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UNIVERSIDADE DE COIMBRA FACULDADE DE DIREITO 2º CICLO DE ESTUDOS EM DIREITO A LAICIDADE NA FRANÇA REPUBLICANA: a questão da indumentária religiosa perante o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Anne Kharine da Silva Perazzo COIMBRA 2015

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  • 1

    UNIVERSIDADE DE COIMBRA

    FACULDADE DE DIREITO

    2 CICLO DE ESTUDOS EM DIREITO

    A LAICIDADE NA FRANA REPUBLICANA: a questo da indumentria religiosa

    perante o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

    Anne Kharine da Silva Perazzo

    COIMBRA

    2015

  • 2

    ANNE KHARINE DA SILVA PERAZZO

    A LAICIDADE NA FRANA REPUBLICANA: a questo do uso da indumentria

    religiosa perante o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

    Dissertao apresentada no mbito do 2 Ciclo de

    Estudos em Direito da Faculdade de Direito da

    Universidade de Coimbra, como requisito de

    aprovao obteno do grau de Mestre.

    rea de Especializao: Mestrado Cientfico em

    Cincias Jurdico-Polticas.

    Meno: Direito Constitucional.

    Orientador: Professor Doutor Jnatas Eduardo

    Mendes Machado.

    COIMBRA

    2015

  • 3

    Dedico este trabalho integralmente aos meus

    filhos, Gabriel e Alice Maria, como

    reconhecimento a todo esforo que fizeram, em

    virtude de minha ausncia.

  • 4

    AGRADECIMENTOS

    Primeiramente, agradeo a Deus essa oportunidade mpar em minha vida, pois

    sem Ele nada seria possvel;

    Reconheo os esforos de alguns amigos e familiares que me impulsionaram

    nesse projeto, com palavras de carinho e incentivo;

    Ao professor Doutor Jnatas Eduardo Mendes Machado, que alm de meu

    professor na disciplina de Direito Internacional Pblico, foi meu orientador nesse projeto;

    Aos professores Doutores Paula Margarida Veiga, Fernando Alves Correia e

    Alexandra Arago, por tudo que foi transmitido em suas aulas ministradas no Mestrado de

    Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra;

    Aos funcionrios da Universidade de Coimbra, que sempre se mostraram de

    prontido a ajudar no que fosse necessrio;

    A todos que contriburam direta ou indiretamente, para a elaborao e concluso

    desta dissertao, meus sinceros agradecimentos.

  • 5

    A Lei de ouro do comportamento a tolerncia

    mtua, j que nunca pensaremos todos da mesma

    maneira, j que nunca veremos seno uma parte

    da verdade e sob ngulos diversos.

    Mahatma Gandhi.

  • 6

    RESUMO

    Esta dissertao tem como objetivo abordar a questo do vu integral em territrio francs

    aps a lei n 1.192, de 11 de outubro de 2010, proibindo seu uso em todas as vias e

    logradouros pblicos, inclusive as escolas pblicas. Inicialmente, para uma melhor

    compreenso da matria, foi abordada a questo do direito Liberdade Religiosa como um

    direito fundamental de todo cidado e a sua interao com os direitos humanos. Fala-se

    rapidamente na questo dos smbolos religiosos e sua importncia e razo de ser na

    religiosidade humana. Logo aps, discorremos sobre os conceitos e diferenas entre

    laicidade, laicismo e secularismo. O terceiro captulo foi dedicado ao estudo dos

    muulmanos franceses, a vinda deles para a Frana, sua chegada e como foram recebidos,

    e por fim, as dificuldades na integrao da comunidade muulmana em solo francs. No

    quarto captulo destacamos alguns aspectos da Conveno Europeia dos Direitos Humanos

    e do funcionamento do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, o TEDH. O ltimo

    captulo foi dedicado ao julgamento da cidad francesa pela Corte de Estrasburgo, S.A.S,

    que se sentiu prejudicada com a vigncia da lei que probe o vu integral da Frana,

    entendendo que ocorreu uma afronta a vrios artigos da Conveno Europeia, que a Frana

    signatria. O TEDH, indo de encontro aos artigos da Conveno e prestigiando a Teoria

    da Margem de Apreciao, julgou improcedente a ao da cidad francesa, uma vez que

    entendeu que os rigores da Lei francesa eram proporcionais ao que se tentava proteger: a

    igualdade de gnero, as relaes interpessoais e a segurana nacional.

    Palavras-chave: Liberdade de Religio. Igualdade de Gnero. Uso do vu. Laicidade e

    Secularismo.

  • 7

    ABSTRACT

    This paper aims to address the full veil issue in France after Law No. 1,192, of October 11,

    2010, prohibiting its use on roads and public places, including public schools. Initially, for

    a better understanding of the matter, religious freedom is addressed as a fundamental right

    of all citizens and its interaction with human rights. There is a brief reference to the issue

    of religious symbols and their importance and rationale in human religiosity. Then we

    continue to explore the concepts and differences among secularity, laicism and secularism.

    The third chapter is devoted to the study of French Muslims, their settlement in France,

    their arrival and how they were received, and finally, the difficulties in the integration of

    the Muslim community in France. In the fourth chapter we highlight some aspects of the

    European Convention on Human Rights and the role of the European Court of Human

    Rights, the ECHR. The last chapter was devoted to the trial of a French citizen by the

    Court of Strasbourg, SAS, who felt aggrieved by the law banning the full veil in France,

    understanding that there were transgressions to several articles of the European

    Convention, which is endorsed by France. The ECHR, going against the articles of the

    Convention and honoring the Doctrine of the Margin of Appreciation, dismissed the law

    suit of the French citizen, stating that the rigorous nature of French Law upholds what it is

    trying to protect: gender equality, interpersonal relations and national security.

    Keywords: Freedom of religion. Gender equality. Veiling. Secularity and secularism.

  • 8

    SUMRIO

    INTRODUO ................................................................................................................ 9

    1.2. A RELAO ENTRE O DIREITO FUNDAMENTAL RELIGIOSIDADE E OS DIREITOS HUMANOS ............ 19

    1.3. LIBERDADE DE CRENA, DE CONSCINCIA, DE CULTO E DE ORGANIZAO RELIGIOSA. .................. 25

    1.4. A UTILIZAO DOS SMBOLOS RELIGIOSOS ........................................................................... 33

    2. SECULARISMO E LAICIDADE NA FRANA. ................................................................. 39

    2.1. CONCEITUAO DE SECULARISMO E LAICIDADE ..................................................................... 39

    2.2. DIFERENCIAO DOS CONCEITOS DE LAICIDADE E LAICISMO .................................................... 46

    2.3. O SURGIMENTO E A EVOLUO DA LAICIDADE FRANCESA ....................................................... 51

    2.3.1 Laicidade Francesa ........................................................................................... 52

    3. AS DIFICULDADES DA INTEGRAO MUULMANA NA FRANA ................................ 62

    3.1. A IMIGRAO ARGELINA NA FRANA ................................................................................. 62

    3.2 A FRANA MUULMANA VERSUS A FRANA REPUBLICANA ..................................................... 65

    3.3. A PREOCUPAO FRANCESA COM A SEGURANA. ................................................................. 75

    4. A CONVENO E O TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS HUMANOS ......................... 80

    4.1. CONVENO EUROPEIA DOS DIREITOS HUMANOS ................................................................ 80

    4.2. TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS HUMANOS ..................................................................... 84

    4.2.1. Teoria da Margem de Apreciao ..................................................................... 85

    5. O CASO S.A.S. JULGADO PELO TEDH......................................................................... 92

    CONSIDERAES FINAIS .............................................................................................. 98

    REFERNCIAS ............................................................................................................ 102

  • 9

    INTRODUO

    Assistimos perplexos aos atentados terroristas s torres gmeas e ao Pentgono,

    nos Estados Unidos, perpetrados por terroristas muulmanos. Do outro lado do oceano, na

    Frana, em janeiro de 2015, vimos o semanrio Charlie Hebdo ser invadido por dois

    terroristas, tambm de origem muulmana, e vrias pessoas serem assassinadas. A

    intolerncia religiosa e a falta de respeito pelo prximo a chave de toda essa barbrie que

    temos presenciado.

    Esse trabalho aborda a Liberdade Religiosa como um direito fundamental e

    intrnseco a todo ser humano. Possui, como ncleo essencial, a dignidade do ser humano, o

    respeito e a tolerncia pela diversidade e multiculturalismo. Percebemos que a Revoluo

    Francesa teve um papel importante na poltica francesa, na medida em que favoreceu a

    ruptura entre o Estado e a Religio. Os cidados, naquele momento, estavam ansiosos pelo

    afastamento da Igreja nos assuntos polticos do Estado. Iniciava-se a, mesmo que de uma

    forma tmida, o incio do desenlace dessa unio Estado/Igreja, que atravessava muitos

    sculos.

    Os valores da Revoluo Francesa ainda se encontram presentes em muitos

    franceses. O princpio da Laicidade, to propagada como um dos dogmas da Revoluo,

    at hoje est vivo nos cidados. Apesar da secularizao do espao pblico estar presente

    em quase todos os pases europeus, na Frana h peculiaridades prprias e intrnsecas sua

    histria. O captulo dois versar sobre o conceito do que vem a ser a laicidade,

    secularizao e do laicismo, assim como suas diferenas.

    Ainda no captulo dois, estudaremos a Lei que separou definitivamente o Estado

    e a Religio na Frana, em 1905, e sua importncia no cenrio poltico, jurdico e religioso

    no momento em que foi promulgada. O princpio da laicidade surge, na constituio

    francesa, como um dos elementos integrantes da repblica francesa, em 1946, tamanho sua

    importncia. Ser abordada a problemtica das discusses sobre a neutralidade religiosa

    nas escolas pblicas que ressurgiu em 1989. O Conselho do Estado, atravs de uma

    circular, limitou o uso ou porte de qualquer smbolo de natureza religiosa que dificulte ou

  • 10

    diminua a mobilidade do aluno na escola. Caberia aos diretores de cada escola estabelecer

    o que ou no apropriado, causando fortes debates e muitas insatisfaes, principalmente

    entre os muulmanos.

    No captulo trs, falaremos brevemente sobre a Arglia, pas do norte da frica, a

    qual, por mais de cem anos, foi colnia francesa. Entenderemos essa relao conflituosa

    entre os franceses e os imigrantes argelinos, apesar de hoje em dia muitos deles j serem

    considerados cidados franceses. Na segunda metade do sculo dezenove, guiados pelas

    dificuldades financeiras e a pobreza, os argelinos fazem o caminho inverso dos franceses e

    migram para Frana e logo se tornam uma forte fora de trabalho de muita valia,

    principalmente aps a segunda guerra mundial. Os problemas e as dificuldades de

    integrao dessa comunidade muulmana so imensos. A maior parte dos cidados da

    religio muulmana, possui pouca instruo e reside nas periferias das grandes cidades.

    Sero analisados os principais motivos e graves consequncias dessa problemtica e

    possvel interferncia na poltica religiosa da Frana.

