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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
HOSPITAL UNIVERSITÁRIO – INSTITUTO DE PISCOLOGIA
ADSSON MAGALHÃES
Aspectos relevantes no processo terapêutico comportamental infantil:
um estudo de caso
SÃO PAULO
2013
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ADSSON MAGALHÃES
Aspectos relevantes no processo terapêutico comportamental infantil:
um estudo de caso
SÃO PAULO
2013
Monografia apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Terapia Comportamental: teoria e prática, da Universidade de São Paulo, como parte dos requisitos para obtenção do título de Especialista em Terapia Comportamental. Orientadora: Profª Drª Maria Martha Costa Hübner Coordenadora: Profª Drª Maria Martha Costa Hübner
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AGRADECIMENTOS
Primeiramente agradeço a quem oportunizou mais essa conquista: Martha Hübner, a
conclusão dessa etapa é o reforçador para o voto de confiança.
A Daniela Landim, parceira de atendimento, que me acompanhou nas reviravoltas do caso.
A Tatiana e Marcelo, monitores da especialização, cujas dicas e discussões foram
fundamentais para o sucesso dos atendimentos.
A Camila e Rafael, cujas inusitadas “supervisões” auxiliaram nos momentos mais difíceis.
A Elaine, Michele e Vilma, o suporte que vocês nos deram durante todo o percurso da pós
foi incrível.
A Salézia, que mesmo longe, continua participando e acompanhando de perto a minha
formação.
A Jéssica e Luciana por serem sempre tão disponíveis.
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"Os principais problemas enfrentados hoje pelo mundo só poderão ser resolvidos se
melhorarmos nossa compreensão do comportamento humano."
Skinner, 1974, p.8
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RESUMO
Magalhães, A. (2013). Aspectos relevantes no processo terapêutico comportamental infantil:
um estudo de caso. Monografia de Especialização. Hospital Universitário - Instituto de
Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo.
No contexto clínico, a Análise do Comportamento tem interesse em investigar as relações
funcionais dos comportamentos do indivíduo que busca alívio para seu sofrimento, bem
como criar condições para que suas queixas sejam resolvidas. A vertente infantil da terapia
analítico-comportamental é considerada uma atividade clínica diferenciada que visa
promover o desenvolvimento de um repertório comportamental mais adequado e funcional
para as crianças. Além disso, o terapeuta deve criar condições para o desenvolvimento do
autoconhecimento pela criança. A vasta compreensão do comportamento operante é a
principal justificativa quando se ambiciona a possibilidade de mudança no comportamento
de um indivíduo. No presente trabalho, será apresentado um estudo de caso clínico com
comentários e considerações acerca de aspectos relevantes do processo terapêutico
comportamental infantil. Utilizando a Análise do Comportamento como um dos sistemas
psicológicos, torna-se possível compreender a mudança comportamental promovida pela
investigação das relações entre todas as variáveis apresentadas e investigadas. Será
apresentado o caso de uma criança de oito anos, encaminhada pelo Departamento de
Psiquiatria do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo em março de 2012.
Também serão discutidas as vantagens e desvantagens das técnicas utilizadas, junto a um
embasamento bibiográfico que possibilita a análise detalhada de todo o atendimento. Os
resultados apresentados descrevem algumas intervenções e estratégias que contribuíram
para o desenvolvimento da terapia e estão principalmente focadas na modificação através
do comportamento operante. Os principais pontos a serem discutidos serão: (1) a
importância do reforçamento contingente e dos esquemas de reforçamento no ambiente da
criança, (2) o uso dos reforçadores naturais e reforçadores arbitrários pelos pais e
terapeutas, (3) a importância do relato de eventos privados em sessão para promover o
autoconhecimento, (4) o controle dos antecedentes em sessão para mudanças de respostas,
(5) as influências negativas do controle aversivo dos pais sobre o comportamento dos filhos,
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(6) o planejamento de mudanças comportamentais, (7) a importância da atuação dos pais
para manutenção dos comportamentos de melhora fora da sessão, e (8) a importância do
vínculo terapêutico para maior eficácia da terapia. Sabe-se que o ambiente do consultório
não permite um controle rigoroso e sistemático como é possível no laboratório, entretanto,
através das análises apresentadas, pôde-se demonstrar como a modificação do
comportamento de uma criança requer manipulação de inúmeras variáveis com a
participação de alguns daqueles que fazem parte de seu ambiente: terapeutas e pais. Essa é
uma forma de compreensão do comportamento humano como fruto de interações do
indivíduo com seu ambiente.
Palavras-chave: Análise do Comportamento. Intervenções e Estratégias Comportamentais.
Terapia Comportamental Infantil.
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SUMÁRIO
1 APRESENTAÇÃO......................................................................................................... 7
2 INTRODUÇÃO............................................................................................................ 9
2.1 Um breve histórico sobre o modelo de seleção por consequências............................. 9
2.2 O modelo de seleção por consequências e a prática clínica......................................... 11
3 TERAPIA COMPORTAMENTAL INFANTIL..................................................................... 13
4 OBJETIVOS........................................................................................................ ......... 17
4.1 Objetivo Geral............................................................................................................... 17
4.2 Objetivos Específicos..................................................................................................... 17
5 METODOLOGIA................................................................................................. ......... 18
5.1 Participantes................................................................................................................. 18
5.2 Local de atendimento.................................................................................................... 18
5.3 Tempo de atendimento................................................................................................. 18
6 DESCRIÇÃO GERAL E CONDUÇÃO DO CASO................................................................ 19
7 RESULTADOS E DISCUSSÃO........................................................................................ 22
7.1 Reforçamento contingente e esquemas de reforçamento........................................... 22
7.2 Reforçadores naturais versus reforçadores arbitrários................................................. 26
7.3 Relato de eventos privados........................................................................................... 27
7.4 Controlando os antecedentes....................................................................................... 29
7.5 As influências negativas do controle aversivo dos pais................................................. 33
7.6 Planejamento de mudanças comportamentais............................................................ 39
7.7 Importância da atuação dos pais para manutenção dos comportamentos de
melhora fora da sessão.......................................................................................................
41
7.8 Importância do vínculo terapêutico.............................................................................. 46
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................ 51
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................... 52
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1 APRESENTAÇÃO
O comportamento é uma característica primordial dos seres vivos (Skinner,
1979/2007) e por anos a Psicologia se debruça em estudá-lo. No início do século passado, o
Behaviorismo surgiu como uma proposta para o estudo do comportamento humano em si
(Matos, 1997). O Behaviorismo é a filosofia da ciência do comportamento, consistindo num
conjunto de reflexões sobre comportamento humano, temas e métodos da Psicologia e da
ciência do comportamento (Costa, 1997).
Como revela Keller (1974), Watson sentenciava que a Psicologia deveria ser um ramo
puramente objetivo e experimental das ciências naturais; tendo o comportamento como seu
objeto de estudo, um método inteiramente objetivo e a predição e controle como
problemas centrais.
Entre as propostas de Watson (1913, 1925) com a vertente do Behaviorismo
Metodológico é importante citar: (1) o estudo do comportamento em si, e não como o
indício da existência de um fenômeno que se expressaria através do comportamento, (2)
oposição ao mentalismo e causas internas como consciência, sentimentos, subjetividade,
processos cognitivos ou estados mentais, (3) considerar o evolucionismo biológico para
estudar o comportamento humano e animal, e (4) utilizar a observação consensual como
forma de validação. Criou-se então o paradigma S → R (estímulo-resposta), que
compreendia o ser humano pela reação dos órgãos sensoriais, músculos e glândulas aos
estímulos, e usava métodos objetivos para coleta de dados através de experimentos
controlados cujas respostas pudessem ser observadas consensualmente por terceiros, e não
apenas pelo sujeito que se comporta, como por meio da introspecção até então empregada
como método de estudo do comportamento humano.
Na década de 1940, o filósofo inglês Gilbert Ryle também argumentava contra a
concepção não física da mente advinda do cartesianismo, principalmente pelo entrave
teórico de como a mente poderia influenciar o corpo e vice-versa, afinal se tratariam de
instâncias diferentes: o corpo material e a mente imaterial (Ryle, 1949).
Já a denominação Behaviorismo Radical, inaugurada por Skinner, possui um
significado antimentalista, que nega a existência de fenômenos cuja natureza não seja física
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(mente e cognição), transformando a visão de homem skinneriana em monista: o organismo
é uno e interage em sua totalidade com o ambiente.
Skinner (1938/1966) define comportamento como a relação entre o organismo e o
ambiente, e grande parte do repertório comportamental humano é operante (aprendido),
não respondente (inato) como afirmavam os antigos behavioristas. Tourinho (2003)
relembra que o modelo causal do comportamento da vertente behaviorista radical concebe
a multideterminação do comportamento por meio de três níveis inter-relacionados. O
comportamento é então determinado pela (1) filogênese (história biológica evolutiva da
espécie, que seleciona certas características anatômicas e fisiológicas, certas respostas -
reflexos incondicionados – a sensibilidade às consequências da ação e a sensibilidade
diferenciada a certos eventos ambientais); (2) ontogênese (na qual a imitação, modelação e
modelagem produzem repertórios novos e adaptativos ao ambiente atual de cada indivíduo)
e (3) cultura (que possibilita, por meio da linguagem, a aquisição de comportamentos novos
sem necessidade de exposição às contingências que originalmente produziram aquele
comportamento).
Muito se avançou nos últimos anos acerca da compreensão do comportamento
humano e seu estudo, e atualmente, a Análise do Comportamento tem como referencial
norteador o modelo causal da seleção por consequências, desenvolvido por B. F. Skinner na
década de 80, que dá fundamento ao paradigma operante, segundo o qual, a ação do
indivíduo modifica o ambiente, produzindo consequências que alteram o próprio organismo
(Andery, Micheletto & Sério, 2007).
A vasta compreensão do comportamento operante é a principal justificativa quando
se ambiciona a possibilidade de mudança no comportamento de um indivíduo. No presente
trabalho, será apresentado um estudo de caso clínico com comentários e considerações
acerca de aspectos relevantes do processo terapêutico. Utilizando a Análise do
Comportamento como um dos sistemas psicológicos, torna-se possível compreender a
mudança comportamental promovida pela investigação das relações entre todas as variáveis
apresentadas e investigadas.
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2 INTRODUÇÃO
Sob a perspectiva do Behaviorismo Radical, os comportamentos dos indivíduos estão
sob controle de variáveis ambientais (Skinner, 1979/2007). Os comportamentos são,
portanto, selecionados por suas consequências em determinados contextos, sendo possível
explicá-los a partir de suas relações funcionais com as variáveis históricas e atuais que
compõem as contingências.
Em sentido geral, contingência pode ser definida como qualquer relação de
dependência entre eventos ambientais ou entre eventos comportamentais e ambientais, e
na Análise do Comportamento, é um termo empregado para enfatizar como a probabilidade
de um evento pode ser afetada ou causada por outros eventos (Catania, 1999; Todorov,
1985).
Por meio do Behaviorismo Radical, Skinner propôs um novo modelo de compreensão
do ser humano: o modelo de seleção pelas consequências.
2.1 Um breve histórico sobre o modelo de seleção por consequências
Em julho de 1981, Skinner publica o famoso artigo intitulado “Selection by
consequences” (Seleção por consequências – tradução livre) na Science, no qual alega ser a
seleção por consequências um modelo causal que explica os processos de modelagem e
manutenção do comportamento do individuo e a evolução das culturas.
