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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA ADRIANA STELA BASSINI EDRAL AS BRASILEIRAS: UMA NARRATIVA DO BRASIL. Palhoça 2015

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

ADRIANA STELA BASSINI EDRAL

AS BRASILEIRAS: UMA NARRATIVA DO BRASIL.

Palhoça

2015

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ADRIANA STELA BASSINI EDRAL

AS BRASILEIRAS: UMA NARRATIVA DO BRASIL.

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Ciências da Linguagem da Universidade do Sul de Santa Catarina como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Ciências da Linguagem.

Orientadora: Profa. Dra. Dilma Beatriz Rocha Juliano.

Palhoça

2015

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E26 Edral, Adriana Stela Bassini, 1983-

As brasileiras : uma narrativa do Brasil / Adriana Stela Bassini Edral. – 2015.

124 f. : il. color. ; 30 cm

Dissertação (Mestrado) – Universidade do Sul de Santa Catarina, Pós-graduação em Ciências da Linguagem.

Orientação: Prof. Dra. Dilma Beatriz Rocha Juliano

1. Análise do discurso narrativo. 2. Televisão – Seriados - Análise do discurso. I. Juliano, Dilma Beatriz Rocha. II. Universidade do Sul de Santa Catarina. IV. Título.

CDD (21. ed.) 401.41

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universitária da Unisul

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Aos Edrais e aos Assumpções, estes que estão

sempre ao meu lado.

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AGRADECIMENTOS

Desde a minha iniciação na Academia até o momento em que escrevi a última palavra

nessa dissertação, muitos foram os que me ajudaram durante toda essa longa caminhada.

Muitos, inclusive, já não fazem mais parte da minha história para seguir sua própria. É por

isso que confesso o receio de esquecer aqueles que foram tão importantes para meu

crescimento pessoal, profissional e acadêmico. Sendo assim, agradeço algumas pessoas que

mais foram presentes durante minha dissertação, mas deixo minha gratidão eterna a todos que,

de uma maneira ou outra, foram importantes para o meu caminho como docente.

Agradeço, antes de todos, à Isaura Maria Longo, minha primeira incentivadora ao

mundo acadêmico, por sua participação em minha banca de graduação e, principalmente, por

seus comentários que foram inimaginavelmente determinantes para eu me aventurar no

mundo da docência.

Agradeço também à Univali, instituição que me apoiou nesse grande passo

profissional. Pessoalmente, agradeço a Cristiane Badin, por ter me indicado para trabalhar na

Univali e à Giovana Pavei, pela oportunidade de atuar na docência, além da Emilana, por seu

colo nas horas de desespero. Também agradeço a todos os professores da Univali,

principalmente a Hans Peder Behling, por me apresentar ao Programa de Pós-Graduação em

Ciências da Linguagem e por suas incontáveis ajudas. Faço meu agradecimento especial a

Rafael Bona e a André Vailatti, por suas dicas e risadas. Agradeço também a Marcelo

Juchem, meu amigo, por sua energia positiva, cuidado e carinho.

Faço meus agradecimentos também a minha Orientadora Dilma Juliano simplesmente

por ser quem ela é: um exemplo, um modelo a ser seguido como orientadora, pessoa e

professora. Além dela, também agradeço imensamente os professores Caco e Aldo, por serem

minha constante fonte de inspiração e por serem aqueles que me lembraram que há muito no

mundo a ser construído. Agradeço também à secretária da coordenação do Programa, Edna,

por seus ouvidos e paciência.

Também agradeço a todos os meus colegas de sala durante as disciplinas do programa,

por não terem ideia de como tornaram minhas manhãs e tardes agradáveis. É certo que muito

do meu aprendizado veio da energia positiva desse grupo. Faço meu agradecimento especial

aos meus amigos Vera e Isaías, por serem meus eternos companheiros de discussões, risadas e

rodovias.

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Agradeço a meus familiares: meu pai, minha mãe, pois não há nada no mundo que eu

ame mais do que eles; meu irmão, meus sobrinhos, minha cunhada, pois são tão importantes

pra mim que não sei quantificar; e todos os membros da família, por seu carinho e

preocupação. Também quero agradecer meus amigos, principalmente Helena Assanti, Liana

Pinho, Renata Kauling, Lucas Batista, Roberta Costa e Camila Pimenta, pelo suporte

emocional. Por fim, faço meu agradecimento, do fundo do coração, a todos aqueles que de

alguma maneira me ajudaram nesse período de tamanho crescimento.

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RESUMO

Esta dissertação tem como tema as narrativas seriadas brasileiras, tendo como objeto de estudo o seriado As Brasileiras (2013), produzido pela Lereby e exibido pela emissora Rede Globo. O recorte proposto para o objeto foi a enunciação do narrador do seriado, que se faz presente em todos os episódios e o objetivo deste trabalho foi perceber, no discurso do narrador, noções de identidade nacional e brasilidade, de maneira a pensar essas noções na contemporaneidade. A narrativa seriada, herdeira do melodrama folhetinesco, está localizada em um contexto mercadológico de produção: sua estética é embasada em uma lógica do capital, que tanto promove a venda de bens culturais como também a democracia a partir da mistura da “alta” e da “baixa” cultura. No seriado As Brasileiras, é possível debater as noções de identidade e representação no que tange a identidade nacional, que pode tanto ser percebida como unificada e atrelada ao projeto de nação na modernidade, como pode ser vista como diversa, apresentando a diversidade cultural. Assim, foi possível perceber tanto traços da modernidade quanto da pós-modernidade.

Palavras-chave: Narrativas Seriadas. As Brasileiras. Modernidade. Pós-modernidade.

Narrador.

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ABSTRACT

This dissertation is an assessment of the series of narratives from the TV show, As Brasileiras, (2013), produced by Lereby, and aired by Rede Globo. The segment proposed was the narration of the series, which is present in all episodes. The goal of this dissertation is to recognize in the narrator’s speech, the expression of national identity and “Brasility”, and how it can relate it to a contemporary interpretation. The melodramatic narration is situated in a capitalistic production context where its environment/background evokes a capitalist ideation, which not only promotes the sale of unnecessary cultural goods, but also incorporates the democratic mixture of “high” and “low” culture. In the series As Brasileiras, it is possible to debate the notions of identity and representation, regarding national identity, which can be seen as unified and related to a project of nation and modernity, as it can be seen as diverse, showing cultural diversity. Thus, it was possible to notice traits of modernity as well as post-modernity.

Key-words: Serial Narratives. As Brasileiras. Modernity. Post-modernity.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Atrizes que compõem o elenco do seriado As Brasileiras........................................60

Figura 2: Imagem de Araí se banhando no rio ........................................................................87

Figura 3: Daniel Filho entre algumas atrizes do seriado..........................................................94

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 12

2 A INDÚSTRIA CULTURAL E A SERIALIDADE DAS NARRATIVAS ................. 21

2.1 A TELEVISÃO COMO FERRAMENTA DA INDÚSTRIA CULTURAL. ............... 31

2.2 FOLHETIM: A TÉCNICA NA FICÇÃO .................................................................... 37

2.3 O MELODRAMA E A TELEDRAMATURGIA NA REDE GLOBO ........................ 43

3 AS BRASILEIRAS: UM NARRADOR DO BRASIL .................................................... 55

3.1 AS BRASILEIRAS NA TELA: UMA ESTRATÉGIA DE MERCADO? ................. 59

3.2 NAÇÃO E BRASILIDADE: UM DISCURSO QUE NÃO TEM FIM ........................ 63

3.2.1 O problema da identidade. ....................................................................................... 64

3.2.2 Identidade nacional e mercado: o projeto de nação brasileira. .............................. 70

3.3 UM NARRADOR NA TELEDRAMATURGIA ......................................................... 93

3.2.3 O narrador benjaminiano ......................................................................................... 95

3.2.4 Silviano Santiago e o narrador pós-moderno ........................................................ 101

3.2.5 O narrador d’As Brasileiras ................................................................................... 103

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 116

REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 120

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1 INTRODUÇÃO

A televisão surge como um meio de entretenimento numa sucessão tecnológica na

lógica da industrialização da cultura e, assim, grande difusora de objetos culturais de/para as

massas. Sabe-se que, na atualidade, boa parte dos bens simbólicos que podem construir

sentidos em direção a uma noção de identidade estão, de certa forma, atrelados às produções

televisivas.

Produto da indústria cultural, a televisão é alvo de muitos questionamentos sobre sua

prática de produção: diante do corte da máquina, os bens simbólicos são construídos a partir

de uma lógica do capitalismo, distanciando-se, talvez, de uma razão crítica e de um ato

político, enquanto se aproxima da lógica do entretenimento e do consumo.

Aqui, o intuito é analisar uma produção da teledramaturgia brasileira a partir da tensão

entre a banalização da cultura, pela via de Adorno e Horkheimer, e as possibilidades críticas

de leituras contidas nessas produções, partindo das concepções enunciadas por Walter

Benjamin, principalmente, a partir das reflexões sobre a reprodutibilidade técnica.

É possível entender que os contornos da crítica da cultura podem ser feitos em duas

direções. Primeiramente, pensa-se a reprodutibilidade técnica como um potencial

democrático, de maneira que os objetos artísticos e culturais seriam acessíveis a todos, a partir

da cópia. Em seguida, pensa-se na apropriação desses objetos como mercadorias

“espetacularizadas”. Essas duas possibilidades de interpretação sobre a reprodutibilidade

técnica são temas dos estudos de Adorno e Horkheimer, bem como de como Walter

Benjamin. A visão pessimista de Adorno sobre o que viria a ser a arte como mercadoria se

contrapõe, em alguns momentos, com a promessa de arte democrática, de acesso a todos, que

Benjamin valoriza.

A discussão sobre esse tema, aqui, se volta para a questão do valor da arte. Percebe-se

que a posição de Adorno e Horkheimer em relação à arte é a afirmação de uma arte autônoma,

estando separada da lógica capitalista e sendo, portanto, de mais valor do que as produções da

indústria cultural. Para esses críticos, a arte autônoma, fora da esteira industrial, teria um

papel político de esclarecimento. No entanto, a posição de Benjamin permite um olhar menos

elitista em relação à arte: na segunda natureza, a das máquinas, o olhar crítico deve se voltar

para a cultura produzida a partir de processos maquínicos, pois na capacidade reprodutiva da

indústria está seu potencial democrático e, portanto, como arte politizada. Para Benjamin, a

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arte com valor de exposição, como cópia, seria a maneira acessível a todos, uma possibilidade

de esclarecimento das massas. Nesse sentido, Benjamin, atento à emergência das massas, se

aproxima de uma proposta de cultura que não é elitizada, de maneira a entender que a arte

deve estar ao alcance de todos.

É indiscutível que a teledramaturgia deriva de uma longa história dos meios

tecnológicos de contar história (radionovelas, fotonovelas, telenovelas). Tem-se no folhetim

o início das narrativas seriadas de ficção, de obras literárias publicadas pela imprensa, cujos

estudos compõem o campo da cultura e das narrativas seriadas. O folhetim acontece com a

imprensa, um produto da indústria cultural. O estudo do folhetim possibilita o entendimento

da distinção entre o “alto” e “baixo” e suas aproximações, uma vez que o folhetim permite a

mistura entre a literatura de elite e a literatura popular, gerando uma literatura de massa.

Pensa-se, por exemplo, nos escritores das narrativas seriadas impressas: suas obras, depois de

vendidas em “fatias” pela imprensa e lidas pela população de menor poder aquisitivo, eram

condensadas em livros a serem destinados mercadologicamente para a elite burguesa. Suas

histórias, portanto, são escritas de maneira a promover identificação com as classes populares

e com as classes mais altas.

O que possibilita perceber as semelhanças entre o folhetim e a teledramaturgia é, em

primeiro lugar, sua condição de corte da máquina: enquanto na imprensa as narrativas são

cortadas em função de seu espaço na folha, na televisão a teledramaturgia é cortada pelos

espaços reservados pelas emissoras para os anúncios publicitários, dividida de acordo com a

grade de programação. Além disso, percebe-se a semelhança entre ambas na presença de uma

narrativa melodramática, cuja estrutura tem relação, também, com o lucro. Para atender a um

maior número de espectadores, o gênero melodramático constrói sua história a partir da

reação do público, seja essa reação percebida nos palcos do teatro1 ou nos índices de

audiência das teledramaturgias.

Dentre as principais características do melodrama, está a sua adaptação ao momento

contemporâneo do público; sua capacidade de moldar seus enredos ao momento histórico e

contextos sociais confere o caráter de incentivo a seu consumo por parte do espectador.

Talvez, esse seja o motivo que faz dele uma narrativa presente desde o folhetim até as

produções televisivas da contemporaneidade.

No que se refere ao melodrama e à teledramaturgia, o enredo que se adequa aos

momentos históricos é a problemática que rege esse presente estudo: discute-se, aqui, a 1 Huppes (2000), ao falar do melodrama, constrói seus exemplos a partir do melodrama encenado em casas teatrais.

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questão da identidade nacional e a representação de uma brasilidade que Juliano explica por

meio do folhetim no Brasil:

Esta máquina não só representa a possibilidade de reprodução dos escritos europeus traduzindo-os, como também é capaz de criar a ilusão da independência, como se ela – máquina/jornal – por si só fosse capaz de criar a marca autônoma da nacionalidade duplicando o sucesso da forma literária industrial, já experimentado no exterior. É a modernidade literária, forjada pelo princípio universal de progresso, que aspira à redução das distâncias culturais entre colonizadores e colonizados (JULIANO, 2003, p. 17).

O “princípio universal do progresso” que a crítica menciona está no iluminismo,

paradigma que leva a modernidade para a direção de um progresso pautado na “civilização” e

na ciência. A urbanização e o progresso na literatura, bem como em vários outros campos da

arte, formam a concepção de modernidade que, no Brasil, se dá de maneira paradoxal. O

paradoxo que é tratado nessa dissertação é o que Garramuño (2009) entende por modernidade

primitiva, que se coloca da seguinte forma: a modernidade brasileira tem traços tanto da

urbanização e do progresso quanto de elementos primitivos, sendo este último o que a autora

caracteriza como “mais próxima ‘em sua essência’ da autenticidade das classes baixas”

(p.27). Assim, percebe-se que a modernidade brasileira é composta tanto por elementos que

promovem a urbanização e a “civilização” quanto por elementos que se direcionam para uma

tentativa de trazer o “próprio” brasileiro como componente da identidade nacional. Ou seja, o

que a modernidade no Brasil se difere da Europa é a sua proposta de “inclusão” das culturas

populares, como o samba, nos discursos sobre a identidade e nação.

Mesmo assim, é importante perceber que essa “inclusão” mencionada anteriormente

aparece como “mercadoria exótica” para colocar uma identidade nacional à venda e digna de

exportação. É contado por Garramuño (2009), por exemplo, que artistas plásticos buscaram o

reconhecimento de suas obras a partir de elementos exóticos e peculiares, que muito se

referiam a uma suposta cultura nacional. Os sambistas, em suas viagens para o exterior,

levavam o samba para a Europa, de maneira a construir sentidos que remetem, no exterior e

no Brasil, ao samba como originalmente brasileiro.

Aqui, pensa-se duas questões sobre a modernidade brasileira: primeiro, percebe-se que

ela transforma a cultura popular em mercadoria que, para ser vendida para as classes mais

altas, essa cultura precisaria ser lapidada e “civilizada”2. Em seguida, pode-se perceber que

essa mercadorização foi proposta tanto pela indústria da cultura quanto pelos críticos da

2 Ver em Modernidades primitivas, de Garramuño (2009, p. 27).

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cultura de massa. Na verdade, se olharmos para a literatura no Brasil, cujos autores de

literatura eram, também, jornalistas, percebe-se que há uma aproximação muito peculiar entre

a arte autônoma e a cultura de massa no Brasil. Isso pode ser explicado por Ortiz (1988), ao

lançar seu olhar para história do surgimento e da expansão dos meios de comunicação no

Brasil. Pensa-se, assim, no lugar da televisão como meio de comunicação de massa e seu

processo de expansão por todo território brasileiro.

Dentro deste contexto, há que se perceber uma lógica capitalista que interpela todo o

“progresso” da máquina. Mas, mais importante do que isso, interessa aqui como esse

movimento interfere na construção de uma identidade nacional. No que se refere a esse

assunto, entende-se como o mercado de bens simbólicos foi construído a partir de uma lógica

capital e que, no Brasil, por sua condição moderna peculiar, acabou por trazer como símbolos

da nação elementos tanto que remetem ao progresso, como a urbanização, a tecnologia e uma

tentativa de pensamento unificado sobre a nação como também elementos que representam a

diferença.

A identidade nacional é tema de muitos estudiosos. Anderson (2008) define a nação

como uma comunidade imaginada, pois o imaginário sobre a nação é o que permite a

identificação dos sujeitos como pertencentes ao mesmo país. Mesmo com símbolos

institucionais, como as fronteiras e as regras de conduta do cidadão, os bens simbólicos são

capazes de construir sentidos que unificam a nação no imaginário do cidadão. A concepção

de comunidades imaginadas de Anderson é estudado nessa dissertação em conjunto com as

ideias de Hall sobre a identidade nacional que, aderindo à ideia de comunidade imaginada,

tenta entender como as identidades nacionais estão em processo de descentramento. Para Hall

(2014), a identidade pode ser vista por meio de três concepções de sujeito: o sujeito do

iluminismo, que acredita numa essência humana individual; o sujeito moderno que, apesar de

não refutar a existência de uma essência, admite a presença da interação do sujeito com o

social; e o sujeito pós-moderno, cuja concepção refuta a existência de uma essência do

indivíduo e se aproxima de uma concepção plural de sujeito, em que suas relações sociais

múltiplas promovem diferentes identidades, simultâneas e contraditórias.

Aqui, interessa-se pelas duas últimas concepções: o sujeito moderno pode ser aquele

que, mesmo a partir de suas múltiplas relações sociais, ele ainda possui uma essência e,

portanto, uma identidade: a identidade nacional concebida no projeto de modernidade pode,

talvez, ser valorizada nessa concepção de sujeito, ainda apegado a instituições que lhe dariam

base para reconhecer-se. O sujeito pós-moderno, diante de relações, inclusive, com bens

culturais não pertencentes a uma “brasilidade”, é descentrado, fragmentado e se reconhece,

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simultaneamente, em símbolos que não mais comportam a identidade nacional. Na mistura

dos bens culturais, percebe-se a lógica do capitalismo tardio, ou a pós-modernidade, que

Jameson (2007) percebe como uma dominante cultural, que propõe tanto uma homogeneidade

no discurso quanto a emergência das diferenças, sendo todas elas resolvidas no consumo.

Diante do cenário sobre a indústria cultural e seus produtos, principalmente a

teledramaturgia, pensa-se no lugar das narrativas seriadas televisivas como produtos

comerciais, mas também como espaço de construção de sentidos de identidade e

representação. A partir da ficção, narrativas seriadas como a telenovela e os seriados são

capazes de trazer para as “massas” imagens que compõem a história contada no projeto de

modernidade brasileira, reiterando os símbolos nacional como tais. Mas ser para as massas

também supõe uma cultura de massas, em que as diferenças entre alta e baixa cultura se

aproximam na lógica dos bens culturais.

Nesse sentido, é importante pensar na presença da Rede Globo, hegemônica na

indústria da televisão brasileira, como a maior produtora de narrativas seriadas no Brasil: sua

produção de telenovelas é conhecida como “tradição” e seus espectadores são cativos. A

partir dos anos 80, os seriados, que pertencem à mesma família de narrativas seriadas que a

telenovela, abordam fortemente a questão da identidade nacional. Com tecnologia avançada

na produção cinematográfica, sua qualidade estética e a abordagem dos temas relacionadas à

história do Brasil são as principais funções dos seriados, dentro de um projeto de 1984

chamado Séries Brasileiras. Os seriados fazem parte da programação da Rede Globo até

hoje, ocupando o horário das 22 horas, após as telenovelas.

Diante do que se pode perceber sobre sentidos de brasilidade e nação, o seriado As

Brasileiras é o objeto de estudo dessa dissertação. O seriado tem como diretor geral Daniel

Filho, um dos responsáveis pelo projeto Séries Brasileiras, e foi exibido na Rede Globo no

horário direcionado a seriados pela emissora. Na página do seriado na internet, ele é assim

apresentado:

O charme e o talento de mulheres únicas, representadas, de Norte a Sul, por vinte e duas atrizes, escolhidas a dedo. A cada quinta-feira, uma delas entra em cena para contar uma história diferente. Sempre com um tom de humor, os episódios mostram as regiões do país através de um micro-documentário3.

Por meio do discurso acima, pode-se perceber as principais características do seriado.

Ele tem como proposta representar, de Norte a Sul, as mulheres por seu charme e talento

3 Disponível em: http://gshow.globo.com/programas/as-brasileiras/programa/platb/. Acesso em: 23 agosto 2014.

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únicos. Para tanto, vinte e duas atrizes foram escolhidas para representar essas mulheres. As

histórias, contadas a partir de uma narrativa cômica, possuem como cenário diferentes regiões

do país. A partir da descrição do objeto de estudo, tem-se como proposta do mesmo trazer

para as narrativas seriadas contemporâneas, identidades e representações para o tema nação e

brasilidade. Por serem únicas, entende-se que cada personagem, pertencente a uma diferente

região do país, tem comportamentos específicos. E, com a pretensão de um realismo que

aproxime a ficção do efeito de real, as regiões são apresentadas na narrativa como um

documentário. Contudo, é possível perceber, ao assistir aos episódios, que a narrativa

proposta tem traços marcados pelo melodrama e pela serialidade, traços esses que distanciam

o seriado de um produto audiovisual documental. Percebe-se, também, que os cenários são

apresentados de maneira a se entrelaçar às características das personagens, de maneira que,

em vez de um “documentário”, como enuncia a apresentação do seriado, o que se tem é uma

narrativa melodramática que se utiliza de um estilo naturalista de “representar” as mulheres

brasileiras.

O seriado parece contemplar os paradigmas da modernidade enquanto construtora de

uma identidade nacional e, ao mesmo tempo, aceitar a diversidade, propondo personagens

diferentes a cada episódio, assim como diferentes regiões do Brasil. Percebe-se, porém, que

toda a diversidade das personagens parece se encontrar em um só Brasil; para o seriado,

pensa-se que sua proposta é trazer o resultado da mistura de mulheres e regiões como algo

maior, a nação. O objeto de estudo, portanto, tem suas bases fundamentadas no discurso

sobre a identidade nacional, propondo as diversidades culturais dentro de uma noção de

nação. É a partir dessa premissa que se tem, nessa dissertação, o seguinte questionamento:

quais as noções de identidade e diversidade cultural, no que tange à brasilidade e nação, são

enunciadas em As Brasileiras? E como se pode pensar estas noções contemporaneamente?

A partir dessa pergunta de pesquisa, pensa-se dois pressupostos. Em primeiro lugar,

pode-se pensar que a narrativa em As Brasileiras se aproxima de um discurso moderno,

propondo um resgate das noções de brasilidade e nação a serem re-apresentadas para o

espectador. Um outro pressuposto é que o discurso em As Brasileiras, embora tente resgatar

essas noções modernas de identidade, está numa condição pós-moderna e, assim, seu discurso

não cabe mais no conceito moderno de nação.

A escolha por esse objeto se dá porque a televisão, presente ao longo da vida dos

brasileiros, sugere curiosidade sobre como ela participa da constituição do sujeito. É

importante, também, perceber que lançar um olhar crítico sobre as produções televisivas é

pensar como um “espectador emancipado” (Jacques Rancière, 2012). Perceber, nas narrativas

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seriadas propostas pela televisão, elementos que não escapam para um espectador atento é um

ato de emancipação do espectador. Esse trabalho está, também, atento às propostas da linha

de pesquisa Linguagem e Cultura do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem,

que tem como objetivo manifestações estéticas na modernidade e na pós-modernidade, de

maneira a estudar a produção simbólica no campo da cultura. A escolha do objeto se deu na

apresentação de um projeto de pesquisa no processo seletivo para o Programa de Pós-

Graduação de Ciências da Linguagem.

Tem-se como objetivo geral desta pesquisa buscar as noções de identidade e

diversidade cultural no seriado, de maneira a pensar estas noções na contemporaneidade.

Partindo do objetivo geral, tem-se como objetivos específicos: a) localizar o objeto de estudo

primeiramente como uma narrativa ficcional seriada, bem como contextualizá-la no mercado

de produção televisiva, no que remete a sua história dentro da televisão brasileira; b) entender

a história e contornos teóricos sobre o folhetim e o melodrama, de maneira a perceber as

heranças de ambos para a teledramaturgia e, em seguida, para o seriado As Brasileiras; c)

debater os conceitos de identidade e representação, entendendo as noções de sujeito moderno

e pós-moderno; d) buscar as noções de brasilidade e nação no seriado, para entender como

essas noções podem ser pensadas na contemporaneidade.

Na primeira fase da pesquisa para o estudo do objeto, foi realizada uma busca teórica

para levantar estudos sobre os temas indústria cultural e serialidade, por meio de pesquisa de

artigos científicos, livros, teses de doutorado e dissertações. Essa primeira etapa foi

constituída por elaboração de fichamentos e resenhas sobre esses temas. Na segunda fase da

pesquisa, o olhar foi lançado para o objeto As Brasileiras, de maneira a perceber quais

elementos do seriado poderiam trazer questionamentos sobre identidade e brasilidade.

Ao longo das disciplinas do mestrado, foram estudados os textos de Walter Benjamin

e de Silviano Santiago sobre o narrador. Esses estudos trouxeram para a pesquisa a

possibilidade de analisar a fala do narrador em si, tentando buscar nos seus enunciados os

discursos sobre identidade e brasilidade. Além disso, é importante ressaltar que o narrador

está presente em todos os episódios, sendo ele um importante elemento que conduz as

narrativas. É pela voz do narrador, por exemplo, que é possível debater as características das

personagens, sobrepondo natureza e cultura, em que se reforça características de diferentes

mulheres e diversidades culturais como sinônimos de aspectos físicos e geográficos de regiões

do Brasil imaginado.

Para que os objetivos de pesquisa sejam cumpridos, a dissertação é divida em dois

capítulos. O capítulo A Indústria Cultural e A Serialidade nas Narrativas traz o debate sobre

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a indústria cultural. Para tanto, tem-se como principais autores Benjamin e Adorno e

Horkheimer, de maneira a tentar mostrar tanto as analogias e as diferenças dos pensamentos

dos autores sobre a reprodutibilidade técnica. Arendt entra em concordância com Adorno e

Horkheimer no que tange à arte autônoma, mas parece trazer para o debate a sociedade de

massas que, para a autora, deve ser suposta antes de uma indústria cultural e, por isso,

também é utilizada no debate.

Além desses autores, Derbod é importante para trazer as primeiras impressões sobre a

pós-modernidade: enquanto na discussão moderna sobre a indústria cultural vê-se a arte como

forma apartada da lógica da mercadoria, Debord afirma que até mesmo a arte considerada

autônoma está dentro de uma lógica de mercado e, portanto, de uma sociedade do espetáculo.

As considerações de Debord são importantes porque trazem para o debate a lógica pós-

moderna, bem como as considerações de Buck-Morss. Para a autora, pensar na pós-

modernidade significa não negar a reprodutibilidade e o discurso espetacular, mas sim tentar,

dentro dele, propor questionamentos sobre o mesmo; é nas ranhuras provocadas no discurso

espetacular que uma crítica contemporânea pode ser feita.

Em seguida, o debate crítico se volta para a televisão, tentando localizá-lo como meio

de comunicação de massa e entender sua história no Brasil, percebendo como sua expansão

pelo território nacional aconteceu e tentar entender como a televisão é um importante objeto

de estudo ao se tratar de cultura brasileira; sua presença desde os anos 50 no Brasil é um dos

elementos que permite entender a lógica capitalista dos bens culturais e sua importância para

a construção de uma noção de identidade nacional. Para esse momento, os autores trazidos

para o capítulo são Ridenti, Bucci e Kehl e Sarlo, sendo que Ridenti é utilizado para se ter

uma perspectiva sobre o contexto histórico brasileiro no momento da vinda da televisão para

o país. Os autores Bucci, Khel e Sarlo são estudados para que se entenda quais são as críticas

à televisão brasileira discutidas até o momento. Em seguida, apresenta-se um breve histórico

dos seriados da emissora Rede Globo, terminando no seriado As Brasileiras.

O capítulo As Brasileiras: um narrador do Brasil, dessa dissertação, consiste em

analisar o seriado. De início, apresenta-se As Brasileiras, seu contexto histórico e suas

principais características: a presença de mulheres diferentes em cada episódio, bem como

cidades e regiões; a presença de um adjetivo e um lugar do Brasil no título dos episódios; e a

presença do narrador. Essa presença de um narrador onisciente foi um dos mais importantes

elementos para o recorte de análise do objeto, uma vez que esse narrador exige, em seu

discurso, proximidades tanto da modernidade quanto da pós-modernidade brasileiras. É o

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narrador que conduz o espectador na narrativa e é no discurso dele em que se faz possível

buscar noções de brasilidade e nação.

Em cada análise, busca-se, antes, uma referência teórica. No momento de análise da

questão da identidade e representação, faz-se, primeiro, um debate sobre identidade a partir

dos estudos de Hall e Anderson, tratando a identidade nacional e a concepção de comunidades

imaginadas. Para entender as questões referentes à identidade nacional brasileira, os autores

estudados foram Ortiz e Garramuño, com o intuito de entender as contradições e paradoxos da

modernidade brasileira. Para ampliar o debate para as concepções sobre pós-modernidade, no

que se refere à identidade e à representação, Hall e Jameson são os autores mais utilizados.

Em um outro momento da análise, apresenta-se as características do narrador da série.

Como suporte teórico para análise, conceitua-se o narrador clássico de Benjamin e o narrador

pós-moderno de Santiago. A partir dos textos dos mesmos, é possível perceber traços que

podem ser chamados como característicos de um narrador moderno, cujas considerações de

Klinger sobre o tema ajudaram a entender as diferenças e semelhanças entre os três tipos de

narrador. Assim, tenta-se, a partir desses conceitos teóricos, perceber traços modernos e pós-

modernos no discurso presente na voz do narrador de As Brasileiras.

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2 A INDÚSTRIA CULTURAL E A SERIALIDADE DAS NARRATIVAS

O debate sobre a indústria cultural parece mais valorizado por autores que a criticam

de maneira negativa, trazendo aos bens culturais produzidos por ela uma posição mais “baixa”

como objeto de estudo dos intelectuais. Quando se compara os objetos culturais promovidos

pela indústria cultural aos objetos produzidos pelos artistas dos movimentos modernistas4 e,

mais tarde, de vanguarda, os bens culturais industriais perdem valor para uma “arte” de culto.

Para iniciar a discussão, têm-se como ponto de partida as reflexões de Walter Benjamin a

respeito da reprodutibilidade técnica; o autor atribui, principalmente às obras

cinematográficas, a possibilidade de geração de um valor de exposição em distinção do valor

de culto. Para Benjamin, é na medida em que a obra se emancipa do seu valor de culto que

ela torna verdadeira sua possibilidade de exposição. No caso das obras cinematográficas,

para citar um exemplo, seu valor de exposição se torna ainda mais possível a partir de sua

condição de reprodutibilidade: ao contrário da literatura e das artes plásticas, a

reprodutibilidade do cinema é a própria técnica:

A reprodutibilidade técnica do filme tem seu fundamento imediato na técnica de sua produção. Essa não apenas permite, da forma mais imediata, a difusão em massa da obra cinematográfica, como a torna obrigatória. A difusão se torna obrigatória, porque a produção de um filme é tão cara que um consumidor, que poderia, por exemplo, pagar um quadro, não pode mais pagar um filme. O filme é uma criação da coletividade (BENJAMIN, 2012, p.186).

Ainda para o autor, a fotografia é considerada como a primeira verdadeira revolução

na reprodutibilidade técnica, citando o exemplo da chapa fotográfica: “a questão da

autenticidade das cópias não tem nenhum sentido” (BENJAMIN, 2012, p.186). Esse ponto é

importante para quem está discutindo serialidade na televisão brasileira por dois motivos: um,

porque as obras de arte que antes fundamentavam seu valor de culto à sua prática de criação

quase religiosa hoje estão diante de uma possibilidade técnica em que a própria produção da

4 Para Compagnon (2010), tanto os movimentos modernistas, que buscavam a autonomia artística, e os movimentos de vanguarda, que iniciaram seu projeto a partir da premissa da aproximação da arte com a vida, distanciaram-se da cultura popular ao longo de suas manifestações, dando a si características tanto elitistas quanto autônomas. Esse debate será tratado quando falarmos de como a cultura de massa acaba por ganhar voz entre os intelectuais quando os movimentos artísticos passam a ser entendidos por muitos autores como pós-modernos.

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arte tem como condição a sua repetição; outro, porque, na visão de Benjamin5, no momento

em que isso acontece, a obra de arte irá se redimir de seu fundamento no ritual (que gera o

valor de culto) e passa a se fundar na prática de acesso a todos. Melhor dizendo, a arte acaba

por perder sua exclusividade aos aristocratas e aos intelectuais, de maneira que há tantas

possibilidades de cópias de uma arte quantas forem os públicos existentes.

Mesmo com uma proposta de democratização perceptível nas concepções de Benjamin

no que tange à arte, deve-se considerar que as grandes críticas feitas à indústria cultural – que

foram iniciadas a partir de sua íntima relação com a reprodutibilidade técnica, vinda da

Revolução industrial – foram realizadas de maneira muito mais negativa e apocalíptica nos

anos 40. É sabido que esse termo – indústria cultural – ganhou contornos conceituais a partir

de Horkheimer e Adorno na década e que sua apresentação se dá de maneira a ver com

pessimismo como a cultura de massa e a indústria cultural fazem parte de um esquema do

capital, o que, para intelectuais de pensamento de esquerda, acaba por desmerecer os objetos

culturais originados da produção maquínica ou, como quer Benjamin, de segunda natureza.

Porém, há de se entender a contribuição dos frankfurtianos no que tange à indústria

cultural e à discussão a respeito do local da produção técnica: é por eles que é possível

aproximar a relação entre os produtos culturais e sua estrutura a partir de uma lógica

capitalista. Os objetos culturais propostos por meios de comunicação de massa passam

sempre pelo crivo do mercado, o que dá a esses objetos culturais um formato

mercadologicamente aceitável, tanto para o consumidor desses objetos quanto para as

necessidades dos meios de comunicação. Melhor explicando: é conhecido o exemplo de que

se um folhetim6 é impresso, sua história não pode ser escrita com mais caracteres do que o

espaço do jornal permite e isso é fator delimitador de sua estética. O mesmo exemplo pode

ser alinhado às produções televisivas, às matérias jornalísticas e a todos os outros produtos

cuja técnica parte da premissa de sua exibição.

O texto sobre a Indústria Cultural de Horkheimer e Adorno tenta, primeiro,

contradizer a ideia de que elementos como o apoio religioso, a dissolução dos resíduos do pré-

capitalismo, bem como a diferenciação da sociedade por classes e a diferenciação técnica, que

pode ser remetida automaticamente aos modos de fazer dos novos produtos da arte, eram as

principais razões que levaram ao denominado caos cultural. O que primeiro se percebe é que,

para os autores, o caos cultural foi gerado não por meio da diferenciação pela técnica ou pelo

5 A repetição presente nos estudos de Benjamin será revista novamente neste capítulo. 6 O folhetim foi aqui citado somente para explicar a lógica dos objetos culturais. Ele será discutido no que se refere a sua influência na estética da telenovela no próximo capítulo.

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social, mas sim as semelhanças estéticas que a técnica trouxe para os modos de fazer. Para

eles, os sociólogos se enganam ao não perceber a semelhança entre os sistemas em que os

meios de comunicação7 estão inseridos: o sistema do processo da serialidade, ou seja, o

sistema industrial. Para os autores, esse modo está em toda parte, o que culmina em uma

incapacidade de diferenciação de suas partilhas sociais.

É a partir, inclusive, de uma lógica arquitetônica que os autores constroem sua crítica

ao que é chamado no texto de “o poder do capital”. As novas concepções da arquitetura

urbana, como os “novos bungalows” que proclamam a vinda da independência e convidam o

consumidor ao descarte, faz parte de um projeto ideológico a fim da supremacia do capital

traçar uma estratégia para se manter vigente ao provocar no sujeito a sensação de

independência:

[...] os projetos de urbanização que, em pequenos apartamentos higiênicos, destinam-se a perpetuar o indivíduo como se ele fosse independente, submetem-no ainda mais profundamente a seu adversário o poder absoluto do capital (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.113).

