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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE DIREITO DE RIBEIRÃO PRETO
O CONTRATO DE FRANCHISING E A PROTEÇÃO DA MARCA E DO KNOW HOW
DO FRANQUEADOR
Igor Longo Fabiani
Orientador: Prof. Dr. Gustavo Saad Diniz
Ribeirão Preto
2014
IGOR LONGO FABIANI
O CONTRATO DE FRANCHISING E A PROTEÇÃO DA MARCA E DO
KNOW HOW FRANQUEADOR
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
ao Departamento de Direito Privado e de
Processo Civil da Faculdade de Direito de
Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo
para a obtenção do título de bacharel em
Direito.
Orientador: Prof. Dr. Gustavo Saad Diniz
Ribeirão Preto
2014
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
FICHA CATALOGRÁFICA
Fabiani, Igor Longo O contrato de franchising e a proteção da marca e do know-how do
franqueador / Igor Longo Fabiani – Ribeirão Preto, 2014. 120 p.; 30 cm Trabalho de Conclusão de Curso – Faculdade de Direito de
Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Orientador: Gustavo Saad Diniz 1. Contratos Empresariais. 2. Franchising. 3. Marca e Know-how.
Nome: FABIANI, Igor Longo.
Título: O contrato de franchising e a proteção da marca e do know-how do franqueador
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito
de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo para obtenção do
título de Bacharel em Direito.
Aprovado em:
Banca Examinadora
Prof(ª). Dr(ª).___________________________ Instituição:____________________________
Julgamento: ____________________________Assinatura: ___________________________
Prof(ª). Dr(ª). __________________________ Instituição:____________________________
Julgamento: ____________________________Assinatura: ___________________________
Prof(ª). Dr(ª). __________________________ Instituição:____________________________
Julgamento: ____________________________Assinatura: ___________________________
Aos meus pais, Laércio e Adalva, e aos meus
avós, Armando, Adelaid, Domingos e Idalina,
que sempre me deram força e apoio para que
eu perseguisse meus sonhos.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, agradeço a Deus, por me proporcionar uma vida repleta de
experiências e pessoas maravilhosas.
Agradeço aos meus pais, Laércio e Adalva, que trabalharam arduamente para que eu
tivesse todas as oportunidades que não lhes foram concedidas. Sou grato a eles e também à
minha irmã, Ingrid, por todo o apoio e companheirismo familiar.
À minha namorada Lara, que me ajudou em toda a jornada da graduação, estando
disponível para tudo que eu precisei.
Aos meus amigos, tanto àqueles conhecidos na faculdade, quanto àqueles adquiridos
ao longo da vida, por ter a certeza de que não importa a distância ou a comunicação constante,
levarei pelo resto da vida tudo que com eles aprendi.
Ao meu orientador, Prof. Dr. Gustavo Saad Diniz, pela paciência, solicitude, simpatia
e pelos conselhos na formulação deste trabalho.
Por fim, agradeço a todos os que, de alguma forma, contribuíram para a minha
formação, especialmente, os colegas e funcionários – docentes ou servidores – da Faculdade
de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo que contribuíram e continuarão a
contribuir para o crescimento de nossa jovem faculdade.
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo, em primeiro lugar, a análise dos aspectos jurídicos do
contrato de franquia empresarial, para que, em seguida, seja possível examinar
especificamente dois de seus elementos essenciais: a licença de uso da marca e do know-how.
É notório que a marca e o know-how detidos pelo franqueador constituem os seus ativos mais
importantes, pois o sucesso da atividade de franchising baseia-se na existência de uma marca
de grande apelo popular e de conhecimentos técnicos secretos transferíveis a terceiros, que
quando empregados conjuntamente geram ao franqueado vantagens econômicas no mercado.
Dessa forma, faz-se necessário o estudo de formas jurídicas e econômicas que sejam aptas à
preservação destes importantes ativos de propriedade do franqueador e que são cedidos
temporariamente para o uso do franqueado.
Palavras-chave: Contratos Empresariais. Franchising. Marca. Know-how.
ABSTRACT
This paper aims, firstly, the analysis of the legal aspects of the franchising contract so that
then it may be possible to examine specifically two of its key elements: the license to use the
trademark and the know-how. It is notorious that the trademark and the know-how owned by
the franchisor represent his most valuable assets because the success of the franchising
business is based on a well-known trademark and on transferable secret technical knowledge,
that when are applied together generates to the franchisee economic benefits. Therefore, it is
necessary the study of the legal and economic forms that are suitable for the preservation of
these important assets owned by the franchisor and which are temporarily assigned to the use
of the franchisee.
Keywords: Business Contracts. Franchising. Trademark. Know-how.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................... 17
1.1. Introdução e Objetivo ........................................................................................... 17
1.2. Questões Técnicas ................................................................................................ 21
1.2.1. Nomenclatura ................................................................................................ 22
1.2.2. Formas de Franquia Empresarial – O “Business Format Franchising” ....... 23
2. HISTÓRICO E IMPORTÂNCIA ECONÔMICA ............................................ 26
2.1. Histórico e Expansão............................................................................................ 26
2.2. O Caso “McDonald’s” e a Gênese do Business Format Franchising ................. 29
2.3. Histórico e Desenvolvimento no Brasil ............................................................... 31
2.4. Importância Econômica e Perspectivas ................................................................ 34
3. DO CONTRATO DE FRANQUIA EMPRESARIAL ...................................... 37
3.1. Conceito ............................................................................................................... 37
3.1.1. Elementos Essenciais .................................................................................... 42
3.1.2. Técnicas......................................................................................................... 48
3.2. Cláusulas .............................................................................................................. 49
3.3. Natureza Jurídica e Classificação do Contrato de Franchising ........................... 54
3.3.1. Natureza Jurídica ........................................................................................... 54
3.3.2. Classificação ................................................................................................. 55
3.4. Da Regulamentação Legal ................................................................................... 66
3.5. Da Perspectiva em Rede do Contrato de Franquia ............................................... 70
4. DA TUTELA JURÍDICA DA MARCA E DO KNOW-HOW .......................... 77
4.1. Da Proteção da Marca .......................................................................................... 81
4.2. Da Proteção dos Sinais Distintivos ...................................................................... 95
4.3. Da Proteção do Know-how ................................................................................... 97
5. CONCLUSÃO .................................................................................................... 110
6. BIBLIOGRAFIA ................................................................................................ 115
17
1. INTRODUÇÃO
1.1. Introdução e Objetivo
Dentre muitas características próprias, o estudo do direito comercial tem como um de
seus pressupostos a compreensão da realidade mercantil. Vale dizer que, na lição de Paula
FORGIONI1, os usos e costumes em matéria de direito comercial não são apenas um
referencial histórico. Ao contrário, impulsionam as atividades empresariais e fazem parte da
prática jurídica deste ramo do direito, pois as partes, ao realizarem seus negócios2, não
escolhem entre fórmulas previamente tipificadas, mas criam novos modelos negociais de
acordo com as necessidades de sua atividade empresarial, modelos estes que, posteriormente,
serão estudados pela ciência do direito.
Ao estudo do direito comercial, portanto, é indispensável a observância do
comportamento dos agentes econômicos e das práticas empresariais, sendo de grande
importância a identificação das tendências do mercado para a correta análise jurídica dos
fenômenos empresariais.
Nos últimos anos, os autores identificam o aparecimento de uma nova dinâmica
empresarial. Dentre os fenômenos observados, segundo Paula FORGIONI3, estão a tendência
à “desverticalização” das empresas, que passam a dispensar o controle societário de seus
fornecedores, preferindo a adoção de uma sistema de vinculação horizontal destas unidades
por meio de contratos estáveis, e o crescimento da influência de um pensamento
microeconômico no processo empresarial de tomada de decisões. Esta nova tendência de
comportamento dos agentes do mercado pode ser explicada a partir de conceitos econômicos
trazidos pela corrente denominada Nova Economia Institucional e, em especial, por sua teoria
dos custos de transação.
1 FORGIONI, Paula. Teoria geral dos contratos empresariais. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 24. 2 Necessária, neste ponto, a pontuação acerca da nomenclatura utilizada. A expressão “negócios”, ora utilizada, não será empregada como sinônimo de “negócio jurídico”, proveniente da doutrina clássica do direito civil. Será, ao contrário, seguida a tradição do direito comercial, no qual o termo “negócio” tem o sentido de “transação comercial” ou o resultado de uma negociação”. No mesmo sentido, FORGIONI, Paula. Teoria cit. (nota 1 supra), p. 24. 3 FORGIONI, Paula. Teoria cit.(nota 1 supra), p. 18-21.
18
Na lição de Paula FORGIONI4, “o interesse pelo estudo dos custos de transação tem
como razão cardeal a empresa e as opções que esta faz no exercício de sua atividade”.
Seguindo a explicação dada pela mesma autora, a teoria dos custos de transação parte
da premissa de que a empresa busca a satisfação de suas necessidades, optando sempre pela
melhor alternativa disponível no sopesar entre seus custos e benefícios. Dessa forma, é certo
que a produção interna, por meio do controle societário de seus fornecedores, envolve custos.
Igualmente, a opção pela contratação de terceiros, chamada de “opção de mercado”, também
envolve custos, sendo estes os denominados “custos de transação”.
Como já dito anteriormente, a tendência atual é a busca da satisfação das necessidades
comerciais da empresa no mercado, por meio da contratação de terceiros. Percebe-se, dessa
forma, que os contratos empresariais assumem, neste momento, um papel de protagonismo,
chegando ao ponto de alguns autores definirem modernamente a empresa como um “feixe de
contratos”5.
Tradicionalmente, os contratos comerciais, figura que possibilita a atuação das
empresas no mercado, são classificados em duas grandes classes: os contratos de intercâmbio
e os contratos de sociedade.
De um lado, os contratos de intercâmbio são caraterizados pelos interesses
contrapostos dos dois contratantes; cada um visa o seu benefício. É o caso do contrato de
compra e venda, o mais popular exemplo dos contratos de intercâmbio, em que quanto mais
alto o preço do bem ou do serviço, maior é a vantagem para o vendedor em detrimento do
comprador e, em oposição, quanto menor o preço, maior é a vantagem do comprador sobre o
vendedor.
No outro extremo, temos os contratos de sociedade, roupagem jurídica que assume a
associação de interesses para o desenvolvimento da atividade comercial, em que,
diversamente dos contratos de intercâmbio, são caracterizados pelo fato de os interesses dos
contratantes estarem orientados no mesmo sentido. Impera, assim, a reunião de esforços para
a consecução dos fins sociais, partilhando os riscos e benefícios do empreendimento.
4 FORGIONI, Paula. Teoria cit.(nota 1 supra), p. 63. 5 COASE, Ronald. The Nature of the Firm. 1990, p. 115 apud SZTAJN, Rachel. Notas sobre o conceito de empresário e empresa no Código Civil Brasileiro. Revista de Direito Privado, v. 25, 2006, p. 233-249.
19
Contudo, nos últimos anos, a doutrina comercialista abriu os olhos para uma nova
forma negocial, expressa por novos arranjos contratuais, utilizados há muito pelos agentes
econômicos, e que não se encaixam perfeitamente em nenhuma das duas categorias acima
descritas justamente por situar-se entre elas, ora pendendo a um lado, ora ao outro. São os
denominados “contratos híbridos” ou “contratos de colaboração”.
Os contratos de colaboração são a expressão de um novo modo de fazer negócio, em
que as empresas, no exercício de suas atividades comercias, tendem a aliar-se a outras
praticando atos de colaboração. Essa interação interempresarial não se traduz juridicamente
em contratos de sociedade e, tampouco, em meros contratos de intercâmbio. Nascem, assim,
contratos híbridos, que são, por sua natureza, estáveis, e pressupõem a existência de esforços
conjuntos das partes que, embora interdependentes, mantêm-se patrimonialmente autônomas e
suportam individualmente os riscos de sua atividade.
Esses contratos de colaboração surgem como uma forma de evitar a celebração de
diversos contratos de intercâmbio desconexos, que aumentam os custos de transação e os
riscos de mercado, e também de escapar da rigidez dos esquemas verticalizados do controle
societário de fornecedores.
Dentre os diversos contratos de colaboração nascidos da prática empresarial, merece
destaque por sua importância aquele denominado de “franquia empresarial”, ou “franchising”.
Para Luiz Felizardo BARROSO6, “o franchising é apenas mais uma modalidade de
distribuição de bens e serviços, só que a mais inteligente e sofisticada de todas elas”, tendo
em sua substância a conjugação de esforços do franqueador e do franqueado para a
consecução dos objetivos comuns.
Debruçando-se sobre o tema, diversos autores igualmente apontam como um dos
elementos essenciais do contrato de franquia empresarial a colaboração recíproca7.
Para Silvio de Salvo VENOSA8, “o contrato implica colaboração constante entre
franqueador e franqueado, tanto no campo tecnológico, como no econômico, mantendo ambos
a sua independência jurídica”.
6 BARROSO, Luiz Felizardo. Franchising: Modificações à Lei Vigente: Estratégia e Gestão. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 219. 7 SIMÃO FILHO, Adalberto. Franchising: aspectos jurídicos e contratuais. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 33. 8 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil – contratos em espécie. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 545.
20
Newton SILVEIRA9 considera que no contrato de franchising os contratantes são
potencialmente concorrentes, vinculando-se temporariamente por meio de um contrato de
cooperação. Também Ana Cláudia REDECKER10, ao formular seu próprio conceito, inicia-o
caracterizando a franquia empresarial como “uma forma de colaboração comercial entre
empreendedores independentes”.
Ao lado da conjunção de interesses e da colaboração recíproca, outro item
indispensável ao contrato de franquia empresarial, e tido como seu elemento essencial, é a
outorga, por parte do franqueador, dos direitos de utilização de seus ativos intangíveis pelo
franqueado. No mesmo sentido, Luiz Edmundo Appel BOJUNGA11, ensina que “o traço
essencial do franchising consiste no licenciamento de utilização da marca e ainda os serviços
de assistência na organização de métodos de exposição e expansão do produto e/ou serviço no
mercado”.
Dentre os bens imateriais cedidos estão o licenciamento para utilização de marca
consagrada no mercado, autorização para exploração de patente, e a transmissão de técnicas
de organização, métodos operacionais e sistema de exposição e vendas de reconhecido
sucesso, que compõem o know-how12 do franqueador, com a prestação de serviços de
assistência técnica permanente ao franqueado.
É certo que, na atual era do conhecimento, os bens intangíveis (marca, know-how,
patentes, etc.) de uma empresa são mais valorizados do que os bens materiais, pois
proporcionam significativa vantagem competitiva sobre os demais agentes que deles não
disponham13.
Para Marcelo CHERTO14, “fazer uma marca, tornando-a aceita, reconhecida e
respeitada pelos consumidores, é tarefa que requer muito trabalho e grandes investimentos e,
9 SILVEIRA, Newton. O contrato de “franchising”. In: BITTAR, Carlos Alberto (coord.), Novos contratos empresariais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 160. 10 REDECKER, Ana Cláudia. Franquia empresarial. São Paulo: Memória Jurídica, 2002, p. 41. 11 BOJUNGA, Luiz Edmundo Appel. Natureza jurídica do contrato de franchising. Revista dos Tribunais, v. 653, São Paulo, ano 79, mar. 1990, p. 56. 12 O conceito de know-how, no sentido aqui empregado, pode ser definido, nas palavras de Fran Martins, como “certos conhecimentos ou processos, secretos e originais, que uma pessoa tem e que, devidamente aplicados, dão como resultado um benefício a favor daquele que os emprega”. (MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 451.). Abarca, portanto, as expressões “técnicas de organização, métodos operacionais e sistemas de exposição e vendas” utilizadas. 13 ABDALLAH DOS SANTOS, Ana Claudia Karam. Tutela Jurídica do “Capital Intelectual” das Sociedades Empresárias. Tese de Doutorado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2009, p. 46. 14 CHERTO, Marcelo. Franchising: revolução no marketing. 2. Ed. São Paulo: McGraw-Hill, 1988, p. 88.
21
portanto, a marca é, especialmente em franchising, ativo do mais alto valor, a ser preservado a
todo custo”.
Sem dúvida, tal afirmação pode ser estendida integralmente ao know-how cedido pelo
franqueador, que também é, como dito, objeto essencial do contrato de franchising. Isso
porque, a conjugação do poder da marca licenciada com os conhecimentos comerciais de
organização, produção, administração e distribuição é que vai determinar o sucesso tanto da
empresa franqueadora quanto da empresa franqueada.
Entretanto, apesar de os objetivos de franqueador e franqueado estarem orientados no
mesmo sentido, pressupondo uma colaboração recíproca para a máxima eficiência do contrato
celebrado, não pode ser, de plano, excluída a possibilidade de surgirem situações em que, por
conta de atitudes do franqueado, comissivas ou mesmo omissivas, os bens intangíveis de
propriedade do franqueador sejam prejudicados, colocando em risco não só a eficiência do
contrato de franquia individualmente considerado, mas sim de toda a rede de franqueados e da
própria atividade desenvolvida pela empresa franqueadora que, como já pontuado, possui
como ativo de maior valor a sua marca e seu know-how.
Em suma, percebe-se que os bens imateriais de propriedade do franqueador, e que
terão seu uso cedido ao franqueado, são determinantes para o sucesso e manutenção do
sistema de franchising desenvolvido pelo franqueador, devendo ser protegidos de forma
satisfatória contra atitudes abusivas não só dos franqueados, como daqueles que o são em
potencial (e. g. receberam a Circular de Oferta de Franquia), e daqueles que já deixaram a
rede de franqueados, sob pena de diminuição da eficiência do método de distribuição ou até
mesmo inviabilização da atividade de franquia.
Assim, o presente trabalho tem como objetivo, além da análise das características
peculiares do contrato de franquia empresarial e da importância da marca e do know-how do
franqueador para o sucesso da atividade de franchise, apresentar elementos para a satisfatória
proteção jurídica e contratual destes ativos intangíveis.
1.2. Questões Técnicas
Antes de adentrarmos no mérito e analisarmos mais afundo o contrato de franchising,
é necessário convencionar alguns pontos de natureza técnica que previnem o possível
surgimento de incertezas na leitura e exame do trabalho desenvolvido.
22
1.2.1. Nomenclatura
A primeira convenção a ser proposta trata da nomenclatura do instituto a ser estudado,
que ora recebe o nome de “contrato de franchising” e ora de “contrato de franquia
empresarial”, ou simplesmente “contrato de franquia”.
O termo em português “franquia empresarial” é criticado por alguns autores15, que
argumentam não ter este a mesma extensão significativa e não expressar fielmente o conceito
trazido pelo termo original na língua inglesa “franchising”. Além disso, alegam ser a
expressão original amplamente utilizada em todo o mundo. Entretanto, percebe-se que o
vocábulo em português é largamente utilizado entre os autores pátrios16 e também na
legislação vigente17, não havendo qualquer prejuízo em denominar o instituto em questão de
“contrato de franquia”, uma vez que este se presta, pela prática, a individualizar o contrato e o
sistema de distribuição em estudo. Assim, no corpo deste trabalho serão utilizadas
indistintamente as expressões “franchising” e “franquia empresarial” ou simplesmente
“franquia”.
Importa também distinguir o significado dos vocábulos “franchising” e “franchise”,
que comumente são tratados como sinônimos, até porque ambos ao serem traduzidos ao
português têm como equivalente a expressão “franquia”, mas que possuem conteúdo diverso.
O primeiro designa genericamente o sistema de distribuição, sendo o “contrato de
franchising” o instrumento de implantação do sistema; já o segundo pode significar, neste
contexto, tanto o conjunto de direitos cedidos pelo franqueador ao franqueado, quanto o
estabelecimento operado pelo franqueado.
Com relação às partes contratantes, as expressões em língua inglesa “franchisor” e
“franchisee” não encontraram guarida na doutrina brasileira18, em que a ampla maioria dos
autores utiliza as correspondentes expressões em língua portuguesa, respectivamente,
“franqueador” para denominar aquele que detém e cede os direitos de uso sobre a marca e os
conceitos mercadológicos de distribuição de bens ou serviços, prestando assistência técnica
15 Dentre eles: SIMÃO FILHO, Adalberto. Franchising: aspectos cit. (nota 7 supra)., CHERTO, Marcelo. Franchising: revolução cit. (nota 14 supra)., CRETELLA NETO, José. Do contrato internacional de franchising. Rio de Janeiro: Forense, 2000., etc. 16 Dentre eles: BARROSO, Luiz Felizardo. Franchising e Direito. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002., MARTINS, Fran. Contratos cit. (nota 12 supra).; BOJUNGA, Luiz Edmundo Appel. Natureza cit. (nota 11 supra).; SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação e concorrência – estudos e pareceres. São Paulo: Malheiros Editores, 2002., etc. 17 Lei nº 8.955, de 15 de dezembro de 1994. 18 Entre as exceções: CHERTO, Marcelo. Franchising: revolução cit. (nota 14 supra).
23
contínua, e utilizando do sistema de franquia para a expansão de seus negócios; e
“franqueado” para aquele ao qual são cedidos estes direitos, mediante o pagamento de
retribuição, ingressando na rede de franquias.
1.2.2. Formas de Franquia Empresarial – O “Business Format Franchising”
O sistema de franquia foi criado para suprir a necessidade das partes. Justamente por
isso, encontra-se em eterno desenvolvimento e evolução. Consequência disso e da ampla
gama de obrigações que podem fazer parte do contrato de franquia empresarial, é o fato de
que foram criadas pela prática empresarial diversas formas de franchising, algumas
rudimentares, e expressas por uma pequena interação entre franqueador e franqueado, e outras
mais evoluídas e complexas, caracterizadas pela maior interdependência entre as partes.
Assim, necessária a preliminar apresentação das formas mais populares que assume o sistema
de franquia, para depois fixar aquela que será o foco do presente trabalho.
A primeira forma de franchising, a ser tratada é a “Franquia de Marca e Produto”,
também conhecida como “Tradicional Franchising”, em que o franqueador, proprietário de
marca de renome, produz os bens, ou seleciona cuidadosamente os fornecedores destes, e
repassa-os onerosamente ao franqueado, que irá comercializá-los no mercado de consumo por
um preço mais alto. Além da comercialização de bens sob a sua marca, o franqueador pode se
comprometer a realizar treinamentos e esquemas de publicidade que auxiliem nas vendas do
franqueado. Nas palavras de Luiz Edmundo Appel BOJUNGA19, “é a forma mais rudimentar
e menos desenvolvida de franquia”.
Um degrau acima na escala de complexidade, encontramos a denominada “Franquia
de Canto”, ou “Corner Franchising”, que se popularizou nos últimos anos com o crescimento
da importância dos shopping centers, e consiste em um pequeno ponto instalado
estrategicamente em locais de grande movimentação, e formatado de modo a caracterizar e
manter a homogeneidade da rede, nos quais são comercializados produtos ou prestados
serviços pelo franqueado, utilizando da marca do franqueador.
Outra forma importante que o franchising pode tomar é o chamado “Master
Franchising”, no qual o franqueador outorga ao master franqueado (subfranqueador) o direito
de, “em um determinado território, exercer os poderes normalmente reservados ao
19 BOJUNGA, Luiz Edmundo Appel. Natureza cit. (nota 11 supra), p. 57.
24
franqueador”20, recrutando franqueados (subfranqueados) e concedendo-lhes os direitos que
lhe foram outorgados pelo franqueador, prestando assistência técnica e recebendo, em
contrapartida, a remuneração contratada. Ou seja, age em determinado território como se
franqueador fosse.
Tal técnica é utilizada para a ampliação da rede de distribuição, cobrindo grandes
territórios, sendo principalmente utilizada na expansão da rede a outros países, uma vez que o
master franqueado possui o conhecimento das peculiaridades locais, encontrando-se mais
próximo dos franqueados para exercer o necessário controle e prestar constante assistência
técnica.
Outra forma assumida pela franquia empresarial, e que também se prestar
principalmente à expansão do sistema do franqueador é a “Franquia de Desenvolvimento de
Área” (“Area Development Franchise”).
Nesta modalidade, o franqueador outorga ao franqueado, chamado de “Area rep”, o
direito de explorar a franquia e de procurar novos franqueados em determinado território,
fornecendo-lhes certos serviços. Difere da “Master Franchising” no sentido que aqui o
franqueado Area rep não pode celebrar contratos de franquia diretamente com os novos
franqueados. O franqueador assume a negociação com estes, delegando ao Area rep os
serviços de assistência e treinamento das novas franquias, sendo responsável também pela
fiscalização destas, recebendo, em contrapartida, parte da taxa inicial, por ter recrutado o novo
franqueado, e parte das taxas periódicas pelos serviços oferecidos.
Por fim, chegamos àquele que é o modelo mais importante do sistema de franquia
empresarial, denominado tradicionalmente de “Business Format Franchising”, ou “Franquia
de Negócio Formatado”.
O Business Format Franchising se caracteriza pela estreita relação entre as partes
contratantes, em que o franqueador, que possui um modelo de negócio formatado e de
reconhecido sucesso, transfere ao franqueado todos os elementos que compõem o seu
estabelecimento modelo.
A formatação se dá pela transferência integral, por parte do franqueador, das técnicas e
modelos desenvolvidos para a produção e comercialização dos produtos, consistentes no seu
know-how, da licença de uso da marca consagrada, e de outros elementos como a 20 REDECKER, Ana Cláudia. Franquia cit (nota 10 supra), p. 60.
25
padronização do estabelecimento franqueado através da formatação do projeto e do design do
ponto comercial, a decoração deste, disposição das mercadorias, montagem de vitrines,
comportamento e vestimenta dos funcionários, forma de atendimento ao público, dentre
outros, que tem como objetivo a padronização e uniformização da rede de franqueados,
trazendo benefícios não só ao sistema comercializado, mas também ao franqueado e aos
consumidores finais.
O franqueador, no sistema de Franquia de Negócio Formatado, não se obriga apenas a
fornecer o sistema de operação, mas também à prestação contínua de assessoria técnica
(jurídica, administrativa, fiscal, tributária, financeira, etc.), por meio de manuais operacionais,
e treinamento, além de manter intensa supervisão e controle sobre as atividades do
franqueado, tudo em vistas de fazer ser mantida a padronização contratada.
De outro lado, o franqueado, ao receber toda a metodologia e experiência que são, via
de regra, largamente testadas e aceitas pelo mercado, se compromete a seguir fielmente as
normas e instruções do franqueador estipuladas no contrato, e a remunerá-lo,
tradicionalmente, por uma taxa pré-estabelecida, chamada de “taxa de franchise” ou
“franchise fee”, além do pagamento de royalties sobre o seu faturamento mensal.
Dessa forma, percebe-se que o Business Format Franchising é o modelo mais
completo e avançado do sistema de franquia empresarial, e que apresenta as maiores
vantagens tanto para os franqueadores quanto para os franqueados, razão pela qual tem ampla
utilização, sendo chamado por Luiz Edmundo Appel BOJUNGA21 de “o verdadeiro
franchising”. Por sua importância, e especialmente por sua completude em relação às
obrigações assumidas pelas partes, será este modelo preferencialmente focalizado neste
trabalho.
21 BOJUNGA, Luiz Edmundo Appel. Natureza cit. (nota 11 supra), p. 58.
26
2. HISTÓRICO E IMPORTÂNCIA ECONÔMICA
2.1. Histórico e Expansão
Como já pontuado anteriormente, o Direito Comercial se formou e continua a se
desenvolver a partir da prática do comércio, ou seja, nasce e evolui a partir dos usos e
costumes dos comerciantes que, para a satisfação de suas necessidades negociais, não
procuram necessariamente entre as soluções preexistentes e estudadas pela ciência do direito,
mas “criam, adaptam e aperfeiçoam novas técnicas de mercado”22. Com o instituto da
franquia empresarial não foi diferente. Segundo Luiz Felizardo BARROSO23:
O contrato de franchising não foi mera elaboração doutrinária, idealizada por juristas, nem tampouco uma inovação legislativa visando ao desenvolvimento e à regulamentação econômica de determinado setor da atividade empresarial privada, e sim, fruto das necessidades do próprio mercado, que necessitava de um instrumento jurídico adequado para viabilizar um tipo de operação comercial descentralizada, dinâmica, dirigida à satisfação do consumidor final.
O termo “franquia”, ou “franchising”, tem a sua origem no vocábulo “franchisage” do
idioma francês, que significa a outorga de um privilégio ou autorização. No período feudal,
este termo designava uma concessão feita pelos senhores feudais de vantagens e privilégios,
então reservados somente a eles, para algumas pessoas, normalmente atuantes no setor
financeiro, e que teriam mais liberdade para desenvolver seus negócios, como no abandono de
uma servidão, ou a determinadas cidades, que a partir de então passariam a ter o livre trânsito
de pessoas e bens em seu interior.
Também são identificados como os antecedentes históricos mais remotos do instituto
da franquia, sem, contudo, receber essa denominação, a concessão da Igreja Católica aos
senhores feudais para que estes coletassem impostos em seu nome, retendo uma parte da
arrecadação a título de remuneração pelo trabalho, e às expedições marítimas do século XV,
em que os reis concediam aos navegadores da época os navios e demais apetrechos e
instalações para que, sob a bandeira e símbolos reais, buscassem novas terras e rotas
comerciais a fim de trazer mais riquezas e domínios aos Estados Modernos recém nascidos.
Estes antecedentes não guardam semelhanças profundas com o moderno instituto do
franchising, exceto pela existência, em ambos, da outorga de direitos e privilégios exclusivos 22 REDECKER, Ana Cláudia. Franquia cit. (nota 10 supra), p. 26. 23 BARROSO, Luiz Felizardo. Franquia da Atividade Securitária, p.183 apud CRETELLA NETO, José. Do Contrato cit. (nota 15 supra), p.16.
27
a terceiros, que se utilizam do que lhes foi concedido para auferir proveitos econômicos,
muitas vezes, como no exemplo das navegações, correndo todos os riscos do
empreendimento.
Muitos estudiosos do tema indicam que o resgate do conceito de franchising,
esquecido desde a Idade Média, e sua aplicação na prática comercial se deram somente após a
Segunda Guerra Mundial. Entretanto, tal posição não é aceita pela maior parte da doutrina,
que identifica como antecedente histórico da franquia “como relação entre dois particulares e
não entre o Poder Público ou a Igreja, de um lado e um particular de outro” 24, aquela que
começou a ser praticada nos Estados Unidos antes mesmo da Guerra de Secessão Americana.
