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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS CURSO DE DIREITO – NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
UMA ANÁLISE SOBRE A APLICAÇÃO DO ARTIGO 408, § 4°, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
JULIANA BERTEMES POLUCENIO
SÃO JOSÉ, OUTUBRO DE 2007
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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS CURSO DE DIREITO – NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
UMA ANÁLISE SOBRE A APLICAÇÃO DO ARTIGO 408, § 4°, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Monografia apresentada como requisito para obtenção do grau em Direito na Universidade do Vale do Itajaí.
JULIANA BERTEMES POLUCENIO
Orientador: Professor Doutor Gilberto Callado de Oliveira
São José, Outubro de 2007
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DEDICATÓRIA Gostaria de agradecer todos aqueles que estiveram comigo durante esta caminhada. Entre eles eu posso destacar algumas pessoas. Primeiramente o meu irmão Adriano, que esteve muito presente durante o começo da minha Universidade. Acolheu-me na sua empresa, permitindo assim, que eu pudesse conciliar os estudos com o trabalho, além de dar um enorme apoio moral e financeiro. Também me ofereceu muitos conselhos ao longo destes cinco anos, brigou comigo quando foi necessário e nunca deixou que eu esquecesse o meu verdadeiro objetivo. Maninho obrigado por ser meu papai de coração. Outra pessoa que merece ser lembrada é a minha Vó Carmem, foi á ela que eu recorri em todos os momentos de dificuldades. Ela foi o grande alicerce desta minha trajetória, esteve ao meu lado desde a primeira fase. Alguns dos momentos mais felizes destes cincos ano eu devo tudo a ela. Vózinha, obrigada por ser minha segunda mãe. Gostaria também de agradecer ao meu pai. Mesmo que tenhamos algumas diferenças, sei que ele fez tudo que era possível, e impossível, para que o meu sonho de estar formada se realizasse. Eu te amo muito pai, obrigada. Gostaria de agradecer também, ao meu irmão Alexandre, meu amigo para todas as horas, que compartilhou comigo todos os momentos, bons e ruins, da minha faculdade, além de ter me dado um sobrinho lindo, o Gui, que é a grande paixão da minha vida. Sobre a minha mãe, eu nem tenho palavras para descreve-lá. É a melhor mãe do mundo, batalhou, correu, sofreu e ficou feliz, enfim, dividiu comigo todos os sentimentos desde que entrei na faculdade. Não tenho palavras para descrever o quanto eu a amo, e o quanto eu vou ser eternamente agradecida por ela ter aceitado participar deste desafio ao meu lado. Não existe no mundo ninguém com um coração igual ao seu. Mãe eu te amo muito, obrigada por tudo, sempre. Por fim, gostaria de agradecer ao meu noivo, um anjo que apareceu na minha vida. É o meu melhor amigo, meu melhor companheiro, e é muito mais do que eu sempre sonhei para mim. Mesmo com a distância que às vezes nos separa, esteve muito presente nesta reta final, me dando carinho e muito apoio nos momentos mais complicados. Agüentou meu mau—humor, e teve muita paciência comigo, me deu carinho e atenção. Amor, não sei descrever quão importante és para mim, você é único, especial e insubstituível na minha vida. Hoje encerro uma fase muito importante da minha vida, mas ao seu lado, iniciarei uma fase ainda mais bela, cheia de sonhos e felicidade. Amo-te para sempre, obrigado por tudo.
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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte
ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do
Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de
toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
São José, Outubro de 2007
Juliana Bertemes Polucenio] Graduando
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RESUMO O Tribunal do Júri é uma instituição do Poder Judiciário, que tem por finalidade julgar os crimes dolosos contra vida. O Júri possui duas fases bem distintas. A primeira fase é denominada judicium accusationis. Essa fase tem início com o oferecimento da denúncia, e tem fim, com a decisão do Juiz Singular. A segunda fase do Júri é denominada judicium causae. São decisões do judicium acusationis: Pronúncia, Impronúncia, Absolvição Sumária e Desclassificação. Todas estas decisões serão abordadas detalhadamente nesta monografia. A sentença de pronúncia é uma decisão interlocutória de caráter misto, que encerra a primeira fase do Júri, e julga procedente a pretensão punitiva do Estado. É efeito da pronúncia o réu ser encaminhado para julgamento perante o Tribunal do Júri. Pode o Magistrado, ao prolatar sentença de pronúncia, reconhecer nova classificação do delito, ou nova qualificadora, segundo o artigo 408, § 4°, do Código de Processo Penal. Controverso, a conexão com o artigo 384 e seu parágrafo único, do mesmo Código, que determina que o Juiz, ao reconhecer nova classificação, deverá abrir prazo para a defesa manifestar-se, e para acusação aditar a denúncia. Estudarei esta divergência, com base na doutrina e na jurisprudência brasileira, diferenciando os casos de emendatio libelli e mutatio libelli. Ao final tentarei apontar um caminho para resolução do problema relacionado a dos artigos acima mencionados. Palavras-chave: Judicium Accusationis. Pronúncia. Nova Classificação. Emendatio Libelli. Mutatio Libelli.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................7 2 TRIBUNAL DO JÚRI....................................................................................10 2.1 Origem...............................................................................................................11 2.2 Histórico no Brasil..............................................................................................14 2.3 Competência do Tribunal do Júri.......................................................................19 3 DECISÕES DO JUDICIUM ACUSATIONIS...........................................23 3.1 Pronúncia...........................................................................................................25 3.2 Impronúncia........................................................................................................31 3.3 Absolvição Sumária............................................................................................34 3.4 Desclassificação da Infração Penal....................................................................37 4 UMA ANÁLISE SOBRE A APLICAÇÃO DO ART 408, § 4°, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.........................................................39 4.1 Doutrina.............................................................................................................41 4.2 Jurisprudência...................................................................................................49 4.2.1 Tribunal de Justiça de Santa Catarina..............................................................49 4.2.2 Superior Tribunal de Justiça.............................................................................52 4.2.3 Supremo Tribunal Federal................................................................................54 4.3 Emendatio Libelli e Mutatio Libelli....................................................................58 5 CONCLUSÃO...................................................................................................60 6 REFERÊNCIAS.................................................................................................63
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1. INTRODUÇÃO
O objetivo principal deste trabalho é analisar a aplicação do art. 408, § 4°, do
Código de Processo Penal. Este artigo confere ao Juiz de Direito a faculdade de
imputar nova classificação ao delito. Será estudado, entretanto, se é necessário o
aditamento da denúncia, pelo Promotor de Justiça, nos casos em que o Juiz alterar
a classificação trazida pela peça acusatória.
Outros temas também serão abordados nesta monografia, para que o leitor
possa entender este assunto de forma mais clara.
No primeiro capítulo, será transcrito um histórico sobre a origem do Tribunal
do Júri, desde o seu surgimento na Idade Antiga e até a sua chegada no Brasil.
Logo após será apresentada a trajetória desta instituição em nosso país, e de que
forma evoluiu para conquistar as características descritas na atual Constituição
Federal. No final deste capítulo será abordada a regra de competência para os
julgamentos pelo Tribunal do Júri, assim como as exceções a esta regra.
No segundo capítulo, o leitor conhecerá as possibilidades que possui o
Magistrado ao encerrar o judicium accusationis. Estas decisões podem encerrar a
primeira fase do procedimento bifásico do Júri, ou ainda, encerrar o processo. Neste
momento pode o Juiz: Pronunciar o réu, Impronunciar, Desclassificar ou Absolver
Sumariamente
Durante o terceiro capítulo, será abordado o tema principal dessa
monografia, a análise do artigo 408, § 4°, do CPP, e a sua utilização nas sentenças
de pronúncia. O estudo acontecerá através da pesquisa realizada em doutrinas e
jurisprudências. Será apontado o entendimento de vários autores, e algumas
decisões dos Tribunais pátrios, para que ao final se conclua quando o artigo supra
deve ser utilizado.
O estudo deste tema tem o objetivo de aperfeiçoar o procedimento do
Tribunal do Júri e tentar dirimir as dúvidas sobre este artigo, visto tratar-se de um
tema de muita discussão no âmbito do Direito Processual Penal.
Os delitos de competência do Tribunal do Júri estão descritos
expressamente no art. 74, § 1°, do CPP, (crimes dolosos contra vidas) tentados ou
consumados. A Ação Penal no processo do Júri tem duas fases, judicium
accusationis e judicium causae, por esse motivo é chamado de procedimento
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bifásico. Nos procedimentos do Júri após despacho saneador, previsto no artigo 407
do CPP, o Juiz deve prolatar a sentença pronúncia, impronúncia, absolvição
Sumária ou desclassificação.
O acusado será pronunciado, quando o Juiz se convencer da materialidade
do delito, e houver indícios veementes de autoria. Será impronunciado, nos casos
em que o Magistrado não reconhecer a materialidade ou indícios de autoria. Será
absolvido sumariamente, se estiver comprovada a materialidade e a autoria, porém,
o crime foi cometido em condições que excluem a culpabilidade ou a antijuricidade.
Por fim, será desclassificado o delito, quando durante a instrução penal, o Juiz
entendeu que ocorreu crime que não é de competência do Júri.
A finalidade deste trabalho é resolver a questão: há necessidade de
aditamento da denúncia, quando o Juiz prolatar sentença de pronúncia, que
reconheça classificação divergente da anteriormente estipulada pelo promotor na
denúncia?
Existe entendimento em todos os sentidos. Alguns doutrinadores entendem
que o artigo 408, § 4°, é perfeitamente aplicável, e o Juiz, pode dar nova
classificação ao crime tipificado da denúncia.
Justificam este entendimento pelo fato de a sentença da pronúncia ser mero
juízo de admissibilidade da pretensão punitiva do estado. Afirmando, que não há
cerceamento de defesa, porque, toda a matéria será apreciada novamente pelos
Jurados, e, durante a sessão no plenário poderá o réu contraditar todas as
acusações.
Entretanto, alguns autores entendem que é necessário adotar as
providências do artigo 384 do CPP e seu parágrafo único. Neste caso, o Magistrado
deve encaminhar os autos para que a defesa se pronuncie, e, logo após, enviar para
o Promotor de Justiça, para que ele proceda ao aditamento da denúncia ou a
queixa. Isto ocorrerá sempre que o Juiz reconhecer nova classificação ou nova
qualificadora.
Para os que defendem esta tese, caso o juiz altere a capitulação do delito,
de acordo com o seu livre arbítrio, estará ferindo o princípio acusatório. Segundo
este princípio, apenas o Ministério Público tem competência para acusar. Se o juiz
acusar e julgar ao mesmo tempo, estará assumindo uma função que não lhe
pertence.
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Os doutrinadores ainda afirmam que se o juiz utilizar o artigo 408, § 4°, em
detrimento ao artigo 384, ambos do CPP, afrontará os princípios constitucionais da
ampla defesa e do contraditório.
A finalidade desta pesquisa será auxiliar o leitor quanto à aplicação, ou não,
do artigo 408, § 4°, do CPP. Contribuindo assim, para o efetivo cumprimento das
normas processuais e constitucionais, sempre em busca da verdade real dos fatos.
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2 TRIBUNAL DO JÚRI
O estudo deste tema tem o objetivo de aperfeiçoar o procedimento do
Tribunal do Júri, visto tratar-se de um assunto de muita discussão no âmbito do
Direito Processual Penal.
A instituição do Tribunal do Júri viu-se debatida e questionada através dos
tempos. A origem desta instituição também desperta divergência entre os
estudiosos, pois nenhum deles afirma com precisão a origem mais remota do Júri.
Mesmo possuindo a denominação Tribunal, o Júri é um órgão do Poder
Judiciário incluso no primeiro grau de jurisdição penal, trata-se de jurisdição comum
ou ordinária. Este órgão tem natureza mista, pois permite a participação dos jurados
populares que formam o conselho de sentença, e do Juiz togado que preside a
seção no plenário (CALVO FILHO, SAWAYA, 2002).
Os delitos de competência do Tribunal do Júri estão descritos
expressamente no art. 74 § 1° do Código de Processo Penal que assim dispõe:
Art. 74. A competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de organização judiciária, salvo a competência privativa do Tribunal do Júri. § 1º Compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes previstos nos arts. 121, §§ 1o e 2o, 122, parágrafo único, 123, 124, 125, 126 e 127 do Código Penal, consumados ou tentados.
A ação penal no processo do Júri tem duas fases, por isto é chamado de
bifásico ou escalonado. A primeira fase é conhecida por judicium accusationis
encerra-se com a sentença de Pronúncia, a qual será abordada especificamente
durante este trabalho. E a segunda fase, o judicium causae, tem início com o
oferecimento do libelo acusatório.
Segundo Adriano Marrey o Júri é mais que uma instituição do poder
judiciário, é uma instituição política com fim social democrático, in verbis:
Júri, mais que um mero órgão judiciário, é uma instituição política, acolhida entre Direito e Garantias Individuais, a fim de que permaneça conservado em seus elementos essenciais, reconhecendo-se seja, implicitamente, um direito dos cidadãos o de serem julgados por seus pares, ao menos sobre a existência material do crime e a procedência da imputação ( MARREY, 2000, p. 100).
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2.1 ORIGEM
O Júri teve sua origem na idade antiga. O instituto dos jurados já se
encontrava no Direito Processual Romano e na Grécia antiga. Na Atenas clássica o
povo era chamado para decidir sobre questões inerentes ao judiciário. Havia nesta
época duas instituições que cuidavam do bom e harmonioso convívio social.
(TUCCI, 1999).
Uma instituição era o Areópago, um célebre Tribunal de Atenas que
funcionava numa colina consagrada. Seus integrantes, antigos arcontes, seguiam
apenas sua consciência, e tinham competência para julgar os crimes de sangue. A
outra instituição era a Heliéia, tribunal composto por heliastas, que julgavam após
ouvir a defesa do réu e de acordo com as suas convicções. Os jurados, para
participarem dessas instituições precisavam ter idade mínima de 30 anos, estarem
em dia com o tesouro do estado e ter conduta ilibada. Os jurados, desde aquela
época já prestavam juramento antes de julgarem (TUCCI, 1999).
Em Roma também se encontram indícios do nascimento Júri. Há quem
afirme ser esta a verdadeira origem desta instituição. Muitas características
romanas ainda estão presentes no Tribunal do Júri como conhecemos atualmente.
(ROSA, 2000).
Existia em Roma a assembléia das “centúrias”, pertencentes ao “Comitatus
Maximus”, que na época era conhecido como “Grande Júri”. Sérvio Túlio, Imperador
de Roma, dividiu os plebeus em classes, de acordo com os bens que possuíam.
Surge deste fato a denominação “centúrias”. Estas assembléias julgavam os crimes
sob a presidência de um Cônsul ( ROSA, 2000).
Antonio José M. Feu Rosa assim descreve o procedimento:
As centúrias recolhiam-se a lugares separados, cercados de muros (septa) dos quais saíam por uma ponte estreita, cavaleiros romanos, de guarda a esses lugares, recolhiam as cédulas dos votantes. O magistrado que presidia pronunciava o veredictum. A condenação fazia-se por maioria dos votos; em caso de empate, o réu era absolvido. (ROSA, 2000, p. 09 e 10).
Ainda em Roma pode-se comentar sobre a quaestio, órgão composto por
cidadãos romanos, representantes do povo, comandados pelo pretor. Todas as
atribuições deste tribunal colegiado, sua competência e as penas imputáveis eram
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definidas por leis anteriormente elaboradas. Já existia implicitamente o princípio da
legalidade.
As quaestiones surgiram em Roma no ano 149 A.C, e podem ser definidas
como uma espécie de comissão de inquérito. A primeira quaestio surgiu com as
finalidades de investigar e julgar os crimes de funcionários públicos contra a
província (quaestio repetundis). Com o transcorrer do tempo outras quaestios foram
criadas, e possuíam competência para julgar as seguintes matérias: homicídios
contra familiares próximos (quaestio parricidiis), adultério (quaestio de adulteriis).
Mas adiante a quaestio passou a ser permanente, e a partir daquele momento
começou a ser denominada quaestiones perpetuae. (TUCCI, 1999).
