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ÉTICA PROFISSIONAL 1 Professor: João Batista Valverde Fevereiro de 2009 1 Material de apoio destinado aos estudantes do Curso de Ciências Jurídicas da Universidade Católica da Goiás Campus V UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JÚRIDICAS

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ÉTICA PROFISSIONAL1

Professor: João Batista Valverde

Fevereiro de 2009

1 Material de apoio destinado aos estudantes do Curso de Ciências Jurídicas da Universidade Católica da Goiás – Campus V

UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JÚRIDICAS

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SUMÁRIO

I – INTRODUÇÃO À MORAL 02

II – A SIGNIFICAÇÃO DA ÉTICA 11

III – ESTUDO E PRÁTICA DA ÉTICA 14

IV – OS FINS DA AÇÃO ÉTICA 20

V – O OBJETO DO SABER ÉTICO E AS NORMAS MORAIS 22

VI – O OBJETO DO SABER ÉTICO E O DIREITO 23

VII – A DETERIORAÇÃO DA ÉTICA 24

VIII – A ÉTICA E A PROFISSÃO FORENSE 29

IX – DEVERES DO ADVOGADO 43

X – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO 55

XI – ÉTICA E PROFISSÃO JURÍDICA 62

XII – O CONTROLE DA CONDUTA DOS PROFISSIONAIS DO DIREITO 64

XIII – CONSCIÊNCIA ÉTICA DO JURISTA 65

XIV – A ÉTICA DO ESTUDANTE DE DIREITO 68

XV – CÓDIGO DE ÉTICA E DISCIPLINA DA OAB 85

XVI – ESTATUTO DA ADVOCACIA E DA OAB 92

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ARANHA, Maria Helena de Arruda. Filosofando. São

Paulo: Moderna, 1995.

I INTRODUÇÃO À MORAL

A verdadeira moral zomba da moral.

(Pascal)

1. Os valores

Diante de pessoas e coisas, estamos constantemente fazendo juízos de

valor. Esta caneta é ruim, pois falha muito. Esta moça é atraente. Este

vaso pode não ser bonito, mas foi presente de alguém que estimo

bastante, por isso, cuidado para não quebrá-lo! Gosto tanto de dia

chuvoso, quando não preciso sair de casa! Acho que João agiu mal não

ajudando você.

'Isso significa que fazemos juízos de realidade, dizendo que esta caneta,

esta moça, este vaso existem, mas também emitimos juízos de valor

quando o mesmo conteúdo mobiliza nossa atração ou repulsa. Nos

exemplos, referimo-nos, entre outros, a valores que encarnam a utilidade,

a beleza, a bondade.

Mas o que são valores? Embora a preocupação com os valores seja tão

antiga como a humanidade, só no século XIX surge uma disciplina

específica, a teoria dos valores ou axiologia (do grego rodos, "valor"). A

axiologia não se ocupa dos seres, mas das relações que se estabelecem

entre os seres e o sujeito que os aprecia.

Diante dos seres (sejam eles coisas inertes, ou seres vivos, ou idéias etc.)

somos mobilizados pela afetividade, somos afetados de alguma forma

por eles, porque nos atraem ou provocam nossa repulsa. Portanto, algo

possui valor quando não permite que permaneçamos indiferentes. É

nesse sentido que García Morente diz: "Os valores não são, mas valem.

Uma coisa é valor e outra coisa é ser. Quando dizemos de algo que vale,

não dizemos nada do seu ser, mas dizemos que não é indiferente. A não-

indiferença constitui esta variedade ontológica que contrapõe o valor ao

ser. A não-indiferença é a essência do valer".2

Os valores são, num primeiro momento, herdados por nós O mundo

cultural é um sistema de significados já estabelecidos por outros, de tal

modo que aprendemos desde cedo como nos comportar à mesa, na rua,

diante de estranhos, como, quando e quanto falar em determinadas

circunstâncias; como andar, correr, brincar; como cobrir o corpo e

quando desnudá-lo; qual o padrão de beleza; que direitos e deveres

temos. Conforme atendemos ou transgredimos os padrões, os

comportamentos são avaliados como bons ou maus.

A partir da valoração, as pessoas nos recriminam por não termos seguido

as formas da boa educação ao não ter cedido lugar à pessoa mais velha;

ou nos elogiam por sabermos escolher as cores mais bonitas para a

decoração de um ambiente; ou nos admoestam por termos faltado com a

verdade. Nós próprios nos alegramos ou nos arrependemos ou até

sentimos remorsos dependendo da ação praticada. Isso quer dizer que o

resultado de nossos atos está sujeito à sanção, ou seja, ao elogio ou à

reprimenda, à recompensa ou à punição, nas mais diversas intensidades,

desde "aquele" olhar da mãe, a crítica de um amigo, a indignação ou até a

coerção física (isto é, a repressão pelo uso da força).

(Quina, Toda Mafalda, São Paulo, Martins Fontes, 1991.)

2 García Morente, M. Fundamentos de filosofia; lições preliminares, p. 296.

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Embora haja diversos tipos de valores (econômicos, vitais, lógicos,

éticos, estéticos, religiosos), consideramos neste capítulo apenas os

valores éticos ou morais.

2. A moral

Os conceitos de moral e ética, embora sejam diferentes, são com

freqüência usados como sinônimos. Aliás, a etimologia dos termos é

semelhante: moral vem do latim mos, moris, que significa "maneira de se

comportar regulada pelo uso", daí "costume", e de moralis, morale,

adjetivo referente ao que é "relativo aos costumes". Ética vem do grego

ethos, que tem o mesmo significado de "costume".

Em sentido bem amplo, a moral é o conjunto das regras de conduta

admitidas em determinada época ou por um grupo de homens. Nesse

sentido, o homem moral é aquele que age bem ou mal na medida em que

acata ou transgride as regras do grupo.

A ética ou filosofia moral é a parte da filosofia que se ocupa com à

reflexão a respeito das noções e princípios que fundamentam a vida

moral. Essa reflexão pode seguir as mais diversas direções, dependendo

da concepção de homem que se toma como ponto de partida.

Então, à pergunta "O que é o bem e o mal?", respondemos

diferentemente, caso o fundamento da moral esteja na ordem cósmica, na

vontade de Deus ou em nenhuma ordem exterior à própria consciência

humana. Podemos perguntar ainda: Há uma hierarquia de valores?

Se houver, o bem supremo é a felicidade? É o prazer? É a utilidade?

Por outro lado, é possível questionar: Os valores são essências? Têm

conteúdo determinado, universal, válido em todos os tempos e lugares?

Ou, ao contrário, são relativos: "verdade aquém, erro além dos Pireneus",

como dizia Pascal? Ou, ainda, haveria possibilidade de superação das

duas posições contraditórias do universalismo e do relativismo?

As respostas a essas e outras questões nos darão as diversas concepções

de vida moral elaboradas pelos filósofos através dos tempos .

3. Caráter histórico e social da moral

A fim de garantir a sobrevivência, o homem submete a natureza por meio

do trabalho. Para que a ação coletiva se tome possível, surge a moral,

com a finalidade de organizar as relações entre os indivíduos.

Inicialmente, consideremos a moral como o conjunto de regras que

determinam o comportamento dos indivíduos em um grupo social.

É de tal importância a existência do mundo moral que se torna

impossível imaginar um povo sem qualquer conjunto de regras. Uma das

características fundamentais do homem é ser capaz de produzir

interdições (proibições). Segundo o antropólogo francês Lévi-Strauss, a

passagem do reino animal ao reino humano, ou seja, a passagem da

natureza à cultura, é produzida pela instauração da lei, por meio da

proibição do incesto. É assim que se estabelecem as relações de

parentesco e de aliança sobre as quais é construído o mundo humano, que

é simbólico.

Exterior e anterior ao indivíduo, há portanto a moral constituída, que

orienta seu comportamento por meio de normas. Em função da

adequação ou não à norma estabelecida, o ato será considerado moral ou

imoral.

O comportamento moral varia de acordo com o tempo e o lugar,

conforme as exigências das condições nas quais os homens se organizam

ao estabelecerem as formas efetivas e práticas de trabalho. Cada vez que

as relações de produção são alteradas, sobrevêm modificações nas

exigências das normas de comportamento coletivo.

Por exemplo, a Idade Média se caracteriza pelo regime feudal, baseado

na rígida hierarquia de suseranos, vassalos e servos. O trabalho é

garantido pelos servos, possibilitando aos nobres uma vida de ócio e de

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guerra. A moral cavalheiresca que daí deriva reside no pressuposto da

superioridade da classe dos nobres, exaltando a virtude da lealdade e da

fidelidade - suporte do sistema de suserania - bem como a coragem do

guerreiro. Em contraposição, o trabalho é desvalorizado e restrito aos

servos. Essa situação se altera com o aparecimento da burguesia, a qual,

formada pela classe de trabalhadores oriunda da liberação dos servos,

estabelece novas relações de trabalho e faz surgir novos valores, como a

valorização do trabalho e a crítica à ociosidade.

4. Caráter pessoal da moral

No entanto, a moral não se reduz à herança dos valores recebidos pela

tradição. À medida que a criança se aproxima da adolescência,

aprimorando o pensamento abstrato e a reflexão crítica, ela tende a

colocar em questão os valores herdados. Algo semelhante acontece nas

sociedades primitivas, quando os grupos tribais abandonam a

abrangência da consciência mítica e desenvolvem o questionamento

racional.

A ampliação do grau de consciência e de liberdade, e portanto de

responsabilidade pessoal no comportamento moral, introduz um

elemento contraditório que irá, o tempo todo, angustiar o homem: a

moral, ao mesmo tempo que é o conjunto de regras que determina como

deve ser o comportamento dos indivíduos do grupo, é também a livre e

consciente aceitação das normas.

Isso significa que o ato só é propriamente moral se passar pelo crivo da

aceitação pessoal da norma. A exterioridade da moral contrapõe-se à

necessidade da interioridade, da adesão mais íntima.

Portanto, o homem, ao mesmo tempo que é herdeiro, é criador de cultura,

e só terá vida autenticamente moral se, diante da moral constituída, for

capaz de propor a moral constituinte, aquela que é feita dolorosamente

por meio das experiências vividas.

Nessa perspectiva, a vida moral se funda numa ambigüidade

fundamental, justamente a que determina o seu caráter histórico. Toda

moral está situada no tempo e reflete o mundo em que a nossa liberdade

se acha situada. Diante do passado que condiciona nossos atos, podemos

nos colocar à distância para reassumi-lo ou recusá-lo. A historicidade do

homem não reside na mera continuidade no tempo, mas constitui a

consciência ativa do futuro, que torna possível a criação original por

meio de um projeto de ação que tudo muda.

Cada um sabe, por experiência pessoal, como isso é penoso, pois supõe a

descoberta de que as normas, adequadas em determinado momento,

tornam-se caducas e obsoletas em outro e devem ser mudadas. As

contradições entre o velho e o novo são vividas quando as relações

estabelecidas entre os homens, ao produzirem sua existência por meio do

trabalho, exigem um novo código de conduta.

Mesmo quando queremos manter as antigas normas, há situações críticas

enfrentadas devido à especificidade de cada acontecimento. Por isso a

cisão também pode ocorrer a partir do enredo de cada drama pessoal: a

singularidade do ato moral nos coloca em situações originais em que só o

indivíduo livre e responsável é capaz de decidir. Há certas "situações-

limite", tão destacadas pelo existencialismo, em que regra alguma é

capaz de orientar a ação. Por isso é difícil, para as pessoas que estão "do

lado de fora", fazer a avaliação do que deveria ou não ser feito.

5. Caráter social e pessoal da moral

Como vimos, a análise dos fatos morais nos coloca diante de dois pólos

contraditórios: de um lado, o caráter social da moral, de outro, a

intimidade do sujeito.

Se aceitarmos unicamente o caráter social da moral, sucumbimos ao

dogmatismo e ao legalismo. Isto é, ao caracterizar o ato moral como

aquele que se adapta à norma estabelecida, privilegiamos os

regulamentos, os valores dados e não discutidos. Nessa perspectiva, a

educação moral visa apenas inculcar nas pessoas o medo às

conseqüências da não-observância da lei.

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Trata-se, no entanto, de vivência moral empobrecida, conhecida como

farisaísmo: numa passagem bíblica, um fariseu (membro de uma seita

religiosa) louva o seu próprio comportamento, agradecendo a Deus por

não ser "como os outros" que transgridem as normas. Tal formalismo

muitas vezes está ligado à pretensão e à hipocrisia.

Por outro lado, se aceitarmos como predominante a interrogação do

indivíduo que põe em dúvida a regra, corremos o risco de destruir a

moral, pois, quando ela depende exclusivamente da sanção pessoal, recai

no individualismo, na "tirania da intimidade" e, conseqüentemente, no

amoralismo, na ausência de princípios. Ora, o homem não é um ser

solitário, um Robinson Crusoé na ilha deserta, mas "con-vive" com

pessoas, e qualquer ato seu compromete os que o cercam.

Portanto, é preciso considerar os dois pólos contraditórios do pessoal e

do social numa relação dialética, ou seja, numa relação que estabeleça o

tempo todo a implicação recíproca entre determinismo e liberdade, entre

adaptação e desadaptação à norma, aceitação e recusa da interdição.

Para tanto, o aspecto social é considerado sob dois pontos de vista. Em

primeiro lugar, significa apenas a herança dos valores do grupo, mas,

depois de passar pelo crivo da dimensão pessoal, o social readquire a

perspectiva humana e madura que destaca a ênfase na intersubjetividade

essencial da moral. Isto é, quando criamos valores, não o fazemos para

nós mesmos, mas enquanto seres sociais que se relacionam com os

outros.

Essa questão é importante sobretudo nos tempos atuais, quando nos

encontramos no extremo oposto das sociedades primitivas ou

tradicionais, nas quais persiste a homogeneidade de pensamento e

valores. Hoje, nas cidades cosmopolitas, há múltiplas expressões de

moralidade, e a sabedoria consiste na aceitação tolerante dos valores dos

grupos diferentes, evitando o moralismo, que consiste na tentação de

impor nosso ponto de vista aos outros.

Isso não deve ser interpretado como defesa do extremo relativismo em

que todas as formas de conduta são aceitas indistintamente. O professor

José Arthur Gianotti assim se expressa: "Os direitos do homem, tais

como em geral têm sido enunciados a partir do século XVIII, estipulam

condições mínimas do exercício da moralidade. Por certo, cada um não

deixará de aferrar-se à sua moral; deve, entretanto, aprender a conviver

com outras, reconhecer a unilateralidade de seu ponto de vista. E com

isto está obedecendo à sua própria moral de uma maneira especialíssima,

tomando os imperativos categóricos dela como um momento particular

do exercício humano de julgar moralmente. Desse modo, a moral do

bandido e a do ladrão tornam-se repreensíveis do ponto de vista da

moralidade pública, pois violam o princípio da tolerância e atingem

direitos humanos fundamentais"3.

6. O ato moral

Estrutura do ato moral

A instauração do mundo moral exige do homem a consciência crítica,

que chamamos de consciência moral. Trata-se do conjunto de exigências

e das prescrições que reconhecemos como válidas para orientar a nossa

escolha; é a consciência que discerne o valor moral dos nossos atos.

O ato moral é portanto constituído de dois aspectos: o normativo e o

fatual. O normativo são as normas ou regras de ação e os imperativos que

enunciam o "dever ser". O fatual são os atos humanos enquanto se

realizam efetivamente.

Pertencem ao âmbito do normativo regras como: "Cumpra a sua

obrigação de estudar"; "Não minta"; "Não mate". O campo do fatual é a

efetivação ou não da norma na experiência vivida. Os dois pólos são

distintos, mas inseparáveis. A norma só tem sentido se orientada para a

prática, e o fatual só adquire contorno moral quando se refere à norma.

3 José Arthur Gianotti, Moralidade pública e moralidade privada, in Adauto Novaes

Corg.), Ética, p. 245.

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O ato efetivo será moral ou imoral, conforme esteja de acordo ou não

com a norma estabelecida. Por exemplo, diante da norma "Não minta", o

ato de mentir será considerado imoral. Convém lembrar aqui a discussão

estabelecida anteriormente a respeito do social e do pessoal na moral.

Nesse caso estamos considerando que o ato só pode ser moral ou imoral

se o indivíduo introjetou a norma e a tornou sua, livre e conscientemente.

Considera-se amoral o ato realizado à margem de qualquer consideração

a respeito das normas. Trata-se da redução ao fatual, negando o

normativo. O homem "sem princípios" quer pautar sua conduta a partir

de situações do presente e ao sabor das decisões momentâneas, sem

nenhuma referência a valores. É a negação da moral.

Convém distinguir a postura amoral da não-moral, quando usamos

outros critérios de avaliação que não são os da moral. Por exemplo,

quando é feita a avaliação estética de um livro, a postura do crítico é não-

moral; isso não significa que ele próprio não tenha princípios morais nem

que a própria obra não possa ser moral. oral, mas o que está sendo

observado é o valor da obra como arte. As discussões a respeito do que é

ou não é uma obra pornográfica se encontram muitas vezes prejudicadas

devido à intromissão da moral em campos onde não foi chamada, o que

muitas vezes tem justificado indevidamente a ação da censura.

O ato voluntário

Se o que caracteriza fundamentalmente o agir humano é a capacidade de

antecipação ideal do resultado a ser alcançado, concluímos que é isso que

torna o ato moral propriamente voluntário, ou seja, um ato de vontade

que decide pela busca do fim proposto.

Nesse sentido, é importante não confundir desejo e vontade. O desejo

surge em nós com toda a sua força e exige a realização; é algo que se

impõe e, portanto, não resulta de escolha. Já a vontade consiste no poder

de parada que exercemos diante do desejo.

Seguir o impulso do desejo sempre que ele se manifesta é a negação da

moral e da possibilidade de qualquer vida em sociedade. Aliás, não é

essa a aprendizagem da criança, que, a partir da tirania do desejo, deve

chegar ao controle do desejo? Observe que não estamos dizendo

repressão do desejo, pois a repressão é uma força externa que coage,

enquanto o controle supõe a autonomia do sujeito que escolhe entre os

seus desejos, os prioriza e diz: "Este fica para depois"; "Aquele não devo

realizar nunca"; "Este realizo agora com muito gosto" .

O ato responsável

A complexidade do ato moral está no fato de que ele provoca efeitos não

só na pessoa que age, mas naqueles que a cercam e na própria sociedade

como um todo.

Portanto, para que um ato seja considerado moral, ele deve ser livre,

consciente, intencional, mas também é preciso que não seja um ato

solitário e sim solidário. O ato moral supõe a solidariedade, a

reciprocidade com aqueles com os quais nos comprometemos. E o

compromisso não deve ser entendido como algo superficial e exterior,

mas como o ato que deriva do ser total do homem, como uma

"promessa" pela qual ele se encontra vinculado à comunidade.

Dessas características decorre a exigência da responsabilidade.

Responsável é aquele que "responde por seus atos", isto é, o homem

consciente e livre assume a autoria do seu ato, reconhecendo-o como seu

e respondendo pelas conseqüências dele.

O dever e a liberdade

O comportamento moral é consciente, livre e responsável. É também

obrigatório, cria um dever. Mas a natureza da obrigatoriedade moral não

reside na exterioridade; é moral justamente porque deriva do próprio

sujeito que se impõe a necessidade do cumprimento da norma. Pode

parecer paradoxal, mas a obediência à lei livremente escolhida não é

prisão; ao contrário, é liberdade.

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A consciência moral, como juiz interno, avalia a situação, consulta as

normas estabelecidas, as interioriza como suas ou não, toma decisões e

julga seus próprios atos. O compromisso humano que daí deriva é a

obediência à decisão.

No entanto, o compromisso não exclui a não-obediência, o que

determinará o caráter moral ou imoral do nosso ato. Por isso o filósofo

existencialista Gabriel

Marcel diz: "O homem livre é o homem que pode prometer e pode trair".

Isso significa que, para sermos realmente livres, devemos ter a

possibilidade sempre aberta da transgressão da norma, mesmo daquela

que nós mesmos escolhemos. Para entendermos melhor, consideremos as

noções de heteronomia e autonomia.

A palavra heteronomia (hetero, "diferente", e nomos, "lei") significa a

aceitação da norma que não é nossa, que vem de fora, quando nos

submetemos aos valores da tradição e obedecemos passivamente aos

costumes por conformismo ou por temor à reprovação da sociedade ou

dos deuses. É característica do mundo infantil viver na heteronomia.

A autonomia (auto, "próprio") não nega a influência externa e os

determinismos, mas recoloca no homem a capacidade de refletir sobre as

limitações que lhe são impostas, a partir das quais orienta a sua ação para

superar os condicionamentos. Portanto, quando decide pelo dever de

cumprir uma norma, o centro da decisão é ele mesmo, a sua própria

consciência moral. Autonomia é autodeterminação.

A virtude

Etimologicamente, virtude vem da palavra latina vir, que designa o

homem, o varão. Virtus é "poder", "potência" (ou possibilidade de passar

ao ato). Virilidade está ligada à idéia de força, de poder. Virtuose é

aquele capaz de exercer uma atividade em nível de excelência, como, por

exemplo, um virtuose do violino.

Em todos esses sentidos persiste a idéia de força, de capacidade. Em

moral; a virtude do homem é a força com a qual ele se aplica ao dever e o

realiza. A virtude é a permanente disposição para querer o bem, o que

supõe a coragem de assumir os valores escolhidos e enfrentar os

obstáculos que dificultam a ação.

Uma vida autenticamente moral não se resume a um ato moral, mas é a

repetição e continuidade do agir moral. Aristóteles afirmava que "uma

andorinha, só, não faz verão" para dizer que o agir virtuoso não é

ocasional e fortuito, mas deve se tornar um hábito, fundado no desejo de

continuidade e na capacidade de perseverar no bem. Ou seja, a

verdadeira vida moral se condensa na vida virtuosa.

7. Conclusão

O delicado tecido da moral diz respeito ao indivíduo no mais fundo de

seu "foro íntimo", ao mesmo tempo que o vincula aos homens com os

quais convive.

Embora a ética não se confunda com a política, cada uma tendo seu

campo específico, elas se relacionam necessariamente. Por um lado, a

política, ao estender a justiça social a todos, permite a melhor formação

moral dos indivíduos. Por outro lado, as exigências éticas não se separam

da ação dos governantes, que não devem interpor seus interesses pessoais

aos coletivos.

Estabelecer a dialética entre o privado e o público é tarefa das mais

difíceis e exige aprendizagem e têmpera. É assim que se forja o caráter

das pessoas.

Exercícios

1. o que significa dizer que "a não-indiferença é a essência do valor"?

2. Explique esta afirmação: O homem, diferentemente do animal, é capaz

de produzir interdições.

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3. Em que consiste o caráter histórico-social da moral? E o caráter

pessoal?

4. Ao explicar a superação dos dois pólos contraditórios da moral (o

social e o pessoal), analise a citação de Pascal que consta da epígrafe do

capítulo: "A verdadeira moral zomba da moral".

5. Por que, mesmo considerando a tolerância um valor máximo da

convivência humana, não aceitamos a moral de grupos como a Máfia, a

Klu-Klux-KIan ou grupos neonazistas?

6. O que determina que um ato seja considerado moral ou imoral?

7. O que é um ato amoral? E o não-moral?

8. Todo ato moral deve ser julgado em função dos motivos, fins, meios,

resultados. Explique como esses aspectos se inter-relacionam.

9. Explique: "Não há moral do desejo; só é moral o ato voluntário".

10. O que é heteronomia? E autonomia?

11. O que significa progresso moral? Por que não pode ser identificado

com mudança moral?

12. Explique: No mundo contemporâneo, muitas pessoas não têm

condição de vida autenticamente moral.

13. Leia o texto complementar I, "O crime 'elegante''' e responda às

questões:

a) Quais são os tipos de violência analisados no texto?

b) Explique como numa sociedade dividida em classes há, ao lado da

violência física aparente, um outro tipo de violência que é velada (que

não se revela à primeira vista).

c) Explique como a ênfase dada à violência física de rua denota uma

postura individualista.

d) Indique outros tipos de distorção semelhantes na avaliação dos atos de

violência.

e) Interprete o texto usando os conceitos aprendidos no Capítulo 5 -

Ideologia.

14. Leia o texto complementar II, "Interdição e transgressão", e

responda:

a) O que significa "um tipo de transgressão que não suprima as

interdições, mas as mantenha transgredidas"?

b) Qual é a diferença entre a transgressão autêntica e a

pseudotransgressão?

15. Leia o texto m, "Diante da Lei", e interprete-o usando os conceitos

aprendidos. Seguem algumas sugestões:

a) O camponês "esquece-se dos outros", "retoma à infância",

"enfraquece-se", "diminui de tamanho", "morre": qual é a conotação

dessas expressões se considerarmos o comportamento moral do

camponês? O que significa "morrer" nesse contexto?

b) Explique o significado do guarda na porta da Lei, recorrendo aos

conceitos de heteronomia e autonomia.

c) Interprete a última frase do texto a partir do aspecto pessoal da moral.

d) Relacione o texto de Kafka com o anterior, "Interdição e

transgressão", explicando qual foi o principal erro do camponês.

Textos complementares

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O crime "elegante"

Os temas da violência urbana são importantes, mas estão permitindo que

se tire de foco outra violência cujas conseqüências são muito mais sérias

para a sociedade como um todo: a dos criminosos de paletó e gravata.

Essa desfocagem é gravíssima. O grupo social está consciente do perigo

do "trombadinha".

Tem raiva do ladrão. São muitos os que proclamam as vantagens da pena

de morte para assassinos e estupradores. Todavia, encara com indiferença

e até com desalentada passividade que o grande golpista dos dólares, o

despudorado ladrão de ações, o cínico criminoso das empresas públicas,

o impiedoso manipulador do mercado imobiliário fiquem impunes.

Essa é uma atitude irracional e primária. Entretanto, aparentemente,

inevitável. O canalha colunável que se sustenta em sucessivos golpes, ao

preço da infelicidade e do patrimônio alheio, muitas vezes levando

famílias inteiras à ruína, é encarado como aventureiro ousado e, às vezes,

até mesmo como provido de um certo charme. O "trombadinha", ainda

que menor de idade, ao tirar uma carteira e sair em disparada, sempre

encontra quem o queira linchar. Sobre ele se abate, com facilidade, a

baba do ódio que está alojada nos sentimentos do povo.

A causa aparente do absurdo está na indiferença ante o grande dano

coletivo e a fúria cada vez mais agravada contra a ofensa individual. O

mundo inteiro - é evidente que sob o impacto de cobertura maciça da

imprensa escrita e da televisão - se sensibilizou até as lágrimas com o

caso dos reféns americanos. Todavia, são muito poucos os que se afligem

com as dezenas de crianças que diariamente morrem de inanição neste

nosso Brasil. Do ponto de vista do direito essa atitude repercute em leis

que tendem a ser cada vez mais rigorosas com o pequeno criminoso

individual, ainda que brutal e impiedoso, e cada vez mais generosas com

os "assaltantes" que ouvem Bach, que distinguem Picasso de Miró, a um

primeiro olhar, ou que, simplesmente, tendo amealhado fortuna, sentem-

se desobrigados de qualquer gesto de respeito pelo patrimônio alheio ou

pela dignidade.

A lei, pelo tratamento benévolo que dá a esses delitos, incentiva-os. Isto,

sem falar em sua proverbial impunidade. Tende a lei a não ser alterada,

porque o grupo social não consegue sensibilizar-se para a imensa fonte

de danos que tais delitos provocam. Diversamente portanto do que acon-

tece com os crimes individuais geralmente praticados pelo maloqueiro e

pelo favelado, e, por isso, juridicamente "pequenos".

Alguns exemplos ilustram o que quero dizer. O cidadão que, por culpa,

provoque poluição de uma fonte de água potável sujeita-se a detenção de

seis meses a dois anos, embora ponha em risco a vida e a saúde de muita

gente, como se tem visto em casos repetidos. Aquele que corrompa,

adultere ou falsifique substância alimentícia destinada ao consumo

público sujeita-se a uma pena máxima de seis anos. Ou seja, dois anos

mais que a do autor de apropriação indébita de uma caneta-tinteiro.

Todavia, dois anos menos que o criminoso do furto qualificado, ainda

que o produto seja de umas poucas centenas de cruzeiros.

O funcionário público, prevaricador - tanto o pequeno quanto o grande

potentado do serviço público -, que retarde ou deixe de praticar

indevidamente ato de ofício, para satisfazer interesse ou sentimento

pessoal, corre' o risco máximo - rarissimamente aplicado - de um ano de

detenção, seja qual for a relevância social do ato praticado.

A formulação da lei tem um defeito de origem, como se demonstraria

com mais outros exemplos, se fossem necessários. Os que aí ficaram são,

porém, suficientes para evidenciar outro aspecto relevante: é a elite que

faz a lei. Escreve-a a seu gosto, voltada para seus principais interesses.

Os únicos, aliás, de que tem compreensão adequada. Só assim é possível

entender que a fraude no comércio, consistente em enganar

intencionalmente o adquirente ou o consumidor, vendendo mercadoria

falsificada ou deteriorada como se fosse verdadeira, merece apenas

detenção de seis meses a dois anos, pouco importando qual o prejuízo

causado ou quais sejam os enganados. Porém, para o rufião, que explora

uma prostituta, a pena é de reclusão de um a quatro anos. O pequeno

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comerciante, porém, pode até ser levado a ajoelhar-se diante do juiz,

como aconteceu há pouco4 É a punição que recebe por ser pequeno ...

A óptica social está errada. A atitude da sociedade é burra, quando fecha

os olhos para o criminoso de punhos de seda, cuja conduta tem um

terrível subproduto ainda insuficientemente avaliado. Subproduto

consistente na contribuição para o agravamento das condições sócio-

econômicas da maioria do povo, geradores principais das agressões

urbanas. E, paradoxo dos paradoxos: algumas das vozes mais calorosas

do combate à violência assustadora mas nascida no submundo da

metrópole certamente seriam caladas se fosse possível punir a grande e

desumana violência dos criminosos de paletó e gravata. Isso porque

algumas dessas vozes pertencem a eles. Essa é uma realidade que ainda

não atingiu a consciência do povo.

(Walter Ceneviva, in Folha de S. Paulo, 6.2.1981.)

Interdição e transgressão

O homem é o ser que produz interdições. (...) A vida social, com as suas

normas e as suas hierarquizações, as suas instituições e os seus sistemas

simbólicos, exige necessariamente uma rede de interdições que assinalam

os lugares de ruptura entre o homem e o animal.

Mas o que define o homem é a transgressão. Não quer isto dizer que se

pretenda um regresso à natureza, mas sim um tipo de transgressão que

não suprima as interdições, mas as mantenha transgredidas. Existe,

assim, "uma cumplicidade profunda da lei e de sua violação"5. (...) A

transgressão é o rasgar das normas, é a subversão de uma ordem.

Existem inúmeras formas de existência inautêntica, que são aquelas que

nos indicam as diversas figuras da alienação. A existência autêntica é a

que se lança na exploração do possível rumo ao impossível que lhe acena

4 O autor se refere a um caso noticiado nos jornais: por questões pessoais, o juiz de

direito de uma cidade do interior do Estado de São Paulo humilhou um padeiro,

obrigando-o a ajoelhar-se e pedir perdão. 5 Georges Bataille.

e a obceca, lugar absoluto da ação, limiar da loucura.

A existência inautêntica pode subordinar,se à Lei, reificá-la nas formas

instituídas da alienação, projeta-la nos instrumentos opressivos do

capitalismo: teremos o universo modelar do catecismo e da "moralina",

das boas ações e dos bons sentimentos, dos discursos de inauguração e

dos artigos de fundo, do adocicado e viscoso da palavra virtuosa, da

mediocridade resignada e quase feliz no seu destino dócil, dos mitos da

autoridade e da identidade, do comportamento íntegro que não oferece

dúvidas.

(...) Devemos distinguir entre a transgressão autêntica e a

pseudotransgressão a que a nossa civilização repressiva nos habituou.

Como nota Sollers, "uma tal libertação é apenas a máscara de uma

repressão redobrada". As pseudotransgressões são brechas abertas na

muralha da moral que apenas servem para consolidar a resistência dessa

muralha. É por isso que certas atitudes "escandalosas" são toleradas, e

até mesmo cultivadas, porque elas constituem a face demoníaca que

estabelece, numa sutil contabilidade, o equilíbrio da repressão social.

Determinados meios, determinadas camadas (a juventude como

momento de purificação que antecede a austeridade de uma vida), deter,

minadas ruas, determinadas formas de clandestinidade, são apenas álibis

por meio dos quais a sociedade obtém a dosagem exata da sua moral.

"Ce qui vient au monde pour ne rien troubler ne mérite ni égards ni

patience."6 (René Char)

(Eduardo Prado Coelho, Introdução à obra Estruturalismo; antologia de

textos teóricos. Lisboa, Martins Fontes, Portugália Ed., p. LXVIII.)

Diante da Lei

Diante da Lei há um guarda. Um camponês apresenta-se diante deste

guarda, e solicita que lhe permita entrar na Lei. Mas o guarda responde

6 Aquele que vem ao mundo para nada alterar não merece nem consideração nem

paciência".

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que por enquanto não pode deixá-lo entrar. O homem reflete, e pergunta

se mais tarde o deixarão entrar.

- E possível - disse o porteiro -, mas não agora.

A porta que dá para a Lei está aberta, como de costume; quando o guarda

se põe de lado, o homem inclina-se para espiar. O guarda vê isso, ri-se e

lhe diz:

- Se tão grande é o teu desejo, experimenta entrar apesar de minha

proibição. Mas lembra-te de que sou poderoso. E sou somente o último

dos guardas. Entre salão e salão também existem guardas, cada qual mais

poderoso do que o outro. Já o terceiro guarda é tão terrível que não posso

suportar seu aspecto.

O camponês não havia previsto estas dificuldades; a Lei deveria ser

sempre acessível para todos, pensa ele, mas ao observar o guarda, com

seu abrigo de peles, seu nariz grande e como de águia, sua barba longa de

tártaro, rala e negra, resolve que mais lhe convém esperar. O guarda dá-

lhe um banquinho, e permite-lhe sentar-se a um lado da porta. Ali espera

dias e anos. Tenta infinitas vezes entrar, e cansa ao guarda com suas

súplicas. Com freqüência o guarda mantém com ele breves palestras, faz-

lhe perguntas sobre seu país, e sobre muitas outras coisas; mas são

perguntas indiferentes, como as dos grandes senhores, e para terminar,

sempre lhe repete que ainda não pode deixa-lo entrar. O homem, que se

abasteceu de muitas coisas para a viagem, sacrifica tudo, por mais

valioso que seja, para subornar ao guarda. Este aceita tudo, com efeito,

mas lhe diz:

- Aceito-o para que não julgues que tenhas omitido algum esforço.

Durante esses longos anos, o homem observa quase continuamente o

guarda: esquece-se dos outros, e parece-lhe que este é o único obstáculo

que o separa da Lei. Maldiz sua má sorte, durante os primeiros anos

temerariamente e em voz alta; mais tarde, à medida que envelhece,

apenas murmura para si. Retoma à infância, e, como em sua longa

contemplação do guarda, chegou a conhecer até as pulgas de seu abrigo

de pele, também suplica às pulgas que o ajudem e convençam ao guarda.

Finalmente, sua vista enfraquece-se, e já não sabe se realmente há menos

luz, ou se apenas o enganam seus olhos. Mas em meio da obscuridade

distingue um resplendor, que surge inextinguível da porta da Lei. Já lhe

resta pouco tempo de vida. Antes de morrer, todas as experiências desses

longos anos se confundem em sua mente em uma só pergunta, que até

agora não formou. Faz sinais ao guarda para que se aproxime, já que o

rigor da morte endurece seu corpo. O guarda vê-se obrigado a baixar-se

muito para falar com ele, porque a disparidade de estaturas entre ambos

aumentou bastante com o tempo, para detrimento do camponês.

- Que queres saber agora? - pergunta o guarda. - És insaciável.

- Todos se esforçam por chegar à Lei - diz o homem -; como é possível

então que durante tantos anos ninguém mais do que eu pretendesse

entrar?

O guarda compreende que o homem já está para morrer, e, para que seus

desfalecentes sentidos percebam suas palavras, diz-lhe junto ao ouvido

com voz atroadora:

- Ninguém podia pretender isso, porque esta entrada era somente para ti.

Agora vou fechá-la.

(F. Kafka, Diante da Lei, in A colônia penal, São Paulo, Livraria

Exposição do Livro, 1965, p. 71.)

BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Ética Jurídica: ética

geral e profissional. 2ª. ed. São Paulo; Saraiva: 2004.

II A SIGNIFICAÇÃO DA ÉTICA

É como um saber que se verte e se direciona para o comportamento que

se deve definir e divisar conceitualmente o que seja a ética. De fato,

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concebê-la distante da palpitação diuturna das experiências humanas,

fora do calor das decisões morais, fora dos dilemas existenciais e

comportamentais vividos e experimentados em tomo do controle das

paixões, das agitações psicoafetivas e sociais que movimentam pessoas,

grupos, coletividades e sociedades, é o mesmo que afastá-la de sua

matéria-prima de reflexão.

A ética encontra na mais robusta fonte de inquietações humanas o alento

para sua existência. É na balança ética que se devem pesar as diferenças

de comportamentos, para medir-lhes a utilidade, a finalidade, o

direcionamento, as conseqüências, os mecanismos, os frutos. Se há que

se especular em ética sobre alguma coisa, essa "alguma coisa" é a ação

humana. O fino equilíbrio sobre a modulação e a dosagem dos

comportamentos no plano da ação importa à ética.

A ação humana é uma movimentação de energias que se dá no tempo e

no espaço. Mas não só. Trata-se de uma movimentação de energias que

se perfaz mediante: uma determinada manifestação de comportamento

(trabalhar ou roubar; elogiar ou ofender; construir ou destruir); um

conjunto de intenções (intenção de ganhar dinheiro mediante emprego de

suas próprias energias ou rápida e facilmente à custa do sacrifício alheio;

intenção de ofender e magoar ou intenção de estimular; intenção de fazer

ou desfazer o que está pronto); a obtenção de determinados efeitos (viver

pelas próprias forças ou viver mediante o esforço alheio; promover o

bem-estar de outrem ou desgastar o interior e as emoções de outrem;

deixar sua contribuição ou apagar a contribuição dos outros).

Mais ainda, a ação humana, este empenho direcionado de energias, não

se restringe a existir e a se portar de acordo com o que se disse acima,

pois também con-vive com outras ações humanas em sociedade7, de

modo a que a própria sociedade se torne um cadinho para onde

convergem todos os fluxos de ações aglomeradas em torno de um fim

7 Mas, isso não leva à confusão entre sociologia e ética: "Assim, enquanto na Sociologia

são estudados os fenômenos sociais e sociológicos, na Ética estudam-se os fenômenos e

fatos éticos, que enunciam, explicam ou justificam leis, regras e normas que atuam no

relacionamento e no procedimento humanos" (Korte, Iniciação à ética, 1999, p. 97).

comum. Nessa medida, pode-se adiantar que da composição de ações

individuais dá-se início ao processo de aglomeração de ações individuais,

até a formação da intersubjetividade, momento deste processo em que se

torna difícil separar uma ação individual da outra, uma contribuição

individual da outra, dentro de um grande emaranhado de ações que se

relacionam.

Dentre as possíveis espécies de ação humana (ação política, ação de

trabalhar, ação de se alimentar, ação de pensar, ação de emitir um

discurso), de acordo com a canalização das energias e sua adequação ao

cumprimento de determinadas metas, há que se priorizar as atenções

deste estudo por sobre a ação moral. É tarefa difícil defini-la, em si e por

si, mas sabe-se que a ação moral não pode corresponder a um único ato

isolado com determinado conteúdo (dar uma esmola, perdoar uma

ofensa, fazer justiça perante um desvalido). De fato, estar diante de uma

ação moral não é estar diante de uma ação com determinado conteúdo,

mas sim estar diante de uma ação cuja habitualidade comportamental

confere ao indivíduo a característica de ser único e poder governar-se a si

mesmo8• Então, a ação moral tem que ver com uma determinada forma

de se conduzir atitudes de vida; uma única atitude não traduz a ética de

uma pessoa, é mister a observação de seus diversos traços

comportamentais. O poder de deliberar e decidir qual a melhor (ou mais

oportuna, ou mais adequada) forma de conduzir a própria personalidade

em interação (familiar, grupal, social...) é uma liberdade da qual faz uso

todo ser humano9; a ética é a capacidade coligada a essa liberdade

10.

8 Em seu Termosfilosóficos gregos: um léxico histórico, 2. ed., F. E. Peters diz a

respeito do termo éthos, p. 85: "Éthos: caráter, modo de vida habitual: Heráclito: 'o

éthos de um homem é o seu daimon', Diels, frg. 119. Em Platão é um resultado do

hábito (Leis 792e), é mais moral do que intelectual (dianoia) emAristóte1es (Eth. Nic. 1

139a). Tipos de éthos em vários períodos de vida são descritos por Aristóteles, Reth. lI,

caps.12-14. No estoicismo o éthos é a fonte do comportamento, SVF 1,203". 9 "O certo é que o bem ético implica sempre medida, ou seja, regras ou normas,

postulando um sentido de comportamento, com possibilidade de livre escolha por parte

dos obrigados, exatamente pelo caráter de dever ser e não de necessidade física (ter que

ser) de seus imperativos" (Reale, Filosofia do direito, 1999, p. 389). 10

Vide, a respeito, uma possível projeção do éthos na teoria aristotélica em: Bittar, A

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Há que se dizer, portanto, como decorrência do que se acaba de afirmar,

que a ética demanda do agente:

1. conduta livre e autônoma: a origem do ato ou da conduta parte da livre

consciência do agente. Dessa forma, o agente manipulado para agir

inconscientemente, por força de um poder arbitrário ou de uma

imposição coercitiva, não pode ser considerado autônomo em suas

deliberações, e, portanto, essa ação não pode ser considerada de sua livre

autoria. Não gera responsabilidade ética;

2. conduta dirigida pela convicção pessoal: o auto-convencimento é o

exercício que transforma idéias, ideologias, raciocínios e pensamentos

em princípios da ação, sob a única e exclusiva propulsão dos interesses

do indivíduo. Toda decisão surge da consciência individual, o que não

impede que a deliberação ética possa estar influenciada por valores

familiares, sociais Mas, o que há de constante é a sede de decisão, que

deve ser individual;

3. conduta insuscetível de coerção: a falta de sanção mais grave,

dependendo da consciência e dos valores sociais, peculiariza a

preocupação ética (exclusão do grupo, vergonha, dor na consciência,

arrependimento...). A conduta, portanto, só é feita eticamente não por

metus cogendi poenae (pena privativa de liberdade, restritiva de

direitos...), como ocorre diante de normas jurídicas, mas por livre

convencimento do agente dentro de regras e costumes sociais.

Visto isto, há que se afirmar que os estudos histórico e etimológico do

termo "ética" revelam que éthos está revestido de ambigüidades, o que

torna a própria discussão da matéria também aberta: éthos (grego,

singular) é o hábito ou comportamento pessoal, decorrente da natureza

ou das convenções sociais ou da educação11

éthe (grego, plural) é o

justiça em Aristóteles, 1999, p. 105. 11

"Conceituar ética já leva à conclusão de que ela não se confunde com a moral, pese

embora aparente identidade etimológica de significado. Éthos, em grego e mos, em

latim, querem dizer costume. Nesse sentido, a ética seria uma teoria dos costumes. Ou

melhor, a ética é a ciência dos costumes. Já a moral não é ciência, senão objeto da

conjunto de hábitos ou comportamentos de grupos ou de uma

coletividade, podendo corresponder aos próprios costumes12

.

A dificuldade de definir e circunscrever o estudo da ação moral se

encontra sobretudo no fato de que as diversas ações humanas, das mais

rudimentares às mais tecnocráticas, se misturam à ação moral. Exercem-

se atos morais quando se elegem prioridades pessoais de vida, quando se

é solidário com quem necessita, quando se auxilia outrem por

companheirismo numa atividade profissional... donde as ações morais

permearem a presença do homem onde quer que se projete a

personalidade humana. Daí poder-se falar em ética na ação política, em

ética do profissional, em ética na ecologia...

Os canais de realização de ações morais também são os mais diversos

possíveis, uma vez que estas se exercem seja através do discurso, seja

através de gestos, seja através de escrito, seja através de atitudes (fazer

ou não fazer), seja através de procederes... donde as ações morais

contaminarem as diversas formas de manifestação humana. Disso resulta

a dificuldade de se diferir o que é o conteúdo da atividade (atividade

laboral, atividade política...) desenvolvida e o que é o conteúdo de

ciência. Como ciência, a ética procura extrair dos fatos morais os princípios gerais a

eles aplicáveis" (Nalini, Ética geral e profissional, 1999, p. 34). 12

"Aristote est le premier philosophe à avoir fait de l'éthos un concept philosophique à

part entiere, donnant lieu à une étude spécifique (pragmateia) de la vertu éthique, c'est-

à-dire de la vertu du caractere. Le caractere désigne une disposition acquise par

1'habitude de la partie désiderante de l'âme, intermédiaire entre la partie végétative et la

partie rationnelle. Le terme éthos n' a pas été inventé par Aristote; ille recueille au

contraire d'une longue tradition et lui dorme encare dans de nombreux textes les divers

sens de cette tradition. C' est ainsi qu' éthos peut siguifier le tempérament naturel d'une

spece animale ou d'un individu, mais aussi la maniere habituelle d'être et de se

comporter; quant au pluriel êthê, il désigne les moeurs d'un individu, d'une spece, d'un

peuple, d'une cité. Toutes ces siguifications renvoient au même registre de l'habitude

sans qu'il soit toujours possible de décider si celle-ci est la manifestation de la nature ou

le résulta de l' education et de la costume. Mais ce que révelent ces ambigüités, c'est

qu'au IVe. siecle l' éthos estmoins un concept rigoureux qu'une notion surdéterminée

par des jugements de valeur, cristalisant des polémiques ou s' entremêlent des enjeux

pédagogiques, politiques et moraux" (Vemieres, Éthique et politique chez Aristote:

physis, êthos nomos, 1995, Introduction, V).

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14

moralidade do ato (atitude ético-profissional, atitude ético-política...).

Um bom critério para distinguir a ação moral das demais é considerar

que a ética tem que ver com a solução de conflitos intrasubjetivos e

intersubjetivos13

. Tomado o sujeito de si para consigo, e, ao mesmo

tempo, de si perante outrem, os conflitos surgidos dessas duas esferas

podem ser gerenciados eticamente. Apesar de acertado, esse critério não

é suficiente para se dizer que se está diante de um critério final, capaz de

definir com exatidão os lindes da matéria.

Se isso pode ser aceito, então dever-se-á concluir que a ética, tendo por

objeto de estudo a ação humana, encontra-se entre os saberes de maior

importância, seja para a compreensão do homem em si, seja para a

compreensão da sociedade e de seus fenômenos.

BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Ética Jurídica: ética

geral e profissional. 2ª. ed. São Paulo; Saraiva: 2004.

III ESTUDO E PRÁTICA DA ÉTICA

Desde já, feitas estas observações primordiais, e tendo-se em vista o que

ficou estabelecido acima, há que se distinguir a ética como saber da ética

como prática.

O saber ético incumbe-se de estudar a ação humana, e já se procurou dar

uma mostra da complexidade do assunto. E, esc1areça-se, enquanto se

está aqui a dissertar sobre ética, se está a falar sobre o comportamento

humano tomado em sua acepção mais ampla, a saber, como realização

exterior (exterioridade), como intenção espiritual (intencionalidade),

como conjunto de resultados úteis e práticos (finalidade; utilidade). Esta

13

Esta é a posição teórica de Guisán, lntroducción a la ética, 1995, p. 28. Ou ainda:

"De modo más o menos provisional se podría decir, pues, que una norma es moral

cuando trata de sol ventar conflictos relativos a intereses intrasubjetivos o

intersubjetivos en colisión" (p. 29).

é uma faceta da ética, ou seja, a sua faceta investigativa14

.

A ética como prática consiste na atuação concreta e conjugada da

vontade e da razão, de cuja interação se extraem resultados que se

corporificam por diversas formas. Se as ações humanas são dotadas de

intencionalidade e finalidade, releva-se sobretudo a aferição prática da

concordância entre atos exteriores e intenções. A realização mecânica de

atos exteriores pelo homem deve estar em pertinente afinidade com a

atitude interna, de modo que, da consciência à ação, exista uma pequena

diferença de consumação. No fundo, a ação externa, modificativa do

mundo (ação discursiva, ação profissional, ação política... ), nada mais é

que a ultimação de um programa intencional preexistente à própria ação;

o programa ético é o correspondente guia da ação moral.

Então, a prática ética deve representar a conjugação de atitudes

permanentes de vida, em que se construam, interior e exteriormente,

atitudes gerenciadas pela razão e administradas perante os sentidos e os

apetites. Assim, fala-se no bom governo da coisa pública quando não

somente de intenções se constrói o espaço público. Diz-se que a prática

de condução das políticas públicas é ética se se realizaram atitudes

positivas e reais em prol da coisa pública. Também se fala em bom

proceder quando se constata não somente uma mínima intenção de não

lesar, mas sim um esforço efetivo no sentido de conter toda e qualquer

conduta capaz de suscitar a mínima lesão ao patrimônio espiritual,

material, intelectual e afetivo de outrem. Esta é a outra faceta da ética;

trata-se do conteúdo efetivo da ética como ocorrência individual e social.

Do exposto, deve-se extrair que a especulação ética corresponderá ao

estudo dos padrões de comportamento, das formas de comportamento,

das modalidades de ação ética, dos possíveis valores em jogo para a

escolha ética. Esse saber, que metodologicamente se constrói para

14

Posso afirmar que a Ética teórica procura estudar as idéias, linhas e formas de pensar

que se relacionam à natureza abstrata e imaterial do que nos é revelado nos fenômenos

éticos. Por estas paragens do conhecimento a Ética teórica e a Filosofia caminham

juntas; confundindo-se muitas vezes como um único campo do saber" (Korte, Iniciação

à ética, 1999, p. 52).

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15

satisfazer à necessidade de compreensão de seu objeto, acaba se tornando

uma grande contribuição como forma de esclarecimento ao homem de

suas próprias capacidades habituais.

Há que se dizer que existem autores que se detêm em conceituar o saber

ético como o saber que se incumbe de conhecer a retidão da conduta

humana, priorizando como objeto do saber ético o comportamento

virtuoso. Há outros que assinalam a virtude como o núcleo das

preocupações éticas de estudo. Porém, com base no que se disse, essas

definições são insuficientes para descrever a totalidade das preocupações

éticas15

.

Assim, o saber ético não é o estudo das virtudes, ou o estudo do bem,

mas o saber acerca das ações e dos hábitos humanos, e, portanto, das

virtudes e dos vícios humanos16

, e das habilidades para lidar com umas e

com outros. É sim o estudo do bem e do mal, deitando-se sobre a questão

de como distingui-los e de como exercitar-se para desenvolver suas

faculdades anímicas para administrá-los.

Ademais, a especulação ética permite a crítica dos valores e dos

costumes na medida em que estuda e compreende fatos e

comportamentos valorativos17

; então, possui tendência natural a imiscuir-

15

O estudo empreendido por Adam Smith, em seu tratado de moral, por exemplo, se

detém não somente na análise das virtudes, mas aponta claramente e distingue e

discute... a questão dos vícios, do que é desejável, do que é repugnante moralmente.

Esse pensador, certamente, empreende um estudo mais completo do problema. 16

Sobre o vício e a virtude e suas relações com a moralidade e os costumes: "Conforme

a tradição, o que chamamos virtudes são as idéias ou razões morais positivas que nos

trazem os melhores resultados. Os vícios são os portadores dos insucessos e dos

resultados negativos. Enquanto atuo, seja de acordo com virtudes ou vícios, procedo

eticamente. Mas, e aí vem o fundamento da explicação, se os costumes (mores) indicam

a prática da virtude, e eu pratico o vício, eu estou agindo contra a moral, mas, a rigor,

não estou agindo contra a Ética mas contra as regras que me são recomendadas pelos

conhecimentos trazidos pela Ética" (Korte, Iniciação à ética, 1999, p. 67). 17

"A Ética não é em si mesma um código, nem um conjunto de regras e nem é só o

estudo do comportamento ou de suas regras, normas e leis. É um campo de

conhecimentos em que, à medida que avançamos, são feitas descrições, constatações,

hipóteses, indagações e comprovações. É possível encontrar leis, enunciados e respostas

se na própria moral social e distingue-se por fortalecê-la, em função dos

vínculos científico e crítico que com ela mantém18

. Então, a ética

investigativa acaba possuindo forte papel de participação social19

.

Outra distinção de relevo quando se está a discutir essa temática é aquela

que procura delinear o que com grande confusão é normalmente tratado:

o que seja moral e o que seja ética. A moral é o conteúdo da especulação

ética, pois se trata do conjunto de hábitos e prescrições de uma

sociedade20

; é a partir de experiências conjunturais e contextuais que

surgem os preceitos e máximas morais21

. A ética constitui-se num saber

verossímeis e verdadeiras. O objeto da Ética é o estudo dos fenômenos éticos. Isso

implica ordenação de pressupostos, ordenamento de idéias, linhas e formas de pensar, e,

mais que tudo, sistematização da observação e dos conhecimentos, o que quer dizer

métodos de trabalho. "A palavra costume tem origem latina, no vocábulo consuetudine.

Traduz a idéia de procedimento, comportamento. Em sociedade, conforme suas

características, o vocábulo costumes quer significar, genericamente, regras escritas ou

não, que regulam procedimentos, rituais e ritos, aceitos e praticados pela referida

comunidade" (Korte, Iniciação à ética, 1999, p. 114). 18

"La ética, como reflexión crítica sobre la moral, tiene que tender a fortalecer la moral,

explicitando el objetivo último de las normas morales existentes, y a fortalecerse ella

misma, aI propio tiempo, alimentandose deI sustrato que comparte con la moral

positiva: la raíz de la que en principio ambas brotan y en virtud de la cual se justifican"

(Guisán, Introducción a la ética, 1995, p. 34). 19

"A Ética estuda as relações entre o indivíduo e o contexto em que está situado. Ou

seja, entre o que é individualizado e o mundo a sua volta. Procura enunciar e explicar as

regras, normas, leis e princípios que regem os fenômenos éticos. São fenômenos éticos

todos os acontecimentos que ocorrem nas relações entre o indivíduo e o seu contexto"

(Korte, Iniciação à ética, 1999, p. 1). 20

"A moral é objeto da Ética. Mas a relação que se estabelece entre a Ética, um dos

capítulos da teoria da conduta e a moralidade positiva, como fato cultural, é a mesma

que pode ser encontrada entre uma doutrina científica e seu objeto" (Nalini, Ética geral

e profissional, 1999, p. 73). 21

"Moral é o que se refere aos usos, costumes, hábitos e habitualidades. De uma certa

forma, ambos os vocábulos se referem a duas idéias diferentes, mas relacionadas entre

si: os costumes dizem respeito aos fatos vividos, ao que é sensível e registrado no

acervo do grupo social como prática habitual. A idéia contida na moral é a relação

abstrata que comanda e dirige o fato, o ato, a ação ou o procedimento. A moral explica

e é explicada pelos costumes. A moral pretende enunciar as regras, normas e leis que

regem, causam e determinam os costumes, inclusive, muitas vezes, anunciando-lhes as

conseqüências" (Korte, Iniciação à ética, 1999, p. 115).

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especulativo acerca da moral, e que, portanto, parte desta mesma para se

constituir e elaborar suas críticas. Ainda que seja válido, útil e didático

propor esta diferenciação, é mister informar que a ética não pode se

desvincular da moralidade, pois esse é seu instrumental de avaliação,

mensuração, discussão e crítica22

. A ética deve, com suas contribuições,

tender a fortalecer ainda mais a moral, e isso porque de seus juízos,

proposições, sentenças e afirmações científicas podem resultar

aperfeiçoamentos práticos substanciais para o que efetivamente se pensa

e se faz quotidianamente23

.

