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UMA VILA E SEU POVO: RELAÇÕES HIERÁRQUICAS E PODER LOCAL
(OLINDA, SÉCULO XVII)
ALEDSON MANOEL SILVA DANTAS
NATAL, 2017
2
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE PRÓ-REITORIA DE PÓS-
GRADUAÇÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
MESTRADO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: HISTÓRIA E ESPAÇOS
LINHA DE PESQUISA: NATUREZA, RELAÇÕES ECONÔMICO-SOCIAIS E
PRODUÇÃO DOS ESPAÇOS
UMA VILA E SEU POVO: RELAÇÕES HIERÁRQUICAS E PODER LOCAL
(OLINDA, SÉCULO XVII)
ALEDSON MANOEL SILVA DANTAS
NATAL, 2017
3
ALEDSON MANOEL SILVA DANTAS
UMA VILA E SEU POVO: RELAÇÕES HIERÁRQUICAS E PODER LOCAL
(OLINDA, SÉCULO XVII)
Dissertação apresentada como requisito parcial para
obtenção de título de mestre no Curso de Pós-Graduação
em História, Área de Concentração em História e Espaços,
Linha de Pesquisa Natureza, relações econômico-sociais e
produção dos espaços, da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, sob a orientação da Profa. Dra. Carmen
Margarida Oliveira Alveal e sob co-orientação do Prof. Dr.
George Félix Cabral de Souza.
NATAL, 2017
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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes -
CCHLA
Dantas, Aledson Manoel Silva.
Uma vila e seu povo: relações hierárquicas e poder local
(Olinda, século XVII) / Aledson Manoel Silva Dantas. - 2018. 118f.: il.
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de
Pós-Graduação em História. Natal, RN, 2018.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Carmen Margarida Oliveira Alveal.
Coorientador: Prof. Dr. George Félix Cabral de Souza.
1. Brasil - História - Período colonial, 1500-1822. 2. Olinda
(Pernambuco) - Século XVII. 3. Hierarquias espaciais. 4. Câmara municipal - Olinda (Pernambuco). 5. Estado Antigo. I. Alveal,
Carmen Margarida Oliveira. II. Souza, George Félix Cabral de.
III. Título.
RN/UF/BS-CCHLA CDU 94(81).017(813.4)
Elaborado por Ana Luísa Lincka de Sousa - CRB-CRB-15/748
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ALEDSON MANOEL SILVA DANTAS
UMA VILA E SEU POVO: RELAÇÕES HIERÁRQUICAS E PODER LOCAL (OLINDA,
SÉCULO XVII)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte, pela comissão formada pelos professores:
Profa. Dra. Carmen Margarida Oliveira Alveal Orientadora
Prof. Dr. George Félix Cabral de Souza Co-orientador
Prof. Dr. Rômulo Luiz Xavier de Nascimento Avaliador externo
Raimundo Pereira Alencar Arrais Avaliador interno
Natal, de de
6
A quem sempre me achou à frente do computador em muitos amanheceres estes anos e
seguiu, nunca vacilante, sua dura rotina de trabalho.
Minha mãe, Maria de Lourdes.
7
AGRADECIMENTOS
O momento mais injusto da dissertação é lembrar todos que tiveram o mínimo de
participação na construção deste texto. Mesmo para o historiador a tarefa não é fácil. A
empreitada cheia de percalços que é escrever uma dissertação contém muito mais “não-ditos”
do que aquilo que está escrito. Muitos destes, ficarão guardados na sala mais profunda do porão
daqueles que se aventuram no mestrado e doutorado e que rivalizam em grandeza de
aprendizado com os autores, discussões e diferentes textos consumidos no processo de
confecção de um trabalho acadêmico.
A maior realizadora deste projeto, talvez, nunca entenda uma linha do que está escrito
aqui, ou não entenda a importância de uma pós-graduação. Maria de Lourdes, minha mãe,
solteira, que nunca hesitou ou teve medo de cuidar sozinha de seus filhos e de trazer as melhores
condições possíveis para que eu pudesse seguir com meus estudos até chegar nesse ponto. Às
minhas irmãs, Aliane e Alana, que por hora estão mais distantes fisicamente, pelo apoio ao
seu “irmão nerd”. Por fim, a todos os meus parentes. Sei que muitos se preocupavam com as
minhas “internações” no quarto, buscando me animar com todo o carinho: vó Graça, vô
Vicente, tia “preta”, tia Kézia, meus priminhos.
Agradeço à professora Carmen Alveal que, desde fins de 2010, vem me orientando e
me ensinando a pesquisar com muito cuidado e dedicação. De fato, minha graduação não foi
feita nas salas de aula, mas nos laboratórios de pesquisa da Plataforma SILB e depois do
LEHS. Desde o que entendo por fazer história até o conhecimento “da vida acadêmica”, tudo
foi passado pela professora.
Agradeço ao professor George Félix Cabral de Souza por ter aceitado a orientação. As
colocações feitas sobre meu trabalho foram de grande ajuda para a busca de um sentido nessa
dissertação.
Agradeço ao LEHS. Um ambiente de estudo composto por amigos: Marcos, Leo, Bruno,
Elenize, Gustavo, Patrícia, Lunara, Alyne, Angélica. Perdão caso tenha esquecido algum nome.
Todos foram importantes. Em especial a Lívia, companheira em todos os momentos e quem
mais conhece sobre a trajetória desse trabalho. É importante relembrar os colegas de
mestrado, como Júlio César, companheiro nas aulas.
Agradeço também aos colegas de graduação da turma de 2010 e aos professores do
departamento de História: Raimundo Arrais, Juliana Souza, que participaram da minha banca
de qualificação e Raimundo Nonato, pelas indicações no período das disciplinas.
Por fim, agradeço à CAPES pelo financiamento desta pesquisa, muito importante para
8
a viabilidade da dissertação.
A todos, minha gratidão.
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RESUMO
Busca-se, neste trabalho, analisar as hierarquias espaciais no contexto de retomada do
domínio sobre a capitania de Pernambuco pelos portugueses, assim como o período da
presença propriamente dita de autoridades régias detentores de ofícios e do status que Olinda
possuía, em paralelo com a posição social de seus moradores mais ilustres, e sua relação com as
disputas pelo controle político e administrativo da capitania de Pernambuco, na segunda
metade do século XVII. Um ponto importante para a elite de Olinda, principalmente para as
pessoas que estavam na câmara, foi a reestruturação da economia e do espaço físico da
capitania. Dessa maneira, emerge uma retórica de recuperação do “antigo estado”, em alusão à
condição de centro político e administrativo de Olinda. Apesar das dificuldades enfrentadas, esse
grupo permaneceu politicamente dominante durante boa parte do período compreendido entre
1654 e 1711. As divergências entre autoridades coloniais e locais representaram entraves para
a reestruturação e reocupação da vila após 1654. A Coroa portuguesa, representada pelo
Conselho Ultramarino e pelos governadores da capitania, tinha interesses que divergiam da
câmara de Olinda, provocando tensões no equilíbrio das relações desta vila com o centro de
poder. Nesse sentido, o local de assistência dos governadores é um tema de debate durante o
período estudado, assim como a condição de “capital” de Olinda, tendo em vista a sua
estrutura física. A câmara buscou, então, realizar melhoramentos que eram considerados
condizentes com sua posição, com argumentos que ressaltavam sua “qualidade” e
“capacidade”.
Palavras-chave: Hierarquias espaciais, Olinda, câmara municipal, vila, cidade, século XVII,
antigo estado.
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ABSTRACT
In this dissertation, we analyze the captaincy of Pernambuco’s spatial hierarchies in the late
17th century, as well as the presence of royal officials and the parallel between Olinda’s status
and noble people which served in the current municipal council. Therefore, the conflict for
controlling municipal budget included both regional elites as colonial governors and others
royal authorities. An important point for the local elite was the restructuring of the economy
and the town space, a wishful desire to revive the previous situation, before socially and
politically Netherland’s domination. Thus, a rhetoric of recovery of the “ancient state” emerges, by the
previous conditions of political and administrative center of Olinda, now ruined. Despite the difficulties
faced by the locals, the regional elite remained dominant for much of the period between 1654
and 1711. Disagreements between Portuguese colonial control and local authorities
represented obstacles for the restructuring and reoccupation of the village after 1654.
Portuguese Crown, represented by the Overseas Council, and the governors of the captaincy,
had interests that diverged from the Olinda’s municipal council, provoking tensions in the
balance of the center of power. Thus, the place of assistance of the governors is a topic of
debate during the studied period, as well as the condition of "capital" of Olinda, due to its
physical structure. The municipal council, then, sought to make improvements that were
considered consistent with its position, with arguments that emphasized its "quality" and
"capacity".
Keywords: Spatial hierarchies, Olinda, Municipal Council, Town, 17th century, ancient state.
11
LISTA DE QUADROS
QUADRO 01 – Quantidade de pagantes por região e valor arrecadado. Donativo para acerto
diplomático com Inglaterra e Países Baixos.............................................................................40
QUADRO 02 – Números de fogos de freguesias de Pernambuco (1693-1701)......................44
QUADRO 03 – Terras vendidas aos beneditinos.....................................................................48
QUADRO 04 – Valores arrecadados de contratos administrados pela câmara de Olinda.......98
12
LISTA DE IMAGENS
IMAGEM 01 – Palácio das Torres.........................................................................................86
IMAGEM 02 – Localização do Palácio das Torres................................................................86
13
LISTA DE MAPAS
Mapa 01 – Configuração espacial da vila de Olinda com base no foral de Duarte Coelho
(1537)........................................................................................................................................35
Mapa 02 – Olinda (Século XVII)..............................................................................................37
Mapa 03 – Doações de Terras no termo de Olinda...................................................................51
14
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 15
Capítulo I – A “mui nobre e sempre leal vila de Olinda”: caracterização espacial e povo
(século XVII). .......................................................................................................................... 30
1.1 Caracterização espacial....................................................................................................... 33
1.2.Gente da terra...................................................................................................................... 53
Capítulo II – Aos ventos e conventos: hierarquias espaciais em Olinda (1654-1709). ..... 60
2.1 Uma Olinda por restaurar ................................................................................................... 64
2.2 Reconstruindo a vila. .......................................................................................................... 68
Capítulo III - Onde está a corte: O Palácio das Torres e discussão sobre a capitalidade
na capitania de Pernambuco (1654-1689). ........................................................................... 83
3.1 O palácio do Conde Maurício de Nassau ........................................................................... 85
3.2 Dá-me um palácio para morar ............................................................................................ 92
3.3 Definições sobre o local de “assistência”. .......................................................................... 96
3.4 De Mendonça Furtado a Aires de Sousa e Castro .............................................................. 99
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 103
REFERÊNCIAS BILBIOGRÁFICAS ............................................................................... 106
ANEXOS ............................................................................................................................... 115
15
INTRODUÇÃO
Durante a segunda metade do século XVII, mais especificamente entre 1654 e 1711, a
capitania de Pernambuco teve em sua dinâmica política momentos de grande turbulência, com
a deposição de governadores, conjurações entre famílias e disputas violentas entre grupos
rivais. Paralelamente a esta instabilidade política, mas com estreita ligação, houve uma
alteração, mesmo que relutante e não completa, na centralidade política da capitania e que
resultou em uma alteração geográfica. Tomando cuidado para não assumir uma posição
teleológica, sabendo-se da consequente criação de uma vila no Recife, pode-se afirmar que,
paulatinamente, muito pela perda da atuação de importantes funcionários da burocracia régia
em seu núcleo populacional, a vila de Olinda foi contestada em sua condição de cabeça da
capitania, de sua condição como detentora da capitalidade. Essa discussão atravessa todo o
trabalho, principalmente na apreciação e debate acerca das qualidades julgadas necessárias
para sediar uma capitania.
O espaço da vila de Olinda, em sua evolução1 ao longo da segunda metade do século
XVII, também foi objeto de análise, pela qual se buscou o delineamento do corpo político que
dominou a ocupação dos cargos camarários desta vila, apontando as características que podem
ser percebidas com base no perfil de suas composições anuais. De outra forma, pode-se
afirmar que este trabalho é uma tentativa de fazer uma história do grupo político dominante,
ao menos no que se refere à ocupação dos cargos da câmara, e de como este administrou o
espaço da vila de Olinda. Ao longo do estudo, três conceitos nortearam a linha de pensamento
da análise, mesmo de forma não explícita, embora não sejam os únicos: território,
capitalidade e tradição.
Ao se referir a território, o entendimento presente aqui é muito próximo da ideia de
termo de uma vila, ou território municipal, que para o caso de Olinda estava indicado no seu
foral concedido por Duarte Coelho em 15372. O termo de uma vila, ou “território municipal”
era definido a partir da ereção de um local para o pelourinho, localizado à frente da câmara.
Cláudia Fonseca afirma que
ao criar-se uma nova municipalidade, a ereção do pelourinho era um dos
1 Evolução não necessariamente em um sentido de melhora, mas da sucessão de processos e modificações na
cidade, em termos físicos, jurisdicionais ou hierárquicos. 2 Vanildo Bezerra Cavalcanti contesta essa data afirmando que não existia propriamente uma carta foral em
1537, mas somente datas de terra doadas em sesmaria registradas no livro de Tombos e de Matrículas, em 1550.
CAVALCANTI, Vanildo Bezerra. Olinda do Salvador do Mundo. Olinda: ASA Pernambuco, 1986.
16
rituais obrigatórios. Postada geralmente diante da casa de câmara, esta
coluna era um dos principais emblemas das vilas: ela materializava a justiça
administrada pelos oficiais da municipalidade, e ali eram açoitados os
escravos que recebiam tal condenação. Simples pilar de madeira, ou peça
esmeradamente esculpida na pedra, o pelourinho era geralmente designado
como o centro geométrico do rossio – terreno que a câmara podia dividir em
“chãos” para aforar aos moradores –, mas referia-se também a um território
bem mais amplo: o termo3.
Após 1654, e pelos problemas provocados pela guerra contra os holandeses e pelo tempo de
domínio desses, permaneceu uma tarefa difícil a redefinição das propriedades fundiárias da
capitania e, como será visto, o patrimônio da própria câmara de Olinda foi afetado.
Completando esse raciocínio e atendendo ao sentido buscado, pode-se alinhar essa
concepção de território pensada mais na compreensão do exercício de poder e de mando por
parte das autoridades locais. Dessa forma, o nosso recorte geográfico era um território mais
consolidado e, relativamente, já afastado das regiões fronteiriças, no qual o domínio da Coroa
Portuguesa era percebido com maior intensidade, e com materialidade, e pelas atividades dos
agentes régios e outros poderes.
Outro conceito importante neste trabalho é o de tradição, relacionado com o que se
pode chamar de uma “presença do passado”, conforme define Edward Shils. A tradição seria
uma crença com estrutura social específica, legitimada por um consenso que se estabelece em
um tempo longo. Nesse sentido, percebeu-se que a chamada nobreza da terra, vinculada à
Olinda, valia-se da retórica da tradição como instrumento político para a manutenção de seu
domínio político. Isto se pode observar tanto na concepção de merecimento das benesses e
privilégios reais, na expressão “à custa de nosso sangue, vidas e fazendas”, quanto em
questões relacionadas ao espaço físico da vila de Olinda propriamente dita, como “voltar a
antiga opulência”. Uma ideia de tradição que mesmo autoridades reinóis, que não possuíam
vínculos anteriores com a vila de Olinda, compreendiam, chegando a justificar a necessidade
de reconstrução de Olinda por meio de argumentos como: “para que volte ao estado em que se
achava”4.
Por fim, capitalidade pode ser entendida como uma qualidade que confere a um
determinado local o status de “cabeça”, ou capital. A historiadora Catarina Madeira dos
3 FONSECA, Cláudia Damasceno. Urbs e civitas: A formação dos espaços e territórios urbanos nas Minas
Setecentistas. São Paulo. Anais do Museu Paulista. V. 20. N. 1. Jan.-jun. 2012. p. 81. 4 Para o conceito de tradição, ligeiramente adaptado para o contexto desta análise, cf. SHILS, Edward. Tradição.
In: SHILS, E.. Centro e Periferia. Lisboa: DIFEL, 1992. Sobre os argumentos utilizados pela nobreza da terra
para manter seu status político, cf. MELLO, Evaldo Cabral de. A Fronda dos Mazombos: nobres contra
mascates, Pernambuco (1666-1715). São Paulo, Companhia das Letras, 1995. E MELLO, Evaldo Cabral de.
Rubro Veio: o imaginário da restauração pernambucana. 2ed. rev. e amp. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997.
17
Santos, em Goa é a chave de toda a Índia, apresenta uma conceituação que não se fecha em
uma única dimensão, seja população, configuração urbana, quantidade de igrejas, etc.
Segundo Santos,
só podemos falar de capitalidade na condição de este centro chegar a
repercutir a sua influência num determinado espaço, ou seja, sobre um
Estado, independentemente da configuração que este assuma. Há, portanto, a
considerar uma vertente dinâmica, expressa na capacidade que o centro tem
de estruturar e estabelecer hierarquias no interior de um território e com ele
sustentar ligações. Trata-se, afinal, de analisar a rede sobre a qual se realiza a
articulação entre o centro e as suas periferias5.
Atenta-se, nesse trabalho, para a existência de hierarquias urbanas, embora a
diferenciação entre vilas e cidades seja um tanto difusa e de difícil exatidão. Pois, apesar de,
por vezes, embasar-se em aspectos concretos, a concessão de títulos de cidade, honrarias e
privilégios aos vassalos de uma localidade obedecia a uma lógica muito mais política e
estratégica do que o simples “mérito” de “enobrecimento” de um povo e, consequentemente,
de sua cidade, vila, etc. Para uma localidade que ostentasse o título de vila, era necessário,
contudo, a correspondência entre o status político do povo e da urbe. Cláudia Fonseca, por
sua vez, defende a existência de um “paralelismo” entre “as hierarquias urbanas e a estrutura
social do Antigo Regime”6. Segundo a autora, os
termos vila e cidade, que classificam e hierarquizam as povoações no mundo
português, fazem parte de um sistema de concessão de títulos, privilégios e
funções (administrativas, religiosas, militares) que ‘ilustram’ e ‘enobrecem’
as localidades que os recebem; assim, as aglomerações urbanas são de certa
forma personificadas, e podem ser assimiladas à nobreza de que elas por
vezes acolhem7.
Tendo como base o caso da região das Minas Gerais no século XVIII e meados do século
XIX, Fonseca ainda afirma que “a conquista de uma promoção urbana”, a elevação de uma
vila à categoria de cidade, ou a concessão de funções como a de um bispado, “estava, em
grande medida, condicionada pelo caráter mais ou menos ‘nobre’ dos moradores da
5 SANTOS, Catarina Madeira. Goa é a chave de toda a Índia. Perfil político da capital do Estado da Índia.
Lisboa: CNCDO, 1999. Apud BICALHO, Maria Fernanda B.. O Rio de Janeiro no século XVIII: A transferência
da capital e a construção do território centro-sul da América portuguesa. Urbana. v. 1, n. 1. Campinas, 2006. p.
2-3 6 FONSECA, Cláudia Damasceno. Funções, hierarquias e privilégios urbanos. A concessão dos títulos de vila e
cidade na Capitania de Minas Gerais. Varia História, nº 29, Janeiro, 2003. p. 43; FONSECA, Cláudia
Damasceno. Arraiais e vilas d’El Rei: Espaço e poder nas Minas setecentistas. Belo Horizonte: Editora da
UFMG, 2011 7Idem.
18
povoação”8.
Recorrendo-se a um autor contemporâneo, a hierarquização estava presente na
classificação dos diferentes espaços do império português. Nos verbetes “cidade” e “vila” no
dicionário elaborado pelo padre Raphael Bluteau, elaborado no contexto português, em 1728,
uma cidade é definida como “a cabeça do reino”, “aquilo que não é fronteira” e “uma
multidão de casas, distribuídas em ruas, e praças, cercadas de muros, e habitadas de homens,
que vivem com sociedade, e subordinação”9. Já uma vila seria uma “povoação aberta, ou
cercada, que nem chega a cidade, nem é tão pequena”, como uma “aldeia”. Tem “juiz, e
Senado da câmara, e seu pelourinho”, e, por isso, se “diferencia do julgado”, uma região que
possuía uma unidade com jurisdição de justiça, mas que não gozava de autonomia em outras
esferas10.
Cláudia Fonseca afirma que os arraiais solicitavam o título de vila a partir de
argumentos que destacavam a “qualidade” dos seus moradores e a “nobreza de seus templos”.
Estes momentos seriam importantes para o entendimento das definições de “urbano” e
“cidade” presentes na “hierarquia urbana” de Portugal e de suas conquistas11. É possível
afirmar, assim, que se estabeleceu com o urbano uma íntima relação com os ideais
civilizadores presentes na cultura europeia, ao menos nas camadas sociais privilegiadas e que
exerciam o governo. Semelhante à busca por engrandecimento pessoal, por aumento de
qualidade12, as elites políticas e dirigentes13 possuíam a prática de “melhorar” as localidades
às quais estavam vinculadas, sob o imperativo de realizar um serviço ao monarca que pudesse
ser considerado bom. Soma-se a esta ideia o conceito de carisma presente da obra de Edward
8 FONSECA, Cláudia Damasceno. Funções, hierarquias e privilégios urbanos. A concessão dos títulos de vila e
cidade na Capitania de Minas Gerais. Varia Historia, nº 29, Janeiro, 2003. p. 44. 9 BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico .... Coimbra:
Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1712 - 1728. Disponível em: Acesso em: 14 de agosto de 2012. Ver
verbete “cidade”. 10 BLUTEAU, Raphael. op. cit.. Ver verbete “vila”. 11 FONSECA, Cláudia Damasceno. Urbs e civitas: A formação dos espaços e territórios urbanos nas Minas
Setecentistas. São Paulo. Anais do Museu Paulista. V. 20. N. 1. Jan.-jun. 2012. P. 82. 12 Um elemento importante para a sociedade estudada era a remuneração de serviços feitos ao Rei, que seriam
recompensados por meio da concessão de privilégios e de mercês reais, que conferiam qualidade ao indivíduo.
As mercês, dádivas reais criariam, segundo Bicalho, um ciclo de “obrigações recíprocas entre rei e súditos. Para
mais, Cf. BICALHO, Maria F. B. Conquista, mercês e poder local: a nobreza da terra na América portuguesa e a
cultura política do Antigo Regime. Almanack brasiliense, São Paulo, nº 2, 2000; OLIVAL, Fernanda. As
Ordens militares e o Estado Moderno. Honra, mercê e venalidade em Portugal (1641-1789). Lisboa: Estar
Editora, 2001. 13 Nos trabalhos que são referência para este estudo de caso, e para entender o que poderia ser considerado como
elite em Recife e Olinda no século XVII, dois grupos se destacam: em Recife, principalmente os grandes
comerciantes e, em Olinda, senhores de engenho, lavradores de cana e importantes funcionários régios, conforme
vem sendo colocado neste artigo. Cf. MELLO, Evaldo Cabral de. A Fronda dos Mazombos: sobres contra
mascates, Pernambuco, 1666-1715. São Paulo: Companhia das Letras, 1995; SOUZA, George Félix Cabral de.
Tratos e Mofatras: o grupo mercantil do Recife colonial (c. 1654-c. 1759). Recife: Editora Universitária UFPE,
2012.
19
Shils, entendido como “a qualidade que é imputada às pessoas, ações, funções, instituições,
símbolos e objetos materiais devido à sua ligação suposta com os padrões ‘últimos’,
‘fundamentais’, ‘vitais’ e determinantes da ordem”14. Nesse sentido, crê-se que as localidades,
assim como as pessoas, podem ser dotadas desse carisma e ter a sua qualidade aumentada.
Uma vila, ou cidade, ornada com casas e edifícios “nobres” e que gozasse da presença
de instituições que denotavam certo poder político e econômico e importância social poderia
ser considerada mais digna de ser nomeada como sede de uma comarca, bispado, ou receber
um acréscimo em seu status com o título de vila, ou cidade. Em complemento a isto, Cláudia
Fonseca afirma que
em torno do título “cidade” encontram-se reunidos diversos atributos e
qualidades que podem conferir prestígio a uma povoação. Os fatos gloriosos
do seu passado, a “nobreza” dos seus habitantes, a salubridade do seu sítio, a
regularidade das suas ruas, a beleza das suas igrejas, a riqueza do seu
território, todos esses elementos constitutivos das representações urbanas
eram utilizados pelos contemporâneos como parâmetros de classificação e de
hierarquização das aglomerações15.
Esse tipo de relação entre as localidades e a necessidade de intervenção sobre o espaço
é perceptível nas fontes estudadas. Nota-se também a existência de uma ligação entre esse
tipo de ação e o que se pode considerar como um bom governo. A historiadora estadunidense
Roberta Delson reitera esta relação ao afirmar a generalização, no século XVIII, de um padrão
de cidade que “emerge como uma representação simbólica do bom governo, sinal de que a
sociedade está funcionando dentro de limites predeterminados e ordenados”16. Esse padrão,
entretanto, afirma Amilcar Torrão Filho17, é perceptível em períodos anteriores,
principalmente, levando-se em conta os aspectos simbólicos representados pela presença do
pelourinho18, por exemplo.
Prosseguindo este raciocínio, Maria Fernanda Bicalho, embasada nos trabalhos de
Ilmar Rohloff de Mattos, afirma que uma vila ou cidade seria um núcleo político, o canal de
“representação e negociação dos vários interesses em jogo no processo de colonização”. Não
14 SHILS, Edward. Centro e periferia. Lisboa: DIFEL, 1992, p. 217-218. 15 FONSECA, Cláudia Damasceno. Funções, hierarquias e privilégios urbanos. A concessão dos títulos de vila e
cidade na Capitania de Minas Gerais. Varia História, nº 29, Janeiro, 2003. P. 46. 16 DELSON, Roberta M. New towns for Colonial Brazil, Spacial and Social-Planning of the Eighteenth
Century. Ann Arbor, Syracuse University, University Microfilms International, 1979, p. 12-13. Apud TORRÃO
FILHO, Amilcar. Imagens de pitoresca confusão: a cidade colonial na América portuguesa. São Paulo, Revista
USP, n. 57, p. 50-67, mar/maio 2003. 17 TORRÃO FILHO, op. cit. p. 56. 18 FONSECA, Cláudia Damasceno. Urbs e civitas: A formação dos espaços e territórios urbanos nas Minas
Setecentistas. São Paulo. Anais do Museu Paulista. V. 20. N. 1. Jan.-jun. 2012. p. 81.
20
era, portanto, apenas um “porto exportador ou centro administrativo, lócus privilegiado do
exercício do monopólio do colonizador”. A cidade era, “sobretudo por intermédio das
câmaras, cenário e veículo de interlocução com a metrópole na tessitura da política
imperial”19. A câmara de Olinda pouco hesitou em buscar a intervenção régia para a
manutenção da vila como a principal da capitania, o que parece ter sido representada pela não
concessão de autonomia à povoação do Recife. Por outro lado, os seus ditos moradores
buscavam a correspondência entre o lugar social que acreditavam possuir e o lugar político
que julgavam merecer.
A vila de Olinda perdeu a dinâmica populacional que possuía no período antebellum,
situação que foi muito influenciada pela crescente instalação de instituições políticas,
fazendárias e religiosas na povoação do Recife. Ainda que esta não tenha sido uma realidade
de fato, havia uma ideia de reconstrução sendo pautada e, no início do século XVIII,
apresentava-se Olinda como uma localidade que viveu certa decadência no decorrer da
segunda metade do século XVII, levando-se em consideração a sua posição no século XVI até
a invasão holandesa.
Os assuntos tratados neste estudo remetem ao entendimento de como eram pensadas e
organizadas as cidades portuguesas. A urbanização portuguesa e a formação de vilas e cidades
foi um dos temas do livro Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, publicado em
1936. Nele, o autor ressalta a ausência de uma legislação que estabelecesse regras para a
fundação de cidades e o caráter espontâneo da ocupação, em uma relação de comparação com
a colonização da América espanhola, na qual prevalecia o traçado geométrico definido na
organização das cidades20.
Paulo Santos, em Formação de cidades no Brasil colonial, de 1968, relativiza os
argumentos de Holanda, afirmando que, na ausência de uma “ideia diretriz”, havia uma
“coerência orgânica uma correlação formal e uma unidade de espírito que lhe dão
genuidade”21. De uma forma parecida, Roberta Delson, argumenta no seu livro, Novas vilas
para o Brasil-Colônia: planejamento espacial e social no século XVIII, de 1979, que as
análises contidas em Raízes do Brasil contribuíram para a perpetuação do “mito da cidade
brasileira não planejada”22. A cidade portuguesa era uma cidade “informal”. Os trabalhos de
19 BICALHO, Maria Fernanda B. Cidades e elites coloniais: redes de poder e negociação. Varia História, n. 29,
janeiro 2003, p. 23. 20 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. 21SANTOS, Paulo. Formação de cidades no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2001. p. 18. 22DELSON, Roberta Marx. Novas Vilas para o Brasil-Colônia: planejamento espacial e social no século XVIII.
Brasília: ALVA-CIORD, 1997.
SANTOS, Paulo. Formação de cidades no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2001.
21
Paulo Santos, assim como os de Nestor Goulart Reis Filho23, segundo a historiadora Cláudia
Fonseca, foram resultado de um “processo de valorização e de ‘patrimonialização’ das
paisagens urbanas coloniais brasileiras inaugurado nas décadas de 1920-1930”24.
Essas concepções sobre a formação das cidades portuguesas, conforme afirma
Fonseca, estão presentes em trabalhos de autores portugueses como Luís da Silveira e Mário
Chicó25, que buscavam o entendimento da “urbanística portuguesa”. Silveira afirma que a
cidade portuguesa se aproximava de uma “cidade perfeita”, uma cidade “orgânica”, na qual
cada elemento teria sua “função natural”. Em consonância com os autores citados, Sylvio de
Vasconcellos, além de perceber os traçados não retilíneos da ocupação portuguesa de uma
forma positiva, contribuiu para o entendimento do papel social das confrarias no crescimento
dos povoados e na hierarquia urbana de Minas Gerais26.
A cidade colonial, ou a vila, era objeto de ação por parte dos grandes senhores,
principalmente daqueles vinculados à câmara municipal. O urbano era o local das principais
festas religiosas, das nomeações mais importantes, do grande fluxo de mercadorias e onde se
instalavam as câmaras municipais. O controle de uma câmara era uma das formas de obter a
direção de uma cidade ou vila, no período colonial, além de contribuir para o acúmulo de
prestígio individual. Tinha, assim, o direito de definir questões ligadas ao “urbanismo”, este
entendido, para o período colonial do século XVII, como o “conjunto de medidas técnicas,
jurídicas e econômicas” que “permitem uma intervenção ou um desenvolvimento autônomo
das cidades”27.
Charles R. Boxer, ao analisar as principais câmaras do ultramar de Portugal,
demonstra a grande margem de autonomia que estes conselhos municipais poderiam ter em
relação à Coroa portuguesa, permitindo aos seus integrantes um relativo poder de decisão nos
23 REIS FILHO, Nestor Goulart. Evolução urbana do Brasil. São Paulo: Edusp, 1968. apud FONSECA,
Cláudia Damasceno, op. cit. 24 FONSECA, Cláudia Damasceno. Urbs e civitas: A Formação dos espaços e territórios urbanos nas Minas
setecentistas. São Paulo. Anais do Museu Paulista. v. 20. n.1. jan.- jun. 2012.p. 79. 25 CHICÓ, Mário. A “cidade ideal” do Renascimento e as cidades portuguesas da India. Separata de: Garcia de
Horta: Revista da Junta das Missões Geográficas e de Investigação do Ultramar, Lisboa, n. esp., p. 319-328,
1956 & SILVEIRA, Luís. Ensaio de iconografia das cidades portuguesas do ultramar. Lisboa: Ministério do
Ultramar. 4 v, apud, FONSECA, Cláudia Damasceno, op. cit., p. 79 26 VASCONCELLOS, Sylvio de. Vila Rica: formação e desenvolvimento. Residências. Rio de Janeiro: MEC;
INL, 1956 apud, FONSECA, Cláudia Damasceno, op. cit., p. 80. 27 LEPETIT, Bernard. Pouvoir municipal et urbanisme (1650-1750): sources et problématique. In: LIVET, G.;
VOGLER, B. Pouvoir, ville et société en Europe 1650-1750. Actes du Colloque International du CNRS.
Paris: CNRS, 1981. p. 35-49.p. 35, apud FONSECA, Cláudia Damasceno. Urbs e civitas: A Formação dos
espaços e territórios urbanos nas Minas setecentistas. São Paulo. Anais do Museu Paulista. v. 20. n.1. jan.- jun.
2012, p. 90.
22
assuntos de interesse local28. Além disso, ainda segundo Boxer, a câmara municipal era um
dos pilares que sustentavam o império marítimo português, conferindo unidade administrativa
e legislativa em territórios e realidades distintos29. A câmara de Olinda inseria-se nesse
mundo atlântico, na segunda metade do século XVII, por meio da ideia da formação de um
pacto político, produzido após a guerra contra os holandeses, tendo em vista que foram
sobretudo os “restauradores” que reclamaram para si o merecimento das mercês régias e os
cargos da governança da terra30.
Nas últimas duas décadas, a historiografia sobre as câmaras municipais do Império
Português e da burocracia estatal recrudesceu, ao trazer novos questionamentos e
contribuições para o entendimento da história administrativa e política31. Nesse contexto
historiográfico, os trabalhos de Maria Fernanda Bicalho são de grande importância para o
entendimento da administração das municipalidades. De acordo com Bicalho, os “homens
bons” assumiam a gestão e o recolhimento de impostos fixos e extraordinários, criavam taxas,
arrendavam contratos e arrecadavam doações voluntárias32. Os camarários poderiam, também,
direcionar essa riqueza para a instalação de melhorias na cidade que os favorecessem: a
construção de um cais; de uma ponte em um local estratégico; ou mesmo de um convento
para determinada ordem religiosa que os servisse. Isso constituía uma forma de entendimento
da administração municipal como um reflexo das relações e das hierarquias sociais. Uma
sociedade baseada na remuneração de serviços ao Rei e, portanto, na concessão de privilégios
e de mercês reais33.
