uma revisão das controvérsias sobre a equação de...

31
nova Economia_Belo Horizonte_15 (2)_119-149_maio-agosto de 2005 Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridge José Luís Oreiro Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná e pesquisador do CNPq Resumo O presente artigo tem por objetivo fazer uma revisão crítica das controvérsias sobre a Equa- ção de Cambridge, tanto na sua fase inicial – na qual se envolveram Pasinetti, Kaldor, Meade, Samuelson e Modigliani – como na fase que se seguiu à publicação do artigo de Steedman, em que se argumenta que a Equação de Cam- bridge permanece válida mesmo em face da (à) introdução de atividades governamentais no modelo básico desenvolvido por Pasinetti. Nesse contexto, procuramos argumentar que (i) O “Teorema Meade-Samuelson-Modiglia- ni” (Teorema MSM) não depende de hipóteses específicas sobre o formato da função de pro- dução, sendo plenamente compatível com os problemas de “reversão de técnicas” aponta- dos na “controvérsia do Capital”, os quais só são relevantes para a questão da estabilidade do crescimento em “Idade Dourada” sob o re- gime Dual ou “Anti-Pasinetti”; (ii) O “Teore- ma de Pasinetti” é, no entanto, mais geral do que o Teorema MSM, uma vez que (a) perma- nece válido mesmo após o relaxamento de al- gumas hipóteses simplificadoras de sua versão original, o que não ocorre com o Teorema MSM; (b) na versão do “Teorema de Pasinetti” feita por Kaldor, o referido teorema permane- ce válido mesmo no caso de “eutanásia dos ca- pitalistas”, ou seja, nas condições de validade do “Teorema MSM”. Abstract The objective of this article is to make a critical evaluation of the controversies about the Cambridge Equation both in the initial phase – when Pasinetti, Kaldor, Meade, Samuelson and Modigliani got involved – and in the second round that followed the publication of Steedman´s article, which contends that the Cambridge Equation still holds even in the case of a balanced government budget. In this setting we will argue that (i) the Meade-Samuelson- Modigliani theorem (MSM theorem) does not depend on specific hypotheses about the shape of the production function, being fully compatible with the problems of re-switching of techniques raised by the “Capital Controversy”, which are only relevant for the stability of the golden-age equilibrium growth path; (ii) the Pasinetti- Theorem is, however, more general than the MSM theorem since (a) it holds true even after the relaxation of some simplifying hypotheses of its original version, which does not occur with the MSM theorem, and (b) Kaldor´s version of the Pasinetti theorem holds true even in the case of the “euthanasia of capitalists”. Palavras-chave crescimento equilibrado, taxa de lucro, estabilidade. Classificação JEL B22, E12, E25. Key words balanced growth, rate of profit, stability. JEL Classification B22, E12, E25.

Upload: nguyenkiet

Post on 27-Nov-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridgejoseluisoreiro.com.br/site/link/6272bdfe541de6be89dab46a7def05ba26... · 1_ Introdução Um subproduto da abordagem pós-key-nesiana

nova Economia_Belo Horizonte_15 (2)_119-149_maio-agosto de 2005

Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridge

José Luís OreiroProfessor do Departamento de Economia

da Universidade Federal do Paraná e pesquisador do CNPq

ResumoO presente artigo tem por objetivo fazer umarevisão crítica das controvérsias sobre a Equa-ção de Cambridge, tanto na sua fase inicial – naqual se envolveram Pasinetti, Kaldor, Meade,Samuelson e Modigliani – como na fase quese seguiu à publicação do artigo de Steedman,em que se argumenta que a Equação de Cam-bridge permanece válida mesmo em face da(à) introdução de atividades governamentaisno modelo básico desenvolvido por Pasinetti.Nesse contexto, procuramos argumentar que(i) O “Teorema Meade-Samuelson-Modiglia-ni” (Teorema MSM) não depende de hipótesesespecíficas sobre o formato da função de pro-dução, sendo plenamente compatível com osproblemas de “reversão de técnicas” aponta-dos na “controvérsia do Capital”, os quais sósão relevantes para a questão da estabilidadedo crescimento em “Idade Dourada” sob o re-gime Dual ou “Anti-Pasinetti”; (ii) O “Teore-ma de Pasinetti” é, no entanto, mais geral doque o Teorema MSM, uma vez que (a) perma-nece válido mesmo após o relaxamento de al-gumas hipóteses simplificadoras de sua versãooriginal, o que não ocorre com o TeoremaMSM; (b) na versão do “Teorema de Pasinetti”feita por Kaldor, o referido teorema permane-ce válido mesmo no caso de “eutanásia dos ca-pitalistas”, ou seja, nas condições de validadedo “Teorema MSM”.

AbstractThe objective of this article is to make a critical

evaluation of the controversies about the

Cambridge Equation both in the initial phase –

when Pasinetti, Kaldor, Meade, Samuelson and

Modigliani got involved – and in the second

round that followed the publication of

Steedman´s article, which contends that the

Cambridge Equation still holds even in the case

of a balanced government budget. In this setting

we will argue that (i) the Meade-Samuelson-

Modigliani theorem (MSM theorem) does not

depend on specific hypotheses about the shape of

the production function, being fully compatible

with the problems of re-switching of techniques

raised by the “Capital Controversy”, which are

only relevant for the stability of the golden-age

equilibrium growth path; (ii) the Pasinetti-

Theorem is, however, more general than the

MSM theorem since (a) it holds true even after

the relaxation of some simplifying hypotheses of

its original version, which does not occur with

the MSM theorem, and (b) Kaldor´s version of

the Pasinetti theorem holds true even in the case

of the “euthanasia of capitalists”.

Palavras-chavecrescimento equilibrado,taxa de lucro, estabilidade.

Classificação JEL B22, E12,E25.

Key words

balanced growth, rate of profit,

stability.

JEL Classification B22, E12,

E25.

Page 2: Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridgejoseluisoreiro.com.br/site/link/6272bdfe541de6be89dab46a7def05ba26... · 1_ Introdução Um subproduto da abordagem pós-key-nesiana

1_ IntroduçãoUm subproduto da abordagem pós-key-nesiana para o “dilema Harrod-Domar”foi assim chamado “Equação de Cam-bridge”, também conhecida como “Teo-rema de Pasinetti” (Lima, 2004, p. 12).1

Essa equação estabelecia que a taxa de lu-cro, ao longo de uma trajetória de cresci-mento balanceado com pleno-empregoda força de trabalho, numa economia ha-bitada por duas classes de poupadores ena qual apenas uma dessas classes (os ca-pitalistas) obtivesse a totalidade da suarenda na forma de lucros, seria igual a ra-zão entre a taxa de crescimento da forçade trabalho e a propensão a poupar doscapitalistas. A propensão a poupar dostrabalhadores seria então irrelevante nadeterminação da taxa de lucro. Um coro-lário dessa abordagem é que o conceitoneoclássico de produtividade marginal dosfatores de produção não desempenharianenhum papel na determinação da distri-buição de renda entre capitalistas e tra-balhadores. A teoria neoclássica da dis-tribuição não seria apenas ogicamenteinconsistente – de acordo com a Contro-

vérsia do Capital – mas desnecessária, umavez que a distribuição de renda pode serdeterminada sem se fazer uso de qual-quer conceito neoclássico.

O Teorema de Cambridge susci-tou dois debates importantes nos últi-mos 40 anos. O primeiro foi iniciadocom a reação de Meade (1963, 1966),Samuelson e Modigliani (1966) ao “Te-orema de Pasinetti” numa série de arti-gos publicados entre 1963 e 1966. Essesautores procuraram argumentar que oequilíbrio de longo prazo descrito pela“Equação de Cambridge” seria apenasuma das configurações possíveis da dis-tribuição de renda ao longo da trajetóriade crescimento balanceado. Ao lado des-se equilíbrio, denominado de “regime dePasinetti”, haveria outro equilíbrio, igual-

mente geral e simétrico, no qual a relação pro-duto-capital seria determinada pela ra-zão entre a taxa natural de crescimento ea propensão a poupar dos trabalhadores,e a taxa de lucro seria independente da“Equação de Cambridge”.2 Esse equilí-brio, denominado de “regime Dual” ou“Anti-Pasinetti”, corresponderia a umasituação na qual os capitalistas seriam“eliminados” do sistema (“eutanásia doscapitalistas”), e a propensão a poupar dasociedade seria, portanto, igual à propen-são a poupar dos trabalhadores.

Nesse contexto, o crescimento ba-lanceado com pleno-emprego só seria pos-sível se a relação capital-produto atuassecomo variável de ajuste entre as taxas ga-

nova Economia_Belo Horizonte_15 (2)_119-149_maio-agosto de 2005

Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridge120

1 Na verdade, a “Equação deCambridge” foi estabelecidainicialmente por Kaldor(1956). Coube a Pasinetti, noentanto, a tarefa de mostrarque ela poderia ser obtida semqualquer referência ao valorda propensão a poupar dostrabalhadores, de forma que areferida propensão seriairrelevante no que toca àdeterminação da taxa de lucrode equilíbrio ao longo de umatrajetória de crescimento em“Idade Dourada”. Dessaforma, alguns autores,incluindo o próprio Pasinetti(1989b), preferem adenominação de “Teoremade Cambridge” ou “ProcessoKaldor-Pasinetti”. Ao longodo presente artigo, iremosconsiderar os termos“Equação de Cambridge”,“Teorema de Pasinetti”,“Processo Kaldor-Pasinetti” e“Teorema de Cambridge”como sinônimos.2 No que segue, iremosdenominar esse resultado de“Teorema Meade-Samuelson-Modligiani” tal comoHarcourt (1972, p. 222).

Page 3: Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridgejoseluisoreiro.com.br/site/link/6272bdfe541de6be89dab46a7def05ba26... · 1_ Introdução Um subproduto da abordagem pós-key-nesiana

rantida e natural de crescimento. Dessaforma, os princípios tradicionais neoclás-sicos de substitubilidade entre os fato-res de produção, produtividade margi-nal decrescente e maximização de lucrotornar-se-iam novamente relevantes paragarantir a existência de uma trajetória decrescimento balanceada.

A posição defendida por Pasinetti(1966, 1974) era a de que os problemasde “reversão de técnicas” identificadosna controvérsia do capital não só eramsuficientes para invalidar a teoria neo-clássica da distribuição como tambémpara demonstrar a inexistência do “regi-me Dual” ou, no melhor dos casos, paramostrar que a ocorrência de um cresci-mento balanceado sob o “regime Dual”seria possível, mas improvável. Sendo as-sim, a teoria neoclássica seria incapazde dar uma resposta satisfatória para o“dilema Harrod-Domar”.

