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UM ESBOÇO SOBRE O SISTEMA DE MOVIMENTO DE
TRANSPORTE PÚBLICO E AS AMBIVALÊNCIAS DA
MOBILIDADE URBANA NA CIDADE DO RECIFE
Diana Cecília de Souza1
RESUMO
Neste artigo, busca-se refletir sobre alguns aspectos que
permeiam a mobilidade urbana na cidade do Recife, tendo como
foco seu sistema de movimento de transporte público. Para tanto,
faz-se inicialmente uma reflexão sobre a gênese da imobilidade
urbana atual e, em seguida, tecem-se algumas considerações
sobre a crise do sistema de transporte público e as ambivalências
da mobilidade urbana no Recife.
Palavras-chave: Sistema de movimento, transporte público,
mobilidade, Recife.
ABSTRACT
In this article, we try to reflect on some aspects that permeate the
urban mobility in the city of Recife, focusing on its public
transport system of movement. Thus, it was initially a reflection
on the genesis of the current urban immobility and then to weave
some considerations about the crisis of the public transport
system and the ambivalence of urban mobility in Recife.
1 Mestra e Licenciada em Geografia pela Universidade Federal de
Pernambuco. É professora da rede estadual de ensino em Pernambuco e,
atualmente, encontra-se cedida à Universidade de Pernambuco - Campus
Garanhuns, onde leciona no Curso de Licenciatura em Geografia.
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Keywords: Motion System, public transport, mobility, Recife.
1. Introdução
Dada a expansão do meio técnico-científico-
informacional, construíram-se os sistemas técnicos necessários à
realização da produção e das trocas globalizadas, destacando-se,
nestes, os sistemas de movimento do território - conjunto
indissociável de sistemas de engenharia (fixos) e de sistemas de
fluxos (materiais e imateriais) que respondem pela solidariedade
geográfica entre os lugares (CONTEL, 2006). Neste contexto,
ressalta-se a importância dos sistemas de movimento de
transporte público de passageiros na organização espacial das
cidades, destacando-se o seu papel na questão da mobilidade
urbana. Esta é assunto de pauta da atualidade, pois a falta de
investimento no sistema de transporte público, associada ao
expressivo aumento do número de automóveis em circulação, na
última década, fez parar as grandes cidades. Embora a gênese da
atual imobilidade urbana seja antiga, somente em 2013, com os
eventos da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos, somado às
manifestações, em que o transporte era uma das principais
reivindicações, é que governantes passam a ver o transporte
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público como prioridade, viabilizando a política nacional de
mobilidade urbana, cujos desdobramentos ainda estão por vir.
Nesta conjuntura, busca-se aqui refletir sobre alguns
aspectos que permeiam a mobilidade na cidade do Recife, tendo
como foco seu sistema de transporte público, fazendo-se
inicialmente uma reflexão sobre a gênese da imobilidade urbana
atual e tecendo-se algumas considerações sobre a crise do sistema
de transporte público e as ambivalências da mobilidade urbana no
Recife.
2. A Gênese da imobilidade urbana atual é antiga, só não
afetava a todos!
Nas cidades brasileiras, configurou-se um sistema de
transporte público de passageiros, constituído pelas modalidades
ônibus, metrôs e trens, sendo o primeiro modal a sua espinha
dorsal, responsável pelos deslocamentos da maioria das pessoas
que vive nas cidades. Embora este transporte público represente a
única possibilidade de ir e vir de grande parte da população no
espaço urbano, a falta de prioridade e de investimentos neste
segmento há muito tempo compromete a mobilidade daqueles
que dele depende exclusivamente.
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Um breve olhar sobre a origem e a evolução dos
transportes públicos no Brasil, mostra-nos como este sempre
esteve em segundo plano. Na década de 1950, o país ainda não
tinha uma estratégia para os seus transportes públicos. Funda-se a
PETROBRÁS e se implanta a política de criação de uma
indústria automobilística, visto que o aumento nas importações de
veículos e petróleo no pós-guerra gerou problemas com a balança
comercial. A indústria automobilística nacional – na verdade
dominada por empresas multinacionais – passou a representar
progresso e desenvolvimento para o país. Neste sentido,
governantes e técnicos priorizaram o uso do automóvel no espaço
urbano, procurando adaptar as cidades, com a construção de vias
expressas, túneis e viadutos, para receberem um número cada vez
maior de automóveis.