Para Skinner (1979/2007), o comportamento resulta da interação entre organismo e
ambiente, só podendo ser entendido a partir da identificação das circunstâncias nas quais
ele ocorre. O comportamento é visto como uma unidade interativa, e deve ser investigado
sistematicamente. Essa investigação se dá mediante a descrição e a interpretação de
relações funcionais entre comportamento e ambiente.
Reconhecendo os aspectos puramente biológicos dos seres humanos para as causas
do comportamento, mas enfatizando sua capacidade superior em se relacionar como
ambiente, Skinner (1981) é claro ao propor que a evolução desses aspectos permitiu ao ser
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humano desenvolver importantes habilidades necessárias para a sobrevivência enquanto
indivíduo e espécie.
O que chamamos comportamento evoluiu como um conjunto de funções promovendo uma interação entre organismo e ambiente. Em um mundo relativamente estável, poderia ser mais uma parte do componente genético das espécies, como digestão, respiração ou qualquer outra função biológica. O envolvimento com o ambiente, entretanto, impôs limitações. O comportamento funcionava bem apenas sob condições similares à quais fora selecionado. A reprodução por meio de uma ampla gama de condições se tornou possível com a evolução de dois processos por meio dos quais cada organismo individualmente adquiriu comportamentos apropriados para novos ambientes. Através do condicionamento respondente (pavloviano), respostas preparada pelo avanço da seleção natural puderam ficar sob controle de um novo estímulo. Através do condicionamento operante, novas respostas puderam ser fortalecidas (reforçadas) por eventos que lhe sucedessem imediatamente. (Skinner, 1981, p. 501 – tradução livre).
Uma dessas habilidades aprendidas pelo ser humano, de importância fundamental na
prática clínica, é o comportamento verbal. Skinner (1957) o definiu como um
comportamento operante modelado e mantido por um ambiente verbal, ou seja, por
pessoas que respondem ao comportamento de um modo específico devido as práticas do
grupo que fazem parte. Incluiu as práticas da comunidade e a interação resultante entre
falante e ouvinte. Como complementam Sério e Andery (2002), também se caracteriza por
manter com o ambiente uma relação indireta e não mecânica, que alteram, em primeiro
lugar, um outro homem, envolvendo processos típicos da espécie humana. Essa, segundo
Hübner (1997), é sua característica definidora: é estabelecido e mantido por reforçamento
mediado por outra pessoa, o ouvinte que é preparado pela comunidade verbal para realizar
a mediação. Ao passo que se tornou capaz de controlar sua própria fala, a sociabilidade do
ser humano tornou-se mais efetiva.
O desenvolvimento do controle ambiental sobre a musculatura vocal aumentou extensamente a ajuda que uma pessoa recebe de outras. Comportando-se verbalmente, as pessoas cooperam de maneira mais eficaz entre si. Receber conselhos, prestar atenção em avisos, seguir instruções e observar regras; eles se beneficiam com o que já aprenderam. Práticas éticas são fortalecidas pela sua codificação em leis, e técnicas especiais de autogestão ética e intelectual são desenvolvidas e ensinadas. Autoconhecimento ou consciência emergem quando uma
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pessoa pergunta a outra algo como: "O que você está fazendo?" ou "Por quê você fez aquilo?". A invenção do alfabeto disseminou essas vantagens em grandes distâncias e eras. Há muito tempo conferem à espécie humana uma posição única, embora seja possível que esse "única" seja apenas a extensão do controle operante sob a musculatura vocal. (Skinner, 1981, p. 502 – tradução livre).
O desenvolvimento verbal pelos seres humanos aumentou a importância do terceiro
nível de seleção por consequências, que permitiu ao ser humano a convivência em
sociedade e o desenvolvimento de aspectos culturais.
Presumivelmente, o processo se inicia no nível individual. A melhor maneira de fazer uma ferramenta, cultivar alimento, ou ensinar as crianças, é reforçada pelas consequências - a ferramenta, a comida, ou um ajudante útil, respectivamente. A cultura evolui quando práticas originadas dessa maneira contribuem para o sucesso da prática grupal em solucionar seus problemas. O responsável pela evolução da cultura é o efeito sobre o grupo, e não do reforçamento de consequências para os membros individualmente. (Skinner, 1981, p. 502 – tradução livre).
2.2 O modelo de seleção por consequências e a prática clínica
De acordo com Costa (1997), o surgimento da Terapia Comportamental está
relacionado com os trabalhos de condicionamento reflexo de respostas de medo,
produzidos por Watson e Rayner na década de 20. À medida que as pesquisas experimentais
foram se desenvolvendo, seus resultados passaram a ser incorporados à prática clínica dos
terapeutas.
Na década de 1960, London (1969) fez a distinção entre a terapia como técnica de
controle das pessoas, utilizada de uma forma mecânica e por vezes antiética, e os métodos
de controle e manipulação usados a partir de então para influenciar valores e atitudes, curar
distúrbios mentais e promover no sujeito uma conduta mais adequada na sociedade,
representando uma evolução na concepção do indivíduo que procurava ajuda.
Compreender e intervir adequadamente sobre o comportamento, especificamente
sobre o campo da subjetividade, só seria possível considerando-se as interações entre os
três níveis de seleção propostos pelo Behaviorismo Radical. Sampaio e Andery (2011)
apontam que tanto os operantes do repertório de um indivíduo com das espécies e as
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práticas culturais, são produtos de um processo de seleção por consequências que explica
seu surgimento, sua manutenção, extinção ou mudança.
Atualmente, concebendo o indivíduo como produto das consequências, o mesmo
passa a ter um papel ativo na produção de seu ambiente e de si mesmo. Skinner
(1979/2007) e Zamignani e Jonas (2007) abordam o conceito de modelagem como processo
por meio do qual o comportamento é moldado, sendo central para a compreensão da
instalação e da transformação do repertório do sujeito ao longo da vida.
Ao incluir o ambiente do sujeito como aspecto fundamental para o seu
comportamento e noção interacionista através da qual “os homens agem sobre o mundo e o
modificam e, por sua vez, são modificados pelas consequências de sua ação" (Skinner, 1957,
p.1), torna-se necessária uma análise dos comportamentos ao nível do grupo social. Em
outras palavras, uma análise do papel exercido pela cultura sobre seus membros,
considerando as funções que determinadas estratégias de controle aplicadas por grupos e
instituições sociais desempenham.
Desse modo, a terapia surge como uma prática que visa promover uma interação
mais favorável do indivíduo com o grupo social e com o ambiente físico, minimizando os
problemas emocionais e o sofrimento.
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3 TERAPIA COMPORTAMENTAL INFANTIL
As primeiras tentativas de prática clínica derivadas da Análise Experimental do
Comportamento eram as chamadas Modificações do Comportamento. Nessa proposta,
transpunha-se o modelo de laboratório para as situações clínicas, pretendendo-se atender à
comunidade científica com o rigor da produção de conhecimento ao mesmo passo em que
atendia aos clientes promovendo melhoras significativas em seus comportamentos. Porém
essas tentativas fracassaram com ostensivas críticas acerca da manipulação do ambiente
ferindo a liberdade pessoal do cliente, e principalmente de sua superficialidade, por não
lidar com problemas clínicos mais complexos (Guedes, 1993).
A proposição de uma nova terapia comportamental surgiu deixando de lado a pura
solução de problemas concretos e o objetivo de uma terapia rápida para enfatizar novas
questões como: vínculo entre terapeuta e cliente, aspectos da relação terapêutica, utilização
de sonhos e fantasias, relato de sentimentos e eventos privados como estratégias para obter
informações sobre os pacientes, e o desenvolvimento de autoconhecimento.
Atualmente, considera-se que no contexto clínico, a Análise do Comportamento tem
interesse em investigar as relações funcionais dos comportamentos do indivíduo que busca
alívio para seu sofrimento, bem como criar condições para que suas queixas sejam resolvidas
(Delitti, 1997; Meyer, 1997). Sendo uma intervenção terapêutica embasada nos
pressupostos teóricos do Behaviorismo Radical e na Análise Experimental do
Comportamento, dedica-se à modificação e ampliação de repertórios comportamentais,
realizando, principalmente, análises funcionais (Kerbauy, 2001).
Skinner (1979/2007) escreveu que
As varáveis externas, das quais o comportamento é função, dão margem ao que pode ser chamado de análise causal ou funcional. Tentamos prever e controlar o comportamento de um organismo individual. Esta é a nossa “variável dependente” – o efeito para o qual procuramos a causa. Nossas “variáveis dependentes” – as causas do comportamento – são as condições externas das quais o comportamento é função. Relações entre as duas – as “relações de causa e efeito” no comportamento – são as leis de uma ciência (p.38).
Difundida e amplamente estudada por Kohlenberg e Tsai (2001), a análise funcional é
um dos instrumentos mais importantes utilizados pelos terapeutas, pois é possível
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identificar as variáveis que influenciam o desenvolvimento e a manutenção dos
comportamentos do cliente, além de possibilitar a promoção de novas relações de
contingências, facilitando mudanças na frequência e padrão dos comportamentos tidos
como problemas.
Meyer (1997) reflete que as mudanças no comportamento só são possíveis quando
se mudam as contingências. Portanto, a análise funcional é fundamental sempre que o
objetivo for predição e controle do comportamento, como se espera da terapia. O
comportamento do cliente tem uma função, como reconhece Delitti (2001), e cabe ao
terapeuta descobrir em que contingências este comportamento se instalou e como ele se
mantém.
A vertente infantil da terapia analítico-comportamental é uma abordagem que se
estabeleceu como modelo psicoterapêutico apenas a partir das décadas de 1950 e 1960. É
considerada uma atividade clínica diferenciada que tem o objetivo de promover o
desenvolvimento de um repertório comportamental mais adequado e funcional para as
crianças. Além disso, o terapeuta deve criar condições para o desenvolvimento do
autoconhecimento pela criança (Conte & Regra, 2000, 2004; Vasconcelos, 2001).
Enquanto na terapia de adultos há uma maior probabilidade de relato e descrição de
comportamentos, sentimentos e até contingências pelos clientes, o repertório verbal infantil
pode ser restrito para a descrição de sentimentos, lembranças e acontecimentos;
dificultando o acesso do terapeuta às variáveis que estão presentes no ambiente e
controlam o comportamento das crianças. Gadelha e Menezes (2004) consideram a busca
do terapeuta por procedimentos e estratégias alternativas ao relato verbal infantil como
uma das principais diferenças da terapia com adultos e com crianças para obter informações
relevantes.
Para que a terapia tenha sucesso, as crianças frequentemente precisam de outras
formas para expressar-se que não a verbal. Entre essas outras formas de expressão, pode-se
utilizar de desenhos ou histórias, pedir para a criança fantasiar, imaginar e interpretar
situações, usar bonecos e jogos, pinturas, entre outros instrumentos que caracterizem uma
situação natural para a criança e um ambiente livre de censura para a exposição de seus
sentimentos (Nalin, 1993, Regra & Marinotti, 2008).
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Emidio, Ribeiro e Faria (2009) salientam que nesse ambiente é possível aprender
determinados comportamentos ausentes no repertório infantil, aumentar a frequência das
interações positivas e diminuir as negativas; ensinar a criança a seguir instruções; tolerar
frustrações; controlar impulsividade; manter um comportamento organizado; desenvolver
valores como honestidade, confiança e comportamento pró-social; desenvolver a
comunicação, emissão de comportamentos criativos e de leitura, soluções originais de
problemas e visão crítica da realidade.