Embora no contexto do ultramar, as fontes de recursos das câmaras municipais
variassem de acordo com a realidade local, há um padrão mais geral sobre essa situação. As
28 BOXER, Charles R.. The Portuguese society in the tropics: the municipal councils of Goa, Macao, Bahia
and Luanda, 1510-1800. Madison-Milwaukee, University of Wisconsin Press, 1965. 29 BOXER, Charles R.. O império marítimo português: 1415-1825. São Paulo, Companhia das Letras: 2002
[1969]. 30 BICALHO, Maria F. B. Conquista, mercês e poder local: a nobreza da terra na América portuguesa e a cultura
política do Antigo Regime. Almanack brasiliense, São Paulo, nº 2, 2000. MELLO, Evaldo Cabral de. Rubro
Veio: o imaginário da restauração pernambucana. 3ed (revista). São Paulo: Alameda, 2008. 31 Destaca-se a coletânea de artigos de autores brasileiros e portugueses O antigo Regime nos trópicos, uma obra
de grande vulto para a historiografia brasileira para o período colonial uma retomada dos estudos sobre a
administração portuguesa das colônias. Cf. FRAGOSO, João, BICALHO, Maria Fernanda & GOUVÊA, Maria
de Fátima (orgs.). O Antigo Regime nos Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio
de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001. 32 BICALHO, Maria F. B. As Câmaras Ultramarinas e o Governo do Império. In: FRAGOSO, João, BICALHO,
Maria Fernanda & GOUVÊA, Maria de Fátima (orgs.). O Antigo Regime nos Trópicos: a dinâmica imperial
portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001. 33 OLIVAL, Fernanda. As Ordens Militares e o Estado Moderno. Honra, mercê e venalidade em Portugal
(1641-1789). Lisboa: Estar Editora, 2001. XAVIER, Ângela B. e HESPANHA, António Manuel. “As Redes
Clientelares” In: MATTOSO, José (dir.). História de Portugal. O Antigo Regime (1620-1807), vol. 4. Lisboa:
Editorial Estampa, 1993 pp. 381-393
23
câmaras municipais tinham na liberdade de gerir suas receitas, além das criações
extraordinárias de impostos, um dos principais traços de sua autonomia34; situação verificada
por diferentes estudos de grande valor interpretativo e empírico em contextos geográficos
distintos. Avanete Sousa afirma que as rendas das câmaras municipais poderiam ser divididas
em dois grandes grupos: as receitas diretas e as indiretas. Enquanto o primeiro grupo referia-
se àquilo que poderia ser recolhido diretamente pelos oficiais da câmara, como multas,
aferições de medidas e condenações, o segundo grupo referia-se ao que a câmara arrendava
por arrematações de contratos, e que eram arrecadados por meio de taxas e imposições35.
Leandro Calbente verificou que a principal fonte de renda da câmara de São Paulo era
proveniente das “arrecadações indiretas”: arrematações de estancos como os do açougue, das
entradas de aguardente e das “casinhas”, uma espécie de mercado urbano. O montante total
chegava a um total de 90% de todo o volume de dinheiro arrecadado pela câmara36. Para o
caso da câmara de Salvador, Avanete Sousa afirma que a principal fonte de renda era
proveniente de condenações, da administração e regulação do espaço da cidade. A câmara de
Olinda possuía uma grande autonomia sobre as contas municipais, o que somente mudou a
partir de 1727, quando uma série de prerrogativas que possuía foram suprimidas e transferidas
para outros órgãos administrativos, como parte de uma política da Coroa portuguesa pela
busca de uma centralização maior na administração das Conquistas Ultramarinas. Os
contratos e arrematações, conforme afirma Breno Vaz Lisboa, tinham um grande peso sobre o
orçamento da câmara de Olinda, dos quais boa parte servia para a promoção de obras públicas
na vila37.
O contexto estudado nessa dissertação é marcado por dois eventos importantes e
conhecidos da historiografia pernambucana: em 1654, a chamada Restauração, resultante da
guerra contra os holandeses e que devolveu o domínio da capitania de Pernambuco para o
monarca português, e a Guerra dos Mascates, um conflito que envolveu as populações de
Recife e Olinda, colocadas em lados opostos e por interesses discordantes. Um ponto de
bastante relevância foi a criação da vila do Recife, em 1710, gatilho de um período
conturbado de guerra entre a população da capitania.
34 Bicalho, Maria Fernanda B. A cidade e o império: o Rio de Janeiro no século XVIII. Rio de Janeiro:
Civilização brasileira, 2003, p. 313-314. 35 SOUSA, Avanete P. A Bahia no século XVIII: poder político local e atividades econômicas. São Paulo:
Alameda, 2012, p. 131-132. 36 CALBENTE, Leandro. Administração colonial e poder: a governança da cidade de São Paulo (1765-1802).
Dissertação (Mestrado em História Econômica). Universidade de São Paulo. São Paulo, 2008. p. 83. 37 LISBOA, Breno Vaz. Cuidando do patrimônio da coroa: as contas da câmara municipal de Olinda na segunda
metade do século XVII e na primeira metade do século XVIII. João Pessoa. SAECULUM – Revista de
História. Jul/dez 2013.
24
A Guerra dos Mascates inspirou romances, como o homônimo escrito por José de
Alencar, ou O matuto de Franklin Távora, que chegou a ser sócio do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, sendo um dos temas de maior interesse em Pernambuco. Escritores,
ainda nos séculos XIX e XX, acabaram por adotar um tom nativista aos acontecimentos,
observando nas ações por parte dos chamados mazombos, os naturais da terra, uma
contestação do poder real, criando-se uma ideia de rebeldia “natural” dos “pernambucanos”38.
O trabalho de Evaldo Cabral de Mello, A Fronda dos Mazombos, foi um dos primeiros
a se preocupar em entender a Guerra dos Mascates como um processo, iniciado em 1654, no
qual o acúmulo de insatisfações e de desentendimentos entre poder local e autoridades régias,
como o governador da capitania, acabou por deflagrar uma “guerra civil”, somados, mas de
igual peso, a fatores econômicos, sobretudo à dependência financeira que a autointitulada
“nobreza da terra”, de famílias antigas de troncos que remontavam ao século XVI na
capitania, possuía em relação aos comerciantes, em sua maioria reinol, de origem nas
camadas sociais menos privilegiadas e que exerciam atividades consideradas inferiores39.
Trabalhos acadêmicos recentes contribuíram para a compreensão do período estudado.
Em O Miserável Soldo, Kalina Vanderlei Silva analisa a reconfiguração das companhias
militares na capitania de Pernambuco, após a expulsão dos holandeses, e a política da Coroa
de manutenção das tropas, para além da necessidade de reestruturar a capitania de
Pernambuco40. Já em Nas solidões vastas e assustadoras, a autora inicia uma análise da
história urbana do Recife e de Olinda articulada com os fatores políticos resultantes das
disputas entre os moradores dessas duas localidades41. Neste trabalho, Silva focou em fazer
uma história social dos “pobres do açúcar” e do povoamento do interior da capitania de
Pernambuco.
Em Tratos e mofatras, George Félix Cabral de Souza afirma que, na segunda metade
do século XVII, teria ocorrido uma imigração considerável de portugueses para a capitania de
Pernambuco, principalmente para o Recife, fazendo com que este vivesse um surto
demográfico. Estes “estrangeiros”, ou “reinóis”, eram, em sua maioria, pessoas pobres que
paulatinamente foram adquirindo riqueza com o comércio. Muitos passaram a ser credores
38 MELLO, Mário. A Guerra dos Mascates como afirmação nacionalista. Recife: CEPE editora, 2012.
FERRER, Vicente. Guerra dos Mascates (Olinda e Recife). São Paulo: Editora Clássica, 1915. 39 MELLO, E. C. de. A Fronda dos Mazombos: nobres contra mascates Pernambuco, 1666-1715. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995. 40 SILVA, Kalina Vanderlei. O Miserável Soldo e a Boa Ordem da Sociedade Colonial - Militarização e
Marginalidade na Capitania de Pernambuco nos Séculos XVII e XVIII. Recife: Fundação de Cultura Cidade do
Recife, 2001. 41 SILVA, Kalina Vanderlei. Nas Solidões Vastas e Assustadoras: A conquista do sertão de Pernambuco pelas
vilas açucareiras nos séculos XVII e XVIII. Recife: CEPE - Comp. Editora de Pernambuco, 2010.
25
dos senhores de engenho, financiando a produção de cana42. Ricos, mas sem prestígio social,
estes comerciantes buscavam meios para assumirem cargos políticos dos mais honrosos, o que
lhes era negado pela Coroa portuguesa. Como estratégia, alguns comerciantes mantinham
uma prática de melhoramento constante da estrutura urbana do Recife.
As municipalidades também poderiam ser dotadas de privilégios, manifestados por
meio de seus cidadãos. Cláudia Damasceno, em seu livro Arraiais e vilas d’El Rei, analisou o
processo de transformações dos arraiais, que eram pequenos embriões urbanos nascidos da
atividade mineradora, em vilas e cidades. Neste processo, havia intensos conflitos entre essas
localidades por privilégios, pela instalação de uma comarca judicial, ou mesmo para a
elevação das que ainda eram vilas em cidades43. Questões essas que eram objeto de
negociação política. Em A Fronda dos Mazombos, Evaldo Cabral de Mello demonstra que a
administração dos aspectos urbanos da capitania de Pernambuco e, também, a definição do
lugar de moradia do governador, se no Recife ou em Olinda, ou a simples execução de
pequenos melhoramentos, construção de conventos, eram motivo de conflito entre os grupos
dessas duas localidades, de maneira semelhante à situação no contexto das Minas Gerais. O
objetivo desses grupos era não contribuir para o “desenvolvimento” de uma e outra
localidade44.
Na sociedade portuguesa, apesar de não haver um código descritivo sobre a formação
das vilas e cidades e a definição de uma hierarquia oficializada formalmente, existia uma
“cultura espacial” específica e com lógica própria. Esta concepção seria não somente um
desdobramento da forma de se conceber a sociedade, mas um componente importante da
própria organização social. Não bastava para uma localidade ter o título de vila, ou cidade, se
materialmente e simbolicamente não houvesse elementos que a identificassem como tal. Na
capitania de Pernambuco, no Recife e em Olinda, enquanto que esta possuía o status de vila e
toda uma tradição de hegemonia política proveniente do período anterior ao domínio
holandês, aquele paulatinamente recebeu atenção de diferentes agentes na segunda metade do
século XVII, passando a ser o local de vinculação de um grupo que se constituiu
politicamente em oposição a Olinda e aos senhores de engenho.
Bernard Lepetit, em A Cidade Moderna na França: ensaio de História Imediata,
afirma que a cidade pode ser entendida como um “sistema cujos elementos adquirem sentido
42 SOUZA, George F. C. de. Tratos e mofatras: o grupo mercantil do Recife colonial (c. 1654 - c. 1759). 1. ed.
Recife: Editora Universitária UFPE, 2012. 43 FONSECA, Cláudia Damasceno. Arraiais e vilas d’El Rei: Espaço e poder nas Minas setecentistas. Belo
Horizonte: Editora da UFMG, 2011. 44 MELLO, E. C. de. A Fronda dos Mazombos: nobres contra mascates Pernambuco, 1666-1715. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995. p. 151
26
uns em relação aos outros”, constituído tanto pela população quanto pelos aspectos urbanos.
O autor defende que as “instituições e as formas de agrupamento” social possuem o sentido
“de que são dotadas pelas práticas sociais dos atores”45. Pensando a partir das ideias deste
autor, pode-se dizer que os moradores de Olinda e Recife buscaram, assim, agir sobre o
espaço dessas localidades com o intuito de lhes conferir “nobreza” e “qualidade”, que podiam
ser apreendidas na estrutura física da cidade ou vila, pensando-se no período colonial, na
América portuguesa. Este esforço contribuiu para a formação de solidariedades e alianças que
criaram os grupos presentes nos conflitos políticos na segunda metade do século XVII em
Pernambuco: a autointitulada “nobreza da terra” e os grandes comerciantes do Recife. Estes
dois grupos possuíam a necessidade de aumentar as “qualidades” do espaço do qual se
declaravam moradores para galgar privilégios e mercês para a cidade ou vila e que redundaria
em um “enobrecimento” da própria população. Estes espaços eram, assim, “personificados”
por suas características, existindo uma reciprocidade entre as hierarquias sociais e urbanas46.
O conceito de “sociedade corporativa” do jurista e historiador português António
Manuel Hespanha é importante para a compreensão das relações entre vassalos e rei. De
acordo com Hespanha, a sociedade do “Antigo Regime” entendia-se como pertencente a uma
ordem natural, dividida em estamentos. O rei era visto como a “cabeça” do grande “corpo
social” e como mantenedor máximo da justiça. Cada indivíduo, assim como cada parte de um
organismo, tinha um papel estabelecido e percebido como indispensável para a manutenção
da harmonia do “corpo”. Este autor ainda afirma que existia uma “ideia de indispensabilidade
de todos os órgãos da sociedade e, logo da impossibilidade de um poder político simples,
puro” e não partilhado. Isto significava que o monarca deveria conceder tudo que era
“próprio” de cada grupo social, pois dessa forma estaria mantendo a justiça.
Os súditos orientavam-se por uma lógica de serviço e remuneração, recebendo mercês
e privilégios, as quais o rei teria a obrigação moral de distribuir47. Evaldo Cabral de Mello
aponta a existência desse tipo de relação de troca para o contexto da capitania de Pernambuco
somado a um sentimento de exclusividade de acesso aos cargos de governo por parte dos
senhores de engenho vinculados à Câmara de Olinda, motivados pela experiência do
povoamento da capitania de Pernambuco e pela expulsão dos holandeses feita “à custa” do
45 LEPETIT, Bernard. Por uma nova história urbana. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001,
p. 56-59. (Seleção de textos – Heliana Angotti Salgueiro). 46 FONSECA, Cláudia Damasceno. Funções, hierarquias e privilégios urbanos. A concessão dos títulos de vila e
cidade na Capitania de Minas Gerais. VARIA HISTORIA, nº 29, Janeiro, 2003. 47 XAVIER, Ângela B. e HESPANHA, António Manuel. A Representação da sociedade e do Poder. In:
MATTOSO, José (dir.). História de Portugal. O Antigo Regime (1620-1807), vol. 4. Lisboa: Editorial
Estampa, 1993.
27
“sangue e fazendas” desses senhores48. Estes viam, portanto, Olinda como o único local digno
de possuir uma câmara, ou título de vila ou cidade. Com a ascensão do Recife, essa situação
foi “contestada” pela crescente rivalidade existente entre comerciantes e aqueles senhores.
Nesse contexto é importante entender a diferença entre “açucarocracia” e “nobreza da
terra”, dois conceitos que são utilizados, muitas vezes, para definirem um mesmo grupo. De
fato, podem estar referindo-se ao mesmo conjunto de indivíduos, a uma mesma rede de
relações e trocas. Como o próprio Evaldo Cabral de Mello afirma, no entanto, há um processo
de transformação desta “açucarocracia” em “nobreza da terra”, algo que ocorre na segunda
metade do século XVII como fruto da experiência de guerra contra os holandeses49. Segundo
Mello, no capítulo chamado Os alecrins no canavial, a formação da primeira açucarocracia
em Pernambuco ocorreu por meio da união de famílias de primeiros povoadores, os
“duartinos”50, com indivíduos que teriam chegado ao Estado do Brasil da década de 1570.
Além da posse da terra, em grande parte herdada das famílias duartinas, e da capacidade de
instalar um engenho, essa primeira açucarocracia destacava-se no exercício do “funcionalismo
da Coroa” além do exercício dos “cargos municipais”, no caso, a câmara de Olinda
principalmente51. Dessa forma, segundo seus argumentos, a posse de engenhos somada ao
exercício de funções públicas garantia a esses homens a diferenciação suficiente para se
colocarem como um extrato privilegiado da sociedade que faziam parte52.
O conceito de “nobreza da terra” informa não somente sobre uma posição hierárquica
autoproclamada, mas também a formação de um grupo, composto por parte da açucarocracia,
mas que se movimentava politicamente de forma relativamente orientada. Um outro fator não
menos importante é que, dificilmente, na segunda metade do século XVII, algum indivíduo
com origem em atividades mercantis chegaria a participar desse grupo, como parece ter
ocorrido no século XVI.
Por representar mais o contexto e o grupo estudado, optar-se-á pela utilização de
“nobreza da terra” para identificar o conjunto de pessoas vinculado à vila de Olinda, que
também se caracterizam por ocuparem cargos de ordenança, por possuírem engenhos, mas
que se diferenciam pelo que a guerra contra os holandeses proporcionou de argumentos para a
48 MELLO, Evaldo Cabral de. Rubro Veio: o imaginário da restauração pernambucana. 3ed (revista). São Paulo:
Alameda, 2008. 49 MELLO, Evaldo Cabral de. op cit. 50 Termo cunhado por J. F. de Almeida Prado para designar os primeiros povoadores da capitania, notadamente
aqueles que estavam no círculo de relações com o primeiro donatário, Duarte Coelho. Logo, é uma visão sobre
uma elite formada na capitania. 51 MELLO, Evaldo Cabral de. Rubro Veio: o imaginário da restauração pernambucana. 3ed (revista). São Paulo:
Alameda, 2008, p. 132-133. 52 MELLO, Evaldo Cabral de. op cit., p. 133.
28
concessão de privilégios e honrarias. Segundo Mello, na segunda metade do século XVII, os
“netos dos restauradores”, os “descendentes dos que haviam feito a guerra holandesa
passaram a reivindicar o estatuto de nobreza da terra”53. A “metamorfose da açucarocaria em
nobreza da terra”, afirma Mello, “pode ser descrita em termo de três manifestações”: o uso
generalizado da expressão, um discurso e uma prática genealógica, o que demonstra a
importância da açucarocracia do século XVI, e a ideia de uma colonização de caráter
aristocrático54.
No capítulo primeiro, buscou-se elaborar um delineamento das características físicas
do espaço da vila de Olinda, assim como das elites que ocupavam os cargos da câmara. Na
segunda metade do século XVII, um imperativo presente em muitas falas é o da necessidade
de se reconstruir Olinda e que se liga com a ideia de tradição exposta anteriormente. As ações
que buscaram exercer um controle sobre as rendas da capitania para que fossem utilizadas na
reconstrução da vila de Olinda, assim como as discussões em torno desta questão, serão
objeto de análise do segundo capítulo dessa dissertação.
Essas noções de antiguidade estarão presentes nas análises contidas neste trabalho, na
medida em que a ideia de “antigo estado” é recorrente na documentação. Não somente pensava-
se em uma colonização de pessoas de caráter nobiliárquico, mas, também, em uma localidade
enobrecida por essas pessoas. As construções existentes em cada uma das localidades
influenciaram no processo que culminou na criação da vila do Recife, em 1709. Igualmente
importante, e que tinham peso sobre a dinâmica fiscal, administrativa e política da capitania, e
que, portanto, poderia até provocar um esvaziamento populacional em longo prazo, era a
presença de determinadas autoridades. Este segundo capítulo está conectado diretamente ao
que é discutido na parte seguinte.
No terceiro e último capítulo, analisa-se como o estabelecimento dos governadores em
Recife, principalmente, contribuiu para a perda da condição de centro da vila de Olinda.
Dessa forma, buscou-se entender como a assistência de determinadas autoridades coloniais
era avaliada e considerada necessária para a dinâmica governativa da vila, tendo em vista o
controle e fiscalização do comércio e de outras atividades praticadas. Nesse sentido, o palácio
construído ainda no período holandês atuou como um catalisador da atenção dos
governadores de Pernambuco em permanecerem na povoação do Recife, em função de suas
responsabilidades e interesses, mas também do aspecto simbólico de residir em um local
considerado nobre e, muito possivelmente, mais dinâmico que a vila de Olinda.
53 MELLO, Evaldo Cabral de. op cit., p. 127. 54 MELLO, Evaldo Cabral de. op cit, p. 157.
29
Este trabalho, portanto, intenta contribuir para a análise da perda do status de Olinda
em relação a Recife como centro e capital de Pernambuco, bem como das relações com as
elites locais e seu espaço de ação política. Dessa maneira, aparelhos urbanos, títulos e
honrarias possuíam um significado de reflexão do poder social, político e econômico dos
grupos dominantes.
30
Capítulo I – A “mui nobre e sempre leal vila de Olinda”: caracterização espacial e
povo (século XVII).
Este capítulo tem como objetivo analisar a evolução espacial da vila de Olinda, em
especial a ocupação da sua área habitada, assim como as formas que os moradores se
apropriavam destes terrenos. Dessa forma, elaborou-se uma caracterização espacial da vila de
Olinda e uma análise social de seu grupo social dominante, mais especificamente, da elite
política que preenchia os cargos da câmara municipal, na segunda metade do século XVII. Na
primeira seção do capítulo, aborda-se aspectos relacionados à divisão territorial da vila, tendo
em perspectiva desde a Carta Foral de 1537 até as consequentes alterações resultantes do
período de dominação holandesa e a forma que a câmara de Olinda gerenciava as concessões
de terra na vila. Na segunda seção, a atenção direciona-se para as pessoas consideradas como
as mais importantes politicamente da área de influência da vila. Não há, entretanto, neste
capítulo, um apanhado cronológico completo de todas as modificações que ocorreram na vila.
Foi preciso determinar um foco mais restrito, em razão dos elementos surgidos no andamento
da pesquisa e do foco de estudo.
As noções de território e elites nortearão toda a análise do capítulo que se segue.
Entende-se território como um determinado espaço delimitado, do qual se possui controle e
domínio. Dessa forma, a capitania de Pernambuco era considerada como um território do
império português, haja vista as relações de troca e vassalagem entre os habitantes locais e a
Coroa portuguesa. Por outro lado, a câmara de Olinda, em uma escala menor, possuía
jurisdição sobre toda uma região que englobava algumas paróquias rurais que, somado ao
entorno da vila em si, representava o termo da vila. Neste capítulo, a área habitada da vila será
a preocupação maior da análise.
Sobre o conceito de elites, em especial para o contexto da capitania de Pernambuco, a
ideia principal é a de uma açucarocracia que se transformou em nobreza da terra explica
muito sobre a situação dos grupos políticos dominantes da vila de Olinda na segunda metade
do século XVII55. O termo “elite” em si, todavia, possui uma determinação vaga e abrangente e, a
caracterização desse conceito no contexto colonial tem obtido certo destaque na discussão que se
segue.
A preocupação em elaborar um conceito de elite é uma inquietação maior na área das
Ciências Sociais. De acordo com Milton Cordeiro Farias Filho, o termo “elite” nasceu dos
trabalhos de Vilfredo Pareto e Gaetano Mosca. Para Mosca, toda sociedade possuía duas
55 MELLO, Evaldo Cabral de. A Fronda dos Mazombos: nobres contra mascates Pernambuco, 1666-1715. São
Paulo: Companhia das Letras, 1995.
31
classes, uma dirigente e uma que é comandada, a classe política e as massas respectivamente.
O que diferenciaria esses grupos é a capacidade do primeiro em se organizar e manter-se
como detentor do poder de decisão. Já Pareto define que o poder de dirigir é o que destaca os
governantes das massas. Essas elites, segundo Pareto, não seriam eternamente hegemônicas,
pois periodicamente poderia haver um processo de renovação ou “circulação de elites”56.
Em razão dessa dificuldade de conceituação, esta lacuna ainda não foi preenchida de
maneira satisfatória, o que não impede a compreensão do que significava ser elite nas
colônias, que vai depender dos contextos diversos presentes nas diferentes capitanias. No
contexto do Antigo Regime, elite sempre esteve muito próximo da ideia de nobreza57.
Transpondo-se esse pensamento para a sociedade da América portuguesa, é possível substituir
essa noção por qualidade. Logo, indivíduos de maior qualidade estariam em uma posição
superior e estariam aptos a exercerem os cargos de governança. Segundo Ronald Raminelli,
a sociedade de ordens permanecia um arcabouço estatutário e jurídico que
viabilizava legalmente as hierarquias, privilégios e liberdade. Exceto os títulos
providos pela monarquia, particularmente os hábitos das ordens militares e os
“cargos honrosos da República”, os demais súditos não contavam com
respaldo jurídico para a inclusão na nobreza, lá estavam devido à dimensão
informal própria do Novo Mundo58.
No caso do Recife, é possível verificar toda uma trajetória de ascensão econômica e
social por partes dos comerciantes daquela região. De acordo com George Félix Cabral de
Souza, ocorreu, na segunda metade do século XVII, uma imigração considerável de
portugueses para a capitania de Pernambuco, principalmente para o Recife, ocasionando certo
surto demográfico. Estes “estrangeiros”, ou “reinóis”, eram, em sua maioria, pessoas pobres
que paulatinamente foram adquirindo riqueza com o comércio. Muitos passaram a serem
credores dos senhores de engenho, financiando a produção de cana59. Com riquezas, mas sem
56 FARIAS FILHO, Milton Cordeiro. Elites políticas regionais: contornos teórico-metodológicos para
identificação de grupos políticos. São Paulo. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 77, n. 77, outubro 2011.
Cf. GRYNSZPAN, Mario. Ciência, política e trajetórias sociais: uma sociologia histórica da teoria das elites.
Rio de Janeiro: ed. Fundação Getúlio Vargas, 1999. 57 Cf. MONTEIRO, Nuno Gonçalo. O “ethos” nobiliarquico no final do Antigo Regime: poder simbólico,
império e imaginário social. São Paulo. Almanack braziliense, n. 2, novembro 2005. 58 RAMINELLI, Ronald. Nobreza e riqueza no Antigo Regime ibérico setecentista. São Paulo. Revista de
Históra, n. 169, julho/dezembro, 2013, p. 86; FRAGOSO, João. A nobreza vive em bandos: a economia política
das melhores famílias da terra do Rio de Janeiro, século XVII. Tempo, v. 8. Niterói, n. 15, 2003. COSTA, Ana
Paula Pereira. Potentados locais e seu braço armado: as vantagens e dificuldades advindas do armamento de
escravos na conquista das Minas. Topoi (Rio de Janeiro), v. 14, p. 18-32, 2013. 59 SOUZA, George F. C. de. Tratos e mofatras: o grupo mercantil do Recife colonial (c. 1654 - c. 1759). 1. ed.
Recife: Editora Universitária UFPE, 2012. SOUZA, George Félix Cabral de. Elite y ejercício de poder en el
Brasil Colonial: La Cámara Municpal de Recife (1710-1722). Salamanca: Tesis Doctoral. Programa de Doctorado
Fundamentos de la Investigación Histórica de la Universidad de Salamanca, 2007.
32
prestígio social, estes comerciantes buscavam meios para assumirem cargos políticos, o que
lhes era negado pela Coroa portuguesa. Como estratégia, alguns comerciantes mantinham uma
prática de melhoramento constante da estrutura urbana do Recife, conforme pode ser
observado em estudo feito por Antônio Gonsalves de Mello60.
Sobre a “primeira elite senhorial” do Rio de Janeiro, percebe-se trajetórias com uma
linha de pensamento ainda mais aristocrática, voltada para o investimento em terras, títulos e
bons casamentos. No seu estudo sobre a instalação da economia de plantation no Rio de
Janeiro, João Fragoso analisou os mecanismos de acumulação de riquezas por parte das
famílias de conquistadores, que mantiveram uma “continuidade temporal via descendência,
entre diferentes domicílios” e que “se transformaram nas melhores famílias da terra”, por meio
do estabelecimento de engenhos61. Parte da primeira elite senhorial do Rio de Janeiro formou-
se, portanto, na “Conquista”, durante as lutas travadas contra os franceses e tamoios nas
expedições comandadas por Mem de Sá62.
Em seu trabalho sobre a distribuição de mercês na Bahia e em Pernambuco, no período
posterior ao domínio holandês, Thiago Krause constrói uma classificação tipológica e funcional
de “elite colonial” ao defini-la como
todos os membros da açucarocracia (senhores de engenho, lavradores e seus
parentes próximos), irmãos da maior condição da misericórdia, os principais
oficiais camarários (juízes ordinários, vereadores e procuradores) e os
detentores dos mais altos postos burocráticos e militares: provedores da
fazenda, desembargadores, sargento-mores, mestres de campo, coronéis de
ordenança – que na maioria dos casos também se enquadram na
açucarocracia63
A classificação sobre uma elite colonial sempre esbarra nos contextos locais, em razão
pela variedade de serviços possíveis, aquilo que estava ao alcance dos indivíduos em
contextos geográficos diferentes, para além das conjunturas sociais e históricas. Logo, a
dificuldade em conceituar está muito atrelada à própria necessidade de questionamento sobre
os caracteres essenciais de uma elite em Pernambuco, na Bahia, e demais capitanias.
A partir dessa breve discussão e apresentação de algumas concepções de elite, chega-
60 MELLO, José Antônio Gonsalves de. Antônio Fernandes de Matos (1671-1701). Recife: Ed. Dos amigos da
DPHAN, 1957. Para um entendimento mais completo das estratégias de ascensão social dos comerciantes ver:
SOUZA, George Félix Cabral de. Tratos e Mofatras: o grupo mercantil do Recife colonial (c. 1654-c. 1759).
Recife: Editora Universitária UFPE, 2012. 61 FRAGOSO, João. A nobreza da República: notas sobre a formação da primeira elite senhorial do Rio de Janeiro
(séculos XVI e XVII). Topoi, Rio de Janeiro, n. 1, p. 51. 62 FRAGOSO, João. op. cit., p. 62. 63 KRAUSE, Thiago N. Em busca da honra: a remuneração dos serviços da guerra holandesa e os hábitos das
ordens militares (Bahia e Pernambuco, 1641-1683). São Paulo: Annablume, 2012.
33
se à concepção de elite que será utilizada neste capítulo, que possui um caráter distintivo.
Fazem parte da elite aqueles grupos que estão em uma posição social diferenciada e superior
aos demais, definida pelo volume global de capital, cultural e econômico, que possuem e que,
por essas condições, tem legitimidade para exercer por um tempo posições de mando64.
Entretanto, um grupo somente pode ser considerado elite quando o domínio econômico e
político é efetivo em determinado espaço. A noção estamental e hierárquica da sociedade
colonial, típica do Antigo Regime, reforça a diferença entre homens ao definir a posição de
cada um dentro de uma ordem considerada natural. Isto tem reflexo nas ações e nas
preferências, no habitus65, dos grupos e na forma como é definido o que é próprio a cada um.
1.1 Caracterização espacial
O foral de Olinda definia aquilo que constituía o termo da vila de Olinda, ao
determinar as terras comuns, o rossio, as terras que poderiam ser arrendadas pela câmara,
assim como algumas diretrizes sobre os tipos de árvores que poderiam ser exploradas e outras
questões. Antes de adentrar no conteúdo do foral propriamente dito, convém entender o que
representou a chamada “Carta Foral”. Este documento foi produto da compilação e
reconstrução a partir de diferentes cópias espalhadas pelos mais diversos fundos documentais,
desde o século XVII até o XIX feita pelo historiador José Antônio Gonsalves de Mello66. O
documento constituía-se de uma concessão de bens e do título de vila feita pelo donatário e
não apresenta, propriamente, direcionamentos jurídicos ou fiscais, nem os limites do terreno.
O mapa abaixo apresenta, de forma aproximada, como foi feita a separação de terras feitas por
64 BOURDIEU, Pierre. O campo econômico: a dimensão simbólica da dominação. Campinas: Papirus, 2000. p.
41. 65 Pierre Bourdieu, em O campo econômico, define habitus como a mediação entre uma “posição no espaço social
e as práticas, as preferências”, como “uma disposição geral diante do mundo”. Em Razões práticas sobre a
teoria da ação, Bourdieu afirma que os “habitus são os princípios geradores de práticas distintas e distintivas” e
“estabelecem as diferenças entre o que é bom e mau” para determinado grupo. Para este atrabalho, pensa-se este
conceito dentro do universo mental de grupos que se declaravam como da “governança” e, portanto, aptos para
exercerem cargos de mando, distinguindo-se dos demais pela maneira de viver e pela tradição familiar,
genealógica. BOURDIEU, Pierre. O campo econômico: a dimensão simbólica da dominação. Campinas: Papirus,
2000. BOURDIEU, Pierre. Razões práticas sobre a teoria da ação. 11ed. Campinas: Papirus, 2011. 66 Segundo Juliana Coelho Loureiro, a "Prefeitura Municipal de Olinda, com o intuito de reaver a cobrança do
foro das áreas pertencentes ao município, iniciou uma investigação histórica para determinar o território de
Olinda a partir de sua demarcação mais antiga. Baseou-se então no legado de Duarte Coelho, a Carta Foral de
Olinda, que marcou o nascimento da vila, bem como as áreas que ela abrangia. A equipe, dirigida pela arquiteta
Valéria Agra, fez as transcrições paleográficas do livro de Tombo nº 01-B de 1783-1806. Este livro tem, entre
outros dados importantes, a cópia do Foral de 1783, sua confirmação e Ação Demarcatória feita pelo juiz do
Tombo, José Ignácio Arouche, em 1710. Para esse empreendimento, também foi importante a reconstituição
textual do Foral - O chamado Foral de Olinda de 1537 - feita por Antônio Gonsalves Mello”. LOUREIRO,
Juliana Coelho. Quintais de Olinda: uma leitura indiciária sobre sua gênese. Anais do Museu Paulista. V. 20. N.
1. Jan.-jun. 2012.
34
Duarte Coelho em 1537. Este, assim como os outros mapas elaborados para a vila de Olinda,
foi elaborado a partir de um mapa encontrado no atlas de Gaspar Barléus, de 1647, chamado
“Civitas Olinda”67.
Já existem publicações que realizaram um trabalho competente de representação do
termo da vila de Olinda, assim como da jurisdição espacial cedida para a ereção da vila do
Recife em 1709. Valeria Agra Oliveira realizou o mapeamento do patrimônio pertencente à
câmara de Olinda tendo como base a “Carta Foral” de 1537 e sucessivos tombamentos e
registros realizados desde o século XVII até o século XX. Este trabalho contém mapas
detalhados nos quais foram identificadas as estruturas geográficas e urbanas elencadas no
foral, assim como áreas de plantação, roças e arruamentos. Os mapas elaborados aqui tiveram
embasamento em alguns pontos e áreas demarcadas no estudo referido68.