A primeira empresa a utilizar do conceito de franchising para a expansão de seus
negócios e da rede de distribuição de seus produtos foi a Singer Sewing Machine Company,
sediada em Stamford, Connecticut. No ano de 1860, a empresa resolveu expandir sua
participação no mercado de varejo e alcançar um maior território para a venda de seus
produtos sem a necessidade de realização de vultosos investimentos. Assim, atraiu
comerciantes independentes e ofereceu-lhes a possibilidade de comercializar seus produtos
em lojas estruturadas e custeadas por estes comerciantes, utilizando-se da marca Singer. O
sucesso do modelo, segundo Jorge Pereira ANDRADE25, se deu em virtude da transferência,
pela franqueadora às franqueadas, do uso de sua marca, de seus produtos, de todo o know-how
existente, da publicidade institucional e, principalmente, de sua técnica de venda no varejo.
Foi após a Guerra de Secessão dos Estados Unidos (1861-1865) que o franchising
começou a se expandir por todo o território americano, pois foi utilizado pelas empresas
sediadas no norte dos EUA com o objetivo de expandir suas operações ao sul e à oeste
daquele mesmo país. Exemplos destas empresas são a General Motors, que em 1898 adotou o
franchising para a ampliação de sua rede de distribuição, aumentando, assim, as vendas dos
veículos de sua fabricação, e a Coca Cola Company, que a partir de 1899 passou a outorgar a
franqueados o direito de engarrafar o seu refrigerante.
Por óbvio, o sistema de franchising empregado pelas empresas nesta época não se
confunde, em razão de sua incipiente complexidade, com aquele praticado atualmente, e que é
objeto do presente estudo. O Business Format Franchising somente se desenvolveu,
verdadeiramente, após a década de 1940. O que não significa, contudo, que o sistema
24 CHERTO, Marcelo. Franchising: revolução cit. (nota 14 supra), p. 10. 25 ANDRADE, Jorge Pereira. Contratos de franquia e leasing, São Paulo, Atlas, 1993, p. 15.
28
implantado por estas empresas não possa ser denominado de franchising, uma vez que se
identifica com o Tradicional Franchising, ou Franquia de Marca e Produto, surgido antes do
século XX.
Em constante evolução, o sistema de franquias dos Estados Unidos experimentou, em
meados do século XX, especificamente após a Segunda Guerra Mundial, uma verdadeira
expansão, denominada por muitos de “o boom do franchising”, fato este que fez com que
muitos identificassem equivocadamente este momento histórico como o surgimento do
sistema. Os fatores que levaram a esta grande difusão foram o fim da Segunda Guerra
Mundial, e o retorno aos EUA, que passava por uma crise econômica, de um grande
contingente de ex-soldados que necessitavam ser reinseridos no mercado de trabalho.
Muitos destes ex-combatentes vislumbraram na atividade comercial uma solução para
a falta de trabalho. Contudo, como reflexo do momento econômico do país, a grande maioria
não possuía capital para a realização de grandes investimentos. Neste ponto, o sistema de
franquias, especialmente com o nascimento do Business Format Franchising, adequou-se
perfeitamente aos anseios não só destes ex-soldados, como também de outros que desejavam
ser proprietários de seu próprio negócio.
Some-se a este cenário a desnecessidade de vultosos investimentos e de experiência
prévia do futuro empreendedor, que integrado à rede de franqueados, disporá de todo o know-
how do franqueador, de marca de renome e grande aceitação junto ao público, e de assistência
técnica em caráter permanente.
Além disso, percebendo que o franchising “representava, na maioria dos casos, uma
alternativa financeira e até socialmente menos onerosa para aqueles que desejavam se
estabelecer por conta própria”26, o Governo dos Estados Unidos, por meio da Small Business
Administration, órgão subordinado ao Departamento de Comércio Americano e que tem como
escopo o estímulo e a viabilização de pequenos negócios, passou a conceder linhas especiais
de financiamentos àqueles desejosos de ingressar como franqueado em uma rede de franquias.
26 CHERTO, Marcelo. Franchising: revolução cit. (nota 14 supra), p. 12.
29
2.2. O Caso “McDonald’s” e a Gênese do Business Format Franchising
O franchising, como sistema de distribuição de produtos e serviços nos moldes em que
é conhecido atualmente, ou seja, aquele denominado “Business Format Franchising”, foi
consagrado com a experiência, a partir de 1955, da rede de restaurantes “McDonald’s”.
A rede tem seu embrião no ano de 1937, quando os irmãos Richard e Maurice
McDonald abriram um pequeno restaurante drive-in na cidade de Pasadena, Califórnia,
chamado “McDonald’s”, que servia apenas hot dogs e milk shakes e tinha o atendimento
realizado por garçons que se movimentavam sobre patins (carhops), de veículo em veículo.
A experiência positiva do restaurante em Pasadena fez com que os irmãos abrissem,
em 1940, um novo e bem maior drive-in na cidade de San Bernardino, Califórnia.
Em 1948, decidiram mudar o esquema de organização do restaurante, visando deixá-lo
mais racional, com a diminuição custos e aumento dos lucros, e reduzindo o tempo entre o
atendimento ao cliente e a entrega da refeição, adotando de vez o esquema de fast food.
Assim, nas palavras de Marcelo CHERTO27:
... aboliram os “carhops” e instalaram guichês, no balcão, para atendimento direto aos clientes; simultaneamente, redesenharam a cozinha, distribuindo os móveis, utensílios e funções de forma mais racional, de modo a otimizar seu funcionamento, em termos de rapidez e volume. Paralelamente, reduziram seu cardápio e acabaram com o atendimento personalizado, em que cada cliente poderia solicitar seu lanche com algo de especial.
O sucesso da lanchonete, com o aumento dos lucros, foi quase imediato, fazendo com
que os irmãos entendessem, já naquele momento, que o sistema por eles criado poderia ser
bem adaptado e comercializado por meio do franchising, levando-os a publicar anúncios com
o fito de atrair possíveis franqueados e, em 1952, fechar o primeiro contrato com o dono de
um posto de gasolina em Phoenix, Arizona. Além desse, os irmãos McDonald celebraram
alguns outros contratos de franchising, mas decidiram não mais comercializar diretamente
suas franquias, repassando a outrem o direito para fazê-lo.
Foi em 1954 que Ray Kroc, até então vendedor de misturadores de milk shake,
adquiriu com exclusividade o direito de comercializar as franquias McDonald’s em todo o
território dos EUA. Por este contrato, Ray Kroc ficaria com a maior parte dos royalties pagos
pelos franqueados, e estaria obrigado, de outro lado, a prestar todos os serviços daquele que é
27 CHERTO, Marcelo. Franchising: revolução cit. (nota 14 supra), p. 152.
30
hoje conhecido como o “pacote franchise”, que compreende desde o auxílio na montagem do
estabelecimento até a permanente prestação de assistência técnica. Antes, contudo, de
expandir a rede de franqueados, Ray instalou na cidade de Des Plaines, no estado de Illinois,
um restaurante modelo, que passou a operar diretamente. Anos mais tarde, Ray Kroc adquiriu
dos irmãos McDonald a marca “McDonald’s” e todos os direitos sobre o sistema criado por
eles.
A partir deste momento, o McDonald’s passou a crescer exponencialmente, com a
abertura de lojas em todo o território dos EUA, atingindo a marca de 500 lojas em 1963, e
também, a partir de 1967, passando a operar no exterior. No Brasil, o primeiro restaurante foi
aberto em 1979, no Rio de Janeiro.
Atualmente, é considerada a maior rede de fast food do mundo, e está presente em 119
países28, com mais de 32.000 restaurantes (dados do ano de 2010), dos quais cerca de 80% são
franquias 29, e lucro líquido, no último trimestre de 2013, de US$ 1.397 bilhão30.
As razões de tanto sucesso são herança da visão e da política empresarial implantada
já nos primórdios da empresa, por Ray Kroc. Marcelo CHERTO31, em análise longa e precisa
do histórico da empresa pontuou essas razões. Segundo ele, desde o início, Ray Kroc baseou-
se na premissa de que o sucesso do franqueador depende diretamente do sucesso de seus
franqueados. Assim, trabalhou para garantir que seus franqueados tivessem acesso a
equipamentos, materiais e insumos pelo custo mais baixo possível, sem que sua empresa
franqueadora obtivesse qualquer tipo de lucro nessas operações. Isso se comprova pelo fato de
que, até hoje, a maior parte do faturamento da McDonald’s Corporation provem de royalties
coletados, e que são calculados sobre o faturamento das unidades franqueadas. Ou seja,
quanto maior o faturamento de cada restaurante da rede, maior o faturamento da
franqueadora.
Mantinha, também, uma relação aberta e honesta com seus franqueados, já praticando,
naquela época, o full disclosure dos dados empresariais, instituto que Luiz Felizardo
28 Disponível em: <http://www.aboutmcdonalds.com/mcd/our_company/mcdonalds_history_timeline.html>. Acesso em: 20 jan. 2014. 29 Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/noticia/2011/03/subway-supera-mcdonalds-em-numero-de-restaurantes-no-mundo.html>. Acesso em: 22 jan. 2014. 30 Disponível em: <http://exame.abril.com.br/negocios/noticias/lucro-do-mcdonald-s-fica-estavel-no-4o-trimestre-de-2013>. Acesso em: 22 jan. 2014. 31 CHERTO, Marcelo. Franchising: revolução cit. (nota 14 supra), p.151-158.
31
BARROSO32 leciona ser um dos fatores do sucesso de qualquer empresa que se lance a
comercializar franquias, e que deve permear toda a relação negocial, iniciando na circular de
oferta de franquia33, exigida legalmente.
Além disso, não procurou ter lucros imediatos por meio da exploração de seus
franqueados, mas preocupou-se em investir na consolidação de um sistema eficaz e no
treinamento de todos os envolvidos em seu negócio, implantando seu know-how em todos os
restaurantes da rede e buscando qualidade e uniformização dos serviços e produtos vendidos.
Para isso, lançou mão, desde o início, além da prestação de assistência técnica permanente, de
um intenso controle e supervisão, superior àquele realizado por qualquer outro franqueador da
época.
Por fim, ainda destaca-se como imprescindível para o enorme sucesso mundial da
empresa a consolidação da marca e de suas insígnias junto ao mercado consumidor, que foi
conquistada através da observância de rígidos padrões de qualidade, presteza e limpeza dos
estabelecimentos franqueados, em aliança com um grande investimento em campanhas
publicitárias, realizadas a nível mundial, e que fizeram com que os arcos estilizados em forma
de “M”, pintados em amarelo, sejam associados à rede McDonald’s em qualquer contexto em
que sejam inseridos.
Dessa forma, finaliza Marcelo CHERTO34:
Nunca, antes dela, um franchisor (franqueador) demonstrou, de maneira tão clara a compreensão de que a relação entre franchisor (franqueador) e franchisee (franqueado) equivale a um verdadeiro casamento, com total comunhão de interesses, no qual o sucesso e, em consequência, a prosperidade de cada um estão íntima e inexoravelmente vinculados ao sucesso e prosperidade do outro. E os resultados alcançados pela empresa em todo o mundo são a melhor prova de que seriedade, profissionalismo, organização e preocupação com a própria imagem sempre compensa, quando se trata de franchising.
2.3. Histórico e Desenvolvimento no Brasil
De forma unânime, a doutrina estabelece como o pioneiro no uso de algumas práticas
que hoje constituem o sistema de franquias, no Brasil, o empresário Arthur de Almeida
Sampaio, proprietário da fabricante de calçados “Stella”.
32 BARROSO, Luiz Felizardo. Franchising cit. (nota 16 supra), p. 43-48. 33 Art. 3º da Lei 8.955, de 15 dezembro de 1994. 34 CHERTO, Marcelo. Franchising: revolução cit. (nota 14 supra), p. 158.
32
Em 1910, aproveitando-se do grande apelo popular que sua marca possuía no estado
da Bahia, decidiu ampliar suas vendas para todo o interior do estado. Para isso, utilizou-se de
técnicas hoje consagradas pelo sistema de franchising, sem saber que o fazia, começando com
um cuidadoso processo de seleção de “representantes comerciais”35 adequados e competentes,
considerado o primeiro pressuposto para o sucesso do sistema. Estes “representantes” eram
responsáveis pelos investimentos necessários para a instalação dos novos estabelecimentos,
ou utilizariam os seus próprios pontos comerciais, para aqueles que já o possuíam, estando o
“franqueador”36 obrigado a fornecer somente a placa com a marca “Calçados Stella”.
Percebe-se, portanto, que além da expansão de seus negócios sem a necessidade de
realização de grandes investimentos, o empresário Arthur de Almeida Sampaio antecipou-se,
de forma rudimentar, à padronização visual hoje existente. Destaca-se, também, o espírito de
parceria, também pressuposto da moderna franquia, havido entre a empresa franqueadora
(Calçados Stella) e seus “representantes comerciais”, marcado pela cooperação empresarial
em busca da realização de objetivos comuns e pela informalidade da relação contratual, feita
por meio de contratos verbais, não mais permitidos pela legislação atual.
Como reflexo da modernização do Brasil, houve grande expansão dos meios de
telecomunicação, o que aumentou o apelo visual dos consumidores e contribuiu para que
marcas de produtos e serviços se tornassem objeto de desejo em todos os cantos do país. A
popularização dos shopping centers também contribuiu para este fenômeno.
Assim, a partir da década de 1970, somando-se o fenômeno acima narrado, o aumento
do mercado consumidor e a falta de recursos das empresas para a abertura de pontos de
vendas em todo o país, na lição de José CRETELLA NETO37, “passou o franchising a ser a
modalidade preferida de negócios de pequeno e médio porte”.
Para Ana Cláudia REDECKER38,
A adoção do instituto da franquia no Brasil representou uma forma de vencer a carência de recursos para atender com maior eficiência o rápido
35 Utiliza-se, aqui, a nomenclatura “representantes comerciais”, de forma a acompanhar a doutrina especializada. Dentre eles, BARROSO, Luiz Felizardo. Franchising cit. (nota 16 supra), p. 20. Foi utilizada, contudo, entre aspas uma vez que os referidos contratantes não correspondem àqueles designados pelo instituto moderno da representação comercial. 36 Igualmente, foi utilizada a expressão “franqueador” entre aspas porque, apesar de utilizarem técnicas hoje consagradas pelo instituto do franchising, o arranjo contratual utilizado não se confunde com o moderno contrato de franquia empresarial. 37 CRETELLA NETO, José. Manual Jurídico do Franchising. São Paulo: Atlas, 2003, p. 53. 38 REDECKER, Ana Cláudia. Franquia cit. (nota 10 supra), p. 3.
33
crescimento dos setores de produção e consumo, ou seja, através da adoção de procedimentos administrativos modernos buscou-se sanar as necessidades fundamentais da grande parte das empresas comerciais, principalmente as de pequeno e médio porte, como, por exemplo, os inconvenientes decorrentes da inexistência de um sistema de informações no mercado, capaz de orientar o próprio processo produtivo, que prejudicava a análise de problemas de abastecimento.
Luiz Felizardo BARROSO39, também aponta como referencial histórico da franquia
empresarial no Brasil, a experiência tida pelas “Lojas Ducal”, citando o seu pioneirismo no
modelo de franquia de negócio formatado (Business Format Franchising), e elogiando
especificamente os manuais de franquia produzidos pela empresa:
Para sua época, 1975/1976, seus manuais eram avançadíssimos e praticamente inexistentes em empresas brasileiras que se dedicassem à distribuição ampla de bens e serviços, possuindo até a franqueadora um bem lançado questionário para a seleção de seus franqueados.
Nesta mesma época, começaram a surgir outras redes de franquias, como Mister Pizza,
Idiomas Yázigi, O Boticário, Água de Cheiro, etc., além da instalação no Brasil, como dito,
do primeiro restaurante da rede mundial de franchising “McDonald’s”.
Não obstante, é igualmente consenso na doutrina40 que o sistema de franquia
empresarial, no Brasil, sofreu seu boom a partir do ano de 1986, com o advento do Plano
Cruzado. Antes deste plano econômico, o Brasil vivia um período de hiperinflação, em que
todo o dinheiro excedente era aplicado imediatamente nos bancos, e remunerado por estes
com juros exorbitantes em virtude da grande inflação, gerando uma falsa sensação de
rentabilidade, que, por sua vez, era preferida em detrimento do investimento em qualquer
atividade mercantil.
Com o Plano Cruzado, o governo federal congelou os preços, de forma a zerar a
inflação no período, e passou a remunerar as aplicações financeiras com juros de 0,5% ao
mês. Este fato fez com que o número de micro e pequenas empresas aumentassem. Entretanto,
muitos desses novos empresários não possuíam qualquer experiência comercial para iniciar
um novo negócio.
39 BARROSO, Luiz Felizardo. Franchising cit. (nota 16 supra), p.21-22. 40 Dentre eles: REDECKER, Ana Cláudia. Franquia cit. (nota 10 supra), p. 32., CRUZ, Glória Cardoso de Almeida. Franchising, 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 8., e ANDRADE, Jorge Pereira. Contratos de franquia cit. (nota 25 supra). p. 17.
34
Destaca-se também, neste mesmo cenário, a criação, em 1987, da Associação
Brasileira de Franchising (ABF) que, para Marcelo CHERTO41, tem como foco principal a
divulgação do sistema de franchising no Brasil, apresentando suas vantagens a todas as partes
envolvidas, inclusive aos consumidores. A ABF tem como escopo, ainda, a defesa do sistema
junto às autoridades, o incentivo ao aprimoramento técnico daqueles que o praticam, e o
estabelecimento de padrões éticos no mercado de franquias empresariais, inclusive com a
elaboração de um Código de Ética para os associados, garantindo o máximo de
profissionalismo e seriedade no emprego do sistema.
Assim, formou-se no Brasil panorama semelhante àquele encontrado nos EUA no pós
década de 1950. Nas palavras de Glória Cardoso Cléria CRUZ42:
Completa-se, assim, o ciclo: de um lado, empresas de prestígio que precisavam expandir sua rede de distribuição, sem arcar com os custos de mão-de-obra, espaço, etc. De outro, pessoas com um pequeno capital disponível, querendo assumir negócios próprios sem grande risco. A equação estava completa: franqueadores com a finalidade de transferir sua marca, produto, serviço, tecnologia e experiência e franqueados que abriam mão de sua independência como empresários para contar com todos esses privilégios.
2.4. Importância Econômica e Perspectivas
O franchising, como sistema de distribuição de bens e serviços, assumiu no mercado
de varejo atual uma posição de destaque. Para Adriana Mandim Theodoro de MELLO43, “a
razão do sucesso encontra-se na eficiência do sistema, que beneficia igualmente franqueador e
franqueado”.
As estatísticas que circundam o franchising não são nada menos que surpreendentes.
Nos Estados Unidos, os números mostram que, na década de 1980, o franchising cresceu mais
de 90% em volume de vendas e, a partir do ano 2000 passou a ser responsável por 50% de
todas as vendas realizadas no mercado de varejo44. Em 2012, os dados apontam que o setor
teve um faturamento de US$ 769 bilhões45, demonstrando o vigor superior do setor de
franquias, mesmo com a crise sofrida a partir de 2008.
41 CHERTO, Marcelo. Franchising: revolução cit. (nota 14 supra). p 18. 42 CRUZ, Glória Cardoso de Almeida. Franchising cit. (nota 40 supra), p. 9. 43 MELLO, Adriana Mandim Theodoro. Franquia empresarial: responsabilidade civil na extinção do contrato. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p.48. 44 CRETELLA NETO, José. Manual cit (nota 37 supra), p. 28. 45 Disponível em: <http://www.suafranquia.com/acontece/2013/02/franchising-norte-americano-e-destaque-na-convencao-da-ifa.html>. Acesso em 25 jan. 2014.
35
No Brasil, como não poderia ser diferente, o franchising vem experimentando, ano
após ano, um crescimento superior ao da própria economia, impulsionado pelo gradativo
aumento da renda dos brasileiros e, consequentemente, pela expansão do mercado de
consumo. Tal comparação é ilustrada pelo presente gráfico46:
Segundo dados do Censo 2000 do Franchising47, realizado pela Associação Brasileira
de Franchising, no ano de 1995, o sistema de franquias, considerando apenas aquelas que se
encaixam na definição de Business Format Franchising, possuía 724 empresas franqueadoras,
com 23.765 unidades franqueadas, faturamento de quase US$ 10 bilhões e gerava 179.167
empregos diretos.
Já no ano de 200548, existiam no Brasil 971 empresas franqueadoras, com 61.458
unidades franqueadas, gerando 553.122 empregos diretos, e com faturamento superior a R$
35 bilhões.
Os números do ano de 2013 continuam a demonstrar a contínua evolução no setor.
Segundo dados da Associação Brasileira de Franchising, existem no país 2.703 empresas
utilizando-se do sistema de franquia empresarial, com 114.409 unidades franqueadas, que
46 Disponível em: <http://www.portaldofranchising.com.br/central/Content/UploadedFiles/Imagens/grafico-evolucao-pib-franchising-2013.jpg>. Acesso em 23 jan. 2014. 47 Disponível em: <http://www.portaldofranchising.com.br/numeros-do-franchising/censo-2000>. Acesso em 23 jan. 2014. 48 Disponível em: <http://www.portaldofranchising.com.br/numeros-do-franchising/evolucao-do-setor-de-franchising>. Acesso em 23 jan. 2014.
36
geram 1.029.621 postos de trabalhos diretos, alcançando o faturamento superior a R$ 155
bilhões49, o que representa um aumento de 11,9% em relação ao ano anterior.
Atualmente, a maior rede de franquias em operação no Brasil, em número de unidades,
é a empresa brasileira “O Boticário”, com 3.626 unidades, seguida pela “Colchões Ortobom”,
com 1.801 unidades, e pela rede mundial de fast food “McDonald’s”, com 1.646 unidades
franqueadas50.
Outro dado que chama a atenção, é o baixo índice de experiências fracassadas, que no
ano de 2013 atingiu apenas 3,1% do total de estabelecimentos abertos sob o manto do sistema
de franquia empresarial51. Em contraposição, a média de estabelecimentos independentes que
fecham suas portas antes de completarem três anos é altíssima, atingindo 60% dos casos52.
Isso se justifica pelo fato de que, no franchising, é garantido ao franqueado, além da marca
consagrada, o constante apoio e assistência técnica, diminuindo drasticamente as chances de
fracasso do empreendimento.
Em previsão para o futuro, Marcelo Cherto53, afirma que “o setor deve continuar
crescendo nos próximos cinco anos em ritmo acima da economia”. Para corroborar seu
prognóstico, cita, em primeiro lugar, a atenção chamada pelo sistema de franquias dos bancos
e fundos de investimentos, que “estão vendo as franquias como alternativa de investimento”.
Além disso, identifica que, por conta da baixa dos juros e da falta de opções de aplicações
financeiras para o pequeno investidor, este irá recorrer ao franchising como opção de carreira.
49 Disponível em: <http://revistapegn.globo.com/Franquias/noticia/2014/03/franchising-teve-crescimento-de-119-em-2013.html>. Acesso em 25 jan. 2014. 50 Disponível em: <http://www.portaldofranchising.com.br/numeros-do-franchising/relacao-de-franquias-por-numero-de-unidades>. Acesso em 23 jan. 2014. 51 Disponível em: <http://revistapegn.globo.com/Franquias/noticia/2014/03/franchising-teve-crescimento-de-119-em-2013.html>. Acesso em 25 jan. 2014. 52 CASTRO, Gleise. Nova classe média impulsiona o setor, in: Revista Valor Econômico Setorial – Franquias, abr. 2013, pp. 10-14, p. 13. 53 Citado por CASTRO, Gleise, Nova classe cit. (nota 52 supra), p. 13.
37
3. DO CONTRATO DE FRANQUIA EMPRESARIAL
Para um estudo satisfatório das nuances específicas do contrato de franchising,
especialmente no que concerne à proteção dos ativos intangíveis do franqueador, é necessária
uma visão ampla do instituto, conhecendo-se suas principais características, as técnicas que o
compõem e também os aspectos jurídicos que o circundam. Inicia-se, assim, com a
apresentação do conceito.
3.1. Conceito
O contrato de franchising possui uma inerente dificuldade em ser conceituado. Isso se
deve ao fato de ter, como já discorrido anteriormente, nascido e se desenvolvido a partir da
prática empresarial. Neste ponto, o design contratual das avenças celebradas entre os
empresários varia na mesma proporção em que variam as necessidades de cada contratante,
ou seja, o conteúdo de cada contrato depende da relação negocial entre as partes.
No contrato de franquia empresarial essa variedade de arranjos contratuais traduz-se
em um amplo espectro de tipos e formas que ele pode assumir, cada uma com suas
especificidades, dificultando a formulação de um conceito geral.
No mesmo sentido, Adalberto SIMÃO FILHO54 dispõe que outra característica do
contrato de franquia é a existência, em sua formação, de elementos originados de diversos
outros contratos, típicos ou atípicos, como a licença ou outorga de uso da marca ou de patente,
cessão de know-how, venda e compra, locação, assistência técnica, etc., o que dificulta
construção de um conceito universal.
No Brasil, em meados da década de 1970, dada a novidade do instituto da franquia
empresarial, recém chegado dos Estados Unidos, poucos foram os juristas que se propuseram
a estudá-lo. O pioneiro foi Rubens REQUIÃO55, que no ano de 1978 publicou parecer dado
sobre o assunto, cujo título era “Contrato de Franquia Comercial ou Concessão de Vendas”.
Como se pode depreender do título do artigo, o renomado autor qualificou o contrato
de franquia como sendo sinônimo do contrato de concessão comercial com exclusividade, nos
seguintes termos56:
54 SIMÃO FILHO, Adalberto. Franchising: aspectos cit. (nota 7 supra), p. 26. 55 REQUIÃO, Rubens. Contrato de franquia comercial ou de concessão de vendas. Revista dos Tribunais, v. 513, São Paulo, ano 67, jul. 1978, pp. 41-62. 56 REQUIÃO, Rubens, Contrato cit. (nota 55 supra), p. 42.
38
Em primeiro lugar, vale conceituar o que se entende por franquia comercial, traduzida da “franchising” norte-americana. Não temos duvida de que a expressão “franquia comercial”, recentemente introduzida no vocabulário jurídico brasileiro, corresponde ao conhecido instituto da concessão comercial com exclusividade.
E arremata: “... a ‘franchising’ nada mais é do que a mesmíssima técnica de
comercialização de há tempos conhecida de nosso comércio como ‘concessão de venda
comercial com exclusividade’, ou simplesmente ‘concessão comercial’”57.
O engano na análise do autor, ao equiparar os dois institutos, é reflexo da incipiente
experiência e utilização da franquia empresarial no Brasil. Ou seja, é reflexo da forma como o
instituto era utilizado pelas empresas brasileiras, que em muito o assemelhava à concessão
comercial, e também é fruto da indefinição, naquele momento, quanto ao seu conteúdo.
Na mesma época, entretanto, Fabio Konder COMPARATO58, ao contrário da doutrina
acima destacada, já distinguia os dois contratos mercantis:
A concessão de venda é, exclusivamente, contrato de distribuição de produtos; a licença de uso de marca ou a eventual prestação de serviços do concedente ao concessionário são meros acessórios do pacto principal, que estipula a exclusividade na distribuição de produtos, ou seja, bens fabricados pelo concedente. Na franquia, o essencial é a licença de utilização de marca e a prestação de serviços de organização de venda pelo franqueador ao franqueado.
Assim, já identificava na franquia, de forma ainda tímida, características peculiares,
especialmente ao notar que não constitui elemento fundamental do negócio a venda ou
fornecimento de bens pelo franqueador ao franqueado, mas sim a licença para uso dos sinais
distintivos e a prestação de serviços de organização, que hoje denominamos de “know-how”.
Também tem mérito o autor ao perceber que, apesar de o franchising se prestar à distribuição de
produtos, a este não se limita, como na concessão comercial da época, mas serve também à
prestação de serviços.
Visando modificar esse cenário de indefinição quanto ao seu conteúdo, e popularizar o
uso da franquia no Brasil, o Conselho de Desenvolvimento Comercial do Ministério da
Indústria e do Comércio59, já consciente das vantagens proporcionadas pelo instituto nos
Estados Unidos, definiu a franquia como:
57 REQUIÃO, Rubens, Contrato cit. (nota 55 supra), p. 43. 58 COMPARATO, Fabio Konder. Franquia e concessão de venda no Brasil – da consagração ao repúdio?. Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro, n. 18, São Paulo, Nova Série, ano XIV, 1975, p. 53. 59 BRASIL. Conselho de Desenvolvimento Comercial do Ministério da Indústria e do Comércio. Franquia comercial. Cadernos Técnicos nº 2 apud REQUIÃO, Rubens Contrato cit. (nota 55 supra), p. 43.
39
... um sistema de distribuição de bens e serviços, pelo qual o titular de um produto, serviço ou método, devidamente caracterizado por marca registrada, concede a outros comerciantes, que se ligam ao titular, por relação contínua, licença e assistência para exposição do produto no mercado.
Esse conceito, como se percebe da simples leitura, é demasiadamente simplista.
Contudo, é aceitável a sua incompletude, pois foi a primeira tentativa de conscientizar o
empresariado brasileiro da existência de um novo sistema negocial, e não tinha por escopo a
correta definição do instituto, mas sim, como dito, apresentá-lo.
As várias formas que o contrato de franchising pode assumir e o seu conteúdo nem
sempre determinado fizeram com que as definições encontradas na doutrina, na legislação, e
também aquelas adotadas pelas diversas associações nacionais e internacionais sejam
discrepantes, tanto porque incluem elementos que não são essenciais, quanto pela eventual
falta de algum desses elementos. Nas palavras de José CRETELLA NETO60, “o resultado
dessa diversidade de parâmetros é um conjunto de definições que variam do detalhismo
extremado ao utilitarismo simplista”.
