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UMA AÇÃO PEDAGÓGICA PARA SALA DE APOIO EM MATEMÁTICA
Dóris Klüber Santi1
Edilson Roberto Pacheco2
Resumo
Este texto trata da descrição e reflexão sobre uma proposta de trabalho desenvolvida sob a forma de atividades estruturadas para uma turma de alunos integrantes da denominada sala de apoio em matemática, em uma escola pública do Paraná. O objetivo foi verificar como alunos desse tipo de classe podem compreender conteúdos matemáticos, por meio de atividades planejadas diferentes das usualmente encontradas na classe regular, interagindo com o conhecimento e com seus pares em ações mediadas. Serviram de fundamentos alguns marcos da teoria de Lev Vygotsky. Constatou-se mais envolvimento e interesse dos alunos nas atividades e uma considerável melhora no nível de compreensão do conteúdo trabalhado.
Palavras-chave: Ensino de Matemática, Didática da Matemática, Operações Fundamentais.
Abstract
In this text we find some description and reflection about a work proposal carried out in a public school in the state of Paraná. The research was developed with some structured activities given to the students who were attending the Learning Support Classes on Math. The main goal of this work was to verify how the students from this class might understand the mathematical contents using planned activities, which differ from the ones usually found in a regular class, and by interacting with the knowledge and its pairs in facilitated actions. Some of Lev Vygotsky milestones served as fundamental theory for this study. More students’ involvement and interest were detected in the
1 Professora da rede pública do Estado do Paraná. 2 Professor do Departamento de Matemática da Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO, Guarapuava, PR.
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activities. In addition to this, there was an considerable improvement in understanding the worked contents.
Key-words: teaching of mathematics, didactics of mathematics, basic operations.
Introdução
O ensino da matemática, no Brasil, no nível denominado Fundamental, tem
apresentado uma preocupante situação, que pode ser constatada pelos índices
alcançados pelos estudantes brasileiros nas últimas avaliações3 em exame internacional
de aprendizagem. A cada triênio os alunos de 15 anos são submetidos a testes. Apesar da
sensível melhora na participação o Brasil ainda ocupa, entre as várias dezenas de países
participantes, um lugar no ranking geral que é motivo de preocupação, principalmente
em matemática e em leitura. No que se refere à matemática, muitas das dificuldades
encontradas por alunos estão relacionadas, principalmente, às operações básicas. Essa
situação tem sido recorrente, pois, há algum tempo, os exames nacionais também vêm
ratificando esse quadro. Se, por um lado, esse fato é e deve ser inquietante, por outro,
cabe destacar que se tem percebido um percentual significativo de participação maior de
professores que atuam no Ensino Fundamental e Médio, em encontros e cursos
relacionados ao ensino da matemática, com o objetivo de buscar alternativas para
amenizar essa situação.
Segundo as Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná (2008) o professor
assume a função de protagonista da ação de forma crítica e deve conceber a matemática
como uma atividade humana a ser construída. Desse modo, aspira-se um estudo que
possibilite aos educandos desenvolverem percepção que permita analisar, discutir,
3 PISA - Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Programme for International Student Assessment), exame aplicado pela OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), a cada três anos, cujo objetivo é comparar o desempenho dos países na educação, em Leitura, Matemática e Ciências. Na última avaliação realizada em 2009, o Brasil obteve o 53º lugar no resultado geral, num total de 65 países que prestaram o exame. Especificamente, em matemática, a pontuação obtida pelos alunos brasileiros estabeleceu o incômodo 57º lugar.
