ufmt ciência nº 1
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Revista de divulgação científicaTRANSCRIPT
ufmtCiênciaREVISTA DE JORNALISMO CIENTÍFICO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
SERÁ QUE É VERDADE?Piranhas são peixes assassinos?
40 ANOSTrajetória da pesquisa conta a história da UFMT.
Nº 01 SET/OUT/NOV DE 2010
PAIXÃOe discórdiaentre adolescentes
.
COMO FUNCIONA?Como a cana-de-açúcar vira
3 a 5 de Novembro de 2010Hotel Fazenda Mato Grosso
Cuiabá - MT
DE 3 A 5 DE NOVEMBRO DE 2010
A Ciência que a UFMT Produz
Compromisso com a Informação
Inauguramos com esta publicação, a primeira edição da revista UFMT Ciência. O nosso objetivo com esta revista é apresentar à comunidade mato-grossense, em especial aos alunos e professores do Ensino Médio, os projetos de pesquisa que estão em gestação nos diferentes laboratórios, institutos, faculdades e programas de pós-graduação da UFMT. Apresentar à população do Estado o que se pesquisa e o que se produz no interior da universidade é um desafio que há muito nos circunda. A Universidade Federal de Mato Grosso tem um compromisso histórico com os problemas sociais, culturais, educacionais, científicos, tecnológicos e ambientais de nossa região. Estas preocupações devem ser traduzidas em diagnósticos, proposições e desenvolvimento científico. Com esta publicação, damos mais um passo no propósito de levar ao conhecimento da sociedade as atividades de pesquisa desenvolvidas no interior da UFMT, ao mesmo tempo em que promovemos entre os jovens estudantes a cultura científica. A UFMT deve se constituir em um espaço vivo, promotor de idéias, de pensamentos e de atuação coletivos, que realmente sejam significativos para a região em que se insere. Precisa, assim, articular-se permanentemente com outras instituições sociais e com a sociedade civil organizada, com vista à identificação dos principais problemas e questões a serem enfrentados. Contribuir para a realização de investigação científ ica, produção de conhecimentos em diferentes áreas do saber, é, sem dúvida, uma das funções essenciais da universidade. Por este motivo, devemos celebrar a criação da revista UFMT Ciência como mais um espaço de socialização dos resultados das pesquisas realizadas em nossa instituição. É pa r te do es fo r ço de compar t i l ha r conhecimentos para além dos círculos científicos restritos. É também promover a redução das distâncias ainda marcantes na realidade brasileira entre a sociedade e a universidade.
Maria Lucia Cavalli NederReitora da UFMT
Apresentação
Cooperação e trabalho coletivo
Apresentamos à comunidade acadêmica e à sociedade em geral a primeira edição da revista UFMT Ciência. Esta não é uma publicação de pesquisadores para pesquisadores, de cientistas para cientistas, mas de jornalismo científico e cultural. Esta revista é parte do esforço da UFMT para levar ao conhecimento da sociedade os projetos que são gestados e debatidos em seu interior. Para chegar a esta publicação, primeiro foi organizado, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Mato Grosso - Fapemat, um curso de capacitação em jornalismo científico, do qual participaram servidores da UFMT envolvidos com a área de comunicação, profissionais do mercado e alunos do curso de Comunicação Social. Com esse curso, o que se buscou foi tanto capacitar para esta atividade como promover a inserção do jornalismo científico nas preocupações de profissionais, estudantes e servidores.Todos os professores e pesquisadores da UFMT, envolvidos com a organização e com a apresentação de pesquisas; todos os professores especializados em jornalismo científico de diferentes instituições de São Paulo e da Bahia que participaram do curso e todos os profissionais de diferentes publicações nacionais especializadas em jornalismo científico que no curso debateram suas experiências foram fundamentais para a implantação deste projeto.Com o apoio também da Fapemat, esta revista deve a sua inspiração a duas publicações de divulgação científica de extrema relevância para o país: a Pesquisa Fapesp, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo e à Revista Darcy, da Universidade de Brasília. Em especial, reconhecemos e agradecemos o apoio, incentivo e cooperação da diretora de redação da revista Pesquisa Fapesp, jornalista Mariluce Moura, e de toda a sua equipe de redação. Esta edição inaugural traz reportagens sobre pesqu i sas em d i fe rentes á reas do conhecimento. É uma amostra diversificada do trabalho dos pesquisadores da UFMT. Boa Leitura
Dos Editores
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ufmtCiênciaN º 0 1 S E T / O U T / N O V D E 2 0 1 0
sumário
conselho editorial
Presidente do Conselho Editorial
Francisco José Dutra Souto
Professor da Faculdade de Medicina
Bolsista Produtividade em Pesquisa (PQ) – CNPQ
Coordenador do Conselho Editorial
Benedito Diélcio Moreira
Professor do Departamento de Comunicação da UFMT
Editor-Chefe da UFMT Ciência
Secretário de Comunicação e Multimeios
Adnauer Tarquínio Daltro
Professor do Departamento de Engenharia Civil
Pró-Reitor de Pesquisa
Eduardo Guimarães Couto
Professor da Faculdade de Agronomia
Germano Guarim Neto
Professor do Departamento de Ecologia e Botânica
Javier Eduardo López Díaz
Professor do Departamento de Comunicação Social
Joanis Tilemahoz Zervoudakis
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciência
José de Souza Nogueira
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Física
Ambiental
Leny Caselli Anzai
Professora do Departamento de História
Pró-Reitora de Pós-Graduação
Ludmila de Lima Brandão
Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Estudos
de Cultura Contemporânea
Maria Santíssima de Lima
Editora Executiva da UFMT Ciência
Coordenadora de Imprensa da UFMT
Paulo Teixeira de Sousa Júnior
Professor do Departamento de Química
Coordenador de Relações Internacionais
Valério de Oliveira Mazzuoli
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito
Agroambiental
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ApresentaçãoA ciência que a UFMT
produz
ContrapontosEfeito Estufa: o homem
constroi a maior
Como Funciona?Como a cana-de-
açúcar vira
Jovem CientistaQuero ser um pesquisador
da UFMT
Tocando o FuturoBolo de cenoura sem
glúten
29PAIXÃOEntendimentos e desentendimentos de adolescentes apaixonadosPesquisa revela que oito, em cada dez adolescentes, são vítimas de diferentes
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Emoção e RazãoPaixão: entendimentos e desentendimentos de adolescentes apaixonados
DossiêPesquisa na UFMT caminha lado a lado com a sociedade
DesenvolvimentoApoio à pesquisa acelera resultados
Outros SaberesOs benzedeiros de Joselândia
OpiniãoExpectativas em torno de um nascimento
Arte Aqui e Agora
Sons, músicos, física e
Mistérios da VidaO cuidado parental
dos piolhos de cobra
Descobertas e Inovações
Mais Conforto na recuperação pós-
Será que é verdade?
Piranhas são peixes assassinos?
Era uma Vez...Livros e gabinetes de
leitura em Cuiabá
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24Piranhas são peixes assassinos? Há muita fantasia sobre estes peixes, mas a imaginação fantasiosa não os tornam menos perigosos.
34Pesquisa na UFMT caminha lado a lado com a sociedade
Os mais de 1354 projetos de pesquisa em andamento na UFMT mostram uma universidade engajada com a sociedade
UFMT Ciência Cecília Fukiko Kimura Tardim, Tais Costa MarquesRevista de jornalismo científico da Universidade Pró-Reitor do Campus de Sinop Projeto Gráfico, Design e DiagramaçãoFederal de Mato Grosso Marco Antônio Araújo Pinto Javier Eduardo López DíazUFMT – Universidade Federal de Mato Grosso Pró-Reitor do Campus Araguaia IlustraçõesReitora José Marques PessoaMaria Lúcia Cavalli Neder Secretário de Gestão de Pessoas Victor Capato Ianes Nogueira Vice-Reitor Paulino Simão de Barros FotografiaFrancisco José Dutra Souto Secretário de Tecnologia da Informação e da Luiz Carlos Sayão, João Conceição, Nilza GuiradoPró-Reitora Administrativa Comunicação SECOMM - UFMT, SECOM - MT e Wikimedia CommonsValéria Calmon Cerisara Alexandre Martins dos Anjos RevisãoPró-Reitora de Ensino de Graduação Secretario de Comunicação e Multimeios Maria de Jesus Patatas, Cristina PiloniMyrian Thereza de Moura Serra Benedito Diélcio Moreira Revista UFMT Ciência Ano I NºI Pró-Reitor de Cultura, Extensão e Vivência Coordenação de Jornalismo e Imprensa Tel: 065 3615 8330/8331Luis Fabrício Cirillo de Carvalho Maria Santíssima de Lima Email: [email protected]ó-Reitor de Pesquisa Revista UFMT Ciência Avenida Fernando Correa da Costa, 2367Adnauer Tarquínio Daltro Editor-Chefe Boa Esperança – Cuiabá – Mato GrossoPró-Reitora de Planejamento Benedito Diélcio Moreira CEP: 78060-900Elisabeth Aparecida Furtado de Mendonça Editora Executiva Universidade Federal de Mato GrossoPró-Reitora de Pós-Graduação Maria Santíssima de LimaLeny Caselli Anzai ReportagemPró-Reitora do Campus de Rondonópolis Selma Alves, Géssica Vilela, Coroline Landhi, Camila
Alexandre Cervi
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Contrapontos
graus maior. Adicionalmente, ainda
deveria ser levado em conta o aumento
da taxa de emissão de metano, outro
gás de efeito estufa, protagonizado
pelo aumento do rebanho mundial de
gado, o que agravaria ainda mais o
problema.
Diante desses resultados, existe
controvérsia entre cientistas, políticos,
engenheiros e pensadores acerca da
real dimensão dos impactos advindos
do aumento do efeito estufa. Há
a qu e l e s q u e a c r e d i t am que
naturalmente o meio-ambiente pode
minimizar os efeitos, mas há outros
que, no outro extremo, como o
químico inglês James Lovelock,
acreditam que bilhões de pessoas
morrerão prematuramente nas
próximas décadas em função do
fenômeno.
Efeito estufa: Uma farsa?
Entre as previsões pouco otimistas e as
alarmistas, há, no entanto, aqueles que
simplesmente não acreditam que a
injeção de gás carbônico na atmosfera
tenha qualquer impacto sobre o clima
e que o aumento na temperatura
registrada nas últimas décadas são
atribuíveis a fenômenos naturais, os
quais, em breve, darão lugar a tempos
de declínio contínuo da temperatura.
Há, ainda, os que acreditam que a
injeção de gás carbônico na atmosfera
tenha um efeito inverso – que a
Profa. Dra. Iramaia Jorge Cabral de Paulo- Prof. Dr. Sérgio Roberto de Paulo
Os impactos de um possível aumento do efeito estufa sobre o clima na Terra têm se constituído num dos debates científicos, e políticos, mais controversos da história da
ciência. Há evidências de que existe uma correlação entre a quantidade de gás carbônico injetado na atmosfera e a sua temperatura média, indicando que essa
quantidade estaria aumentando substancialmente nas últimas décadas em função da ação antrópica. Contudo, a Terra está sujeita a ciclos naturais de aquecimento e resfriamento. Assim seria o aquecimento global uma condição natural ou fruto do
impacto do desenvolvimento sobre o meio ambiente?
Efeito estufa:Estaria o homem construindo a maior
catástrofe climática de sua história?
Contrapontos
poluição tem o efeito predominante de
bloquear a radiação solar, reduzindo a
incidência de energia sobre a superfície
da Te r r a , consequen temen te
contribuindo com o seu resfriamento –
essa é a
contraditórios. Em particular, no que
diz respeito à elevação dos oceanos,
alguns apontam alguns centímetros
nas próximas décadas, enquanto
outros falam em dezenas de metros, posição, por exemplo, mudando definitivamente o contorno
defendida no documentário “Global dos continentes.Dimming” da BBC, sugerindo que o Adicionalmente, quando se leva em aumento da poluição atmosférica conta aspectos políticos, a polêmica poderia ter um efeito de resfriamento se torna ainda mais complexa... afinal, global, e não de aquecimento, como a que grupos interessa que o aumento sugere a bastante conhecida posição do efeito estufa esteja ou não levando do ex-vice-presidente dos EUA, Al a um quadro definitivo de mudança Gore, exposta no filme “Uma Verdade do clima?Inconveniente”. Contudo, somente a continuidade dos O principal argumento daqueles que estudos e pesquisas sobre o tema, rejeitam a preocupação com um associados a medidas educativas possível aumento do efeito estufa é a pode resultar em mudança de hábitos própria inconsistência dos resultados que garantam a manutenção da raça de projeções sobre as conseqüências humana no planeta. Isso requer do fenômeno. As ciências ambientais decisão política de investir mais nas ainda são recentes, sendo que há pesquisas, na formação de novos grande desconhecimento, por parte pesquisadores e, obviamente, na da comunidade científica, sobre os educação básica para que possamos processos que envolvem a interação entender significati-vamente as inter-dos ecossistemas com a atmosfera. relações do homem com a natureza, Assim há, ainda, grande divergência fazermos escolhas baseados no entre modelos e resultados de conhecimento e não na nossa pesquisas diferentes. Por exemplo, há ignorância sobre o tema e, quem estudos que indicam que a Floresta sabe, mudar de hábitos e atitudes Amazônica é absorvedora de frente à problemática das mudanças carbono, outros, no entanto, apontam climáticas. Uma coisa é certa, cabe a o contrário. nós escolhermos permanecer como Nesse cenário de dúvidas e uma espécie no planeta ou se a Terra inconsistências, a divulgação de continuará sem nós. Seria mais fácil nos artigos pelos meios de comunicação inserirmos como parte efetiva da contribui, de certa forma, para intrincada teia da vida e não senhores aumentar a polêmica. Um sem donos e proprietários. É uma questão número de artigos publicados em de aprender a usar algo que a espécie jornais e revistas não-científicas humana tem de mais precioso: o livre semanais aponta uma quantidade arbítrio com amorosidade.absurdamente grande de dados
X...somente a continuidade dos estudos e
pesquisas sobre o tema, associados a
medidas educativas pode
resultar em mudança de hábitos que garantam a
manutenção da
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Como Funciona?
onte de energia para o corpo e para os como o açúcar, teve sua tecnologia aprimorada. As carros, a cana-de-açúcar, depois
primeiras experiências com álcool Fde transformada em açúcar e
surgiram na época da crise financeira de etanol, se torna capaz de mover as
1929, quando houve queda no pessoas e as máquinas que as
consumo de açúcar e os produtores conduzem, isso a partir da absorção de
buscavam alternativas de produção.seus açúcares ou queima de seu álcool. Mas foi na década de 70, com a crise do E tem mais: o bagaço da cana-de-petróleo, que o governo investiu no
açúcar, que sobra dos processos de biocombustível, intensificou a produção
fabricação de etanol e açúcar, também e estimulou a fabricação de carros pode se transformar em energia movidos a álcool com a criação do Pró-elétrica, produzida a partir do calor Álcool, Programa Nacional do Álcool.
