tratado de direito privado tomo26

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TRATADO DE DIREITO PRIVADO PARTE ESPECIAL TOMO XXVI Direito das Obrigações: Conseqüências do inadimplemento. Exceções de contrato não adimplido, ou adimplido insatisfatoriamente , e de inseguridade . Enriquecimento injustificado. Estipulação a favor de terceiro Eficácia protetiva de terceiro. Mudanças de circunstâncias. Compromisso CONSEQUÊNCIAS DO INADIMPLEMENTO E CONSEQUÊNCIAS DA PRESTAÇÃO DO INDÉBITO PARTE 1 CAPITULO 1 CONSEQUÊNCIAS GERAIS DO INADIMPLEMENTO 1 3.102.Precisôes. 1. Divida e adimplemento. 2. Pretensão à indenização de perdas e danos. 3. Imputabilidade e não imputabilidade da falta. 4. Impurgabilidade originária e impurgabilidade superveniente da mora 51 8.103.Pretendo perdas danos por inadimplemento. 1. Impossibilidade superveniente da prestação e indenização. 2. Inadimplemento e adimplemento não satisfatório. 8. Impossibilitação superveniente à mora. 4. Ilícito absoluto e inadimplemento CAPITULO II ILÍCITO ABSOLUTO COMO INFRAÇÃO DE DEVER § 8.104. líbito absoluto e devem absolutos. 1. Espécies de Ilícito absoluto. 2. Fatos Ilícitos absolutos e fatos ilícitos relativos § 3.105.Inadimplemento de dever absoluto. 1. Infrações . 2Dano e responsabilidade § 3.106.Legitimação ~ pretendo oriunda de dano. 1.Ofendido e ofensor. 2. Terceiro legitimado CAPITULO III DEVER DE INDENIZAR § 3.107. Fonte e conceito. 1. Fonte. 2. Conceito de Indenização. 3.Espécies de danos. 4. Pretensão ao adimplemento e pretensões indenizatórias. 5. Restauração em natura. 6. Restauração contabilística ou pelo valor §3.108.Indenização por dano patrimonial. 1. Conceito, 8. Fundamento da responsabilidade. 8. Pormenorisações conceptual. § 3.109.Legitimado 1. Principio da Incolumidade da pessoa e dos bens. 2. Sucessão na legitimação

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TRATADO DE DIREITO PRIVADO

PARTE ESPECIAL

TOMO XXVI

Direito das Obrigações: Conseqüências do inadimplemento. Exceções de contrato não adimplido, ou adimplido insatisfatoriamente , e de inseguridade . Enriquecimento injustificado. Estipulação a favor de terceiro Eficácia protetiva de terceiro. Mudanças de circunstâncias. Compromisso CONSEQUÊNCIAS DO INADIMPLEMENTO E CONSEQUÊNCIAS DA PRESTAÇÃO DO INDÉBITO PARTE 1 CAPITULO 1 CONSEQUÊNCIAS GERAIS DO INADIMPLEMENTO 1 3.102.Precisôes. 1. Divida e adimplemento. 2. Pretensão à indenização de perdas e danos. 3. Imputabilidade e não imputabilidade da falta. 4. Impurgabilidade originária e impurgabilidade superveniente da mora 51 8.103.Pretendo perdas danos por inadimplemento. 1. Impossibilidade superveniente da prestação e indenização. 2. Inadimplemento e adimplemento não satisfatório. 8. Impossibilitação superveniente à mora. 4. Ilícito absoluto e inadimplemento CAPITULO II ILÍCITO ABSOLUTO COMO INFRAÇÃO DE DEVER § 8.104. líbito absoluto e devem absolutos. 1. Espécies de Ilícito absoluto. 2. Fatos Ilícitos absolutos e fatos ilícitos relativos § 3.105.Inadimplemento de dever absoluto. 1. Infrações . 2Dano e responsabilidade § 3.106.Legitimação ~ pretendo oriunda de dano. 1.Ofendido e ofensor. 2. Terceiro legitimado CAPITULO III DEVER DE INDENIZAR § 3.107. Fonte e conceito. 1. Fonte. 2. Conceito de Indenização. 3.Espécies de danos. 4. Pretensão ao adimplemento e pretensões indenizatórias. 5. Restauração em natura. 6. Restauração contabilística ou pelo valor §3.108.Indenização por dano patrimonial. 1. Conceito, 8. Fundamento da responsabilidade. 8. Pormenorisações conceptual. § 3.109.Legitimado 1. Principio da Incolumidade da pessoa e dos bens. 2. Sucessão na legitimação

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§ 3.110.Dano causado a terceiro. 1. Indenizabilidade. 2. Dificuldade de aplicação dos princípios. 8. Relação jurídica entre o titular da Indenização e terceiro 1 8.111.De como se mede o dano indenizável . 1. Dano e extensão do dano. 2. Danos imediatos e fatos posteriores. 8. Lucros cessantes. 4. Fatos posteriores e danos mediatos. 5. Momento em que o juiz há de apreciar a extensão e o valor do dano. 6. Dividas Ilíquidas. 7. Indenizações em dinheiro. 8. Compensação de lucros. 9. Indenização do velho pelo novo CAPITULO IV CLÁUSULA PENAL § 3.112.Conceito e espécies. 1. Promessa de prestação de pena. 2.Promessa independente de submissão a pena. 8.Precisões.4. Cláusula penal em fortalecimento de divida alheia. 5.Cláusula penal a favor de terceiro. 6.Institutos que senão confundem com o da clausula penal. 7.Forma da cláusula penal § 3.113.Limitações legais s. 1. Distinção preliminar. 2. Limitação legal do Importe da cláusula penal substitutiva. 8. Limitação legal do importe da cláusula penal cumulativa. 4. Penas excessivas § 3.114.Ato que compõe o suporte láctico para incidência da clausula penal. 1. Ato ou omissão. 2. Pena concernente a inadimplemento total. 3. Pena restrita a determinada cláusula do negócio jurídico § 3.115.Em que momento o promitente incorre na pena. 1. Incursão na pena. 2. Espécies de prestação da divida principal. 8. Sorte da cláusula penal acessória § 3.118.Que á que se tem de prestar, incorrida a pena. 1. Soluções “a posteriori”. 2. alternativas” e pena negocial. 3.Pena pecuniária e pena não pecuniária. 4. Redução da pena § 3.117.Substitutividade e cumidatividade. 1. Cláusula penal acessória e divida principal. 2. Código Civil, arts. 918 e 919.3.Pluralidade de cláusulas penais § 3.118.Duvidas de prestação e dividas de prestação diviabel. 1. Indivisibilidade., 2. Divisibilidade .... § 3.119.Prestação parcial e prestação da pena. 1. Redutibilidade da prestação. 2. Pré-exclusão da redutibilidade § 3.120. Ônus da prova. 1. Pena negocial acessória. 2. Pena negocial Independente § 3.121.Extinção da divida de pena. 1. Extinção da divida principal. 2. Impossibilitação por culpa do devedor. 3. Resolução ou resilição por Inadimplemento. 4. Ressalva e falta de ressalva da pretendo à pena. 5. Prescrição .. CAPITULO V EXCEÇÕES DE CONTRATO NÃO ADIMPLIDO, DE CONTRATO ADIMPLIDO INSATISFATÓRIAMENTE E DE INSEGURIDADE § 3.122.Exigência de adimplear,mento e exceção. 1. Situação de insatisfação do devedor. 2. “Inadimplenti non est adimplendum” § 3.123.Fontes romanas. 1. Os textos. 2. Questões surgidas no direito comum §3.124.Conceitos e natureza. 1, Conceitos. 2. Natureza. 8. Pluralidade de credores. 4. Contra qual pretensão se opõe a exceção. 5. Pluralidade de contratos § 3.125. Exceção de contrato não inadimplido e direito de retenção.1.Confusão de conceito.. 2. Convenção sobre a recusabilídade § 3.126.Contratos bilaterais e inadimplemento. 1. Conceito. 2. Tempo da prestação e tempo da contraprestação. 3. Conseqüências da oposição da exceção. 4. Sistemas jurídicos defeituosos.. § 3.127.Exceção unon rite.2. O que incumbe ao atingido pela exceção § 3.128.Exercício da exceção de contrato adimplido e da exceção de contrato

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adimplido insatisfatoriamente . 1. Nascimento da exceção. 2. Julgamento da demanda a despeito da oposição da exceção. 3. Processo executivo e exceção “nonadimplenti contractus” ou “non rito adimpleti contractus”.4. Conseqüências do inadimplemento e eficácia do exercício da exceção. 5. Eficácia em relação a terceiros. 6.Ônus da prova. 7. Relação entre a alínea 1 a e a alínea 2,a do art. 1.092 do Código Civil. 8. Se surge pretensão ao adimplemento antecipado. 9. Mora e oblação 1021 3.129.Exceção de inseguridade. 1. Texto legal. 2. Pressupostos. 3. Exceção, e não-pretensão. 4. Responsabilidade do excipiente. 5. Exceção de Inseguridade e vencimento antecipado § 3.180.Prestação de caução. 1. Código Civil, art. 1.092, alínea2.~, 2.~ parte. 2. Conseqüências da dupla omissão do credor-devedor §3.181.Extinção da. exceções. 1. Causas da extinção. 2. Adimplemento não satisfatório. 8. Exceção. da inseguridade PARTE II ENRIQUECIMENTO INJUSTIFICADO § 3.182.Conceito. 1. Justificação do enriquecimento. 2. Enriquecimento sem causa e enriquecimento injustificado. 8. Precisões conceptuais § 3.183. Composição do suporte fadico de enriquecimento injustificado.1.Enriquecimento e suas espécies. 2Prejudicado valente.8.Prejudicado não volesito... § 3.184. 1. Direito, pretensão e ação. 2. Patrimônios especiais § 3.185. Atribuições patrimoniais e falta de justificação. 1. Justificação da atribuição. 2. Enriquecimento sem causa e pretensões. 3. Condição por disposição sem direito ou sem poder. Resolução e resilição. 5. Pensamento antigo e pensamento moderno § 3.136.(1) “Condictio indebiti”. 1. Enriquecimento com o indébito.2.Anulação e pretensão por enriquecimento Injustificado.3.Solução do indevido. 4. Prestação sem dever, ciente quem presta. 5. “Condictio ob causam datorum”. 6. Conteúdo do art. 969 do Código Civil. 7. “Condictio furtiva” § 3.137.(Ii> “Condictio ob causam finitam”. 1. Causa que existiu e acabou. 2. § 3.188.(III) “Condictio ob causam non secutam” ou «condictio causa data causa non secuta”. 1. Causa que se não perfaz. 2. Resultado que se não realizou e “condictio”. 3. Conteúdo do ato e fim. 4. Falha do fim. 5. Casos em que não há a ucondictio ob causam datorum”. 6. Prova § 3.189.(IV) «Condictio ob turpem vez iniustamn causam. 1. Conceito.2.Nulidade do negócio jurídico e condição. 8. Pluralidade de beneficiados. 4. Prestação “condicionis lmplendae causa”. 5.Negócio jurídico declaratório e condição § 3.140. (V) Condição por disposição sem direito, ou sem poder de dispor. 1. Disposição, sem direito ou sem poder de dispor.2.Liberação do devedor adimplente a terceiro e “condictio” § 3.141.Enriquecimento injustificado e negócio, jurídicos abstratos.1.Abstração e causa. 2. “Dolo facit qui petit quod reddi turus est” § 3.142.Inversões, ou gastos por outrem, e enriquecimento sem causa, por disposição ou ato de terceiro. 1. Inversões e gastos por outrem. 2. Características das espécies § 3.143.Conhecimento da falta de justificação. 1. Conhecimento da injustificação. 2. Principio do conhecimento supletivo. § 3.144.Suporte láctico do enriquecimento injustificado. 1. Suporte fáctico do

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enriquecimento injustificado. 2. Obtenção de algo (primeiro pressuposto). 8. Ter sido o enriquecimento a ex-pensas de outrem (segundo pressuposto). 4. Ter havido relação Imediata entre o enriquecido e o prejudicado (terceiro pressuposto). 5. Discussão em torno do terceiro pressuposto.6.Erro , se voluntária a solução CAPITULO 1 PRETENSÃO E AÇÃO PELO ENRIQUECIMENTO INJUSTIFICADO § 3.145. Pretensão pelo enriquecimento tu justificado (natureza).1.Pretensão por enriquecimento injustificado é pretensão pessoal. 2. Alienação do bem recebido. 3. Pretensão extraordinária contra o terceiro. 4. Enriquecido que estava de má-fé § 3.146.Sujeito passivo da pretensão por enriquecimento. 1. Determinação do sujeito passivo. 2. Legitimação passiva do terceiro. 3. Legitimação do terceiro quanto aos bens móveis.4.Pretensão contra o terceiro: se é subsidiária ou concorrente § 3.147. Objeto da prestação. 1. Que é que se há de restituir.2.Importe do credito de restituição. 3. Prestação do objeto ou do valor. 4. Frutos, acessões, benfeitorias e deteriorações.5.Teoria das duas “condictiones” e teoria do saldo. 6. Prejuízos causados ao enriquecido. 7. Falta de causa para o enriquecido e aquisição por terceiro § 3.148.Ação de enriquecimento injustificado. 1. Natureza pessoal da pretensão e da ação de enriquecimento injustificado. 2. Inicio da responsabilidade do enriquecido. 3., Ação pessoal e restituição em natura. 4. Legitimado passivo da ação pessoal. 5. Concorrência de ações § 3.149.Se lsd exceção pelo enriquecimento injustificado. 1. Prescrição da pretensão pelo enriquecimento injustificado e exceção.2.Critica à solução positiva e à negativa. 3. Recusa da prestação PARTE III Dividas e terceiro. CAPITULO 1 PROMESSA DE PRESTAÇÃO DE TERCEIRO 1 8,150.1 8.151.1 8.152.Terceiro e promessa de outrem. 1. Direito romano. 2. Conceitos Promessa de divida de outrem e promessa de adimplemento por fato de outro. 1. Distinção. 2. Alternatividade... Interpretação do negócio jurídico. 1. Preliminares. 2. Regra jurídica interpretativa implícita CAPITULO II ESTIPULAÇÃO A FATOR DE TERCEIRO § 3.158.Origens e conceito. 1. Relações inter-humanas e estipulação a favor de terceiro. 2. Direito romano. 8. Sistemas jurídicos retardados. 4. Doutrina do direito comum. 5. Codificações do século XVIII e começo do século XIX. 6. Direito francês e sistemas jurídicos similares. 7. Conceito.8.Natureza do negócio jurídico e do direito do terceiro. § 3.154.Pressupostos das estipulações a favor de terceiro. 1. Intenção dos figurantes. 2. Contrato envolvente e estipulação.3.Determinação da pessoa do terceiro. 4. Forma da estipulação a favor de terceiro § 3.155.Objeto da estipulação a favor de terceiro. 1. Prestação 2.Relação jurídica

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entre o promitente e o terceiro.... § 3.156. Institutos parecidos com a estipulação a favor de terceiro. 1.Estipulação a favor de terceiro e representação. 2. Elementos do negócio jurídico e da estipulação inserta. 3. Plano da existência e plano da eficácia § 3.157. Figuras que se não confundem com a estipulação a favor de terceiro. 1. Contrato impróprio a favor de terceiro.2.“Solutionis causa adiectio”. 3. Assunção de adimplemento.4.Assinação. 5. Assunção de divida alheia. 6. Doação“sub modo” § 3.158.Espécies de estipulação a favor de terceiro. 1. Contratos impróprios a favor de terceiro. 2. Exames das espécies de estipulação a favor de terceiro. 8. Negócios jurídicos dispositivos e estipulação a favor de terceiro. 4. Seguro de vida e contrato a favor de terceiro. 5. Capacidade parte o terceiro adquirir em virtude de seguro de vida. Nonconceptus” e seguro. 7. Beneficiário do seguro, morto antes do segurado. 8. Seguros marítimos. 9. Quota social e contrato a favor de terceiro § 3.159. Aquisição do direito e da pretensão pelo terceiro. 1. Imediata aquisição. 2. Tempo da aquisição e determinações mexas. 3. Herança e estipulação a favor de terceiro.4.Circunstâncias posteriores à aquisição do direito. 5. Objeções e exceções oponíveis ao terceiro pelo promitente... § 3.160.Promissário e pretensões após a promessa. 1. Vinculo entre figurantes e eficácia a favor de terceiro. 2. Natureza do direito do promissário249 § 3.161. Recusa pelo terceiro. 1. Conceito. 2. Mudança de nome e de conceito. 3. Recusa ineficaz por extemporânea § 3.162.Resolução negocial do pacto a favor de terceiro. 1Terminologia. 2. Reserva inserta no contrato § 3.163.Substituibilidade do terceiro favorecido1. Solução de regramento dispositivo. 2. Aquisição do direito e substituibilidade. 3. Solução do direito brasileiro4. Favor ao terceiro para o caso de morte do promissário CAPÍTULO III CONTRATOS COM EFICÁCIA PROTECTIVA PARA O TERCEIRO § 3.164. § 3.165. § 3.166. § 3.167.Conceito. 1. Figura nova no direito privado. 2. Dever de diligência ou de proteção.Classificação dos contratos com eficácia protectiva. 1Pre-liminares. 2. Distinção básica CAPITULO xv EFICÁCIA QUANTO A TERCEIROS Posição precisa do problema. 1. Espécies de eficácia.2.Eficácia de efeitos. 8. Direitos pessoais e eficácia. 269 Direitos, pretensões e ações e sua extensão a terceiros.1.Eficácia de direitos. 2. Eficácia de dividas e sua extensão a terceiros. 3. Análise de espécies principais. 4. Eficácia de ações (demandas) e extensão a terceiros PARTE IV Função do direito das obrigações CAPÍTULO 1 CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES § 3.168.Perspectiva. 1. Teoria Geral das Obrigações. 2. Teoria Geral das Dividas. 3. Direito das Obrigaç6es

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§ 3.169.Relação jurídica de crédito como todo. 1. Relação jurídica e irradiações. 2. Dever de prestar e cerne. 3. Extinção da divida e conseqüência posterior da causa de extinção. § 3.170.Conteúdo da prestação. 1. Direito à prestação. 2. Contratos reais. 3. Mútuo e comodato § 3.171.Determinação da prestação. 1. Precisão do conceito para o Direito das Obrigações. 2. Prestação em bem ou em valor. § 3.172.Dividas pecuniárias (dinheiro-fim., dinheiro-meio). 1. Valor nominal e valor de poder aquisitivo. 2. Curso legal e curso forçado. 3. Valor aquisitivo e indenização. 4. Dividas de dinheiro e dividas de valor. 5 Conceito de dividas de valor § 3.173.Mudança de valor e atitudes legais e negociais. 1. Regras jurídicas sobre mudança de valor aquisitivo. 2. Dividas de valor de fonte não negocial. 3. Dividas de valor de fonte negocial. 4. Cláusulas corretivas ou adaptativa. § 3.174.Curso legal, curso forçado e cláusulas negociais. 1. Dividas de moeda estrangeira. 2. Moeda e prestação de valor. 3.Cláusula-ouro em negócios jurídicos escapas à legislação brasileira. 4. Dividas executórias no Brasil e moeda estrangeira § 3.175.Negócios jurídicos e clausulações escalares. 1. Mútuo. 2. Locação de imóveis. 3. Salários. 4. Seguros. 5. Serviços ao público DÍVIDA, ADIMPLEMENTO E TUTELA JURÍDICA §3.176. Ação e tutela jurÍdica. 1. Ordenamento jurídico e proteção de direito público. 2. Execução voluntária e execução forçada §3.177. Tutela jurídica e Estado. 1. Estado e indivíduo. 2. Justiça arbitral §3.178.Ações e direito das obrigações. 1. Ações oriunda. de negócios jurídicos criadores de dividas. 2. Ações cautelares. CAPITULO III COMPROMISSO E JUÍZO ARBITRAL § 3.179. Conceito de compromisso. 1. Conceito. 2. Direito grego.3.Direito romano. 4. Direito moderno. 5. Permissão da arbitragem317 §3.180.Espécies de compromisso. 1. Judicialidade e extra judicialidade. 2. Compromissos exteriores e compromissos interiores.3.Compromisso judicial § 3.181.Qual a natureza do compromisso e do negócio jurídico com os árbitros. 1. Natureza do compromisso. 2. Dois negócios jurídicos distintos: o compromisso e o contrato arbitral. 3. Necessariedade e voluntariedade do compromisso. 4. Cláusula compromissoria. 5. Incomprometibilidade e suas conseqüências . 6. Cláusula penal §3.182.Pressupostos do compromisso. 1. Generalidades. 2. Pressupostos especiais do negócio jurídico. 3. Cláusulas especiais do negócio jurídico. 4. Cláusulas não essenciais §3.183.(A) Litígio ou litígios já pendentes ou futuros. 1. Determinação do que se há de decidir. 2. Âmbito da questão. §3.184. (B) Nomeação dos árbitros. 1. Nomeação no compromisso.2.Nomeação protralda §3.185.(C) Forma do compromisso. 1. Direito material e direito processual. 3. Precisões. 8. Direito material e direito processual § 3.186.Irradiação de efeitos compromissais. 1. Eficácia do compromisso. 2. Natureza do procedimento arbitral. 3. Eficácia da decisão arbitral. 4. Incapacidade, morte e outras circunstâncias § 3.187.Eficácia e ineficácia do compromisse. 1. Negócio jurídico do compromisso. .2. Ineficácia do compromisso. 3. Árbitros, falta ou impedimento. 4. Incompetência

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“ratione temporís”.5.Incapazes e testamento. 6. Falecimento do árbitro ou da parte. 7. Ausência do árbitro. 8. Declaração de incompetência feita pelos árbitros Seção II Arbitragem § 3.188.Conceito de árbitro. 1. Árbitro e arbitrador. 2. Arbitramento e arbitragem. 3. Número de árbitros, desempatador e sobreárbitro. 4. Negócio jurídico entre os compromitentes e o árbitro. 5. Dever de decidir. 6. Falta do desempatador § 3.189.Capacidade para ser árbitro. 1. Textos legais. 2. Natureza da incapacidade para ser árbitro. 3. Incapazes por direito civil. 4. Analfabetos. 5. Estrangeiros. 6. Parto. 7. Ex-pressão em língua portuguesa . 8. Direitos políticos... § 3.190.Suspeição do árbitro; escrivão. 1. Remissão ao direito processual. 2. Fundamento da remissão. 3. Arguição da suspeição.4.Escrivão do juízo arbitral, no direito anterior e no vigente §3.191.Função do árbitro. 1. Decisão e aplicação da lei. 2. Origens do juízo arbitral. 3. Regramento estatal. 4. Relação jurídica entre os compromitentes e o árbitro. 5. Eficácia para cumprimento. 6. Estabelecimento de relação jurídica entre os compromitentes e o árbitro. 7. Eficácia do julga-mento. 8. Documentos e autos. 9. Relação jurídica processual. 10. ingresso estatal” do julgado arbitral § 3.192.Procedimento arbitral. 1. Prazos. 2. Cópias. 3. Audiência de instrução e debate. 4. Julgamento. 5. Empate.6.Pressupostos do laudo. 7. Despesas § 3.193.Remissão ao direito processual comum. 1. Lacunas da legislação processual sobre juízo arbitral. 2. Espécies mais relevantes. 3. Confissão perante o juízo arbitral. 4. “Declaração” da decisão arbitral. 5. Sanação das nulidades processuais. 6. Nulidade e ineficácia § 3.194.Nulidade e ineficácia do laudo arbitral. 1. Nulidades derivadas de nulidade do compromisso ou da nomeação. 2. Nulo, anulado, ou Ineficaz o compromisso, nulo o laudo arbitral.3.Poderes dos árbitros. 4. Árbitros nomeados em desacordo com o compromisso. 5. Violação do direito cm tese. 6. Processo e equidade. 7. Nulidades correspondentes às nulidades e às rescindibilidades das sentenças. 8. Laudo arbitral proferido fora do prazo. 9. Depósito intempestivo do laudo arbitral. 10. Requisitos sentenciais do laudo. 11. Sentença arbitral e processo. 12. Ineficácia. 13. Violação do art. 1.038 do Código de Processo Civil do Código Civil. 4. Cumprimento do laudo antes da homologação. 5. Conceito de cumprimento § 3.196.Competência para o cumprimento da sentença homologada.1.Regra jurídica geral. 2. Pluralidade de juizes competentes para a homologação § 3.197.Pedido de homologação. 1. Ação de homologação 2. Pedido de homologação. 3. Pedido por todas as partes 4. Pedido de homologação e procedimento de oficio § 3.198.Prazo para o depósito do laudo. 1. Laudo .e via homologatória. 2. Depósito necessário. 3. Constituição do juízo homologatório § 3.Nulidade do compromisso e da nomeação dos árbitros decretada pelo juiz homologante. 1. Decretação de nulidade do compromisso. 2. Limites do julgamento. 3. Nomeação dos árbitros § 3.200.Recurso em arbitragem. 1. Distinção preliminar. 2Homologação § 3.201.Extinção do compromisso. 1. Compromisso e vontade dos compromitentes. 2. Nulidade e anulabilidade. 3. Perda do objeto. 4. Atos processados no juízo arbitral. 5. Pacto “de compromitendo” Seção III Homologação do laudo arbitral

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Título V CONSEQÜÊNCIAS DO INADIMPLEMENTO CONSEQÜÊNCIAS DA PRESTAÇÃO DO INDÉBITO CAPITULO 1 CONSEQÜÊNCIAS GERAIS DO INADIMPLEMENTO § 3.102. Precisões 1. ADIMPLEMENTO. Quem deve está em posição de ter a dever de adimplir. Pode não estar obrigado a isso, Então, há o dever, e não há a obrigação. Os que, em matéria de ciência jurídica, empregam “divida” e “obrigação” coma se fOssem sinônimos procedem cama quem falasse do “arqueira”, referindo-se a homem que não tem arco, embora o pudesse ter e costumasse andar armado de arco. Que é “arqueiro”? perguntaria algum ouvinte; e com razão. Arqueiro é o fabricante de arcos; arqueira é o que luta com arco; e arqueira é a jogador de futebol que fica à entrada do arco, para impedir que a bola entre, O crédito é como o arqueiro, a homem que peleja com o arco. Pode estar armada e pode não estar. A arma é a pretensão. Crédito sem pretensão é crédito mutilado, arqueiro sem arco. Existe o crédito, porém não se pode exigir. Quem deve e não é abrigado não pode ser constrangido a adimplir, nem sofre conseqüências do inadimplemento. Quem faz o que o arqueiro quer, embora esteja ele desarmada, ~com o devedor, que não é obrigado, mas paga, presta. Quem deve e não está obrigado, como quem deve e está obrigado, e presta, satisfaz e libera-se. Se deve e não está obrigado, e não adimple, nada pode contra o devedor o credor. Se deve e está obrigado, e não adimple, incorre em mora. Expõe -se a que o credor exerça direito de resolução ou de resilição por inadimplemento. Responde pelas perdas e danos a que a sua mora deu causa. Dai a regra jurídica do art. 1.056 do Código Civil: “Não cumprindo a obrigação, ou deixando de cumpri-la pela moda e no tempo devidos, responde o devedor por perdas e danos”. Advirta-se em que devedor, ai, é o devedor obrigado, porque, se o crédito é desmunido de pretensão, o devedor, que deixa de prestar, não incorre em mora. Aqui, surge problema que é fundamental: ~ de qual efeito dos negócios jurídicos ou de qualquer outra fonte de obrigações emana a responsabilidade pelas perdas e danos? Do crédito? Da pretensão? Ou da ação? 2.PREVENSÃO A INDENIZAÇÃO DE PERDAS E DANOS. As perdas e danos são devidas pelo inadimplemento, se, deixando de adimplir, o devedor incorre em mora. Se o devedor não é obrigado, e deixa de adimplir, não se lhe pode atribuir responsabilidade por perdas e danos, porque não houve mora. Se a divida era a termo e foi atingido, ou ~e era condicional e a condição se impliu, mas o crédito não era dotado de pretensão, mora não houve. Se não havia determinação do tempo para o adimplemento, a interpelação não faz obrigado o devedor que não seria, com isso, obrigado. Noutros termos: do crédito, positivo e liquido, que, no seu termo, não é satisfeito, não resulte obrigação, se era crédito mutilado (= crédito que não tem e a que não pode nascer pretensão). Da interpelação feita por esse credor não provém mora da devedor. Se a divida de jogo ou a de aposta é regida pelo art. 1.47? do Código Civil, há divida, e não há obrigação. Se, no dia em que havia de solver-se, o devedor não a pagou, o inadimplemento não é ato ilícito relativa; não há, portanto, mora. Mora somente há se podia ser exigido o pagamento. Não seria possível exigirem-se perdas e danos, pela razão muito simples de não poder ser exigido o próprio adimplemento.

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Donde a conclusão: à pretensão é que se prende a responsabilidade do devedor por perdas e danos. 3.IMPUTABILIDADE E NÃO -IMPUTABILIDADE DA FALTA. A falta, a que aludimos, é a falta do fato ou omissão de que resultou não ser ou não ficar satisfeito o credor. Certamente, se houve impossibilita$o sem ser imputável ao devedor, neto houve adimplemento, porém não houve mora do devedor: o inadimplemento proveio de causa anterior, que não deixou qualquer ensejo ao devedor. O devedor não poderia adimplir. A tradição do direito brasileiro e, falando de direito brasileiro, necessariamente temos de abstrair dos doutrinadores que estavam mais preocupados com a letra da lei dos outros países do que com as Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 53, 1 8, e a Código Civil é no sentido que só a respeito de impossibilitação se aludir a culpa e não-culpa. A mora nada tem com isso. Lê-se nas Ordenações Filipinas, Livro IV, Titulo 53, 5 3: “Porém, se a coisa perecesse por caso fortuito, não será obrigado o comodatário a pagar o dano, salvo quando no dito caso fortuito interviesse culpa sua; assim como, se pedisse um cavalo emprestado para ir a uma certa romaria, e fôsse à guerra, ou saísse aos touros, aonde lhe matassem o dito cavalo, ou se foi em mora de tornar a coisa emprestada, a seu tempo, ou entre as partes foi acordado que o que recebeu a coisa emprestada ficasse abrigado aos casos fortuitos”. Em nenhum dos arte. 955, 956, 958, 959, 960-963 do Código Civil se empregou a expressão “culpa”. Tal expressão somente surge no art. 957 para se regular a responsabilidade do devedor em mora em caso de impossibilitaçâo superveniente à mora. A “isenção de culpa”, a que se alude, é isenção de culpa na Impossibilitação, à semelhança do que se passa nos arts. 865, alínea 1.B, 866, 869 e 871, 1.~ parte. O intérprete não pode importar discuss6es da doutrina estrangeira. Tem de primeiro ler, atentamente, a lei brasileira. O que lhe pode interessar, na doutrina dos outros sistemas jurídicos, é a precisão de algum conceito, a revelação histérica de algum erro, os resultados da investigação lógico-científica e, ocasionalmente, a contribuição da pesquisa e da discussão em tOrno de algum texto que coincide com o texto indígena. O não-prestar, por impossibilitação que não foi causada pelo devedor, isto é, a falta objetiva de cumprimento a que se refere o Código Civil, art. 963 (“Não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora”), não produz mora e, portanto, não há pensar-se em conseqüências da mora. a Quando é que a falta de cumprimento não é imputável ao devedor? A resposta é simples: a) se houve impossibilitação por força maior ou caso fortuito; b) se foi causada pelo próprio credor a impossibilitação; c) se foi terceiro que a causou, caso em que tem esse de indenizar. Em nenhum desses três eventos, há “fato ou omissão imputável ao devedor” (cf. Tomo XXIII, §§ 2.794, 5, 13, 2.800, 2, 2.808, 4, e 2.806, 1, 4). É preciso que se não confunda com a responsabilidade pelo inadimplemento a responsabilidade pelo ato lesivo à prestação. A Esse respeito tem o Código Civil a art. 1.057, alíneas 1.’ e 2.’. “Nos contratos unilaterais”, diz o art. 1.057, alínea 1,a, do Código Civil, “responde por simples culpa o contraente, a quem a contrato aproveita, e sé por dolo, aquele a quem não favoreça”. Na alínea 2.8, acrescenta-se: “Nos contratos bilaterais, responde cada uma das partes por culpa”. O doador somente responde pelo dolo: doou o imprestável, ou o com a aparência de ser bom; somente em se tratando de promessa de doação (pactum de donando) é que se pode invocar a art. 1.057, alínea 1.8, para que somente responda por dolo o promitente. A doação é contrato real; a promessa de doação é que é consensual. Quanto aos contratos bilaterais, a culpa a que se refere o art. 1.057, alínea 2.8, não é elemento da mora, porque o art. 1.057 nada tem com a mora. O doador, que prestou

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o que está ofendido somente por culpa, não responde por isso; nem o promitente de doação. O vendedor que remeteu a mercadoria sem empacotamento suficiente teve culpa, e responde. Se não remeteu, os princípios que se hão de Invocar são os que foram expostos a respeito de Inadimplemento e não os do art. 1.057, que somente podem incidir se adimplemento houve e dolo (art. 1.057, alínea 1.8), ou culpa (art. 1.057, alínea 2-’). 4.IMPUROABILIDADE ORIGINÁRIA E INFURGABILIDADE SUPERVENIENTE DA MORA. Na linguagem comum, só se fala de mora, se o adimplemento ainda pode ser feito depois de se ter deixando de adimplir. Assim, toda mora haveria de ser purgavel, originariamente , e não se poderia aludir a mora em caso. por exemplo, de negócio jurídico fixo (Fixgeschtift). A purgatio rnorae fazia nascer ezeeptio doU. Nos bonae fidei ludicia não constava da fórmula. PAULO (L. 91, § 3, D., de verborum obtigationibus, 45, 1) falou de “emendar moram A purga da mora não se opera pelo simples adimplemento tardio. Tem o devedor de fazer oblação da prestação mata a importância dos prejuízos decorrentes até o dia da oblação (Código Civil, art. 959, 1). Houve inadimplemento, portanto mora; mas emendavel. O que deixou de adimplir prestação que não poderia demorar incorreu em inadimplemento, e não há emenda possível. Chamou-se a isso inadimptemento absoluto, por ser relativo o outro, uma vez que se poderia “emendar moram”. Se o devedor não adimple “no tempo, lugar e forma convencionados”, é inadimplente, e incorre em mora; porque se considera “em mora o devedor que não efetuar o pagamento, e o credor que o não quiser receber no tempo, lugar e forma convencionados” (Código Civil, art. 955). Se, com o retardamento, a prestação não mais interessa ao credor (e. g., comprara o caminhão para fazer a mudança das mercadorias do armazém para outra cidade), a mora, que até dias antes era purgável, não mais se pode purgar. O inadimplemento é inafastável; inemendável a mora. Se o interesse desapareceu na data em que devia ser prestado o prometido, há falta irremediável (= inadimplemento absoluto). Não caberia qualquer emendatio monte, porque, se- mora houve, foi pontual. Quem falha quanto ao adimplir há de ser lembrado pela tribo e lembrar-se. Mora vem de memor. A memória está em causa, O termo, a condição e a interpelação lembram; o devedor obrigado, que deixa de adimplir, incorre em mora. De ordinário, a mora traça linha, no tempo, e durante o percurso consumam-se as suas conseqüências . O credor não pode recusar a prestação se o que lhe falta é mínimo e não diminui o valor do que se lhe quer entregar,ou se nada se opõe a que a receba. A regra é não perder o interesse a prestação, por atraso do devedor. Dai a purga da mora. Mas pode ocorrer que a prestação não mais sirva ao devedor depois de transcorrido determinado momento; e. 9., se o credor queria o automóvel antes de embarcar, para com ele continuar a viagem pelo interior. Se o credor não havia contra prestado, é provável que apenas peça indenização. Se já contra prestara, no todo ou em parte, pede ou a indenização, que compreende o equivalente da prestação não feita mais o interesse negativo, ou a restituição mais esse interesse . Portanto: ainda que o contrato seja negócio jurídico fixo, há à escolha entre exigir o equivalente e a resolução ou a resilição. Mora houve, porque mora não é só o protralmento da prestação ainda, depois, suscetível de ser feita, sentido estrito que se generalizou, por serem menos frequentes os negócios jurídicos fixos. Há a mora impurgável, ou que tal se tornou. Se a mora é impurgável e o credor recebe o que, embora já sem interesse para ele , lhe era, antes, devido, é de perguntar-se: ele purgável o que o não era., ou recebeu a prestação já impraticável como prestação, sem que significasse adimplemento? No direito alemão, há questão parecida não idêntica que é a de se saber se, na

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espécie do § 361 do Código Civil alemão, vige o § 326, relativo ao prazo razoável para que o devedor possa prestar. No sentido negativo, que é o de não haver tal prazo em caso de negócio jurídico fixa, com razão, KARL LÂiRE2NZ (Lekrbuch des Schuldrechts, 1, 246); sem razão E. WoLF (Rucktritt, Vertretenmtlssen und Verschulden, Archiv flir die civiliatische Praceis, 153, 100). No Toma XXV, § 3.091, 5, dissemos que a resolução, nos negócios jurídicos fixas, não é só legal, é também negociei. Quem não presta enquanto a prestação é útil ao credor, inclusive em se tratando de negócio jurídico fixo, deixa de adimplir; mas, ao mesmo tempo, infringe cláusula especial do contrato. Parque o adimplemento devia ser até o dia d, ou no dia d, e minta depois. Nos outros negócios jurídicos, o inadimplemento também ocorre se não se presta até o dia d, ou no dia d, mas ainda se pode prestar depois, purgando-se a mora. Se o negócio jurídico é negócio jurídico fixo, ou se deixou de ser purgável a mora, nenhum ensejo se dá, após o momento d, ou o momento em que se caracterizou a impurgabilidade, para que o devedor possa eficazmente prestar. O art. 956, parágrafo único, é expressivo: “Se a prestação, por causa da mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir satisfação das perdas e danos”. Tem-se de distinguir da caso do negócio Jurídico fixo o da impurgabilidade superveniente. Naquele, o inadimplemento já fez nascer o direito de resolução ou de resilição; nesse, idem, mas a purgabilidade, que ali não existe, nem existiu, aqui existia e desaparece. Donde as conseqüências , ao saz relevantes em direito brasileiro: a) se o credor exerce o direito de resilição ou de resilição e o devedor quer purgar a mora, até ã contestação (isto é, no prazo para ela), ou o credor alega a superveniente impurgabilidade E>) se fica assente ter-se tornado impurgável a mora, o juiz tem de deferir o pedido de ~solução ou de resilição, salvo c) se o credor prefere a do art. 956, parágrafo único, com a sua solução peculiar, que é a indenização de perdas e danos por inadimplemento, sem resolução ou resilição. Daí termos dito, no Tomo XXV, £ 3.091, 5, que não há confundir-se a responsabilidade no caso do art. 956, parágrafo único, com a responsabilidade em caso de resolução ou de resilição. Se a mora era purgável e o devedor obteve prazo de graça ou suplementar, inconfundível com o prazo substitutivo (que tanto pode ser dilatante como encurtante, mas há de ser enquanto não se esgotou o prazo substituído), o credor como que convida o devedor a adimplir, purgando a mora, até o dia que se lhe marca. Tal prazo é necessariamente posterior à mora (Nachfrist), mas inserível na própria interpelação, se dela dependia a constituição em mora. Não tem o mesmo efeito o simples convite a adimplir em “tempo razoável”, ou “em prazo razoável”. O prazo de graça ou pós-prazo é intimamente ligado à purgabilidade. Dai ter de ser, em relação ao tempo necessário à purgação, prazo conveniente ou bastante (= que atenda à importância e às dificuldades da prestação, no que se refere ao devedor, e às necessidades do credor). Quem pede prazo de graça ou tolerância já enuncia, implicitamente, que o adimplemento está começado, ainda que, em verdade, nada haja feito o devedor: daí entender-se compreendido, sempre, o tempo em que se deveria ter prestado e não se prestou. O prazo suplementar é concessão do credor, para atender aos interesses do devedor, e de modo nenhum ha de ser prejudicial ao credor, que poderia não o conceder. Se o devedor o aceita, embora diminuto, expôs-se às suas conseqüências . Se o credor prefere, pode pedir ao juiz que determine o prazo razoável, e então, intimado do despacho o devedor, a fixação do prazo é ato jurídico unilateral. O credor pode dilatar ou estabelecer outro prazo suplementar, ainda se o disse improrrogável ou irrenovável. Todavia.se não houve, a tempo, prorrogação, nem sobreveio renovação, a mora tornou-se impurgável, ainda se não havia no ato de determinação do prazo suplementar a advertência da improrrogabilidade, ou da irrenovabilidade. A fortiori, se a continha.

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§ 3.103. Pretensão a perdas e danos por inadimplemento 1.IMPOSSIBILIDADE SUPEREENIENTE DA PRESTAÇÃO E INDENIZAÇÃO. Quando se torna impossível prestar e há culpa do devedor <Código Civil, arte. 865, alínea 2.’, 867, 870, 871, 2.’ parte, 876, 879, 2.8 parte, arg. ao art. 882, 886 e 887, alínea 2.’>, o devedor responde: há de indenizar o credor pelas perdas e danos oriundos do inadimplemento. Quem culposamente impossibilitou a prestação de adimplir. O crédito’ da credor persiste o mesmo (bem assim, o direito de garantia, se há) ; há apenas mudança do conteúdo. A pretensão à indenização, às perdas e danos, é, aí, a mesma, pasto que varie, para o que é possível prestar-se, a prestação primária. É de repelir-se a concepção que vê em tais circunstâncias duas pretensões , uma, à prestação prometida, e outra, ao sucedâneo. Não há: a)Pretensão ao objeto prometido. b)Pretensão a perdas e danos. Mas sim: Pretensão ao objeto prometido <ou a perdas e danos). É certa que a indenização das perdas e danos resulta de relativo, mas o ilícito relativo não é criador de outro dever, nem de outro crédito. AI, a grande diferença em relação ao ilícito absoluto. Em conseqüência do que acima dissemos: a renúncia à pretensão ao adimplemento em natura abrange o adimplemento mediante indenização; o prazo prescripcional é o mesmo. Em todo caso, se o devedor, antes da data para adimplemento, comunica ao credor que impossibilitou, por vontade própria, o objeto da prestação, o prazo prescripcional começa da data da comunicação, por ser o inicio das conseqüências <e. g., se o comprador estava pré-contratando venda a terceiro, ou vendendo, desde já, o que contava receber). Â indenização é, ordinariamente , em dinheiro. Pode-se prever que se preste em outra espécie. A prestação de outra coisa da mesma espécie, em vez da individualmente determinada, só é admissível se o credor a recebe: ou a determinação individual não bastou para tornar infungivel o que é fungível, conforme o tráfico, e a recepção pelo credor, sem restrição, é como interpretação da cláusula; ou o credor anuiu na substituição, e recebeu o parecido como se fosse o mesmo; ou se caracterizou dação em soluto. A doutrina, que considerasse indenização, em todos os casos, a prestação da coisa igual, se a coisa devida era fungível, embora individualmente determinada, seria errada na generalização. Pode ser indenização e podenão ser (sem distinção, mas provavelmente subentendido o que dissemos, KARL LARENZ, Lehrbuch des Schuldrechts, 1, 8.’ed., 207; A. BLOMEYER, Aligemeines Schuldrecht, 2.’ ed., 213;Entscheidungen des Reichsgerichts in Zivilsachen, 107, 18). Se o devedor tornou impossível a prestação, por ter alie-nado o bem, o credor pode exigir o valor segundo a avaliação,ou o que o devedor obteve como preço. O devedor não pode substituir ao que teria de indenizar a cessão da pretensão contra o terceiro. Se o credor ainda não se fez cessãonário,por ato judicial, ou negocial, pode preferir a indenização total em dinheiro, mesmo que, no pedido, se tenha referido à cessão da pretensão contra o terceiro. Se a prestação só em parte se tornou impossível, o credor é que tem de escolher, conforme o art. 867 do Código Civil.Naturalmente, em caso de prestação indivisível, a impossibilitação parcial trata-se como total (cf. Código Civil, art. 889;Código Comercial, art. 431). Quanto ao ônus da prova, algumas considerações são indispensáveis: a) Se o credor, já podendo estar em mora o devedor, alega inadimplemento, o ônus da prova de ter adimplido incumbe ao devedor. Se, porém, o credor, antes de poder ter havido inadimplemento, afirma que houve impossibilitação culposa, o ônus da prova é seu, salvo se o devedor o confirma, ou se antes lhe havia comunicado a ocorrência. b)Alegada e provada a impossibilitação, entende-se que foi devida a culpa do

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devedor. Tem esse de alegar e provar que a impossibilidade superveniente resultou de caso fortuito ou força maior, ou de culpa do credor. A razão para essas proposições assenta em que o credor não pode estar a par do que se passa em lugar em que o devedor possui a coisa, ou em que a guarda, ou em que a coisa se acha para que o devedor a receba e a entregue ao credor. Tal lugar pode ser de difícil acesso, ou fechado, ou, até, secreto, ou de entrada proibida.. Dai presumir-se, a favor do credor, que há responsabilidade do devedor pela impassibilidade superveniente da prestação. Se o devedor não consegue provar não ter tido culpa, é tido como responsável, em quaisquer das espécies dos arts. 865, alínea 2.’, 867, 870, 871, 2.’ parte, 876, 879, 2.’ parte, 882, ex argumento, 886 e 887, alínea 2.’. Não tem pertinência, na matéria, o principio “a culpa não se presume”. Se o credor não consegue provar a impossibilidade superveniente da prestação, tenda o devedor negado que tal impossibilitação tenha ocorrido, ou a) aguarda Me o momento em que possa exigir o adimplemento e, pois, fazer incurso em mora o devedor, ou b) pede, alegando e provando que tem interesse em saber a verdade sobre a coisa que há de ser prestada, como se quer ceder o direito e a preten4o, a exibição do bem prometido (Código de Processa Civil, arts. 216 e 676. V). Provada a impossibilitação superveniente, o devedor, para evitar a presunção de responsabilidade, tem de alegar e provar que não tem culpa. Se a vistoria foi incidental (= durante a lide; Código de Processa Civil, arts. 676, VI, 684, parágrafo único, e 686), ou se houve apenas justificação (Código de Processo Civil, arte. 735-738), o devedor somente pode alegar e provar a ausência de culpa na ação que for proposta, ou na ação em que se deu o incidente. Se a exibição foi cautelar, há a incidência do art. 685, e ai pode o devedor alegar e fazer a prova do alegado. Se o credor não consegue provar a impossibilitação superveniente, não fica privado da pretensão ao adimplemento. Durante a lide, ou depois, tem o devedor de prestar conforme o prometido, e ao credor cabe a ação para adimplemento, ou indenização. Se o devedor consegue provar que não houve culpa sua na impossibilitação, a sentença tem de ser de resolução ou de resilição, por incidência do art. 865, alínea 1.’, 869 ou outro do Código Civil, ou exercido o direito à resolução ou à resilição. Na espécie do art. 866, somente o credor pode pedir a sentença de resolução ou de resilição. O devedor pode fazer intimar o credor para exercer a escolha de que fala a art. 866. 2.INADIMPLEMENTO E ADIMPLEMENTO NÃO SATISFATÓRIO . Diz o art. 1.056 da Código Civil: “Não cumprindo a obrigação, ou deixando de cumpri-la pelo modo e no tempo devidos, responde o devedor por perdas e danos”. No art. 955, já se estabelecera que se considera “em mora o devedor que não efetuar o pagamento, e a credor que o não quiser receber no tempo, lugar e forma convencionados”. “Não cumprindo a obrigação” e “não efetuar o pagamento” estão por “não adimplinda” e “não adimplir”. Falta adimplemento. Ou porque o devedor não se moveu a isso, ou porque o credor recusou a prestação, com razão. Na 2.’ parte do art. 1.066 e na 2.’ parte do art. 955, em termos exemplificativos, alude-se ao adimplemento não satisfatória, ou ruim. A não-satisfação pode provir de ser antes ou depois do tempo fixado, ou fora do lugar que fora indicado, ou em quantidade inferior à que se prometera, ou em qualidade inferior a que se havia de exigir (às vozes, a qualidade superior não satisfaz, como se o comprador precisa de peças da série b, e não de peças da série a, superior). “Modo”, no art. 1.056, está em sentido larguissimo. 8.IMPOSSIBILITAÇÃO SUPERVENIENTE À MORA. O art. 957 do Código Civil foi exposto no Tomo XXIII (§5 2.794, 5, 12, 13, 2.306, 1, 2.809, 2, 3, 6, 14, 18, e 2.810, 2). A “isenção de culpa”, a que se refere o art. 957, só diz respeito à impossibilitação, e

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não à mora. As criticas hostis que se fazem ao Código Civil, art. 957, são improcedentes, pois que os censores partem de principio que não é o do Código Civil. O Código Civil está certo. Segundo o art. 957 já se afirmou a mora, cujas pressupostos têm sedes material, que não é, de modo nenhum, no art. 957. Uma vez que houve a mora, o devedor passou a ser responsável por superveniente impossibilitação, qualquer que seja, salvo se à impossibilitação não deu causa, ou se o dano se teria dado ainda que a divida tivesse sido adimplida oportunamente. Os críticos, contra a letra da lei, deslocar para o suporte fáctico da mora o que somente concerne ao suporte fático da impossibilitação superveniente (e. g., Acosnnno ALVIM, Da Inexecução das Obrigações e ricas conseqüências das, 73). Pode ter havido mora sem ter havido culpa (e. g., Código Civil, art. 961), e haver culpa na impossibilitação superveniente. Pode ter havido mora e culpa, e não haver culpa na impossibilitação. Pode ter havido mora e culpa, e pela impossibilitação superveniente ser culpado o devedor. Pode ter havido mora e não ter havido culpa, e não haver culpa na impossibilitação superveniente. Pode ter havido mora, e a impossibilitação por força maior ou caso fortuito somente ter ocorrido por ter dado causa à situação em que foi impossibilitada a prestação o devedor sem dolo nem culpa. O assunto foi versado no Tomo XXIII, §§ 2.794, 5 e 12, e 2.809, 8, 14. A “isenção de culpa”, no art. 957, é a não ocorrência de imputabilidade, de causação. A impossibilitaçao , essa, pode ser por força maior ou caso fortuito. Por ela somente não responde se não houve causa (necessariamente anterior) que fez possível a impossibilitação por força maior ou casa fortuito O que aconteceu teria acontecido ainda que não tivesse havido o inadimplemento ao o inadimplemento ruim). Deixou E de adimplir no dia 15, e a 20 houve incêndio na casa em que guardara a prestação que deveria fazer (e.. g., os móveis encomendados); o incêndio foi sem culpa de E, que não era, sequer, locatário da casa em que alojara os móveis, por obséquio, ou mediante paga. B não a fez por dolo, nem houve culpa sua na impossibilitação, mas E responde porque deu causa a que a impossibilitação embora por força maior ou caso fortuito acorresse. Não há mora do devedor se foi o credor que impediu o adimplemento. O credor conduziu-se de tal forais que criou a impossibilidade. Há força maior, embora força oriunda de outrem. Tem-se de pôr o problema da impossibilidade em termos de dilema: ou a causou ou dela foi culpado o devedor, ou não a causou Me, ou dela não foi culpado. Não é a respeito da mora que se pode a questão da culpa; é a propósito da impossibilidade. Mora não houve porque houve a impossibilidade, sem culpa do devedor. 4.ILÍCITO ABSOLUTO E INADIMPLEMENTO. Sempre que se caracteriza fato ilícito absoluto (Tomo II, § § 162-208),ou seja fato stricto seneu ilícito, ou ato-fato ilícito, ou ato ilícito, alguém ofendeu a outrem, em sua pessoa ou em seu patrimônio, sem existir entre ofensor e ofendido relação jurídica negocial. A ofensa é, todavia, a algum direito absoluto, corresponde a infração de dever absoluto, razão por que se há de tratar como qualquer outro inadimplemento. Quem mata, ou fere, ou estupra, ou calunia, ou injuria, infringe, com ato positivo, ou negativo, dever absoluto. Quem arrebenta, a pedradas, as vidraças da casa de outrem, infringe dever absoluto. Infringe dever absoluto quem retira a árvore do seu jardim, se para isso seria preciso permissão do Estado, ou se a permissão imporia o plantio de outra. O assunto merece capitula especial. CAPITULO II ILÍCITO ABSOLUTO COMO INFRAÇÃO DE DEVER § 3104. Ilícito absoluto e deveres absolutos

