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Universidade Cândido Mendes - UCAM Instituto “A Vez do Mestre” - IAVM
Pós-Graduação em Direito Penal e Processual penal
MONOGRAFIA
O CABIMENTO DO HABEAS CORPUS NA TRANSGRESSÃO DISCIPLINAR MILITAR
Aluno: Lucivaldo Felix de Moura (k206915)
Orientador (a): Prof. Valesca Rodrigues
Rio de Janeiro - 2008
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Universidade Cândido Mendes - UCAM Instituto “A Vez do Mestre” - IAVM
Pós-Graduação em Direito Penal e Processual penal
MONOGRAFIA
O CABIMENTO DO HABEAS CORPUS NA TRANSGRESSÃO DISCIPLINAR MILITAR
Aluno: Lucivaldo Felix de Moura (k206915) Trabalho de Monografia apresentado ao Curso de Pós-graduação em Direito Penal e Processual Penal da Universidade Cândido Mendes – A Vez do Mestre, como requisito para conclusão efetiva do curso.
Rio de Janeiro - 2008
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AGRADECIMENTOS
Primeiramente, a Deus Todo Poderoso, pela Dádiva Divina, depois, a todos que
compartilharam, direta e indiretamente, para a conclusão deste trabalho, incluindo-
se todo o corpo docente e discente do Curso de Pós-Graduação em Direito Penal
e Processual Penal do Instituto “A Vez do Mestre” da Universidade Cândido
Mendes - UCAM, Turma K – 102, pelas opiniões e incentivos, e em especial à
professora Valesca Rodrigues, nossa orientadora, símbolo de dignidade e
competência profissionais.
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DEDICATÓRIA
Dedico este Trabalho de Monografia aos meus pais e irmãos que sempre tiveram
a devida palavra a me ofertar nos momentos difíceis e conturbados da minha vida,
sempre acreditando nas minhas escolhas e decisões de vida acadêmica. Neste
ínterim, desejo lembrar da lição que tem nos passado o meu querido irmão,
Lucimar Felix de Moura, que nunca tem desistido do “Dom Divino da Vida”,
lutando incessantemente, contra as trágicas conseqüências de um acidente
automobilístico sofrido ainda na “flor da idade”, e oferecer-lhe esta Monografia
como reconhecimento de sua garra e incentivos que sempre me dedicou.
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RESUMO
O Habeas Corpus como remédio constitucional que é, está apto a reprimir
toda e qualquer ação ou omissão que leve alguém a sofrer ou se achar ameaçado
de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou
abuso de poder. Não importa se o ato é administrativo ou jurídico em si, se
executado por autoridade judiciária ou administrativa, se esta é civil ou militar. As
punições disciplinares militares têm natureza jurídica de ato administrativo,
portanto sujeitas ao controle judiciário se eivadas de alguma ilicitude ou
ilegalidades na sua formação ou execução, devendo cumprir todas as garantias
constitucionais, como o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório,
sob pena de nulidade de todo o procedimento, cabendo o habeas corpus como
garantia da livre locomoção do coagido, face ao abuso de poder da autoridade
coatora militar.
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METODOLOGIA
No momento em que nos comprometemos a apresentar e estudar o
assunto em pauta, tivemos a plena convicção de que não seria fácil nossa tarefa.
Carecíamos aprofundar o nosso conhecimento neste tema ainda nebuloso, tanto
para a doutrina jurídica, como para a jurisprudência dos Tribunais inferiores, e não
menos para os superiores.
Assim, nos debruçamos numa bibliografia específica e balizada no assunto,
desde suas origens, até os posicionamentos mais modernos e firmes em questão
jurisprudencial, também nos apoiando em doutrinadores respeitados nas áreas
processual penal e constitucional pátreas.
Procuramos trazer por meio de uma análise crítica os diversos
posicionamentos, majoritário e minoritário, um estudo imparcial, porém
compreensível e demonstrador das diversas facetas que cercam a possibilidade
de se admitir o remédio constitucional do Habeas Corpus nas prisões disciplinares
militares resultantes de transgressão militar.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I - Teoria das Normas Constitucionais Inconstitucionais. 9
CAPÍTULO II - Da Possibilidade Jurídica; 15
II.1 Devido Processo Legal; 16
II.2 Ampla Defesa. 19
II.3 Contraditório. 22
CAPÍTULO III - Dos Casos Possíveis à Impetração. 24
CAPÍTULO IV - Da Justiça Competente para o Julgamento. 27
CAPÍTULO V -Considerações finais. 28
CAPÍTULO VI - Referências Bibliográficas . 29
ÍNDICE 31
FOLHA DE AVALIAÇÃO 32
ATIVIDADES CULTURAIS 33
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INTRODUÇÃO
Cuida o presente estudo sobre o cabimento do habeas corpus na
transgressão disciplinar militar - dentro dos quartéis -, analisando-o sob uma
abordagem constitucional do tema acerca da possibilidade jurídica, entendida pelo
prisma dos princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e
do contraditório, os casos possíveis à impetração e a justiça competente para o
julgamento.
O trabalho monográfico se desenvolverá a partir das seguintes hipóteses:
a) A possibilidade da existência de normas constitucionais inconstitucionais
dentro da Carta Política de um Estado, como se verifica na análise do art. 142, §
2º da Carta Magna pátrea.
b) A necessidade da observância dos princípios constitucionais
processuais, quais sejam, o devido processo legal, a ampla defesa e o
contraditório, pela autoridade administrativa no momento do julgamento e
aplicação das punições disciplinares militares.
c) O magistrado deverá acatar a impetração do habeas corpus quando da
aplicação da prisão disciplinar militar, analisando-o sob o ângulo da legalidade,
tanto na formação do ato administrativo, quanto nas garantias individuais.
d) A competência para o julgamento do writ é da justiça comum. No âmbito
das polícias militares e corpos de bombeiros militares, a Justiça Estadual; no
âmbito das Forças Armadas, a Justiça Federal. Justificativa pautada no interesse
público da decisão.