Na época, as usinas recebiam incentivos proveniente de sua queima. Ou seja, a e subsídios para fabricar o etanol. Com cana-de-açúcar é energia pura, este estímulo do governo, a frota
independente se é para iluminar a nacional ganhou 10 milhões de veículos
cidade, movimentar veículos ou com motores à combustão etílica, ou alimentar o corpo humano. seja, de álcool etílico, como também é O Brasil tem uma história à parte com a chamado o etanol.cana-de-açúcar. Pioneiro na produção Com a volta da estabilidade do preço de açúcar e álcool, as usinas de açúcar do petróleo em todo o mundo, os surgiram no país em 1532, como veículos a álcool voltaram a perder alternativa econômica, poucos anos espaço no mercado nacional, até que após a chegada dos portugueses. As nos anos 2000 a evolução tecnológica primeiras unidades produtoras de permitiu a criação de motores açúcar foram instaladas em São Vicente bicombustíveis, que funcionam a álcool (SP) e em Olinda (PE), e foi justamente e a gasolina, os chamados motores flex.no Nordeste brasileiro que elas Por ser mais barato do que o ganharam espaço e força. Em Mato combustível derivado de petróleo, Grosso, a produção de cana-de-açúcar novamente a produção de etanol foi a principal atividade do município de disparou no país para alimentar a nova Santo Antônio do Leverger, a 27 km de frota de veículos. A demanda por etanol Cuiabá, no final do século XIX. Naquela e o conseqüente avanço na produção época, pelo menos seis usinas obrigou o governo federal, inclusive, a operavam em Santo Antonio, entre elas realizar um zoneamento na plantação a Itaicy, de propriedade de Antônio da cana-de-açúcar, para delimitar as Paes de Barros, o Totó Paes, ex- regiões onde pode haver o cultivo sem governador de Mato Grosso que foi interferência no ecossistema. assassinado em 1906, quando Mas voltando para a questão governava o Estado. energética, como a cana-de-açúcar se Voltando ao pioneirismo brasileiro, em transforma em combustível? Por quais 500 anos muitas coisas mudaram. As processos ela passa até ser possível seu plantações migraram do Nordeste para consumo tanto alimentar como as regiões Sul e Centro-Oeste, as energético? técnicas foram aprimoradas e mais O professor Antônio Marcos Iaia é produtos extraídos. O álcool, assim
Como a cana-de-açúcar vira combustível?Laís Costa Marques
coordenador da Rede Interuniversitária
para o Desenvolvimento do Setor
Suc roene rgé t i co (R idesa ) , na
Universidade Federal de Mato Grosso
(UFMT). Com experiência em
plantações e usinas de cana-de-açúcar,
ele conta quais são as etapas pelas
quais o vegetal passa para se tornar
açúcar, etanol ou energia elétrica.A Transformação
Ao chegar a uma usina, depois de colhida, a cana-de-açúcar vai direto para a lavagem, que pode ser inclusive a seco, para limpá-la. Depois de limpa, a cana é cortada em pequenos pedaços, que são encaminhados para um aparelho, similar à máquina usada para retirar o caldo da cana nas pastelarias, chamado de desfibrador. É uma espécie de esmagador, ou um difusor, que retira o caldo. A moenda é a máquina mais utilizada para a retirada do caldo da cana-de-açúcar. Ela divide a extração do caldo em quatro etapas e em cada uma a cana passa por um esmagador diferente, denominado de ternos. O comum é que 95% do caldo existente seja extraído da planta. Somente em casos excepcionais se consegue extrair mais do que 95% do caldo. Com o caldo extraído, é hora de cozinhar para depois decantar, ou seja, esperar que as impurezas sólidas se separarem do líquido. Para garantir a limpeza do produto, é adicionado um caldo de enxofre, que atua para retirar outras impurezas que não foram separadas pe lo p rocesso de decantação. Depois de puro, o caldo é cozido novamente, mas desta vez até se transformar em um melado. Neste processo, o caldo vai para o cozimento, se transforma em xarope e depois em melado. Em seguida, o melado é levado
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Como Funciona?
para uma espécie de panela giratória fermentar outro melado. O vinho é
que, ao girar, produz força centrífuga colocado em uma coluna de destilação.
que faz com que os cristais de açúcar Nesta etapa, o álcool é separado da
sejam projetados nas laterais. Este água por possuírem pontos de ebulição
recipiente, a panela, recebe o nome de diferentes. “O álcool evapora a 70°
centrífuga. De acordo com o professor, Celsius, o ponto de ebulição da água é
há na cana-de-açúcar a presença de de 100° Celsius, por isso ao ser
três tipos de açúcares: frutose, glicose e aquecido, o álcool evapora primeiro”,
sacarose. É a sacarose que dá origem ao explica Iaia.A desintegração do vinho em água e açúcar. álcool é feita com a utilização de calor e A partir desta etapa, o processo de resfriamento. Em um tanque cilíndrico e fabricação de açúcar e de etanol se alto, a chamada coluna de destilação, o separa. A sacarose é cristalizada na vinho é despejado. O topo da coluna é centrífuga e separada dos outros dois frio e a base é quente. Assim, o líquido açúcares por meio de uma lavagem. percorre o cilindro e, ao se aproximar da base, o álcool, presente no vinho, evapora antes da água. O vapor é resf r iado e se condensa , se O mel, como é chamado o caldo transformando em líquido novamente. que resulta da lavagem, é encaminhado A água continua dentro da torre e para a produção do álcool, uma vez que evapora mais perto da base, onde a seus componentes são fermentíciveis, temperatura é mais alta. O líquido ou se ja , reagem à ação de condensado é uma solução chamada microorganismos. de álcool hidratado, com uma O Combustívelconcentração alcoólica de 93,8%. Este é Antônio Marcos Iaia explica que a o produto utilizado como combustível. processo de produção do açúcar é O álcool anidro, que é adicionado na mecânico, já a produção de álcool é um gasolina, surge depois de mais uma processo biológico. “Para fazer o álcool retirada de água da solução, que é feita são usadas leveduras, que são os por elementos sequestrantes de água fungos Sacaramices cruvizae, o mesmo ou por uma peneira molecular, que usado para fermentar pão”. As retém as moléculas de água.leveduras adicionadas ao melado se
100% de aproveitamentoalimentam do açúcar e a metabolização Os subprodutos de uma usina são a deste açúcar nos fungos resulta em vinhaça, que sobra da fabricação de álcool e gás carbônico (CO2). álcool, e o bagaço da cana-de-açúcar. A Após a fermentação, que é realizada em vinhaça é reutilizada como adubo nas caldeiras, ou como são conhecidas nas plantações ou na irrigação e assim usinas, dornas de fermentação, o evita-se seu depósito nos rios. melado se transforma em um líquido Depois de todo os processo, a cana-de-chamado vinho, formado após a açúcar é reduzida a uma fibra insolúvel fermentação e que contém álcool, água que atualmente é utilizada na produção e leveduras. Para retirar as leveduras, o de energia elétrica. O bagaço resultante vinho é centrifugado e o 'leite de é queimado em caldeira e o vapor é levedura' é reaproveitado para
O açúcar cristal está pronto. Para fabricar o açúcar refinado ele recebe tratamento químico para deixá-lo mais branco e menor.
Uma Rede para o desenvolvimento da
Cana-de-açúcar
A Rede Interuniversitária para o D e s e n vo l v im e n t o d o S e t o r Sucroenergético (Ridesa) é um projeto nacional com pesquisas desenvolvidas em 10 universidades. Na UFMT a Ridesa conta com a participação de três estudantes de Agronomia, Lucas Ticianel, Demes Resende Gomes e Leandro Barbosa, além de um engenheiro agrônomo, Jorge Hildebrandt, e outros professores que cooperam para o desenvolvimento dos trabalhos, como Leime Ko Baiasti, Daniela Campos, Aluísio Bianchini e Márcio Nascimento, coordenador do curso ao qual o Ridesa está vinculado, a Agronomia.A Ridesa trabalha para o melhoramento genético da cana-de-açúcar com a produção de espécies mais produtivas. Por ano, três milhões de plantas são geradas nos centros de pesquisas espalhados pelo Brasil. As mudas são desenvolvidas a partir do cruzamento genético para se chegar a uma nova espécie. Este processo, apesar de parecer simples, leva em média 10 anos, até que uma nova espécie surja.O professor Antônio Marcos Iaia revela que a Ridesa no Estado ainda está em processo de instalação. “Temos apenas dois anos e ainda estamos começando os trabalhos, mas o importante é que integramos uma rede de estudos e podemos trocar as experiências. Este ano, serão lançadas 13 variedades em todo o país”. Em Mato Grosso, a Ridesa é financiada pela UFMT e conta ainda com a contribuição das usinas de cana-de-
Reação Química da Combustão do Etanol
Uma molécula de etanol reage com três de oxigênio (O2) e 11,3 moléculas de nitrogênio (N2). Resultam da reação duas moléculas de gás carbônico (CO2), três moléculas de água
2 6 2 2 2 2 2C H O + 3 O + 1 1 , 3 N 2 C O + 3 H O + 1 1 , 3 N
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transformado em energia, reutilizada na dentro da célula. Mas o açúcar a ser
própria usina. Antônio Marcos Iaia transformado em energia não está
afirma que hoje em dia não se instala presente apenas no produto derivado da
mais uma usina sem que haja co- cana-de-açúcar. A professora Fabiana
geração de energia. “Hoje se aproveita Aparecida Canaan Rezende, da
tudo em uma usina. E o potencial a ser Faculdade de Nutrição da UFMT, explica
aproveitado poderia ser ainda maior, se que 60% das calorias, unidade de
todo o bagaço produzido no Brasil fosse medida energética do corpo, é
queimado. A energia seria equivalente proveniente dos carboidratos, alimentos
ao que gera uma Itaipu”. que se caracterizam pela presença de Em Mato Grosso, duas, das sete usinas moléculas de carbono. em f un c i onamen to , po s s uem Os carboidratos são aqueles alimentos termelétricas. O diretor executivo do que possuem açúcares, sacarose, frutose Sindicato das Indústrias de Álcool e e glicose, como pães, arroz e o Açúcar de Mato Grosso (Sindálcool), tradicional açúcar. Fabiana Rezende diz Jorge dos Santos, diz que os produtores que ao ser ingerido, o açúcar é querem investir no segmento, mas absorvido pelo intestino depois que aguardam incentivos do governo para a enzimas agem na molécula de sacarose, instalação de geradores. De acordo com transformando-a em glicose e frutose. Santos, a energia a ser gerada, além de Depois de separada, a glicose entra na limpa, iria suprir a demanda do Estado corrente sanguínea e é conduzida para a no período de seca, quando os rios maioria das células do corpo. “É dentro ficam mais vazios. das células que a glicose se oxida e dá
Movendo o corpo e a máquina origem à ATP. A entrada e saída de A energia que o corpo humano utiliza fósforo da molécula de ATP é que para realizar as atividades biológicas, produz a energia necessária para fisiológicas e até sociais é fruto da sobreviver”.transformação do açúcar em Adenosina O Guia Brasileiro de Orientação Tri Fosfato (ATP), a fonte de energia recomenda a ingestão de 2 mil calorias gerada por
dia para que um adulto mantenha as
atividades vitais. Fabiana Rezende
afirma que cada grama de carboidrato
possui quatro calorias, mas reforça que,
além dos carboidratos, o ser humano
precisa ingerir proteínas e vitaminas,
alimentos que apesar de não se
transformarem em açúcares também
possuem calorias.Já dentro de um motor a combustão, o etanol funciona como um combustível devido à produção de calor. A reação do etanol com o oxigênio e o nitrogênio, que é introduzido no motor pela injeção eletrônica ou pelo carburador, resulta na explosão, que neste caso é controlada, o que gera calor e move o motor. As máquinas a combustão funcionam como as termelétricas, a energia necessária para mover as turbinas vem do calor, é energia térmica sendo transformada em energia mecânica.Em carros movidos a álcool, ou etanol, o consumo de combustível é maior do que com o uso da gasolina, isso porque o poder calorífico do álcool é menor. A gasolina produz 9.600 quilocalorias por quilograma, já o etanol produz 6.100.
Como Funciona?
Jovem Cientista
esde que ganhou o primeiro “Sempre quis atuar em um segmento que se
computador, aos 13 anos, Allan enquadrasse ao contexto do Estado e DGonçalves de Oliveira já sabia que contribuísse para o seu desenvolvimento na
aquela seria a máquina de sua vida. Hoje, aos 23 região”, afirma o jovem, que trabalhava na
anos, o computador é mais do que uma formatação de programas de imagens
máquina de diversão, é instrumento de utilizados por pesquisadores florestais. Além do
trabalho e de pesquisa do jovem cientista. Alan objetivo de contribuir para a região, Allan afirma
foi premiado em 2008 como o melhor que quando iniciou as pesquisas identificou
pesquisador de exatas da Universidade Federal uma vocação acadêmica essencial para dar
de Mato Grosso (UFMT). O Prêmio Severino continuidade aos estudos. “Tenho colegas que
Meireles elege os melhores pesquisadores da iniciaram trabalhos de pesquisa e não
UFMT nas três áreas do conhecimento: ciências concluíram pois não se identificaram com esse
humanas, biológicas e exatas. ritmo de trabalho. Eu sempre gostei e ainda
Allan Gonçalves veio de Vila Bela da Santíssima encontrei um professor que é muito dedicado e Trindade, a 540 quilômetros de Cuiabá, para que me ajudou muito”, diz sobre o seu cursar o 3º ano do Ensino Médio e logo no orientador Josiel Maimone que, segundo Allan primeiro vestibular que fez, foi aprovado e, em foi peça-chave para que suas pesquisas 2005, iniciou o curso de Ciências da atingissem os objetivos traçados. Em 2009 Allan Computação na UFMT. Esta foi a única opção encerrou sua participação no grupo de profissional de Allan e um tiro certeiro no futuro. pesquisa com a conclusão do curso de No primeiro semestre de faculdade o estudante graduação. teve contato com os estudos desenvolvidos no
Atualmente, o jovem cientista realiza uma curso de Computação. Ele lembra que os alunos
pesquisa de mestrado em física ambiental e, que atuavam em pesquisas percorriam as salas
novamente com o professor Maimone, ele atua de aula para divulgar os projetos, uma forma de
como ponte entre os pesquisadores sobre divulgar os trabalhos e atrair os novos colegas ,
florestas tropicais e as tecnologias possíveis o que deu certo com Allan, que teve o interesse
para auxiliar o monitoramento. Allan despertado pelos acadêmicos. No segundo
conquistou a vaga no mestrado assim que se semestre Allan passou a integrar o grupo do
formou. Segundo o jovem pesquisador, o professor doutor Josiel Maimone, como
prêmio Severino Meireles foi essencial para voluntário em pesquisa de desenvolvimento de
que obtivesse essa vitória. “O prêmio me programas para computador.
certificou como um pesquisador e comprova Foram seis meses de dedicação à pesquisa sem que além de pesquisar, também sei escrever qualquer tipo de remuneração ou ajuda cientificamente”, afirma o jovem.financeira, até que quando estava no terceiro
Com oito meses de pesquisa, o mestrado de semestre da faculdade conseguiu uma vaga
Allan deve ser concluído em 2012. Em seguida como bolsista Pibic do Conselho Nacional de
ele pretende iniciar o doutorado: “Quero ser Desenvolvimento Científico e Tecnológico
um pesquisador da UFMT. Vou dar (CNPq) para dar continuidade à pesquisa de
continuidade aos estudos até que eu possa desenvolvimento de softwares e hardwares
adentrar no corpo docente da universidade”.para gerenciamento de imagens de florestas.
Jovem Cientista
O Prêmio Jovem Cientista Professor Severino Márcio Meirelles foi criado pela
UFMT e elege, anualmente, de todas as áreas do conhecimento, as três
melhores pesquisas. Um aluno bolsista Pibic na área de humanas, outro de
exatas e um que atua na área das ciências biológicas recebem o título de
jovem cientista e têm seus trabalhos encaminhados para o concurso nacional
Destaque de Iniciação Científica, que premia os melhores alunos Pibic do
Allan Gonçalves de Oliveira, premiado em
2008 como o melhor pesquisador de exatas da
Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
“Quero ser um pesquisador da UFMT!”
Laís Costa Marques
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Tocando o Futuro
om apenas seis anos de idade, Dominique Romio sabe bem o significado da palavra
“glúten”. Quando alguém lhe oferece um alimento, ela logo pergunta: “Tem glúten?”. Se Ca resposta for sim, Dominique complementa: “Isso eu não posso porque faz mal para
minha barriga”. Ela precisou aprender o que é glúten – proteína presente no trigo, centeio,
cevada e aveia, usada na fabricação de biscoitos, massas e pães – porque possui a doença
celíaca (DC). Os portadores de DC, também conhecidos como celíacos, não podem ingerir
produtos elaborados com essa proteína. Encontrar e preparar alimentos sem glúten não é uma
tarefa fácil. Mas, através da pesquisa, é possível descobrir alternativas para solucionar ou
amenizar o problema.
No Brasil não existem dados precisos sobre o número de celíacos diagnosticados ou a
prevalência da doença na população em geral. No entanto, há dados internacionais apontando
que 1% da população mundial é celíaca. Em pesquisas feitas em algumas cidades brasileiras,
como São Paulo, foi constatada a prevalência de um celíaco para cada grupo de 214 pessoas.
Ao pensar nesse público e na dificuldade de acesso aos alimentos sem glúten, a professora
Angélica Aparecida Maurício, da Faculdade de Nutrição da Universidade Federal de Mato
Grosso (UFMT), desenvolveu um bolo de cenoura isento de glúten. Além de criar e padronizar
fórmulas para o produto, outro objetivo da professora é avaliar a aceitação e intenção de
compra do consumidor.
A pesquisa faz parte do projeto de doutorado de Angélica, realizado na Universidade Estadual
de Campinas (Unicamp). Embora o estudo não esteja concluído, foi premiado no XXI Congresso
Brasileiro de Nutrição (Conbran 2010), realizado em junho no município de Joinville-SC, como
melhor trabalho na área de Esporte, Marketing e Tecnologia – Comunicações Coordenadas. A
premiação representa o reconhecimento do esforço da pesquisadora em desenvolver um
alimento que atenda um público alvo com dificuldade de acesso a produtos isentos de glúten.
Angélica está verificando a aceitação do bolo de cenoura nas versões com e sem açúcar, para
favorecer celíacos que tenham ou não diabetes também. Esse tipo de bolo foi escolhido por ser
um alimento de fácil aceitação e por não apresentar leite em sua composição, além de ser rico
em vitamina A – importante para o doente celíaco. “Eu fiz os testes de forma que tudo evidencie
para uma produção caseira. A pessoa pode fazer a receita em casa. O diet é um pouco mais
trabalhoso por conta dos ingredientes que são a sucralose, polidextrose e o maltitol”, afirma a
pesquisadora.
Nas conclusões preliminares foi identificada a possibilidade de substituir a farinha de trigo por
farinhas isentas de glúten e, ao mesmo tempo, manter as características sensoriais desse bolo
semelhantes ao tradicional. Foram elaboradas seis diferentes formulações e comparadas ao
bolo padrão (com glúten). Nas formulações é usado um mix de farinhas isentas de glúten, sendo
três fórmulas com açúcar e três sem açúcar. Este mix consiste nos seguintes ingredientes: fubá,
farinha de arroz, fécula (popularmente conhecida como amido) de batata e amido de milho.