A quaestio era composta por jurados conhecidos como iudices iurati, que
poderiam ser quaisquer cidadãos de Roma. Estes encontravam-se inscritos em uma
lista oficial, formada por Senadores e Cavaleiros. Os jurados, assim como nos dias
atuais, também poderiam ser recusados, obedecendo a um limite pré-estabelecido.
Os nomes dos jurados eram sorteados dentro de uma urna. Estes eram presididos
por um pretor denominado quaesitor, o qual examinava a acusação, a competência,
convocava os jurados, presidia os debates e aplicava a pena. Os jurados sorteados
e não recusados acompanhavam todo o julgamento, e, ao final votavam, podendo
absolver ou alargar a instrução (TUCCI, 1999).
O processo tinha como impulso inaugural uma proposta de acusação, que
poderia ser apresentada por qualquer cidadão romano capaz. Este deveria oferecer
um libelo (postulatio, petitio) que deveria conter a descrição do crime, bem como o
dispositivo legal violado, uma espécie de denúncia conhecida como delatio criminis.
Se existisse mais de um denunciante o juiz decidia pelo cidadão mais interessado
(TUCCI, 1999).
O próximo passo era promover acareação entre o criminoso e o delator. Daí
por diante o delator não poderia dispor da denúncia, pois passaria a defender um
direito coletivo. Com o oferecimento do libelo, o acusado já era inscrito em uma
espécie de rol dos culpados, e deste só era retirado quando absolvido. (TUCCI,
1999).
Logo após o acusado era citado para comparecer em juízo. Se não o fizesse
seus bens seriam confiscados. Caso em juízo o réu admitisse a culpa era
considerado confesso. Não confessando, o réu e o acusador voltariam ao juízo,
após a instrução criminal. (TUCCI, 1999).
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No dia do julgamento ocorria a seleção dos jurados, os debates orais e por
fim, a apresentação das provas. Ao final os jurados votavam e o quaesitor anunciava
o resultado. Em regra a decisão era soberana, podendo ser revista apenas em
casos gravíssimos (TUCCI, 1999).
Todos estes avanços no Direito Processual Penal foram modificados pelos
Bárbaros, que invadiram o Império Romano, e posteriormente pela instalação do
Sistema Feudal em toda a Europa. Estagnaram-se consideravelmente todos os
avanços científicos da época. Acreditava-se, naquele momento, apenas na Justiça
Divina.
Com Guilherme, o Conquistador, o Júri chegou à Inglaterra (ROSA, 2000). O
procedimento possuía contornos do Direito Romano. Logo após difundiu-se pelo
resto da Europa junto com a Revolução Francesa.
Rogério Lauria Tucci descreve da seguinte maneira o Júri na Inglaterra:
Os jurados, então, segundo tudo indica, eram os compurgatores, e implantavam o júri nas terras conquistadas, amoldando-o aos costumes ingleses, de sorte a originar um órgão julgador diferenciado, dito de caráter misto (TUCCI, 1999, p. 27).
Ainda neste período, o Júri era composto por 24 jurados, escolhidos entre
vizinhos do réu e moradores do lugar onde aconteceu o crime, sendo permitida
também a recusa dos jurados. Estes possuíam conhecimento do fato e do acusado,
para assim poder julgá-lo. Existia então um Júri de acusação e um Júri de
julgamento. Neste momento, surge também o sigilo das votações dos jurados na
sala reservada.
Outro marco histórico é a Revolução Francesa, que além de difundir o Júri
por toda Europa, ocasionou uma grande mudança na mentalidade dos jurados que
não mais julgavam em nome de Deus e do Rei, e sim, livremente em nome da
própria sociedade (TUCCI, 1999).
Os colonizadores ingleses trouxeram o Júri para o continente Norte
Americano. A instituição era responsável pelo julgamento de todos os crimes. Desde
então se tornou símbolo de liberdade entre os cidadãos. Atualmente os estados
Norte Americanos organizam seu júri de maneira diversa, e detêm autonomia para
prescrever suas próprias leis. Entretanto, são preservados os princípios da
publicidade e da oralidade (TUCCI, 1999).
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2.2 HISTÓRICO NO BRASIL
No Brasil a instituição do Júri surgiu com impulso do Príncipe Regente D.
Pedro, que sugeriu a criação de um ‘Juízo de Jurados’. Por este motivo foi
promulgada a Lei de 18.6.1822, que criou os ‘Juízes de Fato’, com competência
para julgar os crimes de imprensa. Esses Juízes exerceriam a função de jurados, em
um número de 24 homens, de conduta ilibada. Da decisão proferida por estes juízes,
poderia ser impetrado recurso de apelação somente ao Príncipe Regente
(TUBENCHLAK, 1997).
A seguir, o Júri torna-se órgão do Poder Judiciário, com o advindo da
Constituição Imperial de 1824, tendo competência também para julgar causas
penais e cíveis (CAPEZ, 2004). Dispunha nos seus arts. 151 e 152:
O Poder Judicial é independente, e será composto de juízes e jurados, os quais terão lugar, assim no cível como no crime, nos casos e pelo modo que os Códigos determinarem e os jurados se pronunciam sobre o fato, e os juízes aplicam a lei (NASSIF, 2001, p. 15).
Desta maneira caberia aos jurados decidir sobre o fato, e ao juiz togado
decidir sobre o direito.
Adiante, a Lei de 20.09.1830, criou o Júri de Acusação e o Júri de Julgação.
O primeiro era composto por vinte e três membros e o segundo por doze membros,
escolhidos entre os cidadãos que possuíssem os seguintes requisitos: ser eleitor, ter
bom senso e probidade. Estariam excluídos aqueles que não acumulassem estes
requisitos acima descritos, além dos Deputados, Senadores, Ministros de Estado,
Bispos, Magistrados, Oficiais de Justiça, Presidentes, Secretários de Governo das
Províncias e Comandantes de Armas do alto escalão (TUBENCHLAK, 1997).
Com a entrada em vigor da Lei n° 261 de 3.12.1841, a instituição do Júri
sofreu algumas modificações. Uma delas excluiu o ‘Júri de Acusação’
(TUBENCHLAK, 1997). A partir deste momento a averiguação de indícios de
culpabilidade passou a ser função das autoridades policiais, enquanto a sentença de
pronúncia estaria atribuída aos Juízes Municipais (TUCCI, 1999).
Em 1891 passou a vigorar uma nova Constituição, a primeira Republicana.
Esta elevou o Tribunal Popular para o nível de garantia individual, e manteve a
instituição do Júri nos seguintes termos do art. 72 § 31: “É mantida a instituição do
Júri” (TUBENCHLAK, 1997).
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A mesma Constituição de 1891 instituiu os Estados Federados no território
brasileiro, tomando o lugar das antigas províncias. Os novos Entes Federados
possuíam autonomia e podiam legislar sobre determinados temas, e, durante a
elaboração das legislações processuais penais surgiram divergências a respeito dos
procedimentos do Júri. Algumas Federações entendiam ser o Júri soberano, mas
admitiam recurso de apelação quando a decisão proferida apresentasse falha
quanto à matéria de direito. E a minoria entendia não ser possível recurso de
nenhuma espécie para as decisões do conselho de sentença popular (ROSA, 2000).
Ainda merece destaque a Lei n° 19 de 1895, promulgada pelo Estado do Rio
Grande do Sul, que regulamentava o Júri da maneira descrita abaixo por Aramis
Nassif:
As sentenças do júri, serão proferidas pelo voto descoberto da maioria ( art. 65, § 1°) e os jurados não podem ser recusados; à medida, porém que forem sendo sorteados, poderão as partes opor-lhes suspeição motivada, que será decidida pelo Presidente do Tribunal ( art. 66).(NASSIF, 2001, p.18).
Mais adiante ocorreu no nosso País a Revolução de 1930, quando Getúlio
Vargas assumiu o poder. Em 1934 foi elaborada uma nova Constituição, que
manteve o Tribunal do Júri, nos seguintes termos: “É mantida a instituição do Júri
com a organização e as atribuições que lhe der a lei”. Esta redação foi objeto de
muitas críticas, visto não determinar que o Júri se mantivesse como era na
Constituição anterior, tampouco, que novas leis ordinárias fossem elaboradas para
regulamentar a Constituição (TUCCI, 1999).
Com o fim do mandato de Vargas aproximando-se, este revogou a
Constituição supra mencionada e outorgou uma nova Carta Magna ao povo
brasileiro, iniciando neste momento um novo Regime de Governo, considerado
ditatorial. Estabelecia-se então, o Estado Novo.
Esta nova Constituição de 1937 tinha a alcunha de “Polaca”, pois em muito
se assimilou à Carta Magna polonesa. Mas, para espanto de muitos juristas, esta
Constituição não se pronunciou a respeito do Tribunal do Júri. Entretanto, o mesmo
texto legal, no seu art. 183, afirmava que continuavam a vigorar as disposições,
enquanto não revogadas, explícita ou implicitamente, que não ferissem a
Constituição de 1937 (TUBENCHLAK, 1997).
Já em 1938 foi promulgado o Decreto – Lei n ° 167 que regulamentava o
Júri. O referido decreto suprimiu a soberania desta instituição, permitindo aos
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Tribunais de Apelação reformar as sentenças proferidas no mérito (CAPEZ, 2004).
Desta maneira o Tribunal Popular continuou a existir mesmo sem previsão
constitucional. As mudanças provocaram divergências entre vários juristas, conforme
descreve James Tubenchlak:
No entender de alguns, o Júri fora praticamente abolido; no de outros, a reforma anunciava sua morte virtual, houve ainda quem vislumbrasse mais um aspecto antidemocrático da ditadura getuliana. Não faltaram, porém, vozes de apoio à reforma, que aumentou as prerrogativas do Poder Judiciário, para conter o arbítrio e opor diques ao abuso (TUBENCHLAK, 1997, p.7).
Com o término da ditadura Varguista, sobreveio a Constituição de 1946, que
novamente elencou o Júri no rol de garantias individuais, e reafirmou a soberania
das decisões deste Tribunal. Também cabe ressaltar que esta mesma legislação
estabeleceu a competência privativa do Júri para julgar os crimes dolosos contra
vida, ratione materiae (TUBENCHLAK, 1997). Assim descritos no art. 141, § 28,
CF/46:
Era mantida a instituição do júri com a organização que lhe der a lei, contando que seja ímpar o número de seus membros e garantido o sigilo das votações, a plenitude de defesa do réu e a soberania dos veredictos. Serão obrigatoriamente de sua competência os crimes dolosos contra a vida (NASSIF, 2001, p. 21).
Em 1948 surgiu a Lei nº. 163, regulamentando o dispositivo legal acima
mencionado, que mais tarde viria a constar no Código de Processo Penal. Esta lei
autorizou o Recurso de Apelação em decisões proferidas pelo Tribunal Popular que
fossem manifestamente contrárias às provas dos autos. Dispositivo inconstitucional,
pois feria a soberania dos veredictos atribuídos ao Júri (TUBENCHLAK, 1997).
Quase vinte anos após a entrada em vigor da última Constituição, o Brasil
sofreu um golpe militar, em 1964. Como conseqüência deste golpe, e do novo
regime implantado no país, uma nova Constituição foi elaborada.
A Constituição de 1967 manteve a instituição do Júri, nos termos da
Constituição anterior, mantendo a soberania dos veredictos e o status de garantia
fundamental. (CALVO FILHO, SAWAYA, 2002). Esta carta tinha como
características a centralização do poder na União e um aumento dos poderes
inerentes ao Chefe de Estado (NASSIF, 2001).
Nesta época um período de instabilidade política instaurava-se no Brasil,
advento da ditadura militar. Em 1969 foi elaborada a Emenda Constitucional nº. 1,
que deu nova redação ao artigo que dispunha sobre o Júri na Constituição de 1967.
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A Emenda Constitucional n° 1 assim prescrevia no seu art. 153, § 18: “É mantida a
instituição do Júri, que terá competência para o julgamento dos crimes dolosos
contra a vida”. Constata-se então, que foi retirada neste momento a soberania do
Tribunal do Júri (ROSA, 2000).
Após o fim da ditadura militar que perdurou por vários anos no nosso país,
em 1988 passa a vigorar uma nova Constituição, democrática, que reconheceu o
direito aos acusados de serem julgados por seus pares.
A atual Carta Magna brasileira manteve o Júri como garantia e direito
fundamental, restabeleceu a soberania dos veredictos, e definiu a competência
mínima para os julgamentos deste Tribunal, mantendo como preceito constitucional
exclusivo a competência relativa aos crimes dolosos contra vida. A Constituição
vigente é fruto de reivindicações políticas e movimentos populares de um povo
cansado da arbitrariedade de seus governantes e em busca dos seus direitos
políticos e jurídicos. ( NASSIF, 2001).
Expressamente a Constituição Federal de 1988, art. 5º, inciso XXXVIII:
É reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
Pode-se afirmar que, com o reconhecimento desta instituição para
competência acima descrita, o constituinte não excluiu a possibilidade de o
legislador comum ampliar os crimes de abrangência deste Tribunal Popular, sendo
irrevogável, entretanto, a competência determinada pela Constituição Federal.
(NASSIF, 2001)
A existência do Júri assegura que os cidadãos sejam julgados por outros
cidadãos, os quais assumem o papel de Juiz Natural, para decidir sobre as causas
previstas na Constituição Federal, sendo selecionados de acordo com os requisitos
da Lei Processual Penal.
O retorno da soberania do Júri representa uma grande conquista para a
sociedade. Antonio Jose M. Feu da Rosa muito bem descreve este novo momento:
A justiça, e, por conseguinte, os meios mais próprios de obtê-la, são direitos da sociedade. Quem poderia contestar-lhe o direito de julgar e agir em conseqüência disto? Que ela se engane, é possível. Mas uma questão de prerrogativa soberana não é uma questão de infalibilidade. Se para ser legítima uma atribuição qualquer da soberania devesse ser exercida duma maneira infalível, não haveria soberania possível. Mas, em caso de erro do povo, como os
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indivíduos, suporta muito melhor o que vem daqueles que estão investidos, em seu nome, de seus interesses, do que daqueles que lhe são estranhos ( ROSA, 2000, p.17).
A soberania dos veredictos deve ser analisada em termos, apesar da
autonomia dos jurados na hora de proferirem sua decisão no conselho de sentença,
esta decisão está sujeita a revisão por outros órgãos de jurisdição, conforme
prescreve o art. 593, inciso III do CPP, e por meio de Ação de Revisão Criminal
prevista no art. 621 do CPP. Entretanto, esta só é possível quando almejar melhor
condição ao réu.
Alguns autores discutem a respeito da soberania do Júri e afirmam não
existir de verdade, pois o Tribunal do Júri está sujeito, em alguns casos, à revisão de
suas decisões. O autor acima mencionado afirma não ser possível existir esta
soberania em sua plenitude, pois, ainda vigoram os artigos do Código de Processo
Penal que contrariam a soberania desta instituição. “Porque, aliás, nunca é demais
repetir e ressaltar que a palavra soberania exclui qualquer restrição. Não se pode
falar em soberania sujeita a um poder superior” (ROSA, 2000, p. 16).
Destaca-se ainda a posição de Fernando da Costa Tourinho Filho:
Hoje, repensando bem, e tendo em vista que as Constituições, desde 1946 até a atual, vêm mantendo o Júri no capítulo destinado aos direitos e garantias fundamentais do homem, ao contrário do que dizia o art. 151 da Carta Imperial (“O poder judicial é independente, e será composto de juízes e jurados, os quais terão lugar, assim no cível como no crime, nos casos e pelo modo que os códigos determinarem”), entendemos que de jure constituto dever-se-á revogar a alínea d do inc. III do art. 593 do CPP. ( TOURINHO FILHO, 2005, p. 99)
19
2.3 COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI
A Constituição Federal de 1988 no seu art. 5º, inciso XXXVIII, assegurou a
instituição do Júri e definiu a competência do Tribunal Popular para o julgamento dos
crimes dolosos contra a vida.