Serão analisadas num enfoque constitucional modernista, com o auxilio da
melhor doutrina, todas as possibilidades e nuanças do tema proposto, bem como
sua importância para a garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos face aos
interesses do Estado.
Com estes tópicos crê-se abordar ao máximo a situação do cabimento do
habeas corpus na prisão disciplinar militar.
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CAPÍTULO I
TEORIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS INCONSTITUCIONAIS
Tem sido muito questionado no mundo jurídico a possibilidade de normas
constitucionais poderem ser tidas, materialmente, como inconstitucionais. Há os
que defendem o princípio da unidade da Constituição, segundo o qual as normas
constitucionais podem, e devem, ser interpretadas em conjunto, de modo que
sejam evitados os conflitos com as demais normas pertencentes à Carta Política.
Em posição frontalmente contrária, encontra-se a corrente que advoga a tese da
hierarquização dos preceitos supralegais, o que possibilitaria, neste caso, a
existência de choques normativos internos e, via de conseqüência, a necessidade
de critérios para sua ultrapassagem.
Mesmo tecendo comentários e posicionamentos dos mais diversos, este
trabalho se coaduna em reunir e, acima de tudo, defender seu objeto, tomando
como ponto de partida e fundamento primordial, a possibilidade da existência de
normas constitucionais inconstitucionais.
A Constituição é o documento normativo mais importante de uma Nação,
pois se trata da expressão maior da vontade soberana do povo, além de organizar
a forma e o campo de atuação do Estado. Seus preceitos possuem, inclusive,
supremacia em relação às demais regras existentes no ordenamento jurídico. Tal
predomínio ocorre em decorrência do sistema de respeito vertical no subsistema
normativo, ou pirâmide hierárquica das leis, mais conhecida com “Pirâmide de
Kelsen”.
Destarte, a análise acerca da possibilidade de antinomia entre normas
constitucionais oriundas do Poder Constituinte Originário é questão de indubitável
relevância, mormente no sentido de se harmonizar os mandamentos da Carta
Política e as demais emanações legiferantes.
É relevante que se traga a esse discurso, os ensinamentos e
entendimentos do precursor da idéia da existência da divergência aparente de
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normas constitutivas de um mesmo sistema constitucional originário, como
também, o posicionamento da doutrina e jurisprudência a respeito do assunto
ainda bastante discutido no meio jurídico, para que se possa tomar um
posicionamento mais embasado, motivado e fundamentado.
O professor e jurista alemão Otto Bachof, inicialmente, causou grande
polêmica no mundo jurídico ao defender a possibilidade da existência de normas
constitucionais inconstitucionais, durante uma aula inaugural, proferida na
Universidade de Heidelberg, no início dos anos 50, aula esta que foi transformada
em livro, sob o título: Normas Constitucionais Inconstitucionais?
(Verfassungswidrige Verfassungsnormen?). Àquela época, o pensamento do
professor alemão foi muito contestado, mormente pelo fato de que suas idéias
encontravam esparsos respaldos jurisprudenciais, especialmente em uma decisão
do Verfassungsgerichshof da Baviera, ou Tribunal Constitucional da Baviera, na
Alemanha.
Ao longo das décadas que se seguiram, as idéias de Bachof serviram de
base para diversos trabalhos acadêmicos, alguns defendendo o seu pensamento,
muitos discordando frontalmente deles. Apesar de toda esta produção literária, a
possibilidade de existência de normas constitucionais inconstitucionais continua
sendo um tema atual, precipuamente pelo fato de que não há consenso na
doutrina sobre tal questão.
Para se admitir a possibilidade da existência de normas constitucionais
inconstitucionais oriundas do Poder Constituinte Originário, são três as hipóteses
plausíveis, a saber:
a) choque entre normas constitucionais de hierarquia diferente, ou seja,
uma norma materialmente constitucional, portanto superior, em conflito com uma
norma apenas formalmente constitucional, podendo ser classificada como inferior;
b) antinomia entre uma norma constitucional que tenha positivado direito
supralegal e uma norma inferior, como no caso de uma norma constitucional que
infrinja os direitos e garantias individuais ínsitos em outra norma, mais "forte"; e
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c) contrapor-se, uma norma constitucional, a um princípio de direito
supralegal não inserido no corpo da Constituição, por exemplo, o conflito entre
uma norma constitucional e os valores fundamentais da justiça, ou o direito
natural, enfim, com o direito material constitucional não-escrito.
A vinculação jurídica do poder de decisão do legislador constituinte atua
num duplo sentido: por um lado, toda e qualquer Constituição encontra uma
barreira à sua eficácia em determinados princípios jurídicos intangíveis, que tanto
justificam como limitam o ato constituinte ("legitimidade da atuação constituinte");
por outro lado, o ato de nascimento da Constituição, sempre que se não esteja
perante uma decisão constituinte puramente revolucionária, tem de observar as
regras processuais estabelecidas em leis "pré-constitucionais" para o ato de
legislação constitucional ("legalidade da atuação constituinte"). Levantando-se
objeções à legalidade do ato de legislação constitucional, surge a questão da
"constitucionalidade da Constituição" ou, no caso de as faltas apontadas se
limitarem a um artigo isolado da Constituição, a questão da "constitucionalidade de
um preceito constitucional".