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1.ESPÉCIES DE ILÍCITO ABSOLUTO. O ordenamento jurídico longe estaria de preencher a sua função política, no regular os atos e as omissões humanas para casos em que os interessados não estabeleceram, voluntariamente , relações jurídicas, se reduzisse aos atos culposos as sanções contra o ilícito. Ficaria fora do seu alcance grande parte de fatos danosos em que se poderia mostrar ou dificilmente se poderia mostrar, sequer, o nexo causal. A convivência humana teve de atender a que algumas atividades, por serem perigosas para os outros entes humanos, levam em si risco considerável. De ordinário, o risco é para quem exerce a atividade e para os outros. Mas aquele que a exerce está em melhor situação para evitar os males que dela resultem. Donde aparecerem, na classificação dos fatos ilícitos, os fatos stricto sem ilícitos e os atos fatos ilícitos. Os dois conceitos já foram expostos largamente; e em verdade não se pode pretender levar a cabo tratação sistemática de qualquer ramo do direito sem se partir de conceitos precisos das diferentes espécies de fatos lícitos (fatos etricto sensu lícitos, atos fatos lícitos, atos stcreta seneu lícitos, negócios jurídicos; fatos stricto sensu ilícitos, atos fatos ilícitos, atos ilícitos). 2.FATOS ILÍCITOS ABSOLUTOS E FATOS ILÍCITOS RELATIVOS. Sempre que não se exige ato humano para que a alguém caiba responsabilidade, há fato stricto sensu ilícito absoluto ao fato stri eta sensu ilícito relativo. A absolutidade e a relatividade dependem do dever que foi infringido. A responsabilidade do vizinho pelo dano causado pelo jarro de fiares que o vento jogou pela janela 4 por infração de dever absoluto, e não há pensar-se em que haja de estar no suporte fático ato humano. A responsabilidade pelo mau uso da propriedade ou pela tomada de posse, com violação da posse de outrem, é pelo ato humano, mas considerado apenas como ato-fato ilícito. Há infração a dever absoluto. Os fatos stricto sensu ilícitos e os atos fatos ilícitos podem ser relativos. A responsabilidade pela perda ou pelo dano causado por força maior ou caso fortuito é pelo fato stricto seneu ilícito. Quem responde por ofensa à boa fé ou pela gestão de negócios alheios, contra a vontade presumível do dono, praticou ato-fato ilícito relativo. § 3.105. Inadimplemento de dever absoluto 1.INFRAÇÕES. O inadimplemento de dever absoluto pode ser por ato positivo, ou por ato negativo. Quem fere a outrem, com algum instrumento, pau, ferro, ou outro meio, inclusive com o pé ou a mão, comete ato ilícito positivo absoluto. Quem assistiu cair na estrada pedra que desabou e obstrui a passagem para os automóveis, e deixa de avisar ao carro que vem, comete ato ilícito negativo absoluto. Passa-se o mesmo a respeito dos atos fatos ilícitos absolutos e dos fatos stricto sensu ilícitos absolutos. 2.DANO E RESPONSABILIDADE. A expressão “dano”, como “prejuízo”, tem dois sentidos: um largo, que abrange quaisquer ofensas e a perda; outro, estrito, que não compreende a perda. Terceiro sentido é o que atende ao sujeito ofensor e só se refere ao dano que alguém, culpado, causa. Tal sentido não merece empregar-se, porque há danos sem culpa, dos quais, no entanto, resulta, com ou sem ilicitude do fato, a responsabilidade. A responsabilidade pelos danos pode ser por violação de dever oriundo de negócio jurídico que apenas impõe divida e pode ser por infração de acOrdo de transmissão ou de constituição de direitos reais limitados. Assim, A vendeu a B a casa em construção e, dois meses após, assinou a escritura pública em que se dizia “A transmite propriedade e posse”, mas, antes de se fazer a transcrição, A, que, ao tempo da escritura pública do acOrdo de transmissão, era dono e tinha posse,

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transmitira a outrem, C, propriedade e posse. Essa pessoa, C, levou a sua escritura pública ao registro de imóveis, de jeito que, a despeito do acOrdo de transmissão anterior, B não pode obter a transcrição: já fora feita a favor de O. A pretensão à indenização, que nasceu a E, não foi por infração do contrato de compra e venda, mas sim por infração do acOrdo de transmissão. Alguns sistemas jurídicos, em que a tradição não ajudou a distinguir-se da divida de vendedor <da consensualidade) o vinculo de direito das coisas (oriundo do negócio jurídico bilateral de direito das coisas), confundem as conceitos. Não há obrigação de prestação, restituição ou indenização, sem existir dever. A pretensão à indenização 4, sempre, infração de dever. Quem mata comete ato ilícito absoluto, porque todos têm o dever de não matar. Quem fere outrem, ou contunde outrem, comete ato ilícito absoluto, porque todos têm dever de abster-se de atos que causem les6e~ corporais a alguém. Os sistemas jurídicos chegam a grande precisão na apreciação do interesse pela vida humana quando consideram, no direito penal, ato ilícito absoluto o suicídio. Nas leis de direito privado concernentes a atos ilícitos relativos, soem-se edictar regras jurídicas sObre o dever (e. g., “as usufrutuários são obrigados...”); mas, no tocante aos atos ilícitos absolutos, omite-se qualquer regra jurídica que diga “todos têm o dever de não matar”, ou “todos têm o dever de não jogar objetos pela janela”, ou semelhantes, e no entanto redige-se o que baste à caracterização da pretensão indenizatória. No direito público, os códigos penais somente tratam das sanções para as infrações de deveres, que êlea sido enunciam. Dai a necessidade, que teria toda sistemática verdadeiramente científica do direito papal e do direito das obrigações por fatos ilícitos absolutos, de apontar, preliminarmente, os direitos humanos que, feridos, dão ensejo à incidência da lei penal ou de regras jurídicas sObre indenização por ilícito absoluto. A falta de tal sistemática deve-se a deficiência de base m lógica contemporânea, no que essa alcançou de estudo da estrutura dos sistemas lógicos, por parte dos juristas, quase sempre de cultura formada ~em filosofias e lógicas superadas e deficitárias. § 3.106- Legitimação à pretensão oriunda de dano 1. OFENSOR. O ofendida é o legitimado à indenização do dano, posto que haja danos que indiretamente atinjam a terceiros, legitimando-os à pretensão indenizatória. Cumpre que se não confunda com a legitimação do terceiro a legitimação de quem também foi ofendido. Assim, se, na ocasião da homicídio de A, E, sua mulher ou sua filha, cu seu filho, sofre depressão nervosa, que lhe cause danos apreciáveis, E também foi ofendido: a lesão foi direto.. Se o dono da empresa ordena que se prenda em cárcere privado o engenheiro técnico da outra empresa, para que possa interromper a exploração da outra, a ofensa é ao engenheiro e à empresa, e não só ao engenheiro. A indenização à empresa ofendida é dos danos emergentes e lucros cessantes que a suspensão ou diminuição da atividade de exploração causou, pela falta do engenheiro técnico. 2.. O problema da legitimação do terceiro, em se tratando de atos ilícitos absolutos, é delicada, quer de lega l.t. quer de lega ferenda. Merece, porém, ser versado em conjunto com o problema da legitimação do terceiro à pretensão oriunda dos fatos ilícitos relativos, o que se fará no próxima capitulo. CAPITULO III DEVER DE INDENIZAR

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§ 3.107. Fonte. conceito 1.FONTE. Antes de algumas precisões sobre a conceito de indenização, convém que se acentue não ser sempre a mesma a fonte do dever de indenizar. Quer no direito público quer no direito privado, a indenização pode ser sanção assim a Infrações de deveres relativos como a infrações de deveres absolutos. Por outro lado, o dever de indenizar pode ter nascido sem qualquer ilicitude do ato. Se é mais freqüente a Indenização dos danos causados pelos fatos ilícitos, pelos atos-fato. ilícitos e pelos atos ilícitas, também há indenizações que resultam de fatos ou atos fatos ou atos sem qualquer pecha de ilícito. Exemplos de fácil memória são os dos arts. 1.519 e 1.520, parágrafo único, do Código Civil. 2.CONCEITO DE INDENIZAÇÃO . Quem indeniza torna indene o que foi danificado, o que algum fato atingiu, diminuindo a valor, ou extinguindo-o. Quem danificou há de indenizar. Dano é a perda, dano é o prejuízo sofrido. A expressão “perdas e danos” torna explícito que há o dano total e as danos que não excluem o bem. N~ só as coisas podem sofrer danos. Há danos ao corpo e à psique. Nas relações da vida, o ser humano há de indenizar o dano que causa. O ser humano que sofreu o dano há de ser protegido pelo direito material no sentido de ter direito, pretensão e ação contra o ofensor. A expressão ‘perdas e danos” também se refere e não se há de esquecer a ambigüidade a danos emergentes e lucros cessantes: perde-se o que se deixa de ganhar e sofre-se a diminuição do valor do que se tem. Somente o trato de cada espécie poderia caracterizar o conceito de que na ocasião se cogita. As ofensas podem ser a direitos, pretensões e ações que nasceram de negócios jurídicos, ou a direitas, pretensões e ações que não dependem de existir entre o ofendido e o ofensor relação jurídica negocial. Aquelas ofensas, em atos positivos ou negativos, são ilícito relativo; essas, em atos positivos ou negativos, são ilícito absoluto. 3.ESPÉCIES DE DANOS. No tocante aos danos, a distinção primeira é a que atende à patrimonialidade e à não-patrimonialidade dos danos <danos patrimoniais, danos não patrimoniais). Dela já cogitamos, cumpridamente. Outra distinção é entre danos reais e danos contabilisticos. Mas de começo é preciso advertir-se em que, se o dano real, por alguma razão , não é indenizável em natura, a Indenização é contabilística. Dano concreto ou real é o que se expressa em perda ou alteração de algum bem, ou lesão corporal ou psíquica, ou ofensa à saúde, ou outro bem jurídico. O dano à honra ou à reputação é dano concreto ou real. Dano contabilístico é o dano que a pessoa sofre em algum bem ou. em seu corpo ou psique, mas a expressão tem de ser em dinheiro O que em verdade se perdeu ou o que em verdade se reduziu foi o valor do patrimônio ou das coisas de valor patrimonial futuro. Inclusive de produção. Dano imediato é a mudança que imediatamente se opera nos bens que o fato ofensivo atingiu. Dano é o dano que vem mais tarde, ou porque, como a perda da aptidão para o trabalho, a lesão influi permanentemente, ou repetidamente,ou porque só se manifestou, depois, no patrimônio do ofendido. O dano mediato não cessa à desaparição do fato que o causou, por vezes sem se poder dizer, de Inicio, até que ponto a pessoa será atingida ou o patrimônio será atingido. Dano material do dano patrimonial que consiste em perda, destruição, deterioração, ou deturpação, ou perda parciaL Dano imaterial é o dano que não consiste em diminuição do patrimônio, porque concerne à liberdade, à honra, ao nome, à felicidade. Todavia, havemos de advertir em que o mesmo fato pode

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causar o dano material e o dano imaterial. Dai a patrimonialidade e a não-patrimonialidade, cumuladas. Os danos derivam ou de inadimplemento (e já mostramos que os fatos ilícitos absolutos também são inadimplemento de deveres), ou de não se ter conseguido o que se tinha, por fato de outrem, de esperar. Ali, o interesse é interesse positivo; aqui, negativo (Tomos IV, §§ 383, 398, 8, 422, 2, 429, 1, 448, 455, 5; e XII, § 2.722, 3). A responsabilidade pelo dano, que o confiar em outrem causou, consiste em prestar-se aquilo que dá ao titular da pretensão por interesse negativo o que o repõe na situação em que estaria se não houvesse contado com a eficácia (não só a validade) do negócio jurídico (não só do contrato, pois o promitente ao público responde pelo interesse negativo). Ao interesse negativo atende-se prestando-se o que o prejudicado despendeu com a feitura, as exigências para eficácia e fiscais, e a finalidade de adimplemento dos seus deveres, e o que perdeu com a passagem de possibilidade de outro negócio jurídico. Não se indeniza, ai, o que teria ganho o ofendido com a eficácia do negócio jurídico. Escapam às duas classes os danos derivados da mora, não os que se originam de violações positivas da contrato. 4.PRETENSÃO AO ADIMPLEMENTO E PRETENSÕES INDENIZATÓRIAS. No que concerne aos deveres de cuja infração resultam fatos ilícitos absolutos, a pretensão ofendida é a pretensão, geralmente dirigida contra todos, a que não se dêem certos fatos ou a que ocorram certos fatos. Se aprofunda a origem dos fatos ilícitos absolutos, encontra-se o dever de abstenção, ou de certos fatos. Não há, portanto, diferença fundamental entre o fato ilícito absoluto, incluído o ato ilícito absoluto, e o fato ilícito relativo, incluído o ato ilícito relativo. Quem deixa de pagar o que comprou põe-se em situação semelhante à de quem arrombou a cerca do vizinho, ou à de quem desligou a corrente elétrica da rua, ou de quem atropelou, com o automóvel, o transeunte, ou de quem matou. Psicanaliticamente, a tendência a não se ver dever à base dos fatos ilícitos absolutos, como se a árvore cai na rua e o dono da árvore não a retira, ou se o passante joga pedras nas fruteiras, ou deixa de fechar a porta do elevador, ou mata alguém, tem explicação em que só se via credor e devedor entre particulares, e não entre o senhor e o súdito. Ao senhor não se devia, ao senhor obedecia-se. (É difícil na vida humana, sempre evoluível no sentido de cada vez maior adaptação entre os homens eliminar-se o que é resíduo de épocas remotas ou já passadas. Em todo casa, o cientista tem de ver e apontar essas reminiscências e evitar que elas continuem de toldar a sistemática e, por vezes , a terminologia do direito.) As pretensões indenizatórias são todas, portanto, oriundas de infração. As restaurações, o impulso para o estado anterior, que as pretensões à indenização colimam, são ou para que se restabeleça, em natura, o status quo ante, ou para que se indenize em dinheiro. A indenização em natura tende à eliminação dos danos concretos ou reais. Por ela, procura-se restabelecer o estado de fato que existia ao tempo da infração. A indenização em pecúnia presta o valor do que se perdeu ou do dano causado. Ambas têm por finalidade recompor, ainda que somente pelo valor, o que era. Deve-se entender que a pretensão à indenização fica satisfeita, sempre, se possível a restauração em natura, mas a restauração que, concretamente, seria completa, porém não atenderia a interesse do titular que também foi atingido, não seria satisfatória. &.RESTAURAÇÃO EM NATURA. No restabelecimento do estado anterior, tal como era, concretamente, o devedor tem de restaurar e dar conta do tempo que decorreu entre o fato ilícito e a restauração. Assim, quem foi esbulhado da posse, não só tem direito a re entrega da coisa, como também aos frutos e demais proveitos que poderia ter obtido com a posse. Se a coisa sofreu algum dano e o conserto não pode ser perfeito, tem o desapossado direito a indenização contabilística. Se a coisa é

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fungível e não houve determinação individual, a restituição é em outra coisa do gênero, O que decide é o uso da tráfico. As coisas que já foram usadas dificilmente são substituíveis, salvo se o ofensor quer prestar mais do que deve. De regra, o que é usado perde parte do valor. Só excepcionalmente o uso valoriza; e. g., se os aparelhos do gênero nem sempre são bons, mas o uso como que atesta que é bom o que se perdeu ou danificou, como poderia atestar quanto a outro que tivesse tido o mesmo bom êxito. Alguns danos imateriais são restituiveis em natura. Em nenhum lugar do Código Civil ou do Código Comercial se diz que a indenização há de ser precipuamente em dinheiro. Pelo contrário: no art. 1.543 do Código Civil, que se refere à restituição, põe-se a restituição em natura antes da indenização em dinheiro. No Decreto n. 24.776, de 14 de julho de 1934, art. 35, foi dito: “Toda pessoa, natural ou jurídica, que for atingida em sua reputação e boa fama por publicação feita em jornal ou periódico, contendo ofensas ou rei erência de fato inveridico ou errôneo, tem o direito de exigir do respectivo gerente que retifique a aludida publicação”. Embora por inserção de resposta, há, ai, indenização em natura, se houve ofensa à reputação e boa fama. Tal retifição, de que 6 autor o ofendido, não se confunde com a retratação, feita pelo ofensor, quando a ofendido exerce a pretensão a indenização em natura (= pretensão à retratação de manifestações públicas que ofendam a honra de outrem ou lhe diminuam o crédito). A pretensão à indenização, se a restauração em natura não pode ser feita, ou não seria satisfatória, exerce-se para se haver a quantia em dinheiro que valha o dano sofrido, material ou imaterial. A indenização em dinheiro ou a) é prestada de uma vez, se o dano pode ser de uma vez reparado, ou 1>) é feita à medida que se procede à restauração (e. 9., mensalidades ao construtor que se encarregou do conserto , cantas semanais ou mensais de hospitais), ou c) é mediante determinada quantia em que se avaliou definitivamente a restauração satisfatória, ou d) com a entrega ou destinação de determinada quantia cujas interfisses cubram as indenizações parciais até que cessem, retornando ao ofensor o capital. IA-se no Código Civil, art. 1.534: “Se o devedor não puder cumprir a prestação na espécie ajustada, substituir-se-á pelo seu valor, em moeda corrente, no lugar onde se execute a obrigação”. Portanto, o que se há de pedir é a espécie ajustada; se o devedor não’ pode prestá-la, é que se dá a substituição pelo valor, em moeda corrente, no lugar da execução. O valor do objeto prometido, entenda-se, no lugar da execução. Não se referiu o tempo em que se aprecia o valor, porque só há a exceção do art. 1.536 do Código Civil à incidência dos princípios gerais. O devedor pode ser condenado a prestar a espécie prometida, se pode prestá-la; por isso mesmo, a execução pode recair em tal espécie que esteja no patrimônio do devedor. Aqui, convém que frisemos alguns pontos descurados pela doutrina: 1) Quem promete coisa certa tem, precipuamente, de prestar coisa certa. A propositura da ação é para que se preste o que se prometeu. Não só as ações reais têm a reipersecutoriedade; nem só as ações reais têm por finalidade o adimplemento primário, que é pela prestação do devido. 2)Nas próprias ações por fatos ilícitos (fatos stricto sensu ilícitos, atos-fatos ilícitos, atos ilícitos), absolutos ou relativos, ou por fatos lícitos, de que se irradie pretensão à restauração do status <pio ante, o pedido pode dirigir-se a restauração em natura, e somente quando haja dificuldade extrema ou impossibilidade de se restaurar em natura é que, em lugar disso, se há de exigir a indenização em dinheiro. 6.RESTAURAÇÃO OU PELO VALOR. A indenização em dinheiro, que se não há de confundir com a prestação prometida em dinheiro, ocorre a) quando ou enquanto não seja possível a indenização em natura, ou b) se a indenização em natura não é suficiente para satisfação do credor. (a) Assim, se tornou impossível a prestação devida, por culpa da devedor, tem-se

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que ele responde pelo equivalente da prestação (r pelo valor igual, em dinheiro, ao da prestação) e pelas perdas e danos. As espécies a) e b) podem aparecer, portanto, quando incide o art. 865, alínea 2.8: “Se a perda resultar de culpa do devedor, responderá este pelo equivalente, mais as perdas e danos”. No tocante ao art. 867, que regula a responsabilidade do devedor em caso de impossibilitação parcial, sendo culpado o devedor, as espécies são alternativas: ou a) o credor exige o equivalente, mais perdas e danos, ou b) recebe a coisa, no estado em que se acha, com as perdas e danos. Essas perdas e danos são, ali, pelo interesse negativo; aqui, pela perda da parte impossibilitada e pelo interesse negativo. Nos casos de dívida de restituição, tudo se passa à semelhança das arts. 865, 2Y parte, e do art. 867 (arte. 870 e 871, 2.~ parte). Nos casos de divida de coisa incerta, ou, após a escolha pelo credor, o art. 865, 2.8 parte, incide, ou incide o art. 871, 2.~ parte. (b) Também não é possível o adimplemento em natura, se há dano irreparável para a saúde ou para a capacidade de trabalho de outrem. (c) É insuficiente o adimplemento, ou a indenização em natura, quando, após a prestação da coisa não fungivel ou infungibilizada conforme o uso do tráfico ou cláusula negocial, ou da coisa fungivel, o valor ao tempo da prestação é menor do que aquêle que teria se nada lhe houvesse ocorrido, ou quando, durante o tempo em que não a teve, ou a teve sem utilizabilidade normal, foi o credor privado do uso dela ou com ela fez despesas. (d)Indeniza-se por inadimplemento se houve impossibilidade subjetiva, ou qualquer que tenha sido a causa de inadimplir, salvo impossibilitação superveniente sem culpa do devedor. Se houve essa impossibilitação superveniente, a dívida extinguiu-se, em virtude de resolução, de modo que não há pensar-se em inadimplemento, nem, a fortiori, em mora. (e) Se o adimplemento havia de ser em natura e o devedor incorreu em mora, tem-se de indagar se cabe, ou não, purga da mora. Se não cabe, a indenização há de ser pelo equivalente; se cabe, ainda há o ensejo para o devedor purgar a mora. Excedido o tempo para a purga da mora, a indenização tem de ser em dinheiro. A finalidade da indenização em dinheiro é dar ao patrimônio do ofendido, tal como é no momento, o que possa torná-lo igual ao que seria, se o fato ilícito, absoluto ou relativo, não tivesse ocorrido. Dai conseqüência que merece toda atenção: indeniza-se o valor comum ou de troca no momento, maia O que, para o prejudicado, teria se não tivesse ocorrido a fato ilícito, absoluto ou relativo. Por exemplo: se, fazendo parte de maquinada da empresa, a sua falta foi de maior dano que o seu valor, por tardar a encomenda de outra peça, ou aparelho igual, paralisando-se, assim, a atividade produtiva da empresa, ou parte dela, ou diminuindo-a. Tem-se, portanto, de distinguir do valor do bem como tal, valor objetivo, o valor subjetivo, que depende de circunstâncias objetivas ou subjetivas ligadas ao titular do crédito por fato ilícito absoluto ou relativo. O valor estimativo é valor puramente subjetivo, como o do relógio que pertenceu ao pai, ou à mãe. Todavia, se o fato de ter pertencido ao pai ou à mãe do ofendido influi no valor, de modo que se objetiviza a relação de procedência, como se o relógio foi de grande personalidade, que coincide ser o pai do ofendido, há valor objetivo, e não puramente subjetivo. Por outro lada, o valor estimativo pode tornar-se valor objetivo, se, pela falta do objeto, se deprecia coleção. A ofensa ao objeto de valor estimativo pode conter ofensa à personalidade, à honra, ou a outro direito, e o dano causado, ainda moral (sobre interesse moral, Código Civil, arte. 76, parágrafo único; sobre dano não patrimonial, 1.547, parágrafo único, e 1.550), é indenizável. No direito alemão, o interesse de afeição não é indenizável. Não assim no direito brasileiro (cf. Código Civil, art. 1.543).

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No sistema jurídico brasileiro, o valor estimativo ou de afeição é levado em conta. Não importa, para s doutrina e para a jurisprudência, o que se afirma noutros sistemas jurídicos. Há regra jurídica explícita: o art. 1.543 do Código Civil. Lá está dito: “Para se restituir o equivalente, quando não exista a própria coisa (art. 1.541), estimar-se-á ela pelo seu preço ordinário e pelo de afeição, contanto que este não se a vantage àquele”. Note-se o que há de atenção ao sentimento, na regra jurídica do art. 1.543 (com razão, AGoSTIMHO ALVIM. Da Inexecução das Obrigações . § 3.108. Indenização por dano não patrimonial 1.. Dano patrimonial é o dano que atinge o patrimônio do ofendido; dano não patrimonial é o que, só atingindo o devedor como ser humano, não lhe atinge o patrimônio. A expressão “dano moral” tem concorrido para graves confusões; bem como a expressão alemã “Schmerzengeld” (dinheiro de dar). Às vezes, os escritores e juizes dissertadores empregam a expressão “dano moral” em sentido amplíssimo (dano à normalidade da vida de relação, dano moral estrito, que é o dano à reputação, o dano por depressão ou exaltação psíquica aunêurica , dano que não é qualquer dos anteriores mas também não ofende o patrimônio, como o de dor sofrida, o de destruição de bem sem qualquer valor patrimonial ou de valor patrimonial ínfimo). Ai, dano moral seria dano não patrimonial. Outras têm como dano moral o dano à normalidade da vida de relação, a dano que faz banir o moral da pessoa, e a dano à reputação. Finalmente, há o senso estrito de dano moral: O dano à reputação. Para o sistema jurídico brasileiro, o interesse ou é patrimonial ou é moral. Então, todo não patrimonial pode ser moral. Porém essa distinção, em que o adjetivo moral é empregado em senso amplissimo, somente interessa ao direito pré-processual (Código Civil, art. 76; Código de Processo Civil, art. 2.0), e não ao direito material da res in iudicium deducta (Tomo V, § 625, 3 e 5). Aqui, o que nos importaria seria o conceito de dano moral, ao qual, aliás, não se referem as leis brasileiras. 2.FUNDAMENTO DA RESPONSABILIDADE. Seria absurdo que não fosse indenizável o dano ao corpo e à psique, que não tivesse conseqüências não patrimoniais. O direito penal mostra, de si só, que o sistema jurídico brasileiro repele tal limitação. A ofensa à integridade física (= à integridade corporal ou à saúde) é punível, ainda que nenhum dano patrimonial haja ocorrido (Código Penal, art. 129). A calúnia e a difamação são puníveis, sem se cogitar de qualquer dano patrimonial (Código Penal, arts. 188-145). Os crimes contra a liberdade física independem do dano patrimonial (Código Penal, arte. 146-149). Bem assim, os crimes contra a inviolabilidade do domicílio (Código Penal, art. 150), contra a inviolabilidade da correspondência (Código Penal, arts. 151 e 152), contra a inviolabilidade dos segredos (Código Penal, arts. 153 e 154), contra a propriedade intelectual (Código Penal, arts. 184-186), e contra a propriedade industrial (Código Penal, arte. 187-195). A propósito dos crimes contra o sentimento religioso (Código Penal, ad. 208), contra o respeito aos mortos (Código Penal, arte. 209-212), contra o casamento (Código Penal, arts. 285-240) e outros, não se pode pensar em que deixa de exigir-se o dano patrimonial. Basta o dano moral. É preciso que se não confunda o dano moral, em senso largo ou estrito, com o dano patrimonial oriundo do dano moral. Os autores que exprobram à indenização do dano moral o ser indenização, pelo dinheiro, do que é dano pela dor, física ou psíquica, não atendem a que não é a dor, em si, que se indeniza, é o que a dor retira à normalidade da vida, para pior,e pode ser substituído por algo que o dinheiro possa pagar. Viajava B para as suas férias e foi vítima de pancada, oriunda de mau funcionamento de guindaste, o que o fez voltar e

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ir ao médico. Há a indenização da perda das passagens e das despesas de hotel irrestituíveis, bem como do tratamento do hospital. Sem isso, o seu patrimônio estaria diminuído pelo fato da pancada. Todavia, as férias tinham importância maior, pelo esgotamento devido ao trabalho, e o médico aconselha que peça licença na repartição ou na empresa. O dano moral é aí avaliável em dinheiro, pois a licença importa diminuição presente e talvez futura do seu patrimônio e posto . Também o choque que A teve com o homicídio do seu cônjuge pode ser desfeito, nas conseqüências , com a reparação consistente em se lhe proporcionarem os meios para de acordo com as indicações médicas se refazer do trauma. O que acima se enunciou sobre o dano moral há de ser entendido a respeito de qualquer dano não patrimonial. Dai a indenizabilidade do dano às pessoas jurídicas. Desde que, com dinheiro, se possa restabelecer o estado anterior que o dano não patrimonial desfez, há indenizabilidade do dano não patrimonial. Se houve calúnia ou difamação da pessoa jurídica e o efeito não patrimonial pode ser pós-eliminado ou diminuído por algum ato ou alguns atos que custem dinheiro, há indenizabilidade. Oque se há de evitar são as discussões em tôrno do conceito de dano moral, pois a lei não se referiu, sequer, a ele. Quando alguns juristas dizem que o dano moral não é indenizável se não repercutiu no patrimônio, afastam, conceptualmente, que se trate ou que só se trate de dano moral. Porque dano moral é espécie de dano não patrimonial, e dano por efeito de repercussão no patrimônio é dano patrimonial, ou também é dano patrimonial. Dano dito moral que resultou em dano patrimonial, dano patrimonial é que é, e não dano moral. Provavelmente houve os dois. Impatrimonialidade não quer dizer inavaliabilidade.Há bens não patrimoniais avaliáveis; e danos não patrimoniais que são avaliáveis. O que se exige para a indenizabilidade do dano moral é que seja avaliável, e não que seja também patrimonial: se fosse também patrimonial, seria não patrimonial e patrimonial; portanto, teria havido dois danos. A dificuldade da avaliação do dano moral e, em geral, do dano não patrimonial não pode ser alegada como argumento contra a indenizabilidade. Há danos patrimoniais de difícil avaliação. A dor física e a dor moral não são patrimoniais. Mas, a cada momento da vida, vemos que A improvisa viagem ao estrangeiro, ou a outra unidade do pais, para que a filha, que sofreu abalo com o assassínio do marido, se distraia, ou para que o filho, que ficou abatido com a calúnia que levantaram no colégio ou na faculdade, mude de ambiente e volte em estado normal. >~ Que significa tudo isso senão que o dinheiro pode ser substituto aproximado da indenização em natura? Quem fala de proporção entre indenização e dano não alude a coincidência rigorosa, mas sim a aproximação. O que se colima é a substituição de ritmo da vida, de prazer, de bem-estar psíquico, que desapareceu, por outro, que a indenização permite. Uma vez assente a indenizabilidade do dano moral,não há fazer-se distinção entre dano moral derivado de fato ilícito absoluto e dano moral que resulta de fato ilícito relativo. Tanto pode haver dano moral, nas relações entre devedor e credor, quanto entre o caluniador e o caluniado, que em nenhuma relação jurídica se acha, individualmente, com o ofensor. Por exemplo: prometeu A a B o mútuo de tantos mil cruzeiros para que pudesse B evitar o protesto ele nota promissória de que é endossatário o Banco C, vencível dez dias depois da data em que se teria de fazer o empréstimo; A falta à promessa, sem que tivesse qualquer exceção contra B; E não evita o proteste, surgem dificuldades para a exploração do seu serviço e tem grande abalo moral, devido a afirmar A que E estava falido e, pois, não podia emprestar a quantia; E não incorre em falência. Se o dano moral é indenizável, tem E pretensão contra A para haver o empréstimo e pelas perdas e danos, inclusive o dano moral, que é avaliável. O dano não patrimonial pode ser a toda uma classe, ou grupo de pessoas, como se o

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jornal ofende a honra dos cirurgiões de determinada clínica, ou bairro, ou cidade, ou dos sócios de algum clube (e. g., atribuindo serem jogadores profissionais). Quem sofre dor ou mágoa foi ofendido em sua integridade física ou psíquica, e talvez precise que se lhe proporcione algo que preencha o branco que a dor ou a mágoa deixou na felicidade. No direito brasileiro, não há qualquer regra jurídica que diga só ser indenizável o dano patrimonial nem, sequer, regra jurídica que corresponda ao § 253 do Código Civil alemão, segundo a qual, se o dano não é patrimonial, indenização só-mente se deve nos casos determinados em lei. Na mesma estrada, o ad. 2.059 do Código Civil italiano. Com isso, explicita-se a limitação. Na própria doutrina alemã, há criticas severas ao § 253 do Código Civil. Porém não seria justo que se emendasse o texto para se admitir graduação das culpas. No direito suíço (Código Suíço das Obrigações, art. 47), pode o juiz, levando em consideração circunstâncias particulares, dar à vitima de lesões corporais, ou, em caso de morte de homem, à família, indenização equijidosa, a titulo de reparação moral. No art. 49, alínea 1~a, o que sofre ofensa a interesses pessoais pode reclamar, em caso de culpa, indenização (domniages-intérêts) e, além disso, quantia em dinheiro, a titulo de reparação moral, quando justificada pela gravidade particular do prejuízo sofrido e da culpa. O que se há de exigir como pressuposto comum da reparabilidade do dano não patrimonial, incluído , pois, o moral, é a gravidade (cf. Código suíço das Obrigações, art. 49, alínea 1.~), além da ilicitude. Essa existe sempre que o fato ilícito é jucito penal (zz sempre que o dano é oriundo de fato que também é crime ou contravenção ). A respeito, foi passo considerável, com vantagem evidente para a técnica legislativa, o art. 1.078 do Código Civil argentino: “SI el hecho fuese un delito del derecho criminal, la obligación que de 61 nace non sólo comprende la indemnización de pérdidas é intereses, sino también del agravio moral que el delito hubiese hecho sufrir à la persona, molestándole en su seguridad personal, 6 en el gose de sus bienes, 6 hiriendo sus afecciones legítimas”. O ser crime ou contravenção (delito de direito penal) o ato ilícito absoluto é suficiente indicação da sua gravidade. No ad. 1.530 do Código Civil, diz-se que “o credor, que demandar o devedor antes de vencida a divida, fora dos casos em que a lei o permita, ficará obrigado a esperar o tempo que faltava para o vencimento, a descontar os juros correspondentes, embora estipulados, e a pagar as custas em dobro ”. Não se pode ver ai somente dano patrimonial presumido, porque a ação de cobrança não só danos patrimoniais produz. Há elemento moral, que foi ferido. Ocorre o mesmo em se tratando de ação para haver o que já fora pago (Código Civil, art. 1.531, 1.8 parte). Pode haver. Porém é menos provável haver dano moral na cobrança de mais do que o devido (ad. 1.531, 2. parte). 3.PORMENORIZAÇÕES CONCEPTUAIS. Alguns pontos têm de ser frisados: a)Há a reparação em natura do dano não patrimonial e a reparação pecuniária. A condenação à retificação ou à retratação é condenação em natura, aproximativamente. b)A reparação do dano não patrimonial pode ser só ou em conjunto com a reparação do dano patrimonial. c)A reparação do dano não patrimonial pode ser em lugar ou em conjunto com a reparação por fato atricto san Ilícito, ou por ato-fato ilícito. d)Os princípios concernentes à culpa concorrente da vitima podem ser invocados. c)Pré-exclui-se a responsabilidade pelo dano não patrimonial segundo os mesmos princípios de pré-exclusão da responsabilidade pelo dano patrimonial. d)Se não teve gravidade o dano, não se há pensar em indenização. De minimis nos curat praetor. e)Se há mais de um responsável pelo dano não patrimonial, pode-se determinar o

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quanto que se há de prestar, não conforme a culpa ou as posses de cada um, mas pelo com que cada um concorreu, em causação, para o dano. f)O dano pode consistir em dor física (Schmerzensgeld), deformação (Narbengeld), afeamento, dor moral (e. g., por morte de parentes, vergonha, depressão da energia para a vida), mudança de gênero de vida tornado indispensável, nervosismo oriundo do trauma, diminuição da alegria de viver. g)Quem está sob ameaça de dano não patrimonial ou de continuação dele pode exercer a ação de preceito cominatório (Código de Processo Civil, art. 802, XII). h)Se o titular da pretensão à reparação em natura, ou pecuniária, a exerceu, ou mostrou que era sua intenção firme exercê-la, transmite-se ela aos herdeiros. i) A condenação penal, ainda se contém ou se consiste em multa, ou pena pecuniária, não exclui a pretensão à reparação, de direito privado. j)Os atentados ao pudor e os delitos sexuais dão causa à indenização pecuniária do dano moral (crimes contra a liberdade sexual, sedução e corrupção de menores, rapto, lenocínio e tráfico de mulheres, ultraje público ao pudor, etc.). k)O marido, em caso de injúrias de terceiro à mulher, ou a mulher, em caso de injúrias de terceiro ao marido, tem a ação cominatória e a de condenação à reparação. Bem assim,o titular do pátrio poder, quanto aos filhos menores. 1) O dano não patrimonial resultante de morte causada por imperícia ou incompetência médica é reparável pecuniàriamente aos que a lei tem por legitimados segundo a ligação com o falecido (e. g., cônjuge, ou pessoa com quem vivia, filhos, pais, irmãos). m)A publicação de carta difamatória é causa de ofensa não patrimonial. n) A publicação de biografia caluniosa ou difamatória é ato ilícito de que pode resultar indenizabilidade. o)Os padres e pastores não estão, de modo nenhum, incólumes às pretensões por difamação ou calúnia. p)A publicação do discurso parlamentar em que há calúnia ou difamação pode dar ensejo à reparação pelo dano não patrimonial. § 3.109. Legitimado ativo nas dividas de Indenização 1.PRINCIPIO DA INCOLUMIDADE DA PESSOA E DOS BENS. Todas as dívidas e todas as obrigações de indenização derivam de infração de deveres que se irradiam da incidência de princípios, que se inserem no principio geral de incolumidade da pessoa e dos bens. Dai ser o ofendido o legitimado ativo. Ofendido é o que sofre o dano causado pelo fato ilícito absoluto, ou pelo fato ilícito relativo. O mesmo fato ilícito pode provir de uma, de duas ou de mais pessoas e ofender uma, duas ou mais pessoas. As proposições acima são pertinentes aos fatos ilícitos absolutos e aos fatos ilícitos relativos. Quando o sistema jurídico atribui a alguém, por fato lícito, inclusive ato licito <e. si., Código Civil, arts. 160, 1 e II, 1.519 e 1.520, parágrafo único), dever de reparar o dano causado, também é o princípio da incolumidade da pessoa e dos bens que está à base das regras jurídicas. 2.SUCESSÃO NA LEGITIMAÇÃO. Os Sucessores entre vivos e a causa de morte são, de regra, legitimados às indenizações. As pretensões oriundas de ofensa aos direitos de personalidade e, em geral, aos bens incorpóreos são transmissíveis entre vivos e a causa de morte. As pretensões nascidas de infração do direito autoral de personalidade (Tomo XVI, § 1.888) são transmissíveis entre vivos e a causa de morte. As pretensões a indenização por ofensa ao segredo de fábrica ou de indústria são transmissíveis entre vivos e a causa de morte (Tomo XVI, § 2.004, 1). § 3.110. Dano causado a terceiro

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1.INDENIZABILIDADE. De regra, só se indeniza o dano que sofre o titular do direito à indenização. (a)Em se tratando de fato ilícito relativo, notada-mente ato ilícito, portanto de infração de dever negocial (de ordinário, contratual), legitimado é o ofendido em seus interesses negociais, isto é, o figurante do negócio jurídico bilateral, ou o destinatário do negócio jurídico unilateral. Exceto se houve estipulação a favor de terceiro (Código Civil, arte. 1.098-1.100). Se ‘o ilícito é absoluto, é legitimado aquele cuja pessoa ou cujos bens foram atingidos pelo fato stricto sersu ilícito, ou pelo ato-fato ilícito, ou pelo ato ilícito. Todavia, casos há em que o sistema jurídico cria pretensão a indenização, por parte de terceiro, O terceiro que sofre o dano pode, segundo as circunstâncias, ser legitimado à indenização. Assim, se morre A, que estava obrigado a alimentar B, ou B e C, quer por força de lei, quer em virtude de negócio jurídico, o ofensor, por ato ilícito, ou, conforme a espécie, por ato-fato ilícito , ou por fato stricto .sensu ilícito, tem de prestar a B, ou a B e O, os alimentos que A teria de prestar, se vivo fosse . O ad. 1.537, II, do Código Civil, é explícito: “A indenização no caso de homicídio, consiste: II. Na prestação de alimentos às pessoas a quem o defunto as devia”. O Código de Processo Civil (cf. Decreto-lei n. 4.565, de 11 de agosto de 1942, ad. 43), ad. 911, cogitou da espécie, com maior generalidade, pois, com plena percepção do sistema jurídico, considerou os alimentos da vítima (verbis “indenização proveniente de ato ilícito”) : “No arbitramento da indenização proveniente de ato ilícito, os lucros cessantes serão convertidos em prestação de renda ou pensão, mediante pagamento de capital que aos juros legais assegure as prestações devidas”. No ad. 912, alíneas 1a e 2.a: “A indenização referida no artigo anterior será fixada, sempre que possível, na ação principal, e compreenderá as custas judiciais, os honorários de advogado, as pensões vencidas e respectivos juros, devendo a sentença determinar a aplicação do capital em títulos da divida pública federal para a constituição da renda. :Esse capital será inalienável durante a vida da vitima, revertendo, após o falecimento desta, ao patrimônio do obrigado. Se a vitima falecer em conseqüência do ato ilícito, prestará o responsável alimento às pessoas a quem ela os devia, levada em conta a duração provável da vida da vitima. Neste caso, a reversão do capital ao patrimônio do obrigado somente se efetuará depois de cessada a obrigação de prestar alimentos”. Assim, há casos em que o terceiro tem pretensão a alimentos prestados pelo ofensor, embora não tenha ocorrido homicídio. §g 3.109-3.110. LEGITIMAÇÃO ATIVA As regras jurídicas acima referidas não concernem apenas ao homicídio, e sim à morte, se a lei estabelece indenizabilidade, Isto é, se do ato ilícito, ou do ato-fato ilícito, ou do tato stricto sensu ilícito, ou mesmo de fato licito, resulta a responsabilidade civil de alguém. O que importa é que haja a responsabilidade, in casu. Assim, se, para salvar o trem cheio de passageiros, E, empregada da empresa, ou pessoa estranha, fez funcionar o aparelho de desvio mas foi esmagado pelo trem, nenhum fato ilícito houve e no entanto há a responsabilidade da empresa pelos alimentos segundo os arts. 911 e 912 do Código de Processo Civil <cf. Código Civil, arts. 1.519 e 160, II, no qual “coisa alheia” está por bem alheio, inclusive integridade física e moral). (b) Se houve lesão corporal que não matou, tudo se passa à semelhança. Nos arta. 1.538 e 1.539, o Código Civil cogitou da indenização por ferimento ou outra ofensa à saúde física ou psíquica, está visto e, embora não se aluda a terceiro, há de ser entendido que o ad. 1.537, II, é comum ao homicídio e à ofensa física ou psíquica de que resulte não poder o ofendido prestar ao terceiro os alimentos devidos. Também a respeito das lesões físicas ou psíquicas se há de atender a que só se tem de inquirir se há, in casu, responsabilidade civil. Não importa se essa responsabilidade

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se irradia de ato ilícito, de ato-fato ilícito, de fato stricto sensu ilícito, ou de fato licito. <c) Não se pode estender a outros casos de dano indireto a regra jurídica sObre legitimação do terceiro, que é só era caso de o/ema à pessoa, porque seria desmesurada a extensão da indenizabilidade. A regra jurídica que se há de redigir, no sistema jurídico brasileiro, é a seguinte: todo dano, que o terceiro sofra porque houve ofensa física ou psíquica a E, há de ser ressarcido pelo ofensor se o ofendido já lhe devia alimentos e não pode solver porque sofreu a ofensa. Se B, por ofensa que lhe foi feita por A, perdeu o emprego ou deixou de cumprir o que prometera a C, A tem de indenizar a E, inclusive no que E teve de indenizar a C, ou deixou de ganhar de C (cf. TÀonr, Die Gettendmachung da Dritiachadens, 48). De iue condendo, há muito que se investigar sobre a necessidade de se atender ao dano feito ao terceiro, porque, tal como 4, hoje, a doutrina, muitos interesses respeitáveis ficam sem proteção. Em todo caso, é difícil ir-se além dos datas à pessoa do ofendido, que possam importar lesão a terceiro. O exemplo do competidor que dinamita a mina do fornecedor da outra empresa não basta para se justificar extensão da regra jurídica, porque aí a dano é direto: ao fornecedor e à outra empresa. 2.DIFICULDADE DE APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS. Às vezes as situações criadas levam a doutrina a perplexidade. Par exemplo: foi legado a C um automóvel, que E, sem permissão do herdeiro D, destroçou, em passeio. A ação do legatário contra o herdeiro é pessoal, e não poderia o legatário ir contra o terceiro, segundo a opinião corrente. Todavia, o herdeiro tem preteria contra o ofensor, a despeito do que sustenta a doutrina alemã: primeiro, porque, na ação pessoal do legatário, terá de provar a causa do perecimento ou do dano e a ausência de cuja sua; segundo, parque Me está de posse do bem legado e a ofensa atingiu a sua passe. Assim, devemos admitir que, alegado e provada a responsabilidade do terceiro, a ação do herdeiro é transferida ao legatária, se de por si só não a quer exerce É chocante admitir-se que o herdeiro possa cruzar os braços diante do ato do terceiro, e a ofensa aos bens legados se permitida (= seja irresponsabilizável a ofensor dos bens legados). No direito brasileiro, a testador pode determinar a transferência da propriedade, pela pretensão à coisa legada desde a data da morte: basta que seja puro e simples o legado (Código Civi1, ad. 1.690; Tomo XI, § 2.214, 2). O legatário no sistema jurídico brasileiro tem a propriedade por força da verba testamentária; a posse é que está com c herdeiro. A ofensa foi à propriedade e à posse donde haver duas vezes a do legatário e a do herdeiro. o assunto cresce de gravidade na hipótese de ato ilícita que tinja cédula amortizável, para cuja amortização haja prazo preclusivo ou Não se há de tolerar que o direito de alguém fique exposto a ofensas de quem quer que seja. Ocorre algo parecido no caso de compra-e-venda com expedição (Versendungskauf), se a posse não foi transferida ao comprador. Os riscos tocam ao vendedor, enquanto o comprador não recebe a posse mediata, ou imediata. Se a posse foi transferida, a propriedade transferiu-se (Código Civil, arts. 620-622). AI, os riscos passaram ao comprador. Se o vendedor, a pedido do comprador, expede o objeto vendido a outro lugar que àquele que fora designado como lugar da execução, os riscas somente passam ao comprador se a posse havia de ser transmitida, no lugar da execução , ao comprador. Então , sim: a perecimento e as danos, sofre-os a comprador; o vendedor adímplira a sua obrigação. Se a passe não se transmitira, porque teria de ser entregue a objeto no lugar da execução, e ao vendedor cabia expedi-lo, os riscas são do vendedor, e não do comprador. Sem razão , KÃRL LABENZ (Lehrbuch des Schuldrechts, 1, 3. ed., 188>.

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3.RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE O TITULAR DA INDENIZAÇÃO E TERCEIRO. No caso de relação jurídica entre o titular da indenização e terceiro, os danos ao terceiro têm de ser indenizados. Vamos ao exemplo. Compra A a B o objeto, em nome próprio mas por conta e ordem de C. Entre R e C nenhuma relação jurídica existe, pois que se dá, ai, representação indireta ou mediata (Código Civil, art. 1.307; Tomo III, § 310, 4). Se B incorre em mora, a dano, quem o sofre não é A, que tratou com B, mas sim C, representado indireto ou mediato. Me basta responder-se que os danos sofridos por C têm de ser indenizados. Por quem? O art. 1.807 do Código Civil e os arts. 165, 175 e 178 do Código Comercial sugerem que só ao representante indireto é que há de responder o vendedor. O dano a C prove-lo da infração do dever de B perante A. Falou-se de dessituaçao do dano: o dano a um foi como se a ba!a dirigida a B atingisse C. É boa a imagem, porém não fundamenta, de si só, a indenização a O. Certamente, seria injusto que o único verdadeiramente ofendida ficasse sem pretensão e sem tutela jurídica. O chamado representante indireto ou mediato tem a soa pretensão, mas há a relação jurídica existente entre ele e o chamada representado. Não se pode dizer que o ter negociado em nome próprio desligue do representado o interesse que houve para o negócio jurídico. A solução, dentro do princípios, é, portanto, reconhecer-se a pretensão à cessão do crédito de indenização (Tomo XXIII, § 2.844, 1), podendo, assim, após essa,’ ir diretamente contra o terceiro com quem tratou, na espécie, o chamado representante indireto ou mediato. No próprio processo entre o chamado representante indireto ou mediato e o terceiro, ou previamente pode o chamado representado indireto ou mediato ser autorizado a exercer o credito e a pretensão em nome próprio, de modo que possa exigir a prestação do devedor, sem necessidade de transmissão do crédito (procura em causa própria, em relação ao terceiro, e reconhecimento da divida ao representado indireto ou mediato). Tal procuração em causa própria, por indicação do interessado mediato, é possível no sistema jurídico brasileiro, porque o é a própria procuração em causa própria ao não interessado (Código Civil, art. 1.317, 1, 2.~ parte: “ou for em causa própria a procuração dada”). Tratando-se do representado indireto ou mediato, o encaixe na relação jurídica processual é à semelhança do litisconsórcio ativo e inversamente da nomeação à autoria. Não há, no sistema jurídico brasileiro, dificuldade em se explicar a procura em causa própria pelo titular da pretensão à cessão de crédito, nem, em geral, a dação de poderes de entrada na relação jurídica processual, a Einziehungserrnãchtig’ung, porque o direito brasileiro, e não só o Código Civil, tem o instituto da procuração em causa própria. No direito alemão, há os que só admitem o poder de encaixe aos que são interessados (e. g., o representado indireto ou mediato), como A. VON TUHit (Der Áligemeine TeU, II, 61 s., e III, 203), FR. LEONHARD (Aligemeines Schuldrecht, 674>, PALANDT (Bilrgerliches Gesetzbuch, § 398, 1 b B>, KARL LARENZ (Vertrag und Unrecht, 1, 122) e KÕHLER (Findet die Lehre von der Einziehungseriniichtigung im geltenden ‘biirgerlichen Recht eine Grundkige?, passim), e os que entendem poder o não interessado receber tal poder em causa própria (LÕBL, Die Geltend’çnachung fremder Forderungsrechte im eigenen Namen, Archiv flir die civilistische Praxis, 129 e 257 s.;W.SIEBERT, Das rechtsgeschãfttiche Treuhandverhãltnis, 262 s.; PH. HECK, Grundri.ss des Schuldrechts, 208; II. TInE, Biirgerliches Recht, Recht der Schuldverhãltnisse, 4a ed., 1<.Kiuss, Lehrbuch <Les Állgemeireerê Schuldrechts, 517; A. Níiusca, Das Recht der Schuldverhdltnisse, 1, 51). No direito brasileiro, o cobrar em causa própria é perfeitamente permitido. O procurador em causa própria é legitimado processual, como qualquer outro. Ainda não se trata de cessão do crédito, para que o exercite (e. g., HANS CHR. Hmsca, Die tlbertragung der Rechtsausiibung, 1, 96 s.), nem se precisa buscar fundamento à imagem do “primeiro degrau para o recebimento da prestação”, ou fase prévia (dita “teoria da disposição”, e. g., W. SIERERT, Das rechtsgeschãftflche Treuhandverhãltnis, 262 s.). Antes, Tomo XXIII, § 2.827, 8.