67 CIVITAS OLINDA. IN ATLAS DE BARLÉUS – KASPAR VAN BAERLE – p. 70. Livro. RERVM
OCVTENIVM IN BRASILIA ET ALIBI NUPER GESTAVUM... Amstelodami, ex. Typographico – Joannis
Blaev, 1647. 68 OLIVEIRA, Valéria Maria Agra. O Foral de Olinda de 1537 e o livro de tombo dos bens e aforamentos da
câmara municipal de Olinda (1782-1906). Recife: CHEM, 2011.
35
MAPA 01 – Configuração espacial da vila de Olinda com base no foral de Duarte
Coelho (1537).
Obs.: As áreas tracejadas em azul são áreas de uso comum e as tracejadas em rosa, foram, provavelmente, terras
doadas a particulares pelo donatário. O ícone em formato de losango seria a localização da câmara municipal.
Fonte: CIVITAS OLINDA. IN ATLAS DE BARLÉUS – KASPAR VAN BAERLE – p. 70. Livro. RERVM
OCVTENIVM IN BRASILIA ET ALIBI NUPER GESTAVUM... Amstelodami, ex. Typographico – Joannis
Blaev, 1647. Elaborado por Aledson M. S. Dantas no programa de SIG (Sistema de Informações Geográficas)
Mapinfo 12.
Segundo Rodrigo Almeida Bastos, a ereção de uma vila e a instalação de uma câmara
municipal concentraria três processos de povoamento. Primeiramente, ocorreria a “adequação
das estruturas construídas preexistentes”, com a “concessão de aforamentos sobre
propriedades já estabelecidas pelos moradores”; depois, o consequente “aumento” da
povoação, por meio da “abertura de novos arruamentos e logradouros, da concessão de novos
aforamentos para construção de novas casas, da implantação de novos edifícios públicos,
câmara e cadeia, pontes e chafarizes e da ereção de capelas e igrejas, consolidação de largos e
praças”; e, por fim, “conservação”, com reformas, reparos e correições, atividades
36
características da atividade camarária69. Processo este, o qual Duarte Coelho iniciava por
meio de um ordenamento mínimo. Assim determinou o donatário:
No ano de 1537 deu e doou o senhor governador a esta sua Vila de Olinda,
para seu serviço e de todo o seu povo, moradores e povoadores, as cousas
seguintes: Os assentos deste monte e fraldas dele, para casaria e vivendas
dos ditos moradores e povoadores, os quais lhes dá livres, forros e isentos de
todo o direito para sempre, e às várzeas das vacas e a de Beberibe e as que
vão pelo caminho que vai para o passo do Governador e isto para os que não
têm onde pastem os seus gados e isto será nas campinas para passigo, e as
reboleiras de matos para roças a quem o concelho as arrendar, que estão das
campinas para o alagadiço e para os mangues, com que confinam as terras
dadas a Rodrigo Álvares e outras pessoas [...] O rossio que está de fronte da
vila para o sul até o Ribeiro, e do ribeiro até a lombada do monte que jaz
para os mangues do rio Beberibe onde se ora fez o varadouro em que se
carregou a galeota por que o da lombada para baixo o qual o dito senhor
governador alimpou para suas feitoria que é assento dela70.
O “núcleo urbano” é chamado por Duarte Coelho como os “assentos do monte e suas
fraldas”, logo após o entorno de uma pequena elevação, a qual ficou conhecida como “Monte
de Nossa Senhora do Monte”. Entre a área destinada para feitoria, próxima ao varadouro e as
áreas de uso comum, estava o rossio da vila de Olinda, terreno que a câmara poderia dividir e
arrendar. Antes mesmo de a câmara receber o que constituiu o seu patrimônio fundiário
primeiro, o donatário já havia concedido terras a particulares, as quais foram utilizadas para
delimitar, principalmente em direção aos terrenos férteis das margens dos rios Capibaribe e
Beberibe, onde se instalou uma quantidade considerável de engenhos.
O MAPA 02 apresenta, também aproximadamente, o que seria Olinda por volta do fim
da década de 1640, ainda sofrendo com as consequências da guerra, mas com muitas de suas
estruturas religiosas mantidas. Conforme pode ser visto, o rossio foi parcialmente ocupado
por particulares e instituições religiosas.
69 BASTOS, Rodrigo Almeida. O urbanismo conveniente luso-brasileiro na formação de povoações em Minas
Gerais no século XVIII. Anais do Museu Paulista. V. 20. N. 1. Jan.-jun. 2012. 70 Para este trabalho, utilizar-se-á a versão encontrada no Arquivo Históico Ultramarino, localizada em uma
consulta de 1677. AHU-PE, Papéis Avulsos, Cx. 11, D. 1090.
37
MAPA 02 – OLINDA (SÉCULO XVII)
Fonte: CIVITAS OLINDA. IN ATLAS DE BARLÉUS – KASPAR VAN BAERLE – p. 70. Livro. RERVM
CVTENIVM IN BRASILIA ET ALIBI NUPER GESTAVUM... Amstelodami, ex. Typographico – Joannis
Blaev, 1647. Elaborado por Aledson M. S. Dantas no programa de SIG (Sistema de Informações Geográficas)
Mapinfo 12.
Esta parte não constituía toda a área da qual a câmara de Olinda tinha jurisdição, mas a
vila e seu núcleo urbano. Na doação de Duarte estavam expostas as áreas de posse da vila e o
seu entorno, o seu termo em sentido mais estrito. O território de sua jurisdição construiu-se ao
longo dos séculos XVI e XVII e, para tentar reconstituí-lo, nesta parte, foram analisados dois
documentos do Arquivo Histórico Ultramarino71 nos quais são arrolados os indivíduos que
habitavam certos distritos. Em listas elaboradas em 1664 e 1665 e assinadas, respectivamente,
pelos governadores Francisco de Brito Freire a Jerônimo de Mendonça Furtado, consta a
quantia devida por cada indivíduo, destinada ao pagamento do dote do casamento de Catarina
de Bragança com o rei da Inglaterra e ao pagamento do donativo de “Paz de Holanda”, o
acordo diplomático de caráter indenizatório que Portugal submeteu-se em razão da
71 Arquivo Histórico Ultrmarino – Pernambuco (AHU-PE), Papéis Avulsos (PA), Caixa (Cx) 8, Documento (D.)
735. “CADERNO do orçamento que se fez nesta freguesia da vila de Olinda por ordem do senhor general Francisco
de Brito Freire de 668 mil e 620 réis para o dote da sereníssima senhora Rainha de Grã-Bretanha e paz de Holanda
em o primeiro de março de 1664”; AHU-PE, Papéis Avulsos, Caixa 8, Doc. 768. “CADERNO do orçamento que
se fez em Olinda por ordem do governador da capitania de Pernambuco, Jerônimo de Mendonça Furtado, por conta
do dote da Rainha da Grã-Bretanha e Paz de Holanda, contendo relação dos nomes dos contribuintes e suas
respectivas contribuições.
38
reconquista da região norte do Estado do Brasil72.
Desde 1640, com a Restauração do trono português e o fim do período filipino (1580-
1640), no qual os Habsburgo controlavam tanto o trono espanhol quanto o português, Portugal
convivia com problemas diplomáticos em consequência da ruptura com o trono espanhol e a
ascensão de uma nova dinastia, a dos Bragança. Sobre D. João IV, que chegou ao trono
português depois de 1640, Luís Reis Torgal afirma que havia “um rei à procura de um Estado
e de um Estado à procura de si mesmo”, que, “através de uma ação de equilíbrio instável”,
procurava “divisar os seus ‘interesses’, as suas ‘conveniências’, a sua ‘razão’”73. Uma das
questões mais importantes era o reconhecimento internacional, por meio da diplomacia.
Portugal teve de reorientar suas alianças na Europa com as demais nações, e ainda com o
Vaticano, constantemente pressionado pelo monarca castelhano, Felipe IV74.
A busca por alianças com algumas das grandes potências marítimas ocorreu com mais
incidência sobre os rumos políticos, econômicos e sociais da capitania de Pernambuco e das
Capitanias do Norte. Descartado o acordo com os Países Baixos, como resultado da paz de
Münster, que consagrou a independência desta nação frente à Espanha, a diplomacia
portuguesa procurou o apoio dos ingleses75 para se inserir nas mesas de negociação e deixar
de ser considerado como um território “rebelde”, pois ainda estaria sob domínio espanhol76.
Posteriormente, Portugal conseguiu estabelecer negociações de paz com os Países Baixos a
partir de 1657, três anos após o fim da guerra luso-neerlandesa travada desde a Bahia até o
Rio grande, chamada de “Guerras da liberdade divina” (1645-1654)77.
Como fruto das negociações entre Portugal e os Países Baixos ficou estabelecida a
chamada “Paz de Holanda”, em 1661, com apoio da Inglaterra, e ratificado em 1669. Portugal
ficava obrigado a pagar à Holanda uma vultuosa indenização pela perda do território da
América de quatro milhões de cruzados em 16 anos em “numerário, cancelamento de impostos,
72 FERREIRA, Letícia dos Santos. O Donativo para o Casamento de Catarina de Bragança e para a Paz de
Holanda (BAHIA, 1661-1725). Niterói. Dissertação de Mestrado (PPGH-UFF, Defendida em 2010). FERREIRA,
Letícia dos Santos. É pedido, não tributo: O donativo para o casamento de Catarina de Bragança e a Paz de
Holanda (Portugal e brasil c. 1660-1725). Niterói. Tese de Doutorado (PPGH-UFF, Defendida em 2014). 73 TORGAL, Luís Reis. Restauração e “Razão de Estado”. Penélope. N.9/10. 1993. p. 167. 74 LOUREIRO, Marcello. “Em miserável estado”: Portugal, as guerras de restauração e o governo do Império
(1640-1654). In: POSSAMAI, Paulo. Conquistar e defender: Portugal, Países Baixos e Brasil: Estudos de história
militar na idade moderna. São Leopoldo, Oikos, 2012. p. 195-196. 75 MELLO, Evaldo Cabral de. O Negócio do Brasil: Portugal, os Países Baixos e o Nordeste (1641-1669). Rio de
Janeiro, Topbooks, 1998. p. 14-15 76 MELLO, Evaldo Cabral de. O Negócio do Brasil: Portugal, os Países Baixos e o Nordeste (1641-1669). Rio de
Janeiro, Topbooks, 1998. p. 14-15 77 Cf. Mello, Evaldo Cabral de. Olinda Restaurada: Guerra e açúcar no Nordeste, 1630-1654. São Paulo: Editora
34, 2007 (1975).
39
açúcar, fumo e sal, ao preço vigente, na ocasião do pagamento”78. Em 1669, o acordo foi revisto
e os portugueses tiveram que ceder aos ingleses Cochim e Cananor, na parte índica do império.
A indenização devida aos ingleses pelos portugueses passou a 2 milhões e meio de cruzados
“a serem pagos mediante a receita do imposto de exportação do sal de Setúbal”79.
Além disso, no casamento ocorrido entre as famílias reais de Catarina de Bragança,
irmã de Afonso VI, e Carlos II da Inglaterra, Portugal concedeu como dote: 2 milhões de
cruzados, Tânger e Bombaim, no Estado da Índia80. Esses acordos refletiram em mais uma
contribuição extraordinária que pesou sobre os rendimentos das capitanias conhecida como
“Donativo do dote de Inglaterra e Paz de Holanda”81. Contribuía, ainda, para um ambiente de
pesada carga fiscal a manutenção de um grande contingente militar, herança do período de
guerra contra os holandeses. Frente às ameaças de uma nova invasão em terras americanas, o
exército somente passou por uma reforma durante o governo de Francisco de Brito Freire (1661-
1664), na capitania de Pernambuco82.
Após essa rápida contextualização, segue-se o que se pode extrair dela e que possui
valor para o sentido deste capítulo. A jurisdição da vila de Olinda, entre 1664 e 1665, era
dividida em 14 distritos: Perative, Parative de Baixo e Forno de Cal, Pau Amarelo e Praia,
Passagem de Maria Farinha, Maranguape, Rio Doce, Vila e Santo Amaro, São Pedro, Beberibe,
Salinas, Casa Forte, São Pantaleão e Apipucos. Vera Lúcia Costa Acioli apresenta outras
informações acerca das freguesias sob jurisdição de Olinda. Eram elas: Ipojuca, Santo Antônio
do Cabo, Muribeca, Santo Amaro do Jaboatão, São Lourenço da Mata, Várzea e Santo Antão83.
No século XVIII, a “Informação Geral da capitania de Pernambuco”, mais especificamente de
1749, coloca como freguesias de Olinda as freguesias de São Lourenço da Mata, Nossa Senhora
da Luz, Santo Amaro de Jaboatão, Várzea e Santo Antão84.
78 MELLO, Evaldo Cabral de. O Negócio do Brasil: Portugal, os Países Baixos e o Nordeste (1641-1669). Rio
de Janeiro, Topbooks, 1998. p. 225. 79 Ibid, p. 247 80 Ibid, p. 228 81 Cf. MELLO, José Antônio Gonsalves de. A finta para o casamento da rainha da Grã-Bretanha e Paz de Holanda.
Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, v. 54, 1981. 82 Cf. SILVA, Kalina Vanderlei. Nas solidões vastas e assustadoras: a conquista do sertão de Pernambuco pelas
vilas açucareiras nos séculos XVII e XVIII. Recife: CEPE, 2010. 83 ACIOLI, Vera Lúcia Costa. Jurisdição e Conflito: aspectos da administração colonial. Pernambuco, século
XVII. Recife: EDUFPE/EDUFAL, 1997. 84 BIBLIOTECA Nacional do Rio de Janeiro. Informação Geral da Capitania de Pernambuco. Rio de
Janeiro: Oficinas de Artes Graphicas da Bibliotheca Nacional, 1906. Anais da Biblioteca Nacional. vol. XXVIII.
40
QUADRO 01 – Quantidade de pagantes por região e valor arrecadado. Donativo
para acerto diplomático com Inglaterra e Países Baixos.
Região Pagantes (fogos) Valor arrecadado
(réis)
Vila 150 117980
São Pedro 119 92280
Perative 42 90200
Fazenda de São
Pantaleão
29 79700
Engenho da Casa Forte 22 63500
Salinas 67 61120
Beberibe 25 36900
Fazenda de Apipucos 14 33400
Perative de baixo 42 25660
Pau Amarelo e praia 35 23080
Rio Doce 27 22240
Rio Tapado 7 16400
Maranguape 7 11040
Passagem de
Maria
Farinha
6 9040
Santo Amaro 4 1860
TOTAL 596 684400
Fonte: AHU-PE, Papéis Avulsos, Caixa 8, Doc. 735.
Para esta análise, considera-se que cada nome listado pela câmara de Olinda
representa um fogo. Portanto, na área que compreende o termo propriamente dito da vila, tem-
se uma quantidade de 150 pagantes do donativo, ou fogos (Quadro - 01), uma avaliação não
tão precisa, porém útil, na medida em que não há indícios sobre os parâmetros utilizados para
a determinação dos valores a serem pagos, bem como uma possível divisão das famílias.
Além disso, não se percebeu um padrão do valor designado, apesar de que, em muitos casos,
ofícios idênticos tendem a pagar uma quantia semelhante. O que se percebe sobre isto é a
colocação, por vezes, de membros da mesma família. Supõe-se que, caso o imposto fosse uma
quantia paga por indivíduo, estariam todos os indivíduos adultos discriminados na lista. Uma
outra explicação seria o fato de mesmo sendo parentes, certos indivíduos arrolados seriam
constituintes de um outro círculo familiar.
41
As listas deixam transparecer que as zonas mais afastadas do litoral possuíam
indivíduos mais abastados. No termo de Olinda, isso é perceptível na medida em que regiões
como “engenho da casa forte” e “fazenda de Apipucos”, por exemplo, eram relativamente
menos povoadas, ou com menos pagantes, mas que renderiam uma quantia considerável. Nos
limites da vila moravam uma quantidade maior de indivíduos do que nos outros distritos,
mostrando-se a tendência de concentração da população no núcleo urbano. Os pagamentos
neste espaço, entretanto, não alcançaram os 10 mil réis. Um senhor de engenho, próprio das
áreas mais rurais, pagaria, no mínimo, o equivalente a 15 mil réis85. Das atividades praticadas
na vila, os ofícios mais comuns eram ofertados nos seus limites geográficos: pedreiros,
militares de baixa patente e mesmo alguns de patentes mais altas, oleiros, professores de
latim, carpinteiros, ferreiros, ourives, alfaiates, sapateiros, pequenos cultivadores de hortas,
marceneiros, curtidores, pescadores, carreiros e um que trabalhava “na bica”86.
Os pescadores, em especial, além de realizar um importante trabalho de abastecer a vila
de peixes, produziam uma quantia significativa em impostos. Os 57 pontos contados, entre
postos de pescaria, redes e passagens de rios, somavam aos cofres da fazenda real o equivalente
a 552 mil réis, cobrados pelas avenças, um imposto que era recolhido pelo donatário por direito.
Valor este muito próximo ao recolhido para o donativo em questão. Postos e passagens estavam
distribuídos por toda a capitania, desde as fronteiras com a capitania de Itamaracá até o sul.
Para o termo de Olinda, pode-se citar Pau Amarelo, Maria Farinha, Rio Doce e Rio Tapado87.
A vila de Olinda, logo, era um local de exercício de muitas atividades típicas do mundo
urbano, importantes socialmente e economicamente. Mesmo que os senhores de engenho
tenham permanecido reclusos em suas propriedades rurais88, ainda havia uma dinâmica nos
limites da vila, contrariando a ideia de decadência difundida na segunda metade do século XVII.
Dessa forma, percebe-se que este discurso poderia estar restrito à perspectiva das elites da
capitania de Pernambuco e da relação de antiguidade e tradição familiar produzida no período
posterior ao domínio holandês. Segundo Cláudia Fonseca e Renato Venâncio, a “avaliação do
nível de ‘urbanidade’ de prosperidade e de polarização de uma vila, cidade ou povoação”
deveria ter como parâmetros diferentes variáveis: demográficos, econômicos, políticos, sociais
e culturais. Quando
85 AHU-PE, Papéis Avulsos, Caixa 8, Doc. 735. 86 AHU-PE, Papéis Avulsos, Caixa 8, Doc. 735. 87 AHU-PE, Papéis Avulsos, Caixa 6, Doc. 544. 88 MELLO, Evaldo Cabral de. A Fronda dos Mazombos: nobres contra mascates Pernambuco, 1666-1715. São
Paulo: Companhia das Letras, 1995.
42
se evoca o tema da “decadência urbana”, geralmente é a questão do número
de habitantes que se destaca. O aspecto demográfico será, pois, enfatizado
neste estudo: sua preponderância na definição atual dos conceitos de “cidade”
e de “urbano” impõe diversas questões e dificuldades aos estudos
retrospectivos. Com efeito, a demografia desempenha um papel importante na
percepção da ‘decadência’ urbana, tanto entre os que viveram no passado
como entre os historiadores que se debruçam sobre essa questão89.
A população das cidades, de uma maneira geral, tendia a ser menos significativa do que
a das áreas mais rurais na América portuguesa. Isto, inclusive, contradiz a percepção obtida a
partir das cobranças dos donativos citados anteriormente. O fenômeno “ruralização da
açucarocracia” explica em partes este ponto90. Os senhores de engenho que lutaram na guerra
contra os holandeses tiveram dificuldades econômicas em manter, simultaneamente, uma
propriedade na qual estava instalada um engenho e casas na área urbana da capitania, como era
Olinda. De fato, nas listas de cobrança consta apenas o nome de um grande proprietário de
terras no entorno da vila. Reforça-se, portanto, o caráter simbólico da recuperação da vila como
local de exercício do poder político das elites da capitania de Pernambuco.
Maria Luíza Marcílio, historiadora e professora da Universidade de São Paulo,
afirmou que a população de Salvador da Bahia, por exemplo, representava apenas 10% do
número total de habitantes de toda a conquista91. Para o caso de Olinda, percebe-se que a
demografia da cidade é composta por famílias mais pobres, enquanto que os mais ricos são
moradores nas regiões mais distantes do litoral. Esse é um detalhe importante para este
trabalho, pois demonstra que a vila poderia ter peso mais simbólico que de residência para
aquelas que frequentavam a câmara, por exemplo.
Gabriel Soares de Souza, em Tratado descritivo do Brasil (1587), afirmava que havia
em Olinda cerca de 700 vizinhos, não incluindo negros e índios. Souza destacava que esse
número era referente aos habitantes do “termo” da vila. Não se sabe até que ponto a vila possuía
a mesma divisão em distritos encontrada na listagem para pagamento do donativo. Havia, pois,
“muito mais no seu termo, por que cada um destes engenhos vive vinte e trinta vizinhos, fora
os que vivem nas roças afastadas deles, que é muita gente”92. No início do século XVII, o
89 FONSECA, Cláudia Damasceno. VENANCIO, Renato Pinto. Vila Rica e a noção de “Grande cidade na
transição do Antigo Regime para a época contemporânea. Juiz de Fora. Locus: revista de história, v. 20, n. 1, p.
157. 90 Cf. MELLO, Evaldo Cabral de. Olinda Restaurada: Guerra e açúcar no Nordeste, 1630-1654. São Paulo:
Editora 34, 2007 (1975). 91 MARCÍLIO, Maria L. A população do Brasil Colonial. In: BETHELL, Leslie (org). América Latina Colonial.
São Paulo. Edusp: Distrito Federal. Fundação Alexandre de Gusmão, 1999. Volume II. p. 320. De acordo com a
autora, a população de Salvador compunha-se de 4 mil negros, 6 mil índios e 2 mil colonos brancos. 92 SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado descritivo do Brasil Apud. CARRARA, Ângelo. A população
do Brasil, 1579-1700: uma revisão historiográfica. Revista Tempo. v. 20, Rio de Janeiro, 2014.
43
sargento-mor Diogo de Campos Moreno, designado para fazer, principalmente, uma
averiguação das fortalezas existentes nas capitanias do “Estado do Brasil”, afirmava que na
capitania de Pernambuco haveria 4 mil “moradores brancos”93. Para o historiador Ângelo
Carrara, este número corresponderia a um crescimento que quadruplicou a população de origem
portuguesa da capitania94. Essa quantia, contudo, deve ser relativizada, na medida em que não
contempla a quantidade de negros e índios, que juntos representavam a maior parcela da
população que vivia na América portuguesa.
Para a segunda metade do século XVII, caso se leve em consideração a contagem de
pagantes colocada acima como “fogos”, contando-se cinco pessoas por fogo, ter-se-ia um algo
próximo de 3 mil pessoas. Esse número, contudo, somente contabiliza o número de habitantes
livres, não havendo nenhuma outra classificação. Por outro lado, a tendência para esse
período, segundo Ângelo Carrara, é de estagnação. As guerras contra os holandeses devem ter
provocado “um despovoamento das capitanias do norte de colonos portugueses que se
dirigiram para a Bahia ou Rio de Janeiro95. Ainda segundo este autor,
um século de guerras (em 1624 a 1625, invasão e ocupação de Salvador pelos
holandeses; de 1653 e 1654, invasão e ocupação holandesa das capitanias do
norte; a partir de 1651, a guerra dos bárbaros; em 1680, a fundação da colônia
do Sacramento), da crise na economia açucareira e, para os fins do Seiscentos,
um surto de cólera atuaram como fatores fortemente limitadores do aumento
demográfico96.
Dessa forma, então, o número de habitantes deve ter permanecido igual, ou mesmo
diminuído para o termo da vila.
Para o caso de Olinda, em específico, tem-se os dados coletados pela Igreja Católica
para o final do século XVII. Essa descrição tinha como objetivo alcançar um maior
conhecimento sobre as regiões dos bispados. Mais especificamente para os anos 1693 e 1701,
assiste-se certa diminuição da população de Olinda frente a de Recife (Quadro- 02). A
amostra coletada por Ângelo Carrara sugere essa inversão de importância, manifestada em
termos demográficos. Em 1693, o Recife já contava com 2 mil fogos, enquanto que Olinda
teria, mesmo contando em conjunto com as freguesias de Maranguape e São Pedro Mártir
(ambas eram distritos no documento sobre donativo descrito acima), 980 fogos em 1701.
93 MORENO, Diogo Campos Moreno. Relação das praças Fortes do Brasil (1609) Apud CARRARA, Ângelo.
op. cit. 94 CARRARA, Angelo. A população do Brasil, 1579-1700: uma revisão historiográfica. Revista Tempo. v. 20,
Rio de Janeiro, 2014, p. 8. 95 Ibid, p. 12. 96 Ibid, p. 12.
44
Contando-se somente a vila, 660 fogos para o mesmo ano. Um número muito próximo da
contagem feita por meio dos pagamentos de 596 fogos. Mesmo assim, percebe-se um leve
aumento que se aproxima dos 10%.
QUADRO 02 – Números de fogos de freguesias de Pernambuco (1693-1701).
Freguesia 1693 (fogos) 1701 (fogos)
Olinda - 660
Maranguape 70 100
São Pedro Mártir - 200
Recife 2000 2450
Fonte: Elaborado com base em CARRARA, Ângelo. A população do Brasil, 1579-1700: uma revisão
historiográfica. Tempo. v. 20, Rio de Janeiro, 2014. p. 18.
Assim, mesmo que as intepretações aqui colocadas não sejam conclusivas, buscou-se
trazer um quadro mínimo que pudesse caracterizar a vila de Olinda, seu termo e áreas as quais
estavam sobre sua jurisdição administrativa. Na próxima parte, busca-se compreender como
as elites da vila de Olinda interviam em seu espaço, principalmente, por intermédio da
câmara.
Uma das principais preocupações de um grupo que dominava o acesso aos cargos da
governança nas esferas locais, no período colonial da América portuguesa, era o controle sobre
o seu patrimônio municipal, englobando a defesa contra perdas e ações pelo aumento e
incremento deste. Paralela à defesa deste bem público, havia uma série de interesses pessoais
por parte dos homens integrantes de uma câmara e que acabava por se misturar ao
direcionamento das decisões institucionais. A determinação de impostos, vistorias, concessões
de terra, etc. eram atividades comuns e que poderiam beneficiar, mesmo que indiretamente,
indivíduos que estivessem com o controle dessas competências referentes à câmara.
Com a criação da vila do Recife (1710) e a consequente criação de seu termo, houve a
necessidade por parte da nova câmara em iniciar a construção de seu patrimônio, por meio da
conquista do controle sobre rendas provenientes de impostos, que ainda por volta da década de
1720, pertenciam à câmara de Olinda. George Souza, em sua tese de doutorado, dedicou-se a
analisar a estruturação desse patrimônio recifense, tendo em vista as perdas ocasionadas por
parte da antiga vila duartina. Segundo este autor, “la creación de la nueva villa de Recife
provocó una serie de cuestiones sobre el patrimônio”: primeiro a
separación de tres parroquias rurales del alfoz de Olinda y su incorporación al
45
de Recife. Las parroquias eran las de Muribeca, Ipojuca y Cabo. Según las
normas del Antiguo Régimen, sacar territorios y jurisdicción de una villa o
ciudad era considerado una violación de privilegios garantizados por la
corona. Este tipo de acontecimiento solía provocar importantes disputas
judiciales. Los oficiales de la cámara que perdía territorio en el proceso de
creación de una nueva unidad administrativa protestaban incluso por
cuestiones prácticas de repercusión más inmediata. Estas eran: la reducción de
importancia del concelho; el incremento de las tasas pagadas por
encabezamiento, pues cada vecino tenía que soportar un valor más alto a
pagar; la misma situación se daba cuando se producía la convocatoria de
fintas97.
Ressalta-se o controle sobre os chãos de terra localizados na área habitada da vila de
Olinda. Das concessões de que se dispõe para esta análise, poucas apresentam explicitamente
uma ação por parte da câmara de Olinda, o que poderia nos proporcionar bases mais sólidas
para os argumentos colocados nesta parte da dissertação. A amostra de 22 concessões de terra
foi retirada de doações feitas ao Mosteiro de São Bento, no território da vila, e registradas em
seu livro de tombo. O número total de propriedades arroladas, contudo, é maior, devido ao
número de confrontantes citados. Ressalta-se que os Beneditinos era uma de muitas ordens
religiosas instaladas na capitania de Pernambuco, desde o século XVI. Por consequência disto
e da própria localização espacial do convento, as terras em questão abarcam apenas as áreas
próximas à região do Varadouro, às margens do rio Beberibe, até o início da ladeira de
Misericórdia, a parte sul da vila de Olinda98.
Algo que também deve ser destacado é o caráter estratégico que pode ser percebido na
natureza das terras registradas no livro de tombo e que pode revelar algumas zonas de potencial
econômico dentro da própria vila, como pequenas pedreiras, pontos de pescaria e olarias, além
de atividades urbanas como uma alfaiataria. Outras referências espaciais dessa região da vila
citadas nas concessões são: a rua da Alfândega, a rua da Serralheria, a rua de São Sebastião, a
rua da Biquinha, a rua do Cocho (ou de João Afonso), a rua do Bonfim, uma olaria, os “Quatro
Cantos” e a Fonte de Tabatinga, além de marcos religiosos, como a rua do próprio convento
entre outras ordens99.
A ação reguladora por parte da Câmara de Olinda ocorria por meio de vistorias e do
arruamento das casas que seriam construídas, além da própria preocupação com a segurança
dos habitantes. Já por volta de 1664, entre as exigências impostas à concessão de terras, havia
97 SOUZA, George Félix Cabral de. Elite y ejercício de poder en el Brasil Colonial: La Cámara Municpal de
Recife (1710-1722). Salamanca: Tesis Doctoral. Programa de Doctorado Fundamentos de la Investigación
Histórica de la Universidad de Salamanca, 2007, p. 273. Cf. capítulo “La cámara municipal de Recife: aspectos
generales de su fundación, composicón e funcionamento”. 98 LIVRO de tombo do mosteiro de São Bento da Cidade de Olinda. Separata do Instituto Arqueológico Histórico
e Geográfico Pernambucano. Nº XLI, 1946/1947. Recife: Imprenssa oficial, 1948. 99 Idem.
46
a necessidade de reservar espaço para os exercícios dos soldados. Ressalta-se que o
contingente militar da capitania ainda era numeroso, resultado das ameaças externas e do
anterior período prolongado de guerra contra os holandeses100. O pagamento anual de foro e a
obrigatoriedade da construção de benfeitorias também apareceram como exigências feitas
pela câmara de Olinda. É possível perceber como os oficiais camarários atuavam na vila de
Olinda, apesar do número reduzido de registros nos quais é possível perceber ações da
câmara.
A pedreira localizada na vila de Olinda e confirmada, em 1602, pela câmara de Olinda
passou por uma vistoria 23 anos depois, em 1625. A preocupação dos oficiais da câmara era da
existência de problemas ocasionados da extração de rochas feitas no local. Como resultado, o
dormitório pertencente aos jesuítas estava sofrendo prejuízos em sua estrutura. Argumentava-
se que toda a estrutura poderia ruir em consequência das atividades da pedreira. Os responsáveis
pelo primeiro contato com a área problemática nessa vistoria foram o juiz ordinário da câmara
de Olinda, Baltazar de Oliveira, e o tabelião, Francisco de Amaral, os quais foram recebidos
pelo reitor do colégio jesuíta, o padre Manuel do Couto, e o padre João Gonçalves.
Posteriormente, juntaram-se para a vistoria o procurador da câmara Leandro de Oliveira e os
licenciados Tristão Soares Freire e Domingos da Silveira, além dos pedreiros Domingos
Lourenço, Manuel da Costa e Francisco Ribeiro101.
Diziam os padres que era necessário tomar alguma decisão que mitigasse os danos
havidos, tendo em vista o tanto “que tinha custado a este povo [a construção do colégio], e que
tão nobre edifício era honra desta terra e o antigo mosteiro dela”, para o “que tinham pedido
algumas pessoas nobres e do Governo da terra se achassem presentes para verem as ditas
ruínas”. Por esse discurso dos religiosos e pelas características dos envolvidos na vistoria,
percebe-se toda a capacidade e envolvimento na intervenção nos espaços públicos por parte das
pessoas consideradas nobres, mesmo quando não estavam servindo nos quadros oficiais da
administração régia. A solução encontrada foi a interdição da pedreira, além da necessidade
de entulhar os espaços onde a terra tinha erodido102.
Recentemente, muitos estudos tem voltado sua atenção para as ações cotidianas de
ordenamento do espaço público. Em relação aos períodos de festas públicas, por exemplo,
Diogo Borges Borsoi aponta, para o caso de Mariana, em Minas gerais, a necessidade que
havia de organizar as ruas, retirando empecilhos, pedras, além da limpeza e ornamento do 100 SILVA, Kalina Vanderlei. Francisco de Brito Freire e a reforma militar de Pernambuco no século XVII. In:
POSSAMAI, Paulo. Conquistar e defender: Portugal, Países Baixos e Brasil: Estudos de história militar na idade
moderna. São Leopoldo, Oikos, 2012. 101 LIVRO de tombo do mosteiro de São Bento da Cidade de Olinda, p. 68-71. 102 Idem.
47
“ambiente urbano da festa”103. Um dos funcionários responsáveis pela observação destas e
outras atividades era o almotacé. Nas Ordenações Filipinas, os almotacés são colocados como
os responsáveis pela normatização das construções de edifícios, além de poder embargar
qualquer obra. Segundo Thiago Enes, o papel do almotacé era
assegurar o abastecimento e regular as atividades comerciais de vilas e
cidades, através da inspeção de feiras, vendas e lojas, cobranças dos devidos
impostos, aferição de pesos e medidas e inspeção das condições das
mercadorias levadas a público. Também eram os responsáveis pela limpeza e
ordenamento urbano, além de fiscalizarem as condições das construções e sua
melhor disposição em meio à urbe, submetendo os infratores das disposições
municipais a multas e, em alguns casos, encaminhando-os às casas de Cadeia
e Câmara para que pudessem prestar contas de seu descumprimento. Nota-se,
portanto, que suas funções eram basicamente fiscais, de larga abrangência,
atuando nas três esferas de competência supramencionadas104.
Em 1627, o almotacé de Olinda, Cosme de Castro Passos, foi convocado pelo abade de
São Bento, em nome do mosteiro, a fazer o arruamento de umas casas que seriam erguidas na
rua que seguia até a rua da Serralharia. Os padres requereram ao almotacé que “endireitasse e
arruasse as ditas casas”, além da licença para “abrir alicerces, meter esteios” e, assim realizar a
sua obra. Foram feitas medições com corda e estabelecidas balizas de madeira e, a partir
destas, deveriam ser construídos os alicerces das casas. Na descrição, há a preocupação por
parte do almotacé em seguir o padrão já executado nas outras casas, como “sobradadas de
Francisco Correa” e as térreas de “Francisco Rodrigues alfaiate”105.