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levantar hipóteses, assimilar conceitos e formular ideias. Assim, é possível que o
professor leve a efeito uma adaptação didática que regule a ligação entre a Matemática
como campo de conhecimento e a disciplina escolar. Ainda de acordo com as Diretrizes,
números e álgebra, grandezas e medidas, geometrias, funções e tratamento da
informação são conteúdos estruturantes, dada sua fundamental importância para a
compreensão dos conceitos e práticas que identificam e organizam os campos de estudo,
devendo ser validados nas relações sociais e construídos de acordo com a história. Os
números, por fazerem parte da vida do homem (contagem, numeração), desde a
Antiguidade; a álgebra por possibilitar aos alunos compreenderem o sistema de
numeração decimal, notações, as operações fundamentais, conjuntos numéricos, razão e
proporção, regra de três, porcentagem e números decimais; grandezas e medidas por
fazerem parte da necessidade humana de noção de espaço e, também, o sistema
monetário que envolve mensuração e valores; geometrias para perceber e analisar
objetos no espaço; funções por relacionar dependência entre duas grandezas, leitura e
interpretação da linguagem gráfica; tratamento da informação por contribuir à leitura
crítica de fatos (interpretação de dados).
Como professora atuante no Ensino Fundamental, tem sido possível comprovar
que a ação pedagógica em Matemática deve levar o aluno a investigar, procurando
conhecer aquilo que ainda não sabe, utilizar os conhecimentos já aprendidos, ligando-os
a conteúdos novos e, com isso, traduzir em alternativas metodológicas para o trabalho
em sala de aula.
Apesar desses apontamentos, o que se encontra, em muitas situações no ensino
regular são, principalmente, classes com muitos alunos e deficiências que eles trazem
em conhecimentos prévios fundamentais, fatores que comprometem significativamente
a aprendizagem, situação para a qual o professor deve buscar alternativas. Na 5ª série
(6º ano) do Ensino Fundamental algumas das dificuldades encontradas por professores
de matemática são comuns e estão relacionadas a alguns fatores, como alunos com
dificuldades na adaptação à nova estrutura e com lacunas na compreensão de conteúdos
básicos anteriores. Quando constatada essa situação, parte desses alunos é encaminhada
para a sala denominada sala de apoio. Esse tipo de sala surgiu da necessidade de
possibilitar aos alunos inseridos na sala regular, auxílios referentes aos conteúdos nos
quais apresentam dificuldades.
O objetivo deste estudo foi investigar como alunos de uma classe de apoio
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poderiam trabalhar e compreender, por meio de atividades planejadas e mediadas,
alguns conteúdos matemáticos nos quais apresentavam dificuldades.
Tendo isso como referência elaborou-se uma proposta, a qual trata de uma
estruturação de atividades para uma turma de alunos integrantes da denominada “sala de
apoio em matemática”.
A proposta e aportes teóricos
No estado do Paraná a oferta de salas de apoio foi instituída pela Resolução nº
208/2004 (SEED). No sexto ano do Ensino Fundamental, nas disciplinas de Língua
Portuguesa e Matemática, há uma designação de carga horária de quatro horas aula, no
contra turno do período, para os alunos que apresentam defasagem nos conteúdos
básicos. Nas salas de apoio o professor deve oferecer um atendimento pedagógico que
atenda as dificuldades indicadas pelo professor da sala regular.
Muitos dos alunos, tanto da classe regular quanto da sala de apoio provêm de um
sistema no qual ao encerrar o 1º ano foram promovidos para o 2º ano, por meio de
parecer descritivo, sem utilização de notas. Nesse sistema ocorrem reprovações do 2º ao
5º ano. Esse é um dos fatores que podem ter influência no baixo rendimento dos alunos
em séries subsequentes, o que resulta no encaminhamento à sala de apoio.
Para estudar essa situação, intentou-se desenvolver atividades, nas quais o aluno da
sala de apoio pudesse interagir com o conhecimento e com seus pares, expressar as
ideias que já traz a respeito de determinado conteúdo e procurar sanar as dificuldades
por meio de ação mediada. Para tanto, foram utilizadas, dentro da Psicologia Cognitiva,
especificamente em Vygotsky4, algumas contribuições que direcionassem a
configuração do desenvolvimento das atividades.