Um segundo debate se iniciou nosanos 1980, numa série de artigos publica-dos no Journal of Post Keynesian Economics eno Cambridge Journal of Economics, entreoutros. Nesse segundo debate, o pontoem discussão era a “robustez” do “Teo-rema de Cambridge” em face do relaxa-mento de certas hipóteses simplificado-ras da versão original do teorema. Essedebate tomou como ponto de partida a

contribuição original de Steedman (1972),o qual mostrou que a inclusão das “ati-vidades governamentais”, ou seja, gastosdo governo e tributação, num contextoem que o governo opera com orçamentoequilibrado, não afetam as conclusões fun-damentais do “Teorema de Cambridge”,mas elimina a simetria que o “TeoremaMeade-Samuelson-Modigliani” tinha comrespeito ao “Teorema de Pasinetti”, umavez que a determinação da relação pro-duto-capital passaria a depender da fun-ção de produção.

Dado isso, o presente artigo tempor objetivo fazer uma revisão críticadas controvérsias em torno da “Equaçãode Cambridge”. Esforços nesse sentidoforam feitos anteriormente por Kregel(1971, caps. 6 e 9), Harcourt (1972, cap. 5),Teixeira e Araújo (1991, seção 1) e Lima(2004). No entanto, esses esforços são, anosso juízo, insuficientes porque ou nãolevam em consideração as controvérsiasmais recentes em torno da “Equação deCambridge” (como no caso das contri-buições de Kregel, Harcourt e Lima), outendem a desconsiderar nuanças impor-tantes da “primeira fase” do debate sobrea “Equação de Cambridge”,3 centrando-se nos desdobramentos pós-Steedman (co-mo no caso de Teixeira e Araújo).

José Luís Oreiro 121

nova Economia_Belo Horizonte_15 (2)_119-149_maio-agosto de 2005

3 Em particular, a revisão deTeixeira e Araújo (1991) nãochama a atenção para o fatode que o problema da“reversão de técnicas”,embora não invalide aexistência do “regime Dual”,torna impossível aconvergência para umaposição de equilíbrio de longoprazo caracterizada pela“eutanásia dos capitalistas”.

Page 4: Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridgejoseluisoreiro.com.br/site/link/6272bdfe541de6be89dab46a7def05ba26... · 1_ Introdução Um subproduto da abordagem pós-key-nesiana

Sendo assim, iremos argumentarao longo do artigo que:

1. o “Teorema Meade-Samuelson-Modigliani” (doravante TeoremaMSM) não depende de hipótesesespecificas sobre o formato dafunção de produção, sendo ple-namente compatível com os pro-blemas de “reversão de técnicas”apontados na “controvérsia doCapital”. Esses problemas só sãorelevantes para a questão da esta-bilidade do crescimento em “Ida-de Dourada” sob o regime Dualou “Anti-Pasinetti”. Dessa for-ma, a crítica de Pasinetti (1966,1974) ao teorema MSM é apenasparcialmente correta;

2. o “Teorema de Pasinetti” é, noentanto, mais geral do que o Te-orema MSM, já que (a) permane-ce válido mesmo após o rela-xamento de algumas hipótesessimplificadoras de sua versão ori-ginal, o que não ocorre com oTeorema MSM; (b) na elaboraçãodo “Teorema de Pasinetti” feitapor Kaldor (1966), o referido te-orema permanece válido mesmono caso de “eutanásia dos capita-listas”, ou seja, nas condições devalidade do “Teorema MSM”.

Assim, este artigo está estrutu-rado em 10 seções, incluindo a intro-dução. A seção 2 apresenta o “dilemaHarrod-Domar” e a origem da “Equa-ção de Cambridge”. A seção 3 apresen-ta a “emenda” de Pasinetti ao modelode Kaldor que dá origem ao “processode Pasinetti”. A seção 4 discorre sobrea tentativa de Meade de fazer uma “sín-tese” entre a teoria neoclássica e a teo-ria pós-keynesiana do crescimento e dadistribuição de renda, mostrando queambas seriam válidas para constelaçõesdistintas dos valores dos parâmetros deum “modelo geral” de crescimento. Aseção 5 cuida da réplica de Pasinetti àsíntese de Meade, ao passo que a seção6 está dedicada à “tréplica” de Samuel-son e Modigliani, na qual esses autoresargumentam que a existência do “regi-me Dual” não é incompatível com oproblema de “reversão de técnicas”. Aseção 7 trata da resposta de Pasinetti eKaldor a Samuelson e a Modigliani. Aseção 8 apresenta os desdobramentosposteriores da “Equação de Cambrid-ge”, e a seção 9 faz uma avaliação dascontrovérsias ao longo dos últimos 40anos em torno da “Equação de Cam-bridge”. A seção 10 sumariza as con-clusões obtidas ao longo do artigo.

nova Economia_Belo Horizonte_15 (2)_119-149_maio-agosto de 2005

Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridge122

Page 5: Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridgejoseluisoreiro.com.br/site/link/6272bdfe541de6be89dab46a7def05ba26... · 1_ Introdução Um subproduto da abordagem pós-key-nesiana

2_ O Dilema Harrod-Domare a “Equação de Cambridge”

O assim chamado modelo de crescimentoHarrod-Domar (doravante modelo HD)estabelece que, para que seja possível aocorrência de uma trajetória de cresci-mento balanceado com pleno-empregoda força de trabalho, a seguinte condiçãodeve ser satisfeita:

s k� � (1)

em que: s é a fração da renda nacionalque é poupada;k é a relação capital-produto;�é a taxa natural de crescimento.4

No modelo HD, a condição (1) sóseria satisfeita por uma “feliz coincidên-cia”, visto que a fração poupada da ren-da, a relação capital-produto e a taxa decrescimento da força de trabalho são to-madas como constantes e exógenas aomodelo em consideração. Em outras pa-lavras, na abordagem HD não existemmecanismos econômicos capazes de fa-zer com que as variáveis apresentadas naequação (1) assumam os valores necessá-rios para a ocorrência de uma trajetóriade crescimento com pleno-emprego daforça de trabalho. Sendo assim, esse tipode crescimento seria um evento impro-vável no contexto do modelo HD.

Essa previsão do modelo HD con-trastava fortemente com a experiênciadas economias capitalistas desenvolvidasnas décadas de 1950 e 1960, período noqual essas economias foram capazes deobter elevadas taxas de crescimento doproduto real em conjunto com taxas dedesemprego bastante reduzidas e está-veis, caracterizando assim uma situaçãode “pleno-emprego”.

A incompatibilidade entre as pre-visões do modelo HD e a experiênciahistórica das economias desenvolvidaslevou ao desenvolvimento de duas solu-ções para o assim chamado “dilema Har-rod-Domar” (Pasinetti, 1974, p. 121). Aprimeira consiste em supor que a fraçãopoupada da renda nacional pode se ajus-tar endogenamente, através de variaçõesapropriadas na distribuição funcional darenda, de forma a fazer com que a equa-ção (1) seja atendida. Essa solução deuorigem à teoria pós-keynesiana da distri-buição de renda, consubstanciada pela“Equação de Cambridge”, a qual seráanalisada a seguir.

A segunda solução consiste emsupor que a relação capital-produto é va-riável, podendo assumir o valor necessá-rio para o atendimento da equação (1). Avariabilidade da relação capital-produtoseria a contrapartida dos princípios neo-

José Luís Oreiro 123

nova Economia_Belo Horizonte_15 (2)_119-149_maio-agosto de 2005

4 Numa economia desprovidade progresso tecnológico,a taxa natural de crescimentoé igual à taxa de crescimentoda força de trabalho.

Page 6: Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridgejoseluisoreiro.com.br/site/link/6272bdfe541de6be89dab46a7def05ba26... · 1_ Introdução Um subproduto da abordagem pós-key-nesiana

clássicos de substitubilidade entre os fa-tores de produção, a concorrência perfeitae a maximização de lucros. Sendo assim,a segunda solução nada mais é do que asolução neoclássica para o dilema Har-rod-Domar, a qual deu origem ao mode-lo neoclássico de crescimento, tal comodesenvolvido por Solow (1956, 2000).

A solução (pós-)keynesiana para odilema HD, desenvolvida inicialmente porKaldor (1956), presume que a fração pou-pada da renda nacional não é uma cons-tante, mas uma média ponderada das pro-pensões a poupar a partir dos lucros edos salários. Nesse contexto, assume-seque a propensão a poupar a partir dos lu-cros ( )s c é maior do que a propensão apoupar a partir dos salários ( )s w . SegundoKaldor (1966, p. 310), a existência de pro-pensões a poupar diferenciadas com basenas classes de rendimentos não decorreda existência de classes sociais distintas,mas está relacionada com a natureza darenda empresarial. Nas suas palavras:

Samuelson and Modigliani assumethat any macro-economic theorywhich makes use of the notion ofdifferences in savings propensitiesbetween profits and wages requiresan identifiable class of hereditarybarons – a class of capitalists “withpermanent membership” – distin-guished by a high saving propensity

and of a “permanent” class of wor-kers distinguished by a low savingspropensity [...] I have always regar-ded the high savings propensity outof profits as something which atta-ches to the nature of business inco-me, and not to the wealth (or otherpeculiarities) of the individuals whoown property (Kaldor, 1966, p. 310).

Para Kaldor, a diferenciação entreas propensões a poupar segundo a classede rendimentos é uma decorrência do fa-to de que:

i. a contínua expansão da capacida-de produtiva das empresas só épossível, no longo prazo, se par-te do financiamento necessário aessa expansão advir dos lucrosretidos pelas empresas;

ii. em função da existência de retor-nos crescentes de escala, a posi-ção competitiva de qualquer em-presa num dado mercado depen-de do seu market share;

iii. a contínua expansão da firma indi-vidual é necessária para manterinalterada a sua posição competi-tiva na indústria.

Nesse contexto, as empresas têm um in-centivo muito maior a poupar do que osindivíduos, não importando se esses sãotrabalhadores que vivem exclusivamente

nova Economia_Belo Horizonte_15 (2)_119-149_maio-agosto de 2005

Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridge124

Page 7: Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridgejoseluisoreiro.com.br/site/link/6272bdfe541de6be89dab46a7def05ba26... · 1_ Introdução Um subproduto da abordagem pós-key-nesiana

de salários ou se são rentistas que vivemdos dividendos obtidos em função dapropriedade de ações das empresas.

Dado isso, podemos expressar afração poupada da renda nacional da se-guinte forma:

s sW

Ys

P

Ys s sw c c w w� �

��

��� �

��

���� ( )� (2)

em que: W Y/ é a participação dos salá-rios na renda;� � P Y/ é a participação dos lu-cros na renda.