É notória a posição política dos autores no ano de 1947, ano de publicação do texto: a

reprodutibilidade técnica é uma forma de controle da sociedade, ou melhor, forma de

manipulação, por meio de padrões estéticos, daquele que se tornou consumidor dos produtos

confeccionados pela máquina com o objetivo de manter o capital no poder. Os autores vão

adiante no que tange à relação entre essa falsa sensação de independência no encontro das

unidades arquitetônicas higiênicas que, em um conjunto sistemático, percebe-se uma célula

macrossômica: sua relação com o modelo de cultura, que se resulta em uma “falta de

identidade do universal e do particular” (1985, p.114), é promovida por um modo de fazer

técnico que não tem mais a pretensão de se chamar de arte. Essa crítica deixa clara, primeiro,

a intenção de Adorno e de Horkheimer em distinguir os produtos da indústria cultural da

chamada arte-com-a-maiúsculo e, integrada a essa primeira ideia, a noção de que os modos de

fazer dos produtos da indústria cultural, que se encaixam em um esqueleto técnico padrão,

não podem ser considerados arte; tudo que é maquínico não é arte e, assim, para os autores, a

arte ainda possui um lugar diferente de todos os outros objetos culturais. Se para eles a

indústria cultural é o lixo que aliena os públicos, a arte aurática seria a redenção.

A mesma crítica sobre a distinção entre arte e indústria cultural pode ser percebida na

voz de outros autores, como Hannah Arendt, em seu texto de 1961, A Crise na Cultura: sua 7 Adorno e Horkheimer se referem especificamente aos meios eletrônicos – rádio e cinema – e ao meio impresso, como a revista e o jornal.

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Importância Social e Política. Para ela, tudo começa no momento em que a sociedade passa a

se diferenciar por classes. Diante da queda da aristocracia e do surgimento, mesmo que

gradual, da sociedade como é conhecida no período da modernidade, tem-se a existência de

uma sociedade de massas, sociedade essa que a autora indica como sobrejacente à cultura de

massas: “o pressuposto tácito subjacente a todas as discussões do assunto é que a cultura de

massas, lógica e inevitavelmente, é a cultura de uma sociedade de massas” (ARENDT, 2013,

p. 248).

Diferente de Adorno e Horkheimer, a autora afirma que um olhar pessimista e

reprovador para a cultura de massas se torna contraproducente, o que se justifica por uma

necessidade de entendê-la por ser um fenômeno sem data para terminar. Contudo, mesmo

dando à cultura de massas valor científico, a autora também afirma a existência de uma arte

que está acima dos outros objetos da cultura de massas. Sua posição no debate, bem atrelada

aos pensamentos modernistas, garante um lugar de perenidade, de autonomia e, por assim

dizer, de distanciamento do artista, o único que, entre as massas, poderia ser considerado um

indivíduo (ARENDT, 2013). O que Arendt demonstra em seu pensamento é que a arte é a

redentora de toda sociedade de massas alienada politicamente pelo consumo comum à

sociedade de massas.

Nosso interesse pelo artista não concerne tanto ao seu individualismo subjetivo como ao fato de ser ele, afinal, o autêntico produtor daqueles objetos que toda civilização deixa pra trás de si como a quintessência e o testemunho duradouro do espírito que a animou. Justamente o fato de os produtores de arte precisarem se voltar contra a sociedade, e o fato de todo o desenvolvimento da arte moderna – que provavelmente ficará, juntamente com o progresso científico, como uma das maiores realizações de nossa época – se ter iniciado dessa hostilidade contra a sociedade, à qual permaneceu comprometido, demonstra a existência de um antagonismo entre sociedade e cultura anterior ao ascenso da sociedade de massas (ARENDT, 2013, p. 252-253).

Arendt faz, assim, um resgate importante sobre a relação entre sociedade e cultura.

Para a autora, a sociedade de massas, diferente da sociedade em geral, vem quase que

imediatamente quando a massa é incorporada à sociedade. Entende-se, portanto, uma

concepção de sociedade como uma “boa” sociedade, nos termos de Arendt, aquela conhecida

dos séculos XVIII e XIX, vinda com a época moderna, quando ocorre um fenômeno

importante, o filisteísmo, que basicamente significa o consumo de produtos culturais como

maneira de pertencimento a uma classe social mais abastada, o que quer dizer que o consumo

de produtos culturais se dá por uma lógica, primeiramente, capitalista, a capacidade de

“compra” cultural que se define o lugar deste indivíduo dentro de uma sociedade de classes.

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Entende-se que às classes mais altas cabem a pintura, a literatura, a música erudita e outros

formatos auráticos de arte, enquanto às classes mais populares cabem os folhetins, as cantigas

de roda e outras expressões folclóricas, o que remete imediatamente a uma partilha cultural a

partir de uma lógica capitalista: quem tem mais dinheiro consome objetos culturais mais

“altos” e, assim, consome-se esse objeto de “alta cultura” para mostrar para a sociedade o

local em que se encontra. Para Arendt, a cultura de massas se coloca sob uma condição: em

vez de cultura, ela é o entretenimento de uma sociedade massificada imbuída de uma

necessidade orgânica de se divertir ou, como afirma Buck-Morss (1996), uma necessidade de

embrutecimento dos sentidos para anestesiar-se da difícil vida industrial regida pela produção

serial.

É importante voltar a Adorno e Horkheimer quando falamos de necessidades de

entretenimento: os autores avaliam também essa relação, afirmando que a indústria cultural se

apropria da desculpa do entretenimento organicamente necessário para a vida do indivíduo.

Os responsáveis pela produção de objetos da indústria cultural, para os autores, não deixam

obscura sua intenção; fazem parte de um negócio de entretenimento de maneira a “legitimar o

lixo que propositalmente produzem” (ADORNO, HORKHEIMER, 1985, p.114). No que toca

ainda a satisfação de necessidades, os autores deixam claro que essa é apenas uma visão dos

que se interessam em explicar o fenômeno da indústria cultural somente a partir da evolução

tecnológica.

É perceptível que a indústria cultural, negócio pautado pelas leis capitalistas, é vista

como uma arma de alienação de uma sociedade que assim é condicionada pelos

economicamente mais fortes, que sustentam um sistema que acaba por alienar o indivíduo,

isolá-lo, como quer Adorno, em sua busca apenas de fins privados. A crítica de Adorno é

relevante: a cultura de massas supostamente despolitiza8 o indivíduo frente a todas as formas

de se fazer produções pautadas pela máquina: a telenovela, a propaganda na revista, o

jornalismo impresso e todas as outras produções técnicas. A capacidade política desse

espectador é substituída pela subjetivação ilusória. Na opinião de Bucci e Kehl (2004), a

mídia e seu mercado de produção de imagens trazem a ilusão ao indivíduo uma sustentação

8 Sobre o indivíduo e a subjetivação do sujeito, Kehl (2004) afirma: “parece que a crítica (de Adorno sobre o caráter fictício exibido pela burguesia), nessa passagem, aponta para a redução do ‘indivíduo’, que floresceu sob as condições da vida burguesa, a um somatório de pessoas perseguindo suas finalidades privadas – o que torna todos idênticos, afinal. Esses ‘desenraizados’ privatizados, isolados, são presas fáceis de propostas de engajamento autoritárias, em função de seu desamparo subjetivo” (p.48). Assim, entende-se que a despolitização se dá a partir da prática do consumo; é pela decadência da coletividade e do caminho para uma vida cada vez mais solitária que o indivíduo se torna vulnerável às imagens mediatizadas a partir da indústria cultural que, consideradas vazias e de engajamento autoritário, promovem a redução do indivíduo a um desamparado subjetivamente, o que tanto é criticado pelos intelectuais de esquerda.

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de si mesmo e de sua imagem (aqui, pensemos no sentido de Lacan e o estádio do espelho) a

partir de sua dependência das imagens que o representam para si mesmo (BUCCI; KEHL,

2004). Perante um indivíduo despolitizado renegado da razão crítica, o espetáculo resiste.

Apesar das proximidades do pensamento em relação aos objetos da cultura de massas,

Adorno e Arendt parecem divergir quando falam de necessidades humanas a serem supridas

por esses objetos culturais. Enquanto Horkheimer e Adorno acreditam que o expectador está

inserido num sistema capitalista, Arendt justifica a produção cultural a partir das necessidades

de entretenimento da massa. Ela considera que há, a partir de uma necessidade de uma

sociedade em busca de entretenimento, a constante profanação de objetos culturais em função

de uma certa canibalização da cultura: no momento em que a cultura de massa se utiliza de

objetos culturais do passado e o utiliza como um objeto de entretenimento, ele está sendo, na

verdade, subordinado a uma necessidade biológica, que engole o objeto e o descarta logo em

seguida.

Assim, o que difere o pensamento de Arendt e o de Adorno e Horkeheimer é que eles

não validam nenhum outro que determine (ou que faça parte de) uma produção cultural a

partir da máquina que não o próprio sistema de capital que a criou ou, melhor dizendo, o

conceito de ideologia está em sua máxima expressão para esses autores, de maneira que a

ideologia tem “um lugar num plano situado além do alcance das intenções e das vontades dos

agentes” (BUCCI; KEHL, 2004, p.205). Arendt, por sua vez, identifica que há outra parte, a

massa, a sociedade, que, talvez, interfira nesse objeto cultural produzido pela máquina.

Claramente, tanto Adorno quanto Arendt pensam a indústria cultural como um objeto

capitalista e alienador, mas Arendt traz uma nova concepção da arte na era da

reprodutibilidade técnica. Se para Adorno e Horkheimer o avanço do capital é que pretende

modificar a sociedade a favor de seus objetivos, para Arendt, a sociedade mudou e,

consequentemente, a concepção de cultura e de arte poderia vir a ganhar novos sentidos.

Mesmo assim, deve-se voltar à maneira como esses autores olham para os objetos

culturais reproduzidos e a sociedade que os consome. É possível perceber o desejo de Adorno

e Horkheimer da arte como uma ferramenta política que traga acesso a todos para a cultura.

Porém, os autores são categóricos em dizer que todo o sistema da reprodutibilidade técnica é

quase sem falhas em seu esquematismo que nada deixa passar para os olhos do espectador:

“para o consumidor, não há mais nada a classificar que não tenha sido antecipado no

esquematismo da produção” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.117). Ou seja, o que

poderia ser uma ferramenta política de democratização virou uma máquina de fantasmagoria

embasada unicamente pelo capital. Há de se perceber, todavia, que o termo cultura parece ser

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problemático nessa discussão: uma vez que todo produto produzido a partir de uma técnica na

era da reprodutibilidade técnica é considerado banal, entende-se que há uma noção de o que é

do que é “baixo” e o que é “alto” quando se fala em conhecimento e cultura. É fato que

Arendt, apesar de colocar menos valoração na questão do pessimismo quanto à Indústria

Cultural, expressa seu desolamento em relação à perda do valor da arte como arte de valor de

culto. A diferença é que Adorno e Horkheimer estavam em um lugar de enunciação de

desolamento pelo total fim da arte a ponto de propor adjetivações negativas quanto ao

desenvolvimento de objetos culturais por meio da técnica maquínica. Arendt, por sua vez,

não deixa isso tão claro em seu discurso: ela tenta se colocar distanciada frente ao objeto de

estudo. Porém, os dois possuem a mesma opinião diante da cópia da arte. Na medida em que

a arte vira cópia e se espalha, há a banalização, o que se faz deveras negativo aos olhos dos

autores.

Apesar da divergência entre Adorno e Arendt no que se refere à despolitização das

massas, por parte do primeiro, e da constatação de um movimento social, por parte do

segundo, os dois parecem estar em comum acordo ao lugar da arte como aquela intocada, não

acometida pela indústria cultural e pela lógica capitalista. Quem dá, nesse sentido, uma nova

possiblidade de pensar outras possibilidades de ver a reprodutibilidade técnica é Benjamin.

Se para muitos críticos da escola frankfurtiana a arte perde seu estatuto como tal em função

das suas condições técnicas de produção cultural, o que denota as diferenças entre o

pessimismo sobre a reprodutibilidade e um possível valor da arte reproduzida, é o pensamento

de Benjamin: a visão sobre o cinema de Benjamin se distingue das demais visões

frankfurtianas no que concerne, principalmente, à cultura e à função política do cinema,

tornando sua posição um pouco menos radical. Ao invés de pensar na impossibilidade de se

fazer arte na era da produção em série, Benjamin se atém a entender como os novos aparatos

técnicos podem modificar a arte (e não a extinguir). Sua visão sobre o cinema e sobre o

espectador se opõe às críticas de Adorno à reprodutibilidade técnica, uma vez que Benjamin

consegue perceber consequências um tanto positivas em relação à vinda do cinema graças à

tecnologia. Para ele, a dessacralização da obra de arte dá à mesma possibilidade de acesso

por parte dos indivíduos, o que significaria uma democratização da arte. Enquanto Adorno e

Horkheimer identificam a destruição da aura9 como um passo para trás, Benjamin consegue

9 O conceito de aura pode ser entendido a partir da explicação de Benjamin (2012): “É uma teia singular, composta de elementos espaciais temporais: a aparição única de uma coisa distante, por mais perto que ela esteja. Observar, em repouso, numa tarde de verão, uma cadeia de montanhas no horizonte, ou um galho, que projeta sua sombra sobre nós, significa respirar a aura dessas montanhas, desse galho” (p.184). De difícil definição, entende-se aqui a aura como o caráter que torna a obra de arte única, cuja possibilidade de acesso a ela

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perceber possibilidades novas a partir dessa nova natureza da arte. Um dos autores que aceita

essa diferença entre Horkheimer e Adorno e Benjamin é Pressler (2006), que avalia que a

diferença está, principalmente, na perspectiva dos autores em relação à destruição da aura:

“no debate com Adorno sobre a arte aurática e autônoma, Benjamin tomou partido de Brecht,

em que ele não viu uma destruição da autonomia, mas uma abertura dela, uma assimilação

das novas possibilitadas pelo desenvolvimento da tecnologia” (p.136).

Pensar a destruição da autonomia ou abertura da arte é pensar que, se a aura do teatro

foi preterida em função da ascensão da produção cinematográfica, há uma mudança do lugar

da arte no mundo moderno. Esse lugar é de democratização, de acesso e, também, de cultura.

Se por um lado Adorno reflete uma visão de elitismo no que tange a arte, Benjamin acaba por

idealizar as massas, a classe trabalhadora.

Outro crítico da indústria cultural é Debord que, como Arendt, parece trazer ao debate

um contexto social para entender os objetos culturais. É possível, assim, fazer uma relação

dos pensamentos de Adorno e de Arendt com a sociedade do espetáculo:

o espetáculo, compreendido na sua totalidade, é simultaneamente o resultado e o projeto do modo de produção existente. Ele não é um complemento ao mundo real, um adereço decorativo. É o coração da irrealidade da sociedade real. Sob todas as suas formas particulares de informação ou propaganda, publicidade ou consumo direto do entretenimento, o espetáculo constitui o modelo presente na vida socialmente dominante (DEBORD, 2003, p. 15).

Se o espetáculo é o resultado e o projeto da indústria cultural, há uma consequência

disso na estética dos objetos culturais – os elementos que os constituem10 em função da

necessidade de aproximação com o espectador são constantemente construídos para manter o

mesmo atento ao objeto a ser consumido. Se se parte do pressuposto que um tema não é

interessante para a massa, ela tem menos valor de exposição e, por isso, menos capital a ser

investido nela. Isso remete a uma lógica que precede a existência de um público que, se não

define os conteúdos dos objetos culturais, acabam por interferir na escolha da indústria

cultural.

é somente a partir de sua contemplação diante da obra em si. Para entender melhor o conceito de aura, deve-se entender o que Benjamin analisa sobre a destruição dela: “retirar o objeto do seu invólucro, destruir sua aura, é a característica de um tipo de percepção cuja capacidade de captar o “semelhante no mundo” (Johannes V. Jensen) é tão aguda, que graças à reprodução ela consegue captá-lo até no fenômeno único”. Ou seja, destruir a aura do objeto é retirar dela seu “valor único da obra de arte” (p. 195), de maneira que a obra, ao invés de estar calcada pelo ritual, pelo culto, passa a ser calcada por seu valor de exposição. Para Benjamin, a libertação da obra de arte aurática se dá pela reprodutibilidade técnica, pela cópia, que dá acesso a qualquer indivíduo à obra de arte. 10 Aqui, tem-se como exemplos, o tempo máximo de exibição de um programa de televisão, o formato cortado do folhetim, os intervalos para comerciais, número de cenas, qualidade da produção por meio de um aparato tecnológico e outros que fazem parte dos objetos criados a partir da lógica da reprodutibilidade técnica.

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Debord (2003) contempla o espetáculo em uma esfera econômica, eliminando toda a

questão política e histórica: tudo vira mercadoria. Para o autor, a mercadoria é o centro

absoluto da sociedade, de maneira que a relação com outro se dá a partir do fetiche e as

imagens são representações que substituem o que é diretamente vivido; elimina-se a

experiência e restam as imagens. E os espectadores acabam sendo contempladores de sua

própria vida a partir das imagens.

Assim, tudo que era vivido diretamente tornou-se uma representação e isso remete

muito a um pensamento benjaminiano. De alguma maneira, Benjamin marca essa existência

posterior do espetáculo, que é uma passagem da transformação da vida, que é o capitalismo

que vai avançando suas evoluções em direção ao desenvolvimento. Isso pode ser relacionado

a Benjamin com a primeira e a segunda natureza. Enquanto na primeira natureza não havia a

intermediação além da mão humana na criação artística e nas relações entre os sujeitos, na

segunda natureza, em que a intermediação provém da máquina, há agora uma vida indireta,

mediada pela máquina, pelas imagens.

Há como estabelecer relações entre o pensamento de Debord e de Adorno, no sentido

de que esse mundo de mercadorias não nos interessa mais. Para eles, não há mais

possibilidade de mudarmos, mesmo que Benjamin não invalide a experiência estética. Assim,

o que difere entre Debord (em concordância com Adorno) e Benjamin, é que este sabe que a

estética vai ser mediada pelas esteiras da máquina e não somente pelo homem.

Mas a posição de Debord permite perceber pensamentos contrários da lógica da

indústria cultural que propõe Adorno. Para o autor, “toda a vida das sociedades nas quais

reinam as condições modernas de produção se anuncia como uma imensa acumulação de

espetáculos. Tudo o que era diretamente vivido se esvai na fumaça da representação” (2003,

p.13). Debord afirma, assim, a totalidade do espetáculo; não há mais como sair dele e, nessa

questão, sua crítica pode ser remetida a Adorno e a Arendt, que veem na arte a redenção da

sociedade contra o consumo. Porém, se não há mais nada que não seja o espetáculo, tudo o é,

inclusive todas as expressões artísticas que Adorno considera fora de um sistema capitalista.

Apesar de Debord fazer essa consideração de maneira niilista, ele também acaba por dar aos

objetos de arte de qualquer natureza a mesma posição da arte; se tudo é mercadoria, a

erudição e o popular estão no mesmo lugar.

Atrelar ao espetáculo uma ideia totalizante nos permite perceber também que a única

possibilidade é, ao invés de sair do espetáculo, promover ranhuras a ele: “ele é a afirmação

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onipresente da escolha já11 feita na produção, e no seu corolário – o consumo” (p.15). O que

Debord diz pode ser entendido que a escolha do consumo em si não esteja estabelecida a

priori, mesmo que a da produção sim; o espetáculo determina o que vai ser produzido para

que seja consumido. Porém, há possibilidades de ranhura; o que vai ser consumido é escolha

do consumidor. Ou melhor, a adesão ao consumo vai ser mais para algum produto, menos

para outros produtos. Nesse sentido, o espectador está emancipado na sua escolha de

consumo: ainda que essa escolha seja regulada (uma vez que o espetáculo é onipresente), há

uma posição de escolha desse consumidor que não pode ser ignorada.

A questão sobre o espetáculo nos remete a uma consideração: mesmo dentro do

espetáculo, a arte pode estar resistindo ao primeiro. Isto é, a arte pode não estar fora do

espetáculo, uma vez que é, também, pautada pelas leis da mercadoria, mas a arte talvez tenha

uma ação política que promova a ela certa circulação para fora do espetáculo. Assim, pode-se

pensar que dentro da indústria cultural há possibilidade de ver esses lampejos, imagens,

discursos que arranham o próprio espetáculo. Ou seja, o que dentro desse espetáculo ainda

promove um estranhamento? O que dentro desse espetáculo ainda o fere, o rompe, choca?

Buck-Morss (1996) parece trazer uma possibilidade de pensar em uma ranhura no

espetáculo a partir de Benjamin que dá a direção para a politização da arte. A autora

apresenta uma política estetizada, à qual ela se refere como “um período em que a política

enquanto espetáculo (incluindo o espetáculo estetizado da guerra) se tornou um lufar comum

no nosso mundo televisivo” (p.12). Ela continua:

Benjamin está dizendo que a alienação sensorial se encontra na origem da estetização da política, a qual o fascismo não cria, mas apenas “manipula” (betreibt). Parte-se do princípio de que a alienação e a política estetizada, enquanto condições sensuais da modernidade, sobrevivem para além do fascismo – assim como o gozo obtido com a visão da nossa própria destruição (BUCK-MORSS, 1996, p.12).

A sobrevivência dessa estetização da política – que é, por excelência, uma prática

moderna – é o espetáculo de Debord. Se não há mais possibilidades de sair do espetáculo, a

politização da arte, para Buck-Morss (1996), tem como função política a desalienação: “[...]

desfazer a alienação do aparato social do corpo, restaurar o poder instintual dos sentidos

corporais humanos em nome da auto-preservação da humanidade, e isto, não através do

rechaço às novas tecnologias, mas pela passagem por elas” (p.12). Para Buck-Moss, a

maneira de sair da alienação do espetáculo se faz por meio do próprio espetáculo: perceber,

nele, os discursos que escapam de sua lógica totalizadora. 11 Grifo do autor.

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Para isso, é preciso restaurar esse poder do corpo, sua possibilidade de sair da

anestesia e restaurar sua capacidade sensível, o que emancipa o sujeito e o possibilita ver

esses discursos que escapam da anestesia moderna, “pois nas condições do choque moderno –

os choques cotidianos do mundo moderno – responder a estímulos sem pensar tornou-se uma

necessidade da sobrevivência” (p.22). Assim, pode-se entender que ranhura no espetáculo

pode ser a quebra do próprio espetáculo pela aceitação não passiva de seus produtos culturais.

2.1 A TELEVISÃO COMO FERRAMENTA DA INDÚSTRIA CULTURAL

É interessante que um produto cultural considerado popular e, talvez por isso,

amaldiçoado pelos eruditos da arte, demande tanto esforço por parte de seus produtores em

sua pré e pós-produção, bem como necessite de um investimento financeiro tão grande. Seu

modo de fazer infinitamente mais caro do que vários outros da arte, assim como a quantidade

de pessoas envolvidas no processo e também a importação e utilização de recursos artísticos

do mundo inteiro não parecem ser o suficiente para que se entenda a complexidade da criação

e produção de um produto audiovisual, por exemplo.

O debate sobre a indústria cultural por meio dos contornos teóricos de Adorno reflete

a lógica pela qual a televisão foi criticada; ela remete a uma indústria do entretenimento das

massas, vista como forma de mercadoria e, por isso, um produto considerado mais “baixo”

pelos intelectuais. Porém, Juliano (2003) entende que esse conceito de televisão como cultura

“menor” é devido ao conceito de diversão como um ato não intelectual, mas critica a postura

dos autores no que tange à desvalorização da experiência do espectador, quando entendeu que

o entretenimento não é resistência, mas adesão de um sujeito que se entrega à sensação proporcionada pelo que vê. É esse sujeito “distraído” que está apto a ressignificar mitos e tradições, fazendo com que estes perdurem coletivamente, no inconsciente, por gerações, justamente por estar, segundo Benjamim, em estado de “sonho”. O “distraído” relaxa e põe o corpo sensorial a serviço do prazer, de sua humanidade. Ele é pego no estado de não-lógica que o estranhamento exige para obter seu efeito extra-ordinário (JULIANO, 2003, p. 58).

Para Ridenti (2014), a indústria cultural, principalmente quando se fala de televisão,

deu-se no Brasil a partir dos mais abastados, uma vez que o aparelho televisivo era produto

que só os com maior poder aquisitivo poderiam ter acesso nos anos de 1950. Somente em

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1970 a televisão se consolidou como meio de comunicação de massa no Brasil por estar em

cerca de quatro milhões de residências12 na época.

Seria um equívoco imaginar que o mundo da alta cultura estaria a salvo da indústria cultural. Os últimos decênios do século XX colocaram em cheque – não só no Brasil – a oposição entre cultural erudita e popular, cultura alta e de massa, ao menos no sentido de que uma deveria ser valorizada e a outra desconsiderada, sendo a primeira supostamente autônoma de disjunções externas, como as de mercado, e a segunda mera distração vazia para alienar as massas (RIDENTI, 2014, p. 245).

No caso brasileiro, o momento de chegada da televisão no país aconteceu no momento

em que não havia, para Ridenti (2014), uma cultura erudita solidificada, a ver pelos

deslocamentos de artistas brasileiros por variadas manifestações artísticas: “[...] artistas de

grande expressão nos palcos logo encontraram espaço na televisão, quando esta ainda era um

veículo restrito aos segmentos sociais mais abastados, no fim dos anos 1950 e início dos

1960” (RIDENTI, 2014, p. 245). Ao contrário do pensamento sobre a universalização do

mercado por meio do espetáculo, o autor acredita que a vinda e a ascensão da televisão

brasileira como produto para ou de cultura de massa refletem também um potencial de

insatisfação para a “ordem estabelecida”. Isto é, ele se refere ao governo vigente, “que ficaria

implícito até nos produtos da cultura de massa considerados pelos críticos como os mais

degradados” (2014, p. 245), o que traz para a televisão, especificamente no Brasil, uma

possível função tanto de entretenimento e legitimação das propostas do governo13 quanto de

crítica e insatisfação típicos dos movimentos de oposição ao progresso da época14. Para o

autor, isso pode ser percebido por meio de obras de grandes autores que retratavam o arcaico

para a população em vias de quase total urbanização.

A história da televisão no mundo começa antes do século XX, em vista das grandes

pesquisas realizadas para transmissão de imagens em movimento por meio dos catódicos.

Como afirma Burke (2006), a televisão, até começar a ser vendida, em meados de 1920, não

era objeto de grande discussão se comparada ao cinema. Em função de patentes e

12 Disponível em: http://www.microfone.jor.br/historiadaTV.htm. Acesso em: 25 de novembro de 2014. 13 Para Ridenti, a proposta de legitimação do governo estava atrelada a uma proposta de certa harmonia social a partir da reprodução do cotidiano das pessoas. 14 O projeto de modernidade, atrelado ao progresso e à urbanização, traz consigo a unificação de bens simbólicos a favor de um Estado-nação, o que parece abraçar contrariedades no que respeito a sua essência: são justamente esses conflitos e contradições os temas dos principais estudiosos contemporâneos sobre a modernidade. Garramuño (2009), explica a modernidade por meio da paradoxal inerente a ela, denunciando as problemáticas da nacionalização e da modernização da cultura latino-americana: trata-se de uma paradoxal – num primeiro olhar, combinação de sentidos entre o primitivo e o moderno, já que, nessas decidas de intensa modernização [1920 e 1930], são precisamente os traços mais primitivos e exóticos que serão enfatizados ao se ressaltar as características nacionais do tango e do samba”. (p.13).

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regulamento de sistemas de transmissão, Burke afirma que a “a idade da televisão”, no que se

refere a sua fatídica presença nos lares, ocorreu em meados de 1950, em que ganha espaço no

mercado americano. Em relação à América Latina, é sabido que o Brasil foi o primeiro país a

receber a televisão também nessa época, mas o alto custo de importação dos aparelhos

televisores impossibilitava uma grande audiência, muito menos uma audiência popular. Isso

provocou um distanciamento, no início, da classe popular e uma aproximação maior da elite

brasileira à programação. A televisão já continha, desde seu início, traços do melodrama 15vindos do rádio e, de acordo com Juliano, também da “fusão de rádio, cinema e teatro”

(JULIANO, 1997, p. 72).

A televisão vai ganhando força de audiência no Brasil por meados dos anos 60, em

que o número de aparelhos televisores aumentava. Além disso, seus compradores eram cada

vez mais diversificados, no sentido de que a TV não é mais só acessível aos abastados, mas

também aos trabalhadores e aqueles de não tão grande poder aquisitivo. Juliano enfatiza que

esse crescimento acontece inicialmente nas áreas urbanas e, durante o regime militar, em que

a televisão se tornou uma potente ferramenta de difusão ideológica, alcançou áreas mais

afastadas do território brasileiro. Esse fator foi determinante para a adequação da

programação televisiva a uma massa espectadora, o que não significa um empobrecimento da

programação e sim uma evolução a caminho do desenvolvimento de modos de fazer mais

autônomos:

Se para alguns a abertura da TV para entretenimento de um público mais extenso foi causa de rebaixamento no nível da programação, para outros a maior inserção no espaço social e cultural significou uma especialização em direção a uma autonomia do veículo (JULIANO, 1997, p. 73).

Juliano (1997) afirma que a difusão servia para incrementar e difundir, junto à

população, “os planos políticos e econômicos a serem implementados no país, principalmente,

a partir da revolução de 1964” (p. 75). De maneira a conseguir a inserção do capital

estrangeiro no país, era necessária a construção de uma imagem de estabilidade social e de

economia em crescimento, tento assim a televisão, bem como outros meios de comunicação, o

principal aliado do governo brasileiro. Além disso, os objetos culturais na televisão e nos

outros meios de massa serviam, ainda conforme Juliano, como maneira de dissipar ideias de

oposição ao próprio governo, a criar uma ilusória ideia de nação harmoniosa, produtiva e

economicamente atraente. “Era a embalagem criada para colocar na vitrine o Brasil que

15 O melodrama será estudado com mais ênfase no nessa dissertação.

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estava à venda” (JULIANO, 1997, p. 75). Para Juliano (2003), a relação entre a comunicação

de massa no Brasil e o regime militar não é uma mera coincidência. Assim,

o panorama deve ser pensado desde as alianças político-econômicas firmadas nos anos de ditadura militar, onde governo e mercado investiram na formação da massa; tanto do ponto de vista da despolitização da sociedade, quanto no da formação de um número cada vez maior de consumidores (JULIANO, 2003, p. 49).

A televisão pode ser vista como mais uma ferramenta de transformação do povo para

uma massa a favor do desenvolvimento mercadológico no sentido de formar um número cada

vez mais considerável de consumidores de bens simbólicos.

A passagem do povo à massa tem as mídias como auxílio determinante e se configura numa desmobilização política sem precedentes na história, uma vez que a tentativa de mercadologização de todos os tipos de troca tende a se impor como única lei para as relações em sociedade (JULIANO, 2003, p. 42).

Dessarte, sob essa condição consumista, o “povo” politicamente ativo perde local para

uma massa consumista “acrítica das relações de consumo” (JULIANO, 2003, p. 43) ou, como

quer Buck-Morss, uma inversão dialética, em que a estética na era da reprodutibilidade

técnica serve como uma maneira de barrar a realidade, destruindo o “poder do organismo de

humano para responder politicamente” (BUCK-MORSS,1996, p. 24). O termo massa é

utilizado para designar a um “povo” acrítico diante dos objetos culturais promovidos pelos

meios de comunicação de massa, mas também pode ser remetido novamente à

democratização dos produtos culturais, como pensava Benjamin sobre a democratização da

arte a partir da reprodutibilidade técnica, pois há a possibilidade de o pobre e o rico, os

objetos de “alta” ou “baixa” cultura respeitarem as mesmas leis de produção.

Sarlo explica em seu texto O Sonho acordado que a televisão, que “entende de

públicos pelo menos tanto quanto o público entende de televisão” (SARLO, 1997, p. 67),

procura formatos que proporcionem estética propícia tanto a sua produção quanto a não

mudança de canal televisivo por parte do espectador. Esse pode ser um exemplo que enuncia

a televisão como um meio que é parte de um processo de construção infindável de sentidos no

momento em que o conteúdo televisivo está relacionado com aspectos culturais cambiantes

que envolvem aqueles que a assistem. Dentro desta perspectiva, a televisão no Brasil, como

afirma Juliano, que se baseou no formato neo-liberal americano16 – sua sobrevivência

16 É importante esclarecer que o formato europeu também é presente na televisão brasileira. O debate, que tem como foco o modelo norte-americano e sua influência na televisão brasileira, é sobre a presença constante dos espaços publicitários na televisão, fundamentais para o financiamento das produções televisivas.

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depende da venda de espaços publicitários dentro e fora de sua programação – pode ser

percebida como refém de anunciantes. Um produtor de conteúdo para televisão sabe dos seus

compromissos com o público e com seus anunciantes, pois sem audiência não há anunciante e

sem anunciante não há continuidade na programação. Portanto, a disputa pela audiência leva

a uma pesquisa constante, uma busca por referências no intuito de adequar a forma e o

conteúdo da mensagem para a promoção de uma identificação social e envolvimento do

espectador:

entrelaçadas à vida social, as telenovelas tanto produzem imagens capazes de levar à identificação, por colocarem diante dos olhos cenas que sensorialmente ativam a memória individual e projetam sujeitos multifacetados, como refuncionalizam ideias, percepções, desejos e necessidades na direção da construção de um projeto de sujeito-consumidor (JULIANO, 2003, p.57)

Um dos fatos mais marcantes para a história da televisão se dá com o início da Rede

Globo, em abril de 1965, no cenário das redes de televisão no Brasil que, diante de seu

poderoso investimento técnico, bem como o consequente investimento em produções

nacionais, rapidamente transformou-se num poder “hegemônico de caráter imperialista que

desbaratou os demais canais de televisão” (JULIANO, 1997, p. 77).

A emissora Rede Globo, que é a emissora responsável pela produção de

teledramaturgia de referência da televisão brasileira, faz parte desse processo de evolução das

maneiras de fazer telenovela no país e, assim, seu poder de deslocamento de sentidos é

presente, em função do que Bucci e Kehl (2004) chamam de padrão de qualidade: “ela [Rede

Globo] é o molde do que significa fazer televisão no país. Reina absoluta, ou quase. Do alto

de seu reinado, ditou os padrões, ou melhor, ditou o seu famoso ‘padrão de qualidade’,

ancorando no que costuma chamar de bom gosto” (p. 228).

O padrão de qualidade citado pelos autores se refere à superioridade técnica, à

superioridade econômica e à capacidade de produzir conteúdos que remetem à vida do

brasileiro, nos âmbitos público e privado das famílias brasileiras, que representassem tanto a

vida individual quanto a noção de pátria brasileira. Essa característica se faz intimamente

presente nas narrativas seriadas da Rede Globo: a identidade brasileira e a relação do

conteúdo do material televisivo com a vida cotidiana do espectador.

É possível pensar, além das técnicas televisivas e também nas conjunturas econômicas

que promovem um olhar pessimista para os produtos culturais, denominados de “degradantes”

em comparação com a arte aurática, pensar em como a televisão ocupa certo local de valor no

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que se refere às dinâmicas culturais. Mais do que um mero produto do capitalismo, ela é uma

enorme fonte de estudo para novos possíveis sentidos na cultura brasileira.

No que tange aos meios de comunicação e seus produtos culturais, Rancière (2012),

ao falar das artes mecânicas, parece deslocar a discussão sobre a estética para as maneiras de

fazer arte, as formas de visibilidade da arte e suas relações no âmbito político. Rancière

(2009) não tem como intenção defender todos os objetos produzidos mecanicamente como

arte, mas sim atualizar a discussão: se as artes mecânicas – e, assim, a reprodutibilidade

técnica – podem dar visibilidade às massas e ao autônomo, antes de tudo, elas precisam ser

reconhecidas como artes justamente porque evocam o materialismo histórico de Benjamin a

partir de uma proposta de contar a história a contrapelo, isto é, quando os protagonistas da

história saem da aristocracia, opondo-se à “história dos vencedores17” e passam para o

anônimo18. Para o autor, o que confere à fotografia e ao cinema a possibilidade de serem

artes é o regime estético; ele é a quebra do sistema de representação a partir de uma hierarquia

dos gêneros a partir de uma classe social (ou, como ele cita, “tragédia para os nobres, comédia

para a peble), pois o regime estético das artes desfaz a relação entre o tema e sua forma de

representação. No momento em que esse anônimo, trazido antes pela literatura e evocado

pelas artes reproduzidas, é a visibilidade das massas, “todas essas formas de anulação ou de

subversão da oposição do alto e do baixo não apenas precedem os poderes da reprodução

mecânica. Eles tornam possível que esta seja maior do que a reprodução mecânica” (2009,

p.47). Ou seja, a discussão sobre a reprodutibilidade técnica e a indústria cultural não pode

ser reduzida ao que é ou não é arte a partir de suas propriedades técnicas, mas sim, a partir das

novas possibilidades de relações das artes com seus temas.

