uala - o amor

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U U U U U ALA - O ALA - O ALA - O ALA - O ALA - O AMOR AMOR AMOR AMOR AMOR Frei Betto Ilustações Levi Ciobotariu

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Do alto da gameleira, Uala observa seu mundo. Árvores frondosas, mata cerrada. na clareira, seu povo: homens e mulheres integrados à natureza.O rio de águas abundantes, esconderijo dos peixes e de outros encantos. Do alto da gameleira, Uala salta para seu mergulho. O rio, fiel companheiro,recebe-o para o abraço apaixonado. O índio desce às suas profundezas, em busca de si e do outro. Nesse encontro, ambos se reconhecem: rio e homem sepertencem. A incontida paixão prenuncia o abandono. Cruel momento para Uala. Quem melhor do que a paixão para instigá-lo à luta?

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Page 1: Uala - O Amor

UUUUUALA - O ALA - O ALA - O ALA - O ALA - O AMORAMORAMORAMORAMOR

Frei Betto

Ilustações Levi Ciobotariu

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A todos que, no Brasil, reconhecem nas nações indígenas umaforma superior de civilização a ser defendida e preservada.

UUUUUALA - O ALA - O ALA - O ALA - O ALA - O AMORAMORAMORAMORAMOR

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1. De cima da árvore, mergulhou fundo.

Com a respiração retida no peito, abriu os olhos dentro d’água e contemplou, no leitodo rio, as pedras contorcendo-se numa dança fluida, insinuante. Sentia o corpochocolate deslizar dentre a massa líquida removida por seus braços musculosos.Possuía a força e a beleza de um cavalo selvagem e nadava com a mesma agilidadede um peixe. Retornou à tona, emergiu a cabeça como se quebrasse um cálice decristal, expirou forte, aliviado. A correnteza parecia mais veloz e o índio viu-se distante

da gameleira da qual pulara. Nadou até a margem, ergueu-se e sentou-se numapedra. Pousou os olhos intrigados sobre a água.

– O que foi amigo? – perguntou ao rio que corria a seus pés.

Houve um momento de silêncio, entrecortado pela passarada que festejava oalvorecer na selva.

– Estou fugindo de mim mesmo – respondeu o rio. – Junto à cabeceira, homensbrancos instalam máquinas, arrancam, árvores, ferem o solo, sujam minhas águas eameaçam meus peixes.

– O peito de Uala se comprimiu em dor. Os olhos, queimados de raiva, inundaram-sede lágrimas. Percebeu que o amigo também chorava, tentando disfarçar as lágrimasentre as águas que transportava em seu dorso. Agachou-se junto à margem, estendeuas mãos e ficou acariciando a superfície do rio.

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Pela primeira vez, notou que as águas – outrora brilhantes como prata e transparentescomo um raio de sol – estavam opacas.

– Você está doente, amigo.

– Não, Uala, eu estou bem, mas a vida que carrego em meu ventre corre perigo.

Uala ficou de pé sobre a pedra, sugou o ar puro da manhã impregnado do cheiroverde que transpirava da floresta, encheu os pulmões, deu impulso, envergou o corpocomo um arco solto no espaço, e mergulhou de novo.

O rio sentiu que, dessa vez, o índio veio diferente. As águas paralisaram o seu cursoe, na quietude de uma lagoa, abriram-se aos carinhos de Uala. Dentro da selva, nacurva do grande rio que serpenteava árvores frondosas e gigantes, deu-se o ritual deamor jamais sonhado ou imaginado pelo homem branco: Uala penetrava fundo aságuas, bebia-as sedento, ouvia os seus murmúrios, deixava-se atar em suascorrentes, partia-se em seus espelhos, enrolava-se em seus lençóis e, com lágrimasde dor e ternura, salgava a face doce e suplicante do rio.

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2. Depois que Uala

contou à tribo o que lhedissera o rio, imensafogueira foi armada no meioda taba, sementes deurucum foram espremidas,o suco do jenipapo extraídoe, com ramos de alecrim, asmulheres pintaram o corpodos homens, enquanto osíndios prendiam grossasescamas de peixe, rígidascomo osso, nos cabeloslisos e compridos dasíndias.