Por fim, e encerrando seu posicionamento, Otto Bachof admite que "temos
que aprender de novo que a justiça está antes do direito positivo e que são
unicamente as suas categorias intocáveis pela vontade dos homens que podem
fazer das leis direito – seja o legislador quem for, um tirano ou um povo"1
Não obstante a tudo isso, a doutrina pátrea, tem divergido bastante em
relação a esse tema.
Por um lado, alguns doutrinadores insistem em assumir que a toda
evidência, todo processo de reforma constitucional está sujeito a reexame através
do controle de constitucionalidade. Mas com efeito, os dispositivos constitucionais,
produtos do processo constituinte originário, estão imunes a esse controle, não
havendo, por isso, normas constitucionais inconstitucionais. Já os demais
1 BACHOF, Otto. Normas Constitucionais Inconstitucionais? Trad. e nota prévia de José Manuel M. Cardoso da Costa. Coimbra: Almedina, 1994.
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dispositivos incluídos no texto da Constituição, a partir de um processo de
reforma, podem padecer do vício de inconstitucionalidade.
Esse é o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), atribuindo-se,
inclusive, a competência para o julgamento de ADIN de uma emenda
constitucional por violação a princípios implícitos da Lei Maior, tendo em vista o
seu papel precípuo de guardião da Constituição, em nosso ordenamento jurídico.
Já no que se refere ao controle de normas oriundas do Poder Constituinte
Originário, esta Corte, ao apreciar a ADIN nº 815-3, proposta pelo estado do Rio
Grande do Sul, dela não conheceu por entender que não tem jurisdição
constitucional para julgar a alegação de inconstitucionalidade de expressões dos
parágrafos 1º e 2º do artigo 45 da Carta Magna Federal em face de outros
preceitos dela (que são também os alegados como ofendidos na presente ação),
sendo todos resultante do Poder Constituinte Originário.
De outro lado, nas palavras do professor Michel Temer “a doutrina
caracteriza o poder constituinte originário como inicial, autônomo e
incondicionado. Não há dúvida, também, de que o constituinte está limitado pelas
forças materiais que o levaram a manifestação inauguradora do Estado. Fatores
ideológicos, econômicos, o pensamento dominante da comunidade, enfim, é que
acabam por determinar a atuação do constituinte”2 .Sendo assim,uma vez
admitida e demonstrada a realizabilidade da idéia de limitação material ao
exercício do poder constituinte originário, tem-se que, como corolário compulsório,
admitir a existência de norma constitucional inconstitucional. E nessa esfera de
entendimento se pugna pela possibilidade do reconhecimento judicial da
inconstitucionalidade.
Com isso e mesmo diante de tanta divergência, é imprescindível que se
entenda haver, sim, limitações à atividade do constituinte originário. Nesse ponto,
há de se admitir que o Poder Constituinte Originário sofre os influxos dos grupos
de pressão, sindicatos, associações, organizações não-governamentais, da
opinião pública, em derradeira análise. De certa forma, os valores éticos e ideais, 2 TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 13 ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 33.
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a exemplo da justiça e da igualdade, os princípios gerais do direito, enfim, também
são limitadores de sua atuação. Isso sem falar na defesa mundial dos direitos
humanos e na pujança dos tratados internacionais, num mundo globalizado.
Sinteticamente, o Poder Constituinte Originário, em ser anterior à positividade
constitucional é uma faculdade incondicionada, mas que, por estar vinculado a
uma finalidade jurídica, tem limites. Mesmo sendo dificultoso objetivar limitações
ao Poder Constituinte Originário, sob o aspecto formal, materialmente tem-se que
aceitar a derrocada da tese positivista, em especial em sociedades democráticas e
na vigência do constitucionalismo. Afinal, a sociedade democrática hodierna é, por
essência, consensual. E há inevitável consenso na limitação material do Poder
Constituinte Originário quando o enfoque é, por exemplo, a defesa e proteção dos
direitos humanos.
Então, aqui, advoga-se a tese de que pode ser declarada a
inconstitucionalidade de uma regra constitucional inserida originariamente na
Carta Magna, caso esta entre em choque com outro preceito, que contenha em
sua essência garantias individuais.
Tendo em vista esse posicionamento, é importante a feitura de uma análise,
tomando-se como fundamento a Constituição da República Federativa do Brasil,
promulgada em 05 de outubro de 1988, acerca do seu art. 142, § 2º em detrimento
ao art. 5º, incisos, LIV,LV e LXVIII dessa mesma Carta.
O primeiro dispositivo, veda o cabimento do Habeas Corpus em relação a
punições disciplinares militares, o que parece desconexo quando analisado à luz
da intenção material do constituinte originário.
O segundo, que constitui um dos dispositivos mais importantes do sistema
constitucional pátreo, por elencar grande parte dos Direitos e Garantias
Fundamentais, tidos como “Cláusulas Pétreas”, nos incisos indicados, proíbe a
privação da liberdade e dos bens dos cidadãos sem o devido processo legal,
garantindo aos litigantes e aos acusados em geral, o contraditório e a ampla
defesa, concedendo, assim, o remédio constitucional denominado habeas corpus
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quando alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em
sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.
Neste caso, estar-se diante de uma antinomia entre o primeiro comando
normativo proibitivo e as cláusulas pétreas que garantem o devido processo legal,
o contraditório, a ampla defesa e o habeas corpus a todos os cidadãos, o que
enseja, de imediato, a expurgação da Carta Magna daquela hipotética norma
proibitiva.
