uma análise da equidade do financiamento do sistema … · pressupõe uma ruptura definitiva com o...
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PROJETO ECONOMIA DA SAÚDE Cooperação Técnica Brasil – Reino Unido
RREELLAATTÓÓRRIIOO DDEE PPEESSQQUUIISSAA
UUMMAA AANNÁÁLLIISSEE DDAA EEQQUUIIDDAADDEE DDOO FFIINNAANNCCIIAAMMEENNTTOO DDOO SSIISSTTEEMMAA DDEE SSAAÚÚDDEE BBRRAASSIILLEEIIRROO11
Maria Alicia Dominguez Ugá
Isabela Soares Santos
Rio de Janeiro, março 2005
1 Projeto “Justiça no Financiamento do Setor Saúde”, Escola Nacional de Saúde Pública, ENSP / FIOCRUZ, financiado por: ENSP/FIOCRUZ/Brasil e DFID/Reino Unido.
2
EQUIPE Equipe central:
Maria Alicia Dominguez Ugá
Isabela Soares Santos
Consultores:
Carla Lourenço Tavares de Almeida
Processamento estatístico dos dados
Thiago Pereira
Estimativa dos gastos efetuados pelas famílias com tributos indiretos
Eddy van Doorslaer
Discussão metodológica
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UUMMAA AANNÁÁLLIISSEE DDAA EEQQUUIIDDAADDEE DDOO FFIINNAANNCCIIAAMMEENNTTOO DDOO SSIISSTTEEMMAA DDEE SSAAÚÚDDEE BBRRAASSIILLEEIIRROO
ÍNDICE
Apresentação ............................................................ p. 04 Capítulo I - A estrutura do financiamento do SUS .......... p. 06 Capítulo II - Discussão metodológica ........................... p. 16 Capítulo III - A metodologia adotada ........................... p. 26 Capítulo IV - Resultados e análise ............................... p. 44 Bibliografia ............................................................... p. 76 Anexos ..................................................................... p. 81
4
APRESENTAÇÃO
Esta pesquisa foi concebida na busca de um método alternativo ao proposto pela
Organização Mundial da Saúde em 2000, sintetizado no indicador “Justiça no
Financiamento” (fairness of financial contribution) proposto pela OMS no seu
World Health Report de 2000 (WHO, 2000).
O termo “justiça” é pautado por juízos de valor. Assim, por exemplo, a concepção
de justiça que permeia o indicador “fairness of financial contribution”, proposto
naquele momento pela OMS, considera justo um sistema de financiamento
proporcional, no qual a contribuição para o financiamento do setor saúde é
proporcional à renda dos indivíduos. Sob essa perspectiva da OMS, são
igualmente indesejáveis situações que se afastem da proporcionalidade à renda:
assim, uma situação na qual aqueles que podem mais contribuam mais do que
proporcionalmente à sua renda para o sistema de saúde é tão indesejável quanto
aquela situação na qual os indivíduos com menor renda contribuam para o
sistema de saúde mais que proporcionalmente à sua renda.
Diferentemente, consideramos que o desejável é que o financiamento setorial seja
um sistema pautado pela progressividade, isto é, que penalize mais do que
proporcionalmente àqueles que mais tem ou, em outras palavras, que o ônus do
financiamento do setor saúde seja inversamente proporcional à renda das
pessoas. Nesta pesquisa, mensuramos a equidade no financiamento setorial a
partir do grau de progressividade desse sistema de financiamento.
Com esse pressuposto, recorremos à proposta metodológica elaborada por A.
Wagstaff e van Doorslaer et alli (1993, 1999 e 2001), aplicada em vários países
da OCDE, além de Bangladesh, Vietnã, Bangladesh, Sri Lanka e Chile, entre
outros. Essa metodologia analisa o grau de progressividade (ou regressividade) do
financiamento de um sistema de saúde, a partir do impacto deste último sobre a
distribuição de renda da sociedade, como será explicitado no Capítulo III. Assim,
um sistema de financiamento setorial progressivo terá um impacto redistributivo
sobre a estrutura de renda da sociedade; enquanto um sistema de financiamento
regressivo tornará a renda da sociedade mais concentrada depois de realizados os
pagamentos concernentes a gastos privados em saúde e a tributos que financiam
o sistema público de saúde.
5
Este Relatório de Pesquisa está organizado da seguinte forma: no primeiro
capítulo discute-se a estrutura do financiamento do sistema de saúde brasileiro;
no segundo, apresentam-se as metodologias para a mensuração de
desigualdades; a metodologia adotada neste estudo para aferir o grau de
progressividade do sistema de financiamento setorial brasileiro é apresentada no
Capítulo III e, finalmente, no Capítulo IV exibem-se os resultados do caso
brasileiro e se desenvolve a análise dos mesmos.
6
CAPÍTULO I
A ESTRUTURA DO FINANCIAMENTO DO
SISTEMA DE SAÚDE BRASILEIRO
7
CAPÍTULO I – A ESTRUTURA DO FINANCIAMENTO DO SUS
I. INTRODUÇÃO
A criação do Sistema Único de Saúde, introduzida no novo texto constitucional de
1988, resulta, sem dúvida, de um longo processo de embates entre diversos setores
da sociedade, a partir do qual, já desde os anos setenta, operava-se um movimento
de crescente expansão do acesso aos serviços de saúde, embora de forma
"fragmentada e seletiva" (Draibe & Aureliano, 1989); desde os anos oitenta,
introduzia-se na agenda pública a questão da descentralização do sistema de saúde
enquanto um tema prioritário, através da formulação do Programa Nacional de
Serviços Básicos de Saúde, o PREV-SAÚDE.
É’ fundamentalmente através da estratégia das Ações Integradas de Saúde -que
nasce originalmente como um mero programa do INAMPS-, aprofundada no período
da Nova República com a criação do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde -
SUDS-, que a descentralização e a universalização do acesso ganham progressiva
viabilidade, na medida em que fortalecem o ingresso, na arena da reforma sanitária,
de outros atores políticos –alem dos integrantes do denominado “movimento
sanitário” (Escorel, 1999) - fundamentais para a consolidação desse processo:
inicialmente, os governadores e, a partir do movimento de "municipalização" setorial,
os prefeitos de vários municípios.
Entretanto, ainda que sendo fruto desse longo processo, a constituição do SUS
pressupõe uma ruptura definitiva com o modelo anterior, tendo em vista que:
- através da instituição do direito universal e integral à saúde, elimina-se a
característica histórica da segmentação de clientelas do sistema de proteção social
brasileiro;
- rompe-se, ainda, através dele, o modelo de financiamento anteriormente vigente,
baseado fundamentalmente em contribuições individuais;
- introduz-se constitucionalmente uma reorganização político-administrativa de
peculiar profundidade, tendo em vista que, segundo a Carta Magna, "as ações e
serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e
constituem um sistema único", organizado de acordo com as diretrizes da
descentralização, atenção integral e a participação da comunidade (grifos
nossos) e;
8
- define-se a participação complementar dos prestadores de serviços privados
neste novo sistema.
O sistema concebido na Carta Magna de 1988 para financiar o acesso universal e
integral à saúde constituiu-se, sem dúvida, em outro avanço importante no sentido
da consolidação do SUS, tal como regem os seus princípios.
A instituição do acesso universal à saúde, enquanto um direito inerente à cidadania,
foi coerentemente acompanhada da inserção do Setor Saúde no Sistema de
Seguridade Social e, ainda, do financiamento setorial através do Orçamento da
Seguridade Social e dos Tesouros Federal, Estaduais e Municipais.
Ademais, a própria composição do Orçamento da Seguridade Social –sem vincular
fontes para cada área especifica- contemplou a natureza distinta dos benefícios e
serviços por ele financiados: i) os de caráter contributivo e individualizados (tais
como os do regime geral de aposentadorias) e ii) os benefícios regidos pela lógica da
cidadania (tais como o acesso universal à saúde e o "salário cidadão" de um salário
mínimo para a população de mais de 65 anos ou portadora de deficiência); assim,
foram contempladas tanto as tradicionais contribuições sobre a folha de salários (da
empresa e do trabalhador), como as contribuições sobre o lucro líquido (CSLL) e
sobre o faturamento (COFINS) e, ainda, previu-se o ingresso ao OSS dos recursos do
Tesouro que se fizessem necessários para atender as necessidades decorrentes
desse modelo de proteção social welfariano2.
Dessa forma, por um lado, incorporaram-se fontes novas (tais como a contribuição
sobre o lucro líquido - CSLL) e, por outro, ampliou-se a base de incidência de tributos
já existentes (como a do antigo FINSOCIAL, atual COFINS) e, ainda, previu-se a
participação de receita fiscal no financiamento do sistema, de forma tal a garantir a
sua viabilização. Note-se ademais que, ao se constituir um orçamento unificado,
pretendeu-se racionalizar a alocação de recursos do OSS, evitando a pulverização no
uso de receitas de fundos previamente existentes.
Por outro lado, através de lei complementar, dispôs-se que 30% dos recursos do
Orçamento da Seguridade Social (OSS) deveriam ser destinados ao SUS. A estes
recursos, de origem federal, deveriam ser acrescidas, segundo a Constituição,
2 Acresce-se, ainda, ao OSS: i) os recursos provenientes do antigo FAS, oriundos de receitas de concursos e prognósticos -entretanto, a importância dos mesmos é reduzida (Azeredo & Oliveira, 1989)- e ii) os recursos advindos do PIS/PASEP, vinculados especificamente ao programa de seguro-desemprego. Em 1997, posteriormente à definição constitucional do OSS, foi aprovada pelo Congresso Nacional a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira, CPMF, cujos recursos são vinculados à área da saúde.
9
receitas provenientes dos Tesouros Estaduais e Municipais, que viabilizassem a
implementação desse sistema.
Entretanto, alguns desvios em relação aos preceitos constitucionais que regem o
financiamento da seguridade social e, ainda, problemas específicos do financiamento
do setor saúde frente ao ajuste fiscal3 fizeram com que o Ministério da Saúde tivesse
que enfrentar penoso processo no Congresso Nacional para aprovar um tributo
adicional, vinculado à saúde: a instituição do Imposto Provisório sobre Movimentação
Financeira - IPMF, que passou a vigorar em 23 de janeiro de 1997 (hoje CPMF,
Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), com vigência temporária
de um ano, mas renovada sucessivamente desde 1998.
Não é objeto deste trabalho a discussão dos problemas do financiamento do setor
saúde em nível federal. Em síntese, pode-se dizer que, em que pese o fato de o
Ministério da Saúde haver tido que recorrer, para solucionar o problema do
financiamento setorial, à introdução dessa nova contribuição específica (a CPMF),
este problema encontra suas raízes fora do setor Saúde e, ainda, externamente ao
Orçamento da Seguridade Social, posto que as sucessivas necessidades de
financiamento enfrentadas pelas áreas que compõem a Seguridade Social se deram,
fundamentalmente, porque: (i) não entram no O.S.S. a totalidade dos recursos que
lhe pertencem; (ii) os recursos que ingressam ao O.S.S. não o fazem com a devida
regularidade; e, finalmente, (iii) são pagos com recursos do O.S.S. gastos (como os
dos EPU) que não correspondem às atividades específicas da seguridade social4.
II. A ATUAL ESTRUTURA DO FINANCIAMENTO DO SISTEMA DE SAÚDE
a) A participação do setor público
Correspondendo à estrutura herdada do modelo do sistema de saúde prévio ao
SUS, no qual o papel do Estado havia sido fundamentalmente o de promover a
expansão do setor privado, a estrutura do gasto nacional em saúde também está
fortemente marcada por essa herança. Assim, nosso sistema de saúde,
constitucionalmente definido como sendo de acesso universal e integral, exibe
uma estrutura do gasto que em nada se assemelha à dos sistemas nacionais de
saúde de cunho welfariano, mas se aproxima do padrão estadunidense, tido como 3 Ver, a esse respeito, Ugá, M.A.D. (1997) Propostas de Reforma do Setor Saúde nos Marcos do Ajuste Macroeconômico (Tese de Doutoramento, IMS/UERJ) e Ugá, M.A. & Marques, R.M. (2004) O Financiamento do SUS: Trajetória, contexto e constrangimentos (no prelo).
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sistema típico do modelo liberal de sistemas de saúde. Evidência disso é o fato de
que, como mostra o gráfico abaixo, enquanto o gasto em saúde do Reino Unido,
Dinamarca e Suécia é respectivamente 97%, 84% e 78% público, e financiado
preponderantemente por impostos gerais, no Brasil a participação do setor público
no gasto nacional em saúde é de apenas 44% - sendo, portanto, igual que à
norte-americana, de 44%, cujo sistema de saúde é tido como padrão do modelo
liberal.
GRÁFICO 1 – Composição do Gasto em Saúde Alguns países da OCDE e Brasil
0,0% 10,0% 20,0% 30,0% 40,0% 50,0% 60,0% 70,0% 80,0% 90,0% 100,0%
Brasil (2002)
Dinamarca
França
Alemanha
Itália
Portugal
Espanha
Suécia
Reino Unido
EUA
PublicoSeguro PrivadoPagam. Diretos
Fonte: Países da OCDE: OMS, World Health Report, 2000 Brasil: elaboração própria
A Tabela 1, abaixo, mostra a composição do financiamento setorial no Brasil e
revela que o setor privado ainda participa em 56% do gasto em saúde e que o
gasto direto das famílias (principalmente, em medicamentos) é ainda hoje muito
importante, em que pesem os avanços do SUS.
4 Idem.
11
Tabela 1 COMPOSIÇÃO DO GASTO EM SAÚDE – Brasil, 2002
GASTO EM SAÚDE R$ Milhões %
Gasto Público Total 50.473,5 43,8
Gasto Privado - Planos e Seguros de Saúde 25.063,1 21,7
Gasto Privado direto das Famílias 39.778,5 34,5
Gasto Total 115.315,1 100,00
Fonte: elaboração própria, a partir de dados da POF, do SIOPS e da ANS
É ainda baixa, portanto, a participação do gasto público no sistema de saúde
brasileiro, tendo em vista os princípios da universalidade e da integralidade do
acesso à atenção à saúde que norteiam o SUS.
b) A participação das três esferas de governo no gasto público em saúde
Até meados da década dos noventa, o gasto público em saúde guardava a marca do
período anterior à nova Constituição, caracterizado por uma forte centralização do
sistema de saúde -e do seu financiamento- em nível federal. Assim, em que pese o
processo de descentralização tributário introduzido pela nova Carta Constitucional,
que não só ampliou a competência tributária de estados e municípios como elevou o
nível das transferências de tributos federais às esferas sub-nacionais de governo, o
nível federal continuava em 1990 com aproximadamente a mesma participação do
gasto público em saúde do que nos anos oitenta, responsabilizando-se por nada
menos que 73% dessa despesa; no decorrer dos anos noventa, se observa uma
ligeira diminuição da participação do governo central nesse gasto, devida
fundamentalmente ao papel mais ativo exercido por parte dos municípios, como se
observa na Tabela abaixo.
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Tabela 2 PARTICIPAÇÃO DAS ESFERAS DE GOVERNO NO GASTO PÚBLICO EM
SAÚDE Brasil, 1980 - 2002
(%) __________________________________________________________________________ ESFERA 1980 1990 1992 1993 2002* ______________________________________________________________________ Federal 75 73 68 72 58 Estadual 18 15 14 12 20 Municipal 7 12 18 16 22 __________________________________________________________________________ Fontes: Médici, A. "Gastos com Saúde nas Três Esferas de Governo: 1980-1990". O Financiamento da Saúde no Brasil. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 1994. Médici, A. & Marques, R. Saúde: Entre Gastos e Resultados. São Paulo: IESP/FUNDAP, 1993 (mimeo). Os dados de 2002 são de elaboração própria.
Mas é a partir do final da década de noventa e, principalmente, a partir da
implementação da Emenda Constitucional 29, que aumenta a participação das
esferas infranacionais, principalmente a municipal, no financiamento setorial. Em
2002, os municípios já estavam assumindo 22% do gasto público em saúde,
enquanto os estados que, diferentemente, haviam diminuído sua participação
percentual no financiamento público da saúde (muito provavelmente devido à
retração do seu papel na gestão do SUS a partir da NOB-91, papel esse que só
começa a ser resgatado a partir da NOB-96), resgatam um protagonismo no
financiamento do SUS5.
A Emenda Constitucional n.º 29 de 2000, atualmente vigente, vincula recursos
das diferentes esferas de governo para serem obrigatoriamente gastos em ações e
serviços públicos de saúde. Estabeleceu que a União devia aplicar em 2000 o
montante de recursos empenhado em 1999, acrescido de pelo menos 5% e, no
período 2001 a 2004, devia destinar à saúde o valor apurado no ano anterior
corrigido pela variação nominal do Produto Interno Bruto, PIB.
No que diz respeito às esferas infranacionais, a E.C. n.º 29 dispôs que os
municípios deviam destinar, até 2004, como percentual mínimo para o gasto
próprio com saúde 15% da sua receita; por sua vez, os estados e Distrito Federal
deviam alocar à saúde, no mínimo, 12% da sua receita. A base vinculável da
receita é composta por impostos próprios e transferências. Ela é descrita no
Quadro 1 apresentado a seguir.
5 Ver a esse respeito Ugá, M.A. et allii. Alocação Eqüitativa de Recursos Financeiros: uma alternativa para o caso brasileiro”. Saúde em Debate, v.27, n.65, 2004.
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Quadro 1 COMPOSIÇÃO DA BASE VINCULÁVEL DAS RECEITAS DE
ESTADOS E MUNICÍPIOS, PARA CUMPRIMENTO DA EC 29-2000
Receitas de Impostos Estaduais
ICMS6, IPVA7, ITCMD8
Receitas de Impostos Municipais
IPTU9, ISS10, ITBI11
Receitas de Impostos Transferidos pela União aos Estados
FPE12, IRRF13, IPI Exportação14, ICMS Exportação (Lei Kandir)15
Receitas de Impostos Transferidos pela União aos Municípios
FPM, ITR16, IRRF, ICMS, IPVA, IPI Exportação, ICMS Exportação (Lei Kandir)
Transferências Financeiras Constitucionais e Legais dos Estados aos Municípios
ICMS (25%) , IPVA (50%) , IPI Exportação (25%), ICMS Exportação - Lei Kandir (25%)
Receita de Dívida Ativa Tributária de Impostos
Fonte: Nota Técnica com discussões e recomendações elaboradas por Grupo Técnico formado por representantes governamentais17: “Parâmetros consensuais sobre a implementação e regulamentação da Emenda Constitucional 29”, de 2002.