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§ 3.111. De como se mede o dano indenizável 1. EXTENSÃO DO DANO. O que se há de indenizar é todo o dano. Por “todo o dano” se hão de entender o dano em si e as repercussões do dano na esfera jurídica do ofendido; portanto, tudo que o ofendido sofreu pelo fato que o sistema jurídico liga ao ofensor. Não se distinguem, na determinação do dano, graus de culpa, nem qualidades das causas que concorreram. Em todo, caso, sistemas jurídicos conhecem indicações de máximo e atendem, no tocante à indenização do dano não patrimonial, à maior culpa dentre os ofensores. Ao principio da indenizabilidade de todo o dano junta-se o principio de limitação da reparação ao dano sofrido. Se esse principio não existisse, o ofendido estaria satisfeito com a indenização e, injustamente, enriquecido com o valor a mais. Ainda uma vez frisemos que não só o dano patrimonial é ressarcivel. Não só se sofre- com as ofensas ao patrimônio. Por outro lado, elementos patrimoniais podem ser tomados como simples meios de se obter aproximativa reparação dos danos infringidos à pessoa, na ordem intelectual ou na ordem moral, ou em sua integridade física ou psíquica, ou em qualquer dimensão da personalidade humana. DANOS IMEDIATOS E FATOS POSTERIORES. Tratando-se de dano emergente, e não de lucro cessante, discute-se se, tendo acontecido, após o fato ilícito que produziu o dano, outro fato que teria a) destruído o bem ofendido ou determinado o mesmo, ou dano maior, ou b) causado dano menor,cabe, respectivamente, extinção, ou diminuição do quanto. Concretamente: a) danifica A o automóvel que ia entrando na garagem de B e no momento declara que os consertos são por sua conta, admitindo-se, em conversa, que bastariam cinqüenta mil cruzeiros, e no dia seguinte o incêndio, partido da casa de C, ou do próprio B, destrói a garagem e o automóvel; b) o dano que A causou ao automóvel é indenizável com a compra de uma peça e o conserto de outra, mas, durante a noite, é roubada a peça consertável. Há duas atitudes doutrinArias: uma, a que só vê o dano no momento em que se produz, sem nada se ter de indagar quanto a fatos posteriores, o que só teria sentido a respeito de danos imediatos; outra, a que entende que a situação do titular, para ser examinada, é a em que se encontraria no momento da indenização se adimplemento tivesse havido. Evidentemente, a primeira atitude é a única que se há de acolher em caso de danos imediatos. Danos imediatos apreciam-se imediatamente. Somente quanto a danos mediatos é que se há de pensar em atendimento de fatos posteriores, pró e contra o titular da pretensão à indenização. De ordinário, os danos imediatos são danos reais, de modo que não se pode atender ao que depois ocorra e diminuiria ao patrimônio o que o diminuira ao se dar o fato ilícito. A pretensão à indenização de danos imediatos é imediata, no sentido da determinação do quanto que ao imediato corresponde. Se há o que temer no futuro, isso não é dano imediato, e sim mediato, de modo que há caso de duplicidade de danos concorrentes, imediatos e mediatos. Nos danos imediatos, a previsão entra, para se determinar o estado da coisa, e não para se determinar o dano como tal. Se o dano, por pancada, foi à porta, o edifício está em vésperas de ruir e nenhuma providência se tomara para se salvar a porta, o desabamento mostra que não houve propriamente dano. O que se levou em conta não foi o valor do objeto danificado com as pedradas, ou golpes de bengala ou de cano de ferro, e sim o dano mesmo. Não se dá isso com os casos de roubo ou de furto, porque, então, o ofensor retirou do edifício a parte integrante e ele mesmo estabeleceu situação que impede qual. quer consideração do fato, posterior, da ruína. Mais algumas precisões. A ofensa aos azulejos do prédio antigo que está desabando, e não há qualquer ato do dono, ou do possuidor, ou de outrem (e. o., terceiro que pretende comprar o prédio), que se possa interpretar como medida para se evitar o

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desabamento, é ofensa menor do que a ofensa aos mesmos azulejos que tivessem sido retirados do prédio e se achassem, por exemplo, em casa de colecionador, ou em loja de antiguidades, ou em museu. O mesmo objeto , se o dano objetivamente é d (e. g., ficou arranhado, ou perdeu arestas, ou se partiu), não pode ser avaliado pelo mesmo preço, a fim de se determinar, depois, o valor do dano. O dano dos azulejos do prédio em ruína, que logo desabou, foi mínimo, porque nenhum valor lhe atribuiu o dono, ou o possuidor. Se houve o desabamento, mas ficou incólume a parede com os azulejos, e interveio o Estado pan salvar os azulejos como bem histórico ou artístico, o que o Estado encontra é que é bem histórico ou artístico, de modo que o novo valor começa desse momento. Se já se havia iniciado o serviço de conservação quando ocorreu o dano, o valor desse é concernente ao novo valor do bem ofendido. Convém observar-se que as regras jurídicas relativas ao valor da prestação devida e ao valor da prestação substitutiva são diferentes. Assim, diz o art. 1.536 do Código Civil: “Para liquidar a importância de uma prestação não cumprida, que tenha valor oficial no lugar da execução, tomar-se-á meio termo do preço, ou da taxa, entre a data do vencimento e a do pagamento, adicionando-lhe os juros da mora”. A regra jurídica do art. 1.536 é ias dispositivum. Para que ela incida é preciso: a) que se deva prestação de valor oficial no lugar da execução, como x sacas de café tipo Santos, que haviam de ser entregues no Rio de Janeiro; b) que, ao vencimento, não se haja adimplido; c) que tenha variado o preço ou a taxa. Os interessados têm de alegar e provar a). Se não há valor oficial ou taxa oficial, não há pensar-se em invocação do ad. 1.536. Tem-se de prestar o bem prometido, ou o valor no momento da satisfação, porque esse é o principio geral. Os juros da mora são calculados após a tiragem da média, e não sobre o valor da data. em que deveria ser adimplida a divida ou sobre o valor da data da satisfação. O art. 1.536 do Código Civil provém do Projeto de CLÓVIS BEVILÁQUA, ad. 1.661: “Para determinar-se o valor do objeto de uma prestação não cumprida, quando êle tiver cotação oficial na praça do lugar da execução, tomar-se-á o preço médio havido entre a data do vencimento e a do pagamento, ao qual se adicionarão os juros da mora”. No art. 1.586, § 1.0, diz-se: “Nos demais casos, far-se-á a liquidação por arbitramento”. No § 2.0: “Contam-se os juros da mora, nas obrigações ilíquidas, desde a citação inicial”. Mas essa regra jurídica está evidentemente mal colocada, porque nada tem com o art. 1.536, e sim com o § 1.0, que deveria ter sido artigo à parte. 3. LUCROS CESSANTES. Na determinação dos danos patrimoniais têm de ser computados aqueles que consistem em, devido ao fato ilícito, não se ter aumentado o patrimônio (lucrum cessans). Não se indenizam os danos causados pela ofensa ao aparelho com a só prestação do reparo ou das despesas necessárias à sua reparação . Também se há de prestar o que se deixou de ganhar com a falta de funcionamento do aparelho durante o tempo em que, por ter sido atingido, deixou de funcionar. Se não se indenizasse esses lucros cessantes, não se reporia o ofendido na situação em que se acharia se não se houvesse produzido o fato danoso. A propósito de perdas e danos, o Código Civil foi explicito (ad. 1059): “Salvo as exceções previstas neste Código de modo expresso, as perdas e danos, devidos ao credor, abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar”. Dir-se-á que quase sempre, ou, mesmo, sempre, não é possível dizer-se, com exatidão, como se teriam desenrolado os acontecimentos posteriores, em torno do bem atingido, ou do fundo de empresa, de que ele era elemento necessário ou útil, se o fato danificante não se houvesse produzido. Ninguém pode saber, ao certo, se a

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máquina, atingida pelo fato ilícito, não teria sido, se tal fato ilícito não tivesse ocorrido, danificada por acidente de eletricidade, ou por imperícia de empregado, ou por defeito oculto que ela trouxera da fábrica ou se produziu depois. Na determinação dos lucros cessantes, tem-se de abstrair de tudo que seria apenas possível, sem que se possa computar para diminuição do valor da máquina e fixação do dano. Tem-se de considerar lucro cessante todo ganho ou lucro frustrado pela ocorrência do fato ilícito. Frustrado é o ganho ou lucro que seria de esperar-se, tomando-se por base o curso normal das coisas e as circunstâncias especiais, determináveis, do caso concreto, inclusive a organização, as medidas e previsões que se observavam. O ganho ou lucro não precisa já existir no momento da lesão. Pode ser o que, nas circunstâncias em que se achava o bem ofendido, seria de prever-se. Se A, em abril, montou a fábrica para ser inaugurada em junho, quando começaria o seu lucro, na indenização tem-se de computar êsse lucro futuro, pois o dano mediato há de ser ressarcido pelo importe que se possa calcular, ainda que seja pelo estudo do mercado e pela comparação com outras empresas ou montagens semelhantes. Sobre lucro cessante, Tomos XXII, § 2.722, e XIX, § 1.228, 4. Os fatos, que ocorreram depois, têm de ser atendidos. Pró e contra o titular da pretensão à indenização. O que, ao tempo da ofensa, não se podia prever, mas se verifica, depois, que ocorreu, pode aumentar ou diminuir o que se teria, de início, como lucro cessante. Por exemplo, no caso da fábrica que se iria Inaugurar em junho, a inundação em agosto, ou, .mesmo, em julho, ou a elevação, por tabelamento, dos preços do produto da fábrica enquanto não se inicia o funcionamento. Se, ao ser produzido o dano, não se poderia prever lucro para a fábrica que apenas se mantinha, mas, antes de se prestar a indenização, sobrevém guerra entre outros Estados e os pedidos do produto crescem, podendo-se calcular grande lucro para a fábrica, se estivesse funcionando, tal lucro cessante é de indenizar-se. Não é só no momento da ofensa que se hão de prever os lucros cessantes, mas, sim, também, à medida que os fatos vão acontecendo. Não se podem levar em conta tais fatos se já foi prestada a indenização, de modo que se possa reputar restabelecido o status qua ante. Esse é, para a ciência de hoje, ponto da mais alta importância (G. PLANCK, Koin-. ment ar, II, 1, 98 s.; O. PALANDT, Burgerliches Gesetzbuch, 14.8 ed., 286; KÀRL LABENZ, Lehrbuch des Schuldrechts, 3.’ ed., 132). Assim, a previsão inicial é suscetível de correção enquanto não se dá a restauração do estado anterior, ou pela indenização em natura, ou pela indenização pecuniária. Se o ofendido recebeu o que se calcula, ou se o cálculo foi feito e aprovado, sem discordância por parte dele nem ressalva, tem-se como se estivesse restabelecido o status quo ante. Não assim, se o cálculo ainda não foi aprovado, ou se foi aprovado e dele recorreu o ofendido, ou se houve ressalva a respeito dos lucros cessantes (= ainda não houve satisfação do credor da indenização). Idem, se o ofensor deixa de prestar, ao ser exigido. Se o lucro era de esperar-se, tem-se como devida a indenização do lucrum cessans que se prevê. Se fatos posteriores mostram que não existiria tal lucro, ou não seria o mesmo, e sim menor, o Ônus da prova cabe ao devedor. Se o credor alega que os fatos posteriores corrigem a previsão e são maiores os lucros cessantes, toca-lhe o Ônus da prova. Quando o comprador exige indenização de danos por inadimplemento da divida por parte do vendedor, as perdas e danos compreendem o sobre preço <preço acima>, que poderia obter na revenda após a entrega, se o vendedor houvesse adimplido a divida. A determinação do preço é conforme a bolsa, ou o mercado, ou o tráfico, ou a oferta que ao comprador fizera terceiro, ou aceitação de terceiro à oferta feita pelo comprador. Chama-se a isso valoração abstrata do dano (abstrakte Schadensberechnung). A indenização consiste, se o preço não tinha sido pago, na diferença entre o preço e o preço da bolsa, mercado, tráfico, ou manifestação de vontade de terceiro (oferta ou aceitação), ao tempo do inadimplemento; se o preço

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fora pago, consiste na quantia desse mais aquela diferença, mais os juros da mora. Ao vendedor fica o Ônus de alegar e provar que não é verdade que o comprador obteria o preço que diz poderia ter obtido. Ao comprador é dado fazer prova com os negócios jurídicos ou as punctações entre ele e terceiros. Não são alegáveis os lucros que só se poderiam conseguir com infração de lei, ou fraude à lei, ou contra o que se preestabeleceu no negócio jurídico, ou mediante atitude contra a moral. 4. FATOS POSTERIORES E DANOS MEDIATOS. Os danos mediatos são, por definição, danos que só ocorrem posteriormente ao fato ilícito. Não há possibilidade de previsão absoluta. Tem-se de prever o que acontecerá, depois do fato ilícito, mas seria contra us propósitos do direito que não se atendesse à realidade se essa desmente a previsão. Enquanto não se extingue a dívida, pela satisfação do devedor, toda apreciação ou julgamento não é definitivo. O importe do dano pode vir a ser maior ou menor. Assim, a quantia que se arbitrou para indenizar dos meses em que o atropelado pelo automóvel não pode trabalhar pode ser diminuída ou aumentada conforme se verifica, depois, que a inaptidão ao trabalho cessou antes, ou se prolongou além da data prevista. Aí, porque a produção dos danos é ao longo do tempo, tem-se de levar em conta o que acontece e enche e tempo, cujo conteúdo só provisoriamente <por presunção de normalidade) se havia previsto. A visão corrige a previsão . 5. MOMENTO EM QUE O JUIZ HÁ DE APRECIAR A EXTENSÃO E O VALOR DO DANO. Para se determinar a extensão do dano, tem-se de atender ao curso dos fatos, em sua causação fática ou objetiva, ou em sua causação hipotética. Até onde vai o dano em formação se há de ver a sua extensão. O dano que hoje é a e amanhã será b, ou e, ou é dano calculável pelos fatos ocorridos, e pelos fatos que estão ocorrendo, ou vão ocorrer. O valor do dano é inconfundível com o valor da prestação substitutiva (e. g., do dinheiro). Assim, se o dano na máquina poderia ser indenizado, no momento em que ocorreu, por um milhão de cruzeiros, mas com a discussão da responsabilidade, ou demora na liquidação um milhão não daria, para se adquirir, no momento da indenização, outra máquina (se a destruição foi completa, ou se não há conserto possível) ou para o conserto tem-se de fazer ou de refazer o cálculo para que ao dano corresponda a prestação indenizatória. esse momento é o da sentença final, ainda que seja a do último recurso do ofendido, de que se conheceu, ou a do último recurso do ofensor, desde que dele se haja conhecido. Se o ofensor, em vez de prestar o que devia, conforme a sentença, recorre sem razão, pode ser-lhe cobrada, a mais, a desvalorização da prestação indenizatória, conforme a diferença entre o que a sentença fixara e o que se fixa no dia da efetiva prestação. 6. DIVIDAS LÍQUIDAS. A propósito das dividas ilíquidas, cumpre que à execução forçada preceda a liquidação . No art. 1.583, o Código Civil definiu dividas liquidas: “Considera-se líquida a obrigação certa, quanto à sua existência, e determinada, quanto ao seu objeto”. A certeza concerne à existência; não se poderia classificar como líquida a divida sobre cuja existência paira dúvida, posto que a divida possa ser certa mas ilíquida. Quanto à certeza e à liquidez, os dizeres de GAIO eram ambíguos, porque não as distinguia (L. 74, D., de verborum obligatirmibus, 45, 1: “certum est, quod ex ipsa pronuntiatione apparet quid quale quantumque sit”). Cf. Tomo XXIV, § 2.929. A respeito das dívidas de fazer (em sentido estrito) e das dívidas de não fazer, estabelece o art. 1.585: “À execução judicial das obrigaç5es de fazer ou de não fazer e, em geral, à indenização de perdas e danos precederá a liquidação do valor respectivo toda vez que o não fixe a lei ou a convenção das partes”. Já assim era no direito anterior (Reg. 787, de 25 de novembro de 1850, art. 508, § 2.0); nem poderia ser diferentemente. Todavia, cumpre atender-se ao que estatui o

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Código de Processo Civil, arts. 998-1.007. De regra, a citação é para que o condenado cumpra a condenação no prazo que a sentença determinou, ou no que o juiz da execução fixe, após arbitramento, se beces sírio. Mas, se nenhum interesse há mais para o credor e, pois, se é impurgável a mora, ou se o é por outra razão, a citação já é para o pagamento da multa, ou das perdas e danos, prosseguindo a execução como se dá em caso de dívida de quantia em dinheiro, líquida, ou ilíquida, conforme o caso. Ainda há terceira espécie que é a de poder a obra ou o serviço ser feito por terceiro, caso em que o exeqüente pede que se avalie a obra ou o serviço e se faça à custa do executado, mediante concorrência em pública (Código de Processo Civil, art. 1.000; cf. Código Civil, ad. 881). Em todo caso, é dispensada a concorrência pública se seria dispendiosa em relação ao importe do serviço, ou se o executado concorda com a avaliação e a indicação de terceiro, ou se escolhe entre terceiros apontados. Se o exeqüente prefere a indenização das perdas e danos, faz-se a liquidação, e o procedimento é o que se estabelece para a execução por quantia certa (Código de Processo Civil, art. 1.004). 7. INDENIZAÇÕES EM DINHEIRO. A indenização, se o devedor não pode prestar a coisa certa, ou a espécie, tem de ser em dinheiro (Código Civil, art. 1.534). Isto é, “na moeda corrente, no lugar em que se execute a obrigação”. O art. 1.584 é conseqüência lógica do art. 1.056. A indenização há de ser em moeda corrente, e o valor do objeto prometido é o do momento em que se prestam as perdas e danos. Dá-se o mesmo em caso de dívida por fato ilícito absoluto. A tardança em adimplir somente pode ser prejudicial ao devedor, se cresce o quanto necessário à reparação, salvo na espécie do art. 1.536. A execução é, à semelhança da execução de coisa certa, sempre que a prestação possa ser em natura. As Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 74, § 8, já o frisavam, verbis “não pudesse ser havida, pelo que é devida a verdadeira estimação dela”; e a doutrina tudo entendeu como hoje, postas no mesmo plano a execução por dívida de coisa certa e a execução por divida genérica (Código de Processo Civil, art. 992, verbis “a entregar coisa certa, ou em espécie”). “Espécie”, no art. 1.534 do Código Civil, está por “coisa certa ou espécie”. Se a indenização é pela perda, ou destruição parcial de coisa usada, como roupa, automóvel, bicicleta, ou agasalho, tem-se de atender ao valor de uso do objeto para o prejudicado. Nesse valor de uso, pode estar o valor estimativo ou de afeição (Código Civil, art. 1.548). Resta saber-se se o credor pode ser obrigado a estar o excesso, se o devedor se prontifica a prestar outro objeto, novo, ou em melhor estado. A favor da afirmativa: não é de acordo com os princípios que se locuplete com o excesso o credor, que receberia c, em vez de c1, ou de c2, ou c3. A favor da negativa: pode o credor não estar em situação de pagar o excesso, nem ter interesse em obter outro objeto da mesma qualidade (o seu propósito era o de adquirir de outro fabricante, ou de maior preço, ou de menor preço). Se não está em causa valor de uso do objeto, ou, mais restritamente, valor estimativo ou de afeição, e ainda seria integral como reparação a inserção do novo objeto no patrimônio do credor, não pode esse recusar a reparação em natura. Quanto a ter de prestar o excesso do valor, somente se pode pensar em assunção de tal divida pelo credor se com a reposição concordou. 8. COMPENSAÇÃO DE LUCROS. Nos sistemas jurídicos há o princípio de que a indenização dos danos não há de conduzir a que o ofendido fique em situação mais favorável do que era a sua. O que importa é que se lhe restaure o estado anterior, pelo menos em valor. Quem deve reparar o dano tem de restaurar o estado de coisas que existia como seria se não tivesse havido o fato ilícito. Reparar com lucro para o titular da pretensão

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seria enriquece-lo injustificadamente. Ora, com a indenização, o que se tem por fito é o ofendido não ficar mais pobre, nem mais rico <H. A. Físcnn, Der Schaden nach devi 8GB., 219). Os princípios, em se tratando de indenização por fato lícito, são os mesmos (e. g., Código Civil, art. 160, 1 e II, 1.519 e 1.520, parágrafo único). O que se há de exigir, para que se possa pensar em compensação de vantagens, é que o fato de que elas provêm seja o mesmo. Dai a insistência da doutrina em pOr ao vivo o principio da causalidade adequada ou o conceito de adequáncia, Begriff der Adãquanz. (A respeito, L. TRXan, Der Kausalbegriff im Straf- und Zivilrecht, 159; HAMPP, Die Schadensentwicklung nach dem Eintritt des schddigen4en Ereignisses, 44; REIMANN, Die Anrechnung von Versicherungsteistungen auf Schadensersatzforderungen, 18 s.; SCHIMMEL, Probleme der Vorteilsausgleichung im priva,ten und õ/jentlichen Recht, 44.) Alguns juristas trazem à balha conceitos de adequilância , confiança, interesses recíprocos e resultado econômico (e. g., WILHELM RENdER, Die Vorteilsausgleichung nach devi 8GB., 35>. Outros descem ao exame da vantagem (e. g., HEINz KELLER, Anrechnung vou Verstcherung bei Schadensersatzanspruchen, 31; II. Smn, Grundriss des deutecheu biirgerlichen Rechts, II, 46>. H. STOLL (Vertrag und Unrecht, 2.~ ed., 388) quer que a compensação interesse ao devedor, ou que a tenha querido expressamente. Alguns exigem que o lesado haja produzido o lucro, ou que não tenha sido preponderantemente advindo do ofensor (MÁX RIMELIN, Die Verwendung der Causalbegriffe in Straf- und Civilrecht, Archiv flir die civilistische Praxis, 90, 171 s. e 280, nota 183; B. MATTEL&SS, Lehrbuch des biirgerlichen Rechis, 1, 315). BRUNO GÚNTHER (Sint! die aus Lebens- uud Uni aliversicherungeu entstehendeu Vorteile auf deu Schadensersatzanspruck gegeu deu Dritteu auzurechuen 7, 24 s.), além de exigir a caução adequada, frisa ser essencial a com caução do lucro pelo lesado. Se a vantagem resulta de contrato com terceiro, é preciso acordo entre o responsável e o titular da pretensão à indenização. ERICE RIEDINGER (Die Begrenzung der Vorteilsausgleichung durch das Verschulderespriuzip, 14) introduz pressuposto de culpa do ofensor na caução da vantagem, como não ter aumentado a vantagem por ato do lesado. RARL LARENZ (Vertrag uud Unrecht, II, 93; Lehrbuch des Schuutreckts, 1, 114 s., e 1, 3.a ed., 128 s.) pensa em termos de imputação, sem aludir à teoria da adequação. Junus LARENZ (Compensatio Lucri rum damno, 17> e outros repelem a teoria da adequação e confinam o problema no fato do enriquecimento, o que é demasiado restringir. PH. HEcK (Grundriss des Schuldrechts, 50) e BAU1t (Entwickluug um! Reforvi des Schadensersatzrechts, 65) são contra a teoria da adequação, atendem à vontade do lesado e frisam a tendência a resguardar o ganho. MAx BAIWLLA (Das Problem der Vorteilsausgleichung unter besonderer Berficlcsichtiguug der verhirtderten Verrnôgensminderung, 19) e A. BLOMEYER (Ãugeme4ues Schuld-. reckt, 199 e 202) resvalam para o julgamento por equidade, se não cabe na espécie o pouco que concedem à teoria da adequância. MARIA GRIFIN VON BIWDOw (Vermirtderuug der Scho.densera atzpf lickt ais Folge vou Rechtsverhdiltui.asen tu Dritten, 40 s., 42) e ELISÂEETH EIWMÂNN (Anrechnuug achadeumiudernder Handiungeu des Geach&Iigteu aul deu ikm tu leisteudeu Eraatz, 36 s.) puseram em relêvo que, aí, dano (Naehteil) e vantagem (Vorteil) são unidade. Unidade há, porém no fato ilícito; as conseqüências, dano e vantagem, são distintos. O estudo de KLÂUS CANTZLER (Die Vorteilsausgleichunr beim Schadensersatzanspruch, Arckiv 11W <fie civilistiache Praxis, 156, 59) chegou a conclusão simples e clara: computa-se a vantagem, se há crédito por danificação do bem ou por violação do contrato; aliter, se a pretensão à indenização só há de tocar ao ofendido, por sua finalidade. É possível, porém, ir-se a mais nítidos pormenores.

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O principio da compensação das vantagens ou lucros impede: a)O computo das vantagens ou lucros que o ofendido haja obtido, devido ao fato gerador da responsabilidade, ou em relação causal adequada com esse. Se o ofendido reclama, por exemplo, despesas que fez no hospital, ou com o tratamento do cão internado na clínica veterinária, tem de deduzir do importe o que deixou de despender com o seu sustento em casa, ou no hotel em que reside, ou com o sustento do cão. Se o automóvel foi destroçado, tem de ser diminuído ao que Me valia o que valem as peças e restos que com o ofendido ficaram e que podem ser vendidos. Se o com que se indeniza é automóvel novo, do mesmo valor, tem o ofendido de devolver o que lhe ficou do automóvel destruído, ou o que obteve com a venda disso. b)O cômputo das vantagens ou lucros que foram conseqüências do fato ilícito de que resultou a pretensão à indenização, se considerável o enriquecimento. O fato ilícito que causa o há de ter causado a vantagem. Por exemplo: tinha A contratado com C a destruição de grande pedra que lhe obstruía a entrada lateral do sitio de veraneio; E encarregara O de dinamitar as pedras semelhantes do seu sítio e O pensou que a pedra junto ao sitio de B estava compreendida. Tem A pretensão à indenização contra B, ou contra D, o que depende de elementos fáticos que aqui não nos interessam. Quer B, quer D, que tenha de responder à exigência da indenização pode alegar que A contratara a destruição e teve a vantagem de se liberar da divida a C, sem qualquer despesa, ou de ter pago a C o mesmo que a E custaria a destruição. Se A fica com os pedaços da pedra, nada se tem de computar; se B ou O os aproveita, tem E ou D de pagar a A o valor. c) Quando as coisas lesadas estão seguradas, o que o ofendido recebe do seguro não se computa como vantagem ou lucro dedutível. A morte, ou a lesão corporal, ou outro fato ilícito, ai, foi apenas elemento do suporte fático da regra jurídica; não é o suporte fático, como se passa com o fato ilícito da morte (e. g., homicídio). Do contrato de seguro irradiam-se direitos, pretencoes para o segurado e para o segurador: quando o segurador paga o seguro, por ter ocorrido a morte, ou outro fato, contra presta, pois o segurado pagou os prêmios, periodicamente . Não se irradiou do fato ilícito a prestação do seguro. Seria absurdo que o estar segura a pessoa, ou estar seguro o bem atingido pelo fato ilícito, redundasse em proveito do responsável pela indenização pelo fato ilícito. Tão pouco se podem deduzir das indenizações o que outrem doou ao ofendido, ou os alimentos que alguma instituição de beneficência fornece aos sinistrados, nem o que terceiro pagou ao hospital ou clínica (doação). A redução iria, frontalmente, contra a intenção do doador e contra o próprio tipo do contrato de doação. Nem se abate ao quanto da indenização pela privação de trabalho o que, em aplicação diferente do seu esforço, mas sem caráter de substituição da profissão, ou emprego , adquire o impossibilitado de trabalho normal. O esforço extraordinário, fora da situação que tinha o ofendido, é plus de produtividade, talvez ajuda desesperada a si mesmo enquanto não recebe a indenização. d)O que tem de indenizar a outrem pela perda de coisa ou de direito, em virtude de fato ilícito de outrem, indeniza OD sem se levar em conta o que o ofendido teria de pretensão contra o terceiro, ou levando-se em conta. Se a indenização é integral, têm-se de entender cedidas as pretensões contra o terceiro, ou o indenizante tem pretensão e ação à cessão de tais pretensões. Se foi roubada a coisa, que estava depositada, e o dono exerce a pretensão de indenização contra o depositário, invocando o art. 1.266 do Código Civil, pode o depositário exigir a cessão da pretensão à propriedade e à posse. Se o depositário obtém a entrega da coisa, é proprietário dela. Na doutrina alemã, há divergências, pois alguns juristas, sem razão, separam a pretensão à propriedade e a propriedade. Ora, com a vitória do cessionário da pretensão, que é reivindicatória, ou possessória, adquire ele , por transmissão, a propriedade. Resta saber se, em tal caso, o titular da pretensão à indenização, que recebeu o quanto indenizatório, tem, restituindo o que recebeu, pretensão a readquirir a propriedade da coisa que o indenizante conseguiu

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reivindicar ou reaver, como possuidor. POsto que o direito brasileiro não contenha a regra jurídica do § 242 do Código Civil alemão, tem de dar-se, para a espécie, a mesma solução que a doutrina alemã assentou, invocando aquele § 242, que não tem grande pertinência. O que se há de assentar é que, se o contrário não foi estabelecido, a cessão voluntária ou judicial da pretensão à propriedade foi com pacto de retro aquisição. Por analogia, são de invocar-se as regras jurídicas dos arts. 1.140-1.143, ainda mesmo no tocante ao prazo. Quem recebeu a indenização tem de, cominando prazo, exercer o direito de retro aquisição; se não foi fixado prazo, nem houve a determinação de prazo, o direito extingue-se após três anos da aquisição. Se o cesseonário foi quem roubou ou furtou a coisa, a cessão é ineficaz: mantém a propriedade e a posse o indenizado. De qualquer modo, se o credor recebe o novo pelo velho, há de entender-se, expresso acordo em contrário, que tem de devolver o velho. Se o devedor tem de receber excesso, por excesso só se entende a diferença entre o preço do novo e o valor do velho mais as despesas de conserto ou reparação. 9. INDENIZAÇÃO DE VELHO PELO NOVO. Contra qualquer indenização do velho pelo novo, G. PLANCK (Kommeittar, II, 1, 93), FR. LEONHABD (Áligemeines Schuldreckt, 198), e outros; pela possibilidade de o lesado exigir o novo objeto, em vez do velho, ficando apenas obrigado pela diferença, P. OERTMANN (Vis Vorteilsausgleichung beim Schadensersatganspruch, 235 s.; H. A. Físcun, Konzentration und Gefahrtragung hei Gattungsschulden, Jherings Jahrbiicker, 51, 175 s.); por prestação que fique entre o preço do nOvo objeto « o valor do velho, O. PALANDT (BiÁrgerliches Gesetzbuch, l4.~ ed., 235). Se o devedor não pode prestar, satisfatoriamente , o conserto, ou se não é caso disso, tem de prestar o novo ou o equivalente do velho em dinheiro, mas o equivalente há de ser o com que se pode adquirir outra velho. Se não acorda o credor em prestar o excesso, qualquer entrega do novo é porque o quer o devedor. Não há pretensão do devedor a que se lhe preste o novo, se o velho pode ser consertado, ou se o credor quer prestar o equivalente. Note-se, porém, que, em se tratando de peça velha, que as novas não podem substituir, não há pensar-se em prestação do novo, porque se estaria diante de dação em soluto. CAPITULO IV CLÁUSULA PENAL § 3.112. Conceito e espécies 1.PROMESSA DE PRESTAÇÃO DE PENA. Para estimular o devedor ao adimplemento do contrato, soem estipular os credores que, em caso de infração do contrato, fique o devedor com o dever de fazer outra prestação, que, de regra, é em dinheiro. Ai, parte do credor a oferta de cláusula, e o devedor a aceita. Outras vezes, quem oferece a cláusula é o próprio devedor, para obter a aceitação da pessoa, a quem oferta, do contrato todo, inclusive a cláusula. No tocante à estrutura da cláusula penal, a distinção é sem importância. Não cabe indagar-se .de quem partiu a oferta da cláusula. O que importa é que tenha havido o acordo. Isso não quer dizer que não haja cláusula penal prometida unilateralmente. Os arts. 916-927 do Código Civil não se acham, sequer, no Titulo referente aos contratos. É verdade que se emprega, ali, a expressão “estipular”; mas tal ocorrência de modo nenhum afasta a cláusula penal nas promessas unilaterais de vontade, ou unilateralmente prometida a respeito de dividas contratuais. O que se quer, com a cláusula penal, é que o devedor evite incorrer nela, ou que o destinatário da declaração de vontade mesmo unilateral se decida a aceitar a oferta,

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ou a ter a conduta que o possa tornar titular de direitos irradiados da declaração unilateral de vontade. Uma das funções mais prestantes da cláusula penal é assentar a indenizabilidade de danos no caso de não ser pecuniária,ou ser de difícil avaliação a prestação prometida. Por exemplo: para o caso de B, que teria de cantar na recepção de A, faltar ao prometido. Terá B de prestar a pena convencional, ainda que A não possa provar danos materiais. As cláusulas penais insertas em promessas ao público ou em títulos ao portador são promessas unilaterais de submissão a penalidade. O legado pode conter cláusula penal (O. WÂRNEnZ, Komtnen.tar, 1, 610). Mediante a estipulação da cláusula penal, o credor pré-exime-se do ônus da prova de ter sofrido dano ou prejuízo. Por outro lado, livra-se da objeção da falta de interesse patrimonial (1’. OERTMANN, Reeht der Sckuldverhiiltnisse, 223, cf. H. SIBER, Der Rechtszwang im Schuldverhitltniss, 31). Se a divida é desprovida de obrigação (crédito sem pretensão, crédito mutilado), como em casos de divida de jogo , também o é a divida oriunda da cláusula penal (H. REHBEIN, Das Bitrgerliche Gesetzbuch, II, 229; O. WAitNEYn, Koinmentar, 1, 609; sem rado, P. OnTMANN, Reckt der Schuldverhtiltnisse, 224), salvo em se tratando de divida de outrem (H. REHBEIN, Das Bf2rgerlkhe Gesetzbuch, IX, 231; sem razão, 1<. SmER, Der Rechtsnvang im Schzddverhilltniss, 34). Se foi fixada quantia que se diz ser “para indenização”, entende-se que se trata de cláusula penal. Idem, se foi dito que é “para sair do contrato”, ou “para não ficar obrigado a prestar a”, ou “ficam aumentados os juros se (G. PLANCK, Kommentar, II, 1, 441; E. ENDEMANN, Lehrbuch, 1, 763, nota 6; sem razão, H. DEENEtIRO, Das Biirgerliche Reckt, II, 1, 267, nota 13). A cláusula penal também pode ser para que algo se preste a terceiro; e. g., a hospital, escola, associação de classe, ou literária, ou científica. Rege o art. 1.098, parágrafo único, do Código Civil. Ou para que solva alguma divida do credor ou para remição. 2. PROMESSA INDEPENDENTE DE SUBMISSÃO A PENA. Pode-se prometer submissão a pena sem que se haja assumido divida, ou se venha a assumir: a pena é para o caso de não se praticar algum ato, ou de se praticar algum ato. Não se promete o ato, ou a omissão; promete-se a submissão a pena. A pena, ai, somente é indenização por expectativa que foi frustrada. De jure condendo, pode-se exprobrar ao termo “pena” não ser próprio, porque em tais espécies se preestabelece que não há dever de fazer, ou de não fazer, e se estranha pensar-se em penalidade se não há infração. Todavia, a promessa bilateral ou unilateral de submissão a pena rege-se, em princípio, pelas regras jurídicas concernentes à cláusula penal acessória. Surge, aqui, problema delicado, que é o da incidência do art. 9O do Decreto n. 22.626, de 7 de abril de 1933. No art. 9O, só se cogitou da cláusula penal acessória: “cláusula penal superior a dez por cento do valor da dívida”. No direito alemão, há regra jurídica explícita, que é a do § 343, alínea 2.~. O juiz poderia, aí, examinar a desproporcionalidade. Algumas vazes é difícil apurar-se essa desproporcionalidade, porque não há prestação principal a que corresponda a contraprestação. Outras vezes , não: e. g., o interesse do promissário ressalta dos termos da promessa, ou das circunstancias. Seria desaconselhável estender-se à promessa independente a regra jurídica do art. 9O do Decreto n. 22.626. O que se pode dar é que a figura teme o caráter de fraude à lei (ao próprio art. 9O do Decreto n. 22.626), ou de aposta, ou esteja evidente a desproporcionalidade do que se promete com o que seria o interesse do promissário (lucro a menos, ou dano sofrido>. A promessa independente de cláusula penal pode ser quanto a ato ou fato de terceiro, ou, até, para o caso fortuito ou força maior. Se a cláusula penal não é acessória (= se foi prometida a sujeição à pena para

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assegurar ato não devido), em verdade apenas há dívida condicional. Mas advirta-se em que: a) a promessa de submissão a pena, feita por instrumento particular, para o caso de não ser transferida a propriedade do prédio, acOrdo para o qual é de mister escritura pública, é nula: b) idem, se a alienação é proibida; e) ou se a pena é para ocaso de B perder no jogo com C. A cláusula penal para o caso de negócio jurídico ulterior é cláusula penal imprópria ou independente (e. g., para se for feita a venda), uma vez que o Código Civil, art. 916, somente disse que “a cláusula penal pode ser estipulada conjuntamente com a obrigação ou em ato posterior” (cf. H. LEEMANN, Die Unterlasnn9apflioht, 295 e 298 s.). Mas, em verdade, se foi para adimplemento da divida que se contrair, a dependentização sobrevém. 3. PRECISÕES. Pena negocial (não só contratual) é prestação, de ordinário em dinheiro, que alguém, devedor ou não, promete, como pena a que se submete, para o caso de não cumprir a sua obrigação, ou não a cumprir satisfatoriamente, ou para o caso de se dar algum fato, concernente ao negócio jurídico, ou não se dar. Trata-se, portanto, em qualquer das espécies, de promessa condicional de prestação. Na cláusula penal acessória, há, freqüentemente, a função de pressão, a mais, sobre o devedor, e a de tornar supérflo a prova do dano e do seu importe. No Código Civil, art. 927, alínea lA está escrito: “Para exigir a pena convencional, não é necessário que o credor alegue prejuízo”. Daí o grande papel que lhe cabe quando o dano, que o credor teme, é não patrimonial. As decisões judiciais que procuram ligar a cláusula penal a algum prejuízo desgarram do conhecimento científico do instituto e, aberta ou sub-replicamente, violam o ad. 927, alínea 1.’, do Código Civil (e. g., 1. Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 27 de julho de 1942, R. dos T., 139, 259; 2. Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 29 de abril de 1947, 168, 687). A cláusula penal incide ainda que nenhum prejuízo haja existido. No mesmo sentido o Código Civil chileno, ad. 1.542, e o Código suíço das Obrigações, ad. 161, alínea 1.8 (cf. Esboço de TEIXEIRA DE FREITAS, ad. 993). Não é preciso, sequer, que, ao conceber-se a cláusula penal, se pense em prejuízo ou dano que possa ocorrer (sem razão, a 1.8 Turma do Supremo Tribunal Federal, 18 de dezembro de 1941, Á. 1., 63, 30). Se a promessa é acessória, a divida principal influi, grandemente, sobre ela: a) não vale, se não existe a divida principal, inclusive se o negócio jurídico de que se irradiaria é ineficaz ou nulo (no ad. 922 do Código Civil diz-se: “A nulidade da obrigação Importa a da cláusula penal”, mas, ai, obriga~o é o negócio jurídico, porque “nulos” são os atos jurídicos, e não os efeitos, pois efeitos existem ou não existem) ; b) extingue-se, se a divida principal se extingue, como se ocorreu Impossibilidade superveniente sem culpa do devedor (Código Civil, arte. 865, aflues 1.8, 866, 869, 871, 1.8 parte, 876, 879, 1.’ parte, 882 e 888), mas a resolução ou a resilição com culpa do devedor não tenha a conseqüência de extinguir a divida acessória (Código Civil, art. 928: “Resolvida a obrigação, não tendo culpa o devedor, resolve-se a cláusula penal”); o) de regra, a cessão da pretensão principal contém a cessão da pretensão à pena, salvo se o contrário estabeleceram os figurantes (Tomo V, fi 575, 6>; d)da divida principal depende, em principio, o saber-se desde quando é exigível a pena; e) em principio, as regras jurídicas sobre ônus da prova são as concernentes à divida principal. 4. CLÁUSULA PENAL EM FORTALECIMENTO DE DIVIDA ALHEIA. A cláusula penal pode ser inserta, desde logo, no negócio jurídico, por acordo entre credor e devedor, ou resultar de pacto posterior. Donde a regra jurídica do art. 916 do Código Civil: “A cláusula penal pode ser estipulada conjuntamente com a obrigação

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ou em ato posterior”. Mas não é necessário que o promitente seja o devedor, ou, conforme antes dissemos, já o seja. Pode-se prometer pena para o caso de ser inadimplente terceiro, que é o devedor, ou que o vai ser, ou que, sem o ser, possa praticar ou abster-se de algum ato. Quanto à promessa de pena, acessória à divida de outrem, tem razão em admiti-la H. REHBEIN (Das Burgerliche Gesetzbuch, II, 231; sem razão, L. ENNECCERUS, Lehrbuch, II, § 37, nota 1, que a reduz a contrato de garantia). Nem tudo que fortalece garante. 5. CLÁUSULA PENAL A FAVOR DE TERCEIRO. A cláusula penal pode ser estipulada a favor de terceiro (e. g., hospital, caixa de socorros, bolsas de estudos, filhos ou empregados do credor). Em tais casos, o ad. 1.098, parágrafo único, do Código Civil é invocável; bem assim, o art. 1.099 ou o ad. 1.100. 6. INSTITUTOS QUE SE NÃO CONFUNDEM COM O DA CLÁUSULA PENAL. Não é cláusula penal a cláusula de arrependimento (Código Civil, ad. 1.095): essa é desconstituitiva da eficácia do negócio jurídico; a cláusula penal, não, supõe Que a eficácia do negócio jurídico permaneça. Nem se confunde com a cláusula de resolução ou de resilição, que também desconstitui eficácia. A cláusula cassatória, a lez commiasoria, cria direito contrário, o que a cláusula penal não faz, por sua acessoriedade. Se o direito de resolução, ou de resilição, foi concebido como mediante ou dependente de alguma prestação, tal ato é elemento integrante do exercício do direito formativo resolutivo, ou resilitivo. Não se há de confundir tal convenção com a de pena convencional. É o Reugeld da terminologia alemã, que também não se confunde com , ainda as do art. 1.095 do Código Civil (arrha poenitentialis), que, no direito brasileiro, têm regra jurídica própria. O puro Reugeld é inconfundível com a pena convencional: apenas corresponde à melhor, que se constitui com a atribuição do direito de resolução, ou de resilição, a um dos contraentes, em detrimento do outro; nada tem de multa, de pena. Nem se confunde com cláusulas penitenciais (art. 1.095), porque de modo nenhum é pena, ou penitência: não há, com o seu exercicio, arrependimento, ou volta atrás; há re-solução, ou resilição. . (Razão por que, se foi feliz a tradução da frase “Der Geber solI unter Aufopferung der Draufgabe vom Vertrage zurflcktreten diirfen”, no livro de L. ENNECCERUS, Lekrbuch, II, § 36, III, em espanhol, por “El que da las arras puede resolver el contracto perdiendolas”, pois há poena, e não paga para se resolver, não no foi quando disse: “Die Drauf gabe kann endlich die Natur eines Reugeldes haben”, não podia o tradutor escrever: “Las arras, finalmente, pueden tener la natureza de poenitenciales”. O que o autor disse foi que “as arras, finalmente, podem ter a natureza de Reugeld, dinheiro de contrição”.) As arras penitenciais são multa, a muleta poenitentiali.s. 7.FORMA DA CLÁUSULA PENAL. À cláusula penal exige-se a mesma forma que à dívida principal (O. WARNEVER, Kommentar, 1, 613). § 3.113. Limitações legais às cláusulas penam 1.DISTINÇÃO PRELIMINAR. Se a pena é substitutiva, também dita compensatória, a sua exigência exclui a pretensão ao adimplemento ou à indenização de perdas e danos, na medida em que ocorre a substitutividade. Se a pena é cumulativa, pode ser exigida, ainda que o tenha sido ou que o vá ser o adimplemento ou a indenização. O art 918 do Código Civil concerne àquela; o art. 919, a essa. Diz o art. 918 do Código Civil: “Quando se estipular a cláusula penal para o caso de total inadimplemento da obrigação, esta converter-se-á em alternativa a beneficio do credor”. E o art. 919: “Quando se estipular a cláusula penal para o caso de mora, ou

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em segurança especial de outra cláusula determinada, terá o credor o arbítrio de exigir a satisfação da pena cominada, juntamente com o desempenho da obrigação principal”. A cláusula penal, para o caso de total inadimplemento, é compensatória; portanto, a pena substitui a indenização por inadimplemento. Advirta-se, porém, que o àrt. 913 é juta disposituam: pode haver pena para o caso de total inadimplemento, sem se ter de considerar substitutiva (G. PLANCK, Koramentar, fl, 1, 4.’ ed., 444; E. GowMn<N-H. LILIENTEAL, Das BiLrgediche Geaetzbueh, 1, 394). Só se tem por compensatória se o contrário não resulta dos termos do negócio jurídico. Por outro lado, cláusula penal só referente a algum ponto do negócio jurídico pode ser compensatória, se isso resulta dos termos do negócio jurídico. O art. 919 também é <«apositivo. Na jurisprudência há certa confusão entre “total inadimplemento” e “inadimplemento de qualquer das cláusulas”. O art. 918 só se refere àquele. A cláusula penal pan o caso de Inadimplemento de qualquer das cláusulas não é regida pelo art. 918, mas sim pelo art. 919 (certa, a 48 Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 8 de novembro de 1940, A. 3., 57, 311; e a 17 de junho de 1941, R. F., 88, 147>. Nem o é a cláusula penal para o caso de mora, ou em segurança de determinada cláusula do negócio jurídico. Se há resolução do contrato por inadimplemento e a cláusula era para Infração de qualquer das cláusulas do negócio jurídico, nem por isso se há de transformar em compensatória a pena. Deve-se entender que as cláusulas penais são, de regra, cumulativa, e só se considera compensatória a pena se a cláusula penal alude ao total Inadimplimento, e há redutibilidade de tal pena. O art. 924 do Código Civil diz que, “quando se cumprir em parte a obrigação, poderá o juiz reduzir proporcionalmente a pena estipulada para o caso de mora, ou de inadimplemento”. Tal redução não se refere às penas curalativas. O que mais importa, quando o jurista ou o juiz está diante de cláusula penal, é saber se ela é compensatória, ou se o não~. Para a resposta a essa primeira questão, o haver-se falado de cláusula penal para o caso de total inadimplemento apenas funciona como elemento do suporte táctico para a incidência do art. 918 do Código Civil, que é dispositivo. Se há dados negociais que pré-excluam, a despeito da referência a total inadimplemento, haver compensatoriedade, não há pensar-se em invocação do art. 918. Se a pena é compensatória, dá-se a alternatividade a que se referiu o art. 918, mas por força dos termos do negócio jurídico. No direito comercial, tudo se passa do mesmo modo, pois o ad. 128 do Código Comercia! há de ser entendido para os casos em que a pena seja compensatória; dai algo de tanto lógico que há na regra jurídica do art. 128: “Havendo no contrato pena convencional, se um dos contraentes se arrepender, a parte prejudicada somente poderá exigir a pena (art. 218)”. Se a pena é cumulativa, por definição mesmo de cumulatividade o art. 128 do Código Comercial não pode vir à tona. Às vezes a justiça tem errado na aplicação do art. 918, principalmente por confundir com inadimplemento total a mora do pagamento de alugueres (e. g., 6’ Câmara Cível do Tribuna! de Justiça do Distrito Federal, 16 de janeiro de 1953, A. 3., 107, 386; 29 Grupo de Câmaras Civis do Tribunal de Justiça de São Paulo, 21 de maio de 1953). Outras vezes o erro consiste em se confundir com “inadimplemento total” o “inadimplemento de qualquer das cláusulas” (e. g.: 3.’ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 12 e 16 de junho de 1952, R. dos T., 203, 212 e 221; 6.’ Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 16 de janeiro de 1958, A. 3., 107, 386; certas, a 1.’ Câmara Civil, a 26 de outubro de 1942, R. dos T., 143, 187, 8 22 de abril de 1952, 201, 282, na esteira dos acórdãos do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 28 de março de 1944, 149, 681, Para se saber se a cláusula é compensatória, ou não, só se invoca o ad. 918 ou o ad. 919 se não há dados que decidam, ainda que não explicitamente (2.’ Câmara Civil do

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Tribunal de Apelação de São Paulo, 28 de março de 1944, R. doa T., 149, 681: “Para se saber se a cláusula penal prevê multa compensatória ou moratória, deve-se ter em vista a intenção das partes e o fim por elas visado. De regra, é sempre elevada a multa compensatória, para exercer a sua dupla função: meio coercitivo para assegurar o cumprimento da obrigação e prévia fixação de perdas e danos”; 1.’ Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 19 de julho de 1948, R. dos T., 145, 221; 4.’ Câmara Civil, 5 de novembro de 1942, 142, 624; 5.’ Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 23 de abril de 1954). Se foi estipulado que a infração de qualquer cláusula daria ensejo à resolução do contrato e se estabeleceu cláusula penal para a infração de qualquer das cláusulas, entende-se que se fez substitutiva, compensatória, a pena (1.’ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 22 de abril de 1952, R. dos T., 201, 282, cf. 166, 76). Diz-se que a cláusula penal é para o caso de mora (cláusula penal por mora) quando, ainda purgável essa, a purgação não exclui a incidência da cláusula penal. Assim, se B deixou de remeter, como devera, a 5, o motor, e purga a mora, a 10, prestando satisfatoriamente, com reparação dos lucros cessantes, tem de solver a divida da pena, que é cumulativa. Essa pena por isso mesmo foi limitada, pela lei, a dez por cento. Se a mora é impurgável, ou se não foi purgada, não se exime da pena o devedor: há de prestar a indenização por inadimplemento, mais a pena. Se a mora é impurgável, tanto importa chamar-se cláusula penal pela mora como cláusula penal por inadimplemento. Chama-se cláusula penal por inadimplemento a cláusula que incide se houve mora impurgável ou se não foi, a tempo, purgada a mora. É de repelir-se a jurisprudência que só entende o art. 99 do Decreto n. 22.626 como referente ao mútuo (e. o., 2.’ Turma do Supremo Tribunal Federal, 14 de janeiro de 1947, R. F.,111, 374 s.; Seção Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo,24 de março de 1944, R. dos T., 152, 687; 3,8 Câmara Civil,25 de agosto de 1943, 146, 213). O Decreto n. 22.626 “disse sobre juros nos contratos e dá outras providências”. No art. 8.0 cogitou-se de “multas e cláusulas penais” em geral, se não cumulativas; e no ad. 90, do limite das penas cumulativas. Lê-se no art. 8.0 do Decreto n. 22.626: “As multas ou cláusulas penais, quando convencionadas, reputam-se estabelecidas para atender a despesas judiciais e honorários de advogados, e não poderio ser exigidas quando não for intentada ação judicial para cobrança da respectiva obrigação”. Primeiramente, é de advertir-se que não há, aí, limitação ao conteúdo das cláusulas penais: podem ser para caso de total inadimplemento, ou para caso de mora, ou para qualquer inadimplemento, ou infração, ou determinada cláusula do negócio jurídico, inclusive data de alguma entrega. Se precisou a que é que se refere a cláusula penal, ou se pré-excluiu que ela abrangesse as despesas judiciais e os honorários de advogados, não se pode invocar o art. 8. do Decreto n. 22.626. Somente quando se haja precisado o conteúdo da cláusula penal satisfativa é que se pode cogitar de incidência do art. 8. do Decreto n. 22.626. Para se interpretar regra jurídica sobre invalidade ou sobre ineficácia de cláusula, tem-se de precisar de que cláusula se trata. Há de ser o primeiro cuidado do intérprete. Se o art. 89 se referiu a cláusula em cuja quantia ou valor se hão de incluir as despesas judiciais e os honorários dos advogados somente se pode ter tido em mira cláusula penal compensatória que não fosse a cláusula penal por total inadimplemento. Nunca seria cláusula penal cumulativa. Se há cumulatividade, não há substituibilidade de despesas e honorários de advogados por pena. Quanto à cláusula penal por total inadimplemento, compensatória, essa está limitada pelo art. 920 do Código Civil ao valor da divida e incluirem-se nela as despesas judiciais e os honorários de advogados seria clamorosa injustiça por parte do