Substituindo (2) em (1), obtemosa seguinte expressão:

� �k s s sp w w� ( ) (3)

A equação (3) mostra que, sobcertas condições, a distribuição funcionalda renda pode ser a variável de ajuste en-tre a taxa natural de crescimento e a “taxagarantida de crescimento” (a qual é defi-nida como igual a s k/ ). Para tanto, é ne-cessário que e �k s w� de tal forma que( )s sc w �� 0. Como ( )s sc w � 0, segue-se que � � 0 seja, a participação dos lu-cros na renda será maior do que zero.Além disso, sabemos que s s kc � � � –pois s é uma média ponderada entre s c es w . Sendo assim, para que uma trajetóriade crescimento balanceado com pleno-emprego seja, em geral, possível, a se-guinte condição deve ser satisfeita:

s k sw c � (4)

Supondo que a equação (4) seja sa-tisfeita, a participação dos lucros na rendaao longo da trajetória de crescimento deequilíbrio é dada pela seguinte equação:

� ��

1

s sk

s

s sc w

w

c w

(5)

Adotando-se a hipótese simplifi-cadora de que “os trabalhadores gastamtudo aquilo que ganham”, ou seja, ques w � 0 temos que:

� ��1

sk

c

(6)

Multiplicando-se ambos os ladosde (6) por Y K/ e fazendo uso do fato deque a taxa de lucro (r ) pode ser expressacomo r P K P Y Y K� �/ ( / )( / ), obtemosa seguinte expressão:

rs c

��

(7)

A equação (7) é a assim chamada“Equação de Cambridge”, segundo aqual a taxa de lucro é determinada, aolongo da trajetória de crescimento deequilíbrio, pela razão entre a taxa de cres-cimento da força de trabalho e a propen-são a poupar a partir dos lucros. A tec-nologia expressa pela relação capital-produto não desempenha nenhum papelna determinação da taxa de lucro.

José Luís Oreiro 125

nova Economia_Belo Horizonte_15 (2)_119-149_maio-agosto de 2005

Page 8: Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridgejoseluisoreiro.com.br/site/link/6272bdfe541de6be89dab46a7def05ba26... · 1_ Introdução Um subproduto da abordagem pós-key-nesiana

3_ A emenda de Pasinetti a Kaldore o “processo de Pasinetti”

Na interpretação de Pasinetti a respeitoda teoria Kaldoriana de distribuição derenda, Kaldor teria cometido um erroao desconsiderar que, no caso em ques w � 0, os trabalhadores passam a ter di-reito sobre uma parte dos lucros geradosna economia, uma vez que aqueles irãoutilizar suas poupanças para a aquisiçãode direitos de propriedade sobre o esto-que de capital existente (Harcourt, 1972,p. 216).5 Uma vez feita essa correção, a“Equação de Cambridge” não mais de-penderia de nenhuma hipótese particulara respeito do valor da propensão a pou-par a partir dos salários (Pasinetti, 1961-1962, p. 272).

Na formulação de Pasinetti, a“Equação de Cambridge” se baseia emquatro hipóteses fundamentais (Teixeira,1999, p. 73), a saber:

1. Igualdade entre a taxa de jurosque os trabalhadores recebemdos “empréstimos” feitos aoscapitalistas e a taxa de lucro nolongo-período.

2. A proporção do estoque de capitalde propriedade de cada classe so-cial é proporcional a sua partici-pação na poupança agregada.

3. Os capitalistas poupam uma fra-ção constante s c de sua renda,constituída apenas de lucros; aopasso que os trabalhadores pou-pam uma fração constante s w desua renda, constituída de saláriose lucros derivados da proprieda-de de uma parcela do capital.

4. Equilíbrio entre poupança e inves-timento, sendo este último igualao requerido pelo crescimento daeconomia em “Idade Dourada”.

Uma demonstração matemáticabastante simples do “Teorema de Pasi-netti” é feita a seguir, com base em Kurze Salvadori (1995, p. 475-477).

A poupança dos capitalistas e dostrabalhadores na economia considerada porPasinetti é dada pelas seguintes equações:

S s W Pw w w� ( ) (8)

S s Pc c c� (9)

O estoque de capital de proprie-dade dos capitalistas tem que crescer àmesma taxa que o estoque de capital queé de propriedade dos trabalhadores, paraque seja possível a coexistência entre asduas classes sociais no equilíbrio de lon-go prazo. Dessa forma, temos:

s W P gKw w w( ) � (10)

s P gKc c c� (11)

nova Economia_Belo Horizonte_15 (2)_119-149_maio-agosto de 2005

Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridge126

5 Deve-se observar que, naorigem da “emenda” dePasinetti a Kaldor, reside umadivergência entre esses doisautores a respeito da causa dadiferenciação entre aspropensões a poupar.Enquanto para Pasinetti essadiferenciação resulta daexistência de grupos sociaisdistintos com diferentesatitudes com respeito àpoupança; para Kaldor essadiferenciação resulta da“natureza da rendaempresarial” (Ewijk, 1991,p. 15). Em outras palavras, adiferenciação entre aspropensões a poupar a partirde lucros e salários seriamantida mesmo no caso emque os capitalistas fossemeliminados do sistema.

Page 9: Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridgejoseluisoreiro.com.br/site/link/6272bdfe541de6be89dab46a7def05ba26... · 1_ Introdução Um subproduto da abordagem pós-key-nesiana

em que: K w é a parcela do estoque de ca-pital que é de propriedade dos trabalha-dores, e K c é o estoque de capital que éde propriedade dos capitalistas, de formaque: K K Kc w � .

Assumindo que a taxa de lucro e ataxa de juros são iguais no equilíbrio delongo prazo, temos que:

P rKc c� (12)

P rKw w� (13)

Substituindo (12) e (13) em (10) e(11), e lembrando que, ao longo da traje-tória de crescimento de “Idade Doura-da”, a taxa de crescimento do estoque decapital é igual à taxa natural de cresci-mento, temos que:

rs c

��

(14)

Dessa forma, foi possível obternovamente a “Equação de Cambridge”num contexto em que s w � 0. Como coro-lário dessa demonstração, segue-se que a“propensão a poupar dos trabalhadores”é irrelevante na determinação da taxa delucro ao longo da trajetória de cresci-mento balanceado com pleno-emprego.

Por outro lado, a fração do esto-que de capital que é de propriedade dostrabalhadores é dada por:6

K

K

rk

k

sw w��

��

���

1

�(15)

A existência de um equilíbrio delongo prazo com duas classes sociaisexige que 0 1 ( / )K Kw . Dessa forma,a validade do “Teorema de Pasinetti”exige que

s k sw c � (16)

ou seja, a taxa de investimento requeridapara o crescimento em “Idade Dourada”deve se situar no intervalo delimitado pelapropensão a poupar dos trabalhadores epela propensão a poupar dos capitalistas.

4_ A “síntese”Meade-Samuelson-Modigliani

O grande desafio que a “Equação deCambridge” havia colocado para a teorianeoclássica do crescimento e da distribu-ição de renda era o seu elevado grau degeneralidade. Com efeito, esse resultadopode ser derivado sob qualquer hipótesea respeito do formato da função de pro-dução ou do grau de substitubilidadedos fatores de produção (Pasinetti, 1974,p. 127; Jones, 1979, p. 167). Dado que ateoria neoclássica não é válida no casoem que os fatores de produção são com-

plementares perfeitos – tal como no modelo

José Luís Oreiro 127

nova Economia_Belo Horizonte_15 (2)_119-149_maio-agosto de 2005

6 Essa equação é obtidapor intermédio dasubstituição de (13) em (10)e por algumas manipulaçõesalgébricas triviais.

Page 10: Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridgejoseluisoreiro.com.br/site/link/6272bdfe541de6be89dab46a7def05ba26... · 1_ Introdução Um subproduto da abordagem pós-key-nesiana

HD –, segue-se que a teoria pós-keyne-siana da distribuição de renda seria entãoválida sob hipóteses mais gerais a respei-to do formato da função de produção doque a teoria neoclássica. Por outro lado,se a “Equação de Cambridge” for correta,então a produtividade marginal dos fato-res de produção não desempenha ne-nhum papel na determinação da distribui-ção funcional da renda ao longo da tra-jetória de crescimento balanceado compleno-emprego. O conceito de produti-vidade marginal é, portanto, dispensávelcomo explicação da distribuição funcio-nal da renda.

Outro ponto a ser ressaltado é quea teoria pós-keynesiana mostra que o di-lema “Harrod-Domar” pode ser resolvi-do por outro mecanismo que não a flexi-bilidade da relação capital-produto. Esseé um aspecto importante porque mostraque a hipótese tradicional neoclássica desubstitubilidade dos fatores de produçãonão é necessária para a obtenção de umatrajetória de crescimento com pleno-em-prego. Sendo assim, essa substitubilidadeentre os fatores de produção é uma hipó-

tese dispensável na construção dos modelosde crescimento balanceado.

Nesse contexto, a teoria neoclássicado crescimento e da distribuição de ren-

da seria uma teoria com baixo nível degeneralidade, em comparação com a teo-ria pós-keynesiana, e construída a partirde hipóteses dispensáveis a respeito doformato da função de produção. O terrenoestava preparado para a suplantação dessateoria pela alternativa pós-keynesiana.

A resposta neoclássica ao desafioimposto pela “Equação de Cambridge” epela teoria pós-keynesiana da distribui-ção de renda foi mostrar que a referidaequação seria apenas um resultado possí-vel do “processo de Pasinetti”.7 Com efe-ito, tal como foi visto na seção anterior, a“Equação de Cambridge” só teria valida-de dentro do intervalo delimitado pelaequação (16), caso contrário:

[...] One of the social classes will di-sappear in the long-run, and what ismore serious, the distribution of in-come over workers and rentiers willno longer operate as a mechanismensuring equilibrium between sa-vings and investment (Ewijk, 1991, p. 11).

O que acontece fora dos limites devalidade da “Equação de Cambridge?”Essa é a pergunta fundamental que Mea-de, Samuelson e Modigliani fizeram naseqüência do artigo seminal de Pasinetti(Harcourt, 1972, p. 221). Para esses au-tores, se as condições de contorno do

nova Economia_Belo Horizonte_15 (2)_119-149_maio-agosto de 2005

Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridge128

7 O “processo de Pasinetti”refere-se à natureza da posiçãode equilíbrio de longo prazodo sistema econômicoquando a razão entre oestoque de capital depropriedade dos capitalistase o estoque de capital depropriedade dos trabalhadoresjá convergiu para o seu valorfinal ou de repouso sistêmico(Meade, 1966, p. 161).

Page 11: Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridgejoseluisoreiro.com.br/site/link/6272bdfe541de6be89dab46a7def05ba26... · 1_ Introdução Um subproduto da abordagem pós-key-nesiana

“Teorema de Pasinetti” não forem aten-didas, a existência de uma trajetória decrescimento com pleno-emprego da forçade trabalho exigiria que a relação capital-produto voltasse a desempenhar o papelde variável de ajuste entre a taxa garantidae a taxa natural de crescimento. Dessa for-ma, o equilíbrio de longo prazo em “Ida-de Dourada” seria tal que a relação produ-to-capital (a recíproca da relação capital-produto) seria determinada pela razãoentre a taxa natural de crescimento e apropensão a poupar dos trabalhadores.Esse resultado configuraria então um novoregime, denominado de “Dual” ou “Anti-Pasinetti”, no qual a taxa de lucro não édada pela “Equação de Cambridge”, sen-do determinada pela tec- nologia disponí-vel na economia. Nas palavras de Samuel-son e Modigliani (1966, p. 321):

[...] The Pasinetti golden-age equili-brium, instead of being the generalone, has to be recognized as but oneof two golden-age equilibrium, be-ing matched so to speak by whatwe called Dual or Anti-Pasinettiequilibrium [...] There is completesymmetry between the Primal andDual equilibrium. Neither is moregeneral than the other.

