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UERJ - UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Reitor
Ricardo Vieiralves de Castro
Vice-reitor
Christina Maioli
Extenso e cultura
Ndia Pimenta Lima
IFCH - INSTITUTO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS
Diretor
Dirce Eleonora Rodrigues Solis
DEPARTAMENTO DE HISTRIA
Chefe
Paulo Roberto Gomes Seda
Programa de Ps-Graduao em Histria (PPGH/UERJ)
Tnia Maria Tavares Bessone da Cruz Ferreira
NEA - NCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE
DIRETORA
Maria Regina Candido
EDITORES
Prof. Ms. Carlos Eduardo da Costa Campos
Prof. Ms. Junio Cesar Rodrigues Lima
Prof. Dr. Maria Regina Candido
DIAGRAMADORES
Prof. Ms. Junio Cesar Rodrigues Lima
Prof. Mestrando Luis Filipe Bantim de Assumpo
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REVISOR DE PERIDICO
Prof. Ms. Renan M. Birro
CONSELHO EDITORIAL
Prof. Dr. Alexandre C. Cerqueira Lima - Universidade Federal Fluminense
Prof. Dr. Andr Leonardo Chevitarese - Universidade Federal do Rio de Janeiro
Prof. Dr. Carmen Soares - Universidade Coimbra
Prof. Dr. Claudia Beltro da Rosa - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
Prof. Dr. Daniel Ogden - Exeter University London
Prof. Doutorando Devid Valrio Gaia - Universidade Federal de Pelotas
Prof. Dr. Fabio Faversani - Universidade Federal de Ouro Preto
Prof. Dr. Fbio Joly - Universidade Federal de Ouro Preto
Prof. Dr. Margaret M. Bakos - Pontifcia Universidade Catlica RS
Prof. Dr. Maria Cecilia Colombani - Universidad Moron - Universidad Mar Del Plata
Prof. Dr. Maria do Carmo Parente Santos - Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Prof. Dr. Vicente Carlos R. Alvarez Dobroruka - Universidade de Braslia CONSELHO CONSULTIVO
Prof. Dr. Claudio Umpierre Carlan - Universidade Federal de Alfenas
Prof. Ms. Giselle Marques Cmara - Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro
Prof. Dr. Fbio Vergara - Universidade Federal de Pelotas
Prof. Dr. Julio Csar Gralha - Universidade Federal Fluminense Plo Campos dos
Goytacazes
Prof. Dr. Ktia Maria Paim Pozzer - Universidade Luterana do Brasil - Canoas
Prof. Doutoranda Liliane Coelho - Centro Universitrio Campos de Andrade
Prof. Ms. Miriam Lourdes Imperizielle Luna da Silva - Universidade do Estado do Rio
de Janeiro
Prof. Dr. Moacir Elias Santos - Centro Universitrio Campos de Andrade
Prof. Dr. Renata Senna Garraffoni - Universidade Federal do Paran
Prof. Dr. Pedro Paulo Abreu Funari - Universidade Estadual de Campinas
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Capa: Junio Cesar Rodrigues Lima Zeus watches as Nike presents Athena with laurels. http://glauxnest.blogspot.com.br/2011/01/photos-from-nashville-parthenon.html Editorao Eletrnica: Equipe NEA www.nea.uerj.br
Indexado em Sumarios.org e AWOL Ancient World On-line
CATALOGAO NA FONTE UERJ/REDE SIRIUS / CCS/A
N354 Nearco: revista eletronica de antiguidade. - Vol. 1, Ano VI, n.1 (2013) Rio de Janeiro:UERJ/NEA, 2013 - v.11 : il. Semestral. ISSN 1982-8713 1. Historia antiga - Periodicos. I. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Nucleo de Estudos da Antiguidade. CDU 931(05)
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Sumrio
Editorial DOSSI: PERIODIZAO HISTRICA DEBATES E QUESTIONAMENTOS
Carlos Eduardo da Costa Campos & Maria Regina Candido, 7
Dossi MEDIR O TEMPO, UM SABER MESOPOTMICO
Katia Maria Paim Pozzer, 13
TEMPO E HISTRIA NA CHINA ANTIGA
Andr Bueno, 25
PERIODIZAES NA NDIA ANTIGA
Edgard Leite, 44
ERAS DO MUNDO E FINITUDE DO HOMEM EM ALGUNS TEXTOS PERSAS TARDIOS
Vicente Dobroruka, 61 DARK AGE: QUESTO DE DEBATE, UMA POLMICA ABERTA
Maria Regina Candido, 81
AS PERIODIZAES DA HLADE CONSIDERAES ACERCA DOS CONCEITOS DE ARCAICO, CLSSICO E HELENSTICO
Luis Filipe Bantim de Assumpo, 94 O PROBLEMA DA PERIODIZAO DA REPBLICA ROMANA: ALGUMAS OBSERVAES A PARTIR DO ESTUDO DA RELIGIO ROMANA
Cludia Beltro da Rosa, 116
O "FIM" DO MUNDO ANTIGO EM DEBATE: DA "CRISE" DO SCULO III ANTIGUIDADE TARDIA E ALM
Gilvan Ventura da Silva & Carolline da Silva Soares, 138
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ISLAM AND THE DISSOLUTION OF LATE ANTIQUITY
Ian D. Morris, 163
ENTRE TEMPORALIDADES E MEMRIAS MITOLOGIAS HISTRICAS DO MEDIEVO JUDAICO E A CONSTRUO DA CONSCINCIA DIASPRICA
Renata Rozental Sancovsky, 185 FORMA E NARRATIVA- UMA REFLEXAO SOBRE A PROBLEMTICA DAS PERIODIZAOES PARA A ESCRITA DE UMA HISTRIA DOS CELTAS
Dominique Vieira Coelho dos Santos, 203
O PROBLEMA DA TEMPORALIDADE PARA OS ESTUDOS DA EUROPA NRDICA: A ERA VIKING
Renan Marques Birro, 229
BREVE ENSAIO SOBRE O CONCEITO DE TEMPO HISTRICO
Joo Oliveira Ramos Neto, 256
Artigos ESTUDIO SOBRE LAS FUNCIONES MAGISTRALES EN EL SISTEMA INSTITUCIONAL DE LA POLIS ATENIENSE
Jorge Antonio Durbano, 263
Resenha MEDEIA, MITO E MAGIA: A IMAGEM ATRAVS DO TEMPO
Guilherme Keller Fragomeni, 291
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DOSSI: PERIODIZAO HISTRICA DEBATES E
QUESTIONAMENTOS
Carlos Eduardo da Costa Campos1 & Maria Regina Candido2
Como historiadores nos deparamos com um problema constante em nosso ofcio:
explicar determinadas periodizaes histricas, para contextualizarmos o objeto de
pesquisa. Como profissionais que lidam com o homem no tempo e no espao devemos ter
em mente que uma categorizao temporal o produto de um lugar social especfico, o
qual visa elaborar um discurso de normatizao para que os eventos passados possam ser
inteligveis as necessidades atuais. Deste modo, o presente dossi intitulado de
Periodizao histrica debates e questionamentos, da Revista NEARCO 2013.1
pretende lanar novos olhares para os recortes temporais, afim de desnaturalizar tais
sistematizaes, que em muitos casos passam por despercebidas. A empreitada foi rdua,
contudo como diz um antigo provrbio: caminhando sozinho podemos chegar em algum
lugar, contudo caminhando em conjunto chegaremos mais longe. De tal forma recorremos
1 Prof. Ms. Carlos Eduardo da Costa Campos membro do Ncleo de Estudos da Antiguidade, da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, na linha de pesquisa: Religio, Mito e Magia no Mediterrneo Antigo. O mesmo atua como docente do Curso de Especializao em Histria Antiga e Medieval, CEHAM UERJ.email: [email protected]
2 Prof. Dr. Maria Regina Candido docente associada em Histria Antiga e coordenadora do Ncleo de
Estudos da Antiguidade, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. A mesma atua como membro da coordenao do Curso de Especializao em Histria Antiga e Medieval, CEHAM UERJ e como Professora do Programa de Ps-Graduao em Histria da UERJ e do Programa de Ps-Graduao em Histria Comparada, da UFRJ.
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aos nossos parceiros de longa data para formularmos esta publicao, que comemora os
nossos quinze anos de democratizao do saber a sociedade. As temticas contidas nesta
edio perpassam pelas demarcaes histricas da Antiga Mesopotmia, passando pelo
perodo denominado de Antiguidade Tardia e findando com o recorte intitulado de
Medievo.
A pesquisadora Katia Pozzer explicita que no mundo antigo, diferentes sistemas de
contagem do tempo foram utilizados, segundo as regies e a poca. Os gregos, por
exemplo, contavam os anos a partir da primeira olimpada, os romanos a partir da
fundao de Roma. No que tange aos habitantes do Oriente Prximo, os mesmos se
referiam aos anos dos reinados de seus soberanos ou aos nomes de seus dignitrios. O
calendrio das civilizaes antigas era baseado no ritmo das atividades agrcolas e
religiosas e era marcado por intervalos de tempo naturais, dados pelo deslocamento do
sol no horizonte, pelo ciclo das colheitas e pelo movimento da lua. Assim a autora
pretende analisar o calendrio mesopotmico, o qual era composto de um ano solar, com
meses lunares e de um dia solar. J o Prof. Dr. Andr Bueno visa em seu artigo
problematizar a questo da relao entre tempo e histria na China Antiga. Bueno para
dar conta de sua proposta se utiliza dos textos de Confcio (-551 a -479) e Sima Qian (-145
a -85), que so considerados como os dois principais fundadores da historiografia chinesa.
O trabalho do autor, alm de inovador, nos possibilita conhecer sobre um importante
campo, que ainda apresenta certa escassez de produo no Brasil.
As nossas anlises sobre as periodizaes tambm envolveram outras regies
orientais como da Antiga ndia. O texto produzido pelo Prof. Dr. Edgard Leite foi
direcionado nos convida a desenvolver algumas questes tericas sobre os problemas de
periodizao da ndia antiga. O referido pesquisador nos aponta as dificuldades que
envolvem a comparao com processos histricos fundadores que so verificados no
Ocidente, assim o mesmo destaca o papel da Revoluo Neoltica no entendimento das
grandes transformaes estruturais na histria. Alm da ndia Antiga, os nossos escritos
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buscaram refletir eventos que envolveram a sociedade Persa. Em virtude do exposto
recorremos ao Prof. Dr. Vicente Dobroruka que analisou a apocalptica persa. Assim o
referido estudioso frisa em seu artigo os diferentes usos das periodizaes histricas num
apocalipse persa conhecido como Zand-i Wahman Yasn (ZWY). Em sua proposta enfatiza-
se que ao longo do apocalipse citado so utilizadas matrizes diferentes dos temas
tradicionais dos metais, das idades do mundo e dos imprios mundiais.