É importante observar, ademais, que o processo de descentralização tributária
verificado a partir da nova Carta Constitucional não só ampliou a competência
tributária de estados e municípios como elevou o nível das transferências de
tributos federais às esferas subnacionais de governo. Assim, a partir da reforma 6 ICMS - Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de
Transporte Interestadual e de Comunicação 7 IPVA - Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores 8 ITCMD - Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Bens e Direitos 9 IPTU – Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana 10 ISS – Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza 11 ITBI - Imposto sobre a Transmissão Inter-Vivos de Bens e Direitos sobre Imóveis 12 FPE – Fundo de Participação dos Estados e do DF 13 IRRF – Imposto de Renda Retido na Fonte 14 IPI Exportação – Imposto sobre Produtos Industrializados 15 ICMS Exportação (Lei Kandir) – Lei Complementar n° 87/96 16 ITR – Imposto Territorial Rural 17 Representantes da Secretaria de Gestão de Investimentos do Ministério da Saúde – SIS/MS, Ministério Público Federal, Conselho Nacional de Saúde – CNS, Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde – CONASS, Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde – CONASEMS, Comissão de Seguridade Social da Câmara Federal – CSS/CF, Comissão de Assuntos Sociais do
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tributária introduzida na Constituição Federal de 1988, competem aos estados os
seguintes tributos: (i) o ICMS (que é o antigo ICM acrescidos de dois impostos
únicos da prestação de serviços de comunicação e de transporte interestadual e
intermunicipal, que eram da competência da União), (ii) o Imposto sobre Heranças
(ITD), (iii) o Imposto sobre a propriedade de Veículos Automotores (IPVA) e (iv) 5%
adicionais ao Imposto de Renda incidente sobre rendimentos de capital -inclusive
lucros- devido à União.
Além destes impostos próprios, os estados viram-se beneficiados com um
aumento das transferências constitucionais diretas de tributos federais, através
do Fundo de Participação dos Estados, que passou a reter 21,5% do Imposto de
Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) arrecadados pela
União -em vez de 14%, como fazia antes de 1988-; ainda, 10% dos recursos
do IPI passaram a ser redistribuídos àqueles estados que exportam produtos
industriais, proporcionalmente ao valor dessas exportações. Por outro lado, no
que concerne a estados de regiões pobres, beneficiários do Fundo Especial para
Fomento às Regiões Pobres, passaram a receber através dos bancos regionais
de desenvolvimento 4% (em vez de 3%) da arrecadação do IPI e do IR.
Note-se que estas transferências automáticas e diretas efetuadas através do
Fundo de Participação dos Estados, FPE, têm um forte caráter redistributivo,
uma vez que o montante referente a cada unidade da federação é diretamente
proporcional à respectiva população e inversamente proporcional à renda da
mesma.
Entretanto, tendo em vista o aumento das transferências de estados aos
municípios (explicitado a seguir), a disponibilidade final de recursos dos estados
manteve-se praticamente igual (absorvendo em torno de 26% da arrecadação
tributária global), sendo, portanto, os municípios os que mais ganharam com a
reforma tributária.
Efetivamente, os municípios mantiveram o Imposto sobre a Propriedade
Predial e Territorial Urbana (IPTU) e o Imposto sobre Serviços; e obtiveram
com a reforma tributária dois novos tributos: o Imposto sobre Venda de
Combustíveis a Varejo (IVCV) e o Imposto sobre Transmissão Intervivos
(ITBI).
Mas é do aumento das transferências federais e estaduais que advêm a maior Senado Federal – CAS/SF e Associação dos Membros dos Tribunais de Contas – ATRICON.
15
parte dos ganhos tributários das esferas locais de governo: (i) eles passaram
a absorver, através do Fundo de Participação dos Municípios18 (FPM) 22,5%
(em vez de 17%) do IPI e do IR; ii) a União passou a transferir-lhes 50% da
arrecadação do Imposto sobre a Propriedade Rural (IPR); (iii) os estados
passaram a transferir aos municípios 25% (em vez de 20%) da sua
arrecadação de ICMS e, ainda, 50% do valor do IPVA arrecadado. Dessa
forma, as esferas locais de governo passaram a reter 34% da carga tributária
global brasileira (Afonso, 1994).
Dessa forma, estima-se que a participação das três esferas de governo, em
2002, tenha se dado conforme a tabela que segue.
Deve-se mencionar, entretanto, que esses ganhos das esferas estadual e
municipal viram-se afetados pelo Fundo Social de Emergência, criado em
1994, depois renomeado como Fundo de Estabilização Fiscal em 1997 e
finalmente, denominado Desvinculação das Receitas da União (DRU – em
2000), dado que 20% das receitas de impostos e contribuições passaram a ser
retidos e livremente alocados pelo governo federal, inclusive para pagamento
dos juros da dívida (MÉDICI e MARQUES, 1994a, UGÁ, 1997 e MARQUES e
MENDES, 2001), com o qual as transferências do governo federal referentes
ao Fundo de Participação dos Estados (FPE) e ao Fundo de Participação dos
Municípios (FPM) foram severamente atingidas, uma vez que elas advêm da
arrecadação do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos
Industrializados.
18 Note-se que, diferentemente do FPE, o FPM não tem potencial redistributivo, tendo em vista que a alocação de recursos é pré-definida a partir dos seguintes critérios: 10% do FPM destinam-se aos municípios das capitais, 3,6% ao de médio porte e 86% aos demais municípios.
16
CAPÍTULO II
DISCUSSÃO METODOLÓGICA
17
Capítulo II: DISCUSSAO METODOLÓGICA
II.1. Introdução
Identificar e mensurar as desigualdades que ocorrem nas sociedades é uma
questão que ultimamente vem ganhando forte destaque, sobretudo após os
nefastos resultados sociais do ajuste neoliberal. Cada vez mais estudos vêm
sendo desenvolvidos em nível internacional com esse intuito. No Brasil, alguns
pesquisadores trabalham com a temática, mas ainda é bastante escassa a
produção teórica e prática na área.
Com vistas a identificar desigualdades e mensurar o processo de exclusão no
Brasil, nos últimos anos Pochmann et allii (2004) vêm publicando uma série de
pesquisas sobre o tema. Destacam que a exclusão social tem sido concebida
como a incapacidade de indivíduos interferirem na sua escolaridade, ocupação,
remuneração, entre outros. Nesse estudo foi feita uma análise específica sobre
os mais ricos, apontando-a como estratégia para entender o comportamento
da concentração da renda brasileira e o grau de mobilidade social da nossa
sociedade e, com isso, da desigualdade econômico-social do país.
Além desses autores, outros também mostram que, a partir dos anos 90, por
um lado, houve aumento de consumo e acumulação da riqueza pelas famílias
mais ricas (Pochmann et allii, 2004; Silveira et allii, 2003) e, por outro lado,
enquanto as famílias mais pobres utilizam seus orçamentos basicamente para
o consumo de subsistência (alimentação, medicamentos, aluguel e
transportes), as mais ricas centram suas despesas com educação, recreação,
cultura, tributos, assistência à saúde privada e aumento do ativo (Pochmann
et allii, 186: 2004).
Assim, como será evidenciado no Capítulo IV, impostos indiretos, que incidem
sobre o consumo, penalizam muito menos as famílias mais ricas do que as
mais pobres, tendo em vista que estas últimas absorvem a totalidade (ou
quase totalidade) de sua renda em consumo, enquanto as ricas destinam
apenas uma parcela ao consumo (tributado) e reservam uma parte
considerável de sua renda à formação de ativos.
18
Mediante esta situação, políticas sociais e tributárias redistributivas são cada
vez mais necessárias, tanto pelo seu potencial de diminuírem a exclusão
social, como pelo de participarem da promoção do desenvolvimento e
crescimento sócio-econômico da sociedade. Neste sentido, conhecer como se
dá a desigualdade na sociedade é condição si ne qua non para a elaboração de
políticas públicas que pretendam interferir nesse processo.
Em particular, as políticas de Saúde devem ser elaboradas e desenvolvidas
conhecendo-se e considerando-se o potencial de interferência que possuem
sobre o processo de exclusão social no país. Visando contribuir nesse
conhecimento, esta pesquisa buscou estudar os métodos de mensurar o grau
de equidade do sistema de financiamento do setor saúde brasileiro e aplicar o
método considerado mais adequado. O método escolhido apura o impacto da
distribuição do ônus do financiamento setorial sobre a distribuição de renda
em nossa sociedade.
A metodologia de Wagstaff & van Doorslaer (1999), adotada neste estudo e
apresentada no item II.3, avalia a equidade no financiamento do setor saúde
a partir do impacto do financiamento setorial na distribuição da renda19 e já foi
aplicada em diversos países da Organização de Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), além de Vietnã, Bangladesh, Sri Lanka e
Chile.
A aplicação da metodologia gera um indicador que identifica em que medida a
distribuição do financiamento setorial afeta a distribuição da renda da
sociedade; e pretende, assim, medir o nível de equidade do financiamento do
setor saúde.
II.2. Abordagens da mensuração das desigualdades
Existem diversos métodos para mensurar a desigualdade de renda ou de
riqueza, como o Índice de Fooster, Índice de pobreza de Sen, Índice de Greer,
19 Recentemente, Evans palestrou sobre a atual situação de pesquisas em Economia da Saúde. Por um lado, as pesquisas nesta área que vem sendo desenvolvidas nos países europeus tendem a ser sobre a relação entre a renda e os pagamentos, e por outro lado, nos países da América esta linha de pesquisa ainda não vem sendo considerada de relevância prioritária. Para o palestrante, essa diferença tem relação com as características político-culturais das sociedades européias e da norte-americana (Palestra de Evans no I Congresso de Economia da Saúde da ABRES. Brasil, Rio de Janeiro, dezembro de 2004).
19
Índice de Thorbeck, Índice de Atkinson, condição de Pigou-Dalton, Índice de
Theil, entre outros (CEPAL, 2001; Hoffmann, 1998)20. Apresentamos a seguir
os mais conhecidos.
A Curva de Lorenz
Uma forma muito simples e comumente utilizada para medir desigualdade é a
elaboração de curva de concentração da renda, conhecida como a Curva de
Lorenz, elaborada a partir da estratificação da renda de indivíduos ou famílias
e construída a partir do percentual acumulado da população no eixo da
abscissa e do da renda no eixo das ordenadas. No caso de os indivíduos terem
a mesma renda, a curva será uma reta diagonal, isto é, a “linha de perfeita
igualdade” (Hoffmann, 1998); assim, quanto mais desigual for a distribuição
dessa renda, mais abaulada será a curva e, portanto, mais distante da linha
de perfeita igualdade.
O Índice de Gini
A curva de Lorenz mostra a renda acumulada em função da população
acumulada. A partir da curva de Lorenz pode ser construído o Índice de Gini,
que é um indicador amplamente utilizado por permitir a comparabilidade da
distribuição de renda em diferentes sociedades. O Índice de Gini corresponde
a duas vezes a área entre a curva de Lorenz e a linha de perfeita igualdade.
Como a área máxima do triângulo entre as coordenadas e a linha de perfeita
igualdade é 0,5, o índice de Gini pode chegar ao valor máximo 1,0 que
corresponde ao de maior desigualdade.
O Índice de Kakwani
Com vista a avaliar a progressividade dos sistemas tributários (isto é, da
equidade da distribuição da carga tributária entre as famílias), na década de
1970 Kakwani desenvolveu um modelo que analisa a relação entre as
distribuições da população, da renda e dos pagamentos de tributos.
20 Para mais informações a respeito ver quadro Anexo ao relatório.
20
O modelo permite gerar um índice de progressividade, K, que corresponde a
duas vezes a área entre a curva de distribuição dos pagamentos do tributo
(exemplificada pela linha cheia no gráfico abaixo) e a curva de Lorenz (linha
tracejada).
Ainda, o Índice de Kakwani pode ser medido como a diferença entre o Índice
de Concentração dos pagamentos e o Índice de Gini.
O resultado corresponderá a um indicador que varia entre –1 e 1. Um
resultado positivo de K expressa uma estrutura tributária progressiva, ou seja,
que penaliza mais do que proporcionalmente aqueles que têm maior renda;
enquanto um K negativo corresponde a um sistema regressivo, isto é, que
penaliza mais que proporcionalmente àqueles que menos renda têm; por sua
vez, o resultado zero corresponde a um sistema tributário proporcional
(Kakwani, 1976; Kakwani, 1977).
II.3. A metodologia escolhida: mensuração da equidade do financiamento
proposta por Adam Wagstaff e Eddy van Doorslaer
Esta metodologia estima o impacto que o financiamento do setor saúde
-
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
% Acumulado da População
% A
cum
ulad
o de
Ren
da
RENDA
PAGAMENTOS
21
provoca sobre a renda dos indivíduos que contribuem no financiamento do
Setor Saúde. Ela incorpora elementos desenvolvidos por Kakwani (op. cit.)
para analisar o grau de progressividade (ou regressividade) dos sistemas
tributários e os aplica à análise do financiamento dos sistemas de saúde
(incluindo gastos privados e o pagamento de tributos que financiam o sistema
de saúde).
Assim, o modelo proposto para avaliar o impacto redistributivo do
financiamento setorial requer a utilização de dados que informem sobre a
concentração da renda da população antes e depois de realizado o gasto em
saúde e, portanto, estima também a concentração dos pagamentos que
financiam o setor saúde e seu impacto sobre a distribuição da renda.
A partir desses dados é gerado um indicador denominado “Efeito
Redistributivo” (RE) que diz sobre a redistribuição da renda após execução do
gasto em saúde, permitindo avaliar a renda disponível das pessoas que elas
realizam o financiamento setorial, comparando a situação da renda das
pessoas antes e após de terem sido feitos os pagamentos.
Em outras palavras, a metodologia de Wagstaff e van Doorslaer objetiva
mensurar a distribuição da renda da população antes e após o financiamento
do setor saúde e utiliza o Índice de Kakwani (K, anteriormente comentado)
para identificar o grau de progressividade do sistema, além de outros
indicadores21 descritos abaixo.
Estes autores trabalham com os aspectos vertical e horizontal da equidade e
mensuram cada um deles para depois proporem a avaliação de todo o efeito
redistributivo do financiamento setorial, através da geração de um cálculo de
um indicador de equidade que comporta os componentes da equidade vertical
e horizontal.
A equação para o cálculo dos indicadores é:
21 Alguns autores utilizam apenas o índice de Kakwani para analisar a equidade (Ensor et all, 2001; Devarajan et all, 1998), mas a presente pesquisa aplica toda a metodologia desenvolvida por
22
onde V é a equidade vertical, indicando a redistribuição de renda entre classes
provocada pelo financiamento do setor saúde, enquanto (H + R) representam
a equidade horizontal, sendo que H identifica a redistribuição de renda que
ocorre dentro de uma mesma classe depois de efetuados os pagamentos
concernentes ao financiamento setorial e R representa a extensão dessas
migrações de uma para outra classe de renda advinda desses pagamentos.
O efeito redistributivo do financiamento setorial, RE, é medido pela diferença
entre o Índice de Gini G(X) da Renda antes do financiamento setorial e o
Índice de Gini da Renda disponível após o financiamento setorial, G(X-P).
Assim, como
RE = G(X) - G(X-P)
e
RE = V – (H+R),
então
- (H + R) = - (RE – V) => H + R = RE – V
Quando a equidade vertical é regressiva (V é negativo), se o valor da
equidade horizontal H for positivo, ele influencia a redistribuição final,
tornando-a mais regressiva.
Equidade Vertical (V)
A equidade vertical no financiamento do setor saúde é a dimensão da
equidade que diz respeito à forma como se dá, depois do gasto setorial, a
redistribuição da renda entre pessoas cuja renda já era desigual, isto é,
pertenciam a distintas classes ou decis de renda. O financiamento de serviços
de saúde contempla tanto os gastos privados (mediante desembolso direto ou
pelo pagamento de planos de saúde) como os gastos referentes ao pagamento
de tributos que financiam o sistema público de saúde.
Wagstaff e van Doorslaer.
23
A equidade vertical é expressa pela fórmula:
V = g K 1-g Ordenando-se a população de acordo com sua renda, a equidade vertical é
aferida a partir do efeito dos pagamentos com saúde sobre a distribuição de
renda da população. A análise compreende cinco etapas:
a) organização da população em decis ordenados pela renda;
b) organização da população em decis ordenados pela renda após efetuadas
as despesas concernentes ao financiamento setorial;
c) construção das duas Curvas de Concentração da renda e da Curva de
Concentração dos pagamentos relativos ao financiamento do setor saúde;
d) cálculo do K, Índice de Kakwani;
e) cálculo do g, que corresponde ao peso dos pagamentos sobre os salários.
Como referido acima, o K indica o grau de progressividade do sistema,
correspondendo a duas vezes a área situada entre a curva de concentração
dos pagamentos inerentes ao financiamento setorial e a curva de Lorenz. Se K
for positivo, o sistema de financiamento é progressivo, se K for negativo, o
sistema de financiamento é regressivo; finalmente, um K nulo corresponde a
um sistema de financiamento proporcional.
O Índice de Kakwani para o financiamento do setor saúde pode ser gerado
para cada tipo de despesa, permitindo a análise de cada tipo de pagamento
que financia o setor saúde. Dessa forma, é comum construir um K1 para o
financiamento publico, um K2 para o gasto privado e um K para o
financiamento de todo o sistema de saúde. No caso do K para o setor privado,
além do cálculo total, é possível fazer um cálculo para cada tipo de despesa,
permitindo a análise diferenciada para os planos e seguros de saúde dos
demais gastos privados diretos.