Na receita, que inclui cenoura cozida, óleo de milho, açúcar refinado e fermento químico em pó,
o mix é substituído pela farinha de trigo. Nas formulações diet, o teste foi feito com a sucralose –
um tipo de adoçante usado em confeitaria. A satisfação pelo consumo do bolo foi verificada em
pessoas que não possuem a doença celíaca e os resultados obtidos foram positivos. A
pesquisadora explica que seria muito mais complicado testar a satisfação do produto com os
doentes celíacos, pois, para isso, seria necessário pesquisar num local que não oferecesse risco
nenhum de contaminação por glúten. A partícula da proteína pode ficar em suspensão por até
12 horas, comprometendo, portanto, o resultado do estudo. “Então, se a pessoa que consome
alimentos com glúten aprovou o bolo sem glúten, o doente celíaco também deve aprovar”,
sintetiza. Entre as receitas testadas, a mais aceita foi a que não contém o fubá, pois a massa ficou
mais macia.
Pesquisa
Camila Tardin
Farinhas e Féculas
TRIGO = farinha, semolina, germe e farelo.
AVEIA = flocos e farinha. CENTEIO
CEVADA = farinha. MALTE
Todos os produtos elaborados com os cereais citados acima
BEBIDAS
Cerveja, whisky, vodka, gin, e ginger-ale. Ovomaltine, bebidas
contendo malte, cafés misturados com cevada. Outras bebidas cuja composição não
esteja clara no rótulo.
PROIBIDOS
Bolo de Cenoura sem Glúten
12
Na análise sensorial, principal foco do estudo, foi verificado o grau de aceitação do consumidor,
ou seja, foi avaliado um conjunto de características apontadas sensorialmente pelo consumidor
por meio da visão, odor e sabor. A partir daí os consumidores deram nota para o bolo, que
variou de 7 a 8. O público mais velho deu as maiores notas em comparação aos mais jovens. Os
testes foram realizados na Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp.
Quando o estudo ficar pronto, Angélica pretende tornar público o mix ideal para produção do
bolo de cenoura sem glúten e disponibilizá-lo para empresas que tenham interesse em
comercializar o produto. Doentes celíacos, como Dominique, agradecem a iniciativa.
A doença celíaca pode se manifestar em qualquer fase da vida, desde criança de colo até nos mais
velhos, sendo necessário existir predisposição genética e estar consumindo glúten. Como os
sintomas são diversos e comuns a outras enfermidades, o diagnóstico costuma ser feito muito tarde,
após o paciente passar por vários hospitais e consultórios. Os sintomas mais comuns são: diarréia
crônica, vômitos, irritabilidade, falta de apetite, déficit de crescimento em criança, barriga inchada,
emagrecimento, dor abdominal e anemia.
O diagnóstico tardio pode trazer outras sequelas ao paciente, como osteoporose, perda de
memória, problemas de absorção de intestino, entre outras. Para confirmar a doença existem exames
de sangue que indicam a presença de anticorpos provocados pela intolerância ao glúten. No
entanto, também é importante fazer uma biópsia (retirar uma amostra de tecido interno) do intestino
delgado. O tratamento é ficar longe dos alimentos com glúten. Alguns dos alimentos permitidos são
arroz, legumes, verduras, frutas, ovos, leite, carne, leguminosas, milho, amido de milho, fécula de
batata, farinha e arroz, fubá, polvilho, entre outros.
Aos poucos surgem leis para beneficiar a vida dos doentes celíacos. Desde 1992, por exemplo, uma
lei federal passou a exigir que no rótulo dos alimentos industrializados fosse informada, de maneira
clara, a presença do glúten no produto. A partir de 2003, uma nova regulamentação determinou que
as embalagens apresentem um alerta informando “contém glúten” ou “não contém glúten”.
Recentemente, no Paraná, foi instituída uma lei estadual determinando a exposição separada dos
alimentos nos supermercados, para dietas especiais, como produtos recomendados para pessoas
com diabetes, intolerantes à lactose e com doença celíaca, a fim de evitar a contaminação cruzada.
Para orientar os profissionais de saúde sobre o diagnóstico e o tratamento desse problema em todo
o país, o Ministério da Saúde sancionou, em setembro de 2009, uma portaria contendo o Protocolo
Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Doença Celíaca.
A DOENÇA
Farinhas e Féculas
As mais indicadas: Arroz, Batata,
Milho e Mandioca.
Arroz = farinha de arroz, creme de
arroz, arrozina, arroz integral em
pó e seus derivados.
O creme de arroz não é um creme
ou pasta, e sim um pó.
Milho = fubá, farinha, amido de
milho ( maisena ), flocos, canjica e
pipoca.
Batata = fécula ou farinha.
Mandioca ou Aipim = fécula ou
farinha, como a tapioca, polvilho
doce ou azedo.
Macarrão de cereais = arroz, milho
e mandioca.
Cará, Inhame, Araruta, Sagu, Trigo
sarraceno
BEBIDAS
Sucos de frutas e vegetais
naturais, refrigerantes e chás.
Vinhos, champagnes, aguardentes
e saquê. Cafés com selo ABIC.
PERMITIDOS
Tocando o Futuro
13
Quando Dominique nasceu, sua mãe,
Aline Lepinsk Romio e Silva, não sabia
mais o que fazer com as constantes crises
de diarréia, vomito e falta de apetite que
surgiram em sua filha após a inclusão de
papinhas e frutas na alimentação. Os
s intomas eram
característicos dos
po r tadores de
doença celíaca, mas
vários médicos de
C u i a b á n ã o
c o n s e g u i a m
d iagnost i ca r o
p r o b l e m a .
D o m i n i q u e
precisou passar por
dez pediatras, um
pneumologista e
um gastro até
d e s c o b r i r e m ,
depois de oito
meses, que ela tinha
intolerância ao
glúten. Os demais
sintomas persisten-
tes na criança, como
d e s i d r a t a ç ã o ,
refluxo, barriga
estufada e dor de
garganta, eram
confundidos com
outras enfermida-
des. “Nossa, eu chorava e rezava muito,
minha preocupação era descobrir logo a
doença”, lembra Aline.
Para tratar o celíaco não há remédio,
apenas dieta alimentar. Com o passar do
tempo a família se adaptou ao novo
cardápio: tudo sem glúten. Até o filho
mais novo, Lorenzo, de 4 anos, segue a
dieta junto com a irmã Dominique, que
está aprendendo a ler e fica atenta à
palavra “glúten” escrita nos rótulos das
PERSONAGEMembalagens. A mãe reclama da dificulda-
de de encontrar alimentos diversificados
isentos de glúten. Além disso, esses
alimentos são bem mais caros do que os
convencionais. “Já tive que enfeitar muita
lata para deixar a comida com uma cara
mais agradável”,
recorda Aline.
Outro problema é
que não existe
armazenamento
adequado dos
p r o d u t o s s em
glúten na maioria
dos supermercados.
O s a l i m e n t o s
p re c i s am f i c a r
separados daqueles
q u e p o s s u e m
glúten para não
correr o risco da
c o n t a m i n a ç ã o
cruzada. A falta de
cuidado com os
rótulos (que devem
informar se contém
ou não glúten) e o
manejo inadequado
do s a l imen to s
também prejudi-
cam o doente
celíaco.
Q u e m q u i s e r
conhecer mais sobre a doença, o blog
“ M a t o G r o s s o S e m G l ú t e n
(http://mtsemgluten.wordpress.com),
criado por Aline, dispõe de outras
informações. Nele, os internautas
encontram orientações sobre a doença e
dicas de alimentação. Os interessados
também podem saber mais informações
no site da Federação Nacional das
Associações de Celíacos do Brasil –
F e n a c e l b r a
(http://www.doencaceliaca.com.br)
l l l l l l l l l l l l
Tocando o Futuro
O melhor tratamento é apenas dieta alimentar
14
que uma parábola tem a ver com
Beethoven? O que os números têm Oa ver com o som e o que uma
batuta tem a ver com o relógio? Estas são
perguntas que parecem sem nexo, mas que
nossos ouvidos interpretam sem entender e
a emoção se manifesta à primeira nota que
soa de um concerto. As orquestras são, em
um único momento, sons e músicos
diferentes e harmônicos ao mesmo tempo.
Orchestra era o nome dado pelos gregos ao
espaço semicircular onde as apresentações
culturais aconteciam, fossem musicais,
teatrais ou de danças. Hoje, Orquestra
denomina qualquer conjunto de músicos,
independente do estilo, ritmo
ou influência que rege as
melodias. Mas é por meio da
música clássica e erudita que
as orquestras são identificadas
mundo afora. Nem tanto
populares, mas bastante
conhecidas, as orquestras
sinfônicas ou filarmônicas
miscigenam curiosidade,
encantamento. Nem
todos assistiram uma
apresentação, mas
todos já ouviram falar.
Nem todos entendem
e muitos têm
Arte Aqui e Agora
curiosidades a respeito.
Para entrar neste mundo de notas, sifras e
instrumentos como espectador é preciso
mais do que ouvidos, é necessário
sensibilidade. Para integrar uma orquestra,
mais do que talento, é preciso dedicação. E
para abrir as cortinas desse espetáculo, o
maestro da Orquestra Sinfônica da
Universidade Federal de Mato Grosso,
Fabrício Carvalho, começa explicando o que
forma uma orquestra de música clássica
erudita. Atualmente as companhias
sinfônicas ousam em parcerias com a
música de estilos populares como o rock, o
samba e até mesmo o rasqueado em Mato
Grosso, mas em suas essências trabalham
interpretando grandes obras, conjunto de
partituras escritas individualmente para
cada instrumento e que em conjunto dão
som a concertos musicais.
Uma orquestra é dividida em conjuntos, ou
câmaras, de acordo com os naipes dos
instrumentos, como são chamadas as
famílias às quais pertencem. Em uma
orquestra clássica, quatro naipes compõem
o grupo: Corda, Madeira, Metal e Percussão.
E cada um remete à reunião de um estilo
instrumental.
A Câmara de Corda, por exemplo, é
composta por instrumentos como violino,
violoncelo. A de Madeira, apesar do nome,
n ã o d e n o m i n a i n s t r u m e n t o s
confeccionados desse material. Esta família
é dos instrumentos de sopro, como as
flautas, e hoje, em sua maioria, eles são
Sons, Música, Física e
MatemáticaLaís Costa Marques
15
Arte Aqui e Agora
idealizado por alguém saia do papel
respeitosamente.
Durante todo o processo, surge no
comando um músico que utiliza de
muita expressão no rosto e uma vareta
na mão para reger o conjunto de
músicos que integram a orquestra. A
vareta não é uma simples vareta, é a
batuta, que na mão do maestro, atua
como um prolongamento de seu dedo e
rodopia pelo ar numa espécie de dança.
Dança que na verdade é a contagem do
tempo. Na outra mão, que aparece livre
numa apresentação, está a intensidade
de cada obra. “É com os gestos que
expressamos a intensidade, a leveza, a
docilidade ou agressividade que aquela
interpretação tem que ter”, explica o
maestro Fabrício Carvalho.
Nes te embaraço de funções ,
instrumentos e notas, o público, muitas
vezes, se atenta apenas ao resultado que,
para ser satisfatório, tem que tocar não só
a música, mas também a emoção de cada
um.
Uma História de Música
Pouco mais nova do que a Universidade
Federal de Mato Grosso, que neste ano
completa seus 40 anos de vida, a
Orquestra Sinfônica da UFMT também
traça no Estado a história da música
clássica. Na verdade, até hoje ela é a
única orquestra completa e, ao longo
dos seus 31 anos de existência, se
caracteriza pela democratização do
gênero. A Orquestra Sinfônica da UFMT
é composta por músicos de diferentes
formações
feitos de metais. Os outros dois naipes
são os que ficam mais distantes do
público geograficamente, mas seus
sons estão entre os mais fortes de uma
orquestra. O Metal é a família do
trompete e das tubas, por exemplo,
enquanto a Percussão é composta pelo
bumbo sinfônico e pelos pratos, entre
outros.
Uma orquestra completa é aquela que
reúne os quatro naipes, porém podem
ser criadas orquestras de câmara, que
unem instrumentos de apenas um naipe
ou dois. Nestes casos, os instrumentos
nem sempre estão juntos. Há
compositores que compõe para poucos
naipes e assim surgem as orquestras de
câmara, como Mozart. O compositor
fazia muito isso, ele compunha para
cordas e acrescentava as trompas, por
exemplo, como é a sinfonia número 29.
Para cada instrumento há um conjunto
de partituras. Carvalho diz que a
complexidade das grandes obras é
justamente essa. “Os compositores
precisam compor individualmente e
depois, juntar todos os instrumentos
harmonicamente. Por isso, apenas
grandes talentos, quase gênios são
capazes de compor as peças”.
Na verdade, uma orquestra é um
conjunto de grandes talentos. Depois
de uma criação genial, outros grandes
talentos entram em cena para dar vida
às notas. Os músicos precisam ser não
só talentosos como muito dedicados.
São horas de estudo e ensaios para que
o que foi
Em uma orquestra
clássica, quatro naipes
compõem o grupo:
Corda, Madeira, Metal e
Percussão. E cada um
remete à reunião de um
estilo instrumental.
16
A vareta não é uma
simples vareta, é a
batuta, que na mão do
maestro, atua como um
prolongamento de seu
dedo e rodopia pelo ar
Física e matemática para a música
Quem sempre acompanha uma orquestra repara que os instrumentos estão sempre
no mesmo lugar e isso não é apenas uma convenção. Isso é física! A disposição dos
músicos no palco é de acordo com a intensidade de cada instrumento, ou seja,
quanto mais forte for o som de um naipe, mais distante ele tem que ficar da plateia.
Fabrício Carvalho explica que é a intensidade que determina a velocidade com que o
som chega até os ouvidos. Sendo assim, para que o som dos violinos chegue junto
com o dos pratos, ele precisa estar mais perto de quem ouve. “Se fossem todos
colocados em uma mesma linha, os instrumentos de percussão ou os metais iriam
calar as cordas e as madeiras”.
E não é só isso não. Outra disciplina das Exatas entra no palco de uma orquestra para
uma equação perfeita. “Música e matemática se confundem em sua gênese”, afirma
Fabrício Carvalho. Assim como a descoberta dos valores de incógnitas de uma
equação matemática resulta em pontos em um espaço entre dois eixos, um vertical
e outro horizontal, os eixos 'X' e 'Y', os pontos traçados em uma partitura são
resultados da relação entre o tempo e a intensidade das notas musicais.
acadêmica s , po r en tende r a
necessidade de estar sempre se
renovando. A UFMT compõe seu elenco
de acordo com os talentos e não de sua
formação teórica. Entre os 45 artistas,
músicos, estudantes de ciências exatas,
biológicas ou humanas, funcionários da
instituição e pessoas da comunidade
externa participam desta fusão de talentos.
“A Orquestra está permanentemente
aberta e precisa disso para se oxigenar.
Somos um organismo vivo sempre pronto
para receber novos músicos”, define o
maestro Fabrício Carvalho.
Os ensaios são realizados individualmente
e em conjunto e estão abertos para quem
quiser participar ou apenas ouvir a
composição de uma apresentação. A
Orquestra fica no Centro Cultural da UFMT,
no campus de Cuiabá.
Arte Aqui e Agora
17
Mistérios da Vida
Não há quem nunca tenha visto um piolho de cobra,
com suas centenas de pernas em movimento e que, ao
ser tocado, se enrola todo! O Pantanalodesmus
marinezae e a Poratia salvator vivem no Pantanal, a
maior planície alagável do planeta e na região de
Cuiabá. E quem diria: esse “simples” bichinho tem tanta
importância e é motivo de estudo em todo o mundo!
Pesquisas da UFMT registram novo gênero e
comportamento nunca antes detectado.
María Santíssima de Lima
piolho de cobra é um tipo de animal que chamados pelos pesquisadores os piolhos de está presente nos mais diferentes cobra. Ao contrário do que diz o nome, não Oambientes: no deserto, na floresta e no possuem mil pés, mas entre 50 a 375 pares,
pantanal; no clima tropical e no temperado. Vive segundo o professor Henrik Enghoff, do Museu de
História Natural da Dinamarca. Essa enorme escondido entre folhas e galhos em
“família” acaba de ganhar um novo membro, decomposição, onde se alimenta e se reproduz. Já descoberto no Pantanal Mato-Grossense, pela estava presente na terra no tempo dos pesquisadora da Universidade Federal de Mato dinossauros e também era gigante, se comparado Grosso (UFMT), Marinêz Isaac Marques. Sob sua aos seus descendentes de hoje – há fósseis de orientação, foi também descoberto que uma quase dois metros. Entre os grandes antepassados microscópica mãe milípede se enrola e cerca de há espécies que foram encontradas na América do cuidados os seus ovinhos, um comportamento
Norte e na região onde hoje ficam a República nunca antes observado entre os piolhos de cobra.