4 Também se encontra grafado como Lev Semenovich Vigotsky, ou ainda, Vigotski. Segundo Moysés (1997), Lev Semionovich Vygotsky nasceu na Rússia (1896-1934), formou-se em Direito, estudou Medicina, Filosofia, História. A sua formação intelectual variada possibilitou reunir conhecimento abrangente sobre variadas áreas do saber (p.20).
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Segundo Ivic (2010), “a obra científica de Vygotsky conheceu um destino
extraordinário. Sem nunca ter recebido educação formal em psicologia foi considerado
um dos maiores psicólogos do século XX” (p.11). Para se definir de forma mais precisa
o que se pode entender da teoria de Vygotsky, por algumas palavras chave, o autor
evidencia: “sociabilidade do homem, interação social, signo e instrumento, cultura,
história, funções mentais superiores”, ou, em uma única expressão, “teoria sócio-
histórico-cultural do desenvolvimento das funções mentais superiores”, ou ainda, como
frequentemente se encontra denominada, “teoria histórico-cultural” (IVIC, 2010, p.15).
A teoria sócio-interacionista de Vygotsky, segundo Moysés (1997, p.19) se
fundamenta sobre os seguintes marcos teóricos: mediação, processo de internalização,
zona de desenvolvimento proximal, formação de conceitos. Vygotsky priorizava o
ambiente social no desenvolvimento da criança, no qual ela nasce, cresce e interage com
outras pessoas. A capacidade de aprender surge da experiência cultural vivenciada
durante as interações entre os sujeitos e, caso isso não ocorra, o indivíduo não se
desenvolve e o aprendizado não acontece. A mediação entre os conhecimentos é
considerada um elemento fundamental no processo de desenvolvimento humano. Na
perspectiva vygotskyana isso acontece pelo uso da linguagem que o homem elaborou ao
longo da sua história para transmitir e acumular à sua cultura. Seus estudos mostram
que é na interação com o outro e com o meio que ocorre o desenvolvimento sócio-
cognitivo. O adulto como um facilitador, auxilia no processo de aprendizagem. No
ambiente escolar, esta função é desempenhada pelo professor, que atua como mediador
entre o conhecimento e o aluno. Essa mediação pode ocorrer entre aquilo que os alunos
ainda não apropriaram e o que eles já sabem, sob duas formas: por meio de instrumentos
que são os elementos externos, as ações concretas, ou seja, um objeto social na relação
do indivíduo com o meio; pelos signos, que são os elementos internos, as ações mentais,
(linguagem, escrita, arte, formas numéricas, gráficos, mapas). O signo, portanto, é uma
representação de um pensamento e para ser compreendido precisa ser interpretado pelo
sujeito no significado.
Na escola, por meio da mediação planejada e intencional o professor cria
condições para que o aluno se aproprie de novas experiências e as transforme em
aprendizagem. Dessa forma a mediação, por meio de instrumentos e signos, ajuda no
processo de desenvolvimento das funções psicológicas superiores.
Vygotsky (2003) enfatiza que é na interação social mediada por signos que as
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funções psíquicas superiores se desenvolvem. Essas funções (pensamento, memória,
cognição, atenção, entre outros) são processos voluntários, ações conscientes e
intencionais que acontecem a partir da relação entre o indivíduo e a sociedade e
dependem de processos de aprendizagem. Ele afirma que a cultura é parte da natureza
do homem e que as funções psicológicas são um produto de atividade cerebral, pois, à
medida que o sujeito se desenvolve, ocorrem mudanças radicais nas várias fases das
operações mentais.
A internalização como processo interpessoal transformado num processo
intrapessoal acontece antes mesmo da criança frequentar a escola porque ela interage
com outros sujeitos e troca conhecimentos, incorpora formas de comportamento e
estabelece o processo de aprendizagem não científica, que Vygotsky denomina
conhecimento espontâneo. Já, o conhecimento científico acontece durante as situações
formais de ensino e aprendizagem, são sistematizados e transmitidos de forma
intencional dentro do contexto escolar.