Também é importante conhecer o peso do financiamento setorial sobre a
renda da sociedade, para compreender o impacto desse gasto sobre a
distribuição da renda, que é expresso, na fórmula de V, por g.
24
Assim, quanto maior for o peso dos pagamentos sobre a renda, maior será o
impacto da equidade vertical (V) e vice-versa. Van Doorslaer e Wagstaff
(op.cit.) evidenciam a existência de países com um mesmo V mas com
distintos índices de Kakwani, K. Dão o exemplo da mensuração do V dos
tributos indiretos de Suécia e Portugal: ambos são similarmente regressivos,
mas no caso de Portugal esses impostos tornam o financiamento setorial mais
regressivo do que o da Suécia, por terem um peso muito grande sobre a
renda, isto é, pelo fato de o g de Portugal ser maior do que o da Suécia. Como
se observará no Capítulo IV, o mesmo acontece no Brasil, dada a
regressividade e o peso do gasto privado direto no financiamento setorial.
Equidade Horizontal (H e R)
Enquanto a equidade vertical mostra o efeito do financiamento sobre a
distribuição da renda entre as pessoas de diferentes classes, a equidade
horizontal traduz o efeito do financiamento do sistema de saúde sobre a renda
de pessoas pertencentes a uma mesma classe. Para isso, as pessoas devem
ser agrupadas pela semelhança de suas rendas, ou seja, pela classe de renda
a que pertencem.
A análise da equidade horizontal indica o que aconteceu com aquelas pessoas
de mesma renda depois de terem efetuado as despesas, contemplando a
variação da renda e, ainda, verificando se essas pessoas, após os pagamentos
inerentes ao financiamento setorial, continuaram na mesma classe ou
migraram da classe de renda inicial para outra classe de renda. Enquanto os
efeitos do financiamento setorial sobre a renda das pessoas de uma mesma
classe são aferidos por H (equidade horizontal), o grau de migrações
interclasses após o financiamento setorial é estimado pelo “re-rankeamento”,
R.
Calculando H é possível verificar o comportamento da renda de cada indivíduo
de uma mesma classe depois de realizado o pagamento. Nesse sentido, o
método se propõe a identificar se determinado indivíduo se manteve
classificado na mesma classe de renda a que pertencia na distribuição da
renda bruta (pré-pagamento) ou se mudou de classe, quando comparada sua
posição na distribuição da renda disponível (após os pagamentos) à da renda
25
bruta.
Passos metodológicos
A referida metodologia pressupõe os seguintes passos:
a) Identificação da distribuição da renda familiar, do gasto privado das famílias
e dos pagamentos de tributos realizados pelas famílias que financiam o
sistema de saúde;
b) Organização dos dados e elaboração das curvas de concentração da renda
(curva de Lorenz) e do Financiamento setorial;
c) Geração do Índice de Kakwani (K) para o financiamento do setor saúde;
d) Cálculo da Equidade Vertical que mostra o grau de progressividade do sistema
de financiamento setorial, a partir do seu impacto sobre a curva de concentração
de renda: V = (g/1-g) K, onde o g é o peso do gasto inerente ao financiamento
setorial sobre a renda;
e) Cálculo da Equidade horizontal, que mostra a distribuição do ônus do
financiamento entre as famílias de renda semelhante;
e) Cálculo da redistribuição final de renda provocada pelo financiamento setorial,
RE, considerando os componentes da equidade vertical e da horizontal (RE = V –
H – R).
No capítulo seguinte é explicitada a aplicação desta metodologia ao caso
brasileiro.
26
CAPÍTULO III
A METODOLOGIA ADOTADA
27
Capítulo III – A METODOLOGIA ADOTADA
III.1 – Financiamento do sistema de saúde: abordagem metodológica
A análise do financiamento do setor saúde pressupõe abordar o financiamento
de três fluxos de gasto sanitário:
- o gasto efetuado pelo Governo, para prover a oferta pública de serviços de
atenção à saúde (prestados por unidades públicas ou privadas contratadas
e/ou conveniadas ao SUS);
- o gasto efetuado pelas Famílias, pela despesa direta em serviços de saúde e
da compra de planos e seguros de saúde;
- o gasto efetuado por Empresas, que oferecem coberturas de assistência
médica-hospitalar suplementar aos seus empregados, seja mediante a compra
de planos de saúde para os seus empregados e dependentes, seja pela oferta
de serviços de saúde próprios e/ou o ressarcimento de gastos em saúde
efetuados pelos trabalhadores da empresa22.
Tendo em vista a carência de informações relativas a este último fluxo de
gastos em saúde, este trabalho não considera os gastos em saúde efetuados
pelo setor Empresas.
Entretanto, esta omissão não invalida a nossa análise, tendo em vista que,
conforme mostra a Tabela 3, abaixo:
- do gasto total em saúde no Brasil, 43,8% é público e 56,2% privado;
- do gasto privado em saúde, 61,3% é gasto das famílias na compra direta de
bens e serviços de saúde e apenas 38,7% refere-se à compra de planos e
seguros de saúde;
- e, finalmente, no que diz respeito a estes 38,7% do gasto privado relativo
aos pagamentos com planos e seguros de saúde, conhece-se apenas a 22 Além do gasto com ações, serviços e planos de saúde, as empresas também financiam o setor pelo pagamento de tributos, como o IRPJ, a CSLL e a COFINS. Ainda há o financiamento gerado pela atuação de Organizações não Governamentais, porém não há fontes de informações que estimem o
28
distribuição dos usuários do setor de saúde suplementar segundo tipo de
contratação dos planos vendidos após a Lei 9.656 de 1998: destes, 75,7%
referem-se a planos coletivos, sendo os demais referentes a planos individuais
adquiridos pelas famílias (dados referentes a dezembro de 2004, coletados no
site da ANS no dia 23.02.2005).
Dessa forma, a omissão relativa ao segmento do gasto em saúde concernente
à despesa do setor Empresas na compra de planos e seguros de saúde para
seus empregados representa aproximadamente 29% do gasto privado e,
portanto, 18% do gasto total em saúde no Brasil.
Para analisar o impacto do financiamento setorial sobre a distribuição de renda
da sociedade brasileira, é necessário conhecer a distribuição do ônus desse
financiamento sobre as distintas classes e decis de renda. Nesse sentido, o
estudo requer:
- identificar as fontes de financiamento de cada fluxo de gasto (isto é, do
gasto em saúde efetuado pelo Governo e pelas Famílias);
- localizar sobre quem e em que montante incide a captação de recursos
referente a cada fonte de financiamento.
Dessa forma, é necessário identificar:
a) As fontes de financiamento do SUS, nos três níveis de governo:
- federal (contribuições sociais provenientes do Orçamento da Seguridade
Social, que financiam o SUS na esfera federal);
- estadual (principais tributos estaduais que financiam o gasto social e, em
particular, o gasto em saúde);
- municipal (principais tributos municipais que financiam o gasto social e,
em particular, o gasto em saúde).
Note-se que duas importantes fontes de recursos dos governos estaduais e
municipais utilizadas para o financiamento de políticas públicas são as
transferências federais concernentes ao Fundo de Participação dos Estados
montante de recursos financeiros que são movimentados.
29
(FPE) e o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), que representam
respectivamente 18,1% da receita estadual e 27,4% da receita municipal.
Nesse sentido, a pesquisa considera, também, a distribuição do ônus do
pagamento dos tributos que alimentam esses dois Fundos, quais sejam o
Imposto sobre a Renda (IR) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
b) A distribuição do ônus do financiamento do gasto público (distribuição do
ônus dos tributos que financiam o sistema público de saúde) a partir do
pagamento de impostos diretos e do pagamento dos impostos indiretos
(efetuados pela cesta de consumo das famílias) que financiam o SUS;
c) Os distintos tipos de gasto privado em saúde efetuados pelo setor Famílias:
o gasto privado “out-of-pocket”, ou seja, os pagamentos diretos por bens e
serviços de saúde;
- o gasto privado em sistemas de asseguramento da atenção à saúde (planos
e seguros privados de saúde).
d) A distribuição do ônus do gasto privado em saúde efetuado pelas famílias,
na compra direta de bens e serviços de saúde e na aquisição de planos e
seguros de saúde.
Abaixo segue a Tabela 3 que exibe a composição do financiamento do SUS,
incluindo as Receitas dos três níveis de governo e, ainda, o gasto privado
(direto e efetuado pela compra de planos e seguros de saúde). Da
composição percentual do financiamento setorial, derivam dois fatores de
ponderação adotados no estudo (e explicitados mais adiante):
- o peso das diferentes fontes de recursos no financiamento e;
- o peso dessas fontes em relação à arrecadação de cada tributo.
30
TABELA 3 – Composição do Financiamento do Sistema de Saúde. Brasil, 2002
(em milhões de R$ correntes)
(1) Fontes públicas: União dados calculados pelo IPEA com base no SIDOR e SIAFI; Estados estimados pela equipe SIOPS com base nas nos Balanços Estaduais e, Municípios: dados informados até 17/12/2003 ao SIOPS por 4.770 municípios que representam 93% da população;
ITENS POR ESFERA DE GOVERNO
Receita Tributos (Fonte: BNDES)
Receita Tributos
(Fonte: SIOPS)
Recursos destinados à
Saúde (1)
Recursos destinados à Saúde (% por
Esfera de Gover.)
Recursos destinados à Saúde (% da
Receita Tributária)
Recursos destinados à Saúde (% do
Público)
Recursos destinados à
Saúde (% do Total do Financiam.)
UNIÃO COFINS 50.856,0 4.455,8 15,2 8,76 8,83 3,86 CSLL 12.375,0 7.579,8 25,8 61,25 15,02 6,57 CPMF 20.267,0 11.982,4 40,8 59,12 23,74 10,39
Demais Fontes 193.263,0 5.323,1 18,1 2,75 10,55 4,62IPI 18.472,0 IR 75.551,0
SUB-TOTAL (Receita Disponível) 276.761,0 29.341,1 100,0 10,60 58,13 25,44ESTADOS (Despesa Saúde: 8,82% da Receita Dispon.) ICMS ( Total - 25% sobre trans. p/ Mun.) 81.032,5 0,00 ICMS ( Total - 25% sobre trans. p/ Mun. - FUNDEF) 77.196,9 6.808,8 67,0 6,61 13,49 IPVA ( Total - 50 % transfer. p/ Municípios 3.472,4 3.472,4 306,3 3,0 4,41 0,61 0,27 Demais Fontes 15.362,8 0,00
Transferido da UNIÃO 27.813,4 0,00COTA PARTE FPE (21,5% sobre IR + IPI) 17.742,6 20.876,3 1.841,3 18,1 3,65 1,60
IPI 360,9 3,6 1,95 0,72 0,31IR 81.032,5 1.480,4 14,6 1,96 2,93 1,28
Outras 10.070,8 0,00SUB-TOTAL (Receita Disponível) 120.213,2 114.918,7 10.163,7 100,0 20,14 8,81
MUNICÍPIOS (Despesa Saúde: 15,4% da Receita Dispon.)
ISS 7.359,9 8.064,0 1.241,9 11,3 16,87 2,46 1,08IPTU 6.203,2 6.748,9 1.039,3 9,5 16,75 2,06 0,90ITBI 1.331,7 1.457,8 224,5 2,0 16,86 0,44 0,19
Demais Fontes 7.669,7 0,00TRANSFERÊNCIASFederais 23.686,7 0,00
FPM (22,5% sobre IR + IPI) 18.594,7 19.524,1 3.006,7 27,4 5,96 2,61IPI 589,3 5,4 3,19 1,17 0,51IR 2.417,4 22,0 3,20 4,79 2,10
ITR 121,5 0,00Outras 4.970,5 0,00
Estaduais 32.859,4 0,00IPVA (50%) 3.472,4 3.472,4 534,7 4,9 7,70 1,06 0,46ICMS (25%) 21.919,1 25.732,3 3.962,8 36,1 3,85 7,85 3,44Outras 7.467,9 0,00
SUB-TOTAL (Receita Disponível) 79.110,8 71.193,9 10.968,70 100,0 21,73 9,51
TOTAL PÚBLICO 476.085 50.473,5 10,6 100,00 43,77GASTO PRIVADO DIRETO DAS FAMÍLIAS (excluído o gasto com planos de saúde) (2) 39.778,5 34,50GASTO PRIVADO COM PLANOS E SEGUROS DE SAÚDE (3) 25.063,1 21,73
TOTAL 115.315,1 100,00
31
(2) Fonte: POF-IBGE 2002/3, gastos privados com saúde subtraídos os gastos declarados no item planos e seguros de saúde;
(3) Fonte: ANS 2004, dados do DIOPS ano base 2003. Contempla o financiamento efetuado por PF e PJ.
Vale lembrar que o método desenvolvido por Wagstaff e Van Doorslaer
(op.cit.) adotado neste estudo, e explicitado no Capítulo II, que estima o
efeito do financiamento setorial sobre a distribuição de renda, assume que o
efeito redistributivo (RE) do financiamento setorial depende de:
a) a progressividade do sistema, isto é, seu grau de Equidade Vertical (V);
b) a porcentagem da renda que é destinada à saúde (g);
c) seu grau de iniqüidade horizontal -o tratamento desigual de iguais (H) e da
magnitude do “re-rankeamento” R (migrações entre classes de renda) advindo
dos pagamentos efetuados para financiar o sistema de saúde. (Aronson,
1994).
Note-se, ainda, que, como demonstrado em Wagstaff e van Doorslaer
(op.cit.),
RE = V – (H + R) = G(X) - G(X-P)
sendo G(X) o Índice de Gini da distribuição de renda da sociedade brasileira
(prévia ao financiamento setorial) e G(X-P) o Índice de Gini da distribuição de
renda após o financiamento setorial.
Assim, esse método pressupõe as seguintes etapas:
a) Identificação da distribuição da renda familiar brasileira, do gasto privado
das famílias e dos pagamentos de tributos que financiam o SUS, realizados
pelas famílias;
b) Organização dos dados e elaboração das curvas de concentração da renda
(curva de Lorenz) e da renda “disponível” após o financiamento setorial;
c) Organização dos dados e elaboração das curvas de concentração do
Financiamento setorial: os microdados da POF 2002/3 foram organizados por
decil de renda familiar, sendo que o último décimo foi desagregado por
32
percentil de renda para permitir a geração e análise dos dados com maior
precisão para a parcela mais rica da população, que concentra grande parte da
renda nacional;
d) Geração do Índice de Kakwani (K) para o financiamento do setor saúde:
calculou-se a área entre a curva de concentração dos pagamentos e a da
renda. Isso foi feito para cada tipo de despesa, gerando, além do Índice de
Kakwani do setor saúde no Brasil, um para cada tipo de despesa;
e) Cálculo da Equidade Vertical (V), que mostra o grau de progressividade do
financiamento do sistema de saúde entre as famílias com diferente renda;
f) Cálculo da Equidade Horizontal, que mostra o impacto redistributivo do
financiamento setorial sobre famílias pertencentes a uma mesma classe (H +
R). Com esse intuito, foram agrupadas as famílias com renda semelhante, de
forma a verificar a situação das famílias de uma mesma classe após os
pagamentos que financiam o setor saúde e;
g) Cálculo do efeito redistributivo do financiamento setorial, RE, considerando
os componentes da equidade vertical e da horizontal (RE = V – H – R).
A seguir descrevemos os passos metodológicos adotados na pesquisa, as
fontes de informações utilizadas, o tratamento dado às mesmas, bem como o
que foi produzido a partir delas, para cada tipo de gasto, público e privado e a
consolidação do financiamento total do setor saúde.
III.2 – Fontes e Tratamento dos Dados
A consolidação da distribuição do ônus do financiamento público e privado do
sistema de saúde brasileiro foi realizada com base nos microdados da Pesquisa
de Orçamentos Familiares (POF) do IBGE nas versões 1995-1996 e 2002/3. A
primeira foi utilizada para a primeira fase da pesquisa, que foi objeto de
diversos relatórios parciais. Este relatório trata apenas da análise dos dados
referentes a POF 2002/2003, por ser a mais recente e, também, a mais
abrangente, conforme explicitado abaixo.
No que tange à estrutura tributária, foram utilizados dados do BNDES. Para o
33
financiamento de 2002 do SUS, utilizaram-se dados do IPEA e do SIOPS. A
análise dos microdados da POF foi feita pelo software estatístico Statiscal
Analysis System (SAS) e os cálculos da distribuição do ônus do financiamento
foram feitos pelo SAS e pelo STATA.
Os dados da POF/IBGE – 1995/6 foram coletados entre 1º de outubro de 1995
e 30 de setembro de 1996, sendo a data de referência 15 de setembro de
1996. A amostra pesquisada abrangeu 16.013 domicílios em 9 Regiões
Metropolitanas (Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de
Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre), além do Distrito Federal e o
Município de Goiânia. As 16.060 famílias da amostra representam, no total,
12.544.069 famílias.
Inicialmente a equipe de pesquisa aplicou a metodologia de avaliação da
equidade do financiamento do setor saúde do Brasil utilizando os resultados da
POF /1995-6 disponíveis em publicação do IBGE, onde são organizados em
classes de renda média, em salários mínimos23.
Pelo entendimento da necessidade de análise do componente vertical da
equidade pelos resultados do financiamento organizados por decil de renda,
abandonou-se esta forma inicialmente utilizada para tratar os dados por classe
de renda e passou-se ao tratamento dos microdados, ou seja, por cada
registro da amostra, que também permite a geração do resultado por decis e
percentis de renda.
Os dados da POF/IBGE – 2002/3 foram coletados entre julho de 2002 e julho
de 2003, sendo a data de referência 15 de janeiro de 2003, quando o salário
mínimo vigente era R$ 200,00, portanto o valor de referência de salário
mínimo nesta POF. A amostra pesquisada foi extremamente mais abrangente
que a da POF 1995/6, manteve as 9 regiões metropolitanas da POF anterior e
passou a contemplar todo o território brasileiro, isto é, áreas rural e urbana e,
ainda todas as capitais do país. A pesquisa foi feita em 48.568 domicílios que
representam, no total, uma população de 48.534.638 unidades de consumo.