Ao nos direcionarmos para os estudos que envolvem a sociedade helnica
buscamos o apoio da Prof. Dr. Maria Regina Candido. A referida helenista focou em seu
artigo nos estudos que envolvem o perodo entre 1200 a 800 antes de nossa era, cujo
resultado foi emergncia da polis. O perodo ora identificada como Idade do Bronze,
Tempos obscuros, Idade Media dos gregos ou simplesmente Dark Ages pela historiografia
anglo-americana. Os pesquisadores afirmam que o termo se deve ao retrocesso cultural
e econmico que ocorreu na regio helnica como ausncia da escrita, dificuldade em
estabelecer assentamentos e assim como a perda dos contatos e rotas comerciais no Mar
Egeu. Sendo assim, a autora almeja analisar os termos junto a historiografia, alm de
expor como o conceito tem sido aplicado, os seus possveis significados e criticas junto aos
pesquisadores helenistas. Complementando os estudos helnicos, nosso dossi contou
com a participao do pesquisador Luis Filipe Bantim de Assumpo. O autor salienta que
as periodizaes so sistematizaes acadmicas passveis de um processo de
historicizao. Desse modo, o mesmo objetiva analisar a maneira como as periodizaes
histricas de Arcaico, Clssico e Helenstico foram desenvolvidas para dar conta das
especificidades existentes nas sociedades helnicas.
No que tange ao recorte histrico denominado de Repblica Romana, nosso dossi
teve como autora a Prof. Dr. Claudia Beltro da Rosa. A especialista argumentou que a
periodizao tradicional dos estudos histricos um modelo que, como todos os modelos,
deve existir em benefcio da anlise e da interpretao dos dados, e no o contrrio. Logo,
a autora frisa que algumas questes sobre a pertinncia do modelo monarquia/no
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monarquia para o estudo da religio romana na Repblica, assim como o perodo
denominado de republicano necessitam ser estudados pelos pesquisadores, a fim de
contextualizar seu objeto de pesquisa. Alm dos escritos de Claudia Beltro da Rosa, os
pesquisadores Gilvan Ventura da Silva e Carolline da Silva Soares foram vitais nas anlises
que envolvem a periodizao romana. Assim o artigo de Silva e Soares voltado para
refletir os limites e possibilidades dos conceitos mais comuns utilizados para definir o
sentido das transformaes operadas no Imprio Romano a partir da morte de Cmodo
(192), transformaes estas que culminaram na redefinio do sistema imperial romano e,
do ponto de vista da longa durao, na sua gradual desagregao medida que avana o
sculo V.
Ao nos depararmos com a periodizao da sociedade islmica recorremos ao
estudioso Ian Morris, o qual indica que as sociedades que formavam o imprio islmico
emergiram na Antiguidade Tardia. Para o autor a fragmentao poltica e espiritual de tal
rea imperial ocorreu entre c.700-950, o que decididamente constituiu as comunidades
medievais sob comando das dinastias islamizadas. Seguindo pela perspectiva cronolgica
chegamos aos escritos da historiadora Renata Rozental. As reflexes da autora so
voltadas para a formao de conscincias histricas entre os judeus da Idade Mdia. Desta
forma, Rozental salienta que a memria apresenta-se como instrumento narrativo e
configura-se como parte da nova identidade judaica entre os sculos XIV-XVI. Neste
estudo possvel perceber o uso social do tempo como campo legtimo de estudo do
historiador.
Alm das sociedades mencionadas podemos ressaltar pesquisas como as de
Dominique Vieira Coelho dos Santos e Renan Marques Birro, que analisam
respectivamente a sociedade Cltica e Nrdica, as quais o modelo de periodizaes
histricas tradicionais no so apropriados para as suas especificidades culturais.
Dominique Vieira Coelho dos Santos apresenta uma reflexo acerca do modo pelo qual os
historiadores produzem suas narrativas sobre os celtas a partir da construo de formas e
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periodizaes. Logo, o artigo convida ao leitor a repensar as periodizaes e seus usos,
alm de contribuir para novas perspectivas sobre a Histria da Irlanda. No caso de Renan
Birro, o mesmo destacou que a utilizao de temporalidades (ou eras) para o Estudo da
Europa Nrdica (compreendida sem limites muito estritos como os atuais pases Nrdicos,
o Leste da Alemanha e o Leste Europeu) foi empreendida como um exerccio didtico para
simplificao dos estudos e deteco de tendncias artstico-estilsticas, culturais, sociais e
tecnolgicas durante a Antiguidade e o Medievo. Todavia, Birro ressalta que os avanos da
Arqueologia, de estudos comparativos e micro-analticos tem pulverizado esse panorama
conforme a observao minuciosa de regies especficas. Assim, o autor se prope realizar
uma breve retrospectiva at a quase reinveno das palavras Viking e Era viking no
contexto do nacionalismo, ps-colonialismo e na busca de identidade da Inglaterra
vitoriana no sculo XIX e seus usos atravs das ltimas centrias.
Quanto ao aspecto terico o dossi conta com os estudos do historiador Joo de
Oliveira Ramos Neto. O referido autor apresenta de forma introdutria as concepes de
tempo histrico em Durval Muniz de Albuquerque Jnior, Franois Hartog, Reinhart
Koselleck, Antoine Prost, Jos Carlos Reis e Paul Ricoeur, propondo um breve debate entre
eles na tentativa de compreender a relao do historiador com o tempo que oscila entre a
concepo natural e a concepo filosfica. No artigo so tratados temas e conceitos
como calendrio, estrutura, conjuntura, fato histrico e regime de historicidade.
Alm do dossi, a revista apresenta a sesso de artigos livres que contm a
produo de Jorge Durbano. O presente artigo visa debater sobre as funes institucionais
e administrativas que um cidado ateniense no perodo clssico deveria executar para o
acesso e manuteno de seu cargo na polis de Atenas. Alm do referido texto, a revista
NEARCO tambm expe a resenha efetuada por Guilherme Keller Fragomeni da obra
Medeia- Mito e Magia, de autoria da helenista Maria Regina Candido. O referido trabalho
visa apresentar os principais pontos que constituem o livro sobre um dos personagens
histricos mais debatidos na histria.
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Em suma, o conselho editorial da Revista NEARCO deseja a todos uma boa leitura!
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MEDIR O TEMPO, UM SABER MESOPOTMICO
Katia Maria Paim Pozzer3
RESUMO
A palavra cronologia deriva do termo grego chronos, que significa tempo, e logos que quer dizer estudo, assim cronologia o estudo do tempo. No mundo antigo, diferentes sistemas de contagem do tempo foram utilizados, segundo as regies e a poca. Os gregos contavam os anos a partir da primeira olimpada, os romanos a partir da fundao de Roma. Os habitantes do Oriente Prximo se referiam aos anos dos reinados de seus soberanos ou aos nomes de seus dignitrios. O calendrio das civilizaes antigas era baseado no ritmo das atividades agrcolas e religiosas e era marcado por intervalos de tempo naturais, dados pelo deslocamento do sol no horizonte, pelo ciclo das colheitas e pelo movimento da lua. Assim, o calendrio mesopotmico era composto de um ano solar, com meses lunares e de um dia solar. Palavras-chave: Cronologia Mesopotmia Tempo.
ABSTRACT
The word chronology derives from the Greek chronos, meaning time, and logos which means study, so chronology is the study of time. In the Ancient World different systems of counting time were used according to region and season. The Greeks counted the years from the first Olympiad, the Romans from the founding of Rome. The inhabitants of the Near East referred to the years of the reigns of sovereigns or their names of their
3 Doutora em Histria pela Universit de Paris I Panthon-Sorbonne, Ps-doutora pela Universit de Paris
X Nanterre, Professora do Curso de Histria da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA). Projeto de Pesquisa Guerra e Religio - Estudo de textos e imagens do mundo antigo oriental (CNPq/FAPERGS). E-mail: [email protected].
mailto:[email protected]
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dignitaries. The calendar of ancient civilizations was based on the cycle of agricultural and religious activities and was marked by natural intervals of time, given by the displacement of the sun on the horizon, the harvest cycle and the motion of the moon. Thus, the Mesopotamian calendar consisted of a solar year with lunar months and a solar day.
Keywords: Cronology Mesopotamia Time.
INTRODUO
Antes de apresentarmos uma discusso sobre as diferentes maneiras de medir o
tempo que os habitantes da antiga Mesopotmia utilizaram, ao longo de sua histria,
necessrio que fixemos alguns conceitos fundamentais que compem esta problemtica.
A palavra cronologia deriva do termo grego chronos, que significa tempo, e logos
que quer dizer estudo, cronologia pois, o estudo do tempo. Partindo-se da premissa de
que o estudo da histria uma diviso da epistemologia, possvel dizer que a cronologia
um ramo da historiografia. Assim, podemos afirmar que a teoria do conhecimento
discute o que pode ser conhecido sobre o mundo e sobre a atividade humana ao longo do
tempo. No sentido moderno do termo, a cronologia serve, fundamentalmente, para fins
epistemolgicos. Portanto, estabelecer a durao dos eventos histricos crucial para
podermos interpretar seu impacto social, suas tendncias, seus movimentos e direes.
CATEGORIAS CRONOLGICAS
Existem dois tipos de cronologia: a absoluta e a relativa, ainda que, no senso
estrito, todas as cronologias sejam relativas. Segundo CRYER (2000: 652) a nica
cronologia verdadeiramente absoluta aquela que tem como ponto de partida um
presumvel cataclisma que liberou energia e desencadeou o incio do Universo e cuja
medida do tempo feita em intervalos finitos at o ltimo aquecimento mortal do
universo. Ento, em princpio, seria possvel identificar cada evento na histria do
cosmos dentro do espectro definido por esses dois pontos.
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Mas do ponto de vista histrico, podemos afirmar que a cronologia absoluta
localiza os eventos no tempo de acordo com o calendrio juliano-gregoriano4, usado nos
dias de hoje, nas assim chamadas sociedades ocidentais, em uma escala que se estende
em duas direes, antes e depois, do nascimento de Jesus de Nazar.
J os cronologistas da antiguidade, incluindo os do antigo Oriente Prximo,
mediam o tempo em termos de escolhas arbitrrias, a partir de um ponto fixado no
passado que poderia ser a ascenso ao poder de um rei ou de uma dinastia, como a de
Hammu-rabi da Babilnia, a fundao de um Estado ou de uma capital, como a Roma
antiga ou um evento regular de carter scio-poltico, como as Olimpadas na Grcia. o
que chamamos de cronologia relativa.