Os tipos e qualidades das terras, chãos e aforamentos e casas podem ser percebidos nos
registros de terra do mosteiro de São Bento. As terras que possuem algum tipo de benfeitoria
são adquiridas por meio de compra por parte dos religiosos. Há doações voluntárias em vida ou
feitas por meio de testamento, de chãos de terra, aforamentos e sesmarias, desde casas de
sobrado, até casas pequenas úteis para ampliação de algum edifício da ordem. Algumas
compras foram feitas com dinheiro, mas em algumas situações, caixas de açúcar e escravos
foram utilizados como moeda. Além disso, serviços religiosos eram constantemente requeridos
103 BORSOI, Diogo Borges. O mundo urbano colonial: norma e conflito em Mariana /MG (1740 a 1808). Natal.
Revista Espacialidades. 2011, v. 4, n. 3. p. 7. 104 ENES, Thiago. De como administrar cidades e governar impérios: almotaçaria portuguesa, os mineiros e o
poder (1745-1808). Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: UFF, 2010, p.19. Para entender mais sobre o trabalho
dos almotacés, além deste trabalho, pode-se citar: BARBOSA, Kleyson Bruno Chaves. Perfis camarários de uma
localidade periférica: Os Homens Bons na câmara da cidade do Natal (1720-1759). Anais do III Encontros
coloniais. Natal. 14 a 17 de junho de 2016; FERREIRA, Paulo da Costa. Do ofício de almotacé na cidade de Lisboa
(século XVIII). Lisboa. Cadernos do Arquivo Municipal. 2ª série, n. 1, 2014. REZENDE, Cláudia de Andrade
de. Os almotacés e o exercício da almoçataria na vila de São Paulo. Niterói. Revista Cantareira, ed. 25, jul-dez,
2016. 105 LIVRO de tombo do mosteiro de São Bento da Cidade de Olinda,128-129.
48
por aqueles que dedicavam parte, ou a totalidade, de seu patrimônio fundiário à Ordem de São
Bento, desde missas até lições de canto e órgão. Fernão Vas Freire, por exemplo, vendeu os
chãos de terra que lhe pertenciam, nos quais havia casas de sobrado, localizados na rua de São
Sebastião por 700 mil réis, divididos desta maneira: 300 mil em dinheiro, 300 mil em açúcar e
100 mil pelo escravo da Guiné Diogo, pescador, e sua mulher Luzia106. Este foi o maior valor
pago de que se tem registro para a venda de chãos de terra na vila de Olinda.
QUADRO 03 – Terras vendidas aos beneditinos
Localização Tipo Tamanho Valor
(réis)
Junto ao varadouro Chão NA 250 mil
Varadouro Chão 11braças (br)-1palmo (p)
8 mil
Rua de S. Sebastião Chão NA 700 mil
NA Chão NA 50 mil
Rua de Manuel
Mendes
Chão 7,5br em quadra NA
Rua do Cocho Chão 10br-2,5p 15 mil
NA Chão NA 30 mil
Rua Direita Chão NA 50 mil
Rua Direita Chão NA 50 mil
Sitio do Beberibe Chão NA 170 mil
Fonte: LIVRO de tombo do mosteiro de São Bento da Cidade de Olinda, p. 27-162.
A nomenclatura utilizada no QUADRO 03, assim como em toda esta parte, é a que
pode ser encontrada nos registros do livro de tombo do mosteiro de São Bento, além das
diferenciações que talvez não façam tanto sentido, como a entre aforamento e chãos de terra.
Em razão da capitania de Pernambuco ter sido donatária e seus respectivos capitães
serem ativos na concessão de terras, há, por vezes, um entrelaçamento de jurisdições e
competências. O que se percebe da documentação analisada é que os capitães donatários e
seus representantes, costumeiramente, faziam concessões de chãos de terra com isenção de
foro, ou de qualquer outra obrigação fiscal. Logo, as designadas “terras” registradas referem-se
às benfeitorias realizadas no terreno doado em nome do donatário ou pela câmara de Olinda.
Este também pode ter sido um fator que proporcionou a dificuldade de os senhores de engenho
106 LIVRO de tombo do mosteiro de São Bento da Cidade de Olinda,128-129.
49
em reocupar a vila. Afinal, as casas foram sucessivamente sendo vendidas (a preços altos) e
repassadas a instituições religiosas, quando a doação “primária” foi feita a indivíduos cujas
famílias talvez nem estivessem instaladas na capitania após o domínio holandês. Recuperar
toda a história de doações e vendas constituía um desafio para as autoridades locais.
Provavelmente, prevaleceu o impasse em relação ao direito de posse dos terrenos em questão.
Conforme afirmado, a câmara de Olinda pouco aparece nos registros de doações e
vendas de terras do mosteiro. O fato de a maioria ter sido doada pelos donatários e seus
representantes explica em parte esta situação, o que não implica que a câmara não tinha gerência
sobre estas concessões, sobretudo, a partir da segunda metade do século XVII, na forma de
foro. No período da donataria, se a amostra de que se dispõe é minimamente representativa do
todo, havia o costume de conceder chãos de terra com isenção de foro, o que, provavelmente
não se estendia aos aforamentos, dos quais os oficiais da câmara possuíam maior controle.
Somente há duas menções à cobrança anual de foro, de valores completamente distintos107.
Manuel Fernandes, armeiro, aforava chãos de terra na rua da Alfândega, em 1628, que
mediam 8 braças de largura por doze braças e 9 palmos. Para usufruto dessas terras, Manuel
Fernandes tinha que arcar com o foro de 6 mil réis anuais. Além disso, a permanência da
posse estava condicionada à realização de benfeitorias equivalentes a 100 mil réis em até um
ano. Julgando-se pelos valores mais comuns das terras arroladas no QUADRO 03, pode-se
afirmar que era um valor relativamente alto. Aqui, há uma possível contradição com a
afirmação colocada anteriormente de que as pessoas mais abastadas da vila de Olinda não
teriam condições financeiras de se manterem na vila, tendo em vista os altos custos
demonstrados, ao mesmo tempo em que as pessoas mais pobres são a maioria na vila de
Olinda. O que diferencia os tipos de habitação é a qualidade das casas que poderiam atender
às necessidades de senhor de engenho, em contraposição a um pedreiro, ou pescador, na
medida que para aqueles havia toda uma série exigências sociais a serem atendidas de acordo
com o seu status social considerado elevado.
Já para Manuel da Silva Pinto, por uma extensa área de pescaria, foi instituído apenas
o valor de um tostão de foro anual, confirmado pela câmara e pelos governadores Francisco
de Brito Freire (1661-1664) e Jerônimo Mendonça Furtado (1664-1666). Um valor muito
inferior ao estipulado a Manuel Fernandes. Manuel Pinto gozava de uma posição privilegiada
na vila. Foi camarário em 1665 e procurador da viúva do importante João Fernandes Vieira,
dona Maria César, em 1684, o que demonstra não somente as relações que possuía, mas os
107 LIVRO de tombo do mosteiro de São Bento da Cidade de Olinda, p. 27-162.
50
privilégios que se poderia obter com o exercício dos cargos da câmara, possibilitando contornar
os prováveis altos custos para manutenção de uma propriedade como esta. Tendo em vista os
valores arrecadados das avenças de pescaria, pode-se afirmar que Manuel Pinto tinha certo lucro
com a posse de tais terras. Talvez, essa seja a razão de tanto zelo em pedir repetidas vezes
confirmação delas para várias autoridades108.
Por volta da década de 1670, surgiu uma preocupação com a recuperação do patrimônio
da câmara de Olinda, aquele destinado à municipalidade por Duarte Coelho. Na consulta feita
ao Conselho Ultramarino, de 1677, os oficiais da câmara de Olinda daquele ano solicitaram
confirmação do foral e doação que o donatário fez 140 anos anteriormente. Afirmavam os
oficiais que a perda do patrimônio do senado devia-se ao “dilatado tempo das guerras passadas
e com alguma omissão ou inadvertência dos oficiais que serviram neste senado se destituiu
este conselho de muita parte de seus bens”109. Os problemas provenientes do processo de
tombamento das terras indicado nesse período ainda persistiam no início do século XVIII110.
Soma-se a isso as tensões entre Recife e Olinda, desde a guerra dos mascates e que ainda
estavam presentes no período posterior, pois com a criação da nova vila naquela região, Olinda
perdeu parte de seu termo. Os problemas jurisdicionais decorrentes da separação administrativa
entre Recife e Olinda produziram certa anomalia em termos práticos. Mesmo possuindo
autoridade administrativa sobre o seu termo recém-criado, a câmara de Olinda ainda era a
proprietária de fato. Algo que, no século XVIII, a câmara do Recife buscou reverter111.
A câmara conseguiu a confirmação da doação feita por Duarte Coelho, em 1678. Uma
observação, porém, deve ser feita. A municipalidade somente garantiria as terras que estavam
sob seu poder na data em que foi confirmada112. Alguns casos podem trazer indícios de como
se processou essa apropriação das terras pertencentes à câmara, o que os oficiais, em 1677,
teriam chamado de “omissão” e “inadvertência”. Manuel da Silva Pinto era possuidor de terras
na região do varadouro, prolongando-se pela região da praia até a “guarita de João de
Albuquerque”, área, segundo a Carta Foral, de uso comum da população (Ver MAPA 01). De
todas as suas confrontações, três eram de outros “ocupantes”, Manuel da Rocha Vilaça, Paulo
Coelho Lucas, Francisco Rodrigues, dos quais não se dispõe de nenhuma informação, e os
108 LIVRO de tombo do mosteiro de São Bento da Cidade de Olinda. 109 AHU-PE, PA, Cx. 11. D. 1090. 110 SOUZA, George Félix Cabral de. Elite y ejercício de poder en el Brasil Colonial: La Cámara Municpal de
Recife (1710-1722). Salamanca: Tesis Doctoral. Programa de Doctorado Fundamentos de la Investigación
Histórica de la Universidad de Salamanca, 2007. 111 Idem. 112 LISBOA, Breno Almeida Vaz. Uma elite em crise: a açucarocracia de Pernambuco e a Câmara municipal de
Olinda nas primeiras décadas do século XVIII. Dissertação de Metrado (UFPE). Defendida em 2011.
51
Carmelitas113.
Manuel da Silva Pinto solicitou, por meio do Conselho Ultramarino, a confirmação de
suas terras em 1663, durante governo de Francisco de Brito Freire. Sua ocupação, segundo suas
justificativas, era anterior e remontava ao período anterior ao fim da guerra contra os
holandeses. Manuel Pinto afirmou que vivia de pescarias e que teria feito benfeitorias na
região por pelo menos oito anos. Francisco Barreto de Meneses, governador de Pernambuco a
partir de 1654, teria ratificado a sua posse, mesmo com ordens régias para que as terras da
capitania de Pernambuco fossem agregadas ao patrimônio régio. Se as aproximações feitas
nesse trabalho estiverem corretas, o MAPA 03, apresenta uma ideia da localização das terras
de Manuel da Silva Pinto e seus confinantes, representados pelas áreas preenchidas em linhas
vermelhas.
MAPA 03 – Doações de terras no termo de Olinda.
Fonte: CIVITAS OLINDA. IN ATLAS DE BARLÉUS – KASPAR VAN BAERLE – p. 70. Livro.
RERVMOCVTENIVM IN BRASILIA ET ALIBI NUPER GESTAVUM... Amstelodami, ex. Typographico – Joannis Blaev,
1647. Elaborado por Aledson M. S. Dantas no programa de SIG (Sistema de Informações Geográficas) Mapinfo 12. AHU-
PE, PA, cx. 8, doc. 796. Obs.: a linha tracejada em cinza seria uma linha de defesa fortificada.
113 AHU-PE, PA, Cx. 8, Doc. 796. O conteúdo dessa sesmaria pode ser acessado on-line no site da Plataforma
Sesmarias do Império Luso-Brasileiro, projeto coordenado pela profa. Dra. Carmen M. Oliveira Alveal, que
também é coordenadora do Laboratório de Experimentação em História Social (LEHS). O número de entrada da
sesmaria em questão é PE 0397.
52
Um fato que demonstra não somente a relação que a câmara de Olinda possuía com o
seu patrimônio, mas também do próprio uso da instituição em seu favor, é de que as terras
teriam sido doadas pela própria câmara de Olinda. Além disso, o próprio Manuel da Silva
Pinto foi camarário em 1665, dois anos após a consulta do Conselho Ultramarino, e em 1677,
ano da consulta em que foi pedida a confirmação da Carta Foral. Logo, mesmo que o
resultado desta tenha sido uma perda para o patrimônio institucional da municipalidade, a
doação em questão coadunava-se com os interesses particulares dos próprios camarários. Não
foi, então, necessariamente algo que tenha causado um “prejuízo”.
Aparentemente, a administração do termo da vila de Olinda, assim como das terras que
poderiam ser doadas, os chamados “chãos de terra”, tendia a favorecer os próprios camarários
e seus companheiros mais próximos. Um outro exemplo, não tão “ilegal”, pois não estaria
situado em áreas de uso comum, como os de Manuel da Silva Pinto, é o de Antônio da Silva,
juiz ordinário da câmara de Olinda em 1658114. Antônio era capitão de cavalos e morador no
Recife, no qual possuía quatro casas, as quais haviam pertencido ao seu pai, e pedia que, “pelos
serviços que fez no tempo da guerra dos holandeses”, fossem confirmadas novamente as terras
que os oficiais da câmara lhe haviam passado, em 1654, e sob as mesmas condições, de 400
réis de foro anual115.
Apesar de os interesses entre instituição e indivíduos se misturarem, a câmara de
Olinda necessitava das rendas provenientes desses aforamentos de terra em seu termo. É o que
se pode inferir de uma consulta feita em 1703 ao Conselho Ultramarino. Nela, os oficiais
afirmaram que não havia “clareza” no foral quanto ao seu patrimônio, provavelmente em
razão da diferença de tempo, mas também pela doação em si. O problema que apontavam era
a falta de “rendas” com as quais poderiam suprir as “despesas” e que eram necessárias para os
consertos das “fontes” e “calçadas” e outras obras em Olinda. Segundo afirmavam, seria
necessário tão somente achar os limites do foral e tombar as terras realengas116. Isso demonstra
que a administração do patrimônio concedido por Duarte Coelho não foi efetivada pela
câmara, conflitando, por vezes, com interesses dos próprios indivíduos que geriam a
municipalidade, dos quais buscar-se-á fazer uma análise do seu perfil social, na próxima parte.
114 COSTA, F. A. Pereira da. Anais Pernambucanos. Recife: FUNDARPE. Diretoria de Assuntos Culturais, 1983,
v. 1, p. 587. Daqui para a Frente, em função da quantidade de repetições, somente mencionaremos volume e
páginas. Dessa forma: COSTA, F. A. Pereira da. v. 1, p. 587. 115 AHU-PE, PA, cx. 8, doc. 727. 116 AHU-PE, PA, cx. 20, doc. 1919.
53
1.2. Gente da terra
Ante a urgência de tentar analisar de maneira mais detida cada indivíduo, a solução
encontrada foi a busca em documentos esparsos e, como um quebra-cabeça, montando ano por
ano por meio da coleta em fontes dispersas. O grosso documental utilizado para essa parte é
formado, principalmente, por dois grupos de fontes: uma compilação nominal elaborada pela
historiadora pernambucana Vera Lúcia Costa Acioli, em um dos apêndices do livro Jurisdição
e Conflito, e documentos anexos em consultas do Conselho Ultramarino, da Coleção Resgate.
Informações foram cotejadas para preencher algumas lacunas nos Anais Pernambucanos de
Pereira da Costa., ou mesmo corrigir algumas intepretações equivocadas de assinaturas,
Foi possível cobrir uma quantidade razoável de anos e ainda estabelecer algumas
pequenas séries de 3 em 3 anos. Algumas lacunas temporais permaneceram entre 1654 e 1711.
Entretanto, nenhuma década ficou sem pelo menos o registro de uma inteira composição da
câmara de Olinda. O último ano do qual se dispõe de dados é do de 1702, sendo que não há o
registro das funções exercidas por cada indivíduo em todos os anos e, por vezes, o quadro não
está completamente fechado. Os anos dos quais não se possui nenhuma informação são: 1656,
1659, 1668, 1669, 1674, 1678-1680, 1682-1684, 1689, 1691, 1692, 1695, 1698, 1699, 1701,
1703-1711. Um total de 31 anos, uma quantidade um pouco maior que a metade dos anos
estudados. Destes, percebeu-se um padrão de quatro a seis oficiais por ano, sendo três
vereadores, dois juízes ordinários e um procurador. Outro elemento importante é a figura do
escrivão da câmara. O caminho que alguém passava para assumir tal cargo, entretanto, era
distinto dos camarários, já que passava por uma concessão direta de ofício, em serventia,
temporariamente, ou em propriedade, de maneira perpétua, e não por eleições periódicas. De
todo os anos dos quais se dispõe informações foram coletados um total de 94 nomes e mais 12
nomes, os quais não há uma data certa de sua atuação na câmara, relativos a 27 anos não
consecutivos.
Uma outra dificuldade é de entender qual era a dinâmica de rotação dos nomes, embora
o processo de eleição para as câmaras no Ultramar seja bastante conhecido. Comparando fontes,
percebeu-se a diferença de nomes e uma “inconsistência” na quantidade total de indivíduos que
estavam ocupando o senado em determinados anos. É o caso do ano de 1666. Pereira da Costa
apresenta como integrantes da Câmara de Olinda: Gaspar de Sousa Uchoa, João Gomes de
Melo, Pedro de Miranda, Cristóvão Pais de Mendonça, Domingos Gomes de Brito e João de
Sousa de Lira. Já em duas consultas constantes no Arquivo Histórico Ultramarino117, há os
117 AHU-PE, PA, Cx. 9, Doc. 811-813.
54
seguintes nomes: André de Barros Rego, João Ribeiro, Francisco Cavalcante de Vasconcelos e
Domingos Dias Soeiro.
Os primeiros grupos de indivíduos que ocuparam os cargos da câmara, logo após 1654,
foram, em sua maioria, participantes da guerra contra os holandeses. De maneira mais
específica, muitos foram signatários de documentos relacionados ao início da insurreição contra
o domínio dos Países Baixos, em 1645. Essa geração de camarários mostrou-se longeva em sua
permanência no senado de Olinda. Até a década de 1670, é possível verificar nomes que
acumulavam serviços desde o período holandês. Em alguns casos, aproximando-se do século
XVIII, faziam-se presentes algumas famílias na figura de filhos e netos. Seria possível
afirmar, também, e como era comum no contexto estudado, que a hegemonia que se construiu
por parte desse grupo teria, também, criado toda uma teia de relações.
Esta era uma situação esperada nesse tipo de sociedade, na qual as trocas simbólicas e
os laços sociais possuíam grande valor. Paralelamente, a Coroa portuguesa, em seu imperativo
de remunerar os serviços prestados por seus vassalos, teria contribuído para essa hegemonia,
concedendo o domínio da estrutura burocrática e administrativa da capitania, honrarias e
títulos de distinção social como “espolio” da guerra contra os holandeses. Uma situação que
teria gerado uma ideia de exclusividade de acesso aos cargos e mercês por parte daqueles que
participaram da guerra contra os holandeses118.
Uma das principais linhas de ação da Coroa portuguesa no período postbellum foi pôr
em prática uma política de remuneração dos serviços prestados na guerra contra os holandeses,
ainda que já houvesse pessoas solicitando e recebendo mercês e honrarias por seus esforços e
sacrifícios por este conflito. Na análise do historiador Thiago Krause, no livro Em busca da
honra, fruto de sua dissertação de mestrado na UFF, constata-se, empiricamente, que a
“açucarocracia” foi a grande beneficiada proporcionalmente pelas benesses reais. Segundo
afirma, a intenção da Coroa, nessa segunda metade do século XVII era satisfazer os vassalos
promovendo uma distribuição de mercês que fosse equitativa e que preservasse os valores
culturais e sociais das honrarias119.
Para além da concessão de patentes e hábitos de ordem militares, como o de cavaleiro
da Ordem de Cristo, título bastante cobiçado, a “açucarocracia” esforçou-se em estabelecer
um controle sobre a capitania de Pernambuco, inclusive no acesso aos cargos de governador
118 MELLO, Evaldo Cabral de. A Fronda dos Mazombos: sobres contra mascates, Pernambuco, 1666-1715.
São Paulo: Companhia das Letras, 1995. 119 KRAUSE, Thiago N.. Em busca da honra: a remuneração dos serviços da guerra holandesa e os hábitos das
ordens militares (Bahia e Pernambuco, 1641-1683). São Paulo: Annablume, 2012, p. 252.
55
que, conforme desejavam, deveriam ser reservados para aqueles que teriam participado da
guerra120. Um dos sujeitos mais desejosos desse controle foi João Fernandes Vieira, tanto pelo
tamanho do seu patrimônio quanto pela importância política que amealhou com a
“Restauração”121. Uma hegemonia consciente e que buscou se estabelecer, dentro e fora dos
mecanismos institucionais da monarquia.
Antônio Vieira122, por exemplo, foi camarário na década de 1650. Dos dados que se
dispõe, sabe-se que ocupou esse tipo de cargo em 1655, em conjunto com Francisco Gomes
de Abreu, Manuel de Sepúlveda e João Batista Acioli123. Vieira era natural de Catanhede,
Portugal, e serviu na guerra contra os holandeses, requerendo como remuneração pelos seus
serviços o hábito da ordem da Avis124. Anos depois, seu filho, o capitão Nuno Camelo, pedia a
confirmação das tenças efetivas concedidas pelos serviços de seu pai. O ano era o de 1703 e
Nuno Camelo já havia ocupado, também, os cargos da câmara de Olinda pelo menos em 1670
e 1676. Década esta, a de 70, de que se dispõe da série mais completa analisada neste
trabalho. Camelo fez parte da geração de oficiais que teria se dedicado à promoção de Olinda
em cidade, por ocasião da instalação do bispado, em 1676, o que redundou em um esforço
direcionado para a realização de obras e reformas, com foco nas estruturas religiosas. Já a
década da qual menos se possui informação é a de 1700.
De 1650 até 1700 processa-se, para algumas famílias, essa hegemonia no controle dos
cargos camarários da vila, e depois cidade, de Olinda. Acima, destacou-se certa “longevidade”,
o que pode ser interpretada em determinados casos de maneira literal. Cristóvão de Holanda
Cavalcanti aparece como vereador da câmara de Olinda, em 1686, e juiz ordinário, em 1696.
Era senhor de engenho e teria possuído o Engenho da Torre ao fim do domínio holandês, em
1654. Conforme Pereira da Costa, a sua morte teria ocorrido somente em 1715125. Ainda
segundo Costa, Holanda possuía patente de sargento-mor e participou de uma conjuração
contra a autoridade do governador Félix José Machado, em 1712, apenas um ano após os
conflitos da Guerra dos Mascates126.
120 MELLO, Evaldo Cabral de. Rubro Veio: o imaginário da restauração pernambucana. 3ed (revista). São
Paulo: Alameda, 2008. 121 MELLO, Evaldo Cabral de. Olinda Restaurada: Guerra e açúcar no Nordeste, 1630-1654. São Paulo: Editora
342007 (1975). MELLO, José Antônio Gonsalves de. João Fernandes Vieira: Mestre de campo do terço de
infantaria de Pernambuco. Lisboa: Comissão Nacional para as comemorações dos Descobrimentos portugueses,
2000. 122 Provavelmente, da tradicional família Vieira de Melo. 123 Havia mais um nome. Entretanto, a assinatura não foi totalmente reconhecida. Sabe-se apenas que era alguém
de sobrenome Abreu. 124 AHU-PE, PA, Cx. 7, D. 602. 125 COSTA, F. A. Pereira da. v. 2. 610-611. 126 COSTA, F. A. Pereira da. v. 5, p. 237.
56
Um aspecto importante a ser destacado é a sequência de donos do Engenho da Torre,
localizado às margens do rio Capibaribe. Seu primeiro dono foi Marcos André, considerado
patriarca das famílias Borges Uchoa e Barbalho Uchoa. O segundo dono de que se tem registro
foi Antônio Borges Uchoa, camarário em 1671127 e assinante do termo de compromisso com a
insurreição contra os holandeses, em 1645128. O engenho em questão permaneceu nas mãos da
família até ser passado a Cristóvão de Holanda Cavalcanti, por volta da década de 1650,
conforme citado acima. Os Uchoa, contudo, não permaneceram sem a posse de uma fábrica
de açúcar. O Engenho Santo pertenceu a Antônio Borges Uchoa e a seu irmão Álvaro
Barbalho Uchoa entre 1657 e 1705. Engenho este adquirido por meio de uma compra feita à
viúva Ana de Lira Pessoa129.
O caminho para se traçar uma genealogia possui muitas armadilhas. Algo bem
recorrente é a existência de homônimos. Diante dessas dificuldades, optou-se por considerar a
repetição de nomes como a possível presença de um descendente linear da família, quando
não houver informação sobre datas de nascimento e óbito minimamente seguras. Algo que se
pode conjecturar, na falta de fontes que possam demonstrar o nascimento e morte dos
indivíduos analisados, é que boa parte da geração que atuou na guerra contra os holandeses
desde 1645 era relativamente jovem, já que muitos exerceram postos militares, atuaram na
câmara ou algum outro ofício administrativo até 1670, 1680, alguns até mais tarde.
Um outro caso que expressa essa “longevidade” é o de João Soares de Albuquerque,
senhor de engenho na região de Muribeca e que teria alcançado a patente de Mestre de Campo.
João Soares teria servido na guerra contra os holandeses, atuando no terço de Antônio Dias
Cardoso até, pelo menos, 1668. Atuou, também, nos postos de sargento de ordenança da
região do Recife, Santo Amaro e Várzea. Seus serviços, contudo, estenderam-se de 1646 até
1675130, falecendo em 1681131. Um nome que se pode fazer uma ligação, mesmo que possa
ser considerada relativamente fraca, é Antônio Borges Uchoa, que foi ajudante do terço de
João Soares de Albuquerque, em Recife, no ano de 1677132.
Há casos em que a ligação entre indivíduos pode ser percebida de maneira mais clara e
direta. Antônio Alvares Bezerra foi camarário em 1700 e herdeiro das terras do “mosteiro das
127 ACIOLI, Jurisdição e Conflito, p. 164, 176; AHU-PE, Pa, Cx. 10, Doc. 915. 128 COSTA, F. A. Pereira da. v. 3, p. 203-204. 129 COSTA, F. A. Pereira da. v. 2, p. 130, COSTA, F. A. Pereira da. v. 3, p. 203-204, COSTA, F. A. Pereira da.
v. 4, p. 118. 130 COSTA, F. A. Pereira da. v. 3, p. 203. COSTA, F. A. Pereira da. v. 2, p. 604, AHU-PE, PA, Cx. 9, D. 849. 131 AHU-PE, PA, Cx. 12. D. 1192 132 COSTA, F. A. Pereira da. v. 4, p. 118.
57
cinco pontas”133. A propriedade que seria herdada por Antônio Alvares Bezerra foi doada aos
padres Beneditinos, lavrada no ano de 1704, da qual o próprio Antônio foi testemunha em
conjunto da sua família, além de Manuel da Silva Araújo e Antônio Costa134.
O pai de Antônio Bezerra era Francisco Alvares Camelo, falecido no momento de
doação, e sua mãe era a viúva dona Maria da Silveira. Camelo era descendente de Melchior
Alves Camelo e de dona Joana Bezerra, apresentados por Pereira da Costa como uma
importante linhagem genealógica135. Gaspar da Costa Casado foi igualmente testemunha de
uma doação anterior à citada acima, feita ao mosteiro de São Bento por Barnabé Lemos. Além
de Gaspar, foram testemunhas: o licenciado José Freire Gomes e Antônio Rodrigues da Silva;
o já citado Francisco Alvares Camelo e uma outra esposa sua, Francisca Berenguer, e o
capitão-mor Antônio Rodrigues Bezerra. Este emaranhado de nomes demonstra a possível
estreita relação que algumas famílias que ocupavam os cargos da câmara de Olinda possuíam
umas com as outras. Ao menos, permite-se afirmar a participação em rituais administrativos
nos quais se exigia certo comprometimento social, como ser testemunha em uma doação feita a
instituições religiosas136.
Até o fim da década de 1670, há quase que um predomínio de indivíduos que
participaram da guerra contra os holandeses. Mudanças mais perceptíveis nos quadros
ocorrem mais para a década de 1680. É expressiva a grande quantidade de indivíduos que
chegou até esta década, tendo assinado, sob a liderança de João Fernandes Vieira, termos de
compromisso de apoio à revolta contra os holandeses que se iniciou em 1645. Estar-se-ia diante
de indícios de falsificações de serviços, ou estes indivíduos teriam atuado tão cedo em suas
idades no conflito em questão137? As duas afirmações são prováveis, entretanto, não há fontes
que possam sustentá-las. Fica apenas a hipótese de que seriam homônimos, problema exposto
anteriormente.
Como não se tem uma série completa dos nomes que compuseram a câmara de Olinda,
é difícil argumentar peremptoriamente sobre uma hegemonização de algumas famílias. Há,
como esperado, a presença de senhores de terra e de engenhos. Pela análise do perfil esboçada
nas informações conectadas pode-se afirmar que se tem um grupo fechado de pessoas e com
trajetórias parecidas, com ligações de parentesco entre si, casamentos e hereditariedade com as
133 COSTA, F. A. Pereira da. v. 5, p. 29. 134 COSTA, F. A. Pereira da. v. 4, p. 118. 135 Idem. 136 Idem. 137Sugere-se a leitura dos “Anexos” para um melhor entendimento desta parte, nos quais se encontra a
configuração da câmara de Olinda nos anos 1654-1658, 1660-1664, 1665-1667, 1670-1673, 1675-1677, 1681,
1685, 1686, 1690, 1700.
58
famílias de primeiros povoadores.
Pode-se perceber a repetição de algumas famílias como “Abreu”, “Mesquita” e
“Barbalho Feio”. O mais importante, contudo, é que a verificação da manutenção de uma
mesma ação política relacionada à vila de Olinda com a utilização dos mesmos argumentos, o
que se pode notar desde 1654, com João Fernandes Vieira. De hipótese, lança-se a
possibilidade de este ter constituído um grupo em torno de si, que permaneceu hegemônico
durante as décadas de 1650 e 1660. Isso ganha reforço na expressão “nós”, utilizada pela
câmara de Olinda em 1661, ao se referirem a supostas cartas expedidas ao rei nos anos de
1659 e 1660, como se houvesse uma continuidade na composição da câmara entre esses anos
e 1661138.
Tendo como base a composição dos quadros da câmara, observa-se que há a
permanência de algumas famílias e, até mesmo, uma leve indicação de um revezamento entre
estas. Durante esse período, pode-se afirmar que houve uma hegemonia política desses
indivíduos com certa margem de segurança, uma vez que a câmara era um locus
institucionalizado do poder local privilegiado da chamada “nobreza da terra”. Nas listas,
constam, com frequência, nomes como: Feio, Acioli, Vasconcelos, Lira, Albuquerque,
Cavalcanti, Marinho Falcão, Melo, entre outras. Sobre Brás Barbalho Feio, a historiadora Vera
Lúcia Costa Acioli afirma que este participou da câmara de Olinda, assim como “vários de seus
descendentes”139, algo que pode ser observado em outras famílias nessa amostragem.
A historiadora Vera Lúcia Costa Acioli apresenta um conjunto de nomes de indivíduos
que foram camarários em Olinda, mas que não consta o ano no qual preencheram os cargos da
câmara. Sabe-se, ao menos, que isto teria ocorrido entre a segunda metade do século XVII e
as primeiras décadas do século XVIII. São estes: Antônio Cavalcanti de Albuquerque, que foi
vereador da câmara de Olinda, capitão-mor da região de Muribeca, em 1685, chegando a
possuir três engenhos, o Novo, em Goiana, o Apodi e o Goitá na região de Tracunhaém140.
José de Sá e Albuquerque, que foi juiz ordinário de Olinda “repetidas vezes”, atuou em postos
militares em patentes de mando e, também, possuiu engenhos. Ainda era casado com a sua
sobrinha Catarina de Melo e Albuquerque, filha de Filipe Pais Barreto141. Este, por sua vez,
chegou a atuar como escabino durante o período holandês, em 1640. Da mesma família, pode-
se citar Estevão Pais Barreto e João Pais Barreto. O primeiro foi juiz ordinário de Olinda e
senhor de engenho em Sirinhaém. Já o segundo chegou a ser vereador da câmara citada e
138 AHU-PE, PA, Cx. 7 , D. 632. 139 ACIOLI, Vera Lúcia Costa. op. cit., p. 185. 140 ACIOLI, Vera Lúcia Costa. op. cit., p. 163. 141 ACIOLI, Vera Lúcia Costa. op. cit., p. 165.
59
provedor142 da Santa Casa de Misericórdia143. Destes, entretanto, não constam as datas.
Outros nomes citados por Acioli seguem um padrão social semelhante: participaram da
câmara de Olinda, tinham uma relação com as famílias que se estabeleceram no século XVI e,
principalmente, atuaram nas guerras contra os holandeses, ou os seus pais. Além da
correspondência existente em relação ao exercício de cargos militares e postos honoríficos,
como os da Misericórdia, e especialmente a câmara, mais relevante para esta análise: Lourenço
Cavalcanti de Albuquerque, Pedro Cavalcanti de Albuquerque, Antônio Carvalho de Andrade,
Francisco Monteiro Bezerra, João Marinho Falcão e Pedro Marinho Falcão144. Estes dois
últimos nomes corroboram para perceber o quão hegemônicas algumas famílias se mantinham
em cargos da governança, visto que, já havia a presença de pessoas da família Falcão na
câmara de Olinda, desde 1661.
Este seria o perfil social da nobreza da terra. De fato, era um grupo de pessoas restrito e
que tinha suas raízes na luta contra os holandeses. É um perfil conhecido e já bastante
trabalhado, sobretudo, na obra de Evaldo Cabral de Mello. A contribuição deste capítulo está
voltada não somente para o mapeamento ao longo do século XVII das pessoas que
efetivamente participaram da câmara, mas ainda de qual era a relação destes indivíduos com o
território da própria vila. Na luta pela confirmação da concessão feita por Duarte Coelho, por
exemplo, há indícios de que, para além da necessidade de reafirmação, tendo em vista
possíveis perdas territoriais e de impostos havia a intenção de confirmar o próprio patrimônio.