No mínimo, as discussões que a televisão e outros objetos da indústria cultura evocam

pedem análise científica e acadêmica, como relata a crítica de Juliano sobre lugar dos objetos

da indústria cultural, em especial a telenovela no campo das artes, assim como no próprio

campo acadêmico:

Aquele objeto, como a fotografia para Benjamin, capaz de acionar a memória individual, ressignifica o sujeito para ele mesmo. Dito de outra forma, a definição de objeto cultural contemporâneo, que viu a arte na queda de seu valor aurático, precisando redefinir sua atuação política ao participar do espetáculo das

17 Quando Benjamin fala da história dos vencedores, ele se refere à história oficial, contada a partir das perspectivas do pensamento de direita, contrário do pensamento marxista, que pensa sobre as contradições sociais. 18 Rancière exemplifica a presença do anônimo na arte mecânica comparando-a à literatura realista: “que uma época e uma sociedade possam ser lidas nos traços, vestimentas ou gestos de um indivíduo qualquer (Balzac)”. (RANCIÈRE, 2009, p.47).

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mercadorias, estaria na sua capacidade de reconduzir os sujeitos às suas memórias inconscientes, produzindo flashes que os relembrariam de sua humanidade esquecida no dia de trabalho. E por que não poderia a telenovela, também como manifestação da cultura, desempenhar esta função política? (JULIANO, 2003, p. 60).

É diante dessas críticas que podemos entender o lugar da televisão em sua posição

para sua própria sustentação: ela está no contexto de uma produtora de objetos culturais

produzidos a partir de uma lógica do capital, mas que não por isso devem ser desvalorizados

como produtos capazes de trazer significações e subjetivação. Por trás da discussão sobre a

validação do objeto cultural vindo da reprodutibilidade técnica que, ao redefinir seu lugar

como objeto de consumo e de democracia por sua visibilidade massificada, foi grande

responsável pela maneira como o mundo se conhece e pelas memórias do sujeito

contemporâneo.

2.2 FOLHETIM: A TÉCNICA NA FICÇÃO

Como anteriormente citado, Benjamin entende a reprodutibilidade técnica como uma

possibilidade de democratização de objetos da arte, uma vez que esse se torna acessível

àqueles que não possuem acesso a outras artes. Trazendo o pensamento de Benjamin para

além do cinema e em direção à televisão, todas as produções televisivas já nascem a partir do

que o autor denomina como valor de exposição.

Umberto Eco faz suas considerações sobre a serialidade como pertencente à estética

moderna, afirmando que as obras produzidas por meios de comunicação de massa foram

discriminadas durante o movimento da modernidade, justamente por sua condição de

reprodução:

Quando a estética moderna se viu diante de obras produzidas pelos meios de comunicação de massa, negou-lhes qualquer valor artístico exatamente porque pareciam repetitivas, construídas de acordo com um modelo: sempre igual, de modo a dar a seus destinatários o que eles queriam e esperavam (ECO, 1989, p. 121).

Assim, entende-se que as obras produzidas em série estavam em uma posição menos

“valiosa” dentro do campo da estética moderna, claramente por estarem relacionadas acríticas

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à Indústria Cultural. Comparada a um produto produzido em série pela indústria, como um

automóvel, sua estética recebia críticas dos artistas vinculados à arte modernista.

Mas, para Eco, essas críticas não poderiam ser cabíveis: o artesanato se sustentava na

reprodução fiel das obras de arte e buscava a originalidade dentro de esquemas pré-moldados;

o mesmo acontecia com os tercetos e sextetos da poesia tradicional, colocando, portanto,

todos esses objetos culturais ao lado dos objetos produzidos pela máquina. O que Eco ressalta

é o esquecimento por parte dos críticos da condição de serialidade já existente nas obras

primitivas. Em meio à comparação entre as formas artísticas de antes com a televisão, que

podem ser consideradas seriais, Eco critica aqueles que entendem como “baixo” tudo aquilo

que não participa de uma estética moderna:

Em que medida o serial dos meios de comunicação de massa é diferente de muitas formas artísticas do passado? Em que medida não está nos propondo formas de arte que, recusadas pela estética moderna, induzem uma estética pós-moderna a diversas conclusões19? (ECO, 1989, p.121).

Entende-se o folhetim como um exemplo do que marca a “passagem de um tempo

antigo de centramento no homem e suas manufaturas a um tempo moderno de produção

industrial centrado nas ciências e nas matérias” (JULIANO, 1997, p. 26). O folhetim é um

divisor de águas que representa uma nova possibilidade estética, influenciando as narrativas

vindas da cultura de massa.

Quando se trata do folhetim, Marlyse Meyer é a autora mais referenciada em função

de sua riquíssima e dedicada pesquisa sobre a história do mesmo no Brasil. Meyer (1996)

afirma que a origem do folhetim se dá na França e sua estrutura foi construída a partir do

formato da mídia impressa. O feuilleton, como chamado em francês, consistia na parte

inferior da primeira página do jornal, onde se destinava a publicação de textos voltados para o

entretenimento dos leitores: nesse espaço, cabiam piadas, receitas de cozinha, críticas de

19 A fala de Eco faz sentido se partimos de um pensamento sobre a pós-modernidade trazido por Compagnon (1996): “Contrário aos dogmas da coerência, do equilíbrio e da pureza sobre os quais o modernismo se fundara, o pós-modernismo reavalia a ambiguidade, a pluralidade e a coexistência dos estilos; cultiva ao mesmo tempo a citação vernácula e a citação histórica”. (p.109). É certo que, ao falar sobre o pós-modernismo, Compagnon traz exemplos da arquitetura, pois, aparentemente, é onde “o sentido de pós-moderno tem mais consenso” (p. 105). Porém, a pluralidade, a não mais negação da cópia e a aproximação da estética à vida cotidiana, percebidas na arquitetura, são características que favorecem uma transposição do que pode ser o pós-moderno às outras formas artísticas, como as artes seriadas. Por fim, o que Eco tenta esclarecer é que a crítica feita aos objetos reproduzidos de maneira serial e, também, à serialidade dos objetos culturais, é que se eles podem ser renegados do título de arte (como os teóricos frankfurtianos tendem a fazer), a maior parte das artes clássicas, mesmo sendo artesanais, também deveriam ser renegadas ao título, uma vez que todas elas, seja no tema ou na técnica, trazem consigo a serialidade.

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livros e outros pequenos textos em geral (MEYER, 1996). Para Juliano (1997), o nome e a

posição do folhetim no jornal são indicadores de sua história como baixa cultura em relação

com outros estilos literários:

Antes de se tornar uma referência literária, feuilleton foi sinônimo de rez-de-chaussée (em francês, “rente ao chão” ou “rodapé”), ou seja, um espaço geograficamente situado nas linhas mais abaixo do corpo central dos jornais, onde se publicavam textos destinados ao entretenimento dos leitores. Ora, esta localização não corresponde ao lugar que lhe fora reservado, desde logo, numa escala que se rege por um cânone literário? O lugar rente às margens parece acompanhar o folhetim desde sua criação (p. 22).

É interessante perceber que o termo folhetim, que antes cabia unicamente ao espaço

do jornal, tornou-se um símbolo de uma estética moderna, uma vez que esse espaço tinha

como premissa o corte da história em momentos específicos (geralmente, gerando um clima

de suspense para o leitor) para que fosse preciso ler (comprar) o jornal do dia seguinte para

que se pudesse saber a continuidade de história. Juliano atrela essa característica aos

parâmetros da indústria cultural:

O ponto de interseção entre a discussão do folhetim e aquela da indústria cultural é a origem do primeiro. Enfim, na medida em que se apresentava em episódios fatiados, o folhetim tem forma descontínua e é, portanto, característico de um mundo moderno regido pelas regras capitalistas (1997, p.28).

Algumas outras características do folhetim são importantes para entender sua relação

com a história da serialidade. Juliano explica que, além do corte, o folhetim tem caráter

melodramático, estilo vindo também da França, em que se “dramatiza o cotidiano de uma

sociedade burguesa” (JULIANO, 1997, p.29). Meyer consegue explicar essa característica

do melodrama no folhetim como um gênero que aproxima o campo literário de uma sociedade

“menos abastada” trazendo em seu texto os motivos pelos quais o folhetim francês foi bem

recebido na Itália:

o motivo primordial do interesse pela literatura de folhetim francês é a verificação de que este constituiu a principal leitura das classes subalternas, os “humildes”, segundo a apreciação pejorativa de uma classe intelectual que não soube “ir ao povo”, que não soube lhe fornecer uma literatura (MEYER, 1996, p. 211).

O folhetim, que se percebe deslegitimado como objeto cultural e sob a alcunha de

romance popular e, paradoxalmente, burguês (MEYER, 1996, p. 218), traz consigo autores

que tanto escreveram para os mais “altos” como para os mais “baixos” da sociedade.

Percebe-se essa característica nas obras da literatura brasileira que, depois de publicados em

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folhetins, foram remontadas como romance e vendidos para os de “alta cultura” fazendo,

assim, com que o melodrama, embora característico do folhetim, seja também um gênero

narrativo que se estende a outras formas de literatura. Meyer reconhece esse movimento da

imprensa popular e sua relação com a imprensa burguesa, “a qual também publica grandes

romances, que os editores só bancam depois de sua publicação em picadinho” (1996, p. 222).

O folhetim, que se consolida como um gênero para as classes populares20, parece também ser

escrito por autores que são tanto de classe média como populares, mas que retratam a vida da

classe alta, o que, para Meyer, parece ser, por exemplo, o cenário dos romances burgueses da

terceira república21:

Sabem, portanto, do deslumbramento que causa ao leitor popular a vida das classes altas e ricas, cenário de quase todos esses romances, e conseguem criar a necessária empatia com os representantes das classes populares [...], quase sempre retratavam a nobreza ressurgida e a burguesia triunfante vistas pelo duplo prisma da ideologia desta e do deslumbramento da pequena classe média e das classes populares. São romances populares encomendados por burgueses patrões-diretores de jornais e das novas coleções populares que vão surgindo na época [...]. É a indústria cultural em marcha que descobre que também a força persuasiva dos anúncios e reclames (MEYER, 1996, p.223).

No que tange a lógica das publicações fragmentadas, o folhetim pode ser considerado

uma das mais eficazes estratégias de manter o público atento à história: o sistema envolvente

em que a história continua na próxima publicação permite tanto ao autor uma possibilidade

infinita de reviravoltas na trama e traz para ele o desafio da repetição, quanto serve para

aguçar a memória do leitor talvez distraído. Para Cândido (1964, apud MEYER, 1996, p.68) 20 Para tratar o popular, é importante pensar na crítica feita por Canclini (1998) sobre como a cultura popular foi pensada ao longo dos estudos sobre cultura Latino-Americana. Em seu livro, Canclini analisa que houve uma distorção do que viria a ser a cultura popular. “Mais preocupada com os objetos populares do que com seus produtores, a noção de popular acaba por ser construída a partir dos meios de comunicação que em boa parte aceita pelos estudos nesse campo, segue a lógica do mercado. Popular é o que se vende maciçamente, o que agrada as multidões. A rigor, não interessa ao mercado e à mídia o popular e sim a popularidade” (p. 260). 21 Cita-se, também, Meyer para conceituar a terceira república: “O segundo império é substituído pela Terceira República, que se inaugura sob a marca do medo, o qual irá se esconjurar com a construção do bolo de noiva da basílica do Sacré-Coeur de Montmartre – o bairro onde nasceu e se desenvolveu a Comuna Operária de Paris – templo ideado e erguido por subscrição nacional pela burguesia a fim de serem ‘expiados’ os ‘crimes’ operários. Medo de uma sociedade que enriqueceu com a industrialização encetada com sucesso na época de Napoleão III. Uma industrialização à francesa, moderna na perspectiva do lucro, arcaica na estrutura, baseada que era num patronato fechado nos seus privilégios de família, as deux cent familles, que até havia bem pouco ainda dominavam a classe dirigente francesa, no qual era para a adoção de filhos quando não os havia, para não deixar a empresa sair das mãos da família. Esse patronato impõe como que um neofeudalismo, feroz defensor de uma ordem infensa à mobilidade social” (1996, p. 220). A importância desse momento histórico está no fato de que a dominante burguesa por meio das classes mais abastadas vai interferir nas principais produções folhetinescas e, talvez por essas interferências, a imagem europeia que chega ao Brasil tem como base essa perfeição burguesa, a riqueza do povo europeu. Toda a produção que se iniciou até antes dessa época eram traduzidas por autores que viraram romancistas e que reproduziam os folhetins de maneira muito rápida, a ver pelo folhetim Os Mistérios de Paris, de Eugene Sue, lançado na França em 1842 e no Brasil em 1844, ano de término do folhetim na França, de acordo com Meyer (1996).

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as reviravoltas, o mistério e a aventura do folhetim eram a receita perfeita para uma aliança

entre o autor, o editor e o leitor, o primeiro em busca de remuneração, o segundo em busca de

venda e o terceiro em busca de emoções, o que resultava em uma prolongação da trama.

Juliano (1997), ao discorrer sobre o folhetim no Brasil, afirma que boa parte de seu

sucesso se dá pela relação de semelhança no que se refere aos momentos de revolução social

pelos quais a Europa, mais especificamente a França, passou e o Brasil estava a passar: se por

um lado, os folhetins francês, inglês e espanhol fizeram sucesso diante do aumento de uma

classe operária, no Brasil o movimento da escravatura em vias de extinção trazia à tona um

trabalhador livre, mas ainda explorado. São momentos históricos diferentes, mas que atingem

públicos semelhantes, de maneira que a temática realista do folhetim teve sucesso no Brasil.

Juliano cita também a presença de influência dos folhetins de origem italiana na

cultura brasileira por meio das histórias melodramáticas da ópera. Os elementos

melodramáticos agradavam qualquer tipo de público, a incluir os imigrantes italianos. Há

registros de publicação dos folhetins no Brasil em português e em italiano pela editora

Vecchi, como ressalta a autora:

Instalada por volta de 1910, sediada no Rio de Janeiro, a editora traduzia da Europa os folhetins de maior repercussão, tanto para o português quanto para o italiano, obtendo, assim, sucesso imediato junto ao público de imigrantes (JULIANO, 1997, p.30).

Além dos folhetins franceses e italianos, o folhetim inglês foi influenciador para o

Brasil por sua relação com a mulher e a literatura. Juliano afirma que muitas mulheres

autoras, escondidas em seus pseudônimos, escreveram, publicaram e editaram no mercado da

distribuição romanesca. Meyer, pesquisadora detalhista, afirma essa constatação diante do

sucesso de Minerva Press, constituída de “dócil mão-de-obra, geralmente feminina”

(MEYER, 1996, p.38). Para aprofundar essa discussão, Juliano faz considerações a respeito

do ensaio de Beatriz Sarlo que trata das narrativas periódicas da Argentina. Vale, aqui, a

contemplação do mesmo, em função de sua proximidade com o tema da narração seriada e da

inserção da mulher ao hábito da leitura dos folhetins: para Sarlo (1994, apud JULIANO,

1997), a aproximação do público feminino se dá por dois motivos: os sentimentos amorosos

abordados no romance-folhetim e o fazer com que assuntos privados da sociedade se

tornassem temas literários, pois

na medida em que esta literatura se concentra nas relações familiares, de casamento e relacionamentos afetivos, ou seja, assuntos de foro privado, não é difícil perceber

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que tenha se enquadrado tão bem na esfera dos assuntos, quase de exclusividade, ‘femininos’ (JULIANO, 1997, p. 28).

Essa função política do folhetim para com o leitor, no sentido de que seu conteúdo

remete à aproximação da mulher por meio da identificação com o mesmo em sua vida

privada, dá-nos os primeiros indícios do papel do folhetim como uma literatura voltada aos

interesses da vida cotidiana. Assim, é possível pensar que um grande público feminino sem

acesso a outros gêneros de literatura tenham o folhetim como elemento importante na

construção de sentidos relacionados à vida cotidiana dessas mulheres. Sua aproximação com

a vida do brasileiro, principalmente com a sociedade emancipada politicamente com uma elite

de olhar voltado para a Europa22, possibilita perceber a influência dos folhetins europeus no

Brasil a partir do melodrama23 dos folhetins hispânicos.

O fenômeno opera-se na cultura, como resultado de uma construção histórica que explica a inserção do melodrama pela semelhança com um momento histórico-social. Isto nos aproximaria mais das influências espanholas em suas semelhanças de processos colonizadores da América Latina, principalmente em relação aos contrastivos excessos e carências gerados do conflito senhor/escravo (JULIANO, 1997, p. 29).

É importante entender o folhetim quanto a sua conjuntura no Brasil em termos

políticos e econômicos. Juliano (1997) explica que a mentalidade brasileira de um olhar

interessado nas novidades europeias e o sucesso de vendas de publicações baratas, como o

jornal e livretos – mais acessíveis economicamente para um público com o poder aquisitivo

mais humilde –, são aspectos considerados favoráveis para a expansão do folhetim no Brasil,

virando um objeto cultural de estima para grande parte da população brasileira. Mas se o

folhetim foi um gênero cujos formatos de publicação garantiam economicamente seu acesso

por parte dos “menos abastados”, foram os serões24 que deram a essas mesmas classes (que

não coincidentemente eram compostas por analfabetos) a oportunidade de ouvir as histórias

folhetinescas, dando um efeito ao folhetim de expansão a quase todas as classes que

compunham o território nacional.

22 Podemos perceber esse momento histórico na fala de Serra (1997 p.145): “o romance-folhetim é mais um instrumento para alcançar esse intuito [a aproximação da sociedade brasileira à europeia em busca de uma identidade]. Há que ser atentar para a quase simultaneidade do aparecimento do romance-folhetim na Europa e no Brasil: tendo sido publicado o primeiro romance-folhetim no jornal francês La Presse, em 1836; já em 1839 a experiência chega aos jornais brasileiros. Isto revela uma grande atualização dos escritores da época”. 23 O melodrama será somente trabalhado aqui como um elemento presente nos folhetins. Sua grande importância para o tema será estudado em seguida. 24 Meyer (1996) trabalha os serões como grandes reuniões familiares formadas também pelos serviçais das casas, que tinham acesso às histórias do folhetim por meio da oralidade que ocorria durante essas reuniões.

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Considerando-se o nível de analfabetismo no Brasil fica uma pergunta: até que ponto as classes populares podiam consumir os romances ditos populares que lhes eram destinados “naturalmente”? É verdade que, neste país formado pelos padrões da oralidade, onde, nos primórdios do folhetim, dominavam as famílias extensas e casas recheadas de serviçais e, mais tarde, as habitações populares coletivas, cortiços e vilas operárias, há de se levar em conta o efeito multiplicador de uma oitiva coletiva durante os serões (MEYER, 1996, p.382).

O caráter diário das publicações dos folhetins, que faziam parte do corpo dos jornais

da imprensa brasileira25, tem fundamental importância para que o gênero passasse a ser o

companheiro diário de seus leitores brasileiros. Os escritores nacionais que passam a

entender o formato e as peculiaridades do folhetim trazem com suas histórias possibilidades

de movimentar costumes da/na época. Assim, lido por uma elite feminina e ouvido e lido

pelas classes mais populares, o folhetim traz novas noções de civilidade para uma sociedade.

2.3 O MELODRAMA E A TELEDRAMATURGIA NA REDE GLOBO

O melodrama hispânico (bem como as encenações melodramáticas da ópera italiana),

a semelhança histórico-cultural com a França e a presença de temas da vida privada que

aproximam a leitura do romance-folhetim ao público feminino são elementos encontrados no

folhetim que se constitui no Brasil. Desse modo, entende-se sua influência no melodrama que

irá, mais tarde, ser parte de uma estética característica da teledramaturgia brasileira.

Martin-Barbero explica a origem do melodrama na França, que se dá a partir das

grandes paixões políticas alimentadas pela Revolução Francesa, bem como as cenas de grande

violência e terror que lá ocorreram, que

Exaltaram a imaginação e exacerbaram a sensibilidade de certas massas populares que afinal podem se permitir encenar suas emoções. E para que estas possam desenvolver-se o cenário se enchera de conspirações e justiçamentos, de desgraças imensas sofridas por inocentes vítimas e de traidores que no final pagarão caro por suas traições (MARTIN-BARBERO, 1997, p. 158).

25 Juliano (2003) considera: “o trato diário com o público e suas ‘peripécias’, a familiaridade com o fait divers e, sobretudo, a habilidade em lidar com o ritmo veloz deste tipo de imprensa fazem do professional do jornal o escritor do folhetim por excelência”. (p.33).

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A grande motivação e relação do melodrama francês com aqueles que o leem se dá na

permissão da dramatização de um momento histórico e de uma necessidade de justiça: é o

contexto que aparece nos objetos culturais, contando a história do país através da ficção

diária, colocada à venda – história como espetáculo. Martin-Barbero complementa seu

entendimento sobre o lugar político do melodrama, que é o “espelho de uma consciência

coletiva” (MARTIN-BARBERO, 1997, p. 158). É esse o ponto mais importante do

entendimento sobre o melodrama: elemento presente nas narrativas da cultura de massa, o

melodrama possui não só sua existência pautada pela reprodutibilidade técnica, ele se criou

como o exagero de uma consciência no imaginário das massas, fazendo com que o drama

seja, para Brooks (1985), um formato de narrativa que traz a realidade do indivíduo para um

nível mais intenso de significações.

Vindo do estilo romântico, o melodrama prefere enredos sentimentais e o drama

histórico. Sendo considerado “uma das criações estéticas mais importantes do século XIX”

(HUPPES, 2000, p.10), atribui-se a ele o título de “a tragédia que a civilização mecanicista

emergente ensejou produzir, ou então, a composição adequada ao horizonte que a revolução

burguesa constitui, tanto da perspectiva artística quanto ideológica” (HUPPES, 2000, p.10), o

que talvez seja o motivo pelo qual o melodrama tenha sobrevivido até hoje, moldando-se aos

diferentes meios de comunicação existentes na contemporaneidade.

Quando Martin-Barbero tece suas considerações sobre o melodrama, ele fá-las tendo a

pantomima como cenário. Essa afirmação serve para entender a expressão das características

gestuais e de construção de personagens ainda usados na teledramaturgia. Uma vez que a

pantomima foi ensaiada ao ar livre por ruas e praças onde a mímica serviu à “ridicularização

da nobreza” (MARTIN-BARBERO, 1997, p. 158) e que possui teor emocional pautado pelas

paixões coletivas, selecionam-se temas que estejam ligados aos gostos do popular, que se

torna massivo por ser um lugar em que o “popular começa a ser objeto de uma operação, de

um apagamento das fronteiras deslanchado com a constituição de um discurso homogêneo”

(MARTIN-BARBERO, 1997, p. 159), ou seja, restrito a temas que competem ao

entendimento de uma massa ou “uma imagem unificada do popular” (MARTIN-BARBERO,

1997, p. 159). Huppes (2000), porém, vai adiante na história e afirma que o gosto pela cena

sem exageros tenta anunciar a morte do gênero melodramático, o que não se concretizou: “o

melodrama reflui, mas retoma fôlego com o surgimento das modernas variedades de

entretenimento popular. Os meios de comunicação de massa, em especial o cinema e a

televisão, propiciam-lhe um habitat estimulante” (HUPPES, 2000, p.10).

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Vale a leitura da explicação Martin-Barbero para compreender do que o melodrama se

constitui como narrativa nas palavras do autor. Tem-se

Como eixo quatro sentimentos básicos – medo, entusiasmo, dor e riso-, a eles correspondem quatro tipos de situações que são ao mesmo tempo sensações – terríveis, excitantes, ternas e burlescas – personificadas ou “vividas” por quarto personagens – o Traidor, o Justiceiro, a Vítima e o Bobo – que ao juntar-se realizam a mistura de quatro gêneros: romance de ação, epopeia, tragédia e comédia (MARTIN-BARBERO, 1997, p. 165).

Para o autor, essa estrutura denuncia a pretensão do melodrama em trazer intensidade

à narrativa. Brooks exemplifica essa intensidade do melodrama por meio do narrador26 dos

livros de Balzac, de maneira que

the narrative voice, with its grandiose questions and hypotheses, leads us in a movement through and beyond the surface of things to what lies behind, to the spiritual reality which is the true scene of the highly colored drama to be played out in the novel27 (BROOKS, 1985, p. 2).

Martin-Barbero entende que tamanha intensidade pode ser alcançada a partir de duas

estratégias: a primeira é a esquematização, que se entende pelo esvaziamento do personagem

de maneira a convertê-los em signos “esvaziados do peso das vidas humanas”; o segundo é a

polarização que remete à redução dos personagens a heróis e vilões de maneira maniqueísta e

agrega ao melodrama a possibilidade de “conter uma certa forma de dizer das tensões e dos

conflitos sociais” (MARTIN-BARBERO, 1997, p. 163). O melodrama, portanto, pode ser

uma narrativa capaz de gerar ressignificações por meio de sua estrutura hiperdramática na

construção de personagens, bem como outros elementos que lhe compõem. Martin-Barbero

complementa seu entendimento sobre o melodrama e, principalmente, sobre os personagens

lendo Benjamin:

[...] Benjamin abriu outra pista ao propor que a diferença entre narração e romance tem a ver com a especial relação daquela com a experiência e memória: não pode ter então a mesma “estrutura” o que é para ser lido e o que é para ser contado. E o melodrama tem um parentesco muito forte, estrutural, com a narração. Seguindo essa pista, Hoggart vê nos esquematismos e nos estereótipos aquilo que tem por função ‘permitir a relação da experiência com os arquétipos’” (MARTIN-BARBERO, 1997, p.163).

26 O narrador aqui foi mencionado unicamente para dar sustentação à ideia de intensificação da história por meio do melodrama. 27 Em tradução livre: a voz narrativa, com suas grandiosas questões e hipóteses, nos guia em um movimento através e além da superfície de coisas para o que está por trás, para a realidade espiritual que é a verdadeira cena do drama brilhantemente colorido a ser encenado no romance.

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Juliano (2008), ao ler Brooks, contribui para o mesmo pensamento, entendendo que o

melodrama é um modo de concepção e expressão, como “certa maneira ficcional de dar

sentido à experiência, como um campo de força semântica” (2008, p. 2), sendo ele uma

estética possível de ser usada tanto no teatro como pelo cinema e pelas narrativas seriadas

televisivas. O melodrama é facilmente entendível, independentemente do nível cultural do espectador, pertença este à elite, à burguesia emergente ou faça parte dos soldados, trabalhadores e empregados que compunham o público presente aos espetáculos das feiras ao ar livre, muitos deles analfabetos ou semi-alfabetizados, e que encontravam no entretenimento fácil desse tipo de teatro, ou no vaudeville e na pantomima, sua única referência cultural e literária. (SILVA, 2005, p.48).

O melodrama tem seus contornos abrangentes o suficiente para que sua manifestação

no cinema e na teledramaturgia seja possível. Para Huppes (2000), a superficialidade das

intrigas, a exuberância cênica e reação que se deve produzir no espectador a partir dos temas e

da estrutura da obra são elementos que favorecem ao melodrama um encontro interessante

com os novos meios de comunicação, como a televisão. A flexibilidade do melodrama faz

com que ele possa estar presente em outros meios:

O melodrama assume um certo ar de crônica para repercutir as inquietações da hora, enquanto absorve convenções sucessivas, sem traumas de identidade. Opera uma paradoxal conciliação da mudança com a reiteração no uso dos recursos. [...] Sucede que os movimentos do melodrama têm motivo e endereço precisos. Convergem numa zona de interseção bem nítida, qual seja, a intenção central – e jamais negada – de satisfazer a plateia (HUPPES, 2000, p. 12).

Huppes (2000) afirma que a lógica do capital está embutida no melodrama. Para ela,

os espetáculos patrocinados pelos mecenas geraram no gênero melodramático a necessidade

de satisfazer o cliente (espectador) para trazê-lo de volta ao estabelecimento. Para completar,

a autora afirma que essa tarefa não é fácil, pois cabe ao melodrama a capacidade de monitorar

a reação do público diante das histórias encenadas nos palcos dos teatros. Essa lógica pode

ser percebida na teledramaturgia: primeiro, a necessidade de retorno ao teatro pode ser

comparada à necessidade da audiência por parte das emissoras televisivas e, segundo, a

reação do espectador – que garante a audiência – é monitorada a cada episódio, de maneira

que a história pode se mover conforme o roteirista (e a máquina industrial que precisa do

espectador) molda sua trama a gosto do público. É interessante ressaltar que assumir o capital

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como parte do processo que molda o melodrama não o torna simplório28; é preciso, por parte

dos produtores, um equilíbrio entre o paradoxo repetição/novidade, convivendo “com o

desafio de liberar, na medida, elementos de clichê com traços de vanguarda e atualidade, ao

tempo em que aperta o laço ao consumidor”29 (HUPPES, 2000, p.13). É assim que Huppes

entende a perfeita adequação do melodrama que sai do teatro para outros modos de exibição

propostos por novos meios de comunicação. Essa sensibilidade à atmosfera da época, através da capacidade para incorporar novidades, merece registro entre as contribuições para o contínuo apelo ao consumo. O dinamismo do melodrama emparelha com o sinal que vai impondo sobre os produtos culturais dos novos tempos (HUPPES, 2000, p.14).

A discussão sobre a telenovela e o folhetim como objetos populares e, portanto, de

baixa cultura, é a discussão benjaminiana sobre a democratização da arte, em que o sentido

não é negado e absorvido pelo valor de mercado, e sim transformado justamente por depender

de um processo de produção. Mais uma vez, o melodrama consegue resistir a essa mudança

histórica da arte que, de artesanal, se torna técnica por meio de uma esquematização bem

sucedida a ponto de, como dito antes, torná-la acessível e interessante a todos que a ele se tem

acesso. Para tanto, é justificável que o melodrama tomasse novos meios de agradar seu

espectador. Huppes (2000) afirma que o melodrama

não titubeou em introduzir as adaptações necessárias: fossem as personagens requeridas pelos novos contextos sociais; os comportamentos ditados pela última moda; fosse alterações de ordem estrutural. Quando julgou conveniente a seus fins, não teve dúvidas. Num movimento singelo, aliviou a história da erudição30 que se revelava impedimento à decodificação instantânea e, com igual objetivo, trabalhou os atrativas do enredo e do cenário (p.145).

28 Huppes (2000): “Uma crítica amiúde repetida, que envolve negativamente o melodrama, indica sua predisposição para fazer concessões de toda a sorte, servindo pratos de sabor medíocre para o deleite de plateias pouco ilustradas. É rotulado de simplório e apelativo” (p.12). 29 Quando a autora remete à vanguarda, é preciso pensar na expressão conforme enuncia Compagnon (1996): “a arte de vanguarda foi primeiramente a arte a serviço do progresso social e que se tornou a arte esteticamente à frente do seu tempo” (p.39). Nesse sentido, quando se trata do termo vanguarda, fala-se aqui em elementos novos, além do que se espera do melodrama. Isso se difere do que a autora chama de atualidade, que aqui se trata de um elemento contemporâneo ao seu tempo, principalmente em relação às tramas do melodrama. 30 Sobre a história da erudição, Huppes (2000) faz suas considerações: “o progressivo afastamento da temática histórica marca a evolução do melodrama no século XIX. Essa transformação acompanha a mudança no perfil da plateia, no decurso da revolução burguesa. Um público muito mais rude começa a ter acesso a bens culturais. Ele chega ao teatro sem a ilustração característica da corte. O conhecimento prévio demandado para a recepção das peças que vão beber em fontes antigas revela-se uma bagagem excessivamente pesada. O espectador médio tem dificuldade para aprender as alusões múltiplas da tragédia neoclássica à Racine e do drama histórico que maneja intrincadas genealogias (p.13). Assim, as considerações da autora nos faz perceber que as tramas que vinham a compor as histórias do teatro melodramático do século XIX teve que se adequar a uma nova plateia que vinha com pouco conhecimento histórico ou cultural sobre a corte. No Brasil, desde o século XIX em diante, esse movimento pode ser visto tanto no folhetim, como dito anteriormente, quanto nas infindáveis “novidades” trazidas pelas narrativas seriadas televisivas.

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Esse é o lugar que a telenovela e, em seguida, a minissérie, conquista no Brasil. Eco

(2004) afirma que um fato sociológico, como o meio de comunicação televisão, ocupa um

lugar que institui “gostos e propensões, isto é, [...] criar novas necessidades e tendências,

esquemas de reação e modalidades de apreciação, a curto prazo, se tornam determinantes para

os fins da evolução cultural, também em terreno estético” (p.330). Se a televisão e seus

produtos são capazes de criar novos gostos, isso é um fenômeno estético.

As telenovelas, objeto de grande valor para a cultura de massas no Brasil, traz consigo

um formato doado para os seriados televisivos: sua característica narrativa de serialidade e

sua relação com a sociedade. Enquanto a telenovela surgiu na programação brasileira em

1951, com Sua Vida Me Pertence, e teve sucesso entre os espectadores, com O Direito de

Nascer, os seriados ganham espaço na televisão brasileira poucos anos depois.

É sabido que, desde 1965, a Rede Globo se aventura em seriados e tal formato se

preocupa com experimentar maneiras mais complexas de narrativa do que as da telenovela.

Os seriados Rua da Matriz, 22-2000 Cidade Aberta e TNT foram os pioneiros na emissora.

Assim, é notório investimento em narrativas seriadas31 de maneira a constituir boa parte da

programação da televisão, o que faz com esse formato se torne objeto de grande estima da

cultura de massa.

Talvez também por isso, como afirma Kornis (2001), na década de 1970, a Rede

Globo de Televisão foi uma grande contribuinte para a construção de “uma identidade com a

sociedade brasileira que ganha na dramaturgia, e particularmente na telenovela, a sua

expressão máxima, fazendo com que resida ali um importante fator de unificação nacional”

(p.4). E é por meio de sua narrativa que isso se dá; o Brasil se caracteriza pelas grandes

diferenças entre o rico e o pobre, o moderno e o primitivo32, o urbano e o rural. Em função de

um projeto de unificação, a telenovela

possui uma penetração intensa na sociedade brasileira devido a uma capacidade peculiar de alimentar um repertório comum por meio do qual pessoas de classes sociais, gerações, sexo, raça e regiões diferentes se posicionam e se reconhecem umas às outras (LOPES, 2003, p.2).

31 No que se refere à narrativa, tanto a telenovela e o seriado objetivam a atenção do telespectador e sua vontade de manter-se atento à trama. Assim, considera-se produtivo, neste momento da dissertação, tratar de telenovela e de seriados como narrativas seriadas, sem a pretensão de diferenciá-las. 32 O moderno e o primitivo serão temas dessa dissertação no capítulo sobre nação e brasilidade, especialmente sob as considerações do livro Modernidades Primitivas, de Florência Garramuño, em 2009.

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A teledramaturgia, destarte, trabalha elementos que competem a seus espectadores, de

maneira que eles se reconheçam por meio dos personagens, dos conflitos e dos cenários

contemporâneos dentro da trama. E se Anderson (2008) vê no capitalismo e na imprensa a

origem da consciência nacional, a televisão, produto também capitalista, exerce essa mesma

função política de unificação por meio de sua abrangência, suas narrativas do melodrama e

sua capacidade de trazer para a tela elementos contemporâneos que acabam reforçando

lugares de luta e de conflitos sociais.

Sob a perspectiva da produção televisiva, no que tange seus temas e seus recursos para

produção de programas de entretenimento, tem-se a teledramaturgia como um objeto cultural

dentro de um hiato apontado por Arendt – quer dizer, “o tempo vago que a diversão deveria

ocupar [...] no ciclo de trabalho condicionado biologicamente no metabolismo do homem com

a natureza.” (ARENDT, 2013, p. 258) – como maneira de fazer com que o espectador volte ao

que se tem de humano; a abstração do cotidiano, fazendo com que esse tempo vago a ser

usado para conexão do ciclo do homem com ele mesmo seja preenchido pela indústria

cultural a partir de elementos tecnoestéticos que imitam (ou referenciam, ou iludem) a vida

humana. Dentro dessa perspectiva, a telenovela e os seriados acabam por reciclar, de certa

maneira, o nacional-popular em todo um conjunto de narrativas ficcionais.

Nos anos 80, a ditadura militar começou a dar seus sinais de declínio. Na mesma

época, além das novelas, principal produto desenvolvido na emissora Rede Globo, o

surgimento do Projeto Séries Brasileiras vem a ocorrer em um clima político em que a

censura começava a ser mais flexível. Juliano trata essa época como um momento em que

nos anos que seguem a ditadura militar, é o dinheiro que, colocado no centro, passa ao comando absoluto do país. E como a moeda não tem identidade, mas assume múltiplas faces, a sociedade na tela da TV se pergunta por sua identidade (JULIANO, 2013, p.79).

