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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA (UNB) FACULDADE UNB PLANALTINA (FUP) PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO RURAL – PPG/MADER SABINE RUTH POPOV CARDOSO JUVENTUDE RURAL E PERSPECTIVAS DE NOVAS REALIDADES POR MEIO DE AÇÕES PRESENTES: EXPERIÊNCIA COM JOVENS DO ASSENTAMENTO SILVIO RODRIGUES Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestre em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural pelo Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural, linha de pesquisa Desenvolvimento Rural Sustentável e Sociobiodiversidade, Universidade de Brasília (UnB), Faculdade UnB Planaltina (FUP). Orientadora: Janaína Deane de Abreu Sá Diniz Brasília – DF 2015

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UNIVERSIDADE DE BRASLIA (UNB) FACULDADE UNB PLANALTINA (FUP)

PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO RURAL PPG/MADER

SABINE RUTH POPOV CARDOSO

JUVENTUDE RURAL E PERSPECTIVAS DE NOVAS REALIDADES POR MEIO DE AES PRESENTES: EXPERINCIA COM JOVENS DO ASSENTAMENTO SILVIO RODRIGUES

Dissertao apresentada como requisito parcial para a obteno do Ttulo de Mestre em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural pelo Programa de Ps-Graduao em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural, linha de pesquisa Desenvolvimento Rural Sustentvel e Sociobiodiversidade, Universidade de Braslia (UnB), Faculdade UnB Planaltina (FUP).

Orientadora: Janana Deane de Abreu S Diniz

Braslia DF

2015

Ficha catalogrfica elaborada automaticamente, com os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

CC268jCardoso, Sabine Ruth Popov Juventude rural e perspectivas de novasrealidades por meio de aes presentes: Experinciacom jovens do Assentamento Silvio Rodrigues / SabineRuth Popov Cardoso; orientador Janana Deane de AbreuS Diniz. -- Braslia, 2015. 125 p.

Dissertao (Mestrado - Mestrado em Meio Ambientee Desenvolvimento Rural) -- Universidade de Braslia,2015.

1. Juventude rural. 2. Movimentos sociais. 3.Territrio. 4. Territorialidade. 5. Autonomia. I.Diniz, Janana Deane de Abreu S, orient. II. Ttulo.

4

Dedico este trabalho juventude rural e sua fora em meio a caminhos ainda incertos.

Nunca deixem de sonhar.

5

AGRADECIMENTOS

Durante esses mais de dois anos de mestrado vi que a gratido no parte de uma ajuda

apenas acadmica, mas de onde jamais imaginei antes de ter minha sade comprometida j

nos ltimos dias de elaborao do texto final. Por isso inicio meus agradecimentos a quem me

socorreu em um momento delicado de sade. equipe do Hospital Universitrio de Braslia,

que me atendeu prontamente e com todo o cuidado, no s mdico, mas psicolgico e

emocional, diante de minha insistncia em querer meu computador para continuar e finalizar

meu trabalho. At compreender que ficaria hospitalizada ainda um bom tempo. Quando tive

um momento de desespero, recebi de uma assistente social uma linda poesia de algum que

passou por situao semelhante, com a descoberta, no final de seu doutorado de um problema

de sade que a fez mais forte.

Agradeo demais equipe do Instituto de Cardiologia de Braslia, que vendo meu

olhar assustado diante de uma UTI, pde dar todo o apoio durante meu tratamento. Ao carinho

de todos que atenderam a mim e a minha famlia.

Agradeo ateno dos servidores do MADER, Aristides, Joriv e Inara, sempre

atenciosos em minhas demandas.

Agradeo minha orientadora Janana Diniz por ajudar em minha formao, estando

disponvel sempre que eu solicitava, buscando dar o apoio necessrio. Agradeo sua

ateno, carinho, pacincia e compreenso de minhas limitaes temporrias de sade.

Agradeo s professoras Mnica Molina e Maria de Assuno, pela disponibilidade e

interesse, ambas colaborando muito para meu conhecimento.

Agradeo ao apoio de amigas que, com muito amor, trouxeram um pouco de leveza ao

processo de escrita de trabalho: Flavinha, Didi, Mirela.

Didi, agradeo sua presena mais que indispensvel, em todas as minhas viagens de

campo, lidando com a juventude rural como sujeitos novos para mim, com minhas angstias

diante de alguma limitao, com meu encantamento por estar ali. Voc mais que esteve

presente, me deu fora, livros e toques sobre o teatro do oprimido e a cartografia social.

Outra companhia de campo lindssima e sempre pronta para um novo grupo focal a

quem agradeo por estar em minha vida a Mari. Meu corao se encheu de amor com cada

pedido para participar da elaborao e execuo dos grupos focais, com a curiosidade infinita

6

de lidar com o novo e parecer que sempre esteve ali. Com todo o meu amor, agradeo ao

Joo, apoiando tanto o trabalho quanto a minha recuperao, para me superar e me refazer

com a possibilidade de tentar novamente, com mais calma.

Agradeo minha famlia, com todo amor e gratido, o carinho em todos os

momentos, minha me Angelika e meus irmos Lar, Louis, Nany e Jean. Ao carinho dos

sobrinhos e suas doces cartinhas. Aos tios e s tias. Ao meu pai, como uma linda lembrana.

Agradeo a todos da Caravana da Luz, pela oportunidade de conhecer o Assentamento

Slvio Rodrigues, vocs so especiais.

Agradeo a Lel e ao Edson pela pronta ateno e carinho.

Agradeo ao Gilberto, por oferecer abrigo durante o trabalho de campo como quem

realmente faz com um amigo.

Ao grupo de jovens do assentamento Silvio Rodrigues, por acreditarem na proposta da

pesquisa e serem dela sujeitos, mostrando sua realidade e sonhos.

E finalmente, agradeo a todas as boas energias que chegaram at mim, para que eu

pudesse estar aqui com uma batida diferente, mais ritmada, tanto com o corao como com a

vida.

7

H um momento e um lugar no incessante

labor humano de mudana do mundo em

que as vises alternativas, por mais

fantsticas que sejam, oferecem a base

para moldar poderosas foras polticas de

mudanas. Creio que nos encontramos

precisamente num desses momentos. De

todo modo, os sonhos utpicos nunca

desaparecem por inteiro, estando em vez

disso onipresentes como os significantes

ocultos dos nossos desejos. Traz-los luz

a partir dos recessos ocultos de nossa

mente e fazer deles uma fora poltica de

mudana pode envolver o risco de

frustrao ltima desses desejos. No

obstante, isso sem dvida melhor que se

render ao utopismo degenerado do

neoliberalismo (e a todos os interesses

que criam uma imagem to negativa da

possibilidade) e viver no temor abjeto e

letrgico de exprimir e tentar pr em

prtica quaisquer desejos alternativos.

David Harvey

8

RESUMO

Partindo da problemtica da negao juventude rural na escolha entre permanecer ou

viver na cidade, com relao s suas perspectivas em educao, lazer, trabalho, cultura e

identidade como elementos que compem sua territorialidade, esta pesquisa tem como

objetivo estudar as perspectivas de continuidade no campo da juventude rural do

Assentamento Silvio Rodrigues, para a identificao de resistncia e busca por autonomia,

com caracterizao de novas territorialidades. O recorte espacial escolhido foi o assentamento

Silvio Rodrigues, localizado no municpio de Alto Paraso de Gois, noroeste de Gois, na

Chapada dos Veadeiros. Inicialmente, a escolha se deu como opo a partir da dificuldade em

encontrar um contexto de juventude rural organizada no Distrito Federal. No entanto, com o

conhecimento sobre o grupo de jovens se reestruturando no assentamento Silvio Rodrigues e

suas expectativas em aes e dinmicas, foi aberta a possibilidade do estudo da juventude a

partir da metodologia escolhida e ferramentas estabelecidas em concordncia com o estudo a

partir do bioma Cerrado, no estado de Gois, territrio com histrico de ocupao a partir da

Marcha para Oeste. Para que seja possvel chegar a resultados que apontem para uma

perspectiva de continuidade no campo da juventude rural, por escolha, o trabalho se orientou

para uma perspectiva de autonomia e constituio de novas territorialidades. Como

metodologia, inicialmente foi realizada busca de dados, como relatrios, projetos e estudos. A

partir disso, o grupo focal mostrou-se como tcnica e metodologia apropriada para o grupo de

jovens analisado, que permitiu alm de respostas, a reflexo sobre como a juventude rural

pode se compreender como categoria que, ao mesmo tempo homognea, mas que apresenta

grande diversidade como caracterstica. A formao de grupos representativos da juventude

rural de extrema importncia para sua afirmao como categoria social em busca de direitos

e autonomia.

Palavras-chave: Juventude rural, movimentos sociais, territrio, territorialidade, autonomia.

9

ABSTRACT

Starting from the issue of denial of rural youth in the choice between staying in the

countryside or living in the city, regarding their perspectives in education, leisure, work,

culture and identity as elements that make up their territoriality, this research aimed to study

the perspectives of continuity in countryside for a group of rural youth in a rural settlement,

for the identification of resistance and search for autonomy, with characterization of new

territorialities. The spatial delimitation chosen was the settlement Silvio Rodrigues, located in

the municipality of Alto Paraso de Gois, in the Chapada dos Veadeiros. Initially, the choice

was an option from the difficulty in finding a context of rural youth organized in the Federal

District. However, with the knowledge that a youth group was restructuring in this settlement

, with their expectations concerning activities and dynamics, it was possible to do a study on

youth from the chosen methodology and tools established in accordance with the study from

the biome Cerrado in the state of Gois, territory with history of occupation from the March to

the West. To be able to get results which could point to a continuity perspective in the field of

rural youth, by choice, the work was oriented to the perspective of autonomy and

establishment of new territorialities. The methodology was started with a search of data, such

as reports, projects and studies. From this, the focal group showed up, as technical and

appropriate methodology for the youth group analyzed, which allowed, in addition to

answers, the reflection on how rural youth can be understood as a category that is at the same

time homogeneous and presents great diversity as a characteristic. The formation of groups

representing rural youth is of paramount importance to their claim as a social category for

rights and autonomy.