E não é excessivo dizer que, feitas essas distinções, deve-se perceber que

a interação do saber ético com a prática ética deve ser intensa. Isso

porque a ética demanda mais que puro discurso, mais que teoria, pois

requer prática. Em outras palavras, pode-se saber muito sobre ética, mas

o verdadeiro valor da ética não está nesses conhecimentos acumulados,

mas no uso aplicativo sobre atos e comportamentos que deles se possa

fazer. Aquele que muito conhece e pouco pratica em ética não pode ser

chamado prudente ou virtuoso (phrónimos) pelo simples fato de

conhecer24

. A advertência é importante, e sua apresentação só vem a

22

"La ética no debe ser confundida con la moral, como ya se ha indicado aI comienzo

de este libro, pero tampoco puede permanecer desligada de la moralidad positiva, de la

que debe partir para corregirla y modificarIa" (Guisán, Introducción a la ética, 1995, p.

316). 23

"La ética, como reflexión crítica sobre la moral, tiene que tender a fortalecer la moral,

explicitando el objetivo último de las normas morales existentes, y a fortalecerse ella

misma, aI propio tiempo, alimentandos e deI sustrato que comparte con la moral

positiva: la raíz de la que en principio ambas brotan y en virtud de la cual se justifican"

(p. 34). 24

A observação é aristotélica, e para melhor compreender a matéria dever-se-ão

retomar alguns conceitos fundamentais da ética aristotélica. Falar de ética significa falar

da razão prática, ou seja, daquela parte do raciocínio que delibera para orientar a ação.

A razão prática está relacionada com a capacidade humana de delinear sobre meios e

fins na realização de suas atividades. O conceito de razão prática se opõe ao conceito de

razão teórica, uma vez que esta se incumbe da reflexão e da especulação, não

redundando em reflexos diretos sobre a ação. O que se há de assinalar é o fato de que o

estudo da ética consiste num saber que se verte para a prática, isto é, depende

fortemente da prática para subsistir. Mais que isso, como diz Aristóteles, com ênfase no

livro X da Ethica Nicomachea, a ética não se contenta com o puro conhecimento. Para

reforçar o intuito de distinção entre saber ético e prática ética, motivo

deste item.

2.1. A ética e os conceitos vagos

O terreno da ética é pantanoso, sobretudo se considerado sob o ponto de

vista da ciência. De fato, os conceitos discutidos pela ética são

normalmente sujeitos à ambigüidade, à polissemia, à vaguidão, enfim, à

valoração. Os conceitos fluidos e indetermináveis de modo único e

absoluto são o núcleo dos estudos éticos. Então, como é possível um

saber preciso sobre ética, se sujeito a tanto relativismo conceitual?

Somente se pode admitir sua existência se se admite que é parte das

ciências humanas e vive de perto a variedade dos aspectos humanos

contidos nos valores subjetivos e sociais.

Dessa forma, admitindo-se um estatuto próprio à ética como saber, que,

deve-se dizer, não se submete ao caráter purista e preciso das ciências

causais (ciências exatas e biológicas), pode-se discutir valores éticos com

uma margem de imprecisão admissível, tolerada, previsível e contida

pelo sistema. Ora, essa folga nas amarras de funcionamento dos sistemas

éticos é a própria característica que confere vitalidade às idéias por eles

expostas. Um sistema ético inflexível é mostra de impermeabilidade na

discussão dos valores, que são, por natureza, variáveis, histórico-

culturais, parcialmente relativos e passíveis de discussão.

Então, a ética teórica não vive com dilemas por ter como objeto de

estudo conceitos fluidos e palavras de difícil determinação semântica. A

ética convive com eles como parte integrante de suas preocupações,

pesquisando mesmo sua variabilidade como algo inerente ao valor.

Essa flexibilidade ao admitir idéias sobre ética é o que permite espaço

para o desabrochar de novas éticas; é a folga do sistema para que nele

penetrem as inovações e a ele sejam incorporadas as aquisições mais

recentes no campo ético.

maiores esclarecimentos, consulte-se Bittar, A justiça em Aristóteles, 1999.

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Grife-se, ainda, que a inflexibilidade somente poderia prejudicar a

prosperidade das idéias éticas e conspurcar a finalidade da teoria ética.

Ela não foi feita para esmagar a liberdade e a prática da ética, mas para

auxiliar e orientar a ação ética. Não se pode inverter funções: a teoria é o

apêndice da prática ética, e não o contrário. A teoria ética é o acessório,

quando a prática ética é o principal, o fim de toda formulação teórica

ética. Assim, todo estudo ou norma ética tem como fim a prática, e não a

teoria ética.

O espaço dos conceitos fluidos e indetermináveis (bom, justo, correto,

bem comum, virtude, boa conduta...) é justamente o espaço necessário

para que os indivíduos, ante a ação e a prática, deliberem com liberdade

(caso a caso; conforme suas histórias de vida; conforme o meio;

conforme seus padrões morais...) o que é bom e o que é mau, o que é

justo e o que é injusto, o que é correto e o que é incorreto. Enfim, na ação

mora o fim de toda ética.

2.2. Ética: ciência ou filosofia?

A ética é ciência ou filosofia? Em verdade, pode-se dizer que é filosofia,

filosofia prática, que tem por conteúdo o agir humano25

. Isso porque se

trata de um saber especulativo, voltado para a crítica conceitual26

e

valorativa. Se o saber filosófico instaura a dúvida e a crítica, renunciando

a pretensões mais diretamente engajadas na resolução de questões

imediatamente necessárias e prementes, então é nesse solo que deve se

situar a especulação ético-conceitual. A ética firma-se em solo filosófico

como forma de fortalecimento das construções e deveres morais hauridos

25

Ao defini-la de forma contrastante com a da grande parte dos atuais debatedores do

tema, está, naturalmente, definindo nitidamente postura singular em meio a vozes

abalizadas na matéria: "Também não é verdade que a Ética seja parcela da Filosofia

especulativa, elaborada acientificamente e sem preocupação com a realidade moral

humana. E ainda que as questões éticas tenham sido sempre estudadas pelos filósofos,

hoje elas adquiriram autonomia científica" (Nalini, Ética geral e profissional, 1999, p.

72). 26

"A ética não trata de todo o objeto cogitável em geral, mas somente da ação humana

ou dos valores éticos" (Morente, Fundamentos de filosofia: lições preliminares, 1980, p.

32).

ao longo do tempo pela experiência. Seu cunho especulativo não a

permite ser senão um grande jogo especulativo, característica central do

saber filosófico27.

Não chega a se especificar e a se delinear como um saber particular sobre

um objeto de conhecimento. Defini-la como uma ciência normativa seria

por demais restrito pela amplitude das discussões que abarca28.

Seus

quadrantes são tão abrangentes quanto as pretensões filosóficas que

envolve. Os saberes científicos, pelo contrário, encontram maior precisão

na delimitação de suas estreitas fronteiras de estudo.

A ciência não seria capaz de dar conta de um objeto tamanhamente

complexo, como o é o objeto da especulação ética29.

Sua complexidade

se deve à ilimitação de seu conteúdo, uma vez que a ação humana vive

em profundo movimento espaço-temporal e cultural, acompanhando as

vitórias e as desditas humanas nesse plano. Circunscrever esse objeto de

estudo para se tomar uma indagação científica é o mesmo que

compromissá-lo indevidamente com o campo das indagações delimitadas

e rigoristas. A abertura da especulação filosófica comporta sim o tipo de

indagação e preocupação que se procura assinalar como éticas, de modo

que se deve concluir, não obstante alguns autores advogarem a idéia da

autonomia científica da ética, ser essa uma parte do território de estudos

filosóficos, seu local de assento, seu berço natural.

27

Assim: "A Ética, como filosofia moral, é o ramo da filosofia que estuda e avalia a

conduta e o caráter humanos à vista dos conhecimentos, das tradições, dos usos e dos

costumes" (Korte, Iniciação à ética, 1999, p. 99). 28

"A ética é uma disciplina normativa, não por criar normas, mas por descobri-las e

elucidá-las. Mostrando às pessoas os valores e princípios que devem nortear sua

existência, a Ética aprimora e desenvolve seu sentido moral e influencia a conduta"

(Nalini, Ética geral e profissional, 1999, p. 35). 29

"O problema do valor do homem como ser que age, ou melhor, como o único ser que

se conduz, põe-se de maneira tal que a ciência se mostra incapaz de resolvê-lo. Este

problema que a ciência exige, mas não resolve, chama-se problema ético, e marca

momento culminante em toda verdadeira filosofia, que não pode deixar de exercer uma

função teleológica, no sentido do aperfeiçoamento moral da humanidade e na

determinação essencial do valor do bem, quer para o indivíduo quer para a sociedade"

(Reale, Filosofia do direito, 1999, p. 35).

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Se é parte da filosofia, então, necessariamente, liga-se à filosofia prática,

ou seja, aquela que tem por principal foco de estudos a ação humana30.

Ou seja, a atenção, ao se estudar ética, recai sobre questões de cunho

prático e dirigido na realidade quotidiana de sucessão das efemérides e

ocorrências que dependem da vontade e da intervenção humana para

acontecerem. Essa especulação dirigida à atuação humana se chama

filosofia prática31.

2.3. A reflexão ético-filosófica como prática da liberdade

As práticas filosóficas não se conciliam com propostas distanciadas da

produção de determinados efeitos. Práticas filosóficas que caminham

para o idealismo absoluto, ou mesmo para estreitos corredores acessíveis

somente a filósofos, iniciados e eruditos, são práticas alienadoras das

mentalidades, na medida em que colaboram para o distanciamento do

filósofo da sociedade.

É com Gramsci que se pode dizer que todo o exercício filosófico (que

parte das filosofias e das reflexões filosóficas) tende a colaborar com o

processo de formação do bom senso (que ocorre quando as filosofias são

apropriadas pelas massas), fazendo-se um exercício humanístico

imprescindível para a renovação dos valores sociais. De fato:

"Mas por que surge o Bom Senso? Afastemos a idéia de que ele poderia

resultar de uma irradiação espontânea e gratuita da filosofia. Ele nasce e

se desenvolve para preencher uma função. Essa função, inclusive, é

concebida por Gramsci em termos de uma exigência quase ética: 'deve-

30

Então, Reale divide a filosofia em três ramos de preocupações: teoria do

conhecimento (lógica e ontognoseologia); teoria dos valores ou axiologia (ética,

estética, filosofia da religião, filosofia política, filosofia econômica etc.); metafísica

(Filosofia do direito, 1999, p. 39). 31

"A filosofia prática, já o dissemos, tem por fim definir o bem do homem. Por isto é

possível colocar-se num duplo ponto de vista: do ponto de vista do fazer, isto é, da obra

a produzir (arte em geral e artes do belo em particular), objeto da filosofia da arte, ou do

ponto de vista do agir, isto é, da ação a realizar, o que constitui o objeto da moral"

(Jolivet, Curso de filosofia, 1990, p. 24).

se' difundir a filosofia de uma época, transformá-la em Bom Senso"32

.

Então, sem dúvida alguma, a filosofia possui um importante e destacado

papel de exercer livremente o pensamento, e, no campo da reflexão ético-

filosófica, fazê-lo em completo (até onde possível) descompromisso com

a moral social, com os valores majoritários ou com os interesses morais

de uma classe social. A reflexão ético-filosófica pode mesmo significar,

segundo essa linha de raciocínio, uma prática da rebeldia, na medida em

que se inscreve como recurso de acusação da hipocrisia moral, com os

fetiches e recalques axiológicos protetores de certos interesses de classe,

da falsa moralidade e dos moralismos alardeados como padrões de

conduta. Ora, é a filosofia um exercício de liberdade de pensamento,

rigorosa somente quanto aos seus próprios fundamentos e às suas

próprias coerências metodológicas, de modo a produzir-se como

exercício legitimamente possível na medida em que desenvolve um olhar

sensível e crítico às práticas éticas e às moralidades cotidianas da(s)

sociedade(s).

Para que esse exercício se faça em completa autonomia não significa que

seja necessário o isolamento do filósofo eticista, muito menos que a

filosofia se acantone em suas discussões. Pelo contrário, é extremamente

salutar que todo esse exercício seja feito na companhia de outros saberes

que com ela são convidados a pensar as questões axiológicas,

comportamentais e as regras de conduta: a psicologia, como saber

voltado para as características mais intimistas da personalidade humana;

a antropologia, como saber devotado ao estudo dos comportamentos

grupais, da organização e das práticas sociais; a sociologia e a história,

como saberes capazes de colaborar com o desenvolvimento da

capacidade crítica de avaliação de comportamentos e práticas

contextualizados no tempo e no espaço etc.

A atitude, portanto, da filosofia ética é a de compreensão e avaliação

crítico-reflexiva da ação humana (individual ou coletiva). O

compromisso do filósofo eticista está na ênfase dada à pergunta, ao

32

Debrun, Gramsci: filosofia, política e bom senso, 2001, p. 172.

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questionamento, provocando o abalo de estruturas axiológicas por vezes

secularmente assentadas, e não na ênfase impositiva, qual a atitude do

moralista, que julga, acusa e impõe, que prescreve e dita regras e valores,

que se auto-arroga a posição de detentor de "verdades morais".

Trata-se de uma questão de método, mas também de enfoque, algo que

parece determinante para que a filosofia seja respeitada como exercício

de liberdade.

2.4. Divisões da ética

A ética, como saber filosófico, pode ser dividida, seguindo uma

determinada orientação conceitual, em dois grandes ramos: a ética

normativa e a metaética. Enquanto a ética normativa se detém no estudo

histórico-filosófico ou conceitual da moralidade, ou seja, das normas

morais espalhadas pela sociedade, praticadas ou não, a metaética se

propõe a ser uma investigação do tipo epistemológico, ou seja, uma

avaliação das condições de possibilidade de qualquer estudo ou proposta

teórica ética33

. Se a ética normativa estuda as normas sociais34

, se

detendo sobre a moralidade positiva, a metaética estuda e avalia a ética

normativa.

Há que se dizer que a ética normativa abre espaço para a discussão das

diversas correntes de pensamento acerca da ética, e, nesse sentido, é o

que permite o estudo histórico-filosófico da ética (ética socrática, ética

33

A metaética é o estudo crítico dos sistemas éticos: "Igual que la ética normativa

supone una reflexión acerca de las normas morales existentes (moralidad positiva), la

metaética implica una reflexión sobre los sistemas éticos existentes (moralidad crítica)"

(Guisán, Introducción a la ética, 1995, p. 43). 34

"No campo da Ética filosófica encontramos a Ética normativa e a Ética especulativa.

A Ética normativa é mais do que prescrever regras e leis, pois procura enunciar as

normas que assegurem e satisfaçam a autoridade do que deve ser, para que a sociedade

atinja seus objetivos. Apóia-se em razões morais decorrentes dos costumes e também

racionais empíricas, louvando-se em experiências anteriores" (Korte, Iniciação à ética,

1999, p. 105).

platônica...)35

. Pode-se, então, identificar as principais correntes de

pensamento ético como constituindo grandes grupamentos de estudo da

ética normativa, a saber: 1) as éticas normativas teleológicas

(eudemonistas e hedonistas), para as quais a noção primordial é a de que

a ética deve conduzir a um fim natural, ou à felicidade, ou ao bem-estar,

ou à utilidade geral... (Sócrates, Platão, Aristóteles, Epicuro, Hume,

Bentham, Stuart Mill...)36

; 2) as éticas normativas deontológicas, para as

quais a noção primordial é a da necessária e imperativa obediência ética

pela consciência do dever e da responsabilidade, individual ou Social...

(cristianismo, ética kantiana, ética do contrato social...)37

. Não obstante

se poder assim dividir as dimensões filosóficas ético-normativas, nunca é

demais dizer que os grupamentos não sufocam a independência lógica,

conceitual, e muito menos as peculiaridades, de cada proposta filosófica.

Outra distinção importantíssima a ser feita é aquela que divide a ética em

dois grandes ramos: a ética geral e a ética aplicada.

A primeira deter-se-ia na análise e no estudo das normas sociais, aquelas

que atingem a toda a coletividade, e que possui lineamentos os mais

35

Também chamada ética especulativa: "A Ética especulativa procura encontrar, com a

sistematização dos dados conhecidos, as razões últimas (teleológicas) ou razões

primeiras (deontológicas), por meio das quais possa quantificar e avaliar os fenômenos

éticos, atribuindo-lhes juízos de valor moral, ou seja, de valor segundo os costumes"

(Korte, Iniciação à ética, 1999, p. 105). 36

"Es común distinguir, dentro de las éticas teleológicas que proponen como meta el

bienestar humano, las eudemonistas (que sólo tomarían en consideración los placeres

más o menos intelectuales o espirituales) y las hedonistas (de hedoné, placer en griego),

que tendrían como objecto la persecución de placeres más materiales" (Guisán,

lntroducción a la ética, 1995, p. 37). 37

"La diferencia esencial entre las éticas teleológicas y las deontológicas o de

principios, es que rnientras las primeras exigen un fin más o menos natural a perseguir

por la razón humana, fin que presenta las características de ser bueno prudencialmente y

bueno éticamente, en las segundas lo que importa es obrar conforme a deberes (déon =

deber en griego) exigidos por la existencia de principios y dictados por la razón pura,

como la ética kantiana, y derechos (naturales y/o fundamentales) o principios

producidos mediante consenso o contrato por los humanos (aunque en este último caso

podría darse un importante acercarniento a las éticas teleológicas o de fines)" (Guisán,

lntroducción a la ética, 1995, p. 38-39).

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abrangentes possíveis, correspondendo ao conjunto de preceitos aceitos

numa determinada cultura, época e local não pelo consenso da

população, mas sim pela maioria predominante. A ética geral incumbir-

se-ia, portanto, de tratar dos temas gerais de interesse ligados à

moralidade. Essa faceta da ética seria a mais aberta, e, por conseqüência,

a mais abrangente, lidando com os interesses sociais de um modo geral.

A segunda deter-se-ia na apreciação de normas morais e códigos de ética

especificamente localizáveis na sociedade, uma vez que estes estariam

relacionados ao comportamento de grupos, coletividades, categorias de

pessoas, não possuindo a abrangência da primeira. Essa faceta da ética,

chamada ética aplicada, deter-se-ia no estudo qualificado (por um

interesse específico por ramo de atividade, grupo de pessoas envolvido...)

de questões ético-sociais. São desdobramentos da ética aplicada: a ética

ecológica, a ética profissional, a ética familiar, a ética empresarial...

Tudo isso em função da especialização desses estudos e das exigências

principiológicas que acabam se formando em tomo deles. Porém, é certo

que todas convergem, em seus interesses, para uma reflexão sintética e

geral, proposta pela ética geral. Também é certo que todas essas éticas

localizadas e específicas se incrementam quando se comunicam e vivem

em dialética social; mas a distinção, além de didática, é necessária para

efeitos de diferenciação e de análise ramificada do saber.

A parte da ética aplicada que se procurará abordar com maior

profundidade nesta obra será a da ética profissional. Quando a ética se

deita sobre a projeção profissional, quer, de fato, detectar as normas que

presidem o relacionamento humano por meio do trabalho; é da

conjugação entre ação laboral e ação moral que se procurará extrair uma

reflexão mais aprimorada sobre essa parte da ética aplicada. De fato,

deter-se-á a segunda parte deste escrito na investigação das normas

morais, dos princípios e das normas jurídico-disciplinares que governam

a atuação de um tipo específico de profissional, a saber, o profissional do

direito, em suas várias e diversificadas funções, cargos e papéis sociais38.

BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Ética Jurídica: ética

geral e profissional. 2ª. ed. São Paulo; Saraiva: 2004.

IV OS FINS DA AÇÃO ÉTICA

Todas as éticas, sejam quais forem suas orientações, premissas,

engajamentos e preocupações, sempre elegem "o melhor" como sendo a

finalidade do comportamento humano. Toda postura ética assume uma

espécie do que seja "o melhor" para o direcionamento da ação humana, e,

uma vez eleita, segue a trilha e a orientação traçadas para sua realização,

assumindo os riscos do caminho e das conseqüências.

Isso quer dizer, num primeiro momento, que existe plena liberdade de

opção ética. A essa liberdade de opção segue a responsabilidade na

administração dos riscos e na assunção dos resultados. E, num segundo

momento, que a noção do que seja "o melhor" é a força centrípeta de

toda investigação ética; é em torno desse problema que circulam as

investigações éticas39.

As éticas hedonistas elegem no prazer "o melhor" do agir humano; as

éticas eudemônicas fazem residir na felicidade a busca ética; as éticas

intelectualistas fazem residir no gozo contemplativo a finalidade da ação

humana; as éticas espiritualistas apregoam que a orientação do que seja

"o melhor" deve provir de forças e intuições religiosas para encaminhar a

ação humana com vistas a um porvir além-túmulo prenhe de graças e

abundância; as éticas do dever fazem residir no ato moral, em si e por si,

38

O que importa dizer neste momento é que a aproximação de ambas as ciências se

torna ainda mais clara quando se procura estudar a ética disciplinar do profissional do

direito. Então se passa a compreender o quanto uma ciência (ética) é cara à outra

(direito) na compreensão de sua preceptística. 39

"A meta da atividade ética é dada pelo valor do bem que pode ser de cunho moral,

religioso, econômico, estético etc., desde que posto como razão essencial do agir"

(Reale, Filosofia do direito, 1999, p. 389).

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independente de qualquer outro resultado ou finalidade, como imanência

intelectual, a força e a razão de ser da ética da ação humana... Até mesmo

o ascetismo, quando elege a dor e a ausência de prazeres como fins,

realiza uma opção ética que entende ser pelo "melhor"; o asceta está em

busca de uma redenção espiritual, e vislumbra no presente uma forma de

maceração carnal para o alcance de gozos espirituais muito mais

duradouros. Inclusive as éticas que apregoam no suicídio uma forma de

liberação entendem ser esse o meio para pôr fim a tormentas existenciais

ou materiais, ou seja, para reduzir ou exterminar uma quota de dor com

vistas "ao melhor", Em todas as correntes e orientações éticas reside uma

preocupação estável, constante e perene, qual seja: orientar a conduta

humana para "o melhor".

Mas, o que seja "o melhor", isto é controverso, de modo que as doutrinas

éticas divergem não quanto ao que seja a busca ética, mas sim quanto ao

que seja o conteúdo da busca ética. Em outras palavras, se o que é "o

melhor" varia de acordo com inúmeras valorações e tendências, não há

de existir uma forma única e homogênea de se pautar a conduta ética. A

expressão "o melhor" (áriston, para o grego) é semanticamente aberta, de

modo a determinar entendimentos diversos quanto ao que seja realmente

"o melhor".

De qualquer forma, elegendo-se qualquer das variadas opções do

“melhor”, é impossível pensar o homem sem a ética40

; em outras

palavras, o homem é um ser ético por natureza (homo naturaliter ethicus

est). É impensável a dissociação do homem de sua capacidade de

autogestão; nessa capacidade estão abrangidos o controle de seus atos, a

condução de suas condutas, a seleção de seus comportamentos, a

priorização de suas opções (controle, regulação, limitação, ponderação,

administração, compreensão, exame...)41

.

40

"La moral es para los seres humanos como una segunda pieI, tan pegada a la primera

que resulta dificilmente discemible, criticable, desechabble o renovable" (Guisán,

lntroducción a la ética, 1995, p. 31). 41

"Comecemos por uma noção aproximativa da ética contida na proposição: somente o

ser humano é ético ou a-ético. Um dos sentidos desta afirmação é que o ser humano tem

Dizer que a ética persegue o homem significa dizer que a orientação ética

caminha com o homem desde seus titubeantes passos. Porém, é fato que

a ética de outros tempos não é a mesma de hoje. As concepções éticas de

povos, civilizações, gerações... alteram-se ao sabor dos tempos. Não há

uma única ética para todos os povos em todos os tempos; toda construção

ética se opera de acordo com a axiologia de uma cultura e de um tempo

(ao mesmo tempo em que os cristãos pregavam uma consciência

ecumênica na Europa do séc. XV, os canibais na América devoravam

seus inimigos de guerra). O que há é que a consciência ética cresce com

o homem (alarga-se, expande-se, fortalece-se...), na medida em que

também crescem dentro do homem as dimensões da autoconsciência, da

racionalidade, da presença da alteridade...

Porém, quando se diz que a ética nasceu com o homem, não se está a

dizer que nasceu pronta, acabada, com todos os seus quadrantes

delineados e previamente programada. A ética acompanha o homem em

seu percurso existencial e histórico. A história das vicissitudes humanas é

a história das evoluções e involuções éticas. Isso quer dizer que a ética

está ao lado do homem em seus envolvimentos sócio-culturais.

Em outras palavras, a forja dos preceitos éticos não é tão-só e unicamente

a consciência individual; sobre a consciência individual atuam as

influências sociais e educacionais, e isso em profunda dialética com as

influências ambientais. Ou seja, o homem descobre-se a si próprio

conhecendo melhor o outro; a alteridade é o espelho (dos vícios e das

virtudes) da individualidade. Desse contato extraem-se os imperativos e

os comandos do que fazer ou deixar de fazer, de como fazer ou deixar de

fazer, de até quando fazer ou deixar de fazer... Em poucas palavras, a

dimensão de uma consciência e de suas normas não se constrói em

apartado da dimensão das outras consciências e das normas sociais.

Oportunidade, conveniência e outros juízos da ação humana

desenvolvem-se naturalmente com o evolver dos próprios conceitos

em suas mãos o seu destino: pode construir-se ou perder-se, dependendo do rumo que

ele imprime às suas decisões e ações ao longo da vida. Aqui intervém a ética como

direcionamento da vida, dos comportamentos pessoais e das ações coletivas" (Pegoraro,

Ética é justiça, 1997, p. 11).

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sócio-culturais42.

Ademais, as normas éticas convivem com outras normas e forças sociais

(econômicas, costumeiras...), e é da interação destas que surgem

deliberações individuais de comportamento. Assim, é em interação

sócio-ambiental, e, obviamente, em uma inserção cultural, que se

aprende, que se vive e que se exerce ética. O homem ao agir está

exercendo ética, pois para agir necessita optar por valores, por comandos

de orientação de conduta, por fins, por desejos, por vontades, por

objetivos... Ainda mesmo que a ética comportamental de um indivíduo

(ou grupo) seja a opção pela libertação ou negação cética de toda e

qualquer ética existente, ou predominante, nessa atitude, tipicamente

contestatória, reside uma certa ética.

BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Ética Jurídica: ética

geral e profissional. 2ª. ed. São Paulo; Saraiva: 2004.

V O OBJETO DO SABER ÉTICO E AS NORMAS MORAIS

O saber que se intitula ética tem por objeto de estudo a ação moral e suas

tramas. Esse saber ético não possui natureza puramente normativa, como

afirmam alguns autores, não se dedicando exclusivamente à compreensão

do dever-ser ético43.

Porém, há que se dizer que em suas pretensões de

estudo se encontram englobadas as normas morais. Ou seja, a

deontologia, o estudo das regras morais, é parte das preocupações do

saber ético.

42

"O estudo da ética nos permite corrigir os vícios e acentuar as virtudes, de tal forma

que, em cada opção, escolha ou ação, nós podemos obter resultado mais justo, próprio e

oportuno. Será justo nas relações espaço-forma-tamanho; próprio, quando e de acordo

com a natureza; e oportuno, porque adotado no tempo mais conveniente, em que os

resultados serão os melhores possíveis" (Korte, Iniciação à ética, 1999, p. 165). 43

É o caso de Hans Kelsen, para quem a ciência ética se define como o estudo das

normas éticas. A respeito, leiam-se O que é justiça e O problema da justiça, do referido

autor.

Isso significa dizer que se pode estudar, além do problema da ação e suas

questões correlatas, por meio de um método científico (indução,

dedução, dialética, intuição), pelo saber ético, o conjunto de preceitos

relativos ao comportamento humano (individual e social). A preceptística

moral, ou seja, o conjunto de regras definidas como normas morais (não

matarás; não julgarás; não farás ao outro o que não desejaríeis a ti fosse

feito; não roubarás; darás a cada um o seu...) é, no fundo, a abstração das

experiências morais hauridas pela prática vivencial sócio-humana.

Desse modo, pode-se admitir que todo conteúdo de normas éticas tem em

vista sempre o que a experiência registrou como sendo bom e como

sendo mau, como sendo capaz de gerar felicidade e infelicidade, como

sendo o fim e a meta da ação humana, como sendo a virtude e o vício.

Essa preceptística, que não é estável, nem homogênea em sua totalidade

e em sua generalidade, entre as diversas culturas, varia ao sabor de

inúmeros fatores.

Com os meios de realização escolhidos, com os fins almejados, com as

conseqüências práticas e com os reflexos sociais previstos... percebe-se,

compreende-se, constrói-se, delibera-se... quais são os padrões de

conduta aceitáveis e inaceitáveis. Mas isso não se pode definir antes da

necessária passagem pelo convívio histórico. O que se quer dizer é que as

regras orientativas e disciplinadoras do que seja o socialmente aceitável e

conveniente decorrem da abstração das experiências e das vivências

sociais historicamente engajadas. O indivíduo produz conceitos e padrões

éticos e os envia à sociedade, assim como a sociedade produz padrões e

conceitos éticos e os envia (ou inculca), por meio de suas instituições,

tradições, mitos, modos, procedimentos, exigências, regras, à consciência

do indivíduo. É dessa interação, e com base no equilíbrio dessas duas

forças, que se pode extrair o esteio das preocupações ético-normativas.

BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Ética Jurídica: ética

geral e profissional. 2ª. ed. São Paulo; Saraiva: 2004.

VI O OBJETO DO SABER ÉTICO E O DIREITO

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O saber ético estuda o agir humano. Isso já se disse. Também já se disse

que as normas morais convivem com normas sociais. Porém, o que ainda

está por ser dito é que dentre as normas sociais e as demais convenções

se destacam as normas jurídicas, com as quais interagem as normas

morais. Assim, há que se investigar as relações existentes entre ambas as

categorias de normas, procurando-se definir o âmbito de alcance de cada

qual.

As normas jurídicas distinguem-se das normas morais, sobretudo em

função da cogência e da imperatividade que as caracterizam. Eis aí uma

primeira delimitação de suma importância. As normas morais possuem

autonomia com relação ao direito, e, pode-se dizer, vice-versa, o que, por

contrapartida, não significa dizer que não possuam influências, ou que

não possuam relações e imbricações recíprocas. De maneira

fundamental, o que se quer dizer é que a relação entre direito e ética,

entre normas jurídicas e normas morais, é estreita, não obstante se

possam identificar nitidamente as diferenças que se marcam entre os dois

campos de estudo.

Com essa observação, quer-se simplesmente dizer que é possível a

constituição de uma especulação ética independente de uma ciência do

direito, uma vez que a incidência daquela recairá sobre as ações

eticamente relevantes, e a incidência desta será sobre as ações declaradas

e constituídas como juridicamente relevantes. Por vezes, as ações são

coincidentemente ética e juridicamente relevantes, o que não prejudica a

autonomia das referidas ciências, nem faz confundir o campo do jurídico

com o campo da ética.

Deve-se admitir que a cumplicidade existente entre direito e ética é

notória, além de inegável44

. Quando se trata de relacionar ética e

direito45

, é de crucial importância assinalar que, às vezes, ética e direito

44

Nada há a desabonar essa idéia, a não ser posturas teóricas formalistas e puristas, do

ponto de vista metodológico, como ocorre com a Teoria pura do direito de Hans

Kelsen. 45

A respeito do tema, consulte-se o excelente estudo Ética e direito (1996) de Chaim

Perelman.

convergem, às vezes, divergem. Que dizer das normas jurídicas de

direitos humanos, contrárias à discriminação, contrárias ao desmando...

senão que se trata de um conjunto de preceitos morais que deságuam no

universo das prescrições jurídicas para encontrar seu reforço na coação

estatal?46

Que dizer das normas jurídicas que caminham dissociadas de

quaisquer resguardos éticos ou, por vezes, contrárias à ética?47

É por demais importante grifar que se torna impossível ao jurista

penetrar adequadamente nos meandros jurídicos menosprezando por

completo as regras morais. Se isso já é por si difícil e prejudicial, então

se torna inaceitável a posição que receita ao jurista manter distância

absoluta do estudo das normas éticas. Em outras palavras, e

sinteticamente, tudo confirma a hipótese de que a pesquisa jurídica deve

ser uma pesquisa conjugada com a ética48

; deve-se perceber que os

entrelaçamentos entre o direito e a temática ética são inegáveis49.

BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Ética Jurídica: ética

geral e profissional. 2ª. ed. São Paulo; Saraiva: 2004.

VII A DETERIORAÇÃO DA ÉTICA

Malgrado se possa falar em flexibilização da ética, atualmente, com o

46

Deve-se consultar, a respeito, a análise histórico-evolutiva dos direitos humanos em

Comparato, A afirmação histórica dos direitos humanos, 1999. 47

Este é o caso: das normas contendo prazos, indiferentes a conteúdos morais; das

normas processuais que consentem a mentira em nome da defesa pessoal do réu,

contrariamente ao que diz a moral quanto à mentira. 48

Hans Kelsen não negava a possibilidade de estudo da justiça; é certo que não só

estudava a justiça (A ilusão da justiça; O que é justiça?: a justiça, o direito e a política

no espelho da ciência; O problema da justiça), como a julgava um valor relativo.

Porém, estudou a justiça como um valor em separado do direito, como objeto de uma

ciência própria, autônoma e desvinculada do direito (estuda normas jurídicas), a ética

(estuda normas morais). 49

Já se teve oportunidade de afirmar isso em outra parte. Vide, portanto, Bittar, Teorias

sobre a justiça: apontamentos para a história da Filosofia do Direito, 2000. Também,

leia-se em Ferraz Júnior, Introdução ao estudo do direito, 1994, p. 355: "Pelo que

dissemos, a justiça é o princípio e o problema moral do direito".

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alargamento da liberdade de escolha ética, com a quebra da hegemonia e

do domínio da ética pública sobre a privada, deve-se dizer que isso se

deve em parte à progressiva deterioração da ética. Se é certo que um

modelo impositivo e absolutista de ética foi substituído pela pluralidade

de éticas, estas sim não excludentes de outras e não intolerantes, também

é certo que a ética tradicional (estanque, costumeira, moralista,

sacralizada, patriarcalista...) veio sendo sucateada e esvaziada de sentido.

A necessidade de reduzir barreiras tornou-se uma cobrança necessária

para o homem moderno e, sobretudo, do homem pós-moderno, de modo

que desarticular as instâncias com as quais se organizava o discurso ético

tradicional representou uma guerra a ser travada e assumida por diversas

gerações. No lugar da transcendência, a racionalidade, no lugar do

manual, o técnico, no lugar da virtude, o lucro, no lugar da unidade, a

multiplicidade, no lugar da integração, a fragmentação50.

O efeito esperado adveio, mas acompanhado de conseqüências funestas,

talvez inesperadas. Com a morte da ética tradicional dominadora, veio,

como conseqüência negativa e errônea, o descrédito de toda a ética. A

ética tomou-se assunto démodé, sobretudo nas sociedades

contemporâneas fortemente imiscuídas num modelo utilitarista, burguês

e capitalista de vida, sugadas que estão pelas noções de valor econômico

e de lucro. A ética tradicional, uma vez destronada, levou consigo o

conceito de ético; nenhuma ética mais parecia poder habilitar-se a

50

"Alguns procuram nomear a crise dando-lhe o nome de pós-modernidade. A

modernidade, nascida com a Ilustração, teria privilegiado o universal e a racionalidade;

teria sido positivista e tecnocêntrica, acreditado no progresso linear da civilização, na

continuidade temporal da história, em verdades absolutas, no planejamento racional e

duradouro da ordem social e política; e teria apostado na padronização dos

conhecimentos e da produção econômica como sinais da universalidade. Em

contrapartida, o pós-modernismo privilegiaria a heterogeneidade e a diferença como

forças liberadoras da cultura; teria afirmado o pluralismo contra o fetichismo da

totalidade e enfatizado a fragmentação, a indeterminação, a descontinuidade e a

alteridade, recusando tanto as metanarrativas, isto é, filosofias e ciências com pretensão

de oferecer uma interpretação totalizante do real, quanto os mitos totalizadores, como o

mito futurista da máquina, o mito comunista do proletariado e o mito iluminista da ética

racional e universal" (Chauí, Público, privado e despotismo, in Ética (Adauto Novaes

org.), 1992, p. 346).

ensinar, a educar, a prescrever e a comandar condutas humanas. A

quebra dos limites abriu para o homem pós-moderno a consciência das

dimensões infinitas anteriormente desconhecidas, e o deslumbramento

pelo ilimitado deu origem a uma crise de valores que se instalou na

sociedade e custa a ser combatida. Optou-se pela contingência51.

A pós-modernidade trouxe consigo a herança da crise, e as propostas de

consertá-la têm sido as mais variadas e têm obedecido e se revestido das

mais diversificadas roupagens 52

Se era o excessivo apego a seus cânones

e dogmas que obcecava e, ao mesmo tempo, cegava a ética tradicional na

perseguição de seus objetivos, ora passou-se para um sistema em que a

falta de parâmetros e balizas éticas causam a desesperação humana. A

necessidade de orientações, de conceitos, de regras faz com que o

51

"O pós-modernismo faz a opção pela contingência. E, com ela, opta pelo

fragmentado, efêmero, volátil, fugaz, pelo acidental e descentrado, pelo presente sem

passado e sem futuro, pelos micropoderes, microdesejos, microtextos, pelos signos sem

significados, pelas imagens sem referentes, numa palavra, pela indeterminação que se

torna, assim, a definição e o modo da liberdade. Esta deixa de ser a conquista da

autonomia no seio da necessidade e contra a adversidade para tornar-se jogo, figura

mais alta e sublime da contingência. Mas essa definição da liberdade ainda não nos foi

oferecida pelo pós-modernismo; está apenas sugerida por ele, pois definir seria cair nas

armadilhas da razão, do universal, do logocentrismo falocrático ou de qualquer outro

monstro que esteja em voga. Donde o sentimento de que vivemos uma crise dos valores

morais (e políticos)" (Chauí, Público, privado e despotismo, in Ética (Adauto Novaes

org.), 1992, p. 356). 52

"Fala-se hoje, em toda parte e no Brasil, numa crise dos valores morais. O sentimento

dessa crise expressa-se na linguagem cotidiana, quando se lamenta o desaparecimento

do dever-ser, do decoro e da compostura nos comportamentos dos indivíduos e na vida

política, ao mesmo tempo em que os que assim julgam manifestam sua própria

desorientação em face de normas e regras de conduta cujo sentido parece ter se tomado

opaco. Uma autora sueca, Sissela Bok, decidiu escrever um livro sobre a mentira, após

ter verificado que, desde o século XVII, excetuando-se alguns momentos da literatura,

do teatro e do cinema, reina o silêncio quanto aos dilemas dizer-a-verdade na vida

privada e na vida pública. Sociólogos de linha durkheimiana, examinando o desamparo

dos indivíduos nas escolas morais, a presença de práticas e comportamentos violentos

na sociedade e na política, a multiplicidade de atitudes transgressoras de valores e

normas, falam em anomia, isto é, na desaparição do cimento afetivo que garante a

interiorização do respeito às leis e às regras de uma comunidade" (Chauí, Público,

privado e despotismo, in Ética (Adauto Novaes org.), 1992, p. 345).

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homem tenha de se guiar com a esperança de um agir delineado, prenhe

dos objetivos, projetado na base de meios e fins. A ausência dessas

referências internas (subjetivas) ou externas (sociais) causa o

desnorteamento, momento em que se vêem mais vulneráveis as pessoas a

absorverem e a aceitarem quaisquer ofertas éticas e comportamentais

externas; isso explica a atualidade e o re-aquecimento do debate ético

como um mister social53.

As razões desse degringolar podem ser

apontadas, porém não exaustivamente.

A pragmatização da sociedade, pós-Revolução Industrial, pós-Revolução

Atômica... tomou obsoleto o tema da ética, esvaziando-o de sentido,

fazendo com que sofra constantemente de uma discriminação ante as

predominantes mentalidades monetaristas, que dissolvem todos os

valores humanos em valores econômicos, e reduzem toda capacidade a

uma capacidade laboral e produtiva54.

53

"Por que a ética voltou a ser um dos temas mais trabalhados do pensamento filosófico

contemporâneo? Nos anos 60 a política ocupava esse lugar e muitos cometeram o

exagero de afirmar que tudo era político. Que mudanças se deram em nosso quadro

intelectual para que outros agora possam dizer que tudo é moral? Parece-me haver um

motivo básico para isso. Antes de tudo, não mais se acredita numa escatologia, numa

doutrina da consumação dos tempos e da história" (Gianotti, Moralidade pública e

moralidade privada, in Ética (Adauto Novaes org.), 1992, p. 239). 54

Deve-se acrescentar ainda: "Os objetos são descartáveis, as relações pessoais e sociais

têm a rapidez vertiginosa do fast food, o mercado da moda é dominante e a moda,

regida pelas leis de um mercado extremamente veloz quanto à produção e ao consumo.

Tempo e espaço foram de tal modo comprimidos pelos satélites de telecomunicações e

pelos meios eletrônicos, assim como pelos novos transportes, que o tempo tomou-se

sinônimo de velocidade e o espaço, sinônimo da passagem vertiginosa de imagens e

sinais.

"Os antigos afirmavam que a ética, cujo modo era a virtude e cujo fim era a felicidade,

realizava-se pelo comportamento virtuoso entendido como a ação em conformidade

com a natureza do agente (seu ethos) e dos fins buscados por ele. Afirmavam também

que o homem é, por natureza, um ser racional e que, portanto, a virtude ou o

comportamento ético é aquele no qual a razão comanda as paixões, dando normas e

regras à vontade para que esta possa deliberar corretamente. Embora Platão, Aristóteles,

os estóicos ou os epicuristas divergissem quanto à definição das virtudes, da razão, da

vontade, das paixões e da Natureza, concordavam com os princípios gerais acima

expostos" (Chauí, Público, privado e despotismo, in Ética (Adauto Novaes org.), 1992,

O lugar da ética tradicional esvaziado, em função de ondas de

contestação, de profunda mudança das mentalidades, de grandes

revoluções técnicas, científicas e econômicas... veio a ser ocupado por

desvalores, que podem ser agrupados em três categorias de afinidades,

como a seguir se indica55l.

a) quanto às relações humanas, sociais e familiares: indiferença pelo

outro; niilismo quanto à direção e à orientação de vida e de seus valores;

desaparecimento do valor do culto coletivo; desaxiologização dos

discursos; relativização dos conceitos, das verdades; liberação dos

p. 347-348). 55

O mesmo tipo de crítica se encontra no seguinte texto de Marilena Chauí, onde vem

traçado um quadro da vida privada: "Que se passa na esfera privada? Os movimentos

sociais tomam-se cada vez mais específicos (cada vez mais diferentes) e cada vez mais

localistas. A intimidade toma-se um valor como resposta ao anonimato de massa e à

insegurança gerada pela flutuação incessante do sistema ocupacional e do mercado de

mão-de-obra. A busca da satisfação imediata dos desejos, num universo de compressão

temporal e de velocidade do mercado da moda, fortalece a competição e o narcisismo.

Insegurança quanto ao presente e ao futuro, competição, infantilização pela propaganda,

perda dos referenciais sócio-econômicos que ofereciam identidade de classe ou de

grupo, tudo contribui para a desaparição (lá onde havia) e para a não-aparição (lá onde

não havia) de formas de sociabilidade mais amplas e generosas. Os movimentos sociais

duram o tempo em que dura a demanda que, uma vez satisfeita, dispersa os que estavam

unidos numa ação.

"Quatro traços parecem marcar a esfera privada pós-moderna: a insegurança, que leva a

aplicar recursos no mercado de futuros e de seguros; a dispersão, que leva a procurar

uma autoridade política forte, com perfil despótico; o medo, que leva ao reforço de

antigas instituições, sobretudo a famí1ia e a pequena comunidade da minha rua e o

retomo a formas místicas e autoritárias de religiosidade; o sentimento do efêmero e a

destruição da memória objetiva dos espaços, que levam ao reforço dos suportes

subjetivos da memória (diários, fotografias, objetos), fazendo, como disse um autor,

com que a casa se tome uma espécie de pequeno museu privado. No caso do Brasil,

além dos traços anteriores, reforça-se a ética da desigualdade: são meus iguais, minha

farru1ia, meus parentes e meu pequeno círculo de amigos, enquanto os demais são o

outro ameaçador ou estranho. Se a lei de Gerson pode funcionar é porque, malgrado os

pruridos morais de seus praticantes, ela exprime a solidão e o medo diante de uma

sociedade sentida como perigosa e hostil.

"É interessante observar a maneira como a pós-modernidade acaba determinando o

próprio esforço e pensamento dos que ainda desejam ser modernistas e modernos"

(Chauí, Público, privado e despotismo, in Ética (Adauto Novaes org.), 1992, p. 388).

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instintos e apetites; justificação do irracional e aceitação da incon-

tinência; fragilização das estruturas familiares e dos relacionamentos

humanos; perda dos hábitos cordiais e solidários; fortalecimento do

paradigma advindo da lei do mais forte; banalização da personalidade

humana com atentados perpetrados nas múltiplas esferas em que se

manifesta; vulgarização da imagem feminina, reduzida a um mero

apanágio da sensualidade e do apetite masculino; funcionalização dos

procederes humano-comportamentais; aceitação fácil e imediata dos

raciocínios, slogans, clichês e formas de pensar massificados, com a

conseqüente redução da capacidade de personalização das tomadas de

decisão; criação do mito da imagem, que, ao mesmo tempo que toma o

outro invasivo da intimidade do lar, afasta pessoas de carne e osso da

presença e do contato relacionais; intolerância pelas diferenças...;

b) quanto às relações econômicas: redução do valor simbólico da razão;

tecnologização da razão aos saberes aplicados e produtivos; criação de

mecanismos de produção e venda em massa, que desestrutura os ofícios

manuais e o artesanato familiar como forma de sustentação econômica;

mercantilização dos prazeres; instrumentalização da alteridade;

mensuração das coisas e dos produtos pelo critério econômico;

celerização e superficialização do contato humano; recrudescimento dos

estímulos investigativos; criação e inculcação de novos fetiches;

dimensionamento do campo da ação no trabalho; instauração do egoísmo

negocial; crenças no sucesso imediatista e milionário, diante das

possíveis oportunidades e máquinas de fazer dinheiro fácil e rápido;

perda da consciência e dos liames sociais, e crescimento exacerbado da

onda consumista; velocidade e diversidade dos meios de comunicação e

transporte; mensuração utilitária das energias humanas; mercantilização

de todas as projeções sóciolaborais; escravização capitalista e exploração

desenfreada das grandes massas trabalhadoras; supervalorização da

imagem e estabelecimento do fetiche marqueteiro...561

;

56

"A peculiaridade pós-moderna - o gosto pelas imagens - se estabelece com a

transformação das imagens em mercadorias, isto é, em lugar de colocar um produto no

mercado, coloca-se uma imagem com a finalidade de manipular o gosto e a opinião. A

publicidade não opera para informar e promover um produto, mas para criar desejos

c) quanto às relações jurídico-sociais: individualização das

responsabilidades sociais; esvaziamento da potestas pública;

dessacralização dos mitos, lendas e crendices populares; criação da

mentalidade da real possibilidade de impunidade; corrupção dos serviços

públicos e sociais; favoritismo e elitismo na prestação de serviços

públicos aos cidadãos; queda do espaço público na desatenção social, e

ascensão do espaço privado como foco de destaque pessoal e

patrimonial; corrupção dos servidores públicos; perda de autoridade nas

funções judicantes; desgoverno das funções executivas; falta de

efetividade das leis; desarticulação dos poderes; quebra da confiança

num corpo corrupto de ativistas políticos; fortalecimento das

organizações criminosas e sua propagação mundial; internacionalização

das práticas criminosas; surgimento das multifárias modalidades de

crimes-sem-sangue, e conversão dos malfeitores e traficantes em

empresários; perda da identidade individual com a identidade social e os

liames grupais; sucateamento das bases educacionais, das atividades

pedagógicas e da carreira docente; aumento das taxas de desemprego,

violência e fome; descaso com a coisa pública; quebra da importância da

troca, do diálogo e da dialética; deterioração exacerbada dos espaços

públicos, sobretudo dos ambientes urbanos; perda de eficácia dos

instrumentos jurídicos; disseminação da violência, em suas diversas

facetas, desde a violência moral até a violência física; crescimento e

sofisticação das formas de agressão ao outro (serial Killer ...); opressão

dos espíritos por fenômenos indesejáveis, porém comuns, rotineiros, e

seriados, sobretudo na vida urbana (carência de serviços públicos

sem qualquer relação imediata com o produto (a imagem vende sexo, dinheiro e poder).

A própria imagem precisa ser vendida, donde a competição enlouquecida das agências

de publicidade que sabem que uma imagem é efêmera e que seu poder de manipulação

é muito limitado no tempo, sendo imprescindível seu descarte e troca veloz. Na política,

as imagens tomam-se muito sofisticadas e complexas porque precisam garantir,

simultaneamente, estabilidade e permanência ao poder e sua adaptabilidade,

flexibilidade e dinamismo para responder às conjunturas. A competição pública não se

faz entre partidas, ideologias ou candidatos, mas entre imagens que disputam valores

como credibilidade, confiabilidade, respeitabilidade, inovação, prestígio. Essas são as

novas virtudes do novo bom governante. As eleições presidenciais de 1989, no Brasil,

são o melhor exemplo do pós-modernismo no espaço público" (Chauí, Público, privado

e despotismo, in Ética (Adauto Novaes org.), 1992, p. 386).

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essenciais, desprezo por direitos, banditismo, violência)...

Com esse pequeno traçado está-se diante de um panorama que descreve

vida privada e vida pública com todas as suas deficiências, uma vez que

estão intimamente ligadas. Diante dessa avalanche de modificações,

abalo sensível haveria de atingir as bases da ética pós-moderna. Toda

desordem causada pela erupção de inúmeras, conjugadas e diferentes

modificações haveria de produzir fissuras nas bases conceituais sobre as

quais se assentavam as práticas éticas anteriormente aceitas como

inabaláveis. Porém essas fissuras só foram preenchidas pelo mesmo

ácido que ainda as corrói.

É certo que, em meio a essas transformações, os institutos jurídicos

haveriam de sofrer um abalo considerável. Isso tem sido sentido pelos

juristas, que, num esforço desmedido, têm procurado se adaptar às

citadas transformações. De fato: a perda de credibilidade dos

instrumentos jurídicos de defesa de direitos tem sido notada socialmente;

a banalização da atividade legiferante tem-se tomado um dilema para o

ensino jurídico, para o aprendizado jurídico e para a atualização

profissional; as medidas judiciais formalizadas não mais garantem

efetividade processual; os preceitos legais, em sua grande parte, têm

gozado da descrença popular, uma vez obsoletos e inacessíveis pela

linguagem de que se utilizam. Desse modo, a bandeira jurídica

atualmente re-aparece como sendo outra, diferenciando-se

completamente daquela que um dia representou seu bastião. Se hoje se

há de erigir um lema, esse lema é o da efetividade, da justiça material e o

da ética profissional.

Se já se acreditou que o formalismo (jurídico) fosse capaz de driblar a

falta de confiança negocial (ética), e de oferecer resguardo em caso de

quebra da espontaneidade das relações humanas, atualmente verifica-se

que isso é uma inverdade. Se um fio de barba era suficiente para o

estabelecimento do enlace negocial, é certo que hodiernamente um leque

de documentos, chancelas, avais, atos oficiais não basta para o

estabelecimento das garantias negociais, por exemplo.

Um modelo judicial fartamente documental, instrutório e probatório, em

que tudo se reduz a escrito, em que tudo se submete à reavaliação, ao

teste de falseabilidade, ante a possibilidade da mentira ou deturpação de

fatos e ocorrências... ainda assim se vê ineficaz para responder às

necessidades sociais mais prementes. A estrutura do processo reinante é

altamente truncada, intrinsecamente formalizada, custosa, de difícil

acesso e programada para a longevidade. Porém, onde estava a chave

para a resolução dos conflitos jurídicos surgiu a chaga do sistema

jurídico contemporâneo. O Judiciário, por exemplo, tomou-se obsoleto

para atender às demandas quantitativa e qualitativamente diferenciadas

do que se havia experimentado como prática judicial.

A oralidade, a informalidade, a economia processual re-acendem os

ânimos de implementação da justiça material, e a efetividade processual

retoma à tona como foco de atenção dos juristas e do legisladorl57.

A

deformalização, a criação de contratos atípicos, a preferência pela

conciliação em relação ao conflito judicial, as cobranças sociais sobre

moralidade administrativa demonstram encontrar-se acesa a chama de

interesse pela criação de uma nova mentalidade ética na prática jurídica.

A ética judicial, a ética legislativa, a ética política, a ética advocatícia e,

em geral, a ética dos operadores do direito haverão de estimular essa

criação em tomo dos instrumentos jurídicos e de sua função social.

6.1. A ética e o acervo da humanidade

A humanidade possui um acervo que merece ser protegido e cultivado.

57

Nesse fluxo de reação surgiram preocupações as mais diversificadas no sentido da

implementação de medidas de efetividade, celeridade processual, acesso amplo àjustiça

etc., no rastro das modificações implantadas no Brasil (Leis n. 8.455/ 92; 8.637/93;

8.710/93; 8.718/93; 8.898/94; 8.950/94; 8.951/94; 8.952/94; 8.953/94; 9.099/95;

8.078/90, 9.605/98, entre outras). Podem-se indicar: a criação de penas alternativas

(Tailson Pires da Costa, Penas alternativas: reeducação adequada ou estímulo à

impunidade?, São Paulo: Max Limonad, 1999; Horácio Wanderlei Rodrigues, Lições

alternativas de direito processual, São Paulo: Acadêmica, 1995; Antônio Cláudio da

Costa Machado, A reforma do processo civil interpretada, São Paulo: Saraiva, 1996;

Cândido Rangel Dinamarco, A reforma do Código de Processo Civil, São Paulo:

Malheiros Ed., 1995).

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Chama-se de acervo ético da humanidade o conjunto de todas as ações,

tendências, ideologias, posturas, decisões, experiências compartilhadas,

normas internacionais, conquistas políticas, lições éticas, preceitos

morais, máximas religiosas, ditos célebres, hábitos populares, sabedorias

consagradas, que, por seu valor e sua singularidade, servem de referência

e espelho para as demais gerações. Patrimônio imaterial de inestimável

valor, trata-se de uma somatória histórica de louváveis aspectos do

comportamento humano que são capazes de dignificar a pessoa humana,

oriundos de todas as civilizações e de todas as culturas. Os memoráveis

encontros da História e as felizes convergências éticas representam o que

há de mais importante para a construção de uma identidade ética entre os

povos.

Contrastando com esse acervo da humanidade, existe um conjunto de

nódoas, desencontros, ações delituosas, tempestades morais, opressões

culturais, guerras intestinas e fratricidas, desordens e desmandos,

desatinos e incongruências, lamentáveis exemplos morais, desvarios

econômico-financeiros, reprováveis comportamentos políticos,

insultuosas manifestações públicas, questionáveis valores éticos, que

também compõem momentos notórios da História da humanidade, mas

de certo caráter subterrâneo. Em vez de dignificá-la, de enaltecê-la como

fim a ser perseguido e preservado, denigre sua essência, qual imantação

fumarenta que conspurca sua imagem e sua limpidez.