Quando o dia afastou-se para descansar e deixou a Lua velando o sono da noite, ocacique acendeu a fogueira. Toda a tribo, sentada ao redor, esperou em silêncio que ofogo vencesse a resistência das toras. As chamas crepitavam, partiam os gravetos,faziam estalar a lenha, enroscavam-se nas toras, apontavam para cima suas espadascor de púrpura e subiam em direção às estrelas.

Quando a Lua, inebriada, parou para admirar a bola resplandecendo na selva, ocacique fez sinal e Uala se levantou, aproximando-se das labaredas que ressaltavamos traços vermelho e preto em sua pele morena.

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– O rio está triste – disse Uala ao fogo.

– As chamas cresceram e, transfiguradas em serpentes amarelas, dançaram ao ritmodo batuque que tinha o sagrado dever de proteger o diálogo entre o índio e o fogo.Após um breve momento, Uala repetiu:

– O rio está triste.

Uma tora partiu e espalhou mil fagulhas incandescentes em volta da fogueira. Emtorno da aldeia, a noite acordava ao som das batidas sobre troncos ocos, os pássarosbuscavam refúgio na copa das árvores distantes, os animais se afastavam daclaridade ameaçadora.

– Uala, os filhos do rio vão desaparecer – disse o fogo pausadamente, exibindo suacapa cor de sangue que se retorcia ao sabor do vento.

E acrescentou:

– As águas carregarão em seu ventre a escuridão e a morte.

Nos olhos negros do índio, os reflexos da dança flamejante ficaram embaçados pelaslágrimas. As faixas vermelha e preta que, sobre o nariz, se estendiam de face a face,reluziam ensopadas pelo choro mudo de Uala. No silêncio prolongado, seu olharperdeu-se fixo na fogueira que recolhia as chamas e, sob o manto de fumaça,guardava-se da Lua.

Uala caminhou em direção ao cacique e repetiu-lhe o que o fogo revelara.

Então, toda a tribo, precedida por velhos e crianças, dirigiu-se em fila para o rio e, àsua margem, consumiu a noite dançando aos espíritos da fatalidade.

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3. Sobre a rede

aramada entre os galhosda gameleira, Uala acordoucom a luz forte do meio-diadando-lhe uma bofetada norosto.

Fitou as águas que, abaixo, piscavam estrelas prateadas ao reflexo do Sol. Aprumou ocorpo, deixou que ele fizesse uma curva no ar para, como uma flecha, cortar asuperfície espumosa do rio. O cascalho do fundo já não era tão visível como emoutros tempos e parecia menor a quantidade de peixes que, naquela época do ano,subiam em direção à nascente. O rio continuava triste.

Uala deixou a água e ficou sentado na pedra, pensativo. Seus olhos ardiam. Esfregouos dedos sobre eles e sentiu-os irritados, como se tivessem sido borrifados depimenta.

– O que tenho nos olhos? – indagou ao amigo que deslizava a seus pés.

– Você agora traz nos olhos, Uala, o que eu tenho nas águas. Suba e verá.

O índio subiu, correndo pela margem, esforçando-se por decifrar, nas silhuetasdisformes captadas por sua visão, o perfil das aves que celebravam sua passagem.

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Conhecia cada uma pelo canto e apreciava, em especial, o porte elegante das garçasnas praias do rio. A mata lhe era tão familiar quanto a aldeia: distinguia os assobiostristes e alegres dos ventos, prenunciava as chuvas pelo formato das nuvens,preparava-se para a chegada do frio quando as tardes enrubesciam ao pôr-do-sol,previa a cheia dos rios graças às formigas que transferiam antecipadamente seusesconderijos, captava no olfato a aproximação das feras, ria-se dos mosquitostentando picar sua pele rija, assustava as cobras que lhe cercavam o passo, sabia osabor de cada fruta e o perfume de cada flor.

O Sol arqueava pela tarde, quando Uala, após longa caminhada, escutou um zunidoestridente. “É homem branco”, pensou. Nunca se enganava com os ruídos da floresta.Apressou-se, rompeu a espessa vegetação, contornou gigantescos troncos, subiunum mogno e, de sua copa, observou, atônito, a ferida aberta: centenas de árvoresderrubadas, as motosserras decepando troncos, os tratores, roncando como trovões,empilhando toras e cavando um imenso buraco no chão, o acampamento plantado naencosta despida de qualquer vegetação. O vento soprava o pó da serragem emdireção ao rio, em cujas águas o homem branco tomava banho e lavava roupas,panelas, ferramentas oleosas e peças besuntadas de graxa.