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legislador: não se entenderia a ratio legis se o credor só pudesse conceder cláusula pena! compensatória por total inadimplemento até o valor da divida, d, e só pudesse ou cobrar cl e as despesas judiciais, 5, e os honorários, h, ou cobrar a pena, que não pode ser maior do que , e no entanto substituiria cl + i + h. Quanto às cláusulas penais cumulativas, haveria gritante contradição em se afirmarem a cumulatividade e a inclusão das despesas judiciais e dos honorários de advogado na cláusula. Além disso, a pena cumulativa foi reduzida pelo próprio Decreto n. 22.626, ad. 99, ao máximo de dez por cento, e seria insuficiente, na grande maioria dos casos, para a satisfação das despesas judiciais e dos honorários de advogado (certo, o 2.0 Grupo das Câmaras Civis do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 3 de março de 1943, R. dos T., 146, 147; l.~ Câmara Civil, 19 de julho de 1943, 147, 182, que no entanto reduziu as despesas judiciais às feitas para ingresso em juízo (1);1.8 Câmara Civil do Tribunal de Alçada de São Paulo, 11 de junho de 1952, 204, 506). Por mais divulgada e irrompente que nos julgados esteja a interpretação do art. 80 do Decreto n. 22.626 que atribui, sempre, às cláusulas penais compensatórias compreender as despesas judiciais e os honorários de advogados, devemos todos corrigir o erro, que leva, conforme vimos, a soluções injustas. Há mais uma, O devedor, que, atendendo à interpelação, ou à cobrança extrajudicial, quisesse solver a divida da pena teria de prestar o mesmo que lhe incumbiria se o credor tivesse de ir a juízo e fazer as despesas judiciais e de honorários de advogado. Conforme passamos a mostrar, às duas correspondem duas limitações legais diferentes: a do art. 920 do Código Civil, que alude à espécie do art. 918; a do ad. 99 do Decreto n. 22.626, de 7 de abril de 1933, que só se reporta às penas cumulativas (art. 919). 2. LEGAL DO IMPORTE DA CLÁUSULA PENAL SUBSTITUTIvA. Se A deve z a B e inseriu cláusula penal para o caso de não -adimplemento, dando-se a substitutividade, conforme o art. 918 do Código Civil, a pena há de valer x ou menos de x. Se não houvesse a limitação legal, poderia valer x + 1, ou z + 2, e assim por diante. A técnica da proteção dos devedores contra as estipulações oprimentes sugeriu a solução da igualdade, no máximo. É esse principio que o legislador põe no ad. 920 do Código Civil: “O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o de obrigação principal”. 3. LEGAL DO IMPORTE DA CLÁUSULA PENAL CUMULATIVA A promessa de pena negocial, não só contratual, é perigosa para o devedor, por se aditar o seu quanto ao do débito. Daí ter a técnica legislativa, nos diferentes sistemas jurídicos, cogitado de proteger os devedores contra penas elevadas ou desproporcionais. As soluções mais apontadas são: a) a da nulidade da cláusula excessiva, b) a da redutibilidade por sentença, e c) a da limitação ipso iure (técnica do máximo). No Código Civil, art. 920, adotou-se a técnica do máximo, sem se entrar em distinção quanto às penas: “O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal”. A interpretação que se havia de dar era a da incidência ipso iure, e não a da invalidação, que dependesse de sentença. Sobreveio o Decreto n. 22.626, de 7 de abril de 1933, ad. 99, que estatuiu para as penas cumulativas: “Não é válida a cláusula penal superior a dez por cento do valor da divida”. A alusão à invalidade poderia sugerir que a sanção fosse para toda a cláusula. Ter-se-ia a solução a). Em verdade, não é essa a exegese que mais se ajusta à lei. Acima da taxa de dez por cento, a cláusula é ineficaz, sem ser preciso que se peça ao juiz declaração de ineficácia, ou decretação de nulidade quanto ao excesso. Se há interesse de algum dos figurantes, a ação a ser proposta é a declaratória de ineficácia. Diferente a solução do Código Civil alemão, § 343, que apenas permite a redução à quantia proporcionada (auf den angemessenen Betrag), levando-se em conta o interesse

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justificado no credor, e não só o patrimonial. Por onde se vê que a decisão judicial alemã é sentença constitutiva, com forte dose de condenatoriedade. A propósito das penas cumulativas, houve, portanto, derrogação do ad. 920 do Código Civil. Não se poderia pensar em limitação de conformidade com o ad. 99 do Decreto n. 22.626, de 7 de abril de 1933, em se tratando de penas substitutivas. Assente-se, portanto, a) que a cláusula penal superior a dez por cento da divida, vale, b) o art. 920 do Código Civil somente foi derrogado no que atingiu as cláusulas penais com cumulação, e) que é ineficaz a cláusula penal no que exceda de dez por cento, cl) que, em tratando de dívidas Ilíquidas, aS após a liquidação é que se pode saber até onde é eficaz a cláusula. A expressão “válida”, que aparece no ad. 9O do Decreto n. 22.626, está por “eficaz”. De ordinário, os legisladores não sabem distinguir da ineficácia a invalidade, mas o sistema jurídico tem de ser revelado com os textos legais e as lições da ciência. A cláusula penal com infração do ad. 920 do Código Civil ou do 90 do Decreto n. 22.626 não é nula, é ineficaz para além do limite máximo (não seria apropriada a expressão “nula quanto ao excesso”, que a alguns julgados escapou, e. g., Câmaras Civis Conjuntas do Tribunal de Apelação de São Paulo, 21 de novembro de 1941, 1?. dos T., 142, 673). 4. PENAS EXCESSIVAS. No art. 927, alínea 2., o Código Civil estabelece: “O devedor não pode eximir-se de cumpri-la” entenda-se a pena “a pretexto de ser excessiva’. Porque, primeiro, a pena negocial pode ser exigível sem ter havido prejuízo (ad. 927, alinea 19); segundo, as limitações de máximo foram feitas pela lei: a do ad. 920, para as penas substitutivas; a do art. 99 do Decreto n. 22.626, de 7 de abril de 1933, para as penas cumulativas. A regra jurídica do ad. 924 do Código Civil nada tem com o art. 927, alínea 29: aqui, não pode o devedor alegar, eficazmente, que a pena substitutiva, não excedente do valor da prestação, seja excessiva; ali, tendo havido adimplemento parcial, permite-se a redução proporcional ao que foi prestado. Algumas decisões deixaram de atender a que, se a cláusula penal é de pena cumulativa, incide o ad. 99 do Decreto n. 22.626, de 7 de abril de 1933, e não o ad. 920 do Código Civil. Por outro lado, não confrontaram com o ad. 920 o ad. 927, alínea 2.~, para assentar, como deveriam, a) que a excessividade é interior ao máximo legal do ad. 920 do Código Civil, em se tratando de pena substitutiva, ou do ad. 99 do Decreto n. 22.626, se cumulativa, b) que alegar que se ultrapassou o máximo não é alegar excessividade. § 3.114. Ato que complementa o suporte táctico para incidência da cláusula penal 1. ATO OU OMISSÃO. Ao estipulante da cláusula penal o que interessa é o facere ou o tzon facere do devedor. Se do negócio jurídico se irradiam muitas dividas, ou obrigações, a qualquer delas pode ser restringida a cláusula penal, ou abrange duas ou mais, ou todas . Se apanha todas, ainda é preciso indagar-se se é a infração de alguma delas que completa o suporte fático da cláusula, ou se é preciso que tenha havido infração de tOdas. Na dúvida, basta a infração de qualquer delas. 2.PENA CONCERNENTE A INADIMPLEMENTO TOTAL. “A cláusula penal”, diz o art. 917 do Código Civil, “pode referir-se à inexecução completa da obrigação, à de alguma cláusula especial ou simplesmente à mora”. Para que haja incursão na pena negocial por inadimplemento completo ou total, é de mister que nenhum adimplemento, mesmo insatisfatório, tenha havido. Então, a recepção da prestação insatisfatória ou parcial, sem restrição, pré-exclui a exigibilidade da pena. Se o credor faz restrição, tem de devolver o recebido, exigindo a pena. Se o devedor, e. g., o músico ou a dançarina, deixa de comparecer ao trabalho, por

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ter aderido à greve, incorre na pena que em cláusula se estabeleceu para o caso de inadimplemento. Se a cláusula penal é para o caso de completo inadimplemento, ou de inadimplemento parcial ou insatisfatório, é quaestio facti. Se falou de inadimplemento e o credor recebeu, sem restrição, adimplemento parcial, não se há de entender, na dúvida, que possa exigir a pena. Se, sendo não satisfatória a execução, a cláusula era de adimplemento satisfatório ou exato, há de ser exercivel a pretensão à pena (PAUL OMTTMANN, Recht der Sckuldverhãltnisse, 226; E. GOLDMANN -H. LILIENTRAL, Das BI.irgerliche Gene tzbuch, 1, 395; sem razão, F. SCUOLLMEYER, Recht der Schzddverkdltnisse, 247). Se o negócio jurídico, notadamente o contrato, contém muitas cláusulas, porém só há uma prestação que seja a da dívida principal, é de entender-se que a cláusula penal “para o caso de inadimplemento” somente concerne àquela dívida. Se, todavia, foi empregada a expressão “para o caso de adimplemento inconveniente”, ou “para o caso de qualquer infração contratual”, completa o suporte fático qualquer falta que importe infração de dever anexo ou secundário, como o de aviso (cf. G. PLANCK, Kommentar, II, 1, 442). Podem preestabelecer os figurantes que o exigir-se a pena não exclui a pretensão ao adimplemento ou à indenização, ou determinar qual ou quais as pretensões ao adimplemento, à indenização, que a exigência não exclui. O que é preciso é que, então, se respeite o ad. 99 do Decreto n. 22.626, de 7 de abril de 1933. Se a pretensão a que a pena se refere fica excluída, o art. 920 é que se há de observar (“O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal”). 3. PENA RESTRITA A DETERMINADA CLÁUSULA DO NEGÓCIO JURÍDICO. A cláusula penal pode ser atinente a alguma qualidade da prestação, ou a alguma quantidade mínima, em se tratando de prestação repetida ou continuada. Em geral, a cláusula penal pode ser atinente a qualquer cláusula do negócio jurídico, ou só à mora. É o que está explícito no art. 917 do Código Civil: “A cláusula penal pode referir-se à inexecução completa da obrigação, à de alguma cláusula especial, ou simplesmente à mora Se as pressupostos para a redibição ocorrem (Código Civil, arts. 1.101-1.105), isso não extingue a promessa de pena, nem a pena. O art. 1.103 incide e o credor pode cobrar a pena que não exceda de dez por cento dos valOres totais a que se referem a 1. parte e a 2~a parte do ad. 1.103. Idem, no caso do ad. 1.104. Na espécie do art. 1.105, a pena pode ser até dez por cento do valor da prestação, e não só do preço que se fixo» com o abatimento. § 3.115. Em que momento o promitente incorre na pena 1. INCURSÃO NA PENA. A promessa de submissão a pena é promessa condicional. Se ocorre a condição, nasce a obrigação do promitente e, pois, a pretensão do promissário. Todavia, nem todos os fatos que se consideraram condicio são os mesmos. O próprio Código Civil aponta espécies: cláusula penal que se refere “à inexecução completa da obrigação”; cláusula penal que se prende a “alguma cláusula especial”; cláusula penal que só se reporta à mora, “simplesmente à mora” (Código Civil, ad. 917). A. interpretação é que fica a solução das questões . 2. ESPÉCIES DE PRESTAÇÃO DA DÍVIDA PRINCIPAL. a) Se a pena negocia1 fortalece obrigação de fazer, incorre na pena quando o devedor em mora (cf. Código Civil, art. 921). Aqui, não se há de investigar culpa, como a propósito da aplicação do art. 923 do Código Civil (arte. 865, alínea 1.8, 866, 869, 871, 1.’ parte, 876, 879, 1.8 parte, e 338). Tem-se, apenas, de indagar se houve mora, segundo os princípios apostos no Tomo XXV.

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b) Se a pena negociA) foi estipulada para fortalecer promessa de omissão, é exigível desde o momento em que se pratica o ato positivo, contrário ao prometido (cf. Código Civil, arts. 921 e 961). O art. 961 é aquele em que se enuncia que, <‘nas obrigações negativas, o devedor fica constituído em mora, desde o dia em que executar o ato de que se devia abster”. No direito brasileiro, só se tem de averiguar se houve mora, ou se não houve. A culpa só se apura em se tratando de impossibilidade superveniente da prestação, porque então se resolve ou regue o negócio jurídico segunda o ad. 882 do Código Civil. Na doutrina alemã, as opiniões dividem-Se, mas os que aludem à culpa, no caso das obrigações positivas, apenas a presumida vontade dos figurantes. com intuitos de equidade ou de interpretação benigna (e. g., E. TITZE, DIe ~nrnõglichkett der Leistuflg, 103; E. LEUMANN, Die unterlassuttgspfhcht, 296; HANS REICIIEL, ~~rtr~gsstrafe nach ~ Deutsche juristett~Ztiti(fl0, 1912, 857 s.). Certamente, é possível que se haja acordado em pena contratual, ou, até, prometido unilateralmente submissão a pena, somente para o caso de culpa, mas, ai, é a interpretação que o revela, sem que possa pensar em presunção turis tantum. Não há, sequer, presunção hominhe. O que se há de entender, na falta de qualquer especificação, é que se concebeu a pena para o caso de mora. Aliás, parte da doutrina manteve-se fora de tais concessões (e. g., PAUL OEETMANN, Recht der SchtddVeTMZtnMse, 225; E. SCIIOLLMRYER, Recht der SchuldvBrhiIÃtnuae. 248> e’ no tocante às obrigaç6es negativas, firmou-Se na convicção de se não exigir culpa (H. TITZE, BlJroe’tliChCB Recht, Recht der SchuldveTbMitflísse, 4.’ ed., 115; A. NIKISCH, BiJruerUOhCS Recht, Das Recht der SchuldverbJ,ltnlsse, 1, 115; Ei. LEONILAJD, Aligemeines Schuldrecht, 400; E. HENLE, Lehrbuth, II, 585; H. SIDER, Grundriss das deutschen b#Àrge?UChOfl Rechis, II, 109; cp. PE. HECE, Grundries <les ScltuldrechU, 152; J. EBSER, Lehrbttth de8 Schv-ldreOhtS, 105; E.MOLITOR, Schuldrecht, 1, 79; KÃRL LARENZ, Lehrbzteh das SchuIdreOhtS, ~, 33 ed., 234). A doutrina alemã , quer a respeito das dividas de fazer quer das dividas de não fazer, tropeça em contradições. Tem-se de separar da questão da impossibilidade superveniente, onde o elemento da culpa é de examinar-se, a questão da mora, que independe disso, posto que, se impossibilitação houve, sem culpa, não se possa pensar em infração do dever, em inadimplemento. Se nasceu o direito de resolução, ou de resilição, sem ser por inadimplemento, mora não há, porque não há imputabilidade <= não há falar-se de inadimplemento se não se tinha de adimplir). A lei brasileira andou acertadissima só se referindo à culpa, em matéria de cláusula penal, quando teve de aludir à resolução ou à resilição sem culpa (Código Civil, ad. 923; cf. arte. 865, alínea 13, 866, 869, 871, 1.’ parte, 876, 379, 13 parte, 882 e 888). 3. SORTE DA CLÁUSULA PENAL ACESSÓRIA. Se a cláusula penal se refere a inadimplemento, e há resolução ou resilição por possibilitação superveniente sem culpa do devedor, resolve-se também a eficácia da cláusula penal. É o que diz o ad. 923. Se, em vez de resolução ou de resilição por impossibilitação superveniente sem culpa do devedor, há resolução ou resilição por impossibilidade superveniente com culpa do devedor, ou por inadimplemento, o devedor incorre na pena. Está no ad. 921: “Incorre de pleno direito o devedor na cláusula penal, desde que se vença o prazo da obrigação, ou, se o não há, desde que se constitua em mora”. O devedor constitui-se em mora exatamente se há prazo e a divida é positiva e liquida. <Código Civil, art. 960, alínea 13, regra jurídica a que o ad. 921 remete), ou se a divida é negativa (ad. 961) e há prática do ato positivo, ou se foi feita a interpelação, notificação, ou protesto (art. 960, alínea 2.8), ou se houve ilícito absoluto (art. 962). No art. 921 do Código Civil, que é sedes matérias diz-se,corretamente, como se estivesse a extrair dos arts. 960-963 a regra jurídica: “Incorre de pleno direito o devedor na cláusula penal, desde que se vença o prazo da obrigação, ou, se o não há,

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desde que se constitua em mora”. Ou quando incide o art. 960, alínea 13, ou quando incide o ad. 960, alínea 2?, ou o ad. 961, ou o art. 962. A incursão automática coincide com a mora automática. Os arte. 922 e 923 do Código Civil cogitam, respectiva-mente, da nulidade ou anulação e da resolução do negócio jurídico e da repercussão de tais desconstituições na cláusula penal. Diz o art. 922: “A nulidade da obrigação importa a da cláusula penal”. E o ad. 923: “Resolvida a obrigação, não tendo culpa o devedor, resolve-se a cláusula penal”. Se a invalidade do negócio jurídico é de pleno direito, também o é a da cláusula penal. Se a nulidade ou a anulação só se impõe após trânsito em julgado de sentença, passa-se o mesmo a respeito da cláusula penal. Se a resolução do negócio jurídico é ipso jure, também o é a da cláusula penal (cf. 58 Câmara Civil da Corte de Apelação de São Paulo, 25 de setembro de 1935, R. dos T., 103, 607). Se há resolução dependente de sentença, a eficácia da sentença é para o negócio jurídica e para a cláusula penal (2.8 Câmara do Tribunal de Apelação de Silo Paulo, 31 de julho de 1936). No caso de rescisão por vícios redibitórios, se não há responsabilidade do alienante ou transferente, não subsiste a cláusula penal (e. g., Código Civil, arts. 1.102, 1.8 parte, e 1.103, 2? parte). No caso de pedido de abatimento no preço (ad. 1.105), regem os mesmos princípios: se o devedor não poderia ser responsabilizado, não tem eficácia a cláusula penal. A resolução do contrato somente implica resolução da cláusula penal por mora, ou inadimplemento, ou qualquer infração do negócio jurídico, se não tem culpa o credor. Se houve mora e culpa, ou se houve inadimplemento e culpa, ou infração e culpa, a cláusula subsiste, de modo que, cumulativa, tem de ser satisfeita independentemente do que o devedor haja de prestar. Se a cláusula penal é substitutiva ou compensatória, não: entende-se, se para total inadimplemento, ou não, que a pena substitui as perdas e danos e é redutível conforme o art. 924 do Código Civil. A resiliçâo , com culpa do devedor, do negócio jurídico oferece aspectos particulares. Uma vez que algo foi prestado, a redução da pena, segundo o ad. 924 do Código Civil, tem de dar-se. Se compensatória ou substitutiva, não há por onde se quererem indenização e pena. Se cumulativa, as duas podem ser pedidas. Se houve culpa do devedor, quer se trate de resolução quer de resilição do contrato, a pretensão à pena persiste. Não é obstáculo a isso ter-se resolvido ou resilido o contrato e, pois, não mais existir. O autor do voto vencido ao acórdão da 2.8 Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 7 de maio de 1952 (R. dos T., 174, 710) não atendeu a que a cláusula penal não cria divida alternativa, nem facultas alternativa. Mais uma vez lembremos que os arts. 918 e 919 são dispositivos. A cláusula penal para o caso de total inadimplemento pode ser por vontade dos figurantes cumulativa, e as cláusulas penais para o caso de mora, ou de inadimplemento de determinada cláusula, podem ser por vontade dos figurantes substitutivas ou compensatórias. § 3.116. Que é que se tem de prestar incorrida a pena 1. SOLUÇÕES “A POSTERIORI”. De regra, a cláusula penal é estipulada para o caso de inadimplemento, ou de adimplemento não satisfatório do crédito fortalecido. Se há dúvida sobre só se haver pensado em inadimplemento, Um se de interpretar o negócio jurídico e a cláusula penal, atendendo-se às circunstâncias. O importe do que se há de prestar é elemento por vozes decisivo para a interpretação. a) Se a pena foi prometida para o caso de inadimplemento total (portanto, não bastando o adimplemento não satisfatório, ou com infração de pormenor, como o tempo e o lugar), ou se exige, definitivamente, a pena, ou o adimplemento. É o que estatui o art. 918 do Código Civil: “Quando se estipular a cláusula penal para o caso de total inadimplemento da obrigação, esta converter-se-á em alternativa a beneficio

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do credor”. A despeito de se falar de alternativa, não há, na espécie do ad. 918 do Código Civil, obrigação alternativa a favor do credor, nem facultas alternativa (Tomo XXII, § 2.707, 3). Há duas pretensões; a pretensão é ao lado da pretensão principal, e tem a sua prescrição regulada pelo ad. 167 do Código Civil. Se o credor exige, definitivamente, a pena, a pretensão ao adimplemento extingue-se; mas, se exige o adimplemento, sem frisar a definitividade, e esse não se dá, ainda pode preferir a ação para cobrança da pena. Se o credor faz alternativo o pedido, deixou ao devedor a escolha. Áliter, se o faz da pena para o caso de adimplemento, porque aí preferiu Ele mesmo o adimplemento. Exigir a pena é preferir; não o é exigir o adimplemento. Porque a pena, ex hypothesi, é para o caso de não-adimplemento. Pode acontecer que a pena tenha sido para se facilitar a indenização, e aí é de entender-se que não há a alternativa se é de interpretar-se que se admitiu a prestação do plus (isto é, do que excede a pena). Se a pena foi para o caso de total inadimplemento, o adimplemento parcial não afasta a exigência da pena: pode o credor restituir o recebido e exigir a pena. No Decreto n. 22.626, de 7 de abril de 1933, ad. 9O, diz-se que a cláusula penal não pode exceder de dez por cento da valor da divida. Tal regra jurídica é somente para o caso de cláusula penal que não é regida pelo ad. 918 (e. g., total inadimplemento). Por isso mesmo, o art. 920 foi derrogado, e não revogado. Por ele fixa-se o limite econômico da cláusula penal se a pena é para o total inadimplemento, ou para se computar na indenização pelo inadimplemento. b> Se a pena foi prometida para o caso de o crédito não se cumprir satisfatoriamente , pode o credor exigir o adimplemento e a pena, ainda que o credor não tenha sofrido, com o adimplemento insatisfatório, qualquer prejuízo (Código Civil, art. 927, alínea 1.8). A tais penas é que se refere o ad. 99 do Decreto n. 22.626, de 7 de abril de 1933, ao limitar a dez por cento a pena. Se a pena excede de dez por cento e a indenização pelo adimplemento insatisfatório (e. g., pelo retardamento) é maior do que a pena, pode-se cobrar a pena de dez por cento mais a indenização. No direito brasileiro, a pena que se subordinou ao limite de dez por cento, é a pena que não se substitui à indenização pelo inadimplemento, ou não se computa em tal indenização. Dai poder-se entender, em outros negócios jurídicos, que a pena de mais de dez por cento é compensatória. Por isso mesmo, só há ineficácia da cláusula penal quanto ao excesso, em relação aos dez por cento, se a pena é cumulativa. Em sendo compensatória, o limite é o do valor Igual ao da divida. Tem-se, pois, de, antes, cuidadosamente classificar a cláusula penal que se examina. c)Se a pena consiste em prestação não pecuniária, exigindo-se a pena quer se trate de inadimplemento quer de adimplemento não satisfatório entende-se que se preferiu a pena ao cumprimento da dívida. (Se a escolha ficou ao credor, sem que possa adimplir o devedor, não há cláusula penal, mas sim obrigação alternativa a favor do credor, eu conforme as circunstâncias e o conteúdo do negócio jurídico cláusula cassatória.) 2.“FACULTAS ALTERNATIvA” E PENA NEGOCIAL. Se foi dito que o devedor se pode liberar da dívida principal, prestando a pena, em verdade não se trata de cláusula penal, mas de cláusula de facultas alternativa a favor do devedor. AI, nem se pode invocar o art. 920 do Código Civil, nem o art. 99 do Decreto n. 22.626, de 7 de abril de 1933. O credor somente pode exigir o adimplemento; o devedor tem a facultas alternativa: ou adimple, ou presta a “pena”. Cumpre, todavia, observar-se que, na dúvida, não se tem como tal a cláusula. 3. PENA PECUNIARIA E PENA NÃO PECUNIARIA. A pena pode ser em dinheiro, ou em outro bem, móvel ou imóvel. A pena pode consistir em obrigação de declaração de vontade. Então, a sentença do juiz, que aplicar a pena, tem eficácia de

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condenação a declarar, e não, a eficácia do ad. 1.006 do Código de Processo Civil. Aliter, se a pena consiste em ter-se por declarada a vontade. Se a pena consiste em bem que não seja dinheiro, tem-se de indagar se a pena é substitutiva ou cumulativa. Se substitutiva, a exigência da pena exclui a pretensão à indenização; se cumulativa, não. A prestação que é objeto da pena há de ser avaliada para se saber se incide o ad. 920 do Código Civil, ou se não incide, ou se incide, ou não, o ad. 99 do Decreto n. 22.626, de 7 de abril de 1933. Resta saber se o art. 924 do Código Civil pode ser invocado em se tratando de pena consistente em bem imóvel, ou em bem móvel que não seja dinheiro. A solução tem de ser negativa, pela irredutibilidade da prestação. Se a pena é substitutiva, o que importa é saber-se se, devido à prestação parcial do que era devido principalmente, infringiria o art. 920 do Código Civil a exigência da pena; se cumulativa, o valor dela tem, em qualquer caso, de respeitar o art. 99 do Decreto n. 22.626, de 7 de abril de 1933. 4. REDUÇÃO DA PENA. No ad. 924 do Código Civil diz-se que, “quando se cumprir em parte a obrigação, poderá o juiz reduzir proporcionalmente a pena estipulada para o caso de mora, ou de inadimplemento”. O primeiro problema que surge é o de ser cogente ou dispositivo o ad. 924. A resposta é no sentido de se tratar de <us dispositivum. A cláusula penal pode ser concebida como irredutível (= para o caso de nada se haver prestado, ou de algo se haver prestado). Mas isso não impede que se invoque o ad. 920 do Código Civil ou o art. 99 do Decreto n. 22.626, de 7 de abril de 1933, ali, se o que se deixou de prestar foi menos do que a pena substitutiva ou compensatória; aqui, se a pena cumulativa excede de dez por cento o total do que era devido. Como se vê, a pré-exclusão da invocação do art. 924, em se tratando de pena cumulativa, não traz dificuldades: a pena até dez por cento do valor não pode ser acoimada de ineficaz se há cumprimento da divida para além de noventa por cento do valor. Na jurisprudência, houve julgados que negaram a dispositividade do art. 924 (e. g., Câmaras Civis Reunidas do Tribunal de Justiça de São Paulo, 21 de agosto de 1952, em ERYX DE CASTRa, Repert6rio de Jurisprudência, 1, 88; 4. Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 5 de novembro de 1942, R. dos 2’., 142, 624; 48 Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 10 de dezembro de 1932 e 23 de março de 1933, .1?. F., 86, 317 e 510; 1.8 Câmara Civil do Tribunal de Alçada de São Paulo, 10 de setembro de 1952, 1?. dos 2’., 205, 437; 1.8 Câmara Civil do Tribunal de Alçada de São Paulo, 11 de junho de 1952, 204, 506). Na jurisprudência, a propósito do ad. 924, tem-se falado de “pendente arbítrio do juiz”, mas isso denuncia perigosa infiltração de doutrina estrangeira de sistemas a que falta a regra jurídica do art. 924 (e. g., 1.8 Turma do Supremo Tribunal Federal, 17 de agasto de 1953, A. 3., 108, 259, mas só incidentemente no voto do relator). Se o inadimplemento foi total, ou não houve parcial infração do que a cláusula penal substitutiva cobriria, não há pensar-se em invocação do art. 924, porque falta o pressuposto de tal regra jurídica, que é ter havido adimplemento parcial (cf. 1.8 Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 10 de novembro de 1953, R. 3., 10, 145). § 3.117. Substitutividade e cumulatividade 1. CLÁUSULA PENAL ACESSÓRIA E DIVIDA PRINCIPAL A cláusula penal ou estabelece a substitutividade, em relação à divida principal, ou a cumulatividade. No direito brasileiro; a distinção cresce de importância devido ao ad. 920 do Código Civil, que só se pode invocar a respeito das penas substitutivas, e ao ad. 99 do Decreto n. 22.626, de 7 de abril de 1933, que apenas concerne às penas cumulativas.

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2. CóDIGO CIVIL, ARTS. 918 E 919. Lê-se no ad. 919 do Código Civil: “Quando se estipular a cláusula penal para o caso de mora, ou em segurança especial de outra cláusula determinada, terá o credor o arbítrio de exigir a satisfação da pena cominada, juntamente com o desempenho da obrigação principal”. Aqui, não há cláusula penal substitutiva, e sim cumulativa. Note-se que no art. 918 se havia estatuído que, “quando a cláusula penal for para o caso de total inadimplemento da obrigação, esta converter-se-á em alternativa a beneficio do credor”; portanto, é substitutiva. Não basta, então, a mora, ou a infração de alguma cláusula. O credor ou pede o adimplemento ou pede a pena. O devedor não pode preferir pagar a pena convencional (F.SZKOLNY-H. CAso, Biirgerliches Gesetzbuch, 390; E. GOLY>MANN-H. LILIENTEAL, Das Biirgerliche Gesetzbuch, 1, 894). Aos exemplos, a) Contrataram A e B a construção do prédio da rua R e inseriram cláusula penal para o caso de se afastar o construtor das instruções escritas do arquiteto, no tocante à entrada do prédio, B infringiu a cláusula e deixou, na época fixada, de entregar pronto o edifício a A. Pode A. cobrar a indenização pela mora e a pena negocial pela infração da cláusula. b) Em vez da cláusula penal acima referida, A e R acordaram em que B pagaria a indenização pelo inadimplemento e a pena, se não entregasse pronto o edifício. Na espécie a), rege o art. 919 do Código Civil e, pois. o ad. 920. Na espécie b), os figurantes pré-excluiram a incidência do ad. 918, que é, como o ad. 919, jus dispositivum. O ad. 918 também incide se a cláusula penal é para o caso de inadimplemento de dívida negativa. 3. PLURALIDADE DE CLÁUSULAS PENAIS. Onde quer que haja, ou possa surgir dever, e não só divida de prestar, pode haver cláusula penal. Exemplo freqüente é o de cláusula penal para o caso de infração de dever de cuidar, ou de conservar. Podem os figurantes redigir, por exemplo, cLáusula penal que seja substitutiva ou compensatória, se há resolução ou resilição, e cumulativa, se a mora é purgada. Em verdade, há duas cláusulas penais, cada uma regida por seus princípios próprios. Os negócios jurídicos podem conter duas ou mais cláusulas penais. Nada obsta a que, para a mesma infração, se concebam cláusula penal substitutiva e cláusula penal cumulativa. Cada uma se rege por seus princípios próprios, inclusive quanto a limite de máximo. A prestação da pena pode ser alternativa: ou a ou b, a favor do credor ou do devedor. § 3.118. Dividas de prestação indivisível e dividas de prestação divisível 1. INDIVISIBILIDADE. Lê-se no art. 925 do Código Civil: “Sendo indivisível a obrigação, todos os devedores e seus herdeiros, caindo em falta um deles incorrerão na pena; mas esta só se poderá demandar integralmente do culpado. Cada um dos outros só responde pela sua quota”. E acrescenta o parágrafo único: “Aos não culpados fica reservada a ação regressiva contra o que deu causa à aplicação da pena Se a obrigação é indivisível, cada obrigado o é da dívida toda. Em conseqüência se um não cumpre, é como se todos não houvessem cumprido; porque a falta de um é falta de todos: se um solve, sub-roga-se no direito dos outros. Compreende-se que, em matéria de cláusula penal, a incursão de um na pena seja incursão por todos: nas dívidas de não fazer, obviamente ; nas dividas de fazer, inclusive de dar, se um infringe cláusula do negócio jurídico, todos infringiriam, pois nenhum adimpliu ou evitou que persistisse a mora. Mas seria injusto que se não previsse a pretensão dos outros devedores contra o devedor culpado. Dai a “ação regressiva a que se refere o ad. 925, parágrafo único. Os não culpados cobram ao culpado o que tiveram de pagar

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como pena. 2.. No ad. 926 do Código Civil prevê-se a pena acessória de dívida de prestação divisível: “Quando a obrigação for divisível, só incorrerá na pena o devedor, ou o herdeiro do devedor que a infringir, e proporcionalmente à sua parte na obrigação”. O art. 925 emprega o termo próprio falta. “Caindo em falta um deles ” está em vez de “Quando ensejo à incidência da pena um deles ”. A culpa só se há de apurar nas relações entre devedores. No ad. 926, também se empregou expressão adequada: “devedor que a infringir”. Não se aludiu a culpa. Se a cláusula penal foi concebida para o caso de infração culposa de deveres oriundos do negócio jurídico, então sim, não basta, sempre, o inadimplemento, nem a mora. § 3119. Prestação parcial e prestação da pena 1.REDUTIBILIDADE DA PRESTAÇÃO. No ad. 924 do Código Civil diz-se: “Quando se cumprir em parte a obrigação, poderá o juiz reduzir proporcionalmente a pena estipulada para o caso de mora, ou de inadimplemento”. Quer se trate de cláusula penal para o caso de inadimplemento, ou para o caso de mora, se o devedor cumpriu em parte a obrigação, sem que a recepção pelo credor se possa considerar renúncia à pretensão à pena, pede o juiz, a pedido do devedor, ou de oficio, reduzir a pena negocial. A redução não é a puro arbítrio do juiz, pois tem o devedor pretensão à observância do art. 924 e só se pode reduzir a pena, proporcionalmente à parte prestada. 2. PRÉ-EXCLUSÃO DA REDUTIBILIDADE. Se a cláusula penal foi finda para o caso de adimplemento parcial, como se há duas cláusulas penais, uma para o caso de inadimplemento total e outra para o caso de inadimplemento Parcial, não há razão para se invocar o art. 924 do Código Civil. § 3.120. Ônus da prova 1. PENA NEGOCIAL ACESSÓRIA. As regras jurídicas sobre prova, no tocante à divida principal, incidem quanto à divida da pena. Se discute se o devedor cumpriu, ou não, a dívida principal, cabe-lhe o ônus da prova, ainda que o credor apenas esteja a exigir a pena. Se a divida principal é de não fazer, compete ao credor alegar e provar que houve a infração. 2.PENA NEGOCIAL INDEPENDENTE. O ônus da prova de ter havido a incursão do promitente na pena incumbe ao autor. § 3.121. Extinção da dívida de pena 1. EXTINÇÃO DA DIVIDA PRINCIPAL. Se a divida principal não subsiste, extingue-se a promessa de pena. Não há distinguir-se entre as extinções de dívidas (e. g., anulação do negócio jurídico, resolução por impossibilidade superveniente sem culpa do devedor, desaparição da base do negócio jurídico, e dístrato) ; mas, se a causa da extinção da dívida é a mesma da incursão do devedor na pena, não há extinção da promessa de pena. 2. IMPOSSIBILITAÇÂO POR CULPA DO DEVEDOR. a) Assim, se a impossibilitação da prestação de coisa certa resultou de culpa do devedor, é questão de fato de interpretação da cláusula, saber-se: a) sendo total a impossibilitação, se pode ser exigida a pena, ai subordinada ao limite legal do ad. 9.~ do Decreto n.

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22.626, de 7 de abril de 1933, tendo o credor exercido a pretensão a cobrar o equivalente da prestação impossibilitada, ou não, e se afirmativa a resposta se há de ser computada na indenização de que fala o ad. 865, alínea 2.8, do Código Civil, ou se há de ser somada ao equivalente e às perdas e danos; b) se, em caso de impossibilitação parcial, tendo o credor exigido o equivalente (Código Civil, ad. 867. 1.8 parte), pode ser exigida, ou não, a pena; e) se, em caso de impossibilitação parcial, tendo o credor recebido a coisa, com abatimento no valor (art. 867, 2.8 parte), pode, ou não, ser exigida a pena. Nas espécies em que a prestação é restitutiva (arts. 870 e 871, 2.~ parte), as questões de interpretação da cláusula são as mesmas. b)Se, na impossibilitação superveniente, total ou parcial, da prestação de espécie, houve culpa do devedor (Código Civil, ad. 876), cabem feita a escolha (a concretização, Tomo XXII, § 2.698, 2-5) os mesmos princípios que regem 4a impossibilitação superveniente da prestação de coisa certa,se culpado o devedor; de jeito que as questões são as mesmas que a cima se apontaram. c)Se, na impossibilitação superveniente da prestação desfazer, houve culpa do devedor, a pena tem de ser incluída nas perdas e danos, ou se pode ser exigida à parte, é questão de interpretação; portanto, quaestio facti (Código Civil, ad. 879,2~R parte). d)Se, nas dividas de não fazer, a pena se inclui na indenização,ou se não se inclui, é questão de interpretação, convindo frisar-se que a mora nada tem com a culpa <Código Civil,arts. 883 e 961). 3.RESOLUÇÃO OU RESILIÇÃO FOR INADIMPLEMENTO. A resolução por inadimplemento ou a resilição por inadimplemento (Código Civil, art. 1.092, parágrafo único) suporta que se aplique pena negocial (na espécie, contratual), porque a causa da desconstituição e da incidência da pena é comum. Mas a solução da questão depende da interpretação da cláusula penal. Pode ela ter sido a) para os casos de exercício da pretensão ao adimplemento, b) para os casos de exercício do direito de resolução ou de resilição, e) para os casos de se preferir A pena ao adimplemento tardo (ou tardio), ou para os casos de se preferir a pena ao exercício do direito de resolução ou de resilição. Não há resposta a priori. Tudo se há de buscar à interpretação da cláusula. Nas espécies a) e lO, o art. 9O do Decreto n. 22.626, de ‘7 de abril de 1933, incide; nas espécies o) e não: incide o art. 920 do Código Civil. Conforme antes dissemos e convém repetir, o que importa é classificar, antes, a cláusula penal (substitutiva ou cumulativa). 4.RESSALVA E FALTA DE RESSALVA DA PRETENSÃO À PENA. Se o credor recebe a prestação, ou fez ressalva da pretensão à pena, ou não a fez Para que a recepção se dê sem ressalva,é preciso que expressa ou tacitamente adquira a prestação como adimplemento da divida principal. Não há tal recepção se o credor fez reprimendas, ou se, depois de feita a prestação, em tempo razoável comunicou ao devedor que não reputa satisfatório o adimplemento. A ressalva não precisa ser escrita. Qualquer meio de prova é admissível. Mas é de exigir-se a comunicação ao devedor. Se a prestação é por partes e a cláusula é para cada uma das parcelas do todo devido, a ressalva não se entende para as restantes, de modo que se trata de cláusula penal para cada recepção. Se a prestação é para se considerar em seu todo, de jeito que não possa satisfazer se o devedor se afasta dos termos do negócio jurídico, a ressalva é quanto ao todo. A ressalva prévia e a ressalva posterior ao tempo em que se podia fazer são ineficazes (O. WÂRNEYER, Kornmentar, 1, 615), inclusive se, feita expressamente antes da recepção, essa ocorre sem restrição. Em todo caso, em se tratando, por exemplo, de construção, o que encarregou alguém da obra <por empreitada, ou outro negócio jurídico) pode receber o edifício ou outro trabalho sob reserva de ser terminado algum serviço.

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Também há de ser expressa a ressalva da pretensão à pena se, ao tempo da recepção, pende lide quanto à pena. Se já houve acordo sobre a pena, à recepção da prestação não mais é de mister a ressalva da pretensão à pena. Na cláusula penal pode-se pré-dispensar a ressalva da Legitimado à ressalva é o credor, ou a pessoa que foi encarregada de receber a prestação. Não se pode, aqui, falar de representante, porque os que recebem como servidores da posse ou núncios podem fazer a ressalva, para que o credor a aprove, como podem apenas comunicar ao credor o ocorrido para que esse, em tempo, faça a ressalva. O fiador, ainda quando principal pagador, não pode fazer a ressalva. Se a ressalva, que precisava ser feita, não no foi, perde o credor a pretensão à pena. Se a cláusula penal for para o caso de mora e mora houve, tendo sido purgada, não se precisa de ressalva; porque a cláusula penal incidiu, e não dependia de cumprimento posterior, ou não, da divida. 5. PRESCRIÇÃO. No direito brasileiro, como em todos os sistemas jurídicos que se não afastaram da concepção da prescrição como exceptio, a prescrição não extingue a divida, apenas lhe encobre a eficácia. Em todo caso, o assunto precisa ser tratado com rigor científico. Se o credor exerce a pretensão ao adimplemento e o devedor não opõe, a tempo, a exceção de prescrição, não se deve entender que a exceção tenha qualquer repercussão na pretensão à pena, pois salvo declaração em contrário do devedor se hão de considerar renunciados o direito de alegar a prescrição da pretensão ao adimplemento e o de alegar a prescrição da pretensão à pena, tanto mais quanto a sorte das pretensões é a mesma (cf. Código Civil, art. 167). A exceção de prescrição pode ser oposta na ação de inadimplemento sem o ter sido na ação de cobrança da pena, se a prescrição daquela só se operou depois, ou, em geral, se a pena não concernia ao inadimplemento referido na ação posterior. Se a promessa de pena só se fez depois de haver prescrito a pretensão principal, não se há de pensar em que se possa opor à pretensão à pena a prescrição da pretensão principal. Bem assim se a prescrição da pretensão principal só ocorreu depois da ocorrência da incursão na pena <PAUL OERTMANN, .Recht der Schuldverhtiltnisse, 226; L. ENNECCEEUS, Lekrbuch, II, § 37, nota 4). No direito brasileiro, tem-se de notar que a promessa de pena negocial antes de se consumar a prescrição da pretensão principal lhe interrompe o curso, por se tratar de ato jurídico de reconhecimento (Código Civil, ad. 172, V). CAPITULO V CONTRATO ADIMPLIDO INSATISFATORIAMENTE EXCEÇÕES DE CONTRATO NÃO ADIMPLIDO, DE E DE INSEGURIDADE § 3.122. Exigência de adimplemento e exceção 1. SITUAÇÃO DE INSATISFAÇÃO . Nos contratos bilaterais, o credor também é devedor, de modo que, se o devedor, que é credor, não quer adimplir, o devedor, que é credor, se pode recusar a adimplir. A exceção de contrato inadimplido somente pode ser admissível se entre a prestação do promitente e a contra-prestação do promissário ao promitente há equivalência. Se não há toma lá dá cá, ou se não está vencida a divida do promissário, não há pensar-se em exceção non adimpleti contractua. Na doutrina costuma-se só a respeito das dividas toma lá dá cá se tratar da exceção non adimpleti contract.ua e da non rUe adimpleti contractus isto é, da exceção de não estar adimplida a dívida do que exige o adimplemento pelo outro figurante, e da exceção de não ter sido satisfatório o adimplemento. Mas a mesma situação

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estabelece-se sempre que o titular da pretensão tinha de prestar antes e não prestou, pOsto que vencidas estejam as duas dívidas. No direito brasileiro, assim é que se há de entender. 2.“INADIMPLENTI NON EST ADIMPLENDUM”. Se A não adimpliu e devia adimplir, ~ porque B, credor que sofre o inadimplemento, há de ter de adimplir? A implicação da bilateralidade leva a essas conseqüências. Toda prestação é contraprestação. Somente a vontade dos figurantes do contrato pode estabelecer que A cumpra primeiro. Mas, ainda ai, se B não cumpriu, ambos não adimpliram, e a solução mais acertada é que, exigindo uns a prestação, que se lhe deve, o outro possa opor a exceção de não-adimplemento. Enquanto um dos figurantes não satisfaz, o outro pode retardar o adimplemento. Conforme veremos, a exceção nas re o dimpleti contractua foi inspirada nos mesmos princípios, mas oferece algumas particularidades. A exceção nos adimpleti contractus e a nos rite adimpleti contro.ctus ambas de direito material, e não de direito processual têm de ser exercidas a tempo de não incorrer em mora o devedor-credor, ou, se já incorreu, a tempo de poder ser atendida a alegação. O exercício da exceção nos adimpleti contractua ou da exceção nos rue adimpleti contractus é que tem o efeito de legitimar a abstenção de adimplemento. Com Me, o devedor não incorre em mora. § 3.128. Fontes romanas 1. Os TEXTOS. Ezeeptio nos adirapleti contractua é nome que não aparece nas fontes. Invocam-se GAIO, IV, § 126, e a L. 13, § 8, D., de actionibua erapti venditi, 19, 1: “Offerri pretium ad emptore debet, cum ex empto agitur, et biso etai pretii partem off erat, nondum est ex empto actio: venditor emm quasi pignus retinere potest eam rem quam vendidit”). Deve o comprador apresentar o preço quando se exerce a ação de compra e, se a apresentação é só de parte do preço, a ação de compra persiste: porque o vendedor pode reter como se fora em penhor o que vendeu. ~ Está-se diante de exceptio? Não. Na L. 5, C., de evictionibua, 8, 44, aparece a palavra “exceptionem”, que seria a exceptio do, mas tratae de texto interpolado. Precisamente, na fórmula, não seria necessária (exceptio do inest bona fidei iudicii.a). De modo que o autor apenas não podia discutir: admitira que também devia; donde o “nondum est ex empto actio” de ULFLAXO. O que aqui nos há de importar é o direito comum, e não o direito romano. A referência a argentdri o é exemplificativa (A. BECaMANN, Der Kauf nach gemeinem Reckt, 1, 570). 3.123. “EXCEPTIO NON ADIMPLETI CONTRACTUS” Na L. 31, § 8, D., de aediicio edicto et redhibitione et quanti m.inoris, 21, 1, está: “... nam venditor pignoris loco quod vendidit retinet, quoad emptor satisfaciat”. Disse MAL cao, segundo ULPIANO, que um dos condôminos não pode, pagando só a sua quota, exigir a entrega da coisa, mas o vendedor pode reter, como em penhor, o que vendeu, até ser satisfeito. Lê-se na L. 25, D., de actionibus empti venditi, 19, 1: “Qui pendentem vindemiam emit, si uvam legere prohibeatur a venditore, adversus eum petentem pretium exceptione uti poterit si ea pecunia, qua agitur, non pro ea re petitur, quse venit neque tradita est”. O que comprou a vindima pendente, se o vendedor lhe proíbe colher a uva, pode usar contra ele, ao lhe pedir o preço, exceção “si ea pecunia, qua agitur, non pro ea re petitur, quae venit neque tradita est”. Não se trata de exceção nos adimpleti contractua. Diz-se na L. 56, D., de administratione et periculo tutorum, 26, 7: “Tutor rerum et animalium pupilli venditionem fecit, sed qusedam animali a emptoribus pretium non

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solventibus retinuit et apud se habuit, pretium Idem rationibus pupilli accepto tulit: ex his aliquot nata sunt: defuneto tutore bens cius andem tutelam administravit et animalia anflis plurimis possedit: quaesltum est, an, cum is cuba tutela administrata est annis viginti quattuor esset, iure animalia vindicaret. respondit secundam es quae proponerentur pupillum ea vindicare non posse”. O tutor vendeu coisas e animais do pupilo, mas, não tendo os compradores pago o preço, reteve e guardou consigo alguns animais, pondo como recebido, nas contas do pupilo, o preço que não recebera. O pupilo não tem a ação de reivindicação. 2. QUESTÕES SURGIDAS NO MUITO COMUM. Pergunta-se se a exceção nos olímpletí contractua era oriunda de cláusula inserta na fórmula, com o nome de exceiptio do, ou outro, ou era legal. Já ai se parte da suposição de serem exceção nos adimpleti contractua, ou nos re adimpleti contractua, as alegações que constam dos textos. Discutiu-se se a exceção nos adimpleti contractua foi conferida, a principio, só ao comprador, e não ao devedor (afirmativamente: A. PERN ICE, Lab co, 1, 457; H. DERNEUBO, Geachichte uni! Theorie der Cornpensation, 2.8 ed., 69; negativamente: A. BECEM> NN, Der Kauf naeh gemeisem Recht, 1, 572 s.). No direito contemporâneo, a concepção da exceção é larga: a favor de todos os figurantes, salvo aquele que teria de prestar primeiro, e em todos os contratos bilaterais. Afirmou-se que a oposição da exceção nau adimpleti aostractua não impedia a conaumptio: quem exercia a ação sem ter adimplido perdia o crédito, posto que continuasse obrigado (E. CASSIM, De l’Exception Urde de l’in4xdcution datas les rapporta aynallagrnatiques, 10 s.>. Partiu-se da suposição de que havia a exceptio. § 3.124. Conceitos e natureza 1.CONCEITOS. A exceção sota adimplati contracius e a nos rita adimpleti contractus são exceções dilatdrias. A qualquer tempo em que se dê o adimplemento satisfatório por aquele contra quem se opôs uma ou outra, tem o outro figurante de prestar: cessa a eficácia da exceção, porque o próprio tua exceptionia se extinguiu. Exceção nos adimpleti contractua é a exceção dilatória, que tem qualquer figurante de contrato bilateral, para se recusar a adimplir, se não lhe incumbia prestar primeiro, até que simultaneamente preste o figurante contra quem se opõe. Exceção nos rita o4impleti contraetus é a exceção que tem qualquer dos figurantes de contrato bilateral, para se te acusar a adimplir, se não lhe incumbia prestar primeiro, até que o figurante contra quem se opôs, por ter prestado insatisfatoriamente , satisfatoriamente preste. Observe-se que não se trata de exercício .de pretensão nascida do adimplemento insatisfatório, dirigida à redução da contraprestação, ou à redibição, mas sim de exceções que emanam do próprio conteúdo do contrato bilateral. 2. NATUREZA. Já dissemos que as duas exceções são dilatórias. Todavia, isso não impede o julgamento, que há de explicitar que os adimplementos hão de ser simultâneos. Sé-. mente no tocante à exceção nos rUe adimpleti contractua~ é que se permite a caução se ao tempo de se sentenciar e de se cumprir a sentença ainda não estaria vencida a dívida daquele contra quem se opôs a exceção nos rite adimpleti costractus~ A bilateralidade, o sínalagma, é que determina a solução técnica da exceção nos adimpleti contractus e da exceção nos rita o4impleti costractus. Não há pensar-se em tais exceções se o contrato não é bilateral, como o de sociedade e o de fidúcia. Mediante ela, que a lei criou, porque se revelou à consciência humana a sua necessidade, tem cada figurante que não tenha de prestar primeiro a possibilidade de abster-se, legitimamente, de adimplir, se o outro não adimple, ou não se prepara

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para adimplir simultaneamente . Supõe-se que o outro figurante, que tinha de adimplir, não haja adimplido. Se A deixou de adimplir a 4 e B a 5, pode E recusar o adimplemento até que A adimpla, mas, se E propõe ação e B, no momento, já havia deixado de adimplir, também A pode opor exceção de contrato não adimplido, para que os adimplementos sejam simultâneos . Tinha A de adimplir primeiro, mas E também incorreu em mora e propõe ação. A não poderia ficar à mercê do que B quisera: as situações, pela mora, se igualaram. Se A estivesse em mora e E não, na ação de A teria B de opor a exceção; na ação de E, A não teria exceção, se E não houvesse infringido o contrato. A regra jurídica do art. 1.092, alínea 1.8, de modo nenhum atende a que foi isso o que quiseram os contraentes. Resulta da lei, por se tratar de contratos bilaterais. Os contraentes nada estabeleceram, pelo menos ex hyjpothesi. Dai ser impertinente querer-se fundamento à regra jurídica em pretenso pacto de nos pet ando (MAmo ALLÃIu, Dele Obbligazioni, 223 s.): de nenhum pacto se cogitou; tudo provém ex lege. A correspectividade das prestações foi o que sugeriu ao legislador criar a exceção nos adimpleti contractus, ou a nos rite adirapleti contractus, e não qualquer pacto, ou uso. Não se pode atribuir à causa a exceção nos adimpleti aostractus ou nos rita adimpleti costractus (e. g., 5a Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 22 de dezembro de 1944, Á. J., 73, 877), porque há contratos bilaterais abstratos, em que a exceção existe e pode ser oposta. 3.PLURALIDADE DE CREDORES. “Nos contratos bilaterais”, diz o art. 1.092, alínea 1.~, do Código Civil, “nenhum dos contraentes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro”. Se a prestação há de ser feita ou mais pessoas, pode-se recusar a cada uma a parte que lhe cabe, até que se receba toda a contraprestação. Não há, ai, pensar-se em caução, que só se refere ao direito de retenção e à exceção de inseguridade. O art. 889 há de ser invocado. Se ajusta poder ser por partes o pagamento, ou se~ caso para aplicar o ad. 890, não cabe a exceção nos adimpleti cotatraetus nem a nos rite adimpleti contractus. Â solidariedade passiva e a comunhão de credores implicam a existência de qualquer das duas exceções. 4.CONTRA QUAL PRETENSÃO SE OPÕE A EXCEÇÃO. Se,em vez de propor a ação de cobrança, ou de adimplemento, o figurante propõe a de resolução ou de resilição, ou outra que se ligue ao fato do inadimplemento, a exceção nos adirapleti cose ractua ou a nos rUe adirapleti contractua pode ser oposta. Áliter, depois de se ter decretado a resolução, ou a resilição, ou, mesmo, esgotado o prazo para a contestação. A exceção que nasce do ad. 1.092, alínea 2.~, do Código Civil pode assentar em que foi estipulado que um dos figurantes prestaria primeiro, ou tal previedade ou antecipação deriva de usos do tráfico, ou de regra jurídica dispositiva. Se não existe qualquer dessas determinações de tempo, rege o ad. 952 do Código Civil. Cf. arte. 127, 960 e 1.530. O vendedor tem de adimplir antes, se a compra-e-venda foi com o pagamento em prazos (a prestações, costuma-se dizer). Hão de ser simultâneas as prestações se foi inserta a cláusula “à vista”, ou “de contado contra fatura”, ou “contra o recibo de caixa”, ou outra semelhante. Na assunção de divida com prestação prévia ou antecipada,o devedor confiou no outro figurante, de modo que lhe abriu, no conteúdo do contrato, crédito correspondente. Não se atende a essa particularidade, porque, jurIdicamente, está no conteúdo mesmo do contrato; só economicamente é que se pode aludir a concessão de crédito. Todavia, tal concessão existe, e a lei tinha de proteger quem, confiando em outrem, se pôs em situação suscetível de danos. A confiança há de ter nascido do exame das circunstâncias no momento da conclusão do contrato bilateral. O que depois acontecer pode quebrar essa confiança.