Diante de uma supremacia do poder econômico, principalmente diante do capital

americano, que era a grande potência econômica na época, seria comum que os produtos

internacionais, como a moda e a própria estética televisiva, fossem importados pela indústria

cultural brasileira, principalmente se lembrarmos de que o próprio modo de fazer telenovela e

seriado no Brasil tinha influências de um modelo americano de televisão. Lobo explica que a

literatura e a atualidade do dia a dia se sobressaem, “mas, sobretudo a crônica das origens, a

vida urbana e rural, assim como a história contemporânea do Brasil, estiveram presentes

através de obras ousadas e polêmicas” (2007, p.176). Ao pensarmos nas considerações de

Martín-Barbero sobre o nacional, percebe-se que é necessário entender o gênero televisivo,

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em especial a narrativa seriada, como um sistema diferente em cada país, posto que cada um

possui uma linguagem, uma cultura e um modo de fazer único e, portanto, em cada lugar ele

teria uma configuração cultural relacionada as próprias experiências daquele ambiente.

Assim, busca-se por uma identidade nacional que possa estabelecer uma relação entre o

momento político do país e o projeto para se produzir minisséries que tivessem como tema a

história nacional.

Sem dúvida, a conjuntura de final do regime militar e de instauração de uma nova ordem tem sua expressão na produção ficcional da emissora, e a reconstrução da história recente se configura como um dos campos no qual se afirma a possibilidade de imprimir um diagnóstico do país, com vistas a um projeto de reinstauração democrática, no qual o universo da moral – privilegiado pela narrativa melodramática – e da política assumem um papel fundamental (KORNIS, 2003, p. 130).

Foi em 1984, sob a autoria de Dias Gomes e endossado por Daniel Filho (que havia

assumido o posto de Janete Clair, também fundadora do projeto) que se tem o projeto Séries

Brasileiras. É por esse projeto que Daniel Filho tem grande participação nas produções de

séries que abordam a identidade nacional. As Séries Brasileiras podem ser vistas como uma

mudança interessante na teledramaturgia brasileira, principalmente por sua excelência em

produção e qualidade estética e também por seus principais temas abordados, que são,

justamente, a história do país, de maneira que isso relata uma primeira função (se é que esse

termo se adéqua) da minissérie na programação brasileira: a retomada de episódios da história

do país, bem como obras literárias relidas para a produção audiovisual para construir o

melodrama por meio da semelhança do tema com a vida cotidiana.

O formato de minisséries que a Globo começa a apostar é um mais fechado, em

relação ao número de capítulos e, por isso, ao número de conflitos existentes nas tramas.

Enquanto uma telenovela, por sua produção e quantidade de capítulos, consegue trabalhar

inúmeros conflitos entre personagens, dá-se às minisséries e aos seriados a possibilidade de

trabalhar menos conflitos. Isso não reduz a capacidade de elaboração e criatividade do

roteiro, muito menos a qualidade da produção que é, geralmente, produzida na íntegra antes

de ser exibida pela emissora de televisão (BALOGH, 2006). Esse detalhe significa que,

diferentemente da telenovela, a produção está encerrada no momento de sua exibição na

programação televisiva e que dificilmente haveria possibilidade de mudanças na história

contada em função da opinião do público. O sucesso de um seriado se expressa, basicamente,

pelos níveis de audiência do programa.

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Nas séries brasileiras, há o nacional como base: sua identificação com o público com o

bem ou o mal sustenta o maniqueísmo do melodrama analisado por Martín-Barbero (1997) e

por Huppes (2000), que cita que o melodrama “opõe personagens representativas de valores

opostos: vício e virtude” (p.27). Têm-se, como exemplo, as primeiras séries desse projeto e a

pioneira foi Lampião e Maria Bonita. Dividida em 8 capítulos, o enredo toma como base os

últimos meses de vida de Virgulino Ferreira da Silva (Nelson Xavier), o Lampião,

pernambucano que se transformou em personagem mítico, símbolo do cangaço brasileiro,

entre os anos 1920 e 1930. Fruto de cuidadosa pesquisa histórica, a série foi premiada com

medalha de ouro no Festival Internacional de Cinema e Televisão de Nova York.

É importante lembrar que, em meados daquela década, o regime militar já não tinha

mais a força de antes e, com a diminuição da censura, os autores de séries tinham a

oportunidade de experimentar mais. Em 1985, a obra de Érico Veríssimo, O Tempo e o

Vento, foi adaptada para uma minissérie. A série já possuía mais episódios: 25 no total e

contavam histórias de várias gerações da família Terra Cambará juntamente com a história do

Rio Grande do Sul. Mais marcante ainda foi a minissérie Anos Dourados de 1986. Ousada

por abordar questões tão polêmicas como a juventude e a sexualidade na década de 1950, o

autor Gilberto Braga afirma ser o maior sucesso de sua trajetória profissional. Seu contexto

político elegia “o governo de Juscelino Kubitschek como ambiente, exatamente durante o

primeiro ano de um governo civil após 21 nos de regime militar” (KORNIS, 2003, p.130),

época histórica recente para a série.

Os anos 90 trazem um novo cenário para a televisão brasileira no âmbito dos avanços

tecnológicos e também em algumas narrativas que sugerem um novo pensamento sobre o

mundo em aspectos sociais. Ao chegar aos anos 90, tem-se a vinda da televisão paga no

Brasil. A dita hegemonia da Rede Globo é posta em cheque diante das novas possibilidades

de canais internacionais, constituídas de uma maior diversidade de conteúdo. Juliano (1997)

identifica esse momento da história da televisão como não muito diferente do que aconteceu

com a vinda da mesma para o Brasil.

Quase que da mesma forma que a divulgação inicial da TV nos anos 50, essa nova forma anuncia-se como democrática, inteligente, educativa, e porque não, fonte de diversão. Parece partir do pressuposto de que o acesso a esse outro tipo de televisão teria um caráter amplo, quase universal, desconsiderando as questões de classe e acesso aos bens de consumo, bem como a de uma ingênua equanimidade cultural e intelectual para uma seleção e manuseio do aparelho (p.80).

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A discussão da democratização dos objetos culturais da indústria cultural argumenta,

novamente, o acesso inovador a novos conteúdos e culturas, mas que, na verdade, reforçam

também as disparidades sociais, uma vez que, como Adorno sugere, o conteúdo das infinitas

possibilidades de canais resume-se em produtos com “utilidade de classificação” (JULIANO,

1997, p. 116) desses espectadores ou “uma estratégia do capital para atingir faixas específicas

de mercado, ratificando, assim, a ‘estratificação’ social” (p.81).

Assumir essa nova presença como discussão para o conteúdo televisivo é estar diante

de novas considerações sobre três aspectos: a hegemonia da televisão massificada que,

abalada pela nova gama de competidores vindos com a televisão fechada, deve rever seus

conteúdos no que tange sua qualidade de produção a partir de sua concorrência; o poder do

espectador que, se ele hoje tem mais opções de trocas de canais, as imagens que ele consome

devem ser mais e mais atraentes para o mesmo; e o que a fragmentação dessa massa em

massas menores traz para o conteúdo da televisão brasileira sob a perspectiva cultural.

As duas primeiras considerações trazem à tona o aspecto tecnológico que marcou os

investimentos da Rede Globo. Em 1992, Retrato de Mulher começou a ser exibido; o seriado

tratava do universo feminino mostrando suas conquistas, frustrações e conflitos. Esse foi o

primeiro programa da teledramaturgia a ser filmado em película 16mm no país, com um

tratamento cinematográfico. Ainda se referindo à evolução tecnológica, em 1997, Daniel

Filho produziu o seriado A Justiceira, o primeiro a ser gravado com película 35mm da Rede

Globo, o que sugere um investimento financeiro de peso às novas produções seriadas. Além

disso, esse seriado possui grande inspiração nas narrativas do gênero de ação norte-

americana; sua história é sobre a luta de uma ex-policial lutando em prol da justiça e da

segurança do seu filho, conflitos bem próximos das narrativas seriadas estadunidenses.

Para trazer ainda mais competitividade para suas produções, a Rede Globo, em 2001,

início do século, abriu sua grade de programação para produtoras externas e isso teve amplas

repercussões: primeiro pela terceirização que geraria uma determinada economia de espaço e

investimento em material tecnológico destinado a esse propósito e segundo pelo know-how33

das produtoras audiovisuais, no que tange novas linguagens voltadas para o cinema,

possibilidade de inovação em roteiros por meio de roteiristas mais contemporâneos, entre

outros. Daniel Filho também estava envolvido nesse momento da televisão da Rede Globo,

uma vez que a Lereby, sua produtora, passou a criar e produzir novos seriados a serem 33 Termo técnico designado a um conjunto de saberes práticos, no que tange a técnicas, procedimentos e outros adquiridos ao longo do tempo por uma pessoa ou organização, com finalidade de trazer para ela vantagens competitivas no Mercado em que atua.

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exibidos na emissora. Foi a maneira encontrada pela Rede Globo de tentar se fazer

competitiva ao se tratar de seriados em relação a canais que trazem narrativas seriadas

americanas em voga no Brasil. A abertura da Rede Globo para novas produtoras também

sugere que o investimento feito pela emissora não mudou somente no âmbito da tecnologia,

mas sim no seu pensamento sobre novas perspectivas no que se refere a questões culturais.

Stuart Hall, em texto sobre a questão multicultural, ao problematizar a terminologia do

multicultural em diferença ao “multiculturalismo”, qualifica o multicultural como uma

descrição das “características sociais e os problemas de governabilidade apresentados por

qualquer sociedade na qual diferentes comunidades culturais convivem e tentam construir

uma vida em comum” (HALL, 2003, p. 53). Para Hall, essa postura social se enquadra em

um multiculturalismo comercial, em que se entende que se todos conhecem as diferenças

culturais dos grupos minoritários, os problemas se resolveriam no âmbito privado, sem a

necessidade de intervenção do estado e estas diferenças poderiam ser resolvidas por meio do

consumo. Assumindo que o consumo está nas imagens, a televisão se torna uma mediadora

dessas diferenças sociais a partir de seus objetos culturais. A saída estaria, como sugere Hall,

na apresentação dessas diferenças para o consumo e, assim, uma proposta não de unificação

das imagens para o nacional, mas a mudança para a imagem do nacional como uma mistura

híbrida, composta por diferenças.

Para Canclini (1998), essa lógica pode ser percebida na articulação entre o rural e o

urbano na mídia e como as estruturas urbanas e modernas se fragmentam em processos cada

vez mais complicados de serem totalizados. Canclini entende que a questão cultural Latino-

Americana, que está atravessada pela mídia de massa e também pelas tradições da

modernidade, remete a uma “modernização considerada insatisfatória, que deve ser

interpretada em interação com as tradições que persistem” (p. 353). Assim, é importante

perceber que essa lógica não gera uma ruptura no pensamento da televisão, pelo contrário,

mantém-na no lugar da construção de novos sentidos no que diz respeito às noções de

brasilidade e nação, ainda por meio do melodrama, que permanece presente nas narrativas

seriadas por meio de suas características como a busca por um final feliz, o conflito entre o

herói e o vilão e outros aspectos.

A partir desse molde da televisão que iniciou nos anos 90, foram desenvolvidos, ao

longo das narrativas da televisão brasileira, os seriados As Cariocas e As Brasileiras – ambos

sob a direção geral de Daniel Filho, produzidos pela Lereby e sob a assinatura da Rede-Globo

como coprodutora –, que podem ser vistos entre as mais atuais produções exibidas pela Rede

Globo.

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O seriado As Cariocas foi inspirado pelo livro do mesmo nome, do autor Sérgio Porto.

Esse fenômeno, que é possível ser percebido em várias minisséries da Globo34, era presente

inicialmente nas novelas do horário das dezoito horas35. Em seguida, as obras literárias

tomaram seu lugar como minissérie no horário das vinte e duas horas. Para Juliano, uma das

características das minisséries é a busca por textos literários adaptados em roteiros que

conferem um status à teledramaturgia. Isto é, as minisséries

gozam de mais elevado prestígio dentro do meio, uma vez que, segundo se encontra na bibliografia pesquisada, possuem o status de produto artístico, enquanto que as telenovelas tendem ao produto lucrativo. A distinção parece estar na legitimidade literária, como algo que fora canonizado como erudito, estendido à televisão como bem cultural para uma maior faixa de público. Poderíamos considerar uma tentativa de ‘ascensão’ da indústria cultural ao reconhecimento por parte da camada sociocultural considerada erudita, ao produzirem uma minissérie que leve o nome de autor reconhecido pela literatura (JULIANO, 1997, p.91).

O seriado teve como roteiristas novos nomes da televisão brasileira, o que caracteriza

a atualização das narrativas seriadas a partir de escritores contemporâneos. Sua estrutura é

muito semelhante do seriado As Brasileiras que, aliás teve sua concepção a partir de As

Cariocas. A cada novo episódio, uma carioca tinha sua história contada por um narrador,

Daniel Filho, que é também o próprio autor e produtor. Sua história era baseada nos conflitos

da vida cotidiana. Cada episódio, assim como em As Brasileiras, tratava de somente uma

personagem e sua vida situada em um bairro da cidade do Rio de Janeiro e trabalhava com

diferentes “tipos de cariocas”. As diferenças raciais, culturais e sociais eram apresentadas

como inerentes ao bairro em que cada personagem morava. Sua história iniciava e terminava

no mesmo episódio. O segundo seriado a ser analisado é As Brasileiras, objeto de estudo

deste trabalho a ser estudado no próximo capítulo.

O destino dos seriados na televisão brasileira parece ser promissor em relação a seu

potencial para abordar novos temas, experimentar novas estéticas e provar novas

possibilidades de exibição. O melodrama, como parte de sua estrutura narrativa, molda-se

sem ressentimentos aos novos desafios da televisão e dos novos formatos de exibição,

atualizando-se para novos caminhos que tanto a comunicação de massa como o espectador

traçam, talvez sem querer, a longevidade da teledramaturgia.

34 Entre várias, podemos citar Hilda Furacão, de 1998, baseada na obra de Roberto Drummond e Memorial de Maria Moura, baseada na obra de Rachel de Queiroz e exibida na Rede Globo em 1994. 35 Temos, como exemplo, novelas como Senhora, de 1975, baseada na obra de mesmo nome de José de Alencar; e Cabocla, de 1979, baseada na obra de Ribeiro Couto. Esta novela foi reproduzida em 2004, sob a adaptação de Benedito Ruy Barbosa.

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3 AS BRASILEIRAS: UM NARRADOR DO BRASIL

As Brasileiras foi lançado no dia 02 de fevereiro de 2012, no horário das vinte e duas

horas, e teve seu último episódio no ar no dia 28 de junho do mesmo ano. Rumores ecoaram

no jornal Folha de São Paulo36, na época, sobre a não tão bem sucedida audiência dos

episódios, o que seria o motivo da não continuidade do seriado37.

O programa de televisão As Brasileiras pode ser nomeado como um seriado. Sua

estrutura narrativa, assim como suas primas - a telenovela e as minisséries -, se caracteriza por

uma história contada no modelo clássico estruturado por Aristóteles, como explica Sadek

(2008); há unidade de ação, de espaço e de tempo. Porém, se antes a ação diegética se

assemelhava à duração da peça38 e tomaria como espaço somente um cenário, a maquinização

da ficção, via indústria da cultura, chega às narrativas provocando modificações no tempo da

trama, tempo esse que poderia ser entendido a partir de uma sequência de fatos. Além disso,

a unidade de espaço foi ampliada de um cenário único para uma cidade, um país e outras

possibilidades. Tendo essas características assemelhando minisséries, seriados e telenovelas,

o que as difere, no entanto, é a característica da estrutura de sua serialização ou, melhor

dizendo, a estrutura da narrativa a partir dos capítulos:

A minissérie é uma história fechada, dividida em capítulos precisamente definidos, com desenvolvimento e final decididos antes da produção. O seriado é uma sequência de histórias com os mesmos personagens e cenários, em que cada episódio tem seu problema, evolução e desenlace; nele, o episódio seguinte começa como se o anterior não tivesse ocorrido [...] (SADEK, 2008, p. 33).

Curta mas pertinente a este tema, a distinção do autor sobre as modalidades de produção

seriada leva As Brasileiras para o seriado, a não ser pelas personagens e pelos cenários. Ou

melhor, é possível relativizar o conceito de Sadek (2008), pois se as personagens do seriado

não são as mesmas em cada episódio, elas são partes de uma personagem principal, que é a

mulher brasileira; e o mesmo acontece com o “cenário”: todos são parte do “gigante Brasil”.

Partindo do título do seriado, As Brasileiras, percebe-se que o nome, a cada chamada na 36 Disponível em: http://f5.folha.uol.com.br/televisao/1112944-as-brasileiras-encerra-com-recorde-negativo-e-nao-tera-mais-temporadas.shtml. Acesso em: 15 de novembro de 2014. 37 Foi noticiado que o último episódio teve a pior audiência, chegando a 12 pontos, e esse valor. Segundo a Folha, pode ter sido em função do horário de exibição, excepcionalmente à meia-noite. 38 Aristóteles desenvolveu seus estudos a partir do classicismo grego, como propõe Sadek (2008), e suas teorias sobre a poética se embasavam no teatro.

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televisão, relembra o objetivo do programa, que é mostrar as diferenças dentre personagens

mulheres brasileiras, mas ainda unificá-las como todas pertencentes a um lugar maior, o

Brasil. Então, determinar a produção como um seriado parece o mais adequado. Ou seja, as

histórias, mesmo que diversas, fazem parte de uma mesma estrutura narrativa, que se repete a

cada episódio.

Os episódios do seriado possuem vários aspectos em comum, a começar por seus

títulos. Cada episódio remete a um lugar e a uma mulher. Seu título é composto por um

adjetivo e um nome próprio, sendo o adjetivo relacionado a uma característica da história a

ser contada e o nome próprio relacionado ao local, geralmente uma cidade ou estado, que se

toma como cenário do episódio.

No que tange ao local, é possível perceber que todas as regiões do Brasil são

contempladas, mas o sudeste com mais ênfase; dos 22 episódios, 6 possuem como cenário o

sudeste, 5 o nordeste, 4 a região sul, 3 a região centro-oeste e 2 a região norte do país. Há

dois episódios que tratam de lugares diferentes: um toma como cenário a Br-101, mas logo no

meio do episódio a maior parte da trama ocorre na Sapucaí, no Rio de Janeiro; outro episódio,

o último do seriado, chama-se Maria do Brasil, mas toma lugar em maior tempo no Projac,

que é o lugar dos estúdios da Rede Globo no Rio de Janeiro. Talvez numa percepção de que a

Rede Globo seja o Brasil.

Em relação aos adjetivos presentes nos títulos dos episódios, cada um remete à

característica principal da “personalidade” da personagem. A partir desse adjetivo, toda a

trama tem como conflito justamente a qualificação ficcional da mulher representada. Como

exemplo, o episódio chamado A Reacionária do Pantanal, que trata da não aceitação da

personagem principal em relação ao relacionamento homo-afetivo da mãe; o episódio A

Culpada de BH, que conta a história da personagem que se sente implicada em tudo que

acontece com os outros, mesmo que as situações ocorridas não sejam, necessariamente, de sua

responsabilidade.

O único episódio cujo nome não utiliza um adjetivo é o último, chamado de Maria do

Brasil. Porém, o discurso inicial do narrador, também presente em todos os episódios, trata o

termo ‘Maria’ como um adjetivo, afirmando que Maria seriam todas as brasileiras, e traz uma

série de características que podem ser remetidas a ‘maria’ como, por exemplo, mulheres

batalhadoras, mulheres anônimas entre outros.

As vinhetas de abertura e de encerramento dos episódios possuem características

peculiares. A vinheta de abertura, cujo cenário é um fundo infinito, possui cadeiras e escadas,

lembrando um set de filmagem ou de ensaio fotográfico. Nesse cenário, estão as artistas de

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todos os episódios, sendo apresentadas, uma a uma, por seus nomes artísticos. As atrizes

parecem desfilar ao longo desse cenário e, enquanto elas são apresentadas, a câmera traz

como foco a artista em questão, que desfila entre as demais. No final da vinheta, onde todas

estão paradas de frente para a câmera, uma artista se levanta e se aproxima do foco. A atriz

que se levanta é a que irá interpretar a personagem do episódio.

Com a vinheta de encerramento não é diferente. As mesmas cenas são repetidas.

Porém, a atriz que se levanta e caminha em direção à câmera, se sobressaindo das demais é a

que irá interpretar a personagem do episódio seguinte. É como se o episódio de “hoje”

convidasse o espectador a conhecer a história da semana seguinte, apresentando a atriz

protagonista.

Todo episódio tem uma vinheta de abertura. Porém, essa vinheta, que apresenta o

nome do seriado e as personagens, não é o que primeiro aparece na tela ao vermos o seriado.

Cada episódio é composto por cenas de vários pontos turísticos brasileiros que, enquanto vão

sendo apresentados na tela da televisão, são também acompanhados pela voz do narrador. As

imagens são sempre as mesmas no início, mas vão se diferenciando, a partir da fala do

narrador. Isto é: o narrado sempre apresenta o Brasil no início da cena, mas sempre parte para

a apresentação de uma cidade diferente do Brasil. Todos os episódios começam com uma

imagem do planeta Terra e, no zoom, a imagem se aproxima do Brasil e traz os pontos

turísticos de renomes nacional e internacional. Logo no início dessas imagens, a trilha

sonora, que é sempre a mesma música, é introduzida no episódio e acompanha a história até o

final. A trilha das vinhetas de abertura e encerramento é a mesma; uma música composta e

interpretada por Pedro Luís, de Pedro Luís e Parede, inicialmente feita para o seriado As

Cariocas. Em relato39, Pedro Luís afirma que a música composta foi aceita por ter elementos

típicos da música carioca de antes e de agora. Para adequar ao seriado, As Brasileiras, houve

somente a modificação de uma frase: ao invés de “a bela é carioca mas é da cor do Brasil”,

tem-se “a bela é linda, é nossa, ela é da cor do Brasil”.

Outro aspecto recorrente em todos os episódios é a presença de um narrador.

Interpretado por Daniel Filho, o narrador segue durante a trama, como se guiasse o espectador

pela história. Sua fala descontraída tende ao cômico e tem caráter de informar o espectador

sobre a história do Brasil, entrelaçando à história da protagonista. Muitas vezes, seus relatos

parecem guiar o espectador para ações importantes, que acabam por definir o percurso da

protagonista e da trama. Por outro lado, a intervenção da fala do narrador parece fazer

39 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=LoDaCGGAmtk. Acesso em: 13 de fevereiro de 2015.

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afirmações que conferem comicidade à cena, como se o narrador fosse também um espectador

comentando sobre a cena em si; neste caso, sua fala não guia o espectador na história e sim

comenta de maneira cômica o que está acontecendo na história.

A narrativa do seriado As Brasileiras não difere das demais narrativas da

teledramaturgia brasileira no que tange a abordagem do que seria nacional. Apesar da

multiplicidade de tramas – o que não é intenção da maioria dos seriados brasileiros – os

conflitos tanto da telenovela quanto dos seriados são, geralmente, calcados na ideia de

brasilidade como característica unificadora. Essa é uma das funções, inclusive, da televisão

no Brasil; sua participação efetiva na difusão de informações por meio do áudio e do vídeo

torna sua programação acessível a todos, sem diferenças entre classes econômicas, culturais

ou políticas. Assim, a memória e a identidade do espectador, antes construídas por

instituições como a família, a política e agências estatais, e por outros dispositivos de governo

(LOPES, 2009), passam a ser orientadas pela narrativa televisiva, que “já foi definida como

uma narrativa por excelência sobre a família” (LOPES, 2009, p.23).

O que Lopes trata como paradoxo do melodrama é o que também caracteriza o cunho

melodramático do seriado As Brasileiras: sua característica principal é, a partir de um

repertório comum (de acesso e entendimento de todos), típico do melodrama, diferentes

espectadores serem capazes de reconhecer um ao outro a partir dos contrastes entre o arcaico

e o moderno, o urbano e o rural. Todas essas diferenças dentro uma só trama se tornam

paradoxais e isso possibilita uma variedade de sentidos a serem construídos sobre uma

“comunidade imaginada” chamada Brasil. Seria justamente o Brasil, como uma mistura que

faz dele, ao mesmo tempo, variado e unificado nas memórias e identidades do espectador, um

exemplo de palco para a vida privada tornada em esfera pública e vice-versa, mediada pelas

narrativas seriadas: “a novela constitui-se em veículo privilegiado do imaginário nacional,

capaz de propiciar a expressão de dramas privados em termos públicos e dramas públicos em

termos privados” (LOPES, 2009).

Os temas que acercam o nacional, muito presentes nas narrativas brasileiras, mesmo

sem ter compromisso com uma “verdade” sobre a história e sobre a vida cotidiana, acabam

por contribuir para uma configuração sobre as noções de identidade para o espectador. Há um

conjunto de elementos que podem remeter a esse nacional, principalmente quando o próprio

eixo do seriado é brasilidade.

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3.1 AS BRASILEIRAS NA TELA: UMA ESTRATÉGIA DE MERCADO?

Além da identificação da vida privada do espectador com a trama, a verossimilhança

proposta pelas produções televisivas traz os atores das tramas para o lugar de celebridade,

comparado por José Sadek (2008, p.23) a um lugar pertencente aos deuses:

Seu comportamento [o dos atores] fora das telas passa também a ser copiado por uma legião de fãs, sem que essas atitudes imitativas necessariamente signifiquem o prazer aristotélico pelo aprendizado. Parecem estar mais relacionadas com o desejo de identificação. O estilo de vida desses superiores (os autores e as estrelas do cinema) e suas excentricidades são seguidos por boa parte da embevecida massa espectadora.

Isso se dá, ainda conforme o autor, por uma constante presença desses “simulacros de

deuses” na casa de milhões de sujeitos que tem seu aparelho de televisão como componente

de sua vida privada. A fabricação dessas celebridades por parte da TV, o que gera um culto a

essas no âmbito privado, está dentro da lógica de mercado da indústria cultural; essa constante

fábrica de renovação de celebridades, bem como o uso de antigos atores, já renomados e

reconhecidos por trabalhos anteriores, promovem segurança ao constante consumo de novas

imagens e produtos da indústria.

Assim, se se pensa também como Benjamin, que afirma que “é menos importante o

ator representar diante do público um outro personagem, que ele representar a si mesmo

diante do aparelho”40 (2012, p.194), a identidade do ator se mescla com a de sua personagem,

o que fica turvo na visão do espectador, que passa a reagir com amor, paixão e até mesmo

raiva para com a atriz/artista. O dentro e o fora, o público e o privado se mesclam para o

espectador nas imagens da indústria do entretenimento. A vida privada se constrói nesta

mescla, e a identificação do espectador com a história de cada personagem aparece como

possibilidade de se destacar da massa41. É importante perceber como ator e personagem se

40 Nessa citação, Benjamin se refere à obra cinematográfica. Porém, dadas as distinções entre atores que o próprio pensador faz (a diferença entre o ator de teatro e o ator diante de uma câmera), a semelhança aos produtos audiovisuais se faz válida. 41 Para esclarecer, faz-se menção a uma pesquisa realizada por meio da leitura de 70 cartas, cujos remetentes seriam fãs que escreveriam essas para os atores protagonistas de telenovelas brasileiras41 os resultados das análises por meio da leitura das cartas apresentam a necessidade de singularização por parte deste espectador (agora autor da carta) para que seja retirado da massa. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1413-29072002000200003&script=sci_arttext. Acesso em: 15 de janeiro de 2015.

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confundem nesse jogo de interpretações, significações, nesse exercício de colagem em que o

espectador trama sua própria subjetividade.

No que se refere às celebridades, há duas possibilidades quanto a escolha do elenco de

uma produção: propor atrizes e atores estreantes ou pouco conhecidos na televisão para que se

crie uma nova legião de fãs e mais possibilidades de exploração de consumo de imagem, bem

como a utilização de atores já consagrados, celebridades já conhecidas em função de tentar

garantir a audiência de um determinado programa de televisão. Em As Brasileiras, as duas

formas parecem acontecer. Há, no elenco do seriado, artistas já conhecidas que foram

protagonistas dos episódios, como Glória Pires, Juliana Paes e Fernanda Montenegro. Há,

também, novos nomes, como Suyane Moreira e Bruna Linzmeyer, sendo que as duas últimas

tiveram seu primeiro papel de repercussão midiática em As Brasileiras e, depois disso, ambas

passam a integrar o elenco do remake de Gabriela, exibida em 2012 na Rede Globo e no

mesmo ano do seriado aqui em questão. Há também artistas que não são conhecidas por seu

talento na dramaturgia, como Ivete Sangalo, cantora, e Xuxa Meneghel, apresentadora de

programas de auditório, mas que, mesmo assim, são protagonistas de episódios do seriado.

Figura 1: Artistas que compõem o elenco do seriado As Brasileiras.

Fonte: Site do seriado na página da Globo. Disponível em: http://gshow.globo.com/programas/as-

brasileiras/programa/platb/2012/03/08/hoje-e-o-dia-delas-brasileiras-definem-a-mulher-tupiniquim/. Acesso em: 20 de Abril de 2015.

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Não somente os traços físicos, ou melhor, o biotipo das atrizes é utilizado para o

desempenho das personagens; pode-se perceber outras características na relação

personagem/artista, no seriado. Ivete Sangalo foi escolhida para interpretar a personagem

Raquel no episódio A Desastrada de Salvador, assim como Xuxa Meneghel foi a protagonista

do episódio A Fofoqueira de Porto Alegre. Nestes casos, o que relaciona a artista com a

personagem não é a cor ou etnia ou qualquer outro elemento que não a própria vida privada

das artistas, que nasceram exatamente nos estados dessas cidades. Talvez suas vidas públicas

as tenham tornado opção para essas personagens, mas, tratando-se de um seriado cujo eixo

está na valorização da nacionalidade/brasilidade, isso pode ser visto como uma relação que

tende a trazer mais verossimilhança para o seriado em si.

Porém, há uma outra possibilidade de análise da escalação do elenco, que também

remete à lógica do mercado do espetáculo: a escolha de belas mulheres de diferentes lugares,

no mundo do espetáculo, que poderiam auxiliar no reforço à ideia da diversidade de

brasileiras, que está na superfície do espetáculo. As atrizes, por si só, já seriam atraentes por

atuarem em qualquer papel em função de seu lugar no espetáculo e, assim, a atenção e

interesse do espectador estariam tanto na personagem como também na artista que interpreta a

personagem. Sob essa perspectiva, Xuxa e Ivete podem novamente ser exemplos pertinentes:

a Xuxa como celebridade, cuja vida é pública por meio do espetáculo, é gaúcha. Ser a atriz

que interpreta uma gaúcha no seriado ajuda no reforço de uma representação; é loira e tem

olhos azuis, como a gaúcha é representada. Ivete, também celebridade conhecida por ser

cantora de Axé e por ser baiana, interpreta uma baiana no seriado. Outro exemplo é o

episódio A Reacionária do Pantanal, cuja personagem principal é interpretada pela cantora

Sandy, celebridade infantil cuja vida está no âmbito público (é sabido que seu casamento, sua

virgindade, sua imagem de puritana sendo quebrada pelo anúncio da marca de cerveja

Devassa, enfim, sua vida privada sempre fora alvo da mídia). Essas atrizes escolhidas, por

sua vida pública e por suas diferenças, podem acabar por reforçar as ideias de diversidade

presentes no discurso do seriado.

Dá-se uma relação dúbia, em que os parâmetros de escolha não refletem, em

profundidade, a diversidade cultural ou ao menos não tanto quanto à necessidade de talvez

atrair o espectador do seriado por meio do que ele já conhece – belas figuras que circulam no

show business. Calcada pela indústria cultural, a própria escolha das atrizes do seriado parece

deixar nítido o sistema de leis do capital que se entrecruzam com os modos de fazer da

televisão; antes de uma tentativa de resgatar noções de identidade, regionalismo ou

características culturais, o seriado parece se preocupar mais com a audiência e, assim, se

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ajusta aos formatos pré-estipulados pela televisão, que conhece suas ferramentas para tentar

impedir o zapping42.

Dos 22 episódios 15 possuem cenas em que os corpos da atrizes são expostos nus,

enquanto outros 7 episódios, além de tratarem de tramas que não necessariamente se

relacionam com amor e paixão, tem os corpos das atrizes sempre vestidos e nem ao menos faz

menção ao sexo. Talvez não por acaso, as atrizes que não mostram seus corpos são,

justamente, aquelas que compõem o maior escalão na Rede Globo: Glória Pires, Giovanna

Antonelli, Cláudia Jimenez, Fernanda Montenegro, Sandy, Ivete Sangalo e Xuxa Meneghel.

Longe de tentar adivinhar ou questionar a intenção dos diretores e produtores, percebe-se que

as grandes artistas não mostraram seus corpos na televisão. Seriam os próprios contratos das

atrizes que interferiram na linha de roteiro? Ou o próprio roteiro foi o parâmetro para a

escolha das atrizes? O processo de escolha importa menos do que o que isso pode significar:

a imagem da atriz é protegida antes da própria personagem e, assim, se isso é regra, a imagem

da atriz compõe a própria identidade das personagens que, se não provocam identificação com

o público por suas características e por sua brasilidade, o faz por ser interpretada pela atriz

que o público já conhece bem.

A escolha da atriz Fernanda Montenegro para interpretar a protagonista do último

episódio, Maria do Brasil, pode indicar o como a atriz é escolhida em função de sua

importância na indústria televisiva brasileira. Salienta-se aqui que todos os episódios

anteriores tinham como cenário uma cidade do país43, mas o último episódio fecha o seriado

com o Brasil inteiro, numa síntese. O final do seriado parece uma ótima proposta de

unificação de todas as mulheres em uma só, uma mulher batalhadora que se agarra às suas

últimas possibilidades de sucesso. O episódio fala sobre uma atriz de teatro, já na terceira

idade, que tenta segurar a última oportunidade de sua carreira, que é atuar na televisão. Mas a

escolha de Fernanda Montenegro sugere uma junção de todas as brasileiras? Isso significaria

que Fernanda Montenegro teria em si todas as características de uma brasileira pelo fato de

42 SARLO (1997): “Imagens demais e um dispositivo relativamente simples, o controle remoto, tornaram possível o grande avanço interativo das últimas décadas, que não foi resultado de um desenvolvimento tecnológico da parte das grandes corporações, e sim dos usuários comuns e correntes. Trata-se, claro, do zapping” (p.57). Para a autora, o zapping, aprendido pelo espectador através das lógicas de produção da televisão, é a prática dos espectadores de trocarem o canal, de maneira a fazer “cortes onde os diretores de câmara não tinham previsto” (p.58). O fenômeno sugere, entre outros fatores, a liberdade de escolha do espectador, “exercida com a rapidez com que se percorreria um shopping center a bordo de um ônibus espacial atômico” (p.59). Assim, entrelaçar as imagens que estão na televisão por meio da troca constante e rápida de canal pode funcionar como uma montagem exclusiva de uma narrativa por parte do espectador. 43 O episódio 20 se chama A Sambista da BR-116, em que a protagonista mora na rodovia, mas viaja para o Rio de Janeiro pouco minutos após o início do episódio.

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ser considerada um ícone da dramaturgia nacional? Essas características para sua escolha

como Maria do Brasil trazem consigo uma mistura da mulher brasileira?

E isso é perceptível na fala de Daniel Filho, quando este é questionado sobre a atriz

como protagonista do último episódio44: “Como eu vou fazer um seriado falando das

mulheres do Brasil e não falar da maior representante das mulheres da cena brasileira?”.

Essas palavras de Daniel Filho trazem o questionamento sobre de quem o episódio fala, se é

da atriz Fernanda Montenegro ou da atriz Mary Torres, personagem da trama. Quando Daniel

Filho afirma que falar de Fernanda Montenegro é “falar da maior representante das

mulheres”, indica-se, justamente, as preocupações dos moldes da indústria televisiva, que

mais se preocupa com seu próprio discurso do que com qualquer tentativa de “representar

uma realidade” brasileira. Porém, distante da intenção de criticar a escolha da atriz, o que se

quer é buscar significados que as escolhas podem trazer para o seriado, antes da personagem

Maria do Brasil, Fernanda Montenegro é a mulher brasileira e, assim, as noções de brasilidade

deixam de ser lidas a partir da personagem para serem lidas a partir da vida pública da atriz

consagrada no meio e na Rede Globo. Neste sentido, as brasileiras escolhidas para encenar

As Brasileiras se apresentam como produtos de fácil circulação no mercado audiovisual –

mulheres lindas e/ou reconhecidas pelo público, mas de impossível caracterização da

diversidade que, de fato, seriam as mulheres brasileiras. Elas compõem, aí sim, um grupo de

brasileiras do mundo do espetáculo.

3.2 NAÇÃO E BRASILIDADE: UM DISCURSO QUE NÃO TEM FIM

A identidade cultural, amplamente discutida, é um assunto que está longe de se

esgotar. Para Hall, a questão da identidade sofreu, desde as sociedades modernas,

modificações que apontam, recentemente, para a chamada crise de identidade, para as noções

de identidade antes entendidas como unificadas que se deslocam na medida em que a própria

noção de modernidade sofre processos de descentralização.