Por meio do exposto neste capítulo, pode-se perceber a atuação da câmara de Olinda em
manter o seu patrimônio na mesma medida em que mantinha os privilégios de seus membros,
beneficiando-os com condições especiais. Um grupo com uma expressiva homogeneidade tanto
social, quanto de experiência, principalmente na guerra contra os holandeses. A natureza
esparsa das fontes analisadas não comprometeu o delineamento de uma pequena parte das
dinâmicas sociais e econômicas que ocorriam na vila: as intervenções da câmara no cotidiano,
assim como sua evolução ao longo do século XVII, em termos físicos e populacionais. Porém,
a despeito da posição de “cabeça” da capitania, as elites de Olinda tiveram dificuldades,
primeiro na recuperação da vila a partir de 1654 e por último na fundação da vila do Recife
em 1710, em se manterem nesta posição hegemônica. As discussões acerca da condição de
“capital” que ocorreram na segunda metade do século XVII serão objeto de estudo que se
segue.
142 ACIOLI, Vera Lúcia Costa. op. cit., p. 171,172. 143 Segundo o historiador norte-americano Charles R. Boxer, umas das instituições basilares do império português.
Cf. BOXER, Charles R.. O Império marítimo português (1415-1825). São Paulo: Companhia das Letras, 2002. 144 ACIOLI, Vera Lucia Costa, op. cit., p. 163, 165, 167, 168, 171, 172, 176, 183, 184.
60
Capítulo II – Aos ventos e conventos: hierarquias espaciais em Olinda (1654-1709).
O estudo sobre as elites coloniais e das estratégias que estas se utilizam para adquirir e
manter certo patrimônio tem sido um enfoque de análise bastante presente na historiografia
brasileira, conforme pode ser visto na discussão presente na introdução deste trabalho. Um
poderoso instrumento institucional que estas elites se utilizavam era a câmara. Por meio desta,
estes grupos buscavam garantir direitos e privilégios individuais, como hábitos de ordens
militares, e coletivos, como o título de cidadão de Porto e mais algumas regalias destinadas
aos habitantes de uma determinada região. A situação física de uma vila, arraial ou cidade
contribuía como argumento para o requerimento das prerrogativas citadas logo acima. Nas
consultas feitas ao Conselho Ultramarino, os moradores das elites locais recorriam a esse
expediente oficial para a solicitação de títulos mais honrosos para a sua localidade cujos
argumentos apontavam para a “suntuosidade” de seus templos, quantidade de conventos
religiosos, etc. A presença de tais estruturas representaria tanto a capacidade que os moradores
possuíam de empregar a sua fortuna no embelezamento de onde moram ou exercem suas
atividades políticas, uma demonstração direta de riqueza, quanto o paralelismo entre o status
social que essas elites acreditavam possuir e a qualidade equivalente ao que se esperava.
Analisa-se, neste capítulo, os esforços da câmara de Olinda em buscar reconstruir a
vila, parcialmente destruída e desorganizada em consequência do período de domínio
holandês (1630-1654). O estudo a seguir foca-se, em sua maior parte, nas consultas feitas ao
Conselho Ultramarino, principalmente nas quais há a argumentação em prol da realização de
obras de melhoramento, privilégios, direitos, entre outros tipos de assunto. A análise sobre os
pedidos por obras realizadas no território da vila, por constituírem um dos principais destinos
das rendas disponíveis da câmara, é de grande importância para esse trabalho. A partir destas,
podemos entender os a aplicação de conceitos como o de “cabeça” e centro de uma capitania.
José Antônio Gonsalves de Mello fez, na obra Antônio Fernandes de Matos (1671-
1701), um compilado cronológico das obras públicas que ficaram sobre a gerência deste
indivíduo e, por fim, o seu legado patrimonial. Matos foi considerado, por este autor, como
uma das figuras mais importantes para a emancipação do Recife, pois teria sido “de uma
generosidade invulgar entre os seus contemporâneos e fez do Recife a sua cidade, servindo-a
como poucos o tem feito até hoje”145. Dessa forma, segundo Mello, obras como as realizadas
145 MELLO, José Antônio Gonsalves de. Antônio Fernandes de Matos (1671-1701). Recife: Ed. Dos amigos da
DPHAN, 1957.
61
nas pontes do Recife, capelas, igrejas, conventos (as obras religiosas constituíam um grande
nicho a ser explorado pelos contratadores de obras) e estruturas de defesa, como fortes,
desempenharam um papel em dar contornos que até a primeira década do século XVIII o
Recife não possuía: de uma região oficialmente autônoma, dotada do título de vila, ou cidade.
Em Montebelo, os males e os mascates, Gilberto Osório de Andrade dialoga com
temas da história das doenças e da medicina. Este autor dissertou sobre as dificuldades em
resolver os problemas epidêmicos que assolavam a região portuária da capitania, nas décadas
de 1680 e 1690. Afirmava Andrade que “pelo que dependesse de Olinda, cuja animosidade
era tamanha que até funestas pragas se rogavam dali contra o Recife, a campanha planejada
por Montebelo nunca se teria posto em marcha”146. O autor refere-se ao plano elaborado pelo
Marquês de Montebelo, governador de Pernambuco (1690-1693), para mitigar o dano dos
possíveis vetores das doenças que oprimiam a população local.
A necessidade da realização de determinadas obras nem sempre estava conectada a
este tipo de resolução de um problema, como o apontado acima. Muitas tinham uma função
de trazer “embelezamento”, ou de representar um determinado status, como a existência de
uma Santa Casa de Misericórdia. Nas consultas e petições nas quais há a presença desse tipo
de assunto, ressalta-se a existência de uma retórica acerca da qualidade de centro de uma
determinada vila. Para o caso da vila de Olinda, o apelo para a condição de “cabeça da
capitania” apresenta-se de maneira recorrente durante a segunda metade do século XVII, na
medida em que a reconstrução da vila estava em pauta no período pós holandês, até pelo
menos o início do século. É este apelo que este capítulo pretende analisar.
A intenção inicial de construção deste capítulo era de mapear cronologicamente a
realização de obras na vila de Olinda e confrontar a condição “real” desta localidade com as
manifestações e petições por parte dos camarários da vila e a forma como estes apresentavam-
na ao Conselho Ultramarino e demais autoridades. Posteriormente, essa ideia transformou-se
em algo para além de uma “comparação” entre uma suposta “realidade” e um discurso.
Identificou-se as formas como Olinda, por meio da câmara e de seus habitantes, era
reconhecida enquanto “cabeça” da capitania de Pernambuco e como o próprio Conselho
Ultramarino entendia esta posição.
Os conceitos de tradição e capitalidade serão de grande importância para a análise que
se segue. Definida por Edward Shils147 como uma “presença do passado”, a ideia de tradição é
percebida na própria busca da reconstrução da vila de Olinda, pois tinha como objetivo a volta
146 ANDRADE, Gilberto Osório de. Montebello, os males e os mascates. Recife: UFPE, 1969. 147 SHILS, Edward. Centro e periferia. Lisboa: DIFEL, 1992.
62
ao “antigo estado”, ou a uma condição de centro incontestável como detentora de poder e da
dinâmica social da capitania. Já capitalidade refere-se às qualidades que permitem a uma
localidade impor-se como tal. Isto, contudo, não completa todo o sentido deste conceito.
Dessa forma, há que se buscar quais seriam as características que poderiam conferir a uma
localidade o status de capital. Os elementos que compõem a capitalidade de uma região
variam com o tempo e o espaço, possuindo relação com a cultura arquitetônica de cada uma,
tanto em termos políticos, quanto estratégicos e estéticos.
Walter Rossa, em Ensaio sobre a itinerância da capitalidade em Portugal, afirma que
a capitalidade, na Europa, implicava “um programa urbanístico e arquitetônico específico,
cuja tônica era a da monumentalidade e magnificência”148, sobretudo a partir do século XVII.
De acordo com seus argumentos, a capitalidade em Portugal estava ligada à presença do rei e
de sua corte, os quais não tinham uma presença fixa em seu reino. A centralidade em Lisboa,
por exemplo, foi construída por meio do “zelo” e preferências que os monarcas tinham por
essa cidade para a promoção de projetos urbanísticos e arquitetônicos monumentais.
A situação da cidade de Goa, enquanto capital do Estado da Índia, segundo José
Miguel Moura Ferreira, era definida pela dualidade entre distância e centralidade. Enquanto
que se enfatizava a posição subalterna em relação a Lisboa, o papel da cidade como centro
representante do poder do domínio português, principalmente pela presença simultânea do
vice-rei e do arcebispo. O autor afirma que
longe de serem opostas, ambas as linhas de argumentação [A distância e a
centralidade] convergiam frequentemente nas mesmas narrativas,
contribuindo para forjar uma imagem de Goa [...], enaltecendo os
merecimentos dos seus moradores e participando numa arena política
concebida à escala das relações entre as conquistas e o reino149.
A câmara de Salvador, por sua vez, colocava-se como “cabeça” de todo o Estado do
Brasil. Apesar de não ter havido ações afirmativas constantes nesse sentido, esse status era
148 ROSSA, Walter. Ensaio sobre a itinerância da capitalidade em Portugal. In LIBBY, Douglas Cole (Org.).
Cortes, cidades, memórias: trânsitos e transformações na modernidade. Belo Horizonte Centro de Estudos
Mineiros, 2010. Ressalta-se as referências deste autor aos trabalhos do teórico italiano da arquitetura Giulio Carlo
Argan, como História da Arte como História da Cidade, e Lewis Mumford, em A Cidade na História. Estes autores
possuem uma perspectiva de uma Europa das capitais, em contraposição à Europa das Catedrais da época
medieval. A capital seria uma “forma urbna tipicamente barroca e a representação monumental da ideologia do
poder”. 149 FERREIRA, José Miguel Moura. A restauração de 1640 e o Estado da Índia: agentes, espaços e dinâmicas.
Lisboa. Dissertação de Mestrado (UNL – Defendida em set, 2011). SANTOS, Catarina Madeira. Goa é a Chave
de Toda a Índia: Perfil Político da Capital do Estado da Índia, 1505-1570. Lisboa: CNCDP, 1999.
63
“invocado principalmente como argumento para justificar a demanda por privilégios”150. Para
o caso do Rio de Janeiro, Maria Fernanda Bicalho afirma que a “construção da capitalidade”
desta cidade como “chave” da América portuguesa ocorreu com base na sua posição como
“centro de articulações de fronteiras, territórios, redes de interesses e negócios do Atlântico
Sul” e seu papel de “defesa do território central e meridional da América”151. Em um contexto
temporal mais distante, a cidade de Buenos Aires ter-se-ia consolidado como capital, em
1880, por “representar o país e funcionar como espaço privilegiado de modificações que eram
almejadas” e pela confluência das funções de porto e de cidade capital “que lhe concedeu
papel de destaque e mesmo de ‘vitrine’ de todo o país’”152.
Muitas características das que foram colocadas acima podem ser percebidas no caso de
Olinda. Havia a pressão para que obras religiosas, como conventos, fossem realizadas em seu
território, representativo do que poderia ser considerado “suntuoso” para a realidade específica
da América portuguesa, ressaltando-se por vezes a qualidade de seus habitantes e a
“capacidade” em receber esse tipo de estrutura; de desejos pela concessão de privilégios,
prerrogativas diferenciadas e títulos; e da noção de que a capitania estava sob seu comando,
também por meio do uso de expressões como “cabeça”, ou “câmara de Pernambuco”. O caso
de Olinda, entretanto, ganha contornos distintos na medida em que ele se refere a um estado
que a vila tinha dificuldades em manter. A experiência holandesa marcou não somente pelo
longo período de conflito, mas também por ter produzido essa “anomalia”. Uma vila que
reclamava para si o status de cabeça, mas que acabou por enfrentar dificuldades em manter na
prática essa posição hierárquica na capitania de Pernambuco. Por exemplo, a preferência de
território de construção, principalmente de ordens religiosas, na segunda metade do século
XVII não foi o da vila de Olinda153.
A ideia de decadência esteve bastante presente na segunda metade do século XVII.
Pode-se, ainda, fazer um paralelo com situação de Vila Rica, em Minas Gerais. Segundo
Cláudia Fonseca e Renato Pinto Venancio, essa percepção não poderia ser admitida para o caso
mineiro em “relação ao conjunto da capitania”, do “declínio urbano das aglomerações nascidas
150 KRAUSE, Thiago Nascimento. A Formação de uma Nobreza Ultramarina: Coroa e elites locais na Bahia
Seiscentista. Rio de Janeiro. Tesde de Doutorado (Defendida em 2015 – UFRJ). 151 BICALHO, Maria Fernanda B.. O Rio de Janeiro no século XVIII: A transferência da capital e a construção do
território centro-sul da América portuguesa. Urbana. v. 1, n. 1. Campinas, 2006. p. 20. 152ALVES, Ana Carolina Oliveira. Política, cidade e urbanismo em Bueno Aires: reflexões teórico-
metodológicas de história urbana. Porto Alegre. IV Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-
Graduação em Arquitetura e Urbanismo. Realizado entre 25 e 29 de julho de 2016. p. 9. 153 Ver a quantidade de empreendimentos contratados por Antônio Fernandes de Matos erguidos na região do
Recife. Cf. Mello, José Antônio Gonsalves de. op. cit..
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da atividade mineira”154. Estes autores ainda afirmam que o
exemplo de Vila Rica é constantemente evocado, sobretudo através de
citações de cronistas e viajantes estrangeiros do século XIX. Esses
testemunhos são, com efeito, repletos de imagens de decadência e abandono:
ao chegarem à célebre Vila Rica, esses viajantes ficavam surpresos de não
encontrarem um “Eldorado”, mas uma “vila pobre”155.
Este foi o tipo de situação que permaneceu como imagem da vila de Olinda no período
estudado. A presença de edifícios religiosos era o elemento mais presente na avaliação sobre a
“capacidade” da vila de Olinda. Por vezes, recorria-se a aspectos demográficos. As descrições
desse tipo, contudo, possuíam um caráter mais qualitativo, ficando em segundo plano o
contingente populacional real da vila. No caso mineiro, a demografia era um argumento mais
presente, para além da lembrança dos tempos considerados áureos da atividade mineradora. Os
autores citados acima, contudo, afirmam que, muito mais que uma decadência, em fins do
século XVIII, ocorreu um aumento da complexidade das atividades econômicas e a ocupação
de novos espaços territoriais em Vila Rica156. Neste capítulo não se busca, todavia, a
“verificação” sobre a validade das afirmações contidas nos testemunhos e relatos analisados ao
longo deste capítulo. Antes, procurou-se a relativização desse conceito, embora certos
aspectos possam ser considerados como próximos de uma possível realidade, tendo em vista
as ações políticas observadas por parte da elite local olindense.
2.1 Uma Olinda por restaurar
Em 1654, retomado o domínio de Portugal na capitania de Pernambuco, as autoridades
locais e de participação influente na guerra destinaram sua atenção para a reconstrução da
capitania, mais especificamente, da vila de Olinda, durante o século XVII e início do século
XVIII. Este objetivo, contudo, não era partilhado por todos os administradores da capitania.
De um lado, estava Francisco Barreto de Meneses, português, capitão general e recém-
empossado governador da capitania de Pernambuco. Do outro, João Fernandes Vieira, mestre
de campo, um dos principais líderes do movimento de insurreição contra a presença
holandesa, em conjunto com uma série de famílias de importância local, descendentes dos
154 FONSECA, Cláudia Damasceno. VENANCIO, Renato Pinto. Vila Rica e a noção de “Grande cidade na
transição do Antigo Regime para a época contemporânea. Juiz de Fora. Locus: revista de história, v. 20, n. 1, p.
153-181, 2014. 155 FONSECA, Cláudia Damasceno. VENANCIO, Renato Pinto. op. cit. p. 155. 156 Idem.
65
habitantes da região no período imediatamente anterior, conhecido como antebellum.
A vila de Olinda teria sido incendiada pelos holandeses em 1631 e sua reconstrução teria
sido permitida por um dos mais conhecidos administradores holandeses que habitaram a
capitania de Pernambuco, Maurício de Nassau. A maior parte da população, entretanto, preferiu
instalar-se na região do Recife a reerguer a antiga vila duartina. Dessa forma, após 1654, teria
de se tomar uma decisão entre concentrar esforços para reconstruir Olinda, ou postergar esse
problema, à espera de uma melhora econômica significativa, principalmente na produção do
açúcar157.
A Coroa portuguesa, então, designou Francisco Barreto de Meneses, João Fernandes
Vieira e André Vidal de Negreiros, natural da capitania da Paraíba e, também, um importante
líder militar ligado às elites locais, para os governos de Pernambuco, Paraíba e Maranhão,
respectivamente. Percebe-se, nessa configuração, a referida remuneração aos serviços destes
indivíduos. Além disso, a esse arranjo de governo e pessoas, junta-se a região de Angola e o
Governo Geral da Bahia, cujos cargos e pessoas alternar-se-iam, pelo menos, até 1664,
intercambiando-se entre essas e outras capitanias. Durante o período mencionado, as relações
entre esses indivíduos tiveram papel fundamental nas discussões sobre a reconstrução da vila
de Olinda, que estão intimamente ligadas com o controle dos recursos econômicos da
capitania.
Esse debate teria sido iniciado por João Fernandes Vieira. Em consulta de 17 de outubro
de 1654, o Conselho Ultramarino, órgão responsável por cuidar de assuntos relativos às
conquistas de Portugal, discutiu uma carta enviada por Vieira, na qual rogava pela
necessidade de fortificar a vila de Olinda, “cabeça de todas elas”. Argumentou que era preciso
“considerar a importância” de se reforçar a defesa do território, tendo em vista que “estando
defensável, ficam seguras todas” as capitanias do Norte158 e, “na sua opinião, todo o Estado do
Brasil”159. Vieira continuou afirmando que não se deveria privilegiar a região do Recife, pois,
além de sua defesa estar condicionada à solidez de uma fortificação em Olinda, uma vez que
nele não haveria capacidade de “sitiar quatro conventos de religiosos que há na vila, nem
alfândega, nem a Santa Casa de misericórdia, nem duas matrizes”, perdendo-se “muitos
edifícios [e] igrejas”160.
Chama-se a atenção, para além do aspecto valorativo na relação entre as localidades,
157 MELLO, Evaldo Cabral de. Olinda Restaurada: Guerra e açúcar no Nordeste, 1630-1654. São Paulo:
Editora 342007 (1975). Em particular, o capítulo intitulado “A querela dos engenhos”. 158 Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande. 159 AHU-PE, PA, Cx. 6, Doc. 504. 160 Idem.
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sobre qual espaço seria o “melhor” e para a “capacidade” aludida por João Fernandes Vieira,
ao comparar as duas localidades: as potencialidades de cada uma destas poderiam ter de se
tornar uma vila ou cidade de grande “povoação”. Dos argumentos de João Fernandes Vieira
pode-se inferir a noção que se tinha sobre a organização do espaço no período, a da
hierarquização e classificação das localidades por meio de títulos como os de vila e cidade,
materializada também pelas diferenças entre aspectos físicos e equipamentos urbanos
presentes161.
Inicialmente, as ações de João Fernandes Vieira devem ter sido muito influenciadas pela
posição que alcançou, no contexto das capitanias do Norte. O ocupante do cargo recém-criado
“superintendente das fortificações da capitania de Pernambuco”, além de aumentar a sua
importância política, colocava-se na linha de frente na defesa do território da América
portuguesa. Isso o colocaria também no controle de uma série de tributos que teriam que ser
arrecadados para a construção de estruturas de defesa. Afirmava Vieira que, ao norte, o
“inimigo” teria a sua disposição sete portos. Um deles o da região de Pau Amarelo, a partir do
qual os holandeses iniciaram uma marcha por terra no sentido sul e em direção à vila de
Olinda162.
Descontados os “exageros” na retórica de João Fernandes Vieira, a sua consulta feita ao
conselho ultramarino, em 1654163, constitui um dos primeiros esforços para a retomada da
posição hegemônica de Olinda, na segunda metade do século XVII, para mantê-la como
“cabeça” da capitania. Nesse momento, também, se iniciava a instauração de uma
“espacialização” dos edifícios administrativos e seus respectivos espaços de ereção presentes
em cada uma das localidades, que se estabeleceu com André Vidal de Negreiros, governador da
capitania de Pernambuco, em 1657164. Evaldo Cabral de Mello afirma, que a partir da
administração deste, o governo reinstalou-se em Olinda, e o Recife reteve a função comercial
que pertencera antes à vila no período antebellum165.
Essa perda de instituições e da atuação de autoridades régias acabou por contribuir na
emancipação da região do Recife, a qual gerou grandes conflitos, sendo o mais importante e
conhecido a “Guerra dos Mascates”. Pode-se afirmar que, embora Olinda permanecesse como
centro político, não havia uma concentração necessária das atividades administrativas
tampouco correspondência entre a sua posição política e a expressão desse poder traduzida na
161 AHU-PE, PA, Cx. 6, Doc. 504. 162 Idem. 163 Idem. 164 MELLO, Evaldo Cabral de. A Fronda dos Mazombos: nobres contra mascates Pernambuco, 1666-1715. São
Paulo: Companhia das Letras, 1995. 165 Ibid. p. 145.
67
cidade. O problema entre Recife e Olinda era, portanto, um problema, também, de
centralização de uma maneira estrita, relacionada com o ambiente de ofícios das diferentes
instâncias: fazenda, guerra, justiça e a própria fiscalização de responsabilidade dos poderes
locais, por intermédio da câmara municipal.
Para Evaldo Cabral de Mello, a questão da centralidade na capitania de Pernambuco
que, na virada do século XVII para o XVIII, se revestiu também de contornos de separação
jurisdicional, estaria imersa no contexto das rivalidades entre “credores urbanos” e “produtores
rurais”, uma relação conflituosa que se teria arrastado por grande parte da segunda metade do
século XVII e que culminou na chamada Guerra dos Mascates. Este conflito entre senhores de
terra e de engenhos e mercadores tendeu, portanto, a “subordinar a si todos os outros
antagonismos da sociedade colonial”166.
Estas questões, apesar de serem consideradas relevantes para o desenrolar dos conflitos
entre nobres e mascates, são apresentadas por este autor como uma “ingênua fachada
municipal”, ou como a “fachada municipalista do conflito”167. Neste estudo, entretanto,
acredita-se que o processo de separação jurisdicional e territorial foi construindo-se de forma
gradual, em um verdadeiro conflito entre espaços pela centralidade, e que não estava
subordinado, embora diretamente relacionado, às disputas econômicas entre mazombos e
reinóis, na capitania de Pernambuco na segunda metade do século XVII. Antes, constituiu-se,
no decorrer desse período, como um dos elementos a serem analisados.
Os planos de Francisco Barreto de Meneses para a capitania mostravam-se diferentes.
A este, que mesmo quando passou a governador geral continuava a opinar sobre o assunto, não
parecia em nada razoável que o Recife fosse abandonado para que a vila de Olinda pudesse
buscar o “seu primeiro estado e os moradores daquela capitania à antiga opulência que
tinham”, uma ideia que era já bem conhecida e discutida também pelo Conselho
Ultramarino168. Após apresentar um plano sobre quais localidades mereciam atenção da Coroa
portuguesa para eventuais novas invasões, Meneses enumerou uma série de contratos que
poderiam ser criados. A intenção era de que não houvesse um acréscimo de impostos sobre
produtos que já eram taxados, mas a incorporação de novos às listas do erário régio. Além disso,
alguns outros contratos seriam direcionados para as obras de fortificação169.
A primeira medida seria reverter os valores dos impostos arrecadados pelo juiz da
166 MELLO, Evaldo Cabral de. A Fronda dos Mazombos: nobres contra mascates Pernambuco, 1666-1715. São
Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 123. 167 MELLO, Evaldo Cabral de. A Fronda dos Mazombos: nobres contra mascates Pernambuco, 1666-1715. São
Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 123 e 160. 168 AHU-PE, PA, Cx. 8, Doc. 709. 169 AHU-PE, PA, Cx. 6, Doc. 534.
68
balança e o direito dos pesos para a Fazenda Real; a aplicação do contrato do sal, do qual o
tributo seria de uma pataca170; um contrato para a cal; outro para drogas como o gengibre,
além da aguardente; e que o tabaco fosse vendido somente por quem arrematasse seu
contrato171.
Esses pontos levantados por Francisco Barreto desviam o foco para a questão da
própria gestão dos recursos da capitania. Havia uma hierarquização espacial, uma forma de
classificar as localidades. A questão, talvez crucial, porém, seria a administração desses
impostos, um canal para a instrumentalização dos interesses em jogo e que incluía a
ornamentação e melhoramento dos espaços.
2.2 Reconstruindo a vila.
Nessa parte, serão expostas algumas ações concretas para reerguer a vila, e depois
cidade, de Olinda. Será dada uma atenção maior à reconstrução da igreja matriz da localidade,
tendo em vista o seu significado simbólico, como centro religioso e local de socialização das
elites da vila. Com a análise das obras em si, faz-se importante entender como eram
mobilizados os recursos necessários e a população, de que forma esta se inseria na discussão
sobre o que beneficiaria o bem comum na vila.
Parte das rendas da câmara de Olinda era proveniente da administração de contratos,
como os subsídios do açúcar e dos vinhos. Rendas estas que a câmara possuiu controle até 1727,
quando a Coroa portuguesa lhe retirou a prerrogativa de arrecadar impostos, o que ficou sob
responsabilidade da provedoria172. Isto representou uma diminuição considerável de sua
autonomia173, principalmente no que se refere às obras públicas. Esta autonomia, contudo, não
tinha como resultado a alienação das relações de vassalagem entre rei e súditos. Pelo
contrário, a presença de estruturas físicas em uma região provocava a sensação de território e,
portanto, fazia-se presente o domínio da monarquia. Segundo Fernanda Bicalho,
a geografia do espaço urbano e colonial do Rio de Janeiro – assim como das
demais cidades marítimas ultramarinas – traduzia, em sua configuração, o
primado da cruz e da espada, da Fé e do Império. Ornada por mosteiros, igrejas
170 Infelizmente, Francisco Barreto não menciona o quanto de sal seria taxado por esse preço. 171 AHU-PE, PA, Cx. 6, Doc. 534. 172 SOUZA, George Félix Cabral de. Elite y ejercício de poder en el Brasil Colonial: La Cámara Municpal de
Recife (1710-1722). Salamanca: Tesis Doctoral. Programa de Doctorado Fundamentos de la Investigación
Histórica de la Universidad de Salamanca, 2007. 173 Bicalho, Maria Fernanda B. A cidade e o império: o Rio de Janeiro no século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização
brasileira, 2003, p. 314.
69
e fortalezas situadas nos montes que circundavam o território urbano, sua
praça principal dividia-se entre a placidez de conventos, altares, e coro das
igrejas e capelas, e o exercício frenético das mostras e rondas militar. Ao seu
redor aliavam-se, imponentes, os edifícios da Coroa, símbolos arquitetônicos
da presença régia e do poder metropolitano na colônia174.
E, para além dessa relação de negociação e obediência à Coroa, em nível local essas estruturas
eram condizentes com o estado de riqueza e qualidade de suas elites. Em Olinda, essa
equiparação era algo a ser reconquistado.
Muitos governadores demonstraram atenção para a recuperação da vila de Olinda. Dois
deles, Francisco de Brito Freire (1661-1664) e Jerônimo de Mendonça Furtado (1664-1666),
demonstraram especial interesse na matriz de Olinda, mas também para os acessos a outras
regiões da capitania, como a reconstrução de pontes da região do Recife e Afogados175.
Mendonça Furtado, antes dos conflitos que passou a ter com a câmara de Olinda176,
demonstrava interesse na reconstrução da vila. O governador falava sobre o assunto, no intuito
de que esta pudesse “tornar-se aquele estado em que se achava”, anterior ao domínio
holandês, trabalhando para levantar novamente o pelourinho e no “aumento do ornato da
vila”177.
Por falta de recursos na capitania, ainda mais afetada por uma pesada carga fiscal
destinada para outros meios (“Paz de Holanda”, por exemplo), alguns governadores chegaram
a dispender de seus próprios recursos para contribuir para a reconstrução da vila de Olinda. O
rei, em 1656, atendendo às súplicas dos moradores da capitania para se recuperar a matriz de
Olinda178, resolveu ordenar a sua reconstrução. As obras, contudo, somente foram iniciadas em
1662, para as quais Francisco de Brito Freire, governador, contribuiu de sua própria fazenda e
com a ajuda voluntária de muitos moradores que faziam doações avulsas. A obra seguiu até
abril de 1665, quando o recolhimento de impostos para o dote de Inglaterra e para a Paz de
Holanda, segundo a câmara de Olinda, teriam dificultado a captação de uma quantidade maior
de cabedal, relegando a obra ao “esquecimento”179.
174 Bicalho, Maria Fernanda B. A cidade e o império: o Rio de Janeiro no século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização
brasileira, 2003, p. 236. 175 AUC, CA, Disposições dos governadores de Pernambuco, tomo 1, fl. 140v. AUC, CA, Disposições dos
governadores de Pernambuco, tomo 2. 176 MELLO, Evaldo Cabral de. A Fronda dos Mazombos: nobres contra mascates Pernambuco, 1666-1715. São
Paulo: Companhia das Letras, 1995. 177 AUC, CA, Disposições dos governadores de Pernambuco, tomo 1, fl. 122v. 178 A matriz de Olinda teria sido fundada em 1540, passando por uma série de melhoramentos, que adicionaram
estruturas ao prédio inicial, por volta de 1584, 1591, 1599, 1612-1614 e 1621, quando o engenheiro Cristóvão
Alvares teria participado da construção da torre. Para uma análise com uma ênfase voltada para a arquitetura, mas
com a devida historicização, ver MENEZES, José Luiz Mota. Sé de Olinda. Recife: FUNDARPE, 1985. 179 AUC, CA, Disposições dos governadores de Pernambuco, tomo 1, fl. 122v.
70
O governador seguinte, Jerônimo de Mendonça Furtado, afirmou que os moradores,
“desejosos de seu seguimento e com grandes requerimentos instaram desta câmara que se lhes
restituísse a imposição antiga de mais dois mil réis em cada pipa de vinhos aplicadas para as
obras desta Igreja e para as mais deste conselho”180. Sabendo desta situação, e da aprovação
régia para o destino da quantia, o Conselho Ultramarino recomendou que o governador e a
câmara de Olinda apresentassem as contas do que estava sendo gasto nessas atividades. O
imposto que foi utilizado pela câmara foi o das imposições dos vinhos. Outras contribuições,
contudo, foram propostas anteriormente pelo governador Brito Freire, como a imposição
sobre aguardente. Esta, porém, foi preterida, pois conflitava com o comércio do vinho181.
Outros governadores atuaram na captação de recursos, ou mesmo na isenção de tributos,
para que fossem direcionados às obras públicas. Bernardo de Miranda Henriques, governador
entre 1667 e 1670, teria pedido o direcionamento de algum imposto para ser utilizado na
recuperação da vila de Olinda. Pediu também a isenção de qualquer finta, um imposto de caráter
extraordinário, por 10 anos para que houvesse dinheiro suficiente para as festas religiosas182. Já
o governador Fernão de Souza Coutinho, em 1671, afirmou que se deveria reconstruir a vila e
obrigar os moradores, “senhores de engenho e mais pessoas poderosas” que se tivessem chãos
na vila a ocupá-los, além de levantar as casas que ainda estavam “caídas”183.
Souza Coutinho, em 1671, afirmou que as obras da matriz teriam parado novamente por
falta de recursos. Aparentemente, os 2 mil cruzados não foram suficientes para cobrir todos os
reparos que a igreja necessitava para estar plena. O primeiro ano no qual conseguiram reservar
o dinheiro da imposição dos vinhos foi 1669. Neste ano, ainda excederam a quantia em 1 mil
e 100 cruzados, somando 3 mil e 100 cruzados gastos nas obras da igreja.
Em 1670, a situação piorou e a câmara não conseguiu aplicar mais que 246 mil réis na
continuidade das obras, algo em torno de 615 cruzados. No ano seguinte, a razão apresentada
para a interrupção da reconstrução da matriz foi a falta de recursos, provavelmente porque não
havia vinho sendo comercializado na capitania e que geraria os impostos necessários para as
obras. Infelizmente, não foi possível saber se houve algum tipo de desvio da aplicação destes
recursos, mas, levando-se em consideração a diferença entre valores arrecadados e aplicados,
os indícios são fortes184. Parte do dinheiro simplesmente “desapareceu”. Há, ainda,
180 AUC, CA, Ordens régias para os governadores de Pernambuco, tomo 2, fl. 5v, fl. 35v; AUC, CA,
Disposições dos governadores de Pernambuco, fl. 82. AHU-PE, PA, Cx. 8, Doc. 764. AHU-PE, Cx. 8, Doc. 790. 181 AUC, CA, Ordens régias para os governadores de Pernambuco, tomo 2, fl. 5v. 182 AUC, CA, Ordens régias para os governadores de Pernambuco, tomo 2, fl. 58. 183 AUC, CA, Disposições dos governadores de Pernambuco, tomo 1, fl. 251v. 184 AHU-PE, PA, Cx. 10, Doc. 933 AUC, CA, Ordens régias para os governadores de Pernambuco, tomo 1, fl.
69.
71
divergência nestes valores. Luiz Menezes apresenta outros números para os gastos com as
obras da matriz de Olinda. Segundo este autor, a câmara de Olinda teria pago, em 1669 e em
1670, 4 mil cruzados ao mestre pedreiro Tomás Fernandes “para a conclusão de toda a obra
do seu ofício e para fazer a torre”185. Algo que seria repetido em 1674186.
A esta altura dos acontecimentos, a igreja já estava utilizável, mas ainda seriam
necessários 10 mil cruzados. O governador resolveu, então, interceder “pelos senhores de
engenho, fintando-se ele governador primeiro para que se pudesse tirar uma esmola larga com
que se continuasse” a obra, alcançando, ao menos, os 2 mil cruzados estipulados pelo rei. O
governador resolveu consignar o valor nas rendas da câmara. Isso foi motivo de crítica por
parte do Conselho Ultramarino, que declarou que Fernão de Souza Coutinho não tinha amparo
regimental para fazer esse tipo de vinculação de renda187. Nessa mesma época, a câmara de
Olinda teria lançado uma finta, um tipo de imposto colocado de forma extraordinária, para
reconstruir as pontes da capitania, pois algumas pessoas “poderosas” recusavam-se a fazer
contribuições voluntárias188.