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Dai ter a lei prestado atenção a esse empioramento da situação patrimonial do outro figurante. No fundo, permitiu-se ao que confiara ir a juízo expor as razões que tem para retirar a confiança que manifestara e pedir a sanção do ad. 1.092, alínea 2.a. A prescrição da pretensão do demandado contra o demandante não obsta a que nasça e persista a exceção nos adimpleti costractua. A exceção nos adirapleti contractus é elemento do conteúdo do crédito, restringe o direito do outro figurante do contrato bilateral no tocante a poder exigir sem atender a que também deve. 5. PLURALIDADE DE CONTRATOS. Se o contrato é uno, por haver união interna de contratos (contratos mistos), ou por se tratar de contratos combinados ou gêmeos, ou por haver contrato típico com prestações subordinadas de outra espécie, cabe a exceção nos adõnpleti contractus ou a nos rite adimpleti contractua. Áliter, se os contratos são internamente separados (2.8 Turma do Supremo Tribunal Federal, 22 de outubro de 1946, R. F., 110, 396: “autônomos”). § 3.125. Exceção de contrato não adimplido e direito de retenção 1. CONFUSÃO DE CONCEITOS. t erro reduzir-se a exceção nos adimpleti contractus a espécie de direito de retenção, como fazem alguns juristas franceses e italianos. O direito de retenção é direito que nasce de outra pretensão, contra o credor que quer contra prestar, ao passo que a exceção nos adirspleti contractus e a nos rUe adira pleti contractus nascem da pretensão do devedor correspondente à do credor. O direito de retenção é direito acessório do direito do devedor contra o credor, é pertença desse direito; a exceção nos adimpleti contractus e a nos rite adira pleti contractus são elemento do conteúdo da pretensão do devedor contra o credor. Embora a exceção sota o4impleti contractua ou a nos rita adimpleti contractua não seja fortalecivel pela caução, a sua eficácia é radical, porque não se presta aquilo mesmo que se havia de prestar, sem se tratar, verdadeiramente, de retinere. Retém-se o que se tem de outrem, não o que se há de prestar.ser estabelecidos convencionalmente? No sentido afirmativo, quanto ao direito de retenção, MAmo ALLARA (Deile Obbligazioni, 216); negativamente, G. G. AULERA, La Risotuzione per inadempirnento, 308). O argumento maior contra a afirmativa seria o de ser o direito de retenção erga omnes; de certo modo, privilégio. Mas a liberdade de contratar não permite que se negue aos contraentes a criação de poder de reter, a favor de créditos do devedor, que por lei não o têm. O que cumpre é que se não confunda com a exceção nos o4impleti contractus, que diz respeito à contraprestação, o direito de reter, que só se pode referir a exceção nascida de outro crédito. § 3.126. Contratos bilaterais e inadimplemento 1.. Chamam-se contratos bilaterais aqueles contratos em que cada um dos figurantes assume o dever de prestar para que outro ou outros lhe contra prestem. A contra-prestação é, precisamente, a prestação que o outro figurante ou os outros figurantes têm de fazer. Nas relações inter-humanas, o papel dos contratos bilaterais é enorme. A maioria dos negócios jurídicos que se concluem cada dia são contratos bilaterais. Desde a compra-e-venda e a locação até os contratos de serviços ou de trabalho e as empreitadas. É o do se ás, o dou para que dês, em que cada figurante A somente assume o dever de prestar a B porque B tem de contra prestar e somente tem de prestar porque A assume o dever de prestar a B. Dai a sorte do contrato ser tal que a ineficácia da divida de um tem como conseqüência a ineficácia da divida do outro. O sinalagma é quanto à estrutura, à construção mesma do negócio jurídico, e quanto à eficácia (sinalagma funcional). A respeito de contrato bilateral, convêm frisar-se que a sociedade é negócio jurídico

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bilateral, ou plurilateral; porém não é, como a muitos pareceu e ainda escapa a alguns (P. KNOKE, Das Recht der Gesellschaft, 42 5.; Fi. LEONRARD, Besonderes Schuldrecht des BOR., 279), contrato bilateral. Por isso mesmo, não se pode invocar, a respeito de divida do sócio, o ad. 1.092 do Código Civil (cf. RAUL LARENZ, Lehrbuch des Sckuldrcchts, II, Besonderer Teil, 224). Não é de mister, para que seja bilateral o contrato, a equivalência segundo critério objetivo das prestações; o que importa é que cada um tenha a prestação do outro figurante como equivalente à sua. Dizer-se que o contrato é bilateral porque também exsurgem dividas e obrigações para o outro figurante seria Inexato, porque o mandato, por exemplo, é contrato unilateral e o mandatário, aceita-o, fica ligado ao seu cumprimento e a entregar ao mandante o que acaso haja recebido, no exercício do mandato. As dívidas do mandante e as do mandatário não estão em relação recíproca. Por outro lado, nem todas as dividas e obrigações que se originam dos contratos bilaterais são dividas e obrigações bilaterais, em sentido estrito, isto é, em relação de reciprocidade. A contraprestação do locatário é o aluguer; porém não há sinalagma no dever de devolução do bem locado, ao cessar a locação, nem na dívida do locatário por indenização de danos à coisa, ou na divida do locador por despesas feitas pelo locatário. A bilateralidade prestação, contra presta o faz ser bilateral o contrato; mas o ser bilateral o contrato não implica que todas as dividas e obrigações que dele se irradiam sejam bilaterais. 2.TEMPO DA PRESTAÇÃO E TEMPO DA CONTRAPRESTAÇÃO .Nos contratos bilaterais, cada figurante tem de prestar porque e somente porque o outro figurante tem de contra-prestar. Às vezes, a prestação e a contraprestação hão de ser feitas simultaneamente ; outras vezes , não há simultaneidade, porque se permitiu à prestação ser anterior à contraprestação . Â exigência da prestação simultânea estabelece situação tal, para cada um dos figurantes, que um somente pode exigir se está disposto a adimplir. Se a prestação tem de ser anterior, também não pode o figurante, que a deve, exigir que o outro contra preste, sem que antes preste. É o que, em termos amplos, está no Código Civil, art. 1.092: “Nos contratos bilaterais, nenhum dos contraentes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro”. Na doutrina alemã, há concepção que se tem de evitar, que é a de só haver obrigação de quem tem de contra prestar se o outro figurante presta. De modo que obraria injustificadamente quem, sem se prontificar a prestar, ou sem prestar, exigisse a contraprestação. A exceção seria resultante da injustificação da exigência (L. ENnccnus, Lekrbuch, II, 14.’ ed., 131). Recentemente, A. BLOMEYn (AUgemeines Schuldrecht, 114) construiu o que se passa com a exceção nos a4impleti contractua, ou com a exceção nos rite adimpleti contractus, como se a prestação fosse condicionada à execução da outra prestação. Nada disso é de admitir-se. Há a divida, há a obrigação, e apenas, com a exceção, se pode encobrir a eficácia da outra pretensão. Essa é a concepção tradicional no direito luso-brasileiro e no brasileiro; e a que mais acatamento merece <cf. Erro vow GIERKE, Deutaches P#ivatrecht, III, 294 s.; EU. LEONHARD, Ãllgemeines Schuldrecht, 336 s.; JOSEF ESSER, Lehrbuch des Schiddrechts, 30; Ka LAEENZ, Lehrbuclt des Schuldrechts, 1, 3.’ ed., 170), pOsto que não dominante na doutrina alemã. Se a prestação de B havia de ser a 2 e a de A a 30, na ação proposta por B pode A opor a exceção nos adimpietf contractus ou a nos rife adimpleti contractus, pois vencida está a divida de B (sem razão, a 6.’ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 15 de outubro de 1948, R. dos T., 178, 736). Se é A quem propõe a ação, pode B opor a exceção, se a divida de A está vencida e incurso em mora A. É o principio do igual trato das dividas vencidas. A dificuldade surge quando uma das dividas depende de liquidação, mas essa dificuldade é só aparente, porque o que importa é o vencimento, e não a liquidante. Se a mora pode iniciar-se, ou se iniciou,

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a exceção nasceu. A 1.’ Câmara Civil do Tribunal de Alçada de São Paulo, a 16 de abril de 1952, não admitiu a exceção se abstrato o titulo executado. Deveria dizer, com maior propriedade: se não há contrato bilateral, não há pensar-se em exceção nos adimpleti contractus ou nos rife adimpleti contraxtus; e as dividas cambiárias são dividas oriundas de negócios jurídicos unilaterais, e não de contratos, a fortiori contratos bilaterais. 3.CONSEQÜÊNCIAS DA OPOSIÇÃO DA EXCEÇÃO. Quem tem pretensão à prestação e tem obrigação de contra prestar pode exigir, porque a bilateralidade existe e opera entre os figurantes, de jeito que cada um deve e é obrigado. Dai poder qualquer deles exigir a prestação se tem a pretensão. Para o exercício da pretensão não se lhe apura se tem, ou não, de contra prestar. O que o outro figurante pode fazer é excepcional. Se outro não exerce o jus exceptionis, tem de ser atendida a exigência da prestação, ainda que o autor da ação não contra preste. 4.SISTEMAS JURÍDICOS DEFEITOSOS. O direito francês, com repercussão em muitos sistemas jurídicos, não estabeleceu a exceção non adirapleti e ntractus para todos os contratos bilaterais. A doutrina dividiu-se entre os que sustentavam ser instituto geral a exceção nos adirapleti contractus e, pois, também a exceção nos rife adirapleti contractus, e os que lhe negavam tal generalidade. A discussão foi definitivamente superada no Código Civil brasileiro, ad. 1.092, alínea 1.8, relativo a todos os “contratos bilaterais”: “Nos contratos bilaterais, nenhum dos contraentes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro”. O interesse do credor, que ai se protege, não é o interesse explicito que se encontra nos negócios fixos. O credor é que sabe se lhe convém, ou não, exercer o ius exceptiosis: se adimple, sem opor a exceção, esse direito de exceção se extingue. A exceção nos adirapleti contractus e a nos rife adimpleti costractus cabem em maior número de casos que o direito de resolução ou de resilição por inadimplemento, porque, para que se surja, é preciso que a falta de adimplemento da prestação seja considerável, isto é, não se trate de omissão mínima (e. g., entregou o prédio, mas deixara de mandar consertar o fogão). O titular da exceção nos adirapleti costractus ou da exceção nos rite adi,npleti contractus pode opo la por ter o devedor, por exemplo, deixado de mandar consertar o fogão, ou de não ter pago o mês da luz ou do gás. A respeito tinha toda razão R. CASSU4 (De VExceptios tiráe de Visexêcutios dons les rapporf a synaUagmo~tiqtte5, 400 e 518). Aqueles juristas que vêem na alegação de não-adimplemento pela outra parte objeção erram claramente. Trata-se, sem dúvida alguma, de exceção à pretensão (não só à ação) do outro contraente. Exceção dilatória. Exceção de direito material, e teve toda razão o legislador em po la no Código Civil, ad. 1.092, alínea 1.’. Oposta a exceção nos adimpleti contractus ou a nos rite adirnpleti contro~ctus, discute-se quanto ao que pode o juiz:atem ele a) de julgar a exceção, ou 14 pode, na condenação, introduzir a condição do adimplemento (condenação condicionada)? No sentido de 2», R. CASSIN (De l’Ezception tida de Vinexécutios datas les rap porta sijnallagmati.ques, 617). O argumento maior a favor de a) é o de que, oposta a exceção, ainda não houve inadimplemento e, pois, seria intempestiva a condenação. (Aliás, é preciso que se não confunda a condenação condicional com a condenação no futuro ou à prestação futura.) - Procurou-se trazer à tona que, para julgar a exceçao, tem o juiz de declarar o direito de autor. Mas, advirta-se, declarar não é condenar. A condenação é ao cumprimento simultâneo; apenas, se ainda não estava vencida a divida daquele contra quem se opõe a exceção nos rita o4irnpleti contractua, pode esse prestar a caução. A caução é para solver satisfatoriamente na data do

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vencimento. 3 3.127. Exceção rito adimpleti contractus” 1.PRECISÕES. O adimplemento insatisfatório (adimplemento ruim) dá ensejo à exceção san rita adim~pleti contractus, que é exceção dilatória, como a exceção nos adiw&pleti contractua. Não importa se a deficiência é quantitativa ou qualitativa (FR. HAYMÂNN, Ãnfechtung, Sachmttngelgew&hr issd Vetragserfitllunti, 39). O figurante contra quem se opõe tem de aumentar ou melhorar a prestação feita, inclusive, se possível, pela substituição do objeto insatisfatoriamente prestado. Não se leva em conta como essentialia a equivalência das prestações: equivalem-se, porque assim se concebeu o contrato bilateral; a equivalência foi estabelecida pelo fato do acordo 2.O QUE INCUMBE AO ATINGIDO PELA EXCEÇÃO. O figurante contra quem se opôs a exceção non rita adimpleti castractus tem de aumentar ou melhorar a prestação feita. No sistema jurídico brasileiro, não há a regra jurídica escrita que corresponda à do § 320, alínea 2.a, j~ fite, do Código Civil alemão, onde se alude ao valor da prestação. Levantou-se a questão, que, no sistema jurídico brasileiro, por falta de qualquer texto escrito, cresce de importância, de se saber se é possível, em vez do aumento ou da melhora da prestação, diminuir-se a contraprestação. Afirmativamente, P. OERTMANN (Reckt der Schuldverldiltni.ase, 185>, L.KUHLENaECK (3. v. Stawlingera Kommentar, II, 260),GOLDMANN-H. LILIENTHAL (Das Bilrgerliche Gesetzbuch, 1, 374), F. SCHOLLMEYER (RecJ&t der Sckuldverheiltnisse, 189) e E DERNEIJEU (Da. Biirjverliche Reckt, II, 1, 244, nota 7). Contra, W. SCRÕLLER (Die Folgen schuldhafter Nichtertiillung, insb. der Schadensersatz wegen Nichterfallung, Gruchota Reitrílge, 46, 15, nota 16). Nem sempre é do interesse do credor, que recebeu insatisfatoriamente, ficar com a coisa e apenas prestar o correspondente ao valor do recebido. No caso dos próprios vícios redibitórios, a escolha é do adquirente <Código Civil, art. 1.105) e os princípios dos arte. 863, 875 e 1.056 são claros. Se a prestação é por partes e o demandante recebera parte sem qualquer ressalva, não pode opor exceção de não adimplemento, salvo se, pelo contrato, inclusive circunstâncias em que foi feito, é de entender-se que não serviria ao demandante adimplemento parcial ou adimplementos parciais. Se a prestação foi de propriedade imobiliária ou de direito real limitado imobiliário e, ao ser feito o registro, se revela que há, contra a afirmativa “livre de qualquer direito real ou Ônus”, direito registrado, pode ser exercida a exceção nos rifa o4tmplets contractus. No mesmo sentido, a respeito de qualquer prestação que dependa de registro. 3.PERSISTÊNCIA NO INADIMPLEMENTO RUIM. A exceção nos rifa adirapleti corôtractua existe se houve tolerância até certo ponto e persistiu o devedor no adimplemento ruim. Não se pode dizer que tenha permanecido a exceção nos rife adisnMeti contractus; o que ocorreu foi o nascimento de sucessivas exceçoes nos rita adimpleti contractua, com a extinção de cada uma delas. À última oportunidade de recusar a contraprestação, podia o credor opor a execução nos rifa odimpleti contractua, porque nascera com a continuação da prestação ou a apresentação da prestação reiterada. Bem decidiu, por isso, a 1~B Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 30 de maio de 1950 (E. doa T., 188,188), quando disse: “No caso dos autos discutem as partes se a ré comprou leite bom e leite ácido, pagando Cate por um preço menor, ou apensa leite bom, tolerando o recebimento do leite . Embora esta discussão pouca influa para a solução da pendência, pois outras faltas cometeu a autora, pode-se dizer que a razão está com a ré quando afirma que o objeto da compra foi leite bom, havendo tolerância para o leite ácido. Todos esses

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fatos demonstram que a autora vinha, desde o início da vigência do contrato, mal cumprindo as suas obrigaç6es; eles acarretavam prejuízos à ré que se via embaraçada na distribuição do leite à freguesia, devido à diminuição da quantidade em bom estado, e, também, tinha de inutilizar o leite estragado que não podia entregar ao público. É verdade que a ré os tolerou, continuando a comprar e a receber leite da autora, mas isto fio importa em renúncia do direito de alegar a exceção nota rUe adirnpleti contractua quando verificou que a autora persistia na má execução. Não é possível decidir que a ré era obrigada a manter um contrato que lhe causava prejuízos devida ao defeituoso cumprimenta das obrigações assumidas pela autora.” § 3.128. Exercido da exceção de contrato não adimplido e da exceção de contrato adimplido 1.NASCIMENTO DA EXCEÇÃO. Â exceção nasce ao figurante quando o outro figurante deixa de adimplir. Subjetivamente, ele diz: “poderei deixar de adimplir porque a outro não adimpliu”. Se o outro inicia a demanda, ou se apenas exerce, extrajudicialmente, a pretensão oriunda do seu crédito, entre o titular da exceção, ao a exerce, ou não a exerce. Se a exereb yode no presente! deixar de adimplir. A sua omisso é legítima. Nas dívidas toma lá dá cá, se nenhum adimpliu, a exceção nasce aos dois figurantes. Nas dívidas em que as datas das prestações ao diferentes, nasce àquele a quem se deixou de adimplir. Se o figurante, a quem a exceção nasceria, deixa, por sua vez, de adimplir, também ao outro nasce a exceção. A alineas 2.B do art. 1.092 do Código Civil não é óbice a isso. Abstrai-se da mora, porque ambos incorreram nela. Nenhum dos figurantes se pode dizer legitimado à abstenção, por que não é a exceção que tem Case efeito, e sim o exercício da exceção. § 3.128. EXERCIO DAS “EXCEPTIONES” O devedor, que, nos contratos bilaterais, também é credor, pode exigir a contraprestação ou exercer a exceção mm adimpleti contractua ou a nos rUe adimpleti contractua. Para o exercício, basta dizer-se que a exceçao nos adira. pleti contractus ou a nos rUe adimpleti contractus decorre da bilateralidade das prestações (e. g., CLÓVIS BEVILÁQUA, Código Civil comentado, IV, 258; 2.~ Turma do Supremo Tribunal Federal, 22 de abril de 1947, R. 9., 114, 88 s.). É preciso que haja os outras pressupostos. 2.JULGAMENTO DA DEMANDA A DESPEITO DA OPOSIÇÃO DA EXCEÇÃO . Se o figurante exerce a exceção nota adimpleti contra flua, ou a non rUe adimpleti contractus, com isso ni o se pré-exclui o julgamento da procedência da demanda; apenas se condena o demandado a prestar simultaneamente, ao receber a contraprestação. Â condenação a prestar simultaneamente tanta se dá se as prestações haviam de ser simultânea como se a prestação do demandante tinha de ser anterior, ou se ambas já tem de ser feitas. Se o demandado fio opõe a exceção, o juiz somente pode condená-lo a prestar, ainda que a) seja evidente, nos autos, que o demandante teria de prestar primeira, ou b) não pudesse o demandante exigir primeiro a prestação do demandado. Se a demandado opõe a exceção, tem o demandante de alegar e provar que já satisfez a sua dívida, como, por exemplo, se consignou em depósito a prestação. Se o não alega, ou se o alega e não consegue prová-lo, tem de prestar, para que se cumpra a sentença condenatória contra o demandado. Com o exercício da exceção, o demandado evita a incursão em mora.

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3.PROCESSO EXECUTIVO E EXCEÇÃO “NON ADIMPLETI CONItÁCTUS” OU “NON RITE ADIMPLE CONTRACTUS”. O problema da oponibilidade da exceção non adimpleti oontraetua ou nos rite adimpleti contractua no processo executivo de titulo. extrajudiciais é assaz delicado. Venceu-se o titulo executivo e foi proposta a ação executiva, por estar em mora o devedor, O devedor alega que se trata de contrato bilateral e opõem a exceção non adimpleti Contractus au a non rite adimpleti contractua; portanto, a irmã que não incorreu em mora. Tal alegação é mérito, porque a exceção é de direito material, a) Se o titulo é abstrato, a bi lateralidade somente pode vir à tona com o negócio jurídico subjacente; por conseguinte, somente entre figurantes em contrato (e. g., o tomador da nota promissória e o primeiro endossatário). i» Se a divida do autor só se vence após a do réu executado, não há pensar-se em exceção sois adimpleti e~ntractus, ou sois rite adimpleti contractus, se ainda não se venceu aquela. e) Se a divida do autor está vencida, o réu tem a exceção, porque há a bilateralidade. 4.CONSEQÜÊNCIAS DO INADIMPLEMENTO E EFICÁCIA DO EXERCÍCIO DA EXCEÇÃO. Com o exercício da exceção nos adimpleti contractus, ou da exceção nos rite adimpleti contractua, legitima-se o devedor a não adimplir enquanto não se extingue a exceção. O devedor pode deixar de adimplir, legitimamente; e fica livre de quaisquer conseqüências que teria o inadimplemento. Uma delas é não incorrer em mora. Se já incorrera em mora, não ficou subordinado às conseqüências da mora desde que foi citado. Não fluem juros moratórios, nem cabe alegar-se compensação. A respeito da compensação, cumpre alcançarem-se algumas precisões. Se contra A tem B exceção nos adimpleti costractua e direito de compensação, pode alegar a compensação para quando A haja prestado; portanto, para quando se extinga a exceção. Se a compensação seria contra o próprio crédito que A cobra, a alegação de compensação também fica subordinada à extinção da exceção. Na sentença, pode o juiz condenar à prestação simultânea e deferir a compensação para o momento em que haja de prestar o autor da ação. 5.EFICÁCIA EM RELAÇÃO A TERCEIROS. A exceção sou adimpleti contractus e a nos rite adimpleti contractua só têm eficácia entre devedor-credor e credor-devedor. Os terceiros não são atingidas por elas. Na doutrina francesa, com a confusão que se faz entre exceção nos adimpleti contractus e direito de retenção, discutiu-se isso e as conclusões refletem o erro inicial (e. g., 2. ESMEIN, em PLANIOL-RIPERT, TraiU pratique de Droit civil fraraçais, VI, 629 s.). A terceiro não se opõe a exceção, salvo, se é o caso, em se tratando, de estipulação a favor de terceiro. O cesseonário não é terceiro, nem o é o herdeiro, ou outro sucessor. Quanto ao cesseonário, rege o art. 1.072 do Código Civil. Em geral, quis utitur contra.ctu per se, videtur etiam contra se uti. A exceção nos adirn.pleti contractus é oponível a sucessores, inclusive o cesseonário. Na transferência da posição subjetiva, dirige-se contra o adquirente, e não mais contra o que era devedor; idem se, com a concordância do credor, houve assunção da divida por outrem. 6.“ÔNUS DA PROVA”. O demandado não tem de provar o direito de exceção, porque a exceção provém, intrinsecamente, do contrato bilateral, que o demandante mesmo alegou existir e ser eficaz. O demandante é que tem de provar que adimpliu. A mora creditoris não elimina a exceção nos adimpleti contractus (P. OEETMANN, Recht der Schzddverhdltni.sse, 184;L.KUHLENEECK, J. v. Staudingers Kommestar, II, 258). A mora debitoris, sim; ainda se há mora debitoris do outro figurante. O demandante tem de provar que não incorreu em mora, se quer que não se admita a exceção. Se o demandante alega que o adimplemento foi insatisfatório, por ser parcial, ou

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defeituoso, o ônus da prova é o mesmo, salvo nas obrigações de não fazer ou se o que se afirma é existência de erro de direito, ou se recebeu a prestação “como adimplemento”. Assim, se lhe foi entregue cheque e o devedor não tinha fundos, cabe-lhe provar esse fato. Se recebe pacote de dinheiro e diz que faltavam notas, o ônus da prova lhe incumbe. O demandante, contra o qual se dirige a exceção, só tem de provar os fatos que, em circunstâncias normais, se têm como adimplemento (FR. ANDRÉ, Die Einrede <Les nicht enlutes Ventrages im heutiges gemeines Recht, 74). O demandante, se não fora admitido pelo excipiente que existia a pretensão do demandante, tem de prová-la. Porque a exceção pode ser para o caso de ser provada tal pretensão. Além disso, tem o demandante de alegar e provar que já cumprira a sua divida, ou que ao demandado cabia adimplir primeiro. Se o não faz e tal dívida está provada, o seu petitum tem de ser entendido ou reduzido à exigência de serem simultaneamente feitas as duas prestações. Quando se opõe a exceção nos adimpleti costractus, tem-se de alegar que se deixa de cumprir obrigação; portanto, que se é obrigado. A discussão sobre se o ônus da prova da existência da obrigação incumb3 ao excipituado ou ao excipiente é impertinente, e não é verdade que não haja regra jurídica a respeito (sem razão, o 2.0 Grupo de Câmaras Civis do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 10 de junho de 1948, .1?. dos T., 175, 608). Quem excepciona por inadimplemento leis de provar que há a obrigação do exceptuado, porque implicitamente se afirma que alguém deve e é obrigado quando se alega Que não cumpriu como devia. Mas o exceptuado é que tem de provar que cumpriu. 7.RELAÇÃO ENTRE A ALÍNEA 1.’ E A ALÍNEA 2.B DO ART. 1.092 DO CÓDIGO CIVIL. O que deve em virtude de contrato bilateral pode recusar-se a prestar até que o outro devedor adimpla a sua divida, salvo se está obrigado a prestar primeiro. Esse, que tem de prestar primeiro, somente corre o risco de não ter meios o outro devedor de satisfazê-lo. Dai a concepção da alínea 2.~ do art. 1.092 do Código Civil em proximidade expressiva com a alínea 1.B. Na alínea 2.~ cogita-se do interEsse de quem não pode invocar a alínea 1.B. A exceção de insecuridade que se lhe dá, à semelhança da que a 2.~ Comissão alemã concebeu no § 321 do Código Civil alemão, tem pressupostos especiais, porque se previram circunstâncias em que o fato de o devedor ter de prestar primeiro não deveria pré-excluir qualquer ina exceytionia, da sua parte. Â regra é não ter o devedor que há de adimplir primeiro qualquer exceção. O art. 1.092, alínea 2.~, abre exceção à regra. A condenação, se o outro figurante não presta logo, nem dá caução. é a que preste simultaneamente ao recebimento ou dê caução. Mediante a exceção, o devedor evita a incursão em mora. O Código Civil atendeu a que, existindo bilateralidade do contrato, é indispensável, em boa técnica legislativa, admitirem-se a exceção nos adimpleti contractus e a exceção nos rite adimpleti contractus, sempre que a um dos figurantes se exija prestar sem ter prestado quem exige. No art. 1.092, 1.a parte, não se disse que, nos contratos bilaterais, nenhum dos contraentes, cujo crédito tenha tido vencimento anterior ao do outro, pode exigir o adimplemento. O que se enuncia é que, “nos contratos bilaterais, nenhum dos contraentes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro”. Por isso, tem a doutrina de abstrair da data em que se deveriam vencer as dividas, para só atender ao já estarem vencidas as dividas. Não importa qual a opinião em outros sistemas jurídicos. Daí terem de ser tratadas como dotadas de exceção todas as dividas, vencidas, se as outras dívidas também estão vencidas. Pode dar-se que o demandado queira solver, embora não esteja vencida a sua dívida; pergunta-se: ~ Tem ele, contra o qual ainda não poderia ser pedido o adimplemento, de opor a exceção non adimpleti contractus ou a nos rite adimpleti contractus? A resposta há de ser afirmativa, uma vez que o demandado não objetou e o demandante

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incorreu em mora. Contra isso não se pode argumentar, sequer, que a exceção nos adimpleti contractus e a nos rUe adimpleti contractus são dependentes dos dois vencimentos e objeções. Ambas são exceções, que tem o demandado antes de se vencer a sua divida, pois estão ligadas ao seu crédito, embora haja a dependência entre a prestação e a contraprestação. Por outro lado, de modo nenhum se pode pensar em objeção, em vez de exceção. Foi repelida a opinião de Cmi. FE. VON GLIICI< (Anal ii hrliche Erlituterung der Pandectes, 17, 227 s.), Axix. LANO (tjber die Einrede <Les nicht erf <dites Vertragea, 22, 29 a., 32 s.), C. W. SCHENCK (tber die exce’ptio nos adimpleti contractus ind das Retentionsrecht hei gegenseitigen Vertrãgen, Archiv $r die r~ivili.stische Prazis, 17, 93 s.), TREISTSCHKE (Noch cinige Bemerkungen tiber die sogenannte Einrede des nicht erftlllten Vertrags, 22, 278 s.), e muito antes J. ZANGER (De Exceptiosibus et Quaestionibus, Tract. III, Cap. 20, de exceptione implementi, 541 s.). SObre isso, Tomo XXIII, § 2.772, 12. Além dos escritores ali citados, H. DnNauto,W. A. PUCETA, E. 1. BEKKER, A. voN VANGEROW, A. BECEMANN e V. PUNTSCHART, contra F. LI~E (Die Stipulation, 248 s., 262), Erro KÂRIOWA (De natura atque isdole ouvafldyiaroç, 9 s.) e alguns outros. CAPITULO 1 ENRIQUECIMENTO INJUSTIFICADO 3.132. Conceito 1. DO ENRIQUECIMENTO. Cada pessoa tem o seu patrimônio, que é a soma dos bens da vida, de valor econômico, que lhe pertencem. Se urna retira, por ato seu, ou não, do patrimônio da outra, para o seu, ou para o de terceiro,ou do seu próprio para o de outrem, algum bem da vida, ou parte duo, há de haver justificação para isso, ou o enriquecimento é injustificado. De ordinário , quem atribui ou o faz conscientemente, ou faz por erro, com causa, ou sem causa; quem retira ou o faz com poder para isso, fundado em lei, ou o faz contra a lei,ou ocorre que o bem foi retirado. Há duas linhas que separa enriquecimento permitido o enriquecimento não permitido( contrário a direito>: a linha em que se confina a ilicitude a linha em que se confina o injustificado, dentro de cujo setor está, como espécie, o sint causa, Se E, que não é o dono do prédio, mas consta como tal do registro, o aliena a. terceiro, C, e adquire a propriedade; pode ser que B tenha de respondera A, dono do prédio, por ato ilícito, mas, em todo o caso, tem o dever de restituir a A aquilo com que se enriqueceu. A alienação a C valeu, foi eficaz; nada tem E contra C adquirente de boa fé(Código Civil, art. 968, parágrafo único). Outro exemplo.A avulsão aumenta o outro prédio, mas o dono do prédio desfalcado tem a pretensão do Código Civil, arte. 541, is fins, e 178,§ 6$, XI (indenização ou remoção da porção de terra>. O que consome coisa alheia, evitando gastar o que lhe pertence, enriquece-se sem causa. Se o boi de A se alimentou com o feno do sitio de E, A enriqueceu-se. O fundamento das relações jurídicas pessoais por enriquecimento injustificado está em exigência de justiça comutativa, que impõe a restituição daquilo que se recebeu de outrem, sem origem jurídica. Também esse é o fundamento da obrigação de indenizar gastos que se fizeram, voluntariamente , no interesse de outrem. 2.ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA E ENRIQUECIMENTO INJUSTIFICADO. A pretensão por enriquecimento injustificado, expressão mais larga do que enriquecimento sem causa, supõe que o sistema jurídico tenha dado entrada, no mundo jurídico, ao fato da atribuição sem causa ou injustificada; portanto, que seja fato jurídico o enriquecimento injustificado. Desse fato é que se irradiam direitos, deveres, pretensões, obrigações, ações e exceções. Assim, quando há contrariedade a direito, ainda que o sistema jurídico, por alguma razão técnica, ou por principio

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fundamental, tenha de admitir a licitude do resultado, e se haja enriquecido alguém a expensas de outrem, o fato entra no mundo jurídico e é tratado como fato jurídico, ainda que não ilícito. A ilicitude pode ocorrer, porém não é elemento necessário. Todavia, nem todo enriquecimento suscita o fato jurídico do enriquecimento injustificado, a despeito da generalidade da L. 206, D., de divertis regulis juris antiqui, 50, 17 (POMPÔNIO): “Ture naturse aequum est neminem cum alterius detrimento ut iniura fieri locupletiorem” (t de eqUidade, por direito natural, que ninguém se locuplete com detrimento ou injúria de outrem). A expressão excedeu o conteúdo da regra jurídica, pois as exceções pululam, no próprio sistema jurídico romano. Só alguns suportes fáticos, em que há enriquecimento, entram no mundo jurídico para as condictiói, que são pretensões à repetição. Ainda assim, em maior número do que o daqueles que se apontavam como espécies de enriquecimento sem causa, ou sem justa causa (L. 1, § 3, D., de condictione tine causa, 12, 7, verbis “non ex iusta causa”; L. 25, D., de actione rerinn amotarum, 25, 2). 3 CONCEPTUAIS. (a) Todo enriquecimento, para ser justificado, pensam alguns, ter-se-ia de fundar em alguma regra jurídica. Poder-se-ia dizer que tem de ser efeito de algum fato lícito, ou, a favor do ofendido (no sentido jurídico mais geral), de algum fato ilícito. Mas seria sem proveito científico e prático tal generalidade. Diria o mesmo, e com os mesmos inconvenientes, a fórmula unitária de FRITz SCI{ULZ (System der Reebte auf dem Emgriffserwerb, Archiv /1k die civilistiscke Prazis, 105, 1 s.): direito (ou pretensão) derivado de aquisição usurpativa; fórmula na qual usurpação é toda incursão na esfera jurídica alheia. Esse conceito excederia o conceito de fato de que deriva ser injustificado o enriquecimento: primeiro, porque há casos usurpativos sem proveito para o usurpante; segundo, se usurpação supõe contrariedade a direito, o enriquecimento injustificado pode não ser contrário a direito (pense-se na avulsão, ou no pastar do gado em terra alheia não fechada). Também tentaram fórmulas unitárias, sem bom êxito,W.COLLÂTZ (Ungerechifertiute Vermôgeresverschiebung, 40; Zur Th.eorie der Realgeschdif te, 22 s.), E. JuNG (Die Rereicherungsartspriiche, 129) e R. PLESSEN (Die Grundlagen der modernen condictio, 50). Para E. JUNG, a pretensão de enriquecimento ou supõe a falta de vontade de prestar, ou a falta da finalidade da prestação, ou de ambas. A base obrigacional consiste na qualificação jurídica do estado de coisas entre os figurantes <cf. G. MÂNDRY, Dér civilrechiliche Inhali der Reichsgesetze, 576). (b) A parecença entre o enriquecimento injustificado e o ato ilícito absoluto (arta. 159 e 160), gerador de dever de indenizar, começa na formação mesma dos suportes fáticos. Em ambos, cogita-se de alteração no estado de coisas entre o sujeito ativo e o sujeito passivo. Mas logo se percebe que o ser contrário a direito não é requisito que se encontre em todos os casos de pretensão pelo enriquecimento indevido, nem no é, tão pouco, a culpa: o enriquecimento injustificado pode entrar no mundo jurídico, ainda que não tenha havido culpa, nem, sequer, que se trate de ato (e. g., avulsão). Se vamos examinar as fontes romanas da condictio, tentando classificar a pretensão por enriquecimento injustificado (ex contraciu, ex quasi contraciu, ex delito, ex quasi detido), já as dificuldades surgem: ez quasi contraetu, ou ex quati delicio? Vemos preferir-se, ora a classe das pretensões ex quasi delicio, ora a das pretensões ex quasi contractu; mas, em verdade, continuou irredutível a perplexidade (~p. K. BINDINO, Die Norma une! Ore tJbertretung, 1, 476, e E. JUNa, Dia Bereicherungaana’prflche, 5 s., pela delitualidade). Ainda é de observar-se: a) que há ilicitude sem ser de ato, como há enriquecimento injustificado que não provém de ato; b) o fato atriflo senas ilícito, o ato-fato ilícito e o ato ilícito podem gerar divida, pela ilicitude, sem que o ofensor tenha qualquer proveito, e casos há em que o ofensor viola o patrimônio ou atinge a integridade

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física ou psíquica de outrem, ou algum outro direito de personalidade, sem que Lucre e por vezes também perde; b) o enriquecimento injustificado pode resultar de fato que a outra pessoa não enriqueceria. (c) O enriquecimento injustificado é causa das dividas, que não se pode subsumir no ato jurídico, ou no ato ilícito. Assim como o dano nem sempre entra no mundo jurídico como suporte fático do ato Ilícito ( dá causa à repartição), assim também nem todo enriquecimento é injustificado. Há atos danificantes, que não são atos ilícitos, geradores do dever de indenizar; e enriquecimentos, que não criam o dever de restituir. Entre o dano derivado do ato ilícito e o enriquecimento injustificado há de comum serem diferenças do patrimônio de outrem, no momento a e no momento b: ali, mudança negativa; aqui, positiva. Pode dar-se o dano pela diminuição (damnum emergens), ou pela cessação do aumento do patrimônio (lucrum cessana); e o enriquecimento, pelo aumento (lucrwn ernergens>, ou pela não-diminuição (damnum cessarda). A liberação da dívida, ainda para o insolvente, é enriquecimento (L. 32, D., ad legera Falcidiam, 35, 2: ~ (debitor) ipse sibi solvendo videtur”) ; e enriquece os que deram garantia, pessoal ou real. De ordinário, é a atribuído que enriquece; mas também causam enriquecimento atos do enriquecido (consumo de coisas alheias; disposição de coisa alheia; transferência de crédito que passa a não ser suscetível de exceções oponiveis pelo adquirente, pois a contraprestação pode. ser maior; pedido de execução de coisa que não é do devedor) e fatos atricto sensu ou atos-fatos (e. g., avulsão). Se, antes de se realizar a condição, se prestou, pode-se repetir a prestação. Há cortdietio iridebiti. Se há termo que impede de nascer o crédito, como se A loca a B, em setembro, o prédio, desde abril do ano próximo, e recebe desde já, sem no prever o conteúdo do contrato, os alugueres, e ocorreu incêndio do prédio, a coridictio irgdebiti é que cabe. Se o termo concerne ao vencimento, não: não há repetição pelo indébito; a divida já existe. Há enriquecimento injustificado, se, tendo havido simulação, um dos figurantes já prestara. (d> Não há ação de enriquecimento se só é de se pleitear a restituição, em virtude do negócio jurídico; inclusive se a razão é o não se ter adimplido o contrato bilateral, a despeito da prestação do autor. Se trata de prestação de direito público, e. g,, pagamento de impostos, que a sentença reputa contrárias à constituição, cabe a ação de enriquecimento injustificado contra a Fazenda Pública, pOsto qUe sujeita a prescrição especial, se existe. O art. 255 do Código Civil é regra jurídica sobre enriquecimento injustificado, por parte do cônjuge. 5 3.133. Composição do suporte táctico do enriquecimento Injustificado 1. ENRIQUECIMENTO E SUAS ESPÉCIES. Resulta dos fatos (= natureza das coisas> que: ou (a) o enriquecido recebeu algo, por vontade do que sofreu com o enriquecimento; ou (19, sem a vontade desse, mas por ato de alguém (inclusive o enriquecido ou outro prejudicado); ou (o), sem qualquer ato. Logo se distingue o ato humano, que está nos suportes fáticos de (ti) e de (19, e o fato, estranho ao homem, que está no suporte fático de (o). Não se poderia tratar, exaustivamente, das pretensões por enriquecimento injustificado na classe dos atos jurídicos; nem, a fortiori, na classe dos fatos jurídicos stricto seneu, ou desses e dos atos fatos, embora o ato, em (a) e em (1>), seja plus. 2.PREJUDICADO VOLENTE. (A) Se no suporte fático do enriquecimento houve vontade do prejudicado, esse, pois que quis, deu justificação ao enriquecimento de outrem. (a) Todavia essa causa pode não ter sido eficazmente ou validamente fixada, cabendo a condictio: a) quem paga o que não deve, quis pagar o que acreditou (erro) existir; se não existia a divida, a vontade dirigiu-se a fim impossível, donde a

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condictio indebiti, ou pretensão a haver a repetição do que indevidamente se pagou; 19 se o que recebeu, recebendo, violou regra jurídica cogente, inclusive sobre moral ou bons costumes, a nulidade e a ineficácia estão juntas, e cabe a condictio ai, turpem veZ iniustam causam; e) se não houve concordância (e. g., um dá como mútuo, outro recebe como doação), há condictio; d) se infringiu regra jurídica sobre forma, ou de capacidade, há condictio (e. g., empréstimo feito por incapaz, que adquire a posse, condictio possessãonis). (b) Se no suporte fático do enriquecimento há vontade do prejudicado e o fim futuro foi fixado, válida e eficazmente, porém não se alcança (= não se alcançou, ou não é alcançável), a causa foi determinada, mas dependente do fato futuro: diz-se, aí, que há falta de causa, porque se vê, na dimensão do tempo, o resultado (em verdade não houve falta de causa, a causa era dependente). (c) Se no suporte fático do enriquecimento houve vontade do prejudicado, mas o fim cessa de existir, dai em diante não há causa. É a corsdictio causa finita. Se foram dadas arras e se cumpriu o contrato, sem que se computassem na prestação, ou se resolvesse o contrato, a ação para as haver é a condição por acabamento de fim. Outrossim, se houve revogação da doação. No seguro contra roubos e furtos, se, paga a indenização, o segurado recobra a posse das coisas roubadas ou furtadas, cabe a condictio. No contrato de locação de coisas, ou de serviços, se há denúncia do contrato, ou resolução, ou resilição, já tendo sido pagos, por adiantamento, alugueres ou salários, cabe a condietio. Se, nos contratos bilaterais, a contraprestação se torna impossível, sem culpa de qualquer dos contraentes, há a condictio. 3. PREJUDICADO NÃO VOLENTE. (B) Se no suporte fático do enriquecimento tido houve vontade do prejudicado, ou porque tenha havido ato de terceiro, ou porque só tenha havido ato do enriquecido, o enriquecimento é injustificado e, pois, há a pretensão por esse : a) se o ato foi de terceiro, que não podia, em direito, atribuir patrimonialmente (= não tinha direito de intervir na esfera econômica do prejudicado), o enriquecimento é injustificado (e. g.: se o credor perde o crédito, por ter sido válido o pagamento feito ao credor putativo, Código Civil, art. 935; se ocorre a espécie do ad. 255) ; 19 se o ato foi do próprio enriquecido, sem ser em exercício de direito (e. g.: B vende a C o prédio de A, que estava inexatamente em seu nome, e C adquire a propriedade, pedido que pode cumular-se com a indenização por ato ilícito, se houve culpa), ou sendo ilícito (e. g., B furtou o relógio de A, e vendeu-o, não se sabe a quem, donde concorrência de duas pretensões, de indenização e por enriquecimento injustificado), ou contrário a direito (objetivamente), sem se compor suporte fático de débito (B, louco que consome bens de A; o possuidor de boa fé restitui os frutos colhidos com antecipação, cf. Código Civil, ad. 511, 2a parte). (C) Se no suporte fático do enriquecimento não há ato, mas há fato stricto senas, ou ato-fato de alguém, há enriquecimento injustificado: a) se o fato atricto senas ou ato-fato enriquece a um, e diminui a esfera econômica de outro, sem que a lei o tivesse estabelecido com tal fim (e. g., se, ao cessar a comunhão matrimonial de bens, os bens particulares de um dos cônjuges se enriquecem a expensas dos bens comuns, ou a expensas dos bens particulares do outro cônjuge, cabe a caiadictio; o possuidor de boa fé tem direito a repetir os gastos úteis, Código Civil, ad. 512, 1.~ parte), de modo que não há enriquecimento injustificado se a lei mesma estabeleceu o deslocamento patrimonial (na usucapião, como na aquisição em virtude de transcrição, cf. Código Civil, ad. 530, 1, não há enriquecimento injustificado, porque o fim da lei coincide com o fato do enriquecimento; idem, quando alguém se beneficia com a prescrição, ou com o prazo preclusivo; idem, na aquisição dos direitos pelo possuidor de boa fé; idem, em casos dos arts. 541, iti une, sobre avulsão) ; 19 se trata de ato-fato do próprio prejudicado, isto é, ato-fato que se há de tratar como fato: (e. g.: A põe a pastar em suas terras o gado de B, crendo que é seu;

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A manda reparar a canalização alheia, crendo que é a sua), espécies que foram objeto de aguda observação de O. VON Gínn (Deutsches .Privatrecht, III,. 1.009 a., nota 55), a quem se deve ter corrigido a L. ENNECCE ius (Lehrbuch, II, § 219, II, 8), que, nas ediçôes anteriores à de H. LEHMANN, fazia delas classe à parte, em vez de as colocar em (C). Trata-se, certamente, de ato-fato do prejudicado, que se há de considerar fato. A respeito de usucapião e da aquisição pela transcrição do imóvel, houve quem admitisse condictio centra o adquirente (e. g., MARnN WoLW, Lehrbuch, ~ 27.~-32.~ ed., 221 a.>; a ação pessoal, durando vinte anos, apanharia o usucapiente (também L. ENNECCERUS, Lehrbuch, II, § 442, nota 19, nas edições anteriores à de H. LEHMANN); mas a O. vON GIERKE (Deutsches Privatrecht, III, 999) coube mostrar que a aquisição da propriedade, pela usucapião, ou pela transcrição do imóvel, necessariamente exclui qualquer direita que antes houvesse e, excluindo-o, excluiria qualquer pretensão, ação ou exceção ligada a ele. Assim, ai, a condictia possessão não persistiria. Essa solução é a que mais se coaduna com o instituto da usucapião, que se funda em propósitos de segurança dos direitos, e ao mesmo tempo afasta que se prefira a posse, cessada, do que teve a condictio, á posse, atual, do que adquiriu a propriedade (cf. art. 505, 2.~ parte, aliás só referente a esbulho). A aquisição, por usucapião, ou pela transcrição, opera todos os seus efeitos: considera-se feita com causa; a distinção entre aquisição com causa e aquisição sem causa não concerne à usucapião, nem à aquisição por transcrição. Não importa se se trata de usucapião extraordinária (art. 550) ou ordinária (art. 551> de imóvel, ou se de usucapião com boa fé (art. 619> ou sem boa fé (art. 619) de bem móvel. No caso de aquisição com titulo e boa fé, o justus titulus contém a causa; no caso de aquisição segundo os arts. 550 ou 619, a aquisição é por força da lei, com os sós requisitos apontados: portanto, não lhe falta causa. A propósito da aquisição por transcrição, a ação por enriquecimento injustificado pode ser entre o que era dono e o que se enriqueceu com o registro e pôde alienar. Às mais das vezes, a pretensão, aí, é à indenização por ato ilícito do que obteve o registro. Se o dono do imóvel o vendeu a E e, depois, a C, tendo C obtido, antes de B, a transcrição, a ação de E contra A é por infração do acordo de transmissão (pretensão à indenização por ofensa ao que se acordou), sem que se afaste a hipótese da condição. Desde o momento que o alienante do imóvel se libera, perante o que era dono do imóvel, da dívida por enriquecimento injustificado, não há mais obstáculo a que o terceiro faça transcrever o acordo de transmissão em que é outorgado pelo alienante, devedor liberado. A boa fé tem relevância para se apurar a responsabilidade pelo enriquecimento injustificado; não, para a aquisição, porque não é elemento necessário no direito brasileiro, quer em se tratando de imóveis quer de móveis, nem, a fartiori, pressuposto bastante, salvo quanto a certos títulos circuláveis. § 3.134. Nascimento do direito à repetição do enriquecimento Injustificado 1.DIREITO, PRETENSÃO E AÇÃO . Para que nasçam direito, pretensão e ação de enriquecimento não se exige capacidade do enriquecido, nem do enriquecedor. O enriquecimento, em si, é fato “stricto senas”, que concerne à relação material entre dois patrimônios. Pode dar-se em qualquer ato, ainda ato-fato, da pessoa enriquecida. Pode resultar de fato stricto senas. 2. PATRIMÔNIOS ESPECIAIS. Se o patrimônio da pessoa enriquecida contém bens que pertencem a patrimônio especial, tem-se de indagar qual o patrimônio que foi enriquecido, ou se ambos o foram; e. g., se o foi a massa concursal, ou se o foram todos os bens, inclusive os não englobados na falência, ou se só esses. Se o enriquecido foi comunhão, o dever e a obrigação de prestar o enriquecimento tocam