No âmbito internacional, a International Franchising Association61, entidade criada em
1960 na cidade de Chicago, nos Estados Unidos, e depois transferida, em 1968, para
Washington D. C.62, conceitua o instituto63:
A franchise operation is a contractual relationship between the franchisor and the franchisee in which the franchisor offers or is obliged to maintain a continuing interest in the business of the franchisee in such areas as know-how and training; wherein the franchisee operates under a common trade name, format and/or procedure owned or controlled by the franchisor, and which the franchisee has or will make a substantial capital investment in his business from his own resources.64
Já a European Franchise Federation65, em seu Código Deontológico Europeu de
Franchise, propõe a seguinte definição66:
60 CRETELLA NETO, José. Manual cit. (nota 37 supra), p. 14. 61 Disponível em: <http://www.franchise.org/>. Acesso em 30 jan. 2014. 62 Disponível em: <http://emarket.franchise.org/Timeline/IFA-Timeline25.html>. Acesso em 30 jan. 2014. 63 Conceito disponível em CRETELLA NETO, José. Manual cit (nota 37 supra), p. 14, nota de rodapé nº 3. 64 Em tradução livre: Uma operação de “franquia empresarial” é um relacionamento contratual entre o franqueador e o franqueado, no qual o franqueador oferece ou é obrigado a manter um interesse contínuo no negócio do franqueado, nas áreas como o know-how e treinamento; o franqueado opera sob um nome comercial comum, e em um formato, método ou procedimento de propriedade ou controlado pelo franqueador, e em que o franqueado faz ou fará um substancial investimento de seu próprio capital no negócio. 65 Disponível em: <http://www.thebfa.org/international/european-franchise-federation>. Acesso em 30 jan. 2014. 66 Conceito disponível em: <http://www.franchise-fff.com/base-documentaire/finish/206/318.html>. Acesso em 30 jan. 2014.
40
La franchise est un système de commercialisation de produits et/ou de services et/ou de technologies, basé sur une collaboration étroite et continue entre des entreprises juridiquement et financièrement distinctes et indépendantes, le franchiseur et ses franchisés, dans lequel le franchiseur accorde à ses franchisés le droit, et impose l’obligation d’exploiter une entreprise en conformité avec le concept du franchiseur. Le droit ainsi concédé autorise et oblige le franchisé, en échange d’une contribution financière directe ou indirecte, à utiliser l’enseigne et/ou la marque de produits et/ou de services, le savoir-faire, et autres droits de propriété intellectuelle, soutenu par l’apport continu d’assistance commerciale et/ou technique, dans le cadre et pour la durée d’un contrat de franchise écrit, conclu entre les parties à cet effet.67
No Brasil, tendo em vista a tardia regulamentação legal que recebeu o contrato de
franquia, a Associação Brasileira de Franchising, nascida em 1987, visando afastar a
insegurança do mercado de franquias e a criação de um ambiente ético de negociação entre
franqueadores e franqueados, editou também o seu Código de Autorregulamentação do
Franchising, que logo no início define68:
Franquia Empresarial, Franchising ou Sistema de Franquia: Sistema pelo qual um Franqueador cede ao Franqueado o direito de uso de marca, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também o direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócios ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício.
A Lei 8.955/1994, que disciplina o contrato de franquia empresarial no Brasil, decidiu
por adotar, logo em seu art. 2º, uma definição do instituto. Por conta da grande participação
da Associação Brasileira de Franchising em todo o trâmite legislativo que culminou em sua
aprovação, conforme narra Luiz Felizardo BARROSO69, inclusive propondo emendas e
manifestando apoio ao projeto proposto pelo Deputado Magalhães Teixeira, o conceito
adotado pela legislação copia quase que integralmente a definição proposta pela referida
associação e que fora supratranscrita.
67 Em tradução livre: A franquia empresarial é um sistema de comercialização de produtos e/ou serviços e/ou tecnologia, baseado em uma colaboração estreita e contínua entre empresas jurídica e financeiramente distintas e independentes, o franqueador e seus franqueados, em que o franqueador oferece a seus franqueados o direito, e impõe a obrigação de operar um negócio em conformidade com o conceito do franqueador. O direito assim concedido autoriza e obriga o franqueado, em troca de uma contribuição financeira direta ou indireta, a usar o sinal distintivo e/ou a marca de produto e/ou serviços, know-how, e outros direitos de propriedade intelectual, apoiado pelo fornecimento contínuo de assistência comercial e/ou técnica, no âmbito e durante um contrato de franquia, concluído entre as partes, por escrito, para esse efeito. 68 O texto, na íntegra, pode ser obtido em: <http://www.gadbrivia.com.br/capodarte/franquia/comum/pdf/codigo-de-autoregulamentacao.pdf>. Acesso em 13 abr. 2014. 69 Para detalhes do trâmite legislativo do Projeto de Lei nº 318/1991 da Câmara dos Deputados (PL nº 02/1992 no Senado Federal), que culminou na aprovação da Lei 8.955/1994, ver BARROSO, Luiz Felizardo. Franchising cit. (nota 16 supra), p. 135-173.
41
Na doutrina pátria encontramos também diversos autores que se submeteram à
tentativa de conceituar o sistema de franquia. Como já pontuado, em virtude das
peculiaridades do instituto e também por conta da época em que foram formulados, os
conceitos tendem a variar de autor para autor.
Para Fran MARTINS70, franchising é:
... o contrato que liga uma pessoa a uma empresa, para que esta, mediante condições especiais, conceda à primeira o direito de comercializar marcas ou produtos de sua propriedade sem que, contudo, a esses estejam ligados por vínculo de subordinação. O franqueado, além dos produtos que vai comercializar, receberá do franqueador permanente assistência técnica e comercial, inclusive no que se refere à publicidade dos produtos.
Nelson ABRÃO71:
... a franquia empresarial é um contrato pelo qual o titular de uma marca de indústria, comércio ou serviço (franqueador) concede seu uso a outro empresário (franqueado), posicionado ao nível de distribuição, prestando-lhe assistência no que concerne aos meios e métodos para viabilizar a exploração dessa concessão, mediante o pagamento de uma entrada e um percentual sobre o volume de negócios realizado pelo franqueado.
Ana Cláudia REDECKER72 também propõe o seu próprio conceito:
... é uma forma de colaboração comercial entre empreendedores independentes, regulada por um contrato, no qual uma parte – franqueador – concede a uma ou mais pessoas físicas ou jurídicas – franqueados – o direito de utilizar da própria razão social e/ou da própria marca e, eventualmente, de outros sinais distintivos, para a venda de produtos ou prestação de serviços, sobre a base de um conceito previamente desenvolvido e consolidado no mercado, com assistência técnica para sua comercialização, sem vínculo de subordinação, valendo-se do recíproco interesse, recebendo em troca uma taxa inicial e porcentagem mensal sobre o movimento de vendas; o franqueador controla a utilização da marca e dos sinais distintivos utilizados pelo franqueado com o fim de garantir uma prestação uniforme ao público e uma qualidade constante dos produtos e/ou serviços oferecidos.
Adalberto SIMÃO FILHO73, após o estudo de diversas definições, tanto da doutrina
pátria quanto da estrangeira, e também daquelas adotadas pelas diversas associações de
franchising, retira destas aquilo que denominou como “elementos essenciais” e, a partir deles,
constrói um conceito:
70 MARTINS, Fran. Contratos cit. (nota 12 supra), p. 440. 71 ABRÃO, Nelson. Da franquia comercial (franchising). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984, p. 13. 72 REDECKER, Ana Cláudia. Franquia cit. (nota 10 supra), p. 39-40. 73 SIMÃO FILHO, Adalberto. Franchising: aspectos cit. (nota 7 supra), p. 35.
42
... franchising é um sistema que visa a distribuição de produtos, mercadorias ou serviços em zona previamente delimitada, por meio de cláusula de exclusividade, materializado por contrato(s) mercantil(is) celebrado(s) por comerciantes autônomos e independentes, embuídos de espírito de colaboração estrita e recíproca, pelo qual, mediante recebimento de preço inicial apenas e/ou prestações mensais pagas pelo franqueado, o franqueador lhe cederá ou licenciará para uso comercial, propriedade incorpórea constituída de marcas, insígnias, título de estabelecimento, know-how, métodos de trabalho, patentes, fórmulas, prestando-lhe assistência técnica permanente no comércio específico.
Marcelo CHERTO74, prestando-se a formular um conceito claro para aqueles que
desconhecem o instituto, e ao mesmo tempo amplo e detalhista, define:
O franchising é, nada mais, nada menos do que um método e um arranjo para distribuição de produtos e/ou serviços. Juridicamente, se implementa através de um contrato pelo qual o detentor de um nome ou marca, de uma ideia, de um método ou tecnologia, segredo ou processo, proprietário ou fabricante de um certo produto ou equipamento, mais know-how a ele relacionado (o franchisor ou franqueador) outorga a alguém dele jurídica e economicamente independente (o franchisee ou franqueado), licença para explorar esse nome ou marca em conexão com tal ideia, processo, método, tecnologia, produto e/ou equipamento. É estabelecido pelo franchisor (franqueador) o modo pelo qual o franchisee (franqueado) deverá instalar e operar seu próprio negócio e desempenhar suas atividades, que serão desenvolvidas sempre sob controle, a supervisão e a orientação e com a assistência do franchisor (franqueador), a quem o franchisee (franqueado) pagará direta ou indiretamente, de uma forma ou de outra, uma remuneração. O franchisee (franqueado) arca, ainda, com os custos e despesas necessárias à instalação e operação de seu próprio estabelecimento. A orientação e assistência técnica fornecidas pelo franchisor (franqueador) são contínuas, enquanto perdurar seu relacionamento com o franchisee (franqueado) e cobrem todos os aspectos da atividade do franchisee, indo, em geral, do fornecimento do projeto arquitetônico de suas instalações, até os sistemas e/ou “mapas” que deverão ser utilizados pelo franchisee (franqueado) no controle de seu estoque, passando pela orientação no que diz respeito à elaboração de “cash flows” e aplicação de recursos e incluindo até mesmo o treinamento do próprio franchisee (franqueado) e de seu pessoal.
Dessa forma, percebe-se que mesmo existindo certa discrepância entre os conceitos
apresentados, é possível identificar a constância de certas características que são, de fato, os
elementos essenciais do franchising.
3.1.1. Elementos Essenciais
Conforme enunciado anteriormente, o instituto em análise possui características que
formam o seu núcleo e que, por isso, merecem atenção especial.
74 CHERTO, Marcelo. Franchising: revolução cit. (nota 14 supra), p. 4-5.
43
O primeiro desses elementos é a qualificação do contrato de franchising como um
contrato comercial de colaboração que visa a instituição de um sistema de distribuição de
bens e serviços.
É um contrato comercial porque tem em seu escopo a associação de pessoas (naturais
ou jurídicas) com fim de prestar, cada uma a seu modo, habitual e profissionalmente, uma
atividade econômica organizada para a circulação de bens ou serviços com o intuito de obter
lucro. Outro motivo pelo qual é classificado como um contrato comercial é a existência de
amplo espaço para a autodeterminação das partes, ou seja, os usos e costumes comerciais
assumem grande importância, não só no nascimento do contrato de franquia, mas também no
seu desenvolvimento e aplicação na atividade mercantil.
Cumpre destacar que, em tese, não há impedimento para que um contrato de franquia
seja celebrado entre franqueador, que normalmente é constituído como sociedade empresária,
e franqueado “pessoa natural”. Contudo, pela especialização, complexidade e investimentos
envolvidos, de ambas as partes, o comum e aconselhável, na prática, é a constituição de
pessoas jurídicas. Muitos franqueadores, também como consequência de ser este um contrato
intuito personae, exigem que o franqueado constitua uma nova pessoa jurídica que tenha
como finalidade específica operar uma unidade franqueada.
A colaboração entre os contratantes também é elemento intrínseco ao instituto, sendo
uma das bases do sucesso do sistema. Assim, o sucesso do franqueador está intimamente
atrelado ao sucesso da cadeia de franqueados. Para Adalberto SIMÃO FILHO75:
... tendo-se em conta que as empresas que se unem para o fim especificado anteriormente [distribuição para venda de bens, mercadorias ou serviços] devem observar entre si a estrita união no âmbito de seus interesses, colaborando cada qual, na parte que lhe cabe, nos termos das avenças pactuadas, com toda a diligência, para a obtenção de êxito no (sic) negócios comerciais que entabulam, inclusive com o cumprimento das especificações previstas no chamado manual de operações.
No mesmo sentido, Luiz Felizardo BARROSO76:
A experiência ensina-nos que o sucesso de uma cadeia de franquia só poderá realizar-se corretamente se [...] o acordo de franchising gerar estreita e real colaboração entre as diferentes partes decorrentes, isto é, os integrantes da rede de franqueados unidos e amalgamados sinergicamente sob a égide do conceito criado ou detido pelo franqueador.
75 SIMÃO FILHO, Adalberto. Franchising: aspectos cit. (nota 7 supra), p. 33. 76 BARROSO, Luiz Felizardo. Franchising cit. (nota 16 supra), p. 87.
44
O contrato de franquia, ainda que seja constituído por técnicas de integração de empresas,
processos de controle, direção e assistência, e combinação de elementos de outros contratos,
também se insere, ao lado dos contratos de concessão comercial, representação comercial,
fornecimento, comissão mercantil, etc., como uma espécie de contrato de distribuição.
Assim, tem como objetivo a constituição de um sistema, que é exaltado por alguns,
como já exposto, como o mais inteligente e sofisticado de todos77, de distribuição de venda de
produtos, mercadorias ou serviços, visando ampliar as zonas de comercialização sem a
necessidade de vultosos investimentos por parte do franqueador. Não se encerra, entretanto,
apenas nisto, ou seja, na simples constituição de um sistema de distribuição de bens.
Diferenciando o contrato de franquia do contrato de distribuição, Paula FORGIONI78
ensina que:
... muito da função econômica do contrato de distribuição coincide com aquela da franquia, uma vez que ambos são utilizados para incrementar o escoamento de bens. Mas a franquia é mais abrangente que a distribuição, mesmo porque, geralmente, implica transferência de tecnologia, de know-how da franqueadora para a franqueada.
A segunda característica necessária para a configuração da franquia empresarial é a
existência, em seu bojo, da cessão de direitos de propriedade imaterial protegidos pelo
registro, ou seja, a licença ou outorga de uso de marca consagrada no mercado, insígnias e
símbolos distintivos, patentes, fórmulas especiais, etc., de forma não exclusiva, do
franqueador ao franqueado.
Esse segundo elemento essencial liga-se intrinsecamente ao terceiro, motivo pelo qual
muitos doutrinadores os tratam de forma unificada. Este terceiro elemento é a transferência do
franqueador ao franqueado de todo o know-how por trás da atividade empresarial. O
franqueador está obrigado a ceder ao franqueado todas as técnicas relativas à atividade
franqueada de reconhecido sucesso, que vão desde o fornecimento do projeto arquitetônico e
organizacional do estabelecimento comercial, passando pela transferência dos métodos
operacionais e terminando no sistema de exposição e vendas. Ou seja, deve transferir e toda a
sua tecnologia de instalação, operação e comercialização ao franqueado, promovendo,
também, o treinamento deste.
77 BARROSO, Luiz Felizardo. Franchising: modificações cit. (nota 6 supra), p. 219. 78 FORGIONI, Paula Andrea. Contrato de Distribuição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 104 apud CREUZ, Luís Rodolfo Cruz; OLIVEIRA, Bruno Batista da Costa. Indenizações no sistema de franquia empresarial. Revista dos Tribunais, v. 852, São Paulo, ano 95, out. 2006, p. 60.
45
Assim, é essencial ao contrato de franquia que o franqueador transfira ao franqueado
todos os conhecimentos que detém sobre o negócio, implante na unidade franqueada todo o
sistema de organização empresarial já consagrado pela rede e promova o treinamento do
franqueado e de seus funcionários para operar esse sistema.
Ainda, faz-se necessário que o franqueador não só ceda todo o know-how ao
franqueado, mas também o fiscalize intensamente e lhe preste uma contínua assistência
técnica, garantindo a estrita observância e aplicação desses conhecimentos na atividade
franqueada. Isso se justifica pelo fato de que a fiscalização e a assistência técnica permanente
são fundamentais para manutenção da qualidade da prestação dos serviços ou da venda de
bens ao mercado de consumo, da padronização do estabelecimento e do serviço prestado –
que caracteriza a rede de franquias –, e para manter a boa reputação da marca.
Percebe-se, neste momento, que embora possa existir na franquia empresarial, o
fornecimento de produtos do franqueador ao franqueado, para que este comercialize no
varejo, este não é um de seus requisitos essenciais, podendo o franqueador indicar os
fornecedores, ou mesmo detalhar o método de produção ao franqueado para que este produza
os bens a serem comercializados.
O quarto elemento essencial do franchising é a remuneração do franqueado. Para
Fabio Konder COMPARATO79, é natural que o franqueado, ao receber as regalias que advém
do uso da marca, sinais distintivos e serviços acima descritos prestados pelo franqueador,
contraia a obrigação de pagar uma remuneração justa.
Sidnei AMENDOEIRA JUNIOR80 observa que “os sistemas de franquia, por serem
mercantis e refletirem uma ‘troca’ entre sociedades empresárias, são onerosos e preveem
algumas modalidades de remuneração da franqueadora e verbas cooperadas à rede”.
Assim, o pagamento do preço na forma pactuada corresponde à contrapartida pela
entrada no “sistema de distribuição, planejado, organizado e implantado com toda a
metodologia do franqueador”81.
O preço pago pelo franqueado é composto, comumente, pela taxa de franquia,
chamada também de taxa inicial de franquia, pelo pagamento de royalties mensais, e pela taxa
79 COMPARATO, Fabio Konder. Franquia cit. (nota 58 supra), p. 34. 80 AMENDOEIRA JÚNIOR, Sidnei. Principais características dos contratos de franchising. In: BRUSCHI, Gilberto Gomes et al. (org.), Direito Processual Empresarial, Rio de Janeiro, Elsevier, 2012, p. 943. 81 SIMÃO FILHO, Adalberto. Franchising: aspectos cit. (nota 7 supra), p. 33.
46
de publicidade, ou contribuição para um fundo comum de publicidade, dentre outras que
podem existir no caso concreto.
A primeira é paga logo no início da relação entre as partes e corresponde à
remuneração do franqueador pelo investimento no desenvolvimento do sistema, pela
formação e treinamento operacional e transferência de know-how ao franqueado, e pela
licença de uso da marca. Já os royalties mensais, que normalmente são pagos sobre o
faturamento bruto mensal da unidade, remuneram o franqueador pela assistência técnica e
supervisão constante, pela continuidade no desenvolvimento de novos produtos, serviços e
técnicas operacionais, e pela continuação do uso da marca licenciada. O pagamento feito ao
fundo comum de publicidade, como a própria nomenclatura já adianta, diz respeito às
pesquisas de mercado e campanhas de marketing feitas pelo franqueador para divulgação da
marca em âmbito nacional, regional ou estadual.
Luiz Felizardo BARROSO82 identifica outra forma de remuneração do franqueado,
que pode se dar de forma “indireta e estar embutida na compra de instalações ou
equipamentos, ou na própria mercadoria fabricada ou distribuída pelo franqueador”.
Por fim, a quinta e última característica elementar do franchising é a independência
jurídica e financeira das partes envolvidas no contrato de franquia.
O contrato de franquia tem por característica intrínseca uma relação de parceria entre
duas empresas. De um lado, a franqueadora, titular de marca e símbolos distintivos de renome
junto ao mercado consumidor e possuidora de técnicas diferenciadas de organização
empresarial e de comercialização de bens e serviços, que compõe o know-how da atividade,
concede o direito de uso de todo esse “capital intelectual”83 à franqueada para que esta
desenvolva sua atividade econômica como parte da rede de franquias. Ainda, é de grande
importância ressaltar que um dos motivos do sucesso do sistema de franquias é a fiel
implementação, pela franqueada, de todos os conhecimentos comerciais transmitidos pela
franqueadora, que também deverá prestar assistência técnica contínua enquanto perdurar a
relação comercial, recebendo, em contrapartida, além da remuneração, o poder de vigilância e
controle de qualidade.
82 BARROSO, Luiz Felizardo. Franchising cit. (nota 16 supra), p. 67. 83 A nomenclatura é usada por Ana Claudia Karam Abdallah dos Santos (ABDALLAH DOS SANTOS, Ana Claudia Karam. Tutela cit. (nota 13 supra).), e pode ser definido como o conjunto de ativos intangíveis de matéria intelectual – marca, conhecimento, informações, experiência, propriedade industrial, know-how, etc., que aplicados na atividade comercial gera benefícios à empresa.
47
Para Ana Cláudia REDECKER84, o franchising combina a liberdade de atuação do
franqueado, necessário ao dinamismo do negócio, com a estrita observância dos conceitos
transmitidos, que são indispensáveis à preservação da identidade do estabelecimento como
parte da rede e da reputação do sistema desenvolvido pelo franqueador.
Dessa forma, o franqueado, que passa a fazer parte da rede de franquias, usufruindo de
todos os benefícios daí advindos, especialmente em relação ao aviamento cedido, abre mão de
sua total independência na administração de seu negócio, comprometendo-se a alinhar sua
organização empresarial e financeira ao padrão preconizado pelo franqueador, uma vez que é
este quem dirige todo o complexo empresarial, estabelecendo os mecanismos de
comercialização de bens e serviços, os preços praticados, administrando a marca e
promovendo o marketing de rede, etc.
Entretanto, segundo Nelson ABRÃO85, “isso não desfigura o caráter de independência
de ambos, não induzindo qualquer ligação entre eles e, portanto, eventual responsabilidade do
franqueador perante terceiros, por atos praticados pelo franqueado”.
Complementa-se, ainda, para afirmar que inexiste entre franqueador e franqueado,
qualquer responsabilidade solidária em relação às obrigações trabalhistas deste segundo,
ressaltando-se que “franqueado e franqueador são pessoas jurídicas distintas de sócios não
coincidentes, resultando-se na absoluta ausência de qualquer liame legal que pudesse de
alguma maneira vincular os funcionários de uma com a outra”86.
Para Fran MARTINS87:
Essa autonomia [do franqueado], na verdade, é relativa. Ela aparece como absoluta no sentido de franqueador e franqueado serem pessoas distintas, cada uma respondendo pelos atos que pratica. No entanto, as relações que ligam o franqueador ao franqueado são tão íntimas que muitas regras são impostas a esse pelo franqueador, restringindo o seu campo de ação.
Assim, apesar da grande ingerência do franqueador sobre o negócio dirigido pelo
franqueado, as partes são autônomas, sendo independentes jurídica e financeiramente, e
existindo entre elas apenas uma relação comercial, que não pode ser confundida com uma
relação de trabalho ou mesmo de consumo.
84 REDECKER, Ana Cláudia. Franquia cit. (nota 10 supra), p. 69. 85 ABRÃO, Nelson. Da franquia cit.(nota 71 supra), p. 21. 86 AMENDOEIRA JÚNIOR, Sidnei. Principais cit. (nota 80 supra), p. 952. 87 MARTINS, Fran. Contratos cit. (nota 12 supra), p. 442.
48
Assim, o contrato de franquia empresarial pode ser definido como um contrato
comercial de colaboração que institui um sistema de distribuição de bens e/ou serviços,
pactuado entre empresas independentes jurídica e financeiramente, sem vínculo de
subordinação, e pelo qual o franqueador outorga ao franqueado a licença ou concessão de uso
de marca e símbolos distintivos de renome no mercado, de patentes e de outras fórmulas de
sua propriedade, aliada a cessão de um know-how comercial, que se consubstancia em
conhecimentos mercadológicos, de organização empresarial, e de vendas, com a prestação de
assistência técnica contínua, e permanente fiscalização, e recebe, em contrapartida, a
remuneração pactuada.
3.1.2. Técnicas
O know-how comercial, cedido pelo franqueador ao franqueado, como visto, é
elemento essencial do contrato de franquia. Não se encerra, entretanto, na sua simples cessão,
mas comporta também três diferentes aspectos que classificam os serviços prestados pelo
franqueador, denominados de engineering, management, e marketing.
Essas técnicas assumem grande importância para o sucesso do sistema de franquias,
facilitando a venda dos produtos ou serviços, especialmente no Business Format Franchise,
uma vez que são necessárias à padronização da unidade franqueada.
Por meio do engineering, o franqueador elabora os planos e especificações gerais para
a instalação do franqueado. Ou seja, fornece o projeto arquitetônico e coordena toda a
montagem e disposição da unidade franqueada, desde a linha de produção até o atendimento
ao cliente, reforçando a uniformização e identidade visual dos estabelecimentos que integram
rede.
Nelson ABRÃO88 ensina que esse planejamento feito pelo franqueador não é mero
auxílio, mas constitui também uma determinação ao franqueado, que deve ater-se as
especificações designadas por aquele. Da mesma forma, Luiz Edmundo Apel BOJUNGA89
indica que o franqueador pode até arcar com parte dos custos de instalação, inclusive cedendo
móveis e mobiliários por meio de comodato ou locação.
Já o management configura-se pelo fornecimento, do franqueador ao franqueado, de
“um esquema completo de organização empresarial, desde o organograma de pessoal até a
88 ABRÃO, Nelson. Da franquia cit.(nota 71 supra), p. 9. 89 BOJUNGA, Luiz Edmundo Appel. Natureza cit. (nota 11 supra), p. 56.
49
própria contabilidade e a política de estoques, com apoio de sistemas computacionais”90.
Assim o franqueador propicia o treinamento e formação do franqueado, e a capacitação
operacional do pessoal contratado por este. Pode também ser expresso pela facilitação de
concessão de crédito ao franqueado.
Por fim, o marketing consiste na cessão pelo franqueador de informações, métodos e
técnicas de comercialização, visando o desenvolvimento das vendas de bens e serviços ao
mercado de consumo. Caracteriza-se também pelo fornecimento de estudos de mercado,
publicidade a níveis mais amplos, vendas promocionais e lançamento de novos produtos e
serviços.
3.2. Cláusulas
O fato de a Lei 9.855/1994, que rege o contrato de franquia no Brasil, ser lacônica,
com inspiração explícita no princípio da autonomia da vontade, faz com que o conteúdo
contratual seja definido pelas partes, a depender de suas necessidades e dos interesses
econômicos com que celebram o contrato. Como consequência, as cláusulas contratuais que o
contrato de franquia pode comportar são diversas, variando de acordo com a natureza das
prestações contratadas e da formatação do negócio criado pelo franqueador e que se projeta
sobre a rede de franqueados.
Tal cenário levou à formulação, por Harry Kursh, do seguinte brocardo: “There is not
now, never has been, and probably never will be anything resembling a ‘standard’, or
‘average’, or ‘typical’ franchise contract”91.
Desse modo, além das cláusulas que preveem as características essenciais do contrato
de franquia, ou seja, as cláusulas contratuais relativas à outorga ou licença de uso de marca
renomada, insígnias e símbolos distintivos, patentes, etc.; à cessão do know-how comercial; à
prestação de assistência técnica contínua, e ao preço e formas de remuneração do franqueador,
existem outras cláusulas cujo aparecimento no contrato de franchising são necessárias para a
adequada execução do contrato, evitando futuros conflitos entre os contratantes.
A primeira dessas cláusulas refere-se ao prazo do contrato. Em que pese a legislação
aplicável deixar ao arbítrio das partes a celebração de contrato por prazo determinado ou 90 COMPARATO, Fabio Konder. Franquia cit. (nota 58 supra), p. 54. 91 KURSH, Harry. The Franchise Boom. 3. ed. NY: Prentice-Hall, 1969 apud MARTINS, Fran. Contratos cit. (nota 12 supra), p. 446. Em tradução livre: Não existe agora, nem sequer existiu, e provavelmente nunca irá existir um contrato de franquia “padrão”, “médio”, ou “típico”.
50
indeterminado, na prática, é incomum encontrarmos contratos de franquia celebrados por
prazo indeterminado. Isso porque a incerteza não é desejável nem pelo franqueador, e nem
pelo franqueado.
Contudo, o contrato de franchising costuma ser firmado para viger por longos
períodos. É celebrado, normalmente, com vigência entre cinco e vinte anos, variando
especialmente em função dos investimentos feitos pelo franqueado para a instalação do
estabelecimento comercial e entrada no sistema. Assim, o prazo fixado deve ser suficiente
para garantir ao franqueado o retorno do investimento feito, bem como uma margem de lucro
esperada prevista na circular de oferta de franquia.
Quanto às cláusulas de licença do uso da marca, sinais distintivos, patentes, e de
transferência do know-how detido pelo franqueador ao franqueado, cabem algumas
considerações preliminares, pois serão objeto específico de capítulo próprio.
Primeiramente, quanto à licença ou outorga de uso não exclusivo da marca, sinais
distintivos, patentes e outros direitos imateriais protegidos pelo registro, além da necessidade
do detalhamento de sua situação junto aos órgãos oficiais na circular de oferta de franquia,
deve ser inserido no contrato cláusula específica que determine as formas pela qual esses
direitos poderão e deverão ser utilizados, seus limites, mecanismos para a conservação de seu
valor e indenizações para o caso de dano a estes bens.
Já em relação à cessão do know-how comercial, por ser este o conjunto de
conhecimentos e práticas não patenteáveis, o contrato deve prever o sigilo absoluto por parte
do franqueado, devendo este guardar o segredo mesmo após a extinção do contrato.
Importante, também, é a previsão no contrato de todos os serviços prestados pelo
franqueador ao franqueado. Dentre estes podem estar inclusos o treinamento do franqueado e
de seus empregados acerca das técnicas e processos cedidos e, especialmente a assistência
técnica, um dos pontos chave para o sucesso de uma rede de franquias, que deve ser contínua
e permanente.
Nesse sentido, Fran MARTINS92:
Além da concessão da franquia, deve o franqueador prestar também assistência técnica ao franqueado. O campo dessa assistência técnica é muito amplo e depende do contrato a sua fixação. Pode consistir ela na mera assistência técnica
92 MARTINS, Fran. Contratos cit. (nota 12 supra), p. 441.
51
em relação ao bom funcionamento de aparelhos, quando os objetos comercializados forem dessa natureza [...] até a colaboração na publicidade para maior venda de produtos; pode também a assistência ser financeira, mediante o fornecimento de certas garantias, ou a assistência contábil [...]. Assim, haverá uma ligação constante entre franqueador e franqueado, todos visando a tornar mais fáceis e em maior número as vendas dos produtos.
Além disso, é necessária a previsão contratual facultando ao franqueador o exercício de
fiscalização e controle da aplicação da tecnologia cedida, por meio de assessoria e auditorias
constantes, controle de qualidade e acompanhamento geral das atividades do franqueado93.
A cláusula de exclusividade possui dois vieses. O primeiro diz respeito a
exclusividade do franqueado em determinado território, enquanto a segunda refere-se a
exclusividade de fornecimento de produtos e insumos ao franqueado.
Com relação à territorialidade, é necessário que esteja expresso no contrato firmado a
possível existência e a exata delimitação de uma zona em que o franqueado terá exclusividade
de comercialização. Nas palavras de Marcelo CHERTO94:
Se houver exclusividade, é importante para o franchisee (franqueado) que fique claro se a mesma diz respeito apenas a outros franchisees (franqueados), ou também ao próprio franchisor (franqueador), bem como a negócios independentes, que não integram a “rede”, mas aos quais ele, franchisor (franqueador), forneça seus produtos e serviços, para revenda.
