internalizado pelos personagens. Em ambas,
o asseio é destacado como qualidade dos personagens que o possuem. Na lição
Margarida, há uma descrição da personagem que dá nome à história, empregada da
família Silva Ramos, na qual uma das suas qualidades é a “mania exagerada do asseio”
(PUIGGARI-BARRETO, Terceiro livro de leitura, 1911, p.116). Em Um 12 – Álbum
de Paulo, o mesmo acontece com o personagem Joaquim. Nessa narrativa, Paulo conta
a rotina diária do menino e de sua família e destaca que Joaquim é um menino que
“comparece na escola sempre muito limpinho” (PUIGGARI-BARRETO, Terceiro livro
de leitura, 1911, p.200).
O asseio é a temática relacionada à higiene que mais aparece nos livros de
leitura. Podemos tentar entender esse maior investimento dos autores, devido a
importância que essa prática logo no início do século XIX. O asseio foi gradativamente
aceito ao longo do século XIX, considerado o banho, o asseio “higiênico por excelência,
por proporcionar a pele uma sensação agradável; de limpeza da superfície do corpo das
imundícies causadas pela transpiração e pelo suor” (DUJARDIN-BAUMETZ, 1889, p.4
apud VIGARELLO, 1985, p.135). Segundo Vigarello (1985), ao longo da primeira
102
metade do século XIX, o banho, foi inúmeras vezes questionadas. Muitos sabiam da sua
necessidade, mas insistiam nos perigos da sua repetição frequente.
3.5 - “Histórias de um ignorante”
Em um conjunto de histórias do Segundo livro de leitura intituladas Histórias de
um ignorante é narrado a história do personagem Ricardo, um jovem cuja conduta é
narrada ao longo de cinco narrativas. Essa narração demonstra porque o jovem recebe o
título de “ignorante”. Nas hisórias vemos diversas temáticas sendo abordadas e todas
elas se entrelaçando dentro de um padrão de comportamento que era estipulado como
um código a ser seguido. As cinco lições representam, por meio de Ricardo, as pautas
de comportamentos reprovados pela sociedade naquele período. As lições se apóiam
nesses comportamentos reprovados para incentivar a mudança dos mesmos, pela própria
vivência do personagem. Ao final do conjunto de lições, Ricardo se apresenta como
alguém que conformou seus gestos, aprendendo as lições ensinadas. No conjunto de
comportamentos que levam Ricardo a se afastar da “ignorância”, temos a higiene.
No conjunto de lições Histórias de um ignorante, a representação das condutas
do personagem Ricardo pode conceber a mudança de comportamento que os autores
almejavam para leitores da série Puiggari-Barreto naquela época. Ricardo era uma
pessoa sozinha, seus pais haviam falecido há pouco tempo, ele não tinha nada nem
ninguém! O lugar onde dormia era um pequeno espaço, cedido por uma senhora
caridosa que, ao saber da situação do rapaz, se compadeceu, dando a ele um quartinho
para morar, sem custos.
Em Histórias de um ignorante I – Ferido, narra-se a dificuldade de Ricardo em
encontrar um trabalho, devido ao fato de jovem ser um indivíduo sem estudos. Após
muito insistir, Ricardo ganha uma oportunidade e começa a trabalhar como servente de
pedreiro. Nesta mesma história, a falta de experiência do rapaz é narrada, culminando
em um acidente no trabalho. A falta de experiência é expressa pelas palavras do homem
que o havia empregado:
Bem se via que queria trabalhar; mas também logo se conhecia que
não estava lá muito acostumado com a cousa! Quando subiu os
andaimes, tremiam-lhes as pernas como se tivesse atacado os
sezões! Afinal, lá veiu a vertigem, e...PUIGGARI-BARRETO,
Segundo Livro de leitura, 1911, p. 53)
103
E Ricardo caiu! O acidente gerou problemas de saúde para o jovem, que são
descritos em Histórias de um ignorante II – Convalescença. Nela, a enfermidade de
Ricardo e a recuperação da sua saúde são narradas. Medicado por Dr. Silva Ramos, o
rapaz recebe do médico as recomendação de higiene, como forma de refazer a saúde,
para voltar ao trabalho.
O senhor tomará as suas refeições na quantidade e horas certas, e
logo depois fará algum exercício moderado no jardim, que é vasto
e com um ar mais puro do que esse que se respira nas ruas. Só
assim ficarás curado e poderás voltar ao trabalho. (PUIGGARI-
BARRETO, Segundo Livro de leitura, 1911, p. 53)
Dr. Silva Ramos, após atender o rapaz, foi para sua casa, indignado com a
situação do jovem. Contou toda a situação de Ricardo à sua esposa, D. Julia, que, ao
ouvir o relato do marido, também se compadeceu em relação à situação. Ela quis visitar
o órfão e mandou que lhe entregassem cama, colchão, travesseiros e roupas de cama, a
fim de lhe dar uma maior comodidade. Surpresa com a situação, D. Julia ofereceu-lhe
almoço e jantar todos os dias. Colocando em prática preceitos de higiene, Ricardo logo
conseguiria recompor sua saúde.