Diante do conflito ético, quando se questiona o indivíduo como agir, com

que fim agir, qual a diferença entre agir desta ou daquela forma, para

quem agir, a resposta figura muito clara: deseja-se partilhar de um sem-

fim de desatinos precedentes ensinados pela história dos desvios

humanos, ou deseja-se palmilhar a senda da dignificação da

humanidade? Nessas opções encontra-se camuflada a seguinte idéia: a

ação que fazes auxilia a construir um modelo para a humanidade ou a

denegri-la. Ou, ainda, a escolha da ação a ser efetuada colabora para

engrossar o conjunto das ações destrutivas ou construtivas da

humanidade?

Em poucas palavras, diante do conflito ético (Fazer ou não fazer? O que

fazer? Como fazer? Para quem fazer? Por que fazer? Com que fim

fazer?), o indivíduo deve saber que sua ação não representa apenas mero

procedimento pessoal de lidar com o mundo, com as coisas e as pessoas.

A ação individual é mais significativa do que a princípio parece, tendo-se

em vista que suas repercussões são o grão que faz do celeiro um local

abastado ou empobrecido. Cada semente é já parte integrante do grande

conjunto de contingente que se faz necessário para a existência da

abundância ou da pobreza. Então, a ação deve se direcionar para

enriquecer ou empobrecer o caudal das ações e dos paradigmas que

denigrem a imagem da humanidade e, por vezes, até mesmo, sua

existência.

A opção pela ética é uma opção que procura direcionar esforços no

sentido do enriquecimento do estoque de paradigmas construtivos e

dignificantes da humanidade. Por ser patrimônio da humanidade, o

conjunto de todos os valores, ações e ideologias que contribuem em seu

favor merece proteção e culto diários, para que se possa realmente

estabelecer os parâmetros para uma sociedade de fato livre e igualitária.

6.2. O pouco que se pode fazer em matéria de ética

O plano da ética é o plano da ação, seja ela coletiva, seja individual. No

entanto, carece dizer que o que dá origem a uma ética coletiva é o

esforço das ações individuais. Assim, todo processo de formação de uma

identidade ética e de uma consciência ética para uma coletividade

decorre de um princípio: a ação individual.

O agir ético individual é a base e a origem da expansão da consciência

ética de uma coletividade. Cada contribuição particular, cada ação

individualizada, cada minúscula resistência às tentações anti-éticas, cada

movimento solteiro de construção da virtude constituem-se, e seu todo,

em um grande movimento de contramão às avalanches de exemplos e

modelos anti-éticos.

Aquele governante que deixa de se corromper para exercer seu munus

público com seriedade, aquele injustiçado que deixa de revidar a injustiça

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com a mesma medida de mal que lhe foi causado, aquele que evita lesar a

outrem indiscriminadamente, aquele que possui poderio financeiro e dele

se utiliza para o crescimento social age contra uma forte e furiosa maré

de atitudes contrárias, atritantes e majoritárias.

Pode-se dizer que a ação individual é incapaz de fazer frente à oposição

que lhe é oposta. Isto é correto. Deve-se reconhecer: o fluxo das ações

invertidas (desvalor) é maior que o fluxo das ações éticas (valor). Prova

disso é o estado atual da humanidade (guerras fratricidas, golpes

políticos, assassínios, corrupções, escândalos financeiros, discriminação,

diferenças sociais, desvio de poder, autoritarismo, desmando, violência

generalizada, exploração da prostituição infantil, regimes de exploração

do trabalho semelhantes ao escravismo...).

O que se deve opor a isso é a dicção de que a ação individual, por mais

insignificante que pareça à primeira vista, é uma ação monumental pelas

resistências que acaba por vencer. Trata-se de uma ação que vence as

inclinações pessoais do agente, as pressões psicoco1etivas externas, os

antagonismos de opositores à implantação do projeto contido na ação

individual... Sua grandiosidade repousa, exatamente, na revolução que

opera no pequeno espaço de sua influência. Por isso, essa ação é louvável

como exemplo ad aeternum.

NALINI, José Renato. Ética Geral e profissional. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

VIII A ÉTICA E A PROFISSÃO FORENSE

SUMÁRIO: 6.1 Conceito de profissão - 6.2 A Ética na profissão jurídica:

6.2.1 A Deontologia Forense - 6.3 O princípio fundamental da

Deontologia Forense - 6.4 Os princípios gerais da Deontologia Forense:

6.4.1 O princípio da conduta ilibada; 6.4.2 O princípio da dignidade e do

decoro profissional; 6.4.3 O princípio da incompatibilidade; 6.4.4 O

princípio da correção profissional; 6.4.5 O princípio do coleguismo; 6.4.6

O princípio da diligência; 6.4.7 O princípio do desinteresse; 6.4.8 O

princípio da confiança; 6.4.9 O princípio da fidelidade; 6.4.10 O

princípio da independência profissional; 6.4.11 O princípio da reserva;

6.4.12 O princípio da lealdade e da verdade; 6.4.13 O princípio da

discricionariedade; 6.4.14 Outros princípios éticos das carreiras jurídicas.

6.1 Conceito de profissão

Sob enfoque eminentemente moral, conceitua-se profissão como uma

atividade pessoal, desenvolvida de maneira estável e honrada, ao serviço

dos outros e a benefício próprio, de conformidade com a própria vocação

e em atenção à dignidade da pessoa humana.58

Convém o exame de alguns dos elementos contidos na definição. Dentre

eles sobreleva o aspecto de atividade a serviço dos outros. O exercício

de uma profissão pressupõe um conjunto organizado de pessoas, com

racional divisão do trabalho na consecução da finalidade social, o bem

comum. Este, no conceito de Paulo VI, é o conjunto de condições da vida

social que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da

personalidade humana.

O espírito de serviço, de doação ao próximo, de solidariedade, é

característica essencial à profissão. O profissional que apenas considere a

sua própria realização, o bem-estar pessoal e a retribuição econômica por

seu serviço, não é alguém vocacionado.59

A profissão é atividade desenvolvida em benefício próprio. À função

social da profissão não é incompatível o fato de se destinar ela a

satisfazer o bem particular de quem a exercita. Conjugam-se ambos os

objetivos: adota-se o serviço contemplando o bem alheio e com o intuito

58

PASQUALE GlANNITI, "Principi di deontologia forense", in I grandi orientamenti

della giurisprudenza civile e commerciale, collana diretta da Francesco Galgano,

Padova : Cedam, 1992, p. 35, citando A. ROYO MARÍN, Teología moral para

seglares, Madrid, 1964, p. 725. 59

PASQUALE GIANNITI, "Principi di deontologia forense", cit., idem, ibidem,

citando L. SPINELLI, "Introduzione", in AAVV, Deontologia delle professioni

giuridiche, Bari, 1989, p. 83.

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de atender à própria necessidade de subsistência.

Todavia, a profissão há de atender ao apelo vocacional. Vocação já

indica etimologicamente o chamado a que o vocacionado atende quando

abraça uma atividade. À vocação acorre-se conscientemente ou de forma

inconsciente. Deve-se evitar o risco da casualidade, que reduz a opção

profissional a aspectos exteriores à vontade do exercente. De que

depende uma verdadeira vocação?

De fatores internos - personalidade, tendências, aptidões, temperamento,

inclinação natural - e de fatores externos - o mercado de trabalho, a

valorização profissional, a possibilidade de boa remuneração. Os fatores

internos hão de ser vistos como potencialidade individual, objetivamente

analisada pelo interessado. A consideração aos fatores externos não pode

ser a única a motivar a opção.

Depois de escolhida a atividade a que se consagrará a existência, ela

condicionará o optante e lhe imporá limites. É muito difícil deixar de

corresponder à expectativa de comportamento gerada em relação aos

exercentes da mesma atividade. Quando não verdadeiramente

vocacionado, o profissional se sentirá tolhido, massacrado pelo fardo que

podem representar, seja a rotina do trabalho, sejam as restrições impostas

ao integrante daquele estamento. Por isso a vocação há de constituir livre

e consciente projeto de vida. A opção profissional deverá resultar de um

sadio exame de consciência moral, pois, ao adentrar na senda escolhida,

estar-se-á assumindo o compromisso de realizar tal projeto.60

A profissão deve ser exercida de modo estável e honroso. Por se cuidar

da concretização de um projeto de vida, em regra a profissão perdura

durante a existência toda. A duração de uma vida humana, malgrado os

progressos da medicina, ainda é infinitamente curta. O tempo passa

rápido demais e não se dispõe de reservas infinitas dele para um jogo

contínuo de tentativas, erros e acertos profissionais.

60

C. RIVA, "Pensiero spirituale", in AAVV, Deontologia delle professioni, p. 117-118,

citado por PASQUALE GIANNITI, op. cit., p. 40.

O exercício honroso da profissão quer dizer que o profissional deverá se

conduzir de acordo com os seus cânones. Espera-se do professor que

ensine, do médico que se interesse e lute pela saúde do paciente, do

enfermeiro que o atenda bem. Do condutor, que dirija com segurança. Do

pedreiro, que construa adequada e solidamente. Do advogado, que

resolva juridicamente as questões de direito postas perante seu grau.

Não se pode admitir de quem optou pela função do direito, do reto, do

correto, se porte incorretamente no desempenho profissional. As

infrações profissionais são muito graves, pois constituem traição do

infrator ao seu projeto de vida. A um compromisso só por ele assumido e

que não soube, ou não quis, honrar.

O exercício profissional ainda deve ser de acordo com o conceito da

dignidade humana. As atividades laborais humanas não existem para

movimentar a economia. Elas são voltadas à realização das pessoas, de

maneira a que se realizem integralmente, concretizando suas

potencialidades até a plenitude possível.

A natureza social do homem o estimula a cooperar com os semelhantes e

a procurar destes a cooperação esperada. Essa busca há de contemplar

finalidades morais, não moralmente reprováveis.

Pasquale Gianniti distingue dúplice forma de cooperação moralmente

reprovável: a formal e a material. Há cooperação formal quando se

auxilia a prática de mal cometido por outrem. Essa forma é sempre

reprovável e, na esfera criminal, caracteriza o concurso de agentes. Já a

cooperação material se resume à ação física, sem adesão da vontade.

Essa cooperação material é lícita, quando as circunstâncias são tais que

não exigem recusa do agente à prática de um ato lícito, apenas porque

outros poderão dele se valer para atingir fins ilícitos.61

O ser humano

61

PASQUALE GIANNm, Principi ... , cit., p. 44. Pondera o autor que a cooperação ao

mal alheio mediante ações de per si honestas é um fenômeno muito difuso na vida

social e se apresenta de forma tão variada que se toma impossível estabelecer em

poucas normas como se deve agir em todos os casos. Apenas uma consciência bem

formada será guia seguro para os casos comuns da vida quotidiana, não se podendo

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eticamente irrepreensível saberá evitar ambos os tipos de cooperação

moralmente reprovável.

6.2 A Ética na profissão jurídica

Todas as profissões reclamam proceder ético. A disseminação de códigos

deontológicos de muitas categorias profissionais - médicos, engenheiros,

dentistas, jornalistas, publicitários, dentre outros - apenas evidencia a

oportunidade e relevância do tema, por si permanente.

Na atividade profissional jurídica, porém, essa importância avulta. Pois o

homem das leis "examina o torto e o direito do cidadão no mundo social

em que opera; é, a um tempo, homem de estudo e homem público,

persuasivo e psicólogo, orador e escritor. A sua ação defensiva e a sua

conduta incidem profundamente sobre o contexto social em que atua.62

Mercê da intensa intimidade entre ética e direito, não é fácil delimitar a

fronteira entre o moral e o jurídico. É nas ciências jurídicas que as

normas dos deveres morais se põem com toda a nitidez. Por isso é

longeva a elaboração de um código de regras a que se convencionou

chamar Deontologia Forense.

A expressão pode aparecer também designada como Deontologia

Jurídica ou Deontologia das Profissões Jurídicas. Como tal, "A

deontologia jurídica há de compreender e sistematizar, inspirada em

uma ética profissional, o status dos distintos profissionais e seus deveres

específicos que dimanam das disposições legais e das regulações

deontológicas, aplicadas à luz dos critérios e valores previamente

decantados pela ética profissional. Por isso, há que distinguir os

princípios deontológicos de caráter universal (probidade, desinteresse,

decoro) e os que resultam vinculados a cada profissão jurídica em

particular: a independência e imparcialidade do juiz, a liberdade no

exercício profissional da advocacia, a promoção da justiça e a

prescindir de um reforço na exigência de se aprimorar a formação da própria

consciência, privada e profissional. 62

CARLO LEGA, Deontologia Forense, Milano, 1975, p. 17, apud PASQUALE

GIANNITI, Principi ... , cit., idem, p. 4.

legalidade cujo desenvolvimento corresponde ao Ministério Público etc.

"63

6.2.1 A Deontologia Forense

Deontologia é a teoria dos deveres. Deontologia profissional se chama o

complexo de princípios e regras que disciplinam particulares

comportamentos do integrante de uma determinada profissão.

Deontologia Forense designa o conjunto das normas éticas e

comportamentais a serem observadas pelo profissional jurídico.

As normas deontológicas não se confundem com as regras de costume,

de educação e de estilo. Estas são de cumprimento espontâneo. R.

Danovi oferece um elenco de preceitos que não são deontológicos, mas

se inserem naqueles concernentes à boa educação. Assim as relações

entre colegas: o respeito e a deferência dos mais jovens quanto aos mais

antigos, a ajuda e a assistência prestada ao colega enfermo, a participação

nos funerais de um advogado falecido, a pontualidade nas reuniões com

os colegas, a hospitalidade ao colega em visita profissional ao escritório,

a entrega de documentos ao colega sem exigir recibo, o telefonema ao

colega em caso de sua ausência a uma audiência. Todas estas regras são

desprovidas de conteúdo preceptivo. Caracterizam o profissional

educado, polido. Mas faltar em relação a qualquer delas não constitui,

segundo a maior parte da doutrina, verdadeira infração ética.64

A esfera da conduta ética não é, contudo, delineada de maneira precisa.

Muitas posturas há que podem restar na fronteira entre a conduta ética e a

conduta não-ética. Manzini preferia afirmar que, "para conduzir-se

dignamente, o defensor não tem senão que seguir a própria consciência,

os conselhos dos colegas mais respeitados e as regras da educação

63

MANUEL SANTAELLA LÓPEZ, Ética de las profesiones jurídicas Textos y

materiales para el debate deontológico, Servicio de Publicaciones Facultad de Derecho

Universidad Complutense Madrid, Madrid: Universidad Pontificia Comillas - Facultad

de Derecho, 1995, "La Deontologia, entre la Moral y el Derecho", p. 20-25. 64

R. DANOVI, Curso de ordenamento forense e deontologia, Milano, 1989, p. 226,

apud PASQUALE GIANNITI, Principi ... , cit., p. 14.

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moral. O bom senso, a prudência, a discreção, a retidão, a civilidade são

coisas que não se podem ensinar com um elenco de preceitos ou com a

casuística".65

Em tempos de consciência em letargia, ou de freios

atenuados pela impossibilidade de qualquer proibição, talvez a dicção

esteja a merecer complemento. Parece mais prudente assegurar a

viabilidade de uma transmissão contínua de preceitos que aprimorem a

educação moral de cada presente ou futuro integrante de uma carreira

jurídica. Essa transmissão se faz não só mediante o estudo da patologia,

extraída dos julgamentos dos tribunais éticos, institucionalizados ou não,

mas também através da recordação permanente dos valores sobre os

quais se erigiu a profissão jurídica.

6.3 O princípio fundamental da Deontologia Forense

À deontologia profissional e, particularmente, à deontologia forense

aplica-se um princípio fundamental: agir segundo ciência e

consciência. Essa a idéia-força a inspirar todo o comportamento

profissional.

Ciência, a significar o conhecimento técnico adequado, exigível a todo

profissional. O primeiro dever ético do profissional é dominar as regras

para um desempenho eficiente na atividade que exerce. Para isso,

precisará ter sido um aprendiz aplicado, seja no processo educacional

formal, seja mediante inserção direta no mercado de trabalho, onde a

experiência é forma de aprendizado.

Além da formação adequada, o profissional deverá manter um processo

próprio de educação continuada. Os avanços e as novas descobertas

influem decisivamente em seu trabalho. Profissões tradicionais deixam

de existir e outras surgem para substituí-las. O ser humano precisa estar

preparado para novas exigências do mercado. Estar intelectualmente

inativo não representa apenas paralisação. É retrocesso que distancia o

profissional das conquistas em seu ramo de atuação.

65

VINCENZO MANZINI, Trattato di diritto processuale penale, Torino : Utet, 1968,

v. lI, p. 533.

Mas além da ciência, ele deverá atuar com consciência. Existe uma

função social a ser desenvolvida em sua profissão. Ele não pode estar

dela descomprometido, mas reclama-se-Ihe empenho em sua

concretização.

À consciência se reconhece um primado na vida humana. Sobre isso,

afirmou Paulo VI: "Ouve-se freqüentemente repetir, como aforismo

indiscutível, que toda a moralidade do homem deve consistir no seguir a

própria consciência. Pois bem, ter por guia a própria consciência não só

é coisa boa, mas coisa obrigatória. Quem age contra a consciência está

fora da reta via".66

Com isso não se resolvem todos os problemas morais. Há limites postos

ao princípio da consciência. Ela não é o último ou o absoluto critério.

Uma consciência enferma ou mal orientada poderia conduzir o ser

humano a errar ou a se equivocar. "A consciência é intérprete de uma

norma interior e superior; não é a fonte do bem e do mal: é a

advertência, é a escuta de uma voz. é o reclamo à conformidade que uma

ação deve ter com uma exigência intrínseca do homem".67

E a

consciência não tem o dom da infalibilidade. O homem é falível. A

criatura tem uma fissura intrínseca chamada por Kant de mal radical.

Ser finito, condicionado a debilidades, o homem pode ter uma

consciência vulnerável e não inclinada naturalmente ao bem.

A consciência deve ser objeto de contínuo aperfeiçoamento, portanto.

Mediante exercício permanente, ela se manterá orientada. A tendência

natural será a sua lassidão, o seu afrouxamento e a auto-indulgência

própria ao egocentrismo humano.

Os estudiosos de ética natural se utilizam da expressão consciência

"para significar não já o juízo sobre a moralidade das ações singulares

que competem ao sujeito, mas, acima disso, o modo habitual de julgar

66

PAULO VI, alocução de 12.11.1969, apud PASQUALE GIANNm, op. cit., p. 94-95. 67

PAULO VI, alocução cit., idem, ibidem.

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33

em uma certa matéria no campo ético: fala-se então de consciência reta

(aquela que sói judicar exatamente), de consciência [assa (aquela que

sói julgar lícito e bom também aquilo que é ilícito e mau) e de

consciência escrupulosa (aquela que sói julgar ilícito e mau até aquilo

que é lícito e bom)"68

A consciência é o resultado do trabalho individual,

na reiteração dos atos singulares de juízo, como se cada julgamento fora

ponto palpável na edificação de um produto consistente.

Ninguém poderá se substituir a outrem na missão de construir sua

consciência. "É este o primeiro dever que o homem tem em relação a si

mesmo: formar uma consciência, ou seja, instruir, educar a própria

ciência moral, o próprio juízo moral, o próprio hábito de moralmente

julgar. "A consciência - afirma Paulo VI - tem necessidade de ser

instruída: a pedagogia da consciência é necessária." Se, de fato, a

consciência não é umafulguração mística, um estro genial, um 'a priori'

gnoseológico, um carisma sobrenatural, mas é razão e vontade que se

apropriam da norma e sobre ela avaliam, com segurança, qualquer ato,

bem se vê como a educação da consciência importa toda uma disciplina

da razão e da vontade. Importa ciência e prudência. Importa retidão de

conhecer e do querer. Se, pois, se trata de consciência cristã, importa,

por outro lado, a luz da fé e a força da graça. "69

Formar a consciência é o objetivo mais importante de todo o processo

educativo. Ela é que avalia o acerto das ações, ela é que permite

reformular o pensamento e as opções. Somente ela permitirá coerência ao

homem, propiciando-lhe comportar-se de acordo com a própria

consciência. Por isso é que a formação da consciência, além de ser o

objetivo mais importante, resume em si todo o inteiro processo

educativo.70

6.4 Os princípios gerais da Deontologia Forense

68

PASQUALE GIANNITI, Principi ... , cit., p. 95. 69

PASQUALE GIANNm, Principi .... , cit., idem, p. 95-96. 70

PASQUALE GIANNITI, Principi .. , cit., idem, p. 96.

Além do princípio fundamental - agir segundo ciência e consciência -

há princípios gerais à deontologia forense. Dentre eles, podem ser

mencionados:

6.4.1 O princípio da conduta ilibada

O aspecto moral impregna qualquer das carreiras jurídicas. A conduta

ilibada é o comportamento sem mácula, aquele sobre o qual nada se

possa moralmente levantar.71

O advogado deve observar o seu Código de

Ética, de onde se extrai a necessidade de uma conduta límpida. Em

relação ao juiz, a Lei Orgânica da Magistratura Nacional reclama

conduta irrepreensível72

na vida pública e na vida particular.

O conceito de conduta ilibada é impreciso. Em tempos idos, pessoa

divorciada - sobretudo se mulher - se via barrada no acesso a muitas

carreiras jurídicas. A situação hoje é diversa. A separação e os

posteriores casamentos ou formação de convivências estáveis parecem

não mais concernir com a moral.

A despeito da imprecisão, a expressão possui carga semântica específica.

Não se trata de mera boa conduta. Ao qualificá-la de ilibada, o sistema

está a reclamar do profissional do Direito algo superlativo em relação às

demais profissões.

Existe uma tendência a desconsiderar os problemas da vida particular do

profissional, quando estes não reflitam no exercício de sua atividade.

Embora a privacidade seja valor protegido pela ordem jurídica, nem

sempre as fronteiras entre vida profissional e vida íntima são

perfeitamente delineadas. À medida que pessoas se dedicam ao exercício

de atividades diferenciadas, também despertam atenção maior de parte da

71

O artigo 2.° da Lei Complementar Federal 35, de 14.03.1979, a Lei Orgânica da

Magistratura, menciona a conduta ilibada como um dos requisitos para o brasileiro ser

Ministro do Supremo Tribunal Federal. 72

Lei Complementar Federal 35, de 14.03.1979, artigo 35, inciso VIII Sobre o tema,

examinar JOSÉ RENATO NALINI, Curso de deontologia da magistratura, São Paulo:

Saraiva, 1992.

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34

comunidade. Ela costuma nutrir uma expectativa de comportamento

vinculada à profissão exercida. É quase que uma carga mítica a envolver

determinadas funções. Assim, espera-se de todo sacerdote que seja

santo, de todo médico seja milagroso, de todo advogado seja hábil para

vencer causas impossíveis e de todo juiz revista o dom da

infalibilidade.

Podem coexistir situações de contraste a depender da região, das

dimensões da comunidade - os costumes da metrópole parecem

atenuados diante do conservadorismo da micro comunidade, ressalvada a

influência televisiva - e de certos valores sustentados em verdadeiros

guetos religiosos. Mas há um núcleo comum a caracterizar a conduta

ilibada dos profissionais do direito. Pelo mero fato de se dedicarem ao

cultivo do direito, acredita-se atuem retamente. Deseja-se que os

integrantes de uma função forense venham a se caracterizar pela

incorruptibilidade, sejam merecedores de confiança, possam desempe-

nhar com dignidade o seu papel de detentores da honra, da liberdade, dos

bens e demais valores tutelados pelo ordenamento.

6.4.2 O princípio da dignidade e do decoro profissional

Todas as profissões são dignas. As atividades exercidas com o objetivo

de viabilizar a coexistência das pessoas revestem igual distinção e

merecem idêntico respeito. Este, portanto, é um dos princípios gerais que

pode estar presente em qualquer desempenho humano.

Nas profissões do foro, todavia, o dúplice dever concentra toda a

normativa dos deveres. Reclama-se dignidade e decoro também na vida

privada, para que um comportamento indigno e indecoroso não venha a

respingar a beca e a toga. É o que sublinha Santaella López: "A

dignidade é também um princípio deontológico de caráter geral. A

dignidade constitui um valor inerente à pessoa humana, que deve ser

protegido e respeitado. A projeção desse valor no exercício profissional

é o que proporciona o decoro à corporação ou colégio profissional.

Destaforma, a dignidade no desempenho da profissão por parte de um

de seus membros afeta, tanto em suas manifestações positivas como nas

negativas, o decoro dos demais. Este princípio deontológico se baseia,

em determinadas profissões especialmene, no âmbito estrito da

prestação dos serviços profissionais e pode referir-se à própria vida

pessoal, familiar e social do profissional em questão73

".

Ambos os conceitos são mais intuídos do que descritos. Está-se

novamente na esfera de uma indeterminação ou vagueza decorrente da

plasticidade conceitual. Quase sempre se chega a eles diante de episódios

concretos de condutas que os malferiram.

É truísmo afirmar que fere a dignidade profissional a prática de crimes

como o estelionato, a falsidade, a receptação e outros, para mencionar

aquelas ameaças mais comuns à categoria. O decoro resta vulnerado

quando o profissional se apresenta mal vestido, de maneira a não honrar

o prestígio da profissão abstratamente considerada.

O princípio do decoro e da dignidade profissional é ainda suscetível de

ser lesado quando se pleiteia remuneração excessiva. Ou quando se atua

maliciosa e insinceramente, com abuso e falta de escorreição, quando o

fato já não constitua crime.

É também indecorosa a publicidade exagerada, a captação de clientela,

em carreiras que se baseiam na confiança e não em relações de

comércio. Pois "o advogado deve imprimir à sua atividade a discrição e

reserva, as quais contrastam com uma publicidade do tipo comercial".74

A questão da publicidade dos serviços de advocacia é tormentosa. A

divulgação de textos científicos, artigos doutrinários e mesmo noticiário

objetivo, sério e decoroso, não pode ser considerada publicidade se

conduzir o leitor a vincular o autor a determinado escritório.

73

MANUEL SANTAELLA LÓPEZ, Ética de las profesiones jurídicas Textos y

materiales para el debate deontológico, Servicio de Publicaciones Facultad de Derecho

Universidad Complutense Madrid, Madrid: Universidad Pontificia Comi lias - Facultad

de Derecho, 1995, "La Deontologia, entre la Moral y el Derecho", p. 20-25. 74

E. RICCIARDI, "Pubblicità, specializzazione ed attività c.c. dominanti nell'esercizio

della professione forense", Foro It. 1991, V.c.543-ss, apud PASQUALE GIANNITI,

Principi ... , cit., idem, p. 107.

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35

A necessidade de especialização faz com que a parte necessite de outros

esclarecimentos a respeito do profissional, insuficiente a velha placa à

porta do escritório. Modernas técnicas de divulgação podem ser usadas

sem malferir preceitos éticos. Assim as promoções culturais patrocinadas

por empresas de advogados, dando-se a conhecer à comunidade

científica de maneira institucional e não agressiva. As observações em

relação à publicidade valem também para as Faculdades de Direito, para

as editoras especializadas em publicações jurídicas e para empresas

vinculadas à área.75

A questão de publicidade concerne mais a advogados, mas não pode

deixar de interessar a outras carreiras, quando seu integrante seja

extremamente vulnerável à vaidade de se ver continuamente estampado

nos jornais de classe, que passam a ser órgãos de divulgação pessoal e

não da categoria.

É também lesivo ao decoro o uso de expressões chulas, inconvenientes e

vulgares. Inadmissíveis em sentenças, despachos ou pareceres, também

não podem constar de quaisquer das peças insertas em processo. O

ordenado e correto exercício da profissão forense não se coaduna com

excessos, repudia a arrogância e a presunção, reclama moderação aos

ímpetos da defesa e aos impulsos do caráter.76

6.4.3 O princípio da incompatibilidade

A carreira jurídica é daquelas raramente acumuláveis com outras,

exceção feita ao magistério. A dignidade da missão forense inadmite seja

75

Eticamente questionável a distribuição de preservativos por uma editora jurídica, ao

divulgar seus códigos junto ao alunado de algumas das Faculdades de Direito em São

Paulo. 76

PASQUALE GIANNITI, Principi... cit., idem, p. 114. O autor remete a R. DANOVI,

Corso, p. 242-243, que elencou interessantes expressões tiradas de processos italianos.

Os jornais brasileiros, quando em vez publicam, à guisa de folclore ou anedotário,

utilização vernacular exótica. Essa divulgação em nada contribui para evidenciar a

seriedade da Justiça e para incrementar sua credibilidade perante o universo dos

destinatários.

ela exercida como plus a qualquer outra. Exige, em regra, dedicação

exclusiva de seu titular.

É racional estabelecer-se a incompatibilidade do exercício forense com

outro qualquer. A segunda atividade provocaria interferência na esfera

profissional jurídica, propiciaria captação de clientela, geraria confusão

nas finalidades de atuações diversas ou estabeleceria vínculos de

subordinação vulneradores do princípio da independência. Até atividades

não profissionais podem incidir negativamente sobre a liberdade de

determinação do profissional do direito, sacrificando as exigências de

autonomia e prestígio da classe. Assim, por exemplo, algumas

legislações enxergam incompatibilidade entre o exercício da advocacia e

o ministério sacerdotal de toda confissão religiosa. Essa proibição "é

voltada a impedir a confusão entre sacro e profano, a evitar a

possibilidade de confundir, não a finalidade ética, as notícias secretas

apreendidas em uma e em outra função; a excluir que os particulares

poderes próprios do ministro, acumulando jurisdição e cura de almas,

possam incidir negativamente sobre a liberdade de determinação do

profissional, pondo-se em contraste com as exigências de autonomia, de

prestígio e de eficiência da classe forense "77

Seria desabonador para a função jurídica ver-se como atividade

secundária de profissional cuja subsistência é auferida no exercício de

outro mister. A lição evangélica é sensata: ninguém serve a dois

senhores. Aquele que não conseguir sobreviver mercê de sua atividade

estritamente jurídica, deverá dedicar-se a atribuição diversa. As funções

que concernem ao Direito são absorventes e pressupõem dedicação

plena, excluídas todas aquelas próprias a outras profissões.

6.4.4 O princípio da correção profissional

Todas as profissões jurídicas observam um complexo de

comportamentos deontológicos próprios. A atuação forense não pode se

desvincular de certo ritual, inspirado na origem da realização do justo.

77

PASQUALE GIANNITI, Principi..., cito p. 120.

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36

Esse ritualismo se exterioriza no processo, instrumento de administração

da justiça, e se reflete na conduta dos profissionais do foro.

A correção se caracteriza de muitas formas, nem todas elas de igual

intensidade deontológica. O profissional correto é aquele que atua com

transparência, no relacionamento com todos os protagonistas da cena

jurídica ou da prestação jurisdicional. Age no interesse do trabalho e da

Justiça, não se descuidando do interesse imediato das pessoas às quais

serve. Não se beneficia com a sua função ou cargo. Não se vangloria.

Condói-se da situação daquele que necessita de seus préstimos ou recorre

ao insubstituível direito de exigir justiça.

É um comportamento sério, sem sisudez; discreto, sem ser anônimo;

reservado, sem ser inacessível; cortês e urbano, honesto, inadmitindo-se

para isto qualquer outra alternativa. Pautar-se-á por uma orientação

moral acima de qualquer suspeita, principalmente em relação aos jejunos

nas ciências jurídicas, mais vulneráveis à incorreção dos profissionais do

Direito.

6.4.5 O princípio do coleguismo

O núcleo comum a todos os integrantes das carreiras e exercentes das

funções jurídicas é haverem igualmente passado pelos bancos de uma

Faculdade de Direito. A identidade de origem não poderia deixar de

gerar verdadeira comunidade, todos imbuídos da consciência comum de

se irmanarem no desempenho de uma e única missão: realizar a justiça.

Tal sentimento já se encontrava nos antigos grupamentos e se tomou

muito explícito no funcionamento das Corporações de Ofício medievais.

Lá, como hoje, "os membros do grupo estão ligados entre si por um

vínculo orgânico que lhes estimula e lhes obriga a ter determinados

comportamentos homogêneos com o objetivo de salva-guardar o bem

comum setorial. Segundo a tradição, tais comportamentos se

caracterizam pelos conceitos de fidelidade, lealdade, camaradagem,

confiança recíproca e solidariedade, que podem considerar-se

confluentes no conceito genérico de coleguismo".78

Não se entenda coleguismo como um companheirismo superficial,

próprio àqueles que, na contingência de partilha de um espaço social

comum, obrigam-se a um relacionamento amistoso, que pode chegar ao

pândego. O coleguismo, sob enfoque deontológico, é mais consistente. É

um sentimento derivado da consciência de pertença ao mesmo grupo, a

inspirar certa homogeneidade comportamental, encarada como

verdadeiro dever. "Este sentido de dever, enquanto pertence ao grupo, se

denomina de várias formas (Kamaraderie, confraternité, colegialidad),

se bem que com diversos matizes de significado e se traduz de várias

maneiras em comportamentos recíprocos de fidelidade, de lealdade, de

solidariedade, de confiança, de respeito, de cortesia, de estima e de

ajuda mútua".79

Difere o coleguismo da solidariedade. Esta se manifesta em geral fora do

processo e se fundamenta sobre a consideração da dignidade humana do

colega. É solidário o colega que defende o outro quando injustamente

atacado em sua honra, ou que auxilia a fa1lli1ia do colega enfermo. Já o

coleguismo guarda vinculação extrema com o exercício profissional.

Seus exemplos: substituir em audiência colega adoecido ou impedido,

fornecer a outrem livros e revistas jurídicos, partilhar o conhecimento de

novas teses doutrinárias ou nova jurisprudência, dar orientação de caráter

técnico para a solução de um complexo problema jurídico.

O coleguismo se traduz também no tratamento respeitoso dos

profissionais mais jovens quanto aos mais experientes. Estes não podem

olvidar sua condição de guia para os neófitos. Falta de coleguismo é

disputar cargos ou clientes, concorrer de maneira pouco leal, estimular

ou calar-se diante da maledicência, comentar erro do colega. Falso

coleguismo o acobertar erro do colega, mesmo que dele advenha prejuízo

a terceiro ou ao bom nome da Justiça.

78

CARLO LEGA, Deontologia de la profesión de abogado, 2: ed.,. Madrid: Civitas,

1983. p.168-169. 79

CARLO LEGA, Deontologia ... , cit., idem, p. 169.

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37

6.4.6 O princípio da diligência

O profissional do direito em regra é acionado quando alguém se vê

atormentado por vulneração injusta a algum direito. Somente agora

delineia-se com nitidez maior a compreensão de que o direito deve estar

sempre na cogitação das pessoas, atuando preventivamente e não apenas

restaurar situações fenomenicamente irrestauráveis.

Por atuar numa verdadeira UTI social, o profissional do direito deve ser

diligente. Deve ser pronto e ter presteza ao cuidar do interesse alheio

vulnerado. Aliás, o dever de diligência está na base de toda relação

humana.80

O profissional não pode ser indolente, insensível, desidioso e

acomodado ao exercer a função que escolheu como opção de vida.

O conceito de diligência compreende aspectos eminentemente pessoais,

"quais o zelo e o escrúpulo, a assiduidade e a precisão, a atenção e a

solércia etc. - que afloram de vez em vez, seja na execução técnica das

prestações, seja em todos aqueles comportamentos de contorno que são

do domínio da deontologia"81

Esse dever impede que se falte a

compromisso assumido ou ao trabalho, se atrase para reuniões ou atos do

ofício, se deixe de telefonar em seguida quando procurado por alguém.

Mas vai muito além. Impõe ao profissional do direito o dever de

completar a sua formação, inserindo-se num processo de educação

continuada. A sociedade contemporânea reclama constante atualização,

pena de o profissional não poder se exprimir em nível técnico adequado.

É negligente quem não se empenha no auto-aprimoramento,

acompanhando a edição legislativa, a produção doutrinária e a

construção pretoriana.82

O dever de diligência clama por tratamento igual

80

R. DANOVI, Codice, p. 72-73, CARLO LEGA, Deontologia ... , cit., p. 172, ambos

citados por PASQUALE GIANNITI, Principi ... , cit., idem, p. 140. 81

S. RODOTÀ, "Diligenza", Diritto Civile, Enciclopedia deI Diritto, Milano, 1964, t.

XII, p. 544, apud PASQUALE GIANNITI, Principi. .. , cit., idem, p. 141. 82

G. GORLA, "Dovere professionale di conoscere la giurisprudenza e mezzi

d'informazione", Temi rom., 1967, p. 338, apud PASQUALE GIANNITI, Principi ... ,

cit., idem, p. 141.

a casos menores e outros considerados mais relevantes, a mesma atenção

a partes humildes e poderosas. E todos os operadores jurídicos têm um

especial compromisso derivado do princípio da diligência: pecado

inescusável da Justiça brasileira é a lentidão. Ela não será vencida sem

particular empenho de parte de todos os responsáveis: juízes, promotores,

advogados e servidores da justiça. Uma diligência potencializada se

reclama dos responsáveis por milhões de processos cuja tramitação em

ritmo inadmissível para a modernidade faz com que se desacredite da

Justiça.

6.4.7 O princípio do desinteresse

Por princípio do desinteresse é conhecido o altruísmo de quem relega a

ambição pessoal ou a aspiração legítima, para buscar o interesse da

Justiça. Esse é um princípio inspirador dos chamados a integrar as

carreiras jurídicas - Magistratura, Ministério Público, Procuradorias,

Defensoria Pública, Polícia e mesmo o Magistério Jurídico. Sabe-se da

insuficiência da remuneração, diante da relevância das funções exercidas.

Mesmo assim, continua a juventude a disputar cargos nos concursos,

consciente das dificuldades a serem enfrentadas, das restrições impostas

e da renúncia a atingir tranqüila situação econômica.

O princípio do desinteresse inspira ainda um dos critérios informadores

da profissão do advogado. O dever do advogado é tentar sempre a

conciliação, antes de propor a lide, previamente ao início da instrução e a

qualquer tempo, sem se preocupar com eventual redução de seus

honorários que disso decorra. O profissional do direito há de

conscientizar-se de que "toda lide, mesmo conduzida com a máxima

ausência de paixão, constitui sempre um mal para as partes litigantes

(para as quais a matéria da contenda constitui um trauma psíquico) e

para a inteira coletividade (enquanto incrementa o fenômeno da

litigiosidade, contribui a reduzir os valores éticos e constitui inútil

dispêndio de despesa)".83

83

PASQUALE GIANNITI, Principi..., cit., p. 146.

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Pode parecer utopia pregar o desinteresse numa era denominada neo-

liberal, eufemismo para o desenfrear do capitalismo, calcado sobre a

idéia de lucro e, portanto, de interesse. Cumpre, todavia, conservar o

mínimo ético garantidor das conquistas civilizatórias da Humanidade.

Dentre elas, a concepção de que, na repartição de funções pelos membros

da comunidade, misteres há muito aproximados a um sacerdócio. Retirar

à carreira jurídica o seu status de missão, transcendente e indispensável à

harmonia, será reduzi-la a atuação inexpressiva, facilmente substituível

por alternativas menos dispendiosas e complexas de solucionar os

conflitos humanos.

6.4.8 O princípio da confiança

O operador jurídico ainda exerce uma artesania do direito. Prevalece o

caráter essencialmente individual de qualquer das atuações no campo do

direito, onde o profissional é escolhido mercê de atributos

personalíssimos e não intercambiáveis. Essa realidade é muito mais

próxima à advocacia do que às carreiras jurídicas públicas. O cliente

constitui seu advogado o profissional que lhe merece confiança. Será o

detentor de seus segredos, terá acesso a informações íntimas, terá em

suas mãos a chave da resolução dos problemas que o atormentam.

Existe, assim, um caráter fiduciário na relação advogado/cliente. O

advogado tem ainda o dever da fidelidade em relação ao cliente, pois foi

por este escolhido em razão de particularíssima confiança em seus

méritos, capacidade e pessoa.

Já os juízes, promotores e demais integrantes de carreiras jurídicas

públicas são impostos às partes. Estas não podem escolhê-los. Haveria

ainda lugar para o princípio da confiança?

A resposta é positiva. A confiança, aqui, não recai sobre a pessoa

individual do juiz, senão sobre a pessoa coletiva da Magistratura. Os

juízes devem ser considerados pelas partes pessoas confiáveis,

merecedoras de respeito e crédito, pois integram um estamento

diferenciado na estrutura estatal. Espera-se, de cada juiz, seja fiel à

normativa de regência de sua conduta, sobretudo em relação aos

preceitos éticos subordinantes de seu comportamento.

Por isso é que as falhas cometidas pelos juízes despertam interesse

peculiar e são divulgadas com certa ênfase pela mídia. Tais infrações não

atingem exclusivamente o infrator. Contaminam toda a Magistratura e a

veiculação do ato isolado se faz como se ele fora conduta rotineira de

todos os integrantes da carreira.

6.4.9 O princípio da fidelidade

Correlato ao princípio da confiança, o princípio da fidelidade é outro dos

atributos cobráveis aos detentores de função jurídica. Fidelidade à causa

da justiça, exigível a todo e qualquer profissional do direito. Fidelidade à

verdade e à transparência. Fidelidade aos valores abrigados pela

Constituição, que tanto prestígio e relevo conferiu ao direito,

convertendo a advocacia em função indispensável à administração da

Justiça:, ao lado do Judiciário, do Ministério Público e de outras

instituições.

O operador jurídico responsável pelo patrocínio de causas junto à Justiça

deve igualmente lealdade a seu constituinte e aos demais operadores,

notadamente o juiz e o promotor. Nas relações com o cliente, deverá

também portar-se com lealdade. Assim não fora e inexistiria o patrocínio

infiel, a faculdade de abster-se de prestar testemunho sobre o que lhe foi

confiado pelo cliente ou o que conheceu em virtude da profissão.

Esse é um capítulo de singular delicadeza. Já se afirmou que "o

advogado não deve desmascarar o acusado defendido por ele que mente

ao juiz; que deve fixar suas conclusões com base no que resulte do

processo e não com base na confissão recebida de seu cliente; que não

deve revelar ao juiz a verdade, inclusive se seu cliente acusa falsamente

a um terceiro, do delito que ele estava acusado (cometendo, portanto,

um delito de calúnia)"84

Tais posições pertinem exclusivamente ao

84

E. SANGUINETI, Teoria e pratica da procuratore, Milano, 1974, p. 358, apud

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advogado. O requisito da fidelidade, porém, como atributo derivado da

confiança que as pessoas devam nutrir em relação aos operadores do

direito, deve ser encontrado no patrimônio moral de qualquer de seus

profissionais.

A fidelidade é um conceito que precisa ser repensado. Pois "a fidelidade

não é um valor entre outros: ela é aquilo por que, para que há valores e

virtudes. Que seria a justiça sem a fidelidade dos justos? A paz, sem a

fidelidade dos pacíficos? A liberdade, sem a fidelidade dos espíritos

livres? E que valeria a própria verdade sem afidelidade dos verídicos?

Ela não seria menos verdadeira, decerto, mas seria uma verdade sem

valor, da qual nenhuma virtude poderia nascer. Não há sanidade sem

esquecimento, talvez; mas não há virtude sem fidelidade".85

Mas de qual fidelidade se fala? Está-se a pensar, por óbvio, na fidelidade

ao bem. Pois a fidelidade ao mal é má fidelidade. É infidelidade ao bem.

Cumpre, então, sempre indagar: "A fidelidade é ou não louvável?

Conforme, ou seja, depende dos valores a que se é fiel. Fiel a que ?(...)

Ninguém dirá que o ressentimento é uma virtude, embora ele permaneça

fiel a seu ódio ou a suas cóleras; a boa memória da afronta é uma má

fidelidade. Tratando-se de fidelidade, o epíteto não é tudo? E há ainda a

fidelidade às pequenas coisas, que é mesquinha e tenaz memória das

bagatelas, repisamento e teima (...) A virtude que queremos não é, pois,

toda fidelidade, mas apenas a boa fidelidade e a grande fidelidade".86

A

fidelidade do operador jurídico é a fidelidade das boas causas, a

fidelidade à justiça e a fidelidade do direito.

6.4.10 O princípio da independência profissional

CARLO LEGA, Deontologia ... , cit., idem, p. 184-185. Carlo Lega abriga certas

dúvidas sobre a licitude da última solução. 85

ANDRÉ COMTE-SPONVILLE, Pequeno tratado das grandes virtudes, São Paulo:

Martins Fontes, 1996, p. 25-26. 86

V. JANKÉLÉVITCH, Traité des vertus. II: Les vertus et I' amour, Flammarion,

1986, t. I, capo 2, p. 140, apud ANDRÉ COMTE-SPONVILLE, Pequeno tratado das

grandes virtudes, cit., idem, p. 26-27.

Por independência se concebe a ausência de quaisquer vínculos

interferentes na ação do profissional do direito, capazes de condicionar

ou orientar sua atuação de forma diversa ao interesse da Justiça. "Todo

intento de violação da independência da profissão compromete mesmo

sua função social".87

A independência é atributo consagrado ao juiz, ao

promotor, ao advogado e aos demais operadores.

A independência não há de ser tal que fuja ao controle ético. Toda a

atividade humana, ao reivindicar sua própria e legítima autonomia, não

pode deixar de reconhecer a harmonia e a subordinação ao critério

supremo, que é o critério ético.88

A independência não exclui, mas em

lugar disso postula enfaticamente, estrita dependência à ordem moral.

Ruy de Azevedo Sodré, legendário cultor da ética dos advogados, já

afirmou que a melhor garantia da independência desses operadores é a

observância aos preceitos éticos: "Os cânones éticos, a que estamos

vinculados e que balizam a nossa conduta, asseguram a nossa

reputação, propiciam a nossa liberdade moral, efetivam a nossa

independência. À sua sombra, abriga-se o advogado das tentações que o

cercam, de que fala Couture e das que exemplifica Angel Ossório".89

A

subordinação à ética é a um tempo garantia e limite para a independência

profissional. Não se concebe uma independência direcionada a malferir o

ordenamento moral daqueles que exercem profissão forense,

caracterizada pela prática indistinção de muitas regras morais perante as

regras técnico-jurídicas.

6.4.11 O princípio da reserva

87

Artigo lO do Código Deontológico Forense de Ferrara, Palermo e Lombardia, citado

por CARLO LEGA, Deontologia ... , cit., idem, p. 77. 88

PASQUALE GIANNm, Principi..., cit., p. 157. Invoca o magistério de PIO XII e o

do Concílio Vaticano lI, sobretudo na Constituição Pastoral Gaudium et Spes, no

sentido de que nenhuma atividade humana está liberada à solicitude moral. 89

RUY DE AZEVEDO SODRÉ, "O advogado, seu estatuto e a ética profissional", 2."

ed., São Paulo: RT, 1967, p. 138. A menção a Angel Ossório se completa com a

reprodução de um texto extraído de Alma de la toga:

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40

O homem de bem é um homem discreto. Desprestigia-se - e à categoria -

o profissional que comenta com terceiros aquilo de que tomou

conhecimento no exercício profissional. Fala-se que o princípio da

reserva é mais abrangente do que o princípio do segredo. Este imporia

silêncio quanto à controvérsia ou processo. Já o princípio da reserva se

estende a todas as demais circunstâncias nas quais parte ou terceiro

venham a ser direta ou indiretamente implicados. "De onde o princípio

da reserva não se exaurir no só silêncio, mas exigir também

comportamentos ativos a serem exercitados em toda circunstância da

qual emerge a exigência de salvaguardar a intimidade do interessado”90

O ideal é uma conduta inspirada em uma absoluta reserva, uma

circunspecção, prudência na conduta, discreção e recato no trato das

coisas profissionais.

O ser humano levado à Justiça ou a servir-se dela, partilha intimidades

com os profissionais em contato com sua causa. Estes são credenciados

pelo Estado para a realização do bem supremo da Justiça. Não se pode

tolerar que, em lugar da solução para os problemas, ou ao menos de um

encaminhamento rumo a ela venham a afligir ainda mais o aflito, fazendo

chegar a outrem informações protegidas pela privacidade.

Embora reserva e segredo não se confundam, "entre a regulação jurídica

do segredo profissional e o princípio deontológico de reserva existem

vínculos estreitos".91

Prudencial a conduta do operador jurídico no

sentido de preservar os protagonistas do drama que se lhe apresenta,

evitando tratar de assuntos profissionais em lugares diversos do foro,

mesmo em sedes de associações de classe, onde se presume estejam os

profissionais buscando o lazer ou interesses associativistas, não a

continuidade do trabalho. Também procurando coibir o excesso de

confiança e intimidade com partes e demais operadores.

Gianniti contempla como outras expressões do princípio da reserva: 1. o

90

A. DE CUPIS, "Riservatezza e segreto" (diritto a), Nov. Dig. It., Torino, 1976, v.

XVI, p. 121, apud PASQUALE GIANNITI, Principi ... , cit., idem, p. 162. 91

CARLO LEGA, Deontologia ... , cit., idem, p. 148.

dever de tratar a prática profissional no foro e não em lugares públicos;

2. o dever de manter reserva sobre todos os documentos ou objetos do

processo; 3. o dever de vigiar a fim de que funcionários, digitadores,

assistentes ou escreventes, mantenham reserva sobre tudo aquilo de que

tomem conhecimento por motivo do trabalho; 4. dever de reserva em

relação ao endereço do cliente; 5. dever de não externar opinião sobre

processo a si confiado, mesmo em família.92

Para o autor, o fundamento

lógico desse princípio satisfaz a exigência de garantir a todo cidadão a

liberdade de poder recorrer à Justiça com a plena confiança de que se

manterá a máxima discrição sobre o que lhe confiará ou que virá a ser de

conhecimento de seus operadores, durante o decorrer da demanda.

Ao lado do princípio da reserva, existe para alguns o princípio da

informação, que o não contradiz. O princípio da informação postula a

amplitude de conhecimento de fatos, notícias e circunstâncias

conducentes ao exercício da defesa. O profissional encarregado de

oferecer resistência aos pleitos formulados contra seu constituinte saberá

selecionar, dentre todas as informações por este fornecidas, aquelas

essenciais ao desenvolvimento de seu mister e outras cuja divulgação se

mostra inviável. "Todas as torpezas, todas as traficâncias, manejos de

que os homens lançam mão para ofenderem-se reciprocamente, na honra

e na propriedade, vêm a ser liquidadas no foro e é ao advogado a quem a

Sociedade deu a incumbência de lavar esta roupa suja e apresentá-la

limpa aos olhos do mundo". o avanço tecnológico oferece faces

insuspeitas para o princípio da reserva. Tanto no âmbito do Judiciário,

como das dependências vinculadas à administração da Justiça, como para

os próprios advogados, a possibilidade de armazenamento de dados é

ilimitada. A divulgação de dados que só interessam ao indivíduo é

coibida, por força de preceito constitucional que protege a privacidade.

Todos os responsáveis têm o dever de adotar as precauções mais

rigorosas para o acesso à informação, de manter o interessado

cientificado e de cancelar as informações quando concluída a relação ou

92

PASQUALE GIANNITI, Principi..., cit., idem, p. 162.

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41

a operação para a qual sua coleta se mostrou necessária.93

6.4.12 O princípio da lealdade e da verdade

Deflui do sistema jurídico o dever de atuar com lealdade, pois o direito

civil brasileiro, inspirado na fonte romano-germânica, premia a boa-fé e

a correção. A lealdade é uma regra costumeira, desprovida de sanção

jurídica, mas eticamente sancionada pela reprovação comunitária.

A lealdade precisa inspirar toda a atuação jurídica, notadamente a

processual. O juiz deve se portar com lealdade, corolário da

imparcialidade, recusando-se a silenciar quando se lhe reclama franqueza

para advertir qualquer das partes sobre equívoco ou erronia. Não fora

dever processual de conduzir o processo para uma finalidade hígida e

constituiria dever deontológico o de enfrentar as preliminares e questões

prejudiciais, não permitindo que lides temerárias alcancem estágio

avançado, com dispêndio de tempo e de recursos materiais para todos.

O promotor deve se pautar com lealdade para com o juiz e para com o

advogado, atuando com transparência e não guardando trunfos para

surpreender qualquer deles. O advogado, além da lealdade para com o

juiz e promotor, deve tê-la em relação ao colega e aos clientes. Estes

precisam ser advertidos do êxito ou temeridade da demanda, necessitam

de esclarecimentos precisos sobre a conciliação e suas conseqüências,

sobre o andamento da causa e sobre as estratégias adotadas pelo

profissional para o bom desempenho de seu mister.

A lealdade se insere numa concepção de processo sob a ótica de uma

estrutura cooperativa. O processo, instrumento de consecução de um bem

da vida chamado justiça, deve deixar de ser encarado como pugna

civilizada, ou como verdadeira luta entre contendentes irados e prontos a

qualquer crueza, para ser concebido como expressão da democracia.

93

F. GRANDE STEVENS, "Nuovi contenuti della deontologia professionale",

Rassegna degli Avvocati Italiani, 1983/2, p. 10, apud PASQUALE GIANNITI, Principi

... , cit., idem, p. 163.

Todos os envolvidos no processo querem o mesmo: a realização possível

do justo humano. A parte, mesmo se vier a sucumbir, deverá resignar-se,

pois se realizou o direito e ela foi tratada com dignidade, como deve ser o

tratamento dispensado aos seres humanos. O réu, mesmo condenado,

deverá estar consciente de que se realizou justiça e de que não havia

alternativa diversa ao juízo, diante da contundência do elemento de prova

amealhado contra ele.

A lealdade imporia a todos os operadores jurídicos o dever da verdade. A

dificuldade primeira é a conceituação da verdade. Para Santo Tomás, "a

verdade tem contornos cambiantes e cada um a reconhece, à sua

maneira, através de estados íntimos, nem sempre transferíveis e

tampouco comunicáveis"94

Existe, para o operador jurídico, o dever

absoluto de dizer a verdade?

Calamandrei sustenta que a lealdade processual é apenas a lealdade

reclamada para o jogo. A emulação de habilidade é ilícita, assim como

não é lícito atuar de qualquer maneira maliciosa. Conclui,95

melancolicamente, que a vitória do mais astuto não é a do mais justo.

Também Calogero admite a mentira, quando com fins benéficos,96

enquanto Carlo Lega se posiciona contrariamente. A mentira viola os

princípios da ética forense e compromete a função social da profissão.97

Consoante Eduardo Couture, "existe, efetivamente, um dever de dizer a

verdade, com texto expresso ou sem texto expresso, com sanções

especíjicas".98

Pois, como diz o notável uruguaio, o processo é a

realização da Justiça e nenhuma justiça pode apoiar-se na mentira. Civ.,

1939, v. I, p. 136 e ss, citado por CARLO LEGA, Deontologia ... , cit.,

idem, p. 161, nota 13.

94

RUY DE AZEVEDO SODRÉ, O advogado e seu estatuto e a ética profissional, cit.,

idem, p. 253. 95

PIERO CALAMANDREI, "11 processo come gioco", apud CARLO LEGA,

Deontologia ... , cit., idem, p. 161. 96

CALOGERO, "Probità, lea1tà, veridicità nel processo", in Riv. Dir. Froc. 97

CARLO LEGA, Deontologia ... , cit., idem, p. 162. 98

RUY DE AZEVEDO SODRÉ, O advogado ... , cit., idem, p. 256.

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42

6.4.13 O princípio da discricionariedade

A profissão jurídica é exercida por alguém que obteve formação em grau

universitário. Parcela ainda mínima da população brasileira chega ao

terceiro grau na escolarização convencional. O bacharel em ciências

jurídicas é, presumivelmente, alguém provido de discernimento para

exercer uma profissão liberal. Esta se pontua pela discricionariedade de

seu exercente, poder de atuar com liberdade na escolha de sua

conveniência, oportunidade e conteúdo.99

Mesmo subordinado à lei, o operador jurídico possui uma vasta área para

selecionar o momento, as estratégias e as formas de sua atuação. O juiz

tem discricionariedade no mais amplo espectro do exercício de sua

missão. Para conceder ou não a medida liminar, para julgar no estado ou

permitir a instrução, para fixar os pontos controvertidos da causa, para

determinar, de ofício, a realização de mais provas. Para se convencer, em

um sentido ou no seu antípoda, quanto ao pleito que lhe foi formulado.

