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no Palácio da Pena 10. a edição

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no Palácio da Pena

10.a

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Capítulo 1

Magda

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As gémeas iam no banco de trás do carromas viajavam em silêncio, amuadas. Emboranão conversassem, as ideias que corriam pelacabeça de uma eram iguaizinhas às que atraves-savam a cabeça da outra.

— Que maçada! — Detesto levantar-me cedo. — Bem basta aos dias de semana. Agora ao

domingo, francamente! — Nunca na minha vida fui convidada para

almoçar às dez da manhã... Bom, a verdade é que o convite não tinha

sido bem assim. Um cliente do pai acabara de seinstalar numa pequena propriedade em Sintra einsistira para que fossem lá almoçar pedindo quechegassem cedo para ter tempo de mostrar acasa, o jardim e as estufas em pormenor. A refei-ção seria antes da uma hora porque à tarde haviaum programa-surpresa.

A perspectiva de passar um domingo diferen-te agradara imenso aos pais. Quanto às filhastinham ficado furiosas. Não lhes apetecia nada irpara casa de pessoas que não conheciam e aindapor cima havia um filme excelente na televisãoque gostariam de ver com os amigos do costume.

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— Bolas! — resmungou Luísa entredentes.— Odeio estes passeios.

A mãe virou-se para trás. — O que é que foi? — Nada, nada! — responderam em coro. Sabendo perfeitamente que estavam aborre-

cidas, decidiu tentar animá-las. — Vão ver que se divertem. A casa parece

que é linda, os donos são muito simpáticos e têmcoisas giras, originais.

— O quê? — perguntou a Luísa. — Peças demuseu?

Cheia de paciência a senhora continuou: — Eles restauraram uma casa antiga e têm

estufas enormes com plantas exóticas... — Isso vê-se em dez minutos. — E eu não gosto de estufas. — Como é que sabes? — interveio o pai, já

irritado. — Nunca viste nenhuma! — Pois não. E passava muito bem sem ver. Durante alguns instantes ninguém falou.

O ambiente estava a tornar-se pesado. E como odiálogo parecia impossível os pais optaram pelavia autoritária.

— Quanto a domingos e feriados vocês nãose podem queixar. Geralmente saem com os ami-gos, fazem o que lhes apetece, não é verdade?

Elas não responderam e a mãe concluiu numtom firme:

— Hoje vieram connosco a um almoço e nãoadmito más-criações. Vão ser simpáticas com osdonos da casa e com a filha, que aliás é da vossaidade. Estamos entendidos?

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Que remédio! Esboçando um meio sorrisolimitaram-se a acenar que sim.

Logo adiante o carro fez uma curva apertadae enveredou por um caminho secundário. Osportões estavam abertos de par em par e a casaera de facto linda! Construída em pedra escuracom grandes janelas e coberta de trepadeiras emflor parecia a capa de uma revista ou um postalde boas festas. As gémeas olharam para cadacantinho com curiosidade, interesse e gostaramda casa. O mesmo não se pode dizer quanto aosdonos! Logo que saíram do carro, deu-se umcaso de «antipatia instantânea». Os senhoreseram novíssimos e vestiam-se como adolescen-tes para parecerem ainda mais novos. Jeans,ténis, camisolas largas com emblema. Falavampelos cotovelos e, tal como elas esperavam, fize-ram as observações habituais.

— Ai as vossas gémeas, que amor! — Que giras! — Aposto que ninguém as distingue! — São iguaizinhas, não são? Teresa e Luísa afivelaram um sorriso amare-

lo, mas por dentro mordiam a bochecha para nãogritarem de fúria.

«Por que será que as pessoas falam de nóscomo se fôssemos duas bonecas de loiça?», pen-sava uma.

«Quando sairmos daqui vou propor ao paique monte uma barraquinha de circo para nosexibir», pensava a outra. «Ao lado da mulhermais gorda do mundo, devíamos fazer um vis-tão!»

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Naquele momento apareceu a filha do casal.De facto era da idade delas mas um pouco maisalta. O cabelo, forte como crina de um cavalo,caía-lhe sobre os ombros tão preto e luzidio quetinha reflexos azuis. Com o nariz polvilhado desardas e uns olhos verde-água quase transparen-tes, era sem dúvida muito bonita. Tão bonitacomo vaidosa. Olhou-as de alto a baixo semmexer a cabeça e disse apenas:

— Olá. Eu sou a Magda. Bastante constrangidas foram atrás dela para

dentro de casa. Os pais tinham razão, haviaimenso que ver. Mas só seria agradável sepudessem andar por ali sozinhas.