O art. 74° do Código de Processo Penal brasileiro regula os crimes de
competência deste tribunal, quais sejam: homicídio, induzimento ao suicídio,
infanticídio e aborto, prescritos nos seguintes artigos: arts. 121, § 1o e § 2o, 122,
parágrafo único, 123, 124, 125, 126 e 127 do Código Penal, consumados ou
tentados (NASSIF, 2001). Cabe destacar que o latrocínio e o seqüestro com morte,
previstos respectivamente nos arts. 150, §3°e §2°, 150, §3° do CP, são de
competência do juízo singular. Neste sentido confirma a Súmula n° 603 STF: “A
competência para o processo e julgamento do latrocínio é do juiz singular e não do
Tribunal do Júri” .
Destaca Romualdo Filho e Paulo Sawaya:
Por sua vez, não basta o que o cidadão perpetre um crime para que, de pronto, seja determinada a competência do Júri. Necessitamos de outro elemento, qual seja, o dolo, certo que o crime deve ser doloso, pois, se for culposo ou preterdoloso, não preencherá o requisito constitucional, quando terá por Juiz natural outro que não o Júri. (...) Temos assim que ainda que não é suficiente a ocorrência de um crime doloso para que seja fixada a competência de Júri. Necessita-se que o crime doloso seja praticado contra o bem jurídico vida (CALVO FILHO, SAWAYA, 2002, p. 50 e 52).
Em regra, todos os cidadãos brasileiros que incorrerem nos delitos supra
mencionados devem ser julgados pelo Tribunal do Júri. Entretanto a Constituição
Federal determina que algumas pessoas, em decorrência da sua função, tenham
jurisdição diferenciada. Seguem os artigos:
Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos ( ...) X - julgamento do Prefeito perante o Tribunal de Justiça.
Art. 96. Compete privativamente: (...) III - aos Tribunais de Justiça julgar os juízes estaduais e do Distrito Federal e Territórios, bem como os membros do Ministério Público, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral.
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Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: (...) b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente- Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República; nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente.
Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: I - processar e julgar, originariamente: a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais;
Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais: I - processar e julgar, originariamente: a) os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, nos crimes comuns e de responsabilidade, e os membros do Ministério Público da União ressalvado a competência da Justiça Eleitoral;
Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição: § 4° Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinados militares, ressalvada a soberania do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.
No que tange aos Prefeitos Municipais, cabe ressaltar dois aspectos.
Quando estes cometerem crimes dolosos contra a vida em que haja um co-réu, o
processo será cindido, o cidadão comum será processado pelo Tribunal do Júri e o
Prefeito será processado e julgado pelo respectivo Tribunal de Justiça. Esta
prerrogativa de função inerente aos Prefeitos também só atinge aos processos
iniciados durante o seu mandato (MARREY, 2000).
O legislador, ao referir-se aos crimes comuns, está mencionando todos
aqueles que não são considerados crimes de responsabilidade. Outra informação
importante é que a competência acima descrita, denominada competência por
prerrogativa da função, exclui a competência pelo lugar da infração. Desta maneira,
se um Juiz pertencente a uma comarca de Santa Catarina cometer um crime no
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Estado do Paraná, quem julgará este magistrado será o Tribunal de Justiça de Santa
Catarina. Cabe também ressaltar que os julgamentos procedidos nas exceções
acima mencionadas, serão processados em uma única instância. Se necessário
caberá Habeas Corpus, Recurso Extraordinário e Recurso Especial (CALVO FILHO,
SAWAYA, 2002).
Há uma situação prevista legalmente, em que a Justiça Federal tem
competência originária para julgar os crimes dolosos contra a vida. O Júri Federal
ocorrerá sempre que o crime doloso contra vida for cometido por servidores públicos
ou agentes da administração, quando no exercício de suas funções, agirem no
interesse da Administração Federal, conforme art. 109, inciso IV( NASSIF, 2001).
Uma questão, levantada pelo autor Aramis Nassif, destaca um exemplo a
respeito da conexão entre o delito de competência do Juiz Singular Federal e do
Tribunal do Júri:
(...) Um fiscal do IBAMA dirgir-se até o local da sede de uma empresa, com finalidade de autuar por dano ambiental. Todavia, o sócio-gerente, ao receber a notificação, desfere tiros contra o agente oficial e o mata. O Tribunal do Júri, por força da conexão, julgará, também, a pessoa jurídica? (NASSIF, 2001, p. 29)
A resposta é não. Porque a Lei dos crimes ambientais resguarda que os
delitos ali descritos terão os procedimentos da Lei 9.099/95. Desta maneira, este
processo hipotético terá que ser separado.
Serão também de competência da Justiça Federal os crimes dolosos contra
vida, tentados ou consumados, ocorridos em aeronaves e navios, públicos ou
privados, nacionais ou não. Será competente o Juízo Federal do primeiro lugar onde
o navio atracar ou o avião aterrissar. Entretanto, nos casos de crimes dolosos contra
a vida ocorridos em navios de guerras e aeronaves militares, prevalecem os tratados
de Direito Internacional que consideram estes territórios extensão dos territórios
nacionais dos respectivos países (CALVO FILHO, SAWAYA, 2002).
Existem casos em que os crimes de competência do Júri ocorrem em
concorrência com outros crimes de diversa competência. Estamos diante de casos
de conexão ou continência. O Código de Processo Penal assim descreve:
Art. 76. A competência será determinada pela conexão: I – se, ocorrendo duas ou mais infrações houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, u por várias pessoas umas contra as outras; II – se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para
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conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas; III - quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração. Art. 77. A competência será determinada pela continência quando: I – duas ou mais pessoas forem acusadas da mesma infração. Art. 78. Na determinação da competência por conexão ou continência, serão observadas as seguintes regras: I – no concurso entre a competência do júri e a de outro órgão da jurisdição comum prevalecerá a competência do júri.
A conexão fica configurada quando ocorrem vários crimes cometidos por
diversas pessoas. Destes crimes origina-se apenas uma ação penal que julgará
todos os crimes conexos. A conexão acarreta na unidade de julgamento entre os co-
autores da infração penal, não esquecendo, nestes casos, que o Tribunal do Júri
atrai a competência dos demais crimes. Caso algum dos co-autores detenha
competência por prerrogativa de função a ação penal será separada. A competência
do Júri prevalecerá sobre as outras, ressalvada a jurisdição especial.
Já a Continência ocorre quando há pluralidade de agentes, mas apenas uma
infração penal. Tanto a conexão quanto a continência exigem a unidade de ações
penais, seja para economia no trâmite processual, ou porque há interligação de
provas entre os autores e os crimes (CALVO FILHO, SAWAYA, 2002).
Existe também a possibilidade de alteração territorial da competência do
Júri. Isso pode ocorrer quando a Comarca que tramita a respectiva ação penal for
desmembrada, e desta surgir uma nova Comarca. Neste caso, se o delito tiver
ocorrido no território pertencente a esta nova comarca, os autos serão remetidos à
mesma para que lá continuem a tramitar.
Outro caso possível de mudança da competência do Júri ocorre quando há o
desaforamento da ação penal. Desaforar significa mudar de foro, alterando a
competência territorial do Júri para outra Comarca. Pode acontecer a requerimento
das partes ou representação do juízo, com o fim de garantir segurança e
imparcialidade do Júri (MARREY, 2000). Prescreve o art. 424 do CPP:
Art. 424. Se o interesse da ordem pública o reclamar, ou houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou sobre a segurança pessoal do réu, o Tribunal de Apelação, a requerimento de qualquer das partes ou mediante representação do juiz, e ouvido sempre o procurador-geral, poderá desaforar o julgamento para comarca ou termo próximo, onde não subsistam aqueles motivos, após informação do juiz, se a medida não tiver sido solicitada, de ofício, por ele próprio.
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3 DECISÕES DO JUDICIUM ACCUSATIONIS
O Tribunal do Júri é um procedimento bifásico, ou escalonado, como alguns
autores denominam. Existem duas fases bem distintas durante este procedimento. A
primeira fase é conhecida como judicium accusationis, ou sumário de culpa, e tem
como finalidade averiguar a existência de um crime cuja competência seja reservada
ao Tribunal do Júri, ou ainda, julgar procedente a admissibilidade da acusação que
está sendo imputada ao réu. Esta primeira fase ocorre perante o Juiz Singular.
(OLIVEIRA, 2004).
Caso o réu seja pronunciado, terá início a segunda fase do Tribunal do Júri.
Esta fase é conhecida com judicium causae, ou ainda, fase de julgamento. O
objetivo desta segunda fase é levar as questões de fato e de direito para que sejam
analisadas pelo Juiz natural da causa, neste caso o Júri Popular. Este procedimento
deve ser simplificado, pois os Juízes desta fase não possuem o conhecimento
especifico sobre a matéria (OLIVEIRA, 2004).
O procedimento do Júri inicia-se da mesma forma que nas ações ordinárias
criminais. A peça inaugural deste procedimento é a denúncia oferecida pelo
represente do Ministério Público, pois os crimes de competência do Júri são
exemplos de Ação Penal Pública Incondicionada. Entretanto, esta pode iniciar
mediante queixa crime, quando no prazo legal o representante do parquet não der
início à ação, como prevê o art. 29 do CPP (TOURINHO FILHO, 2005).
Se o magistrado competente receber a denúncia, o acusado será citado para
comparecer em juízo e ser interrogado (art. 394 CPP). Caso ele não seja
encontrado, ou não queira comparecer por vontade própria, o Juiz lhe nomeará
defensor dativo (art. 396, § único CPP). Após o interrogatório ou a nomeação do
defensor, transcorre o prazo para apresentação da defesa prévia (art. 395 CPP).
Logo após, o magistrado profere despacho no qual marca a audiência para oitiva
das testemunhas, primeiro as de acusação e depois as da defesa (art. 396 CPP).
Após a oitiva das testemunhas decorre o prazo para apresentação das alegações
finais. Primeiro manifesta-se a acusação e depois a defesa (art. 406 CPP). É
vedada, neste momento, a juntada de documentos (art. 406 § 2° CPP), contrariando
o que tangencia o art. 400 do mesmo código, que assegura às partes a possibilidade
de juntar documentos em qualquer fase do processo. Divergência esta que Tourinho
Filho diz não ser necessária, pois a pronúncia não é sentença definitiva e estes
24
documentos poderão ser juntados mais tarde, para serem apreciados pelo Juiz
Natural da causa. (TOURINHO FILHO, 2005)
Encerrados estes procedimentos e preclusos todos os prazos, os autos
voltam ao Juiz para que este proceda ao saneamento do processo, com a finalidade
de dirimir dúvidas e sanar nulidades (art. 407 CPP). (TOURINHO FILHO, 2005)
Após a apresentação das alegações finais, o Juiz pode tirar as seguintes
conclusões: primeiro que existe prova da materialidade de um delito, porém
ocorreram situações de excludentes de ilicitude ou excludente de culpabilidade do
autor; ou estar convencido da existência de crime que não seja de competência do
Tribunal do Júri; ou que não existem indícios suficientes de autoria ou materialidade;
ou ainda concluir que existiu um crime doloso contra a vida e há indícios veementes
de que o acusado seria o autor do delito. (OLIVEIRA, 2004)
A partir deste momento é que se iniciam as peculiaridades do procedimento
do Júri, e o Juiz, para encerrar a primeira fase do processo bifásico deste Tribunal,
poderá proferir sentença de pronúncia, impronunciar o réu, absolvê-lo sumariamente
ou desclassificar o delito.
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3.1 PRONÚNCIA
A sentença de pronúncia é uma decisão interlocutória mista, que julga
procedente a acusação imputada ao réu, põe fim à primeira fase do procedimento
bifásico do Júri (judicium accusationis), e dá início ao segundo, conhecido como
judicium causae. Neste momento ainda não se julga o mérito da ação, pois a função
desta sentença é apenas julgar admissível a acusação formulada contra o réu da
ação penal. É assim denominada por possuir os mesmos requisitos legais de uma
sentença, quais sejam: relatório, fundamentação e dispositivo. (NUCCI, 2006)
Cabe ao Juiz de Direito, em exercício na Vara onde tramita o processo,
proferir a sentença de pronúncia. Os juízes substitutos também possuem o direito de
proferir esta decisão. (MARREY, 2000)
Para que o magistrado prolate a sentença de pronúncia deve estar
convencido da presença de dois requisitos: a materialidade do delito e indícios
veementes de que o réu seja o autor do crime, conforme o art. 408 do CPP: “Se o
juiz se convencer da existência do crime e de indícios de que o réu seja o seu autor,
pronunciá-lo-á, dando os motivos do seu convencimento”.
A materialidade do delito, nos casos de crime contra a vida, será
comprovada na maioria dos casos através de laudo pericial, mais precisamente
através do laudo cadavérico. Entretanto, não sendo este possível, o magistrado
pode formar a materialidade através de prova testemunhal. (NUCCI, 2006)
Quanto à existência de indícios veementes, é preciso que o magistrado,
durante o transcorrer da ação, verifique o nexo de causalidade entre o crime
ocorrido e as ações praticadas pelo agente.
O Código de Processo Penal descreve indício como: “Art. 239: Considera-se
indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize,
por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias”.
Segundo Guilherme Nucci: “indícios são elementos indiretos que, através de
um raciocínio lógico, auxiliam a formação do convencimento do juiz, constituindo
prova indireta” (NUCCI, Guilherme de Souza, 2006, p. 687). Deve o magistrado
constatar, embora não determine expressamente o código, uma quantidade
suficiente de indícios, com o fim de preservar o devido processo legal. Ainda neste
sentido, deve o Juiz, ao pronunciar o réu, ter dúvida razoável sobre a sua
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culpabilidade, levando esta dúvida para o julgador legítimo da causa, o Júri Popular.
(NUCCI, 2006)
O princípio do Direito Penal in dúbio pro réu, não se aplica às sentenças de
pronúncia, visto que, em caso de dúvida, entendem a doutrina e a jurisprudência que
deve prevalecer o princípio in dubio pro societate, não subtraindo da sociedade o
direito garantido pela Constituição Federal de realizar o julgamento de seus pares.
O doutrinador Adriano Marrey, no mesmo sentido, dispõe sobre o assunto:
“O juiz verificará se é certa a existência do crime imputado ao réu e provável a
autoria que lhe é atribuída. A expressão ‘ indício suficiente’ tem o sentido de
probabilidade suficiente e não a de simples possibilidade de autoria.” (MARREY,
Adriano, 2000, p. 260).
A sentença de pronúncia deve ser escrita em vocabulários sóbrios e
imparciais, devendo-se evitar termos injuriosos ao acusado, frases a favor da defesa
ou acusação, ou qualquer outro meio que insira nesta decisão avaliações sobre o
mérito da ação. Esta moderação é necessária para evitar influência sob a decisão
dos jurados, que deve ser soberana. (TOURINHO FILHO, 2005). É nula a pronúncia
viciada pelo excesso de linguagem. (TUBENCHLAK, 1997)
O Juiz deve ser prudente, evitando manifestar-se quanto ao mérito da
acusação, e deve verificar a presença de fumus boni júris. O magistrado não pode
antecipar a decisão do Tribunal Popular, proferindo sentença que conclua que as
provas obtidas durante a instrução seguem a tese de alguma das partes. Quem
pronunciar de outra maneira estará excedendo os limites de sua competência. A sua
redação deve demonstrar a prova indiciária. Entretanto, deve prezar pelo equilíbrio,
porque o excesso de superficialidade pode ser objeto de argüição pela defesa ou
acusação. (MARREY, 2000).
A decisão do Juiz precisa ser motivada, em cumprimento ao art. 93, inciso IX
da CF/88, que determina que todas as decisões do Poder Judiciário precisam ser
fundamentadas. O Magistrado precisa demonstrar que está convencido da
existência do crime doloso contra a vida, e demonstrar também, diante das provas
contidas nos autos, como chegou a esta conclusão, além de quais são os indícios de
o acusado ter cometido o crime doloso contra a vida. (TOURINHO FILHO, 2005)
O dolo é circunstância essencial, pois caso ocorra culpa e não dolo, a
competência do Tribunal do Júri está subtraída. O Código Penal, no art. 18, dispõe:
“Diz-se crime: I – doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de
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produzi-lo, II culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência,
negligência ou imperícia.”. Para Tourinho Filho: “Dolo, dizem os doutrinadores, é a
vontade livre e consciente de praticar o crime, ou aceitar a ocorrência do resultado”.
(TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, 2005, p. 77).
Na sentença de pronúncia precisa constar em qual dispositivo legal o réu
incorreu, conforme determina o art. 408, § 1°, do CPP. O Juiz deve classificar os
crimes e especificar as qualificadoras, se existirem, porém deve abster-se de incluir
as circunstâncias atenuantes e agravantes (arts. 61, 65, 66 do CP), deixando estas
considerações para o presidente do Tribunal do Júri. (MARREY, 2000). As
qualificadoras que forem reconhecidas pelo magistrado devem ser fundamentadas,
e serão nulas as sentenças que não analisarem estas circunstâncias trazidas pela
denúncia. (MIRABETE, 2003).
Devem-se incluir também as circunstâncias de aumento de pena específica,
aquelas contidas nos parágrafos seguintes ao tipo penal, e evitar a menção ao
concurso de crimes (arts. 69 a 71 do CP), citando somente o concurso de pessoas
(art. 29 do CP). Também é vedado pela Lei de Introdução ao Código de Processo
Penal, no seu art. 7°, o reconhecimento na pronúncia de causa especial de
diminuição da pena. (NUCCI, 2006).
Neste sentido discorre o doutrinador Eugenio Pacelli:
A decisão de pronúncia, em que previamente se admitiu a presença de um crime da competência do Tribunal do Júri, é que delimitará o campo temático a ser apurado. A exceção fica por conta das circunstâncias agravantes e das causas de aumento de pena. Essas, como não podem ser incluídas na decisão de pronúncia, para evitar a influência desse ato judicial na formação do convencimento dos jurados e por se tratar de matéria atinente a aplicação da pena, deverão constar necessariamente do libelo. Quanto ao mais, o libelo deve reproduzir a pronúncia. (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de, 2004, p. 698).
O mesmo artigo 40,8 em seu § 4° determina: “O juiz não ficará adstrito à
classificação do crime, feita na queixa ou denúncia, embora fique o réu sujeito à
pena mais grave, atendido, se for o caso, o disposto no Art. 410 e seu parágrafo”.
Como este artigo supra mencionado é o tema principal deste trabalho, será
abordado amplamente no próximo capítulo.
O Juiz, nesta fase do processo, deve cuidar para que alguém que não
mereça ser condenado venha ficar à mercê do Tribunal Popular soberano, e deve
perguntar se haverá uma grande injustiça caso isto venha a ocorrer. Se a resposta
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for positiva, não deve pronunciá-lo. O juiz deve basear-se em fortes indícios e
chegar perto da certeza. (TOURINHO FILHO, 2005).
Há casos em que o magistrado irá se deparar, durante a pronúncia, com
crimes conexos ao crime doloso contra a vida, pelos casos de conexão já
mencionados. Nesta hora deve o Juiz pronunciar o réu por todos os crimes que lhe
são imputados, não podendo absolvê-lo ou condená-lo pelos crimes que não são de
sua competência. O Júri tem competência atrativa e deverá julgar todos os delitos
cometidos pelo acusado. (MARREY, 2000)
Assim exemplifica o doutrinador Guilherme Nucci:
O réu responde por homicídio seguido de furto; havendo pronúncia pelo crime contra vida, remete-se, automaticamente, o furto para análise dos jurados, exista ou não prova suficiente da materialidade, haja ou não provas suficientes acerca da autoria. É competente, na integralidade, o Conselho de Sentença para apreciar o crime patrimonial. (NUCCI, Guilherme de Souza, 2006, p. 692)
O réu deverá ser intimado pessoalmente da sentença de pronúncia caso a
classificação que lhe for imputada tratar-se de crime inafiançável, porém, se o crime
for afiançável deverá ocorrer a intimação nos termos do art. 415 do Código de
Processo Penal:
Art. 415 - A intimação da sentença de pronúncia, se o crime for afiançável, será feita ao réu: I - pessoalmente, se estiver preso; II - pessoalmente, ou ao defensor por ele constituído, se tiver prestado fiança antes ou depois da sentença; III - ao defensor por ele constituído se, não tendo prestado fiança, expedido o mandado de prisão, não for encontrado e assim o certificar o oficial de justiça; IV - mediante edital, no caso do nº II, se o réu e o defensor não forem encontrados e assim o certificar o oficial de justiça; V - mediante edital, no caso do nº III, se o defensor que o réu houver constituído também não for encontrado e assim o certificar o oficial de justiça; VI - mediante edital, sempre que o réu, não tendo constituído defensor, não for encontrado.
Nos crimes inafiançáveis, enquanto não houver intimação pessoal do
acusado, os autos ficaram estagnados, pois os atos seguintes deverão ocorrer
somente após a preclusão do prazo para o recurso.
Além de ser encaminhado para o julgamento pelos seus pares, outro
principal efeito da pronúncia é a determinação de que o réu seja recolhido à prisão,
expedindo mandado para sua captura, conforme art. 408, § 1°. Entretanto, o mesmo
artigo, em seu § 2°, prescreve que se o réu for primário e possuir bons antecedentes
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poderá o Juiz deixar de decretar sua prisão, ou colocá-lo em liberdade se já estiver
preso. Trata-se de uma faculdade do Juiz e este deve analisar cada caso. Em todos
os casos, porém, deve o Juiz esclarecer na sua decisão se o réu aguardará preso ou
em liberdade seu julgamento.
O princípio constitucional de presunção de inocência, contida na CF/88, no
seu art. 5°, LVII, deve ser analisado também no caso da pronúncia, apesar da quase
certeza que leva o magistrado a pronunciar o réu. Se este for primário, possuir bons
antecedentes, não ocasionar perigo a ordem pública, nem o risco de voltar a
cometer ato ilícito contra a sociedade, deverá o magistrado não determinar sua
prisão, ou revogá-la se estiver preso. (MARREY, 2000)
Outro efeito da pronúncia, contido no art. 408, § 3° do CPP, é a fiança: “Se o
crime for afiançável, será, desde logo, arbitrado o valor da fiança, que constará do
mandado de prisão”. A Constituição Federal garante no art. 5°, inciso LXVI:
“ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade
provisória, com ou sem fiança”. O Juiz deve arbitrar fiança, nos crimes afiançáveis,
porém, atualmente, também deve arbitrar nos demais crimes, se o réu for primário e
possuir bons antecedentes (MARREY, 2000).
Da sentença de pronúncia cabe Recurso em Sentido Estrito, conforme o art.
581, inciso IV do CPP: “Caberá recurso, no sentido estrito, da decisão, despacho ou
sentença: IV que pronunciar ou impronunciar o réu.”. Também é possível a utilização
de Habeas Corpus para recorrer da decisão de pronúncia.
Classifica-se como despronúncia, o ato pelo qual o Tribunal profere acórdão
que reforme a decisão do magistrado, ou este mesmo, por força do efeito devolutivo
do recurso de sentido estrito, venha a reformar sua decisão, impronunciando o réu.
(TUBENCHLAK, 1997)
O artigo 416 do CPP reconhece a possibilidade da correção da pronúncia
depois do trânsito em julgado da decisão, por surgimento de circunstância
superveniente:
Art. 416: Passada em julgado a sentença de pronúncia, que especificará todas as circunstâncias qualificativas do crime e somente poderá ser alterada pela verificação superveniente de circunstância que modifique a classificação do delito, o escrivão imediatamente dará vista dos autos ao órgão do Ministério Público, pelo prazo de 5 (cinco) dias, para oferecer o libelo acusatório.
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Baseado neste artigo, conclui-se que o procedimento aplicável quando surgir
nova circunstância que altere a pronúncia é a abertura do prazo para o Ministério
Público aditar a denúncia e, logo após, conceder prazo à defesa para manifestar-se.
Neste caso a não observação destas providências atentaria contra a titularidade
concedida ao Ministério Público na Ação Penal, e também contra os princípios da
ampla defesa e do contraditório. (NUCCI, 2006).
O exemplo mais clássico desta situação é quando o Juiz pronuncia o réu por
tentativa de homicídio e logo após a vítima vem a falecer. Neste caso, será aberto
novo prazo para que a defesa produza provas. (TOURINHO FILHO, 2005).
Acrescente-se ainda que os fundamentos da pronúncia não têm efeitos
preclusivos absolutos, pois os argumentos do Juiz podem ser alterados pelo
judicium causae. Ainda neste sentido, dispõe o doutrinador Frederico Marques:
“Tais fatos mostram que, no processo, só permanece intocável, da pronúncia, a
declaração de admissibilidade dos jus accusationis, visto que a preclusão pro
judicato impede que tal assunto seja reexaminado até mesmo no juízo da causa”
(MARQUES, José Frederico, 1997, p. 232)
Apesar do art. 416 do CPP mencionar o trânsito em julgado da sentença de
pronúncia, esta não transita em julgado, pois se trata de decisão processual que tem
o objetivo de julgar admissível a pretensão punitiva do estado. Neste caso, o que
ocorre com o transcorrer do prazo para recurso é a preclusão desta sentença.
Cabe ressaltar que a pronúncia interrompe o curso da prescrição, conforme
o art. 117, inciso II, do CP: “O curso da prescrição interrompe-se: II pela pronúncia”.
O autor Fernando Capez ainda ressalta: “A pronúncia interrompe o curso da
prescrição da pretensão punitiva e não perde essa força interruptiva nem mesmo em
face de desclassificação ulterior por parte dos jurados (RT650/264)”. (CAPEZ,
Fernando, 2004, p.187).
31
3.2 IMPRONÚNCIA
A impronúncia é uma decisão interlocutória de caráter terminativo, pois
encerra a primeira fase do Júri, mas não dá início a segunda fase, tampouco analisa
o mérito da ação penal. (NUCCI, 2006). Segundo Eugenio Pacelli: “Trata-se, ao
contrário,de uma decisão interlocutória mista, porque encerra o processo, sem,
porém, julgar a pretensão punitiva, ou seja, sem aplicar a condenação ou absolvição
do acusado”. (OLIVEIRA, Eugenio Pacelli de, 2004, p.688)
Nos casos em que o Juiz não se convencer da existência dos elementos
necessários para a pronúncia, deve prolatar sentença de impronúncia. Nesses casos
os elementos materialidade e indícios de autoria não estarão presentes, pois, se o
Juiz estiver em dúvida quanto à presença destes requisitos, deve pronunciar o réu
(CALVO FILHO, SAWAYA, 2002).
Se o Magistrado não encontrar, durante a instrução criminal, comprovação
dos fatos descritos na denúncia, ou ainda, não encontrar provas que levem a
concluir que o acusado cometeu o fato citado, deverá o Juiz impronunciá-lo e julgar
improcedente a peça acusatória ( OLIVEIRA, 2004)
Enquanto na pronúncia julga-se a admissibilidade de acusação, na
impronúncia julga-se inadmissível a pretensão punitiva do Estado.
Segundo o doutrinador Julio Mirabete: A impronúncia é um julgamento de inadmissibilidade de encaminhamento da imputação para o julgamento perante o Tribunal do Júri porque o juiz não se convenceu da existência de prova da materialidade do crime ou de indícios da autoria, ou nenhum dos dois. (...) Embora a pronúncia não exija mais do que a suspeita jurídica derivada de um concurso de indícios, devem ser idôneos, convincentes e não vagos, duvidosos, de modo que a impronúncia se impõe quando de modo algum ensejariam o acolhimento da acusação pelo Júri. (MIRABETE, Julio Fabbrini, 2003, p. 526)
Conforme art. 409 do Código de Processo Penal:
Art. 409: Se não se convencer da existência do crime ou indício suficiente de que seja o réu o seu autor, o juiz julgará improcedente a denúncia ou queixa. Parágrafo Único: enquanto não extinta a punibilidade, poderá, em qualquer tempo, ser instaurado o processo contra o réu, se houver novas provas.
32
A impronúncia é uma sentença terminativa que faz coisa julgada formal e
não material, pois não extingue a punibilidade, já que o processo pode ser reaberto
quando surgirem novas provas. Porém, se o Juiz na hora de prolatar a decisão,
impronuncie o réu, ao invés de absolvê-lo sumariamente, não será aceito que nova
denúncia seja oferecida contra o acusado (CALVO FILHO, SAWAYA, 2002).
Entretanto, Capez faz uma ressalva: “Excepcionalmente, quando a
impronúncia entender que o fato narrado não constitui crime ou que ficou provada a
inexistência do fato, opera-se coisa julgada material e o processo não pode mais ser
reaberto” (CAPEZ, Fernando, 2004, p. 188).
Cabe ressaltar que a impronúncia não significa que o réu foi absolvido. O
Juiz apenas decide que aquele acusado não preencheu os requisitos necessários
para ser encaminhado ao Tribunal do Júri. Portanto, enquanto não extinta a
punibilidade, isto quer dizer, enquanto não transcorrer todo o prazo prescricional,
poderá ser instaurado novo processo, isto se surgirem novas provas. (ROSA, 2000)
Após o trânsito em julgado da decisão de impronúncia, devem os autos dos
crimes conexos ser remetidos para o juízo singular competente, pois não existirá
mais a competência atrativa do júri (CALVO FILHO, SAWAYA, 2002).
Esta decisão transita em julgado, mas só se transforma em decisão
definitiva depois de extinta a punibilidade, nos termos dos motivos acima expostos.
(ROSA, 2000). É efeito da impronúncia a imediata libertação do acusado que se
encontra detido.
O recurso pertinente para decisão de impronúncia é o recurso em sentido
estrito, artigo 581, IV. Este recurso é cabível apenas para a acusação, entretanto,
cabe discussão sobre a legitimidade da defesa. Segundo Mirabete: “(...) devendo se
entender que ela tem legítimo interesse quando pleitear a absolvição sumária, ainda
que afirmando a existência do fato e da autoria com alegação de causa excludente
de antijuricidade” (MIRABETE, 2003, p. 527). Também é legítimo para impetrar
recurso o assistente de acusação nos casos em que o representante do Ministério
Público não o fizer. (LEAL, 2001)
A impronúncia também pode ocorrer nos casos em que o réu recorrer da
decisão de pronúncia, através de recurso em sentido estrito, e com o efeito
devolutivo, pode o Juiz resolver impronunciá-lo (artigo 589 CPP). O respectivo
Tribunal de Justiça que julgar o recurso também pode reformar a decisão e
impronunciar o réu. (NUCCI, 2006).
33
Conforme citado no subtítulo da pronúncia, alguns autores denominam de
despronúncia este ato de o Tribunal reformar a decisão do Juiz Singular, ou ainda,
este, a quo, retratar sua decisão.
34
3.3 ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA
Absolvição sumária é uma decisão de mérito, pois encerra ação penal com
análise do meritum cause, decidindo ser improcedente a pretensão punitiva do
estado (NUCCI, 2006). Trata-se de uma sentença definitiva que faz coisa julgada
material, é uma absolvição prolatada pelo juízo monocrático. (CAPEZ, 2004)
Segundo o Código de Processo Penal no seu artigo 411:
Art. 411. O juiz absolverá desde logo o réu, quando se convencer da existência de circunstâncias que exclua o crime ou isente de pena o réu (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e 28, § 1°, do CP), recorrendo, de ofício, da sua decisão. Este recurso terá efeito suspensivo e será sempre para o Tribunal de Apelação.
Em alguns casos no nosso direito penal, mesmo que alguém pratique atos
vedados pela legislação, este não constituirá um crime, pois serão praticados em
circunstâncias específicas, que podem variar em função da pessoa ou do fato
(OLIVEIRA, 2004).
Neste sentido dispõe o doutrinador Eugenio Pacelli:
As excludentes de ilicitude - causas de justificação – e de culpabilidade excluem o crime e a correspondente punibilidade, por força, então, do próprio ordenamento (arts. 20, 21, 22, 23, 26, e 28, § 1°, todos dos Código Penal). E quando não se cuidar de crime não haverá motivo para se reclamar a competência do Tribunal do Júri. (OLIVEIRA, Eugenio Pacelli de, 2004, p. 682).