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a cada comuneiro e a execução é pelos bens comuns. Também pode acontecer que um dos patrimônios se enriqueça, a expensas de outro, ou dos outros, ou alguns, a expensas de outro ou outros; e cada patrimônio responde pelo enriquecimento injustificado, conforme os princípios. § 3.135. Atribuições patrimoniais e falta de justificação 1. JUSTIFICAÇÃO DA ATRIBUIÇÃO . A atribuição patrimonial, que haveria de ter justificação, pode dar-se sem que essa se haja estabelecido. ~ a atribuição patrimonial detetiva de causa, ou, em geral, de justificação. Não é atribuição abstrata, porque a atribuição patrimonial abstrata não precisa de causa, à aquisição defetiva falta-lhe a causa, que haveria de ter. Ou essa defetividade ocorre por falta de acordo sobre a causa, ou quando falta elemento objetivo do acordo, ou quando, tratando-se de causa que seria de estabelecer-se unilateral-mente, não houve a vontade com tal conteúdo, ou faltou algum elemento objetivo. São exemplos: A pensou emprestar a B, que recebeu como doação; A pagou a B dívida que não existia; A deixou a B, em testamento, x para as festas do seu casamento, e B já se havia casado em vida do testador. Se falta a causa, o ato jurídico mio existe: não entrou no mundo jurídico. Seria erro dizer-se que entrou, e é nulo, ou anulável; não é jurídico. O suporte fático, por deficiência de causa, foi insuficiente para entrar no mundo jurídico. Donde a conseqüência de enorme importância prática: o pedido para se verificar a defetividade da causa é de declaração, e a decisão a respeito, declarativa. Deve preceder. Logicamente , a qualquer pedido de desconstituição por nulidade, ou anulabilidade; é quaestio praeiudicialis. Não se daria o mesmo com a atribuição patrimonial abstrata: a inexistência de causa é sem qualquer conseqüência, não lhes faz-falta; o ato existe como ato jurídico, e vale. Isso não quer dizer que, devido a negócio jurídico subjacente, não possa ocorrer pretensão por enriquecimento injustificado. Ou que não possa exsurgir a condição, por baixo. Se a atribuição patrimonial é sitie causa, pode quem atribuiu pedir que lhe volva a prestação. É o pedido de repetição (de repetere, fazer voar para trás, pedir de volta, cf. penna e impetus). O atribuinte pede de volta; o atribuido restitui (Código Civil, arts. 964971). Só excepcionalmente o terceiro é o sujeito passivo do dever e da obrigação de restituir (art. 968). O Código Civil fala de pagamento indevida; outros sistemas jurídicos, de enriquecimento injustificada. Ali, vê-se o patrimônio pendente. Aqui, mais se presta atenção ao que se passa no patrimônio daquele a que se atribuiu, e evita-se que se pense que todos os casos de repetição se ligam a “pagamentos”. A repetição do que se doou, ou a repetição por extinção do crédito ame causa não é repetição de pagamento; não teria de haver causa salvendi. Os arts. 964-971 do Código Civil dão apenas, por conseguinte, uma das espécies da candictia (condição). Os princípios incidem, mutatis mutandis, nas outras espécies. 2.ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA E PRETENSÕES. Discute-se se, a respeito de enriquecimento sem causa <no sentido próprio), a pretensão é uma só, ou se apenas há pretensões distintas, não suscetíveis de conceito único. Tanto no direito romano quanto nos sistemas jurídicos de hoje, as condictiorees apresentam tipos sujeitos a regras jurídicas especiais, mas todas cabem no conceito de candio tio sine causa, que é regida por algumas regras jurídicas fundamentais e comuns a todas as espéCies (condictio indebiti, condictio ob causam finitam, condictia ob causam noti secutam, condictio ob turpem vel iniustam causam). Em geral, devemos falar de pretensão pelo enriquecimento injustificado, porque o conceito tem a abrangência que mais satisfaz as exigências do sistema jurídico. A expressão “pagamento indevido” é demasiado estreita, posto que essa espécie pretensão por enriquecimento oriundo de prestação por dívida inexistente seja a mais freqüente. Por outro lado, a expressão “pagamento indevido” tem o inconveniente de aludir a

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“pagamento”, que é a prestação feita pelo devedor, e logo a não haver devedor (“indevido”). Em todos os casos, o que há é o fato do enriquecimento sem justificação. 3.CONDIÇÃO POR SEM DIREITO OU SEM PODER . A condição, por disposição sem direito, ou sem poder de disposição, não é espécie à parte. Quanto à condição por aquisição ilícita (imoral, proibida), não é bem condição tine causa, mas era-o note-se bem! no direito romano, onde o ato proibido seria inexistente. Com a decretação da nulidade, ou da anulabilidade, a aquisição torna-se sem causa, devido à força constitutiva negativa da decisão. Todavia, tem-se de advertir que a restituição que se opera imediatamente pela decretação da nulidade ou da anulação não é pelo enriquecimento injustificado, é restituição por faltar qualquer legitimação do figurante do negócio jurídico nulo ou anulável a ficar com o que recebeu. Além disso, pode ocorrera pretensão ao ressarcimento do interesse negativo. A pretensão por enriquecimento injustificado é outra pretensão e nada tem, por exemplo, com a regra jurídica do art. 158 do Código Civil. As duas pretensões podem coexistir e, de ordinário, coexistem. Sobre o art. 158, Tomos IV, §§ 383, 6 e 7, 413, 3, 424, 2, 8, 13 e 14, 429, 2, 447, 448, 451, 3, 455, 5 e 6, 457, 497, 501,2, 503 e 504; VI, §§ 678, 14, e 711, 2; XV, §§ 1.750, 4, 1.770, 1, 1.778, 2; XXII, §§ 2.705, 1, e 2.722, 2. 4. RESOLUÇÃO E RESILIÇÃO. Em conseqUência da resolução ou da resilição, a relação jurídica da dívida (que é efeito) se extingue. Donde ter-se de restabelecer o anterior status quo. Surgem, em conseqüência, dividas de restituição do que foi recebido. Se o que se prestou foram serviços, ou consistiu em entrega de bens já irrestituíveis (e. g., foram consumidos, ou terceiro adquiriu a propriedade deles), o que se há de satisfazer é o valor das prestações. Na relação jurídica de que se irradia o direito à restituição não se há. de ver relação jurídica por enriquecimento injustificado, nem dívida ex lege, mas sim relação jurídica que ainda é resultante do negócio jurídico, a despeito da resolução que apagou todos os efeitos ex tunc (resolução) ou ex nunc (resilição). Em verdade, o efeito não é só da declaração unilateral de vontade, nem só do negócio jurídico cuja eficácia foi destruída, mas dela ou dele e da decisão de resolução, como o é da lei, nos casos de resolução ou de resilição ex lege (a respeito não se pode seguir à risca o que pretende E. WOLL~T, Vertretenmtissen und Verschulden, Archiv flir die civilistische Praxis, 153, 97 s. e 106, e fez mudar a opinião de KARL LARENZ, na 33 ed. do Lehrbuch, 1, 246 s.). A relação jurídica que se estabelece é a de aplanação. Aí, a volta ao status quo faz-se à semelhança do que se teria dado se não se tivesse cumprido qualquer das obrigações. O receptor tem de responder pela indenização dos danos, se surgiu impossibilidade para a restituição. Regem os arts. 869 e 870 (arts. 872 e 873), ou 871 do Código Civil, e não os arts. 865-868; o art. 877, ou os arts. 876 e 869-873, e não os arts. 876 e 865-868. 5.PENSAMENTO ANTIGO E PENSAMENTO MODERNO. A ação de enriquecimento injustificado é corretivo, que a técnica legislativa criou. A ordem jurídica considera válidas e eficazes muitas aquisições, que se não justificam. Nas origens, isso mais ocorria em casos de negócios jurídicos abstratos, como a marwipatio e a in jure cessão, às vezes na traditio. O que mais se há de acentuar é que o direito contemporâneo recebeu instituto que nasceu da concepção romana, de que tanto os tempos modernos se distanciaram, do contrato real, em que a res vinha em primeiro plano, sem que hoje se possa invocar tal fundamento. Lembremo-nos que veio GAIO, III, § 91, a dizer que o adimplemento de divida inexistente é como contrato real (“Is quoque, qui non debitum accepit ab eo qui per errorem solvit, se obligatur: nam proinde ei condici potest si paret eum dare oportere, ac si mutuum accipisset”). Ninguém hoje poderia

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dizer que o que recebe adimplemento indevido aceita é obrigado “re”; nem admitiria que se pudesse responder pelo enriquecimento injustificado como se responde pelo mútuo. O próprio direito romano acabou por se desvencilhar dessa concepção contratualística da responsabilidade pelo enriquecimento injustificado, posto que resquícios persistissem. § 3.136. (1) “Condictio indebiti” 1.ENRIQUECIMENTO COM O INDÉBITO. Se foi solvido o que se não devia, solveu-se o indevido; a pretensão repetitiva vai buscar o que se prestou, pro soluto ou solvendi causa, sem a causa que tivesse de ser apagada pela solução. “Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir. A mesma obrigação incumbe ao que recebe divida condicional antes de cumprida a condição” (Código Civil, art. 964, alíneas 1.8 e 2.8). Pode dar-se que não tenha havido acordo sobre a causa (e. g., doação, ou outra atribuição patrimonial, como estipulação a favor de terceiro, se o terceiro morre antes), ou que não pudesse ter havido (incapacidade absoluta, proibição legal sObre forma ou fundo, ilicitude). Tem-se de haver prestado algo, com o propósito, o fim, de cumprir dever, ou dever e obrigação. Não importa se a esse dever, ou a esse dever e a essa obrigação, corresponderia direito, ou corresponderiam direito e pretensão pessoal, ou real. Não importa, ainda, se foi o que se haveria de prestar, ou se foi foi alguma outra coisa em vez da devida. Quem deu em soluto pode repetir. Mais. Quem concedeu, em transação, e foi julgado que não devia (e. g., em virtude de ação rescisória de sentença, ou de ato jurídico, cf. Código de Processo Civil, arts. 798, 799 e 800, parágrafo Único), pode repetir com fundamento em enriquecimento injustificado, embora tenha a ação judicati da sentença que decrete a nulidade, ou anulabilidade, ou a rescisão do ato transacional. Dá-se o mesmo no tocante ao adimplemento pela consignação, ou por imputação, ou pela novação, ou pela compensação. É de POMPÓNIO (L. 16, pr., D., de condictiorte indebiti, 12, 6): “Sub condicione debitum per errorem solutum pendente quidem condicione repetitur, condicione autem exsistente repeti non potest”. No § 1: “Quod autem sub incerta die debetur, die exaistente non repetitur”. O Código Civil, no art. 964, alínea 23, só se referiu à condição (“A mesma obrigação incumbe ao que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição”). Cf. arts. 118 e 1.691 (Esse concernente aos legados). Não se falou do adimplemento antes do advento do termo. a Pré-excluiu o Código Civil a repetição por enriquecimento injustificado no caso de, por erro, ter o devedor voluntAriamente solvido antes do termo? Se o credor o exigiu antes do termo e o devedor teve de solver, constrangido, a pré-excluiu-se a pretensão do devedor à repetição por enriquecimento injustificado? O art. 118 faz direito expectativo o do outorgado; ao implemento da condição nasce o direito expectado. Esse pode não nascer. É diferente de regra o que se passa com o termo, a que o art. 118 não se reporta. Se quem, pendente a condição, solveu, ainda sem erro, pode repetir. Implida a condição, cessa a repetibilidade, porque se tornou devido o que se prestara. Quem, antes do advento do termo incerto, presta por erro, também podia repetir. É o que está em POMPÔNIO. Se já se chegou ao dia, não há mais pretensão à repetição. No direito do Código Civil, houve trato diferente da questão. Ponhamos em exame as duas atitudes, a que está em POMPÔNIO (tese) e a que pré-exclui a repetibilidade: (a) A distinção técnica entre a eficácia da condição e a do termo (Tomo V, § 550) não vem ao caso, diz-se, porque, se o termo concerne à aquisição da prestação, tanto se antecipa, por Erro, prestando-se antes do termo quanto se antecipa, por erro, prestando-se antes da condição. De jeito que devemos entender que se tem a pretensão à repetição por enriquecimento injustificado quer se trate de prestação

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antes do termo, se houve constrição a isso, quer se, prestando voluntariamente, o devedor o faz por erro, antes de se chegar ao termo. Numa e noutra espécie, se atinge o termo, desaparece a pretensão à repetição por enriquecimento ilícito. Tal como estava na L. 16, § 1 (POMPÓNIO), D., de condictione indebiti, 12, 6: “Quod autem sub incerta die debetur, die exsistente non repetitur”. (b) À diferença do que se passa com a condição, o direito já existe durante o térmo, de regra; o que ainda não existe é a pretensão. No caso de condição, nasce apenas direito expectativo. O termo inicial, diz o Código Civil, art. 128, suspende o exercício; não, a aquisição do direito. Nos negócios jurídicos entre vivos, o prazo tem-se, dispositivamente, como a favor do devedor (Código Civil, art. 126). A pretensão não exsurgiu; exsurgiu a dívida: o credor não pode exigir, mas o devedor pode solver. Se solve, prestou o debitum. Tal a solução do Código Civil brasileiro, que pré-excluiu. no art. 118, a referência ao termo inicial, e a mesma atitude teve no art. 964. SObre a condição e o termo, Tomos V, §§ 339 e 340, 544, 1, 7, 545, 5, 550, 2; e VI, § 649, 3. Insistamos no assunto da condição. É de CELSO (L. 48, D., de condictione indebiti, 12, 6):“Qui promisit, si aliquid a se factum sit vel cum aliquid factum sit, dare se decem, si, priusquam id factum fuerit, quod promisit dederit, non videbitur fecisse quod promisit atque ideo repetere potest”. O que prometeu dar dez para o caso de se lhe fazer algo, ou quando se lhe haja feito, se, antes de isso ocorrer, presta, não se entende que fez o que prometeu, e por isso pode repeti-lo. O que voluntariamente se presta, sabendo-se que não se deve, não pode ser repetido (Código Civil, art. 965). Dai resulta que tem o adimplente o anus de alegar e provar que o fez por erro. Na L. 50 (POMPONIO), está escrito: “Quod quis sciens indebitum dedit hac mente, ut postea repeteret, repetere non potest”. O que alguém algo entregou, sabendo que o não devia, com a intenção de depois o repetir, não o pode repetir. Na condictio indebiti, supõe-se que a divida nunca existiu, ou que existiria e se extinguiu, ou que era nulo o ato jurídico, de que resultaria. Se havia exceção, ela apenas encobriria a eficácia, deixando subsistir o direito e a pretensão, ou só o direito, e exclui-se a repetição, porque se cumpriu dever. Por exemplo: exceção de prescrição, exceção de dívida de jogo ou aposta (Código Civil, ad. 1.477). Quanto às exceções dilatórias, nenhuma obsta a que se preste e, pois, a que se exclua a repetição. Quanto às outras exceções peremptórias ou definitivas (e. g., a exceção derivada de pretensão de indenização segundo os arts. 159 e 160; a exceção do devedor pessoal em relação ao credor hipotecário, por falta de aviso; a exceção derivada do art. 1.796), permitiam a repetição (L. 26, § 3, D., de condictione indebiti, 12, 6>. E permitem-na hoje. Se algum dever ou obrigação estava dependente de condição suspensiva e se prestou antes de se realizar a condição, a condictio era admitida (L. 16, L. 18, L. 48 e L. 50, D., de cmidictiorte indebiti, 12, 6; P. OERTMANN, Recht der Schuldverhttltnisse, 1.027; L. ENNECCERUS, Lehrbuch, II), mas, se, no intervalo, se realiza a condição, o enriquecido tinha a exceptio dou (II. voN MÂn, Der .Bereicherungsartspruch, 45). No direito de hoje, se houve a repetição, vence-se, com o implemento da condição, a divida, e tem de solvê-la o devedor. Se está pendente a lide, desaparece no plano do direito material a pretensão à repetição. Quanto aos vícios redibitórios, a opinião que admitia exceção ainda depois de expirar o prazo preclusivo (O. WARNEYER, Kornment ar, 1, 1285> é de repelir-se (P. LANGHEINEKEN, Anspruch und Binrede, 241). Também se dá a condi.ctio indebiti, se o ato jurídico nulo entra na classe exceptional daqueles que são nulos, mas depende de ação a decretação da nulidade.

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Conforme noutros lugares desta obra se diz, a ação por enriquecimento inj ustificado pode coexistir com outras ações, uma vez que os pressupostos de cada uma sejam satisfeitos. Porque o que há de restituir, por outra razão que o enriquecimento injustificado, se tona, se lhe fica o que teria de prestar, devedor da repetição por enriquecimento injustificado. A respeito da anulação não se pode repetir o que se adimpliu por divida oriunda de negócio jurídico anulável porém ainda não anulado, porque a divida existe. Ou melhor: ainda existe. Sobrevindo a anulação, há a restituição a que alude o ad. 158 do Código Civil, ou a condictio. Dá-se o mesmo a propósito dos negócios jurídicos resolúveis, resilíveis ou rescindíveis, antes da resolução, da resilição ou da rescisão. Veja § 3.135, 4. 2.ANULAÇÃO E PRETENSÃO POR ENRIQUECIMENTO INJUSTITICADO. Problema que se tem de resolver em cada sistema jurídico é o da classificação do enriquecimento em virtude de ato jurídico anulado: La condição é indebiti, ou causa finita? Se adota a concepção de que o ato jurídico anulável depende de decretação para que seja e, por isso, não foi sem causa, mas pode vir a tornar-se sem causa, com a eficácia da sentença constitutiva negativa, tem-se de pensar em condictio ob causam Imitam; se se adota a concepção de que o ato jurídico é ato jurídico, inválido e, potencialmente, inexistente, cuja “anulação ” depende de sentença, tem-se de pensar em condictio indebiti. O que é de estranhar é que juristas alemães (e. g.L. ENNECCERUS, Lehrbuch, II, 31.~-35.~ ed., 696), em sistema jurídico que possui a imputação (Ãnfechtung), tenham o que se pagou para solver dívida anulável, como indebitum; é reduzir-se demasiado a eficácia constitutiva negativa da sentença. Além disso, a solução afasta-se da evolução e da história do conceito de anulabilidade. O próprio nulo é, apenas não produz efeitos. O anulável é, com mais forte razão; produz efeitos, de modo que a sentença desconstitutiva, atacando o negócio jurídico, desfaz os efeitos. Ora, enquanto não se procede à anulação, com eficácia de coisa julgada, não se pode pensar em não ser devido o que, em virtude do negócio jurídico, se deve. O anulável irradia efeitos. Dívida, obrigação e exceção são efeitos. Causa, portanto, há, e com a anulação acaba. § 8.136. “CONDICTIO INJUEPII” Porém não são os princípios do enriquecimento injustificado que se hão de aplicar em caso de anulação, ou de resolução, ou de resilição. Presta-se, em restituição, o que se recebeu, e não só aquilo com que o receptor se enriqueceu. A invocação dos princípios que regem a restituição por enriquecimento injustificado, em se tratando de resolução legal ou de resilição legal por impossibilidade sem culpa de um dos figurantes, é de repelir-se, ainda que seja a solução, de lege lata, de outros sistemas jurídicos. A situação não exclui a ação de enriquecimento injustificado, entenda-se; mas essa não é tão adequada quanto a ação de restituição em conseqüência da sentença constitutiva negativa, ou da sentença declarativa da resolução legal. Idem, em caso de nulidade, ou de anulação, ou de resolução ou resilição legal por inadimplemento. Aqui, há ilicitude. Não se restitui somente o que entrou no patrimônio (= o enriquecimento que perdurou). Se o devedor solveu dívida a termo antes de tempo, extinguiu-se a divida, e não pode ser repetido o que pagou. Seria de discutir-se se podem ser repetidos os juros pagos antecipadamente (interussurium). Na L. 10, D., de condictione indebiti, 12, 6, PAULO disse que o devedor a termo é tão devedor que não pode repetir o que antes de tempo solveu: “In diem debitor adeo debitor est, ut ante diem solutum repetere non possit” (cp. Código Civil alemão, § 272). Não há contradição entre o que diz POMPÔNIO, na L. 16, § 1, e o que está na L. 10, tirada a PAULO (ad Sa.binurn), porque no texto de POMPONIO (L. 16, pr.) se

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alude a erro (verbis “per errorem solutum”). Mas, conforme já dissemos, essa não é a solução do sistema jurídico brasileiro. Concebeu-se o termo inicial ou suspensivo como só relativo à pretensão, de modo que o crédito, esse, já nasceu. Já há o crédito e, pois, o debitum. Quem deve a termo , e paga, paga o que deve. Não se lhe exigiu, e pagou. Se lhe foi exigido e, a contragosto , tem de pagar, pode estabelecida, declaratoriamente , a situação jurídica repetir o que prestou. A declaração pode ser em negócio jurídico declaratório ou de reconhecimento, se figurante o credor, ou em decisão judicial. 8. SOLUÇÃO DO INDEVIDO. O que paga dívida de outrem, crendo ser o devedor, pode repetir daquele que se enriqueceu aquilo que pagou: o devedor está quite (PAULO, L. 65, § 9, D., de condictione indebiti, 12, 6). Se o que deve a um, crendo que devia pagar, por esse, ao credor desse, solve a dívida, dêle pode repetir, não do credor a quem pagou (PAULO, na L. 44: “Bepetitio nuíla est ab eo qui suum recepit, tametsi ab alio quam vero debitore solutum est”, não há repetição contra o que recebeu, posto que outrem que o devedor haja solvido). Mostrou P. OERTMANN (Die Zahlung fremder Schulden, Ãrchiv flir die eivilistiscke Praxis, 82, 457) não haver contradição entre os dois textos de PAULO: na L. 65, § 9, não se repete do credor o que lhe era devido, e sim do devedor que ficou pago, e não se repete do credor que recebeu o seu e ficou pago, se não era credor do que pagou, crendo sê-lo, e sim de outrem. Sem razão, porque, ali, a repetição o é possível, e está prevista pela causa; aqui, o jurisconsulto abstraiu das relações entre o devedor, que paga, e o devedor verdadeiro do que recebe. Se o Banco E, Interpretando (ou traduzindo) mal ordem de pagamento, feita por A, paga a D, em vez de pagar a O, ambos credores de A, que tem fundos, ou que apenas obteve do Banco B que pagasse, não pode esse repetir de D, qui guum recipit. Se houve representação, ou gestão de negócios alheios ratificada, ou se o pagamento foi por conta do devedor (mandato, assinação, etc.), ainda que se trate de divida aparente, cabe ao devedor aparente, e não ao que pagou, a coredictio: à sua custa enriqueceu-se o que recebeu. Se o devedor pagou a falso credor, ainda que, com isso, se haja, excepcionalmente, liberado, pode repetir. Se, por erro, se presta objeto, que não é o devido, cabe a condictio indebiti; mas, enquanto não se presta aquele objeto que se deve, tem o credor direito de retenção. MARCELO, segundo ULPIANO, atendeu, exemplificativamente, ao problema, com a entrega errônea de prédio de valor 2 x, quanto à divida de x (L. 26, § 4, D., de condictio indebiti, 12, 6), e com a quantidade a mais da mesma substância (L. 26, § 5). No fim da L. 26, § 4, ULPIANO advertiu que a condictio persiste, mas reter-se-á a coisa (no caso, o terreno> até que se solva com o dinheiro. § 3.186. “CONDICTIO INDEBITI” Se a coisa prestada era devida alternativamente, ou genérica, e se prestou coisa determinada, crendo-se erradamente, que era essa a única que se devia, cabe a condictio. Na divida alternativa, os dois objetos são devidos, e escolha ulterior determina o que deve ser prestado. Na facultas alternativa, não: só um objeto é devido, mas o devedor pode prestar (ou o credor exigir) algo, que lhe faça as vezes. Se o devedor prestou, porque tinha a faculdade alternativa e o ignorava, não pode repetir: houve dação em soluto, e o credor recebeu como se em exercício da facultas alternativa. 4.PRESTAÇÃO SEM DEVER, CIENTE QUEM PRESTA. Se o que prestou sabia que não estava obrigado a isso, ou, a fortiori, que não tinha o dever de prestar, está excluída a condictio indebiti. Diz o Código o Civil, art. 965: “Ao que voluntária-mente pagou o indevido incumbe a prova de tê-lo feito por erro”. O principio do art. 965 do Código Civil está na L. 1, pr., e § 1, D., de condictione

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indebiti, 12, 6, que é de ULPIANO: “Nunc videndum de indebito soluto. 1. Et quidem si quis indebitum ignorans solvit, per hanc actionem condicere potest: sed si sciens se non debere solvit, cessat repetitio”. Quem paga o que sabe que não deve não pode repetir. Não se traga à tona que se doou. A insinuação de tal conceito perturba a boa doutrina. A ciência do adimplente fecha portas à condictio; portanto, a qualquer discussão. Foi como ato de derrelição, se alguém se dissesse com direito á coisa. Não como liberalidade. Discute-se se basta o erro de direito. No direito romano, a L. 10, § 6, C., de iuris et facti ignorantiei, 1, 18 (“errore facti”), a L. 9, § 5, D., de juris et .facti igrtorantia, 22, 6, a L. 6 e a L. 7, C., de condictione indebiti, 4, 5 (“error facti’¶p, e a L. 9, C., ad legem Falcidiam, 6, 50 (“error facti’9, são claras em pré-eliminar a condictio, se o erro foi de direito. Na L. 1, pr., D., zd in possessãone legatorum vel fideicommissor-ura, 36, 4, ULPIANO alude à ignorantia iuris, mas o texto destoa do sistema. Dessa discussão resultou que uns (a) admitem a repetição por erro de direito, outros (b) a admitem se o Erro é escusável, e outros, ainda, (c) não admitem a repetição se o erro foi apenas de direito (sobre o direito romano, F. C. VON SÂVIONY, System, III, 447 s.; A. EXLEBEN, Die condictiones sine causa, 1, 70 5.; H. WITTE, Die Bereicherungsklagen, 98 s.). O problema é diferente daquele a que dão ensejo os arts. 86-91 do Código Civil (erro vício de vontade) ; argumentos que servem à solução daquele não servem à solução do problema de agora, e. g., a lei, na civilização democrática, é para ser conhecida de todos. Se A, herdeiro de C, paga a B, porque o tinha como filho de C, um dos legatários de O, e B não no era, cabe a condictio; se A, herdeiro de C, paga a B, ignorando que o reconhecimento de B era nulo, por vicio de forma, também cabe a condictio. Mas, se A, ignorando a lei brasileira, paga a B toda a herança de O, que era casada pelo regime de comunhão de bens, negar-se a condictio também seria duro. Idem, se A presta a B, tendo C marido herdeiro. No sentido de caber a pretensão pelo enriquecimento injustificado se o erro foi de direito (2.~ Turma do Supremo Tribunal Federal, 11 de novembro de 1949; 4a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 2 de agosto de 1948, R. dos T., 176, 642; 63 Câmara Civil, 21 de abril de 1950, 187, 102; 58 Câmara Civil, 22 de maio de 1953, 215, 168; 23 Câmara Cível do Tribunal de Apelação de Minas Gerais, 25 de março de 1946, 163, 340). O erro de direito tem de ser tratado diferentemente quando se está a manifestar vontade, como é o caso dos vícios de vontade (Código Civil, arts 86-91), e quando se erra fora das manifestações de vontade. Quando se diz que há repetição quando “voluntariamente” se solve, mas houve erro, o sentido de “voluntariamente” é outro: está por “sem constrangimento ou constrição”. Não se pode alegar erro de direito, error juris, se a vontade é geradora de vínculo, porque é de interesse geral que os figurantes dos negócios jurídicos e os que têm de conduzir-se de modo que não cometam atos ilícitos ou atos fatos ilícitos saibam o que é justo e o que é injusto. Daí ninguém poder ignorar a lei. Mas, ao prestar, o ato-fato do adimplemento pode ter tido base em error facti ou em error juris, e aí se protege a alguém exatamente para que a ignorância da lei não enriqueça a um com prejuízo de outrem. Assim e a limitação é da máxima relevância se o adimplemento consistia ou consistiu em declaração de vontade e o erro de direito se deu no negócio jurídico que se prestou, não há invocabilidade das regras jurídicas sobre anulabilidade por erro, mas pode haver repetibilidade por se ter prestado o negócio jurídico a em vez do negócio jurídico b, por erro de direito na determinação do que se havia de prestar. Em pré-contrato, A prometeu a B o contrato de venda da casa a, mas não sabendo A, suficientemente, a língua portuguesa aceitou, em vez da promessa de venda, a locação da casa a, desconhecendo a distinção entre o contrato concluído e o contrato prometido. Não pode A pleitear a decretação da anulação da locação por erro de direito <talvez o pudesse por dolo de B, mas isso aqui não nos interessa), porém

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cabe-lhe a repetição do que pagou injustificadamente (adimplemento, por Erro, do pré-contrato), além das outras ações que tenha contra B, que em verdade não adimpliu satisfatoriamente (adimplemento ruim). Não há, portanto, negar-se a repetibilidade por erro de direito. Porém admitir-se a verificação da acusabilidade ou não-escusabilidade do erro seria deixar-se quase ao arbítrio do juiz dizer quando se podia e quando não se podia ignorar o direito. O direito que se pode ignorar é o direito que precisa ser provado (cf. Código de Processo Civil, art. 212), mas, ainda ai, é preciso que, is casu, o Erro existisse. COELHO DA ROCHA (Instituições, 1, § 158, 107) pouco sabia sobre o assunto: admitiu a repetição por erro de direito, citando textos romanos que de nenhum modo o podiam apoiar. Em verdade, ou se admite o erro de direito como suficiente, ou não se admite. Aquela solução é a da doutrina alemã (qualquer erro). Mas a questão é falsa questão. Porque ai o que importa é que, por não ter sido constrangido a adimplir, o adimplente ignorasse que devia. A ignorância do direito tem o mesmo porte, então, que a ignorância de fato, ou de fatos, uma vez que tanto se ignora que não existe a divida> por não se ter ciência de fatos como por se não ter ciência de alguma ou de algumas regras jurídicas. Nos casos dos erros viciantes da vontade, a solução havia de ser diferente, porque há de conhecer o direito quem quer vincular-se ou que alguém se vincule, como quem há de abster-se de atos que seriam ilícitos ou atos-fatos ilícitos. O que importa saber-se é se o que pagou sabia que não devia, mais do que cria dever. Tem-se de provar o erro; isto é, que não existia divida, ou era nula, e se acreditou existir; tem o demandado, para elidir a condictio, de afirmar que o demandante sabia não dever, ou dever por ato jurídico nulo, ou por ato anulável já anulado. Não se deve deslocar para o terreno objetivo o que é subjetivo: objetivamente, ou a dívida, que foi paga, existia, ou não existia, ou existia mas fora anulado o ato, de que resultara; subjetivamente, ou o que solveu conhecia a inexistência, ou a nulidade, ou a anulação, ou não a conhecia. O que se ignora é que não se devia, ou era nulo, ou já estava anulado, o ato jurídico, de que proviria a dívida. Por onde se vê quão fora de propósito é trazer-se para aqui a distinção “erro de direito, erro de fato”, que concerne ao ato jurídico, e não ao dever ou obrigação. Muito diferente do que se passa a respeito do erro na formação dos atos jurídicos. O conhecimento de não dever é que exclui a condição; não é o Erro que a gera. A despeito, entenda-se, da regra de ônus de prova que se contém no Código Civil, art. 965 (mais coerente, a doutrina alemã dominante, que dá ao demandado o ônus de provar a ciência; como o art. 965, FR. LEONHARD, Die Beweislast, 406, em divergência com a doutrina do seu pais, P. OERTMANN, Recht der Sckuldverhãltnisse, 1025, e L. ENNECCERUS, Lehrbuch, II, 697). Assim, se A pagou porque acreditava incidir a regra jurídica x, em vez da regra jurídica v, e incidira a regra jurídica y, A não devia. Verificando que incidira a regra jurídica y, descobre o seu erro: não devia, e pagara. Errou quanto a dever e obrigação. O que pagou foi injustificadamente pago. Pode repeti-lo. Muito diferente seria se o seu erro de direito fosse quanto a ter doado a B, crendo que a lei não lhe permitia doar a C, filha de E: o erro de direito é irrelevante, para se pretender a anulação por erro; não houve erro quanto à pessoa, e A tem o dever de conhecer a lei. O que ignora que ao dever moral não correspondiam e obrigação jurídicos, ou somente dever jurídico, não tendo prestado para o adimplir, repetir. Mas, se o moral, que admitia, não existia, o erro é quanto dever pode, dever a ele,e cabe a condictio. O que pagou divida de jogo também não pode repetir, pois só faltam a pretensão e a ação (ajiter, se a divida existia), ainda se o solvente (e. g., o herdeiro) pagou a divida, ignorando que fosse de jogo (o erro, ai, não é sObre existir divida, e sim sobre existir pretensão ou ação). O erro, a que se refere o art. 965, é o Erro sobre a divida. Por isso, não se repete o que se pagou por divida prescrita. A concordata concursal estabelece a pretensão do credor quanto à sua quota; quanto

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ao resto, a pretensão extingue-se. O fato parece-se com o da partilha dos bens comuns. O dever moral não persiste quanto a esse resto, nem o art. 970 do Código Civil é invocável. Nenhum dever jurídico subsiste, nenhum direito; ainda que mutilados (HANS REICHEL, Die Schuldmitllbernahme, 547). 5.“ CAUSAM DÂTORUM”. Se o que solveu conhecia a inexistência da divida, ou a nulidade do ato jurídico, de que ela derivaria, não há a condictio ind.ebiti; mas pode dar-se que outra condictio exista, e. -g., a cotidictio ob causam datorum. O que presta, sabendo ser nulo, por defeito de forma, o negócio jurídico, mas na esperança da contraprestação (por exemplo, comprou por escrito particular bem imóvel de valor superior a dez mil cruzeiros e pagou o preço, confiando em que o vendedor assinaria a escritura pública), pode repetir (HANS REICHEL, Zur Behandlung formnichtiger Verpflichtungsgeschãfte, Archiv fiir die civilistiscke Praxis, 104, 27 s.). Se alguém, que não estava obrigado, ou não tinha o dever, paga a divida de outrem, para liberar coisa sua, e o direito de garantia não existia, pode repetir o que pagou, se ignorava que o direito de garantia não existia. Se, porém, cria estar no dever de pagar, perante o devedor, não pode repetir do credor: o que o credor recebeu lhe era devido. 1 6.CONTEÚDO DO ART 969 DO CÓDIGO CIVIL. Pode acontecer que C, credor de A, haja recebido de B pagamento por conta da divida, e, crendo C que B pagara em nome de A, haja inutilizado o titulo, tenha deixado prescrever a ação de cobrança, ou aberto mão das garantias que havia (penhor,f 3.136. “CONDICTIO INDEBITI” caução, fiança, hipoteca, anticrese), Inclusive das medidas decretadas por juiz (penhora, arresto, seqüestro ). B poderia, em certos casos, ter ação contra C; o Código Civil pré-exclui a pretensão, se uma das três espécies ocorre <inutilização do titulo, inclusive remissão de divida a E, prescrição e extinção das garantias>. Le-se no Código Civil, art. 969: “Fica isento de restituir pagamento indevido aquele que, recebendo-o, inutilizou o titulo, deixou prescrever a ação ou abriu mão das garantias que asseguravam seu direito; mas o que pagou dispõe de ação regressiva contra o verdadeiro devedor e seu fiador”. Na L. 19, § 1, D., de condictione indebiti, 12, 6 (POMPONIO), está a regra geral da repetição; os sistemas jurídicos corrigiram a injustiça, nas três espécies, ou em duas ou em só uma (prescrição). No Código Civil francês, art 1.377, alínea 2.¶ que vem após a regra geral da repetibilidade, foi dito: “Néanmoins cesse dans le cas ot le créancier a supprimé son titre par suite du paiement, sauf le recours de celui qui a payé contre le veritable débiteur”. A própria ação contra o que era devedor somente se confere se o que pagou estava em Erro. No Código Civil argentino, art. 785, diz-se o mesmo. A ação “regressiva”, a que se refere o art. 969 do Código Civil brasileiro, nada tem de constante. É a ação do gestor de negócios, ou a de enriquecimento injustificado, que supõe erro do solvente. Aliás, o comentário de CLÓ’VIS BEVILÁQUA (Código Civil contentado, IV, 129) é de todo absurdo: “ação regressiva”; “não fica o devedor desobrigado” (1); “é um terceiro interessado, que paga a divida em seu próprio nome”. Ação cabível é a que tem o gestor de negócios para se satisfazer do sacrifício em desembolsar para o dono do negócio. O pressuposto necessário é a intenção de administrar o negócio alheio (animus reegotia gerendi). Se o que solveu o débito alheio cria, erradamente, ser divida sua, ou o fez por ser devido por outrem mas ter de solver pelo devedor, não há ação de regresso, e sim ação de enriquecimento injustificado. Exatamente assim é na espécie do art. 969, in tine, o que afeia o Código Civil. O art. 969 do Código Civil precisa que lhe dê toda explicitude. Temos de lê-lo como se lá estivesse escrito: (a) Se quem recebeu de outrem que o devedor teria de restituir, mas acontece que destruiu o titulo com que poderia exigir o adimplemento

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ao verdadeiro devedor, fica incólume à ação de repetição. (14 Se quem recebeu de outrem que o devedor teria de restituir, mas acontece que prescreveu a pretensão contra o verdadeiro devedor, fica incólume à ação de repetição. (e) Se quem recebeu de outrem que o devedor teria de restituir, mas acontece que abriu mão das garantias que asseguravam seu direito (e. g., entregara o penhor ao empenhante, acordara no cancelamento da anticrese ou do penhor, ou desonerara o fiador), fica incólume à ação de repetição. Nas espécies (a) e (14, a ação de repetição é contra o verdadeiro devedor, que, indiscutivelmente, foi quem se enriqueceu injustamente; na espécie (c), contra o devedor e contra o fiador desse, segundo os princípios. § 3.137. (11) “Condictio oh causam finitam” 1.CAUSA QUE EXISTIU E ACABOU. Se existiu causa e acabou, o que se prestou, posteriormente a ter-se findado a causa, foi o atribuído sem dever do atribuinte. Por exemplo, pedida a resolução ou a resilição do contrato bilateral com base no art. 1.092, parágrafo único (inadimplemento), o que se prestou, por erro, antes da data da resolução ou da resilição; não o que se prestou antes da eficácia resilitiva, porque isso não se restitui. Se sobrevém resolução ou resilição do contrato bilateral, como se uma das prestações se tornou impossível, ou se houve revogação da doação, e o que recebeu tem a coisa, cabe a restituição, não só pela condictio oh causam Imitam, mas também pela obrigação de se restituir o que se recebeu, não só aquilo com que se enriqueceu o receptor. (Tão pouco se confunda com a restituição em caso de evicção, ou com a que se baseia em promessa de reembolso, ou em negócio jurídico fiduciário.) § 5.187. “CONDICTIO OH CAUSAM FINITAM Se A podia pedir a resolução ou a resilição do negócio jurídico, sem ser por culpa do outro figurante, e não o fez, senão muito mais tarde, o que B tem de restituir se rege pelos princípios que regem a resolução ou a resilição, mas a responsabilidade no tempo que correu depois do nascimento do direito., de resolução, ou de resilição, é conforme os princípios do enriquecimento injustificado. Isso não quer dizer que não possa haver concorrência de pretensões , assunto de que tratamos no Tomo XXV. Também pode dar-se repetição oh causam finitam se houve distrato (contrarius consensus>, e a espécie não se confunde com a da resolução, ou da resilição, o que mostramos ao tratar do distrato. Se o que prestou não sabia que, com o negócio jurídico, ofenderia à lei, ou à moral, pode repetir. Se o que prestou sabia disso, ou efetuou a prestação com aquele motivo, não pode repetir: não lhe nasceu a condictio oh causam futuram. (“Com o negócio jurídico”, dissemos. A ignorância do direito no tocante á ilicitude do fim, ou da imoralidade do fim, ou da vedação legal do fim, é inoperante, O ad. 971 do Código Civil incide. Outra coisa é a ignorância de que, figurando em negócio jurídico, se tomava parte em negócio com fim ilícito, imoral ou proibido por lei. Por exemplo: convidou A a B para alugar dois caminhões de C e mandar buscar certa carga, que em verdade era contrabando de C, em conluio com A; E pagou a metade do aluguer e pode repeti-lo, porque B ignorava a finalidade do negócio jurídico.) O ad. 971 do Código Civil será exposto a seu tempo. 2.ERRO E “CONDICTTO”. À diferença da condictio mdchiti, a repetição pela eortdictio oh causam futuram, ou pela condictio oh causam non secutam, não tem como pressuposto necessário o erro do que enriquece a outrem. Se os dois figurantes tinham a causa fritura como irrealizável, houve simulação, inocente ou nociva. Se só um deles a tinha como irrealizável, há a repetição. Mas, se apenas duvidaram os dois, é de pensar-se, de ordinário, em negócio jurídico condicional.

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Cumpre observar-se a respeito do pressuposto do erro: a)O pressuposto do erro é necessário se o adimplemento foi sem constrangimento ou constrição (= voluntário, no sentido que se lhe dá no art. 965 do Código Civil>. b)Se houve constrangimento ou constrição, não há pensar-se em pressuposto do Erro. O constrangido ou constrito pode repetir, ainda quando, no momento do constrangimento ou da contrição, sabia não ter de adimplir. Nas circunstancias ordinária., pode ou deve revelar que o faz com protesto ou objeção ou exceção. Mas espécies há em que não se precisa de qualquer manifestação de conhecimento ou de vontade em sentido contrário. § 3.138. (III) “Condictio ob causam non secutam” ou “condictio causa data causa non secuta” 1O ato jurídico teve causa, mas, por falta de elemento subjetivo ou objetivo, que torna deficiente o suporte táctico, a determinação da causa é atingida. Por exemplo: A troca com B a casa a pela casa mas verifica-se que B é incapaz e nula a troca (ou anulada, se sobrevém sentença transita em julgado>; a decretação da nulidade (ou a anulação) mutila o acordo sabre a causa credendi, ou causa acquirendi. Dá se o mesmo se o incapaz presta soltendi causa, ou recebe solvendi causa (cf. Código Civil, ad. 936). Se não se perfez o acordo sobre a causa, causa não há: e. g., se o donatário não aceita a doação (arte. 1.165 e 1.166), a atribuição patrimonial foi sem causa; o banco, que recebe dinheiro, sem que haja conta aberta em nome do que o envia <se há, presume-se para depósito), ainda que haja título a pagar não vencido, recebe sem causa, porque não se sabe se foi para ser depositado (causa credendi), ou para ser reservado ao paga.. mento (causa solvendi). Se vencido o titulo, presume-se para solução. Enquanto não se determina a causa, pode ser repetido. A doação feita para futuro casamento, se Case não se realiza, fica sem causa (ad. 1.173). Cumpre sempre advertir que a ação de enriquecimento injustificado pode concorrer com a ação adequada ao negócio jurídico, concernente à restituição. Se há revogação da doação, à ação é cumulada a de restituição; mas isso não pré-exclui a ação por enriquecimento injustificado. 2.RESULTADO QUE SE NÃO REALIZOU E “CONDICTIO’~ A condição por falta de resultado é a que protege o que esperou, com a prestação, resultado que não se realizou. (1) esse resultado é, quase sempre, ato do que recebe. Porém nem todo falhar do resultado dá a condictio. No direito contemporâneo, especialmente brasileiro, não há a condictio peculiar aos contratos inominados, que, em direito romano, só vinculavam com a prestação, de modo que o adimplente podia repetir enquanto não recebesse a contraprestação. O negócio jurídico, por si só, vincula; e gera a ação para adimplemento (Código Civil, arte. 1.056.1.058). A condição ocorre, de regra, se ação para adimplemento não pode ser exercida, porque não existe, na espécie. Por exemplo: a) A entrega a B o recibo, esperando pagamento, e B fica com o recibo sem pagar; b) A entrega recibos para prestações espaçadas, que não se realizam, ou só se realizam em parte; o) A entrega a B letra de câmbio, ou nota para saldar dívida futura ou parte de alguma divida; d) em caso de remessa de mercadorias, com a esperança de que seriam compradas; ou e) de doação ou deixa testamentária modal. (2) O resultado, que se espera, pode não ser ato do que recebe, ou não somente dele. Por exemplo: doação entre noivos (Código Civil, ad. 812), ou em contemplação da casamento futuro (ad. 1.178). 3.CONTEÚDO DO ATO E FIM. O fim tem de ser fixado no conteúdo do ato jurídico. £ preciso que tenha havido o acordo, se bilateral o ato jurídico; ou a o unilateral, se unilateral o ato jurídico. Não basta o motivo, que não se fez conteúdo.

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4.FALHA DO FIM. O fim tem de haver falhado. Se não falhou, seria inadmissível pensar-se em condictio. Falha o resultado, ou por se não haver produzido, ou por se ter tornado impossível a sua produção. Se A recebera z para distribuir por seus colegas de estudos de medicina, quando tivesse vinte e três anos, e A morre (HANS REICHEL, Rechtskratt und ungerechtfertigte Rereicherung, 58), ou deixa, antes dos vinte e três anos, de estudar medicina, cabe a condictio causa data causa non secuta. A impossibilidade temporária não dá a condictio. Se após a repetição se prova ser possível, há a repetição inversa do repetido, se a que reentregara errou, ou se há de pedir do julgado que condenou, com fundamento no art. 798,II.do Código de Processo Civil, se é o caso. Aqui surge, no direito brasileiro, questão extremamente grave. Obteve B sentença, contra C, para repetição por enriquecimento injustificado de quantia, que pagara, por ter sida julgado, em ação rescisória de sentença que decidira ser improcedente a ação contra O, que o recibo que lhe fora apresentado por C, como se fosse assinado por A, seu credor, era falso. Provou-se, depois, que A estava comunado com D, que falsificara, em verdade, a firma de A, deixando indícios fortes de ter sido C o falsificador e A confiara a C a apresentação do recibo. Tem C ação de rescisão da sentença que se proferira na ação rescisória, em que fora condenado a restituir o que deveras não recebera, dentro do prazo prechisivo de cinco anos, contados do trAnsito do julgado na ação rescisória em que fora réu. Pergunta-se: tem O, antes e após a expiração desse prazo, a ação de repetição por enriquecimento injustíficado? A ato de repetição par enriquecimento injustíficado não poderia ir contra res judjeata da sentença na ação rescisória contra C se expirado o prazo preclusivo para a a$o re8cisdria da sentença proferida em ação rescisória. Dai ter de ser afastada, se extinto o prazo. Antes da preclusão, seria possível a ação rescisória da sentença proferida na ação rescisória em que se afirmou a falsidade por ato C, com o pedido de restituição, ou, se C preterisse, com a cumulação da ação de repetição par enriquecimento injustificado. Isso não quer dizer que haja óbice em ir O contra D e contra A, verdadeiros autores da falsidade, com a ação de enriquecimento injustificado, porque entre eles (ou se entre eles) não houve coisa julgada da sentença proferida na ação rescisória. Aliás, tem C a ação de indenização por ato ilícito contra eles. 5.CASOS EM QUE NÃO A “OONDICTIO OR CAUSAM DATO-RUM”. NÃO há a condietio oh causam datorun: a) se o resultado foi impossível desde o inicio, e conhecia isso o que prestou; 14 se o resultado só transitoriamente é impossível; c) se o que prestou foi quem impediu o resultado (cp. Código Civil, art. 120, alinea 2.); d) se a disposição no modo, entre vivos, ou a causa de morte, não é para se inverter no adimplemento do modo o recebido, ou quando, se tratasse de negócio jurídico bilateral, fio haveria razão para se resolver. PROVA. Â prova, na condictio ob causam datorum, não foi regulada pelo Código Civil, porque o Código Civil, art. 965, somente se refere ao anus de quem prestou o indebitum. Ora, o enriquecimento injustificado de quem é condicionado ob causam datorum não é o de quem recebeu o indevido. Deixou-se à doutrina a questão; e essa não foi, nem é, acorde. Afastemos o trata dos pressupostos da prestação e do resultado esperado (que se não realizou), porque Bases, evidentemente, têm de ser afirmados e provados pelo demandante. A divergência começa quanta à prova do fracasso do resultado:cabe ao demandante, dizem uns (A. ERXLEREN, Die condictiones ame causa, 499; H. Wrrn, Die Bereioherungskia,gen, 169 s.;G.PLÂNCK, Kommentar, II, 4.’ ed., 938; Fa. LEONHÂRr, Die Beweielaat, 402; E, VO~ MAU, Der Bereiekrungaana-prueh, 698 a.>, provar a falha do que se esperava; a demandado, redargoem outros (A. W.

