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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
FACULDADE INTEGRADA AVM
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
Por: Telma Dias da Silva
Orientador
Prof. Ivan Garcia
Rio de Janeiro
2011
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
FACULDADE INTEGRADA AVM
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
Apresentação de monografia à Universidade
Candido Mendes como requisito parcial para
obtenção do grau de especialista em Direito
Empresarial e dos Negócios.
Por: Telma Dias da Silva
3
AGRADECIMENTOS
Quero expressar minha gratidão a meus
Pais, a quem devo a formação dos
valores éticos, sociais e morais, que
serviram para formar a pessoa que sou
hoje, os quais me inspiram e me
fortalecem, permitindo-me trilhar, com
segurança, cada passo na minha vida.
4
DEDICATÓRIA
Dedico
Este trabalho à minha família, que sempre
me apóia nas minhas investidas.
5
RESUMO
Diante da importância que a pessoa jurídica possui para o direito e
para a sociedade, o próprio sistema jurídico dispõe de instrumentos para
proteger tal instituto, corrigindo eventuais fraudes e abusos no seu exercício.
Através da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, a
personalidade distinta e a autonomia patrimonial são afastadas
temporariamente, fazendo com que sócios e administradores sejam
responsabilizados, como se a pessoa jurídica não existisse.
No ordenamento jurídico pátrio temos a Teoria da Desconsideração no
Código Civil de 2002, artigo 50, artigo 28 da Lei 8.078/90, artigo 18 da Lei
8.884/94 e artigo 4º da Lei 9.605/98.
6
METODOLOGIA
A técnica de pesquisa utilizada foi a bibliográfica, com acesso às leis, à
doutrina e à jurisprudência. Essa técnica consiste em uma base materialmente
fixada, ou seja, em documentos já elaborados acerca do assunto.
Os materiais utilizados para a elaboração desta monografia foram
livros jurídicos, sites jurídicos. Os livros consultados foram disponibilizados na
biblioteca da Universidade Plínio Leite (UNIPLI – Niterói) e Universidade
Cândido Mendes (Centro).
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10 CAPÍTULO I – A Desconsideração da Personalidade Jurídica e seus aspectos gerais ....................................................................................................................... 12 CAPÍTULO II – Teorias acerca da Desconsideração da Personalidade Jurídica ..... 16 CAPÍTULO III – Incorporação no Direito Brasileiro .................................................. 28 CONCLUSÃO .......................................................................................................... 88 BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................ 91 INDICE ..................................................................................................................... 91
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INTRODUÇÃO
A pessoa jurídica é um dos institutos mais importantes não só para o
direito, mas para toda a sociedade, embora nem sempre seja utilizado para os
fins a que deveria se destinar. Pois, além de instrumento da economia de
mercado, a pessoa jurídica deve atingir aos fins sociais do próprio direito.
A Desconsideração teve sua origem na jurisprudência, sobretudo
sendo amplamente desenvolvida no sistema da Common Law. A maioria dos
estudiosos acredita que sua origem foi na Inglaterra, no final do século XIX,
primeiramente com o caso Bank of United States vs. Deveaux (Estados
Unidos, 1809) e tendo o segundo caso, talvez o mais noticiado, é o famoso
caso inglês – Salomon vs. Salomon & Co. (Inglaterra, 1897).
A Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica surgiu diante
da possibilidade de se desvirtuar a função da personalidade jurídica, ou seja,
nas situações em que há abuso ou fraude em seu exercício, há a possibilidade
de correção em sua utilização, fazendo com que os responsáveis pelos
referidos atos sejam responsabilizados.
A Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica nada mais é
que o afastamento da personalidade jurídica, a fim de se tornar ineficaz, para o
caso concreto e episódico, a personificação societária, atribuindo-se ao sócio
ou sociedade condutas que, se não fosse a superação dos atributos da
personalidade jurídica, entre os quais a separação dos patrimônios dos sócios
e da sociedade, seriam imputadas à sociedade ou ao sócio, respectivamente.
Esse estudo pretende examinar a Teoria da Desconsideração da
Personalidade Jurídica, através de seus pressupostos, da origem de sua
elaboração, teorias acerca de sua aplicação, os casos em que a
responsabilidade se dá por tal teoria e os dispositivos legais aplicados no
ordenamento jurídico.
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CAPÍTULO I
A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA E SEUS ASPECTOS GERAIS
1.1 – Origem histórica da Teoria da Desconsideração da
Personalidade Jurídica
A preocupação da doutrina e da jurisprudência com a indevida
utilização da pessoa jurídica, ou seja, seu uso para fins diversos daqueles
tipicamente considerados pelos legisladores, fez com que, a partir do século
XIX, fossem buscados meios idôneos para reprimir a prática fraudulenta
cometida pelos sócios em “nome” da pessoa jurídica.
Um dos meios idôneos criados para combater tal prática, foi a Teoria
da Soberania, elaborada pelo alemão HAUSSMANN e desenvolvida na Itália
por MOSSA. Essa teoria imputava responsabilidade ao controlador de uma
sociedade de capitais por obrigações não cumpridas, a qual, contudo não
chegou a se desenvolver satisfatoriamente. Era necessário relativizar a
autonomia patrimonial para não chegar a resultados contrários ao direito.
Mas foi a partir da jurisprudência anglo-saxônica, no âmbito da
common law que se desenvolveu a Teoria da Desconsideração da
Personalidade Jurídica, sobretudo na jurisprudência norte americana.
Primeiramente com o caso Bank of United States vs. Deveaux (Estados
Unidos, 1809), no qual o Juiz Marshall conheceu do caso e levantou o véu da
pessoa jurídica e considerou a característica dos sócios individualmente. Não
se trata propriamente de um leading case a respeito da desconsideração da
pessoa jurídica, mas apenas de uma primeira manifestação que ultrapassou os
limites da pessoa jurídica e considerou as características individuais dos
sócios. A discussão levantada não era sobre responsabilidade, autonomia
patrimonial, mas uma discussão sobre a competência da justiça federal norte
americana, a qual só abrangia controvérsias entre cidadãos de diferentes
estados. Não se podia considerar a sociedade de um cidadão, então, levou-se
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em conta os diversos membros da pessoa jurídica, para conhecer da questão
no âmbito da justiça federal.
O segundo caso, talvez o mais noticiado, é o famoso caso inglês –
Salomon vs. Salomon & Co. (Inglaterra, 1897) – que envolve Aaron Salomon,
um próspero comerciante individual na área de calçados que, resolveu
constituir uma limited company (similar a uma sociedade anônima fechada
brasileira), transferindo seu fundo de comércio para a sociedade. Na
companhia, Aaron Salomon detinha 20 mil ações representativas de sua
contribuição, e outros seis sócios, membros de sua família, apenas uma ação
cada um para a integração do valor da incorporação do fundo de comércio na
nova sociedade. Além das ações, Salomon recebeu várias obrigações
garantidas por hipoteca, assumindo a condição de credor privilegiado da
companhia. Em um ano, a companhia mostrou-se inviável, entrando em
liquidação, na qual os credores sem garantia restaram insatisfeitos. A fim de
proteger os interesses de tais credores, o liquidante pretendeu uma
indenização pessoal de Aaron Salomon, uma vez que a companhia era ainda a
atividade pessoal do mesmo, pois os demais sócios eram fictícios. O Juízo de
primeira instância e depois a Corte de apelação desconsideraram a
personalidade da companhia, impondo a Salomon a responsabilidade pelos
débitos da sociedade. Porém, a decisão foi reformada pela Casa dos Lordes,
que prestigiou a autonomia patrimonial da sociedade regularmente constituída,
alegando que não existia, responsabilidade pessoal de Salomon para com os
credores de Salomon & Co., e era válido seu crédito privilegiado, mantendo
assim, o princípio geral da separação dos patrimônios da sociedade e dos
sócios.