O PROBLEMA DA ESCALA
O rigor na cronologia se faz necessrio para que possamos ordenar a histria
poltica com certa fidedignidade. O grau de preciso da medida cronolgica deve ser
claramente estabelecido e indicado, como no exemplo a seguir: 1250 a.C. 10 anos. Isto
significa que esta data se encontra entre o perodo de 1240 a.C. e 1260 a.C. Contudo, em
algumas situaes podemos trabalhar com uma cronologia dita "flutuante", pois
possumos raras evidncias e pouco detalhamento do perodo em questo.
Uma questo que deve ser considerada da escala da cronologia, que foi objeto
de reflexo primeiramente da chamada Escola dos Annales e, posteriormente, da
microhistria (REVEL, 1996). Frederick Cryer (2000: 653) retoma a referncia terica dos
Annales e prope a existncia de trs escalas cronolgicas:
- a de longa durao, que pode ser medida em sculos, milnios ou milhes de
anos e usada para medir o tempo geolgico ou ecolgico, como por exemplo, na
descrio da histria da presena humana na Amrica do Norte;
4 O calendrio juliano o definido na poca de Jlio Csar, imperador romano (100-44 a.C.) e o gregoriano
o estabelecido pelo papa Gregrio XIII (1502-1585).
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- a de mdia durao, que pode ser medida em dcadas ou sculos se aplicada ao
tempo social, como por exemplo, para descrever as lutas entre os grupos tnicos na
Amrica do Norte no perodo moderno;
- a de curta durao, a histria do evento, que pode ser medida em horas, dias,
semanas ou anos se aplicada ao tempo poltico, como por exemplo, para descrever a
Guerra Civil Americana, o movimento dos direitos civis na dcada de 60 ou a queda do
presidente Nixon nos EUA.
Temos, ainda, na fsica, a medida em bilhes de anos para o tempo csmico ou a
medida em nano segundos para partculas muito pequenas. As diversas escalas no se
excluem e podem ser complementares, dependendo do propsito do historiador.
MTODOS DE DATAO
De acordo com Cryer (2000: 654-655), a principal evidncia para o estabelecimento
de uma cronologia provm das escavaes arqueolgicas e cujos critrios centrais para
datao podem ser assim enumerados:
1. estratigrafia do stio arqueolgico, que pode datar um artefato em relao
outro;
2. datao por carbono-14, que baseada no estudo da radiao natural
residual do istopo de carbono-14 do elemento qumico Carbono e expressa em "x anos
antes do presente (A.P.)". As medies de C-14 correspondem datas absolutas mais a
expresso de seu desvio padro. O ano-base foi arbitrariamente definido em 1950
(segundo o calendrio gregoriano) e o fator do desvio padro assegura um percentual
de 68% de acuidade do valor obtido. Assim, por exemplo, uma data expressa em 2350 A.P.
70 traduzida como 400 a.C. 70 anos;
3. termoluminescncia, est ligada capacidade de alguns cristais (presentes,
por exemplo, na cermica, no slex ou no vidro) acumularem energia (radiao natural) ao
longo do tempo. Quando submetidos altas temperaturas, eles liberam esta energia em
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forma de luz que, uma vez medida, pode nos dizer a data na qual aquele objeto foi
confeccionado;
4. arqueomagnetismo, que so estudos baseados na observao de que
partculas de xido de ferro presentes na argila sofrem uma reorientao de campo
magntico, pela queima em alta temperatura, para o padro do campo magntico da
Terra, e, aps o resfriamento, readquire seu padro magntico anterior. Os arquelogos
utilizam este mtodo para datar tijolos e fornos in situ;
5. a tipologia dos artefatos, que deixa traos do desenvolvimento histrico de
vrias manufaturas, e estes vestgios permitem estabelecer padres de culturas e
sociedades;
6. dendrocronologia, que a contagem dos anis de crescimento anuais das
rvores. Este mtodo usado com preciso para objetos em madeira. No antigo Oriente
Prximo a cadeia dendrocronolgica ininterrupta at 927 d.C.;
7. paleografia, que a datao das fontes escritas baseada nas tipologias da
evoluo dos sinais.
TEMPO, HISTRIA E DOCUMENTO
Possumos muitos documentos de antigos escribas que fornecem dados
astronmicos referentes fenmenos celestes que, analisados por astrnomos modernos,
podem ser recalculados, no calendrio juliano-gregoriano, com grande preciso. E com
isso, contribuindo de forma eficiente para o estudo da cronologia do antigo Oriente
Prximo. Tomemos como exemplo, o documento conhecido por "Tablete de Vnus de
Ammiaduqa", que um texto cuneiforme que contm os registros dos aparecimentos do
planeta Vnus, durante o reinado do rei Ammiaduqa, o segundo rei da dinastia de
Babilnia na sucesso, depois de Hammu-rabi. Os astrnomos modernos usaram estas
informaes para estudar as datas em que o planeta Vnus esteve visvel e chegaram a
inmeras possibilidades. Combinando as evidncias arqueolgicas e histricas, foram
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propostas algumas datas para a destruio de Babilnia, durante o reinado do sucessor de
Ammiaduqa e que varia segundo a cronologia empregada. Pela cronologia alta este
evento se situaria em 1651 a.C., j a cronologia mdia prope a data de 1595 a.C. e a
cronologia baixa aponta o ano de 1531 a.C. para tal acontecimento (COLLINS, 2008: 11).
No passado, a cronologia mdia foi utilizada na grande maioria das publicaes e
nas informaes pedaggicas dos museus, pois ela ficava entre a cronologia alta, baseada
em dados astronmicos e a cronologia baixa, baseada em evidncias arqueolgicas e
textuais. Mas, atualmente, a cronologia mdia no mais uma opo sustentvel para os
pesquisadores, pois no serve a nenhum propsito. Assim a cronologia baixa vm sendo
utilizada por um nmero cada vez maior de historiadores. Isto significa que as evidncias
da cultura material vm sendo consideradas de maior autenticidade que as demais.
Os debates sobre os indcios continuam, mas as descobertas arqueolgicas trazem
cada vez mais dados, novos textos so traduzidos e interpretados e novas tcnicas
cientficas de datao so utilizadas, apontando a possibilidade de refinamento e de
integrao de cronologias entre os diversos espaos geogrficos do planeta.
No mundo antigo diferentes sistemas de contagem do tempo foram utilizados,
segundo as regies e a poca. Os gregos contavam os anos a partir da primeira olimpada
(776 a.C.), os romanos a partir da fundao de Roma (753 a.C.). Os habitantes do Oriente
Prximo s adotaram sistema semelhante a partir de 312 a.C., na era selucida. Antes eles
se referiam aos anos dos reinados de seus soberanos ou aos nomes de seus dignitrios.
No primeiro caso, cada ano do reinado era designado por uma frmula que
relatava um fato ocorrido no ano precedente ou no incio daquele ano (uma vitria
militar, uma construo monumental ou um ato piedoso do rei), segundo uma tradio
herdada do sul mesopotmico. Segundo o mtodo de eponmios, em uso em Assur desde
o incio do II milnio a.C., um dignitrio dava seu nome ao ano em curso. Uma terceira
norma consistia em exprimir os anos dos reinados em nmeros sobre o modelo "ensimo
ano do rei x" e ela foi empregada, sobretudo, na Babilnia, a partir do II milnio a.C. e
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pelos reis do Levante, notadamente por Israel e Jud, de acordo com a Bblia (BORDREUIL;
BRIQUEL-CHATONNET; MICHEL, 2008: 08).
Nosso conhecimento sobre a cronologia mesopotmica se baseia em listas dos
anos dos reinados dos soberanos, em listas de eponmios e listas dinsticas, indicando os
nomes dos reis e o nmero de anos de seus reinados. Porm, estas listas no so
confiveis, pois algumas foram redigidas tardiamente, outras contm distores
voluntrias, a fim de legitimar um rei que teria usurpado o poder, por exemplo. Cada uma
destas listas apresenta um problema de calendrio, pois "um ano" do calendrio antigo
no corresponde um ano do calendrio gregoriano. Isto porque no existe nenhuma
regra que obrigue um rei utilizar o mesmo cmputo de clculo que outro. Tampouco
uma mesma cultura ou sociedade emprega o mesmo modelo de contagem do tempo ao
longo de sua histria.
Tomemos pois, como exemplo, a contagem de um perodo cronolgico de 1.000
anos. Ele pode ser medido por dois calendrios antigos diferentes. O calendrio lunar
mede o "ano" em intervalos de treze luas novas, definidas arbitrariamente, onde cada
uma contm 29 ou 30 dias, perfazendo um ano de 354 dias. J o calendrio solar possui
um ano de 365 dias. Assim, a diferena entre o calendrio lunar e o calendrio solar, para
um perodo de 1.000 anos, de cerca de 11.000 dias, isto , de 30 anos! (CRYER, 2000:
655-656). Portanto, estabelecer a natureza dos calendrios a serem utilizados pelas
sociedades antigas tarefa de fundamental relevncia historiogrfica.
Existem importantes referncias de uma historiografia antiga acerca da cronologia,
sobretudo a partir do I milnio a.C. Na Babilnia, a partir da metade do sculo XVIII a.C.,
temos registros dirios sobre os fenmenos celestes e a ligao deles com eventos
climticos, econmicos e religiosos, tais como as cheias dos rios, as flutuaes de preos
ou os nascimentos incomuns de seres anmalos (animais com duas cabeas, crianas
hermafroditas, etc.). Ocasionalmente, as observaes estelares eram justapostas
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eventos polticos, como a chegada de Alexandre, o Grande em Babilnia, em 327 a.C.,
quando assume o ttulo de rei do Universo (BRIANT, 1996: 881).
As datas assrio-babilnicas so originrias da tradio das crnicas babilnicas,
fixadas no perodo de Nab-nir (747-734 a.C.), que no calendrio juliano apresentam
uma divergncia de apenas um ms no perodo de um ano (PRITCHARD, 1969; GLASSNER,
1993). Devemos ainda referir que, muitas vezes, o ltimo ano de um rei e o primeiro de
seu sucessor podem estar superpostos. Contudo, as crnicas babilnicas oferecem
informaes bastante precisas sobre os eventos polticos na Babilnia e na Assria, do
perodo de 747 668 a.C.