Em 1670, o governador da capitania de Pernambuco Aires de Souza e Castro (1678-
1682) relata a posição adotada pela câmara de Olinda em dificultar a fundação de novos
conventos, pois já haveria muitos na cidade189. Fontes trazem indícios de que havia uma
movimentação das ordens religiosas para a região do Recife. Em finais da década de 1680, os
carmelitas, por exemplo, reclamavam da distância entre Olinda e Recife. Os religiosos
afirmavam que os governadores anteriores lhes concediam uma casa para estadia dos
religiosos, quando tinham que embarcar para a Bahia e Rio de Janeiro. O governador João da
Cunha Souto Maior determinou que poderiam ter um hospício na povoação de Santo Antônio,
“como se havia concedido a outras religiões”190.
Essa situação dos religiosos antecipa uma discussão feita no momento da criação da vila
do Recife em inícios do século XVIII: a da distância entre Recife e Olinda. Em determinados
contextos. Percebe-se que as ordens religiosas, indiretamente, pediam a construção de novas
unidades de suas instituições, utilizando argumentos que sugerem uma distância a ser
considerada entre as duas localidades. Em 1709, por outro lado, argumentava-se que, pela
proximidade dos núcleos populacionais, não se poderia erigir uma nova vila. As noções de
distância, portanto, alternam-se de acordo com os interesses colocados e as petições feitas à
185 MENEZES, José Luiz Mota. Sé de Olinda. Recife: FUNDARPE, 1985. 186 MENEZES, José Luiz Mota. op. cit.. 187 AHU-PE, PA, Cx. 10, Doc. 933. 188 AUC, CA, Disposições dos governadores de Pernambuco, tomo 2, fl. 287. 189 AUC, CA, Ordens régias para os governadores de Pernambuco, tomo 1, fl. 101v-102. 190 AUC, CA, Ordens régias para os governadores de Pernambuco, tomo 1, fl. 110v.
72
Coroa e seus representantes na Colônia.
Para citar mais algumas situações que sugerem uma posição já conflituosa por parte da
câmara de Olinda, pode-se mencionar do caso das pontes. Outrora disposta a recolher recursos
para a reconstrução destas, conforme referido acima, em 1688, a câmara de Olinda tinha
intenção de desmanchar a ponte do varadouro do Recife. O governador João da Cunha Souto
Maior determinou que, caso os camarários quisessem levar a frente o seu intento, deveriam
fazer sem custo à Fazenda Real191.
Uma outra situação na qual se percebe a atuação da câmara em buscar trazer
elementos urbanos para a sua circunscrição territorial é a proposta de construção de um porto
em Olinda, cuja obra foi colocada em pauta em 1689 e em 1701. Diziam que, “para o
aumento da cidade”, era bom que as frotas desembarcassem em Olinda, o que foi considerado
impraticável. O rei teria afirmado que seria mais seguro construir um molhe192 no Recife, pois
somente nele é que esta obra seria viável193.
Para trazer mais clareza a este assunto, um episódio envolvendo o hospital da Santa
Casa de Misericórdia de Olinda é representativo. O governador da capitania de Pernambuco,
em 1703, determinava que os soldados do Recife não se curassem no hospital de Olinda e sim
no do Recife. “por não se achar nos irmãos da misericórdia aquela piedade de que necessitam
os enfermos”. Porém, que não se deveria mudar o hospital para o Recife, pois a cidade de
Olinda ficaria “despovoada”, diminuindo ainda mais a circulação de pessoas na vila.
Completou o governador, afirmando que estava “resoluto” que se sustentasse Olinda194.
O que se observa nestas ações e ordens é que, aparentemente, Olinda foi perdendo aos
poucos a centralidade que possuía no período antebellum e que sustentou na segunda metade
do século XVII. Já na década de 1650, algo que se manteve era o abandono da povoação do
Recife em prol da reconstrução de Olinda, algo que foi prontamente combatido e rechaçado
pelo governador da capitania na época, Francisco Barreto de Meneses. Não se pode afirmar
que, de fato, não havia uma dinâmica social intensa na vila de Olinda, muitas construções, ou
uma estrutura urbana condizente com uma localidade que ostentava o título de cidade, desde
1676.
Não se tem, infelizmente, muitos elementos suficientes para uma análise do processo de
concessão do título de cidade para Olinda. Sabe-se, contudo, que esta era uma pretensão da
191 AUC, CA, Disposições dos governadores de Pernambuco, tomo 1, fl. 449v. 192 Uma estrutura costeira que tinha como função manter uma barra navegável e cepaz de permitir o acostamento
de navios para carga e descarga. 193 AUC, CA, Ordens régias para os governadores de Pernambuco, tomo 1, fl. 168, 168v, 297v, 343, 343v. 194 AUC, CA, Ordens régias para os governadores de Pernambuco, tomo 1, fl. 168, 168v, 297v, 343, 343v.
73
câmara de Olinda, ao menos já na década de 1670. Em uma consulta feita ao Conselho
Ultramarino, a câmara de Olinda solicitava os privilégios de cidadão do Porto, por
remuneração dos serviços prestados na guerra contra os holandeses, “sendo muitos ainda
próprios que pelejaram” e seus filhos, “herdeiros de seus merecimentos que chegando aos
lugares da governança ficam capazes dos ditos privilégios por serem todos aprovados na
qualidade”. Por fim, a câmara de Olinda complementava afirmando que
por os privilégios de cidadãos serem concernentes a cidade suplicavam a V.
A. fizessem mercê a dita vila do título de cidade atendendo ser cabeça de toda
a capitania que consta de oitenta léguas de distância que contém outras
capitanias e vilas notáveis e doze povoações, que merecem ser vilas e umas e
outras moradores fidalgos e ricos e quando recuperaram tudo para Vossa
Alteza e estão em sua Real proteção merecem todo o aumento que esperam
para sua conservação195.
Dessa forma, percebe-se que os oficiais da câmara de Olinda viam-se como residentes
em uma localidade que já merecia um título mais elevado, pelo menos desde 1654, como
merecimento pelas suas ações na retomada do território da capitania de Pernambuco.
Cristalizou-se, em contradição, a imagem de uma Olinda decadente e que necessitou de
intervenção régia para se manter como “cabeça” da capitania.
Para ilustrar essa situação, e já fazer uma relação com o próximo capítulo, anotações
encontradas ao lado da consulta feita ao Conselho Ultramarino, na qual há a petição da
realização de uma apresentação da situação da cidade de Olinda, demonstram bem essa inversão
de situações da vila, ou cidade de Olinda. Afirmava que, “conforme o direito os magistrados
devem assistir aos povos principais”, no caso em Olinda, “porém esta disposição pode dispensar
Sua majestade se assim o pedir a utilidade”. Ao conselheiro, pareciam “justificadas e
concludentes” as razões apresentadas por Castro Caldas
para se mudar a assistência dos magistrados para o Recife e somente se me oferece uma dúvida, [...] se com esta mudança se há de extinguir totalmente a cidade de Olinda por que se ela com a assistência deles se vai diminuindo tanto [...] a necessidade se acabará de todo sem eles196.
A questão da assistência do governador teve, também, grande repercussão na definição da
centralidade em Olinda. Por isso, entende-se a atuação de autoridades régias e ofícios
essenciais do ponto de vista administrativo, como os ouvidores e governadores. Esta pauta foi
195 AHU-PE, PA, Cx, 10, Doc. 1010. 196 AHU-PE, PA, Cx. 23, Doc. 2115.
74
relevante e discutida durante a segunda metade do século XVII e será objeto de análise no
próximo capítulo.
Para o Conselho Ultramarino, o sentido de “antigo estado” estava diretamente ligado à
condição fiscal da capitania. Diante de reclamações das autoridades locais e instituições
religiosas para que fossem aliviadas das contribuições para o sustento dos soldados, o Conselho
ordenou que fossem mantidas as tropas e pediu “paciência” por parte dos súditos, pois uma
nova invasão mostrava-se iminente. Sugeria o Conselho que o rei deveria enviar novas ordens
para Francisco Barreto de Meneses com as “razões referidas” e que não se poderia “reduzir
tudo ao estado antigo”. Recomendava moderação para as contribuições, “representado aos
moradores a muita necessidade que há de guarnecer as praças e ter com que se opor a um
acometimento repentino do inimigo sem as deixar faltar”197.
Francisco Barreto de Meneses era um agente importante da Coroa portuguesa para o
controle das rendas da capitania e para a canalização dos impostos anteriormente
administrados pelo donatário. Um exemplo disso é o, já referido, imposto sobre passagens de
rios, postos de pescaria e pontos de redes, chamado de avenças. Interessante notar que, feito o
levantamento sobre as regiões pesqueiras e passagens, constatou-se que a câmara de Olinda os
estava administrando, concedendo datas de sesmaria, e não os procuradores do donatário.
Provavelmente, pode ter sido um direito que este tinha posteriormente transferido às
autoridades municipais198. Após essas ações ordenadas pela Coroa, em 1656, as câmaras de
Olinda e de Itamaracá solicitaram a isenção de pagamentos de “pensões, contribuições e
avenças cobradas pelo provedor da Fazenda Real dos sítios, redes, pescarias e passagens de
rios”199.
Em uma consulta, de 1655, feita por Francisco Barreto de Meneses, encontram-se
pistas sobre alguns rendimentos, os quais ele buscava reunir sobre a tutela da Fazenda Real
quando era governador da capitania. Somente a imposição dos vinhos, uma taxa extra utilizada
no sustento dos soldados, renderia 50 mil cruzados anuais, caso fossem enviadas 1000 pipas
de vinho para a comercialização na capitania. Esta era uma quantidade de recursos que era
drenada pelo governador e que dificultava a acumulação de rendas por parte das autoridades
locais. Segundo Meneses, metade desta quantia não teria sido suficiente para prover nem a
farinha destinada para a ração diária dos soldados200.
Havia, também, a busca por cerceamento dos poderes que o donatário possuía, para o
197 AHU-PE, PA, Cx. 6, Doc. 545. 198 AHU-PE, PA, Cx. 6, Doc. 544. 199 AHU-PE, PA, Cx. 6, Doc. 566. 200 AHU-PE, PA, Cx. 6, Doc. 545.
75
qual Francisco Barreto de Meneses foi um agente importante. A preocupação com a
manutenção do território pode ter resultado na prisão de Cristóvão Alvares, por exemplo,
homem de confiança de João Fernandes Vieira e um dos proponentes da criação de estruturas
de defesa em Olinda, e na invalidação de muitas provisões de ofício feitas pelos donatários,
cujos beneficiários podem ter sido muitos senhores proeminentes da capitania. Um exemplo
dessa situação foi Gaspar Amorim, natural de Viana, e que teria chegado na capitania por
volta do início do século XVII, pois afirmava que seus serviços datavam de períodos anteriores
aos holandeses. Gaspar de Amorim argumentava servir como proprietário do ofício de
“escrivão da almoçataria e selador das pipas de vinho”. Amorim relatou que Meneses o havia
destituído do ofício em 1647201. Um ofício que, certamente, era estratégico para Francisco
Barreto de Meneses; primeiramente, para o sustento da guerra e, posteriormente, para o
controle das rendas da capitania de Pernambuco.
Isso, porém, pode ser considerado como um “discurso de ruína”. Percebe-se a
conveniência dessas ações, no momento em que se buscava reduzir o alcance dos poderes
locais sobre as rendas da capitania. Muitos dos súditos importantes e que se mostravam leais
ao trono português tiveram comportamento dúbio, e até realizaram negócios com os
holandeses, como João Fernandes Vieira, um dos líderes da guerra contra os holandeses e
senhor de extenso cabedal. Apesar de clamar pela necessidade de se fortificar, algo que
beneficiaria ao bem comum, é preciso notar que João Fernandes Vieira possuía terras na vila
de Olinda desde o período ante bellum202. De outro modo, mesmo que a tentativa do Conde
Maurício de Nassau, em 1646, de reconstruir a vila não tenha alcançado tanto êxito, pelo Mapa-
02 pode-se observar algumas estruturas que mostram uma linha de fortificação já existente
desde 1647, data da confecção do mapa de Barléus, base do feito para o capítulo anterior
(especialmente, as partes traçadas em vermelho).
Isso evidenciaria que, mesmo afirmando a necessidade dessa correlação entre a
importância social desses indivíduos e a localidade a qual estavam vinculados, fatores
econômicos e políticos são tão impactantes quanto esta questão cultural, criando uma
sobreposição de interesses que não podem ser tratados exclusivamente. Segundo afirma
Evaldo Cabral de Mello, em Olinda Restaurada, João Fernandes Vieira era possuidor de um
201 AHU-PE, PA, Cx. 7, Doc. 570. 202 MELLO, José Antônio Gonsalves de. João Fernandes Vieira: Mestre de campo do terço de infantaria de
Pernambuco. Lisboa: Comissão Nacional para as comemorações dos Descobrimentos portugueses, 2000. MELLO,
José Antônio Gonsalves de. Cristóvão Alvares: engenheiro de Pernambuco (1608-1663). Revista do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, v. 15, 1961.
76
grande cabedal, no qual havia casas no termo da vila203.
Era preciso reaver terrenos e casas que haviam sido ocupadas durante o período
holandês. Logo, afirma-se um aspecto cultural importante na intervenção sobre as vilas e
cidades, no período colonial, no componente valorativo que a “capacidade” e a “opulência”
destas adicionam aos discursos, notadamente políticos, e que tem grande influência no destino
de recursos econômicos. Estes elementos foram de grande importância tanto para servir como
materialização de um status alcançado quanto para reforço na argumentação necessária. A
discussão sobre a capacidade da vila, e depois cidade de Olinda sediar a capitania de
Pernambuco somente voltou a ser debatida na iminência da criação de uma vila na área do
Recife, no governo de Sebastião de Castro Caldas.
Em 1709, o governador da capitania de Pernambuco, relatava ao rei português sobre o
que julgava ser a situação enfrentada por Olinda, em um contexto conturbado de criação da
nova vila no Recife e a consequente diminuição da área de jurisdição da vila de Olinda. Ainda
que este seja suspeito em seu discurso, em razão dos embates que teve com as elites locais, a sua fala
é importante para a análise que se segue. Para facilitar a fluidez do texto, far-se-á referência
desse relato como “Breve descrição da cidade de Olinda, e sua situação”, conforme expressão
utilizada no documento204.
A consulta originou-se de cartas enviadas por diferentes funcionários régios, ainda no
início do século XVIII. O ouvidor da capitania, Inácio de Morais Sarmento, e o juiz de fora,
João Guedes de Sá, teriam feito uma representação ao rei, na qual reclamavam dos
inconvenientes da obrigatoriedade da presença deles na, então, cidade de Olinda. Os oficiais
afirmaram que sua presença se fazia necessária, de fato, no Recife, onde haveria uma
quantidade maior de ocorrências, uma dinâmica populacional e social mais intensa, por assim
dizer, o que resultava, consequentemente, em uma quantidade maior de emolumentos e
propinas. A resposta régia consistiu em solicitar um parecer, em agosto de 1706, para que
pudesse tomar uma posição e, assim, arbitrar sobre essa questão. É nesse contexto que Sebastião
de Castro Caldas teria produzido a “Breve descrição...”205.
O governador Sebastião de Castro Caldas afirmava que, após a retomada do domínio
português sobre o território da capitania de Pernambuco, seguiu-se à “primeira ruína” de
Olinda. O governador afirmava que essa ruína, ironicamente, foi resultado da própria atuação
203 MELLO, Evaldo Cabral de. Olinda Restaurada: Guerra e açúcar no Nordeste, 1630-1654. São Paulo: Editora 34, 2007 (1975), p. 327. 204 AHU-PE, PA, Cx. 23, D. 2115. Sebastião de Castro e Caldas começa o seu relato assim: “Para poder informar
a Vossa Majestade com mais clareza sobre o conteúdo na ordem copiada a margem desta me é necessário fazer
primeiro uma breve descrição da Cidade de Olinda, e sua situação”. 205 AHU-PE, PA, Cx. 23, Doc. 2115.
77
dos “empenhados” na reconstrução de Olinda. Segundo suas palavras, “restaurada que foi” essa
localidade, não somente “deixaram os moradores de reedificar as suas casas”, por carência de
recursos e por estarem habituados a viverem nas fazendas e engenhos, mas “impossibilitaram
a seus sucessores para o não poderem fazer em nenhum tempo”206.
Muito provavelmente, o relato do governador Castro Caldas atende a determinados
interesses que coadunavam com a iniciativa de criação de uma nova vila no Recife, mas
também remetiam a uma ideia sobre as dificuldades enfrentadas pelos moradores da capitania
de Pernambuco em reconstituir Olinda como centro político da região. Aparentemente,
cristalizou-se uma imagem de uma ruína deixada pela presença holandesa e que esta não teria
sido superada pelos participantes da guerra e mesmo pelos seus descendentes. A chamada
“falta de recursos” e a própria ausência desses senhores de terra aludidos pelo governador
Castro Caldas, entretanto, podem ser consideradas como situações verossímeis, na medida em
que existem estudos que mostram uma diminuição da participação dos senhores de engenho
no controle econômico da capitania, sobretudo nos contratos de dízimos e outros impostos207.
Por parte da Coroa portuguesa, o interesse em fundar uma nova vila mostrou-se
vacilante no decorrer da segunda metade do século XVII. Ainda em 1700, uma ordem régia
direcionada ao então governador da capitania de Pernambuco, Francisco Martins Mascarenhas
de Lencastro, determinava que “de nenhuma maneira” devia-se pôr em prática o “arbítrio” da
“divisão do Recife da cidade Olinda, pois por repetidas [vezes] tenho recomendado e ordenado
a sua conservação” para que a “assistência dos governadores e ministros seja em Olinda”208.
A ordem régia possuía um tom decisivo e mostrava a posição favorável do rei D. Pedro
II em manter a cidade de Olinda como centro da capitania de Pernambuco. Mudando-se de
reinado, no governo de D. João V, a situação se inverteu. Evaldo Cabral de Mello afirma que,
por pressão do “comércio recifense”, a Coroa portuguesa retirou as restrições de acesso às
“funções municipais” que existiam para aqueles que trabalhavam como negociantes209. Ainda
segundo este autor, as concessões estenderam-se até a iniciativa de fundação de uma vila no
Recife, para a qual Sebastião de Castro Caldas, em 1709, teria ficado responsável210.
Nesse ano, uma ordem régia determinava a criação da vila no Recife. Nela, o monarca
português afirmava que se deveriam evitar as “desuniões” que havia entre os moradores da
206 AHU-PE, PA, Cx. 23, Doc. 2115. 207 MELLO, Evaldo Cabral de. A Fronda dos Mazombos: nobres contra mascates Pernambuco, 1666-1715. São
Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 123. 208 AUC, CA, Ordens régias para os governadores de Pernambuco, tomo I, fl. 282v. 28/01/1700. Sem título. 209 Cf. Mello, E. C. de. O nome e o sangue: uma parábola genealógica no Pernambuco colonial. São Paulo:
Companhia das Letras, 2009, p. 40. 210 Cf. Mello, E. C. de. O nome e o sangue: uma parábola genealógica no Pernambuco colonial. São Paulo:
Companhia das Letras, 2009, p. 41.
78
cidade de Olinda com os do Recife. O rei ainda ordenava ao ouvidor geral que determinasse o
termo da nova vila211. O desenrolar dessa ação real, conforme se sabe, não foi a ausência de
conflitos, já que resultou na chamada “Guerra dos Mascates”, em 1711, entre Recife e Olinda.
As questões referentes à definição do termo da nova vila, assim como o que foi perdido pela
cidade de Olinda serão analisadas ainda nesse capítulo. Faz-se necessário, entretanto, realizar
uma pausa nessa parte, pois é importante entender o processo em que se desenrolou e
culminou na criação da vila do Recife.
Pelo relato de Sebastião de Castro Caldas em Breve descrição... pode-se perceber,
além da existência de um conhecimento sobre a trajetória enfrentada pelas duas localidades ou,
pelo menos, uma versão sobre o que teria ocorrido, uma noção de que houve uma tentativa de
“reedificação” da vila de Olinda. Dizia o governador que, impossibilitados de reconstruírem as
casas que tinham na vila, teriam optado por vender as pedras das casas “para as cercas e obras
dos conventos e para o Recife, para as casas que nela se fabricaram, e nesta forma foram
diminuindo de tal sorte a dita cidade, que em ruas inteiras nem alicerces lhe deixaram”,
dificultando até a identificação dos proprietários dos lotes de terra na vila. Mesmo no início do
século XVIII, segundo suas informações, quando solicitavam ao rei que mandasse repovoar a
vila, ainda estavam os moradores “demolindo as casas para as sacristias e tribunais para a
Ordem Terceira de São Francisco, e os mesmos oficiais da presente câmara comprando outras
para as calçadas das poucas ruas que tem”212.
Segue-se uma comparação com a região do Recife, que crescia para além da área das
ilhas e se estabelecia na porção continental, próxima à chamada ponte da Boa Vista. Afirmava
Castro Caldas que na região erguiam-se sempre de 30 a 40 casas, “entre grandes e pequenas,
pagando foro para cada palmo” e, para se ter uma ideia da valorização fundiária que estava
ocorrendo, afirmava que, “há seis anos”, algumas fazendas circunvizinhas que foram
compradas por 400 mil réis, eram avaliadas, em 1709, entre 3 mil e 4 mil cruzados, ou
1:200$000 e 1:600$000 réis, respectivamente213. Já em Olinda, segundo seu relato, somente
haveria “cabaneiras”, e que a cidade era de “suma pobreza”. Nas igrejas, “não se veria mais que
meia dúzia de homens” e “mui pouca gente, ou nenhuma” nas ruas. Ao ponto que se dizia que
em Olinda não haveria mais que “ventos e conventos”214.
A comparação que Castro Caldas fez é comparativa entre as duas regiões e deixa nela
211 AUC, CA, Ordens Régias aos governadores de Pernambuco, tomo I, fl. 396. 19/11/1709. 212 AHU-PE, PA, Cx. 23, Doc. 2115. 213 Tendo como base o valor de 400 réis para cada cruzado. SIMONSEN. Robert C. História Econômica do
Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional. 1969. p. 70. 214 AHU-PE, PA, Cx. 23, Doc. 2115.
79
transparecer uma hierarquização entre o Recife e Olinda, baseada nas estruturas presentes em
cada uma das localidades. A tentativa é de demonstrar, talvez, o porquê de o Recife merecer
se tornar uma vila. Sebastião de Castro Caldas continuava afirmando que, “pelo contrário”, o
Recife, no “concurso de gente, luzimento e trato dela, na assistência dos templos, ornato e
suntuosidade deles, no culto divino e casas nobres são estas praças a que merecem o nome de
cidade”215. O seu relato estende-se ainda por outras questões. A divisão jurisdicional
resultante da criação da vila do Recife impactaria não somente a área de influência política da
câmara de Olinda, como do acesso aos recursos provenientes da arrecadação de impostos.
A forma das questões trazidas pelo governador Castro Caldas pode ser observada em
outras regiões da América portuguesa. Cláudia Fonseca afirma que, para além de aspectos
demográficos e econômicos, outros atributos de caráter mais qualitativo eram enumerados para
definir a grandeza e prestígio das localidades. Assim, pode-se citar a antiguidade da fundação,
os fatos gloriosos do passado, a “capacidade da população”, a presença de elites urbanas, a
salubridade, a fertilidade e as comodidades do sítio, o número e a “nobreza” das casas e das
igrejas216. Alguns desses aspectos estão presentes tanto nas cartas e solicitações enviadas ao
Conselho Ultramarino desde 1654 para a reconstrução da vila de Olinda, como no relato
depreciativo da localidade feito por Castro Caldas. Para o caso da capitania das Minas Gerais,
Cláudia Fonseca afirma que, quando
as elites locais solicitavam a promoção de suas povoações à condição de
cidade, de vila, de cabeça de comarca, ou ainda a criação de um cargo de juiz
de fora, seus argumentos não se apoiavam apenas nas questões de natureza
jurídica e territorial analisadas anteriormente. Em suas cartas e requerimentos,
as ‘pessoas principais’, ou os ‘maiores’, das vilas e dos arraiais tentavam
destacar os diversos atributos das localidades e valorizar as populações que ali
viviam217.
Para a vila de Olinda, esse tipo de argumento foi bastante utilizado em defesa da
reconstrução da localidade, principalmente na recuperação de estruturas urbanas como igrejas,
conventos, pontes, etc. Dois dos pontos citados acima, “capacidade” e “elites urbanas”, eram
utilizados de maneira semelhante, mas com algumas diferenças para o caso das Minas Gerais.
Para esta capitania, a “capacidade”, segundo Fonseca, era utilizada para se referir à proporção
de população branca residente. E elites urbanas referia-se a autoridades régias, funcionários
da Coroa, pessoas de reconhecida nobreza, ou que viviam como tal, advogados e magistrados.
215 Idem. 216 FONSECA, Cláudia Damasceno. Arraiais e vilas d’El Rei: Espaço e poder nas Minas setecentistas. Belo
Horizonte: Editora da UFMG, 2011, p. 398. 217 Ibid, p. 334.
80
No caso de Olinda, não foi encontrada nenhuma referência à cor das pessoas, ao se utilizarem
do termo “capacidade”, mais relacionado com a qualidade do local e com o potencial de
suportar espacialmente e sustentar as estruturas citadas acima. A utilização deste tipo de
argumento nas consultas enviadas para apreciação do Conselho Ultramarino, em conjunto
com a cooptação dessas chamadas “elites urbanas” para que assistissem na vila, e depois
cidade, de Olinda foram parte das ações empreendidas para a sua manutenção como centro da
capitania.
Avançando mais uma vez para o início do século XVIII, mais especificamente para os
“capítulos primeiros que fizeram os levantados de Pernambuco”218, de 1710, alguns pontos
elencados estavam diretamente ligados às estruturas urbanas que Olinda e o Recife possuíam.
Os “levantados”, parte da nobreza da terra, exigiam: que no Recife não houvesse vila, por ser
termo da cidade e “pela pouca distância se reputar arrabalde” dela, que se tapasse a ponte do
varadouro, que se fizesse um molhe na barra da cidade para o recolhimento dos navios da frota,
trazendo para Olinda a atividade comercial, e a criação de um convento de freiras, como se
tinha constituído na Bahia e no Rio de Janeiro. Esse último, mais diretamente, demonstra a
necessidade de se adequar o status alcançado de cidade com as estruturas que deveriam estar
presentes na localidade. Esses capítulos demonstram que os membros da câmara de Olinda
tinham uma ideia de que não somente o status advindo do título de cidade era suficiente para
manter-se como centro da capitania, mas que era necessário, também, buscar essa relação entre
a posição e a estrutura presente na cidade.
Na “Relação do levante que houve em Pernambuco e do que nele sucedeu depois de
um tiro que deram ao governador Sebastião Castro Caldas”219, dentre suas diversas partes,
consta uma lista organizada com uma série de reivindicações feitas pelos moradores de
Olinda, nas quais estabelecem as suas condições para o futuro da administração da capitania
em relação ao governo político, espacialmente. No “capítulo primeiro que fizeram os
levantados de Pernambuco”, assim exigem os que haviam se rebelado contra o governador de
Pernambuco Castro e Caldas, em 1710: que no Recife não houvesse vila, por ser termo da
cidade e por ser seu “arrabalde”; que morador desta localidade não possuía direito de votar
nas eleições municipais nem ser eleito, “há mais de cem anos”, que o morador do Recife que
não fosse filho da terra não poderia ser capitão de ordenança; pediam a destituição do juiz de
fora e a recolocação do juiz ordinário como agente responsável pela justiça; “tapar” a ponte
do varadouro localizada no Recife; fazer o molhe, estrutura utilizada para proteção da força
218 Biblioteca da Universidade de Coimbra, Manuscrito 110, fls. 69-72. 219 Biblioteca da Universidade de Coimbra, Manuscrito 110, a partir do fólio 58 e seguintes.
81
das águas do mar, na barra da cidade de Olinda para o recolhimento dos navios da frota; e a
criação de um convento de freiras, conforme havia na Bahia e Rio de Janeiro220.
Estes não são todos os pontos apresentados por aqueles que escreveram o “capítulo
primeiro”. Destacam-se esses, entretanto, por apresentarem uma preocupação sobre o espaço
em diferentes níveis, desde jurisdicionalmente falando, passando por questões fiscais, até
aspectos relacionados ao status das localidades que podem ser abstraídos das condições
colocadas. Isto denota a grande importância que estas questões possuíram no decorrer da
segunda metade do século XVII e que reverberam na chamada Guerra dos Mascates.
Tradicionalmente, a segunda metade do século XVII, em Pernambuco, não foi período
exaustivamente estudado, conforme afirma Evaldo Cabral de Mello. Segundo este autor, a
experiência de dominação holandesa naquela capitania, que terminou em 1654, e a Guerra dos
Mascates, que aconteceu por volta de 1711, “ofuscaram” o período de tempo entre esses dois
momentos da história de Pernambuco. O grande trabalho para o intervalo em questão é o do
próprio Evaldo Cabral de Mello. Em A Fronda dos Mazombos, de 1995, Mello faz uma
importante análise dos conflitos existentes entre senhores de engenho e comerciantes, assim
como das relações da câmara de Olinda com os governadores. Entre 1654 e 1711, tem-se o
acirramento de rivalidades existentes entre os “naturais da terra”, autointitulados de nobreza da
terra221, e os adventícios portugueses da segunda metade do século XVII, pejorativamente
chamados de mascates222.
Uma questão crucial deste conflito foi a emancipação da região do Recife, cujos grupos
que a tinham como um nicho de poder, ligado em geral ao comércio, que ansiavam por
conquistar. Teriam, com isso, a independência administrativa em relação à câmara da cidade
de Olinda, tradicional instituição de exercício de poder dos senhores de engenho, e a
consequente formação de uma nova câmara municipal. Estes aspectos são descritos por Evaldo
Cabral de Mello como o lado “municipalista” do conflito. De uma forma geral, a interpretação
deste autor caminha para a integração de todas as tensões políticas, sociais e econômicas em
torno dos entreveros entre a “nobreza da terra” e os “mascates”. De fato, no momento em que
se deflagra a Guerra dos Mascates, uma série de outros conflitos se aglutinou e acabou por se
220 Biblioteca da Universidade de Coimbra, Manuscrito 110, fl. 69v-72. 221 Termo que pode ser encontrado na documentação do período e que é utilizado por um grupo ligado à câmara
da cidade de Olinda que buscava manter a hegemonia política na capitania de Pernambuco, conforme pode ser
verificado em toda a obra de Evaldo Cabral de Mello, em especial a obra citada: MELLO, E. C. de. A Fronda dos
Mazombos: nobres contra mascates Pernambuco, 1666-1715. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. 222 Expressão utilizada na segunda metade do século XVII pela nobreza da terra de Olinda para desqualificar os
comerciantes ligados ao Recife. MELLO, E. C. de. A Fronda dos Mazombos: nobres contra mascates
Pernambuco, 1666-1715. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
82
partidarizar entre os lados dos conflitos223. Acredita-se, entretanto, que as questões relativas à
estruturação dos equipamentos urbanos na cidade merecem uma análise mais acurada, pela
sua importância.
Nesse sentido, acredita-se que uma história da construção desse conflito acompanhada
de uma análise sobre as questões jurisdicionais e espaciais, desde seus aspectos simbólicos até
os aspectos físicos, fornece um entendimento das formas como os indivíduos apropriavam-se
do espaço e da própria concepção deste e de sua relação com a política. Segundo Cláudia
Damasceno Fonseca, não se poderia dissociar a história política da história da cidade e do
urbanismo224, pois
a formação de redes urbanas, a hierarquização das localidades, os projetos e
intervenções urbanas em qualquer escala (incluindo a simples abertura de um
novo arruamento)” eram medidas e processos que estavam ligados às
necessidades e aspirações, bem como aos objetivos tanto “de instância do
poder local quanto as autoridades metropolitanas225.
Este assunto, de qual seria o melhor local para ser sede administrativa e ainda aquele
que proporcionaria melhores condições de defesa do território, segundo afirma Evaldo Cabral
de Mello, já havia sido discutido nas primeiras décadas do século XVII. O sargento-mor Diogo
de Campos Moreno, no Livro que dá Razão ao Estado do Brasil, afirmava que a defesa de
Olinda consistia em defender e fortificar o Recife, pois aquela não poderia ser fortificada
eficientemente226. Isto, contudo, torna-se um problema mais latente no governo de Francisco
Barreto de Meneses (1654-1657), e que ganha clareza como um viés mais político que
estratégico, em termos de defesa, no governo de André Vidal de Negreiros (1657-1661),
quando ocorreu efetivamente a retomada de Olinda como sede do governo227.
223 MELLO, E. C. de. A Fronda dos Mazombos: nobres contra mascates Pernambuco, 1666-1715. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995. Em especial o capítulo 4 “Loja versus Engenho”. 224 Convém, para efeitos de esclarecimento, ressaltar que, embora a ideia de urbano arraigada no senso comum
seja algo moderno e mais relacionado com a o contexto social dos séculos XIX e XX, pode-se discutir sobre o
urbano no período colonial, na América portuguesa. Junta-se a isso, além da crença de um mundo completamente
ruralizado na colônia, a concepção da suposta falta de planejamento das cidades portuguesas presente em trabalhos
como “Raízes do Brasil”, de Sérgio Buarque de Holanda. Cf. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil.
26ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. Em especial, o capítulo “O semeador e o ladrilhador”. Sobre a
revisão dessas ideias, cf. DELSON, Roberta Marx. Novas Vilas para o Brasil-Colônia: planejamento espacial e
social no século XVIII. Brasília: ALVA-CIORD, 1997; e FONSECA, Cláudia Damasceno. Urbs e civitas: A
Formação dos espaços 225 FONSECA, Cláudia Damasceno. op. cit. p. 81. 226 MORENO, Diogo de Campos Moreno. O Livro que dá Razão ao Estado do Brasil.... Apud. MELLO, Evaldo
Cabral de. op. cit., p. 146-147. 227 MELLO, E. C. de. A Fronda dos Mazombos: nobres contra mascates Pernambuco, 1666-1715. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995.
