trebilhadouro - memórias de um lugar final
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Alexandre Rodrigues
Dezembro de 2012
1. Introdução .................................................................................................................................................................................. 4
2. De um nome um lugar e um espaço .................................................................................................................................. 5
3. O Trebilhadouro como um lugar de vivências ................................................................................................................. 10
3.1. A casa do ti Felgueira ........................................................................................................................................................ 13
3.2. A casa do Lopes .................................................................................................................................................................. 15
4. Algumas memórias da dona Derminda ............................................................................................................................ 17
4. Bibliografia ............................................................................................................................................................................... 27
Procuramos conhecer um espaço onde, em tempos, viveram pessoas. Um espaço
onde agora estão e para onde virão pessoas, mas são e serão diferentes das que
antes aí estiveram.
Esta noção da vida irrepetível é um dos fundamentos do que nos moveu. Não é
possível guardar tudo, registar tudo, muito menos é possível fazer parar o tempo,
ou regredi-lo, e assim lhe ganharmos tempo para observarmos o que nos escapa.
Partimos à procura do que fez da aldeia o que ela foi e é. Das pessoas. Foi uma
aldeia perdida, porque aqueles que a habitavam dela se perderam. E continuará a
sê-lo, porque aqueles que agora a tomam, não são os mesmos que a deixaram.
Trebilhadouro… além do estranho nome, quem te calcorreou os caminhos? Que
te cantarolavam nas noites de verão? Que amores ocultaste? Que filhos viste nascer?
Que trabalhos lhes deste?
Procuramos aqui misturar o tempo, a história, o sítio e as suas memórias, e para
isso contamos com o precioso auxílio da dona Derminda, uma das últimas pessoas a
habitar o lugar.
Trebilhadouro...
Este nome polissilábico é um mistério. Decomposto num trissílabo sugere-nos um
tesouro de ouro escondido em três bilhas, três-bilhas-d'ouro1, facilmente ligado à
tradicional mitologia dos encantamentos proferidos pelas princesas mouras, como
se sereias terrestres fossem, desafiantes do olhar que crê ver o que de facto não
existe, miragem de uma súbita abundância perante os dias difíceis e duros,
desafiantes entre o bem e o mal. Mas desta história não lhe encontramos rasto, ter-
se-á perdido da memória, poder-se-á encontrar a sua narração um dia,
inesperadamente...
Mas serão todos os tesouros de ouro? Metálicos? Materiais? Nem sempre. E qual
o motivo das bilhas serem três e não duas ou quatro? Não se sabe. Na verdade os
tesouros, esses das mouras, estão quase sempre ligados à origem dos tempos, à
fundação de tudo o que é precioso para uma comunidade, remonta às épocas em
que tudo se transmitia verbalmente de geração em geração como a maior riqueza
que um homem poderia ter... o seu espaço familiar, o seu território e a sua
identidade.
As arqueologias tendem a ligar o nome àquilo que antecede o lugar tal como o
conhecemos, alargando o nome a uma região como se a sua deslocação tivesse
ocorrido, ou se referisse mesmo a uma área mais vasta que o próprio lugar.
As três bilhas d'ouro são o pretexto para um olhar mais atento e passar do
topónimo principal aos nomes que pontilham esse espaço. Destacam os Muros e a
Sobidade ou Sovidade. Mais uma vez a arqueologia demarca estes e os relaciona
com materialidades antecessoras do sítio moderno.
Os muros porque lhe associa construções tão remotas que a sedimentação
natural ocultou ou as deixa, a espaços, ligeiramente reveladas, fossem casas, meros
muros ou mesmo muralhas. Os muros que remontam à memória de um local
habitado de forma permanente ou temporária, erguido pela vontade de uma
comunidade.
A Sobidade ou Sovidade sussurra-nos o mesmo mas com a diferença da
monumentalidade, algo maior que o comum, importante, dada a sua relação com a
cividade, local de permanência, a cidade antiga... o território-comunidade, embora
nada exista que revele uma cividade, o oppidum ou castrum fundador de
Trebilhadouro, e talvez nunca tenha existido.
Em Trebilhadouro encontramos esta feliz combinação de nomes “pequenos”. É
1 Esta referência é uma memória pessoal ainda presente. Trata-se de uma pergunta feita por um neto ao avô
perante tão estranho nome. Em resposta veio a referência às três bilhas de ouro, o que parece ser comum na
própria freguesia de Rôge, como refere o sítio na internet da sua Junta de Freguesia onde se lê: “Topónimo de
um lugar hoje extinto, diz a tradição que o nome deriva da existência no local de um tesouro, formado por três
bilhas de ouro.” (Rôge, 2005).
natural esta gradação de importância e visibilidade dos nomes, uma vez que o lugar,
tal como agora é, tornou-se o centro dominante daquele território dando-lhe o
nome. Mas torna-se evidente a importância do que os nomes menores parecem
revelar. Talvez o ponto central não fosse aquele num passado tão longínquo de que
agora não há memória a não ser a da geologia ou orografia.
Tudo o que daqui se sabe é da existência de um sepulcro neolítico próximo de
Muros e um conjunto de estranhos símbolos gravados no granito no sítio da
Sobidade. O que se sabe é que a depressão central existente na sepultura neolítica
corresponde, sem qualquer dúvida, às práticas medievais e modernas de aí se
procurarem tesouros, de se dar azo à curiosidade e à imaginação do inexplicável. O
que se sabe é que aqueles símbolos gravados no granito são pouco mais recentes
que o túmulo e cuja inacessibilidade linguística permite criar mitos e fantasias que
geralmente resultam nas histórias das princesas mouras com os seus potes de ouro.
