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Page 1: Trecho do livro "A Segunda Guerra Mundial"
Page 2: Trecho do livro "A Segunda Guerra Mundial"

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A invasão da Polônia pela Alemanha

Setembro de 1939

A Segunda Guerra Mundial foi um dos conflitos mais devastadores da história da humanidade: mais de 46 milhões de militares e de civis morreram, muitos em circuns-tâncias de crueldade prolongada e terrível. Nos 2.174 dias de guerra entre o ataque da Alemanha à Polônia em setembro de 1939 e a rendição do Japão em agosto de 1945, a esmagadora maioria daqueles que morreram, quer na frente de batalha quer na retaguar-da, tinha nomes e rostos obscuros, exceto para as poucas pessoas que os conheciam ou os amavam – mas, em casos que talvez também atinjam uma cifra de milhões, foram elimi-nados até mesmo aqueles que em anos posteriores poderiam ter recordado uma vítima. Não foram apenas 46 milhões de vidas aniquiladas, mas a vida e a vitalidade vibrantes que haviam recebido como herança e que poderiam ter deixado aos seus descendentes: uma herança de trabalho e de alegria, de luta e de criatividade, de saber, de esperanças e de felicidade que ninguém receberia ou transmitiria.

Inevitavelmente, e porque foram quem mais sofreu com a guerra, essas milhões de vítimas preenchem boa parte destas páginas. Por mais que muitas possam ser – e são – nomeadas, o legado mais amargo da guerra é a tragédia de homens, mulheres e crianças anônimos. Há coragem, também, nestas páginas: a coragem dos soldados, dos marinhei-ros e dos aviadores, a coragem dos guerrilheiros, dos resistentes e daqueles que, famintos, nus e sem forças ou armas, foram enviados para a morte.

Quem foi a primeira vítima de uma guerra que faria mais de quarenta milhões delas? Um prisioneiro desconhecido jogado num dos campos de concentração de Adolf Hitler , prova-velmente um criminoso comum. Numa tentativa de apresentar a Alemanha como vítima inocente de uma agressão polonesa, vestiram-lhe um uniforme polonês e levaram-no para a cidade alemã de Gleiwitz, na fronteira, onde a Gestapo o assassinou na noite de 31 de agosto de 1939, numa estranha encenação de um “ataque polonês” à estação de rádio local. Na ma-nhã seguinte, quando as tropas alemãs entraram na Polônia, Hitler apresentou, como um dos motivos para justificar a invasão, “o ataque ao retransmissor de Gleiwitz por tropas polonesas”.

O episódio de Gleiwitz, numa homenagem ao chefe da SS que colaborou com sua pre-paração, recebeu o nome de operação Himler . Nessa mesma noite de 31 de agosto, a União Soviética, que menos de uma semana antes se aliou à Alemanha, conseguiu final-mente derrotar os japoneses na fronteira com a Mongólia, quando as forças comandadas pelo general Zhukov venceram as últimas resistências do 6º exército japonês em Khalkhin

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Gol. Enquanto terminava uma guerra, iniciava-se outra, que entrou para a história com o nome de Segunda Guerra Mundial.

A ofensiva alemã de 1º de setembro de 1939 na Polônia não repetiu as táticas da Pri-meira Guerra Mundial, em que as unidades de infantaria avançavam até ficarem encurra-ladas numa linha de trincheiras para então organizarem uma série de ataques contra um inimigo firmemente instalado. O método adotado por Hitler foi a Blitzkrieg – guerra-re-lâmpago. Primeiro, e sem qualquer aviso, uma série de ataques aéreos destruíram, ainda no solo, boa parte da força aérea do país agredido. Depois, os bombardeiros visaram as comunicações rodoviárias e ferroviárias, os quartéis, os depósitos de munições e os cen-tros urbanos, lançando confusão e pânico. Num terceiro momento, os bombardeiros de mergulho localizaram colunas de tropas em marcha e bombardearam-nas enquanto os aviões de combate metralhavam os refugiados civis que procuravam fugir dos soldados invasores, lançando caos nas estradas e impedindo o avanço da defesa polonesa.

A Blitzkrieg veio inicialmente do céu, depois chegou por terra; primeiro, em ondas suces-sivas de infantaria motorizada, de tanques ligeiros e de autometralhadoras que avançaram tão longe quanto possível. Em seguida, tanques pesados penetraram as zonas rurais mais remotas, flanqueando as cidades e os pontos fortificados. Por fim, depois de tantos estragos e de tanto território percorrido, a infantaria – soldados que avançavam a pé –, fortemente apoiada pela artilharia, avançou para ocupar as áreas já invadidas, para debelar as resistên-cias que subsistissem e para fazer a ligação com as unidades motorizadas do assalto inicial.

A invasão alemã da Polônia, 1º de setembro de 1939: panorâmica de uma posição polonesa atingida, tirada de um bombardeiro alemão.

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A INVASÃO ALEMÃ À POLÔNIA, SETEMBRO DE 1939.

Vinte e quatro horas após o ataque alemão à Polônia, um comunicado oficial do governo polonês relatou que 130 cidadãos, entre eles doze soldados, haviam sido mortos em ataques aéreos a Varsóvia, a Gdynia e a várias outras cidades. “Dois bombardeiros alemães foram abatidos e os quatro ocupantes, miraculosamente ilesos, foram presos”, dizia o comunica-do, “quando uma formação de 41 aviões alemães surgiu sobre a zona leste de Varsóvia na

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tarde de sexta-feira. A população assistiu a uma emocionante batalha aérea sobre o coração da cidade. Várias casas foram incendiadas e o hospital para crianças judias deficientes foi bombardeado e destruído”.

Na manhã de 2 de setembro, aviões alemães bombardearam a estação da estrada de ferro na cidade de Kolo, onde estava parado um trem de refugiados civis evacuados das cidades fronteiriças de Jarocin e Krotoszyn; 111 deles morreram no ataque.