Rubens Requião, na década de 1970, trouxe a idéia da
desconsideração da personalidade da pessoa jurídica para o Brasil, mas o
primeiro diploma legal a se referir diretamente sobre o instituto da
desconsideração da personalidade jurídica foi o Código de Defesa do
Consumidor (Lei 8.078/1990), que em seu artigo 28 atribuí ao juiz a
capacidade de desconsiderar a personalidade jurídica das empresas em
determinados casos, visando a proteção do consumidor.
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O segundo dispositivo legal, do direito brasileiro, a se referir a
desconsideração da personalidade jurídica das empresas foi a Lei Antitruste,
em seu artigo 18 (Lei 8.884/94).
No âmbito ambiental, a Lei 9.605/98, que dispõe sobre as atividades
lesivas ao meio ambiente, também prevê a desconsideração da personalidade
jurídica em seu artigo 4º, quando diz que esta será cabível "sempre que sua
personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à
qualidade do meio ambiente".
Antes desses dispositivos, como não havia, no ordenamento jurídico
brasileiro, nenhuma lei que dispunha sobre a possibilidade da aplicação da
desconsideração da personalidade jurídica, os tribunais valiam-se, de forma
analógica, da regra do artigo 135 do Código Tributário Nacional, para impedir a
consumação de fraude contra credores e contra o Fisco.
O instituto foi finalmente adotado em nosso ordenamento jurídico pelo
Código Civil de 2002, dispondo em seu artigo 50, que, em caso de abuso da
personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela
confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do
Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de
certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos
particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
A desconsideração da personalidade jurídica pode ser entendida,
desse modo, basicamente, como uma forma da pessoa jurídica se adequar a
lei que a criou, desprezando momentaneamente o princípio da autonomia
patrimonial, garantindo, assim, que não haja desvio de finalidade ou abuso de
direito.
1.2 – Conceito
Para conceituarmos e entendermos o instituto da desconsideração é
necessário que se faça uma breve definição da pessoa jurídica e suas
características.
12
A pessoa jurídica pode ser definida como o conjunto de pessoas ou de
bens que têm por objetivo a consecução de determinados fins, dotado de
existência, patrimônio e personalidade jurídica próprios, ou seja, distintos dos
seus sócios. E deve ser usada como um instrumento da economia de
mercado, atendendo sua finalidade social sem, contudo, cometer abusos, e
gerar iniqüidades.
A desconsideração é o meio de adequar a pessoa jurídica aos fins
para os quais a mesma foi criada, é a forma de limitar e coibir o uso indevido
da pessoa jurídica, de reconhecer a relatividade da personalidade jurídica das
sociedades. A aplicação deste instituto somente será cabível em casos
específicos, ou seja, quando determinados na legislação.
Para que ocorra a desconsideração da personalidade jurídica é
necessário primeiro, a existência da pessoa jurídica, e que se configure a
fraude ou o abuso de direito referente à autonomia patrimonial dessa pessoa
jurídica.
Desviado o uso da pessoa jurídica, nada mais eficaz do que retirar as
prerrogativas que a lei assegura, isto é, descartar a autonomia patrimonial
entre sociedade e sócios no caso concreto, estendendo os efeitos das
obrigações da sociedade àquele que realmente é responsável. Assim, os
sócios ficam inibidos de praticar atos que desviem a função da pessoa,
jurídica, pois caso o façam não estarão sob o amparo da autonomia
patrimonial e deverão responder pelo ato que praticar com a má utilização da
pessoa jurídica.
Nesse sentido, nos esclarece Marcelo Bertoldi e Marcia Carla Ribeiro1:
“Por essa teoria permite-se que os credores
invadam o patrimônio pessoal dos sócios que se utilizam
maliciosamente da sociedade com o objetivo claro de
prejudicar terceiros. Assinala-se que com a aplicação
dessa teoria não se pretende anular a personalidade
jurídica, mas, tão-somente, afastá-la em situações-limite,
1 BERTOLDI, Marcelo M. e Marcia Carla Pereira Ribeiro. Curso Avançado de Direito Comercial. 4ª ed. rev., atual. e ampl. Ed. Revista dos Tribunais. São Paulo, 2008. p. 150
13
onde comprovada a sua utilização em desconformidade
com o ordenamento jurídico e mediante fraude.”
(MARCELO BERTOLDI & MARCIA CARLA RIBEIRO,
2008, p.150)
A teoria da desconsideração não extingue a pessoa jurídica, não
declara nula sua personificação, e sim, a torna ineficaz para determinados
atos, é uma excepcionalidade e não regra. Apenas se coíbe o desvio na sua
função, no caso concreto, ou seja, sub judice, em que, o juiz se limitará tão-
somente a aplicação deste instituto à pessoa jurídica à esfera que lhe couber,
sem que isso importe sua dissolução.
Em conformidade com esse entendimento podemos citar Waldo Fazzio
Júnior2:
“... a desconsideração da personalidade jurídica é
uma suspensão da personalidade jurídica, operada pelo
órgão judiciário, no curso do processo, permitindo que,
excepcionalmente, sejam ampliados os limites subjetivos
da relação processual, para alcançar o patrimônio dos
sócios, para coibir os efeitos de fraude ou ilicitude
comprovada, levada a efeito mediante a utilização da
pessoa jurídica para finalidades outras que não seu
objeto social. A suspensão da personalidade jurídica está
arrimada, pois, no desvio de finalidade da pessoa
jurídica.” (WALDO FRAZZIO JÚNIOR, 2006, apud,
MÔNICA GUSMÃO, 2010, p.98)
No mesmo sentido, Fábio Ulhoa Coelho3 assim entende que na
desconsideração: "O juiz pode decretar a suspensão episódica da eficácia do
ato constitutivo da pessoa jurídica, se verificar que ela foi utilizada como
2 GUSMÃO, Mônica. Lições de Direito Empresarial. Lumen Juris Editora. Rio de Janeiro. 2010. p. 98 3 COELHO, Fabio Ulhoa. Desconsideração da personalidade jurídica. Ed. Revista dos Tribunais. São Paulo, 1989. p. 92
14
instrumento para a realização de fraude ou de abuso de direito". (FÁBIO
ULHOA COELHO, 1989, p.92)
Diante de tais definições, podemos assim, dizer que, a
desconsideração da personalidade jurídica é a retirada momentânea e
excepcional da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, a fim de estender os
efeitos de suas obrigações à pessoa de seus sócios ou administradores, com o
fim de coibir o desvio da função da pessoa jurídica, perpetrada pelos mesmos
que venha prejudicar terceiros.