Por fim, é importante frisar que se procura abordar de forma analítica a
questão da possibilidade de existência de normas constitucionais inconstitucionais
oriundas do Poder Constituinte Originário, inclusive demonstrando o caso concreto
inserto na Constituição pátrea, que dirige e orienta, precipuamente, este trabalho,
servindo como fundamentos, as idéias do jurista e professor alemão Otto Bachof e
o posicionamento da doutrina e jurisprudência brasileiras.
Apesar do dissenso doutrinário acerca do tema ora enfocado, há diversas
emanações no sentido de acatar as teses aqui pugnadas, de modo que seja
alargado o conceito de Constituição, não se atendo a uma observância
estritamente formal, mas dando dinâmica material ao seu conteúdo.
Em suma, defende-se que, se uma norma originariamente constitucional
entrar em choque com outra do mesmo escalonamento e da mesma natureza,
deverá ser declarada, pelo órgão encarregado do controle (STF), o seu
afastamento do ordenamento jurídico-constitucional.
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CAPÍTULO II
DA POSSIBILIDADE JURÍDICA
Ressalta-se, por oportuno, que o habeas corpus é uma medida judicial, de
apreciação imediata pelo Poder Judiciário, que se presta para proteger o direito da
liberdade, quando a restrição desta for ilegal ou abusiva. Liberdade que diz
respeito ao livre arbítrio do ser humano: de ir, vir ou de permanecer (num
determinado lugar).
Explique-se, também, que na transgressão disciplinar militar, a autoridade
pode impor uma pena restritiva da liberdade de até 30 (trinta) dias de prisão.
Notório é, pois, que a sociedade, no geral, e os militares, no particular, e,
inclusive, os operadores do direito, desconhecem da possibilidade jurídica da
impetração de habeas corpus na transgressão disciplinar militar, para livrar o
militar da prisão, ou da detenção, a que este foi submetido.
Certo é que o artigo 142, § 2º da Constituição Federal (CF), prescreve que
não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares.
Ocorre que, em atendimento ao princípio republicano, adotado pela
República Federativa do Brasil, essa restrição deve ser interpretada de maneira
relativa (art. 1º, CF).
Assim sendo, o magistrado deve acatar a impetração do habeas corpus,
analisá-lo, sob o prisma da legalidade, tanto na formação do ato administrativo,
bem como nas garantias individuais.
O que é vedado aos juízes e tribunais, até mesmo como natural decorrência
do princípio da separação de poderes, é a apreciação da conveniência, da
utilidade, da oportunidade e da necessidade da punição disciplinar. Isso não
significa, porém, a impossibilidade de o Judiciário verificar, se existe, ou não,
causa legítima que autorize a imposição da sanção disciplinar. O que se lhe veda,
nesse âmbito, é, tão-só, o exame do mérito da decisão administrativa, já que
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mérito trata-se de elemento temático inerente ao poder discricionário da
administração pública.
Portanto, há possibilidade jurídica da impetração do habeas corpus,
quando, na punição disciplinar, for suprimido um ou mais dos pressupostos da
constituição do ato administrativo, bem como, quando faltar alguma das garantias
constitucionais do processo, dentre as quais, se destacam:
a) falta do devido processo legal, e a ampla defesa com os meios inerentes;
b) falta do contraditório, e aí se inclua a falta da constituição de um
advogado ou defensor público, já que sem estes profissionais, o processo fica
contaminado de ilegalidade, sendo certo que o advogado é indispensável à
administração da justiça (art. 133, da CF).
II.1 Devido Processo Legal
O princípio do devido processo legal está relacionado à idéia de controle do
poder estatal. O Estado pode, através de seus órgãos, a fim de realizar os fins
públicos, impor restrições aos bens individuais mais relevantes. No entanto, não
pode fazê-lo arbitrariamente. O escopo deste princípio a ser estudado é reduzir o
risco de ingerências indevidas nos bens tutelados, através da adoção de
procedimentos adequados. Ou ainda, garantir que a prolação de determinada
decisão judicial ou administrativa seja precedida de ritos procedimentais
assecuratórios de direitos das partes litigantes. Neste ínterim, será analisado se o
procedimento adotado pelo agente público administrativo corroborou com os
mandamentos e a intenção deste princípio.
Na aplicação do devido processo legal em matéria administrativa, o art. 5o,
LIV, da Constituição Federal de 1988 impõe a necessidade de se observar o
direito de defesa e contraditório em procedimentos administrativos que interfiram
com direitos de particulares. Especialmente no que tange aos processos
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disciplinares, por possuírem objeto assemelhado ao dos processos criminais
(apuração de fato ilícito imputado ao servidor e aplicação da pena adequada), não
remanesce controvérsia relevante a respeito de estarem sujeitos ao devido
processo legal. Portanto, sendo a punição disciplinar um ato administrativo,
buscar-se-á fazer uma correlação de observância de princípios constitucionais
para justificar o cabimento do habeas corpus em tal situação.
O devido processo legal, em tese, é princípio fundamental do direito
processual moderno e pode ser identificado nos diversos ramos do direito
processual e nos procedimentos administrativos.
A primeira aparição do consagrado termo due processs of law, somente se
deu em 1354 através da Statute of Westminster of the liberties of London, durante
o reinado de Eduardo III.
Atualmente, a grande maioria das constituições dos países ocidentais
consagra cláusulas como a do due process of law, não necessariamente com essa
denominação ou com os seus efeitos, mas garantindo pelo menos a sua aplicação
no sentido processual.