O objetivo de Hitler ao invadir a Polônia não era apenas recuperar os territórios perdidos em 1918, mas sujeitar o país ao jugo alemão. Para esse fim, ordenou que três regimentos da SS com a insígnia da caveira avançassem no encalço das tropas de infantaria para impor as chamadas “medidas de polícia e de segurança” na re-taguarda das linhas alemãs. O comandante desses três regimentos, Theodor Eicke , explicou aos seus oficiais, reunidos numa das bases da SS – o campo de concentração de Oranienburg – nesse primeiro dia da guerra, em que consistiam tais medidas. Para proteger o Terceiro Reich , explicou Eicke , a SS teria de “encarcerar ou aniquilar” todos os inimigos do nazismo, tarefa que representava um desafio até mesmo para a “severidade absoluta e inflexível” que o trabalho nos campos de concentração ensi-nara aos regimentos da caveira.

Tropas alemãs a caminho da frente polonesa. O slogan inscrito no vagão diz: “Vamos para a Polônia esmagar os judeus.”

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Essas palavras tão premonitórias se traduziram em atos: uma semana depois da invasão da Polônia pela Alemanha, 24 mil oficiais e homens dos regimentos da caveira estavam prontos para iniciar sua tarefa. Num dos vagões de trem utilizados pelas tropas alemãs rumo ao leste, alguém escreveu com tinta branca: “Vamos para a Polônia espancar os ju-deus.” Não seriam só os judeus, mas os poloneses, as vítimas desse combate na retaguarda da guerra. Dois dias após Eicke dar suas instruções aos regimentos da caveira, Heinrich Himmler incumbiu o general da SS, Udo von Woyrsch , a levar a cabo a “supressão radical da insurreição polaca incipiente nas zonas recém-ocupadas da Alta Silésia”. A palavra “radical” era um eufemismo para “implacável”.

Aldeias inteiras foram incendiadas e reduzidas a pó. Em Truskolasy, em 3 de setembro, 55 camponeses poloneses foram cercados e abatidos a tiro, incluindo uma criança de dois anos. Em Wieruszow, vinte judeus foram reunidos na praça do mercado, entre os quais Israel Lewi , um homem de 64 anos. Quando sua filha, Liebe Lewi , correu para junto do pai, um alemão mandou-a abrir a boca por demonstrar “falta de respeito” e disparou-lhe uma bala. Liebe Lewi caiu morta no chão. Os vinte judeus foram executados em seguida.

Nas semanas que se seguiram, atrocidades semelhantes eram vulgares e frequentes, praticadas numa escala sem precedentes. Enquanto os soldados lutavam em batalhas, civis eram massacrados.

Na tarde de 3 de setembro, bombardeiros alemães atacaram a indefesa cidade de Sule-jov, onde se encontrava uma pacífica população de 6.500 poloneses e judeus e uns três mil refugiados. Em poucos instantes, o centro da cidade estava ardendo em chamas. Quando milhares de pessoas correram para os bosques próximos em busca de abrigo, os aviões alemães, em voo rasante, dispararam com suas metralhadoras. “Enquanto corríamos para os bosques”, relembrou o jovem Ben Helfgott , “as pessoas caíam, com as roupas em chamas. Nessa noite, o céu estava vermelho, refletindo a cidade que ardia”.

Em 3 de setembro, a Grã-Bretanha e a França declararam guerra à Alemanha. “O objetivo imediato do alto-comando alemão”, disse Hitler aos seus comandantes, “continua sendo a conclusão rápida e vitoriosa das operações contra a Polônia”. Às nove horas dessa noite, no entanto, um submarino alemão, o U-30, comandado por Julius Lemp , torpedeou o paquete britânico Athenia, que foi tomado por um navio da armada. O Athenia, que seguia de Li-verpool para Montreal, partira antes da declaração de guerra britânica, tendo 1.103 passa-geiros a bordo. Entre os 112 passageiros que perderam a vida nessa noite, 28 eram cidadãos dos Estados Unidos, mas o presidente americano, Franklin Roosevelt , foi enfático em sua comunicação daquele dia ao povo americano: “Que nenhum homem ou mulher diga, im-prudente ou enganosamente, que a América enviará suas tropas para os campos europeus. Neste preciso momento é preparada uma proclamação da neutralidade americana.”

Confiante numa vitória rápida, Hitler saiu de Berlim em seu trem especial, o Amerika, na noite de 3 de setembro, onde passaria as duas semanas seguintes, acompanhando os

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episódios da guerra e recebendo felicitações pelo seu primeiro triunfo militar. O governo britânico, entretanto, pusera em ação seu plano aéreo ocidental no 14, que consistia em lançar na Alemanha panfletos de propaganda antinazista. Na mesma noite, dez aviões atravessaram o mar do Norte e a fronteira alemã transportando treze toneladas de pan-fletos que seriam soltos sobre o Ruhr: seis milhões de folhas de papel em que se dizia aos alemães: “Seus chefes condenaram vocês aos massacres, às misérias e às privações de uma guerra que não podem ter a menor esperança de ganhar.”

O primeiro bombardeamento da Alemanha por aviões britânicos aconteceu em 4 de setembro, enquanto as tropas alemãs continuavam a avançar pelo território polonês sob a proteção de uma força aérea bastante superior. Nesse dia, dez bombardeiros Ble-nheim atacaram navios e instalações navais alemães em Wilhelmshaven. Os navios não sofreram estragos irreparáveis, mas cinco bombardeiros foram abatidos por antiaéreos alemães. Entre os mortos britânicos estava o tenente H. B. Lightoller , filho do oficial superior britânico que sobrevivera ao naufrágio do Titanic antes da Primeira Guerra Mundial.