Naquela noite, toda a tribo postou-se às margens do rio e cantou, sem batuque, paraminorar-lhe a dor.

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4. Trinta luas depois, o

tempo se cobriu de roxo ea noite invadiu o dia,atirando estrelas queexplodiam em relâmpagossobre as nuvens,cuspindo lanças de fogoque partiam árvores aomeio e queimavam aterra.

A tribo, prevenida, estocara víveres e reforçara o teto das malocas, abrindo em tornoda taba canais feitos com troncos ocos por onde se escoavam as águas da chuva. Osíndios sabiam que, enquanto os espíritos lavassem a boca do céu, não poderiam veros astros, nem armar fogueira para consultar os oráculos do fogo. Tudo teriam quesuportar com paciência, até que a limpeza do céu terminasse, as nuvens fossemlevadas pelos ventos e o Sol voltasse a iluminar o dia.

Uala descansava em sua rede, tecida de fibras de buriti, enquanto seus filhosbrincavam com uma enorme aranha em torno do tacho de mandioca que sua mulherfervia. Escutava a chuva chocalhar sobre o teto da maloca, quando viu um fileted’água estender-se por baixo da parede de bambu. Pôs-se de pé, abriu a esteira queservia de janela e, com o rosto respingado pela torrente que desabava sobre a aldeia,viu que ela começava a inundar-se.

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Saiu à tempestade e examinou os troncos que deveriam drenar: estavam entupidospor folhas e terra, pois o volume de água que vinha da direção do rio era superior àcapacidade de escoamento dos canais.

Um pressentimento, qual lâmina afiada cravada na espinha, se apossou de Uala.Correu rumo à margem e, logo abaixo, com as águas subindo-lhe pela cintura,deparou-se com o quadro que o aterrorizou: o rio entrara em desespero, dilatara o seuleito, afogara as praias, inundara as margens e, dentro da mata, suas águas corriamcomo onças feridas de morte, urravam em agonia, mordiam enlouquecidas os troncos,retorciam a vegetação, cobriam os arbustos, sobrepondo-se em ondulaçõesespumosas que mais pareciam fantásticas contrações de um réptil descomunal.

Apoiado em galhos, Uala tentou avançar e sentiu que, pela primeira vez, não confiavano amigo. Agarrou-se ao tronco firme de um pau-brasil, gritou a plenos pulmões, pediuque o rio se acalmasse, indagou as razões de tanta cólera, quis estender-lhe as mãos,afagar-lhe o dorso, mas as águas continuaram impetuosas, revoltas, embriagadaspela chuva, inchadas, indiferentes aos apelos do amigo que, sobre a árvore,observava inconsolável a enchente avançar em direção às malocas.

No dia seguinte, a tribo desolada contemplou, à distância, o lago que afogara a aldeia.

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5. Depois que a chuva

parou e as águasbaixaram, o rio disse aUala:

– Já não consigo mecontrolar. Antes quechegasse o homembranco, as árvoresregulavam as águas quedesciam do céu. Agora,tantas foram derrubadasque passei a me sentirmais raso e estreito.

Sentado à margem, Uala ouvia o lamento do rio. Enquanto mantinha as pernasafogadas na torrente cor de chumbo, as mãos, em concha, molhavam seus cabeloslisos, o rosto, o tronco nu e rutilante ao Sol.

Vislumbrou algo parecido a uma pedra branca, boiando, empurrado pela correnteza.Não, não era uma pedra, era um jaú amarelo, morto. Segurou-o e sentiu que asescamas deslizavam em seus dedos. A carne estava flácida. Viu também um espessofilete esverdeado correr sobre as águas sem se desmanchar.

Em poucos dias, tornaram-se numerosos os peixes que, abortados do ventre do rio,apodreciam à superfície, presos às raízes que brotavam das margens, expostos aocalor do dia e exalando um cheiro que a tribo considerou desagradável.

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6. No verão seguinte,

Uala observou que aságuas do rio diminuíam, aspraias se alongavam, e asraízes, às margens,exibiam suas unhas curvase afiadas.

Já não se pescava e, na aldeia, estranhas doenças ceifavam vidas, sobretudo decrianças. O cacique proibiu que se bebesse água do rio. Uala, entristecido pelo agoniado amigo, passava dias e dias em sua companhia, vendo seu corpo delgado afinar-sesempre mais. O cascalho do fundo agora despontava à superfície e o rio choravacomo um animal retido em armadilha e privado do alimento. Seus soluções seafogavam no leito poluído.

À primeira lua, o cacique ordenou nova fogueira.

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Os ramos de alecrim enfeitaram a pele dos índios com riscos vermelho e preto, e oscabelos das mulheres, soltos às costas, pareciam cobertos por malhas de conchas.Quem sabe contaminadas pela tristeza circundante, as chamas custaram-se a seerguer e quebrar o silêncio da aldeia com o estalo dos gravetos secos. Afinal,labaredas afiadas, sobre as copas douradas do fogo, ansiavam por alçar vôo à bocaescura do céu. Então, o cacique fez sinal para que Uala iniciasse o ritual. As batidasecoaram num ritmo apressado e tenso. Uala deu cinco passos à frente. Seus porosgotejavam ao calor das chamas e o cabelo liso, ensopado de suor, colava-se à testariscada de vermelho.

– O rio está morrendo – disse ele ao fogo.

A fogueira, irritada, triturava a lenha espocando pequenos relâmpagos prateados.

– O rio vai morrer – retrucou o fogo.

Como se o céu ardesse, lanças de luz caíram sobre a aldeia, e os índios, assustados,recuaram. Por um momento, Uala aguardou, em vão, que o oráculo prosseguisse. Emseguida, grossos rolos de fumaça, espessos como as trevas, brotaram dos mundosinferiores e contaminaram o ar, fazendo cessar o batuque, enquanto toda a tribo, comos olhos ardendo, atirava-se numa dança demoníaca, tomada por incontrolável acessode tosse.

Naquela noite, não houve canto. Um silêncio fúnebre se abateu sobre Uala e seusirmãos.

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7. Certa manhã, Uala,

deitado em sua rede presaaos galhos de gameleira,acordou afagado pelo Sol eteve medo do silêncio queescutou.

Preferiu não olhar. Apurou os ouvidos como fazia quando caçava. Nada, nenhum ruídode água. Seu coração se acelerou, as entranhas se contraíram, os ombros seenrijeceram, enquanto a cabeça pesava e o peito arfava como ao fim de uma longacorrida. Criou coragem e olhou para baixo: o leito do rio secara.

Uala abandonou imediatamente o seu refúgio e, como um irmão que procura outroirmão, saiu desesperado pela selva, em busca do rio. Seguiu o fosso onde, outrora, avida jorrara exuberante, agora reduzido a uma tumba fétida, na qual os peixesapodreciam. Em volta, nenhum canto, nenhuma ave, e a própria vegetação ribeirinhaparecia amargurada de sede. O índio corria tocado pelo vento e seu vulto, através dasfolhas, era o único sinal de vida na paisagem agonizante.

Buscou o mogno que lhe servira de posto de observação, escalou-o e, no lugar ondevira serras esquartejando árvores e máquinas cavando o solo, Uala avistou um imensolago: o rio havia sido represado. Próximo do paredão de toras e de pedras que lhe

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detinha o curso, o homem branco estendera uma tela de arame, junto à qualcaminhava com um pau-de-fogo às costas.

– Vou libertá-lo, amigo – sussurrou Uala, acreditando que as águas prisioneiras oescutavam.

Aguardou a noite cúmplice e desceu do mogno com a agilidade de um felino.

– Espere, amigo, vou tirá-lo dessa armadilha. Você voltará a viver livre entre a floresta,correndo sob as árvores, embalado pela música dos pássaros e acariciado pela línguasedente dos animais. Brotará vida em seu ventre e teremos novos tempos deabundância. A cada manhã, me banharei em seus braços e, à tarde, ouvirei ossegredos contados pelo murmúrio de suas águas transparentes.

A cada passo, Uala repetia promessas, tentando alcançar a cerca sem que o homembranco desse por sua presença. Acreditava-se forte o bastante para arrancar aspedras e desfazer o dique de madeira, deixando o amigo fluir livre por seu curso.