    A Frana laica, democrtica e republicana no poderia permitir que as meninas

    muulmanas, muitas delas recm-sadas da puberdade, usassem vu dentro de suas escolas

    em respeito a sua religio. Muitos franceses consideram isso uma afronta aos princpios

    republicanos do pas e se mostraram inflexveis. A Lei n 228, de 15 de maro de 2004,

    encerra toda e qualquer discusso ou dvidas possveis acerca da circular do Conselho do

    Estado Francs proibindo, definitivamente, qualquer vestimenta ou pertena de carter

    religioso em salas de aula. Apesar da lei acima referida ter tido forte impacto nas

    comunidades religiosas, em especial a muulmana, devido o uso obrigatrio do vu,

    nada foi to devastador e frustrante quanto promulgao da Lei n 2.010-1192,

    prontamente revalidada pelo Tribunal Constitucional Francs em outubro do mesmo ano.

    A citada lei probe o uso do vu islmico ou qualquer outra vestimenta, seja religiosa ou

    no, em espaos pblicos franceses.

    Tratando-se de uma matria controversa e muito delicada, principalmente devido

    uma possvel coliso da lei que probe o uso do vu em territrio francs e o direito

    fundamental liberdade religiosa e a dignidade do ser humano, ser apresentado o recente

    julgamento do processo n 43835/11, em que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem

    se posicionou a respeito do uso do vu integral, observando at que ponto os resultados

  • 11

    corroboram com a afirmao da laicidade por parte da Frana e/ou possvel violao nas

    questes de liberdade religiosa1.

    O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, cada vez mais, utiliza-se da Teoria

    da Margem de Apreciao em seus julgados, desse modo, entendemos ser de grande valia

    um estudo mais especfico sobre o assunto. O trabalho no tem como foco as discusses e

    opinies pessoais sobre temas polmicos de ordem religiosa. Ser de grande valia apenas

    os aspectos sociais e jurdicos. Sabe-se que a imposio de crenas, a invaso de espaos

    pblicos, a ausncia de dilogo inter-religioso nada surpreende, em face da prtica

    histrica da intolerncia2.

    O tema proposto se torna interessante e de grande valia medida em que tenta

    demonstrar a real importncia da luta pela liberdade religiosa nos dias de hoje.

    Verificaremos que muito ainda precisa ser feito em busca de uma sociedade mais tolerante

    e respeitosa em relao diversidade cultural e religiosa.

    Optamos pela vertente metodolgica qualitativa, onde possvel analisar com

    mais aprofundamento o tema proposto. Dessa forma, acompanhamos a histria e a

    evoluo da laicidade francesa, assim como as ulteriores leis que a respaldaram.

    Estudamos as diferentes vertentes de raciocnio que respaldavam a poltica francesa, como

    tambm os seus crticos, permitindo assim uma melhor compreenso sobre o assunto.

    Em relao ao mtodo de abordagem envolvido, o que utilizamos foi o dedutivo,

    que nada mais que uma iniciao acerca da definio da Liberdade Religiosa, passando

    pelo estudo da laicidade, polticas de imigrao francesas e as recentes leis que probem o

    uso do vu em espaos pblicos franceses. Em relao classificao da pesquisa no que

    diz respeito s tcnicas procedimentais utilizadas, ocorrer uma extensa pesquisa

    bibliogrfica utilizando-se de autores que j trabalham nessa rea de estudo, alm disso,

    sero citados revistas e artigos de internet, com contedo jurdico sobre o objeto de estudo.

    1 Machado, Jnatas E. M. Liberdade Religiosa numa Comunidade Constitucional Inclusiva.

    Coimbra. Coimbra editora, 1996.

    2 Tamayo, Juan Jos. Fundamentalismo y Dialogo entre Religiones. Editorial Trotta. 2004. P.161.

  • 12

    1. A LIBERDADE RELIGIOSA COMO DIREITO FUNDAMENTAL

    1.1 Conceito e Origem do Direito Fundamental Religiosidade

    A crena em alguma fora divina e superior que, de alguma maneira, interfira em

    nosso universo est presente em quase todos os povos, sejam do mundo ocidental ou

    oriental. Desde as culturas mais antigas at as atuais perceberemos grande influencia da

    religio como um elemento regulador da vida em sociedade. Como demonstram algumas

    pesquisas antropolgicas e arqueolgicas, as religies fazem parte da vida social desde

    tempos muito remotos, tendo-se o homem, num primeiro momento, maravilhado com o

    mundo e tentado buscar explicaes mticas para entend-lo3.

    A maioria dos autores sustenta que os direitos fundamentais tm uma longa

    histria. H quem vislumbre suas primeiras manifestaes no direito da Babilnia

    desenvolvido por volta do ano 2.000, A.C., quem os reconhea no direito da Grcia Antiga

    e da Roma Republicana e quem diga que se trata de uma ideia enraizada na teologia crist,

    expressa no direito da Europa medieval4.

    A tarefa de conceituar o que venha a ser religio bem difcil, mas a autora

    Raquel Panzini5 a define como sendo a existncia de um poder sobrenatural, criador e

    controlador do Universo, dando ao homem uma natureza espiritual que continua a existir

    depois da morte do corpo. Religiosidade tambm definida por Aurora Camboim e Jlio

    Rique como uma extenso na qual um indivduo acredita, segue e pratica uma religio6.

    3

    Morais, Mrcio Eduardo. Religio e Direitos Fundamentais: O Princpio da Liberdade Religiosa no Estado

    Constitucional Democrtico Brasileiro. Revista Brasileira de Direito Constitucional RBDC. N 18

    julho/dezembro de 2011. P.225. 4 Dimoulis, Dimitri & Martins, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. So Paulo: Revista dos

    Tribunais, 2008. P. 20. 5 Panzini, Raquel. Gehrke. Qualidade de vida e espiritualidade. Revista de Psiquiatria Clnica. Volume 34.

    Suplemento 1. Porto Alegre, RS. 2007. 6 Camboim, Aurora; Rique, Jlio. Revista Brasileira de Histria das Religies. Religiosidade e

    Espiritualidade de Adolescentes e Jovens Adultos. ANPUH, Ano III, Nmero. 7. Maio. 2010.

  • 13

    O termo religio originou-se da palavra latina religio, cujo sentido primeiro

    indicava um conjunto de regras, observncias, advertncias e interdies, sem fazer

    referncia a divindades, rituais, mitos ou quaisquer outros tipos de manifestao que,

    contemporaneamente, entendemos como sendo de natureza religiosa7. O conceito de

    religio vai surgindo, paulatinamente, muito vinculado ao cristianismo, produto histrico

    de nossa cultura ocidental e sujeito a alteraes ao longo do tempo no possuindo um

    significado original ou absoluto que poderamos reencontrar8. Na antiguidade, o modelo

    visualizado era o monista, em que a religio e a poltica se entrelaavam. Segundo Paulo

    Adrago, o monismo variava entre a Teocracia, onde o elemento religioso se sobressai ao

    poltico e ao cesarismo, onde o elemento poltico se impunha sobre o religioso9.

    No encontraremos traos da liberdade religiosa nas teocracias orientais e nas

    cidades-estados da Antiguidade Clssica, nem pode existir em certos Estados Islmicos da

    atualidade; assim como no poderia coadunar-se com o cesaropapismo bizantino (com

    afloramentos no Ocidente medieval e que se prolongaria na Rssia czarista), ou, em menor

    grau, embora com o regalismo das monarquias absolutas dos sculos XVI a XVIII. Muito

    menos, garantem a liberdade religiosa, os regimes totalitrios e a maior parte dos regimes

    autoritrios contemporneos, sejam quais forem as suas inspiraes; toleram-na, quando a

    no podem destruir10

    .

    Nem sempre existiu liberdade para que o indivduo pudesse exprimir suas

    convices religiosas. Se a religio algo antigo, quase inata ao ser humano, a liberdade

    religiosa11

    algo novo, muito recente em nossa histria. Longo foi o caminho do mundo

    Ocidental, permeado de sobressaltos e tergiversaes, at que se plasmasse a concepo da

    7 Silva, Eliane Moura. Religio, Diversidade e Valores Culturais: conceitos tericos e a educao para a

    Cidadania. Revista de Estudos da Religio - REVER. Nmero 2. Ano 4. 2004. So Paulo, SP. 8Silva, Eliane Moura. Religio, Diversidade e Valores Culturais: Conceitos Tericos e a Educao para a

    Cidadania. Revista de Estudos da Religio - REVER. P.4. Nmero 2. Ano 4. 2004. So Paulo, SP. 9 Adrago, Paulo Pulido. A Liberdade Religiosa e o Estado. Coimbra. Almedina. 2002. P.39

    10 Miranda, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Volume 4, 3 Edio, Coimbra. Coimbra Editora. 2000.

    P. 407. 11

    Machado, Jnatas Eduardo Mendes. A diferena entre liberdade religiosa e tolerncia radica,

    fundamentalmente, no fato de que a primeira vista como integrando a esfera jurdico- subjetiva do seu

    titular, ao passo que a segunda vista como uma concesso graciosa e reversvel do Monarca, do Estado ou

    de uma maioria poltica ou religiosa. Liberdade Religiosa numa comunidade constitucional inclusiva: dos

    direitos da verdade aos direitos dos cidados. Stvdia Ivridica; 18. Coimbra: Coimbra. 1996. P. 73-75.

    http://www.pucsp.br/rever/http://www.pucsp.br/rever/

  • 14

    liberdade religiosa como um direito, um direito fundamental que consagra a inviolabilidade

    da liberdade de conscincia e de crena e assegura o livre exerccio dos cultos religiosos12

    .

    O professor Jnatas Machado nos ensina que o direito liberdade religiosa

    ocorreu em um perodo de transio em que a prtica religiosa era garantida pela tolerncia

    religiosa. Afirma o autor que, nomes como Hobbes, Spinoza e Locke, movimentaram-se,

    ainda dentro de uma ideia de tolerncia religiosa ou, na melhor das hipteses, de uma

    liberdade muito condicionada13

    . Para Machado, existe uma diferenciao lgica entre o

    que vem a ser a liberdade religiosa e a simples tolerncia. A primeira vista como parte

    integrante da esfera jurdico subjetiva do seu titular, ao passo que a segunda vista como

    uma concesso graciosa e reversvel do Monarca, do Estado ou de uma maioria poltica ou

    religiosa14

    .

    Themstocles Brando Cavalcanti entende que a conquista constitucional da

    liberdade religiosa a verdadeira consagrao de maturidade de um povo, pois ela o

    verdadeiro desdobramento da liberdade de pensamento e manifestao15

    .

    A travessia dos direitos do homem, como direitos morais, para o direito positivo,

    certamente, no significa sua despedida. O contrrio exato, porque a parte nuclear dessa

    travessia a transformao dos direitos do homem em direitos fundamentais de contedo

    igual. Os direitos do homem no perdem, nessa transformao, nada em validez moral,

    obtm, porm, adicionalmente, uma jurdico-positiva. A espada torna-se cortante.