Na Grã-Bretanha, a notícia do ataque aos navios de guerra alemães levantou o moral da população. “Até vimos roupas penduradas numa corda”, disse aos ouvintes da rádio o tenente da força aérea que conduzira o ataque. “Quando sobrevoamos o navio”, acrescentou, “vimos os membros da equipagem correndo apressadamente para seus postos. Lançamos nossas bombas. O segundo piloto, que vinha atrás de mim, viu duas delas acertarem o alvo”. Tanto o tenente quanto o piloto que fizera o reconhecimento foram condecorados com a Cruz de Fogo Distinto.

Os pilotos britânicos foram ordenados a não pôr em risco a vida das populações civis alemãs. Nesse momento da guerra, tais ordens pareciam não apenas morais, mas possíveis. Os comandantes alemães não deram ordens semelhantes. “Explodiu em toda parte uma guerrilha brutal”, escreveu, em 4 de setembro, o chefe dos serviços de manu-tenção, Eduard Wagner , “e estamos esmagando-os impiedosamente. Não vamos voltar atrás. Já criamos tribunais de exceção, que funcionam em sessões contínuas. Quanto mais forte a repressão, mais depressa teremos paz”. Essa repressão veio por terra e por ar; ao entrar em Piotrkow, em 5 de setembro, os alemães queimaram dúzias de casas de judeus e abateram aqueles que conseguiram fugir dos locais incendiados. Entrando numa casa que escapara das chamas, os soldados tiraram dali seis judeus e ordenaram--lhes que corressem; cinco foram abatidos, e o sexto, Reb Bunem Lebel , morreu em consequência dos ferimentos.

Muitas aldeias foram incendiadas na Polônia naquela semana: milhares de pessoas su-cumbiram nos incêndios ou foram mortas enquanto fugiam. Duas guerras espalhavam--se simultaneamente: a frente de batalha com homens armados e os ataques às outrora imunes vilas e aldeias. E outra guerra começara no mar, cujo curso seria tumultuoso e

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não respeitaria quaisquer limites. Nesse 5 de setembro, os submarinos alemães afunda-ram cinco navios mercantes desarmados – quatro britânicos e um francês. Os britânicos não demoraram a responder: o HMS Ajax, em ação nesse dia, afundou dois navios mer-cantes alemães “de acordo com as leis da guerra”, como o primeiro lorde do mar, Winston Churchill , comunicou aos seus colegas do Gabinete de Guerra. Os navios mercantes não tinham parado quando intimados a fazê-lo pelos britânicos.

Todos os dias se registravam novos casos de desrespeito e de desprezo pelas leis de guerra por parte dos alemães. Em 6 de setembro, num campo próximo à aldeia polonesa de Mrocza, os alemães abateram dezenove oficiais poloneses que haviam rendido-se após um combate tenaz contra uma unidade alemã blindada. Outros pri-sioneiros de guerra poloneses foram trancados na casinhola de um chefe de estação de estrada de ferro, que os alemães incendiaram. Todos os prisioneiros morreram. Daí em diante, os prisioneiros de guerra já não sabiam se as leis consagradas para conflitos armados, tais como haviam sido estipuladas pelas sucessivas convenções de Genebra, seriam ou não aplicadas: as leis que pautavam a atuação dos nazistas eram completamente divergentes daquelas que foram pouco a pouco elaboradas ao longo do século anterior.

Soldados alemães entram na cidade polonesa de Gdynia, setembro de 1939.

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Para os judeus, anunciavam-se os horrores mais extremos, a serem perpetrados por esse conquistador que gabava-se do fato de que os judeus seriam sua principal vítima. Discursando em Berlim sete meses antes do início da guerra, Hitler declarou que, caso o conflito explodisse, “o resultado não seria a bolchevização da terra, com a consequen-te vitória do gueto judeu, mas o aniquilamento da raça judaica na Europa”. Seis dias de guerra haviam mostrado que o massacre dos judeus seria parte integrante da conquista alemã. Num gesto desafiador, o Dr. Chaim Weizmann , velho político e promotor do Movimento Sionista, escreveu ao primeiro-ministro britânico, Neville Chamberlain , dizendo que os judeus combateriam ao lado das democracias contra a Alemanha na-zista; a carta foi publicada no Times em 6 de setembro. Nesse dia, Hitler foi conduzido num automóvel de seu trem especial até o campo de batalha de Tucheler Heide, onde um corpo de tropas polonesas fora cercado. Enquanto observava a batalha, recebeu uma mensagem informando-o de que as forças alemãs haviam entrado na cidade de Cracóvia, no sul da Polônia.

A guerra tinha uma semana de duração; Cracóvia, uma importante cidade, com mais de 250 mil habitantes, estava sob o controle dos alemães. No dia seguinte, 7 de setembro, o chefe da SS, Reinhard Heydrich , anunciou aos comandantes das forças especiais de Eicke que se preparavam para avançar no encalço dos soldados da infantaria: “A classe dirigente polonesa deve ser, tanto quanto possível, neutralizada. As classes inferiores, ou o que delas restar, não terão direito a medidas especiais, mas deverão ser subjugadas de uma maneira ou de outra.” Eicke dirigiu pessoalmente o trabalho dessas unidades, a partir do quartel-general instalado no trem de Hitler , onde, em 7 de setembro, o Führer disse ao comandante-chefe do exército, o general Brauchitsch , que suas forças “deveriam abster-se de interferir” nas implacáveis operações da SS. No dia seguinte, um batalhão da SS executou 33 civis poloneses na aldeia de Ksiazki – execuções semelhantes se tornariam prática cotidiana.

Os colaboradores mais próximos a Hitler rapidamente compreenderam quais eram suas intenções. Em 9 de setembro, o coronel Eduard Wagner discutiu o futuro da Polônia com o chefe do estado-maior do exército, o general Halder . “É intenção do Führer e de Gœring ”, escreveu Wagner em seu diário, “destruir e exterminar a nação polonesa. Mais do que isso, não pode sequer ser objeto de alusões por escrito”.