As datas assrias do I milnio a.C., que podem ser consideradas como um exerccio
de cronologia relativa, so baseadas nas listas de eponmios e quando um escriba
necessitava examinar a data de um documento, ele consultava a lista de eponmios para
determinar h quanto tempo ele tinha se passado. Atualmente, o uso destas listas
permitem uma reconstituio cronolgica de 900 650 a.C., com bastante preciso.
A acuidade da cronologia assrio-babilnica para o I milnio a.C. possibilita, ainda, a
datao de outros eventos histricos no antigo Oriente Prximo, ainda mais quando estes
esto relacionados outras civilizaes, como no caso da conquista do Egito por
Asarhaddon, rei da Assria, em 671 a.C. ou a queda de Assur, capital do imprio assrio, em
614 a.C. diante da coalizao medo-babilnica. A conjuno de eventos bastante
utilizada no estabelecimento de datas absolutas para os acontecimentos relatados na
Bblia hebraica. Contudo, para os perodos mais antigos temos uma grande lacuna de
fontes, ainda que os escribas tenham pretendido recompor estes hiatos, dando
continuidade certos reinados, prtica j atestada desde a formulao das listas sumrias
no III milnio a.C.
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MEDIR O TEMPO NO MUNDO MESOPOTMICO
O calendrio mesopotmico, assim como de outras civilizaes antigas, era
baseado no ritmo das atividades agrcolas e religiosas e era marcado por intervalos de
tempo naturais, dados pelo deslocamento do sol no horizonte, pelo ciclo das colheitas e
pelo movimento da lua. Assim, o calendrio mesopotmico era composto de um ano
solar, com meses lunares e de um dia solar.
O ano solar (MU em sumrio, attu em acdico) era definido pelo retorno
sucessivo das colheitas. O ano novo babilnico iniciava na primavera, com o ms Nisannu
(maro/abril do calendrio juliano) e o primeiro dia do ano era equivalente ao equincio
da primavera. O calendrio assrio diferia do babilnico, pois iniciava no equincio de
outono, mas esta discrepncia terminou quando os assrios adotaram o calendrio
babilnico no incio do I milnio a.C.
O ms (ITI, em sumrio) e cujo nome em acdico, arhu, formado por uma das
designaes do deus Lua, definido como o intervalo de tempo transcorrido entre duas
aparies sucessivas da primeira lua. O ms comeava na noite em que a lua crescente
reaparecia pela primeira vez no horizonte oeste, logo aps o pr-do-sol. O ms lunar
possui 29 ou 30 dias, sendo 30 o nmero simblico do deus Sn, o deus-lua. Desde o incio
do III milnio a.C. os meses so designados em funo das atividades que acontecem
dentro de um ciclo anual, assim seus nomes fazem referncia aos trabalhos agrcolas ou s
festividades religiosas. Outro fenmeno observado na Mesopotmia que existiram
vrios calendrios simultaneamente em todo o territrio, o que explica, por exemplo, que
o ms VII, tartu, que significa "o comeo" (do ano) lembre a tradio assria do incio do
ano no equincio de outono, tradio essa mantida pelos hebreus, que at hoje
comemoram o ano novo (Yom kippur) nesta data (JOANNS, 2001: 152).
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Calendrio Mesopotmico
Sumrio acdico calendrio juliano
I BAR.ZAG.GAR nisannu maro/abril
II GU4.SIS ayyaru abril/maio
III SIG4.GA simnu maio/junho
IV U.NUMUN tammuzu junho/julho
V NE.IZI.GAR abu julho/agosto
VI KIN.INANNA ellu agosto/setembro
VII DU6.K tartu setembro/outubro
VIII APIN.DU8.A arahsammu outubro/novembro
IX GAN.GAN.E kislimu novembro/dezembro
X AB.BA. tebtu dezembro/janeiro
XI ZZ.M abtu janeiro/fevereiro
XII E.KIN.KU5 addaru fevereiro/maro
Fig. 1 Calendrio Mesopotmico (LABAT, 1988, p. 289).
O carter astronmico do calendrio babilnico no inclua a noo de semana,
com um ciclo de sete dias, isto foi uma criao hebraica (ROCHBERG, 2000: 1931).
Originalmente os mesopotmicos empregaram uma diviso arcaica do dia de 24 horas,
dividido em quatro perodos de seis horas, que foi abandonada e substituda pelo modelo
de diviso do ano em 12 meses, onde o dia (mu, em acdico) comeava no crepsculo e
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se dividia em 12 "horas-duplas". Segundo a concepo sexagesimal babilnica do tempo, a
hora tinha sessenta minutos e o minuto era dividido em sessenta segundos (HALLO, 1996:
124-129).
A diviso do dia solar em 24 horas foi uma inveno egpcia de cerca de 1.300 a.C.,
mas essas horas variavam conforme a estao do ano, pois cada 12 horas representava
uma metade do tempo entre o nascer e o pr-do-sol (HALLO, 1996, p. 121).
CONCLUSO
Construir uma cronologia para o mundo antigo uma tarefa de notvel
complexidade, pois envolve a combinao de diferentes mtodos de datao. Assim,
compatibilizar os dados da cronologia relativa, como a estratigrafia das escavaes
arqueolgicas, com as da cronologia absoluta, baseadas em dados astronmicos e
calendrios dos textos antigos, com os mtodos cientficos, como a datao de rdio
carbono e termoluminescncia implica em grandes dificuldades, pois nenhum destes
mtodos consegue reconstituir a totalidade dos dados e a prpria natureza fragmentria
das fontes tambm contribuem para agigantar o problema.
Contudo, possvel recompor, com razovel preciso, a cronologia do Egito, da
Assria e da Babilnia baseada nas listas reais, no registro de um eclipse solar, anotado em
um documento assrio, que ocorreu em 15 de junho de 763 a.C. e em outros documentos
escritos a partir de 1.400 a.C. Antes dessa data as cronologias so bastante imprecisas,
pois poucas evidncias anteriores essa poca chegaram at ns (COLLINS, 2008: 09).
Para os antigos habitantes da terra entre rios, medir o tempo foi um saber que
precisou ser inventado para que pudessem registrar os acontecimentos e realizar uma
narrativa histrica de longa durao que, para ser legtima, exigia rigor e exatido.
Esperamos que esta breve reflexo sobre a cronologia da antiga Mesopotmia
possa ser mais uma contribuio para elucidar os problemas que acompanham a medio
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do tempo ao longo da histria e destacar que, sem o conhecimento da cronologia, o
prprio estudo da histria seria impossvel.
REFERNCIA BIBLIOGRFICA
BORDREUIL, P.; BRIQUEL-CHATONNET, F.; MICHEL, C. Les Dbuts de l'Histoire. Paris:
ditions de La Martinire, 2008.
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Chicago, 1956-2006.
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GLASSNER, J.-J. Chroniques Msopotamiennes. Paris: Les Belles Lettres, 1993.
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(ed.). Civilizations of the Ancient Near East. Peabody: Hendrickson Publishers, 2000,
p.1925-1940.
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TEMPO E HISTRIA NA CHINA ANTIGA
Andr Bueno5
RESUMO Nesse artigo, discutiremos a questo da relao entre tempo e histria na China Antiga, baseando nossa anlise nos textos de Confcio (-551 a -479) e Sima Qian (-145 a -85), os dois principais fundadores da historiografia chinesa. Palavras Chave: China Antiga Sinologia Historiografia Chinesa
ABSTRACT In this article, we discuss the question of the relation between time and history in ancient China, basing our analysis on texts of Confucius (-551 a -479) and Sima Qian (-145 a -85), the two main founders of Chinese historiography. Keywords: Ancient China Sinology Chinese Historiography
INTRODUO
H um velho provrbio chins que diz: o povo chins tem uma mente histrica. A
anlise dessa simples frase nos indica um fator crucial para o entendimento da
mentalidade chinesa: a crena de que a histria o sustentculo da civilizao. Para a
China tradicional, histria e cultura so praticamente sinnimas; todavia, a primeira
delimita, no tempo, o momento (espao) das transformaes na segunda. Isso levaria os
chineses, desde os tempos mais remotos, a tentarem uma srie de mtodos e formas de
periodizar sua histria, buscando compreender e organizar sua dinmica de
5 Prof. Adjunto de Histria da UNESPAR; Ps-Doutor em Histria pela UNIRIO.
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transformao. Nesse texto, analisaremos o surgimento das frmulas de periodizao
estabelecidas na China Antiga, principalmente em Confcio (-551 a -479) e Sima
Qian (-145(?) a -85), os dois grandes inaugurados da histria chinesa, e cujas
contribuies marcariam decisivamente a formao da historiografia e do pensamento
chins.
O TEMPO
O conceito de Tempo, (shi) no pensamento chins antigo, bastante vago. Ele
se articula a duas questes uma filosfica, outra lingustica que fazem parte da
mentalidade chinesa. A primeira considerao, de ordem filosfica, a pouca importncia
dada pelo pensamento chins ao verbo Ser (shi) como sentido de existncia. O mundo
material era entendido como um mundo em mutao (yi), no qual a manifestao das
coisas se dava de forma dinmica. A essencialidade de algo, pois, no se apresentava
diretamente, mas era mediada pela forma com que se manifestava. Assim, a existncia
era entendida como transitria, fludica; um dos verbos bsicos para defini-la, por
exemplo, era Estar (zai). Algo no , algo est, num determinado contexto, dentro do
mundo da mutao. Por causa disso, a preocupao sobre uma possvel essencialidade se
dirige a investigao das leis naturais que regem essas manifestaes. Isso se projeta
diretamente sobre a ideia de tempo. O tempo um momento em que as coisas esto de
um modo especfico. Sabia-se que havia um padro de tempo em funo das estaes do
ano, sempre repetidas em srie e em propriedades naturais. Marcaes lunares
delimitavam os meses. Todavia, a preciso cronolgica no era uma preocupao
fundamental para a maior parte da sociedade. Os camponeses ficavam apreensivos com a
aproximao das pocas de plantio e colheita, de seca e de chuva, ou seja, momentos
num ciclo anual perene. Entendido assim, a essncia do tempo seria um padro natural de
repeties de momentos, de estados das coisas (LARRE, 1975). Proclamar um calendrio
anual, que interpretasse esses sinais do tempo, acabou por tornar-se um atributo
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imperial; cabia ao soberano compreender o ritmo (yun) das estaes e inteirar a
sociedade sobre isso, justificando desse modo o seu papel de intermedirio entre o cu e
a terra (como podemos ver claramente no captulo Yueling do Liji, ou
Recordaes Culturais).