O Código Penal considera excludente de antijuricidade, nos termos do artigo
23 do CP, afirmando que não é considerado crime quando o fato foi praticado em: I
– estado de necessidade, II legítima defesa, III estrito cumprimento do dever legal e
exercício regular de direito.
O mesmo código ainda prescreve as causas excludentes de culpabilidade.
Embora seja considerado crime, estará o réu isento da pena de acordo com os
seguintes artigos: artigo 20 § 1°: erro sobre o elemento do tipo; artigo 21: erro sobre
a ilicitude do fato; artigo 22: coação irresistível e obediência hierárquica; artigo 26
inimputabilidade por doença mental, com desenvolvimento mental incompleto ou
retardado; artigo 28 § 1°: inimputabilidade por embriaguez fortuita.
Caso o Magistrado reconheça uma destas causas de exclusão de ilicitude ou
de culpabilidade, ou ainda se o réu for inimputável, deverá prolatar sentença de
absolvição sumária, e o réu será considerado inocente. Entretanto, o
reconhecimento desta possibilidade deve ser afastado de qualquer ambigüidade,
35
pois, como já vimos anteriormente, em caso de dúvida o Juiz não deve afastar o
julgamento da causa do seu Juiz Natural (LEAL, 2001).
O autor Adriano Marrey dá ênfase a este aspecto: “é admissível unicamente
na hipótese de haver prova concludente, cabal, ampla, plena, perfeitamente
excludente da culpabilidade, da exclusão de punibilidade ou exclusão da
responsabilidade”. (MARREY, 2000, p. 111).
Nos casos em que o réu for semi-imputável, nos termos do parágrafo único
do artigo 26 do CP, não deve ser absolvido sumariamente. Se houver prova de
materialidade e indícios veementes de autoria o acusado tem que ser pronunciado
normalmente, e a sua condição deve ser alegada para o efeito de redução da pena
(NUCCI, 2006).
Algumas pessoas questionam se é correta esta retirada da competência do
Júri, nos casos de absolvição sumária. O autor Fernando Capez diz ser a absolvição
sumária uma medida excepcional, pois subtrai a competência constitucional do Júri.
(CAPEZ, 2006).
Porém, ela ocorre porque o Tribunal do Júri possui algumas peculiaridades.
Como os Juízes desta causa são pessoas leigas e sem conhecimento específico do
direito, o legislador adotou esta medida de cautela, não deixando as pessoas que se
enquadram nos artigos acima mencionados à mercê de um julgamento pelo Tribunal
Popular (OLIVEIRA, 2004).
Também se deve ressaltar que o Júri está incluído na Constituição Federal,
no artigo que trata sobre os direitos e as garantias fundamentais, e estes estariam
feridos se um cidadão fosse levado a julgamento pelo Júri por ter cometido um ato
lícito (TOURINHO FILHO, 2005).
Transcorre sobre este assunto Guilherme Nucci:
Estando o juiz convencido, com segurança, desde logo, da ilicitude da conduta do réu ou da falta de culpabilidade, não há razão para determinar que o julgamento seja realizado pelo Tribunal Popular. Não fosse assim e a instrução realizada em juízo seria totalmente despicenda. Se existe, é para ser aproveitada, cabendo, pois, ao magistrado togado aplicar o filtro que falta ao juiz leigo, remetendo ao júri apenas o que for, em função da dúvida intransponível, um crime doloso contra vida. (NUCCI, 2006, p. 699)
Se o réu for absolvido durante o encerramento do judicium accusationis, o
Juiz Singular deve recorrer, de ofício, desta decisão, nos termos do artigo 411 in fine
do CPP, o chamado reexame necessário. Este recurso tem efeito suspensivo. Se o
36
réu estiver preso, permanecerá segregado até o julgamento do recurso. Enquanto o
processo não for julgado pela instância superior a sentença de absolvição não
transita em julgado e terá a mesma força de impronúncia. (TOURINHO FILHO,
2005).
As partes também são legítimas para recorrer desta decisão, através de
recurso em sentido estrito, segundo o artigo 581, inciso VI do CPP. Em caso de
supressão desta função pelo Juiz de primeiro grau e haja interposição de recurso
pelas partes, pode considerar o Tribunal estar sanada esta obrigação (TOURINHO
FILHO, 2005). Entretanto, o Código de Processo Penal determina em seu artigo
564, inciso III, “n”, que a não interposição do recurso gera nulidade.
Como o Ministério Público também é legítimo para impetrar este recurso,
esta legitimidade também alcança o assistente de acusação. (LEAL, 2001).
Discorda desta legitimidade o autor Mirabette, argumentando que o código não traz
expressamente a possibilidade de o assistente de acusação interpor recurso em
sentido estrito (MIRABETTE 2003).
Para os crimes conexos, após a revisão da decisão do Juiz de primeira
instância, pelo Tribunal hierarquicamente superior, devem os autos ser remetidos a
uma Vara Criminal, local onde será apreciado por um Juiz Singular, assim como na
pronúncia e na impronúncia. (LEAL, 2001), Não deve, em nenhuma circunstância, o
Juiz que absolveu o acusado pronunciar-se quanto aos crimes conexos. (CAPEZ,
2004). Também deve aguardar o trânsito em julgado da decisão superior para
encaminhar os autos para o Juízo Singular (TOURINHO FILHO, 2005).
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3.4 DESCLASSIFICAÇÃO DA INFRAÇÃO PENAL
A desclassificação é uma decisão interlocutória que altera o juízo
competente para julgar a ação, sem analisar o mérito e sem extinguir o processo, é
apenas uma decisão processual. (NUCCI, 2006).
Ocorrerá desclassificação do delito quando o Magistrado constatar, com
absoluta certeza, que ocorreu crime que diverge da competência do Tribunal do Júri.
Como sabemos, o povo é soberano para julgar os crimes dolosos contra vida,
portanto, o Juiz, em qualquer sinal da presença do dolo nos crimes contra a vida não
deve desclassificá-los. (NUCCI, 2006).
Conforme redação do artigo 410 do CPP:
Art. 410: Quando o juiz se convencer, em discordância com a denúncia ou queixa, existência de crime diverso dos referidos no Art. 74, § 1°, e não for competente para julgá-lo, remeterá o processo ao Juiz que o seja. Em qualquer caso, será reaberto ao acusado prazo para a defesa e indicação de testemunhas, prosseguindo-se, depois de encerrada a inquirição, de acordo com os arts. 499 e seguintes. Não se admitirá, entretanto, que sejam arroladas testemunhas já anteriormente ouvidas. Parágrafo Único: Tendo o processo de ser remetido a outro juízo, à disposição deste passará o réu, se estiver preso.
Pode acontecer que o réu seja denunciado por um crime de homicídio, mas
com a averiguação probatória, conclui o Juiz que não se trata de homicídio, e sim,
de um latrocínio. Pode também concluir que não existiu o animus necandi, que o
crime foi de lesões seguidas de morte e não propriamente de homicídio. Neste caso,
o Juiz desclassifica o delito e remete este processo ao juízo competente (ROSA,
2000).
Ainda é importante destacar que o Juiz deve desclassificar o crime e abster-
se de dar nova qualificação penal ao fato. Desta maneira, estará analisando o mérito
da ação, além do que, o Juiz que irá receber este processo poderá discordar da
classificação imposta pelo juízo anterior. (CALVO FILHO, SAWAYA, 2002).
Neste mesmo sentido o doutrinador Tourinho Filho explica porque não se
deve dar nova imputação: “é claro que nessa decisão não deve o Juiz dar a
qualificação jurídico–penal do fato, mesmo porque o juízo competente poderá
discordar, criando uma situação, quando não intransponível, pelo menos delicada e
embaraçosa” (TOURINHO FILHO, 2005). Entretanto, a fundamentação desta
38
decisão não acarreta pré – julgamento. (MIRABETE, 2003). Desta maneira, o Juiz
não vincula o seu colega que irá receber esta ação.
Mesmo nos casos em que não houver uma Vara específica do Júri, apenas
uma Vara Criminal, por exemplo, mesmo nestes casos, o Juiz não pode sentenciar o
processo sem conceder prazo para a defesa. A falta de abertura deste prazo gera
nulidade insanável. (MIRABETE, 2003)
A doutrina ainda traz a possibilidade de a desclassificação ocorrer perante o
Tribunal do Júri, nos termos do artigo 74, § 3° in fine e 492, § 2° do CPP. Nestes
casos, poderá ocorrer desclassificação própria ou imprópria. A desclassificação
própria acontecerá quando o conselho de sentença afastar o tipo penal descrito na
pronúncia e desclassificar para outro tipo penal, sem reconhecer novo fato delituoso.
Neste caso, o Júri nem condena nem absolve o réu por este novo delito, apenas
afirma que não é de competência deste Tribunal. Já na desclassificação imprópria,
o Júri não reconhece o tipo penal descrito na pronúncia, mas acaba condenando o
acusado por outro delito. (LEAL, 2001).
Desta decisão que desclassifica a infração, cabe recurso, que será
interposto pela parte sucumbente, geralmente a acusação. A defesa também é
legítima para pleitear a absolvição sumária, e é pertinente o recurso em sentido
estrito, nos termos do artigo 581, inciso II do CPP. (MIRABETE, 2003). Caso o
representante do parquet não se manifeste, também é legítimo para interpor este
recurso, o assistente de acusação (LEAL, 2001).
Após o trânsito em julgado desta decisão, os atos processuais praticados
não serão anulados, e será dado prazo para a defesa, que poderá produzir novas
provas, arrolar testemunhas, excluindo, entretanto, as que já foram inquiridas
(MIRABETE, 2003). Também devem ser cumpridos os procedimentos dos artigos
499 e 500 do CPP, antes de o Magistrado sentenciar o processo. Isto ocorrerá seja
o crime apenado com detenção ou reclusão. (CAPEZ, 2004)
É entendimento de alguns doutrinadores que o Magistrado acolhedor deste
processo não deverá suscitar conflito de competência, em razão de o recurso já ter
transitado em julgado, e pelo fato de o Ministério Público, que é dono da ação penal,
já haver confirmado esta decisão. (LEAL, 2001). Para Eugenio Pacelli o Juiz pode
discordar da decisão que declinou competência, assim sendo deverá suscitar
conflito negativo de competência (OLIVEIRA, 2004).
39
4 UMA ANÁLISE SOBRE A APLICAÇÃO DO ART. 408, § 4°, DO
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
O artigo 408, § 4°, do Código de Processo Penal assim dispõe:
Art. 408: Se o juiz se convencer da existência do crime e de indícios do que o réu seja seu autor, pronunciá-lo-á, dando os motivos do seu convencimento. (...) § 4° O juiz não ficará adstrito à classificação do crime do crime, feita na queixa ou na denúncia, embora fique o réu sujeito à pena mais grave, atendido, se for o caso, o disposto no artigo 410 e seu parágrafo.
Segundo o artigo acima mencionado, é de competência do Magistrado
reconhecer nova classificação do fato, de maneira a alterar o tipo penal descrito na
denúncia. Neste caso, o Juiz pode promover esta mudança sem que o Ministério
Público adite a peça acusatória. É grande a controvérsia que envolve o artigo.
Destaca-se também, a letra do artigo 384 do Código de Processo Penal:
Art. 384: Se o juiz reconhecer a possibilidade de nova definição jurídica do fato, em conseqüência de prova existente no autos de circunstancia elementar, não contida, explicitamente ou implicitamente, na denúncia ou na queixa, baixará o processo, a fim de que a defesa, no prazo de 8 ( oito) dias, fale e, se quiser, produza provas, podendo ser ouvida até três testemunhas. Parágrafo Único: Se houver possibilidade de nova definição jurídica que importe aplicação de pena mais grave, o juiz baixará o processo, a fim de que o Ministério Público posso aditar a denúncia ou a queixa, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, abrindo, em seguida, o prazo de 3 (três) á defesa, que poderá oferecer prova, arrolando até três testemunhas.
A polêmica envolvendo o artigo 408 § 4° do CPP, está muito bem descrita
por Rogério Tucci:
A questão a discutir é a de se saber se o dispositivo é uma repetição do art. 383 do Código de Processo Penal, uma exceção ao art. 384 ou se deve ser aplicado sem prejuízo também da aplicação do mesmo art. 384, havendo entendimento em todos os sentidos. (TUCCI, 1999, p.124).
Uma corrente de doutrinadores defende que a denúncia precisa ser aditada,
divergindo do art. 408, § 4°, que garante ao Juiz a faculdade de determinar a
classificação que entender correta. Para os que defendem esta tese este dispositivo
legal confronta com o artigo 5°, LV da CF/55, que garante aos litigantes de qualquer
processo judicial o direito do contraditório e da ampla defesa. Nesta hipótese,
quando o Juiz reconhecer novo tipo penal, também de competência do Júri, ou
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qualificadora não descrita na denúncia, é necessário baixar o processo em
diligências para o Ministério Público, a fim de que este adite a peça inicial.
Entretanto, há quem acredite ser desnecessário este aditamento, haja vista
que o artigo 408 no CPP, no seu § 4°, confere ao Juiz a faculdade de dar nova
classificação ao crime sem necessitar que o promotor proceda ao aditamento.
Alega-se que o acusado no processo defende-se dos fatos que lhe foram imputados
e não da capitulação específica. Argumentam também, que a denúncia neste
procedimento não é peça de imputação do Magistrado, ao contrário, é um mero
pressuposto da Sentença de Pronúncia, cujo conteúdo vai ser submetido ao
contraditório.
A partir deste momento, apresentarei a tese defendida por cada um dos
autores pesquisados sobre este tema controverso. Na seqüência, uma breve síntese
de jurisprudências dos nossos Tribunais pátrios.
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4.1 DOUTRINA
Segundo o autor Saulo Brum Leal, o Juiz pode dar nova classificação ao
fato, desde que este esteja perfeitamente descrito na denúncia, sem prejuízo para a
defesa. Assim dispõe:
A circunstância de ser necessária uma correlação entre a sentença e a acusação Não impede que o juiz, corrigindo a capitulação contida na peça acusatória, dê a exata definição jurídica a fato perfeitamente descrito na denúncia, eis que, em tal hipótese, não se poderá vislumbrar surpresa ou prejuízo para a defesa dado que o réu se defende do fato, e não da capitulação. ( LEAL, 2001, p. 45)
No que tange às qualificadoras, o mesmo autor defende que para a
qualificadora ser incluída na sentença de pronúncia deve estar contida, explícita ou
implicitamente, na denúncia, preservando assim o direito ao contraditório. Se o
Magistrado reconhecer qualificadora não contida na denúncia, acarretará nulidade
no processo por cerceamento de defesa. Para que ele inclua circunstância
qualificadora nestes casos, deverá enviar os autos para que o promotor adite a
denúncia nos termos do artigo 384, parágrafo único. (LEAL, 2001).
Este autor entende não ser possível afastar qualificadora descrita na
denúncia, devendo ser afastada somente se comprovada sua improcedência. Na
dúvida sobre o reconhecimento, o Juiz deve acolher a qualificadora e deixar que o
Tribunal do Júri decida esta questão. (LEAL, 2001).
O doutrinador Eugênio Pacelli de Oliveira faz distinção entre o
procedimento adotado pelo artigo 384 do CPP e o artigo 408, § 4° do CPP. Segundo
ele, o artigo 384 do CPP autoriza o mutatio libelli, e, neste caso o Juiz pode alterar a
classificação descrita na peça acusatória, reconhecendo fatos descritos ou não na
denúncia, desde que abra os prazos contidos no artigo supra, para que a defesa
possa contraditar e produzir novas provas. Se desta nova classificação resultar pena
mais grave, utiliza-se o parágrafo único do mesmo artigo, baixando os autos para
aditamento pelo Ministério Público. (OLIVEIRA, 2004).
Por conta deste entendimento, o autor acima mencionado discorda do artigo
408, § 4°, do CPP: “Entretanto, o procedimento previsto no art. 408, §4°, do CPP
dispensa tanto a participação do Ministério Público para o oferecimento de
aditamento como também a reabertura do prazo de defesa” (OLIVEIRA, 2004, p.
693). Segundo o autor, isto é uma afronta ao princípio acusatório, visto que quem
42
procederá à acusação é o Juiz e não o Ministério Público, detentor desta
prerrogativa, e ao princípio da ampla defesa, pois o acusado durante a instrução não
se defendeu do que lhe será imputado (OLIVEIRA, 2001).