A Grã-Bretanha e a França não encontraram grandes oportunidades para levar a cabo ações militares que se traduzissem em auxílio substancial à Polônia. Em 7 de setembro, várias unidades militares francesas atravessaram a fronteira alemã em três pontos, nas imediações de Saarlouis, Saarbrücken e Zweibrücken, mas não houve confrontos sérios. A frente ocidental permaneceu tranquila. Em Londres, uma Comissão de Forças Terres-tres, especialmente criada pelo Ministério da Guerra, debateu a escala do futuro esforço

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militar da Grã-Bretanha. Em sua primeira reunião, em 7 de setembro, Churchill propôs a criação de um exército com vinte divisões até março de 1940. “Temos de ocupar nos-so lugar nas linhas”, disse ele, “se queremos manter coesa a Aliança e ganhar a guerra”. Em seu relatório datado do dia seguinte, a Comissão de Forças Terrestres previa, como base para o planejamento militar britânico, que a guerra durasse “pelo menos três anos”. As primeiras vinte divisões deveriam ser criadas nos doze meses seguintes, junto com outras 35 divisões até ao fim de 1941. Entretanto, o esforço de guerra britânico teria um cunho essencialmente defensivo: o dia 7 de setembro assistiu à inauguração das duas primeiras carreiras de navios mercantes escoltados por contratorpedeiros, partindo uma do estuá rio do Tâmisa e do canal da Mancha e a outra, de Liverpool, ambas para o Atlântico.

Nesse dia, junto da cidade polonesa de Lodz, uma região industrial a oeste do país, decorria um último esforço das tropas para conter o avanço alemão. As unidades de combate da SS registraram que à tarde, em Pabianice, “os poloneses lançaram ainda outro contra-ataque. Irromperam sobre os corpos de seus camaradas caídos. Não avan-çavam com a cabeça baixa como homens que afrontam chuva intensa – e, em geral, a infantaria avança assim –, mas com a cabeça levantada como nadadores sobre as ondas. Não hesitavam”.

Dentro da Alemanha, aqueles que se opuseram aos excessos do nazismo anteriores à guerra não foram menos críticos em relação à invasão da Polônia, mas a ameaça de inter-namento num campo de concentração era um poderoso dissuasor das críticas públicas. Antes, milhares de alemães já haviam fugido à tirania. Mesmo após o início da guerra tais fugas continuavam possíveis, embora fossem perigosas. Em 9 de setembro, um dos mais destacados juristas alemães, Gerhard Leibholz , conseguiu fugir com a mulher e as duas filhas atravessando a fronteira suíça. A mulher de Leibholz era irmã gêmea de Dietrich Bonhoeffer , pastor cujos sermões haviam sido extremamente diretos na denúncia do ra-cismo e da brutalidade. Como o pai de Leibholz era judeu, este precisaria usar, em virtude de uma lei recentemente promulgada, um passaporte carimbado com um “J”. Foi esse o fato que impeliu sua decisão de fugir.

Leibholz teve sorte: no dia de sua fuga, 630 prisioneiros políticos tchecos foram trans-portados da Boêmia para o campo de concentração de Dachau, ao norte de Munique. Poucos sobreviveriam às duras condições de trabalho e ao tratamento brutal.

Na Polônia, a fuga era praticamente impossível. A velocidade da ofensiva alemã encur-ralou militares e civis. No setor de Poznan, dezenove divisões polonesas – quase o mesmo número de efetivos que a Grã-Bretanha planejava ter a postos em março de 1940 – foram cercadas; na batalha que se seguiu, junto ao rio Bzura, 170 mil soldados poloneses foram feitos prisioneiros.

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Por trás das linhas, as atrocidades continuavam. Em Bedzin, em 8 de setembro, cente-nas de judeus foram levados para uma sinagoga que foi incendiada. Duzentos morreram queimados. No dia seguinte, os alemães acusaram cinicamente os poloneses por esse crime, prenderam determinado número de reféns e executaram trinta deles numa das principais praças públicas.

Em 10 de setembro, o general Halder anotava em seu diário que um grupo da SS, após obrigar cinquenta judeus a trabalharem o dia inteiro na reparação de uma ponte, empur-raram-nos para o interior de uma sinagoga onde foram fuzilados. “Estamos transmitindo ordens impiedosas, que eu mesmo redigi hoje”, escreveu o coronel Wagner em seu diário, em 11 de setembro. “Não há nada como a pena de morte! Nos territórios ocupados não há outra solução.”

Uma das testemunhas oculares desse massacre de civis foi o almirante Canaris , chefe dos serviços de contraespionagem alemães. Em 10 de setembro, deslocou-se à frente de combate para observar o exército alemão em ação. Em todos os locais por onde passa-va, seus subordinados dos serviços secretos falavam-lhe de “uma orgia de massacres” e relatavam que os civis poloneses eram obrigados a cavar enormes sepulturas antes de serem alinhados à beira das valas e ceifados à metralhadora. Em 12 de setembro, Canaris dirigiu-se ao trem onde estava instalado o quartel-general de Hitler e, em seguida, a Il-nau, na Alta Silésia, para protestar. Encontrou-se, primeiro, com o general Wilhelm Kei-tel , chefe do alto-comando das forças armadas. “Informaram-me”, disse Canaris a Keitel, “que estão sendo planejadas execuções em massa na Polônia e que certos membros da nobreza polonesa e bispos e padres da Igreja Católica foram designados como alvos de extermínio”.

Keitel insistiu com Canaris , tentando que ele não fosse adiante naquela questão. “Se eu fosse você”, disse, “não me meteria no assunto. Essa ‘coisa’ foi decidida pelo Führer em pessoa”. Keitel acrescentou que, a partir desse momento, todos os comandos militares alemães na Polônia teriam um chefe civil, além do chefe militar, encarregado daquilo que Keitel chamou de programa de “extermínio racial”. Alguns momentos mais tarde, Canaris encontrou-se com Hitler , mas nada disse. Abalado por tudo o que soubera, regressou a Berlim menos firme em sua lealdade a Hitler. Um opositor de Hitler desde 1933, Carl Goerdeler , antigo presidente da Câmara em Leipzig, contou a outro adversário do nazis-mo que Canaris regressara da Polônia “extremamente abatido” pela “brutalidade” com que a Alemanha conduzia a guerra.