Essa área pode ser relativa a um país, um estado, um município, um bairro, ou até
mesmo unidade menores, como os shoppings centers95.
Isso ocorre para proteger os franqueados e a própria rede de franquias da concorrência
danosa entre as unidades que operam sob o mesmo nome, evitando a saturação de uma
determinada região e diminuindo as vendas da unidade franqueada.
Lina FERNANDES96, indo mais além, ensina que é recomendável a previsão no
contrato celebrado do direito de preferência do franqueado para adquirir e operar outra
franquia a ser instalada em localidade próxima da sua.
Como já dito, não é elemento essencial do contrato de franquia empresarial o
fornecimento por parte do franqueador de produtos e insumos. Entretanto, se para o exercício
da atividade franqueada for necessário a compra de bens para revenda, ou mesmo para
93 ROQUE, Sebastião José. Dos contratos civis-mercantis em espécie. São Paulo: Ícone, 1997, p. 217-218. 94 CHERTO, Marcelo. Franchising: revolução cit. (nota 14 supra), p. 84. 95 REDECKER, Ana Cláudia. Franquia cit. (nota 10 supra), p. 53. 96 FERNANDES, Lina Márcia Chaves. Do contrato de franquia. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 120.
52
utilização como insumo, é necessário que as formas de obtenção destes estejam delimitadas
no instrumento contratual.
Essa cláusula se manifesta, usualmente, com a obrigação do franqueado de somente
adquirir os bens utilizados no negócio diretamente do franqueador, de empresas selecionadas,
licenciadas e indicadas pelo franqueador, ou, ainda, de empresas selecionadas pelo próprio
franqueado e aprovadas pelo franqueador.
Essa exclusividade tem razão de ser, pois:
... o sistema de franchise exige homogeneidade na cadeia de distribuição e, para que esta ocorra, os produtos ou serviços oferecidos devem obedecer padrões de formatação somente obtidos através do provisionamento exclusivo, a ser prestado pelo franqueador, e dos cuidados deste para com seus licenciados, onde assumirá para si as responsabilidades sobre os produtos destes. Tais medidas são também necessárias para que o público possa ter o mesmo produto ou serviço em qualquer ponto de consumo da rede [...].97
A doutrina também destaca que essa cláusula pode dar ensejo a abusos concorrenciais,
ou seja, a partir da exclusividade de fornecimento, o franqueador ou a empresa por ele
indicada alienariam os bens ao franqueado por preços acima daqueles praticados se não
existisse a referida cláusula. Contudo, é preciso que o franqueador tenha em mente que a
prática de preços acima do mercado, abusando de sua posição face o franqueado, é prejudicial
à rede de franquias e, assim, prejudicial a si próprio, uma vez que a quantia paga pelo
franqueado para adquirir os bens será refletida de duas formas: aumento de preço ao
consumidor (nos casos em que não exista cláusula de fixação de preço), ou prejuízo – ou
diminuição de lucro – do franqueado.
No longo prazo, ambas as situações serão danosas ao próprio franqueador. Na
primeira, a rede de franquia como um todo perde competitividade no mercado, o que faz com
que os consumidores procurem outras opções com preços mais acessíveis, enquanto que na
segunda os franqueados terão diminuídos seus lucros, e também os royalties pagos ao
franqueador, ou começarão a operar em prejuízo, o que os levará possivelmente a falência, e
desestimulará a entrada de novos franqueados na rede.
Assim, a cláusula pode trazer benefícios para o negócio de franqueado e franqueador,
mas deve ser usada com base em um princípio ético e permeada pelo espírito de colaboração
existente entre as partes.
97 SIMÃO FILHO, Adalberto. Franchising cit. (nota 7 supra), p. 73.
53
Essa mesma discussão trazida anteriormente vale para a cláusula de estabelecimento
de preço único. Também visando a manutenção da homogeneidade da cadeia de franqueados
é normal a previsão em contrato de que compete ao franqueador a determinação do preço de
revenda dos produtos e/ou serviços ao consumidor, gerando uma obrigação negativa ao
franqueado, que é a de não comercializar o produto e/ou serviço a preço diverso daquele
estabelecido pelo franqueador.
Obrigatório no contrato em comento, ainda, é a cláusula relativa à contraprestação do
franqueado. Os caracteres gerais e as formas mais comuns de remuneração do franqueador já
foram expostos no tópico anterior, motivo pelo qual prescindem de serem repetidos.
Entretanto, cumpre pontuar que deve existir cláusula que preveja a forma de remuneração do
franqueador pelas licenças concedidas, direitos transferidos e serviços prestados, além das
taxas de entrada na rede e de manutenção da publicidade.
Por fim, deve existir no contrato de franquia cláusula que trata sobre a extinção do
contrato.
O contrato de franchising pode ser extinto, como os outros contratos em geral, pelo decurso
do prazo em que foi pactuado, se não houver renovação expressa ou tácita, e pela resilição bilateral,
na qual ambas as partes acordam em por fim à relação contratual antes do prazo previsto.
Neste mesmo sentido, o contrato pode ser rescindido sempre que for apurado algum
defeito na manifestação de vontade, como aqueles previstos nos art. 13898, 14599, 156100 e
157101 do Código Civil, e que deverá ser comprovada judicialmente pela parte lesada.
A lei 8.955/1994 criou, no parágrafo único do art. 4º102, outra causa de rescisão do
contrato, que se dá quando o candidato a franqueado não recebe a Circular de Oferta de
98 Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio. 99 Art. 145. São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua causa. 100 Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta. 101 Art. 156. Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa. 102 Art. 4º A circular oferta de franquia deverá ser entregue ao candidato a franqueado no mínimo 10 (dez) dias antes da assinatura do contrato ou pré-contrato de franquia ou ainda do pagamento de qualquer tipo de taxa pelo franqueado ao franqueador ou a empresa ou pessoa ligada a este. Parágrafo único. Na hipótese do não cumprimento do disposto no caput deste artigo, o franqueado poderá argüir a anulabilidade do contrato e exigir devolução de todas as quantias que já houver pago ao franqueador ou a terceiros por ele indicados, a título de taxa de filiação e royalties, devidamente corrigidas, pela variação da remuneração básica dos depósitos de poupança mais perdas e danos.
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Franquia, no mínimo, dez dias antes de assinar qualquer instrumento contratual (contrato ou
pré-contrato), ou de pagar qualquer taxa ao franqueador.
O contrato pode prever também a resilição unilateral do vínculo, por meio da
denúncia, nos casos em que o contrato for celebrado por tempo indeterminado. Assume
relevo, neste ponto, o parágrafo único do art. 473 do Código Civil103, uma vez que o contrato
de franquia tem por característica a realização, especialmente pelo franqueado, de altos
investimentos para a montagem de sua unidade franqueada.
Os motivos normalmente utilizados para a resilição unilateral do contrato versam
sobre o desrespeito aos deveres acessórios ao contrato, e que não se relacionam diretamente
com a execução do contrato. Fran MARTINS104 cita como exemplo para a resilição pelo
franqueador o fato de o franqueado ser ébrio contumaz, ou costumar, em sua vida privada,
praticar atos vexatórios, “isso porque o franqueado tem por obrigação de zelar, em todos os
sentidos, pelo prestígio do produto, e sua conduta particular se reflete na boa imagem que o
franqueador deve inspirar, através de seus produtos”.
Por fim, pode haver a resolução do contrato de franchising nos casos de
inadimplemento contratual, ou seja, descumprimento das cláusulas contratuais. Podem ser
exemplos de motivos que levem a resolução do contrato, pelo franqueador: o desrespeito à
exclusividade de fornecimento, não pagamento das prestações mensais, morte do franqueado,
ruptura do sigilo, danos à marca ou símbolos distintivos, ocultação de lucros, e violação da
cláusula de não concorrência, etc.; e pelo franqueado: ausência do know-how prometido, não
prestação da assistência técnica contratada, etc.
3.3. Natureza Jurídica e Classificação do Contrato de Franchising
3.3.1. Natureza Jurídica
O contrato de franquia empresarial é um contrato autônomo de natureza complexa. A
sua complexidade deriva do grande espectro de objetos e obrigações que podem fazer parte
desse contrato, aproximando-o de inúmeras outras figuras contratuais.
103 Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte. Parágrafo único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos. 104 MARTINS, Fran. Contratos cit. (nota 12 supra), p. 449.
55
O contrato de franchising, dessa forma, é composto pela junção de elementos de
diversos contratos, típicos ou atípicos, nominados e inominados. Luiz Felizardo
BARROSO105 afirma que este contrato:
Agrega em uma só relação obrigacional bilateral uma licença ou cessão para uso de marca, uma transferência de patente, de tecnologia ou métodos (know-how) ou mesmo um segredo de negocio, eventualmente um contrato de distribuição exclusiva, um mandato, uma representação comercial (ou de seguros, no caso ora entelado) e mais modernamente um comodato (imóvel, ponto comercial ou móveis para suporte de atividade franqueada).
Outros autores também afirmam que o franchising utiliza-se de elementos do contrato
de concessão mercantil, chegando até mesmo, nos primórdios, ser confundido com este106,
compra e venda, fornecimento, prestação de serviços, locação, dentre outros107.
Assim, a combinação de elementos de diferentes contratos resulta uma nova espécie
contratual, constituindo a figura autônoma do contrato de franquia empresarial.
Seguindo no esforço de qualificar juridicamente o contrato em tela, partimos para a
sua classificação e as consequências jurídicas dela advindas.
3.3.2. Classificação
Os contratos podem ser agrupados em diversas categorias, dependendo do referencial
com o qual ele é analisado. Classificar o contrato e definir sua natureza jurídica é importante
para o correto conhecimento de suas particularidades, tendo não só importância teórica, mas
também prática, uma vez que a caracterização do contrato em certa categoria pode atrair a
aplicação de princípios e disposições legais específicas.
Nesse sentido, Fran MARTINS108 dispõe:
O interesse dessa categorização é ressaltar as qualidades de cada contrato. Devidamente classificados, conhecem-se as peculiaridades desses acordos para, com esse conhecimento, saber-se dos seus efeitos. Assim, basta que se tenha a classificação de um contrato para que se saiba como se formou, as obrigações que gerou, as vantagens atribuídas às partes, a certeza quanto à contraprestação, os requisitos exigidos para sua validade, a sua posição na relação jurídica criada, a modalidade de sua execução, o papel que tem, em
105 BARROSO, Luiz Felizardo. Franquia da atividade securitária. Revista Forense. Rio de Janeiro: Forense, v. 340, out./nov./dez. 1997, p. 183 apud FERNANDES, Lina Márcia Chaves. Do contrato cit. (nota 96 supra), p. 63. 106 REQUIÃO, Rubens, Contrato cit. (nota 55 supra). 107 Para uma completa diferenciação entre o contrato de franquia e demais figuras contratuais afins, ver FERNANDES, Lina Márcia Chaves. Do contrato cit. (nota 96 supra), p. 64-98. 108 MARTINS, Fran. Contratos cit. (nota 12 supra), p. 82.
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relação ao outro, um dos participantes do contrato e, finalmente, se a existência do contrato tem princípios legais a regulá-la ou não.
Dessa forma, o contrato de franquia pode ser classificado como um contrato bilateral,
oneroso, comutativo, consensual, formal, de trato sucessivo, intuito personae, por adesão,
nominado e atípico, conforme veremos a seguir.
A classificação acerca da bilateralidade do contrato é feita sob o prisma dos efeitos, e
não da formação do contrato, que se constitui pelo concurso de vontades. Assim, o contrato de
franquia é bilateral ou signalagmático, por que cria, extingue ou modifica obrigações de
conteúdo patrimonial, cujos efeitos serão suportados por ambas as partes de forma recíproca.
Ou seja, as partes ocupam simultaneamente, no contrato, a posição de devedor e credor, sendo
cada uma responsável pelo cumprimento de sua prestação, que são, em sua maioria,
interdependentes.
A importância prática da classificação do contrato de franchising como bilateral
advém da aplicação exclusiva nesses casos da exceção do contrato não cumprido (exceptio
non adimpleti contractus), da exceção pelo cumprimento diferente, defeituoso, insuficiente ou
incompleto (exceptio non rite adimpleti contractus), da condição resolutiva tácita e da teoria
dos riscos.
Por meio da primeira, prevista nos art. 476109 e 477110 do Código Civil, a parte
inadimplente em um contrato bilateral não pode exigir da outra o cumprimento da prestação
sem que antes preste aquilo a que está obrigada. A exceção de contrato não cumprido aplica-
se também para permitir que uma parte possa recusar o cumprimento da sua prestação até que
a outra parte lhe preste ou ofereça garantias, se esta outra parte, após a celebração do contrato,
sofrer diminuição patrimonial que possa comprometer ou tornar duvidosa o cumprimento da
prestação pela qual se obrigou. Da mesma forma, não poderá o contratante que prestou de
forma insuficiente ou de modo diverso daquele estabelecido no contrato, exigir o
cumprimento da prestação da outra parte (exceptio non rite adimpleti contractus).
Existe, ainda, somente nos contratos bilaterais, como o de franquia empresarial, a
condição resolutiva tácita, pela qual a parte prejudicada pelo inadimplemento pode requerer a
109 Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro. 110 Art. 477. Se, depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes contratantes diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou, pode a outra recusar-se à prestação que lhe incumbe, até que aquela satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante de satisfazê-la.
57
resolução do contrato. Essa condição, no entanto, não se opera automaticamente, dependendo,
conforme mandamento do art. 474111 do Código Civil, de interpelação judicial. Por fim, a
teoria dos riscos só é aplicável aos contratos bilaterais porque somente nestes existe interesse
em apurar qual dos contraentes sofrerá as consequências da perda da coisa devida ou da
impossibilidade da prestação112.
A onerosidade do contrato se dá quando, por meio dele, ambas as partes auferem
benefícios, aos quais, em contrapartida, correspondem sacrifícios. Ou seja, são classificados
como onerosos os contratos que impõem a ambas as partes, de um lado, vantagens, e de outro,
ônus. A partir desta definição, é clara a classificação do contrato de franquia como oneroso,
uma vez que ambas as partes tiram proveito da relação contratual, que é celebrada, como já
dito, com claro escopo de lucro.
Algumas consequências práticas advêm dessa classificação, tais como a
responsabilização pela evicção (CC, art. 447113), o tratamento menos rigoroso no caso de
fraude contra credores (CC, art. 159114, em contraposição ao tratamento previsto no CC, art.
158115), e a não aplicação da interpretação mais restritiva que alcança os contratos gratuitos
(CC, art. 114116).
Ligando-se à sua classificação como contrato bilateral e oneroso, o contrato de
franchising também pode ser classificado como um contrato comutativo. Isso porque as partes
conhecem, no momento da celebração do contrato, seus direitos e obrigações, não se
submetendo às áleas do negócio e do tempo.
Dentro da noção de comutatividade está inserida a equivalência entre as prestações,
pois, em regra, um contratante somente se obriga a um sacrifício se receber, em contrapartida,
um benefício equivalente. Contudo, nas palavras de Carlos Roberto GONÇALVES117, “pode
não haver equivalência objetiva, mas subjetiva, existente apenas no espirito dos contraentes, e
111 Art. 474. A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial. 112 GONÇALVES, Carlos Roberto. Curso de Direito Civil Brasileiro. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, v. 3, p. 94. 113 Art. 447. Nos contratos onerosos, o alienante responde pela evicção. Subsiste esta garantia ainda que a aquisição se tenha realizado em hasta pública. 114 Art. 159. Serão igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedor insolvente, quando a insolvência for notória, ou houver motivo para ser conhecida do outro contratante. 115 Art. 158. Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos. 116 Art. 114. Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente. 117 GONÇALVES, Carlos Roberto. Curso cit. (nota 112 supra), p. 97.
58
não necessariamente na realidade, visto que cada qual é juiz de suas conveniências e
interesses”.
Como consequência da comutatividade, tem-se a aplicação das regras referentes à
responsabilização pelos vícios redibitórios (CC, art. 441118 e seguintes) e também da hipótese
de anulabilidade do contrato por lesão (CC, art. 157119).
O contrato de franquia é classificado como um contrato consensual uma vez que se
aperfeiçoa com a simples manifestação de vontade das partes, independendo da tradição de
bens ou do início do cumprimento das prestações para produzir seus efeitos. Também é
considerado um contrato formal ou solene, uma vez que o art. 6º, da Lei 8.955/1994120
prescreve que o contrato de franchising deve ser sempre pactuado por escrito na presença de
duas testemunhas. Assim, não tem validade o contrato firmado verbalmente ou sem a
presença de duas testemunhas121.
É classificado, ainda, como um contrato de trato sucessivo ou de duração. Ao contrário
dos contratos de execução instantânea, em que o contrato se resolve no instante do
cumprimento da obrigação de ambas a partes, geralmente feita em um único momento, nos
contratos de execução continuada ou trato sucessivo, as prestações, não necessariamente de
ambas as partes, diferem no tempo, sendo executado por meio de atos reiterados.
O contrato de franquia é um contrato de execução continuada uma vez que persiste a
obrigação, mesmo existindo cumprimentos periódicos, até a extinção do contrato pelo
implemento de uma condição ou pelo decurso do prazo. Desse modo, o pagamento não
extingue a obrigação, que renasce, ou seja, em síntese, mês após mês o franqueado paga a
remuneração pactuada ao franqueador, e, em troca, continua a utilizar-se da marca, patente,
know-how, etc. recebidos deste, dispondo também da assistência técnica constante.
O interesse prático nesta classificação advém do fato de que nos contratos de duração,
a sua nulidade não afeta os efeitos já produzidos, inexistindo uma forma de retorno das partes
118 Art. 441. A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor. 119 Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta. 120 Art. 6º O contrato de franquia deve ser sempre escrito e assinado na presença de 2 (duas) testemunhas e terá validade independentemente de ser levado a registro perante cartório ou órgão público. 121 É idêntica a lição de Maria Helena Diniz (DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro - Teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, v. 3, p. 93), pois classifica como formal ou solene os contratos de fiança civil (CC, art. 819) e seguro (CC, art. 758) por conta da disposição legal que determina a sua celebração por escrito.
59
ao status quo ante. Também a resilição unilateral do contrato de duração somente se dá em
casos excepcionais, salvo se pactuado por tempo indeterminado122. Além disso, aplica-se
somente a estes contratos a teoria da imprevisão, também chamada da resolução por
onerosidade excessiva (CC, art. 478123 e seguintes), a qual estabelece que se, em virtude de
fatos supervenientes extraordinários e imprevisíveis, a prestação de uma parte se tornar
excessivamente onerosa, com grande vantagem para a outra parte, pode-se requerer a
resolução do contrato.
Outra consequência da classificação como contrato de execução continuada é que a
prescrição da ação de resolução do contrato por descumprimento corre separadamente para
cada uma das prestações, na medida em que forem vencendo, acrescentando-se que a
prescrição da pretensão do recebimento das prestações independe das anteriores.
O contrato de franchising pode ser classificado como um contrato intuito personae,
pois a pessoa do contratante, tanto do franqueador quanto do franqueado, tem influência
decisiva no consentimento do outro, sendo determinantes para a conclusão do contrato as
características pessoais de cada um.
Para Luiz Edmundo Apel BOJUNGA124:
A negociação da franquia é precedida de variadas análises recíprocas por parte dos contratantes em relação aos diversos pontos que envolvem o negócio. O franqueado se interessa pela aquisição da franquia na medida em que o franqueador seja titular de uma boa marca, bom produto ou serviço. Tenha idoneidade financeira e meios para fornecer os contínuos suportes operacionais que o sistema exige. Por outro lado, o franqueador analisará detidamente a pessoa do franqueado, principalmente por ser este que ostentará a marca da rede perante o mercado, bem como representará a imagem do franqueador perante terceiros.
Caracteriza-se como um contrato pessoal também por conta da recorrente cláusula
presente nos contratos que obriga o franqueado a cumprir pessoalmente as obrigações
contratadas, revelando a importância dos elementos subjetivos, como a confiança, experiência
ou habilidades do contratante.
122 Faz-se, aqui, remissão ao capítulo “3.2. Cláusulas”, em que tratamos da denúncia do contrato de franquia pactuado por prazo indeterminado, inclusive com a aplicação do art. 473, parágrafo único, do Código Civil. 123 Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação. 124 BOJUNGA, Luiz Edmundo Appel. Natureza cit. (nota 11 supra), p. 63.
60
Decorre dessa caracterização a previsão do art. 3º, V e VI125, da Lei 8.955/1994, que
obriga o franqueador a estipular já na Circular de Oferta de Franquia o perfil ideal do
franqueado, e o nível de envolvimento pessoal que este deverá ter na operação da unidade
franqueada.
Da natureza personalíssima do negócio e das obrigações assumidas pelas partes
provêm certas consequências práticas. A primeira delas diz respeito à intransmissibilidade da
posição contratual. Assim, deve ser previsto no contrato de franquia as consequências para as
hipóteses de morte do franqueado, da cessão da posição contratual a outrem, que, em regra,
não é permitida, e da alteração na composição dos sócios da empresa franqueada. Nestes dois
últimos casos, costuma-se prever que as modificações serão submetidas ao franqueador antes
de serem realizadas. Ou seja, a cessão da posição de franqueado ou as possíveis alterações no
contrato ou estatuto social da empresa franqueada devem ser aprovadas pelo franqueador, sob
pena de resolução contratual. Por fim, aplica-se aos contratos pessoais a possibilidade de
anulação do contrato por erro essencial quanto a pessoa do contratante (CC, art. 138 e
seguintes).
O contrato de franchising tem como peculiaridade ser o meio pelo qual é constituído
um sistema de distribuição de bens e serviços, sendo também a plataforma de incorporação do
franqueado a uma rede de franquias. Neste sentido, o franqueado ingressa no sistema por
meio da celebração de um contrato que a doutrina identifica como um contrato por adesão.
O contrato “por adesão”, ou “de adesão”, opõe-se aos contratos paritários. Nestes as
partes, em relativa igualdade, discutem o conteúdo do negócio e as cláusulas contratuais,
resolvendo os interesses divergentes por meio de concessões recíprocas. Já os contratos “por
adesão” são aqueles em que uma das partes aceita em bloco as cláusulas e condições
contratuais formuladas antecipadamente pelo outro contratante.
Nestes contratos, a liberdade de convenção e negociação das partes em torno do
conteúdo contratual é diminuída notavelmente, ou até mesmo excluída, limitando-se o oblato
(aderente) a simples aceitação da maioria ou totalidade das cláusulas já previamente redigidas.
Aliás, esta distinção entre a amplitude do debate e transigência no momento pré-contratual
125 V - perfil do franqueado ideal no que se refere a experiência anterior, nível de escolaridade e outras características que deve ter, obrigatória ou preferencialmente; VI - requisitos quanto ao envolvimento direto do franqueado na operação e na administração do negócio;
61
entre as partes dá ensejo à diferenciação dos contratos “de adesão” e daqueles pactuados “por
adesão”.
Parte da doutrina126 distingue as duas formas de contratação, estabelecendo que nos
contratos “de adesão” o oblato irá aderir a todas as cláusulas pré-estabelecidas, não dispondo
de liberdade negocial para discutir as condições pactuadas. Além disso, para outros
doutrinadores127, este tipo de contrato se caracteriza pela circunstância de que o aderente não
pode deixar de contratar, não lhe restando opção senão a adesão àquelas condições para a
satisfação de um interesse que não pode ser atendido por outro modo. É o caso da utilização
de serviços públicos, como o deslocamento municipal por meio do transporte público.
Por outro lado, os contratos “por adesão” são identificados como aqueles em que a
maioria das cláusulas contratuais são previamente apresentadas por uma parte, mas que
existem outras que podem ser objeto de livre negociação entre os contratantes.
A partir destas considerações, pode-se classificar o contrato de franquia como um contrato
“por adesão”, pois o franqueador normalmente utiliza um modelo padrão de contrato, permitindo
pouquíssimas e pontuais transigências. O candidato a franqueado, a seu turno, recebe
antecipadamente a circular de oferta de franquia e deve analisá-la de forma minuciosa, sopesando as
suas obrigações e seus direitos, possuindo, ainda, a faculdade de não celebrar o contrato, uma vez
que existem muitas outras opções de franquia a disposição no mercado que podem satisfazer a
vontade do franqueado de investir o seu capital em um atividade econômica.
Assim, nas palavras de Jorge Pereira ANDRADE128:
O franqueador só a concede [franquia] a quem aceitar seus termos, com a exigência do cumprimento e continuidade de seu modo negocial. Há até o consenso da outra parte em aceitar aquelas condições, porque delas depende o sucesso da operação como um todo, restando discutir, em alguns casos, a porcentagem sobre o faturamento, a extensão territorial da franquia, por exemplo.
Concordando com este posicionamento, Luiz Edmundo Apel BOJUNGA129, distingue
durante a contratação do franchising dois momentos distintos. No primeiro, o franqueador
126 Dentre eles, AMENDOEIRA JÚNIOR, Sidnei. Principais cit. (nota 80 supra), p. 939., BOJUNGA, Luiz Edmundo Appel. Natureza cit. (nota 11 supra), p. 65 e ANDRADE, Jorge Pereira. Contratos de franquia cit. (nota 25 supra), p. 26. 127 GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 119-120 apud AMENDOEIRA JÚNIOR, Sidnei. Principais cit. (nota 80 supra), p. 939. 128 ANDRADE, Jorge Pereira. Contratos de franquia cit. (nota 25 supra), p. 26. 129 BOJUNGA, Luiz Edmundo Appel. Natureza cit. (nota 11 supra), p. 65.
62
parte do sistema por ele criado e que pretende instalar em toda a rede de franquia, redigindo
as cláusulas contratuais abstratas que irão reger o conteúdo das relações contratuais futuras,
de forma uniforme. No segundo momento, ou seja, na adesão do candidato a franqueado ao
sistema, existe a negociação entre as partes, estabelecendo-se uma relação jurídica
sinalagmática.
A importância dessa característica do contrato é a necessidade de formatação e
uniformização da rede de franquias (Business Format Franchising), empregando maior
segurança e confiabilidade ao sistema e aumentando as suas chances de sucesso empresarial.
Expressando a mesma lição, Ana Cláudia REDECKER130:
Este mecanismo beneficia a finalidade última do franqueador, ou seja, a constituição de uma rede de lojas homogêneas, mas também, a cada um dos franqueados, os quais se ligam em consideração à organização de uma rede cujos membros ficam submetidos a um estatuto tal que não permite substanciais diferenças de tratamento entre aqueles que a integram.
As consequências práticas da classificação do contrato de franquia empresarial como
um contrato “por adesão” é a atração da incidência dos art. 423131 e 424132 do Código Civil.
Por estes dispositivos, ao contrato de franquia, no caso de cláusulas dúbias (ambíguas ou
contraditórias) e que não foram objeto de livre negociação, será dada a interpretação mais
favorável ao aderente, no caso, o franqueado. Já pelo art. 424, são nulas as cláusulas que
contiverem renúncia antecipada do franqueado a direito oriundo da natureza do contrato. Está
consagrada, neste ponto, o repúdio do ordenamento às cláusulas abusivas de maneira geral e
que produzam desequilíbrios entre os direitos e deveres das partes. Protege-se, assim, o
franqueado da superioridade econômica e situacional do franqueador, que elabora
antecipadamente as cláusulas contratuais.
Por fim, a classificação quanto à disciplina jurídica do contrato de franquia é aquela
que gera a maior discussão na doutrina, existindo autores que defendem as teses da tipicidade
e da atipicidade.
130 REDECKER, Ana Cláudia. Franquia cit. (nota 10 supra), p. 46. 131 Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente. 132 Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.
63
Caio Mário da Silva PEREIRA133 ensina que os contratos típicos ou nominados –
tratando as expressões como sinônimas – serão classificados desta forma quando as suas
regras regulamentares estiverem deduzidas de maneira precisa nas leis ou nos Códigos.
Giselda HIRONAKA134, diferenciando as expressões “contratos típicos” e “contratos
nominados”, também leciona que a tipicidade de um contrato não se dá por ele receber um
nomen juris, mas sim pelo fato de se encontrar devidamente regulamentado em lei,
demandando um regramento legislativo específico.
A lei 8.955/1994, a seguir tratada com mais atenção, teve como intenção disciplinar o
contrato de franquia, consagrando, inclusive, uma definição legal do instituto. Assim, a
discussão acerca da correta classificação do contrato de franchising em relação à sua
disciplina jurídica se deu somente após a sua promulgação, uma vez que antes, por conta da
ausência de lei específica, era pacífica a sua classificação dentre os contratos atípicos.
Os argumentos utilizados por aqueles que advogam a tese da tipicidade podem ser
sumarizados no pensamento expresso por Adriana Mandim THEODORO DE MELLO135:
Não é o maior ou o menor volume de regras legais que torna um contrato típico ou atípico. O que importa é, no ordenamento jurídico, ocorrer o reconhecimento de que a um certo nomen juris corresponde um negócio jurídico identificado por um objeto determinado e por uma finalidade específica. Disso resulta uma identificação de direitos e obrigações entre os contratantes que se fazem presentes como efeitos naturais do contrato típico ou nominado. São, pois, contratos típicos as relações econômicas instrumentalizadas por formas jurídicas, que adquirem tipicidade em razão de sua frequência e uniformidade.
Como componentes desta corrente, que pode ser identificada como a majoritária,
pode-se destacar: Fran MARTINS136, que alterou seu entendimento na última edição de sua
obra, Fábio PODESTÁ137, Nelson ABRÃO138, Sebastião José ROQUE139, José CRETELLA
133 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil - Vol. III: Contratos. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 54. 134 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Contrato: estrutura milenar de fundação do direito privado. Revista do Advogado, São Paulo, n. 68, dez. 2002, p. 81. 135 MELLO, Adriana Mandim Theodoro. Franquia cit. (nota 43 supra), p. 55. 136 MARTINS, Fran. Contratos cit. (nota 12 supra), p. 445. 137 PODESTÁ, Fábio. Contrato de franquia (franchising). In: HIRONAKA, Giselda M. F. Novaes (org.), MORRIS, Amanda Zoe; BARROSO, Lucas Abreu (coord.). Direito Civil 3 – Direito dos contratos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 412. 138 ABRÃO, Nelson. A lei da franquia empresarial (nº 8.955, de 15/12/1994). Revista dos Tribunais, v. 722, São Paulo, ano 84, dez. 1995, pp. 25-39, p. 26. 139 ROQUE, Sebastião José. Dos contratos cit. (nota 93 supra), p. 221.