1.3 – Pressupostos
O pressuposto fundamental da desconsideração da personalidade
jurídica é o desvio de finalidade, que se percebe através da fraude ou do
abuso de direito relativos à autonomia patrimonial, conforme afirma Rubens
Requião4:
“Com efeito, o que se pretende com a doutrina do
disregard não é a anulação da personalidade jurídica em
toda a sua extensão, mas apenas a declaração de sua
ineficácia para determinado efeito, em caso concreto, em
virtude do uso legítimo da personalidade jurídica ter sido
desviado de sua legítima finalidade (abuso de direito) ou
para prejudicar credores ou violar a lei (fraude).” (RUBENS
REQUIÃO, apud, MÔNICA GUSMÃO, 2010, p.99)
No ordenamento jurídico brasileiro, a doutrina e a jurisprudência
adotam tanto a teoria subjetiva como a teoria objetiva da desconsideração da
personalidade jurídica. A teoria subjetiva requer, para a aplicação da
desconsideração, a existência de fraude ou abuso. Para a teoria objetiva,
basta a confusão patrimonial entre a sociedade e os sócios, conforme
positivado no Código Civil, 20025:
4 GUSMÃO, Mônica. op. cit. p. 99 5 BRASIL. Lei nº 10.406 (2002). Código Civil do Brasil. Brasília: Senado, 2002.
15
"Art. 50. Em caso de abuso da personalidade
jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela
confusão patrimonial, o juiz pode decidir, a requerimento
da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber
intervir no processo, que os efeitos de certas e
determinadas relações de obrigações sejam estendidos
aos bens particulares dos administradores ou sócios da
pessoa jurídica".
Para que a desconsideração seja aplicada, deve ser constatado no
caso concreto, a presença dos seguintes requisitos: sociedade personificada,
na qual os sócios tenham responsabilidade limitada; configuração da fraude ou
abuso de direito relacionado à autonomia patrimonial; que não se trate de
responsabilização direta por ato próprio do sócio ou administrador; e,
manutenção da validade dos demais atos jurídicos, vez que a desconsideração
não extingue a atividade empresarial, apenas a suspende, no caso concreto.
Vale ressaltar, que somente se verificando a prova cabal e
incontroversa da fraude ou do abuso de direito, perpetrado pelo desvio de
finalidade da pessoa jurídica é que se admite sua aplicação, como forma de
reprimir o uso indevido e abusivo da entidade jurídica. Simples indícios e
presunções de atos abusivos ou fraudulentos, ou ainda a simples incapacidade
econômica da pessoa jurídica, por si sós, não autorizam a aplicação do
instituto da desconsideração da personalidade jurídica.
1.3.1 – Abuso do direito
Nos ensina Sérgio Cavalieri Filho6:
“... o fundamento principal do abuso de direito é
impedir que o direito sirva como forma de opressão, evitar
que o titular do direito utilize seu poder com finalidade
distinta daquela que se destina. O ato é formalmente
6 GUSMÃO, Mônica. op. cit. p. 103
16
legal, mas o titular do direito se desvia da finalidade da
norma, transformando-a em ato substancialmente ilícito
(...). O ato será normal ou abusivo se guiado ou não por
um motivo legítimo; se tiver ou não por finalidade a
satisfação de um interesse sério e legítimo; se servir ou
não para causar dano a outrem, e sem proveito próprio.”
(SERGIO CAVALIERI FILHO, apud, MÔNICA GUSMÃO,
2010, p.103)
Assim, o abuso de direito se dará sempre que o titular da empresa
deixar de lado as finalidades da sociedade para buscar seu interesse
individual, agindo de forma contrária ao que é conveniente para a sociedade e
seu objeto social.
1.3.2 – Fraude
A fraude se dá sempre que houver a intenção de prejudicar terceiros
através de ações praticadas com má fé, levando ao engano malicioso, a
ocultação da verdade ou a fuga ao cumprimento de dever, independentemente
de se tratar de credores. No entanto, deve-se ressaltar que não basta haver,
apenas, a fraude, esta deve estar diretamente relacionada com o
funcionamento da pessoa jurídica.
Para Fábio Ulhoa Coelho7, a fraude é um pressuposto essencial para a
desconsideração da personalidade jurídica e deve ser comprovada pelo credor,
como vemos a seguir:
“Pressuposto inafastável da despersonalização
episódica da pessoa jurídica, no entanto, é ocorrência da
fraude por meio da separação patrimonial. Não é
suficiente a simples insuficiência do ente coletivo,
hipótese em que, não tendo havido fraude na utilização
da separação patrimonial, as regras de limitação da
7 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 14 ed., São Paulo: Saraiva, 2003. p. 126-127
17
responsabilidade dos sócios terão ampla vigência. A
desconsideração é instrumento de coibição do mau uso
da pessoa jurídica; pressupõe, portanto, o mau uso. O
credor da sociedade que pretende a sua desconsideração
deverá fazer prova da fraude perpetrada, caso contrário
suportará o dano da insolvência da devedora.” (FÁBIO
ULHOA COELHO, 2003, p.126-127)
Como vimos, na constituição do pressuposto da desconsideração da
personalidade jurídica, a fraude é o elemento principal, e deve ser comprovada
pela parte que pretende socorrer-se do patrimônio particular do sócio ou
responsável pela fraude no uso indevido da pessoa jurídica.
1.3.3 – Desvio de finalidade
O desvio de finalidade fica caracterizado sempre que são praticados
atos incompatíveis com os objetivos sociais estabelecidos no ato constitutivo
da sociedade, seja ele contrato ou estatuto. Sua configuração se dá pelo uso
da sociedade para finalidades diversas daquelas estabelecidas em seu objeto
social, ou seja, o uso da sociedade para atender finalidade distinta daquela em
função do qual a sociedade foi formalmente constituída.
A finalidade da pessoa jurídica sempre deve estar de acordo com a
legislação em vigor, sempre atendendo seus objetivos sociais. Qualquer
afastamento dos objetivos sociais permite a aplicação da teoria da
desconsideração da personalidade jurídica, para confundir o patrimônio da
sociedade com o patrimônio particular dos sócios, com o fim de garantir os
direitos de terceiros a quem se pretendia lesar com o desvio de finalidade.
1.3.4 – Confusão patrimonial
A confusão patrimonial se dá com a ausência de distinção entre o
patrimônio social e o patrimônio de um, alguns ou todos os sócios, ou seja, é a
falta de separação entre a massa patrimonial da sociedade e a pertencente
18
aos sócios. Tal confusão pode ocorrer por inobservância de normas legais, ou
em razão de quaisquer circunstâncias fáticas que, na prática, impossibilitem
uma distinção entre o patrimônio social e de seus sócios.
Sendo a pessoa jurídica um ente dotado de patrimônio próprio,
independente, e ainda com limitação de responsabilidade dos sócios – para
certos tipos de sociedades, como a sociedade limitada – não é admissível a
confusão patrimonial entre a entidade jurídica e os seus sócios, ou entre duas
ou várias pessoas jurídicas. É preciso que essa autonomia seja real, efetiva,
estabelecendo-se uma distinção entre a pessoa jurídica e os sócios ou entre
diversas pessoas jurídicas entre si.
Nos casos em que essa distinção patrimonial entre pessoa jurídica e
física não ocorrer, e que desta, resulte prejuízo ao terceiro que contratara de
boa-fé com a sociedade, poderá ser aplicada a desconsideração da pessoa
jurídica.
Para a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade
jurídica, deverá o terceiro lesado requer, além da confusão patrimonial, a
comprovação do abuso da personalidade jurídica, com a conseqüente prática
de fraude contra terceiros.