83
Capítulo III - Onde está a corte: O Palácio das Torres e discussão sobre a capitalidade
na capitania de Pernambuco (1654-1689).
Este capítulo visa analisar a influência que a presença física do governador e de outras
autoridades coloniais possuía sobre a ideia de capitalidade, na capitania Pernambuco na
segunda metade do século XVII. Um aspecto relevante para a análise que se segue é o local
de moradia destas autoridades, objeto de discussão e conflitos entre os membros da câmara de
Olinda e demais poderes constituídos na capitania. Estas questões variavam de acordo com o
posicionamento que cada indivíduo adotava, além de seus interesses econômicos, políticos e
sociais. Ainda que a coação para que determinado oficial restringisse suas atividades na vila
de Olinda se configurasse como uma estratégia já praticada em 1654, preferiu-se analisá-la em
um capítulo em separado, tendo em vista, também, que essa foi uma questão premente durante
toda a segunda metade do século XVII. A análise será concentrada no período entre 1654 e
1664, para o qual existem mais fontes, e na figura dos governadores, apesar de que o chamado
“local de assistência” ter sido pautado, também, por outras autoridades régias, como os
ouvidores.
Em uma fala do Conselho Ultramarino, foi colocado que era “direito” dos magistrados
ter como local de seu trabalho, de sua “assistência”, aquele onde estivessem as pessoas mais
importantes, os “principais”228. Local este que, dificilmente, não ostentaria a qualidade de
centro, de capital. Retomando rapidamente o conceito de capitalidade, define-se esta como a
capacidade de ter o poder de exercer uma força centrífuga em uma região. Uma capacidade
reconhecida de ser centro. Para além das questões de moradia e assistência, foi analisado o
esforço na promoção de obras necessárias ao bem comum e à própria identificação de
“cabeça”, como igrejas bem ornadas, etc.
No capítulo anterior, foram analisadas algumas falas e ações que buscavam manter a
vila, e depois cidade, de Olinda como o centro da capitania, nas quais eram perceptíveis os
aspectos necessários para que uma localidade tivesse o status de “cabeça”, o que redundava na
captação de recursos políticos e econômicos. Isso dependeria de um esforço orientado, não
somente para a defesa, mas também para a elevação dos equipamentos urbanos em si. Uma
questão importante era, certamente, os prédios das ordens religiosas, conventos, igrejas e
colégios. Isso pode ser observado, principalmente, por parte do mestre de campo João
Fernandes Vieira. Este argumentava que o Recife não poderia exercer o papel central na
228 AHU-PE, PA, Cx. 23, D. 2115.
84
capitania, pois em sua região não haveria espaço suficiente para a acomodação de igrejas e
conventos, por exemplo. Essa escolha significaria uma “perda”, pois Olinda seria muito mais
“capaz”229. A ideia de ser a “cabeça” de uma capitania será utilizada neste trabalho de forma
idêntica à trabalhada por Nauk Maria de Jesus. Esta autora afirma que
A cabeça de uma capitania era a vila onde se encontrava o governador e
capitão-general, juntamente com todo o aparelho administrativo referente à
justiça, à defesa e à finança. O governador era o representante do rei e, nos
locais distantes do Reino, era cabeça do corpo político. Ser capital era muito
mais do que o título de uma circunscrição administrativa, pois, por trás da
capitalidade, existiam possibilidades de melhores rendas, desenvolvimento
econômico, melhor organização urbana, comunicações políticas mais amplas
com o reino e a centralidade do poder230.
As vilas e cidades exerciam um papel importante no exercício do poder por parte da
Coroa portuguesa. Relembrando as definições do padre Raphael Bluteau trabalhadas em seu
dicionário, tem-se uma atenção especial aos termos “vassalos” e “sujeição”231 expostos nos
verbetes, nos quais há uma ênfase na necessidade da observância de uma ordem legal.
Pensando-se em um conceito de cidade, não necessariamente atrelado ao de Bluteau, mas que
se complementam, a historiadora Renata Malcher de Araújo afirma que “a cidade é o lugar da
ordem social e política, é o espaço da convivência social por excelência e é o lugar da
representação e do exercício do poder”232. A autora ainda argumenta que “a cidade é o polo
hierárquico de organização do território, é o centro a partir de onde se estabelece o controle das
áreas circundantes”233. Apesar de seu trabalho estar inserido no contexto de reformas urbanas
na Amazônia, impulsionado pelas intervenções do Marquês de Pombal, no século XVIII,
acredita-se que são válidos para este trabalho. Essa hierarquização, a força de atração e a
importância social de uma cidade, vila e povoação estão presentes na relação entre moradores
e a vila de Olinda e o Recife. Neste capítulo, analisa-se essa hierarquia tendo como pano de
fundo as discussões sobre a presença das autoridades na vila de Olinda, ou no Recife.
229 AHU-PE, PA, Cx. 5, D. 504. 230 JESUS, Nauk Maria de. O governo local na fronteira oeste: A rivalidade entre Cuiabá e Vila Bela no século
XVIII Dourados: Ed. UFGD, 2011. p. 16. 231 BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico .... Coimbra:
Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1712 - 1728. Disponível em: Acesso em: 14 de agosto de 2012. Ver
verbete “cidade”. 232 ARAÚJO, Renata Malcher de. “A Razão na selva: Pombal e a reforma urbana da Amazônia”. Camões. Revista
de Letras e Culturas Lusófonas, n° 15-16, janeiro-junho 2003, p. 151. 233 Idem.
85
3.1 O palácio do Conde Maurício de Nassau
O Palácio das Torres foi construído sob ordens do Conde Maurício de Nassau, segundo
José Antônio Gonsalves de Mello, em 1641234, durante o período de domínio holandês na
região. O nome deve-se ao estilo da construção, a qual se destaca um conjunto de duas torres.
Em suas dimensões, “modesto” e “singelo nas linhas”, mas “três corpos” bem equilibrados, o
Palácio das Torres era um “bloco cúbico, flanqueado por dois pavilhões assobradados”235.
Segundo Joaquim de Sousa Leão Filho, o Palácio, que possuía um “ar de claustro
missionário”, fora construído com materiais que pouco resistiriam ao clima tropical, e que
pode ser confirmado pela documentação. Os aposentos principais do Palácio, de acordo com
Sousa Leão, provavelmente, eram distribuídos por duas alas,
quatro de cada lado; peças espaçosas, ao rez do chão, abrindo suas janelas para
as pimenteiras e laranjas olorosas. Os labirintos de parreiras e os canteiros de
flores, dispostos em quadriláteros simétricos, davam a nota formal ao típico
jardim holandês. Outros aposentos se encaixariam nas torres, como o faz crer
a repetição de janelas236.
Estes jardins foram citados pelo frei Manuel Calado, autor do Valeroso Lucideno, obra na qual
é perceptível o elogio à figura de Maurício de Nassau. Havia neles, segundo afirmava, “2 mil
coqueiros” que os moradores plantaram, além das diferentes espécies de animais e aves, fruto
também do consórcio com habitantes locais237. Na Figura 01, tem-se uma gravura feita pelo
pintor holandês Franz Post (1612-1680), na qual há uma representação do Palácio das torres
(D), com a vila de Olinda em perspectiva (M) e o forte Ernesto ao lado (G).
Na Figura 02 consta a sua localização, na época de sua construção, na qual há uma
representação da Ilha de Antônio Vaz. A área do Palácio está localizada onde está escrito
“Domus Comitis”.
234 Este autor apresenta dados diferentes sobre a fundação do Palácio das Torres, cuja construção poderia ter
terminado em 1641, 1642 ou 1643. Esta não é uma questão crucial para o andamento deste trabalho, porém, optou-
se por 1641 em razão de uma referência feita à obra de um comerciante de escravos inglês do século XVIII: “Bem
em frente à cidade, o rio se divide em dois braços que não correm diretamente para o oceano, mas em direção sul;
na ponta da ilha formada por essa divisão, ergue-se o palácio do governador, um belo edifício, obra do Príncipe
Maurício, com duas torres, tenho escrita uma única data:1641. As avenidas são sobremodo agradáveis, com suas
alamedas de altos coqueiros”. Cf. JOHNSON, Charles. History of the pirates. Londres, 1724. Apud GOUVÊA,
Fernando da Cruz. Maurício de Nassau e o Brasil holandês: correspondência com os Estados Gerais. 2ed. Recife:
Editora Universitária – UFPE, 2006. p. 194. Cf. MELLO, José Antônio Gonsalves de. Antônio Fernandes de
Matos (1671-1701). Recife: Ed. Dos amigos da DPHAN, 1957. p. 64. 235 LEÃO FILHO, Joaquim de Sousa. Palácio das Torres. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, n. 10, Ri ode Janeiro, 1946, p. 138. 236 LEÃO FILHO, Joaquim de Sousa. op. cit. p. 142. 237 CALADO, Manuel, Valeroso Lucideno. Apud LEÃO FILHO, Joaquim de Sousa. op. cit.
86
IMAGEM 01 – Palácio das Torres
Fonte: Recorte feito a partir da gravura “Boa Vista”, de Franz Post, em 1647. Local de Publicação:
Amsterdan - Typographeio Ioannis Blaev. Disponível em:
http://www.brasiliana.usp.br/handle/1918/02460043.
IMAGEM 02 – Localização do Palácio das Torres
Fonte: Elaborado a partir de um mapa da região do Recife elaborado por Georg Marggraf, de 1647. Local
de publicação: Amsterdan - Typographeio Ioannis Blaev. Disponível em:
http://www.brasiliana.usp.br/handle/1918/02460042
Apesar da aparente suntuosidade envolvida na construção, o Palácio não possuía uma
87
estrutura que pudesse suportar bem o clima tropical. Um material que pode ter sido bastante
utilizado pelos holandeses foi a madeira, provavelmente importada da Holanda, além de ser
material padrão na construção de edifícios e, aparentemente, os holandeses ainda não terem
acesso aos materiais próprios dos trópicos e resistentes ao clima238. Ao se referirem às
edificações holandesas, os portugueses utilizavam-se do termo “tabuados”239, uma espécie de
uma construção de madeira. Como resultado, o Palácio passou por uma série de reparos e
manutenções que serão analisados.
De acordo com o próprio Maurício de Nassau, em sua prestação de conta à Companhia
das Índias Ocidentais (WIC), referente ao ano de 1643, o palácio passou a ser habitado por ele
e sua corte no ano de 1642. Segundo o alemão Johan Nieuhoff, autor da Memorável viagem
marítima e terrestre ao Brasil, o edifício era “de aspecto nobre” e teria custado 600 mil florins.
Oferecia “uma perspectiva admirável, tanto do mar como da terra e suas duas torres eram tão
altas que podiam ser vistas do mar a 5 ou 6 milhas de distância, servindo mesmo como baliza
aos marinheiros”240. Julgar se essa construção exerceu algum tipo de fascínio aos moradores de
Pernambuco é algo difícil de medir. Não é difícil imaginar, contudo, que a perspectiva de
exercer suas atividades e morar em uma residência considerada nobre fosse algo atrativo,
tendo em vista os valores dessa sociedade.
O palácio construído para ser a sede do governo pelo Conde Maurício de Nassau foi,
por vezes, objeto de desejo por parte dos governadores e habitantes da capitania de Pernambuco.
Esta obra teria servido posteriormente tanto como casa dos governadores de Pernambuco e,
também, como convento de religiosos241. A residência no Palácio significava uma
proximidade maior com o porto, tornando mais fácil o serviço de assistência e fiscalização das
frotas de navios que desembarcavam no porto do Recife, tarefa importante e de atribuição do
governo. Muito provavelmente, os governadores estiveram envolvidos em redes de comércio,
algo que é mencionado nos trabalhos de Evaldo Cabral de Mello242. Por outro lado, redundava
em desgaste político com os senhores de engenho, tenazes em seu desejo de manter Olinda
como cabeça da capitania. A decisão por uma localidade ou por outra dependeu das alianças
238 O povoamento holandês pouco ultrapassou os limites da região Recife. MELLO, José Antonio Gonsalves de.
Tempo dos Flamengos: influência da ocupação holandesa na vida e na cultura do norte do Brasil. 5ed. Rio de
Janeiro: Topbooks, 2007. 239 LEÃO FILHO, Joaquim de Sousa. Palácio das Torres. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, n. 10, Ri ode Janeiro, 1946, p. 140. 240 Trecho retirado de FRANÇOZO, Mariana de Campos. De Olinda à Holanda: O gabinete de curiosidades de
Nassau. Campinas: Editora da Unicamp, 2014. 241 MELLO, José Antônio Gonsalves de. Antônio Fernandes de Matos (1671-1701). Recife: Ed. Dos amigos da
DPHAN, 1957. 242 MELLO, E. C. de. A Fronda dos Mazombos: nobres contra mascates Pernambuco, 1666-1715. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995.
88
formadas pelas autoridades régias que vinham governar a capitania e pelas próprias
preferências destes.
Antes de prosseguir com a análise, entretanto, faz-se necessário retomar minimamente
o contexto analisado. Por ser um período relativamente longo, mais de cinquenta anos, a
conjuntura política local e a central, referente à administração das conquistas ultramarinas em
seu nível mais elevado, sofreram alterações influenciadas pelos mais diferentes aspectos:
econômicos, sociais e diplomáticos. Para este trabalho, a metodologia de análise segue uma
lógica governo-por-governo. Significa que se entende que cada governador possui uma posição
em particular e que deve ser analisada enquanto tal, desde que se tenha preocupado sobre o
local de sua assistência e governo. Pode-se observar, entretanto, um entendimento sobre a
governabilidade da capitania e a definição de uma “capital”, uma forma de hierarquizar e
organizar as vilas, cidades e povoados. O contexto político mais geral, da mesma forma, não
será desconsiderado, pois é relevante para o entendimento das questões que serão expostas.
Em A Fronda dos Mazombos, do historiador Evaldo Cabral de Mello, de 1995, a fronda
“objetiva designar não somente os levantes de 1710-1”, a chamada Guerra dos Mascates, mas
“todo o processo de contestação à Coroa portuguesa que se esboçou a partir da deposição” de
Jerônimo de Mendonça Furtado, governador de Pernambuco entre 1664 e 1666, e “culminou
na sublevação” contra Sebastião de Castro Caldas, governador desta capitania entre 1707 e
1710243. Percebe-se que essa perspectiva liga dois momentos de sublevação ocorridos na
capitania de Pernambuco, no sentido em que um confere as bases do outro, na forma de uma
linha mestra de raciocínio, entre 1666 e 1707: das tensões em poder local e autoridades régias,
para além dos conflitos entre os produtores rurais e ligados ao açúcar e os comerciantes, em sua
maioria reinóis, da praça do Recife. Evaldo Cabral de Mello ainda aponta “três episódios”
decisivos nesse período. Além da já mencionada deposição de Jerônimo de Mendonça Furtado,
de 1666, o autor menciona a administração do Marquês de Montebelo (1690-1693) e os
conflitos ocorridos entre os religiosos da Congregação do Oratório244. Para o autor, esses
conflitos,
cada um à sua maneira, prefiguraram a guerra dos mascates, combinando em
diferentes formatos os ingredientes do conflito que desembocará na sedição
da nobreza contra o governador Castro e Caldas. A começar pelo principal
deles, o antagonismo entre o mercador reinol e o produtor brasileiro,
antagonismo digamos hegemônico, na medida em que tende a subordinar a si
243MELLO, E. C. de. A Fronda dos Mazombos: nobres contra mascates Pernambuco, 1666-1715. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995. p. 13. 244 Respectivamente, referentes aos capítulos 1, 2 e 3 de A Fronda dos Mazombos.
89
todos os outros antagonismos da sociedade colonial245.
Dessa forma, para Evaldo Cabral de Mello, a “luta pelo poder entre o credor urbano e o
devedor rural” acabava por reunir sobre si todas as tensões existentes na capitania, na segunda
metade do século XVII. Este capítulo, contudo, centrou-se, em sua maior parte, nas relações da
câmara de Olinda com os governadores. As formas de ação que os comerciantes, em
determinado momento, passaram a seguir, principalmente para manter o governador no Recife,
são também objeto de análise neste capítulo, embora essa relação possa ser observada com
menos frequência.
Existe algo que pode ser depreendido dessa situação e que possui um significado político
e cultural. A perda da capitalidade era, talvez, o maior temor daqueles que eram vinculados à
câmara de Olinda, o que implicava em uma derrota política e uma diminuição do status de
cidade com consequência na simbologia de valores de distinção social. Deve-se levar em
consideração os aspectos históricos ligados à ocupação da capitania e, também, à experiência
de dominação holandesa. Segundo Evaldo Cabral de Mello, estas duas questões eram
utilizadas como argumento para a manutenção de uma exclusividade no acesso aos cargos de
governo na capitania de Pernambuco246, que se processou de fato conforme observado no
capítulo primeiro. O Recife somente ganhou o status de vila depois de 1709, dois anos depois
que Sebastião de Castro Caldas assumiu o governo da capitania de Pernambuco. O rei D.
João V ter-lhe-ia encarregado da fundação de uma nova vila na localidade.
A partir desse ano, ocorreu o acirramento das tensões entre senhores de engenho e
comerciantes, iniciando-se a chamada Guerra dos Mascates247. Escrevia o rei que,
constantemente, “informado e persuadido” sobre as “questões de governabilidade”, havia
percebido a necessidade de se fundar uma nova vila no Recife, “para se evitar desuniões”248.
O reinado de D. João V, inclusive, é um momento de inflexão da política da Coroa em
relação a estas questões. D. Pedro II, seu antecessor, era inclinado à causa da nobreza da
terra249, enquanto que o seu sucessor passou a favorecer mais os comerciantes250. Olinda, por
245 MELLO, Evaldo Cabral de. op. cit., p. 123. 246 MELLO, Evaldo Cabral de. Rubro Veio: o imaginário da restauração pernambucana. 3ed (revista). São Paulo:
Alameda, 2008. 247 MELLO, E. C. de. A Fronda dos Mazombos: nobres contra mascates Pernambuco, 1666-1715. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995. 248 AUC, CA, Ordens reais para os Governadores de Pernambuco, tomo 1, fl. 396. 249 Termo que pode ser encontrado na documentação do período e que é utilizado por um grupo ligado à câmara
da cidade de Olinda que buscava manter a hegemonia política na capitania de Pernambuco, conforme pode ser
verificado em toda a obra de Evaldo Cabral de Mello, em especial a obra citada: MELLO, E. C. de. A Fronda dos
Mazombos: nobres contra mascates Pernambuco, 1666-1715. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
90
sua vez, já possuía o título de vila desde o século XVI, chegando a possuir a designação de
cidade por ocasião da instalação do bispado, em 1676.
A situação da capitania de Pernambuco, entretanto, após o fim do domínio holandês em
1654, não era de uma centralização da administração em suas diversas instâncias, as quais eram
divididas entre Olinda e Recife. Evaldo Cabral de Mello aponta a existência de uma
“especialização” de funções, da “unidade espacial da cidade alta”, local típico das instituições
políticas e sociais, como a câmara e a Santa Casa de Misericórdia, e a “cidade baixa”, região na
qual predominava a atividade comercial. Enquanto Olinda permanecia como sede política e
administrativa, o Recife destacava-se como praça comercial e local de ação dos agentes
fazendários251, apesar de esta localidade não possuir autonomia formal e pertencer ao termo da
vila de Olinda.
A elevação do Recife à condição de vila foi resultado de um longo processo, para o qual
concorreram diferentes questões, das quais a presença física do governador era apenas uma,
mas não menos importante. Desde o governo de Francisco Barreto de Meneses (1654-1657)
que este foi um tópico de discussão entre as autoridades locais e governadores. Não havia,
porém, uma discussão que envolvesse o Palácio das Torres, uma vez que foi centrada mais em
preocupações de segurança devido às ameaças que ainda pairavam sobre a soberania
portuguesa nos territórios das capitanias do Norte.
No período moderno, as câmaras municipais tinham um importante papel administrativo
e político em nível local para a manutenção do império português252. Essas municipalidades
representavam as posições hierárquicas presentes e refletiam o status social e o poder de seus
moradores por meio, também, de suas construções: casas, conventos, palácios, etc., conforme
analisado com mais atenção no capítulo I. A estrutura urbana, portanto, tinha um importante
papel na afirmação das câmaras municipais frente a outras municipalidades, governadores e ao
Rei253.
Em Pernambuco, isso pode ser percebido pelas dificuldades encontradas por alguns de
250 Cf. Mello, E. C. de. O nome e o sangue: uma parábola genealógica no Pernambuco colonial. São Paulo:
Companhia das Letras, 2009. 251 MELLO, E. C. de. A Fronda dos Mazombos: nobres contra mascates Pernambuco, 1666-1715. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995. p. 145. 252 Exerciam um importante papel de canalização dos poderes locais em torno das vias institucionais do império
português. Os trabalhos que são referências e basilares para os estudos sobre a câmara municipal: BOXER, Charles
R.. The Portuguese society in the tropics: the municipal councils of Goa, Macao, Bahia and Luanda, 1510-1800.
Madison-Milwaukee, University of Wisconsin Press, 1965. BICALHO, Maria F. B. . As Câmaras Ultramarinas e
o Governo do Império. In: FRAGOSO, João, BICALHO, Maria Fernanda & GOUVÊA, Maria de Fátima (orgs.).
O Antigo Regime nos Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 2001. 253 FONSECA, Cláudia Damasceno. Funções, hierarquias e privilégios urbanos. A concessão dos títulos de vila e
cidade na Capitania de Minas Gerais. VARIA HISTORIA, nº 29, Janeiro, 2003.
91
seus governadores em reconstruir o Palácio das Torres. Por que alguns governadores buscavam
reerguer esse edifício? Talvez a resposta esteja muito mais relacionada a aspectos pessoais, que
administrativos e econômicos. Efetivamente, o que se pode conjecturar é que o controle sobre
as rendas da capitania era um aspecto a ser levado em consideração, pois possibilitava a
condução sobre o destino da aplicação dos impostos arrecadados na capitania. A recuperação
deste edifício representava a perda da sede administrativa por parte de Olinda e a valorização
do Recife como região em ascensão, “rival” daquela localidade, e centro mercantil da capitania.
Em razão disso, os representantes da câmara de Olinda não se esforçaram em reformar o Palácio
para evitar que os governadores exercessem suas obrigações lá e morassem nele. O objetivo
dessa falta de empenho era manter a sua hegemonia política na capitania, coagindo-os a morar
em Olinda.
A Coroa portuguesa interveio, por vezes, arbitrando pela permanência do governo na
vila de Olinda por meio de recomendações e ordens régias, talvez, pela ideia de que estes
deveriam permanecer no local. A primeira ordem que se tem notícia foi enviada ao governador
Bernardo de Miranda Henriques, de 10 de outubro de 1669. Nesta, contudo, há uma referência
a uma ordem de 23 de agosto de 1663, durante a administração de Francisco de Brito Freire.
Em ambas, o rei determinava que os “Ministros do Governo Político” deveriam permanecer
na vila de Olinda, o que o monarca estendia a outros postos e cargos como: provedor da
fazenda, ouvidor geral e oficiais de justiça de uma maneira geral254. Por esse motivo, utiliza-
se como marcos da primeira parte desse capítulo os anos de 1654 e 1664, fim do governo de
Francisco de Brito Freire. É o período no qual há uma quantidade maior de fontes sobre o
assunto, o que redunda em uma atenção maior a esta parte do capítulo.
A segunda parte do capítulo cobre um período mais longo, embora não haja tanta
discussão em torno da moradia dos governadores e que envolva o Palácio das Torres. Esta parte
começa com o governo de Jerônimo de Mendonça Furtado, ainda em 1664, e termina com uma
mudança de postura da Coroa portuguesa em relação às atividades dos governadores de
Pernambuco, em 1689. A ordem régia de 2 de março de 1689, direcionada ao governo de
Antônio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho, determinava que este deveria “assistir” no Recife
apenas no chamado período das frotas, no qual sua presença era requisitada para a expedição
dos navios. Na mesma ordem, o rei ordenava de igual modo os ouvidores. Esse mandado régio
254 BIBLIOTECA Nacional do Rio de Janeiro. Informação Geral da Capitania de Pernambuco. Rio de Janeiro:
Oficinas de Artes Graphicas da Bibliotheca Nacional, 1906. Anais da Biblioteca Nacional. vol. XXVIII. p. 130.
“São mais obrigados a assistir na cidade de Olinda pelas ordens seguintes”. AUC, CA, Ordens reais para os
governadores de Pernambuco, tomo 1, p. 53v.
92
teria sido resultado de atuação de um procurador da câmara na corte255.
3.2 Dá-me um palácio para morar
Os dois primeiros governadores da capitania de Pernambuco, logo após o período de
domínio holandês, mantiveram posturas distintas em relação à necessidade de reorganizar o
governo na capitania com a centralidade em Olinda. Francisco Barreto de Meneses, reinol,
general na guerra contra os holandeses, governador de Pernambuco (1654-1657) e
posteriormente governador geral (1657-1663), permaneceu firme na resolução de conservar a
povoação do Recife, definindo que a reconstrução de Olinda deveria ser feita sem a destruição
do que havia sido construído pelos holandeses. A questão principal discutida era a defesa, sob
temores da ocorrência de uma nova invasão256. Já o seu sucessor, André Vidal de Negreiros,
natural da Paraíba e que possuía mais ligações com os senhores de engenhos das capitanias do
Norte, logo que assumiu, resolveu mudar o governo da capitania para Olinda a pedido de seus
“moradores”, o que teria sido censurado por Meneses, depois que este passou para o governo
geral. Quem retomou a discussão foi o governador seguinte, Francisco de Brito Freire.
André Vidal Negreiros possuía laços estreitos com os produtores rurais da capitania da
Paraíba e da capitania de Pernambuco. Pelas ligações sociais que possuía, rapidamente
inclinou-se para que a antiga configuração de governo do período antebellum se
reestabelecesse, com Olinda como sede administrativa da capitania. Em carta de 7 de
setembro de 1657, André Vidal de Negreiros informava ao rei que haveria de fazer a
transferência do governo de Recife para Olinda por que era algo bem quisto pelos seus
moradores. Afirmava que, estando com os
oficiais da câmara da vila de Olinda, nobreza e mais povo, prelados dos conventos e clero dela, representando as razões por que convinha passar-se do Recife para a dita vila, com os ministros de guerra, justiça e fazenda, mandou chamar as pessoas de maior satisfação e autoridade que ali residem para resolverem matérias tão grande257.
André Vidal de Negreiros argumentava, ainda, sobre a conveniência que seria ao serviço de
255 BIBLIOTECA Nacional do Rio de Janeiro. Informação Geral da Capitania de Pernambuco. Rio de Janeiro:
Oficinas de Artes Graphicas da Bibliotheca Nacional, 1906. Anais da Biblioteca Nacional. vol. XXVIII. p. 130.
“São mais obrigados a assistir na cidade de Olinda pelas ordens seguintes”.
256 AHU-PE, PA, Cx. 7, Doc. 604. 257 Idem.
93
“Deus e de Vossa Majestade” e ao “bem comum ir ele governador com os tais ministros assistir
e viver na dita vila com mais”. A sua presença e de outras autoridades promoveria a
reconstrução da vila258. Logo, percebe-se a importância do governador e de outros agentes
régios para a própria existência de uma dinâmica política, social e fiscal de uma “capital” ou
vila, tanto pela posição que possuíam, qualitativamente, quanto pelo que sua presença
representava na concentração das atividades da capitania.
No parecer do conselheiro Salvador Correia de Sá e Benevides percebe-se que havia
esta percepção por parte da câmara de Olinda e de seus moradores. Este afirmou que havia
entendido que os oficiais da câmara da dita vila “pretendiam que o governador da capitania de
Pernambuco André Vidal e todos os tribunais da jurisdição daquela capitania” transferissem
suas atividades “da praça do Recife para a dita vila de Olinda para se poder reedificar e levantar
o tempo da matriz mais facilmente, assistindo todos nela”. Salvador Correia de Sá, contudo,
endossava as ordens de Francisco Barreto de Meneses, governador geral, que seria mais
conveniente a permanência das autoridades na praça do Recife, por ser “a mais importante”
para “a conservação” da capitania259.
Sobre essa matéria, o Conselho Ultramarino não se mostrou unânime. Apesar de terem
levado em consideração as razões de André Vidal de Negreiros, os conselheiros ressaltaram a
necessidade de uma consulta prévia e autorização régia. O conselheiro Feliciano Dourado,
que possuía laços familiares com os Quaresma Dourado, importante família da Paraíba que
controlou o cargo de provedor da fazenda como proprietários260, mostrou-se mais inclinado às
aspirações de André Vidal de Negreiros. Dourado afirmou que a mudança do governo para
Olinda traria benefícios para os moradores, tendo em vista que muitos possuíam casas na vila.
Apresentava, contudo, cautela em relação aos rumos das relações diplomáticas entre Portugal e
Holanda, pois, enquanto não fossem resolvidas as questões do tratado de paz, não se deveria
“inovar coisa alguma na mudança do governo, e mais tribunais para a dita vila de Olinda”261.
Francisco de Brito Freire parece ter “inovado”, agindo de forma contrária às colocações
do Conselho Ultramarino. Freire teve de enfrentar esse problema proveniente dos conflitos de
jurisdição que envolveram André Vidal de Negreiros e Francisco Barreto de Meneses. Parece,
porém, que teve êxito em sua empreitada em fazer com que a assistência do governo
permanecesse no Recife.
258 AHU-PE, PA, Cx. 7, Doc. 604. 259 Idem. 260 MENEZES, Mozart Vergetti de. Colonialismo em ação: fiscalismo, economia e sociedade na capitania da
Paraíba (1647-1755). São Paulo. Tese de Doutorado – USP. Defendida em 2005. 261 AHU-PE, PA, Cx. 7, Doc. 604.
94
Olinda e Recife, na segunda metade do século XVII, viveram situações opostas, em
termos de desenvolvimento urbano262. Enquanto a primeira convivia com a necessidade de
reconstrução, fruto do incêndio provocado pelos holandeses, o segundo despontava como a
região economicamente mais dinâmica, por concentrar as atividades mercantis,
principalmente263. Logo após a expulsão da Companhia das Índias Ocidentais (WIC), a
capitania de Pernambuco passava por um período de reestruturação da administração nas mãos
da Coroa portuguesa. Fazia-se necessário, portanto, decidir se a sede da capitania permaneceria
no Recife, até o momento somente uma “povoação”, ou voltaria para a vila de Olinda. Muitos
fatores poderiam influenciar para a determinação da sede de uma capitania: o estabelecimento
de uma câmara municipal, o local de trabalho e moradia do Governador, entre outros fatores.
Para o caso de Pernambuco, percebe-se que existe por parte da câmara de Olinda uma
busca pela “totalidade” do poder por meio da concentração em um mesmo espaço das esferas
políticas, câmara municipal e governo, da esfera militar, da econômica e da judicial. De uma
forma genérica, as duas primeiras eram representadas pela figura do governador, assim como o
exercício da justiça, por ser aquele que personificava o Rei, em conjunto com os ouvidores. A
terceira esfera era objeto de ação das provedorias, alfândegas e também da câmara municipal,
nicho de poder geralmente ligado às elites locais. Além disso, tem-se o poder religioso
partilhado pelas ordens religiosas e pelo clero secular, atrelados à estrutura senhorial da
sociedade, seja por relações de parentesco ou pela formação de alianças com os senhores de
terra. Esse quadro geral é importante para a compreensão da relação existente entre espaço e
poder, no contexto estudado, de uma forma que a “presença física” dessas instituições
promovesse uma hierarquização dos espaços da capitania.
Depois que os holandeses conquistaram a capitania de Pernambuco, em 1630, a vila de
Olinda foi logo destruída por estes por ser considerada indefensável. Quatro anos depois de
restaurado o domínio português sobre a região, em 1658, o Governador geral Francisco Barreto
262 Ressalta-se novamente que essa expressão é utilizada sem nenhum juízo de valor, ou caráter evolutivo das vilas
e cidades. Antes, denota um grau maior ou menor de ocupação do espaço por parte do homem com estruturas
tipicamente urbanas: conventos, a casa da câmara, o pelourinho, etc. Urbanismo, conforme aponta Cláudia D.
Fonseca, é um termo recente historicamente. Este pode ser entendido, para o período colonial do século XVII,
como o “conjunto de medidas técnicas, jurídicas e econômicas que permitem uma intervenção ou um
desenvolvimento autônomo das cidades”. Cf. LEPETIT, Bernard. Pouvoir municipal et urbanisme (1650-1750):
sources et problématique. In: LIVET, G.; VOGLER, B. Pouvoir, ville et société en Europe 1650-1750. Actes du
Colloque Interna-tional du CNRS. Paris: CNRS, 1981. p. 35-49.p. 35, apud FONSECA FONSECA, Cláudia
Damasceno. Urbs e civitas: A Formação dos espaços e territórios urbanos nas Minas setecentistas. São Paulo.
Anais do Museu Paulista. v. 20. n.1. jan.- jun. 2012, p. 90. 263 Conforme pode ser observado por meio da análise feita por Evaldo Cabral de Mello em A fronda dos Mazombos.
A câmara de Olinda mantinha uma posição de domínio político, mas que foi paulatinamente minada pelos esforços
de parte dos grandes comerciantes da praça do Recife, que buscavam a criação de uma nova vila nessa região. Para
mais Cf. MELLO, E. C. de. A Fronda dos Mazombos: nobres contra mascates Pernambuco, 1666-1715. São
Paulo: Companhia das Letras, 1995.
95
de Meneses, nomeado nesse cargo após ter sido governador de Pernambuco, endossava este
fato ao afirmar que havia dificuldades de se estabelecer uma fortificação eficaz em Olinda.
Meneses continuava argumentando que seria mais conveniente conservar-se o Recife, pois os
armazéns das munições estariam mais seguros, e a descarga dos navios era menos custosa. Os
argumentos de Francisco Barreto, talvez, levassem mais em consideração a conveniência de
aproveitar uma estrutura de defesa já estabelecida pelos holandeses, do que gastar grandes
quantias para proteger a vila de Olinda.