Tcheca e a Eslováquia.Comumente, as fêmeas põem os ovos e os
Os c i en t i s ta s es t imam que ex i s tam deixam. Diferentes no tamanho e no
aproximadamente dez mil espécies de milípedes comportamento, esses dois piolhos de cobra
descritas em todo o globo. Milípedes é como são vivem na maior planície alagável do
18
Descobertos um novo piolho de cobra e os cuidados de uma mãe quase invisível.
O Cuidado Parental dos Piolhos de Cobra
Mistérios da Vida
Planeta, cuja área, somente no Brasil, dedique a descrever a vida dele”, diz a
atinge 139.111 quilômetros quadrados e professora Marinêz Isaac Marques, que
estão sendo estudados pelos é orientadora do mestrado em Ecologia
pesquisadores do Laboratório de e Conservação da Biodiversidade do
Ecologia e Taxonomia de Artrópodes Instituto de Biociências da UFMT. Já se
Terrestres e Aquáticos (Leta) do Instituto sabe que a eclosão dos ovos desse
de Biociências da UFMT (leia na página bichinho acontece na época de cheia do
20). Pantanal e, no campus, foi encontrado
Pantanalodesmus – Esse piolho de em grande quantidade no período de
cobra foi encontrado em material chuva. Sabe-se, também, que não coletado do solo, embaixo de um acuri suporta muita exposição ao sol e que (palmeira típica da região), onde o está entre os maiores da classe - tem grupo de pesquisa da UFMT estava cerca de dez centímetros de estudando a copa da planta e o solo comprimento. O tamanho dos piolhos para verificar como os diplópoda
de cobra varia de 2mm a 30cm de sobrevivem ao ciclo das águas da maior
comprimento, registra a obra “A planície alagável do planeta. Diplópoda
Biologia dos Milípedes”, de Stephen P. é a classe em que estão esses animais,
Hopkin e Helen J. Read (1992). O novo aos quais se junta o recém-encontrado
piolho de cobra foi enviado para parente, que agora tem seu gênero e
especialistas para identificação. “Como espéc ie conhec idos . E le é o na época - 1999-2002 – estávamos Pantanalodesmus marinezae. Ganhou trabalhando com pesquisadores da esse nome científico em latim, área, fomos veri f icar se esse indicando a região onde vive, o animalzinho era realmente diferente Pantanal, e a líder do grupo que o
dos demais. Em seis a oito meses, mais descobriu, Marinêz. Nada pessoal. Foi
assim que o sueco Carlos Lineu, um dos ou menos, veio a resposta – verificou-se
mais famosos naturalistas do mundo, que era um gênero novo”. Conta o
estabeleceu, no século XVIII, como pesquisador Richard L. Hoffman, do seriam identificados os animais e Museu de História Natural da Virgínia, plantas. nos Estados Unidos, que com a O Pantanalodesmus marinezae foi descoberta da pesquisadora da UFMT, encontrado na Baía do Pirizal, município são três os gêneros conhecidos, de Poconé (MT), onde o Núcleo de
restritos ao sul de Mato Grosso - um Estudos do Pantanal (Nepa), da UFMT,
descrito em 1951, com duas espécies; tem uma base de pesquisa. Depois, foi
outro em 1949, com uma só espécie. Ele encontrado também no Campus da
fez comparações entre esses gêneros UFMT, em Cuiabá. “Nada se conhece
para constatar que o descoberto agora ainda da sua biologia e ciclo de vida, e
nunca tinha sido estudado.propomos que um aluno se
19
Mistérios da Vida
Gongolô Mãe Cuidadosa
Vicente Alves, jardineiro na UFMT de 1978 a 1994, é antigo Ao desenvolver sua pesquisa para o mestrado em Ecologia e conhecedor desse piolho de cobra, que somente agora foi Conservação da Biodiversidade, entre 2006 e 2008, a descrito pelos cientistas. “Esse aí é o gongolô, gongo, gonguru, pesquisadora Tamaris Pinheiro Gimenez descobriu que Poratia como a gente o chama”, diz ao ver a foto tirada pela Salvator, um piolho de cobra quase invisível (3.5 mm), tem um pesquisadora, contendo o nome científico Pantanalodesmus hábito chamado cuidado parental. Isso quer dizer, que a mãe marinezae. Ele lembra que “desde criança, na roça, em põe e cuida dos seus ovinhos até que nasçam os filhos. “É uma Guiratinga e Rondonópolis, via esse bichinho, principalmente na forma de garantir a sobrevivência da prole e isso nunca se época da chuvarada, quando saia bastante de debaixo das observou entre os diplópoda”, diz a professora Marinêz, folhas”. Também no campus da UFMT ele sempre os vê no orientadora de Tamaris em seu trabalho científico. período de chuvas, saindo principalmente de onde há folhas Esses bichinhos foram recolhidos no Pantanal, em uma fazenda acumuladas. Na seca é difícil de ser encontrado. Entretanto, do município de Livramento, próximo a Poconé e no Campus do Vicente Alves, que hoje é gerente de Manutenção do Campus, Centro Universitário de Várzea Grande (Univag), região próxima atesta que nunca soube a importância dele, nunca viu falar se ao rio Cuiabá. Tamaris Pinheiro acompanhou todo o seu ciclo faz mal à saúde, e também como se alimenta. “Nunca vi ele se de vida e verificou que é raro encontrar machos dessa espécie e alimentando, nunca o vi parado comendo, mas ele está sempre que todas as fêmeas estudadas em laboratório reproduziram bonito, brilhoso”, diz. com ausência do sexo oposto, “evidenciando a reprodução por Os artrópodes, ou Arthropoda, são indicadores biológicos da partenogênese”, que é o crescimento do embrião sem qualidade do solo e importantes decompositores. Preferem, em fertilização.sua maioria, se alimentar de folhas e galhos que caem, quando Os resultados do trabalho de mestrado (dissertação) foram já estão apodrecendo e, ao expelirem suas fezes, ampliam a publicados em um artigo na revista “Zoologia”, editada pela possibilidade de proliferação de bactérias e fungos para a Sociedade Brasileira de Zoologia em dezembro de 2009, e decomposição. também recebeu prêmio no Congresso de Etologia em Campo
Grande, em 2006.
20
No ciclo das águas e na onda do saber manejo sem sustentabilidade e a falta
de políticas públicas para resolver
A descoberta do Pantanalodesmus essas questões.
marinezae e do cuidado parental da O Núcleo de Estudos do Pantanal
Poratia salvator aconteceram durante o (Nepa) foi originado do antigo
desenvolvimento do projeto de Programa de Ecologia do Pantanal
pesquisa “Ecologia de Artrópodes em (PEP), que surgiu em 1991 e durou
Áreas Inundáveis do Pantanal de Mato doze anos. O PEP tinha financiamento
Grosso”, mais especificamente, durante brasileiro, por meio do Conselho
o estudo sobre as estratégias de Nac iona l de Desenvo lv imento
sobrevivência desses animais perante Científico e Tecnológico (CNPq), e da
o pulso de inundação do Pantanal de Alemanha, por meio do Ministério da
Mato Grosso. Educação e da Ciência, o BMBF. O PEP
A região pantaneira tem quatro era coordenado pela professora Cátia
diferentes ciclos de três meses cada – Nunes da Cunha, do Instituto de
o período em que está enchendo, de Biociências da UFMT e nele atuavam
outubro a dezembro; o que está os pesquisadores alemães Wolfgang
cheio, de janeiro a março; a vazante, Junk e Joachim Ulrich Adis. Com o
quando as águas estão baixando, de apoio desses pesquisadores, a
abril a junho, e a seca, de julho a professora Marinêz passou a fazer
setembro. Os pesquisadores querem parte do Programa, em 1997,
descobrir como aracnídeos, insetos, quando concluiu seu doutorado.
piolhos de cobra sobrevivem a tanta ‘‘Até então não havia, no PEP,
mudança. Ao coletar material para ninguém estudando artrópodes’’,
isso, juntos vieram os piolhos de conta. Nesse período foi, também,
cobra que agora são estudados pelos construída a Base de Pesquisa do
integrantes do grupo de pesquisa em Pirizal.
Ecologia e Taxonomia de Artrópodes O Laboratório de Ecologia e
Terrestres do curso de mestrado em Taxonomia de Artrópodes Terrestres
Ecologia da UFMT. (Leta), que funciona no âmbito do Nepa,
Já são mais de dez anos de estudos conta com recursos da Fundação de
envolvendo as fases terrestre e Amparo à Pesquisa de Mato Grosso
aquática desses animais, verificando- (Fapemat) do Centro de Pesquisas do
se onde há maior riqueza de espécies Pantanal (CPP-MCT) e do Programa de
– no solo, nos troncos ou na copa das Ecologia de Longa Duração (Peld/CNPq).
árvores; determinando a estrutura Como resultado dos estudos dos
das populações que vivem no pesquisadores que integram o CPP, a UFMT
Pantanal. Todos esses conhecimentos acaba de ser contemplada pelo CNPq e
vão contribuir para a preservação das pela Financiadora de Estudos e Projetos
espécies frente a problemas como a (Finep) com a criação do Instituto
ocupação humana indevida, o Nacional de Áreas Úmidas (Inau).
Mistérios da Vida
21
Mais conforto na recuperação pós-operatória
palavra “acertar” significa achar o certo; endireitar; proceder com acerto; atingir o alvo – e
o projeto Aceleração da Recuperação Total Pós-operatória, o ACERTO, corresponde a Atudo isso. A lei primeira do programa é: o dia da operação é o primeiro dia da
recuperação do paciente.
O ACERTO é um programa multidisciplinar que envolve serviços de Cirurgia Geral, Anestesia,
Nutrição, Enfermagem e Fisioterapia. Foi desenvolvido no Departamento de Clínica Cirúrgica da
Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) em 2005 e,
em 2009, um artigo sobre o assunto, publicado na Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões
(CBC), recebeu o prêmio Oscar Alves.
O projeto tem como objetivo acelerar a recuperação pós-operatória de pacientes submetidos a
cirurgias abdominais, especialmente as do aparelho digestivo. Seus responsáveis são os
professores da FCM e médicos do Hospital Universitário Júlio Müller (HUJM), José Eduardo Aguilar
Nascimento, Cervantes Caporossi e Alberto Bicudo Salomão.
O ACERTO é baseado em um programa europeu e
fundamentado na prática da medicina baseada em evidências. Entre os principais pontos
abordados pelo Protocolo, estão a abreviação do jejum pré-operatório, a terapia nutricional
e a abolição do preparo de em cirurgias colorretais. Com a utilização desse
protocolo, o HUJM foi pioneiro em trazer essas condutas para a realidade brasileira e, atualmente,
os profissionais que participam do projeto viajam por todo o país e outras partes do mundo para
divulgá-lo e expandir sua prática.
Atualmente, todas as cirurgias abdominais realizadas na Enfermaria de Clínica Cirúrgica do HUJM
são norteadas pelo Protocolo. Desde a implantação do ACERTO, em 2005, diversos artigos sobre
seus resultados foram divulgados pelos pesquisadores do grupo. Entre eles, destaca-se o
“Abordagem multimodal em cirurgia colorretal sem preparo mecânico de cólon”, publicado na
Revista do Conselho Brasileiro de Cirurgiões (CBC) e vencedor do prêmio Oscar Alves de 2009. O
CBC é a associação que congrega maior número de cirurgiões da América Latina e sua revista
oficial é publicada bimestralmente, distribuída para médicos de todo o Brasil e composta por
artigos de todas as especialidades cirúrgicas. O artigo é resultado de estudos realizados entre
janeiro de 2004 e junho de 2008, com 53 pacientes submetidos a operações envolvendo o
intestino grosso, com pelo menos uma , no Serviço de Cirurgia Geral do HUJM. A
observação dos pacientes ocorreu em duas fases, sendo a primeira com o grupo de pacientes
(ERAS - Enhanced Recovery After Surgery)
peri-
operatória cólon
anastomose
O que m uda? Protocolo convencional Protocolo ACERTO
Terap ia nutri cio nal pré-opera tória por 5-10 dias em pa cientes des nutridos ;
Tera pia nutricio nal pré-opera tó ria por 7-10 dias em pa ci entes desnutrido s;
Je jum pré- opera tório de, no m ínim o, 8 hora s; N ão perm itir um je jum prolong ado no pré-operatório;
L ibera çã o da dieta pó s-operatória a pós e lim inação de fla tos ou evacuaçã o;
R e-introdução de dieta no pós -opera tó rio imedia to (dieta liquida);
H idra ta çã o venosa no pós -opera tório a té res ta belecim ento da dieta no pós -opera tório;
Tera pia de hidrataçã o venosa até o 1º dia de pós-operatório;
Prepa ro m ecânico do cólon pré-o peratório; N ão realiz ar o preparo de cólon pré-opera tório;
U so de dreno s, so ndas e a nti bióticos co nforme pref erência do cirurg ião;
N ão usar dren os e sonda s de rotin a. U so ra cio nal e pa dro niza do de a ntibiótico s;
M obiliza ção pós -opera tória precoce.
M obiliza ção ultra-preco ce: faz er o pa ciente d ea mbu lar ou s entar no m esm o dia da operaçã o por pelo m enos 2 hora s. N os próxim os dia s, o paciente deve ser est imu lado a ficar 6 horas fora do s eu le ito.
Recuperação Aprimorada Após a
O peri-operatório é o período
que compreende o pré-
operatório, o intra-operatório e o
pós operatório. Ou seja, o
período que vai desde que o
cirurgião decide indicar a
operação e comunica ao paciente
até que este último tenha alta
hospitalar e retorne às atividades
normais.
Descobertas e Inovações
O cólon é a maior porção do
intestino grosso, podendo ter
entre 120 e 150 cm. Divide-se em
cólon ascendente, transverso,
descendente e sigmóide. Liga-se
ao intestino delgado pelo Ceco e
ao reto pelo sigmóide. Os
alimentos, parcialmente digeridos,
entram no cólon, vindos do
intestino delgado. No cólon, é
retirado a água e os nutrientes
dos alimentos e o restante passa
Em Medicina, anastomose é uma
comunicação, natural ou
resultante de processo cirúrgico,
entre tubos, vasos sanguíneos ou
nervos da mesma natureza.
Também é o nome que se dá a
Géssica Vilela
22
sob a conduta convencional – de janeiro
de 2004 a junho de 2005 e, a segunda,
com a aplicação do protocolo ACERTO, de
agosto de 2005 a junho de 2008. Alunos
de Iniciação Científica do curso de
Medicina realizaram a coleta de dados
diariamente nos dois períodos.
de
O principal objetivo do estudo era
avaliar os resultados pós-operatórios
i m e d i a t o s o b t i d o s c o m a
implementação do protocolo ACERTO
em pacientes submetidos a operações
colorretais. Em estudos desse tipo de
cirurgia , os pr incipais pontos
considerados dizem respeito à
abordagem nutricional, ao uso
drenos
tempo de jejum que os
e sondas, à hidratação venosa
peri-operatória, e à uti l ização
sistemática do preparo mecânico pré-
operatório do cólon.
Entre os 53 pacientes observados
durante o período da pesquisa, 25
foram operados de acordo com as
condutas convencionais e 28 com a
utilização do novo protocolo. Os
resultados observados com a aplicação
do ACERTO em pacientes submetidos a
operações de médio e grande porte do
aparelho digestivo e parede abdominal
foram diminuição da
e do tempo de internação.
Além da redução do tempo de
internação e da morbidade pós-
operatória, os resultados do estudo
mostraram que com o novo protocolo
foi possível a redução do tempo de
jejum peri-operatório e a diminuição da
infusão endovenosa de fluidos. Também
foi possível realizar anastomoses
colorretais sem preparo mecânico do
cólon sem que isso alterasse
negativamente os resultados cirúrgicos.
Os pacientes operados com a
implantação do novo protocolo ficaram
a metade do
morbidade pós-
operatóriaO preparo mecânico do cólon consiste na “limpeza” pré-operatória do cólon. Geralmente, o procedimento é feito com o uso de Manitol. Essa substância é diurética e induz o paciente a e l im inação dos re s íduos intestinais.
Porém, a tradicional "limpeza do cólon", além de ser um processo exaustivo para os pacientes, não é isenta de complicações. A eliminação desses resíduos faz com que o paciente elimine muita água, levando muitas vezes à desidratação do mesmo e aumentando os riscos do processo cirúrgico.
Grupo Convencional
ACERTO
Dias de internação (mediana) dos pacientes
submetidos à cirurgia colonretal segundo o
protocolo convencional e o ACERTO
O Prêmio Oscar Alves foi instituído em 1969 e, desde então, é
atribuído ao melhor trabalho publicado na Revista do CBC no ano
anterior à escolha.
O prêmio deste ano foi concedido ao trabalho ABORDAGEM
MULTIMODAL EM CIRURGIA COLORRETAL SEM PREPARO
MECÂNICO DE CÓLON, de autoria do professor José Eduardo de
Aguilar Nascimento e co-autoria dos professores Alberto Bicudo-
Salomão, Cervantes Caporossi e dos estudantes de medicina,
Raquel de Melo Silva, Eduardo Antônio Cardoso, Tiago Pádua
Santos, Breno Nadaf Diniz e Arthur André Hartmann. O artigo foi
publicado na revista de volume 36, edição de maio/junho de 2009.