O envolvimento de outras pessoas, além da própria criança, é fundamental para o
sucesso de uma análise funcional e proposição de mudanças do comportamento infantil,
como esclarecem Conte e Regra (2004). A participação dos pais no processo terapêutico é
fator essencial para uma terapia bem sucedida, afinal grande parte das contingências às
quais a criança está exposta é composta por relações com os pais e familiares.
O modelo triádico de manejo de contingências delineado por Silvares (1995) refere-
se à interação de três pessoas (psicólogo, mediador e alvo), e no caso da terapia infantil,
além do envolvimento do terapeuta e do cliente, os pais aparecem como importantes
mediadores de todo o processo. Quando maior a modificação das variáveis independentes
mantenedoras dos comportamentos da criança, maior a efetividade da intervenção
terapêutica.
Junto a esses fatores, a família estabelece contingências relevantes para a
aprendizagem e o desenvolvimento de comportamentos da criança, servindo como modelo
e como fonte de regras e consequências. Del Prette e Del Prette (2005) destacam o contexto
familiar como variável que contribui tanto para a ocorrência de déficits ou excessos dos
padrões de relacionamento e competência social da criança, como para a manutenção de
padrões de comportamentos adequados ou inadequados.
Moura e Venturelli (2004) delineiam algumas etapas para a condução do processo
terapêutico com crianças que incluem (1) explicar à criança sobre o funcionamento da
terapia, (2) definir com ela quais os problemas a serem trabalhados e os objetivos, (3)
trabalhar identificação e expressão de sentimentos, (4) analisar as consequências e levantar
alternativas comportamentais, (5) treinar habilidades específicas em sessão, (6) incentivar a
ocorrência do novo comportamento fora da sessão, (7) realizar análise e refinamento das
tentativas de mudanças, e (8) fortalecer as mudanças ocorridas, iniciando o processo de alta.
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O uso de diretrizes e a sistematização das intervenções no processo terapêutico infantil
pode aumentar a eficácia da terapia.
Mudar o repertório de uma criança significa ajudá-la no desenvolvimento do seu
autoconhecimento, para que haja discriminação da função dos comportamentos em sua
própria vida e mudá-los, a fim de promover qualidade de vida para si e para os que convivem
com ela.
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4 OBJETIVOS
4.1 Objetivo Geral
Destacar e discutir aspectos relevantes no processo terapêutico infantil.
4.2 Objetivos Específicos
1 – Apresentar o processo terapêutico de uma criança de oito anos, encaminhada
pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo
(HU-USP), em março de 2012;
2 – Descrever as técnicas utilizadas no processo terapêutico;
3 – Discutir as vantagens e desvantagens das estratégias utilizadas junto a um
embasamento bibliográfico;
4 – Relatar estratégias eficazes utilizadas nos atendimentos.
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5 METODOLOGIA
O presente trabalho trata-se de um estudo de caso acompanhado de uma extensa
revisão bibliográfica de artigos e livros, onde serão apresentados e discutidos aspectos
considerados relevantes no processo terapêutico.
O caso será apresentado de forma resumida, com excertos das sessões, comentários,
quadros de tríplice contingência e os dados mais importantes discutidos.
5.1 Participantes
Paciente1: B., sexo feminino, oito anos.
Pais da Paciente: M (Mãe) e P (Pai)
Terapeutas: T1 e T2 (autor)
5.2 Local de atendimento
Salas de consulta no Hospital Universitário HU-USP.
5.3 Tempo de atendimento
O período total de atendimento foram dois semestres no ano de 2012. Foram
realizadas trinta sessões com B., e dez com os pais. Cada sessão tinha a duração aproximada
de 60 minutos, flexibilizada para mais ou para menos, a depender da demanda e das
necessidades para cada encontro.
1 Apesar das discussões, o termo utilizado para se referir à criança será ‘paciente’ em substituição a ‘cliente’,
tendo em vista se tratar de um caso atendido em um hospital, onde a terminologia é frequentemente utilizada.
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6 DESCRIÇÃO GERAL E CONDUÇÃO DO CASO
B. era uma garota de oito anos de idade que morava com os pais e a irmã de quatro
anos, e cursava o terceiro ano da escola regular na Escola Aplicação da USP. Chegou ao
atendimento de Terapia Comportamental encaminhada pelo setor de Psiquiatria do Hospital
Universitário. Não tomava nenhuma medicação e não apresentava nenhum diagnóstico
psiquiátrico.
Segundo relato da mãe, quando pequena era uma criança ativa, inteligente e se
desenvolveu muito bem. Com um ano e oito meses teve apneia do sono, resultando numa
qualidade insatisfatória da respiração. Aos três anos de idade realizou amigdalectomia
(intervenção cirúrgica para retirada das amígdalas), após a qual a mãe diz ter elevado o peso
de B. que no início dos atendimentos pesava mais de 40 kg. A mãe se preocupava muito com
o peso da filha, e tentava controlá-lo através de dietas que B. não aderia e demonstrava não
gostar.
As queixas iniciais trazidas pelos pais eram relativas à agressividade e
comportamentos inadequados na escola e em casa. B. obrigava a irmã a fazer o que queria e
quando não era atendida, agredia quem estava à sua frente. Outra queixa era o medo
excessivo de B., que não ia a lugar algum sozinha, sempre necessitando da mãe ou do pai
para ir ao banheiro, além de não tolerar ficar sem companhia. Afirmava ter medo da “Loira
do Banheiro”, uma personagem de lendas de horror infantis. Não ia ao banheiro na escola e
pedia para o pai tirar o espelho do banheiro, pois tinha medo de olhar.
Segundo a mãe “ela tem corpo e mente de 12 anos. Ela se sente uma adolescente, só
gosta de programas de televisão de adolescente, quer se vestir e se maquiar como
adolescente”. Comportamento que a mãe não concordava. Era muito agressiva e rebelde na
escola e em casa. Em 2011.1, a mãe foi chamada aproximadamente dez vezes com queixas
de comportamentos agressivos da filha com os colegas. A mãe, junto à equipe da escola,
conversou muito com B., que melhorou o comportamento agressivo.
No semestre seguinte (2011.2), a mãe relatou uma recaída dos comportamentos
inadequados. Por se sentir excluída pelos colegas na escola, B. começou a furtar objetos em
casa e na escola. Em 2012.1 estava extremamente agressiva com a mãe, saía pela manhã e
chegava da escola brigando com todos, não aceitando ser questionada. Houve episódio de
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autoagressão, quando ficou com muita raiva e se arranhou no rosto. Fantasiava muito e não
falava a verdade. Sempre colocava a culpa de tudo na mãe, se estava irritada era porque a
mãe a chateava ou perturbava, e segundo B., também se agredia por culpa da mãe. Também
culpava a mãe por ser uma criança gorda. A mãe também relatou que B. era muito
desafiadora e se opunha a tudo que lhe era dito/pedido. O nível de preocupação da mãe se
elevava em relação à irmã menor, pois B. já bateu com a cabeça da irmã na parede num
acesso de raiva.
B. iniciou a terapia no HU num grupo com outras quatro crianças. Entretanto, a partir
da sexta sessão foi-se configurando como atendimento individual. Ao longo das sessões
outras queixas surgiram relacionadas à dificuldade de B. para dormir sozinha, e a alta
frequência de acordar no meio da noite gritando pela mãe. Também se evidenciou
dificuldades em seguir uma rotina diária, e para realização das tarefas da escola.
Ao dar início ao trabalho com psicoterapia individual com B., foi dada atenção aos
comportamentos inadequados relacionados à queixa dos pais, como: furtar, agressividade
com irmã, medo de ir ao banheiro e não tomar banho sozinha, tirar o espelho do banheiro,
birras e não seguir a rotina diária.
Durante os atendimentos em grupo e individuais, foram intercaladas sessões com os
pais para realizar psicoeducação com eles e monitorar os efeitos da terapia Nessas sessões
outras queixas apareceram como fala em excesso na sala de aula e agressividade ao
responder os outros; dificuldade em utilizar o quadro de fichas organizado pelos terapeutas,
aumento do comportamento de mentir, perda de recados da professora e de lições da
escola pra casa.
Ao fim do primeiro semestre, novos repertórios tinham sido desenvolvidos por B.,
que passou a dormir sozinha, fazer a lição de casa regularmente, tomar banho e ir ao
banheiro sozinha, além de iniciar relatos emocionais de forma independente, cessar os
episódios de auto e heteroagressão, aumentar a frequência de contato visual, e diminuir a
frequência do furto de pequenos objetos.
Realizou-se uma sessão com os pais antes do período de recesso de duas semanas no
meio do ano para oferecer mais algumas orientações para manutenção do repertório
desenvolvido nos primeiros meses de atendimento.
21
No início do segundo semestre de 2012, a mãe voltou com a queixa de que B. estava
pegando coisas que não lhe pertencia, e da dificuldade de fazer as tarefas da escola.
Algumas semanas depois relatou que B. começou a falar dos medos novamente, não tomava
mais banho sozinha, requeria auxílio e presença de alguém sempre, voltou a mentir e ter
dificuldade para realizar os deveres de casa.
Devido à ressurgência de diversas queixas, aumentou-se a frequência dos
atendimentos aos pais para investigar outras variáveis que poderiam estar influenciando a
melhora de B.
Com o passar dos atendimentos ficou notório como os pais não estavam conseguindo
manter os comportamentos adequados que foram aprendidos por B. durante a terapia,
apesar das recomendações dos terapeutas na psicoeducação, como apresentar reforçadores
de forma contingente, evitar uso da punição e utilizar o diálogo entre todos da família para
uma maior eficiência da comunicação entre eles. Durante as sessões de pais, o casal revelou
problemas no seu relacionamento que levaram a um maior número de sessões com o casal.
Durante as sessões foi confirmada a hipótese da ausência de um ambiente familiar propício
à manutenção dos comportamentos adequados desenvolvidos por B. em terapia.
O caso não pôde ser finalizado, sendo indicada continuidade com maior foco nos pais
para 2013. Realizar psicoeducação dos pais, priorizando questões referentes a como
consequenciar e lidar com diversos comportamentos de B., objetivando uma manutenção
adequada do repertório que foi desenvolvido durante os atendimentos em 2012.
22
7 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Nos últimos anos, tem-se feito um avanço maciço na compreensão da psicoterapia
sob a perspectiva analítico comportamental. Embora o Behaviorismo Radical seja
frequentemente mal compreendido e criticado como um modelo simplista de explicação do
ser humano, atualmente proporciona um grande entendimento dos processos que ocorrem
na psicoterapia (Follette, Naugle & Callaghan, 1996).
Historicamente os terapeutas comportamentais (denominados “engenheiros
comportamentais” ou “máquinas de reforçamento social”) tinham o papel principal de
modificar o comportamento do paciente por meio das técnicas sobre o comportamento
operante. Atualmente, diversos outros fatores são analisados e reconhecidos como
importantes para o sucesso terapêutico. O emprego das técnicas é realizado
concomitantemente à análise funcional de contingências dos comportamentos-problema,
em uma compreensão mais ampla das variáveis que estão operando no repertório da
paciente e não apenas no uso da técnica em si.