Embora na maior parte das situações a unidade de consumo tenha coincidido
com a família no sentido literal do termo - ou seja, pessoas que têm
23 O valor do salário mínimo vigente no período de referência da POF 1995/6 correspondia a R$ 112,00.
34
parentesco familiar, nem sempre as pessoas de uma mesma unidade de
consumo têm relação de parentesco familiar, mas nesta pesquisa estão sendo
chamadas de famílias. A POF abrange todos os estratos socioeconômicos da
população residente brasileira.
III.2.1. Variável Renda
O conceito de renda bruta da POF 2002/3 engloba todos os recebimentos da
família, monetários e não monetários que são os mesmos dos utilizados na
POF 1995/6. Os rendimentos monetários são os provenientes do trabalho, as
transferências, os de aluguel e outros rendimentos -por exemplo, vendas
esporádicas, empréstimos e aplicações de capital. Os não monetários dizem
respeito às coisas que são produzidas, à pesca, a recebimentos e trocas em
bens –escambo- durante o período de referência da pesquisa.
III.2.2. Variável Despesa
Na variável Despesa consideramos aquelas classificadas como “Despesas
Correntes” das famílias em ambas as versões da POF, 1995/6 e 2002/3. O
conceito de Despesas Correntes considera as realizadas com: Alimentação,
Habitação, Vestuário, Transporte, Higiene e cuidados pessoais, Assistência à
Saúde, Educação, Recreação e Cultura, Fumo, Serviços Pessoais, Despesas
Diversas, e Outras Despesas Correntes. Esta informação foi utilizada para
estimar o financiamento público do setor saúde, em especial dos tributos
indiretos (ver Item b, abaixo).
Para o cálculo do gasto privado com saúde foi identificada a distribuição dos
pagamentos privados por itens de despesa com saúde investigados na POF
1995/6, os quais são considerados as despesas realizadas com planos e
seguros privados de saúde, medicamentos, óculos e lentes, consultas e
tratamentos dentários, consultas médicas, com despesas hospitalares, e com
outros itens de despesa em saúde - em outras despesas são consideradas as
efetuadas em aquisições de chupeta, mamadeira, ambulância (remoção) e
aluguel de aparelho médico. Na POF 2002/3, o item “óculos e lentes” foi
35
agregado ao de materiais de tratamento. Também foram desagregados alguns
outros itens, como materiais de tratamento, serviços cirúrgicos, exames
diversos (eletrodiagnóstico, exame de laboratório, radiografia, etc.) e
tratamento ambulatorial (cauterização, curativo, nebulização, aplicação de raio
laser, hemodiálise e outros).
Em relação ao financiamento público, foram gerados os resultados da
distribuição da carga tributária relativa à parcela dos impostos e contribuições
sociais que financiam o SUS, segundo decis de renda. Para ambas versões da
POF utilizou-se o ano 2002 como período de referência para a estrutura do
financiamento do setor público de saúde e para a definição das alíquotas dos
tributos indiretos.
Entre os tributos considerados para estimar a despesa familiar que se refere à
parcela de tributos que financiaram o SUS, estão COFINS, CPMF, IPI, ICMS,
ISS, IRPF, IPTU e IPVA, que são responsáveis por 70% do financiamento
público do sistema de saúde (conforme Tabela 3, acima).
a) Tributos Diretos
Os impostos diretos que têm maior peso no financiamento setorial são o IRPF,
IPVA, IPTU e parte da CPMF24.
Observando as informações prestadas pelas pessoas entrevistadas na POF
1995/6, verificou-se que eram escassos os registros com valores maiores que
zero para essas variáveis nos microdados desta versão da POF. Assim, pouco
se pode concluir a respeito dos pagamentos com IPVA e IPTU nesta versão da
POF e, tendo em vista a precariedade da qualidade da informação desses
tributos, decidiu-se não considerar estas variáveis com base na POF 1995/6.
Por outro lado, nos microdados da POF 2002/3 as variáveis dos pagamentos
com os tributos IPVA e IPTU foram apuradas e se mostraram consistentes, de
forma que foram consideradas nos cálculos do financiamento do SUS. Todo o
IPTU arrecadado pelos municípios é utilizado nesta esfera de governo. No caso
IPVA, a arrecadação é feita pelos estados, sendo que 50% da receita de IPVA
24 IRPF – Imposto de Renda de Pessoa Física, IPVA - Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores, IPTU – Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana e CPMF – Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira.
36
é destinada às despesas da esfera estadual e os outros 50% são transferidos
para os municípios.
Para mensurar os valores dos pagamentos realizados com IRPF por nível de
renda, utilizou-se um dos resultados de um estudo25 que buscou analisar os
efeitos dos tributos e transferências governamentais sobre a distribuição da
renda nos domicílios brasileiros (SIQUEIRA et allii, 2003). Este estudo foi
realizado com base na Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar (PNAD/IBGE)
de 1999 e simulou os pagamentos do IRPF a partir dos dados individuais na
base dos dados daquela pesquisa.
Os autores utilizaram um modelo de microssimulacão de tributos e benefícios
– a descrição do modelo pode ser encontrada em SIQUEIRA e NOGUEIRA;
2001 – para alocar os tributos e as transferências entre os domicílios e
estimar a informação sobre o imposto de renda de pessoa física “aplicando-se
as regras de elegibilidade para as transferências e de pagamento dos tributos
a cada indivíduo na base de dados”.
Com vistas à validação e aprimoramento dos resultados, os autores
compararam-no com os dados oficiais disponíveis da Receita Federal do
Ministério da Fazenda, ajustando-os para “melhor refletirem a incidência
efetiva ...” e, segundo os mesmos, alcançaram um resultado satisfatório dado
que “obteve-se um grau de ajustamento com os dados oficiais em torno de
90%”. Os resultados do referido estudo são apresentados pelo peso dos
pagamentos com IRPF sobre a renda. Para a utilização desses dados nos
cálculos do financiamento do SUS, aplicamos os pesos de cada decil de renda
sobre as rendas das respectivas famílias de cada decil de renda, obtendo-se
assim o valor que teria sido pago relativo ao IRPF.
A parte da arrecadação da CPMF26 que incide sobre as transações financeiras
das famílias está sendo considerada como um tributo direto, mas como há o
componente indireto, a CPMF está sendo tratada como um tributo com um
componente direto e outro indireto, que será mencionado no próximo item,
sobre os tributos indiretos. Não foram encontrados estudos acerca do peso da
CPMF nos orçamentos familiares por classe de renda, tampouco sobre a 25 SIQUEIRA, R. B.; NOGUEIRA, J. R.; LEVY, H.. “Política Tributária e Política Social no Brasil: Impacto sobre a Distribuição de Renda entre os Domicílios”. Fundação Konrad-Adenour: 2003.
37
distribuição da renda das famílias que possuem conta corrente bancária, ou
mesmo a quantidade de pessoas que possuem conta bancária e seu nível de
renda.
Portanto, para calcular a parte direta, primeiramente foi calculada a indireta e,
uma vez identificada qual a parcela cumulativa deste tributo embutida nos
preços finais dos produtos, foi estimada, por resíduo, a parcela da arrecadação
total que representa a modalidade direta. Assim, parte direta da CPMF foi
calculada junto com a estimativa da cumulatividade dos tributos indiretos e
incluída diretamente na matriz insumo-produto elaborada para o cálculo final
da cumulatividade dos tributos (ver mais detalhes no Item b, referente a
tributos indiretos).
A partir do montante que corresponderia à arrecadação direta da CPMF,
assumiu-se que as famílias cujos rendimentos compreendem até 2 salários
mínimos não estariam sendo oneradas pela parte direta da CPMF pela
provável ausência de cobertura bancária para este segmento. Assim, os
valores foram rateados entre as faixas de renda consideradas relevantes para
este caso que são as que possuem renda superior a 2 salários mínimos.
Definiu-se que as famílias consideradas para o cálculo do montante direto da
CPMF realizam todas as suas operações financeiras via serviços bancários,
sendo assim o rateio foi feito proporcional ao peso da renda do segmento na
renda total dessas famílias.
b) Tributos Indiretos
Para os tributos indiretos (IPI, ICMS, ISS, COFINS27 e parte da CPMF), que
incidem sobre as várias fases de produção e comercialização de serviços e
produtos, buscaram-se trabalhos que tivessem mensurado o efeito acumulado
dos tributos sobre os custos e preços dos bens finais no Brasil por classe de
renda28. Como não foi encontrado nenhum adequado às necessidades desta
26 CPMF – Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira 27 IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados, ICMS - Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e de Comunicação, ISS – Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza e COFINS – Contribuição para o financiamento da Seguridade Social. 28 Foi realizada pesquisa bibliográfica para identificar outros trabalhos neste sentido, onde se verificou que há poucas estimativas acerca da cumulatividade dos tributos por produto. Não foi encontrado qualquer trabalho que analise a cumulatividade por nível de renda familiar, sugerindo que haja poucos precedentes a este, como os Pricewaterhouse Coopers (2001),
38
pesquisa, ou seja, com a distribuição do ônus do financiamento dos tributos
indiretos segundo a renda, este trabalho foi feito por consultoria especializada
que havia desenvolvido uma versão inicial desta metodologia em um trabalho
do Banco Nacional para o Desenvolvimento Econômico e Social, BNDES, onde
haviam sido considerados outros tributos e não havia sido incorporada a
variável classe de renda.
Assim, a metodologia em que são consideradas as características do processo
de produção de cada produto para estimar as cadeias de tributação
acumuladas, até que sejam fornecidas ao consumo, foi desenvolvida em
Pereira (2001)29, e reaplicada para gerar a matriz insumo-produto estimando
a carga tributária que incide sobre o consumo de bens e serviços, por setor
industrial. A aplicação das alíquotas dos tributos utilizados foi feita
respeitando-se as regras de cada tributo definidas na legislação do período de
competência do ano 2002.
Por outro lado, o consumo das famílias segundo a classe de renda foi
identificado pela POF disponível na época (isto é, a versão de 1995/6) e para o
cálculo da contribuição de cada família no financiamento dos tributos indiretos
considerados, foi feita a justaposição da estimativa da carga tributária a partir
da tradução setorial dos itens de despesa originais da POF, isto é, as despesas
foram reclassificadas para serem compatíveis com os setores da matriz de
insumo-produto. Em outras palavras, o consumo das famílias foi identificado
pela POF e justaposto à matriz insumo-produto para o cálculo da contribuição
de cada classe de renda familiar sobre o financiamento dos tributos indiretos.
O resultado é o peso que cada tributo indireto tem sobre a renda familiar. Este
dado foi estimado por classe de renda de salário mínimo, considerando as
utilizadas nas publicações oficiais da POF/IBGE (até 2 SM, mais de 2 a 5 SM,
mais de 5 a 10 SM, mais de 10 a 20 SM e acima de 20 SM).
Por motivos metodológicos a identificação dos pesos dos tributos ISS e IPI
sobre a renda familiar foi feita de forma agregada. Portanto, neste trabalho
estaremos considerando que o peso do ISS sobre a renda familiar é o
resultado do peso do ISS e IPI sobre a renda, dividido por 2 e, ainda, o peso Viana et alli (2000). 29 Pereira, T. R.; Ikeda, M. Custo Brasil – Mensurando a cumulatividade das contribuições:
39
do IPI é o resultado do ISS e IPI sobre a renda dividido por 2.
III.2.3. Aplicação dos pesos dos tributos
Pelas despesas da cesta de consumo familiar foi identificado o peso do
financiamento de cada tributo em cada classe de renda (em salário mínimo) e
este foi multiplicado ao peso que a participação do tributo no financiamento do
setor público de saúde tem em relação à arrecadação total do tributo. Este
peso foi aplicado à renda de cada família, de acordo com a classificação de sua
renda, em cada uma das versões da POF (1995/6 e 2002/3).
Para os tributos COFINS e CPMF, que alimentam o financiamento da esfera
federal de governo ao SUS, foi utilizada estimativa da carga tributária de 2002
atualizada por Araújo a partir da estimativa da carga tributária de 2001
(Afonso & Araújo, BNDES: 2002). Para os tributos que alimentam o
financiamento das esferas estadual (IPI, IRPF e ICMS) e municipal (IPI, IRPF,
ICMS e ISS) de governo ao SUS foram considerados os dados do Sistema de
Informações de Orçamentos Públicos em Saúde do Ministério da Saúde
(SIOPS) que apura as receitas e os gastos públicos em saúde de cada
município, estado e para o Distrito Federal. Tais dados estão dispostos na
Tabela 3, acima.
Deve-se destacar que, como (i) se dispunha do resultado dos pesos dos
tributos sobre a renda por classe de salário mínimo, (ii) os dados da renda e
dos pagamentos foram trabalhados por família e (iii) a análise dos resultados
teve que ser feita a partir da organização dos resultados em decil de renda, foi
necessária a aplicação do peso de cada tributo, que estava em classe de
renda, à cada registro de família na base de dados, para depois rodar
novamente os dados e ter os resultados do peso dos tributos por decil de
renda.
Segue a descrição das atribuições dos de cada tributo para a obtenção da
distribuição do financiamento do SUS de cada esfera de governo.
a) Esfera Federal:
uma proposta metodológica. Rio de Janeiro: BNDES, junho de 2001 (Informe-se n.º 27).
40
CPMF = peso da CPMF sobre a renda familiar X peso da participação da CPMF
no financiamento do setor público de saúde em relação à arrecadação total
deste tributo (59,12%)
COFINS = peso da COFINS sobre a renda X peso da participação da COFINS
no financiamento do setor público de saúde em relação à arrecadação total
deste tributo (8,76%)
b) Esferas Estadual e Municipal:
ICMS = peso do ICMS sobre a renda X peso da participação do ICMS no
financiamento do setor público de saúde em relação à arrecadação total deste
tributo. Como uma parcela do ICMS arrecadado é transferida pelos estados
aos municípios, o cálculo da participação do ICMS no financiamento estadual é
feito considerando o que permanece deste tributo nos cofres estaduais após o
montante transferido aos municípios e o cálculo da participação do ICMS no
financiamento municipal é feito considerando o que foi transferido dos cofres
estaduais. São transferidos aos municípios 25% da arrecadação de ICMS e o
ICMS financia ambas as esferas de governo:
ICMS (fin. Estados) = peso do ICMS sobre a renda X peso da participação da
esfera estadual de governo com este tributo no financiamento do SUS em
relação à arrecadação total deste tributo (8,40%)
ICMS (fin. Municípios) = peso do ICMS sobre a renda X peso da participação
da esfera municipal de governo com este tributo no financiamento do SUS em
relação à arrecadação total deste tributo (3,85%)
IPI = peso do ISS e IPI sobre a renda, dividido por 2 X peso da participação
do IPI no financiamento do setor público de saúde em relação à arrecadação
total deste tributo. Como há a cota parte do IPI de 21,5% da arrecadação ao
Fundo de Participação dos Estados e DF (FPE) e de 22.5% ao dos Municípios
(FPM), o cálculo da participação do IPI no financiamento do SUS pela esfera
estadual é feito considerando o montante de IPI destinado ao FPE e o do
município considera os recursos do IPI no FPM. Assim, o IPI financia a esfera
de governo estadual e a municipal:
IPI (fin. Estados) = peso do ISS e IPI sobre a renda dividido por 2 X peso da
41
participação da esfera estadual de governo com este tributo no financiamento
do SUS em relação à arrecadação total deste tributo (1,95%)
IPI (fin. Municípios) = peso do ISS e IPI sobre a renda dividido por 2 X peso
da participação da esfera municipal de governo com este tributo no
financiamento do SUS em relação à arrecadação total deste tributo (3,19%)
IRPF = peso do IRPF sobre a renda X peso da participação do IRPF no
financiamento do setor público de saúde em relação à arrecadação total deste
tributo. Como há a cota parte do IR de 21,5% da arrecadação ao Fundo de
Participação dos Estados e DF (FPE) e de 22.5% ao dos Municípios (FPM), o
cálculo da participação do IR no financiamento do SUS pela esfera estadual é
feito considerando o montante de IPI destinado ao FPE e o do município
considera os recursos do IPI no FPM. Assim, o IR financia a esfera de governo
estadual e a municipal:
IRPF (fin. Estados) = peso do IRPF sobre a renda X da participação da esfera
estadual de governo com este tributo no financiamento do SUS em relação à
arrecadação total deste tributo (1,96%)
IRPF (fin. Municípios) = peso do IRPF sobre a renda X peso da participação da
esfera municipal de governo com este tributo no financiamento do SUS em
relação à arrecadação total deste tributo (3,20%)
ISS = peso do ISS e IPI sobre a renda, dividido por 2 X peso da participação
do ISS no financiamento do setor público de saúde em relação à arrecadação
total deste tributo (16,87%)
A partir da consolidação dos dados do financiamento público e do privado
foram elaboradas as curvas de concentração dos financiamentos (públicos e
privados) por decil de renda e realizados os cálculos dos indicadores
necessários para a análise do efeito redistributivo do financiamento do setor
saúde sobre a renda brasileira, construídos a partir dos dados de registro de
cada família. Por este motivo, os Índices de Kakwani e demais resultados da
possuem toda a precisão que as versões 1995/6 e 2002/3 da POF e a
aplicação da metodologia permitem.
42
III.3 – Utilização dos dados na aplicação da Metodologia
A base de dados foi organizada a partir da renda de cada família e o tipo de
despesa em saúde, contendo, portanto, além do rendimento familiar as
seguintes variáveis:
1- Despesas que financiam o SUS (nos três níveis de governo)
- Esfera Federal: COFINS + CPMF
- Esfera Estadual: IPI + IRPF + ICMS + IPVA
- Esfera Municipal: IPI + IRPF + ICMS + IPVA + ISS + IPTU
2- Despesas privadas com saúde (planos de saúde + gasto direto)
- Planos e seguros privados de assistência à saúde
- Gasto Direto (Medicamentos, Exames, hospitalização, etc.)
3- Despesa Total (despesas que financiam o SUS + despesas privadas)
Para cada registro de família da amostra da POF foram atribuídos dois pesos.