Composto por diploma e medalha, o Prêmio foi entregue na
sessão solene comemorativa do 81º aniversário do CBC, no
dia 30 de julho, no Centro de Convenções do CBC.
Morbidade pós-operatór ia refere-se ao conjunto dos indivíduos que adquirem doenças (ou determinadas doenças) no período pós-operatório.
Descobertas e Inovações
submetidos às condutas convencionais.
Isso porque, receberam uma solução de
líquido enriquecida com carboidratos
até duas horas antes da cirurgia. Esse
suplemento pode ajudar a diminuir os
vômitos, aumentar o pH gástrico e
diminuir a irritabilidade e as respostas
orgânicas ao estresse cirúrgico. A
implantação do ACERTO também
implicou em maior atenção ao suporte
nutricional pré-operatório para
pacientes desnutridos. Sua equipe
multidisciplinar de terapia nutricional,
aliada ao Serviço de Nutrição Clínica do
HUJM, realiza visitas diárias aos
pacientes, garantindo que recebam
dieta adequada no período peri-
operatório.
A adoção de um p rog r ama
mul t id i sc ip l ina r com medidas
cientificamente embasadas mostrou
importante melhora dos resultados.
Mais pacientes foram beneficiados pelo
conjunto de condutas adotado antes,
durante e depois da cirurgia.
reto
cólonascendente
cólon transverso
cólondescendente
sigmóide
23
Será que é Verdade?
esponda rápido: piranha é atraída por sangue? Para responder Serrasalmus spilopleura são as espécies que praticam necrofagia. corretamente a essa pergunta é preciso entender o “Algumas das mortes atribuídas às piranhas, muito provavelmente, são Rcomportamento das piranhas. E ninguém melhor que o casos de eliminação de pessoas que se afogaram ou já mortas”,
professor doutor Francisco de Arruda Machado, conhecido como Chico defendem os autores Ivan Sazima e Sérgio de Andrade Guimarães,
em um artigo denominado “Scavenging on human corpses as a Peixe, para explicar o comportamento das três espécies encontradas no
source for stories about man-eating”.Pantanal Mato-grossense: catirina (Serrasalmus marginatus), piranha De acordo com o estudo do professor Francisco, desenvolvido ao do rabo preto (Serrasalmus spilopleura) e piranha queixuda ou piranha lado do pesquisador Ivan Sazima, do Departamento de Zoologia verdadeira (Pygocentrus nattereri). Na América do Sul são encontradas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a piranha cerca de 50 espécies.catirina é solitária, enquanto as outras duas espécies vivem em Ecólogo e ictiólogo, Chico Peixe passou mais de 10 anos pesquisando cardumes. A piranha do rabo preto apresenta a dieta mais variada os peixes da região do pantanal para entender o comportamento das e estratégia de alimentação altamente oportunista, que inclui piranhas. Ele estudou os hábitos, táticas predatórias, comportamento mimetismo agressivo ( jovens desta espécie imitam algumas alimentar e interações sociais para o forrageamento (alimentação), bem espécies de peixes que são suas presas, para delas comer porções como as táticas defensivas de peixes presas.de suas nadadeiras, principalmente a anal e a caudal). As piranhas Há muita fantasia sobre estes peixes, superdimensionada pelos filmes parecem influenciar fortemente o uso do habitat, a estrutura social trash como “Piranhas”, exibido em 1978, e “Piranhas 3D” que acaba de e modo de forrageamento de numerosas espécies de peixes que chegar às telas dos Estados Unidos e deve desembarcar nos cinemas fazem parte das comunidades aquáticas. brasileiros no mês de outubro. Piranhas são frequentemente descritas
como o mais feroz de todos os peixes da região neotropical. São Mito ou verdadeimprevisíveis e nadam em cardumes de muitas centenas, nunca atacam
sozinhas e mordem qualquer coisa que se mova. A Imagem é de uma As piranhas são atraídas pelo sangue. Essa é a primeira mentira terrível comedora de homens, perpetuada através de livros populares da literatura, afirma Chico Peixe. Elas são atraídas pela comoção sobre peixes e enciclopédias de animais.(barulho) na água. Elas são supercuriosas. O pesquisador fez um O primeiro mito derrubado nesse estudo é que as piranhas são atraídas experimento no Pantanal. Um peixe piavussú morto foi pelo sangue. No entanto, o excesso de fantasia não tira o perigo das mergulhado em uma lagoa da rodovia transpantaneira. Ao piranhas. Então, por que elas são perigosas? Segundo o pesquisador, as mergulhar para acompanhar a experiência, o pesquisador piranhas são condicionadas à alimentação fácil proporcionada pelas percebeu que vários peixes pequenos, como lambari, pequenos “cevas”, localizadas próximas a restaurantes ribeirinhos e lugares onde bagres e acarás, vinham mordiscar a carcaça do piavussú e
os pescadores costumam “eviscerar” – arrancar as vísceras - dos peixes.“sumiam” assim que chegavam as piranhas.
Em nenhum dos casos analisados de ataque às pessoas, explica o Mas por que os outros peixes têm tanto medo das piranhas? A
pesquisador, a causa mortis foi atribuída ao ataque de piranhas. As explicação é simples e lógica: as piranhas são especialistas em se
pessoas foram vítimas de afogamento ou infarto do miocárdio. Os alimentar de nadadeiras, anal e caudal, de outros peixes. As
incidentes registrados na região são atribuídos ainda à “invasão” do nadadeiras são nutritivas,
habitat dessas espécies por banhistas ou pescadores inexperientes. As têm cálcio, pele e muco, com alto teor protéico e se regeneram piranhas do rabo preto, por exemplo, fazem os “ninhos” na areia, no entre oito a 15 dias. período de desova. Para defender o seu “território”, elas atacam o As piranhas são piscívoras e pelos seus hábitos são consideradas agressor potencial para intimidá-lo. Resultado: mutilações nos dedos como predadores mutilantes - arrancam partes de outros animais. dos pés e calcanhares.Além do hábito de se alimentar de nadadeiras de outras espécies, “Piranhas têm uma reputação de comer homens, apesar da ausência de podem engolir pequenos peixes. Como os peixes de couro são registros autênticos de ataque a pessoas e mortes por estes peixes. Três mais lentos, é comum serem observados bagres faltando pedaços casos de piranhas alimentando-se de cadáveres humanos foram de seus corpos, principalmente aqueles que são pescados. As registrados em Mato Grosso. Um cadáver encontrado quatro dias piranhas têm um senso biológico fantástico para detectar depois de afogar-se, foi quase reduzido a esqueleto. Outro cadáver foi “anomalias” no comportamento das presas em potencial. Durante recuperado em poucas horas, mesmo após afogar-se, sem as partes as pescarias, muitos peixes fisgados são atacados pelas piranhas moles da cabeça. No terceiro cadáver, recuperado 20 horas após a quando se debatem na água na tentativa de escaparem dos vítima ter caído na água devido a um infarto do miocárdio, havia carne anzóis, incluindo também os peixes de escamas.apenas no tronco. Pygocentrus nattereri e, em menor proporção,
Selma Alves
24
Foto: Cliff
Foto: Jutta Foto: Marten Johanssen Foto: Cliff Foto: Marten Johanssen Foto: Karelj Foto: Jutta
Será que é Verdade?
Boi de piranha
Essa expressão faz parte do vocabulário mato-
grossense e a explicação é meramente econômica. Os
boiadeiros sacrificam um animal para proteger o
restante do rebanho. Animais com pequenos
ferimentos têm menor valor comercial. No período de
cheias, para atravessar os rios, lagoas, baias do
pantanal, os boiadeiros separam um boi da manada e o
levam até certa distância do local onde a boiada vai
atravessar. São feitos cortes ou ferroadas (ferrão de
arraia) no corpo do animal a ser sacrificado. O objetivo
é causar muita dor para que o animal se debata. O
barulho atrai os cardumes de piranhas que o devoram
ainda vivo. Graças a essa estratégia, os outros animais
da manada atravessam as águas sem que sejam
feridos e assim mantêm o seu valor comercial. A
lógica é meramente econômica: Prefere-se sacrificar
um animal a ter uma perda maior na boiada.
– Essa expressão faz parte do vocabulário mato-
grossense e a explicação é meramente econômica. Os
boiadeiros sacrificam um animal para proteger o
restante do rebanho. Animais com pequenos
ferimentos têm menor valor comercial. No período de
cheias, para atravessar os rios, lagoas, baias do
pantanal, os boiadeiros separam um boi da manada e o
levam até certa distância do local onde a boiada vai
atravessar. São feitos cortes ou ferroadas (ferrão de
arraia) no corpo do animal a ser sacrificado. O objetivo
é causar muita dor para que o animal se debata. O
barulho atrai os cardumes de piranhas que o devoram
ainda vivo. Graças a essa estratégia, os outros animais
da manada atravessam as águas sem que sejam
feridos e assim mantêm o seu valor comercial. A
lógica é meramente econômica: Prefere-se sacrificar
um animal a ter uma perda maior na boiada.
25
Era uma Vez...
m Mato Grosso, o acesso aos livros e a prática de leitura em livros e móveis a fim de estruturar a primeira biblioteca pública de
bibliotecas, que antigamente eram conhecidas como Mato Grosso. Várias autoridades foram convidadas a doar livros. E“Gabinetes de Leitura”, começaram efetivamente após 1874, Algumas pessoas também foram ao Rio de Janeiro comprar as
com a inauguração do primeiro Gabinete de Leitura em Cuiabá. A melhores obras, mais atualizadas, para comporem o acervo que
partir daí foi dada a largada na corrida para arrecadar doações de ficava no centro de Cuiabá, próximo de onde hoje está localizada a
Camila Tardin
26
Livros e Gabinetes
de Leitura em Cuiabá
Praça Alencastro. A princípio, a biblioteca
não foi destinada à classe popular, mas sim
àqueles que cursavam nível de ensino mais
elevado (antigo secundário e hoje ensino
médio) e planejavam dar continuidade aos
estudos superiores. O acervo do gabinete
teve 1.325 livros, sendo 779 encadernados
e 546 brochuras, escritos em diferentes
idiomas. Estas informações fazem parte
das pesquisas feitas por Elizabeth
Madureira Siqueira, professora e doutora
em História da Educação, pela
Universidade Federal de Mato Grosso
’’
Ernesto Camilo Barreto. Naquele tempo, a
filosofia era fundamental para o nível
secundário. Barreto era reitor do
Seminário Episcopal da Conceição, a
primeira escola de ensino secundário de
Mato Grosso, situada ao lado da igreja do
Bom Despacho. A escola era privada e
tinha o objetivo de formar padres e
preparar os alunos para o ensino superior.
Depois dessa escola, o primeiro
estabelecimento desse nível, mas de
caráter público, surgiu somente em 1880
com a criação do Liceu Cuiabano, cujo
objetivo era preparar jovens para o ensino
superior. No entanto, antes disso, quem
queria avançar nos estudos tinha que ir
para o Seminário.
No Brasil, o percurso dos livros didáticos ’’ manteve estreita relação com o
desenvolvimento da imprensa nacional,
impulsionada pela vinda da Família Real,
em 1808, quando foi fundada a Imprensa
Régia – instituição responsável pela
le i tura var iada aos assoc iados .
Inicialmente, a sede da biblioteca ficava na
rua Pedro Celestino. Depois, com o
crescimento do número de sócios, foi
transferida para uma das dependências do
edifício da Câmara Municipal, no antigo
largo da Sé, agora Praça da República. Ao
encerrar suas atividades, o acervo foi
doado para o antigo Centro Mato-
grossense de Letras, atualmente
conhecido como Academia Mato-
grossense de Letras.
Livros (UFMT). Apaixonada pela história mato-
grossense, Elizabeth escreve sobre a Os livros didáticos, também conhecidos biblioteca pública em seu livro ‘‘Luzes e como “compêndios”, eram raros. No Sombras. Modernidade e Educação ensino primário elementar, por exemplo, Pública em Mato Grosso (1870-1889) – praticamente não havia livros para os
resultado de uma detalhada pesquisa alunos. O ensino era bastante rudimentar
documental de doutorado. A historiadora e os professores utilizavam jornais para
escolheu estudar o século XIX porque foi a ensinar a leitura. Quando havia algum
partir dele que ocorreram grandes livro, o professor apenas lia o texto em voz
mudanças na educação brasileira.alta para toda a turma. Mas, se o aluno
Por volta de 1882, o acervo bibliográfico pretendia progredir nos estudos, o acesso
do Gabinete de Leitura foi transferido para dele ao livro era privilegiado. Somente nos
a biblioteca do Liceu Cuiabano – ensinos primário complementar e no
estabelecimento de ensino público secundário os estudantes conseguiam
secundário (nível médio), fundado em adquirir os livros.
1880. Mas há registros de que durante a Em Mato Grosso, o primeiro livro didático
mudança do Liceu Cuiabano, da praça do do qual se tem notícia foi o de Filosofia
Ipiranga para a rua Coronel Peixoto, foram Racional e Moral, escrito pelo padre
perdidos livros de história e geografia. Na
Biblioteca Pública Estadual Estevão de
Mendonça – criada em 26 de março de
1912 – também há livros daquele período
que hoje fazem parte do seu acervo
literário de obras raras.
No livro “Datas Mato-grossenses”, Estevão
de Mendonça conta que as condições e os
serviços prestados à população cuiabana
no Gabinete de Leitura eram prósperos.
Porém, por problemas políticos, que ele
denominou de “politicalha”, o Gabinete foi
extinto.
Outra biblioteca importante, mas de
caráter privado, abordada pela professora
Franceli Aparecida da Silva Mello na
pesquisa ‘‘A prática de leitura em Mato
Grosso no século XX: o papel das
bibliotecas , foi a da Associação Literária
Cuiabana, considerada uma das mais
perfeitas organizações da época. Criada
em 1884 por um grupo de intelectuais, o
objetivo da instituição era proporcionar
Era uma Vez...
27
editoração de obras de expressivo valor, durante o período particulares como as públicas terão que se adequar às novas regras
imperial. num prazo máximo de 10 anos. Será obrigatório um acervo de
livros de, no mínimo, um título para cada aluno matriculado,
cabendo ao respectivo sistema de ensino determinar a ampliação
deste acervo conforme sua realidade, assim como divulgar
orientações de guarda, preservação, organização e funcionamento
das bibliotecas escolares.
Um estudo do movimento “Todos Pela Educação”, com base em
dados do Censo da Educação Básica 2008, identificou que para o
Brasil se ajustar à nova norma serão necessárias mais de 93 mil
bibliotecas na próxima década somente no Ensino Fundamental.
Isso representa a construção de pelo menos 25 bibliotecas por dia
até 2020. Para a Educação Infantil será necessária a instalação de
mais de 21 acervos por dia para cumprir a nova regra. Um desafio e
escolas tanto para as instituições de ensino do país.
Em Mato Grosso, somente em meados do século XIX é que
foi implantada a imprensa, mas durante todo esse século não foi
registrada qualquer obra impressa no estado. Os compêndios
didáticos utilizados nas escolas mato-grossenses eram adquiridos no
Rio de Janeiro.
Os livros de autoria do baiano Abílio César Borges, conhecido como o
Barão de Macaúbas, predominaram no universo das escolas públicas
mato-grossenses. Seus livros de Leitura (1º ao 4º) e sua Gramática
foram bastante utilizados nas escolas primárias.
Atualmente, os espaços dedicados à leitura se multiplicaram e a
maioria das escolas brasileiras passou a ter biblioteca. Uma lei
sancionada em maio deste ano tornou obrigatória a instalação de,
pelo menos, uma biblioteca em todas as escolas do país. A lei
12.244, de 24 de maio de 2010, deixa claro que tanto as
Biblioteca Estevão de Mendonça
Considerada a guardiã da memória literária de Mato Grosso, a Biblioteca Pública Estadual Estevão de Mendonça, atualmente
localizada no prédio do Palácio da Instrução, em frente à praça da República no Centro de Cuiabá, tem mais e 70 mil exemplares
cadastrados. Além dos livros, a biblioteca desempenha funções socioculturais, com a realização de oficinas, palestras e cursos. Possui
salas de leitura, de vídeo, de livros infantis, de periódicos, espaço com obras e atividades dedicadas aos deficientes visuais e promove
a inclusão digital na sala de informática.
As obras raras, inclusive algumas do século XIX que faziam parte do acervo do Gabinete de Leitura, têm sala exclusiva. Neste acervo
há coleções especiais de grandes escritores nacionais e internacionais, como Maquiavel e Luiz de Camões. São obras frágeis e de
grande valor que precisam ser manuseadas com a orientação de Fernando Augusto Barros Figueiredo, responsável por este setor no
prédio.
Figueiredo trabalha na biblioteca há 35 anos. A seção de obras raras, que conta com quatro mil volumes, foi criada em 1980 com a
colaboração dele: “Eu sugeri essa seção porque via que tinha muito livro antigo que precisava ser separado dos atuais”. Entre os livros
mais antigos está a coleção de João de Barros. São 25 volumes que, segundo Figueiredo, narram uma viagem para a África. “Foi um
professor de matemática que doou essa coleção para a gente. Só tem essa coleção aqui em Cuiabá e no Rio de Janeiro”, conta.