Magda devia ser riquíssima pois dispunha deuma sala enorme só para ela com televisão,vídeo, aparelhagem de som, imensas cassetes ecompact discos, uma estante com livros e outracom banda desenhada. No entanto, comportava--se como se tudo aquilo fosse perfeitamente vul-gar ou até pouco importante. Estendeu-se aocomprido no sofá e suspirou:

— Os domingos são uma neura, não são? Luísa trocou um olhar rápido com a irmã,

antes de se instalar num monte de almofadas epegar numa revista. Se aquela parva julgava queia esforçar-se por fazer conversa, enganava-seredondamente! Mas os planos de «greve da fala»foram por água abaixo por um motivo inespera-do. Entre as almofadas soou um «Minhau...» elogo após surgiu um gatinho apetitoso, fofo, deolhos oblíquos, que arreganhava os dentes comose quisesse cumprimentá-las.

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— Ai que giro! Tens um gatinho! — excla-mou a Teresa, tomando-o nos braços. — Como éque se chama?

— Para esse ainda não escolhi nome. — Porquê? Tens mais? — Tenho seis. A Florbela, que é uma gata sia-

mesa, e os filhotes. Nasceram a semana passada.Como se tivesse ouvido chamar, Florbela

transpôs a porta que dava para o jardim e fez umaentrada imponente! Era grande, de pêlo lustroso ecaminhava devagar, dengosa, altiva. Magdapegou-lhe ao colo e acariciou-lhe o dorso.

— Gosto imenso de felinos. Gatos, tigres,leopardos, panteras, leões, gosto de todos. Achoque são os bichos mais inteligentes que há eadoro vê-los correr na savana! São elegantes,vocês não acham?

«Esta rapariga é parva», pensaram ambas. Mas em voz alta responderam apenas. — Sim, são bonitos. Magda não parecia disposta a abandonar o

tema tão depressa. — O ano passado no Verão fui com os meus

pais a África. Fizemos um safari no Quénia. Embora não gostassem da companhia, ficaram

a morrer de curiosidade, Como seria um safari noQuénia? Teresa não resistiu e perguntou:

— Como é um safari no Quénia? — E formidável. Ficámos num hotel de

luxo, com duas piscinas, uma exterior e outrainterior. À noite havia sempre imensas festascom música ao vivo. Adorei!

— Mas e o safari?

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— Ai isso era o máximo! Os guias iam-nosbuscar antes do nascer do Sol.

— De jipe? — Sim, vários jipes porque fazíamos parte

de um grupo enorme. — E chegaram mesmo ao pé das feras? — Claro! Andámos vários dias na selva.

Vimos manadas de elefantes, leões a caçaremzebras, macacos, rinocerontes.

— Não tiveste medo? — Não! Os guias sabem o que fazem. E de

resto nessas expedições vão atiradores especiaispara o caso de haver problema.

Teresa e Luísa mesmo sem querer tinham-sechegado para o sofá e ouviam-na fascinadas.Que sorte viajar assim por terras longínquas,andar no meio dos animais ferozes! Magda,radiante, embalara a contar a sua história comentusiasmo:

— Houve cenas incríveis! Mas o melhor detudo foi quando capturaram um leão vivo.

— O quê? — Sim, os caçadores fizeram uma armadilha

com redes e à noite ficámos todos em silênciono acampamento, à espera. Não calculam comosão estranhos os ruídos da selva. Uma pessoasente-se noutro mundo!

— Como é que apanharam o leão? — Ele ia a passar, pôs as patas da frente na

armadilha e zás!, foi envolvido na rede! Quandose viu preso, soltou rugidos de pôr os cabelos empé. Aí sim, confesso que tive medo.

— Porquê?

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— O leão não estava preso? Magda endireitou-se, apoiou a mão no

ombro da Luísa e continuou a falar. Nos olhosverde-água havia um brilho especial, como seassistisse de novo a uma cena empolgante.

— Vocês não calculam o que é um leão presonuma rede! A força com que se debate, a fúria, osrugidos e nós ali à noite em tendas de pano...

— E os atiradores? — Estavam lá, mas não queriam matá-lo.

O leão tinha sido encomendado para um jardimzoológico do Canadá e, como sabem, eles sãoexigentíssimos com os animais. Queriam recebê--lo intacto, sem uma beliscadura!