Tal vagueza e impreciso so representadas, igualmente, pela questo do tempo
verbal entre os chineses. Na antiguidade como at hoje no h, na lngua chinesa,
flexo direta de um verbo para o passado ou futuro. Todos os verbos so sempre
apresentados no tempo presente. Quando algum desejar expressar temporalmente, em
chins, por exemplo: ontem fui escola, dir eu ontem ir escola. Quando algum diz:
sou professor h dez anos, traduza-se eu professor ter dez anos ou eu dez anos ser
professor. Pode-se usar partculas como guoou lepara indicar situaes j
encerradas: eu fui professor (wo shi le laoshi, ), denota que essa estado j
mudou, e no se mais docente. Um texto histrico chins se aproxima, portanto, de uma
narrativa atemporal, e precisa estar situada no contexto. Outra traduo simples pode nos
dar uma idia disso: Confcio dizer aos seus discpulos; eu estudar o passado (forma
infinitiva), poderia ser traduzido como Confcio diz..., Confcio disse... ou Confcio
dizia.... Tais ambigidades foraram os historiadores chineses a inserir o discurso histrico
numa datao, no momento do tempo em que se desenrola. A histria, pois, um registro
de momentos elucidativos sobre a compreenso da realidade, e disso resulta sua
importncia fundamental.
AS PRIMEIRAS DATAES E O CALENDRIO CHINS TRADICIONAL
(NONGLI)
Ento, quando foi que os chineses comearam a datar seus acontecimentos? As
referncias mais antigas de que dispomos esto gravadas em carapaas de tartarugas e
escpulas de bois e carneiros, do perodo Shang(-1523 a -1027). Elas eram utilizadas
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com fins oraculares, e nelas vislumbramos a origem da escrita chinesa. O sistema de
consulta consistia, basicamente, em escrever duas previses na superfcie do osso ou
carapaa uma favorvel, outra no. Inseriam-se barras de metal aquecidas, que
provocavam rachaduras no material. O curso das rachaduras em direo a uma das
mensagens determinava o augrio. Um detalhe importante surge nesses materiais
oraculares: as datas de consulta. Possivelmente com o objetivo de arquivar as predies, e
montar um balano anual dos movimentos da natureza, em algum momento essas
carapaas e ossos comearam a ser guardados, formando as enormes colees dos quais
dispomos hoje. Nelas, eram indicados o ano(nian) e o ms(yue, ou lua) e por vezes,
o dia. provvel que esses orculos fossem de uso particular de uma elite, e o sistema de
datao era desconhecido de grande parte da populao. De fato, no temos nenhum
documento da poca Shang que nos explique o funcionamento desse calendrio. Ele ser
explicado, na verdade, pelos documentos histricos da dinastia Zhou(-1027 a -221),
principalmente a partir da poca de Confcio (-551 a - 479). Esse mtodo de
datao seria chamado de nongli.
O sistema do calendrio tradicional, o nongli(ou, calendrio agrcola),
organizava a periodizao do tempo em um ciclo de sessenta anos(Ganzhi, ou
sistema troncos-ramos), que podia ser estendido pela insero de elementos
complementares. Sua composio bsica era a seguinte:
a) Os Troncos Celestes(Tiangan), em nmero de dez, e organizados na
seguinte sequncia: jia (), yi (), bing (), ding (), wu (), ji (), geng (),
xin (), ren () e gui ().
b) Os Ramos Terrestres(Dizhi), em nmero de doze, e organizados na
seguinte sequncia: zi (), chou (), yin (), mao (), chen (), si (), wu
(), wei (), shen (), you (), xu () e hai ().
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O ciclo era organizado da seguinte maneira: combinava-se um dos troncos
celestes, em sequncia, com um ramo terrestre, para criar o nome do ano. Assim, os
anos eram nomeados da seguinte forma: 1.1(jiazi), 2.2(yichou), 3.3(bingyin)
at 10.10(guiyou), quando o ciclo continua em 1.11, 2.12, 3.1 [...] at
a juno 10.12. Como a conjuno dual, dela resulta uma sequncia que s se
repete a cada sessenta anos. Esse padro pode ser diversificado com a insero dos
Xing(estados da matria, ou: metal, gua, madeira, terra e fogo) aos troncos celestes,
e com a associao dos animais do zodaco chins (em nmero de doze) para
corresponder aos ramos terrestres. Esse ciclo apresentava a vantagem de estabelecer
dataes especficas para cada ano, afastando a possibilidade de confundir uma data em
seis dcadas. Alm disso, registros de acontecimentos astronmicos podiam ser
comparados e calculados com a data do ano, confirmando a ocorrncia de um
determinado evento importante.
Por outro lado, o sistema lunisolar de clculo dos meses necessitava de ajustes
peridicos, que revelavam as falhas desse sistema. Os meses chineses eram baseados nas
fases da lua, possuindo de 29 a 30 dias. O final de um ciclo de doze lunaes marca o incio
de um novo ano, em sua primeira lua nova. O problema a defasagem de dias ao final de
cada ano, que exigem o acrscimo de dias para manter a sincronia entre o ano solar e o
lunar. O registro desses meses excedentes complicava, por vezes, a recuperao de uma
data. Outro problema era a distncia temporal em relao aos acontecimentos: quanto
mais antigos, maiores as chances de ocorrerem confuses ou coincidncias entre os anos
de um ciclo (ASLAKSEN, 2010).
A grande ironia que esse sistema de calendrio, chamado de agrcola ou
campons, era desconhecido da maior parte da populao rural. Como vimos, a
proclamao de um calendrio anual era atributo do imperador. Devemos nos perguntar:
qual a necessidade de um sistema to complexo e elaborado como esse, numa sociedade
em que a maioria do povo se preocupava com a repetio das estaes, e no com anos
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especficos? Como vimos, o incio do nongli estava ligado aferio e preservao de
orculos, bem como a predio das colheitas; contudo, durante a dinastia Zhou, o
surgimento do gnero literrio histrico exigiria um aperfeioamento dessa questo. Para
a intelectualidade chinesa, a histria tornar-se-ia o registro da ao humana no tempo, e o
estabelecimento das razes da cultura. Por isso, ela merecia uma ateno especial, que
seria dispensada por aquele que foi considerado um dos maiores sbios chins de todos
os tempos: Confcio.
A ESCRITA DA HISTRIA NA POCA DE CONFCIO
Temos poucas informaes sobre quando a literatura histrica propriamente dita
comeou a ser escrita na China. Se pudermos acreditar no Corao da Literatura e o Cinzel
do Drago(Wenxin Diaolong), de Liuxie(+461 a +521?) um dos primeiros
manuais sobre a histria da literatura chinesa, escrito em torno do sc. +6 j se escrevia
a histria desde tempos imemoriais, e durante o perodo Xiae Shang, j existiriam
funcionrios dedicados a anotar as ocorrncias da corte (BUENO, 2004, cap.16). Mas foi
na poca Zhou, porm, que ela se transformou no registro legal dos acontecimentos,
salvaguardando para a posteridade as leis, os conhecimentos e os exemplos morais que
conduziriam a sociedade. Liuxie se baseava, provavelmente, nas indicaes que Confcio
deixou sobre a presena de obras e documentos histricos em sua poca. Todavia,
Confcio tambm se queixava que muita coisa havia sido perdida, o que dificultava o
estudo do passado: O Mestre disse: que sei da cultura de Xia? No sobrou muito em Qi,
seu herdeiro. Que sei da cultura de Yin [Shang]? No sobrou muito em Song, seu herdeiro.
Sem evidncias e estudiosos, fica difcil conhecer essas culturas *Conversas(Lunyu),
BUENO, 2012].
Essa reclamao reincidente na historiografia chinesa; as sucessivas queimas de
bibliotecas imperiais, em meio a crises de sucesso dinsticas, ocasionaram uma perda
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inumervel de textos. Tais dificuldades fizeram com que Confcio publicasse dois livros de
histria fundamentais para a compreenso do passado chins: o Tratado dos Livros (
Shujing) e as Primaveras e Outonos (Chunqiu). O Tratado dos Livros, a princpio, no
era de sua autoria: era uma coletnea dos principais discursos, eventos e passagens
biogrficas dos grandes heris civilizadores da China Antiga. Apesar de indicar as possveis
datas de cada uma dessas passagens, a organizao cronolgica do livro solta, marcada
por interrupes, ausncias e descontinuidades, num esprito semelhante vagueza do
conceito de tempo comum a sociedade chinesa da poca. Por outro lado, podemos supor
que tal apresentao da obra, cujo fim era educativo, colocava tais passagens histricas
como exemplos e, portanto, atemporais, embora tenham ocorrido que vem de
encontro a preservar essa memria de modo perene. Como vimos, a indistino temporal
na lngua chinesa tornava os discursos do Tratado dos Livros praticamente atuais,
tornando sua indicao cronolgica um elemento quase secundrio (ON-CHO & WANG,
2005, p.1-31).
O livro das Primaveras e Outonos bastante diferente, porm, e praticamente
inverte o paradigma do Tratado dos Livros. Segundo Mncio(-385 a -304), discpulo
confucionista do sc. -4, o livro seria de autoria do prprio Confcio, que esperava ser
lembrado como um grande pensador justamente por meio dessa obra histrica (Mengzi,
Livro 3, cap. 1). Nela, o velho mestre redigiu uma seca e taciturna cronologia de eventos
histricos, a partir dos arquivos de que dispunha em sua terra natal, Lu. Uma
primeira leitura de qualquer passagem das Primaveras e Outonos muito pouco
esclarecedora: ela indica o ano de um reinado, uma data lunar (ms), os personagens e o
acontecimento. Nada mais dito. Mas na linguagem sutil da obra, cada uma dessas frases
tinha um significado importantssimo. Quando Confcio informava, por exemplo, que o o
rei X foi assassinado, a palavra assassinado indicava claramente uma conspirao, e
possivelmente seus culpados. Do mesmo modo, a frase fulano descansou em data y
implicava que o referido personagem havia bem desempenhado suas funes na vida, e
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que podia ser tido como exemplo. A redao das Primaveras e Outonos causou
preocupao e comoo em sua poca: ser acusado de um crime qualquer, no livro,
equivalia a uma condenao pblica. Muitas famlias nobres, cujos ancestrais haviam
praticado atos considerados indignos, ficaram alvoroadas e irritadas com tais revelaes,
feitas em frases singelas e de poucas palavras (GUERRA, 1981; SCHABERG, 2005: 21-57).