    Primeiro, com isso, efetivado o passo do reino das ideias para o reino da histria16

    .O

    propsito da positivao de uma norma atender os anseios e necessidades de uma

    comunidade em um determinado momento histrico. Assim, aos poucos, vai se percebendo

    12

    Machado, Jonatas Eduardo Mendes. A liberdade religiosa numa comunidade constitucional inclusiva: dos

    direitos da verdade aos direitos dos cidados. Studia Iurdica. Coimbra. 1996. P. 9 13

    Machado, Jnatas Eduardo Mendes. Liberdade religiosa numa comunidade constitucional inclusiva: dos

    direitos da verdade aos direitos dos cidados. (Stvdia Ivridica; 18) Coimbra: Coimbra, 1996, p. 74.. 14

    Machado, Jnatas Eduardo Mendes. Liberdade religiosa numa comunidade constitucional inclusiva: dos

    direitos da verdade aos direitos dos cidados. (Stvdia Ivridica; 18) Coimbra: Coimbra, 1996, p. 73. 15

    Moraes, Alexandre de. Constituio do Brasil interpretada e legislao constitucional. 3 ed. So Paulo:

    Atlas, 2003. P. 214. 16

    Alexy, Robert. Constitucionalismo Discursivo. Trad.: Lus Afonso Heck. Porto Alegre. Livraria do

    Advogado,. 2007. P 49.

  • 15

    uma delimitao do poder estatal atravs das normas e das medidas que tem como objetivo

    proteger o cidado tanto dos seus pares, como do Estado17

    .

    Machado nos esclarece que a fundamentalizao do direito liberdade religiosa

    foi um processo lento e gradativo, tendo como incio a Reforma Protestante, com as

    guerras religiosas e o surgimento de pequenos grupos de puritanos. Esses acontecimentos

    estabeleceram a base da tolerncia e depois do que viria a ser a liberdade religiosa18

    .

    Movimentos importantes, como a Reforma Protestante19

    , o Iluminismo Racionalista, e as

    primeiras declaraes de direito nas colnias americanas, deram o tom de que os poderes

    do Estado e da Igreja no devem se confundir a laicizao do Estado e so limitados pela

    vontade e liberdade dos indivduos20

    .

    Para James Madison e Thomas Jefferson, a resoluo do problema da liberdade

    em geral pressupunha uma abordagem adequada do problema especfico da liberdade

    religiosa. Madison afirmava que era necessria uma separao radical das esferas poltica e

    religiosa, como nico meio para assegurar a mxima efetividade na prossecuo dos seus

    interesses especficos num contexto de respeito pela liberdade de conscincia. Seus

    contributos de natureza terica refletiram na Declarao da Virgnia e na Conveno

    constituinte da Filadlfia21

    .

    Parte da doutrina estabelece uma diviso histrica importante entre o antes e o

    depois da Declarao de Direitos do povo da Virgnia, de 1776, e Declarao dos

    Direitos do Homem e do Cidado, de 178922

    . A Declarao do Povo da Virgnia, ocorrida

    na segunda metade do sculo XVIII, significou uma transio, uma primeira etapa na

    efetivao dos direitos de liberdades legais j reconhecidas em outros documentos, para os

    17

    Canotilho, Joaquim. Direito Constitucional e Teoria da Constituio. Editora Almedina. 2002. Coimbra. P.

    541. 18

    Machado, Jnatas Eduardo. Liberdade Religiosa numa Comunidade Constitucional Inclusiva. Editora

    Coimbra. Coimbra. 1996. P. 78. 19

    Santos, Alexandre Magno Borges Pereira. O Iluminismo Poltico: A Libertao do Homem pelo Direito..

    Inicialmente, a natureza da Reforma Protestante era essencialmente teolgica, mas ao longo do tempo se

    tornou algo mais poltico que religioso. 20

    Sarlet, Ingo Wolfgang. A Eficcia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais

    na perspectiva constitucional. 5 edio. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2005. P. 45-50. 21

    Machado, Jnatas Eduardo. Liberdade Religiosa numa Comunidade Constitucional Inclusiva. Editora

    Coimbra. Coimbra. 1996. P. 81. 22

    Canotilho, Jos Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituio. 6 edio. Coimbra:

    Almedina, 2002. P. 380.

    http://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:rede.virtual.bibliotecas:livro:2002;000644598

  • 16

    direitos fundamentais constitucionais. Aps essa declarao quase todas as Constituies

    no mundo passaram a dispor de uma Declarao de direitos23

    .

    De semelhana com os documentos anteriores, a citada declarao norte-

    americana conservou as caractersticas da universalidade e da supremacia dos direitos

    naturais e, diversa e marcadamente, reconheceu a eficcia vinculativa dos direitos,

    inclusive em face do poder pblico24

    .O termo Direito Fundamental aparece na Frana no

    ano de 1770, pela primeira vez, em um contexto de movimento poltico e cultural que

    conduziu Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado de 178925

    .

    Na Europa, a questo da liberdade de religio e do princpio da separao das

    confisses religiosas do Estado demorou mais para eclodir. O problema da liberdade

    religiosa , muitas vezes, confundido com lutas, reais ou imaginrias, entre catlicos e

    manicos. O impulso decisivo foi dado pela Revoluo Francesa26

    . Maurcio Scheinman27

    explica que a liberdade religiosa representa uma das pedras angulares da civilizao

    moderna, consistindo na aplicao do conceito de liberdade s prticas relacionadas f,

    seja ela qual for, naturalmente no se podendo prestar a fins expressamente proibidos pelo

    sistema normativo.

    A expresso Direitos Fundamentais se refere etapa da constitucionalizao

    dos direitos, caracterizando, portanto, relevantemente, no s o reconhecimento, a

    positivao, mas a incluso dos direitos no plano constitucional interno de cada Estado28

    .

    O Estado de Direito torna-se o Estado Social e Democrtico de Direito. No plano dos

    direitos e liberdades individuais, tais exigncias orientaram-se em trs direes: na

    23

    Cunha Jnior, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 2 Edio. Salvador. Editora Juspodivm. 2008.

    P. 542. 24

    Martin, Fernando Batistuzo Gurgel e Marta, Tas Nader. Revista USCS Direito Ano XI . So Caetano

    do Sul. SP. N 18 jan./jun. 2010. 25

    Luno, Enrique Prez. Los derechos fundamentales. 9 Edio. Editora Tecnos. 2007. P. 29. 26

    Machado, Jonatas Eduardo. 1996. P. 85. A Revoluo Francesa veio culminar todo um longo processo de

    afirmao do constitucionalismo liberal que teve como alicerces fundamentais, designadamente, a ascenso

    da classe burguesa, contratualismo jusnaturalista e a reao contra os resqucios do absolutismo etc. Essa

    linha de pensamento trazia naturalmente subjacente uma reao contra a imposio autoritativa unilateral dos

    dogmas religiosos pelas igrejas tradicionais. A revoluo de 1789 veio consagrar o direito liberdade de

    opinio e de expresso, mesmo em questes religiosas, considerado como direito natural, inalienvel, sagrado

    e irrenuncivel. 27

    Scheinman, Maurcio. Liberdade religiosa e escusa de conscincia. Alguns apontamentos. Jus Navigandi,

    Teresina, ano 9, n. 712, 17/06/2005. Disponvel em:

  • 17

    fundamentalizao dos direitos sociais que passam a ser consagrados constitucionalmente;

    numa reinterpretao dos direitos tradicionais a luz do novo princpio de socialidade; os

    direitos fundamentais ultrapassam a mera tcnica de defesa contra os abusos da autoridade

    pblica e so vistos como valores que se impe genericamente a toda sociedade29

    .

    A ntima e dependente ligao dos direitos fundamentais em relao s

    Constituies notada nos textos e documentos iniciais do surgimento do

    constitucionalismo, nos quais possvel identificar como um de seus pilares estruturantes o

    reconhecimento dos direitos fundamentais, que, em essncia, constituem-se em limites ao

    poder do Estado e tambm como um dos pilares do prprio Direito30

    . Segundo Daz, no se

    pode falar de Estado de Direito sem que juntemos a subservincia lei; a diviso e

    harmonia entre os poderes; legalidade da lei e controle judicial e, por ltimo, direitos e

    liberdades fundamentais de uma forma concreta e efetiva31

    .

    O professor Canotilho32

    nos explica que cabe aos direitos fundamentais duas

    funes precpuas: constituem, num plano jurdico-objetivo, normas de competncia

    negativa para os poderes pblicos, proibindo fundamentalmente as ingerncias destes na

    esfera jurdica individual; implica, num plano jurdico-subjetivo, o poder de exercer

    positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omisses dos poderes

    pblicos, de forma a evitar agresses lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa).

    O direito liberdade religiosa como um todo, com seus desdobramentos, j foi

    visto como um direito subjetivo, individual e coletivo, acionvel por iniciativa de seus

    titulares diante dos poderes pblicos, cabendo ao Estado realizao das respectivas

    prestaes positivas e negativas fticas e normativas33

    . Para Machado, precisamos ser

    cautelosos e entender que a liberdade religiosa deve ser construda a um nvel de

    generalidade conceitual que permita a extenso do seu mbito de proteo no apenas s

    29

    Novais, Jorge Reis. Contributo para uma Teoria do Estado de Direito: do Estado de Direito Liberal para o

    Estado Social e Democrtico de Direito. 1987. Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

    P.188 30

    Azevedo, Antonio Junqueira. O direito ontem e hoje: crtica ao neopositivismo constitucional e

    insuficincia dos direitos humanos. Revista do Advogado, AASP. N 99. P/p. 7-14. So Paulo, setembro,

    2008. 31

    Daz, Elias. Estado de Derecho y sociedad democrtica. Edio 8. Madri. Editora Tarus. 1988. P.24. 32

    Canotilho, Jos Joaquim Gomes. Direito constitucional. Coimbra: Almedina. 2002. P.541. 33

    Machado. Jonatas. Liberdade Religiosa numa comunidade constitucional inclusiva.Coimbra Editora.

    Coimbra. 2002. P.252.

  • 18

    confisses religiosas dominantes ou tradicionais, mas tambm s experincias religiosas

    menos conhecidas, mais recentes ou inconvencionais34

    .

    Jorge de Miranda entende que no existindo uma plena liberdade religiosa, em

    todas as suas dimenses, compatvel com diversos tipos jurdicos de relaes das

    confisses religiosas com o Estado, no h plena liberdade cultural, e poltica. Assim

    como, em contrapartida, onde inexiste a liberdade poltica, a normal expanso da liberdade

    religiosa fica comprometida ou ameaada35

    .

    Rawls, em sua obra, O Liberalismo Poltico, explica que todos os cidados

    possuem mais do que um simples direito de participar da vida pblica, sejam religiosos e

    motivados por sua crena ou no, tem nela o lcus privilegiado da vida digna de ser

    vivida36

    . Vai alm, quando deixa claro que no seu ponto de vista todas as liberdades esto

    fadadas a conflitar umas com as outras, sendo assim, as regras institucionais que as regem

    devem ser ajustadas de modo que se encaixem no sistema coerente de liberdades. As

    liberdades s podem ser limitadas ou negadas em nome de outra liberdade e nunca por

    razes de bem-estar geral ou valores perfeccionistas37

    .