Keywords: Rural youth, social movements, territory, territoriality, autonomy.

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RESUMEN

A partir de la problemtica de la negacin de la juventude rural en la eleccin entre

quedarse en el campo o que vivir en la ciudad, con respecto a sus perspectivas en la

educacin, el cio, el trabajo, la cultura y la identidad como elementos que componen su

territorialidad, esta investigacin tiene como objetivo estudiar las perspectivas de

continuidade em mbito de la juventud rural del asientamiento Silvio Rodrigues, para la

identificacin de la resistencia y la bsqueda de la autonomia, con la caracterizacin de

nuevas territorialidades. El rea espacial elegido fue el asentamiento Silvio Rodrigues,

ubicado en el municipio de Alto Paraso de Gois, el noroeste de Gois, la Chapada dos

Veadeiros. En un principio, la eleccin era uma opcin en la dificultad de encontrar un

contexto de juventud rural organizada en el Distrito Federal. Sin embargo, con el

conocimiento del grupo de jvenes est reestructurando el asentamiento Silvio Rodrigues y

sus expectativas en acciones y dinmicas, que se abri la posibilidad de que el estudio de la

juventud con la metodologa y las herramientas elegidas, estabelecido de acuerdo con el

estudio del bioma Cerrado en el estado de Gois, territrio con histrico de ocupacin a

partir de la Marcha al Oeste. As que es posible obtener los resultados que apuntan a una

perspectiva de la autonomia y estabelecer nuevas territorialidades. La metodologia se realiz

inicialmente una bsqueda de datos, tales como informes, proyectos y estudios. A partir de

esto, el grupo de enfoque se present, como metodologa tcnica y apropriado para el grupo

de jvenes analizada, lo que permiti, adems de las respuestas, la reflexin sobre la juventud

rural de como se puede entender como una categoria que es a la vez el tiempo homognea,

sino que presenta gran diversidad como una caracterstica. L formacin de grupos que

representan a la juventud rural es de suma importancia para su afirmacin como una categoria

social que busca sus derechos y su autonoma.

Palabras clave: Juventud rural, movimientos sociales, territrio, territorialidad, autonoma.

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LISTA DE MAPAS

Mapa 1: Localizao da Chapada do Veadeiros .................................................................................... 58

Mapa 2: Localizao do Assentamento Silvio Rodrigues ..................................................................... 60

Mapa 3: Detalhe do Assentamento Silvio Rodrigues ............................................................................ 63

12

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Representao do teatro- imagem. A imagem real ................................................................ 76

Figura 2: Representao do teatro-imagem. A imagem ideal ................................................................ 77

Figura 3: Oficina de cartografia social .................................................................................................. 80

Figura 4: Resultado da oficina perspectivas de futuro no assentamento Silvio Rodrigues ................ 81

Figura 5: Detalhe para perspectivas de futuro na RECIFRA ................................................................ 81

Figura 6: Floresta dos sons .................................................................................................................... 83

Figura 7: Roleta magntica utilizao de palavras-chave para discusso .......................................... 84

Figura 8: Leitura de poemas durante dinmica ..................................................................................... 86

Figura 9, 10, 11 e 12: Dinmica das mos realizada durante o acampamento regional da juventude rural de Gois no assentamento Silvio Rodrigues. ................................................................................ 88

Figura 13: Exibio de material audiovisual A Ilha das Flores .......................................................... 89

Figura 14: Exibio de material audiovisual: Diz a Juventude Rural .................................................. 89

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

APSR Associao dos Produtores do Assentamento Silvio Rodrigues

CIFRATER Cidade da Fraternidade

CONTAG Confederao dos Trabalhadores na Agricultura

CPT Comisso Pastoral da Terra

EHC Educandrio Humberto de Campos

EMATER Empresa de Assistncia Tcnica e Extenso Rural

EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria

FBB Fundao Banco do Brasil

FETRAF Federao Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar

IASO Instituto Alvorada de Agroecologia de Sobradinho

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

INCRA Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria

MAB Movimento dos Atingidos por Barragens

MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra

NEAD Ncleo de Estudos Agrrios e Desenvolvimento Rural

ONU Organizao das Naes Unidas

OSCAL Organizao Social Crist-Esprita Andr Luiz

OSCIP Organizao da Sociedade Civil de Interesse Pblico

PAA Programa de Aquisio de Alimentos

PAIS Produo Agroecolgica Integrada e Sustentvel

PAJUR Programa de Fortalecimento da Autonomia da Juventude Rural

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PETROBRS Petrleo Brasileiro S.A.

PJR Pastoral da Juventude Rural

PLANAPO Plano Nacional de Agroecologia e Produo Orgnica

PNAE Programa Nacional de Alimentao Escolar

PNATER Poltica Nacional de Assistncia Tcnica e Extenso Rural

PNCF Programa Nacional de Crdito Fundirio

PNRA Poltica Nacional de Reforma Agrria

PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

RECIFRA Florestadora e Reflorestadora Agropecuria

SAN Segurana Alimentar e Nutricional

SEAGRO Secretaria de Agricultura de Gois

SENAR Servio Nacional de Aprendizagem Rural

SNJ Secretaria Nacional da Juventude

UnB Universidade de Braslia

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Sumrio

INTRODUO ........................................................................................................................ 17

1. AGRICULTURA E SUJEITOS DO CAMPO CONTEXTO DE USO DA TERRA ........ 23

1.1 Breve contexto da agricultura no Brasil: sujeitos envolvidos ..................................................... 24

1.1.1 Aproximando o contexto: O Estado de Gois ...................................................................... 27

1.2 Movimentos sociais e juventude rural no contexto Cerrado de uso da terra ............................... 30

2. JUVENTUDE, JUVENTUDE RURAL E TERRITRIO ................................................... 34

2.1 Juventude e juventude rural: suas peculiaridades ........................................................................ 34

2.2 Juventude e gnero: especificidades em questo ........................................................................ 41

2.3 O campo e a cidade territrios antagnicos ou complementares? ............................................ 43

2.4 Territrios de significados: jovens rurais como sujeitos ............................................................. 46

2.5 Diversidade e polticas pblicas .................................................................................................. 53

3. RECORTE ESPACIAL ANALISADO ASSENTAMENTO SILVIO RODRIGUES ....... 57

3.1 Prticas sociais presentes no assentamento ................................................................................. 64

3.2 A escola ....................................................................................................................................... 65

3.3 Informaes sobre a realidade local - estudos e dados secundrios ............................................ 68

3.4 A juventude do assentamento Silvio Rodrigues e a escolha do mtodo ...................................... 69

3.4 Sobre o grupo focal ..................................................................................................................... 71

3.5 A utilizao das tcnicas complementares ................................................................................... 74

3.5.1 O teatro- imagem .................................................................................................................. 75

3.5.2 A cartografia social ............................................................................................................... 78

3.5.3 As dinmicas ........................................................................................................................ 82

4. O GRUPO FOCAL: AES E ANLISE .......................................................................... 90

4.1 Resultados a partir dos tempos histricos: passado, presente e futuro ........................................ 90

4.2 Entre o rural e o urbano: quais as implicaes na escolha? ........................................................ 98

5. CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................. 101

16

REFERNCIAS ..................................................................................................................... 107

APNDICE A ......................................................................................................................... 115

APNDICE B ......................................................................................................................... 117

ANEXO I ................................................................................................................................ 123

17

INTRODUO

A construo de anlises a partir da categoria social apresentada neste trabalho ocorre

ainda de forma tmida, tanto na academia quanto na formulao de polticas especficas. A

juventude rural como uma identidade desmembrada da juventude em si, faz parte de uma

parcela da populao jovem1 que rica em significado, com identidades plurais e que busca

seus direitos e quer escuta de sua voz. A importncia do estudo se d inicialmente devido a

uma busca maior por estudos para a categoria social analisada. importante que haja maior

volume de estudos referentes juventude rural, de grande importncia para a modificao de

aes para o meio rural do pas. O envelhecimento e a masculinizao do campo so fatos

que mostram que para que a juventude tenha o desejo e a oportunidade de continuar no

campo, devem ser ouvidos sobre seus desejos, em suas dificuldades e seus ideais de futuro.

Isso no deve ocorrer para o isolamento de mais uma categoria fechada em si, pois como

construo social, no h limites reais para a juventude, mas h peculiaridades que podem ser

identificadas para melhores e mais efetivas aes.

...as possibilidades de insero social dos jovens esto condicionadas aos recursos materiais e simblicos que so disponibilizados ao longo do seu processo de socializao. Esses recursos, que as novas geraes herdam das anteriores e sobre os quais promovem avaliaes, constituem as condies objetivas a partir das quais constroem suas trajetrias pessoais. Esses aspectos encontram-se intimamente ligados ao movimento dialtico de produo-reproduo-transformao social, uma vez que h uma ambivalncia caracterstica do vir-a ser intrnseca condio juvenil (WEISHEIMER, 2005, p. 26).

Quando buscamos resposta para a invisibilizao da juventude rural enquanto

categoria social, encontramos o histrico de ocupao rural no excludente e exclusivo. Esta

forma de ocupao, ocorrida desde o sculo XVI, exclua o indivduo que no possua bens e

no tinha poder poltico. A ocupao passou a ser exclusiva a quem possua bens e poder

poltico. Esse processo, contnuo e resistente, vem enfrentado lutas a partir de movimentos

sociais que, em sua histria, buscam romper com esta lgica de latifndio e para isso so

compostos de diversas categorias sociais, representados por sujeitos em busca do que lhes foi

negado historicamente. A juventude rural aqui estudada enquanto categoria social com

1 De acordo com dados do Censo demogrfico 2010 apresentados pela Secretaria Nacional da Juventude, cerca

de 8 milhes de jovens entre 15 e 29 anos vivem em reas rurais. Destes, mais de 2 milhes vivem abaixo da linha da misria. Ainda, entre 2000 e 2010, mais de 835 mil jovens se mudaram do campo para a cidade.

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direito afirmao de identidades e de autonomia como forma de resistncia. Como

apropriao de um territrio caracterizado pela expropriao.