É um poder terrível, que encontra freios éticos muito nítidos. O juiz não é

um escravo da lei, operador insensível e despreocupado com as

conseqüências de suas decisões. Precisa estar convicto de que à

autoridade que lhe foi conferida corresponde responsabilidade também

diferenciada. O exercício consciente da jurisdição acarreta deveres de

ordem constitucional, legal e disciplinar. Os mais angustiantes, porém,

são os deveres da esfera ética. Nem sempre a solução adotada, embora

conforme com a lei, foi a mais satisfatória para os reclamos morais de

uma inteligência sensível.

O promotor de justiça tem uma discricionariedade até mais dilargada.

Pode, em tese, arquivar o inquérito ou denunciar. Insistir nas diligências.

Iniciar procedimentos averiguatórios, de tão angustiantes conseqüências

para as pessoas. É-lhe conferido iniciar ações civis públicas, defender as

minorias e ocupar um espaço muito importante na mídia. A necessidade

99

HELY LOPES MEIRELLES, Direito administrativo brasileiro, 16." ed., 2.tiragem,

São Paulo: RT, 1991, p. 97.

de permanente vigilância ética mostra-se imprescindível para o

Ministério Público. A Instituição cresceu e sedimentou-se como braço

essencial à administração da Justiça. Essa consolidação institucional tem

o contraponto de um desgaste acentuado, se não conviver com o zelo

intransigente da qualidade humana de seus integrantes. Pois é hoje a

instituição jurídica mais poderosa e, portanto, aquela que corre mais

riscos de abusar de uma força a si atribuída pelo pacto constituinte de

1988.

O advogado também tem discricionariedade para persuadir o cliente de

iniciar uma lide ou de imediatamente propô-la. É dele a

discricionariedade típica de eleger a estratégia de combate ou de defesa

nos autos. Ele o encarregado de encontrar a alternativa jurídica mais

eficaz para determinado problema concreto. Atua com extrema liberdade

e esse caráter converte a profissão em campo minado de deslizes éticos.

Com alguma atenuação, o profissional encarregado da defesa do Estado

também é munido de poderes discricionários. E o delegado de polícia é,

talvez, o exercente de função jurídica mais aquinhoado pelo sistema

dessa atuação quase completamente livre. Tanto que a polícia tem sido,

no mundo todo, a profissão em que a fronteira

discricionariedade/arbitrariedade se mostra mais tênue e movediça.

6.4.14 Outros princípios éticos das carreiras jurídicas

A enunciação de princípios éticos gerais, aplicáveis às profissões

forenses, é sempre algo de discricionário. Poder-se-ia multiplicar a

relação dos princípios, incluindo-se inúmeros outros, alguns lembrados

por autores que também se dedicaram ao estudo da ética.

Dentre eles, mencionem-se os princípios da informação, da

solidariedade, da cidadania, da residência, da localização, da

efetividade e da continuidade da profissão forense, o princípio da

probidade profissional, que pode confundir-se com o princípio da

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43

correção,100

o princípio da liberdade profissional, da função social da

profissão, a severidade para consigo mesmo, a defesa das

prerrogativas profissionais, o princípio da clareza, pureza e

persuasão na linguagem, o princípio da moderação e o da tolerância.

Todos eles se prestam ao serviço de atilar a postura prudencial dos

operadores jurídicos, favorecendo-os a um exame de consciência para

constatar como pode ser aferido eticamente o próprio comportamento.

Na maior parte das vezes, esse profissional é o único árbitro de sua

conduta. Além de se tomar, com isso, mais escrupuloso, deve ter em

mente que os cânones dos códigos éticos, a recomendação da doutrina e a

produção pretoriana dos respectivos tribunais éticos não excluem

deveres que resultam de sua consciência e do ideal de virtude, inspiração

maior do profissional do direito.

PARA REFLEXÃO EM GRUPO

1. Existe nítida e rígida separação entre ética religiosa e ética

aconfessional?

2. O Estado no século XXI pode ser uma entidade a ética?

3. A Ética ambiental se contrapõe à Ética antropocêntrica?

4. A Natureza é sujeito de direitos? O meio ambiente é destinatário de

deveres éticos?

5. Honoré de Balzac, em As Ilusões Perdidas, faz uma sátira cruel ao

mundo da imprensa: "O jornal, em vez de ser um sacerdócio, tornou-se

comércio; e como todos os comércios, é sem fé nem lei". Esta afirmação

100

SANTAELLA LÓPEZ, op.cit., idem, ibidem, faz uma síntese preciosa sobre a

probidade: "A probidade é simples e claramente a honradez. Um profissional destinado

ao serviço dos demais, há de ser, antes de tudo, uma pessoa honesta. A probidade vem a

constituir, dessa forma, um compêndio das principais virtudes morais. Supõe uma

consciência moral bem formada e informada dos princípios éticos e da normativa

especificamente deontológica".

tem razão de ser em nossos dias?

BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Ética Jurídica: ética

geral e profissional. 2ª. ed. São Paulo; Saraiva: 2004.

IX DEVERES DO ADVOGADO

Não se encontra no Estatuto da Advocacia um capítulo que se ocupe

especificamente dos deveres do advogado, como se encontra um

dedicado a seus direitos, que, como visto há pouco, foram listados um

a um. Porém, se é certo que o exercício da profissão outorga direitos

e prerrogativas ao inscrito, não menos certo é que atribui, por igual,

diversas obrigações positivas (o que deve fazer) e negativas (o que

não deve fazer). Todavia, diferentemente dos direitos, os deveres do

advogado encontram-se dispostos em normas espalhadas pelo

Estatuto, aí incluídas as disposições anotadas no capítulo das

"infrações e sanções disciplinares", que, mutatis mutandis, prevê atos

cuja execução ou omissão constitui dever do inscrito, atribuindo-se ao

descumprimento sanção disciplinar. Acrescente-se que outros tantos

deveres do advogado encontram-se dispostos em normas acessórias: o

Código de Ética e Disciplina, o Regulamento Geral da Advocacia e

os Provimentos do Conselho Federal da Ordem. Para tanto, o

legislador federal atribuiu um poder normativo complementar à

Ordem, no próprio EAOAB, como se constata em seu artigo 33, que

exige do advogado respeito rigoroso aos "deveres consignados no

Código de Ética e Disciplina"; este, por seu turno, dispõe que "o

exercício da advocacia exige conduta compatível com os preceitos

deste Código, do Estatuto, do Regulamento Geral, dos Provimentos e

com os demais princípios da moral individual, social e profissional".

Neste capítulo, procurarei reunir, ordenadamente, todos os preceitos,

cujo respeito é senda necessária para a excelência do advogado, ou,

por outro lado, cujo cumprimento é condição necessária para a

valorização de toda a classe, e, via de conseqüência, de cada

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advogado.

1 Preservação da atividade

o primeiro dever do advogado é sempre proceder de forma que o torne

merecedor de respeito, contribuindo, assim, para o prestígio da classe da

advocacia (artigo 31, EAOAB). Essa atuação exprime-se não apenas no

respeito às normas deontológicas ou na abstenção de comportamentos

rotulados como infracionais, mas também, de mesma importância, num

particular cuidado com sua atuação, com a qualidade de seu trabalho,

com seu comportamento. Se o profissional não respeita tais balizas, mais

do que macular o próprio nome (o que será inevitável), acaba por

enlamear toda a classe, face a uma tendência social de generalização.

O Código de Ética, em seu artigo 44, exige-lhe urbanidade no trato com

o cliente, a parte contrária, os colegas, os magistrados e representantes do

Ministério Público, bem como com os serventuários e o público em

geral; por urbanidade entende-se a capacidade de conviver com os

outros, de ser gentil, a capacidade de respeitar a todos os seres humanos,

independentemente da função ou posição que ocupam. Daí dizer o artigo

45 do Código de Ética que o advogado deve agir com lhaneza, isto é, ser

afável, bem-educado, empregando linguagem escorreita e polida, esmero

e disciplina na execução de seus serviços. Mesmo quando dele se exige

combatividade, mesmo quando se faz necessário lutar com mais firmeza,

é indispensável que se esforce por controlar-se, evitando abandonar as

raias do razoável. Acentue-se, como fazem os §§ 1 º e 2º do artigo 31

do EAOAB, que o respeito a esses parâmetros examinados em nada se

confunde com o comportamento servil. Pelo contrário, o advogado deve

manter independência em qualquer circunstância (§ 1º), não devendo ter

nenhum receio de desagradar a magistrado ou a qualquer autoridade, nem

de incorrer em impopularidade. Some-se que o Código de Ética lista

como seu dever atuar com "destemor e independência" (artigo 2º,

parágrafo único, 11). Somente assim poderá cumprir sua missão

constitucional e legal.

Destarte, como dito pelo artigo 2º, parágrafo único, do Código de Ética e

Disciplina, é dever do advogado conduzir-se de forma compatível com a

honra, a nobreza e a dignidade da profissão; em cada ato, o advogado

deve zelar pelo caráter de essencialidade e indispensabilidade da

advocacia (inciso 1), atuando com inarredáveis honestidade, decoro,

veracidade, lealdade, dignidade e boa-fé e velando por sua reputação

pessoal e profissional (inciso III). Mutatis mutandis, diz o inciso VIII do

mesmo artigo 2º, parágrafo único, que deve o inscrito abster-se de

vincular seu nome - e não apenas em sua condição de advogado, frise-se

- a empreendimentos de cunho manifestamente duvidoso (letra c);

similarmente, não deve emprestar concurso aos que atentem contra a

ética, a moral, a honestidade e a dignidade da pessoa humana (letra d).

Nesse sentido, não se pode deixar de perceber que há determinadas

condutas do inscrito que definitivamente podem macular sua imagem,

tenham ou não sido praticadas na condição de advogado. Ainda assim,

é preciso redobrado cuidado na transformação da OAB em corte

moral do comportamento dos inscritos. O risco é assustadoramente

grande e pernicioso, o que se demonstrará, inclusive, na análise do

artigo 34, XXV e XXVII, do EAOAB, que definem como infração

disciplinar, respectivamente, "manter conduta incompatível com a

advocacia" e "tornar-se moralmente inidôneo para o exercício da

advocacia". Nessa linha de argumentação, parece-me certo que a

Ordem deve ser rígida com inscrito que se envolve com corrupção

(de forma ativa ou passiva), com quadrilhas, com tráfico de

entorpecente, com lenocínio. Porém, não me parece possuir poder

para julgar o comportamento sexual dos inscritos (desde que não

sejam públicos, escandalosos, nem se apresentem na condição de

advogado), suas crenças políticas, religiosas, seus valores estéticos.

Antes de mais nada, não se pode esquecer que a

interpretação/aplicação do Direito não dispensa, em momento algum,

uma grande dose de bom-senso, sem o que pode a exegese acabar por

inviabilizar a concretização do telas normativo, ou, por outro lado,

estorvar o desenvolvimento das individualidades, cuja atuação, quase

sempre combatida, impulsionou a roda da evolução social.

Avilta a advocacia - e desrespeita o dever de preservação da mesma -

a utilização, pelo advogado, de influência indevida, em seu benefício

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ou do cliente (artigo 2º, parágrafo único, VIII, a, CED). Essa

advocacia baseada no nome e na influência pessoal já fora criticada

por Lyra, que denunciou raro "o profissional que evita as

conseqüências de suas traficâncias", advertindo para as conseqüências

nefastas dessa senda: "E, descendo cada vez mais, vão renunciando,

para sempre, aos prazeres morais, às recompensas abençoadas, ao

desinteresse da amizade e do amor, ao carinho e ao devotamento

sinceros. Rompem as raízes afetivas, vivem em permanente

inquietação, como aventureiros e perseguidos ao menos pelo crepitar

da consciência, saturando-se, desesperadamente, no desfrute

grosseiro, sem imaginação e gosto, sofrendo a alegria falsa,

atormentando-se com as honrarias mentirosas. Envelhecem e morrem

nos descampados afetivos e éticos".101

Em lugar dessa advocacia de influências, deve o advogado empenhar-

se, permanentemente, em seu aperfeiçoamento pessoal e profissional

(artigo 2º, parágrafo único, do Código de Ética), mantendo-se

atualizado sobre as alterações legislativas, sobre a evolução da

jurisprudência bem como a respeito dos principais assuntos em

debate no país. José Osvaldo de Oliveira Leite denunciou que,

"disputando a primazia no campo da ação, aparece, na carreira, um

espécime novo - que infelizmente nem híbrido é porque se reproduz

pelos métodos da imitação, do mimetismo profissional. Este novo

cavaleiro, de triste figura, não reúne, não integra a fusão no

humanismo simplesmente porque desconhece o humanismo jurídico.

Antes: ele ateia o distúrbio na classe; atabalhoa os processos e os

tribunais; promove a astúcia inescrupulosamente como ética de conduta.

É o bacharelóide como o chamaram algures, porque existe à semelhança

do bacharel. Tem o grau, o diploma, o título mas nenhuma capacidade de

advogar"102

. É preciso, a todo custo, fugir tal figura tão triste, e o

caminho para tanto é o estudo, que não é apenas uma alternativa, uma

possibilidade, mas um dever, como visto.

101

Formei-me em Direito... e agora? Rio de Janeiro: Ed. Nacional de Direito, 1957. p.

41. 102

Discurso proferido no Instituto dos Advogados de Minas Gerais por ocasião da

comemoração de seus 63 anos; abril de 1978. Não publicado.

Mais do que o saber técnico, utilizado no exercício profissional, o

advogado deve estar apto a contribuir para o aprimoramento das

instituições, do Direito e das leis, determina o artigo 2º, parágrafo único,

inciso V, do Código de Ética, pugnando pela solução dos problemas da

cidadania e pela efetivação de seus direitos individuais, coletivos e

difusos, no âmbito da comunidade (inciso IX). Afinal, deve o advogado

ter sempre em mente que, acima de qualquer coisa, "o Direito é um meio

de mitigar as desigualdades para o encontro de soluções justas e que a lei

é um instrumento para garantir a igualdade de todos" (artigo 3º). Mais do

que na defesa de interesses privados, para os quais foi contratado e bem

remunerado, é na intransigente defesa do Estado Democrático de Direito,

bem como da cidadania, que o advogado exibe sua excelência. O

advogado é, assim, um instrumento contra a mera afirmação hipócrita de

cidadania em nosso Direito, um mito no qual contrastam uma promessa

normativa impressionante e uma realidade cruel e decepcionante. Porém,

a questão da cidadania não é apenas normativa e doutrinária, mas

sociológica: apura-se também no plano dos fatos que compõem (e

afetam) a vida dos seres humanos. Assim, importa também verificar a

cidadania efetivamente experienciada pela sociedade, pois, para além das

teorias e das normas, está a vida de cada ser humano que constitui a

sociedade. De pouco adianta propagar que cada um é um agente de seus

destinos político, social, econômico, jurídico (o mito da cidadania), se

não há condições jurídicas e mesmo pessoais para que isto ocorra. No

caso brasileiro, deixando de dar formação educacional (crítica e política)

a parte da população, mantém-se a prática espoliatória que beneficia uma

elite (narcísica, incompetente, inconseqüente) em desproveito de milhões

de pessoas (miseráveis e trabalhadores das classes baixas). Permite-se

certa ordem de privilégios para uma classe intermediária (classe média),

que, na estrutura social, funciona como suporte para as classes

dominantes: fornece-lhe profissionais que administram seus interesses

(nestes incluídos tanto os negócios particulares, quanto os negócios de

Estado, ou seja, a administração do aparelho de Estado, sempre no estrito

respeito à conservação de seus benefícios), assim como assimila

(motivada pelo desejo de conservar sua própria parcela - ainda que

limitada - de benefícios) a fobia - e a luta - contra um possível "levante"

das massas exploradas. A esse quadro de dominação e a exploração serve

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o "mito da cidadania": nossa sociedade é induzida a crer-se

democrática e os indivíduos a crerem-se cidadãos; segundo este

discurso (falso, nos termos vistos), haveria entre nós respeito ao

Direito (não só às normas estabelecidas, como aos elevados princípios

de justiça) e oportunidades de participação. Mas examinando-se os

indivíduos isoladamente, encontrar-se-á apenas uma pequena

minoria que possui condições pessoais e sociais de, efetivamente,

conhecer e utilizar-se das possibilidades (limitadas, como se viu) de

participação consciente nos desígnios de Estado. A consolidação do

(verdadeiro) Estado Democrático de Direito, em contraste, exige

muito mais. Há que repensar nossas posturas: a pretensa inocência da

alienação política provou, durante anos, ser uma irresponsável

adesão à continuidade do sistema espoliativo que polvilhou nosso

país de miseráveis, despreparados, até mesmo, para perceberem que

o trabalho e a organização das iniciativas poderia ser uma

possibilidade de superação do estado em que se encontram. Assim,

muitos se entregam às seduções do vício (que aliviaria) e da

criminalidade (onde crêem poder exercitar algum poder).

Nesse quadro, ao advogado reserva a sociedade um papel especial;

mais do que mero defensor de interesses de seus clientes - e sem

necessitar deixar de sê-lo -, o advogado deve ser o defensor do

próprio Direito, bem como da Democracia. Somente assim

manifestará toda a grandeza de seu mister.

2 A atuação processual

Também em seu trabalho de postulação, judicial ou extrajudicial,

deve o advogado estar atento ao cumprimento de obrigações

profissionais. Exige-se-lhe igual cuidado com a condição de

advogado que titulariza, a implicar o dever de contribuir para o

respeito e prestígio da classe, respeitando o magistrado, o

representante do Ministério Público, o colega e a parte adversa, os

serventuários, tratando-os com urbanidade (dever que alcança suas

manifestações orais ou escritas); também na condução do processo, é

indispensável que o advogado não se descure da honra, da nobreza e

da dignidade de sua profissão, manifestando-as em seus atos que

deverão mostrar-se merecedores, em concreto, da legislada

essencialidade e indispensabilidade da advocacia.

Danilo Borges sublinha que, "especificamente com referência aos

advogados, o seu relacionamento com os serventuários da Justiça

deve ser respeitoso, polido, reclamando muita atenção. [...] Os

serventuários da Justiça - elementos integrantes do Juízo - não são

empregados dos advogados; eles cumprem aquilo que é determinado

pelos juízes e pela lei". Por outro lado, recomenda que "não se deve

pedir conselhos jurídicos aos serventuários da Justiça. Essa prática é

mais comum pelos advogados novéis ou por aqueles que têm

preguiça nos estudos. [...] Se o simples hábito do manejo com os

processos transformasse os serventuários da Justiça em entende dores de

leis, seriam eles os melhores juristas ao longo dos tempos. Falta-lhes uma

coisa que o bacharel em Direito tem: conhecimento da natureza jurídica

ou conhecimento do instituto de cada figura jurídica"103

.

Pode-se argumentar que, em seu labor, o advogado não raro enfrenta

iniqüidades, absurdos, agressões a seus direitos e aos de seu cliente.

Pode-se também objetar com as dificuldades de um serviço, judiciário ou

não, que nem sempre se mostra à altura de suas finalidades. Todavia,

mesmo nas adversidades, mesmo diante da iniqüidade, mesmo diante da

péssima atuação dos demais partícipes do processo, deve o advogado

manter elevado seu nível de intervenção, o que não implica desconsiderar

as ofensas que outros pratiquem à lei, aos princípios jurídicos ou à ética,

mas o dever de contra elas insurgir-se de forma adequada, ponderada,

firme, mas nunca destemperada. É preciso não exagerar na reação, não

oferecer ao ofensor a vitória de fazer-nos chafurdar em nossa ira, mas

responder-lhe com a lei, com o recurso, com a denúncia, sempre

construídas nos limites do necessário e, jamais, como desabafo, como

revide.

103

Sentimentos de um advogado: crônicas deontológicas. Belo Horizonte: Inédita, 1998.

p.23-24.

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Ademais, são seus deveres ao longo da atuação processual, honestidade,

decoro, veracidade, lealdade, dignidade e boa-fé. Há uma obrigação de

evitar a adoção de posturas e estratégias que contrariem o Direito ou que

abusem de direitos. A tentação de recorrer à chicana é, sem dúvida,

muito grande. "Especialmente no exercício da advocacia, a crença

generalizada no seio do povo é a de que o bom advogado é aquele que

faz uso de meios e requerimentos escusos para protelar ou dificultar a

restauração do direito violado. Qualquer observador detecta essa

distorção. Costuma-se até afirmar na vida forense que determinados

profissionais são 'advogados de réu', o que significa: tornaram-se

conhecidos pelo abuso de direito, por postularem, predominantemente,

de má-fé. Ao invés da censura, o louvor. Ao invés do descrédito, a fama.

Ao invés da condenação, o elogio. Enquanto isso, o Estatuto do

Advogado, o Código de Ética, que fiquem reservados para as

prerrogativas!"104

. Não obstante essa opinião popular, o advogado que

recorre a tais expedientes desrespeita sua função social, bem como seu

dever de litigar de boa-fé, honesta e lealmente, respeitando a finalidade

do processo. Se é certo, como afirma Ronaldo Brêtas Carvalho Dias que

"de alguns anos para cá, o espectro da fraude ronda a tudo e a todos, nos

mais variados setores da vida brasileira,"se é dever do advogado fugir

dessa lamentável e odiosa "vala comum", primando pelo decoro e pela

dignidade. Anote-se que o dever de abster-se de comportamentos

fraudulentos é preceito que se retira, por vias transversas, de diversos

excertos da legislação, o que se verifica em nosso Código Penal,

dedicando todo um capítulo para a definição de crimes contra a

administração da Justiça. Aliás, a preocupação com a lisura nas

demandas judiciárias é milenar. O Código de Hamurabi, vigente a partir

do século XIX a.C. (ou seja, há quase quatro milênios), já apenava a

denunciação caluniosa (artigos 1º e 2º) e o falso testemunho (artigos 3º e

4º). Igual preocupação lê-se nas XII Tábuas (Roma, 450 a.C.), onde o

item 16 da tábua 7ª prevê para aquele que testemunha em falso ser

atirado da rocha Tarpéia.

No âmbito das normas processuais, encontra-se no Código de Processo

104

O litigante de má-fé. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 6.

Civil todo um conjunto de normas que visa coibir a litigância de má-fé e

a fraude processual. Como ensina Ronaldo Brêtas Carvalho Dias, "a

fraude processual consiste na utilização do processo como forma de

iludir a lei", o que abrange "ora o vício do ato processual, singularmente

considerado, realizado com ânimo fraudatório, ora o vício do processo

como relação processual em seu aspecto unitário". Dias, aliás, lista os

ilícitos processuais constantes do Código de Processo Civil105

, entre os

quais me parece fundamental destacar a litigância de má-fé (artigos 14 e

17), punindo "a falta ao dever de veracidade, a dedução de pretensão ou

defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso, a utilização

anormal do processo (fraude, simulação, dolo) e a resistência

injustificada ao curso do processo, a temeridade (que é manifestação do

dolo processual), a provocação de incidentes manifestamente infundados

e a interposição de recurso com intuito visivelmente protelatório";

também o artigo 125, III, "com recomendação expressa ao juiz para

prevenir ou reprimir qualquer ato atentatório à dignidade da justiça.

Como tal, deve-se entender a prática de atos que evidenciam manobras

fraudulentas e dolosas e a utilização do processo como forma de

acobertar negócios escusos ou ilícitos"; o artigo 129, "impondo a

prolação de sentença obstativa de ato simulado ou ilícito"; o artigo 273,

11, "permitindo ao juiz a concessão antecipada dos efeitos da tutela

jurisdicional de mérito postulada pelo autor, quando a defesa do réu

caracterizar o abuso do direito ou evidenciar seu manifesto propósito

protelatório"; os artigos 592, V, 593 e 672, § 3º, "ao configurarem

espécies de fraude de execução, que é modalidade de fraude processual";

os artigos 599, 11, e 600, conferindo poderes ao juiz para "reprimir as

manobras ardilosas do devedor no curso do processo de execução, na

prática de atos considerados atentatórios à dignidade da justiça"106

. O rol

apresentado por Dias é mais vasto; porém, os casos citados, creio,

implicam com mais proximidade a função postulatória do advogado.

Por outro ângulo, o artigo 6º do Código de Ética veda a exposição em

juízo de fatos deliberadamente falseados, que faltem com a verdade, ou

105

Fraude no processo civil. Belo Horizonte: Del Rey; 1988. p. 11. 106

Fraude no processo civil. Belo Horizonte: Del Rey, 1988. p. 25-27 e 43-45.

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que se estribem na má-fé. Para além desse dever de não falsear,

Sodré aconselha "não apresentar o advogado alegação grave, sobre

matéria de fato ou deprimente de qualquer das partes litigantes, sem

que se funde, ao menos, em princípios de prova atendível, ou que o

cliente a autorize por escrito".107

Claro que situações há em que essa

cautela pode implicar limitação do direito de defesa, e, nesse

entrechoque, deve o advogado ser competente para equacionar

ambos os deveres, sendo recomendável que a dedução da alegação

seja parcimoniosa, longe dos excessos, narrando o fato e

confessando, na forma e no conteúdo, ausência de intuito de atentar

contra a honra da pessoa referida. Nesse sentido, conheci um

advogado que, prudentemente, tinha o costume de pedir ao cliente

que narrasse por escrito a versão dos fatos que lhe trazia, forma pela

qual poderia demonstrar que as alegações eram do cliente e nunca

inventadas por ele, salvando-se de um eventual disse-me-disse.

Todas essas normas têm, a meu ver, o advogado como destinatário

privilegiado, na medida de sua indispensabilidade à administração da

Justiça (artigo 133 da CF), a expressar-se com maior força na

intermediação que oferece entre os interesses da parte e a atuação

processual, que lhe incumbe (privativamente, viu-se, no âmbito

judiciário; artigo 1º, I, EAOAB). É seu o dever de garantir a

lealdade, a verdade, a boa-fé, é seu o dever de manter o nível digno

da demanda, não podendo sequer desculpar-se com o argumento de

pressões do cliente (mesmo que empregador ou superior hierárquico),

uma vez ser seu o direito e o dever da liberdade de atuação e a

correspondente isenção técnica. Aliás, a responsabilidade pela

atuação processual de boa-fé pode alcançar as raias penais, já que o

advogado que orienta testemunhas a falsearem a verdade é co-autor

do crime de falso testemunho.

Mas os deveres do advogado, no âmbito da postulação, não se

resumem à litigância de boa-fé. O Código de Ética e Disciplina, em

seu artigo 12, diz cumprir-lhe cuidar dos feitos com atenção e

107

A ética profissional e o estatuto do advogado. 4. ed. São Paulo: LTr, 1991. p. 196.

diligência, mantendo o cliente informado do que se passa. Essa

diligência expressa-se no acompanhamento de perto dos atos que

estão sendo praticados, efetivando o contraditório e a ampla defesa.

Todo o cuidado é sempre pouco, principalmente no que diz respeito

a aspectos técnicos, designadamente os prazos para realização de

atos jurídicos, processuais ou não. O conhecimento adequado dos

prazos e o respeito aos mesmos é elementar para a advocacia, assim

como o é o conhecimento dos instrumentos técnicos hábeis à

consecução das medidas que se façam necessárias para o

desempenho da função. Como o Direito, quer pela legislação, quer

pelas análises doutrinárias, quer pela jurisprudência, está sempre em

mutação, o estudo constante é indispensável para manter esse

conhecimento indispensável das exigências técnicas para o exercício

do mister.

A causa deve ser conhecida em seus detalhes, no mínimo gerais, e a

tese estruturada deve ser estudada em minúcias; cada causa e, assim,

todas as causas. Não escusa o advogado o fato de ter muitos

processos; o cliente não tem menos direito à boa prestação dos

serviços advocatícios pelo fato de o advogado assumir mais causas

do que pode controlar. Assim, sempre que se apresenta perante o seu

advogado, tem sim o direito de exigir desse informações suficientes

de como está sua causa, qual o andamento do feito que lhe

corresponde. Da mesma forma que não se aceita um médico que,

acompanhando um paciente, não sabe qual é sua doença e qual o

estágio do tratamento, da mesma forma que não se admite um

engenheiro que não se lembra da obra que lhe cumpre supervisionar,

não se admite um advogado que não se lembra qual é o caso de seus

clientes. Como corolário do dever de diligência, preceitua o Código

de Ética que o advogado não pode deixar os feitos ao abandono ou

ao desamparo, sem motivo justo e comprovada ciência do

constituinte (artigo 12, CED). Ainda assim, mesmo diante de motivo

justo (doença, internamento etc.), é seu dever ou renunciar ao

mandato, ou providenciar, pelo substabelecimento (na ausência de

outro procurador para o feito), que os interesses do constituinte não

sejam lesados. Porém, ainda que o cliente possua inequívocos

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interesses e direitos sobre sua demanda, não lhe é lícito obrigar o

advogado a atuar em conjunto com outros advogados, nem com

qualquer outro profissional, bem como, viu-se, buscar reduzir-lhe a

liberdade profissional; pode, isto sim, cassar-lhe o mandato e buscar

outro representante.

Se postula, judicial ou extrajudicialmente, contra ex-cliente ou ex-

empregador, o advogado está obrigado a resguardar o segredo

profissional, não podendo utilizar a favor da parte que representa na

atualidade qualquer informação reservada ou privilegiada que lhe

tenha sido confiada pelo ex-cliente. Em determinadas circunstâncias,

como visto anteriormente, a relação anterior, dado o montante de

informações que foram confiadas ao advogado, implicam dever de

recusar demanda contra o ex-cliente, um impedimento ético

(limitado no tempo, é certo). Não apenas nessas hipóteses há um

dever de abster-se do patrocínio. O artigo 20 do Código de Ética

também afirma ser dever do advogado negar-se a postular a favor de

causa contrária à ética, à moral ou à validade de ato jurídico em que

tenha colaborado, orientado ou conhecido em consulta; da mesma

forma, deve declinar seu impedimento ético quando tenha sido

convidado pela outra parte, se esta lhe houver revelado segredos ou

obtido seu parecer.

Não se pode olvidar que a postulação em processo penal constitui pe-

quena exceção às regras gerais, certo ser direito - e, mais: dever - do

advogado assumi-la sem considerar sua própria opinião sobre a culpa

do acusado (artigo 21 do CED). Henri Robert perscruta a defesa

criminal: "Mas, perguntarão, como pode ele concordar em pôr seu

talento a serviço de miseráveis cujo crime causa horror? Como pode

dedicar sua eloqüência a arrebatar criminosos do justo castigo que

mereceram? Para raciocinar assim, é preciso nunca ter visto crimi-

nosos de perto! É preciso considerar a vida de uma forma puramente

teórica e classificar a priori os seres humanos em pessoas de bem,

dignas de estima e de simpatia, e em canalhas desprezíveis e

indignos de piedade. Mas a humanidade não é assim tão simples. É

muito raro que um criminoso enviado ao tribunal do júri não seja,

pelo menos em certos aspectos de seu caráter, digno de interesse, de

piedade, de indulgência ou mesmo de simpatia. E também é muito

freqüente que entre as pessoas de bem, que não são encaminhadas ao

tribunal do júri, mas que podem ter alguma responsabilidade moral

no crime, se encontrem ser infinitamente mais desprezíveis que o

próprio criminoso."108

Não se afasta do advogado o direito de ser fiel ao tribunal de sua

própria consciência, de respeitar seus princípios e recusar uma causa.

Porém, ao aceitá-la, como já se disse anteriormente, deve empenhar-

se nela; não é sua, no processo criminal, a função de julgar; é sua a

função de postular os interesses do cliente. Por outro lado,

equilibrando a relação, não perde ele o dever de fidelidade à honra,

dignidade, lealdade, boa-fé e outros valores maiores. Realço o

magistério de Danilo Borges, recordando que "o advogado não é

Proteu, não pode maquiar o seu rosto conforme a cena que deve

apresentar, nem vestir a sua alma com o traje que reclama o

momento que vai viver na defesa do interesse do cliente. Deve existir

uma sólida sintonia e coerência entre a conduta que teve em

circunstâncias idênticas anteriores e aquela que hoje sustenta, num

indisfarçável gesto de convicção e conhecimento".109

Essa coerência,

ademais, garante ao advogado respeitabilidade entre os pares e os

demais atores judiciários: magistrados, representantes do Ministério

Público e outros, denotando honradez e indicando um compromisso

maior com o Direito.

3 Relações com outros advogados

Particular atenção deve ter o advogado em suas relações com colegas

de profissão que, a exemplo dele, postam-se na demanda em socorro

dos interesses e dos direitos de seus clientes. Deve enfrentá-los no

âmbito da técnica jurídica, com atuação competente, com

108

O advogado. Tradução de Rosemary Costhek Abílio. São Paulo: Martins Fontes,

1997. p. 63. 109

Sentimentos de um advogado: crônicas deontológicas. Belo Horizonte: Inédita,

1998. p. 16.

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argumentos pertinentes, nunca em caráter pessoal, o que seria

desconsiderar o próprio múnus que ele e o colega que representa o

pólo contrário desempenham.

Reconhece José Osvaldo de Oliveira Leite, figura exponencial do Direito

Mineiro, que "a advocacia é paixão. Não advoga o que não sente

aquecer-se à chama do litígio, que não a vê ardê-la até a combustão das

últimas forças do espírito". Porém, questiona: "E das cinzas - que

restará? A mágoa, o rancor, o ódio, a ira irregreável dos vencidos? Que

limites terá esta paixão de advogar que afia a alma corno lança em riste

contra a couraça de outra paixão?". Então, aconselha: "Esquecer.

Aprender a esquecer, não o esquecimento do perdão, nem mesmo do

amor. Não lançar aos abismos do passado a sucata das batalhas ganhas

ou perdidas. Mas esquecer, com a consciência aplacada, o que resta da

luta. É mais urna página da experiência. É preciso disciplinar a paixão,

limpando-a da amargura ou da ira, despindo-a da vaidade fácil que logo

se esvai, poeira dourada e inútil." Afinal, completa, "as ânsias de lutar, a

volúpia de vencer desfiguraram a alma do advogado".110

O destempero é

vício inescusável no causídico. Aquele que torna corno pessoal toda e

qualquer oposição terá, sem dúvidas, muito sofrimento na advocacia,

atividade de confrontos habituais. Aquele que necessita revidar toda e

qualquer observação contrária, ou mesmo que não consegue suportar

urna nota mais áspera, respondendo-a prontamente, mas com elegância,

não será um bom advogado. Mesmo que o colega exagere, não está o

advogado autorizado a fazê-lo; corno profissional do Direito, deve

lembrar, antes de tudo, que existem regras para punir o colega faltoso;

pode pedir ao magistrado que as aplique (corno, por exemplo, pedindo

que sejam riscadas expressões injuriosas, na forma do artigo 15 do

Código de Processo Civil), ou representar junto à Ordem para que apure

eventual falta ética ou disciplinar. Note-se que há debates acirrados,

exibindo cenas em que os advogados trocam farpas, mas fazem-no com

estilo, com moderação, sem nunca chegar à ofensa, à agressão verbal e,

muito menos, física. Disputam a causa, a demanda, e, enquanto tal, são

110

"Subsídios para uma orientação profissional". Palestra proferida na solenidade

de entrega de carteiras da OAB/MG; 5 de abril de 1973. Não publicado.

opositores; mas sabem respeitar-se corno profissionais, separando um

plano do outro.

No âmbito dos deveres para com os colegas, colocam-se, por igual, obri-

gações de respeitar a atuação profissional daqueles. Assim, constitui falta

ética comentar causas ou questões sob patrocínio de outro colega, quando

o faz criticando aquele. A regra, a meu ver, é excepcionada em única

hipótese: quando o mandato outorgado ao colega foi cassado, ou expirou-

se, e o advogado é consultado pelo constituinte sobre eventual

responsabilização legal de seu ex-representante. Nessa hipótese, aplica-se

a regra constitucional, maior, a preservar "o direito à justiça, ou mais

precisamente, direito à tutela jurisdicional" que, corno demonstrado por

Gláucio Ferreira Maciel Gonçalves, "é e sempre foi preocupação de

todos os Estados, corno corolário de sua democracia", chegando a estar

"definido no artigo 10 da Declaração Universal dos Direitos do

Homem, proclamada pela Organização das Nações Unidas em 10 de

dezembro de 1948"111

Não pode o advogado desrespeitar o colega, quer plagiando-lhe o

trabalho copiando suas peças -, quer criando ingerências indevidas

em seu trabalho, quer cerceando-lhe a liberdade profissional e a

isenção técnica, ou mesmo pretendendo impor-lhe uma forma de

atuação, como já decidiu o Tribunal de Ética de São Paulo: "Comete

infração ética o advogado que, como herança maior, elabora e impõe

peças prontas a seus subordinados. De igual forma, comete infração

ética o advogado que submete ou aproveita integralmente peças

feitas por colegas, sem embargo do enfoque criminal."112

Na mesma

linha, não pode o advogado intervir na relação de representação

existente entre cliente e outro inscrito. Somente quando o colega não

mais atua em um feito (o que pode ocorrer, inclusive, se o mandato é

cassado) é que pode sucedê-lo, não sendo aceitável "tomar um

111

Apud OLIVEIRA, Eduardo Pelizzudo. O guia do novo Código de Ética e Disciplina

com emendas do Tribunal de Ética (perguntas e respostas). Revista dos Tribunais, São

Paulo, v. 734, p. 173. dez. 1996. 112

Direito à tutela jurisdicional. Revista de Informação Legislativa, Brasília, p. 313, nº

129, jan./mar. 1996.

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cliente", o que caracteriza indevida concorrência desleal e, mais,

comportamento mercantilista que é de todo inaceitável no âmbito da

advocacia; isso não quer dizer que não possa haver sucessão na

representação advocatícia; se o cliente cassa a procuração de seu

antigo advogado, se há substituição da parte (por exemplo, pela

morte, vindo ao processo os sucessores hereditários), entre outras

situações. Mas - atenção! -, "a aceitação de mandato pelo advogado,

quando o novo cliente alega ter revogado o anterior, outorgado a

colega que até então funcionava na causa, exige precaução e

necessidade de verificação nos autos da veracidade do fato, antes do

pedido de juntada do novo instrumento. Somente uma grande e

justificada confiança no novo cliente pode dispensar a cautela do

advogado em certificar-se da ocorrência de renúncia ou revogação de

mandato, antes de ingressar em feito, até então confiado a colega,

sob pena de, ao menos culposamente, infringir o artigo 11 do Código

de Ética e Disciplina". A decisão é do Tribunal de Ética da OAB/SP,

proferida no Processo E-1.489, que mereceu a relatoria do Cons.

Júlio Cardella.

4 Trato com o cliente

Também no trato com seu cliente, a atividade do advogado está

marcada por uma série de deveres. Antes de tudo, obrigado está o

causídico a zelar pelo estabelecimento e preservação de uma relação

de confiança com seu representado, o que não implica abrir mão de

sua isenção técnica. Essa confiança, já o dissemos, é elemento

essencial na relação cliente/advogado, um verdadeiro princípio

inarredável que deve ser preservado. Sentindo o advogado que não

mais existe confiança entre ele e seu cliente, é seu dever profissional

renunciar ao mandato. Assim, diz o artigo 46 do Código de Ética e

Disciplina que o advogado está, mesmo se constituído na condição

de defensor nomeado, conveniado ou dativo, obrigado a constituir e

preservar essa relação de confiança, devendo comportar-se com zelo,

empenhando-se para que o cliente se sinta amparado e tenha a

expectativa de regular desenvolvimento da demanda.

Aparentemente, há dois deveres que poderiam ser vistos como

antagônicos, o que, de fato, não o são, e é necessário que ambos

sejam respeitados: (1 º) a preservação de uma relação de confiança

entre advogado e cliente e (2º) a preservação da liberdade

profissional e da isenção técnica, características essenciais da

advocacia. Preservação da isenção técnica não é desrespeito ao

cliente nem a sua vontade, principalmente quando se trate de direitos

disponíveis e o constituinte manifeste sua opinião em relação ao

direito em si, e não sobre sua defesa. Essencialmente, o advogado

não deve pretender que sua liberdade profissional chegue aos limites

de desconsiderar a opinião e o desejo do cliente, que é titular do

direito ou interesse em discussão. Porém, pelo lado oposto, não deve

o advogado simplesmente seguir cegamente as orientações do

cliente, esquecendo-se ou renunciado sua liberdade profissional à

qual corresponde uma responsabilidade específica, administrativa,

penal e cível.

Ainda segundo o Código de Ética e Disciplina, em seu artigo 2º,

parágrafo único, é obrigação do advogado aconselhar seu cliente a

não ingressar em aventura judicial (inciso VII), devendo estimular a

conciliação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a

instauração de litígios (inciso VI). A orientação deontológica reflete

valores elevados, opostos, aliás, àqueles que são comumente

manifestados pela sociedade e pelos advogados. No geral, vige uma

concepção tola de que a disputa judicial é um ótimo meio para fazer

valer direitos, para submeter adversários; talvez só o seja nos filmes

que, por não terem mais do que três horas de enredo, fazem as

demandas parecer sempre ágeis. Não o são, porém. Demandas

judiciais são desgastantes para as partes, assim como o são para toda

a sociedade. Há um benefício geral, de cunho social, econômico e

jurídico, quando as partes conseguem compor-se, resolvendo de

imediato suas desavenças e retornando, assim, à normalidade das

relações cotidianas.

Mesmo quando do exame dos fatos, conclui-se que o cliente teria o

direito que pleiteia, há um sem-número de questões que se deve

considerar e que desaconselha tornar a via judicial a preferencial.

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Antes de tudo, a pluralidade das opiniões e posições que caracteriza

o Direito, torna possível - senão provável que a posição do Judiciário

não seja equivalente à conclusão à qual chegou o advogado. Como se

não bastasse, há o desgaste do próprio procedimento, do tempo que seu

desenvolvimento consome, do dinheiro que consome, para não falar nos

desgastes de natureza pessoal (fadiga, ansiedade, estresse etc.). Em

muitas oportunidades, verifica-se que a intransigente defesa judiciária de

um direito pode agredir os interesses do cliente, considerados de forma

global. A negociação, assim, é uma tendência no Direito Moderno e uma

alternativa que deve ser considerada e exercitada pelo advogado. Tais

particularidades devem ser expostas ao cliente, o que não raro exige

muito cuidado, pois há, em muitos casos, um forte desejo de vingança

por trás do propósito de demandar judicialmente; a contraparte, numa

parcela considerável dos litígios, é mais que um ex-adverso: é um

desafeto.

Por óbvio, há limites para a transigência. O próprio Código de Ética e

Disciplina determina que o advogado deve abster-se de se entender

diretamente com a parte adversa que tenha patrono constituído, sem o

assentimento deste, o que constitui infração disciplinar (artigo 34, VIII,

EAOAB). Ademais, há o que não se negocia, assim como há acordos que

mais lesam do que beneficiam o cliente. A virtude do advogado está em

saber preservar o interesse de seu constituinte, oferecendo-lhe a melhor

solução.

Esse diálogo, onde são expostas as possibilidades positivas e negativas

de uma demanda, é um dever, mesmo quando considerado por outro

ângulo. Diz o Código de Ética ser dever do advogado "informar ao

cliente, de forma clara e inequívoca, quanto a eventuais riscos da sua

pretensão, e das conseqüências que poderão advir da demanda" (artigo

8º), entre os quais, verbi gratia, a condenação em verba honorária

sucumbencial, em seu mínimo e máximo legalmente definidos. Os ônus

de uma demanda recaem sobre o cliente e ele tem o direito de os

conhecer em sua precisa extensão. Portanto, é indispensável discutir os

interesses do cliente, expor-lhe possibilidades, riscos, oportunidades etc.

O advogado não é contratado para litigar, mas para resolver o problema

do cliente e, para tanto, o litígio nem sempre é a melhor solução. O

Direito brasileiro, em meio a isso, vem emprenhando-se de normas que

valorizam a composição, como se verifica na edição da Lei nº 9.099/95,

assim como nas últimas alterações do Código de Processo Civil, que

chega a considerar título executivo extrajudicial o instrumento de

transação referendado pelos advogados dos transatores.

Para Sílvio de Salvo Venosa, dos mais destacados civilistas brasileiros, o

dever de informar é aspecto inerente à profissão do advogado, realçado

pelo Código de Defesa do Consumidor. "O advogado deve informar o

cliente de todos os percalços e possibilidades que a causa traz e das

conveniências e inconveniências das medidas judiciais a serem

propostas. Essa informação deve ser progressiva, à medida que o caso se

desenvolve. Ou seja, em cada situação, ainda que não entre em detalhes

técnicos, o advogado deve dar noção das perspectivas que envolvem o

direito do cliente e as mudanças de rumo que a hipótese sugere.

Cuida-se de informação da mesma natureza que o médico deve ao

paciente. Nesse aspecto, são levados em conta os pressupostos que

foram fornecidos pelo cliente: o advogado não pode ser

responsabilizado se recebeu dados falsos ou incompletos do cliente,

como por vezes ocorre."113

A orientação deixa claro que o dever de

informar não é apenas ético, mas igualmente civil; a desatenção à

obrigação caracteriza, por via de conseqüência, infração ética e ilícito

civil que, se determina danos, dá azo ao pedido de indenização, na

forma dos artigos 927 e seguintes do Código Civil. Nesse contexto,

torna-se preciosa a transcrição de precedente do Tribunal de Ética de

São Paulo, narrado por .Eduardo de Oliveira, a dizer que "para não

incorrer em infração ética, deve o advogado acautelar-se, com

declaração previamente escrita do cliente, de que este foi advertido de

forma clara e suficiente de que, da propositura de sua pretensão,

poderão surgir outras ações contra o interessado, durante o seu curso

113

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. v. 3, p.

177.

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normal, inclusive e principalmente as inseridas no campo penal".114

Dois outros deveres merecerão análise separada: o dever de guardar

sigilo profissional (examinado tanto na seção 12 do Capítulo 6,

quanto na seção 2.7 do Capítulo 11, sobre as infrações disciplinares).

Outro diz respeito à prestação de contas, a ser examinado na

seqüência.

4.1 Prestação de contas

A atuação do advogado implica gerenciamento de assuntos que são

próprios de terceiro; esse gerenciamento pode dar-se pela

representação judicial ou extrajudicial, o que implica a outorga de

poderes bastantes para o exercício do mandato, assim como pode dar-

se de forma mais tênue, quando o advogado apenas trata do tema,

sem atuar sobre o mesmo, a exemplo da resposta a uma consulta ou

da redação de um documento, quando não implique negociar em

nome do cliente. Não há, porém, como fugir à constatação de que a

representação é uma situação própria da atuação advocatícia; afinal,

como disciplinado pelo artigo 653 do Código Civil, opera-se o

mandato quando alguém recebe poderes de outra pessoa para que, em

nome daquela pessoa, pratique atos ou administre interesses, o que

ele poderá fazer, como se afere dos artigos 115 e 116 do mesmo

Código, nos limites dos poderes que lhe foram conferidos, como

permitido pelo artigo 656 do Código Civil, de forma tácita ou de

forma expressa, isto é, por meio de instrumento de procuração (artigo

653, Código Civil).

Como se verá de forma mais detida no próximo capítulo, a prestação

de serviços advocatícios dá-se no âmbito de um negócio jurídico.

Esse pode ter natureza civil (contrato de prestação de serviços),

trabalhista (relação de emprego) ou administrativa (estatutária, nas

hipóteses de advogado que ocupa cargo ou função na Administração

114

O guia do novo Código de Ética e Disciplina com emendas do Tribunal de Ética

(perguntas e respostas). Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 734, p. 170, dez. 1996.

Pública). Em qualquer das hipóteses, a prática de atos ou

administração de interesses do constituinte implica a assunção de

obrigações que são decorrentes do mandato, designadamente o

Direito de bem cuidar dos direitos e interesses que lhe foram

confiados, o dever de manter o constituinte (mandante) bem

informado sobre o que se passa, além do direito de prestar contas

sempre que pedido, combinado ou ao fim dos trabalhos. De fato, diz

o artigo 667 do Código Civil que o mandatário é obrigado a aplicar

toda a sua diligência habitual na execução do mandato, emendando

o artigo 668 com a previsão de que o mandatário é obrigado a dar

contas de sua gerência ao mandante, transferindo-lhe as vantagens

provenientes do mandato, por qualquer título que seja. Contas sobre

o que foi e está sendo executado, como visto na seção anterior, e,

muito mais do que isso, contas dos bens que lhe são confiados:

documentos, negócios, dinheiro etc.

Principio pela parte mais delicada; indubitavelmente, essa parte diz

respeito ao movimento financeiro que se estabelece entre advogado

e cliente a partir da contratação dos serviços daquele. O primeiro

movimento desse movimento financeiro é a estipulação dos

honorários, ou seja, como se verá no capítulo seguinte, a contratação

do pagamento devido pelo cliente que remunera os serviços a serem

prestados. Todavia, ao longo da concretização da representação

Gudicial ou extrajudicial), esse movimento financeiro se alargará,

certo que os serviços implicam despesas diversas, desde o

pagamento de custas, passando por. cópias reprográficas e

atingindo, em algumas circunstâncias, despesas com viagens que se

façam necessárias (e que, como todas as despesas de maior vulto,

deverão ser expressamente autorizadas pelo constituinte, que possui

o direito de as recusar, certo ser dele o poder de investimento na

demanda, bem como o cálculo dos custos que pode suportar).

Completar-se-á, ao final, com a eventual entrega do numerário

obtido com uma decisão favorável, quitação dos honorários devidos

e compensação final de todas as despesas. Todo esse movimento faz

parte do exercício do mandato, na forma como previsto pela

legislação do advogado e pela legislação civil, compondo as

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relações negociais que gravitam em torno da prestação do serviço

advocatício. Por assim ser, é dever do advogado, intrínseco aos

negócios estabelecidos e mantidos com seu cliente, zelar para que a

relação entre ambos não apenas seja regular em sua essência, mas

que também o seja na aparência: deve agir com honestidade e

parcimônia na manejo do dinheiro alheio e, simultaneamente, deve

estar apto a demonstrar que assim o faz.

Nesse quadro, aconselha Sodré que, "fixados os honorários, sempre

que possível por escrito, o advogado deve manter, sempre em dia,

uma conta-corrente com o cliente, na qual escriturará os fastos,

dispêndios ou custas, a ele enviando, periodicamente, um extrato

daquela conta. Dela figurarão não só as despesas que o advogado

tenha efetuado, a qualquer título, para a defesa da causa, como

também todo e qualquer recebimento de bens e valores pertencentes

ao cliente". Adiante, emenda: "é dever comezinho do advogado dar

recibo de tudo quanto receba, da mesma forma que deve exigir

idêntico recibo daquilo que restitua ao cliente".115

A cada cliente

deve corresponder uma pasta específica, na qual todo o movimento

negocial havido deve estar cuidadosamente registrado e comprovado.

Ali, como se fora a espinha dorsal do histórico da relação de

representação e prestação de serviços advocatícios, a conta corrente

será a grande referência, a aclarar tudo o que se passou entre 'as

partes; a dar-lhe credibilidade e certeza, documentos que comprovem

entradas e saídas estarão devidamente anexados na respectiva ordem,

a afastar qualquer dúvida, mesmo se fruto de demanda judicial

instaurada pelo cliente, embora seja sempre melhor que o advogado

não deixe ocorrer tamanho desgaste com seu mandante, fornecendo-

lhe periodicamente relatórios que lhe tragam a segurança de que

precisa, alimento para que a confiança entre as partes seja

conservada.

Tais regras aplicam-se também aos demais bens, não se limitando ao

115

A ética profissional e o estatuto do advogado. 4. ed. São Paulo: LTr, 1991. p. 193-

196.

movimento financeiro. Sabedor o advogado, por sua própria

formação, que os atos jurídicos são conhecidos por suas provas, deve

estar sempre cioso de possuir recibo da entrega de qualquer bem ou

documento a seu constituinte. Quando finda a causa, compreendida

em sentido amplo, não se confundindo com ação e, portanto,

incluindo todo e qualquer serviço advocatício, ainda que

extrajudicial, presumem-se o cumprimento e a cessação do mandato

outorgado ao advogado (artigo 10, Código de Ética) que está

obrigado a devolver "bens, valores e documentos recebidos no

exercício do mandato", bem como a prestar contas

pormenorizadamente (artigo 9º, Código de Ética). Tais obrigações,

aliás, são igualmente devidas nas hipóteses de conclusão ou

desistência da causa, extinto ou preservado o mandato (mesmo artigo

9º), com o que se aplicam às hipóteses de renúncia ao mandato (cf.

artigo 5º, § 3º, do EAOAB; artigo 45 do Código de Processo Civil)

ou de sua revogação pelo outorgante (cf. artigo 44 do Código de

Processo Civil). Se o cliente, por qualquer motivo, se recusa a

receber tais bens, valores e documentos, não pode o advogado

quedar-se inerte, sendo seu dever consignar quantias, documentos e

bens em juízo.

O Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, no julgamento da

Apelação Criminal 873.281, relatada pelo juiz Abreu Machado,

declarou que "pratica o crime de apropriação indébita o advogado

que, na qualidade de procurador, levanta numerário existente em

conta judicial à disposição da pessoa constituinte e deixa de repassá-

lo imediatamente ou de promover, se caso, encontro de contas em

prazo razoável". No mesmo sentido, o Tribunal de Alçada de Minas

Gerais, na Apelação Criminal 222.065-9, da qual foi relatora a juíza

Myriam Saboya: ''Afigura-se correta a condenação por apropriação

indébita praticada por advogado que recebe em juízo quantia

pertencente a seu cliente e deixa de repassá-la ao mesmo imediata e

integralmente."

Reflexo necessário desse dever de prestação de contas está o direito

do constituinte de buscá-la judicialmente. Correto, dessa maneira, o

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Tribunal de Justiça de São Paulo ao firmar, no julgamento da

Apelação Cível 15.759-4/2, e a partir da relatoria do desembargador

Antônio Rodrigues, que a procuração outorgada ao advogado, para o

exercício de sua atividade de advogado, permitindo-lhe postular os

direitos do cliente, em qualquer ação judicial, juízo ou tribunal,

representa a "formalização de contrato de prestação de serviços,

estabelecido entre as partes", sendo razão e fundamento para o

ajuizamento de ação de prestação de contas. Afinal, "trata-se de

contrato bilateral e oneroso, mantendo-se a comutatividade entre as

partes", já que ambas "procuram extrair vantagens e para atingi-las

suportam sacrifícios recíprocos".

Destaque-se, ainda, o provimento 70/89 do Conselho Federal da

OAB, a dispor sobre a obrigatoriedade da inclusão de correção

monetária na prestação de contas de quantias recebidas por

advogados, incidindo da data do recebimento da quantia, pelo

profissional, até sua efetiva restituição, adotando-se índice judicial

de atualização de débitos. São excetuados (1 º) os casos de

procedimentos judiciais que visem ao acertamento da relação entre o

advogado e o cliente, como a ação de prestação de contas, e (2º) os

casos de acordo extrajudicial entre ambos.

Mais considerações sobre o tema encontram-se no capítulo das

infrações e sanções disciplinares, certo constituir-se infração, na

forma do artigo 34, XXI, recusar-se, injustificadamente, a prestar

contas ao cliente de quantias recebidas dele ou de terceiros por conta

dele.

MAMEDE, Gladston. A advocacia e a ordem dos

advogados do Brasil, São Paulo: Atlas, 2003.

X RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO

O comportamento dos seres humanos pode concretizar-se dentro dos

limites autorizados pelo Direito, ou fora desses limites. Sabe-se que

somente as normas físicas, por serem mera tradução dos limites

dados pela realidade, não admitem desrespeito; as normas jurídicas

são, por princípio epistemológico, constituídas no plano dos

comportamentos possíveis (que poderíamos chamar de plano do

poder-ser), definindo comportamentos que um ser humano tem

capacidade física de realizar, mas que não deve fazê-lo, face à

definição legal de que os mesmos são interditados, ilícitos. Os

comportamentos que sejam contrários às normas jurídicas produzem

resultados previstos pelo Direito que variam de acordo com a

natureza disciplinar da norma jurídica correspondente.