Sendo assim, o argumento centralde Meade, Samuelson e Modigliani é que“o ‘processo de Pasinetti’ dá origem a doisresultados igualmente gerais e simétri-cos”. Isso porque, de um lado, o regimeDual, tal como o regime de Pasinetti,não dependeria de hipóteses específicasa respeito da tecnologia empregada naeconomia. Por outro lado, a simetria en-tre os dois regimes resultaria do fato deque, no regime de Pasinetti, a taxa de lu-cro seria determinada por �/s c e nadamais; ao passo que, no regime Dual, a“produtividade do capital” seria determi-nada por �/s w e nada mais.

Esse argumento foi inicialmenteelaborado por Meade (1963; 1966). Se-gundo esse autor, o “processo de Pasinet-ti” possui três resultados possíveis, a saber:

1. não há nenhum equilíbrio de ste-

ady-state possível;2. a distribuição da propriedade do

capital entre capitalistas e traba-lhadores é tal que r s c� �/ , ouseja, o “regime de Pasinetti”;

3. a distribuição da propriedade docapital entre capitalistas e traba-lhadores é tal que 1/ /K s w� � ,ou seja, o “regime Dual”.

Para tanto, consideremos a Figura 1.

José Luís Oreiro 129

nova Economia_Belo Horizonte_15 (2)_119-149_maio-agosto de 2005

Page 12: Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridgejoseluisoreiro.com.br/site/link/6272bdfe541de6be89dab46a7def05ba26... · 1_ Introdução Um subproduto da abordagem pós-key-nesiana

Na Figura 1, o tamanho do seg-mento OB representa o valor da taxa de lu-cro no “regime Pasinetti”. O segmento OCrepresenta o valor do produto médio docapital – o inverso da relação capital-pro-duto – sob o “regime Dual”. Os valores deequilíbrio de longo prazo de Y K/ e P K/têm que se situar sobre um desses segmen-tos, caso esse equilíbrio exista.

A direita do segmento BG, temosque r n s c� / . Dessa forma, o estoque decapital que é de propriedade dos capita-listas ( )K c irá crescer mais rapidamentedo que o produto, o qual, ao longo da tra-

jetória de crescimento balanceado, cresceà taxa � . Sendo assim, mais cedo ou maistarde, o estoque de capital agregado esta-rá crescendo a uma taxa maior do que oproduto e a força de trabalho, o que é in-compatível com o steady-state.

Na região acima do segmento CF,temos que [( / ) ]s Y Kw � � . Mesmo quetodo o estoque de capital seja de proprie-dade dos trabalhadores, o capital agrega-do estará crescendo a uma taxa maior doque a taxa de crescimento do produto,o que é incompatível com o steady-state.Com efeito, se K K w� , a taxa de cresci-

nova Economia_Belo Horizonte_15 (2)_119-149_maio-agosto de 2005

Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridge130

Y

K

P

K=

O BP

K

Y

K

C

h

s c

h

s w

E

G

D F

Figura 1_

Page 13: Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridgejoseluisoreiro.com.br/site/link/6272bdfe541de6be89dab46a7def05ba26... · 1_ Introdução Um subproduto da abordagem pós-key-nesiana

mento do estoque de capital será dadapor[( / )]s Y Kw . Por outro lado, se K K w�então o estoque de capital agregado irá cres-cer a uma taxa maior do que[( / )]s Y Kw .

Por fim, no interior da área OCDE,temos que ( / )s P Kc � e ( / )s Y Kw �.Nessa região, o estoque de capital de pro-priedade dos capitalistas estará crescen-do a uma taxa menor do que o produto.Sendo assim, a razão K Kc w/ tende a zero,ou seja, ocorre a assim chamada “eutaná-

sia dos capitalistas”. Contudo, nessa regiãoo estoque de capital agregado tambémestá crescendo a uma taxa menor do queo produto, haja vista que ( / )s Y Kw �;situação essa que é incompatível com oequilíbrio de steady-state.

Dessa forma, o equilíbrio de ste-

ady-state, se existir, só pode se situar so-bre os segmentos CD e DE. Nas pala-vras de Meade (1966, p. 163):

On the line DE we have ( / )s Y Kw � �e ( / )s P Kc � . This is the case of thelong-run steady-state in which wor-kers’ capital comes to dominate ca-pitalists’ capital; and we have a long-run steady-state with Y K s w/ � � � . Onthe line DE we have ( / )s Y Kw �e ( / )s P Kc � � . This is the case [...]where the distribution of property ad-justs itself between workers and ca-pitalists until P K s c/ � � � .

A determinação do resultado efe-tivo do “processo de Pasinetti” depende,contudo, do formato da função de pro-dução. No caso de uma função de produ-ção Cobb-Douglas com elasticidade desubstituição unitária entre capital e traba-lho, a participação dos lucros na rendaserá constante, sendo representada poruma linha reta partindo da origem na Fi-gura 1. Se essa reta passar pelo ponto Dda Figura 1, então a participação dos lu-cros na renda será dada por P Y s sw c/ /� .Esse ponto é a “fronteira” entre os regi-mes “Dual” e de “Pasinetti”. Se essa retase interceptar com o segmento CD à di-reita do ponto D, a economia estará ope-rando no regime “Dual”, com uma taxade lucro menor do que �/s c e uma par-ticipação dos lucros na renda tal queP Y s sw c/ /� . Por outro lado, se essa retase interceptar com o segmento DE, aeconomia irá operar no “regime de Pasi-netti”, no qual a taxa de lucro é igual a�/s c , e a participação dos lucros na rendaé tal que P Y s sw c/ / .

Com base nesse raciocínio, pode-mos concluir que o “regime de Pasinet-ti” irá ocorrer se a seguinte condição forsatisfeita:

sP

Ysw c� (17)

José Luís Oreiro 131

nova Economia_Belo Horizonte_15 (2)_119-149_maio-agosto de 2005

Page 14: Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridgejoseluisoreiro.com.br/site/link/6272bdfe541de6be89dab46a7def05ba26... · 1_ Introdução Um subproduto da abordagem pós-key-nesiana

Sendo assim, o “regime Dual” iráocorrer quando:

sP

Ysw c� (18)

Daqui se segue que a “Equação deCambridge” não é o único resultado pos-sível do “processo de Pasinetti”, existindooutro, igualmente geral, no qual a taxa delucro é determinada de forma indepen-dente da referida equação. Se a funçãode produção for do tipo Cobb-Douglascom elasticidade de substituição unitáriae se a condição (27) for satisfeita, a distri-buição funcional da renda será determi-nada pela produtividade marginal dos fa-tores de produção.

5_ A réplica de Pasinettià “rota de fuga” neoclássica

Segundo Pasinetti (1974), o “regime Du-al” é uma “rota de fuga” para a teoria ne-oclássica da distribuição, não só porqueele estabeleceria as condições nas quaisa produtividade marginal dos fatores setornaria novamente o determinante dadistribuição de renda, como também pe-lo fato de que é uma maneira de alteraros termos em que a questão da determi-nação da distribuição de renda foi origi-nalmente colocada. Em outras palavras,

trata-se de uma forma de “fugir” das ques-tões colocadas pela teoria pós-keynesia-na da distribuição de renda ou “não-res-ponder” a elas.

Dado isso, a questão relevante nãoseria determinar a configuração de equi-líbrio de longo prazo da distribuição derenda e de propriedade de uma economia

qualquer, mas a configuração de equilíbriode uma economia capitalista, entendidacomo uma economia em que uma classede agentes – os capitalistas – deriva a suarenda exclusivamente da propriedade do capi-

tal. A teoria pós-keynesiana da distribui-ção de renda não se pretende válida paraqualquer tipo de economia, ou ainda parauma economia desprovida de “classessociais”, no sentido clássico-marxista dotermo. Trata-se de uma teoria construídapara explicar a distribuição de renda nu-ma economia com duas classes sociais –capitalistas e trabalhadores – e na qual a“filiação de classe” afeta o comporta-mento dos indivíduos conquanto agen-tes econômicos.

Nesse contexto, o problema do“regime Dual” é que a sua existênciapressupõe a extinção dos capitalistas co-mo classe e, portanto, o fim da “econo-mia capitalista” propriamente dita. Naspalavras de Pasinetti (1974, p. 130):

If the capitalists were not to existany more, their propensity to save

nova Economia_Belo Horizonte_15 (2)_119-149_maio-agosto de 2005

Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridge132

Page 15: Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridgejoseluisoreiro.com.br/site/link/6272bdfe541de6be89dab46a7def05ba26... · 1_ Introdução Um subproduto da abordagem pós-key-nesiana

obviously could not determine therate of profit. There is, therefore, away of preventing the Cambridgeequation from operating, and thatis by eliminating the capitalistsfrom the system!

Com efeito, no “regime Dual” éverdade que s P Kc / �. Ao longo da tra-jetória de crescimento balanceado, temosque P K P Kc c/ /� , o que implica que oestoque de capital de propriedade dos ca-pitalistas estará crescendo a uma taxa me-nor do que a economia. Como ao longodessa trajetória de crescimento a relaçãocapital-produto é constante, de tal formaque o estoque agregado de capital e oproduto estarão ambos crescendo à mes-ma taxa, segue-se que a participação doscapitalistas no estoque agregado de capi-tal irá tender a zero. No longo prazo, atotalidade do estoque de capital será depropriedade dos trabalhadores, os capi-talistas terão sido extintos e haverá ape-nas uma categoria de poupadores, qualseja, os trabalhadores.

Com a “eutanásia dos capitalis-tas”, a fração poupada da renda nacionaltorna-se constante e igual à s w . Daqui sesegue que o ajuste entre a taxa natural e ataxa garantida de crescimento não podemais ser feito por intermédio da distribu-ição de renda. Portanto, para que o cres-

cimento balanceado com pleno-empregoseja possível, a relação capital-produtodeve ser flexível o bastante para garantiro atendimento da equação (1). Dessa for-ma, os princípios neoclássicos de substi-tubilidade entre os fatores de produção,produtividade marginal decrescente e ma-ximização de lucro tornam-se indispen-sáveis para a construção de um modelode crescimento balanceado com pleno-emprego. A teoria neoclássica estaria as-sim “a salvo” do desafio colocado pela“Equação de Cambridge”.

Pasinetti argumenta, no entanto,que a “eutanásia dos capitalistas” não écondição suficiente – embora seja neces-sária – para devolver à relação capital-produto o papel de variável de ajuste en-tre as taxas garantida e natural de cresci-mento. Para que a relação capital-produtosirva de variável de ajuste entre as duastaxas, é preciso que:

i. o intervalo de variação dessa rela-ção seja bastante amplo;

ii. essa relação deve ser uma funçãomonotonicamente decrescente dataxa de lucro.

A necessidade de uma grande am-plitude de variação da relação capital-produto para que ela sirva como variávelde ajuste entre as taxas garantida e natu-

José Luís Oreiro 133

nova Economia_Belo Horizonte_15 (2)_119-149_maio-agosto de 2005

Page 16: Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridgejoseluisoreiro.com.br/site/link/6272bdfe541de6be89dab46a7def05ba26... · 1_ Introdução Um subproduto da abordagem pós-key-nesiana

ral de crescimento se explica pelo fato deque, se essa amplitude for reduzida, podenão ser possível a essa variável assumiro valor necessário para garantir o aten-dimento da equação (1). Nesse caso, ocrescimento balanceado com pleno-em-prego seria o resultado, tal como no mo-delo HD, de uma “feliz coincidência”(Pasinetti, 1974, p. 133).

Por que razão a relação capital-produto deveria ser uma função monó-tona decrescente da taxa de lucro? Pararesponder a essa pergunta, consideremosuma situação inicial tal que a taxa garanti-da de crescimento é menor do que a na-tural, ou seja, s k/ �. A fim de que a eco-nomia possa convergir para a trajetória decrescimento balanceado com pleno-em-prego, a relação capital-produto deveráreduzir-se de forma a aumentar o valor dataxa garantida de crescimento até que amesma se iguale ao valor da taxa natural.

Nesse contexto, a trajetória de cres-cimento balanceado com pleno-empregoserá um equilíbrio estável se, e somente se, adinâmica da economia fora dessa trajetó-ria de crescimento for tal que o equilíbrioseja restaurado. Na situação acima des-crita, a força de trabalho estará crescendomais rapidamente do que o estoque decapital, de tal forma que o emprego porunidade de capital estará se reduzindo ao

longo do tempo. Se a função de produçãofor “bem-comportada”, esse aumento doemprego por unidade de capital irá geraracréscimo da taxa de lucro, seguida poruma redução da relação capital-produto.Verifica-se que a existência de uma relaçãoinversa entre a relação capital-produto e ataxa de lucro garante a convergência daeconomia à trajetória de crescimento ba-lanceado com pleno-emprego. Se essa re-lação for não-monotônica, a economiapode não ser capaz de alcançar a sua traje-tória de crescimento balanceado (Ama-deo e Dutt, 1987, p. 569-570).

O ponto ressaltado por Pasinetti éque dificilmente a tecnologia irá apresen-tar as propriedades necessárias para fazercom que a relação capital-produto possaatuar como variável de ajuste entre as ta-xas garantida e natural de crescimento.Nas suas palavras:

The capital-output ratio does, ofcourse, depend on the rate of profitfor many reasons. As the rate of pro-fit changes: (i) the technique of pro-duction may change, (ii) even if thetechnique of production remains thesame, all relative prices change, (iii)the composition of output, and thusthe stock of capital may change too.However nothing can be said a prio-ri on the direction of any of these

nova Economia_Belo Horizonte_15 (2)_119-149_maio-agosto de 2005

Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridge134

Page 17: Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridgejoseluisoreiro.com.br/site/link/6272bdfe541de6be89dab46a7def05ba26... · 1_ Introdução Um subproduto da abordagem pós-key-nesiana

changes [...] In general this functionis not monotonic, is not smoothlydifferentiable and, most of all, has fi-nite limits above and below [...] thecapital-output ratio can only vary wit-hin a finite band” (Pasinetti, 1974, p. 133).

Nesse contexto, a teoria neoclássicado crescimento e da distribuição de rendasó é válida se forem feitas hipóteses restritivas

e irrealistas a respeito da tecnologia. A teoriapós-keynesiana é mais geral porque nãose apóia em nenhuma hipótese específi-ca sobre a tecnologia. Citando Pasinetti(1947, p. 131):

If s kw � , the Cambridge equationwill hold indeed irrespective of anyassumption on technology; but ifs kw � � , what happens dependscrucially on technology. The Mea-de-Samuelson-Modigliani’s margi-nal productivity results only followon particular and unacceptable as-sumptions on technology [...].

6_ A “tréplica” deSamuelson e Modigliani

A resposta neoclássica à réplica de Pasi-netti foi feita por Samuelson e Modiglia-ni (1966). Segundo esses autores, Meadeestava certo ao afirmar que o “regime dePasinetti” não é a única configuração deequilíbrio de longo prazo possível para

a distribuição funcional da renda. O “re-gime Dual” se constitui também numequilíbrio de longo prazo, válido em con-dições tão gerais quanto o “regime de Pa-sinetti”. Nas palavras de Samuelson eModigliani (1966, p. 321):

[...] the Pasinetti golden-age equili-brium, instead of being the generalone, had to be recognized as butone of two golden-age equilibrium,being matched so-to-speak by whatwe called the Dual or Anti-Pasinettiequilibrium [...] there is completesymmetry between Primal and Dualequilibrium. Neither is more gene-ral than the other.

Nesse contexto, Samuelson e Mo-digliani se propõem a demonstrar que aexistência do “regime Dual” não depen-de de nenhuma hipótese específica a res-peito do formato da função de produçãoou da existência de uma relação inversaentre a taxa de lucro e a razão capital-pro-duto. Mais concretamente, Samuelsone Modigliani desejam demonstrar que aexistência do “regime Dual” é compatívelcom o fenômeno da “reversão de técni-cas”8 (reswitching) que havia sido “desco-berto” pela Controvérsia do Capital entre aCambridge americana e a Cambridge in-glesa. Segundo esses autores:

We claim that [...] the Dual golden-age regime is every bit as general as

José Luís Oreiro 135

nova Economia_Belo Horizonte_15 (2)_119-149_maio-agosto de 2005

8 O fenômeno da “reversãode técnicas” é uma situação naqual os empresários,confrontados com uma taxade lucro muito baixa, voltam aadotar técnicas de produçãointensivas em trabalho, asquais só pareciam sereconomicamente viáveisquando a taxa de lucro eramuito elevada (Samuelson,1978, p. 193). Esse fenômenofaz com que a demanda pelosfatores de produção não sejauma função inversa dospreços dos fatores.

Page 18: Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridgejoseluisoreiro.com.br/site/link/6272bdfe541de6be89dab46a7def05ba26... · 1_ Introdução Um subproduto da abordagem pós-key-nesiana

the primal Pasinetti golden-age; itsexistence has nothing to do withwell-behaved marginal productivitiesor with one-directional functional re-lationships between interest rates,capital-output ratios, or other mag-nitudes (Samuelson e Modigliani, 1966, p. 321).

Para demonstrar que a existênciado “regime Dual” é compatível com a“reversão de técnicas”, Samuelson e Mo-digliani utilizam um diagrama semelhanteao empregado por Meade, introduzindo,no entanto, uma curva AZ que descreve

a relação entre a taxa de lucro e o produ-to médio do capital, o qual é o recíprocoda relação capital-produto. Essa curva ésuposta ser “malcomportada”, possuin-do trechos nos quais a mesma taxa de lu-cro é compatível com diversos valorespara a produtividade média do capital etrechos nos quais a relação entre essasduas variáveis é inversa, ao invés de di-reta, como seria de se esperar, caso a tec-nologia fosse “bem-comportada”. Essacurva pode ser visualizada por intermé-dio da Figura 2.

nova Economia_Belo Horizonte_15 (2)_119-149_maio-agosto de 2005

Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridge136

K

A

Z

�s w

0

�s c

0

Q�s w

1

�s w

2

P

K

AY

Figura 2_

Page 19: Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridgejoseluisoreiro.com.br/site/link/6272bdfe541de6be89dab46a7def05ba26... · 1_ Introdução Um subproduto da abordagem pós-key-nesiana

Nesse contexto, um ponto ( , )r A

na Figura 2 será um ponto de equilíbriode “Idade Dourada” se:

i. estiver sobre o lócus A r( , )� ouseja, A A r* *( , )� � ;

ii. r s c� �/ , de forma que o estoquede capital que é de propriedadedos capitalistas não cresça maisrapidamente do que a força detrabalho;

iii. A s w

* /� � , de forma que o esto-

que de capital que é de proprie-dade dos trabalhadores não cres-ça mais rapidamente do que aforça de trabalho;

iv. uma das condições (ii) e (iii) deveser satisfeita como igualdade, detal forma que o estoque de capi-tal agregado possa crescer à mes-ma taxa que a força de trabalho.

O equilíbrio de “Idade Dourada”referente ao “regime de Pasinetti” con-siste, portanto, numa situação em quer s c

* /� � e A r s w( , )* � ��� . Por outro

lado, o equilíbrio de “Idade Dourada”referente ao “regime Dual” é tal queA s w

* * /� � e r s c

* * / � .

Dado isso, consideremos que osvalores iniciais das propensões a poupardos trabalhadores e dos capitalistas sejamdados por s w

0 e s c

0. Para esse par de valores

(s w

0 , s c

0 ), segue-se que A * deve estar situa-

do no ponto Q sobre a curva AZ, paraque as condições de equilíbrio de “IdadeDourada” sejam respeitadas. Nesse pon-to, temos que r s c� �/ , ou seja, a econo-mia se encontra no “regime de Pasinetti”.

Se a propensão a poupar dos tra-balhadores estiver situada no intervalos s sw w w

0 1 , o atendimento das condi-

ções de equilíbrio de “Idade Dourada”exige que A * se situe no ponto Q, no

qual prevalece o “regime de Pasinetti”.O que acontece se a propensão

a poupar dos trabalhadores for tal ques sw w� 1 ? Nesse caso, podemos verificar

na Figura 2 que o atendimento das con-dições de equilíbrio de “Idade Dourada”exige que a taxa de lucro se reduza atéo ponto em que a economia se situe so-bre a curva AZ. Em outras palavras, aeconomia irá operar sobre a curva AZ

num ponto abaixo e à direita do ponto Q.Sendo assim, temos que Y K s w/ /� � eP K s c/ / � , ou seja, a economia estaráoperando no “regime Dual”, em que oscapitalistas terão sido extintos, e a pro-pensão a poupar da sociedade será igual àpropensão a poupar dos trabalhadores.

O ponto a ser ressaltado é que,nesse segmento da curva AZ, a relaçãoentre a taxa de lucro e a razão capital-produto não é “bem-comportada”, haja

José Luís Oreiro 137

nova Economia_Belo Horizonte_15 (2)_119-149_maio-agosto de 2005

Page 20: Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridgejoseluisoreiro.com.br/site/link/6272bdfe541de6be89dab46a7def05ba26... · 1_ Introdução Um subproduto da abordagem pós-key-nesiana

vista que a função A r( , )� associa ao mesmo

valor da taxa de lucro diversos valores para a recí-

proca da relação capital-produto. Esse com-portamento “exótico” da função A r( , )�– o qual reflete o problema de “reversãode técnicas” identificado pela Controvérsia

do Capital – não impede a existência do“regime Dual” para certa constelação devalores da propensão a poupar dos traba-lhadores e dos capitalistas.