1.4 – Efeitos
O legislador ao conceder a personalidade jurídica a uma sociedade
empresária o faz com a intenção de que sua criação e seu funcionamento
sejam de forma lícita, e, que venha a cumprir a sua finalidade econômico-
jurídica, qual seja a de estabelecer a produção, circulação e distribuição da
riqueza, no território nacional.
De acordo a legislação, é o patrimônio da sociedade empresária, e não
o dos sócios que a compõe, que responderá pelas obrigações por ela
assumidas. O legislador estabelece uma limitação da responsabilidade dos
sócios em relação aos atos da pessoa jurídica, respondendo cada um apenas
de forma proporcional pelo valor da cota que tiver na sociedade, mas
19
ocorrendo um dos pressupostos do instituto da desconsideração, este poderá
ser aplicado.
Segundo Mônica Gusmão8:
“A desconsideração da personalidade jurídica
amplia o centro de imputação de responsabilidade dos
sócios. Trata-se de responsabilidade solidária entre a
sociedade e o sócio que dela tentou se utilizar em
proveito próprio. Desconsiderada a personalidade
jurídica, o credor poderá demandar tanto a sociedade
como o sócio responsável.” (MÔNICA GUSMÃO, 2010,
p.98)
A desconsideração da personalidade jurídica não afeta a existência e a
validade da pessoa jurídica, na verdade considera ineficaz, em determinado
caso concreto, a autonomia e a independência da pessoa jurídica em relação
aos seus sócios.
Deste modo, na desconsideração da pessoa jurídica é desconsiderada
a personalidade, o que significa a suspensão episódica da eficácia do ato de
constituição da sociedade, e não o desfazimento ou a invalidação desse ato.
Preserva-se a autonomia patrimonial da sociedade empresária para todos os
demais efeitos de direito.
Os sujeitos a serem atingidos pelos efeitos da desconsideração da
personalidade jurídica devem ser aqueles sócios e administradores que
praticaram os atos abusivos que a causaram, restando os demais sócios e
administradores absolutamente protegidos dos efeitos de tal desconsideração.
8 GUSMÃO, Mônica. op. cit. p. 98
20
CAPÍTULO II
TEORIAS ACERCA DA DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA
No direito brasileiro, parte da doutrina, entende que há duas teorias
acerca do assunto: a Teoria Maior, que admitiria a desconsideração da
personalidade jurídica para evitar o mau uso desta e que sua desconsideração
se dá sempre que for provada a existência de fraude em sentido lato; e outra, a
Teoria Menor, segundo a qual a simples insuficiência patrimonial da pessoa
jurídica para arcar com suas obrigações autorizaria a responsabilização de
seus sócios, a fraude neste caso, é irrelevante, bastando para a
desconsideração a simples insatisfação do crédito, como veremos no decorrer
do capítulo.
Porém, na doutrina, ainda há outra corrente, que entende configurada
a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica quando o
ordenamento atribui responsabilidade aos sócios desta ou a outras pessoas
jurídicas a ela ligadas de alguma forma, é a chamada Teoria da
Desconsideração Indireta da Personalidade Jurídica.
Assim como, a Desconsideração da Personalidade Jurídica nem
sempre ocorre para responsabilizar um sócio ou membro de uma pessoa
jurídica, mas também para responsabilizar esta por atos de seus membros ou
sócios, é a denominada Teoria da Desconsideração Inversa, muito utilizada em
casos que determinado sócio transfere seu patrimônio para a pessoa jurídica
para proteger seus bens quando há a dissolução do vínculo conjugal.
2.1. Teoria Maior da Desconsideração
Na teoria maior, também denominada teoria subjetiva, o magistrado,
usando de seu livre convencimento, se entender que houve fraude ou abuso
21
de direito, pode aplicar a desconsideração da personalidade jurídica. Para
tanto, é necessário fundamentação para que se utilize o livre convencimento.
Conforme afirma Rubens Requião9:
“... diante do abuso de direito e da fraude no uso
da personalidade jurídica, o juiz brasileiro tem o direito de
indagar, em seu livre convencimento, se há de consagrar
a fraude ou o abuso de direito, ou se deva desprezar a
personalidade jurídica, para, penetrando em seu âmago,
alcançar as pessoas e bens que dentro dela se escondem
para fins ilícitos ou abusivos”. (RUBENS REQUIÃO, apud,
MÔNICA GUSMÃO, 2010, p.107)
Para os adeptos da Teoria Maior da Desconsideração, o pressuposto
fundamental da desconsideração é a fraude. Basta a prática de fraude para
que seja desconsiderada a personalidade jurídica da sociedade, sendo
considerada a pessoa física responsável pelo ato ilícito ou abusivo causado a
terceiros.
Podemos afirmar que o Código Civil de 2002, em seu artigo 50, adotou
essa teoria, ao determinar a averiguação da existência de fraude, abuso de
direito e confusão patrimonial, para que a desconsideração da personalidade
jurídica seja efetuada.
Segue jurisprudência10 acerca do assunto:
“Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO.
LOCAÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA. DESCABIMENTO.
REQUISITOS NÃO-PREENCHIDOS. Nos termos do art.
50 do Código Civil de 2002, o juiz pode desconsiderar a
personalidade jurídica autônoma da pessoa jurídica,
estendendo aos sócios ou administradores a
responsabilidade pelo adimplemento de suas obrigações,
9 GUSMÃO, Mônica. op. cit. p. 107 10 www.tjrs.jus.br – acesso em 24/07/2011
22
se demonstrado que a personalidade jurídica foi utilizada
para fins escusos ou diversos daqueles para os quais foi
constituída ou quando se verificar a confusão entre o
patrimônio da pessoa jurídica e o dos sócios. Consoante
a interpretação conferida ao art. 50 do Código Civil pelo
STJ, cuja função constitucional precípua é a
uniformização da interpretação da legislação
infraconstitucional, o Direito Brasileiro, de regra, adotou a
teoria maior da desconsideração da personalidade
jurídica, ou seja, sua aplicação pressupõe não só a
insolvência da pessoa jurídica, mas, também, o desvio de
finalidade e/ou a confusão patrimonial. Caso que não se
conforma com quaisquer das hipóteses autorizadoras da
desconsideração da personalidade jurídica.
DESPROVIMENTO DO RECURSO. (Agravo de
Instrumento Nº 70043488642, Décima Sexta Câmara
Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Sérgio
Scarparo, Julgado em 01/07/2011)”
A Teoria Maior defende os princípios da legalidade e o respeito às
formalidades necessárias para a exclusão da personalidade da pessoa
jurídica, a fim de se evitar a prática de fraudes e abusos de direito (hipóteses
subjetivas), além da confusão patrimonial (hipótese objetiva).
A desconsideração da personalidade jurídica não é admitida na
execução, segundo entendimento da doutrina tradicional. Tal doutrina sustenta
que o juiz não pode dispor de bens de sócio que não figure no pólo passivo da
relação processual, sendo indispensável que o credor apresente um título
executivo contra o devedor, impondo ao credor a obrigação de ajuizar ação de
conhecimento em face do sócio. Caso não o faça, estará violando o devido
processo legal, o limite subjetivo da coisa julgada, o contraditório e a ampla
defesa.
23
Segundo Mônica Gusmão11, ainda sobre a aplicação da
desconsideração na execução:
“Nas relações de consumo e nas de trabalho
admite-se a desconsideração na execução desde que
provada a fraude e assegurados o contraditório e a ampla
defesa. Podem ser alcançados na execução bens de
sócio não demandado em ação de conhecimento.