Os resultados a seguir apresentados descrevem algumas técnicas utilizadas,
intervenções e abordagens que contribuíram no desenvolvimento da terapia e estão
principalmente focadas na modificação através do comportamento operante.
7.1 Reforçamento contingente e esquemas de reforçamento
O indivíduo está sujeito a um controle mais poderoso quando duas ou mais pessoas
manipulam variáveis que têm um efeito comum sobre seu comportamento (Skinner,
1979/2007). No presente caso, esse controle pôde ser exercido tanto no ambiente clínico
(pelos terapeutas) como fora dele (pelos pais).
Machado (1986) aponta que é necessário analisar a maneira como os reforçadores
estão sendo dispensados no ambiente do sujeito, pois os esquemas de reforçamento estão
inerentemente presentes na análise da relação comportamento-ambiente, e não podem ser
omitidos quando se lida com comportamento. Os esquemas de reforçamento são condições
23
de acordo com as quais as respostas são reforçadas, ou seja, regras que especificam como as
relações entre respostas e reforçadores são estabelecidas.
Para proporcionar uma mudança no comportamento da paciente, foi preciso analisar
a maneira como os reforçadores eram dispensados no ambiente onde a mudança deveria
ocorrer. A fala da mãe em uma das sessões revela as relações entre respostas e reforçadores
em diferentes momentos:
MB: E aí tem situações que assim, final do dia tá todo mundo cansado, então a gente tem
que trabalhar isso, aí ontem teve outra situação. Ela queria assistir a novela. E eu não deixo
comer na sala, tem que comer na cozinha. E aí assim, às vezes quando é um episódio X, é só
um evento daquele dia às vezes eu deixo (...) mas eu sempre vou colocando, sem exceção, é
uma regra. A regra é comer na cozinha. Aí ontem ela “Deixa, deixa!”... aí eu acabei... eu fiz
errado mesmo... ela me venceu pelo cansaço. Ela ficou chorando tanto no meu ouvido que eu
falei “Vai, vai e assiste!”. Mas aí o pai até falou “É só hoje!”. E eu falei assim: “Porque vai ser
só hoje? Porque a novela vai passar todos os dias, né? Então não vai ter argumento”. Então
eu não sei...
(...)
PB: É mais na hora de dormir mesmo. Outro dia eu tava na cozinha, aí comentei com minha
esposa, ela foi lá e pegou as figurinhas de Carrossel. Ela foi lá dentro, acendeu a luz, pegou
as figurinhas... voltou sem problema nenhum.
T2: E aí o que foi que vocês fizeram?
PB: Bem, eu ia comentar, meu comentário foi só entre eu e a minha esposa. Não cheguei a
comentar que ela foi lá sem medo, isso eu não cheguei a fazer.
T2: Ta aí uma coisa que a gente já tinha salientado pra MB e que vamos falar pra você
também. Muitas vezes quando ela faz um comportamento inadequado e você pune, você
reclama, você não dá o modelo do certo. Agora ela fez o certo e não teve consequência
nenhuma.
A queixa dos pais em relação a não tomar banho sozinha era bastante frequente.
Passadas algumas sessões onde a intervenção já havia começado com B., ela foi ao banheiro
e tomou banho sozinha, e os pais relataram que não fizeram nada, pois “não teve nada de
24
diferente dos outros e a gente não soube o que fez ela ir sozinha pro banho”. A mãe relatava
também que B. pedia ajuda de forma inadequada, gritando ou reclamando. Mesmo sem
perceber, eles puniam e reforçavam, pois iam até ela e falavam (ou gritavam): “Não é pra
falar assim!”, “Não é assim que pede ajuda!” e em seguida a ajudavam com a lição.
Por meio desses relatos, foi possível conhecer comportamentos inadequados e
construir um quadro de tríplice contingência para análise funcional (Quadro 1). O quadro
abaixo demonstra um aspecto importante para favorecer discriminação do sujeito: a
consistência do reforçamento.
Quadro 1 – Quadro de tríplice contingência dos comportamentos de B. com a
diferença de consequências em casa e em sessão
S2 R C
Casa Respostas adequadas Pais reforçam intermitentemente
Respostas inadequadas Pais punem intermitentemente
Sessão Respostas adequadas T1 e T2 reforçam
Respostas inadequadas T1 e T2 extinguem
No caso de B., a inconsistência com a qual os pais liberavam reforçadores ou
punidores criou um padrão de comportamento no qual tanto fazia se comportar de forma
adequada ou inadequada. Para desfazer esse padrão e aumentar a frequência dos
comportamentos adequados, a orientação de pais acerca de conceitos básicos de Análise do
Comportamento e estratégias para lidar com as variações comportamentais gerou uma
melhora no comportamento de B.
A partir daí, em casa os pais deveriam seguir o padrão utilizado pelos terapeutas em
sessão: comportamentos adequados seriam reforçados e comportamentos inadequados
seriam extintos, em vez de punidos.
Junto a uma melhor apresentação das consequências, a instalação do quadro de
economia de fichas em casa, utilizando esquema de reforçamento de razão fixa, trouxe bons
resultados.
2 S – estímulo antecedente
R – resposta C – consequência (estímulo consequente)
25
O uso do quadro de economia de fichas (token economy board) tem sido aplicado
numa ampla variedade de contextos, como escolar, institucional, hospitalar, organizacional,
entre outros. Basicamente é uma forma de introduzir contingências de reforço para
respostas adequadas e funciona com muito sucesso em crianças. Kazdin e Bootzin (1972)
resumem em três passos a instalação de um programa de economia de fichas: (1) identificar
os comportamentos que precisam ser alterados, especificando as respostas de interesse, (2)
definir os reforçadores a serem utilizados, e (3) estabelecer o valor das fichas, informando à
criança que ela pode ganhar as fichas através de determinados comportamentos, ou perdê-
las.
Um quadro foi confeccionado com cinco espaços para cada dia da semana (25
espaços) a serem preenchidos pelas fichas. Quando fosse completado, poderia ser trocado
por algum dos reforçadores pré-definidos. Estabeleceu-se o número inicial de cinco
respostas (FR 5) para um reforçador de baixa ou média magnitude (um doce, ver TV, usar o
computador, tempo para brincar), ou seja, cada vez que B. ganhasse cinco fichas em um dia
(uma pra cada comportamento adequado), o reforçador era liberado. As respostas a serem
reforçadas foram estabelecidas com base nas necessidades relatada pelos pais, e
principalmente relacionadas ao cumprimento da rotina diária (tomar banho, fazer a lição de
casa, arrumar a cama, não fazer birra, etc). Ao fim da semana, caso o quadro houvesse sido
completado todos os dias (cinco fichas diárias de segunda à sexta, totalizando 25 fichas), um
reforçador de maior magnitude (ir ao shopping, cinema, almoçar fora) era liberado.
Esse último esquema (dois esquemas de razão fixa) pôde ser utilizado, pois um
número elevado de respostas ocorreu. Machado (1986) diz que sujeitos submetidos a
esquemas de razão aprendem a se “reforçar”, pois quanto mais rápido e melhor trabalham,
mais rápido são reforçados.
Relatos posteriores dos pais mostraram que o uso do quadro estava produzindo o
aumento da frequência dos comportamentos adequados e diminuição dos inadequados.
Dessa forma, o quadro de economia de fichas pôde ser estendido a outras atividades,
propiciando uma maior densidade na liberação de reforço, em substituição à punição.
26
7.2 Reforçadores naturais versus Reforçadores arbitrários
As consequências reforçadoras (naturais) não são tão óbvias quanto ganhar um brinquedo, mas são consequências do comportamento, além de serem poderosas. A partir do momento em que essas consequências naturais surgem no ambiente da criança, não será mais necessário reforçar o comportamento de estudar com reforços arbitrários, como chocolate e brinquedos. (Moreira & Medeiros, 2007, p. 53)
Ao aumentar a densidade de reforçadores no ambiente, e contingenciá-los de forma
mais estruturada, é de se esperar que apenas os ganhos arbitrários (resposta adequada ->
ficha) sejam levados em consideração por B. ao emitir as respostas adequadas. Nesse caso, a
consequência reforçadora é um produto indireto do comportamento e definido por Moreira
e Medeiros (2007) como reforçador arbitrário. Reforçador natural, por sua vez, é quando a
consequência reforçadora do comportamento é o produto direto do próprio
comportamento.
Analisando B., estudar pelo simples fato de estudar, o conhecimento por si é
reforçador natural, enquanto ganhar uma ficha por ter estudado é um reforçador arbitrário.
Embora o uso de reforçador arbitrário pareça artificial, é necessário que as respostas
tenham consequências reforçadoras mais imediatas para que a criança possa se acostumar;
afinal, adquirir conhecimento, ser inteligente e ter um bom emprego são consequências em
longo prazo e muito distantes da resposta adequada para que possa controlar o repertório
de uma criança.
Levando em consideração que B. não teve consequenciações adequadas no seu
repertório comportamental adequado pelos pais, a ausência de uma classe de respostas
(como estudar), também a impedia de ser reforçada de maneira natural por isso. A
apresentação das fichas surgiu como uma primeira oportunidade de ser reforçada pelo bom
comportamento. Ao estabelecer essa relação, tornou-se possível, a longo prazo, anunciar
reforçadores naturais que puderam controlar o comportamento de estudar previamente
instalado.
Com o passar do tempo, percebeu-se que as queixas na escola estavam diminuindo,
as notas escolares estavam aumentando, B. estava levando livros para ler em casa e pedia
ajuda dos pais para fazer as atividades escolares. O repertório de estudar era pré-requisito
27
para que B. pudesse assistir a uma novela que gostava muito. Depois de reforçadores
naturais serem apresentados e do repertório ter sido estabilizado como parte da rotina, a
mãe relatou que por vezes a novela não fora utilizada como reforçador, e ainda assim B.
continuou a estudar de maneira adequada.
7.3 Relato de eventos privados
Quando dizemos que o comportamento é função do ambiente, o termo ‘ambiente’ presumivelmente significa qualquer evento no universo capaz de afetar o organismo. Mas parte do universo está encerrada dentro da própria pele de cada um. (Skinner, 1979/2007, p. 281).
Negligenciados por Watson no Behaviorismo Metodológico (Keller, 1974) pela
ausência de metodologia adequada para seu estudo, os eventos privados são uma parte do
mundo que está sob a pele e devem ser estudados. Zamignani (2003) chama atenção para o
fato de que a descrição desses eventos é uma ferramenta muito importante para o
entendimento de relações comportamentais na clínica.
Não apenas os estímulos externos, públicos e acessíveis à comunidade controlam o
comportamento verbal de um indivíduo. Alguns dos estímulos estão sob a pele e são
acessíveis somente a cada sujeito. Os estímulos privados também exercem um papel de
controle sobre o comportamento observável dos indivíduos, e assim como os estímulos
externos, podem ser tateados (nomeados). Assim, os relatos verbais de estados internos são
fundamentais para a sobrevivência dos indivíduos além de promoverem autoconhecimento
(Malerbi & Matos, 1992).
O autoconhecimento diz respeito a um repertório descritivo das relações de controle
existentes entre o indivíduo e o ambiente no qual ele está inserido e é pré-requisito para o
desenvolvimento de um repertório de autocontrole. Skinner (1974) ressalta que uma pessoa
que se tornou consciente de si mesma por meio de perguntas que lhe foram feitas está em
melhor posição de prever e controlar seu próprio comportamento.