44 Disponível em: http://gshow.globo.com/programas/as-brasileiras/programa/platb/2012/06/28/daniel-filho-como-nao-falar-da-maior-representante-das-mulheres-da-cena-brasileira/. Acesso em: 15 janeiro de 2015.

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O propósito aqui é estudar essa perspectiva de identidade cultural, principalmente sob

o aspecto do nacional, a partir dos Estudos Culturais, entendendo a nação a partir da

concepção de “comunidades imaginadas” de Benedict Anderson, e, principalmente, as noções

de identidade propostas por Stuart Hall em seu livro A Identidade Cultural na Pós-

modernidade. Desse modo, pretende-se entender, primeiro, como a questão da identidade foi

sendo deslocada a partir das três concepções propostas por Hall: sujeito do Iluminismo,

sujeito sociológico e sujeito pós-moderno. Em seguida, será entendido como o próprio

movimento artístico do Modernismo e a modernidade tardia foram responsáveis por esse

deslocamento do sujeito unificado para o sujeito fragmentado, para que então, em um terceiro

momento, entenda-se como os próprios conceitos de brasilidade e nação, interpelados por

inúmeros dispositivos, inclusive os da indústria cultural, provocaram justamente esses

descolamentos do sujeito da modernidade tardia para um sujeito contemporâneo.

3.2.1 O problema da identidade

De acordo com Hall (2014), a questão da identidade se encontra sempre em constante

avaliação, de maneira que todas as constatações e tentativas de definição são provisórias. Ele

salienta a ambiguidade das tendências sobre o entendimento ou novas definições de

identidade:

O próprio conceito com o qual estamos lidando, “identidade”, é demasiadamente complexo, muito pouco desenvolvido e muito pouco compreendido na ciência social contemporânea para ser definitivamente posto à prova. Como ocorre com muitos outros fenômenos sociais, é impossível oferecer afirmações conclusivas ou fazer julgamentos seguros sobre as alegações e proposições teóricas que estão sendo apresentadas (HALL, 2014, p.9).

Para o autor, os estudiosos que acreditam na crise da identidade a justificam por meio

do entendimento sobre a modernidade, principalmente a sociedade moderna no final do

século XX45, que estava (e ainda está) em um processo em que as grandes questões do mundo

45 Embora o texto, por ter sido escrito pelo autor em 1992, trabalhe as noções sobre a identidade até o século XX, seu caráter na discussão sobre identidade, modernidade tardia, pós-modernidade e nação é muito atual e, portanto, é possível estender as concepções de Hall sobre identidade para o início do século XXI.

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moderno, como classe, sexualidade, etnia e nacionalidade, estão perdendo sua solidez no

imaginário do indivíduo, fragmentando-o em vários sujeitos, que são, ao mesmo tempo,

contraditórios e simultâneos; o sujeito que antes se embasava na racionalidade e no ideal da

mente e em interação com o ambiente, agora se reconhece em inúmeros sujeitos, inúmeras

identificações que podem tanto conflitar como concordar, dependendo de sua localização

social.

Para esclarecer o caminho que a questão da identidade percorreu desde o iluminismo

até a contemporaneidade, Hall sugere a distinção de três concepções, localizando-as em um

contexto histórico. A primeira identidade sobre a qual o autor discorre é a do sujeito do

Iluminismo. Esse sujeito se embasava na concepção do indivíduo cujo centro é a razão; sua

consciência estava concentrada em um “núcleo interior, que emergia pela primeira vez

quando o sujeito nascia e com ele se desenvolvia” (2014, p. 10), de maneira que a identidade

do sujeito seria o seu centro essencial.

Essa concepção de centro vem apoiada no Iluminismo, como o próprio nome já nos

indica, mas principalmente pelo corte epistemológico, que gera as dicotomias: um corte entre

o homem e o mundo que o cerca, um vão entre o ideal e o sensível, entre o racionalismo e o

empirismo. Descartes, o grande pensador que gerou o método racionalista chamado

cartesiano, ao se definir como “coisa pensante”, afirma a existência da mente46, o cogito,

como mediação entre o mundo sensível e o mundo metafísico das essências, o inteligível de

Platão.

Se as propostas iluministas foram as que promoveram a concepção de indivíduo como

unificado, único e individual, elas também foram “o motor que colocou todo o sistema social

da ‘modernidade’ em movimento” (HALL, 2014, p.18). A dicotomia matéria-mente também

gerou a noção de sujeito sociológico – a segunda concepção de identidade em Hall –, que

refletia uma consciência de que o núcleo, o centro da razão humana não se bastava, mas sim

que se desenvolvia a partir da relação do homem com o ambiente (o empirismo), a gerar uma

concepção de identidade que remete à interação. O autor explica essa dicotomia da

identidade:

46 Entende-se aqui que e a mente é o elo do corte epistemológico, possibilitando o acesso ao conhecimento e entendimento dos eventos do mundo sensível por meio do pensamento. O que Descartes fez, assim, foi trazer o pensamento platônico e das essências dos números ao mundo em crise no âmbito da ciência e da religião. O corte epistemológico, que antes era mediado por divindades em Platão, é mediado pela mente de Descartes, o que retira Deus do centro do mundo e ali coloca o homem, aquele dotado de razão. Além disso, o pensamento de Descartes contribui também para a individualização do homem; por meio de seu método de dividir o todo até partes indivisíveis e, por meio de sua célebre frase “penso, logo existo”, toda a concepção do homem se dá à sua noção essencial de existência, que é sua razão.

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A identidade, nessa concepção ideológica, preenche o espaço entre o “interior” e o “exterior”- entre o mundo pessoal e o mundo público. O fato de que projetamos a “nós próprios nessas identidades culturais, ao mesmo tempo que internalizamos seus significados e valores, tornando-os “parte de nós”, contribui para alinhar os nossos sentimentos subjetivos com os lugares objetivos que ocupamos no mundo social e cultural. A identidade, então, costura (ou, para usar uma metáfora médica, “sutura”) o sujeito à estrutura. Estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam, tornando ambos reciprocamente mais unificados e predizíveis (p. 11).

Por muito tempo, essa concepção de sujeito foi capaz de estabilizar tanto as teorias do

sujeito na sociologia quanto também da própria indústria cultural, que se mantém firme como

dispositivo de governo para construção da identidade dos sujeitos a partir da interação entre

ele e o que consome dos produtos culturais. Essa concepção de sujeito permite uma ideia de

identificação, pois o paradigma regente é calcado por uma condição em que há uma razão, um

essencial no indivíduo e que esse essencial se identificaria com o que vê e, por isso,

desenvolve sua identidade a partir dessas interações com o mundo.

Para conceituar o sujeito moderno, Hall cita o pensamento de Locke sobre o

“indivíduo soberano”, suja essência estava no sujeito da razão, do conhecimento e da prática e

as mudanças estavam nas consequências de suas práticas, sujeito a elas (HALL, 2014). Para o

autor, há processos na vida moderna centrados fortemente na individualidade do sujeito

perceptíveis até o século XVIII. Porém, por meio do projeto de modernização e as

consequentes mudanças nas estruturas sociais, que se tornavam mais e mais complexas,

começa a se perceber uma noção de sociedade mais coletiva e social, principalmente em

função da industrialização, expansão do capital e do surgimento das sociedades de massa, de

maneira que “as teorias clássicas liberais de governo, baseadas nos direitos e consentimento

individuais, foram obrigadas a dar conta das estruturas do estado-nação e das grandes massas

que fazem uma democracia moderna” (HALL, 2014, p. 20). Melhor dizendo, as leis da troca,

e da propriedade que regiam o capitalismo clássico foram se modificando, a partir da rápida

industrialização, para dar conta das formações sociais de classes, típicas do capitalismo da

modernidade.

A mudança do dono do capital de “senhor feudal” para uma grande corporação

industrial, que muda, assim, sua lógica de mercado de um trocador (comprador) para uma

massa consumidora, faz com que a concepção do indivíduo se veja atrelada ao seu

pertencimento a uma classe, ou melhor, “localizado e definido” no interior dessas grandes

estruturas e formações sustentadoras da sociedade moderna” (HALL, 2014, p.20).

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Nas ciências, o que mais contribuiu para ampliação do conceito de sujeito foi a

separação dos campos de estudo nas teorias modernas; enquanto ficava a cargo da psicologia

o estudo dos processos básicos mentais do homem, coube a sociologia os estudos que

localizavam “o indivíduo em processos de grupo e nas normas coletivas as quais,

argumentava, subjaziam a qualquer contrato entre sujeitos individuais” (HALL, 2014, p.21).

Se os processos sociais são inerentes a qualquer indivíduo, os estudos se voltam não para a

formação das sociedades por meio do indivíduo, mas sim para a subjetividade do indivíduo a

partir de suas relações sociais. Para Hall, esse modelo “sociológico interativo” (p. 21) entre o

público e o privado é o que surge na primeira metade do século XX, no mesmo momento em

que “um quadro mais perturbado e mais perturbador do sujeito e da identidade estava

começando a emergir dos movimentos estéticos e intelectuais associado com o surgimento do

Modernismo” (HALL, 2014, p. 21).

Para explicar sua concepção de sujeito pós-moderno, Hall afirma que a identidade na

modernidade tardia 47 teve como consequência o descentramento (ou deslocamento) do

indivíduo. Sua proposta é mostrar como as ideias de essência, razão e consciência humana

seriam abaladas pelas novas propostas de deslocamento de conceitos estruturalistas; dentre os

cinco descentramentos que Hall propõe, em três o autor se utiliza da tríade estruturalista

(Marx, Freud e Saussure) para explicar que a busca por uma estrutura que não está embasada

na essência humana acaba por abalar a ideia de sujeito moderno. Rejeitando a essência

humana, retira-se dele a ideia de um sujeito racional constituído de uma identidade unificada.

O primeiro descentramento apontado por Hall está na leitura da teoria marxista a partir de

1960. Ao entender que o indivíduo não teria como ser autor de uma história a não ser por

meio de sua condição histórica e dos meios que lhe eram acessíveis48, desloca-se a noção de

um sujeito constituído de ação individual, no sentido de que as relações sociais são colocadas

como as agentes da história. Ao fazer isso, Marx desloca a noção da essência do sujeito, o

47Para o autor, a modernidade tardia está situada historicamente na segunda metade do século XX. Essa concepção de Hall parece estar em combinação com as ideias de Rothier (2014, p.19), que caracteriza a modernidade tardia como uma elucidação teórica para explicar as noções, no Brasil, sobre como a arte e política “apresentaram respostas tardias e periféricas à cristalizada noção de moderno”. Para Rothier, a noção de modernidade tardia começa a ser designada para o momento histórico a partir dos anos de 1940, tendo suas manifestações apresentadas, também, no cinema, na literatura e na música brasileira. 48 Hall (2014) cita Marx: “homens fazem a história, mas apenas sob as condições que lhes são dadas”. A partir desse ponto, Hall explica: “Seus [de Marx] novos intérpretes leram isso no sentido de que os indivíduos não poderiam de nenhuma forma ser os ‘autores’ ou os agentes da história, uma vez que eles podiam agir apenas com base em condições históricas criadas por outros e sob as quais eles nasceram, utilizando os recursos (materiais e culturais) que lhes foram fornecidos por gerações anteriores” (p.22).

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que, para Hall (2014, p. 23), é fator de impacto “considerável sobre muitos ramos do

pensamento moderno”.

O segundo descentramento que Hall indica é o da teoria do inconsciente de Freud;

para ele, Freud apresenta uma nova estrutura que funciona de maneira diferente daquela

constituída da razão iluminista:

A teoria de Freud de que nossas identidades, nossa sexualidade e a estrutura de nossos desejos são formadas com base em processo psíquicos e simbólicos do inconsciente, que funcionam de acordo com uma “lógica” muito diferente daquela da Razão, arrasa com o conceito do sujeito cognoscente e racional provido de uma identidade fixa e unificada - o “penso, logo existo”, do sujeito de Descartes. Esse aspecto do trabalho de Freud tem tido também um profundo impacto sobre o pensamento moderno das três últimas décadas [anos 1960, 1970 e 1980]. (HALL, 2014, p. 23).

Fazendo a relação do pensamento de Freud ao estádio do espelho de Lacan, para quem

o desenvolvimento da criança não se dá “naturalmente” a partir de sua própria consciência,

mas sim a partir da projeção de um outro, Hall pensa na subjetividade como processos

psíquicos providos pelo inconsciente. Assim, os sentimentos contraditórios de um sujeito são

carregados por toda sua vida e, mesmo descentrado e composto por múltiplos sujeitos, o

indivíduo “vivencia sua própria identidade como se ela estivesse reunida e ‘resolvida’, ou

unificada, que ele formou na fase do espelho” (p.24). Portanto, para o autor, a identidade se

constitui como processos inconscientes e não inatos e conscientes, quebrando a lógica de uma

identidade como algo constituído no nascimento para dar lugar a uma identidade como um

processo infindável ao longo da vida, de maneira que, psicanaliticamente, tem-se sujeitos em

constante transformação, “construindo biografias que tecem as diferentes partes de nossos

‘eus’ divididos numa unidade porque procuramos recapturar esse prazer fantasiado da

plenitude” (HALL, 2014, p. 25).

O terceiro descentramento do sujeito apontado por Hall está na teoria de Saussure, que

consiste na ideia da língua como um sistema social e, portanto, preexistente ao indivíduo.

Sob nenhuma forma, o indivíduo consegue fixar um significado a uma palavra; pelo contrário,

o indivíduo se utiliza da língua para produzir significados disponibilizados pelas regras

linguísticas, bem como pelo sistema de significados da cultura do indivíduo.

Falar uma língua não significa apenas expressar nossos pensamentos mais interiores e originais; significa também ativar a imensa gama de significados que já estão embutidos em nossa língua e em nossos sistemas culturais (HALL, 2014, p.25).

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Hall afirma que os significados das palavras não são fixos, isto é, o significado das

palavras podem mudar (e serem múltiplos) a partir das relações que ele tem com outras

palavras dentro da língua. Ao citar Lacan49, o autor faz uma relação da língua com a

identidade entendendo que o indivíduo não consegue fixar o significado de uma palavra em

função de sua relação com outras palavras dentro do código, e isso se dá, também, no

significado de sua identidade. Como “nossas afirmações são baseadas em proposições e

premissas das quais nós não temos consciência” (HALL, 2014, p. 26), o significado da

palavra escapa frequentemente, fazendo com que sua busca por identidade seja perturbada.

Há mais dois descentramentos que Hall propõe para o sujeito: o quarto seria o “poder

disciplinar” de Foucault, que mantém as atividades do indivíduo sob controle e o disciplina a

partir do poder dos regimes administrativos que regulam a conduta do sujeito. Para Hall

(2014), a particularidade do ponto de vista sobre o sujeito moderno a partir do poder

disciplinar é a sua capacidade de, por meio de instituições coletivas, promover a

“individualização” do sujeito: “quanto mais coletiva e organizada a natureza das instituições

da modernidade tardia, maior o isolamento, a vigilância e a individualização do sujeito

individual” (p.27).

O último descentramento de Hall está no feminismo, que pertence aos movimentos

sociais dos anos 60. Dentre várias contribuições desse movimento para o descentramento do

sujeito está no fato de que esses movimentos refletiam um enfraquecimento de classes

políticas de massa e dava abertura para pensamentos políticos fragmentados em diferentes

movimentos sociais. Assim, uma vez que os movimentos tinham como bandeira diferentes

causas e identidades sociais50, o que se tem como resultado é o surgimento do que Hall

caracteriza como “política de identidade”, de maneira que há uma identidade para cada

movimento.

O que Hall tenta mostrar é sua concepção de um sujeito pós-moderno que tem sua

identidade descentrada (ou fragmentada)51 a partir de uma série de eventos provindos da

modernidade tardia e da pós-modernidade. Assim, o autor afirma que se deve pensar esse

sujeito descentrado colocado em questão quando se trata de seus identidades culturais, de

maneira a entender como as identidades culturais estão sendo impactadas pela globalização, 49 Hall (2014, p. 25): “Observe-se a analogia que existe aqui entre língua e identiddade. Eu sei quem ‘eu’ sou em relação com ‘o outro’ (por exemplo, minha mãe) que eu não posso ser. Como diria Lacan, a identidade, como o inconsciente, ‘está estruturada como a língua’”. 50 Hall (2014, p.27) afirma que cada causa tinha como base a identidade social dos sustentadores dos movimentos. “[…] o feminismo apelava às mulheres, a política sexual aos gays e às lésbicas, as lutas raciais aos negros […]”. 51 O autor parece utilizar os dois termos sem distinção.

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como um movimento contemporâneo fundamental para se pensar a política, a cultura, a

economia e o meio ambiente.

3.2.2 Identidade nacional e mercado: o projeto de nação brasileira

A ideia de nação surge a partir do século XVIII como necessidade para afirmar a

organização política dos Estados em formação, que, além de demarcar fronteiras por meio de

instituições culturais (OLIVEN, 1992), também se constitui a partir da lógica da

representação (HALL, 2014, p.30). Para representação, assume-se aqui que a nação pode ser

entendida como um sistema de representação cultural, de maneira que indivíduos que

nasceram dentro de uma determinada fronteira (em âmbitos legais, geográficos, ou seja,

institucionalizados) poderiam ser representados a partir de uma identidade única que

caracterizasse uma identidade nacional.

Essa identidade não é só construída pelas instituições que limitam as fronteiras de uma

nação. Além das instituições culturais – como um sistema educacional nacional e o ensino de

uma língua vernácula, por exemplo –, a noção de nação é capaz de produzir sentidos que

promovem uma unicidade entre os cidadãos de uma mesma sociedade. Mesmo que os

indivíduos dessa nação não se conheçam, eles “carregam” a ideia de que há muito em comum

entre eles e todos os membros da “nação” (ANDERSON, 2008, p.32); e é essa uma das

características que faz com que Benedict Anderson (2008) considere a nação uma

comunidade imaginada. Assim, essa forma moderna cultural52 é capaz de produzir sentidos

com os quais os “pertencentes” a um conjunto de símbolos se identifiquem e reforcem seu

pertencimento nacional.

Para Anderson (2008), as origens da consciência nacional se apoiam na emergência do

regime capitalista: “por que a nação se tornou tão popular dentro desse tipo de comunidade?

Evidentemente, os fatores são múltiplos e complexos, mas podemos sustentar com fundadas 52 Hall e Anderson concordam com a nação como uma forma moderna: Hall (2014, p.30) afirma: “A lealdade e a identificação que, numa era pré-moderna ou em sociedades mais tradicionais eram dadas à tribo, ao povo, à religião e à região, foram transferidas, gradualmente, nas sociedades ocidentais, à cultura nacional”. E Anderson (2008) partilha da mesma concepção: “A realeza organiza tudo em torno de um centro elevado. Sua legitimidade deriva da divindade, e não da população, que, afinal, é composta de súditos, não de cidadãos. Na concepção moderna, a soberania do Estado opera de forma integral, terminante e homogênea sobre cada centímetro quadrado de um território legalmente demarcado” (p.48).

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razões que o principal deles foi o capitalismo” (p.71). A lógica do capitalismo, para o autor,

está presente, por exemplo, no interesse pela venda de obras literárias que agradassem a um

número maior possível de leitores (ou melhor, compradores).

Ao explicar que a emergência língua vernácula53 é uma condição que auxiliou na

construção da nação moderna, percebe-se que a “montagem” de vernáculos impressos pelas

editoras, “reproduzidas mecanicamente, capazes de se disseminar através do mercado” (p.79),

relatam a presença da imprensa no sistema de bens simbólicos que constituem a memória da

nação. Oliven (1992), por exemplo, afirma que a memória e a identidade nacionais estão

ligadas a um certo grupo detentor de uma autoridade legitimada por sua posição. Esse

processo, que não é consensual, tem como interferentes o Estado, meios de comunicação de

massa e intelectuais, diferenciando, assim, a memória coletiva da memória nacional: enquanto

a memória coletiva leva adiante os saberes e as memórias de um grupo popular em particular,

a memória nacional, por sua amplitude e generalização, se constitui como um discurso mais

próximo do ideológico54.

Hall (2014), que também trabalha a partir da ideia de nação como uma comunidade

imaginada, trata a cultura nacional como um discurso, que é “um modo de construir sentidos

que influencia e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos”

(p. 31). Assim, mais que pensar em processos ideológicos, cabe aqui entender que na

identidade nacional há uma proposta, a partir de uma lógica capitalista e, assim, em prol do

poder, de propor ao discurso da nação certa unicidade genérica, e que parte da premissa da

representação tanto quanto possível, de maneira a tentar possibilitar uma identificação por

parte dos cidadãos, que se reconhecem como membros dessa comunidade imaginada. A

língua, as leis, as fronteiras geográficas não parecem ser as únicas a construírem o sentimento

de nacionalidade no sujeito; esse sentimento parece estar ligado aos discursos sobre a

memória nacional de um passado real ou imaginado, pois “a nação que ser quer moderna e

53 Anderson (2009) cita três fatores que impulsionaram a revolução vernaculizante capitalista. O primeiro seria uma mudança no latim, que se afastava gradativamente da vida cotidiana dos leitores. O segundo foi a Reforma; as publicações de Martinho Lutero em alemão eram, de acordo com Anderson, responsável por 1/3 do mercado editorial da Alemanha entre 1518 e 1525 (p.74). O terceiro fator foi a difusão “lenta e geograficamente irregular de determinados vernáculos como instrumentos de centralização administrativa, por obras de certos monarcas bem posicionados com pretensões absolutistas” (p.75). 54 Sobre ideologia, Oliven (1992) tece suas considerações: “[…] quando se examinam ideologias, é muito frequente apontar, além dos aspectos de falseamento da realidade, o seu anacronismo. É como se uma ideologia, além de conseguir inverter a realidade, ainda o fizesse com ideias superadas pelo tempo. Mas, na medida em que uma ideologia se mede pelo seu poder de produzir discursos que repercutam no imaginário social, isso significa que se uma determinada ideologia é eficaz ao trabalhar com noções aparentemente obsoletas, na verdade a anacronia está apenas na mente do pesquisador e não da dos agente sociais. Uma ideologia é bem sucedida na medida em que consegue dar a impressão de unificar os interesses de diferentes grupos sociais” (p.21).

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liberta da antiga ordem social religiosa e aristocrática é obrigada a lançar mão da tradição

para justificar-se” (OLIVEN, 1992, p.21).

A tradição e o culto ao passado, como quer Oliven (1992), podem ser relacionados a

uma narrativa que conta a nação para o sujeito. A partir dessa mesma lógica, é possível

entender porque Hall (2014) propõe um pensamento sobre uma narrativa da nação. Essa

narrativa é recontada e controlada; está presente na cultura popular, na literatura, na cultura de

massa e em diversos outros símbolos e rituais nacionais que compõem discursos que dão

sentido à nação. Essas histórias falam sobre os triunfos e as derrotas, sobre os eventos

históricos, todos eles que são capazes de construir sentidos compartilhados pelos cidadãos de

uma nação. De acordo com Hall, essa narrativa dá “significado e importância à nossa

monótona existência, conectando nossas vidas cotidianas com um destino nacional que

preexiste a nós e continua existindo após a nossa morte” (2014, p. 31).

Sob a perspectiva da nação como uma comunidade imaginada e como uma narrativa, o

conceito de nação pode ser insuficiente para definir um povo, justamente porque a nação está

dentro de um projeto de modernidade que, a princípio, se faz excludente e homogeneizador.

Ora, mas se a própria modernidade é paradoxal, como a nação poderia ser um conceito

definitivo e fixado? Assim, para procurar entender a complexidade e os contornos obscuros

da nação, deve-se entender a complexidade do próprio projeto de modernidade.

Apresentando a perspectiva de Eric Hobsbawn sobre a história da nação contada a

partir da margem, Homi Bhabha (1998) faz sua leitura sobre os discursos das margens da

nação, “em meio a essas solitárias reuniões de povos dispersos, de seus mitos, fantasias e

experiências [em que] emerge um fato teórico de importância singular” (1998, p.198), de

maneira a deixar obscuros os contornos da “comunidade imaginada do povo-nação” (p. 99).

Sua proposta é ver a nação a contrapelo, percebendo as formas obscuras da nação ocidental a

partir da presença dessas “margens culturais”. Assim, se é possível perceber, hoje, a

modernidade a partir de um olhar para o passado, é percebe-se as articulações das diferenças

presentes na modernidade, que caminham, paradoxalmente, com o projeto de grande

industrialização e modernização. E se o projeto da nação é distintivamente moderno (HALL,

2014, p. 30), a identidade nacional parece ter, em sua construção, traços tanto de alteridades

como um desejo de unificação de discurso. As alteridades, porém, desaparecem na unificação

que os discursos sobre a nação propõe e, assim, é nesse sentido que o projeto de nação é um

projeto de poder.

A modernidade é tema de grandes discussões de estudiosos das ciências humanas. O

presente, que permite o lançar de um olhar distanciado para o passado, não parece, contudo,

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responder todas as questões que acercam a questão da modernidade, hoje percebida como

paradoxal. Os tempos modernos, da reprodutibilidade técnica como forma de progresso e a

luz para o anônimo como a suposta grande ruptura do movimento modernizador trazem para a

modernidade uma densidade maior ao debate, revelam a complexidade deste tempo.

O entendimento da modernidade como um paradoxo é, para Compagnon (1996, p.9),

iniciado no momento em que a modernidade, aos olhos da burguesia, se tornou uma tradição:

Segundo a etimologia, tradição é a transmissão de um modelo ou de uma crença, de uma geração à seguinte e de um século a outro: supõe a obediência a uma autoridade e a fidelidade a uma origem. Falar de tradição moderna seria, pois, um absurdo, porque essa tradição seria feita de rupturas. É verdade que essas rupturas são concebidas como novos começos, invenções de origens cada vez mais fundamentais [...]. Na medida em que cada geração rompe com o passado, a própria ruptura constitui a tradição. Mas uma tradição da ruptura não é, necessariamente, ao mesmo tempo um negação da tradição e uma negação da ruptura?

Para apresentar os paradoxos da modernidade, Compagnon faz uma leitura dos séculos

XVIII e XIX a partir de Baudelaire55. Entre os quatro principais traços que ele identifica

como os da modernidade, alguns conseguem captar a ideia do moderno que começa a se

apresentar antes mesmo do fim do século XVIII, como, por exemplo, o fragmento; o detalhe

pintado em detrimento ao universal, para Compagnon, se situa em um contexto social e

político que muda a visão do universal para o fragmento, de maneira a trazer, também, a

referência do popular. Além do fragmento na pintura, Compagnon também identifica a

insignificância como traço da modernidade, que remete à ridicularização do ideal clássico de

composição, “benefício de uma imagem grotesca e de um corpo monstruoso”

(COMPAGNON, 1996, p. 29). Assim, a insignificância expressa como traço do moderno

provoca no leitor a possibilidade de ele mesmo dar sentido ao que vê. Um dos últimos traços

que o autor consegue trazer como elementos que vão compor a estética moderna é a

autonomia do artista, que não reconhece nada extrínseco a sua obra e, assim, “[...] nenhum

código nem assunto e que deve, pois, fazer ela mesma suas regras, modelos e critérios” (p.

29). Essa autonomia, também expressa em Bourdieu, se relaciona intimamente com a

insignificância - ou perda de sentido da obra –, de maneira a permitir o grande passo da arte

que ainda será moderna, que é situar a arte na representação e não no objeto a ser

55 Em seu livro, Compagnon consegue perceber os elementos marcantes do moderno a partir do que ele chama de “equívocos” de Baudelaire, expressando que a leitura do poeta em relação ao que é moderno, numa perspectiva que talvez o presente não o tenha permitido saber como o moderno seria entendido no final do século XX.

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representado, podendo, assim, trazer os temas de sua escolha, ‘representando’ a vida “vulgar”

e “baixa” do mundo moderno.

Em sua pesquisa, Compagnon nos mostra uma relação muito forte entre o que se

chama de verdadeira arte dos produtos culturais. Ao citar Adorno, o autor consegue, por meio

de seus exemplos a partir das vanguardas mais conhecidas, do impressionismo e simbolismo

ao surrealismo, uma relação muito forte com o que chama de o novo:

[...] o imperativo de novidade é também o do mercado capitalista. O critério da arte moderna parece, pois, semelhante ao do mercado, porque a obra de arte é uma mercadoria. O artista, que se opõe ao burguês, depende do mesmo modo de produção, e não percebemos haver grande esperança para ele, nem para a arte, de escapar à alienação capitalista (COMPAGNON, 1996, p.61).

Ao falar de Adorno e sua recusa aos produtos da indústria cultural, bem como a

diferenciação que Adorno tenta fazer entre os produtos de mercado para os da “verdadeira”

arte, Compagnon critica essa diferenciação mostrando que, talvez, o novo da arte

“verdadeira” teria como novo o mesmo que a arte mercantil. Enquanto o novo da mercadoria

se embasa na surpresa, no sentido de que o novo apreciado pelo burguês não está tão

relacionado à novidade histórica quanto à novidade anedótica – e, aqui entende-se que o novo

apresentado na mercadoria pode ser o arcaico relido e configurado para o mercado -, o novo

da arte “verdadeira” não estaria, na verdade, se utilizando de uma aparência do novo, ou

melhor, uma renovação técnica dentro do mesmo gênero narrativo? A questão que aqui se

coloca é relacionada à paradoxal utilização do arcaico pelos pensadores do modernismo

artístico56.

As leituras dos movimentos de vanguarda pautados em referências arcaicas, que

começaram a ter mais abertura teórica e de pesquisa nos anos de 198057, são também

estudadas por Garramuño (2009), estudiosa da modernidade e que também se identifica com o 56 Um dos exemplos que mais explicam essa relação ambígua entre o arcaico e o novo é quando Compagnon utiliza o processo de criação de Mondriant. Suas obras, altamente futuristas, remetem a uma explicação, escrita pelo próprio artista, de que suas obras possuem caráter místico e, para Compagnon, isso “nos parece, retrospectivamente, em completa harmonia com o racionalismo e o funcionalismo do começo do século XX” (COMPAGNON, 1996, p. 71). 57 Hernandez (2010, p.33), ao falar sobre os novos métodos de pesquisa para desmistificar informações incorporadas pela academia como “verdades” no que se refere à crítica sobre os movimentos modernistas, diz: “A nova abordagem historiográfica não só permitiu resgatar artistas que tinham sido relegados a um segundo plano – alguns pela nacionalidade, outros pela fatura (é isso?) de suas obras ou pelo aparente tradicionalismo dos seus temas -, como também enriqueceu com olhar renovado, o estudo dos consagrados”. Rothier e Souza (2014, p.16) também são adeptas dessa posição de hoje no que se refere à possibilidade de revisitar o modernismo longe de uma perspectiva binária: “a legitimação das vanguardas como única maneira de se pensar no novo e no moderno criou limites e barreiras para a compreensão do movimento modernista na sua plena visibilidade e nas suas contradições. As tensões da modernidade poderão ser explicadas pelo diálogo entre vanguarda e tradição à medida que não se privilegia uma em detrimento da outra”.

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conceito de paradoxo da modernidade, chamando de modernidade primitiva. Enquanto

Compagnon tece seus comentários a partir dos paradoxos percebidos na arte moderna

europeia, o texto de Garramuño tem a atenção voltada para o projeto de nação tanto do Brasil

quanto da Argentina. Seu texto, que fala especificamente sobre o tango e o samba para

esclarecer seu pensamento sobre a modernidade, denuncia as problemáticas no que tange à

nacionalização e à modernização da cultura latino-americana:

Trata-se de uma paradoxal – num primeiro olhar, combinação de sentidos entre o primitivo e o moderno, já que, nessas decidas de intensa modernização [1920 e 1930], são precisamente os traços mais primitivos e exóticos que serão enfatizados ao se ressaltar as características nacionais do tango e do samba. (GARRAMUÑO, 2009, p. 13)

Pode-se perceber, no Brasil, principalmente entre os anos 20 e 3058, um movimento

que une o primitivo e o moderno a partir do momento em que, no Brasil, é justamente um

alçar e do popular e da cultura brasileira que compõe a modernidade, juntamente com o

projeto de nação. Nesse período, a valorização da cultura popular como a “verdadeira”

cultura brasileira é um dos traços presentes no projeto de nação, fazendo com que as camadas,

até então invisíveis, também se identificassem à brasilidade. Garramuño explica como se

coloca a relação tanto paradoxal quanto inespecífica da modernidade primitiva: ela entende

que, mesmo sendo paradoxal, a modernidade primitiva não refuta a unidirecionalidade do

movimento para a modernidade e para a modernização, uma vez que o primitivo também

possui sua condição de “originária”, o que denuncia, também, o atraso das modernidades

latino-americanas no que tange à tecnologia.

Rothier e Souza (2014, p.16) também parecem concordar com esse lugar da

modernidade brasileira, cujas delimitações dos cânones modernistas parecem excluir ou, pelo

menos não dar o devido valor, aos deslocamentos temporais devidos à heterogeneidade

cultural. Para as autoras, “a defasagem temporal e o atraso, longe de se constituírem fatores

58 Garramuño se atém à modernidade brasileira a partir dos anos 20 e 30. Porém, é importante perceber que os esforços para que o Brasil fosse percebido por seu povo como uma nação começou a partir da proclamação da independência no país, em 1822. Até 1889, o Brasil imperial iniciava suas tentativas de unificação da nação a partir da unificação das terras. O sentimento de pertencimento a uma nação, como a identidade nacional, não era presente entre os povos, a ver pelas severas lutas de cunho separatista que ocorreram entre 1831 e 1840, como a Sabinada e o movimento Farroupilha, cuja premissa era o sentimento de pertencimento local e não nacional. Foi somente a partir dos conflitos com países da fronteira, como a Guerra do Paraguai, em 1864 a 1870, que símbolos nacionais – como a bandeira e o hino nacional, bem como a figura de um imperador – foram inseridos no projeto de unificação da nação. A partir dos anos de 1900, com os movimentos modernistas e com os eventos que se seguem, que o país começa a ganhar, por parte do povo, um sentimento de identidade nacional a partir da mercadorização dos símbolos nacionais.

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negativos para o avanço da cultura, são vistos como produtores do novo imaginário latino-

americano”.

Se Compagnon teve que fazer uma releitura de Baudelaire e Nietzsche para entender o

paradoxo entre o arcaico e o moderno na pintura modernista europeia, Garramuño precisou

analisar o movimento modernista no Brasil para entender que a arte sempre foi objeto sujeito

à mercantilização. Ela afirma que foi a partir da hibridização e dos conflitos entre o arcaico e

o moderno, que essa modernidade tardia trazia ressignificações em relação ao arcaico e ao

local para um projeto de modernização urbana, tecnológica, industrial e de unificação de um

produto nacional. Rothier e Souza (2014, p.14) também explicam:

como a exigência de desenvolvimento coincidiu com a constituição do Estado moderno, alguns rumos da arte nova tomaram a si a incumbência de delinear os traços característicos da cultura nacional. Em vez da pátria ideal que os escritos propunham à sua nação (recentemente unificada ou tomada autônoma) durante o século XIX romântico, buscava-se, no pragmático e questionador século XX, avaliar a ordem sociocultural vigente no país e indicar a revisão de rumos e a radicalização de propósitos.

O que se tem como modernidade no Brasil está mesclado em relações entre a

historiografia oficial de uma nação unificada por um projeto rumo à modernidade tecnológica

e urbana e as manifestações artísticas que traziam à luz a vida rural, o anônimo do sertão e da

roça, mesclando, se não fragmentos, diferentes identidades que passariam a compor a

memória do nacional.

Assim, sem a intenção de evocar os cânones do movimento de vanguardas e longe de

discutir e problematizar os limites traçados pelos mesmos para a compreensão de uma leitura

do que ficou às margens das vanguardas, pretende-se, somente, assumir que a modernidade,

no Brasil, tomou formas híbridas e conflituosas entre o rural e o urbano, entre o primitivo e o

moderno. Também tenta-se entender que essas relações de conflito entre um e o outro foram

definitivas para a hibridização dos objetos culturais, o que se torna muito claro na literatura

dos anos 40 e que permeia os anos seguintes, de maneira a ter consequentes influências nos

produtos da indústria cultural.

A importância disso é o início de uma trajetória que traz a cultura como mercadoria, o

que é fator decisivo para a construção da identidade nacional pela qual o Brasil passa a partir

dos anos 20:

trata-se da intensiva mercantilização pela qual passará a cultura durante esses anos, associado às dramáticas consequências tanto para as linguagens artísticas, como para a construção de uma identidade nacional (GARRAMUÑO, 2009, p. 107).