Outro marco importante na teoria de Vygotsky é o que diz respeito ao processo
de aprendizagem, o qual ocorre por meio de dois níveis, o primeiro denominado “nível
de desenvolvimento real” indica a capacidade mental da criança, aquilo que ela
consegue fazer sozinha; o outro é o “nível de desenvolvimento potencial”, que é a
capacidade de desempenhar atividades com a ajuda de outros. Entre o nível de
desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial está a “zona de
desenvolvimento proximal”, definida como a distância entre os dois níveis. Esta é a
zona em que as funções que ainda não amadureceram, estão em estado embrionário. Em
A Formação Social da Mente (2003), Vygotsky afirma que “essas funções poderiam ser
chamadas de brotos ou flores do desenvolvimento, ao invés de frutos do
desenvolvimento” (p.113).
Esse conjunto de referenciais teóricos se constituem, portanto, nos elementos
que serviram de subsídios para o desenvolvimento da proposta aqui apresentada, a qual
foi desenvolvida por meio de algumas estratégias de ação.
As atividades
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As atividades se caracterizaram em trabalhar, por meio de formas diferenciadas,
conteúdos relacionados às dificuldades apresentadas pelos alunos na classe regular, de
forma que pudessem partilhar o conhecimento, interagindo tanto com o tema, bem
como com os colegas e com a professora, agente de mediação da situação de
aprendizagem. Desse modo, optou-se por desenvolver uma atividade que articulasse
leitura/interpretação e matemática. Serviu como propósito, inicialmente, uma história
do livro O Homem que Calculava, de Malba Tahan5. A história (TAHAN, 1985, p.35-
37) narra que Beremiz Samir, o “homem que calculava”, realizava cálculos prodigiosos
em sua jornada pelo deserto árabe:
Beremiz, com o forasteiro, visitaram um Suk6, para onde
afluíam muitas caravanas. Peregrinos de Damasco com grandes
turbantes coloridos, exibindo armas, caminhavam olhando para
os mercadores. Beremiz foi atraído por um elegante e
harmonioso turbante azul claro, oferecido por 4 dinares, por
um mercador sírio que vendia em sua tenda, além de turbantes,
também caixas, punhais, pulseiras e tecidos.
Cada um desses produtos, era vendido por 4 dinares,
conforme anunciava o letreiro : “Os Quatro Quatros”. Ao ver o
interesse de Beremiz pelo turbante azul o narrador lembrou-o
de que não estavam em condições de gastar, pois ainda teriam
que pagar a hospedagem. Beremiz deixou claro que não era o
turbante que o interessava, mas sim, ver na tenda do mercador
intitulada “Os quatro quatros” uma grande coincidência, pois o
letreiro figurado naquele quadro recordava uma das maravilhas
do cálculo, a qual atesta que se poderia formar um número
qualquer se empregando os quatro quatros7.
5 Autor considerado pela sua contribuição ao ensino da matemática, ao empreender um estilo de lecionar para além da forma teórica e expositiva. Criou um método instigante que favorecia a aprendizagem, o qual refletia sua criatividade por meio de seus romances e contos, bem como, no campo do ensino. A história de um persa que se empenha em solucionar operações, problemas e questões que envolvem o uso da matemática se tornou a emblemática do seu livro de maior popularidade, O Homem que Calculava. 6 suque ou suk – rua ou praça em que se localizavam as tendas árabes e os jardins da movimentada Bagdá.7 Exemplo: 44 – 44 = 0; 4:4 + 4.4 = 17; 4 + (4.4 – 4) = 4 + 12 = 16. Na nota [6], p.37, o autor cita que com quatro quatros é possível escrever um número qualquer, desde 0 até 100.
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Atividade de leitura
No ensino da matemática não é comum a prática da leitura e isso se atesta e se
reflete em dificuldades que alunos apresentam ao interpretar um problema e
compreender enunciados. Segundo Pacheco (2011, p.7), por meio de pesquisas
realizadas para avaliar habilidades de leitura como o Programa Internacional de
Avaliação de Alunos (Pisa) e o Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional (Inaf),
foram apontados números espantosos de desinteresse da prática de leitura no Brasil em
todas as faixas etárias. No âmbito escolar, isso é mais preocupante ainda.