O autor Aramis Nassif dá mais ênfase ao assunto, ao tratar da possibilidade
ou não de afastar-se qualificadora trazida pelo Promotor na denúncia. Afirma que a
jurisprudência entende não ser possível excluir esta circunstância, pois este tema é
reservado ao Tribunal Popular. Entretanto filia-se à corrente do Tribunal de Justiça
do Rio Grande do Sul, a qual afirma que, se o Magistrado pode absolver
sumariamente, pode afastar qualificadora, sustentando que quem pode mais pode
menos (NASSIF, 2001).
Neste sentido reconhece o autor:
Trata-se de decotar o plus acusatório, adaptando o fato a realidade probatória, o que esta dentro da configuração formal do art. 408, § 4°, CPP. (...) A denúncia, nesse procedimento, não e peça de imputação do Colegiando, ao contrário, mero pressuposto da pronúncia, cujo conteúdo vai ser submetido ao contraditório. A pronúncia, por isso, pode excluir qualificadora narrada na denúncia. (NASSIF, 2001, p. 45).
Rogério Lauria Tucci destaca a diferença entre o emendatio e mutatio
libelli. Segundo o autor, emendatio libelli seria apenas a adequação da classificação
jurídica aos fatos já existentes, não sendo necessário que o réu produza novas
provas, haja vista que ele se defende dos fatos e não da classificação. Já o mutatio
libelli ocorre quando o Magistrado reconhece nova classificação do delito,
fundamentado em fatos não contidos na denúncia. Desta maneira, abre-se novo
prazo para defesa. Em se tratando de crime que resulte em pena mais grave do que
o descrito na denúncia, faz-se necessário o aditamento pelo Ministério Público
(TUCCI, 1999)
Conclui o doutrinador que o artigo 408, § 4° do CPP é uma exceção ao
artigo 384 do mesmo CPP, afirmando que pode ocorrer o mutatio libelli sem a
aplicação das determinações do artigo 384. Assim, poderá o Juiz reconhecer nova
qualificadora não descrita na peça acusatória. E afirma ainda, que não ocorrerá
ofensa ao princípio do contraditório e da ampla defesa. In verbis: “Mas a mutatio
libelli, nesses termos, sem a oportunidade de manifestação do acusado, não
ofenderia o contraditório e a ampla defesa? Não, porque a ampla defesa está
assegurada na segunda fase do procedimento do júri” (TUCCI, 1999, p. 125).
43
O renomado doutrinador Fernando da Costa Tourinho Filho trata esta
matéria por outro liame. Deve-se aplicar o artigo 408, § 4°, quando o Magistrado
necessitar fazer uma mera correção formal. Um exemplo seria o caso em que o
Promotor de Justiça descreve, na denúncia, toda a conduta delituosa como
homicídio, porém classifica o crime em infanticídio. Neste exemplo pode o
magistrado, ao pronunciar o réu, corrigir o tipo penal nos termos do artigo 408, § 4°
do CPP, sem abrir prazo para o acusado (TOURINHO FILHO, 2005).
Entretanto entende que se aplicará a regra do artigo 384 do CPP quando
surgirem novas provas durante a instrução do processo. Assim exemplifica Tourinho
Filho: “Mas, se for denunciado por infanticídio e na instrução se apura ter havido
homicídio, a regra do parágrafo único do art. 384 é de rigor.” (TOURINHO FILHO,
2005, p.73,74). Também, para os casos em que o Juiz reconhecer a existência de
qualificadora não descrita na denúncia, o parágrafo único do artigo acima
mencionado deve ser observado. (TOURINHO FILHO, 2005).
Cabe destacar também uma peculiaridade observada durante a pesquisa.
Na leitura do Manual de Processo Penal, do doutrinador Tourinho Filho, 6° edição,
publicado em 2004, observa-se que o autor tinha posição divergente da publicada
mais recentemente no seu Curso de Processo Penal anteriormente citado.
Neste sentido resumia o autor:
(...) limitar-se-á a pronunciar o réu como incurso nas penas do artigo que entender tenha sido violado. Muito claro a propósito, o art. 408, § 4°, do CPP. Cremos, assim, não haver necessidade de se invocar a regra do art. 384 e, muito menos, a do seu respectivo parágrafo. É que não se trata de decisão de mérito. Esse, contudo, não é o entendimento majoritário. (TOURINHO FILHO, 2004, p. 647).
Fica demonstrado, no exemplo acima, que este entendimento de aplicar-se o
artigo 384 do CPP, em detrimento ao artigo 408, § 4°do CPP, é uma conduta à qual
a doutrina e a jurisprudência vêm se adequando.
Para Adriano Marey, não é faculdade de o Juiz pronunciar o réu por fatos
não contidos na denúncia, pois as afirmações da denúncia delimitam o alcance da
pronúncia. Para que o magistrado vá além do contido na denúncia, deverá observar
a regra do artigo 384, possibilitando vista à defesa, e, se for o caso de pena mais
grave, encaminhando os autos para que o promotor adite a denúncia.
Em relação às qualificadoras o autor afirma que o Juiz deve incluir na
pronúncia aquelas contidas na denúncia, ou implicitamente contidas. Caso apure-se
44
a presença da qualificadora durante a instrução, e a denúncia for omissa a seu
respeito, não poderá ser reconhecida sem que se possibilite defesa ao réu. Nestes
casos devem-se baixar os autos para o aditamento pelo Ministério Público.
(MARREY, 2000).
E justifica seu raciocínio no cerceamento de defesa do acusado:
Incurial seria, por afetar o direito à plena defesa que, então, em face de qualificadora se deixasse de ouvir antes o réu, com a faculdade de deduzir defesa, tal como a lei processual penal admite. (...) se tiver a denúncia sido falha, e omitido alusão a alguma circunstância dessa espécie, a pronúncia não a poderá simplesmente acolher, sob pena de violação do direito á ampla defesa. Ficaria o réu sem a possibilidade de discutir a circunstância surgida durante a instrução. (MARREY, 2000, p. 267).
Sobre esta matéria, o doutrinador Fernando Capez afirma não ser
necessário aplicar o artigo 384, já que o código traz no artigo 408, § 4°, a
possibilidade de o Magistrado atribuir classificação divergente da denúncia ou da
queixa, e assim justifica:
(...) não há necessidade de se abrir prazo para manifestação da defesa ou aditamento da denúncia, não se aplicando o disposto no art. 384 do CPP (mutatio libelli), por se tratar de decisão meramente interlocutória e em face do que dispõe expressamente o art. 408, § 4°, do CPP. (CAPEZ, 2004, p.186)
O autor ressalva que a jurisprudência tem entendimento diverso do seu.
Afirma que os tribunais vêm exigindo, nos casos de mutatio libelli, que o Juiz tome
as providências previstas no artigo 384 e seu parágrafo único, para não causar
surpresa às partes. Quanto à inclusão de qualificadoras, afirma Capez, que os
tribunais também entendem ser necessário o aditamento da denúncia. Se o
problema for apenas corrigir classificação errônea dada pelo Promotor, o Juiz
poderá dar classificação correta, nos termos do artigo 383 do CPP, o emendatio
libelli (CAPEZ, 2004).
O autor James Tubenchlak afirma que a norma penal que autoriza o
Magistrado a dar classificação diferente da contida na denúncia ou na queixa
descrita no artigo 408, § 4°, do CPP, é absurda. O autor considera esta norma
inconstitucional, pois fere a plenitude de defesa assegurada pela Constituição
Federal, no seu artigo 5°, XXXVIII, “a”. Afirma que, se o Juiz reconhecer indícios de
alguma qualificadora não deverá incluí-la na pronúncia, somente se proceder nos
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termos do artigo 384, parágrafo único, baixando os autos para que o Ministério
Público adite a denúncia (TUBENCHLAK, 1997).
Tubenchlak defende que o Juiz pode repudiar qualificadoras constantes na
denúncia, afirmando novamente que o caso contrário não é permitido, tornando a
pronúncia nula. Caso o magistrado inclua nova qualificadora, pode ainda o Ministério
Publico recorrer, embora não seja sucumbente. In verbis: “possui legítimo interesse
nos termos do art. 127 da Constituição, em defesa dos direitos individuas
indisponíveis” (TUBENCHLAK, 1997, p.85).
Em alguns casos, quando o Magistrado determinar a baixa dos autos, pode
o Promotor de Justiça não promover o aditamento, sendo ilícito o Juiz reconhecer
esta qualificadora, pois estaria decidindo ultra petita. Defende uma parte da doutrina
que na ocorrência desta situação pode aplicar-se, por analogia, o artigo 28 do CPP,
remetendo os autos para que o Procurador de Justiça adite a denúncia. O autor
discorda desta possibilidade, afirmando: “seria constrangedor a substituição de um
órgão acusador por outro, máxime atendendo a uma sugestão do juiz”
(TUBENCHLAK, 1997, p.86).
O doutrinador acima prescreve sobre a possibilidade de o Magistrado fazer a
alteração da classificação que foi corretamente descrita pelo Promotor, mas foi de
forma errônea tipificada. Afirma que já sustentou esta tese, pelo argumento do
emendatio libelli, concluindo que o réu se defende dos fatos e não da capitulação,
não sendo necessário o aditamento da denúncia nem abertura de prazo para
defesa. Entretanto, após refletir repetidamente sobre a matéria, assumiu outra linha
de pensamento, nestes termos: (TUBENCHLAK, 1997)
Deve ser alvo de correção qualquer erro que torne possível que o réu permaneça em estado de incertezas, de aporia sobre verdadeira dimensão da peça acusatória veja dificultada sua defesa em razão – repita-se – de um erro pelo qual não contribuiu. (...) Uma acusação que narra um fato e o classifica erroneamente não pode prosperar. Que o juiz a devolva ao órgão acusado para o fim de corrigi-la. (TUBENCHLAK, 1999. p.90)
Para os autores Romualdo Sanches Calvo Filho e Paulo Fernando
Soubihe Sawaya, o Juiz, em regra, pode incluir, na sentença de pronúncia,
circunstância qualificadora. É entendimento de alguns Tribunais que, para que o Juiz
possa incluir qualificadora na pronúncia, sem precisar que o Promotor de Justiça
adite a peça acusatória, a circunstância precisa estar descrita na denúncia mesmo
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que implicitamente. Outros Tribunais entendem que o Juiz pode incluir qualificadora
não descrita na denúncia, desde que se abra prazo para a defesa e o órgão
acusatório proceda ao aditamento da peça, se for o caso (CALVO FILHO, SAWAYA,
2002).
Os doutrinadores descrevem ainda, que há entendimento no sentido de não
ser faculdade do Magistrado afastar qualificadora, pois usurparia a competência
constitucional do Tribunal do Júri. Entretanto, eles entendem de forma oposta, e
aceitam ser possível afastar qualificadora quando na instrução ficar evidente que as
circunstâncias são manifestamente improcedentes (CALVO FILHO, SAWAYA,
2002).
No entendimento de Antonio José M. Feu Rosa, o Juiz pode pronunciar o
réu de acordo com as suas convicções, imputando a classificação penal que
considera correta, mesmo que desta nova classificação resulte pena mais grave,
desde que não afastada a competência do Tribunal do Júri. Se os fatos foram
descritos corretamente na denúncia, e o Juiz só precise fazer uma alteração no tipo
penal, ele tem a faculdade de pronunciar o réu de acordo com a classificação que
entender correta.
Porém, mais adiante no seu livro o autor afirma que em algumas situações
faz-se necessário aditar a denúncia:
(...) Surgimento de novos crimes menores, ou alteração da figura penal, de tentativa para crime consumado, haverá necessidade do retorno dos autos ao Ministério Público para aditamento á denúncia, oferecendo-se, a seguir oportunidade á defesa, inclusive para requerer provas. Já a transformação mencionada do homicídio simples pata qualificado, o Juiz poderá fazê-la independentemente de aditamento. (ROSA, 2000, p. 85).
Segundo o autor Julio Fabbrini Mirabete, o Juiz deve acolher as
qualificadoras descritas de forma expressa ou implicitamente na denúncia, mesmo
aquelas não classificadas pelo Promotor. Porém, estas circunstâncias para serem
reconhecidas precisam ser previamente aditadas. Também destaca Mirabete, que o
Juiz precisa fundamentar a existência dessas qualificadoras, não somente
acolhendo-as por constarem na peça inicial. Conclui-se que nestes casos o autor
afirma que o artigo 408, § 4°, do CPP, é perfeitamente aplicável, desde que,
tomadas as providências do artigo 384, parágrafo único. (MIRABETE, 2003).
Para o doutrinador, como a pronúncia trata de um juízo de admissibilidade,
as qualificadoras somente serão afastadas se forem claramente improcedentes ou
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sem apoio nos autos, vislumbrando assim, o princípio in dúbio pro societate
(MIRABETE, 2003).
Entretanto, quando a problemática envolver a desclassificação do delito para
outro que seja também de competência do Tribunal do Júri, o autor entende ser
correta a regra do artigo 408, § 4°, e não aplicável o disposto no parágrafo único do
artigo 384 do CPP. E assim justifica:
A pronúncia é decisão de caráter processual, na qual o juiz julga procedente o direito de acusar do Estado- Administração e a abertura de vista à defesa só se justifica se a desclassificação do fato e circunstância descrita na inicial for para crime de competência do juiz singular, que vai proferir decisão de mérito. (MIRABETE, 2003, p. 519).
O autor Guilherme de Souza Nucci afirma que o Juiz só pode afastar
qualificadoras que se mostrarem claramente improcedentes e em desacordo com as
provas obtidas na instrução (NUCCI, 2006).
No que tange ao assunto da desclassificação do delito, o autor expõe que o
Magistrado tem liberdade para dar nova classificação que diferencie daquela
descrita na denúncia, afirmando que o réu se defende dos fatos e não da definição
jurídica. É exemplo desta situação, quando o Promotor descreve um homicídio e
classifica como infanticídio. Nesta situação o magistrado pode corrigir a tipificação
(NUCCI, 2006).
Porém, o autor afirma que o artigo 408, § 4°, não considera a necessidade
das circunstâncias estarem descritas na denúncia, e isto é fundamental para definir
a aplicação do artigo acima. Nestes termos: “Entretanto, é preciso considerar que,
embora este parágrafo nada fale a respeito, o reconhecimento de nova definição
jurídica do fato necessita estar ligado à circunstância devidamente descrita na
denúncia” (NUCCI, 2006, p. 692).
Desta maneira, o autor afirma que se o Juiz mudar a classificação do delito,
baseado em fatos que não foram descritos de maneira expressa nem intrínseca na
denúncia, causará evidente prejuízo ao réu, que não se defendeu amplamente da
acusação, conforme assegura a Constituição Federal. Nesta situação, o Juiz deve
observar o artigo 384 do CPP e abrir novo prazo para a defesa (NUCCI, 2006).
Ainda para combater o argumento de muitos doutrinadores, Nucci afirma que
mesmo que a pronúncia seja um mero juízo de admissibilidade, podendo ser
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modificado pelos jurados, ela impulsiona vários efeitos, entre eles a prisão do réu.
Neste caso, deve ser resguardado o direito à plenitude de defesa (NUCCI, 2006).
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4.2 JURISPRUDÊNCIA
Após conhecer um pouco do entendimento da doutrina no que tange ao
alcance do artigo 408, § 4°, do CPP, e a sua aplicação nas sentenças de pronúncia,
verificamos que esta matéria é muito divergente entre os autores pesquisados. Para
auxiliar no estudo deste tema, tomaremos conhecimento do que decidem os nossos
Tribunais Colegiados sobre este tema.