Daqui se segue que a existência

do referido regime não pressupõe ne-nhuma hipótese específica a respeito datecnologia ou do formato da funçãoA r( , )� . A única condição necessáriapara a existência do “regime Dual” éque s P Y sw c� ( / ) . Segundo Samuelson eModigliani, essa condição é atendida paraos valores de s w , s w e P Y/ encontradosna maior parte dos países capitalistas de-senvolvidos (Samuelson e Modigliani,1966, p. 329). Dessa forma, o “regime dePasinetti” seria uma simples curiosidadeteórica, ainda que, a nível puramenteabstrato, seja tão geral e simétrico quan-to o “regime Dual”, sem nenhuma re-levância para a análise do funcionamen-to das economias capitalistas modernas.Nas suas palavras:

[...] even if we set aside our qualmsand just play the game were willing toidentify the capitalists with today’s

rentiers, we would find it hard tobelieve that the propensity to saveof this group – a quite varied lot ofhereditary aristocrats, playboys andretired households – would exceedsome 20 percent. If this figure iscombined with the much more so-lid estimate of � it implies, that forPasinetti´s theorem to hold the sa-ving propensity of the rest of thecommunity, s w should be no morethan 5 percent. This we regard asan implausibly low figure when itis remembered that the workers towhich s w applies are again a quitemixed lot including laborers, pro-fessionals, self-employed entrepre-neurs, civil servants, business exe-cutives of all ranks, and so on (Samuel-

son e Modigliani, 1966, p. 329).

7_ A resposta de Pasinettie Kaldor à “tréplica”de Samuelson e Modigliani

A resposta de Pasinetti a Samuelson e aModigliani consistiu em reafirmar queuma trajetória de crescimento balancea-do estável com pleno-emprego na qualos capitalistas tenham sido “eliminados”do sistema é altamente improvável, umavez que a relação capital-produto deve-ria ser “excessivamente” flexível para ga-rantir o ajuste entre as taxas garantida e

nova Economia_Belo Horizonte_15 (2)_119-149_maio-agosto de 2005

Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridge138

Page 21: Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridgejoseluisoreiro.com.br/site/link/6272bdfe541de6be89dab46a7def05ba26... · 1_ Introdução Um subproduto da abordagem pós-key-nesiana

natural de crescimento. Embora a referi-da relação não possa ser tomada comoconstante, tal como acontecia no modeloHD, certamente ela não possui a flexibi-lidade necessária para garantir o atendi-mento da condição HD de crescimentobalanceado. Nas palavras de Pasinetti:

Either the workers’ propensity tosave s w does not reach the critical le-vel beyond which workers would ac-cumulate faster than the capitalists,and in this case equilibrium growth ispossible, with the Cambridge Equati-on determining the rate of profit. Orelse s w is higher than that level, andin this case what will normally hap-pen is that no equilibrium growthis possible at all. In between the Cam-bridge-equation equilibrium rangeand the no-equilibrium range, thereis a small range of values for s w forwhich an equilibrium growth path ofHarrodian type is possible but is li-kely to be of no practical relevance(Pasinetti, 1974, p. 139).

Para tanto, Pasinetti introduz umarestrição adicional no modelo Samuel-son-Modigliani, qual seja, que a taxa delucro ao longo da trajetória de cresci-mento balanceado não pode ser menordo que a taxa natural de crescimento. Ca-so contrário, o estoque de capital de equi-líbrio de longo prazo dessa economia

seria maior do que o nível socialmenteótimo, de tal forma que o equilíbrio seriadinamicamente ineficiente (Blanchard e Fis-cher, 1989, p. 103). Dessa maneira, o li-mite de variação da taxa de lucro, paraque seja possível um crescimento balan-ceado com pleno-emprego da força detrabalho, é dado por:

��

rs c

(19)

Essa restrição impõe um limite es-treito de variação da relação capital-pro-duto – a qual é uma função � ( )r da taxade lucro – mesmo no caso em que a tec-nologia é tal que a referida relação é alta-mente flexível. Nesse contexto, é alta-mente improvável que – dados os valoresda propensão a poupar dos trabalhado-res e da taxa natural de crescimento – arelação capital-produto possa assumir ovalor necessário para garantir a ocorrên-cia de uma trajetória de crescimento ba-lanceado com pleno-emprego, caso a eco-nomia esteja operando no “regime Dual”.Em outras palavras, o crescimento balan-ceado com “eutanásia dos capitalistas” éteoricamente possível, porém imprová-vel. Segue-se, portanto, que o crescimen-to balanceado só será possível, em geral,se a “Equação de Cambridge” for válida.

A resposta de Kaldor (1966) a Sa-muelson e a Modigliani se baseou numa

José Luís Oreiro 139

nova Economia_Belo Horizonte_15 (2)_119-149_maio-agosto de 2005

Page 22: Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridgejoseluisoreiro.com.br/site/link/6272bdfe541de6be89dab46a7def05ba26... · 1_ Introdução Um subproduto da abordagem pós-key-nesiana

análise mais detalhada dos fatores queexplicam a diferenciação entre as pro-pensões a poupar com base na classe derendimentos. Tal como foi visto na seção2, para Kaldor a diferenciação entre aspropensões a poupar a partir de saláriose lucros não se deve à existência de umaclasse especial de indivíduos ricos e ocio-sos com elevada propensão a poupar,mas decorre do estímulo que as empre-sas têm para reter grande proporção dosseus lucros num ambiente marcado pelapresença de economias dinâmicas de es-cala (learning-by-doing).

Se a fonte da diferenciação entreas propensões a poupar é origem dosrendimentos, e não a filiação a uma classesocial específica, então se podem tirarduas conseqüências importantes para odebate sobre o resultado do “processo dePasinetti”. Em primeiro lugar, os valoresde s c e s w utilizados no cálculo das con-dições de contorno dos regimes “Dual” ede Pasinetti devem ser reestimados. Maisespecificamente, o valor do parâmetro s c

deve ser reestimado de 0,20, como su-ponham Samuelson e Modigliani (1966,p. 329) para 0,7 ou 0,8 (Kaldor, 1966,p. 312), o que amplia consideravelmenteo espaço de validade da “Equação deCambridge”. Sendo assim, as condiçõesde contorno do “regime de Pasinetti” pas-sariam a ser satisfeitas para o caso daseconomias capitalistas desenvolvidas.

Em segundo lugar, se a diferencia-ção entre as propensões a poupar nãose deve à existência de uma classe socialcom características específicas – os capi-talistas –, então mesmo que essa classeseja eliminada do sistema econômico a re-ferida diferenciação continuaria a existir.Dessa forma, poderia ainda ser possível aobtenção da “Equação de Cambridge” poroutros meios que não os desenvolvidospor Pasinetti. Essa é a intuição básicado assim chamado “Novo Teorema dePasinetti” (Neo-Pasinetti Theorem) desen-volvido por Kaldor (1966), o qual iremosapresentar de forma sucinta a seguir.

Consideremos uma economia naqual os trabalhadores poupam uma fra-ção s w de suas rendas (W ) para financiaro seu consumo na aposentadoria. Essapoupança é assim a fonte primária da de-manda por ações que as empresas emi-tem para obter recursos externos para ofinanciamento dos seus planos de inves-timento. Os trabalhadores aposentadosdessa economia consomem uma fração c

dos “ganhos de capital” G proporciona-dos pelas ações que eles compraram en-quanto ainda estavam trabalhando. Porfim, as empresas financiam uma propor-ção z do seu investimento planejado gK,em que g é a taxa desejada de crescimentodo estoque de capital que pode ou nãoser igual à taxa natural de crescimento da

nova Economia_Belo Horizonte_15 (2)_119-149_maio-agosto de 2005

Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridge140

Page 23: Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridgejoseluisoreiro.com.br/site/link/6272bdfe541de6be89dab46a7def05ba26... · 1_ Introdução Um subproduto da abordagem pós-key-nesiana

economia (Harcourt, 1972, p. 229). Oequilíbrio no mercado de ações exige que:

s W cG zgKw � (20)

Definindo-seV * como a razão en-tre o valor de mercado das ações das em-presas e o valor do capital empregado pe-las firmas, os ganhos de capital G podemser expressos por:

G N P� �� (21)� � V K P N gK V z* *( )� �

em que: P é o preço unitário das açõesdas empresas;

N é o numero de ações emitidas.

Supondo que as empresas pou-pam uma fração s c dos seus lucros (P ),então a restrição de financiamento do in-vestimento é dada por:

z gK gK s Pc� (22)

Após algumas manipulações algé-bricas do sistema formado pelas equa-ções (20)-(22), pode-se demonstrar que ataxa de lucro de equilíbrio de longo pra-zo9 é dada por:

rz g

s c

�( )1

(23)

Sendo assim, Kaldor obtém umresultado similar ao de Pasinetti, sem,contudo, fazer nenhuma hipótese a res-peito da existência de uma classe especial

de indivíduos com elevada propensão apoupar, ou ainda sem supor que a econo-mia se acha numa trajetória de cresci-mento em “Idade Dourada” (Harcourt,1972, p. 230).

8_ Generalizações posterioresda “Equação de Cambridge”

A primeira fase do debate a respeitoda validade da “Equação de Cambridge”havia terminado no final da década de1960 em certo impasse. Por um lado, aargumentação de Pasinetti de que a exis-tência do “regime Dual” dependeria dehipóteses específicas e inaceitáveis – aluz da “Controvérsia do Capital” – a res-peito do formato da função de produçãofoi facilmente desmontada por Samuel-son e Modiligliani a partir da constru-ção de um contraexemplo gráfico (verFigura 2), no qual se mostra que a deter-minação do valor de equilíbrio de longoprazo da taxa de lucro e da relação pro-duto-capital é possível mesmo no casoem que a função de produção é malcom-portada, em razão do “problema de re-versão de técnicas”.

Por outro lado, a tentativa de Sa-muelson e Modigliani de mostrar que ascondições de contorno necessárias para avalidade do “regime de Pasinetti” (ou seja,

José Luís Oreiro 141

nova Economia_Belo Horizonte_15 (2)_119-149_maio-agosto de 2005

9 Ressaltando apenasque esse equilíbrio de longoprazo não necessariamenteé o equilíbrio de “IdadeDourada”, no qual aeconomia cresce a umataxa igual à taxa natural.

Page 24: Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridgejoseluisoreiro.com.br/site/link/6272bdfe541de6be89dab46a7def05ba26... · 1_ Introdução Um subproduto da abordagem pós-key-nesiana

s kw � � ) não seriam observadas na mai-or parte dos países capitalistas avançadosfoi invalidada pelas réplicas de Kaldor(1966) e Pasinetti (1974), apresentadas naseção anterior.

Esse impasse começou a ser des-feito quando da publicação do artigo deSteedman (1972). Até esse momento, pa-recia razoável a assertiva de Samuelsone Modigliani (1966, p. 321) de que: “[...]There is a complete symmetry between the Pri-

mal and Dual equilibrium. Neither is more ge-

neral than the other” .Nesse contexto, o objetivo central

do artigo de Steedman era mostrar que ainclusão da atividade governamental, naforma de taxação direta e indireta e degastos governamentais, no “processo dePasinetti”, não alterava a natureza do “re-gime de Pasinetti”, ou seja, a taxa de lu-cro continuaria, mesmo nesse caso, in-dependente dos métodos de produção;mas a simetria do “regime Dual” comrespeito ao “regime de Pasinetti” seriadestruída à medida que a relação produ-to-capital deixaria de ser independentedos métodos de produção empregadosna economia. Dessa forma, o “regimede Pasinetti” seria mais robusto do queo “regime Dual”, já que permaneceria

válido em face da remoção de algumashipóteses simplificadoras.