O que se sabe é que, em ambos os casos, nesses tempos remotos já haviam
pessoas que habitavam a região.
Embora seja discutível, por esta via atribuímos as três bilhas de ouro às evidências
desse passado, materializado numa qualquer lenda perdida e da qual apenas restou
essa referência, à semelhança do que sucede em inúmeros locais onde o imaginário
popular determina tesouros ocultos e misteriosos.
Das recolhas efetuadas pelo Museu Municipal, encontramos algumas histórias
desse género ocorridas nas proximidades de Trebillhadouro, mais propriamente em
Fuste. Um delas refere que no “lameiro do Vale da Coelha, umas crianças
encontraram uma panelinha de barro cheia de carvões” e foram contar aos pais.
Quando voltaram já não encontraram a panelinha porque foi levada por uma cheia,
apesar de ser um dia de verão.
Outra conta que junto ao lugar da Penedia, em Fuste, no tempo dos mouros,
existia uma estrada debaixo do chão por onde levavam os burros beber ao rio.
Também, nos matos da Costa, outras crianças, encontraram duas escudelas
sobrepostas que desapareceram enquanto foram a casa contar o sucedido. O
mesmo aconteceu com a senhora que aí se penteava com um pente de ouro e
quando voltaram já lá não estava.
Finalmente, um pobreiro2 de gado encontrou uma aluvião de ouro para os lados
do Bolhal dos Regedos. De tão pesado que era não o conseguiu levar sem ajuda
pelo que, ao regressar, já nada encontrou.
Sejam princesas mouras, mouros ou meros objetos, estas lendas sugerem sempre
a ilusão do tesouro que, visto uma única vez, é impossível de alcançar sem que seja
naquele momento ou não se transforme em carvão ou terra, conferindo-lhe assim
contornos míticos e superiores ao próprio ser humano.
2 O mesmo que pobre (Oliveira, 1965, p. 161).
Esta perspetiva é apenas uma faceta da origem do nome e da história de
Trebilhadouro. Pelo menos outra existe que talvez seja mais simples, menos
misteriosa e liga à própria vivência mais recente da aldeia.
Seguimos para o efeito a pista deixada por Patrícia Carvalhinhos (Carvalhinhos,
2003) que classifica Trebilhadouro como um sociotopónimo ligado às medidas
agrícolas, trocas monetárias e pagamento de taxas. Diz a autora que Trebilhadouro
poderá derivar de trebelho (Carvalhinhos, 2003, p. 178) nome pelo qual se designava
o foro, direitura, ou certa pensão, que pagavam os que vendiam vinho aquartilhado,
ou por miudo, que ordinariamente estava, ou era conduzido em odres (Trebolias).
Também de disseram Trebelhos, os vasos pequenos. As peças do jogo de xadrez, ou
de outro qualquer jogo, como damas, tábulas, etc. Também se chamou antigamente
trebelho, o brinco, jogo, desenfado (Viterbo, 1865a, p. 258).
Quanto às trebolias (terbolhas, trebolas ou embolhas) diz Viterbo que são bottas
de vinho, muito maiores que odres, feitas de couro, cada uma das quaes carregava
uma bêsta cavallar, ou muar, e outras havia, que levavam tres quartos de uma pipa,
e só em carro podiam ser conduzidas. “Os Relegueiros nom queriam se vendesse
vinho em tonel, nem em taalha, se lhe ante nom desse algo: e que o aviam de vender
nos odres, ou nas embolhas” in Capítulos Especiais de Santarém. No foral, que El-Rei
D. Affonso Henriques deo a Barcellos, se determina, como o senhor desta terra pôde
usar bêstas, e cavalgaduras dos seus moradores, acautelando porém, que “Non
aprehendat eis suas terbolias, nec suam liteiram, sine grato suo.” Livro dos Foraes
Velhos. Em um Doc. De Pendorada de 1309 se diz: “Suatis omnes utres, et trebolhas,
tam Fratrum, quam Cellarii”. Daqui se vê, que o Convento tinha a sua adêga
separada da do Cellareiro, pertencendo a deste à meza abbacial. E logo no de 1320 se
acha outro documento, em que se lê: “Cozerdes vos os odres, e as trebolas do
Mosteiro, e dos Frades, tambem vos, como vosso filho, se for capateiro.” (Viterbo,
1865a, p. 279).
Assim o nome encaixa perfeitamente nas práticas rurais não muito distantes. Mas
seria Trebilhadouro um ponto de passagem, um centro cobrador de foros sobre o
vinho? Esta questão remete-nos a Porto Novo.
Joaquim de Santa Rosa de Viterbo relaciona os portos e as portelas a locais de
passagem entre terras, que naturalmente se demarquem sejam por se tratar de
gargantas de montes ou cerros (Viterbo, 1865b, p. 156). À menção de “Porto Novo”
(passagem nova), em princípio, poderá corresponder a existência de uma passagem
mais antiga, tanto mais que ainda vive a memória do caminho percorrido pelos
mercadores que do lado de Arouca se deslocavam em direção a sul, negociando de
lugar em lugar as suas mercadorias, inclusivamente vinho em odres.