    Do ponto de vista do Estado, cumpre perceber que, em se tratando da relao

    entre o Estado e a Igreja e tudo aquilo que se refere esfera religiosa, est tratando de

    questo fundamental e, portanto, no basta apenas decidir. Cumpre ouvir, abrir espao ao

    dilogo para evitar o acirramento de nimos que no permite retirar do conflito

    oportunidade de crescimento de relaes38

    .

    34

    Machado. Jonatas. Liberdade Religiosa numa comunidade constitucional inclusiva.Coimbra Editora.

    Coimbra. 2002. P.190. 35

    Miranda, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Volume 4. 3 Edio. Coimbra: Coimbra Editora, 2000.

    P. 40. 36

    Rawls, John. O liberalismo poltico. Traduo Dinah de Abreu Azevedo, 2. Edio, So Paulo: tica,

    2000. P. 255.

    http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&frm=1&source=web&cd=1&ved=0CB0QFjAA&url

    =http%3A%2F%2Fwww.libertarianismo.org%2Flivros%2Fjrolp.pdf&ei=iFJSVd6qJoLUgwSd-

    oBg&usg=AFQjCNFK55nHlFSDVBR-A29-9tXIe6WHsg. 37

    Rawls, John. O liberalismo poltico. Traduo Dinah de Abreu Azevedo, 2. Edio, So Paulo: tica,

    2000. P.349.

    http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&frm=1&source=web&cd=1&ved=0CB0QFjAA&url

    =http%3A%2F%2Fwww.libertarianismo.org%2Flivros%2Fjrolp.pdf&ei=iFJSVd6qJoLUgwSd-

    oBg&usg=AFQjCNFK55nHlFSDVBR-A29-9tXIe6WHsg.

    38

    Machado, Jnatas Eduardo Mendes. Liberdade Religiosa numa comunidade inclusiva. 1996. Coimbra.

    1996. P.9

    http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&frm=1&source=web&cd=1&ved=0CB0QFjAA&url=http%3A%2F%2Fwww.libertarianismo.org%2Flivros%2Fjrolp.pdf&ei=iFJSVd6qJoLUgwSd-oBg&usg=AFQjCNFK55nHlFSDVBR-A29-9tXIe6WHsghttp://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&frm=1&source=web&cd=1&ved=0CB0QFjAA&url=http%3A%2F%2Fwww.libertarianismo.org%2Flivros%2Fjrolp.pdf&ei=iFJSVd6qJoLUgwSd-oBg&usg=AFQjCNFK55nHlFSDVBR-A29-9tXIe6WHsghttp://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&frm=1&source=web&cd=1&ved=0CB0QFjAA&url=http%3A%2F%2Fwww.libertarianismo.org%2Flivros%2Fjrolp.pdf&ei=iFJSVd6qJoLUgwSd-oBg&usg=AFQjCNFK55nHlFSDVBR-A29-9tXIe6WHsghttp://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&frm=1&source=web&cd=1&ved=0CB0QFjAA&url=http%3A%2F%2Fwww.libertarianismo.org%2Flivros%2Fjrolp.pdf&ei=iFJSVd6qJoLUgwSd-oBg&usg=AFQjCNFK55nHlFSDVBR-A29-9tXIe6WHsghttp://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&frm=1&source=web&cd=1&ved=0CB0QFjAA&url=http%3A%2F%2Fwww.libertarianismo.org%2Flivros%2Fjrolp.pdf&ei=iFJSVd6qJoLUgwSd-oBg&usg=AFQjCNFK55nHlFSDVBR-A29-9tXIe6WHsghttp://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&frm=1&source=web&cd=1&ved=0CB0QFjAA&url=http%3A%2F%2Fwww.libertarianismo.org%2Flivros%2Fjrolp.pdf&ei=iFJSVd6qJoLUgwSd-oBg&usg=AFQjCNFK55nHlFSDVBR-A29-9tXIe6WHsg

  • 19

    1.2. A relao entre o Direito Fundamental Religiosidade e os Direitos Humanos

    Apesar de no ser objeto do nosso estudo, sempre bom reafirmar o papel da

    religio na proteo dos direitos humanos. Sabemos que durante a era feudal, Estado e

    Igreja confundiam-se como poderes dominantes, uma vez que, pelo silogismo aquiniano39

    em vigor naqueles tempos, razo e f andavam juntas, sendo que o direito natural sucumbia

    ao direito divino40

    na medida em que o Estado estava obrigado a reconhecer a Igreja

    Catlica como verdadeira. No obstante a vinculao entre a religio e o Estado, inegvel

    a contribuio da Igreja na proteo e efetivao dos direitos humanos. Tais contribuies

    aconteceram, e ainda acontecem, por intermdio das bulas e encclicas papais41

    .

    Como j foi citado no tpico anterior, a Reforma Protestante se apresenta como

    um marco importante na conquista e evoluo dos direitos humanos, reivindicando o

    reconhecimento liberdade de opo religiosa e de culto em diversos pases da Europa. Os

    efeitos mais imediatos da Reforma foram um acentuado aumento da perseguio religiosa

    e a instalao de litgios religiosos na maior parte da Europa.

    Tanto cidados catlicos como protestantes partiam do princpio de que era

    impossvel tolerar a diversidade de credos religiosos dentro das fronteiras de qualquer pas.

    Por conseguinte, os dissidentes em matria de religio eram implacavelmente perseguidos,

    onde quer que fossem encontrados42

    . Apesar dessa equivocada viso de que a liberdade

    religiosa no comporta a convivncia pacfica dos diferentes, a Reforma trouxe como

    ponto positivo, dentre outros, a ruptura com a unidade religiosa que, naquele momento da

    39

    O silogismo que suportava a doutrina da poca, e alavancava a dupla face do Poder (Estado- Igreja),

    revestia-se da maior simplicidade e pureza aristotlica: s a verdadade tem direitos, s a Igreja Catlica tem

    a verdade, s a Igreja Catlica tem direitos. MACHADO, Jnatas Eduardo Mendes. Liberdade religiosa

    numa comunidade constitucional inclusiva: dos direitos da verdade aos direitos dos cidados. (Stvdia

    Ivridica; 18) Coimbra: Coimbra, 1996, p. 36. 40

    Machado, Jnatas Eduardo Mendes. Liberdade religiosa numa comunidade constitucional inclusiva: dos

    direitos da verdade aos direitos dos cidados. (Stvdia Ivridica; Coimbra: Coimbra, 1996. P. 32. 41

    Nesse sentido, destaca-se a Bula Sublimis Deus52, de 1537, editada pelo Papa Paulo III, que condenou a

    escravido. VATICANO. Papal Encyclicals Online. Disponvel em:

  • 20

    histria, era to somente fruto da opresso, possibilitando a reivindicao do primeiro

    direito individual: o da liberdade de opo religiosa43

    .

    Em 1776 foi elaborada e promulgada a Declarao de Direitos do Bom Povo da

    Virgnia afirmando que todos os seres humanos so livres e independentes, possuindo

    direitos inatos, tais como a vida, a liberdade, a propriedade, a felicidade e a segurana,

    registrando o incio do nascimento dos direitos humanos na histria44

    .

    Foi em solo francs, em 1789, que surgiu a mais importante declarao de direitos

    fundamentais, a Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado45

    . Em seu artigo 1, j

    declarava que todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. O artigo 10

    da declarao proclamava que ningum deveria ser molestado por suas opinies, mesmo

    que estas fossem de natureza religiosa, desde que sua manifestao no cause perturbao

    ordem pblica ou estabelecida pela lei46

    . A declarao de 1789 foi de uma magnitude

    imensa para a histria moderna e pode ser considerada como um marco divisrio entre a

    proscrio da liberdade religiosa e o seu reconhecimento47

    .

    Se compararmos a Declarao Francesa com a americana, a primeira tem a seu

    favor o esplendor das frmulas e da lngua, a generosidade de seu universalismo, por isso

    foi preferida e copiada ainda que muitas vezes seus direitos permanecessem como letra

    morta. Enquanto a americana tem uma preocupao voltada para a efetivao dos direitos

    histricos ingleses48

    .

    43

    Lafer, Celso. A Reconstruo dos Direitos Humanos: um dilogo com o pensamento de Hannah Arendt.

    So Paulo: Companhia das Letras, 2001. p.121. 44

    Comparato, Fbio Konder. A Afirmao Histrica dos Direitos Humanos. 3 Edio. So Paulo: Saraiva.

    2003.P. 49. 45

    Canotilho. Direito Constitucional e Teoria da Constituio. 1999. 3 Edio. Coimbra. Almedina. P.92.

    As ideias francesas so boas no que toca domesticao jurdica do poder poltico, mas h inegvel dficit

    na capacidade de engendrar procedimentos e processos para lhes dar operatividade prtica. 46

    Declarao Dos Direitos do Homem e do Cidado. 47

    Silva Neto, Manoel Jorge. Proteo Constitucional liberdade religiosa. Editora Saraiva. 2 edio. 2013.

    So Paulo, SP. P.89. 48

    Ferreira Filho, Manoel Gonalves. Direitos Humanos Fundamentais. So Paulo: Saraiva, 1998. P.20.

  • 21

    Hodiernamente, a proteo da liberdade religiosa no se encontra apenas adstrita

    ao direito constitucional de cada pas, pelo contrrio, est cada dia mais presente nos

    tratados e nas convenes internacionais49

    . Entre os principais instrumentos internacionais

    de proteo aos direitos humanos, destacam-se: a Declarao Universal dos Direitos do

    Homem e os nove principais tratados da ONU nesta rea50

    . Para cada um destes nove

    tratados, existe um comit de peritos que avalia at que ponto os respectivos Estados Partes

    esto a cumprir as obrigaes que assumiram em virtude da ratificao ou adeso ao

    instrumento em causa51

    .

    A respeito da Europa, no que concerne legislao humanista, o tratado mais

    conhecido ser a Conveno Europeia dos Direitos do Homem, cuja violao susceptvel

    de dar lugar a queixa para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, com sede em

    Estrasburgo, Frana. Mas dentro do sistema do Conselho da Europa existem cerca de

    duzentos outros tratados, muitos deles diretamente relacionados com questes de direitos

    humanos52

    . Mas s a elaborao de leis e tratados no suficiente. Pontes de Miranda

    adverte que no basta positivar os direitos fundamentais, necessrio criar condies para

    sua real efetivao no cenrio social53

    .

    Compreendemos que os Direitos Humanos54

    so aqueles que nascem com o

    prprio indivduo, so intrnsecos ao ser humano. Independem de raa ou etnia, credo,

    situao financeira. Alexy divide, basicamente, em dois grupos os direitos do homem,

    quais sejam, em os direitos humanos e os direitos fundamentais, conforme a positivao

    pelo legislador ptrio ou no. Dessa forma, o direito moral que encontra respaldo na

    legislao internacional, em pactos internacionais, chamado de direitos do homem, e seu

    49

    Silva Neto, Manoel Jorge. Proteo Constitucional liberdade religiosa. Editora Saraiva. 2 edio. 2013.