A demonstração de Steedman en-volve o mesmo conjunto de hipótesesusadas na obtenção do “Teorema de Pa-sinetti” acrescido de:

a. o governo cobra uma alíquota cons-tante � w sobre os salários, umaalíquota � p sobre os lucros apro-priados, tanto pelos capitalistascomo pelos trabalhadores, e umaalíquota � i sobre todos os gastosde consumo, incluindo os gastosgovernamentais.

b. o orçamento do governo está equi-librado, de forma que a poupan-ça do governo é igual a zero.

Dessa forma, as equações funda-mentais do modelo de Steedman são:

S s W P W Pw w w w p w� ( )� � (24)

S s Pc c c c� ( )1 � (25)

S

K

S

K

S

K

I

K

w

w

c

c

� � � � � (26)

Substituindo (25) em (26) e lembran-do que P rKc c� , temos para K c � 0 que:

rs c p

��

�( )1(27)

nova Economia_Belo Horizonte_15 (2)_119-149_maio-agosto de 2005

Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridge142

Page 25: Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridgejoseluisoreiro.com.br/site/link/6272bdfe541de6be89dab46a7def05ba26... · 1_ Introdução Um subproduto da abordagem pós-key-nesiana

O que leva Steedman (1972, p. 1391)a concluir que:

The gross rate of profit consistentwith full-employment growth is in-dependent of the methods of pro-duction, is not influenced by thetaxation of wages or by the rate ofpurchase tax and is an increasingfunction of the rate of taxation onprofit income. The correspondingrate of profit net of tax [...] is inde-pendent of the methods of producti-on and of all forms of taxation. Thusthe existence of taxation has no ef-fect on the net rate of profit obtai-ning in a Pasinetti equilibrium [...].

O mesmo não acontece com o“regime Dual”. Nesse caso, temos queP rKw � , de forma que a relação produ-to-capital ( )k é dada por:

ks

rw w

w p�

��

��

1

1 ��

� �( ) (28)

Dessa forma, a relação produto-capital no equilíbrio de longo prazo emque os capitalistas foram eliminados dosistema passa a depender agora do valorde equilíbrio da taxa de lucro. Como nomundo neoclássico suposto por Samuel-son e Modigliani a taxa de lucro é deter-minada pela produtividade marginal docapital, segue-se que a determinação darelação produto-capital passa a depen-

der, via de regra, dos métodos de produ-ção, desaparecendo assim a simetria queo “regime Dual” apresentava com respei-to ao “regime de Pasinetti”. A simetriaentre os dois regimes só pode ser resta-belecida no caso em que � �w p� .

Os resultados de Steedman foramcriticados por Fleck e Domenghino (1987).Segundo esses autores, a “Equação deCambridge” só é válida num mundo comatividades governamentais no caso extre-mo em que o governo opera com orça-mento equilibrado. No caso mais geralem que o governo opera com déficits ousuperávits orçamentários no longo pra-zo, a “Equação de Cambridge” deixariade ser válida, pois tanto a participaçãodos lucros na renda como a taxa de lucropassariam a depender do valor da pro-pensão a poupar dos trabalhadores. Des-sa forma, a “Equação de Cambridge” na-da mais seria do que uma simples “cu-riosidade teórica”, apoiada em hipótesesirrealistas a respeito da forma de atua-ção do governo no sistema econômico(Fleck e Domenghino, 1987, p. 34).

A crítica de Fleck e Domenghinodeu ensejo à réplica de Dalziel (1989)e Pasinetti (1989a, 1989b). Segundo Dal-ziel, o modelo apresentado por Fleck eDomenghino apresentava uma omissãosimilar a que Kaldor cometera no seu ar-

José Luís Oreiro 143

nova Economia_Belo Horizonte_15 (2)_119-149_maio-agosto de 2005

Page 26: Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridgejoseluisoreiro.com.br/site/link/6272bdfe541de6be89dab46a7def05ba26... · 1_ Introdução Um subproduto da abordagem pós-key-nesiana

tigo de 1956. Mais especificamente, Flecke Domenghino não levaram em contaque, no caso de um superávit (déficit) or-çamentário no longo prazo, o governopassaria a acumular capital (contrair dí-vidas), dando-lhe direito a uma parte doslucros gerados no sistema econômico(ou a pagar juros no caso de um aumentodo endividamento público). Nesse con-texto, se a taxa de lucro sobre o capital depropriedade do governo for igual à obti-da sobre o capital de propriedade dos ca-pitalistas e dos trabalhadores, e supondoque a economia em consideração realizatransações de bens e serviços com o ex-terior, então a taxa de lucro no equilíbriode longo prazo será dada por:

rs

I NX

Kc

�1

(29)

em que: NX é o saldo da balança comercial.

Pasinetti (1989a, 1989b) parte deuma estrutura semelhante à de Steed-man, considerando uma economia emque o governo opera com déficit ou su-perávit orçamentário, mas na qual o go-verno não possui propriedade sobre oestoque de capital existente (Teixeira eAraújo, 1991, p. 213). Nesse contexto,se as propensões a poupar dos capitalis-tas e dos trabalhadores forem ajustadasde forma a se levar em conta a existên-cia da taxação e dos desequilíbrios orça-

mentários, a taxa de lucro na trajetóriade crescimento equilibrado em “IdadeDourada” é dada por:

rs c

��

'(30)

onde:

s s s s t sc c p T i T p i c p

' ( ) [ ( )] { ( )( )}� 1 1 1 1 11� � � �

Ou seja, a taxa de lucro no equilí-brio de longo prazo é determinada pelarazão entre a taxa natural de crescimentoe a propensão a poupar dos capitalistas,“corrigida” pelos efeitos da taxação e dosdéficits ou superávits (sT ) do governo.Daqui se segue que a natureza do “regi-me de Pasinetti” não é afetada pela intro-dução das atividades governamentais.

Os resultados obtidos por Dalziel(1989) e Pasinetti (1989a, 1989b) foramgeneralizados por Teixeira e Araújo (1991)e por Teixeira (1999). Mais especifica-mente, Teixeira e Araújo (1991) e Teixeira(1999) mostraram que:

i. Dalziel incorreu num “erro de du-pla contagem” ao incluir os lucrosdo governo duas vezes na sua res-trição orçamentária, o que levouesse autor à conclusão equivocadade que a política fiscal não interfe-re na determinação da taxa de lu-cro de equilíbrio de longo prazo(Teixeira, 1999, p. 77-78);

nova Economia_Belo Horizonte_15 (2)_119-149_maio-agosto de 2005

Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridge144

Page 27: Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridgejoseluisoreiro.com.br/site/link/6272bdfe541de6be89dab46a7def05ba26... · 1_ Introdução Um subproduto da abordagem pós-key-nesiana

ii. a eliminação do “erro de duplacontagem” incorrido por Dalziel(1989) e a incorporação do capi-tal de propriedade do governono modelo de Pasinetti (1989)permitem demonstrar a validadeda “Equação de Cambridge” numcontexto em que (a) o governoopera com déficits ou superávitsorçamentários e (b) a economiaopera com superávit ou déficitda balança comercial.

Nesse caso, a taxa de lucro de equilíbriode longo prazo é dada por:

r

sNK

K

s s

g

p c p g

� �

�����

( )

( ) ( )

1

1

� �

� � �

(31)

em que: ��

��

i

i1

9_ Uma avaliação das controvérsiassobre a “Equação de Cambridge”

É chegado o momento de fazermos umaavaliação das controvérsias em torno da“Equação de Cambridge” nos últimos 40anos. Para tanto, devemos responder aduas perguntas básicas, a saber:

i. quais as questões teóricas e me-todológicas levantadas ao longo

das controvérsias sobre a “Equa-ção de Cambridge”?;

ii. qual a relevância do debate emconsideração?

No que se refere à primeira per-gunta, podemos inferir com base na aná-lise da primeira e da segunda fase da con-trovérsia sobre a Equação de Cambridgeque as questões teóricas e metodológicasem discussão eram as seguintes:

a. a generalidade e a simetria dos Teo-remas de Pasinetti e de Meade-Samuelson-Modigliani;

b. papel desempenhado pela “formafuncional” da função de produ-ção na demonstração da valida-de do Teorema Meade-Samuel-son-Modigliani.

Em relação ao primeiro conjuntode questões teóricas e metodológicas en-volvidas nas controvérsias sobre a “Equa-ção de Cambridge”, não há como negaro fato indiscutível de que o “Teorema dePasinetti” é mais geral do que o “TeoremaMeade-Samuelson-Modiligliani”.Isso porduas razões. Em primeiro lugar, a caracte-rística básica do “Teorema de Pasinetti”,qual seja, a independência da taxa de lucroe da distribuição funcional da renda comrespeito à propensão a poupar dos traba-lhadores e com respeito aos métodos deprodução, não é alterada por intermédio

José Luís Oreiro 145

nova Economia_Belo Horizonte_15 (2)_119-149_maio-agosto de 2005

Page 28: Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridgejoseluisoreiro.com.br/site/link/6272bdfe541de6be89dab46a7def05ba26... · 1_ Introdução Um subproduto da abordagem pós-key-nesiana

do relaxamento de algumas hipótesessimplificadoras do modelo original de Pa-sinetti, em particular a existência de ati-vidades governamentais. O mesmo nãoocorre com o “Teorema Meade-Samuel-son-Modigliani”. Tão logo são incorpo-radas hipóteses mais realistas ao modelobásico, a relação produto-capital deixade ser determinada apenas pela razão en-tre a taxa natural de crescimento e a pro-pensão a poupar dos trabalhadores, pas-sando a depender dos métodos de pro-dução, o que elimina a simetria que oreferido teorema tinha com respeito ao“Teorema de Pasinetti”.

Em segundo lugar, a versão do“Teorema de Pasinetti” elaborada por Kal-dor, ainda que sujeita a críticas no que serefere ao papel desempenhado pela “fle-xibilidade” dos preços das ações no pro-cesso de ajuste entre investimento e pou-pança (Davidson, 1968, p. 259),10 nãopressupõe a existência de uma classe es-pecial de indivíduos que não trabalham epossuem uma elevada propensão a pou-par. Dessa forma, Kaldor mostrou que a“Equação de Cambridge” pode ser obti-da mesmo no caso em que os capitalistasforem eliminados do sistema, desde quea diferenciação entre as propensões apoupar a partir de lucros e salários persistaapós a “eutanásia dos capitalistas”. Da-qui se segue que toda a argumentação de

Samuelson e Modilgiani, no sentido demostrar que as condições de contorno da“Equação de Cambridge” não seriam vá-lidas no mundo real, é irrelevante.