Neste enquadramento sugerir que Trebilhadouro poderá ter sido esse porto
antigo terá algum fundamento, tanto mais que se trata de um lugar antigo, já
pagador de renda pelo fruto da Leira da Igreja aquando da elaboração do Tombo
de Rôge em 1716 (Pinho, 2008).
Coube a João Tavares, designado Cabeça de propriedade, a reunião de dois
alqueires de milho medidos pelas medidas velhas e costumadas, bom, limpo e seco,
que por alturas do S. Miguel de Setembro deveria entregar ao Prior da Igreja de
Rôge como pagamento do direito de senhorio que essa Igreja detinha sobre a
porção de terra (Pinho, 2008).
Não que João Tavares fosse o proprietário da totalidade da Leira da Igreja, mas
por determinação do reconhecimento de 26 de Setembro de 1716 que consta no
Tombo das propriedades, foros e direitos da Parochial Igreja do Salvador de Rôge.
Essa propriedade era dividida com Manoel Borges d'Almeida, também de
Tribilhadouro, que deveria entregar posteriormente a sua parte da renda, um
alqueire de milho, a João Tavares oito dias antes do São Miguel (Pinho, 2008).
No entanto, esta propriedade era um enclave da Igreja Paroquial de Rôge nos
domínios da Capella da Quinta da Torre de Sandiaens, que detinha o domínio da
Povoa de Tribilhadouro, na altura administrada por Francisca de Vasconcellos. Assim
sendo, toda a aldeia de Trebilhadouro era foreira da Capela da Quinta da Torre de
Sandiães, havendo uma propriedade, que de antiga data, pagava o respetivo
domínio à Igreja de Rôge (Pinho, 2008).
De resto, até ao momento, não encontramos outro documento que se referisse
com tal detalhe ao lugar de Trebilhadouro, restando os diversos inquéritos,
promptuários, numeramentos e roteiros3 que referem o lugar como pertença da
freguesia de Rôge e não mais que isso (Amorim, 2006).
Sendo certo que Rôge, como freguesia, já se documenta desde 1209,
desconhece-se a data de fundação do lugar de Trebilhadouro, assim como a
inexistência de um catálogo de documentação medieval do concelho não permite
atribuir a mais antiga referência ao lugar.
Poderemos deduzir, pelo vulgarmente conhecido Tombo da Freguesia de Rôge,
que a sua existência o antecede, em muito, não só pelo tipo de contratos de
arrendamento que aí se confirmam, como pelo apelo do prior dessa igreja onde
frisa a antiguidade da propriedade da Leira da Igreja, dizendo que esta dicta
propriedade era de sua Igreja desde muita [antigui digo muita] antiguidade (Pinho,
2008) .
Em todo o caso a precedência medieval de uma póvoa de Tribilhadouro não nos
parece garantida. Não existe documentação que suporte e não se encontra alguma
referência no Foral de Cambra de 1514 (Vale de Cambra, 2004). Seja como for, como
já referimos atrás, a toponímia indicia-nos pré-existências que terão levada à
fundação do lugar, senão mais, entre 1514 e 1716.
3 A saber, alguns exemplos, Memória Paroquial de Rôge, vol. 32, n.º 141, p. 849; Amorim, I. (1994) - Descrição da
Comarca da Feira - 1801, pelo Desembargador, Corregedor Columbano Pinto Ribeiro de Castro. Porto. Revista da
Faculdade de Letras - História, II - 11, p. 227-285; Pinho, Â. A. S. (2005) - Terras de Cambra: traços do passado,
imagens presentes, Vale de Cambra: Câmara Municipal de Vale de Cambra; Promptuário das terras de Portugal
(1689), entre outros.
A vivência da aldeia não fugiria muito ao padrão da época da prática agrícola e
pecuária de subsistência sujeita ao pagamento de rendas e foros que, neste caso
sendo sujeita à jurisdição eclesiástica, se exercia de uma forma apertada. Segundo a
Memória Paroquial de 1758 (Pinho, 2005) os frutos da freguesia eram o vinho, milho,
centeio e feijão, sendo a sua produção semelhante.
A meio da encosta da serra de Trebilhadouro, sensivelmente virado a sul,
encontramos um casario quase envergonhado pela sua simplicidade, semioculto.
Assim visto ao longe se parece o Trebilhadouro, descortinado pelos telhados sujos e
algumas cinzentas fachadas que despontam da imensidão verde que o envolve.
Pelas suas condições naturais a aldeia de Trebilhadouro aproxima-se da tipologia
de povoado concentrado de montanha (Antunes et al., 1988) sujeito a um local
central, neste caso Fuste e Rôge, onde se concentram os serviços essenciais e a
Igreja. Como já referimos atrás, a subsistência provém do trabalho agrícola e da
criação de gado, recorrendo aos campos excelentemente irrigados pela serra de
Trebilhadouro e que proporcionam uma predominância da cultura do milho e
centeio (Ribeiro, 1945).
Podemos definir os diferentes níveis de ocupação do espaço da aldeia, sendo
esse um padrão comum a praticamente todas as áreas rurais do concelho. Com a
fundação das povoações sensivelmente a meia encosta, a parte superior,
correspondente à serra, apresenta-se como uma área de recolha de combustíveis
que alimentam as lareiras no Inverno e, por consequência, até há poucos anos eram
fundamentais para confeção dos alimentos. É também daí que provem grande parte
da água de uso doméstico, assim como aquela que alimenta os regadios de média
eficácia e valorizados pela existência de reservatórios de água a que se dão o nome
de presas.