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Essa mercantilização da arte, como anteriormente explicado, se dá pela tentativa de

uma arte para exportação, devidamente reconhecida no exterior como brasileira. Para

Garramuño, essa relação de entre-lugar, (aqui, citando Silviano Santiago), da arte de

vanguarda brasileira estabelece uma característica popular importante para o movimento da

indústria cultural no Brasil. No último parágrafo do capítulo O Exterior na Forma,

Garramuño cita Thomas Crow, que analisa a relação entre a arte moderna e a indústria de

massa. Em seu texto esclarecedor, Garramuño ensaia que a vanguarda acaba por encontrar

um lugar de intermediação entre a “alta” e “baixa” cultura, uma vez que muitos símbolos

populares foram utilizados de maneira apelativa pelo movimento modernista, de maneira a

operar o que a autora chama de “fetichização da nação”.

A relação entre os bens culturais no Brasil e a arte eram muito próximas. Se o

universo artístico da Europa moderna dos anos 20 se encontrava na crítica à industrialização

dos bens simbólicos, como ressalva Adorno à indústria cultural, no Brasil não há tanta

diferenciação entre a arte como autônoma e a produção dos bens culturais. Ortiz (1988)

afirma que a literatura no Brasil, pode ser um bom exemplo dessa diferença entre a

modernidade europeia e a brasileira; para o autor, a fragilidade do capitalismo foi um fator

determinante para que o mercado de bens simbólicos se iniciasse de maneira humilde no

Brasil. Se unirmos as características do capitalismo tardio e frágil no Brasil com as

características das vanguardas brasileiras acima citadas, entende-se que os lugares do

pensamento sobre a arte do “belo” em oposição à produção de massa não tem as mesmas

faces que o modernismo europeu. Além disso, a difícil disseminação dos bens simbólicos

conferem, também, uma ideia obscura de meios de comunicação de massa destinados ao

“popular”; nessas contradições da modernização brasileira, há uma confusão nas diferenças

entre os campos culturais.

No que se refere às produções culturais, Ortiz (1988) explica:

Se nos remetermos à análise de Sartre, vemos que as mudanças estruturais para as quais ele apontava somente se concretizam tardiamente entre nós, a literatura se definindo mais pela superposição de funções do que pela sua autonomia. Uma decorrência desse processo cumulativo de funções é a fraca especialização dos setores de produção cultural (p.26).

Ortiz salienta que até a década de 20, a literatura e o jornalismo se confundiam, de

maneira que a linguagem dos noticiários remetia a uma “empolgação” particular59. O autor

conta que somente a partir dos anos 40 que o Brasil passa a desenvolver uma Ciência Social 59 Em relação à linguagem utilizada pela imprensa, Ortiz se apoia nos estudos de Werneck Sodré.

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autônoma (1988, p.27), ou seja, é somente a partir dos anos 40 que a sociologia pode ser

considerada um “saber racional que se volta para a interpretação e a pesquisa da sociedade”

(p.27). Para Ortiz, isso expressa a impossibilidade de uma arte autônoma no Brasil.

Sobre a dificuldade de formação de públicos de leitores no Brasil, Ortiz explica que o

analfabetismo trouxe um fenômeno inverso ao da indústria cultural na Europa; enquanto a

imprensa europeia e a produção de literatura se disseminava entre o povo, o desenvolvimento

da imprensa, mais especificamente da literatura, estava mais voltado para a burguesia do

Estado. Assim, quando Ortiz (1988, p.28) afirma que “as relações do intelectual com o seu

público se iniciaram pelo mass media”, ele entende que a literatura se difunde e tem sua

legitimação por meio da imprensa em função da credibilidade e prestígio do jornal no Brasil.

Esse movimento ocorre de maneira semelhante com a televisão. Como mostra Ortiz

(1988, p.29), “um grupo de pessoas marcadas por interesses da área ‘erudita’ se volta, na

impossibilidade de fazer cinema, para a televisão e desenvolve o gênero do teleteatro”, o que

desenvolve no Brasil a dramaturgia voltada para a televisão: a teledramaturgia. Enquanto o

autor percebe algo de positivo nesse fenômeno na televisão brasileira, que é a possibilidade de

dar espaço para determinados grupos culturais em algumas situações usufruírem da ficção,

por outro lado o autor percebe a dependência de uma lógica capitalista por parte dos

intelectuais que se utilizam da televisão para fazer “arte”, trazendo, assim, contornos acríticos

para as produções culturais.

A partir dessas considerações de Ortiz, percebe-se que a modernização se constituiu

no país com poucos questionamentos, mesmo por aqueles intelectuais de vanguarda. Uma

vez que muitos deles se utilizavam dos meios de massa, suas críticas foram, no mínimo,

menos ferozes do que na Europa. Percebe-se, então, como o capitalismo é sempre ponto de

debate quando se fala em produção cultural; e esses bens simbólicos, que fazem parte dos

símbolos da memória da nação, parecem estar sempre interpelados pela base capitalista de

produção. Contudo, o que Ortiz (1988) afirma é que, no Brasil, a ideia de sociedade industrial

não possuía o mesmo formato da sociedade industrial europeia.

A base capitalista tem uma relação especialmente forte com a rádio e com a televisão

no Brasil. No caso brasileiro, a construção de uma identidade nacional foi um projeto intenso

dos anos 30 aos 50, quando o Brasil ainda era marcado pelas culturas locais e, com a

emergência de um Estado-Nação, seria esperado que os meios de comunicação fossem, na

época, promissores para a expansão de uma identidade unificada e nacional. Para Ortiz

(1988), o que aconteceu foi uma presença do discurso unificador na educação escolar; a

disciplina de educação moral e cívica tinha como objetivo construir as noções de identidade

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nacional por meio da educação pedagógica. Porém, o Estado Novo não parecia trazer para os

bens culturais a proposta de unificação. Ao discutir as relações do Estado Novo com os meios

de comunicação de massa, ele percebe certa timidez por parte do governo na implementação

da política de edificação da cultura de massas por meio da radiodifusão, bem como a difusão

do cinema e da televisão. Não que o Estado Novo não tenha promovido a expansão dos

meios de comunicação de massa no Brasil; pelo contrário, foi o período de grande difusão dos

meios de comunicação, que passavam a impactar grande parte do território brasileiro. Porém,

a participação do Estado na difusão dos meios de comunicação se dá no âmbito financeiro e

não no âmbito cultural. O que Ortiz define por timidez é a fraca implementação de um

sistema nacional de radiodifusão que fundamentassem valores ideológicos difundidos para

propor a construção de uma sociedade; em vez disso, o que ocorreu no Brasil foi um

crescimento do rádio comercial, o que ocorreu, também, com a televisão (ORTIZ, 1988,

p.52).

O que explica essa contradição é o alto custo para a implementação, por exemplo, da

televisão no Brasil. Muito mais interessante que o Estado promover esse desenvolvimento

financeiramente é a promoção de emissoras comerciais que possuem espaços publicitários

vendidos às indústrias, também crescentes no país, como estratégia de comunicação para

expansão de seus negócios. Portanto, tem-se a difusão da televisão no país em uma teia

complexa em que o Estado Novo participa de maneira tímida no âmbito cultural, mas muito

presente ao promover o capitalismo em sua fase mais avançada. Isso acabou por permitir que

as produções televisivas e de outros meios de comunicação se mantivessem na mesma lógica

empresarial das indústrias. E isso é o que Ortiz considera quando fala da “despolitização das

massas”. Por exemplo, quando discorre sobre as práticas da imprensa no Brasil, ele explica

que, no início, elas obedeciam “imperativos políticos”, mas que houve uma reorganização da

imprensa a partir dos imperativos comerciais. Se antes a existência da imprensa era um ato

político, como uma ideia de “missão” do jornalismo, por exemplo, inverter a lógica da

produção a partir das necessidades do público “implicava num processo de despolitização da

concepção de como se fazer um jornal” (ORTIZ, 1988, p. 152). Assim, com base na proposta

de eficiência comercial, o que aconteceu foi um afastamento dos dirigentes dos meios de

comunicação de massa de qualquer questão problemática que viesse a interferir no lucro e na

expansão da empresa em si.

Há que se entender que a lógica das produções culturais se construíram de tal forma no

Brasil que há contornos diferentes entre a ideia de alta e baixa cultura quando se fala de

produção brasileira. Como citado no capítulo anterior, à televisão, tinha acesso somente a

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elite brasileira no começo de sua expansão pelo território nacional. Mas, com o rápido

crescimento das vendas do aparelho televisivo, a “popularização” de sua programação se

modificaria a partir das demandas de mercado.

Além da relação comercial entre os produtos culturais, é importante lembrar a

constante relação com outras culturas que foram estabelecidas ao longo do processo de

modernização no Brasil, a ver pela mudança de orientação eurocentrista para a americana nos

anos 40 no Brasil. A partir dessa década, os produtos culturais americanos não só passaram a

ter seu potencial de consumo pela população brasileira como também inspiram os campos da

literatura, da publicidade, da música e do cinema na questão técnica e na linguagem. Sobre o

tema, é possível fazer considerações sobre o que Hall (2014) define em relação ao processo de

globalização, que deslocou as identidades culturais, mais nitidamente ao fim do século XX.

Por globalização, entende-se os processos que atuam num âmbito global, “que

atravessam fronteiras nacionais, integrando e conectando comunidades e organizações em

novas concepções de espaço-tempo, tornando o mundo, em realidade e experiência, mais

interconectado” (HALL, 2014, p. 39). Essa interconexão pode ser o motivos pelo qual as

identidades nacionais não mais são comportadas por uma ideia totalizante. Mas, se nos

voltarmos para a modernidade a partir dos estudos de hoje sobre a mesma, pode-se perceber

que a nação como uma ideia totalizante parece ser um projeto que não se concretizou. Ao

pensar sobre a modernidade pautada no capitalismo, vê-se que os Estados-nação como projeto

podem não ter sido tão bem sucedidos em criar uma identidade nacional única não

problemática: “[...] o capital nunca permitiu que suas aspirações fossem determinadas por

fronteiras nacionais” (HELD, 1979, p.19, apud HALL, 2014, p.39). Vê-se que, se por um

momento o capitalismo deu ao Estado-nação as condições para caminhar a favor da

institucionalização de suas fronteiras e de unificação de sua cultura, o capitalismo também

promove uma integração global, possibilitando o consumo de bens culturais de outros lugares.

Para Hall, essa característica contraditória do capitalismo está na raiz da modernidade.

O que interessa no processo de globalização é entender que, em primeiro lugar, o que

é dito sobre globalização, que não se pode chamar de fenômeno recente, pode ser percebido

no processo de modernização no Brasil a partir das falas de Garramuño e de Ortiz. Hall

(2014) argumenta que os processos de globalização promovem reforços de outras “lealdades

culturais, acima ou abaixo do Estado-nação” (2014, p. 42). Então, quando Garramuño fala do

samba como mercadoria tipo-exportação e apresenta as intenções dos modernistas em tanto

vender sua arte como também aprender com os grandes artistas da Europa, esse processo de

globalização pode ser percebido nesses aspectos. O mesmo se dá pela radiodifusão e pela

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televisão no Brasil com a influência dos folhetins europeus, com a aceitação dos produtos

culturais americanos nos anos 40 e os seriados hollywoodianos dos anos 50 e 60.

Em segundo lugar, e o mais importante aqui, é que a globalização é um processo que

possibilita consequências que Hall percebe de três maneiras: uma é a possível desintegração

das identidades nacionais a partir do crescimento de uma cultura homogênea global; outra é

uma resistência à globalização, o que promove um reforço das identidades “locais”; e uma

última é a emergência de identidades híbridas, em contrapartida a um declínio das identidades

nacionais.

Quando se trata de homogeneização global, Hall (2014) a afirma como uma “língua

franca” na qual se baseia o consumo de produtos culturais dispostos na vida social; seja por

meio de imagens, por meio da mídia, por meio das relações com pessoas de lugares

diferentes, as identidades se tornam flutuantes, de maneira que os produtos disponíveis para o

consumo possam ser distribuídos para promover o consumismo global, pois esses produtos,

de alguma forma, “se encaixam” nas diversas identidades e tradições. Salienta-se, porém, que

essa homogeneização não tem o sentido de totalização ou unificação; ao mesmo tempo em

que se cria um espaço cultural, cria-se um “mundo de instantaneidade e superficialidade em

que os horizontes espaço-tempo foram comprimidos e desmoronaram” (HALL, 2014, p. 43).

Nesse sentido, a globalização compreende um espaço descentrado, em que as alteridades e as

diferenças são existentes, mas resolvidas a partir da lógica do consumo.

Contudo, a globalização acaba por exercer a função de contestadora das identidades

centradas em uma cultura nacional, deslocando as mesmas para o que mais convém ao

consumo dos bens culturais. Para Hall, a consequência desse movimento é a descentralização

e pluralização das identidades, que, como dito antes, são identidades múltiplas e simultâneas,

de maneira que não mais se confere ao sujeito uma identidade central, mas sim inúmeras

identidades conflitantes e concordantes, a partir da localização momentânea do indivíduo.

Se o capitalismo está no caminho da multinacionalidade – se já não estamos

totalmente inseridos na condição multinacional, de maneira que traz todos os produtos

culturais para sua lógica – ao indivíduo cabe consumir aquilo com o que se identifica e, por

isso, o indivíduo constituído de múltiplas identidades acaba por ser mais lucrativo para uma

lógica de consumo. Isto é, diante de um suposto apagamento de alta e baixa cultura e da

emergência da cultura comercial, pode-se entender o descentramento do indivíduo como parte

de uma lógica pós-industrial e pós-moderna? O pós-moderno, seria, então, uma afirmação do

capitalismo como uma dominante? Se o capitalismo interpela todas as mudanças de estrutura

social e política, como o pré-moderno para o moderno e, em seguida, de um moderno para um

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pós-moderno, o que ocorreu foi uma democratização da arte afinal? Parece que a produção

estética, integrada à produção de mercadorias é consequência da velocidade industrial

necessária para manter a economia crescendo e não uma democratização, onde todos teriam

um lugar de enunciação em igualdade. O que parece ser a democratização da arte da qual

Benjamin fala na era da reprodução mecânica está mais próxima de uma lógica comercial, em

que as diferenças e alteridades são bem vindas, mas somente no âmbito do consumo. Longe

de terem uma missão política, elas estão disponíveis no que Hall (2014, p.43) chama de

“supermercado cultural” .

Sendo assim, que sentidos, para esse indivíduo do consumo e descentrado, os

símbolos nacionais podem construir? Pensa-se no objeto de estudo As Brasileiras inserido no

debate sobre a identidade nacional anteriormente estudada. Como é contada a narrativa da

cultura brasileira e como essa narrativa pode estar inserida na perspectiva pós-moderna, se

está? É possível perceber traços de uma identidade nacional, que tenta se reforçar no seriado.

Esse reforço para retomar o Brasil nação como comunidade imaginada, traz as noções de

brasilidade presentes no seriado como mercadorias para vender o ainda Brasil. Partindo da

premissa de que, uma vez mercadorizados, os símbolos culturais estão dentro de uma lógica

da representação da brasilidade, como esses símbolos estão presentes no objeto As

Brasileiras?

Assim, deve-se retomar a ideia de representação. Antelo (1991, p.10) entende a

representação como um interdito, de maneira que a identidade está num lugar “entre-dois”.

Para o crítico, “a representação exige uma prática de leitura, prática que renova o conflito

entre universalismo e historicidade, entre o duradouro mundo do texto e o contingente mundo

do leitor” (p.10). Se contingente é pensado como casual e imprevisível, pensa-se em como a

representação toma um lugar de contradição, conflito e, ao mesmo tempo, de construção de

sentidos para os indivíduos sobre o mundo. A posição de Antelo, referindo-se ao texto

literário, é a de que a leitura de um texto concebida como universal não se aplica, pois “ler

implica o diferendo” (p.10). Isso significa que ler da forma que lemos é um processo que está

na articulação do sujeito com o tempo e o espaço, com a história. Se se traz o pensamento de

Antelo para a discussão da representação no audiovisual, muda-se a palavra “ler” para a

palavra “ver” e o problema se mantém: ver implica o “diferindo”, no sentido de que acreditar

numa linguagem universal, num sistema de representação comum a ser visto (lido) por todos

da mesma maneira não se faz possível, pois, para Antelo (1991, p. 15),

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Este dispositivo imaginário, o que representa nossa identidade enquanto grupo plural, vindo de lugares teóricos, sociais e culturais divergentes, nos forneceu um esquema de interpretação uma codificação de expectativas, certa fusão de experiências.

Portanto, Antelo (1991, p.16) pretende propor uma visão crítica das representações:

“praticar uma vontade consequente de suspeita que nos levasse a encarnar dessemelhanças

como exame crítico das representações sociais”, entendendo a representação como uma

atividade de interpretação.

3.2.2.1 A Selvagem de Santarém e a representação da nação

Para Sperber (1991), quando se fala de identidade e de representação, fala-se da

sociedade e de sua aparição nas artes (para ela, a criação literária). Assim, discutem-se aqui

quais são as tentativas de representações que o seriado As Brasileiras propõe. Partindo da

dificuldade da representação que realize um “reflexo fiel” da sociedade, tem-se a questão que

Sperber (1991, p.74) traz: “resta saber se a representação representa a realidade, ou a imagem

que dela se faz”. Quais imagens são apresentadas em As Brasileiras? Numa primeira visada

e na perspectiva do mercado, parece que as personagens são reduzidas a estereótipos já

conhecidos pelos espectadores da produção da indústria cultural.

Uma possibilidade de análise vem do episódio A Selvagem de Santarém. A história se

inicia um pouco diferente dos outros episódios: quem parece ser o protagonista é um homem,

Diogo, um produtor que, ao ganhar um prêmio por seu filme, decidiu usar o dinheiro do

prêmio para produzir um documentário e, assim, procura pela floresta amazônica provas da

existência das amazonas antropófagas. A cena explica a trama para o espectador: Diogo

encontra um desenho de uma cobra entalhado na árvore, desenho esse que, na diegese, é o

símbolo da tribo das amazonas. Durante a cena, o protagonista, ao encontrar a margem do

rio, se depara com a índia amazona saindo do rio. A cena em que a índia aparece é editada

em slow-motion, em que, inicialmente focada na água do rio, a câmera parada mostra,

lentamente, a índia saindo da água, iniciando pelo rosto e abrindo para o corpo, que se levanta

lentamente e olha fixamente para o protagonista.

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Primeiro, é interessante perceber que esse é o único episódio em que a “brasileira

representada” não é a personagem principal do episódio. Isso pode ser consequência do

discurso sempre marginal sobre o índio, em que o branco e o cristão sempre são colocados

como ponto de referência. Diferentemente dos outros episódios, a história é contada a partir

de um homem, ou seja, um homem branco falando de um índio.

Mariano (2006), em seus estudos da representação sobre os índios nos livros didáticos

brasileiros, percebe que eles ganharam, ao longo do tempo, espaço para que suas alteridades

sejam corpo de estudo nas escolas. Porém, o que a preocupa é como essa imagem do índio é

construída a partir dos livros; na primeira metade do século XX, o índio é retratado de

maneira marginal, negativa e que representa sua resistência ao progresso da nação. A partir

da segunda metade do século XX, os índios são representados pela imagem de cordial no

primeiro contato com o europeu, e hoje a condição do índio é representada pelos livros

didáticos como melancólica, a partir das dificuldades de sua dinâmica cultural em relação ao

mundo modernizado, indicando a impossibilidade de acompanharem o progresso.

Notoriamente, não se pretende aqui fazer uma relação entre as práticas didáticas da educação

brasileira, mas tem-se como consideração a proximidade do discurso aprendido em sala sobre

o índio e aquele que o seriado propõe no início do episódio: a história dessa índia, uma

brasileira, uma personagem que representa a brasilidade, por ser índia, é coincidentemente a

única a não ser a protagonista da história. Isso pode ser percebido como a prática moderna do

discurso sobre o índio, às margens de uma civilização e sua história sendo contada a partir do

homem “civilizado”.

A personagem feminina faz parte de uma tribo cuja lenda é a de índias canibais. As

lendas sobre as amazonas são muitas; há indícios de lendas sobre as amazonas na mitologia

grega e, no Brasil, ela tem como foco índias guerreiras que, ao engravidarem de um homem,

elas o matavam e continuavam a viver em uma sociedade exclusivamente feminina. A tribo

desse episódio, porém, trouxe a história de outra maneira: as índias caracunamaí são

antropófagas e comem a carne do homem após terem relações sexuais. A índia é representada

por meio dos símbolos conhecidos pelo espectador: cabelos longos e escuros, pele vermelha,

com adornos de flores em seus cabelos. Seu corpo está coberto nas partes mais íntimas e seu

rosto era decorado com linhas vermelhas no rosto, como uma pintura indígena feita com

urucum. Na cena, a índia carregava uma lança adornada com penas. A imagem que

representa a índia no episódio não perece ser fiel a algum tipo de pesquisa antropológica ou

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etnográfica: a índia do episódio mais parece se aproximar da imagem da índia promovida pelo

discurso dominante e incorporado pela indústria cultural60.

Garramuño, quando estuda a presença do “selvagem” na modernidade brasileira,

mostra que, mesmo quando o selvagem é apresentado de maneira negativa ou positiva61, ele

está presente a partir do deslocamento:

É o deslocamento que, juntamente com o estar deslocado, com signos positivos e negativos, parece marcar não apenas uma figura da modernidade brasileira, mas especialmente um programa de produção dessa modernidade no território brasileiro (GARRAMUÑO, 2009, p.207).

A presença do índio na literatura proposta no indianismo no século XIX, que “supunha

a ‘reconstrução’ de um passado mítico” (GARRAMUÑO, 2009, p.206), bem como na

literatura do século XX, que “implica uma mudança que se orienta em direção ao futuro”

(p.206) parece funcionar como uma figura deslocada do cenário, onde se percebe uma

permanente diferença entre o urbano e o primitivo. Assim, além de perceber que o

primitivismo é uma marca da cultura brasileira em seu processo de modernização, percebe

que sua função na modernidade brasileira está para além da proposta de uma construção de

uma identidade nacional, mas, também, para a construção de uma modernidade nacional62,

uma modernidade diferente daquela europeia, uma modernidade “fora de lugar”. Mas aqui

(interessando especificamente a questão da identidade, esse fora de lugar, tanto da

modernidade brasileira como da presença índio como primitivo de maneira deslocada na

literatura brasileira), é importante ater-se ao fato de que, longe de ser um ato político, o índio

na televisão não está presente para discutir seu lugar numa certa centralidade. Pelo contrário;

60 É possível perceber os mesmos elementos nas fantasias à venda nos carnavais, bem como em novelas da Rede Globo, como pode ser percebido no programa do Vídeo Show disponível em: http://globotv.globo.com/rede-globo/video-show/v/video-show-relembra-os-indios-da-tv/1371121/. Acesso em: 01 de abril de 2015. 61 Garramuño (2009) mostra as diferenças da presença do índio como selvagem na fala de Olavo Bilac como negativa: “Na citação de Bilac [ver p.207], o postulado da deslocação é claro: é o ‘carroção naquele amplo boulevard’, em que não apenas o carroção naquele está fora de lugar no boulevard, mas é também o próprio significante boulevard que aparece na escrita como marca de algo proveniente de outro espaço – outra língua – perceptível no uso do itálico” (p.207). A autora também traz, em seu texto, expressões do primitivo como algo positivo, como considera a literatura de Gilberto Freyre. 62 Muitas obras literárias poderiam auxiliar esse debate em novas pesquisas. Dentre elas, cita-se Macunaíma, de Mário de Andrade, sob a perspectiva da construção de uma modernidade nacional a partir do indianismo romântico. Garramuño (2009) é uma das autoras que estabelece a obra do autor como importante para a noção de uma construção da modernidade propriamente brasileira. Dá-se, aqui, atenção à leitura da autora em relação ao episódio da onça parda, de Macunaíma, que demonstra, além de um caráter primitivo como aquele que representa a identidade brasileira, uma leitura que permite perceber a modernidade brasileira a partir de um programa primitivista: “Na lenda da onça parda e nessas outras figurações da modernidade no texto, o programa primitivista funciona para deslocar e desestabilizar a ideia de que a máquina e a tecnologia – a modernidade – vinham da Europa. Mais do que funcionar como construção de uma identidade nacional, o primitivo apresenta nessa constante deslocação uma imagem da modernidade brasileira” (GARRAMUÑO, 2009, p. 216).

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seu deslocamento encontrado na literatura modernista sempre supôs a presença de um

civilizado e isso parece ter servido de base para o índio “representado” na televisão, este

esvaziado de alteridades e preenchido com símbolos já “conhecidos” pelos espectadores para

que haja uma imediata identificação do símbolo com o que sabe sobre o que é ser um índio.

Assim, a abordagem sobre o que índio parece se restringir ao que já se convencionou como a

imagem do índio brasileiro a partir de um discurso dominador, isto é, o índio sob os olhos do

“branco civilizado”. Assim, tem-se o estereótipo do índio na televisão, apresentados por

elementos como a pintura do corpo, no rosto, os verbos na fala do índio sem conjugação e,

também, a “prática canibal” como aqueles tão recorrentemente utilizados pelo audiovisual.

O personagem documentarista Diogo, deslumbrado, vai atrás da índia, que some pelas

águas. Ao reencontrá-la, a vê seminua, de costas, exibindo o símbolo de sua tribo, mas

voltando seu rosto para Diogo. Ver o símbolo nas costas da índia anuncia seu pertencimento

à tribo que Diogo procurava. Ao ver que a índia mergulhava novamente na água, ele decide

fotografá-la. Ele entra na água e se aproxima da índia. O narrador da série, de maneira

irônica, explica os sentimentos de Diogo:

Quando ele viu aquela pintura, achou que merecia um documentário de cada região da geografia dela. Diogo percebeu que Araí [que é o nome da índia somente agora apresentado ao espectador], era a prova da existência de Deus. E como um bom cristão, começou a catequese e o esforço civilizatório. Mas acabou educando mal a menina da selva.63

Na cena em que Araí está se banhando no rio, percebe-se referências sobre a índia

selvagem de Gilberto Freyre (2006): “doidas por um banho de rio onde se refrescasse sua

ardente nudez [...] (p. 71). É possível perceber, na primeira cena em que a Selvagem de

Santarém aparecer, a imagem que será feita dela: a índia ardente e selvagem que encantaria o

branco, ou os ““Caraíbas” gulosos de mulher” (p.71).

Enquanto o narrador avisa ao espectador sobre o “esforço civilizatório”, a índia tenta

morder as mãos de Diogo, que tira rapidamente sua mão e os dois acabam rindo da situação.

Ao perguntar se ela falava a língua dele e se ela era da tribo Caracunamaí, ela responde:

“Araí, caracunamaí, Diogo”. E a índia continua: “Araí índia criada por branco. Quando

tinha 11 anos, amazonas pegaram Araí. Botaram marca. Araí quer fugir”.

63 As citações retiradas do seriado estão colocadas em itálico para diferenciá-las das referências teóricas e críticas.

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Figura 2: Imagem de Araí se banhando no rio.

Fonte: Blog Séries que eu amo. Disponível em: http://3.bp.blogspot.com/-7_Tzvm-

iY3o/UAyYIK8DmlI/AAAAAAAAR14/Vf4rpqhw0jk/s1600/Suyane+Moreira+as+brasileiras+daniel+filho.jpg. Acesso em: 20 de Abril de 2015.

A história continua: a índia Araí confessa para Diogo que quer fugir da tribo, pois não

quer mais “comer homens” e, para isso, Araí precisa da ajuda do documentarista. Durante a

conversa, os dois são surpreendidos por outras índias da tribo e Diogo é atingido com uma

lança na cabeça. A cena muda para tribo; Diogo está deitado em uma rede, com a índia Araí a

seus pés. A cena é dentro de uma oca. Ao ser avisado por Araí que Diogo seria servido como

banquete para as amazonas, e que ele precisaria taurê64 antes de morrer, que o narrador

explica para o espectador o que significa:

Claro que Diogo estava apavorado com a ideia de morrer, mas gostou desse papo de “taurê”. O herói tava louco pra aprender a conjugar o verbo “taurar”: eu “taurei”, tu “tauraste, ele “taurou”. Enquanto Araí tentava brincar de “taurê” com Diogo, as amazonas juntavam tempero pra fazer um sarapatel dele.

64 Assume-se a escrita taurê para a palavra, pois não foi possível encontrar um semelhante para qualquer tipo de idioma indígena. Presume-se que a palavra foi criada pelos roteiristas e, portanto, a escrita aqui é feita a partir de uma transcrição da cena.

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É importante lembrar que o relacionamento de uma índia com um branco não é

novidade nos produtos culturais brasileiros. Na época do indianismo, José de Alencar já

narrava a história da virgem dos lábios de mel com o português Martim. A relação do branco

com a índia faz com que a paixão intensa leve Iracema para o litoral do Ceará. Mesmo que

não seja possível dizer que o episódio tem o romance de José de Alencar como inspiração, a

relação a ser feita está clara. A história do episódio, até o momento, é quase uma paródia do

amor entre a índia e o branco em Iracema.

Diogo, ajudado por Araí, consegue fugir da tribo e de ser morto pelas índias canibais,

mas promete voltar para buscar a índia e também salvá-la da tribo. Ao chegar a seu hotel,

Diogo é recebido por um colega do documentário. E, assim, o narrador nos avisa:

Chegando à civilização, logo Diogo pensou num pretexto ecológico para ver de novo a sua deusa da selva.

Interessa salientar a presença do “civilizatório” no discurso do narrador. Percebe-se

que, no discurso anterior, ele trata a “civilização” e a catequese juntos, como se a educação

para o cristianismo fosse o caminho para civilizar o selvagem. No segundo discurso, o

narrador trata a volta de Diogo ao hotel como a volta à civilização. A passagem do narrador

que avisa que Diogo, “como um bom cristão, começou a catequese e o esforço civilizatório,

mas acabou educando mal a menina da selva” pode ser uma referencia à colonização que,

para Freyre, foi marcada primeiramente pelo “colapso da moral católica” (p.178),

possivelmente por uma intoxicação do branco em função do “ambiente amoral de contato

com a raça indígena” (p.178). O processo civilizatório no episódio tem as referências que

reforçam o domínio do branco sob os índios que, “sob pressão moral e técnica da cultura

adiantada, esparrama-se a do povo atrasado” (p. 177). A índia selvagem do episódio

pertencente a uma tribo considerada lenda, é a minoria que faltava ser dominada pelo branco.

Nas duas passagens apresentada acima, em que o “civilizatório” aparece, percebe-se

ainda a presença do discurso dominante: Araí é a selvagem canibal e Diogo é o branco

civilizado: a natureza, lugar da cena em que aparece a índia, é seu habitat, desprovido de

tecnologia e exuberante elementos exóticos. De maneira dicotômica, o ambiente civilizado é

um hotel de luxo, em que os brancos são servidos por empregados que muito parecem

descendentes de índios65. Nessa perspectiva, o índio, mesmo inserido no ambiente civilizado,

65 Ao longo do episódio, descobre-se que um dos falsos índios que irão compor a cena final é o recepcionista do hotel em que Diogo e seu amigo Furtado estão hospedados.

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não ocupa um “lugar de prestígio” como o do branco. O índio, no hotel, continua fazendo o

que os indígenas fazem no discurso dominante: servindo os brancos. Em relação à índia, uma referência à Gilberto Freyre pode ser percebida. Os

elementos descritos pelo autor na construção de uma identidade do índio estão presentes na

lança, no “canibalismo [...]; colares de dentes humanos, ligaduras decorativas para o corpo,

fusos atravessados no nariz, chocalho atada às pernas, pintura elaborada do corpo [...]”

(FREYRE, 2006, p.165) e, também, na rede “em que se embalaria o sono ou a volúpia do

brasileiro” (p.163). No que tange às práticas sexuais, as considerações de Freyre (2006,

p.161) também estão presentes como referências que podem ser percebidas:

As mulheres eram as primeiras a se entregarem aos brancos, as mais ardentes indo esfregar-se nas pernas desses que supunham deuses. Davam-se ao europeu por um pente ou um caco de espelho.

O episódio não tem a intenção de problematizar a questão do índio. Ele não parece

questionar o lugar do índio como um lugar sob o domínio do branco. A diversidade não está

presente no sentido de que o seriado, como um documentário, “apresentaria” ao expectador as

alteridades da identidade indígena. Pelo contrário, numa proposta de pensar a representação

da brasilidade e da identidade do índio, o indígena está ainda sob o controle de um discurso

dominante. A fala de Gilberto Freyre, que enaltece o dominador e reduz o índio a um ser não

civilizado, ignorante, selvagem, está presente em toda a trama, a ver pelo próprio nome do

episódio. O discurso sobre o índio é um discurso existente há muito tempo; seus

comportamentos e adornos exóticos, seu canibalismo, sua selvageria e o sexo compõem o

discurso de seu dominador.

Essa condição não pode ser vista como ingenuidade, pois, como quer Juliano (2008,

p.22), deve-se pensar a televisão e a indústria cultural para além da acusação de proporcionar

entretenimento, contrapondo-se à arte séria, pois “o entretenimento pode ser visto como

adesão de um sujeito que se entrega à sensação proporcionada pelo que vê. É esse sujeito

‘distraído’ que está apto a ressignificar mitos e tradições”.

O episódio continua: ao querer voltar para resgatar sua índia amada, Diogo chama um

outro amigo para ajudar a voltar para a selva. Eles voltam acompanhados de amigos para

conseguir entrar na tribo. Mas os amigos foram capturados pelas amazonas antropófagas, que

os levaram para a tribo. Mas, em uma reviravolta da trama, Diogo conhece o pajé da tribo,

que é branco. Com a intenção de conseguir retirar a tribo de onde ela está, por causa das

condições precárias de saúde que a índias se encontravam, o pajé avisa a Diogo que, se ele

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fizesse um pagamento naquele momento, ele salvaria Diogo e seus amigos de serem mortos.

Diogo aceita e, após fazer uma transferência do dinheiro de seu prêmio para o pajé da tribo,

ele é atingido por um golpe na cabeça e desmaia.

A próxima cena é de Diogo e seus amigos acordando na tribo já deserta. Diogo e seus

amigos, então, decidem sair rapidamente do local e correm para o hotel em que estão

hospedados. Lá, Diogo reencontra seu amigo, que ele achava que havia morrido na tribo.

Mas o narrador denuncia o que aconteceu:

Aí caiu a ficha: Diogo viu que era tudo armação do Furtado [seu amigo]. Também, era só ligar o nome à pessoa.

E seu amigo confessa que a tribo, na verdade, era um parque temático e que ele

precisava do dinheiro, que Diogo transferiu para o suposto pajé, para botar seu parque em

prática. E os dois brigam por causa do dinheiro. E, assim, Diogo percebe que a índia, na

verdade, era uma atriz. Ela se defende e explica que seu sonho era ser atriz e precisava provar

seu talento. Enfim, eles resolvem suas desavenças e a cena fecha com um beijo. E assim,

Diogo tem uma ideia.

A última cena se inicia na tribo, com todos os falsos índios dançando, junto com os

amigos de Diogo, os exploradores da floresta. O narrador nos explica:

O herói largou o documentário e partiu para a publicidade. Aí, Diogo sacou que a realidade é só uma alucinação por falta de fantasia. Ele podia fazer do Pará o cenário cinematográfico do seu amor com Araí, onde a Eva, em vez da folha de parreira, podia encarnar todas as mulheres do mundo. E viu que aqueles primeiros viajantes que chegaram ao Brasil tinham razão: ele tinha encontrado o paraíso.

Agora que a trama foi contada, pensemos nas personagens na perspectiva de “ausência

de psicologia”, que Martin-Barbero (1997) entende por esquematização. Eles são reduzidos a

estereótipos que facilmente são reconhecidos: o herói, o bobo, a heroína. Eles estão lá.

Porém, é preciso perceber que não há um vilão, no sentido maniqueísta, na narrativa. A trama

surpreende quando o herói larga seu sonho de documentarista e aceita de bom grado a ideia de

Furtado, seu falso amigo, em relação ao parque temático. A estrutura melodramática presente

na trama ganha contornos que possibilitam novas maneiras de significação; o vilão e o herói

não são óbvios desde o início e a reviravolta da história também não parece suficiente para

esclarecer os papéis de vilão e herói. Assim, não há como se indicar vilão e herói nesse

episódio.

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No que tange à polarização das personagens, que Martin-Barbero (1997) entende

como o maniqueísmo do melodrama na divisão das personagens entre o “bem” e o “mal” ou,

como quer Huppes (2000), “a virtude” e o “vício”, não estão organizados de maneira tão

óbvia. Enquanto o “vilão” Furtado se mostra falso e manipulador no final do episódio, sua

revelação se faz de maneira cômica, o que para o espectador pode não parece algo tão

dramático e cruel. Além disso, ao longo do episódio, ele se mostra como o “malandro” que

também é “camarada”, numa espécie de malandro que Cândido (1970) estrutura em A

Dialética da Malandragem: “as pessoas fazem coisas que poderiam ser qualificadas como

reprováveis, mas fazem também outras dignas de louvor, que as compensam. E como todos

têm defeitos, ninguém merece censura” (p.84). Nesse sentido, as personagens Diogo e

Furtado estão dentro da lógica representacional: sem muita complexidade, facilmente eles se

encaixariam nos moldes do melodrama, mas, ao mesmo tempo, a falta de rigidez maniqueísta

permite que as personagens se aproximem de “pessoas comuns” (JULIANO, 2008, p.28).