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NETO140, Sidnei AMENDOEIRA JÚNIOR141, dentre outros, muitos dos quais sequer
justificam sua escolha por esta classificação.
A citada lei, entretanto, não dispõe exaustivamente sobre o contrato, deixando de
regular a relação negocial entre franqueador e franqueado, e sendo de sobremaneira genérica.
Optando pela tese da atipicidade e diferenciando a “tipicidade” da existência de um
nomen juris, Ana Cláudia REDECKER142 ensina:
...data maxima venia, divergimos daqueles que entendem ser o contrato de franquia típico, bem como daqueles que utilizam como sinônimo as expressões atípico/inominado e típico/nominado. Seria, nestes termos, a franquia empresarial um contrato atípico, mas nominado, eis que a Lei 8.955/94 lhe deu um nomen juris, mas não definiu os direitos e deveres dos contratantes.
No mesmo sentido, Fabio Ulhoa COELHO143:
Assim sendo, a nova lei brasileira não confere tipicidade ao contrato de franquia. Continuam a prevalecer entre franqueador e franqueado as condições, termos, encargos e obrigações exclusivamente previstos no instrumento contratual firmado por eles. Procura, apenas, o legislador, no diploma em questão, assegurar ao franqueado o amplo acesso às informações indispensáveis à ponderação das vantagens e desvantagens relacionadas com o ingresso em determinada rede de franquia. Para o direito brasileiro, portanto, pode-se ainda considerar a franquia exemplo de contrato atípico, já que a Lei 8.955/94 não dispõe sobre o conteúdo da relação negocial, não define os direitos e deveres dos contratantes, mas apenas obriga o franqueador, anteriormente à conclusão do acordo, a expor claramente aos interessados na franquia as informações essenciais.
Dentre outros autores que continuam a adotar a tese da atipicidade mesmo após o
advento da Lei 8.955/1994 podemos citar Maria Helena DINIZ144, Lina FERNANDES145,
Francisco Paulo de Crescenzo MARINO146 e Luiz Felizardo BARROSO147.
A doutrina italiana, por outro lado, adota uma classificação que pode ser considerada
intermediária no que tange à tipicidade dos contratos. Esta classificação é menos difundida,
140 CRETELLA NETO, José. Manual cit. (nota 37 supra), p. 25. 141 AMENDOEIRA JÚNIOR, Sidnei. Principais cit. (nota 80 supra), p. 937. 142 REDECKER, Ana Cláudia. Franquia cit. (nota 10 supra), p.42. 143 COELHO, Fabio Ulhoa. Considerações sobre a lei da franquia. Revista da ABPI, nº 16, mai/jun 95, pp. 15-21, p. 16. 144 DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, v. 4, p. 50. 145 FERNANDES, Lina Márcia Chaves. Do contrato cit. (nota 96 supra), p. 56-58. 146 MARINO, Francisco Paulo de Crescenzo. Classificação dos contratos. In: JABUR, Gilberto Haddad.; PERERIRA JUNIOR, Antonio Jorge (Coord.). Direito dos Contratos. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 25. 147 BARROSO, Luiz Felizardo. Franchising: modificações cit. (nota 6 supra), p. 6.
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mas também é aceita por autores brasileiros148, e identifica a existência de contratos que são
legalmente atípicos, mas que possuem um modelo operacional próprio já difundido na praxe
negocial e disciplina jurisprudencial própria, sendo denominados de contratos
sociojurisprudencialmente típicos.
Dessa forma, após uma detalhada análise e tendo em mente o conceito de “contrato
típico” dado pela doutrina, percebe-se que o contrato de franquia, apesar de possuir uma lei
especificamente promulgada para a sua regulação (Lei 8.955/1994), esta é insuficiente para
dar às partes a disciplina básica do contrato, razão pela qual não conferiu tipicidade ao citado
modelo contratual, mas apenas consagrou legalmente a sua denominação, já antes consagrada
na prática.
A referida lei, em sua quase totalidade, disciplina apenas a circular de oferta de
franquia, que é documento entregue pelo franqueador aos candidatos a franqueados no
momento das tratativas, antes da assinatura de qualquer compromisso, e, portanto, em
momento pré-contratual. Além disso, dispensa efetivamente ao contrato de franchising apenas
seu art. 6º, para impor a sua celebração por escrito na presença de duas testemunhas. Assim,
podemos concluir que inexistem na referida lei, ou em qualquer outra, dispositivos que
regulamentam o conteúdo do contrato de franquia.
Por outro lado, pode-se considerar o contrato de franchising como socialmente típico.
Mesmo sendo um contrato complexo, e que pode assumir diversas configurações, desde as
mais simples, como a franquia de marca e produto, até as mais complexas, como o Business
Format Franchising, é um contrato que se reitera na prática, tendo o seu uso, como
demonstrado anteriormente, se popularizado nas últimas décadas. Além disso, possui entre os
empresários uma maneira própria de se formar e desenvolver, recebendo, em algumas
matérias, tratamento jurisprudencial consolidado. Trata-se, portanto, de um contrato
legalmente atípico e nominado, mas que é sociojurisprudencialmente típico.
Como consequência prática da falta de regulamentação específica pela Lei 8.935/1994,
o contrato de franquia empresarial não possui normas legais explícitas que compõem a sua
dogmática. Aplicam-se, contudo, as normas que regem os contratos em geral, tanto aquelas
positivadas pelo Código Civil, como a função social do contrato e a probidade e boa-fé dos
148 Dentre eles, PENTEADO, Luciano de Camargo. Redes contratuais e contratos coligados. In: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes.; TARTUCE, Flávio. (Coord.). Direito Contratual: Temas Atuais. São Paulo: Método, 2007, pp. 467-470, e MARINO, Francisco Paulo de Crescenzo. Classificação cit. (nota 146 supra), p. 24-25.
66
contratantes na celebração e execução do contrato, quanto às específicas dos contratos
comerciais, como os usos e costumes empresariais e a real intenção das partes. Dessa forma, o
instrumento contratual que estabelece o vínculo entre franqueador e franqueado deve ser
minuciosamente formulado, regulando todos os aspectos da relação contratual e prevendo as
possíveis situações dele decorrentes, com o objetivo de evitar conflitos na execução e
desempenho da atividade franqueada.
Entretanto, em que pese a falta de regulamentação específica do contrato de
franchising pela Lei 8.955/1994, a opção adotada pelo legislador não foi mal recebida pela
doutrina, que, de maneira geral, tece elogios à extensão da matéria que foi positivada em lei,
como se verá adiante.
3.4. Da Regulamentação Legal
O contrato de franchising, no passado, raramente era objeto de disciplina específica
nos ordenamentos jurídicos estrangeiros em geral. Tal panorama, a partir da popularização do
sistema de distribuição por ele instituído em todo o mundo, vem sendo alterado, pois cada vez
mais os países passaram a instituir normas aplicáveis especificamente a este contrato. A
tendência percebida a partir da análise destes diplomas, entretanto, mostra que estas normas
não possuem o objetivo de regular os aspectos intrínsecos do contrato de franquia, ou seja,
não dispõem acerca das obrigações das partes e do seu conteúdo contratual mínimo, mas
apenas de instituem um dever de transparência entre as partes, protegendo-as contra possíveis
comportamentos lesivos da outra, e contendo também elementos que visam a defesa da
concorrência e do consumidor.
No Brasil, a disciplina específica do contrato de franquia empresarial é encontrada na
Lei 9.855, promulgada no dia 15 de dezembro de 1994. De notável inspiração nas
regulamentações estrangeiras e no princípio da autonomia das partes, o projeto, de autoria do
Deputado Magalhães Teixeira, e que posteriormente foi convertido na citada lei, tinha como
preocupação principal assegurar a transparência nas relações entre franqueado e franqueador.
A doutrina reconhece que o diploma legal brasileiro, seguindo a tendência mundial, é
espécie do gênero “disclosure statute”, que nasceu no direito norte americano e de lá foi
importado, “ou seja, encerra normas que não regulamentam propriamente o conteúdo de
67
determinada relação jurídico-contratual, mas apenas impõe o dever de transparência nessa
relação”149.
De maneira geral pode-se afirmar que a doutrina especializada na matéria aprovou a
opção feita pelo legislador ao deixar de regular nuances específicas do contrato, deixando
espaço para que o seu conteúdo seja fixado através da livre negociação das partes. Correta a
opção do legislador, ainda, se for levado em consideração que o contrato de franquia
empresarial pode assumir diversas formas, desde as mais simples até as mais complexas. Este
fato inviabiliza uma previsão legal específica acerca do conteúdo do contrato, sob pena de
esta regulamentação ser considerada deficiente, deixando de fora alguns itens e cláusulas
essenciais do franchising, ou engessando, no país, este eficiente sistema de distribuição.
Luiz Felizardo BARROSO150, ao comentar a lei aprovada, afirma:
Indiscutivelmente, o projeto de lei do Deputado Magalhães Teixeira mereceu todo nosso aplauso, eis que deixou livre o mercado de franquias, institucionalizando apenas as práticas salutares internacionalmente reconhecidas e que deveriam estar presentes em qualquer regulamentação da atividade econômica e negocial, como, por exemplo, o princípio do full and fair disclosure (revelação total e sincera dos dados empresarias), já existente, aliás, em nosso direito, quer na Lei de Sociedades Anônimas, quer na que instituiu a Comissão de Valores Mobiliários.
O instrumento pelo qual se dá o citado disclosure, no âmbito da franquia empresarial,
é a circular de oferta de franquia, prevista no art. 3º da Lei 9.855/94. O mencionado
dispositivo estabelece que sempre que um empresário decidir implantar um sistema de
franquias, ou um franqueador se interessar por ampliar a sua rede, deverão fornecer aos
possíveis franqueados, por escrito e em linguagem clara e acessível, a circular de oferta de
franquia.
O conteúdo mínimo e obrigatório da circular de oferta de franquia também vem
expresso na mencionada lei, e vale ser transcrito pela sua amplitude e especificidade:
Art. 3º Sempre que o franqueador tiver interesse na implantação de sistema de franquia empresarial, deverá fornecer ao interessado em tornar-se franqueado uma circular de oferta de franquia, por escrito e em linguagem clara e acessível, contendo obrigatoriamente as seguintes informações: I - histórico resumido, forma societária e nome completo ou razão social do franqueador e de todas as empresas a que esteja diretamente ligado, bem como os respectivos nomes de fantasia e endereços;
149 COELHO, Fabio Ulhoa. Considerações cit. (nota 143 supra), p. 16. 150 BARROSO, Luiz Felizardo. Franchising cit. (nota 16 supra), p. 101.
68
II - balanços e demonstrações financeiras da empresa franqueadora relativos aos dois últimos exercícios; III - indicação precisa de todas as pendências judiciais em que estejam envolvidos o franqueador, as empresas controladoras e titulares de marcas, patentes e direitos autorais relativos à operação, e seus subfranqueadores, questionando especificamente o sistema da franquia ou que possam diretamente vir a impossibilitar o funcionamento da franquia; IV - descrição detalhada da franquia, descrição geral do negócio e das atividades que serão desempenhadas pelo franqueado; V - perfil do franqueado ideal no que se refere a experiência anterior, nível de escolaridade e outras características que deve ter, obrigatória ou preferencialmente; VI - requisitos quanto ao envolvimento direto do franqueado na operação e na administração do negócio; VII - especificações quanto ao: a) total estimado do investimento inicial necessário à aquisição, implantação e entrada em operação da franquia; b) valor da taxa inicial de filiação ou taxa de franquia e de caução; e c) valor estimado das instalações, equipamentos e do estoque inicial e suas condições de pagamento; VIII - informações claras quanto a taxas periódicas e outros valores a serem pagos pelo franqueado ao franqueador ou a terceiros por este indicados, detalhando as respectivas bases de cálculo e o que as mesmas remuneram ou o fim a que se destinam, indicando, especificamente, o seguinte: a) remuneração periódica pelo uso do sistema, da marca ou em troca dos serviços efetivamente prestados pelo franqueador ao franqueado (royalties); b) aluguel de equipamentos ou ponto comercial; c) taxa de publicidade ou semelhante; d) seguro mínimo; e e) outros valores devidos ao franqueador ou a terceiros que a ele sejam ligados; IX - relação completa de todos os franqueados, subfranqueados e subfranqueadores da rede, bem como dos que se desligaram nos últimos doze meses, com nome, endereço e telefone; X - em relação ao território, deve ser especificado o seguinte: a) se é garantida ao franqueado exclusividade ou preferência sobre determinado território de atuação e, caso positivo, em que condições o faz; e b) possibilidade de o franqueado realizar vendas ou prestar serviços fora de seu território ou realizar exportações; XI - informações claras e detalhadas quanto à obrigação do franqueado de adquirir quaisquer bens, serviços ou insumos necessários à implantação, operação ou administração de sua franquia, apenas de fornecedores indicados e aprovados pelo franqueador, oferecendo ao franqueado relação completa desses fornecedores; XII - indicação do que é efetivamente oferecido ao franqueado pelo franqueador, no que se refere a: a) supervisão de rede; b) serviços de orientação e outros prestados ao franqueado; c) treinamento do franqueado, especificando duração, conteúdo e custos; d) treinamento dos funcionários do franqueado; e) manuais de franquia; f) auxílio na análise e escolha do ponto onde será instalada a franquia; e g) layout e padrões arquitetônicos nas instalações do franqueado;
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XIII - situação perante o Instituto Nacional de Propriedade Industrial - (INPI) das marcas ou patentes cujo uso estará sendo autorizado pelo franqueador; XIV - situação do franqueado, após a expiração do contrato de franquia, em relação a: a) know-how ou segredo de indústria a que venha a ter acesso em função da franquia; e b) implantação de atividade concorrente da atividade do franqueador; XV - modelo do contrato-padrão e, se for o caso, também do pré-contrato-padrão de franquia adotado pelo franqueador, com texto completo, inclusive dos respectivos anexos e prazo de validade.
Acerca da circular de oferta de franquia, existe a discussão se a entrega desta ao
candidato a franqueado consiste em uma proposta. Entretanto, a partir de seu conteúdo,
determinado pela lei, percebe-se que esta, apesar de conter uma grande quantidade de
informações, não possui natureza de proposta, pois não basta somente a aceitação do oblato
para que se forme o vínculo contratual. Isso porque não são previstos neste instrumento todas
as obrigações que serão futuramente assumidas por ambas as partes, requisito indispensável à
celebração de um contrato de grande complexidade como o de franchising.
Conclui-se, portanto, que a finalidade da circular de oferta de franquia é:
... colocar à disposição dos candidatos interessados na aquisição de uma franquia todas as informações e dados pertinentes ao sistema de franquia que se deseja adquirir, propiciando não só um conhecimento amplo da organização e da história da franqueadora, como ainda suas políticas e perspectivas, além, é claro, dos termos, condições e investimentos mínimos do próprio negócio151.
Desse modo, se por um lado constitui um meio de o franqueador passar ao candidato a
franqueado a filosofia que perpassa a sua empresa, sua rede e o sistema por ele criado,
fazendo-o compreender a importância e as vantagens econômicas do know-how e de sua
imagem perante o mercado – o que ajuda a garantir o sucesso de toda a rede de franquias –,
representa também uma fonte de informações ao candidato a franqueado, auxiliando-o na
decisão acerca do ingresso na rede de franquias e dando-lhe conhecimento do contrato padrão
que será celebrado.
Justamente por conta dessa finalidade informativa, o art. 4º da Lei da franquia
empresarial estatui que a entrega da circular de oferta de franquia deve ser feita no mínimo 10
(dez) dias antes da assinatura do contrato ou do pré-contrato de franquia ou, ainda, do
pagamento de qualquer taxa pelo franqueado, sob pena de anulabilidade do contrato e
151 AMENDOEIRA JÚNIOR, Sidnei. Principais cit. (nota 80 supra), p. 945.
70
necessidade de devolução de todas as quantias pagas ao franqueador, ou a quem ele houver
indicado, como a taxa de filiação e os royalties, podendo também pleitear, se for o caso,
indenização por perdas e danos152. Igual sanção vale para o franqueador que veicular, na
circular de oferta de franquia, informações falsas153.
Preocupa-se, assim, o legislador, que a circular de oferta de franquia seja bem
estudada pelo candidato, inclusive com ajuda profissional, evitando que este assuma qualquer
espécie de compromisso antes de avaliar corretamente todos os ônus e benefícios decorrentes
do ingresso no sistema.
Por fim, como já pontuado anteriormente, a lei estabeleceu também a necessidade de
celebração do contrato de franquia por escrito, evitando, desse modo, improvisações e mal
entendidos as quais as partes estão sujeitas na prática comercial.
3.5. Da Perspectiva em Rede do Contrato de Franquia
Além de todas as características peculiares já ressaltadas, o contrato de franquia
empresarial e o sistema de distribuição por ele instituído possuem a peculiaridade de ter como
objetivo a formação de uma rede de estabelecimentos franqueados, ou seja, uma rede de
franquias. Vale dizer que o franqueador, ao lançar mão do sistema de franchising, tem como
finalidade a expansão de sua rede de distribuição e o crescimento de seu negócio a partir da
formação de uma rede de estabelecimentos franqueados. Essa rede de franqueados, operando
sobre o manto do negócio formatado pelo franqueador, somente pode ser entendida em suas
nuances específicas a partir da teoria das redes contratuais.
Rede contratual, para Luciano de Camargo PENTEADO154,
... pode ser definida como uma coligação de contratos de forte dependência destinada a organizar uma operação econômica unitária. Trata-se da união de contratos de causas distintas para formar uma causa contratual da rede, a qual permite a referência a deveres e direitos decorrentes de um vínculo distinto do vínculo obrigacional tradicional, que une as partes contratantes.
152 Art. 4º A circular oferta de franquia deverá ser entregue ao candidato a franqueado no mínimo 10 (dez) dias antes da assinatura do contrato ou pré-contrato de franquia ou ainda do pagamento de qualquer tipo de taxa pelo franqueado ao franqueador ou a empresa ou pessoa ligada a este. Parágrafo único. Na hipótese do não cumprimento do disposto no caput deste artigo, o franqueado poderá argüir a anulabilidade do contrato e exigir devolução de todas as quantias que já houver pago ao franqueador ou a terceiros por ele indicados, a título de taxa de filiação e royalties, devidamente corrigidas, pela variação da remuneração básica dos depósitos de poupança mais perdas e danos. 153 Art. 7º A sanção prevista no parágrafo único do art. 4º desta lei aplica-se, também, ao franqueador que veicular informações falsas na sua circular de oferta de franquia, sem prejuízo das sanções penais cabíveis. 154 PENTEADO, Luciano de Camargo. Redes cit. (nota 148 supra), p. 482-483.
71
Ao se identificar uma cláusula contratual reticular, identifica-se, correlatamente, um nexo de imputação de responsabilidades aos sujeitos integrantes da rede diverso dos nexos de cada um dos contratos isoladamente considerados.
Assim, para a existência de uma rede contratual é preciso que exista a união entre dois
ou mais contratos por meio de um vínculo funcional – nexo objetivo – que formam um
sistema destinado a cumprir uma função econômica diversa dos contratos individualmente
considerados.
Neste mesmo sentido, Ricardo Luis LORENZETTI155 afirma que:
Cuando hay una multiplicidad de contratos en red significa que, si bien son autónomos, deben convivir; su existencia no se explica sino a partir de la vida en común. Lo esencial en ellos es que se logra un efecto de conjunto superior a la suma de las individualidades.156
Nas últimas décadas, as redes contratuais passaram a ser amplamente utilizadas,
caracterizando-se como um importante recurso para a organização das relações pessoais e,
principalmente, “empresariais, possibilitando processos capazes de responder às demandas de
flexibilidade, conexão e articulação social e econômica do contexto globalizado”157.
Isso porque, todas as empresas pertencentes à mesma rede formam, com o ente que a
gerencie – se for o caso –, uma unidade econômica cuja rentabilidade é acrescida para todas
as partes. Neste sentido, a rede não passa de um emaranhado de relações jurídicas
obrigacionais, orientadas em um mesmo sentido, que tem como finalidade atingir objetivos
econômicos que não seriam alcançados por relações jurídicas isoladas. A comunicação entre
essas obrigações se dá pela vinculação de causas, que trazem a consequência de observação
conjunta de todas as relações intercomunicadas, inclusive com consequências de validade e
eficácia.
As redes de contratos não foram criadas pelos empresários por puro sentimento
altruísta ou desejo de colaboração. O dever de solidariedade entre os participantes, nascido a
partir da criação da rede decorre da necessidade econômica deste tipo de associação
155 LORENZETTI, Ricardo Luis. Tratado de los contratos. Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni, 2004, Tomo I, p. 60. 156 Em tradução livre: “Quando há uma multiplicidade de contratos em rede significa que, mesmo estes sendo autônomos, devem conviver; sua existência não se explica senão a partir da vida em comum. O essencial nestes contratos é a existência de um efeito superior à soma de suas individualidades”. 157 SILVA, Flávio Lucas de Menezes. Franchising e estabelecimento franqueado. Tese de Doutorado. Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2007, p. 109.
72
interempresarial, ou seja, deriva da necessidade de criação de sistemas que potencializem a
produção e distribuição de produtos ou serviços no mercado.
É exatamente neste sentido que atua o franqueador. Como já dito, a franquia é um
sistema de distribuição que serve aos propósitos de empresários que possuem um modelo de
negócio replicável, e que desejam ampliar este negócio com a criação de uma rede de
distribuição de produtos ou serviços sem a necessidade de realização de vultosos
investimentos.
Assim, o motivo determinante para que o franqueador formate seu negócio, crie um
sistema de franchising e angarie franqueados é a maximização dos lucros que advirão com a
expansão da rede e popularização de seus produtos ou serviços e de sua marca. Igualmente, de
outro lado, o franqueado ingressa em uma rede de franquias justamente porque vê no negócio
um investimento empresarial mais seguro e uma possibilidade de auferir lucros a partir da
operação de um estabelecimento comercial padronizado, sob uma marca reconhecida no
mercado e fazendo uso dos conhecimentos comerciais já experimentados pelo franqueador.
A análise das redes contratuais, realizada neste trabalho sem a intenção de esgotar o
tema, que é um dos mais complexos na matéria do direito contratual, deve necessariamente
passar por suas características essenciais. São elas: a existência de uma causa sistemática, a
colaboração entre as partes associadas e a mitigação da eficácia relativa de cada um dos
contratos-parte.
Em primeiro lugar, o elemento que caracteriza uma rede contratual como tal é a
existência de uma causa sistemática, também chamada de “causa da rede”. Cada contrato que
a compõe possui a sua própria causa contratual. Entretanto, para além da função econômico-
social de cada um desses contratos, é possível identificar na rede uma função econômico-
social diversa da encontrada em cada um dos contratos. Assim, a rede é um vínculo jurídico
desenhado e unido pela multiplicidade de causas contratuais distintas, mas que se unem para
formar uma única causa sistemática158.
A identificação desta causa da rede contratual é importante na medida em que legitima
a aplicação de institutos jurídicos que visam preservar a rede constituída. Dentre estes, pode-
se pleitear a aplicação da rescisão por lesão, a revisão judicial do contrato, a resolução por
onerosidade excessiva e a exceção do contrato não cumprido, invocados em relação à causa
158 PENTEADO, Luciano de Camargo. Redes cit. (nota 148 supra), p. 466.
73
sistemática existente na rede159 e não em relação aos deveres advindos de cada pacto
individual, que igualmente possuem disciplina jurídica própria.
Além disso, a causa sistemática também gera deveres e direitos próprios aos
participantes da rede, bem como tem repercussão nos efeitos do contrato, que extrapolam as
partes contratantes.
A participação das empresas integrantes de uma rede é o que a faz ser eficiente.
Ninguém é obrigado a ingressar ou permanecer na rede. Por isso, a base de uma rede
contratual é a vontade de seus integrantes, e o que os une são os objetivos comuns. Neste
contexto, a colaboração recíproca de seus participantes é uma importante premissa para o
funcionamento do sistema.
A rede pressupõe, assim, a existência de valores e propósitos coletivos, que tem por
consequência a criação de um dever de colaboração e cooperação entre os participantes da
rede, pois os objetivos desta, que são comuns aos objetivos das partes, só podem ser
alcançados a partir da união de esforços.
Isso significa que todos os integrantes de uma rede contratual possuem a
responsabilidade de colaborar com o funcionamento do sistema, trabalhando e orientando
suas condutas para a manutenção deste. A causa associativa do negócio, desse modo, se faz
presente para fundar uma pretensão de colaboração160.
O sucesso do franchising, como já explicitado, tem como um de seus pilares a
colaboração existente entre o franqueador e seus franqueados, na medida em que estes devem,
reciprocamente, reconhecer-se como aliados e parceiros negociais. A existência de uma rede
de estabelecimentos franqueados amplia essa noção, devendo também os franqueados se
reconhecerem mutuamente como parceiros de negócio, cujos atos, positivos ou negativos, têm
impacto nos demais negócios conexos.
É justamente neste ponto, ou seja, na possibilidade de que os atos de um dos
participantes afete diretamente toda a rede, é que reside a mitigação dos efeitos relativos do
contrato.
Na teoria contratual clássica, o contrato firmado entre duas partes não beneficia ou
prejudica terceiros. É o chamado efeito relativo dos contratos. Essa concepção, que comporta 159 PENTEADO, Luciano de Camargo. Redes cit. (nota 148 supra), p. 482. 160 LORENZETTI, Ricardo Luis. Tratado cit. (nota 155 supra), p. 66.
74
exceções, não é inteiramente aplicável à teoria das redes contratuais. Uma vez reconhecida a
união de contratos e a formação de uma rede, tem-se por consequência a produção de efeitos
jurídicos próprios à rede, que não se confundem com os efeitos gerados para os contratantes
por conta de cada um dos contratos-parte.
Esses efeitos próprios da rede projetam-se tanto para o interior, criando um dever geral
de proteção do sistema por meio de deveres laterais provenientes da causa sistemática, quanto
para fora da rede, atingindo os destinatários dos produtos ou serviços ofertados pela rede de
contratos.
Na franquia, é clara a projeção externa de efeitos da rede formada. A padronização,
em todos os aspectos, dos estabelecimentos franqueados, que se inicia desde a organização do
ponto comercial até a uniformidade dos produtos ou serviços oferecidos, cria, como
consequência, uma sensação aos consumidores de que todas as franquias, que em regra são
operadas por empresários independentes, fazem parte do mesmo grupo econômico ou da
mesma empresa. Ou seja, o aspecto externo da rede, reforçado pelo uso comum da marca, faz
com que o destinatário final dos produtos ou serviços oferecidos pense estar adquirindo-os de
um único ente, ignorando o fato de estar fazendo negócio com uma unidade franqueada.
Este aspecto externo da rede de franchising, calcado na teoria da aparência, faz com
que toda a cadeia, e especialmente o franqueador, por ser o seu gestor e possuir efetivo
controle sobre a rede, sejam igualmente responsáveis perante os terceiros não participantes da
cadeia.
Ricardo Luis LORENZETTI161, ao debruçar-se sobre o tema, identificou casos em que
o aspecto externo uniforme da rede contratual legitima demandas de terceiros contra a rede ou
seu responsável. Dentre as hipóteses por ele trazidas, destaca-se a possibilidade de ações
fundadas em atos praticados por um dos integrantes em desconformidade com as instruções,
ou que cause danos a terceiros, a possibilidade de responsabilização do gestor da rede pelo
seu controle, a possibilidade de ações contra o proprietário da marca utilizada, entre outras.
Levando em conta estas consequências, não é aceitável que uma das partes
contratantes, integrante de uma rede de contratos conexos, com o objetivo de satisfação de
seus interesses egoísticos, venha a praticar condutas contrárias à estabilidade e equilíbrio do
sistema, causando prejuízos a toda a rede.
161 LORENZETTI, Ricardo Luis. Tratado cit. (nota 155 supra), p. 56-57.
75
Por isso, paralelamente aos efeitos externos, a existência de uma rede contratual gera
para os seus participantes efeitos que extrapolam as obrigações descritas no contrato
individualmente firmado. É o que alguns autores chamam de eficácia intra-relacional162, ou
para-eficácia interna163, do sistema.
A parte, ao ingressar em uma rede contratual, deixa de se relacionar apenas com o seu
contratante singular para manter, ainda que indiretamente, um contato com os demais
integrantes de outros contratos pertencentes à rede. Nesse caso, além das prestações às quais
se obrigou e tem direito pelo contrato firmado, surgem também outros direitos e deveres, não
mais orientados apenas para o parceiro contratual, mas sim para a rede contratual como um
todo.
Esse plexo de direitos e deveres nascidos a partir da formação da rede é chamado de
“deveres laterais”164, fazendo referência ao fato de nascerem ao lado dos deveres principais
assumidos no contrato. Esses deveres jurídicos têm como escopo o regramento da conduta das
partes dentro do sistema e exigem comportamentos compatíveis não só com a relação
contratual singular, mas, sobretudo com as relações em rede, propiciando um crescimento
equilibrado desta e beneficiando todos os participantes.
Pode-se afirmar, desse modo, que o adimplemento contratual em uma rede de
contratos extrapola o mero cumprimento das prestações pertinentes a cada um dos contratos-
parte. Deve-se, assim, respeitar um conjunto de direitos e deveres sistemáticos, conforme os
princípios da probidade, honestidade, boa-fé e função social do contrato.
Neste sentido, o descumprimento contratual na rede implica em um “dano de maior
gravidade que o descumprimento de um contrato tradicional, justamente porque o
descumprimento implica desequilíbrio do sistema como um todo e, portanto, de cada uma de
suas partes”165.
Percebe-se, destarte, que a rede contratual implica em uma ainda maior mitigação dos
efeitos relativos do contrato. Da mesma forma que os contratantes individualmente
162 PENTEADO, Luciano de Camargo. Redes cit. (nota 148 supra), p. 483. 163 LEONARDO, Rodrigo Xavier. A súmula nº 308 e a adoção da teoria das redes contratuais pelo Superior Tribunal de Justiça. In: JABUR, Gilberto Haddad.; PERERIRA JUNIOR, Antonio Jorge (Coord.). Direito dos Contratos. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 442. 164 LEONARDO, Rodrigo Xavier. A súmula cit. (nota 163 supra), p. 442. 165 PENTEADO, Luciano de Camargo. Redes cit. (nota 148 supra), p. 484.
76
considerados possuem direitos e deveres em relação ao contrato firmado, ao participarem de
uma rede contratual, passam a aderir voluntariamente a outros deveres laterais.