Atende-se, assim, aos princípios da celeridade, da
economia processual e da efetividade do processo.”
(MÔNICA GUSMÃO, 2010, p.110)
Os adeptos dessa corrente defendem que a dilação probatória pode
ser feita nos próprios autos da execução, não há a necessidade de exigir que o
exequente, na execução, somente possa demandar o sócio depois de obter,
por sentença, título em que comprove que a sociedade agiu em fraude.
2.2. Teoria Menor da Desconsideração
Na Teoria Menor da Desconsideração, teoria objetiva como denomina
parte da doutrina, a fraude é irrelevante, bastando para a desconsideração a
simples insatisfação do crédito, não há a necessidade de provar a culpa dos
sócios no fato.
Para a Teoria Menor, o risco empresarial normal às atividades
econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa
jurídica, mas pelos sócios desta, ainda que não exista qualquer prova capaz de
identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios da pessoa jurídica.
No que diz respeito à execução, basta a comprovação da
insolvabilidade da sociedade para a legitimação passiva, a inclusão do sócio
como sujeito passivo na execução, independe da existência de título em face
do mesmo.
Segue jurisprudência12 referente ao caso em tela:
11 GUSMÃO, Mônica. op. cit. p. 110
24
“Ementa: DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA. IMPERATIVIDADE.
FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA E SUFICIENTE.
EXCESSO DE PENHORA. INEXISTÊNCIA. Pela Teoria
Menor do CDC basta a lesão a direito do consumidor para
autorizar seja desconsiderada a personalidade jurídica.
Art. 28, CDC. Em complementação à lesão, no caso
concreto, temos ainda a não localização física da
empresa, de quaisquer bens, além da ausência de
declarações à Receita Federal desde o ano de 2003.
Intimação para os fins do art. 475-J do CPC devidamente
realizada por NE na pessoa do advogado, o que afasta a
alegação de excesso de penhora. Agravo improvido.
(Agravo de Instrumento Nº 70040176331, Décima Nona
Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Guinther Spode, Julgado em 12/07/2011)”
A teoria menor, baseada em critérios objetivos, tem seu âmbito de
aplicação restrito ao Direito Ambiental (art. 4º da Lei n. 9.605/1998) e ao Direito
do Consumidor (art. 28, § 5º, da Lei n. 8.078/1990). Não se tratando desses
dois casos, caberá a Teoria Maior, a qual exige fundamentação do magistrado,
por ser subjetiva.
2.3. Teoria da Desconsideração Indireta da personalidade
jurídica
A desconsideração indireta da personalidade jurídica ocorre quando
diante da criação de grupo de sociedades coligadas, controladoras e
controladas, uma delas se vale dessa condição para fraudar seus credores. A
desconsideração se aplica então a toda e qualquer das sociedades que se
12 www.tjrs.jus.br – acesso em 24/07/2011
25
encontre dentro do mesmo grupo econômico, para alcançar a efetiva
fraudadora que está sendo encoberta pelas coligadas.
Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira13, ao comentarem a
Lei 6.404/76, já trataram desse quadro ressaltando que:
"... no seu processo de expansão, a grande
empresa levou à criação de constelações de sociedades
coligadas, controladoras e controladas, ou grupadas – o
que reclama normas específicas que redefinam, no
interior desses grupamentos, os direitos das minorias, as
responsabilidades dos administradores e as garantias dos
credores." (ALFREDO LAMY FILHO e JOSÉ LUIZ BULHÕES
PEDREIRA, apud, MÔNICA GUSMÃO, 2010, p.118)
No caso dos grupos econômicos, ao se superar o véu da
personalização a desconsideração indireta se aplicará a toda e qualquer das
sociedades que se encontre dentro do mesmo grupo econômico, para alcançar
a efetiva fraudadora que está sendo encoberta pelos outros entes do
agrupamento.
Segue jurisprudência acerca da desconsideração indireta14:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE
SENTENÇA. PRETENSÃO DE PENHORA ON LINE NAS
CONTAS DE EMPRESAS DO MESMO GRUPO ECONÔMICO
DA EXECUTADA. ABUSO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
COMPROVADO. DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA. POSSIBILIDADE. A utilização
da personalidade jurídica, em afronta ao princípio da geral da
boa-fé, apresenta-se como abusiva, sendo possível,
pontualmente, a despersonificação das empresas pertencentes
ao mesmo grupo econômico. Comprovado que o grupo
empresarial recorrido está se valendo da personalidade jurídica
das empresas demandadas para dificultar a satisfação do
13 GUSMÃO, Mônica. op. cit. p. 118 14 www.tjrs.jus.br – acesso em 24/07/2011
26
crédito do exequente, é de ser acolhido o pleito, a fim de, no
caso concreto, aplicar-se o instituto da desconsideração da
personalidade jurídica. DERAM PROVIMENTO AO AGRAVO
DE INSTRUMENTO. (Agravo de Instrumento Nº 70043113661,
Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Artur
Arnildo Ludwig, Julgado em 13/07/2011)”
2.4. Teoria Inversa da Desconsideração
Fábio Ulhôa Coelho15 define a desconsideração inversa como “o
afastamento do princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica para
responsabilizar a sociedade por obrigação do sócio”.
Na Desconsideração Inversa a responsabilidade ocorre no sentido
posto, ou seja, os bens da sociedade respondem por atos praticados pelos
sócios. O devedor transfere seus bens para a pessoa jurídica sobre a qual
detém absoluto controle, e desse modo, continua a usufruir dos bens, apesar
de não serem de sua propriedade, mas da pessoa jurídica controladora. Nesse
caso, serão aplicados os mesmos princípios da teoria da desconsideração da
personalidade jurídica.
Para a aplicação da desconsideração inversa da personalidade jurídica
deverá estar caracterizado o desvio de bens, a fraude ou abuso de direito por
parte dos sócios que se utilizam da personalidade jurídica para transferir ou
ocultar bens, com o intuito de prejudicar terceiros, ou ainda, em casos de
separação judicial, o cônjuge meeiro, onde se verifica o esvaziamento do
patrimônio do casal como forma de burlar a meação.
Em relação à aplicação da Teoria Inversa ao Direito de Família, Fábio
Ulhôa Coelho16 afirma:
“A desconsideração inversa pode vir a ser medida
de extrema utilidade em matéria de Direito de Família,
considerando a possibilidade de um dos cônjuges
15 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 1999. 2.v. p. 45.
27
transferir bens de valor para a empresa que integre, com
o escopo de fraudar futura partilha.”
Outra hipótese para a Desconsideração Inversa da personalidade
jurídica pode ser verificada nos casos em que o sócio obtém o absoluto
controle dos bens da sociedade, ou seja, é constituída uma sociedade para a
guarnição do ativo, ficando o passivo na responsabilidade da pessoa do sócio.
Diante disso, terceiros que contratam o sócio poderão deduzir de acordo com a
teoria da aparência, que por residir em endereço luxuoso e possuir carros de
alto valor, o sócio seja pessoa merecedora de crédito, porém, estes bens, que
aparentemente poderiam ser de sua propriedade, pertencem à pessoa jurídica.
Em razão da utilização ilícita da pessoa jurídica pelo sócio, será
aplicada a Desconsideração Inversa da personalidade jurídica, que acarretará
efeitos: a quebra do princípio da autonomia patrimonial, o alcance dos bens
patrimoniais da sociedade e a partilha dos bens do casal.