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HErrrn, em A. D. WEDU, Uber die VerbindJiehkeit ar BeweiafUhr’sng, 23>7; a WINDSCKEm, Die Lekre ás rdmiaoken Redita von der Vorauasetzurg, 189 ~.; 3. MÁXEN, Uber Beweialoet, Einreden und ExcepUonen, 254). A favor dos que atribuem ao demandante o ônus da prova e argumenta de que diz afirma a prestação, ter havido a esperança do resultado e não ter ocorrido se: o demandado recebeu, pode confirmar que o resultado de esperar-se foi aquele que diz o demandante, porém não tem interesse, nem necessário conhecimento de que tenha falhado. Além disso, tem-se a analogia com a condictio indebiti, a respeito da qual há, no art. 965, regra jurídica explicita. A favor dos que atribuem ao demandado a ônus da prova está o argumento de que a afirmativa da prestação e a esperança do resultado é o demandante que tem de provar, mas o demandado, que recebeu, com a ligação ao futuro resultado, é que tem de provar que Case se obteve. Inclusive pode ser ato ou omissão sua o resultado. Não há dúvida que o demandante tem de afirmar e provar que houve o acordo sobre o resultado, mesmo porque não basta a ciência do demandado quanto à finalidade que o demandante esperava e é difícil ocorrer o acordo tácito. Assente que foi acordada a esperança do resultado, argúi o demandante que o resultado não se produziu e, por isso, quis repetir a prestação. Não se trata de afirmação da pré-exclusão da pretendo por enriquecimento injustificado (e. g., impossibilidade desde o inicio, má fé por parte do próprio demandante no impedir o resultado, não cabimento da injustificação do enriquecimento), cuja prova incumbe ao demandado; e sim da afirmação da própria existência da pretensão por enriquecimento injustificado. Mas da causa twn secuta é que nasce a pretensão. Por onde se vê quão difícil é o problema. Certamente, houve tentativas de soluções intermédias (e. g., H. FíniNG, Dia Grundlaoen der Btweislast, 54, que trouxe à balha a distinção entre resultado consistente em fato positivo e resultado consistente em fato negativo, incumbindo a prova, ali, ao demandado, e, aqui, ao demandante). Porém não lograram acolhida. Se o fato estranho ao demandado se produziu, o demandante tem pretensão; se não se produziu, não na tem. Se a divergência é quanto a ter-se produzido, claro que ao demandante incumbe a prova; se quanto à ligação entre ele e o nascimento da pretensão, também a ele incumbe. Tratando-se de ato ou omissão do demandado, ou dele e de outrem, dir-se-á, a prova incumbe-lhe: quem pleiteia a repetição, por se não ter realizado o casamento do donatário, afirma a irrealização; ao donatário provar que se realizou; se o pleito é quanto à pretensão, por enriquecimento injustificado por se não ter omitido algo, afirma-se que se praticou o ato, ou que ocorreu o fato que não se esperava: se o ato é do demandado, ou dele e de outrem, não importa, o ônus incumbe ao demandado. Na L. 1, § 3, D., de condictione sine causa, 12, 7, o próprio ULPIANO diz: “Constat id demum posse condici alicui, quod vel non ex justa causa ad eum pervenit vel redit ad non iustam causam”. E o erro está na L. 1, pr., D., de condictione causa data causa non secuta, 12, 4: “Si ob rem non inhonestam data sit pecunia, ut filius emanciparetur vel servus manumitteretur vel a lite discedatur, causa secuta repetitio cessat”. Sem razão: a pretensão por enriquecimento injustificado nasce com a falha do resultado (L. 19, pr., D., de rebus creditis, si certum petetur et de condictione, 12, 1, e L. 58, pr., D., de solutionibus et liberationibus, 46, 8): antes, não há dever,nem direito de repetição, o que bem resulta da L. 1, 5 3, D., de condictione sina causa, 12, 7. Na L. 1, pr., D., de condictione causa data causa non secuta, 12, 4, ULPIANO fala de cessar a repetição, se a causa se realiza; e na L. 8, 5 8, citando a PNOCULO, insiste. Defeito de expressão de ULPIANO, que se há de pôr de lado, como se pôs de lado a desabusada generalização da L. 14, D., de coredictione indebiti, 12, 6 (POMPÔNIO), e da L. 206, D., de diversis regulis juris antiqzd, 50, 17; tem-se de atender à L. 1, § 3, D., de condietione sino causa, 12, 7, e não à L. 1, pr., D., de condictione causa data causa nore secuta, 12, 4. O direito moderno já não precisa da revogação (e conseqüente repetição) para os

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negócios jurídicos, em que ainda não houve a contraprestação; tem-se a ação para adimplemento. Na ação para adimplemento, a regra jurídica sobre o ônus da prova é diferente daquela que se há de formular para a ação por enriquecimento injustificado, que somente nasce com a irrealização do resultado (causa nore secuta). O demandante tem o ônus de provar que o resultado, que se esperava, não ocorreu. É de repelir-se o argumento de que a aquisição é provisioramente injustificada e, por isso, nasce ao demandante o crédito, de modo que a prova do fato extintivo incumbe ao demandado. Antes de se dar esse fato que é criativo, e não extintivo - não há pretensão por enriquecimento injustificado: o que recebeu, recebeu justificadamente; se assim não fosse, a condição seria irtdebiti, e não causa non secuta. § 3.139. (IV) “Condietio oh turpem vel iniustam causam” 1.CONCEITO. Se a atribuição patrimonial foi para se obter fim ilícito, imoral, ou proibido por lei (Código Civil, art. 971), não há as condictiones. Se a contraprestação é que foi para obter fim ilícito, imoral, ou proibido por lei, o que prestou pode, alegando a nulidade (art. 145, II, 1a parte), repetir, com a condictio ob tzcr-pem causam. É preciso que o que deu ignorasse a torpeza, ou a injustiça (arts. 965, verbo “Erro”, e 971: “Não terá direito a repetição aquele que deu alguma coisa para obter fim ilícito, imoral, ou proibido por lei”, regra jurídica que se deve ler como pré-excludente, e não como exceção ao art. 964; cf. CORREIA TELES, Doutrina das Ações, § 247, 258: “... se Pedro deu dinheiro à meretriz para ela lhe ceder o uso do seu corpo. Mas, se dei dinheiro ao para me declarar onde estão as coisas que me roubaram, posso repeti-lo, pois espontaneamente devia declarar. Não assim, se dei dinheiro a diversa pessoa que não concorreu para o roubo, a fim de diligenciar o descobrimento do furto”). O assunto tem importância no tocante a problemas de cobranças ou ameaças de inquérito policial ou de pena ou multa por autoridades públicas. Se a atividade dessas seria ilegal ou injusta e só ocorreu a imposição ou a ameaça para se extorquir, o que a vítima prestou para afastar o incômodo não é ilícito. Não é ilícito o que se presta para afastar o ilícito. O art. 971 cria situações surpreendentes: se o cônjuge adúltero, ou o cúmplice, deu dinheiro ao cônjuge inocente, para que não o acusasse de adultério, ou não aludisse ao fato, não tem pretensão, pelo enriquecimento Injustificado; o cônjuge adúltero, ou seu cúmplice, prometeu dar, não lixo pode pedir o cônjuge Inocente, pela ilicitude da promessa CL. 4, pr., e L. 8, de condlettoue oh turpem veZ in~uatam causa~ 12, 5; ( Doutrina das Ações , § 249, 254). Quando a divida tem causa torpe, ou injusta, também na tem a promessa de fiança, ou de outra garantia, ou a pr6prla fiança, ou outra garantia. 2.NULIDADE DO NEGÓCIO . E CONDIÇÃO. Se houve violação da lei (art. 145, 1kV), causando nulidade, ou por ilicitude (art. 145, II), ou por infração de regra jurídica sobre forma ou hindu (art. 145, III-V), cabe a condiotio oh turpem rei iniustara oausa’nt Não se deve considerar tal espécie como incluída na condictio indebiti, como fêz A. VOM TURI (Der Aligemeine TeCi, III, 97); primeiro, porque o direito romano, a que se deve verdadeira obra de arte na sistemática das condictioiws, a considerou à parte; segundo, porque os atos jurídicos, em tal espécie, entram, conforme o direito de hoje, no mundo jurídico, posto que nulos. Quanto à atribuição patrimonial, em que a causa é sacrificada pela impossibilidade da contraprestação (art. 145, II, 2.’ parte), a condictio, no direito brasileiro, seria ob causam nos secutam, mas em verdade há a restituição do recebido, sem ser pelo fato do enriquecimento Injustificado. Se o que recebe infringe, recebendo, regra jurídica cogente, há a condictio oh iniustam causam; se, recebendo, pratica ilicitude, há a condictio oh turvem oauaam.

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O tempo, em que a causa Ilícita ocorreu, ou o resultado futuro Ilícito, há de ocorrer, não importa: a causa, por que se presta, pode ser pretérita, presente, ou futura. Se o negócio jurídico é causal, não é, de regra, necessária a condictio: o negócio jurídico é nulo, e não se produziu, juridicamente, qualquer mudança no mundo jurídico, no tocante a efeitos, vai-se buscar o bem móvel, de que se dispôs nulamente, porque há a restituição. Se o negócio jurídico é abstrato, há mudança no mundo jurídico quanto a efeitos (o negócio jurídico vale e é eficaz), ainda que não tenha sido válido o negócio jurídico causal. Por isso mesmo, tem-se de lançar mão da condictio: é o caso dos títulos cambiários e do que transfere o imóvel como vendido, se o contrato é para a compradora viver em companhia do vendedor, como amantes, desconhecendo o autor os fatos dos quais resulta a ilicitude, ou imoralidade. Se o que prestou tinha por fito algum fim ilícito, ou imoral, ou se, com o fim, infringiu a lei, ou fraudou a lei, não tem pretensão por enriquecimento injustificado. Diz o Código Civil, art. 971: “Não terá direito à repetição aquele que deu alguma coisa para obter fim ilícito, imoral, ou proibido por lei”. Se outro figurante cumpriu a promessa-fim, não há condictio: cada um fica com o que tem consigo (Is pari causa tur-pitudinis melior est condicio possidentis). O art. 9’71, negando a condictio ao que algo deu, para obter fim ilícito, imoral, ou proibido por lei, estabelece, se os dois figurantes estão em igual situação, que aquele que recebeu pode negar-se a contra prestar, sem ser obrigado a restituir. Diz-se que o que primeiro prestou obrou a seu próprio risco. Assim, se B compra a A o bordel, ou a fábrica de moeda falsa, o negócio é nulo, mas B adquire a propriedade do imóvel <Código Civil, art. 530, 1). Se o preço ainda não foi pago, ou se só o foi em parte, B não tem ação para haver o preço, nem a de enriquecimento injustificado (art. 971). Pretendeu L. ENNZCCERUS (Lehrbuch, II, § 446) obviar aos inconvenientes da regra jurídica do art. 971 (Código Civil alemão, § 817, 2.’ parte), com a exceptio dou general is ; e lá se ia o In pari turpitudine melior est causa possidentis. Em verdade, se o negócio jurídico é abstrato e não pode vir à tona o negócio jurídico causal, com a sua nulidade, não há outra solução, salvo reformando-se o art. 971. Se o negócio jurídico abstrato é nulo, então não há obstáculo: a propriedade não se transferiu, e o art. 971 não nega direito a quem tem; nega que se crie a pretensão por enriquecimento injustificado. 3.PLURALIDADE DE BENEFICIADOS. Se a prestação foi uma só e os atribuídos duas ou mais pessoas, faltando a causa quanto a uma, ou algumas delas, a condictio só existe contra as pessoas a respeito das quais falta a causa. Cumpre, portanto, ver-se cada uma das relações de atribuição para se saber onde há o défice causal. a) Se A envia ordem de pagamento, por intermédio do banco B, a favor de O, D e E, que deveriam ter executado, em conjunto, obras na casa de campo de A, ignorando que E não tivesse cumprido a sua parte no contrato, A somente tem a condictio undebiti contra E. Se a ordem foi para pagar a C e D, e o banco pagou aos três, o banco tem a condietio undebiti contra E. b) Se A promete a E prestação a favor de C, e é indevido o pagamento a C, ou a doação a C, ou o mútuo, ou outro ato jurídico credendt causa, tem A a condictio contra C. Se A não tem fundos no banco B, B tem condictio contra A e A contra C, se falta a causa (entendia, sem razão, K. HELLWIG, Die Vertrdge auf Leistung ala Driete, 275 e 328, que B teria condictio contra A e contra C; e G. PLANa, Koinrnentar, 1, 4.’ ed., 418 s., que excluía toda pretensão repetitiva de B, ainda que o negócio jurídico outorgue direitos a CL 4.PRESTAÇÃO “CONDICIONIS IMPLENDAE CAUSA”. Se a prestação foi feita condicionis implendae causa e faltou causa à atribuição condicional, ~ pode ser repetida? Concretamente:A atribuiu a casa a B, entre vivos, ou a causa de morte, sob a condição de B pagar a divida de C a D; ocorre que C não devia a D, segundo sentença trAnsita em julgado. Tem B condictio contra D. Se a causa entre A e B foi donandi, nada pode contra A, ou sua sucessão, B, ainda que se trate de disposição de

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última vontade cuja nulidade ou anulação foi decretada após o cumprimento da condição (cf. E. JUNO, Die Rereicherungs assyrilche, § 15; A. SCHÕNINGEB, Die Leistungsgeschttfte, 108; FE. HAYMÂNN, Grenzziehung, Jherings .Tahrbilcher, 56, 98; A.VON TUHR, Der Áligemeune TeCi, III, 101 a.). 5.NEGÓCIO JURÍDICO DECLARATÓRIO E CONDIÇÃO. Ao negócio jurídico declaratório não se refere o Código Civil, art. 964, porque nada recebeu aquele a favor de quem se declarou, senão a eliminação da incerteza. O negócio jurídico declarado continua subordinado ao art. 964, porque o reconhecimento <negócio jurídico declaratório) ou outro ato jurídico declarativo é causal. § 3140. CV) Condição por disposição sem direito, ou sem poder de dispor 1.Disposição SEM DIREITO OU SEM PODER DE DISPOR. A condictio assume, no direito contemporâneo, importância maior, porque a vida criou muitas espécies em que o ato de disposição sem direito ~ eficaz: a) se o que consta, como dono, do registro de imóveis, dispõe do imóvel, o adquirente consegue a transcrição (Código Civil, art. 530, 1); b) o que adquire, em leilão público, feira ou mercado, de quem não era o dono da coisa, é dono; c) o portador do titulo cambiário, adquirindo-o de boa fé, é incólume aos negócios subjacentes anteriores. Além dessas espécies, se d) o lesado vai eficacizar a disposição, a repetição é oh iniustam causam (e. g., se o que foi roubado, pede ao adquirente da coisa a contraprestação). O que dispôs sem direito a isso tem o dever de restituir o que recebeu com a disposição sem direito, quer se trate do preço, quer de qualquer contraprestação, inclusive se trata de execução de bens que não pertenciam ao executado, O adquirente está livre, porque a atribuição patrimonial, que lhe foi feita, teve causa, salvo se de má fá, ou se adquiriu a titulo gratuito. Posto que, no Código Civil, o art. 968 e o parágrafo único somente se refiram a bem imóvel, exatamente para pôr claro que, a despeito do art. 530, 1, o enriquecimento do adquirente de má fé, ou a titulo gratuito, é injustificado, dizem eles, na espécie, o que se há de entender a respeito de qualquer enriquecimento por aquisição a não-dono, ou pessoa sem poder de dispor. O que executar os bens de outrem, como se fossem do devedor, tem de restituir o preço, que foi obtido, mesmo em praça pública, se o dono desconheceu a execução; não pode o executante alegar que obteve mais do que o valor CG. PLANCK, Kommsntar, IV, 946). Se o dono usou dos embargos de terceiro, não mais pode pedir repetição; Idem, se foi citado ou Intimado, a tempo de embargar, e não embargou. Deve-se ter sempre em vista que o art. 968 e parágrafo único (e sua generalização) somente concernem às disposições que têm eficácia real, porque se trata de regra jurídica criada para se evitarem conseqüências , lógicas mas nocivas e, pois, desaconselhadas, das regras jurídicas protetoras do tráfico, como o art. 580, 1. Supõe -se que a prestação foi feita a um não-titular (o art. 968 só aludiu à condietio undebiti, e não à condictio ob iniustam causam, nem à condictio por disposição sem direito, mas a razão da lei é geral), eficazmente; de modo que o obrigado à restituição do preço é o disponente, e não o adquirente, salvo se adquire a titulo gratuito, ou de má fé. 2.LIBERAÇÃO DO DEVEDOR ADIMPLENTE A TERCEIRO Pelos mesmos fundamentos, sempre que o devedor se libera com o prestar a quem acreditava fosse o credor, sendo admissível supô-lo, por desconhecer a situação de fato, há a repetição pelo credor verdadeiro contra a pessoa que recebeu (Código Civil, art. 985); e. g.: devedor que paga ao credor primitivo, ignorando a cessão (arts. 1.069 e 1.071), ou a transferência legal do crédito; pagamento dos alugueres ao locador originário, por ignorar o locatário a alienação do Imóvel, ou ao usufrutuário, ou ao administrador de bens alheios, ou ao fiduciário, a quem antes pagava; prestação a quem erradamente se indicou na notificação da cesso

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(arts. 1.069 e 1.071>, ou da alienação do imóvel locado, ou de mudança de titular do direito aos alugueres, ou representante desse; prestação ao sócio que se retirou, se ainda não se procedeu ao registro; pagamento ao portador de título que não podia dispor; prestação de Indenização ao possuidor por destruição ou dano à coisa, se o que presta desconhece a falta de propriedade. § 3.141. EnriquecimentoInjustificado e neg6cios jurídicos abstratos 1. ABSTRAÇÃO E CAUSA. O campo próprio da pretensão por enriquecimento injustificado é o dos negócios jurídicos causais. Mas há tal pretensão surgida por baixo de negócios jurídicos abstratos. Já tivemos ensejo de apontar os principais. Basta que os pressupostos necessários se componham, para que o enriquecimento injustificado, como fato jurídico, irradie direitos, deveres, pretensões, obrigações e ação. O crédito abstrato vale e é eficaz, a despeito da falta de causa e dos vícios de vontade; por isso, em tal espécie, o credor injustificadamente se enriquece: se o credor e o devedor são ligados ao negócio jurídico subjacente, pode esse repetir o que pagou, ou, antes, repetir a promessa abstrata sem causa (condictio liberationis), pela devolução do título (ou amortização, ou por ato à parte, e não de remissão da dívida, como pareceu a A. vow Tuna, Zur Lehre vos den abstrakten Schuldvertrttgen, 7). Seria de discutir-se se há a exceção permanente contra a pretensão derivada do negócio jurídico abstrato, que, independente, subsistiria, ainda depois da prescrição da pretensão pelo enriquecimento injustificado. Mas, teoricamente , não existe, no direito brasileiro, tal exceção, às vezes é a pretensão que se exerce ope exceptionis; prAticamente, só estando a pretensão por enriquecimento injustificado, no direito brasileiro, sujeita a prescrição ordinária, seria sem alcance regra jurídica especial de subsistência da exceção. Sobre condictio e negócios jurídicos abstratos, Tomo XII, §§ 2.723, 2, e 2.765, 2 e 8. Mais pormenorizadamente, ao tratarmos dos títulos cambiários. A exceção por falta de causa, se oponivel ao titular do crédito abstrato, não se extingue enquanto o crédito não sofre prescrição. Se o que apresenta a exceção por enriquecimento injustificado recebeu contraprestação, tem de restitui-la (principio de direito justo). (Quanto As exceções oponiveis ao titular do direito de crédito abstrato, como portador ou endossatário de títulos cambiários, o assunto pertence aos tomos em que trataremos dos negócios jurídicos unilaterais.) § 3.142. INVERSÕES OU GASTOS O crédito abstrato acrescenta algo ao patrimônio do credor. Apenas não se liga a causa. Em si mesmo, foi prestação, se havia dever ou obrigação, anterior, de promessa abstrata (e. g., A e B acordaram em que B pagaria a A em notas promissórias). Ai, a prestação é em crédito, em vez de em coisa, razão por que se pretendeu considerá-la prestação pessoal, junto a essa, que seria chamada prestação real (A. VON TUHR, Zur Lehre von den abstrakten SchuldvertrOgen nach riem .8GB., 6). Aliás, a dação de crédito, em vez de dação da res, não torna diferente, quanto à prestação, o crédito abstrato e o causal: o que foi prestação em crédito foi a prestação do crédito anterior. Tem-se ainda de frisar que o crédito abstrato não é crédito para o qual não tenha havido causa. É crédito em que se abstraiu da causa; por isso, é dito crédito abstrato, e não sem causa. A causa pode ter existido, embora sem se manifestar. Quem entrega nota promissória, ou aceita letra de câmbio, deve ter, para chegar a isso, tomado de empréstimo, ou adimplido algum dever, ou doado, ou ir tomar de empréstimo, ou adimplir algum dever, ou doar. Por conseguinte, se cumpre a promessa abstrata, pode sobrevir ação de enriquecimento injustificado, dado que ocorram os pressupostos.

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2.“DOLO PACIT QUI PETIT QUOD REDDITURUS EST”. Pode nascer ação de enriquecimento injustificado, se não há causa. Se o devedor do crédito abstrato solve a divida oriunda de negócio jurídico (subjacente ou sobrejacente) nulo, ou anulado, ou ineficaz, tem o devedor a ação de enriquecimento injustificado, mas, se ainda não o solveu, tem êle a condictio liberationis (L. 1, pr., D., de condictione sine causa, 12, 7: “Est et haec species condictionis, si quis sine causa promiserit vel si solverit quis indebitum”), pela qual pede a devolução do titulo e ineficacização da promessa abstrata (que A. VON TInIR, Zur Lehre vos den abstrakten Schuldvertrdgen, 7, sem razão, considerava remissão). A condictio, que nasce, é em virtude de principio Dolo facit qui petit quod redditurus est; não é só exceção. A condictio liberationis pode ser posta em ação declarativa negativa da eficácia da promessa abstrata, salvo, se, na espécie, a relação jurídica causal (subjacente ou sobrejacente> não pode vir a exame. Nesses termos, está superada a discussão na doutrina alemã (cp., e. g.: L. BRUrT, Die abstraicte Forderung, 121; K. SCHNEIDER, Treu und Glauben ira Rechte der Sckzddverhdiltnisse, 156). Nos casos em que o devedor pode ir com a ação de enriquecimento injustificado, tem de alegar e provar que o crédito abstrato teria de ter causa e não a teve, produzindo enriquecimento sem causa. Se o crédito abstrato foi para solver divida de objeto ilícito, pode ser exercida a condictio liberationis. Vamos ao exemplo. A subornou a autoridade pública para que não lavrasse o auto de infração e entregou-lhe promissória: não pode A apresentar a condictio liberationis, porque lho veda o art. 971 do Código Civil. Mas, se foi a autoridade pública que lhe extorquiu a nota promissória ameaçando de auto de infração que A não cometera, pode A propor a condictio liberationis, alegando e provando que não cometera a infração, que houve a ameaça e que a nota promissória fora para satisfazer a exigência da autoridade pública. Nada pode fazer A contra o terceiro de boa fé a quem a autoridade haja feito a tradição do titulo, ou haja lançado o endosso , ou contra os posteriores portadores ou endossatários de boa fé. § 3.142. Inversões , ou gastos por outrem, e enriquecimento sem causa, por disposição ou ato de terceiro 1.INVERSÕES E GASTOS POR OUTREM. Se alguém inverte ou faz gastos por outrem, crendo ter o dever de fazê-lo, ou espontaneamente , como gestor de negócios, surge o problema de se saber se, na espécie, cabe a pretensão pelo enriquecimento. Cumpre distinguir: a) a inversão, ou gasto, por ter crido o que inverteu, ou gastou, ter o dever de o fazer (condictio indebiti); 6)a inversão ou gasto, em caso de negotiorum gestio, conforme os arta. 1.839-1.345 do Código Civil, que dão soluções às diferentes espécies; e) a inversão, ou gasto, na coisa que se supunha própria (arts. 516-519, 511, 1.~ parte, e 518, 2~a parte;) o enriquecimento sem causa, por ato de disposição da coisa alheia, que o terceiro adquire (e. g., art. 580, 1), caso em que o dono da coisa tem pretensão pelo enriquecimento injustificado contra o alienante não-dono; e) o enriquecimento sem causa por parte do que executou o possuidor da coisa alheia, caso em que deve o ressarcimento, se não pode restituir a coisa; f) o enriquecimento sem causa, se terceiro, ou o próprio, suscitou aquisição de propriedade, em prejuízo de outrem, caso em que há a pretensão de enriquecimento. 2. CARACTERÍSTICAS DAS ESPECIES. Em nenhuma dessas espécies há atribuição sem causa; mas o sistema jurídico inspira-se no mesmo principio da reparação (justiça comutativa), estabelecendo pretensão pessoal para corrigir-se a injustiça (cf. A. VON TUHR, Zur Lehre voit der ungerechtfertigten Bereicherung, 27). É bom frisar-se: pretensão pessoal, e não real. § 3.143. Conhecimento da falta de justificação

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1.CONHECIMENTO DA INJUSTIFICAÇÃO. A coral ictio indebiti não cabe, se o que prestou indevidamente sabia que o crédito não existia; nem tem a condictio ob causam unitara o que prestou, sabendo que a causa findara; nem cabe a condictio ob causam nem secutam, se o atribuinte sabia que o suporte fático, por deficiência, entraria no mundo jurídico sujeito a não ser inatingida pela deficiência a determinação da causa. Em todas as três espécies, o atribuinte prestou sem causa, sem prejuízo para terceiros. Do art. 965 do Código Civil o que se tira é que são dois os requisites para que haja a repetição: a) não existência da divida; b) erro de quem voluntariamente solveu, ou involuntariedade do adimplemento. É interessante observar-se que o art. 965 do Código Civil dá ao solvens, que adimpliu voluntariamente , o ônus da prova do erro. Isso significa que, no direito brasileiro, não se presume ter havido o erro, como queriam Acúisío, BALDO e HÁRTOLO DE SÀXOFAÃTO, os Pandectistas em geral e o Código Civil alemão, § 814, e era o que resultava dos textos clássicos, salvo na L. 9, § 5, O., de iuris et facti ignorantia, 22, 6, e na L. 70, 1, D., ad senatus consultam Tiebeltianum, 36, 1. A L. 25, pr., D., de probationibus et praesumptionibzw, 22, 8, que é de PAULO, contêm interpolação: “Cum de indebito quaeritur, quis probare debet non fuisse debitum? res ita temperanda est, ut, si quidem Is, qul accepisse dicitur rem vel pecunlam Indebitam, hoc negaverit et Ipse qul dedlt legitimis probationibus solutionem adprobaverlt, sine nua distinetione Ipsum, qul negavlt sese pecuniam accepisse, si vult audiri, compellendum esse ad probationes praestandas, quod pecuniam debitam acceplt: por etenim absurdum est eum, qul ab Initio negavlt pacunlam suscepisse, postquam fuerit convictus eam accepisse, probationem non debiti ab adversario exigire”. Quando, a propósito do Indébito, se pergunta quem deve provar que não foi devido, há de regular-se a questão de modo que, se o que disse ter recebido a coisa ou dinheiro não devido o nega e, igualmente, se o mesmo que o deu provar o pagamento com legitimas provas, o que negou ter recebido o dinheiro deve, sem qualquer distinção, se quer ser ouvido, ser compelido a fazer prova de que recebeu dinheiro que se lhe devia: porque é absurdo que quem em principio negou haver recebido o dinheiro exija do seu adversário, depois de ser convencido de o haver recebido, a prova de que não se lhe devia. Adiante diz-se: “sin vero ab initio confiteatur quidem suscepisse pecunlas, dlcat autem non indebitas ei fuisse solutas, praesumptionem videllcet pro eo esse qul accepit nemo dubitat: qul enim solvlt numquam ita resupinus est, ut facile suas pecunias lactet et indebitas effundat, et maxime si ipse qui indebitas dedisse dicit homo diligens est et studiosus pater familias, culus personam incredibile est ln aliquo facile errasse”. Se, desde o começo, em verdade confessou ter recebido o dinheiro, mas disse que não se lhe pagou dinheiro indevido, ninguém duvida de que a presunção está a favor do receptor: porque o que paga nunca é tão descuidado que com facilidade tire o seu dinheiro e pague o que não deve, ináxime, se o mesmo, que diz ter dado dinheiro não devido, ~ homem diligente e cuidadoso pai de família, a respeito de cuja pessoa é incrível que haja facilmente errado em qualquer coisa. Finalmente: “et ideo eum, qui dicit indebitas solvisse, compelli ad probationes, quod por dolum accipientis vel aliquam iustam ignorantiae causam indebitum ab eo solutum, et nisi hoc ostenderit, nulíam eum repetitionem habere”. Por isso, o que disse que pagou o indevido é compelido às provas de que por dolo do que recebeu, ou por alguma justa causa de ignorância, se solveu o não devido, e, se não o provar, não pode repetir. A alusão a dolo e à justa causa ignorância não cabe em direito brasileiro, O solvente só tem o ônus de provar que errou. O conceito de voluntariedade, no art. 965, é assaz restrito. Voluntário é, para as conseqüências do Código Civil, todo adimplemento que poderia, sem prejuízo para o devedor, deixar de ser feito. Involuntário é todo adimplemento para o qual houve o dilema para o devedor: “ou paga ou sofre prejuízos que somente depois poderão ser

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indenizados ou que nunca o poderão ser”. Dai as referências da jurisprudência a coação~t (ai, = involuntariedade, no sentido em que o art. 965 emprega a palavra “voluntário”). No direito público, quando não é de se exigir o elemento do erro, deve-se evitar alusão à escusabilidade do erro. A distinção entre erro grosseiro e erro leve, ou entre erro crasso ou inescusável e erro escusável, ~de repelir-se, por ser estranha à matéria. Por outro lado, se há a constrição ou o perigo de não adimplir, tanto em direito público quanto em direito privado deixou de ser voluntário o adimplemento. Assim, não andou certa a 1.’ Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 17 de setembro de 1943 (R. doa T., 146, 232), quando, a propósito de repetição de pagamento de impostos ilegais, baralhou os conceitos de “erro escusável” e “temor de exigênCia do Fisco” (certa, a 2.~ Câmara Civil, a 17 de setembro de 1940, >2.dos T., 133, 177). Se o devedor ignorava a alternatividade da obrigação (cria simples, e era alternativa a obrigação), há a condictio (Tomo XXII, § 2.705, 1). Igualmente, se prestou cumulativamente, crendo que não podia prestar a ou b. Tratando-se de condição ob causam non secutam, cumpre observar que, se a ciência do défice de causa a pré-exclui, não é indispensável o erro. Se a condição é ob causam futuram, nio se pode exigir o erro, porque seria esperar-se que alguém se conduzisse como se adivinhava o futuro. 2.PRINCIPIO DO CONHECIMENTO SUPLETIVO. O Código Civil não explicitou o que se contém no principio do conhecimento supletivo, mas disse, em regra jurídica sobre ônus da prova, que supõe o princípio (Código Civil, art. 965): “Ao que voluntariamente pagou o indevido incumbe a prova de te lo feito por Erro”. 9 3.144. Suporte fático do enriquecimento injustificada 1.SUPORTE FÁTICO DO ENRIQUECIMENTO INJUSTIFICADO. No suporte fático do fato jurídico do enriquecimento sem causa há de achar-se: a) a obtenção de algo, com que se aumentou o patrimônio da pessoa, a que o fato se refere; o ter sido a expensas de outrem a obtenção; c) a imediatidade entre a obtenção e a retirada (o deslocamento do bem da vida, ou parte dele, tem de ser imediato). Advirta-se que a expressão irtdebitum solutum tomou extensão que não está na expressão. O indebitum não é toda a fonte do enriquecimento injustificado. Quem presta coisa certa, portanto sem escolher, a despeito de se tratar de divida genérica (L. 32, § 3, D., de condictione indebiti, 12, 6), ou quem presta, por erro, uma coisa por outra (L. 19, 3), não presta o indebitum, rigorosamente. O elemento comum é a inidentidade do que se presta em relação ao objeto da divida, mas a divida pode, nalgumas espécies, existir. A condictio ex lege e a condictio generalis foram bizantinas. Por outro lado, só a condictio ligada a negócio jurídico é clássica; a que se prende a ato-fato jurídico ou a fato jurídico stricto sensu não no é. Cumpre observar que o pressuposto do erro pode ter sido justinianeu, e há quem o sustente, frisando-lhe a origem bizantina. Depois de GEmi. BESELER e SIIIo SoLÀzzI, F. SCHWARZ (Die Grundíage der Condictio im klassischen rõmischen Recht, Forschungen zuni rãmischen Recht, 5. Abh., 17-21 e 65 s.). Entende G. G. ARCHI (Variazioni in tema di “indebiti solutio”, Studi ABANGIO-RUIZ, III, 335 s.) que o haver doação em se solver o indebitum, cientemente, é doutrina clássica, e não bizantina. Quem pagou per errorem tem a condictio; se o fez aciens, houve doação. Mas a contradição estala: quem doa não paga, ainda que preste cientemente. Adimplir o que seria divida não é doar; para que se doe, é preciso que não se deva o que se dá. Na época clínica, recusava-se a condictio em caso de torpezas dos, dois interessados

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(PAPINUNo, na L. 5, D., de condictione sitie causa, 12, 7). A expressão “turpis causa dantis” ou “turpis causa acciplentis” é pós-clássica. Quanto ao fundamento da condictio, tudo 6 obscuro na doutrina clássica. A releváncla da causa dandi é bizantina. Porém .~ não estaria no retinere sitie causa o verdadeiro fundamento? Cf. L. 66, D., de conditione indebiti, 12, 6; L. 11, § 6, D., de actionibua enipti venditi, 19, 1; L. 50, pr., D., de jure dotium, 23, 3; L. 3, § 5, D., de coliatione bonorum, 87, 6. Mostrou U. von Ltlnwow que a referência à equidade (L. 14, D., de condictione indebiti, 12, 6,; L. 6,1 2, D., de <ure dotium, 23, 3; L. 206, D., de diversia regulia iur<s antiqui, 50, 17) é de origem estóica. 2. PRESSUPOSTO). (a) Há de haver plus no patrimônio do que é autor do ato jurídico de enriquecimento, ou, simplesmente, do enriquecimento (fato jurídico), pessoa que é sujeito passivo na relação jurídica que dele resulta. Portanto, algo que resta, se houve gastos e despesas que devam ser descontados <não há a solução a priori, que mande descontar em quaisquer casos, como pareceu a L. ENNECCERUS, Lehrbueh, II, 31.~-35.~ ed., 680, nem que pré-exclua desconto é, como pretenderam K. Scinawn, Bereicherung nach Erftlllung cines nichtigen Vertrages, Jherings .Tahrbilcher, 61, 179, e A. VON TUER, Der Alígemeine TeU, II, 358). Mas é preciso que se atenda a que a desconstituição dá a restituição para se restabelecer o estado anterior, e não só por enriquecimento injustificado. Se o negócio jurídico é nulo, ou anulável, há, na decretação da nulidade, ou da anulação, a afirmação de que o efeito não se produziu (não existia a divida), ou foi desfeito (existia, mas deixou de existir). Há repetibilidade do excesso, se houve erro; mas, ainda sem erro, há a restituição, com o ressarcimento do interesse negativo (Tomo XXII, § 2.705, 1>. Se houve nulidade do contrato, por incapacidade de um dos figurantes, claro que se não há de descontar o prejuízo, que sofreu o que teve negócio jurídico com o incapaz: só restitui o incapaz o que se lhe prestou e o que o beneficiou, a mais, e, ainda, quanto ao que se prestou, na medida em que revertera em proveito Mie (art. 157, contra o qual seria a opinião de L. ENNECCERUS, de se descontar contra o Incapaz o prejuízo que o outro figurante sofreu; certo, A. von TURE, Der Augemaine TeU, II, 358, nota 159, e Zur Lehre voti der ungerechtferi igten Bereichertng, 807, P. OERTMÂNN, Bereicherungsanspruche bel nlchtigen Geschàften, Deutache .Yuriaten-Zeitung, 20, 1063 s.; contra, sem razão, K. MAENNER, Bereicherungaargsprliche, 21, 282 s.). Le-se no Código Civil, art. 157: “Ninguém pode reclamar o que, por uma obrigação anulada, pagou a um incapaz, se não provar que reverteu em proveito dele a Importância paga” (Tomo IV, §§ 410, 2, e 424, 13). Se a nulidade é devida a ilicitude, ou violação de lei, sem que um dos figurantes a causasse, tem lese pretensão a desconto dos prejuízos sofridos; porque o art. 157 só diz respeito à nulidade ou anulação por incapacidade. No caso de vícios, quem há de ressarcir interesse negativo ressarce prejuízo sofrido pelo outro figurante com o adimplemento do ato jurídico anulável, depois anulado. (b) São exemplos de obtenções injustificadamente enriquecentes: a) a aquisição de direito, pretensão, ação, ou exceção (propriedade, ou outro direito real, crédito, direito formativo ou expetativo, direito de preferência, liberação de obrigação ou ônus real, reconhecimento comercial de existência ou inexistência de relação jurídica obrigacional>, e. g., se o que vendeu a coisa, crendo que, por ato entre vivos, ou morti.s causa, se lhe mandara vender, pode exercer a condictio (POMPÔNIO, segundo PAULO, na L. 5, § 1, D., de actionibua empti renditi, 19, 1; sem razão, P. OERTMANN, Die GescMf Isgrundlage, 20; certo, L. ENNECCEEUS, Lehrbuch, II, 680>; b) a obtenção da posse (condictio possessãonis, L. 2, D., de co*. dictione triticiaria, 13, 3; L. 25, § 1, D., de fuflis, 47, 2; L. 4, 5 2, D., de rebus creditis, 12, 1;

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L. 31, § 1, iti une, D., de’positi vel contra, 16, 3), de modo que, por exemplo, se foi nula, ou não existiu, ou foi anulada a transmissão, cabe a condictio (não se trata de recuperar posse, mas de pretensão pessoal pelo enriquecimento sem causa); o) posto que não seja direito subjetivo, o enriquecer-se alguém com a obtenção da possibilidade de dispor do bem, o que pode dar ensejo à condictio como, por exemplo, se alguém de nome A. E., aproveitando-se de estar a seu alcance nota promissória a favor de (outro) A. E., pode descontá-la, ou receber o quanto, ou se o que não está de posse da coisa, mas é servidor da posse (art. 487), a depositar em seu próprio nome, ou se alguém se acha em situação de poder receber o quanto de divida inexatamente cedida; d) o evitar ou poder’ evitar gastos e despesas indispensáveis, tais como se teriam sido feitas despesas (L. 65, § 7, e 26, § 12, D., de condictione indebiti, 12, 6), ou se havia prestado algo diferente (L. 40, § 1, D., 12, 6), ou constituído direito (L. 5, § 1, D., de nu fructu carum rerum, quae uni consumuntur vel minuuntur, 7, 5), ou sofrido gravame (L. 22, § 1, D., de condictiorge indebiti, 12, 6). Se alguém, devido ao fato, deixou de trabalhar, ou pôde consumir coisas alheias, ou delas usar, houve enriquecimento. Não se enriquece o que ainda não cumpriu obrigação, ou não prestou a coisa; e. g.: se o vendedor está em mora, não há condictio para que cumpra o contrato de compra-e-venda (os arts. 1.056-1.058 do Código Civil nada têm com as condictiones), e, se o dono da coisa pode reivindicar, ou pedir indenização, não se trata de condictio (os arte. 524 e 647 nada têm com as condictiones). As circunstâncias podem apenas configurar condictio VOSSCSSZOIUS. Porém isso não autoriza a que se pense, ai, na subsidiariedade da cortdictio <sem razão, R. von MAM, Der Bereicherungsanspr-uch, 356 s.). Para se saber se houve, ou não, enriquecimento injustificado, não importa averiguar-se se prestou tudo que se tinha de prestar, ou parte, ou por conta. Se o enriquecimento consistiu em liberação de divida, o valor da dívida é que se computa como limite (O. WARNEYER, Kommentar, 1, 1277). Se o negócio de execução é nulo, não se enriqueceu, com ele, o que recebeu; a ação, que cabe, é a de restituição, ação real, cumulada à de decretação de nulidade (O. WARNEnz, Kommentar, 1, 1278). 3.TER SIDO O ENRIQUECIMENTO A EXPENSAS DE OUTREM <SEGUNDO PRESSUPOSTO). É preciso que ao enriquecimento de alguém haja correspondido desvantagem de outrem: a) Porque aquele adquire o que o outro perdeu (transmissão de propriedade, remissão de divida, cessão de crédito,emissão de titulo cambiário>, tal como se A, sem causa, solveu a divida de E, ou se o gado A pastou no campo de E (não é preciso ter havido culpa, o que se exigiria parte a Invocação dos arte. 159 e 160, 1, lese a contrario seneu), ou se C obtém a transcrição da aquisição do imóvel, que A lhe vendeu e pertencia a E, ou se A tira edição não-autorizada do livro de E (arte. 669-672); ressarce então o que ganhou, e não só o que o autor teria ganho (L. ENNECCERUS, Lekrbuck, II, 682; a ação do art. 667, §§ 1.0 e 2.0, é de ofensa ao direito ao nome>. O Decreto-lei n. 7.903, de 27 de agosto de 1945 (Código da Propriedade Industrial), art. 189, diz que, “independentemente da ação criminal, o prejudicado poderá intentar ação para proibir ao infrator a prática do ato incriminado, com a cominação de pena pecuniária para o caso de transgressão do preceito”, e acrescenta, no art. 189, parágrafo único, que essa ação pode ser “cumulada com a de perdas e danos pelos prejuízos anteriormente sofridos em virtude da infração”. É de discutir-se se trata de ação de ofensa a propriedade (sem o pressuposto necessário da culpa), se trata de ação dos arts. 159 e 160 (culpa aquiliana), ou se trata de ação de enriquecimento injustificado (também sem o pressuposto necessário de culpa; e sem a equivalência entre dano e ressarcimento, razão por que o autor pode exigir mais do

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que teria ganho, uma vez que vai buscar o que o réu injustificadamente ganhou). A legislação brasileira não funda a ação do art. 189 na culpa: cogita-se, apenas, da ação da ofensa à propriedade industrial. Nem isso exclui a de enriquecimento injustificado, como alguns pretendem. Acima feriu-se ponto que é de todo interesse teórico e prático. O que se presta, em caso de repetição por enriquecimento injustificado, não é o valor do bem ao tempo em que se deu o enriquecimento, é o valor tal qual enriquece o demandado no momento em que se exerce a pretensão. Se o bem, ficando com o demandante, valeria a, mas com o demandado passou a valer a + z, é a + x que se há de prestar, salvo o que pode resultar da incidência no direito brasileiro do art. 966 do Código Civil. b) Porque houve prestação de uma pessoa a outra, ou outra causa de transação (E pagou ao credor de A, enriquece, ou assumiu divida de A; A, dizendo-se meu credor, recebeu de E, o que esse me devia; A consumiu o bem de E, ou o adquiriu por especificação cf. arts. 618 e 014; A obteve a transcrição, no registro de Imoveis, de aquisição do prédio pertencente a E, ou carta de arrematação; A alienou a coisa pertencente a E, e C, a quem alienara, a adquiriu; E reconhece a exIstência ou inexistência de divida, por erro). c)Porque o que sofreu com o enriquecimento injustificado, se Asse não tivesse ocorrido, teria adquirido algum direito, pretensão, ação ou exceção. 4.TER HAVIDO RELAÇÃO IMEDIATA ENTRE O ENRIQUECIDO E O PREJUDICADO (TERCEIRO PRESSUPOSTO). esse requisito tem sido matéria de grandes discussões. Pretendeu-se que o requisito seria de nexo causal (L. ENNECCERUS, Lekrbuch, II, § 218, nas edições anteriores à recomposição de H. LEHMANN), mas Isso reduziria o segundo pressuposto ao de identidade entre pessoa que presta e credor do enriquecimento e entre a pessoa que recebe e o devedor do enriquecimento, o que seria desmentido pelos casos apontados do segundo pressuposto. Não há a exigência de tal identidade. O pressuposto é o de que haja causa comum ao enriquecimento e à perda. Só isso é que se há de entender por imediatidade da relação entre o enriquecido e o prejudicado. Se a divida inexistente foi paga por terceiro, o que pagou é que tem a ação de enriquecimento injustificado, não o devedor; alvo se o pagamento foi em nome desse (art. 930, parágrafo único; O. WARNEYEE, Kommentar, 1, 1276). Isso não quer dizer que o ato de prestar haja de ser do credor do enriquecimento. a>Pode haver representação direta: o pagamento pelo representante, ou ao representante, pode dar ensejo à condictio. b)Pode acontecer que alguém preste em nome próprio, mas por conta alheia, e a presença desse agente não exclui a imediatidade: a atribuição patrimonial, que Me faz, é por conta de outrem; e. g., A presta a C, por delegação de B, ou em virtude de contrato entre A e E a favor de C, ou o se há assinação (E assina a A para que preste, por conta de B, a C, pois há relação entre C e E e entre E e A, porém não entre C e A). Se A presta a O, extinguindo-se a divida de E, sem haver relação de provisão entre E e A, a condictio é contra E, e não contra O. Se E nada devia a O, nem entre B e A qualquer relação de provisão existia, o enriquecimento de O da expensas de A; pois que, com a prestação, nem se enriqueceu E a expensas de O, nem B a expensas de A, diz-se que há imediatidade entre O e E: mas apenas, com isso, se simplificaria o caminho, traçado com a pretensão de E à cessão da condictio de A contra O e exercício dessa condictio contra O (sem essa curva, A. VON TUER, Zur Lebre von der Anweisung, Jherings Jahrbilcker, 48, 50 s., que mudou de opinião, Der Áligemeirte TeU, III, 100, Augemeiner Tal des schweizerischen Obligationenrechts, 1, 1.~ ed., 398, porque a curva é ineliminável, salvo invocação do art. 968, parágrafo único, 1.~ parte, ou regra jurídica que o contenha).

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c) O que recebeu o que lhe era devido não pode ser sujeito passivo da pretensão de enriquecimento: se O se cria, erroneamente , com o dever de prestar a B, por A, a condictio é contra A (sem razão L. ENNECCERUS, Lehrbuch, II, § 441, II, 4 c a, nas edições anteriores à de H. LEHMÂNN). O que edifica em terreno alheio perde a obra; se O o fez em virtude de contrato com outrem, A, sendo o dono do terreno B, não pode O pedir o pagamento a B, mas lez syecialis deu-lhe pedir a entrega do enriquecimento (Código Civil, arts. 547, 1.~ parte, 548 e 549). O art. 549, parágrafo único, admitiu, excepcionalmente, a pretensão de enriquecimento sem a imediatidade: “O proprietário das sementes, plantas ou materiais poderá cobrar do proprietário do solo a indenização devida, quando não puder havê-la do plantador, ou construtor”. Indenização do que enriqueceu a B, e não do que foi utilizado por O. Demais, a pretensão do art. 549, parágrafo único, é subsidiária, à diferença do que ocorre com as outras pretensões de enriquecimento. Se falta a causa, ou não, entre A e C, não importa. d>Se O compra a B, com mandato de A, mas em nome próprio (art. 1.307), a propriedade passa a A, porque tal é o conteúdo da manifestação de vontade de B e C, no acordo; posto que as relações do contrato de compra-e-venda sejam só entre B e C. Se A, no intervalo do mandato e da compra-e-venda, se torna relativamente incapaz e o curador não assente no negócio jurídico, a anulação tem a conseqüência do art. 158. e) posta, E, que, na dimensão econômica, não se enriquece, nem, portanto, se poderia ter, juridicamente, como enriquecido, se não fosse a especialidade da situação perante C, com quem contratou: é o terceiro, ai, quem adquire, e basta qualquer inversão no patrimônio de A, que ordenou, para que se tenha como consumada a aquisição; mas a solução, que se tem de dar, precisa atender a que E contratou com C, independentemente: E tem de responder a C; e, devido à equivalência da função do testa de ferro com a gratuidade da atribuição, também, pelo enriquecimento, A. Tratando-se de enriquecimento injustificado a expensas de A, que ordenou, C, enriquecido, não pode ser demandado por A: contratou com E. Dá-se o mesmo no que concerne a contrato de comissão. 5.DISCUSSÃO EM TORNO DO TERCEIRO PRESSUPOSTO. O requisito da imediatidade da relação tem sido combatido. Alguns querem substitui-lo pelo de nexo causal (L. ENNECCERUe, Lehrbuch, II, § 441, II, 4, da edição anterior à de H. LERMANN; cf. 31.~-35.~ ed., 683, nota 17>; outros o eliminam, completamente, pensando, embora, em duas demandas para as espécies de aquisição sucessiva (duas ou mais aquisições sem causa), como E. NEEENZAI{L (Das Sri ordernis der unmittelbaren Verrniigensverschiebung, 61 s.). 6.FLUO, SE VOLUNTÁRIA A SOLUÇÃO. Diz o Código Civil, art. 965: “Ao que voluntariamente pagou o indevido incumbe a prova de tê-lo feito por erro”. Cumpre advertir-se que o erro sobre a divida, no art. 965, não é erro que pudesse dar ensejo à ajuricidade ou à não..validade; o erro do art. 965 é sobre o motivo jurídico da prestação; não é erro essencial, no sentido do art. 85. A ação, que nasce, é a do enriquecimento injustificado, e não a de inexistência ou a de anulação. Ou o solvente ignora a existência de fato, ou crê na existência de fato que não existe. Por isso, poderia o solvente ignorar que a regra jurídica A apanha os fatos a e a’, e cabe a condietio, ainda se o sistema jurídico veda ignorar a lei. Se não se parar ai, ter-se-á de lançar mão de subterfúgios, que não estão no direito brasileiro; e. g., escusabilidade do erro, indenização pelo solvente do dano que o seu erro de direito causou. A presunção da intenção liberal, que se põe à base da condicio, é chocante. Nas origens, devia estar o ilícito, o delitual. A distinção da tur-pitudo é posterior.