O trecho a seguir apresenta um exemplo da falta de autoconhecimento de B.
28
T1: Mas o que acontece quando você fala disso, você fica triste, chateada, você fica com
medo, o que acontece?
T2: Fala pra gente qual é o sentimento que você tem quando a gente fala sobre isso.
T1: Agora, por exemplo, o que você ta sentindo?
B: Não sei.
A construção de um repertório descritivo requer um repertório de auto-observação,
que muitas vezes não está presente de maneira eficaz nos sujeitos. B. parecia não ter sido
reforçada para a auto-observação. Durante as sessões, descrevia pouco seus sentimentos,
emoções e estados internos. Quando questionada sobre o que estava sentindo respondia:
“Não sei”. Ao ser questionada sucessivamente, a sessão se tornava aversiva e B. diminuía
ainda mais o relato. Por conta disso, os eventos relevantes para o entendimento do seu
comportamento nem sempre eram claramente descritos.
Zamignani (2003) defende a importância dos eventos privados para a clínica, pois
através desse relato, o indivíduo pode fornecer informações a respeito de contingências em
vigor na relação terapêutica, permitindo identificação de contingências que atuam na sua
vida. O pedido ao paciente que observe suas respostas emocionais fornece o conhecimento
do efeito que certos eventos ambientais têm sobre o seu comportamento.
Pela aparente dificuldade em tatear seus próprios eventos privados em sessão, foi
necessário evocar essa descrição durante as sessões de alguma maneira. A confecção de um
DIÁRIO DE SENTIMENTOS se mostrou bastante eficaz. Na capa estava escrito: “Aconteceu
comigo hoje e eu...” e nas folhas seguintes em tópicos: “Me senti triste”, “Me senti feliz”,
“Fiquei com medo” e “Fiquei com raiva”, para que fosse preenchido durante a semana e
levado para as sessões. B. preencheu o diário nas primeiras semanas, fornecendo material
para ser utilizado durante os atendimentos, sendo reforçada positivamente. Com o passar
do tempo o diário não foi mais necessário, e ela conseguia relatar diferentes situações
durante a semana em que se sentiu de diversas formas.
Ao ter acesso a eventos privados que causavam principalmente felicidade e tristeza,
foi possível descobrir reforçadores e punidores que estavam sendo apresentados a B. no seu
ambiente, e a partir daí desenvolver estratégias para lidar com as queixas trazidas pelos pais
e pela própria paciente.
29
7.4 Controlando os antecedentes
O hábito de buscar dentro do organismo uma explicação do comportamento tende a obscurecer as variáveis que estão ao alcance de uma análise científica. Estas variáveis estão fora do organismo, em seu ambiente imediato e em sua história ambiental (Skinner, 1979/2007, p. 33).
Ao observar um organismo, vemos propriedades de seu ambiente e propriedades de
seu comportamento. Essas propriedades são chamadas de estímulos e respostas, mas nem o
estímulo nem a resposta têm interesses por si só. Uma análise experimental determina que
existem alguns tipos de relações entre os estímulos e as respostas e como surgem essas
relações. Devem-se considerar também contextos mais amplos e situações nas quais essas
relações entre os estímulos e as respostas estão inseridas (Catania, 1999).
Fisher e Gochros (1975) afirmam que apesar do grande foco da modificação do
comportamento operante ser nos efeitos dos consequentes para as respostas do indivíduo,
a análise das condições antecedentes desempenha um importante papel na avaliação e
modificação de comportamentos inadequados no repertório infantil.
Sabe-se que o comportamento dos indivíduos depende tanto da consequência como
dos antecedentes (Catania, 1999), afinal, o comportamento não ocorre no vazio, e os
eventos antecedentes também influenciam a probabilidade de ocorrência de um
comportamento operante. A contingência de três termos do paradigma operante evidencia
como as respostas estão relacionadas aos antecedentes: S – R → C; e como ressalvou
Skinner (1979/2007), para prever o comportamento do sujeito, é necessário conhecer o
máximo todas as variáveis das quais o seu comportamento é função.
As variáveis externas, das quais o comportamento é função, dão margem ao que
pode ser chamado de análise funcional. Analisar funcionalmente um comportamento
significa encaixá-lo na tríplice contingência, ou seja, verificar em quais circunstâncias o
comportamento ocorre e quais suas consequências mantenedoras (Moreira & Medeiros,
2007; Skinner, 1979/2007)
Os antecedentes (estímulos para as respostas) são eventos no ambiente e têm graus
variados de complexidade. Como exemplificado por Catania (1999), existem estímulos
apetitivos, aversivos, neutros, discriminativos, etc. que influenciam a resposta do sujeito,
revelando a importância do contexto para o comportamento. Ao mudar o modo de
30
apresentação, frequência, intensidade e outras características dos estímulos, pode-se alterar
o modo como o sujeito responde. Controle de estímulos se refere, portanto, à influencia dos
estímulos antecedentes sobre o comportamento, ou seja, o efeito do contexto sobre o
comportamento do indivíduo (Moreira & Medeiros, 2007).
Desse modo, ao realizar análise funcional de muitos dos comportamentos de B.
dentro da sessão, percebeu-se como o contexto influenciava suas respostas, sendo
necessário alterar os estímulos antecedentes para provocar uma alteração no seu
comportamento. Uma mudança nos antecedentes promoveu uma variação na resposta
desejada pelos terapeutas como apresentado no Quadro 2. A mudança nos estímulos
permitiu a variabilidade comportamental que, por conseguinte, auxiliou na seleção e
manutenção de uma nova classe de comportamentos, agora considerados como adequados.
Quadro 2 – Quadro de tríplice contingência dos comportamentos de B. com os
terapeutas em sessão
S R C
Terapeutas pedem a B.
para relatar sentimentos B. fica calada Terapeutas insistem
Terapeutas insistem B. começa a chorar (Fuga) Terapeutas cessam
questionamentos
Terapeutas pedem a B.
para fazer um desenho
sobre momentos felizes
B. desenha Terapeutas reforçam com
elogios
Terapeutas pedem a B.
para explicar o desenho B. fala sobre os sentimentos Terapeutas reforçam o relato
Outra estratégia utilizada na forma de apresentação do estímulo foi o Diário de
Sentimentos. A mudança na forma de apresentação do estímulo “solicitação de relato sobre
sentimentos pelos terapeutas” permitiu coletar material acerca de eventos privados de B.
que não eram relatados durante a sessão, mas que a partir da transcrição dos áudios dos
atendimentos, puderam ser analisados e trabalhados durante a terapia (Quadro 3).
31
Quadro 3 – Quadro de tríplice contingência dos comportamentos de B. com os
terapeutas em sessão
S R C
Terapeutas pedem para B.
relatar sentimentos B. fica calada ou diz “não sei” Terapeutas insistem
Terapeutas dão o Diário de
Sentimentos para B.
B. escreve no diário os
diversos sentimentos que
teve durante a semana
Terapeutas reforçam a
atitude de ter escrito
Em seu estudo sobre Controle de Estímulos, Hübner (2006) lembra que o
estabelecimento do controle de estímulos só é possível a partir de uma história de
reforçamento diferencial: na presença de determinados estímulos, respostas ou classe de
respostas, serão seguidas de reforçamento e, na ausência destes estímulos ou em presença
de outras, estas mesmas respostas não serão seguidas de reforço. Um fato interessante
passou a ocorrer nas sessões posteriores relacionado ao controle de estímulos. O frequente
bloqueio de fuga/esquiva de B. quando não queria falar e a apresentação de reforçadores
como consequência levaram B. a quando não se sentisse à vontade para falar, pedir para
desenhar ou escrever. Assim, foi possível tanto para os terapeutas acessar os eventos
privados, quanto B. relatá-los de maneira menos aversiva.
Os primeiros atendimentos foram realizados em um grupo com cinco crianças. Nas
primeiras semanas, os terapeutas estabeleceram regras que funcionaram como estímulos
discriminativos para as crianças. Foram criadas cinco regras: (1) Quando um estiver falando
todos têm que ficar em silêncio; (2) Quando alguém quiser falar tem que levantar a mão e
pedir; (3) Ficar sempre sentado no chão; (4) Quando um estiver falando, os outros olham
para os olhos de quem está falando; e (5) Falar baixo sem gritar. O cumprimento das regras
sinalizava o reforçamento, enquanto seu descumprimento, a extinção. Após algumas
semanas, surgiram mudanças como apresentadas no Quadro 4.
32
Quadro 4 – Quadro de tríplice contingência dos comportamentos das crianças nas
sessões em grupo em dois períodos distintos
S R C
Primeiro encontro antes do
estabelecimento das regras
os terapeutas estão
conversando
D3. dispersa querendo
chamar atenção (começa a
levantar, andar pela sala, e
subir nas cadeiras, falar).
T1 e T2 ignoram L. colocando
esses comportamentos em
extinção.
Sessões seguintes quando os
terapeutas estão falando
D. emite comportamento
adequado (ficar sentado ao
lado de colegas)
Terapeutas reforçam lhe
permitindo brincar
B. está falando D. começa a falar sem ter
solicitado
T1 e T2 mantêm o contato
visual com B., que não para
de falar e D. se cala
(extinção)
Alguém está falando D. levanta a mão pra falar É concedida a fala
Outro importante conceito relacionado aos eventos antecedentes é a generalização.
Refere-se ao processo que ocorre quando estímulos discriminativos similares ao original
começam a exercer controle sobre um comportamento específico. Portanto, se diz que a
generalização ocorre quando comportamentos aprendidos em uma situação passam a
ocorrer em um contexto diferente. É um processo básico para o desenvolvimento do
comportamento adaptativo em seres humanos (Fisher & Gochros, 1975). Se o
comportamento aprendido pela criança em sessão não puder ser generalizado para outros
ambientes, seu repertório se torna limitado e ineficiente.
O processo de generalização é fundamental para a mudança comportamental, pois
significa que novos comportamentos aprendidos em sessão não precisarão ser reaprendidos
em outras situações. Como estratégia de auxílio para a generalização, o role playing foi
3 Cinco crianças iniciaram na terapia de grupo infantil. No Quadro 6 aparece D., um menino de 10
anos com diagnóstico de TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade) e TAB
(Transtorno Afetivo Bipolar) que foi encaminhado para a terapia com diversas queixas de
comportamento inadequado.
33
utilizado em alguns momentos do processo terapêutico para desenvolver um novo
repertório que seria generalizado, através de encenações e dramatizações. Escolhendo uma
situação para interpretar, é possível improvisar respostas, criar variáveis e estimular o
paciente a desenvolver habilidades e independência nas diversas situações que as crianças
possam passar.
O relato dos pais nas sessões posteriores revelou como o novo repertório
desenvolvido em sessão estava sendo transportado com sucesso para outros ambientes que
faziam parte da vida das crianças.
7.5 As influências negativas do controle aversivo dos pais
Quase todos os seres vivos agem buscando livrar-se de contatos prejudiciais. Atinge-se uma espécie de liberdade através de formas relativamente simples de comportamento... Provavelmente, esse tipo de comportamento desenvolve-se devido ao seu valor de sobrevivência. (Skinner, 1983, p. 24)
Ao contrário do reforçamento positivo, que aumenta a probabilidade de ocorrência
de determinado comportamento, a punição (positiva ou negativa) diminui essa
probabilidade. O controle gerado pelo reforçamento negativo, punição positiva ou punição
negativa é chamado de controle aversivo, pois o indivíduo tende a se comportar para que
algo não aconteça, seja pela eliminação do estímulo do ambiente ou para que ele não ocorra
(Moreira & Medeiros, 2007).