O primeiro peso é o da representatividade que cada registro de família da
amostra possui em relação ao universo da população que ela representa.
O segundo peso visa corrigir a diferença no tamanho dos domicílios de menor
renda em relação à daqueles de renda mais elevada. Esta diferença não é um
resultado exclusivo da POF; há tempos que pesquisas de grande porte do
IBGE, como a PNAD e o Censo Domiciliar, mostram que, em média, quanto
menor a renda familiar, maior é a quantidade de pessoas na família. Além do
tamanho de cada família, é necessário considerar as pessoas que têm
potencial de contribuição na renda familiar e, para isso, os autores da
metodologia que está sendo aplicada calcularam um fator médio com base nas
famílias européias.
Embora a distribuição das famílias européias apresente alguma diferença em
relação à brasileira, optamos por utilizar este fator para permitir a comparação
dos resultados com as aplicações da metodologia de Wagstaff & van Doorslaer
que foram feitas em diversos países (inclusive latino-americanos e asiáticos),
43
usando o mesmo fator.
Assim, os dados das receitas e despesas familiares foram equalizados em
receitas e despesas familiares per capita, obtidos pela aplicação do
exponencial 0,75 que é o fator calculado pelos autores da metodologia
conforme mencionado.
Preparada a base de dados no SAS, foi feita a programação e foram gerados
os resultados da distribuição dos financiamentos do setor saúde (público e
privado).
44
CAPÍTULO IV
RESULTADOS E ANÁLISE
45
Capítulo IV. RESULTADOS E ANÁLISE
Os micro-dados da POF-2002 (tratados conforme explicitado no capítulo
anterior) mostram que as despesas inerentes ao financiamento do sistema de
saúde brasileiro absorvem nada menos que 9,7% da renda das famílias. Cabe
destacar que, como se observa no Gráfico 2 e na Tabela 4 abaixo, o ônus do
financiamento setorial e, ainda, a participação de cada tipo de gasto em saúde
varia consideravelmente, segundo decis de renda.
GRÁFICO 2
Assim, enquanto para o primeiro decil da população, ordenada por sua renda
familiar per capita, a saúde absorve mais de dez por cento (10,6%) da
mesma, no que se refere ao ultimo décimo populacional este percentual
diminui para 9,1%. Chama a atenção, ainda, o peso do gasto privado direto
sobre as famílias mais pobres: este gasto –que, por definição, é catastrófico,
ou seja, não decorre de uma escolha e sim de uma necessidade- representa
nada menos que 6,8% da renda das famílias do primeiro decil e sua
participação é inversamente proporcional à renda, diminuindo nos decis
superiores, representando apenas 3,1% da renda do último decil.
-
2,00
4,00
6,00
8,00
10,00
12,00
Peso
% s
obre
a re
nda
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10Decil de Renda
Peso do Financiamento do Setor Saúde sobre a Renda familiar per capita, segundo tipo de gasto, por Decil de Renda familiar per capita - Brasil, 2002
Peso Privado direto
Peso Planos de Saúde
Peso SUS
Fonte: POF/IBGE 2002/3SIOPS/MS
46
TABELA 4 – DISTRIBUIÇÃO DO PESO DO FINANCIAMENTO DO SETOR
SAÚDE SOBRE A RENDA FAMILIAR PER CAPITA, POR TIPO DE DESPESA, SEGUNDO DECIL DE RENDA. BRASIL, 2002
Renda SUS Planos e Seguros de
Saúde
Privado Direto Privado Total Financiamento
Total Decil de
Renda
% % Peso na
Renda %
Peso na
Renda %
Peso na
Renda
%
Peso na
Renda
% Peso na
Renda
1 1,00 0,78
3,42 0,28 0,43 1,76 6,76 1,33 7,19 1,09 10,61
2 1,92 1,45
3,28 0,32 0,25 2,79 5,58 2,08 5,83 1,80 9,11
3 2,74 2,56
4,06 0,78 0,44 3,99 5,59 3,07 6,02 2,84 10,08
4 3,56 4,39
5,34 1,22 0,53 5,14 5,52 4,01 6,05 4,18 11,39
5 4,53 4,26
4,08 2,77 0,94 6,21 5,26 5,23 6,20 4,79 10,28
6 5,80 6,40
4,78 3,15 0,83 7,00 4,62 5,89 5,46 6,12 10,24
7 7,59 8,23
4,70 5,09 1,03 9,38 4,74 8,16 5,77 8,19 10,48
8 10,43 10,93
4,54 11,42 1,68 12,26 4,50 12,02 6,19 11,53 10,73
9 16,34 16,89
4,48 19,94 1,88 14,44 3,39 16,01 5,26 16,41 9,75
10 46,10 44,11
4,15 55,03 1,84 37,05 3,08 42,20 4,92 43,05 9,07
TOTAL 100,00
100,00 100,00 100,00
100,00 100,00
Fonte: IBGE, POF 2002-3 e MS/SIOPS
Note-se, ainda, que o gasto em planos e seguros de saúde só passa a ser
significativo nos três décimos de renda mais ricos, portanto com capacidade
de compra de planos e, ainda, inseridos, na sua maior parte, no mercado
formal de trabalho, o que lhes dá acesso a esse subsistema, pelos dos planos
de saúde coletivos adquiridos pelas empresas.
O gráfico acima evidencia, ademais, o efeito do elevado grau de concentração
da renda da sociedade brasileira sobre o gasto em saúde: enquanto os dez por
cento mais pobres efetuam fundamentalmente gasto privado direto em saúde
47
-principalmente em medicamentos, que absorvem quase a totalidade (82,5%)
desse gasto privado direto, o segmento de mais elevada renda aloca apenas
3,1% para esse tipo de gasto catastrófico.
A Tabela 5 apresentada a seguir exibe a composição percentual do gasto
privado direto em saúde, por item de gasto e decil de população ordenada
pela renda familiar per capita. Chama a atenção o fato de que, para todos os
decis de renda, os medicamentos representam o mais forte item de gasto
privado direto. Entretanto, a participação destes é expressivamente mais
elevada quanto menor for a renda da população: trata-se, sem dúvida, de um
objeto que requer uma significativa atuação da política pública, no sentido de
proteger os segmentos de mais baixa renda desse gasto catastrófico.
TABELA 5
COMPOSIÇÃO DO GASTO FAMILIAR PER CAPITA PRIVADO DIRETO EM SAÚDE, POR DECIL DE RENDA. Brasil, 2002
(Em %)
Decil de Renda Item de despesas saúde 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Remédios 82,5 73,4 72,4 72,1 67,6 65,8 62,9 60,6 56,4 42,0
Tratamento dentário 2,2 5,4 7,3 6,7 8,6 8,8 12,3 14,4 14,8 17,7 Consulta médica 5,3 6,5 6,2 6,2 7,3 8,3 7,8 8,5 8,9 6,0 Tratamento Ambulatorial 0,5 0,7 0,7 0,5 1,2 0,8 0,8 0,9 1,6 3,4 Hospitaliz + Serv.Cirúrgicos 0,5 1,4 2,1 3,3 3,4 3,9 4,4 2,5 4,4 16,9
Exames diversos 3,5 4,3 4,8 5,0 4,3 5,2 5,0 4,8 5,3 3,2 Material de tratamento 3,3 6,2 5,5 4,6 6,6 6,0 5,7 7,2 7,4 9,3 Outras assist. à saúde 2,3 2,1 1,0 1,6 1,1 1,1 1,4 1,0 1,2 1,5
Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Fonte: IBGE, POF 2002-3
No sentido inverso ao anterior, os gastos com tratamento dentário só são
significativos nos decis superiores de renda: evidentemente, trata-se aqui de
uma questão de diferença de acesso, definida por restrições orçamentárias:
podem pagar por serviços odontológicos as pessoas pertencentes aos estratos
superiores de renda. Estes dados também são evidenciados no Gráfico 3
abaixo.
48
Chama a atenção, ainda, a participação monótona do item “exames diversos”,
que mostra que os serviços auxiliares de diagnóstico e terapia –SADT-
penalizam igualmente os nove primeiros decis, independentemente de sua
renda, sendo o decil mais rico da população protegido desse gasto,
provavelmente pelo fato de ser coberto com esquemas de saúde suplementar.
GRÁFICO 3: COMPOSIÇÃO DO GASTO PRIVADO EM SAÚDE POR DECIL DE
RENDA FAMILIAR PC. BRASIL, 2002
A curva de Lorenz brasileira, apresentada abaixo, evidencia o já conhecido
elevadíssimo grau de concentração da renda no nosso país. Corresponde-lhe
um Índice de Gini de nada menos que 0,57, muitíssimo mais elevado que o
dos países desenvolvidos e, mesmo, também em comparação ao dos demais
países em desenvolvimento.
0%
20%
40%
60%
80%
100%
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Decil de Renda
Outras
Material de Tratam.
Exames diversos
Hospitalização +Serv. Cirúrgicos
Tratam.Ambulatorial
Consulta Médica
Trat. Dentário
MedicamentosFonte: POF/IBGE 2002/3
49
DISTRIBUIÇAO DA RENDA FAMILIAR PER CAPITA segundo a POF/IBGE 2002/3. Brasil, 2002.
0 1,002,91
5,659,21
13,74
19,54
27,12
37,56
53,9056,10
58,5261,12
63,9967,23
70,87
75,09
80,10
86,86
100,00
-
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
% Acumulado da População
% A
cum
ulad
o de
Ren
da F
amili
ar P
er C
apita
Fonte: POF/IBGE 2002/3
Os dez por cento mais ricos da população detêm 46,1% da renda familiar per
capita da sociedade brasileira, enquanto os vinte por cento mais pobres detêm
apenas 2,9% da renda. Os cinco primeiros decis, isto é a metade mais pobre
da população, absorvem apenas 13,74% da renda. Note-se, ainda, que
enquanto o decil mais rico detém 46,1% da renda, esta porcentagem
corresponde a mais que a acumulada pelos primeiros oito decis.
A seguir, apresentamos os dados de concentração do financiamento do setor
saúde no Brasil. A Tabela 6, que segue, exibe a distribuição de renda, por
decil, acompanhada da distribuição do financiamento do setor saúde, por
subsetor.
Tabela 6 – DISTRIBUIÇÃO DA RENDA E DOS PAGAMENTOS CONCERNENTES AO SISTEMA DE SAÚDE, POR TIPO DE GASTO, SEGUNDO DECIL DE RENDA – BRASIL, 2002
Decil de Renda
Familiar p/c
RENDA (%)
FINANCIAM. SUS (%)
FINANCIAM. PRIVADO
(%)
SEGURO SAÚDE
(%)
PAGAMENTOS DIRETOS
(%)
MEDICAMENTOS (%)
1 1,00 0,78 1,33 0,28 1,76 2,59
2 1,92 1,45 2,08 0,32 2,79 3,66
3 2,74 2,56 3,07 0,78 3,99 5,16
4 3,56 4,39 4,01 1,22 5,14 6,62
5 4,53 4,26 5,23 2,77 6,21 7,51
6 5,80 6,40 5,89 3,15 7,00 8,24
7 7,59 8,23 8,16 5,09 9,38 10,55
50
8 10,43 10,93 12,02 11,42 12,26 13,28
9 16,34 16,89 16,01 19,94 14,44 14,55
10 46,10 44,11 42,20 55,03 37,05 27,84
9,1 2,20 2,24 2,49 3,67 2,01 2,07
9,2 2,41 2,09 2,05 2,45 1,90 1,79
9,3 2,61 3,16 3,20 4,82 2,55 2,45
9,4 2,86 2,94 2,72 3,93 2,24 2,52
9,5 3,25 3,10 3,53 5,01 2,93 2,56
9,6 3,64 3,65 3,00 3,98 2,60 2,19
9,7 4,22 4,34 3,77 6,27 2,77 2,28
9,8 5,01 4,64 4,47 7,08 3,42 3,40
9,9 6,76 6,49 5,12 8,03 3,95 3,18
10,0 13,14 11,46 11,85 9,80 12,67 5,41
Sub-Total (último décimo)
46,10 44,11 42,20 55,03 37,05 27,84
TOTAL 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00
Fonte: POF 2002/3 – IBGE
A quarta coluna da tabela acima, que apresenta a distribuição do gasto
privado, deixa evidente a sua regressividade: enquanto os decis mais pobres
gastam privadamente mais do que proporcionalmente à renda que detém, os
mais ricos, que concentram 46,10% da renda nacional, contribuem apenas
com 42,20% do gasto privado. Esta regressividade se observa, também, ao
interior do último decil: os cinco percentis mais ricos da população gastam
muito menos que proporcionalmente à sua renda, enquanto o que se
esperaria de um sistema progressivo é que eles tivessem um ônus mais que
proporcional a sua renda.
Se considerado o subsegmento do gasto privado direto, a regressividade
observada ainda é maior: assim, enquanto o primeiro decil, que concentra
1,00% da renda, concentra 1,76% do gasto privado direto, o decil mais rico,
que concentra 46,10% da renda, efetua 37,05% desse gasto. Note-se que, do
primeiro até o oitavo décimo de renda, a participação no gasto é mais que
proporcional à renda, o que confirma a regressividade do gasto privado direto,
determinado fundamentalmente pela necessidade de adquirir bens ou serviços
de saúde (principalmente, medicamentos) do que pela capacidade de
pagamentos das famílias por esses bens e serviços.
Isso é expresso pelo índice de Kakwani do financiamento privado direto que é
de -0,108, que corresponde a um sistema regressivo.
51
Vale registrar o altíssimo grau de regressividade das despesas em
medicamentos, principalmente. O decil mais pobre, que concentra apenas
1,00% da renda, absorve 2,59% do ônus desse gasto, enquanto o decil mais
rico, que detém, como já referido, 46,10% da renda, efetua apenas 27,84%
do gasto em medicamentos. Essa regressividade se repete ao interior do
último decil de renda: o último percentil mais rico, que concentra 13,14% da
renda, participa apenas com 5,41% do gasto em medicamentos,
diferentemente do primeiro percentil do último décimo, que, concentrando
2,20% da renda, efetua 2,07% desses gastos.
No que diz respeito aos pagamentos de planos e seguros de saúde, se
mostram aparentemente (e apenas aparentemente) progressivos: a
participação percentual dos primeiros sete decis no gasto é muito menos que
proporcional à renda dos indivíduos e o índice de Kakwani é positivo: 0,133.
Mas essa progressividade é apenas aparente: tendo em vista que o gasto
reduzido dos segmentos inferiores de renda expressa fundamentalmente a sua
exclusão do sistema de asseguramento privado e que, dada a sua baixa
renda, jamais poderiam ter acesso a um sistema paralelo ao SUS sem que isso
se desse pelo financiamento do empregador, é evidente que os baixos
percentuais do gasto com planos de saúde observados nos decis mais pobres
de renda correspondem à brutal concentração de renda do nosso país.
Trata-se de um sistema que, por sua natureza, tenderia a ser proporcional,
isto é o gasto em seguros de saúde tende a ser proporcional à capacidade de
pagamento. Entretanto, esta tendência, que exclui as camadas populacionais
mais pobres, é contra-restada, no que diz respeito às camadas médias, pela
participação das empresas na compra de planos e seguros de saúde para seus
funcionários.
De todas formas, deve-se ressaltar que a um sistema de asseguramento
privado não se aplica uma análise de sua progressividade (ou regressividade),
uma vez que se trata do acesso a um sistema excludente, condicionado à
capacidade de pagamento de cada indivíduo e/ou à sua inserção no mercado
formal de trabalho.
No que diz respeito ao financiamento do SUS, efetuado pelo pagamento de
impostos e contribuições sociais, observa-se que os decis inferiores de renda
52
contribuem menos que proporcionalmente à sua renda: o primeiro decil, que
concentra 1,0% da renda, concentra apenas 0,8% dos pagamentos;
igualmente, o segundo decil, que concentra 1,9% da renda, paga 1,4% dos
tributos; por sua vez, o terceiro decil, que concentra 2,7% da renda,
concentra 2,6% dos pagamentos de tributos. Isso indicaria uma estrutura
tributária progressiva. Entretanto, o decil mais alto, que concentra 46,1% da
renda, efetua apenas 44,1% do pagamento dos tributos, o qual diminui o grau
de progressividade dos tributos que financiam o SUS. Do 4º ao 9º decil,
observa-se uma relação renda/pagamentos muito próxima da
proporcionalidade. Dessa forma, pode-se dizer o financiamento do SUS, na
sua totalidade, é progressivo no que diz respeito ao tratamento dos três decis
mais pobres, regressivo no que concerne ao privilégio do décimo de renda
mais rico e proporcional em relação aos estratos da população pertencentes
aos 4º, 5º, 6º, 7º, 8º e 9º decis –que correspondem à população de renda
baixa e média baixa.
Isso é expresso pelo índice de Kakwani do financiamento público (-0,008), que
corresponde a um sistema quase proporcional (que onera proporcionalmente à
renda), tendo em vista que, embora negativo, seu valor é muito próximo de
zero.
Vale analisar a progressividade de cada tributo que financia o SUS, a partir da
Tabela 7 e do Gráfico 4, abaixo.