A esta segue-se área habitacional, onde se erguem as estruturas de habitação, de
armazenamento, processamento dos produtos agrícolas e de convívio. É também o
espaço familiar e da intimidade, do descanso e do convívio social. As formas
construtivas são pouco diversificadas, limitando-se à casa, ao curral, às eiras e aos
espigueiros que assumem formas e dimensões diversas dentro do programa da
arquitetura popular portuguesa (Antunes et al., 1988).
Na sua estrutura primogénita encontramos um espaço central cujo elemento
marcante é a fonte e a sua presa, tendo em seu redor as casas. Estas, salvo uma ou
outra exceção, alinham-se com o caminho, a partir do qual se lhes faz o acesso
direto ou através de um terreiro que se lhes interpõe. Os materiais de construção
predominantes são a pedra e a madeira, sendo o tijolo e cimento adições bem
recentes.
Por fim, tirando as hortas aqui e ali entre as casas, surge o espaço do trabalho em
campos roubados aos matos, devidamente arroteados, construídos sobre socalcos
cuja altura a orografia do terreno determina. É também este um espaço de convívio,
talvez mais social, que pode mesmo até ser mais informal, mas cuja função é a de
manter o ânimo face ao cansaço.
O lugar é atravessado, de norte para sul por um só caminho, em cuja
extremidade abraça a casa que fora do ti Felgueira (Zé Carlos) e a casa do Lagar
formando o largo da Clareira4. Este eixo configura-lhe o desenho, serpenteante
trajeto entre a casa onde morava a dona Leopoldina, a fonte e o largo da Clareira.
Os elementos arquitetónicos são os que tipicamente ocupam as nossas áreas
rurais, recorrendo aos recursos à mão para se erguem grossas paredes de granito,
criando grandes volumes exteriores e acanhando o espaço útil de uso.
Paredes altas, rasgadas por janelas e portas, molduradas pelo mesmo granito
cortado à medida, evidenciando-as, quebrando a monotonia da fachada onde
timidamente se abrem também postigos e se adoçam escadarias. Paredes são
espessas, ocultando a vida privada, íntima, e permitem os confortos de uma refeição
quente, do pão acabado de sair do forno, do serão no borralho, do sono que
descansa.
Trebilhadouro é uma aldeia que nem uma dezena de habitações tem. E nessas,
nos dois pisos costumeiros, dividem-se as vidas do gado e dos homens. Aos pés dos
homens, das mulheres e das crianças, nos currais, habitavam vacas, cabras e
ovelhas, nas lojas faziam-se alquimias com as uvas, transformando-as em vinho,
preservavam-se cereais que se convertiam no pão de cada dia, guardavam-se as
alfaias que rasgavam a terra fértil.
As suas casas, anexos, palheiros, eiras e espigueiros que se conhecem, de sul para
norte, denominam-se por: casa do ti Felgueira (1), casa do Lagar (2), casa do Lopes
(3), casa da Eira (do Lopes) (4), palheiros do Lopes (que foram, em tempos, a casa
da dona Margarida) (5), casa da dona Derminda (6), casa do António do Lexandre
(7), casa da dona Rosalina (8), espigueiro e eira da dona Derminda (9), espigueiro do
António do Lexandre (10), palheiros e currais do António do Lexandre (11a), palheiros
e currais da dona Derminda (11b), casa do Joaquim do Lexandre (11c) e a casa da
dona Leopoldina (12).
4 Atualmente encontra-se no local uma placa com a indicação de “Largo da Paragem”.
Figura 1 - Esquema da aldeia de Trebilhadouro, com a identificação das casas e principal toponímia.
Era este o espaço onde outrora entoavam as cantarolas que se ouviam até do
lado de lá do Caima. Na Fonte, era como se encantamentos enviassem, chamando
os namorados, tal e qual as mouras encantadas das lendas.
"Oh que lindo chapéu branco, naquela cabeça vai
Oh que lindo rapazito, queres ser genro do meu pai?".
Nas eiras e nas casas, no início do outono, quando se pressentia a desfolhada era
grande a azáfama. Era o silêncio das letras marcadas no papel das cartas que
cantarolavam aos rapazes… “Tal dia temos uma desfolhada, se vocês quiser vir…”
Mas havia que fazer chegar a carta ao destino para garantir a presença.
Combinavam-se fugidas a Porto Novo ou a Fuste, interrompendo a guarda do
gado, sem que os pais dessem conta, alguém acorria ao posto de correio.
Fossem os dias todos esquecidos das dificuldades. Havia fome, pobreza. Os
rapazes saíam para trabalhar à jorna e as raparigas garantiam os afazeres dos
campos e do gado. Não que ao todo fossem muitos, cinco raparigas e três rapazes,
como se uma família fosse.
Quantas vezes os caminhos de Trebilhadouro ouviram o choro dos meninos de
servir quando, vindos passar o fim de semana a casa, se agarravam ao colo dos pais
para não voltarem? Quantas saudades e tristezas de mães e pais as paredes das
casas ocultaram?
À parte as tristezas haviam tempos de folia. As romarias às quais era obrigatório
ir, à feira dos 9, os serandeiros do Carnaval. Vestiam-se com roupas velhas,
mascaravam-se com máscaras de papel feitas das suas próprias artes. E os
namorados que em Porto Novo desafiavam o rapaz que guardava as raparigas. E os
namorados, atrevidos, que queriam levantar a máscara das moças, arriscando-se a
levar uma paulada do forte cajado do guardador das moças.