A punição tem sido a técnica de controle do comportamento dos filhos mais utilizada
pelos pais e bastante relatada na clínica. Como advertido por Skinner (1979/2007), uma das
principais desvantagens do seu uso, é que a punição não faz aquilo que se supõe que faça,
ou seja, pune-se o comportamento inadequado da criança sem que lhe seja dada uma
alternativa para ser reforçada. Exemplos de controle aversivo (Quadro 5) utilizado pelos pais
de B. eram surras, castigos (não ver TV, passar o fim de semana sem sair, não pode brincar),
gritos, etc.
34
Quadro 5 – Quadro de tríplice contingência exemplificando o controle aversivo
exercido pelos pais
S R C
Um brinquedo de B. cai junto
à irmã
B. pede gritando para a irmã
pegar o brinquedo Mãe bate em B. por gritar
Além da possibilidade de punir mais do que os comportamentos desejados e não ter
efeitos permanentes de supressão de comportamentos inadequados, a punição, bem como
o reforçamento negativo, geram subprodutos que não resultam em vantagem para o
controlador e muitas vezes são prejudiciais tanto para o indivíduo quanto para quem o
controla, como respostas emocionais aversivas para o sujeito controlado.
Sant’Anna (2004) levanta como problema que a punição pode desenvolver
comportamentos considerados patológicos. Nas crianças esses efeitos podem ser sob a
forma de dificuldades de comunicação social, autoagressão, restrição de habilidades sociais,
etc. Emidio et al. (2009) concordam ainda que os pais que utilizam o castigo físico como
meio de interromper o comportamento agressivo de uma criança podem reduzir a
frequência ou intensidade do mesmo no momento em que o castigo é imposto; no entanto,
oferecem também um modelo agressivo à criança.
Skinner (1979/2007) oferece uma lista de subprodutos do controle aversivo, como a
revolta, a resistência passiva, a autoestimulação aversiva e o autoconhecimento deficiente.
A seguir a conceituação desses termos e exemplos desses quatro tipos relacionados ao caso
trazidos pelos pais:
a) Revolta: o indivíduo pode contra-atacar o agente controlador. Abaixo, trechos dos
relatos dos pais de B. que exemplificam esse efeito da punição.
MB: Assim, eu acho que teve um episodio desses de mudança porque ela sempre fala uma
hora tá braba e vem, o pai dela ... falou isso, né? (...) “Vocês são os piores pais do mundo!”
MB: Ela já abre a porta... eu sempre tô na cozinha finalizando o jantar, aí ela já passa direto.
Aí eu vou dar um abraço nela, né? Aí [gritando] “Já sei, já sei!” aí vem, dá um beijo assim,
35
né?... não é um beijo assim... mas vem e dá, né? Então tudo é “Já sei!”, “Para, mãe! Eu já
sei!” ou então “Me deixa em paz!”. Agora tá na fase do “me deixa em paz”.
MB: Agora ela tá numa fase bem difícil, muito agressiva, comigo, assim. Ela sai de manhã
brigando comigo, chega da escola brigando, não aceita ser questionada em nada.
b) Resistência passiva: consiste em não se comportar em conformidade com os
procedimentos dos controladores. A criança, não obtendo sucesso ao evitar ou se
revoltar contra o controle dos pais, simplesmente torna-se teimosa.
MB: Era só um momento de raiva, falei ‘vamos fazer a lição de casa’... Ela não quis fazer.
Tem reclamado que ela foi fazer a lição na perua e sujou o caderno, eu tive que destacar a
folha... ela fez um show aí veio, eu te odeio, não gosto de você. Mas assim, você sentia que
era um ‘te odeio’ com raiva? Eu falei gente... Eu fiquei super mal. Então já faz uns dois dias
que eu não tô dormindo.
MB: É muito agressiva, rebelde. Na escola, em casa. Com a irmãzinha de quatro anos, ela
obriga a fazer o que ela quer, e quando a irmã não faz ela acaba agredindo, puxando, essas
coisas.
c) Autoestimulação aversiva: o ato de prejudicar a si mesmo ou oportunizar que outros o
prejudiquem.
MB: E de quinze dias pra cá ela começou a se agredir. Ela fica tão nervosa, com tanta raiva
que ela enfiou a unha na cara, se arranhou toda. Aí na escola... ela conta uma outra história.
Diz que ficou muito nervosa, mas não diz porque ficou. Ela fica nervosa porque a culpa é
minha.
MB: Aí eu tava lá com ela, segunda-feira pegando uma roupa pra ela vestir no guarda-roupa:
“Eu quero me matar!”
36
d) Autoconhecimento deficiente: o indivíduo pode também reagir deficientemente aos
estímulos gerados pelo seu próprio comportamento.
Por diversas vezes em sessão, B. não conseguia discriminar o que estava sentindo em
alguns momentos. Quando inquirida sobre o furto de pequenos objetos, começa a chorar, e
ao ser perguntada “o que você está sentindo agora?”, respondia: “Não sei”. Quando relatou
ter ido a uma excursão com a escola, não conseguia descrever quais sentimentos foram
evocados por aquele momento. Bem como, ao ser questionada sobre os medos também não
sabia dizer de fato o que os causavam.
Moreira e Medeiros (2007) endossam a mentira como subproduto do controle
aversivo, funcionando também como contracontrole. A fim de evitar o contato com a
estimulação aversiva, a criança mente, esquivando-se, e uma das principais queixas trazidas
pelos pais era o excesso de mentiras de B.
É também possível que parte do repertório de agressividade de B. tenha sido
desenvolvido por modelação (ao ver os pais gritarem), ou como contracontrole ao denso
controle aversivo dos pais para com ela. Foi realizada uma dupla intervenção: com B. em
sessão e com os pais com psicoeducação. O role playing em sessão de comportamentos
alternativos que não o de gritar, fazer birra, realizar pedidos ou ser agressiva; e na
psicoeducação para os pais aprenderem a consequenciar de apropriadamente trouxeram
bons resultados. Segundo relato da mãe o nível de agressividade de B. reduziu com a irmã,
em casa e na escola, tendo uma baixa frequência em situações específicas. B. se mostrava
mais calma, paciente, esperando sua vez e tolerando mais a frustração ao não ser atendida
ou não ter algo que pedira.
Expondo todas as contingências e análises funcionais aos pais com relação ao
controle aversivo utilizados por eles, foi necessário sugerir alternativas para serem utilizadas
fora das sessões, que apresentassem menos efeitos colaterais e indesejados em B.
O uso do reforçamento positivo em vez do negativo, principalmente para atividades
escolares, foi discutido como possibilidade. Ao estudar para não ser castigada, o aumento da
frequência do estudo funciona como consequência do não ser punida. Moreira e Medeiros
(2007) discutem que no uso do reforçamento negativo, o único comportamento (estudar)
que retiraria o estímulo aversivo (reclamações) torna-se menos provável devido às respostas
37
reflexas eliciadas por ele. Em alguns relatos os pais trouxeram que B. estava perdendo e
escondendo as atividades escolares. O trecho a seguir demonstra como o comportamento
de fazer a lição de casa foi suprimido pelo reforçamento negativo não apenas em casa pelos
pais, mas também pela professora.
T1: E você B. tem medo de fazer as coisas sozinhas?
B. balança a cabeça positivamente.
T1: tipo o que? Conta pra gente?
B: a lição de casa.. a lição de casa.. só.
T1: porque que você tem medo de fazer a lição de casa sozinha?
B: Não sei.
T2: e o que é que você sente quando você tem que fazer a lição de casa?
B: eu fico com medo que a professora brigue comigo e que eu faço a lição errada.
T1: E o que é que você faz? você não faz ou pede ajuda?
B: Eu peço ajuda
T1: Pra quem?
B: Pro meu pai e pra minha mãe.
T1: Ah e ai eles te ajudam?
B: Sim
T1: E ai a professora não briga com você
T2: Mas a professora briga se faz a lição errada ou se esquece de fazer?
B: Se esquece de fazer ela não briga mas se faz errado ela briga.
T2: E como que ela briga? O que ela faz?
B: Ela fala gritando que vai ter levar... tudo errado.. ela falou você vai levar pra casa..... ai a
professora falou gritando você vai levar pra casa e faz direito.
O quadro a seguir (Quadro 6) demonstra as consequências da professora na escola
nas situações descritas pelo relato acima.
38
Quadro 6 - Quadro de tríplice contingência exemplificando o controle aversivo
exercido pela professora na escola
S R C
Lição de casa B. esquece-se de fazer
ou não faz
Não há reação negativa da professora
(reforçador negativo)
Lição de casa B. faz errado Professora reclama (punição positiva)
A extinção em vez de punição surge como outra opção bastante comum, por ser o
método menos aversivo de reduzir a frequência de um comportamento, apesar de também
gerar respostas emocionais. Nas sessões de orientação de pais foi bastante discutida a
importância dessa substituição, principalmente nos momentos de birra.
Certa vez a mãe relatou: “Eu ainda tô num momento bem frágil, assim. Mas aí eu
venho trabalhar aí eu me distraio. Mas eu chego em casa, eu fico nervosa, eu penso, eu não
sei se eu toco nela. Eu fico preocupada também porque eu fico tão nervosa, quando eu vejo
eu dei um tapa”. O quadro abaixo (Quadro 7) expõe a mudança na consequenciação dada
pela mãe após as sessões de psicoeducação. Segundo seu relato “se fosse antes eu já tinha
batido”.
Quadro 7 – Quadro de tríplice contingência mostrando a mudança no padrão de
consequenciação da mãe
S R C
Mãe está trocando a
outra filha.
B. quer dobrar a manga e pede
para a mãe ajudar.
Mãe fala que quando
terminar ela ajuda.
Mãe fala que quando
terminar ela ajuda.
B. começa a variar seu
comportamento para pedir
ajuda, falando mais alto e
puxando a blusa com força.
Mãe continua ajudando a
outra filha e extingue o
comportamento inadequado
de B.
Apesar do processo de extinção aumentar a variabilidade topográfica e a frequência
da birra num primeiro momento, a tendência é estabilização e redução dos
comportamentos inadequados com o tempo. A partir dessa redução, foi possível instalar um
39
repertório alternativo e mais adequado para B., que era sempre punida por pedir as coisas
gritando e chorar sem motivos.
O reforço diferencial também foi empregado como escolha à punição após a extinção
de comportamentos inadequados e instalação de repertório adequado. O reforçamento das
respostas desejadas atenua os efeitos emocionais aversivos provocados pelo processo de
extinção. Além disso, produziu-se um aumento da probabilidade de emissão de
comportamentos desejáveis.
7.6 Planejamento de mudanças comportamentais
Uma outra intervenção consiste em programar o ambiente de modo que o comportamento do organismo tenha determinadas consequências. Uma vez que as respostas apresentam consequências, elas podem ocorrer mais ou menos frequentemente e, assim, as operações consequências levam aos processos de reforço e extinção. (Catania, 1999, p. 33)
Durante os atendimentos, algumas estratégias funcionaram com sucesso, como
programar o ambiente de modo que estímulos sinalizassem a apresentação de outros
estímulos (estímulos sinalizadores), estímulos sinalizassem a oportunidade de produzir
consequências reforçadoras (estímulos discriminativos), alguns estímulos estivessem
relacionados à indisponibilidade do reforçador ou sua extinção (estímulos delta), e
instalação de operações que mudassem os efeitos das consequências do comportamento
(operações estabelecedoras).