A rede, no contrato de franquia, assume um papel relevante, pois permite ao
empresário autônomo pertencer a uma cadeia, beneficiando-se de uma marca e de uma
estrutura organizada, com padrões operacionais e know-how de eficiência comprovada,
criando uma imediata identificação com os consumidores e favorecendo o desenvolvimento
da atividade.
O empresário beneficia-se, assim, de todo o negócio formatado e também, por conta
da conexão existente entre os contratos-parte, de todas as vantagens conseguidas por seus
parceiros no mercado, seja pelo franqueador ou pelos demais franqueados. Entretanto, em
contrapartida, deve atuar de forma diligente e não egoísta, respeitando os deveres contratuais
e laterais, com o objetivo de manter e ampliar o sucesso da rede.
77
4. DA TUTELA JURÍDICA DA MARCA E DO KNOW-HOW
A história da evolução da humanidade, tendo como referencial as mudanças nos
sistemas socioeconômicos e no modo de produção de riquezas, pode ser dividida em três
grandes períodos.
O primeiro deles se inicia a partir do abandono pela raça humana das práticas
nômades, baseadas na subsistência por meio da coleta e da caça na natureza, movendo-se na
medida em que se esgotavam os recursos naturais da região. Passa-se, assim a uma civilização
sedentária, com uma economia, nos primórdios, ainda de subsistência, mas com base na
produção agrícola. Nesta era, chamada de “era agrícola”, o cultivo da terra era o modo de se
criar riqueza e o meio de produção era basicamente a força física do trabalho humano. De
grande duração, o período agrícola durou desde a fixação dos primeiros grupos de humanos
até o pós-Idade Média, incluindo também as corporações de ofício e as incipientes
manufaturas.
O segundo grande período, chamado de “era industrial”, iniciou-se após a Revolução
Industrial, e seguindo a evolução, alterou o modo de produção de riqueza, que passou a ser a
manufatura industrial e o comércio dos bens produzidos. A introdução dos maquinários
movidos a vapor na produção alterou os meios de produção. A terra deixou de ser um ativo de
primeira importância, dando lugar às fabricas, máquinas, carvão mineral (energia), matéria
prima e principalmente ao capital, tendo em vista a necessidade de grandes investimentos
nesses bens de produção. O trabalho humano continua presente, mas de modo diverso. O
trabalhador não é mais proprietário da matéria prima, produzindo com base em suas
habilidades, mas vende a sua força de trabalho em troca de salário, operando as novas
máquinas.
Atualmente, vivemos na chamada “era do conhecimento”, conhecida também como
“era pós-industrial”. Esse momento histórico pode ser explicado pela intensa globalização,
especialmente com o advento e popularização da internet, e pelo avanço nas tecnologias de
informação, comunicação e transporte, que “diminuíram” as distâncias, mudando todo o
paradigma tecnológico, social e econômico então vigente.
Na sociedade pós-industrial, a produção de riqueza não mais se baseia apenas na
produção agrícola ou industrial – que não foram abandonadas –, mas na produção de
informações e conhecimentos, aplicáveis tanto para o implemento da produção dos setores
78
primários e secundários, quanto para o setor terciário, ou seja, ao comércio de bens e serviços
voltados ao mercado de consumo, que também foi revolucionado, passando por um processo
de intensa massificação.
Neste cenário da nova “era pós-industrial”, cresce exponencialmente a importância
dos bens intangíveis das empresas, assumindo o papel de principal bem de produção da atual
economia, em qualquer dos setores econômicos. Ana Cláudia Karam ABDALLAH DOS
SANTOS166 afirma que:
Diferentemente da era industrial em que a importância ou o valor de uma organização era medida pelo número de prédios, equipamentos e funcionários que ela possuía, ou pela quantidade de sua produção ou de seu inventário – tudo muito tangível e facilmente mensurável –, na era do conhecimento, a importância e o valor de uma organização são originários de bens intangíveis, muitas vezes difíceis de serem identificados e controláveis.
Os bens intangíveis, no sentido aqui empregado, podem ser definidos como aqueles
que não podem ser apreendidos pelos sentidos, mas que são recursos controlados pela
empresa, de caráter intelectual, e que são aplicados no desenvolvimento da atividade
econômica. São expressos, assim, pelos conhecimentos organizacionais, métodos
operacionais, processos secretos de produção, exposição e venda, produtos, pela tecnologia
possuída e, ainda, pelos conhecimentos sobre os mercados fornecedores e consumidores, ou
seja, o know-how industrial e comercial da empresa. Além do know-how, os bens intangíveis
podem assumir a forma de direitos de propriedade industrial, como as patentes e as marcas.
A importância destes bens reside no fato de que associados à atividade econômica
desempenhada pela empresa detentora conferem-na benefícios que implicam em vantagem
competitiva, garantindo a sua sustentabilidade no mercado e representando a possibilidade de
um aumento da sua parcela de participação neste. Além disso, os bens intangíveis
correspondem à possibilidade de geração de novos negócios e novas receitas, gerando lucro à
empresa.
Neste cenário de crescente importância dos bens intangíveis na economia, ganha
destaque ainda maior a sua participação nos sistemas de franquia empresarial.
166 ABDALLAH DOS SANTOS, Ana Claudia Karam. Tutela cit. (nota 13 supra), p. 16.
79
Conforme já pontuamos anteriormente167, o contrato de franquia empresarial tem
como elementos essenciais a cessão, do franqueador ao franqueado, do direito de uso de sua
marca, já conhecida no mercado, e de todo o seu know-how comercial de comprovado
sucesso, ou seja, da formatação total do negócio, incluindo todos os conhecimentos
necessários para o bom desempenho da atividade franqueada.
Dispondo sobre a essencialidade da licença de uso de marca e dos sinais distintivos no
contrato de franchising, Newton SILVEIRA168 leciona:
A licença de uso dos sinais distintivos do comerciante assume especial relevo no contrato de franchise. Nesse contrato o franchisee participa da industrialização ou comercialização do produto do franchisor, ou de sua prestação de serviços, de seus sistemas de marketing, de sua publicidade, fazendo parte de uma comunidade constituída pelo franchisor e pelos demais franchisees. Quanto a este contrato já não se pode dizer que a licença de uso dos sinais distintivos seja acessória, pois sem a participação no uso dos sinais identificadores do outro contratante não mais haverá franchising.
Já com relação à essencialidade do know-how, Adalberto SIMÃO FILHO169
identificava:
Sistemas de franchising bem desenvolvidos possuem em seu corpo não só a mera cessão ou licença do uso da marca ou patentes, mas também assistência técnica constante e permanente, em todos os níveis operacionais, para que o franqueado possa explorar seu negócio de forma plena, além de itens básicos relativos à formatação completa do negócio e cessão do know-how e tecnologia necessários para tal.
Ainda tratando da essencialidade do know-how para a configuração do contrato de
franquia, Newton SILVEIRA170, ao comentar a definição do contrato de franquia dada pela
jurisprudência da Cour d’Appel de Paris, ensina que: “Essa definição realça, como caráter
essencial do franchise, o savoir-faire171, constituído pelo conjunto de processos comerciais e
técnicos que o franquiador (sic) desenvolve ao longo de sua atividade e o aperfeiçoa
constantemente”.
Neste sentido, pode-se perceber que os bens intangíveis detidos pela empresa
franqueadora constituem os pilares de sustentação e o principal motivo para o sucesso de
167 Neste ponto, remete-se ao capítulo 3.1.1. Elementos Essenciais. 168 SILVEIRA, Newton. Licença de uso de marca e outros sinais distintivos. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 81. 169 SIMÃO FILHO, Adalberto. Franchising: aspectos cit. (nota 7 supra), p. 93. 170 SILVEIRA, Newton. O contrato cit. (nota 9 supra), p. 161. 171 A expressão “savoir-faire”, em língua francesa, utilizada pelo autor, corresponde à expressão em língua inglesa “know-how”, que é utilizada majoritariamente neste trabalho.
80
qualquer sistema de Business Format Franchising implantado e de toda a rede de
franqueados. Mais do que isso, o incorreto manejo da marca e do know-how cedidos, por
qualquer ato realizado pelo franqueado, pode causar a impossibilidade da expansão do
negócio criado e formatado pelo franqueador por meio do sistema de franquia empresarial, e
também pode levar à inviabilização da atividade econômica exercida por toda rede, inclusive
para a empresa franqueadora.
Dessa forma, avulta-se necessário a utilização de técnicas de proteção destes bens
intangíveis, em especial da marca e do know-how, com vistas a preservar a atividade
empresarial tão dependente destes ativos. Diversos autores chegaram a esta mesma conclusão,
como Sidnei AMENDOEIRA JUNIOR172, que expõe ser questão muito importante no
franchising a necessidade da existência de cláusulas de proteção do próprio sistema de
franquia e que preservem a marca e a clientela da franqueadora, além dos segredos
comerciais.
Importante, neste momento, tecer algumas considerações acerca da outorga de uso de
patente no contrato de franchising. Em que pese o contrato de franquia empresarial seja
reconhecidamente um instrumento de transferência de tecnologia do franqueador ao
franqueado, e os diversos conceitos apresentados, incluindo aquele positivado no art. 2º da
Lei 8.955/1994, incluírem a licença de exploração de patente como um elemento essencial do
contrato, a prática demonstra que este elemento não é imprescindível para a caracterização de
uma avença de franquia.
A franquia empresarial, como já pontuado anteriormente, pode ser empregada em
diversos setores da economia, incluindo a produção industrial de bens. Contudo, atualmente, a
sua utilização está concentrada, na grande maioria dos casos, no setor terciário, ou seja, no
comércio de bens e serviços, devido, especialmente, à massificação e expansão do mercado de
consumo, em que se adequou perfeitamente o sistema de franchising, uma vez que este
“permite ao consumidor se beneficiar da qualidade uniforme de um produto ligado a uma
marca conhecida e a métodos já experimentados”173.
Neste ambiente, são poucos os franqueadores que, ao formar uma rede de franqueados,
transmitem o direito de uso de patentes, ganhando relevância outras formas de transmissão de
tecnologia, como o know-how. Essa espécie de conhecimento tecnológico não é passível de
172 AMENDOEIRA JÚNIOR, Sidnei. Principais cit. (nota 80 supra), p. 948. 173 SILVEIRA, Newton. O contrato cit. (nota 9 supra), p. 161.
81
proteção por meio do sistema de patentes, e são mais comumente utilizados na atividade
comercial em que predominantemente o franchising é empregado174.
Assim, se a outorga de uso de patente for considerada requisito essencial para a
caracterização do contrato de franquia empresarial, correr-se-ia o risco de esvaziamento do
instituto. Este é o mesmo entendimento de Lina FERNANDES175, que ao estudar o assunto
afirma: “ocorre, no entanto, que o franqueador pode ceder apenas o uso da marca, o que torna
o contrato de licença de exploração de patente apenas acessório do pacto principal”.
Portanto, o trabalho terá como foco o estudo de fórmulas jurídicas suficientes para a
correta tutela da marca, sinais distintivos e do know-how detidos pelo franqueador, elementos
essenciais e de grande importância no contrato de franchising.
Tendo em vista que os direitos sobre a marca e o know-how possuem natureza distinta,
sendo que este faz parte dos bens intangíveis não identificáveis176 e, assim, não protegidos
pelas regras de direito da propriedade industrial, enquanto aquela faz parte dos bens
intangíveis identificáveis e recebe proteção deste ramo do direito, a tutela dispensada à
proteção de ambos deve também ser distinta. Por isso, propõe-se o tratamento em separados
para cada uma das espécies, consignando que as medidas propostas não devem ser tomadas de
maneira isolada, mas sim de forma conjunta, sendo possível que alguns instrumentos citados
para a preservação da marca pode contribuir para a preservação do know-how, e vice-versa,
sempre com o objetivo de manter a integridade dos bens intangíveis e a sua eficácia como
bens de produção.
4.1. Da Proteção da Marca
A marca, por ser um bem genuinamente intangível, oferece dificuldade quando se trata
de conceituá-la. Diversos são os autores que ingressaram em tal empreitada, e ainda mais
diversas são as definições apresentadas. A Lei 9.279, de 14 de maio de 1996177 estabelece que
“marca é todo signo distintivo, visualmente perceptível, passível de distinguir produtos ou
serviços, de outros iguais, semelhantes ou afins, de origem diversa”.
174 A defesa da existência de uma espécie de tecnologia aplicável ao “comércio strictu sensu” pode ser encontrada em: COMPARATO, Fabio Konder. Franquia cit. (nota 58 supra), p. 56-57. 175 FERNANDES, Lina Márcia Chaves. Do contrato cit. (nota 96 supra), p. 95. 176 Nomenclatura utilizada por BARBOSA, Denis Borges. Da Conferência de Bens Intangíveis ao Capital das Sociedades Anônimas. Revista de Direito Mercantil Industrial, Econômico e Financeiro, n. 37, 1980, pp. 33-50. Disponível em: <http://grotius.net/paginas/200/societario.html>. Acesso em: 23 jan. 2014. 177 Art. 123, I, da Lei 9.279, de 14 de maio de 1996.
82
Já Newton SILVEIRA178 afirma que constitui marca todo nome ou sinal hábil para ser
aposto a uma mercadoria ou produto ou a identificar determinada prestação de serviços e
estabelecer entre o consumidor ou usuário e a mercadoria, produto ou serviço uma
identificação.
Entretanto, mais importante do que o conceito abstrato de “marca” são as funções que
esta assume quando vinculada a um produto ou serviço. Dentro das inúmeras funções por ela
desempenhadas, assume relevo três funções: a distintiva e individualizadora, ou
identificadora, a social e a econômica.
A primeira função exercida tem como objetivo tornar única a mercadoria assinalada
com a marca a partir de seus atributos (individualizadora), e também distinguir aquele dos
produtos ou serviços congêneres (distintiva), sendo que a marca só tem razão de existir na
medida em que exista oferta de produtos semelhantes no mercado.
A função social da marca relaciona-se com o fato de que, no atual estágio da
globalização, esta se presta não só a proteger os direitos e interesses do proprietário ou
daquele que pode utilizá-la, mas também de toda a sociedade e, em especial, do consumidor,
que deposita credibilidade na marca, e é direcionado a produtos ou serviço que possuam as
qualidades almejadas. Além disso, a marca tem o escopo de proteger o investimento
empresarial, gerador de riqueza e benefícios para toda a comunidade.
Por fim, possui função econômica no sentido de que uma marca reconhecida pelo
público consumidor possui um grande potencial gerador de riqueza e de vantagem
competitiva à empresa detentora. Não é por menos que a licença de marcas notórias seja um
negócio que movimenta bilhões de dólares anualmente e é um dos motivos do sucesso do
sistema de franchising em todo o mundo.
É certo que uma marca consolidada, de grande apelo ao público, identificadora de um
negócio de sucesso e reconhecida por assinalar produtos ou serviços de qualidade
comprovada atinja diretamente o consumidor, ainda que este não perceba que, de fato, a
marca identifica os bens, conhecimentos e segredos que configuram todo um negócio. Basta
que ele perceba a marca e automaticamente a relacione-a com um produto ou serviço já
conhecido.
178 SILVEIRA, Newton. A propriedade intelectual e as novas leis autorais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 16.
83
Neste sentido, a marca afasta a confusão do consumidor (função distintiva), e permite
a penetração rápida de produtos ou serviços de qualidades particulares no mercado de varejo,
atraindo e fidelizando a clientela e gerando um ciclo virtuoso, pois a expansão do número de
unidades franqueadas para outras localidades gera um maior reconhecimento no negócio pelo
público consumidor, tendo-se como consequência o crescimento da rede pela valorização da
marca.
No Business Format Franchising a marca assume relevância ainda maior, pois
incorpora o próprio negócio, apresentando-o à clientela e ao público em geral. “A marca é a
bandeira de identificação de todo o arsenal técnico, de todo o conhecimento testado e
‘formatado’ pelo franqueador ao longo de anos, para configurar o negócio formatado”179.
Além disso, contribui sobremaneira para a uniformização de toda a rede franqueada, sendo a
imagem desta para o mercado consumidor.
Importante, no entanto, fazer ressalva quanto ao mito de que a marca, por sua simples
natureza, possui a função de indicação de qualidade. Newton SILVEIRA180 explica que:
A marca não é, portanto, um sinal de garantia de qualidade, senão na medida em que o empresário deseje manter o padrão de qualidade dos produtos por ela assinalados, a fim de que não caiam em descrédito. [...] A aposição da marca ao produto significa que ele foi feito sob responsabilidade do proprietário do sinal, por ele fabricado ou como se tivera sido fabricado por ele. O crédito ou descrédito resultantes incidirão sobre o proprietário da marca, influindo de forma positiva ou negativa sobre o aviamento do estabelecimento.
Assim, a credibilidade de uma marca e a sua notoriedade junto ao mercado
consumidor depende exclusivamente do proprietário da marca, pois esta somente expressará a
qualidade do produto ou serviço na medida em que ele merecer tal credibilidade.
Partindo-se do princípio de que o franqueador, ao iniciar uma rede de franquias, não
deseja simplesmente explorar seus franqueados, somente recebendo as taxas devidas, mas que
anseia o crescimento do modelo de negócio que criou e formatou por meio da expansão de
sua rede de franqueados, aumentando sua cadeia de distribuição e, consequentemente, os
lucros, o franqueador não pode submeter a sua marca, e, portanto, a imagem de seu negócio, a
perigos decorrentes da má gestão da unidade franqueada.
179 SILVA, Flávio Lucas de Menezes. Franchising cit. (nota 157 supra), p 76. 180 SILVEIRA, Newton. Licença cit. (nota 168 supra), p. 81.
84
Desse modo, é necessário que o franqueador atue de forma cuidadosa desde o
momento pré-contratual, na elaboração de sua circular de oferta de franquia, de seu manual de
franquia e do seu contrato padrão, mantendo-se diligente durante a execução do contrato, e
também após a extinção deste, de modo a proteger sua marca contra comportamentos
abusivos e oportunistas. Nas palavras de Luiz Felizardo BARROSO181, “para assegurar a
duração desta fórmula, será preciso, depois, dotar seu sistema de precisos mecanismos de
autoproteção, com o intuito de desencorajar os irresponsáveis que, com seu comportamento,
poderiam levar à diluição da marca”.
Tratar-se-á, neste momento, das formas de proteção deste bem intangível de
propriedade do franqueador, fazendo com que esta mantenha o seu caráter distintivo e
continue fazendo com que os produtos ou serviços por ela designados sejam sinônimo de
qualidade.
Em primeiro lugar, é importante pontuar que, como já foi dito de forma tangencial
anteriormente, a licença de uso de marca constante no contrato de franchising se dá de modo
não exclusivo, reservando o franqueador o direito de usar, fruir e gozar da marca da qual é
proprietário, seja explorando-a diretamente ou licenciando-a a terceiros, por meio de novos
contratos de franquia. Isso se deve ao fato de que a franquia empresarial pressupõe a
formação de uma rede de franqueados, todos utilizando do mesmo conceito de negócio, e, por
óbvio, exercendo as atividades sob a mesma marca, cujo uso foi concedido a todos pelo
franqueador.
Desta uniformidade da rede deriva, também, a obrigatoriedade de os franqueados
utilizarem a marca e todos os demais signos distintivos concedidos pelo franqueador, na
forma do contrato e dos manuais de franquia. A marca e o trade dress, portanto, no contrato
de franquia, constituem, ao mesmo tempo, um direito e um dever, ou seja, é um direito no
sentido de que a licença de uso da marca notória é benéfica para o franqueado, atraindo ao seu
estabelecimento franqueado a clientela já fidelizada à marca e, concomitantemente, impõe-lhe
um dever de compulsoriamente utilizá-la no desenvolvimento da atividade econômica, não
sendo o seu uso uma opção ao franqueado.
A marca, no Brasil, é protegida como um direito de propriedade industrial, cuja
disciplina se encontra na Lei 9.279, de 14 de maio de 1996. O sistema adotado pelo Brasil é
chamado de atributivo de direito, pois, segundo a referida lei, a aquisição da propriedade da 181 BARROSO, Luiz Felizardo. Franchising cit. (nota 16 supra), p. 87.
85
marca se dá por meio do registro validamente concedido pelo Instituto Nacional da
Propriedade Industrial (INPI), após processo administrativo próprio. O registro da marca,
portanto, confere ao seu titular o direito de propriedade sobre ela, garantindo o direito
exclusivo e oponível erga omnes, nos limites da proteção marcária182, de usar, gozar, fruir e
dispor da marca, inclusive mediante a licença para uso de terceiros em troca do pagamento de
royalties.
O direito exclusivo sobre a marca, decorrente do registro, tem duração de 10 anos183, a
partir da concessão do registro, prorrogáveis por períodos iguais e sucessivos,
indefinidamente, enquanto estiver efetivamente sendo usada.
O registro é, destarte, a primeira e mais básica forma de proteção da marca e confere
ao seu proprietário o direito de zelar por sua integridade e reputação, e fazer com que, em
âmbito nacional e nos limites da especialidade, todos se abstenham de utilizar a marca.
Newton SILVEIRA184 ensina que:
A exclusividade conferida pela marca registrada é absoluta em relação aos produtos ou serviços indicados no registro ou atividades similares. Não depende do uso (a não ser na medida em que o não uso determine sua caducidade), exerce-se em todo o território nacional e por tempo indefinido, se devidamente renovada a cada dez anos.
A marca não registrada, no entanto, também recebe reconhecimento no direito. O
reconhecimento de uma marca como de fato depende de seu uso “qualificado”, pois o direito
sobre o sinal distintivo não surge com a simples oferta de seus produtos ou serviços no
mercado, mas somente a partir do momento em que a marca passa a ser de imediato
reconhecida pelos consumidores como identificadores deles.
A doutrina reconhece que o titular de uma marca de fato recebe um direito de
exclusividade relativa, pois a tutela da marca não registrada se dá apenas pelas regras de
concorrência desleal, semelhante aos demais sinais distintivos, e somente no território em que
a marca é dotada de eficácia distintiva dos produtos e serviços.
182 Balizada pelos princípios da especialidade e territorialidade. Pelo primeiro princípio, a proteção da marca registrada é restrita ao segmento dos produtos ou serviços a que pertence o objeto marcado, exceto nos casos de marca notória e de confusão dos consumidores. Já o segundo princípio reconhece que o direito exclusivo sobre a marca somente tem validade em determinado território. No caso do Brasil, o direito é valido em todo o território nacional, existindo regras sobre o depósito da marca com prioridade no exterior. 183 Art. 133 da Lei 9.279, de 14 de maio de 1996. 184 SILVEIRA, Newton. A propriedade cit. (nota 178 supra), p. 31-32.
86
Exemplificando as diferenças entre a proteção territorial da marca registrada e da
marca de fato, Newton SILVEIRA185 discorre:
Se se tomar em conta o território coberto pela exclusividade, diferem substancialmente os direitos conferidos pela marca registrada e pela marca de fato. Se um industrial é titular de marca de fato notoriamente conhecida no Estado de São Paulo, por exemplo, nada poderá fazer contra o uso da mesma marca por parte de um industrial do mesmo ramo em outro Estado. Embora fabricantes dos mesmos produtos, nem mesmo serão considerados concorrentes por não atuarem perante o mesmo mercado consumidor (não se aplicando à situação as normas que regulam a concorrência). Já o proprietário de marca registrada, mesmo que pelos característicos de sua indústria não atue nem tenha condições de atuar fora de seu Estado, tem o direito de proibir o uso de sua marca nas mais remotas regiões do País.
Tem-se, portanto, que o adequado registro da marca é condição necessária para a
expansão da rede de franqueados, sendo também importante para que se afaste a possibilidade
de concorrentes de outras regiões se locupletarem “ilicitamente” da marca, e até mesmo
causarem danos à imagem do negócio que está em expansão.
Luiz Felizardo BARROSO186, também defende a importância do registro da marca
para o desenvolvimento da atividade de franchising, argumentando que não há como ceder
algo (a marca) que não se possua e sobre a qual pesem dúvidas quanto a sua hegemonia, e
conclui que não é possível repousar a expansão da rede, contando com capital, trabalho e
sonhos de terceiros sem a titularidade consistente de uma marca.
Ainda com relação à marca registrada, é importante que o contrato de franquia
empresarial, por prever uma licença de uso da marca, seja igualmente registrado no INPI, para
que tenha eficácia e seja exequível perante terceiros, inclusive para fins de evitar a caducidade
da marca pelo desuso. Embora a ausência de registro do contrato não obste o efeito inter
partes da avença, ele é importante para que seja possibilitada a transferência de valores para o
exterior a título de royalties, no caso de franqueador estrangeiro, para se proceder a
dedutibilidade fiscal destes pagamentos e, ainda, para comprovar a legitimidade do
franqueado para ingressar com ação judicial em defesa da marca, quando o contrato admitir
tal prática.
185 SILVEIRA, Newton. A propriedade cit. (nota 178 supra), p. 32. 186 BARROSO, Luiz Felizardo. Franchising cit. (nota 16 supra), p. 43-48.
87
A defesa da marca em juízo, pelo franqueado, é possibilitada pelo disposto no art. 139,
parágrafo único da Lei 9.279/1996187, mas apenas se o franqueador permitir expressamente no
contrato de franquia.
A correta aplicação do dispositivo ao contrato de franquia é a inserção no instrumento
contratual de cláusula que possibilite ao franqueado uma atuação de forma subsidiária. A
previsão contratual ideal conferiria ao franqueado o dever de, ao ter notícias de violações aos
direitos exclusivos sobre a marca registrada, ou de danos à imagem e reputação desta,
comunicar imediatamente o ocorrido ao franqueador, proprietário da marca e maior
interessado na repressão a tais atos. O franqueador, de posse das informações fornecidas pelo
franqueado, poderia tomar as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis em cada caso.
Entretanto, caso o franqueador, ao ter notícias do evento danoso, mantenha-se inerte, o
contrato deverá prever que o franqueado poderá, de forma subsidiária, tomar todas as atitudes
para a defesa da marca, prevendo, inclusive, meios de rateio com toda a rede ou com o
franqueador dos gastos efetuados legitimamente pelo franqueado neste esforço.
Essa atuação subsidiária, entretanto, não obsta, como lembrado por Thiago Jabur
CARNEIRO188, a atuação do franqueado como assistente, com base no art. 50 do Código de
Processo Civil189, na ação judicial proposta pelo franqueador.
Ainda no âmbito da Lei 9.279/1996, o art. 139, caput, é aquele que permite a
concessão, pelo proprietário da marca, da licença de uso a terceiros. Já prevendo a
necessidade de proteção do bem imaterial, o legislador reservou ao licenciante “o direito de
exercer controle efetivo sobre as especificações, natureza e qualidade dos respectivos
produtos ou serviços” 190 assinalados com a marca.
O dispositivo é integralmente aplicável ao franchising. Contudo, levando-se sempre
em consideração a melhor e mais completa proteção da marca, o direito previsto na lei,
facultado ao franqueador (proprietário da marca), deve ser efetivamente exercido, sendo
187 Art. 139. O titular de registro ou o depositante de pedido de registro poderá celebrar contrato de licença para uso da marca, sem prejuízo de seu direito de exercer controle efetivo sobre as especificações, natureza e qualidade dos respectivos produtos ou serviços. Parágrafo único. O licenciado poderá ser investido pelo titular de todos os poderes para agir em defesa da marca, sem prejuízo dos seus próprios direitos. 188 CARNEIRO, Thiago Jabur. Contribuição ao Estudo de Contrato de Licença de Uso de Marca. Tese de Doutorado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2011, p. 338. 189 Art. 50. Pendendo uma causa entre duas ou mais pessoas, o terceiro, que tiver interesse jurídico em que a sentença seja favorável a uma delas, poderá intervir no processo para assisti-la. 190 Art. 139, da Lei 9.279/1996, parte final.
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essencial no franchising a fiscalização e o controle do franqueador sobre a produção de bens e
prestação de serviços pelo franqueado, compelindo este a seguir todos os procedimentos e
padrões estabelecidos no manual da franquia. As formas com que este controle pode ser
exercido são diversas e serão tratadas em seguida.
Ainda com relação ao art. 139 da Lei 9.279/1996, Thiago Jabur CARNEIRO191
argumenta que o preceito legal, quando faz menção ao “direito” do licenciante vai na
contramão do princípio basilar do direito contratual: o princípio da função social do contrato.
Para defender tal posição, o autor se baseia na função social da marca, afirmando que o
franqueador teria o “dever”, e não apenas o “direito”, de fiscalizar os produtos ou serviços
colocados no mercado sob o sinal licenciado, pois se assim não fosse, correr-se-ia o risco de
causar danos ao consumidor, ludibriando-o, ao fazê-lo adquirir algo que não condiz com as
expectativas por ele criadas quando o produto ou serviço era adquirido diretamente do titular
da marca.
Além da depreciação da marca, perdendo a identificação do consumidor, tal
comportamento omissivo do franqueador pode causar prejuízos financeiros diretos a ele. O
franqueado, ao inserir no mercado bens de consumo sob a marca registrada do franqueador, faz
com este, pela aplicação da teoria da aparência e do conceito de fornecedor disposto no Código de
Defesa do Consumidor, responda solidariamente pelos danos causados aos consumidores. Em que
pese o direito de regresso contra o franqueado, é certo que a disputa judicial e posterior
condenação são custos absorvidos pelo franqueador, e que podem não ser reavidos.
O dispositivo legal em comento dispõe, essencialmente, do controle efetivo sobre as
especificações, natureza e qualidade dos produtos ou serviços colocados no mercado pelo
licenciado sob a marca de propriedade do franqueador. Entretanto, no contrato de franquia
empresarial, para a manutenção da uniformidade da rede e capacidade distintiva e
individualizadora da marca e dos sinais distintivos, não basta o controle sobre os produtos ou
serviços oferecidos pelo franqueado, mas sim sobre todos os aspectos do negócio formatado.
É neste sentido que Pedro Lucas de Resende MELO192, identifica o risco moral sofrido
pelo franqueador, decorrente da dificuldade de controlar seus franqueados, e que reflete em
uma limitação dos padrões de qualidade da rede. Esse risco moral ocorre de várias maneiras,
191 CARNEIRO, Thiago Jabur. Contribuição cit. (nota 188 supra), p. 342. 192 MELO, Pedro Lucas de Resende. Internacionalização das Redes de Franquia Brasileiras: Uma Análise Organizacional e Institucional. Tese de Doutorado. Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, 2012, p. 42.
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como, por exemplo, quando o franqueado passa a comercializar produtos não especificados
pelo franqueador, quando adquire matéria prima de menor qualidade, quando não adota o
layout interno e externo, e não dispõe os produtos conforme os padrões da rede, ou seja,
qualquer ação que seja realizada sem a especificação e controle do franqueador e que altere a
identidade e o nível de previsibilidade da marca perante os consumidores.