Àquilo que Keitel chamou “programa de extermínio racial” seus executores deram um nome diferente. Em 13 de setembro, dia seguinte à visita de Canaris ao trem de Hitler , uma das divisões SS com a insígnia da caveira, a Brandenburg , iniciou o que designou como “medidas de limpeza e de segurança”, que incluíam, segundo o relatório da própria divisão, a prisão e o fuzilamento de grande número de “elementos suspeitos, saqueadores,

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judeus e poloneses”, muitos deles mortos “quando tentavam fugir”. Em menos de duas semanas, a divisão Brandenburg deixara um rasto de assassinatos em mais de treze vilas e aldeias polonesas.

O foco dos combates deslocava-se para Varsóvia, onde os bombardeiros alemães atacavam com ferocidade considerável. Com efeito, um dos tópicos do protesto de Canaris a Keitel foi a “devastação” da capital polonesa. Em 14 de setembro, os bombar-deamentos foram particularmente intensos. Para os 393 mil judeus de Varsóvia, um terço da população da cidade, esse era um dia santo e, em geral, festivo, o ano-novo judeu. “Precisamente quando as sinagogas estavam cheias”, anotou em seu diário uma testemunha ocular, “Nalewki, o bairro judeu de Varsóvia, começou a ser bombardea-do. O resultado desse ataque aéreo foi sangrento”. Nesse dia, as forças alemãs entravam na cidade de Przemysl, no sul da Polônia, onde dezessete mil habitantes, um terço de seu total, eram judeus. Quarenta e três entre os mais destacados cidadãos judeus fo-ram presos, brutalmente espancados e abatidos; entre eles, Asscher Gitter , cujo filho, como tantos outros, emigrara para os Estados Unidos na esperança de que um dia seu pai o seguisse. Nesse dia, na cidade de Sieradz, cinco judeus e dois poloneses foram mortos; em Czestochowa, a administração civil alemã ordenou que todas as proprie-dades industriais e comerciais de judeus fossem entregues a “arianos”, quer o dono ti-vesse fugido da cidade ou não; em Piotrkow, foi promulgada uma postura que proibia os judeus de permanecerem na rua depois das dezessete horas; Getzel Frenkel , de 27 anos, ao regressar à sua casa às 17h05, foi assassinado com um tiro por não respeitar a ordem.

O exército polonês, embora lutasse tenazmente, continuava a recuar enquanto eram bombardeadas as vias de comunicação por onde batia em retirada para o leste do país. Um oficial polonês recorda que em 14 de setembro, nas imediações de Przemysl, após sua divisão de infantaria ter atravessado o rio San, a aviação alemã “atacava-nos com frequência. Não havia abrigos em parte nenhuma; nada à nossa volta a não ser aquela malfadada planície. Os soldados saíam da estrada e procuravam refúgio nas valas dos campos, mas a sorte dos cavalos ainda era pior. Após um ataque, contamos 35 cavalos mortos”. A marcha para leste, escrevia o oficial, “não parecia a marcha de um exército, mas a caminhada de um povo bíblico, afugentado pela ira dos céus, perdendo-se no de-serto”. Na manhã seguinte, em Jaroslaw, Hitler assistiu à travessia do rio San pelas forças alemãs, que perseguiam, muito perto, as tropas polonesas.

Os generais de Hitler , uma vez que o exército polonês fora desbaratado, propuseram que Varsóvia, cercada, fosse deixada sem abastecimentos até que se rendesse, mas Hitler rejeitou a ideia de um cerco de longa, ou mesmo de curta, duração. A capital polonesa era, insistia ele, uma fortaleza e devia ser bombardeada até a rendição.

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Prisioneiros de guerra poloneses capturados pelos alemães em setembro de 1939.

O exército polonês, em seu esforço para escapar aos incessantes avanços e ataques aéreos alemães, alimentava a esperança de reagrupar-se na região oriental do país, mais preci-samente nas imediações de Lvov, a mais importante cidade do leste da Galícia. Porém, nas primeiras horas de 17 de setembro, essas esperanças foram esmagadas. Desconhecida pelos poloneses e até mesmo pelos generais de Hitler , uma cláusula secreta do Pacto de Não Agressão Germano-Soviético , assinado em 23 de agosto de 1939, traçava, no terri-tório polonês, uma linha de demarcação a partir da qual o controle estava a cargo dos soviéticos. Nesse 17 de setembro, o ministro das Relações Exteriores soviético Vyacheslav Molotov , numa declaração feita em Moscou, anunciou que o governo polonês não mais existia. Consequentemente, dizia, as tropas soviéticas receberam a ordem de ocupar o leste da Polônia. Os poloneses, tão desesperadamente empenhados em fugir à ofensiva alemã, não poderiam resistir.

Duas colunas do exército soviético aproximavam-se, entretanto, da linha de demarca-ção. Cento e sessenta quilômetros antes de alcançarem-na, encontraram tropas alemãs que, à custa de um esforço considerável, haviam conseguido penetrar as regiões orientais da Polônia. Esses alemães retiraram-se, entregando aos russos os militares poloneses que fizeram prisioneiros. Em Lvov, foi um general soviético quem ordenou que as tropas

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polonesas depusessem as armas. Assim fizeram, sendo imediatamente cercados pelo Exército Vermelho e conduzidos para o cativeiro. Milhares de outros poloneses foram capturados pelas forças russas durante seu avanço e muitos se renderam aos russos para não correr o risco de cair nas mãos dos alemães. Em Varsóvia, o combate prosseguia, com baixas significativas entre os civis, pois as bombas caíam constantemente. Nessa noite, no oceano Atlântico, os britânicos sofreram seu primeiro revés naval: a perda de 518 marinheiros do porta-aviões Courageous, torpedeado na costa irlandesa pelo submarino alemão U-29, comandado por Otto Schuhart . Para o chefe da marinha alemã, almiran-te Doenitz , foi, como escreveu em seu diário, “um magnífico sucesso”. Para Churchill , como primeiro lorde do mar, era um sombrio aviso acerca dos perigos da guerra no mar; Churchill tivera oportunidades de ver, na Primeira Guerra Mundial, como os submari-nos alemães quase conseguiram cortar os abastecimentos britânicos de alimentos e de matérias-primas.