Nessa relação desigual do processo (Estado no exercício do jus puniendi
versus indivíduo na iminência de ser privado de direitos fundamentais) moldou o
conteúdo do due process na seara penal, conferindo-se maior proeminência aos
direitos do réu, relacionados não só com a ampla defesa (conjugação da defesa
técnica e da autodefesa, indisponibilidade da defesa técnica) e o contraditório,
podendo ser enumerados os seguintes direitos: proteção contra instauração de
procedimentos investigatórios e processos criminais sem que estejam respaldados
em um mínimo suporte probatório; atribuição do ônus da prova à acusação, sem
prejuízo do amplo direito da defesa de produzir provas; vedação de condenação
pautada em prova ilícita; direito de permanecer calado e privilégio contra a auto-
incriminação; direito de ser processado pelo promotor natural e julgado pelo juiz
natural; separação entre as funções de acusar e julgar, a fim de assegurar a
neutralidade do juiz, etc.
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O Estado, em tema de punições disciplinares ou de restrição a direitos,
qualquer que seja o destinatário de tais medidas, não pode exercer a sua
autoridade de maneira abusiva ou arbitrária, desconsiderando, no exercício de sua
atividade, o postulado da plenitude de defesa, pois o reconhecimento da
legitimidade ético-jurídica de qualquer medida estatal - que importe em punição
disciplinar ou em limitação de direitos - exige, ainda que se cuide de procedimento
meramente administrativo (CF, art. 5º, LIV), a fiel observância do princípio do
devido processo legal. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem
reafirmado a essencialidade desse princípio, nele reconhecendo uma insuprimível
garantia, que, instituída em favor de qualquer pessoa ou entidade, rege e
condiciona o exercício, pelo Poder Público, de sua atividade, ainda que em sede
materialmente administrativa, sob pena de nulidade do próprio ato punitivo ou da
medida restritiva de direitos.
Também o direito ao julgamento, sem dilações indevidas, qualifica-se como
prerrogativa fundamental que decorre daquela garantia constitucional. O réu –
especialmente aquele que se acha sujeito a medidas cautelares de privação de
sua liberdade – tem o direito público subjetivo de ser julgado pelo Poder Público,
dentro de prazo razoável, sem demora excessiva e nem dilações indevidas.
Resumindo o que foi dito sobre este importante princípio, verifica-se que a
cláusula do devido processo legal “nada mais é do que a possibilidade efetiva de a
parte ter acesso à justiça, deduzindo pretensão e defendendo-se do modo mais
amplo possível”3.
Então, quanto ao devido processo legal, vislumbra-se em relação às prisões
disciplinares militares, algumas observações finais primordiais que se fazem
necessárias: o acusado tem o direito de ser citado, de forma antecipada, direta e
pessoal, com a mais precisa imputação dos fatos, para que possa defender-se;
tem o direito de ficar calado; um julgamento imparcial, justo e público;
possibilidade de o militar acusado arrolar testemunha de defesa, e que estas
3 JUNIOR, Nelson Nery. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São Paulo, RT, 5ª Edição, p.40.
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sejam ouvidas sob juramento; intimação para todas as audiências de depoimento
das testemunhas de acusação, com possibilidade de contraditá-las; o direito de
ser processado e condenado, por infração que foi regulada por lei anterior ao fato
ocorrido, aplicando-se-lhe a lei posterior somente se mais benéfica; não ser
processado e punido por transgressão fundamentada em provas obtidas de
maneira ilícita.
II.2 Ampla Defesa
O princípio da ampla defesa, está expressamente previsto no artigo 5°,
inciso LV, da Carta Magna de 1988. Este princípio é constituído a partir dos
seguintes fundamentos: ter conhecimento claro da imputação; poder apresentar
alegações contra a acusação; poder acompanhar a prova produzida e fazer
contraprova; e poder recorrer da decisão desfavorável. Com bastante razão e
proficiência, afirma o ilustre doutrinador Vicente Greco Filho que “a ampla defesa é
o cerne ao redor do qual se desenvolve o processo”4.
A ampla defesa é, acima de tudo, garantia do cidadão e tem por base o
princípio da igualdade. Por ampla defesa, entende-se o asseguramento que é
dado ao réu de condições que lhe permitam trazer para o processo todos os
elementos que tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-
se, se entender necessário.
Originariamente, a ampla defesa tinha concepção ratione materiae restrita,
era própria de Direito Processual Penal. Tal limitação advinha de interpretação
literal dos textos constitucionais, que a inseriam como garantia apta a assegurar a
defesa aos acusados e envolviam a nota de culpa (Cartas de 1824, 1891 e 1946)
e/ou a própria prisão (Cartas de 1824, 1891, 1937 e 1946). Apenas com a
4 GRECO FILHO, Vicente. Tutela constitucional das liberdades. São Paulo: Saraiva, 1989.
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Magna Carta de 1934 definiu-se o princípio sem qualquer vínculo explícito com
aspectos criminais.
Hoje, com a vigência da Constituição Federal de 1988, estas divergências
inocorrem. Há certeza da larga abrangência da garantia nos termos do inciso LV,
do art. 5º, sem qualquer tipo de limitação, pois abarca tanto os processos que
tramitam perante o Poder Judiciário na sua função jurisdicional, quanto ao
processo administrativo, como explicitamente prevê nossa Carta Magna.
É direito subjetivo público outorgado aos cidadãos e à própria
Administração Pública quando pólo de determinada relação processual
administrativa.
Quanto ao processo administrativo, cabe aduzirmos que o princípio ora em
lume dirige-se também ao prestígio do interesse público primário a ele vinculado:
garantia do primor na obediência ao iter previsto em lei e da excelente prática do
ato administrativo final, e daí o motivo pelo qual a Administração é beneficiária da
perfeição na obediência ao princípio.