4.2.1 Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Vejamos algumas decisões:
EMENTA: NULIDADE - PRONÚNCIA - QUALIFICADORA NÃO CAPITULADA NA DENÚNCIA - DESCRIÇÃO IMPLÍCITA - ADMISSÃO - POSSIBILIDADE. PRONÚNCIA - HOMICÍDIO QUALIFICADO (MOTIVO TORPE E RECURSO QUE DIFICULTOU OU IMPOSSIBILITOU A DEFESA DA VÍTIMA) - PRETENDIDO RECONHECIMENTO DA LEGÍTIMA DEFESA E AFASTAMENTO DAS QUALIFICADORAS - AUSÊNCIA DE PROVA ESCORREITA - IN DUBIO PRO SOCIETATE - MANUTENÇÃO - RECURSO NÃO PROVIDO. Extrai-se do corpo do acórdão: (...) Entretanto, é preciso considerar que, embora este parágrafo nada fale a respeito, o reconhecimento de nova definição jurídica do fato necessita estar ligado a circunstâncias devidamente descritas na denúncia. Caso haja elementares não contidas na peça acusatória, o prejuízo para o réu torna-se evidente, uma vez que não se defendeu correta e amplamente, como lhe assegura a Constituição federal. (...) De qualquer forma, no caso dos autos, embora a denúncia não tenha capitulado a qualificadora do motivo torpe (CP, art. 121, § 2o, inc. I), ela está implícita naquela peça (...). (TJSC, 2007)
EMENTA: Pronúncia - Homicídio e lesões corporais - Inclusão da qualificadora do motivo fútil e exclusão do motivo torpe. Recurso das partes - Preliminar de anulação da sentença rejeitada - Mérito - Mantida a provisional com a qualificadora do motivo fútil - Recursos desprovidos. Extrai-se do acórdão: Primeiramente, não há como se acolher a tese de nulidade da sentença por cerceamento de defesa ou por falta de fundamentação quanto a inclusão da qualificadora do motivo fútil porque na exordial acusatória, mesmo que implicitamente, vê-se descrita tal qualificadora, caracterizando-se a hipótese do emendatio libelli, perfeitamente possível em nosso ordenamento jurídico. Leia-se o entendimento de JULIO FABBRINI MIRABETE: “Permite o Código que a sentença possa considerar na capitulação do delito dispositivos penais diversos dos constantes na denúncia, ainda que tenha de aplicar pena mais grave. Não há no caso uma verdadeira
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mutatio libelli mas, simplesmente uma corrigenda da peça acusatória (emendatio libelli). Estando os fatos descritos na denúncia, pode o juiz dar-lhe na sentença definição jurídica diversa, inclusive quanto às circunstâncias da infração penal porquanto o réu se defendeu daqueles fatos e não de sua capitulação inicial. (...)" ("Código de Processo Penal Interpretado", 5ª ed., São Paulo: Atlas, 1997., p. 488/9). (TJSC, 2006 b).
EMENTA: Pronúncia. Homicídio qualificado pelo motivo fútil asfixia e emboscada - Artigo 121, § 2º, incisos II, III e IV, do Código Penal. Preliminar suscitada pelo Parquet ad quem de nulidade da provisional, por descumprimento do artigo 384, do CPP - Rejeição - Motivo fútil explicitamente constante da denúncia com perfectibilização do contraditório também no que se refere à aludida qualificadora. A suportar a rejeição, ainda, exegese do artigo 408, § 4º, do CPP. Retorno dos autos à douta Procuradoria Geral de Justiça para que se manifeste sobre o mérito do recurso. Extrai-se do corpo do acórdão: Na fase instrutória foi a elementar amplamente debatida, não havendo o menor indício de que o princípio constitucional do contraditório não tenha se operado em relação a ela, visto que, inclusive, em alegações finais foi a mesma rebatida pelo defensor, que, perseguindo o seu mister, também repeliu as demais constantes na denúncia. Por isso, não há falar-se, in casu, na aplicação do artigo 384 do CPP, uma vez que a mutatio libelli não tem aplicação nos presentes autos. Ademais, consoante prevê o § 4º do art. 408 do CPP, o juiz para efeitos da pronúncia não fica adstrito à classificação do crime formulada na queixa ou na denúncia, embora fique o réu sujeito a pena mais grave (...). (TJSC, 1990 c).
EMENTA: (...) SENTENÇA PROVISIONAL - RECONHECIMENTO DE QUALIFICADORA NÃO CAPITULADA NA DENÚNCIA - CIRCUNSTÂNCIA DESCRITA NA INICIAL ACUSATÓRIA - DESNECESSIDADE DE ABERTURA DE PRAZO PARA A MANIFESTAÇÃO DA DEFESA - HIPÓTESE DE EMENDATIO LIBELLI - SURPRESA OU PREJUÍZO INEXISTENTES - PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA AFASTADA. O acusado se defende dos fatos narrados na inicial acusatória, e não da classificação jurídica dada aos mesmos. Extrai-se do corpo do acórdão: O artigo 384, do Código de Processo Penal, traz, em seu texto, a necessidade de abertura do prazo para que se manifeste a defesa quando inexistir, na denúncia, implícita ou explícita descrição de circunstâncias elementares ou qualificadoras do tipo penal que se entendeu infringido. Em outras palavras, no caso proposto, o referido dispositivo aplicar-se-ia somente se a circunstância qualificadora do ilícito não qual foram pronunciados não tivesse sido descrita, ao menos implicitamente, na exordial acusatória. Não é o que se vislumbra nos autos. Vicente Greco Filho é claro ao fazer notar que a emendatio libelli não caracteriza cerceamento de defesa: "Pode-se dizer que a única classificação definitiva é que se estabilizou com o trânsito em julgado da sentença; as demais são provisórias e podem ser modificadas na decisão seguinte. Desde que os fatos sobre os quais incide sejam sempre os mesmos, a alteração da classificação
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independe de qualquer providência ou procedimento prévio, inexistindo nisso qualquer cerceamento de defesa ou surpresa, porque o acusado defende-se de fatos e não da classificação legal, ainda que o juiz deva aplicar pena mais elevada em virtude da nova classificação" ("Manual de Processo Penal", 3ª ed. atual., São Paulo: Saraiva, 1995. p. 287, sublinhamos). Saliente-se, ademais, a sua lição acerca da conceituação de fato implicitamente contida na denúncia: "Fato contido implicitamente na denúncia ou queixa significa a circunstância de fato que, apesar de não referida verbalmente na peça inicial, é compreendida nos conceitos nela expressos. Assim, por exemplo, se a denúncia imputa matar, implicitamente está imputando causar lesão corporal; ou, se descreve subtrair para si coisa alheia, está implicitamente também afirmando causar prejuízo a outrem, e assim por diante. Nesses casos, não há necessidade de se adotar o procedimento do art. 384, porque o acusado, ao se defender do que está explícito, também se defende do que está implícito." (ob. cit., p. 289). (TJSC, 2000 d).
EMENTA: RECURSO CRIMINAL - SENTENÇA DESCLASSIFICATÓRIA DO CRIME - FATO DIVERSO AO DESCRITO NA DENÚNCIA - INEXISTÊNCIA DE CORRELAÇÃO - INOBSERVÂNCIA AO ARTIGO 384, CAPUT, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - VÍCIO INSANÁVEL - RECURSO PROVIDO - SENTENÇA ANULADA Havendo inobservância ao preceituado no artigo 384, caput, do CPP, o melhor caminho e solução é a anulação da sentença, evitando assim ferir o princípio da ampla defesa. Extrai-se do acórdão: "Processo Penal. Mutatio libelli. É nula a sentença que condena o acusado por crime não descrito na denúncia, sem oferecer-lhe oportunidade para manifestar-se, na forma do art. 384 do Código de Processo Penal" (RSTJ 99/387). "Nula é a sentença que extrapola os limites traçados no pedido acusatório, por desclassificar o crime para nova figura jurídica cujas circunstâncias elementares do tipo não se enquadram explícita ou implicitamente na peça vestibular" (RT 618/301). “Viola o direito da ampla defesa a decisão condenatória que, desclassificando a acusação contida na denúncia, causa surpresa ao réu, apenando-o por tipificação penal contida na exordial, desobedecendo mandamento contido no art. 384 do CPP" (RT 616/353). (TJSC, 2000 e).
As decisões supra mencionadas demonstram que os Desembargadores do
Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina entedem que o artigo 408, § 4°, do
Código de Processo Penal deve ser utilizado, desde que, se reconheça na denúncia,
mesmo que implicitamente, a circunstância qualificadora que o Magistrado deseja
incluir ou a circunstância que motive a nova classificação do delito. É permitido,
entretanto, nos casos de emendatio libelli, quando o Juiz fará uma correção na
capitulação trazida pela denúncia, visto que os fatos se encontram narrados na
mesma peça. A justificativa destas decisões é de que o réu se defende dos fatos
descritos e não da capitulação imputada. Caso contrário, não estando a
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circunstância descrita na denúncia e não adotadas as formalidades do artigo 384 do
CPP, a decisão será nula por cerceamento de defesa.
4.2.2 Superior Tribunal de Justiça
EMENTA: CRIMINAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. MUTATIO LIBELLI. ADITAMENTO DA DENÚNCIA PARA INCLUIR QUALIFICADORA NÃO PREVISTA NA EXORDIAL ACUSATÓRIA. RÉU INTIMADO PARA SE MANIFESTAR ACERCA DO FATO NOVO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. IMPARCIALIDADE DO MAGISTRADO. PRONÚNCIA. DECISÃO QUE ENCERRA JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. MATÉRIA SUBMETIDA A JULGAMENTO PELO CONSELHO DE SENTENÇA. VIOLAÇÃO AO SISTEMA ACUSATÓRIO. BUSCA DA VERDADE REAL E DA EFETIVIDADE DO PROCESSO. ADEQUAÇÃO DA CONDUTA DO RÉU À REALIDADE DOS FATOS. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DENEGADA. (...) II. Em observância às normas legais, o Magistrado singular determinou que o Parquet fosse ouvido acerca da possibilidade de nova definição jurídica do crime, o que importaria na eventual imposição de pena mais grave. III. Tendo o Órgão acusatório aditado a denúncia, foi determinada vista dos autos à Defesa, oportunizando ao réu o direito de oferecer prova e arrolar testemunhas. IV. Providência adotada com intuito de adequar a exordial acusatória à realidade dos fatos, em busca da verdade real, que deve sempre prevalecer em face da importância dos interesses envolvidos na esfera do processo penal. V. Magistrado que não inovou a acusação, tendo facultado ao Parquet a inclusão ou não da qualificadora. VI. Inexistência de violação ao princípio da ampla defesa, porquanto foi oportunizado ao réu o direito de produzir provas com intuito de infirmar o fato novo. Extrai-se do acórdão: (...) A vexata quaestio está em definir como o julgador deve proceder nas hipóteses do art. 384 e seu parágrafo único do CPP, de forma a que não perca a sua posição de imparcialidade. Para dar vida aos citados dispositivos legais, o julgador deve, apenas, como fez na hipótese dos autos, alertar a titular da ação penal de elemento que autorizaria, em tese, a possibilidade de nova definição jurídica que importa de aplicação de pena mais grave. (STJ, 2006)
EMENTA: PROCESSUAL PENAL. CORREÇÃO DA CAPITULAÇÃO FEITA NA DENÚNCIA. SIMPLES EMENDATIO LIBELI E NÃO MUTATIO LIBELI. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. EXCESSO DE PRAZO. SÚMULA 21-STJ. 1 - Quando a nova classificação prescindir de elementar não contida na denúncia, sua concretização ocorre com a simples correção da capitulação legal, em face dos fatos suficientemente narrados, excludente da tese de nulidade por maltrato ao contraditório. Não há, por outro lado, necessidade da baixa dos autos, posto que não
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se configura a hipótese do art. 384 do CPP (mutatio libeli), mas a do art. 383 (emendatio libeli). (...) Com efeito, conforme bem acentuado pela instância a quo, não tendo sido operada uma mutatio libeli (art. 384, do CPP), mas, apenas, emendatio libeli (art. 383, do CPP), exclui-se a nulidade da pronúncia por infringência ao contraditório, pois a nova classificação prescindiu de elementar não contida na denúncia, mas concretizou-se na simples correção da capitulação legal, em face dos fatos suficientemente narrada na peça acusatória. (STJ, 1999 b).
EMENTA: CRIMINAL. RHC. HOMICÍDIO QUALIFICADO. ADITAMENTO DA DENÚNCIA PARA INCLUIR QUALIFICADORA NÃO PREVISTA NA EXORDIAL ACUSATÓRIA. RÉU INTIMADO PARA SE MANIFESTAR ACERCA DO FATO NOVO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. PREJUÍZO NÃO COMPROVADO. RECURSO DESPROVIDO. I. Hipótese em que, no decorrer da instrução, verificou-se ter sido o crime praticado mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, embora tal circunstância não estivesse contida, nem de forma implícita, na denúncia. II. Tendo o Órgão acusatório aditado a denúncia, foi determinada vista dos autos à Defesa, possibilitando ao réu o direito de oferecer prova e arrolar testemunhas. III. Providência adotada com intuito de adequar a exordial acusatória à realidade dos fatos, em busca da verdade real, que deve sempre prevalecer em face da importância dos interesses envolvidos na esfera do processo penal. IV. Inexistência de violação ao princípio da ampla defesa, porquanto foi concedido ao réu o direito de produzir provas com intuito de infirmar o fato novo. (STJ, 2007 c).
EMENTA: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO. QUALIFICADORA. DESCRIÇÃO DOS FATOS. IMPUTAÇÃO. CLASSIFICAÇÃO DO DELITO. PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. NÃO-RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE REJEIÇÃO POR INADEQUAÇÃO DA CLASSIFICAÇÃO. PRÉ-JULGAMENTO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. CONCESSÃO PARCIAL DA ORDEM. 1. O acusado tem assegurada a ampla defesa se os fatos, com todas as circunstâncias que os envolvem, estiverem bem descritos na denúncia, sendo que eventual condenação ou pronúncia deve cingir-se à matéria fática claramente articulada na peça acusatória. 2. Não tem o condão de ensejar prejuízo à defesa a classificação do crime atribuída pelo órgão do Ministério Público na denúncia, pois o acusado se defende dos fatos e não da classificação, cabendo ao juiz, no momento de proferir sentença condenatória ou de pronúncia, conforme o caso, enquadrar a conduta versada na denúncia em um ou mais tipos penais, conforme o seu convencimento. 3. Verificando o magistrado que os fatos revelados durante a instrução criminal e aqueles informados na denúncia são dissonantes, deve possibilitar, à acusação, o aditamento da denúncia, conferindo à defesa o direito de oitiva e produção de provas sobre os fatos aditados, em atenção ao princípio da ampla defesa. (...) (STJ, 2005 d).
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EMENTA: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO. DESCRIÇÃO DOS FATOS. IMPUTAÇÃO. CLASSIFICAÇÃO DO DELITO. CO-AUTORIA. PARTICIPAÇÃO. EMENDATIO LIBELLI. ACAREAÇÃO. CONFORMIDADE DOS QUESITOS. ALEGAÇÃO DE NULIDADE, CERCEAMENTO DE DEFESA E DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO-CONFIGURADO. DENEGAÇÃO DA ORDEM. 1. O acusado tem assegurado o exercício da ampla defesa se os fatos, dos quais se defende, com todas as circunstâncias que os envolvem, estiverem bem descritos na denúncia, sendo que eventual condenação ou pronúncia deve cingir-se à matéria fática claramente articulada na peça acusatória. 2. A adequação típica promovida pelo magistrado na sentença, considerando os fatos previamente descritos na denúncia, se diversa daquela atribuída pelo órgão ministerial, constitui simples emendatio libelli. (STJ, 2005 e)
Em conformidade com as jurisprudências apresentadas, pode-se concluir,
sobre o entendimento do STJ, no que tange à problemática deste trabalho.
Primeiramente, que o Juiz deve observar o procedimento legal descrito no artigo 384
do CPP quando concluir que se trata de uma classificação diferente daquela
prescrita na denúncia. Neste caso o parquet deve ser intimado para adequar a
exordial acusatória aos fatos, sempre em busca da verdade real. Promovido o
aditamento da denúncia, deve o réu ser intimado para manifestar-se e produzir
provas, garantindo, desta maneira, o principio da ampla defesa e do contraditório.
Esse Tribunal ainda faz menção ao emendatio libelli. Entende-se que ocorre
emendatio libelli quando o Magistrado apenas profere uma correção na capitulação
trazida pela denúncia, já que os fatos encontram-se descritos na peça acusatória. É
apenas uma adequação da tipificação jurídica aos fatos já existentes. Desta
maneira, não há ofensa ao princípio do contraditório.