Na Grã-Bretanha, a sorte da Polônia afligia quem havia verificado a impotência dos dois aliados ocidentais em assumir uma contrainiciativa séria. “Pobres diabos!”, escrevia um in-glês, em 18 de setembro, a um amigo na América, “são magníficos combatentes e parece--me que todos aqui temos a sensação incômoda de que, uma vez que somos seus aliados, deveríamos – custe o que custar – lançar uma ofensiva esmagadora na frente ocidental para desviar a atenção dos alemães. Imagino que só não o fizemos porque nem nós nem a Fran-ça temos ao nosso dispor equipamento suficiente”. Os alemães estavam confiantes de que nenhum movimento de tropas britânicas ou francesas evitaria sua vitória iminente. Em 18 de setembro, os ouvintes de rádio britânicos escutaram pela primeira vez a voz anasalada de William Joyce , em pouco tempo apelidado de lorde Haw-Haw, falando, a partir de Berlim, aos seus compatriotas para dizer-lhes que a guerra estava perdida – menos de um mês após ter renovado seu passaporte britânico. Alguns quilômetros ao norte de Berlim, no campo de concentração de Sachsenhausen, o verdadeiro rosto do nazismo revelou-se naquele dia, quando Lothar Erdman , um distinto jornalista e sindicalista alemão do regime anterior a 1933, tendo corajosamente protestado contra os maus-tratos infligidos aos outros prisio-neiros, foi brutalmente espancado, sofrendo graves lesões internas que o mataram.

Em Varsóvia, os defensores poloneses recusavam-se a aceitar a lógica da força alemã. Um médico polonês, juntando-se a um grupo de homens que buscava medicamentos, encontrou alguns no porão de uma farmácia que se encontrava sob o fogo da artilha-ria alemã. Ali estava também um espião alemão, que vivia na Polônia havia doze anos. Apanharam-no com um emissor de rádio em miniatura, enviando mensagens para o quartel-general das tropas alemãs. “Depois de breves formalidades”, escreve o médico, “o despachamos ‘com os nossos cumprimentos ao Hindenburg’”.

Dezenove de setembro foi o décimo dia em que Varsóvia se encontrava sob o fogo de ar-tilharia. Haviam morrido tantos poloneses que os parques públicos foram utilizados como

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cemitérios. Tenazmente, as forças de defesa combatiam para conservar em seu poder o pe-rímetro da cidade. Vários tanques alemães foram imobilizados ao tentarem penetrar cedo demais nos subúrbios. Tropas alemãs que avançaram muito foram capturadas, mas os bom-bardeamentos eram incessantes. “Hoje, pela manhã”, escreveu um policial polonês em seu diário naquele dia, “um bombardeiro alemão largou uma bomba que caiu numa casa, não muito longe de meu quartel, que eu havia transformado em prisão provisória para noventa e poucos alemães capturados nos combates da última noite. Vinte e sete morreram”.

Enquanto Varsóvia tremia e sangrava debaixo das bombas, as primeiras tropas britâ-nicas, um corpo do exército, desembarcaram na França, mas não estava prevista qual-quer ação de caráter militar. A frente ocidental permaneceu firmemente na defensiva. Ao norte de Varsóvia, Hitler entrou triunfalmente na cidade livre de Danzigue, que fora separada da Alemanha por exigência das potências vitoriosas ao final da Primeira Guerra Mundial. A multidão que o acolheu demonstrou alegria histérica. “Foi assim em toda parte”, explicou a um membro recente da comitiva de Hitler o chefe do estado-maior adjunto do exército, Rudolf Schmundt , “no Reno, em Viena, nos Sudetos e em Memel. E ainda duvida da missão do Führer?”

Dirigindo-se aos habitantes de Danzigue em 19 de setembro, Hitler falou de “Deus Todo-Poderoso, que agora deu às nossas armas sua bênção”. Disse também, misteriosa-mente, numa ameaça velada à França e à Grã-Bretanha: “Poderá chegar muito em breve o momento de usarmos uma arma que não poderá ser utilizada para nos atacar.”

De Danzigue, Hitler mudou-se para um hotel na estância de veraneio de Zoppot, onde apre-sentou a um grupo que incluía seu médico particular, Dr. Karl Brandt , o chefe de sua chance-laria, Philipp Bouler , e o chefe dos oficiais médicos do Reich, Dr. Leonardo Conti , seu plano de extermínio dos loucos no interior do território alemão. A pureza do sangue germânico preci-sava ser salvaguardada. O Dr. Conti levantou algumas dúvidas quanto a saber se, do ponto de vista médico, haveria base científica para afirmar que a eutanásia poderia ter consequências eu-gênicas favoráveis, mas o único objeto de uma discussão séria foi o método mais rápido e me-nos doloroso para eliminar os pacientes. Datando sua ordem de 1º de setembro, Hitler delegou então, em Bouler e Brandt, “a plena responsabilidade de conferirem poderes alargados a certos médicos para darem àqueles que são, por todos os critérios humanos, doentes incuráveis, uma morte misericordiosa depois da avaliação mais ponderada possível de seu estado de saúde”.