É importante, ainda, ressaltar no episódio que, de maneira mais direta, ele pode ser

relacionado com a problemática da representação. É possível perceber que eixo do episódio

está na relação entre realidade e ficção. Essa relação é tratada, primeiramente, com a índia

que descobrimos ser atriz. Em segundo, na relação documentário/publicidade. Essa relação,

inclusive, é delatada pela fala do narrador, que mostra ao espectador a representação como

farsa de Furtado e a decisão de Diogo de “partir para a publicidade”. O narrador, nesse

momento, denuncia ao espectador todo o esforço da indústria cultural em se apoiar na

imagem do índio sob a perspectiva da modernidade em função da lógica capitalista. A índia

no episódio, é produto do espetáculo, tão convincente, que enganaria o documentarista.

Ao final do episódio, podemos conferir uma espécie de auto-reflexividade às avessas.

Sarlo (1997) explica que a auto-reflexividade é um efeito que a televisão proporciona ao

espectador; ela está mostrando ao público como a televisão é feita. No caso do final desse

episódio, o espectador, que já sabe como a televisão se faz, vê o parque dentro de um cenário

de filmagem que, antes mesmo de o narrador explicar a ele o que está acontecendo, ele já

poderia entender que tudo que estava ali era um cenário cinematográfico. Mas, mais

importante do que discutir a aparição dos cenários, deve-se entender como isso pode

denunciar os esforços da indústria cultural na arte da representação.

A indústria cultural se desenvolveu e se expandiu graças a sua posição comercial e

conservadora, utilizando-se, muitas vezes, de estereótipos do discurso de modernização a

favor da audiência e, consequentemente, do capital. A crítica a isso, porém, é feita dentro do

próprio episódio; numa postura quase que pós-moderna, o episódio provoca ranhuras no

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discurso sobre a modernidade e sobre o capitalismo, como foi anteriormente explicado por

meio das leituras de Debord e de Susan Buck-Morss. A televisão abre suas portas para que o

espectador veja que, em nome do mercado, os bens simbólicos estão no jogo de

representação.

Quando o herói Diogo desiste de seu documentário e parte para a publicidade, ele abre

mão da ideia de representação. A personagem nega a possibilidade de representação do

“real”, pois, como o narrador avisa ao espectador, Diogo percebeu que “a realidade é só uma

alucinação por falta de fantasia”. Se a realidade é uma alucinação, o referente é, também,

pura interpretação. Assim, em vez de identidades, o que há é somente uma narrativa, um

discurso sobre a identidade, sobre a realidade. O narrador, nesse sentido, coloca a realidade e

a ficção no mesmo patamar, fazendo com que as “representações do real” sejam mais

próximas das representações da imagem do real, ou como Jameson (2007, p.45) declara, o

simulacro de Platão, “a cópia idêntica de algo cujo original jamais existiu”. Para o autor, a

cópia, que tem como sua base a imagem na cultura do simulacro, é tão dominante que o

“valor de uso se apagou” (Idem, p.45).

Atrelando pensamentos, quando Jameson (2007, p.44) explica o simulacro a partir da

norma do modernismo reduzida ao “discurso neutro e reificado pelas mídias”, o pastiche é

consequência do descentramento do sujeito, vinda de um condição pós-moderna e, antes

disso, pós-estruturalista66, pois é a partir do pós-estruturalismo e de sua crítica à hermenêutica

que ocorre o que o autor qualifica como “sintoma bastante significativo da cultura pós-

moderna [...]” (Idem, p.40). No caso das críticas pós-estruturalistas, o que se tem como

resultado é uma substituição dos modelos chamados por Jameson (2007) de “modelos de

profundidade” pela superficialidade ou, melhor dizendo, as múltiplas superfícies da pós-

modernidade. Diante disso, o que Hall (2014) define como “pluralização” das identidades e

infindáveis possibilidades de identificação, para Jameson (2007, p.45) é a ascensão de um

retorno constante à história, mas não de maneira que as referências históricas estejam claras e

venham como forma de redenção ao mundo de hoje; pelo contrário, a flexibilidade das

“normas” modernistas permite que as práticas da pós-modernidade transformem o “original”

66 Quando aqui é citado o pós-estruturalismo, entende-se que esse revisão teórica permitiu pensar os objetos a partir da negação de postulados teóricos estruturalistas, a ver pelo que Jameson (2007, p.40) identifica como modelos fundamentais “repudiados pela teoria contemporânea”: “1) o dialético, da essência e da falsa consciência; 2) o modelo freudiano do latente e do manifesto, ou da repressão […]; 3) o modelo existencialista da autenticidade e da inautenticidade […] e 4) mais recentemente a grande oposição semiótica entre significante e significado […] (Idem, p.40). Percebe-se que o pós-estruturalismo tem como atividade negar as dicotomias e, assim, negar as essências. O pós-estruturalismo, portanto, é visto aqui como uma crítica à metafísica e à essência, sendo, então, uma crítica à existência de uma identidade, em que a “profundidade é substituída pela superfície” (Idem, p.40).

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histórico em imagens de si, a partir do “vício” dos consumidores pelos simulacros. A

“realidade como alucinação” na fala do narrador, portanto, denuncia (de maneira crítica ou

não) a condição pós-moderna da cena: a índia, assim como a tribo, é um simulacro de uma

índia original que nunca existiu a não ser por imagem que se construiu dela.

A índia, no episódio, engana o branco. Ela o engana pelo sexo, pelo desejo; o desejo

do branco pela índia acaba por cegá-lo. A índia usa dessa sexualidade, de sua nudez, discurso

esse conhecido há tempo sobre as relações de amor que “foi só o físico” (FREYRE, 2006,

p.162). Porém, quando a índia se revela, ela não assume certo protagonismo: em vez de

mudar o discurso dominador, ela se assume como produto do espetáculo. A falsa índia se

revela a partir de um discurso já autorizado pelo espetáculo. Araí é o espetáculo pelo qual o

branco, como um espectador menos crítico ou emancipado, se apaixona. Este protagonista,

desavisado, demonstra toda sua ingenuidade ao não se dar conta que está fazendo o papel de

comprador do espetáculo.

3.3 UM NARRADOR NA TELEDRAMATURGIA

O seriado As Brasileiras tem, como figura recorrente em todos os seus episódios, um

narrador onisciente que interfere apresentando o enredo em cada episódio e, em muitos

momentos, opinando sobre a história. Esse narrador, que por meio de seu discurso aparenta

saber de sentimentos, acontecimentos e pensamentos íntimos das personagens da série,

conduz o espectador a certos entendimentos sobre a história a ser contada na narrativa, bem

como é também por ele se tem reforço à ideia de nação e brasilidade, que se vem discutindo

nesse capítulo. A importância do narrador, nesse seriado, pode ser percebida sob algumas

funções por ele exercidas: primeiro, tem-se o narrador na função de unificação dos episódios

em um seriado, ou seja, fazer com que o público identifique o seriado através do narrador.

Isto é, aquele que liga a televisão e ouve a voz do narrador saberia que se trata daquele

programa, daquele seriado. A segunda função que se pode indicar seria a da unificação do

discurso: que melhor alternativa para falar de brasilidade e unificar a narrativa do “gigante

brasil” a não ser por um “grande narrador”, orgulhoso de ser brasileiro? Além das imagens,

da música e da ação dos personagens, tem-se o narrador que, num discurso de brasilidade,

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enaltece as belezas do país, as formas culturalmente incorporadas ao “ser brasileiro”, como o

“jeitinho”, por exemplo – em outras palavras, um ufanista. Uma terceira função seria a de

garantir sucesso de audiência. No seriado, é facilmente identificável a voz de Daniel Filho:

produtor reconhecido no mercado do audiovisual brasileiro, também produtor e diretor do

seriado, proprietário da produtora que idealizou o projeto. A lógica do mercado que escolhe

as atrizes pode ser a mesma que escolhe o narrador: a grande visibilidade do artista e diretor

de teledramaturgia, Daniel Filho.

Figura 3: Daniel Filho entre algumas artistas do seriado.

Fonte: Site da celebridade Xuxa. Disponível em: http://www.xuxa.com/noticias/pagina/331/a-fofoqueira-de-

porto-alegre. Acesso em: 20 de Abril de 2015.

É preciso considerar as noções de narrativa/narrador dos autores Walter Benjamin e

Silviano Santiago, de maneira a tentar aproximar os passos da crítica literária à análise da

teledramaturgia. Assim, buscam-se as possibilidades de discutir o narrador do seriado.

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3.2.3 O narrador benjaminiano

As primeiras palavras de Benjamin, no ensaio O narrador: Considerações Sobre a

Obra de Nikolai Leskov, indicam que o narrador não está presente entre nós. Perceber sua

existência somente se daria por meio de um “observador localizado numa distância apropriada

e num ângulo favorável” (BENJAMIN, 2012, p. 213). O fato de ser raro encontrar “pessoas

que sabem narrar” (p. 213) se dá pela experiência em vias de extinção; experiência essa que,

em seu texto Experiência e Pobreza, Benjamin melancolicamente denomina como aquela

“comunicada pelos mais velhos aos mais jovens. De forma concisa, com autoridade da

velhice, em provérbios; de forma prolixa, com sua loquacidade, em histórias [...]” (2012,

p.123).

Nesse sentido, o autor entende que a faculdade de trocar experiências por meio da

narração está em baixa (se não em vias de extinção, como ele mesmo propõe), processo esse

que se iniciou na Primeira Guerra Mundial, com a estratégia de guerra de trincheiras. Maria

Rita Kehl (2009, p.153), em seu livro O Tempo e o Cão, afirma, sobre o texto de Benjamin,

de que se trata de uma

reflexão sobre desmoralização da experiência na modernidade cujo pano de fundo não-declarado são as drásticas mudanças na temporalidade causadas pela predominância da técnica não apenas sobre outras formas de relação com a natureza, mas acima de tudo das relações entre os homens .

Também em Experiência e Pobreza, ao indagar “Quem tentará, sequer, lidar com a

juventude invocando sua experiência?” (p. 123), Benjamin relata uma enorme diferença de

mundos entre os idosos – aqueles que sabiam a arte de narrar e sabiam da vida antes da vinda

da modernidade – e os jovens, aqueles acometidos pelas vivências67 da guerra e do trabalho

seriado industrial.

Para Kehl, há duas hipóteses possíveis de entender o pensamento de Benjamin a

respeito da perda da experiência a partir do desenvolvimento monstruosamente acelerado da

técnica. Em primeiro lugar, está a capacidade de destruição da vida que esse

67 Sobre vivência, a explicação de Khel (2009) se faz pertinente: “A vivência corresponde ao uso que fazemos de grande parte do nosso tempo, sob domínio da vida produtiva nas condições contemporâneas. A que se deve a pressa do sujeito contemporâneo? Não ao valor que ele atribui ao seu tempo, como costumamos pensar, e sim, ao contrário, à sua desvalorização. Pouco se questiona a ideia de que o valor do tempo se mede pelo dinheiro” (p.161).

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desenvolvimento da técnica gerou a partir dos bombardeios aéreos, o que torna o treinamento

do soldado totalmente insignificante diante da magnitude desses ataques, o que gera um nível

de atenção e tensão tão elevados no soldado que fica reduzida à atenção de todos os tipos de

ruídos e “aos mínimos sinais de alteração da paisagem à sua volta e acima dele” (KEHL,

2009, p.155). Por outro lado, está a vivência cotidiana dos sobreviventes que, diante de um

mundo devastado e reconstruído, há a necessidade de diminuição da experiência por meio do

esquecimento do passado (uma vez que, a memória reminiscente de referências destruídas

seria, por demais, dolorosa) e a necessidade de uma consciência do ser humano de maneira

que este pudesse ser o mais produtivo possível dentro de uma sociedade em que a produção

em grande escala do mundo moderno se torna o novo paradigma das relações de trabalho.

Benjamin, a partir dessa visão sobre o passado, faz uma definição do narrado pré-

moderno como aquele que pauta da experiência de um discurso vivo, uma narrativa que dá, ao

narrador, uma característica desprovida de poder, uma vez que sua única característica que

merece mérito é que, uma vez, ele também foi um ouvinte de uma narrativa: essa narrativa se

baseia na experiência do homem, passada de boca em boca, movimentando, assim, os saberes

de uma sociedade. Benjamin faz sua explicação a respeito da arte de narrar: “a experiência

que passa de boca em boca é a fonte a que recorreram todos os narradores. E, entre as

narrativas escritas, as melhores são as que menos se distinguem das histórias orais contadas

pelos inúmeros narradores anônimos” (BENJAMIN, 2012, p. 214).

Essa narrativa, a qual se refere Walter Benjamin, portanto, está atrelada à Erfahrung,

que remete a uma coletividade, oriunda de um processo social também pré-moderno, cujos

sistemas de construção de uma sociedade se dá de maneira artesanal. Sua musa, nas palavras

do autor, é a memória (Gedächtnis); e a narrativa pré-moderna, longe de querer “transmitir o

‘puro em si’ da coisa narrada” (BENJAMIN, 2012, p. 221), não se esgota, sendo possível

desdobrá-la mesmo depois de muito tempo. Tem como sua companheira a interpretação, pois

o ouvinte é “livre para interpretar a história como quer, e com isso o episódio narrado atinge

uma amplitude que falta à informação” (BENJAMIN, 2012, p. 219).

Confere-se ao discurso de Benjamin uma característica não exatamente de autoridade

do narrador, mas sim de uma transmissão constante de “novas formas de”, como ele propõe

em outro texto, Sobre o Conceito da História, em que defende a necessidade o contar da

história “à contrapelo”, isto é, não contá-la a partir de somente uma perspectiva, sendo esta a

perspectiva “dos vencedores”.

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O cronista que narra os acontecimentos, sem distinguir entre os grandes e os pequenos, leva em conta a verdade de que nada do que um dia aconteceu pode ser considerado perdido para a história. Sem dúvida, somente a humanidade redimida obterá o seu passado completo. Isso quer dizer: somente para a humanidade redimida o seu passado tornou-se citável, em cada um dos seus momentos [...] (BENJAMIN, 2012, p. 242).

Esse conceito de história, que, consequentemente, recai sob a figura do narrador, está

fundado na redenção, que é o caminho para a felicidade, na visão do autor. É a partir da

apropriação de uma recordação no momento do perigo68 que se cria uma articulação com o

passado. Em outras palavras, atribuir ao passado memórias sem distingui-las como maiores

ou menores, isto é, não atribuir ao passado memórias classificadas entre os grandes e

pequenos acontecimentos, os fatos que devem e os que não devem ser contados, seria a

posição exigida do narrador que à contrapelo compartilha experiências. Assim, a extinção do

narrador se relaciona à geração que perdeu a faculdade de compartilhar essas experiências,

uma vez que as histórias contadas pelos livros, os grandes feitos, aqueles que expressam

somente as histórias “dos vencedores”, não competem com a experiência desse narrador que

conhece a história de boca em boca, que reproduz o miúdo da vida.

Uma aproximação disso com o próprio contexto histórico brasileiro é a proposta por

Juliano (2013) em relação aos regimes totalitários dos militares brasileiros na década de 80.

Para a autora,

um país, como o Brasil, que passou, reincidentemente, por ditaduras, é um país em constante crise de identidade, uma vez que sob estes regimes de governo não há valor no passado, e nem prospecção de futuro, que não seja aquela concebida pelo Estado. Nem individualmente, e nem no coletivo, os brasileiros sabem falar afirmativamente de si, e desta forma mantêm estreita dependência com o pai-Estado de onde emanam o saber e a ordem (JULIANO, 2013, p. 75).

Essa afirmação permite relacionar a extinção do narrador benjaminiano com o

contexto de, talvez, uma não identificação do brasileiro com os conceitos de nação e

brasilidade vindos de um Estado pouco preocupado com seu passado, ou melhor, preocupado

em esquecê-lo. Isso quer dizer que essa impossibilidade da história contada de boca em boca

se faz no Brasil diante da impossibilidade de contar as histórias por terem sido esquecidas.

Que experiências poderiam ser compartilhadas de boca em boca dentro de uma história

brasileira que, por ordens ideológicas, se recusa a ser contada? Juliano apresenta sua pesquisa

sobre os discursos vindos como tendência dos anos 80 no Brasil que “primavam pelo

68 Benjamin (2012) parece relacionar o perigo ao momento histórico pelo qual está passando, isto é, a expressão do fascismo em seus efeitos máximos.

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esquecimento, ou ao menos o aconselhavam, em nome de ‘um passado negro’, do qual a

sociedade brasileira nada tinha do que se orgulhar” (JULIANO, 2013, p.78). Esse

esquecimento, vindo de uma geração que não estava disposta a reconhecer o seu passado

negro, se assemelha ao que Kehl explica em seu texto “O Tempo e o Cão” (2009, p.157):

se a experiência não nos vincula ao patrimônio que herdamos, ele se torna um peso ou um adorno vazio. Nas primeiras décadas no século XX, o homem moderno já se sentia pressionado a estar sempre disponível para acolher o novo, fosse ele qual fosse.

Apesar da distância cronológica69, percebe-se uma conexão lógica com os dois

discursos das autoras: a impossibilidade de transmissão de experiência, que deixaria passar

através de gerações, histórias que refletiriam, assim, um lugar, uma partilha dentro da

sociedade estabelecida dentro de uma tradição, uma história vivida e não um discurso forjado

sobre a nação. Numa era de reprodutibilidade técnica, dos avanços tecnológicos vindos da II

Revolução Industrial, perde-se uma experiência no sentido de um lugar dentro de uma

coletividade possível de ser percebido a partir de experiências de nossos antepassados. Sem

essa transmissão da experiência a partir de um vazio, na história brasileira, o narrador se

encontra deslocado da tarefa de falar de um passado que identifique o ouvinte como

pertencente coletivo vivido, uma narrativa que permita ao brasileiro falar sobre si, individual

ou socialmente, uma vez que essas pessoas, “fatigadas com as complicações infinitas da vida

diárias, desgarradas da corrente geracional de transmissão da experiência, teriam se tornado

incapazes de entender o valor das coisas e o valor de si mesmas” (KEHL, 2009, p. 158).

Juliano continua seu pensamento a partir do presente indefinido e futuro incerto: uma

vez que a sociedade brasileira se vê impossibilitada de absorver, entender e reconhecer-se na

conturbada história ao longo das ditaduras pelas quais passou, “se vê atônita diante da falta de

parâmetros para se posicionar no pós-militarismo” (JULIANO, 2013, p. 78). Para a crítica, a

sociedade acaba por se ver à mercê de um “salto para a democracia nas mãos de alguém que

lhe dê as diretrizes” (p.78), pois não “toma para si a tarefa de se autodeterminar” (p.78).

Walter Benjamin fala de dois tipos de narrador, na perspectiva das narrativas que

recorrem à experiência passada de boca em boca: o camponês sedentário e o marinheiro

viajante. Enquanto o primeiro narra as experiências de sua vida e de outros em convivência

num mesmo local, o segundo se caracteriza pelas inúmeras histórias que traz de espaços

longínquos. Benjamin atribui o entendimento do narrar a partir do estudo da relação íntima

69 Juliano fala de um contexto dos anos 80 enquanto Kehl atribui sua consideração ao início do século XX.

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entre esses dois estilos: “a extensão real do reino narrativo, em todo seu alcance histórico, só

pode ser compreendida se levarmos em conta a íntima interpenetração desses dois tipos

arcaicos” (BENJAMIN, 2012, p. 215).

Para ele, um exemplo em que essa relação se deu pode ser o artesanato. Melhor

explicando, uma vez que tanto esse mestre sedentário quanto os artífices viajantes

trabalhavam na mesma oficina e, através do sistema artesanal – isto é, o sistema em que todo

o produto final era resultado do trabalho de uma pessoa só, de maneira que esse artífice

conheceria todo o processo de produção – as pessoas teriam sua vivência na arte de contar

histórias. O sistema artesanal, em que o produtor é responsável por toda produção, não está

separado da “vida” deste produtor: a vida e o artesanato andam juntos. O que a vida moderna

acaba por destruir é essa relação: sob um sistema de produção em série, com horário para

entrada e saída das fábricas e momentos específicos destinados à “diversão”, como o fim de

semana, a atividade laboral do indivíduo perde toda sua relação com sua experiência e sua

vida. Para Kehl (2009, p.164), o narrador benjaminiano tem como característica uma

transmissão de experiência que se adequa às práticas de produção medieval que se sustenta

tanto no ócio quanto no trabalho em conjunto, o artesanal:

as comunidades de artesãos, ou de pequenos agricultores, nas aldeias da Europa medieval, onde as narrativas se transmitiam, de geração a geração, com pequenas modificações introduzidas pelos narradores, cada um participando como um elo na corrente de transmissão da experiência para as gerações seguintes.

Essa condição do narrador pré-moderno de Benjamin possui o ócio e o trabalho

artesanal como a fonte de inspiração ou, como quer Kehl, o momento em que a mente vazia,

ociosa e despreocupada dá lugar aos devaneios e fantasias do ser humano. A arte de contar

histórias se dá no momento da união dos dois trabalhadores que, em meio ao trabalho

artesanal, contam suas experiências tanto de suas viagens quanto de sua vida sedentária no

campo.

Em todo o momento de sua caracterização de narrativa, Walter Benjamin indica o

sentido de coletividade, de maneira que se percebe que nenhuma experiência, que Kehl

reafirma na linguagem, é completa se não for compartilhada. Para Benjamin, a narrativa pré-

moderna se caracteriza por sua utilidade coletiva. Isso quer dizer que toda narrativa deve

trazer algo de útil para o leitor ou, melhor dizendo, “dar conselhos” ao mesmo. Para ele,

esses conselhos podem estar no âmbito de ensinamento moral, sugestão prática ou uma norma

de vida, o que se viu em decadência a partir da reprodutibilidade moderna.

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Benjamin trata de dois tipos de experiência em seus textos. A primeira, Erfahrung,

significa a experiência coletiva, a passada de geração em geração por meio da narração. É

essa a que Kehl (2009) chama de experiência e que Gagnebin, no prefácio do livro de

Benjamin, chama de experiência coletiva. E Erlebnis é, para Gagnebin, uma experiência

individual, enquanto Kehl a chama de vivência. É importante perceber que, apesar de

denominações diferentes propostas pelas autoras, ambas trazem o mesmo ponto de vista:

enquanto a experiência coletiva, a Erfahrung, remete a uma vida pré-moderna, cujos saberes

narrados em provérbios perpetuavam os sensos práticos das sociedades coletivas, a Erlebnis

remete a um mundo em que a coletividade perde espaço para uma falsa sensação de

individualidade, de maneira que quando a tradição de uma comunidade já não pode mais ser

passada de geração em geração, dá-se espaço à individualidade do herói do romance, ao

pensamento unificado mascarado de individual. Tem-se, por meio da modernização, a perda

da coletividade em função de uma “transferência da responsabilidade” da narração do homem

da comunidade para a máquina industrial.

Se esse narrador clássico está em decadência a partir da sua capacidade de narrar suas

experiências, isso se dá porque a modernidade traz um novo tipo de narrador: o narrador

moderno que, na visão de Benjamin, surgiu com a vinda do romance. Para ele, o que

primeiro caracteriza a modificação dessa narrativa é a ligação íntima entre o romance e a

imprensa: para o romance ser difundido, ele necessariamente precisa do livro, que veio com a

reprodutibilidade. É a partir do romance que, de acordo com Klinger70 (2006), se pode

perceber certa “morte” do narrador e da experiência, justamente em função da ausência de

uma experiência coletiva para o surgimento da narrativa embasada na introspecção.

70 Para falar das narrativas contemporâneas percebidas em três autores latino-americanos, Diana Klinger (2006) acaba por estabelecer uma análise dos narradores clássico e pós-moderno. É fato que a autora o fez para perceber uma nova possibilidade de narrador, sendo este contemporâneo. Seus estudos são úteis para perceber as diferenças entre o narrador pré-moderno de Benjamin, o narrador moderno vindo do romance e o narrador pós-moderno de Silviano Santiago. Além disso, há a possibilidade de perceber, nas narrativas contemporâneas, a aceitação da impossibilidade da representação, representação essa em que o narrador de As Brasileiras parece ainda mostrar. Para Klinger (2006), diferente dos narradores clássico, moderno e pós-moderno, os narradores contemporâneos parecem estar mais voltados à indecidibilidade; é fato que o narrador clássico, que prima a Erfahrung e seu senso prático, se diferencia dos narradores pós-modernos, que estariam mais voltados a vivência, Erlebnis, sendo esta a de um outro observado privado da palavra, sem a pretensão de extrair dessa vivência qualquer tipo de sabedoria coletiva ou de senso prático. Para Klinger, o narrador contemporâneo parece estar voltado à Erlebnis, mas seu relato mostra, também, a vivência do próprio narrador na relação com o outro.

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3.2.4 Silviano Santiago e o narrador pós-moderno

Silviano Santiago parte da ideia de Benjamin sobre o narrador que conta sua própria

experiência e, a partir disso, propõe um “narrador pós-moderno”. Ele inicia seu texto com

uma pergunta: “Quem narra uma história é quem a experimenta, ou quem a vê?”

(SANTIAGO, 1989, p. 38). Essa pergunta remete à necessidade de distinguir o narrador que

atribui sua própria experiência à história contada ou aquele que narra o que observou a partir

da experiência de outra pessoa, o que, para o autor, “é insuficiente dizer que se trata de uma

escolha” (SANTIAGO, 1989, p. 38), pois uma significa uma experiência do próprio narrador

que lhe dá suporte para a narrativa e confere uma certa autenticidade à história narrada; a

outra significa a possibilidade de narrar em função de uma experiência a partir de um olhar

lançado sobre o outro, o que torna a autenticidade questionável, uma vez que “o que se

transmite é uma informação obtida a partir da observação de um terceiro” (SANTIAGO,

1989, p. 38). A partir destas reflexões, Silviano Santiago (1989, p.38) define sua hipótese de

trabalho sobre o que é o narrador pós-moderno:

o narrador pós-moderno é aquele que quer extrair a si da ação narrada, em atitude semelhante à de um repórter ou de um espectador. Ele narra a ação enquanto espetáculo a que assiste (literalmente ou não) da plateia, da arquibancada ou de uma poltrona na sala de estar ou na biblioteca; ele não narra enquanto atuante.

O que Santiago determina como experiência do outro a ser narrada como uma

“informação” está na Erlebnis, na vivência, tratando-a em seu relato como um acontecimento

jornalístico e não uma experiência coletiva narrada (a Erfahrung) da qual Benjamin afirmou

estar em vias de extinção. Assim, pode-se considerar que o narrador pós-moderno ganha essa

característica de narrar as vivências, aquelas que não possuem relação com uma experiência

coletiva, somente uma experiência individual e introspectiva.

Santiago discute o pensamento de Benjamin sobre o narrador clássico, no sentido de

que, se esse narrador se preocupa com sua narrativa de caráter utilitário e se ela tem esse

caráter justamente pela imersão do narrador na história, o narrador pós-moderno se preocupa

com a informação, ou melhor, o distanciamento de si para com a história narrada, pois não

vive a mesma experiência. Preocupa-se com prover à narrativa uma característica de

imparcialidade sob o que é relatado, uma vez que esse narrador não tem como objetivo narrar

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sua própria experiência, mas sim de relatar “o que aconteceu com x ou y em tal lugar e a tal

hora” (1989, p. 39). Essa informação71 não se constituiria, ao contrário do narrador clássico,

de experiência, uma vez que ela nada se relaciona com a sabedoria do narrador. Santiago

(1989, p.39), então, continua:

o narrador pós-moderno é o que transmite uma "sabedoria" que é decorrência da observação de uma vivência alheia a ele, visto que a ação que narra não foi tecida na substância viva da sua existência. Nesse sentido, ele é o puro ficcionista, pois tem de dar "autenticidade" a uma ação que, por não ter o respaldo da vivência, estaria desprovida de autenticidade. Esta advém da verossimilhança que é produto da lógica interna do relato. O narrador pós-moderno sabe que o "real" e o "autêntico" são construções de linguagem.

Esse narrador pós-moderno de Santiago é, portanto, aquele que narra na perspectiva de

que a “realidade” é um discurso. A vivência também se constitui de discursos, de narrativas.

Utiliza a “informação” como um estilo narrativo, de maneira a dar respaldo ao que está sendo

narrado não pela experiência, mas pelo efeito de verdade que a informação poderia gerar.

Tendo duas hipóteses de trabalho em mãos, Santiago pretende discutir a

problematização do narrador pós-moderno, com o intuito de dar-lhe uma tipologia e, talvez,

uma função no mundo pós-industrial. Trazendo para o narrador uma condição de leitor,

Santiago revela que o narrador pós-moderno tem em sua narrativa a observação daquilo que é

dito por outro, mesmo que essa postura do narrador não seja inocente. Para ele, é dando a fala

ao outro que se pode falar de si, mas de forma indireta, pois “a fala própria do narrador que se

quer repórter é a fala por interposta pessoa” (SANTIAGO, 1989, p. 41). Assim, faz-se uma

conjetura entre a fala de um narrador que se quer repórter e o real como figura de linguagem:

a intenção da narrativa pós-moderna é dar dramatização àquele que é “observado e muitas

vezes desprovido de palavra” (p.42). E é diante da pobreza da experiência do narrador (que

se coloca também como leitor) que se dá a fala ao outro; narrador e leitor são os espectadores

da ação alheia.

Santiago também traz à tona a questão da experiência e da incomunicabilidade entre

as gerações. Uma vez que as vivências dos sujeitos do mundo moderno nada mais se parecem

com o mundo pré-moderno – seja em relações de trabalho ou seja na velocidade imposta pela

vida industrial – nada da experiência dos mais velhos condiz com os parâmetros do mundo

aos olhos dos mais jovens. Assim, torna-se impossível “dar continuidade linear ao processo

de aprimoramento do homem e da sociedade” (SANTIAGO, 1989, p. 43), pois ela tanto 71 Utiliza-se a palavra informação unicamente por ser o termo que o autor se utiliza para caracterizar a narrativa pós-moderna.

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mudou que os saberes de antes não contemplam os problemas da vida moderna. Pelo

contrário, o que se pode perceber nas narrativas pós-modernas é um olhar para o jovem de

hoje de maneira a observar “o seu ontem no hoje de um jovem” (SANTIAGO, 1989, p. 44).

Pelo fato de as gerações serem tão diferentes entre si, a narrativa pós-moderna não contempla

uma postura em que há uma sabedoria vencedora. Há, sim, olhares diferentes sobre uma

mesma ação, a ação do jovem de antes e a ação do jovem de hoje72, de maneira que esses

olhares estão mais relacionados a um conflito entre as sabedorias.

A experiência em vias de extinção parece, no narrador pós-moderno de Santiago

(1989), encontrar sua extinção no espetáculo. Atrelando a visão totalizante de Debord sobre o

espetáculo à representação pela imagem, Silviano percebe que o espetáculo tem como

consequência transformar qualquer ação em representação. Isto é, em uma sociedade de

imagens, o que pode ser narrado seria a imagem, de maneira que no campo da ação, da

experiência e da vivência, dá-se lugar à imagem. Desse modo, o que resta ao narrador pós-

moderno é a experiência do ver, do observar, olhando para que “seu olhar se recubra de

palavra, constituindo uma narrativa” (1989, p.46) e isto significa dar valor ao narrador menos

apreciado por Benjamin, que é o narrador que relata o “puro em si”, aquele que prima pela

informação e não pelo senso prático social da moral da história. Silviano (1989, p.47) explica

que a sociedade do espetáculo de Guy Debord é o lugar em que o narrador pós-moderno

encontra as possibilidades de crítica, de maneira que “por ela é investido e contra ela se

investe” (SANTINAGO, 1989, p.51). Resta-lhe, apenas, a função de testemunho do olhar do

outro, e a tentativa de transformar o olhar em palavra escrita; resta ao narrador pós-moderno

uma característica de mercado, embasando-se na verossimilhança de seus relatos e em seus

efeitos de verdade, que são figuras de linguagem.

3.2.5 O narrador d’As Brasileiras

Foram explicitados os tipos de narradores de Benjamin e Santiago. Por meio dos

autores, é possível pensar em três tipos de narradores: um clássico que prima por uma

72 Santiago afirma (1989, p.44): “As ações do homem não são diferentes entre si de uma geração para outra, muda-se o modo de encará-las, de olhá-las”.

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experiência coletiva; um narrador moderno típico do romance; e um narrador pós-moderno,

aquele que prima pela vivência e tem como base a fala sobre a vivência do outro.

É importante retornar à experiência como um primeiro caminho de análise. Quais

experiências estão presentes no discurso do narrador de As Brasileiras? Tendo as duas

experiências em foco, a Erfahrung como experiência coletiva e a Erlebnis como vivência

individual, bem como o uso das mesmas por parte dos narradores clássicos e pós-modernos,

tenta-se entender qual das duas experiências está mais próxima da fala do narrador.

É perceptível que o narrador do seriado percorre dois caminhos em sua narrativa. Um

primeiro caminho é percebido no discurso introdutório do narrador, que acontece no início de

cada um dos episódios. Esse discurso apresenta o cenário e a personagem do episódio. Um

segundo caminho que o narrador toma é ao longo do episódio, como um narrador que parece

“conduzir” toda a trama para o espectador. Primeiramente, apresenta-se o discurso

introdutório do narrador do episódio A Desastrada de Salvador como exemplo:

Brasil, Nordeste, Bahia. O estado mais carnavalesco da federação. Na Bahia tem tanta gente de talento que a rapaziada diz que baiano não nasce, estreia. A capital Salvador tem quase três milhões de habitantes. É uma cidade tão alegre que a gente imagina todos eles correndo atrás do trio elétrico. Quer dizer, correndo devagar, porque a Bahia é linda, é preciso apreciar o panorama. Da Cidade Alta, a gente vê a graça do mercado modelo e da Bahia de Todos os Santos, que foram exaltados por “São Jorge Amado” e “São Dorival Caymmi”, que além de ser inventor do mar cantou a Lagoa do Abaeté e os Coqueiros de Itapuã. Deus é tão doido pela Bahia que até exagera. E é aqui que mora nossa heroína de hoje: A Desastrada de Salvador.

O que se apresenta nessa extração do narrador é a apresentação do estado e da cidade.

A enunciação permite que o espectador “conheça” os pontos que o narrador considera mais

importantes sobre a Bahia. O narrador está apresenta a trama, mas, antes disso, apresenta os

pontos turísticos da Bahia, como um guia turístico que, juntamente com seus clientes

espectadores, mostra superficialmente a história do lugar que está observando. Seu discurso

parece se preocupar com mostrar o que o espectador já saberia do lugar: o que se sabe, então,

sobre a Bahia, é aquilo que já está autorizado pelo espetáculo. A história e geografia viram

mercadoria na voz do narrador.

Em seguida, apresenta-se uma cena em que o narrador faz suas inferências na trama,

mas, aqui, é importante contextualizar a cena, para que se entenda o que o narrador está

contando. Dentre outros exemplos que poderiam ser aqui citados, tem-se o episódio A

Doméstica de Vitória, que conta a história de Cleonice, doméstica de Muriel Aragão, uma

escritora famosa. Cleonice, que estava de aniversário, não consegue sua folga por causa de

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sua patroa. Assim, quando sua patroa toma um remédio para a alergia a um tratamento

dermatológico e dorme, a amiga de Cleonice, também doméstica da casa, arranja uma

maneira de Cleonice se passar por sua patroa em uma festa de lançamento do livro da

escritora. Apesar de, inicialmente, rejeitar a ideia, ela é convencida pela amiga. Ao chegar à

festa, Cleonice deixa sua bolsa cair e, por acaso, conhece Fernando Guimarães, contratado por

uma editora e grande admirador da escritora. Ao conhecer a “falsa escritora”, Fernando se

aproxima e se encanta pela moça. As reviravoltas da trama começam a ameaçar a aparecer a

partir da voz do narrador. Em uma das cenas, há um corte na sequência da conversa entre

Cleonice e Fernando para a imagem da amiga doméstica de Cleonice, sentada assistindo à

televisão, ao lado de Muriel, que aparece deitada na cama. O narrador faz suas considerações:

Só que alegria de pobre, além de durar pouco, quando não estraga na entrada, estraga na saída.