4.2.3 Supremo Tribunal Federal
EMENTA: "HABEAS CORPUS" - ADITAMENTO DA DENÚNCIA - ALEGADO CERCEAMENTO DE DEFESA - PRETENDIDA OBSERVÂNCIA DO ART. 384, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPP - INAPLICABILIDADE - ADITAMENTO QUE SE LIMITA A FORMALIZAR NOVA CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA DOS FATOS QUE FORAM DESCRITOS, COM CLAREZA, NA DENÚNCIA - HIPÓTESE DE SIMPLES "EMENDATIO LIBELLI" – POSSIBILIDADE - APLICABILIDADE DO ART. 383 DO CPP (...). "HABEAS CORPUS" DEFERIDO. DENÚNCIA QUE DESCREVE, DE MODO PRECISO, OS "ESSENTIALIA DELICTI" -
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IRRELEVÂNCIA DA CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA - ADITAMENTO QUE SE LIMITA A CORRIGIR A CAPITULAÇÃO LEGAL DOS DELITOS - "EMENDATIO LIBELLI". - Se o magistrado reconhecer a possibilidade de atribuir, ao fato delituoso, quando da prolação da sentença, qualificação jurídica diversa daquela que constou da peça acusatória, essa conduta judicial não ofenderá o direito de defesa do acusado, desde que a nova capitulação encontre apoio em circunstância elementar que se contenha, de modo explícito ou implícito, na denúncia ou na queixa. É que, em tal contexto, essa atuação processual do magistrado, plenamente legitimada pelo que dispõe o art. 383 do CPP, configurará mera hipótese de "emendatio libelli". Doutrina. Precedentes. - Aditamento que se limitou, no caso, a meramente formalizar nova classificação jurídica dos fatos que já se achavam descritos, com clareza, em seus elementos essenciais, na própria peça acusatória. Inaplicabilidade, à espécie, do art. 384 do CPP. "MUTATIO LIBELLI" - NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DO ART. 384 DO CPP - SITUAÇÃO INOCORRENTE NA ESPÉCIE. - O réu não pode ser condenado por fatos cuja descrição não se contenha, explícita ou implicitamente, na denúncia ou queixa, impondo-se, por tal razão, ao Estado, em respeito à garantia da plenitude de defesa, a necessária observância do princípio da correlação entre imputação e sentença ("quod non est in libello, non est in mundo"). Cabe, ao juiz - quando constatar a existência, nos autos, de prova evidenciadora de circunstância elementar, não contida, explícita ou implicitamente, na peça acusatória -, adotar, sob pena de nulidade (RT 740/513 - RT 745/650 - RT 762/567), as providências a que se refere o art. 384 do CPP, que dispõe sobre a "mutatio libelli", ensejando, então, ao acusado, por efeito da garantia constitucional de defesa, o exercício das prerrogativas que essa norma legal lhe confere, seja na hipótese de "mutatio libelli" sem aditamento (CPP, art. 384, "caput"), seja no caso de "mutatio libelli" com aditamento (CPP, art. 384, parágrafo único). Hipóteses inocorrentes na espécie, por se achar configurada mera situação de "emendatio libelli" (CPP, art. 383). (STF, 2006).
EMENTA: - PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRONÚNCIA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE: IMPROCEDÊNCIA. COMPATIBILIDADE ENTRE AS QUALIFICADORAS "DISSIMULAÇÃO" E "OU OUTRO RECURSO QUE DIFICULTE OU TORNE IMPOSSÍVEL A DEFESA DO OFENDIDO", PREVISTAS NO ART. 121, § 2º, IV, DO CÓDIGO PENAL. I. - Inexistência de nulidade da pronúncia que acolhe qualificadora implicitamente contida na denúncia. II. - Compatibilidade entre as qualificadoras "dissimulação" e "ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido", previstas no inciso IV, § 2º, do art. 121 do Código Penal. III. - H.C. indeferido. Extrai-se do acórdão: É que o Ministério Público aditou a denúncia, em obediência ao disposto no art. 384 do CPP, incluindo, como se disse, a qualificadora prevista no inciso IV, § 2°, do art. 121 do Código Penal, por reconhecer que ora paciente havia utilizado “ recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido”. O juiz pronunciou o acusado exatamente conforme constava da denúncia, reconhecendo, ainda, a figura da “dissimulação”, constante de mesmo dispositivo legal. (STF, 1997 b).
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EMENTA: HABEAS CORPUS. NULIDADE DO PROCESSO. JÚRI. DENUNCIADO POR HOMICIDIO SIMPLES, A SENTENÇA DE PRONUNCIA ENQUADROU O PACIENTE EM DELITO DE HOMICIDIO QUALIFICADO, SEM ATENÇÃO AO ART. 384 E SEU PARAGRAFO ÚNICO, BEM ASSIM AOS ARTS. 408, PARAGRAFO 4°, E 410, TODOS DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS CONCEDIDO, PARA ANULAR O JULGAMENTO E O PROCESSO, A PARTIR DA SENTENÇA DE PRONUNCIA, INCLUSIVE, PROCEDENDO-SE, A SEGUIR, NA FORMA PREVISTA NA LEI PROCESSUAL PENAL. (STF, 1986 c).
EMENTA: Habeas Corpus. - Improcedência da alegação de inépcia da denúncia. - Tendo em vista o disposto no § 4º do artigo 408 do Código de Processo Penal, nada impede que o juiz, que na sentença de pronúncia pode dar nova classificação ao crime, ainda que fique o réu sujeito a pena mais grave, especifique qualificadora, implícita no fato descrito na denúncia, tanto mais quanto é certo que o artigo 416 do mesmo Código determina que a sentença de pronúncia especificará todas as circunstâncias qualificativas do crime. (...) Extrai-se do acórdão: Por outro lado, e tendo em vista o disposto no § 4° do artigo 408 do Código de Processo Penal, nada impede que o juiz, que na sentença de pronúncia pode dar nova classificação ao crime, ainda que fique o réu sujeito a pena mais grave, especifique qualificadora implícita no fato descrito na denúncia, tanto mais que é certo que o artigo 416 do mesmo código determina que a sentença de pronúncia especifique todas as circunstâncias qualificativas do crime. (STF, 1978 d).
EMENTA: HABEAS CORPUS. PACIENTE PRONUNCIADO POR INFRAÇÃO AO ART. 121, § 2º, INCISOS III E IV, DO CP. PRETENSÃO DE EXCLUSÃO DAS QUALIFICADORAS DO "MEIO CRUEL" -- POR AUSÊNCIA DE FATO TÍPICO QUE A SUSTENTASSE -- E DA "DISSIMULAÇÃO", QUE NÃO TERIA SIDO MENCIONADA NA PRONÚNCIA, SENDO FRUTO DE COMPLEMENTAÇÃO POR PARTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ALEGAÇÃO DE REFORMATIO IN PEJUS. (...) Não há falar em surpresa para a defesa, se a conduta tida por dissimulada foi totalmente descrita na denúncia, permitindo, desde o nascedouro do processo, que os acusados se defendessem da acusação, especialmente da incidência da qualificadora ora impugnada, observando-se o contraditório e a ampla defesa. Caso, ademais, em que o aresto hostilizado não se utilizou de fundamento novo, estranho aos autos, para manter a qualificadora da dissimulação. Por outro lado, não há espaço para alegação de reformatio in pejus se inexistiu agravamento da situação do paciente em face da interposição do recurso em sentido estrito. Habeas corpus indeferido. ( STF, 2004 e ).
A nossa Suprema Corte Federal entende também que, se faz necessário
distinguir os casos de emendatio libelli e mutatio libelli para decidir sobre a aplicação
do artigo 408, § 4°, ou artigo 384 e seu parágrafo único, ambos do CPP. Quando
ocorrer a formalização dos fatos descritos na denúncia, explícita ou implicitamente,
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não haverá prejuízo para o acusado, pois enquadra-se no caso de emendatio libelli
( art. 383 e art. 408, § 4°, do CPP). Não há surpresa para os réus se não houver
fundamento novo.
Entretanto, reconhecendo-se nova qualificadora não descrita na peça inicial
acusatória, adotam-se os procedimentos do artigo 384 do CPP, e seu parágrafo
único, pois caracteriza um caso de mutatio libelli. A não adoção dos mesmos poderá
acarretar a nulidade de todos os atos praticados após a sentença de pronúncia.
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4.3 MUTATIO LIBELLI e EMENDATIO LIBELLI
Após a exposição das questões inerentes ao artigo tema central deste
trabalho, são necessárias algumas ponderações, a fim de tentar dirimir as dúvidas
sobre este assunto controverso. Através da pesquisa realizada, embasada na
doutrina e na jurisprudência brasileira, cheguei a algumas conclusões. Entretanto,
não quero, de forma alguma, desvalorizar o posicionamento contrário ao que será
apresentado.
No meu entendimento, a questão relevante para resolver este problema, é
esclarecer se o Magistrado, ao prolatar sentença de pronúncia que diverge da
classificação imputada pelo Promotor de Justiça na denúncia, está reconhecendo
novos fatos obtidos durante a instrução criminal, ou está adequando a capitulação
aos fatos descritos na denúncia.
Concluindo-se pela primeira solução, caso em que o Magistrado tenha
colhido novos fatos durante a instrução criminal, e com base neles chegue a uma
nova classificação do delito, deve-se aplicar o artigo 384 do CPP e seu parágrafo
único, em detrimento ao artigo 408, § 4°, também do CPP. Estamos diante de um
caso de mutatio libelli, onde deve o Juiz adotar as formalidades do artigo 384 do
CPP. Desta maneira, o Juiz responsável deve abrir prazo para que a defesa se
manifeste, produza provas e arrole testemunhas (no máximo 3). Nos casos em que
a nova classificação importe em crime de pena mais grave, deve-se enviar os autos
para o Ministério Público aditar a denúncia ou a queixa, e logo após para a defesa,
para que esta se manifeste, produza provas e arrole testemunhas. Portanto,
preserva-se o direito constitucional da ampla defesa e do contraditório.
Porém, chegando-se à segunda conclusão, afirmando que o Juiz
reconheceu nova classificação ou nova qualificadora, embasado em fatos descritos,
explícita ou implicitamente, na denúncia, ou ainda, se está apenas corrigindo um
erro formal do Promotor que descreveu o crime de uma maneira e classificou de
outra, aplica-se o procedimento de emendatio libelli. Até porque, o réu se defende
dos fatos descritos e não da tipificação jurídica. Nestes casos é possível a aplicação
do artigo 408, § 4°, do CPP. Neste momento, e sob estas condições, o artigo supra
deve ser utilizado sem a necessidade de aditar a denúncia ou abrir prazo para a
defesa. Desta maneira, não se caracterizará afronta aos direitos constitucionais do
réu.
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Outro tema subsidiário apontado neste trabalho foi a possibilidade de o Juiz
afastar qualificadora contida na denúncia. Concluí que a qualificadora só deve ser
afastada se manifestamente improcedente ou descabida, caso contrário, o Juiz ao
pronunciar o réu, deve mantê-la, de forma a não retirar a competência natural do
Tribunal do Júri.
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5 CONCLUSÃO
Pode-se afirmar ao final deste trabalho que o Tribunal do Júri é um órgão do
Poder Judiciário, do primeiro grau de jurisdição. Tem este órgão um procedimento
bifásico de natureza mista, pois, em sua primeira fase, quem decide é o Juiz
Singular, e na segunda fase, quem delibera é o Conselho de Sentença, formado por
jurados leigos.
O Júri teve sua origem em Roma e na Grécia antiga, e possui características
idealizadas pelos Tribunais daquela época. Entretanto, posteriormente, com a
instalação do Sistema Feudal, os avanços jurídicos permaneceram estagnados, pois
naquele momento julgava-se em nome de Deus. Após a Idade Média, o Júri chegou
à Inglaterra, com Guilherme, o Conquistador. Em seguida, o Júri expandiu-se pela
Europa, junto com a Revolução Francesa. Com os colonizadores ingleses, o Júri
chegou ao continente Norte Americano.
Em nosso país, o Júri surgiu através da Lei de 18.6.1822, que criou os
“Juizes de Fato”, com competência para julgar os crimes de imprensa. Em 1824, o
Júri apareceu pela primeira vez em uma Constituição brasileira. Daí por diante o Júri
foi evoluindo, e ganhou o status de garantia e direito fundamental, nos moldes da
atual Constituição Federal. É contestada, entretanto, a soberania de seus veredictos,
visto que o Código de Processo Penal possibilita a revisão das decisões do Tribunal
do Júri.
O Tribunal do Júri, em nosso país, tem competência para julgar os crimes
dolosos contra vida, tentados ou consumados.
Como vimos, o Júri é um procedimento bifásico. A primeira fase é
denominada judicium accusationis, ou juízo de acusação, e tem por objetivo julgar a
pretensão punitiva do Estado. A segunda fase é chamada de judicium causae, ou
juízo da causa, é durante esta fase que os Jurados deliberam sobre a culpabilidade
do acusado.
Observa-se, que o Magistrado ao encerrar o judicium accusationis, pode
prolatar as seguintes decisões: Pronúncia, Impronúncia, Absolvição Sumária ou
Desclassificação.
A pronúncia é uma decisão interlocutória de caráter misto, que julga
procedente a acusação. A impronúncia é uma decisão interlocutória de caráter
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terminativo, que encerra a primeira fase do Júri e julga improcedente a acusação. A
absolvição sumária é uma decisão de mérito, que também julga improcedente a
pretensão punitiva do Estado. A desclassificação é uma decisão interlocutória, que
altera o juízo competente para julgar a ação.
Ao final desta monografia, nos permitimos repetir a pergunta feita lá na
introdução. Há necessidade de aditamento da denúncia, quando o Juiz prolatar
Sentença de Pronúncia, que seja divergente da classificação anteriormente
estipulada pelo promotor na denúncia?
Sim, segundo meu entendimento deve o juiz ordenar o aditamento da
denúncia, sempre que ele reconhecer nova qualificadora ou nova classificação do
delito.
Mesmo que o Juiz fundamente sua decisão no artigo 408, § 4°, do Código
de Processo Penal, que confere ao Juiz Singular o direito de pronunciar o réu de
acordo com os ilícitos penais que entender este ter violado, a doutrina e
jurisprudência vêm caminhando em sentido diferente. Estes vêm delineando uma
nova corrente. Essa corrente defende que o juiz em qualquer caso deve mandar
abrir vista ao Ministério Publico, para que ele proceda ao aditamento da denúncia, e
para que o réu possa ter vista para apresentar sua defesa e arrolar testemunhas.
Acredito que a questão relevante é descobrir se a circunstância que deu
origem a nova classificação ou nova qualificadora estava descrita na denúncia. Se
estiver presente na denúncia, mesmo que de forma implícita, poderá o juiz
reconhecer nova tipificação jurídica, sem prejuízo para a defesa. Até porque,
conforme entendimento dos Tribunais Superiores Pátrios, o réu se defende dos fatos
descritos na denúncia e não da capitulação. Portanto não há nulidade na Pronúncia,
quando esta apenas adequar a titulação jurídica a realidade dos fatos (emendatio
libelli).
Entretanto, se a circunstância não estiver descrita na exordial acusatória, ou
se a circunstância foi averiguada durante a instrução criminal, nestes casos, deve o
juiz mandar aditar a denúncia (mutatio libelli), e conferir prazo para que a defesa se
manifeste e produza provas. Adotada esta providência, o direito ao contraditório e a
ampla defesa estará resguardado, pois com o surgimento de novos fatos o réu
precisa defender-se plenamente.
Por fim, conclui que o Magistrado não deve afastar as qualificadoras
descritas na denúncia, embora haja entendimento contrário. Pois, é de competência
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do Tribunal do Júri decidir sobre as qualificadoras, não devendo o Juiz subtrair esta
competência. A exceção desta regra ocorre, quando a circunstância demonstra-se
manifestamente improcedente ou descabida, devendo o Juiz neste caso, afastá-la
da titulação contida na pronúncia.
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6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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