Em forma de agradecimento à atitude caridosa e bondosa de D. Julia, Ricardo
passou a prestar alguns serviços de jardinagem na casa e, não demorou muito, foi
contratado pelo Dr. Silva Ramos para que se efetivasse ali e exercesse tal função. Após
todos esses acontecimentos, Ricardo aprendeu uma lição e quis compartilhá-la com toda
a família do médico.
Ricardo contou-lhes que não sabia ler, nem escrever. Quando era criança, só
brincava e não estudava, ele fugia da escola para brincar. Não cumpria seus deveres!
Em vez de cumprir meus deveres de estudante, ia todos os dias,
com uns moleques, que se haviam tornado meus companheiros,
para o ribeirão, a fim de pescar e nadar. Fui crescendo, tornando-
me rapaz sem ao menos ter aprendido a ler. [...] Tive então
remorsos e vergonha da minha inutilidade. Sahi à procura de
emprego que me desse a ganhar apenas o necessario, mas nada
consegui! (PUIGGARI-BARRETO, 1911, p. 63)
O dever de um menino e de uma menina, em idade escolar, é de estar na escola
aprendendo a ler e a escrever. Cumprindo esse papel, a criança no futuro conseguirá um
trabalho, que por consequência lhe garantirá uma vida honesta. A falta de instrução de
Ricardo gerou nele um sentimento de vergonha. Se o jovem tivesse cumprido seu dever,
104
ao invés de vergonha por ter levado uma vida de vadiagem, estaria orgulhoso por ter
feito a sua obrigação.
Tendo obedecido às recomendações de higiene, dadas por Dr. Silva Ramos,
Ricardo logo se recuperou. “O rosto ia-se-lhe tornando corado; e os olhos adquirindo o
brilho próprio da saúde. Melhorava a olhos vistos.” (PUIGGARI-BARRETO, Segundo
Livro de leitura, 1911, p. 53).
Para que Ricardo pudesse trabalhar, deveria estar com a saúde refeita. Na lição
anterior, as pautas de comportamento que ganham destaque são a escolarização,
associada a oportunidades de trabalho. A lição que fica ao leitor, a partir da História de
um ignorante é a necessidade de frequentar a escola, aprender a ler e escrever para
poder ganhar um trabalho.
Nas Histórias de um ignorante III – Triste começo, IV – Não sei ler e V – Não
sei escrever e não sei contar, as lições narram o motivo pelo qual Ricardo é
caracterizado como um ignorante e sua mudança de comportamento nesses aspectos. O
próprio personagem se caracteriza dizendo: “fui um vadio, e não aprendi a lêr, nem
escrever, nem contar” (PUIGGARI-BARRETO, Segundo Livro de leitura, 1911, p. 68).
105
Considerações finais
A partir do estudo realizado, conseguimos mapear a presença da higiene nos
livros de leitura da série Puiggari-Barreto e perceber que ela compõe um conjunto de
temáticas (asseio, alimentação, atividade física) que visavam fornecer às crianças os
ensinamentos necessários para que elas aprendessem a viver na sociedade da época,
conformando seus comportamentos. As lições selecionadas, nos permitem observar que
há uma proposta dos autores de, por meio das historietas envolvendo crianças e adultos,
apresentarem esses comportamentos higiênicos exemplares que deveriam ser aprendidos
e disciplinados, como também apontarem os deslizes a serem evitados e os
comportamentos a serem corrigidos, a partir das situações vivenciadas em cada lição.
Os autores inserem em seus livros uma proposta de reforma dos costumes. No conjunto
das dezoito lições, percebemos a higiene como parte de um código moral almejado pela
sociedade daquela época.
Rocha (2002), em seu trabalho sobre as pedagogias da higiene, destaca
Regenerar moralmente as massas. Eis a aventura a que se lançam
os homens ilustrados, nas décadas iniciais do século XX! Nesse
empreendimento, médicos, higienistas e sanitaristas, investidos da
autoridade da ciência, apresentar-se-ão como os mais abalizados
artífices-detentores de um saber capaz de dar respostas às
Necessidades de higienização da cidade, de crescimento
econômico do país e de formação de trabalhadores saudáveis, física
e moralmente. (ROCHA, 2002. p.09)
Rocha e Gondra (2002), estudando o processo de escolarização no Brasil, entre a
segunda metade do século XIX e o início do século XX, interrogando se a educação
compareceu no amplo projeto de intervenção social formulado pela corporação médica,
bem como a mesma se configurou no interior desse projeto, destacam que
entre a segunda metade do século XIX e início do século XX, a
doutrina médico-higienista instalou a questão educacional em sua
órbita, adotando estratégias distintas para integrá-la ao seu corpo
doutrinário. [...] Os recursos ativados pela medicina procuraram
produzir o reconhecimento da necessidade de se reformar a escola,
redefinindo espaço, tempo, mobiliário, conteúdo, práticas,
métodos, estrutura e os sujeitos da escola. Reforma que,
redesenhando a organização escolar, ampla e detalhadamente,
também almejava constituir-se enquanto uma extensa “reforma dos
costumes” (ROCHA E GONDRA, 2002, p. 509)
106
Considerando que na produção de um texto o leitor sempre é pensado pelo autor,
é possível perceber a intencionalidade de Puiggari-Barreto, na produção de um livro que
tinha em vista ensinar a ler aos alunos das escolas primárias, de ir além dos
ensinamentos da leitura e da escrita, o que resulta na produção de uma coleção cujos
livros deixam ver o intento de, por meio da leitura, inferir no processo de formação
moral das crianças e conformação de seus gestos. Na lição intitulada Hymno, no
Segundo livro de leitura, eles evidenciam essa intenção. Nela, Romão Puiggari e
Arnaldo de Oliveira Barreto apresentam o livro como instrumento de formação da
criança:
Hymno
No eterno prélio divino
Da Luz contra a escuridão,
Nós, os arautos do ensino,
Vencemos, tendo na mão
Os livros que, no menino,
Vão talhando o cidadão!
Conforta, alenta, consola,
Traz-nos um riso feliz,
Vêr da instrucção, numa escola,
Cahindo os póllens subtis
Sobre a nevada corolla,
Dos corações infantis...
Ó Patria, mãe sacrosanta,
Pódes de orgulho sorrir...
Do trabalho os hymnos canta,
Que, nova senda a seguir,
A infância que se alevanta,
Tinge de luz teu provir!
(PUIGGARI-BARRETO, 1911, p.37)
Por meio das narrativas, os autores, abordando as mais diversas temáticas, vão
buscando moldar a criança. No conjunto das temáticas, encontramos a higiene,
construída ao lado de virtudes e valores, representados pelos autores em seus
personagens, idealizando a imagem de criança almejada para a sociedade daquela
época. Desta forma, a higiene passa a compor um código de boas maneiras que
deveriam ser aprendidas pelas crianças em idade escolar.
Elencando um conjunto de comportamentos (asseio, exercícios físicos,
alimentação), a higiene é construída nos livros por meio dos “preceitos higiênicos”,
ancorados em valores morais como a prudência e a moderação.
107
Oliveira & Souza (2000, p.33) destacam que Romão Puiggari e Arnaldo de
Oliveira Barreto, ao escreverem a série graduada, criaram um estilo de escrita no qual as
narrativas caracterizam-se como “lições ingênuas e vivazes de boas maneiras,
tolerância, respeito e afeição”. Segundo as autoras, as lições da série Puiggari-Barreto
são recheadas de normas de comportamento e civismo. Ao observamos as dezoito
narrativas que a higiene é abordada na série, notamos que elas se encaixam no estilo de
lição que as autoras chamam de lições de boas maneiras. Os ensinamentos sobre os
preceitos de higiene deveriam participar do processo de educação da criança para que
ela aprendesse a viver em sociedade, moralizando seus costumes.
Nesse sentido, Puiggari e Barreto, ao tentar incutir nos alunos leitores, por meio
das lições dos livros de leitura, os comportamentos ideais para a formação da criança,
com os ensinamentos da higiene, vão, contribuindo com a educação moral dos alunos.
Por meio desse exame realizado com a série Puiggari-Barreto, foi possível
compreender o modo como a higiene foi veiculada em livros cuja finalidade primeira
era ensinar as crianças das escolas primárias a ler. Chartier (1991, p.180), que nos diz
que “apropriação visa uma história social dos usos e das interpretações, referidas 1as
suas determinações fundamentais e inscritas nas práticas específicas que as produzem”.
nos leva a perceber, nas dezoito lições que abordam os preceitos higiênicos na coleção,
indícios de apropriação por parte dos autores do discurso médico- higienista do final do
século XIX e início do século XX.