16 COELHO, Fábio Ulhoa. op cit. p.44/45
28
CAPÍTULO III
INCORPORAÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO
A Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, como vimos,
é o instituto que garante, nos casos de má utilização da pessoa jurídica, que os
efeitos da autonomia patrimonial possam ser desconsiderados,
responsabilizando diretamente aquele que agiu fraudulentamente.
No Brasil, conforme já foi indicado, a Teoria da Desconsideração da
Personalidade Jurídica surgiu, na década de 70. Porém, a desconsideração só
foi devidamente positivada em 1990, através do Código de Defesa do
Consumidor.
A partir dessa primeira previsão legal a matéria foi apresentada
também, na Lei 8.884/94 - Lei Antitruste, e na Lei 9.605/98 - Lei de Crimes
Ambientais.
Com o Código Civil de 2002 a teoria foi definitivamente incorporada no
ordenamento jurídico brasileiro, servindo como regra geral a ser utilizada
quando do uso indevido da pessoa jurídica.
3.1. Código de Defesa do Consumidor – Lei 8.078/90
A Lei 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor foi o primeiro
dispositivo legal a prever a desconsideração da personalidade jurídica.
O artigo 28 do referido diploma legal disciplina que o juiz poderá
desconsiderar a personalidade jurídica da empresa quando houver abuso de
direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação do
contrato social. Também será cabível quando houver falência, estado de
insolvência, encerramento ou inatividade provocada por má administração.
O parágrafo 5º do deste artigo indica, ainda, ser possível a decretação
da desconsideração sempre que a personalidade jurídica seja obstáculo ao
ressarcimento de danos causados aos consumidores.
29
Dispõe o artigo 28, do Código do Consumidor17:
“Art.28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade
jurídica da sociedade quando, em detrimento do
consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder,
infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos
ou contrato social. A desconsideração também será
efetivada quando houver falência, estado de insolvência,
encerramento ou inatividade da pessoa jurídica
provocados por má administração.
...
§5º Também poderá ser desconsiderada a pessoa
jurídica sempre que sua personalidade for de alguma
forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados
aos consumidores.”
No do caput do artigo 28, podemos extrair a ideia que, ao juiz foi dada
a faculdade de aplicar a desconsideração, de acordo com o preenchimento dos
pressupostos necessários e descritos no próprio dispositivo. Para alguns
doutrinadores, esse poder deveria ser uma imposição e não uma escolha, uma
faculdade do juiz na sua aplicação.
As hipóteses materiais para a incidência da desconsideração, são
elencadas no referido dispositivo, a qual visa a proteção do consumidor,
assegurando-lhe livre acesso aos bens patrimoniais dos sócios sempre que o
direito subjetivo de crédito resultar de quaisquer das práticas abusivas
descritas no dispositivo.
No que se refere ao abuso de direito, aborda a funcionalidade da
pessoa jurídica, que deverá estar em consonância com os fins a que se
destina. Todavia, parte da doutrina não concorda com esse entendimento,
devido ao excesso de poder, a infração da lei, o fato ou ato ilícito, a violação de
estatutos e do contrato social, não serem pressupostos para a
17 BRASIL. Lei nº 8.078 (1990). Código de Defesa do Consumidor. Brasília: Senado, 1990.
30
desconsideração, pois estariam em leis próprias que regulamentam a
sociedade. Na falência é necessária uma análise do caso concreto, sendo
também necessária a presença de fraude ou abuso de poder.
No tocante a má administração, quando esta restar verificada, a
responsabilidade recairá sobre o administrador, ou sobre aquele a quem se
possa diretamente imputar a prática do ato. A noção de má administração,
para que se verifique a desconsideração, deverá pressupor a administração
ruinosa, pautada em meios fraudulentos, envolvendo dilapidação patrimonial,
que acaba por tornar insolvível a sociedade. Não poderá haver a
desconsideração por fato de simples incompetência administrativa. O
administrador que agir de boa-fé, mas for infeliz nos atos de administração,
sendo até mesmo incompetente, não poderá ser responsabilizado com escopo
no que dispõe a letra de lei.
O parágrafo 5º do artigo 28 deve ser aplicado em conjunto com o
caput, e no que tange sua eficácia, reconhece a sua obrigação no plano
das relações de consumo.
Sobre o tema segue jurisprudência18:
“DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA. DIREITO DO CONSUMIDOR. ART. 28, CDC.
QUESTÃO JÁ DECIDIDA ANTERIORMENTE POR
OCASIÃO DO JULGAMENTO DO AGRAVO DE
INSTRUMENTO Nº 70027555850. RECURSO
MANIFESTAMENTE INADMISSÍVEL. Existente prova
robusta da situação de insolvência da empresa,
principalmente diante das diversas demandas nas quais
figura como ré, imperativo é o descortinamento do véu
corporativo para garantir a satisfação do crédito da
exequente. Agravo monocraticamente improvido.. (Agravo
de Instrumento Nº 70040769226, Décima Nona Câmara
18 www.tjrs.jus.br – acesso em 26/07/2011
31
Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Guinther
Spode, Julgado em 14/07/2011).”
3.2. Lei Antitruste – Lei 8.884/94
A Lei 8.884/94 – Lei Antitruste faz uso da desconsideração da
personalidade jurídica, buscando a repressão às infrações contra a ordem
econômica, de acordo com seu artigo 1819:
“Art. 18. A personalidade jurídica do responsável
por infração da ordem econômica poderá ser
desconsiderada quando houver da parte deste abuso de
direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito
ou violação dos estatutos ou contrato social. A
desconsideração também será efetivada quando houver
falência, estado de insolvência, encerramento ou
inatividade da pessoa jurídica provocados por má
administração.”
A Constituição Federal é explícita ao tratar da importância da defesa
da ordem econômica quando determina em seu artigo 173, § 5.º, que tanto
pessoa jurídica, quanto seus membros devem ser responsabilizados por atos
praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia
popular.
O artigo 18 da Lei 8.8884/94 foi criado seguindo os mesmos moldes do
artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor, por isso, recebe as mesmas
críticas quanto à sua aplicação, qual seja, a discordância entre a lei e a
doutrina.
19 BRASIL. Lei nº 8.884 (1994). Lei Antitruste. Brasília: Senado, 1994.
32
3.3. Código Tributário Nacional – Lei 5.172/66
O artigo 135 do Código Tributário Nacional20 dispõe sobre a
possibilidade da aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade
Jurídica no Direito Tributário:
“Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos
correspondentes a obrigações tributárias resultantes de
atos praticados com excesso de poderes ou infração de
lei, contrato social ou estatutos:
I - as pessoas referidas no artigo anterior;
II - os mandatários, prepostos e empregados;
III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas
jurídicas de direito privado.”
O Código Tributário Nacional e a Constituição Federal determinam que
a responsabilidade de recolher o tributo devido seja imputada ao contribuinte,
que de acordo com o artigo 121 do Código Tributário é aquele que tem relação
pessoal e direta com a circunstância que constitua o respectivo fato gerador.
Porém, alguns membros da sociedade podem fazer o uso indevido da pessoa
jurídica com o intuito de fugir do ônus financeiro que é o tributo, utilizando de
forma abusiva e fraudulentamente a autonomia patrimonial.