Mais espantoso ainda era a forma de alumiar. Não havia petróleo e a vinda dos
resineiros imediatamente colocava todos em alerta. As moças iam logo apanhar os
restos de resina que serviam de vela e dar luz ao breu… Mas essa luz era tremenda
para sujar a renda que ao serão se fazia, mas suficiente para aquecer a alma e,
baixinho, se sussurrarem uns versos, se escrever uma carta ou ler a resposta. Era
suficiente, também, para maçar o leite e fazer a preciosa manteiga.
Até que um dia já nem os sussurros na noite se ouviam. As cantarolas guardadas
no peito de quem deixa a casa em busca de algo melhor.
Assim foi Trebilhadouro… Ficaram as casas…
Trata-se de uma casa parcialmente recuperada, com terreiro exterior murado,
separando a construção do caminho. Este é um dos raros casos em que as portas
não se orientam no sentido Nordeste uma vez que a sua posição no terreno, virada
a Sul, beneficia de um conjunto de elementos orográficos que aí a protegem do
clima.
Apresenta um telhado de duas águas, com telha moderna assente num esqueleto
de madeira. O corpo é constituído por blocos de pedra granítica, com aparelho
irregular e de dimensão variável.
De dois pisos, na fachada principal encontramos a escadaria de acesso ao piso
superior, constituída por um único lanço que dá acesso a um alpendre que abriga a
porta de entrada. Nesta fachada (Sul) encontramos uma única janela, outra na
fachada virada a Oeste e outra, mais pequena, na fachada virada a Norte e que
possui gradeamento.
No piso inferior, na fachada principal encontra-se, mesmo por baixo do alpendre,
uma porta de entrada para as lojas e à esquerda desta outra, mais larga. Na
extremidade dessa fachada existe uma pequena construção que se supõe ser uma
antiga latrina.
Sem nunca comprometer a traça original, a reconstrução introduziu elementos
modernos como por exemplo candeeiros exteriores elétricos, lajeamento do terreiro
e a construção de uma churrasqueira.
Anexa a esta casa encontra-se um módulo que não está reconstruído e cujo grau
de degradação não permite uma descrição cabal. Além disso, por se encontrar
fechada, não foi possível proceder a uma descrição da planta interior.
Fotografia 1 - Casa do Ti Felgueira no largo da Clareira.
Fotografia 2 - Fachada posterior.
Fotografia 3 - Fachada lateral, virada ao caminho
de baixo.
Trata-se de uma casa cuja característica principal é a existência de um portal que
dá acesso a um pequeno terreiro que serve as entradas da casa. Em termos
arquitetónicos o portal não apresenta qualquer característica de embelezamento, a
não ser na qualidade da pedra empregue e que recebeu trabalho de cantaria, sendo
esse o único elemento a destacar.
Após o acesso ao pátio, encontra-se logo em frente a porta de entrada para a
cozinha onde ainda se encontra o forno de lenha. Ainda antes desta porta, ao
entrarmos no terreiro, encontramos do lado direito, um bloco granítico vertical, de
boa cantaria, que marca o início de um alpendre cujo acesso se faz por um lanço de
dois degraus que se encontram imediatamente ao lado da porta que dá acesso à
cozinha. Nesse alpendre encontramos uma porta que permite o acesso à área que
seria destinada à sala. O emolduramento dessa porta, pela qualidade da pedra
empregue, assim como a sua posição mais elevada que a da cozinha, sugere isso
mesmo assim como outros elementos interiores como é o caso da existência de
banquinhos nas janelas (duas janelas e um postigo) e das paredes se encontrarem
caiadas. No seu interior, na divisão que seria a sala, ainda se observa o travejamento
do soalho e do teto. De facto é apenas neste espaço que a casa possui dois pisos,
ficando a loja por baixo da sala.
Na larga cozinha verificamos novamente a elevação da divisão que
corresponderia à sala uma vez que o acesso da cozinha para a sala obrigava à
subida de um lanço de escada que, neste momento não se observa. Como já
referimos, a cozinha dispõe ainda do forno tendo à sua direita dois bancos de pedra
que fazem esquina. Não encontramos vestígios da localização de uma eventual
lareira, mas o mais certo é localiza-se na zona do forno e dos bancos, podendo
mesmo ser desprovida de chaminé. Possuí janela, no lado oposto ao forno, virada
para o caminho.
A cozinha dá acesso a uma outra divisão que poderia corresponder a um quarto,
cujas dimensões são razoáveis e possui uma pequena janela, gradeada, virada para
o caminho.
Fotografia 4 - Fachada principal da casa do Lopes.
Fotografia 5 - Fachada oeste, virada ao caminho.
Fotografia 6 - Vista superior e do interior da casa.
# FICHEIRO 01
# Generated by TranscriberAG
# Nombre de Pistes : 1
# Durée :00:09:10,187
# Nombre de locuteurs : 2
# Langue : pt
[ transcript - Depoimento prestado por Derminda Marques, 75
anos, antiga moradora no lugar de Trebilhadouro (Ficheiro 01) ]
** Rodrigues Alexandre **
- {0} Dona Derminda... Sabe a origem do nome da aldeia de
Trebilhadouro? Sabe de onde é que vem esse nome?