Faltava ultrapassar a tela. Sob o luar, observou o homem branco sentado a certadistância, o chapéu caído sobre os olhos, o pau-de-fogo estendido ao lado. Avançousilente, valendo-se do farfalhar provocado pelo vento.

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Aproximou-se da cerca, fitou emocionado a Lua boiando no colo do grande lago,ergueu as mãos e tocou o arame. Levou um coice de mil cavalos enfurecidos: um raiopercorreu o seu corpo, grudou-o à cerca, queimou-lhe as carnes, retorceu osmúsculos e, antes que sua língua se dobrasse na garganta, um grito de morteexplodiu em seu peito, reboando pela noite. Sobressaltado, o vigia acordou, pegou ofuzil, adivinhou a sombra de um intruso junto à cerca e – seguindo as ordens querecebera da Companhia – abriu fogo. Uma bala partiu o suporte da tela e as outrasforçaram o índio a uma dança macabra, que o levou a dobrar-se sobre o arame caídoe, enfim, tombar do outro lado.

As águas represadas do rio acolheram o corpo sem vida de Uala.

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QUEM É FREI BETO

O autor por ele mesmo

Trago, vaidoso, sangue indígena em minhas veias. Minha tataravó pela linhapaterna era índia cearense, Sucupira de Alencar Araripe. Diz a lenda que foicaçada a laço. Acredito que, dela, herdei o apego à terra em que nasci, osentimentos animista, a fé no mundo povoado de espíritos.

Sempre gostei de programa de índio. Visitei os apurinãs na fronteira do Acrecom o Amazonas e fiquei impressionado com o alto grau de civilidade deles.Não roubam, não mentem, não traem, não surram crianças e não marginalizamidosos. O que é de um é de todos. Estive também entre os carajás, no Araguaia,que muito antes da biologia neodarwiniana já sabiam que a vida surgiu do fundodas águas. São cheios de sabedoria e arte.

Como meu amigo Aniceto, cacique xavante, sou um contador de histórias.Carrego em mim a nostalgia de um tempo de justiça, que sonho com o futuro.Nisso, temos muito a aprender com os índios.

Minha floresta é feita de palavras. Nela capto os sussurros da alma e mergulhofundo na intuição, como Uala em seu rio.

QUEM É LEVI CIOBOTARIU

Levi é um jovem arquiteto que vem atraindo a atenção dos meios artísticos deSão Paulo por suas delicadas paisagens fantásticas, que lhe valeram um“Prêmio Pirelli Pintura Jovem”, em 1983. A sua formação de arquiteto se fazsentir na solidez e vigor de suas composições gráficas, em que combina, demodo muito feliz, construção e fantasia. Um dos aspectos mais sedutores dosdesenhos de Levi é o seu senso de realidade fantástica. em que as texturas eformas estão animadas de vibrações num tempo mágico.

Mário Schenberg

Nas ilustrações ddeste livro, Levi compõe os elementos da natureza e o homemnuma riqueza de detalhes cujo ritmo e equilíbrio geram imagens de grande forçadramática, as quais em harmonia com os textos de Freio Betto concretizam eaprofundam, de forma ideal, o teor dos sentimentos expressos.

Francisco Salvador

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Do alto da gameleira, Uala observa seu mundo. Árvores frondosas, matacerrada. na clareira, seu povo: homens e mulheres integrados à natureza.

O rio de águas abundantes, esconderijo dos peixes e de outros encantos.

Do alto da gameleira, Uala salta para seu mergulho. O rio, fiel companheiro,recebe-o para o abraço apaixonado. O índio desce às suas profundezas, embusca de si e do outro. Nesse encontro, ambos se reconhecem: rio e homem sepertencem.

A incontida paixão prenuncia o abandono. Cruel momento para Uala.

Quem melhor do que a paixão para instigá-lo à luta?

Neste ano de 2002, em que se toma o índio como tema para a Campanha daFraternidade, o livro de Frei Betto, UALA, O AMOR, expõe um pouco dossentimentos - amor, dedicação, fraternidade mesmo - destes que nosprecederam nesta terra e também dos nossos - homens brancos - sentimentosdesprovidos de espiritualidade e amor.Um pouco do muito a aprender!

Ricardo F. de Carvalho

Multipress Artes Gráficas e Editora Ltda.