    So Paulo, SP. P.83. 50

    (Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Polticos, Pacto Internacional sobre os Direitos Econmicos,

    Sociais e Culturais 51

    Tavares, Raquel. Gabinete de documentao e direito comparado. Lisboa, Portugal. 52

    Como a Carta Social Europeia Revista e a Conveno-Quadro para a Proteo das Minorias Nacionais. Ao

    nvel da Unio Europeia, conhecida a Carta dos Direitos Fundamentais da Unio Europeia que, depois de

    vicissitudes vrias, acabou por entrar em vigor a 1 de Dezembro de 2009, em simultneo com o Tratado de

    Lisboa. 53

    Miranda, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 3 Edio. Tomo IV. Coimbra. Coimbra editora, 2000.

    P. 409. a liberdade religiosa no existir se o Estado no conceder aos cidados, alm do direito de ter uma

    religio, as condies de a praticar. 54

    Bobbio, Norberto. A Era dos Direitos. Carlos Nelson Coutinho (trad.). Rio de Janeiro: Campus, 1992. P.

    30. Os direitos do homem nascem como direitos naturais universais, desenvolvem- se como direitos positivos

    particulares, para finalmente encontrarem sua plena realizao como direitos positivos universais.

    http://direitoshumanos.gddc.pt/3_1/IIIPAG3_1_3.htmhttp://direitoshumanos.gddc.pt/3_1/IIIPAG3_1_3.htmhttp://direitoshumanos.gddc.pt/3_1/IIIPAG3_1_13.htmhttp://direitoshumanos.gddc.pt/5/VPAG5_1.htmhttp://direitoshumanos.gddc.pt/2_2/IIPAG2_2_1.htmhttp://direitoshumanos.gddc.pt/3_1/IIIPAG3_1_6.htmhttp://direitoshumanos.gddc.pt/3_1/IIIPAG3_1_4.htmhttp://direitoshumanos.gddc.pt/3_1/IIIPAG3_1_4.htmhttp://direitoshumanos.gddc.pt/3_1/IIIPAG3_1_21.htmhttp://direitoshumanos.gddc.pt/3_2/IIIPAG3_2_4.htmhttp://direitoshumanos.gddc.pt/pdf/text-pt.pdf

  • 22

    carter supra-positivo. Entretanto, quando algum direito, compreendido dentre aqueles

    que se convencionou chamar direitos do homem, recepcionado pelo legislador nacional e,

    por via de consequncia, positivado, ou seja, transformado em lei, dito direito humano e

    direito fundamental55

    .

    Com brilhantismo, o Doutor Joaquim Canotilho estabelece a diferena entre os

    Direitos Humanos e os Direitos Fundamentais: Direitos do homem so direitos vlidos

    para todos os povos e em todos os tempos (dimenso jus naturalista-universalista); Direitos

    Fundamentais so os direitos do homem, jurdico-institucionalmente garantidos e limitados

    espacio-temporalmente56

    . A expresso direitos fundamentais remete a um plano

    constitucional interno, relativo ao ordenamento jurdico de cada Estado especificamente; j

    o direito humano extrapola fronteiras nacionais e, num plano universal, coloca todos os

    homens como sujeitos de direitos bsicos57

    .

    Srgio Cademartori, na sua obra Estado de Direito e Legitimidade, esclarece que o

    fundamento de validade dos Direitos Fundamentais no extrado da natureza humana,

    mas sim do consenso geral dos homens acerca da mesma, uma vez que esses direitos so

    reconhecidos por todas as sociedades civilizadas e divulgados em Declaraes

    Universais58

    . Desse modo, fcil entender sua maior efetividade, uma vez que os direitos

    fundamentais possuem em relao aos direitos humanos, o maior grau de efetivao,

    particularmente, em face da existncia de instncias (especialmente as jurdicas) dotadas

    do poder de fazer respeitar e realizar estes direitos59

    .

    55

    Alexy, Robert. Constitucionalismo Discursivo. Trad.: Lus Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do

    Advogado, 2007, p.10-11. 56

    Canotilho, Jos Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituio. Coimbra: Almedina,

    1998. P. 359. 57

    Sarlet, Ingo Wolfgang. A Eficcia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais

    na perspectiva constitucional. 5 ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2005. P. 38. 58

    Cademartori, , Sergio. Estado de Direito e Legitimidade. Uma Abordagem Garantista. Porto Alegre:

    Livraria do Advogado, 1999. P.34 59

    Sarlet, Ingo Wolfgang. A Eficcia dos Direitos Fundamentais. 6 edio. Porto Alegre. Livraria do

    Advogado. P.40.

  • 23

    Segundo Brega Filho, quando se fala em direito fundamental quer fazer referncia

    ao mnimo necessrio para uma existncia humana60

    , com dignidade e respeito. Em relao

    ao princpio da dignidade da pessoa humana, este vem sendo considerado o fundamento de

    todo o sistema de direitos fundamentais. Sua fonte jurdica positiva, dando-lhes unidade e

    coerncia. O autor Ingo Sarlet comunga da mesma opinio a respeito da importncia do

    princpio da dignidade humana e afirma em sua obra que a maior parte dos direitos

    fundamentais desdobramentos do direito a dignidade da pessoa humana61

    .

    A doutrina e a jurisprudncia so unnimes em afirmar que a dignidade da pessoa

    humana62

    o valor mais elevado do sistema de direitos fundamentais. Como exemplo, cita

    o Prembulo da Declarao Universal dos Direitos do Homem, onde se l que "O

    reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da famlia humana e dos seus

    direitos iguais e inalienveis constitui o fundamento da liberdade, da justia e da paz no

    mundo63

    ".

    Logo aps o mundo assistir perplexo aos horrores da Segunda Guerra Mundial,

    foi proclamada a Declarao Universal dos Direitos do Homem, ou DUDH, em 1948. O

    texto do documento foi elaborado pelas Naes Unidas e tinha como objetivo nunca mais

    permitir que tantas violaes aos direitos mais bsicos dos serem humanos fossem

    violados. A DUDH fruto de toda essa indignao e serve como um marco, ou

    60

    Brega Filho, Vladimir. Direitos Fundamentais na Constituio de 1988: contedo jurdico das expresses.

    So Paulo: Juarez de Oliveira, 2002. 61

    Sarlet, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituio Federal de

    1988. Porto Alegre: Livraria do advogado. 2001 P.103. 62

    Machado, Jnatas Eduardo Mendes. Liberdade religiosa numa comunidade constitucional inclusiva: dos

    direitos da verdade aos direitos dos cidados. (Stvdia Ivridica; 18) Coimbra: Coimbra, 1996, p. 193. A ideia

    de dignidade da pessoa humana apresenta-se hoje imbuda de um contedo poltico-moral que, embora

    escorado na concepo judaico-crist do homem criado imagem e semelhana de Deus - isto , portador de

    uma lmago Dei e enriquecido com os contributos da teologia catlica e protestante, prescinde atualmente de

    qualquer vnculo confessional especfico, sendo inadmissvel a sua colocao ao servio da promoo de uma

    particular concepo teolgica de verdade objectiva ou de bem comum. Tambm ela sofreu, a partir do

    iluminismo, um processo de racionalizao e secularizao que a coloca presentemente num nvel de

    generalidade suficientemente elevado para abarcar as ideias de livre desenvolvimento pessoal e social do ser

    humano, nas suas dimenses fsicas, intelectuais e espirituais, e de garantia de recursos materiais que

    possibilitem o acesso a um nvel mnimo de existncia humanamente digna a todos os indivduos. 63

    Machado, Jnatas Eduardo Mendes. Liberdade religiosa numa comunidade constitucional inclusiva: dos

    direitos da verdade aos direitos dos cidados. (Stvdia Ivridica; 18) Coimbra: Coimbra, 1996. P. 192,193.

  • 24

    simplesmente uma retomada aos ideais da Revoluo Francesa, na busca pela afirmao da

    igualdade, da liberdade e da fraternidade64

    .

    A Declarao Universal dos Direitos Humanos65

    deixa clara inteno da

    universalidade desses direitos quando diz: Toda pessoa tem capacidade para gozar os

    direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declarao, sem distino de qualquer espcie,

    seja de raa, cor, sexo, lngua, religio, opinio poltica ou de outra natureza, origem

    nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condio 66

    . Os direitos

    consagrados na DUDH, semelhana do que sucede com outros direitos previstos noutros

    instrumentos jurdico-internacionais, pretendem apenas afirmar-se como um standard

    mnimo, servindo de parmetro hermenutico interpretao dos direitos fundamentais

    constitucionalmente consagrados67

    . Nada impede que outros direitos, mais amplos ainda,

    sejam estabelecidos pelos Estados.

    Em 1951, logo aps a DUDH, foi promulgado o Estatuto dos Refugiados,

    documento que tem como objetivo a garantia da integridade e dignidade do ser humano. O

    artigo 4 do instrumento garante aos refugiados a ampla liberdade de manifestao de

    crena, prevendo, inclusive, a liberdade de instruo religiosa dos filhos, ao menos em

    igualdade de condies com os nacionais do pas onde se encontram refugiados68

    .

    A preocupao com as crescentes ondas de discriminao dos cidados em razo

    da sua opo religiosa fez com que a Assembleia Geral das Naes Unidas, em 1981,

    proclamasse a Declarao sobre a Eliminao de todas as Formas de Discriminao

    Fundadas na Religio ou Convices69

    . Houve uma interligao entre a discriminao

    religiosa e a ofensa dignidade da pessoa humana. A Declarao tinha como ponto de

    maior preocupao e interesse a propagao da igualdade e a dignidade do homem. Alm

    64

    Comparato, Fbio Konder. A Afirmao Histrica dos Direitos Humanos. 5. ed. rev. e atual. So Paulo:

    Saraiva. 2007. P 225-226. 65

    Soriano, Aldir Guedes. Liberdade Religiosa no Direito Constitucional e Internacional. So Paulo: J. de

    Oliveira. 2002. P. 65. apesar de no possuir poder de coero, a Declarao exprime direitos superiores a

    qualquer ordenamento positivado 66

    Declarao Universal dos Direitos Humanos. Disponvel em

    Acesso em 04/03/2014. 67

    Machado, Jnatas Eduardo. Liberdade Religiosa numa Comunidade Constitucional Inclusiva. Coimbra.

    Editora Coimbra. 1996. P. 207. Sempre que da constituio se puder retirar uma interpretao que confira

    uma maior efetividade aos direitos fundamentais deve ser essa a preferida. 68

    www.acnur.org/.../Convencao_relativa_ao_Estatuto_dos_Refugiados.pdf. 69

    http://direitoshumanos.gddc.pt/3_2/IIIPAG3_2_6.htm

    http://www.acnur.org/.../Convencao_relativa_ao_Estatuto_dos_Refugiados.pdfhttp://direitoshumanos.gddc.pt/3_2/IIIPAG3_2_6.htm

  • 25

    disso, evoca que problemas de intolerncia religiosa, seja com que desculpa for, so o

    nascedouro de muitas perturbaes e guerras. Desde logo, a Declarao, em seu artigo 4,

    requer proteo, para que no haja a discriminao baseada em raa e cor ou qualquer

    dificuldade cidadania70

    .