Tabela 7 – DISTRIBUIÇÃO DA RENDA E DOS PAGAMENTOS DOS TRIBUTOS CONCERNENTES AO FINANCIAMENTO DO SUS, POR DECIL DE RENDA – BRASIL, 2002
Decil de Renda
Familiar p/c
RENDA (%)
COFINS (%) CPMF (%) ICMS
(%) IPI (%)
IRPF (%)
IPVA (%)
ISS (%)
IPTU (%)
1 1,00 1,26 0,40 1,36 1,37 - 0,31 1,37 1,19 2 1,92 2,40 1,65 2,55 2,57 - 0,60 2,57 0,86 3 2,74 3,41 2,84 3,60 3,61 - 0,85 3,61 2,32 4 3,56 4,38 3,97 4,61 4,64 - 1,18 4,64 6,44 5 4,53 5,42 5,07 5,68 5,75 0,00 2,95 5,75 3,08 6 5,80 6,72 7,02 6,98 7,10 0,03 3,18 7,10 6,94 7 7,59 8,51 9,01 8,79 8,98 0,15 6,32 8,98 8,35 8 10,43 11,06 11,57 11,33 11,55 1,30 10,24 11,55 11,12 9 16,34 16,11 16,75 16,18 16,36 11,23 21,12 16,36 16,89
10 46,10 40,73 41,72 38,92 38,07 87,29 53,26 38,07 42,80 9,1 2,20 2,09 2,17 2,06 2,05 2,79 3,36 2,05 2,04
53
9,2 2,41 2,23 2,31 2,18 2,16 3,50 2,87 2,16 1,28 9,3 2,61 2,39 2,44 2,33 2,31 3,43 3,24 2,31 4,71 9,4 2,86 2,59 2,65 2,51 2,48 4,50 4,06 2,48 3,10 9,5 3,25 2,87 2,93 2,74 2,68 6,04 5,03 2,68 2,58 9,6 3,64 3,25 3,32 3,13 3,07 6,26 4,89 3,07 3,77 9,7 4,22 3,75 3,83 3,60 3,53 7,50 6,63 3,53 4,45 9,8 5,01 4,38 4,48 4,15 4,05 10,36 5,68 4,05 4,17 9,9 6,76 5,84 5,98 5,51 5,34 14,58 7,92 5,34 6,43
10,0 13,14 11,35 11,62 10,71 10,39 28,34 9,59 10,39 10,26
Sub-Total (último décimo)
46,10 40,73 41,72 38,92 38,07 87,29 53,26 38,07 42,80
TOTAL 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00
Ela evidencia, em primeiro lugar, a já esperada regressividade dos seguintes
tributos indiretos: COFINS, IPI, ICMS e ISS.
Assim, no que diz respeito ao primeiro, vale lembrar que a Contribuição Social
para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS incide sobre o
faturamento das empresas e, assim, é facilmente transferível ao consumidor
final, inserindo-a no preço dos bens e serviços comercializados, nas diferentes
etapas do processo de produção e circulação das mercadorias. Dessa forma,
ao ser transferido aos preços finais, espera-se que este tributo seja
regressivo, uma vez que ele incide sobre o consumo, e não sobre a renda e/ou
propriedade das pessoas.
Efetivamente, verifica-se que os oito primeiros décimos de renda concentram,
nos seus aportes para a COFINS, uma porcentagem maior (ou igual, no caso
do quarto decil) da renda que detêm. Correspondentemente a essa situação
de regressividade, o decil de mais alta renda, que detém 46,1% da renda,
concentra apenas 40,7% do pagamento da COFINS. Note-se que o 9º decil,
que concentra 16,3% da renda, aporta de forma proporcional (16,1%) para
esse tributo.
O mesmo fenômeno ocorre com o Imposto sobre Produtos Industrializados –
IPI, que integra o financiamento setorial pelas transferências
intergovernamentais concernentes ao Fundo de Participação dos Estados (FPE)
e ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM) – e com o ISS – tributo que
incide sobre a venda de serviços. Conforme assinalado no Capítulo III, o peso
54
do pagamento desses tributos sobre a renda familiar foi calculado
conjuntamente, resultando em idêntico grau de progressividade desses
tributos.
A regressividade dos impostos indiretos IPI e ISS, que também são
transferidos aos preços, é ainda mais acentuada que a da COFINS, tendo em
vista que penalizam mais fortemente os decis de renda menor e,
consequentemente, fazem com que, enquanto o decil mais pobre detém
apenas 1,0% da renda e efetua 1,4% dos pagamentos desses impostos, o
decil mais rico concentra 46,1% da renda e responsabiliza-se por apenas
38,1% dos pagamentos, muito menos que proporcionalmente, portanto. Note-
se que, do 1º até o 8º decis, a população é penalizada mais do que
proporcionalmente à renda que concentra; o 9º décimo de renda paga uma
porcentagem similar à da renda que concentra (16,3%), sendo o último decil o
claramente favorecido na cobrança desse imposto, como mencionado
anteriormente.
No que tange ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias – ICMS, de
competência estadual, mas também usado no financiamento municipal (dado
que parte dele é transferida pelos estados aos municípios), ele é, por
definição, um tributo indireto, que incide sobre o valor dos bens e serviços
comercializados. Como as classes de menor renda a utilizam integralmente -
ou preponderantemente- em gasto concernente ao consumo (e nada ou quase
nada poupam), diferentemente das classes mais abastadas, é esperado que
uma maior parcela da renda dos segmentos mais pobres seja absorvida pelo
pagamento desse tributo. Isso é confirmado pela Tabela 7, acima, que
evidencia que o ICMS é o mais regressivo dos tributos.
Assim, o decil inferior de renda, que retém apenas 1% da renda da população
brasileira, absorve nada menos que 1,36% do pagamento desse tributo. O
segundo decil detém 1,92% da renda e concentra 2,55% do pagamento do
ICMS. Essa relação % renda / % pagamento do tributo penaliza os segmentos
da população pertencentes até o oitavo decil de renda, inclusive. O 9º décimo
paga uma porcentagem do total do ICMS recolhido que é proporcional a sua
renda e, finalmente, o decil mais rico é o grande beneficiário na arrecadação
desse imposto, tendo em vista que ele retém 46,1% da renda, mas concentra
apenas 38,9% do pagamento de ICMS.
55
A análise que segue diz respeito aos tributos diretos: IRPF, IPVA, IPTU e, em
certa medida, a CPMF.
O Imposto sobre a Renda - IR é, por definição, um imposto direto. Neste
estudo, tendo em vista que os dados processados provêm dos Orçamentos
Familiares, trabalhou-se apenas com o Imposto sobre a Renda das Pessoas
Físicas – IRPF. Os dados evidenciam a sua progressividade: tendo em vista a
enorme concentração de renda da sociedade brasileira, os cinco primeiros
decis nada pagam desse imposto. Ainda, é o último decil (mais rico) que paga,
mais do que proporcionalmente a sua renda, esse imposto: enquanto esse
décimo da população concentra 46,1% da renda, ele participa com a maior
parte (87,3%) do pagamento desse imposto. Note-se, ademais, que ao
interior desse último decil também se verifica a progressividade desse tributo,
na medida em que ele penaliza mais do que proporcionalmente à renda o
percentil mais rico.
No que diz respeito ao Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores
– IPVA que também é um imposto direto, por incidir sobre a propriedade de
bens (neste caso, automotores), é evidente, também, a sua progressividade.
A parcela dos dez por cento mais ricos da população detém 46,1% da renda e
concentra 53,3% do pagamento desse imposto; da mesma forma, o segundo
décimo mais rico, que absorve 16,3% da renda, se responsabiliza por 21,1%
do aporte desse tributo. A progressividade do IPVA diminui, entretanto,
quando analisada no interior do último decil de renda: enquanto o percentil
mais rico detém 13,1% da renda da sociedade brasileira, ele concentra apenas
9,6% do IPVA pago. Correspondentemente a essa regressividade do IPVA
observada no seio do último décimo, do 91º ao 99º centésimos pagam esse
imposto mais que proporcionalmente à sua renda. Isso se deve,
provavelmente, à linha do consumo saciado de bens automotores, que parece
situar-se no nível de consumo efetuado pelo último percentil.
No que concerne à Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras –
CPMF paga por pessoas físicas, a princípio tenderia a ser um tributo
proporcional, uma vez que, incidindo sobre movimentações financeiras,
penalizaria os contribuintes de forma aproximadamente proporcional à sua
renda. Entretanto, os dados da POF 2002/3 indicam que se trata de um tributo
ligeiramente regressivo. Ela penaliza os 3º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º decis
56
(tributando-os mais que proporcionalmente à sua renda), mas é proporcional
à renda no 9º decil e menos do que proporcional à renda no último decil mais
rico, tendo em vista que, detendo 46,1% da renda, aporta apenas 41,7% do
pagamento desse imposto. Dessa forma, o imposto é progressivo pela
redistributividade que ocasiona das classes de renda média para as classes de
baixa renda, mas é regressivo se comparado o seu ônus nas classes de renda
média e a classe de alta renda. O resultado final disso é um Índice de Kakwani
ligeiramente regressivo: K = -0,022.
Em relação ao Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana – IPTU, não é
possível apontar, a partir dos dados analisados, uma tendência clara à
progressividade: o decil mais pobre paga mais do que proporcionalmente à
sua renda; entretanto, observa-se uma progressividade do imposto quando
comparadas às concentrações de pagamentos e renda da classe média (4º,
6º, 7º e 8º décimos) em relação às dos 2º e 3º decil. No caso deste imposto,
também, observa-se, em relação ao 9º decil, uma proporcionalidade à renda.
Por outro lado, destaca-se que o 5º décimo, diferentemente dos 4º, 6º, 7º e
8º, concentra um pagamento de IPTU inferior à renda que detém.
Corresponde a este comportamento do IPTU um Índice de Kakwani negativo,
de – 0,021.
Os resultados acima mencionados, sobre o grau de progressividade do
financiamento do SUS, que correspondem à tabela 7, visualizáveis no Gráfico
4 abaixo, que mostra a distribuição dos pagamentos dos tributos que
financiam o SUS por decil de renda.
Gráfico 4: Composição do financiamento da parcela de Tributos concernente ao Financiamento do SUS, por decil de renda familiar per capita. Brasil, 2002
57
O Índice de Kakwani do financiamento do setor saúde
O quadro abaixo apresenta os índices de Kakwani de cada fonte de
financiamento setorial e o Índice de Kakwani do financiamento de cada sub-
setor (Público, Privado-Planos e Seguros e Privado-Direto) e, ainda, o Índice
de Kakwani do financiamento do sistema de saúde, como um todo.
Note-se que o resultado final do índice de Kakwani do SUS resulta da soma
dos Índices de Kakwani Estadual e Municipal ponderada pelos pesos com que
cada esfera de governo participa no financiamento do sistema público de
saúde. Da mesma forma, o K do financiamento do Setor Saúde do país é fruto
da soma dos Índices de Kakwani do Financiamento do SUS, do Gasto Privado
Direto e do Gasto em Seguro de Saúde, ponderada pelos respectivos macro-
pesos do financiamento do SUS, do financiamento privado direto e daquele
referente a planos de saúde. Os resultados dos índices de Kakwani ponderados
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10Decil de Renda
IPTU
ISS
IPVA
IRPF
IPI
ICMS
CPMF
COFINS
Fonte: POF/IBGE 2002/3SIOPS/MS
58
pelos referidos pesos estão destacados em verde no Quadro 2 abaixo.
As participações percentuais respectivas a cada um dos três segmentos do
gasto em saúde - público, privado direto e planos e seguros de saúde -, na
quarta coluna, constituem os macro-pesos com os quais os índices de Kakwani
de cada segmento foram ponderados para a obtenção do índice de Kakwani do
financiamento setorial.
Como se pode observar, o K do financiamento do sistema de saúde é
levemente regressivo (-0,012), configurando uma situação que se aproxima
de um sistema proporcional, dada a proximidade a zero de seu valor. Isto se
deve:
- por um lado, à presença de impostos progressivos, tais como o IR
(K= 0,333) e o IPVA (K= 0,120), concomitantemente com a existência de
tributos fortemente regressivos, como o ICMS (K = -0,759), o ISS
(K= -0,081) e a COFINS (K=-0,058);
- por outro, ao peso do gasto direto em saúde (fortemente regressivo, com K
= -0,108) na soma ponderada do K referente ao financiamento do sistema
como um todo.
A ligeira regressividade do financiamento setorial é, também, expressa pelas
curvas de concentração da renda, da renda “disponível” e do financiamento
setorial, apresentadas em anexo.
Quadro 2 – Índices de Kakwani, por fonte de financiamento. Brasil, 2002
Variável K
Pesos por
SETOR Macro-pesos
SETOR SAÚDE
K ponderado
pelo Macro-
peso
Gini Renda Bruta 0,5733122
Gini Renda pós 0,5736361
59
FINANCIAMENTO PÚBLICO:
SUS
-0,0071431 1,0000 0,4377 -0,008275921
Finan. Público FEDERAL -0,0273290 0,5813 -0,03218943
1
COFINS -0,0580226
0,2714
CPMF -0,0225667
0,7286
Finan. Público ESTADUAL 0,0351473 0,2014 -
0,520926777
ICMS -0,7593778
0,7596
IPI -0,0815019
0,0408
IRPF 0,3330053
0,1655
IPVA 0,1205132
0,0341
Fin. Público MUNICIPAL 0,0024498 0,2173 -0,23096143
5
ICMS -0,7593778
0,3958
IPI -0,0815019
0,0592
IRPF 0,3330053
0,2412
ISS -0,0815019
0,1239
IPTU -0,0217977
0,1041
IPVA 0,1205132
0,0537
FINANCIAMENTO PRIVADO -0,0386675 1,0000 -0,014518639
SEGURO SAÚDE 0,1332737
0,3870 0,2173
PAGAMENTOS DIRETOS -0,1076378
0,6113 0,3450
Medicamentos -0,2123149
FINANCIAMENTO DO
SISTEMA DE SAÚDE
-0,0245849 1,0000 -0,011797037
A ligeira regressividade do financiamento do sistema de saúde brasileiro,
expressa pelo K = -0,012, é também visualizável pelos Gráficos 5 e 6, que
exibem o efeito do financiamento setorial sobre a renda. Este é medido pela
“renda disponível” depois de efetuados os gastos concernentes ao
financiamento do sistema de saúde. Estes gráficos mostram a distribuição da
60
renda, do financiamento setorial e da “renda disponível” depois de efetuados
os pagamentos. Observa-se, em primeiro lugar, a extrema concentração da
renda no décimo mais rico da população. Em segundo lugar, os gráficos
mostram o efeito do financiamento na renda, quando observamos a diferença
da renda “pós” (barras alaranjadas) em relação à renda “pré” (barra verde).
Enquanto nos primeiros oito décimos a porcentagem da renda “pós” detida por
cada decil populacional é menor que a parcela da renda pré de cada décimo de
renda, no nono decil ela se mantém igual. Finalmente, no décimo decil, a
porcentagem da renda detida após o financiamento setorial por esse décimo
da população passa a ser maior do que a parcela da renda concentrada por
esse último decil.
Gráfico 5: Distribuição da Renda dos 50% mais POBRES - antes e depois de efetuado o Financiamento do Setor Saúde, por Decil de Renda familiar per capita. 1º ao 5º decil. Brasil, 2002
1,00
1,92
3,56
4,53
0,99
1,93
2,72
3,50
4,50
2,74
-
0,50
1,00
1,50
2,00
2,50
3,00
3,50
4,00
4,50
5,00
1 2 3 4 5
Decil de Renda
%
Renda Financiamento Setor Saúde Renda disponível após o financiamento setorialFonte: POF/IBGE 2002/3SIOPS/MS
61
Gráfico 6: Distribuição da Renda dos 50% mais RICOS - antes e depois de efetuado o Financiamento do Setor Saúde, por Decil de Renda familiar per capita. 6º ao 10º decil. Brasil, 2002
O Índice de Kakwani do financiamento do SUS
O financiamento do SUS na esfera federal de governo mostrou-se ligeiramente
regressivo (K = -0,032), próximo a zero. Deve-se lembrar que foram somente
considerados os dois tributos, calculados com base em orçamentos familiares,
apreendidos pelos dados da POF: a COFINS e a CPMF. Foi desconsiderado,
portanto, o tributo que incide diretamente sobre as empresas: a CSLL.
Note-se que este resultado deve-se à ponderação mais elevada da CPMF
(devido à sua importante participação no financiamento setorial). Esta última
contém elementos de progressividade e de regressividade: a CPMF que incide
sobre as Famílias é progressiva, tendo em vista que é diretamente
proporcional à movimentação financeira e, portanto, à renda. Entretanto,
assume-se que a CPMF que incide sobre as empresas é repassada aos preços
e, nesse sentido, regressiva. Assim, o cálculo final da estimativa feita para a
5,80
10,43
16,34
46,10
5,777,52
10,31
16,34
46,43
7,59
-
10,00
20,00
30,00
40,00
50,00
6 7 8 9 10
Decil de Renda
%
Renda Financiamento Setor Saúde Renda disponível após o financiamento setorialFonte: POF/IBGE 2002/3SIOPS/MS
62
CPMF contempla, como mencionado no Capítulo III, tanto a parcela direta
como indireta desse tributo, o que resulta num K ligeiramente regressivo (K=
-0,022).
No que diz respeito ao grau de progressividade do financiamento do SUS na
esfera estadual de governo, verifica-se, no quadro abaixo, que a ele
correspondeu, inicialmente, um K = 0,035, configurando um sistema
aparentemente progressivo. Entretanto, quando calculado como fruto da soma
ponderada dos K dos tributos pelos seus respectivos pesos, ele se torna
regressivo: K = - 0,521, influenciado principalmente pelo K do ICMS (K = -
0,759), que é o tributo de maior peso.
Deve-se mencionar, ainda, que o imposto mais progressivo que financia o SUS
na esfera estadual não é um tributo de competência estadual, e sim um
imposto federal, o Imposto sobre a Renda (com K = 0,333), que alimenta o
financiamento estadual pelas transferências diretas efetuadas ao Fundo de
Participação dos Estados – FPE.
Note-se que o K do único imposto progressivo da esfera estadual (IPVA) é de
0,120, inferior, portanto, ao do IRPF.
No que concerne ao financiamento do SUS na esfera municipal de governo,
corresponde-lhe um K = - 0,231. Ele é, como os demais, fruto da ponderação
do K de cada tributo dessa esfera pelo seu respectivo peso no financiamento,
sendo, neste caso, o ICMS (transferido pelos estados) o de maior peso.
Deve-se mencionar que os dois tributos progressivos que alimentam o SUS na
esfera municipal não são de competência dessa esfera de governo: o IRPF (K
= 0,333) é federal, enquanto o IPVA (K = 0,120) é estadual, sendo ambos
transferidos diretamente aos municípios, conforme explicitado no Capítulo I.