Há desdobramentos vinculados ao princípio da ampla defesa, em especial
no processo administrativo.
Nesse momento, cabe citá-los e, depois, complementá-los tecendo
apreciações e esclarecimentos acerca de cada desdobramento. São eles:
a) O caráter prévio da defesa: é a anterioridade da defesa em relação ao
ato decisório.
Alerta-se quanto à prerrogativa de que deve estar estabelecido de modo
prévio o procedimento a ser seguido e as sanções que poderão ser aplicadas.
b) O direito de interpor recurso administrativo: independe de previsão
explícita em lei, tendo em vista o art. 5º, XXXIV, alínea a (direito de petição), da
Constituição vigente, além do respaldo da garantia da ampla defesa.
No concernente aos recursos - art. 5º, inciso LV da Lei Maior - estes
possuem significado de garantia de reexame de decisão proferida em processo
administrativo e judicial.
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c) A defesa técnica: seria aquela realizada pelo representante legal do
interessado, o advogado; é necessária, pois gera equilíbrio entre os sujeitos; o
conhecimento do procurador contribui para uma decisão justa e legal, e sua
presença evita que o representado não se deixe levar por emoções prejudicando
sua defesa.
A defesa técnica da parte, no processo administrativo, é aquela feita por
advogado ou por bacharel em Direito.
d) O direito à informação geral decorrente do contraditório é o direito de:
ser notificado do início do processo (contendo no texto da notificação a indicação
dos fatos e bases); tomar ciência, com antecedência, das medidas ou atos
atinentes à produção de provas; ter acesso aos elementos de expediente (vista,
cópia, certidão etc).
Se tal direito não ocorrer, será obstacularizado a tutela de princípios
previstos na Constituição.
É totalmente incabível que a Administração aplique qualquer tipo de
sanção fora do âmbito do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa
e dos demais princípios presentes nesta lógica de direitos.
Os acusados deverão ser informados de todos os acontecimentos que
possam afetar seus interesses ou direitos, obtendo consciência dos fatos e
fundamentos pelo qual está sendo acusado.
e) O direito de solicitar a produção de provas, vê-las realizadas e
consideradas: aplicando-se ao processo administrativo o art. 5º, inciso LVI da
Constituição (vedação às provas obtidas por meio ilícitos).
Bem assim, nos procedimentos disciplinares militares, por serem também
atos administrativos, devem seguir à guisa da observância da ampla defesa em
suas minúcias, sob pena de nulidade de todos os atos proferidos pela autoridade
coatora.
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II.3 Contraditório
O princípio do contraditório inserto no art. 5º, LV da CRFB, compreende, em
suma, o direito de acusação e defesa participarem no convencimento da decisão,
a partir da sustentação de suas razões e da produção de provas, bem como da
ciência que ambos devem ter dos atos processuais realizados pela parte contrária.
A fim de garantir o equilíbrio de forças entre acusação e defesa, é
fundamental que o contraditório seja pleno e efetivo, assegurando às partes um
tratamento igualitário, garantindo-se a paridade de armas no processo. Daí
decorre o princípio da igualdade das partes, segundo o qual exige-se o mesmo
tratamento aos que se encontrem na mesma posição jurídica no processo.
Por ser o direito de defesa garantia da própria justiça e, como dito, condição
de paridade de armas, imprescindível à concreta atuação do contraditório e,
conseqüentemente, à própria imparcialidade da decisão, a defesa técnica torna-se
indeclinável, irrenunciável, sem a qual não seria possível atingir uma solução
justa.
A defesa técnica há de ser plena, manifesta durante todo o processo,
assegurando ao acusado, em todas as etapas do iter processual, os direitos e as
garantias que lhe são constitucional e legalmente conferidas, tais como o
contraditório, o direito à prova e a garantia do duplo grau de jurisdição.
Faltando o contraditório, e aí se inclua a falta da constituição de um
advogado ou defensor público, já que sem estes profissionais, o processo fica
contaminado de ilegalidade, sendo certo que o advogado é indispensável à
administração da justiça (art. 133, da CF), fica clara a possibilidade do remédio
constitucional em epígrafe, para defesa da liberdade e de um julgamento justo.
A partir de 1988, houve inovação profunda e muito significativa no
contraditório porque se ampliou sua abrangência. Agora ele abarca, além do
processo penal, o civil e o administrativo.
23
O conteúdo do princípio constitucional do contraditório é sobejamente claro:
garantir aos litigantes o direito de ação e o direito de defesa, respeitando-se a
igualdade das partes. Por isso todos aqueles que tiverem alguma pretensão a ser
deduzida em juízo podem invocar o contraditório a seu favor, seja pessoa física ou
jurídica.
Respeita-se, pois o princípio constitucional do direito de defesa quando se
enseja ao réu, permanentemente assistido por defensor técnico, o seu exercício
em plenitude, sem a ocorrência de quaisquer restrições ou obstáculos criados pelo
estado que possam afetar a cláusula inscrita na Carta Política assecuratória do
contraditório e de todos os meios e conseqüências derivados do postulado do due
process of law.
Um outro aspecto do contraditório deveras atraente é aquele que vem
sendo estudado por Cândido Rangel Dinamarco e trata-se da participação do juiz
no desenvolvimento do processo. Afirma o referido Professor que "é do passado a
afirmação do contraditório exclusivamente como abertura para as partes,
desconsiderada a participação do juiz"5.