    Internacionalmente a Frana signatria da Declarao Universal dos Direitos

    Humanos, de 1948. Tambm membro da Conveno Europeia dos Direitos Humanos,

    cujo artigo 9 retoma e detalha o disposto no artigo 18 da referida Declarao. As duas

    normas jurdicas podem ser evocadas pelos franceses perante a Corte Europeia de Direitos

    do Homem, no caso de sentirem que seus direitos fundamentais foram violados pela

    jurisdio domstica. Assim, pode-se afirmar, inicialmente, ser a liberdade religiosa um

    assunto emergente da modernidade, modernidade essa preocupada com a autonomia do

    sujeito, como tambm com a efetividade dos direitos humanos71

    .

    1.3. Liberdade de Crena, de Conscincia, de Culto e de Organizao Religiosa.

    O reconhecimento liberdade religiosa, como um direito a ser protegido pelo

    Estado, foi conquistado durante a Revoluo Francesa, por intermdio da Declarao dos

    Direitos do Homem e do Cidado, em 1789. Ao longo do tempo o diploma francs serviu

    de inspirao a muitos outros documentos normativos internacionais e colocou em

    evidncia os princpios de liberdade de conscincia e da livre manifestao do pensamento,

    que abrangem inclusive a liberdade religiosa.

    Sabemos que a deciso de vivenciar ou no a religio, com os seus mandamentos

    religiosos, dogmas e regras a serem cumpridas, diz respeito to somente ao cidado, sendo

    uma escolha individual e particular, no cabendo a ningum interferir nessa escolha, nem

    mesmo o Estado. inquestionvel que a religio possui um lugar de destaque na vida dos

    adeptos, interferindo em sua maneira de pensar, ser e agir em comunidade. O Estado deve

    encarar com seriedade esse fato, devendo aos titulares dos rgos pblicos absorverem

    70

    No artigo 4 Devero ser realizados esforos especiais para prevenir a discriminao baseada na raa, cor

    ou origem tnica, em especial nos domnios dos direitos civis, acesso cidadania, educao, religio,

    emprego, ocupao e habitao. 71

    Morais, Mrcio Eduardo. Religio e Direitos Fundamentais: O Princpio da Liberdade Religiosa no Estado

    Constitucional Democrtico Brasileiro. Revista Brasileira de Direito Constitucional RBDC. N 18

    jul./dez. 2011. P.226.

  • 26

    essa questo e se manifestarem com mais considerao e respeito por todas as formas de

    religiosidade72

    .

    Cabe a cada indivduo, de acordo com sua conscincia, sem que haja nenhuma

    fora que influencie na direo da deciso a ser tomada, decidir se seguir a alguma

    religio, ou no73

    . De acordo com Alexandre de Moraes a liberdade de convico religiosa

    abrange inclusive o direito de no acreditar ou professar nenhuma f, devendo o Estado

    respeito ao atesmo74

    .

    imperioso perceber que existe uma liberdade de escolha da religio, a liberdade

    de aderir a qualquer seita religiosa, o direito de optar por outra religio, mas tambm

    compreende a liberdade de no aderir religio alguma, assim como a liberdade de

    descrena, a liberdade de ser ateu e de exprimir o agnosticismo. Em suma, liberdade de

    crena significa poder ter uma religio, no ter religio e tambm poder mudar de

    religio75

    . Mas essa liberdade no admite que o particular dificulte ou obstaculize de

    qualquer modo o livre exerccio de qualquer religio, de qualquer crena, pois aqui

    tambm a liberdade de algum vai at onde no prejudique a liberdade do outro76

    .

    Ao Estado cabe permitir ou propiciar a quem seguir determinada religio o

    cumprimento dos deveres que dela decorrem, seja em matria de culto, de famlia ou de

    ensino, em termos razoveis. E consiste, por outro lado, e sem que haja qualquer

    contradio, no impor ou no garantir com as leis o cumprimento desses deveres77

    . O

    Professor Jnatas Machado lembra que as restries s condutas religiosas, ento, devem

    observar rigorosos requisitos materiais e procedimentais, sob pena de retirarem contedo

    til ao direito liberdade religiosa. As convices religiosas configuram o ntimo e vital

    compromisso tico, com plrimas e significativas repercusses polticas, culturais, sociais,

    72

    Machado, Jnatas Eduardo. Liberdade Religiosa numa Comunidade Constitucional Inclusiva. Editora

    Coimbra. Coimbra. 1996. P.224. No cabe ao poder pblico interferir numa adeso a uma confisso

    religiosa ou seu abandono, a educao religiosa dos menores pelos pais ou tutores, prtica de atos ou a

    participao em atividades de beneficncia, o envolvimento em diversos tipos de servio religioso, o uso de

    uma indumentria prpria ou de outros smbolos religiosos etc.. 73

    Machado, Jnatas Eduardo. Liberdade Religiosa numa Comunidade Constitucional Inclusiva. Editora

    Coimbra. Coimbra. 1996. P.223. 74

    Moraes, Alexandre. Direito Constitucional. 13 edio. So Paulo. Atlas. 2003. P. 74. 75

    Monteiro, NP. 22ilton de Freitas. Parmetros constitucionais do ensino religioso nas escolas

    pblicas.Disponvel em:

    76

    Silva, Jos Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. So Paulo: Malheiros, 2014, p. 251. 77

    Miranda, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo IV. 3 edio. Coimbra. Coimbra,. 2000. P.409.

  • 27

    econmicas etc., e, como tais, no podem ser artificialmente desligados da ao humana

    em que se concretizam. O Estado deve manter prudente equidistncia, neutralidade

    confessional a fim de no encorajar ou desencorajar, direta ou indiretamente, as crenas

    que servem de base conduta humana78

    .

    Diante desse panorama, entendemos o direito fundamental liberdade de

    conscincia e de religio como uma resposta poltica adequada aos desafios do pluralismo

    religioso. Isso permite desarmar, no contexto do trato social dos cidados, o potencial

    conflituoso que continua permeando, no nvel cognitivo, as convices existenciais de

    crentes, de no crentes e de crentes de outras denominaes79

    .

    Faz-se necessrio compreender a ntima relao que se estabelece entre a

    liberdade de conscincia, religio e culto e a dignidade da pessoa humana, ao mesmo

    tempo em que se sublinha que este o valor mais elevado do sistema de direitos

    fundamentais80

    . Faz parte do direito liberdade religiosa81

    , de uma forma ampla, o direito

    liberdade de crena, liber (Pires, 2012)dade de conscincia e de culto. A liberdade de

    crena nada mais que a escolha que o indivduo tem de abraar a religio escolhida ou

    simplesmente afastar-se dela. a faculdade de decidir o momento exato de seguir em

    frente ou no com a sua orientao religiosa. No se podem distinguir grupos religiosos

    tradicionais de grupos heterodoxos, religio majoritria ou minoritria, predominante ou

    no: todas gozam de proteo82

    .

    78

    Machado, Jnatas Eduardo. Liberdade Religiosa numa Comunidade Constitucional Inclusiva. Editora

    Coimbra. Coimbra. 1996. P.223. 79

    Habermas, Jrgen. Entre naturalismo e religio: estudos filosficos. Traduo Flvio Beno Siebeneichler,

    Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2007. P. 136. 80

    Machado. Jonatas. Liberdade Religiosa numa comunidade constitucional inclusiva.Coimbra Editora.

    Coimbra. 2002. P.192. 81

    Machado, Jnatas Eduardo. Liberdade Religiosa numa Comunidade Constitucional Inclusiva. Editora

    Coimbra. Coimbra. 1996. P. 220. O direito liberdade religiosa visa proteger o frum internum,

    precludindo a sujeio das opes de f a quaisquer presses, diretas ou indiretas, explicitas ou implcitas.

    Ele cria uma esfera jurdico-subjetiva em torno do indivduo, cujo permetro os poderes pblicos e as

    entidades privadas devem respeitar. dentro dessa esfera que o indivduo exerce a sua liberdade de crena,

    no pressuposto de que as opes tomadas neste domnio dizem respeito essncia intima e pessoal do

    homem. 82

    Marmelstein, George. Curso de direitos fundamentais. So Paulo: Atlas, 2011, p. 113.

  • 28

    Algumas religies possuem um carter proselitista, fazendo parte de sua natureza

    a necessidade de manifestar e difundir a sua f. Machado entende que a liberdade religiosa

    completamente concretizada, quando o cidado pode express-la plenamente, desde que

    no coloquem em risco os direitos constitucionalmente protegidos83

    .

    Ainda em relao ao proselitismo, verdadeiro dizer que foi por muito tempo

    uma prtica mal vista, uma vez que a maioria dos Estados tinham um acordo ou aliana

    com a religio predominante do local, por esse motivo no permitiam que houvesse

    qualquer movimento que pudesse desestabilizar ou perturbar, de qualquer forma, a

    comunidade. A proibio do proselitismo fundamenta-se numa compreenso ablativa do

    fenmeno religioso, a qual, ao pretender sujeit-lo aos parmetros de racionalidade,

    objetividade e previsibilidade que caracterizam a ordem jurdica, acabam por negar as

    dimenses meta racionais emocionais e transcendentes que o caracterizam e que

    ineliminavelmente acompanham a sua expresso e divulgao84

    .

    Estruturalmente, pode-se afirmar ser a liberdade religiosa um corolrio da

    liberdade de conscincia, tutelando juridicamente qualquer opo que o indivduo tome em

    matria religiosa, mesmo sua rejeio, o que se harmoniza com a dignidade humana do

    sujeito85

    . O aspecto subjetivo do direito liberdade de conscincia e de crena associa-se

    aos direitos intimidade, identidade e formao da personalidade, e seu aspecto

    objetivo, garantia da neutralidade estatal, que, diante do livre exerccio de profisses

    religiosas, deve abster-se de favorecer a prevalncia de uma doutrina especfica no mbito

    do espao pblico86

    . dever de o Estado acolher em seu arcabouo jurdico-poltico

    83

    Machado, Jnatas Eduardo. Liberdade Religiosa numa Comunidade Constitucionalmente Inclusiva.

    Editora Coimbra. Coimbra. 1996. P.226-229. um dos problemas conexos a utilizao dos variados

    suportes publicitrios pelas confisses religiosas que, em linha de princpio, como atores sociais que

    pretendem comunicar mensagens ao pblico, podem utilizar todos os instrumentos adequados ao desiderato,

    desde que no ponham em causa, alm das possibilidades de harmonizao, direitos e interesses

    constitucionalmente protegidos. 84

    Machado, Jonatas Eduardo. Liberdade Religiosa numa Comunidade Constitucional Inclusiva. Editora

    Coimbra. Coimbra. 1996. P. 228. certo que o proselitismo deve ser realizado dentro do respeito ao

    princpio da tolerncia, no respeito escrupuloso pelos direitos fundamentais dos cidados. 85

    Morais, Mrcio Eduardo Pedrosa. Religio e Direitos Fundamentais: O Princpio da Liberdade Religiosa

    no Estado Constitucional Democrtico Brasileiro. Revista Brasileira de Direito Constitucional RBDC N.