No que concerne ao papel desem-penhado pela “forma funcional” da fun-ção de produção no Teorema MSM, ésurpreendente a incapacidade de Pasinet-ti em reconhecer que, no que tange às condi-

ções de existência do regime Dual, a ocorrên-cia ou não de “reversão de técnicas” éirrelevante. O contraexemplo gráfico apre-sentado por Samuelson e Modigliani, oqual reproduzimos na Figura 2, mostraclaramente que numa economia em queas técnicas de produção são “malcom-portadas”, pode existir um valor para avariável taxa de lucro tal que:

i. a economia esteja num equilíbrioem “Idade Dourada”;

ii. os capitalistas tenham sido expul-sos do sistema;

iii. a relação capital-produto seja igualà razão entre a taxa natural decrescimento e a propensão a pou-par dos trabalhadores.

Isso não quer dizer que o “proble-ma de reversão de técnicas”, ressaltadona Controvérsia do Capital, não seja im-portante para os debates em torno da“Equação de Cambridge”. Isso porquea não-monotonicidade da relação entre

nova Economia_Belo Horizonte_15 (2)_119-149_maio-agosto de 2005

Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridge146

10 Nas palavras de Davidson:“If accepted at face value, Kaldor´s

statement is truly a surprising

volte-face keynesian theory,

especially since it is a keynesian of

Kaldor´s stature who appears to be

implying that given the distribution

of income, given the level of net

investment(I), and given the

corporate new issue policy, the level

of security es price (i.e. the rate of

interest) will cause aggregate

personal consumption to just fill the

gap between the full employment

level of output and investment

spending. After all these years of

verbal duels, acrimony, and

clarification, Kaldor´s analysis

suggests that the rate of interest is

the mechanism which ensures that

effective demand is always

maintained at the full employment

level” Davidson (1968, p. 259).

Page 29: Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridgejoseluisoreiro.com.br/site/link/6272bdfe541de6be89dab46a7def05ba26... · 1_ Introdução Um subproduto da abordagem pós-key-nesiana

a taxa de lucro e a razão produto-capitalresultante da ocorrência de “reversão detécnicas” torna instável a posição de equi-líbrio de longo-período (Amadeo e Dutt,1987, p. 569). Assim, o correto é afirmarque o Teorema MSM pressupõe a existência de

uma função de produção bem-comportada para

a estabilidade da trajetória de crescimento em

“Idade Dourada” num contexto em que os capi-

talistas foram eliminados do sistema. Nessecontexto, o Teorema de Pasinetti é maisgeral do que o Teorema MSM porque aestabilidade da posição de equilíbrio delongo-período no primeiro não pressu-põe a existência de técnicas de produçãobem-comportadas.

Por fim, temos que avaliar a rele-vância do debate. Será que ele pode serclassificado como uma grande perda detempo, tal como alguns economistas clas-sificam a “Controvérsia do Capital”?11

Ou seja, será que esse debate não podeser classificado como um grande jogo in-telectual que trata de questões puramen-te internas à teoria econômica, mas quenão tem nenhuma relevância em termosda formulação de política econômica?

A nosso juízo, o debate em tornoda Equação de Cambridge aborda aomenos um assunto de grande importân-cia em termos da formulação de umapolítica de desenvolvimento econômico,

a saber: a relação entre poupança e in-vestimento ao longo de uma trajetóriade crescimento equilibrado. Se a Equa-ção de Cambridge for correta, a poupan-ça jamais será um obstáculo ao aumentodo investimento, uma vez que a distribui-ção funcional da renda entre salários e lu-cros irá garantir o ajuste da poupança(doméstica + externa) ao nível de investi-mento requerido para o crescimento em“Idade Dourada”. Um corolário diretodessa argumentação é que poupança ex-terna e poupança doméstica são substitu-tos perfeitos entre si, de tal forma que, talcomo ressaltado recentemente por Bres-ser e Nakano (2003), políticas de estímu-lo ao aumento do déficit em transaçõescorrentes não irão resultar num aumentodo crescimento de longo prazo.

10_ ConclusãoAo longo do presente artigo, fizemos umaextensa revisão das controvérsias em tor-no da “Equação de Cambridge”, o quenos permitiu tirar três conclusões funda-mentais. Em primeiro lugar, o Teoremade Pasinetti é mais geral do que o Teore-ma Meade-Samuelson-Modigliani, já que

i. sua característica fundamental, qualseja, a independência da taxa delucro com respeito à propensão a

José Luís Oreiro 147

nova Economia_Belo Horizonte_15 (2)_119-149_maio-agosto de 2005

11 Bacha afirma claramenteque: “[...] A controvérsia de

Cambridge provou ser uma grande

perda de tempo [...] Dali não

resultou nada, foi realmente um

espanto, um grande equivoco”

(Biderman et al., 1996, p. 243).

Page 30: Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridgejoseluisoreiro.com.br/site/link/6272bdfe541de6be89dab46a7def05ba26... · 1_ Introdução Um subproduto da abordagem pós-key-nesiana

poupar dos trabalhadores e comrespeito aos métodos de produ-ção não se altera em face do rela-xamento de algumas hipótesessimplificadoras do modelo bási-co, o que não ocorre com o Teo-rema MSM;

ii. na formulação de Kaldor (1966), oTeorema de Pasinetti continua-ria válido, mesmo no caso hipo-tético de eliminação dos capita-listas do sistema econômico.

Em segundo lugar, a insistência de Pasi-netti em afirmar que o Teorema MSMpressupõe a existência de funções de pro-dução bem-comportadas para demonstrara existência do regime Dual mostrou-seum equívoco, facilmente descartado pelocontraexemplo gráfico de Samuelson eModigliani. Por fim, os debates em tornoda “Equação de Cambridge” não podemser classificados como irrelevantes, umavez que envolvem implicitamente uma dis-cussão sobre os mecanismos de ajuste en-tre poupança e investimento, os quais têmimplicações profundas e importantes parauma política de promoção do desenvolvi-mento econômico.

nova Economia_Belo Horizonte_15 (2)_119-149_maio-agosto de 2005

Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridge148

Page 31: Uma revisão das controvérsias sobre a Equação de Cambridgejoseluisoreiro.com.br/site/link/6272bdfe541de6be89dab46a7def05ba26... · 1_ Introdução Um subproduto da abordagem pós-key-nesiana

AMADEO, E. J; DUTT, A. K.Os keynesianos neo-ricardianose os pós-keynesianos.Política e Planejamento Econômico,

v. 17, n. 3, 1987.

BIDERMAN, C; COZAC, L. F.;REGO, J. M. Conversas com

economistas brasileiros. São Paulo:Editora 34, 1996.

BLANCHARD, O; FISCHER, S.Lectures on macroeconomics.Cambridge: MIT Press, 1989.

BRESSER-PEREIRA, L. C.;NAKANO, Y. Crescimentoeconômico com poupançaexterna? Revista de Economia

Política, v. 23, n. 2, 2003.

DALZIEL, P. Comment onCambridge (U.K.) versusCambridge (Mass.): a keynesiansolution of the Pasinetti´sparadox. Journal of Post Keynesian

Economics, v. 11, n. 4, 1989.

DAVIDSON, P. The demand andsupply of securities and economicgrowth and its implications forthe Kaldor-Pasinetti controversy.American Economic Review, v. LVIIIn. 2, May 1968.

EWIJK, C. V. On the dynamics of

growth and debt. Oxford: ClarendonPress, 1991.

FLECK, F. H.;DOMENGHINO, C. M.Cambridge (U.K.) versusCambridge (Mass.): a keynesiansolution of the Pasinetti´sparadox. Journal of Post Keynesian

Economics, v. X, n. 1, 1987.

HARCOURT, G. C. Some

Cambridge controversies in the Theory

of Capital. Cambridge: CambridgeUniversity Press, 1972.

JONES, H. Modernas teorias do

crescimento econômico. São Paulo:Atlas, 1979.

KALDOR, N. Alternativetheories of distribution. Review of

Economic Studies, v. XXIII,p. 83-100, 1956.

KALDOR, N. Marginalproductivity and macroeconomictheories of distribution: commenton Samuelson and Modigliani”.Review of Economic Studies,

v. XXXIII n. 4, p. 309-319,Oct. 1966.

KREGEL, J. Rate of profit,

distribution and growth: two views.Londres: MacMillan, 1971.

KURZ, H. D; SALVADORI, N.Theory of production: a long-periodanalysis. Cambridge: CambridgeUniversity Press, 1995.

LIMA, G. T. Whose savingbehavior really matters in thelong-run?. Nova Economia,v. 13, n. 2, 2004.

MEADE, J. The rate of profit in agrowing economy. The Economic

Journal, v. 73, 1963.

MEADE, J. The outcome of thePasinetti process: a note. The

Economic Journal, v. 76, 1966.

PASINETTI, L. Rate of profitand income distribution inrelation to the rate of economicgrowth. Review of Economic Studies,

v. 29, 1962.

PASINETTI, L. New results in anold framework: comment onSamuelson and Modigliani. The

Review of Economic Studies, v. 33, 1966.

PASINETTI, L. The rate ofprofit in an expanding economy.In: Growth and distribution: essays ineconomic theory. Cambridge:Cambridge University Press, 1974.

PASINETTI, L. Governmentdeficit spending is notincompatible with the CambridgeTheorem of the rate of profit: areply to Fleck and Domenghino.Journal of Post Keynesian Economics,v. 11, n. 4, 1989a.

PASINETTI, L. Ricardian debt/taxation equivalence in the KaldorTheory of profits and incomedistribution. Cambridge Journal of

Economics, v. 13, p. 25-36, 1989b.

SAMUELSON, P. Umarecapitulação. In: HARCOURT,G; LAING, N. (Orgs.). Capital e

crescimento econômico. Rio de Janeiro:Interciência, 1978.

SAMUELSON, P;MODIGLIANI, F. Reply toPasinetti and Robinson. The

Review of Economic Studies, 1966.

SOLOW, R. A contribution to theTheory of Economic Growth. The

Quarterly Journal of Economics, 1956.

SOLOW, R. Growth Theory: anexposition. Oxford: OxfordUniversity Press, 2000.

STEEDMAN, I. The stateand the outcome of the Pasinettiprocess. Economic Journal,

v. 82, Dec. 1972.

TEIXEIRA, J. R. Growth andstability in Kaldor-Pasinettimodels with taxation and publicexpenditure. Revista de Economia

Contemporânea, n. 5, jan./jun. 1999.

TEIXEIRA, J. R; ARAÚJO, J.Uma generalização do modelo dePasinetti e sua condição deestabilidade. Política e Planejamento

Econômico, v. 21, n. 2, 1991.

José Luís Oreiro 149

nova Economia_Belo Horizonte_15 (2)_119-149_maio-agosto de 2005

Referências bibliográficas

O autor agradece aos

comentários de dois pareceristas

anônimos da revista Nova

Economia. Eventuais falhas

remanescentes são de exclusiva

responsabilidade do autor.

E-mail de contato do autor:

[email protected]