Em sessão foi possível manipular as variáveis de forma mais contundente com uma
mudança evidente no repertório comportamental das crianças que iniciaram com o grupo, e
de B., que deu continuidade à terapia individual. Abaixo (Quadro 8), algumas situações nas
quais os terapeutas proporcionaram alteração do comportamento controlando os
consequentes com reforçamento positivo e extinção.
40
Quadro 8 – Quadro de tríplice contingência com comportamentos das crianças nas
sessões de grupo
S R C
Diante da extinção de T1 e
T2 para a birra de D.
D. aumenta a variabilidade
topográfica da birra
T1 e T2 não dão atenção, num
procedimento de extinção
B. está falando D. começa a falar sem ter
pedido a vez da fala
T1 e T2 mantêm o contato
visual com B., que não para de
falar e D. se cala (extinção)
Terapeutas fazem uma
pergunta para B.
D. faz caretas em frente a
câmera para chamar
atenção.
Terapeutas continuam
conversando com B.,
colocando D. em extinção
D. olha pro crachá de T2 D. Começa a mexer no
crachá
T2 não dá atenção (extinção),
depois tira o crachá e coloca no
bolso (time out)
T2 está dando instruções
sobre o Diário de
Sentimentos
D. fala ao mesmo tempo
que T2, olhando pra T1
T2 continua falando sem
permitir que D. fale e T1 presta
atenção em T2
Os exemplos acima dão destaque para a extinção aplicada pelos terapeutas para D.
Os efeitos foram os esperados: aumento da taxa de resposta, variabilidade na topografia da
resposta e posterior diminuição da taxa de resposta. Depois de um tempo a birra cessou e
ele voltou a sentar adequadamente junto ao grupo. Nas sessões seguintes, D. passou a falar
quando solicitado ou depois de pedir permissão aos terapeutas, e os comportamentos
inadequados diminuíram de frequência.
Usando o apenas reforçamento diferencial, ao longo das sessões o contato visual de
B. aumentou de frequência, como descrito no Quadro 9.
41
Quadro 9 – Quadro de tríplice contingência com o reforçamento diferencial para o
contato visual de B.
S R C
T1/T2 perguntam algo a B. B. fala sem olhar nos olhos
de T1/T2
T1/T2 dizem que não
entenderam
T1/T2 dizem que não
entenderam
B. repete olhando nos olhos T1/T2 reforçam dizendo que
compreenderam
O Princípio de Premack afirma que se uma atividade ocorre mais frequentemente do
que outra, ela será um reforçador eficaz para a atividade de menos frequência (Whaley &
Malott, 1981). Reforçando a resposta de pintar de B., foi possível aumentar a ocorrência das
respostas de falar sobre si mesma, sobre problemas e assuntos que a deixavam
desconfortáveis. Essa técnica se mostrou bastante eficaz ao longo dos atendimentos, pois
em diversos momentos ela utilizou da pintura e do quadro branco como auxílio à sua
descrição verbal, facilitando o acesso a questões que não eram evocadas tão facilmente
apenas com o questionamento verbal.
7.7 Importância da atuação dos pais para manutenção dos comportamentos de melhora
fora da sessão
Como dito, a Análise do Comportamento na clínica explica a manutenção e o
desenvolvimento de comportamentos em função de fatores ambientais. Nos atendimentos
infantis os pais têm um papel indispensável, pois fazem parte do contexto e proporcionam
consequências para os comportamentos de seus filhos. A família oferece contingências
importantes para o desenvolvimento e a aprendizagem do repertório da criança, assim como
serve como modelo e como fonte de consequências e regras (Emidio et al., 2009).
A ênfase na dinâmica familiar para o entendimento do comportamento infantil
conduz a uma mudança de atitude por parte daqueles que convivem com a criança, e o foco
da terapia é ampliado para além da criança, passando a analisar também o contexto da
interação familiar. Como tornam relevante Rocha e Brandão (2001), considerar o papel dos
42
pais como mantenedores dos comportamentos dos filhos oferece um maior suporte em
intervenções nas quais os pais participam como mediadores da modificação do
comportamento infantil.
Acerca das influências dos pais na promoção de repertórios socialmente habilidosos e
na prevenção de comportamentos inadequados nas crianças, Bolsoni-Silva e Marturano
(2004) exemplificam que pais cujas práticas de diálogo com os filhos para expressão de
sentimentos, opiniões e imposição de limites são frequentes, lidam de maneira mais
adequada com a educação dos filhos, além de fornecerem modelos mais funcionais para o
desenvolvimento infantil, possibilitando a eles aprenderem os padrões adequados dos pais.
Em contrapartida, o uso de controle coercitivo na educação dos filhos oferece condições
para ocorrência de problemas de comportamento.
Após um semestre de atendimentos, os pais relataram as mudanças: B. tomava
banho sozinha, no horário estabelecido pela criação da rotina e sem retirar o espelho do
banheiro; não fazia queixas para dormir, diminuindo a número de despertares noturnos com
pesadelos; diminuiu a frequência de ir ao quarto dos pais durante a noite; as brigas com a
irmã e as queixas para fazer as tarefas da escola cessaram; em outras palavras, B. estava
mais obediente.
Com o passar dos atendimentos no segundo semestre, os pais começaram a relatar
ressurgência de comportamentos como: não dormir ou tomar banho sozinha, agressividade,
diminuição de contato visual, desobediência, etc. Após fazer uma avaliação de variáveis
dentro e fora da sessões, percebeu-se uma alteração na dinâmica do casal, e depois de uma
investigação, optou-se por intensificar os atendimentos com os pais, pois ambos não
estavam conseguindo manter um ambiente adequado para manutenção do repertório
comportamental aprendido de B. durante as sessões.
O Quadro 10 descreve diferentes consequências dos pais no momento de fazer as
tarefas da escola.
43
Quadro 10 – Quadro de tríplice contingência com as diferenças e consequências das
atitudes dos pais
S R C
Hora de fazer a lição
da escola
B. chora dizendo
não saber fazer
Pai se irrita e começa a gritar com ela, perdendo a
paciência, dá a resposta e B. se livra da lição e
assiste novela (R+)
Mãe retoma cada aspecto da lição explicando a B.
que às vezes não tem tempo para ver a novela (P-),
às vezes também dá a resposta e permite que ela
veja a novela (R+)
Percebeu-se que o repertório de birra na hora de fazer lição de casa tinha duas
consequências. Com a fuga do pai, mantinha-se a birra por reforçamento positivo (assistir a
novela) e/ou negativo (se livrar da lição). Pela mãe a birra era reforçada intermitentemente.
Quando o pai perdia a paciência, a mãe intervinha e por vezes permitia que ela tivesse o que
queria. Ao fazer a lição somente com a mãe, a história era de punição negativa (não assistia
a novela), e, de forma intermitente, a mãe dava a resposta. Durante alguns meses B. só
pedia para fazer a atividade com o pai. O pai foi orientado a evitar reforçar a fuga de B., por
consequência parando de reforçar inadequadamente a birra. A atitude da mãe de retomar
cada aspecto da lição explicando a B. foi reforçada e utilizada como modelo para o pai agir
quando solicitado.
O relato posterior da mãe indicando como os comportamentos das crianças
mudaram negativamente nas semanas seguintes corroborou a hipótese de que o contexto
familiar estava influenciando de forma bastante intensa os comportamentos de B.
Com o andamento das sessões, notou-se que a instabilidade na dinâmica do casal era
intensificada pelo estresse cotidiano, cansaço com o trabalho, que junto a outros fatores
acarretava ansiedade na mãe, que numa cadeia acabava gerando respostas aversivas para as
filhas, e repetindo os padrões de consequenciação inadequados durante o momento de
fazer as lições da escola, alterando uma série de respostas que já haviam sido bem
estabelecidas entre todos.
44
Identificou-se também a falta de diálogo entre os pais, provocando
desentendimentos entre eles e fornecendo a B. um ambiente instável (discutido acima
acerca da importância das consequências contingentes). Ambos com queixas
complementares, mas pela falta de diálogo não havia resolução.
Em momentos distintos, a mãe lamentava-se do comportamento do marido em casa,
cogitando a hipótese de um divórcio, e o pai também se queixava de algumas atitudes da
esposa. Foi preciso realizar uma sessão com os pais na tentativa de demonstrar a
necessidade de uma mudança no contexto familiar para que fosse possível a melhora de B. e
a conservação desse novo repertório.
O trabalho junto aos pais visa auxiliá-los a identificar e intervir nas contingências que
propiciaram o desenvolvimento e a manutenção dos comportamentos inadequados. Regra
(2000) avisa que a orientação aos pais deve ter como objetivo melhorar as habilidades no
manejo familiar.
Promover nos pais o desenvolvimento de um repertório de autoconhecimento pode
produzir mudanças na relação do casal e nas relações intrafamiliares (Rocha & Brandão,
2001). Levá-los a relatarem comportamentos abertos e encobertos presentes no cotidiano e
nas interações com os filhos, discriminarem seus comportamentos e analisarem os produtos
do processo terapêutico esteve entre os objetivos das orientações de pais.
Uma das estratégias utilizada foi o preenchimento de uma folha com quatro quadros:
1) O QUE EU FAÇO, 2) O QUE EU NÃO FAÇO, 3) O QUE MEU ESPOSO/MINHA ESPOSA FAZ, e
4) O QUE MEU ESPOSO/MINHA ESPOSA NÃO FAZ. A partir daí discutiu-se cada um dos
quadros mediando a reflexão dos dois sobre cada ponto que o outro escrevera, e propondo
um momento de diálogo para que eles entrassem em acordo sobre algumas das queixas que
ambos traziam sobre o relacionamento e a família.
Silva e Vandenberghe (2009) descrevem algumas ineficiências típicas na comunicação
do casal: discutir um assunto e desviar para outro, adivinhar a intenção da declaração do
parceiro por achar que o conhece muito bem; embutir uma queixa em cada resposta dada
ao parceiro e reproduzir a mesma discussão repetidamente sem progresso ou solução;
algumas das quais puderam ser observadas nas sessões de orientações de pais.
A comunicação entre o casal não é simples, pois possui características e
componentes diferentes da comunicação entre pessoas desconhecidas. Gottman, Notarius,
45
Gonso e Markman (1976, p. 44 citados por Silva & Vandenberghe, 2009) mostraram que
durante uma conversação entre cônjuges, um dos parceiros interrompe mais o outro; puxa o
parceiro pra baixo; fere mais os sentimentos um do outro e são mais rudes entre si, o que
não ocorre entre pessoas estranhas.
Identificaram-se os comportamentos adequados e inadequados dos pais, assim como
se investigou a relação do casal e a dinâmica familiar, incluindo os pais e as duas filhas. A
discussão evidenciou pontos de melhora no relacionamento dos pais, além da consciência de
ambos de que passam pouco tempo com as filhas. O treino de habilidades de comunicação
com casal promoveu o surgimento de queixas e incômodos que não eram compartilhados
entre si, e evidenciou a necessidade do diálogo para o casal e para interações mais
proveitosas no cotidiano com as filhas.