    18 julho/dezembro. 2011.P.241. 86

    Pires, Terezinha Ins Teles. Liberdade de Conscincia, Liberdade de Crena e Pluralismo Poltico. Revista

    de Informao Legislativa. Braslia. N49. 195 julho/setembro. 2012. P.56.

  • 29

    valores filosficos e religiosos minoritrios como possibilidades de escolha individual,

    atenuando a dominao histrica de uma especfica doutrina87

    .

    Muito tempo se passou at que o conceito de liberdade passasse a se referir

    tambm ao produto da conscincia humana. Quando isso ocorreu, a liberdade deixou de

    constar como mero status poltico, ou uma circunstncia aleatria de no impedimento, e

    passou a incorporar em seu significado uma disposio ntima, que prescinde do agir,

    implicando num querer desvinculado do poder88

    .O mbito de proteo da liberdade de

    conscincia deve ser expansivo o bastante para incorporar em seu contedo as diversas e

    multifacetadas mundividncias filosficas, ideolgicas e religiosas. Alm disso, tem que se

    pautar pela no violao do princpio da neutralidade estatal89

    .

    Com o surgimento do individualismo, o homem comea a despontar como

    elemento essencial e fundamental na comunidade em que vive. O indivduo emerge como

    o centro de tudo a sua volta. Envolto a tudo isso, a conscincia vai se desassociando da

    religio, nascendo uma liberdade fundamentada na conscincia individualista. A liberdade

    religiosa constitucionalmente consagrada tem como ponto de apoio bsico a liberdade de

    conscincia. No existindo qualquer critrio inequvoco e indiscutvel de verdade religiosa,

    as opes em matria de f so relegadas, numa ordem constitucional livre e democrtica,

    para o foro da conscincia individual90

    .

    Para Jorge Miranda, assim como para a doutrina portuguesa em geral, a liberdade

    religiosa deriva da liberdade de conscincia. Esta se apresenta como um conceito mais

    amplo, que incorpora seja a liberdade religiosa91

    , de professar qualquer crena religiosa,

    seja a liberdade de ter convices filosficas destitudas de carter religioso92

    . Outro

    exemplo o da objeo de conscincia, pela qual se reserva ao indivduo o direito de

    87

    Pires, Terezinha Ins Teles. Liberdade de Conscincia, Liberdade de Crena e Pluralismo Poltico. Revista

    de Informao Legislativa. Braslia. N49. 195 julho/setembro. 2012. P.56. 88

    Cabral, Alex Ian Psarki. A proteo internacional ao direito liberdade de conscincia. 2009. Publicado

    em 07/2009. Elaborado em 11/2008. (Garcia, 1997) 89

    Pires, Terezinha Ins Teles. Liberdade de Conscincia, Liberdade de Crena e Pluralismo Poltico. Revista

    de Informao Legislativa. Braslia. N49. 195 julho/setembro. 2012. P.55. 90

    Machado. Jonatas. Liberdade Religiosa numa comunidade constitucional inclusiva.Coimbra Editora.

    Coimbra. 2002. P.194. 91

    Miranda, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 2 edio. Volume 4. Coimbra Editora. Coimbra. 1993.

    P. 416. A liberdade de conscincia mais ampla e compreende a liberdade de ter ou no ter religio alm da

    liberdade de convices de natureza no religiosa. 92

    Miranda, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 2 edio. Volume 4. Coimbra Editora. Coimbra. 1993.

    P. 365.

  • 30

    recusar-se prtica de determinado ato, por motivo de crena. Mencionem-se, nesse

    sentido, o caso da pessoa que no aceita a transfuso de sangue por professar a religio

    Testemunha de Jeov, a recusa ao servio militar e a recusa do mdico a realizar o aborto

    nos pases nos quais sua prtica legalizada93

    .

    Machado entende que a proximidade entre a liberdade de conscincia e a de

    religio evidente se se pensar que muito caso de objeo de conscincia, porventura a

    maioria deles, tem a sua origem em motivaes de ndole religiosa. necessrio, desde

    logo, ter em conta que o direito liberdade de conscincia releva no apenas no plano

    religioso, mas tambm nos domnios filosficos, ideolgico, etc94

    .Para Maria da Gloria

    Garcia, a liberdade de conscincia considerada a expresso mais elevada da dignidade

    humana, portanto liberdade por excelncia na sociedade humana que radica na dignidade

    humana95

    .

    A liberdade de conscincia trata do comportamento de cada um diante da

    sociedade96

    . Relaciona-se com as convices ntimas de cada indivduo.

    Ainda em relao liberdade de conscincia, esta possui relao direta com o princpio da

    dignidade da pessoa humana. Desse modo, ao tratar a pessoa humana como fim, e no

    como meio, como sujeito, e no como objeto, o Estado Democrtico de Direito busca

    proteger no apenas a sua vida corprea, mas tambm favorecer a procura pela prpria

    felicidade97

    .

    O professor Jonatas Machado argumenta que a liberdade de conscincia procura

    acentuar o fato de que a plausibilidade, a autenticidade e o prprio sentido moral das

    escolhas religiosas individuais supe sempre uma estrutura institucional religiosa e

    mundividencialmente neutra, entendida esta como a ordem social desvinculada de um bem

    93

    Pires, Terezinha Ins Teles. Liberdade de conscincia, liberdade de crena e pluralismo poltico. Revista de

    Informao Legislativa. Braslia a. 49 n. 195 jul./set. 2012. P.49. 94

    Machado. Jonatas. Liberdade Religiosa numa comunidade constitucional inclusiva.Coimbra Editora.

    Coimbra. 2002. P.195. 95

    Garcia, Maria da Gloria Ferreira Pinto Dias. Liberdade de Conscincia e Liberdade Religiosa. Direito e

    Justia. Voluma 11. Tomo 2. P. 75. 1997. 96

    Bastos, Celso & Meyer-Pflug, Samantha. Do Direito Fundamental Liberdade de Conscincia e Crena.

    P.107. 97

    Heringer Junior, Bruno. Objeo de Conscincia e Direito Penal: justificao e limites. Rio de Janeiro:

    Lumen Juris, 2007, p. 26.

  • 31

    comum objetivo aprioristicamente captado, apoiada apenas em princpios bsicos de

    justia e reciprocidade98

    .

    Embora a Carta dos Direitos Fundamentais da Unio Europeia seja

    subsidiria em relao Conveno Europeia dos Direitos Humanos, considerado um

    dos textos mais completos e referncia internacional em relao aos Direitos do Homem.

    Encontraremos a liberdade de conscincia sendo abordada ao lado da liberdade de religio.

    Encontramos na Conveno Europeia dos Direitos Humanos, em seu artigo 9,o

    reconhecimento da importncia da liberdade de conscincia concomitante liberdade de

    religio ou crena. O direito fundamental liberdade de conscincia j devidamente

    consagrada no cenrio internacional.

    Podemos diferenciar a liberdade de conscincia da liberdade de crena e de culto

    na medida em que estas ltimas, embora tambm sejam de foro ntimo, so espcies mais

    direcionadas s questes religiosas, no obstante estejam tambm albergadas sob o

    conceito maior da liberdade de conscincia e desta decorrente99

    . A prtica religiosa

    conhece no exerccio de atos de culto um dos seus elementos fundamentais100

    . na

    celebrao do culto em que se exteriorizam os rituais caractersticos de cada religio.

    Quem tem o direito, tem que ter os meios de exercer esse direito101

    .O exerccio da

    liberdade de culto consiste no direito de prestar homenagem ou honrar, adorar e servir s

    divindades que melhor parea a cada um, celebrando seus rituais, o que tambm envolve a

    construo de templos. Inclui, ainda, o direito de recolhimento de contribuio dos seus

    fiis ou adeptos102

    .

    98

    Machado. Jonatas. Liberdade Religiosa numa comunidade constitucional inclusiva.Coimbra Editora.

    Coimbra. 2002. P.196. Ao nosso ver, a liberdade de conscincia um importante valor de articulao entre

    o direito liberdade religiosa e a separao das confisses religiosas do Estado, mas no o nico. 99

    Soriano, Aldir Guedes. Liberdade Religiosa no Direito Constitucional e Internacional. So Paulo: Juarez,

    2002, p. 11. 100

    Machado, Jnatas Eduardo. Liberdade Religiosa numa Comunidade Constitucional Inclusiva. Editora

    Coimbra. Coimbra. 1996. P.229. 101

    Costa, Clio Silva. A interpretao constitucional e os direitos e garantias fundamentais na Constituio

    de 1988. Rio de Janeiro: Lber Juris, 1992, p. 155. 102

    Garcez, Robson da Boa Morte. Liberdade de Crena e de Expresso Religiosa no mbito dos Direitos

    Fundamentais. Alicerces ticos para seu exerccio, numa perspectiva crist. Faculdade de Direito da

    Universidade Mackenzie. Disponvel em:http://www.mackenzie.br/fileadmin/Graduacao/

    FDir/2011/artigos/robson_garcez.pdf >. Acessado em: 27/03/2015.

  • 32

    Pontes de Miranda afirma que a liberdade ao culto um direito fundamental

    assegurado em si e no s institucionalmente. Engloba o exerccio da orao e a de praticar

    atos prprios das manifestaes exteriores em casa ou em pblico, bem como a de

    recebimento de contribuies por isso103

    . Miranda ainda esclarece que a liberdade de culto

    est para a liberdade religiosa como a liberdade de pesquisa cientfica para a liberdade de

    pensar cientfico. Ambas supem contato com outros homens ou com objetos que

    interessam a outros homens, em vez de ser liberdade do indivduo sozinho. O culto a

    forma exterior da religio. As cerimnias so a parte mais visvel do culto e na parte

    cerimonial, para o autor, esse fato presume-se liberdade fsica104

    .

    Como qualquer outro direito, no absoluto. Deve respeitar os limites impostos

    pelo Direito. A liberdade religiosa s tem sentido em condies de reciprocidade, num

    Estado de Direito. O princpio da Igualdade, em matria religiosa no responde apenas aos

    problemas de justia ou reciprocidade entre os cidados, mas tambm ao da sua prpria

    liberdade religiosa105

    .Cabe ao Estado proteo e preveno de qualquer perturbao ao

    culto106

    realizada por terceiros, se necessrio, cabe medidas de polcia.