Nesta época, os bondes, que se encontravam em situação
decadente, foram sendo gradativamente extintos em todas as
capitais brasileiras. Segundo Stiel (1984), os bondes foram se
extinguindo por serem um entrave para a indústria
automobilística e petrolífera. Nas palavras do referido autor, a
extinção do bonde elétrico: “[...] foi habitualmente forçada pela
crescente e devastadora presença do transporte individual,
admitido na década de 1960 como a solução definitiva da
mobilidade urbana”.
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Nas décadas de 1960 e 70, na cidade de São Paulo, o
Estado direcionou a política de circulação urbana no sentido de
privilegiar o papel do motorista, ou melhor, da classe média
enquanto motorista, conforme explicita Vasconcelos:
[...] a política de circulação vai privilegiar o
papel da classe média enquanto motorista, em detrimento do papel do proletariado enquanto
passageiro de ônibus, mostrando que nem
todas as mercadorias em trânsito tiveram o
mesmo tratamento. (VASCONCELOS, 1991, p.44)
As décadas de 1960 e 1970 marcaram a fase inicial do
processo de metropolização nas grandes cidades brasileiras. Estas
passaram por um intenso processo de crescimento, fruto da
expansão populacional e industrial caracterizada por um modelo
de crescimento urbano baseado na existência de um centro e uma
periferia tentacular em permanente expansão, que em geral
seguiu os eixos viários. A posterior conurbação do núcleo
original em expansão com os núcleos urbanos vizinhos
completou este processo (LACERDA; ZANCHETI; DINIZ.
[2000?]).
Neste contexto, em 1973, o Governo Federal, na busca da
integração regional, no âmbito da perspectiva desenvolvimentista
do Estado brasileiro, institui as Regiões Metropolitanas no país e,
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nos últimos anos da década de 1970, época de regime militar,
marcada por uma cultura brasileira de planejamento centralizado,
com a implementação e a construção de uma política
metropolitana, passa-se a conceber o sistema de transporte dentro
de uma visão metropolitana. Decorre disso a construção de
grandes eixos para deslocamentos segundo uma lógica centro-
periferia.
Brasileiro (2002) ressalta que, do final dos anos de 1970
até o início dos anos de 1990, os deslocamentos eram tipicamente
pendulares - deslocamentos casa-trabalho - e, a concepção de um
espaço funcional, através de um planejamento de um sistema de
transporte organizado segundo a citada lógica, atendia
inicialmente a uma demanda cativa, que, com o passar do tempo
foi se diversificando e necessitando de novos serviços em função
das mudanças ocorridas na estrutura e funcionamento das
cidades. Com o crescimento das cidades, com surgimento e
crescimento de outros núcleos, com a intensificação das
atividades de comércio e serviços, os deslocamentos além de se
intensificarem, modificaram-se. Porém, com o passar do tempo as
empresas do setor de transporte não foram melhorando e nem
ampliando os serviços prestados, acomodadas que eram com uma
demanda praticamente cativa há anos, e o órgão gestor de
transporte coletivo também não o priorizou.
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E na configuração do espaço urbano, os interesses
imobiliários produzem um espaço cada vez mais disperso e
rarefeito, levando a desníveis tanto em termos de densidade como
de qualidade de equipamentos e de serviços de consumo coletivo.
Assim, a forte especulação imobiliária expulsou as camadas
pobres para áreas cada vez mais periféricas, carentes de infra-
estrutura e de serviços, fazendo-as percorrer grandes distâncias
para chegar ao seu local de trabalho, tornando-as totalmente
dependente do transporte público e cada vez mais distante do
direito à cidade. Neste contexto, os anos se passaram e na política
de mobilidade, a estrutura da cidade é voltada para o transporte
individual, na medida em que a política de transporte público é
deixada de lado pelo poder público, cujas ações, na maioria das
vezes, estão articuladas com os interesses do capital que
produzem e reproduzem a cidade. Até recentemente, em prol do
crescimento econômico do país, o Governo Federal, que hoje
investe em projetos de mobilidade urbana, incentivou (crédito,
IPI reduzido e facilidades de pagamento) a compra de
automóveis, como também de motocicletas.
Todavia, o sistema de engenharia para o automóvel não
tem mais como se expandir, daí o congestionamento inevitável e
a falta de mobilidade que afeta a todos, mas, sobretudo, os
pobres, tal como enfatiza Maricato:
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[...] é com a condição dos transportes que as
cidades acabam cobrando maior dose de
sacrifícios por parte de seus moradores. E embora a piora da mobilidade seja geral – isto
é, atinge a todos -, é das camadas de rendas
mais baixas que ela vai cobrar o maior preço em imobilidade (MARICATO, 2013).
O cerne desta problemática de mobilidade atual é a crise
do sistema de movimento de transporte público, que remonta de
várias décadas, traduzida pela falta de abrangência e ineficiência
quanto ao serviço prestado. A falta de pontualidade, os grandes
intervalos entre as viagens, a superlotação, a lentidão nos
deslocamentos, a falta de conforto, as altas tarifas, a falta de
informação, a saturação dos terminais de integração etc, têm
caracterizado este transporte nas últimas décadas. Mas, enquanto
ele não representava um empecilho aos fluxos econômicos e
somente a população dele dependente pagava um alto custo por
sua ineficiência, sempre fora deixado em segundo plano.
Esta crise do sistema de transporte público se tornou mais
explícita já nos anos de 1990, quando se intensifica
significativamente, nas grandes e médias cidades brasileiras, o
chamado transporte informal, realizando o transporte de
passageiros através de veículos de pequeno porte (kombis ou
peruas, vans, bestas, topics, motocicletas - mototáxis - e até
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mesmo automóveis particulares), que passam a atuar em paralelo
ao transporte coletivo por ônibus, com a ocupação dos centros
das cidades e dos grandes corredores viários. Tal fenômeno está
intrinsecamente atrelado não só ao contexto de crise
socioeconômica, iniciada nos anos de 1980, mas, sobretudo, à
crise do chamado transporte coletivo formal ou regulamentado,
crise esta que se perpetuou dos anos de 1990 aos dias atuais.
Associado a isto, o aumento expressivo do número de automóveis
em circulação, sobretudo neste último decênio, não só fez piorar a
situação da falta de mobilidade daqueles que sempre dependeram
do transporte público, mas de todos que transitam no traçado
viário das grandes cidades.
É neste contexto que se insere a cidade do Recife, onde,
similarmente a muitas outras cidades brasileiras, o sistema de
movimento de transporte público há décadas vem apresentando
claros sinais de esgotamento, sobretudo a partir dos anos de 1990,
quando da proliferação do chamado transporte informal.
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3. Os Sinais do esgotamento do sistema de movimento de
transporte público e as ambivalências da mobilidade urbana
na cidade do recife
Na cidade do Recife, o sistema de movimento de
transporte público há décadas vem apresentando sinais de
esgotamento. As empresas de ônibus não foram melhorando e
nem ampliando os serviços prestados, assim como o sistema
metroviário, além de não ser eficiente e nem abrangente - possui
uma rede pequena e atende a poucas áreas da Região
Metropolitana do Recife (RMR) - sempre foi esquecido, não
apresentando quase nenhuma intervenção que propusesse a sua
ampliação e melhorias de seus serviços.
Este esgotamento do sistema de transporte público se
tornou mais explícito, em especial a partir dos anos de 1995,
quando se intensifica o chamado transporte informal, realizando o
transporte de passageiros principalmente através das kombis e
vans. Houve uma ocupação dos centros das cidades e dos grandes
corredores viários não só de Recife, mas de toda a RMR, na qual
a atividade se expandiu, chegando a apresentar cerca de 7.000
veículos em circulação, cuja maior atuação se dava na capital. Tal
atividade foi encarada como um delito diante da série de
problemas que ocasionou nas áreas urbanas e, sobretudo por não
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se enquadrar nas normas regulares do transporte coletivo
convencional, fazendo-lhe uma concorrência acirrada (SOUZA,
2006).
Tanto no âmbito dos técnicos da área de transportes
quanto dos gestores públicos, costumou-se colocar o problema de
forma dicotômica: transporte informal (o clandestino, o pirata, o
ilegal, o irregular), considerado concorrente desleal e prejudicial
ao transporte dito oficial, versus transporte formal (o dito
convencional, oficial, regulamentado). No entanto, diante do
intenso crescimento do chamado transporte informal, Brasileiro
(1999) já destacava que esta oposição transporte informal
versus transporte formal é uma falsa questão, visto que, em
diversos países e cidades, observa-se a coexistência e a
articulação entre múltiplas formas de transportes coletivos. Neste
sentido, Brasileiro (2002) ressaltava que o grande desafio era
pensar uma rede de transporte no espaço metropolitano, buscando
uma articulação, uma integração, uma coexistência entre
múltiplas formas de transportes, com tecnologias diferenciadas,
desde a bicicleta ou a van até o metrô, com regulamentos
diferenciados, em função de tecnologias, de horários, etc., com
um modo de gestão diferenciado, com uma forma de organização
diferenciada. Esta rede deveria ser concebida e planejada pelo
Poder Público, podendo ser operada pelo setor privado, seja pelas
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empresas, quer seja pelos operadores de veículos de pequeno
porte (associados em cooperativas).
Contudo, tanto gestores públicos como grande parte dos
técnicos do setor de transporte não percebiam ou não queriam
perceber que, o que estava intrinsecamente associado ao
fenômeno da proliferação do chamado transporte informal era,
principalmente, a crise do chamado transporte coletivo formal ou
regulamentado. Grande parte dos técnicos, treinado sobretudo nos
anos de 1970 dentro de uma visão fortemente estatal de
construção de grandes corredores de transportes para ligar o
trabalho à casa, não viam que, com as crises dos anos de 1990, os
padrões de deslocamentos se modificaram, surgindo novos
hábitos, novas necessidades de deslocamentos, novas
possibilidades ofertantes de transporte para que a população
pudesse se deslocar. Havia a necessidade de mudança de visão do
segmento técnico.
De certo, o transporte, dito informal, configurou-se
enquanto alternativa aos deslocamentos da população,
propiciando-lhe mais mobilidade e, ao mesmo tempo,
representou, num contexto de crise socioeconômica, uma
alternativa de emprego (SOUZA, 2006). No âmbito do circuito
inferior (SANTOS, 1979) da economia urbana, pode-se apreender
que esta forma de transporte passou a atuar de forma
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complementar ao transporte coletivo convencional à medida que
atendia (e ainda atende em certas localidades) a uma demanda
que aquele não conseguia mais abarcar, apresentando algumas
vantagens comparativas como maior flexibilidade de itinerários,
tarifas, paradas, e não estando dissociado da oferta de transporte
como um todo. Entre ambas as formas de transporte, os ditos
informal e formal, havia e ainda há, portanto, uma
interdependência e uma complementaridade e não uma oposição,
uma dualidade, uma vez que um depende do outro e se
complementam2.
Diante da proliferação do chamado transporte informal na
cidade do Recife, o gestor público municipal junto ao estadual,
alinhado ao segmento técnico, que adotou uma postura dual face
ao problema, e, sobretudo, pressionado pelos empresários do
setor de transporte, que se vêem como “proprietários” do sistema
de transporte de passageiros, reprimiu e, posteriormente, depois
de quase uma década de intensa operação deste transporte,
praticamente o extinguiu da cidade do Recife, ampliando esta
ação para vários outros municípios metropolitanos através da
antiga Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos
2 Saliente-se também que, à medida que o circuito inferior constitui uma
estrutura de abrigo para aqueles desprovidos de capital e de qualificação
profissional, o transporte coletivo por veículos de pequeno porte representava
uma alternativa uma possibilidade de inserção no mercado de trabalho.
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(EMTU/Recife), que era responsável pelas linhas de ônibus
intramunicipais do Recife e intermunicipais do aglomerado
metropolitano3. Assim, volta-se à situação de monopólio das
empresas de transporte, eliminando-se o “grande vilão da
mobilidade” naquele momento: o transporte informal que finda
sua operação no Recife em 2003 sob forte fiscalização e com a
criação do Serviço de Transporte Complementar de Passageiros
do Recife – STCP/Recife (RECIFE, 2003). Evidentemente, fazia-
se necessário definir o papel do dito transporte informal no
quadro urbano. Todavia, a criação do STCP/Recife nem de longe
conseguiu abarcar a demanda de passageiros servida pela citada
atividade. O transporte complementar, desde os primórdios de sua
operação, já apresentava as mesmas mazelas que assolava e
assola o transporte coletivo no Recife há décadas.
Neste contexto, a despeito das promessas das empresas de
transporte por ônibus quanto à melhoria dos serviços prestados
diante da retirada das kombis e vans da cidade, poucos foram, se
houveram, os investimentos ao longo da última década no sistema
de transporte público do Recife. A isto, acresce-se ainda o
aumento expressivo do número de automóveis em circulação,
sobretudo neste último decênio, cuja frota cresceu 80% e, cerca
3 Após a extinção da EMTU/Recife, cria-se, em 2008, o Grande Recife
Consórcio de Transporte, empresa responsável por planejar e gerir o Sistema
de Transporte Público de Passageiros da RMR.
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de três mil novos carros entram em circulação a cada mês
(PASSOS, 2013), fazendo de Recife uma das capitais mais
congestionadas do país.
Hoje, reflexo de uma política nacional de mobilidade
urbana, Recife passa por um controverso processo de intervenção
pública, com a construção de vários equipamentos urbanos e com
a requalificação e a ampliação dos seus sistemas de engenharia
voltados para a mobilidade urbana marcada pela morosidade em
sua execução, devido a atrasos de muitas obras e de algumas nem
iniciadas. Durante todo esse processo, que ainda não se
concretizou, a população dependente do transporte público foi
quem mais padeceu e nunca viu tão comprometido o seu direito
de ir e vir na cidade.
No conjunto das ações implementadas, sob o rótulo da tão
propalada mobilidade, dentre aquelas voltadas para o transporte
público, como a construção de viadutos, elevados e terminais
integrados de ônibus, passarela que liga o aeroporto ao metrô, a
finalização de algumas obras do metrô, as quais já se arrastavam
por mais de décadas, destaque-se a requalificação e a ampliação
de corredores exclusivos para ônibus, com a implantação do
sistema BRT (Bus Rapid Transit) na Região Metropolitana do
Recife, denominado de Via Livre. Este sistema compreende dois
corredores: o Leste-Oeste (12 km), que liga o centro da cidade do
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Recife aos bairros e municípios metropolitanos situados a oeste, e
o Norte-Sul (33 km), que conecta o centro do Recife a municípios
metropolitanos ao norte. Ambos os corredores, cujas obras de
execução estão notadamente lentas, marcadas por improvisos e
atrasos, e ainda com indícios de irregularidades nos contratos, não
foram concluídos e nem entraram em funcionamento, mesmo
antes do evento da Copa do Mundo.
Paralelamente, em processo ainda incipiente, também vem
sendo demarcados corredores exclusivos de BRS (Bus Rapid
Service) para o transporte coletivo por ônibus na cidade do
Recife, denominados de Faixas Azuis, havendo hoje três faixas
implantadas, que totalizam cerca de 22 km. Já se fala em
diminuição do tempo de viagem nestas faixas, no entanto, urge a
necessidade de a Prefeitura do Recife implantar equipamentos de
fiscalização eletrônica para evitar a invasão das mesmas pelos
automóveis, fato que frequentemente vem ocorrendo.