Dos impostos de competência municipal, o que apresentou um K mais
regressivo é o ISS (K = -0,081); note-se que o IPTU, embora sendo um
imposto direto, pois incide sobre a propriedade, resultou em um K
ligeiramente regressivo, de -0,022.
O Efeito Redistributivo do Financiamento do Sistema de Saúde
63
Conforme apontado nos Capítulos II e III, a análise da equidade vertical do
financiamento do sistema de saúde brasileiro é sintetizada por V, medido a
partir de K e de g.
Como V = g / (1 - g) K, sendo K igual a -0,012 e g igual a 0,097 30,
V = -0,001.
Do ponto de vista da equidade vertical, portanto, o financiamento do sistema
de saúde é ligeiramente regressivo.
Note-se que, como referido nos Capítulos II e III, o impacto do financiamento
setorial na concentração de renda é resultante da mensuração da equidade
vertical (V, analisada acima) e, também, da equidade horizontal, sendo esta
última medida pelo impacto do financiamento na concentração da renda
intraclasse (H+R).
Como a análise da equidade vertical objetiva identificar a redistribuição da
renda entre os diferentes, esta análise pressupõe que, internamente a cada
grupo de renda (organizado por decil), as famílias têm níveis de despesas
semelhantes, de forma que a renda disponível após a execução do gasto seria
semelhante para os indivíduos de cada grupo.
Porém, na realidade, indivíduos e famílias com renda semelhante podem
realizar gastos com saúde que alterem consideravelmente sua renda
disponível e, em alguns casos, que os façam migrar de uma classe para outra,
inferior. Note-se que boa parte dos gastos diretos em saúde é realizada em
gastos catastróficos, isto é, não previsíveis nem no que tange ao momento em
que vão ocorrer, nem no que concerne à sua magnitude.
Essa questão, que diz respeito ao que ocorre entre os indivíduos de uma
mesma classe, concerne à análise da equidade horizontal (H e R), e visa
identificar, portanto, o impacto do financiamento setorial intraclasse de renda,
a existência de migrações de uma classe para outra (de renda pós-
financiamento setorial) e a magnitude com que elas se dão.
O efeito redistributivo do financiamento setorial, RE, é medido pela diferença
30 Ou seja, representa que 9,7% da renda da sociedade brasileira destina-se ao financiamento do sistema de saúde (conforme apresentado no início deste Capítulo IV).
64
entre o Índice de Gini G(X) da Renda antes do financiamento setorial e o
Índice de Gini da Renda disponível após o financiamento setorial, G(X-P). No
caso brasileiro RE = - 0,0003239.
Assim, como:
RE = G(X) - G(X-P)
e
RE = V – (H+R),
então
- (H + R) = - (RE – V) => H + R = RE – V = - 0,0003239 – (-0,0012685)
(H + R) = 0,0009446.
Conforme referido no Capítulo II, quando V é negativo (o que configura um
sistema regressivo), se o valor da equidade horizontal for positivo, ele
influencia a redistribuição final, RE, tornando-a mais regressiva. Isso é o que
ocorre no nosso caso brasileiro.
O valor positivo do (H + R) expressa a desigualdade do gasto em saúde
intraclasse, que decorre do peso do gasto privado direto, fundamentalmente,
sendo este estreitamente relacionado ao caráter catastrófico desse gasto.
Os dados apresentados abaixo mostram o efeito desse gasto sobre a renda
das classes mais pobres da sociedade brasileira. Eles foram calculados com
base na renda e pagamentos diretos com saúde das famílias declarados na
POF/IBGE 2002-3.
Com vistas a recalcular a quantidade de pobres no mundo, Kakwani (Brasil,
2004) refez os cálculos do Banco Mundial e gerou novos valores para estimar
a linha da pobreza ou da indigência (ver quadro anexo). A metodologia do
Banco Mundial considera 1 dólar por dia o limite da linha da pobreza, valor
ajustado pela taxa de câmbio de paridade do poder de compra para eliminar
as diferenças no custo de vida entre países e poder ser utilizado como
parâmetro. Seguindo tal metodologia, no caso brasileiro teríamos 8,8% da
população abaixo desta linha da pobreza no ano de 1990, mas em 2000 a
65
quantidade de pessoas abaixo da linha da pobreza teria diminuído, totalizando
4,7% da população (Brasil, 2004).
Entendendo que o salário mínimo per capita é o limite mínimo que uma família
deve receber para não ser considerada extremamente pobre, refizemos os
cálculo com os microdados da POF 2002-3. O salário mínimo brasileiro na
data-base da coleta dos dados da pesquisa era R$ 1.200,00.
Com esse cálculo ao resultado que teríamos 19,3% da população abaixo dessa
linha de extrema pobreza (LP), isto é, recebendo menos que um
salário mínimo per capita. Mais grave porém, é o que ocorre com as famílias
depois que efetuam os pagamentos diretos com saúde. O efeito catastrófico
dos pagamentos diretos com saúde faz com que a parcela da população
indulgente após tais pagamentos aumente para 20,7% da
população brasileira. Ressalta-se que estão sendo considerados apenas os
pagamentos diretos com saúde, sem considerar os demais custos de vida para
a sobrevivência humana.
Os gráficos 7 e 8 abaixo mostram a relação da renda das pessoas antes (linha
cor de rosa) e depois de efetuarem os pagamentos diretos com saúde (renda
pós, barras amarelas) coma linha da pobreza (linha azul). Como o tamanho da
amostra da POF é bastante grande, optou-se por distribuir a população e as
curvas em dois gráficos – assim, o gráfico 8 é continuação do gráfico 7. Eles
mostram a incidência da pobreza impactada pelos pagamentos diretos com
saúde - dados acima, de 19,3 para 20,7% da população -, mas mostram,
também a intensidade do impacto. Assim, quanto mais extensa for a linha
amarela, maior é o impacto sobre aquela família..
Gráfico 7 Gráfico 8
(5)
(4)
(3)
(2)
(1)
-
1
2
3
4
5
1
Cumulative (%) of People ranked by Income
Ypre
and
Ypo
st O
OP
as a
mul
tiple
of P
over
ty L
ine
Poverty Line Income Pre / PL Income Post / PLSource: POF/IBGE 2002-3
(15)
85
185
285
385
485
1
Cumulative (%) of People ranked by Income
67
CAPÍTULO V
CONCLUSÕES
69
CONCLUSÕES
Esta pesquisa foi concebida na busca de um método que mostre se o
financiamento setorial é um sistema pautado pela progressividade ou pela
regressividade, isto é, se penaliza mais do que proporcionalmente àqueles que
mais têm ou não – ou seja, se o ônus do financiamento do setor saúde é
inversamente proporcional à renda das pessoas ou não.
Para qualquer análise dos resultados desta pesquisa devem-se ter presentes
duas considerações básicas. A primeira diz respeito à concentração de renda
da sociedade brasileira. O Índice de Gini expressa o grau dessa concentração,
podendo hipoteticamente seu valor máximo chegar a 1, o que corresponderia
à situação de maior desigualdade (na qual toda a renda fosse concentrada por
um indivíduo). Conforme assinalado no Capítulo IV, o Índice de Gini brasileiro,
de 0,57, é muitíssimo mais elevado que o dos países desenvolvidos e também
o é se comparado ao dos demais países em desenvolvimento.
Assim, 80% da população mais pobre do nosso país concentra 37,6% da
renda quando os 3% mais ricos concentram 25% da renda nacional. Dessa
forma, o primeiro decil detém apenas 1% da renda, enquanto o decil mais rico
se apropria de 46,1%. Tamanha concentração da renda vai determinar em
grande medida a distribuição do financiamento em saúde, especialmente
quando o analisamos por tipo de gasto.
A segunda consideração que deve estar presente na análise é a composição do
gasto brasileiro em saúde. Embora esta composição esteja marcada pela
estrutura do sistema de saúde, que é constitucionalmente definido como
sendo de acesso universal e integral, o Brasil possui uma estrutura do gasto
em saúde bastante diferente da dos sistemas nacionais de saúde de Estados
de Bem Estar e, no que diz respeito à participação do Estado no financiamento
setorial, muito assemelhada ao padrão dos E.U.A., cujo sistema de saúde é
tido como típico do modelo liberal.
Assim, conforme assinalado no Capítulo I, os gastos em saúde de países como
Reino Unido, Dinamarca e Suécia são de 80% a 90% públicos e financiados
preponderantemente por impostos gerais. No Brasil a participação do setor
público no gasto nacional em saúde é de apenas 44% - sendo, portanto, igual
70
à norte-americana. Mas a composição do nosso financiamento é ainda mais
injusta porque a parcela privada é composta majoritariamente pelo gasto
privado direto, de caráter catastrófico, que não resulta de escolhas individuais
entre itens de consumo, mas que é imposto pela necessidade de
sobrevivência.
Resultado disso é que os dados da pesquisa evidenciam que, por um lado, há
grande diferença entre os pagamentos das pessoas com renda semelhante, ou
seja, há iniqüidade horizontal. Esta se apresenta e com alto grau de incidência
e de intensidade. Se considerando um (1) salário mínimo como o valor mínimo
que uma família deve receber para não ser considerada extremamente pobre,
identificou-se que 3,5% da população brasileira está abaixo dessa linha de
extrema pobreza. O efeito catastrófico dos pagamentos diretos com saúde faz
com que essa parcela da população indigente aumente para 4,8%, se
considerada a renda disponível após tais pagamentos. Ressalta-se que estão
sendo considerados apenas os pagamentos diretos com saúde, sem considerar
os demais itens do custo de vida para a sobrevivência humana.
No que diz respeito à análise da equidade vertical, que considera a distribuição
do financiamento setorial entre pessoas de distintos níveis de renda, os dados
também mostraram que, com exceção do financiamento do setor de saúde
suplementar, o ônus do financiamento incide mais do que proporcionalmente
sobre a renda dos mais pobres que sobre a dos mais ricos.
Um resultado alarmante da pesquisa foi tanto a dimensão do gasto em
medicamentos como sua distribuição. Quando analisada a composição
percentual do gasto privado direto em saúde, segundo item de gasto, por decil
da população ordenada pela renda familiar per capita (exibida na Tabela 5 do
Capítulo IV), observa-se que para todos os decis de renda a despesa com
medicamentos representa o mais forte item de gasto privado direto. Ademais,
a participação do gasto com medicamentos sobre a renda é expressivamente
mais elevado quanto menor for a renda da população. Dessa forma, é
evidente que a distribuição gratuita de medicamentos deve ser objeto de uma
política pública atuante, que proteja a sociedade desse gasto catastrófico.
A mesma observação se aplica aos serviços auxiliares de diagnóstico e terapia
que, como evidenciado no capítulo anterior, penalizam igualmente os nove
71
primeiros decis, independentemente de sua renda, sendo o decil mais rico da
população protegido desse gasto, provavelmente pelo fato de ser coberto com
esquemas de saúde suplementar. Os dados da POF 2002/3 evidenciam que,
em que pese o esforço que vem sendo alocado à alta e média complexidade,
ainda existia no SUS, pelo menos em 2003, o “gargalo” dos SADT que abala a
integralidade do nosso sistema de saúde.
Outra lógica é verificada na distribuição dos pagamentos de planos e seguros
de saúde, que se mostram aparentemente progressivos, mas cuja
progressividade é apenas aparente pelo fato de que o gasto reduzido dos
segmentos inferiores de renda expressa fundamentalmente a sua rara inclusão
do setor de saúde suplementar, fato explicado fundamentalmente pela sua
baixa renda. Considerando a altíssima concentração de renda da sociedade
brasileira, não seria possível outro comportamento do gasto com planos de
saúde entre os diferentes níveis de renda: a população de baixa renda jamais
poderia ter acesso a um sistema suplementar ao SUS sem que isso se desse
pelo financiamento do empregador. Tendo em vista que é sobretudo a
população das camadas médias a que possui emprego formal e, ainda, dada a
estrutura da concentração de renda da nossa sociedade com brutal
concentração no último décimo de renda (46% de toda a renda da sociedade
brasileira), a distribuição desse gasto tende a ser mais do que proporcional à
renda.
Ressalta-se que a um sistema de asseguramento privado não se aplica uma
análise de sua progressividade (ou regressividade), uma vez que se trata do
acesso a um sistema excludente pela sua natureza, pois é condicionado à
capacidade de pagamento de cada indivíduo e/ou à sua inserção no mercado
formal de trabalho.
O financiamento do SUS é realizado via pagamento de impostos e
contribuições sociais, de forma que o grau de equidade no financiamento do
sistema público de saúde é o mesmo dos tributos que o financiam. Os
resultados mostraram que os decis inferiores de renda contribuem menos que
proporcionalmente à sua renda, o que indicaria uma estrutura tributária
progressiva, mas que, como o último décimo, que concentra 46% da renda,
contribui com pouco menos do que concentra em renda, o grau de
progressividade dos tributos que financiam o SUS diminui.
72
O financiamento da Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade
Social (COFINS) incide sobre o faturamento das empresas, sendo facilmente
transferível ao consumidor final e inserindo-a no preço dos bens e serviços
comercializados nas diferentes etapas do processo de produção e circulação
das mercadorias, tornando-a um tributo com forte componente regressivo.
O mesmo fenômeno ocorre com o Imposto sobre Produtos Industrializados
(IPI) - que integra o financiamento setorial pelas transferências
intergovernamentais concernentes ao Fundo de Participação dos Estados (FPE)
e ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM)- e com o Imposto sobre
Serviços (ISS), que também são transferidos aos preços finais. Destaca-se,
principalmente, a regressividade dos impostos indiretos IPI e ISS, que é ainda
mais acentuada que a da COFINS, tendo em vista que penalizam mais
fortemente os decis de renda menor.
O Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS) é um tributo indireto, que
incide sobre o valor dos bens e serviços comercializados e, como as classes de
menor renda utilizam a renda preponderantemente em gasto concernente ao
consumo (em nada ou quase nada poupam), têm maior parcela dessa renda
absorvida pelo pagamento desse tributo, diferentemente das classes mais
abastadas, tornando o ICMS o mais regressivo dos tributos considerados nesta
pesquisa. Note-se que sua regressividade é quase máxima, tendo em vista
que seu Índice de Kakwani é próximo de -1 (-0,76).
Diferentemente desses tributos mencionados, o Imposto sobre a Renda das
Pessoas Físicas (IRPF), que é um imposto direto, é progressivo. Como existe
uma tabela com alíquotas de pagamento diferenciadas pela renda tributável e,
tendo em vista a enorme concentração de renda da sociedade brasileira, é o
décimo mais rico que paga IRPF mais do que proporcionalmente a sua renda.
Entretanto, este grau de progressividade é muito menor que o grau de
concentração da renda da sociedade brasileira. Por este motivo, a atual
discussão no Congresso Nacional acerca do aumento do número de classes de
renda para cálculo do IRPF devido, necessita ser fortemente encorajada pelo
governo e pela sociedade brasileira, promovendo um aumento do grau de
progressividade desse tributo que, ainda está muito aquém do que se espera
de uma proposta orientada pela justiça social.
73
O índice de Kakwani do financiamento do SUS sintetiza o seu grau de
progressividade: como referido no Capítulo IV, o índice de Kakwani do
financiamento público (-0,008) corresponde a um sistema quase proporcional
(que onera proporcionalmente à renda), tendo em vista que, embora
negativo, seu valor é muito próximo de zero. Em uma sociedade com o grau
de desigualdade da brasileira, que exibe um Índice de Gini de 0,57, ter um
financiamento do SUS proporcional é fortemente questionável, sob a ótica da
justiça social: ao contrário, seria necessário construir bases de financiamento
do SUS –ou seja, um sistema tributário- que fosse francamente progressivo,
de forma a contra-restar a fortíssima concentração de renda da nossa
sociedade.
Por outro lado, deve-se ter presente que, quando os estados participarem com
a porcentagem de suas receitas que é estabelecida pela Emenda
Constitucional 29, o ICMS passará a ter um peso muito maior no
financiamento setorial, sendo ele é o mais regressivo dos tributos, como
mostrado no capítulo anterior.
Dessa forma, também no que diz respeito ao financiamento do SUS, fica
evidente que uma reforma tributária deve ser norteada, fundamentalmente,
pela reforma e/ou criação de tributos fortemente progressivos, isto é, que
onerem mais do que proporcionalmente as classes que mais renda têm.
Ainda, a discussão do financiamento do SUS deve ser feita dentro do debate
financiamento da seguridade social e deve remeter, por outro lado, à forma
como está sendo tratado o ajuste macroeconômico. É necessário, de uma
parte, resgatar o espírito com que foi construído o nosso sistema de
seguridade social, pautado pelos princípios de um Estado de Bem-Estar: a
instituição do acesso universal à saúde, enquanto um direito inerente à
cidadania, foi coerentemente acompanhada da inserção do Setor Saúde no
Sistema de Seguridade Social e, ainda, do financiamento setorial através do
Orçamento da Seguridade Social e dos Tesouros Federal, Estaduais e Municipais.
A própria composição do Orçamento da Seguridade Social –sem vincular fontes
para cada área especifica- contemplou a natureza distinta dos benefícios e
serviços por ele financiados: i) aos benefícios de caráter contributivo e
individualizados (tais como os do regime geral de aposentadorias) correspondem
as tradicionais contribuições sobre a folha de salários (da empresa e do
74
trabalhador), enquanto ii) os benefícios e serviços regidos pela lógica da
cidadania (tais como o acesso universal à saúde e "salário cidadão" de um salário
mínimo para a população de mais de 65 anos ou portadora de deficiência) seriam
financiados por contribuições sobre o lucro líquido (CSLL) e sobre o faturamento
(COFINS) e, ainda, pelos recursos do Tesouro que se fizessem necessários para
atender as necessidades decorrentes desse modelo de proteção social
welfariano.
Dessa forma, incorporaram-se fontes novas (tais como a contribuição sobre o
lucro), ampliou-se a base de incidência de tributos já existentes (como a do
antigo FINSOCIAL) e previu-se a participação de receita fiscal no
financiamento do sistema, de forma tal a garantir a sua viabilização. Ainda, ao
se constituir um orçamento unificado, pretendeu-se racionalizar a alocação de
recursos do Orçamento da Seguridade Social, evitando a pulverização no uso
de receitas de fundos previamente existentes.