** Marques Derminda **
- {11.771} Sei... Eles diziam que era... a minha bisavó,
que mal conheci porque era pequenina... Ela tinha família aqui
e tinha família fora e depois aqui acho que tinham poucos
casais, acho que eram dois, e começaram a dizer "vamos para
Trebilhadouro". Casaram-se e vieram para aqui os meus bisavôs
da parte da minha mãe. Vieram para aqui e tinham dois
casaizinhos pequeninos... Diz que era o Trebilhadouro, não sei
do que é que foi recendido... Se foi recendido de alguma coisa
que eles viam, se foram nomes que eles inventaram pela cabeça
deles.
- {56.947} Depois era a minha avó, da banda da minha mãe,
depois ela casou, elas eram quatro irmãs... Casou uma que
ficou, que era a que morava ali naquelas casas, ficaram estes
dois casais, depois elas casaram-se... A minha avó casou-se e
só teve uma filha e a outra irmã teve quatro... Dois, um casal.
Depois ficaram aqui e começaram a ver que não podiam fazer as
terras, diz que eram poucas que não dava, mandaram vir umas
poucas pessoas de fora e puseram aí uns caseiros a fazer... a
cultivar as terras “amais” eles e ficou assim, aqui tudo a
ficar com amizade uns aos outros, criaram-se aqui todos. Depois
não havia luz, não havia telefone, não havia mercearia era
preciso ir a Fuste, mas era um carreirinho... Para ir e vir
aquilo era... Às vezes precisava-se de açúcar ou... Era das
compras para casa, até para o próprio moinho para moer o milho
tinha que se ir a Fuste, lá ao moinho, tem lá moinhos e ainda
hoje tem... Era tudo à cabeça, tudo à cabeça... Casaram-se, a
malta nova não havia emprego não havia nada, andavam por aí a
ganhar para quem podia pagar alguma coisinha para eles ir fazer
alguma coisa, senão a estas, que era a minha avó e era outra, a
irmã, é que tinham mais conforto, davam uma malguinha de caldo
ou o que eles podiam, espetavam-se os porcos só de ano a ano,
não se o senhor sabe...
** Rodrigues Alexandre **
- {155.499} Ah! Sim, sim, a matança do porco...
** Marques Derminda **
- {159.619} ... Era a matança do porco só de ano a ano, era
em novembro, no mês de novembro e que se matava, aquilo era
repartido no que eles podiam, também não podiam repartir tudo
que ficavam sem nada, não é? Depois eles começaram a vir para
cima, não havia nada, eles foram e começaram a sair. Pediam
para ir para aqui e para acolá, a ver se lhes davam alguma
coisa. Outros até andaram a pedir... As mães não tinham e eles
andavam a pedir... Depois já eramos todas moças novas,
namorava-se uns para os outros e vinham aqueles rapazes... e
depois quando eles ficavam a ser maiores, vinham pessoas para
eles irem um mês ou dois, ou os pais ajustavam por meio ano e
eles iam para casa daqueles... Era para Malhundes, para... Até
chegaram a ir para Vale de Cambra... Eu nunca fui, e era só eu
e uma irmã minha... Mas esses iam, elas iam e vinham aos oito
ditas, depois ao cabo de oito dias vinham para casa, mas eram
pequeninas porque chegavam aqui e não queriam sair donde aos
pais... Mas não havia mais nada e os pais mandavam-nas para
receber algum tostão que os patrões lhe davam. E depois foram e
casaram-se, todas as moças se casaram.
- {234.442} Eu fiquei aqui sozinha a mais três e dois
rapazes... Era a Francelina, a Deolinda e a Carminda e a Maria
Rosa... Essas casaram-se cá, e das da Guida da Eira foram para
o Brasil, que era as do Lopes. Aquela família foi para o Brasil
e casaram-se e ficaram lá, mas essas quatro que era uma que se
chamava Maria Rosa, andou muitos anos a servir no padre de
Malhundes... Muitos anos... A outra era a Carminda, que estava
a servir em Cabanelas... Trabalhava nas terras a apanhar erva e
a tratar... Muger vacas e a levar o leite ao posto e fazer o
que era preciso na terra... As daqui nunca mais foram servir...
Essas duas... E a Francelina que a que ainda hoje está viva,
foi para casa da sobrinha, foi a última moradora amais a mãe,
tiveram aqui ainda dois anos ou três sozinhas... Essa está em,
a mãe morreu e ela também já tem oitenta anos, ou setenta e
nove, foi para casa de uma sobrinha em Cavião... E a outra está
em Soutelo, casou... já está viúva... Com a filha. E os moços,
os rapazes, casaram-se ambos os dois em Sandiães, mas já
morreram ambos os dois, e eu fiquei e casei-me e fui para
Fuste. Fui para Fuste e agora sou a única a bem dizer que estou
aqui do lugar, só amais uma, amais as outras já morreram.
- {349.467} E a gente, olhe, juntávamo-nos... Quando
estávamos todas, íamos ali para o Lavadouro, a gente chamava
Lavadouro, à noite...
** Rodrigues Alexandre **
- {357.432} Ali junto à fonte?