No âmbito tributário compete a autoridade fiscal constituir o crédito
tributário e se for constatada a indevida utilização da pessoa jurídica, no que
concerne à Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, aplicá-la.
Segue jurisprudência21 acerca do tema:
“Ementa: DECISÃO MONOCRÁTICA. AGRAVO
DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. ICMS.
REDIRECIONAMENTO. DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA
PESSOA JURÍDICA. POSSIBILIDADE. A dissolução
irregular da pessoa jurídica, deixando em aberto débitos
20 BRASIL. Lei nº 5.172 (1966). Código Tributário Nacional. Brasília: Senado, 1966.
33
tributários não quitados, é causa de infração à lei que
autoriza a responsabilização pessoal do sócio-gerente,
nos termos do art. 135, caput e inciso III, do CTN. Súmula
435 do STJ. AGRAVO DE INSTRUMENTO A QUE SE
NEGA SEGUIMENTO, FORTE NO ART. 557, CAPUT,
DO CPC. (Agravo de Instrumento Nº 70043784438,
Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do
RS, Relator: Denise Oliveira Cezar, Julgado em
07/07/2011)”
3.4. Consolidação das Leis do Trabalho – Lei 5.452/43
A Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, segundo
entendimento de parte da doutrina, teve seu início em nosso ordenamento
jurídico através da Lei 5.452/43 – Consolidação das Leis do Trabalho. E dispõe
em seu artigo 2º, §2º22:
“Art. 2º - Considera-se empregador a empresa,
individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da
atividade econômica, admite, assalaria e dirige a
prestação pessoal de serviço.
...
§ 2º - Sempre que uma ou mais empresas,
tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica
própria, estiverem sob a direção, controle ou
administração de outra, constituindo grupo industrial,
comercial ou de qualquer outra atividade econômica,
serão, para os efeitos da relação de emprego,
solidariamente responsáveis a empresa principal e cada
uma das subordinadas.”
21 www.tjrs.jus.br – acesso em 29/07/2011 22 BRASIL. Lei nº 5.452 (1943). Consolidação das Leis do Trabalho. Brasília: Senado, 1943.
34
O referido dispositivo trata da responsabilidade solidária entre pessoas
jurídicas que já estão ligadas, onde a responsabilidade recairá sobre as
empresas e não sobre o patrimônio dos sócios, contrário do que ocorre quando
se faz uso da Teoria de Desconsideração da Personalidade Jurídica. Porém, o
mesmo é muito utilizado no Direito do Trabalho quando há a necessidade da
aplicação da desconsideração da personalidade jurídica para tutelar os direitos
do trabalhador na execução, como podemos verificar na jurisprudência23 a
seguir:
“Execução. Desconsideração da pessoa
jurídica.TERCEIRO. DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADEJURÍDICA. Existindo clara indicação
de se tratar de grupo familiar que detém propriedades e
sociedades comerciais, buscando evitar a execução
sobre bens disponíveis com processos sucessivos de
transferência patrimonial, correta a desconsideração da
personalidade jurídica, penhorando bens suficientes deste
grupo para saldar os créditos ora executados. AP-01058-
2004-521-01-00-9, 6ª T, DOERJ, P. III, S. II, Federalde
23-8-2005. Relator: Des. Alexandre de Souza Agra
Belmonte.”
Para a doutrina, a aplicação da desconsideração da personalidade
jurídica é maior no processo de execução devido ao fato de ser este o
momento onde o credor-trabalhador pode se deparar com diversos obstáculos
para a efetivação dos créditos que lhe são devidos, tais como: inexistência de
bens que possam garantir a execução, alienação de bens mediante fraude a
execução, entre outros. Dessa forma, uma das finalidades maiores do Direito
do Trabalho poderá ser alcançada, qual seja a busca da igualdade jurídica
entre as partes envolvidas.
23 http://portal.trt1.jus.br – Ementário Jurisprudencial 2004-2007 – acesso em 28/07/2011
35
De toda forma, no Direito do Trabalho é de fácil utilização a
Desconsideração da Personalidade Jurídica, como vemos, abaixo em mais
uma jurisprudência do TRT/RJ24:
“DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA. PENHORA SOBRE BEM DO SÓCIO.
As decisões que determinarem a desconsideração da
personalidade jurídica devem ser fundamentadas em
seus aspectos jurídicos e circunstanciadas em seus
aspectos de fato. Ademais, o sócio deve ser citado
pessoalmente, por mandado, para pagar ou garantir a
execução, antes de ter seu bem penhorado, sob pena de
nulidade do ato que determinou a constrição do bem. AP-
00480-2007-025-01-00-4, 10ª T, DOERJ, P. III, S. II,
Federal de 13-12-2007. Relator: Des. Marcos de Oliveira
Cavalcante.
3.5. Código Civil – Lei 10.406/2002
O Código Civil igualmente trata da Teoria da Desconsideração da
Personalidade Jurídica, e dispõe no seu artigo 5025 a seguinte redação:
"Art. 50. Em caso de abuso da personalidade
jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela
confusão patrimonial, o juiz pode decidir, a requerimento
da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber
intervir no processo, que os efeitos de certas e
determinadas relações de obrigações sejam estendidos
aos bens particulares dos administradores ou sócios da
pessoa jurídica".
A desconsideração, como verificar no dispositivo supracitdo, vem
claramente positivada como uma forma de repressão ao abuso na utilização da
24 http://portal.trt1.jus.br – Ementário Jurisprudencial 2004-2007 – acesso em 28/07/2011 25 BRASIL. Lei nº 10.406 (2002). Código Civil do Brasil. Brasília: Senado, 2002.
36
personalidade jurídica das sociedades. Tal abuso poderá ser provado pelo
desvio da finalidade ou pela confusão patrimonial. O Código Civil vigente
acolhe a concepção subjetiva da teoria, pois somente a confusão patrimonial
não é fundamento suficiente para a aplicação da desconsideração, sendo este,
um meio importante de comprovar o abuso da personalidade jurídica, que
ocorre nas hipóteses do abuso de direito e da fraude. Assim, podemos dizer
que, o necessário para configurar a desconsideração da personalidade jurídica
é o abuso da personalidade jurídica, que pode ser provado inclusive pela
configuração de uma confusão patrimonial.
Vale ressaltar, que a Teoria da Desconsideração da Personalidade
Jurídica, conforme já mencionado no decorrer do estudo, não busca extinguir a
pessoa jurídica, tem a finalidade, isto sim, de preservá-la, destacando seu valor
no ordenamento jurídico pátrio. O artigo 50 do Código Civil, inclusive, indica
que a referida teoria só poderá ser aplicada de forma excepcional, episódica e
sempre justificada, atendendo aos seus pressupostos, conforme demonstra
jurisprudência26 a seguir:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE
COBRANÇA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA.
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.
INVIABILIDADE. NÃO-PREENCHIMENTO DOS
REQUISITOS LEGAIS. A desconsideração da
personalidade jurídica é medida extrema, uma vez que
excetua a regra geral da desvinculação existente entre a
pessoa jurídica e a personalidade de seus sócios. O
artigo 50 do Código Civil prevê tal possibilidade, mediante
o preenchimento dos seguintes requisitos: desvio de
finalidade e confusão patrimonial entre o patrimônio da
pessoa jurídica e dos sócios. Na espécie, a prova trazida
aos autos não evidenciou a prática de atos abusivos
pelos sócios da agravada, que viesse a configurar desvio
26 www.tjrs.jus.br – acesso em 24/07/2011
37
de finalidade ou confusão patrimonial. A falência da
empresa ou a inexistência de bens penhoráveis, não são
aptos, por si só, a autorizar desconsideração da
personalidade jurídica da devedora. Mantida a decisão
que indeferiu a desconsideração da personalidade
jurídica da agravada. NEGADO SEGUIMENTO ao recuso,
por decisão monocrática. (Agravo de Instrumento Nº
70042838896, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Nelson José Gonzaga, Julgado
em 15/07/2011) “
“Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO.