Com o intuito de corroborar suas afirmaes, Confcio atrelava suas denncias e elogios a
datas que podiam ser verificadas nos documentos que ele consultara. Ou seja, ele partia
do princpio de que um determinado evento ocorrera num determinado espao ou
momento do tempo, e que podia assim ser localizado. Embora esse pressuposto possa
parecer simples e quase ingnuo nos dias da hoje, na poca ele representava uma
revoluo em termos de narrativa histrica. Ao datar e identificar os personagens de um
determinado evento, Confcio abria a possibilidade dele ser confirmado, negado ou
mesmo discutido, a partir dos livros de histria espalhados pelas diversas regies da
China. Como vimos, o prprio Confcio reclamara que dispunha de poucos meios para
estudar a histria e os costumes das dinastias anteriores. Era importante, pois, criar uma
referncia geral, um guia para elucidar as principais passagens histricas. Por fim,
Confcio emendou a cronologia dos reinados e ducados, indicando suas datas de incio e
fim, para estabelecer sua continuidade.
A extensa cronologia das Primaveras e Outonos, que ia aproximadamente de -841
at a poca de Confcio, representava esse paradigma de pesquisa e nesse caso, no
podemos esquecer que essa histria, para os chineses, era o registro tico das aes
individuais no passado, responsveis pela continuidade (ou crise) da sociedade. As
Primaveras e Outonos se constituem um livro rico de indicaes moralizantes, mas cujo
domnio era difcil e exaustivo. Gradativamente, muitas de suas informaes foram
perdendo o carter de crtica histrica, e seu vocabulrio preciso adquiriu caractersticas
polissmicas, ensejando dvidas sobre sua interpretao. Isso levou a redao de trs
comentrios diferentes, que discutiam as passagens da obras: o Zuo zhuan, o
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Gongyang zhuane o Guliang zhuan. Destes, o primeiro terminou sendo
aceito tradicionalmente, pelos confucionistas, como a mais adequada interpretao das
palavras de Confcio; mas os outros dois livros sobreviveram, e continuaram sendo lidos e
discutidos pela intelectualidade chinesa.
AS ERAS HISTRICAS (DINSTICAS)
Com Confcio, temos a primeira apresentao de um esquema histrico e
cronolgico da China Antiga. por meio de sua obra que conhecemos a sequncia
histrica das trs primeiras dinastias e suas possveis dataes: Xia(-2205 a -1523),
Shang(-1523 a -1027) e Zhou(-1027). A denominao de uma dinastia na antiguidade
(, chao ou, dai), por si mesma, j definia uma primeira noo de Era histrica. Ela se
constituiria num perodo em que um determinado grupo (designado como famlia ou casa
real, Jia) assumiria o Mandato do Cu(Tianming), o atributo de governar o pas,
durante um espao de tempo. O Mandato implicava na manuteno de uma ordem
harmnica (He) entre sociedade e natureza. A durao desse perodo no estava
definida: ela dependia da boa administrao do pas, e a sucesso real dentro de uma
mesma casa dependia diretamente da qualidade dos governantes escolhidos. Por isso, a
documentao confucionista identifica, tambm, a ideia de um ciclo de ascenso,
manuteno e decadncia que seria inerente a todas as dinastias. Tal como num
movimento natural, nenhuma dinastia poderia manter-se no poder eternamente; ela
nasceria, cresceria e pereceria pelos seus prprios excessos e defeitos. Uma casa
dinstica, porm, seria datvel e o registro de sua histria, sujeito ao julgamento crtico,
tal como nas Primaveras e Outonos, colocava seu prestgio e continuidade em jogo.
Novamente, a histria surgia a para educar aqueles que estivessem interessados em
preservar-se no poder por mais tempo: Zizhang perguntou: podemos prever o futuro
daqui h dez geraes? O Mestre disse: Yin adotou os costumes de Xia, e Zhou adotou os
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de Yin. Sabemos o que se perdeu e o que foi acrescido. Quem suceder Zhou far o mesmo,
j sabemos como ser. *Conversas (Lunyu), BUENO, 2012].
Nas Recordaes Culturais, Confcio apresenta, porm, uma outra forma de definir
a evoluo histrica chinesa. Ele apresenta a teoria de que a histria estaria dividida em
duas Eras distintas: a Era da Grande Paz (Datong) e a Era da Paz Menor
(Xiaokang):
Quando reinava, na idade de ouro, o grande Dao [caminho], o mundo era propriedade comum (no pertencendo a nenhuma famlia dominante), os governantes eram escolhidos de acordo com a sua sabedoria e capacidade, havia paz e confiana mtua. Por isso as pessoas no tratavam apenas os prprios pais como pais e os prprios filhos como filhos. Os ancios sabiam prezar a sua velhice e os jovens sabiam usar o seu talento, os mais moos tinham os velhos por quem olhar, e as vivas desamparadas, e os rfos, e os mutilados e aleijados eram tratados com carinho. Os homens tinham afazeres especficos e as mulheres cuidavam dos lares. Como as pessoas no desejassem ver seus bens desperdiados, no tinham motivo para os conservarem egoisticamente para si; e como as pessoas tivessem energia mais do que suficiente para o trabalho, no precisavam limitar-se a trabalhar s em proveito individual. Por isso no havia malcia nem intrigas, nem ladres nem bandidos, e conseqentemente no havia necessidade de cada qual fechar a sua porta (ao cair da noite). Assim era o perodo do Datong, ou a Grande Comunidade. Agora, porm, j no reina o grande Dao e o mundo est dividido entre famlias adversas (tornou-se propriedade privada de algumas famlias), e as pessoas consideram como pais apenas os prprios pais e como filhos apenas os prprios filhos. Cada qual entesoura seus bens e trabalha apenas em proveito prprio. Estabeleceu-se uma aristocracia hereditria e os diversos Estados construram cidades, cidadelas e fossos para sua defesa. Os princpios da Li (regras sociais) e da lei funcionam como simples regras de disciplina; por meio de tais princpios os cidados procuram manter a distino oficial de governantes e governados, ensina-se aos pais e filhos e irmos mais velhos ou mais moos e esposos e esposas a viverem em harmonia, estabelecem-se obrigaes sociais, e vive-se em grupos de aldeias. Os mais fortes fisicamente
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e os mentalmente mais vivos galgam posies de relevo, e cada um trata a sua prpria vida. Da a malcia e os ressentimentos, resultando em guerras. (Os grandes fundadores de dinastias como) Os Imperadores Yu, Tang, Wen, Wu e Cheng, e o Duque Zhou, foram os melhores homens desta poca. Sem uma nica exceo, foram todos seis profundamente ciosos dos princpios da Li, mediante os quais a justia foi mantida, a confiana geral foi instaurada, os erros e equvocos foram banidos. Um ideal de verdadeira humanidade, ren, foi estabelecido, e cultivaram-se as boas maneiras e a cortesia como slidos princpios a serem seguidos pelo povo. Qualquer autoridade que violasse tais princpios haveria de ser denunciada como inimigo pblico e destituda do cargo. Este se chama o Perodo da Xiaokang ou "o
Perodo da Paz Menor". [Recordaes Culturais (Liji) em BUENO, 2011].
Embora no se trate especificamente de um livro de histrias, as Recordaes
Culturais constituem um levantamento de prticas, costumes e crenas da poca Zhou, se
tornando uma fonte indispensvel de histria cultural da China Antiga. A observao
presente nesse fragmento interessante porque denota, para ns, a existncia
concomitante de trs periodizaes distintas e, no entanto, no excludentes entre si.
Uma a do tempo amplo, do calendrio, dos discursos antigos presentes no Tratado dos
Livros; a segunda, do tempo cronolgico, datado, dos perodos dinsticos e das
Primaveras e Outonos; e a terceira, a das Recordaes Culturais, que analisa em conjunto
a relao entre as outras duas perspectivas. Esse ltimo tipo de periodizao vaga e
abrangente no se firmou, porm, talvez por depender de um grande espao de tempo
para ser feita e a, a distncia histrica dos eventos em questo dilui as possibilidades de
se fazerem uma anlise crtica mais efetive sobre os mesmos. Uma ltima tentativa nesse
sentido surgiu no Gongyang zhuan, que propunha igualmente uma nova teoria para
realizar uma leitura compreensvel das Primaveras e Outonos. Na passagem sobre o
primeiro ano do reinado do Duque Yin de Lu (yinyi), o comentarista Hexu ,
propunha que a histria podia ser dividida em trs grandes etapas ou momentos: o mais
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distante seria o ouvi dizer, que corresponderia aos acontecimentos que nos so passados
de forma indireta; o eu ouvi, que significa ter contato com testemunhas de uma poca,
sem t-la vivido; por fim, o eu vi, que significa testemunhar diretamente a histria. Para
Gongyang, a percepo desse esquema surgiu na poca de Confcio, e desde ento o
mundo seguiria uma trajetria de aperfeioamento por meio da constatao atenta e
consciente dos eventos histricos. Uma das caractersticas interessantes da concepo de
Gongyang que ela pode ser compreendida, de certa forma, como uma metodologia de
escrita histrica, que permite classificar as fontes e relatos do ponto de vista do prprio
historiador e seu contexto (CSIKSZENTMIHALYI, 2006: 84-88). Essa possibilidade de
atualizar a histria seria importante na poca da Dinastia Han quando Sima Qian, leitor
de Gongyang, iria revolucionar decisivamente os mtodos historiogrficos chineses.
SIMA QIAN E AS RECORDAES HISTRICAS
Durante o perodo Han, a construo da histria chinesa seria definitivamente
marcada pelo trabalho realizado por Sima Qian (-145(?) a -85). Sima Qian fora
diretamente influenciado por seu pai, Sima Tan, historiador e astrlogo da corte, e por
Dong Zhongshu , um dos maiores filsofos confucionistas da poca, cujas
contribuies veremos a seguir (WATSON, 1958). A partir deles, Sima Qian iria propor uma
remodelao da histria, representada em sua extensa e copiosa obra, as Recordaes
Histricas ( Shiji), cujo objetivo era cobrir toda a histria da China desde suas origens
at sua poca. As Recordaes Histricas envolvem diversos empreendimentos tericos e
metodolgicos para a formulao de uma cronologia mais exata, que sustentasse uma
periodizao dinstica contnua. Inspirado em Confcio, Sima queria fazer com que sua
histria fosse moralizante, mas ao mesmo tempo, calcada em referncias que ele julgava
as mais realsticas possveis. Isso no era muito diferente do que o prprio Confcio havia
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proposto, mas Sima Qian levaria essa proposta a um novo nvel de refinamento, cuja
complexidade iria influenciar toda a historiografia chinesa posterior.
