tratamentos térmicos [2]

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CCET CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E TECNOLOGIA DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA DE MATERIAIS Apostila 3 Processamento de Materiais Metálicos Tópico: Tratamentos Térmicos Prof. Dr. José Eduardo Spinelli

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Page 1: Tratamentos térmicos [2]

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS

CCET – CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E TECNOLOGIA

DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA DE MATERIAIS

Apostila 3

Processamento de Materiais

Metálicos Tópico: Tratamentos Térmicos

Prof. Dr. José Eduardo Spinelli

Page 2: Tratamentos térmicos [2]

Sumário

1. Considerações iniciais ............................................................................................................ 2

2. Diagramas .............................................................................................................................. 3

2.1. Diagrama Ferro-Cementita ..................................................................................................... 3

2.2. Curvas TTT e TRC ................................................................................................................. 3

3. Classificação dos processos ................................................................................................... 5

3.1. Recozimento ................................................................................................................... 5

3.2. Normalização .................................................................................................................. 6

3.3. Têmpera .......................................................................................................................... 7

3.3.1. Temperabilidade ......................................................................................................... 8

3.4. Revenimento ................................................................................................................... 9

3.5. Austêmpera ..................................................................................................................... 9

3.6. Martêmpera ................................................................................................................... 10

3.7. Solubilização e envelhecimento ................................................................................... 11

4. Principais microestruturas dos aços ..................................................................................... 12

5. Questões ............................................................................................................................... 14

Page 3: Tratamentos térmicos [2]

1. Considerações iniciais

Tratamentos térmicos são operações de aquecimento e resfriamento controlados, a fim de

se obter uma determinada microestrutura em um metal. As principais variáveis que influenciam

os tratamentos térmicos são:

Temperatura: A temperatura é um fator primordial que deve ser controlada com base

nas informações de diagramas de fases ou através de curvas TTT (temperatura,

tempo, transformação) e TRC (transformação em resfriamento contínuo).

Tempo: quanto maior for este parâmetro, maior será a certeza de completa dissolução

das fases para posterior transformação, porém quanto maior for o tempo, maior será a

tendência à oxidação do metal e também maior será o tamanho de grão obtido.

Taxa de resfriamento: A taxa de resfriamento é dependente do meio de resfriamento

da peça (água, óleo, banho de sais são alguns exemplos). É um fator essencial a ser

considerado na cinética de transformação das fases e também no surgimento de

defeitos como trincas ou empenamentos.

Atmosfera do forno: este parâmetro será importante para evitar problemas com

relação à oxidação ou descarbonetação, por exemplo. Podem ser usados aquecimento

em banho de sais fundidos ou até mesmo vácuo.

Os principais tratamentos térmicos para os metais são:

Recozimento;

Normalização;

Têmpera / revenimento;

Austêmpera;

Martêmpera;

Solubilização e envelhecimento (exemplo: ligas de Alumínio).

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2. Diagramas

2.1. Diagrama Ferro-Cementita

Os diagramas de fases são ferramentas indispensáveis para se compreender e verificar

quais são as fases de equilíbrio de um material a uma dada temperatura, de acordo com sua

composição química. A figura 1 ilustra o diagrama de fases Ferro-Carbono. Vale ressaltar que

para os aços, muitos de seus tratamentos térmicos envolvem o processo de austenitização (ou

seja, elevação da temperatura até que toda sua estrutura fique austenítica) para posterior

complementação com outro tipo de transformação.

Figura 1 - Diagrama de fases Ferro-Cementita

Apesar disso, sabe-se que na produção industrial do aço, a solidificação e o resfriamento

são muito rápidos para que o equilíbrio termodinâmico seja alcançado. Deve-se então utilizar

outras ferramentas para se prever a microestrutura dos aços a partir da aplicação de diferentes

taxas de resfriamento em diferentes tempos. Esses diagramas estão descritos no próximo

tópico.

2.2. Diagramas TTT e TRC

As curvas TTT são diagramas que identificam a dependência da transformação de fases

em função do tempo e da temperatura, visando a previsão quanto à formação de determinadas

Page 5: Tratamentos térmicos [2]

fases em um material. São utilizadas para a previsão da microestrutura final de um material

após impostas certas condições de processo (figura 2).