O centro operacional do programa de eutanásia seria uma casa nos subúrbios de Ber-lim, em Tiergartenstrasse, no número quatro, morada que deu nome à organização, a partir daí conhecida por T4, comandada por Werner Heyde , professor de neurologia e psiquiatria da Universidade de Würzburg, de 37 anos, que se inscrevera no Parti-do Nazista no momento de sua vitória política, em 1933. Os manicômios começaram

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então a ser analisados para que fossem selecionados aqueles a quem era possível dar “uma morte misericordiosa”. Nas palavras de um especialista nazista em eutanásia, o Dr. Pfannmüller : “É para mim intolerável a ideia de que a nata, a fina flor de nossa juventude, perca a vida na frente de guerra para garantir uma existência segura, nos manicômios, a débeis mentais e a elementos insociais.”

Desde os primeiros dias da operação T4 , prestou-se atenção especial às crianças de tenra idade, principalmente aos recém-nascidos. Em Görden, próximo de Brandenburg , uma instituição pediátrica estatal criou um Departamento Psiquiátrico Especial para a Infância, aonde eram enviadas e onde eram mortas crianças vindas de toda a Alemanha. Um de seus objetivos, recordou mais tarde um médico que trabalhou na instituição, era “pôr os recém-nascidos para dormir o mais depressa possível”, de modo a evitar a criação de “laços mais fortes entre as mães e seus filhos”.

O programa de eutanásia engrenara. Em Görden e em seis outras instituições espalha-das pela Alemanha, os alemães considerados loucos começaram a ser mortos. Dezenas de milhares viriam a perecer como vítimas da perversão da ciência médica.

Na Polônia, a força especial da SS continuava sua tarefa de extermínio dos judeus, em cada vez mais cidades e vilas, à medida que caíam nas mãos dos alemães. Em 20 de setem-bro, a seção operacional do 14º exército alemão comunicou que reinava certo mal-estar entre as tropas “devido às medidas francamente ilegais” tomadas, na zona ocupada por esse exército, pela força especial comandada pelo general Von Woyrsch . As tropas regulares fica-vam especialmente indignadas por os elementos da SS “darem provas de sua coragem con-tra civis indefesos” em vez de combaterem na frente de batalha. O marechal Von Rundstedt declarou imediatamente que a força especial de Von Woyrsch não seria tolerada na zona de guerra e que as medidas antijudaicas iniciadas na zona de Katowice deveriam ser contidas.

A crise que surgira entre as tropas regulares, profissionais, e seus concorrentes SS não poderia ser sanada, contudo planos mais ambiciosos estavam em preparação. Em 21 de setembro, Reinhard Heydrich convocou os comandantes de todas as unidades SS que estavam na Polônia para uma reunião emergencial em Berlim. Os comandantes que não puderam comparecer receberam um resumo secreto da discussão. O “objetivo final” da política alemã em relação aos judeus deveria, afirmava Heydrich , permanecer “estrita-mente secreto” e somente seria alcançado após “um longo período”. Entretanto, e como pré-requisito desse “objetivo final”, os judeus poloneses deveriam ser reunidos num nú-mero limitado de grandes cidades. Todos os judeus, e em especial aqueles da Polônia ocidental, que deveria ficar “completamente livre de judeus”, seriam deportados para tais grandes cidades. Todas as terras de lavoura pertencentes aos judeus seriam confiscadas e “entregues aos cuidados” de alemães residentes na região ou até de camponeses polo-neses. Uma vez deportados, os judeus ficariam confinados a um bairro e proibidos de circular em outras partes. Em cada cidade, seria criado um conselho formado por anciãos

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judeus que assegurasse o bom cumprimento das ordens alemãs relativas à movimentação dos judeus. Em caso de “sabotagem dessas instruções”, os conselhos deveriam ser amea-çados com “as mais severas represálias”.

O plano de Heydrich para recriar no século XX a concepção medieval de guetos seria simplesmente o primeiro passo em direção àquilo que ele e seus colegas das SS chama-vam de “a solução final da questão judaica”. Esse plano, todavia, não levou à suspensão dos massacres realizados pela força especial, que haviam suscitado protestos por par-te do exército alemão; em 22 de setembro, dia seguinte à conferência organizada por Heydrich, a divisão Brandenburg chegou a Wloclawek, onde iniciou uma “ação judaica” que se prolongou por quatro dias. As lojas dos judeus foram saqueadas, as sinagogas, destruídas com explosivos, e dezenas de elementos dessa comunidade, capturados e mortos. Ainda com a “ação” em curso, Eicke ordenou que seu comandante enviasse dois batalhões para Bydgoszcz, onde seria levada a cabo uma nova “ação” contra intelectu-ais poloneses e dirigentes do município. Como resultado dessas instruções, oitocentos poloneses foram fuzilados em 23 e 24 de setembro, menos de três semanas depois dos primeiros massacres na cidade.

O primeiro dia dessa nova matança em Bydgoszcz era também a data mais santa do calendário judaico, o Dia da Reconciliação. Para mostrarem seu desprezo pelos judeus e pelos poloneses, as autoridades alemãs de Piotrkow mandaram que milhares de prisio-neiros de guerra poloneses, entre os quais se contavam muitos judeus, entrassem na sala principal da escola religiosa judaica e, vedando-lhes o acesso aos banheiros, obrigaram--nos a fazer ali mesmo suas necessidades. Deram-lhes, depois, xales de oração, as cortinas da Arca da Aliança e os resguardos ricamente bordados dos rolos da lei judaica e manda-ram que limpassem os excrementos com esses objetos sagrados.

No mesmo dia dessa ordem repugnante e pueril, outra, transmitida a partir de Berlim a todos os navios de guerra alemães, intensificou a guerra no mar: era um decreto do al-mirantado ditando que todos os navios mercantes britânicos ou franceses que usassem o rádio após serem detidos por um submarino alemão fossem afundados ou aprisionados.