A cena que se segue é a de Muriel se levantando procurando por Cleonice. O

suspense toma conta da imagem, mas, rapidamente, a doméstica oferece mais um remédio,

que faz com que Muriel volte a dormir. Enquanto isso, Cleonice liga perguntando por sua

patroa. A doméstica, ao ver que Muriel voltou a dormir, afirma que está tudo bem com sua

patroa e a aconselha a seguir com a festa. O narrador termina a cena:

E Cleonice resolveu aproveitar enquanto o pessoal lá de cima “tava” dando uma mãozinha.

Ainda se passando por sua patroa, Cleonice está dançando com Fernando. Eis que, de

repente, a organizadora do evento chama Muriel Aragão e pede para que a mesma leia trechos

de seu novo livro. O drama da moça que se passa por Muriel é comentado pelo narrador:

Suspense! Nossa heroína na maior saia justa, quer dizer, saia injusta, porque não era nem dela, era da patroa.

Na mesma cena, Cleonice, vai até o palco com um microfone e, aparentando aflita,

abre sua bolsa e retira seu caderninho de anotações, apresentado no início da trama como seu

“segredo” pelo narrador. Assim, o narrado dá a reviravolta da trama.

Foi aí que Cleonice se lembrou do caderninho.

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Cleonice recita parte de seus escritos em seu caderninho. Sua voz é unida a uma

música de tom de fantasia, parecida com contos de fadas. Ao sair do palco, Cleonice é

puxada por Fernando para sair da festa. Ela, no caminho, perde seu sapato na escada e volta

para pegá-lo, numa alusão a Cinderela. A cena segue com a voz do narrador.

E quando acabaram os aplausos, Cleonice se viu na carruagem do príncipe encantado, que felizmente não virou abóbora.

Retornando aos conceitos de experiência, e analisando o discurso do narrador,

percebe-se que, nos dois, não há nenhum senso de sabedoria coletiva, no sentido de senso

prático. O que tem, no discurso introdutório são discursos sobre a nação que muito se

assemelham às “informações” pautadas na “realidade” contadas por um observador, típico de

um narrador que Santiago chamaria de pós-moderno. Nas inserções seguintes, o narrador, no

episódio, parece dar a direção da linha da história, guiando o espectador sobre o que ele deve

ou não entender sobre o que está acontecendo na tela da televisão. Nesse segundo caminho

da narrativa do seriado, o narrador é onisciente, condição de um narrador dos romances, que

se mantém no lugar do observador e parece fornecer ao espectador informações privilegiadas

sobre as personagens (como no caso de O Anjo de Alagoas) fazendo com que a posse desses

“dados” signifiquem que se confere ao “indivíduo sentado na plateia [ou em sua casa

assistindo à televisão] franca superioridade em relação a qualquer das personagens”

(HUPPES, 2000, p.79). Porém, o curioso é que a fala do narrador não tem a intenção de

apresentar novos fatos da narrativa com tanta frequência. O narrador parece estar assistindo

ao episódio juntamente com o espectador e, ao longo das cenas, ele faz comentários como se

fosse uma conversa entre espectadores. Desse modo, o narrador está sabendo mais que a

personagem, mas não mais do que o espectador já sabe: essa história narrada já foi vista pelo

narrador; pelo espectador também, pois o discurso que está presente na narrativa parece ser o

mesmo discurso sobre brasilidade já conhecido. Ele é mais uma repetição sobre as inúmeras

narrativas presentes sobre a brasilidade. O que está sendo desvelado na história é um discurso

já presente no imaginário, com uma nova embalagem.

Sabe-se que, na perspectiva de Benjamin, a “informação” é o que denuncia a morte da

arte de narrar. A forma artesanal do narrador clássico é incompatível com a narrativa, de

maneira que, enquanto a narração nos propõe uma reflexão e uma moral, a informação supõe

a novidade. Esta última é, portanto, efêmera e tem validade somente enquanto é nova,

denúncia da efemeridade do mundo moderno. A crítica de Benjamin é sobre a extinção da

narrativa em função do mundo moderno. Santiago, a partir de Benjamin, apresenta como

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característica do narrador pós-moderno a presença da “informação” e, também, a

incomunicabilidade, que é sintoma da narrativa moderna para Benjamin. Enquanto Benjamin

situa-se a falar do narrador clássico e Santiago faz suas considerações sobre o narrador pós-

moderno, pergunta-se o que é característica desse narrador moderno. Pois, se a Ehfahrung, a

experiência coletiva, é a grande perda do narrador clássico para o narrador moderno, e se a

Erlebnis, a vivência, é a que se percebe no narrador pós-moderno, o que de experiência há no

narrador moderno? A resposta pode estar em Benjamin, pois sua grande crítica é à perda de

uma experiência coletiva tradicional para uma vivência individual, o que se dá pelas

mudanças drásticas do comportamento de uma sociedade moderna. Dessarte, resta ao

narrador do romance, o narrador moderno, a Erlebnis, a vivência que, trazendo uma falsa

sensação de coletividade, intensifica a individualidade do narrador e do espectador.

Muito do que o narrador pós-moderno possui como característica, o narrador moderno

que Benjamin apresenta também possui. A Erlebnis parece, então, a experiência presente nos

narradores moderno e pós-moderno. Ela não pode ser suficiente para considerar um lugar ao

narrador de As Brasileiras.

Para considerarmos outras características que constituem o narrador de As Brasileiras,

pode-se pensar o paradoxo da modernidade. Esse paradoxo, como dito anteriormente, pode

ser entendido pelo que Garramuño (2009) entende como a constituinte da modernidade

brasileira, comum também à Argentina, em que há uma combinação do moderno e do

primitivo. Assim, para a modernidade brasileira existir, é necessário o pensamento sobre os

elementos primitivos com as quais ela se constituiu. Para a autora, essa é uma característica

presente no processo de modernização da cultura latino-americana e muito tem a ver com a

presença do exótico à venda como mercadoria para os países europeus. Além da

mercadorização do nacional latino-americano, Garramuño (2009) identifica que esse

paradoxo se constitui por meio do movimento de vanguarda, no Brasil, que assumia a

antropofagia, cujo objetivo era justamente se opor a uma modernidade imaginada como

original, a europeia.

Nessa perspectiva, o narrador de As Brasileiras se assemelha ao que é caracterizado

como essa modernidade latino-americana, que se utiliza do paradoxo para reforçar as exóticas

diversidades culturais de uma grande nação brasileira. É preciso pensar no discurso

introdutório do narrador que inicia os episódios: em todos eles, como dito anteriormente, o

narrador inicia com a palavra Brasil enquanto o espectador está diante da imagem da bandeira

nacional. Depois disso, o narrador faz um corte de seu Brasil para a região em que se localiza

o cenário da trama, seguindo para o estado brasileiro e para a cidade. A presença do que

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Garramuño (2009, p.53) chama de “O típico exótico” é percebida na fala do narrador em As

Brasileiras. Para a autora,

pela cristalização em seu interior [dos discursos que remetem a uma cultural nacional] de uma funcionalidade que lança mão, no discurso da nação, de uma categoria do exótico que, por seus traços marcadamente diferenciadores e pelos efeitos textuais que produzem, se tornará essencial no processo de uma cultura nacional (GARRAMUÑO, 2009, p. 53).

A hipótese de Garramuño (2009) nos permite pensar como as diferenças chamadas por

ela de “traços característicos de outra alteridade” acabaram por ser definidores a partir de um

olhar que reduz essas alteridades a meros objetos, trazendo à alteridade um título de exótico,

ou seja, aquilo que é visto por um eu não comprometido com essas alteridades. Resta a esse

eu perceber essas alteridades da maneira que lhe convém, como uma mercadoria. A autora

ainda ressalta que essa alteridade é vista tanto como abominável quanto irresistível aos olhos

do escritor; se ele tem “um desejo de criar uma narrativa prenhe de uma visão típica da

região” (Idem, p.54), desconsiderar esses objetos exóticos seria impossível. A autora atribui

esse movimento ao ensejo de uma diferenciação, no modernismo, em criar uma narrativa que

se diferenciasse de um eurocentrismo, a fim de tentar construir, a partir desses objetos

exóticos, as narrativas sobre o nacional.

Se o Brasil está à venda, como dito anteriormente, e ele precisa se diferenciar da

condição eurocêntrica, é por meio dessas alteridades absorvidas pelas narrativas como objetos

exóticos que é possível definir a “mercadorização” da diversidade cultural presente no seriado

As Brasileiras. Garramuño explica que esse processo de mercadorização resulta nessas

alteridades presentes no país reduzidas a objetos exóticos de contemplação do narrador de As

Brasileiras; sem aprofundamento e sem comprometimento com a vida dos moradores dessa

região, o narrador se permite falar somente do que é “nacionalmente conhecido” como típico

de uma região.

Quando o narrador apresenta o Pantanal por meio de suas características peculiares,

não trata de aprofundá-los, mas somente apresentá-los com exotismo, como é o caso da fala

introdutória do narrador nos dois exemplos a seguir. O primeiro se trata de uma transcrição

do episódio A Reacionária do Pantanal e o segundo é do episódio A Adormecida de Foz do

Iguaçu.

Brasil, Centro-Oeste, Mato Grosso do Sul. O Pantanal é o parque de diversões das águas e dos bichos. É lá que a jiboia boia, o jacaré pega jacaré e tem cada touro que é um estouro. [...].

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Todos os anos, centenas de milhares de turistas vêm se reunir aos mais de trezentos mil moradores de Foz do Iguaçu para admirar esse espetáculo que está entre as novas maravilhas do mundo, as Cataratas do Iguaçu. [...]

As descrições do cenário Pantanal e Foz do Iguaçu se apresentam sem profundidade

sob o olhar do narrador que se restringe a falar sobre a existência do exótico como

mercadoria. A lógica da mercadoria está presente no narrador por “moldar”, em seu discurso,

as diversidades ao gosto da indústria cultural: a emissora de televisão, que precisa de

audiência, cria estratégias para adaptar seus discursos ao que pode ser ou não problematizado;

diante dos moldes da televisão e do entretenimento propostos pela narrativa ao espectador, a

escolha é reduzir as alteridades a uma condição de “beleza natural”, dignas de um passeio

turístico que o narrador conduz. Esse “Brasil à venda” parece manter seu discurso na

perspectiva moderna, que vende o exotismo para o espectador brasileiro da mesma forma que

consolidou o samba como mercadoria para a Europa. Sob essa perspectiva, o narrador se faz

moderno.

É importante, então, considerar mais características que esse narrador pode indicar

para análises. O paradoxo percebido em As Brasileiras pode ser visto, também, sob essa

perspectiva: a presença de um narrador que enuncia um Brasil gigante e marcado por histórias

vencedoras e, ao mesmo tempo, apresenta esses micro relatos locais; para se fazer um grande

relato sobre a nação, deve-se constituí-lo de inúmeros pequenos relatos sobre a mesma.

Pensa-se nos episódios. Antes mesmo da vinheta de abertura, o episódio se inicia com uma

imagem do planeta Terra no meio de um fundo preto, o Universo, e chega ao Brasil em um

efeito de imagem de imersão da câmera. Em seguida, imagens em movimento apresentam os

conhecidos produtos denominados como tesouros naturais e históricos brasileiros. O Brasil é

mostrado na tela por meio de suas principais belezas históricas e naturais: o Pantanal, Ouro

Preto, o Cristo Redentor, Brasília e outros. Ao final dessas imagens, aparece a bandeira

brasileira esvoaçante. No momento em que a bandeira entra em cena, o narrador começa sua

fala que, em todos os episódios, se inicia com “Brasil” e, assim que o narrador continua sua

fala, a imagem da bandeira do Brasil é substituída por outras imagens, estas dos locais que a

voz do narrador anuncia.

A imagem da bandeira, símbolo da nação, aparecendo enquanto o narrador fala a

palavra ‘Brasil’ é capaz de reforçar os sentidos que remetem à nação do imaginário do

espectador. Na impossibilidade de encontrar uma imagem do Brasil que “representasse”

grandiosidade e todos os significados que esse nome carrega, a bandeira do país parece ser a

melhor opção para representar esse “Grande Brasil”. O que seria o “Grande Brasil”? Pode-se

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percebê-lo como um produto do projeto de nação, que corresponde a uma grande narrativa,

um grande relato vindo do projeto de progresso e modernidade, sob a perspectiva de Lyotard.

Em sua consideração sobre a pós-modernidade, é possível pensar a modernidade: enquanto

Lyotard (1988) define a pós-modernidade como a tendência a ver os metarrelatos com

incredibilidade e a perda dos grandes heróis, grandes relatos e o grande objetivo da ciência,

vê-se que a modernidade é, justamente, a presença desse grande relato, comum à ciência e ao

paradigma iluminista, com base na presença da metafísica e uma suposta verdade. E

enquanto é possível perceber essa condição pós-moderna no mundo, embasada em uma

“pragmática linguística” (LYOTARD, 1988, p.xvi) e que supõe um aguçamento da

sensibilidade do sujeito para as diferenças, o narrador de As Brasileiras parece ainda persistir

no grande relato de uma nação como o Brasil. É fato que ele mesmo supõe diferenças em

todo o âmbito nacional e, talvez por isso, As Brasileiras se mostram diferentes uma das outras

no seriado. Mas essa suposição de pequenos relatos típicos da pós-modernidade por parte das

pequenas histórias contadas dessas personagens – mulheres comuns no seriado - é facilmente

absorvida pela tentativa de grande relato de uma nação grande feita de diferenças.

É importante relembrar que o projeto de modernidade veio junto com o projeto de

urbanização e unificação de bens simbólicos em favor de um Estado-nação, como afirma

Lyotard. Sob a perspestiva de Lyotard, a legitimação do discurso sobre a nação se daria pelo

Estado. É ele que possui certa autoridade para legitimar o discurso, sendo a legitimidade do

discurso se dada por quem “decide o que é saber” (1988, p.14). Na modernidade, entende-se

que a atuação do Estado-Nação estava na decisão sobre o que é legítimo como brasilidade.

Porém, se se pensa na condição pós-moderna, é possível entender que essa legitimação

começa a perder seus contornos, pois há um desencanto quanto à legitimação; o Estado não é

mais o detentor da verdade sobre o que é brasilidade. O que caracteriza a condição pós-

moderna seria o questionamento sobre a narrativa e sobre a legitimação dos discursos. Em vez

de um discurso legitimado pelo Estado, tem-se um jogo de linguagem que torna a negociação

mais flexível sobre os sentidos, cuja regra “autoriza e encoraja a maior flexibilidade dos

enunciados” (LYOTARD, 1988, p. 31).

Os moldes atuais da estética parecem caminhar para o que Garramuño entende como

inespecificidade e Lyotard para a decadência desses discursos legitimados na modernidade.

Essa condição está presente na arte da pintura e da literatura de hoje. Porém, esses moldes não

parecem ser facilmente percebidos nos meios de comunicação de massa, que parecem ainda

atrelados ao projeto da modernidade, tanto em relação ao progresso técnico quanto em relação

aos bens simbólicos produzidos pela cultura de massa.

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Em As Brasileiras, percebe-se uma “tentativa” de dar conta de pequenos relatos,

pequenos discursos sobre diferenças no Brasil. Em um primeiro olhar desatento, as diferenças

presentes no seriado poderiam ser vistas como muito próximas à proposta de pós-

modernidade de Lyotard. Nos vinte e um primeiros episódios de As Brasileiras, tenta-se dar

conta de uma diversidade cultural que se sabe existente. O narrador nos traz, a todo o tempo,

as “diferenças” de cada local em cada história, como lendas e contos da região. Porém, essas

alteridades não são um discurso que tenta certa autor-representação ou, melhor, dar voz às

diversidades.

No episódio A Adormecida de Foz do Iguaçu, por exemplo, o narrador conta para o

espectador a lenda sobre o filho do deus Tupã, que formou as Cataratas do Iguaçu por pular

de raiva pela fuga de sua índia prometida. Ou a lenda das Amazonas no episódio A Selvagem

de Santarém. Além disso, cada mulher é associada a uma característica, na tentativa de

mostrá-las diferente para o espectador. Porém, há duas inquietações: a primeira, aqui já dita,

é a tarefa do narrador de apresentar as diferenças de mulheres de vários lugares do Brasil por

meio de um discurso autorizado pela mercadoria. A segunda é que, se por um lado mostrar

essas diferenças e usá-las como tema do seriado pode significar, na superfície, uma condição

pós-moderna, o narrador de As Brasileiras, a quem é incumbida a tarefa de narrar o Brasil,

acaba por retomar, no último capítulo, o Brasil como um todo em um discurso unificador. Se

nos primeiros vinte e um episódios, o narrador apresenta mulheres diferentes – que tem uma

característica marcante a ponto de ser adjetivada no título do episódio – moradoras de cidades

diferentes, no último episódio, o narrador traz uma última mulher, A Maria do Brasil.

Brasil, Norte, Sul, Leste, Oeste. Oito milhões e meio de quilômetros quadrados de praias, montanhas, florestas e campos e cidades. Em cada pedaço do país, tem sempre uma “maria” querendo brilhar. Elas vêm de todos os cantos: do Iapoque ao Chuí, do Pantanal aos Pampas Gaúchos, da Amazônia ao Cerrado e ao sertão nordestino. São treze milhões, trezentas e cinquenta mil “marias” vindas de todos os lugares do Brasil. São batalhadoras anônimas que tem o sonho de ser estrelas, mas são poucas as que conseguem. Não há espaço pra todos os sonhos. Em geral, a gente só brilha de vez em quando. Somos todos figurantes no espetáculo do mundo. Essas “marias” nasceram para exercitar o ofício de viver, o que já é um prodígio. Elas sustentam o fogo da sua paixão, sacodem a poeira do sonho e continuam a sua luta nesse lugar às vezes tão estranho: a realidade. E assim, são estrelas de suas próprias vidas, como a nossa heroína de hoje: a Maria do Brasil.

O discurso do narrador parece trazer todas as mulheres, que antes eram diferenciadas

por seus adjetivos, agora são todas chamadas de “maria”. O narrador insiste: “são treze

milhões, trezentas e cinquenta mil “marias” vindas de todos os lugares do Brasil”. O

narrador, cuja fala coincide com uma sequência de imagens das personagens de todos os

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episódios anteriores, assume que as “marias” estão em todos os lugares do Brasil. É

importante citar que o lugar que se é tomado como cenário desse episódio é o Projac, estúdios

da Rede Globo, e que o episódio trata de uma atriz de teatro que tentar viver o sonho de

trabalhar na televisão.

Aqui, a condição pós-moderna se reduz a um narrador moderno; as alteridades

embaladas de produtos exóticos a serem vendidos do Brasil, são agora todos um só; uma

mercadoria que pode ser selvagem, adormecida, apaixonada, doméstica, sambista e todos os

outros adjetivos atribuídos às personagens, mas ela é, apesar das diferenças, uma só, a

“maria”. Quando todas as mulheres, para o narrador, são “marias”, as pluralidades não são

problematizadas; são absorvidas, mais uma vez, pela condição do mercado, harmoniosamente

entregue ao povo sem conflitos. Nesse sentido, esse narrador tem a posição moderna na

unificação das mulheres brasileiras. Ele se comporta como um grande narrador de uma

brasilidade possível de se unificar. A diversidade mostrada nos episódios entra no paradoxo

apontado por Garramuño (2009), em que, para se falar da nação num discurso unificado,

apresenta-se as diferenças e o discurso unificado. O fragmentado se desvaloriza para que a

nação unificada possa emergir no discurso, num mesmo movimento com o qual a

modernidade tratou as diferenças no Brasil.

A última consideração que aqui se faz sobre a relação dos micro relatos e do grande

relato da nação está na presença de um único narrador na série. Longe de ser uma

coincidência, todas as histórias são narradas por uma única voz, uma voz onisciente que tudo

observa e guia o espectador ao que o narrador quer que seja “entendido”. Em uma condição

pós-moderna, pensar-se-ia na possibilidade de existirem vários narradores, cada um com sua

sabedoria sobre o local, de maneira a tentar mostrar um pouco de sua cultura, sua história,

quebrando a lógica do grande relato. Porém, ao contrário, ele se situa como um narrador de

todas as histórias, fazendo com que as diferenças, não negadas na pós-modernidade, sejam

vistas sob um olhar totalizante do grande narrador. É possível que haja traços da pós-

modernidade no momento em que se mostram as alteridades de uma mulher para a outra, mas

todas elas, no entanto, estão na lógica da representação. O seriado como um todo retoma uma

posição moderna por meio desse grande narrador.

Mesmo assim, o que acontece nesse seriado é que esse narrador já sabe que as

alteridades que escaparam do discurso moderno não podem mais ser ignoradas. Seja em

função da construção da modernidade no Brasil, como relatada anteriormente, ou seja porque

percebe-se, hoje, um sujeito espectador consciente dessas diferenças e constituído de uma

identidade fragmentada, o narrador já não teria como não relatar as diferenças “exóticas” das

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representações das mulheres brasileiras. Assim, se esse narrador sabe dessas alteridades e

sabe que seu público as percebe, como o pós-moderno se encontra no discurso do narrador?

Uma possibilidade de entender esse encontro está novamente no pastiche. Tem-se o

pastiche, como já mencionado, uma constante volta a um historicismo que não se envolve

com a história oficial em si: ela se envolve com o simulacro da história. Jameson (2007, p.44),

percebe algumas características importantes do pastiche:

O pastiche, como a paródia, é o imitar de um estilo único, peculiar ou idiossincrático, é o colocar de uma máscara linguística, é falar em uma linguagem morta. Mas é uma prática neutralizada de tal imitação, sem nenhum dos motivos inconfessos da paródia, sem o riso e sem a convicção de que, ao lado dessa linguagem anormal que se empresta por um momento, ainda existe uma saudável normalidade linguística.

Diante de um colapso da ideologia do modernismo, Jameson (2007) debate que cabe

aos produtos culturais buscarem as imitações do passado, em um movimento que se volta para

a história não como um ato político, mas como uma busca por referências estéticas. Para o

autor, o que se tem no pastiche é uma “vasta coleção de simulacros fotográficos” (Idem,

p.45), em que o passado se torna uma coleção de “espetáculos empoeirados” (Idem, p.46).

A relação com a historicidade, para Jameson, tem contornos que podem ser percebidos

no seriado. O autor fala dos filmes nostálgicos em seu texto, mostrando que esses filmes, na

tentativa de “recuperar um passado perdido” (2007, p.46), trazem contradições entre a

linguagem artística da nostalgia e a historicidade genuína. É importante entender que

Jameson, portanto, fala desses filmes como produtos que não se apresentam na lógica da

representação do passado, mas sim com a abordagem do passado através de uma “conotação

estilística”, de maneira que se apresenta o passado por meio das imagens já conhecidas do

passado. No seriado, as histórias contadas não remetem ao passado histórico do Brasil; mas o

que sempre remete a um passado já conhecido e o toma como contexto para a história d’As

Brasileiras é a fala do narrador. Percebe-se uma busca por parte do mesmo por elementos da

história do Brasil que remetem à cidade ou o lugar em que a história narrada tomará como

cenário. Toma-se como exemplo duas partes do discurso do narrador. O primeiro texto é a

transcrição da fala do narrador nos momentos iniciais do episódio A Justiceira de Olinda.

Brasil, Nordeste, Pernambuco, Olinda. Foi a primeira capital do estado. Diz a lenda que o nome apareceu quando um fidalgo português viu aquele pedaço do paraíso plantado na beira do mar. Olinda, incendeia a imaginação de gregos e pernambucanos. E também dos holandeses, que ficaram com tanta inveja dela que botaram fogo na cidade. Mas ela renasceu das cinzas e hoje tem quatrocentos mil privilegiados com o sobe e desce das ladeiras, entre os edifícios coloniais, as matas

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de coqueiro e um mar de infinito azul. Como se não bastasse, Olinda tem cada moça que deixa o cidadão tresloucado, sem saber se são as bailarinas do frevo que caíram do céu ou as sereias que escaparam do mar, como nossa heroína de hoje: a justiceira de Olinda.

Esse segundo texto, também transcrição da fala do narrador, é do episódio A Inocente

de Brasília.

Brasil, Centro-Oeste, Brasília. Brasília é uma cidade sonhada por muita gente. Mas foi Lúcio Costa que desenhou a cidade em forma de avião e foi JK quem posou esse sonho no coração do Brasil. Desde que foi inaugurada, Brasília já tinha pinta de cidade do futuro. Hoje, seus dois milhões e meio de habitantes adoram viver entre os edifícios e esculturas arquitetados por Oscar Niemeyer. Quem chega à cidade se sente como um herói de ficção científica. E como se não bastasse, Brasília ainda tem um céu com vista panorâmica que, se bobear, vai até a Conchinchina. Claro que, como Brasília é a sede do poder, tem sempre uns urubus no ar arquitetando mamar o nosso pirão de canudinho. Mas os brasilienses merecem viver entre o céu e a beleza, como nossa heroína de hoje: a inocente de Brasília.

O “pastiche do passado estereotípico” está presente quando o narrador traz para os

espectadores elementos já conhecidos pelos mesmos para que se identifique o cenário em que

a história da brasileira será contada. Os edifícios e esculturas de Oscar Niemeyer em Brasília,

os edifícios coloniais de Olinda, assim como a presença do frevo na cidade remetem ao que o

espectador já conhece. O narrador não está ensinando sobre a cultura do local e não está

mostrando uma alteridade inédita para o espectador; ele está propondo o que Jameson (2007)

explica sobre o uso desses conhecimentos, dizendo que esses “fatos históricos”

envolvem, de uma forma ou de outra, a mobilização de um conhecimento histórico anterior, adquirido nos manuais didáticos de história, ideados para servir aos propósitos legitimadores desta ou daquela tradição nacional – dali por diante, instituindo uma dialética narrativa entre o que já “sabemos” [...] (p.50).

Assim, as personagens e a história nacional, estão na possibilidade de remeter a uma

familiaridade entre o espectador e a história contada pelo narrador, que é a lógica da

representação. O referente histórico se perde na narração, dando lugar, apenas, à

representação de um imaginário composto por estereótipos sobre o passado nacional.

Portanto, o que resta na narração é “buscar a História através de nossas próprias imagens pop

e dos simulacros daquela história que continuar sempre fora de nosso alcance” (JAMESON,

2007, p.52).

A partir dessas considerações sobre o pastiche, o narrador se encontra mais próximo

de uma perspectiva pós-moderna. Porém, dar a ele um título de narrador moderno ou pós-

moderno é tão problemático quanto distinguir a modernidade da pós-modernidade, pois a pós-

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modernidade não seria uma superação da modernidade e sim uma continuação dela. Jameson

(2007, p.28) dá como característica do pós-moderno,

o apagamento da antiga fronteira entre a alta cultura e a assim chamada cultura de massa ou comercial, e o aparecimento de novos tipos de texto impregnados das formas, categorias e conteúdos da mesma indústria cultural que tinha sido denunciada com tanta veemência por todos os ideólogos do moderno.

Porém, como dito anteriormente, o caso do Brasil é percebido pela presença do

discurso sobre o primitivo na indústria cultural e também nas vanguardas. Se por novos

textos, Jameson quer falar da volta ao nacional ou da tentativa de “representações” do

primitivo, ele está falando de discursos sobre o nacional de maneira fragmentada. O Brasil

trouxe esse discurso com sua vanguarda, ao falar do índio e das “alteridades” presentes no

país por meio da literatura e da televisão brasileira. Ortiz (1988) explica: [...] a

interpenetração da esfera de bens eruditos e a dos bens de massa configura uma realidade

particular que reorienta a relação entre as artes e a cultura popular de massa (p.65). A

definição que distingue a modernidade da pós-modernidade, no Brasil, se torna confusa, uma

vez que elementos presentes na fala de Jameson que caracterizam a pós-modernidade são

elementos que caracterizam a peculiar modernidade brasileira.

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As narrativas seriadas, como ficções próprias da maquinização da literatura,

trouxeram, desde o início dos jornais, o debate sobre a indústria cultural. O debate, no

entanto, não se encerra no texto escrito e toma o caminho de outras produções culturais.

Quando se fala sobre televisão, por exemplo, a crítica se dá tanto em apontar o caráter

manipulador e de “alienação”, quanto em afirmar que seu conteúdo é banalizador da cultura.

Na primeira situação, percebe-se que a televisão está superestimada como poder, no que a

crítica desconsidera a interpretação do espectador, nas possíveis e importantes relações que os

sujeitos lançam mão para a construção de sentidos daquilo que veem. Na segunda opção,

desqualifica-se a produção, desconsiderando a heterogeneidade das narrativas de ficção em

televisão. A afirmação de que todas as telenovelas, por exemplo, são iguais não encontra

respaldo em uma análise mais apurada da programação. Toda crítica às narrativas seriadas

encontra diferenças e, é claro, também semelhanças.

O proposto nesse trabalho foi uma aproximação com a televisão, especialmente com

suas produções seriadas, de maneira a perceber como seu papel é importante na construção de

uma identidade nacional. Para tanto, foi importante, de início, trazer o contexto da narrativa

seriada para dentro dos processos de produção industrial. Percebeu-se, com isso, que a

televisão tem seu papel na construção de uma brasilidade, mas não faz esse papel sozinha.

Contrariando certas alcunhas à televisão como manipuladora, também a construção de uma

noção de identidade não se dá de maneira uniforme. Nesse sentido, é interessante perceber

que, antes de serem manipuladoras ou “puro entretenimento” sem valor, a teledramaturgia é

produto cultural importante nas significações e construções de sentidos que, se fossem

homogeneamente manipulados, não seriam diferentes para cada espectador.

É importante retomar os conceitos de Debord e de Benjamin quando falamos das

produções culturais. Benjamin anuncia um potencial democrático percebido na

reprodutibilidade técnica. É na perspectiva de fazer uma crítica às obras reproduzidas que seu

discurso se faz relevante. Porém, pensa-se que essa “promessa” de Benjamin não chegou a

ser concretizada. Os moldes do consumo, pautados pelo capitalismo tardio (JAMESON,

2007), foram importantes para novas relações de consumo. Se hoje há a “democracia”, ela é

feita a partir da lógica do consumo e não necessariamente a caminho de um esclarecimento

das massas.

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Se para Benjamin há possibilidades de ver produção seriada maquínica como arte

politizada, os conceitos de Debord remetem à ideia de que toda a arte está dentro de uma

lógica do capital, tornando todas as mediações sociais um espetáculo. Ora, se tudo é

espetáculo e está dentro da lógica do capital, é pelo consumo que se pode pensar as relações

do sujeito com o mundo, principalmente quando se trata de sua busca por identidade.

Dentro da lógica da produção televisiva, tem-se como grande exemplo as narrativas

seriadas. Seu caráter “popular” e, portanto, de “baixa” cultura, trouxe para si sua

popularidade. É pelas narrativas seriadas, vindas do folhetim e sobreviventes até as narrativas

televisivas contemporâneas, que o “baixo” e o “alto” se misturaram, mistura essa que foi

denominada como massa. Tomando essa perspectiva como premissa, a horizontalização da

produção cultural, então, não seria um dado de democratização da cultura?

As narrativas seriadas também são a prova de como o melodrama é capaz de se

adequar a seus meios de expressão e às condições de produção contemporânea. Presente na

“tradição” das narrativas seriadas brasileiras, o melodrama foi hábil em se moldar a favor do

“progresso” tecnológico, bem como se adequar às novas condições sociais que o país vive.

Sua capacidade de dramatizar um momento histórico contemporâneo pode ser o motivo de

sua sobrevivência. Seu uso, nesse sentido, se pauta na lógica de mostrar a história da vida

diária colocada como espetáculo, à venda para o consumo de uma identidade nacional.

Huppes (2000), que traz o capital para a análise do melodrama, afirma que este precisa se

adequar a um certo “gosto” do espectador. Se o melodrama na teledramaturgia é monitorado

a cada episódio, e percebendo como o melodrama se modificou ao longo de sua existência,

pode-se perceber que os contornos mais duros foram amolecidos no melodrama, talvez, pelo

descentramento de um sujeito não mais tão duro a regras e a instituições sociais. Esse sujeito

descentrado, espectador do melodrama, ajuda a ficção a se adequar ao sujeito pós-moderno.

A produção seriada, desde os folhetins (século XIX) às narrativas ficcionais

televisivas, tem participado, de forma significativa, para a construção do que é percebido hoje

como uma identidade nacional. Ou seja, são ficções que reforçam ideologias que afirmam a

nação como lugar de pertencimento e, consequentemente, de identificação.

É por meio desses produtos culturais, como as narrativas seriadas, que a televisão

conhece seu lugar como importante construtor de sentidos para o imaginário de uma nação.

No Brasil, essa discussão sobre a televisão está relacionada aos debates sobre a modernidade

brasileira, que se dá como uma modernidade tardia, ou pós-moderna. E pode ser considerada

pós-moderna uma vez que a indústria cultural, que é de massa, no Brasil, certamente tem uma

postura de direita e foi totalmente a favor dos paradigmas da modernização pela via da

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economia. No entanto, a mesma acaba por absorver as manifestações do arcaico e do

“marginal” tardiamente. A televisão, portanto, toma como conteúdo temas como a

“marginalidade”, a “diversidade” e a “desigualdade” quando esse debate já tinha sido feito

pelos pensadores de esquerda no modernismo. Mas, ao invés de problematizá-los, a indústria

cultural trouxe os mesmos debates, dentro da lógica do capital, para consumo como

espetáculo.

Identidade e representação devem estar em uma relação de conflito. Raúl Antelo

(1994) se refere a isso como um espaço de construção de sentidos para os indivíduos e que

uma linguagem universal não se faz possível, propondo uma visão crítica da representação a

partir desta como uma atividade de interpretação. Hall (2014), que traz o conceito de sujeito

pós-moderno e o justifica como uma consequência da modernidade tardia (ou pós-

modernidade), entende que os indivíduos podem assumir e conviver com identidades

contraditórias e simultâneas, a partir de um mercado cultural extenso e “globalizado”. Em

relação a esses dois pensamentos, o olhar sob o objeto As Brasileiras foi lançado de maneira a

entender como esse produto cultural contemporâneo ainda está atrelado às questões da

representação, a entender como noções de brasilidade e nação estão presentes no seriado.

Em As Brasileiras, a relação entre modernidade e pós-modernidade se torna

conflituosa e de difícil diferenciação. É perceptível que o seriado propõe representações já

marcadas pela modernidade brasileira. No caso da índia Araí, as referências a Gilberto Freyre

são nítidas. Elas não foram esquecidas pela narrativa televisiva, mas também não foram

problematizadas. As representações estão lá postas como “verdade”. Primeiro, a índia que

está representada no seriado é a figura do espetáculo; segundo, em sua posição de

“subordinada” ao discurso civilizatório, a índia não é problematizada, pois não se tratou de

trazer questões sobre o lugar do índio e sim de reforçá-lo como um selvagem. Nesse ponto, o

seriado se faz moderno. Mas é importante perceber, também, que a índia se faz, no seriado, a

partir de um simulacro de índio. Essa índia só existe na imagem construída pelo imaginário

modernizador, civilizador do “selvagem”. E se sua “revelação” como atriz, ao final do

episódio, pode trazer inquietações, tem-se a ideia de que essa revelação da índia é uma

revelação da própria trama dos estados espetaculares da arte e da cultura. Quando tudo não

passa de uma ilusão e o documentário vira publicidade, a “realidade” só é possível a partir de

um espetáculo dela mesma.

O narrador em As Brasileiras também demonstra os conflitos entre a modernidade e a

pós-modernidade. Dentro de uma lógica de um Brasil à venda, proposta por Garramuño

(2009), o narrador do seriado é moderno: as diversidades propostas na tela estão na premissa

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de um exotismo comercial, assim como o samba o foi no Brasil. E nessa mesma perspectiva,

ele também se faz pós-moderno, em função de sua condição de assumir diversidades, sem, no

entanto, sair de uma perspectiva comercial.

No que tange à legitimidade do discurso, a presença de uma condição pós-moderna,

em relação às alteridades propostas em todo o seriado, supõe um discurso moderno e

totalizante do narrador: este, que é único, unifica as diferentes brasileiras propostas no seriado

como “marias”. Esse movimento à totalização está na modernidade: um discurso unificado,

que diminui o fragmento, embala-o como exotismo e torna esse exotismo como a condição

brasileira.

Percebe-se, portanto, um conflito presente nas produções narrativas seriadas

televisivas: aberta a moldes da estética atual, as narrativas seriadas estão no conflito entre a

modernidade e a pós-modernidade. Esses conflitos são desafiadores para a lógica da

produção dos meios de comunicação de massa, uma vez que esses tanto aprenderam e

obedeceram as regras do progresso na modernidade. Os traços da pós-modernidade estão

presentes, mesmo que muitas vezes tímidos ou, até mesmo, difíceis de serem diferenciados da

modernidade em si.

Assim, o seriado As Brasileiras se apresenta na ambiguidade que tanto indica um

avanço na teledramaturgia por perceber e ensaiar a diversidade cultural, quanto retoma

estruturas narrativas que pretendem reduzir as diferenças à “harmonização” ideológica da

identidade nacional, à brasilidade.

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