Primeiramente, a questo da cronologia e das dataes. Sima Tan, pai de Sima
Qian, era um profundo estudioso dos movimentos celestes e da astronomia (que nessa
poca, no se distinguia da astrologia). Como ele, Sima Qian teria aprendido a aprimorar o
uso do calendrio de sessenta anos (o nongli), relacionado os anos a posio das
constelaes e eventos csmicos notveis, como a passagem de cometas e eclipses.
Calculando retroativamente a ocorrncia de alguns desses eventos (principalmente
eclipses lunares), Sima Qian definia as possveis datas para seu acontecimento e verificava
se, na documentao, havia meno aos mesmos. A concordncia de uma determinada
data numa passagem textual com essas indicaes astronmicas referendava, em sua
viso, a existncia do evento o momento exato no tempo em que ele se desenrolou.
Discrepncias entre o calendrio anual e a indicao desses eventos apontavam, nessa
mesma linha de raciocnio, que existiam problemas nas fontes consultadas e sobre os
quais o historiador deveria, ento, emitir um parecer crtico. O preciosismo de Sima Qian,
em relao questo das dataes, fez com que ele tomasse o cuidado de propor que
todas as datas antes de -841 (incio das Primaveras e Outonos) eram propositivas. Todavia,
no incio do sculo 20, a descoberta de carapaas de tartaruga oraculares, com listas dos
reis da dinastia Shang, comprovou que as dataes indicadas por Sima Qian estavam
corretas. admirvel, pois, que no campo cronolgico Sima Qian tenha conseguido
avanos notveis, sem uso direto de uma arqueologia cientfica, a ponto de alcanar tal
preciso para perodos anteriores a ele em mais de dez sculos.
Por outro lado, as Recordaes Histricas manifestam a preocupao de organizar
a histria chinesa num ciclo maior, natural, como manifestao da vontade do Cu. Essa
inspirao veio de Dong Zhongshu (-179 a -104), um dos mestres de Sima Qian, e o
principal responsvel pela fuso entre a ideologia confucionista e o pensamento
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cosmolgico, que buscava justificar a existncia do Estado e da organizao social com
base na dinmica da natureza (QUEEN, 1996; LOEWE, 2011). Dong Zhongshu defendia que
a sociedade e o governo derivavam de uma evoluo das foras naturais, e por isso,
estavam sujeitas a ao das mesmas, o que era explicado pelo sistema wuxing (cinco
estados da matria). O sistema wuxing explicava a mutao da matria (qi) com base
em dois ciclos, um de criao e outro de destruio. Para ele, o mesmo se dava em relao
vida humana. No fragmento seguinte, vemos como o ciclo de criao construdo, e sua
conseqente interpretao para a ordem social e as relaes familiares:
Tem o cu cinco foras, a saber: a madeira, o fogo, a terra, o metal e a gua. A madeira o primeiro, e a gua o ltimo, com a terra no meio. Tal sua seqncia ordenada pelo cu. A madeira d origem ao fogo, o fogo d origem a terra (cinzas), a terra d origem ao metal, o metal d origem a gua, e a gua d origem a madeira. Tal sua relao criadora. A madeira est esquerda, o metal direita, o fogo adiante, a gua atrs, e a terra no centro. Esta a ordem em que, como pais e filhos, recebem o ser e o transmitem em reciprocidade. Assim, a madeira o recebe da gua, o fogo da madeira, a terra do fogo, o metal da terra, e a gua do metal. Enquanto os transmissores todos so pais; enquanto receptores, todos so filhos. Confiar constantemente no prprio pai a fim de prover para o prprio filho a via do cu. Por conseguinte a madeira, enquanto rvore vivente, alimentada pelo fogo (sol); o metal, uma vez morto, sepultado pela gua; o fogo se compraz na madeira, e a nutre por meio da energia yang (solar); a gua vence ao metal (seu pai), mas o chora por meio da energia yin. A terra demonstra a mxima lealdade no servio do cu. Assim, as cinco foras proporcionam uma norma de conduta para ministros leais e para filhos devotos de seus pais... O sbio, compreendendo isso, incrementa o seu amor e diminuiu sua severidade, faz mais generoso seu auxilio aos vivos e mais respeitoso seu cumprimento dos ritos funerrios pelos mortos, ajustando-se assim a norma estabelecida pelo cu. Como filho, cuida piedosamente de seu pai, o mesmo que o fogo na madeira, e chora a seu pai, o mesmo que a gua quando vence ao metal. Serve ao seu soberano como a terra reverencia ao cu. Assim, pode chamar-se um homem de fora.
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Exatamente igual como cada uma das cinco foras mantm seu lugar prprio de acordo com sua ordem estabelecida, assim os funcionrios pblicos, em conformidade com as cinco foras, se esforam ao mximo empregando suas faculdades em seus deveres respectivos. [Gemas preciosas das Primaveras e Outonos
(Chunqiu Fanlu), BUENO, 2011]
Dong Zhongshu elaborara esse sistema com base em sua interpretao pessoal do
comentrio Gongyang das Primaveras e Outonos, que ele apresentou em sua obra Gemas
preciosas das Primaveras e Outonos (Chunqiu Fanlu). Sima Qian inspirou-se
nessa ideia, e procurou justificar a sucesso dinstica dentro da mesma concepo de
ciclo natural, colocando cada uma das dinastias anteriores como governada por uma
dessas foras. Ele esperava, assim, apresentar uma ordenao macro csmica para a
sucesso poltica e histrica, inserido dentro desses perodos o desenrolar dos
acontecimentos. Seu esquema para as eras dinsticas, baseado no ciclo de sucesso
(destruio) era o seguinte:
Dinastia Xia: Madeira
Dinastia Shang: Metal (corta a madeira)
Dinastia Zhou: Fogo (derrete o metal)
Dinastia Qin: gua (apaga o fogo)
Dinastia Han: Terra (absorve a gua)
Esse esquema representado, por exemplo, nesse fragmento sobre a sucesso
poltica, presente nas Recordaes Histricas:
Este o parecer do historiador: o governo da dinastia Xia foi marcado por bons augrios, mas com o tempo deteriorou-se e voltou a rusticidade e a decadncia. Shang substituiu Xia, e reformou seus defeitos por meio da virtude da piedade filial. Mas esta piedade degenerou, e as pessoas dirigiram-se para o mundo das supersties e espritos. Ento Zhou seguiu corretamente, corrigindo esta falta por meio dos rituais e da ordem. Mas os ritos se deterioraram porque caram nas mos daqueles que os transformaram em um simples espetculo. Ento, tornou-se
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necessrio novamente acabar com este espetculo, reformar o mundo e buscar novamente um bom destino. Este foi o caminho das trs dinastias, e o ciclo dinstico um caminho que comea, termina e continua sempre. bvio ento que nos final de Zhou e nos tempos iniciais de Qin os ritos estavam deteriorados, e a ordem corrompida. Mas o governo Qin falhou ao tentar corrigir estas falhas, adicionando a elas leis e punies durssimas. Este no foi um grave erro? Por isso, quando os Han chegaram ao poder, buscando consertar as falhas de seus predecessores, e trabalhando para corrigir o mundo e p-lo em ordem, seus esforos seguiram corretamente a ordem apropriada e determinada pelo Cu. Eles ordenaram a corte em doze meses, coloriram as vestimentas e as carruagens de amarelo e o restante
o acompanhou. [Recordaes Histricas(Shiji) em BUENO, 2011]
De fato, a dinastia Qin adotara cor preta como oficial (cor da gua, na China), bem
como se afirmava patrocinada por essa fora. Liu Bang, primeiro imperador Han,
adotou o Amarelo, que simboliza a Terra. No entanto, as evidncias para isso estavam na
prpria histria escrita por Sima Qian, o que gerou muitas crticas posteriores. A questo
Sima Qian criara uma histria to bem articulada, para sua poca, que qualquer
contestao partia, inequivocamente, dela. Para completar a questo da periodizao,
Sima Qian inseriu, ainda, as Datas Marcantes(nian biao), que marcavam
acontecimentos polticos importantes para a dinastia. Com isso, ele esperava reforar o
aspecto pontual da cronologia histrica (JOPPERT, 1979: 205-207).
O aspecto da periodizao fica ainda mais evidente quando observamos a diviso
dos captulos nas Recordaes Histricas. A obra est dividida em cinco partes:
Anais(Benji), Cronologias(Biao), Famlias(Shijia), Livros(Shu) e
Biografias(Liezhuan). Os trs primeiros dedicam-se, quase exclusivamente, a
apresentar a conjuntura temporal das histrias. Os Anais (doze captulos) trazem a
descrio e as dataes das dinastias e dos principais imperadores Qin e Han; as
Cronologias (dez captulos) informam, detalhadamente, as principais datas da histria, e
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organizam a sucesso dos eventos, sua coordenao e proximidade; e as Famlias (trinta
captulos) trazem as crnicas histricas dos estados e reinos que compunham a dinastia
Zhou, antes da unificao promovida por Qin. Nos Livros (oito captulos), Sima Qian
apresenta dissertaes sobre assuntos tcnicos ou polticos, como a questo do
Calendrio e da Astronomia; e nas Biografias (setenta captulos), ele discorre sobre as
personalidades, individualmente ou coletivamente, e as re-escalona perante os eventos
histricos.
Podemos observar que Sima Qian tentava conciliar o diverso material histrico de
que dispunha. Se as Biografias e os Livros se aproximam bastante do Tratado dos Livros,
os empreendimentos cronolgicos so nitidamente influenciados pelas Primaveras e
Outonos. provvel que Sima Qian buscasse assim, numa nica obra, articular os
acontecimentos histricos dentro de um nico modelo, que concatenasse as informaes
disponveis, estabelecendo uma srie de crculos concntricos, indo do macro (o ciclo, a
era dinstica) para o micro (o evento em si), e do social-histrico para o exemplo
individual e moral. Essa teia de relaes criou um profundo impacto na mentalidade
histrica chinesa, cujos desdobramentos so sentidos at os dias de hoje (HARD, 1999).
CONCLUSO
A obra de Sima Qian mudou, em definitivo, o perfil das obras histricas chinesas e
a questo da periodizao. As Recordaes Histricas deram origem, e serviram de
modelo, para as chamadas Histrias Oficiais(Zhengshi), que se transformaram num
empreendimento controlado pelo Estado. Depois dos Han, todas as dinastias dispunham
de suas prprias agncias histricas, responsveis pelo registro dos acontecimentos, pela
redao dos Anais e pela censura. Em contraposio a esse controle, os chineses tambm
desenvolveram uma tradio de historiadores independentes, crticos, dispostos a
contestar a criao de verses oficiais. Contudo, ambos partiam, inequivocamente, da
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obra de Sima Qian. Sculos depois, durante seu longo perodo imperial (que s findaria
em 1911) os chineses ainda debatiam sua histria com base nas periodizaes propostas
pelas Recordaes Histricas. A ideia dos ciclos das eras dinsticas, representados pelo
sistema wuxing, quanto das aferies cronolgicas baseadas no nongli continuaram a
ser empregadas, e somente em 1927 se concluiu a histria da ltima dinastia (Qing),
com base nesses antigos mtodos.