Figura 2 - Curva TTT para um aço eutetóide.

A obtenção destas curvas se dá através do levantamento de curvas isotérmicas e cálculo

do tempo para a completa transformação do metal para determinada microestrutura. Ou seja, o

resfriamento neste caso deve ser muito rápido para o levantamento destas curvas para um

posterior passo isotérmico até a completa transformação de fase. Na figura 2, t0 representa o

tempo para início da transformação da austenita, enquanto t1 representa o final da

transformação. Apesar destas curvas serem extremamente úteis em alguns casos, sabe-se que

processos industriais ocorrem majoritariamente por resfriamento contínuo e não

isotermicamente como prevê as curvas TTT. Em vista disso, foram desenvolvidas curvas TRC

(transformação por resfriamento contínuo). Ver exemplo figura 3.

Figura 3 - Curva TRC para um aço eutetóide.

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3. Classificação dos processos

3.1. Recozimento

O recozimento visa reduzir a dureza do aço, aumentar sua usinabilidade, facilitar o

trabalho a frio e controlar o tamanho de grão. Existem basicamente três tipos principais de

recozimento: o subcrítico, o pleno (ou supercrítico) e a esferoidização.

O recozimento para simples alívio de tensões (subcrítico) pode ser utilizado para

qualquer tipo de metal e visa a remoção de tensões internas presentes no material após um

processamento mecânico ou soldagem, por exemplo. Para os aços, este tipo de transformação é

dado abaixo da linha A1 (figura 4), de forma que não há qualquer tipo de transformação de fase

neste tipo de recozimento.

Figura 4 – Esboço de um diagrama de fase Ferro-Carbono. Detalhe para a faixa de temperatura em que se

realiza o recozimento subcrítico.

O recozimento total ou pleno consiste em austenitizar o aço, resfriando-o lentamente a

seguir. A temperatura será influenciada pelo tipo de aço que sofrerá este tratamento, sendo que

os hipoeutetóides são completamente austenitizados, enquanto os hipereutetóides apenas a

ferrita será austenitizada (figura 5). Isso se dá, pois no resfriamento, ao ser atravessada a linha

de transformação de austenita em cementita, esta fase será formada nos contornos de grão da

austenita, fragilizando assim a peça tratada.

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Figura 5 - Diagrama de fase Ferro-Carbono. Detalhe para a faixa de temperatura em que se realiza o

recozimento pleno.

A esferoidização (ou recozimento intercrítico) visa melhorar a conformabilidade a frio

dos aços e melhorar a usinabilidade de aços hipereutetóides e aços ferramenta. O tratamento

consiste na manutenção do aço em uma região próxima e abaixo de sua temperatura A1 (início

da austenitização), de forma que mantendo por períodos suficientes nesta região, irá fazer com

que ocorra o surgimento de carbonetos esferoidizados. Também podem ser aplicados ciclos

acima e abaixo de A1.

3.2. Normalização

A normalização pode ser utilizada para refinamento do tamanho de grão,

homogeneização microestrutural, pré-tratamentos de têmpera, melhoria da usinabilidade e

refino de estruturas brutas de fusão.

Este tratamento consiste na austenitização completa do aço, seguida de resfriamento ao ar

parado ou agitado. A principal diferença deste tipo de tratamento térmico com o recozimento

pleno é a temperatura para aços hipereutetóides (ou seja, neste caso qualquer tipo de aço deve

ser totalmente austenitizado para garantir homogeneização da microestrutura) e a taxa de

resfriamento neste caso ser relativamente maior em comparação com o recozimento. A figura 6

ilustra a faixa de temperatura de operação de um tratamento de normalização.

Page 8: Tratamentos térmicos [2]

Figura 6 - Diagrama de fase Ferro-Carbono. Detalhe para a faixa de temperatura em que se realiza a

normalização.

3.3. Têmpera

Uma das características mais importantes dos aços como materiais de construção

mecânica é a possibilidade de desenvolver ótimas combinações de resistência e tenacidade

(medida pela resistência ao impacto). A estrutura que classicamente permite tais combinações é

a estrutura martensítica revenida.

Este tratamento consiste em resfriar o aço após sua austenitização, a uma velocidade

suficientemente rápida para evitar transformações perlíticas e bainíticas na peça em questão,

obtendo-se uma microestrutura martensítica metaestável.

Figura 7 - Diagrama TTT - em evidência o tratamento de têmpera seguido do revenimento para um

determinado tipo de aço.

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Para o controle da taxa de resfriamento, utilizam-se diversos meios de têmpera, com

diferentes capacidades para extração de calor, ou severidades. Os meios mais comuns são água

(pura, com sais ou adições de polímeros), óleo e ar, mas também podem ser utilizados outros

meios gasosos (argônio, hélio, nitrogênio).

A severidade do resfriamento na têmpera provoca a geração de gradientes de temperatura

entre o centro e a superfície da peça, gerando tensões internas devido a contração do aço

durante o resfriamento e a expansão associada à transformação martensítica. Dependendo da

magnitude destas tensões, podem ocorrer deformação plástica (empenamento), ruptura (trincas

de têmpera) e tensões residuais. Quanto mais severo o meio de resfriamento maior o risco de

ocorrerem trincas e maiores serão suas deformações.

3.3.1. Temperabilidade

O conceito de temperabilidade está associado à capacidade de endurecimento do aço

durante o resfriamento rápido (têmpera), ou seja, sua capacidade em evitar a ocorrência de

transformações difusionais. Pode ser determinada pela taxa de resfriamento crítica, ensaio de

Grossmann e ensaio Jominy. Os principais fatores que afetam a temperabilidade são: elementos

de liga dissolvidos na austenita, tamanho de grão e homogeneidade da austenita. A seguir está

descrito como se dá o ensaio Jominy.

Ensaio Jominy

O ensaio Jominy consiste na utilização de uma barra com dimensões normatizadas,

submetida à austenitização e posteriormente resfriada com um jato de água em condições

padrões. Em seguida mede-se a dureza longitudinalmente ao longo do corpo de prova e

compara-se a “penetração da dureza” para diferentes aços.

Figura 8 - Ilustração de uma barra submetida a um ensaio Jominy

Page 10: Tratamentos térmicos [2]

Figura 9 - Resultado de um ensaio Jominy para aços com diferentes teores de Carbono. Pode-se verificar

que quanto maior o teor deste elemento, maior será a temperabilidade do material.

3.4. Revenimento

A martensita logo após a têmpera é uma microestrutura extremamente dura e frágil, não

sendo possível sua utilização neste estado devido à presença de tensões internas. Para se atingir

níveis adequados de tenacidade e resistência mecânica, após a têmpera é realizado o

revenimento, que consiste em aquecer uniformemente a peça até uma temperatura abaixo

daquela de austenitização, mantendo o aço por tempo suficiente para que haja equalização da

microestrutura e obtenção das propriedades desejadas.

As mudanças nas propriedades dos aços dependem da temperatura e tempo de

revenimento. Geralmente ocorre uma redução brusca da dureza nos primeiros minutos, mas

após algumas horas a dureza mantém-se constante. Assim, após atingido este patamar, caso seja

necessário continuar com o revenimento, será necessário aumentar a temperatura de tratamento

térmico.

3.5. Austêmpera

A austêmpera é um processo de transformação isotérmica para a produção da estrutura

bainítica. O processo, assim como a maioria dos tratamentos térmicos, se inicia através da

austenitização do aço, seguido de um resfriamento rápido até a uma temperatura acima de MI.

Após esta etapa pode-se finalizar o tratamento resfriando a peça ao ar.

O objetivo deste tratamento térmico é obter produtos com alta ductilidade e resistência ao

impacto, sem perda excessiva de dureza. A principal vantagem deste processo com relação à

têmpera convencional é a redução da perda de material por trincas e empenos, bem como

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melhoramento da precisão dimensional. A desvantagem é que este processo só é possível para

uma quantidade limitada de aços.

Figura 10 - Representação esquemática do processo de austêmpera usando como referência uma curva

TTT.