    Machado, em sua obra elucidativa sobre o tema de liberdade religiosa, explica que

    a liberdade de culto pode suscitar problemas de articulao com outros direitos

    fundamentais. As reunies ou procisses cabem dentro do mbito da proteo do direito de

    reunio e associao, aplicando o programa normativo deste direito no que diz respeito s

    dispensas e autorizaes107

    .Para o eminente professor, a garantia da liberdade de culto

    relaciona-se, sobremaneira, com o problema da manuteno da ordem e da necessidade de

    medidas de polcia, que variam consoante o lugar onde decorrem os atos do culto: sendo

    103

    Miranda, Pontes de. Comentrios Constituio de 1967. Tomo IV. So Paulo. RT. 1967. P.121. 104

    Miranda, Pontes de. Comentrios Constituio de 1967. Tomo IV. So Paulo. RT. 1967. P.123-7. 105

    Lourdes Simas Santos, Da proteo liberdade de religio ou crena no Direito Constitucional e

    Internacional, In Revista Brasileira de Direito Constitucional. P. 585. 106

    Coelho, Sacha Calmon Navarro. Comentrios Constituio de 1988 Sistema Tributrio. 10 ed. Rio de

    Janeiro: Forense, 2006, p. 33. Templo, do latim templum, o lugar destinado ao culto. Em Roma era lugar

    aberto, descoberto e elevado, consagrado pelos augures, sacerdotes da adivinhao, a perscrutar a vontade

    dos deuses, nessa tentativa de todas as religies de religar o homem e sua finitude ao absoluto, a Deus. Hoje,

    os templos de todas as religies so comumente edifcios. (...) Onde quer que se oficie um culto, a o

    templo. 107

    Machado, Jnatas Eduardo. Liberdade Religiosa numa Comunidade Constitucional Inclusiva. Editora

    Coimbra. Coimbra. 1996. P.230.

  • 33

    manifestaes interiores, a preservao da ordem compete essencialmente aos ministros de

    culto. Concorrem a liberdade religiosa e o direito a inviolabilidade do templo religioso108

    .

    No que diz respeito liberdade de organizao religiosa, esta consiste no direito

    individual de exerccio coletivo, de associar-se a outros indivduos para o desempenho de

    atividades de cunho religioso109

    . O fenmeno religioso possui um carter eminentemente

    social, sendo assim, deve existir respeito pela autonomia das formaes sociais. O

    principal fundamento para a garantia da liberdade religiosa s confisses e comunidades

    religiosas decorre do seu necessrio escoramento nas convices da conscincia

    individual110

    .

    Deve-se atentar que a organizao do fenmeno religioso muito diversificada,

    no sendo legtimo privilegiar ou impor, por via legislativa ou hermenutica, uma

    determinada concepo ou estrutura organizatria em detrimento de outras111

    . Sempre

    importante lembrar que o direito liberdade religiosa coletiva deve ser exercido dentro dos

    limites impostos pela liberdade religiosa individual e pelos princpios da igualdade e da

    separao das confisses religiosas do Estado112

    .

    1.4. A Utilizao dos smbolos religiosos

    O uso de smbolos religiosos considerado uma decorrncia da liberdade de

    manifestao religiosa, liberdade esta amparada em distintos instrumentos convencionais

    internacionais113

    e consignada, tambm, na Declarao Universal de Direitos Humanos114

    .

    108

    Machado, Jnatas Eduardo. Liberdade Religiosa numa Comunidade Constitucional Inclusiva. Editora

    Coimbra. Coimbra. 1996. P. 231-2. 109

    Santos Jnior, Alosio Cristovam dos. A Liberdade de Organizao Religiosa e o Estado Laico Brasileiro.

    So Paulo: Mackenzie, 2007. P. 77 110

    Machado, Jonatas Eduardo. Liberdade Religiosa numa Comunidade Constitucional Inclusiva. Editora

    Coimbra. Coimbra. 1996. P.235. 111

    Machado, Jonatas Eduardo. Liberdade Religiosa numa Comunidade Constitucional Inclusiva. Editora

    Coimbra. Coimbra. 1996. P.239. 112

    Machado, Jonatas Eduardo. Liberdade Religiosa numa Comunidade Constitucional Inclusiva. Editora

    Coimbra. Coimbra. 1996. P.241. O direito a uma igualdade liberdade religiosa, individual ou coletiva, em

    conjunto com o principio da separao das confisses religiosas do Estado, tem como consequncia o

    reconhecimento de um direito autodeterminao s confisses religiosas. 113

    Conveno sobre os Direitos da Criana, art. 14 [CDC]; Pacto Internacional sobre Direitos Civis e

    Polticos, art. 18 [PIDCP]. Ambos os instrumentos esto disponveis em SALIBA, Aziz Tuffi. Legislao de

    Direito Internacional. 7 ed. So Paulo: Rideel, 2012.

  • 34

    Observando de forma mais acurada o artigo 18 da Declarao Universal dos

    Direitos Humanos encontraremos que todo homem tem direito liberdade de pensamento,

    conscincia e religio; este direito inclui a liberdade de mudar de religio ou crena e a

    liberdade de manifestar essa religio ou crena pelo ensino, pela prtica, pelo culto e pela

    observncia, isolada ou coletivamente, em pblico ou em particular". O documento

    entende que a liberdade religiosa deve abranger tambm a manifestao dessa crena, que

    pode se d com o porte de smbolos ou pertenas, seja de forma privativa ou pblica. A

    importncia do artigo 18 da DUDH115

    deveras, mesmo sendo considerado soft law,

    inclusive serviu de inspirao para o surgimento de outras declaraes tambm de natureza

    religiosa116

    .

    Embora seja considerado um direito intrnseco de cada cidado a portabilidade de

    smbolos ou pertenas que simbolizem sua religio, a verdade que, em vrios pases e

    regies, com diferentes argumentos, a liberdade individual de uso de smbolos religiosos

    vem sendo restringida. A Frana, Turquia, Sua e Quebec so exemplos de pases em que

    se impuseram limites exibio individual de signos religiosos, sob a alegao de se

    proteger a mulher, a segurana nacional ou o secularismo117

    .

    O Conselho de Direitos Humanos das Naes Unidas entende que o uso de

    smbolos religiosos constitui um elemento integrante da liberdade de determinado

    indivduo de manifestar sua religio ou crena118

    . Na mesma linha de pensamento, o

    Comit de Direitos Humanos das Naes Unidas119

    manifestou-se coadunando com o

    114

    Declarao Universal dos Direitos Humanos (Resoluon217/1948 da AGONU) in SALIBA, Aziz Tuffi.

    Legislao de Direito Internacional. 7 ed. So Paulo: Rideel, 2012, p. 234. 115

    Artigo 18. Toda pessoa tem direito liberdade de pensamento, conscincia e de religio; este direito

    inclui a liberdade de mudar de religio ou crena e a liberdade de manifestar essa religio ou crena, pelo

    ensino, pela prtica, pelo culto e pela observncia, isolada ou coletivamente, em pblico ou em particular.

    (Corte Europeia dos Direitos do Homem, art. 18, 2011) 116

    A Declarao sobre a eliminao de todas as formas de intolerncia e discriminao fundadas na religio

    ou convices, proclamada pela Assemblia Geral das Naes Unidas em 25/11/1981 (Resoluo 36/55) e a

    Declarao sobre os direitos das pessoas pertencentes a minorias nacionais ou tnicas, religiosas e

    lingsticas, aprovada pela Assemblia Geral em sua Resoluo 47/135 de 18/12/1999. 117

    Saliba,Aziz Tuffi e Maia, Tain Garcia. Restries ao Uso de Smbolos Religiosos: uma discusso a partir

    da jurisprudncia europeia e canadense. Revista da Faculdade de Direito UFMG, Nmero Especial: Jornadas

    Jurdicas Brasil-Canad. P.50. 2013. 118

    Human Rights Council, Report of the Special Rapporteur on freedom of religion or belief, UNGAOR 4th

    Sess, UN Doc A/HRC/4/21/Add.3 (2007); Cf. Human Rights Committee [HRC]. Julgamento.

    Hudoyberganova v. Uzbekistan. CCPROR, 82d Sess, Communication No 931/2000. 5 de novembro de 2004.

    p. 7. 119

    O Comit de Direitos Humanos um corpo de especialistas independentes que moni- tora a

    implementao, pelos Estados-Partes, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Polticos.

  • 35

    contedo do discurso do Conselho, reafirmando que a liberdade de manifestao religiosa

    se concretiza com o direito de utilizao, em pblico ou em privado, de objetos, roupas e

    trajes que estejam em conformidade com a crena ou com a religio do indivduo120

    .

    Sendo a liberdade de manifestao religiosa to amplamente defendida, tutelada e

    propagada pelo Direito Internacional, a anlise de proibies ou restries impostas a ela

    ultrapassa a mera apreciao de conformidade com determinada ordem jurdica nacional

    ou regional. Dessa forma, a legitimidade de limitaes ou negativas ao uso de smbolos

    religiosos deve ser lida luz do Direito Internacional Pblico121

    .

    O artigo 9 da Conveno Europeia de Direitos Humanos proclama a liberdade de

    conscincia, de pensamento e de religio, elencando os sujeitos, as faculdades e os limites

    que podem ser postos desde que seja respeitado o previsto no segundo inciso do mesmo

    artigo. Segundo um pensamento consolidado h algum tempo, declara-se que o artigo nono

    proporciona ao indivduo vasta gama de faculdades, dentre as quais abrangida a liberdade

    de manifestar publicamente, alm de privativamente, o culto da religio de pertenas122

    .

    Para a autora, a lcita manifestao da sua liberdade religiosa pode ser exercida tambm

    por meio de smbolos e condutas que expressam convices interiores, gerando,

    frequentemente, uma coliso com os demais direitos e liberdades igualmente garantidas

    pela CEDH.

    Verificamos, desse modo, que existem diversos documentos que tratam de direitos

    humanos, mas eles no se chocam ou se contradizem muito pelo contrrio, so

    entrelaados e deve vigorar a norma que mais beneficie o cidado. Coadunando com a

    afirmativa anterior, o autor Canado Trindade, em sua obra sobre Direito Internacional,

    explica que as clusulas de limitaes consignadas em um documento de direitos humanos

    no so interpretadas de modo a restringir o exerccio de quaisquer direitos humanos. A

    120

    HRC, General Comment No. 22, CCPROR, 48th Sess, UN Doc CCPR/C/21/Rev.1/ Add.4, (1993)

    [G.C.No.22]. 121

    Saliba,Aziz Tuffi e Maia, Tain Garcia. Restries ao Uso de Smbolos Religiosos: uma discusso a partir

    da jurisprudncia europeia e canadense. Rev. Fac. Direito UFMG, Nmero Especial: Jornadas Jurdicas

    Brasil-Canad. P.50. 2013. 122

    Biazi, Chiara Antonia Sofia Mafrica. Revista Meritum Belo Horizonte v. 6 n. 2 p. 187-231

    jul./dez. 2011. A questo dos smbolos religiosos anlise da Corte Europeia dos Direitos Humanos: O caso

    Leyla Sahin contra Turquia P.190.

  • 36

    interpretao restritiva de tais clusulas de limitao constitui uma decorrncia lgica de

    interpretao teleolgica e evolutiva dos tratados de direitos humanos123

    .

    Nessa mesma linha de pensamento do pargrafo anterior, encontraremos as

    declaraes do Comit de Direitos Humanos, da ONU, que defende que os direitos

    fundamentais no podem ser restringidos com fins discriminatrios. As restries que

    derivem da discriminao no so s