Ressalte-se que, a implantação de corredores exclusivos
para o transporte público - o BRT e o BRS – tão mencionados na
atualidade, não são ideias novas. Cidades como Curitiba, São
Paulo, Rio de Janeiro e Recife, adotaram as faixas exclusivas
ainda nas décadas de 1970 e 1980. No Recife, por exemplo, as
primeiras faixas exclusivas foram implantadas na Av. Sul e na
Av. Caxangá, no início da década de 1980. Porém, estes
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corredores exclusivos foram esquecidos por 20 ou 30 anos em
várias cidades, a exemplo do Recife.
Ainda no conjunto de ações, no contexto da efervescência
dos projetos sob rótulo da mobilidade, outras iniciativas e
projetos também foram engendrados. Neste sentido, o governo do
Estado busca desenvolver o Projeto de navegabilidade do Rio
Capibaribe, cujo objetivo é tornar este rio uma hidrovia para
transporte público de passageiros, além da utilização turística
deste e de suas margens. O projeto prevê a intermodalidade deste
sistema de transporte fluvial com os demais modais de transporte
a partir de estações de embarque e desembarque de passageiros
com integração ao sistema de transporte urbano já existente.
No que tange ao transporte não motorizado, através de
bicicletas ou mesmo a pé, por exemplo, as iniciativas são de
pouca monta, pois estão muito aquém da possibilidade de prover
a cidade de uma infra-estrutura compatível com as necessidades
de pedestres e ciclistas. Hoje, as medidas tomadas pela prefeitura
foram as de instalar bicicletários em alguns pontos da cidade e
ciclofaixas móveis com funcionamento aos domingos e feriados,
das 7h às 16h. Trata-se de medidas pontuais e que não atingem a
população pobre, pois estas ciclovias móveis são instaladas em
áreas privilegiadas da cidade – que convergem para área central
do Recife – onde circulam as classes mais abastadas. Assim, tal
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iniciativa de simplesmente demarcar no asfalto as ciclovias com
temporalidade e áreas restritas, não favorece a mobilidade de
qualquer cidadão no espaço da cidade, mas representa, de certa
maneira, uma medida elitista, cuja intencionalidade é mais um
mote de propaganda política da gestão municipal para a classe
média do que de fato promover mais mobilidade para a
população.
Em meio a este controverso processo das atuais
intervenções públicas destinadas à mobilidade, em que se
preconiza o transporte público, contraditoriamente, na cidade do
Recife, finalizou-se uma grande obra viária – a Via Mangue –
cujo projeto data de mais de uma década e visa proporcionar
maior mobilidade à zona sul da cidade, privilegiando a fluidez
dos automóveis a partir desta via expressa.
Diante dessas ambivalências, questiona-se: Que
mobilidade se pretende para a cidade do Recife? Em que medida
as intervenções no sistema de movimento de transporte público
que está se configurando proporcionará de fato mobilidade à
maioria das pessoas que dele depende?
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4. Considerações finais
Em tempos atuais, é notório que a possibilidade para
desatravancar as cidades é tornar o transporte público eficiente.
Entretanto, mesmo diante da necessidade de priorizar este
transporte público, na cidade do Recife, percebe-se que, embora
várias iniciativas em prol da mobilidade urbana tenham sido
implementadas pelos governantes, no conjunto de medidas e
intervenções engendradas ainda prevalecem os interesses do
capital privado, sobretudo os imobiliários e os das empresas
prestadoras de transporte coletivo.
Para solucionar os problemas relacionados à mobilidade
na atualidade, é preciso que os gestores públicos assumam
realisticamente a prioridade que deve ser dada ao sistema de
movimento de transporte público, de forma que as necessidades
sociais não sucumbam aos interesses de uma minoria. É somente
desta maneira que este sistema de transporte pode passar a
representar um instrumento de justiça social, podendo conduzir
de modo mais racional o crescimento das cidades e das
aglomerações urbanas, tornando possível uma acessibilidade mais
equitativa à cidade e as suas possibilidades de emprego, de
cultura e de lazer. É uma questão política e não técnica!
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