Percebe-se, dessa forma, que qualquer atitude que o franqueado tome, em relação à
organização e desenvolvimento da atividade franqueada, e que não tenha sido determinada ou,
ao menos, autorizada pelo franqueador, pode causar danos à imagem de toda a rede.
Necessário, portanto, a criação de mecanismos para evitar essas situações que podem levar ao
comprometimento da marca.
Um dos princípios mais caros ao franchising, como já citado diversas vezes, é a
uniformidade que deve existir nos diversos estabelecimentos franqueados, de tal maneira que
passem a impressão de serem todos pertencentes a mesma organização. Para que essa
padronização seja levada a cabo em um nível de excelência, o franqueador deve tomar
diversos cuidados com a montagem de seu manual de franquia e também com as cláusulas
contratuais inseridas no contrato.
É consenso na doutrina que a padronização dos estabelecimentos comerciais tem
enorme importância na projeção e afirmação da imagem da rede junto aos consumidores. Esta
padronização só pode ser alcançada na medida em que os diversos franqueados se obriguem a
comercializar sempre os mesmos produtos ou serviços e com a mesma qualidade, praticar os
mesmos preços e promoções, utilizar os mesmo métodos não só de produção, mas de trabalho
e de atendimento aos clientes, possuírem o mesmo layout, arquitetura e design do interior do
estabelecimento comercial, respeitarem a mesma disposição dos produtos, entre outros. Ou
seja, devem seguir a risca todas as instruções dadas pelo franqueador, que é quem criou e
formatou todo o negócio, de forma a entregar ao consumidor toda a experiência que a
publicidade e as experiências anteriores o fizeram esperar.
Com relação ao padrão do layout e do projeto arquitetônico do estabelecimento
franqueado, Marcia Mitie Durante MAEMURA193 ensina que é um dos pontos mais
importantes na formação do sistema de franquia, pois permite ao consumidor identificar a
193 MAEMURA, Marcia Mitie Durante. Análise de Conflitos e Soluções Adotadas por Franquias do Setor Alimentício – Um Estudo Multicaso. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, 2009, p. 50-52.
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rede, se orientar com mais facilidade e memorizar a marca. Assim, o padrão visual deve
repetir-se, entre as diversas franquias, nas embalagens, cardápios, uniformes, indicações,
disposição dos produtos e onde mais for possível. A mesma autora continua e afirma que a
existência de um franqueado cuja loja não atende à padronização e à formatação exigidas,
desgasta a imagem da marca e prejudica toda a rede, devendo o franqueador, ao constatar a
despadronização, tomar medidas corretivas, que deverão constar no contrato, como prestação
de consultoria, advertências e até mesmo multas.
Além disso, o franqueado tem o dever de zelar pela boa imagem de seu
estabelecimento, que, como já expresso, se confundirá com a boa imagem de toda a rede e dos
demais estabelecimentos participantes. Deve, assim, “manter a boa aparência e a higiene do
local de comércio, realizando os trabalhos de reparação e restauração determinados pelo
franqueador, não introduzindo qualquer alteração, acréscimo, substituição, sem prévia
aprovação escrita do franqueador”194.
Outra forma de proteção da padronização, da qualidade e, consequentemente, da
reputação da marca é a fiscalização frequente do franqueado, com o intuito de acompanhar a
execução do contrato e o desenvolvimento da atividade, zelando pela estrita observância dos
parâmetros fornecidos pelo franqueador. Os métodos de fiscalização e supervisão da rede devem
constar, não só do contrato, mas também da circular de oferta de franquia, para que o franqueado
saiba de antemão qual o grau de ingerência do franqueador, neste ponto, deverá suportar.
Alguns doutrinadores, como Nelson ABRÃO195, defendem que o franqueador deve
inserir no contrato a obrigação do franqueado de aceitar a colocação de um interventor em seu
estabelecimento para verificar se são cumpridas as condições estipuladas, além de acolher
periodicamente os representantes do franqueador para inspecionarem o estabelecimento,
produtos e os métodos de produção e comercialização.
Essa posição, contudo, no que tange a colocação de um interventor, demonstra-se
contrária a ideia existente no franchising de independência jurídica e econômica entre os
empresários contratantes, em que o franqueado exerce sua atividade com liberdade, dentro
dos parâmetros fixados pelo franqueador. A colocação de um interventor, como o próprio
nome diz, seria uma injustificada forma de afastar o empresário franqueado da direção de seu
negócio, diminuindo ainda mais a sua autonomia, que já não é ampla.
194 ABRÃO, Nelson. A lei da cit. (nota 138 supra), p. 35. 195 ABRÃO, Nelson. A lei da cit. (nota 138 supra), p. 26.
91
Assim, outras fórmulas podem se adequar melhor para o desempenho do poder de
vigilância, como as já citadas visitas periódicas, a utilização da técnica do cliente fantasma, ou
oculto, que irá ao estabelecimento comercial franqueado, se passando por cliente, e avaliará
os produtos e serviços comercializados, o aspecto do estabelecimento, o atendimento, etc., e
posteriormente reportará à empresa franqueadora. Pode-se, também, lançar mão de auditorias,
que, na lição de Pedro Lucas de Resende MELO196, tem como objetivos o “monitoramento
das condições de execução contratual, com vistas a identificar potenciais ações oportunistas,
mesmo antes destas ocorrerem”.
Relacionando-se com a fiscalização exercida pelo franqueador, está a assistência
técnica fornecida por este. Está intimamente ligada ao poder de controle exercido pelo
franqueador na medida em que é uma das formas de fiscalizar o franqueado e verificar se este
vem cumprindo fielmente as instruções transmitidas.
No entanto, não se limita à função de controle, exercendo também uma função de
manutenção de qualidade dos produtos ou serviços comercializados. Já foi afirmado
anteriormente que a prestação de assistência técnica contínua e permanente, pelo franqueador,
é um dos elementos essenciais para o sucesso do franchising. Essa assistência prestada pode
assumir diversas formas, e depende da fixação de seu objeto em contrato. Pode consistir na
mera assistência técnica das máquinas e aparelhos utilizados na atividade, pode ser assistência
financeira, e até mesmo assistência contábil.
Neste diapasão, a assistência técnica mais importante para a manutenção da marca
como sinônimo de qualidade é aquela em que o franqueador auxilia o franqueado no
desenvolvimento do negócio franqueado, acompanhando a aplicação do know-how cedido,
com o fito de obter sempre o melhor desempenho e qualidade nos produtos e serviços
comercializados.
Nos contratos de franquia empresarial, antes da implantação do negócio franqueado, e
alguma vezes até mesmo antes da celebração do contrato, é importante que o franqueador
ofereça treinamentos e cursos de capacitação ao franqueado e a seus empregados.
Os treinamentos realizados durante as tratativas têm como escopo medir a capacidade
do candidato a franqueado em operar a unidade franqueada e assimilar os procedimentos que
lhe serão transmitidos. Já os treinamentos realizados após o fechamento contrato, que deve
196 MELO, Pedro Lucas de Resende. Internacionalização cit. (nota 192 supra), p. 43.
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contar com o franqueado e seus funcionários, tem o objetivo de transferir todos os
conhecimentos técnicos que o franqueador detenha sobre o negócio formatado, desde a
operação dos equipamentos e máquinas, passando pela produção das mercadorias ou
capacitação para o serviço, até as técnicas de comercialização e tratamento com o cliente.
Além do treinamento técnico, o franqueado e os funcionários encarregados dos cargos de
gerência devem passar por curso específico de capacitação gerencial.
É clara a importância que o treinamento assume para a manutenção do padrão do
negócio franqueado e, portanto, da imagem de toda a rede. Sem os treinamentos não há como
o franqueador exigir que o franqueado absorva eficientemente todos os conceitos do negócio,
sendo que este comandará a sua franquia nos limites das informações que conseguir absorver
do manual. O treinamento faz com que o método seja utilizado de maneira correta em todos
os estabelecimentos franqueados, mantendo o efeito de identificação nos consumidores.
É relevante destacar que os treinamentos devem ser menos frequentes que a prestação
de assistência técnica, mas devem ser realizados sempre que houver mudança no know-how
do empreendimento. É aconselhável, também, a previsão contratual obrigando o franqueado e
seus funcionários a participar destes treinamentos, como forma de prevenção de litígios.
Não se pode falar em manutenção do padrão técnico dos produtos ou serviços e de
homogeneidade na cadeia de distribuição se os fornecedores da matéria prima não entregam os
insumos dentro das especificações necessárias. Dessa forma, como já pontuamos anteriormente197,
o contrato de franquia deve prever a obrigação de que o franqueado adquira os insumos necessários
para a sua atividade diretamente do franqueador, de empresas licenciadas e indicadas por este, ou de
empresas selecionadas pelo próprio franqueado e aprovadas pelo franqueador. Esse fornecimento
exclusivo dos insumos é condição inegável para que os consumidores encontrem o mesmo nível de
produtos ou serviços em qualquer dos membros da rede de franquia.
Existem, ainda, outros mecanismos para se evitar a desvalorização da marca licenciada
no contrato de franquia, todos eles passíveis de serem previstos no contrato de franchising e
que compelem e incentivam o cumprimento de todas as normas pelo franqueado.
Pedro Lucas de Resende MELO198 apresenta diversas práticas que visam afastar o
risco moral do franqueador. Em primeiro lugar, propõe a formação de joint-ventures, ou seja,
197 Faz-se remissão, aqui, ao capítulo “3.2. Cláusulas”. 198 MELO, Pedro Lucas de Resende. Internacionalização cit. (nota 192 supra), p. 43.
93
a sociedade entre o próprio franqueador e um terceiro, ou terceiros, para a exploração de uma
franquia. Justifica tal sugestão dizendo que a posse conjunta entre as partes, diminui os riscos
assumidos por ambas, pois gera um maior comprometimento dos agentes.
Em segundo lugar, e de forma principal, defende a inserção, no contrato de franquia,
de mecanismos de incentivo que se materializam em cláusulas contratuais que buscam
incentivar o franqueador a se comportar de forma positiva. Esses incentivos podem se feitos
por meio da conferência de direitos residuais, ou ganhos residuais, e que são expressos por
rendimentos futuros recebidos pelo franqueado em troca de uma boa conduta na gerência de
sua franquia. Tem como objetivo claro oferecer atrativos para inibir os desvios de conduta e
possíveis comportamentos oportunistas dos franqueados. Como exemplos desta prática, pode-
se nomear a distribuição de gratificações pela valorização da marca, preferência nas ofertas de
novas unidades franqueadas para franqueados com bom histórico, ou até mesmo bônus
financeiro para franqueados com bom desempenho.
Além dos direitos residuais, podem ser previstos mecanismos de autocumprimento
contratual, que fazem com que o contrato de franquia empresarial seja mais interessante e rentável
para os franqueados que cumprem os padrões estabelecidos pelo franqueador. Já para os
franqueados que não respeitarem os padrões traçados pelo franqueador, o contrato deverá prever
cláusulas punitivas, como multa, ou até mesmo a rescisão contratual por inadimplemento.
Marcelo CHERTO199, já pensando nos danos à imagem que possam advir após a
extinção do contrato, defende a inclusão de uma cláusula que outorgue preferência ao
franqueador para a aquisição do ponto de instalação da unidade franqueada após término do
contrato. Em que pese a prática do franchising demonstrar que o ponto comercial é
usualmente escolhido pelo franqueador, sendo raras as vezes em que o franqueado é
proprietário do imóvel, a ideia por trás do pensamento do autor é evitar a concorrência desleal
do franqueado, que após a extinção do contrato de franquia, aproveita-se da clientela aderida
ao ponto comercial para iniciar negócio semelhante ao do franqueado.
Para que se evite tal prática, pode-se pensar em alternativas, como a aquisição pelo
franqueador da propriedade do imóvel antes de celebrar o contrato de franquia, ou até mesmo
celebrar contrato de locação com o proprietário, sublocando o ponto para o franqueado, além da
utilização de cláusula de não concorrência por certo tempo, que possui efeitos pós-contratuais.
199 CHERTO, Marcelo. Franchising: revolução cit. (nota 14 supra), p. 87.
94
Também pensando no momento pós-contratual, Newton SILVEIRA200 ensina que o
franqueador deve dar especial atenção aos efeitos da ruptura do contrato, tendo em vista o fim
da autorização de uso da marca e de outros sinais distintivos, em especial, para os estoques
existentes e materiais já impressos. A extinção do vínculo proíbe que o franqueado
comercialize os produtos grafados com a marca licenciada, e até mesmo que os comercialize
sem a marca, se existir no contrato cláusula de não concorrência. Solução, assim, seria a
compra pelo franqueador, ou por outro franqueado, dos produtos existentes que utilizem a
marca do franqueador, não causando enriquecimento ou dano a nenhuma das partes.
Por fim, o último mecanismo a ser apresentado tem como finalidade básica não a defesa da
marca, mas sim a sua exaltação e popularização entre o público alvo. A publicidade permite ampliar
o conhecimento do produto ou serviços comercializados sob a identificação da marca no mercado
consumidor, permitindo ao franqueador exaltar a boa reputação e o prestígio acumulado na figura da
marca. É razoável prever que com uma boa publicidade haja uma elevação da notoriedade da
marca, refletindo na expectativa de aumento das vendas e da rentabilidade dos produtos.
A publicidade e o marketing, na franquia empresarial, são instrumentos significativos
para a expansão da rede, não só em questão territorial, mas também em volume de vendas.
Contudo, a publicidade e o marketing, que têm como imagem a marca registrada, se utilizada
de maneira equivocada, pode ter efeitos contrários, e gerar a desvalorização da marca. Não
são raros os casos em que uma propaganda veiculada nacional ou regionalmente seja mal
recebida pelo público a que se destina, por diversos motivos.
Necessário, portanto, que a publicidade no negócio de franquia, seja feita de forma
adequada, de modo a aumentar o valor e o caráter distintivo e individualizador da marca.
O contrato de franchising, assim, deve conter cláusulas específicas sobre a publicidade e o
marketing, não deixando ao livre arbítrio de cada um dos franqueados a realização, ou não de
campanhas publicitárias. O ideal seria a centralização do direito de realizar propagandas na figura
do franqueador, como forma de manter a uniformidade da rede até mesmo neste aspecto.
Esse “direito” do franqueador, de realizar as ações publicitárias e de marketing se traduz, em
verdade, em um dever. Tanto é que o franqueado contribui, usualmente, com uma taxa de
publicidade, o que gera a obrigação ao franqueador de, periodicamente, realizar campanhas
publicitárias, no nível do tamanho da rede e de sua desejada expansão, com o objetivo de, como já
dito, exaltar a marca e as qualidades dos produtos ou serviços sob ela comercializados. 200 SILVEIRA, Newton. O contrato cit. (nota 9 supra), p. 162.
95
Entretanto, em que pese a preferência pela exclusividade do franqueador, não se pode
descartar de plano a possibilidade de o franqueado realizar campanhas publicitárias no
território em que detém a exclusividade. Essa publicidade, no entanto, deve, em qualquer
caso, ser objeto de prévia autorização por escrito do franqueador, evitando-se o risco de que a
propaganda mal feita cause danos ao valor da marca.
É claro que as ações aqui exemplificadas não excluem outras que, porventura, o
franqueador julgue adequadas. Contudo, entende-se que a aplicação destes instrumentos
apresentados, juntamente com um contrato bem redigido, sejam suficientes para a proteção da
marca licenciada pelo franqueador, ativo de maior importância na atividade franqueada.
4.2. Da Proteção dos Sinais Distintivos
Na franquia empresarial, além da marca, a identificação do consumidor com
determinada rede de franquias se dá também por meio de outros sinais, que têm o objetivo de
individualizar os estabelecimentos franqueados, diferenciando-os dos demais concorrentes.
Esses outros sinais distintivos, chamados também de “trade dress”201, são
constituídos de uma ampla gama de elementos visuais, que variam desde o projeto
arquitetônico do estabelecimento, tanto externo quanto interno, passando pela configuração
dos produtos e suas embalagens, insígnias, emblemas, sinais, brasões, cor ou esquema de
cores, e até mesmo expressões de propaganda. Ou seja, são os caracteres que contribuem para
a constituição de um código visual de determinado negócio, e que na franquia assume grande
importância em virtude da necessária padronização das unidades franqueadas.
Esse trade dress, entendido como um conjunto de elementos visuais, não é objeto de
proteção legal específica no ordenamento jurídico brasileiro. Entretanto, apesar da carência
normativa, a sua violação, que consiste não na cópia exata de uma marca, mas na imitação
sutil de elementos do estabelecimento comercial, do produto, do serviço, ou de todos
conjuntamente, com intuito de confundir o consumidor e angariar clientela já cativada pela
marca copiada, não é impossibilitada de repressão a ser exercida pelo legítimo detentor.
Por sua natureza, percebe-se que a utilização ilícita do trade dress e da formatação do
negócio franqueado somente podem ser realizados por terceiros estranhos ao contrato ou por
ex-franqueados, uma vez que aqueles participantes da rede de franquia tem o direito de
utilização de todos esses sinais distintivos, pois fazem parte do “pacote franchise”. 201 O “trade dress” é entendido como o conjunto-imagem de um estabelecimento ou produto, utilizado para identificá-lo e distingui-lo dos demais.
96
A primeira forma de proteção indireta do trade dress pode ser realizada por meio da
tutela específica de alguns de seus elementos isoladamente considerados. Assim, o conjunto-
imagem do estabelecimento, produto ou serviço, pode ser protegido por meio dos direitos de
propriedade intelectual. Os principais são: o direito autoral, em relação aos elementos frutos
de criações artísticas, como, por exemplo, o projeto arquitetônico e o design do interior, que
são tutelados pelo direito do autor – arquiteto ou designer – responsável; o direito da
propriedade industrial, quando existente o desenho industrial protegido; e pelo direito
marcário, que pode abranger marcas mistas e tridimensionais202.
Por outro lado, a proteção a outros sinais distintivos, que não são objeto de direito de
propriedade intelectual, e a proteção do trade dress globalmente considerado somente podem ser
realizadas por meio das regras de concorrência desleal. Dessa forma, quando se fala em proteção ao
instituto do trade dress, em seu aspecto conjuntural e não de seus elementos isolados, somente
pode-se falar da tutela por meio da concorrência desleal, visto que inexiste no ordenamento jurídico
brasileiro qualquer tutela específica para a proteção do conjunto-imagem do negócio.
A utilização dos sinais distintivos alheios sem a devida autorização consiste em crime
contra a concorrência desleal, tipificado, a depender do sinal distintivo utilizado, no art. 195,
IV e V203 da Lei 9.279/1996. Além disso, a mesma lei, em seus art. 207 a 210204, estabelece
202 SILVA, Flávio Lucas de Menezes. Franchising cit. (nota 157 supra), p. 78-80. 203 Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem: IV - usa expressão ou sinal de propaganda alheios, ou os imita, de modo a criar confusão entre os produtos ou estabelecimentos; V - usa, indevidamente, nome comercial, título de estabelecimento ou insígnia alheios ou vende, expõe ou oferece à venda ou tem em estoque produto com essas referências; 204 Art. 207. Independentemente da ação criminal, o prejudicado poderá intentar as ações cíveis que considerar cabíveis na forma do Código de Processo Civil. Art. 208. A indenização será determinada pelos benefícios que o prejudicado teria auferido se a violação não tivesse ocorrido. Art. 209. Fica ressalvado ao prejudicado o direito de haver perdas e danos em ressarcimento de prejuízos causados por atos de violação de direitos de propriedade industrial e atos de concorrência desleal não previstos nesta Lei, tendentes a prejudicar a reputação ou os negócios alheios, a criar confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviço, ou entre os produtos e serviços postos no comércio. § 1º Poderá o juiz, nos autos da própria ação, para evitar dano irreparável ou de difícil reparação, determinar liminarmente a sustação da violação ou de ato que a enseje, antes da citação do réu, mediante, caso julgue necessário, caução em dinheiro ou garantia fidejussória. § 2º Nos casos de reprodução ou de imitação flagrante de marca registrada, o juiz poderá determinar a apreensão de todas as mercadorias, produtos, objetos, embalagens, etiquetas e outros que contenham a marca falsificada ou imitada. Art. 210. Os lucros cessantes serão determinados pelo critério mais favorável ao prejudicado, dentre os seguintes: I - os benefícios que o prejudicado teria auferido se a violação não tivesse ocorrido; ou II - os benefícios que foram auferidos pelo autor da violação do direito; ou III - a remuneração que o autor da violação teria pago ao titular do direito violado pela concessão de uma licença que lhe permitisse legalmente explorar o bem.
97
que o prejudicado pelos atos de concorrência desleal pode pleitear, independente da ação
criminal, indenização no juízo cível.
Neste sentido, pode-se falar com segurança que os sinais distintivos que formam o
conjunto-imagem do negócio, por sua importância não só para o regular desenvolvimento da
atividade econômica, mas também por sua função de evitar danos ao consumidor, carecem de
proteção jurídica específica.
Não é possível conceber que um instituto de reconhecida importância na diferenciação
entre os estabelecimentos comerciais seja protegido somente de forma indireta, por meio da
proteção deferida a seus elementos de forma isolada, ou por meio das normas de defesa da
concorrência – que exigem elementos específicos para a sua configuração.
Desse modo, conclui-se pela necessidade de uma legislação que, em primeiro lugar,
reconheça o trade dress como elemento autônomo – que efetivamente é – do
estabelecimento205, e estabeleça meios de tutela específica para os casos de imitação ou
utilização indevida.
4.3. Da Proteção do Know-how
O termo de língua inglesa “know-how” é de origem norte-americana e trata-se da
abreviação da expressão “to know how to do it”206, e que pela dificuldade de se encontrar uma
tradução que possuísse a mesma carga semântica da expressão, é utilizada quase
mundialmente, incluindo o Brasil, tendo-se como exceção a França, país conhecido por não
aceitar facilmente o uso de palavras estrangeiras, onde é adotado o termo em língua francesa
“savoir-faire”.
O conceito de know-how não é de forma alguma pacífico, pois não há consenso entre
os autores em relação a sua individualização, seus elementos e suas características, fazendo
com que seja difícil a existência de uma definição uniforme.
205 Neste sentido, além de já ser reconhecido pela doutrina como um bem autônomo dotado de características próprias, o trade dress também passou a receber, recentemente, o reconhecimento como tal dos tribunais pátrios, que exaltam nas decisões sobre o tema o manifesto interesse público na repressão de atos confusórios. Como exemplo, citamos o seguinte julgado: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1306690/SP. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. Brasília, DF, 10 abr. 2012. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201102453904&dt_publicacao=23/04/2012. Acesso em: 04 ago. 2014. 206 Em tradução livre: “saber como fazer isso”.
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Flávio Lucas de Menezes SILVA207, concentrando nas características, define know-
how:
... como um conjunto de informações, normalmente desconhecidas no mercado ou de difícil obtenção, que melhoram a competitividade de seu detentor face aos concorrentes que a elas não tiverem acesso, expressas por meio de algum tipo de suporte material. É assim o conjunto de informações acerca de um modelo de produção e gestão específico de determinada atividade empresarial, que permite sua manutenção e a fruição de vantagens face aos concorrentes.
Daniela ZAITZ208, no mesmo sentido, convenciona a utilização do termo know-how
para:
... designar conhecimentos técnicos (não patenteados) ou comerciais que tenham valor econômico, sejam transmissíveis, sejam secretos ou relativamente secretos (isto é, cujo acesso por outras pessoas que atuam em determinado ramo industrial ou comercial seja difícil), e que tragam vantagem competitiva para seu detentor.
Pelas definições e pelos elementos que foram incluídos como parte do know-how ao
longo de todo este trabalho, percebe-se que o conceito de know-how utilizado é amplo,
abarcando tanto os conhecimentos técnicos quanto o conhecimento e experiência empresarial
do franqueador. Vale dizer que compõem o know-how todos os conhecimentos de produção,
comercialização, gestão e administração da empresa que possam conferir vantagem ao
franqueado no desenvolvimento de seu negócio. Tal entendimento é o mesmo comungado por
Fran MARTINS209, que também considera “como integrantes do know-how a habilidade, a
experiência e conhecimentos técnicos e os processos postos em prática na aplicação desses
conhecimentos”.
O valor econômico do know-how reside no tempo dispendido pelo franqueador na
consolidação de seus conhecimentos e na transformação destes em know-how, ou seja, em
todos os testes e experimentos realizados até o aperfeiçoamento do estabelecimento originário
e o nascimento do sentimento de segurança de que a experiência adquirida poderia resultar na
replicação do negócio, garantindo uma vantagem empresarial a quem possuísse este know-
how.
207 SILVA, Flávio Lucas de Menezes. Franchising cit. (nota 157 supra), p. 85. 208 ZAITZ, Daniela. Direito & Know-how: Uso, Transmissão e Proteção dos conhecimentos técnicos ou comerciais de valor econômico. Curitiba: Juruá, 2005, p. 39. 209 MARTINS, Fran. Contratos cit. (nota 12 supra), p. 452.
99
Trata-se, assim, de um processo de “tentativa e erro” pelo qual passa o franqueador até
perceber que seu negócio é replicável e possui potencial para atrair o investimento de
empresários autônomos que acreditam que aqueles conhecimentos, aplicados em um negócio
formatado e identificado por uma marca forte, lhe garantirão sucesso e, consequentemente, o
almejado lucro.
O know-how, como bem dotado de valor econômico, somente existe na presença de
outras características, como a transmissibilidade e o seu caráter secreto.
A doutrina especializada no estudo do know-how ensina que estes conhecimentos só
são passíveis de individualização como bem jurídico dotado de valor econômico a partir da
possibilidade de transmissão, podendo-se dizer que é condição necessária para que um
conhecimento seja caracterizado como know-how a possiblidade de que seja transmissível a
outrem.
Por outro lado, o know-how somente tem função de conferir vantagem concorrencial a
quem o detenha na medida em que os conhecimentos aplicáveis à atividade não sejam de
conhecimento público. Neste sentido, também é requisito para a existência e individualização
do know-how o segredo em torno dos conhecimentos e de suas possíveis aplicações.
A doutrina diverge acerca do grau do segredo do know-how. Alguns autores defendem
que o segredo do know-how deve ser absoluto, pois entendem que somente interessam às
empresas, para fins de percepção de vantagens no mercado, os conhecimentos que as demais
ignoram por completo. Além disso, seria o caráter secreto do know-how o fundamento das
normas regulamentares sobre essas questões, especialmente as de concorrência desleal.
Já para outra parte da doutrina, o grau do caráter secreto do know-how é relativo,
podendo existir transferência de know-how nos casos em que o franqueador compartilha
conhecimentos não secretos. A prática demonstra que a transferência de conhecimento não
secreto também representa uma transferência de tecnologia, podendo representar um impacto
positivo no negócio franqueado, conferindo vantagem competitiva ao empresário e
angariando novos partícipes para a rede de vantagens. Nesses casos, entretanto, o know-how é
composto de conhecimentos e informações conhecidas que se tornam secretas em razão da
sua combinação ou de sua aplicação de forma diversa do comum, gerando vantagens ao seu
titular em face de outros empresários que não possuem estas informações.
100
Flávio Lucas de Menezes SILVA210 arremata:
Vale enfatizar dois aspectos essenciais do know-how e de sua aplicação na franquia: em primeiro lugar, o valor do know-how está atrelado, principalmente, a sua inacessibilidade, sendo sua valoração enaltecida a partir da oportunidade comercial que resulta do fato de ter-se ou não acesso ao mesmo. Em segundo lugar, o know-how constitui um modelo de produção no qual, considerando-se o cumprimento do contrato, se possibilita a sua transferência, que implicará a reprodução de um padrão, obedecidos certos limites, de um sistema empresarial específico detida pela empresa franqueadora e reproduzido, mediante autorização, pela empresa franqueada.
Dessa forma, pode-se dizer que a proteção do know-how, com o objetivo de manter o
seu valor econômico e as vantagens competitivas a quem o utilize legalmente, possui grande
importância no sistema de franchising. Neste sentido, apesar de diversos autores identificarem
grande dificuldade na sua proteção211, a defesa do know-how deve necessariamente ser
realizada com base em três eixos principais, a saber: a manutenção do segredo dos
conhecimentos que formam o know-how, a sua utilização de forma adequada – que se
relaciona também à manutenção do padrão de qualidade da rede, e a repressão à utilização
indevida, feita por aqueles que não possuem o direito de utilizá-lo.
Além disso, durante a relação entre franqueador e franqueado, existem três
oportunidades em que o know-how pode ser colocado em risco, são eles: durante as tratativas
contratuais, ao longo da execução contratual e, por fim, após a extinção do contrato, sendo
que cada um destes momentos demanda tutela diversa e específica.
Inicialmente, cumpre destacar que o know-how, diferentemente das patentes, não pode
ser levado a registro no INPI, não podendo ser objeto de um direito de propriedade do seu
titular. Assim, não se trata de um direito exclusivo, mas de um direito absoluto não exclusivo,
pois não houve concessão do Estado do respectivo título de propriedade oponível erga omnes.
A exclusividade obtida para o uso do know-how não decorre de uma proteção legal, como
existe para as marca e patentes, mas sim de um fato, resultante de um mercado competitivo e
do segredo212.
A formação do contrato de franquia empresarial inicia-se, como qualquer outro, com
as tratativas contratuais. Entretanto, a legislação especial que circunda este contrato exige,
como forma de proteção ao franqueado – naturalmente a parte economicamente mais frágil –, 210 SILVA, Flávio Lucas de Menezes. Franchising cit. (nota 157 supra), p. 85. 211 LORENZETTI, Ricardo Luis. Tratado cit. (nota 155 supra), p. 673. 212 BARBOSA, Denis Borges. Tratado da propriedade intelectual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 124-125.
101
a entrega pelo franqueador, de cópia da circular de oferta de franquia. Este documento, já
analisado anteriormente, é classificado pela doutrina como um instrumento de “full and fair
disclosure”, ou seja, contem diversas informações sobre o negócio franqueado, alguma das
quais podem ser consideradas sigilosas.
Essas tratativas, geralmente intensas e longas, pois se trata de contrato a ser celebrado
por longa duração e com a realização de investimentos relevantes, contam com uma
dificuldade intrínseca, uma vez que parte dos bens transferidos – o know-how – são
intangíveis e de difícil identificação quanto ao seu conteúdo e extensão, razão pela qual é
obrigação do franqueador passar ao franqueado uma ideia dos procedimentos, comprovando a
real existência de um conhecimento empresarial a ser futuramente utilizado pelo franqueado.