Entretanto, a construção desse conjunto de políticas sociais pautadas pelos
princípios de um Estado de Bem-Estar e de um sistema redistributivo foi se
desvirtuando progressivamente. De uma parte, estabeleceu-se uma
vinculação de recursos: das contribuições sobre folha de salários para a
previdência e da CPMF para a saúde (que hoje, também, financia a
previdência social). Esta vinculação havia sido propositalmente evitada no
texto constitucional, para que fosse possível financiar as políticas sociais de
acordo com as necessidades apresentadas pela sociedade brasileira, e não de
acordo a orçamentos “engessados” e fragmentados.
De outra parte, não se prosseguiu, na reforma tributária abortada, com a
criação de um sistema tributário mais progressivo: a criação da CSLL, que é
um tributo direto e, a princípio, progressivo, não foi acompanhada da reforma
dos impostos já existentes, no sentido de dotá-los de maior progressividade.
Isto é evidenciado pelos resultados desta pesquisa.
Ademais, deve-se mencionar que a provisão de políticas social passou, nos
últimos quinze anos, a ser vista não mais como um dos principais instrumentos
redistributivos do Estado numa sociedade altamente desigual como a nossa. Ao
contrário, desde o início dos anos noventa, passou a ser tratada como
instrumento do ajuste macroeconômico e, portanto, objeto do corte do gasto
75
público. Note-se que essas políticas de ajuste vinculam nada menos que a
metade do gasto público ao pagamento as despesas com juros, encargos e
amortização da dívida interna e externa.
Por sua vez, como mencionado em Ugá e Marques (2004), a saúde tem
representado desde 2000 sempre menos de 17% do orçamento da seguridade
social e cerca de 5% da despesa total efetiva federal, com o qual é realmente
questionável a eficácia de qualquer política de contenção do gasto social frente à
manutenção da atual magnitude da despesa financeira da União. A
Desvinculação de Recursos da União – DRU (implantada desde 1994 através do
Fundo Social de Emergência, rebatizado de Fundo de Estabilização Fiscal) é uma
evidência da prioridade absoluta do ajuste fiscal, em detrimento do cumprimento
do dever do Estado no financiamento de políticas sociais cidadãs.
Outro fator que tem gerado a necessidade de financiamento do setor público é a
renúncia fiscal historicamente praticada pelo Estado brasileiro e
particularmente aprofundada a partir dos anos noventa. Em primeiro lugar,
deve-se mencionar a receita que o Estado deixa de arrecadar através do Imposto
de Renda sobre pessoas físicas e jurídicas, seja através dos rendimentos
considerados não-tributáveis, seja mediante as deduções de gastos privados em
saúde, educação, etc. que, juntos, resultaram numa renúncia fiscal de mais de
2% do PIB (Ugá, 1997). Outro fato altamente questionável é o pagamento, com
recursos da União, de planos de saúde privados para os funcionários públicos,
que também reduz a quantidade de recursos disponíveis para a saúde coletiva.
Se incluída esta renúncia fiscal na distribuição dos gastos por decil de renda,
certamente o financiamento do sistema de saúde brasileiro se mostraria mais
regressivo: enquanto os mais pobres, que não pagam imposto de renda,
tampouco se beneficiam de qualquer dedução no seu gasto privado, mesmo
aqueles que, embora de baixa renda, se situam na faixa dos declarantes do IR,
não podem usufruir qualquer dedução referente a gastos em saúde, tendo em
vista que estes dizem respeito, fundamentalmente, a medicamentos (não
deduzíveis).
Finalmente, é necessário ter em mente que esta pesquisa analisou a equidade
do SUS exclusivamente na dimensão de seu financiamento, mas é
estritamente necessário vincular essa análise ao grau de equidade observado
no acesso e na utilização dos serviços de saúde, para poder analisar de uma
76
forma mais abrangente o grau de equidade do sistema de saúde brasileiro.
77
BIBLIOGRAFIA
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WAGTAFF, A. & VAN DOORSLAER, E. Equity in health care finance and delivery. in HHE,
chapter 34, sections 1-3: 2000.
________. Catastrophe and impoverishment in paying for health care, with applications to
Vietnam. Health Economics, 2003.
81
WORLD BANK. Quantitative Techniques for Health Equity Analysis: Technical Notes. Site
do World Bank em 17/05/2004: http://www.worldbank.org/poverty/health/wbact/
WORLD HEALTH ORGANIZATION. World Health Report. 2000.
VAN DOORSLAER, E. & O’DONNELL et al. Paying for health care in Asia: catastrophic and
poverty impact. EQUITAP Project Working Paper #2: 2003.
VAN DOORSLAER, E. & WAGSTAFF, A. Equity in the Finance and delivery of the health
care: an international perspective. OUP, Oxford: 1993.
VAN DOORSLAER, E. et alli. The redistributive effects of health care in 12 OECD countries.
Journal of Health Economics: 18(3): 389-411, 1999.
VIANA, S.M.; MAGALHÃES, L.C.G.; SILVEIRA, F.G.; TOMICH, F.A. “Carga Tributária Direta
e Indireta sobre as Unidades Familiares no Brasil: Avaliação de sua Incidência nas
Grandes Regiões Urbanas em 1996”. In: Texto para Discussão n.º 757. Brasília,
IPEA: 2000.
82
ANEXO
83
QUADRO 1: INDICADORES DE LINHA DE POBREZA E DE INDIGÊNCIA PARA O BRASIL
FONTE Definição:Linha de Pobreza
Definição: Linha de extrema
pobreza ou indigência
Nota metodológica
Resultados encontrados: Linha pobreza
Resultados encontrados: Linha de extrema pobreza
ou indigência
Kakwani (atualização do Bird)
renda < US$ 2,00 pc/dia
renda < US$ 1,00 pc/dia
utilizam o US$ PPC: Dólar ajustado pela taxa de câmbio de paridade do poder de compra que elimina as diferenças do custo de vida entre países
em 1990: 8,8% da população e em 2000:4,7% da população
PPA 2004- 2007
rendimento familiar pc < 1/2 SM
rendimento familiar pc < 1/4 SM
em 1999: 39,7% da população e em2002: 52,3 mi de pessoas, ie, 30,6% da população
em 2002: 20,0 mi de pessoas, ie, 11,6% da população
CEPAL
utiliza informações acerca da estrutura de custos da cesta alimentar, contemplando diferenças geográficas para a definição da necessidade de consumo individual calórico mínimo
em 1990: 23,4% da população e em 2001:13,2%
Outro
participação dos 20% maispobres na renda ou no consumo nacional
em 1992: 20% mais pobres tinham 3% da renda nacional e em 2002 tinham 4,2% da RN
Fonte: Objetivos de Desenvolvimento do Milênio - Relatório Nacional de acompanhamento. Brasília: IPEA, 2004
Quadro 2: Descrição dos objetivos e metodologias sobre mensuração e avaliação de desigualdade de renda e de saúde
considerados relevantes para esse trabalho
AUTORES / PAÍS
REFERÊNCIA OBJETIVO METODOLOGIA
ARONSON, J. Richard; JOHNSON, P.; LAMBERT, Peter J.
Redistributive Effect and Unequal Tax Treatment. In: The Economic Journal, volume 104, Issue 423, March, 1994
Analisar a equidade do financiamento de tributos para os indivíduos que se destacam após o pagamento, seja para menor ou maior diferença da renda inicial. Identificar a iniqüidade no tratamento intragrupos de renda após o pagamento de tributos e propor tratamento específico desses dados par a análise da distribuição de renda após o financiamento de tributos.
O autor propõe a identificação do que ocorre com determinados indivíduos (ou famílias) após o pagamento dos tributos. Sua preocupação é analisar como se dá o efeito redistributivo desse pagamento sobre a renda inicial dos indivíduos, em especial daqueles em que o pagamento provoca os maiores efeitos relativos sobre sua renda. Está preocupado em analisar como a distribuição da renda da população pode ter seu perfil alterado também pela alteração da renda pós-pagamento de determinados indivíduos. Para isso compara as posições da renda de um mesmo indivíduo antes e após o pagamento dos tributos na distribuição de renda de uma população e chama de “fans” os espaços entre o pré e pós-pagamento. Identifica os maiores fans e como se sobrepõem. Mostra que para a análise geral da equidade do financiamento dos tributos também deve ser dado tratamento específico à esses casos, propondo o re-rankeamento final dos dados para considerar os desiguais identificados.
ATKINSON, Anthony Barnes
Poverty in Britain and the reform of social security, 1969.
Social Justice and public policy, 1983.
The economics of Inequality, 1983
The economic consequences of rolling
Objetiva identificar as transferências de escala e as transformações lineares positivas da função de utilidade de forma a adequar-se às propostas de Welfare State.
Trabalha com índice de desigualdade, considerando renda observada e renda média. Define para cada população um nível de renda equivalente Ye de forma que se cada indivíduo receber tal montante de recursos o bm estar seria o mesmo para toda a população. É um índice bastante utilizado para a medição de desigualdade porém considera-se que permite observar de forma mais adequada o que acontece com os grupos mais pobres da população do que com os mais ricos.
85
back the welfare state, 1999.
Handbook of income distribution, 2000.
CEPAL: Medina, Fernando
(Chile)
Consideraciones sobre el Índice de Gini para medir la concentración del Ingreso. Serie Estúdios estadísticos y prospectos. N.º 9, Marzo 2001. Santiago de Chile: CEPAL, División de Estadística y Proyecciones Econômicas, 2001
Apresentar as propriedades dos indicadores existentes para medir desigualdade.
Principais métodos considerados: Índice de Gini e Curva de Lorentz. Também apresenta: Condição de Pigou-Dalton, Condição de troca relativa, Decrescimento de efeito por transferências, Decrescimento relativo de efeito por transferências de renda, Decomposição aditiva e Índice de Theil
DEVARAJAN, Shantayanan; HOSSAIN, Shaiki I.
The combined incidence of taxes and public expenditures in the Philippines. World Development 26(6): 963-977. 1998
Analisar a equidade do financiamento do sistema tributário das Filipinas.
Mensura a equidade do sistema tributário das Filipinas a partir da distribuição de determinados gastos públicos e da renda. Contempla os tributos diretos e indiretos, para os últimos faz uma matriz para calcular a alíquota real dos tributos.
ENSOR, Tim; HOSSAIN, A., Miller, N.
(Reino Unido, Bangladesh e Reino Unido)
Funding Health Care in Bangladesh – assessing the impact of new and existing financing. Research Paper 24,May 2001.
Analisar a equidade do financiamento do sistema de saúde das Filipinas.
Utiliza parte da metodologia de Van Doorslaer & Wagstaff: considera suficiente para cumprir o objetivo, a elaboração do Índice de Kakwani, (não necessariamente aplicando a parte da metodologia proposta por Aronson) de identificar o movimento dos pontos (famílias ou indivíduos) em cada décimo de renda após o financiamento setorial, que Wagstaff utiliza para fazer o cálculo final, junto ao Índice de Kakwani.
HADDAD, Slim
(Canadá)
Anais da 3ª Conferência Internacional do ISEqH, 2004. No prelo.
Analisar a equidade do financiamento do sistema de saúde.
Contempla a utilização dos serviços de saúde na análise da situação de renda das famílias após o financiamento setorial.
HOFFMAN, Rodolfo
(Brasil)
Distribuição de Renda: Medidas de Desigualdade e Pobreza. São Paulo: Editora da Universidade de São
Apresentar de forma didática os métodos existentes de medição da desigualdade de renda e
Em relação à desigualdade de renda medida por Polígonos de Lorentz, explica que estes que não incutem em erro, porém como o cálculo da Curva de Lorentz considera cada ponto da curva teria potencial de gerar resultados mais
86
da Universidade de São Paulo, 1998.
Estatística para Economistas. 3ª edição revista e ampliada da de 1998. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2001.
desigualdade de renda e discutir sobre sua utilização diante de diferentes bases de dados e formas de apresentação dos dados. Principais métodos considerados: Índice de Gini e Curva de Lorentz.
ponto da curva teria potencial de gerar resultados mais precisos que os dos Polígonos de Lorentz.
87
KAKWANI, Nanak
(Australia)
Measurement of Tax Progressivity: an International Comparison. In: The Economic Journal, vol. 87, 1976.
Applications on Lorenz Curves in Economic Analysis. In: Econometrica, v 48, nº 3, 1977.
... & PODDER, N. “Efficient estimation of the Lorenz Curve and Associated Inequality Measures from Grouped Observations”. In: Econometrica, v 44, nº 1, 1976
On a Class of Poverty Measures. In: Econometrica, vol 48, nº 2, 1980.
Functional forms for estimating the Lorenz Curve: a reply. In: Econometrica, v 48, nº 4, 1980.
Note on a new measure of Poverty. In: Econometrica, vol 49, nº 2, 1981.
Construir metodologia de avaliação da equidade do financiamento de tributos.
Com vista a avaliar a equidade do financiamento de tributos, na década de 1970 Kakwani desenvolveu um modelo que analisa a relação entre a distribuição população, da renda e dos pagamentos de tributos, gerando um índice que corresponde a duas vezes a área entre a curva de Lorentz e a do financiamento do tributo. O resultado corresponderá a um indicador entre –1 e 1. Por um lado, um resultado positivo expressa uma estrutura de financiamento do sistema progressiva do ponto de vista da equidade, por outro lado o valor negativo expressa um sistema de financiamento setorial regressivo, sendo que para o resultado zero será a estrutura do financiamento é proporcional.
SUBRAMANIAN, S.V. & KAWASHI, Ichiro
(EUA)
Income Inequality and Health: what have we learned so far? Epidemiologic Reviews. 2004; 26: 78-91
Avaliar as evidências dos estudos de multinível de análise a partir da argumentação da associação entre a renda i di id l lt d
Definem estudos multinível os que utilizam dados primários, ao nível individual de resultados de saúde (“ndividual level health outcome”).
Apresentam um quadro com 15 trabalhos elaborados nos EUA entre 1997 e 2003 contendo, principalmente, a fonte
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individual e resultados individuais de saúde.
de dados, tamanho da amostra da população, método (análise de regressão simples, modelos marginais, modelos multiníveis) e resultados (mortalidade, hipertensão, fumo, sedentarismo, massa corpórea, sintomas de depressão e auto-avaliação em saúde).
SZWARCWALD, C. L.; Bastos, F. I.; Esteevs, M.A.P.; Andrade, C.L.T.; Paez, M. S.; Médici, E. V.; Derrico, M.
(Brasil)
Desigualdade de renda e situação de saúde: o caso dório de Janeiro. Cadernos de Saúde Pública. Rio e Janeiro, 15.1999.
Testar a associação entre desigualdade de renda e situação de saúde. Pesquisa se restringe ao município RJ.
Consideram situação de saúde: coeficiente de mortalidade infantil, taxa de mortalidade, esperança de vida ao nascer e taxa de homicídios.
Para a renda utilizam principalmente o Índice de Gini.
Van DOORSLAER, Eddy
(Holanda)
(& WAGSTAFF, Adam) Equity in the Finance and delivery of the health care: an international perspective. OUP, Oxford. 1993. (et alli) The redistributive effects of health care in 12 OECD countries. Journal of Health Economics, 18 (3), 1999.
Análise comparativa de equidade no financiamento do sistema de saúde aplicando metodologia desenvolvida em conjunto com Wagstaff.
Constrói metodologia para avaliar o impacto redistributivo do financiamento do setor saúde, analisando a renda pré e pós o financiamento do sistema de saúde. Esta metodologia também é apresentada como alternativa à metodologia utilizada pela OMS no Relatório Mundial de Saúde (Wagstaff, 2001).
É proposto o trabalho em 3 grandes etapas, uma para os cálculos que contemplem a equidade vertical, outra para a horizontal e a última para fazer o recálculo final da situação das pessoas após o financiamento do setor saúde.
89
WAGSTAFF, Adam
Measuring equity in health care financing: reflection on and alternatives to the WHO’s fairness of financing index. World Bank: Development Research Group and Human Development Network: 2001.
Van DOORSLAER, E.; MASSERIA, Cristina and the OECD Health Equity Research Group Members
Income-Related Inequality in the use of Medical Care in 12 OECD Countries. OECD Health Working Papers, (14). 2004
Atualizar estudo feito em 2000 com análise comparativa da iniqüidade em renda e saúde (em 12 países da OECD) .
O estudo considera a demanda pela utilização de serviços de saúde e o acesso aos serviços.
Analisa a renda por quintis de renda.
Trabalha com o princípio da equidade horizontal das necessidades onde população com igual necessidade de saúde obtém igual tratamento, independentemente de diferentes rendas.
WHO WHO’s fairness of financing index. World Bank: Development Research Group and Human Development Network. 2001
Comparar o sistema de financiamento de setorial de diferentes países.
O financiamento foi analisado por um índice que mede a justiça no financiamento do setor saúde.
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DISTRIBUIÇAO DA RENDA FAMILIAR PER CAPITA e do FINANCIAMENTO DO SETOR SAUDE,segundo a POF/IBGE 2002/3. Brasil, 2002.
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DISTRIBUIÇAO DA RENDA FAMILIAR PER CAPITA e do FINANCIAMENTO DO SUS,segundo a POF/IBGE 2002/3. Brasil, 2002.
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RENDA FINANCIAMENTO SUS RENDA PÓS FINANCIAMENTO SUSFonte: POF/IBGE 2002/3SIOPS/MS
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DISTRIBUIÇAO da RENDA FAMILIAR PER CAPITA e dos PAGAMENTOS PRIVADO DIRETOS COM SAÚDE, segundo a POF/IBGE 2002/3. Brasil, 2002.
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RENDA PAGAMENTO PRIVADO DIRETO RENDA PÓS PAGAMENTO PRIVADO DIRETOFonte: POF/IBGE 2002/3
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DISTRIBUIÇAO DA RENDA FAMILIAR PER CAPITA e do FINANCIAMENTO de PLANOS e SEGUROS PRIVADOS DE SAÚDE, segundo a POF/IBGE 2002/3. Brasil, 2002.
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