Entre as disciplinas jurídicas, o Direito Civil preocupa-se com os danos

que possam sofrer as pessoas e que sejam o resultado de atos ilícitos de

outrem, atos esses que podem concretizar-se por ação ou por omissão

que podem corresponder ao que o agente quis (dolo) ou a um resultado

que o agente considerou - ou deveria ter considerado - como de

ocorrência provável, mas para o qual não se acautelou, seja porque foi

negligente (não tomou os cuidados que deveria ter tomado), seja porque

foi imprudente (agiu de forma a ampliar os riscos de ocorrência do dano).

Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo,

excede manifestamente os limites impostos por seu fim econômico ou

social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Tais regras estão inscritas nos

artigos 186 e 187 do Código Civil. No âmbito da advocacia, e de sua

regulamentação legal, é expresso o artigo 32 do EAOAB em afirmar que

"o advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional,

praticar com dolo ou culpa". A norma guarda estreitas ligações com os

artigos 186 e 187, cominados com o 927 e seguintes do Código Civil,

mas, indubitavelmente, oferece maiores dificuldades no âmbito da

prestação de serviços advocatícios, algumas delas já enfrentadas neste

livro, quando foi abordada a questão dos vistos nos atos e contratos

constitutivos de pessoas jurídicas.

O advogado, trabalhando graciosa ou onerosamente, atuando como

autônomo (contrato de prestação de serviços), como celetista (relação de

emprego) ou como estatutário (desempenho de função pública), a favor

de quem o contratou ou a favor de terceiro, está obrigado,

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contratualmente, ao bom desempenho das atividades próprias do mister,

adequadas à conclusão do negócio ou à defesa dos interesses do cliente.

Essa obrigação é, sob tal ponto de vista, contratual, mas é igualmente

uma obrigação legal, recordando-se que o artigo 2º, § 2º, do Estatuto

prevê que os atos do advogado, na defesa dos interesses do constituinte,

constituem um múnus público, ou seja, um dever para com a sociedade e,

destarte, para com o próprio cliente. Pelos dois ângulos, o advogado se

vê comprometido com aquele que representa Gudicial ou

extrajudicialmente) ou para quem trabalha dando conselhos,

assessorando, redigindo instrumentos contratuais etc.

Essa responsabilidade, contudo, assume contornos variados de acordo

com o tipo de ação desempenhada, face à grande variabilidade de

situações - e respectivas características - que podem apresentar-se. Em

primeiro lugar, colocam-se os atos postulacionais, em processo judicial

ou administrativo. Partindo-se da percepção de que o processo constitui-

se a partir de um litígio, isto é, de uma dúvida sobre a concretização do

Direito, comportando pretensão e contraprestação, ambas equivalentes no

pedido para que sejam acolhidas pelo Judiciário, não é possível afirmar

que o advogado está obrigado a obter uma decisão favorável ao

constituinte, o que nos conduziria à afirmação de que em todo processo

judicial a parte derrotada poderia processar o(s) seu(s) representante(s).

Isso é absurdo. Se, por outro ângulo, recordarmos que mesmo os

magistrados, por vezes titulares de varas vizinhas num mesmo foro,

ou participantes de uma mesma turma recursal, manifestam pontos de

vista distintos sobre a aplicação dos dispositivos jurídicos, ficará

ainda mais nítido ser absurda a pretensão de obrigar o advogado à

vitória na demanda.

Fica claro, portanto, que "a responsabilidade do advogado, na área

litigiosa, é de uma obrigação de meio", como ensina, com sua

habitual clareza, Sílvio de Salvo Venosa; "o advogado está obrigado a

usar de sua diligência e capacidade profissional na defesa da causa,

mas não se obriga pelo resultado, que sempre é falível e sujeito às

vicissitudes intrínsecas ao processo"116

O resultado obtido na

demanda, nesse sentido, torna-se um elemento que serve à

investigação à medida que a caracterização de ato ilícito civil, tal qual

se lê nos artigos 186, 187 do Código Civil e 32 do Estatuto, não

prescinde da aferição de que o cliente (ou, na responsabilidade

extracontratual, um terceiro) sofreu um dano em seu patrimônio

econômico (material ou imaterial) ou moral. De fato, se o advogado

agiu de forma ilícita, dolosa ou culposamente, mas não produziu

qualquer dano com seu ato, pode-se afirmar sua responsabilidade

disciplinar ou, até, penal (se o núcleo de seu comportamento se

mostra isomórfico com algum tipo penal), mas não responsabilidade

civil. Por outro lado, reafirmo: a aferição da derrota na demanda, por

si só, não afirma a responsabilidade, havendo que demonstrar que o

advogado para tanto agiu dolosa ou culposamente. Não se pode exigir

do advogado o resultado favorável ao constituinte, mas apenas que

trabalhe com dedicação, que desempenhe de forma correta os atos

técnicos que se fazem necessários para a hipótese, em conformidade

com as peculiaridades do caso, do Direito (legislação vigente,

jurisprudência e doutrina dominantes). Por melhor que um advogado

atue, por mais que seja perfeito, a vitória na demanda atende a

elementos que lhe são estranhos, não podendo ser responsabilizado

por eventual derrota, se para ela não contribuiu eficazmente, sendo tal

resultado desfavorável fruto da própria dinâmica do processo.

Nesse contexto, coloca-se para o debate a afirmação comum no meio

forense de que a caracterização da responsabilidade jurídica do

advogado - demandaria a verificação de que o mesmo atuou com dolo

ou com culpa grave, não se lhe aproveitando as regras comuns do

Direito Civil. O dolo constitui hipótese de fácil compreensão, por

carregar a marca forte da maior reprovação: responde o agente, no

caso o advogado, pelo dano que quis causar - e que causou - à vítima.

Para além do dolo, a discussão exigirá investigação sobre o conceito

doutrinário de culpa grave, identificada como o ato que, mais do que

negligente, apresenta o contorno de um erro inescusável ou, ainda, de

116

Direito civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. v. 3, p. 175.

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um erro grosseiro. Dessa forma, não seriam a negligência (ou simples

negligência, como se poderia argumentar) ou imprudência,

características comportamentais qualificadoras da culpa - ou mera

culpa -, bastantes para conduzir ao dever de indenizar. A

responsabilidade civil do advogado exigiria um plus jurídico, qual seja, a

identificação de que seu ato foi grosseiramente equivocado, ao ponto de

não se poder escusá-lo.

Todavia, tal posição não encontra qualquer alicerce legal, não podendo,

por via de conseqüência, prevalecer. Observe-se, em primeiro lugar, o

texto do artigo 32 do Estatuto: "O advogado é responsável pelos atos

que, no exercício profissional, praticar com dolo e culpa." Não há

qualquer alusão a culpa grave, a erro inescusável ou a erro grosseiro.

Como se só não bastasse, se a lei fizesse tal remissão, conflitaria com a

Constituição da República pois (1º) romperia com o princípio da

isonomia, estipulado no artigo 5º, caput, deixando todos os outros

profissionais num regime de responsabilidade civil e constituindo outro

regime para os advogados; ou seja, haveria distinção de natureza

profissional, a impedir o império da igualdade de todos perante a lei. (2º)

Pior: criar-se-ia uma limitação legal à garantia de que a lei não pode

excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a Direito,

anotada no inciso XXXV do mesmo artigo. Assim, correto, Venosa

quando reconhece a responsabilidade civil do advogado que perde prazo

para contestar ou recorrer, que ingressa com remédio processual

inadequado, que postula frontalmente contra a lei.117

Não é outra a opinião de José de Aguiar Dias, para quem "o advogado

responde pelos erros de fato cometidos no desempenho do mandato. É

nossa opinião que não se escusa, mostrando que o erro não é grave.

Quanto aos erros de direito, é preciso distinguir: só o erro grave, como a

desatenção à jurisprudência corrente, o desconhecimento de texto

expresso da lei de aplicação freqüente ou cabível no caso, a interpretação

abertamente absurda, podem autorizar a ação de indenização contra o

advogado, porque traduzem evidente incúria, desatenção, desinteresse

117

Direito civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. v. 3, p. 176.

pelo estudo da causa ou do direito a aplicar ou, então, caracterizada

ignorância, que se torna indesculpável, porque o profissional é obrigado

a conhecer o seu ofício".118

Nos casos concretos, no entanto, é complexa e tormentosa a investigação

dos comportamentos que efetivamente caracterizam culpa e, destarte, ato

ilícito caracterizador do dever de indenizar. Em primeiro lugar, é preciso

afastar todas as hipóteses controversas: não há comportamento

negligente, imprudente ou imperito quando o profissional faz opção entre

as diversas que são oferecidas pela lei (e não raro temos leis com

comandos conflitantes no Direito brasileiro), pela doutrina e pela

jurisprudência. Afinal, a afirmação de mais de uma via jurídica implica o

poder de optar, sendo delirante a pretensão de que o advogado preveja a

qual corrente vinculará o julgador ou as instâncias superiores. Um

exemplo é o manejo de recurso, quando há correntes doutrinárias e/ou

jurisprudenciais diversas, algumas a afirmar que o ato judicial é

impugnável por agravo, outras a asseverar tratar-se de hipótese de

apelação. O mesmo ocorre em relação ao tipo de ação que se deve

manejar para levar a pretensão do constituinte ao Judiciário; se a

escolha está alicerçada em posição jurídica sustentável, não há ato

culposo (não há erro); mas se a escolha do procedimento reflete

desconhecimento da legislação processual aplicável, o ato mostra-se

negligente com a técnica jurídica, a determinar um dever de

indenizar. É preciso considerar, ainda, a garantia legal de liberdade

profissional e isenção técnica que, como visto, constituem não apenas

um direito, mas igualmente um dever do advogado. De fato, não age

de forma ilícita, por dolo ou culpa, o advogado que se recusa a

interpor recurso ou manejar qualquer outro instrumento processual

quando não o considere legal ou eticamente adequado. Não há um

dever legal de recorrer, o que seria asseverar a existência de uma

presunção de que as decisões de 1 ª instância são incorretas, o que é

absurdo. Mas a interposição do recurso fora do prazo não caracteriza

desistência de recorrer, mas erro na interposição, fruto de negligência

com a contagem do prazo. De outro ângulo, deve-se reconhecer um

118

Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1983. p. 303.

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dever profissional de recorrer quando a decisão desfavorável ao

cliente é contrária à jurisprudência pacificada nas instâncias

superiores, por exemplo, contrária a súmulas da jurisprudência

dominante, cujo conhecimento - ou, no mínimo, a pesquisa para a

condução da causa - é indispensável ao advogado.

Essencial ao Judiciário, diante do pedido de reparação de danos, é

verificar, antes de mais nada, se o comportamento do causídico fugiu,

razoavelmente, ao que dele se poderia - aliás, mais: que se deveria -

esperar nas circunstâncias; se seu comportamento caracteriza uma

linha de atuação defensável, justificável, não há falar em ato ilícito.

Todos os que lidam com o Direito bem sabem da pluralidade de

caminhos que se pode adotar, judicial ou extrajudicialmente, para a

defesa de uma causa; na jurisprudência pipocam entendimentos

contrários, oferecendo, não raro, soluções absolutamente discrepantes

como sendo "a única correta e/ou possível juridicamente". Ademais, é

preciso, ainda, estar certo que da atitude (do ato ou da omissão) do

causídico decorreu, efetivamente, o dano alegado; se não fosse

distinto o resultado, se não ocorresse o erro apontado, não há falar em

responsabilização.

José de Aguiar Dias afirma que "a perda de prazo é a causa mais

freqüente da responsabilidade do advogado", constituindo "erro

grave, a respeito do qual não é possível escusa, uma vez que os

prazos são de direito expresso e não se tolera que o advogado o

ignore"; também entende que "responde o advogado pela omissão de

providências que, tomadas a tempo, teriam impedido o perecimento

ou sacrifício do direito do cliente" (exemplo: "se não fez protestar o

título que lhe foi entregue para a cobrança, quando não pretende de

logo iniciar a respectiva ação; quando não se habilita em falência ou

concurso de credores" etc.); contudo, buscando apoio em Carvalho

Santos, diz que "o advogado não é responsável pelo fato de não ter

recorrido [...], só admitindo responsabilidade quando haja

probabilidade de reforma da sentença de que deveria ter o advogado

recorrido, cabendo ao cliente a prova de que tal aconteceria". Mas,

"se o advogado deixa de recorrer, não obstante os desejos do cliente,

incorre em responsabilidade. Por que desobedecer-lhes às instruções,

tanto mais que tem o direito, se com elas não se conforma, de

renunciar ao mandato, desde que o não faça intempestivamente?"119

Esta última situação, bem como a "desobediência às instruções do

constituinte", merece minha resistência, certo que a advocacia é

exercida com isenção técnica; por certo, a discordância entre

constituinte e constituído, como visto, implica o dever de renúncia ao

mandato. Porém, nem sempre essa renúncia pode ser concretizada

antes de findo o prazo para o recurso ou providência desejada pelo

cliente e da qual o advogado discorde, com o que se poderia chegar

ao absurdo de ver-se forçado a fazer aquilo com o que não concorda.

A solução mais adequada, reitero, remete à investigação do próprio

mérito do dissídio entre advogado e cliente: verificado que a medida

pedida era razoável (como o recurso que não protelaria, mas, ao

contrário, levaria à instância superior tese relevante ou, pior, ali

pacificada em sentido favorável ao cliente), deve-se afirmar a

responsabilidade civil do advogado que, deixando de renunciar ao

mandato, deixa de concretizá-la.

A jurisprudência narra alguns precedentes que são interessantes para

a compreensão do problema. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro

acordou, no julgamento da Apelação Cível 590/97, relatada pelo

Des. Antônio Eduardo E Duarte, que "age com negligência no

exercício do mandato o advogado que, em medida cautelar de

arrolamento de bens, não comparece à audiência designada e deixa

ocorrer, por falta de preparo, a deserção do recurso interposto, apesar

de ter recebido, adiantadamente, a importância total das custas

relativas à causa sob o seu patrocínio. Em tal hipótese, considerando

a espécie do processo patrocinado, de nítida característica

preparatória, cuja possibilidade jurídica de reconhecimento do direito

de seu cliente dependeria, então, da propositura de ação principal, o

dever de indenizar do advogado, tendo-se em conta que é de meio a

obrigação profissional que assume, limita-se a restituir os valores

recebidos a título de honorários e de adiantamento de custas, não

119

Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1983. p. 307-308.

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podendo, por conseguinte, abranger a reparação de suposto prejuízo

decorrente da ação que restou inexitosa pela atuação negligente,

visto que não é nesta que se faz presente o provável direito maculado

e caracterizador de tal prejuízo, mas sim na ação principal". Há outro

precedente, a Apelação Cível 237.399-3 do Tribunal de Alçada de

Minas Gerais, relatado pelo juiz Célio Paduani, atestando que,

"demonstrado nos autos que o advogado se houve com negligência

no patrocínio da causa a ele confiada, verificando-se, inclusive, o

desaparecimento do documento essencial ao desate da demanda,

caracteriza-se culpa grave, cumprindo-lhe indenizar seu cliente pelos

prejuízos advindos". O mesmo Tribunal de Alçada mineiro, na Apelação

Cível 330.213-2, cuja relatora foi a juíza Vanessa Verdolim Andrade,

asseverou que "caracteriza-se o dano moral quando o litigante, que tem o

direito e o justo anseio de produzir a prova testemunhal que

comprovadamente pretendia fazer, deixa de fazê-lo por injustificável

negligência de seu advogado, que sem qualquer justificação deixa de

comparecer à audiência de conciliação, deixando que ali seja proferida a

sentença, apresentando o rol de testemunha somente após a data da

audiência e portanto após a sentença, e que, além de tudo, dela não

recorre, sem qualquer motivo plausível, não fazendo assim jus sequer aos

honorários recebidos ou a parte deles, segundo o caso. No corpo do

aresto, lê-se: 'A ausência do advogado apelante, na audiência de

conciliação, que se vê à f. 37, foi, portanto, fundamental para o deslinde

do feito, visto que em virtude de sua ausência a parte contrária requereu

o julgamento daquela ação de despejo no estado em que se encontrava,

tendo sido então imediatamente proferida a sentença. Não importa aqui

saber se a apelada seria ou não vencedora naquele pleito, o que importa é

que tinha ela o direito de produzir a prova testemunhal pretendida e

anunciada na contestação e que, em virtude da ausência do apelante, não

lhe foi proporcionada.' Esclarece adiante: 'Com muita propriedade

ressaltou a digna sentenciante que o apelante apresentou o seu rol de

testemunhas apenas após já realizada a audiência, como se vê à f. 39,

protocolizando o seu rol aos 9-6-93, quando a audiência já havia se

realizado no dia 3-6-93, do que havia sido intimado devidamente,

conforme certidão de f. 36, o que efetivamente demonstra negligência de

sua parte, pois sequer seguiu as intimações e publicações no Diário da

Justiça conforme era de sua obrigação. Além disso, a apresentação do rol

de testemunhas pelo apelante vem comprovar que a contratação não era

somente para contestar a ação, mas para acompanhar todo o processo,

como é normal, tanto que ofereceu o referido rol, lamentavelmente a

destempo'. Por fim, arremata: Confesso que tenho evitado condenações

como estas contra advogado por ter faltado à audiência ou deixado de

recorrer, porém nos outros casos se revelaram justas as omissões em

virtude de casos fortuitos ou outros motivos imprevistos. No caso em que

é evidente a negligência do advogado, o próprio Estatuto da OAB prevê

penalidades administrativas, o que não exclui o profissional do âmbito da

responsabilidade civil prevista no artigo 159 do Código Civil

principalmente quando age com evidente negligência, causando prejuízo

no direito de defesa de seu cliente".

Sérgio Dias chama a atenção para outro aspecto, afirmando que "o

advogado responde sempre pelos erros de fato por ele cometidos, como,

por exemplo, quando, ao elaborar uma defesa trabalhista, admite que o

reclamante trabalhava até as 20 horas todos os dias, fazendo jus a 2 horas

extras por dia, conquanto no relatório escrito, entregue a ele pelo

cliente para a elaboração da defesa estivesse dito que o reclamante

trabalhava apenas até as 18 horas, diariamente".120

Esses erros com o

manejo dos fatos, com o manejo dos elementos que lhe foram

confiados pelo cliente, caracterizam igualmente negligência. Para

além do exemplo dado no trecho transcrito, outros tantos poderiam

ser listados: o advogado que pede retenção por benfeitorias e não

junte relação das mesmas, com descrição, prova e valor, como a

jurisprudência dominante entende necessário, embora tais elementos

estivessem a sua disposição. Igualmente, o advogado que, em seu

petitório, narre fatos que cria, desprezando os elementos que lhe

foram fornecidos pelo cliente.

Ainda no plano dos procedimentos administrativos ou judiciais,

devem-se separar as hipóteses de procedimento de jurisdição

120

DIAS, Sérgio Novais. Responsabilidade civil do advogado na perda de uma

chance. São Paulo: LTr, 1999. p. 34.

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voluntária, ou seja, processos que sejam instaurados não para que a

autoridade administrativa ou judiciária decida entre partes, mas que

simplesmente os defira, se atendem aos requisitos legais. São

exemplos a separação judicial consensual, o inventário, entre outros.

Nesses não há falar em assunção de uma obrigação de meio; há uma

obrigação de fim.

Fora da postulação, alinham-se diversas outras obrigações próprias

do advogado, cuja desatenção conduz ao dever de indenizar. Assim,

o dever de guardar sigilo sobre as informações a que teve acesso em

virtude da advocacia; o advogado que rompe dolosamente com o

sigilo, ou o advogado que, mesmo sem o desejar, acaba deixando

escapar informações protegidas pelo sigilo profissional está obrigado

a indenizar o cliente pelos danos materiais e/ou morais que ele tenha

experimentado (cumulativamente, se for a hipótese; conferir: Súmula

37/STJ). O mesmo ocorrerá em relação às consultas, conselhos e

pareceres. Em Sérgio Dias, lê-se a notícia da condenação de um

advogado inglês por um conselho inadequado a seu cliente,

preparando incorretamente um testamento, sem advertir a seu cliente

que a esposa do beneficiário não poderia, segundo a lei inglesa,

servir de testemunha; "consistiu o erro de direito por não-

fornecimento de informação que o advogado tinha obrigação de

saber e de advertir o cliente"; noutra passagem, referiu-se ao "caso de

um advogado que aconselhou seu cliente a não comparecer à

audiência trabalhista onde deveria apresentar a defesa, porque a

notificação da reclamação fora entregue ao porteiro na sede da

empresa, pois pensava o advogado que a notificação só teria validade

se fosse entregue ao representante legal", erro que custou a

declaração de revelia de seu cliente, com "a aplicação da pena de

confissão quanto à matéria de fato, sendo condenado em quantia

vultosíssima, conquanto existissem inúmeros documentos

comprovadores do pagamento de várias parcelas pleiteadas".121

No que se refere aos pareceres técnicos, faz-se necessário observar

121

Idem, Ibidem. p. 36-37.

diferenças que conduzem a situações específicas. Se o cliente, diante de

uma situação na qual não sabe como agir ou que não compreende,

formula uma consulta ao advogado sobre a mesma, está ele obrigado a

apresentar parecer que aborde o tema de forma adequada, incluindo a

multiplicação das informações sobre possibilidades legislativas e, ainda,

hermenêuticas, segundo o que se passa na doutrina e na jurisprudência.

Essa resposta deve ser precisa, oferecendo ao consulente informações

satisfatórias para a solução do problema. Pelas informações inadequadas

o advogado responderá civilmente, se causarem prejuízo ao cliente,

embora não esteja ele obrigado, quando o conselho assenta-se sobre

divergências doutrinárias e jurisprudenciais efetivas, a acertar a posição

que será, ao final, adotada pela autoridade administrativa ou judiciária. É

preciso reconhecer, no entanto, haver pareceres que são contratados não

como uma consulta efetiva sobre pontos que o consulente desconhece,

necessitando de orientação, mas, pelo contrário, são requeridos para

constituir fundamentação para uma pretensão jurídica previamente

indicada ao consultado. O parecerista, em tais circunstâncias, desenvolve

sua atividade como o advogado: busca no Direito uma interpretação que

permita uma decisão favorável ao cliente (ver artigo 2º, § 2º, EAOAB),

não podendo ser responsabilizado se a solução oferecida não é aceita

pelo Judiciário (ou pela autoridade a quem o parecer é apresentado).

Sobre a prova no processo em que se busca a responsabilização do

advogado, multiplicam-se as pretensões de submeter o profissional à

sistemática do Código de Defesa do Consumidor, incluindo a inversão do

ônus da prova, a fim de facilitar a defesa do cliente, aplicando-se o artigo

6º, VIII. O cliente provaria apenas o fato - isto é, o contrato estabelecido

com o advogado -, cabendo a este demonstrar que não houve ato ilícito,

doloso ou culposo, no fato de não se ter vencido a demanda. Essa solução

merece cuidado redobrado. Antes de mais nada, pelo fato de que, na

hipótese de prestação de serviços advocatícios, não se está diante de uma

relação de consumo propriamente dita (considerada em sentido estrito).

Explico-me: não há dúvida de que o CDC inclui na definição de

fornecedor (artigo 3º) toda a pessoa física que desenvolva atividades de

prestação de serviços; porém, os serviços advocatícios não se inserem no

mercado de consumo: não se consome o serviço de um advogado; ao

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contrário, como visto logo no início dessa obra, confia-se a ele o

patrocínio de uma causa, sendo que sua participação, nos termos do

artigo 2º do EAOAB, ainda que um ministério privado, caracteriza

"serviço público e função social"; aliás, realça o § 2º desse artigo 2º, sua

atuação constitui um múnus público. Mais: seu trabalho - e a obrigação

que assume - não é de obtenção de um resultado, que não pode garantir,

mas da execução adequada de seu mister, agindo num setor no qual,

todos nós sabemos, são plurais as posições, opiniões, decisões,

sobretudo: da forma de fazer (o processo) ao que deve ser feito (a norma

agendi e, em cada caso, a facultas agendi). Indispensável, portanto, o

cuidado na aplicação de normas que dizem respeito à economia de

massa, onde para os fatos pouco importam as pessoas; a advocacia

insere-se em outro patamar no rol das relações interpessoais.

Em boa medida, essa dinâmica é reconhecida pelo próprio Código de

Defesa do Consumidor quando, no artigo 14, prevê que responsabilidade

pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de

culpa. Assim, cumpre ao cliente lesado não apenas demonstrar a

ocorrência do fato e do dano gerado, mas também trazer os elementos

que permitam ao judiciário aferir se houve dolo ou culpa, na atuação do

advogado, causando prejuízos ao cliente. Aliás, por se tratar de

verificação da adequação de procedimentos jurídicos judiciários ou não),

a simples prova dos fatos permitirá ao juiz formar seu convencimento, já

que estará examinando comportamentos que bem conhece, com os quais

lida diariamente.

1 A lide temerária

Segundo o parágrafo único do artigo 32 do EAOAB, em se tratando de

lide temerária, o advogado será solidariamente responsável com seu

cliente, sempre que se demonstrar estar coligado com esse para lesar a

parte contrária, o que deverá ser apurado em ação própria. A lide

temerária, sabe-se, é aquela que é intentada sem fundamento, sem razão

de ser; o pedido é fruto de má-fé, de fraude ou do capricho do autor, que

busca através da ação criar uma lesão para o réu ou para um terceiro. De

Plácido e Silva diz ser temerária a lide "que se intenta sem razão e com

abuso de direito, ou por espírito de emulação ou mero capricho. Revela-

se na ilegitimidade do direito em que se procura fundar o objeto da ação.

Desse modo, a imprudência da ação, a maldade de sua interposição, a

desonestidade ou má-fé, revelada na intenção do autor, caracterizam a

improbidade da lide, mostram o abuso de direito ou o nenhum direito de

propor a ação, porque ao litigado r faltam legitimidade e qualidades,

julgadas indispensáveis para justeza de seu ato. E daí se gera a lide

temerária, proposta sem outro intuito que o de trazer danos ao

demandado".122

Por certo, o Direito não é um sítio pleno de certezas; pelo contrário, em

suas paragens, a dúvida grassa: dúvida quanto à interpretação da norma,

dúvida quanto aos fatos, dúvidas quanto a direitos e deveres. Há toda

uma zona cinzenta onde sujeitos de direitos e deveres e, mais do que

estes, os próprios estudiosos e profissionais do Direito manifestam

opiniões discordantes (por vezes, diametralmente opostas) sobre aspectos

da "realidade jurídica", normativa ou factual (isto é, em abstrato ou em

concreto). Todavia, há posições (e pretensões) que ultrapassam - e muito-

os limites da razoabilidade da dúvida ou da legitimidade do

entendimento que se quer validar. Tais posições são construídas com a

finalidade de prejudicar terceiros, de lesá-los. Ronaldo Brêtas Carvalho

Dias examina tais situações de dolo processual. Principia pela simulação:

"As partes se valem do processo, instrumento válido, sob a aparência de

um contraditório, simulando a existência de conflito de interesses,

procurando alcançar resultado vedado em lei, mas induzindo o juiz a

erro, o que prescinde da sua participação no conluio."123

Também há lide temerária no abuso de Direito. "O processo - comenta

Adroaldo Leão -, instrumento de realização do direito, não é meio para se

prejudicar alguém (teoria subjetivista) ou para atingir objetivos anti-

sociais. [...] Não pode a parte ou seu procurador invocar a tutela

jurisdicional para prejudicar outrem ou desvirtuar a finalidade do seu

122

SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense,

1987. v. 3, p.90. 123

DIAS, Ronaldo Brêtas Carvalho. Fraude no processo civil. Belo Horizonte: Del

Rey; 1988. p. 33.

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direito. O abuso existe, mesmo não tendo havido dano à parte contrária.

[...] A teoria do abuso de direito, que tem suas raízes fincadas na moral,

encontra no princípio da lealdade processual o seu grande aliado. É dever

não só das partes, mas também dos advogados, exercer o seu direito com

moralidade e probidade, não só nas suas relações recíprocas, como

também perante órgão jurisdicional. O desrespeito do dever de lealdade

processual se traduz em ilícito processual, com as sanções de

correntes."124

Suplementa Ronaldo Brêtas Carvalho Dias, lembrando que

"essa teoria assenta-se na idéia inicial da necessidade de equilibrar os

interesses em luta, mediante apreciação dos motivos que legitimam o

exercício dos direitos. Condena, como anti-sociais, todos os atos que,

mesmo praticados em aparente adequação com o ordenamento jurídico,

não se harmonizam, na essência, com o espírito e a finalidade da lei".

Adiante, completa: "Essas noções vieram para o direito processual, ao se

considerar que o exercício da demanda não é um direito absoluto, pois

que se acha, também, condicionado a um motivo legítimo. A utilização

do processo pressupõe um direito a reintegrar, um interesse a proteger,

uma séria razão para invocar a tutela jurisdicional."125

Como se vê, caracteriza-se a lide temerária pelo desrespeito

voluntário (doloso) das finalidades constitucionais do processo; é

temerária porque não é verdadeira em suas premissas, porque o

mediato objetivo da ação não é aquele que se lê no petitório, mas é -

isso sim - criar um dano ao réu ou a terceiro. Pelos efeitos danosos

resultantes da lide temerária, respondem seus agentes do

comportamento processual indevido, vale dizer, todos aqueles que

concorreram na utilização do Judiciário para a obtenção do fim

124

O litigante de má-fé. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 10 e 12. Explica o

autor: ''A teoria do abuso de direito ou da relatividade dos direitos é a reação contra

a amoralidade e determinados resultados anti-sociais que decorrem da doutrina

clássica dos direitos absolutos. [...] Na fixação do abuso de direito, há o critério

subjetivo e o critério objetivo. Pelo primeiro, só há o exercício abusivo do direito

com intenção de lesar o direito de outrem. Pelo segundo, também chamado

finalista, será anormal o exercício do direito quando contrariar sua finalidade social

e econômica" CP. 7-8). 125

Fraude no processo civil. Belo Horizonte: Del Rey; 1988. p. 34 e 36.

ilícito: autor, réu, pro curador (es), magistrados e representantes do

Ministério Público. O chamado "escândalo da Previdência" é

exemplo de situação de delito processual grave, onde se identificou,

entre os agentes, a existência de partes, advogados de autor e

procuradores da ré, além de magistrados. Todos os que se

envolveram na pretensão forjada respondem solidariamente pelos

danos que causarem. O Estatuto restringe-se ao advogado e ao

cliente apenas por uma limitação temática que, por óbvio, não tem o

poder de exonerar os demais agentes processuais de sua

responsabilidade.

A responsabilização solidária do causídico, entretanto, não

prescinde da prova de que este se uniu ao cliente com o fim de lesar

a parte contrária ou terceiro, o que deverá ser objeto de instrução

satisfatória. O advogado que é levado a engano pelo cliente,

postulando direito aparentemente defensável e que, posteriormente,

se mostra produto de uma farsa, não responde pelos danos sofridos

pela parte contrária ou por terceiro.

BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Ética Jurídica: ética

geral e profissional. 2ª. ed. São Paulo; Saraiva: 2004.

IX. ÉTICA E PROFISSÃO JURÍDICA

Assim como toda profissão, a profissão jurídica encontra seus

mandamentos basilares estruturados em princípios gerais de atuação, de

acordo com as especificidades dessa atividade social e de acordo com os

efeitos dessa atividade em meio às demais126.

Ao conjunto de regras e

126

O próprio direito do trabalho encontra-se atrelado a esse compromisso ético na

atualidade, conforme se vê aqui descrito: "Ética e Direito são dimensões recíprocas da

vida humana, referenciais para as relações na sociedade. De pronto envolvem a nobreza

com que conduzimos nossas ações e o respeito com que tratamos o semelhante. É

precisamente no contexto atual que Ética e Direito contabilizam a busca de marcos de

referência, de propostas éticas no Direito que cuidam dos anseios e realizações sociais.

A preocupação é hoje na direção de uma sociedade eticamente bem regulada contra as

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princípios que regem as atividades profissionais do direito se chama

deontologia forense127.

O que há de peculiar nesse métier é que as profissões jurídicas são, senão

em sua totalidade, ao menos em sua quase-totalidade, profissões

regulamentadas, legalizadas, regidas por normas e princípios jurídicos e

éticos, de modo que seu exercício, por envolver questões de alto grau de

interesse coletivo, não são profissões de livre exercício, mas sim de

exercício vinculado a deveres, obrigações e comportamentos regrados.

Esses comportamentos regrados vêm expressos em legislação que

regulamenta a profissão, ou em códigos éticos, ou em regimentos

internos, ou em portarias, regulamentos e circulares, ou até mesmo em

texto constitucional. O que se encontra implícito nos princípios

deontológicos é explicitado por meio de comandos prescritivos da

conduta profissional jurídica.

Se se pode dizer que existem mandamentos éticos comuns a todas as

profissões jurídicas128

, isso se deve ao fato de todas desempenharem

importante função social. É de interesse da coletividade o efetivo

controle dos atos dos operadores do direito. Porém, não existe uma regra

discriminações, as violações dos direitos humanos, a corrupção, as enormes diferenças,

a exploração e a impunidade no atual contexto. A ética cristã caminhou pela história,

estreitamente ligada ao Direito do Trabalho" (Cássio Mesquita Barros Júnior, A ética no

direito do trabalho, in Martins (coord.), Ética no direito e na economia, 1999, p. 55). 127

"Deontologia é a teoria dos deveres. Deontologia profissional se chama o complexo

de princípios e regras que disciplinam particulares comportamentos do integrante de

uma determinada profissão. Deontologia Forense designa o conjunto das normas éticas

e comportamentais a serem observadas pelo profissional jurídico" (Nalini, Ética geral e

profissional, 1999, p. 173). 128

Apesar de, por vezes, a própria lei se utilizar da expressão "ética profissional" como

um gênero universal a todos comum. Veja-se neste exemplo: Lei n. 7.210, de 11-7-1984

(DOU, 13-7-1984) (Institui a Lei de Execução Penal): Título 11 - Do Condenado e do

Internado (arts. 52 a 60), Capítulo I Da Classificação (arts. 52 a 92), "Art. 9

2 A Comissão,

no exame para a obtenção de dados reveladores da personalidade, observando a ética

profissional e tendo sempre presentes peças ou informações do processo, poderá: I -

entrevistar pessoas; 11 requisitar, de repartições ou estabelecimentos privados, dados e

informações a respeito do condenado; 111 realizar outras diligências e exames

necessários".

que domine e resolva de modo formular todos os problemas éticos dos

profissionais das diversas carreiras jurídicas (públicas e privadas). Cada

qual possui suas peculiaridades, e respeitá-las significa adentrar nas

minúcias que delineiam sua identidade129.

Existem, pois, regramentos específicos que impedem que se fale em uma

ética comum a todas as carreiras jurídicas, mas, mesmo assim, podem-se

enunciar alguns princípios gerais e comuns a todas as carreiras jurídicas,

a saber, entre outros: o princípio da cidadania, segundo o qual se deve

conferir a maior proteção possível aos mandamentos constitucionais que

cercam e protegem o cidadão brasileiro; o princípio da efetividade,

segundo o qual se deve conferir a maior eficácia possível aos atos

profissionais praticados, no sentido de que surtam os efeitos desejados; o

princípio da probidade, segundo o qual se deve orientar o profissional

pelo zeloso comportamento na administração do que é seu e do que é

comum; o princípio da liberdade, que faz do profissional ser altaneiro e

independente em suas convicções pessoais e em seu modo de pensar e

refletir os conceitos jurídicos; o princípio da defesa das prerrogativas

profissionais, com base no qual o profissional deve proteger as

qualidades profissionais de sua categoria com base nas quais se

estabelecem as suas características intrínsecas; os princípios da

informação e da solidariedade, para que haja clareza, publicidade e

cordialidade nas relações entre profissionais do direito e, inclusive,

outros profissionais130.

129

Veja-se, a título exemplificativo, o que dispõe o seguinte decreto acerca da

especificidade do Código de Ética Profissional: Decreto n. 2.134, de 24-1-1997 (DO U,

27-1-1997) (Regulamenta o art. 23 da Lei n. 8.159, de 8-1-1991, que dispõe sobre a

Categoria dos Documentos Públicos Sigilosos e o Acesso a Eles, e dá outras

providências): Capítulo VI - Das Disposições Finais (arts. 32 a 35), "Art. 32. Os agentes

públicos responsáveis pela custódia de documentos sigilosos estão sujeitos às regras

referentes ao sigilo profissional e ao seu código específico de ética". 130

"A enunciação de princípios éticos gerais, aplicáveis às profissões forenses, é

sempre algo de discricionário. Poder-se-ia multiplicar a relação dos princípios,

incluindo-se inúmeros outros, alguns lembrados por autores que também se dedicaram

ao estudo da ética.

"Dentre eles, mencione-se os princípios da informação, da solidariedade, da cidadania,

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Respeitando-se e obedecendo-se às nuances que caracterizam e

diferenciam as carreiras jurídicas entre si é que se dedicará espaço

somente para a discussão do estatuto ético de cada uma das principais

carreiras do direito. Assim, prevê-se uma discussão específica sobre os

principais mandamentos e as prescrições fundamentais que estão a reger

o comportamento dos seguintes profissionais jurídicos: agentes e

funcionários públicos; advogados, defensores públicos e procuradores do

Estado; juízes, ministros e desembargadores; promotores e procuradores

de justiça; professores, cientistas do direito e juristas.

BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Ética Jurídica: ética

geral e profissional. 2ª. ed. São Paulo; Saraiva: 2004.

X O CONTROLE DA CONDUTA DOS PROFISSIONAIS DO

DIREITO

Os profissionais do direito, além de possuírem um regramento específico

de suas atividades profissionais, pela importância e pelo caráter social de

que se revestem suas profissões, têm também um controle do efetivo

cumprimento das normas que rege seus misteres profissionais. Isso quer

dizer que existem órgãos censórios revestidos de poder decisório bastante

inclusive para a cassação da habilitação profissional, do cargo, da função

da residência, da localização, da efetividade e da continuidade da profissão forense, o

princípio da probidade profissional, que pode confundir-se com o princípio da

correção, o princípio da liberdade profissional, da função social da profissão, a

severidade para consigo mesmo, a defesa das prerrogativas profissionais, o princípio

da clareza, pureza e persuasão na linguagem, o princípio da moderação e o da

tolerância.

"Todos eles se prestam ao serviço de atilar a postura prudencial dos operadores

jurídicos, favorecendo-os a um exame de consciência para constatar como pode ser

aferido eticamente o próprio comportamento. Na maior parte das vezes, esse

profissional é o único árbitro de sua conduta. Além de se tornar, com isso, mais

escrupuloso, deve ter em mente que os cânones dos códigos éticos, a recomendação da

doutrina e a produção pretoriana dos respectivos tribunais éticos não excluem deveres

que resultam de sua consciência e do ideal de virtude, inspiração maior do profissional

do direito" (Nalini,Ética geral e profissional, 1999, p. 193-194).

ou da atividade exercida pelo profissional do direito131.

Estes órgãos se constituem normalmente em turmas ou grupos colegiados

de juízes de ética e disciplina, investidos na função de patrocinarem o

zelo e o cumprimento dos deveres profissionais. As decisões exaradas

desses órgãos, normalmente corporativos, ponderam os elementos em

jogo (acusação, reincidência, gravidade do ato...) e emanam sentenças,

das quais invariavelmente cabe recurso a órgãos superiores132

, capazes de

131

O mesmo é válido para outras demais profissões regulamentadas, como a

engenharia: Lei n. 5.194, de 24-12-1966 (DOU, 27-12-1966) (Regula o Exercício das

Profissões de Engenheiro, Arquiteto e Engenheiro Agrônomo, e dá outras provi-

dências): Título II - Da Fiscalização do Exercício das Profissões, Capítulo IV-Das

Câmaras Especializadas, Seção I - Da Instituição das Câmaras e suas Atribuições, "Art.

46. São atribuições das Câmaras Especializadas: a) julgar os casos de infração da

presente lei, no âmbito de sua competência profissional específica; b) julgar as

infrações do Código de Ética; c) aplicar as penalidades e multas previstas; d) apreciar e

julgar os pedidos de registro de profissionais, das firmas, das entidades de direito

público, das entidades de classe e das escolas ou faculdades na Região; e) elaborar as

normas para a fiscalização das respectivas especializações profissionais; f) opinar sobre

os assuntos de interesse comum de duas ou mais especializações profissionais,

encaminhando-os ao Conselho Regional". 132

O mesmo ocorre em outras profissões, para as quais existe um órgão superior

(Conselho Federal) que funciona como instância revisora das decisões dos órgãos

inferiores (Conselhos Estaduais): Lei n. 8.662, de 7-6-1993 (DOU, 8-6-1993) (Dispõe

sobre a profissão de Assistente Social e dá outras providências), "Art. 8º Compete ao

Conselho Federal de Serviço Social- CFESS, na qualidade de órgão normativo de grau

superior, o exercício das seguintes atribuições: I - orientar, disciplinar, normatizar,

fiscalizar e defender o exercício da profissão de Assistente Social, em conjunto com o

CRESS; II - assessorar os CRESS sempre que se fizer necessário; III - aprovar os

Regimentos Internos dos CRESS no fórum máximo de deliberação do conjunto

CFESS/CRESS; N - aprovar o Código de Ética Profissional das Assistentes Sociais

juntamente com os CRESS, no fórum de deliberação do conjunto CFESS/CRESS; V-

funcionar como Tribunal Superior de Ética Profissional; VI - julgar, em última

instância, os recursos contra as sanções impostas pelas CRESS; VII - restabelecer os

sistemas de registro dos profissionais habilitados; VIII - prestar assessoria técnico-

consultiva aos organismos públicos ou privados, em matéria de Serviço Social; IX -

(Vetado)". Ainda: "Art. 10. Compete aos CRESS, em suas respectivas áreas de

jurisdição, na qualidade de órgão executivo e de primeira instância, o exercício das

seguintes atribuições: I organizar e manter o registro profissional dos Assistentes

Sociais e o cadastro das instituições e obras sociais públicas e privadas, ou de fins

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impedir definitivamente o exercente da função ou cargo ou atividade de

continuar no gozo de seus deveres e atribuições profissionais. Esses

órgãos são as corregedorias (Tribunais, Ministério Público,

Procuradoria...), as comissões de ética e disciplina (Advocacia...) etc.,

que se incumbem da punição pelo comportamento desviante do

funcionário ou profissional.

É certo que os órgãos censórios possuem amplos poderes na averiguação

de atos incompatíveis com o exercício profissional, mas esses amplos

poderes de investigação são limitados: 1. pela legislação que dispõe a

respeito das infrações éticas e funcionais e sobre as modalidades de

sanções aplicáveis para cada caso; 2. pelo princípio constitucional da

ampla defesa, segundo o qual todos os litigantes em processos

administrativos ou judiciais terão acesso às alegações da parte contrária e

oportunidade para refutar tais alegações (art. 52, LV, da CF de 1988); 3.

pelainafastabilidade do Poder Judiciário, que, em havendo ilegalidade ou

abuso de poder, poderá ser invocado, com base no art. 52, XXXV, da

Constituição Federal de 1988, na defesa dos interesses (reintegração no

cargo, refazimento do julgamento, reparação civil por danos morais...) do

profissional prejudicado pela sanção que lhe foi imposta.

BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Ética Jurídica: ética

geral e profissional. 2ª. ed. São Paulo; Saraiva: 2004.

XI. CONSCIÊNCIA ÉTICA DO JURISTA

filantrópicos; 11 fiscalizar e disciplinar o exercício da profissão de Assistente Social na

respectiva região; III expedir carteiras profissionms de Assistentes Sociais, fixando a

respectiva taxa; N - zelar pela observância do Código de Ética Profissional,

funcionando como Tribunais Regionais de Ética Profissional; V - aplicar as sanções

previstas no Código de Ética Profissional; VI fixar, em assembléia da categoria, as

anuidades que devem ser pagas pelos Assistentes Sociais; VII - elaborar o respectivo

Regimento Interno e submetê-lo a exame e aprovação do fórum máximo de deliberação

do conjunto CFESS/CRESS".

O jurista, na acepção mais larga que o termo possa comportar, ou seja, o

operador do direito, em sua consciência ético-profissional, deve se

orientar para que sua atuação esteja de conformidade com a realidade

social na qual se insere.

Seja o juiz, seja o promotor, seja o advogado, seja o professor de direito,

seja o pensador do direito...devem estar preocupados não somente com o

caráter formular das normas jurídicas, com o seu aspecto formal e

estrutural, mas sobretudo com os desdobramentos práticos de suas

prescrições (efeitos sociais, culturais, políticos, econômicos,

ambientais...).

Sobretudo, o que se cobra do jurista na atualidade é esse tipo de visão

que faculta maior penetração dentro das ambições da sociedade à qual se

dirigem as normas jurídicas. Assim, ao interpretá-las, e/ ou aplicá-las,

demanda-se do jurista consciência na realização de fins do Direito,

consagrados pela idéia de norma jurídica, juntamente com fins

valorativos, consagrados pela idéia de justiça. Mais que ter no direito o

fim de toda atividade jurídica, postula-se que se tenha na justiça o fim de

toda atividade jurídica; no lugar do que é legal, o que é justo, o que é

atual e necessário, o que é sócio-culturalmente adequado, o que é

principiologicamente engajado com mandamentos éticos.

Isso porque a atuação do jurista possui mais que simplesmente efeitos e

conseqüências jurídicas, e o próprio ato jurídico em si possui mais que

efeitos puramente jurídicos. Todo operador do direito pratica atos que se

projetam por sobre outras áreas (social, financeira, econômica, política,

familiar, ambiental, sanitária, cultural...), de modo que se exige do jurista

uma atuação prática e teórica com vistas aos desdobramentos possíveis

da assunção de determinada posição.

O jurista tem de estar consciente de que o instrumental que manipula é

aquele capaz de cercear a liberdade, de alterar fatores econômicos e

prejudicar populações inteiras, de causar a desunião de uma sociedade e

a corrosão de um grande foco de empregos e serviços, de desestruturar

uma fann1ia e a saúde psíquica dos filhos dela oriundos, de intervir sobre

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a felicidade e o bem-estar das pessoas ... A consciência ética e social do

jurista é um mister na medida em que o instrumental jurídico também

pode ser dito um instrumental ético e social, na medida em que interfere

na conduta e no comportamento das pessoas e em sua forma de se

organizar e distribuir socialmente.

1.1. Consciência ética do jurista teórico

Se assim se fala a respeito do jurista em geral, do operador do direito,

então, o que se deve dizer do jurista propriamente dito, ou seja, do

doutrinador do direito?133

A consciência ética deve ser ainda mais

estimulada neste, uma vez que o jurista teórico lapida a ciência do

direito, os conceitos fundamentais, as estruturas de significado do

ordenamento jurídico com vistas ao ensino do quid iuris.

Durante largos anos, dentro de uma certa tradição filosófico-teórica, o

positivismo e o normativismo se mostraram como teorias suficientes e

bastantes para a explicação metodológica do direito.

O positivismo jurídico134

, como movimento antagônico à aceitação de

qualquer fundamento naturalista, metafísico, sociológico, histórico,

antropológico... para a explicação racional do direito, adentrou de tal

forma nos meandros jurídicos que suas concepções se tomaram estudo

indispensável e obrigatório para a melhor compreensão lógico-

sistemática do fenômeno jurídico. Sua contribuição é notória no sentido

de que fornece uma dimensão integrada e científica do direito, porém, a

metodologia do positivismo jurídico identifica que o que não pode ser

provado racionalmente não pode ser conhecido; sem dúvida nenhuma,

retira os fundamentos e as finalidades, contentando-se com o que satisfaz

133

"O jurista é, por excelência, o doutrinador de Direito. É o produtor da Ciência que

permite orientar a conformação jurídica dos povos" (Ives Gandra da Silva Martins, A

cultura do jurista, in Nalini (coord.), Formação jurídica, 1994, p. 114). 134

"A pureza metodológica perseguida por Kelsen baseia-se na ausência de juízos de

valor, de que acabamos de falar, e na unidade sistemática da ciência: voltase, portanto,

para uma nova noção de ciência fundada em pressupostos filosóficos da escola

neokantiana" (Mario Losano, na Introdução em O problema dajustiça, p. XIII).

às exigências da observação e da experimentação, daí sua restrição ao

que está posto (positum - ius positivum)135

.

Assim, com a escora desse tipo de doutrina, sobretudo com base em

Hans Kelsen, fez-se da teoria do direito uma teoria pura do direito, o que

significa dizer que dela se fez apenas um conglomerado de preocupações

formais e estruturais a respeito das normas. O jurista passou a ter limites

em sua atuação, e esses limites passaram a ser os horizontes do jurista;

limitado ao que é normativo, conseqüentemente, o jurista, em sua miopia

intelectual, passou a ser a primeira vítima das alterações legislativas.

Contestada por muitas correntes de pensamento (a tópica, a retórica, a

semiótica, a discussão sobre a justiça, o culturalismo, a fenomenologia.),

a metodologia do direito desapegou-se do modelo positivista com forma

de explicação de sua cientificidade, e, nesse sentido, vem-se

aproximando cada vez mais das preocupações com o social, deixando de

ser uma mera especulação superficial sobre formas normativas.

Percebeu-se que ciências humanas e ciências matemáticas jamais

poderão se encontrar em suas metodologias; a métrica e a exatidão, a

verificabilidade dos resultados e a previsão de efeitos não são

características do fenômeno jurídico, que é, sim, social e humano, por

excelência136

.

Estar consciente dessa deficiência da estreiteza positivista é estar cônscio

do papel hermenêutico das ciências jurídicas (zetéticas ou dogmáticas), o

que significa dizer estar cônscio de que o discurso da ciência do direito,

ao produzir sentido, é o mais potente elemento para influenciar, por meio

do saber, a formação de decisões, a escolha de valores, a formulação de

interpretações jurídicas, a extração de argumentos que apontem para a

135

"A sua teoria pura do direito constitui a mais grandiosa tentativa de fundamentação

da ciência do Direito como ciência mantendo-se embora sob império do conceito

positivista desta última e sofrendo das respectivas limitações - que o nosso século veio

até hoje a conhecer" (Larenz, Metodologia da ciência do direito, trad. José Lamego,

Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1989, p. 82). 136

A respeito dessa reflexão, com todas as correntes metodológicas, consulte-se Larenz,

Metodologia da ciência do direito, 1989, p. 10-220.

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correção, emenda, aperfeiçoamento ou modificação de normas jurídicas

vigentes ....

Assim, o que se tem presente é que, pela só faculdade que possui de

influenciar a formação de novos sentidos, e, por conseguinte, de novos

textos jurídicos, é um discurso que demanda uma grande consciência

ética. Isso requer do jurista uma formação toda especial nas

humanidades137

, para que seu verbo seja a exteriorização consciente dos

efeitos sociais, políticos, econômicos... que possivelmente possam se

extrair de um simples ato jurídico por ele praticado, ou, ainda, que

possam se extrair de lições doutrinárias por ele apregoadas. Nesse

sentido, o que se destaca é a capacidade que esse discurso possui de gerar

influência sobre os demais operadores do direito, e, especialmente, sobre

o legislador e a autoridade decisória.

1.2 Vocação ética das ciências jurídicas

É curioso pensar que, como decorrência dessa consciência ética do

jurista em geral, e sobretudo do jurista teórico, surge a responsabilidade

no operar discursos jurídicos. Por vezes se vêem páginas e páginas

doutrinárias lançadas em vão para a contestação de pressupostos teóricos

alheios, discriminação de escritos alheios, desabilitação epistemológica

deste ou daquele teórico e de sua doutrina... Ora, a ciência jurídica é um

saber que se volta para a compreensão do fenômeno jurídico, que possui

imbricação direta com causas sociais. Desse modo, a ciência jurídica

também possui este compromisso social de estar a serviço do

aperfeiçoamento dos saberes constituídos em torno do rico objeto de

137

"Por essa razão, o jurista é necessariamenteum profissional voltado para a Ciência.

Deve buscar conhecê-la, ganhando dimensão universal. Não pode ficar adstrito a um

conhecimento limitado à própria técnica produtora da norma, mas necessariamente deve

ter uma visão mais abrangente da ciência na qual se especializou. É o

instrumentalizador de todas as ciências sociais no plano da Ciência Jurídica. Deve, pois,

ter uma cultura humanística que lhe permita ver, no Direito presente, o Direito

Universal e Intertemporal. Deve ser, pois, historiador, filósofo, economista, sociólogo,

futurólogo, psicólogo, sobre não desconhecer rudimentos das Ciências exatas" (Ives

Gandra da Silva Martins, A cultura do jurista, in Nalini (coord.), Formação jurídica,

1994, p. 115).

estudo que é o direito.

A partir do momento em que a doutrina jurídica passa a ser uma

manifestação de afetos pessoais, para se converter na arma do descrédito

alheio, perde sua finalidade e perverte-se em delongas morais e

profissi0nais pessoais daquele que dela se vale para qualquer outro tipo

de finalidade. Desnaturada a atividade, deve-se considerar que não se

pode mais nomear jurista aquele que dessa forma conduz o saber

jurídico.

O saber jurídico, dogmático ou zetético, está na base do aperfeiçoamento

da cultura jurídica nacional. E, nesse sentido, ciência dogmática e

zetética precisam se unir no sentido da realização deste objetivo comum.

Deve-se, portanto, estar consciente de que a zetética não se constitui

puramente em saber de contestação do saber dogmático, e muito menos

que o saber dogmático se constitui em um saber obtuso da realidade

jurídica. Dogmática e zetética são ferramentas metodológicas de

conhecimento, uma com vistas à decisão (ênfase na resposta e no

resultado prático), outra com vistas à especulação (ênfase na pergunta e

no questionamento), que se aliam no sentido da investigação dos

complexos desdobramentos do fenômeno jurídico138.

O que se quer dizer é que são complementares e indispensáveis para a

caracterização científica dos diversos enfoques possíveis do fenômeno

jurídico. Sua complementaridade faz com que possam ser qualificadas

como sendo: indispensáveis para o adequado conhecimento das diversas

facetas do mesmo fenômeno; meios para a realização de fins maiores;

dependentes uma com relação à outra, na medida em que da somatória de

suas atuações metodológicas deve resultar um proveito maior;

conviventes necessárias, uma vez que a pura dogmática afasta o jurista

de outras preocupações, e a pura zetética é incapaz de produzir

conhecimentos capazes de articular soluções práticas com vistas à

138

Vide a respeito das palavras dogmática e zetética, a obra de Ferraz Júnior,

Introdução ao estudo do direito, 1999, p. 39-43, por meio da qual se conferiu amplo uso

a elas, na proposta de divulgação do trabalho de Theodor Vieweg.

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decidibilidade.

Brandir para que essa cultura seja cada vez mais politizada, cada vez

mais engajada, cada vez mais aproximada das preocupações da nação

para a redução de desigualdades sociais, cada vez mais sólida para que se

desfaça o colonialismo cultural139

do país... estas são as preocupações

frontais da ciência jurídica e das práticas de discurso científico-jurídico.

O cientista do direito possui as fórmulas para a construção de uma

herança intelectual que deve ser perpetuada como atividade em prol do

social, e não a favor de si ou, muito menos ainda, contra outrem.

Há que se pensar, portanto, que as criações intelectuais são

especialmente objetos sociais140.

As obras são dotadas de uma peculiar

capacidade de penetração social, dom especial de produção de efeitos

sobre a realidade com a qual interagem. Quanto maior seu grau de

penetração, maior sua repercussão, maior sua importância para uma

determinada sociedade. Nesse sentido, é a obra um instrumento incisivo

que recorta a realidade condicionando-a a sua entrada no seio da

realidade.

É nesse espaço do social que se releva o papel da ciência do direito141

.