De outra forma, para o Governador, não valeria a pena “desbaratar o Recife” para
reedificar uma vila “perdida”, cujas “ruínas” estavam “diante dos olhos”, a qual o “inimigo”,
após conquistá-la, “desmantelou” por julgá-la “incapaz de defesa”264. Francisco Barreto estaria
questionando as razões que levaram o então Governador de Pernambuco no momento, André
Vidal de Negreiros, a mudar a administração da capitania do Recife para Olinda. Escrevia
Meneses que esta mudança serviria apenas a interesses particulares de alguns grupos que
desejavam devolver para Olinda “o seu antigo estado”, retornando os seus moradores à
“opulência que tinham”, como analisado no capítulo primeiro, para o reestabelecimento dos
“tribunais” e “governo265”. O argumento principal de Francisco Barreto era que não se
poderia reconstruir Olinda em detrimento do Recife. E que o fato de as principais atividades
estarem sendo exercidas no Recife, não impedia que Olinda fosse reconstruída. Isso, porém,
deveria ser feito de maneira gradual e respeitando as condições materiais do contexto. Dizia o
governador geral que
com a assistência do governo no Recife se não evita poderem, os que tiverem
cabedal reedificarem suas casas e mais templos na dita vila, a que será muito
devido todo o favor, que (sem se mudar) lhe puder dar o governo e tribunais,
nem tão pouco, se impedia que quando a vila tomar o seu primeiro estado, e
os moradores daquela capitania a opulência que tinham, no tempo a
perderam, se restituísse266.
Estes primeiros cinco anos (1654-1658), é possível afirmar, marcaram o início da perda da
hegemonia política de Olinda, apesar da mudança momentânea do governo efetuada por André
Vidal de Negreiros, e do soerguimento do Recife como um núcleo populacional que já esboçava
um certo desprendimento do termo de Olinda.
264 AHU-PE, PA, Cx 7, Doc. 604. 265 Idem. 266 Idem.
96
3.3 Definições sobre o local de “assistência”.
A jurisdição alargada de Francisco Barreto de Meneses, como capitão general da
capitania de Pernambuco e suas anexas, foi posteriormente reduzida aos seus sucessores, o
que gerou problemas e conflitos em questões nessa área, desde provimentos militares até a
própria questão da sede da capitania, conforme analisado pela historiadora Vera Lúcia Costa
Acioli267. Ainda que o próprio Francisco Barreto de Meneses, em carta enviada a André Vidal
de Negreiros, tenha afirmado que as “preeminências acompanham os postos e não as pessoas
que os ocupam”268, parece que isso não foi aplicado em relação à sua atuação, tanto que
Francisco de Brito Freire chegou a pedir explicações sobre a jurisdição que lhe competia,
chegando a desistir de ter jurisdição sobre a capitania do Rio Grande, em 1662269.
Sobre a década de 1660, a historiadora Kalina Vanderlei Silva afirma que este foi um
período de reorganização da capitania de Pernambuco, que passava por uma mudança de status
jurídico: de capitania hereditária à capitania régia. Conforme foi visto, e que a autora indica,
essas reformas já foram ensaiadas e aplicadas durante o governo de Francisco Barreto pelo
menos no plano político e fiscal. O que se via, entretanto, era uma capitania que ainda possuía
um exército de guerra inchado e incompatível com a época de maior estabilidade que se
iniciava270. Com um exército grande, eram grandes as despesas que ainda eram mantidas para
sustentar os soldados, o que dificultava a aplicação de recursos em obras públicas.
Começando esta análise pelo ano final do seu governo, mais especificamente pelo
relatório de governo que Francisco de Brito Freire fez, a parte que mais interessa a este capítulo
diz respeito ao Palácio das Torres. Sobre esse edifício, o governador afirmava que este estava
“lastimosamente desmantelado e quase de todo caído”. A preocupação da autoridade
direcionava-se à administração dos recursos da capitania, em especial o controlado pela câmara
e aos benefícios que um reparo nas construções erguidas pelo Conde de Nassau traria.
Argumentava Freire que “eram muito inferiores os gastos ordinários e socorros da gente de
guerra” e, “aos efeitos reais com que para se acudir a necessidade precisa daqueles edifícios,
267 ACIOLI, Vera Lúcia Costa. Jurisdição e Conflito: Aspectos da administração colonial: Recife: Ed.
Universitária da UFPE, 1997. 268 ACIOLI, Vera Lúcia Costa. op. cit.. p. 82. 269 ACIOLI, Vera Lúcia Costa. Jurisdição e Conflito: Aspectos da administração colonial: Recife: Ed.
Universitária da UFPE, 1997. MELLO, E. C. de. A Fronda dos Mazombos: nobres contra mascates Pernambuco,
1666-1715. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. 270 SILVA, Kalina Vanderlei. Francisco de Brito Freire e a reforma militar de Pernambuco no século XVII. In:
POSSAMAI, Paulo. Conquistar e defender: Portugal, Países Baixos e Brasil: Estudos de história militar na idade
moderna. São Leopoldo, Oikos, 2012. p. 215.
97
postos na total ruína a que estavam reduzidos como desabitados”271.
Desde 1662, Freire reclamava aos oficiais da câmara de Olinda que se gastava muito
com a moradia dos governadores, situação que pode ser rapidamente ligada ao governo de
André Vidal de Negreiros. É importante ressaltar que não havia um prédio oficial e que o
Palácio das Torres estava arruinado, como afirmava Francisco de Brito Freire. Este, inclusive,
apesar de ter assistido em todo o seu governo no Recife, somente morou “nas Torres” em 1664,
último ano de seu governo. Logo, independentemente de onde permanecesse o governo, a
câmara de Olinda direcionava recurso para a moradia dos governadores272.
Estas despesas não estariam compatíveis com a situação contábil tanto da Fazenda Real,
quando da própria câmara, que enfrentava dificuldades com o sustento das tropas e mesmo com
despesas ordinárias273. Para Brito Freire, o Palácio das Torres tinha condições de estabelecer o
governo e a sua reconstrução seria uma saída mais viável, apesar de estar “arruinado”. Havia,
todavia, um descaso por parte da câmara com este e outros edifícios “nobre”. Os camarários
gastavam, segundo argumentos do Governador, 150 mil réis anuais com o aluguel de sua
residência. Alegava Freire que possuía cabedal suficiente para se manter sem a ajuda da
câmara. Esta, porém, deveria aplicar a quantia paga com a “aposentadoria” do governador na
reforma do Palácio das Torres274. Assim, ordenava o governador, em 10 de novembro de
1662, que “os oficiais da câmara fação mandado para o contratador dos subsídios do açúcar
pagar ao capitão João de Mendonça os 150 mil réis para se me haverem de dar de minha
aposentadoria [e] apliquei para a reedificação das casas das torres”. Afirmava o governador
que 600 mil réis seriam suficientes para a reforma necessária para o Palácio275.
O governador, com essa atitude, assumiu os riscos políticos que este empreendimento
poderia resultar. Em suas próprias palavras, argumentava que a reconstrução do Palácio das
Torres era um “dever” da câmara e não um “favor”. Completava o governador afirmando que
gerir a capitania de Pernambuco era viver um dilema de agradar determinado grupo e fomentar
o ódio em outros, por consequência, pois se ficava “mal com Olinda por amor ao Recife”, ou
“mal com Recife por amor a Olinda”276. Aparentemente, Brito Freire teria optado por
contrariar os interesses dos indivíduos vinculados a Olinda. Em termos numéricos, do total de
90 documentos expedidos como “Disposições”, constantes no fundo conhecido como Coleção
271 Relatório da administração da capitania de Pernambuco, nos meados do século XVII por Francisco de Brito
Freire. Disponível em: http://purl.pt/22749. 272 Idem. 273 AUC, CA, Disposições dos Governadores de Pernambuco, tomo 1, fl. 82v. 274 AUC, CA, Disposições dos Governadores de Pernambuco, tomo 1, fl. 82v-83, 85v. 275 AUC, CA, Disposições dos Governadores de Pernambuco, tomo 1, fl. 85v. 276 AUC, CA, Disposições dos Governadores de Pernambuco, tomo 1, fl. 88-89.
98
Conde dos Arcos, apenas um foi escrito e enviado a partir da vila de Olinda. Todos os outros
eram originários do Recife277. Isso traz indícios para uma maior atuação por parte dos
governadores nessa povoação.
Essa menção sugere a existência de uma luta pela administração dos recursos
provenientes de impostos. No caso, os contratos de subsídios278 que eram administrados pela
câmara: do açúcar, do tabaco, das carnes, das garapas e o dos vinhos. Os contratos que eram
designados para o sustento das tropas eram o do açúcar, das garapas e dos vinhos, sendo este o
que arrecadava um montante maior de recursos279. Dispõe-se, entretanto, de alguns dados
referentes aos anos de 1682, 1685 e 1686, embora não estejam completos e serem restritos aos
contratos dos vinhos e do açúcar.
QUADRO 04 – Valores arrecadados de contratos administrados pela câmara de Olinda.
1682
(Cruzados)
1685
(Cruzado
s)
1686
(Cruzados)
Contrato dos
vinhos
40 mil 52
mil
Contrato do
açúcar
56
mil
62 mil
FONTE: AHU-PE, Papéis Avulsos, Caixa. 14, Doc. 1466.
Essa sequência de valores, embora restrita a um período muito curto de tempo, pode
fornecer relativamente uma ideia dos recursos que a câmara de Olinda dispunha para serem
gastos. Estes valores devem ser somados com os outros contratos, dos quais, infelizmente, não
se dispõe de dados. Convertendo esses valores para réis, tem-se uma quantia, respectivamente,
de 16 contos, 20 contos e 800 mil réis, 22 contos e 400 mil réis e 24 contos e 800 mil réis.
Quantias que podem ser consideradas altas para uma obra orçada apenas em 600 mil réis. Quais
seriam, então, os problemas para se realizar as obras requeridas por Brito Freire? A divisão
hierárquica que existia entre o Recife e Olinda tinha influência, pois aquele era o local dos
277 AUC, CA, Disposições dos Governadores de Pernambuco, tomo 1. Ver toda a parte dedicada a Francisco de
Brito Freire. 278 Imposto que incidia sobre a comercialização de determinados produtos no entorno da vila, como uma
contribuição pela atividade fiscalizadora por parte da câmara. 279 De acordo com os dados constantes na Informação Geral da capitania de Pernambuco, de 1746-1749. Cf.
BIBLIOTECA Nacional do Rio de Janeiro. Informação Geral da Capitania de Pernambuco. Rio de Janeiro:
Oficinas de Artes Graphicas da Bibliotheca Nacional, 1906. Anais da Biblioteca Nacional. vol. XXVIII. p. 285.
99
mercadores e dos oficiais mecânicos, conforme se observará na próxima parte. Dessa forma, a
aplicação de determinada renda dependia das conveniências do grupo. Nesse caso, um grupo
que queria um espaço de atuação bem determinado e que não poderia ser violado por outras
autoridades régias. Esses valores referidos logo acima, farão mais sentido para a segunda parte
do trabalho, na qual há a análise de governadores que chegaram a fazer um levantamento do
que haveria de ser feito para a reforma do Palácio das Torres.
3.4 De Mendonça Furtado a Aires de Sousa e Castro
Este período, apesar de ser maior, apresenta menos informações que contribuam para a
discussão sobre a capitalidade. Pode-se observar, de governo para governo, uma possível
tentativa de buscar uma resolução para o Palácio das Torres. Em 4 de março de 1665, o
governador Jerônimo de Mendonça Furtado reclamava do tamanho das casas pagas pela câmara
de Olinda, insuficiente para a acomodação de seus criados e “pessoas da casa”. Seis meses
depois, apesar de não fazer nenhuma menção ao Palácio das Torres, o Governador afirmava
que era necessário para a sua residência permanente no Recife, pois “folgariam mais” os oficiais
da câmara com a sua “assistência no Recife” que em Olinda280. Furtado foi um dos
governadores que mais entrou em conflito com a câmara, o que provocou a sua prisão e
deposição281.
As razões apresentadas pela câmara de Olinda para a expulsão do governador,
apresentadas em 1666, são reveladoras da dimensão do local que o governador escolhia para se
estabelecer e, principalmente, realizar suas atividades. Afirmavam os camaristas que, “para se
continuar a povoação” que na vila havia antes dos holandeses, o referido “antigo estado”,
“animaram-se” os moradores a “reedificar grandes propriedades de casas que com a entrada
dos holandeses se tinham arrasado”. Segundo afirmaram, isso seria necessário para estabelecer
todos os “oficiais maiores de guerra e os ministros e oficiais de justiça” para a vila, edificando
casas nela. Os “oficiais mecânicos, mercadores e gente popular” deveriam seguir para a
“povoação” do Recife. Isto teria sido aceito e acordado com os moradores e ordens religiosas:
Companhia de Jesus, Ordem do Carmo, São Bento e São Francisco, todas com “grandes e
suntuosos conventos” na vila de Olinda282. Por fim, os oficiais da câmara afirmaram que
280 Arquivo da Universidade de Coimbra, Coleção Conde de Arcos, Disposições dos Governadores de
Pernambuco, tomo 1, fl. 140v. 281 Sobre isto, ver o capítulo primeiro de MELLO, E. C. de. A Fronda dos Mazombos: nobres contra mascates
Pernambuco, 1666-1715. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. 282 ANAIS da Biblioteca Nacional, vol. LVII, 1935. Deposição de Jerônimo de Mendonça Furtado. p. 128.
100
Os governadores antecessores por seus respeitos particulares faziam morada
na povoação do Recife, onde aos moradores de fora, que vinham a seus
negócios, e requerimentos se desacomodavam muito assistir, por não ser o
lugar capaz, não havia nele aqueles lugares públicos de casa de auditório,
vereação e praça de pelourinho; o que tudo fez aparelhar com a decência e
autoridade que convinha na vila283.
Francisco de Sousa Coutinho, governador em 1671, afirmava que o rei havia mandado
permanecer com o governo em Olinda e cuidar da reconstrução da vila, ordenando que os
“moradores, senhores de engenho e mais pessoas que poderosas” que possuíssem “chãos” nessa
localidade, ou que exercessem algum ofício vinculado a ela, fossem obrigados a “levantar as
casas” que ainda estavam “caídas”284, conforme visto no capítulo anterior. Aqui, contudo,
ressalta-se a necessidade de quem tivesse algum ofício que estivesse ligado a Olinda de exercê-
los nessa localidade, um indício de que haveria um esvaziamento destes indivíduos em seu
entorno.
Muitos governadores arriscaram-se a viver no Palácio das Torres entregue à ruína pelos
oficiais da câmara de Olinda. Aires de Souza e Castro, em 1678, teria feito um orçamento do
custo de reforma das Torres. Chegou à quantia de 54 mil e 900 réis, valor bem inferior aos 600
mil réis especulados por Francisco de Brito Freire. Em 1686, João da Cunha Souto Maior
retirou-se do Palácio temendo a queda da estrutura. Este teria ordenado ao Provedor da Fazenda
Real, João do Rego Barros, a realização de uma vistoria técnica e que cuidasse da reforma.
Souto Maior afirmava que as portas estavam estouradas e que a estrutura do Palácio era
insegura, por “ser obra flamenga”. Provavelmente, referia-se à adaptabilidade do material de
construção utilizado pelos holandeses, impróprio para a região dos trópicos e, por essa razão,
pouco duráveis neste contexto climático285.
Em 1686, o governador da capitania de Pernambuco, João da Cunha Souto Maior, de
Olinda, escreveu à câmara desta localidade declarando que necessitava ver-se “livre de
sustos”. As queixas da autoridade direcionavam-se ao local destinado à sua morada que,
segundo suas palavras, eram da responsabilidade daquele senado. Aparentemente, após 1654,
o local mais recorrente de morada do governador de Pernambuco foi o Recife. Entre as
diferentes razões que cada governante argumentava, a facilidade para o “despedir” das frotas
e o trato dos negócios referentes à sua jurisdição na administração da capitania foram as mais
pronunciadas. Para o governador em questão, o posicionamento foi semelhante. O motivo
283 Idem. 284 AUC, CA, Disposições dos Governadores de Pernambuco, tomo 1, fl. 251v. 285 AUC, CA, Disposições dos Governadores de Pernambuco, tomo 1, fl. 430v, 431v-432v.
101
para os sustos que Souto Maior sofria era a situação de degradação do Palácio das Torres,
moradia dos governadores de Pernambuco. Relatava o governador que “Bem presente é a
vossa mercê o estado em que se acham as torres do Recife que é com tal danificação que mais
se pode esperar uma ruína nelas do que experimentar o sossego que todos procuram para sua
quietação”286. Segundo seus argumentos, o governador anterior, dom João de Sousa, retirou-
se com medo de algum acidente do mesmo local, o que motivou Souto Maior a seguir o
exemplo de seu antecessor.
No relatório oferecido pelo provedor, dizia-se que o Palácio das Torres era feito de
tijolos, e por esse motivo seria pouco “durável”, provavelmente, de origem holandesa e pouco
adaptados ao clima tropical. Algo que comprometeu a estrutura da edificação foi o “sitio” de
caranguejos que circulavam pela fundação da obra, um problema de aterramento, já que a região
era de manguezais e necessitava de uma cobertura de areia eficiente para suportar a construção
de edifícios. O provedor João do Rego Barros afirmava que era preciso fazer “pilares novos” e
de emadeiramento também novo. Além dos custos com material, o trabalho do ferreiro e do
carpinteiro valia 500 mil réis e 600 mil réis, respectivamente.
Anos depois, o Palácio das Torres pareceu estar finalmente reconstruído. Em 1691, por
meio da intervenção econômica do comerciante Antônio Fernandes de Matos, e a pedido do
Marquês de Montebelo, o governador Antônio Félix Machado da Silva e Castro, a reforma do
Palácio teria ficado pronta, segundo afirma Evaldo Cabral de Mello287. Em 1699, teria sido
usado para a realização de uma reunião entre autoridades da capitania: o provedor da fazenda,
o procurador da Coroa, o governador da capitania de Pernambuco e o bispo.
A questão discutida era da definição de um foro, um imposto a ser pago pela extensão
das terras e por sua qualidade, definida pela proximidade do Recife288. No ano seguinte, o então
governador Fernão Martins Mascarenhas de Lencastro teria proposto ao rei a divisão do termo
de Olinda para a criação de uma nova vila no Recife, o que foi rechaçado pelo rei D. Pedro II,
que lembrou ao governador que repetidas vezes teria recomendado a conservação da então
cidade de Olinda como sede do governo da capitania289. Anos mais tarde, conforme colocado,
D. João V resolveu criar a vila do Recife, possivelmente convencido pelos argumentos dos
286 AUC, CA, Disposições dos Governadores de Pernambuco, tomo 1, fl. 430v, 431v-432v. 287 Cf. MELLO, E. C. de. A Fronda dos Mazombos: nobres contra mascates Pernambuco, 1666-1715. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995. 288 AHU-PE, PA, Cx. 18, D. 1777. Cf.ALVEAL, Carmen Margarida Oliveira Alveal. Converting Land into
Property in the Portuguese Atlantic World, 16th-18th Century. Tese (Doutorado em História) – Johns Hopkins
University, 2007. p 169; ALVEAL, Carmen Margarida Oliveira. Transformações na legislação sesmarial,
processos de demarcação e manutenção de privilégios nas terras das Capitanias do Norte do Estado do
Brasil. Estudos Históricos Rio de Janeiro, vol. 28, n. 56, pp. 247-263, julho-dezembro, 2015.
289 AUC, CA, Ordenações para os governadores de Pernambuco, tomo 1, fl.282v.
102
comerciantes, cuja ação pode ser percebida no sentido de dotar constantemente os espaços desta
localidade de construções “dignas” de uma vila ou cidade. Para que isso ocorresse, seria
necessário que indivíduos estivessem dispostos a colocarem seus cabedais a serviço de uma
“causa”. A promoção de uma localidade que se mostrava “rival” de outra visava também uma
promoção pessoal. Materializada nas obras e na opulência de suas construções, o Recife acabou
por alcançar o status de vila, ou, ao menos, criou-se essa ideia de comparação entre ele e Olinda.
103
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto nos três capítulos desta dissertação, ainda restam muitas lacunas a
serem preenchidas. A natureza fragmentária e esparsa das discussões acerca da capitalidade
prejudicou o entendimento processual da perda da condição de Olinda como “cabeça” da
capitania. Uma perda, de fato, não ocorreu, tendo em vista que Olinda somente deixou de ser
“capital” de Pernambuco no século XIX. A importância no contexto estudado, contudo, não
aparenta ter sido a mesma, economicamente, com o desmembramento da região portuária e a
posterior concentração populacional na área do Recife e estabelecimento no termo da vila.
Desde 1654, a câmara de Olinda e indivíduos importantes da capitania enfrentaram
dificuldades em implementar uma recuperação da vila de Olinda. Inicialmente, o argumento da
segurança parecia ser o mais conveniente em razão das constantes ameaças de novas invasões
por parte da Holanda e de outras nações. Paralelamente às discussões relativas à segurança e
contornos de sistemas de defesa, muito se argumentou sobre a “capacidade” territorial da vila
de Olinda em abrigar edifícios “nobres” e de receber um número considerável de ordens
religiosas em seu entorno, em paralelo com o provável estado que se formava de uma constante
mudança do centro de domínio para a povoação do Recife, local em que os holandeses se
instalaram e desenvolveram uma urbe relativamente desenvolvida.
Neste momento, o apelo foi elaborado a partir da ideia de tradição, de como aqueles que
lutaram na guerra sentiam-se, não somente merecedores das benesses reais por todo o empenho
no conflito, mas também compelidos a reconstruir uma estrutura social vigente antes de 1630,
a qual passava, entre outras questões, pela redefinição da relação que tinham com a vila de
Olinda. Logo, percebe-se a superposição de questões relativas à família, ao incorporar uma
noção de antiguidade relacionada não somente entre parentes, mas entre esses grupos e a própria
vila.
Os “ventos” aludidos por Sebastião de Castro Caldas carregavam pessoas, instituições,
desde pedras de construção de casas até as do arruamento, diminuindo a expressividade da
dinâmica populacional da vila. Restou à câmara de Olinda os “conventos”, como representação
de uma tentativa de manter um dos grandes indicadores de riqueza de uma vila no período
colonial, uma vez que retiraram materiais essenciais dos seus lares para a manutenção dos
edifícios religiosos. No momento de formação da vila do Recife estava em jogo os interesses
econômicos e políticos de governadores e da Coroa portuguesa. Os elementos físicos
existentes nas duas localidades funcionavam como um argumento material e justificador da
104
ereção da nova vila, pois, acreditava-se que estava, a então cidade de Olinda, em uma
condição distante daquela que se esperava, tendo em vista o seu título e o que este representava
simbolicamente e territorialmente.
Por outro lado, o discurso da ruína e da decadência, assim como a própria reafirmação
por parte da câmara de Olinda, emerge em momentos críticos e revelou os momentos em que a
pauta se fazia presente, tanto no trato com os governadores quanto com a Coroa portuguesa.
Seria possível afirmar que somente o sucesso da guerra contra os holandeses não teria sido
suficiente para manter a vila de Olinda como hegemônica? Mais de uma resposta poderia ser
colocada para tal questão.
De maneiras distintas, território e capitalidade estavam sendo discutidos nos
documentos analisados. Simbolicamente, o poderio da Coroa portuguesa, assim como a
riqueza e estabilidade política de suas colônias e a manutenção de seu território, tinha nas
estruturas físicas o seu reflexo. De maneira que o jogo político também se assentava,
propriamente, no embate entre distintas qualidades, algo presente nas hierarquias sociais e que
acabava por transbordar na identificação entre o local, o espaço em questão, e os indivíduos.
Isto significa que estas questões caminhavam para além da subordinação e dependência ao
econômico e ao político, pois estavam entrelaçadas como argumento e como materialização
de diferenciações presentes na cultura e na vida das pessoas, especialmente dos considerados
como principais da terra, a nobreza da terra, no caso.
Primeiramente, buscou-se analisar a constituição territorial da vila de Olinda e as
formas que as elites, principalmente por meio da câmara de Olinda, atuavam sobre o espaço da
vila, no controle regulador dos chãos de terra da área habitada da vila. A caracterização espacial
da vila de Olinda mostrou, sobretudo, como era ocupada a circunscrição territorial da vila.
Nesta parte, pode-se relativizar algumas colocações sobre a decadência da vila, tendo em vista
alguns indícios sobre as atividades econômicas exercidas no meio da vila. Mostrou, também,
como a própria relação que se tinha com os chãos de terra doados na vila e as casas construídas
na vila poderiam ter interferido na “ruralização da açucarocracia”.
Isto acabou por fortalecer a ideia de um vínculo entre pessoas e localidades no qual há
a identificação de Olinda como um local privilegiado de exercício de poder de certo grupo,
que deixou de ter no século XVII a “dupla moradia”, pela interferência tanto do “comércio de
terras” existente quanto pela dificuldade em identificar os verdadeiros donos de cada
propriedade, tendo em vista que a prática existente era da venda das benfeitorias. Em seguida
foi possível entender um perfil dos indivíduos que ocupavam a câmara de Olinda. Para além
disso, os quadros que formavam anualmente a câmara forneceram uma ideia do quanto a elite
105
olindense era homogênea e hegemônica, no sentido que pouco se observou mudanças nos
nomes que frequentaram os cargos da governança da terra.
A defesa da posição de centro e “cabeça” por meio da argumentação em consultas feitas
ao Conselho Ultramarino e em manifestos foi objeto de estudo do segundo capítulo da
dissertação. Neste momento, percebe-se os elementos constitutivos da hierarquização da
sociedade colonial, que atravessava essa esfera e estendia-se para a classificação entre vilas,
povoados e cidades, avaliados segundo suas estruturas físicas e pela presença de elementos
“enobrecedores” como conventos, casas de sobrado e igrejas bem ornadas. Além disso,
demonstrou-se ações pontuais de aplicação das rendas do conselho em obras que pudessem
trazer esse melhoramento.
Ações que atingiram até autoridades metropolitanas, conforme visto no terceiro
capítulo. A presença física dos govenadores tinha o poder de indicar a centralidade da capitania.
Dessa forma, ao preferirem a permanência na cidade do Recife, por razões de conveniência para
melhor exercício de suas funções ou por posicionamento político frente aos camarários da vila
de Olinda, os governadores provocavam uma alteração geográfica na identificação de onde o
poder estaria localizado, e o onde ele deveria permanecer.
Apesar dos alegados “fracassos” em recuperar a estrutura física de Olinda, sobretudo na
iminência da criação da vila do Recife, não é possível apontar decisivamente a situação de uma
decadência. Os esforços em reestruturar algumas referências espaciais, como conventos, e a
própria instalação do bispado, em 1676, demonstra que, até pelo menos o início do último
cartel do século XVII, a vila de Olinda gozava de uma posição hierarquicamente elevada no
Norte da América portuguesa. Até o acirramento das tensões sociais entre a nobreza da terra e
os comerciantes, a vila de Olinda permaneceu em uma posição ambígua, de uma localidade
que cambaleava entre sua condição de centro, mas que foi perdendo a importância dentro das
dinâmicas fiscais, populacionais e econômicas da capitania para o Recife.
106
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115
ANEXOS
01290 – Composição da câmara de Olinda (1654-1658)
1654 1655 1657 1658
Bernardino de Carvalho (Vereador)
Francisco Gomes de
Abreu
Brás Barbalho Feio
(Vereador)
Antônio Bezerra291
Manuel Carneiro Mariz (Juiz
ordinário)
Manuel de
Sepúlveda292
Pedro de [Cunha] Pereira
[Antônio] Vieira Álvaro Teixeira de
Mesquita293
João Baptista
Acioli294 (Juiz
ordinário)
Manuel Gonçalves Freire
[.....]Abreu
FONTE: AHU-PE, Papéis Avulsos, Cx. 6, Doc. 485; AHU-PE, Papéis Avulsos, Cx. 7, Doc. 606; ACIOLI,
Vera Lúcia Costa. op. cit., p. 162, 178, 185,189.
290 Os nomes nos quais não há chamada para nota de rodapé são os que ainda não se possui nenhuma informação
sobre ocupação ou atuação política. Ressalta-se que as características desse grupo até agora levantado são de
caráter preliminar. 291 Participou da guerra contra os holandeses como insurgente, após 1645, tendo assinado diversas cartas em
conjunto com João Fernandes Vieira, como morador de Pernambuco. Fonte: COSTA, F. A. Pereira da. Anais
Pernambucanos. Recife: FUNDARPE. Diretoria de Assuntos Culturais, 1983, v. 3, p. 204, 213. 292 Sem informação, porém sabe-se que a família Sepúlveda teria participado do grupo de insurgentes que declarou
guerra aos holandeses em 1645, ao lado de João Fernandes Vieira. COSTA, F. A. Pereira da. Anais
Pernambucanos. Recife: FUNDARPE. Diretoria de Assuntos Culturais, 1983, v. 3, p. 204. 293 Teria participado do grupo de insurgentes que declarou guerra aos holandeses em 1645, ao lado de João
Fernandes Vieira. COSTA, F. A. Pereira da. Op. cit. p. 204. 294 Senhor de engenho, que teria participado da guerra contra os holandeses. ACIOLI, Vera Lúcia Costa.
Jurisdição e conflitos: aspectos da administração colonial. Recife: Editora universitária de UFPE, 1997, p. 162.
116
02 – Composição da câmara de Olinda (1660-1664)
1660 1661 1662 1663 1664
Álvaro Barbalho
Feo (Juiz)
Brás Barbalho
Feio302
João Batista
Acioli (Juiz
ordinário)
Francisco de
Oliveira Lemos
(Vereador)
André de Barros
Rego (juiz
ordinário)
Gaspar de Sousa
Uchoa (Juiz)303
Antônio Cavalcanti
de Albuquerque304
João Pessoa Bezerra
(Vereador)
Pedro da Cunha
Pereira (Vereador)
Paulo de Carvalho Mesquita
Luís Marreiros
(Vereador)
João Paes de Castro (Vereador)
Francisco de Souza
Falcão
Manuel Oliveira
de Abreu (Procurador)
Francisco Pereira
Vilar
André de Barros305
Rego
[Pedro ou
Francisco] Tavares de Lira
FONTE: AHU-PE, Papéis Avulsos, Cx. 7, Doc. 617. AHU-PE, Papéis Avulsos, Cx. 7, Doc. 632-633. ACIOLI,
Vera Lucia Costa, op. cit., p. 162, 185 e 187.
03 – Composição da câmara de Olinda (1665-1667)
1665 1666 1667
Cosmo de Abreu Pereira
André de Barros Rego João Batista Acioli (juiz ordinário)
[Francisco] Rocha Bezerra
João Ribeiro Manuel Gonçalves Freire
Jacinto Barboza Almeida
Francisco Cavalcante de Vasconcelos
Simão [Pereira] de Souza
João [Velho] Barreto Domingos Dias Soeiro Domingos de Luna de Sá
Manuel da Silva Pinto
Escrivão: Manuel Pereira de Azevedo
Escrivão: Manuel Pereira Azevedo
FONTE: AHU-PE, Papéis Avulsos, Cx. 8, Doc. 764-775. AHU-PE, Papéis Avulsos, Cx. 8, Doc. 795. AHU-
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administração colonial. Recife: Editora universitária de UFPE, 1997, p. 162.
117
04 – Composição da câmara de Olinda (1670-1673)
1670 1671 1672 1673
João Ribeiro João Cavalcanti de Albuquerque (vereador)
Estevão Paes Barreto
Miguel Ferreira Uchoa
Christóvão Berenguer de
Andrada
João Pessoa Bezerra (Juiz
ordinário)
[Francisco] de
Andrada Berenguer
João Soares de
Albuquerque
Antonio Duarte de Carvalho
João Teixeira da Silva João Teixeira da Silva
Manoel Dias de Andrade
Antonio de [Mendonça] Cabral
Baltazar Leitão de Vasconcelos
Antônio de Mendonça Cabral
Duarte de Siqueira
João Velho Barreto (vereador)
Braz Varela de Lira Manoel Bezerra Monteiro
João Cavalcanti de Albuquerque
Nuno Camelo Antônio [........] Uchoa Faustino Gomes Manuel Gonçalves Freire
FONTES: AHU-PE, Papéis Avulsos, Cx. 9, Doc. 894. AHU-PE, PA, Cx. 10, Doc. 915, 960, 982; ACIOLI,
Jurisdição e Conflito, p. 172. ACIOLI, Jurisdição e Conflito, p. 164, 176.
05 – Composição da câmara de Olinda (1675-1677, 1681)
1675 1676 1677 1681
Francisco Tavares de Lira
Gaspar de Sousa Uchoa
Zenóbio de Acioli Vasconcelos
Francisco Tavares de Lira
Cristóvão Berenguer de Andrade
Nuno Camelo Álvaro Barbalho de Lira
Baltazar Leitão de Vasconcelos
João Carneiro da Cunha
Luís Barbalho de Vasconcelos
Gaspar de Sousa Uchoa
Diogo de Miranda
Lourenço Cavalcanti de Vasconcelos
Mateus de Sá Manuel da Silva Pinto
[....] Camelo de Abreu
[......] Camelo de Abreu
João Cavalcanti de Albuquerque
Manuel Carneiro da Cunha
[João] da Cunha Pereira
[......] da Rocha [.......]
[Manoel] Leitão Arnoso
Gaspar da Costa Casado
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118
06 – Composição da câmara de Olinda (1685, 1686, 1690, 1700)
1685 1686 1690 1700
João Cavalcante de Albuquerque
Cristóvão de Holanda Cavalcanti (Vereador)
Bras de Araújo Pessoa
Gaspar de Sousa Uchoa
Manoel Dias de
Andrada
[.........] Cavalcanti de
Albuquerque
Bernardo de
Carvalho de Andrade
Pedro Cavalcanti de
Albuquerque
Antônio de Souza de Lira
Manoel Leitão Arnoso Pedro Ribeiro da Silva
Manuel de Albuquerque de Melo
João de Barros Rego
Álvaro Barbalho Feio Rodrigo da Silveira
Antônio Alvares Bezerra
Gonçalo Lobo Barreto
[Gaspar] de Almeida Barbosa
João Marinho Falcão
Matias Coelho Barbosa
Antônio Carvalho de Vasconcelos
[.........] [José] Gomes de Mello
Fontes: ACIOLI, Jurisdição e Conflito, p. 179. AHU-PE, PA, Cx. 14, Doc. 1380. AHU-PE, PA, Cx. 15, Doc.
1506, 1507 AHU-PE, PA, Cx. 18, Doc. 1833