O contraditório é, em suma, a exteriorização da ampla defesa, impondo a
condução dialética do processo, pois a todo ato produzido pela acusação, caberá
igual direito da defesa de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que melhor se
apresente, ou, ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa da que foi
dada pelo autor.
Diante disso, é possível afirmar-se a necessidade da obediência à
legalidade e ao princípio do contraditório, por parte das instituições militares, já
que qualquer que seja a instituição estatal, esta se encontra limitada, cercada,
enclausurada, por meio dos princípios fundamentais do Estado, de forma que a
compatibilização dos fatores faz com que a ordem jurídica obedeça aos princípios
básicos exigidos pela sociedade, aplicáveis a todos os seus componentes,
indistintamente, sejam eles, civis ou militares.
5 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. São Paulo, Malheiros, 2ª Edição, p.124.
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CAPÍTULO III
DOS CASOS POSSÍVEIS À IMPETRAÇÃO
O magistrado deverá, sim, acatar a impetração do habeas corpus, analisá-
lo, sob o prisma da legalidade, tanto na formação do ato administrativo, bem como
nas garantias individuais. A feitura do ato administrativo deve obedecer à
competência, à finalidade e à motivação de sua realização. Deve ser assegurado
ao militar, o devido processo legal, a oportunizada ampla defesa com todos os
seus meios e o contraditório, e aí, se inclua, ser assistido por um advogado ou
defensor público, já que não existe contraditório sem estes profissionais. Haverá
sempre motivos determinantes para o ato. Se um, ou mais, desses pressupostos
não foi atendido, segundo o art. 4º, alínea d da lei 4.898/65, é dever de ofício do
juiz, na liminar, mandar relaxar a restrição de liberdade, deixando para, ao final,
julgar da ilegalidade do ato administrativo.
O que é vedado aos juízes e tribunais, até mesmo como natural decorrência
do princípio da separação de poderes, é a apreciação da conveniência, da
utilidade, da oportunidade e da necessidade da punição disciplinar. Isso não
significa, porém, a impossibilidade de o Judiciário verificar, se existe, ou não,
causa legítima que autorize a imposição da sanção disciplinar. O que se lhe veda,
nesse âmbito, é, tão-só, o exame do mérito da decisão administrativa, já que
mérito trata-se de elemento temático inerente ao poder discricionário da
administração pública.
Nestes casos é possível a impetração do devido remédio constitucional,
para evitar abusos ou desvios no rumo legal e procedimental.
Corroborando com o exposto, em entendimento do Superior Tribunal de
Justiça (STJ), hierarquicamente superior aos juizes e tribunais, tanto estaduais,
quanto federais, professado no Recurso em Habeas Corpus 1999/0066031-56,
6 Recurso Ordinário em Habeas Corpus 1999/0066031-5.
25
deduziu que a proibição inserta no artigo 142, parágrafo 2º, da Constituição
Federal, relativa ao incabimento de habeas corpus contra punições disciplinares
militares, é limitada ao exame de mérito, não alcançando o exame formal do ato
administrativo-disciplinar.
Outro ponto controvertido é o enfrentamento formal da vedação imposta
aos militares (art. 142, § 2º, da CF), em detrimento da garantia material e
individual, prevista no art. 5º, LXVIII, da CF, que assegura a concessão do habeas
corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou
coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.
Exsurge alardear que o militar, soldado ou general, antes da situação
profissional de estar militar, é um cidadão brasileiro, sendo certo que também está
inserido na garantia constitucional.
Assim, a vedação do cabimento de habeas corpus contra transgressão
disciplinar militar, dantes referida, é uma inconstitucionalidade dentro da própria
constituição, e até, julga-se, desnecessário essa vedação formal, já que o juiz ou
tribunal, mesmo que pelo artigo 5°, LXVIII, da CF, só poderá julgar procedente o
habeas corpus, se e tão só, no caso de a prisão ou detenção serem ilegais ou
impostas com abuso de poder.
Neste ponto, resta dizer que o art. 5º, LXVIII, da Carta Magna, é uma
garantia consolidada, petrificada, imutável, que até mesmo ao congressista,
descabe suprimir ou modificar. E mais. O parágrafo 2º, do mesmo artigo 5º, da CF,
impôs que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm
aplicação imediata. Donde se conclui que o habeas corpus previsto no art.5º,
LXVIII, a contar de 05 de outubro de 1988, teve eficácia imediata, sem que
dependa de outras normas infraconstitucionais para vigorar.
Cumpre, ainda, observar que o direito natural da vida e da liberdade é uma
imposição de ordem pública, por ser base da própria sociedade.
Diante do exposto, conclui-se pelo cabimento do Habeas corpus na prisão
disciplinar militar decorrente de ilegalidade e do abuso de poder. Entre outras
situações cabe o remédio heróico: (a) quando a autoridade militar coatora não seja
26
competente para aplicar a punição (não há o ato-ligado à função); (b) quando o
fato que enseja a punição não esteja tipificado como transgressão no regulamento
(violação do inciso II da art. 5º da CF); (c) quando o procedimento administrativo
não atendeu ao devido processo legal e todos os seus corolários da ampla defesa
e do contraditório que a Constituição assegura aos acusados em geral; (d) a
autoridade legítima para aplicar a punição não atendeu aos princípios da
razoabilidade e proporcionalidade que deve governar os atos das autoridades
públicas em geral (prisão abusiva) ; (e) quando o militar estiver preso por tempo
superior ao prescrito na decisão, entre outros exemplos.