Os fins sociais e prospectivos da ciência jurídica prevalecem com relação

aos fins individuais, pessoais e egoístas que eventualmente a ela se

queira dar. A ciência jurídica é mais que um discurso de juristas para

juristas; dessa forma, deve ser encarada como algo mais que seu discurso

interno. Faz-se como prática social e deve estar voltada para o alcance de

fins sociais. Esta é a sua finalidade, esta é a sua natureza, esta é a sua

vocação; aqui reside a ética da ciência do direito.

139

Essa é a preocupação fu1cral do pensamento de Franco Montoro. A respeito,

consulte-se a seguinte obra: Montoro, Estudos de filosofia do direito, 1999. 140

Principalmente pelo fato de que "(...) de regra as obras intelectuais são criadas

exatamente para comunicação ao público (...)" (Bittar, Direito de autor, 1994, p. 49). 141

A respeito do tema enfocado, estude-se a obra de Ferraz Júnior, Função social da

dogmática jurídica.

NALINI, José Renato. Ética Geral e Profissional. 3ª. ed.

São Paulo: Ed. Rev. dos Tribunais, 2001.

XII. A ÉTICA DO ESTUDANTE DE DIREITO

1.1 Ética é assunto para todas as idades

Preocupar-se com a conduta ética não é privativo dos idosos ou dos

formados. Assim como o aprendizado técnico é uma gradual evolução

sem previsão de termo final, assimilar conceitos éticos e empenhar-se em

vivenciá-los deve ser tarefa com a duração da vida.

As crianças precisam receber noções de postura compatíveis com as

necessidades da convivência. Não é fácil treinar para a verdade, para a

lealdade, para o companheirismo e a solidariedade quem nasce numa era

competitiva, onde se deve levar vantagem em tudo. Uma sociedade

enferma, a conviver tranqüilamente com o marginalizado, a se

despreocupar com o idoso, a agredir a natureza e o patrimônio alheio,

pode ser escola cruel das futuras gerações.

Nem por isso se deve abandonar o projeto de tomá-las mais sensíveis e

solidárias. De um ideal de formação em que a razão e a informação

prevaleceram deve-se partir para novo paradigma. É hora de desobstruir

canais pouco utilizados, como os sentimentos, as sensações e a intuição.

Se a humanidade não se converter e não vivenciar a solidariedade, pouca

esperança haverá de subsistência de um padrão civilizatório preservador

da dignidade.

A melhor lição é o exemplo. Temos falhado ao legar à juventude um

modelo pobre de convivência. Estamos nos acostumando a uma

sociedade egoísta, hedonista, imediatista e consumista. Egoísmo

distanciado da visão otimista de Shaftesbury e Butler, para quem o

indivíduo é altruísta por natureza.142l Egoísmo na sua versão mais

142

LORD SHAFTESBURY, "An inquiry conceming virtue, or merit", in D. D.

RAPHAEL (comp.), British moralist, Oxford : Clarendon Press, 1969, t. l, p. 173-175 e

JOSEPH BUTLER, "Fifteen sermons", idem, p. 325, apud MARTÍN DIEGO FARREL,

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pessimista, a conceber o homem "como um ser egoísta, preocupado

primeiro consigo mesmo e logo pelas pessoas mais próximas a ele,

disposto a competir com os demais e a prejudicá-los, se isto for

necessário à satisfação de seus desejos"143

.2 Hedonismo exacerbado,

pregando o prazer a qualquer custo e a conversão da vida em uma eterna

festa. A juventude é passageira e, além de prolongá-la mediante

utilização de todos os recursos, reclama-se ao jovem vença um

campeonato de resistência para participar de todos os certames: sexuais,

esportivos, sociais e lúdicos. Imediatismo, como se o mundo estivesse

prestes a se acabar e houvesse pressa em usufruir de todas as suas

benesses. Consumismo impregnando a própria concepção de vida: tudo

constitui produto na sociedade de massas, que descarta valores, descarta

a velhice, os sacrifícios e tudo aquilo que não significar um permanente

desfrute.

Não se pode esperar de escolares cujas mães quase se agridem

fisicamente na disputa de vaga para estacionar seu carro à saída da escola

venham a se portar eticamente quando adultos. Nem se aguarde que os

filhos de pais que lesam o fisco, seus empregados ou patrões, que se

referem à honestidade como um atributo dos tolos, venham no futuro a

constituir modelos morais. Se o pai resolve os seus problemas mediante

arranjos de duvidosa moralidade, se vem a se gabar de haver enganado

outrem ou de não ser alguém que deixe de tirar vantagem em tudo, está

construindo os filhos com padrões idênticos.

O estudante de Direito optou por uma carreira cujo núcleo é trabalhar

com o certo e com o errado. Ele tem responsabilidade mais intensificada,

diante dos estudantes destinados a outras carreiras, de conhecer o que é

moralmente certo e o que vem a ser eticamente reprovável.

Alguma ética todo jovem possui. Mesmo que seja a ética do deboche, ou

a ética do desespero, a ética do resultado ou a ética do deixa disso. Na

Faculdade de Direito ele desenvolverá essa formação ética inicial e,

Métodos de la ética, Buenos Aires: AbeledoPerrot, 1994, p. 18-19. 143

MARTÍN DIEGO FARREL, Métodos de la ética, cit., idem, p. 26.

depois de cinco anos, queira-se ou não, estará ele entregue a um mercado

de trabalho com normativa ética bem definida. Os advogados têm Código

de Ética; juízes e promotores também. E, até há pouco, nada ouvia o

estudante quanto à ciência dos deveres em seu curso.

Os Tribunais de Ética da OAB vêm enfrentando inúmeras denúncias de

pessoas prejudicadas por seus advogados. Avolumam-se as queixas,

multiplicam-se as apurações. Tudo isso por não haver a Escola de

Direito, até há bem pouco tempo e com as honrosas exceções de sempre,

se preocupado seriamente com a formação ética dos futuros

profissionais.

Seria ilusão pueril acreditar-se que o salto qualitativo nas carreiras

jurídicas, vinculado ao incremento ético de seus integrantes, decorra de

um processo de aperfeiçoamento espontâneo da comunidade. A

decantação dos maus costumes para ver aflorar os bons não tem sido a

regra na história das civilizações. Há razões para muito ceticismo e, até,

para certo pessimismo. O momento de se pensar seriamente em ética era

ontem, não amanhã. O futuro cobrará do profissional posturas cujo

fundamento ele não entenderá perfeitamente e de cuja experiência não

dispõe, pois nada se lhe transmitiu ou cobrou.

Todo professor experiente já ouviu indagações de seu alunado de Direito

que chegam a chocar, tal o despreparo. Poucas as vocações alertadas do

que significa estudar Direito e qual o compromisso assumido por quem

ingressa na Faculdade de Ciências Jurídicas. Afinal, está-se a viver um

tempo em que as sociedades criminosas destinam parcela considerável de

seu dinheiro para formar profissionais voltados à sua tutela jurídica e,

portanto, operadores destinados a atuar pró-criminalidade. Só o estudo

aprofundado e a meditação conseqüente sobre a ética profissional é que

poderá fazer frente a essa situação nova.

Ainda é tempo, embora se faça a cada dia mais urgente, de propiciar uma

reflexão crítica sobre a ética e de envolver a juventude nesse projeto

digno de reconstrução da credibilidade no Direito e na Justiça. O

entusiasmo da mocidade e o convívio com heterogeneidades próprias à

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atual formação jurídica são propícios a fornecer aos mais lúcidos os

instrumentos de sua conversão em profissionais irrepreensivelmente

éticos, se os responsáveis pela educação jurídica se compenetrarem de

que o ensino e a vivência ética não constituem formalismo. A inclusão

da disciplina Ética Geral e Profissional no currículo das Faculdades de

Direito surgiu do reconhecimento de que os patamares de legitimidade

das carreiras jurídicas, em virtude das denúncias disseminadas e

ampliadas pela mídia, chegaram a níveis insuspeitados.

O momento, agora, é o da reversão. Para isso, a juventude também há de

ser conclamada e as lideranças acadêmicas precisam se conscientizar de

que mais importante do que promover as tradicionais e pouco criativas

Semanas Jurídicas, delas se reclama um investimento na formação de um

profissional ético, em quem se possa confiar. Projeto que, se não

começou antes, é inadiável tenha início na Faculdade de Direito.

1.2 Deveres para consigo mesmo

Os princípios que regem a conduta humana devem contemplar, em

primeiro lugar, os deveres postos em relação à própria pessoa. Não se

fale em ética para consigo mesmo, que ética é algo a ser cultivado em

relação aos outros. Ninguém contesta a existência de deveres para com a

própria identidade. Assim o dever de subsistir, ínsito ao instinto de

sobrevivência, o dever de se manter corporal e espiritualmente hígido, o

dever de higiene pessoal e o de se apresentar em condições compatíveis

com o local, momento e circunstâncias.

As Faculdades de Direito de antigamente eram reflexos da solenidade

que imperava na atuação judicial. Os alunos freqüentavam aulas de

paletó e gravata e se portavam como futuros operadores. A multiplicação

das Escolas, com a conseqüente ampliação das turmas - quantos milhares

de brasileiros hoje estudam Direito? -, as transformações da sociedade,

vieram a gerar um fenômeno visual na maior parte das Faculdades. Hoje

não se distingue o estudante do Direito do estudante de Educação Física.

Ambos comparecem às aulas vestindo trainings, quando não calções,

chinelos de dedo e outros trajes. Se o hábito não faz o monge, tudo sendo

permitido em nome da informalidade e da franqueza maior que preside o

relacionamento humano neste início de milênio, como se explicar a

preservação de alguns símbolos em Justiças mais tradicionais e

respeitadas do que a brasileira? Pense-se, como exemplo, na cabeleira do

juiz inglês, formalidade essencial e sem a qual os julgamentos são nulos.

Um pouco mais de adequação no trajar e nos modos como se apresentam

os alunos não causaria malefício à educação jurídica. Até os treinos para

a futura atuação restam prejudicados quando se faz uma simulação de

julgamento e o aluno escolhido para representar o juiz se apresenta de

bermuda e com camiseta cavada ... Hoje, com a necessidade de um treino

efetivo da futura profissão, substituindo-se as desnecessárias simulações

por uma prestação de justiça real, não meramente virtual, o traje é mais

importante ainda. A parte que trouxer os seus problemas à resolução dos

Juizados Especiais sentir-se-á mais confortada se estiver diante de

alguém que se vista adequadamente.

Todavia, mais importante do que a forma é o conteúdo. A criatura

humana é destinada à perfectibilidade. Todos podem tomar-se cada dia

melhores. Melhor seria dizer: uma vida só se justifica se o compromisso

de se tomar cada dia um pouco menos imperfeito vier a ser um projeto

sério. Essa é uma proposta individual que depende apenas de cada

consciência. Ao se propor a estudar Direito, o estudante assume um

compromisso: o de realmente estudar. Isso parece óbvio e realmente o é.

Quem conhece o aluno do bacharelado jurídico sabe que as obviedades

precisam ser enfrentadas. Exemplo disso é que continua a existir o uso da

cola ou de outros artifícios para obtenção de graus favoráveis nas

avaliações periódicas. Cresce a praxe da contratação de profissionais ou

equipes para a confecção de trabalhos científicos ou da monografia, hoje

necessária à obtenção do grau de bacharel em Direito144

.

Todos os anos - e agora, todos os semestres - milhares de jovens são

144

Este é um sinal que depõe contra o estudante, não apenas eticamente. Deixa de

executar o trabalho solicitado e, em lugar de aprender, está pagando para alguém

aprender mais em seu nome.

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chamados ao vestibular e optam pelo Direito. Grande parte deles

desconhece o que seja o compromisso jurídico. Estão pensando em fazer

um curso que lhes permita a continuidade do trabalho, ou de acesso

relativamente fácil, diante da quantidade de vagas oferecida. Seja na

escola pública, seja na particular, os esquemas de aprovação permitem

que, depois de cinco anos, esse universitário seja um bacharel. A

passagem de uma série a outra é sempre facilitada. Poucas as exigências

e os obstáculos postos ao estudante. O resultado é que o número de

advogados no Brasil vai logo chegar a um milhão. Pois são quase

quinhentas Faculdades, lançando - diria até, arremessando -

semestralmente, ao mercado de trabalho, milhares de novos bacharéis.

Parcela considerável da responsabilidade pelas deficiências do ensino de

Direito é de ser tributada aos educadores. Chame-se de educador alguém

bem intencionado. Não merece essa denominação o mero empresário,

que abre escola apenas para ganhar dinheiro e que poderia estar se

dedicando a qualquer outra atividade lucrativa. Pois os bons educadores,

muitas vezes, conformam-se com o curso tradicional, mantêm as grandes

turmas, com aulas proferidas em auditórios. Os professores, em regra,

nunca se dedicam exclusivamente ao ensino. Limitam-se a ministrar

aulas prelecionais, quase sempre resumidas ao exame seqüencial da

codificação. Não há espaço para a reflexão crítica, nem para a pesquisa.

Inviável o acompanhamento individual do aprendizado ou orientação

direta sobre os estudos. O ensino é sofrível, a pesquisa quase ausente,

nem se fale na extensão145

.

Outra parcela de responsabilidade pelas carências da formação jurídica,

145 A Universidade brasileira goza de autonomia didático-científica, administrativa e de

gestão financeira e patrimonial e obedecerá ao princípio da indissociabilidade entre

ensino, pesquisa e extensão. Longo caminho resta a ser trilhado para se atingir ao ideal

do equilíbrio entre esses três pilares. Se o ensino vem sendo transmitido, embora com

deficiências reconhecidas, pouco se realiza em termos de pesquisa na Universidade

privada e os trabalhos de extensão ainda carecem de eficiência e visibilidade. São os

estudantes que precisam motivar as mantenedoras a promover tais objetivos, comandos

cogentes do constituinte brasileiro em relação à Universidade, conforme se verifica do

artigo 207, caput, da Constituição da República.

não se negue, decorre dos próprios estudantes. Ressalve-se o fato de não

conhecerem a realidade do ensino jurídico, quantos atraídos para o

estudo do Direito por fatores que não imbricam com o objetivo de

aperfeiçoar as carreiras jurídicas. Há uma parcela de estudantes que

ingressou na Faculdade de Direito sem saber exatamente o que ali

encontrará. Parta-se do pressuposto, por amor à argumentação, de que a

maioria ingressou conscientemente na Faculdade de Direito. Ainda esses,

em expressiva maioria, se impregnam do espírito conservador e inerte da

academia e resistem às tentativas de transformação. As mudanças

importam em esforço maior e necessidade de abandonar hábitos antigos.

Uma avaliação contínua importa em estudo permanente. É mais

confortável o sistema clássico das provas periódicas, centenas de alunos

reunidos, estudo muito superficial e atribuição de notas favoráveis a

todos quantos estejam em dia com os seus carnês de pagamento.

A resistência às transformações não é incomum. Os alunos resistiram ao

exame de avaliação da Universidade, conhecido por Provão, a cujos

propósitos não se pode recusar idoneidade. Essa avaliação permanente da

peiformance da Universidade e dos universitários vai se integrando na

realidade educacional brasileira e passará a produzir outros frutos. O

desempenho dos alunos passará a ser considerado pelas futuras

empregadoras e pelas instituições às quais eles recorrerão quando

disputarem as reduzidas vagas nas carreiras jurídicas mais prestigiadas.

Opondo-se às modificações, não lutando por elas, preferindo a via

facilitada da obtenção do diploma sem maiores sacrifícios, os efeitos não

tardarão a ser sentidos pelos próprios alunos. Terminado o curso, vem a

angústia de quem não sabe exatamente o que fazer com o diploma: "Sou

bacharel em direito! E daí?". Haverá dia, não muito longínquo, no

Brasil, em que será necessário perguntar quem não é bacharel em

Direito.

A advocacia está se tomando um território inexpugnável. Poderia parecer

paradoxal que a multiplicação dos profissionais represente dificuldade

maior no exercício da atividade jurídica básica. Todavia, em virtude

mesmo do crescimento da oferta, só os mais capazes ostentam condições

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de sobrevivência. Enormes escritórios, verdadeiras empresas jurídicas,

recrutam os mais qualificados. Os demais procuram sobreviver, mas

culminam por continuar a fazer aquilo que já realizavam antes de

formados. Vai desaparecendo aos poucos o advogado profissional liberal.

Um seleto grupo de profissionais que atendem aos maiores casos, que

são os advogados mediáticos, sobrevivem desse exercício artesanal.

O caminho para o jovem advogado é árduo. Se não tiver uma família já

respeitada na área e que o encaminhe, a trilha até o êxito profissional

dependerá de enorme esforço e de redobrados sacrifícios. Aqueles que

insistem só encontram espaço para servir como qualificados office boys

de advogados há mais tempo no mercado. Será longo e árduo o caminho

até à redenção profissional.

O concurso constitui via atraente para ingresso a carreiras ainda dotadas

de certa aura de respeitabilidade. Tais certames congregam cada vez um

número maior de interessados. São milhares de candidatos que acorrem à

chamada e uma percentagem mínima logra aprovação. Tanto assim que

várias iniciativas exitosas vão suprindo a falta de preparação desses

profissionais. A função que seria da própria instituição - Poder Judiciário

e Ministério Público, especialmente - foi de fato delegada a alguns

educadores que descobriram essa via e são hoje, na realidade, os

responsáveis pela renovação de quadros nas carreiras públicas.

O defeito maior do concurso é o seu atrelamento a uma forma arcaica de

seleção. Ela é baseada apenas na memorização de legislação, doutrina e

jurisprudência. Vence o candidato que consegue se recordar de minúcias,

não raramente encontradas com facilidade nos Códigos. Descuida-se,

ainda, de maior preocupação vocacional. A dificuldade no acesso ao

mercado de trabalho faz do novo bacharel um candidato crônico.

Inscreve-se para todos os concursos. Encontra-se o mesmo concorrente

igualmente interessado a disputar as provas nas seleções para os quadros

da Magistratura, do Ministério Público, das Defensorias, das

Procuradorias, das Polícias. Precisa, na verdade, de um emprego.

A visão aparentemente pessimista - na verdade é realista, ao menos para

a visão das metrópoles, nas quais existe a grande concentração de

Faculdades e de profissionais - poderia vir a ser atenuada se o estudante

de Direito souber exatamente o que pretende. Ao ingressar no primeiro

ano da Faculdade de Direito, já terá condições de se encaminhar para

uma das opções profissionais abertas a quem se propõe a obter o grau de

Bacharel em Direito. O direito é instrumento de solução de conflitos e de

garantia do Estado de Direito de índole democrática. Somente o direito

poderá oferecer respostas viáveis para uma sociedade enferma. Sinais de

sua moléstia o convívio entre tecnologia de ponta e ignorância, entre

abundância e miséria, entre inclusão e exclusão, dentre tantas outras

situações polarizadas.

A juventude é naturalmente inquieta e revoltada contra a injustiça. Fora

despertada a descobrir a potencialidade do direito para a solução de todas

as grandes indagações do final do milênio e mergulharia num projeto de

transformação do mundo com início na conversão pessoal. Conversão à

causa da justiça. Justiça que tem início em se autopropiciar um curso de

direito da melhor qualidade.

O primeiro dever do estudante de direito é se manter lúcido e consciente.

Indagar-se sobre o seu papel no mundo, a missão que lhe foi confiada e

que depende, exclusivamente, de sua vontade. Atingido o discernimento,

o estudo contínuo, sério e aprofundado será conseqüência natural. A

pessoa lúcida sabe que ela pode, no seu universo, pequeno e

insignificante lhe pareça, transformar o mundo.

Saberá reclamar um padrão de qualidade à sua escola, desde os aspectos

físicos à excelência do ensino, aí incluídas as virtudes do corpo docente,

direção e funcionalismo. A maior parte dos que se dedicam ao ensino é

formada de pessoas bem-intencionadas. Estimuladas por um alunado

entusiasta, reagirá para converter a Faculdade de Direito em usina de

criatividade, concretizando a reforma do ensino jurídico hoje

delineada146

.

146

Sobre a reforma do ensino jurídico, ver JOSÉ RENATO NALINI, "O novo ensino

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O acadêmico brasileiro deve ter sempre na consciência o fato de ser um

privilegiado. Ínfima a percentagem dos nacionais que ingressam na

Universidade. Como na parábola dos talentos, a quem mais é dado, mais

é pedido. O universitário tem um débito para com a comunidade e a

forma adequada de começar a saldá-lo é procurar extrair proveito

máximo de sua permanência na Faculdade. Estudando e exigindo ensino

adequado, pois alguém está pagando para recebê-lo e alguém está sendo

pago para ministrá-lo. Empenhando-se na pesquisa, parte indissociável

do processo educativo. Participando da extensão, que é forma de

abertura da Universidade à comunidade.

Tanto pode ser feito pelo universitário de Direito para melhorar a

situação dos seus semelhantes. Basta, para isso, acionar a sua vontade.

Assim, os mutirões jurídicos para resolver problemas de documentação

das pessoas necessitadas, o atendimento para a resolução de dúvidas

jurídicas, as cruzadas da cidadania, para alertar a população quanto a

seus direitos. Muitos projetos especiais podem ser desenvolvidos e já

encontram exemplo em inúmeras Faculdades: a instalação de juizado

especial no interior da escola, com funcionamento a cargo dos alunos.

Juizado especial que pode ser o informal de conciliação ou o de pequenas

causas. As Faculdades também podem ser detentoras do arquivo dos

Tribunais, propiciando a seus alunos o contato direto com os processos e

devem ter cartórios-modelo, para treinar o aluno com a rotina forense.

A falência do Estado como instituição onipotente e pronta a atender a

todos os reclamos deve incentivar a participação do alunado de Direito

na resolução dos problemas locais. O trabalho voluntário do estudante de

Direito poderá resgatar muitos semelhantes de uma situação de

marginalidade. Os Diretórios Acadêmicos poderão se encarregar de

prover os excluídos de documentação civil e profissional, auxiliando-os a

obter certidões dos assentos indispensáveis - nascimento e casamento -,

regularizando as situações conjugais, encaminhando-os ao mercado de

trabalho.

do Direito", RT 715/342 e ss.

Um trabalho de conscientização da juventude para os problemas da droga

e da delinqüência poderia ser realizado pelos universitários. Afinal,

parece que a dependência vai conquistando a juventude e cada dia mais

cedo. A infração praticada por menor é uma percentagem considerável da

grande criminalidade pátria.

Os encarcerados precisam também de assistência jurídica plena. Ela não

significa apenas assistência judiciária. Há situações pessoais dos presos

que precisam ser resolvidas. Questões familiares, de vizinhança, de

benefícios paralisados ou suspensos. Esse atendimento poderia vir a ser

feito pelos acadêmicos. A população carcerária de São Paulo, por

exemplo, alcança hoje o razoável número de cem mil presos. Não existe

condição de assistência jurídica integral prestada por advogados. Os

jovens acadêmicos podem desempenhar relevante serviço se vierem a se

interessar pela sorte daqueles que a sociedade priva da liberdade por

haverem delinqüido. E passarão a entender melhor a realidade de que o

crime é um fenômeno social e de que o preso não é problema da polícia

ou questão da administração penitenciária, mas é um desafio para toda a

sociedade.

A participação do aluno na vida concreta do direito é essencial. A escola

não pode ser transmissora inerte da verdade codificada e de alguma

orientação jurisprudencial. Ela tem o dever de formar uma consciência

crítica no alunado. O novo bacharel deve ser um agente transformador da

realidade, imbuído do compromisso de aperfeiçoar o ordenamento. E,

antes de a faculdade lhe oferecer tudo isso, é seu dever ético dela exigir a

fidelidade para com esse ideário.

Outro exercício recomendável é a participação na política acadêmica. A

Faculdade é formadora de líderes. Líderes precisam treinar os seus

talentos de liderança, de maneira a estarem preparados quando

recorrerem a eles na vida profissional. O treino político auxilia o

enfrentamento da tensão dialética, sem a qual o direito não opera. Se

existe pretensão a uma ética na política, esse paradigma há de se iniciar

na disputa democrática dos cargos diretoriais, para que a política

propriamente dita não perca a qualidade.

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A Escola de Direito sempre foi o celeiro dos políticos. As Arcadas, a

tradicional Faculdade do Largo de São Francisco, proveu o Brasil de seus

primeiros Presidentes da incipiente República. Era dali que saía a reação

contra a ditadura, contra os desmandos e o autoritarismo. Hoje, o

território dos acadêmicos de direito é um vazio político. Não se

reivindica, não se reclama, não se participa da vida política nacional. A

comprovar a velha ponderação do notável André Franco Montoro, de que

seria tarefa fácil derrubar a ditadura, mas missão extremamente difícil a

construção da democracia.

Um Estado de Direito de índole democrática exige Democracia. E a

Democracia brasileira tem o modelo constitucional participativo. Deve

ser reinventado o princípio da subsidiariedade. Tudo aquilo que a

comunidade puder fazer por si, ela deve fazê-lo, desnecessitando de

invocar o governo. O jovem acadêmico de Direito é o protagonista mais

indicado para mostrar ao povo como se faz uma verdadeira Democracia e

corno se edifica o Estado de Direito.

Tudo isso pertine à ética. Um estudante desprovido de ética não será um

bom profissional. A Democracia resultante de sua atuação não será a

forma ideal de vida comunitária em que se procura garantir o bem de

todos, prevalecendo a orientação da maioria, mas será um regime

hegemônico, baseado na priorização dos interesses sociais. É por esse

motivo que a ética reveste uma importância absoluta neste início de

milênio.

Ouso afirmar que o estudante de direito deve procurar agir eticamente e

ser virtuoso desde os bancos escolares. A prática da virtude não significa

perder a alegria, renunciar ao prazer ou aos jogos lúdicos de sua

idade147

.6 Ser virtuoso não equivale a ser circunspecto, arredio, azedo e

147

Spinoza já observara: "Certamente, apenas uma feroz e triste superstição proíbe ter

prazeres. Com efeito, o que é mais conveniente para aplacar a fome e a sede do que

banir a melancolia? Esta a minha regra, esta a minha convicção. Nenhuma divindade,

ninguém, a não ser um invejoso, pode ter prazer com a minha impotência e a minha dor,

ninguém toma por virtude nossas lágrimas, nossos soluços, nosso temor e outros sinais

de impotência interior. Ao contrário, quanto maior a alegria que nos afeta, quanto maior

mal-humorado. A verdadeira virtude é aquela que Aristóteles já

encontrava na parte superior da alma sob forma dúplice: a sabedoria, a

considerar as supremas razões dos seres, e a sabedoria prática.

Todo o sistema ético está centrado na sabedoria prática. As tendências,

apetites e desejos devem estar num justo meio-termo, no equilíbrio que

deriva da prudência. A idéia de moderação, ou do justo meio, "consiste

em fazer o que se deve, quando se deve, nas devidas circunstâncias, em

relação às pessoas às quais se deve, para o fim devido e como é

devido"148

. O justo meio não é outra coisa senão o dever. "Por exemplo,

a virtude da coragem modera o medo; ela é o justo meio-termo entre a

covardia e a audácia: modera o medo para que sejamos firmes diante do

obstáculo e não fujamos covardemente; modera a audácia para que não

enfrentemos o perigo atabalhoadamente. A justiça modera a paixão do

lucro, levando-nos a honrar os contratos sem lesão ao próximo e sem

danos pessoais"149

. A reiteração de condutas equilibradas conduz à

racionalidade. Quando se é racional, pode-se afirmar que a virtude

triunfou. O ser humano venceu a paixão, que não deixa de ser paixão,

mas segue racionalizada.

A ética deve servir para isso. Não para alimentar discussões teóricas, mas

para a vida real, para a prática existencial de toda e qualquer pessoa. Se

não houver o compromisso de viver eticamente, o estudo e o aprendizado

da ética de nada servirá.

1.3 Relacionamento com os colegas

O companheirismo acadêmico é sempre espontâneo e prazeroso. Os anos

a perfeição à qual chegamos, mais é necessário participarmos da natureza divina.

Portanto, é próprio de um homem sábio usar as coisas e ter nisso o maior prazer

possível (sem chegar ao fastio, o que não é mais ter prazer)". SPINOZA, "Éthique", IV,

escólio da prop. 45, trad. Appuhn, apud ANDRÉ COMTE-SPONVILLE, Pequeno

tratado das grandes virtudes, São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 45. 148

ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco, VI, I, 1138 b 19-20, apud OLINTO A.

PEGORARO, Ética é justiça, Petrópolis: Vozes, 1995, p. 26. 149

OLINTO A. PEGORARO, Ética é justiça, cit., idem, p. 26-27.

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passados na Universidade podem ser considerados dentre os mais felizes

na vida de qualquer profissional. Costuma-se recordar com saudades

desse tempo que, enquanto transcorre, é célere e inconseqüente.

Mesmo assim, a massificação do ensino fez com que algumas práticas

fossem relegadas. As antigas turmas das academias tradicionais levavam

muito a sério a circunstância de integrarem homogêneo grupo que, a

partir da formatura, era designado pelo respectivo ano. Os laços de

convívio eram verdadeiramente fraternos. As turmas seguiam unidas pela

vida, reunindo-se a cada aniversário de formatura, irmanadas na memória

de um tempo de sadia e gostosa convivência. Até mesmo a alegria

espontânea da organização da festa de formatura foi substituída e

delegada a uma empresa. Aquele tempo destinado a um estreitamento de

convívio, às brincadeiras e jogos jocosos, foi trocado pela contratação de

uma empresa especializada em realizar a cerimônia da colação de grau e

de entrega do diploma.

Compreende-se que tudo muda. Mas parece haver mudado·para pior. Os

formandos se limitam a pagar mensalidades e a comparecer a uma festa

que não foi por eles programada, mas parece um grande happening, com

projeções, músicas e até fogos de artifício. Tudo para disfarçar o

desaparecimento da alegria genuína que deveria ser a tônica daquela

comemoração. Sem dizer que o treino de organização da festa era uma

prova concreta da capacidade de administrar o interesse coletivo, de

vivenciar a idéia do condomínio, de respeitar a orientação da maioria, de

saber conciliar as diferenças. Tudo essencial a quem se propõe a exercer,

profissionalmente, a atividade da composição dos conflitos, rumo à

obtenção da pacificação.

A oferta do ensino jurídico massificado, objeto de consumo educacional

e colocado à disposição do aluno como verdadeira mercadoria, esmaeceu

a sensibilidade desses contornos. Alunos de uma mesma classe não se

conhecem. Passam anos ocupando o mesmo espaço físico sem trocarem

palavra. Nada sabem a respeito da vida, das vicissitudes, das angústias e

sonhos de seus colegas. São passageiros transitórios da nave mercantil

que se propôs a dar-lhes um diploma.

Um dever ético para com o colega é conhecê-lo. Identificá-lo pelo nome.

Participar de sua vida. Ser solidário nas dores - quem as não sofre? - e

nas alegrias. Não se está por acaso na mesma turma. Essa é a

oportunidade de fazer amigos, de se irmanar com aqueles que estão

submetidos à mesma experiência convivida em tempo idêntico. É triste

respirar o mesmo ar de um semelhante dias, meses e anos seguidos, sem

chegar a apreender o universo de suas qualidades e partilhar com ele as

próprias angústias.

Interessar-se pelo colega leva também ao dever ético de solidariedade.

A ausência de um companheiro durante alguns dias deve motivar a

indagação da classe e a sua proposta de auxiliá-lo a enfrentar eventual

problema. De maneira idêntica, a ética impõe se visite o colega

acidentado ou enfermo, que se faça presente ao funeral de seu familiar,

que se compareça à sua casa quando convidado. Exatamente como se faz

com os amigos. Não se exclui a oportunidade de se proceder a uma

coleta, sem alarde e sem constranger o beneficiado, quando algo lhe

tenha ocorrido que impeça de satisfazer às mensalidades ou taxas da

Faculdade.

Ao se defrontar com o colega aparentemente perturbado ou preocupado,

aquele que estiver motivado por uma sadia ética de coleguismo deverá

procurar mitigar-lhe o desconforto. Este pode ter origem na família, no

trabalho, em tantas outras fontes. O angustiado gostaria de ser ouvido,

mas não encontra quem se disponha a abandonar, momentaneamente, as

próprias atribulações para tentar compreender o sofrimento alheio.

Esse é um fenômeno generalizado na vida contemporânea. As pessoas já

não têm paciência para ouvir. A única audiência que se consegue hoje,

cronometrada e mediante pagamento, é a dos profissionais da psicanálise.

E o ombro amigo sempre foi necessário e ainda funciona como terapia de

apoio para quase todos os humanos.

Outra postura ética a ser perseguida é respeitar as diferenças. No

universo de uma classe há muitas individualidades diversas. Pessoas que

se distinguem por raça, cor, aspecto físico, origem social, preferências

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sexuais. Todas elas merecem respeito e compreensão. O preconceito é

alguma coisa a ser banida e chega a ser intolerável numa comunidade

jurídica. Pois nesta se ensina que o ser humano, qualquer seja ele, é

titular de direitos e de igual dignidade perante a ordem jurídica.

A juventude pode ser cruel quando seleciona alguns caracteres que

considera estranhos e sobre eles faz recair a ironia, o sarcasmo ou o

deboche. A classe é expressão gregária e obedece a alguns condutores.

Os líderes naturais, formadores de opinião, respeitados por todo o grupo,

estes precisam estar atentos para impedir que os colegas martirizem

outros, submetendo-os a contínuos vexames. Episódios lamentáveis uma

e outra vez são registrados, em que o aluno é obrigado a se transferir, talo

clima de animosidade instaurado em sua classe.

A virtude, em todas essas hipóteses, é geradora de consistente satisfação

naquele que se dispôs a abrir-se ao convívio. Ela dá prazer enorme a

quem a pratica. Envolver-se na tentativa de mitigar a carga alheia de

problemas é remédio para o trato da sua própria cota de infelicidade. E o

treino durante a Universidade não é senão experiência adquirida para um

saudável exercício profissional pouco adiante.

1.4 Relacionamento com os professores

Recrutam-se professores para a Faculdade de Direito dentre os

profissionais exitosos em suas respectivas carreiras. Os formados em

Direito fornecem quadros para um dos poderes do Estado - o Judiciário -

e para instituições prestigiadas como o Ministério Público e a advocacia,

ambas essenciais à administração da Justiça. Existe, portanto,

contingente enorme de potencial mão-de-obra para a indústria do ensino

jurídico.

Tal circunstância vai condicionar o perfil do professor de Direito. O juiz

é convidado a lecionar porque venceu o severo concurso de ingresso e

tomou-se expressão da soberania estatal. O mesmo vale para o integrante

do Ministério Público. Não se indaga sobre seus pendores didático-

pedagógicos. A exigência de uma formação para o magistério sempre foi

encarada com resistência pelos operadores jurídicos. A questão é

realmente polêmica. O sucesso na carreira já credencia o profissional

como vitorioso, apto a demonstrar com sua experiência que a opção do

estudante está no reto caminho, valeu a pena e propicia êxito. Nem

sempre, contudo, a proficiência na carreira se faz acompanhar por

inequívocos dotes na transmissão do conhecimento. Profissionais de

reconhecido prestígio não são professores de mérito. Outros há,

privilegiados, que acumulam as qualidades.

Novamente se invoque o princípio do justo-termo. O operador jurídico

bem sucedido, respeitado em sua profissão, reveste condições para ser

um educador eficiente. Para isso, não constitui demasia reclamar-se

formação específica. Não parece necessário um curso universitário

regular de pedagogia, mas algumas noções de didática, de metodologia

do ensino jurídico poderiam formar o formador, com reflexos evidentes

na qualidade da educação do Direito.

Em virtude da especialíssima situação do corpo docente da Faculdade de

Direito, nem sempre o convívio com o alunado é o ideal.

As turmas ainda são muito numerosas. Isso impede o contato pessoal

entre professor e aluno. É raro tenha o mestre condições de identificar

por nome os estudantes de sua classe. Não lhe é permitido trabalhar em

grupos, orientar estudos e privar da companhia dos seus discípulos.

O fato de dedicar-se a outra carreira, que é a responsável por seu

sustento, faz com que as aulas sejam objeto de preocupação secundária.

A remuneração nas Faculdades não estimula o professor a uma dedicação

mais intensa. Envolvido com seus afazeres profissionais, devota-se ao

ensino pelo tempo necessário à ministração das aulas. São fatores de

distanciamento para os quais o aluno deve atentar, pois os mestres do

Direito sempre são estimulados quando o discente demonstra um

interesse genuíno por sua formação.

Todo universitário que fizer chegar ao seu mestre a pretensão legítima a

uma orientação intelectual direcionada a determinado concurso ou

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atividade sem dúvida será bem recebido. A aproximação mestre/aluno é

sempre benéfica ao processo do aprendizado. Nada obsta que o passo

inicial parta do discípulo, se não brotar do próprio mestre.

Algumas regras há que nem se podem dizer éticas, mas se mostram

relevantes para a edificação de um clima de cordialidade e estima. São os

pequenos gestos denunciadores de respeito, como prestigiar a aula,

atentar para a exposição, indagar e contribuir para um debate fecundo. Os

alunos de antigamente faziam saudação inicial aos professores, quando

tomavam contato com eles pela primeira vez. Saudavam-nos no dia do

professor e, a final, agradeciam pela oportunidade de convivência

acrescentadora de seus conhecimentos e experiência.

Os tempos são outros. Mas as pessoas continuam as mesmas. Suscetíveis

de se sensibilizarem com gestos singelos, mas que predispõem o

professor a conferir maior afinco à missão de ensinar.

Ética é também a conduta do aluno que, tendo razões de queixa em

relação ao professor, as expõe ao próprio interessado, antes de procurar

direção ou entidade mantenedora para solicitar a substituição do docente.

Essa praxe até ocorre em grandes empresas de prestação educacional,

onde o consumidor é o aluno e ele deve estar sempre satisfeito com o

produto. Afasta-se ela, todavia, do ideal ético da verdade, da

transparência, da lealdade e da correção. O profissional do Direito deve

enfrentar todas as questões de maneira frontal, sem se abrigar no

anonimato e sem recorrer a técnicas pouco preservadoras da dignidade

do próximo.

A relação professor/aluno deve ser franca, amistosa, cooperativa. Se

assim for, o ensino fluirá mais naturalmente, o aprendizado será um

processo espontâneo. O encontro entre estudantes de Direito menos

experientes e mais experientes - outra coisa não é o professor - deve ser

uma parcela prazenteira do período regular de estudo. O ideal seria o

estabelecimento de laços de amizade entre eles. Onde existe afeição, a

conduta ética virá por acréscimo, desnecessárias profundas cogitações.

Só muito mais tarde o profissional terá condições de reconhecer o mérito

daqueles educadores que o orientaram, que serviram de sinalizadores e

de paradigmas em sua formação. Quase sempre, quando isso ocorre, a

falta da presença física do Mestre já não permitirá ao discípulo

agradecido a exteriorização de seu reconhecimento.

1.5 O estudante e a sociedade

Todo estudante é um devedor, inicialmente insolvente, da comunidade

por ele integrada. Para assegurar-lhe vaga no sistema reconhecido de

educação regular, ela investiu consideravelmente. Num país de escassos

recursos ante inesgotáveis necessidades, outros bens da vida foram

sacrificados para garantir essa oportunidade de conclusão do ciclo

normal de formação.

O estudante precisa devolver à sociedade um pouco daquilo que ela

investiu nele, mediante participação efetiva no processo político, não

deixando de se interessar por eleições, votando e podendo ser, eleito, e

mediante aproveitamento efetivo dos recursos postos à sua disposição.

É engano pensar que a mensalidade atende a todas as necessidades da

escola. A educação é subsidiada, considerando-se a participação estatal

em seus projetos privados. Pagar é obrigação de quem contrata os

serviços educacionais de uma empresa. Mas esta se beneficia também de

recursos governamentais, resultantes de uma coleta a que acorrem todas

as pessoas. Mesmo aquelas subtraídas ao processo educacional comum.

Raramente se detém a pensar que o excluído, aquele que não pode

estudar na época mais favorável, também sustenta o sistema educacional

de seu país. Se o estudante tivesse noção plena dessa realidade, saberia

dedicar-se com responsabilidade maior ao seu projeto pessoal de

aprendizado.

Todo estudante pode melhorar seu país, mesmo antes de se formar,

participando de projetos de promoção humana, integrando-se a serviços

voluntários tendentes ao resgate dos excluídos, atuando decisivamente na

fixação dos rumos da conduta dos titulares de funções públicas.

A nacionalidade parece haver despertado para a vergonha da miséria e o

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movimento Comunidade solidária precisa de todos os brasileiros para

reduzir os índices de exclusão que envergonham qualquer compatriota.

Inúmeras organizações não governamentais - ONGs - se prestam a

motivar a comunidade a zelar por interesses descuidados e de cuja tutela

pode depender a própria subsistência da humanidade. Os detentores de

funções públicas são exercentes transitórios de um mandato outorgado

pela cidadania. Esta tem o dever ético de fiscalizar o eleito, para que a

sua postura parlamentar ou de governo não se afaste do ideal assinalado

pela comunidade.

O estudante de Direito tem grande poder e a História está pontuada de

episódios heróicos em que a luta dos acadêmicos serviu à defesa da

democracia, da liberdade e da ordem jurídica. O Brasil está a viver uma

tênue experiência democrática, de futuro ainda condicionado ao êxito da

estabilização econômica. Por isso toda atuação acadêmica tendente ao

fortalecimento democrático é bem-vinda.

Freqüentar aulas, estudar, fazer trabalhos, pesquisar e se submeter a

avaliações é o mínimo ético reclamado ao universitário. Mais do que

isso, ele precisa ingressar na vida política, num sentido bastante amplo,

favorecendo com as luzes de seu conhecimento e com o entusiasmo de

sua juventude, a consecução de objetivos propiciadores de um futuro

cada vez mais digno à sua Pátria.

1.6 A Ética do professor de Direito

Este tópico não está deslocado no capítulo dedicado à ética dos

estudantes de Direito. O professor de Direito não é senão um estudante

qualificado, mais experiente e responsável pelo despertar de outros

colegas para viver a paixão fascinante pelas ciências jurídicas.

O que leva uma pessoa a aceitar uma função de professor de Direito?

As respostas podem ser múltiplas. A menos provável delas é a de que

pretende, com isso, sustentar-se e à família. A remuneração, quase

sempre, chega a ser indecorosa, mesmo naqueles estabelecimentos

integrados em grandes empresas educacionais, voltadas à exploração de

uma atividade lucrativa como outra qualquer no desenfreado capitalismo

da pós-modernidade. A sociedade brasileira vem adquirindo fisionomia

singular, onde o valor reside na aparência, no físico, no lazer e no

entretenimento. Qualquer propagador de cultura tradicional está excluído

do processo do enriquecimento. Não se premia a cultura e a erudição,

mas o show e o circo.

Existem ainda os professores vocacionados. Aqueles que acreditam que o

Direito é instrumento de solução das controvérsias, de pacificação e

harmonização comunitária e de realização da democracia. Estes fazem do

magistério um sacerdócio e nutrem a esperança de estar a construir o

futuro. Mas também não se exclua a meta da obtenção de prestígio,

favorecedor do êxito em outras atividades, nas quais o título de professor

universitário ainda impressiona. E os que pretendem conviver com a

juventude, extraindo dela um pouco de ânimo para vencer os embates

existenciais. Ou os que nisso enxergam oportunidade para atualizar os

estudos, enfrentar o desafio de se colocar diante da mocidade e ouvir

suas cobranças, sua sinceridade cruel e até, muita vez, insolente.

Há um misto de tudo isso nos quadros do magistério superior jurídico

brasileiro. Parte-se de uma constatação empírica e genérica, sem

contemplar alguns casos episódicos e extremados. Como o daqueles que,

na cátedra, pretendem apenas criar uma clientela fixa para a compra de

suas apostilas ou livros. Ou de quem precise de um argumento forte para

estar fora de casa ao menos duas vezes por semana, convivendo com

jovens que se tomam companheiros - mais ainda companheiras - de

noitadas, de chopadas e de esticadas em barzinhos de convívio.

Esta reflexão não serve a caracterizar o magistério em outras carreiras e a

sofrida classe do magistério do ensino básico e fundamental. Conseguiu-

se, em algumas décadas, proletarizar o professor, hoje mal remunerado,

sem perspectivas de carreira, sem possibilidade de continuar seus estudos

e às voltas com um alunado a cada dia mais rebelde, indisciplinado e sem

limites. Enquanto não se conferir seriedade ao trato da educação, a

começar da seleção e da reciclagem dos professores, não haverá solução

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eficiente para muitos dos problemas brasileiros.

O que também não existe ainda no Brasil é um processo completo e real

de formação do professor de Direito. A pós-graduação em sentido estrito

contribui para a elaboração de dissertações e teses relevantes. Pouco

investe, porém, na preparação de educadores. Favorece-se

exclusivamente o estudo do Direito, sem se deter no ensino da didática,

da pedagogia, da psicologia educacional e das modernas técnicas de

transmissão do conhecimento.

Não são muitos os professores preocupados com isso. Raros aqueles que

se propõem uma reciclagem ou um aprendizado de tais saberes, sem os

quais grande parte da cultura jurídica do docente deixa de chegar ao

discente. Um pouco de técnica de ensino auxiliaria notáveis juristas a um

salto qualitativo no desempenho docente, com reflexos favoráveis no

processo formativo das novas gerações de estudantes do direito.

O primeiro cânone ético do professor de Direito é conscientizar-se de

que, na cátedra, ele não é juiz, nem promotor, nem advogado ou qualquer

outro profissional do direito. Ele é professor, é alguém cuja incumbência

é formar um colega, é fazer com que os quadros jurídicos de reposição

sejam preparados com ciência e com ética.

Tomar-se cada vez melhor professor não é impossível. Quem gosta de

ensinar ou aprecia o convívio com a juventude não encontrará

dificuldades em desobstruir os canais impeditivos de uma eficiente

transmissão do conhecimento.

Exigências éticas também residem no compromisso de oferecer ao

educando não somente préstimos de ensino técnico, senão de orientação

moral, pois não há verdadeiro progresso se não houver progresso moral.

Mais do que um compilador de jurisprudência, alguém proficiente no

manuseio dos códigos e na assimilação da doutrina, o mundo precisa de

um jurista eticamente engajado num projeto de redenção de seus

semelhantes. O profissional do Direito é aquele que poderá fornecer

alternativas à violência, à competição, ao menosprezo à dignidade

humana. Somente uma alma bem formada terá condições de contribuir

para uma nova era, mais sensível aos verdadeiros valores, menos

oprimida pela necessidade de vencer a qualquer preço.

O professor já não se considera responsável pela moral de seus alunos.

Principalmente na Faculdade, eles chegam cidadãos feitos, de caráter e

personalidade praticamente acabada. São os filhos da TV, dos vídeo

games, das salas de chat da conversa virtual, da liberação dos costumes,

da permissividade, das mães que abdicaram das tarefas domésticas e não

encontraram quem as substituísse, de pais assustados com o avanço do

feminismo. Alguém deve ter coragem,de dizer a esses jovens em que

acreditar, redescobrindo a singeleza das coisas essenciais - o valor da

família, da solidariedade, da lealdade, a finitude da vida e a sua

celeridade, o destino de transcendência da humanidade, o compromisso

de contínuo aperfeiçoamento na breve aventura terrestre.

Ainda é tempo de o professor resgatar as qualidades de uma carreira que

já teve concretamente reconhecida a sua nobreza na hierarquia das

profissões liberais. Basta aceitar que sua missão envolve mais do que

ensinar direito. Do autêntico mestre se aguarda transmita lições e prática

do respeito, da moral, da amizade, da tolerância e da compreensão.

Para desincumbir-se de um compromisso de tamanha abrangência, não

basta conhecer ética. Antes, é preciso acreditar na ética e viver

eticamente.

Impregnando-se de consciência ética, o docente jurídico de imediato

reconhecerá que a escola de Direito deve formar bons profissionais,

tecnicamente preparados, mas, antes disso, deve preocupar-se com a

formação de cidadãos conscientes. A escola não pode se limitar a

transmitir algum conhecimento jurídico e lançar à competição do

mercado profissionais que encontram dificuldade nos exames da OAB,

demonstram resultados sofríveis nos concursos públicos às carreiras

forenses e, em sua imensa maioria, continuam a desempenhar as funções

e a ocupar os empregos anteriores à colação de grau. Ela também tem o

dever ético de tomar útil o diploma de Direito, de conscientizar o aluno

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sem vocação de que deverá procurar um curso compatível com suas

aptidões e de que aqueles que permanecerem deverão demonstrar paixão

pelo Direito.

As escolas, em geral, não estão educando para a vida. Transmitem

conhecimento de que o aluno não extrairá proveito em sua subsistência,

pois divorciado das exigências concretas postas à pessoa. Mas a escola, a

mantenedora, a Universidade, a Reitoria, a direção constituem realidades

abstratas para o aluno. A pessoa que, concretamente, ocupa o seu dia-a-

dia é o professor. Este não pode deixar de se imbuir da responsabilidade

de alertar o educando de todos os desafios que encontrará a partir da

conclusão do curso. A relação que se estabelece entre professor e aluno é

pessoal, palpável e duradoura. Ela gera efeitos cuja qualidade está

condicionada ao senso crítico do docente. Dele depende tomar-se alguém

que exerça influência permanente sobre a formação do aluno, ou ocupar

sem convicção um lugar no professorado universitário.

Não se é professor compulsoriamente. O corpo docente da Faculdade de

Direito é integrado de profissionais competentes e pessoas idôneas em

suas carreiras. Embora o sistema esteja todo comprometido com a

inércia, a reforma do ensino jurídico pode partir de uma reforma da

consciência do professor. Ele poderá transformar o mundo se iniciar uma

conversão de sua consciência, pondo-a a serviço da formação integral do

jovem perante ele colocado.

1.7 A Ética da Universidade

Em substancioso texto, Ricardo Henry Marques Dip, educador por

excelência, analisa o que pode ser a morte da Universidade, ao ponderar:

"Quando autores de variada geografia e diversa doutrina falam, numa

linguagem comum e atual, na Universidade moribunda (Vargas Llosa),

na Universidade que agoniza (Alian Bloom), na Universidade que

reclama socorro para não morrer (Pierre Aubenque), parece que cabe

ver nesses alardes em uníssono uma perspectiva até então não

vislumbrada para o século XXI: o desaparecimento da Universidade"150

Conclua-se ou não como esses autores, a Universidade vive uma crise. E

em Estado-Nação de desenvolvimento heterogêneo como o Brasil, uma

crise angustiante, pré-comatosa. "Mera fábrica de habilitações (Patricio

Randle), supermercado de guloseimas (Bernardino Montejano), a

Universidade dos nossos tempos, apoiada na cosmovisão da aparência,

abdicou, senão inteiramente, em muita parte, de sua autoridade moral e

intelectual, permitindo que, com um poder extraordinário, os meios de

comunicação ocupassem o espaço e a tarefa que à Universidade estavam

destinados pela sociedade que a nutre. Apartada da tradição de sua

cultura, alheia de uma filosofia que a pudesse alimentar, cerrada aos

problemas de seu tempo, a Universidade agoniza, faz-se moribunda,

pede um socorro que não se pode predizer chegue a ponto de recobrá-

la"151

.

A sociedade não se mostra satisfeita com sua Universidade. A própria

comunidade universitária também já não se aceita nos moldes como

funciona. Seus alunos não se conformam com o distanciamento entre as

necessidades do mundo e o acervo de conhecimentos que lhes é

transmitido. Seus professores vivenciam desalento, vendo o país

remunerar com generosidade os apresentadores de TV, os jogadores de

futebol, as dançarinas do sensualismo e a eles reservar uma carreira

medíocre, sem garantia de subsistência digna quando da aposentadoria.

Quem se dedica à pesquisa, depois de uma vida toda empenhada em

estudos e análises, não percebe o suficiente para sustentar uma velhice

digna. Não há estímulo para o estudo. Os prêmios para a cultura são

simbólicos. O Governo, em fase de enxugamento, pretende sacrificar

ainda mais as dotações para a Universidade.

De situação tal não escapam nem as Universidades Católicas, nascidas

150

RICARDO HENRY MARQUES DIP, "Para a retificação do ensino jurídico no

Brasil", in Temas Atuais de Direito, edição comemorativa do Jubileu de Prata da

Academia Paulista de Direito, São Paulo: Ltr, coord. Milton Paulo de Carvalho, 1998,

p. 59. 151 RICARDO HENRY MARQUES DIP, "Para a retificação do ensino jurídico no

Brasil", cit., idem, p. 60.

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no coração da Igreja e inseridas no sulco da tradição que remonta à própria origem da Universidade como instituição, revelando-se sempre

um centro incomparável de criatividade e de irradiação do saber para o

bem da humanidade152

.

A educação é necessidade a mais premente para um país de terceiro

mundo. O terceiro milênio será a era do saber, erigida sobre o capital

único do conhecimento. Essa constatação é um truísmo, reiterado e

recorrente em solenes proclamações. A implementação de um programa

consistente de educação para todos - sem contemplar idade, pois o

projeto ideal é continuado e para sempre - esbarra em alguns óbices de

índole ética.

A educação é direito de todos e dever do Estado e da família e será

promovida e incentivada com a colaboração da sociedade153

.

A

coexistência de instituições públicas e privadas de ensino154

permite o

desenvolvimento de significativo número de iniciativas. Nem todas

podem ser consideradas padrões éticos de instituições educacionais.

Aos proprietários de escolas precisa acudir a límpida admoestação de

Miguel Reale: "A educação tem, em verdade, como fim primordial

aformação e a realização da personalidade, o que significa a

constituição de um sujeito consciente de sua própria valia e, por

conseguinte, em condições de afirmar e salvaguardar sua própria

liberdade"155

. Não há perversão em se obter lucro com educação.

Perverso é pensar apenas em lucro, em detrimento da excelência nos

sistemas de aprendizado e ensino.

O novo currículo jurídico156

representa significativa intenção de avanço

152

JOÃO PAULO II, Constituição Apostólica sobre as Universidades Católicas, de

15.08.1990. 153

Artigo 205 da Constituição da República Federativa do Brasil. 154

Artigo 206, inciso m, da Constituição da República. 155

MIGUEL REALE, "Variações sobre a educação", O Estado de S. Paulo de 31.1

0.1998. 156

Portaria 1. 886, de 30.12.1994, do Ministro de Estado de Educação e do Desporto,

no estudo do Direito. Ele também gerou uma cultura de qualidade total

no ensino, preocupando-se as mantenedoras em qualificar o pessoal

docente, em dotar as bibliotecas de elementos de consulta e em preparar

os alunos para as provas de avaliação.

Está em causa, todavia, algo muito mais relevante. A Universidade está

sendo chamada a uma contínua renovação, pois "está em causa o

significado 'da investigação científica e da tecnologia, da convivência

social, da cultura, mas, mais profundamente ainda, está em causa o

próprio significado do homem"157

. Embora destinadas às instituições

católicas de ensino superior, as disposições contidas na Constituição

Apostólica de João Paulo II sobre as Universidades Católicas podem

representar um parâmetro seguro de atuação dos institutos de ensino

superior em um Estado-Nação como o Brasil.