** Marques Derminda **
- {358.235} Sim! Ali junto à fonte. Mas os pais da gente
não eram como os de agora. À noite queriam-nos em casa, e a
gente ainda ajuntava-se e ia por aí a fora e dizia "oh
fulana"... Nós íamos ao monte buscar um molho à cabeça, ou de
lenha ou estrume para o gado... "Olha à noite vamos... Pede à
tua mãe que eu peço à minha e vamos para a fonte fazer uma
cantarola..." Chamávamos que era uma cantarola...
** Rodrigues Alexandre **
- {378.763} ... Uma cantarola...
** Marques Derminda **
- {379.496} ... Uma cantarola...
** Rodrigues Alexandre **
- {383.338} E o que é que cantavam, já agora?
** Marques Derminda **
- {383.884} ... Era para os rapazes ouvir...
** Rodrigues Alexandre **
- {384.679} ... Para os rapazes de Fuste?
** Marques Derminda **
- {385.26} Era para onde calhava, até vinham de Vilar!
** Rodrigues Alexandre **
- {387.507} Ai é? E o que é que cantavam? Ora diga-me lá
uma cantarola... Cante lá uma cantarola...
** Marques Derminda **
- {395.179} Eu acho que ainda sei alguma...
** Rodrigues Alexandre **
- {395.844} Mas não precisa... Se não quiser cantar basta
dizer os versos...
** Marques Derminda **
- {399.398} Era assim...
- {400.28} "Oh povo deste lugar, alevantai-vos que é dia /
Mandai fazê-lo café, que a madrugada vai fria...”
"Ao entrar em [não percetível], achei um anel / Com uma letra
grande, viva Manuel" e a gente cantava...”
"Agora é que pinta o bago / agora é que anda o pintor / agora
é que vou falar, deveras, ao meu amor."
"Oh que lindo chapéu branco, naquela cabeça vai / Oh que
lindo rapazito, queres ser genro do meu pai".
Eram muitas...
** Rodrigues Alexandre **
- {428.209} Isto eram as cantarolas para chamar os moços...
** Marques Derminda **
- {430.22} Mas era alto...
** Rodrigues Alexandre **
- {431.352} Certo...
** Marques Derminda **
- {432.043} Quando se cantasse, que fosse aqui, quer fosse
nos outros lugares, que aqui a tradição era assim, eles vinham
sempre um bocadinho à noite, mas os pais deixavam a gente estar
pouco tempo. Quando era no tempo das desfolhadas, “atão” é que
a gente fazia uma cantarola a sério... Mas nós antes, era
assim, faziam uma carta e escrevia para o namorado, se a gente
tivesse confiança nele, olha "tal dia temos uma desfolhada,
vocês se quiser vir..."
** Rodrigues Alexandre **
- {464.382} ... Era uma carta... ou seja, não se falavam...
** Marques Derminda **
- {466.469} Nada, metiam-se no correio por dez tostões...
** Rodrigues Alexandre **
- {471.612} Dez tostões... Onde era o correio?
** Marques Derminda **
- {474.161} Era em Fuste ou em Porto Novo... E a gente ia
lá levá-la, ou a gente combinava uma com a outra e alguma
escapava... sem os pais saberem... Não sabiam das cartas. A
mocidade era bonita naquele tempo... e agora não é assim. Para
ir para a feira combinava-mos todas... "Olha, dia da feira vais
aos nove?", "Vamos! A mais o pai, mais a mãe, vamos todos". O
meu pai... Eu não tive pai, porque eu fiquei na barriga e
quando o meu pai veio do Brasil, que ele emigrou para o Brasil,
eu já tinha 19 anos... Fui criada com os meus avós... E depois
ele veio, mas eu já me tinha casado quando ele veio, e depois o
meu pai era o meu avô...
** Rodrigues Alexandre **
- {530.804} Em que ano é que se casou?
** Marques Derminda **
- {531.332} Em cinquenta e nove... Casei-me com 21... Eu
ainda passei uma mocidadezita, não foi muito, mas inda, inda
passei uma mocidadezita mais ou menos... E agora é assim a
vida...
# FICHEIRO 02
# Generated by TranscriberAG
# Nombre de Pistes : 1
# Durée :00:06:15,281
# Nombre de locuteurs : 2
# Langue : pt
[ transcript - Depoimento prestado por Derminda Marques, 75
anos, antiga moradora no lugar de Trebilhadouro (Ficheiro
02) ]
** Rodrigues Alexandre **
- {0} Vocês juntavam-se ali no Lavadouro, que era junto à
fonte, e juntavam-se noutros sítios?
** Marques Derminda **
- {9.77311} Era, às vezes combinávamos, "Olha, vamos para a
eira, aqui para a frente, vamos para a eira todas. Íamos para a
eira e cantávamos e até dançávamos umas com as outras, porque
eramos sempre cinco, e os rapazes, e eramos um povo mais unido
que agora, e não saíam não é? Não tinham mais por onde sair...
Ao domingo, se combinasse a ir a uma festa, uma Senhora da
Lage, ou se fosse o que nós chamamos uma festa, uma romaria, a
gente combinava todas "Olha vamos?" e lá íamos todas... A
Senhora do Desterro, a Senhora de Sandiães, a Festa de
Macieira...
- {57.652} No dia de Entrudo (em Porto Novo)faziam lá sempre
uma jantarada com a família, e "atão" chamavam as moças...
Combinavam todas e diziam "Vamos ao Entrudo a Porto Novo?". E
mascaravam-se... Punham uma saia das antigas, punham um lenço
dos antigos, um chapéu dos antigos, uma careta, mas era tudo
feito pela gente...