3.6. Martêmpera

A martêmpera é um processo que visa a diminuição do gradiente de temperatura em uma

peça quando esta sofre o processo de têmpera. Neste processo, o resfriamento é interrompido

por alguns instantes a uma temperatura pouco superior a MI (temperatura de inicio da

transformação martensítica), de modo a eliminar ou diminuir os gradientes térmicos presentes,

prosseguindo em seguida com a transformação da estrutura para martensítica.

Este processo, apesar de ter o seu custo maior com relação à têmpera convencional, gera

uma menor quantidade de perdas de peças por trincas e empenamentos.

Figura 11 - Representação esquemática do processo de martêmpera.

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3.7. Solubilização e envelhecimento

O processo de solubilização e envelhecimento, diferentemente dos processos já citados

(cuja aplicação é mais voltada para os aços), possui como principal aplicação as ligas de

Alumínio da série 2XXX, 6XXX e 7XXX.

Este processo consiste na sequencia de operações que deve resultar em uma dispersão

uniforme de precipitados coerentes e de pequeno tamanho em uma matriz macia e dúctil. A

principal vantagem da precipitação é aumentar o limite de escoamento de muitos materiais

metálicos por tratamentos térmicos e sem alterar a massa específica. Dessa forma, a razão

limite de escoamento / massa específica de uma liga pode ser aumentada usando este processo.

Para que o endurecimento por precipitação seja possível, é necessário que uma segunda

fase seja solúvel em temperaturas elevadas e que diminua esta solubilidade com o decréscimo

da temperatura (ou seja, é necessário verificar o diagrama de fases da liga correspondente).

Além disso, o material deve suportar um resfriamento rápido sem empenar ou trincar.

Inicialmente deve-se elevar a temperatura do material até uma temperatura acima da linha

Solvus do diagrama de fases da liga, de forma que os precipitados sejam completamente

dissolvidos. Após esta etapa, submete-se o material a um resfriamento rápido denominado

têmpera, causando assim a produção de uma microestrutura metaestável, já que a partir deste

resfriamento os precipitados continuam dissolvidos.

A etapa final é denominada precipitação ou envelhecimento. A principal diferença entre

estes processos se dá pela temperatura em que ocorre o processo de nucleação dos precipitados.

A precipitação consiste na elevação da temperatura acima da ambiente para diminuir os tempos

de tratamento térmico. Já o envelhecimento consiste na manutenção do material à temperatura

ambiente, sendo que os tempos de formação dos precipitados neste caso será relativamente

superior à precipitação em si.

Figura 12 - Representação do processo de solubilização e posterior precipitação de uma liga. T0 representa a

temperatura de solubilização e T2 representa a temperatura de precipitação.

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4. Principais microestruturas dos aços

Aço hipoeutetóide (AISI/ABNT 1020). Microestrutura: branco - ferrita e preto - perlita

Aço hipereutetóide (AISI/ABNT 1095). Microestrutura: cementita em volta de grãos perlíticos

Aço AISI/ABNT 1095 após o processo de esferoidização

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Perlita. Aço eutetóide (AISI/ABNT 1080)

Martensita

Martensita revenida

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5. Questões

5.1. Em um processo industrial, uma empresa realiza a têmpera de diversas peças feitas em

aço. A partir de uma mudança de demanda do mercado, foi necessário a substituição

destas peças para outro tipo de aço. Após algumas semanas, a empresa verificou um

aumento considerável no número de peças rejeitadas por conta de defeitos como trincas

e empenamentos após a têmpera.

Explique quais as possíveis causas deste problema e como esta empresa poderá

solucionar este problema alterando apenas as variáveis relacionadas ao tratamento

térmico?

5.2. Qual a principal diferença entre o processo de martêmpera e austêmpera?

5.3. Qual a função do ensaio Jominy e qual o resultado que se obtém a partir deste ensaio?

5.4. Três amostras de um aço hipereutetóide foram submetidas cada uma a um tipo de

recozimento (subcrítico, pleno, esferoidização). Cite as diferenças microestruturais

presentes após o tratamento térmico de cada amostra.

5.5. Quais os principais requisitos para uma liga ser tratável por precipitação?