Considerando esses fatores optou-se por uma atividade cujo objetivo principal
foi possibilitar ao aluno a leitura de uma história proposta, interpretá-la e, por meio dela,
chegar às elaborações e resoluções de expressões aritméticas. Para tanto, uma conversa
inicial foi realizada por um dos autores do presente texto com os alunos integrantes da
sala de apoio, em que se abordou sobre alguns tópicos da história da matemática. O
objetivo foi motivar e incentivar o envolvimento dos alunos a participarem da leitura da
narrativa escolhida para a atividade, a qual contém alusões a operações fundamentais
com números.
O livro, de cunho ficcional, foi apresentado para os alunos, com um breve relato
sobre a biografia do autor, e, na sequência, foi solicitada aos alunos a leitura da história
(TAHAN, 1985, p.35-37) distribuída em texto pela professora mediadora da atividade,
que pediu uma leitura coletiva, e que os alunos destacassem as palavras que
considerassem desconhecidas, as quais foram procuradas por eles, nos dicionários
distribuídos pela professora. Após isso, voltou-se ao texto e discutiu-se a adequação das
diferentes acepções encontradas para melhor compreensão dos termos e,
consequentemente, da história. Foi então solicitado que cada aluno fizesse uma leitura
oral e individual, situação na qual se evidenciaram muitas dificuldades de oralidade e
interpretação, o que revela que esses alunos têm pouca prática de leitura. Essas
dificuldades se caracterizaram também na falta de articulação sequencial dos fatos da
história. Como ação mediadora, a professora apresentou algumas ilustrações que se
relacionavam aos personagens, objetos e nomes dos lugares presentes no texto. O
objetivo foi que, por meio dessas figuras, os alunos estabelecessem uma
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correspondência visual e, dessa forma pudessem relatar com mais informações uma
ordenação da história. Tendo-se verificado ainda, que havia dificuldade por parte dos
alunos na estruturação da história, foi sugerida pela professora representar a história sob
a forma de encenação, o que foi aceito pelos alunos e realizado. Nessa atividade
constatou-se maior envolvimento dos alunos, maior fixação do enredo, culminando ao
que se intencionava inicialmente – as expressões envolvendo os quatro quatros.
Com os aportes teóricos, buscou-se a interação dos alunos com o tema, com seus
pares e com a professora mediadora, por meio da leitura, narração e produção de texto
sobre a história. Em seguida solicitou-se aos alunos buscarem e apresentarem soluções
para os casos suscitados pelo problema proposto, o qual tratou da estruturação e
resolução de expressões numéricas que compreenderam as operações fundamentais.
Expressões numéricas
As atividades seguintes foram, portanto, relacionadas diretamente ao conteúdo
implícito - operações fundamentais em expressões numéricas - o qual incitava que os
alunos construíssem as expressões utilizando somente quatro quatros. Os alunos
trabalharam individualmente e em pares, mostrando maneiras variadas de construir
expressões, cujos resultados apontariam números obtidos, sem necessariamente seguir
uma sequência, somente com a utilização de operações fundamentais em expressões
numéricas.
Alguns exemplos das expressões resolvidas e apresentadas pelos alunos:
444 + 4 = 448
4 x 4 + 4 x 4 = 16 + 4 x 4 = 20 x 4 = 80
44/4 + 4 = 15
4 – 4 + 4 x 4 = 22
4 x 4 + 4 – 4 = 16
(4 x 4) – 4 : 4 16 – 4 = 12 : 4 = 3
{4 x (4 x 4) – 4} 4 x 16 = 64 – 4 = 60
44 x 44 = 1826
√44 + 4 x 4
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Todas as resoluções dessas expressões foram discutidas em sala, em momentos
nos quais a professora buscou identificar o conhecimento que se encontrava no “nível
de desenvolvimento real” e empreender ações mediadas na que considerou a “zona de
desenvolvimento proximal” para, no final de cada resolução, verificar o “nível de
desenvolvimento potencial” atingido.
Como atividade decorrente, para um novo “nível de desenvolvimento real” foi
sugerido aos alunos elaborarem outras expressões numéricas usando cinco cincos,
fazendo uso de material concreto em EVA, disponível na sala de apoio. Um exemplo
apresentado por um aluno foi:
5 + 5 x 5 : (5 – 5) : 0
5 + 25 : 0 : 0
5 + 0 = 5
Ao ser questionado sobre o resultado da divisão cujo divisor é zero, o aluno
justificou que o resultado era zero. Dois alunos afirmaram que não existia essa divisão.
Um outro aluno foi ao quadro e expressou a divisão da forma 25 : 0 e explicou que se
colocar o quociente 0 a multiplicação 0 x 0 é zero ou, se colocar 25 x 0, também
resultará zero. A professora, após questionar qual a solução para esse caso, explicou
sobre a utilização de quaisquer um dos quocientes e sobre a existência ou não dessa
divisão.
Na expressão seguinte, {5 : [5 x 5] – (5 – 5)}
{5 : 25 – 0}
elaborada e resolvida por uma aluna, a resposta dada foi utilizar 25 : 5 = 5 – 0 = 5.
Questionada pela professora se estava correta a resposta, em princípio, os alunos
responderam que sim. Ao ser exemplificado pela professora que, se 5 balas fossem
divididas para 25 colegas, cada colega receberia 5 balas, os alunos perceberam que
estava errada a resposta. A professora solicitou que algum aluno resolvesse novamente a
expressão, o que foi feito encontrando-se o resultado: {0,2 – 0}= 0,2.
Algumas considerações
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Na perspectiva vygotskyana o professor exerce a importante função de mediador
entre o conhecimento e os alunos, nas interações efetivadas em sala de aula. Nessa
metodologia de trabalho os alunos deveriam registrar como pensaram e elaboraram o
raciocínio, para trocarem essas informações com os colegas. Durante as aulas, todos
demonstraram interesse e prontamente foram construindo as expressões utilizando os
quatro quatros. Após algumas tentativas eles perceberam que os resultados se repetiam e
as expressões eram elaboradas de forma diferente. Quando questionado pela professora
para explicar o resultado encontrado, alguns demonstraram dificuldade no momento da
resolução, pois, ainda não estavam respeitando a ordem das operações básicas e como
utilizar os operadores. No decorrer das aulas os alunos foram perdendo o interesse em
construir mais expressões, pois não conseguiam encontrar resultados diferentes daqueles
que eles já haviam encontrado. Alguns tentaram utilizar a raiz quadrada de quatro, mas
como o objetivo era utilizar os quatro quatros, entenderam que não era possível, além
disso, perceberam que o caminho percorrido é tão importante quanto o resultado.
Inicialmente, no momento da resolução das expressões, os alunos não
colocavam os resultados e sim, efetuavam os cálculos somente utilizando os algoritmos,
não respeitando a ordem das operações, originando respostas erradas. Para auxiliá-los
na tarefa proposta foi sugerido como ferramenta um material confeccionado em EVA
contendo números, e os operadores como, parênteses, colchetes, chaves e sinais das
quatro operações para serem utilizados como apoio. Os alunos fizeram uso desse
material e, observando o manuseio dos números, perceberam a função dos operadores, a
importância da distribuição das operações básicas nas expressões numéricas utilizando
os quatro quatros. Com o desenvolvimento das expressões, os alunos entenderam que
havia cálculos diferentes para respostas iguais.
Finalizando, foram propostas pela professora mediadora, outras expressões
numéricas envolvendo outros numerais e operadores. Com a expressão numérica
registrada na lousa foi solicitado aos alunos que participassem da resolução, interagindo
com os colegas para encontrar a resposta correta.
A expressão {5 x (2 + 4 : 2 - 1) + [(3 x 6) + 5 : 5 - 1] – 3} foi resolvida passo a
passo com a participação de vários alunos. Um aluno foi ao quadro e efetuou a
resolução da primeira linha da seguinte forma:
{5 x (6 : 1)+[18 + 5 : 5 - 1]}
Após questionamento, outra aluna fez a correção referente à primeira linha:
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{5 x 3 + [23 : 5 - 1] - 3}
Outro aluno percebeu que havia o erro da adição ter sido efetuada antes da
divisão e, fez a correção: {15 + [18 + 1 - 1] – 3}.
Outra aluna continuou, {15 + [19 + 1] – 3}, aqui percebendo que a colega
efetuou a soma e trocou o sinal da subtração pela adição e corrigiu para: {15 + [19 - 1] -
3} = {15 + 18 - 3}= 33-3 = 30.
Após discussão sobre a importância de resolver expressões seguindo regras,
foram propostas aos alunos outras expressões, elaboradas pela professora:
Sala de Apoio __/__/__ 5ª série ___
Nome:______________________________
Calcule o valor das seguintes expressões numéricas:
1) 10 – (18 – 4 - 6)+(8 – 7 + 1)
2) 28 – [9+(13+7-18)-5]
3) 10 – 2 x 3 + 5 x 1
4) 25 – [8 – 2 x (6 + 2 – 5)]
5) 20 – [45 : (4 x 2 +1) + 1]
6) {[2 x (6 + 3) + (12 + 8) : 4] -1}
7) 5 x {[12 : (3 + 1) + 5 x 9} : 8}
A ação mediadora da professora se efetivou no acompanhamento da resolução
dessas novas expressões pelos alunos, situações em que instrumentos e signos
(parênteses, colchetes e chaves) empregados requeriam as devidas adequações aos
procedimentos. Nessa generalização, uma identificação possível se estabelece como
fase no desenvolvimento das “funções psicológicas superiores” (VYGOTSKY, 2003) no
processo de aprendizagem das expressões numéricas com operadores e numerais
diferenciados.
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Como conclusão
Após o desenvolvimento dessas atividades, foi possível atestar grandes
dificuldades enfrentadas pelos alunos no processo da leitura, com a deficiência
relacionada à leitura oral e, consequentemente, à interpretação textual, o que reflete a
pouca ou quase nenhuma prática de leitura na história escolar da maioria dos alunos da
classe em estudo. Há, portanto, a necessidade urgente de aquisição e aprimoramento das
competências de escrita, leitura e cálculo por parte dos alunos do 6º ano, como a
atividade aqui desenvolvida. Indiscutivelmente, a incumbência na formação desses
alunos, nos aspectos da dimensão necessária que a leitura, a escrita e o cálculo devem
ter na sua formação não deve ser apenas dos professores de Língua Portuguesa e
Matemática, mas também de outras áreas da formação escolar.
Como o trabalho desenvolvido com os alunos ocorreu nas aulas de contraturno,
foi possível a utilização de procedimentos metodológicos diferentes dos usualmente
adotados para aulas de matemática no turno regular. Essa flexibilização possibilitou
momentos de trabalho individual e coletivo, permeados por práticas de leitura e
exercícios sobre expressões numéricas, numa interação entre alunos e professor, o
agente de mediação nesse processo.
Uma das dificuldades na efetivação das atividades foi a inconstância no
comparecimento de todos os alunos em todas as aulas correspondentes. Apesar de
algumas dificuldades básicas de compreensão de conteúdo por parte dos alunos ainda
terem remanescido, este trabalho realizado com alunos da sala de apoio do 6º ano trouxe
mais envolvimento, mais interesse, participação ativa de todos, e a visível melhora de
alguns alunos no rendimento escolar.
A utilização dos aportes teóricos de Vygotsky possibilitou um refinamento na
forma do fazer pedagógico da professora, como agente de mediação e,
consequentemente, no resultado das ações.
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Referências
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