Toda Universidade, "enquanto Universidade, é uma comunidade

acadêmica que, dum modo rigoroso e crítico, contribui para a defesa e o

desenvolvimento da dignidade humana e para a herança cultural

mediante a investigação, o ensino e os diversos serviços prestados às

comunidades locais, nacionais e internacionais"158

. Para bem

desempenhar sua tarefa, precisa de autonomia institucional e de garantia

de liberdade acadêmica preordenada à salvaguarda dos direitos do

indivíduo e da comunidade, no âmbito das exigências da verdade e do

bem comum159

.

que fixou as diretrizes curriculares e o conteúdo mínimo do curso jurídico. 157

JOÃO PAULO 11, Alocução ao Congresso Internacional sobre as Universidades

Católicas, 25.04.1989, n.34, AAS-18, 1989, p. 1.218. 158

La Magna Charta delle Università Erupee, Bolonha, Itália, 18.09.1988, Princípios

Fundamentais. 159

CONCÍLIO VATICANO 11, Constituição Pastoral sobre a Igreja no mundo

contemporâneo Gaudium et Spes., n.59, AAS-58, 1966, p.1.080, Gravissimum

educationis, n. 10, AAS-58, 1966, p. 737. Autonomia Institucional significa que o

governo de uma instituição acadêmica é e permanece interno à instituição. Liberdade

acadêmica é a garantia, dada a quantos se dedicam ao ensino e à investigação de, no

âmbito do seu campo específico de conhecimento e de acordo com os métodos próprios

de tal área, poder procurar a verdade em toda a parte onde a análise e a evidência as

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A consciência das finalidades de uma Universidade que pretenda

subsistir no terceiro milênio conduzirá a uma coesão de princípios, com o

trabalho em comunhão dos dirigentes, dos professores, dos alunos e do

pessoal administrativo. E a Universidade imbuída de sua

responsabilidade ética é solicitada a ser instrumento cada vez mais eficaz

de desenvolvimento cultural para os indivíduos e para a sociedade. "As

suas atividades de investigação, portanto, incluirão o estudo dos graves

problemas contemporâneos, como a dignidade da vida humana, a

promoção da justiça para todos, a qualidade da vida pessoal e familiar,

a proteção da natureza, a procura da paz e da estabilidade política, a

repartição mais equânime das riquezas do mundo e uma nova ordem

econômica e política, que sirva melhor a comunidade humana em nível

nacional e internacional. A investigação universitária será dirigida a

estudar em profundidade as raízes e as causas dos graves problemas do

nosso tempo, reservando atenção especial às suas dimensões éticas e

religiosas160

.

A responsabilidade ética da Universidade num Estado-Nação de miséria

crescente é de evidência palmar161

. Essa a Instituição especificamente

conduzam, e de poder ensinar e publicar os resultados de tal investigação, tendo

presentes os critérios de salvaguarda dos direitos do indivíduo e da comunidade, das

exigências da verdade e do bem comum. 160

JOÃO PAULO 11, Constituição Apostólica sobre as Universidades Católicas, cit.,

idem. 161

O relatório do Banco Interamericano de Desenvolvimento-BID, intitulado

Enfrentando a Desigualdade na América Latina, divulgado em novembro de 1998,

constata que a América Latina é a região do mundo que exibe a maior desigualdade de

renda e o Brasil é o campeão absoluto da categoria. Os 10% mais ricos do País detêm

47% da renda nacional, ou 58 vezes mais do que os lO% mais pobres. E o fenômeno

está intimamente vinculado à educação. O tempo da escolaridade entre os 10% mais

ricos é de 10,53 anos, enquanto entre os 10% mais pobres é de 1,98. Apenas 19%

dentre os mais pobres completam o curso primário. E quem são os mais ricos? São

principalmente empregados e profissionais que recebem uma alta taxa de retorno por

sua educação e experiência. As diferenças de escolaridade são transmitidas de uma

geração a outra pela família, pela transferência de recursos que os pais fazem quando

limitam seu consumo para pagar pela educação dos filhos, que gozarão dos benefícios

do capital humano acumulado no mercado de trabalho futuro. As informações

necessárias estão na página do BID da Internet - http:/ /www.iadb.org.

destinada a reformar o mundo, assegurando a verdade que liberta e

promovendo a consecução dos objetivos nacionais rumo à edificação de

uma comunidade justa, fraterna e solidária. É da Universidade que

poderia provir a alternativa ao esvaziamento da cidadania, fenômeno

reiteradamente constatado por José Eduardo Faria: "... a simbiose entre a

erosão da ordem estatal e a conversão do mercado em árbitro das

decisões finais desarticula os mecanismos de formação das vontades

coletivas, mina a efetividade da ação redistributiva dos governos,

dissolve a distinção entre público e privado e esvazia o papel

transformador das práticas políticas. Como nesse contexto a cidadania

simplesmente se esvanece, ao impedir a democracia de assegurar

padrões mínimos de igualdade material e integração social, a simbiose

entre Estados fracos, governos impotentes e mercados cada vez mais

desregulamentados e autônomos também liquida todo um padrão ético e

todo um sistema de direitos construídos em torno de valores como o

respeito à dignidade humana e às liberdades públicas "162

.

Abandone-se a sua destinação episódica de legitimadora de requisitos

para o exercício profissional ou de mera mercadora de diplomas, para

assumir-se como instância privilegiada de repensamento do pacto social.

Afinal, a Universidade é a fábrica da educação. E a idéia da educação foi

concebida como "condição imprescindível para que a história, tal como

foi postulado pelo filósofo Benedetto Croce, seja efetivamente a façanha

da liberdade, fruto da educação, outrora momento inicial da formação

do homem e, já agora, exigência perene que acompanha o homem ao

longo de toda a sua existência. Vivemos, com efeito, num mundo tão

162 JOSÉ EDUARDO CAMPOS DE OLIVEIRA FARIA, O direito na economia

globalizada, Malheiros-Editorial Trotta, no prelo. A visão do sociólogo e Mestre da

USP é pessimista: "Por ironia, tudo isso vem ocorrendo justamente quando a

Declaração Universal dos Direitos do Homem, forjada como resposta simbólica às

barbáries da 2ª. Guerra, completa seu primeiro cinqüentenário. Com a exclusão social

trivializando o desrespeito sistemático de seus princípios, comprometendo o futuro

imediato das novas gerações por falta de oportunidades profissionais, tornando os

mecanismos representativos manipuláveis pela demagogia, pelo messianismo, pela

xenofobia e pelo cinismo, abrindo caminho para formas tardias de fascismo e levando

à banalização da violência autodefensiva por parte dos incluídos, há motivos para

alguma comemoração?".

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marcado pelas constantes mudanças que, dia a dia, nos reciclamos, isto

é, nos educamos, tanto para enriquecimento interior como para nos

tornarmos aptos a viver com a virtude da contemporaneidade"163

.

A Universidade brasileira tem uma hipoteca a resgatar junto aos

excluídos. Se o não fizer, terá decretada a sua insolvência moral,

apressando o seu destino rumo ao nada, como antevêem não poucos

pensadores contemporâneos.

1.8 O futuro ético da Universidade

A comunidade foi despertada para a reivindicação participativa e tem

adquirido treino social progressivo. Já se reivindica mais, já se fiscaliza a

atuação do homem público e das instituições, já se cobram coerência e

transparência. Parece chegado o momento de inverter a perversa equação

reinante, traduzível por uma insensibilidade quanto à coisa pública,

considerada res nullius (coisa sem dono).

A Universidade poderá colher os frutos dessa participação consciente da

cidadania. A conquista de estágio mais condigno para a nação brasileira,

aspiração de um Estado de Direito de índole democrática, está

condicionada a um salto qualitativo na educação. E um projeto

consistente de educação integral se subordina à formação de quadros,

tarefa indelegável da Universidade.

A preocupação com uma educação mais consistente, otimizadora de seus

instrumentos e resultados, não é apenas brasileira. Mas o Brasil é um país

que necessita muito mais do que os outros de um tratamento sério para o

tema. Todos os males brasileiros residem na educação.

Miséria, exclusão, corrupção, maltrato da coisa pública, destruição da

natureza, violência, nada existe de ruim que não possa ser atribuível à

falência do projeto educativo de uma sociedade heterogênea.

163

MIGUEL REALE, Variações sobre a educação, cit., idem, ibidem.

A Educação para o presente século, o século XXI, se assenta sobre

quatro pilares: aprender a ser, aprender a fazer, aprender a viver juntos e

aprender a conhecer164

. Na visão de Basarab Nicolescu, Presidente do

Centro Internacional de Estudos e Pesquisas Transdisciplinares-CIRET,

"há uma transrelação que liga os quatro pilares do novo sistema de

educação e que tem sua origem em nossa própria constituição como

seres humanos. Uma educação só pode ser viável se for uma educação

integral do ser humano. Uma educação que se dirige à totalidade aberta

do ser humano e não apenas a um de seus componentes"165

. Depende de

toda a sociedade brasileira investir nesses quatro pilares, para converter a

Universidade em um centro de transformação do mundo, muito mais do

que um espaço fechado de diletantismo e esgrima entre intelectualidades

vaidosas.

A educação do futuro precisa ser transdisciplinar. Estão superadas as

compartimentações. Antes da multiplicação preservada de formulações

medievais - esse o modelo universitário ainda vigente e reproduzido sem

criatividade - é mister oferecer um novo paradigma de ensino neste

século.

Edgar Morin aceitou o desafio de aprofundar a visão transdisciplinar da

educação, atendendo a uma solicitação da UNESCO. Produziu um texto

instigante, que denominou Os Sete Saberes Necessários à Educação do

Futuro, e este pode ser um roteiro para os atuais estudiosos da questão

educacional.

O primeiro dos saberes contempla as cegueiras do conhecimento: o erro

e a ilusão. Segundo o próprio Morin, "é impressionante que a educação

que visa a transmitir conhecimentos seja cega quanto ao que é o

conhecimento humano, seus dispositivos, enfermidades, dificuldades,

tendências ao erro e à ilusão, e não se preocupe em fazer conhecer o que

164

Estes quatro pilares são aqueles indicados pelo Relatório Delors, assim chamado

pois coordenado por Jacques Delors, pela Comissão Internacional sobre a Educação

para o Século XXI. Ler Os sete saberes necessários à educação do futuro, Edgar

Morin, São Paulo/Brasília, Editora Cortez, Unesco, 2000, p. 11. 165

EDGAR MORlN, Os sete saberes, cit., idem, ibidem.

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é conhecer"166

.25 É essencial introduzir e desenvolver no processo

educacional o estudo das características mentais e culturais do

conhecimento, com vistas a evitar o erro ou a ilusão.

O segundo saber diz com os princípios do conhecimento pertinente. A

técnica da compartimentação na transmissão do conhecimento impede a

apreensão do conjunto, rompe o vínculo entre partes e totalidade.

Cumpre fazer com que sejam apreendidos os objetos em seu contexto,

sua complexidade e seu conjunto.

Como terceiro saber está o ensino da condição humana. "O ser humano é a um só tempo físico, biológico, psíquico, cultural, social, histórico. Esta

unidade complexa da natureza humana é totalmente desintegrada na

educação por meio das disciplinas, tendo-se tornado impossível

aprender o que significa ser humano"167

. Investindo nesse saber,

capacitar-se-á o indivíduo a reconhecer a unidade e a complexidade

humana. O ser educando poderá, a partir dele, tomar consciência de sua

identidade complexa e de sua identidade comum a todos os outros

humanos.

Ensinar a identidade terrena é o objeto do quarto saber. A chamada

globalização, que teve início muito antes do que se convém afirmar, mas

já existia no século XVI, deve ser encarada sob a ótica da solidariedade.

A humanidade partilha de um destino comum. Basta examinar as

agressões causadas à natureza. O efeito estufa não interessa apenas aos

mais agressivos dentre os emissores de carbono. O suicídio da

humanidade é obra coletiva e ninguém se salvará sozinho se a Terra vier

a perecer.

O quinto saber é enfrentar as incertezas. Se as ciências permitem que

tenhamos hoje muitas certezas, ainda perduram as zonas de incerteza.

Nossa educação tradicional se preocupa com a transmissão das certezas e

se descuida de abordar as incertezas. Estas são muito maiores. Os

166

EDGAR MORlN, op. cit., idem, p. 13-14. 167

EDGAR MORIN, op. cit., idem, p. 14-15.

teoremas estão quase todos resolvidos. Mesmo assim, insiste-se em

submeter os alunos ao suplício de resolvê-los, assim como às equações e

logaritmos. Ainda existe preocupação com a memorização das fórmulas

químicas e com a classificação sintática das palavras e das expressões na

frase.

Será que isso contribui, efetivamente, para tornar o educando um ser

mais crítico, consciente e, a final, mais feliz?

A Escola precisa preparar para a vida. E a vida oferece mais imprevistos

do que o previsível. A Universidade repete o conhecimento já mastigado

e sedimentado, sem fornecer ao alunado as estratégias hábeis ao

enfrentamento do inesperado. Lembra Morin, "é preciso aprender a

navegar em um oceano de incertezas em meio a arquipélagos de

certeza"168

. E completa: "Afórmula do poeta grego Eurípedes, que data

de vinte e cinco séculos, nunca foi tão atual: o esperado não se cumpre,

e ao inesperado um deus abre o caminho. O abandono das concepções

deterministas da história humana, que acreditavam poder predizer nosso

futuro, o estudo dos grandes acontecimentos e desastres de nosso século,

todos inesperados, o caráter doravante desconhecido da aventura

humana devem-nos incitar a preparar as mentes para esperar o

inesperado, para enfrentá-lo. É necessário que todos os que se ocupam

da educação constituam a vanguarda ante a incerteza de nossos

tempos"169

.

O sexto saber é o ensino da compreensão. Embora sendo meio e fim da

comunicação humana, a compreensão é ignorada pela educação

convencional. Dela apenas se ocupam as confissões religiosas e essa

transmissão é considerada propagandística, vinculada a objetivos

salvíficos e, como regra, pouco respeitada pela comunidade científica.

Adverte Edgar Morin que "o planeta necessita, em todos os sentidos, de

compreensão mútua"170

. Sem compreensão não haverá espaço para a

168 EDGAR MORIN, op. cit., idem, p. 16. 169

EDGAR MORIN, op. cit., idem, ibidem. 170

EDGAR MORIN, op. cit., idem, p. 17.

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verdadeira democracia, nem para a edificação de uma sociedade menos

iníqua. Para haver compreensão, haverá necessidade de reforma de

mentalidades. Este um dos principais objetivos da educação do presente.

À compreensão só se chegará se houver conhecimento mais preciso do

que é a incompreensão. Mergulhando no estudo das causas e raízes da

incompreensão humana, saber-se-á imunizar o homem contra o

preconceito, o racismo, a xenofobia, o desprezo, a indiferença, a

insensibilidade. Haverá, com isso, condições mais propícias para o

reconhecimento do outro, de seu espaço e de seus direitos, um dos

dramas da vida democrática. Conhecendo-se a incompreensão e suas

causas, estar-se-á educando para a paz, destino ao qual a humanidade

precisa estar vinculada, por essência e ínsita destinação.

O último dos saberes é o mais importante para estas reflexões, pois

incide sobre a ética do gênero humano. Explica-o, com palavras muito

lúcidas, o formulador Edgar Morin: "A educação deve conduzir à

antropo-ética, levando em conta o caráter ternário da condição humana,

que é ser ao mesmo tempo indivíduo/sociedade/espécie. Nesse sentido, a

ética indivíduo/espécie necessita do controle mútuo da sociedade pelo

indivíduo e do indivíduo pela sociedade, ou seja, a democracia; a ética

indivíduo/espécie convoca, ao século XXI, a cidadania terrestre"171

A educação ética é a alternativa mais eficaz de tomar cada indivíduo um

zeloso controlador da vida democrática. O melhor termômetro dos

índices democráticos é a vigilância ativa por parte de uma cidadania

consciente. Não se ensinará tal ética apenas mediante lições de moral.

Será mais eficiente semeá-la nas mentes juvenis - não necessariamente

juvenis em termos cronológicos, mas em vista da vontade de transformar

o mundo - com fundamentos na consciência de que o homem não é um

ser uno e isolado. Cada homem é, simultaneamente, indivíduo, cidadão e

parcela da espécie. A tríplice realidade impõe um desenvolvimento

também complexo. O desenvolvimento verdadeiramente humano precisa

abranger o crescimento em plenitude e conjunto das autonomias

171 EDGAR MORIN, op. cit., idem, ibidem.

individuais, das participações comunitárias e da consciência de pertença

à espécie humana, a mais nobre dentre as criadas.

Uma Universidade fundada sobre os quatro pilares e empenhada em

desenvolver esses novos saberes será um laboratório de vida democrática

e uma usina produtora da compreensão. O campo está aberto para tentar

essa nova utopia. Há lugar para isso. Não apenas porque o projeto de

expansão educacional promovido pelas autoridades brasileiras acredita

num processo de decantação natural, com futura sobrevivência das boas

escolas e sufocamento das más, todavia por um outro motivo mais

profundo.

É que as utopias estão na moda. Estão sendo revigoradas. "Normalmente

a mudança de idéias precede as mudanças sociais, não o contrário.

Assim, uma descoberta científica acontece às vezes por acaso, mas uma

visão nova (uma revolução científica, no dizer de Thomas Kuhn) anterior

tornou-a possível. ( ... ) Deste modo, é possível definir o sentido atual de

utopia. Antes de ser o produto de uma mente genial trancada em um

gabinete, ela é resposta a uma situação e a um problema comum, ela é uma aspiração partilhada"

172.

Essa aspiração partilhada já está disseminada. Todos os seres lúcidos se

preocupam com a Universidade brasileira, com suas falhas e suas

carências. Divide-se, no sentido exato de partilha, o sonho de uma

Universidade essencialmente ética. A etapa essencial é a primeira.

Depois dela, inexoravelmente, virá o agir.

BRASIL. OAB FEDERAL. Código de ética e disciplina

da OAB. Brasília: OAB, 13/02/1995.

CÓDIGO DE ÉTICA EH DISCIPLINA DA OAB

O CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, ao

172

PHILIPPE J. BERNARD, Perversões da utopia moderna, Bauru-SP, EDUSC, 2000,

p. XVI.

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instituir o Código de Ética e Disciplina, norteou-se por princípios que formam a

consciência profissional do advogado e representam imperativos de sua conduta, tais

como: os de lutar sem receio pelo primado da Justiça; pugnar pelo cumprimento da

Constituição e pelo respeito à Lei, fazendo com que esta seja interpretada com retidão,

em perfeita sintonia com os fins sociais a que se dirige e as exigências do bem comum;

ser fiel à verdade para poder servir à Justiça como um de seus elementos essenciais;

proceder com lealdade e boa-fé em suas relações profissionais e em todos os atos do seu

oficio; empenhar-se na defesa das causas confiadas ao seu patrocínio, dando ao

constituinte o amparo do Direito, e proporcionando-lhe a realização prática de seus

legítimos interesses; comportar-se, nesse mister, com independência e altivez,

defendendo com o mesmo denodo humildes e poderosos; exercer a advocacia com o

indispensável senso profissional, mas também com desprendimento, jamais permitindo

que o anseio de ganho material sobreleve à finalidade social do seu trabalho; aprimorar-

se no culto dos princípios éticos e no domínio da ciência jurídica, de modo a tomar-se

merecedor da confiança do cliente e da sociedade como um todo, pelos atributos

intelectuais e pela probidade pessoal; agir, em suma, com a dignidade das pessoas de

bem e a correção dos profissionais que honram e engrandecem a sua classe.

Inspirado nesses postulados é que o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do

Brasil, no uso das atribuições que lhe são conferidas pelos arts. 33 e 54, V, da Lei n°

8.906, de 04 de julho de 1994, aprova e edita este Código, exortando os advogados

brasileiros à sua fiel observância.

TÍTULO I

DA ÉTICA DO ADVOGADO

CAPÍTULO I

DAS REGRAS DEONTOLÓGICAS FUNDAMENTAIS

Art. 1º O exercício da advocacia exige conduta compatível com os preceitos deste

Código, do Estatuto, do Regulamento Geral, dos Provimentos e com os demais

princípios da moral individual, social e profissional.

Art. 20 O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do estado

democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social,

subordinando a atividade do seu Ministério Privado à elevada função pública que

exerce.

Parágrafo único. São deveres do advogado:

I - preservar, em sua conduta, a honra, a nobreza e a dignidade da profissão, zelando

pelo seu caráter de essencialidade e indispensabilidade;

II - atuar com destemor, independência, honestidade, decoro, veracidade, lealdade,

dignidade e boa-fé;

III - velar por sua reputação pessoal e profissional;

IV - empenhar-se, permanentemente, em seu aperfeiçoamento pessoal e profissional;

V - contribuir para o aprimoramento das instituições, do Direito e das leis;

VI - estimular a conciliação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a

instauração de litígios;

VII - aconselhar o cliente a não ingressar em aventura judicial;

VIII - abster-se de:

a) utilizar de influência indevida, em seu beneficio ou do cliente;

b) patrocinar interesses ligados a outras atividades estranhas à advocacia, em que

também atue;

c) vincular o seu nome a empreendimentos de cunho manifestamente duvidoso;

d) emprestar concurso aos que atentem contra a ética, a moral, a honestidade e a

dignidade da pessoa humana;

e) entender-se diretamente com a parte adversa que tenha patrono constituído, sem o

assentimento deste.

IX - pugnar pela solução dos problemas da cidadania e pela efetivação dos seus direitos

individuais, coletivos e difusos, no âmbito da comunidade.

Art. 3° O advogado deve ter consciência de que o Direito é um meio de mitigar as

desigualdades para o encontro de soluções justas e que a lei é um instrumento para

garantir a igualdade de todos.

Art. 4° O advogado vinculado ao cliente ou constituinte, mediante relação empregatícia

ou por contrato de prestação permanente de serviços, integrante de departamento

jurídico, ou órgão de assessoria jurídica, público ou privado, deve zelar pela sua

liberdade e independência.

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Parágrafo único. É legítima a recusa, pelo advogado, do patrocínio de pretensão

concernente a lei ou direito que também lhe seja aplicável, ou contrarie expressa

orientação sua, manifestada anteriormente.

Art. 5° O exercício da advocacia é incompatível com qualquer procedimento de

mercantilização.

Art. 6° É defeso ao advogado expor os fatos em Juízo falseando deliberadamente a

verdade ou estribando-se na má-fé.

Art. 7° É vedado o oferecimento de serviços profissionais que impliquem, direta ou

indiretamente, inculcação ou captação de clientela.

CAPÍTULO II

DAS RELAÇÕES COM O CLIENTE

Art. 8° O advogado deve informar o cliente, de forma clara e inequívoca, quanto a

eventuais riscos da sua pretensão, e das conseqüências que poderão advir da demanda.

Art. 9° A conclusão ou desistência da causa, com ou sem a extinção do mandato, obriga

o advogado à devolução de bens, valores e documentos recebidos no exercício do

mandato, e à pormenorizada prestação de contas, não excluindo outras prestações

solicitadas, pelo cliente, a qualquer momento.

Art. 10. Concluída a causa ou arquivado o processo, presumem-se o cumprimento e a

cessação do mandato.

Art. 11. O advogado não deve aceitar procuração de quem já tenha patrono constituído,

sem prévio conhecimento deste, salvo por motivo justo ou para adoção de medidas

judiciais urgentes e inadiáveis.

Art. 12. O advogado não deve deixar ao abandono ou ao desamparo os feitos, sem

motivo justo e comprovada ciência do constituinte.

Art. 13. A renúncia ao patrocínio implica omissão do motivo e a continuidade da

responsabilidade profissional do advogado ou escritório de advocacia, durante o prazo

estabelecido em lei; não exclui, todavia, a responsabilidade pelos danos causados dolosa

ou culposamente aos clientes ou a terceiros.

Art. 14. A revogação do mandato judicial por vontade do cliente não o desobriga do

pagamento das verbas honorárias contratadas, bem como não retira o direito do

advogado de receber o quanto lhe seja devido em eventual verba honorária de

sucumbência, calculada proporcionalmente, em face do serviço efetivamente prestado.

Art. 15. O mandato judicial ou extrajudicial deve ser outorgado individualmente aos

advogados que integrem sociedade de que façam parte, e será exercido no interesse do

cliente, respeitada a liberdade de defesa.

Art. 16. O mandato judicial ou extrajudicial não se extingue pelo decurso de tempo,

desde que permaneça a confiança recíproca entre o outorgante e o seu patrono no

interesse da causa.

Art. 17. Os advogados integrantes da mesma sociedade profissional, ou reunidos em

caráter permanente para cooperação recíproca, não podem representar em juízo clientes

com interesses opostos.

Art. 18. Sobrevindo conflitos de interesse entre seus constituintes, e não estando

acordes os interessados, com a devida prudência e discernimento, optará o advogado

por um dos mandatos, renunciando aos demais, resguardado o sigilo profissional.

Art. 19. O advogado, ao postular em nome de terceiros, contra ex-cliente ou ex-

empregador, judicial e extrajudicialmente, deve resguardar o segredo profissional e as

informações reservadas ou privilegiadas que lhe tenham sido confiadas.

Art. 20. O advogado deve abster-se de patrocinar causa contrária à ética, à moral ou à

validade de ato jurídico em que tenha colaborado, orientado ou conhecido em consulta;

da mesma forma, deve declinar seu impedimento ético quando tenha sido convidado

pela outra parte, se esta lhe houver revelado segredos ou obtido seu parecer.

Art. 21. É direito e dever do advogado assumir a defesa criminal, sem considerar sua

própria opinião sobre a culpa do acusado.

Art. 22. O advogado não é obrigado a aceitar a imposição de seu cliente que pretenda

ver com ele atuando outros advogados, nem aceitar a indicação de outro profissional

para com ele trabalhar no processo.

Art. 23. É defeso ao advogado funcionar no mesmo processo, simultaneamente, como

patrono e preposto do empregador ou cliente.

Art. 24. O substabelecimento do mandato, com reserva de poderes, é ato pessoal do

advogado da causa.

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§f6. O substabelecimento do mandato sem reservas de poderes exige o prévio e

inequívoco conhecimento do cliente.

§2° O substabelecido com reserva de poderes deve ajustar antecipadamente seus

honorários com o substabelecente.

CAPÍTULO III

DO SIGILO PROFISSIONAL

Art. 25. O sigilo profissional é inerente à profissão, impondo-se o seu respeito, salvo

grave ameaça ao direito à vida, à honra, ou quando o advogado se veja afrontado pelo

próprio cliente e, em defesa própria, tenha que revelar segredo, porém sempre restrito

ao interesse da causa.

Art. 26. O advogado deve guardar sigilo, mesmo em depoimento judicial, sobre o que

saiba em razão de seu oficio, cabendo-lhe recusar-se a depor como testemunha em

processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de

quem seja ou tenha sido advogado, mesmo que autorizado ou solicitado pelo

constituinte.

Art. 27. As confidências feitas ao advogado pelo cliente podem ser utilizadas nos

limites da necessidade da defesa, desde que autorizado aquele pelo constituinte.

Parágrafo único. Presumem-se confidenciais as comunicações epistolares entre

advogado e cliente, as quais não podem ser reveladas a terceiros.

CAPÍTULO IV DA PUBLICIDADE

Art. 28. O advogado pode anunciar os seus serviços profissionais, individual ou

coletivamente, com discrição e moderação, para finalidade exclusivamente informativa,

vedada a divulgação em conjunto com outra atividade.

Art. 29. O anúncio deve mencionar o nome completo do advogado e o número da

inscrição na OAB, podendo fazer referência a títulos ou qualificações profissionais,

especialização técnico-científica e associações culturais e científicas, endereços, horário

do expediente e meios de comunicação, vedadas a sua veiculação pelo rádio e televisão

e a denominação de fantasia.

§1 ° Títulos ou qualificações profissionais são os relativos à profissão de advogado,

conferidos por universidades ou instituições de ensino superior, reconhecidas.

§2° Especialidades são os ramos do Direito, assim entendidos pelos doutrinadores ou

legalmente reconhecidos.

§3° Correspondências, comunicados e publicações, versando sobre constituição,

colaboração, composição e qualificação de componentes de escritório e especificação

de especialidades profissionais, bem como boletins informativos e comentários sobre

legislação, somente podem ser fornecidos a colegas, clientes, ou pessoas que os

solicitem ou os autorizem previamente.

§4° O anúncio de advogado não deve mencionar, direta ou indiretamente, qualquer

cargo, função pública ou relação de emprego e patrocínio que tenha exercido, passível

de captar clientela.

§5° O uso das expressões "escritório de advocacia" ou "sociedade de advogados" deve

estar acompanhado da indicação de número de registro na OAB ou do nome e do

número de inscrição dos advogados que o integrem.

§6° O anúncio, no Brasil, deve adotar o idioma português, e, quando em idioma

estrangeiro, deve estar acompanhado da respectiva tradução.

Art. 30. O anúncio sob a forma de placas, na sede profissional ou na residência do

advogado, deve observar discrição quanto ao conteúdo, forma e dimensões, sem

qualquer aspecto mercantilista, vedada a utilização de "outdoor" ou equivalente.

Art. 31. O anúncio não deve conter fotografias, ilustrações, cores, figuras, desenhos,

logotipos, marcas ou símbolos incompatíveis com a sobriedade da advocacia, sendo

proibido o uso dos símbolos oficiais e dos que sejam utilizados pela Ordem dos

Advogados do Brasil.

§1° São vedadas referências a valores dos serviços, tabelas, gratuidade ou forma de

pagamento, termos ou expressões que possam iludir ou confundir o público,

informações de serviços jurídicos suscetíveis de implicar, direta ou indiretamente,

captação de causa ou clientes, bem como menção ao tamanho, qualidade e estrutura da

sede profissional.

§2° Considera-se imoderado o anúncio profissional do advogado mediante remessa de

correspondência a uma coletividade, salvo para comunicar a clientes e colegas a

instalação ou mudança de endereço, a indicação expressa do seu nome e escritório em

partes externas de veículo, ou a inserção de seu nome em anúncio relativo a outras

atividades não advocatícias, faça delas parte ou não.

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Art. 32. O advogado que eventualmente participar de programa de televisão ou de rádio,

de entrevista na imprensa, de reportagem televisionada ou de qualquer outro meio, para

manifestação profissional, deve visar a objetivos exclusivamente ilustrativos,

educacionais e instrutivos, sem propósito de promoção pessoal ou profissional, vedados

pronunciamentos sobre métodos de trabalho usados por seus colegas de profissão.

Parágrafo único. Quando convidado para manifestação pública, por qualquer modo e

forma, visando ao esclarecimento de tema jurídico de interesse geral, deve o advogado

evitar insinuações a promoção pessoal ou profissional, bem como o debate de caráter

sensacionalista.

Art. 33. O advogado deve abster-se de:

I - responder com habitualidade consulta sobre matéria jurídica, nos meios de

comunicação social, com intuito de promover-se profissionalmente;

II - debater, em qualquer veículo de divulgação, causa sob seu patrocínio ou patrocínio

de colega;

III - abordar tema de modo a comprometer a dignidade da profissão e da instituição que

o congrega;

IV - divulgar ou deixar que seja divulgada a lista de clientes e demandas; V - insinuar-

se para reportagens e declarações públicas.

Art. 34. A divulgação pública, pelo advogado, de assuntos técnicos ou jurídicos de que

tenha ciência em razão do exercício profissional como advogado constituído, assessor

jurídico ou parecerista, deve limitar-se a aspectos que não quebrem ou violem o

segredo ou o sigilo profissional.

CAPÍTULO V

DOS HONORÁRIOS PROFISSIONAIS

Art. 35. Os honorários advocatícios e sua eventual correção, bem como sua majoração

decorrente do aumento dos atos judiciais que advierem como necessários, devem ser

previstos em contrato escrito, qualquer que seja o objeto e o meio da prestação do

serviço profissional, contendo todas as especificações e forma de pagamento, inclusive

no caso de acordo.

§1° Os honorários da sucumbência não excluem os contratados, porém devem ser

levados em conta no acerto final com o cliente ou constituinte, tendo sempre presente o

que foi ajustado na aceitação da causa.

§2° A compensação ou o desconto dos honorários contratados e de valores que devam

ser entregues ao constituinte ou cliente só podem ocorrer se houver prévia autorização

ou previsão contratual.

§3° A forma e as condições de resgate dos encargos gerais, judiciais e extrajudiciais,

inclusive eventual remuneração de outro profissional, advogado ou não, para

desempenho de serviço auxiliar ou complementar técnico e especializado, ou com

incumbência pertinente fora da Comarca, devem integrar as condições gerais do

contrato.

Art. 36 - Os honorários profissionais devem ser fixados com moderação, atendidos os

elementos seguintes:

I - a relevância, o vulto, a complexidade e a dificuldade das questões versadas;

II - o trabalho e o tempo necessários;

III - a possibilidade de ficar o advogado impedido de intervir em outros casos, ou de se

desavir com outros clientes ou terceiros;

IV - o valor da causa, a condição econômica do cliente e o proveito para ele resultante

do serviço profissional;

V - o caráter da intervenção, conforme se trate de serviço a cliente avulso, habitual ou

permanente;

VI - o lugar da prestação dos serviços, fora ou não do domicílio do advogado; VII - a

competência e o renome do profissional;

VIII - a praxe do foro sobre trabalhos análogos.

Art. 37. Em face da imprevisibilidade do prazo de tramitação da demanda, devem ser

delimitados os serviços profissionais a se prestarem nos procedimentos preliminares,

judiciais ou conciliatórios, a fim de que outras medidas, solicitadas ou necessárias,

incidentais ou não, diretas ou indiretas, decorrentes da causa, possam ter novos

honorários estimados, e da mesma forma receber do constituinte ou cliente a

concordância hábil.

Art. 38. Na hipótese da adoção de cláusula quota litis, os honorários devem ser

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90

necessariamente representados por pecúnia e, quando acrescidos dos de honorários da

sucumbência, não podem ser superiores às vantagens advindas em favor do constituinte

ou do cliente.

Parágrafo único. A participação do advogado em bens particulares de cliente,

comprovadamente sem condições pecuniárias, só é tolerada em caráter excepcional, e

desde que contratada por escrito.

Art. 39. A celebração de corremos para prestação de serviços jurídicos com redução dos

valores estabelecidos na Tabela de Honorários implica captação de clientes ou causa,

salvo se as condições peculiares da necessidade e dos carentes puderem ser

demonstradas com a devida antecedência ao respectivo Tribunal de Ética e Disciplina,

que deve analisar a sua oportunidade.

Art. 40. Os honorários advocatícios devidos ou fixados em tabelas no regime da

assistência judiciária não podem ser alterados no quantum estabelecido; mas a verba

honorária decorrente da sucumbência pertence ao advogado.

Art. 41. O advogado deve evitar o aviltamento de valores dos serviços profissionais,

não os fixando de forma irrisória ou inferior ao mínimo fixado pela Tabela de

Honorários, salvo motivo plenamente justificável.

Art. 42. O crédito por honorários advocatícios, seja do advogado autônomo, seja de

sociedade de advogados, não autoriza o saque de duplicatas ou qualquer outro título de

crédito de natureza mercantil, exceto a emissão de fatura, desde que constitua exigência

do constituinte ou assistido, decorrente de contrato escrito, vedada a tiragem de

protesto.

Art. 43. Havendo necessidade de arbitramento e cobrança judicial dos honorários

advocatícios, deve o advogado renunciar ao patrocínio da causa, fazendo-se representar

por um colega.

CAPÍTULO VI

DO DEVER DE URBANIDADE

Art. 44. Deve o advogado tratar o público, os colegas, as autoridades e os funcionários

do Juízo com respeito, discrição e independência, exigindo igual tratamento e zelando

pelas prerrogativas a que tem direito.

Art. 45. Impõe-se ao advogado lhaneza, emprego de linguagem escorreita e polida,

esmero e disciplina na execução dos serviços.

Art. 46. O advogado, na condição de defensor nomeado, conveniado ou dativo, deve

comportar-se com zelo, empenhando-se para que o cliente se sinta amparado e tenha a

expectativa de regular desenvolvimento da demanda.

CAPÍTULO VII

DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 47. A falta ou inexistência, neste Código, de definição ou orientação sobre questão

de ética profissional, que seja relevante para o exercício da advocacia ou dele advenha,

enseja consulta e manifestação do Tribunal de Ética e Disciplina ou do Conselho

Federal.

Art. 48. Sempre que tenha conhecimento de transgressão das normas deste Código, do

Estatuto, do Regulamento Geral e dos Provimentos, o Presidente do Conselho

Seccional, da Subseção, ou do Tribunal de Ética e Disciplina deve chamar a atenção do

responsável para o dispositivo violado, sem prejuízo da instauração do competente

procedimento para apuração das infrações e aplicação das penalidades cominadas.

TÍTULO II

DO PROCESSO DISCIPLINAR

CAPÍTULO I

DA COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE ÉTICA E DISCIPLINA

Art. 49. O Tribunal de Ética e Disciplina é competente para orientar e aconselhar sobre

ética profissional, respondendo às consultas em tese, e julgar os processos disciplinares.

Parágrafo único. O Tribunal reunir-se-á mensalmente ou em menor período, se

necessário, e todas as sessões serão plenárias.

Art. 50. Compete também ao Tribunal de Ética e Disciplina:

I - instaurar, de oficio, processo competente sobre ato ou matéria que considere passível

de configurar, em tese, infração a princípio ou norma de ética profissional;

II - organizar, promover e desenvolver cursos, palestras, seminários e discussões a

respeito de ética profissional, inclusive junto aos Cursos Jurídicos, visando à formação

da consciência dos futuros profissionais para os problemas fundamentais da Ética;

III - expedir provisões ou resoluções sobre o modo de proceder em casos previstos nos

regulamentos e costumes do foro;

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IV - mediar e conciliar nas questões que envolvam:

a) dúvidas e pendências entre advogados;

b) partilha de honorários contratados em conjunto ou mediante substabelecimento, ou

decorrente de sucumbência;

c) controvérsias surgidas quando da dissolução de sociedade de advogados.

CAPÍTULO II

DOS PROCEDIMENTOS

Art. 51. O processo disciplinar instaura-se de oficio ou mediante representação dos

interessados, que não pode ser anônima.

§1° Recebida a representação, o Presidente do Conselho Seccional ou da Subseção,

quando esta dispuser de Conselho, designa relator um de seus integrantes, para presidir

a instrução processual.

§2° O relator pode propor ao Presidente do Conselho Seccional ou da Subseção o

arquivamento da representação, quando estiver desconstituída dos pressupostos de

admissibilidade.

§3° A representação contra membros do Conselho Federal e Presidentes dos Conselhos

Seccionais é processada e julgada pelo Conselho Federal.

Art. 52. Compete ao relator do processo disciplinar determinar a notificação dos

interessados para esclarecimentos, ou do representado para a defesa prévia, em qualquer

caso no prazo de 15 (quinze) dias.

§1° Se o representado não for encontrado ou for revel, o Presidente do Conselho ou da

Subseção deve designar-lhe defensor dativo.

§2° Oferecida a defesa prévia, que deve estar acompanhada de todos os documentos e o

rol de testemunhas, até o máximo de cinco, é proferido o despacho saneador e,

ressalvada a hipótese do § 2° do artigo 73 do Estatuto, designada, se reputada

necessária, a audiência para oitiva do interessado, do representado e das testemunhas. O

interessado e o representado deverão incumbir-se do comparecimento de suas

testemunhas, a não ser que prefiram suas intimações pessoais, o que deverá ser

requerido na representação e na defesa prévia. As intimações pessoais não serão

renovadas em caso de não-comparecimento, facultada a substituição de testemunhas, se

presente a substituta na audiência:173

(NR)

§3° O relator pode determinar a realização de diligências que julgar convenientes. §4°

Concluída a instrução, será aberto o prazo sucessivo de 15 (quinze) dias para a

apresentação de razões finais pelo interessado e pelo representado, após a juntada da

última intimação.

§5° Extinto o prazo das razões finais, o relator profere parecer preliminar, a ser

submetido ao Tribunal.

Art. 53. O Presidente do Tribunal, após o recebimento do processo devidamente

instruído, designa relator para proferir o voto.

§1º O processo é inserido automaticamente na pauta da primeira sessão de julgamento,

após o prazo de 20 (vinte) dias de seu recebimento pelo Tribunal, salvo se o relator

determinar diligências.

§2° O representado é intimado pela Secretaria do Tribunal para a defesa oral na sessão,

com 15 (quinze) dias de antecedência.

§3° A defesa oral é produzida na sessão de julgamento perante o Tribunal, após o voto

do relator, no prazo de 15 (quinze) minutos, pelo representado ou por seu advogado.

Art. 54. Ocorrendo a hipótese do art. 70, 3, do Estatuto, na sessão especial designada

pelo Presidente do Tribunal, são facultadas ao representado ou ao seu defensor a

apresentação de defesa, a produção de prova e a sustentação oral, restritas, entretanto, à

questão do cabimento, ou não, da suspensão preventiva.

Art. 55. O expediente submetido à apreciação do Tribunal é autuado pela Secretaria,

registrado em livro próprio e distribuído às Seções ou Turmas julgadoras, quando

houver.

Art. 56. As consultas formuladas recebem autuação em apartado, e a esse processo são

designados relator e revisor, pelo Presidente.

§f6 O relator e o revisor têm prazo de dez (10) dias, cada um, para elaboração de seus

173

Modificação aprovada nos termos da Proposição 0042/2002/COP, julgada pelo

Conselho Pleno do Conselho Federal da OAB, na Sessão Ordinária do dia 09 de

dezembro de 2002, publicada no Diário da Justiça do dia 03.02.2003, página 574, Seção

1.

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92

pareceres, apresentando-os na primeira sessão seguinte, para julgamento.

§2° Qualquer dos membros pode pedir vista do processo pelo prazo de uma sessão e

desde que a matéria não seja urgente, caso em que o exame deve ser procedido durante

a mesma sessão. Sendo vários os pedidos, a Secretaria providencia a distribuição do

prazo, proporcionalmente, entre os interessados.

§3° Durante o julgamento e para dirimir dúvidas, o relator e o revisor, nessa ordem, têm

preferência na manifestação.

§4° O relator permitirá aos interessados produzir provas, alegações e arrazoados,

respeitado o rito sumário atribuído por este Código.

§5° Após o julgamento, os autos vão ao relator designado ou ao membro que tiver

parecer vencedor para lavratura de acórdão, contendo ementa a ser publicada no órgão

oficial do Conselho Seccional.

Art. 57. Aplica-se ao funcionamento das sessões do Tribunal o procedimento adotado

no Regimento Interno do Conselho Seccional.

Art. 58. Comprovado que os interessados no processo nele tenham intervindo de modo

temerário, com sentido de emulação ou procrastinação, tal fato caracteriza falta de ética

passível de punição.

Art. 59. Considerada a natureza da infração ética cometida, o Tribunal pode suspender

temporariamente a aplicação das penas de advertência e censura impostas, desde que o

infrator primário, dentro do prazo de 120 dias, passe a freqüentar e conclua,

comprovadamente, curso, simpósio, seminário ou atividade equivalente, sobre Ética

Profissional do Advogado, realizado por entidade de notória idoneidade.

Art. 60. Os recursos contra decisões do Tribunal de Ética e Disciplina, ao Conselho

Seccional, regem-se pelas disposições do Estatuto, do Regulamento Geral e do

Regimento Interno do Conselho Seccional.

Parágrafo único. O Tribunal dará conhecimento de todas as suas decisões ao Conselho

Seccional, para que determine periodicamente a publicação de seus julgados.

Art. 61. Cabe revisão do processo disciplinar, na forma prescrita no art. 73, inciso 5°, do

Estatuto.

CAPÍTULO III

DAS DISPOSIÇÕES GERAIS E TRANSITÓRIAS

Art. 62. O Conselho Seccional deve oferecer os meios e suporte imprescindíveis para o

desenvolvimento das atividades do Tribunal.

Art. 63. O Tribunal de Ética e Disciplina deve organizar seu Regimento Interno, a ser

submetido ao Conselho Seccional e, após, ao Conselho Federal.

Art. 64. A pauta de julgamentos do Tribunal é publicada em órgão oficial e no quadro

de avisos gerais, na sede do Conselho Seccional, com antecedência de 07 (sete) dias,

devendo ser dada prioridade nos julgamentos para os interessados que estiverem

presentes.

Art. 65. As regras deste Código obrigam igualmente as sociedades de advogados e os

estagiários, no que lhes forem aplicáveis.

Art. 66. Este Código entra em vigor, em todo o território nacional, na data de sua

publicação, cabendo aos Conselhos Federal e Seccionais e às Subseções da OAB

promover a sua ampla divulgação, revogadas as disposições em contrário.

Brasília - DF, 13 de fevereiro de 1995.

José Roberto Batochio Presidente Modesto Carvalhosa Relator

(Comissão Revisora: Licínio Leal Barbosa, Presidente; Robison Baroni, Secretário e

Subrelator; Nilzardo Carneiro Leão, José Cid Campelo e Sérgio Ferraz, Membros)

BRASIL. OAB FEDERAL. Estatuto da advocacia e da

OAB. Brasília: OAB, 13/02/1995.

ESTATUTO DA ADVOCACIA E DA OAB

Lei n° 8.906, de 04 de julho de 1994174

Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do

Brasil- OAB

174

Publicada no Diário Oficial, de 5 de julho de 1994, Seção 1, p. 10.093-10.099.

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93

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte

Lei:

TÍTULO I DA ADVOCACIA

CAPÍTULO I

DA ATIVIDADE DE ADVOCACIA175

Art. l° São atividades privativas de advocacia:

I - a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados

especiais176

II - as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas.

§ l° Não se inclui na atividade privativa de advocacia a impetração de

habeas corpus em qualquer instância ou tribunal.

§ 2° Os atos e contratos constitutivos de pessoas jurídicas, sob pena de

nulidade, só podem ser admitidos a registro, nos órgãos competentes,

quando visados por advogados.

> Ver art. 2°, parágrafo único do Regulamento Geral; Provimento n°

49/81.

§ 3° É vedada a divulgação de advocacia em conjunto com outra

atividade.

> Ver Provimento n° 9412000 - Regula publicidade e propaganda da

advocacia.

175

Ver Provimento n° 66/88 - Abrangência das atividades do advogado; ver também o

art. S' do Regulamento Geral - Efetivo exercício da advocacia. 176

ADIn n° 1.127-8. O STF reconheceu a constitucionalidade do dispositivo, mas

excluiu sua aplicação aos Juizados de Pequenas Causas, à Justiça do Trabalho e à

Justiça de Paz. Neles, a parte pode postular diretamente.

Art. 2° 0 advogado é indispensável à administração da justiça.

> Ver Provimento n° 9712002 - Constitui infra-estrutura de Chaves

Públicas da OAB.

§ l° No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e

exerce função social.

§ 2° No processo judicial, o advogado contribui, na postulação de

decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e

seus atos constituem múnus público.

§ 3° No exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e

manifestações, nos limites desta Lei.

Art. 3° 0 exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a

denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos

Advogados do Brasil - OAB.

> Ver Provimento n° 37/69 - Inscrição de advogados portugueses;

> Ver Provimento n° 9112000 - Dispõe sobre o exercício da atividade de

consultores e sociedade de consultores em direito estrangeiro no Brasil.

§ l° Exercem atividade de advocacia, sujeitando-se ao regime desta Lei,

além do regime próprio a que se subordinem, os integrantes da

Advocacia-Geral da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da

Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos

Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas entidades

de administração indireta e fundacional.

> Ver Lei n° 9.527, de 10.12.97 (Nota 13 no CAPÍTULO V

§ 2° O estagiário de advocacia, regularmente inscrito, pode praticar os

atos previstos no art. 1°, na forma do Regulamento Geral, em conjunto

com advogado e sob responsabilidade deste.

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94

> Ver arts. 37 e seguintes do Regulamento Geral

Art.4°São nulos os atos privativos de advogado praticados por pessoa

não inscrita na OAB, sem prejuízo das sanções civis, penais e

administrativas.

Parágrafo único. São também nulos os atos praticados por advogado

impedido - no âmbito do impedimento - suspenso, licenciado ou que

passar a exercer atividade incompatível com a advocacia.

Art. 5° 0 advogado postula, em juízo ou fora dele, fazendo prova do

mandato.

§ 1° O advogado, afirmando urgência, pode atuar sem procuração,

obrigando-se a apresentá-la no prazo de quinze dias, prorrogável por

igual período.

§ 2° A procuração para o foro em geral habilita o advogado a praticar

todos os atos judiciais, em qualquer juízo ou instância, salvo os que exija

m poderes especiais.

> Ver art. 6° do Regulamento Geral.

§ 3° O advogado que renunciar ao mandato continuará, durante os dez

dias seguintes à notificação da renúncia, a representar o mandante, salvo

se for substituído antes do término desse prazo.

CAPÍTULO II

DOS DIREITOS DO ADVOGAD0177

Art. 6° Não há hierarquia nem subordinação entre advogados,

magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se

com consideração e respeito recíprocos.

177

Ver arts. 15 e seguintes do Regulamento Geral - Defesa de direitos e prerrogativas;

Provimento n° 48/81 - Normas gerais pertinentes a direitos e prerrogativas.

Parágrafo único. As autoridades, os servidores públicos e os

serventuários da justiça devem dispensar ao advogado, no exercício da

profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia e

condições adequadas a seu desempenho.

Art. 7°São direitos do advogado:

I - exercer, com liberdade, a profissão em todo o território nacional;

II - ter respeitada, em nome da liberdade de defesa e do sigilo

profissional, a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, de

seus arquivos e dados, de sua correspondência e de suas comunicações,

inclusive telefônicas ou afins, salvo caso de busca ou apreensão

determinada por magistrado e acompanhada de representante da

OAB;178

III - comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo

sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos

em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados

incomunicáveis;

IV - ter a presença de representante da OAB, quando preso em

flagrante, por motivo ligado ao exercício da advocacia, para

lavratura do auto respectivo, sob pena de nulidade e, nos demais

casos, a comunicação expressa à seccional da OAB;179

V - não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado,

senão em sala de Estado-Maior, com instalações e comodidades

condignas, assim reconhecidas pela OAB, e, na sua falta, em prisão

178

ADIn n° 1.127 -8. A eficácia da expressão destacada foi suspensa pelo STF, em

medida liminar. 179

ADIn n° 1.127-8. A eficácia da expressão destacada foi suspensa pelo STF, em

medida liminar.

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95

domiciliar; 180

VI - ingressar livremente:

a) nas salas de sessões dos tribunais, mesmo além dos cancelos que

separam a parte reservada aos magistrados;

b) nas salas e dependências de audiências, secretarias, cartórios, ofícios

de justiça, serviços notariais e de registro, e, no caso de delegacias e

prisões, mesmo fora da hora de expediente e independentemente da

presença de seus titulares;

c) em qualquer edifício ou recinto em que funcione repartição judicial ou

outro serviço público onde o advogado deva praticar ato ou colher prova

ou informação útil ao exercício da atividade profissional, dentro do

expediente ou fora dele, e ser atendido, desde que se ache presente

qualquer servidor ou empregado;

d) em qualquer assembléia ou reunião de que participe ou possa

participar o seu cliente, ou perante a qual este deve comparecer, desde

que munido de poderes especiais;

VII - permanecer sentado ou em pé e retirar-se de quaisquer locais

indicados no inciso anterior, independentemente de licença;

VIII - dirigir-se diretamente aos magistrados nas salas e gabinetes de

trabalho, independentemente de horário previamente marcado ou outra

condição, observando-se a ordem de chegada;

IX - sustentar oralmente as razões de qualquer recurso ou processo,

nas sessões de julgamento, após o voto do relator, em instância

judicial ou administrativa, pelo prazo de quinze minutos, salvo se

180

ADIn n° 1.127-8. A eficácia da expressão destacada foi suspensa pelo STF, em

medida liminar.

prazo maior for concedido;181

X - usar da palavra, pela ordem, em qualquer juízo ou tribunal, mediante

intervenção sumária, para esclarecer equívoco ou dúvida surgida em

relação a fatos, documentos ou afirmações que influam no julgamento,

bem como para replicar acusação ou censura que lhe forem feitas;

XI - reclamar, verbalmente ou por escrito, perante qualquer juízo,

tribunal ou autoridade, contra a inobservância de preceito de lei,

regulamento ou regimento;

XII - falar, sentado ou em pé, em juízo, tribunal ou órgão de deliberação

coletiva da Administração Pública ou do Poder Legislativo;

XIII - examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo,

ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em

andamento, mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitos a

sigilo, assegurada a obtenção de cópias, podendo tomar apontamentos;

XIV - examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração,

autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que

conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos;

XV - ter vista dos processos judiciais ou administrativos de qualquer

natureza, em cartório ou na repartição competente, ou retirá-los pelos

prazos legais;

XVI - retirar autos de processos findos, mesmo sem procuração, pelo

prazo de dez dias;

XVII - ser publicamente desagravado, quando ofendido no exercício da

profissão ou em razão dela;

181

ADIn n° 1.105-7. A eficácia de todo o dispositivo foi suspensa pelo STF, em medida

liminar.

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96

> Ver arts. 18 e 19 do Regulamento Geral - Procedimento do Desagravo

Público.

XVIII - usar os símbolos privativos da profissão de advogado;

> Ver Provimento n° 8/64 - Vestes tal ares e insígnias privativas do

advogado.

XIX - recusar-se a depor como testemunha em processo no qual

funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de

quem seja ou foi advogado, mesmo quando autorizado ou solicitado pelo

constituinte, bem como sobre fato que constitua sigilo profissional;

XX - retirar-se do recinto onde se encontre aguardando pregão para ato

judicial, após trinta minutos do horário designado e ao qual ainda não

tenha comparecido a autoridade que deva presidir a ele, mediante

comunicação protocolizada em juízo.

§ 1° Não se aplica o disposto nos incisos XV e XVI:

1) aos processos sob regime de segredo de justiça;

2) quando existirem nos autos documentos originais de difícil restauração

ou ocorrer circunstância relevante que justifique a permanência dos autos

no cartório, secretaria ou repartição, reconhecida pela autoridade em

despacho motivado, proferido de ofício, mediante representação ou a

requerimento da parte interessada;

3) até o encerramento do processo, ao advogado que houver deixado de

devolver os respectivos autos no prazo legal, e só o fizer depois de

intimado.182

§ 2° O advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria,

182

ADIn n° 1.127 -8. A eficácia da expressão destacada foi suspensa pelo STF, em

medida liminar.

difamação ou desacato183

puníveis qualquer manifestação de sua parte,

no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das

sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer.

§ 3° O advogado somente poderá ser preso em flagrante, por motivo de

exercício da profissão, em caso de crime inafiançável, observado o

disposto no inciso IV deste artigo.184

§ 4° O Poder Judiciário e o Poder Executivo devem instalar, em todos os

juizados, fóruns, tribunais delegacias de polícia e presídios, salas

especiais permanentes para os advogados, com uso e controle185

assegurados à OAB.

§ 5° No caso de ofensa a inscrito na OAB, no exercício da profissão ou

de cargo ou função de órgão da OAB, o conselho competente deve

promover o desagravo público do ofendido, sem prejuízo da

responsabilidade criminal em que incorrer o infrator.

CAPÍTULO III

DA INSCRIÇÃO186

Art. 8°Para inscrição como advogado é necessário:

I - capacidade civil;

II - diploma ou certidão de graduação em direito, obtido em instituição

de ensino oficialmente autorizada e credenciada;

III - título de eleitor e quitação do serviço militar, se brasileiro;

183

ADIn n° 1.127 -8. A eficácia da expressão destacada foi suspensa pelo STF, em

medida liminar. 184

ADIn n° 1.127-8. O STF atribuiu a interpretação de que o dispositivo não abrange o

crime de desacato à autoridade judicial. 185

ADIn n° 1.127-8. A eficácia da expressão foi suspensa pelo STF, em medida

liminar. 186

Ver arts. 20 e seguintes do Regulamento Geral.

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97

IV - aprovação em Exame de Ordem;

V - não exercer atividade incompatível com a advocacia; VI - idoneidade

moral;

VII - prestar compromisso perante o Conselho.

§ 1º O Exame de Ordem é regulamentado em provimento do Conselho

Federal da OAB.

> Ver Provimentos nos 81/96 - Dispõe sobre o Exame de Ordem, 53/82 -

Manutenção de inscrição de integrantes do Ministério Público e 72/90 -

Dispõe sobre certidões destinadas a inscrição de advogados em entidades

congêneres no exterior.

§ 20 O estrangeiro ou brasileiro, quando não graduado em direito no

Brasil, deve fazer prova do título de graduação, obtido em instituição

estrangeira, devidamente revalidado, além de atender aos demais

requisitos previstos neste artigo.