O que podemos observar, portanto, que a antiguidade chinesa criou uma srie
de meios para interpretar, classificar e ordenar o tempo. Intimamente ligada tanto a
questo da natureza como da poltica, a questo da periodizao criou, no imaginrio
chins, uma forte impresso sobre a necessidade da histria, como mantenedora de suas
tradies e de sua cultura. A localizao no tempo, a delimitao no passado, a possvel
veracidade garantida pela cronologia, criaram o slido sentimento de uma real e milenar
herana cultural entre os chineses, da qual a histria seria a principal responsvel pela
continuidade. A sutileza do sistema de periodizao proposto, a partir de Sima Qian, faz
com que seja praticamente impossvel abordar a histria chinesa sem antes dominar sua
cronologia tradicional. E por isso, ainda hoje, essa histria tradicional chinesa um desafio
para qualquer um que deseje se aventurar no campo da sinologia.
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PERIODIZAES NA NDIA ANTIGA
Edgard Leite 6
RESUMO Nesse texto pretendemos desenvolver algumas questes tericas sobre os problemas de periodizao da ndia antiga. Consideramos as dificuldades de comparao com processos histricos fundadores verificados no Ocidente, e valorizamos o papel da Revoluo Neoltica no entendimento das grandes transformaes estruturais na histria. Palavras-chave: ndia Antiga Periodizao Revoluo Neoltica
ABSTRACT In this text we aim to develop some theoretical questions about the problems of ancient India periodization. We consider the difficulties of comparison with founding historical processes verified in the West, and value the role of the Neolithic Revolution in understanding the major structural transformations in history. Keywords: Ancient India, Periodization, Neolithic Revolution.
Reinhardt Koselleck afirmou que a Histria s pode existir como uma disciplina se
ela desenvolve uma teoria de periodizao; sem essa teoria, a Histria perde-se em um
questionamento sem limites de tudo (KOSELLECK, 2002: 04). So expressivas as questes
imbricadas em tal assertiva, principalmente porque envolvem tanto o problema de uma
teoria de periodizao, quanto o de uma outra construo terica prvia, relativa
natureza ou sentido da articulao cronolgica dos eventos histricos. Ou seja, exige a
6 Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Prof. Dr., Projeto de pesquisa atual: Processos de secularizao na modernidade [email protected]
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aceitao da idia de que a histria tenha um sentido depreensvel, algum tipo de lgica
sequencial, cujas etapas possam ser entendidas a partir de uma periodizao.
Alguns historiadores do sculo XIX, por exemplo Leopold Van Ranke, viam tal
perspectiva com desconfiana (POMIAN, 1990: 148), basicamente porque exigiria um
esforo significativo na construo de uma teoria geral sobre o desenvolvimento do
processo histrico, a fim de dela extrair-se uma teoria de periodizao. De tal processo o
empirismo rankiano mantinha distncia, pois implicava na relativizao do fato,
introduzindo outros elementos, nem sempre documentveis, na considerao dos
processos.
A possibilidade de depreendermos finais, mesmo que parciais, no futuro, nunca
pareceu muito claro aos estudos histricos documentais, pois, nos documentos, apesar do
futuro estar sempre presente e projetado, nunca parece estar presente uma lgica
perfeitamente compreensvel que possa explicar o desenvolvimento ulterior e permitir, a
partir deles, a construo de certezas ltimas. A tradio religiosa de judeus e cristos, a
partir de Daniel, sempre afirmou a realidade de uma lgica que preconizava o fim, mas tal
certeza vinha de uma revelao, alheia obra humana. Confirmar que tais escatologias
expressavam realidades histricas, localizveis nos documentos, tornou-se uma pauta
oculta da historiografia ocidental na era da secularizao.
As teorias de histria desenvolvidas no sculo XIX, por exemplo a de Hegel, a de
Marx ou a de Comte, investiram na crena em sentidos, no caso, na afirmao de uma
concepo de histria linear, que avanava em direo a um futuro previsvel. Em geral,
tal futuro correspondia ao esprito da escatologia judaico-crist, isto , o de uma
sociedade superior ou perfeita. Tal perspectiva se imps gradualmente entre alguns
historiadores. H que se anotar que tal entendimento emergiu em oposio s vises
crticas, renascentistas, sobre o assunto, que tendiam, maneira clssica, ou pag,
considerar a histria como dotada de uma temporalidade cclica, onde um perodo de luz,
a Antiguidade, era seguido por outro de trevas, o perodo medieval, e por outro
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novamente luminoso. As tentativas de recuperar algum tipo de escatologia ou teleologia
tornam-se evidentes a partir de Voltaire, no sculo XVIII, segundo Pomian (POMIAN, 1990:
148). Voltaire entendeu que o mundo moderno, na verdade, era superior Antiguidade, o
que introduzia uma nova varivel de superioridade do tempo presente e a ruptura com a
circularidade renascentista.
A crena no sentido linear e positivo da histria no deixava de ser, no sculo XIX,
como vimos, uma retomada de preocupaes medievais presentes na historiografia crist,
cuja raiz, a historiografia bblica apocalptica, asseverava que os perodos histricos
estavam inseridos em um processo maior de sentido, originado dos desgnios de Deus - e
que teriam um bom final (LEITE, 2009: 81). Em Hegel, Marx ou Comte, a histria teria suas
determinaes fundadas em razes metafsicas, cientficas ou econmicas predominantes,
mas de qualquer forma apontavam igualmente em um sentido positivo: o fim da histria
ou a transformao de sua natureza. Desnecessrio anotar que todas as trs concepes
exigiam menos elementos documentais que as justificassem, e mais uma intensa crena
na necessidade do sentido maior da histria.
As periodizaes, portanto, usualmente foram relacionadas a uma projeo de
destinos e utilizadas na Histria para tornar compreensveis especficos discursos sobre o
futuro. O discurso sobre o porvir legitima ou no legitima aes no presente. Como
entendeu Pomian, os fatos se tornam pensveis, quando inseridos em uma
morfognese... as periodizaes servem para fazer os fatos pensveis. Serviram assim os
perodos para dar congruncia vivncia do presente (POMIAN, 1990: 187) e s
expectativas futuras.
Muitos historiadores, no entanto, acreditam que a insistncia na busca de teorias
de periodizaes uma necessidade cientfica fundamental. Wolfgang Reinhard, por
exemplo, sustentou que no pode haver comunicao entre pesquisadores sem alguma
razovel subdiviso da histria (REINHARD, 1997: 269). Nessa perspectiva, a tentativa,
prpria do pensamento iluminista, segundo Koselleck, de realizar a passagem do imprio
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da reduo da histria cronologia, que era caracterstica da historiografia medieval, para
uma adequao da cronologia histria, utilizando-se de categorias obtidas da prpria
histria (apud JORDHEIM, 2012: 161), parece continuar em vigor como um imperativo
acadmico.
Segundo Reinhard, a
Periodizao histrica necessria... mas os perodos histricos devem ser considerados como construes puramente artificiais. Isso no quer dizer que sejam criaes arbitrrias... pois devem responder ao estado de debate acadmico relativo a um respectivo perodo (REINHARD, 1997: 269).
A periodizao , portanto, um desafio irrenuncivel. O desenvolvimento da
Antropologia e as diferentes inflexes tericas de cunho estruturalista que influenciaram
as cincias humanas na segunda metade do sculo XX tornaram-na teoricamente
complexa. J que muitas dvidas ficaram evidentes sobre ao que, de fato, se referiam os
perodos e se deveramos pens-los em funo de futuros.
Se temos razes para, por exemplo, acompanhar Levi-Strauss na crtica a um
processo evolutivo em histria, no podemos deixar de reconhecer, como ele mesmo o
fez, a existncia de eventos singulares no passado que determinaram transformaes
significativas na histria, ou na relao do homem com o mundo, como a Revoluo
Neoltica (LEVI-STRAUSS, 1962: 24) ou a Revoluo Industrial (apud POMIAN, 1990: 174).
Tais eventos apontam para destinos e fatalidades, cuja dinmica, no entanto, difcil de
depreender para alm do paradigma que instala, e que parece articular em si relaes e
conflitos no necessariamente evolutivos, cujo fim no um ponto terminal no futuro,
mas sim um desenvolvimento constante em torno de determinados padres. E assim
como comparamos a perspectiva linear evolucionista com a tradio histrica
apocalptica, poderamos, talvez, entender essa perspectiva estruturalista de uma forma
mais prxima uma recuperao do pensamento mtico na historiografia secular.
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Em ambas dimenses, no entanto, uma perspectiva pluralista, de forma diferente
dos monismos hegeliano, marxista ou comtiano, pode permitir o entendimento de
mltiplas perspectivas de sentido temporal, capazes de engendrar diferentes
periodizaes (JORDHEIM, 2021: 160), ou mltiplas temporalidades, tanto lineares quanto
estruturais. A experincia da periodizao, assim, cumprindo seus objetivos disciplinares,
pode continuar a desenvolver um papel eficaz como guia para a reflexo sobre realidades
histricas, aproximando-se de forma controlada a um questionamento sem limites da
realidade da histria e do tempo, mas no dissolvendo a integridade disciplinar da
Histria. Esse desafio, que expressa os problemas tericos mais amplos da historiografia
contempornea, envolve a disposio de responder ao debate acadmico mesmo
sabendo do seu carter evanescente e mutvel.
II
A realidade histrica da ndia na Antiguidade, evidentemente, no nos permite que
projetemos, nela, integralmente, os modelos lineares de periodizao utilizados na
histria europia, ou no Mediterrneo Oriental, pelos pensadores do sculo XIX. Marx, por
exemplo, reconhecia tal diferena, e acreditava que o papel da dominao inglesa na
regio quaisquer que fossem os crimes da Inglaterra (MARX, 1853: 34) era
regeneradora, ou seja, instalar os fundamentos materiais da sociedade ocidental na sia
(MARX, 1853b: 38). Em outras palavras, adequar a dinmica histrica da ndia aos
princpios que ele entendia serem ordenadores de um nico sentido histrico. O mesmo
se aplica s vises de Hegel ou de Comte, que extrapolavam o sentido atribudo histria
europia toda histria da humanidade. Hegel,