Coleções jurídicas de Portugal e da Suíça, datadas do século XIX, também fazem parte do acervo.
Era uma Vez...
28
Entre a Emoção e a Razão
Camila Tardin
Entendimentos e Desentendimentos de Adolescentes Apaixonados
A paixão não é superior à
razão, pois os dois princípios
estão ligados e ambos são
importantes para a realização
humana: enquanto o desejo
mobiliza o homem, a razão é o
princípio organizador que
distingue os desejos e busca
os meios para sua realização.
PAIXÃO
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29
Entre a Emoção e a Razão
“É o momento em que a
gente se percebe como
posto em movimento,
desafiado pela vida, pelo
outro, pelo mundo. O
ser humano é um ser de
desejo porque é um ser
que enfrenta
permanentemente os
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30
Entre a Emoção e a Razão
Entre as agressões
estão xingamentos,
tapas, empurrões e
puxão de cabelo. Outra
observação curiosa é
que não existem grupos
econômicos, sociais ou
etnias isentos de
vivenciar relacionamen-
tos amorosos marcados
pela violência nas mais
31
discurso e no comportamento dos as novas configurações de relaciona-mento abordadas pelos adolescentes, jovens. “O tempo inteiro o afeto como, por exemplo, a prática do “ficar”. permeia essas relações”, diz Áurea. Os Nesse tipo de relação o amor não é pré-
adolescentes utilizam a paixão para requisito para o envolvimento. Os
justificar até mesmo o ato de violência fatores sociais, culturais, políticos e verbal ou física. Um exemplo é a econômicos apresentam maior menina aceitar ter relação sexual influência na escolha dos jovens. A
prática do “ficar” parece ser um tipo de somente para agradar o parceiro e teste para o namoro.garantir o namoro. “Se a jovem não Para não sofrerem ciúmes, desconfian-
quiser ter a relação sexual, mas ceder ça e traição no namoro, muitos rapazes
à exigência do parceiro, isso não deixa e moças preferem “ficar”, já que nessa de ser um exercício de violência”, relação, supostamente, não existem acrescenta. amarras, e, além disso, há menos risco O trabalho demonstra também que de se apaixonar e se decepcionar. Essas raramente os adolescentes buscam experiências afetivas e sexuais descom-ajuda para resolver o problema da prometidas do “ficar” atraem mais os violência no namoro. A razão pode ser meninos do que as meninas.a preocupação do jovem com sua Quase todos os adolescentes pesquisa-privacidade ou até a falta de conheci- dos disseram que já se apaixonaram mento sobre os recursos existentes. (89,5%). No entanto, esse sentimento é No entanto, apesar de a procura por predominante nas meninas, especial-apoio profissional ser mínima, as mente quando acreditam ter sido queixas emocionais são as que mais correspondidas. A pesquisa nacional impulsionam tal busca. mostra que 32% dos entrevistados já Outro fato observado foi a propaga- se apaixonaram e não foram corres-ção da violência. “Essa relação de pondidos e 10,5% nunca se apaixona-violência vem de casa, do ambiente ram. Nesse último grupo os meninos familiar. Aqueles jovens que têm prevalecem, o que acaba reforçando a história de agressão em casa, repro- ideia de menor envolvimento afetivo duzem essa violência em suas no grupo masculino em comparação relações afetivas, como no namoro, na ao feminino. Jovens de Cuiabá, escola, no trabalho”, acrescenta Áurea. Florianópolis e Teresina (16%) foram
os que mais relataram nunca terem se Ficar apaixonado em comparação aos
Na pesquisa realizada em âmbito adolescentes das outras capitais nacional, também foram apresentadas (14%).
Entre a Emoção e a Razão
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32
A pesquisa nacional “Violência entre namorados virtuais de relacionamento, entre outras formas. Além disso, a ameaça de término do relacionamento é pretexto adolescentes: um estudo em dez capitais brasileiras”, para vários tipos de chantagem.considerada pioneira no Brasil, iniciou-se em 2007 e foi A violência sexual também está presente. As duas formas
concluída em 2009. O estudo foi conduzido nas cinco de agressão mais comuns são forçar a beijar e tocar o
regiões brasileiras, tendo sido selecionadas para a outro sexualmente. As meninas são as maiores vítimas pesquisa Manaus, Porto Velho, Teresina, Recife, Rio de desse tipo de violência. Em relação à agressão física, Janeiro, Belo Horizonte, Florianópolis, Porto Alegre, como, por exemplo, dar um tapa, puxar o cabelo,
empurrar, sacudir, bater ou jogar algo em cima da outra Cuiabá e Brasília.pessoa, os rapazes são as maiores vítimas.Aproximadamente quatro mil adolescentes entre 15 e 19 Independentemente do sexo e da classe social, os anos, de 104 escolas públicas e privadas, participaram do adolescentes elegeram a família, representada pela figura estudo. O objetivo do trabalho foi verificar as formas de dos pais, como a principal referência para abordar as violência nas relações afetivo-amorosas entre casais de questões afetivo-sexuais. No estudo, 53% dos jovens namorados adolescentes.disseram conversar abertamente com os pais sobre sexo, O trabalho, que contou com a parceria de pesquisadores 76,7% sobre drogas e 86,8% sobre amizades. No que diz de universidades federais em todas as capitais, não respeito a diálogos sobre namoro, as meninas procuram encontrou diferenças significativas de comportamento mais a família do que os meninos. A escola e a mídia entre os jovens das diversas regiões, nem tampouco também foram consideradas espaços importantes para entre os adolescentes das escolas públicas e particulares.tratar desses temas.Conforme os resultados, nove em cada dez jovens que Posteriormente, os dados da pesquisa serão publicados namoram praticam ou sofrem variadas formas de em um livro e os resultados também podem subsidiar violência. A violência verbal é a mais frequente: 85% dos futuros programas de capacitação que envolvam adolescentes que mantinham relacionamentos afetivos profissionais que lidam com adolescentes. No Brasil admitiram já ter dito aos parceiros palavras ruins, em tom faltam redes de serviços estruturadas nas áreas de agressivo e xingamentos, assim como relataram ter sido educação e saúde para apoiar os adolescentes. A vítimas desse tipo de agressão.
Para exercer domínio sobre o parceiro, o jovem procura expectativa é que esses dados sirvam de fomento para controlar o comportamento do outro através das roupas novos projetos e materiais que preencham essa lacuna que ele usa, pela agenda do celular, pelos acessos a redes existente no país.
“As meninas relatam praticar mais as violências verbal e emocional (82,1%), seguida pela violência sexual (33,5%) e sofrem mais a violência verbal e emocional (78,9%) do que a agressão sexual (43,1%). Os meninos também dizem exercer mais as violências verbal e emocional (83,5%) do que a sexual (56,1%) e discorrem sofrer mais a primeira (85,3%) do que a segunda (49,7%)”.
Entre a Emoção e a Razão
33
Violência entre namorados adolescentes
Dossiê
O despertar para o conhecimento científico em Mato Grosso
vem com a criação da UFMT. Em 1982 é instituída a Sub-
Reitoria de Pesquisa e Ensino de Pós-Graduação (SPG). Pouco
antes dos anos 90, os primeiros mestres e doutores retornam a
Cuiabá e o esforço para que a pesquisa científica se
estruturasse em Mato Grosso começa a tomar forma. Em 1993
a Sub-Reitoria se reorganiza e ganha o nome de Pró-Reitoria
de Pesquisa e Ensino de Pós-Graduação, que em 2001 se
transforma em Pró-Reitoria de Pesquisa (PROPEq).
ciência parece algo distante, intocável como uma riscos, a começar pela dificuldade de locomoção que se tinha naqueles anos. Queríamos médicos, advogados, estação espacial, outras vezes tão próxima como biólogos e outros tantos profissionais graduados aqui. Aa água que sai do chuveiro. Na Universidade Mas em pesquisa poucos pensavam. Não se tinha a
Federal de Mato Grosso, que já chega aos seus 40 anos, dimensão da importância do desenvolvimento
ela está ao alcance de quem sempre quis ser um cientista tecno lóg ico . Contudo , i s so fo i mudando ou daquele que nunca sonhou com essa possibilidade, vagarosamente”, relata um dos mais antigos professores graças à porta de entrada chamada graduação. da UFMT.Essa porta para o fazer científico começou a se abrir Amadurecida, a UFMT chega a 2010 com 26 programas quando, em 10 de dezembro de 1970, as primeiras de mestrado, cinco de doutorado, seis doutorados estruturas daquele que seria o campus central da interinstitucionais, e diversos cursos de especialização. universidade começaram a ser edificadas. Mas a idéia de Segundo Campelo, existem dois tipos de professores: 1) fazer pesquisa ainda não passava pela cabeça da o professor profissional, aquele que se dedica à pesquisa; população cuiabana nos primeiros anos da década de 70. e 2) o profissional professor, aquele que faz o ensino José Holanda Campelo Júnior além de doutor em prático, que tem vivência no mercado. Nos primeiros agronomia é um ótimo contador de histórias e explica anos da instituição, o ensino dependia basicamente de que a UFMT é resultado de muita luta da sociedade. A profissionais professores e sem eles a universidade não principal razão para a existência dela era a necessidade sairia do papel. de educar e formar novos líderes em território mato- Foi com o passar do tempo e com a estruturação da grossense. Isso facilitaria também o acesso a uma universidade, que se começou a exigir a qualificação formação, já que não seria mais preciso mandar os filhos acadêmica para que, então, a UFMT iniciasse suas estudarem em outros estados. “Morar fora incluía muitos primeiras pesquisas científicas. Pouco antes da década
Carol Landhi
Pesquisa na UFMT
caminha lado a lado
com a sociedade
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de 80 os primeiros professores saíram do estado para fazer mestrados e doutorados. Daí a necessidade da criação de setor que trabalhasse com a estruturação da pesquisa.
É importante destacar que, em 1990, quando publicou o livro “Zoneamento do potencial de produção de grãos em Mato Grosso”, em parceria com outros autores, o Estado se dedicava ao plantio do arroz, uma forma de preparar a terra para receber o pasto e, posteriormente, o gado. Em 1991, a pesquisa causou desconfiança quando Campelo a apresentou no VI I Congresso Bras i le i ro de Agrometeorologia, em Viçosa, Minas Gerais.O esconomista José Roberto Mendonça de Barros - secretário de Política
científica na UFMT, o que já foi feito e o que ainda está por vir, selecionamos cinco temáticas de peso na realidade mato-grossense para mostrar como o fazer científico foi desenhado na universidade, o que ele representa hoje e a diferença que vai fazer no futuro.
Perceba que, se para nós o cair das folhas é uma coisa tão
natural que nos passa despercebido, para o cientista o
simples fato do cair das folhas pode revelar mistérios sobre
as condições climáticas do futuro. Que a natureza tem lá
seus momentos de rebeldia todos sabemos, mas como a
ciência tenta contornar esses obstáculos?Veja como o crescimento da agricultura já era calculado antes mesmo da soja se estabelecer no Estado e como esse grão vem sendo estudado como mais uma fonte de proteína nas refeições dos mato-grossenses. Há ainda as mudanças que fizeram da escola um lugar dinâmico e democrático e como a ciência interferiu nesse processo.
Produção AgrícolaTodo esse trajeto de estruturação da pesquisa, que
começou em 1982 com a criação da Sub-Reitoria de Se hoje Mato Grosso está no hall dos maiores produtores de Pesquisa e Ensino de Pós-Graduação, conferiu à grãos do Brasil, 20 anos atrás já havia professores na
Universidade Federal de Mato Grosso apontando que o universidade federal do estado uma característica própria, a Estado poderia muito mais. Enquanto o Brasil ainda interdisci-plinaridade. Conforme conta José Holanda, que produzia cerca de 55,7 milhões de toneladas de grãos, o
há 34 anos estimula a ciência na instituição, a escassez de doutor em Solos e Nutrição de Plantas José Holanda
professores especialistas e os depar-tamentos pequenos Campelo Júnior garantia que, sozinho, Mato Grosso resultaram em um esforço multidisciplinar que perdura até produziria o que o país todo colhia na época.hoje. “É comum vermos químicos, biólogos, médicos,
agrônomos, historiadores e sociólogos trabalhando em
conjunto. Essa teia é típica da UFMT”. E a “teoria campeliana” se confirmou no decorrer desta reportagem, quando percorremos os corredores da Física Ambiental, da Agricultura Tropical e da Educação, entre salas e laboratórios da Nutrição e da Biologia. O que mais se vê são pesquisas que contam com o apoio de diferentes áreas.Na tentativa de perceber como está a produção
A UFMT como ela é
A UFMT registra 340 projetos de pesquisa apenas em 2010 e 1.354 em andamento. Em 2009, foram 363 projetos de pesquisa que mobilizaram mais de 22 milhões em financiamento e participação de outras 73 instituições.Compõem a UFMT 27 institutos e faculdades; o Hospital Universitário Júlio Müller, o Hospital Veterinário; uma fazenda experimental; uma base avançada de pesquisa no Pantanal; estações meteorológicas em Cuiabá e Rondonópolis; herbário; biotério, zoológico, ginásio de esportes, parque aquático, museus e o único teatro com especificações técnicas exigidas para receber as diversas modalidades de artes cênicas no Estado. Para responder às perguntas que surgem em meio ao desenvolvimento tecnológico e econômico de Mato Grosso, além de Cuiabá, outros três campi foram criados: em Rondonópolis, ao sul; em Sinop, ao Norte; e no Pontal do Araguaia e Barra do Garças, a leste do Estado. Tais questionamentos vão da comunicação com o local até a saúde e à educação do mato-grossense, passando pela diversidade indígena, a agricultura e pelos impactos sociais e ambientais.