Segundo os médicos-higienistas
a fórmula para a salvação e o progresso do país incluía saúde e
educação como elementos de redenção da Pátria. Assim, o objetivo
era criar e cultivar novos hábitos de higiene e preservação da saúde
na criança brasileira, pois esta estava predisposta, ainda, a um
estado de desnutrição e a uma elevada incidência de morbidade e
mortalidade. As noções de higiene na alimentação e no asseio
pessoal fazem parte de um projeto de modernidade para a
sociedade brasileira ligado à conservação da saúde e ao vigor do
corpo. (BASTOS & STEPHANOU, 2005, p.07).
Os autores, através das condutas dos personagens que compõem as lições das
narrativas, destacam qual o comportamento ideal a ser seguido e aprendido pelos alunos
leitores. Em todas as dezoito lições, os personagens aprendem, ou reafirmam em suas
vivencias “Uma lição de hygiene”.
Observando a possível preocupação dos autores com as pautas de
comportamentos que destacam em seus livros de leitura, pensando no processo de
108
formação da criança, lembramos que foi ao longo do século XIX que, por meio da
influência do pensamento médico-higienista, as sociedades criam as primeiras
instituições para cuidar da higiene e da saúde do povo e também os primeiros textos
relacionados a temática, que tinham como objetivo insistir na renovação de certas
práticas de saúde. Os médicos-higienistas insistiam na necessidade da mudança de
alguns hábitos e comportamentos da população, buscando inculcar práticas higiênicas
na vida cotidiana do povo.
Vigarello (1895), estudando a história da higiene corporal desde o século XIV
aponta que o novo estatuto dado à medicina e por consequência também à higiene a
partir do século XIX, traduziu-se em inúmeras medidas sociais, a fim de garantir uma
melhora na qualidade da saúde do povo. O autor destaca que ao longo do século XIX,
havia uma disparidade nas sociedades entre a teoria da higiene e a sua prática efetiva.
Muitos assuntos relacionados a ela acabavam ficando sob suspeita da população, que
por sua vez não colocava em exercício, ou raramente praticava.
O que mais preocupava os médicos-higienistas era a higiene do povo, sobretudo
daqueles que viviam em situações de insalubridade. Com o desenvolvimento urbano e
industrial das cidades, a figura do pobre e, sobretudo da sua miséria era representada
como uma ameaça. Era preciso combater essa insalubridade para que se pudesse obter
êxito no processo de modernização social. A higiene passou a fazer parte do currículo
da escola elementar paulista, e os alunos passam a aprender sobre as práticas de higiene
para poderem transmitir esses ensinamentos em suas casas, a seus pais e familiares,
demonstrando a eles como ser um indivíduo saudável, preservando a saúde. Tomar
banho, realizar um asseio do corpo14
, lavar as mãos, manter o vestuário limpo, observar
a qualidade dos alimentos e respirar ar puro.
Por meio da análise realizada com a série Puiggari-Barreto, percebemos a série
como um manual de comportamentos ou “boas” maneiras. O comportamento higiênico
assim como outras pautas de comportamentos compõe as lições dos livros e são
ensinadas às crianças em idade escolar por meio de livros de leitura da série graduada
Puiggari-Barreto. Cabe destacar aqui o fato de no final do século XIX e início do
século XX, ainda não existirem manuais escolares específicos sobre a temática da
14 É importante destacar, que nas décadas finais do século XIX, essa questão da sujidade da pele ganhou um
aprofundamento com os estudos sobre a presença dos micróbios na superfície do corpo. Entre os anos 1870 e 1880, a
água passou a ser considerada como o único elemento capaz de “eliminar” o micróbio acumulado sobre a pele. Já nos
anos de 1890 e 1900 a água passou a não ser mais capaz de apagar todos os micróbios invisíveis sobre o corpo. Para
os higienistas, a prática do banho não extinguiria, mas diminuiria de maneira muito acentuada a presença dos
micróbios sobre a pele.
109
higiene. Diante disso, observando um processo de apropriação dos autores do discurso
médico, os livros de leitura podem ser lidos como instrumentos capazes de disseminar
os saberes higiênicos, na busca por uma melhora das condições de higiene e saúde
pública, bem como dos costumes da população.
Para finalizar, a série Puiggari-Barreto constrói em suas lições uma imagem
idealizada de criança, representada por meio dos personagens que compõem as
narrativas. Nessas lições, a higiene se torna um dos comportamentos almejados para a
criança, fazendo perceber que a criança idealizada por Puiggari-Barreto deveria ser uma
criança higiênica: saudável, limpa, que se exercita e é moderada. Somado a isso é
corajosa, verdadeira, econômica, honrada, modesta, honesta, caridosa, trabalhadora,
perseverante, prudente, moderada, fraterna, disciplinada e a partir de tudo isso, uma
criança bem educada.
110
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