DECISÃO MONOCRÁTICA. AÇÃO INDENIZATÓRIA.
AUSÊNCIA DE CITAÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE DA PESSOA JURÍDICA.
IMOPOSSIBILIDADE. Para a aplicação da teoria da
desconsideração da personalidade jurídica, é necessária
a prova da presença dos pressupostos previstos no art.
50 do Código Civil. Não comprovado abuso de direito,
caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão
patrimonial, a ocorrência de excesso de poder, infração
da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos sociais,
não há como prosperar o pedido. Frustração na primeira
tentativa de citação da ré que não se mostra apta, por si
só, a amparar o pleito da agravante. Precedentes
jurisprudenciais. NEGADO SEGUIMENTO AO AGRAVO
DE INSTRUMENTO, MANIFESTAMENTE
IMPROCEDENTE. (Agravo de Instrumento Nº
70043881028, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça
do RS, Relator: Paulo Roberto Lessa Franz, Julgado em
13/07/2011)”
38
3.6. Lei de Crimes Ambientais - Lei 9.605/98
A Lei nº. 9.695/98, que dispõe sobre a tutela do meio ambiente,
estabelece a possibilidade de se desconsiderar a pessoa jurídica, quando
houver abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de
finalidade, ou pela confusão patrimonial entre a pessoa da sociedade e a
pessoa dos sócios.
Dispõe o artigo 4º da Lei 9.605/9827:
“Art. 4ª “Poderá ser desconsiderada a pessoa
jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao
ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio
ambiente”.
O dispositivo em questão declara peremptoriamente a obrigatoriedade
do ressarcimento dos prejuízos ao meio ambiente, seja pela pessoa jurídica ou
pelas pessoas físicas a ela ligadas, adentrando sempre que se fizer
necessário, no patrimônio do sócio ou daquele que de alguma maneira possa
responder pela pessoa jurídica que deu causa a degradação.
Para que seja efetivada a desconsideração da pessoa da pessoa
jurídica, no Direito Ambiental, não é necessário a comprovação de culpa ou
atuação com excesso de poderes por parte daqueles que compõe a
sociedade, depende tão somente da verificação da insuficiência patrimonial da
pessoa jurídica para reparar ou compensar os prejuízos por ela causados à
qualidade do meio ambiente, a culpa é objetiva. Não sendo exigido para que
ocorra a desconsideração a prova de fraude ou de abuso de direito.
27 BRASIL. Lei nº 9.605 (1998). Lei de Crimes Ambientais. Brasília: Senado, 1998.
39
CONCLUSÃO
A Teoria da Desconsideração da Pessoa Jurídica surgiu da
jurisprudência inglesa, e foi recepcionada pelo nosso direito pátrio, que procura
preservar o instituto da pessoa jurídica, possibilitando a correção de eventuais
abusos e fraudes em seu exercício. Com a desconsideração, a personalidade
distinta e a autonomia patrimonial são afastadas temporariamente, a
desconsideração somente tem validade para o caso concreto e episódico, faz
com que sócios e administradores sejam responsabilizados, como se a pessoa
jurídica não existisse. É importante ressaltar que a Teoria de Desconsideração
da Personalidade Jurídica deve ser a exceção, somente utilizada nos casos
que configurem o desvio da pessoa jurídica, para que sua utilização não seja
banalizada e descaracterize seu próprio fim, que é a proteção da pessoa
jurídica.
No Brasil, a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica é
adotada em alguns diplomas legais, como vimos no decorrer do estudo,
sempre com o intuito de proteger a pessoa jurídica e salvaguardar os
interesses de terceiros contra fraudes e ilícitos praticados com a indevida
utilização da autonomia da pessoa jurídica em relação aos seus sócios.
A adoção da desconsideração deve ser analisada sempre atendendo
seus pressupostos e de acordo com o caso concreto, para que não haja uma
banalização do instituto, visando sempre o bem comum e a proteção da ordem
econômica e financeira.
40
BIBLIOGRAFIA
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988. ______. Lei nº 10.406 (2002). Código Civil do Brasil. Brasília: Senado, 2002. ______. Lei nº 5.172 (1966). Código Tributário Nacional. Brasília: Senado, 1966. ______. Lei nº 5.452 (1943). Consolidação das Leis do Trabalho. Brasília: Senado, 1943. ______. Lei nº 8.884 (1994). Lei Antitruste. Brasília: Senado, 1994. ______. Lei nº 8.078 (1990). Código de Defesa do Consumidor. Brasília: Senado, 1990. ______. Lei nº 9.605 (1998). Lei de Crimes Ambientais. Brasília: Senado, 1998. BERTOLDI, Marcelo M. e Marcia Carla Pereira Ribeiro. Curso avançado de direito comercial. 4ª ed. rev., atual. e ampl. Ed. Revista dos Tribunais. São Paulo, 2008. COELHO, Fabio Ulhoa. Desconsideração da personalidade jurídica. Ed. Revista dos Tribunais. São Paulo, 1989. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 1999.
COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 14 ed. Saraiva. São Paulo, 2003. GUSMÃO, Mônica. Lições de direito empresarial. 9º ed. Lumen Juris Editora. Rio de Janeiro. 2010 www.tjrj.jus.br – acesso em 12/04/2011 www.tjrs.jus.br – acesso em 24/07/2011 http://portal.trt1.jus.br – acesso em 28/07/2011
41
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 2
AGRADECIMENTO 3
DEDICATÓRIA 4
RESUMO 5
METODOLOGIA 6
SUMÁRIO 7
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I
A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E SEUS
ASPECTOS GERAIS 09
1.1 – Origem histórica da Teoria da Desconsideração da Personalidade
Jurídica 09
1.2 – Conceito 11
1.3 – Pressupostos 14
1.3.1 – Abuso do direito 15
1.3.2 – Fraude 16
1.3.3 – Desvio de finalidade 17
1.3.4 – Confusão patrimonial 18
1.4 – Efeitos 18
CAPÍTULO II
TEORIAS ACERCA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA 20
2.1 – Teoria Maior da Desconsideração 20
2.2 – Teoria Menor da Desconsideração 23
2.3 – Teoria da Desconsideração Indireta da Personalidade Jurídica 24
2.4 – Teoria Inversa da Desconsideração 26
42
CAPÍTULO III
INCORPORAÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO 28
3.1 – Código de Defesa do Consumidor – Lei 8.078/90 28
3.2 – Lei Antitruste – Lei 8.884/94 31
3.3 – Código Tributário Nacional – Lei 5.172/66 32
3.4 – Consolidação das Leis do Trabalho – Lei 5.452/43 33
3.5 – Código Civil – Lei 10.406/2002 35
3.6 – Lei de Crimes Ambientais – Lei 9.605/68 38
CONCLUSÃO 39
BIBLIOGRAFIA 40
ÍNDICE 42