Em um momento em que a doutrina penal questiona a falência da pena de
prisão como forma sancionatória de delitos comuns, propondo formas
sancionatórias alternativas à prisão, seria de bom alvitre o legislador rever a
utilidade da prisão disciplinar como ameaça sancionatória dos deslizes
disciplinares dos militares. Não é proposto aqui que se subtraia da autoridade
militar seu legítimo poder disciplinador, o que seria um absurdo. Questionamos da
necessidade de se utilizar a prisão-restrição ao direito de ir e vir - confinamento -
como mecanismo assegurador da disciplina.
27
CAPÍTULO IV
DA JUSTIÇA COMPETENTE PARA O JULGAMENTO
No tocante à justiça competente, paira, até na mente de juízes e
advogados, uma errônea interpretação de que seria da competência da justiça
militar processar e julgar tal "writ".
Engano. O art. 124, da CF, diz que à Justiça Militar compete processar e
julgar os crimes militares definidos em lei. Portanto, só compete à justiça
castrense julgar os crimes militares, definidos no Código Penal Militar. Como
transgressão disciplinar não é crime, mas um ato administrativo, fica este afastado
do crivo da justiça militar.
Resta que, por tratar de interesse público, quem julga o habeas corpus, na
transgressão disciplinar militar, é a justiça comum. De tal modo que, quando a
medida cuidar de punição por transgressão disciplinar militar, praticada no âmbito
das polícias militares e corpos de bombeiros militares, o juíz competente é o da
Justiça Estadual (125, §1º, da CF). E, por outro lado, fica por conta da Justiça
Federal (art. 109, VII, da CF) o julgamento do habeas corpus, quando cuidar de
punição transgressional praticada por militar das Forças Armadas, ditos federais.
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CAPÍTULO V
CONSIDERACÕES FINAIS
Procurou-se ao longo deste trabalho, demonstrar que o habeas corpus é
garantia constitucional destinada à defesa da liberdade de locomoção. É garantia
fundamental contra o arbítrio, em especial, contra o arbítrio do Estado. A
ilegalidade ou abuso de poder cometido pelo Estado e seus agentes, seja ele civil
ou militar, contra quem sofre ou se acha ameaçado de sofrer violência ou coação
em sua liberdade nem sempre configuram, de plano, crimes, de tal forma que o
remédio jurídico a ser ministrado é, mesmo assim, o habeas corpus.
Por ser garantia tão fundamental à efetividade do direito de liberdade de
locomoção, não se admitiriam restrições absolutas a concessão de habeas
corpus, em um Estado Democrático de Direito, como pretende o art. 142, §2o., da
Constituição Federal de 1988.
Mesmo este artigo considerando o habeas corpus inalcançável aos casos
de punições disciplinares militares, tal vedação de sua concessão é injustificável.
Foi apresentada a possibilidade da existência de normas inconstitucionais dentro
da própria constituição, como é o caso deste dispositivo. Ademais, a preservação
da hierarquia e da disciplina militar não poderia ter como elevado custo a vedação
absoluta ao habeas corpus.
Conclui-se, portanto, pela possibilidade jurídica da impetração do habeas
corpus para livrar o paciente militar da punição disciplinar por transgressão,
quando a restrição da liberdade for aplicada ao arrepio da legalidade ou com
abuso de poder, sendo que a justiça competente é a comum, seja de âmbito
estadual ou federal.
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CAPÍTULO VI
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFIAS
BACHOF, Otto. Normas Constitucionais Inconstitucionais? Trad. e nota
prévia de José Manuel M. Cardoso da Costa. Coimbra: Almedina, 1994.
TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 13 ed. São Paulo:
Malheiros, 1997.
JUNIOR, Nelson Nery. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal.
São Paulo, RT, 5ª Edição.
GRECO FILHO, Vicente. Tutela constitucional das liberdades. São Paulo:
Saraiva, 1989.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno.
São Paulo, Malheiros, 2ª Edição.
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. São Paulo, Atlas, 8ª Edição.
BONAVIDES,Paulo. Curso de Direito Constitucional. 10.ed. São Paulo:
Malheiros, 2000.
SILVA, Jose Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20.ed. São
Paulo: Malheiros, 2002.
30
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini,
DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. São Paulo: Malheiros,
19ª ed., 2003.
MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas corpus.4.ed.São Paulo: Atlas, 1999.
VERAS, Frederico Magno de Melo. Hábeas corpus e Transgressões
disciplinares Militares.Revista de Direito Penal Militar, n.15, 1999.
CRETELLA, José Jr. Prática do Processo Disciplinar. 3. ed. ver. e atual.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.
31
ÍNDICE
CAPA 1
FOLHA DE ROSTO 2
AGRADECIMENTOS 3
DEDICATÓRIA 4
RESUMO 5
METODOLOGIA 6
SUMÁRIO 7
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I - Teoria das Normas Constitucionais Inconstitucionais. 9
CAPÍTULO II - Da Possibilidade Jurídica; 15
II.1 Devido Processo Legal; 16
II.2 Ampla Defesa. 19
II.3 Contraditório. 22
CAPÍTULO III - Dos Casos Possíveis à Impetração. 24
CAPÍTULO IV - Da Justiça Competente para o Julgamento. 27
CAPÍTULO V -Considerações finais. 28
CAPÍTULO VI - Referências Bibliográficas . 29
ÍNDICE 31
32
FOLHA DE AVALIAÇÃO
Nome da Instituição: Instituto A Vez do Mestre – AVM - (UCAM).
Título da Monografia: O Cabimento do Habeas Corpus na Transgressão Disciplinar Militar. Autor: Lucivaldo Felix de Moura. Data de Entrega: 22 de Agosto de 2008. Avaliador: Conceito: _________
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ATIVIDADES CULTURAIS