> Ver Provimento n° 9112000 - Exercício da atividade de consultores e

sociedades de consultores em direito estrangeiro.

§ 30 A inidoneidade moral, suscitada por qualquer pessoa, deve ser

declarada mediante decisão que obtenha no mínimo dois terços dos votos

de todos os membros do conselho competente, em procedimento que

observe os termos do processo disciplinar.

§ 40 Não atende ao requisito de idoneidade moral aquele que tiver sido

condenado por crime infamante, salvo reabilitação judicial.

Art. 9°Para inscrição como estagiário é necessário:

> Ver arts. 27 e seguintes do Regulamento Geral.

I - preencher os requisitos mencionados nos incisos I, III, V, VI e VII do

art. 80; II - ter sido admitido em estágio profissional de advocacia.

§ 1º O estágio profissional de advocacia, com duração de dois anos,

realizado nos últimos anos do curso jurídico, pode ser mantido pelas

respectivas instituições de ensino superior, pelos Conselhos da OAB, ou

por setores, órgãos jurídicos e escritórios de advocacia credenciados pela

OAB, sendo obrigatório o estudo deste Estatuto e do Código de Ética e

Disciplina.

§ 20 A inscrição do estagiário é feita no Conselho Seccional em cujo

território se localize seu curso jurídico.

§ 30 O aluno de curso jurídico que exerça atividade incompatível com a

advocacia pode freqüentar o estágio ministrado pela respectiva

instituição de ensino superior, para fins de aprendizagem, vedada a

inscrição na OAB.

§ 4° O estágio profissional poderá ser cumprido por bacharel em Direito

que queira se inscrever na Ordem.

Art. 10. A inscrição principal do advogado deve ser feita no Conselho

Seccional em cujo território pretende estabelecer o seu domicílio

profissional, na forma do Regulamento Geral.

> Ver arts. 20 e seguintes do Regulamento Geral.

§ 1° Considera-se domicílio profissional a sede principal da atividade de

advocacia, prevalecendo, na dúvida, o domicílio da pessoa física do

advogado.

§ 2° Além da principal, o advogado deve promover a inscrição

suplementar nos Conselhos Seccionais em cujos territórios passar a

exercer habitualmente a profissão, considerando-se habitualidade a

intervenção judicial que exceder de cinco causas por ano.

> Ver art. 5° e parágrafo único do Regulamento Geral

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98

> Ver Provimento n° 45/78 - Inadmissibilidade de inscrição suplementar

para provisionado.

§ 3° No caso de mudança efetiva de domicílio profissional para outra

unidade federativa, deve o advogado requerer a transferência de sua

inscrição para o Conselho Seccional correspondente.

> Ver Provimento n° 42/78 - Uniformização de normas para exame pelas

Seções da Ordem dos Advogados do Brasil nos pedidos de transferência

de inscrições de advogados.

§ 4° O Conselho Seccional deve suspender o pedido de transferência ou

inscrição suplementar, ao verificar a existência de vício ou ilegalidade na

inscrição principal, contra ela representando ao Conselho Federal.

Art.11. Cancela-se a inscrição do profissional que:

I - assim o requerer;

II - sofrer penalidade de exclusão;

III - falecer;

IV - passar a exercer, em caráter definitivo, atividade incompatível com a

advocacia; V - perder qualquer um dos requisitos necessários para

inscrição.

§ l° Ocorrendo uma das hipóteses dos incisos II, III e IV, o cancelamento

deve ser promovido, de ofício, pelo Conselho competente ou em virtude

de comunicação por qualquer pessoa.

§ 2° Na hipótese de novo pedido de inscrição - que não restaura o

número de inscrição anterior deve o interessado fazer prova dos

requisitos dos incisos I, V, VI e VII do art. 8°.

§ 3° Na hipótese do inciso II deste artigo, o novo pedido de inscrição

também deve ser acompanhado de provas de reabilitação.

Art. 12. Licencia-se o profissional que:

I - assim o requerer, por motivo justificado;

II - passar a exercer, em caráter temporário, atividade incompatível com

o exercício da advocacia;

III - sofrer doença mental considerada curável.

Art. 13. O documento de identidade profissional, na forma prevista no

Regulamento Geral, é de uso obrigatório no exercício da atividade de

advogado ou de estagiário e constitui prova de identidade civil para todos

os fins legais.

> Ver arts. 32 a 36 do Regulamento Geral - Regulamenta a identidade

profissional.

Art. 14. É obrigatória a indicação do nome e do número de inscrição em

todos os documentos assinados pelo advogado, no exercício de sua

atividade.

Parágrafo único. É vedado anunciar ou divulgar qualquer atividade

relacionada com o exercício da advocacia ou o uso da expressão

"escritório de advocacia", sem indicação expressa do nome e do número

de inscrição dos advogados que o integrem ou o número de registro da

sociedade de advogados na OAB.

> Ver Provimento n° 9412000 - Regulamenta a publicidade da

advocacia.

CAPÍTULO IV

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99

DA SOCIEDADE DE ADVOGADOS187

Art. 15. Os advogados podem reunir-se em sociedade civil de prestação

de serviço de advocacia, na forma disciplinada nesta Lei e no

Regulamento Geral.

§ 1° A sociedade de advogados adquire personalidade jurídica com o

registro aprovado dos seus atos constitutivos no Conselho Seccional da

OAB em cuja base territorial tiver sede.

§ 2° Aplica-se à sociedade de advogados o Código de Ética e Disciplina,

no que couber.

§ 3° As procurações devem ser outorgadas individualmente aos

advogados e indicar a sociedade de que façam parte.

§ 4° Nenhum advogado pode integrar mais de uma sociedade de

advogados, com sede ou filial na mesma área territorial do respectivo

Conselho Seccional.

§ 5° O ato de constituição de filial deve ser averbado no registro da

sociedade e arquivado junto ao Conselho Seccional onde se instalar,

ficando os sócios obrigados a inscrição suplementar.

§ 6° Os advogados sócios de uma mesma sociedade profissional não

podem representar em juízo clientes de interesses opostos.

Art. 16. Não são admitidas a registro, nem podem funcionar, as

sociedades de advogados que apresentem forma ou características

187 Ver arts. 37 e seguintes do Regulamento Geral; Provimentos nos 69/89 - Prática de

atos privativos por sociedades não registradas na OAB, 77/93 - Registro e autenticação

de livros e documentos contábeis, 9112000 - Dispõe sobre sociedades de consultores

em direito estrangeiro e 9212000 - Registro e atos correlatos das sociedades de

advogados.

mercantis, que adotem denominação de fantasia, que realizem atividades

estranhas à advocacia, que incluam sócio não inscrito como advogado ou

totalmente proibido de advogar.

§ 1° A razão social deve ter, obrigatoriamente, o nome de, pelo menos,

um advogado responsável pela sociedade, podendo permanecer o de

sócio falecido, desde que prevista tal possibilidade no ato constitutivo.

§ 2° O licenciamento do sócio para exercer atividade incompatível com a

advocacia em caráter temporário deve ser averbado no registro da

sociedade, não alterando sua constituição.

§ 3° É proibido o registro, nos cartórios de registro civil de pessoas

jurídicas e nas juntas comerciais, de sociedade que inclua, entre outras

finalidades, a atividade de advocacia.

Art. 17. Além da sociedade, o sócio responde subsidiária e

ilimitadamente pelos danos causados aos clientes por ação ou omissão no

exercício da advocacia, sem prejuízo da responsabilidade disciplinar em

que possa incorrer.

CAPÍTULO V188

DO ADVOGADO EMPREGADO

Art. 18. A relação de emprego, na qualidade de advogado, não retira a

isenção técnica nem reduz a independência profissional inerentes à

advocacia.

188

As disposições constantes deste Capítulo não se aplicam à Administração Pública

direta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como às

autarquias, às fundações instituídas pelo Poder Público, às empresas públicas e às

sociedades de economia mista, conforme dispõe o Art. 4° da Lei n° 9.527, de 10.12.97,

in verbis: "Art. 4° As disposições constantes do Capítulo V, Título I, da Lei n° 8.906, de

4 de julho de 1994, não se aplicam à Administração Pública direta da União, dos

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como às suas autarquias, às

fundações instituídas pelo Poder Público, às empresas e às sociedades de economia

mista."

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100

Parágrafo único. O advogado empregado não está obrigado à prestação

de serviços profissionais de interesse pessoal dos empregadores, fora da

relação de emprego.

Art. 19. O salário mínimo profissional do advogado será fixado em

sentença normativa, salvo se ajustado em acordo ou convenção coletiva

de trabalho.

Art. 20. A jornada de trabalho do advogado empregado, no exercício da

profissão, não poderá exceder a duração diária de quatro horas contínuas

e a de vinte horas semanais, salvo acordo ou convenção coletiva ou em

caso de dedicação exclusiva.

> Sobre dedicação exclusiva ver art. 12 do Regulamento Geral.

§ 1° Para efeitos deste artigo, considera-se como período de trabalho o

tempo em que o advogado estiver à disposição do empregador,

aguardando ou executando ordens, no seu escritório ou em atividades

externas, sendo-lhe reembolsadas as despesas feitas com transporte,

hospedagem e alimentação.

§ 2° As horas trabalhadas que excederem a jornada normal são

remuneradas por um adicional não inferior a cem por cento sobre o valor

da hora normal, mesmo havendo contrato escrito.

§ 3° As horas trabalhadas no período das vinte horas de um dia até as

cinco horas do dia seguinte são remuneradas como noturnas, acrescidas

do adicional de vinte e cinco por cento.

Art. 21. Nas causas em que for parte o empregador, ou pessoa por este

representada, os honorários de sucumbência são devidos aos advogados

empregados.

Parágrafo único. Os honorários de sucumbência, percebidos por

advogado empregado de sociedade de advogados são partilhados entre

ele e a empregadora, na forma estabelecida em acordo.189

CAPÍTULO VI

DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS190

Art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na

OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por

arbitramento judicial e aos de sucumbência.

§ 10 O advogado, quando indicado para patrocinar causa de

juridicamente necessitado, no caso de impossibilidade da Defensoria

Pública no local da prestação de serviço, tem direito aos honorários

fixados pelo juiz, segundo tabela organizada pelo Conselho Seccional da

OAB, e pagos pelo Estado.

§ 2° Na falta de estipulação ou de acordo, os honorários são fixados por

arbitramento judicial, em remuneração compatível com o trabalho e o

valor econômico da questão, não podendo ser inferiores aos

estabelecidos na tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB.

§ 3° Salvo estipulação em contrário, um terço dos honorários é devido no

início do serviço, outro terço até a decisão de primeira instância e o

restante no final.

§ 4° Se o advogado fizer juntar aos autos o seu contrato de honorários

antes de expedir-se o mandado de levantamento ou precatório, o juiz

deve determinar que lhe sejam pagos diretamente, por dedução da

quantia a ser recebida pelo constituinte, salvo se este provar que já os

pagou.

§ 5° O disposto neste artigo não se aplica quando se tratar de mandato

outorgado por advogado para defesa em processo oriundo de ato ou

189

ADln n° 1.194-4 - O STF decidiu limitar a aplicação desse parágrafo único aos casos

em que não haja estipulação contratual em contrário. 190

O advogado, se necessário, deve consultar a Tabela de Honorários, organizada pelo

Conselho Seccional onde tem inscrição.

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101

omissão praticada no exercício da profissão.

Art. 23. Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou

sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para

executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório,

quando necessário, seja expedido em seu favor.

Art. 24. A decisão judicial que fixar ou arbitrar honorários e o contrato

escrito que o estipular são títulos executivos e constituem crédito

privilegiado na falência, concordata, concurso de credores, insolvência

civil e liquidação extrajudicial.

§ 1° A execução dos honorários pode ser promovida nos mesmos autos

da ação em que tenha atuado o advogado, se assim lhe convier.

§ 2° Na hipótese de falecimento ou incapacidade civil do advogado, os

honorários de sucumbência, proporcionais ao trabalho realizado, são

recebidos por seus sucessores ou representantes legais.

§ 3° É nula qualquer disposição, cláusula, regulamento ou convenção

individual ou coletiva que retire do advogado o direito ao

recebimento dos honorários de sucumbência191

§ 4° O acordo feito pelo cliente do advogado e a parte contrária, salvo

aquiescência do profissional, não lhe prejudica os honorários, quer os

convencionados, quer os concedidos por sentença.

Art. 25. Prescreve em cinco anos a ação de cobrança de honorários de

advogado, contado o prazo:

I - do vencimento do contrato, se houver;

II - do trânsito em julgado da decisão que os fixar;

191

ADln n° 1.194-4 - O STP suspendeu liminarmente os efeitos desse parágrafo.

III - da ultimação do serviço extrajudicial;

IV - da desistência ou transação;

V - da renúncia ou revogação do mandato.

Art. 26. O advogado substabelecido, com reserva de poderes, não pode

cobrar honorários sem a intervenção daquele que lhe conferiu o

substabelecimento.

CAPÍTULO VII

DAS INCOMPATIBILIDADES E IMPEDIMENTOS192

Art. 27. A incompatibilidade determina a proibição total, e o

impedimento, a proibição parcial do exercício da advocacia.

Art. 28. A advocacia é incompatível, mesmo em causa própria, com as

seguintes atividades:

I - chefe do Poder Executivo e membros da Mesa do Poder Legislativo e

seus substitutos legais;

II - membros de órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos

tribunais e conselhos de contas, dos juizados especiais, da justiça de paz,

juízes classistas, bem como de todos os que exerçam função de

julgamento em órgãos de deliberação coletiva da administração pública

direta ou indireta;193

> Ver art. 8°, caput, e parágrafos do Regulamento Geral

192

Ver também o Provimento n° 62/88 - Dispõe sobre incompatibilidade de cargos e

funções de natureza policial, sob a égide da Lei n° 4.215/63, se bem que o inciso V do

art. 28 do novo EAOAB seja mais abrangente. 193

ADln n° 1.127-8 - O STF deu a esse dispositivo a interpretação de que da sua

abrangência estão excluídos os membros da Justiça Eleitoral e os juízes suplentes não

remunerados.

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102

III - ocupantes de cargos ou funções de direção em órgãos da

Administração Pública direta ou indireta, em suas fundações e em suas

empresas controladas ou concessionárias de serviço público;

IV - ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a

qualquer órgão do Poder Judiciário e os que exercem serviços notariais e

de registro;

V - ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a

atividade policial de qualquer natureza;

VI - militares de qualquer natureza, na ativa;

VII - ocupantes de cargos ou funções que tenham competência de

lançamento, arrecadação ou fiscalização de tributos e contribuições

parafiscais;

VIII - ocupantes de funções de direção e gerência em instituições

financeiras, inclusive privadas.

§ 1° A incompatibilidade permanece mesmo que o ocupante do cargo ou

função deixe de exercê-lo temporariamente.

§ 2° Não se incluem nas hipóteses do inciso III os que não detenham

poder de decisão relevante sobre interesses de terceiro, a juízo do

Conselho competente da OAB, bem como a administração acadêmica

diretamente relacionada ao magistério jurídico.

Art. 29. Os Procuradores - Gerais, Advogados - Gerais, Defensores -

Gerais e dirigentes de órgãos jurídicos da Administração Pública direta,

indireta e fundacional são exclusivamente legitimados para o exercício

da advocacia vinculada à função que exerçam, durante o período da

investidura.

Art. 30. São impedidos de exercer a advocacia:

> Ver art. 2° e parágrafo único do Regulamento Geral

I - os servidores da administração direta, indireta ou fundacional, contra a

Fazenda Pública que os remunere ou à qual seja vinculada a entidade

empregadora;

II - os membros do Poder Legislativo, em seus diferentes níveis, contra

ou a favor das pessoas jurídicas de direito público, empresas públicas,

sociedades de economia mista, fundações públicas, entidades paraestatais

ou empresas concessionárias ou permissionárias de serviço público.

Parágrafo único. Não se incluem nas hipóteses do inciso os docentes dos

cursos jurídicos.

CAPÍTULO VIII

DA ÉTICA DO ADVOGAD0194

Art. 31. O advogado deve proceder de forma que o tome merecedor de

respeito e que contribua para o prestígio da classe e da advocacia.

§ 1° O advogado, no exercício da profissão, deve manter independência

em qualquer circunstância.

§ 2° Nenhum receio de desagradar a magistrado ou a qualquer

autoridade, nem de incorrer em impopularidade, deve deter o advogado

no exercício da profissão.

Art. 32. O advogado é responsável pelos atos que, no exercício

profissional, praticar com dolo ou culpa.

Parágrafo único. Em caso de lide temerária, o advogado será

solidariamente responsável com seu cliente, desde que coligado com este

194

Ver também o Código de Ética e Disciplina; Provimentos nos 83/96 - Regula

processos éticos de representação por advogado contra advogado e 84/96 - Combate ao

nepotismo no âmbito da OAB.

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103

para lesar a parte contrária, o que será apurado em ação própria.

Art. 33. O advogado obriga-se a cumprir rigorosamente os deveres

consignados no Código de Ética e Disciplina.

Parágrafo único. O Código de Ética e Disciplina regula os deveres do

advogado para com a comunidade, o cliente, o outro profissional e,

ainda, a publicidade, a recusa do patrocínio, o dever de assistência

jurídica, o dever geral de urbanidade e os respectivos procedimentos

disciplinares.

CAPÍTULO IX

DAS INFRAÇÕES E SANÇÕES DISCIPLINARES195

Art. 34. Constitui infração disciplinar:

I - exercer a profissão, quando impedido de fazê-lo, ou facilitar, por

qualquer meio, o seu exercício aos não inscritos, proibidos ou impedidos;

II - manter sociedade profissional fora das normas e preceitos

estabelecidos nesta Lei;

> Ver Provimento n° 69/89 - Prática de atos privativos por sociedades

não registradas na Ordem.

III - valer-se de agenciador de causas, mediante participação nos

honorários a receber;

IV - angariar ou captar causas, com ou sem a intervenção de terceiros;

V - assinar qualquer escrito destinado a processo judicial ou para fim

extrajudicial que não tenha feito, ou em que não tenha colaborado;

195

Ver Código de Ética e Disciplina - CED; Provimento n° 83/96 - Processos éticos de

representação por advogado contra advogado.

VI - advogar contra literal disposição de lei, presumindo-se a boa-fé

quando fundamentado na inconstitucionalidade, na injustiça da lei ou em

pronunciamento judicial anterior;

VII - violar, sem justa causa, sigilo profissional;

VIII - estabelecer entendimento com a parte adversa sem autorização do

cliente ou ciência do advogado contrário;

IX - prejudicar, por culpa grave, interesse confiado ao seu patrocínio;

X - acarretar, conscientemente, por ato próprio, a anulação ou a nulidade

do processo em que funcione;

XI - abandonar a causa sem justo motivo ou antes de decorridos dez dias

da comunicação da renúncia;

XII - recusar-se a prestar, sem justo motivo, assistência jurídica, quando

nomeado em virtude de impossibilidade da Defensoria Pública;

XIII - fazer publicar na imprensa, desnecessária e habitualmente,

alegações forenses ou relativas a causas pendentes;

XIV - deturpar o teor de dispositivo de lei, de citação doutrinária e de

julgado, bem como de depoimentos, documentos e alegações da parte

contrária, para confundir o adversário ou iludir o juiz da causa;

XV - fazer, em nome do constituinte, sem autorização escrita deste,

imputação a terceiro de fato definido como crime;

XVI - deixar de cumprir, no prazo estabelecido, determinação emanada

do órgão ou autoridade da Ordem, em matéria da competência desta,

depois de regularmente notificado;

XVII - prestar concurso a clientes ou a terceiros para realização de ato

contrário à lei ou destinado a fraudá-la;

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XVIII - solicitar ou receber de constituinte qualquer importância para

aplicação ilícita ou desonesta; XIX - receber valores, da parte contrária

ou de terceiro, relacionados com o objeto do mandato, sem expressa

autorização do constituinte;

XX - locupletar-se, por qualquer forma, à custa do cliente ou da parte

adversa, por si ou interposta pessoa;

XXI - recusar-se, injustificadamente, a prestar contas ao cliente de

quantias recebidas dele ou de terceiros por conta dele;

> Ver Provimento n° 70/89 - Prestação de contas por quantias recebidas.

XXII - reter, abusivamente, ou extraviar autos recebidos com vista ou em

confiança;

XXIII - deixar de pagar as contribuições, multas e preços de serviços

devidos à OAB, depois de regularmente notificado a fazê-lo;

XXIV - incidir em erros reiterados que evidenciem inépcia profissional;

XXV - manter conduta incompatível com a advocacia;

XXVI - fazer falsa prova de qualquer dos requisitos para inscrição na

OAB;

XXVII - tomar-se moralmente inidôneo para o exercício da advocacia;

XXVIII - praticar crime infamante;

XXIX - praticar, o estagiário, ato excedente de sua habilitação. Parágrafo

único. Inclui-se na conduta incompatível:

a) prática reiterada de jogo de azar, não autorizado por lei;

b) incontinência pública e escandalosa;

c) embriaguez ou toxicomania habituais.

Art. 35. As sanções disciplinares consistem em:

I - censura;

II - suspensão;

III - exclusão;

IV - multa.

Parágrafo único. As sanções devem constar dos assentamentos do

inscrito, após o trânsito em julgado da decisão, não podendo ser objeto

da publicidade a de censura.

Art. 36. A censura é aplicável nos casos de:

I - infrações definidas nos incisos I a XVI e XXIX do art. 34; II -

violação a preceito do Código de Ética e Disciplina;

III - violação a preceito desta Lei, quando para a infração não se tenha

estabelecido sanção mais grave.

Parágrafo único. A censura pode ser convertida em advertência, em

ofício reservado, sem registro nos assentamentos do inscrito, quando

presente circunstância atenuante.

Art. 37. A suspensão é aplicável nos casos de:

I - infrações definidas nos incisos XVII a XXV do art. 34; II -

reincidência em infração disciplinar.

§ 1° A suspensão acarreta ao infrator a interdição do exercício

profissional, em todo o território nacional, pelo prazo de trinta dias a

doze meses, de acordo com os critérios de individualização previstos

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105

neste capítulo.

§ 2° Nas hipóteses dos incisos XXI e XXIII do art. 34, a suspensão

perdura até que satisfaça integralmente a dívida, inclusive com a

correção monetária.

§ 3° Na hipótese do inciso XXIV do art. 34, a suspensão perdura até que

preste novas provas de habilitação.

Art. 38. A exclusão é aplicável nos casos de:

I - aplicação, por três vezes, de suspensão;

II - infrações definidas nos incisos XXVI a XXVIII do art. 34.

Parágrafo único. Para a aplicação da sanção disciplinar de exclusão é

necessária a manifestação favorável de dois terços dos membros do

Conselho Seccional competente.

Art. 39. A multa, variável entre o mínimo correspondente ao valor de

uma anuidade e o máximo de seu décuplo, é aplicável cumulativamente

com a censura ou suspensão, em havendo circunstâncias agravantes.

Art. 40. Na aplicação das sanções disciplinares são consideradas, para

fins de atenuação, as seguintes circunstâncias, entre outras:

I - falta cometida na defesa de prerrogativa profissional; II - ausência de

punição disciplinar anterior;

III - exercício assíduo e proficiente de mandato ou cargo em qualquer

órgão da OAB; N - prestação de relevantes serviços à advocacia ou à

causa pública.

Parágrafo único. Os antecedentes profissionais do inscrito, as atenuantes,

o grau de culpa por ele revelada, as circunstâncias e as conseqüências da

infração são considerados para o fim de decidir:

a) sobre a conveniência da aplicação cumulativa da multa e de outra

sanção disciplinar;

b) sobre o tempo de suspensão e o valor da multa aplicáveis.

Art.41. É permitido ao que tenha sofrido qualquer sanção disciplinar

requerer, um ano após seu cumprimento, a reabilitação, em face de

provas efetivas de bom comportamento.

Parágrafo único. Quando a sanção disciplinar resultar da prática de

crime, o pedido de reabilitação depende também da correspondente

reabilitação criminal.

Art. 42. Fica impedido de exercer o mandato o profissional a quem forem

aplicadas as sanções disciplinares de suspensão ou exclusão.

Art. 43. A pretensão à punibilidade das infrações disciplinares prescreve

em cinco anos, contados da data da constatação oficial do fato.

§ 1° Aplica-se a prescrição a todo processo disciplinar paralisado por

mais de três anos, pendente de despacho ou julgamento, devendo ser

arquivado de ofício, ou a requerimento da parte interessada, sem prejuízo

de serem apuradas as responsabilidades pela paralisação.

§ 2° A prescrição interrompe-se:

I - pela instauração de processo disciplinar ou pela notificação válida

feita diretamente ao representado;

II - pela decisão condenatória recorrível de qualquer órgão julgador da

OAB.

TÍTULO II

DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL

CAPÍTULO I

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106

DOS FINS E DA ORGANIZAÇÃ0196

Art. 44. A CEdem dos Advogados do Brasil - OAB, serviço público,

dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade:

I - defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de

direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar {ela boa aplicação

das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da

cultura e das instituições jurídicas;

II - promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a

disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil.

> Ver art. 45 do Regulamento Geral.

§ 1° A OAB não mantém com órgão da Administração Pública qualquer

vínculo funcional ou hierárquico.

§ 2° O uso da sigla "OAB" é privativo da Ordem dos Advogados do

Brasil.

Art. 45. São órgãos da OAB:

I - o Conselho Federal;

II - os Conselhos Seccionais;

> Ver art. 46 do Regulamento Geral.

> Provimento n° 43/78 e Provimento n° 68/89, que criaram,

respectivamente, as seccionais de Mato Grosso do Sul e Tocantins.

III - as Subseções;

196

Ver também arts. 44 e seguintes do Regulamento Geral.

> Ver art. 60 do Estatuto - Competência do Conselho Seccional para

criação subseções e os requisitos necessários.

> Ver Capítulo V do Regulamento Geral (arts. 115 e seguintes) - Da

subseção

IV - as Caixas de Assistência dos Advogados.

§ 1° O Conselho Federal, dotado de personalidade jurídica própria, com

sede na capital da República, é o órgão supremo da OAB.

> Patrimônio dos órgãos da OAB - arts. 47 e 48 do Regulamento Geral.

§ 2° Os Conselhos Seccionais, dotados de personalidade jurídica própria,

têm jurisdição sobre os respectivos territórios dos Estados-membros, do

Distrito Federal e dos Territórios.

§ 3° As Subseções são partes autônomas do Conselho Seccional, na

forma desta Lei e de seu ato constitutivo.

§ 4° As Caixas de Assistência dos Advogados, dotadas de personalidade

jurídica própria, são criadas pelos Conselhos Seccionais, quando estes

contarem com mais de mil e quinhentos inscritos.

§ 5° A OAB, por constituir serviço público, goza de imunidade tributária

total em relação a seus bens, rendas e serviços.

§ 6° Os atos conclusivos dos órgãos da OAB, salvo quando reservados

ou de administração interna, devem ser publicados na imprensa oficial ou

afixados no fórum, na íntegra ou em resumo.

Art. 46. Compete à OAB fixar e cobrar, de seus inscritos, contribuições,

preços de serviços e multas.

> Ver arts. 55 e seguintes do Regulamento Geral - Dispõem sobre

Receita da OAB. Sobre orçamento, balanço e prestação de contas: arts.

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107

58 a 61 do Regulamento Geral e Provimento n° 101/2003, que substituiu

o Provimento no 44/78 e suas alterações, bem como o Provimento n° 104

12004, que derrogou itens do art 4º do Provimento n° 10112003

Parágrafo único. Constitui título executivo extrajudicial a certidão

passada pela diretoria do Conselho competente, relativa a crédito

previsto neste artigo.

Art. 47. O pagamento da contribuição anual à OAB isenta os inscritos

nos seus quadros do pagamento obrigatório da contribuição sindical.

Art. 48. O cargo de conselheiro ou de membro de diretoria de órgão da

OAB é de exercício gratuito e obrigatório, considerado serviço público

relevante, inclusive para fins de disponibilidade e aposentadoria.

> Ver sobre compromisso: art. 53 do Regulamento Geral; sobre vacância

de membro da Diretoria dos conselhos: art. 50 do Regulamento Geral.

Art. 49. Os Presidentes dos Conselhos e das Subseções da OAB têm

legitimidade para agir, judicial e extrajudicialmente, contra qualquer

pessoa que infringir as disposições ou os fins desta Lei.

Parágrafo único. As autoridades mencionadas no caput deste artigo têm,

ainda, legitimidade para intervir, inclusive como assistentes, nos

inquéritos e processos em que sejam indiciados, acusados ou ofendidos

os inscritos na OAB.

Art. 50. Para os fins desta Lei, os Presidentes dos Conselhos da OAB e

das Subseções podem requisitar cópias de peças de autos e documentos a

qualquer tribunal, magistrado, cartório e órgão197

da Administração

Pública direta, indireta e fundacional.

CAPÍTULO II

197

ADln n° 1.127-8. Suspensa a eficácia da expressão pelo STF, em medida liminar..

DO CONSELHO FEDERAL198

Art. 51. O Conselho Federal compõe-se:

I - dos conselheiros federais, integrantes das delegações de cada unidade

federativa;

II - dos seus ex-presidentes, na qualidade de membros honorários

vitalícios.

§ 1o Cada delegação é formada por três conselheiros federais.

§ 2° Os ex-presidentes têm direito apenas a voz nas sessões.

Art. 52. Os presidentes dos Conselhos Seccionais, nas sessões do

Conselho Federal, têm lugar reservado junto à delegação respectiva e

direito somente a voz.

Art. 53. O Conselho Federal tem sua estrutura e funcionamento definidos

no Regulamento Geral da OAB.

> Ver Regulamento Geral: estrutura e funcionamento (arts.62 a 73),

Conselho Pleno (arts.74 a 83); Órgão Especial (arts.84 a 86); Câmaras

(arts. 87 a 90); Sessões dos órgãos colegiados (arts.91 a 97); Provimento

n° 76/92 - Comissões Permanentes do Conselho Federal (p.126), alterado

pelos Provimentos nos 78/95 e 87/97.

> Sobre Comissões Permanentes ver Provimentos nos 79/95,82/96 e

90/99.

§ 1° O Presidente, nas deliberações do Conselho, tem apenas o voto de

qualidade.

§ 2° O voto é tomado por delegação, e não pode ser exercido nas

198

Ver também Capítulo III do Regulamento Geral (arts. 62 a 104)

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108

matérias de interesse da unidade que represente.

§ 3° Na eleição para a escolha da Diretoria do Conselho Federal, cada

membro da delegação terá direito a 1 (um) voto, vedado aos membros

honorários vitalícios (NR dada pela Lei 11.179, de 22 de setembro de

2004, publicada no DOU de 23.09.2005, p. 1, S 1)

Art. 54. Compete ao Conselho Federal:

I - dar cumprimento efetivo às finalidades da OAB;

II - representar, em juízo ou fora dele, os interesses coletivos ou

individuais dos advogados;

III - velar pela dignidade, independência, prerrogativas e valorização da

advocacia;

IV - representar, com exclusividade, os advogados brasileiros nos órgãos

e eventos internacionais da advocacia;

V - editar e alterar o Regulamento Geral, o Código de Ética e Disciplina,

e os Provimentos que julgar necessários;

> Ver Regulamento Geral; Código de Ética e Disciplina; Provimento n°

26/66 - Publicação local, pelos Conselhos Seccionais, de todos os

Provimentos baixados pela Ordem dos advogados do Brasil, alterado

pelo Provimento n° 47/79.

VI - adotar medidas para assegurar o regular funcionamento dos

Conselhos Seccionais;

VII - intervir nos Conselhos Seccionais, onde e quando constatar grave

violação desta Lei ou do Regulamento Geral;

VIII - cassar ou modificar, de ofício ou mediante representação, qualquer

ato, de órgão ou autoridade da OAB, contrário a esta Lei, ao

Regulamento Gral, ao Código de Ética e Disciplina, e aos Provimentos,

ouvida a autoridade ou o órgão em causa;

IX - julgar, em grau de recurso, as questões decididas pelos Conselhos

Seccionais, nos casos previstos neste Estatuto e no Regulamento Geral;

> Ver competência das Câmaras e Órgão Especial: arts. 85, 88, 89 e 90

do Regulamento Geral.

X - dispor sobre a identificação dos inscritos na OAB e sobre os

respectivos símbolos privativos;

> Ver arts. 32 e seguintes do Regulamento Geral e Provimento n° 8/64 -

Vestes talares e insígnias privativas do advogado.

XI - apreciar o relatório anual e deliberar sobre o balanço e as contas de

sua diretoria;

XII - homologar ou mandar suprir relatório anual, o balanço e as contas

dos Conselhos Seccionais;

> Ver Provimento n° 101/2003, com alterações do Provimento n°

10412004 - Relatório e contas dos Conselhos seccionais (substituindo o

Provimento n° 44/78 e alterações).

XIII - elaborar as listas constitucionalmente previstas, para o

preenchimento dos cargos nos tribunais judiciários de âmbito nacional ou

interestadual, com advogados que estejam em pleno exercício da

profissão, vedada a inclusão de nome de membro do próprio Conselho ou

de outro órgão da OAB;

> Ver Provimento n° 10212004 - Regula a elaboração das listas

sêxtuplas.

XIV - ajuizar ação direta de inconstitucionalidade de normas legais e atos

normativos, ação civil pública, mandado de segurança coletivo, mandado

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de injunção e demais ações cuja legitimação lhe seja outorgada por lei;

> Ver art. 82 do Regulamento Geral.

XV - colaborar com o aperfeiçoamento dos cursos jurídicos, e opinar,

previamente, nos pedidos apresentados aos órgãos competentes para

criação, reconhecimento ou credenciamento desses cursos;

> Ver art. 83 do Regulamento Geral.

XVI autorizai; pela maioria absoluta das delegações, a oneração ou

alienação de seus bens imóveis;

XVII - participar de concursos públicos, nos casos previstos na

Constituição e na lei, em todas as suas fases, quando tiverem abrangência

nacional ou interestadual;

> Ver art. 52 do Regulamento Geral.

XVIII - resolver os casos omissos neste Estatuto.

Parágrafo único. A intervenção referida no inciso VII deste artigo

depende de prévia aprovação por dois terços das delegações, garantido o

amplo direito de defesa do Conselho Seccional respectivo, nomeando-se

diretoria provisória para o prazo que se fixar.

Art. 55. A diretoria do Conselho Federal é composta de um Presidente,

de um Vice-Presidente, de um Secretário-Geral, de um Secretário-Geral

Adjunto e de um Tesoureiro.

§ l° O Presidente exerce a representação nacional e internacional da

OAB, competindo-lhe convocar o Conselho Federal, presidi-lo,

representá-lo ativa e passivamente, em juízo ou fora dele, promover-lhe a

administração patrimonial e dar execução às suas decisões.

§ 2° O Regulamento Geral define as atribuições dos membros da

Diretoria e a ordem de substituição em caso de vacância, licença, falta ou

impedimento.

> Ver arts. 98 a 104 do Regulamento Geral.

§ 3° Nas deliberações do Conselho Federal, os membros da diretoria

votam como membros de suas delegações, cabendo ao Presidente, apenas

o voto de qualidade e o direito de embargar a decisão, se esta não for

unânime.

> Ver arts. 68 a 73 do Regulamento Geral.

CAPÍTULO III

DO CONSELHO SECCIONAL199

Art. 56. O Conselho Seccional compõe-se de conselheiros em número

proporcional ao de seus inscritos, segundo critérios estabelecidos no

Regulamento Geral.

§ 1° São membros honorários vitalícios os seus ex-presidentes, somente

com direito a voz em suas sessões.

§ 2° O Presidente do Instituto dos Advogados local é membro honorário,

somente com direito a voz nas sessões do Conselho.

§ 3° Quando presentes às sessões do Conselho Seccional, o Presidente do

Conselho Federal, os Conselheiros Federais integrantes da respectiva

delegação, o Presidente da Caixa de Assistência dos Advogados e os

Presidentes das Subseções, têm direito a voz.

Art. 57. O Conselho Seccional exerce e observa, no respectivo território,

as competências, vedações e funções atribuídas ao Conselho Federal, no

que couber e no âmbito de sua competência material e territorial, e as

normas gerais estabelecidas nesta Lei, no Regulamento Geral, no Código

199

Ver também os arts. 105 a 114 do Regulamento Geral.

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110

de Ética e Disciplina, e nos Provimentos.

Art. 58. Compete privativamente ao Conselho Seccional:

I - editar seu Regimento Interno e Resoluções;

II - criar as Subseções e a Caixa de Assistência dos Advogados;

III - julgar, em grau de recurso, as questões decididas por seu Presidente,

por sua diretoria, pelo Tribunal de Ética e Disciplina, pelas diretorias das

Subseções e da Caixa de Assistência dos Advogados;

IV - fiscalizar a aplicação da receita, apreciar o relatório anual e deliberar

sobre o balanço e as contas de sua diretoria, das diretorias das Subseções

e da Caixa de Assistência dos Advogados;

> Sobre orçamento, receita, prestação de contas, ver anotações ao art. 46

deste Estatuto.

v - fixar a tabela de honorários, válida para todo o território estadual;

> Ver art. III do Regulamento Geral.

VI - realizar o Exame de Ordem;

> Ver Provimento n° 81/96 - Regula o Exame de Ordem.

VII - decidir os pedidos de inscrição nos quadros de advogados e

estagiários;

> Sobre inscrição, ver anotação ao Capítulo IH do Título I deste Estatuto.

VIII - manter cadastro de seus inscritos;

> Ver art. 24 do Regulamento Geral; Provimentos nos 9512000 - Regula

o Cadastro Nacional dos Advogados, alterado pelo Provimento n°

10312004. e 9812002 - Regula o Cadastro Nacional das Sociedades de

Advogados.

IX - fixar, alterar e receber contribuições obrigatórias, preços de serviços

e multas;

> Ver anotação ao inciso IV deste artigo.

X - participar da elaboração dos concursos públicos, em todas as suas

fases, nos casos previstos na Constituição e nas leis, no âmbito do seu

território;

> Ver art. 52 do Regulamento Geral.

XI - determinar, com exclusividade, critérios para o traje dos advogados,

no exercício profissional; XII - aprovar e modificar seu orçamento anual;

XIII - definir a composição e o funcionamento do Tribunal de Ética e

Disciplina, e escolher seus membros;

> Ver art. 114 do Regulamento Geral; Código de Ética e Disciplina -

CED.

XIV - eleger as listas, constitucionalmente previstas, para preenchimento

dos cargos nos tribunais judiciários, no âmbito de sua competência e na

forma do Provimento do Conselho Federal, vedada a inclusão de

membros do próprio Conselho e de qualquer órgão da OAB;

> Ver Provimento n° 10212004 - Regula a elaboração das listas

sêxtuplas.

XV - intervir nas Subseções e na Caixa de Assistência dos Advogados;

> Ver art. 112 do Regulamento Geral.

XVI - desempenhar outras atribuições previstas no Regulamento Geral.

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111

Art. 59. A diretoria do Conselho Seccional tem composição idêntica e

atribuições equivalentes às do Conselho Federal, na forma do Regimento

Interno daquele.

> Ver art. 55 deste Estatuto.

CAPÍTULO IV

DA SUBSEÇÃ0200

Art. 60. A Subseção pode ser criada pelo Conselho Seccional, que fixa

sua área territorial e seus limites de competência e autonomia.

§ 1° A área territorial da Subseção pode abranger um ou mais

municípios, ou parte de município, inclusive da capital do Estado,

contando com um mínimo de quinze advogados, nela profissionalmente

domiciliados.

§ 2° A Subseção é administrada por uma diretoria, com atribuições e

composição equivalentes às da diretoria do Conselho Seccional.

§ 3° Havendo mais de cem advogados, a Subseção pode ser integrada,

também, por um Conselho em número de membros fixado pelo Conselho

Seccional.

§ 4° Os quantitativos referidos nos parágrafos primeiro e terceiro deste

artigo podem ser ampliados, na forma do Regimento Interno do Conselho

Seccional.

§ 5° Cabe ao Conselho Seccional fixar, em seu orçamento, dotações

específicas destinadas à manutenção das Subseções.

§ 6° O Conselho Seccional, mediante o voto de dois terços de seus

membros, pode intervir nas Subseções, onde constatar grave violação

desta Lei ou do Regimento Interno daquele.

200

Ver também Capítulo V do título TI do Regulamento Geral (arts. 115 a 120).

Art. 61. Compete à Subseção, no âmbito de seu território:

I - dar cumprimento efetivo às finalidades da OAB;

II - velar pela dignidade, independência e valorização da advocacia, e

fazer valer as prerrogativas do advogado;

III - representar a OAB perante os poderes constituídos;

IV - desempenhar as atribuições previstas no Regulamento Geral ou por

delegação de competência do Conselho Seccional.

Parágrafo único. Ao Conselho da Subseção, quando houver, compete

exercer as funções e atribuições do Conselho Seccional, na forma do

Regimento Interno deste, e ainda:

a) editar seu Regimento Interno, a ser referendado pelo Conselho

Seccional;

b) editar resoluções, no âmbito de sua competência;

c) instaurar e instruir processos disciplinares, para julgamento pelo

Tribunal de Ética e Disciplina; d) receber pedido de inscrição nos

quadros de advogado e estagiário, instruindo e emitindo parecer prévio,

para decisão do Conselho Seccional.

CAPÍTULO V

DA CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS ADVOGADOS201

Art. 62. A Caixa de Assistência dos Advogados, com personalidade

jurídica própria, destina-se a prestar assistência aos inscritos no Conselho

Seccional a que se vincule.

§ 1° A Caixa é criada e adquire personalidade jurídica com a aprovação e

201

Ver também Capítulo VI do Título II do Regulamento Geral (arts. 121 a 127).

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112

registro de seu Estatuto pelo respectivo Conselho Seccional da OAB, na

forma do Regulamento Geral.

§ 2° A Caixa pode, em benefício dos advogados, promover a seguridade

complementar.

§ 3° Compete ao Conselho Seccional fixar contribuição obrigatória

devida por seus inscritos, destinada à manutenção do disposto no

parágrafo anterior, incidente sobre atos decorrentes do efetivo exercício

da advocacia.

§ 4° A diretoria da Caixa é composta de cinco membros, com atribuições

definidas no seu Regimento Interno.

§ 5° Cabe à Caixa a metade da receita das anuidades recebidas pelo

Conselho Seccional, considerado o valor resultante após as deduções

regulamentares obrigatórias.

> Ver art. 56 do Regulamento Geral.

§ 6° Em caso de extinção ou desativação da Caixa, seu patrimônio se

incorpora ao do Conselho Seccional respectivo.

§ 7° O Conselho Seccional, mediante voto de dois terços de seus

membros, pode intervir na Caixa de Assistência dos Advogados, no caso

de descumprimento de suas finalidades, designando diretoria provisória,

enquanto durar a intervenção.

CAPÍTULO VI

DAS ELEIÇÕES E DOS MANDATOS202

Art. 63. A eleição dos membros de todos os órgãos da OAB será

realizada na segunda quinzena do mês de novembro, do último ano do

202

Ver também arts. 128 e seguintes do Regulamento Geral; Provimento n° 86/97 -

Uniformiza a eleição da Diretoria do Conselho Federal.

mandato, mediante cédula única e votação direta dos advogados

regularmente inscritos.

§ 1° A eleição, na forma e segundo os critérios e procedimentos

estabelecidos no Regulamento Geral, é de comparecimento obrigatório

para todos os advogados inscritos na OAB.

§ 2° O candidato deve comprovar situação regular junto à OAB, não

ocupar cargo exonerável ad nuturn, não ter sido condenado por infração

disciplinar, salvo reabilitação, e exercer efetivamente a profissão há mais

de cinco anos.

Art. 64. Consideram-se eleitos os candidatos integrantes da chapa que

obtiver a maioria dos votos válidos.

§ 1° A chapa para o Conselho Seccional deve ser composta dos

candidatos ao Conselho e à sua Diretoria e, ainda, à delegação ao

Conselho Federal e à Diretoria da Caixa de Assistência dos Advogados

para eleição conjunta.

§ 2° A chapa para a Subseção deve ser composta com os candidatos à

diretoria, e de seu Conselho quando houver.

Art. 65. O mandato em qualquer órgão da OAB é de três anos, iniciando-

se em primeiro de janeiro do ano seguinte ao da eleição, salvo o

Conselho Federal.

Parágrafo único. Os conselheiros federais eleitos iniciam seus mandatos

em primeiro de fevereiro do ano seguinte ao da eleição.

Art. 66. Extingue-se o mandato automaticamente, antes do seu término,

quando:

> Ver art. 54 do Regulamento Geral.

I - ocorrer qualquer hipótese de cancelamento de inscrição ou de

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113

licenciamento do profissional;

II - o titular sofrer condenação disciplinar;

III - o titular faltar, sem motivo justificado, a três reuniões ordinárias

consecutivas de cada órgão deliberativo do Conselho ou da diretoria da

Subseção ou da Caixa de Assistência dos Advogados, não podendo ser

reconduzido no mesmo período de mandato.

Parágrafo único. Extinto qualquer mandato, nas hipóteses deste artigo,

cabe ao Conselho Seccional escolher o substituto, caso não haja suplente.

Art. 67. A eleição da Diretoria do Conselho Federal, que tomará posse no

dia 1° de fevereiro, obedecerá às seguintes regras:

> Ver Provimento n° 86/97 - Uniformiza a eleição para a Diretoria do

Conselho Federal.

I - será admitido registro, junto ao Conselho Federal, de candidatura à

presidência, desde seis meses até um mês antes da eleição;

II - o requerimento de registro deverá vir acompanhado do apoiamento

de, no mínimo, seis Conselhos Seccionais;

III - até um mês antes das eleições, deverá ser requerido o registro da

chapa completa, sob pena de cancelamento da candidatura respectiva;

IV - no dia 31 de janeiro do ano seguinte ao da eleição, o Conselho

Federal elegerá, em reunião presidida pelo conselheiro mais antigo, por

voto secreto e para mandato de 3 (três) anos, sua diretoria, que tomará

posse no dia seguinte; (NR dada pela Lei 11.179, de 22 de setembro de

2004, publicada no DOU de 23.09.2005, p. 1, S 1)

V - será considerada eleita a chapa que obtiver maioria simples dos votos

dos Conselheiros Federais, presente a metade mais 1 (um) de seus

membros. (NR dada pela Lei 11.179, de 22 de setembro de 2004,

publicada no DOU de 23.09.2005, p. 1, S 1)

Parágrafo único. Com exceção do candidato a Presidente, os demais

integrantes da chapa deverão ser conselheiros federais eleitos.

TÍTULO III

DO PROCESSO NA OAB203

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 68. Salvo disposição em contrário, aplicam-se subsidiariamente ao

processo disciplinar as regras da legislação processual penal comum e,

aos demais processos, as regras gerais do procedimento administrativo

comum e da legislação processual civil, nessa ordem.

Art. 69. Todos os prazos necessários à manifestação de advogados,

estagiários e terceiros, nos processos em geral da OAB, são de quinze

dias, inclusive para interposição de recursos.

§ l° Nos casos de comunicação por ofício reservado, ou de notificação

pessoal, o prazo se conta a partir do dia útil imediato ao da notificação do

recebimento.

§ 2° Nos casos de publicação na imprensa oficial do ato ou da decisão, o

prazo inicia-se no primeiro dia útil seguinte.

CAPÍTULO II

DO PROCESSO DISCIPLINAR204

Art. 70. O poder de punir disciplinarmente os inscritos na OAB compete

exclusivamente ao Conselho Seccional em cuja base territorial tenha

203

Ver também Capítulo VIII do título II do Regulamento Geral (arts. 137-A e

seguintes). 204

Ver também o art. 154, parágrafo único, do Regulamento Geral; Código de Ética e

Disciplina, especialmente o Capítulo II - arts. 51 e seguintes; Provimento n° 83/96 -

Regula processos éticos de representação por advogado contra advogado.

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114

ocorrido a infração, salvo se a falta for cometida perante o Conselho

Federal.

§ 1° Cabe ao Tribunal de Ética e Disciplina, do Conselho Seccional

competente, julgar os processos disciplinares, instruídos pelas Subseções

ou por relatores do próprio Conselho.

§ 2° A decisão condenatória irrecorrível deve ser imediatamente

comunicada ao Conselho Seccional onde o representado tenha inscrição

principal, para constar dos respectivos assentamentos.

§ 3° O Tribunal de Ética e Disciplina do Conselho onde o acusado tenha

inscrição principal pode suspendê-lo preventivamente, em caso de

repercussão prejudicial à dignidade da advocacia, depois de ouvi-lo em

sessão especial para a qual deve ser notificado a comparecer, salvo se

não atender à notificação. Neste caso, o processo disciplinar deve ser

concluído no prazo máximo de noventa dias.

Art. 71. A jurisdição disciplinar não exclui a comum e, quando o fato

constituir crime ou contravenção, deve ser comunicado às autoridades

competentes.

Art. 72. O processo disciplinar instaura-se de ofício ou mediante

representação de qualquer autoridade ou pessoa interessada.

§ 1° O Código de Ética e Disciplina estabelece os critérios de

admissibilidade da representação e os procedimentos disciplinares.

§ 2° O processo disciplinar tramita em sigilo, até o seu término, só tendo

acesso às suas informações as partes, seus defensores e a autoridade

judiciária competente.

Art. 73. Recebida a representação, o Presidente deve designar relator, a

quem compete instrução do processo e o oferecimento de parecer

preliminar a ser submetido ao Tribunal de Ética e Disciplina.

§ 1o Ao representado deve ser assegurado amplo direito de defesa,

podendo acompanhar o processo em todos os termos, pessoalmente ou

por intermédio de procurador, oferecendo defesa prévia após ser

notificado, razões finais após a instrução e defesa oral perante o Tribunal

de Ética e Disciplina, por ocasião do julgamento.

§ 2° Se, após a defesa prévia, o relator se manifestar pelo indeferimento

liminar da representação, este deve ser decidido pelo Presidente do

Conselho Seccional, para determinar seu arquivamento.

§ 3° O prazo para defesa prévia pode ser prorrogado por motivo

relevante, a juízo do relator.

§ 4° Se o representado não for encontrado, ou for revel, o Presidente do

Conselho ou da Subseção deve designar-lhe defensor dativo;

§ 5° É também permitida a revisão do processo disciplinar, por erro de

julgamento ou por condenação baseada em falsa prova.

Art. 74. O Conselho Seccional pode adotar as medidas administrativas e

judiciais pertinentes, objetivando a que o profissional suspenso ou

excluído devolva os documentos de identificação.

CAPÍTULO III

DOS RECURSOS205

Art. 75. Cabe recurso ao Conselho Federal de todas as decisões

definitivas proferidas pelo Conselho Seccional, quando não tenham sido

unânimes ou, sendo unânimes, contrariem esta Lei, decisão do Conselho

Federal ou de outro Conselho Seccional e, ainda, o Regulamento Geral, o

Código de Ética e Disciplina e os Provimentos.

Parágrafo único. Além dos interessados, o Presidente do Conselho

Seccional é legitimado a interpor o recurso referido neste artigo.

205

Ver também arts. 139 a 144 - A do Regulamento Geral.

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115

Art. 76. Cabe recurso ao Conselho Seccional de todas as decisões

proferidas por seu Presidente, pelo Tribunal de Ética e Disciplina, ou

pela diretoria da Subseção ou da Caixa de Assistência dos Advogados.

Art. 77. Todos os recursos têm efeito suspensivo, exceto quando tratarem

de eleições (arts. 63 e seguintes), de suspensão preventiva decidida pelo

Tribunal de Ética e Disciplina, e de cancelamento da inscrição obtida

com falsa prova.

Parágrafo único. O Regulamento Geral disciplina o cabimento de

recursos específicos, no âmbito de cada órgão julgador.

TÍTULO IV

DAS DISPOSIÇÕES GERAIS E TRANSITÓRIAS

Art. 78. Cabe ao Conselho Federal da OAB, por deliberação de dois

terços, pelo menos, das delegações, editar o Regulamento Geral deste

Estatuto, no prazo de seis meses, contados da publicação desta Lei.

> O Regulamento Geral foi aprovado nas sessões plenárias de 16.10.94 e

06.11.94 e publicado no Diário da Justiça, Seção I, de 16.11.94

(p.31.21O a 31.220)

Art. 79. Aos servidores da OAB, aplica-se o regime trabalhista.

> Ver Provimento n° 84/96 - Combate ao nepotismo no âmbito da OAB.

§ l° Aos servidores da OAB, sujeitos ao regime da Lei n° 8.112, de 11 de

dezembro de 1990, é concedido o direito de opção pelo regime

trabalhista, no prazo de noventa dias a partir da vigência desta Lei, sendo

assegurado aos optantes o pagamento de indenização, quando da

aposentadoria, correspondente a cinco vezes o valor da última

remuneração.

§ 2° Os servidores que não optarem pelo regime trabalhista serão

posicionados no quadro em extinção, assegurado o direito adquirido ao

regime legal anterior.

Art. 80. Os Conselhos Federal e Seccionais devem promover

trienalmente as respectivas Conferências, em data não coincidente com o

ano eleitoral, e, periodicamente, reunião do colégio de presidentes a eles

vinculados, com finalidade consultiva.

> Ver arts. 145 a 149 do Regulamento Geral; Provimento n° 9612001-

Cerimonial da OAB.

Art. 81. Não se aplicam aos que tenham assumido originariamente o

cargo de Presidente do Conselho Federal ou dos Conselhos Seccionais,

até a data da publicação desta Lei, as normas contidas no Título II, acerca

da composição desses Conselhos, ficando assegurado o pleno direito de

voz e voto em suas sessões.

Art. 82. Aplicam-se as alterações previstas nesta Lei, quanto a mandatos,

eleições, composições e atribuições dos órgãos da OAB, a partir do

término do mandato dos atuais membros, devendo os Conselhos Federal

e Seccionais disciplinarem os respectivos procedimentos de adaptação.

Parágrafo único. Os mandatos dos membros dos órgãos da OAB, eleitos

na primeira eleição sob a vigência desta Lei, e na forma do Capítulo VI

do Título II, terão início no dia seguinte ao término dos atuais mandatos,

encerrando-se em 31 de dezembro do terceiro ano do mandato e em 31

de janeiro do terceiro ano do mandato, neste caso com relação ao

Conselho Federal.

Art. 83. Não se aplica o disposto no art. 28, inciso II, desta Lei, aos

membros do Ministério Público que, na data de promulgação da

Constituição, se incluam na previsão do art. 29, § 3°, do seu Ato das

Disposições Constitucionais Transitórias.

Art. 84. O estagiário inscrito no respectivo quadro, fica dispensado do

Exame da Ordem, desde que comprove, em até dois anos da

promulgação desta Lei, o exercício e resultado do estágio profissional ou

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a conclusão, com aproveitamento, do estágio de "Prática Forense e

Organização Judiciária", realizado junto à respectiva faculdade, na forma

da legislação em vigor.

Art. 85. O Instituto dos Advogados Brasileiros e as instituições a ele

filiadas têm qualidade para promover perante a OAB o que julgarem do

interesse dos advogados em geral ou de qualquer dos seus membros.

Art. 86. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 87. Revogam-se as disposições em contrário, especialmente a Lei n°

4.215, de 27 de abril de 1963, a Lei n° 5.390, de 23 de fevereiro de 1968,

o Decreto-lei n° 505, de 18 de março de 1969, a Lei n° 5.681, de 20 de

julho de 1971, a Lei n° 5.842, de 6 de dezembro de 1972, a Lei n° 5.960,

de 10 de dezembro de 1973, a Lei n° 6.743, de 5 de dezembro de 1979, a

Lei n° 6.884, de 9 de dezembro de 1980, a Lei n° 6.994, de 26 de maio

de 1982, mantidos os efeitos da Lei n° 7.346, de 22 de julho de 1985.

Brasília, 4 de julho de 1994; 173° da Independência e 106° da República.

ITAMAR FRANCO Alexandre de Paula Dupeyrat Martins