A partir de estudos envolvendo diversas disciplinas, como geografia, histria,

sociologia, antropologia, filosofia, psicologia e educao, foi possvel chegar a uma anlise da

juventude relacionada ao territrio em uma perspectiva que pudesse gerar melhor

compreenso de processos gerais para essa categoria social. Importante assinalar que o

assentamento escolhido para a pesquisa possui histrica discusso sobre a juventude rural

local a partir de suas expectativas em identidade, formao poltica, polticas pblicas e

continuidade no campo. Na pesquisa sobre juventude rural inserimos breve conceitualizao

acerca de territrio e territorialidade por entender que como anlise que parte de uma

formao geogrfica, a compreenso desses elementos e a forma como podemos compreend-

los em uma realidade agrria, a partir de relaes de poder, mostra-se de extrema importncia,

pois os processos envolvidos em relaes de territorialidade esto inseridos em aspectos

multidimensionais expostos no texto. Quando afirmamos o propsito de compreenso de

perspectivas para a juventude rural em sua autonomia, falamos em processos de afirmao do

sujeito do campo no territrio.

Dado o avano dos conhecimentos sobre as tendncias migratrias e a viso dos jovens sobre a atividade agrcola, parece importante a inverso da questo, procurando examinar as condies que favorecem sua permanncia. Neste sentido, so importantes os estudos que analisam o modo de vida, as relaes sociais, as condies estruturais, as oportunidades de lazer e acesso a atividades agrcolas e no-agrcolas, para jovens de ambos os sexos. Dentro dessa perspectiva, faltam estudos que particularizem as relaes sociais em diferentes regies do Brasil (BRUMER, 2007, p. 41).

A afirmao de identidades a partir da juventude rural ocorre de forma complexa, pois

no h uma singularidade no processo de territorializao destes sujeitos. Um territrio,

mesmo composto por ideais semelhantes e por indivduos pertencentes a uma categoria

estabelecida socialmente, possui em si a multidimensionalidade, a partir de uma relao com

o espao e com o tempo que no se reproduz enquanto cpia, mas enquanto diversidade.

O territrio uma construo histrica e relacional constituda a partir das relaes de poder multidimensionais, articuladas em um sistema de redes, mas apresentando singularidades compreendidas como identidade territoriais. Cada territrio exige, portanto, uma leitura singular de suas territorialidades e temporalidades e a tarefa que se impe aos gegrafos e outros profissionais que adotam o conceito de territrio, consiste no aprofundamento dos estudos das abordagens para apreenso da realidade (SANTOS, 2011, p.33).

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Quando falamos sobre a autonomia, palavra j presente em programa de ao

governamentais para a juventude rural, inserimos seu significado semntico de origem grega2

como o mesmo, ele mesmo e por si mesmo, junto palavra nomos, que significa

compartilhamento, lei do compartilhar, instituio, uso, lei, conveno, ou seja,

como faculdade de se governar por si mesmo, com emancipao ou independncia.

A autonomia disposta por Paulo Freire (1996) relaciona-se identidade do educando

em processo, a partir de mtodos educativos que levam a uma reelaborao do educando a

partir do conhecimento de si. Para ele, a autonomia uma construo que leva liberdade, a

partir de um contexto de transformao de prticas de opresso em prticas de liberdade. A

palavra autonomia compreendida por Reichert e Wagner (2007, p. 408) como a capacidade

do sujeito decidir e agir por si mesmo, com o pressuposto de que o desenvolvimento e a

aquisio desta habilidade sofrem a influncia do contexto em que o jovem de desenvolve.

As autoras sugerem ateno com o contexto social para a construo de uma pretendida

autonomia, como fator de grande influncia sua construo entre jovens. Tambm com esta

preocupao e como forma de intervir com elementos geradores de autonomia durante os

encontros, deu-se a escolha do local de pesquisa.

A escolha pelo recorte espacial se deu por diferentes motivaes. Para esta pesquisa,

procurei um assentamento de reforma agrria em localidade prxima a Braslia, com a

discusso acerca da juventude rural a partir de grupo de jovens formado na comunidade. Meu

interesse inicial ocorreu com a participao, enquanto pesquisadora no Curso de Formao

Agroecolgica e Cidad, realizado pela UnB junto a Secretaria Nacional da Juventude, nos

meses finais de 2013. A partir do trabalho de diagnstico sobre a juventude rural em

assentamentos do Distrito Federal e Entorno, pude ter contato com o tema de pesquisa ainda

pouco explorado pela academia. Com o fim do trabalho de diagnstico e do curso realizado

junto aos jovens, tive despertado o interesse em realizar a pesquisa sobre juventude rural.

Com um projeto j iniciado sobre agroecologia em assentamentos de reforma agrria, optei,

inicialmente por realizar pesquisa que possibilitasse discusso com envolvimento na

juventude rural em agroecologia.

Com dificuldades nesta busca, a partir da oportunidade de um curso na Chapada dos

Veadeiros, enxerguei uma possibilidade de encontrar a realidade que buscava no assentamento 2 Disposio referente ao significado semntico encontrada em REICHERT, Claudete Bonatto; WAGNER,

Adriana. Consideraes sobre a autonomia na contemporaneidade. Estudos e pesquisa em psicologia, UERJ, RJ, v. 7, n. 3, p. 405-418, dez, 2007.

20

Silvio Rodrigues. Meu contato inicial se deu com a participao no Projeto Caravana da Luz,

curso aberto comunidade, no assentamento, com prticas que envolviam formao

complementar em permacultura, a partir da bioconstruo e de noes em agrofloresta. Ainda

com dificuldades em encontrar um recorte espacial para a pesquisa, apresentei o problema a

algumas pessoas da comunidade, a fim de identificar a presena de juventude rural

organizada. Conversando com os instrutores do curso e alguns membros da comunidade,

houve uma positiva receptividade quanto proposta de pesquisa. Pude ter o primeiro contato

com vrias famlias, conhecendo um pouco daquela realidade, alm de conversar com

professores da escola local e moradores da Cidade da Fraternidade, que apresentaram um

pouco do histrico da comunidade, com bastante preocupao em me auxiliar na pesquisa.

Com a confirmao de que eu poderia ter uma primeira conversa com o grupo de jovens, a

partir de uma liderana comunitria jovem, Marconey, iniciei uma pesquisa de dados

secundrios sobre o assentamento, para logo iniciar o trabalho de campo.

Nesta pesquisa realizada no assentamento Silvio Rodrigues, existe um grupo de

jovens que h dois anos se rene tanto para decises sobre trabalhos coletivos, plantio,

participao em projetos, quanto para discusso sobre sua participao em movimentos

sociais, congressos e encontros temticos, alm de questes relacionadas educao e

famlia. Esse grupo, formado a partir de aes junto Pastoral da Juventude Rural (PJR), aps

trabalhos realizados em 2012 e 2013, voltou a se reunir em junho de 2014, com uma proposta

geral de execuo de projetos produtivos a partir do desejo de gerao de renda das e dos

jovens do campo. Esse tema gerou algumas implicaes que sero logo explicitadas.

Acompanhando esse grupo durante seis meses, foi proposta a anlise de suas perspectivas de

continuidade no campo, a partir do acompanhamento dos trabalhos juntos ao grupo de jovens.

Coloquei, assim, como objetivo geral da pesquisa:

Estudar as perspectivas de continuidade no campo da juventude rural do

Assentamento Silvio Rodrigues, para a identificao de resistncia e busca por

autonomia, com caracterizao de novas territorialidades para a categoria social no

recorte espacial analisado.

Os objetivos especficos so:

Discutir as categorias juventude e juventude rural, de forma a gerar o debate

sobre a permanncia no campo a partir da resistncia ao contexto de

21

expropriao ocasionado pelo histrico agrrio no pas, gerando consequncias

categoria social analisada;

A partir de estudos sobre territrio no contexto geogrfico, verificar como se

constri a territorialidade entre jovens e como se do as perspectivas de

continuidade, apresentando reflexes sobre a permanncia da juventude rural

no campo;

Apontar os desafios quanto a aes que abordem o(a) jovem rural como

categoria de anlise que o diferencia da juventude urbana.

Identificar as aes realizadas pela juventude rural no recorte espacial

analisado, a partir da realidade local, desejos e sonhos para o futuro, realizando

uma anlise de como essas aes podem implicar em maior visibilidade e

formulao de polticas especficas para estes sujeitos.

As questes postas nos objetivos partem de uma preocupao acerca de estudos sobre

juventude rural e, alm disso, uma preocupao quanto representao atual dessa categoria

na formulao de polticas pblicas. H grande argumentao para a manuteno da juventude

rural no campo, como parte de uma hereditariedade imposta, como forma de garantir a

produo futura de alimentos. No entanto, esses argumentos no so definidores de uma

realidade que deveria ocorrer por meio da escolha dos sujeitos analisados, com a definio de

direitos, aes e polticas voltadas juventude rural e a real possibilidade de escolha sobre ser

do campo ou ser da cidade.

Como a pretenso de dissertar sobre o contexto agrrio, com a juventude do campo

como sujeito, envolvendo no tema a formao de grupos de jovens como forma de resistncia,

tambm foi fundamental a observao de buscas mais simblicas, como o simples fato de

assistirem a um filme juntos ou buscarem recursos para organizar uma festa. Em meio a

mltiplas aes, sempre houve espao para a discusso sobre o papel da juventude rural em

um assentamento de reforma agrria e sobre como poderiam agir para chegar aos seus sonhos,

o que foi de extrema importncia para o trabalho. A participao no grupo de jovens, as

conversas com famlias, escola e lideranas locais fizeram parte de momentos-chave para a

composio da pesquisa. A diviso do trabalho se deu da seguinte forma:

22

No primeiro captulo - Agricultura e sujeitos do campo contexto de uso da terra -

apresento um breve contexto da agricultura, iniciando um histrico sobre a formao agrria

no Brasil, dando nfase no tempo histrico da marcha para Oeste e Revoluo Verde,

apresentando os sujeitos envolvidos na dominao da terra. Em uma escala maior, detalhamos

um pouco mais o contexto agrrio no estado de Gois, inserido no bioma Cerrado e como este

se caracteriza como cenrio que representa tanto uma enorme biodiversidade quanto um

acelerado processo de expanso agropecuria e desterritorializao de povos e tradies, mas

com uma luta contnua contra a dominao do territrio, a partir de movimentos sociais.

O segundo captulo Juventude, Juventude Rural e Territrio, apresenta uma

discusso sobre a juventude como categoria social, seu histrico de resistncia, conflitos e

busca por direitos. Como objeto principal de discusso, exponho a juventude rural em suas

peculiaridades, formao poltica e papel na questo agrria. Como abertura de outras

perspectivas para a juventude rural e novas territorialidades, tambm discutido o tema

territrio. traado histrico do assentamento, formao e atuao da juventude em

discusses, possibilitando a anlise sobre territrio e territorialidades em seu carter

multidimensional.

No terceiro captulo, denominado Recorte espacial analisado Assentamento Silvio

Rodrigues, apresento inicialmente o histrico de ocupao do assentamento, sua

caracterizao e como ocorreu a formao de jovens como grupo em busca de direitos. Logo,

descrevo o trabalho realizado, com detalhamento da metodologia, o grupo focal, e das

ferramentas utilizadas como forma de comunicao com a juventude, discusso sobre esta

enquanto categoria social e cumprimento dos objetivos da pesquisa.

O quarto captulo, O grupo focal: aes e anlise apresenta os resultados gerados

pelas discusses no grupo focal e expressa como se deu a anlise dos principais elementos

encontrados nas discusses entre pesquisadora e sujeitos de pesquisa, a partir dos tempos

histricos propostos: passado, presente e futuro, com a perspectiva de reflexo a partir de

histrico de luta, experincias enquanto grupo e perspectiva de futuro a partir deste para a

juventude rural.

Por ltimo, no captulo 5, as consideraes finais ocorrem em um movimento de

reflexo, a partir, tanto da anlise terica sobre o tema, como de um contexto de discusso

coletiva, ocorrida durante as reunies de grupo focal junto juventude rural do assentamento.

23

1. AGRICULTURA E SUJEITOS DO CAMPO CONTEXTO DE USO DA TERRA

Para melhor retratar a realidade do campo e bem caracterizar a juventude rural como

categoria social no dissociada do territrio, com a constante interao e modificao deste,

importante que realizemos um pequeno estudo de como se constri historicamente e qual o

papel do sujeito do campo, representado por jovens, a partir de um histrico agrrio. A

importncia em conhecer o histrico se d alm de uma contextualizao, mas tambm como

uma forma de compreender relaes de poder, certos conflitos, expropriao e resistncia

como elementos que representam at o tempo presente, a realidade agrria do pas e, neste

estudo, a realidade histrica de uso da terra no bioma Cerrado.

Quando falamos em agricultura3 esto presentes interaes entre a sociedade e o que

ocorre com ela. A partir de uma relao entre grupos humanos e a natureza, houve profundas

transformaes surgidas historicamente a partir da utilizao da tcnica. A agricultura se

modificou, assim como as relaes humanas, marcando avanos ao mesmo tempo em que se

procurava o aprofundamento dessas tcnicas, alterando caractersticas naturais a partir de

inovaes a partir de uma cincia voltada para a modernizao e para propagao de seus

resultados de forma global, modificando tanto a produo agrcola mundial quanto as relaes

de vida nela presentes (SANTOS, 2006).

No entanto, essa modificao com crescente mecanizao e uso de tecnologias no

levou a muitos agricultores o acesso aos meios de produo presentes nas denominadas

revolues agrcolas. Isso os empobreceu, pois eles no puderam acompanhar o aumento de

rendimento e produtividade na terra, resultado da modernizao agrcola (MAZOYER;

ROUDART, 2010). Ao mesmo tempo em que essa modernizao trazia benefcios

econmicos iniciais, tambm desencadeou um processo de dependncia do agricultor para

garantia de sementes, acesso a maquinrios, mercados, enfim, toda uma estrutura que passou a

transformar o alimento em mais um produto de mercado.

3A agricultura tal qual se pode observar em um dado lugar e momento aparece em princpio como um objeto ecolgico e econmico complexo, composto de um meio cultivado e de um conjunto de estabelecimentos agrcolas vizinhos, que entretm e que exploram a fertilidade desse meio. Levando mais longe o olhar, pode-se observar que as formas de agricultura praticadas num dado momento variam de uma localidade a outra. E se estende longamente a observao num dado lugar, constata-se que as formas de agricultura praticadas variam de uma poca a outra (MAZOYER; ROUDART, 2010, p. 71).

24

Como resultado, temos uma contextualizao do rural que obedece a uma lgica de

modernizao, crescente emigrao e pauperizao de populaes, ao mesmo tempo em que a

produo rural est aberta expanso do capitalismo, tornando-se vulnervel porque inibe

foras de resistncia, e necessita de foras muito maiores que na cidade para negar sua

fragmentao (SANTOS, 2006). O histrico agrrio, inserido em uma realidade no s da

modernizao da agricultura, mas a partir de modificaes sociais, econmicas e culturais a

ela relacionadas, parte de um contexto poltico de dominao de territrios e povos,

fragmentando identidades, enfraquecendo formas coletivas de prticas de agricultura e

submetendo os sujeitos do campo a processos de expropriao.

1.1 Breve contexto da agricultura no Brasil: sujeitos envolvidos

O histrico agrrio no Brasil possui uma trajetria de expropriao e conflitos, desde

que os portugueses dominaram o territrio para explorao de povos e recursos. Esse processo

passou por diferentes fases, todas com sujeitos lutando por liberdade e contra a opresso

gerada pelo latifndio. Os conflitos no espao agrrio envolvem relaes sociais

contraditrias de cunho poltico, econmico, social e cultural. So elementos de poder sobre o

territrio, organizado hoje segundo regras capitalistas de dominao e gerao de lucro

atravs da produo nas grandes propriedades.

A formao agrria no pas se deu a partir da dominao portuguesa, de carter de

explorao de recursos e habitantes nativos para gerao de produtos para a Coroa. J a

amarrao do modo de organizao do espao agrrio brasileiro teve origem a partir de 1530,

com a efetiva ocupao do territrio e utilizao da Lei das Sesmarias, criada pela corte

portuguesa, que regulava juridicamente a repartio da propriedade fundiria. Segundo essa

lei, o acesso terra deveria ser proporcional ao nmero de escravos em propriedade de cada

senhor, restringindo-se assim, de direito, a alguns poucos, ficando excluda a maioria da

populao (MOREIRA, 1990). O processo de formao territorial da propriedade da terra

explica os conflitos gerados a partir da colonizao, com a predominncia histrica de

latifndios e a expropriao da populao do campo para satisfazer os fins da economia

agrria capitalista, sendo essa a causa do surgimento de lutas pela terra no Brasil.

Em um histrico mais recente, no ignorando o passado de conflitos pela terra, houve

o avano da fronteira agrcola para o oeste e a nova caracterizao dos latifndios, associado

industrializao e mecanizao agrcola. A Revoluo Verde, a partir da segunda metade do

sculo XX, veio atravs de maior tecnificao da agricultura, com grande utilizao de

25

maquinrios e insumos como fertilizantes e defensivos qumico-sintticos. Isso surgiu de uma

demanda de mercado por produtos padronizados internacionalmente, para consumo interno e

exportao. Fernandes (1999) afirma que a Revoluo Verde surgiu como um pacote

tecnolgico gerador de conflitos sociais, com a expulso do campo de grande quantidade de

camponeses, alm de problemas ambientais decorrentes de monocultivos e utilizao de

insumos sem controle.

A Revoluo Verde teve um desenvolvimento ampliado nos pases em

desenvolvimento, sendo o Brasil um exemplo, com grande utilizao de agrotxicos,

representados por fertilizantes qumicos e defensivos com alto poder de contaminao de

gua, solos, vegetao, animais e do ser humano. Esses produtos tiveram seu uso a partir de

subsdios do Estado aos agricultores que possuam a capacidade financeira de crdito e terras

para o desenvolvimento destas atividades. Com isso, os agricultores que no puderam aderir

a este novo padro de produo tiveram como consequncia a desvalorizao de seus

produtos e perda de mercado. Passaram a buscar trabalho nas grandes propriedades, muitos

vendendo suas terras e perdendo o direito de produzir o prprio alimento em uma clara

relao de pauperizao e expropriao (MAZOYER; ROUDART, 2010).

A uniformizao da agricultura para atender a um mercado com ateno exportao,

a partir de produtos de alto valor comercial, no atende obrigatoriamente a uma necessidade

alimentar diversificada, mas a uma especializao local, como a produo de frutas e soja no

Nordeste, novas frentes agropecurias no Norte ou a especializao produtiva em gros no

Centro-Oeste. Com isso, pequenos agricultores que no se adequam ou no se subordinam ao

mercado, acabam sendo excludos a partir da lgica de dominao do espao agrrio

(SANTOS; SILVEIRA, 2013). Alm disso, os autores destacam:

A criao de um mercado unificado, que interessa, sobretudo s produes hegemnicas, leva fragilizao das atividades agrcolas perifricas ou marginais do ponto de vista do uso do capital e das tecnologias mais avanadas. Os estabelecimentos agrcolas que no puderam adotar as novas possibilidades tcnicas, financeiras ou organizacionais tornaram-se mais vulnerveis s oscilaes de preo, crdito e demanda e s novas formas organizacionais do trabalho, o que frequentemente fatal aos empresrios isolados (SANTOS; SILVEIRA, 2013, p. 121).

No falando ainda de uma pauperizao j declarada, mas anunciando um processo de

dependncia do mercado, Santos & Silveira (2013) detalham novas divises do territrio dito

moderno a partir de seu uso intensivo, mesmo com a uniformizao e com a padronizao a

partir de uma lgica de produo de mercado.

26

Em um contexto de alto grau de expropriao, com histrico fazendo parte da estrutura

agrria do pas, a Revoluo Verde intensificou usos de territrios cada vez mais

fragmentados. Nesse mesmo perodo e se caracterizando como confronto realidade imposta

por um padro de agricultura e distribuio de terras excludente, grupos passaram a se

organizar no meio rural brasileiro (OLIVEIRA, 2001).

A partir da Teologia da Libertao houve inspirao luta e comunidades passaram a

se organizar politicamente. Na dcada de 1970 movimentos camponeses se organizaram pela

terra e pela reforma agrria. As lutas se fortaleciam conforme aumentava a expropriao. A

Igreja Catlica passou a realizar trabalhos de alfabetizao e politizao de camponeses. No

final da dcada, com o intuito de uma luta maior, contra o modo de produo capitalista, teve

incio a organizao do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST. Na dcada de

1980, com a lentido por parte do Estado para desapropriar reas passveis de assentamento, o

MST intensificou ocupaes como forma de pressionar o processo de reforma agrria.

Movimentos conservadores entraram em cena contra a reforma agrria, impedindo que ela se

realizasse. Movimentos de represso aumentaram e a questo agrria era discutida e colocada

em pauta pelos governos que se seguiram na dcada de 1990. Forte conflito decorrente disso

foi o episdio de Eldorado dos Carajs com a morte de 19 sem-terra (FERNANDES, 1999).

Estes movimentos, denominados movimentos socioterritoriais4, representados no

Brasil, principalmente pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, se fortaleceram

e se territorializaram por todo o pas, com a formao de cooperativas de assentados,

ampliando a discusso sobre a questo agrria e dando autonomia a novas organizaes de

luta pela reforma agrria, culminando hoje na formao da juventude rural como categoria

social que luta por direitos comuns.

Para essa categoria a conquista do territrio mais que a conquista da terra, o resgate

da identidade, movimento de resistncia, de manuteno/valorizao da diversidade cultural,

a oportunidade de aes de busca por direitos negados por relaes de expropriao no

campo (OLIVEIRA, 2001).

4 O conceito de movimentos socioterritoriais surgiu com reflexo sobre os movimentos sociais a partir de uma leitura geogrfica, a leitura a partir do territrio. Os gegrafos Bernardo Manano Fernandes e Jean Yves Martin realizaram o primeiro esforo terico entre 2000 e 2001. Em Fernandes (2005, p.31): Os movimentos socioterritoriais para atingirem seus objetivos constroem espaos polticos, especializam-se e promovem espacialidades. A construo de um tipo de territrio significa, quase sempre, a destruio de um outro tipo de territrio, de modo que a maior parte dos movimentos territoriais forma-se a partir dos processos de territorializao e desterritorializao.

27

Quando citamos os sujeitos do campo, importante ressaltar que no so sujeitos

participantes de um mesmo ideal politico, vindos de uma mesma cultura ou de uma mesma

regio do pas. Estes sujeitos no possuem uniformidade, a no ser o fato de lutarem por um

territrio negado a todos da mesma forma. Os movimentos socioterritoriais surgem de forma a

unir indivduos, representados por homens, mulheres, jovens, crianas, com diferentes,

sonhos, culturas, em busca de uma vida com autonomia, em que:

A terra representa um sonho para os camponeses expropriados, quando o acesso a ela converte-se em acesso ao territrio, a terra to sonhada torna-se o meio que possibilita ampliar e materializar os sonhos da famlia, em diferentes planos, dimenses e escalas temporais. Para o campesinato o acesso terra, quando convertida em territrio, representa a materializao da vida (RAMOS FILHO, 2013, p. 54).

A organizao de indivduos em busca desse acesso terra se d de forma plural. Alm

de ter como organizaes diferentes representantes no apenas do MST, como os Sindicatos

dos Trabalhadores Rurais STRs, diferentes confederaes e federaes de trabalhadores,

como CONTAG e FETRAF, cooperativas e associaes, e, representado a categoria aqui

estudada, a PJR, atuam no sentido de modificar a dinmica territorial. So movimentos

territorializados porque lidam diretamente com o direito ao territrio e Reforma Agrria

(LIMA, 2005).

1.1.1 Aproximando o contexto: O Estado de Gois

Voltando um pouco mais no tempo, com a Marcha para Oeste5, final da dcada de

1930, possvel traar modificaes territoriais que caracterizam o histrico de ocupao no

estado de Gois. Teixeira Neto (2013) afirma que em sua constituio, Gois teve como

caracterstica o encolhimento de suas fronteiras, a partir de uma expanso desorganizada e

competitiva, em uma lgica de produo agroindustrial voltada ao mercado nacional e

internacional. As caractersticas de sua formao foi uma rpida ocupao, ocorrida em menos

de 50 anos, marcada por uma mobilidade espacial e populacional, por meio da dominao de

oligarquias que detinham e ainda detm o poder sobre o uso da terra, a partir da concentrao

fundiria e instabilidade de limites e fronteiras.

5 A marcha para Oeste foi um movimento de interiorizao do Brasil, com o incentivo ocupao de lugares

denominados vazios populacionais. Esse movimento de interiorizao do Estado foi efetivado por Getlio Vargas e representado, principalmente pela criao de colnias agrcolas com objetivo de produo alimentcia, em sua maior parte gros e produo agropecuria, para os centros urbanos emergentes. Alm disso, tambm tinha como finalidade a conteno de conflitos sociais que ocorriam poca em outras regies do pas, culminando na construo de Braslia como capital federal (PESSOA, 1997).

28

Campos e Silva (2013), em seus estudos sobre a fronteira goiana, resgatam diversas

histrias e documentos que caracterizaram o territrio goiano em suas relaes sociais e

cotidianas, alm de seu ambiente. Esses relatos foram obtidos por viajantes, naturistas,

gegrafos, bandeirantes, entre outros personagens, e os documentos como jornais, cartas e

relatrios de documento apresentam informaes sobre um territrio que se coloca

historicamente a uma distncia enorme do resto do Brasil, fsica e simbolicamente, por meio

da negao s populaes ao acesso civilizao e s suas vantagens.

Quanto forma de ocupao de Gois, esta se deu a partir da busca de ouro e a partir

da pecuria. Com a produo de ouro no prosperando como o esperado por seus

exploradores, a pecuria passou a ser a base de ocupao do territrio no estado. Essa nova

produo partindo do antes desocupado Gois permitiu sua comunicao com outras regies,

principalmente a Sudeste, com envio de gados para Minas Gerais ou So Paulo (CAMPOS E

SILVA, 2013). No entanto, essa comunicao se dava apenas a partir de uma minoria de

proprietrios que tinham poder de compra de terras e gado, tinham a possibilidade econmica

e poltica de realizar investimentos no estado:

As questes agrrias e o processo de ocupao territorial em Gois no sculo XX tiveram como caracterstica constante o impedimento ao acesso propriedade, trao evidenciado pelos recursos e meios usados pelos grupos dominantes. Para exercer esse impedimento usava-se uma legislao impeditiva, com excessivas exigncias burocrticas de requisio de terras, levantamentos e demarcaes, dentre outros, alm do alto preo do imvel (CAMPOS E SILVA, 2013, p. 44).

A ocupao de certas reas do interior do pas, com grande relevncia o Estado de

Gois e Mato Grosso, surgiu a partir da necessidade de mudanas econmicas, polticas e

sociais a partir de uma crise internacional no superada, que levou populaes

desempregadas, principalmente de cafeicultores, a serem proprietrias agrcolas nestas

denominadas frentes de expanso, multiplicando os estabelecimentos rurais de mdio porte a

partir da agricultura e da pecuria. A partir da abertura de novas fronteiras rodovirias, houve

a possibilidade de aumento de reas de explorao agropecuria, ainda como uma

possibilidade, principalmente com a fronteira Belm-Braslia. O surgimento de novos fluxos

de mercado, a partir da abertura de estradas que levavam a Braslia, ainda em construo,

impulsionou a aquisio de grandes propriedades como uma forma de garantia econmica em

um novo territrio, geralmente realizada por meio de frentes de expanso (BERTRAN, 1988).

Estas frentes de expanso, identificadas por Campos e Silva (2013) como Frente

Agrcola e Frente Agropecuria, tiveram incio entre o final do sculo XIX e primeira metade

29

do sculo XX e basearam-se principalmente na produo agrcola de gros e na criao de

gado para comercializar em outros estados. A ocupao se dava em sua maioria por

apossamento de terras e no por contratos de compra e venda, como elemento de contribuio

para um rpido crescimento da ocupao rural no Estado de Gois, como exposto por Bertran

(1988, p. 119), com mdia de crescimento ultrapassando os nmeros marcados para a mdia

do pas:

De 1940 a 1950 sua rea rural expandiu-se em 25, 4% (contra 17,4% para o Brasil).

De 1950 a 1960 acentua-se essa expanso, Gois atingindo 17,4% de crescimento de reas

rurais, enquanto a expanso brasileira se fazia em torno de um modesto 7,6% na dcada. Nos

anos de 1960 essas taxas comeam a se aproximar (Gois 23,9%, Brasil 17,2%) embora no

perodo 1970-1975 as taxas goianas voltem novamente a dobrar a mdia brasileira, acelerando-

se em 21% nesse quinqunio, contra 9,9% para o pas (BERTRAN, 1988, p. 119).

Ao vermos a acelerao ocorrida na dcada de 1970, j podemos fazer a relao com a

modernizao da agricultura, com novas frentes de expanso, a partir da pecuria extensiva e

da produo de gros em grande escala. Essa modernizao apresenta-se a partir de um

padro de financiamento estatal, com garantia de crdito rural a baixas taxas de juros e acesso

fcil a maquinrios e insumos, com os agentes financiadores tendo como clientes os grandes

produtores. Houve com isso, um rpido crescimento e grandes rendimentos da fronteira

agrcola no Estado de Gois, de forma contnua. Esse crescimento no cessou e, mesmo com

uma crise fiscal ocorrendo no pas j na dcada de 1980, a forma com que se deu a expanso

da agricultura no estado, de forma empresarial, voltada produo de gros, como milho e

soja e com as agroindstrias em funcionamento e expanso, permitiu um contnuo movimento

da fronteira agrcola, mas de forma predatria, repetindo o ocorrido no centro-sul do pas

(HESPANHOL, 2007).

importante pontuar que a forma de ocupao de terra ocorreu a partir de uma

legislao estatal com dizeres contraditrios que, da mesma forma que exigia a compra da

terra para sua ocupao, tambm estabelecia diretrizes de ocupao para aqueles que j

detinham a posse da terra, contribuindo de forma indireta, mas ciente, para a formao de

latifndios (CAMPOS E SILVA, 2013). Para Maia (2013), as aes do Estado revelaram que

houve uma proposital ideia de dinamizao de produo agrcola e agropecuria, sendo a

ocupao de Gois uma continuidade de ocupao territorial visvel na histria do pas.

30

A expanso de reas para explorao agrcola no Estado de Gois se deu de forma

acelerada, principalmente entre as dcadas de 1960 e 1970. Isso provocou acelerado impacto

ambiental. De acordo com BERTRAN (1988, p. 120), durante esse perodo de tempo, As

reas de cerrados e pastos naturais foram responsveis em Gois por mais de 55% dos

ganhos em expanso rural, contra cerca de 40% para o Brasil. Essas reas foram usadas,

relata o autor, principalmente para pastagens. Como objetivo de grandes produtores, as

pastagens se formaram com a derrubada de rvores, com alguma forma de agricultura

ocorrendo quando conveniente, acelerando o processo de destruio ecossistmico. O

desmatamento na regio se deu de forma to acelerada quanto seu rpido crescimento

econmico, deixando a paisagem com um aspecto homogneo e com um verde sem vida.

Como citado em Funes (2013, p. 141, grifo do autor) Os cantos dos pssaros, o coaxar dos

sapos e as terras cobertas por uma exuberante vegetao, mas intil, vai cedendo lugar para

as grandes pastagens, as lavouras extensivas locomotivas do agronegcio. A paisagem do

cerrado se transforma em outras.

Junto aos impactos ambientais, apresentaram-se problemas sociais no campo.

Enquanto a expanso de grandes reas contribuiu com o sucesso dos denominados

empresrios rurais nas reas de Cerrado, populaes no possuidoras de terras passaram a

fazer parte da mo-de-obra de grandes fazendas ou migraram para as cidades prximas que

estavam se constituindo como importantes polos urbanos, como Goinia, Anpolis e Braslia,

ainda h pouco inaugurada, para ocupar vagas de trabalhos basicamente domsticos ou na

construo civil. So essas populaes que mais tarde se constituiro como sujeitos em busca

de autonomia, em busca de um territrio negado, para o resgate do trabalho rural e de suas

identidades fragmentadas, sujeitos estes denominados sem terra (BERTRAN, 1978; 1988;

PESSOA, 1997).

1.2 Movimentos sociais e juventude rural no contexto Cerrado de uso da terra

Para que possamos realizar uma discusso com ateno especial aos atores envolvidos

no histrico de ocupao do Cerrado, compreendido neste estudo como uma crescente rea de

produo, interessante no desligar as aes dos sujeitos natureza presente, mas

compreender a complexidade que envolve homem-natureza, em uma forte ligao que no

deve ser tomada de forma isolada. Funes (2013) compreende a necessidade dessa relao, a

31

partir de um traado histrico sobre a ocupao do cerrado, especialmente a regio Centro-

Oeste. O autor afirma ser indispensvel fazer a associao entre homem e natureza e

compreende que estes elementos so indissociveis tanto em sua caracterizao e

historicizao quanto em seu comportamento, alertando que ambos devem ser tratados em

conjunto.

Com a denominao j comum de celeiro do pas, o cerrado brasileiro, presente em

grande parte da regio Centro-Oeste do pas, um bioma ainda carente de reconhecimento em

sua importncia natural e cultural, onde em seu histrico de ocupao, o agronegcio e a

agroindstria fazem girar a mquina do setor produtivo, estruturado no latifndio e

fundamentado na pecuria de corte, na lavoura extensiva de algodo, cana-de-acar (etanol)

e, em especial, da soja (FUNES, 2013, p. 125). Essa caracterizao, rica em cifras geradas,

mas pobre em valorizao de suas riquezas naturais e das pessoas e culturas ali estabelecidas,

contribui para a continuidade de uma estrutura baseada na explorao da natureza e do

trabalho. retirada a vegetao original, com consequente disperso e morte da fauna,

homens so colocados em condies de subordinados ou expulsos de suas terras para dar

lugar a padres modernos de produo.

Retomando o histrico da Revoluo Verde, com a continuidade da concentrao

fundiria, prolongando-se com a utilizao de tecnologias e mecanizao no campo, ocorreu

talvez, em maior intensidade, uma nova forma de dominao do territrio, tecnificada e

modernizada, intensificando a expropriao de agricultores sem poder de compra de terras ou

com terras e poder aquisitivo insuficientes para confrontar os grandes empresrios rurais. Sem

uma perspectiva de continuidade de trabalho no campo, a migrao para as cidades tornou-se

uma alternativa de sobrevivncia, j que era percebida como outra possibilidade nesse

contexto de excluso (OLIVEIRA, 2001).

As dificuldades histricas6 em contrapor um modelo de controle do territrio baseado

em grandes propriedades agroexportadoras fez surgir e se fortalecerem no Brasil movimentos

em busca de territrio para indivduos expropriados, desterritorializados, fragmentados em

suas culturas. As aes destes movimentos ecoaram pelo pas, com adeso de milhares de

6Como dificuldades histricas, expomos a concentrao fundiria no Brasil, como processo histrico institudo com o regime colonial portugus de domnio do territrio, com a ampliao das capitanias hereditrias e distribuio de sesmarias, a Lei de Terras de 1950 e as aes obtidas com a modernizao conservadora, com consequente insero do pas, de forma subalterna no capitalismo internacional. (RAMOS FILHO, 2013).

32

pessoas exigindo terra como direito. Na regio Centro-Oeste, Estado de Gois e logo, no

bioma Cerrado, ocupaes foram realizadas como forma de garantir terra para plantar, criar,

como forma de resgate, principalmente com a organizao do MST, como representante

nacional da luta pela reforma agrria, mas com diversas organizaes envolvidas. Como

resultado, houve diversas desapropriaes de fazendas para a realizao da dita reforma

agrria, nunca sem conflitos entre as partes envolvidas (OLIVEIRA, 2001).

Com esse panorama, conflitos e diversos sujeitos envolvidos, buscou-se a

identificao de categorias de luta. Umas destas categorias, a juventude rural, mostra-se hoje

como possibilidade de renovao dos movimentos, necessitando ainda que sejam

estabelecidos direitos e aes para sua visibilidade tambm como categoria poltica. A

juventude rural, ainda sem esta denominao, sempre esteve no movimento, mas somente na

dcada de 1980 passou a integrar as discusses nos movimentos, a partir de uma construo

poltica iniciada com a percepo da organizao desta nos movimentos sociais (CASTRO et

al., 2009).

A criao da Pastoral da Juventude (PJR) em 1983 teve j em sua formao a

juventude rural na estrutura organizativa. Ainda que um movimento no muito visvel dentre

os outros, pde se fortalecer integrando-se na Via Campesina Brasil. Outros movimentos j

tiveram a juventude rural como categoria de luta poltica e tambm como membro

organizativo, mas somente h pouco tempo, aps os anos 2000, est havendo insero

organizativa neste movimento, como CONTAG, MST e Movimento dos Atingidos por

Barragens, a partir de perspectivas destes movimentos com o futuro de suas aes (CASTRO

et al., 2009).

Um dos motivos para que houvesse maior mobilizao de jovens rurais nos

movimentos sociais foi a dificuldade destes quanto ao acesso terra. Nos estudos de Castro

(2009) sobre eventos organizados por movimentos sociais, constatou-se que a maioria morava

com os pais, alguns outros membros da famlia, outros como empregados rurais. Essa

realidade no mudou de forma significativa, apesar de algumas aes afirmativas a partir de

polticas pblicas para facilitar a aquisio de terras e a possibilidades de produo.

Como forma de compreender melhor o contexto, como aporte vindo da pesquisa de

campo realizada, inserimos em meio discusso terica informaes de um jovem

participante do grupo focal. De acordo com ele, a organizao da juventude rural d-se ainda

33

de forma pouco integrada. H alguns grupos de jovens em assentamentos rurais ainda pouco

articulados, principalmente devido dificuldade de comunicao entre seus representantes.

H somente dois representantes da PJR que participam de decises no estado de Gois, e so

convidados a congressos como responsveis por comunicar seus grupos quanto s discusses

da Pastoral. Contudo, mesmo com alguns entraves, os representantes locais da juventude

mostram-se atentos s decises da categoria, conhecem a histria dos movimentos sociais que

os apoiam e reconhecem que necessrio um fortalecimento poltico em busca de visibilidade

politica. necessrio que essa categoria seja atendida em suas expectativas, pois como bem

pontuam Castro et al. (2009), ainda so distantes as relaes entre discurso e prtica neste

processo de reconhecimento da juventude rural como categoria diversa e como gerao,

persistindo ainda conflitos a partir de diferentes contextos que no devem levar a um discurso

uniformizador, mas ressignificar e criar prticas polticas.

Enfim, o contexto Cerrado de uso da Terra um contexto de luta antiga e contnua, a

partir do embate constante com o agronegcio, em um territrio dominado pelo latifndio e

por interesses meramente econmicos. Quando concentramos essa pesquisa a partir da

categoria social juventude rural, esta no se coloca apenas como de ordem social, mas

principalmente territorial devido sua luta ser tambm, e ao mesmo tempo, em favor de um

territrio apropriado, em um Estado com histrico de expropriao e conflitos, em um bioma

ameaado em sua diversidade. Nesse contexto, seguimos com um referencial acerca da

juventude rural associada ao territrio, como no pode deixar de ser, a partir de diferentes

olhares, procurando a compreenso de como esta se identifica e o que busca para a formao

de novas territorialidades.

34

2. JUVENTUDE, JUVENTUDE RURAL E TERRITRIO

Buscamos aqui inicialmente fazer o dilogo terico estabelecendo tanto semelhanas

quanto limites conceituais a respeito de juventude e juventude rural. Enquanto contribuio no

entendimento no tema, expomos uma discusso que envolve a juventude rural em questes

como gnero, histrico de migrao para cidades e tratamento das diferenas, seguindo para

indispensvel caracterizao de territrio e territorialidades, enquanto afirmao de

identidades e autonomia, fazendo uma pequena discusso sobre o estado da arte de polticas

afirmativas para a juventude rural. Assim, apresentamos parte da complexidade que envolve a

juventude rural inserida no contexto proposto.

2.1 Juventude e juventude rural: suas peculiaridades

Para Ribeiro (2004), importante assinalar que a caracterizao de juventude como

categoria social estabelecida para a contestao do mundo apenas a partir da Revoluo

Francesa, simbolizando a liberdade e o novo em oposio servido e ao antigo, com

aspectos que surgem da possibilidade de um recomeo poltico e social. A juventude passa a

ser caracterizada como um grupo com elementos comuns, mas com suas peculiaridades. Nesta

caracterizao h diversas abordagens, como a de que a juventude uma fase da vida

composta por liberdade de busca e por poder de contestao, com constituio esttica de

elementos como corpo, sade e liberdade. Como construo artificial, o ideal de juventude

coloca-se com caractersticas tanto de melhor poca da vida, em comparao infncia e

velhice, como tambm de busca pelo novo, e isso leva a um movimento criativo inerente a

esse ideal social.

J enquanto definio como um perodo de transio, foi assumida aps 1964, com a

Conferncia Internacional sobre Juventude, ocorrida na cidade de Grenoble, Frana. Esta

definio ocorre a partir de uma ideia de socializao a partir do estabelecimento de

determinados papis sociais, alm de sua percepo ocorrer por meio de caractersticas

familiares, educacionais e produtivas, atestando um potencial de autonomia do sujeito a partir

de suas experincias (ABRAMO, 1994, apud WEISHEIMER, 2005).

35

Para Kehl (2004, p. 89), em uma definio psicolgica, a juventude um estado de

esprito, um jeito do corpo, um sinal de sade e disposio, um perfil do consumidor,

uma faixa do mercado onde todos querem se incluir.

Bourdieu (1983), em sua discusso, Juventude apenas uma palavra, qualifica a

juventude como uma construo social, inserida na luta entre jovens e velhos, de forma

complexa. Afirma a evidncia de manipulao quando estabelecido um intervalo de idade

para a definio de jovem, o que falseia a homogeneidade imposta, muitas vezes pela

categoria. A juventude constitui, em sua essncia, a busca pelo novo, em oposio velhice

como categoria social, porque estes no buscam mais o novo e so muitas vezes contra quem

o faz, ressaltando que essa oposio no uma regra, mas uma forma de se definir estas

categorias elaboradas socialmente.

A juventude pode ser compreendida como o rompimento com as tradies, por meio

de aes ditas revolucionrias ou reformistas, j teorizadas pelos mais velhos, mas com

potencial de execuo somente pela mocidade como agente revitalizante. Essa

caracterizao compreendida por realizaes de aes rpidas e busca pelo que novo ou

pelo que pode ser modificado. Para que haja uma sociedade dinmica, com grande contedo

de mudanas, se faz necessria a presena da juventude em aes tanto revolucionrias quanto

reformistas. A intermediao da juventude em mudanas essencial, porque possui reservas

de energias e j conhecem os elementos existentes, alm do que pode ser passvel de inovao

(MANNHEIM, 1968).

Como categoria social, a juventude est inserida em uma realidade social constituda

por vrios grupos de forma heterognea, ao mesmo tempo em que se forma como categoria

social delimitada por faixa etria. Essa constituio carrega em si caractersticas simblicas,

histricas, materiais e polticas. Em funo dessa constituio da realidade, h diferenas nas

vivncias da juventude, tanto simblicas como concretas, relacionadas realidade financeira,

educao, trabalho e lazer. Essa forma de categoria heterognea, mas com caractersticas

comuns, a partir de um ideal esttico ou como elemento para servir ao mercado, tambm

mostra outros elementos relacionados a uma crise advinda da falta de polticas para a

juventude, de forma generalizada. Essa crise vista de forma pessimista atravs dos tempos e

com grande insatisfao quanto s medidas tomadas para esse grupo (ABRAMOVAY;

ESTEVES, 2009).

36

Como categoria situada entre a infncia e o universo adulto, entre a dependncia e a

autonomia, a juventude inserida historicamente em um contexto de inquietude, com

escolhas maduras ou no, com poder ou sua falta, em uma determinao cultural de

transitoriedade, imposta por limites que preveem uma uniformizao e uma simplificao

etria que no ocorrem na realidade. A juventude foi historicamente construda e identificada

em um universo conceitual no delimitvel juridicamente ou a partir de comportamentos

estabelecidos para determinada faixa etria, mas a partir de mltiplas perspectivas, de sua

socializao, de seu papel simblico e suas perspectivas sociais (LEVI; SCHMITT, 1996).

O que deve ser compreendido quando se pretende chegar a um conceito de juventude,

que h uma cultura, um viver imbudo no discurso, que no deve de maneira alguma ser

antagnico a modos de viver de adultos ou de velhos. Silva (2002, p. 111) coloca muito bem a

questo:

As discusses em torno do conceito de cultura juvenil colocam em questo os limites entre juventude e velhice, o jovem e o adulto, ou onde comea um e outro. Sendo assim, trata-se de discutir no o carter de antagonismo dessas culturas, adulta e juvenil, mas, sim, a sua complementaridade enquanto espelhos reflexos uma da outra ou, ainda, sua oposio complementar.

Quando, historicamente, Levi & Schmitt (1996) relembram revoltas e revolues com

a linha de frente tendo jovens protagonistas, procuram afirmar que, em uma determinao

cultural efmera, em um tempo fugidio, mas repleto de entusiasmo, a formao de modos de

pensar e agir em buscas e aprendizagens ocorrem em um tempo s, e podem levar a xitos ou

fracassos. Para a presente pesquisa, essa reflexo de extrema importncia, porque insere

essa identificao do ser jovem como construo histrica a partir de expectativas presentes

em uma construo social, que, muitas vezes, no a representa. Sua multiplicidade no parte

somente de ganhar ou perder uma batalha, mas de afirmao de mltiplas identidades, e

consequentemente de no previso de aes esperadas. Quando partimos da definio de

juventude para uma ideia de juventude rural, essa multiplicidade se afirma e abrem-se novos

olhares e outras dimenses para a categoria enquanto sujeitos de pesquisa.

A construo da juventude como uma etapa em formao para a vida adulta uma

construo moderna, que existe para impor valores de transio para a vida adulta, ou seja,

que identifica os e as jovens como seres inacabados e lhes impe uma racionalizao e

individualizao, em uma separao categrica de formao incompleta, estabelecida

socialmente e que se mostra heterognea conforme o grupo ao qual est inserida (PAULO,

2011).

37

A partir das colocaes postas acima, sejam elas com elementos da psicologia,

histria, sociologia, antropologia ou educao, podemos perceber que muitas vezes a

juventude vista como um meio do caminho, uma etapa inacabada, com delimitaes de

comportamento ou aes esperados pela sociedade. Quando algo no ocorre conforme o

esperado para essa juventude, h uma ateno maior para que ela no seja desviada em sua

formao traada por outros sujeitos que a construram socialmente. No entanto, no

perguntaram a ela qual sua proposta e como se identifica:

Vale a pena lembrar que a fronteira que separa juventude e maturidade corresponde, em todas as sociedades, a um jogo de lutas e manipulaes, visto que as divises entre idades so arbitrrias e que a fronteira que separa a juventude e a velhice um objeto de disputa que envolve a dimenso das relaes de poder. importante destacar que, como qualquer outra forma de classificao, suas fronteiras so socialmente construdas (WEISHEIMER, 2005, p. 22).

Convencionou-se definir a faixa etria para a juventude entre 15 e 29 anos no Estatuto

da Juventude (BRASIL, Lei n 12.852 de 5 de agosto de 2013), sendo que esta definio ser

utilizada na pesquisa. No entanto, a definio apenas uma classificao que foi se formando

historicamente a partir da caracterizao da juventude e que pode ter contribudo ou no para

a elaborao de polticas para a categoria. No h uma imposio de intervalo de idade para

que um indivduo seja identificado como jovem ou assim se identifique. Essa construo da

juventude por faixa etria pode no caracteriz-la como unidade, pois sua identificao deve-

se tambm identificao do sujeito como pertencente a esse grupo: A juventude torna-se

juventude tambm por sua prpria representao nas condies a que est submetida. Ou seja,

tornar-se jovem acontece a partir das especificidades de cada jovem ou grupo de jovens na

relao com outros sujeitos (SILVA et al., 2006, p.76).

Agora, quando h a pretenso de conceituar a juventude rural, percebe-se que a

categoria juventude ou a jovem ou o jovem no possui uma compreenso nica, mas

leituras a partir de diferentes realidades. O (a) jovem rural e o (a) jovem urbano(a) possuem

inicialmente a diferena de localizao no espao. Em cada um desses espaos h diferentes

formas de ser jovem. As roupas, as festas, as msicas, as formas de manifestao, as

possibilidades de educao e trabalho so caractersticas que diferenciam jovens do campo e

jovens da cidade:

Elas e eles vivem no campo, tm como forma de subsistncia e identificao a agricultura e constituem suas experincias em diversos espaos e relaes socioculturais: na famlia, na comunidade, no trabalho da roa, na escola, no desejo de continuar os estudos, no grupo de jovens; na necessidade da independncia financeira e nos movimentos e organizaes do campo (SILVA et. al, 2006).

38

A caracterizao da juventude rural como uma identidade social pretende dar

visibilidade a parte da categoria que se manteve invisibilizada e distante das polticas por no

ser atendida em sua singularidade, sua realidade, como afirmam Freitas e Martins (2007, p.

81):

importante considerar que perceber essa heterogeneidade juvenil no campo, no significa multifacetar a realidade social, desconsiderando sua unidade. Significa perceber como os jovens, marcados por situaes singulares, conformam-se/reagem realidade histrico-social em que se encontram inseridos.

Importante mencionar que mesmo a identidade juventude rural possui caractersticas

culturais distintas e que deve ser atendida em seus direitos. A juventude caracterizada nesta

pesquisa inicialmente referiu-se a populaes da faixa etria compreendida entre 15 e 29 anos,

estabelecida pelo Estatuto da Juventude, que vivem em assentamentos de reforma agrria e

que possuem um histrico de luta pela terra que as unifica na discusso. No entanto, a

formao do grupo focal acabou por ser constitudo com a faixa etria entre 14 e 23 anos, mas

no restrito a essa faixa etria, o que ser analisado mais frente. Importante informar que h

outras identidades de juventudes rurais, no presentes no recorte espacial estudado, que no

sero tratadas no presente estudo, como jovens ribeirinhos, jovens quilombolas e jovens

indgenas que, com particularidades em suas vivncias, carregam identidades nicas, que no

devem ser aqui generalizadas, mas reconhece-se a importncia da realizao de pesquisas a

partir destes sujeitos.

Como ponto em comum que caracteriza essa to heterognea juventude rural, est a

identificao com a agricultura, as vivncias com a famlia e com a comunidade, as relaes

de trabalho, os estudos, as possibilidades existentes nos grupos de jovens como movimento e

atuao poltica, vividos com especificidade a partir de sua realidade, da emergncia de aes

e de formas de organizao. Essa identificao a partir das vivncias muito importante para

que seja fortalecida a organizao das/dos jovens para uma determinada ao, com a

pretenso de que continuem no campo, no como uma imposio, mas como possibilidade de

escolha (CASTRO, 2006).

Dentre os processos que afetam a juventude rural, esto dificuldades socioeconmicas

por ela enfrentadas, os diferentes universos culturais a que essa juventude pertence e muito

importante, a diminuio de fronteiras entre rural e urbano, sendo que este ltimo ser

discutido mais a frente. Nestes processos, caractersticas como o ser, o sentir e o representar

39

so fundamentais para que a juventude seja compreendida de forma heterognea, para que

seja possvel responder a questes de mbito sociocultural, educacional e econmico, tanto

em estudos acadmicos quanto na formulao e reformulao de polticas pblicas (SILVA,

2002).

Esses processos afetam, na verdade, a juventude em si, mas o propsito de enfatiz-los

na juventude rural se deve s suas peculiaridades. O mundo do trabalho visto mais

precocemente pelo jovem e pela jovem rural, o primeiro muitas vezes com a continuidade do

trabalho dos pais, de forma a se caracterizar como uma sucesso geracional do trabalho dos

pais na agricultura, a segunda pelo trabalho domstico e a expectativa dos pais de casamento,

com a excluso feminina da atividade agrcola. Com histrico da juventude rural com pouca

ou nenhuma perspectiva de melhoria de vida no campo, em termos econmicos e de

condies de trabalhos, essa perspectiva se torna assustadora, o que gera a busca de

alternativas possveis em seu universo que no uma situao de fragilidade econmica

(CARNEIRO, 2007).

Salienta-se que devem ser discutidas outras possibilidades para a juventude rural, para

que no permanea a ideia de que estes esto sendo formados indivduos para abastecer de

alimentos a populao das cidades, mas sujeitos do campo que possam fazer a escolha entre

permanecer no campo ou ir para as cidades, com poder de escolha e oportunidades nessas

realidades que se complementam e no devem, portanto, se anular. Assim como no se deve

discutir a juventude rural como transformadora, que ir realizar uma revoluo no meio rural.

Para esses sujeitos, h condies histrico-sociais impostas, limites de possibilidades que

devem ser considerados.

A importncia de uma anlise sobre as perspectivas para a juventude rural,

apresentadas por ela, se d neste trabalho especialmente por dois motivos. O primeiro a

presena de pesquisas acadmicas que tomam a juventude rural por sujeito de relevante

importncia, a categoria social ligada hereditariedade no campo e continuidade de

tradies agrcolas passadas por suas famlias. O segundo motivo a importncia do trabalho

coletivo como estratgia poltica de resistncia de populaes pauperizadas pela expropriao,

negadas em sua identidade e em sua territorialidade. Para isso, a organizao de grupos de

jovens para a compreenso destes, como portadores de direitos, de extrema importncia. As

decises, se realizadas de forma coletiva, tem o poder de gerar autonomia para os sujeitos do

campo e tem na juventude rural grande representatividade.

40

No histrico da juventude enquanto sujeito em assentamento de reforma agrria, foram

se constituindo alguns conceitos importantes para sua afirmao. Iniciamos com a juventude

enquanto participantes de novas ruralidades presentes no contexto agrrio brasileiro. As

jovens e os jovens, como categoria representante do universo rural em suas particularidades,

tem sua identidade formada a partir de um entendimento desse rural:

Rural tudo o que pertencente ou relativo ao, ou prprio do campo; o agrcola; relativo vida campestre. Ou ainda pode ser visto como a zona fora do permetro urbano ou suburbano das grandes cidades, na qual geralmente predominam as atividades agrcolas, ou zona onde se situam pequenas cidades de vilegiatura que no as de praia (MEDEIROS, 2011, p. 59).

Para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) e para diversos

documentos publicados pelo poder pblico, o rural compreendido como tudo aquilo que no

urbano. O campo tem a definio a partir da distncia de grandes centros, da densidade

populacional e do tipo de produo, sendo as mais citadas as produes agrcola e a pecuria.

Inserida neste contexto est a ruralidade, como uma construo social resultante de aes de

diferentes sujeitos, em espaos com construo social e cultural imbudos de caractersticas

herdadas e/ou adaptadas a partir de adaptaes espao-temporais, como algo que pertence ao

rural (MEDEIROS, 2011).

As ruralidades existentes na agricultura familiar so diversas, mas esta representa, de

forma homogeneizadora e assume-se ou no como sinnimo de campesinato, sendo ambos

ainda, mas no na totalidade, representantes da resistncia ao capitalismo. Candiotto (2011)

afirma a importncia do papel dos sujeitos envolvidos neste contexto. A caracterizao da

realidade rural, seja ela impressa nas ruralidades ou na agricultura familiar, depende de

escalas de intepretao desde caractersticas comunitrias s instituies s quais pertencem,

sejam elas regionais ou em escala federal, por exemplo.

As ruralidades, constitudas a partir de realidades mltiplas no campo na diversidade

levam em conta as especificidades e representaes do espao rural, como o territrio,

representado de forma material e imaterial, por se considerar as especificidades e as

representaes deste espao rural nos aspectos fsicos (territrio e seus smbolos), ao lugar

onde se vive (territorialidades, identidades) e lugar de onde se v e se vive o mundo. Em

Medeiros (2011), compreende-se que a noo de rural, com excluso da cultura, de

conhecimentos e vivncias de seus sujeitos, alm de estar associada ao atraso, no cabe para

as transformaes sociais e polticas as quais deve passar enquanto realidade complexa.

41

Devem estar inseridos a elementos que constituem as ruralidades necessrias para a

valorizao cultural e poltica, no para uma nova reinveno do rural enquanto novas

oportunidades econmicas.

Neste movimento que surge a partir da caracterizao de novas ruralidades no campo,

est uma caracterstica organizativa da juventude rural que surge a partir de movimentos

sociais, em uma busca de maior participao em sua realidade, com consequente modificao

nos processos de deciso em suas comunidades. A abertura mobilizao de jovens em

organizao de luta pelos direitos do campo um grande avano na questo posta de respeito

diversidade (FERREIRA; ALVES, 2009). Os grupos jovens formados em diversos

movimentos sociais e socioterritoriais como o MST, a Confederao Nacional dos

Trabalhadores na Agricultura CONTAG, a Via Campesina, o Movimento dos Atingidos por

Barragens MAB e a Comisso Pastoral da Terra CPT, so formas de contestao a uma

representao nica por parte dos movimentos, e isso traz maior sentido formulao de

polticas que atendam juventude. Nesta nova caracterstica de movimentao, a organizao

das jovens rurais enquanto grupo que busca sua afirmao enquanto juventude e enquanto

mulher, em uma perspectiva que nega uma excluso histrica dentro de espaos onde sempre

estiveram presentes exercendo trabalhos e reflexes invisibilizadas. A conquista de aes

direcionadas a esta categoria, mesmo que ainda apresentem falhas, faz parte da caracterizao

de uma ruralidade em busca de direitos, com dizeres contrrios expropriao de direitos e

valores.

2.2 Juventude e gnero: especificidades em questo

Ao afirmarmos a necessidade de outras possibilidades para a juventude rural,

imprescindvel assegurar que deve haver ateno quanto s especificidades de gnero na

juventude rural. As condies histrico-sociais impostas a essa categoria social foram se

organizando enquanto um espelho das relaes de gnero constitudas socialmente, tendo se

estabelecido profunda desigualdade entre homens jovens e mulheres jovens do campo. Ao

afirmar as desigualdades de gnero na juventude rural como relaes que devem ser

trabalhadas em seu significado, Lima et al. (2006) sugerem que a educao, assim como a

presena da discusso de gnero nos movimentos sociais, so de grande importncia para o

equilbrio dessas relaes. Verifica-se que nos movimentos sociais j existe um trabalho que

busca o compartilhamento de aes entre homens e mulheres.

42

Para as mulheres, desde a infncia e com continuidade na juventude e vida adulta, o

que ainda ocorre a reproduo de relaes de gnero, com papis atribudos de forma

diferente para os jovens ou para as jovens, coma desvalorizao do papel da mulher em

diferentes contextos. Diversos estudos apontados por Brumer (2007) ilustram uma realidade

de sucesso geracional que nega as jovens o direitos de herana terra dos pais agricultores,

sendo que esta terra destinada, como regra cultural, a um filho homem. s jovens tambm

negado o aprendizado e a prtica na agricultura, ficando sob sua responsabilidade o cu