** Rodrigues Alexandre **
- {82.1096} Uma careta... Faziam uma máscara, não era? Eu
já li que eram os Serandeiros... e que faziam uma máscara...
** Marques Derminda **
- {91.2904} Sim... pegavam num papelão e depois... Isto já
tinha sido tudo feito antes... E íamos assim lá todas
enserandeiradas, e levávamos um raminho de alecrim, mas ia um
com um pau... Que era para guardá-las cachopas...
** Rodrigues Alexandre **
- {109.627} Era para quê?
** Marques Derminda **
- {111.082} Para guardá-las, para guardar as cachopas...
porque a gente ia lá e eles, se for preciso...
** Rodrigues Alexandre **
- {120.052} E eram os rapazes daqui... era o que vos ia
guardar?
** Marques Derminda **
- {120.367} Era! Chegavam lá e queriam saber qual era...
Quem... Para a cara da gente e se ele não estivesse, eles
tiravam a careta para ver...
** Rodrigues Alexandre **
- {132.24} Ou seja, se quem guardava estivesse eles não
faziam nada! Levavam com o pau! Se não estivesse eles iam
desvendar quem era...
** Marques Derminda **
- {141.102} Era... deixavam andar a quem era e conheciam
primeiro... Depois aqueles com mais confiança ou isso, deixavam
andar e não se metiam, mas haviam alguns que eram atrevidos...
Queriam tirar e insistiam, mas eles davam...
** Rodrigues Alexandre **
- {150.312} Eles levavam com o pau mesmo...
** Marques Derminda **
- {152.323} Levavam... Era um tempo divertido...
** Rodrigues Alexandre **
- {159.242} E esse guardador, o guardador das meninas,
tinha alguma coisa em especial além do pau, ou só levava o pau
diferente dos outros?
** Marques Derminda **
- {163.376} Era só o pau, mas era um pau grande...
** Rodrigues Alexandre **
- {167.649} E ele era instruído mesmo para vos guardar? E
variava ou era sempre o mesmo?
** Marques Derminda **
- {175.029} Era... e era sempre o mesmo...
** Rodrigues Alexandre **
- {181.299} E vocês sabiam quem era o guardador?
** Marques Derminda **
- {182.458} Sabiamos, sabiamos...
** Rodrigues Alexandre **
- {183.104} E era novo ou era...?
** Marques Derminda **
- {186.4} Era novo... Mais ou menos da (nossa) idade... Era
um tempo alegre, ia-se para o S. Bartolomeu, que era para
Arouca, combinavam todas nas vésperas e lá iam... Ia tudo a
pé... e lá iam...
** Rodrigues Alexandre **
- {200.761} E que caminho é que vocês usavam para ir para
essas zonas? Para a Senhora da Lage e assim?
** Marques Derminda **
- {204.561} Sr.a da Lage, a gente daqui ia por trás da
serra tem um caminho, em Tás dos Muros, Lomba Gorda...
** Rodrigues Alexandre **
- {213.985} Lomba Gorda onde é?
** Marques Derminda **
- {215.363} É lá acima...
** Rodrigues Alexandre **
- {216.526} Já na subida?
** Marques Derminda **
- {217.466} Sim!
** Rodrigues Alexandre **
- {217.564} E cá em baixo entro os Muros e a Lomba Gorda
não havia outro nome?
** Marques Derminda **
- {224.207} Não... ali... Era a Lomba Gorda, os Muros e
depois era os Lajedos...
** Rodrigues Alexandre **
- {228.203} Lajedos a seguir...
** Marques Derminda **
- {230.079} E depois o Vale de Serra e depois era a Quinta
da Barraca. Seixo e Quinta da Barraca e o Chão d'Inteiro
(conversa com a filha)...
** Rodrigues Alexandre **
- {260.628} Eu digo isto porque... Não sabe de antigamente
passarem aqui mulas, carregadores de vinho...
** Marques Derminda **
- {269.048} Passavam... Andava aqui um homezinho a vender
porcos, que a gente comprava os porcos, e andava aqui um
homemzinho a bem dizer com uma égua ou uma mula, trazia uma
mula com duas canastras, uma canastra de cada banda, onde
trazia os porcos para vender, uns leitõezinhos cobertos... e
dizia "Quem quer porcos?" Mas era de passagem, porque passava
da Farrapa e do Chão d'Ave para aqui para Vilar e para Gatão...
Passava sempre a miúde... E quem queria compara comprava e quem
não queria não comprava... Era lá tinha aquele tempo marcado,
de meio em meio ano ou isso... "Eu preciso a tal tempo", a
minha mãe e a minha avó e as outras pessoas diziam "Olha para
tal tempo você passe aqui que a gente..." e o homezinho
passava, a passagezinho dele era aqui, não tinha mais caminho
nenhum desde a Farrapa, Chão d'Ave...
** Rodrigues Alexandre **
- {337.242} E vinha por onde? Porto Novo? (Vinha) Porto
Novo, Trebilhadouro e depois ía para onde?
** Marques Derminda **
- {340.736} Para Fuste, Função, Paço de Mato, Viadal, Vilar
Felgueira...
** Rodrigues Alexandre **
- {352.118} Sabe para onde ele ia depos da Felgueira?
** Marques Derminda **
- {353.945} Da Felgueira ia... Vai para Carvalhal do
Chão... iam por Arões e ligava a S. Pedro do Sul.
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