Dossiê
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Econômica do Ministério da Fazenda secagem de grãos. Tanto a pesquisa
entre 1995 e 1998 - passou por uma “Avaliação de silos-secadores para
situação semelhante quando preparava secagem de arroz a energia solar”
o doutorado, em 1971. Em entrevista (1983) quanto seus desdobramentos
para a revista Pesquisa, da Fapesp, colaboraram para as aulas dos
edição de agosto de 2010, o graduandos da UFMT, inserindo na
economista conta que na época só grade curricular aulas aplicadas, para
quem conhecia comida japonesa sabia q u e n ã o f i c a s s e m p r e s o s
o que era soja, mas ele garantia que o exclusivamente à literatura. Além disso, pesquisas nessa linha Brasil chegaria a exportar US$ 300 tinham e ainda têm grande importância milhões desse grão. A análise foi para o desenvolvimento do Estado, pois
considerada uma maluquice completa, é comum, em Mato Grosso, escoar a
contudo, “hoje virou um negócio p rodução de mane i r a l en ta , grande mesmo (...). Quando comecei, considerando também a precária
estrutura das vias e a complexidade do não conhecia muito soja, mas percebi mercado de grãos. que uma coisa extraordinária tinha A energia solar acabou se mostrando aparecido”.inviável para a então realidade mato-Conforme conta Campelo, com 34 anos grossense, mas os resultados acabaram de experiência da formação de novos estimulando a busca por novas técnicas agrônomos, o zoneamento foi realizado e avaliações, como a secagem feita com com base em estudos do solo, do clima a queima da lenha, que para o professor e das características das culturas continua sendo a mais econômica, realizados em anos anteriores à viável, ágil e compatível com a publicação. “Com isso, chegamos às produtividade local. “Na pesquisa é informações de como, onde e em que assim, as coisas se interligam e uma quantidade elas seriam produzidas”. acaba levando à outra”. Hoje, se tal pesquisa fosse publicada,
talvez não causasse tanto espanto, já Pantanal tem muitas respostasque Mato Grosso produz cerca de 29
milhões de toneladas de grãos, entre Quando se fala em Pantanal, lembra-se milho, soja, arroz e girassol. logo de água e seca, desmatamento e Ao passo que se previa o avanço pastagem, e, nos últimos meses, em agrícola, também se pensava em Copa do Mundo. Mas para os maneiras de armazenar e conservar a pesquisadores da Universidade Federal produção - estudos que se tornaram de Mato Grosso (UFMT), o Pantanal referência no Estado. “A pesquisa não ainda é um mistério a ser desvendado. sai só da cabeça do pesquisador, tem Desde a década de 80 os estudiosos que responder a um anseio da lançam um olhar curioso e diferenciado sociedade. Além disso, não tinha como sobre essa região e nos últimos anos se fazer pesquisa se não houvesse o observaram que a própria natureza mínimo de interesse. Alguém tem que anda rebelde com ela mesma.pagar”, enfatiza.Essa rebeldia pode ser notada no
Entre os inúmeros trabalhos publicados compor tamento dos cambarás
desde o início da década de 80, José (Vochysia divergens), que têm se tornado Holanda testava a eficiência de plantas invasoras e tomam conta do
que antes eram campos nativos, habitat secadores movidos a energia solar, já natural de que com a crise do petróleo daqueles
anos as grandes indústrias de máquinas
agr í co las fo ram obr igadas a
desenvolver alternativas para a
herbívoros e outras espécies, destruindo o habitat animal nativo e eliminando espécies de plantas.Nos últimos anos, a bióloga Cátia Nunes da
Dossiê
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Cunha, professora no diferentes ambientes no Pantanal, Instituto de Biociências (IB), da UFMT, analisa a como o Cambará. dinâmica da vegetação pantaneira e o E as perguntas que impulsionam o fazer que a invasão atinge ou faz perder de científico continuam pelos corredores e biodiversidade. “Agora a questão é salas do IB. Desta vez para saber até que pesquisar como recuperar esses ponto podemos inter fer i r na campos e elaborar propostas de disseminação de espécies arbóreas em conservação para essas áreas, como muitas áreas de pastagens nativas e manejo e uma legislação diferenciada como o controle dessas invasoras pode para o Pantanal”. contribuir para a manutenção da Mas a identificação de que algo riqueza e da diversidade de espécies de estranho e prejudicial está acontecendo plantas e da vida silvestre (Leia também no Pantanal não poderia ser feita se em nesta edição a descoberta por 1980 o Instituto de Biociências não pesquisadores da UFMT de uma nova tivesse dado os primeiros passos para espécie de piolho de cobra).estudar e compreender esse bioma. Inicialmente veio o Curso de Pesquisa muda a EducaçãoEspecialização em Biologia de Áreas Alagadas, que fortaleceu o grupo de Feche os olhos e imagine-se sentado pesquisadores e abriu portas para em um banco de escola onde opinião convênios internacionais. dos alunos não é bem vinda e pouco Logo em seguida, já com professores interessa o que os pais desses doutores, chegou-se ao mestrado, estudantes pensam ou deixam de posteriormente arrematado pelo 8º pensar. Sim, essa escola onde as International Wetland Conference, em pessoas não podiam expor suas idéias 2008 – encontro internacional que existiu, mas as primeiras pesquisas da reúne os principais estudiosos em áreas Universidade Federal de Mato Grosso úmidas e que contribuiu para a ajudaram a mudar essa realidade.mudança de um paradigma. Se antes Em plenas décadas de 1970 e 1980, via-se o Pantanal com duas faces pesquisadores de vários estados distintas, uma terrestre e outra aquática, brasileiros, impulsionados pelo espírito passou-se a ver esse bioma como uma de luta contra a ditadura militar e pró-coisa só: área úmida, pois uma coisa diretas, buscavam uma maneira de não poderia viver sem a outra. democratizar o acesso à escola e a E nesse jogo de “decifra-me ou devoro- própria organização dela. Eram os te” estava Cátia Nunes perguntando o primeiros passos rumo à Gestão que havia no Pantanal. O resultado Democrática da Escola, em que disso foi o mestrado “Estudo Florístico e diretores, pais, alunos, professores e F i tof is ionômico das pr incipais funcionários discutem em torno das Formações Arbóreas do Pantanal de decisões a serem tomadas no cotidiano Poconé-MT”, que consistia em escolar. caracterizar a vegetação pantaneira. Quem também pesquisava e estudava “Conhecer agora para entender e essa “nova escola” era o Núcleo subsidiar formas de uso sustentável no Permanente de Pesquisa e Pós-futuro”, justificava. graduação do Departamento de No dourado seguiam-se perguntas Educação (NP-EDU), logo nos primeiros levantadas no estudo anterior. “Como 11 anos da UFMT.estão distribuídas as espécies em um Nesse grupo estava Ártemis Torres, gradiente que vai do seco até o muito doutora em Educação, que decidiu úmido?”. Depois de medir e contar mais estudar junto a outros quatro de 7 mil plantas, passar 3 anos a campo, pesquisadores o acesso das crianças analisar sedimentos e distribuir essas das camadas populares à escola de
1°grau João Bosco P. Burnier, uma espécies em uma linha - não de tempo, fundação escolar que existia no bairro mas de índices de umidade -, o estudo Bela Vista, em Cuiabá.
indicou a existência de espécies de
árvores em longas faixas e em
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Dossiê
Mas os pesquisadores desejavam ir um investimento que poucos tinham
além. Por meio de um projeto que não condições de fazer. Além disso,
se limitava à pesquisa, eles visitavam o professores não comprometidos com
bairro para identificar os problemas que a causa e pais às margens de qualquer
aquela população enfrentava quando o discussão também interferiam na
assunto era ensino público, frequência evasão escolar.O estudo se mostrou uma experiência escolar, participação dos pais na de relação mútua entre pesquisadores educação dos filhos. "Ouvíamos as e moradores. “Fazer pesquisa, mas
pessoas, as associações de moradores, também interferir na realidade
levantávamos estatísticas. Tudo para daquelas pessoas.” Formou-se, assim, intervir positivamente e desenvolver um elo entre escola e pais para criar naquela região uma política de uma cultura escolar diferente,
melhorar a relação entre esses sujeitos democratização da escola."e o ensino aos alunos, assim como Na pesquisa - chamada “Melhoria da reduzir a evasão e tornar o colégio produtividade numa escola da uma instituição mais acessível. periferia urbana e participação da E os pais realmente tinham algo a comunidade”, f inanc iada pe lo dizer. Tanto que a pesquisa acabou C o n s e l h o N a c i o n a l d e fomentando neles a luta por uma Desenvo lv imento C ient í f i co e escola pública no bairro, a atual Madre Tecnológico (CNPq) – percebeu-se Marta Cerutti, com eleições de que muito mais do que haver ou não d i r e t o r e s , c o n s e l h o s c o m vagas, a questão era dar condições representação de pais, alunos e para que crianças de baixa renda professores. “A escola é uma freqüentassem a escola. instituição do bairro e deve se abrir Na realidade pesquisada, cobravam-para o bairro”, dizia Ártemis desde os se taxas, material escolar, uniforme, primeiros dados coletados.transporte e outras coisas que exigiam
Dossiê
Ensino a Distância
Aproximadamente 18 mil quilômetros separam o Brasil do Japão. Mas nem toda essa distância, nem a diferença de 12h no fuso-horário impediram que Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) participasse de um projeto inovador dentro da Educação à Distância. A missão: formar em pedagogia os profissionais que já atuam em escolas brasileiras no Japão. O projeto surgiu da necessidade de se reconhecer o trabalho das 92 escolas brasileiras que funcionam em território nipônico e estão à margem do sistema educacional japonês. Os governos dos dois países decidiram trabalhar a formação dos professores dessas escolas como primeiro passo para integração dos sistemas educacionais brasileiro e japonês.Na base desse projeto ousado - que já completou o primeiro dos quatro anos de capacitação - estão 12 trabalhos científicos, 6 livros e vários artigos desenvolvidos e publicados pelo grupo de pesquisa Tecnologias da Informação e Comunicação na Educação desde 1998. Graças a esse histórico e a essa experiência é que a UFMT foi convidada para orientar a qualificação de professores do outro lado do mundo.A graduação em pedagogia é dirigida a professores brasileiros que dão aula no Japão, mas não têm graduação na área. A pesquisadora Kátia Alonso estima que 80% dos professores que atuam em escolas brasileiras em território nipônico lecionam na educação infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental. Assim, em parceria com Universidade Tokai, 300 vagas foram oferecidas a esses profissionais e, atualmente, 280 estão ocupadas. O curso vai de 2009 a 2013 e é dividido em oito semestres, totalizando 3.360 horas. As 15 turmas compostas por aproximadamente 20 alunos são qualificadas em sistema modular. Além do ambiente virtual, os graduandos desenvolvem trabalhos individuais e em grupo, recebem material didático, fazem videoconferências e contam com apoio de 17 orientadores e 3 professores da UFMT. Uma vez em cada semestre acontece um encontro com os professores da UFMT do outro lado do Pacífico
Arara Azul (Anodorhynchus hyacinthinus)
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O Comportamento da Floresta de Cuiabá). Trata-se de uma floresta in Transição natura, com características amazônicas,
que sofre influência do pasto que A Agência Espacial Americana (NASA) avança no arco do desmatamento, está de olho na produção científica da interferindo no clima, na densidade e na Universidade Federal de Mato Grosso. umidade da floresta. “Há 10 anos Mais especificamente nos resultados do estudamos o comportamento dessa Programa de Pós-graduação em Física região para tentar saber como ela será Ambiental, que tenta entender o em diferentes cenários. Se hoje a comportamento da Floresta de temperatura é 25ºC, se fosse 23ºC, se Transição – aquela entre o Cerrado e a fosse 21ºC, se fosse 30ºC. A ideia é que Floresta Amazônica – para saber como com o aquecimento global essa será a Amazônia no futuro. temperatura mude, então como essa Além de americanos e europeus, floresta poderá se comportar?”.fundações de amparo a pesquisas Nessa área de floresta intocável, de brasileiras também investem pesado 1999 a 2008, pesquisadores da UFMT, para estudar como a mudança climática entre eles Luciana, coletaram poderá interferir na dinâmica da informações sobre a temperatura floresta. dentro e fora da floresta, a umidade Diariamente, na UFMT, geógrafos, relativa do ar, a radiação global solar (o químicos, físicos, engenheiros, biólogos que está chegando do sol e o que está e outros especialistas voltam seus sendo refletido novamente para a olhares para a Floresta de Transição atmosfera), a velocidade e a direção do para conhecer o passado, avaliar o vento, o fluxo de energia e de carbono e presente e modelar o futuro. Na linha demais fatores componentes do clima. de pesquisa Interação Biosfera – Tudo graças a uma torre de 42 metros Atmosfera, a engenheira sanitarista e de altura equipada com aparelhos de pós-doutora em física ambiental última geração.Luciana Sanches se dedica desde 1999 a Paralelo a essas observações, durante padronizar o comportamento de uma sete anos, Luciana se dedicou ao estudo área de floresta de transição localizada do dossel (folhagens das árvores muito no município e Cláudia (a 606 km de acima do chão) na tentativa de
Dossiê
Rumo ao Futuro
Sem bola de cristal, tarô ou búzios. Veja como a física ambiental modela o futuro da Amazônia: 1 – Em meio à floresta, uma torre equipada com sensores high tech foi levantada para capturar informações sobre umidade, velocidade do vento e gazes e toda a condição climática sobre a mata.2 – Lá embaixo, 20 caixas são distribuídas em uma área de 1 hectare. Algumas ficavam suspensas para coletar o litter fall, aquela serrapilheira que não teve contato com os microorganismos do solo. Outras, sem o fundo, foram colocadas no chão para coletar o litter pool, o material que iniciou o processo de decomposição.3 – A coleta era realizada a cada 15 dias. Na floresta media-se a altura da serrapilheira e, em Cuiabá, o material ia para uma estufa, onde se analisava a massa, os componentes químicos, a água e as taxas de decomposição.4 – Os dados eram compilados e, junto com as informações da torre, revelavam o comportamento daquela área de floresta e como ela pode ser se alguns fatores forem alterados.5 – Empurrada por fortes ventos, a torre caiu, mas os dados coletados eram tantos que são utilizados para modelagens matemáticas. Pesquisadores da UFMT buscam financiamentos para reerguer a torre.
Bromelia (Aechmea nudicaulis var. aqualis)
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compreender como a vegetação se Na Fanut, desde 2001 são realizadas
comporta no período chuvoso e no pesquisas que têm como foco o
período de déficit hídrico. “Para estudo da desnutrição na gestação e
entender essa dinâmica, estudamos a na lactação e a recuperação de mãe e
serrapilheira, a quantidade de folhas, filho com dieta padrão, à base de
flores e frutos que o dossel desprende e caseína - uma proteína considerada
se acumula no chão”. completa e presente no leite –, e Com esse material consegue-se outra à base de farinha de soja. interpretar muitas coisas, pois a queda e Os experimentos são realizados com a decomposição dele é influenciada ratos de laboratório e têm como pela quant idade de água, a objetivo identificar as diferenças t empe ra tu r a i dea l , um idade , entre a recuperação de ratos microorganismos e etc. Também é desnutridos com caseína e com soja. possível determinar qual a taxa de Tudo partindo da constatação de que decomposição dessa vegetação, a uma vez desnutrido o animal nunca quantidade de nutrientes (carbono, mais recupera o peso e a saúde fósforo e nitrogênio) que sai da folha e daquele que nunca passou pela passa para o solo, completando o ciclo. mesma situação.Todos os dados são utilizados em uma O que se pode observar nesses equação matemática que pode revelar jovens em nove anos de pesquisa é como a floresta era, como é e como que a dieta que utiliza a soja como será – a chamada “modelagem única fonte de proteína não é matemática”. superior à dieta padrão. Um dos Apesar destes esforços, ainda são resultados aponta que apesar da soja necessários, no mínimo, mais 30 anos se mostrar eficiente na diminuição da de estudos para definir alguma coisa gordura no fígado, os animais ficam sobre o clima. Por isso padroniza-se a res i s tentes à insu l ina , e fe i to floresta, pois se todo o ano ela se semelhante à diabetes tipo 2.comporta de determinada maneira sob Mesmo que as pesquisas da Fanut uma certa condição climática, será sejam realizadas em ratos e estudem possível prever como ela será se as a mecanismos que nem sempre podem condições mudarem. ser extrapolados para o ser humano, a pesquisadora Márcia Queiroz
Proteína da soja: vantagens e Latorraca afirma que os resultados desvantagens obtidos mostram que utilizar a soja
como única fonte de proteína não é Seja por uma vida saudável ou em tão bom quanto uma alimentação solidariedade aos direitos dos variada, com diferentes fontes de animais, o fato é que cresce cada vez proteína.mais o número de vegetarianos no Os resultados das pesquisas com a mundo. No mesmo ritmo, aumentam soja na Fanut, têm levado o nome da a produção de soja, a quantidade de universidade para o exterior. Além da produtos vegetar ianos e , na publicação de artigos em revistas Universidade Federal de Mato nacionais e internacionais, como a Grosso, os estudos sobre as Nutrition, os professores se preparam vantagens e as desvantagens da para publicar um capítulo de livro proteína de soja. pela editora holandesa Elsevier.Enquanto muitas linhas de pesquisa Na obra, chamada ‘‘Flour and Breads estudam o melhoramento genético e and their fortifications in health and o aumento da produção de grãos, na D i s e a s e P r e v e n t i o n ’ ’ , o s Faculdade de Nutrição (Fanut), da pesquisadores da UFMT abordam o UFMT, progridem as pesquisas sobre efeito da dieta à base de farinha de a utilização da farinha de soja na soja sobre a ação e secreção da alimentação de ratos desnutridos. E a insulina. A edição é por conta de primeira conclusão a que se chega é Ronald Ross Watson, da Universidade que nossas mães estão certas quando do Arizona, e Vinood Patel, da King's insistem em dizer que a refeição College London e deve ser publicada balanceada e diversificada é a melhor. até o final do ano na Inglaterra.
Dossiê
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ara ser um cientista ou um pesquisador com a
inteligência de Albert Einstein, o dom de Osvaldo PCruz ou a perspicácia de Louis Pasteur e de tantos
outros pesquisadores, é preciso persistência, disciplina e
apoio. O avanço das pesquisas e a descoberta de novas
técnicas, teorias e conceitos dependem de investimentos,
seja por parte do Estado ou de empresas privadas. Em
Mato Grosso, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado
(Fapemat) investe, anualmente, cerca de R$ 40 milhões em
pesquisas.
Os investimentos são feitos em diversas áreas do conhecimento e beneficiam estudos desenvolvidos no Estado e para o Estado. No currículo da Fapemat, constituída oficialmente em 1998, estão pesquisas importantes para o desenvolvimento agrário e ambiental, como a agricultura de precisão, o uso da biodiversidade entre os ribeirinhos do rio Cuiabá e a preservação do PantanalDepois de passar um bom tempo estudando variabilidade espacial dos solos na Holanda e no Brasil, o pesquisador Eduardo Guimarães, do Departamento de Agronomia da Universidade Federal de Mato Grosso, aguarda a chegada de um equipamento americano, financiado pela Fundação, para estudar a distribuição de carbono no solo mato-grossense com base na técnica de agricultura de precisão, que quantifica o solo e estuda como ele muda no espaço. Para esclarecer melhor, Guimarães compara o solo a um mar cheio de ilhas; essas linhas são concentrações de coisas, como nutrientes, argila, matéria orgânica e etc. Distribuídas nesse mar de terra, cada ilha tem um tamanho e com a agricultura de precisão pode-se quantificar isso e mapear. “A agricultura de precisão consegue entender que a paisagem não é homogênea e torna possível a produção de mapas sobre essa heterogeneidade. Assim, consigo colocar no solo a necessidade exata de fertilizante que ele está precisando, economizando dinheiro e diminuindo o impacto ambiental”.