Dessa forma, percebe-se que os riscos em torno da vulgarização dos conhecimentos
transformados em know-how já se manifestam no momento pré-contratual, pois “o ato que
transfere a tecnologia a terceiros implica o risco de perda do controle que o transferente
possuía sobre ela, pela irreversibilidade fática da operação de transferência” 213.
Nesta seara, diversas práticas são nomeadas pela doutrina com o objetivo de
diminuírem os riscos enfrentados pelo franqueador nas tratativas contratuais. O primeiro e
mais comum destes meios é a celebração, antes mesmo do início das tratativas, de um acordo
de confidencialidade.
Este acordo de confidencialidade consiste na assunção do compromisso, por ambas as
partes, de não divulgarem a terceiros as informações a que tiverem acesso em virtude na
negociação, mediante aplicação de pesadas multas para aquele que descumprir o acordo.
Além disso, deve estar previsto no acordo de confidencialidade a impossibilidade das partes
utilizarem essas informações para outros fins que não seja a avaliação da conveniência da
celebração do contrato de franchising. É proibido, desta forma, ao candidato a franqueado, no
caso de insucesso das negociações, o aproveitamento dos conhecimentos obtidos nesta fase
para gerar ganhos econômicos ilícitos, o que configuraria enriquecimento sem causa.
213 PRADO, Maurício Curvelo de Almeida. Contrato internacional de transferência de tecnologia. Patente e Know-How. 1. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 11. apud BÜSSEM, Susanne. Contratos de transferência de tecnologia. In: JABUR, Gilberto Haddad.; PERERIRA JUNIOR, Antonio Jorge (Coord.). Direito dos Contratos II. São Paulo: Quartier Latin, 2008.
102
Evita-se, assim, o comportamento oportunista do candidato a franqueado que, de má-
fé, engaja em negociações sem a intenção de efetivamente ingressar na rede, e com objetivo
único obter informações sigilosas sobre o negócio do franqueador.
A doutrina também nomeia outra espécie de acordo anterior ao início das tratativas. É
chamado por Sussane BÜSSEM214 de “Memorando de Entendimentos”, que é sempre
acompanhado por um acordo de confidencialidade, e tem por conteúdo a convenção das
partes de uma carta de intenções, em que o transferente (franqueador) do know-how não passa
ao receptor (candidato a franqueado) nenhuma informação relevante ligada ao conteúdo dos
conhecimentos e suas aplicações, mas fornece dados objetivos que envolvam os resultados da
aplicação, tais como a rentabilidade, o impacto nas vendas e o diferencial competitivo
proporcionado.
Importante destacar que ambos os acordos, realizados antes mesmo da entrega da
circular de oferta de franquia, não ferem o previsto no art. 4º, parágrafo único, da Lei
8.955/1994, que dispõe a possibilidade de anulabilidade do contrato de franquia caso o
franqueador não entregue, em até 10 dias antes da assinatura do contrato ou de pré-contrato de
franquia, ou do pagamento de qualquer taxa, a cópia da circular de oferta de franquia,
requisito legal de validade do contrato de franquia a ser celebrado.
Percebe-se que tanto o acordo de confidencialidade quanto o memorando de
entendimentos, também de caráter sigiloso, não criam obrigações excepcionais ao candidato a
franqueado. A norma citada tem como objetivo a proteção do franqueado contra um
comportamento predatório do franqueador, que sem prestar as devidas informações sobre o
sistema, celebra contrato com o franqueado, obrigando-o a prestações iníquas.
Comportamento diverso existe com a adoção destes instrumentos, pois o franqueador tem a
intenção de prestar todas as informações necessárias, mas necessita proteger-se contra atos
abusivos do candidato. Ademais, na hipótese de não celebração do contrato, as partes
retornarão ao status quo ante, inexistindo, dessa forma, prejuízo a qualquer das partes.
Ainda tratando-se do momento pré-contratual, o art. 3º, XIV, da Lei 8.955/1994,
estabelece que o franqueador é obrigado a inserir na circular de oferta de franquia a “situação
do franqueado, após a expiração do contrato, em relação a: a) know-how ou segredo de
214 BÜSSEM, Susanne. Contratos de transferência de tecnologia. In: JABUR, Gilberto Haddad.; PERERIRA JUNIOR, Antonio Jorge (Coord.). Direito dos Contratos II. São Paulo: Quartier Latin, 2008.
103
indústria a que venha a ter acesso em função da franquia; e b) implantação de atividade
concorrente da atividade do franqueador;”. Nas palavras de Nelson Abrão215:
É nítido o proposito do dispositivo no sentido de assegurar os direitos do franqueador pós-contrato, evitando-se que o franqueado lhe possa fazer concorrência, seja pelo uso de sigilo dos processos de fabricação, seja exercendo indústria ou comércio semelhantes aos dele.
Está claro, assim, que o mandamento legal faz com que, desde as tratativas, o
franqueador já tome conhecimento das obrigações que irá contrair e que terão efeitos somente
após a extinção do contrato. Por conta destes efeitos tardios, tratar-se-á deste tema quando
forem propostas as medidas protetivas para o know-how no momento pós-contratual.
Superada a tutela do know-how no momento pré-contratual, passa-se a analisar as
formas possíveis de manutenção do valor econômico deste bem durante a execução do
contrato. Em primeiro lugar, é importante destacar que deve ser inserido no contrato de
franchising cláusula de teor semelhante à tratada anteriormente. Ou seja, obrigando o
franqueado a guardar sigilo sobre todos os conhecimentos acerca do negócio transferidos a
ele, devendo, também, manter sob sua guarda e não divulgar, sob qualquer hipótese ou
pretexto, os manuais de franquia. Além disso, deve obrigar o franqueado a inserir nos
contratos que vier a firmar com seus empregados e prestadores de serviço previsão
semelhante, de forma expressa, impedindo estes de divulgar os segredos que circundam a
atividade empresarial franqueada.
O contrato de franquia, por conta de sua característica de formação de rede e da
padronização existente entre os diversos estabelecimentos franqueados, no que tange à cessão
do know-how, deve conter preceito semelhante ao da licença de uso de marca. Ou seja, a
cessão do know-how também constitui, ao mesmo tempo, um direito e um dever do
franqueado. Assim, não é mera faculdade do franqueado o uso dos conhecimentos
empresariais cedidos, mas consiste em um dever deste a sua utilização, nos limites e formas
impostas no contrato e nos manuais de franquia.
Neste sentido, identificam-se, além da previsão contratual, quatro elementos
importantes para manter a padronização do know-how aplicado na atividade franqueada: são
eles os manuais de franquia, a fiscalização, o treinamento e a assistência técnica.
215 ABRÃO, Nelson. A lei da cit. (nota 138 supra), p. 33-34.
104
No que tange à fiscalização, assistência técnica e treinamento, aplica-se integralmente
o quanto já discorrido em capítulo anterior216. Vale dizer, em complemento, que estes
instrumentos são importantes para a manutenção do valor econômico do know-how na medida
em que impedem a sua deturpação e aplicação de maneira errônea, além de contribuir para a
identificação de possíveis falhas dos métodos e procedimentos, fazendo com que os
conhecimentos aplicados se mantenham eficazes e atualizados.
Já com relação aos manuais de franquia, a sua importância decorre do fato de que, em
caso de dúvida acerca da utilização dos métodos, sistemas operacionais e procedimentos, será
o primeiro objeto que o franqueador irá utilizar. Ademais, nas palavras de Luiz Felizardo
BARROSO217, “os manuais servem, pois, para reforçar as obrigações contratualmente
assumidas, complementando e detalhando essas mesmas obrigações, sem, contudo, perder a
flexibilidade inerente à atividade empresarial”. Nestes manuais serão encontrados:
... procedimentos padronizados e instruções sobre as mais variadas situações encontradas no dia-a-dia do negócio, desde a seleção de funcionários, informações sobre produtos e serviços que serão comercializados, procedimentos para atendimento e reclamações de consumidores, procedimentos para troca de produtos, formas de pagamento, etc.218
Ainda com o objetivo de garantir o valor do know-how e o seu poder de conferir
vantagem competitiva, o franqueador deve sempre atualizar e aprimorar seus conhecimentos a
partir das inovações tecnológicas que surgirem, repassando-as ao franqueado. Além disso,
deve haver uma troca constante de informações entre franqueador e franqueado de forma a
adequar os métodos e procedimentos, além da organização do estabelecimento, às
peculiaridades locais, maximizando o poder do know-how de gerar benefícios a quem o
utilize. Ricardo Luis LORENZETTI219, ao tratar do tema, explicita a preocupação de que
estas modificações devem responder a necessidades objetivas do mercado, e encontram seu
limite no uso abusivo, que ocorre quando o franqueador utiliza como pretexto a atualização do
know-how para realizar uma modificação na reciprocidade das cláusulas contratuais.
Ana Cláudia Karam ABDALLAH DOS SANTOS220 também expõe como forma de
proteção e individualização desses bens intangíveis a adoção de atos de governança
corporativa. Como exemplos cita a publicação de relatórios específicos em que o know-how
216 Capítulo 4.1. Da Proteção da Marca. 217 BARROSO, Luiz Felizardo. Franchising cit. (nota 16 supra), p. 75. 218 SILVA, Flávio Lucas de Menezes. Franchising cit. (nota 157 supra), p. 90. 219 LORENZETTI, Ricardo Luis. Tratado cit. (nota 155 supra), p. 672. 220 ABDALLAH DOS SANTOS, Ana Claudia Karam. Tutela cit. (nota 13 supra), p. 57.
105
seja explicitado, de forma a individualizá-lo e facilitar a sua defesa em caso de uso indevido
após a extinção do contrato ou por terceiros, e a implementação de políticas internas que
visem a preservação da fidelidade do franqueado à rede, minorando as possibilidades deste
agir abusiva e oportunisticamente.
Por fim, mesmo após a extinção do contrato de franquia e a saída do franqueado da
rede, é comum que esta permaneça em operação, ou seja, a atividade calcada no modelo de
negócio formatado pelo franqueador continuará sendo exercida por meio da celebração de
outros contratos de franquia. Não há, destarte, como negar a relevância do controle do
comportamento do ex-franqueado, pois este pode vir a causar grandes prejuízos ao
franqueador e a toda rede.
Ana Cláudia REDECKER221 explica que “com a extinção do contrato, pelo seu
cumprimento ou por outra forma diversa, subsistem ainda alguns deveres acessórios de
conduta (proteção e lealdade) para os ex-contraentes”. Nos deveres de proteção, as partes
continuam vinculadas, mutuamente, a não gerarem danos às pessoas e aos patrimônios uma da
outra, enquanto nos deveres de lealdade, verifica-se a subsistência do dever de não adotar
atitudes que possam frustrar mutuamente os seus objetivos, e de não se aproveitar das
vantagens decorrentes da antiga posição contratual para auferir vantagens indevidas ou
diminuir as vantagens do ex-parceiro.
Esses deveres acessórios são decorrentes da boa-fé contratual, que persistem após a
extinção do contrato, mas que não excluem as demais vinculações com efeitos pós-contratuais
existentes no contrato.
Dessa forma, afora os deveres acessórios, decorrentes da boa-fé contratual, avulta-se
necessário a apresentação de outros meios de tutela do know-how de titularidade do
franqueador após a extinção do contrato, de forma que este mantenha o seu valor econômico,
conferindo a quem o possua vantagens competitivas no mercado e podendo ser cedido
onerosamente a terceiros.
Como já citado anteriormente, o franqueador deve inserir na circular de oferta de
franquia a situação do franqueado, após a extinção do contrato, com relação ao know-how ou
segredos de indústria que vier a ter acesso222.
221 REDECKER, Ana Cláudia. Franquia cit. (nota 10 supra), p. 104-105. 222 Art. 3º, XIV, a, da Lei 8.955 de 14 de dezembro de 1994.
106
Para se prevenir de comportamentos contrários à boa-fé por parte do franqueado, o
franqueador deve deixar expressamente previsto, na circular de oferta de franquia e também
no contrato celebrado, que o franqueador deverá guardar sigilo absoluto, por tempo
indeterminado, sobre todos os conhecimentos secretos que lhe foram transmitidos antes da
celebração e durante a execução do contrato de franquia empresarial. Isso porque, o know-
how, no franchising, não é alienado ao franqueado, tratando-se de mera cessão de uso para o
desenvolvimento da atividade franqueada, podendo ser utilizado somente durante a vigência
do contrato.
Assim, o know-how continua pertencendo ao franqueador e representa ativo de grande
importância, sendo um dos motivos determinantes para o sucesso da rede. A sua divulgação
posterior pelo franqueado causará, de forma irreversível, a perda do diferencial competitivo
conferido por ele à rede, pois uma vez caído em domínio público, o franqueador não poderá
mais controlar o seu uso pelas mais diversas empresas concorrentes existentes no mercado,
em todo o país, ou até mesmo em todo o mundo.
Ainda com o fito de preservar o caráter secreto do know-how, o franqueado deverá,
após a extinção do contrato, devolver ao franqueador todos os meios físicos que foram objeto
de transferência de conhecimentos, não sendo permitida a manutenção em posse do
franqueado dos manuais de franquia utilizados.
Com relação à repressão da utilização indevida do know-how, o franqueado se
obrigará, por meio de cláusula contida no contrato, a não se utilizar dos segredos a que teve
acesso no desempenho da atividade franqueada em novo empreendimento empresarial, seja
como empregado de empresa concorrente ou mesmo em um novo negócio próprio.
Ademais, a conduta do ex-franqueado que divulga – mesmo durante a relação
contratual – ou explora indevidamente após a extinção do contrato os conhecimentos secretos
que lhe foram transmitidos pelo franqueador não configura apenas um inadimplemento
contratual, passível de rescisão e indenização, mas também caracteriza crime de concorrência
desleal, previsto no art. 195, XI, da Lei 9.279/1996223.
223 Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem: XI - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato;
107
Pode ocorrer também que haja a utilização do know-how detido pelo franqueador por
terceiros não autorizados, configurando uma utilização indevida dos bens do franqueador.
Neste caso, a repressão será feita por meio das normas que previnem a concorrência desleal,
sendo que nos casos em que o terceiro obtiver as informações secretas por meios ilícitos ou
fraudulentos, sua conduta configurará o crime previsto no art. 195, XII, da Lei 8.279/1996224,
não excluindo a obrigação de indenizar o legítimo titular. Nos demais casos, a tutela da
concorrência desleal realizada pelo terceiro deverá ser feita em âmbito exclusivamente civil.
Por derradeiro, o franqueador deve inserir no contrato de franquia empresarial a ser
celebrado uma cláusula de não concorrência. Vale destacar que, como já expresso
anteriormente, caso o franqueador lance mão deste expediente, deverá a informação estar
contida na circular de oferta de franquia, conforme mandamento do art. 4º, XIV, b, da Lei
8.955/1994.
Esta cláusula de concorrência interdita225 impõe uma obrigação de não fazer ao
franqueado, para que este, após deixar a rede de franquias, se abstenha de criar, participar
financeiramente ou se associar a empresa concorrente do franqueador ou de seus franqueados.
Diante disso, Sidnei AMENDOEIRA JUNIOR226 ensina que:
... é muito comum a previsão nesses contratos [de franquia empresarial] de cláusulas de quarentena ou de não concorrência, ou seja, diante do fato de que a franqueadora cedeu todo seu know-how ao franqueado não seria justo que ele, franqueado, entendendo por bem sair daquele sistema de franquia, pudesse competir com a franqueadora e seus franqueados valendo-se das técnicas e informações que própria franqueadora lhe cedeu. Ademais, essas cláusulas de não concorrência estão atreladas a outras cláusulas de sigilo de informações, dado o recebimento de manuais, circulares e dados impressos, eletrônicos ou verbais que constituem segredo do negócio.
As cláusulas de quarentena ou de não concorrência são plenamente válidas nos
contratos mercantis, desde que respeitados alguns parâmetros. Em primeiro lugar, tais
cláusulas não podem representar uma ameaça ao livre mercado, consagrado
constitucionalmente. Percebe-se que no caso do contrato de franquia, a limitação tem razão de
ser em virtude da própria essência do contrato, que é basicamente a outorga do direito de uso
da marca, sinais distintivos e know-how do franqueador em troca de contraprestação 224 XII - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos ou informações a que se refere o inciso anterior, obtidos por meios ilícitos ou a que teve acesso mediante fraude; 225 Concorrência interdita é a concorrência que, em função de lei ou de contrato, não pode existir. Conforme a lição de BARBOSA, Denis Borges. Tratado cit. (nota 211 supra), p. 456. 226 AMENDOEIRA JÚNIOR, Sidnei. Principais cit. (nota 80 supra), p. 949.
108
pecuniária. Não seria cabível que após a absorção de todas as técnicas desenvolvidas
arduamente pelo franqueador, o franqueado pudesse simplesmente retirar-se do sistema de
franquia, implantando em sua própria empresa os conhecimentos adquiridos com o intuito de
concorrer com o franqueador e sua rede.
Ademais, a limitação imposta ao franqueado estava expressamente prevista tanto na
circular de oferta de franquia quanto no próprio contrato de franquia, sendo que o franqueado
teve a oportunidade de analisar todos os riscos e benefícios do negócio, e celebrou o contrato
anuindo conscientemente com todas as limitações a ele impostas.
Ainda quanto à validade da cláusula, esta deve ser específica em relação ao tipo de
atividade, não sendo aceita a cláusula que proíbe o ex-franqueado de exercer qualquer
atividade empresarial, mesmo que seja por certo tempo. Deve também ser limitada no tempo
ou no espaço, sendo mais recomendável a limitação temporal, normalmente pelo prazo de
cinco anos227, uma vez que é prazo suficiente para que o know-how do franqueador evolua,
evitando a concorrência desleal do ex-franqueado pela obsolescência dos conhecimentos
secretos a que teve acesso.
A validade das cláusulas de quarentena também pode ser inferida de forma implícita
pela legislação. A própria lei 8.955/1944, que trata do contrato de franchising prevê a sua
possibilidade no já citado art. 4º, XIV, b. O Código Civil também prevê hipótese em que a
concorrência é legalmente vedada em seu art. 1.147228, podendo-se dizer que, por analogia,
este diploma permite a cláusula de não concorrência no contrato de franquia empresarial.
Do mesmo modo, a jurisprudência pátria também aceita esta espécie de cláusula,
conforme o exemplo:
Ao contrário do que defende a autora a exigência de “quarentena” não é abusiva, não ofende o direito ao livre exercício da profissão ou da livre iniciativa, mas protege a franqueadora da concorrência desleal. (...) Também o período de interdição exclusivamente para a área afeta ao objeto da franquia é legalmente permitido, tal como se dá no trespasse de estabelecimento empresarial.
227 ABRÃO, Nelson. A lei da cit. (nota 138 supra), p. 34. 228 Art. 1.147. Não havendo autorização expressa, o alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subseqüentes à transferência.
109
Trata-se de um período de desvinculação do empreendedor da atividade empresarial, visando proteger aquele que investiu na consolidação da marca e da franquia229.
Diante do exposto, percebe-se que o know-how acumulado pelo franqueador, a partir
de suas experiências no desenvolvimento da atividade e na formatação de seu negócio, são
ativos imateriais de grande importância, sendo, ao lado da marca consolidada, um dos
motivos do sucesso das mais diversas redes de franquia existentes.
Assim, é um bem incorpóreo de difícil individualização, mas que possui alto valor
econômico a partir da vantagem competitiva que proporciona a quem tenha acesso, em
detrimento daqueles que não possuem o conhecimento de certos métodos, fórmulas e
sistemas, e de suas aplicações.
Sendo assim, é imperioso para a continuidade do desenvolvimento da atividade
franqueada e o seu sucesso no mercado a proteção dos conhecimentos secretos que circundam
o negócio. Proteção esta que se inicia com a formulação de uma adequada circular de oferta
de franquia e de um amplo e específico contrato de franquia, passando por um intenso
controle de toda a atividade durante a execução contratual, e culminando na detecção de
comportamentos oportunistas de ex-integrantes da rede e de outros concorrentes.
229 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível 2013.0000414831. Relator: Desembargador Ricardo Negrão. São Paulo, 22 de julho de 2013. Disponível em: <http://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=6875664&cdForo=0>. Acesso em: 10 jul. 2014.
110
5. CONCLUSÃO
Conforme discorrido ao longo do presente trabalho, o contrato de franquia empresarial
tem grande importância econômica. Conforme os dados da Associação Brasileira de
Franchising, no ano de 2013, o setor atingiu números impressionantes, alcançando a marca de
2.703 empresas operando no sistema de franchising, 114.409 unidades franqueadas em
funcionamento no Brasil e faturamento superior a R$ 115 bilhões.
O vigor demonstrado pelo sistema de franquia, que cresceu acima da taxa de 10% ao
ano nos últimos nove anos – taxa superior à do crescimento do produto interno bruto nacional
–, representa que o mercado assimilou definitivamente todas as vantagens oferecidas por este
sistema.
Além disso, o mercado de consumo, principal nicho de utilização do franchising,
sofreu profundas mudanças nas últimas décadas, experimentando uma vertiginosa expansão
em conjunto com um processo de massificação de suas relações, calcado especialmente no
aumento da demanda por parte dos consumidores, que tiveram significativo aumento de renda
e de crédito junto a instituições financeiras, e no crescimento acelerado da oferta de novos
produtos e serviços.
A franquia empresarial, neste cenário, adequou-se perfeitamente aos anseios desta
nova sociedade de consumo. A padronização encontrada em toda a rede de estabelecimentos
franqueados permite que consumidor, que passou a encontrar diversas opções no mercado,
adquira um produto ou serviço de qualidade já experimentada. Da mesma forma, permite aos
empresários autônomos uma oportunidade de negócio mais segura por conta da utilização de
uma marca e de um conceito de empreendimento já reconhecidos pelos consumidores,
facilitando as vendas e diminuindo os riscos empresariais.
O contrato de franchising possui como elementos essenciais, além da colaboração
entre o franqueador e o franqueado – que se mantêm independentes jurídica e financeiramente
– para o desenvolvimento de uma atividade econômica e a formação de uma rede de
estabelecimentos padronizados, a cessão por parte do franqueador de direitos de propriedade
intelectual e conhecimentos técnicos associados ao negócio, mediante o pagamento de
contraprestação.
Dentre estes bens intangíveis cedidos, assumem grande importância a marca, os sinais
distintivos e o know-how do negócio detidos pelo franqueador, sendo que estes, na atual era
111
do conhecimento, constituem os bens mais valiosos da empresa franqueadora, pois quando
aplicados no desempenho de atividade econômica implicam em uma grande vantagem
competitiva à empresa detentora, garantindo a sua sustentabilidade no mercado e
representando o seu potencial de crescimento e geração de lucro.
Pode-se afirmar, assim, que estes bens são os pilares de sustentação e as razões do
sucesso do sistema de franchising, especialmente no Business Format Franchising, que é
caracterizado pela total formatação do negócio franqueado e pela reprodução, em todos os
aspectos, do padrão da rede nos demais estabelecimentos a ela pertencentes.
Percebe-se, desse modo, que a franquia empresarial é dependente de uma marca
renomada, de sinais distintivos conhecidos pelo público consumidor e de um know-how
atualizado, secreto e eficaz, sendo estes elementos a base do pacote franchise, fornecido ao
franqueado quando do ingresso na rede.
Entretanto, se por um lado é essencial ao franchising a cessão de todos estes bens
intangíveis ao franqueado, de outro, é imperativo a manutenção de seu valor comercial. Ou
seja, em que pese a necessidade da cessão ao franqueado do direito de uso da marca e dos
sinais distintivos e da transferência de todos os conhecimentos técnicos e secretos que
circundam o negócio, é incontestável a necessidade de proteção deste conjunto de bens
intelectuais, mantendo a sua aptidão de gerar vantagem competitiva a quem o utilize.
A justificativa para tal afirmativa é clara. Em caso de danos à marca e aos sinais
distintivos, depreciando seu valor ou até mesmo fazendo-os perder definitivamente o seu
poder distintivo, e ao know-how, por meio da divulgação dos métodos, sistema e
conhecimentos secretos utilizados – que igualmente fazem com que perca o seu valor –, por
qualquer ato do franqueado, a consequência, indubitavelmente, será um prejuízo para o
franqueador e para toda a rede, podendo culminar na impossibilidade de expansão do negócio
formatado por meio do franchising ou, até mesmo, inviabilizar a atividade econômica
exercida pela rede.
Neste contexto, a conclusão a que se chega é que, em virtude da necessidade de
transferência de informações estratégicas irrecuperáveis e da cessão de uso de bens
intangíveis ao franqueado, o franqueador deve se precaver adotando medidas que sejam aptas
à proteção efetiva destes ativos vitais à atividade de franquia.
112
Tais medidas devem ter início logo nas tratativas contratuais, com a formulação de
uma adequada circular de oferta de franquia, a celebração de um pacto de sigilo com o
candidato sobre as informações transferidas nesta fase, que, como já asseverado, em nada fere
o disposto no art. 4º, parágrafo único, da Lei 8.955/1996230, e a formulação de um contrato
dotado de cláusulas que obriguem, seja por meio de imposições coercitivas ou de concessão
de benefícios, o franqueado a cumprir a risca todas as instruções e termos constantes no
acordo.
Deve também, durante a execução contratual, exercer efetivamente o poder
fiscalizador a ele conferido no instrumento contratual, diligenciando para que o franqueado
mantenha o padrão estabelecido a toda a rede. Como demonstrado, este poder fiscalizatório do
franqueador sobre o franqueado não se baseia apenas nas inspeções que devem ser realizadas
periodicamente, mas também deve ser realizado por meio de auditorias, treinamentos,
fornecimento de insumos de forma unificada à rede franqueada e a prestação contínua de
assistência técnica.
Ainda durante a execução contratual, o franqueador deve se manter atento ao
comportamento de terceiros que, por meio de práticas desleais poderão tentar se locupletar
ilicitamente do sucesso da rede de franquia. Vale dizer, que o franqueador deve manter-se
alerta com relação ao restante do mercado, coibindo os atos danosos de terceiros e a utilização
indevida da marca, do trade dress e do know-how.
Com relação à marca, o franqueador deve sempre exercer os direitos absolutos de
propriedade decorrentes do registro desta no INPI, defendendo-a judicial e extrajudicialmente
sempre que tomar ciência de atitudes lesivas ao seu valor distintivo e individualizador.
Já com relação ao trade dress, o franqueador deve diligenciar no mercado em busca de
concorrentes que, por meio da cópia de elementos visuais do estabelecimento comercial, têm
o objetivo de desviar clientela já cativada pela rede valendo-se de meios fraudulentos para da
confusão entre os produtos ou serviços oferecidos, ou entre os estabelecimentos.
230 Art. 4º A circular oferta de franquia deverá ser entregue ao candidato a franqueado no mínimo 10 (dez) dias antes da assinatura do contrato ou pré-contrato de franquia ou ainda do pagamento de qualquer tipo de taxa pelo franqueado ao franqueador ou a empresa ou pessoa ligada a este. Parágrafo único. Na hipótese do não cumprimento do disposto no caput deste artigo, o franqueado poderá argüir a anulabilidade do contrato e exigir devolução de todas as quantias que já houver pago ao franqueador ou a terceiros por ele indicados, a título de taxa de filiação e royalties, devidamente corrigidas, pela variação da remuneração básica dos depósitos de poupança mais perdas e danos.
113
Já foi defendido que, em que pese os sinais distintivos do estabelecimento comercial
possam ser tutelados através da proteção deferida a cada um de seus elementos
individualmente considerados, ou por intermédio das normas de defesa da concorrência
(sendo que a conduta descrita acima é tipificada como crime de concorrência desleal), o
conjunto-imagem do estabelecimento comercial, por sua importância para o desenvolvimento
da atividade empresarial e para a proteção aos consumidores, carece de tutela jurídica
específica.
Assim, para a correta regência do instituto, o sistema de proteção dos direitos de
propriedade intelectual deveria reconhecer o trade dress como uma figura autônoma,
dotando-o de meios diretos de proteção.
O franqueador, além disso, deve também diligenciar para manter o segredo do know-
how, evitando o seu uso por terceiros que não façam parte da rede de franqueados. O know-
how, por se constituir de conhecimentos técnicos não patenteáveis, tem por requisito mais
importante o seu caráter secreto, que deve ser defendido pelo franqueador. O principal
instrumento para esta defesa é o acordo de confidencialidade, que impõe uma obrigação de
não fazer ao franqueado e seus empregados, evitando que estes exponham os métodos
desenvolvidos pelo franqueador e utilizados na atividade franqueada.
Este instrumento, entretanto, não exclui outros que porventura possam ser utilizados
pelo franqueador, como a fiscalização da utilização do know how, treinamentos, assistência
técnica e a coibição da concorrência desleal.
Por fim, após a extinção do vínculo contratual, além de o franqueador manter-se no
dever de fiscalizar todo o mercado contra possíveis danos e utilização indevida de seus bens
intangíveis, pois apesar de findo um dos contratos que compõem a rede, segue obrigado com
demais franqueados, também assume a atribuição de supervisionar o ex-franqueado em
relação às obrigações pós-contratuais existentes.
Em primeiro lugar, deve verificar o cumprimento do dever de sigilo do franqueado
quanto ao know-how do franqueador, que persiste mesmo após a extinção do contrato por
força de cláusula contratual de efeitos futuros e também do princípio da boa-fé. Além disso, é
obrigatório que o franqueador que zele também pelo cumprimento da cláusula de não
concorrência – que, como já discorrido, é perfeitamente válida no ordenamento jurídico pátrio
114
desde que respeitadas algumas condições –, impedindo o ex-franqueado de instalar atividade
econômica concorrente à rede pelo prazo de cinco anos.
Todas estas medidas que devem ser adotadas pelo franqueador são justificadas pela a
importância que estes ativos imateriais assumem no contrato de franchising, sendo
responsáveis pelo sucesso do sistema em todo o mundo. Além disso, é relevante ressaltar que
a manutenção da viabilidade econômica de uma rede de franquias é imperativa, uma vez que a
sua dissolução, por conta de uma possível impossibilidade superveniente da atividade não
atinge somente o franqueador, empresário que, em regra, tem como única fonte de renda a
exploração da atividade franqueada, mas atinge também diversos microempresários que
investiram suas economias, seu tempo e seus sonhos no negócio, afetando também a
economia nacional e os empregos direta ou indiretamente gerados pela rede.
Dessa forma, pode-se perceber que a manutenção de um sistema de franquia
empresarial eficaz transcende o interesse egoístico do franqueador para atingir toda a
coletividade que será prejudicada com qualquer dano causado aos elementos essências da
franquia.
115
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