As tropas alemãs e soviéticas encontravam-se ao longo de toda a linha de demarca-ção fixada um mês antes por Ribbentrop e Molotov . Na cidade de Varsóvia, na vila de Modlin e na península de Hei, próxima a Danzigue, os poloneses ainda se recusavam a render-se. “O bombardeamento implacável continua”, anotou um oficial polonês em seu diário em 25 de setembro. “Até agora as ameaças alemãs não surtiram efeito. O povo de Varsóvia orgulha-se por não se intimidar.” Os habitantes da cidade estavam à beira da inanição. “Assisti hoje a uma cena reveladora”, acrescentava o oficial. “Um cavalo foi atingido por uma bomba e caiu na rua. Quando, uma hora mais tarde, passei pelo mesmo lugar, restava apenas o esqueleto. A carne fora arrancada pelas pessoas que viviam nas imediações.”

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Em 25 de setembro, os alemães lançaram a operação Litoral, um ataque aéreo a Varsó-via utilizando quatrocentos bombardeiros regulares e de mergulho e aviões de ataque ao solo, apoiados por trinta trimotores para transporte. Esses, ao lançar um total de 72 tone-ladas de bombas incendiárias sobre a capital polonesa, originaram incêndios de grande extensão, terríveis devastações e elevado número de perdas humanas. A mulher de um oficial polonês, Jadwiga Sosnkowska , que mais tarde fugiu para o Ocidente, recordou, um ano depois, “aquela noite horrível” em que procurara ajudar num dos hospitais da cidade. “Na mesa de operações que eu auxiliava, as tragédias se apresentavam uma após a outra. Uma das vítimas foi uma moça de 16 anos, com uma esplêndida cabeleira dourada, o rosto delicado como uma flor e lindos olhos azul-safira cheios de lágrimas. Suas pernas eram, até os joelhos, uma massa sangrenta em que não se conseguia distinguir carne e osso; ambas precisaram ser amputadas acima do joelho. Antes que o cirurgião começasse a operação, inclinei-me para aquela criança inocente para dar-lhe um beijo na testa, para pousar minha mão impotente em sua cabeça dourada. Morreu tranquilamente na manhã seguinte, como uma flor colhida por mão impiedosa.”

Na mesma noite, lembrou Jadwiga Sosnkowska , “morreu na mesma mesa de opera-ções, nas mãos do cirurgião, uma jovem futura mãe, de 19 anos, que tivera os intestinos dilacerados pela explosão de uma bomba. Estava a poucos dias do parto. Nunca soube-mos quem eram seu marido e sua família e enterramos a mulher desconhecida numa vala comum, com os soldados mortos em combate”.

Os habitantes de Varsóvia chegavam ao fim de sua resistência. Nem mesmo a deter-minação de 140 mil soldados podia fazer com que aguentassem por muito mais tempo. Circulavam boatos fantasiosos, o último refúgio dos desesperados. Alguns diziam que um general polonês estava a caminho, desde o leste do país, liderando tropas soviéticas. Outros afirmavam que viram aviões soviéticos, com a foice e o martelo, combatendo, aci-ma da cidade, a aviação alemã. Na realidade, a insígnia que distingue os aviões soviéticos não é a foice e o martelo, mas uma estrela vermelha com cinco pontas. Esse pormenor era, todavia, irrelevante, diante da difusão dos boatos de auxílio iminente.

Mas não era auxílio, e sim uma ofensiva redobrada, o que estava para chegar. Na manhã de 26 de setembro, o general Brauchitsch mandou que o 8º exército alemão avançasse. Nessa noite, o comandante da guarnição polonesa pediu uma trégua, mas Brauchitsch recusou: só aceitaria a rendição total. A cidade continuou a lutar. Nesse dia, em Berlim, numa reunião cercada pelo maior sigilo, cientistas alemães debatiam como aproveitar a energia proveniente da fissão nuclear e, para eles, era evidente que seria possível obter uma força explosiva considerável. Precisaria ser fabricado um “queimador de urânio”. Precisariam ser destiladas quantidades consideráveis de água, o que implicaria despesas vultosas. Entusiasmado com a perspectiva de uma arma de potência decisiva, o Ministério

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da Guerra alemão resolveu patrocinar as necessárias e complexas experiências: estariam ao dispor dos cientistas todos os fundos necessários.

Às 14h de 27 de setembro, Varsóvia rendeu-se: 140 mil soldados poloneses, mais de 36 mil deles estavam feridos e foram capturados. Nos três dias seguintes, os alemães sequer tentaram entrar na cidade. “Eles têm medo”, escreveu em seu diário um oficial polonês, “de mandar os soldados entrar numa cidade que não tem água nem luz e que está cheia de doentes, de feridos e de mortos”.

Centenas de militares e de civis feridos, que poderiam ter sido salvos com assistência médica, morreram, mas não estava nos planos alemães prestar auxílio aos poloneses; no dia da rendição de Varsóvia, Heydrich pôde escrever num relatório, com evidente satisfação: “das classes superiores polonesas, nos territórios ocupados, está presente, no máximo, três por cento.” Uma vez mais, as palavras camuflavam a realidade: “presente” significava “vivo”. Milhares – considerou-se até dezenas de milhares – de professores, médicos, padres, proprietários rurais, homens de negócios e cidadãos notáveis haviam sido capturados e mortos. Os nomes de alguns lugares onde eles foram presos, torturados e mortos se transformariam em sinônimos de morte e de tortura: Stutthof, próximo a Danzigue; o campo de Smukala, próximo de Bydgoszcz; a fábrica de lubrificantes de To-run, o Forte VII de Poznan e o campo de Soldau, na Prússia Oriental. Numa diocese no oeste da Polônia, dois terços entre os 690 padres foram presos, tendo sido 214 fuzilados imediatamente. A Polônia convertera-se na primeira vítima de uma nova barbárie dentro da guerra: a luta desigual entre os vencedores militares e os prisioneiros civis.

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