O que antes era utilizado para corrigir deficiências de nutrientes pode agora se tornar uma ferramenta para estudar quanto há de carbono no solo mato-grossense, como ele está distribuído, quanto já foi perdido, além de desenvolver maneiras de cultivar a terra sem prejudicar o meio ambiente. O pesquisador conta que, no final da década de 90, a técnica era muito ligada às
Desenvolvimento
Apoio à Pesquisa Acelera ResultadosInvestimento é vital para o desenvolvimento científico
Carol Landhi
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indústrias internacionais de máquinas e Melgaço e pesquisa as mudanças
fertilizantes agrícolas. Entretanto, na UFMT, decorrentes do uso de recursos naturais
ela foi desdobrada e adaptada para a nessas duas regiões. Um dos objetivos é
realidade brasileira. Em parceria com alunos, verificar como as populações em torno
avaliava-se a distribuição de nutrientes com desses sistemas percebem as mudanças
amostras recolhidas sob diferentes escalas e nesses ambientes. Na Baia Chacororé, o projeto “guarda-chuva” com a ajuda da estatística era possível saber inclui um produto que ainda aguarda por qual técnica era mais confiável. investimento. Trata-se de um material M a s c o m a c h e g a d a d o didático-científico para ser trabalhado nas equipamento que detecta carbono, fósforo e escolas ribeirinhas. O livro quer mostrar potássio, a expectativa é que a agricultura de para os jovens dessas comunidades a precisão no Brasil se torne algo mais barato explicação científica que está por trás de e ágil em Mato Grosso. Com o sensor que atividades cotidianas. Quais as leis da física está a caminho do Estado, Guimarães que explicam o fato do pescador ribeirinho também espera estimar como a terra pode deixar o barco parado em meio à armazenar carbono, quais as técnicas correnteza? Como a ciência explica o agronômicas que permitem maior fixação de processo de produção da rapadura? carbono no solo.“Queremos confeccionar um livro com Ainda será possível saber se as técnicas de conteúdo cultural e científico. É a agricultura utilizadas, como o plantio direto, transformação pela ciência e tecnologia”, estão contribuindo para a perda ou ganho destaca Carolina Joana.desse elemento químico. “Quanto mais
Mas para chegar a esse projeto carbono o solo fixar, menos ele está foram alguns anos de caracterização da Baia liberando para a atmosfera e contribuindo Chacororé, identificação da vegetação para o efeito estufa”.aquática e ripária (que está em torno dos rios) e análise de como a população Preservar para educarribeirinha vê o rio e como maneja essa A Fapemat foi criada para apoiar o biodiversidade. O resultado mostrou que as desenvolvimento da pesquisa científica e comunidades têm conhecimento ecológico tecnológica em prol de Mato Grosso, seja tradicional, ou seja, compreendem como o por meio de financiamento de pesquisas ou pulso de inundação afeta a biodiversidade e com bolsas de estudo. Entre tantos projetos, conhecem as mudanças químicas que destacam-se as pesquisas realizadas por acontecem nesse processo e como as Carolina Joana da Silva, pós-doutora em pessoas se adaptam a ele.ecologia e professora da Universidade do A partir desse conjunto de resultados foi Estado de Mato Grosso, e seus orientandos.possível colocar em prática o primeiro Desde 2001 a pesquisadora se dedica a produto, que consistia em orientar as estudos ecológicos no Rio Paraguai, em pessoas para que elas se apropriassem de Cáceres, e na Baia Chacororé, em Barão de conhecimento. “Orientávamos a
Desenvolvimento
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população ribeirinha por meio de nacionais, quatro internacionais e mais de
palestras, cursos sobre cidadania e direitos 100 pesquisadores. Um deles é o químico e
ambientais, workshops e seminários para professor da UFMT Paulo Teixeira de Souza
discutir os problemas da região”. Júnior, que dentro do INAU desenvolve E agora a meta é entrar na área da pesquisas com fitoterápicos no Pantanal. educação. “Em um futuro próximo Uma delas já aponta resultados queremos distribuir para as escolas promissores, com a descoberta de uma públicas das comunidades ribeirinhas um planta capaz de combater a úlcera gástrica. material bonito, legal e científico. Para “Não podemos detalhar, pois é uma transformar o Brasil, os jovens precisam pesquisa que envolve patente, mas posso dominar a ciência desde a escola garantir que não há nada no mercado com fundamental”. princípio ativo parecido a esse. Outros
resultados também revelam plantas com Futuro atividade antidiabetes”.
Para o presidente da Fapemat, João Carlos Esses estudos envolvem química, de Souza Maia, a pesquisa hoje em Mato farmacologia, botânica e poderão agregar Grosso é muito significativa e cresceu 100% medicina e agronomia caso os resultados nos últimos 10 anos. Até este ano já foram obtidos sejam positivos, pois será preciso registrados aproximadamente 2 mil estudar o cultivo e a propagação das projetos de pesquisa e 2.500 bolsas de plantas medicinais. “Seguimos a linha de iniciação científica, 250 de mestrado e 100 que para preservar é preciso mostrar para de doutorado. O resultado desse esforço que serve. A população tende preservar pode ser percebido na consolidação do aquilo que tem valor para a sociedade, que Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia gera emprego e renda. Ao agregar valor em Áreas Úmidas (INAU) que objetiva fazer para essas plantas, contribui-se para a um levantamento e classificar as áreas preservação e redução da pobreza, que é úmidas. um problema para o pantanal hoje”.Coordenado pela UFMT, o projeto deseja Mas estudo de plantas medicinais é apenas contribuir na tomada de decisões para a uma das pesquisas. Teixeira, que é vice-preservação dessas áreas, entre elas o coordenador do Instituto, explica que o Pantanal Mato-Grossense - a maior planície projeto conta com pesquisas que alagável do planeta. pretendem delimitar quais são as áreas O projeto, financiado pelo Conselho úmidas, fazer inventários da biodiversidade, Nacional de Desenvolvimento Científico e classificar habitats e estudar sequestro de Tecnológico (CNPq), conta com apoio das carbono no solo. Outros estudos também fundações de Amparo à Pesquisa de Mato trabalham com o desenvolvimento de Grosso e Mato Grosso do Sul (Fundect) e é manejo alternativo na região do Pantanal uma rede que envolve sete instituições para agregar valor à biodiversidade.
43
Desenvolvimento
Saiba Mais
Pesquisadores da UFMT e da U n e m a t , d o C e n t r o Interdisciplinar de Estudos em Biocombustíveist, com o apoio da Fapemat, desenvolveram u m a n o v a m a n e i r a d e transformar a gordura em combustível e aguardam a patente da invenção. A técnica, descoberta em 2003, consiste em utilizar microondas para acelerar a reação. A mesma tecnologia ainda transforma a glicerina em combustível - já que ela tende a ser um passivo a m b i e n t a l p o r s e r u m subproduto do biodiesel - e pode ser utilizada para gerar energia por meio do lixo orgânico.O Centro Interdisciplinar de Estudos em Biocombustíveis já recebeu cerca de R$ 12 milhões em investimentos e p r e t e n d e p r o d u z i r conhec imento e fo rmar recursos humanos para a tender toda a cade ia produtiva de biodiesel que está se desenvolvendo no Estado.
Outros Saberes
uem nunca recorreu a uma
planta medicinal para tratar de Qalgum problema de saúde? No
distrito de São Pedro de Joselândia,
localizado ao sul do município de Barão
de Melgaço, esse tipo de prática é
bastante comum. Os moradores
procuram os benzedores que usam
diversas espécies de vegetais, sendo a
maioria nativa do Pantanal Mato-
grossense, tais como aroeira e para-
tudo, para curar doenças como tosse,
anemia, gastrite, verminose, entre outras.
Desde a ocupação da região, há mais de
100 anos, a tradição de benzer usando
plantas medicinais é transmitida a cada
geração. A vontade de interpretar e
descrever esse método de cura, assim
como identificar os benzedores e
conhecer os elementos materiais e
espirituais existentes nesse processo
motivaram o médico Reinaldo Gaspar da
Mota, professor da Universidade Federal
de Mato Grosso (UFMT), a estudar o
costume.
Por viverem numa região de difícil acesso
aos serviços de saúde, as comunidades
Retiro de São Bento, São Pedro,
Pimenteira, entre outras pertencentes ao
distrito de São Pedro de Joselândia,
aprenderam a se virar para ajudar os
moradores. Desenvolveram técnicas de
cura a partir dos conhecimentos culturais
herdados dos pais, avós, tataravós.
Alguns dos fatores que contribuíram
para a permanência dessas práticas ao
longo dos anos foram a predominante
Os Benzedeiros de Joselândia
Camila Tardin
religiosidade católica, o difícil acesso aos
serviços de saúde e a abundante oferta
dos recursos naturais pela rica
biodiversidade pantaneira.
Na região foram identificados 23
benzedores, mas apenas 12 fizeram
parte da pesquisa: seis mulheres e seis
homens com idade média de 70 anos.
Nas comunidades, a prática de cura com
plantas medicinais começa na juventude
– a maioria com idade a partir dos 24
anos. Isso não é uma regra, depende da
história de vida do benzedor. No
entanto, não há registro de crianças que
começaram a exercer esse costume na
infância. No estudo foi identificado que
essa prática de cura se estende, em
média, por 46 anos de vida do benzedor.
As mulheres ficam em casa e também
ajudam nos trabalhos da roça e os
homens trabalham no campo para a
subsistência.
Além de usar as plantas medicinais, os
b e n z e d o r e s f a z e m o r a ç õ e s ,
denominadas “benzeções”, influenciados
pelo catolicismo popular. A maioria das
pessoas que vive na região é devota de
São Pedro (pescador e discípulo de
Jesus).
Doenças
Os benzedores classificam as doenças
em duas principais categorias: as
doenças de causas materiais e as de
causas espirituais, estando ambas
intimamente relacionadas. Para eles, os
problemas
espirituais podem gerar
doenças orgânicas, psíquicas e sócio-
ambientais. Fotos: Guilherme Filho
44
Acreditam também que as doenças
espirituais que se manifestam na alma do
ser humano podem trazer consequências
para o corpo. É por meio das orações que
eles buscam auxiliar o enfermo a
solucionar as doenças de origem
espiritual.
“Eles oram, rezam, às vezes contam uma
história mítica ancorada nesses mitos de
São Pedro, de Jesus, de acordo com a
necessidade do paciente. A reza tem
alguns ritos: a pessoa fica de pé em frente
ao benzedor que faz a reza, a oração. Em
alguns procedimentos ele mede algumas
partes do corpo do enfermo para ver se
tem determinado tipo de problema, como
arca caída. Mas, geralmente, os
benzedores rezam em voz baixa, com
muita concentração, muito respeito. De
fato, eles acreditam que isso é muito
significativo para o processo de
restabelecimento do doente”, explica
Mota.
Das plantas são aproveitadas a casca,
caule, folha, flor, fruto, raiz e semente que
podem ser usadas, por exemplo, para
fazer chá, garrafada ou emplasto. Além da
aroeira e para-tudo, outras espécies
vegetais popularmente conhecidas e
muito usadas são a jatobá, indicada para
quem tem gripe, tosse, dores no peito e
nas costas, e a espinheiro santo, ideal para
tratar problemas digestivos, dor de cabeça
e gripe.O trabalho não tinha como
finalidade provar cientificamente as
Aroeira - Pimenta rosada - Schinus_terebinthifolius Paratudo árvore (Tabebuia aurea)
45
práticas de cura e seus efeitos, mas sim
conhecer através da etnografia (método
científico empregado na antropologia) o
uso de plantas medicinais e suas
indicações. O pesquisador desvela os
conceitos ampliados destes benzedores
sobre as causas das doenças e seus
processos de cura. Para os benzedores,
que exercem socialmente o papel de
sacerdotes, muitas doenças são oriundas
de relações inadequadas entre o
homem, sua sociedade, a natureza que o
circunda e Deus. Espiritualmente eles
reconhecem o pecado como a principal
causa do adoecer e, geralmente, utilizam
as rezas e benzeções para restabelecer
uma relação harmoniosa.
A pesquisa concluiu que para os
benzedores a imagem mítica tem grande
importância no restabelecimento da
saúde, uma vez que ancora padrões de
comportamentos sociais aceitáveis pelas
comunidades. “É muito interessante a
cosmovisão que eles têm sobre Deus.
Deus, para eles, é um todo. É o criador de
tudo e a natureza é parte de Deus. Eles
preconizam o convívio respeitoso e
gratificam suas dádivas nos festejos
tradicionais”, observa Mota. Os resultados
demonstram também que os benzedores
de São Pedro de Joselândia valorizam o
que têm de mais próximo: os recursos
naturais e as concepções religiosas e
culturais presentes nas comunidades.
Jatobá (Hymenaea courbaril)
Opinião
erece ser bem festejado o nascimento de uma revista de divulgação científica em um estado
do país com cerca de 3 milhões de habitantes, dos quais perto de 600 mil na capital, Cuiabá, Mainda pouco conhecido fora da região Centro-Oeste. E pelo menos por duas razões: a
UFMT Ciência, publicação trimestral da Universidade Federal do Mato Grosso, a par de fazer chegar a
seus próprios estudantes e professores e a pesquisadores e comunicadores científicos de outras regiões
brasileiras uma amostra selecionada do conhecimento produzido na instituição, provavelmente irá
irrigar e fertilizar com temas científicos a mídia local. Assim poderá impulsionar virtuosamente a
circulação da informação sobre produção científica no estado e ainda ajudar a sensibilizar sua sociedade
para as notícias mais importantes desse modo fundamental de conhecer, venham elas de onde vierem.
Projeto lançado e coordenado pelo professor Dielcio Moreira, atual secretário de Comunicação e
Multimeios (Secomm) da universidade, é bom saber que a revista surge depois de intensa preparação,
incluindo um curso de capacitação em jornalismo científico, com carga horária de 120 horas realizado ao
longo do primeiro semestre pela Secomm junto com o Departamento de Comunicação Social e apoio
da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso (Fapemat).
Tenho observado muito o crescimento significativo da presença da ciência que se produz no Brasil na
mídia nacional, nos últimos 10 anos. Ainda há largo espaço, sem dúvida, para o desenvolvimento de um
jornalismo científico mais crítico, mais analítico em relação ao processo de produção da ciência,
incluindo seus muitos percalços. Um jornalismo, digamos, menos aprisionado só às promessas da
ciência.
Ao mesmo tempo, tenho procurado aguçar a percepção para o adensamento dos canais de
comunicação que se estabelecem desde os centros de produção de conhecimento científico até os
veículos da mídia. E se já não resta muita dúvida entre os pesquisadores de que comunicar à sociedade
seus achados é parte intrínseca da própria atividade científica, os serviços e produtos de divulgação
construídos cada vez mais pelas instituições vinculadas ao sistema de ciência, tecnologia e inovação do
país – assessorias de comunicação, agências de notícias, house-organs, boletins eletrônicos, revistas
impressas e eletrônicas, informativos radiofônicos e televisivos etc. -- têm buscado incisivamente
disseminar essa comunicação numa outra linguagem. Numa espécie de língua comum da sociedade.
Dentre as informações assim postas em circulação, os veículos da mídia, ao se apropriarem daquelas
que lhes parecem conter mais elementos de interesse para seu público, o fazem, é claro, em suas
narrativas próprias. Isso implica uma linguagem muito diferente da que se valem os cientistas,
amparada com frequência numa estrutura dramática do texto e em artifícios estilísticos mais do que
legítimos para capturar a atenção do leitor, ouvinte ou espectador. É óbvio que esses relatos não têm
nem podem ter semelhança com o jargão dos informes e artigos científicos.
Nesse panorama, fazer revistas como Pesquisa FAPESP – e faço votos para que se dê o mesmo com a
UFMT Ciência – constitui um desafio enorme e estimulante a cada edição. Diria mesmo um desafio
apaixonante. Porque aqui se trata de preservar inteiramente uma vinculação institucional e a boa
imagem da instituição a que a revista está vinculada, incluindo nisso o extremo rigor e lisura na
utilização de todo e qualquer dado, ao mesmo tempo em que se busca usar a linguagem jornalística
até os limites de suas possibilidades de fascínio e beleza. O jogo de equilíbrio não é fácil, no entanto,
é gratificante. E é assim entre outras razões porque esse tipo de revista que de certo modo
intermedeia a relação entre centros de produção de ciência e veículos da mídia --
independentemente de poder também se dirigir de forma direta a um público mais amplo --,
consegue reforçar o quanto de prazer, de aventura, existe na busca pelo conhecimento, ao mesmo
tempo em que difunde a percepção de que a ciência é árduo processo de construção sócio-cultural,
cujas verdades são sempre provisórias.
Sucesso e longa vida à UFMT Ciência!
Expectativas em torno de um nascimento
*Mariluce Moura é jornalista, diretora de
redação da revista
Pesquisa FAPESP.
Mariluce Moura*
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DE 5 A 8 DE OUTUBRO DE 2010
DE 5 A 13 DE OUTUBRO DE 2010
ANOS
UFMT
1970 - 2010Educação e Cidadania
MaturidadeEducação e cidadania são essenciais para o desenvolvimento humano,
intelectual, técnico e científico. Até o ano 2000, a UFMT oferecia somente quatro mestrados. Chegamos aos 40 anos com cinco doutorados, seis
doutorados interinstitucionais e 26 mestrados. Dentre estes programas, oito estão em fase de consolidação segundo a avaliação da CAPES. Maturidade é isso: começar, caminhar, enfrentar desafios e superar
adversidades. Aprender, compreender e socializar são tarefas diárias de
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO