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EDMUNDO DE MACEDO SOARES E SILVA Um Construtor do Nosso Tempo DEPOIMENTO AO CPDOC

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EDMUNDO DE MACEDO SOARES E SILVA

Um Construtor do

Nosso Tempo DEPOIMENTO AO CPDOC

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Um Construtor do

Nosso Tempo

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Um Construtor do

DEPOIMENTO AO CPDOC

Lucia Hippolito Ignez Cordeiro de Farias Organizadoras

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7 APRESENTAÇÃO

9 INTRODUÇÃO

15 UM ENGENHEIRO DE FARDA

33 REVOLUÇÃO E EXÍLIO

55 A PREPARAÇÃO PROFISSIONAL

73 A GESTAÇÃO DA GRANDE USINA

87 A AVENTURA DA GRANDE SIDERURGIA

111 MERGULHO NA VIDA POLÍTICA

129 UM GENERAL EMPRESÁRIO

147 RETORNO À VIDA POLiTICA

163 Í NDICE ONOMÁSTICO

171 LEGENDAS DE FOTOS

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OrBanização .. ..

Capa e Projeto GrijIco

DesiBner Assistente

Colorização da Foto da Capa . , ...

Produção GrijIca

Fotolitos e Manipulação de ImaBens

Impressão

S676 Silva, Edmundo de Macedo Soares e.

Um construtor do nosso tempo: depoimento ao CPDOC! Edmundo de Macedo Soares e Silva; Lucia Hippolito e Ignez Cordeiro de Farias (organizadoras). - Rio de Janeiro: larte Impressos de Arte, 1998. 172 p.: iI.

1. Depoimentos. 2. Edmundo de Macedo Soares e Silva. 3. Siderurgia - Brasil 4. CSN. I. Hippolito, Lucia II. Farias, Ignez Cordeiro de. III. Título.

CDU 92 SILVA, E.M.S. COO 923.2

.. ..

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Edmundo de Macedo Soares e Silva foi um visionário, da estirpe de Mauá e Delmiro Gouveia,

capaz de vislumbrar um Brasil moderno e industrializado quando ainda nos mantínhamos

presos à economia agrária e comercial herdada dos tempos coloniais.

E Macedo Soares não apenas teve um sonho. Empenhou mente, coração e braços na materialização

desse sonho. Participou de todas as fases - planejamento, implantação e direção - da primeira

usina siderúrgica integrada na América Latina, uma herança que temos hoje a responsabilidade de

preservar e ampliar, como base indispensável do esforço de modernização do país e redução das

desigualdades sociais.

o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getulio

Vargas resgatou a memória de uma das mais importantes sagas dessa época transformadora de nossa

história, com o depoimento de Macedo Soares, que foi um de seus mais ativos protagonista .

Clareza de propósito, firmeza de cal-áter e de vontade, dedicação patriótica e competência gerencial

vão se tornando evidentes nas respostas e esclarecimentos que Macedo Soares vai oferecendo às

perguntas das pesquisadoras da FGV e que, ao final, compõem um grandioso relato de sua vida e sua

obra.

A Companhia Siderúrgica Nacional, diretamente ou através da Fundação CSN, apóia iniciativas em

diversas áreas de interesse social, entre elas a de preservação da memória e do patrimônio cultural

do país.

Estamos convencidos de que Um construtor do nosso tempo merece ampla divulgação entre os estudio os

de nossa história empresarial e constitui exemplo perfeito de iniciativa merecedora do mais amplo

suporte público ou privado.

A Companhia Siderúrgica Nacional sente, por isso, imenso orgulho por sua participação neste projeto

editorial, revelador do passado que temos obrigação de não esquecer e de honrar. É um documento

que propicia ao leitor maior conhecimento sobre Edmundo de Macedo Soares e Silva, um hom m

que muito ajudou a construir o Brasil em que hoje vivemos e um símbolo maior dos milhares de

brasileiros que criaram a nossa siderurgia.

BENJAMIN STEINBRUCH Presidente do Conselho de Administração

CSN

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r f'rr r<,. o D LI c;i\ o

Este livro baseia-se no depoimento concedido pelo general Edmundo de Macedo Soares e Silva ao Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil , CPDOC, da Fundação Getulio Vargas entre novembro de 1 986 e agosto de 1 987 . As 33

horas gravadas fazem parte do acervo da instituição e estavam à disposição de pesquisadores interessados na história recente do país. O CPDOC iniciou em 1 975 seu Programa de História Oral , cujo acervo conta com depoimentos de personalidades que se destacaram na vida pública nacional a partir do início da década de 20. Daí seu empenho em realizar esta longa entrevista com Edmundo de Macedo Soares e Silva , que está agora sendo colocada ao alcance do público graças ao apoio da Fundação CSN e da Companhia Siderúrgica Nacional . Sua história de vida enriquece o acervo do CPDOC e permite recuperar, tanto a história política do país , quanto a da siderurgia brasileira .

Oficial do Exército, Edmundo de Macedo Soares e Silva engajou-se desde muito jovem nos movimentos revolucionários que marcaram a década de 20 . Viveu a experiência da prisão junto com vários de seus contemporâneos. O exílio na França, onde permaneceu por quase seis anos , permitiu que se dedicasse aos estudos de engenharia metalúrgica, o que marcou toda sua atuação posterior. Em 1 930, de volta ao Brasi l , retornou ao Exército, passando a servir em fábricas e arsenais. Integrou diversas e importantes comissões do governo federal , relacionadas com o projeto siderúrgico brasileiro, e que resultaram no planejamento e construção da Usina de Volta Redonda. Foi , pois, um dos principais artífices da criação da Companhia Siderúrgica Nacional, a CSN. Ao lado dessas m issões , dedicou-se ao ensino desde j ovem tenente, como instrutor de engenharia da Escola Militar. Engenheiro metalúrgico formado na França, lecionou em diversas escolas tanto militares quanto civis. Ao longo de seu depoimento, Macedo Soares insiste em afirmar que não foi político ; entretanto sua participação no movimento tenentista, sua atuação como ministro - nos governos Outra e Costa e Silva - e como governador do estado do Rio de Janeiro de 1 947 a 1 95 1 enfatizam sua inserção na vida pública nacional . Mas é fato que ele estava muito mais à vontade - e isto é facilmente perceptível na leitura do livro - quando discorria sobre assuntos técnicos e sobre a aventura de criar, em plena guerra mundial , uma empresa do porte da siderúrgica de Volta Redonda. Seu relato adquiria tonalidades mais vibrantes quando relembrava sua atuação como militar e metalúrgico lutando pela indústria siderúrgica no Brasil .

Temos plena consciência de que todo depoimento é uma versão, e que toda versão é um ensinamento parcial e personalíssimo sobre situações e acontecimentos, as pessoas e o mundo. Ao narrar sua trajetória, o general deu não só a sua versão como participante de determinados episódios mas ainda, como testemunha de uma época , permitiu esclarecer a história de uma geração de brasileiros que viveu as grandes transformações do século XX.

A realização da entrevista foi precedida de cuidadosa pesquisa, para que um exaustivo roteiro pudesse ser elaborado. Partindo da infância, acompanhou sua socialização, a formação escolar e

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profissional , dando especial ênfase à sua atuação como técnico e administrador. Homem extremamente inteligente e preparado, Macedo Soares esteve sempre alegre, gentil e pronto a esclarecer todas as dúvidas e problemas levantados. Sem medo de errar, podemos afirmar que o grande sucesso de sua vida profissional foi fruto de uma importante fase da vida política e econômica do país, quando as Forças Armadas e o presidente Getúbo Vargas não mediam esforços para desenvolver a indústria pesada, especialmente a siderúrgica. Os problemas econômicos mundiais advindos com o desencadeamento da Segunda Guerra Mundial aumentaram as preocupações brasileiras promovendo o esforço para deslanchar esta indústria . Edmundo de Macedo Soares e Silva , um dos poucos brasileiros com formação de alto nível em metalurgia naquele momento, foi convocado pelo governo federal e suas idéias aproveitadas da melhor maneira.

Macedo Soares, tendo sempre o apoio de Getúlio Vargas, dedicou-se com afinco e entusiasmo à

siderurgia, chegando ao posto de general de brigada sem jamais ter comandado uma tropa. Engenheiro metalúrgico formado na França, seus créditos acadêmicos e profissionais o levaram ao generalato sem que precisasse cumprir as exigências tradicionais das Forças Armadas; não cursou a Esao, a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais, indispensável para o acesso à patente de coronel ; tampouco a Eceme, Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, fundamental para o acesso à patente de general .

O desafio de transformar em livro as 33 horas de entrevista foi estimulante. Tentamos transmitir ao leitor a trajetória de Edmundo de Macedo Soares e Silva, seu empenho profissional , o sentido de missão envolvido na aventura da grande siderurgia, guardando, ainda, a espontaneidade e o sabor do depoimento oral , realizando uma reconstrução de sua vida, sem que ele próprio pudesse participar do trabalho final . Falecido em 1 9 de agosto de 1 989, o general não pôde nos socorrer nesta tarefa . Esperamos não estar traindo sua memória . . .

É grande o número de pessoas cuja colaboração agradecemos, para que pudéssemos levar a empreitada a bom termo e em tempo bastante curto. Certamente, a nenhuma delas podem ser atribuídas eventuais incorreções e insuficiências, pelas quais assumimos total responsabi lidade.

D. A lcina Fonseca de Macedo Soares e Silva foi colaboradora incansável e insubstituível ; completou informações, cedeu fotos de seu arquivo particular e nos transmitiu os sentimentos profundos que acompanharam os 50 anos de convivência, companheirismo e cumplicidade entre os dois.

Maria Ana Quaglino, à epoca pesquisadora do CPDOC, participou da entrevista; Clodomir Oliveira Gomes, técnico de som, foi responsável pela gravação do depoimento. Sérgio Lamarão, pesquisador do CPDOC, fez a garimpagem preliminar na transcrição das entrevistas, agrupando temas que vieram a constituir os primeiros capítulos deste l ivro. Lucia Lippi Oliveira e Adelina Novaes e Cruz realizaram criteriosa leitura crítica dos originais deste l ivro, apontando insuficiências, sugerindo aperfeiçoamentos, prestando, enfim , inestimável e fraternal colaboração; Adelina encarregou-se ainda da identificação dos personagens e das legendas das fotos . Osvaldo Barcellos Cordeiro de Farias esquadrinhou todo o livro, fornecendo preciosa

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ajuda, sobretudo no esclarecimento de detalhes mais técnicos. Cláudia Peçanha da Trindade e Luís Fernando Mello da Silveira participaram da pesqujsa de fontes para a elaboração das notas e do ínruce onomástico. Regina da Luz Moreira e Maria Helena França reviram os originais à procura de inevitáveis erros de digitação. Vera Lúcia Lopes Rego deu tratamento digital aos documentos e fotos.

Na Fundação CSN, Vera Lúcia de Ol iveira Garcia e Alexandre Geraldine Clemente deram suporte aos pedidos da equipe para a rápida conclusão do trabalho.

Por fim, este livro não teria existido sem o empenho e o apoio da Fundação CSN e da própria CS que, nas pessoas de Matheus Cotta de Carvalho Francisco Padilha, apostaram na idéia e no desafio d colocar a vida de Edmundo de Macedo Soares e Silva ao alcance do púbLco.

LUCIA HIPPOLlTO IGNEZ CORDEIRO DE FARIAS

Organizadoras

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·LI1Vl

D Vamos começar falando um pouco sobre sua família.

Nasci aqui mesmo no Rio de Janeiro, no dia 9 de junho de 1 90 1 . Meu pai era médico e se chamava Sebastião Edmundo Mariano da Silva . Tinha uma fisionomia de estrangeiro, pois era descendente distante de irlandeses ; minha mãe se chamava E lisa de Macedo Soares e Silva . Éramos cinco filhos ao todo: dois rapazes e três moças. A mai s velha era a Maria Elisa, a q.uem chamávamos de Maísa; depois vinha eu, logo em seguida a Lígia, o Hélio - cinco anos mais novo que eu - e finalmente a caçula, Icléia . A Maísa, que teve grande influência na minha educação, viria a se casar com um almirante, o Carvalho Rego, muito amigo do Ernâni do Amaral Peixoto. Meus avós paternos moravam em São Paulo, e por isso tive menos contato com eles. Meu avô tinha uma grande fazenda de café em Sertãozinho e outra no estado do Rio - num distrito de Barra Mansa que, coincidentemente, abrigaria mais tarde a usina de Volta Redonda -, onde nasceu meu pai . Depois da morte do meu avô, passei a ter mais contato com minha avó Zazinha.

Seus avós tinham outros filhos, além do seu pai?

Mais cinco, todos homens. O mais chegado a nós era o tio Rosalvo, três anos mais moço que papai ; fez carreira no Exército, na arma de engenharia, chegando ao generalato. Devo muito a ele. A lém de irmão do meu pai , era casado com uma irmã da minha mãe ; eram dois irmãos casados com duas irmãs. Naturalmente, a ligação acabou ficando maior. Outro irmão de papai estudou engenharia nos Estados Unidos, o que não era nada comum na época . Depois que voltou para o Brasil foi convidado a participar da construção de um túnel da Rede Mineira de Viação, entre Cruzeiro e Passa Quatro. Durante a obra, houve uma explosão que causou a morte de operários e engenheiros ; com isso, meu tio desistiu da engenharia . Como a família possuía a tal fazenda de café , que era muito grande, ficou por lá . Um terceiro tio tomava conta da fazenda, juntamente com a m inha avó, depois que o meu avô morreu .

Com quase 1 ano, em 1 de março de

1 902. ICo/eção particular Alcina

Fonseca de Macedo Soares e Silva)

Na página ao lado: no colo da mãe,

Elisa, tendo ao lado a irmã Maisa, em

14 de dezembro de 1 902. ICo/eção

particular Alcina Fonseca de Macedo

Soares e Silva)

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�bastiao Edmundo MarnlO da SIlva.

sld. (Co/�çlJo particular Alcino Fons�

d� Macfflo Soares e Silvo)

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U M C_.:....:....> _' _R R D

E a família de sua mãe, de onde era?

Daqui do Rio. Meu avô, Antônio Joaquim de Macedo Soares, e minha avó Teodora, que era Azevedo de solteira, moravam numa chácara na rua Santa Alexandrina , no Rio Comprido. Meu avô tinha uma cultura muito grande; foi lexicólogo, magistrado e jurisconsulto, ministro do Supremo Tribunal Federal , autor do primeiro dicionário brasileiro da língua portuguesa. O casal teve oito filhas e três filhos. Como havia estudado em seminário, deu às filhas nomes bíblicos, como Débora, Judite, Elisa, Abigail . . . Já os meninos foram batizados com nomes dos antepassados : Paulo Bueno de Macedo Soares, Julião Rangel de Macedo Soares, Henrique Duque Estrada de Macedo Soares. Meu avô fal ava línguas européias - francês, inglês, alemão - e também línguas africanas; olhava para um preto e dizia : "Este é de tal nação." Isso porque sua família possuiu muitos escravos. Embora fosse antiescravagista e republicano, conviveu desde menino com escravos. Foi amigo de d . Pedro I I , mas era republicano. D. Pedro I I , que era um homem superior, sabia disso, mas gostava muito dele. Minha tia Cecí l ia , prima-irmã de minha avó, chegou a ter 900 escravos no Rio. Eu mesmo, quando era bem pequeno, fui tratado por uma ex-escrava, uma preta gorda chamada Alda, que tratou de mim como se fosse minha mãe, minha mãe preta. Só cuidava de mim, não fazia outra coisa. Esse meu avô materno foi grão-mestre da Maçonaria; muito moço ainda, com uns 3 5 anos, atingiu o grau 3 3 , o grau máximo. Dizem que era muito bom orador. Foi por seu intermédio que meu pai entrou e galgou degraus na Maçonaria; também foi por seu intermédio que meu pai veio a conhecer minha mãe. Quando eles se casaram , meu pai tinha um curso preparatório de medicina e já ganhava dinheiro suficiente para sustentar a famíl ia .

uais são suas lembranças mais remotas?

Minhas primeiras recordações datam, creio, de quando morava na rua Haddock Lobo, nO 2 5 , na Tijuca . A casa tinha um grande quintal , com vários cachorros . . . Uma vez - eu tinha mais ou menos cinco anos - fui mordido por um cão e Rquei , durante muito tempo, com um medo enorme de cachorro. No jardim da frente, meu pai me ensinou a montar a cavalo.

Essa casa da rua Haddock Lobo era quase uma chácara?

Quase, era mesmo muito grande. Costumávamos até andar a cavalo ali . Meu pai ia visitar seus doentes de febre amarela, peste bubônica, varíola - o Rio era uma cidade muito doentia, naquela época -, montado a cavalo, na verdade uma égua chamada Mascarina . Eu o acompanhava montado num piquira, um cavalo pequeno, de baixa estatura. Os doentes de varíola me causavam um choque tremendo. Meu pai costumava dizer aos pacientes que não queriam se vacinar: "Vocês estão vendo? Eu trago meu filho, porque ele está vacinado." E assim , eles acabavam se vacinando.

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U M E N

o senhor passeava muito com seu pai?

IR O DF FARDA

Ia freqüentemente com ele a um clube de tiro no Leme, junto ao que é hoje o forte, para vê-lo atirar. Meu pai era um grande atirador; ele e os companheiros acertavam com um tiro um prato lançado no ar. Fundaram este clube não apenas como um local de diversão, mas já pensando em preparar pessoas para o serviço militar, engrossando aquela campanha bonita promovida pelo poeta Olavo Bilac em prol do serviço mjutar obrigatório.

Dos amigos de seu pai, de quem o senhor se lembra?

Lembro bem do marechal Hermes da Fonseca, que meu pai conheceu na época do Floriano Peixoto. Nessa ocasião, aliás, ele conheceu milita gente do Exército, sobretudo oficiais de cavalaria, porque papai gostava muito de montar. Ele não tinha milita simpatia pela turma da Marinha; uma das poucas exceções era o almirante Pecido, homem de elite, bem diferente dos outros amigos dele . Mas meu pai também tinha amigos civis, é claro. Lembro-me perfeitamente do Miguel Per ira e do Fernandes Figueira, também mémcos, que iam milito lá em casa .

Qual era a situação financeira de seu pai?

Milito boa . Ganhava milito dinheiro, mas não economizou . Depois de sua morte, mamãe encontrou um livro com uma lista de pessoas que deviam a ele. Era milita gente, mas ninguém pagou, porque ela não tinha como provar que as dívidas realmente existiam . Meu pai morreu milito moço, com 39 anos ; teve uma miel ite transversa, uma doença da medula . Os mémcos que o examinaram disseram que iriam fazer o diagnóstico e o prognóstico. Papai comentou , amargo : "O diagnóstico já fiz : mielite transversa; e o prognó tico, a cova." Eu, menino de sete anos, estava presente à conversa . Pode imaginar uma coisa dessas?

o senhor deve ter ficado muito marcado pela morte de seu

pai, não é?

Muito ! E minha avó Zazinha foi bastante responsável por isso. Como eu era o filho homem mais velho, ela me lembrava, a toda hora, que eu tinha uma grande responsabilidade pela frente, pois deveria tomar conta da minha mãe . . . Suas palavras repercutiam intensamente dentro de mim e me incutiam um enorme senso de responsabilidade. Procurava sempre segujr os passos de meu pai , tê-lo como gilia, como exemplo. E além da perda de papai , também fiquei longe da minha mãe e dos meus irmãos. Fui levado por dois

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U M C O N S T R U T O R D O N o ss o T E M P O

amigos do meu pai , o Junqueira e o Denésio de Lima, para uma fazenda em São Gonçalo do Sapucaí , no sul de Minas. Meu pai ia para lá nas férias com seu material cirúrgico para operar aqueles papudos. Operava toda aquela gente doente, de graça, naturalmente ; isto lhe deu grande notoriedade naquela parte de Minas. Por conta disso, eu já estava habituado com a fazenda e fiquei por lá cerca de um ano. Eu, que mal havia começado a aprender a ler no Rio, fui ser alfabetizado mesmo na escola da paróquia local . O professor usava uma palmatória enorme, de maneira que progredi muito depressa. Aprendia-se aritmética cantando, a tabuada cantada: "Duas vezes três, seis; duas vezes quatro, oito." As mais difíceis eram as tabuadas de sete e de nove.

Com a morte de seu pai, caiu o padrão de vida de sua família?

Sem dúvida . Mamãe ficou com muito pouco dinheiro. Ela recebia uma pequena pensão, referente ao período em que papai , ainda estudante, foi profes or de história natural e física na Escola Normal de Niterói , e de pedagogia, aqui no Rio. Minha mãe foi obrigada a vender a égua Mascarina, objetos, muitas armas fmas. A quantia apurada lhe permitiu comprar dua casas : uma em Botafogo, na rua Dezenove de Fevereiro , e a outra, pequena, em São Cristóvão. Eu, ainda menino, é que cobrava o aluguel de cem mil -réis. Tomava o bonde a burro, ia até lá carregando a malinha de instrumentos de meu pai , recebia o dinheiro, dava o recibo, punha os cem mil -réis na malinha, tomava o bonde de volta e entregava os cem mil -réis à minha mãe. Fui educado com grande senso de responsabilidade. Recebemos ajuda do tio João Macedo, homem muito rico que morava em Lausanne, na Suíça. Uma filha dele, Carm m, que era freira, ficou responsável pela educação de Maísa e Lígia, no Colégio Regina Coel i . Tio Rosalvo também contribuiu; durante un dois ano , pagou meus estudo , mas logo em seguida ingressei no Colégio Mil itar, despesa com que minha mãe pôde arcar.

E como sua mãe administrava a casa? Vocês tinham empreBados?

Tínhamos apenas uma, o que era raro na época . Mamãe precisava de pelo menos uma . Quando eu era bem pequeno, na rua Haddock Lobo, eram dez, 1 2 criados, sei lá quantos. Eram muitos.

Sua ·mãe ficou viúva muito moça, com 37 anos. Ela nunca pensou em casar-se

novamente?

ão. Morreu idosa, em janeiro de 57, em decorrência de uma queda na qual quebrou uma perna; ela morava com a Lígia aqui no Rio. Eu estava presidindo Volta Redonda, nessa época ; telefonaram-me para o escritório na usina e me avisaram que mamãe estava muito mal . Terminei o que estava fazendo e vim correndo para o Rio, mas quando cheguei ela já tinha morrido.

Após a morte de seu pai, o senhor tomou conta de seu irmão Hélio?

Procurava educá-lo, mas ele reagia. Era boêmio, o que nunca fui , gostava de um

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U M E N G E N H R O D E F A R D A

bilharzinho, de uma cerveja. Ia para o botequim com os amigos, e eu ia atrás buscá-lo. Mas sempre foi muito estudioso. Mais tarde fez concurso para a Escola Mi[jtar e passou muito bem , embora não tivesse estudado no Colégio Militar.

Foi por irifluência de seu tio Rosalvo que o senhor e seu irmão escolheram a arma de

engenharia no Exército?

Realmente, ele teve muita influência; muita gente da família seguiu a carreira de engenheiro. Tive um tio, irmão do meu avô, que foi engenheiro e chefe do Observatório Astronômico do Rio; outros parentes também se tornaram engenheiros , de sorte que isto certamente nos influenciou.

Sua família era religiosa?

Meu avô materno estudou em seminário durante alguns anos, mas não chegou a completar o curso; desistiu de ser padre porque encontrou minha avó . Por causa russo, tinha amigos religiosos e até bispos. Minha mãe era a bra i leira típica: católica sem grandes conhecimentos e que também se dizia espírita . Lembro de ter visto uma sessão de espiritismo lá em casa e , como eu era um menino muito esperto, fiquei observando a mesa se mexer e descobri que era uma tia de minha mãe, chamada Conceição Bueno de Azevedo Macedo, que movia o pé da mesa .

o senhor recebeu formação religiosa em casa?

ão. Aprendi o catecismo no Colégio Rouanet , um colégio suíço na rua Haddock Lobo; fiz minha primeira comunhão na igreja de São Francisco Xavier.

Quando sua família se mudou para Copacabana?

Em 1 9 1 0 ; eu tinha nove anos. Naquela época , ainda não era comum morar em Copacabana . Lá não havia nada; a avenida Atlântica ainda não tinha sido construída. Só havia a avenida Nossa Senhora de Copacabana, onde morávamos, que dava fundos para a praia . Nosso quintal era imenso; eu comia pitanga e caju na praia . Em Copacabana era muito mais fresco que na Tijuca, e já tinha bond elétrico. Gostei da mudança : perto da praia, com aquele quintal imenso. Só havia o forte de Copacabana, ainda em construção. Como sempre gostei muito de caminhar, pude assistir ao início das obras das primeiras casas na praia .

esse ano de 1 9 1 0, ocorreu a célebre Revolta da Chibata na Marinha, contra a

aplicação de castigos corporais aos marinheiros. O senhor tomou conhecimento da

rebelião?

Fiquei muito impressionado com a Revolta da Chibata . a época , a Marinha era muito rígida e adotava a pena de chibatadas, porque na Marinha inglesa era assim, e nós fomos formados pelos ingleses. O João Cândido resolveu, com os outros marinheiros, acabar com isso; e começaram matando o capitão Neves , um capitão­de-mar-e-guerra que comandava a esquadra. Por morar em Copacabana, pude �er, da praia, o encouraçado Minas Gerais manobrando para atirar, ameaçando a cidade,

Aluno d e. Coleglo Mi l itar, em 26 de

deze "lbro de 1 9 1 5. (Co/eção por'lrular

AlCIno Fonseca de Macedo Soares e

Silva)

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U M C O N � T R U T O R D O N o � � o T E M P O

porque o forte de Copacabana ainda não dispunJla de artilharia para bombardear o Minas Gerais.

o senhor se interessava pelo que acontecia no mundo?

Eu tiMa um interesse particular por guerras. A primeira guerra que me impressionou foi a dos bôeres, na África do Sul, pela crueldade. Os bôeres eram colonos de origem holandesa que lutaram contra os ingleses - Winston Churchill participou deste conflito, como tenente. Depois aconteceu a guerra da Turquia contra a Itália, e em seguida vieram as guerras dos Bálcãs. RapaziMo, eu acompaMava tudo aquilo, entusiasmado, lendo avidamente jornais e revistas. Sempre fui um leitor infatigável , e os jornais brasileiros publicavam tudo.

Foi sua mãe quem decidiu que o senhor deveria estudar no Colégio Militar?

Era o preferido dela, e meu também. No Colégio Militar, alguns alunos tiMam bolsa total ; outros, como eu , eram semicontribuintes, e os filhos de civis pagavam tudo. Como meu pai tinha uma patente de oficial da reserva, fui semkontribuinte, pagando a metade . Para entrar no Colégio Mi litar era preciso passar no concurso ; por isso, eu me preparei para as provas no Colégio Pitanga, da d. Maria Luísa Pitanga, uma grande professora . Na verdade, quando entrei nesse preparatorio nem sabia ainda que ia tentar entrar no Colégio Militar. O Colégio Pitanga ficava mais ou menos a dois quilômetros da miMa casa, na rua Nossa SeMora de Copacabana; eu ia a pé, para economizar os 400 ré is do bonde . Um dia, em fevereiro de 1 9 1 2 , miMa mãe me levou ao Colégio Mil itar e deixou­me lá. Eu, menino de dez anos, vestido com aquelas roupinhas qu se usavam naquela época . . . TiMa tomado café cedo e, por volta de uma hora da tarde, já com fome, fui chamado ao quadro negro. Quem me examinou em português foi um professor chamado Ferreira da Rosa , um paul ista ; em matemática foi o capitão Herácuto Pais Ribeiro, amigo do tio Rosalvo. Ambos foram muito rigorosos comigo, mas eu era estudioso; já estava convencido de que so seria alguma coisa na vida se estudasse. Fui examinado também em rudimentos de historia natural . Felizmente, saí-me bem em todas as matérias. No entanto, tive um problema para entrar no Colégio Militar. Meu nome constava da lista nos jornais na relação dos aprovados, mas não na dos matriculados, o que, na época, era automático. MiMa mãe voltou comigo ao Colégio, e o argumento do secretário para não me matricular foi o de que, como eu era muito novo, podia esperar um ano. MiMa mãe retrucou que miMa prova tiMa sido muito boa. Então, ele mandou ver a prova; viu, gostou e levou o ca o ao comandante, o coronel e professor Alexandre Barreto. Quando voltou, disse : "Meus parabéns! O coronel resolveu matricular o menino, mas ele vai ter de dormir na enfermaria, porque não há mais lugar."

aquela mesma noite, eu e mais 1 2 meninos fomos todos dormir na enfermaria. Foi assim que entrei para o Colégio Militar, e como aluno interno. Fiquei lá de 1 9 1 2 a 19 1 7 . Fiz o curso em seis anos .

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Como era sua rotina de estudante?

o regime era muito duro. Acordávamos às seis horas e íamos para o banho frio, mas eu gostava. Às vezes, freqüentávamos a piscina, onde aprendemos a nadar. Também tínhamos equitação ; fazíamos volteio, quer dizer, montávamos no cavalo, virávamos, ficávamos de costas, de frente, apeávamos, montávamos de novo, tudo isso com o cavalo galopando. Tínhamos ainda aulas de esgrima, não só de florete, mas também de baioneta . De vez em quando nos machucávamo nessas aulas de baioneta .

o ensino no Colégio Militar era rigoroso?

Muito ! Era muito puxado. Eu estudava as matérias durante quatro horas por dia; à noite lia l iteratura ou história . Costumava estudar sozinho; só me reunia com os colegas para ensinar a eles. Os exames eram feitos em grupos de nove aluno Primeiro eram corrigidas as provas escritas. Muitos tiravam zero e eram reprovados; os demais prestavam exame. FeLzmente, sempre pude fazer o exame, de forma que fui galgando os anos e terminei o curso. Os alunos podiam repetir ano uma única vez; se não passassem na segunda tentativa, eram eliminados.

o aspecto acadêmico, propriamente, posso dizer que o ensino no Colégio era tão bom, que saí de lá falando razoavelmente bem o francês e o inglAs. Naquela época, a língua universal era o francês; eu estudava em livros franceses, inclusive matemática . Mas também havia l ivros em português, como o do meu professor de álgebra, o coronel Liberato Bittencourt. Além do mais , o Colégio oferecia uma disciplina que o Pedro II não ensinava : topografia; saíamos do colégio mais ou menos agrimen ores, o qu viria a ser muito útil para mim, porque me permitiu ganhar dinheiro antes de ser engenheiro.

o senhor se lembra de seus colegas?

Luís Carlos Prestes é um deles. Até hoje é meu amigo. I Ele foi meu contemporâneo, embora três turmas na minha frente . Foi ótimo aluno e continua um grande estudioso. Rapaz muito inteligente, embora um pouco ingênuo, coisa que eu também sou , por isso eu nunca quis ser deputado nem senador. Foi pena o Prestes ter aderido ao comunismo. Isso aconteceu depois da Coluna Miguel Costa-Prestes, quando ele saiu da Bolívia e foi para a Argentina. Trabalhou nas doca em Buenos Aires, quando estava exi lado, e foi aí que aprendeu o comunismo. Siqueira Campos e João Alberto, mais realistas, não quiseram saber do comunismo, mas o Prestes ficou comunista para sempre . 2 Até hoje ele me diz que o mundo vai ser marxista. Eu retruco : "Prestes, nem os russos são mais marxistas." E ele: "Mas eu briguei com eles."Também fui contemporâneo do Osvaldo Cordeiro de Farias, do Delso Mendes da Fonseca e do Nélson de Melo, que tinham mais ou menos a mesma idade que eu . 3

Luís Carlos Prestes dava aulas particulares, sobretudo de matemática, para ajudar a mãe.

Eu também fazia isso. Para ter o Lvros que não podia comprar, ensinava aos outros

1 Entrevista real i zada em 19 de

novembro de 1 986.

2 Antônio de Siqueira Campos ( 1 898-

1 930) foi um dos mais importantes

tenentes revolucionários; um dos

Dezoito do Forte (05.07. 1 922),

coma ndante de destacamento na

Coluna Prestes, faleceu em desastre

aéreo na baia do Prata, às vésperas da

Revolução de 30. João Alberto Uns de

Barros ( 1 897- 1 955) foi coma ndante de

destacamento na Coluna Prestes e

revol ucionário de 30. Interventor em

São Paulo ( 1 930-31 ), chefe de Policia

do Distrito Federal ( 1 932-33), deputado

em 1 934, presidente da Coordenação

de Mobilização Econômica ( 1 942-45).

Voltou à Chefia de Policia do Distrito

Federal em 1 945.

3 Osvaldo Cordeiro de Farias ( 1901-

1 9811 . coma ndou destacamento na

Coluna Prestes e participou da

Revolução de 30. Chefe de Policia de

São Paulo ( 1 93 1 -32), combateu a

Revolução de 32. I nterventor no Rio

Grande do Sul ( 1 938-43), coma ndante

da Artilharia Divisionária da F EB que

lutou na Itália; de volta ao Brasil

participou da deposição de Getúlio

Vargas em 1 945. Fundador da Escola

Superior de Guerra ( 1 949-52),

governador de Pernambuco ( 1 955-58)

e chefe do EMFA ( 1 961) . Conspirador

ativo do movimento revolucionário de

64, foi mi nistro extraordinário para a

Coordenação dos Organismos Regionais

no governo Castelo Branco. Delso

Mendes da Fonseca ( 1 899-1 984),

te nente, revolucio nário de 1 922 e

1 930, secretário de Obras do Distrito

Federal ( 1931 -35). chefe da missão

mi litar brasileira na França ( 1 936-45),

signatário do man ifesto dos generais

pela deposição de Getúlio em 1 945.

Nélson de Melo ( 1 899-1 989),

revolucionário de 1 924 e 1 930,

secretário de Segurança Pública em

Pernambuco ( 1931 -33), interventor no

Amazonas ( 1 933-35). che fe de Policia

do Distrito Federal ( 1 934-44), membro

da FE B, chefe da Casa Militar de

Jusce l ino Kubi lschek ( 1 956-61 ) e da

delegação brasi leira à Comissão Mista

Brasil-Estados Unidos ( 1 96 1 ). Foi

min istro da Guerra de João Goulart

( 1 962), contra quem conspirou em

1 964.

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Edmundo (8') um dos oficiais-alunos

do Co lc� glo Mi l itar, 1 9 1 3/ 19 14.

(CPDOC/Arquivo Edmundo de Macedo

Soares)

22 I

U M C O N S T R U T O R 00 N o s s o T E M P O

alunos, e eles, então, me emprestavam os livros; alguns até me davam , Além dos colega de colégio, sempre procurei as pessoas mais velhas para ouvir­lhes as lições. Por exemplo, um amigo do meu pai , o Lima Coutinho, que foi professor de música e diretor do Instituto de Música do Rio, me deu muitos conselhos. Referia-se a muitos escritores e me convidava a lê-los. Isto não apenas me proporcionou uma bagagem literária, mas também um certo conhecimento de filosofia; ] j os livros de A lexandre Herculano, os clássicos portugueses. Minha geração foi marcada por Os sertões, de Euclides da Cunha . Hoje acusam o livro de ser inexato em geologia, mas é bom lembrar que naquela época não se conhecia nada da geologia do Brasil . Independentemente do fator tempo, os capítulos sobre a terra e o homem são formidáveis, mesmo naquela l inguagem rebuscada do Euclides. Li também outros livros dele, como A margem da história .

Nessa época, eu tinha uns 1 6 , 1 7 anos.

Havia discriminação racial no Colégio Militar?

De maneira alguma; o Exército recebia qualquer um . Eurico Outra, por exemplo, era filho de uma lavadeira de Mato Grosso. Ele se alistou como soldado e , como tal , estudou; foi bom aluno e conseguiu matricular-se na Escola Militar da praia Vermelha . Foi assim que ele se formou. o Colégio Militar tive colegas judeu , como o Emílio Maurel J únior e seu primo- irmão, aliás excelentes alunos. J á a Marinha não aceitava gente de cor, porque abrigava o pes oal nobre. O acesso era bloqueado pelo alto preço do enxoval; eu mesmo desisti , em grande medida por causa disso. Não que preferisse a Marinha , minha mãe é que preferia, mas quando chegou na hora de entrar, não havia dinheiro para comprar o enxoval . Os oficiais

do Exército consideravam um absurdo a djscriminação que existia na Marinha .

o senhor foi primeiro aluno da turma

no ColégiO Militar . . .

Fui . Os primeiro alunos eram chamados de oficiais-alunos. De acordo com as notas, eram promovidos a oficial . Como fui o aluno do primeiro ano com as melhores notas, no segundo fui capitão-aluno e, por isso, comandava uma companhia. O Osvaldo Cordeiro de Farias e o Justino Alve Bastos foram meus tenentes. Lembro-me de uma tirada muito engraçada do Alves Basto . Certa vez, estávamos fazendo exercícios na rua Haddock Lobo, em

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direção à praça Saens Pena, quando um civil - um paisano, como chamávamos -cruzou a companhia. O Alves Basto , muito empertigado, veio com a espadinha na mão e me cobrou uma atitude: "Você ' o capitão. Como permite que um paisano atravesse a companhia? Você tem uma tropa sob seu comando ! " A "tropa" eram meninos de dez a 1 4 anos!

Todos os alunos do Colégio Militar seguiam carreira?

Nem todos; uma parte ia para o mundo civi l , estudar medicina, engenharia, direito, como foi o caso do Osvaldo Aranha. Embora tenha guardado muita ligação com os militares, ele não seguiu carreira e foi fazer advocacia; sua família tinha muito dinheiro. Quando entrei no Colégio, o Osvaldo estava no último ano; ficamos próximos, porque nós dois éramos excelentes alunos.

Algum acontecimento político o marcou particularmente no ColégiO Militar?

A Revolta dos Sargentos, que aconteceu aquj no Rio em 1 9 1 5 . O motivo foi a questão dos vencimentos , que continuam baixos, mas naquela época eram muito piores. Foi o Maurício de Lacerda, pai do Carlos Lacerda, que concitou os sargentos a fazerem a revolta. Seu interesse era o de todo político : ganhar votos. Embora naquela época os sargentos não tivessem direito de voto, suas famí lias votavam .4 O Maurício falava bem ; ra um orador admirável e um demagogo terríve l ! O filho era parecidís imo com o pai , mas muito mais inteligente, mais preparado.

Como os alunos do ColégiO Militar reagiram ao movimento?

Nossa reação foi de indignação. A mentalidade militar era muito rígida; não admitíamo que sargentos se levantassem contra os oficiais e contra a nação em geral .

Quando o marechal Hermes da Fonseca foi eleito presidente da República, em 1 9 l0, sua

família manteve contata com ele, embora seu pai já tivesse morrido?

Sem dúvida . Pouco depois de ter entrado no Colégio Militar, fui visitar o marechal no palácio Guanabara. Apresentei-me ao sentinela como filho de um amjgo do presidente. O sentinela chamou o chefe da guarda, um sargento, a quem repeti que era filho de um amigo do marechal Hermes e que queria falar com ele. O sarg nto foi lá dentro e depois me autorizou a entrar. Encontrei o presidente numa varanda, cercado por seus oficiais. Recebeu-me muito bem , com muita simplicidade ; perguntou-me sobre o que eu estava fazendo, sobre os meus estudos etc . P dj sua opinião sobre o Colégio Militar, e ele riu , botou a mão na minlla cabeça e respondeu : "Faz muito bem , menjno, seja militar. Seu pai não foi , porque estudou medicina, mas você será militar." Fiquei com ele algum tempo. Ofereceu­me refr sco, me deu uma porção de coisas. Depois, fui embora.

4 Segundo a Co nstituição de 1 89 1 , não

tinham direito a voto os mendigos, os

analfabetos, os membros de ordens

religiosas e as praças de pré, isto é,

militares que não tinham patente de

oficial, como era o caso dos sargentos .

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5 Nair de Tefê, primeira caricaturista

brasi leira, teve seus trabalhos

publicados na Europa. Filha do barão

de Tefê, usava o pseudônimo de Rian.

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Embora menino, o senhor chegou a acompanhar a Campanha Civilista de 1 909, que opôs

Rui Barbosa ao marechal Hermes na disputa pela presidência da República?

Eu era muito pequeno, mas acompanhei essa campanha. Ficava chocado com os ataques dos partidários de Rui Barbosa aos militares; chamavam o Hermes de burro, o que ele não era mesmo ! O Hermes era um homem muito bom e tinha pr paro. Teve a infelicidade de perder a mulher, a d. Orsina, e ca ou-se com a Nair d Tefé . 5 Esse casamento foi muito comentado, muito ridicularizado ! Eu era rapazinho, mas lembro-me bem disso. Afinal , ele era viúvo e tinha direito a se casar de novo.

Seu primo José Eduardo de Macedo Soares participou ativamente da Campanha

Civilista, sobretudo pelas páginas do jornal O I mparcia l .

O Imparcial foi fundado pelo José Eduardo, com o dinheiro do irmão José Carlos, para fazer a campanha do Rui Barbosa. Foi uma campanha muito violenta , com ataques pessoais muito fortes, aliás como todas as campanhas políticas no Brasil . Mas isso não m e admira, porque nos Estados Uilldos é a m e ma coisa . Muitos anos depois, assisti a algumas campanhas lá, e todas continham ataques pessoais muito pesados aos concorrentes. Eu torcia pelo marechal Hermes , embora , naquela época, ainda não votasse. Mas também admirava muito o Rui Barbosa ; quando estava na Escola Militar, descia de Realengo só para assistir aos seus comícios. Lembro-me de um no largo da Carioca, no qual ele falou sobre o Jeca Tatu , colocando o Monteiro Lobato nas alturas. Ele começou o discurso assim : "Conheceis, porventura, Jeca Tatu, personagem de Monteiro Lobato, o admirável escritor paulista?" Depois, concluiu : "O Brasil não era o que os políticos de hoje dizem. Era isto." E apontou para a platéia.

Rui Barbosa participou de debates extremamente interessantes com o Pinheiro Machado

no Senado.

O Pinheiro Machado era uma raposa velha ! Do Rio Grande. ão era tão preparado quanto o Rui , mas tinha uma inteligência bri lhante. Nos debates entre os dois , juntava gente para assistir. Eu mesmo não assisti pessoalmente a nenhum deles, mas lia os discursos nos jornais. Eu ra um rapazinho de 14 anos, quando o Pinheiro foi assassinado no Hotel dos Estrangeiros e acusaram meu primo José Eduardo, mas ele me garantiu que não tinha nada a ver com aqui lo. Apesar de ser muito temperamental , não acr dito que tenha chegado ao ponto de insuflar o Manso de Paiva a matar o Pinheiro a facadas.

A Primeira Guerra Mundial teve alguma repercussão di reta em sua vida?

Meus irmãos e eu sofremos na pele por causa da guerra. Minha tia Zizinha , casada com um irmão da minha mãe, precisou fazer uma cirurgia na Suiça e pediu para mamãe acompanhá-la, porque não falava francês. Mamãe foi com ela e até acabou se submetendo também a uma operação lá; coisas de senhoras. Mas irrompeu a

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Primeira Guerra, e as duas ficaram isoladas na Suíça. O cônsul brasileiro sugeriu que embarcassem em Bordeaux, no navio italiano Principessa Mcifalda, que vinha para o Brasil. No golfo de Biscaia , uma tempestade de quatro dias e quatro noites quase afundou o navio; mamãe chegou aqui aterrorizada. A guerra, propriamente, também me mobilizou muito. Num certo momento, criou-se a expectativa de que o Brasil iria tomar parte no conflito, e assim que terminei o curso do Colégio, fui com toda a minha turma até a Escola Militar, pensando que teríamos oportunidade de combater. Mas a guerra acabou logo depois.

Uma vez diplomado no ColégiO, era automático o ingresso na Escola Militar?

Exatamente, o ingresso era automático, não só para os egressos do Colégio Militar,

Ingressando na Escola Mi l itar, em 7 de

fevereiro de 1 9 1 8. (Co/eção particular

Alcino Fonseca de Macedo Soares e

Silva)

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6 Eduardo Gomes ( 1 896-1 981 ) ,

sobrevivente dos Dezoito do Forte

(05.07. 1 922), participou da Revolução

de 30. Duas vezes candidato à

presidência da República ( 1 945 e

1 950), apoiou o golpe mi l itar de 1 964

e foi min istro da Aeronáutica do

governo Castelo Branco ( 1 965-67).

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mas também para alunos que vinham de todas as escolas politécnicas que funcionavam no Brasil . As vagas restantes, se existissem , eram completadas por meio de um exame de admissão. No inicio de 1 9 1 8 , como a Escola Militar estava fechada por causa das férias, sentei praça entre janeiro e março, como soldado na 4a Companhia de Estabelecimentos, no Realengo, sobretudo por causa do soldo e para não ficar à toa enquanto esperava o início das aulas na Escola. Lá, recebi peças do uniforme, sapatos e roupa branca; guardei tudo isso e levei para a Escola, no mês de abri l , quando ganhei mais peças. Mas o importante foi que me tornei o mais antigo da minha turma, porque pude aproveitar esse tempo de serviço como soldado.

Quando a Escola Militar foi traniferida da praia Vermelha para Realenao,foi extinto o

curso de enaenharia militar?

Sim , mas o general Alberto Cardoso de Aguiar, ministro da Guerra do presidente Delfim Moreira, fez um decreto ordenando que fosse orgaruzada uma escola de engenharia do Exército. Entretanto esta escola não foi formada, porque não havia um corpo de professores.

Como eram os trotes daquela época?

Brutos. Os veteranos batiam nos "bichos", como eram chamados os calouros - na minha turma éramos cento e tantos calouros. E eles tinham como alvos principais aqueles gue tinham sido oficiais-alunos no Colégio Militar. Mas fui protegido dos trotes violentos pelo Eduardo Gomes, que conhecia meu primo José Eduardo, de Petrópolis. 6 Um dos trotes gue levei foi medir o pátio da Escola com um palito, para ter noção de unidade . Passei o dia inteiro agachado, com o veterano ali , do meu lado : "Bicho sem-vergonha, você já sabe o gue é unidade?" Outro que os veteranos aplicavam era obrigar os ''bichos'' a pas ar uma noite no cemitério do Murundu, que ficava perto da Escola, para saber gue iam morrer um dia. Livrei­me d sse trote, mai uma vez graças ao Eduardo. Tínhamos também que engraxar as botas dos companheiros; desse não escapei . De gualguer maneira , os trotes no Exército eram menos violentos do gue na Marinha. Numa ocasião, a Escola Naval chegou a fechar.

o senhor já estava decidido a escolher a arma de enaenharia?

Bom , eu já tinha o exemplo do tio Rosalvo, mas só escolhi no segundo ano. Para optar por engenharia ou artilharia, as armas nobres, o aluno precisava ter, no mínimo, média seis; como eu era o primeiro da turma, isso não foi problema. A arma mais procurada era a artilharia e depois a infantaria . A média exigida para entrar na infantaria não era tão alta, e as promoções eram mais rápidas. Na engenharia, o ensino era bem mais puxado; tínhamos cinco ou seis cadeiras a mais do gue na infantaria e ainda estudávamos balística, como na artilharia . Fiz o curso completo de engenharia dentro da Escola. Estudava muita matemática, física, resistência dos materiais, eletricidade, um pouco de hidráulica, as cadeiras

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militares e três disciplinas de direito: direito público internacional , direito constitucional e direito admjnistrativo. A matéria mais interessante era higiene, fundamental , tendo em vista os acampamentos e acantonamentos de tropa. Era, sem dúvida, um curso eclético.

o senhor chegou a CL/rsar engenharia na universidade?

Saí da Escola como oficial de engenharia, mas na prática era um engenheiro militar. Agora, a primeira vez que estudei numa universidade foi durante o exílio na França; lá obtive meu primeiro diploma uruversitário.

Com o soldo que recebia, o senhor ajudava financeiramente sua família?

Dos 450 mil-réis que ganhava, metade entregava na mão da minha mãe . Mais tarde, na Escola, passei a receber mais 300 mi l -réis de gratificação; então, a parte dela aumentou. Todo fim de semana eu ia para casa ver minha família. Lembro que no final de 1 9 1 8 , acho que em outubro, não pude sair da Escola por causa da epidemia de gripe espanhola, mas felizmente não fui contagiado. Quando consegui ir para casa, na rua Dezenove de Fevereiro, encontrei todo mundo de cama e sem comida. Fui ao vizinho, que tinha um grande galinheiro, para comprar uma galinha, mas ele não quis me vender. Como tinha l ido nos jornais que estavam vendendo corillda no Corpo de Bombeiros , vesti a farda da Escola e fui até lá , no Campo de Santana. Comprei três galinhas , arroz, batata e levei tudo para casa. Minha mãe e a empregada, embora ainda estivessem doentes, prepararam comida para toda aquela gente. Dois dias depois , tive que voltar para Realengo, mas nos fins de semana estava de novo em casa; eu me sentia chefe da família .

A gripe espanhola foi violentíssima, não? Houve muitas mortes.

Foi uma verdadeira tragédia; vi caminhões passarem cheios de mortos ! Dizem que a epidemia foi trazida por soldados da Marinha brasileira, na volta da guerra. Por isso, a primeira cidade atingida foi o Rio, e depois a gripe foi se espalhando pelo Brasil afora . Por causa da doença , estudantes das escolas e cursos superiores do país inteiro passaram de ano por decreto. Essa medida teve um lado positivo; afinal , não era j usto as pessoas perderem o ano, mas acho que muita gente se aproveitou.

Como era sua vida social? A farda fazia sucesso junto às moças?

É , naquele tempo andávamos fardados; hoje, poucos fazem isso. Como eu não tinha muitos recursos, rillnha vida era mais intelectual , mas naturalmente tinha as namoradinhas e levava as minhas irmãs e amigas aos bailes do Clube Militar e do Clube Naval . Os alunos da Escola tinham entrada gratuita no Jockey Club e no Derby, o antigo rupódromo. Eu gostava milito de cavalo, mas não de corrida; até hoje sou sócio do Jockey, mas não vou às corridas. Outro djvertimento eram os cassinos; j ogava-se milito naquela época . Os cassinos funcionavam a pleno vapor,

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porque a entrada era baratíssima: dez mil-réis. O jantar também era muito barato. Eu nunca j oguei , até hoje não pego numa carta. Mas os cassinos apresentavam espetáculos maravilhosos. Uma vez , vi o Grande Otelo fantasiado de Mistinguett ! Já imaginou isso? Mostrando as pernas !

E os alunos de fora do Rio, o que faziam durante as folgas?

O pessoal do Norte e os gaúchos , que não tinham para onde ir, ficavam na Escola; podiam sair durante o dia e voltar à noite . Os que tinham mais recursos vinham até a cidade, e os outros passeavam por Realengo. as férias, os alunos do Sul visitavam suas famílias graças ao armador Henrique Laje, que lhes dava passagens de navio. O Laje era assim ; era considerado cadete honorário, pois tinha muitas relações com os oficiais. Eu próprio, quando ia a Minas Gerais visitar minha famí lia em Lambari , ia ao gabinete do ministro da Guerra, pedia passagem de trem e ganhava um passe . Só pelo fato de ser cadete, de estudar na Escola Militar.

Como era a disciplina na Escola Militar?

Severa. De certo modo, mais dura que no Colégio. Em compensação, a alimentação era bastante boa: arroz, feijão e carne de todas as maneiras. Os rapazes que se sobressaíam no esporte tinham uma alimentação especial , uma dieta diferente. Como eu era mais intelectual , o que comia bastava .

o senhor teve bons prifessores na Escola?

Na média , sim . Tive um professor de história militar, o Mário Clementino, que escrevia em O Imparcial, o jornal do meu primo José Eduardo. Mas também tive um péssimo prot ssor de história geral , por exemplo.

Naquela época, já se discutia no Brasil o nacionalismo. Na Escola Militar o tema

também era debatido?

Apaixonadamente. Desejávamos o progresso do Brasi l ; achávamos que na República Velha o desenvolvimento industrial era muito pequeno. De indústria, só havia a têxtil , não é? Os cafeicultore , com exceção do Roberto Simonsen , só investiam em tecidos, não aplicavam em outras indústrias. Aliás, sobre isso, tive uma história engraçada com o Eugênio Gudin. Sempre que me encontrava, e le me acusava de ter prestado um desserviço ao Brasil : a construção de Volta Redonda. Para ele, o Brasil não devia ser um país industrial . Curioso, não é? Um homem com aquela cabeça dizer esse tipo de coisa. Mas até dá para entender; afinal , ele nunca trabalhou para uma empresa brasileira.

Havia uma campanha contra os grupos estrangeiros que atuavam no Brasil?

Estávamos divididos. Havia quem fosse contra o capital estrangeiro, mas eu não era, porque já tinha noção de que esse tipo de capital era necessário para o desenvolvimento. Agora, em geral , o militar é nacionalista. Eu era muito jovem, ainda estava no Colégio Militar, quando comecei a tomar conhecimento do

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assunto. Alguns pensadores nacionalistas tiveram muita influência sobre a minha geração. O Alberto Torres, por exemplo; tenho todos os seus livros aqui em casa. Outro foi o Oliveira Viana; líamos todos os seus l ivros. Ambos influenciaram muito aquela geração, principalmente os militares. O Edgar Teixeira Leite, que veio a ser meu secretário de Agricultura no governo do estado do Rio, era muito ligado aos dois . 7 Homem de muito valor. Ele foi um dos fundadores da Sociedade dos Amigos de Alberto Torres, criada em 1 9 3 2 , aqui no Rio. Depois o Oliveira Viana foi muito combatido, porque aprovou a Constituição de 37 , do Estado ovo. Em 1 950 , quando terminava meu mandato como governador, mandei cunhar uma medalha de ouro em sua homenagem e levei-a, pessoalmente, em sua casa . Era um homem muito interessante, mas nessa ocasião já e tava doente e faleceu poucos meses depois.

Com a eclosão da Revolução Russa, em 1 9 1 7, o comunismo passou a ser tema de

discussão na Escola?

Sem dúvida; havia gente que falava muito nisso. Embora não fosse permitido, havia muitas discussões políticas, além de brigas : bofetão para lá e para cá. A coisa chegava a esse ponto; formavam-se grupinhos. Nessa ocasião, o Prestes ainda não era comunista, mas já se interessava pelo assunto. E ainda tinha o Cunha, um maranhense, louco pelo movimento comunista, e mais uns três ou quatro colegas.

De que outros companheiros o senhor se lembra?

Do juarez Távora . 8 Conheci muito o juarez: um pouco ingênuo, muito religioso, mas muito inteligente. Conheci também o irmão mais velho, o joaguim, que praticamente educou os irmãos. Como era muÜo bom topógrafo, mediu muitas fazendas no Mato Grosso e pôde ganhar dinheiro. Morreu em São Paulo, na Revolução de 24.

Siqueira Campos também foi seu contemporâneo?

Foi , além de muito meu amjgo. E lhe digo uma coisa: se o Siqueira não tivesse

Sobre a administração de Edmundo

de Macedo Soares e Silva no estado do

Rio, ver adiante o capitulo "Mergulho

na vida politica".

Juarez Távora ( 1 898-1 975) participou

dos levantes de 1 922 e 24 e da

Revolução de 30: membro do Estado­

Maior da Coluna Prestes, min istro da

Agricultura ( 1 932-34), comandante da

Escola Superior de Guerra ( 1 952-54).

chefe da Casa Militar no governo Café

Filho ( 1 954-55), candidato à

presidência da República ( 1 955),

deputado federal pelo PDC-GB ( 1 962-

64), ministro de Viação e Obras

Públicas do governo Castelo Branco

( 1 964-67).

Costa e Silva (1 J, Edm undo de Mactdo

Soares e Silva (3 ) e Castelo Branco (4 J

(em pé, da direita para a esquerda), em

' 920. (CPODC/ArQUlvo Edmundo de

Macedo Soare<)

I 29

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9 Diz-se que um oficial leva "carona"

quando está bem colocado da l ista de

promoções. mas é u ltrapassado por

outro. mais jovem. colocado em pior

situação.

3D

U M C O N S T R U T O R D O N o ; s o T E M P O

morrido, teria sido milita coisa neste país . Era um homem de enorme energia; boa cabeça, bom aluno, bom companheiro, bom brasileiro. Outros colegas de turma que se destacaram mais tarde na vida do país foram o Costa e Silva e o Castelo Branco, que chegaram à presidência da República. O Costa e Silva tinha sido comandante-aluno no Colégio Militar de Porto Alegre ; foi milito melhor aluno qu o Castelo Branco. O Costa e Silva era mais dedicado, estudava as matérias do curso, mas lia muito pouco. Já o Castelo Ua tudo! Por isso, ele se dava comigo; costumávamos trocar livros. O Castelo não era muÜo simpático com quem não tinha intimidade, mas quando era amigo, era amigo de verdade. O general Machado Lopes, que chegou a comandar o I I I Exército, no Sul , também foi meu contemporâneo, uma turma atrás da minha; ele também era da arma de engenharia . Aliás, foi dele a única "carona" que recebi na carreira militar. 9 Como tinha estado na guerra , comandando o Batalhão de Engenharia da FEB, quando chegou o momento da promoção ele passou na minha frente . Um colega de quem eu gostava muito, mas que morreu jovem , foi o Melo e Sousa, mais adiantado que eu . Era um desenhista admirável , cronista, escrevia nos jornais e foi quem batizou o picadinho que a cozinha da Escola preparava, aproveitando todos os restos de comida, de "picadinho Lavoisier", porque na natureza nada se perde, tudo se transforma. Foi para a aviação e morreu num desastre. Também conheci na Escola o Ângelo Mendes de Morais , bem mais velho; eu ainda era cadete, e ele já era aspirante. O Mendes de Morais foi sempre milito bizarro ; saía por Realengo com uma vara na mão, e quando via uma galinha dava uma varada na cabeça do bicho, matava, botava debaixo do braço e levava para assar.

A exemplo do Coléaio Militar, a Escola também aceitava bem judeus e nearos?

Claro. Tive dois colegas pretos na Escola Militar, e um deles chegou a marechal . Homem excelente ! Tive ainda dois colegas judeus, os irmãos Levi Cardoso, Armando e Valdemar, ricos e milito inteligentes. O Armando gostava milito de literatura e tinha uma biblioteca linda; freqüentei muito a casa deles em busca de livros. A Marinha é que, como já disse, era racista e impedia o ingresso de pretos e judeus. Nos primeiros tempos da Aeronáutica, talvez por influência da turma que veio da Marinha, era mais ou menos a mesma coisa : criavam caso na hora da prova, no exame de aúde; inventavam sempre alguma coisa.

o final de seu curso na Escola, no início de 1 92 1 , coincide com a cheaada ao Brasil da

Mjssão Mjlitar Francesa, chifiada pelo aeneral Maurice Camelino Além disso, temos no

mesmo período a atuação dos 'Jovens turcos" e a Missão Indíaena.

A Missão Francesa não entrou na Escola Militar; seus oficiais atum"am basicamente no curso de estado-maior e de aperfeiçoamento. O movimento dos "jovens turcos" foi uma missão composta pelo Estêvão Leitão de Carvalho e mais cinco oficiais, mandada à Alemanha no governo do Hermes, para trazer instruções do Exército alemão para o Brasi l ; foram eles que compraram os canhões Krupp, em 1 9 1 0 ,

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U M E N ü E N H I I R ' D E F A R A

1 9 1 1 . A M issão Ind ígena foi , de certo modo, um desdobra mento dos "jovens

tu rco " e recebeu csse nomc dos cad etes porque era for mada por bras i le iros,

jovens i nstrutores - como o Odíl io Denis, lO o Colônia e mais tarde eu m csmo ­

que foram mandados para a Escola M i l itar. Por i nfl uência dos "jovens turcos" e da

Missão Indígena , houve grandes mudanças no ensino da E cola , até n tão muito

teórico.

Quando o senhor se tornou instrutor da Escola Militar?

Saí aspi rante em janeiro de 1 92 1 e fu i ser v i r na 1 a Companhia Ferroviár ia , cm

Deodoro. Como scmpre t i ve notas ll1 uito altas , pude escol her onde ser v i r e escolhi

Deodoro para cont inuar no R i o e ficar pcrto da m i nha famíl ia . E m maio eu t i nh a

acabado d c ser promovido a segLUldo-tenente e Fui designado pelo comandante da

Escol a i nstrutor do curso de engenharia da Esco la M i l itar do Rcalengo.

Qual era o papel do instrutor?

E ra responsável pel a parte prática, pelos exercícios. Fui i nstrutor dc topograFi a , na

parte de construção de estradas; ensi nava d jr it inho, porque fui muito bom

topógrafo. O fato dc ter sido lotado na Escola M i l itar foi determ i nante para o meu

envol v i mcnto na Revol ução de 2 2 .

1 Odilio Denis ( 1 892-1985) participou

dos levantes de 1 922 e 24, da

Revolução de 30 e da instauração do

Estado Novo ( 1937). Foi min istro da

Guerra ( 1 960-61) e participou

ativamente do golpe militar de 1 964.

Na 1 Companhia Ferrovl""". em 1 921

(CPODC/Arquivo Edmundo de Macedo

Soares)

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FZE V O l U C J-\ o E .J

Em 1 92 1 tem início a campanha eleitoral para a sucessão do presidente Epitácio Pessoa.

É verdade. O Artur Bernardes era presidente de Minas - assim se chamavam os governadores na República Velha - e vinha apoiado também por São Paulo. Contra ele , Nilo Peçanha, ex-governador do estado do Rio e ministro do Exterior do governo Venceslau Brás ; era candidato da Reação Republicana, formada pelos situacionistas do estado do Rio, Rio Grande do Sul , Bahia e Pernambuco. Eu j á me referi à tradição de violência das campanhas no Brasil , mas aquela foi particularmente tensa . Meu primo José Eduardo foi o principal articulador da candidatura do ilo Peçanha aqui no Rio.

Seus primos José Eduardo e José Carlos eram bem mais velhos que o senhor, não?

Quase 20 anos. O José Eduardo nasceu em 1 88 2 , e o José Carlos no ano eguinte. O José Eduardo era um homem de enorme coragem ; tinha sido oficial

de Marinha - foi ajudante-de-ordens do almirante Saldanha da Gama - mas abandonou a carreira militar para ser j ornalista . Depois enb"ou para a política e foi deputado federal pelo Partido Republicano Fluminense de 1 9 1 5 a 2 3 . O José Carlos se casou com uma moça de São Paulo, Matilde Melchert da Fonseca, de familia muito rica, gente ligada ao café e à indústria. Mas o José Carlos também não era pobre ; o pai deles, também chamado José Eduardo, irmão do meu avô materno, era professor em São Paulo, formou um ginásio e comprou uma grande propriedade em Vila Mariana. Mais tarde vendeu este terreno, ganhando muito dinheiro. De sorte que, quando o José Carlos se casou , não era um homem pobre.

les tinham outros irmãos?

Mais três : o Jo é Cássio era médico e foi deputado federal pelo Partido Constitucionalista de São Paulo entre 1 9 3 5 e 37 ; o José Roberto era diplomata e foi embaixador em Montevidéu entre 1 945 e 5 1 , e o José Fernando, que se formou em odontologia e nunca se meteu em política . Além disso, havia três irmãs : Eunice, Eudóxia e Eponina, todas começando por E .

N a pagina ao lado' passaporte

dlplomallco do Peru rorcedid" d Edmundo de Maced0 Soares e Silva, em

30 de abr I de 1 925. (CPDOC/Arq,.,vo

Edmundo de Macedo Soarrs/dp)

I 33

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1 El ísio de Carvalho, Brasil, potência

mundial: inquérito sobre a indústria

siderúrgica no Brasil. Rio de Janeiro,

Monitor Mercantil, 1 91 9.

U M C O N S T R U T O R D O N o s s o T E M P O

E m que circunstâncias o senhor se aproximou do José Carlos e do Jo�é Eduardo?

Quando saí aspirante, fui a São Paulo visitar meus avós maternos e estive também com o tio José Eduardo, pai deles; datam daí minhas relações mais estreitas com os dois, sobretudo com o José Carlos. Ele influenciou muito a minha vida e eu, de certo modo, a dele. Todos os Bvros que escreveu foram corrigidos por mim; e le me dava os originais para ler, e eu chamava a sua atenção para certas coisas. Isso fez de mim um revisor, profissão com que ganhei algum dinheiro no exílio na França.

Seus primos eram Iiaados a Nilo Peçonha?

O Nilo sempre foi amigo do meu pai, da minha família. Sua mulher, Anita, era prima-irmã da minha mãe. Muitos anos depois , quando fui governador, a prima Anita estava muito mal - o Nilo não lhe deixara bens -, e consegui uma pensão para ela. Recordo bem que o Nilo, certa feita, me disse : "Raramente conheci um homem como seu pai . Até hoje ouço referências a ele no estado do Rio." Papai tinha tratado de muita gente no estado e era muito lembrado por isso. O Nilo Peçanha, depois de derrotado pelo Bernardes, foi o chefe civil da Revolução de 2 2 .

o Exército se envolveu na campanha presidencial por causa das "cartas falsas'?

Começou antes. Havia um grupo de oficiais que só pensava na industrialização do Brasil e, a meu ver, este foi o motivo principal da campanha: tirar o país do marasmo em que se encontrava. ÓS nos articulamos visando a esse objetivo; nosso ideal era que o Brasil se desenvolvesse de acordo com o que dizia aquele livrinho do Elísio de Carvalho, Brasil, potência mundial. I

H avia possibilidade de a Reação Republicana vencer a eleição?

Acreditávamos que sim , mas estou plenamente convencido de que o Bernardes venceu o pleito l icitamente. Creio mesmo que as tais cartas eram realmente falsas. O que aconteceu foi o seguinte : em outubro de 2 1 , o Correio da Manhã

publicou umas cartas atribuídas ao Artur Bernardes, contendo ofensas pesadas ao Exército e ao Hermes da Fonseca, que naquela época era presidente do Clube Militar. O Bernardes contestou a autenticidade da cartas, e depois descobriu-se que o falsário, Oldemar Lacerda, redigiu-as com o objetivo de vendê-las. Mas a repercussão das cartas foi muito grande. Numa reunião do Clube Militar, falou-se sobre o assunto, e todos acreditavam que eram verdadeiras. Eu freqüentava aquelas reuniões, que eram muito acaloradas, e também estava envenenado . . . Um rapaz de 2 1 anos empolga-se com muita facilidade, não é? A situação evoluiu, e acabou sendo organizada uma comissão com representantes do Clube Militar, do Artur Bernardes e do Correio da Manhã, para decidir se as tais cartas eram apócrifas ou autênticas. Convidaram um técnico de origem francesa para examiná- l",s, e o homenzinho concluiu pela autenticidade - mais tarde, ficou-se sabendo que isso não era verdade. A tensão aumentou quando o

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R E V O l U Ç Ã O E E X l l l O

presidente Epitácio Pessoa mandou prender por algumas horas o marechal Hermes e fechar o Clube por seis meses.

Vocês discutiram a possibilidade de um levante armado?

O Eduardo Gomes , o Juarez Távora, eu, o José Eduardo e mais quem ele convidasse conspirávamos no automóvel dele, circulando pelas ruas do Rio; depois, nos reuníamos no Clube Militar. A maioria da platéia era formada por oficiais jovens , mas havia gente dos escalões mais altos. Um dia, fui avisado de que a revolta acontec ria em 5 d julho. Nessa ocasião, eu era instrutor de engenharia na Escola Militar, dando aula de topografia e estradas; o Juarez também servia na Escola, como instrutor de engenharia. Os cadetes estavam muito inquietos. Vou dizer uma coisa : se os oficiais não tomassem a iniciativa, os cadetes fariam a revolução sozinhos. Resolvemos, então, entrar em cena para enquadrá-los.

orno foi o dia da sublevação?

O levante estourou na noite de 4 para 5 de julho de 2 2 . A guarnição da Escola Militar, comandada pelo coronel Xavier de Brito, saiu em direção à Vila Militar, levando o armamento usado na instrução dos cadetes. Havia de tudo: metralhadoras, fuzis , canhões. O Henrique Ricardo Holl - nós o chamávamos de Henrich Richard Holl - levou dois obuseiros 1 05 . Para nossa surpresa, fomos recebidos a tiros pelo 1 0 Batalhão de Engenharia da Vila Militar. Decidimos nos recolher ao morro da Árvore Seca . Para chegar lá, tínhamos que atravessar um riozinho; para avaliar sua profundidade, o juarez, que era alto, entrou , e a água lhe bateu pelo peito. Então, os pequeninos tiveram que ser carregados no colo. Ficamos entrincheirados no Árvore Seca e de lá atiramos sobre a Vila Militar, e a Vila sobre nós. essa troca de tiros, nosso companheiro Ângelo Eliseu Xavier Leal acabou morrendo. O Holl deu uns dez tiros no regimento de artilharia da Vila, cujo subcomandante era o pai da Alcina, que viria a ser minha segunda mulher; ela assistiu a tudo isso. Quando o coronel Xavier de Brito viu que não havia mais nada a fazer, nos reuniu e declarou que a única solução era a retirada e que não queria sacrificar tantos jovens. No total , eram mais ou menos seiscentos e poucos rapazes, fora os comandantes. A resist'ncia tinha durado umas quatro horas , sem comida, sem coisa nenhuma.

uem se sublevou no Rio?

A Escola Militar em peso - os cadetes contrários foram colocados numa sala à parte -, uma parcela da Vila Militar -

Edmundo d� Ma�o Soare; � Silva �m

mnt� ao monum�nto aos Duoito do

Fort�, �m Copacabana, Rio d� Jan�iro,

�m 5 d� julho d� 1980. (CPDOC/Arquivo Edmundo de Macedo

Soares)

I 35

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U M C O N S T R U T O R 00 N o � s o T E M P O

que, na prática, acabou não aderindo, porque o governo já tinha controlado a situação -, o forte de Copacabana, onde estavam o Siqueira Campos, o Eduardo Gomes, o Delso Mendes da Fonseca, o Mário Carpenter; era um grupo grande . A Escola de Aviação tentou aderir, mas também não conseguiu.

o que aconteceu depois da rendição?

Voltamos à Escola. Descarregamos as armas, desarmamos os cadetes, que relutavam em se render, e aguardamos a chegada de um esquadrão comandado pelo Euclides de Figueiredo - pai do João Batista, que viria a ser presidente da República -, que veio nos prender. Ele nos disse que era incügno um mil itar revoltar-se, e no entanto, dez anos depois, em 1 9 3 2 , ele se levantaria contra o governo Vargas, na Revolução Constitucionalista de São Paulo. Naquele dia, o próprio Euclides nos trouxe a notícia do fracasso do levante do forte de Copacabana; cüsse que tinha morrido muita gente, foi muito cruel conosco.

Qual foi a participação do seu primo José Eduardo na revolta?

Junto com alguns companheiros, ele ocupou a Companhia Telefônica de iterói na véspera do levante, impecündo as comunicações com o Rio. Depois do fracasso do movimento, ele se refugiou na legação argentina . Mais tarde saiu de lá e foi para Maricá , onde acabou sendo preso, mas conseguiu fugir; alcançou a ilha Rasa , para onde os amigos mandaram um barco levado por pescadores. Ele pegou o barco, lançou-se na água e remou até o Leme. Mais tarde, voltou a ser preso.

Mesmo sendo deputado? Não existia imunidade parlamentar?

Naquela época, os deputados podiam ser presos , e ele ficou detido no Regimento de Cavalaria , aqui no Rio. O José Roberto foi visitá-lo e trocou de roupa com ele; o José Eduardo saiu com as roupas do irmão, e o José Roberto ficou na cela .

Que destino tiveram os cadetes sublevados?

Voltaram para a tropa para esperar o julgamento. Quando este começou, foram chamados para cüzer se estavam conscientes ou inconscientes do levante. A maioria declarou-se consciente, mas uns 30 ou 40 se proclamaram inconscientes e ficaram conhecidos por "inconscientes" pelo resto da vida. Essa minoria pôde continuar a carreira militar; os demais foram expulsos. Os cadetes afastados que foram anistiados puderam voltar para a Escola cinco, seis anos depois. Dos que podiam retomar a carreira militar, a maioria voltou ; alguns ficaram no Banco do Brasil , outros ingressaram no Judiciário e chegaram até a desembargadores. Já os oficiais foram detidos quase imediatamente. Minha primeira prisão foi na 1 a Companhia de Metralhadoras, aqui no Rio; fiquei detido 1 5 cüas, junto com mais uns 40 oficiais. ão podíamos falar com ninguém , mas havia u m oficial d a reserva que m e conhecia e s e ofereceu para m e trazer tudo que eu precisasse. Mandei buscar roupa, objetos pessoais; ele telefonava para minha família, fazia contato com o advogado . . . Recebi um tratamento privilegiado.

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Mas como a tropa tinha que continuar a receber instrução e nós atrapalhávamos, fomos transferidos para o navio CUiabá, que inicialmente ficou ancorado na bala da Guanabara e depois zarpou para Angra dos Reis, onde permaneceu fundeado

R E V O L U ç A O E

durante uns meses. Ficar detido num navio significava estar sob a alçada da Marinha; os oficiais eram muüo bons, muito educados, mas firmes.

E x i L I O

Foi uma temporada divertida . Embora fosse proibido, nós nadávamos no mar, pulávamos na água, e os oficiais mandavam nos buscar. Pulávamos de novo, até que eles puseram uma piscina a bordo. Trepávamos nos mastros e quando eles viam , já estávamos lá em cima; queríamos fazer exercício.

Eram quantos prisioneiros?

Éramos 1 56 presos, incluindo alguns generais, como o Sotero de Meneses, que já estava na reserva, e o Clodoaldo da Fonseca, que havia comandado as tropas rebeldes de Mato Grosso. No próprio navio recebíamos intimação para prestar depoimento. Eu disse tudo, disse que havia participado porque julgara que devia, que levara fulano, sicrano e beltrano para a Revolução, que eles não queriam, mas eu havia insistido etc. O depoimento aconteceu uns dois meses depois do levante, em setembro, portanto. Mesmo assim, naquele mês fui promovido a primeiro­tenente. A promoção era automática, por antiguidade. E les não podiam evitar; afinal , eu estava no quadro suplementar e, inclusive, recebia o soldo.

Que desdobramentos teve o processo?

Só quatro assumiram a responsabilidade. Os outros procuraram salvar-se, mas ninguém conseguiu. O promotor nos denunciou e, passado um tempo, o juiz aceitou a denúncia . Nesse período, fomos postos em liberdade, e fiquei livre por uns quatro meses, mas tinha que me apresentar ao Exército toda semana. Durante esse tempo, trabalhei como agrimensor para o engenheiro Alencar Lima, amigo do José Carlos, que estava chefiando uma comissão de recuperação da Baixada Fluminense, área inteiramente pantanosa. E le me convidou para fazer topografia ali , traçar eixos . . . Levei o Eduardo Gomes comigo. Eu ia atrás com o teodobto, que era do tio Rosalvo, � o Eduardo ia na frente, com a baliza e a cadeia de 20 metros. Ele media, e eu dava o alinhamento; marcamos tudo aquilo ali .

Eduardo Gomes era de família pobre.

Era, e teve que lutar muito. Homem de caráter sem jaça, i libado. Também tinha a sua parte de ingenuidade . Não era de muita conversa não, mas comigo ele

Oficiais detidos. vendo-se Edmundo de

Macedo Soares e Silva (ajoelhado à

direita), em 1 923. (CPODC/Arquivo

Edmundo de Macedo Soares)

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Mil i tares presos na Casa de Correção

no Rio de Janeiro, vendo-se Edmundo

de Macedo Soares sentado, à d ireita

(de ócu los), em 31 de dezembro de

1 924. (CPODC/Arquivo Edmundo de

Macedo Soares)

U M C O N S T R U T O R D O N o s s o T E M P O

conversava, posso dizer até que bastante . Conheci sua mãe, d . Geni , já velhinha , Ela era de uma farníüa muito boa, muito instruída , mas o marido não. O Eduardo tinha um irmão, Stanley, que tinha muito je ito para ganhar dinheiro ; montou uma empresa , a Geovia, em sociedade com o Paulo Sardinha e o Romeu Marquês e fez fortuna . J á o Eduardo e�a uma negação para negócios.

o que aconteceu depois que o juiz aceitou a denúncia?

Voltamos para a cadeia, mas dessa vez para um lazareto do tempo do Império, situado na enseada do Abraão, na ilha Grande. O comandante era o capitão Oton Santos , que tinha sido meu comandante na Escola . Como não sabia usar a bandeira para transmjtir sinrus aos destróieres que tomavam conta para evitar que fugíssemos e que, por sua vez, transmüiam em código para terra, ele me escolheu para responder pela sinaüzação. Com a bandeira ou com os sinais, recebendo e transmitindo, eu ficava sabendo de tudo. Aliás , a estada na ilha Grande foi muito boa; no lazareto, jogávamos waterpolo, tomávamos conta dos doentes, dávamos remédios. A população ficou muito grata a nós; conguistamos aquela gente. Depois fui para a Casa de Correção, no Rjo, j unto com diversos companheiros, na condição de réu comum, o que era contra a Constituição. Afinal , éramos acusados de ter querido depor o governo, e isso era crime político; éramos militares e presos políticos. E les não tinham o djreito de nos colocar na Casa de Correção ! Nossos advogados entraram no Supremo com um pedido de habeas

corpus, que acabou sendo concedido por maioria de apenas um voto - porque os ministros que sempre votavam com o governo estavam em gozo de l icença -, e conseguimos ser mandados de volta para a ilha Grande. Fiquei 1 6 meses na Casa de Correção, mas de certo modo foi muÜo bom ter estado lá , num ambiente gue pouca gente conhece . Fiquei convencido de gue na prisão não se corrige ninguém; ao contrário, o preso sai pior do que guando entrou .

o que vocês jaziam para passar o tempo?

LÍamos, jogávamos bola. Nosso contato com os presos comuns limitava-se ao pátio ; eles podiam ficar lá o dia todo, mas nós só tínhamos permissão de ficar no

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R E V O l U Ç Ã O [ E X l l l O

pátio dua horas, de cinco às sete da tarde. Um dia, resolvemos não voltar para as celas na hora acertada; o diretor do presídio enviou um pelotão de policia para nos botar nos cubículos. Cercamos o pelotão, cabendo a mim adverti-los: "Estamos armados e , ao primeiro gesto de vocês , tomaremos suas armas , e vocês ficarão desmoralizados. Garanto que quem deu ordem para vocês entrarem nem está mais aí ." E mandei o tenente ir confirmar o que eu estava dizendo. Ele foi e quando voltou, não disse nada; olhou para mim, reuniu o pelotão e foi embora . Se o tenente persistisse naquela orientação, seria por sua conta e risco. A partir desse dia, passamos a ficar no pátio o tempo que quiséssemos.

Como vocês recebiam armamento?

o armamento chegava até nós no meio dos bolos que recebíamos dos nossos familiares ou escondidos em objetos. No fim de algum tempo, estávamos todos armados. Também recebemos explosivos; tínhamos explosivo suficiente para botar abaixo o muro da Casa de Correção, se quiséssemos. E o encarregado era eu, por ser de engenharia . Éramos 200 homens, muito bem armados.

Como eram os interr08atórios?

Normais. Eles não recorriam à tortura, mesmo porque estávamos armados, e ninguém nos tirava as armas . Para tirar a arma de um oficial , alguém teria que morrer, e eles sabiam disso. A resistência seria dura . Na verdade, se o governo realmente quisesse, teria desarmado todos os presos políticos, mas não queria promover uma agitação ainda maior. Não era nada prudente mandar a polícia contra oficiais do Exército.

Sua família passou por al8um aperto financeiro durante sua prisão?

Não, porque o Hélio concluiu o curso da Escola Militar e passou a ajudar nas despesas.

o senhor participou da Revolução de 24 em São Paulo?

Sem dúvida ! Saí da cadeia e fui conspirar em São Paulo; onde havia conspiração, eu estava . Entrei em contato com antigos companheiros . . . a cadeia, estávamos constantemente informados de tudo.

Como o senhor conse8uia ir para São Paulo?

SÓ" a ousadia explica. Eu tomava o trem de terceira classe e descia uma estação antes de São Paulo. E ia para a casa do Junqueira, um colega meu que morava na capital . Na casa dele eu conspirava com o Miguel Costa , 2 o Juarez Távora e seu irmão Joaquim .

Seu primo José Carlos participou do movimento?

Não, e le foi vítima de uma confusão. Meu nome figurava numa lista de um outro conspirador, o primeiro-tenente de artilharia Custódio, e essa l ista caiu nas mãos

2 Miguel Costa ( 1 874-19591 participou

da Revolução de 24, comandou a

Coluna Miguel Costa-Prestes, exilou-se

na Argentina, participou da Revolução

de 30 e foi membro da Aliança

Nacional Libertadora.

I 39

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3 D l ivro se chama Justiça e revolta

militar em São Paula, e foi publ icado

em 1925, em Paris.

4 Cândido Rondon ( 1 864-1 958)

participou do movimento republicano

( 1 889), fez expedições pelo interior do

pais, de cunho cientifico, de defesa

territorial e de implantação de l inhas

telegráficas; comandou as forças

legal istas contra a Coluna Prestes

( 1 924-25); recusou-se a participar da

Revolução de 30. Foi presidente do

Conselho Nacional de Proteção ao

índio ( 1 939). Bertoldo Klinger ( 1 884-

1 969), estagiou na Alemanha ( 1 910-12)

e fundou a revista A defesa nacional

( 1 91 3). Comandou tropas legal istas

contra a Coluna Prestes ( 1 925). chefiou

a Policia do D istrito Federal ( 1 930),

atuou na Revolução de 32 ao lado dos

paulistas e em 1 964 apoiou o golpe

militar.

U M C O N S T R U T O R D O N o s s o T E M P O

dos oficiais governi ta . Acharam que o Macedo Soares que constava da relação era o José Carlos, e não eu. Foi uma injustiça terrível . Para ele, civi l , homem rico, deve ter sido um golpe tremendo. O José Carlos, homem maduro, presidente da Associação Comercial de São Paulo, não tinha nada a ver com o levante . Eu, com vinte e poucos anos , estava envolvido mesmo na conspiração e sabia dos riscos que corria.

o levante em São Paulo foi bastante violento. A cidade teve até que ser evacuada.

As forças legalistas bombardearam São Paulo. Bem que o José Carlos tentou fazer um acordo com o governo para não haver bombardeio. Chegou a escrever um livro sobre isso. 3 E le ficou preso dois meses, mas acabou não respond�ndo a processo ; saiu da prisão e foi para o exílio na França. No dia do levante, 5 de julho de 24, eu estava no Rio, pois tinha recebido a incumbência de dinamitar uma ponte da Estrada de Ferro Central do Brasi l , em Japeri , ação que envolvia umas 30 pessoas. Quando cheguei lá, não havia ninguém . Eu levava todo o explosivo comigo, num saco; como sozinho não podia cumprir a missão, voltei para o centro da cidade e ainda tive de destruir o explosivo. O movimento de São Paulo foi derrotado, mas em novembro aconteceu o levante do Rio Grande do Sul , comandado pelo Prestes, que desembocou na Coluna Prestes. Eles percorreram o Brasil inteiro e se transformaram em heróis para a oficialidade mais jovem . Por conseguinte, o governo teve certa dificuldade para mandar os militares moços combaterem a Coluna, já que muitas vezes eles se recu avam a reprimir os companheiros. O Castelo Branco dizia que, embora não tivesse sido revolucionário, não se prestou a combater os companheiros da Coluna . Daí a necessidade de o governo formar os batalhões provisórios , constituídos por gente da pior espécie e organizado por políticos nos seus estados. Quem comandou os legalistas foi o marechal Rondon ; Bertoldo Klinger também teve papel importante .4 Alguns oficiais superiores, capitães e tenentes da reserva, integraram as forças de repressão, mas poucos oficiais da ativa se prestaram a e se papel .

Como o senhor conseguiu escapar da ilha Grande?

Eu tinha estudado, com os oficiais de Marinha, todas as correntes e os faróis. Então, em março de 2 5 , o Canrobert Pereira da Costa , o Luís Braga Muri e eu fugimos de canoa da ilha Grande; fomos parar em Jacuecanga, perto de Angra . Desembarcamos e fomos a pé até a fazenda do Pontal , cujo dono era tio de um colega meu e já tinha sido avi ado. Pouco depois, chegava a Marinha. A filha dele nos aconselhou a nos escondermos num canavial próximo; entramos pelo meio da cana, morrendo de medo de cobra e ficamos escondjdos lá. Um sargento da Marinha deve ter passado a uns quatro meb'os de mim, pelo leito do rio, mas não me viu . O fazendeiro deu pista errada , e eles foram embora . Fomos, então, para

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R E V O l U Ç Á O E E x í l i O

uma mata próxima, onde construímos um ranchinho com ramos e cobrimos com uns sacos; ficamos lá quatro dias e quatro noites. Nosso protetor tinha estudado uns anos de medicina e tratava dos moradores da região, de modo que toda aquela gente torcia por nós.

Juarez Távora fugiu da fortaleza de Santa Cruz, onde estava preso. Como muitos presos

conseguiam fugir?

A fidelidade ao governo não era total , de modo que, até certo ponto, fugir era relativamente fácil . A simpatia pela Revolução era muito grande.

Quando fugiu da ilha Grande, o senhor já tinha feito um pedido ao ministro Vítor

Maúrtua, solicitando asilo na legação do Peru. Já tinha recebido resposta quando fugiu?

Não. E le não respondeu, então resolvi ir direto para a legação, que ficava na avenida Pasteur, entre Botafogo e a Urca ; o porteiro, um holandês, não quis me deixar entrar. Empurrei-o, entrei , sentei numa cadeira e disse que não sairia dali e que queria falar com o ministro. Como ele não estava, fui recebido pela senhora dele, uma espanhola loura . Ele chegou mais tarde ; tipo físico de índio, grande, muito preparado, muito inteligente, formado em direito, conhecia há tempos a minha família. Eu disse : "Ministro , de acordo com a tradição, vim pedir a proteção do Peru . Está aqui no A lmanaque do Exército." Ele retrucou : "Mas o governo está dizendo que o senhor não é mais oficial do Exército, que é um desertor." Eu insisti : "Ainda estou nos quadros do Exército." Ele me fez dormir do lado de fora do prédio da legação, no quintal . Queria ver quem eu era em matéria de higiene, como me alimentava, como me vestia, o que lia . Ficou me observando, e dois dias depois, levou-me para dentro. O Maúrtua dirigiu-se ao governo brasileiro nos seguintes termos: "Este jovem fica comigo o tempo que quiser. E quando eu sair em férias, vou levá-lo comigo." O governo respondeu: "Se o senhor conseguir do tenente que ele não vá para Buenos Aires , nós o deixamos sair." O Maúrtua me consultou a esse respeito, e eu concordei em não ir para a Argentina. Então, o governo Bernardes resolveu dar permissão para eu ir embora, mas negou-se a me providenciar documentação. Mandei uma pessoa a São Paulo buscar dinheiro com minha avó, tomei o Massi}ja , na classe intermediária, e fui para Lisboa, viajando com um passaporte peruano. Chegando a Lisboa, converti praticamente todo o meu dinheiro em libras

Edmundo de Macedo Soares e Silva, na

legação do Peru, no Rio de Janei ro,

antes de embarcar para o exil lo, em

1 925. (CPODC/Arquivo Edmundo de

Macedo Soares)

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42

U M C O N S T R U T O R 0 0 N o s s o T f M P O

REPÚBLI CA � PORTUGUESA

Governo Civil do distrito dL- t?!';:;:-�/ (

.Ja��opotle válido pát � �7

fI'/ ugÚla,Do 110 /iv.

--7/-�7"/_--

o n.

Estado ��/� Profissão <1�k� Natural det' M /� Á� _ _ .������"---,,,�-,-�-".é _

esterlinas, a moeda forte da época - tinha lido em Eça de Queirós gue o português transformava em libra todo o dinheiro gue recebia. Figuei em Lisboa apenas dez dias, de 3 a 1 3 de maio, porgue em Portugal não havia curso de metalurgia . O país sempre foi muito bom em engenharia civi l , tanto gue a nossa averuda Atlântica foi construída por engenheiros portugueses. Tomei um navio do Lloyd Brasileiro e fui para Paris. Fui de terceira classe, mas logo figuei amigo do homem da despensa, um pretinho. Quando ele ia buscar a sobremesa para a primeira classe, eu ia junto e comia aguilo tudo. Desembarguei

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R l V O l U Ç À O l E X l l l o

t'\ - c'.) - e:��

....... Que se destina a �:a�

__ -=---___ ....:-____ ---;;-)or via ?ú"�;,{.1.__

Embarca no párto de 4--up:-w � ff.4 tt1�,,-,

Sai pela fronteira de _________ _ ----------�---�--�----�� --------------------------------��=----------------�

Declaração a que se refere o n .o 3. o do ari1"go 1 2.0 do

regulamento de 1 9 de Junho de 1 919 _ ____ _

-- .. <==-----------------..,

Declaração se o impetrante é emigrante contratado

ou subsidiado ------ -------�--��---------------------

Data do decreto que autorizou a emigràção contra­

tada

Declaração se o impetra te

sem vínculo de trabalho , I tf. ���������������

no Havre e fui de trem para Paris. Cheguei no dia 20 de junho de 1 92 5 , já munido da documentação portuguesa que havia conseguido em Lisboa.

Como foram os seus primeiros dias em Paris?

Hospedei-me num hotel na rua de Dunquerque, perto da Gare du ord . O hotel me havia sido recomendado por um francês que conheci no navio, mas era uma porcaria. No bar do hotel, pedi uma garrafa d ' água ao garçom, que se espantou : "Água? ! Ninguém bebe água na França, aqui e bebe vinho e cerveja . Se o senhor

Passaporte concedido por Portugal a

Edmundo de Macedo Soares e Silva

(CPDDC/Arquivo Edmundo de Macedo

Saares/dp)

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Documento de Identidade conced ido

pelo governo francês a Edmundo de

Macedo Soares e Silva. (CPODC/Arquivo

Edmundo de Macedo Soares/dp)

44

U M C O N S T R U T O R D O N o s s o T E M P O

� ..., '" o c::: --= m r­r­m !!!I: ,..., z ..... t:I ,., r­.... ,.

C A R T E VALABLE

POUR LES AN:-;�ES , '13 9 &. t ' 9.3 O

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ou jusqu'au (1) ......•...... _._ .....• _ .......................• __ ----_ .. _ ... _-_._ .. -.. _ .... _ .... -

. Déllvréo. par M. le Préfet d ...

Nom : ...

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I 1

(I) Date d'expiralion de la \I'alidité de la carta aD caa 'e Umhatiou de dutáe.

Sii ltatiolJ dt, I I � ,. L al if'l'J maT'""fê, �4.-f.,­dti;(jr�-a'it:r Jcs JOC.UtlVIII'; l.uU'II�).

CAnTE Ne to 6 8 •

quiser água, tire da bica." Eu não ia beber água da bica em Paris , pois é fortemente clorada. Tive, então, que comprar água mineral . Mas logo mudei de hotel . Eu vivia com 750 francos por mês, o que, apesar de pouco, era o bastante para mim , isso porque os meus primos também estavam lá. Eles não me davam dinheiro, mas me levavam ao teatro, a restaurantes . O José Cássio levou-me a um magazine e me autorizou a separar tudo que quisesse ; comprei sobretudo, roupa de baixo, carrilsa, tudo o que um rapaz necessita. E olha que o José Cássio era pão-duro ! Essas compras foram providenciais , porque eu iria enfrentar um inverno violento, meses depois . Fiquei bem sortido e não tive que gastar dinheiro.

o senhor já falava bem francês, mas os hábitos eram muito diferentes. O senhor se

adaptou facilmente a essa nova realidade?

Sim , porque a rrllnha famíba tinha muito contato com franceses. Naquela época , a influência francesa no Brasil era muito grande. Além do mais, o José Carlos e o José Eduardo estavam morando em Paris. Eu convivia com eles , com a Matilde, esposa do José Carlos, com a d . Escolástica, a sogra, criatura de uma cultura extraordinária; eu me sentia bastante seguro, praticamente em casa . Fora os parentes, também encontrei amigos do Brasil que tinham ido para lá . o dia seguinte à minha chegada, quis conhecer a Place de l 'Opéra e, como não sabia andar de metrô, tomei um táxi . Quando cheguei na praça, esbarrei com o Sílvio Raulino de Obveira sentado num café . Depois , nós dois pegamos o metrô Nord­Sud e fomos à casa do José Carlos de surpresa; ele ainda não sabia que eu estava em Paris ! No mesmo dia, de volta ao centro da cidade, fui tomar um aperitivo com o

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R E V O L U ç A o E x I L I O

Raulino, num café não muito longe da Ópera . Quem eu vejo? O Antônio Guedes Muniz, que mais tarde foi oficial da Aeronáutica; estava em Paris cursando engenharia aeronáutica na Ecole d' Aéronautique. Depois, foi a vez do Pedro Martins da Rocha, um oficial de cavalaria que tinha se tornado aviador, a quem chamávamos de Macacão, porque o papel de carta que ele usava para se corresponder com os amigos tinha um macaco pintado. Eu já o conhecia da

Certificado de conclusão do curso de

metalurgia, no Conservatoire des Arts

et Metlers, em 12 de outubro de 1926.

(CPODC/Arquivo Edmundo de Macedo

Soares/dp)

Escola Militar; ele tinha tomado parte nas revoltas. O Pedro chegou a Paris e logo me

,\\INISTÊRE R É P U B L. I Q U E F R A N C;: A I S E L'II\'ST�UCTION PUBLIQUE

ET 01::5 BEAUX_A.RTS

l'ENSEIGNEMENT TECHHIQUE CONSEflVATOIRF. NATIO�Al.

1\ R1'S-&.-M f�'J'1 EIIS �UJuur,

procurou: "Macedo, quero conseguir minha licença de permanência . Vamos à policia." Acompanhei-o à delegacia, e lá lhe pediram os documentos. O Pedro tirou do bolso um certificado da polícia paraguaia que assegurava que ele não era mendigo; era esse o seu único documento. Chamei-o no canto e lhe disse , baixinho: "Pedro, vamos embora , porque é bem capaz de acabarmos em cana. Vamos embora." Eu tinha um documento português, mas ele, na prática, não tinha nenhum , estava completamente ilegal .

Je .fUIS heut'eux de vous (J:nnOPlcet' qu'ã la, .Slute de l'e.:ramen qtlC VOlts ave:

11th, ." .. ,. Ies matiere.ç enseigPlées pClIdanl l'unnü scol(Ure qui vicnt de se termlnet',

le CO'l1$eil cf Adml1Hs/rntioll du (,'muet'vatoire 'Jational des At-Is et Métiers VOltS a

décerrlé "" Ce'-lifical aU)lucl polH' te cours de J , .:.......

Le Conseil vaus a atlt-ibui, en ou/re. en considé"(,i1"on des notes, analyses el

t"ésumé� que vom ave:: présenth I a? • I

Eu mesmo já tinha tentado obter um passaporte, mas o cônsul brasileiro que, aliás, era nosso parente, não atendeu ao meu pedido, dizendo que tinha ordens para não dar. Quando entrou em férias, seu lugar foi ocupado t mporariamente por um colega vindo da Grécia . Procurei o cônsul substituto, acompanhado de duas testemunhas; ele foi receptivo ao meu pedido

el m'a chat"gé de 'p1ous adt"esst!1" ses vives (élicitntiotls.

La Direction du Conservatoire tierll, des mainiena1l', à oo/,"e disposi11on,

lous le$ iow's de la semaillc, ent"e 15 cl J7 lieures, tes cc,·ti/ical el t'Pcompc1ISe

Indl'lués ct-dessus.

Agree.;, Monsielw/ l'assu,-ance de ma considêra/iol1 duti·11-guú.

e reconheceu que eu tinha direito ao passaporte brasileiro. Aproveitei a oportunidade para falar no caso do Pedro Martins da Rocha, e o diplomata também concordou em liberar o passaporte para ele. Aí ficamos com a situação legalizada .

Que cursos o senhor fez em Paris?

Assim que cheguei , matriculei-me no Conservatoire des Arts et Métiers com os documentos que havia trazido de Portugal . Para todos os efeitos , na França eu era português. Para fazer o curso, tive que prestar exame; o professor era o diretor da Ecole Central e, Léon Guillet. Homem notável ; ditava as questões para os candidatos, que as escreviam na pedra. Depois, dizia : "Podem falar." Então, nós dissertávamos sobre o assunto pedido. Só fazia perguntas se achasse necessário ; no final do exame, dizia apenas: "Muito obrigado." Não tínhamo condições de saber se havíamos passado ou não. Quando chegou a minha vez, ele me perguntou em que escola da França eu havia estudado. Respondi: "Estudei no Rio

Le Djrecteur.

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U M C O N S I R U I O R D O N o s s o T E M P O

de Janeiro". Olhou-me, incrédulo : "Impossível ." Eu confirmei : "É verdade. Lá seguem os métodos daqui ." Ele acabou acreditando. Mais tarde, como fui o primeiro aluno da sua turma, veio me cumprimentar : "O ensino no Rio deve ser mesmo muito bom." Era o Colégio MiUtar, a base .

Como o senhor encaminhou sua formação prcifissional?

Primeiro, fiz um curso de química inorgânica, matéria em que era muito fraco, no lnstitut de Chimie Appliquée . Ao mesmo tempo, fazia matemática e física na Sorbonne. Estudava muito, não fazia outra coisa. Meus vizinhos estranhavam : "É

um vagabundo. ão faz nada , fica o dia inteiro no quarto." Em seguida, levando adiante uma decisão tomada na prisão, fiz o curso de metalurgia, que se estendeu de 1 926 a 2 8 . No final , apresentei uma tese à Academia de Ciências da França. O tema era dado pelo Guillet, que publicava as teses dos alunos; meu trabalho foi publicado numa revista de metalurgia, em outubro de 1 927 .

o senhor pagava o curso com o dinheiro que a sua avó lhe deu?

ão, eu trabalhava. Vou lhe dizer o que fazia: muitos médicos brasileiros, sobretudo de São Paulo, chegavam a Paris e queriam comprar um aparelho de raio X ou outros aparelhos elétricos, e não sabiam nada de eletricidade, nada de física ! Então, por indicação do José Carlos, eles me procuravam ; eu os orientava na compra dos aparelhos e, além disso, dava 30 aulas de eletricidade, uma por dia, ensinando-lhes a usar o equipamento. Com isso, ganhei bastante dinheiro.

oncluído o curso de metalurgia, o que o senhor fez?

Fui para a Ecole de Chauffage Industrie i , uma escola de termodinâmica onde se estudava, entre outras coisas, a construção de fornos metalúrgicos. Era um curso só para engenheiros, que durava de três a quatro meses. Em seguida, ingressei na Ecole Supérieure de Fonderie. Escola excelente, a primeira no mundo a formar técnicos especializados em fundição.

senhor prestou algum exame para entrar?

Entrei automaticamente porque já tinha cursado o Conservatoire. O curso na Ecole de Fonderie já era especializado para engenheiros e durou um ano; foi quando estudava nessa escola que conheci o Ari Torre . Um dia, apareceu lá um rapaz mais baixo que eu , d olhos azuis. Ele podia ser qualquer coisa, francês, alemão . . . Depois da aula, dirigiu-se a mim e se apresentou: "Você é brasileiro, não é? Eu sou de São Paulo. Sou fulano de ta1 ." E fizemos boas relações.

orno o senhor conseguiu encontrar tempo para namorar e casar?

Quem não consegue? Bom, eu freqüentava muÜo a casa do Antônio Guedes Muniz e lá retomei contato com a Maria José, sua irmã, que já conhecia daqui do Brasil . Gostamos um do outro e fizemos o que achei , ela também, necessário: casamos em Paris , na igreja d ' Auteuil .

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R E V O l U Ç A E x l I o

o senhor ganhava o stificiente para manter uma família?

Sim, ganhava bem com as aulas que dava . Além delas e do dinheiro da minha avó , elaborava pequenos proj etos para o Brasil . O sujeito queria montar, por exemplo, uma fábrica de panelas de alumínio, eu projetava; outro queria instalar um laboratório de tratamento térmico, eu projetava, e assim por diante. De forma que ganhava dinheiro, mais do que quando vim para o Brasil .

Como estava Paris nesse período entre-guerras?

Bom , Paris é sempre Paris, não é? Quando cheguei , os inais da guerra ainda eram visíveis. Visitei com o José Carlos e o José Eduardo vários pontos de Verdun, que me impressionaram profundamente . Os franceses ficaram muito marcados pela guerra de trincheiras, uma modalidade de guerra muito bárbara, muito cruel . Tive um grande amigo na escola em Paris, um oficial da reserva da arma de artilharia, artilharia pesada; ele lutou contra os alemães na Lorena e costumava dizer que quem enfrentava o drama maior era o soldado da infantaria, que travava uma luta corpo a corpo, à baioneta, a facão, com o inimigo.

Qual era a situação económica da França?

Foi nessa época que Raymond Poincaré assumiu o governo e conseguiu sanear as finanças. Um outro ministro formidável foi o André Tardieu, do Comércio; aprendi muito com ele. Ele falava nos meios de que um país deve lançar mão para se revitalizar, como as oficinas, as fábricas ; chamava de "os fatores que fazem um país" . Isso reforçava o que eu já pensava em relação ao Brasil , ou seja , da necessidade da industrialização. Para mim foi muito interessante . Fui também várias vezes à Itália . . . como cidadão português . Fui com um colega meu que tinha passaporte brasileiro. Quando chegamos na alfândega, o ita\jano pegou o passaporte dele e deixou-o passar; ao examinar o meu, perguntou se eu era português . Respondi que sim; então, ele mandou que eu fosse para o canto e me revistou de cima a baixo. Me botou nu!

Durante a permanência em Paris o senhor se manteve iriformado sobre o que acontecia no

Brasil?

Sem dúvida. Recebia cartas freqüentes da minha mãe e dos meus irmãos. Passavam sempre por Paris parentes meus e, sobretudo, amigos do José Carlos ,

! gente rica de São Paulo, que me pedia para mostrar coisas da França. Então eu viajava, almoçava com eles, ia ao teatro, mas o meu desejo era poder voltar um dia e aplicar meus conhecimentos aqui .

Então, o senhor tinha notícia dos preparativos para a Revolução de 30?

O Orlando Leite Ribeiro, que estava exilado em Buenos Aires, esteve várias vezes na Europa e me dava informações. Até que uma vez , pouco antes da nossa volta , e le comentou comigo que viera comprar metralhadoras leves e pesadas na Tchecoslováquia, pago pelo governo do Rio Grande do Sul . O armamento seria

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48

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embarcado num navio com destino a Porto Alegre e serviria para combater o governo do Washington Luís. Ele me disse para me preparar para voltar ao Brasil e tomar parte no movimento que estava sendo organizado.

Qual era sua situação legal no Brasil?

Em 1 928 , meus companheiros e eu tínhamos sido julgados à revelia e condenados a um ano e quatro meses de prisão. Eles foram muito generosos e não nos condenaram a dois anos , porque nesse caso seríamos expulsos do Exército. Eu já tinha cumprido 22 meses; tinha, portanto, um saldo de seis. Em 1 930 , obtive um habeas corpus aqui no Brasil por intermédio de um dos advogados, o que me permitia pleitear o retorno ao Exército. Então, fui à embaixada brasileira em Paris e pedi autorização ao embaixador Sousa Dantas , que era muito amigo do José Carlos, para regressar ao Brasil . Embarquei para cá mais uma vez num navio do L1oyd, com Maria José em adiantado estado de gravidez - nossa filha Ieda nasceria em novembro, em São Paulo. Quando o navio parou em Recife, o Carlos de Lima Cavalcanti , um dos líderes da conspiração no Nordeste, mandou me convidar para comandar um batalhão de infantaria contra São Paulo. Mandei lhe dizer que não era da infantaria; se o batalhão fosse da engenharia eu comandaria, mas da infantaria não.

Qual era a sua situação no Exército quando retornou ao Brasil?

Durante esse tempo todo eu havia ficado no quadro suplementar. Logo que

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CWIMANDO DA 2a.REG1ÃO :.HL1TAH.

De ordem d� 8r .Yr .G etulio Vargus , Chc­í::: do GovE:rno d0 t�;i2..s c.s f orças revo:!.ucioaari:l3 , c.s s�o nesta da-

. ,,_o (;ommnllG.o do. 2r:. .R 0f.Üõ'0 �"ilit l1r . S o l �_.do <ln rovo luç c.o redeurptor ' ' 0.0 solici t ,: i n0l!l e s c o lho p o stos o u COI".n.isó':;0S , mc..is nõ'o re cus o q ' ' �l qu8r mis 6.0 que me soja confinda , o.t é c. C91�o liQaçõ,� da vi c� O� ' :::. definit iva do. cc.usa n' cional . Umo. vo � , por0f,'" cncerr",uo o p orlouv

j ces s ario 11 normulidade d acçõ'o rcvo lucioncxir.. o quo cer� c.ment(; s Jrú de curte. durúç õ'o , est arn cncerr do. mi��c. oi� sno . vo lt o.ndo eu 1:. rrtinhn si tuo.çc.o du s i mp les oI'iiuic.l r"formo.do do "';::orci to e entre:: f';� ndo esto p o s t; o honroso :l quem de diro lto . i\o s cr'.-i.ço do. revo luçc.o e da PQtria c0nto com o auxilio effi co.z do t o dos os mGUS CQIDurada� Cont inúCJJl em viGor t o dc.s 3S ordens do neu ::'- , �· 0:::: f.:; or c.:b§ que as 11' c e s s idades do s urvi çp publico exigam quc.s qUUl' ",,0l.iI·i co.ç oes .

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R E V O l U ç A o E E X l l l O

cheguei ao Rio, em agosto de 30 , apresentei-me ao Ministério da Guerra ; nomearam um conselho e me absolveram da deserção. Assim, quando fui destacado para servir em São Paulo, minha situação no Exército era completamente legal ; já estava pronto para outra. Como tinha feito diversos cursos na França, todos com notas muito boas , o governo passou a se interessar pela minJ1a volta . Afinal , já disse a vocês, minha tese tinha sido apresentada na Academia de Ciências da França . É bom lembrar que durante esses anos não recebi nada; só após a anistia, no final de 1 9 30, recebi 45 contos de réis .

Por que o senhor decidiu voltar?

Porque sou brasileiro, é muito simples. Fui tentado a ficar em Paris com uma representação de café , mas não quis; não sou comerciante. Pretendia dar prossegujmento à carreira militar e trabalhar como engenheiro, denb"o e fora do Exército; este era o meu objetivo.

Onde o senhor estava servindo no início de outubro de 30, quando estoura a Revolução?

No Serviço de Engenharia da 2· Região, em São Paulo. Foi nessa ocasião que estive em Quitaúna, para resolver um problema de abastecimento de água. Lembro da chegada do Getúlio em São Paulo. Flli buscá-lo na estação de trem, onde se passou um episódio curioso. Militar não tira o boné, e quando o Getúlio chegou , eu estava de boné . Ele se aproximou, cumprimentou-me; eu o cumprimentei . Os civis gritavam : "Tire o boné, seu tenente. Tire o boné, seu mal-educado ! " Mas eu expliquei : "Oficial não tira o boné, tanto que o presidente já me cumprimentou."

Nessa época, o senhor awmulava a carreira militar com um emprego na iniciativa

privada.

Exatamente. Trabalhava na fábrica de panelas Rochedo, empresa até hoje familiar e de capital totalmente nacional , controlado na época pela d. Escolástica, sogra do José Carlos. A empresa tinha sido rurigida por um irmão do José Carlos, o José Fernando, que se revelou péssimo administrador; a fábrica ficou no vermelho. Para reativá-Ia, apliquei o bom senso, sobretudo porque não tinha experiência; contratei um bom contador e, em menos de um ano, estava dando lucro. Foi a minha primeira experiência empresarial , por assim ruzer. Aprendi muito, apesar de ter passado menos de dois anos lá; iniciei na Rochedo a funrução de coquilhas, molde de ferro fundido que reproduz a peça , que ainda não existia no Bras i l .

O senhor participou da Revolução de 30 em São Paulo?

Participei ativamente. Fui eu quem deu a notícia da vitória da Revolução aos jornais; há, inclusive, um retrato meu na redação de O Estado de São Paulo no dja em que fui lá informar que a Revolução tinha triunfado. Assim que a Revolução venceu, compôs-se uma junta militar com o general Tasso

I 49

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General Isidoro Dias Lopes (sentado) e

o seu aJudante-de-ordens Edmundo de

Macedo Soares e S i lva (2 da d ireita

para a esquerda), em 19 de novembro

de 1930. (CPODC/Arquivo Edmundo de

Macedo Soares)

U M C O N S T R U T O R D O N o s s o T E M P O

Fragoso, o general Mena Barreto e o almirante Isaías de Noronha, que entregou o governo de São Paulo ao general Hasunfilo de Moura , em caráter provisório. O José Carlos de Macedo Soares era membro do Partido Democrático de São Paulo, que desempenhou um papel importante na Aliança Liberal . O partido não concordou com a entrega do cargo ao general e, em reunião na casa do José Carlos, seus dirigentes resolveram montar o secretariado. Eu estava em casa do José Carlos no dia da reunião, mas não participei porque não tinha competência para tanto; apenas vi a movimentação e soube das conversas. O secretariado foi formado por pessoas extremamente gabaritadas, excelentes! O próprio José Carlos ficou com a pasta do Interior, o José Maria Whüaker com a da Fazenda, o Plínio Barreto com a da Justiça, e o Henrique de Sousa Queirós com a da Agricultura . A chefia de Polícia coube ao Vicente Rao, com quem trabalhei . O prefeito era o Cardoso de Melo Neto ; eles formaram o que se chamou "governo dos 40 dias". O José Carlos tinha muita força , entre outros motivos porque era amigo pessoal do Getúlio. Em janeiro de 30 , durante a campanha presidencia l , o Getúlio foi a São Paulo, e ninguém queria recebê-lo. Pois o José Carlos hospedou-o em sua casa, e foi a.í que selaram uma amizade muito grande.

De onde o senhor conhecia Vicente Rao?

Da casa do José Carlos. Fiquei conhecendo muüa gente em São Paulo porque me hospedava sempre em sua casa, onde havia um quarto reservado especialmente para mim . Quando ia a São Paulo, tinha que ficar lá, porque o José Carlos gostava de conversar comigo sobre vários assuntos. Muitos anos mais tarde, mesmo depois de eu ter sido ministro, ele ainda continuava a me convocar para essas conversas.

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R E V O l U Ç A � E x I l I o

Com a vitória da Revolução tornei-me ajudante-de-ordens do general Isidoro Dias Lopes, um dos chefes miUtares do movimento. Figuei no cargo apenas 1 5 dias, principalmente porgue o Isidoro, apesar muito inteligente, brigava um pouco com a gramática . Não só ele, como também os demais ajudantes-de­ordens dele . Pedi- lhe, então, para me dispensar das funções, alegando gue tinha credenciais para desempenhar outras tarefas gue não a de seu ajudante-de-ordens. Voltei ao guartel -general e figuei um tempo à disposição, sem fazer nada. Logo em seguida, fui trabalhar com o Rao na chefia de Polícia.

Os primeiros tempos da Revolução em São Paulo foram muito violentos, não é verdade?

Sem dúvida . Foi nessa ocasião gue o povo de São Paulo - o povaréu, não é? ­matou um capitão do Exército, um filósofo, um intelectual . Pegaram o homem, lincharam e o jogaram do alto do viaduto do Chá; tinham raiva do Exército. Houve muita violência; vi cenas terríveis, cenas de Revolução Francesa. Vi móveis serem retirados de dentro das casas e incendiados na rua e o povo fazer roda em torno, dançando e cantando. Consegui impedir a invasão de edifícios públ icos, ameaçando a multidão de lançar mão da tropa. Outra vez, andando na rua na companhia do Vicente Rao, vi a multidão agarrar um preto e ameaçá-lo de execução, sob a acusação de gue ele era bicheiro. Abracei-me com o homem, enguanto o Rao bradava gue aguela atitude era contra lei . Consegui, com dificuldade, escapulir e entrar no palácio do governo. Salvamos o preto ! A situação piorou com a nomeação do João Alberto para ser interventor federal em São Paulo. Quando ele chegou lá, dizendo gue iria assumir a interventoria, eu e mais uns 1 50 oficiais gue serviam no estado, reunidos sob a presidência do Mendonça Lima, votamos contra e demos conhecimento da nossa decisão ao Getúlio. Mas ele mandou nos dizer gue, infelizmente, já estava comprometido com o João Alberto. O João era um tipo peculiar, muito diferente dos seus colegas. Já o Sigueira Campos era outra coisa; se tivesse sobrevivido, o Brasil teria mudado. O Sigueira morreu num desastre de avião em maio de 30, guando voltava de uma conversa gue ele e o João Alberto tiveram com o Prestes em Buenos Aires. Foi nessa famosa conversa gue o Prestes disse gue a revolução gue se organizava era um movimento burguês e disse também gue tinha aderido ao comunismo. O avião em gue o João Alberto e o Sigueira Campos viajavam caiu no rio da Prata. O mais curioso nessa história é gue o Sigueira, gue nadava muito bem, faleceu, e o João Alberto, gue não nadava tão bem , sobreviveu . O João teve paciência; ficou dentro d ' água, e a maré o levou para a praia . Deu umas braçadas e foi salvo. Já o Sigueira . . . Acho gue o Sigu ira teve gualguer coisa na cabeça, por causa do impacto da água fria .

essa ocasião, Luís Carlos Prestes lançou um manifesto, condenando o movimento

revolucionário. O que o senhor, que era pessoalmente ligado a ele, achou do seu gesto?

Se pudesse, teria prendido o Prestes, mas não foi possível .

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5 O Diário Carioca foi fundado por

José Eduardo de Macedo Soares em

julho de 1 928, para fazer oposição ao

presidente da República Washington

Luis; nessa ocasião, ele já tinha fechado

O Imparcial. Em 1 929, o Diário Carioca

passou a apoiar o movimento da

Aliança Liberal, que apresentou a chapa

Getúlio Vargas-João Pessoa às eleições

presidenciais de 1 930.

U M C O N S T R U T O R D O N o s s o T E M P O

Em São Paulo, João Alberto não foi aceito pelos tenentes, nem pelo Partido Democrático e

muito menos pelo secretariado.

Os tenentes eram favoráveis a gue um paulista assumis e . osso raciocíruo era gue, s alguém de fora de São Paulo assumi se o poder e cometesse erros, os paulistas acusariam o Exército ; então, era melhor gue fosse um paulista . Houve um pedido de demissão coletiva do secretariado em repúdio à indicação do João Alberto, mas as partes acabaram s acertando, em termos. Para preservar São Paulo, procuraram se entender com o João Alberto, gue não era tolo e aceitou a aproximação. Afinal , ele precisava ter uma base de apoio em São Paulo ; mas, na verdade, teve muito pouco. O João Alberto nomeou diversas pessoas ligadas a ele, companheiros de revolução, para cargo no governo, inclusive na chefia de Polícia, e agravou a tensão com o Partido Democrático. O mínimo gue se pode dizer é gue foi muito desagradável . A reação contra o João Alberto foi grande ; os colegas diziam-lhe abertamente gue a Úillca alternativa gue lhe restava era deixar a interventoria, gue ele poderia ocupar outros cargos no governo, poderia até ser mirustro, mas não governar São Paulo. Ele também teve problemas com a Faculdade de Direito, a ponto de os alunos me pedirem para, juntamente com o Jo é Carlos, organizar e comandar um batalhão acadêmico para colocá-lo para fora . Neguei-me a esse papel : "Isso não é função de vocês. Vocês não vão se sacrificar. . . O João Alberto manda a polícia - gue não é composta de paulistas, mas de nortistas - atirar contra vocês, e vocês vão morrer à toa. Não aceito comandar batalhão nenhum e vou pedir ao José Carlos de Macedo Soares gue aconselhe vocês a não formar esse batalhão." Foi em função dessa crise toda gue o João Alberto afastou o Vicente Rao da chefia de Polícia em 2 de dezembro; no dia seguinte, todo o secretariado renunciou .

Loao depois da Revolução de 30, os tenentes se oraanizaram no Clube 3 de Outubro. O

senhor participava das discussões no Clube?

Não; poucos t nentes fizeram parte , muito poucos; houve pouca gente do Exército. Eu era contra as idéias do Clube 3 de Outubro, achava-o inútil . O Juarez não sabia bem o gue estava fazendo; mais tarde me disse gue se tinha arrependido. Em 1 9 3 2 , para fazer oposição ao Clube 3 de Outubro, o José Eduardo ajudou a organizar o Clube 24 de Fevereiro, gue chegou a ter alguma força . Mas ele criticava muito o Clube 3 de Outubro nas páginas do Diário

Carioca . 5 Talvez por isso o jornal tenha sido "empastelado". Em 2 5 de fevereiro de 3 2 , lembro bem , um grupo de radicais do Exército, liderados por um tenente chamado Ribeiro, um homem de cor, "empastelou" o jornal todo. Esse tenente tinha uma raiva muito grande do José Eduardo gue, por sorte, não estava no Diário Carioca guando o grupo invadiu a redação ; se estivesse, teria sido morto. Como o jornal estava fazendo campanha contra o Clube, contra os oficiais, contra a política gue eles seguiam, o Clube 3 de Outubro foi acusado por algun de estar por trás do "empastelamento", mas não acredito nisso. Houve gente do Clube 3

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R E V O L U Ç Ã O E x i L I O

de Outubro que tomou parte, mas não foi o Clube. Entretanto o Getúlio não tomou uma atitude firme contra o "empastelamento", o que levou o José Eduardo a intensificar suas críticas ao governo. Ele redigia seus artigos em casa, às seis horas da tarde ; pegava o papel e escrevia de um só lance . Cheguei .a assistir à cena: ele sentava, escrevia, assinava e botava por debaixo da porta; já lá estava o rapaz que levava para o jornal . Nem relia! Era perfeito ! Ele era duro nos seus textos . Lembro-me de um editorial que escreveu no final de 30 ou no início de 3 1 , o famoso "Balaio de caranguejos", que falava sobre os políticos. Os políticos eram como um balaio de caranguejos, uns comendo os outros. O texto foi censurado, impedido de sair, mas o José Eduardo consegYiu imprimir uma porção de cópias e distribuir; todo mundo recebeu. Quem também escrevia no Diário Carioca era o Lindolfo Collor. Este eu conheci bem , era brilhante. Foi a crise gerada pelo "empastelamento" do jornal que provocou a saída dos gaúchos do Governo Provisório : saíram o Collor, o Maurício Cardoso, o Batista Luzardo e o João Neves da Fontoura. 6 O Maurício Cardoso nunca mais fez as pazes com o Getúlio, e veio a morrer em 3 8 , em um acidente de avião. O Lindolfo Collor também cortou relações definitivamente.

6 Lindolfo Collor deixa o Min istério do

Trabalho, Mauricio Cardoso se demite

do M inistério da Justiça, Batista

Luzardo deixa a chefia de Policia do

Distrito Federal , e João Neves da

Fontoura, que não tinha cargo formal

no governo, rompe com Getúlio Vargas.

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' p J\ ' FZ J\ C J\ o :J

Depois que voltou da Europa, o senhor se envolveu em um grande número de atividades

prcj1ssionais, relacionadas, em boa medida, à siderurgia, No início da década de 30 já se

falava na possibilidade de implantação da grande siderurgia no Brasil?

Eu já falava, e falava de coisas que ninguém sabia , Os conhecimentos sobre metalurgia e siderurgia ainda eram muito rudimentares no país; eu era considerado um fenômeno, Ainda como candidato à presidência da República, Getúlio Vargas tinha prometido executar um grande plano de reabilitação da economia nacional e nele incluía a criação da grande siderurgia , Depois que assumiu , em fevereiro de 3 1 ele declarou, num discurso em Belo Horizonte, que a siderurgia marcaria para o Brasil uma era de prosperidade, mas não disse como isso seria feito, Pensei então em me apresentar; procurei o Osvaldo Aranha, que tinha sido meu contemporâneo no Colégio Militar, disse-lhe que sabia como instalar uma usina siderúrgica e pedi-lhe que essa informação chegasse até o Getúlio,

Aproveitando os conhecimentos adquiridos na Europa, o senhor foi um dos responsáveis

pela organização da Escola de Engenharia do Exército,

Como já contei a vocês, a Escola já estava no papel desde o tempo do general Alberto Cardoso de Aguiar; foi ele que determinou a criação de uma escola do Exército para formar engenheiros, Portanto, quando o Getúlio subiu ao poder j á havia a lei ; fomos ao general Leite de Castro, que era o ministro da Guerra , e solicitamos a implantação da escola, Ele falou com o Getúlio, que aprovou . No princípio, ela funcionou na Escola Politécnica, no largo de São Francisco, depois foi para a rua Moncorvo Filho. Na década de 40 , quando fui ministro do Outra, pedi a ele que construísse um prédio só para a Escola; o edifício foi erguido na praia Vermelha, em cuja planta colaborei . Durante um certo tempo, foi a única instituição de ensino no mundo que tinJla um microscópio para cada dois alunos; era muito bem equipada.

Quando começou sua carreira de prcifessor?

Comecei a lecionar na Escola de Engenharia do Exército em 1 9 3 2 , como professor de metalografia - além da metalurgia em geral , estuda a estrutura

Na página ao lado. A Comissão de

t5tudos para a Indústria Mi l itar

Brasi leira visita fábrica de armameotos

em Be'lIm, vendo-se á frente o gene",1

Leite de Ca�tro e Edmundo de Macedo

Soares e Silva (em ult mo plano, de

óculus), em mala de 1 934. (CPOOC! ArqUIVO EdmlJndo de MoC"do 500res)

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U M C O N S T R U T O R 0 0 N o s s o T E M P O

íntima do aço, a estrutura atômica - e de química aplicada à metalurgia; com algumas interrupções, fui professor dessas cadeiras até 1 94 3 . Em 3 3 dei um curso de aperfeiçoamento em metalurgia na Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Lá os aparelhos ficavam atrás de uma vidraça e, por isso, os estudantes não se serviam deles, só viam . Na Europa era muito diferente; os aparelhos eram confiados aos alunos, que passavam o dia inteiro lidando com eles; a partir do primeiro dia, a gente começa a pesquisar. Depois, lecionei em São Paulo durante mais ou menos um ano.

A Escola de Engenharia do Exército só admitia alunos militares?

Não, já oferecia vagas para civis , mediante concurso. O Exército sempre teve um interesse muito grande em desenvolver a siderurgia . Achávamos que um país sem ferro não podia ter agricultura, porque eram necessárias máquinas para o trabalho no campo, e não podia ter armamentos; visávamos exatamente à fabricação de máquinas e de armamentos, tanto que participei da comissão organizadora da fábrica de projéteis de artilharia do Andaraí , no Rio. A fábrica de pólvora e explosivos de Piquete, em São Paulo, era bem antiga, do início do século, mas se desenvolveu bastante nesse momento, na primeira metade da década de 30 . Uma das metas da Escola de Engenharia do Exército era oferecer a cadeira de armamento, baseada na minha cadeira de metalurgia . No Exército, acreditávamos que o Brasil , mesmo não precisando entrar em guerra, deveria estar adequadamente suprido de armamentos, para não cair na dependência de outros países. Como diz a frase latina , "Si vis pacem, para bellum", ou seja , "Se queres a paz, prepara-te para a guerra."

Qual era a situação do ensino técnico naquela época?

Esse problema só começaria a ser equacionado mais tarde, com o Roberto Simonsen, responsável pela criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial , o Senai . O Simonsen era de origem judaica , homem excepcional , inteligentíssimo e com grande idealismo. Ele me chamou e disse que ia fundar uma escola de ensino profissional e queria a minha colaboração ; prontifiquei-me a ajudá-lo. A primeira escola foi fundada em São Paulo, mas logo outras surgiram, no Rio e nos estados.

Voltando à siderurgia, o assunto já era polêmico desde o inicio do século, não é?

N o Congresso de Estocolmo, de 1 9 1 0 , foi tornado público que o Brasil possuía muitas j azidas de ferro; Orville Derby, um dos participantes do congresso e autoridade mundial no tema, tinha feito estudos aprofundados aqui no Brasil . Então o s ingleses, sobretudo, seguidos dos alemães e dos franceses, passaram a comprar jazidas no país , e compraram baratíssimo. A famigerada empresa de mineração inglesa, a Itabira Iron, foi criada nessa conjuntura, em 1 9 1 1 . No Brasil a discussão girava em torno do aproveitamento do carvão-de-pedra nacional como combustível para a siderurgia . Recordo-me de que o Pires do Rio

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- que, além de engenheiro e advogado, foi ministro da Viação do Epitácio Pessoa - era absolutamente cético quanto ao aproveitamento do carvão nacional , não acreditava que o Brasil tivesse capacidade para ter siderurgia; achava o carvão brasileiro muito pobre. No entanto, ele pode ser empregado, caso falte carvão estrangeiro, só que o rendimento será menor. A cinza é necessária para formar a escória , mas o nosso carvão produz cinza demais ; uma grande quantidade de escória diminui o rendimento do alto-forno, que passa a produzir menos; daí ser recomendável a mistura com o carvão importado. Mas a "novela" da ltabira Iron começou em 1 9 1 9 , quando Percival Farquhar, representante legal da empresa e depois seu acionista principal , obteve do presidente Epitácio Pessoa um contrato extremamente vantajoso para a exploração do minério de ferro. Esse contrato foi aprovado, em seguida, pelo Congresso Nacional , mas esbarrou na oposição do presidente de Minas Gerais , Artur Bernardes, e de outros políticos mineiros de tendência nacionalista. Eu ainda era muito moço, nessa época, mas pelo menos no meu círculo de amizades o assunto já empolgava . O Bernardes ficou contra porque o Farquhar queria instalar a siderúrgica em Três Rios, no estado do Rio, ou mesmo no Rio de Janeiro, e não em Minas. Para ele, a questão era instalar uma usina siderúrgica em Minas Gerais que, afinal , detinha as maiores reservas de ferro do Brasil . Nós, tenentes , apesar de convivermos com o Bernardes como cão e gato, acabávamos concordando com ele em determinadas lutas, como essa da siderurgia. Mas com raiva, a contragosto.

Embora tenha adotado uma posição nacionalista contra a habira lron, Artur Bernardes

fez cantata com o rei Alberto, em 1 920, procurando interessar os belgas na siderurgia; daí

nasceu a Belga-Mineira.

Exatamente , mas os entendimentos com os belgas eram no sentido de se instalar em Minas uma usina siderúrgica movida a carvão de madeira. O presidente da Belgo-Mineira, um luxemburguês , veio ao Brasil e trouxe com ele um homem extraordinário, Louis Ensch . Ele era o que se pode chamar de um engenheiro de grande usina, formado em metalurgia e em geologia. A liás, o que eles nos mandaram de melhor foram os homens, ponto de partida para a formação de técnicos. A Belgo-Mineira acabaria criando uma tecnologia própria de carvão de madeira , única no mundo; hoje, quem quiser construir uma usina movida a carvão de madeira tem que se dirigir ao Brasil .

Mas a Suécia também utilizava carvão vegetal.

Com forno elétrico, não com forno convencional . Tentou-se util izar o forno elétrico aqui no Brasil , mas na época não tínhamos energia suficiente; então, a Belgo-Mineira recorreu ao forno convencional . O professor Léon Guillet dizia que um alto-forno de carvão de madeira não podia passar de cem toneladas por 24 horas, porque a carga esmagaria o carvão. A Belgo-Mineira provou que isto não era verdade e começou a fazer fornos de 1 50 e 200 toneladas; hoje faz fornos

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1 Entrevista realizada em 1 2 de

dezembro de 1 986.

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de cerca de mil toneladas por 24 horas, alterando completamente a concepção anterior. '

A indústria siderúr8ica alemã teve um desenvolvimento verti8inoso, superando a in8lesa e

a francesa. Por que o senhor não foi estudar na Alemanha?

Não foi por falta de vontade, mas porque naquela época não falava alemão; se falasse, não teria hesitado. Mas confesso que me surpreendi com o grau do ensino na França, não sabia que era tão bom . O curioso é que nunca pensei em estudar nos Estados Unidos, que já estavam bastante adiantados em metalurgia, talvez até mais do que a própria Europa. A tradição americana era toda baseada no sistema de pesquisas alemão. Antes disso, praticamente não existia pesquisa nos Estados

A P � E P � � A Ç � O P R O f l < S O N A L

Unidos , mas como havia no país muitos técnicos alemães , depois da guerra as técnicas foram sendo aperfeiçoadas. Os americanos passaram a investir mais na área de ciência, na formação de profissionais.

Qual era o quadro da indústria siderúr8ica brasileira nos anos 20 e 30?

A tendência de algumas empresas, como a Oedini e a Aços Villares, era considerar a siderurgia um complemento de outras atividades industriais. Quem tinha siderurgia geralmente possuía outras indústrias, sobretudo de tecidos, ou usinas de açúcar; era assim que eles faziam . Trabalhei com o Dedini ; ele queria me conservar em Piracicaba, mas não quis ficar lá. Hoje eles são uma empresa grande, e eu teria enriquecido mas havia coisas mais interessantes a fazer, mais úteis ao Brasil .

l1evl�·a d ';emana, Lo de maio �e

• q 2 (Cpr,OC/Arq'"vo Edml'�do "e

Swres)

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Uma empresa importante era a Companhia Mecânica e Importadora de São Paulo, talvez a primeira empresa paulista a investir mais firmemente em metalurgia, de propriedade do conde Alexandre Siciliano Júnior. Conheci-o muito bem; falava um alemão muito bonito e até me exortou a estudar a língua. A usina contava com dois fornos Siemens-Martin e produzia peças fundidas , lingotes, laminados, vergalhões; usava sucata como matéria-prima . Aqui no estado do Rio, em São Gonçalo, havia uma usina semelhante, a siderúrgica Hime; funcionava com sucata e fabricava vergalhões, arame, placas de junção e porcas para trilho, peças forjadas. A Hime era mais completa do que a de São Paulo e ainda está em operação. Em Blumenau, Santa Catarina, tinha a Eletroaço Altona, uma indústria pequena, mas muito boa; foi , talvez, a primeira fabricante de aços especiais no Brasil .

Afirma-se que o produto nacional era muito ruim. Isso é verdade?

Não, o produto era bom; essa imagem era vendida pelos importadores, brasileiros e estrangeiros , que moviam uma campanha contra a indústria nacional . E les foram os piores inimigos que tivemos, porque não tinham nenhum interesse na produção local; o que queriam era importar chapas, perfis laminados, para vender aqui . Por sua vez, os capitalistas que compraram nossas j azidas de ferro não se interessavam em beneficiar o minério, e sim em exportá-lo em bruto.

Em janeiro de 1 93 1 , o general Leite de Castro, ministro da Guerra, organiza no

Ministério a Comissão Militar de Estudos Metalúrgicos.

Exatamente. Fui convidado a participar desta primeira comissão, j untamente com o Sílvio Raulino de Oliveira e o Franklin Emílio Rodrigues. Seu objetivo era avaliar a capacidade de mobilização da indústria metalúrgica nacional em caso de guerra. Ficou provado que poderíamos fazer muito pouco; tínhamos matéria­prima, mas não fabricávamos praticamente nada. Por conseguinte, a Comissão dedicou-se sobretudo a estudos para a fabricação de armamentos, de munição etc. Foi por sua iniciativa que se fundou a fábrica de projéteis de artilharia, aumentou-se a fábrica de cartuchos, fez-se a fábrica de trotil . Foi também por iniciativa da Comissão que se criou, em agosto, a Comissão Nacional de Siderurgia .

Por que essa comissão também ficou vinculada ao Exército?

Porque houve uma briga entre os ministérios da Viação e da Agricultura; para resolver o impasse, o Getúlio encarregou o Ministério da Guerra de cuidar da Comissão. O natural era ter ido para o Ministério da Agricultura, ao qual a Escola de Minas estava ligada, mas o Ministério da Viação também se achava no direito de reivindicar a Comissão, porque a metalurgia tem muito a ver com transportes. O Ministério da Guerra, por sua vez, estava igualmente relacionado com os estudos de metalurgia e de siderurgia; afmal, contava com os dois principais metalurgistas do Brasil : apenas o Raulino e eu tínhamos cursos na Europa, ninguém mais.

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A P R E P A R A Ç Ã O P R O F I S S I O N A L

Quem compunha a Comissão Nacional de Siderur8ia?

O presidente era o engenheiro Eusébio Paulo de Oliveira, diretor do Serviço Geológico e Mineralógico do Brasi l ; o Getúlio o convidou por indicação minha. Eu conhecia o Eusébio do Serviço Geológico, órgão que nessa época desempenhava um papel bastante importante. Outro integrante de peso era o Luís Betim Pais Leme, industrial e engenheiro muito competente. Homem de família rica, falava português com sotaque francês; formou-se em Paris na Ecole Centrale e foi um dos primeiros homens que usaram concreto armado em construções no Brasi l ; também foi indicado por mim . O professor Ernesto Lopes da Fonseca Costa, homem muito culto, era professor de metalurgia da Politécnica do Rio; quando fundei a Escola de Engenharia do Exército, convidei-o para professor. Havia ainda o engenheiro Raul Ribeiro da Silva , que tinha trabalhado com o Farquhar, mas depois entrou em conflito com ele. O Raul acabou sendo afastado da Comissão porque brigava com todo mundo; foi afastado pelo péssimo gênio e não pela posição que defendia . O governo de Minas demorou a indicar os seus representantes, mas acabou enviando o Gil Guatimozim , um dos fundadores da Belgo-Mineira, e o velho Pandiá Calógeras, ministro da Guerra do Epitácio Pessoa, uma pessoa fantástica! Filho de gregos, nasceu quando o navio em que seus pais viajavam estava entrando na baía da Guanabara . Depois foi para Minas e fez carreira por lá. Um dia, ele me perguntou quem tinha me mandado para a Europa estudar siderurgia. Respondi que tinha sido uma decorrência da Revolução de 2 2 , que fora obrigado a fugir do Brasi l . Ele me olhou e disse : "É a única justificativa que encontro para aquela revolução." Publicou importantes trabalhos sobre a siderurgia e a metalurgia no Brasil . No seu livro Problemas de 8overno, 2 ele afirma textualmente que a usina siderúrgica a ser construída no Brasil deveria ficar no vale do Paraíba. Aliás, tenho todos os seus livros. Calógeras foi o único ministro civil que o Exército já teve e talvez tenha sido o maior ministro da Guerra de todos os tempos. Sua gestão foi um sucesso total ; promoveu a remodelação do Exército, construiu quartéis. Montava a cavalo e ia para o campo acompanhar todas as manobras do Exército. Conhecia muito mais balística do que muito oficial , conhecia organização militar; se não tivesse sido o grande engenheiro que foi , teria sido general .

Os ministérios militares também enviaram representantes?

Sim. A Marinha indicou o capitão-tenente Raul Álvares de Azevedo Castro, aliás meu parente. Pelo Ministério da Guerra, fomos designados eu, como secretário­relator, e o capitão Sílvio Raulino de Oliveira. Fui escolhido pessoalmente pelo ministro Leite de Castro. A comissão se dedicou a três grandes áreas de estudo : o da sucata, o da revisão do contrato da Itabira Iron e o da discussão do processo Smith e da esponja de aço. Em relação a essa última área, fizemos ensaios com um forno que havia sido instalado pela Federação das Indústrias e chegamos à conclusão de que não se

2 João Pandiá Calógeras, Problemas de

governo. São Paulo, Rossetti, 1 928.

I 6 1

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Entrevista realizada em 1 3 de janeiro

de 1 987.

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podia comprovar o valor econômico do processo; creio que mesmo na Europa e nos Estados Unidos o processo Smith foi muito pouco utilizado. Além do mais, o Sindicato do Ferro do Brasil - criado em 1 942 e do qual sou o presidente até hoje 3 - não aprovou a importação da matéria-prima, da esponja , que é um ferro muito puro; ainda não fabricávamos a esponja , que é empregada hoje . Para produzi - Ia , coloca-se o minério no forno, com cal e coque e deixa-se reduzir; o resultado é a esponja, que é usada como matéria-prima na fabricação do gusa, do aço.

E quanto à sucata?

E o que sobra do corte de chapas, de perfis. A sucata pode ser ferrosa e não­ferrosa, que compreende o cobre, o alumínio, o zinco, o chumbo. Tudo isto deveria ser mantido aqui , porque não havia fonte melhor para fazer o metal do que a própria sucata, mas o Brasil exportava tudo! Aí consegui que o Getúlio baixasse um decreto proibindo a exportação. Ultimamente o Brasil está tendo que importar sucata, porque o consumo cresceu muito ; importamos dos Estados Unidos e da Europa, onde o consumo também é grande, mas a quantidade de sucata é bem maior. A Comissão decidiu concentrar todos os seus esforços na construção de uma grande usina e em como suas necessidades seriam atendidas. Dispúnhamos do levantamento da quantidade de ferro, divulgado no Congresso de Estocolmo de 1 9 1 0 , e de um levantamento precário das reservas de carvão-de-pedra do sul do país , que eu completei mais tarde, pois passei um tempo estudando as jazidas do sul de Santa Catarina: 1mbituba, Laguna, Criciúma. O carvão de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul contém pouco enxofre, ma possui um teor de cinzas entre 1 6% e 1 8%, e o do Paraná não serve para siderurgia, ó para fundições. O Henrique Laje foi um empresário brasileiro que sonhou com uma indústria siderúrgica movida a carvão-de-pedra, carvão do Rio Grande e utilizando minério do Paraná; a usina seria construída na parte continental de Florianópolis . O problema é que, como conseguimos confirmar, não havia minério suficiente nem de boa qualidade no Paraná. O Laje era um tipo meio sonhador. Os irmãos, e não ele, tinham sido criados para suceder ao pai, mas morreram num desastre de avião; ficou o Henrique, que teve que virar empresário. Mas ele gostava mesmo é do canto lirico e chegou até a tomar parte numa ópera. Foi aí que conheceu a cantora Gabriella Bezzanzoni ; casaram-se moraram naquele palacete no Jardim Botânico, no Rio, onde hoje é o Parque Laje .

Em julho de 1 932, os trabalhos da Comissão foram interrompidos devido à Revolução

Constitucionalista de São Paulo, mas antes o senhor já havia embarcado para a Europa.

Foi bom não estar no país , do ontrário eu teria aderido, não por convicção, mas por solidariedade aos meus parentes. f:u os adverti de que eriam derrotados, entre outros motivos, porque não contariam com o apoio do Rio Grande do Sul . Perguntaram-me se eu não tomaria parte por medo de perder; respondi que a

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A P R E P A R A Ç À O P R O f i S S I O N A L

questão não era essa, São Paulo é que perderia. Se tivesse participado ao lado dos paulistas, teria ficado numa situação bastante difícil , porque, no fundo, Getúlio estava apostando naquilo que mais me interessava: a siderurgia . O que me deixou mais triste foi aquela história de separatismo. Mas a verdade é que São Paulo, como Minas e o Rio Grande do Sul , sempre foi acostumado a mandar no Brasil . Estes três estados faziam questão de ter a supremacia; daí , todos os problemas que surgiram entre eles e o governo federal .

Então, o senhor não teve qualquer envolvimento com a Revolução Constitucionalista?

Tive, mas depois que os paulistas foram derrotados; fui mandado para lá para recolher armamento. Na Escola Politécnica de São Paulo, procw"ei o Ari Torres e lhe pedi para me entregar os armamentos e a munição que ainda estavam com eles. Observei que a munição, feita com explosivos injetáveis, poderia acabar explodindo ali mesmo e matando muitos paulistas ; eles entregaram tudo. Mandei então dez trens carregados para o Rio, mas não tomei à força de ninguém .

Os armamentos eram Jabricados pelos próprios paulistas?

Não, pertenciam ao Exército. A munição é que fora fabricada nas fábricas paulistas por técnicos estrangeiros, mas o que eles fizeram não prestou, não.

O que o senhor JOiJazer na Europa no início de J 932?

Acabei fazendo muitas coisas , mas inicialmente fui acompanhar meu primo José Carlos de Macedo Soares , que fora designado pelo governo para representar o Brasil na Conferência Internacional do Trabalho e para chefiar a delegação brasileira à Conferência de Desarmamento, ambas realizadas em Genebra . Ele me convidou para acompanhá-lo, na qualidade de assistente técnico, e eu fui , naturalmente, com o consentimento do ministro Leite de Castro ; permaneci na Europa de j aneiro a setembro de 1 93 2 . Estive com o José Carlos e m Roma, durante as festas garibaldinas, quando foi inaugurado um monumento em homenagem a Garibaldi e à sua mulher, Anita. O governo italiano não queria que a população soubesse que a Anita Garibaldi era brasi leira, nascida em Laguna, em Santa Catarina, embora fosse descendente de italianos. Foi nessa ocasião que conheci Benito Mussolini , o rei Vitório Emanuel I I I e a rainha. Havia dois protocolos : tocavam o hino da Itália, e surgia aquele homem pequenininho, de busto grande e pernas muito curtinhas; ao lado a rainha, muito grande, bonita . Era um casal esquisito. Depois, vinha o Mussolini , com o peito estufado, cabeça erguida, arrogante ; aí tocavam o hino Giovinezza

("Giovinezza/ Primavera di belezza") . E era uma beleza mesmo! Ele dava a volta, subia e estendia o braço, naquele cumprimento de juramento à pátria . Fiquei muÜo impressionado com a visita que fizemos ao rei Vitório Emanuel I I I no palácio. Toda a delegação brasileira, chefiada pelo José Carlos, teve que sair dando a frente para ele, curvando-se de três em três passos. Só quando chegamos à porta pudemos dar as costas, o ritual era assim . Também estive no gabinete do

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Na Confer�ncia Intemac'onal do

Trabalho, em Genebra, vendD-se J� Carlos de Macedo Soares (sentado ao

centro), Ernâni do Amaral �ixoto (1' ii esquerda em �) e Edmundo de Macedo

Soares e Silva (3' da direita para a

esquerda em p�), junho de 1932. (CPDOC/Arquiva Edmundo de Macedo

Soares).

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U M C O N S T R U T O R 0 0 N o s s o T E M P U

Mussolini , mas, ao contrário do rei , que falou comigo, o Mussolini só falou com o Jo é Carlos. Vi-o sentado à cabeceira da mesa e achei-o até razoável . Ainda não sabia que ele era tão mau . Quando terminaram os trabalhos em Genebra, ainda fiquei mais uns meses na Europa, estagiando na empresa Breda, situada em San Giovanni , a nordeste de Milão. Quando os italianos viram no meu currículo que eu já tinha o curso de metalurgia, entregaram-me o comando de um forno elétrico. Eu já tinha alguma experiência com esse tipo de forno, porque havíamos instalado uma fábrica de banheiras esmaltadas no Andaraí , a Alba, que possuía forno elétrico. Os italianos pediram para eu fazer um aço com 1 3% de manganês , isto é, um aço duro que serve para mandíbula de britador e para outros usos, e eu me saí muito bem . O interessante é que ao lado da Breda havia uma fábrica de projéteis de artilharia e de bombas de avião ; percorri a fábrica e copiei todas as fases, fazendo o que se chama um roubo "ocular". Quando voltei, fui ao ministro da Guerra e disse-lhe que poderia fazer uma fábrica de projéteis . O estágio em Milão acabou sendo duplo, porque fui aprender forno elétrico - na verdade, já tinha algum conhecimento - e trouxe uma nova tecnologia para o Brasil .

Quanto tempo durou esse está8io?

Uns seis meses. Foi um tempo muÜo bom . Na hora do almoço, saíamos todos de

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A P R E P A R A Ç Ã O P R O F I S S I O N A L

bicicleta e Íamos comer naqueles albergues pequeninos, onde a comida era boa e barata. Assim, aprendi italiano, uma língua maravilhosa .

Em março de 1 933, a Comissão Nacional de Si derurBi a foi reorBanizada. Qyem passou a

inteBrá-la?

O presidente, Eusébio de Oliveira, e o Pais Leme foram mantidos, bem como os representantes rrti l itares - eu, como secretário-relator, o major Sílvio Raulino de Ol iveira e o capitão-tenente Azevedo Castro. A representação mineira é que foi alterada: o Calógeras saiu por motivo de doença, e o Guatimozim por ter sido promovido na Belgo-Mineira. Seus lugares foram ocupados pelo ex-deputado estadual Caio Nélson de Sena, que comparecia esporadicamente, e pelo dr. Martins Diniz Carneiro. Mas a Comissão mudou também em termos de orientação; passou a emitir pareceres e opiniões, em detrimento do estudo de siderurgia propriamente dito; éramos requisitados para opinar acerca de uma série de temas. Foi nessa ocasião que saiu um estudo sobre a Itabira Iron, resultado dos trabalhos desenvolvidos por uma comissão constituída em setembro de 1 9 3 1 pelo ministro da Viação e Obras Públicas, José Américo de Almeida - a chamada corrtissão revisora - com o objetivo de examinar o contrato da empresa, que deveria ter caducado em 1 930 .

Ao que parece, a Itabira lron tinha um l obby poderoso.

O Farquhar j á não tinha mais disponibi lidade financeira , por causa da crise de 1 929 ; não tinha mais nada ! E mesmo assim , por influência de alguns áulicos que lhe davam apoio incondicional , o Getúlio autorizou uma nova comissão a reestudar o contrato. No seu lugar, eu teria pw-a e simplesmente dito adeus

Delegação brasileira na entrada da

embaixada do Brasil, em Roma, por

ocasião da visita ao rei Vitória Emanuel

I I I , vendo-se Edmundo de Macedo

Soares e Silva ( 1 ') , José Carlos de

Macedo Soares (4°) e Ernâni do Amara l

Peixoto (7') (da esquerda para a

direita), em J de junho de 1 932.

(CPODC/Arquivo Edmundo de Macedo

Soares)

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àquele homem que nos hayja atado por 20 anos - e isso não é brincadeira! O Getúlio, que era muito político, não quis parecer que estava impondo.

Nesse período o senhor também foi membro do Círculo de Técnicos Militares?

Sim . Era uma associação cultural que reunia os engenheiros militares; fui um dos organizadores e primeiro presidente. Lá debatíamos os problemas do momento e fazíamos recomendações ao governo sobre aquilo que julgávamos certo. Nós nos reuníamos no Clube Militar e apresentávamos as conclusões de nossas reuniões. Conyjdávamos determinadas pessoas ou atendíamos a pedidos de gente que queria participar; as discussões eram quase sempre ligadas à questão siderúrgica . A reyjsão do contrato da ltabira Iron foi , obyjamente, debatida no Círculo e também no Clube Mil itar, que se manifestou contra. No Clube, participaram dessa discussão centenas de oficiais da Marinha e do Exército, todos a favor do fim do contrato, de mandar o Farquhar embora .

Dizem que no contrato da ltabira lron, de 1 9 1 9, estava prevista a construção de uma

usina siderúraica no Brasil.

Nunca acreditei nas boas intenções do Farquhar. No contrato havia uma cláusula relativa ao porto que ele pretendia construir no Espírito Santo e segundo a qual nele não seria permitida a entrada dos navios de guerra brasileiros, só dos nayjos de transporte de minério. Isso era um absurdo! Um absurdo ! E havia gente, inclusive brasileiros, que aceitava essa restrição. Em relação à estrada de ferro, a posição era basicamente a mesma; ele queria ter domínio total sobre a Vitória­Minas, sobretudo sobre o ramal que ia para o porto, queria transportar apenas os minérios das suas minas, não o minério de terceiros. A ferrovia não seria pública ,

o que contrariava a legislação brasileira. Depois , acedeu em fazer esse transporte, conquanto que não fosse escoado pelo seu porto. O que o Farquhar queria , em resumo, era continuar com o monopólio da exportação do minério. O governo brasileiro pretendia construir uma estrada de ferro de bitola larga, pois a Vitória-Minas - a mesma que hoje transporta o minério de ferro até o porto de Tubarão - era de bitola estreita, um metro. Acontece que o Farquhar se opunha, e o governo acabou não fazendo nada . O poder que este homem teve durante 20 anos foi uma coisa que nos enervou muito.

Outro alvo de diveraências dizia respeito à nacionalidade dos navios que transportavam

minério.

Não queríamos que os navios estrangeiros carregassem nossos minérios, mas não tínhamos navios brasileiros em número suficiente . Então, fazíamos tudo o que podíamos para utilizar todos os navios brasileiros. Só depois é que vinham os navios estrangeiros. Entretanto conseguimos que os navios estrangeiros fretados por empresas brasileiras ostentassem a bandeira nacional .

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A P R E P A R A Ç A o P R O F I S S I O N A L

A Comissão Nacional de Siderurgia apresentou seu relatório final em julho de 1 933.

O que o documento sugeria?

A construção de uma grande usina siderúrgica integrada, ou no vale do rio Doce, aproveitando o carvão de madeira ali abundante, ou então de coque metalúrgico, com alto-forno, empregando o carvão-de-pedra de Santa Catarina misturado com o carvão estrangeiro.

o que significa exatamente uma usina integrada?

É a que comporta coqueria, aciaria e laminação, oficinas, fundição. Um estudo realizado no governo do Nilo Peçanha já pensava em termos de usina integrada, mas não usava esse nome.

o senhor voltou à Europa nesse per/odo?

Sim , em outubro de 1 93 3 integrei a Comissão de Estudos para a Indústria Militar Brasileira, comandada por um velho conhecido meu, o general Leite de Castro, que havia deixado o Ministério da Guerra em junho de 1 9 3 2 ; seu objetivo era adquirir armamentos para o Exército. Eu fui encarregado da parte de munição; tinha de tomar conhecimento de quais seriam os projéteis adequados para os nossos canhões, copiar esses projéteis , de modo a fabricarmos no Brasil o que fosse possível . Naquela época o Brasil era o único país da América do Sul que produzia essa munição. Dessa vez, passei cerca de dois anos na Europa, a maior parte do tempo na Alemanha, em Stuttgart . Além de aperfeiçoar meu alemão, providenciei a compra

A Comissão de Estudos para a Indústria

Militar Brasi leira, em Berlim, vendo-se

à frente o general Leite de Castro e

Edmundo de Macedo Soares e Silva (ao

fundo, no centro), em maio de 1934.

(CPODC/Arquivo Edmundo de Macedo

Soares)

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A Comissao d� Estudos para a Indústria

Militar Brasil�ira, na PoIOnia, v�ndo-�

Edmundo d� Ma�do Soar� � Silva (ao

fundo, no �ntro), �m maio d� 1934. (CPDOC/Arquivo Edmundo de Macedo

Soares)

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de equipamento para a fábrica de projéteis do Andaraí , que estava em construção, entrei em contato com o Instituto Metalúrgico de Aachen e com a fábrica Krupp, com a qual os militares brasileiros já tinham relações antigas. Cheguei a conhecer pessoalmente o Krupp; visitei sua casa - foi a primeira visita; voltei lá outras vezes. Era uma beleza de casa . Havia um cerimonial para receber os visitantes : as pessoas chegavam , e eram atendidas à porta por empregados. Em seguida, eram encaminhadas por dois ou três homen até o fundo de uma grande sala , onde ele as estava aguardando como se fosse um príncipe. Aí todos tomavam uma taça de champanhe - champanhe alemão, aliás, muito ruim - e depois se dirigiam para a sala de jantar. A comida era muito boa . O Haupt, representante da Krupp no Brasil , ajudou muito a missão brasileira na A lemanha . Foi por intermédio de um telegrama dele que fiquei sabendo da minha promoção a major, em outubro de 1 9 34, e passei a ser chamado de herr

major.

o senhor levou a família?

É claro ! Maria José , nossa filha Ieda e eu residíamos num hotel perto da estação ferroviária de Stuttgart, chamado Hotel Victoria, cujos donos eram um casal , ela

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A P R E P A R A Ç A O P R O f i S S I O N A L

alemã, ele suíço. Tínhamos uma nurse alemã que tomava conta da menina. Dispúnhamos de três aposentos: um era o do casal , o segundo era da menina com a nurse, e o terceiro era o meu gabinete.

o Partido Nacional-Socialista já estava no poder na Alemanha?

Sim , o Hitler já mandava em tudo, já era o chanceler do Reich . Certa ocasião, quando passava por Stuttgart, fui ao teatro com a família Reuter, fornecedora de grande parte do equipamento que estávamos comprando. Em certo momento, cantaram o Deutschland uber alles, o hino nacional da Alemanha, e todo mundo estendeu o braço, fazendo a saudação nazista. Fiquei na posição de sentido, já que não tinha nada a ver com aquilo; pois quando acabou o espetáculo, uma autoridade veio ao nosso camarote pedir satisfações por eu não ter feito o cumprimento nazista. O sr. Reuter explicou que eu não era alemão, que eu era brasileiro e militar, por isso tinha batido continência; o alemão se conformou .

o senhor chegou a ver Hitler de perto?

Numa ocasião, fiquei a uns três metros de distância dele . Era uma figura impressionante, tinha um olhar de louco! Ele estava com a mão esquerda na cabeça de uma meninazinha loura e olhava para o infinito, não olhava para ninguém . Aliás, vivi uma experiência muito desagradável por causa do fr.ihrer.

Certo dia, quando entrava no hotel , fui segurado por dois 55, rapazes muito jovens, fortes, fanáticos. Mostrei-lhes meu passaporte diplomático, mas não deram importância ; levaram-me ao porteiro e lhe perguntaram se ele me conhecia. O porteiro disse que sim que eu morava no quarto em cima dos aposentos de Hitler; puseram um guarda na minha porta.

No mesmo hotel?

Hitler estava no andar de baixo. Ele só se hospedava nos hotéis que o tinham recebido quando era candidato, e coincidiu que o meu era um deles. Os 55 ficaram alucinados; temiam que eu quisesse matar o Hitler. Vi coisas incríveis na Alemanha! Por exemplo, um dia por semana os alemães eram obrigados a comer ensopado nos restaurantes; o dinheiro daí resultante era destinado ao Partido Nazista. Eu gostava, porque estava acostumado, mas o alemão não gostava de ensopado. Os 55 também pediam contribuições para o partido nas ruas, e ai de quem se recusasse ! Eu sempre dava algum dinheiro.

o senhor recebeu remuneração extra para se manter na Europa?

Ganhava 1 . 500 dólares por mês e não gastava mais de mil ; podia, portanto, economizar uns 500 dólares. Meu soldo de capitão - e, depois, de major -, que era muito pequeno, ficava aqui no Brasi l ; eu separava uma parte para a minha mãe e guardava o resto, que foi se acumulando. Assim, quando cheguei de volta, pude construir minha casa na rua Fonte da Saudade, na Lagoa.

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A Comissão de Estudos para a Indústria

Mil itar Brasileira, na Tchecoslováquia.

(CPODC/Arquivo Edmundo de Macedo

Soares)

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Além da Alemanha, que outros países foram visitados pela comissão?

Fomos à Polônia - atrás de um material de artilharia novo, barato, que o Leite de Castro quis ver de perto -, à Tchecoslováquia e à Suécia .

Em novembro de 1 933, embora o relatório final sobre a revisão do contrato da ltabira

lron tivesse sido concluído em julho,foi constituída nova comissão com o objetivo de

examinar, uma vez mais, esse contrato. Por que tamanha insistência?

Havia as "forças ocultas", pressões de políticos inconformados. Mas o Silvestre Rocha, o presidente, era um homem ilibado, à altura da missão. Esse grupo chamou-se Comissão dos Onze, também conhecida como Comissão Silvestre Rocha. Como membros tínhamos, além do presidente, o engenheiro ferroviário Alcides Lins, que foi o relator; o general Júlio Horta Barbosa - positivista, que na grande discussão sobre o petróleo do final dos anos 1 940, tomou posição contrária à do Juarez -; o coronel João de Mendonça Lima, que viria a ser ministro da Viação durante todo o Estado Novo ; o comandante Firmino dos Santos , diretor do Lloyd Brasileiro ; o dr. Ernesto da Fonseca Costa, o major Sílvio Raulino de Oliveira, o dr. Alexandre Siciliano Júnior - todos j á conhecidos d e vocês - ; o bacharel dr. Ângelo Bevilacqua; José Monteiro Lindenberg, de tradicional família capixaba, e o dr. Francisco de Oliveira Passos, que nunca compareceu às sessões porque fazia parte de outra comissão. Ol iveira Passos e Siciliano eram os representantes das usinas siderúrgicas.

Quem nomeou essa comissão?

O próprio Getúlio. Ele costumava dizer : "Quando você quiser que uma coisa não aconteça, nomeie uma comissão." Mas, ainda assim , não posso negar; o presidente prestigiou os trabalhos da Comissão Nacional de Siderurgia e quase sempre atendia aos meus pedidos.

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A P R E P A R A Ç Ã O P R O F I S S I O N A L

Menos de um mês depois de ter sido instalada, a Comissão dos Onze tornou público seu

relatório final. O que esse documento recomendava?

Limitar o contrato da Itabira Iron ao da concessão de uma estrada de ferro que permitisse a exportação do minério, o que criaria condições favoráveis para a instalação da grande siderurgia no país.

Em julho de 1 934, Getúlio Vargas foi eleito presidente da República pelo Congresso;

assim, as discussões acerca da questão siderúrgica passaram a ser submetidas ao

Legislativo.

O Getúlio me dizia que era preciso acabar com os estudos da Comissão Nacional de Siderurgia antes que o Congresso começasse a funcionar. Segundo ele, quando isso acontecesse, começaria a disputa entre políticos de São Paulo, Minas , Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul . Mas , de qualquer modo, ele tinha a maioria nas duas casas, o que facilitava o encaminhamento dos projetos do Executivo. Agora, a primeira manifestação pública depois da posse do novo Congresso veio mesmo da iniciativa privada: em dezembro o conde Siciliano apresentou um memorial sobre a economia brasileira, que colocava a siderurgia como a base do desenvolvimento nacional . Esse documento propunha a construção de uma usina com coque importado em Três Rios, no estado do Rio, e fazia sérias restrições à siderurgia com carvão de madeira . O Sicil iano conhecia muito bem a indústria do ferro e não acreditava no desenvolvimento do Brasi l , se dependesse do carvão de madeira; além do mais , não concordava com a localização da usina a ser construída, que ficaria no vale do rio Doce. Suponho que ele tivesse algum interesse pessoal ao propor a localização em Três Rios; era um homem de qualidade, mas tinha pontos de vista intransigentes.

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}\ G D}\

G RJ\ l T D ( f � - S 1 1 T }\ No final de novembro de 1 935, eclodiu a revolta comunista. O senhor estava no Rio de

Janeiro?

Estava de partida para a Europa e acabei adiando a viagem. O governo mandou um regimento de infantaria da Vila Militar e tropas de artilharia cercarem o 3° Regimento de Infantaria , na praia Vermelha. O 3° RI teve que se render, porque a superioridade da artilharia era muito grande. E no Campo dos Afonsos, o Eduardo Gomes conseguiu controlar a situação, embora tenha havido assassinatos . A cidade parou. Assim que soube da Intentona Comunista, corri para o Ministério das Relações Exteriores para avisar o José Carlos, que era o ministro na época, mas ele já sabia.

Segundo a opinião de vários militares, em todos os movimentos envolvendo as Forças

Armadas houve adversários, mas nunca inimigos; encerrado o movimento, restabelecia-se a

convivência entre os antigos companheiros. A partir de 1 935, tudo mudou. O senhor

concorda com essa avaliação?

Concordo inteiramente ! A Revolta Comunista acabou com aquela concórdia . Houve uma diferença muito grande de comportamento entre os dois lados: nós os tratávamos com humanidade, mas se eles pudessem nos pegar, nos liquidariam. A partir de então, houve de fato uma divisão nas Forças Armadas, mas fomos sempre majoritários. O comunista odeia, o Partido Comunista odeia !

No entanto, o governo Vargas tratou duramente os acusados de envolvimento na revolta. O

próprio Luís Carlos Prestes ficou preso em condições desumanas.

Tenho uma história para contar a respeito da prisão do Prestes. Em j unho de 1 937 , o José Carlos foi nomeado ministro da Justiça , e eu me tornei subchefe do seu gabinete . 1 O Filinto Müller, que era o chefe de Polícia do Distrito Federal , tinha colocado o Prestes e o Harry Berger incomunicáveis num vão de escada no prédio da Polícia EspeciaI . 2 Com a aprovação do José Carlos , visitei os dois na prisão e , constatada aquela situação, disse ao Filinto que, por ordem do ministro da J ustiça, eu levaria os dois para um outro local . Ele reagiu, afirmando não ser subordinado ao ministro e que eu não tiraria os dois dal i . O bate-boca continuou mais um pouco, e só sei que acabei tirando o Prestes e o Berger à força , com o auxílio dos

1 José Carlos de Macedo Soares deixou

a pasta das Relações Exteriores em 1 0

d e novembro d e 1 936; e m 3 d e junho

de 1 937 foi nomeado ministro da

Justiça, cargo que ocupou até 9 de

novembro, véspera da decretação do

Estado Novo.

2 Arthur Ernest Ewert ( 1 890-1 959),

conhecido como Harry Berger, membro

do Partido Comunista alemão, foi

enviado ao Brasil pela Internacional

Comunista ( 1 934) para orientar a

atuação do PCB. Preso em 26 de

dezembro de 1 935, só foi solto em

1 945, após a an istia. Prestes foi preso

em 5 de março de 1 936 e também só

saiu da prisão, an istiado, em 1 945. Para

defendê-los, o advogado Sobral Pinto

recorreu â Lei de Proteção aos Animais.

Na pâglna ao lado: o ministro da

Justiça, José Carlos de Macedo Soares

(a frente), Visita um quartel no RIO de

Janeiro, com Edmundo de Macedo

Soares e Silva, seu subchefe de

gabinete, em agosto de 1 937.

(CPODC/Arquivo Edmundo de Macedo

Soares)

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3 Entrevista realizada em 1 8 de

dezembro de 1 986.

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homens que estavam comigo. Coloquei-os no automóvel e levei-os para um lugar muito meu conhecido: a Casa de Correção. Chegando lá, reservei uma parte da enfermaria, com três quartos: coloquei o Prestes num quarto, o Berger no outro, e deixei o terceiro para eles passearem . E mandei fazer um banheiro. Pedi ao José Carlos para autorizar a entrada de jornais e livros, e ele autorizou. A partir daí, passei a visitar o Prestes uma vez por semana. E ia fardado. Na primeira vez, as pessoas diziam que ele não me receberia. Respondi : "A mim ele recebe." E foi o que aconteceu; encontrei o Prestes lendo livros de filosofia católica - ele lia de tudo ; faz isso até hoje . Ele ficou muito agradecido.

Mesmo que tenham seguido caminhos diferentes, a ligação entre o senhor e Prestes,

companheiros há tanto tempo,ficou muito pnifunda, não é?

Há cerca de um mês estive com o Prestes; 3 continua o mesmo homem, meio ingênuo, mas com uma cabeça muito boa. Os velhos companheiros, apesar das diferenças, quando podem, ajudam uns aos outros. Com o Filinto Müller, embora ele também tenha sido revolucionário, a história é outra. Filinto é de uma turma depois da minha na Escola Militar, mas nunca foi estimado pelos colegas ; era muito autoritário. Ele mandou saber na Alemanha se a sua família tinha ascendência j udaica; a resposta veio negativa , naturalmente, mas ele fez questão de investigar.

Getúlio reprimiu violentamente os comunistas e depois, aproveitando-se do Plano Cohen,

deu o golpe do Estado Novo em 1 937 com o apoio dos integralistas. Vargas teria utilizado

o Plano Cohen para justificar o endurecimento do regime?

O Plano Cohen, um suposto plano de ação dos comunistas, era de autoria do então capitão Mourão Filho, aquele que em 64 iria levantar Minas - ele tinha sido seminarista e estudou comigo na Escola Militar. Na minha opinião, tudo aquilo foi concebido como um exercício, digamos, mas acabou chegando aos oficiais superiores como sendo um projeto realmente comunista. Os integralistas denunciaram o plano, colocando lenha na fogueira contra os comunistas, e o Getúlio decretou o estado de guerra, com autorização do Congresso. Daí para o golpe de Estado foi um pulo. Fui nomeado secretário da Comissão Executora do Estado de Guerra , presidida pelo José Carlos, na condição de ministro da Justiça, e integrada por dois militares : o almirante Dario Pais Leme de Castro e o general Newton Cavalcanti ; ambos eram simpáticos ao integralismo e desacatavam constantemente o José Carlos. O general Newton Cavalcanti é uma figura muito polêmica, mas um oficial cem por cento. Era um homem que dizia frases do tipo: "Antes da hora, é hora; na hora , j á não é mais hora; depois da hora, 1 5 dias de cadeia." Pouco inteligente, mas reto, direito. Muito autoritário! Chegou a me chamar de maluco, por causa da minha posição sobre a siderurgia no Brasil ; disse que eu nunca faria uma usina . Eu o desafiei : "E se fizer, o que o senhor me dirá depois?" Ele repetiu que eu não conseguiria. Mas consegui !

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A G E S T A Ç Ã O D A G R A N D E U S I N A

Na Comissão do Estado de Guerra, eu advertia o general , mas ele não me ouvia; lembrava- lhe que uma coisa era fazer objeção, outra era desrespeitar os superiores. Ele me chamava de menino, de criança, dizia que eu não sabia do que estava falando. Às vezes, eu me irritava : "General , jurei bandeira, sou capitão e não posso ouvir isto do senhor. Saiba que não aceito o que Vossa Excelência está dizendo." E ficávamos assim . O almirante Pais Leme também metia o pau no José Carlos o tempo todo, e eu também o advertia : "Almirante, não pode tratar o ministro da Justiça dessa maneira. Vossa Excelência é um almirante, mas ele é o mjnjstro."

Os integralistas eram minoria no Exército, não é?

Ah, sim , a Marinha tinha milito majs. Aliás, a Marinha sempre teve um status

diferente do Exército ; só há um reb-ato de d. Pedro I I vestido de general , em todos os outros ele aparece de almirante. Os nobres costumam ser oficiais marinheiros, poucos são do Exército. Os oficiais da Marinha se consideravam superiores, sempre foram assim .

essa ocasião, os integralistas ganharam milito terreno no cenário político. Acho mesmo que, se não tivesse saído do Brasil em 1 93 3 , talvez eu tivesse engrossado as fileiras integralistas. Mas conheci o nazifascismo na Alemanha e na Itália, vi o que era aqililo. Então, quando voltei para o Brasil e me convidaram para participar, recusei ; não servia para o Brasil nem para lugar nenhum.

Como ° senhor reagiu ao golpe do Estado Novo, deifechado em 1 0 de novembro de 1 937?

Não fili apanhado de surpresa; sabia o que vinha pela frente e até adverti o José Carlos a esse respeito : "Vem aí um regime de força e você vai ter de decidir se apóia ou não o Getúlio. Acompanharei você na decisão que tomar." Ele decidiu não continuar à frente do Millistério da Justiça após a implantação do Estado Novo, e eu saí com ele. Fiquei sabendo que haveria uma mudança drástica de governo por intermédio de alguém do Exército, que me confidenciou . . . Ou talvez tenha sido pelo Francisco Campos, que foi quem planejou tudo - todos os atos dos quais os militares são julgados culpados foram cometidos por civis. O Outra e o Góis Monteiro, por exemplo, acho que ficaram indiferentes ;4 o Outra era milito legalista. Agora, o Getúlio sempre me dizia que a Câmara e o Senado lhe criavam obstáculos, porque votavam contra diversos projetos seus ; então, fechou os dois.

Góis Monteiro ( 1 889-1956)

comandou as tropas revolucionárias em

30, foi min istro da Guerra ( 1 934-35 e

1 945-46), chefe do Estado-Maior do

Exército ( 1 937-43), senador pelo PSD

alagoano ( 1 947-51 ) , chefe do EMFA

( 1951 -52) e ministro do Superior

Tribunal Militar ( 1 952-56).

Edmundo d� Ma�do Soa� � Silva

pronunciando uma conf�rêncla na

Escola d� Eng�nharia do Exército. mi 1 7 d� no�mbro d� 1937. (CPDOC/Arquivo Edmundo d� Ma�o

Soares)

75

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5 Os pareceres das comissões e

conselhos sobre o caso da Itabira Iron e

a exportação de minério de ferro foram

publicados na íntegra em Conselho

Técnico de Economia e Finanças do

Ministério da Fazenda, A grande

siderurgia e a exportação de minério

de ferro brosileiro em larga escala.

Estudos e conclusões apresentadas ao

presidente da República em 27 de julho

de 1 938. Rio de Janeiro, Ministério da

Fazenda, 1 938.

76

U M C O N S T R U T O R 0 0 N o s s o T E M P O

Com o golpe do Estado Novo e a sua saída do Ministério da justiça, o senhor voltou a se

concentrar na siderurgia?

Exatamente. Fui convidado a participar, juntamente com técnicos e personalidades da vida pública brasileira , do debate sobre o problema siderúrgico no âmbito do Conselho Técnico de Economia e Finanças. Esse Conselho foi criado em novembro de 1 937 com poderes muito amplos; era presidido pelo ministro da Fazenda, Sousa Costa . Uma de suas atribuições era emitir parecer sobre os diferentes projetos relativos à implantação da grande siderurgia no Brasil e à exportação em larga escala do minério de ferro, temas que eu conhecia de perto há muito tempo. Os membros desse Conselho eram o Guilherme Guinle, na condição de vice­presidente; o se!f-made man Valentim Bouças como secretário-técnico; o Aurino Morais como subsecretário, e o Pedro Demóstenes Rache - um rico empresário mineiro - como relator. Os outros integrantes eram o Mário de Andrade Ramos, líder empresarial e constituinte de 34, homem muito pão-duro; o Romero Estelita, ex-funcionário do Tesouro Nacional ; o Aluisio Fragoso de Lima Campos, jovem empresário; o embaixador Júlio Barbosa Carneiro, cabeça muito boa; o industrial Abelardo Vergueiro César e o Luis Betim Pais Leme, que j á tinha trabalhado comigo na Comissão Nacional de Siderurgia. Todos esses nomes foram escolhidos pelo próprio Artur de Sousa Costa, mas com o aval do Getúlio. O contrato da Itabira Iron votou à berlinda ; várias outras pessoas foram chamadas para dar parecer perante o Conselho, entre as quais o Juarez Távora . O Juarez era um homem muito idealista , capaz de atos de heroísmo, mas fantasioso, vivia no espaço. Foram ouvidos também todos os professores de metalurgia do Brasil , inclusive eu.

Em termos concretos, o que resultou da ação do Conselho Técnico?

Foram analisados dois planos : o do Raul Ribeiro da Silva, de orientação nitidamente nacionalista, contrário a qualquer participação do capital estrangeiro, e o do engenheiro Paul Denizot, além da posição defendida pela própria Itabira Iron . A maior parte do Conselho pronunciou-se a favor da empresa estrangeira , acompanhando o parecer do relator Pedro Rache, simpático aos interesses da Itabira Iron . Mas o Guilherme Guinle e o Mário de Andrade Ramos discordaram de Rache e apresentaram seus votos em separado. s Quer dizer, acabaram sem chegar a conclusão alguma, foi mais um trabalho que se perdeu . Não foi fácil não, havia muitos interesses envolvidos .

Em linhas gerais, o que o senhor propôs ao Conselho Técnico?

Para começar, fui o único de todos os professores de metalurgia que apresentou um anteprojeto nos moldes convencionais. Peguei meus livros de metalurgia e uma planta clássica, e elaborei o projeto de uma grande usina, que veio a ser, em essência, a usina de Volta Redonda . A idéia de fazer a grande siderurgia não implicava acabar com as pequenas usinas, ao contrário; a intenção era incentivar o desenvolvimento das outras que já existiam .

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A G E S T A ç A O o A G R A N D E U S I N.A.

Um ponto importante era o que desvinculava a exportação do minério de ferro da construção da usina. A primeira era um negócio comercial , já a segunda era vital para o Brasil . Em outras palavras, propus retirar da revisão do contrato da Itabira Iron o que cllzia respeito à obrigatoriedade da instalação da siderurgia . E o Farquhar continuaria podendo exportar o minério, mas sem subsídios e outras concessões que lhe haviam sido feitas .

Houve repercussões à sua proposta?

O ministro Sousa Costa manifestou-se favoravelmente, tanto é que me pediu para aprimorá-la, complementá- la; foi daí que surgiram novos estudos sobre o problema siderúrgico. Mas o Rache não gostou muito ; considerou meu plano falho, por não ter incluído uma fábrica de locomotivas. D isse- lhe que se ele quisesse, poderíamos prevê-la , mas esclareci que uma fábrica de locomotivas não tinha nada a ver com indústria siderúrgica, mas com indústria mecânica.

A questão siderúraica também foi encaminhada em 1 938 à apreciação do Conselho

Federal de Comércio Exterior, criado em 1 934, e diretamente subordinado à Presidência

da República . Como o assunto foi debatido nesse Conselho?

Por uma comissão especial organizada no Conselho, presidida pelo embaixador Barbosa Carneiro e secretariada pelo engenheiro A . Wanick. Os representantes das Forças Armadas eram o general Amaro Soares de Bittencourt, que tinha sido meu comandante no Exército, e o almirante Ari Parreiras , ex-interventor no estado do Rio, muito meu amigo, pessoa de peso, muito respeitada. Além desses dois, lembro-me bem do engenheiro Benjamim do Monte - homem competente, de grande gabarito, que mais tarde chegou a diretor de Volta Redonda na parte administrativa -, do Luciano Jacques de Morais - um dos responsáveis, com o Farquhar, pelo início da construção da Acesita -, do Guilherme Weinschenk, sobrinho do Oscar Weinschenk, que ficou com a parte ferroviária. Tinha ainda o capitão Ibá Jobim Meireles. Depois de um ano de trabalho, a comissão apresentou seu relatório - era fevereiro de 1 9 39 , e eu estava mais uma vez na Europa . Esse documento possibilitava ao governo empreender uma ação positiva, cllgamos, pois abandonava projetos sem consistência como o do Raul Ribeiro da Silva e também os que ainda abriam espaço para a Itabira Iron . Estava prevista a fundação de uma indústria siderúrgica estatal , ao mesmo tempo em que se admitiam soluções para-estatais. Essas conclusões já se aproximavam bastante daquilo que viria a ser adotado.

Por que Getúlio constituiu um número tão arande de comissões, se podia oraanizar

arbitrariamente uma comissão de sideruraia com pessoas de aabarito, capazes de difender

aquilo que ele desejava?

Porque, e isso é curioso, o Getúlio raramente deciclla de forma clltatorial . Não costumava agir por intermédio de decretos-lei ; era um político. Quando uma comissão não servia, nomeava outra, até chegar a uma que aprovasse o que ele

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6 No arqu ivo de Getúlio Vargas,

depositado no Cpdoc, encontra-se uma

carta da Krupp endereçada a seu

representante no Brasil, Olavo Egidio

de Sousa Aranha, confirmando O

interesse da empresa alemã.

78

U M C O N S T R U T O R D O N o s s o T E M P O

queria. Ele era assim . É claro que o funcionamento dessas comissões implicava algumas despesas com viagens, diárias , mas seus membros não ganhavam nada, além de muito trabalho. Participei de várias delas e nunca recebi salário.

De qualquer forma, naquela época Getúlio já demonstrava um interesse particular pela

siderurgia.

Sem dúvida . Em abril de 1 9 3 8 , em cliscurso sobre as metas econômicas do Estado ovo, o Getúlio destacou a importância da grande siderurgia no novo programa

de governo. Para ele, havia três possibilidades para a implantação da usina : totalmente financiada pelo Estado; com capital misto, isto é , uma associação entre o Estado e a iniciativa privada brasileira, e exclusivamente com capitais privados nacionais, mas sob controle do Estado.

No início de 1 939, o senhor viajou novamente para a Europa. Qye missão o governo

Vargas lhe corifiou dessa vez?

Foram três atribuições: primeira , examinar a clisposição da Bélgica , da Inglaterra e da Holanda de adquirir minério brasileiro; segunda, observar os métodos técnicos que estavam sendo empregados na siderurgia desses e de outros países do continente, e fmalmente, se houvesse oportunidade, começar a entabular negociações em torno de um possível financiamento para a instalação de uma usina de grande porte no Brasil . Além desses três países , estive também na Alemanha e na Itália; fui convidado a visitar a União Soviética, mas não quis ir; l á eu só veria o que eles quisessem mostrar e, para completar, eu não entenclia a língua . Comecei minha viagem de trabalho pela Inglaterra. Tinha sido informado da construção de uma usina na Turquia , com capitais ingleses; os bancos ingleses eram mais acessíveis. Aliás, nessa ocasião vivi uma experiência muito interessante : os ingleses sempre nos acusaram de lentidão nos trabalhos de carga e descarga de navios; verifiquei que lá era pior. Quando fui a Glasgow, na Escócia , visitei um navio que estava ancorado num cais no rio Clyde; às cinco horas da tarde, parou tudo por causa do chá; o trabalho foi interrompido não por 1 5 minutos, mas por uma hora ! Eles ficavam tomando chá, cachimbando ou fumando, e só depois de uma hora é que voltavam a trabalhar.

Onde o senhor sentiu um interesse mais concreto em participar de um empreendimento

siderúrgico no Brasil?

Na Alemanha . A Krupp mostrou-se clisposta a montar uma usina aqui e, inclusive, a fabricar material bélico.6 Dizem que a empresa chegou a fazer um estudo de viabilidade a pedjdo do Getúlio. Pode até ser que ele tenha pensado nisso, mas o estudo nunca existiu . Por falar em Alemanha, fiquei impressionado com o clima bélico que o país vivia . Em Dusseldorf, um homem do povo olhou para mim e me perguntou se eu era francês e, sem esperar minha resposta , advertiu-me de que, em breve, a França seria escrava da A lemanha . Dias depois , quando viajava de trem, de Dusseldorf

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A G E S T A Ç Ã O O A G R A N D E U S I N A

para Berlim, pude constatar o aumento da quantidade de desvios e o grande número de trens cobertos com oleados , que escondiam , evidentemente, armamento. Para mim, mjl itar, eram duas evidências claras de uma guerra próxjma. Por causa da iminência da guerra, minhas tarefas na Europa ficaram prejudicadas, as negociações acabaram sendo interrompidas e ficaram por isso mesmo. Não foi firmado nenhum compromisso, nada. Mas acredito que, numa situação normal , conseglliríamos tudo o que pretendíamos, financiamento, equipamento, tudo. Se, porventura, tivesse fechado negócio na Europa, o equipamento seria quase todo alemão. A indústria alemã era muito séria, como ainda hoje o é .

Em que circunstâncias o senhor deixou a Europa?

Escrevi ao Mendonça Lima, ministro da Viação, falando das dificuldades encontradas e da guerra que já vinha ; recebi ordens para partir para os Estados Unidos . Estava em Bruxelas , quando chegou no meu hotel um telegrama do general Francisco José Pinto, chefe da Casa Militar, nos seguintes termos : "Major Macedo Soares. E mbaixada do Brasil . Presidente determina siga Nova York . Lá procurar cônsul a fim terminar tarefa ."Tomei o Manhattan no porto de Havre e levei 1 1 dias para chegar a Nova York. Eu nunca tinha ido aos Estados Unidos e não conhecia muita coisa a respeito do pai s ; sabia que era um pais sem tradição militar e que, além da guerra civil , tinha tido uma discreta participação na Primeira Guerra Mundial . Quando cheguei a Nova York, fiquei de queixo caido. Um pais novo, com uma mentalidade completamente diferente de tudo o que eu tinha conhecido na Europa; marcou definitivamente a minha vida . Depois, passei vários anos nos Estados Unidos e tenho voltado lá com freqüência .

o que o senhor tinha a jazer em Nova

}ork?

Assim que cheguei , hospedei-me num pequeno apartamento no hotel Waldorf Astoria - o governo pagava o suficiente para isso - e procurei o cônsul ; ele me colocou em contato com a United States Stee\ Products Company, que havia manifestado a intenção de construir wna usina no Brasil em sociedade com o nosso governo.

Em Nova Yor\(, �m maio d� 1 939. repDOC/Arquivo Edmundo de Macedo

Soares)

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7 Osvaldo Aranha foi min istro das

Relações Exteriores de 1 5 de março de

1 938 a 23 de agosto de 1 944.

8 A afirmação de Amaral Peixoto

consta de Aspásia Camargo, Lucia

Hippolito, Maria Celina O'Araujo e Dora

R. Flaksman, Artes da politica. Diálogo

com Amaral Peixoto. Rio de Janeiro,

Nova Fronteira, 1 986. Getúlio Vargas

recepcionou o presidente Franklin D.

Roosevelt em Natal (RNl. em 28 de

janeiro de 1 943.

80 I

U M C O N S T R U T O R D O N o s s o T E M P O

E como foram os entendimentos com a US Steel?

Quando cheguei na sede da empresa, fui recebido por um secretário do

presidente, George W Wolf, que me introduziu numa sala onde se encontravam

vários americanos com as mãos na nuca e os pés em cima da mesa. Nunca tinha

visto aquilo antes , levei um susto danado! Eu, todo elegante, de paletó preto, calça

listrada, colete branco, chapéu côco, fiquei ofendido e comentei com o vice­

cônsul , que estava comigo: "Mas que falta de educação ! " Ele explicou que era assim

mesmo, que as pessoas ficavam daquela maneira, que ele mesmo também colocava

os pés em cima da mesa para descansar. De qualquer modo, fiquei com uma

péssima impressão deles. Mas me vinguei : pedi o champa8ne e o vinho tinto mais

caros do restaurante onde fomos comer. Após um mês - depois que comecei a ter

contato com eles, que vi o que era aquele país, como Estado e como nação -, já

era o maior admirador dos Estados Unidos.

As ne80ciações previam que a US Steel emprestaria uma certa soma, que seria paaa sob

determinadas condições pelo aoverno brasileiro. Q}}al era o interesse da empresa

americana em emprestar o dinheiro?

Seria um negócio muito grande, de 90 milhões de dólares , que o Brasil levaria anos

para pagar. Durante esse tempo, eles receberiam os dividendos, mas o grande

negócio seria a venda de material e tecnologia, know how.

o primeiro contato com a US Steel foi feito por Osvaldo Aranha, que na época era

ministro das Relações Exteriores, não é?7

I sso mesmo, e acredito que por intermédio do nosso embaixador em Washington,

Carlos Martins.

o senhor concorda com a versão de que Getúlio teria autorizado os Estados Unidos a

instalarem bases militares no Nordeste em troca da participação americana na

implantação da sideruraia no Brasil?

Não acredito, embora o Ernâni do Amaral Peixoto, genro do Getúlio, afirme isso.

Afinal , quando ele conferenciou com o Roosevelt em Natal , todo o equipamento

para Volta Redonda já estava comprado. 8 Agora, o Getúlio era capaz de tudo.

o projeto siderúraico brasileiro foi discutido em meio a um cenário internacional

extremamente instável, dada a iminência da auerra. Afirma-se com freqüência que o

aoverno brasileiro, mantendo-se neutro, procurou neaociar com os dois lados em coriflito,

tentando aproveitar-se da situação.

Enquanto o ministro Osvaldo Aranha negociava com os Estados Unidos e eu estava

em missão na Europa, a Krupp negociava diretamente aqui no Brasil . O Getúlio,

que tinha uma certa simpatia pela A lemanha, assinou dois grandes contratos com a

empresa, o que deixou o governo americano muito preocupado. Ainda em março

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A G E S T A Ç Á O O A G R A N D E U S I N A

de 39 , eu era professor de metalurgia na Escola de Engenharia do Exército e escrevi um documento no qual afirmava não ser contra a Krupp montar uma siderúrgica, contanto que fosse no interior; eu defendia uma indústria de paz, que

gerasse subprodutos para a indústria farmacêutica e química, mas não era esse tipo de empreendimento que a Krupp estava tentando fazer.

Amaral Peixoto cifirma que os Estados Unidos estavam protelando as ne80ciações com o

Brasil e que, por isso, Getúlio ameaçou fortalecer os contatos com a Alemanha. 9 O senhor

concorda com essa cifirmação?

Concordo inteiramente. No fundo, o Getúlio tinha uma certa razão de ficar na dúvida e pressionar quem tivesse mais dinheiro para poder implantar aqui a siderurgia, essa é a minha opinião.

Em j unho de 1 940, Getúlio faz o célebre discurso a bordo do encouraçado Minas Gerais.

Lembro-me perfeitamente. A intenção do Getúlio foi boa; ele queria pressionar um pouco os americanos. Mas os jornais do país e mesmo o povo entenderam como uma manifestação explícita de simpatia pela Alemanha; ficou um mal-estar terrível ! Eu compreendi logo; embora não fosse político, já tinha vivido suficientemente para saber que a política é assim .

A vinda do 8eneral Geor8e Marshall ao Brasil, em maio de 1 939 . . .

Não ! A visita do Marshall foi por causa da guerra, mesmo. Eu o conheci bastante. Era só a guerra, que podia começar a qualquer momento. Precisava do apoio do Brasil? Precisava! Mas ele queria um corpo de Exército, que corresponde a três divisões , e não apenas uma divisão. O Osvaldo Aranha me disse , na ocasião, que achava um erro o Brasil mandar apenas uma divisão, pois isso não nos daria direito de ficar nem com os prisioneiros, nem com os armamentos, nem com coisa

9 A declaração de Amaral Peixoto

consta da obra citada na nota anterior.

Edmundo de Macedo Soares e Silva (2'

da direita para a esquerda na l' fila),

professor da Escola de Engenharia do

Exército, no Rio de Janeiro, em julho de

1 937 (CPOOC/Arquivo Edmundo de

Macedo Soares)

I 8 1

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10 Os outros especialistas enviados pela

US Steel eram: R. I . Hassler,

contabil ista, e H. E. Parker, engenheiro

e presidente da Birmingham Southern

Railroad Coo

Edmundo de Macedo Soares e Silva, d.

Alcina e Herman Greenwood (da direita

para a esquerda) em almoço no Joã,

Rio de Janeiro, em 1 939. (Co/eção

particular Alcino Fonseca de Macedo

Soares e Silva)

82

U M C O N S T R U T O R D O N o s s o T E M P O

alguma que conquistássemos; só ficamos na história . Com um corpo de Exército, teríamos participação no comando geral dos Aliados; mas reconheço que isso ficaria muito caro.

No final de junho de 1 939, a United States Steel enviou técnicos ao Brasil para avaliar

a viabilidade de implantação da grande siderurgia.

Eram sete especialistas, todos civis. Sua vinda foi conseqüência das conversações que empreendi j unto à US Steel , quando da minha passagem pelos Estados Unidos, e das gestões desenvolvidas pelo ministro Osvaldo Aranha. Esses homens integravam uma comissão conjunta de técnicos brasileiros e americanos, que durante uns quatro meses viajou pelo Brasil reunindo uma grande variedade de informações. Eu também fiz parte dessa comissão.

o senhor se lembra desses americanos?

De todos os sete, não. Lembro-me bem do Herman Greenwood, vice-presidente da comissão; do Diehl , engenheiro de minas; do Haswell , engenheiro chefe de usinas no Alabama; do King, engenheiro metalurgista, e do Fischer, do setor comercial . 10 Eram, em geral , formados em escolas americanas e tinham experiência nas diferentes especialidades. A US Steel tinha gostado muito do meu projeto técnico e acabou adotando-o com poucos acréscimos. O relacionamento com os americanos foi muito tranqüilo. Na Comissão Mista havia também, é claro, técnicos brasileiros : três, além de mim. O Miguel Arrojado Lisboa era engenheiro de minas, autor de uma memória sobre o carvão, na qual afirmava ser possível fazer um coque com 1 6% de cinzas; o João Batista da Costa Pinto era um engenheiro da Central do Brasil , muito versado em estradas de ferro. Foi o nosso homem para transporte ferroviário; projetou, com os americanos, o pátio de Volta Redonda, com 90km de linhas , toda a sinalização e também a ligação, com bitola de um metro, de Volta Redonda a Barra Mansa , que permitiu a interligação com o sistema de um metro que atende o Brasil inteiro. E o Plínio Cantanhede, fundador do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários , homem de competência extraordinária, que trabalhou conosco, sobretudo na parte administrativa .

As viagens da Comissão Mista cobriram uma porção considerável do território brasileiro.

Qye roteiro foi cumprido?

Inicialmente, os integrantes da Comissão percorreram a região de Juiz de Fora a Lafaiete, em Minas Gerais ; depois desceram para Santa Catarina. Como os técnicos americanos quiseram conhecer as jazidas de Minas Gerais, a primeira viagem da Comissão foi a Lafaiete ; alguns adidos militares estrangeiros nos acompanharam . Fomos de trem, vimos as minas de ferro e de manganês e passamos por Belo Horizonte; depois, descemos o vale do rio Doce para conhecer a ferrovia Vitória­Minas. Os americanos se surpreenderam muito com o sul do Brasil , acho que não esperavam ver tanta gente clara . Em Santa Catarina, é raro encontrar um preto, e

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A G E S T A Ç Ã O D A G R A N D E U S I N A

se há um, e ele vem falar com a gente, não pede trabalho, pede arbeit. Curioso, não é? Tanto que o Exército botou um Batalhão de Caçadores lá, para misturar brasileiros com aquelas branquinhas. Em Santa Catarina, foi realizado um estudo sobre os portos de Laguna e Imbituba, operados pelo Henrique Laje ; Imbituba funcionava a contento, mas Laguna deixava muito a desejar. Tivemos de arrumar esse porto e comprar dez navios de transporte de carvão, porque não havia navios suficientes na frota brasileira. A Comissão também percorreu a Estrada de Ferro D. Teresa Cristina, que nesse momento já tinha passado a ser administrada pelo governo.

A que conclusões chegou a Comissão Mista?

O relatório conjunto, que foi entregue no final de outubro de 39 , recomendava a construção de uma usina siderúrgica com capacidade inicial de 2 8 5 mil toneladas anuais e que produziria perfis , trilhos, chapas e ferro gusa . A usina utilizaria o coque de Santa Catarina misturado com carvão importado e deveria ser instalada na cidade do Rio de Janeiro, nas proximidades de Santa Cruz, local considerado o mais apropriado para reunir o carvão e o minério. Mais tarde, fiz um estudo acerca de localização considerando quatro possibilidades: Antonina, no Paraná; a cidade do Rio de Janeiro ; Volta Redonda, no estado do Rio, e algum lugar no estado do Espírito Santo. Cheguei à conclusão de que a reunião das matérias-primas a serem utilizadas na usina teria um custo menor em Volta Redonda . Para a elaboração do relatório, a Comissão Mista teve acesso a todas as informações disponíveis , inclusive as secretas; o governo brasileiro não escondeu nada. Conhecemos, inclusive, um mapeamento das reservas de minérios de algumas regiões do Brasil , realizado pelo Departamento Nacional de Produção M ineral , material que, pelo menos a princípio, deveria ser sigiloso. Mas essa era a vontade do presidente; ele mesmo nos deu licença para isto. O Exército e a Marinha também não reclamaram .

Embora os americanos tenham vindo

para cá na perspectiva de que a

usina seria construída em conjunto,

o relatório expressa a convicção de

que o Brasil desenvolveria sua

indústria siderúrgica, com ou sem

auxílio externo.

Essa parte é de minha autoria. De vez em quando, eles faziam certas ameaças, e eu rebatia logo : "Não

Recebidos no palácio do Cat�t�, Rio d�

Jan�iro, �Io p�id�nt� Vargas � p�lo

ministro Sousa Costa (1'), H�rman

G�nwood (2'), da US St�1 �

Edmundo d� Ma�o Soa� � Silva (40) (da dirtita para a esqu�rda), �m

outubro d� 1939. (CPDOC/Arquivo

Edmundo de Macedo Soarts)

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Casamento de Edmundo Macedo

Soares e Silva com Alcina Fonseca,

Florianópolis, em 26 de junho de 1 939.

(Co/eção particular Alcino Fonseca de

Macedo Soares e Silva)

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U M C O N S T R U T O R 0 0 N o s s o T E M P O

adianta ameaçar porque, com ou sem vocês, a usina será construída . O presidente Vargas quer, o Brasil quer." Agora, eles acabaram não tomando parte na usina , porque os russos, logo no começo da guerra, se apoderaram de uma usina de minério de níquel que a companhia possuía na Finlândia . Então, em janeiro de 40, o departamento financeiro da US Steel decidiu que a empresa não deveria participar de mais nenhum empreendimento no exterior.

Ainda em 1 939, no final do ano, uma nova comissão foi constituída pelo governo

brasileiro.

Foi a Comissão Preparatória do Plano Siderúrgico, presidida por mim . Essa comissão elaborou um plano levando em conta o que j á existia em funcionamento no país no campo da siderurgia , ou seja , as pequenas usinas privadas, de forma que elas não entrassem em colisão com a grande usina a ser instalada. O plano defendeu também a criação do Conselho Nacional de Minas e Metalurgia.

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A G E S T A Ç À O D A G R A N O E U S I N A

Ao mesmo tempo em que se dedicava ao sonho de construir uma grande usina, o senhor

ainda tinha tempo de cuidar de sua vida pessoal. Foi em 1 939 que o senhor se casou

novamente, não é?

Isso mesmo. A Maria José , minha primeira mulher, morreu moça, em 1 9 36 . Soubemos de sua doença na Europa; foi em Stuttgart que o médico me disse que ela estava condenada por uma doença de fígado. Quando chegamos ao Brasil , levei­a imediatamente ao seu médico, que me disse a mesma coisa e alertou: "Ela não pode ficar grávida", mas já estava . E de fato, faleceu levando a criança. Fiquei viúvo, com uma filha pequena. Primeiro, levei-a para a casa da minha mãe . A Ieda me perguntava: "Onde está a minha mãe?" Aquilo me cortava o coração; eu respondia: "Está no céu, minha filha." Ela insistia: "Mas eu quero vê-la." Eu não escondia: " Infelizmente, você não vai poder mais vê-la." Pouco a pouco, a menina foi se acalmando, e eu peguei a idéia de me casar de novo para ter um lar. Foi mexendo com o carvão que eu encontrei a Alcina; embora tivesse nascido em Macaé, aqui no estado do Rio, ela morava em Santa Catarina, onde seu pai comandava um forte; nós nos conhecemos em Tubarão. Depois ela veio para o Rio; seu avô materno, o dr. Olavo da Rocha e Silva, morava aqui, e seus irmãos também, de forma que era natural que ela quisesse vir.

o senhor teve filhos com d. Alcina?

Tive dois rapazes e três meninas : Hélio, Edmundo, Alcina, Sílvia e E lisa .

o senhor se casou logo depois que retornou dos Estados Unidos?

Casei-me com a A lcina no dia 26 de junho de 1 9 39 ; o casamento foi em Florianópolis, porque a mãe dela estava morando lá . Eu quis casar antes de ir para a Europa, mas você sabe como são os brasileiros; eu tinha pedido a Alcina em casamento há apenas três meses, e todos acharam que era muito pouco tempo de namoro. Ela perdeu uma viagem interessantíssima, mas depois fez outras; hoje conhece o mundo inteiro. Há uma frase alemã que diz : "Seja um siderurgista e ande pelo mundo"; geralmente, se um siderurgista tem algum merecimento, viaja o mundo todo.

D. Alcina ficou aqui, esperando o senhor voltar da viagem?

Sim, ficou no Rio, e ficamos trocando cartas. Na volta, começamos a arrumar tudo. O Getúlio dizia : "O Macedo só pensa numa coisa agora: casar." Casamos na catedral de Florianópolis, com um padre alemão que falava um português horrível ! Casei fardado, de espada, luvas , no figurino, e dando a direita a ela; geralmente, o civil dá a esquerda, mas o militar dá a direita por causa da espada.

Casamento de Edmundo Macedo

Soares e Silva com Alcina Fonseca,

Florianópolls, em 26 de Junho de 1 939.

(Co/eção particular Alcina Fonseca de

Macedo Soares e Silva)

I 85

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}\

No início de 1 940, como o senhor nos contou, a US Steel desistiu cflcia1mente de

participar da construção da usina siderúr8ica no Brasil. Qyal foi a reação de Getúlio?

Ele decidiu que a usina seria instalada por uma empresa nacional , e que o dinheiro de fora viria sob a forma de empréstimo. Convocou, a mim e ao Guilherme Guinle, para que fizéssemos um esboço da futura empresa. Em fevereiro de 40, aprontamos um texto com o orçamento, as normas gerais de organização e as recomendações para a redação dos estatutos da companhia . No início de março, o Getúlio criou a Comissão Executiva do Plano de Siderurgia Nacional e convidou o Guinle para presidi-la . Lembro-me bem disso, porque no dia seguinte fui promovido a tenente-coronel . Eu também participei da Comissão, j unto com o Ari Torres, o Oscar Weinschenk ­engenheiro extraordinariamente capaz, escalado para a parte de transporte e um pouco para a parte administrativa -, trazido pelo Guinle, o Costa Pinto - que ficou com a parte ferroviária, mas consultava freqüentemente o Weinschenk -, o Adolfo Martins Noronha Torresão, que representava a Marinha, e com o paulista Heitor Freire de Carvalho, escolhido para a parte administrativa; o Heitor era um homem competente, mas brigou com o Guinle, causando-nos um problema sério. A Comissão foi organizada em subcomissões, e eu fui encarregado de responder pela subcomissão de siderurgia.

Guilherme Guinle tinha dificuldade de se relacionar com as pessoas?

O Guinle era um homem extremamente polido, limpo, cultura média . Absolutamente patriota, cem por cento honesto, mas muito suscetível . Para vocês terem uma idéia, logo que nos conhecemos , tivemos que ir j untos a Petrópolis para uma audiência com o Getúlio, que estava em vilegiatura. O Guinle me convidou para almoçar e, no restaurante, ficou me observando comer, como pegava no garfo, na faca , registrou o que eu bebia. Não me convidou para ficar hospedado na sua chácara; fiquei num hotel . No dia seguinte, levou-me para conhecer sua casa - aliás, uma casa linda -, a coleção de selos , a plantação de orquídeas e rosas. E, da vez seguinte em que fomos juntos a Petrópoüs, hospedou­me. Mas não fiquei nem um pouco ofendido com esse procedimento.

Na página ao lado, primeira corrida de

ferro gusa do alto forno da Usina de

Volta Redonda, a 1 h da madrugada de

11 de Junho de 1 946. (CPODC/Arquivo

Edmundo de Macedo Soares)

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1 Entrevista realizada em 18 de

dezembro de 1 986.

Detalhe do decreto nomeando

Edmundo de Macedo Soares e Silva

membro da Comissão Executiva do

Plano de siderurgia nacional, Rio de

Janeiro, em 7 de março de 1 940.

(epODe/Arquivo Edmundo de Macedo

Soares/dp)

88 I

U M C O N S T R U T O R D O N o s s o T E M P O

o P r e s)d e n t e d a R e p ú b I i c a

R E S O L V E nomear , de ac ôrdo c om o art igo

de

l� do decret o - l e i n� 2054 , de 4 d e m a r ç o

194o , ,, f:9.��d��U4_- d, e4� �� � d� membro da Comis são execut iva do Plano de s iderurgi a nac ional .

Rio de Jane iro , 1- de..A.M� de 1940; 1192 J

da Independên c i a d a Repúbl i c a . -

-

Os interesses já estabelecidos inteiferiram de alaum modo na difinição do peifil que teria

a indústria siderúraica nacional?

Foi decicüdo - apesar da oposição dos importadores, e porgue fui eu guem elaborou o programa da siderúrgica - que a usina teria um laminador de perfis mécüos e de trilhos, chapas largas e fmas, folha-de-flandres, ou seja , a usina produziria de tudo. E , para vocês verem, começaria com uma produção de 300 mil toneladas. Hoje está em quase seis milhões. ! Essa estratégia não atrapalhava a produção já existente, porque as usinas menores produziam vergalhões , arames, enfim, outro tipo de produto.

A Comissão Executiva também promoveu estudos na área de eneraia elétrica e de

transportes?

Evidentemente. Foi organizada uma subcomissão para cuidar exclusivamente de eletricidade ; foi ela gue tratou do aproveitamento da cachoeira de Paulo Afonso. Quanto aos transportes, os membros da Comissão Executiva tiveram um ótimo relacionamento com os ministérios, as administrações dos portos e estradas de ferro. aquela época, os portos, como Laguna e Tubarão, e a Estrada de Ferro D.

Teresa Cristina tinham administração própria; mais tarde - depois da morte do Henrique Laje , em julho de 41 - suas empresas, incluindo as minas de carvão, foram encampadas pelo governo federal .

Onde se pensou em instalar a usina?

Esse foi um tema que mexeu muito com a opinião pública ; os jornais participaram intensamente da cüscussão, e eu fiquei sob violento fogo cruzado. Três locais foram objeto de cüscussão : Santa Catarina, a cidade do Rio de Janeiro - alternativa preferida dos americanos - e o vale do Paraíba . O Pandiá Calógeras já havia sugerido o vale do Paraíba - já contei a vocês. O Cincinato Braga , deputado por

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A A V E N T U R A D A G R A N D E S I D E R U R G I A

São Paulo, também defendeu aquela área, mais exatamente Barra Mansa, e possivelmente Volta Redonda. Os mineiros me acusam de ter tirado a usina de Minas, mas se a puséssemos lá os americanos não nos teriam emprestado dinheiro; achavam que a usina deveria ficar próxima ao litoral para poder receber mais facilmente o carvão. Foi com certa relutância que eles aceitaram o vale do Paraíba - daí Volta Redonda, na época apenas uma estação onde os trens se encontravam, e hoje uma cidade de mais de 300 mil habitantes. Uma vantagem importante de Volta Redonda era o custo do frete do minério de ferro que vinha de Minas, bem mais barato para lá do que para o Rio.

Em julho de 1 940, Getúlio Vargas formou uma comissão integrada por três membros da

Comissão Executiva: Guilherme Guinle, Ari Torres e o senhor; a tarifa era negociar

diretamente com o Eximbank o financiamento para a usina no Brasil. Como os nomes

foram escolhidos?

Foi uma escolha absolutamente técnica : o Getúlio me indicou, e eu sugeri o Guilherme Guinle e o Ari Torres. Na verdade, não havia muitas alternativas ; eu só conhecia um homem que poderia me substituir: o Raulino, meu companheiro de exílio na França e na Missão Leite de Castro e que, depois, foi da companhia . Embarquei para Nova York de navio, j unto com a Alcina e as crianças; ficamos hospedados no mesmo hotel que o Ari Torres. Já o Guinle foi para o Hotel Pierre, perto do Central Park, levando o mordomo italiano que cuidava de suas roupas e o

A Comissão Executiva do Plano de

siderurgia nacional . vendo-se Adolfo

Noronha Torresão, Edmundo de

Macedo Soares e Silva , Gui l herme

Guinle (presidente) e Oscar Weinschenk

(da esquerda para a direita), em 1 940.

(CPODC/Arquivo Edmundo de Macedo

Soares)

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Edmundo de Macedo Soares e Silva,

Gui lherme GUlnle Ari Torres, Lourdes

Leonardos e d. Alcina, a bordo do navIo

Argentino, em viagem a Nova York, em

28 de Julho de 1 940. (Coleção

particu lar Alcina Fonseca de Maced

Soares e Silva)

90

U M C O N S T R U T U R D O N o s s o T E M P O

Portela, funcionário do Banco Boavista, que viajou na qualidade de seu secretário particular. O Portela não gosta que se diga, mas ele não foi como membro da delegação; foi como secretário do Guinle. No dia seguinte ao da chegada, fomos ao

Export and Import Bank e lá nos encontramos com o seu presidente, o Pierson, acompanhado do Jesse Jones, administrador dos empréstimos federais do governo americano, um homem riquíssimo. O Jesse Jones perguntou ao Guinle o que ele fazia; o Guinle respondeu que era presidente das Docas de Santos e do Banco Boavista e que, além disso, servia ao governo brasileiro, mas era "one doIlar year

man"; ou seja, trabalhava para o governo sem receber um tostão. Depois , o Pierson começou a me interrogar, a querer saber detalhes da organização da companhia , da composição da futura diretoria. Eu disse que um dos objetivos básicos da nossa ida aos Estados Unidos era a contratação de uma firma de consultoria para nos auxiliar na montagem da empresa no Brasil . Saí do encontro achando que, no próximo, deveria comparecer acompanhado de um advogado que entendesse do assunto. Pedi ao cônsul brasileiro que indicasse uma firma de ótima reputação e que tivesse alguém que conhecesse as leis brasileiras; foi assim que cheguei ao Micou, um francês que tinha morado cinco anos no Brasil , falava perfeitamente o português e conhecia toda a legislação brasileira. No encontro seguinte, já fui com o Micou e me senti mais à vontade, menos pressionado. O Pierson achou muita graça quando me viu entrar acompanhado e comentou: "Eu tinha certeza de que o senhor ia vir hoje com um advogado." Retruquei : "O senhor tem o seu, e eu tenho o meu." Daí por diante, nossas discussões foram feitas em outras bases. E assim fomos negociando. O subsecretário de Estado Sumner Welles - a quem chamávamos de "seu" Manuel , por causa da pronúncia do nome em português - foi muito simpático conosco e disse que poderíamos contar com seu apoio. O embaixador Carlos Martins nos ajudou muito nesses contatos. Era um diplomata brilhante; tinha muito jeito, sabia receber, sabia conversar, falava muito bem inglês, alemão e francês. Tinha servido oito anos em São Petersburgo, na Rússia , antes da Revolução, e a corte russa, nas recepções, só falava francês. Depois, foi para a Áustria e aprendeu o alemão de Viena, que é o alemão mais bonito que existe ; foi para os Estados Unidos como embaixador e aprendeu o inglês americano. Foi lá que eu o conheci . Ele estabelecia um relacionamento próximo com as pessoas , o que ajuda muito.

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A A V E N T U R A n A G 'l A N D E 5 I D E R � l G I A

Aliás, tive muita sorte com todo o pessoal que servia na embaixada brasileira, gente muito competente . Mas os americanos reparavam numa coisa: todos os funcionários da embaixada, inclusive o Carlos Martins, eram separados das esposas e viviam com as suas companheiras; para eles , que são muito religiosos e radicais , isso era uma grande irregularidade. Outro apoio importante que continuamos tendo nessas negociações com o Eximbank foi do Osvaldo Aranha; sua linha de pensamento em relação à siderurgia era igualzinha à nossa, da Comissão. Quem hesitou muito foi o Sousa Costa; como todo ministro da Fazenda, dizia que o país não tinha dinheiro. E quando nos referíamos à possibilidade de obter recursos do Export and Import Bank, e le retrucava que o governo americano não daria dinheiro a um país falido. Eu tentava convencê-lo de que instituições como o Eximbank viviam exatamente da concessão de empréstimos e quanto mais pudessem endividar o Brasi l , melhor, porque ganhariam juros; era isso que interessava a eles.

Não houve nenhuma oposição mais concreta?

Claro que houve . Almoçando, certo dia, com o Jesse Jones , ele me apresentou a um tal de Brown, presidente do Sindicato do Carvão. Depois de me perguntar se era eu que estava pretendendo construir uma usina siderúrgica no Brasil , o sujeito afirmou que não iria permitir que prejudicássemos as exportações americanas de aço e outros produtos siderúrgicos, porque isso reduziria a oferta de emprego. Eu, da minha parte, fiquei admirado de um líder sindical como o Brown morar naquele hotel onde estava o restaurante, um hotel de luxo. Perguntei quanto ele ganhava; era uma fortuna, um dinheirão.

Que firma consultora acabou sendo escolhida?

A Arthur G. McKee & Co. , de Cleveland . O Eximbank mandou alguém conversar com eles , e os dirigentes da empresa disseram o que já sabiam sobre o Brasi l , deram sua impressão. Aí o banco concordou em estudar o nosso pedido de empréstimo. A McKee tratou de saber tudo a meu respeito. Depois que concluíram a investigação, eles me procuraram e me mostraram o resultado : 'This is your life"; estava tudo lá . Foi um verdadeiro trabalho de espionagem; esquadrinharam a minha vida e também a do Guinle, de todos, enfim. E verificaram que nós tínhamos condições de dirigir a usina. O americano tem essa virtude : é muito leal . O maior erro nos Estados Unidos é mentir; mentira é crime, e quem mente vai para a cadeia . Tudo tem que ser dito corretamente, mesmo que seja contra a gente. Eu agi assim , o que agradou muito os americanos; tornei-me uma referência. Na verdade, toda a comissão brasileira deixou uma impressão muito boa. O Guinle, o Ari e o Raulino, que mais tarde se integrou ao grupo, eram homens de bem, homens inteligentes , também incapazes de mentir.

E como foi o seu relacionamento com Guilherme Guinle e com Ari Torres?

O Guinle era amigo, mas não era chefe ; era incapaz de dar uma ordem, tinha que 91

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Durante o periodo de negociação com

o Eximbank, nos Estados Unidos,

vendo-se da direita para a esquerda na

I' fila, Saldanha da Gama ( 1 ) ,

Edmundo de Macedo Soares e Silva

(2"), Mr. Foell (3'), da US Steel, Noronha

Torresão (4') e Renato Azevedo (6"), em

1 940. (CPODC/Arquivo Edmundo de

Macedo Soares)

92 I

U M C O N S T R U T O R D O N o s s o T E M P O

ser levado a isso: "Dr. Guinle, eu preciso fazer isto assim, assim ." Ele respondia: "Vosmecê faz se quiser ; se não quiser, não faz ." Nunca dizia "estou de acordo" ou "não estou de acordo". Com a minha formação militar, eu ficava completamente aturdido. Já o Ari era um homem preparado, inteligente, bom caráter, mas muito vaidoso. Também tive problemas com ele. Dizem que a mulher é vaidosa , mas quando o homem é vaidoso, é infernal . Ele não admitia ser contrariado; se dizia sim , tínhamos que dizer sim ; se disséssemos não, ficava ofendido. Por isso é que se chocou comigo. Mas com os americanos, ele não teve nenhum problema. Falava inglês melhor do que eu, pois já tinha uns três anos de Estados Unidos quando chegamos lá , e eu estava apenas na minha segunda viagem, estava aperfeiçoando o meu american ena/ish .

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A A V E N T U R A D A G R A N D E S I D E R U R G I A

Quanto tempo durou essa etapa das negociações?

Exatamente seis semanas : começaram em 6 de agosto e se estenderam até 2 5 , 26 de setembro de 1 940 , quando finalmente o Congresso americano aprovou o empréstimo, ou melhor, aprovou a subscrição do capita l , que possibilitaria o empréstimo da ordem de 20 milhões de dólares. Mais tarde, com o desenvolvimento dos trabalhos de construção da usina , o empréstimo seria elevado para 45 milhões. Houve alguns contratempos: o Eximbank só poderia emprestar dinheiro no montante desejado se o Congresso aprovasse um projeto de lei aumentando seu capital em 500 milhões de dólares. Mas acontece que o relator do projeto morreu num desastre de avião, o que provocou um atraso de uma semana na discussão, até nomearem outro relator. Depois foi preciso haver o que eles chamam de riferee, ou seja , a reunião do líder da Câmara com o líder do Senado, para aprovarem o projeto de lei de aumento do capital . Houve atraso, mas eles acabaram aprovando. Eu nunca duvidei de que chegaríamos a um final satisfatório, mas o Guinle e o Ari Torres ficavam aflitos; não acreditavam que o governo americano fosse dar o sinal verde e me diziam isso claramente.

É verdade que ao longo das negociações ° senhor foi procurado por pessoas que se

ifereciam para servir de intermediários?

Sim, tentavam me convencer de que eram indispensáveis para a obtenção do empréstimo. Lembro de um ex-senador americano que veio exatamente com essa conversa, e eu lhe disse que preferia ficar sem o empréstimo a ter de recorrer a intermediários. Ele deixou claro que eu também ganharia uma comissão; repliquei que não queria nenhuma, que a comissão tinha que ser dada ao Brasil . Foi isso, aliás, que o marechal Hermes fez quando foi à Alemanha comprar equipamentos para o Brasil . Ofereceram-lhe uma comissão, mas ele recusou e disse que a Krupp teria de reduzir o preço que estava pedindo. Vou dizer uma coisa : talvez seja falta de modéstia, mas quando concluímos Volta Redonda, ia um brasileiro aos Estados Unidos, e eles diziam : "Se for um negócio igual ao do Macedo Soares, nós fazemos." E les me ofereceram 3 , 5% de comissão, mas não aceitei um cêntimo. Eu dizia : "Prefiro que vocês baixem o preço." Eles alegavam que não podiam, porque era dinheiro de comissão. Eu então ameacei não comprar o equipamento, procurar outro fornecedor; aí baixaram . Um colega meu - peço licença para não dizer seu nome - dizia que eu era no minimo burro, porque com os contatos que tinha estabelecido poderia ter me tornado um homem rico. Participei de muitos negócios vultosos e, se tivesse entrado no jogo, teria ficado milionário. Na A lemanha, recebi a proposta dentro de um automóvel ; o alemão me propôs 5% de comissão, metade do que ele iria ganhar, sobre 45 milhões de dólares. Recusei terminantemente : "Sou muito bem pago pelo meu governo, não preciso." Ele botou a mão no meu ombro, surpreso: "É a primeira vez que ouço . " ISSO.

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U M C O N S T R U T O R D O N o s s o T E M P O

Nos Estados Unidos, eles abriram tudo para o senhor ver?

Com exceção das minas magnéticas, tudo; afinal , eles queriam vender o equipamento. Os americanos desprezavam tanto o Brasil , que o seu único desejo era vender equipamentos. E les me perguntavam : "Mas vocês, brasileiros, têm capacidade para ter uma usina? Vocês vão contratar uma companhia americana para tomar conta dela?"

Teria sido possível construir a usina apenas com dinheiro brasileiro?

Tenho impressão de que sim, o país estava muito bem e não precisava do empréstimo externo. Seria um investimento nacional conjunto, do governo e de particulares. Gastamos na usina 90 milhões de dólares, 45 milhões dos Estados Unidos e 45 milhões nossos. Poderíamos ter feito sozinhos; muito empréstimo tem sido pedido sem necessidade, só para gerar comissões. É verdade que seria penoso conseguir aqui dentro os 45 milhões que vieram dos Estados Unidos, mas ninguém sequer tentou.

Como era sua rotina nos Estados Unidos?

Morávamos em Nova York, mas eu ia quase toda semana a Washington. Viajava regularmente de trem, um trem muito confortável ; a cada viagem, eu lia um livro. A Alcina ficava direto com as crianças em Nova York : a Ieda, já grandinha, e o Hélio, ainda bebê . Ela era ajudada por uma nurse, a madame B01l0n, uma francesa arranjada pela McKee, muito boa profissional . Ela mandava seu salário para a França, mas parece que o dinheiro não chegava . Quando nos contou isso, eu lhe disse para não mandar nem mais um tostão para lá. Aconselhei-a a abrir uma conta num banco em Nova York e fazer seu pé-de-meia lá mesmo, nos Estados Unidos.

E o seu pagamento, o senhor recebia em dólar?

Recebia . Ganhava 1 . 800 dólares, gastava 1 . 200 e botava 600 de lado; dava para viver bem. Todos os domingos recebia a comissão para almoçar; nesse dia, conversávamos muito, bebíamos nosso whisky e falávamos do Brasi l , de viagens, mas falávamos também de trabalho. Como da vez anterior, meu soldo de militar ficava aqui ; eu já tinha feito umas economias na última viagem à Europa. Permanecemos em ova York até j aneiro de 41 , quando nos mudamos para Cleveland, onde a McKee estava sediada; fomos morar num apartamento. E , embora Cleveland não fosse uma cidade pequena, ao contrário, não podia ser comparada a Nova York . O estilo de vida , portanto, mudou muito ; era uma vida mais tranqüila, com mais contato com a família. Em Nova York, era o vai-e-vem de Washington, morávamos em hotel . . . Eu gostava de Cleveland, mas a Alcina detestava, e olhe que tínhamos uma empregada muito boa, uma crioula que chegava de automóvel e nos

. "H d 1 7" A'

cumpnmentava sempre com um ow are you, n� goo peop e. s vezes, recorríamos a ela no domingo, o que não costuma acontecer nos Estados Unidos, e ela sempre nos atendia: "For YOll, good people, J wilJ stay."

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A A V E N T U R A D A G R A N D E S I D E R U R G I A

A Alcina viveu umas situações meio absurdas nos Estados Unidos. Certa vez , perguntaram-lhe se ela era descendente de índios; ela respondeu: "Não, sou descendente de portugueses e tenho, também, na família sangue holandês. Meu marido descende de irlandeses , de espanhóis e de portugueses." Mas eles não acreditavam; queriam , de todo j eito, que tivéssemos parentesco com índios e com pretos. Chegaram a perguntar à Alcina se, no Brasil , ela se vestia como as africanas! A ignorância a respeito do Brasil , e mesmo do mundo, era impressionante. Não é que o Jesse Jones me perguntou um dia se, para ir do Brasil à Alemanha, pegávamos trem? ! Eu respondi que não e lhe expliquei que era preciso atravessar o oceano Atlântico. Eles só conhecem a geografia dos Estados Unidos. Assim , passamos lá um ano e meio, e voltamos para o Brasil em dezembro de 41 , logo depois do ataque j aponês a Pearl Harbor. Embora acreditasse que o empréstimo do Eximbank sairia tranqüilamente, ao mesmo tempo sentia uma certa ansiedade e mesmo insegurança em relação à conjuntura mundial , por causa da guerra. Não sabia como ficaria a economia americana, como ficaria o mundo; não sabia se as máquinas chegariam a salvo - algumas foram a pique, j unto com os navios que as transportavam e que foram torpedeados por submarinos alemães.

Enquanto, nos Estados Unidos, o senhor começava a trabalhar diretamente com a McKee,

no Brasil a Companhia Siderúraica Nacional, a CSN, começava a aanhar forma?

Correto. Em janeiro de 4 1 o Getúlio autorizou por decreto a Comissão Executiva a promover todos os atos necessários à constituição da companhia, e o Ministério da Fazenda a integralizar o capital pelo Tesouro Nacional ; em 9 de abri l a companhia foi finalmente criada . Na hora de formar a diretoria, o Getúlio me chamou e afirmou, taxativamente, que eu seria o presidente da companhia . Recusei a oferta; disse que não era um nome conhecido e indiquei para o cargo o Guilherme Guinle , que além de presidente das Docas de Santos e do Banco Boavista , era conhecido no mundo, rico, simpático. O Getúlio acatou minha sugestão; mandou telefonar para o Guinle e marcou uma entrevista. Convidou-o pessoalmente, e o GWnle aceitou . Pouco depois , o Guinle publicou no jornal do Commercio um longo artigo em que elogiava o projeto da CSN e dizia como ele concebia a siderurgia . O Getúlio ficou muito contente e me cumprimentou pela indicação. E foi assim que o Guinle entrou; não é como a família dele conta. Os Guinles contam que foi o Getúlio que procurou o Guinle e o convidou; e não me citam . Mas não foi assim não, foi como estou dizendo. Depois que o Guinle foi escolhido, tratou de formar a diretoria da companhia e, por conta disso, me consultou sobre um nome para ocupar o cargo de diretor técnico. Aconselhei-o a solicitar uma indicação da McKee que, para surpresa dele, recomendou o coronel Macedo Soares. Quando o Guinle me perguntou se eu teria coragem de assumir, respondi que sim e que a usina iria sair. Aí, ele convidou o Ari Torres para a vice-presidência e o Oscar Weinschenk para a diretoria comercial ; o Alfredo de Sousa Reis Júnior ocupou o cargo de diretor-secretário.

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Dlretoria da CSN, vendo-se Edmundo

de Macedo Soares e Silva, Raulino de

Oliveira, gu i lherme Guinle (presidente),

Oscar Welnschenk e Benjamim do

MOllte (da esquerda para a direita), em

Janeiro de 1 945. (CPODC/ArqUlvo

Edmundo de Macedo Soares)

96 I

U M C O N S T R U T O R 0 0 N o s s o T E M P �

Mas o Ari Torres só ficou até abril de 42 ; nessa ocasião, brigamos feio. Ele queria instalar a diretoria no Rio de Janeiro ; fui contra e argumentei que, na condição de diretor-técnico, já havia resolvido que ficaríamos em Volta Redonda, porque lá, entre outros motivos, seria possível preparar a mão-de-obra para trabalhar na usina . Ele insistiu e ameaçou levar a questão à reunião de diretoria, mas eu lhe antecipei que ele seria voto vencido. Então, a pretexto de que ia fazer concurso para a cadeira de materiais de construção na Escola Politécnica de São Paulo, o Ari deixou a empresa . E me fez muita falta, porque era um homem muito capaz. Depois descobri que ele insistia tanto na cidade do Rio de Janeiro porque não queria morar em Volta Redonda; queria desenvolver o projeto a partir no Rio, onde sairia muito mais caro e eu não poderia escolher os homens que iriam ficar na usina . Eu topei ir para Volta Redonda e lá passei uma temporada grande; no início, fiquei alojado numa casa pequenina de madeira , pouco mais do que um acampamento.

Qual foi o capital inicial subscrito?

Na ocasião, 500 milhões de cruzeiros, divididos, em partes iguais , em ações ordinárias e preferenciais. O Guinle conclamou a iniciativa privada brasileira a comprar ações; de acordo com relatório que encaminhou ao Getúlio, em 1 94 1 a companhia tinha mais de 2 2 mil acionistas. O dr. Guinle e seus assessores desenvolveram um intenso esforço de convencimento. O principal assessor era o Portela que, como eu já disse, trabalhava com o Guinle no Banco Boavista; eles buscavam os recursos onde podiam, na área de gov rno, junto a bancos, a empresas particulares. Esses contatos envolviam gente de prestígio, que procurava

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A A V E N T U R A D A G R A N D E S I D E R U R G I A

convencer empresários e banqueiros da importância de se constituir uma grande indústria ligada ao governo; pobre não consegue nada , mas rico consegue tudo. O maior acionista particular foi o Jacques La Saigne, da Mesbla; adquiriu muito mais ações do que o Guinle, que comprou 2 . 500 . A Heloísa Guinle Ribeiro adquiriu 1 . 500, o Ari Torres 500, eu mesmo fiquei com 200, o Oscar Weinschenk com cem; o Adolfo Martins de oronha Torresão, o Daniel Serapião de Carvalho, o Fernando Machado Portela e o Trajano Furtado dos Reis compraram 50 ações cada um . Quanto às empresas , a Mesbla e a Sul América de Seguros compraram cinco mil ações, e a Companhia Docas de Santos , do Guinle, 2 . 500. Empresas privadas da área de siderurgia também demonstraram sua crença em Volta Redonda: a Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira ficou com cinco mil ações, a Companhia Brasileira de Usinas Metalúrgicas com três mil , e a Barbará com mil . Se fossem contra, não teriam comprado, é claro. Todas essas ações eram ordinárias.

Os institutos de aposentadorias e pensões também entraram com uma parte do capital?

Dias antes da constituição da CSN, o governo autorizou não só os institutos dos industriários, dos comerciários e dos bancários, mas também a Caixa Económica do Rio e a de São Paulo, a subscrever ações preferenciais da companhia. E o Guinle também tinha muita ascendência sobre os presidentes das autarquias e das caixas económicas , porque financiava seus projetos. A participação do governo federal se dava por intermédio do próprio Tesouro Nacional , que subscreveu as ações ordinárias , aquelas que têm poder de voto, de definir os destinos de uma empresa. O governo tinha que ter o controle, não é? O Getúlio podia sempre recorrer a um decreto-lei .

Edmundo de Macedo Soares e Silva

(em primeiro plano), o presidente

Gu i lherme Guinle e Oscar Weinschenk,

d iretores da CSN, janeiro de 1 945.

(CPODC/Arquivo Edmundo de Macedo

Soares)

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Fazenda Santa Cecilia, em Volta

Redonda, 9 de abril de 1 941

(CPOOC/Arquivo Edmundo de Macedo

Soares)

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Se o Brasil estivesse sob reaime democrático, com o Conaresso funcionando, a obtenção de

recursos junto às autarquias e outros óraãos públicos teria sido mais difícil?

É a velha história . . . O Getúllo sempre dizia gue era preciso resolver tudo gue dissesse respeito à grande siderurgia sem o Congresso em funcionamento, porque com os deputados e senadores em ação, logo começaria a disputa pela localização, pelo tamanho da usina , e acabaria não acontecendo nada .

A essa altura, Amaral Peixoto, interventor no estado do Rio, já tinha determinado a

desapropriação de um imenso terreno em Volta Redonda, onde seria construída a usina.

Exatamente, o terreno foi desapropriado pelo Ernâni por 500 mil cruzeiros, em março de 1 94 1 . a verdade, a própria Companhia Siderúrgica Nacional tinha poder para isso, mas ele quis nos doar o terreno, e nós agradecemos muito; foi uma atitude política , reconheço, mas o Ernâni é cem por cento politico. Essas terras faziam parte da fazenda Santa Cecílla, gue minha mãe tinha conhecido guando moça. Compramos o terreno com a casa da fazenda, que serviu de sede à companhia; mudei-me para essa casa, uma casa tão boa, gue o Guinle costumava dizer: "Vosmecê mora num palácio."

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A A V E N T U R A D A G R A N D E S I D E R U R G I A

No caso de uma usina, o que se difine primeiro: a dimensão ou o programa de produção?

Em primeiro lugar, levando-se em conta os recursos disp0nlveis e as necessidades, decide-se o tamanho da usina : se ela vai ser, por exemplo, de 300 ou 400 mil toneladas. Depois, vê-se o que vai ser fabricado; em função cllSSO é que vêm as instalações, equipamento, treinamento de pessoal . Foi por isso que eu quis instalar logo a sede da empresa em Volta Redonda: para aproveitar a qualificação do pessoal que tinha participado das obras civis. Selecionava os operários que já tinham trabalhado com ferro ou em fundição, destacava esses últimos para o alto-forno, o forno de aço. Formamos monotécnicos, cada um na sua profissão; j á estava pensando nisso tudo enquanto projetava a usina . Nossa preocupação com o ensino era enorme ; construímos uma grande escola técnica em Volta Redonda, que ainda hoje está lá; fizemos um ginásio, que leva o meu nome, e o entregamos a padres. Tomei essa decisão porque nas mãos dos padres a escola não acabaria; se tivéssemos entregado a uma pessoa qualquer, poderia ter sido vendida e até fechada. A mesma coisa com a escola para moças : entregamos para as freiras ; e as duas escolas ainda estão lá.

Como se fez a seleção da mão-de-obra especializada?

Eu, o Raulino e o Ari Torres esco]}Úamos. Boa parte dos selecionados tinha se formado na Escola de Engenharia do Exército, e quase todos tinham sido meus alunos ; passaram a trabalhar em conjunto com o pessoal da McKee, e alguns foram para os Estados Unidos. Tudo gente moça, com idade média de 34 anos. Lembro do Carlos Berenhauser Júnior, já falecido, um dos responsáveis pela parte elétrica da usina de força, engenheiro muito bom; depois organizou uma empresa especializada. O Ernâni Bittencourt Cotrim era um engenheiro civil b�'ilhante e o mais velho do grupo ; tinha o Torresão na coqueria; o Larrabure, um paulista inteHgentissimo, ligado à laminação; o São Tiago Filho, brilhante, também já falecido; o Paulo Martins, na construção civil e na área de hidráu]jca; o Varonil de Albuquerque Lima, cearense e militar; o capitão Saldanha da Gama, engenheiro militar - este foi logo substituído ; achou a função muito difícil , não agüentou os Estados Unidos e preferiu voltar. Não posso me esquecer do Mauro Mariano da Silva ,"meu primo-irmão, filho do tio Rosalvo, que cuidava da parte elétrica, nem do seu irmão, o Rosauro, que trabalhava com o Paulo Martins. Um cargo de fundamental importância era o de encarregado do alto-forno; quem o ocupou foi o Renato Frota de Azevedo, excelente engenheiro , nascido em Minas Gerais e formado na Escola de Minas de Ouro Preto. Foi para os Estados Unidos, aprendeu inglês, aprendeu alto-forno. Eu ficava olhando para aquele homem pequenino, às voltas com um alto-forno de 3 5 metros de altura, e não acreditava; mas deu tudo certo. Na área de infra-estrutura, o Napoleão Alencastro Guimarães foi responsável por uma obra notável ; engenheiro e, na ocasião, diretor da Estrada de Ferro Central do Brasil , aumentou o gabarito dos túneis da serra do Mar, para passarem as grandes peças - entre 50 e cem toneladas - que foram utilizadas na usina de Volta

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2 Entrevista realizada em 19 de

fevereiro de 1 987.

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Redonda . Comprei vagões rebaixados, que estão aí até hoje , 2 nos quais essas peças eram colocadas, mas para passar nos túneis foi preciso aumentar o gabarito. O Paulo de Frontin já tinha conseguido realizar a duplicação da linha férrea sem interromper o serviço; e não é que o Napoleão conseguiu a mesma coisa? ! Ele e os auxiliares conseguiram aumentar os túneis - o nome técnico disso é rebaixamento - sem que tenha sido necessário tirar a linha de operação.

A indústria nacional teve alguma participação na construção da usina?

Posso garantir que sem os cabos de cobre produzidos na indústria que o Calógeras mantinha em São Paulo, em sociedade com outras pessoas, ou os vergalhões feitos pela Belgo-Mineira, teria sido muito difícil construir a usina . Com eles, tivemos condições de fazer tudo que estava relacionado à instalação elétrica da fábrica e ao concreto armado; aliás, os americanos ficaram encantados com o conhecimento brasileiro sobre concreto armado.

Além da construção da usina e das obras necessárias ao seu funcionamento, o que foi feito

em relação ao carvão-de-pedra de Santa Catarina?

O Cotrim era catarinense e conhecia muito as minas de carvão; por isso , encarreguei-o dessa área; mandei-o para os Estados Unidos, para Pittsburgh, com dez toneladas do carvão brasileiro, que foi submetido a ensaios de coquefação na companhia Koppers. Algumas experiências já haviam sido feitas no Brasil pelo Ernesto da Fonseca Costa , professor da Politécnica, com bons resultados ; porém esses testes não tinham sido completos, porque não dispúnhamos de todo o equipamento. Empreguei um engenheiro americano, chamado Williams, para acompanhar o processo de coquefação com o Cotrim ; no fmal dos ensaios, deu coque de boa qualidade.

A importação de carvão para o coque não acarretava custos elevados de transporte?

Esse custo era compensado pelo frete de retorno da exportação de minério de ferro e manganês. Os navios que faziam esse frete eram brasileiros e estrangeiros; os brasileiros eram embarcações alemãs apresadas nos nossos portos, em represália ao afundamento de navios brasileiros por submarinos do Reich .

Como se desenvolviam as coisas na frente americana? Parece que surgiram problemas

quanto aos desenhos das máquinas.

Bom, os Estados Unidos estavam em guerra e não deixavam sair desenho algum do país. Fiquei sabendo dessa proibição numa reunião da General Motors; fui informado de que não poderia mais levar desenhos para o Brasil por imposição do Exército e da Marinha . Reagi na hora : "Preciso dos desenhos para montar as máquinas. Se não posso levar os desenhos, não compro mais máquinas nos Estados Unidos." Criou-se o impasse, e começaram as negociações; como solução, tive que arranjar um passaporte diplomático e passei a transportar os desenhos comigo, na bagagem . Assim mesmo, uma vez, na chegada aos Estados Unidos, a Polícia do

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A A V E N T U R A D A G R A N D E S I D E R U R G I A

Exército não quis me deixar entrar com o desenho. Mas por sorte - graças a Deus, sempre tive sorte -, chegou um coronel do Exército americano que me conhecia; expliquei que a minha bagagem tinha sido confiscada com os desenhos e que eu não poderia entrar no país . Ele acabou resolvendo tudo. Fora esse problema, tive de enfrentar também a oposição da Marinha americana que, devido à situação extremamente crítica na Europa, argumentava que com o aço a ser utilizado na fabricação das máquinas para o Brasil poderiam ser construídos alguns navios; isso atrasou o nosso projeto, e as máquinas só chegaram a Volta Redonda após o térmjno da guerra . Mas, de resto, os militares ·americanos - o Exército, a Força Aérea e os próprios maTiners - não criaram embaraços para o desenvolvimento do projeto. A fabricação das máquinas não foi sequer interrompida. Cheguei , inclusive, a visitar uma das fábricas onde estava sendo feito o equipamento; lá os americanos me explicaram que estavam produzindo um material capaz de impedir a ação das minas magnéticas inventadas pelos alemães, responsáveis pela explosão de um grande número de navios . Compreendj perfeitamente a demora na entrega, tanto que nem reclamei à embaixada, apenas comentei com o Carlos Martins e disse que era preferível deixar as coisas como estavam; tinha certeza de que assim que pudessem, eles nos entregariam o equipamento. Quando as máquinas foram enviadas para o Brasil , toda a infra-estrutura da usina já estava pronta. Montei um esquema especial para o recebimento, baseado em números e letras , de forma que cada equipamento fosse marcado e quando chegasse a Volta Redonda iria para o lugar que já lhe fora destinado previamente. Mas como o consulado não queria que as máquinas já viessem com as marcas, mandei a indicação por carta.

o Eximbank acompanhava de perto a execução do projeto?

O controle era completo, não só do desembolso financeiro, como também do andamento físico do projeto da siderúrgica . Tínhamos que prestar contas de tudo que fazíamos, de todos os estudos. Todas as informações que dávamos, cada palavra que dizíamos, eram checadas pelos técllicos do banco; a aprovação dos nossos pedidos só vinha depois dessa investigação. Se discordássemos em algum ponto, tínhamos que negociar. Por exemplo, a McKee queria colocar fornos basculantes, que são muito caros; consultei um engenheiro americano, e ele me aconselhou a instalar fornos fixos, muito mais baratos. Fui à McKee e, baseado na opillião do engenheiro , propus que instalássemos quatro fornos fixos e um basculante, para experimentar; eles concordaram . Quando começamos a operar, viu-se que o basculante era inúti l . Então, voltei à McKee e disse que ia trabalhar só com os fornos fixos, porque sairia mais barato. Outra divergência envolveu o laminador de chapas grossas. Tínhamos um trem reversível para fazer a chapa; o lingote passava, ia e vinha, e depois passava diretamente para o trem semicontínuo, o primeiro que os Estados Ullidos

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3 Entrevista realizada em 19 de

fevereiro de 1 987.

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exportaram . Sugeri que colocássemos uma outra gaiola, depois do laminador reversível , para começar a diminuir a espessura das chapas, mas a McKee não concordou, achou excessivo. Consultamos uma oUb-a firma, que nos deu razão ; a outra gaiola foi instalada e está lá em Volta Redonda até hoje. 3

Pelo que o senhor está dizendo, o Eximbank corifiava plenamente na opinião da McKee.

Plenamente. Mas convém informar que o Eximbank nunca me recusou coisa nenhuma; é verdade que eu só pedia coisas j ustas. Certa ocasião, houve necessidade de um empréstimo da ordem de cinco milhões de dólares. O Guinle achou que precisaria ir pessoalmente aos Estados Unidos encaminhar a solicitação; eu, que já estava lá, convenci -o a não ir. Fui ao Eximbank e voltei com os cinco mi lhões de dólares; telefonei ao Guinle e disse que o dinheiro entraria na nossa conta no dia seguinte .

�azendo um retrospecto de toda essa luta, poderíamos atribuir à ftabira lron e grupos a

ela ligados a responsabilidade pela demora na implantação do projeto?

Evidentemente ! Volta Redonda poderia ter começado antes da guerra, quando os problemas teriam sido de menor monta , e as facilidades maiores. O Farquhar foi um agente inibidor, terrivelmente inibidor; mas até hoje há quem diga que eu errei, que o Farquhar é que estava certo.

o senhor chegou a conhecer Percival Farquhar pessoalmente?

Quando já estava casado com a Alcina, todas as manhãs, às sete horas , ele saltava de um táxi na porta da minha casa, para me convencer a aceitar os termos do seu contrato ; conversávamos uns 40 minutos, em inglês - ele só falava inglês. Eu me desculpava, alegando que tinha que dar aula na Escola de Engenharia do Exército, e ele ia embora; no dia seguinte, à mesma hora , lá estava ele de volta . Isso se repetiu durante uns dois meses, até que um dia, consegui er mais objetivo e disse a ele que não viesse mais : "O senhor está perdendo seu tempo. Eu já lhe disse qual é a minha posição, e dela não me afasto." Aí ele desistiu . Finalmente, em agosto de 39 o contrato da Itabira Iron foi considerado caduco pelo governo.

Naquela época, havia muita gente na cúpula do Exército preocupada com o

desenvolvimento tecnológico, não é?

Ah, sim . O Leite de Castro, o velho Augusto Inácio do Espírito Santo Cardoso . . . Nós até brincávamos , dizendo que Volta Redonda era "obra do Espírito Santo". S eu consegui fazer carreira e chegar a general , sempre exercendo cargos técnicos , dirigindo indústrias, foi porque sempre tive esse apoio.

Quem o ajudou a pensar nessa grande indústria de Volta Redonda?

Olhe, a solidão era um fato; eu estava sozinho, muitas vezes, e ia buscar naturalmente no Raulino, no Ari Torres, o auxílio que me faltava. Com o Cordeiro de Farias conversei muitas vezes ; ele sempre me apoiou. As Forças Armadas e as

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A A V E N T U R A D A G R A N D E S I D E R U R G I A

grandes empresas apoiavam muito, mas os políticos estavam divididos. Se até 1 9 34, na fase do Governo Provisório, o Getúlio tinha , digamos, liberdade para decidir sozinho, entre 34 e 37 ele ficou dependendo da opinião dos deputados e senadores. Como já contei antes, o próprio Getúlio costumava dizer que com o Congresso funcionando seria muito mais difíci l , e foi mesmo; cada parlamentar queria colocar a usina no eu estado. E também questionavam o tamanho da usina; diziam que era grande demais , que eu era louco etc . Mas quando Volta Redonda começou a fWlcionar, todo mundo veio me cumprimentar.

o senhor recebeu alguma proposta de trabalho nos Estados Unidos?

Como não? ! Fizeram de tudo para me naturalizar. Certa feita, um americano me procurou em casa com os taisfirst papers, os papéis pedindo naturalização, mas recusei terminantemente, dizendo que queria continuar brasileiro. O homem ficou

Os primeiros chefes de serviço e

funcionários em frente ao primeiro

escritório da CSN. em Volta Redonda.

em 1 941 . (CPOOC/Arquivo Edmundo de

Macedo Soares)

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Cartão do OlP - Sideurgia, 1 937-45,

(CPODC/Arquivo Getúlio Vorgas)

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espantadíssimo: "Brasil? ! Mas o que é o Brasi l ? ! " Respondi que era o meu país e que ele nunca entenderia o que era ser brasileiro, Agora, eu pergunto : o que teria acontecido comigo se tivesse me naturalizado americano? Teria sido um engenheiro, teria trabalhado em usinas, nada mais, ao passo que, voltando para o Brasil , fiz uma carreira muito diferenciada ,

o que o levou a tomar a decisão de implantar no pais uma usina de Brandes dimensões?

A análise do mercado, Fui vendo as possibilidades, as necessidades , e cheguei à conclusão de que a usina não poderia produzir menos de 300 mjl toneladas por ano. Fui ao Getúlio e disse : "Presidente, a siderúrgica não pode ser de 1 50 mj l toneladas, tem que ser de 300 mil ." Ele duvidou : "Uma usina deste tamanho não pode virar um elefante branco?"Tranqüjlizei-o : "Não, presidente . Tenho certeza de

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A A V E N T U R A D A G R A N D E S I D E R U R G I A

que vai dar certo !" E ele acabou aprovando ; aliás, os equipamentos foram comprados j á nessa perspectiva. O Brasil foi sempre uma surpresa. O que este país cresceu ! Hoje é o quinto do mundo em siderurgia .4 Agora, muitas pessoas não toleraram que Volta Redonda fosse feita por um militar; achavam que era glória demais para o Exército. Acontece que eu não pedi para fazer Volta Redonda, fui escolhido. O próprio Carlos Lacerda dizia que coronel não deve se meter nem em política nem em indústria, quando o mundo está cheio disso. Havia também muito ciúme do Getúlio, mas foi uma obra dele, da sua tenacidade, da sua compreensão das coisas , tanto que a usina se chama Usina Presidente Vargas.

o senhor estava presidindo a Acesita, Aços Especiais habiTO, em agosto de 1 954, quando

a crise política culminou no suicídio do presidente Getúlio Vargas. 5

Isso mesmo. Eu presidia a Acesita , mas mantinha um escritório aqui no Rio, na rua Visconde de Inhaúma. No dia do suicídio, eu estava no escritório, quando minha secretária veio e me disse : "Acabo de ouvir no rádio que o Getúlio se suicidou." Para l'tlim foi um choque. Agora, o Góis já me havia dito que o Getúlio tinha essa mania, sempre foi fixado na idéia de suicídio. A crise estava muito feia desde a tentativa de assassinato do Lacerda, em 5 de agosto, no atentado da rua Tonelero. A segurança do Getúlio era muito suja; o Gregório só não tomava confiança comigo porque eu não permitia. Quando eu entrava lá, ele se levantava, porque senão, eu mandava levantar; ele falava comigo, mas eu não lhe apertava a mão, porque sabia que era um bandido. Perguntava como eu ia, se estava bem, queria entrar em certos detalhes, não dava confiança. Qe forma que a "República do Galeão" teve sua razão de ser;6 mas confesso que não participei ativamente desse final : a Acesita tomava todo o meu tempo.

Depois de passar alguns anos cifastado, tendo sido ministro e governador de estado, 7 o

senhor volta à CSN, desta vez como presidente, nomeado por Ccifé Filho em setembro de

1 954.

Foi o Juarez Távora, que era chefe da Casa Militar, quem me transmitiu o convite do Café, mas não sei de quem foi a idéia. O Café era um homem inteligente mas muito de esquerda, e eu não gostava da esquerda, como não gosto até hoje. De forma que eu temia o seu governo. Mas aceitei de bom grado a presidência da siderúrgica, até porque havia necessidade de negociar novos empréstimos para a ampliação da usina, e os americanos estavam criando dificuldades. O Raulino foi aos Estados Unidos e tentou resolver o problema, mas não conseguiu; só depois , com a minha interferência, é que o empréstimo

4 Entrevista rea lizada em 18 de

dezembro de 1 986.

5 Sobre a presidência da Acesita, ver

adiante o capitulo "Um general

empresário".

6 A "República do Galeão" foi instalada

na Base Mi litar do Galeão, logo após o

atentado da rua Tonelero. Visando

apontar os responsáveis pelo crime, o

inquérito instalado pela Aeronáutica

chegou à conclusão de que houve

participação da guarda pessoal de

Getúl io Vargas no episódio.

7 Ver o próximo capitulo.

Assinatura de contrato entre o

Exlmbank e a CSN, em Washington,

vendo-se Edmundo de Macedo Soares e

Silva e Samuel Waugh, em Junho de

1 956. (CPDOC/Arqu;vo Edmundo de

Mocedo Soores)

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A A V E N T U R A D A G R A N D E S I D E R U R G I A

saiu . Precisávamos do dinheiro para construir o terceiro forno da usina, que na época era o maior do mundo; só no Japão havia um igual . Mesmo nos Estados Unidos, estes fornos só estão sendo construídos de uns anos para cá. E o Brasil construiu em 54 o forno três, de 1 5 mil toneladas por dia.

Fala-se que essa resistência americana era devida à ação de um congressista, que

representava um grupo siderúrgico interessado na compra da usina. 8

o congressista era Robert Mollohan , repre entante d o estado d e West Virginia. Mas ele nunca teve coragem de me apresentar uma proposta concreta.

Em 1 955,juscelino Kubitschekfoi eleito presidente da República, e suas promessas de

campanha foram reunidas no Programa de Metas, um conjunto de propostas para mudar

o país. 9 O senhor participou de sua elaboração?

Dei a minha contribuição. Ele nomeou uma comissão chefiada pelo Glycon de Paiva, que é muito meu amigo e me procurou para conversar. A indústria automobilística foi prevista em Volta Redonda; queríamos a indústria para empregar as nossas chapas, os nossos perfis. Fizemos uma comissão com o Ari Torres , e mais uns dois ou três em São Paulo e nos reuníamos e tratávamos disso com o governo federal . Quando foi candidato, o Juscelino adotou o no o projeto; conversou conosco e perguntou se era viável a indústria automobilística . Eu tinha que ir à França para alguma função oficial , e ele me pediu que trouxesse um automóvel ; eu trouxe o Simca, francês ; um bonito automóvel . E fez-se o Simca aqui no Brasil . A fábrica da Simca foi um dos projetos aprovados no Grupo Executivo da Indústria Automobilística, o Geia, um dos grupos executivos mais importantes do governo do Juscelino. Originalmente, a fábrica seria instalada em Minas, mas quando os franceses chegaram aqui , disseram : "Se as peças estão em São Paulo, vamos para São Paulo"; e foram . Os mineiros ficaram muito zangados comigo, mas não tive nada a ver com a escolha dos franceses .

os primeiros meses do seu governo, o Juscelino criou a Comissão de Industrialização do País, da qual participamo Roberto Campos, Lúcio Meira, eu e mais uns dois ou três. Nosso objetivo era obter dinheiro para a indústria automobilística, e o Roberto Campos pediu-me que presidisse a Comissão. Trabalhamos durante uns dois anos ; obtivemos dinheiro, as empresas vieram para cá. O Geia dependia dessa Comissão ; eu não podia presidi-lo, porque presidia Volta Redonda, então foi nomeado o Lúcio Meira, um homem inteligente, capaz, absolutamente honesto.

o presidente Juscelino o manteve na presidência da CSN. Havia outros candidatos ao

cargo?

Não me lembro, mas devia haver. Antes de assumir, o Juscelino me chamou a Belo Horizonte e me pediu a presidência da siderúrgica; queria me nomear presidente da Petrobrás , porque queria encher Volta Redonda de gente. Eu lhe disse :

8 Para maiores detalhes, ver Humberto

Bastos, A conquista siderúrgica no

Brasil. São Paulo, Livraria Martins

Editora, 1 959.

9 Juscelino Kubitschek foi eleito com

33,8% dos votos; Juarez Távora

recebeu 28,7%; Ademar de Barros,

24,40/0, e Plinio Salgado, 8% dos votos.

Na pagina gO I�do, decreto do

presidente Café Filho nomeando

Edmundo de Macedo Soares e Silva

presidente da Compa�hla Siderurglca

Nacional, RIO de Jare;ro, em 1 7 de

setembro de 1 954 (CPOOC/Arquivo

Edmundo de Macedo Soares)

1 1 07

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Edmundo de Macedo Soares e Silva

com o presidente Juscelino Kubitschek,

em 31 de janeiro de 1 958. (Arquivo

CSN)

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U M C O N S T R U T O R 0 0 N o s s o T E M P O

"Presidente, não entendo de petróleo, não sou homem de petróleo; sou homem de siderurgia. Se Vossa Excelência quer a Companhia , fique com ela , pois é Vossa Excelência quem nomeia. Agora , tenho receio de aceitar a Petrobrás, porque não entendo de petróleo." Aí ele recuou : "Bom, então o senhor fica na siderúrgica, mas eu preciso empregar 30 médicos e 30 advogados no escritório de Belo Horizonte." Respondi : "Presidente, já temos médicos e advogados , não temos tanta gente doente, nem tanta gente com problemas jurídicos , para poder empregar esses homens." Ele retrucou : "Mas eu sou o presidente da República." Eu disse: "Mas o presidente da Companhia sou eu. Entretanto volto a dizer: se Vossa Excelência quer a Companhia, fique com ela, eu saio." Ele me manteve na siderúrgica. Aí eu perguntei : "Vossa Excelência não tem um engenheiro para me indicar?" Ele respondeu : "Tenho dois." Eu, então, cedi um pouco : "Esses eu nomeio." Nomeei ; não precisava, mas nomeei .

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A A V E N T U R A D A G R A N D E S I D E R U R G I A

Sua demissão da CSN, em 1 95 9, deveu-se a um atrito com o presidente, que criou uma

nova diretoria sem consultá-lo,joi isso?

Foi . Durante todo o seu governo, o Juscelino voltava freqüentemente à carga . Eu morava na rua Fonte da Saudade, no Rio, e às sete horas da manhã ele me telefonava : "General , preciso empregar 20 médicos na Companhia em Belo Horizonte." Eu respondia : " ão posso, presidente, não temos tantos doentes assim . Mas precisamos de engenheiros ; o senhor tem algum engenheiro para me indicar?" Ele respondia: "Engenheiro não me interessa." E eu : "Pois é a única coisa que posso empregar." O Juscelino não sossegou enquanto não criou uma diretoria, com vários cargos , à minha revelia . Pedi exoneração, e ele mandou seu primo, o Kubitschek de Figueiredo, vice-presidente da siderúrgica, me dizer que ele ainda tinha confiança em mim . Aí eu falei : "Diga ao presidente que eu é que não tenho mais confiança nele ." Saí e fui tratar da minha vida . Pouco tempo depois, o homem que trouxe a Mannesmann para o Brasi l , um judeu chamado Sigmund Weiss, deu uma festa, e eu fui com a Alcina; lá estava o Juscelino. Assim que me viu, veio me dar um abraço e começou a conversar com a Alcina , fazendo os maiores elogios a mim. Eu lhe disse : "Presidente, me desculpe; fui muito brusco, mal-educado mesmo." Ele respondeu : "A vida é assim mesmo, esqueça isso." Veja o que é o político; por isso é que eu nunca tive jeito para político.

Mas Juscelino também o convidou para construir Brasília, o que demonstra que respeitava

suas qualidades pupssionais.

Realmente, ele me convidou, mas eu recusçi , dizendo : "Presidente, não posso abandonar Volta Redonda, mas posso dar alguns conselhos. É importante construir uma estrada de ferro ou de rodagem. Coloque um batalhão de engenharia do Exército, que ele lhe constrói em seis meses uma estrada de ferro, ligando Barretos ou Ribeirão Preto a Brasília. Assim, Vossa Excelência poderá transportar convenientemente seus equipamentos." Ele disse : "Não, vou transportar tudo de avião." O primeiro hotel foi construído com aço de Volta Redonda, todo transportado de avião. O homem era louco mesmo! Bom, depois, o Israel Pinheiro não queria me pagar o aço. Eu lhe disse : "Israel , sem dinheiro não há aço." Ele argumentou: "Mas o presidente está mandando." Eu retruquei: "O presidente não manda em mim; o presidente me nomeou e pode me demitir, mas quem manda na Companhia sou eu; se você não me pagar, não mando mais aço." Em seguida, começou a construção dos prédios dos ministérios; aconselhei o Juscelino: "Faça de aço, presidente, que é muito mais barato." ão quis, queria concreto. Aqui no Brasil existe a mania do concreto, construção mais cara. Nos Estados Unidos tudo é de aço; na Europa, é quase tudo de aço, porque é muito mais barato. Mas decidiram fazer de concreto, e custou uma fortuna .

1 1 09

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1 T fi

' P O L 1'1' 1 C f\ No final do Estado Novo,funda-se o movimento queremista, para apoiar a permanência

de Getúlio Var8as no poder. Uma das forças que sustentavam o queremismo era o Partido

Comunista. O senhor era a favor da continuação de Getúlio?

Eu teria gostado muito. Com uma nova Constituição, poderíamos ter conservado o Getúlio por mais uns anos. Agora, quanto ao apoio dos comunistas, é verdade; o Prestes apoiou o queremismo, como depois apoiou minha candidatura ao governo d'O estado do Rio. Como vocês sabem, ele sempre foi meu amigo. Mas o fim do Estado Novo foi muito confuso. De um lado havia os queremistas, mas do outro estava aquele embaixador americano, o Berle, se metendo na política brasi leira, pedindo eleições. 1 Ninguém se entendia. Para complicar mais as coisas, o Agamenon Magalhães fez aquela lei antitruste, que diziam ser contra o Assis Chateaubriand , terrível adversário do Getúlio.2 Muito inteligente, escrevia muito bem. Nessa época já estava doente, mas isso não o impedia de agir. Agora, fazia cada gafe ! Uma vez, houve um jantar na embaixada francesa, e a embaixatriz esperou 1 5 minutos por ele, que não chegava ; ela, então, mandou servir o jantar. O Chateaubriand chegou no final , berrando que era uma desconsideração, que e le era um grande jornalista , que não era possível começar o jantar sem sua presença. O embaixador disse : "O senhor me perdoe, mas tenho aqui 30 pessoas tão respeitáveis quanto o senhor, gue não podiam esperar. Vou mandar servir imediatamente o seu j antar." E o Chateaubriand era tão sem-vergonha, gue comeu tudo ! No que fez muito bem, pois o j antar estava gostoso. Mas era um homem assim , muito esquisito. Assisti ao final do governo do Getúlio com muita raiva daquela confusão toda . E tudo piorou quando ele nomeou seu próprio irmão, o Bejo, para chefe de Polícia do Distrito Federal . Eu estava na avenida Rio Branco e encontrei o João Alberto, gue me disse : "O Getúlio está perdido; acaba de nQmear o Bejo para me substituir na chefia de Polícia, e você sabe gue ninguém vai aceitar isto. Você aceita?" Eu me espantei , mas respondi logo : "Não, não aceito." Disse ele : "Nem eu. E vou agora conVersar com os chefes militares. Isto não fica assim."

o senhor conheceu Benjamin Var8as?

Muito. Não tinha qualidade alguma; atrapalhou muito a vida do Getúlio. Ninguém

1 Em 30 de janeiro de 1 945, Adolf Berle

Jr. substituiu Jefferson Caffery como

embaixador americano. Em 29 de

setembro, discursando em almoço

oferecido pelo Sindicato dos Jornal istas

Profissionais no Hotel Quitandinha, em

Petrópolis (RJ), o novo embaixador

declarou que os Estados Unidos

acompanhavam com muito interesse as

medidas para a redemocratização do

Brasil e reivindicou l iberdade de

imprensa, anistia, livre organização dos

partidos politicas e, principalmente, a

"solene promessa de eleições livres': O

d iscurso causou grande mal-estar no

governo brasi leiro.

2 A lei antitruste ou lei Malaia foi

criada pelo ministro Agamenon

Magalhães em 21 de junho de 1 945,

atraves de decreto-lei: criava a Cade

(Comissão Administrativa de Defesa

Econõmica) e delegava poderes ao

governo para expropriar qualquer

empresa vinculada a trustes e carieis,

cujos negócios fossem considerados

lesivos ao interesse nacional.

Entretanto, tendo em vista a oposição

de setores l iberais e da Sociedade dos

Amigos da America, que a

consideraram ditatorial, a lei foi

revogada em 8 de novembro de 1 945.

Na página ao lado: no dia da posse de

Edmundo de Macedo Soares e Silva (3')

como governador do estado do Rio de

Janeiro, no Palácio do Ingá. Niteról,

vendo-se Edilberto Ribeiro de Castro

( 1 "1. Ivair Nogueira Itagiba (2 1. Jose

Eduardo de Macedo Soares (4') e o

prefeito de Niterói, Brandão Jr., em 24

de fevereiro de 1 947 (CPODC/Arquivo

Edmundo de Macedo Soares)

1 .1 1

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3 Em 2 de dezembro de 1 945 houve

eleições para a presidência da

República, a Câmara dos Deputados e o

Senado Federal.

4 O registro do Partido Comun ista foi

cancelado pelo TSE em 10 de maio de

1 947; os mandatos dos parlamentares

comun istas em todo o pais foram

cassados pela Câmara dos Deputados

em 7 de janeiro de 1 948.

5 O general Eu rico Gaspar Outra foi

eleito presidente da República com

54% dos votos. Eduardo Gomes obteve

34%%, ledo Fiúza 1 0%, e Mário Rolim

Teles, do Partido Agrário Nacional,

0,38% dos votos.

1 1 2

U M C O N S T R U T O R 0 0 N o s s o T E M P O

sabe como ele aceitava aquele irmão. O Getúlio era um homem inteligente, mas ali errou muito , talvez porque quisesse ficar no governo.

Com a deposição de Getúlio, em 29 de outubro de 1 945, assume o governo o presidente

do Supremo Tribunal Federal,José Unhares.

Um desastre . Era o quarto na linha de sucessão, e só assumiu porque não havia nem Câmara nem Senado. Não fez nada, absolutamente nada ! Era um j urista, não um governante. Mas pelo menos as eleições correram tranqüilas. 3

o senhor votou no general Dutra?

Votei sem hesitar. Gostava muito do Eduardo Gomes, mas não acreditava que ele estivesse à altura daquele posto. Muito bom caráter, mas um sonhador, não tinha o menor jeito para a politica . Eu acreditava muito mais no Outra, homem mais firme, de caráter igual ao do Eduardo, mas com muito mais apoio nas Forças Armadas ; o Eduardo só tinha o apoio da Aeronáutica . Não conheci ninguém a favor do Eduardo no Exército. Curiosa foi a candidatura do ledo Fiúza pelo Partido Comunista . Eu me dava muito com ele - tinha sido prefeito de Petrópolis - mas disse logo : "Fiúza , é absolutamente impossíve l . O Brasil luta contra o comunismo; como é que você quer ser candidato à presidência da República pelo Partido Comunista? ! Vai perder." E perdeu .

Mas o peB conseguiu jazer uma boa bancada nessas eleições.

Fez. Na Câmara elegeu cerca de 1 4 deputados e elegeu o Prestes como senador. Agora , nas eleições de 47 para governador e para as Assembléias Legislativas o Partido elegeu muita gente; só no estado do Rio foram 1 6 deputados estaduais, que eu agüentei como governador. Por pouco tempo, é verdade, porque logo depois o Partido Comunista foi cassado.4 O curioso é que eles eram comunistas, mas quando havia uma recepção no palácio, compareciam , formavam um grupinho, não falavam com ninguém e comiam muito; fartavam-se do que havia de melhor. Eu, então, dizia : "Se comunismo é isso, quero ser comunista."

Getúlio ficou magoado com Dutra no episódio de sua deposição?

Ficou, mas acabou apoiando sua candidatura . Outra era um homem de moral inatacável ; a própria d. Santinha, sua mulher, a quem quiseram acusar, era uma pessoa absolutamente correta.

A vitória do general Dutra foi bastante jolgada, não é? 5

Foi . A grande surpresa para mim foi minha escolha para ministro, porque eu tinha a impressão de que o Outra não gostava de mim . Ele me tratava muito secamente; aliás, era um homem muito seco. E diziam que não gostava das pessoas que tinham nomes de famílias conhecidas.

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M f R G U I H O N A V I D A P O L I T I C A

Um dia, eu estava em Santa Catarina e passei por Florianópolis. O dr. Nereu Ramos, a quem eu via sem pré - inclusive, ele representou o José Carlos como meu padrinho de casamento - me disse : "O que você está fazendo aqui? O presidente eleito está à sua espera no Rio." Eu respondi : "Isso é coisa da siderúrgica, ele vai me tirar da siderúrgica." Fui para o Rio, preocupado. Procurei o Outra, e ele me disse apenas o seguinte : "O senhor vai ser meu ministro da Viação e Obras Públicas." Eu tentei argumentar: "Mas , presidente, é um ministério muito complexo." Ele respondeu: "É por isso mesmo. O senhor vai cuidar dos transportes para os equipamentos de Volta Redonda, para a produção de Volta Redonda . É o senhor que deve ir para o lugar." Eu concordei : "Está bem, presidente. Vossa Excelência fará o que quiser." Eu era coronel , e muito general ficou aborrecido com a minha nomeação, mas o Outra agüentou firme. Fiquei muito satisfeito com o convite, pois era um ministério interessantíssimo ! E muito importante para a época . Quando ia despachar, eu perguntava ao meu chefe de gabinete: "Quantos centímetros de papel temos hoje para despachar?" Ele respondia : "Um metro e 20 ." Era um ministério enorme : abrangia Transportes, Comunicações, Correios e Telégrafos, Portos . . . Uma loucura !

6 Nereu Ramos ( 1 888-1 958) participou

da Revolução de 30, foi deputado em

1 934, governador e depois interventor

em Santa Catarina ( 1 935-45).

deputado federal (PSD-SC) em 1 946,

quando presidiu a comissão

constitucional. Vice-presidente da

Repúbl ica eleito pelo Congresso ( 1 947-

5 1 ), presidente da Câmara ( 1951 -52).

senador ( 1 955-58). presidente do

Senado, presidente da República ( 1955-

56), min istro da Justiça ( 1 956-57).

Morreu em desastre aéreo durante a

campanha eleitoral de 1958.

o pr�drntr Outra inaugura o

laminador dr trilhos r prrfis, rm Volta

Rrdonda, vrndo-sr Nrrru Ramos,

Edmundo dr Macrdo Soal'tS r Silva r

Raulino dr Olivrira (à rsqurrdal, em 1 2 dr outubro d r 1946. {CPOOC/Arquivo

Edmundo d� Macedo Soares}

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Almoço oferecido ao ministro da

Viação, Edmundo de Macedo Soares e

Silva (5'), vendo-se Francisco Galloti

( 1 '), Saturnino Braga (7') e Augusto do

Amaral Peixoto (9') (sentados da

esquerda para a direita), em 1946.

(CPODC/Arquivo Edmundo d� Macedo

Soares)

1 1 4 I

U M C O N S T R U T O R 00 N o s s o T E M P O

Como era o sistema de trabalho do presidente Dutra?

Ele era muito organizado, como o Getúlio. O Outra não despachava nada sem estudar. Eu lhe levava um papel , e e le dizia : "O senhor deixe aí ." Depois l ia, chamava as pessoas que queria consultar, pensava e só então assinava . Nas reuniões do ministério, era sempre um homem polido; seco, mas polido. As reuniões ministeriais eram freqüentes, de modo que um ministro sabia sempre o que todos os outros estavam fazendo. Aliás , quando fui governador do estado do Rio, eu reunia os meus secretários toda semana; às sextas-feiras tínhamos uma reunião conjunta. Depois eu ia viajar, e passava o fim de semana visitando municípios; voltava domingo à noite para iterói .

Quando Dutra o convidou, mencionou especificamente os transportes. O governo de

Getúlio não tinha tido grande preocupação com a construção de estr�das. Dutra

representou uma mudança significativa nesse aspecto?

Uma enorme mudança. Logo que assumi, determinei a criação de uma comissão para rever o plano geral de viação, e a partir daí iniciamos a construção de estradas. Começamos com a Rio-São Paulo, a Rodovia Presidente Outra, que está aí até hoje . Havia uma estrada de terra , construída no tempo do Epitácio Pessoa, passando por dentro de todas as cidades. Fizemos uma estrada um pouquinho mais longa, afastada dos centros urbanos, e deixamos espaço para uma terceira faixa; foi a primeira grande estrada do Brasil . A Rio-Bahia, também desse período, passa pelo interior, por Feira de Santana, e vai até Salvador. Agora , sobre o Getúlio, vou dizer o seguinte : ele não tinha uma sala de banhos decente na sua fazenda, era completamente rú tico, gaúcho mesmo. A "casinha" era lá fora , de madeira, era preciso sair da casa . Então, o pessoal do Rio Grande dizia: "Por isto é que ele gosta do Catete, porque lá ele tem tudo; em São Borja não tem ."

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M E R G U L H O N A V I D A P O L i T I C A

Durante o governo Dutra, têm início as encampações das estradas de ferro construídas

pelos ingleses no início do século.

o principal problema da encampação surgiu porque o Herbert Levy, deputado pela UON de São Paulo, ficou ao lado dos ingleses , de modo que o governo federal teve que pagar mais caro por sua causa . Mas consegillmos; a opinião pública era favorável à encampação, embora alguns jornais tenham feito campanha contra, certamente pagos pelos ingleses. O mais grave é que nesse meio-tempo a Estação da Luz, em São Paulo, pegou fogo, e toda a documentação dos ingleses foi queimada . Dizem que foram eles que botaram fogo, mas isso não evitou a encampação, embora tenha dificultado o processo. Acabamos ganhando.

Há quem argumente que as encampações eram dispensáveis, porque o prazo de concessão

estava terminando.

Mas os ingleses queriam novação - é a palavra que se emprega em direito - de contrato, e eu dizia ao presidente Outra: "O senhor se oponha, porque eles não oferecem nada; vamos manter a desapropriação." Eles não ofereciam coisa nenhuma! Eu já tinha experiência , desde o tempo da disputa da Itabira Iron, inclusive na parte jurídica ; conhecia bem os fatos e a situação dessas estradas de ferro. Uma das dificuldades advinha do fato de que a Coroa britânica possuía ações das estradas de ferro. Depois dessa encampação, nunca mais fui convidado à embaixada britânica, onde até então ia com freqüência . Nunca mais !

À frente do Ministério, o senhor erifrentou problemas com os portuários.

Ah, sim , tivemos uma greve muito séria . O salário mínimo estava congelado desde 1 94 3 , e os portuários queriam aumento. Precisamos mandar fuzileiros navais para Santos, para evitar que o porto fosse depredado. A mim coube negociar com os grevistas, e cheguei à conclusão de que os salários eram realmente muito baixos. Fui ao Outra e disse : "Presidente, esta gente está ganhando muito pouco. Não poderíamos conceder um aumento de 50%? Eles estão pedindo 75%, mas se propusermos 50%, talvez e les aceitem ." O Outra respondeu : "A negociação é com o senhor." Ou seja, deu-me autorização. Fui ao sindicato e disse : "Por 5 0% fechamos o acordo agora ." E eles : "Sessenta e cinco." Eu disse : "Cinqüenta e cinco, e nem mais um tostão." Fechamos o acordo, e acabou a greve.

Houve também uma grande campanha anticomunista, inclusive com demissão de

funcionários públicos.

É verdade, e até mesmo no meu Ministério houve demissões. Os próprios sujeitos facilitavam muito, porque iam aos jornais e faziam declarações, dizendo-se comunistas. Não promovi perseguições pessoais, mas não sei como se passaram as coisas nos outros ministérios. A realidade é que o Outra não tolerava o comunismo, não tolerava . Ele me dizia : "Para combater o comunismo, faço qualquer coisa." Havia muita infiltração

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7 Entrevista rea lizada em 5 de maio de

1 987.

8 O jogo foi proibido em todo o

território nacional pelo Decreto-lei n'

9.215, de 30 de abri l de 1 946.

1 1 6 I

U M C O N S T R U T O R D O N o s s o T E M P

comunista nos sindicatos, menos do que hoje , é verdade, mas havia . 7 Além disso, a própria situação da Guerra Fria repercutiu muito aqui no Brasil , e o país tinha que se alinhar a algum lado. Nos Estados Unidos estava começando uma grande campanha de repressão ao comunismo. Houve também a questão da Guerra da Coréia . E aqui , o rompimento diplomático do Brasil com a União Soviética , em outubro de 47 . Pessoalmente, fui a favor, mas como já era governador, não tive que tomar nenhuma atitude.

Por que o senhor foi a favor do rompimento?

Porque sempre fui anticomunista, embora hoje seja mais tolerante.

Os Estados Unidos pressionavam pelo alinhamento?

E les queriam que mandássemos uma força para a Coréia; poderíamos ter mandado soldados profissionais, mas não quiseram . O Congresso se opôs muito, e não foi ninguém; daí os Estados Unidos esfriarem conosco, pois até a Colômbia mandou um batalhão. Nós poderíamos ter mandado fuzileiros, soldados profissionais ; tínhamos uns 30 mil fuzileiros , o batalhão de guardas, a infantaria da Aeronáutica. Isto tudo devia dar uns 50 mil homens.

Tendo em vista a amplitude de assuntos abrangidos por seu Ministério, os problemas

também deviam ser muito grandes, principalmente na área sindical.

E eram, mas o ministro do Trabalho, o OtacÍlio Negrão de Lima, era muito fraco e pouco interferia na minha pasta; os meus assunt<;?s eu mesmo resolvia. Agora, tudo ficou pior por causa da gastação de dinheiro. O Brasil saiu da guerra com muito dinheiro, muitas divisas , mas foi tudo dilapidado com importações ; o ministro da Fazenda, Gastão Vidigal, autorizou importações maciças de bens de consumo, e isso torrou as nossas divisas . A solução teria sido a industrialização, mas o Outra tinha um pouco de receio, porque ela poderia provocar o aumento da inflação.

Como o senhor,favorável à industrialização e ocupando um ministério importante,

convivia com seus colegas nas reuniões ministeriais?

Não pude intervir. Quando fui ministro, fiz tudo para estimular a industrialização. Mas a queima de divisas era um fato ; nas reuniões do ministério saía muita discussão sobre isso. Mas a discussão mais dramática que enfrentei foi o problema do j ogo, logo no início do governo. O Outra decidiu fechar os cassinos, a pedido da d. Santinha, que era muito catól ica . Eu fui o único ministro a votar a favor do jogo e disse ao presidente : "Presidente, sou favorável porque, se proibirmos, não teremos mais nenhuma vantagem , e o jogo vai continuar, clandestino." Ele disse: "Ponho na cadeia ." Eu argumentei : "Vossa Excelência não vai poder controlar tudo isto." E foi o que aconteceu . Eu não jogo, não pego numa carta, não compro bilhete de loteria, nada. Entretanto achava que o jogo, socialmente, era importante. Mas fui derrotado. 8

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M E R G U L H O N A V I O A P O L I T I C A

Outra conversava com o senhor sobre uma eventual volta de Getúlio ao poder?

Quando se aproximava o fim de seu governo, o Outra passou a temer a candidatura do Getúlio, mas não tinha certeza. Getúlio foi o politico mais hábil que conheci até hoje; sabia envolver as pessoas, perdoava, fingia que esquecia , para se beneficiar politicamente. O candidato do Outra seria o Nereu Ramos, que era de primeira ordem, mas infelizmente era de Santa Catarina, um estado pequeno. Aliás, o ereu sempre enfrentou essa dificuldade: era um homem forte no PSD, o seu partido, mas de um estado fraco. Como eu, que fiz política no estado do Rio; se fosse mineiro ou paulista, teria sido presidente da República. Mas o estado do Rio, até hoje só deu Nilo Peçanha, e assim mesmo como vice-presidente; o Afonso Pena morreu , e ele assumiu a presidência .

Durante sua 8estão no Ministério da Viação, houve al8uns estudos em relação à Fábrica

Nacional de Motores, a FNM?

A Fábrica Nacional de Motores foi montada como uma empresa de economja mista, ou seja , o governo federal tinha 5 1 % das ações e o controle da companhia; as demais ações foram compradas por empresas e gente da iniciativa privada. Quem montou a F M foi o Antônio Guedes Muniz, irmão da Maria José, minha primeira mulher. Essa fábrica, pioneira no Brasil , foi implantada em 1 942 ; durante a guerra ela andou produzindo motores Wright, de avião de caça e treinamento, um motor americano mais atrasado. Quando a guerra terminou , isso tudo foi considerado obsoleto, e a FNM passou a fabricar caminhões , o famoso "Fenemê", apelido dado pelos nordestinos, e que pegou . Durante a minha passagem pelo Ministério da Viação, pedi alguns estudos , e no final concluí que a FNM não teria vida longa; assim , propus sua venda para a Alfa Romeo, com quem eu tinha contatos. Durante o segundo governo do Getúlio, a Alfa Romeo comprou a maioria das ações que estavam em poder de particulares e se tornou a principal sócia do governo. A partir do governo do Juscelino, começou a fabricar aqueles automóveis "JK". Em 68 , sua situação era muito ruim; eu era ministro do Costa e Silva e negociei a venda das ações do governo na FNM para a própria Alfa Romeo, que ficou, então, a única dona da fábrica. Por causa djsso, sofri urna campanha feroz; teve até CPI , onde depus duas vezes. O próprio Costa e Silva me disse, um dia : "Se você qujser ser presidente da República, vai ter que explicar por que vendeu a FNM ." Eu respondi : "Bom, então, quem vai explicar é você , porque aceitou a minha sugestão."

e que o senhor era acusado?

De uma porção de coisas , mas sobretudo de querer trazer capital estrangeiro para cá - queria mesmo. Mas diziam também que eu só protegia o capital estrangeiro, que estava desnacionalizando a economia brasileira, e contra isso me insurgi . Sabem quem me acusava? O Herbert Levy, justamente ele.

1 1 1

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En�rram�nto da Conkrencia

Int�ram�ricana, no Hot�1 Quitandinha,

�m Pdr6polis. �ndo-� Edmundo d�

Ma�o Soare; � Silva, Harry Truman,

pre;id�nt� dos Estados Unidos � Raul

�rnand� ministro do Ext�rior (da

esqu�rda para a di�ital, �m 2 d�

�t�mbro d� 1947. {CPDOC/Arquivo

Edmundo de Macedo Soan:s}

1 1 8

U M C O N S T R U T O R D O N o s s o T E M P O

Menos de um ano depois de ter assumido o Ministério, o senhor se demitiu para se

candidatar ao 8ovemo do estado do Rio. Qyem lhe su8eriu ser candidato?

O próprio Outra. Um dia ele me chamou: "Mandei fazer um inquérito no estado do Rio, e o senhor é bem aceito lá; então, vai ser governador." Eu ponderei : "Mas, presidente, primeiro é preciso ganhar a eleição." D isse ele, com inteira convicção : "O senhor vai ser eleito ; já sondamos os municípios, e o senhor tem maioria. Vai ter uma vitória muito bonita e vai poder prestar um grande serviço ao BrasiL" Eu ainda ponderei : "Mas presidente, tenho que terminar o que estou fazendo no Ministério." E ele : "Eu nomeio um general ." Nomeou um civi l , Clóvis Pestana, do Rio Grande do Sul . Muito bom .

Ao escolher seu nome, Dutra tomava uma atitude política contra Getúlio, pois Amaral

Peixoto era o presidente do partido no estado, não?

Ele nunca me disse isso, mas é bem possível . Agora, na minha sucessão, eu não me opus ao Ernâni , mas achava que ele deveria dar oportunidade a mais alguém . Eu cheguei a lhe dizer: "Abra mão do governo, não me substitua; dê chance a outro. Você poderá ser governador depois." Mas o Ernâni , muito político, quis ser. Quanto a mim , j amais seria candidato, se o Outra não me tivesse feito candidato; não sou político.

Durante o 8ovemo Dutra, quando o senhor já era 8ovemador do estado do Rio, o Brasil

recebeu a visita do presidente Truman, dos Estados Unidos.

Isso mesmo. Entre agosto e

setembro de 47 aconteceu

aqui a Conferência

Interamericana de

Manutenção da Paz e

Segurança Continental . Foi

quando se assinou o TIAR, o

Tratado Interamericano de

Assistência Recíproca, que

ficou conhecido como

Tratado do Rio de Janeiro.

Como as reuniões se

passavam no Hotel

Quitandinha, em Petrópolis,

fui o anfitrião do banquete de

encerramento, e o presidente

Harry Truman se sentou à

minha direita e fez um

discurso primoroso.

Nessa ocasião, conheci a Eva

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M E R G U L H O N A V I D A P O L i T I C A

Perón. Linda, mas sem-vergonha ! Era como naquela peça do élson Rodrigues,

"bonitinha mas ordinária". Agora , linda, linda! Metia-se onde não era chamada . Por

exemplo, nessa conferência, ela estava em visita privada ao Brasil , mas cismou que

queria ir para a mesa; o velho Raul Fernandes, ministro das Relações Exteriores ,

não deixou, dizendo : "De maneira alguma, ela não está em visita oficial ao Brasil .

E u não recebi comunicação, o senhor também não recebeu, de forma que ela fica

lá no plenário." Mandou arranjar um bom lugar para ela e colocou-a lá .

Era uma beleza de criatura. E muito vaidosa, pensava que todo mundo devia lhe

beijar os pés. Quando termi�ou a conferência, ela esperou a minha visita . O

embaixador argentino veio a mim, mas eu disse : "Não fui prevenido da vinda de

madame Perón; ela não está aqui oficialmente . Vou mandar-lhe umas flores , e é tudo

que posso fazer."

Vamos conversar um pouco sobre seu 8overno? O senhor foi eleito por uma coli8ação que

reunia os três maiores partidos: PSD, UDN e PTB.

E também o Partido Comunista . Fui eleito com 3 5 0 mil votos , e meu antagonista, Artur Lontra, teve 1 7 mi l ; fui eleito folgadamente .9 Houve municípios em que não tive um voto contra . Tinha acabado de construir Volta Redonda, não é? Depois é que veio o desespero, porque encontrei o estado com cem contos de réis de déficit . Apertei o cinto, criei novos impostos, e em dois anos o estado estava equilibrado.

• • .

Tendo sido eleito por uma coli8ação, o senhor a consultou para compor o secretariado?

A escolha era da exclusiva alçada do governador. Mas depois eu comunicava aos partidos; uns concordavam, outros não. Meu secretário de Fazenda foi o Val fredo Martins, funcionário antigo do estado, homem muito sério e que conservei o

9 Edmundo de Macedo Soares e Silva

foi eleito em 1 9.0 1 . 1 947. com 250.350

votos (89.2%); Artur Lontra Costa, da

Esquerda Democrática, obteve 9.136

votos (3,2%), e João Macedo Pereira

(PSP) . 1 .548 votos (0,5%).

Posse de Edmundo de Macedo Soares e

Silva como governador do estado do

Rio de Janeiro, na Assembleia

Legislativa, Nlteról. em 24 de fevereiro

de 1 947. (CPODC/ArqUlvo Edmundo de

Macedo Soares)

I 1 1 9

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Cerimônia na Assembléia Legislativa,

Niterói, vendo-se o governador

Ademar de Barros (SP), o deputado

Ernãm do Amaral Peixoto (2 l , o

governador Edmundo Macedo Soares e

Silva, Nereu Ramos (3 l e o presidente

da Assembléia, Nelson Pereira Rebel,

entre 1 947 e 1 951 . (CPDDC/Arquivo

Edmundo de Macedo Soares)

1 20

U M C O N S T R U T O R D O N r s � o T F M P C

tempo todo; o Ernâni confirmou que se tratava de um homem de primeira ordem . Na Viação e Obras Públicas, coloquei o Bento de Almeida, um engenheiro muito distinto que eu levei, sobretudo visando à construção de estradas. Edgar Teixeira Leite foi meu secretário de Agricultura; eu já o conhecia. Na Saúde, Vasco Barcelos, que escolhi mediante consultas, inclusive com o meu irmão Hélio, com o Ernâni e com o Teixeira Leite . Na Educação coloquei o Lima Coutinho, autor de gramáticas , professor de português. Homem excelente ! O secretário de Governo foi o Hélio Cruz, rapaz muito pobre, mas i l ibado, muito sério. Para a Segurança chamei o coronel Ol into Oenis , irmão do Odilio, que tinha sido meu colega de turma. Na pasta da Justiça tive dois secretários : primeiro o Leal J únior, homem muito bom, mas seu partido, o PSD, me criticou na Assembléia; ele deu uma entrevista apoiando o partido e não se exonerou . Então, eu lhe disse: "Dr. Leal , agradeço muito seus serviços , mas estou esperando seu pedido de exoneração." Ele hesitou um pouco, mas mandou. Para substituí-lo nomeei o Moacir Azevedo, homem do norte do estado, de Cambuci , que ficou até o fim . O presidente da Assembléia Legislativa era muÜo bom , Nélson Pereira Rebel ; bacharel , homem muito direito e que, apesar de ficar com a Assembléia e contra mim, sempre me distinguiu . O mais curioso é que, quando fez dez anos que eu saí do governo, ofereceram-me um almoço em Niterói , e toda a oposição compareceu ; disseram que eu tinha sido o melhor governador do estado. Eu me espantei : "Mas , então, por que vocês foram tão contra mim?" Responderam eles : "Política." É difícil governar sem ter o apoio da Assembléia .

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M f I IJ I ti (J V

Como foi seu relacionamento com o funcionalismo público?

Foi bom . Apenas, como era natural , o funcionalismo queria aumento, pois era mal pago. Mas de onde tirar este dinheiro? Tive que criar alguns novos impostos e, pouco a pouco, fui conseguindo aumentar. Outra coisa gue fiz : guando havia uma vaga, eu não preencrua, o gue os políticos não perdoavam, porgue gueriam a vaga . Mas durante dois anos, não preencru . A crise era gravíssima, e eu demorei dois anos para consertar tudo. Fiz ainda dois empréstimos: um em bancos particulares, de 30 mHhões de cruzeiros, e outro no Banco do Brasi l , de dez milhões. Os dez milhões eu empreguei na agricultura, que não tinha nada; comprei máquina e uma série de aparelhos . Fiz uma grande campanha para aumentar as áreas reservadas à agricultura no estado, contando com a ajuda inestimável do Edgar Teixeira Leite . Os 30 milhões empreguei na melhoria dos salários do funcionalismo. Quando saí , deixei o primeiro empréstimo pago e o segundo faltando duas prestações; e deixei 40 milhões em caixa.

Em seu discurso de posse, o senhor disse que ficaria conhecido como o governador que

terminou as obras do antecessor. Foram muitas?

Muitas. O Ernâni fez muitas coisas boas, mas deixou outras pela metade. Os governadores atuais abandonam as obras de seus antecessores e só tocam as próprias, mas eu terminei tudo. Houve continuidade das obras iniciadas, e tem que haver, senão o prejudicado é o povo do estado.

o presidente Dutra fez várias viagens ao estado. Isto resultava em prestígio político

para o senhor?

Sempre ajuda, não é? A principal visita do Outra foi a Campos, gue era, depois de Niterói , a maior cidade do estado. E vocês sabem como é o temperamento do campista: ele pensa gue o mundo inteiro está pensando em Campos. Campos é tão importante, que na Cruna, hoje, só se pensa em Campos.

Como o senhor lidou com a polícia

do estado do Rio?

ão aumentei seu efetivo, mas nomeei como comandante um major do Exército, da artilharia, filho de um oficial da polícia fluminense. O rapaz era

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10 O Ministério de Educação e Saúde

só foi transformado em Min istério de

Educação e Cultura em junho de 1 953,

no segundo governo Vargas; criou-se,

nessa ocasião, o Min istério da Saúde.

11 O Plano Salte era um conjunto de

medidas que visavam ao incentivo

diferenciado a certas áreas do governo,

através de projetos especiais;

contemplava Saúde, Alimentação,

Transporte e Educação.

GOV1:mador Milton Campos (MG].

gOV1:rnador Edmundo de Macedo

Soares e Silva (RJ] e Augusto do Amaral

�íxoto. presidente do Uoyd Brasileiro

(sentados, da esquerda para a di�ita].

em Angra dos Reis, 1 947. (CPOOC/Arquivo Edmundo de Macedo

500=)

1 22 I

U M C O N S T R U T O R D O N o s s o T E M P O

excelente, e a policia foi treinada , foi civilizada, e o que havia de ruim foi expurgado. Tivemos uma polícia relativamente pequena, mas muito boa. Enfrentei muitos problemas com os políticos locais , porque nomeação de delegado é muito importante para eles, Mas eu os desagradei , porque não nomeei os delegados que eles indicavam; eles indicavam gente que não prestava, e eu só nomeava gente que achava correta.

o senhor se antecipou ao governo federal, separando as Secretarias de Educação e de

Saúde. 10

Sim , e fiz muitas obras na Saúde, construí vários hospitais. O Antônio Pedro, em Niterói , j á tinha sido iniciado pelo Ernâni , mas só a parte de concreto estava pronta; terminei as obras. Fiz o Hospital Psiquiátrico de Jurujuba, recuperei a Escola de Enfermeiras, que também funcionava em Jurujuba - transformei numa instituição tão boa quanto a Escola Ana Néri , aqui do Rio, recrutando gente por concurso. Reformei também outro grande hospital , o Azevedo Lima, que estava muüo abandonado. Hospital não é só leito, são os laboratórios , a boa escolha do médicos e enfermeiros, a comida, a roupa de cama, enfim, muito mais. Construí também muitos postos de saúde e terminei os que o Ernâni tinha começado; não houve município que não tivesse pelo menos um posto. Como eu não sabia escolher médico, pedia à Santa Casa para escolher um que quisesse ir para o município. Mas acontecia muito de o médico aceitar, receber o dinheiro mas não ir ao posto. Tive que demitir muitos e exigir dos outros que comparecessem, pelo menos duas vezes por semana.

Durante o governo Dutra foi elaborado o Plano Salte, que tinha como um dos projetos o

saneamento da Baixada Fluminense, o combate à malária. 1 I

O governo federal me deu recursos para a campanha contra a malária, e a doença foi erradicada; era preciso encontrar os focos e matar o mosquito. A Baixada fica abaixo do nível do mar, e era um foco muito grande de malária e de doença de Chagas, mas foi quase toda aterrada. Mesmo assim , ainda existem alguns alagados.

o senhor levou a família para

Niterói?

É claro, morei no palácio do Ingá os quatro anos de governo. Quando foi interventor durante o Estado Novo, o Ernâni não tinha

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M E R G U L H O N A V I D A P O L I T I C A

organizado o palácio porque praticamente não morava lá, morava no Rio. Eu tive que organizar; fiz uma sala de visitas bem aconchegante e precisei mandar construir mais dois quartos porque, além da Alcina e dos meus filhos, minha sogra morava conosco. Quando os niteroienses viram o palácio cheio crianças, vieram agradecer : "Há muito tempo não víamos este palácio com a família do governador morando aqui."

Com a decadência da agricultura, a população mais pobre deixava o campo e vinha para

a periferia das cidades. No seu governo houve aumento de favelas em Niterói?

Não, porque eu não deixei ; a favela começava, e eu mandava a polícia destruir. No meu governo não se criou nenhuma favela no estado do Rio. Eu arranjava um local e dizia : "Aqui vocês podem construir." E les alegavam que os terrenos de marinha pertenciam à Marinha e que eu não tinha nada a ver com isso. Eu explicava, com a maior paciência, o que é um terreno de marinha e dizia : "Não, não pertencem à Marinha, mas à União, e mesmo que pertencessem, a Marinha não consentiria." Mas eles não queriam entender. Tentaram até construir uma favela ao longo da Rio-Petrópolis, e eu não permiti ; seria horrível .

A política do estado do Rio sempre teve fama de violenta, principalmente a Baixada

Fluminense, onde atuava, nessa época, Tenório Cavalcanti . O senhor teve problemas com

ele?

o Tenório era deputado estadual e pertencia à UDN, partido que me apoiou na eleição. A Assembléia resolveu me fazer oposição, mas o Tenório ficou do meu lado o tempo todo. Houve até um fato engraçado. Ele nos convidou, a mim e à A lcina, para padrinhos de casamento de uma filha . No dia, compareci com o automóvel nO 1 do estado, que servia ao governador. Quando saímos de sua casa para ir à igreja, procurei o meu carro, mas o Tenório o tinha apanhado para levar a filha para a igreja . Eu, então, tive que ir com a A lcina no carro dele .

Como era Tenório Cavalcanti? Criou-se uma lenda tão grande, que fica difícil separar a

ficção da realidade.

Bom, ele me jurava que nunca matou sem ter sido alvejado primeiro. Dizia : "Só atirei depois de alvejado." Só ele e Deus sabem onde está a verdade. Agora , sei que defendeu o meu governo o tempo todo. Quando estava presente na Assembléia, tudo funcionava rigorosamente bem, porque todo mundo morria de medo dele; quando ele não estava, era uma balbúrdia! Uma vez - eu estava indo para o interior, não me lembro se para Campos - o Tenório me esperou na estrada e entrou no meu carro, dizendo: "Hoje vão tentar me matar; quando chegarmos a tal município, vão atirar no seu carro." Eu ponderei : "Não atiram não, Tenório; eu estou armado, você está armado, e há dois seguranças aí atrás." Felizmente, não aconteceu nada. O clima era muito tenso, um horror. Eu viajava só com o motorista e um segurança; às vezes levava alguém do governo, porque todo fim de semana eu

1 23

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Feliciano Sodré governou o estado

do Rio entre 1 923 e 1 927.

l ove'nador tdmL dO e Macedo

So es e S, va e pOI ' cos flum nens s,

em Caxias, em frente a c.s do

deputado Trnorlo Cava lcan', (de

Ó u os e blgoueJ, e' re 1947 e 195

(CPODe/Arqulvo Edmundo de Macedo

Soares)

1 24

U M C O N T R U T O R Il " N () T [ M P o

percorria os municípios. Cheguei à conclusão de que só um outro governador fez o que eu fiz: o Feliciano Sodré , meu parente, muitos anos antes. 1 2 Eu visitei todos os distritos, todos; o Ernâni não, alguns ele achou que não valia a pena. O estado do Rio era dividido em regiões dominadas por grupos políticos. O Tenório, por exemplo, disputava yjolentamente a liderança na Baixada com o Getúlio de Moura , de Nova Iguaçu , que era do PSD. O Getúlio foi muito meu amigo, mas eu não nomeei um candidato seu, porque ele me indicou uma pessoa que não possuía os requisitos mínimos. Aí ele ficou contra mim e disse que se eu fosse a Nova 19uaçu seria liquidado. O que foi que eu fiz? Na semana seguinte , fui ao município; eu também gostava de uma briguinha. E quem é que encontrei lá? O Tenório, com todos os seus auxiliares, seus bandidos, para me dar segurança; o Getúlio fugiu da cidade.

or que o senhor não quis nomear o indicado de Getúlio Moura?

Porque não prestava. Quando indicavam um homem qualificado, eu nomeava, mas só indicavam gente ordinária, que não era possível nomear. O próprio Ernâni indicou um bêbado para o Arquivo do Estado; eu pensei : "Vai tocar fogo no arquivo." Governar o estado do Rio foi o cargo mais difícil que exerci . No governo, não tive apoio dos partidos. Eu sabia que quando saísse, não me elegeria nem vereador, mas não me curvei a fazer o que eles queriam : nomear gente, me controlar, tomar conta de todo o governo. Cada um dos três partidos da aliança - o PSD, a UDN, o PTB - queria me conquistar. O pior é ser eleito por muitos partidos; sendo eleito por um só, a gente fica com ele e vai com ele; mas por muitos é difícil governar.

MI1Iaral Peixoto cifirma que o senhor foi muito pressionado por seu primo José Eduardo.

Fui , mas não fiz o que ele queria. Engana-se quem supõe que o José Eduardo

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M E R U L H N A V I D A P O L I ----- ----- --�-

mandou em mim. De maneira alguma! Nem ele nem o José Carlos. Se houve coisa errada no meu governo, o responsável sou eu, porque fiz o que quis, o que achei certo.

Em 1 947 seu irmão Hélio foi eleito deputado. Qye posição ele tomou, nessas divergências

entre o senhor e os políticos do estado?

Ficou com o Ernâni , contra mim. Ele era politico ; veio a mim e disse : "Não posso ficar com você , porque sou partidário." Eu disse : "Não se incomode, siga a sua orientação." Mas isso não interferiu na nossa relação pessoal , pois ele era meu irmão, e eu nunca tive comportamento político. O Ernâni tem razão, quando diz que eu não sou político ; não sou, não no sentido de usar a política em meu próprio proveito. Na política, ou a gente dá os cargos para os vereadores , deputados e senadores, ou a gente não é votado - e eu não dava. Por exemplo, se nomeio um homem escolhido por mim como ministro do Tribunal de Contas ou do Tribunal de Justiça do estado, se não aceito a indicação do deputado ou do senador, eles ficam contra mim. Acontece que eles, geralmente, apontam alguém que não tem mérito, e eu não aceitei isto. Como resultado, tive tribunais excelentes; até hoje, recebo telegramas e cartões por ocasião do Natal . Isso não quer dizer que eu não aceitasse indicações dos políticos , nem que não tenha nomeado homens bons indicados por eles; mas mandava verificar. Quando eu recusava, expunha os motivos a quem indicou . Ele me diziam : "Sendo assim, vou votar contra o senhor na Assembléia." Eu respondia: "Paciência. Saio do estado do Rio, não continuo na política, mas quero sair daqui limpo." No final do governo recebi um telefonema do Artur Bernardes; fiquei surpreso, porque ele sabia que eu tinha participado do movimento de 2 2 , contra a sua posse . Muito formal , apresentando-se como "presidente Bernardes" e não como ex­presidente, manifestou a vontade de me visitar; marcamos encontro num apartamento que eu mantinha no Leme. E xatamente na hora combinada, quatro da tarde, o Bernardes chegou, e de fraque ! Disse que não me incomodaria por mais de 1 5 �inutos, mas ficou uma hora . O motivo da visita era me convencer a fazer carreira na política. Respondi-lhe que tinha de terminar o governo do estado do Rio 'e que já tinha sido convidado para construir outra usina . Mas ele queria me eleger senador. Pedi um tempo para pensar, e uma semana depois, estava ele de volta. Desculpei-me, mas recusei o convite. Esse episódio revela uma face muito curiosa dos politicos : a maioria não guarda rancor.

senhor terminou seu governo rompido com praticamente toda a Assembléia Legislativa.

Sim , porque além de todos aqueles problemas - os políticos querendo me aprisionar, as nomeações que não fiz - a Assembléia me fez um desrespeito muito grande. Em vez de mandar o secretário de Governo, todos os anos eu comparecia pessoalmente para ler a Mensagem do Executivo, como forma de prestar uma homenagem ao Legislativo. No último ano do governo, a Assembléia me fazia

1 2 5

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Edmundo d� Macedo Soa� � Silva

discursa �m apoio à candidatura do

d�putado Prado �lIy. ao gov�mo do

�do do Rio d� Jan�iro. �m 18 d�

junho d� 1950. (CPDOC/Arquivo

Edmundo de Macedo Soares)

1 26

U M C O N S T R U T O R D O N o s s o T E M P O

oposição cerrada . Fui ler a mensagem, como fiz todos os anos anteriores; na hora não notei mas, à exceção do Tenório, ninguém se levantou. Só quando saí é que reparei nisso. Fui para as escadarias do palácio do governo e comecei a fazer um discurso; o povo se aglomerou , e eu fiz um discurso violento, mostrando a falta de educação dos deputados. Um discurso violentíssimo! Na Assembléia, os deputados rebateram, mas se excederam, porque falaram palavrões , e eu não tinha dito nenhum. Mas assim era a politica da época .

Qual foi sua atitude diante da candidatura de Amaral Peixoto à sua sucessão, em 1 950?

Não fui contra, também não fui a favor. O presidente Outra era muito contra a candidatura do Ernâni , porque temia a volta do Getúlio e, se o Ernâni ganhasse a eleição no estado do Rio, isso contribuiria para fortalecer o Getúlio.

Mas foi o senhor que convenceu o deputado Prado Kel1y, da UDN, a erifrentar Amaral

Peixoto.

Eu me dava com o Prado Kelly e o achava muito bom, achava que podia combater o Ernâni . Mas o Kelly não correspondeu e chegou até a faltar a alguns cOrnlcios; quem fazia o discurso era eu. Aliás, ele era um grande orador, mas fez alguns discursos muito fracos. Corri o estado todo durante a sua campanha, mas ele realmente não correspondeu .

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M E R G U L H O N A V I O A P O L i T I C A

É verdade que o senhor foi ameaçado de morte quando estava para deixar ° 8overno?

É , mas nunca soube por quem . Recebi cartas anônimas, e o meu gabinete recebeu telefonemas; sempre me pareceu uma fantasia, porque eu era benquisto no estado. E não acredüo que o Ernâni , tão pacífico, fosse capaz de uma coisa dessas. Mantivemos conversas políticas , porém nunca tivemos discussão; naturalmente, ele queria ficar com os cargos todos, e eu objetava: "Esse homem não serve, Ernâni , indique um que sirva." Mas, politicamente, o que me servia não servia a ele .

Apesar de rompido com Amaral Peixoto, o senhor lhe passou o 8overno?

Passei . Eu o recebi no palácio, porque ficou combinado que não haveria discurso. Recebi o Ernâni muito bem, mandei servir café e disse apenas : "Governador, tenho a honra de lhe passar o governo. Muitas felicidades, desejo-lhe uma boa gestão." Despedi-me, e ele mandou me levar à porta. Fiz questão de sair do palácio sozinho. A guarda formou, o tenente me prestou continência, e eu saí a pé ; fui para Icaraí e tomei a lancha de um cunhado meu, que me levou ao Iate Clube do Rio. Foi isso.

Em outubro de 1 962, o senhor voltou a ser candidato ao 8overno do estado do Rio.

Por quê?

Eu estava em São Paulo, como vice-presidente da Mercedes Benz . Morei alguns anos lá, foi quando comecei a lecionar na Politécnica de São Paulo. Três meses antes da eleição, fui procurado por gente do Partido Socialista Brasileiro me propondo a candidatura. Eu disse : "É muito tarde; não vou mais conseguir os votos, porque todo mundo já está engajado. Além disso, são muitos candidatos." Era o Tenório, era o Badger da Silveira . . . Candidatei-me, percorri o estado, e as pessoas diziam : "Se o senhor for candidato à presidência da República, todos os nossos votos serão seus, mas para governador já estamos engajados." Eu respondia : "Então, esqueçam, não faz mal , eu perco esta eleição." O que me conforta é que não fui eu quem tomou a iniciativa da candidatura, foi esse pessoal do Partido Socialista . Agora, quem me fez aceitar foi o Prado Kelly, que veio a mim e disse : "Tenho certeza de que o senhor vai ser eleito." Eu disse : "Olhe, dr. Kelly, não acredito, é muito tarde." Ele insistiu : "Não, eu já me informei , aceite." Mas eu sabia que seria uma experiência ruim, e foi .

I 1 27

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- LI 1Yl

Em janeiro de 1 95 1 , depois de deixar o 8overno do estado do Rio, o senhor voltou para o

Exército?

Em termos , porque fui transferido para o corpo permanente da Escola Superior de Guerra . Ao sair do governo, eu me apresentei ao Ministério da Guerra, pedi férias e eles me negaram . Aí pedi licença para ir a Santa Catarina visitar minha família, e concederam . Quando voltei, o pessoal do Ministério me disse : "O senhor vai para a ESG, porque esteve muito tempo fora do Exército ; j á é paisano."

A Escola Superior de Guerra era, desde sua fundação, um nicho anti8etulista. Como o

senhor foi recebido?

Muito bem . Eles caçoavam muito de mim, porque sabiam que eu era getulista e continuava fie l . Discutia-se muita política na ESG, não nas conferências, mas nas reuniões do quadro permanente ; no entanto, as discussões sempre foram cordiais. Havia lá dentro muitos oficiais que temiam ser perseguidos com a volta do Getúlio, mas não houve nada disso. O Getúlio não era de perseguir gente que pensava diferente dele.

senhor participou da ESG desde seus primórdios. Como sur8iu a idéia de uma

instituição daquele 8ênero?

A história da ESG tem origem na Grã-Bretanha, que organizou uma escola para preparar os seus funcionários para servir nas colônias - o Colonial Service - e acredito que eles preparavam também os homens do lntelligence Service que iam para lá. Mais tarde, muitos oficiais começaram a passar por essa escola para fazer um curso sobre a presença inglesa nas colônias. Durante a guerra, a Inglaterra aconselhou os Estados Unidos a fazerem uma coisa análoga para preparar oficiais de unl certo tipo que conhecessem bem as relações entre os Estados Unidos e os outros países , ou seja, a conjuntura americana e a conjuntura mundial . Os Estados Unidos, por sua vez, aconselharam o Brasil a implantar essa escola. Essa é a origem da Escola Superior de Guerra, que se inspirou no War College americano. O César Obino era chefe do EMFA e encarregou o Cordeiro de Farias da tarefa . Decidiu-se que a ESG deveria ficar subordinada ao Estado-Maior das Forças Armadas , organismo encarregado do aperfeiçoamento do oficiais : Escola de

Na página ao lado: telegrama do

goverrJdOr Juscrli. o Kubl'Screk (MG)

� Edmundo de M�cedo Soares e Silva,

presidente da ACr5lta. marcando VISI a

a empresa e a Coronel Fabnclano, Belo

Horizonte. em 4 de Junho de 1 953.

(CPOOC/ArqUlvo Edmundo de Macedo

Soares!

1 29

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Na ESG, engenheiro Fábio de Macedo

Soares Guimarães, coronel Edmundo de

Macedo Soares e Silva, coronel Delso

Mendes da Fonseca, em 1 951 . (Coleção

particular Alcino Fonseca de Macedo

Soares e Silvo)

1 30

U M C O N S T R U T O R D O N o s s o T E M P O

Estado-Maior, Escola de Aperfeiçoamento, tudo isto é subordinado ao EMFA, Entrei na ESG assim que saí do governo ; lá eles me disseram : "Você j á sabe muito para ser aluno, por isso, vai ser também do corpo permanente," Fuj para a Seção de Assuntos Nacionais , cujo chefe era o coronel Delso Mendes da Fonseca, pequerrininho, muito inteügente, E lá eu fazia conferências sobre o Brasi l , sobre metalurgia; devo ter feito umas 20 ou 30 conferências, Para ajudar na implantação da Escola, em 1 949 , vieram três oficiais americanos - o pessoal da ESG não gosta que se conte isso, mas é verdade, O coronel do Exército A lvord von Patten Anderson Jurnor, um canadense naturalizado americano, permaneceu no Brasil . Os outros dois - Lowe H . Bibby e Wilüam J. Werber -foram substituídos. Quando cheguei à Escola em 1 95 1 , encontrei o Anderson, o contra-alrnjrante Charles Warren Wilkins e o coronel-aviador Andrews Thomas McCann . A escola brasileira saiu um pouco diferente do War College americano, atendendo às nossas peculiaridades. O curioso é que o Brasil teve essa escola muito antes de quase todos os países europeus; a Argentina e outros países sul-americanos vieram abeberar-se aqui para implantar as suas. A filosofia da Escola Superior de Guerra nasceu após a Segunda Guerra Mundial , quando se percebeu que a segurança do país extrapolava o combate no campo de batalha. Essas idéias chegaram aqui através da experiência brasileira na guerra; os americanos tinham fornecido todo armamento e toda a doutrina para a FEB, e por isso nos aconselharam também depois que a guerra acabou.

Quais eram os objetivos da ESC?

Primeiro, estudar o Brasil dentro da conjuntura mundial ; segundo, identificar os objetivos nacionais permanentes : qual o conceito estratégico do Brasil ? A estratégia não é apenas uma arte rnjütar, é também uma arte política . Além de identificar os objetivos do país , era preciso saber a estratégia que deveria utilizar para alcançá­los. Todo ano a Escola renova esse princípio; a nova definição é elaborada pelos

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U M G E N E R A L E M P R E S A R I O

alunos , instrutores e estados-maiores das três Forças Armadas ; o estudo é muito interessante. Antes da ESG, entendia-se segurança nacional como a defesa da pátria contra o inimigo externo; a partir dela a Doutrina de Segurança acional passou a tratar dos inimigos externos e internos, aqueles que ameaçam a consecução dos objetivos permanentes do país. No início, os assuntos estudados eram divididos entre temas militares, nacionais e internacionais .

o senhor se lembra dos pioneiros da ESC?

Além do Cordeiro de Farias, que fundou a Escola e que ainda encontrei lá, quando cheguei , havia muita gente interessante. O almirante Benjamim Sodré era um dos assessores imediatos; era homem do escotismo, como tinha sido o José Carlos, que foi chefe do escotismo no Brasil . O Benjamim era inteiramente dedicado ao Brasil ; tinha sido meia-esquerda do Botafogo e jogava bem . Tinha uma saúde de ferro, inteligência boa e um caráter excelente ; foi um grande representante da Marinha na Escola. O assessor da Aeronáutica era o brigadeiro Ismar Brasil , também de boa moral; talvez soubesse um pouco mais do que o Benjamim. Ele era irmão da mulher do Gustavo Cordeiro de Farias e meu vizinho, na rua Fonte da Saudade; foi um grande amigo. Outros membros eram o general Sadi Folch , o coronel Afonso Miranda Correia, o João Bina Machado. Um homem muito interessante era o Jurandir Mamede, que foi , inclusive, cotado para a presidência da República .

Como era a estrutura da Escola?

Havia o comando e o corpo permanente, dividido em dois departamentos: Estudos - a que eu pertencia - e Administração. O Departamento de Estudos compreendia várias Divisões , encarregadas de assuntos e pecíficos : mil itares, nacionais e internacionais - eu estava nos assuntos nacionais , junto com o DeI o e o meu primo Fábio, engenheiro civi l . Mais tarde, em 54, as Divisões básicas passaram a ser: assuntos políticos , econômicos, militares e psicossociais . Cada membro do corpo permanente recebia a missão de fazer um certo número de

Edmundo de Macedo Soares e Silva em

almoço na ESG, vendo-se ao fundo o

general Cordeiro de Farias, em 1951

(Coleção particular Alcino Fonseca de

Macedo Soares e Silva)

I 1 3 1

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1 32 I

U M C O N S T R U T O R D O N o s s o T E M P O

conferências e de intervir nas conferências dos outros. O ritmo de trabalho era acelerado; para o corpo permanente, dez horas por dia. Chegávamos cedo e saíamos realmente tarde ; passávamos o dia todo lá . Além de organizar o funcionamento, os debates, tínhamos ainda o trabalho burocrático.

Fazia parte do corpo permanente o tenente-coronel Henrique Geisel?

Correto, muito meu amigo. Quem o levava para a Escola era eu; passava pela ca a dele em Botafogo e o levava comigo. Os irmãos mais conhecidos são o Ernesto, que chegou a presidente, e o Orlando, que foi ministro da Guerra. O Henrique era o terceiro irmão, um pouco mais velho do que eu. Muito bom oficial - era da infantaria; morreu cedo.

o pessoal de fora que ia fazer estágio também passava o dia todo Já?

Passava. E eles ainda levavam coisas para casa. Havia três tipos de trabalho: a conferências do corpo permanente, três por dia; os trabalhos de grupo visando ao estudo de assuntos específicos, e havia ainda o trabalho de turma. Dava-se um tema, a turma se reunia e distribuía o trabalho; cada um fazia um capítulo. A adaptação dos alunos a esses trabalhos de grupo tem sido muito boa, até hoje . No meu tempo, as turmas eram de 30 alunos, hoje chegam a quase 200; e são de um nível muito alto. O curioso é que o número de mulheres aumenta a cada ano, e elas são terríveis ! Na realidade, quem cursava a ESG era chamado de estagiário. Mas eu fui professor durante muitos anos e, para um professor, quem aprende é sempre aluno.

o senhor entrou para a Escola no ano em que Getúlio voltou à presidência da República,

sob forte oposição de uma siBnificativa parcela das Forças Armadas. Como o debate

político é proibido dentro dos quartéis, as discussões se travavam dentro da ESG?

Ali também não se discutia política, pelo menos não com os alunos . O local apropriado sempre foi o Clube Militar; ali o debate era duro. Eu mesmo assisti a várias reuniões duríssimas contra o Getúlio. E como gostava muito dele, eu o defendia nessa época, aceitando que ele acabaria saindo, mas procurava defender o que já tinha feito. O Getúlio da primeira fase, até 1 945 , foi excelente, mas quando voltou, foi péssimo; estava completamente fora da realidade brasileira. Nessa ocasião, ele quis até me fazer presidente da República, mas não tinha mais força, já estava totalmente enfraquecido.

o senhor acompanhou a passaBem do comando da ESG, de Cordeiro de Farias para

juarez Távora? A orientação da Escola também mudou inteiramente, não?

Eu estava na ESG. O currículo muda praticamente todos os anos, de acordo com a conjuntura mundial , mas quem determina a mudança não é o comandante, que apenas aprova; é o diretor de Estudos com o seu corpo permanente. Durante o ano de 5 1 o corpo permanente elaborou uma série de estudos sobre estratégia e sobre a Doutrina de Segurança Nacional e decidiu promover algumas mudanças. O

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Cordeiro de Farias não estava concordando muito, mas acabou aceitando, já que era exigência do corpo permanente, gue queria uma concentração maior dos estudos no problema da segurança nacional .

Quando o senhor vai para a Escola o coronel Golberi do Couto e Silva já estava lá?

Estava, foi do meu tempo. Muito estudioso, foi aí que ele começou a se notabilizar, começou a estudar muito e se tornou famoso por seus conhecimentos. Ele falava melhor do que escrevia; seus livros são pesados de ler. Acho que era como Euclides da Cunha. Já viu um original do Euclides? Já tive um em mãos ; ele escrevia , depois ia a um dicionário de sinônimos, suponho eu, e substituía palavras por outras mais difíceis. Creio gue o Golberi fazia a mesma coisa . Mas era um homem inteligente, sério e produziu muito na Escola; a idéia de criar o SNI partiu dele .

No mesmo ano em que foi para a ESG, o senhor foi convidado para diri8ir a

reor8anização da Companhia de Aços Especiais habira, a Acesita.

Foi isso mesmo. E em abril de 52 o Getúlio me promoveu a general-de-brigada; passei para a reserva e assumi oficialmente a Acesita. Um dia, o Ciro do Espírito Santo Cardoso, filho do velho general Espírito Santo Cardoso, me chamou e disse : "Macedo, você será general muito em breve. Quer voltar para a tropa?" Respondi : "Eu não escolho, é o governo gue escolhe . Farei o que o governo quiser." O governo federal preferiu gue eu continuasse onde estava . Fui promovido a general­de-brigada; na reserva , fui a general -de-divisão ; se tivesse falado pessoalmente com o Getúlio, ele teria me promovido a general-de-exército. Se tivesse ficado mais um tempo na ativa, eu teria chegado a marechal .

Qual é a ori8em da Acesita?

A empresa tinha sido montada com financiamento do Banco do Brasi l , pelo Farquhar e um grupo de empresários mineiros, gente muito rica; o banco entrou com 70% do dinheiro, e os particulares com 30%. Volta Redonda ainda não tinha entrado em funcionamento, e eles gueriam provar que ela estava errada em sua concepção. A meu ver, o Farguhar não tinha nenhuma intenção de fazer usina , mas apenas de exportar minério. Sei gue começaram a construir essa usina em Minas, num distrito de Coronel Fabriciano; fizeram uma coisa muito peguenininha, de forma que, no final de 5 1 , fui chamado para corrigir as coisas e fiquei lá até 56 -

inclusive, em 54 voltei para a usina de Volta Redonda, como já contei a vocês, e figuei acumulando com a Acesita. Transformei completamente a empresa .

Consta que quando a Acesita entrou em crise, seus diri8entes procuraram o presidente

Getúlio Var8as, que os aconselhou a procurar o senhor para dar um parecer sobre a

situação.

Exatamente ; ainda tenho o relatório que fiz na ocasião. Fui à Alemanha e à Itália, às minhas custas, para ter contato com meus antigos professores e alunos e saber como deveria fazer uma usina de produtos especiais. A Acesita estava em crise,

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Edmundo de Macedo Soares e Si lva,

presidente da Acesita, d iscursando, e o

governador de M inas Gerais, Juscel ino

Kubitschek (sentado â di reita), em 8elo

Horizonte, em 13 de agosto de 1 953.

(CPODC/Arquivo Edmundo de Macedo

Soares)

1 34

U M C O N S T R U T O R D O N o s s o T E M P O

porque eles não tinham formação profissional suficiente para cuidar daquele tipo de usina; fizeram um projeto acanhado, visando fabricar apenas vergalhões . Tive que refazer tudo. Coloquei um trem desbastador de 90 centimetros de largura para fazer chapas já largas - chapas especiais de aços ao carbono, manganês e silício para motores elétricos , tecnologia que comprei numa pequena fábrica alemã. Não havia laminadores para as chapas; comprei na Matarazzo três gaiolas de laminadores e montei em tandem , quer dizer, uma depois da outra. E laminava à mão; para isso, fui à Itália , além da A lemanha, e trouxe um grupo de italianos e três alemães. Com estes homens consegui colocar toda a parte de aços especiais da usina em funcionamento. Comprei um forno elétrico de dez toneladas e um laminador para vergalhões muito melhor do que eles tinham . Então, fazíamos vergalhões de aços especiais , chapas para motores, e isto deu um enorme aumento de receita. Quis fazer aços inoxidáveis, mas os americanos me recusaram a tecnologia, dizendo que no Brasil não havia mercado; o que eles temiam é que a Acesita fosse exportadora, fizesse concorrência a eles, como está fazendo hoje .

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Pelo que está nos contando, a crise da empresa tinha razões mais administrativas do que

financeiras, porque o Banco do Brasil estava mantendo o financiamento.

Sim , o banco estava mantendo o compromisso assumido. Na empresa havia um diretor financeiro chamado Ventura, que tinha sido chefe de seção no Banco do Brasil , muito bom; com ele consegui refazer a usina. Criamos uma escola profissional , um ginásio que, aliás, tem o meu nome, um colégio para meninas. É

interessante porque, em todos os lugares onde estive fiz as seguintes coisas : uma igreja, uma escola profissional e uma banda de música. Como bom oficial do Exército . . . Existem muito bons músicos por todo o país; eu comprava os instrumentos e dava a eles. Em Volta Redonda a banda existe até hoje .

o senhor presidiu a CSN entre 1 954 e 1 95 9, e a Acesita entre 1 952 e 1 956 . Portanto

durante anos o senhor acumulou as duas?

Acumulei . Apenas , na Acesita eu era chamado de superintendente geral, quer dizer, o construtor; foi a mesma coisa em Volta Redonda : primeiro fui diretor técnico, porque precisava construir, depois é que fui presidente . Esse período foi muito duro. Eu morava em dois lugares ; ia todos os meses à Acesita, onde passava pelo menos uma semana. Também passava as férias escolares dos meu filhos, que gostavam muito de lá . Tinha o rio Doce, nós Íamos pescar, fazer piquenique na floresta . Víamos os animais , macacos, pássaros, pacas. Eu construí tudo : a cidade, as escolas, o posto de saúde, as casas, tudo. Quando cheguei lá o equipamento estava completo, mas a usina vendia pouco ; tive que aumentar o trem de vergalhões e fazer o trem de chapas. Por volta de 1 95 5 a usina passou a funcionar com o equipamento que eu comprei .

Juscelino Kubitschek era o governador de Minas na época. Como foi seu relacionamento

com ele?

Muito bom. Ele me deu muito apoio, moral , é claro. Dinheiro, nada; mineiro não solta dinheiro facilmente.

Volta e meia Percival Farquhar cruza mais de perto com sua vida. Como o senhor se

relacionou com ele na Acesita?

Naquela altura, ele já estava perto dos 90 anos ; mesmo assim foi me visitar. Lembro que ele me tratou muito bem e disse : "O senhor preserve aquelas cachoeiras, porque no futuro iremos precisar delas." Achei isto muito interessante. Ele ainda viveu para receber uma boa indenização pela Acesita, foi indenizado pelo governo. Hoje a maioria das ações é do Banco do Brasil , mas há muitos acionistas particulares. I Atualmente a Acesita vende mais do que Volta Redonda, porque fabrica todos os aços especiais.

Depois da usina de Volta Redonda,foram construídas várias siderúrgicas, inclusive a

Mannesmann, inaugurada pelo próprio Getúlio. 2

Eu estava lá - sou presidente do Conselho de Administração da usina . 3 A história

1 Entrevista rea lizada em 20 de maio

de 1 987.

2A Mannesmann, situada em Minas

Gerais, foi inaugurada em 12 de agosto

de 1 954, na última viagem do

presidente Getúlio Vargas antes de seu

suicidio.

3 Entrevista rea lizada em 28 de maio

de 1 987.

I 1 35

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4A Assessoria Econômica da Presidência

da República, instalada durante o

segundo governo Vargas, era chefiada

por Rômulo de Almeida e contava com

os economistas Jesus Soares Pereira,

Cleanto de Paiva Leite, João Neiva de

Figueiredo, Inácio Rangel, Tomás

Pompeu de Acióli Borges, Otomi

Stranch, Mário da Silva Pinto e

Saldanha da Gama. Seus objetivos

básicos eram a formulação de uma

politica de energia e a realização de

um balanço da situação econômica do

país e do desempenho do governo

anterior.

Edmundo d� Ma�do Soa� � Silva

�nt� filipinos, �m Manila, �m 1956. (CPDOC/Arqu;vo Edmundo de Ma�o

Soa�s)

1 36 I

U M C O N S T R U T O R D O N o s s o T l M P O

da Mannesmann é a seguinte : o Getúlio encarregou o Rômulo de A lmeida, que chefiava a Assessoria Econômica , de estudar o projeto de construção de uma nova usina siderúrgica . 4 O Rômulo me chamou para opinar, a mim e ao Glycon de Paiva. Fizemos um estudo e fomos ao Juscelino, que era o governador. Como a companhia operaria com um forno elétrico, pedimos uma redução na tarifa de eletricidade ; o Juscelino prometeu tudo - e não deu nada. Mas ficou com a usina porque tinha muito ciúme de Volta Redonda, e o Getúlio, para agradá-lo, mandou construir a usina em Minas Gerais. Eu quis a Mannesmann e, junto com o G lycon de Paiva, ajudei a trazê- la para o Brasil - o atual presidente, Schmidt Hals, foi aluno de um professor alemão, de quem fiquei amigo quando estive na Alemanha para estudar o problema da Acesita . Os alemães vieram, e ainda deu tempo de o Getúlio inaugurar. O Juscelino tentou sensibilizar os bancos mineiros para subscreverem capital , mas isso não se concretizou; a maioria do capital veio mesmo dos alemães.

A partir de 1 954 o senhor começa a ficar conhecido internacionalmente. Enquanto

estava na Acesita foi enviado pela ONU à Venezuela. Para quê?

Para opinar sobre a construção de uma usina siderúrgica em Puerto Ordaz, no rio Orenoco; aciaria, só aciaria. Levei alguns estudos e fiquei lá um mês, em junho de 54. Dois anos depois fui à Argentina fazer seis palestras, tamb ' m a pedido da ONU, para preparar engenheiros latino-americanos para a siderurgia. O interessante é que uns 20 generais argentinos foram ouvi - Ias, e no fim veio um intendente e me pagou. Eu não contava com i to, não queria receber, mas ele disse : "Tenho que lhe pagar, é minha obrigação." E tive que aceitar, embora não fosse grande coisa. Ainda em 56 , opinei sobre a construção de uma usina nas Filipinas , na ilha de Mindanao. Essa viagem foi muito interessante. Fui daqui para Paris, para assistir ao

casamento da Ieda, minha filha mais velha, que se casava com um francês. Em Paris tomei um avião da Air France e desci em Mani la ; lá encontrei aqueles filipinos pequenininhos, que me olharam e falaram, em inglês: "Pensamos que o senhor fosse baixinho ! " Eu respondi : "Não, sou alto mesmo." Eu lhes disse o que era preciso fazer, escrevi um roteiro e as especificações , como eles deviam pedir material . E les disseram : "Precisamos de um empréstimo e vamos pedir ao Japão." Desaconselhei : "O Japão não vai dar, porque não tem um Export and Import Bank . O único país que vai

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emprestar dinheiro para equipamento são os Estados Unidos." E les recusaram : Em 1 959 a Venezuela era governada

por Rómulo Betancourt ( 1904-81 ). "Mas nós somos contra os Estados Unidos." Aí eu quis encerrar a conversa : "Então, não tem dinheiro; ou vocês pedem aos americanos . . . " E eles : "Não vamos nos ajoelhar diante dos americanos." Eu disse : "Eu não me ajoelhei . Agora, vocês têm que ser razoáveis. Só eles têm dinheiro." Eles me perguntaram : "E o Brasi l ?" Eu comecei a rir e disse : "O Brasil não tem dinheiro, o Brasil pede dinheiro." Com o que ganhei nessa viagem , paguei o casamento da Ieda; recebi 1 2 mil dólares da O U. Os filipinos não tinham dinheiro, tinham muita pretensão e muitas universidades. Eu queria visitar as universidades, mas eles só queriam me levar para a Escola Militar. Eu dizia : " ão quero ir à Escola Militar; quero ver a universidade, conversar com os professores e com os alunos." Mas foi muito difícil , fizeram tudo para eu não ir.

Oficio do ministro das R�lações

Ext�rio� Vi�nt� Rao. autorizando

Edmundo d� Ma�do Soares � Silva a

prestar assist�ncia t�nica ao go�mo

da V�nuu�la. Rio d� Jan�iro. �m 21 d�

maio d� 1 954. (CPDOC/Arquivo

Edmundo de Macedo Soorfi)

Por quê?

Porque era só fachada . Havia muitas universidades, mas nenhuma prestava; os bons profissionais formavam-se nos Estados Unidos ou na Europa; muitos filipinos se formavam na Alemanha . De qualquer maneira, foi uma boa experiência .

Em 59 o senhor voltou à Venezuela?

Sim , para consertar os fornos Siemens­Martin , fornos de aço. Houve problemas, os venezuelanos ficaram perdidos e pediram à O U que me mandasse novamente. Não queriam um técnico de um país que pudesse fornecer equipamento, porque um técnico assim naturalmente indicaria o equipamento do seu país. Na verdade, escolheram todo o equipamento que eu indiquei . A Venezuela, naquela época , era uma ditadura muito pior que o Brasil . 5 As nossas ditaduras foram, geralmente, mais ou menos brandas. O Getúlio cometeu alguns excessos , mas em comparação com a Venezuela e o Paraguai , foi muito mais suave. O Stroessner, por exemplo, é um bandido. Na década de 40, os paraguaios me convidaram para montar uma u ina, mas não pude fazer, porque eles

Em 2 1 de m a i o d e 1 9 54 .

Excele nt ís s i mo Senhor

Gen eral Edmundo d e Macedo Soare s .

� com prazer que venho comuni c ar a Vossa

Excel ên c i a que o Sen hor Pre s i dente d a Repúbl i ca o autori

zou a aceitar o c on v i t e d a s Naç õe s Un id a s para pre star

a s s i stên c i a t écn i ca a o Gov ;rno d a Venezue l a . O c onvite ,

al ém de reca i r em pe s soa da mai s al ta idonei dade e c omp�

tênc i a , c omo Vos s a Excel ên c i a , é extremamente honroso pª

ra o nosso paí s .

2 . Congrat u l o - me v i vamente com V o s s a Excel ên

c i a , que ma i s uma v e z i rá pre s t ar magn i fi co serv i ço ao

Bra s i l , el evando nosso nome no ext e r i or .

Aprove i t o a oportunid ade para renovar os

prot e s t o s da pe rfe i t a e st i ma e d i s t in t a consi deraç ão , c om

que me sub s c r evo

de Vossa E x c el ên c i a

I��

J 1 1 37

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f o general Alfredo Stroessner

governou o Paraguai entre 1 954 e

1 989.

Edmundo de Macedo Soares e Silva e

Plinlo QUelrOS no dia do lançamento da

pedra fundamental da Cosipa, em

1 955. (CPODC/Arqulvo Edmundo de

Mact:do Soares)

1 38 I

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queriam as ações de graça; queriam metade das ações para o Stroessner e um outro general , que seria o presidente da usina . O Stroessner, mesmo presidente, participava de tudo. 6 Recusei : "Fazer a usina eu sei ; dar as ações, não sei ."

=== ,. - '

Em 1 95 7 os paulistas o convidam

para o Conselho Consultivo da

Cosipa, a Companhia Siderúr8ica

Paulista. O senhor também a

construiu?

Sim . Primeiro fui do Conselho, mas logo depois passei a diretor superintendente. O terreno não foi escolhido por mim, mas pelo Plínio Queirós , que brigou feio comigo; quis fazer um canal para levar água, e eu objetei : "Não pode, porque é lodo. Tem que fazer de tijolo, de concreto. E depois, numa usina siderúrgica não se faz assim ; leva-se água com encanamento para dentro da caixa d 'água." Eu

não teria escolhido aquele terreno; para a construção foi necessário fincar estacas de 45 metros ! A preparação do terreno custou quase metade do preço da usina iderúrgica!

Que interesse tinha Plínio Qyeirós para insistir naquela localização?

O reservatório da Light em Santos era próximo, portanto daria para fazer uma usina elétrica. E mais, ele jurava que o fundo era de areia, mas era de basalto; isto é sabido. A Cosipa nasceu em 1 95 5 , pois os paulistas não podiam admitir que o Rio tivesse uma usina e São Paulo não. Vieram a mim : "Vamos financiar, porque temos dinheiro." Eu disse : "Então, está bem, vamos fazer." Quando chegou na hora de financiar, eles queriam fabricar as máquinas. No inicio , o projeto seria conduzido por uma holdin8 a ser organizada para controlar a usina ; seria formada com uma participação do Banco de Comércio e Indústria de São Paulo, que era do Quartim Barbosa, que acabou não entrando, e do Banco da América , do Herbert Levy, que também não entrou . Eles decidiram investir em indústria mecânica, na fabricação de máquinas - hoje a indústria pesada de São Paulo é muito boa. O governo do estado foi ao governo federal e conseguiu uma verba: Volta Redonda foi obrigada a entrar com 1 50 mil cruzeiros. A lém disso , o próprio governo de São Paulo entrou com uma boa quantia. O grande objetivo da Cosipa era fabricar chapa larga para a indústria automobilistica, e isto

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foi feito. Fizemos na Cosipa chapas de até quatro metros de largura ; Volta Redonda só faz mais estreita.

Falando em indústria automobilística, o senhor foi vice-presidente da Mercedes Benz

entre outubro de 1 960 e março de 1 96 7. Como a empresa veio a se instalar no Brasil?

Trazida por A lfred Jurzykowski , um polonês que lutou na Primeira Guerra como oficial da reserva de cavalaria; lutou também na Segunda Guerra - tenho absoluta certeza de que pertenceu ao lntelliBence Service americano. Quando a guerra acabou , colou peças de brilhantes e de pedras preciosas no corpo inteiro, vestiu uma roupa e fugiu para a Áustria; de lá tomou um navio para a Inglaterra e depois para os Estados Unidos, onde vendeu as jóias. Já tinha algum dinheiro lá, fruto de suas atividades como representante da Mercedes em Varsóvia. Nos Estados Unidos comprou cinco mil toneladas de algodão e vendeu, lucrando alguns milhões de dólares. Veio dar com os costados no Brasil e foi ao Góis - como, eu não sei , nunca lhe perguntei - e o Góis me indicou para ajudá- lo. O J urzykowski me procurou em casa, na rua Fonte da Saudade, dizendo : "O senhor é siderurgista, portanto entende de automóveis." Uma coisa não tem nada a ver com a outra . Eu disse : "Sim , e daí?" Disse ele: "Quero fabricar um caminhão no Brasil ." Eu respondi : "Nisso posso ajudar." Aí ele me surpreendeu : "Então, o senhor vai ser presidente da minha companhia ." Decidimos escolher o terreno em São Bernardo do Campo, em São Paulo, e começou a construção da fábrica. Primeiro, fui do Conselho Consultivo, depois me tornei vice-presidente.

Quando foi inauBurada a fábrica da Mercedes Benz?

Em setembro de 56 , e quem financiou a construção foi o próprio Jurzykowski , que era muito competente. Não pediu um tostão de financiamento ao BNDE, porque tinha muito dinheiro. A matriz da Mercedes Benz entrou apenas com um terço do dinheiro, porque não confiava no Brasil . Quando viu o sucesso, quis aumentar sua participação, e o Jurzykowski cometeu o erro de vender algumas ações, de modo que ficaram sócios em partes iguais; então, ninguém mandava, nem ele, nem a Mercedes, e eu fiquei no meio. E les brigavam e não queriam realizar assembléias; eu ia ao advogado da companhia e dizia : "Explique a eles que, se não for feita a assembléia, o governo vai intervir." Era uma luta! Agora, eles brigavam e iam a mim, contavam a história; eu ouvia e dava a solução. A briga não era só entre o Jurzykowski e a Mercedes; os diretores também brigavam , e eu resolvia . Aí acabava tudo: eles seguiam rigorosamente a minha decisão. Mas foi muito duro. A Mercedes começou fazendo caminhões, e depois passou para os ônibus, só não fez automóvel . Eu quis muito fabricar aqui o Mercedes 1 90 a diesel , o automóvel que me servia no Rio, um carro excelente. Mas a Mercedes não fabrica seu automóvel em nenhum lugar do mundo, a não ser na Alemanha; monta, mas não fabrica.

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Enfrentaram-se nas eleições

presidenciais de 1960, Jânio Quadros

(eleito com 48% dos votos), o marechal

Lott, ex-ministro da Guerra (32%) e

Ademar de Barros, ex-governador de

São Paulo (20%).

8 Os resultados da eleição para vice­

presidente em 1 960 foram: João

Goulart - 41 ,6%; Mi lton Campos -

38,7%, e Fernando Ferrari - 1 9,5% dos

votos.

Edmundo de Macedo Soares e Silva e

Al'red Jerzykowskl, 'undador da

Mercedes Benz do Brasol , $/d.

(CPDOC/Arqulvo Ed",undo de Macedo

t;oarrs}

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U M C O N S T R U T O R D O N o s s o T E M P O

Como se formou a mão-de-obra para trabalhar na fábrica da Mercedes?

o pessoal qualificado era formado nos Estados Unidos, na Europa e no Instituto Militar de Engenharia, o IME, onde se montou um curso para preparar engenheiros de automóvel . Os operários formavam-se no Senai . Aliás, no Programa de Metas do Juscelino constava a qualificação de pessoal para a indústria . Além disso, as próprias fábricas mantinham escolas. a Mercedes, era o próprio Alfred Jurzykowski , que tinha muitos recursos. Uma vez, ele colocou um saco diante de mim e disse :

"Abra." Fui ver, e era um milhão de cruzeiros, com os quais comprei minha casa em Pinheiros, em São Paulo. Peguei aquele dinheiro, botei no banco, fui procurar uma casa e comprei . De vez em quando ele me perguntava : "O que falta para eu ser brasileiro?" Eu respondia : "Você se registre como ' Alfred Jurzykowski da Silva' ." E ele, que não tinha o menor sense if humour, ficava furioso.

Terminado o 8overno de Juscelino, em 1 960 tivemos novas eleições para a presidência da

República. Em quem o senhor votou? 7

ão gostei de nenhum dos três candidatos, mas a Alcina era j anista , e talvez por isso acabei votando no Jânio, embora eu o conhecesse e o considerasse maluco. Foi uma campanha que empolgou muito. O Lott era um candjdato pesadíssimo ! Cometia muitos erros de português , dizia muita bobagem ; queria fazer demagogia e não sabia . Para vice-presidente votei no Mílton Campos , porque, como vocês sabem, a eleição para vice era independente da do presidente. Mílton Campos era um grande homem, esse eu queria para presidente. Mas acabou não sendo eleito ; o povo escolheu João Goulart. 8 Por isso é que sou a favor da vinculação do voto do vice-presidente ao do presidente, como é hoje, porque um substitui o outro; então, devem ser da mesma chapa.

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Qual a sua avaliação sobre o governo jónio Qyadros?

Do ponto de vista administrativo não foi ruim, mas politicamente ele fez uma porção de loucuras , inclusive a condecoração de "Che" Guevara, que escandalizou todo mundo.9 Sua própria maneira de se vestir era muito esquisita, com aqueles terninhos "safári".

ão acompanhei muito de perto as peripécias do Jânio, porque e tava na Mercedes, trabalhando muito e completamente envolvido com a empresa . Mas confesso que a renúncia me surpreendeu; depois vi que os militares todos ficaram sem entender. Renunciar por quê? Mas o Jânio estava convencido de que iria para São Paulo e o povo iria buscá-lo; só que o povo não foi . Dizem que ele estava tendo algumas dificuldades com o Legislativo e queria um Executivo um pouco mais forte. Conversa fiada ! O Jânio não queria Congresso nenhum, achava que era uma excrescência que não o deixava governar. No fundo, era um ditadorzinho ; achava que o Congresso não devia intervir na Presidência, devia deixá-lo fazer o que quisesse. Ora, mas se o Congresso existe , j ustamente, para fiscalizar a Presidência!

Após a renúncia, o país adotou o parlamentarismo como forma de solucionar a crise

política. 1 0 O senhor aprovou?

Nessa época, tive receio de que houvesse um surto revolucionário, e até separatista, no Rio Grande do Sul , em apoio à posse do Jango. Por isso, qualquer solução que evitasse um mal maior seria aceitáve l . Mas para mim a adoção do parlamentarismo foi uma surpresa, porque achava que um país que não tinha partidos sólidos não podia ter parlamentarismo. Agora, vou dizer o seguinte : eu preferia que o Jango não tivesse assumido a presidência. E logo que ele assumiu, comecei a conspirar para derrubá-lo.

tJm dos instrumentos mais importantes da mobilização contra o governo João Goulart foi

o Instituto de Pesquisas Económicas e Sociais, o IPES. I I O senhor chegou a participar?

Participei ativamente. Eu estava em São Paulo, na Mercedes Benz, e fui convidado pelo general Golberi do Couto e Silva, um dos fundadores do IPES e talvez sua figura mais proeminente . Eu já conhecia o Golberi da ESG. Em 6 1 ele foi nomeado secretário do Conselho de Segurança Nacional; quando o Jânio renunciou, ficou tão aborrecido que pediu passagem para a reserva. O IPES começou com grupos de industriais do Rio e de São Paulo, que o financiavam; a eles se juntaram militares que tinham cursado a ESG. Os principais participantes de que me lembro eram o Harold Polland; O Antônio Gallotti , da Light, ex-integralista; o Azevedo Antunes, da Caemi , meu amigo até hoje . De São PaulQ, lembro do Paulo Reis de Magalhães, industrial ; do Carlos Eduardo O ' Álamo Lousada, filho do embaixador O ' Álamo Lousada, que foi do gabinete do Costa e Silva . Mas eu era mais ligado ao grupo do Rio.

Ernesto "Che" Guevara. ministro da

Economia de Cuba, foi condecorado

pelo presidente Jãnio Quadros com a

Ordem do Cruzeiro do Sul em 19 de

agosto de 1 961 .

r A crise gerada pela renúncia do

presidente Jãnio Quadros agravou-se

com a oposição dos três min istros

mi l itares a que o vice-presidente João

Goulart assumisse a presidência. A

solução politica encontrada foi a

aprovação da Emenda n' 4, que

instituiu o parlamentarismo.

O I nstituto de Pesquisas Econômicas

e Sociais foi fundado em 2 de fevereiro

de 1 962, por empresários cariocas e

paulistas, com o objetivo de "defender

a liberdade pessoal e da empresa,

ameaçada pelo plano de socialização

do governo João Goulart. através de

um aperfeiçoamento da consciência

civica e democrática do povo".

14 1

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1 2 Entrevista realizada em 14 de ju lho

de 1 987.

13 O Instituto Brasileiro de Ação

Democrática foi criado maio de 1 959 e

tinha como objetivos "combater a

propagação do comunismo no Brasil".

Participou ativamente das eleições de

1 962, financiando candidatos de

oposição ao governo João Goulart.

1 42

U M C O N S T R U T O R D O N o s s o T E M P O

Que atividades desenvolvia ° IPES? Palestras, produção de arti80s?

Tinha de tudo. Os artigos, por exemplo, eram distribuídos pelas casas, porque não podiam ser publicados na imprensa; eram impressos aos milhares e entregues em mãos. Além disso, o IPES financiava viagens de estudantes aos Estados Unidos, para conhecerem melhor o país e seu funcionamento.

A estrutura era inspirada na ESG?

Até certo ponto, porque o IPES conspirava, e a ESG não conspirava. Eu fazia muitas palestras; como tinha assuntos da Mercedes para resolver aqui , vinha ao Rio uma vez por semana. E aproveitava para conspirar. A partir de certa hora , os grupos de São Paulo e do Rio começaram a divergir: aqui o pessoal queria esperar o governo do Jango acabar e influir nas eleições de 6 5 , mas em São Paulo queriam mesmo era depor o Jango o mais rápido possível . Fui me identificando cada vez mais com os paulistas. Começamos a fazer uma aproximação com o I I Exército, com a Marinha, através do Sílvio Heck, meu amigo, companheiro de conspiração.

Qual era ° principal ar8umento do IPES contra ° 8ovemo João Goulart, a pro8ressiva

esquerdização do 8ovemo?

Não era esquerdização, não; era infiltração comunista mesmo. Mas não era só por isso que queríamos derrubá-lo; criticávamos também a bagunça generalizada, a desorganização administrativa, o descalabro econômico-financeiro. Até a polícia dele era muito inepta . Conspiramos à vontade, e nunca fomos apanhados. De vez em quando pegavam um, mas era raro. Muito inepta .

Qual a sua avaliação sobre João Gou1art?

Como pessoa era um homem bom, bonachão, generoso ; como governante foi um desastre. É como o meu amigo José Sarnei : gosto muito dele, conheço-o há 30 anos, mas não tem formação para a presidência, está evidente . 1 2 Considero sua literatura indigesta, com seus Marimbondos de 1080 ' Li dele uns dois livros e umas crônicas; comete muitos erros de português. Falta-lhe pulso, não tem uma linha de comando, é um fraco. O que há de bom nos militares - não defendo que todos os presidentes sejam militares - é a disciplina, que praticam e estudam durante a vida toda, inclusive na Escola Superior de Guerra .

V árias empresas financiavam ° IPES, não é?

Sim . Por minha causa, a Mercedes e a Mannesmann davam dinheiro ; não participaram da conspiração, apenas deram dinheiro. Mas muitas outras empresas , nacionais e estrangeiras , também financiaram . Em 63 acusaram até o IPES de estar envolvido com o lBAD, mas eram dois organismos diferentes. 1 3 O lBAD financiou minha campanha ao governo do estado do Rio em 62 , embora eu não tivesse pedido nada. Foi o Prado Kelly quem pediu ajuda financeira, e o lBAD deu, além de ceder automóveis e gente para fazer propaganda.

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U M G E N E R A L E M P R E S A R I O

Com a vitória da conspiração, o general Castelo Branco, assim que tomou posse na

presidência, nomeou muitas pessoas do [PESo

Ah, sim . O Castelo fez várias palestras no IPES, e além disso tinha total confiança no Golberi ; bastava o Golberi indicar para ele nomear. Este, aliás, foi o primeiro a ir para o governo, para montar o SNI , o Serviço Nacional de Informações. Outro que fez parte do IPES e depois foi interventor em Alagoas foi o João Batista Tubino, muito meu amigo - todo conspirador era meu amigo. Mas havia também o Dênio Nogueira, que acabou indo presidir o Banco Central ; muito bom, muito capaz. Meu amigo G lycon de Paiva virou assessor do Conselho Nacional de Economia; o José Garrido Torres , excelente, foi para o BNDE; o Guilherme Borghoff foi para a Sunab. Eram todos do IPES .

Por que o senhor não foi ministro de Castelo Branco?

Uma vez o Castelo me disse : "Olhe, Macedo, eu queria você para meu ministro, mas não posso nomeá-lo porque nossa intimidade é grande demais."

o senhor acompanhou os últimos dias do governo João Goulart?

Torci muito para que ele caísse o mais depressa possíve l . Os generais revolucionários eram todos meus amigos e, embora eu não participasse diretamente, estava sempre em contato.

Em que momento o senhor pensou: "O Jango está deposto'?

Foi depois daquele discurso no comício da Central do Brasil . 1 4 As manifestações de marinheiros, fuzileiros navais e sargentos, tudo aquilo era sinal de flagrante desrespeito à hierarquia. As Forças Armadas j amais aceitaram quebra de hierarquia . Aüás, só há duas coisas organizadas no Brasil : a s Forças Armadas e a Igreja Católica.

D. Jaime Câmara, arcebispo do Rio de Janeiro, deu muito apoio ao movimento

revolucionário. O senhor tinha contato com ele?

Claro. Ele tinha me apoiado quando fui governador do estado do Rio; ia freqüentemente a Niterói . Uma vez, o Itamarati me deu uma informação errada . Eu consultei : "Devo ir recebê-lo?" Eles me responderam : "Não. O senhor é o governador; depois do presidente da República, quem manda no estado é o senhor. Espere-o no palácio." D. Jaime chegou, correu tudo muito bem, e fomos para uma missa ao ar livre . Depois , lendo as regras do Itamarati , vi que eu deveria ter ido recebê- lo. Fiquei furioso ! Mas a Igreja participou ativamente do movimento de 64; era o povo que pedia .

A que grupo de conspiradores o senhor estava ligado?

Ao grupo liderado pelo Cordeiro de Farias; dele participavam o Ademar de Queirós, chamado Tico-tico, muito meu amigo, meu companheiro na ESG e no IPES; o U lhoa Cintra, enteado do Outra, entre outros. O Cordeiro teve muita

14 o comício da Central do Brasil

real izou-se em 13 de março de 1 964.

Ali o presidente João Goulart assinou

dois decretos: o primeiro desapropriava

as refinarias particulares de petróleo, e

o segundo, chamado "decreto da

Supra", desapropriava todas as terras

situadas a 10km dos eixos de ferrovias

e rodovias federais.

1 43

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A Marcha da Familia com Deus pela

Liberdade, movimento organizado por

grupos religiosos, foi realizada em São

Paulo em 19 de março de 1 964,

quando 500 mi l paul istas sairam à rua

contra o governo João Goulart; no Rio

de Janeiro, a marcha reun iu 800 mil

pessoas, no dia 2 de abri l , para

comemorar a vitória do movimento

revolucionário.

6 O episódio a que se refere o

entrevistado ocorreu em fevereiro de

1 964. Brizola foi a Belo Horizonte para

fundar um comitê local da Frente de

Mobilização Popular. Grande

manifestação de mulheres convocadas

pela Mobil ização Democrática

Brasileira, alem de outras organizações

anticomunistas, obrigou à retirada de

Brizola e sua comitiva, sendo seu carro

apedrejado.

Entrevista realizada em 4 de junho

de 1 987.

O general Castelo Branco assumiu a

chefia do Estado-Maior do Exercito em

14 de setembro de 1 963.

1 44

U M C O N S T R U T O R D O N o s s o T f M P O

atuação em São Paulo, porque era preciso que o estado entrasse em peso na conspiração, O governador Ademar de Barros começou a comprar armamento na Alemanha, se não me engano. O movimento de 64 foi muito estimulado pelos civis, Vieram para rua - até a Alcina participou. Morávamos em São Paulo, e lá ela tomou parte em movimentos de rua, inclusive. Fez parte da Campanha da Mulher pela Democracia, a Camde, e saiu naquela Marcha da Família com Deus pela Liberdade. I S Houve movimento no Rio e em Belo Horizonte, onde não deixaram o Brizola falar. 1 6 Em suma, o povo apoiou entusiasticamente a Revolução de 64.

o comandante do II Exército durante quase toda a conspiração era o general Peri

Bevilacqua; só em dezembro de 1 963 ele foi substituído pelo general Amauri Kruel. O

senhor conhecia Peri Bevilacqua?

Muito. Não era a favor do governo do Jango, mas também não era a favor de um

movimento armado. Conheci o Peri no Colégio Militar, e nossas relações sempre foram muito cordiais. Há umas três semanas eu o encontrei e me dirigi a ele com

muita cordialidade; ele me olhou sério, apertou minha mão e virou as costas. 1 7 Foi muito mal-educado, por isso não terá mais o meu cumprimento; se algum dia ele se dirigir a mim, não vou cumprimentá-lo. Terminou .

o senhor não sabe por quê?

Porque fui revolucionário, e ele foi contra a Revolução. Depois foi cassado, tiraram suas medalhas, tiraram tudo. Fui muito contra isso. Agorâ, o Peri nunca foi muito certo da cabeça; ele tinha qualquer coisa. Dizem que todos os Bevilacquas têm um parafuso meio frouxo.

o senhor mantinha cantata com os industriais paulistas? Afinal, o senhor dirigia a

Mercedes Benz, e eles eram seus colegas.

Estavam todos conosco, Lembro, entre os mais ativos, do Francisco Matarazzo Sobrinho, do Toledo Pisa, do Quartim Barbosa, do Abreu Sodré - é meu primo -, do Júlio de Mesquita; o Estadão deu muito apoio.

Como era a convivência entre Júlio de Mesquita e Ademar de Barros, inimigos antigos?

Tiveram que conviver, porque estavam conspirando juntos , mas brigavam muito ;

sempre foram adversários. É verdade que o Júl io de Mesquita brigava com todo

mundo, só não brigava consigo mesmo. Os Mesquitas eram conhecidos como "a família carretel", a única que tinha linha; ninguém mais tinha. O Ademar de

Barros, por sua vez , não era uma figura boa, tinha muitos defeitos. Todos temos , mas ele tinha um pouquinho mais, porém colaborou com a conspiração, e muito.

E aqui no Rio, com quem o senhor mantinha cantata?

Com o Castelo Branco, que já estava como chefe do Estado-Maior do Exército; 1 8

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U M G > N E R A l E M P R E 5 A R I O

o Castelo e eu conversávamos muito. Já com o Costa e Silva a coisa era um pouco mais complicada; quem era mais revolucionária era sua mulher, a d. Iolanda.

Qual era a posição dos governadores?

Em Minas, o Magalhães Pinto conspirou desde o primeiro dia, embora precisasse manter as aparências; afinal , era governador de estado. Em São Paulo, como já disse a vocês, o Ademar foi impecável , grande colaborador. O Lacerda era mais perigoso, porque era boquirroto; então, tínhamos que ter cuidado ao falar com ele, mas ele nunca nos falhou. o Rio Grande do Sul , o l ido Meneghetti era mais prudente, mais disfarçado.

A atuação de governadores como Miguel Arrais, em Pernambuco, assustava os

conspiradores?

Um pouco, tanto que o Arrais foi preso no próprio dia 3 1 de março. O comandante do IV Exército era o Ju tino Alves Bastos. J á contei a vocês que fomos contemporâneos no Colégio Militar - o Alves Bastos foi meu tenente, quando eu era capitão-aluno. Pois ele conspirou o tempo todo para derrubar o Jango e, no Nordeste, assegurou o apoio do Exercito à Revolução de 64. Deu ordem de prisão ao Arrais no dia 3 1 e o encarcerou em Fernando de Noronha. Depois o Arrais foi cassado. Ele não tem bom caráter. Está aí de volta , é muito político, mas a fama que tinha, naquela época , era de mau caráter.

1 45

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FZE l' O R l r o

p 0 1 r1' 1 C J\

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}\

pós a vitória do ao1pe militar, oraanizou-se o Comando Supremo da Revolução,

composto pelo almirante Auausto Rademaker, o aeneral Costa e Silva e o briaadeiro

Correia de Melo, três velhos conhecidos seus.

Eu não gostava do Correia de Melo. Ele era louco ! Chamavam-no de Melo Maluco. Mas o Rademaker era excelente; homem leal , milito ligado ao Costa e Silva . Esse comando revolucionário foi escolhido pelo próprio Costa e Silva, como ministro da Guerra do Mazzilli . 1 Foi esse grupo que se responsabilizou pela primeira lista de cassações , editada em 1 0 de abri l , logo em segilida ao Ato Institucional ; o Prestes estava nessa l ista . 2 Mais tarde, durante o seu governo, o Costa e Silva me dizia : "Macedo, hoje vai ser um dia terrível para mim." Eu perguntava: "Por quê?" Ele respondia : "É dia de cassação, e eu não gosto disto. Antes de deixar o governo, vou acabar com isso." Morreu antes. Cassava, porque o Gama e Silva , ministro da Justiça, dizia que era necessário. De vez em quando, vejo um desses políticos atuais, que foram cassados em 69, e periso : "A cassação deste levou a minha assinatura." Nunca fui favorável às cassações, mas era ministro e tinha que acompanhar o Costa e Silva.

senhor participou da escolha do aeneral Castelo Branco como candidato à presidência

da República?

Era o nome que todos desejávamos. Não participei diretamente, mas quando perguntado dizia que meu candidato era o Castelo. E o Congresso o elegeu . Agora, na escolha do Costa e Silva como ministro da Guerra eu opinei . Havia uma competição muito grande entre vários generais colegas do Castelo, todos querendo ser ministro. O Castelo conversou com alguns amigos, inclusive comigo, e eu disse : "Conheço todos os candidatos, mas se fosse você , eu nomearia o Costa e Silva; acho que é a pessoa mais preparada." O Costa e Silva tinha vindo a mim, pedindo : "Fale com o Castelo, porque eu desejo milito ser ministro. Depois quero ser presidente da República, e você vai ser meu ministro."

á quem diaa que o próprio Costa e Silva se empossou no Ministério.

Não ! Ninguém fazia isto com o Castelo, não ! O Costa e Silva só foi ministro com a concordância do Castelo.

1 Com a deposição do presidente João

Goulart, o próximo na l inha de

sucessão era o presidente da Cãmara

dos Deputados, Ranieri Mazzi l l i , que

assumiu interinamente até a posse do

general Castelo Branco na presidência

da República.

o Ato Institucional n' 1 foi editado

pelo Comando Supremo da Revolução

em 9 de abril de 1 964. Entre outras

medidas, permitia a cassação de

mandatos e suspensão de d ireitos

politicas por dez anos; criava o decurso

de prazo para aprovação pelo

Legislativo de projetas de lei do

Executivo e quórum de maioria

absoluta para aprovação de emendas

constitucionais; cancelava a cláusula

constitucional de inelegibil iadde. O

saldo do AI-I foi: 378 cassações, dez

mil demissões de funcionários públicos

e cinco mil IPMs instalados, envolvendo

mais de 40 mil pessoas. Entre os

principais cassados estavam os ex­

presidentes João Goulart, Jânio

Quadros e Juscelino Kubitschek, os

governadores Miguel Arrais e Seixas

Dória e deputados federais, mi l i tares,

l ideres sindicais, membros do governo

João Goulart, além de Luis Carlos

Prestes e do jornal ista Samuel Wainer.

Na pagina ao lado: Edmund de

Macedt Soares e Silva necebe a pasta

da ndustna e Comtrc'o do ex ministro

Paull fyldll' Maot ns, e"1 15 de no ço

de 1 967 (CPDOC/ArqUlvo Edmundo de

Macedo Soares)

1 47

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3 Os partidos politicas foram extintos

pelo Ato Institucional n' 2, de 27 de

outubro de 1 965, que determinava

ainda, entre outras medidas repressivas:

eleições indiretas para presidente da

República e novas cassações e

suspensões de d ireitos pol íticos. O

principal cassado foi o governador

Ademar de Barros, em janeiro de 1 966.

4 Entrevista realizada em 23 de junho

de 1 987.

1 48 I

U M C O N � T R U T O R D O N o s � o T E M P O

Que avaliação o senhor faz do ministério do presidente Castelo Branco?

Achei, em geral , bom . Havia alguns ministros de quem eu não gostava muito; não eram bastante revolucionários. O Ministério da Justiça teve vários titulares. Primeiro o dr. Mílton Campos, homem esplêndido, de grande consciência , mas ficou apenas um ano e meio. Foi quando o Castelo decidiu promover uma reforma politica, uma reformulação partidária e acabar com os partidos existente . 3 Parece que o Mílton Campos foi contra o bipartidarismo - queria um terceiro partido - e acabou saindo. Foi substituido pelo Juraci Magalhães , meu contemporâneo; até hoje me dou bem com ele. Não anda bem de saúde, mas nós nos vemos com freqüência .4 Bom, o Juraci saiu em 66, para assumir o Ministério das Relações Exteriores , e seu substituto foi o Mem de Sá . Eu o conhecia milito, porque fizemos juntos o levante da Escola Militar, em 2 2 . Ficou só cinco meses como ministro e passou a pasta ao Luis Viana Filho, chefe da Casa Civil , que ficou milito pouco tempo. Finalmente, o último ministro da J ustiça foi o Carlos Medeiros da Silva , excelente, um homem que redigia constituições inteiras em uma semana.

Por que houve cinco ministros da Justiça em apenas três anos de 8overno?

O próprio Castelo pode ter sido o motivo, porque era milito duro; não tratava mal as pessoas, mas era muito seco. Nunca se afastava de sua linha de pensamento.

Na Marinha foram três ministros: Ernesto de Melo Batista, Paulo BosÍsio e Araripe

Macedo.

O Melo Batista era um homem de esquerda; quando o Castelo descobriu, livrou-se dele. Mas na Aeronáutica também foram três : o Nélson Lavenere Wanderley, excelente revolucionário, tinha feito o Correio Aéreo Militar em 1 93 1 ; o Márcio de Sousa e Melo, que ficou pouco tempo, e o Eduardo Gomes , que entrou no fmal . No Itamarati ele teve dois ministros , o Vasco Leitão da Cunha e depois o Juraci . Agora, no Ministério da Guerra , o Costa e Silva ficou o tempo todo, só sendo substituido no final , quando foi candidato à sucessão do Castelo, pelo Ademar de Queirós , o Tico-Tico. Na Fazenda, o dr. Bulhões ficou o governo todo, e a mesma coisa o Roberto Campos no Planejamento. Na Viação e Obras Públicas , ficou o meu amigo Juarez Távora, bom homem, mas milito ingênuo. Gostei milito da nomeação do Flávio Suplicy de Lacerda para a Educação; tinha sido reitor da Universidade do Paraná.

Diz-se que Castelo Branco era uma pessoa muito inteli8ente, não?

Milito, embora não se tenha destacado nos estudos. O primeiro aluno da sua turma na Escola Militar foi um gaúcho, o segundo foi o Costa e Silva ; ele deve ter sido o quinquagésimo, mas lia tudo ! Lia tudo. Costumávamos dizer que nordestino é o homem mais feio do mundo, mas é o melhor do mundo. Que homem feio, meu Deus ! Fomos colegas na Escola Militar; nos exercícios, o Castelo era cômico : fardado, de botas, perneiras e um fuzil na mão, baixinho daquele jeito ! Quando tinhamos que transpor um muro de dois metros e meio, um de nós pegava o

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R E T O R N O A V I O A P O L i T I C A

Castelo, empurrava-o para o alto, e alguém o pegava do outro lado, porque ele não conseguia pular o muro sozinho. Tinha um temperamento muito fechado, não era de muita intimidade com as pessoas. Escolhia seus amigos; ninguém o escolhia para amigo. Era ligado a um círculo muito pequeno. Mesmo com os colegas, a intimidade era relativa, mas eu gostava muito dele. Quando eu viajava , sempre trazia dois, três )jvros para ele, todos em francês, porque Castelo não lia outra língua.

Já Costa e Silva não parecia muito amigos dos livros.

O Costa e Silva era só coração, e foi isso que o matou . Foi primeiro aluno no Colégio Mi]jtar, segundo na sua turma na Escola Militar, mas abandonou

completamente a leitura. A mulheres dos dois também eram muÜo diferentes. D. Argentina, mulher do Castelo, era muito inte]jgente e muito bonita, muito companheira dele . s Ajudou muÜo mais o Castelo do que a d . lolanda ao Co ta e Silva . Mas a d . lolanda também é uma mulher muito inte]jgente e atuou muito bem nas obras de caridade e na Legião Brasileira de Assistência .

ntre 1 964 e 6 7, até assumir o ministério no governo Costa e Silva, o senhor foi

presidente da Corifederação Nacional da Indústria, a CNI, não é?

Is o mesmo. Fui eleito em 64 e em 66 fui reeleito por mais dois anos , mas achei melhor não acumular com o ministério, embora não fosse ilegal , e renunciei .

(, governo Castelo Branco promove uma riformulação geral na política económica.

Roberto Campos, no Ministério do Planejamento, e Otávio Gouveia de Bulhões, na

Fazenda, lançam o PAEG, Plano de Ação Económica do Governo, que teve a oposição da

CNJ. Por que os industriais estavam insatiifeitos?

Eles reclamaram , e era dever da C I mandar um documento ao governo. Os industriais consideravam que o Roberto Campos não estava colocando o problema

5 Argentina Viana Castelo Branco

faleceu em 1 963.

Como pr�ldente da Confederação

NJClOnal da Indúsõria (CNII, Edmundo

de Macedo Soares e Silva recepciona o

presidente Castelo Branco "O I

Encontro dos Investldor� do Nord�te,

em Fortaleza, junho de 1 966.

(CPODC/ArqUlvo Edmundo de Macedo

)oares)

1 1 49

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1 50 I

U M C O N S T R U T O R D O N o s s o T E M P O

nos melhores termos; não fez congelamento de preços, o gue teria sido importante para estabilizar a situação. A lém disso, eles gueriam expansão do crédito e redução de impostos , coisa gue todo empresário reivindica. O Roberto estava prevendo uma peguena recessão para depois retomar o crescimento, inclusive para conseguir empréstimos junto ao FMI e aos bancos estrangeiros. Mas os poüticos e os empresários eram contra a recessão. O Roberto Campos é um homem muito inteligente - veio do nada - mas extremamente vaidoso. Por exemplo, ele tem casa em Miguel Pereira , onde vai sempre, e nunca me visitou, pois está esperando a minha visita . Ora, guem chega por último é gue deve visitar guem já está no lugar ! Por isso, não o visito ; tenho tudo o gue ele gosta, whisky, tudo, mas se ele não me visitar primeiro, não o visitarei .

Esse antagonismo com Roberto Campos não impediu o senhor de participar da comissão

presidida por ele e encarregada de acompanhar os trabalhos da consultora Booz, Allen Bt.. Hamilton, que chegou ao Brasil em 6 6, não é?

A Booz, Allen veio para o Brasil por minha indicação ao Castelo; aí ele nomeou o Roberto Campos para fazer parte da comissão. Como não entendia nada de siderurgia, o Roberto deu-me a presidência; assim , passei a presidir a comissão brasileira, com a presença do Roberto e da Booz, Allen . Fizemos um estudo muito bom; a empresa era competentíssima, eu ajudava na parte siderúrgica, e o Roberto contribuía com a parte econômica. Reestruturamos todos os planos de expansão da siderurgia, gue depois foram aplicados pelo governo Costa e Silva . Conheci a Booz, Allen numa de minhas viagens aos Estados Unidos; era uma firma famosa no mundo inteiro. Conversei com eles sobre Volta Redonda, na época da construção da usina, e depois conversamos sobre suas necessidades de expansão. No inicio do governo do Castelo, como eu viajava muito por causa da Mercedes, fiz um contato com eles , para a análise do setor siderúrgico brasileiro.

o senhor e Roberto Campos tinham diferenças de opinião sobre o assunto?

Tínhamos, mas guem presidia a comissão era eu, e o Roberto não ousava dizer nada, porgue eu sabia rebater. Ele era pessoal demais e só admitia a sua opinião; mas no fmal consegui impor o parecer da Booz, Al len .

Então, o senhor continuou mantendo contato com Castelo Branco, trocando idéias?

Fregüentemente, ele me chamava para conversar sobre o governo. Quando houve um problema especifico, como esse da expansão da siderurgia, naturalmente e le mandou me chamar. Vou contar uma coisa: o candidato do Castelo à sua sucessão era eu, mas o Costa e Silva impediu. E le pediu para ser candidato, dizendo-lhe : "O Macedo é mais novo gue eu , e eu vou morrer cedo; por isso guero ser presidente agora." Quer dizer, ele já sentia alguma coisa , mas nunca me disse nada.

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R E T O R N O A V I D A P O L I T I C A

Castelo Branco assumiu a presidência para completar o mandato iniciado por Jânio

Qyadros, em 1 96 1 , portanto deveria deixar o poder no início de 1 966, mas prorrogou

seu mandato por mais um ano. Por quê?

Não foi fácil convencê-lo. Era preciso, porque a situação política não estava inteiramente controlada , e o Castelo queria dar ao país uma nova Constituição, uma carta que refletisse os novos tempos. Depois de muita insistência nossa, ele concordou em continuar, mas não foi fácil , não.

o senhor era o candidato de Castelo à sucessão, mas Costa e Silva, como o senhor nos

disse, insistiu em ser ele o novo presidente. As Forças Armadas aceitaram bem essa solução?

Hesitaram muito, pois estavam muito divididas . Mas, finalmente, o Costa e Silva conseguiu maioria . Escassa, mas conseguiu . O Cordeiro de Farias era ministro dos Organismos Regionais e pediu demissão do cargo por discordar da opção pelo Costa e Silva . Ele me disse que fazia restrições também alguns membros do grupo mais próximo do Costa e Silva, inclusive à d. Iolanda : "A Iolanda vai fazer o diabo nesse governo."Tenho a impressão de que não fez tanto assim , ou, se fez , ignoro.

Por que as Forças Armadas estavam tão divididas? Havia outros candidatos ostensivos?

Havia . Entre os civis, o mais conhecido era o Bilac Pinto , deputado e presidente da Câmara. Teria sido muito bom para o Brasil . Apesar de ser muito amigo do Costa e Silva , acho que o Bilac teria sido melhor que ele, pois teria começado, j á naquele momento, uma abertura . Entre os militares, dizem que o próprio Cordeiro queria ser o sucessor, não sei . 6 Mas havia também quem afirmasse que as Forças Armadas não deveriam mais ter candidatos, porque qualquer erro seria atribuído a elas e não ao presidente. Porém, escolhido o Costa e Silva, tudo serenou . Quem era contra continuou contra, mas calou a boca ; não houve uma oposição ferrenha . No Congresso a eleição do Costa e Silva foi tranqüila, embora alguns parlamentares da Arena, que era o partido do governo, tivessem se recusado a votar. Lembro que o MDB se retirou todo do plenário, e na Arena, o Afonso Arinos e o Mem de Sá se recusaram a votar no Costa e Silva . 7 É compreensível ; ambos sempre foram a favor de um governo civil , principalmente o Afonso Arinos, que é mineiro, e os mineiros , em geral , não gostam de militares. O Costa e Silva foi eleito pelo Congresso e viajou para a Europa . Fui com ele, como presidente da C I ; j á estava convidado para ministro da Indústria e Comércio .

..Jo final do governo Castelo Branco começa a aparecer a expressão "linha dura", que

passou a designar os cificiais que cercavam Costa e Silva, em geral mais jovens e radicais.

Eu era da "linha dura", porque também queria manter a Revolução e a sua política . Mas nunca fui de extrema direita, como alguns, como o Jarbas Passarinho, por exemplo, que tinha sido integralista; todos os antigos integralistas passaram a engrossar as fileiras da "linha dura", junto com a oficialidade mais jovem . ão fui integralista porque, como já contei a vocês, estive na Europa antes da guerra e vi Hitler e Mussolini, sabia o que era aquele regime.

6 O nome do general Cordeiro de Farias

aparece numa lista de possiveis

candidatos elaborada pela Arena. Os

outros eram Bilac Pinto, Ademar de

Queirós, Costa e Silva, Etelvino Lins e

Nei Braga.

7 O general Costa e Silva foi eleito

presidente da República pelo Congresso

em 3 de outubro de 1 966; seu vice­

presidente foi o deputado mineiro

Pedro Aleixo.

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I

U M C O N S T R U T O R D O N o s s o T E M P O

o senhor participou do 8overno Costa e Silva desde o início, como ministro da Indústria e

Comércio. Q}jal é sua avaliação do conjunto do ministério?

Muito boa, tanto que o Costa e Silva não mudou praticamente ninguém . Além disso, tínhamos muita autonomia, de modo que pudemos trabalhar sem interferência ; o que eu levava, ele aprovava . Quando era um assunto que não conhecia, ele dizia: "Faça-se o que você quer." Agora, quando se tratava de um assunto que ele dominava , discutia bastante . O ministério se reunia semanalmente, o que deu grande coesão à equipe ; as reuniões eram muito interessantes. a Justiça ficou o Gama e Silva, o homem das cassações ; foi duríssimo no governo. Era um jurista acatado, muito inteligente, mas tinha essa idéia fixa de que era preciso fazer as cassações . Para a Marinha ele chamou o Rademaker, que tinha sido do Comando da Revolução, mas não foi aproveitado pelo Castelo no ministério; voltou ao governo com o Costa e Silva . A meu ver, foi excelente, assim como o Lira Tavares no Ministério da Guerra, que pa ou a ser Ministério do Exército - era mais apropriado -; é um homem culto, membro da Academia Brasileira de Letras e do Instituto H istórico. O da Aeronáutica, Márcio de Sousa e Melo, também foi muito bom; fizemos juntos a Embraer, a Empresa Brasileira de Aeronáutica .

Para o Ministério das Relações Exteriores ele chamou Ma8alhães Pinto, um

revolucionário. Foi boa escolha?

ão gostei , ele não sabia comer.

Não sabia comedI

ão. O Magalhães pegava nos talheres como quem pega na enxada e os usava na mão errada, não era um homem fino. Sua mulher, então, era pior. Houve jantares diplomáticos constrangedores; era horrível . O Magalhã s Pinto nunca deveria ter sido escolhido para ser o ministro que representa o país no estrangeiro e lida com governantes e outros diplomatas . Outro cuja escolha não aprovei foi o Delfim Neto. O Costa e Silva me disse : "Quem é secretário da Fazenda de São Paulo, pode er ministro da Fazenda." Eu argumentei : "Bom, Costa , não é bem a minha opinião , mas se você quer, eu o trago, porque o conheço."Trouxe o Delfim , o Costa e Silva conversou com ele e o convidou . Eu achava que havia gente melhor; estava inclinado a indicar um ou dois parlamentares , mas o Costa e Silva convidou logo o Delfim . É verdade que não posso dizer que sua atuação como ministro da Fazenda tenha sido ruim; fiquei a favor das medidas que ele adotou . Já o Andreazza, nos Transportes, eu aplaudi; muito inteligente, muito malandro, tanto que construiu a ponte Rio-Niterói e a batizou com o nome do Costa e Silva . Outro malandro é o Passarinho, que foi nomeado para o Trabalho; a d . Iolanda sempre dizia: "Este é o mais malandro de todos." Político, está por aí até hoje . O Leonel Miranda era médico do Costa e Silva e foi nomeado ministro da Saúde . Homem muito rico, auxiliava muito o governo, mas como político e como médico, a meu ver, era medíocre .

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R l T O R N O A V I O A P O L I T I C A

o general Albuquerque Lima foi nomeado ministro do Interior, mas depois entrou em

atrito com o general Costa e Silva e saiu do governo. 8 O que houve, realmente?

O Albuquerque Lima foi nosso companheiro na conspiração, mas foi muito desleal com o Costa e Silva , com quem teve inúmeros desentenrumentos , e eu tive que intervir. Em várias reuniões ministeriais ele faltava com o respeito ao Costa e Silva que, um dia, não agüentou mais e o demitiu. Ele criticava abertamente o governo. Poderia fazer pessoalmente, mas nunca em público. O que ele queria mesmo era ser presidente da República. O das Comunicações era um baiano muito competente, o Carlos Simas ; foi quem fez toda essa rede que temos hoje, de televisão, telegrafia, telecomunicações.

esse período do governo Costa e Silva , as comunicações deram um pulo muito grande no Brasi l , tudo oblJa do Simas.

Comparando os dois períodos em que o senhor foi ministro, em qual o senhor se sentiu

mais à vontade?

O mais rufícil foi o Ministério da Viação, porque era muito grande, e eu ainda era um pouco inexperiente nessas coisas de governo. Além russo, o Outra era muito fechado; a convivência com o Costa e Silva era muito mais fácil , mais agradáve l .

Entre o início do governo e a decretação do A I-5, o Congresso estava

funcionando. Como eram as negociações para a aprovação de verbas?

O Costa e Silva chamava os líderes na Câmara e no Senado, reunia os ministros e combinava o que fazer. Como a Arena tinha maioria nas duas casas, e os líderes era escolhidos por ele, nunca houve ruficuldade maior.

Um problema político que o governo Costa e Silva herdou do anterior foi o

dos estudantes, cuja atuação gerou séria crise política, com passeatas,

prisões, excessos policiais . . .

Isto aborrecia muito, mas o governo tinha força. A lém russo, o Costa e Silva sempre foi muito tolerante com os estudantes.

o que o senhor pode nos contar sobre a edição do Ato Institucional nO 5?

O deputado Márcio Alves fez um ruscurso violento, criticando os militares, e o presidente mandou o ministro da Justiça chamá-lo para ruzer que se retratasse ; ele não e retratou. Então, o ministro Gama e Silva russe : "Nessas circunstâncias, deputado, teremos que afastá-lo da Câmara . Vou combinar com o presidente um ato para isso." Essa é a origem do AI- 5 .

Houve discussão n o ministério a respeito do conteúdo e do alcance do ato?

Eu fui contra e disse ao Costa e Silva que achava um ato muito violento. E le

8 o general Afonso Augusto de

Albuquerque Lima ocupou a pasta do

interior entre 1 5 de março de 1 967 e

27 de janeiro de 1 969, sendo

substituido pelo coronel Costa

Cavalcanti, que deixa o Min istério das

Minas e Energia ; quem o sucede é o

economista Antônio Dias Leite.

o p�id�nt� Costa � Silva � o ministro

Edmundo d� Ma�do Soa� � Silva, na

inauguraçao das obras da Pttroqulmica

União, �m São Paulo, abril d� 1969. (CPDOC/Arquivo Edmundo de Macedo

Soares)

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o Ato Institucional n' 5 foi editado

em 13 de dezembro de 1 968 e

determinava, entre outras medidas:

suspensão do habeas corpus e de

várias garantias constitucionais da

magistratura; novas cassações de

mandatos e suspensões de direitos

politicos; direito do presidente de

promulgar decretos-lei, decretar estado

de sitio sem anuência do Congresso,

demitir ou reformar oficiais das Forças

Armadas.

1 54

U M C O N S T R U T O R D O N o s s o T E M P O

respondeu: "Concordo contigo, mas o ministro da justiça considera indispensáve l . Entre a tua opinião e a da justiça, prefiro a da justiça." E foi decretado o ato.9

o aeneral Castelo Branco teria cedido ao ministro da Justiça?

Ele teria sido ainda mais rigoroso do que o Costa e Silva; não só teria cassado o homem, como o teria obrigado a deixar o país, teria expulsado o Márcio A lves do Brasil . O Costa e Silva era muito brando, o Castelo era infinitamente mais duro.

Havia outros ministros contra?

Apenas mais dois, além de mim : o Hélio Beltrão, do Planejamento, e o Carlos Simas , o homem das comunicações; só nós três ficamos contra .

E quais eram os mais exaltados a favor do ato?

O único exaltado era o ministro da justiça; o resto calou-se. Mas eu lastimei , porque tínhamos que assinar o ato, ou então, nos retirar do governo, o que seria uma pena; estávamos fazendo muita coisa.

Loao ao assumir o Ministério da Indústria e Comércio o senhor criou o Grupo Consulti vo

da Indústria Siderúraica, que depois se traniformou em Conselho, para cuidar de sua

menina dos olhos, que sempre foi a sideruraia, não é?

Ah, sempre foi . O Consider foi criado com o objetivo de coordenar toda a siderurgia. Seu presidente era o ministro da Indústria e Comércio - como é até hoje . Os outros membros eram os ministros da Fazenda, do Planejamento, dos Transportes, os presidentes do BNDE , do Banco do Brasil , da CS e da Vale do Rio Doce. Em dezembro de 67 o grupo apresentou o primeiro Plano Siderúrgico Nacional , que atualizava aquele trabalho da Booz, Allen; a própria empresa foi consultada. Basicamente, o plano recomendava a expansão e modernização da produção das usinas estatais. Aí , em março de 68 o Consider foi oficialmente criado, com o objetivo de implantar o Plano Siderúrgico Nacional .

or que se decidiu pelo aumento da produção, se as perspectivas de mercado não eram

muito boas?

Realmente, não eram . Mas eu estive em Luxemburgo, e lá me disseram o seguinte: "A Europa vai diminuir a produção de aço, porque está muito fácil fazer aço; vamos empregar a massa cinzenta européia em máquinas mais sofisticadas, vamos para a indústria química de ponta, para a informática, e vamos abandonar a siderurgia." E les deixariam com o Brasil a produção do aço e fariam o material mais sofisticado, que nós importaríamos.

or que o Plano Siderúraico Nacional não pôde ir adiante na sua aestão?

Porgue não havia recursos.

quem era o dono da chave do ccifre?

O ministro da Fazenda Delfim Neto. Minhas relações com ele eram muito boas ,

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R E T O R N O A V I D A P O L I T I C A

mas não havia dinheiro mesmo. A lém disso, as tarifas também estavam muito baixas; eu mesmo implantei um aumento tarifário em três etapas, principalmente das empresas ligadas ao governo. O Brasil tinha copiado essa prática tarifária dos Estados Unidos porque lá , no início da década, o governo Kennedy tinha proibido o aumento do preço do aço; com isto , as empresas foram descapitalizadas. E aqui o governo copiou, o que deixou suas empresas em situação muito pior que as particulares . Esse aumento tarifário visava arranjar fundos para capitalizar as empresas estatais , para poder viabil izar as ampliações que eu pretendia fazer. As tarifas dessas empresas estavam muito defasadas em comparação às das empresas particulares. Acontece que quem determinava as tarifas para as empresas do governo era o ministro da Fazenda, e ele achava que devia dar melhores condições às empresas privadas. O governo arcava com o prejuízo.

Em agosto de 69, o senhor assinou um decreta que substituía a antiga Comissão de

Desenvolvimento Industrial pelo CDI, o Conselho de Desenvolvimento Industrial, e

reestruturava os grupos executivos ligados a projetas industriais. Qye funções foram

atribuídas a esses grupos?

Os grupos executivos foram divididos por especialidades : Geimec, para a indústria mecânica; Geipot, para os transportes, Geiquim, para a indústria química; um tratava de máquinas , outro de siderurgia; um terceiro de metais não-ferrosos, e assim por diante ; foi este o objetivo da reestruturação. Eram oito ou nove grupos , compostos por especialistas e sempre presididos pelo ministro, e era por aH que passavam os projetos que iam obter tratamento prioritário nas audiências de governo para receber incentivos e financiamento.

Os chifes militares tinham assento no CDI?

O chefe do EMFA tinha assento, tinha que ter, porque era uma questão de segurança nacional ; e cada grupo executivo contava com um representante do Exército, quase sempre um engenheiro mili tar.

Qual o papel do BNDE na indústria siderúrgica?

Financiamento. Financiou muito, é verdade que menos do que fez antes de 64, porque diversificou sua atuação. Antes de 64 o banco estava praticamente todo dedicado às grandes usinas que se implantavam; depois diminuiu um pouco sua presença. Na minha gestão à frente do Ministério, consegui muito dinheiro, sobretudo no estrangeiro. Tínhamos um trânsito muito bom no Eximbank americano ; depois surgiu o Export and Import Bank j aponês. E utilizamos ainda o Crédit Lyonnais , francês, e bancos alemães , onde eu tinha muito bom trânsito.

Onde foram empregados esses recursos?

Basicamente, na indústria mecânica e na indústria química.

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U M C O N S T R U T O R D O N o s s o T E M P O

o senhor também tomou medidas para incentivar a indústria do ccifé solúvel.

Isso foi um problema. Os americanos queriam uma pequenina taxa sobre o café solúvel brasileiro, para que não ficássemos como os únicos exportadores . E o pessoal daqui , sobretudo o pessoal da Cacique, não aceitava. Aliás, nomeei o dono da Cacique, o Horácio Coimbra, como presidente do Instituto Brasileiro do Café , o !BC, e ele me traiu. Ia à Europa em missão oficial e levava jornalistas brasileiros, às custas do governo; lá dava entrevistas contra mim, até que eu descobri . Chamei­o e mostrei- lhe um j ornal : "Olhe aqui, dr. Horácio, isto é seu?" Ele respondeu que sim. Eu disse : "Bom, então vai haver contrapartida." Escrevi ao Costa e Silva e demiti-o. o lugar do Horácio nomeei aquele paulista, o Caio de Alcântara Machado. Muito bom comerciante, coisa que eu nunca fui . Mas este problema do café solúvel começou antes da minha gestão, ainda no governo do Castelo. A National Coffee Association reclamou com o governo brasileiro sobre a concorrência feita pelo nosso café solúvel . Não nos custava satisfazê- los com uma pequenina taxa, 1 3 , 98%, mas eles não se satisfizeram com isso. Aí fui contra: "Já se fez o que vocês pediram . Ponto finaL" Foi uma época muito difícil . Fui à Europa e, enquanto estava lá, meu primo José Celso de Macedo Soares Guimarães criava problemas com os europeus na parte de navegação, de frete - estava à frente da Sunamam , a Superintendência Nacional da Marinha Mercante. Um dia, o representante da Noruega abordou-me na reunião da Organização Internacional do Café : "O senhor é culpado por esse problema com os fretes." Eu me espantei : "Como? ! Não cuido de frete." Ele insistiu : "Mas é culpado."Virei-me para o presidente da reunião, um francês , e perguntei : "Este assunto está na pauta dos nossos trabalhos?" Ele respondeu que não. Eu encerrei a conversa: "Então, meu caro representante, não se fala nesse assunto." Mas era muito desagradável , eu lá negociando café , e acontecendo essa situação aqui . Eu sempre quis mandar um representante à OIC, mas o Costa e Silva insistia : "Tu vais, porque o assunto é muito importante."

o final dos anos 60, o ccifé solúvel ainda era novidade no mundo?

Era . Li sobre o assunto pela primeira vez no início dos anos 40, numa revista americana, e fiquei muito admirado. Daí por diante, fez-se tudo solúve l . Já na minha gestão como ministro de Indústria e Comércio, o Brasil exportava muito café solúvel ; o Horácio Coimbra é um comerciante excepcional . Meio mau caráter, mas bom comerciante.

o senhor também enfrentou uma crise do açúcar, em janeiro de 69. O que aconteceu?

As empresas de açúcar se dividiam em duas espécies : as bem geridas e as mal geridas, ambas distribuídas pelo país todo. O que desencadeou a crise foi a decadência do açúcar no ordeste, que foi brutal . Hoje estão fechando muitas usinas, e o �rasil vai acabar importando açúcar por incompetência, por politicagem . Uma tristeza.

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R E T O R N O A V I D A P O L I T I C A

o senhor mencionou seu primo José Celso e a traniformação da antiga Comissão de

Marinha Mercante em Sunamam. Foi o senhor que o indicou ao presidente?

ão, e tampouco sei quem o fez . Ele é engenheiro naval , formado nos Estados Unidos. É muito competente ; muito convencido, mas competente. A Sunamam é obra dele. Conseguiu uma grande autonomia para trazer frete para a frota brasileira; criou a lei de bandeira, que reverteu a situação anterior, em que constava dos contratos a exigência de que o frete fosse feito por companhias estrangeiras . O José Celso movimentou também a construção naval que, na época, era muito incipiente .

Por que ocorreram aquelas irregularidades, o chamado "escândalo da Sunamam ': que

estourou em 1 983?

Muita gente considera que o órgão não tinha estrutura para fiscalizar os programas de construção naval , principalmente no tocante à liberação de recursos; além disso, seus diretores dispunham de total autonomia para implementar políticas, decidir sobre fmanciamento, l iberação de recursos, o que está errado; esses assuntos têm que ser decididos pela diretoria plena. Pelo menos comigo, sempre foi assim. Mas a Sunamam ficava no Ministério do Andreazza . . .

o senhor teve que montar sua equipe mais próxima com pessoas de sua corifiança, porque

era um ministério muito grande, não?

Muito grande, mas contei com gente de muito valor. Meu chefe de gabinete foi o José Fernandes de Luna, burocrata, mas muito sério, muito competente; ele me substituía quando eu viajava. A maioria da equipe era nomeada pelo presidente da República, porque eram presidentes de institutos e empresas vinculados ao Ministério.

o senhor se aconselhava com alguém, discutia seus planos?

Olhe, acho que não perguntava a ninguém; eu era meio Geisel . Naturalmente eu consultava, mas quem decidia mesmo era eu.

Como era seu relacionamento com os ministros das Minas e Energia? Era uma área

próxima do seu Ministério em muitos assuntos.

Muito bom, tanto com o Costa CavaIcanti como com o Dias Leite, que continuou sendo meu amigo. Trocávamos idéias com freqüência, e na maioria das vezes estávamos de acordo.

o senhor scifreu muita pressão para nomear pessoas?

Bom, a política comigo nunca teve vez; ao fmal de algum tempo, eles desistiam dos pedidos, porque viam que eu não iria atender. Eu sempre os ouvia, mas não fazia o que eles queriam , e sim o que me parecia certo. No Brasil , a política se resume a nomear, para ter votos; ninguém pensa no bem do país.

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1 58 I

U M C O N S f R U f O R U O N o s s o T E M P O

o senhor já nos disse que foi responsável, junto com o ministro Márcio Sousa e Melo, pela

criação da Embraer, em 1 96 9.

A coisa se passou assim : o Márcio Sousa e Melo e seu Estado-Maior pensaram em criar uma empresa para construir aviões, e isso tinha que ser submetido ao meu Ministério, porque era indústria; o Costa e Silva mandou submeter aos ministros da Fazenda, do Planejamento, da Indústria e Comércio e da Aeronáutica. Acontece que o Sousa e Melo era praticamente o pai da idéia; consultou-me, e eu, sempre a favor da indústria, aprovei . Mas os ministros da Fazenda e do Planejamento diziam que não era oportuno. Então, perguntei ao Hélio Beltrão: "Somos dois contra dois. Você quer se aliar ao Delfim e ser o responsável pelo impedimento?" Ele

d d "N- - A " E I ' "6 . respon eu corren o : ao, nao quero ; voto com voce . u conc UJ : bmo, o responsável fica sendo o Delfim." O Beltrão adorou e acabou aprovando a idéia. A empresa desenvolveu-se muito , sob a direção do Osíris Silva , um homem muito bom . É tenente-coronel da Aeronáutica, e não sei por que não o promoveram a brigadeiro; seria de justiça. Fez muita coisa na indústria civi l .

A situação política se agravou muito a partir do segundo ano de mandato de Costa e

Silva, não é? A contestação subiu de tom, e o regime começou a se fechar.

Nossa Senhora ! As coisas começaram a ficar muito graves. Agora, o grande responsável pelo fechamento do regime, j á disse a vocês, foi o Gama e Silva, pois o

Costa e Silva era completamente contrário ao AI- S . Ele próprio me disse : "Macedo, é uma lástima, mas o Gama e Silva disse que é indispensável." Eu argumentei : "Bom, Costa e Silva, você é o presidente, você é que vai assumir essa responsabilidade." Disse ele: "Tu vais também , porque tens que assinar o ato." Eu ainda hesitei : "Ou assino, ou saio." E ele: "Não, tu não vais sair." Assinei .

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R E T O R N O A V I D A P O L I T I C A

Embora os atos de exceção tenham sido de autoria do ministro da justiça, os três

ministros militares o apoiavam.

Claro. E o Costa e Silva teve três bons ministros militares: o Lira Tavares , o Rademaker e o Sousa e Melo. Agora, embora contasse com o apoio dos técnicos, dos empresários , dos militares e de grande parte da classe média, o governo teve que enfrentar a oposição de alguns estudantes e intelectuais. Isso era muito desagradável , e de vez em quando um estudante acabava preso, mas nunca era maltratado ; ficava preso por dois, três dias, depois era solto. Mas eles faziam sua campanha dura contra o governo.

Mas e a morte do estudante Edson Luís, no restaurante do Calabouço, atinBido por uma

bala da polícia?/O

Lembro, lembro desse caso. Os estudantes provocaram muito , de modo que, infelizmente, essas coisas acontecem . Foi aí que começaram as passeatas.

E o cerco da Universidade de Brasília pela Polícia Federal, em 29 de aBosto de 1 968,

também incomodou muito o Boverno?

Muito. Não atrapalhava seu funcionamento, mas incomodava . Eu ficava emocionado com o que acontecia, porque no fundo sou um liberal . Afinal , quando moço também passei por essas coisas : revolta, prisão; tenho experiência.

As prisões da década de 20 eram muito diferentes das prisões da década de 70, o senhor

não concorda?

Realmente, foi diferente; na década de 70, tivemos problemas trágicos no Brasil em relação aos prisioneiros. O Exército envolveu-se muito nisso, 'porque aí já se tratava do combate ao comunismo. Mas as barbaridades foram cometidas por grupos radicais, não pela maioria das Forças Armadas . Esses radicalismos todos, de direita ou de esquerda, são muito bárbaros; nunca pertenci a nenhum deles.

Em 28 de aBosto de 1 96 9, o presidente Costa e Silva sifre uma trombose cerebral, e os

três ministros militares constituem uma junta de Boverno. O senhor estava no Brasil

quando tudo isso aconteceu?

Não, tinha ido ao México negociar um acordo. Eu estava voando num avião do IBC, que ia para o conserto nos Estados Unidos. Quando chegamos a Houston, Texas, um funcionário do aeroporto veio a mim , dizendo : "O senhor é fulano? Tenho um recado do seu cônsul . Telefone para seu consulado." O cônsul tinha obrigação de ter ido me receber no aeroporto, porque eu era ministro, e eu lhe disse isso, rudemente, ao telefone . Ele, então, me deu a notícia: "O presidente está doente, e estão esperando o senhor no BrasiL" Eu falei : "Vou voar diretamente para o Aeroporto Internacional de Nova York e vou já falar com a Varig; reserve um lugar para mim no próximo vôo." Ele observou : "O senhor não pode aterrissar no Aeroporto InternacionaL" Eu encerrei : "Isso veremos." Meu piloto era americano, e eu lhe disse : "Telefone para o aeroporto de Nova York

10 O estudante Edson Luis de Lima

Souto foi morto pela Policia M ilitar em

28 de março de 1 968, quando

estudantes protestavam contra O

aumento do preço das refeições do

restaurante Calabouço, no Rio. O

acontecimento desencadeou, ao longo

do ano, uma série de passeatas e

enfrentamentos entre policia e

estudantes.

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U M C O N S T R U T O R D O N o s s o T E M P O

e relate as circunstâncias ; fale também com o consulado e avise ao nosso cônsul que estou procurando embarcar, que ele faça uma gestão junto ao aeroporto." E alçamos vôo; no ar recebemos a notícia de que eu poderia aterrissar por uma exceção concedida pelas autoridades. A Varig já tinha sido prevenida pelo cônsul e tinha guardado um lugar para mim. Embarquei muito apreensivo, e durante toda a viagem o piloto me deu notícias do Costa e Silva: "Não morreu, o senhor vai encontrá-lo vivo." Cheguei aqui - ele tinha adoecido há três, quatro dias - e quis vê-lo, mas não deixaram : "Sua visita vai ser um choque muito grande, o senhor foi colega dele, então vai ser o último a vê-lo." be fato, alguns dias depois , tive permissão para visitá-lo. Quando me viu , o Costa e Silva abriu os braços, e as lágrimas rolaram ; foi uma cena muito triste. Ele, hemiplégico, sem poder falar. Agora, o que ele pensava, conseguia escrever alguma coisa. Mas foi muito , muito triste .

Como se comportou a junta militar nesse período de transição até a posse do aeneral

Médici na presidência?

Muito bem . O que foi extraordinário foi que não houve competição entre os três ministros, que se mantiveram de acordo o tempo todo, porque é natural que todos ambicionassem a presidência. Mas eles procederam com a maior correção. Inclusive, quero dizer uma coisa: o governo da junta, que é muito criticado, foi talvez melhor que o governo do Costa e Silva . Eles tinham mais firmeza; o Costa e Silva era muito emotivo, e foi isto que o matou . Algumas decisões do Costa se deveram à sua emotividade; homem muito bom, muito sincero, católico, de comunhão semanal , mas emotivo demais. A junta sabia de sua transitoriedade, mas mesmo assim não houve solução de continuidade; eles foram muito capazes. Como brasileiro, sou muito grato pelo que fizeram .

Dias depois do anúncio da doença de Costa e Silva, o aoverno foi surpreendido pelo

seqüestro do embaixador americano, Charles Elbrick, por oraanizações de esquerda. @al

foi a primeira reação do aoverno?

Foi um choque, confesso. Lamento dizer isso, mas o maior culpado foi o próprio embaixador; o governo queria dar-lhe uma escolta, mandar segui-lo, mas ele sempre se recusou , dizendo: "Tenho gente para isso, tenho minha guarda de fuzileiros" - quem faz a segurança de todas as embaixadas americanas no mundo são os fuzileiros navais , os mariners, aliás muito desagradáveis. Mas saía sem ninguém, apenas com o motorista dele; por isso, foi facílimo seqüestrá-Io. Se houvesse atrás dele dois automóveis , com os nossos homens, nada disso teria acontecido.

Todos os embaixadores estranaeiros andavam com seaurança forneCida pelo aoverno

brasileiro?

Todos tinham, ninguém andava sozinho. Só o embaixador americano recusou e nos deu esse prejuízo, moral e político. Um seqüestro dessa ordem , com repercussões

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R E T O R N O A V I D A P O L I T I C A

muito sérias, dava a impressão de que o Brasil era um país completamente despoliciado.

Qual sua opinião sobre o general Médici?

O Méclici era um homem inteligente, equilibrado, mas criou horror a ter uma doença igual à do Costa e Silva . Então, a meu ver, entregou o governo aos ministros; tornava parte, presidia as reuniões, mas adotava as opiniões dos ministros. Seu governo foi bom , mas o chamado "milagre" brasileiro foi conseqüência das ações acertadas dos governos anteriores. Foi um período de euforia muito grande no país. Depois veio o Geisel , que já fez um governo bem cli ferente, porque assumiu a rédea do poder. O Geisel é de ascendência alemã.

o general Geisel teve alguma irifluência na escolha do general Médici?

Sim , influiu muito e conseguiu fazer de seu irmão Orlando ministro do Exército do Méclici . Até hoje encontro o Geisel , por quem fiz tanto, e ele fala comigo djstante, mujto clistante. 1 1 Tanto que não me clirijo mrus a ele. Agora, quando nos encontramos, ou ele se clirige a mim, ou nós não conversamos.

o que o senhor fez pelo general Geisel?

Em meados da década de 50 , fui convidado para fazer um inquérito na refmaria de Cubatão, porque houve lá um problema. Fiz o inquérito, o relatório, mas não poclia assumir porque estava presidindo Volta Redonda. Então, perguntaram-me quem poderia assumir a clireção da usina, e indiquei o Geisel , que era coronel , nessa época . Ele aceitou e fez uma boa administração, porque é capaz. Agora , é um homem sequíssimo! Só faz o que quer. Aliás, não posso falar muito, porque também sou assim . O Geisel é muito peculiar; quando me encontra, faz apenas um aceno de cabeça . É um homem sério, um homem d bem; pode ter certeza de que todo o clinheiro que ganhou foi correto, não tem nenhuma negociata no meio. Seu grande erro foi impor o Figueiredo como sucessor na presidência da República.

Depois de deixar o governo, o senhor voltou para a

iniciativa privada?

Sim , e estou até hoje . Logo que saí do Ministério, voltei para a Mercedes Benz; dirigi a empresa até dezembro de 70 , quando passei para o Conselho Consultivo. Em 72 comecei a presiclir o Conselho Consultivo da Mannesmann e da Dedini , depois fui também do Conselho da Standard E lectric . Quando fiz 80 anos, em 1 98 1 , o pessoal da Mercedes me aposentou, porque atingi a idad márima. Além disso, pertenci ao Consplan , o Conselho

11 Entrevista realizada em 30 de junho de 1 987.

Edmundo d� Ma�do Soa� � Silva �m

almoço d� confrat�mizaçao na

M��des B�nz. na dwda d� 70. (CPDOC/ Arquivo Edmundo de Ma�o

Soares)

I 1 61

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1 2 Entrevista rea lizada em 11 de agosto

de 1 987.

1 62

U M C O N S T R U I O R D O N o s s o T E M P O

Consultivo de Planejamento do Clube de Engenharia e ao Conselho de Administração da Ebap da Fundação Getulio Varga . ão exercendo mais qualquer função pública, tive mais tempo livre para freqüentar a Academia Brasileira de Ciências e o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro , instituições de que sou membro há muito tempo. 1 2

Fazendo um balanço de sua vida, o senhor se arrepende de ter deixado o Exército?

Nunca me arrependi . Servi muito pouco no Exército, porque fui logo retirado para funções de ordem técnica, civi l , mas consideradas militares por um decreto­lei do Getúlio. Não voltei mais ao Exército ; fui sendo promovido, mas não voltei mais. De forma que perdi um pouco contato com os militares, embora tenha estado por um tempo na ESG e conspirado com meus colegas de farda. Mas eu já não raciocinava como um militar há muito tempo.

'---Quando era capitão, chegou um momento em que o próprio Getúlio me disse claramente que eu não tinha mais nada a fazer no Exército, que eu era mais importante para o Brasil na indústria, empregando os conhecimentos que tinha acumulado; aí selou-se a minha vida. O Getúlio sempre pensou em mim como técnico, como engenheiro. Mais tarde, depois da minha promoção a coronel , em dezembro de 1 944, ele me comunicou que, quando fosse promovido a general-de­brigada, eu passaria para a reserva e depois seria promovido a general-de-divisão; foi o que aconteceu. O Getúlio estava certo.

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Agu iar, Alberto Cardoso de - 2 6, 55

Alberto, rei da Bélg ica - 57

Alberto, João - v. Barros, João Alberto Lins de

Aleixo, Pedro - 1 5 1

Almeida, José Américo de - 65

Almeida, Bento de - 1 20

Almeida, Rômulo Barreto de - 1 3 6

Alves, Márcio Emanuel Moreira - 1 53, 1 54

Anderson Jun ior, Alvord von Patten - 1 30

Andreazza, Mário Davi - 1 52 1 57

Antu nes, Aug usto Trajano de Azevedo - 1 4 1

Aranha, Olavo Egidio de Sousa - 7 8

Aranha, Osva ldo Eucl ides de Sousa - 2 3 , 5 5 , 8 0 82, 9 1

Arinos, Afonso - v. Franco, Afonso Arinos de Melo

Arrais de Alencar, Miguel - 1 45, 1 47

Azevedo, Moacir Gomes de - 1 20

Azevedo, Renato Frota Rodrigues de - 99

Ba rbosa, J ú l io Caetano Horta - 70

Barbosa de Ol iveira, Ru i - 24

Barbosa, Teodoro Quartim - 1 3 8, 1 44

Barcelos, Vasco - 1 20

Barreto, Alexandre - 20

Barreto, João de Deus Mena - 50

Barreto, P l in io - 50

Barros, Ademar Pereira de - 1 07 , 1 40, 1 44, 1 45, 1 48

Barros, João Alberto Lins de - 2 1 , 5 1 , 52, 1 1 1

Bastos, Joaqu im Justino Alves - 2 2, 23 , 1 45

Bastos, Humberto de Ol iveira Rod rigues - 1 07

Batista, Ernesto de Melo - 1 8

Bejo - v. Vargas, Benjamin Dorneles

Beltrão, Hél io Marcos Pena - 1 54, 5P

Berenhauser Jún ior, Carlos - 99

Berger, Harry - v. Ewert, Arthu r Ernst

Berle Jún ior, Adolf Augustus - 1 1 1

Bernardes, Artur d a Si lva - 33, 34, 41 , 57, 1 25

Betancourt, Rómulo - 1 3 7

Bevi lacqua ( família) - �4

Bevi lacqua, Ângelo - 70

Bevi lacqua, Peri Constant - 44

Bezzanzoni Laje, Gabriel la - 62

Bibby, Lowe H. - 1

Bi lac, Olavo Brás Martins dos Gu imarães - 1 7

Bittencourt, Amaro Soares de - 7 7

Bittencourt, Liberato - 2 1

Bol lon (madame) - 9

Borges, Tomás Pompeu Ació l i - 1 3 6

r / I .J

UIl OII121:;-[1 C O

Borghoff, Gu i lherme - 1 43

Bosisio, Pau lo - 1 48

Bouças, Va lentim Fernandes - 76

Bourgeois, Jeanne (Mistinguett) - 28

Braga, Cincinato Césa r da Silva - 88

Braga, Nei Amintas de Barros - 1 5 1

Brás, Venceslau - v. Gomes, Venceslau Brás Pereira

Brasi l , Ismar Pfa ltzgraff - 1 3 1

Brito, José Maria Xavier d e - 3 5

Brizola, Leonel d e Moura - 1 44

Brown (sindicalista americano) - 91

Bul hôes, Otávio Gouveia de - 1 48, 1 49

Café F i l ho, João - 29, 105

Caffery, Jefferson - 1 1 1

Calógeras, João Pand iá - 6 1 , 65, 88, 1 00

Câmara, Ja ime de Barros - 1 43

Camargo, Aspásia Alcântara de - 80

Campos, Al u ísio Fragoso de Lima - 76

Campos, Antônio de Siqueira - 2 1 , 29, 3 6, 51

Campos, Francisco Luis da Si lva - 7 5

Campos, Mí lton Soares - 1 40. 1 48

Campos, Roberto de Ol iveira - 1 07, 1 48- 1 50

Cândido, João - 1 9

Cantanhede d e Almeida, Pl in io Reis - 82

Cardoso, Armando Levi - 30

Cardoso, Augusto Inácio do Espirito Santo - 1 02, 1 33

Cardoso, Ciro do Espirito Santo - 1 3 3

Cardoso, Joaq u im Mau rício - 53

Cardoso, Va ldemar Levi - 30

Carmem (prima) - 1 8

Carne i ro, Jú l io Ba rbosa - 76

Carne i ro, Martins Din iz - 65

Carpenter, Mário - 3 6

Carval ho, Daniel Serapião de - 97

Carval ho, El ísio de - 34

Carva l ho, Estêvão Leitão de - 30

Carval ho, Heitor Fre ire de - 87

Castelo Branco, Argentina Viana - 1 49

Castelo Branco, Humberto de Alencar - 2 1 , 26, 29, 30, 40, 1 42- 1 44 1 47 1 :>2, 1 54, 1 56

Castro, Dario Pa is Leme de - 74

Castro, José Fernandes Leite de - 55, 60, 61 , 63, 67, 70, 1 02

Castro, Raul Álvares de Azevedo - 61 , 65

Cava lcanti, Carlos de Lima - 48

Cavalcanti, José da Costa - 1 53, 1 57

Cavalcanti de Albuq uerque, Nata l icio Tenório - 1 23, 1 24, 1 2 6, 1 2 7

Cavalcanti , Newton de Andrade - 74

Cecil ia ( tia) - 1 6

1 63

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César, Abelardo Vergueiro - 76

Chateaubriand Bandeira de Melo, Francisco de Assis - 1 1 1

Church i l l , Winston Spencer - 20

Cintra, José Pin heiro U lhoa - 1 43

Clementi no, Mário - 28

Coimbra, Horácio Sabino - 1 56

Collor, Lindolfo Leopoldo Boeckel - 53

Correia, Afonso Henrique de Miranda - 1 3 1

Costa, Artur d e Sousa - 76, 7 7, 9 1

Costa, Canrobert Pereira d a - 40

Costa, Ernesto Lopes da Fonseca - 61 , 70, 1 00

Costa Rodrigues, Miguel Alberto Crispim da - 39

Cotrim, Ernâni Bittencourt - 99, 1 00

Cout inho, Lima - 2 2, 1 20

Cruz, Hél io - 1 20

Cunha, Eucl ides Rod rigues Pimenta da - 22, 1 3 3

Cunha, Vasco Tristão Leitão da - 1 48

Dantas, Luís Martins de Sousa - 48

D'Araujo, Maria Ce l ina Soares - 80

Dedin i - 59

Delfi m Neto, Antônio - 1 52, 1 54, 1 58

Denis, Odí l io - 3 1 , 1 20

Denis, O l into - 1 20

Denizot, Pau l - 7 6

Derby, Orvi l le Albert - 5 6

Diehl , G. E . - 82

Doria, João de Seixas - 1 47

Outra, Carmela Leite (d. Santinho) - 1 1 2 , 1 1 6

Outra, Eurico Gaspar - 22, 55, 7 5, 1 1 2- 1 1 8, 1 2 1 , 1 22, 1 2 6, 1 43, 1 53

Elbrick, Charles Burke - 1 60

Ensch, Lou is - 57

Estelita Lins, Romero - 76

Evita - v. Perón, Maria Eva Duarte de

Ewert, Arthur Ernest, dita Harry Berger - 73, 74

Farias, Gustavo Cordeiro de - 1 3 1

Farias, Osva ldo Cordeiro d e - 2 1 , 22, 1 02, 1 29, 1 3 1 - 1 33, 1 43, 1 5 1

Fa rquhar, Percival - 57, 61 , 65, 66, 7 7, 1 02, 1 33, 1 3 5

Fernandes, Raul - 1 1 9

Ferrari, Fernando - 1 40

Ferreira da Rosa - 20

Figueira, Antônio Fernandes - 1 7

Figueiredo, Eucl ides - 3 6

Figueiredo, João Batista de Ol iveira - 36, 1 6 1

Figueiredo, João Kubitschek de - 1 09

Figueiredo, João Neiva de - 1 36

Fischer, J. - 82

Fiúza, ledo - 1 1 2

Fia ksma n , Dora Rocha - 80

1 64

Folch, Sad i - 1 3 1

Fonseca, Clodoaldo d a - 3 7

Fonseca, Delso Mendes d a - 2 1 , 3 4 - 36, 1 30, 1 3 1

Fonseca, Escolástica Melchert d a - 44, 49

Fonseca, Hermes Rodrigues da - 1 7, 23, 24, 30, 93

Fonseca, Matilde Melchert - v. Soares, Matilde Melchert da Fonseca de Macedo

Fonseca, Orsina da - 24

Fontoura, João Neves da - 53

Fortu nato, G regório - 1 0 5

Fragoso, Augusto Tasso - 49, 50

Franco, Afonso Arinos de Melo - 1 51

Frontin , André Gustavo Pa u lo de - 1 00

Gal lotti , Antônio - 1 4 1

Gama, Luís Fel i pe Saldanha da - 3 3

Gama, Sa ldanha - 1 3 6

Gama, S . Sa ldanha d a - 99

Gamel in , Maurice Gustave - 30

Garibaldi , Anita - v. Silva, Ana Maria Ribeiro da

Garibaldi , G iuseppe - 63

Geise l , Ernesto - 1 3 2, 1 57 , 1 6 1

Geise l , Henrique - 1 32

Geise l , Orlando - 1 32 , 1 6 1

Gomes, Eduardo - 26, 35 - 38, 73, 1 1 2, 1 48

Gomes, Geni - 38

Gomes, Stanley - 38

Gomes, Venceslau Brás Pereira - 33

Goulart, João Belchior Marques (Janga) - 2 1 , 1 40-1 45, 1 47

Greenwood, Herman - 82

Gregório - v. Fortu nato, G regório

Guati mozim, Gil - 61 , 65

Gudin Fi l ho, Eugênio - 28

Guevara, Ernesto (Che) - 1 4 1

Gu i l let, Léon - 45, 46, 5 7

Guimarães, Napoleão de Alencastro - 99, 1 00

Gu in le (família) - 95

Gui n le, Gu i lherme - 76, 8 7, 89-93, 95-98, 1 02

Hals, Sch midt - 1 36

Hassler, R. I . - 82

Haswel l , A. B. - 82

Haupt - 68

H ippolito, Lucia - 80

Hitler, Adolf - 69, 1 51

Heck, Sílvio de Azevedo - 1 42

Hercu lano, Alexa ndre - 22

Hol I , Henrique R icardo - 3 5

Jango - v. Goulart , João Belchior Marques

Jones, Jesse - 90, 9 1 , 95

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Junque ira (amiga) - 1 d Junque i ra (colega) - 39

Ju rzykowski, Alfred - 1 39, 1 40

Ke l ly, José Eduardo Prado - 1 26, 1 27 , 1 42

Kennedy, John Fitzgerald - 1 55

King, G. D. - 7 Kl inger, Bertoldo - [) Kruel , Amauri -

Krupp von Bah len und Halbach, Gustav - 68

Kubitschek de Ol iveira, Jusce l ino - 21 1 07 , 1 09, 1 1 7, 1 3 5, 1 3 6, 1 40, 1 47

La Saigne, Jacques -

Lacerda, Carlos Frederico Werneck de - 23 , 1 05, 1 45

Lacerda, Flávio Supl icy de -

Lacerda, Mauricio Paiva de - 23

Lacerda, Oldemar -

Laje, Henrique -

Larrabure -

Leal Jún ior - )

,2, 83. 88

Lea l , Ângelo E l iseu Xavier - 35

Leite, Cleanto de Paiva - 1 36

Leite, Edga r Teixei ra - 1 20, • 2 1

Leite Jún ior, Antônio Dias - 1 53 , ' 57

Leme, Luís Betim de Pais - 65, 75, 76

Levy, Herbert Vitor -

Lima, Afonso Augusto de Albuquerque - 53

Lima, Alencar -

Lima, Denésio -

Lima, João de Mendonça - 1 , 70, 79

Lima, Otaci l io Negrão de - 1 6

Lima, Varon i l de Albuquerque - 99

Lindenberg, José Monteiro - I L inhares, José -

Lins de Albuquerque, Ete lvino - 1)1 Lins, Alcides -

Lisboa, Miguel Arrojado -

Lobato, José Bento Monteiro - 4

Lontra Costa, Artur -

Lopes, Isidoro Dias -

Lopes, José Machado -

Lott, Henr ique Batista Duffles Teixeira - O Lousada, Carlos Eduardo Gu imarães D'Álamo - 41

Lousada, Francisco D'Álamo -

Luís, Washíngton - v. Sousa, Washíngton Luís Pereira de

Luna, José Fernandes de -

Luzardo, João Batista -

Macedo, Conceição Bueno de Azevedo - 9

Macedo, João -

Macedo, Z i lmar Campos de Araripe- 8

Machado, Ca io de Alcântara - 1 56

Machado, João Bina - 1 30

Machado, José Gomes Pinheiro - 24

Magalhães, Agamenon Sérgio de Godói - 1 1 1

Magalhães, Ju raci Montenegro - 1 48

Magalhães, Pau lo Reis de - 1 41

Maísa - v. Soares e Silva, Maria E l isa de Macedo

Mamede, Jurand i r Bizarria - 1 3 1

Marquês, Romeu - 3 8

Marshal l , George G . - 81

Martins, Pau lo - 99

Martins, Va lfredo - 1 1 9

Martins Pereira e Sousa, Carlos - 80, 90, 9 1 , 1 0 1

Mata razzo Sobr in ho, Francisco - 1 44

Maure l Jún ior, Emí l io - 2 2

Maúrtua, Vítor M. - 4 1

Mazzi l l i , Pascoal Ranieri - 1 47

McCann, Andrews Thomas - 1 30

Médici , Emí l io Garrastazu - 1 60, 1 61

Meira, Lúcio Martins - 1 07

Meireles, I bá Jobim - 7 7

Melo , Francisco de Assis Correia de (Melo Maluco) - 1 45

Melo, Márcio de Sousa e - 1 48, 1 52 , 1 58, 1 59

Melo, Nélson de - 2 1

Melo Neto, José Joaqu im Cardoso de - 50

Meneghetti, l ido - 1 4:>

Meneses Jún ior, José Sotero de - 3 7

Mesqu ita (familia) - 4

Mesquita F i lho, Jú l io de - 1 44

Mícou (advogado) - qo M iranda de Albuq uerque, Leonel Tavares - 1 52

Mistinguett - v. Bourgeois, Jeanne

Mol lohan , Robert - 1 07

Monte, Benjamin do - 7 7

Monteiro, Pedro Auré l io de Góis - 7 5, 1 39

Morais, Ângelo Mendes de - 30

Morais, Aurino - 76

Morais, Luciano Jacques de - 7

Moreira da Costa Ribeiro, Delfim - 2 6

Moura , Getú l io Barbosa de - 1 2

Moura , Hastínfilo de - 51

Mourão Fi l ho, Ol ímpio - 74

Mül ler, Fi l into Stru bbl ing - 73, 74

Mu niz, Antônio Guedes - 45, 46, 1 1 7

Mu rí, Luís Braga - 40

Musso l in i , Benito - 3, 64, 1 5 1

Neves, João Batista das - 1 q Nogueira, Dênio Chagas - 43

Noronha, José Isaías de _ c

1 65

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Obino, Salvador César - 1 29

Ol iveira, Eusébio Pau lo de - 61 , 65

Ol iveira, Sílvio Raul ino de - 44, 45, 60, 61 , 65, 70, 89, 9 1 , 99, 1 02, 105

Otelo, Grande - v. Prata, Sebastião Bernardes de Sousa

Paiva Teixeira, Glycon de - 1 07, 1 3 6, 1 43

Paiva, Manso de - 24

Parker, H. E. - 82

Parreiras, Ari - 7 7

Passarinho, Jarbas Gonçalves - 1 5 1 , 1 52

Passos, Francisco de Ol iveira - 70

Peçanha, Anita - 34

Peçanha, Nilo - 33, 34, 67, 1 1 7

Pedro I I , imperador do Brasil - 1 6, 7 5

Peixoto, Ernân i do Amaral - 1 5 8 0 , 8 1 , 98, 1 1 8- 1 22, 1 24- 1 2 7

Peixoto, Floriano Vieira - 1 7

Pena, Afonso Augusto More i ra - 1 1 7

Penido (almirante) - 1 7

Pereira, Jesus Soares - 3 6

Pereira, João Macedo - 1 9

Pereira, Miguel - 1 7

Perón, Maria Eva Duarte de (Evita) - 1 1 8, 1 1 9

Pessoa, Epitácio Lindolfo d a Si lva - ., "1 57 , 6 1

Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, João - 2

Pestana, Clóvis - 1 8

Pierson, Warren Lee - c O Pinheiro da Si lva, Israel - 1 09

Pinto, Francisco José - 7'

Pi nto, João Batista da Costa - ,2 & Pinto, Heráclito da Fontoura Sobral - 3

Pinto, José de Magalhães - 1 45, ' 52

Pinto, Mário da Silva - J Pinto, Olavo B i lac Pereira - 1

Pisa e Almeida, Joaqu im de Toledo - 44

Pitanga, Maria Luisa -

Poincaré, Raymond -

Pol land, Harold Cecil - 1

Portela, Fernando Machado - 90. IE Prata, Sebastião Bernardes de Sousa, dito Gra nde Otelo - a Prestes, Luís Carlos - L 9. C 7"

Quadros, Jânio da Silva - 1 41, 1 5 1

Queirós, Ademar de ( Tico-Tico) - 43, 1 48, 1 5 '

Queirós, Henrique de Sousa -

Queirós, José Maria Eça de -

Queirós, P l ín io - 1 3 8

1 66

Rache, Pedro Demóstenes - 76, 7 7

Rademaker Grü newa ld, Augusto Hamann - 1 4 7, 1 52, 1 59

Ramos, Mário de Andrade - 76

Ramos, Nereu de Ol ive i ra - 1 1 3 , 1 1 7

Rangel , I nácio - 1 36

Rao, Vicente Pau lo Francisco - 50-52

Rebel, Nélson Pereira - 1 20

Rego, Carlos de Ca rva lho - 1 5

Reis, Trajano Furtado dos - 97

Reis Jún ior, Alfredo de Sousa - 9 5

Reuter ( família) - 59

Reuter - 69

Rian - v. Tefé, Na ir de

Ribeiro, Helo ísa Gu i n le - 97

Ribeiro, Heráclito Pais - 20

Ribeiro, Orlando Leite - 47

Rio, José Pires do -

Rocha, Pedro Martins da (Macacão) - 45

Rocha, Si lvestre - 70

Rodrigues, Frank l in Emí l io - ,,)

Rodrigues, Nélson - 8

Rondon, Cândido Mariano da Si lva - 40

Roosevelt, Frank l in Delano - dO

Sá, Mem de - 1 48 1 51

Salgado, P l ín io - O Sant inha, d. - v. Dutra, Carmela Leite

Santos, F irmino dos -

Santos, Otan -

São Tiago F i lho - ;;lI Sard i nha, Pau lo Beral - 8

Sarnei Costa, José -

Sena, Ca io Nélson de -

Sic i l iano Jún ior, Alexa ndre - 60,

Si lva, Ana Maria Ribeiro da, dita Anita Gariba ld i -

Si lva, Artur da Costa e -

Silva, Carlos Medeiros da - 4R

Silva, Golberi do Couto e - " 3

Silva, lo landa Barbosa da Costa e - 44 1

Silva, Luís Antônio da Gama e -

Silva, Mauro Mariano da - J' Silva, Olavo da Rocha e -

Silva, Osíris -

Silva, Raul Ribeiro da - f , I I Silva, Rosalvo Mariano da - ), 1 8 ln 1 Silva, Rosauro Mariano da -

Silva, Sebastião Edmundo Mariano da - ,

Silveira, Badger Teixeira da -

Simas, Carlos Furtado -

Simonsen, Roberto Cochrane - a, fi5

Soares, Abiga i l de Macedo -

<,6

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Soares, Antônio Joaqu im de Macedo - 1 6

Soares, Débora d e Macedo - 1

Soares, Eponina de Macedo - 3 3

Soares, Eudóxia de Macedo - 33

Soares, Eun ice de Macedo - 3 3

Soares, Henrique Duque Estrada de Macedo - 1 6

Soares, José Carlos de Macedo - 4 34 7 44, 46-48, 50, 07 63, 4 2t>, 1 3

Soares, José Cássio d e Macedo - ".,

Soares, José Eduardo de Macedo (primo) - 24, 26, 28, 33-36, 39. 4 4 2 ) 2

Soares, José Eduardo de Macedo ( tio) - 33, 34

Soares, José Fernando de Macedo - 3 9

Soares, José Roberto de Macedo - J 3 6

Soares, Ju l ião Rangel de Macedo - 1 6

Soares, Jud ite d e Macedo - I to Soares, Mati lde Melchert da Fonseca de Macedo - 13, 34

Soares, Pa ulo Bueno de Macedo -

Soares, Teodora Azevedo de Macedo -

Soares e Si lva, Alcina Fonseca de Macedo - 5. 85, 89, 94 95, 1 D

Soares e Si lva, Alcina de Macedo -

Soares e Si lva , E l isa de Macedo (mãe) - 5, 1 6

Soares e Si lva, El isa d e Macedo ( filha) -

Soares e Si lva, Hél io de Macedo (irmão) - 5, ' 8, 19, 1 20, 1 2 5

Soares e Silva, Hél io d e Macedo ( filho) - b , c)4

Soares e Si lva, Icléia de Macedo -

Soares e Si lva, Ieda M uniz de Macedo - tl, b8, 85 94, 1 1b, ' li Soares e Silva, Lígia de Macedo -

Soares e Silva, Maria El isa de Macedo (Maísa) - 1 8

Soares e Silva, Maria José Mun iz d e Macedo -

Soares e Si lva, Sílvia de Macedo -

Soares e Si lva F i lho, Edmu ndo de Macedo -

Soares Gu imarães, Fábio de Macedo - 1

Soares Gu imarães, José Celso de Macedo - ,

Sodré, Benjamim de Almeida -

Soqré, Fe l ic iano -

Sod ré, Roberto Costa de Abreu -

Sousa, Washington Luís Pereira de - 1j2

Souto, Edson Luís de Lima -

Stranch, Otomi -

Stroessner, Alfredo - 17 lB

Tardieu, André -

Tavares, Aurél io de Lira -

48, GS J, 1 1 1

Távora, Joaquim d o Nascimento Fernandes - q Távora, Juarez do Nascimento Fernandes -

Tefé, barão de -

Tefé, Nair de (Rian) -Teles, Mário Rol i m -

Torres, Al berto Francisco - g Torres, Ari Frederico -

Torres, José Garrido -

1, 89 C)' 91, q 1, 99, 1 02 ' 07

Torresão, Adolfo Martins de Noronha - 87, 97, 99

Truman, Ha rry S. - 1 1 8

Tubino, João José Batista - 1 43

Vargas, Benjamin Dorneles (Bejo) - 1 1 '

Vargas, Getú l io Dorneles - 2 36, 49-53, 55, 60-63. 65, 66, 70, 7 7 -78, la, 81 84. 85 87, 89. 95-98, 1 03- 1 05, 1 1 1 , 1 1 2,

4. 1 , 1 8, , 22 , , 26, 1 29, 1 32, 1 33 , 1 3 5- ' 37 , 1 62

Ventura - 3.,

Viana, Fancisco José de Ol iveira - 29

Viana F i lho, Luís - 4�

Vid igal , Gastão da Costa Carvalho - ' 6

Vitório Emanuel I I I , rei d a Itá l ia - 63

Wai ner, Samuel - 1 47

Wanderley, Nélson Freire Lavenere - 48

Wan ick, A. -

Weinschenk, Gu i lherme Benjamin - 7

Weinschenk, Oscar - Q Weiss, S igmund -

Welles, Sumner -

Werber, Wi l l iam J. - 1 ° Wh itaker, José Maria - .0

Wil kins, Charles Warren - ° Wil l iams (engenheiro americano) - )0

Wolf, George W. -

Zaz inha (avó) - Ij, 1 1

Zizinha ( tia) -

1 67

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Capa Edmundo de Macedo Soares e Silva inaugura os

novos equjpamentos da usina Presidente Vargas, em

Volta Redonda, em 26 de janeiro de 1 984. (CPDOCI Arquivo Edmundo de Macedo Soares)

Página 2 Inauguração das obras da Petroquímica União, em

São Paulo, vendo-se Pais Barreto (presidente da

Petroquímica), Edmundo de Macedo Soares e

Silva, ministro da Indústria e Comércio, e o

presidente Costa e Silva (da esquerda para a

direita), em 1 1 de abril de 1 969. (CPDOC/ Arquivo

Edmundo de Macedo Soares)

Página 4

Governador Edmundo de Macedo Soares e Silva,

em Volta Redonda, entre 1 947 e 1 9 5 1 . (CPDOCI Arquivo Edmundo de Macedo Soares)

Pág l1� 8 Edmundo de Macedo Soares e Silva, possivelmente

em 1 944 . (CPDOC I Arquivo Edmundo de Macedo

Soares)

P Iq I 1J� 12 (' 1 3 Edmundo de Macedo Soares e Silva (ao centro, de

branco), em Laranjal , Volta Redonda, 1 942 . (CPDOCI Arquivo Edmundo de Macedo Soares)

Páginas 68 e 169 Edmundo de Macedo Soares e Silva (ao centro, de

branco), em Volta Redonda, 1 942 . (CPDOC/ Arquivo

Edmundo de Macedo Soares)

Pág ina 170 O ministro da Guerra, Eurico Gaspar Outra

condecorando o tenente-coronel Edmundo de

Macedo Soares e Silva, em 25 de agosto de 1 944 . (CPDOC/ Arquivo Edmundo de Macedo Soares)

Pag ina 171 Assinatura de contrato entre o Eximbank e a CSN,

em Washi ngton , vendo-se Edmundo de Macedo

Soares e Silva e Samuel Waugh, em j unho de 1 9 5 6 . (CPDOCI Arquivo Edmundo de Macedo Soares)

P 19lr'1 72 Charge de Edmundo de Macedo Soares e Silva,

assinada por Nery, em 1 924. (CPDOC/ Arquivo

Edmundo de Macedo Soares)

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"Quando eu era capitão , chegou um momento em que

o próprio Getúlio me disse claramente

que eu não tinha mais nada a fazer no Exército,

que eu era mais importante para o Brasi l na indústria,

empregando os conhecimentos que tinha acumulado;

aí selou-se a minha vida . . . O Getúlio estava certo."

E D M U D O D E M A C E D O S O A R E S E S I LVA