O estudo de Ferreira e Marturano (2002) distingue, além das práticas parentais de
educação, outros fatores sociais e físicos na promoção de comportamentos adequados e
inadequados das crianças. As circunstâncias facilitadoras eram atividades diárias com
horário definido, passeios, atividades compartilhadas com os pais no lar, oferta de
brinquedos e outros materiais e supervisão dos pais nas atividades escolares e em atividades
quando a criança não está na escola. Eles observaram também que as crianças com
problema de comportamento estavam inseridas em ambientes marcados por interações
negativas; o relacionamento pais-criança foi descrito como distante e o relacionamento
entre os pais era marcado por conflitos; as práticas parentais eram inadequadas, com maior
uso de ameaças, e agressões físicas por parte dos pais.
Para continuar com o avanço na melhoria do relacionamento do casal, buscaram-se
situações que pudessem ser aproveitadas para reunir a família, como o momento de
preparar o jantar, onde todos poderiam participar se ajudando mutuamente. Percebeu-se
como foram construídos os modelos materno e paterno que era passado às filhas,
principalmente a B. que tinha dificuldades em pedir as coisas (a mãe afirmava que não sabia
pedir e o pai afirmava que não sabia oferecer). Um ponto chave discutido como casal foi a
possibilidade de modificação desse padrão aprendido de longa data, sendo orientados a
prestarem mais atenção em seus próprios comportamentos no intuito de mudá-los, afinal
esse modelo estava sendo imitado pelas filhas.
46
Oltmanns, Broderick e O'Leary (1977) em seu estudo com casais e famílias
observaram também que existe uma correlação negativa entre harmonia conjugal (Marital
Adjustment) e comportamentos problemáticos em crianças. Harmonia conjugal é um
constructo que se refere a um grupo de aspectos no relacionamento do casal como
concordâncias e discordâncias sobre condutas de criação dos filhos, aliança parental, nível
de envolvimento conjugal e compromisso com a educação dos filhos, grau em que cada
cônjuge ajuda mutuamente o outro e concordam sobre estratégias de criação dos filhos,
entre outros (Mahoney, Jouriles, & Scavone, 1997). Os casais cujos escores de um constructo
para “harmonia conjugal” eram altos, tinham filhos com menos problemas de
comportamento do que aqueles cujos escores eram relativamente inferiores ao grupo
controle.
7.8 Importância do vínculo terapêutico
Deve-se a Sigmung Freud a mais comum, correntemente, das técnicas da terapia. Tem sido caracterizada de muitos modos diferentes em muitas das diferentes teorias do comportamento. Na medida em que aqui nos toca, pode ser simplesmente descrita deste modo: o próprio terapeuta constitui uma audiência não punitiva. (Skinner, 1979/2007, p. 403)
Embora a literatura tradicional não tenha dado ênfase à relação terapêutica na
terapia comportamental, essa importância não tem sido ignorada, e nos últimos tempos,
muitos autores têm notado o valor de aspectos particulares do relacionamento terapêutico
associados à mudança clínica (Follette et al., 1996).
Clínicos de muitas linhas teóricas reconhecem a importância do relacionamento
entre paciente e terapeuta para uma mudança efetiva, e os termos “vínculo” ou “aliança
terapêutica” são comumente usados para se referir a aspectos mais significantes do
relacionamento que impactam os ganhos da terapia. Gadelha e Menezes (2004) revelam
como é importante a adaptação da criança ao ambiente do consultório e ao próprio
terapeuta, pois nenhum trabalho terapêutico ou qualquer procedimento específico pode ter
efeito sem que antes ocorra a formação de vínculo.
47
Em Ciência e Comportamento Humano, Skinner (1979/2007) apresenta a audiência
não punitiva como uma das variáveis mais importantes no processo terapêutico. Do ponto
de vista do paciente, o terapeuta em princípio é apenas mais uma pessoa que também
exerce excessivo controle sobre ele. Portanto, colocar-se em uma situação diferente é dever
do terapeuta, procurando evitar consistentemente o uso da punição. Esse papel se torna
mais claro ao paciente quando o terapeuta frequentemente responde de modo incompatível
com a história prévia de punição que o paciente experimentara em sua história de vida.
Uma história de punição negativa estava presente na história de B. quando
desenhava, pois segundo ela: “Toda vez que eu desenho ele [pai] nunca diz nada”. Enquanto
na terapia, os terapeutas reforçavam amplamente esse comportamento.
Esse processo de tornar-se uma audiência não punitiva para a criança pode levar
tempo. Nos atendimentos com B., percebeu-se um vínculo bem estabelecido com os
terapeutas após a paciente requerer deles participação junto a ela nas atividades que eram
propostas. Nos atendimentos iniciais, quando um desenho, brincadeira ou role playing eram
sugeridos pelos terapeutas, a paciente apenas executava de maneira por vezes mecânica e
sem demonstração aparente de prazer ou satisfação. O Quadro 11 foi construído com base
na primeira vez que B. pediu aos terapeutas para participarem com ela.
Quadro 11 – Quadro de tríplice contingência de um momento em sessão
S R C
Terapeutas explicam a
próxima atividade para B.
(pintura)
B. pede para terapeutas
participarem também da
atividade com ela
Terapeutas participam,
reforçando o pedido da
paciente e o vínculo terapêutico
O uso de estratégias lúdicas, sugeridas por Aguilar e Del Valle (2005), é um meio de
se estabelecer vínculo entre a criança e o terapeuta. A partir desse momento, foi possível
perceber como os terapeutas passaram a se estabelecer como uma audiência não punitiva,
afinal, os comportamentos que até então eram reprimidos começaram a aparecer no
repertório da paciente. A esse respeito, Skinner (1979/2007) escreve que o paciente pode
começar a exibir emoções fortes: uma crise de choro, dar uma demonstração violenta de
48
temperamento, ou emitir relatos mais verdadeiros e menos omissos sobre si e sobre seu
ambiente. O trecho transcrito abaixo revela o momento em que, após uma ampla mudança
no seu repertório comportamental, B. revelou que na verdade não se sentia feliz com todas
essas mudanças, e após um bloqueio de esquiva explica o motivo.
T1: Às vezes algumas coisas que a gente faz acabam afetando as outras pessoas também,
você não acha?
T2: Da mesma forma que a gente tinha falado das melhoras que você teve, por exemplo a
questão de já conseguir tomar banho sozinha, de não ter mais esses medos, de não brigar
com sua irmã, isso também teve consequências para as outras pessoas, sua mãe ficou mais
feliz, seu pai também ficou muito mais feliz com você, sua irmã também, a gente também
ficou muito feliz contigo...
T1: E aposto que você também ficou muito feliz de ter conseguido fazer essas coisas todas
sozinhas, não achou?
B: Não.
T1: Você não ficou feliz com essas coisas? Não ficou feliz?
B: Não.
T2: Porque não ficou então?
B: (falando baixo e acanhada) Porque eu não gosto de ficar feliz.
T1: Você não gosta de ficar feliz?
T2: Porque?
B: Não sei.
(...)
T2: Você disse que se sente feliz, mas porque você não gosta de se sentir feliz nesse
momento?
B: Não sei.
T2: O que acontece com você que você não gosta de se sentir feliz?
B: (chorosa) A coisa mais legal que tem pra fazer, mas outra coisa eu não gosto...
T1: Que outra coisa? Você gosta de ir pra lá [brinquedoteca da escola], diz que é o lugar mais
legal, mas tem outra coisa que você não gosta. Ajuda a gente a tentar entender.
B: Eu não sei...
49
T2: Sabe, você é uma menina tão esperta, consegue falar pra gente.
T1: Mas você falou agora, que gosta de ir pra brinquedoteca, que lá é o lugar mais legal. Mas
tem outra coisa que você não gosta. O que é?
B: (chorando e falando embolado) Eu tento fazer uma coisa e eu não gosto... quando eu
consigo fazer uma coisa e eu não fico feliz. Tipo... isso daí que vocês tão falando.
T2: Eu não consegui entender. Você disse que consegue fazer alguma coisa...
B: (chorosa e embolado) Eu consigo fazer uma coisa que eu não conseguia fazer, agora que
eu consigo eu não fico feliz.
T2: Ah, você não fica feliz. Certo. Mas o que era que tinha antigamente que você não
conseguia fazer e ficava feliz e que hoje você consegue fazer e não fica feliz?
B: (chorosa e embolado) Tomar banho.
T2: Mas porque você preferia antigamente quando você não conseguia tomar banho sozinha
e não prefere hoje que você consegue fazer sozinha.
B: (chorosa e embolado) Porque eu queria mais gente perto de mim...
O quadro abaixo (Quadro 12) resume a situação do banho. É interessante notar as
diferentes consequências para as duas respostas. A resposta adequada desenvolvida pela
intervenção terapêutica não foi reforçada pelos pais.
Quadro 12 – Quadro de tríplice contingência exemplificando o momento do banho,
relatado por B. em sessão.
S R C
Hora do banho B. chora dizendo que
está com medo
A mãe ou irmã atendem ao seu pedido e
lhe dão atenção na hora do banho
Hora do banho B. vai tomar banho
sozinha
Os pais não reforçam a resposta adequada
e ela também não ganha atenção
Como salientam Gadelha e Menezes (2004), os modos de interação entre adulto e
criança na relação que se estabelece entre terapeutas infantis e seus pacientes devem
considerar as necessidades da criança, a importância das brincadeiras e a influência que o
ambiente exerce sobre a aquisição e manutenção de comportamentos. Assim, o
50
estabelecimento de um bom vínculo terapêutico gera benefícios para a criança e sua família,
proporcionando uma maior eficácia da terapia com a participação mais ativa da criança no
processo, aquisição de comportamentos sociais importantes e a melhora nas interações
sociais.
51
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sabe-se que o ambiente do consultório não permite um controle rigoroso e
sistemático como é possível no laboratório, entretanto, através das análises apresentadas,
pôde-se demonstrar como a modificação do comportamento de uma criança requer
manipulação de inúmeras variáveis com a participação de alguns daqueles que fazem parte
de seu ambiente: terapeutas e pais. Essa é uma forma de compreensão do comportamento
humano como fruto de interações do indivíduo com seu ambiente.
As intervenções realizadas relacionaram-se, principalmente, às tentativas de
mudanças nas variáveis independentes (estímulos antecedentes ou consequentes) no intuito
de produzir mudanças na variável dependente (comportamento).
O presente estudo de caso analisou e discutiu estratégias e aspectos da terapia
analítico comportamental importantes para obtenção de bons resultados em um processo
terapêutico infantil. Apesar de finalizar os atendimentos no fim de 2012 com ressurgência de
alguns dos comportamentos inadequados, considera-se como resultado da terapia o
desenvolvimento de um repertório mais adequado para a paciente em situações que antes
lhe eram aversivas.
Por meio da análise funcional tanto de B. quanto dos seus pais, emergiram como
justificativas para dar continuidade aos atendimentos: a dificuldade dos pais no manejo de
contingências fora das sessões, o surgimento de demanda de atendimento do casal e o início
da reestruturação da relação entre o casal no fim do segundo semestre de 2012. É relevante
ressaltar que nos meses seguintes será mais importante uma maior atenção aos pais.
Realizar psicoeducação com os pais, priorizando questões referentes a como e quando
consequenciar e lidar com diversos comportamentos de B., estão como objetivos para a
manutenção adequada do repertório que já foi desenvolvido durante os atendimentos em
2012.
52
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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