As gémeas, não ousando confessar a suaignorância acerca das regras dos jardins zooló-gicos canadianos, fitaram insistentemente abiqueira dos sapatos.

Um assobio alegre veio libertá-las do emba-raço. Estava na hora da visita às estufas edepois, almoço. Durante o passeio, verificaramcom certo gozo que Magda fazia todo o possívelpor imitar o andar dos gatos. Os seus gestosnunca eram naturais, mexia-se como se tivesseensaiado ao espelho cada movimento.

Tanto uma como a outra ansiavam por ficarsozinhas para dizerem mal dela.

Mas o mais interessante ainda estava paravir! Quando se sentaram à mesa Luísa tentoureferir-se ao safari para fazer conversa. Mas foiimpossível porque, de cada vez que ia a come-çar, Magda cortava-lhe a palavra e falava deoutra coisa completamente diferente.

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No espírito das gémeas foi-se insinuandouma dúvida. Seria tudo mentira? Por que nãofalava das férias em África diante dos pais? Irri-tadíssimas, decidiram forçá-la a desmascarar-se.Mas como?

Por alturas da sobremesa os adultos embre-nharam-se numa discussão política. Berravamtodos ao mesmo tempo, interrompiam-se uns aosoutros e pareciam até esquecidos da presençadas filhas!

Teresa no entanto não desistiu. Quando selevantaram foi lembrando com ar ingénuo:

— Não nos mostraste as fotografias do talsafari. Devem ser giríssimas!

Ela não vacilou e respondeu prontamente: — Não tenho nem uma. Foi um azar horrível

porque tirámos seis rolos e estragaram-se todos.Até chorei de raiva!

As gémeas hesitaram. Seria possível mentircom tanto descaramento? Nos olhos verde-águanão havia sombras e Magda sorria feliz.

— Tenho que me ir arranjar — disse. O espec-táculo começa às três.

— Qual espectáculo? — Não sabem? O meu pai tinha prevenido

que havia um programa-surpresa. — Ah! É verdade. E o que é? — É uma festa no Palácio da Pena. Uma

reconstituição histórica. Eu faço de princesa. — Teatro? — Não é bem. Quer dizer, não representa-

mos uma peça. Vestimo-nos à época e fingimosque somos a família real, andamos de um lado

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para o outro, há música. Enfim, damos vida aopalácio. Acho que os visitantes vão adorar.

— Qualquer pessoa pode ir, é? — Claro! Isto faz-se para agradar aos turistas.

Ensaiámos bastante para que tudo corra bem.Agora vou-me vestir. Esperem um bocadinho, sim?

Dito isto subiu a escada a correr e fechou aporta à chave. As gémeas suspiraram de alívio.

— Safa! Ainda bem que se foi embora. Jánão a podia ouvir.

— Nem eu! Está sempre a gabar-se. É tãoconvencida!

— E mentirosa. Aposto que nunca foi a Áfri-ca, que não houve safari nenhum e que inventouaquela patranha para gozar à nossa custa.

— Eu concordo contigo. Mas ela parece tãosegura, tão à vontade!

— É uma aldrabona. — E o pior é que temos que a aturar o resto

da tarde. Se ao menos os rapazes estivessemconnosco!

Ao ouvir aquilo, Luísa deu um pulo. — Tive uma ideia! Oh! Que ideia excelente

eu tive. Sem explicar nada à irmã precipitou-se para

o telefone. Discou o número do Pedro e quandoele atendeu do lado de lá perguntou ansiosa:

— O Chico e o João estão aí contigo? A resposta foi afirmativa, pelo que ela conti-

nuou: — Então preparem-se para vir ter connosco

a Sintra. Há um programa sensacional no Palá-cio da Pena. Vocês vão adorar!

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Ao lado dela Teresa ria à socapa. — Metam-se já no comboio, está bem?

Encontramo-nos à porta uns minutinhos antesdas três horas.

Os rapazes ainda tentaram averiguar que tipode festa era. Mas Luísa recusou-se a dizer.

— É surpresa! Surpresa! Para evitar mais perguntas desligou. — Ó Luísa, tenho medo de que eles fiquem

chateados connosco...— Porque? Porque os fizeste vir de propósito só para

verem um grupo de mascarados a passear numcastelo...

— Ora! Basta estarmos juntos para nosdivertirmos. E depois esta rapariga é tão idiotaque vale a pena ser conhecida.

Se as gémeas soubessem qual ia ser o resul-tado daquele encontro, teriam desistido logo.Mas como não sabiam foram todas contentespara o Palácio da Pena!