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O Código Civil brasileiro, art. 965, fez bem em rejeitar a presunção da liberalidade, as sutilezas bizantinas da justa causa de ignorar e a exigência da inescusabilidade do erro. Já vimos, antes, que nada se tem de inquirir quanto a ter havido, ou não, erro de direito; só se tem de indagar se não existia o dever, e se o que prestou acreditava na existência dele. O erro sobre o direito seria quanto ao fato jurídico; ora, para o enriquecimento, basta inquirir-se se, no plano da eficiência, o que prestou errou. Não basta a dúvida sobre a existência da divida. Quem, estando em dúvida, pratica o ato, assume o risco; pesou inconvenientes, e decidiu, O que se poderia sugerir seria a reserva; se o credor não recebe o pagamento feito com reserva, ou deposita, ou aguarda a execução satisfatória. Se houve a reserva, a repetição é em virtude da eficácia da reserva, que elimina a assunção do risco de praticar, na dúvida, o ato. Um dos melhores argumentos para que não baste a dúvida se o adimplemento foi voluntário está em que, se dúvida há, o normal é que o devedor, ou o terceiro, interessado ou não, não queira pagar, pois que pode, sem perigo, deixar de fazê-lo. Se perigo há, devido a repercussão de protesto, ou cobrança executiva, ou arresto, ou outra constrição, o que o devedor, ou o terceiro, interessado ou não, tem de alegar e provar é que não foi voluntário o adimplemento: adimplir, por ser constrangido a isso, e não voluntariamente . Se dúvida há sobre a exigência da divida, ou sobre a validade ou eficácia do negócio jurídico de que ela emanaria, ou sobre a existência da fonte não negocial da divida, ou sobre quem seja o credor, ou sabre o quanto da divida, ou sua exigibilidade no momento o que o devedor tem de fazer é deixar de adimplir ou depositar em consignação para adimplemento. A dúvida sobre quem seja o credor, ou sobre quem haja de receber o adimplemento, foi prevista no art. 978, IV, do Código Civil como um dos fundamentos para o depósito em consignação. Bem assim, se há dúvida sobre a existência da própria divida, ou sobre seu quanto, ou outro fato concernente a ela. São exemplos de reserva do adimplente as comunicações de conhecimentos, feitas pelo devedor, ou por seu órgão ou núncio, ou pelo terceiro interessado, ou não, que solve, em que: a> se declara que se adimple, a despeito de dúvida sobre a existência da divida 0= existência, validade ou eficácia do negócio jurídico, ou existência do fato stricto sensu ilícito, ou do ato-fato ilícito, ou do ato ilícito, ou do fato licito, de que haja derivado a divida); ~» o devedor, ou terceiro, interessado ou não, que adimple, por meio de depósito bancário, menciona não estar certo da divida ou do quanto que teria de depositar, embora, com tal declaração, não fique condicionado o depósito; c) o devedor, ou o terceiro, interessado ou não, ao adímplír, exige que o credor verifique a conta, que o devedor ou o terceiro suspeita de errada, ou ser referente a outrem que a pessoa apontada como devedor. O ad. 965 só se refere à divida que se solveu “voluntariamente ”; não a solução não voluntária: se foi não voluntária a solução, pode repetir o que se liberou, ainda se sabia da existência da divida, a> Se houve coação, o ato de solver é anulável; em caso de vis absoluta, nenhum, e cabe a reivindicação. 1>) O que, tendo sido citado, sob pena de penhora, ou outra sanção, deposita, sem contestação, ou sem embargos, ainda que venha a passar em julgado a sentença, ou a terminar a execução , conserva a pretensão pelo enriquecimento injustificado. Dá-se o mesmo quanto a impostos, ou taxas, porém a pretensão é sujeita à prescrição própria; salvo lez speciali*. Se quem recebeu o que não lhe era devido, com isso se enriqueceu, tem de restituir. Não importa se o recebedor é pessoa física, ou jurídica, de direito privado ou público, inclusive entidade estatal brasileira (União, Estados-membros, Distrito Federal, Municípios, Territórios), ou estrangeira, ou paraestatal. A pretensão é de direito público se a divida, que se solveria, seria de direito público (cf. 2.8 Câmara Cível do Tribunal de Apelação de Minas Gerais, 22 de fevereiro de 1942. R. li’., 94, 515). Em direito público, o art. 965 do Código Civil não incide, sempre que o

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adimplemento é por constrição na pessoa ou nos bens do que se aponta como devedor. Não é preciso que tenha havido erro; basta que o Estado haja fixado, unilateralmente, prazo para a solução, ou lançado ImpOsto ou taxa e marca ao prazo. Pode-se dizer que, ao solver, o contribuinte ou multado se reserva a ação contra a violação da Constituição, ou de lei, por parte da entidade estatal. O ato do Estado, ao intimar ou cominar por impostas, taxas, contribuições ou multas, ou é acorde com a Constituição e as leis, ou é abuso do poder, e tem-se de admitir contra ele a condictio. Não é de exigir-se o pressuposto do erro, nem, sequer, da dúvida; o que importa é a inconstitucionalidade ou a ilegalidade do adimplemento, que, por isso mesmo, injustificadamente enriqueceu a entidade estatal. Desde que a pessoa, que prestou, pela Constituição, ou pelas leis, não era devedor, está caracterizado o enriquecimento injustificado, e esse pressuposto basta, porque o adimplemento não podia ser recusado, sem conseqüências prejudiciais ao devedor, que havia de solver ainda se não quisesse. Ainda se tivesse de ser invocado o art. 965, poder-se-ia argumentar que não é voluntário o pagamento ao Estado, se êue o impôs, pois que tem poder, e é indiferente portanto ter havido erro ou não (e!. 3.’ Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, 2 de fevereiro de 1955). No plano do direito privado, o elemento do erro é indispensável, porque, se alguém, sem Erro, presta por divida inexistente, de certo modo a reconhece, pois é como se dissesse “deva ou não deva, quero prestar” (cf. 2.’ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 29 de setembro de 1953, R. dos T., 218, 220). Quem paga, por erro, mais do que deve, pode repetir o que excedeu ao importe da divida <5.’ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 22 de maio de 1953, R. dos T., 215, 168). Não cabe distinguir-se do erro leve o erro grosseiro. Basta qualquer erro. Não a simples dúvida (sem razão, o 1.0 Grupo de Câmaras Civis do Tribunal de Justiça de São Paulo, 14 de setembro de 1948, R. dos T., 177, 172), porque quem duvida há de fazer reserva. Não tem ação contra o Estado quem deu dinheiro, ou outro bem, ao funcionário público, para obter reconhecimento de imunidade ou de isenção, ou outorga de isenção, ou qualquer outro ato que lhe aproveite, se o beneficio é para o receptor, e não para o Estado. Desde que se caracterize qualquer doa crimes dos arte. 316-S21 do Código Penal> o que se prestou ao funcionário público é irrepetivel; bem assim se se prestou para se obter qualquer outra infração das leis, penais ou de direito privado. Se a ação penal é exercida, pode ser entregue às autoridades o dinheiro> ou o bem, mas uma vez que também cometeu crime o particular (Código Penal, art. 833) não me lhe restitui. É devolvido ao Estado, segundo os princípios. Se o ato não partiu do particular, porém foi o funcionário público que exigiu o dinheiro, ou o bem, ao particular, há a pretensão à repetição, pelo enriquecimento injustificado, pois foi involuntariamente que prestou, e se não prestasse, piores seriam as conseqüências. Áliter, se o funcionário público pôs a alternativa: ou sofrer, por exemplo, a divida fiscal, de cuja legalidade estava ou devia estar certo o particular, ou prestar o que, para si, ou para outrem, lhe exigia o funcionário público. (A 2.’ Câmara do Tribunal de Alçada de São Paulo, a 15 de fevereiro de 1953, decidiu que não cabe ação contra o Estado se a autoridade policial extorque dinheiro, com ameaça de inquérito policial. A 2.8 Câmara Civil confundiu as duas ações, a de responsabilidade por ato ilícito do funcionário público e a de enriquecimento injustificado, entendendo que não cabe aquela, com fundamento no art. 194 da Constituição de 1946, se o ato do autor da ação também foi ilícito. Primeiro, não é ato ilícito prestar alguém ao funcionário público desoneste para se livrar de acusação falsa, o que tinha de ser apurado e, não tendo sido feito o inquérito, não se há de presumir verdadeiro. Segundo, o art. 971 do Código Civil s6 se refere & ação de enriquecimento injustificado, e não à ação de indenização por ato ilícito, uma vez que o próprio ladrão ou o assassino pode ter ação contra o Estado por atos de violência, como ferimentos e roubo, por parte das autoridades policiais.

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§ 3.145. Pretensão pelo enriquecimento injustificado (natureza> 1.PRETENSÃO POR ENRIQUECIMENTO INJUSTIFICADO É PRETENSÃO PESSOAL. A pretensão pelo enriquecimento injustificado é pessoal. Não admite que contra ela se alegue compensação ou direito de retenção (K. MAENNER, Bereicherungs anspriiche, Deutache .Turlsten-Zeitung, 21, 282; contra, P. 0mw-MANN, Bereicherungsansprtlche bel nlchtigeb Geschli±ten. 20, 1063>, salvo se restitui o próprio bem e, sendo possuidor de boa fé, tem benfeitorias (art. 516>. Também no direito privado quem paga para evitar as conseqüências do protesto de titulo cambiário não precisa provar que errara em se crer devedor, porque voluntário não foi o adimplemento. O adimplente tem de alegar e provar o ônus. Não a liberalidade (sem razão, a 2.’ Câmara Cível do Tribunal de Apelação de Minas Gerais, 25 de março de 1946, R. dos T., 163, 340). A lei não disse: “Ao que voluntariamente pagou o indevido incumbe provar que não o fez por liberalidade”, mas sim “Ao que voluntariamente pagou o indevido incumbe provar que o fez por erro”. O adimplente pode não ter errado, por se saber sem divida, sem tê-lo feito por liberalidade (sem razão, a 2.’ Câmara do Tribunal de Alçada de São Paulo, R. dos T., 220, 422). Dai poder repetir o que foi coagido a adimplir: não o fez voluntariamente. Quem foi coagido a adimplir não tem de fazer outra prova que a da coação. Quem não foi coagido e adimpliu sem estar em ano pode tê-lo feito para ficar com prova contra o verdadeiro devedor, ou para se sub-rogar como terceiro ao devedor. Dai a necessidade de se evitar qualquer alusão à liberalidade. Pode C solver a divida E a A, crendo que faria liberalidade a D, tido por O como o devedor. A despeito da intenção de liberalidade, C pode repetir o que solveu a A, como se D fôsse o devedor. 2.ALIENAÇÃO DO BEM RECEBIDO. O art. 968 do Código Civil diz: “Se aquele que indevidamente recebeu um imóvel, o tiver alienado em boa fé, por titulo oneroso, responde somente pelo preço recebido; mas, se obrou de má fé, além do valor do imóvel, responde por perdas e danos”. A regra jurídica cogita de espécie, mas o principio é mais geral; apenas, devido ao art. 530, 1, o Código Civil estabeleceu que, ainda nessa espécie, tem pretensão o que sofreu com o enriquecimento, para haver o preço, se de boa fé o enriquecido alienante (aliás, poderia ter alienado por mais), ou por todo o enriquecimento injustifícado, se de má fé o alienou. O mesmo temos de entender, se a alienação foi de bem móvel, ainda se perfaz a subespécie do art. 622 e parágrafo único, porque a existência da ação de reivindicação não exclui a pretensão por enriquecimento injustificado. A advertência é mais útil, em se tratando de alienação pelo que recebeu a coisa móvel por ato jurídico simplesmente anulável ou anulado: não há a reivindicação contra o terceiro; e há a pretensão de restituição pelo enriquecimento injustificado (arg. aos arts. 968, parágrafo único, e 158). 3.PRETENSÃO EXTRAORDINÁRIA CONTRA O TERCEIRO. A pretensão contra o que recebeu é a ordinária, em técnica jurídica legislativa; extraordinária é a que se dirige contra o terceiro adquirente, dai dizer o art. 968, parágrafo único: 4’Se o imóvel se alheou por titulo gratuito, ou se, alheando-se por titulo oneroso, obrou de má fé o terceiro adquirente, cabe ao que pagou por erro o direito de revindicação”. Primeiramente é de se observar que o termo “reivindicação” está em lugar de “repetição”. [Posto que o art. 968, parágrafo único, do Código Civil, tenha sido resultante de emenda na Comissão Especial da Câmara dos Deputados (Trabalhos, VI, 343), contém erro de expressão que vem de CLOVIS BEvILÁQUA (Direito das Obrigações, 159), e do Código Civil argentino, art. 787, verbis “puede reivindicarIa de quien la tuviese’9. O que pagou indevidamente pode reivindicar o imóvel, se o terceiro não no adquiriu; não há reivindicação contra o que adquiriu.

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Aliás, aqui e ali, encontram-se trechos de juristas nos quais se revela a confusão entre a ação pessoal exercivel contra terceiro e a ação real (e. g., CORREIA TELES, Doutrina das Ações, § 249, nota 2, 254). Não se compreenderia que, contra o enriquecido, só haja a ação pessoal de repetição, e houvesse a ação real, de reivindicação, contra o terceiro, O que a lei determinou foi, em verdade de acordo com os princípios a extensão da ação pessoal de enriquecimento injustificado até alcançar, nas espécies previstas pelo art. 968, parágrafo único, do Código Civil, o terceiro adquirente. Abstraiu-se da má fé, em se tratando do adquirente a titulo gratuito; exigiu-se tal pressuposto, se a aquisição foi a titulo oneroso. A titulo gratuito, disse o art. 968, parágrafo único. Trata-se de gratuidade, no sentido subjetivo. Se lhe falta causa,não é gratuita a disposição; é sem causa (A. LIEBISOR, Das Weaen der unentgeltliehen Zuwendungen, 40-53>. 4. ENRIQUECIDO QUE ESTAVA DE MÁ FÉ. Se o enriquecido estava de má fé, há a tendência a se tratar a pretensão pelo enriquecimento injustificado como pretensão irradiante de ato ilícito (e. g., A. MARTIN, Le Code des Obligationa, 108). O erro é evidente, ainda quando não se trate de mala lides superveniens. O enriquecido de má fé, na ação de enriquecimento injustificado, somente tem de restituir o que adquiriu, e não o dano. Se é certo que, segundo o art. 968, 2.~ parte, a má fé lhe agrava a responsabilidade, tal agravamento não é o equivalente da responsabilidade delitual. § 3.146. Sujeito passivo da pretensão por enriquecimento 1.DETERMINAÇÃO DO SUJEITO PASSIVO. A pretensão por enriquecimento injustificado dirige-se contra o enriquecido ou contra seus herdeiros. Se há mais de um enriquecido, cada um responde segundo a importância daquilo que o enriqueceu. O terceiro, em princípio, não é sujeito passivo da pretensão por enriquecimento injustificado: não se enriqueceu às expensas daquele que foi prejudicado pelo enriquecimento. Mas, se aquilo com que o primeiro enriquecido se enriqueceu passou ao terceiro, gratuitamente, o sucessor do enriquecido fica na situação daquele, isto é, responde como responderia o primeiro enriquecido. Tal princípio, implicitoino Código Civil, não sofre exceção, ainda quando se trate de alienação gratuita de imóvel (art. 968, parágrafo único: “Se o imóvel se alheou por título gratuito, ou se, alheando-se por titulo oneroso, obrou de má fé o terceiro adquirente, cabe ao que pagou por erro o direito de reivindicação”). Na 1.8 parte do art. 968, parágrafo único, admite-se a ação por enriquecimento injustificado ainda que de boa fé o terceiro, adquirente a titulo gratuito. Na 2.8 parte, expõe-se a ela o terceiro, se de má fé. A 1.8 parte refere-se a qualquer atribuição patrimonial gratuita, e. g., doação e legado; mas há de entender-se atribuição daquilo que o primeiro enriquecido obtivera, portanto com os frutos e o que o direito produzira, ou o que seja correspondente àquela atribuição mais isso, se houve destruição, deterioração ou diminuição. Se, com a enriquecimento, o enriquecido adquire algum bem que doou, a ação é pela enriquecimento, e não pelo valor do bem, de modo que não pode o pedido ser maior do que o que sofreu, com o enriquecimento, o que atribuiu sem causa (assim, A. STXEVE, Der Geueiastand da Bereicherunaaarts-pruchs, 46, G. PLANa, Kommentar, II, 4,8 ed., 960; H. DUNBuRG, Das Biiírgerliche Recht, II, 2, 3.~ ed., 743, nota 330; E. VON MÂn, Der Bereicherungsanspnwh, 18; contra, sem razão, P. OERTMANN, Recht der Schuldverhtiltnisse, 1045, e O. WARNEThit, Kommentar, 1, 1295, que não admitem que se peça o enriquecimento, se o enriquecidp adquiriu, com o valor, outro abjeto de que dispôs gratuita-mente: por exemplo, não se teria ação para haver o importe, se o enriquecido comprou, com ele, jóias, e as deu a alguma dama). Discute-se se, tendo o terceiro adquirido a posse, ou a propriedade do objeto, não negocialmente (e. g., par ato ilícita), a pretensão por

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enriquecimento pode dirigir-se a file. Negativamente, G. PLANCI< (Koramentar, II, 960) e H. DnNDURO (Das Biirgerliche Recht, II, 2, 3,8 ed., 743, nota 19). Afirmativamente, KONMD COSACK (Lehrbuch, 1, 6.8 ed., 697, nota 6). Mas cumpre distinguir: se o terceiro adquiriu de má fé, posto que não negocialmente, fica exposto à ação; se adquiriu de boa fé, não. Volvamos ao problema a que chamamos problema dos presentes. Pagou A a E divida inexistente e, com esse dinheiro, E comprou jóia que deu a O. Se A pode alegar e provar que foi com aquele dinheiro que B comprou a jóia, a ação de enriquecimento injustificado pode ir contra O. Se esse recebimento apenas concorreu para que E aumentasse a sua conta no banco, não. Outros exemplos, mais expressivos: a) cria A que tinha de entregar o tapete antigo a B, que não era o freguês a quem vendera, e B o dera de presente a O, a ação de enriquecimento injustificado pode ser contra O; b) se B vendeu o tapete e, com as mesmas moedas, ou cédulas, ou cheque, comprou vestidos que deu a O, também pode ir contra O a ação de enriquecimento injustificado. Por onde se vê que é preciso existir a conversão do enriquecimento em doação, a aquisição de algo com que o enriquecido presente alo ao terceiro. A inserção do valor no patrimônio,seguida (sem caução imediata) de negócio jurídico gratuito a favor do terceiro, não basta. 2.LEGITIMAÇÃO . Em principio, o terceiro, a quem o injustificadamente enriquecido alheou o bem, imóvel ou móvel, não tem qualquer responsabilidade: adquiriu em virtude de relação jurídica entre ele e o enriquecido, e não se enriqueceu a expensas do que tem a pretensão por enriquecimento sem causa. A pretensão à restituição é pessoal e somente se exerce, em principio, contra o enriquecido. O art. 968, parágrafo único, relativo exemplificativamente, a bens imóveis (cuja transmissão é negócio jurídico abstrato), de pretensão à restituição, se houve alheação por titulo gratuito, ou, se oneroso o titulo, se obrou de má fé o terceiro. Se fosse art. 968, parágrafo único, não existisse, o principio seria inexcetuado, porque o art. 968 somente cogita da extensão em que o enriquecido responde, se alieeno o imóvel que recebeu indevidamente. Por outro lado, a terceiro, que adquiriu do terceiro que estava numa das situações do art. 968, parágrafo único, está exposto, se verifica, nele, uma delas; e assim por diante. (Já vimos que o art. 968, parágrafo único, do Código Civil é aplicação a imóveis de princípio concernente a extensão subjetiva passiva da ação de enriquecimento injustificado.) Assim temos dois tratamentos: um, o do adquirente ao prejudicado ou empobrecido (= desenriquecido) ; outro, o do adquirente a fosse. a) Se o bem foi alienado por A a B e por E a O, ou por A a B por E a O e por O a D, A é devedor do enriquecimento injustificado, até o preço do bem, se, ao alienar a E, por titulo oneroso, estava de boa fé, e b) pelo valor mais perdas e danos, se estava de má fé. e) Se A o alienou, de boa fé, por titulo gratuito, há a ação de repetição pelo enriquecimento injustificado pelo valor do bem; d) se o alienou de má fé, por titulo gratuito, então a espécie cabe na 2.8 parte do art. 968 do Código Civil. A lei não falou, explicitamente , da alienação, de má fé, a título gratuito, mas há tal espécie, de que acima cogitamos como o). Ela e b) estão incluídas na 2.~ parte do art. 968:“mas, se obrou de má fé, além do valor do imóvel, responde por perdas e dano?’. § 3.146. SUJEITO PASSIVO DA PRETENSÃO Diz o art. 968: “Se aquele que indevidamente recebeu um imóvel, o tiver alienado em boa 26, por título oneroso, responde somente pelo preço recebido; mas, se obrou de má fé, além do valor do imóvel, responde por perdas e danos”. A regra é de extensão da responsabilidade, graduada segundo a bona fidea ou a uda fides. Restitui-se apenas o preço recebido, ou, em caso de má fé, além do vaiar (não preço), há de pagar perdas e danos. Em

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todo o casa, se o titular da pretensão à repetição prefere haver a bem imóvel, pode ir diretamente contra o adquirente a titulo gratuito, ou o adquirente de má fé, a titula onerosa. Diz o ad. 968, parágrafo único: “Se o imóvel se alheou por titulo gratuito, ou se, alheando-se par titulo oneroso, obrou de má fé o terceiro adquirente, cabe ao que pagou por erro o direita de reivindicação”. O ad. 968, parágrafo único, procede de discussão na doutrina francesa, e adotou o que pensavam não através do Código Civil argentino, art. 787 (“Si ei que de buena fe receblá en pago una cosa raiz, la hubiese enajenado por título oneroso á por titulo gratuito, ei que hizo ei paga puede reivindicaria de quen Ia tuviese”), que manteve a transmissão dos bens imóveis coma negócio causal, e sim por sugestão da Comissão Especial da Câmara dos Deputados (Trabalhos, VI, 343), que nua falou de reivindicação, e só de ser o adquirente “obrigado a restituir”. Havia a assistência do enriquecida à retificação do registra em caso de alienação, qualquer que fosse (VI, 619; VII, 168). A referência do art. 968, parágrafo única, à “reivindicação” é lapso, que escapou às sucessivas revisões do projeto; a ação contra o enriquecido é pessoa!, e pessoal contra o adquirente que se acha numa das situações do art. 968, parágrafo único. Não se há de confundir a pretensão pessoal à restituição e a pretensão real, que é a da reivindicação. A ação do art. 968, parágrafo único, é extenado ao terceiro da ação contra o enriquecido. Nem seria de admitir-se que o terceiro, inclusive o adquirente, a titula gratuito, de boa fé ficasse em pior situação jurídica que o enriquecido. A ação é de repetição, é condictio; o art. 968, parágrafo único, estendeu-a ao terceira, que, se não restitui o imóvel, responde como o alienante (art. 968). Não nos esqueça que o art. 968, parágrafo único, se acha no capítulo sabre as condictionea. Quanta aos bens móveis, se não houve negócio jurídico , ou se foi nulo, a repetição é de dar-se, e o terceiro não pode alegar aquisição: se não houve causa, adquiriu-se a domino, e o art. 622 diz que a tradição, feita por quem não é o proprietário, não alheia a propriedade; se a negócio jurídico foi nulo, incide a regra jurídica especial do art. 622, parágrafo único: “Também não transfere a domínio a tradição, quando tiver por título um ato nulo”. Á reivindicatória está com o caminho aberta, por direito das coisas. O negócio jurídica da transmissão mobiliária 6, no direito brasileiro, regido pelos arts. 592-622. Se o terceira adquiriu a propriedade, então são de aplicar-se os princípios do art. 968, parágrafo único, parque, como dissemos, são sobre espécies regidas por princípios mais largos, de que se tiraram os do art. 968, parágrafo único. Mas a ação, em todos os casos, é pes3oal, porque não se reivindica por enriquecimento injustificado. 4.PRETENSÃO CONTRA TERCEIRO: SE É SUBSIDIARIA OU CONCORRENTE. A técnica legislativa teve de decidir se a> a pretensão contra a terceiro é subsidiária (= só existe o dever de restituição pelo terceiro se o primeiro enriquecido já se liberou) e assim estatuiu o Código Civil alemão <§ 822: “.. soweit infalgedessen die Verpflichtung des Empfãngers zur Herausgabe der Bereicherung ausgeschlossen ist.2’), ou 1» se há concorrência subjetiva passiva das pretensões (= pode ser exercida contra o primeiro enriquecido, ou contra o segundo, ou, até satisfação, contra aquele e contra esse). Por exemplo: o ladria doa, ou vende a alguém, que está de má fé, o imóvel <art. 968, parágrafo único); após transitar em julgado a sentença de revagação da doação por ingratidão (arts. 1.181-1.187), o donatário doa, ou aliena, onerosamente, a alguém de má fé. No direito brasileiro, a solução b) é a que resulta do sistema jurídico (arts. 967-969). Se o primeiro enriquecido estava de boa fé, não se tolera que, com a transferência a outrem, se torne, pela lei, devedor pelo total enriquecimento injustificado, pois ainda responde “pelo preço recebido” (art. 968), que foi o com que se enriqueceu. § 3.147. Objeto da prestação

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1.QUE É QUE SE HÁ DE RESTITUIR. O que se pede, com a pretensão por enriquecimento injustificado, é a entrega do tudo que foi obtido (não recebido) sem causa, a expensas do prejudicado, mais os proveitos percebidos, ainda estantes. Com a litispendência, estabelecem-se os seus efeitos próprios. O autor pede: a> o que a suas expensas o réu obteve: direitos (e. g., propriedade, direitos de autor, créditos cedidos), a extinção de direitos reais e dos créditos constituídos, restabelecimento dos direitos reais limitados que se cancelaram ou suprimiram, devolução da posse entregue; b> os proveitos estantes do objeto (frutos naturais e civis e demais vantagens, inclusive valor de uso> ; o) o que se adquiriu em virtude de direito obtido (e. g., o que se cobrou com o crédito sem causa; não o que se obteve com negócio jurídico de que foi objeto a coisa enriquecente, o que se restitui é o valor do objeto adquirido sem causa, O. voN GIERKE, Deuteches .Privatrecht, III, 1022, nota 105; H. DERN2URG, Das Bilrgerliche Recht, II, 2, 3B ed., 740; sem razão, Farrz ScluLz, System der Redita au! deis Eingriffaerwerb, 389 s.>, salvo em se tratando de não-titular que aliena, porque esse restitui o que obtiver com o negócio jurídico, isto é, o commodum ex rtegotiatione (o caso ordinário é o do titular, enriquecido, que dispõe); d) o que se adquire em indenização pela destruição, dano ou privação do objeto obtido (commodum substitutivum>, as pretensões de indenização, ou de seguro, concernentes a esses fatos. O Ônus da prova de se tratar de uma das espécies toca ao demandante. Cumpre observar-se e não cessamos de o fazer que a ação é pessoal. Considere-se, porém, que, no sistema jurídico brasileiro, tem-se de atender à boa fé, ou à má fé, do restituinte, em se tratando de frutos, benfeitorias necessárias, úteis e volupturias, bem como de danos à coisa, inclusive perda, se de má fé o enriquecido injustificadamente. O art. 966 do Código Civil diz: “Aos frutos, acessões, benfeitorias e deteriorações sobrevindas à coisa dada em pagamento indevido, aplica-se o disposto nos arts. 510 a 519”. Desde se advirta que se supõe, para invocação do art. 966, tempo durante o qual a coisa haja permanecido no patrimônio do Injustificadamente enriquecido, ou a permanece durante todo o tempo. Se houve substituição da coisa por valor, é o valor que importa. 2. IMPORTE DO CRÉDITO DE RESTITUIÇÃO. À diferença do que ocorre com os créditos ordinários, o importe do crédito de repetição é variável: depende do que resta de valor do objeto, no patrimônio do enriquecido. Se esse estava de boa fé, o crédito pode diminuir até se extinguir. Quem compra x, pode esperar x, qualquer que seja a sorte do objeto; igualmente, quem dá em mútuo x. Não assim quem, sem causa, transferiu x a outrem, que com isso se enriqueceu. Não há, pois, no direito contemporâneo, ação de objeto preciso por enriquecimento injustificado. Temos de considerar como geral a espécie em que estava de boa fé o enriquecido injustificadamente e só excepcionalmente, com referencia explícita, a espécie em que ele estava desde o inicio de má fé ou passou a estar de má fé. O receptor, na divida por enriquecimento injustificado, somente restitui o enriquecimento que existiu, no momento, em seu patrimônio. Não responde pelo que diminuiu o valor do objeto, se com isso não se enriqueceu. Nem pelo proveito que haja tirado do objeto (uso, serviços). Há de restituir o valor, mas até onde, no momento do exercício da pretensão por enriquecimento injustificado, ainda esteja enriquecido, ou, se conhecia que a pretensão existia contra ele, desde o momento em que soube que teria de restituir. Desde o momento em que saiba que tem de restituir, responde por impossibilitação em que tenha culpa, ou qualquer deterioração. Regem os arts. 869-873. Nascem ao que deve a restituição o dever de abster-se de todo ato e o de praticar toda ato que possa impossibilitar ou prejudicar a pretensão de restituição do outro figurante. O enriquecimento diminui à medida que se fazem gastos com o objeto, ou que ocorrem desvantagens com a aquisição; porém nem todos os gastos (sem razão, L.

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ENNECCERUS, Lehrbuch, II, 708, nota 9): excluem-se os gastos desnecessários e os gastos inúteis. Por outro lado, no sistema jurídico brasileiro, se a restituição é de coisa, o restituinte de boa fé tem direito às despesas de produção e custeio, segundo o ad. 511 do Código Civil, e o de má fé, conforme o ad. 513. o enriquecimento extingue-Se se diminui até zero. Tanto a diminuição quanto a extinção, há de afirmá-las e prová-las o demandado. Não se trata de excede, razão por que o juiz pode levar em conta esses fatos destrutivos de direito, se constam dos autos, ainda que o demandado fale de diminuição ou de extinção (cf. O. WMtNEYER, Kommetitar, 1, 12921. Em caso de má fé, o demandado tem de restituir o valor do bem que pereceu, os proveitos que haja tido e o que, por culpa sua, deixou de perceber. Só pelas benfeitorias necessárias se entrega o bem têm direito a ressarcimento. Nem tem o jus tollondi sobre as benfeitorias voluptuárias nem direito de retenção quanto às benfeitorias necessárias, que lhe hão de ser ressarcidas. Em caso de boa fé, o demandado não tem de restituir o que pereceu, se não foi o causador da perda, nem restitui proveitos percebidos, nem presta o que, por culpa sua, deixou de perceber. Tem direito de retenção pelas benfeitorias necessárias ou úteis, que lhe hão de ser ressarcidas, e o direito de toler quanto às voluptuárias. No tocante às deteriorações, o demandado, que estava de boa fé, responde pela deterioração a que deu causa, e o que estava de má fé, qualquer que tenha sido a causa da. deterioração. A pretensão por enriquecimento injustificado dirige-se à restituição do que se prestou, na medida do enriquecimento. A natureza da prestação e do enriquecimento injustificado é que determina como a restituição se pode dar. O objeto do enriquecimento há de ser restituído is natura, se possível. Por exemplo, pela reto transferência da propriedade, se houve transferência; pela retrocessão, se houve cessão de crédito; se houve remissão de divida, pela criação de novo crédito, com o conteúdo e forma pelo menos igual, com as mesmas garantias ou outras equivalentes. Se houve criação de dívida abstrata, sendo sem causa o negócio jurídico subjacente, é de exigir-se a exoneração pelo meio mais seguro. Não nos esqueça que a pretensão é pessoal. 3.PRESTAÇÃO DO OBJETO OU DO VALOR. Se a entrega não é possível e. g., consistiu em serviços prestados, ou em benfeitorias inseparáveis, ou foi de coisas consumíveis e ou foi alienado o imóvel (ad. 580, 1) tem de ser prestado o reitor do que se haveria de prestar. Tal valor é o da momento em que o demandado recebeu a prestação, ou em que cessou a causa. Mas atende-se ao histórico superveniente. o enriquecimento. 4.FRUTOS, ACESSÕES, E DETERIORAÇÕES. Diz o Código Civil, ad. 966: “Aos frutos, acessões, benfeitorias, e deteriorações sobrevindas à coisa dada em pagamento Indevido, aplica-se o disposto nos arts. 510-519”. O enriquecido, enquanto esteve com a coisa, de boa fé, adquiriu-lhe os frutos <arts. 510-512) ; o de má fé, responde por files (ad. 513>; quanto à perda e deterioração, regem os arts. 514 e 515; quanto às benfeitorias, os arte. 516-519. Quanto aos frutos, naturais civis, as deteriorações ou destruições e as benfeitorias, o Código Civil brasileiro, ad. 966, afastou-se do direito romano e do direito comum, seguidos pelo Código Civil alemão, §§ 993 e 818, e pelo Código suíço das Obrigações (arte. 938 e 62), que trataram diferentemente . restituição dos frutos na reivindicação e na repetição por enriquecimento injustificado. <Observe-se que o direito brasileiro não submete aos arts. 510-512 a responsabilidade pela resolução ou pela resilição por inadimplemento, Tomo XXV, §§ 3.088, 8.091, 12, e 3.094, 1.) O enriquecido, se de má fé, responde pela perda, ou deterioração, ainda que

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acidentais (ad. 515). Em caso de mala fides superveniens, é preciso que a perda, a deterioração, ou a destruição tenha ocorrido após a má fé, para que incida o ad. 515. Todavia, o enriquecido pode afirmar e provar que o fato desenriquente teria ocorrido, ainda que o objeto se achasse com o enriquecedor (ad. 515, is fina>. Do importe do enriquecimento hão de deduzir-se as despesas que o recebedor fez com o objeto (no, ou para o objeto). Regem os arts. 516-519. Se o enriquecido é de boa fé, tem o direito e a pretensão ao reembolso dos imyensae necessária e gtiles e o direito de retenção; não das impeltsa voluptuariae. Tem o jus totlergdi, exercivel até à entrega, se as benfeitorias voluptuárias são levantáveis sem detrimento da coisa (art. 516>; se as retira com dano, tem de indenizar. O enriquecido de má fé só tem o direito e a pretensão ao reembolso das despensas necessária, sem direito de retenção. Se E recebe de A, sem causa, relógio de outro, e por isso dá de presente a C o seu, de prata ou de menos valor, ~ pode diminuir do com que se enriqueceu o valor do relógio presenteado? Respondeu, afirmativamente, A. VON TURE (Parti. GêMrole du Cade fédêral de, Obligations, 1, 391). Em direito suíço, é de discutir-se; não em direito brasileiro: E procedeu a seu risco; deu causa à diminuição do seu patrimônio, não do com que se enriquecera. Se ao enriquecido, de boa fé, se deteriorou, se perdeu ou se destruiu o objeto, não há, quanto à parte destruída, ou perdida, ou quanto ao todo destruído, ou perdido, ou quanto à deterioração, responsabilidade pelo enriquecimento injustificado (arts. 966 e 514>: o objeto minguou, ou desapareceu; com file, o enriquecimento injustificado. Todavia, no direito brasileiro, responde pela perda, ou pela deterioração a que deu causa (diferentes, a solução suíça e a alemã, para cujos sistemas jurídicos a boa fé pré-exclui toda responsabilidade pelo enriquecimento). A repetibilidade subsiste para o que, no todo ou em parte, se sub-roga, ou apenas se substitui, no patrimônio do enriquecido, ao objeto deteriorado, perdido, ou destruído (indenização recebida pela deterioração, perda, ou desfruição, ou desapossamento; o que recebeu do crédito, com que, tine causa, se enriquecera; o valor do que consumiu, incluídas as despesas evitadas; o contra valor recebido pela alienação do objeto, ou o que foi adquirido com esse valor, se havia de fazer essa inversão; diferente, o Código Civil alemão, § 818>, ou diminuído do que deu em solução de dividas reais (e. g., pagamento da hipoteca do imóvel dado injustificadamente). Se o enriquecido alienou gratuitamente, o enriquecimento desapareceu nele e exsurgiu no adquirente a titulo gratuito. Bem assim, se houve consumação sem enriquecimento e sem que a tenha causado o enriquecido de boa fé, não incide o art. 514. Há-se de fazer o mesmo raciocínio quanto ao que se adquire com o objeto ou o contra valor do objeto recebido injustificadamente e se consome, nas mesmas circunstâncias. É de discutir-se: se, crendo o enriquecido que se enriquecera sem causa,entregou, erradamente, a terceiro, a quem file cria pertencer o objeto, ja o dever de repetição cessa? Nos direitos alemão e suíço, daríamos resposta afirmativa; no direito brasileiro, não, devido ao “a que der causa” do art. 514. Mas o que alienou a titulo gratuito pode ter alienado o recebido, ou o que adquiriu com o recebido, ou seu valor, e já versamos o assunto, no § 3.146. Quem doa o que recebeu não se desenriqueceu, perante o repetente, porque enriqueceu a outrem, a seu grado, e o sistema jurídico estabelece que file há de restituir o valor, ou o terceiro há de restituir o bem ou o valor. Tais princípios são os que se revelam, legislativamente, nos arts. 968 e parágrafo único, como enunciados particulares de princípios gerais. 5.TEORIA DAS DUAS “CONDICTIONES” E TEORIA DO SALDO. Se o ato jurídico causal é nulo, mas houve transmissão (negócio jurídico abstrato), pode dar-se que um dos figurantes exerça a cosdictio, embora se tenha extinguido o enriquecimento que adviera da contraprestação. Para alguns juristas (teoria das duas condictiones), cada um dos figurantes tem a sua condictio, independente das outras e

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de sorte possivelmente diferente (A. VON TUER, Der Áligemeine Teu, II, 358, e tur Lehre vos dar ungerechtfertigten Bereicherung, 307; K. SOUNEIDER, Bereicherung nach Erf(illung eines nichtigen Vertrages, Jharings Jahrbiicher, 61, 179>, de modo que só se pode alegar compensação, ou direito de retenção; para outros (teoria do saldo), a contraprestação é fato de cálculo, de jeito que o que recebeu só tem de restituir o que excede o valor da contraprestação. Cada um dos figurantes prestou para haver a contraprestação; ou, noutros termos , o que prestou, depois do outro, fe lo para conservar a prestação recebida. Se um pede a restituição pela nulidade, e se pode restituir o que se prestou, a solução é que cada um possa reaver o que prestou, se não é caso do art. 971. Se não pode ser restituída a coisa prestada, restitui-se o valor. Mas o valor que há de ser restituído, se as duas prestações não podem ser restituídas is satura, é o saldo. Tal solução seria a que se há de adotar se a ação proposta é a de restituição em natura, com a reconvenção da mesma natureza, se cabe, processualmente, e se já não podem ser feitas as prestações em natura; se somente uma não no pode, dá-se a restituição em natura a um e o valor da outra prestação ao outro demandante. Para a teoria das duas condittiocion, a prestação que cada um recebeu há de ser considerada separadamente. Para cada um dos figurantes se há de pôr e. questão de se saber até quanto se acha enriquecido o receptor. Se A não se enriqueceu, nada tem de restituir, E não tem pretensão pelo valor do objeto, posto que E tenha de restituir o que recebeu, se houve enriquecimento (cf. A. VON TuBa, Der AUgei’ftGiM TeU, 358>. Para a teoria do saldo, as prestação recíprocas têm de ser consideradas conforme a sua finalidade econômica; portanto, uniformente. Teria E de restituir apenas aquilo que excede o valor da contraPrestação recebida (cf. GERE WEIN’rRÂ!W, Di. Saltkthtoflt, ‘TO, 88 a.). É de parecer injusto, de lego ferenda, que a pessoa, que alega a desaparição do seu enriquecimento, possa pedir a restituição da sua contraprestação, mas, em verdade, a doutrina do enriquecimento injustificado nada tem com os argumentos concernente à teoria do saldo (cf. WILBUEO, Di. Lehre vos der ungerechtfertt$n BereÃchBV’21W, 156). A teoria das duas Condicton mais atende aos princípios da ler lata. Se E não se enriqueceu e contra prestou, E não tem de restituir; com isso, não deixa de ter pretensão contra A, pois se empobreceu com a contraprestação . Quanto à pretensão por enriquecimento injustificado, o srt. 971 é clarisalino, não admite a pretensão do que deu para obter fim ilícito, imoral, ou proibido por lei. Portanto, nos casos de nulidade por ilicitude, ou violação de lei, que se refira ao fim, há castigo àqueles que deram, ou, se um sã prestou, àquele que se adiantou ao outro. Por onde se vê que a solução do direito brasileiro é diferente. Se um dos figurantes recebeu e contra prestou, sem ser pré excluído da pretensão por enriquecimento injustificado pelo art. 971, pode pedir repetição, sem que o outro, o que se inclui no art. 971, o possa. Não importam argumentos de lega fardada. Se ambos estão incluídos no art, 971 e o objeto é ilícito, a ação é a de restituição, reivindicatória, ou de indenização salvo se a sentença mesma, que decretou a nulidade, restabeleceu o status quo, se possível segundo a natureza da prestação (e. g., nulidade de distrato, nulidade de remissão de divida, nulidade de constituição de direito real, caso em que a sentença basta ao registro). Quando se tem de propor ação por enriquecimento injustificado, o ad. 971 incide, como ler lata. 2.INICIO DA RESPONSABILIDADE DO ENRIQUECIDO. Com a litispendência, ou com o conhecimento anterior da falta de causa da recepção, começa a responsabilidade do que recebeu como para o devedor em mora. De regra, para a condictio ob turpem veZ iniustam causam, tal responsabilidade é desde a recepção. Em se tratando de causa tiniuz, ou de causa data causa non secuta., desde que se há de ter por cessada a causa, ou ter falhado o resultado, tal como se tira do

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conteúdo do ato jurídico. Se a propriedade foi transferida sem causa, a ação pelo enriquecimento indevido contém a condictio possessão. Se só se transferiu a posse, pois que não era titular da propriedade o possuidor, ou não a adquiriu o adquirente da posse, cabe a condictio possessão. O demandado não pode alegar, em defesa, ou exceção, que o demandante não era proprietário; nem o demandante tem de afirmar a sua propriedade, ou dizer que é o proprietário. 3.AÇÃO PESSOAL E RESTITUIÇÃO EM NATURA. A ação de enriquecimento injustificado tem caráter pessoal, ainda se o objeto que se prestou, ou com que se operou o enriquecimento, existe no patrimônio do réu e pode ser restituído in natura. Aliás, não teria por fim fazer voltar a posse, como na ação de reivindicação, e sim restabelecer a propriedade. O juiz, na sentença, pode mandar que o réu assista ao autor (art. 967), no que se refere à transcrição, assistência que é a colaboração perante o oficial do registro do imóvel; se o réu se recusa, pode o juiz ordenar que se execute a sentença como de condenação por obrigação de coisa certa <Código de Processo Civil, arts. 992-997). Conforme se vê, não se pode, de modo nenhum, transformar em ação real a ação de repetição por enriquecimento injustificado. O pedido da coisa em natura não é reivindicatório; é pessoal, e a sentença tem carga suficiente de eficácia executiva mediata, para que se possa executar a sentença como de condenação a prestar coisa certa. O Código Civil, art. 967 diz: “Se aquele, que Indevidamente recebeu um imóvel, o tiver alienado, deve assistir o proprietário na retificação do registro, nos termos do art. 860”. O art. 860 é aquele em que se enuncia que, “se o teor do registro de imóveis não exprimir a verdade, poderá o prejudicado reclamar que se retifique”. A referência ao art. 860, em se tratando de restituição por enriquecimento injustificado, somente pode ser mutatis mutandis, porque o autor, vencedor na ação de enriquecimento injustificado, se não houve nulidade do ato de transferência, que é abstrato, não é proprietário, é credor por obrigação de coisa certa. Aliás, o próprio art. 967 ressente-se de defeituosa terminologia: confunde-se credor de propriedade com proprietário; e fala-se de nova transcrição como retificação. O registro exprimia a verdade; apenas, com a eficácia da sentença na ação de enriquecimento injustificado, se faz volver ao dador a propriedade do imóvel. A confusão, que revela insuficiente cultura dos autores doe alta. 967 e 968, resultou de não terem idéias precisas sobre as duas ações , a de reivindicação (real) e a de enriquecimento injustificado. A letra do art. 967, verbo “retificação”, poderia fazer supor-se que basta a inscrição, segundo o Decreto n. 4.857, de 9 de novembro de 1939, art. 227. Mas, é de advertir-se, o registro de imóveis exprimia a verdade: a propriedade passara ao enriquecido, ou a ele e ao terceiro adquirente a titulo gratuito, ou a titulo oneroso e de má fé; não se há de pensar em retificação, e sim em volta (nova transcrição), o que, se discrepa, até certo ponto, da terminologia incorreta do Código Civil, art. 967, atende ao sistema do direito registrário brasileiro. A inscrição, segundo o art. 227 do Decreto n. 4.857, seria inadequada; a averbação, minus. Se foi feita a transcrição, satisfaz-se ao sistema jurídico; se foi feita a inscrição, à letra da lei, pois não se poderia entender ineficaz ou nula, posto que inadequada. Mas o que se há de fazer é a transcrição, em retorno. Com isso, mantém-se em plenitude de correção e de rigor técnico o registro de imóveis, no qual os conceitos de transcrição, Inscrição e averbação têm de ser precisos e exatos. 4.LEGITIMADO PASSIVO DA AÇÃO PESSOAL. A ação de enriquecimento injustificado, em principio, só se dirige contra o enriquecido, ou contra seus herdeiros, ou outros sucessões universais; não contra o sucessor a titulo particular. Se algumas pessoas foram enriquecidas pela mesma prestação, cada uma responde na medida em que se enriqueceram; se não se pode saber em que medida o foram,

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restituem todas, por partes iguais. Se E aliena a O objeto que adquiriu injustificadamente, E tem de restituir a A o preço pelo qual alienou; e, em principio, O nada teria a temer. Mas alguns sistemas jurídicos, em caso de alienação gratuita, embora o donatário, ou legatário, ou outro beneficiado a titulo gratuito, se haja enriquecido com causa <causa donandi), permitem, em regra jurídica excepcional, que a ação se dirija contra o beneficiado, ainda a despeito da sua boa fé. No que ele se enriquecera, responde. O Código Civil suíço não inseriu a regra (aliter, o Código Civil alemão, § 822, e o brasileiro, art. 968); mas, ainda no sistema jurídico suíço, os intérpretes tiveram de recorrer ao direito romano. Lê se no Código Civil, art. 968: “Se aquele, que indevidamente recebeu um imóvel, o tiver alienado de boa fé por título oneroso, responde somente pelo preço recebido; mas, se obrou de má fé, além do valor do imóvel, responde por perdas e danos”. A distinção entre prestação voluntária e prestação involuntária, que resulta do art. 965, tem de fazer-se préviamente, para se saber se é de mister o pressuposto do erro. No ad. 968, parágrafo único, acrescenta-se: “Se o imóvel se alheou por titulo gratuito, ou se, alheando-se por titulo oneroso, obrou de má fé o terceiro adquirente, cabe ao que pagou por erro o direito de reivindicação”, O ad. 968, parágrafo único, tem-nos dado ensejo a muitas referências (Tomos V,11573, 7,596, 7, 621, 4; XI, §§ 1.197, 4, 1.225,3; XIV, § 1.577,3, e XV, § 1.754, 2). No direito brasileiro, o art. 968 somente se refere à alienação de imóvel; todavia, o principio é geral, pois desde que O haja obtido a propriedade a reivindicação não pode caber. A direção da ação apanha todos os sucessores gratuitos da mesma coisa, salvo se interpõe algum sucessor de boa fé, a titulo oneroso. Se E inverteu, ou consumiu, a favor do patrimônio de O, o que injustificadament5 adquirira de A, o crédito de B pela inversão, ou consumo, contra C enriqueceu-o, e B há de restitui-lo a A. Idem, se E alienou, a titulo gratuito. Todavia, se C esteve de má fé, e adquiriu a coisa, responde a A, excepcionalmente, pelo enriquecimento injustificado. Em todas essas espécies, prevê-se que haja ocorrido a aquisição por E e por O, isto é, a entrada no patrimônio de B e de O. Se E aliena a coisa de A, coisa, portanto, que não está no seu patrimônio, e O adquire, excepcionalmente, a propriedade, a responsabilidade de E não é a de enriquecimento, se nada recebeu, é a de ato ilícito absoluto; enriqueceu-se C, que responde. Dá-se o mesmo se B, gratuitamente, inverte, ou consome, a favor de O, bem pertencente a A. No caso de alienação onerosa de bem pertencente a A, E enriqueceu-se. Há concorrência de pretensões , por ato ilícito absoluto e pelo enriquecimento injustificado. Se C estava de má fé, também é responsável, segundo os princípios da responsabilidade pelo ato ilícito absoluto e segundo os princípios do enriquecimento injustificado. Se B pagou, com dinheiro de A, divida sua a O, divida que file cria, erradamente, existir, B não se enriqueceu, enriqueceu-se O: A não tem a condictio indebiti contra E, e sim contra O. Pode ter a ação de indenização. Se E houvesse tomado de empréstimo dinheiro, ou outra coisa, a A, ou se a comprou a A, e com isso pagou a C, por erro, divida que não existia, A não tem ação por enriquecimento injustificado contra O, e sim contra E; B é que a tem contra C. Os exemplos acima focalizam a diferença entre a ação de restituição por enriquecimento injustificado e a ação de indenização por ato ilícito, ou ato-fato ilícito ou fato stricto seflstt ilfcito. Toda confusão a respeito é altamente perniciosa. Do art. 967 do Código Civil nasce ao adquirente do imóvel, que o alienou, o dever de assistir a quem era o dono, na retificação do registro, nos termos do art. 860. No ad. 968, parágrafo único, fala-se de “reivindicação” contra o terceiro adquirente por título gratuito, ou de má fé, mas houve troca de nomes (Tomo XI, § 1.225, 3). Não se pode interpretar o art. 968, parágrafo único, em contradição com o sistema de aquisição da propriedade imobiliária, fundado na fé pública, que o Código Civil adota. A reivindicação, na espécie do ad. 968, parágrafo único, só seria possível antes de se transcrever o acordo de transmissão da propriedade pelo

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adquirente-alienante ao ter cofre. Cf. Tornos IV, §§ 384, 6, 390, 2, e 407, 4; V, § 596. 1; XI, §§ 1.19?, 4, e 1.225. 3; XIV, § 1.577, 8, o XV, § 1.VM, 2.(Na jurisprudência, há várias referências a DIAS FERREIRA e a CUNHA GONÇALVES, a respeito da eficacização das alienações a non donino, que os julgados erradamente chamam ratificação do nulo, mas é preciso evitar-se Isso, pois aqueles juristas portugueses nunca souberam distinguir da nulidade a eficiência .) Passemos a examinar caso de enriquecimento que nada tom com o pagamento. Trata-se de ato ilícito de alguém, com inverso ou alienação a favor de terceiro. Tomemos exemplo. Tomou B de empréstimo ao Banco do Brasil enorme quantia, que não aplicou aquilo de que falara. Tal quantia foi invertida em fábrica de amigo ou comparsa, que entregou a B ações ao portador, que teriam sido adquiridas por D, filho de B. A prova de que a inversão fora para a entrega a D, gratuita-mente, permite a ação de enriquecimento injustificado contra 13. Passa-se o mesmo quanto a crimes contra a Fazenda Pública, ou contra quem quer que seja. A pretensão e a ação de repetição por enriquecimento injustificado alcançam o terceiro adquirente, ainda que se interponha alguém, de boa ou de má fé, que seja o meio para a transmissão gratuita, eu, se onerosa, de má fé. Pode dar-se que o enriquecido, E, venda a coisa a C, mas entregue o preço a D, gratuitamente, ou, estando D de má fé, onerosamente (para adquirir casa); e ai há ação de enriquecimento injustificado contra E e contra D, a despeito de se haver Intercalado a figura de C. Parte III. Dividas e terceiros PROMESSA DE PRESTAÇÃO DE TERCEIRO 5 3.150. Terceiro e promessa de outrem 1.DIREITO ROMANO Segundo o direito romano, era ineficaz (inzdilia) a estipulação de prestação de terceiro (L. 65, D., de fideiuaaoribus et inandatoribue, 46, 1: “factum alienum inutiliter promittitur”; 5 3, 1., de inutilibus atipzdationibua, 3, 19; L. 38, pr., e L. 83, pr., D., de verborura obligationibus, 45, 1). Havia a divergência <interpolação!) na L. 5, D., de duobua reis constituendis, 45,2. Podia-se estipular a prestação do fato da prestação de terceiro (5 3, 1., de inutilibus atipulationibus, 3, 19: “quodal effecturum se, ut Titius daret, spoponderlt, obligatur). No direito comum, o principio da eficácia da promessa da prestação por outrem já estava posto de lado, por se reconhece que era ligado à estrutura rígida da estipulação. 2.CONCEITOS. A promessa de prestação de terceiro é promessa de obter que o terceiro preste. Devedor é o promitente; de modo nenhum o terceiro. A obtenção é (a) pela diligência em suscitar a prestação pelo terceiro, ou (6) pela diligência em conseguir do terceiro a prestação. Ali, o devedor supõe ter pretensão contra o terceiro; aqui, não a tem, e cabe-lhe buscar o resultado, que só depende do terceiro: dai, liberar-se o promitente se pôs toda a sua diligência para conseguir, e fracassou, salvo (o) se a promessa foi de obrigação de prestação pelo terceiro, com toda a responsabilidade do promitente. Em (o>, o promitente, A, promete a B obrigar O a prestar a B, com fundamento em procura, ou segurança de procura, ou de poder oriundo de lei, ou de negócio jurídico. Não promete A em nome de C, e sim em seu próprio nome; não é representante, nem núncio. Na relação jurídica, C não figura, pois o contrato é somente entre A e E, posto que A invoque poder diante de C (H. DÕLLE, Neutrales Handeln im Privatrecht, Festechrift fur FRITZ SCHULZ, II, 268; K. A. BETTERMANN, .Turisten-Zeitung, VI, 321; F. LÀUYKE, Festschrift

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fiLr H. LEEMANN, 1, 170>. A figura nada tem com o contrato a favor de terceiro; é paralela (KÀRL LARENZ, Lekrbuch <Les Schuldrechts, 1, 161). 5 3.151. Promessa de divida de outrem e promessa de adimplemento por fato de outro 1.. Pode-se prometer que outrem seja ou se torne devedor, e a posição do promitente é semelhante à de quem promete promessa de transferência, de propriedade alheia ou outro direito de outrem. Pode-se prometer que outrem reste, por dever, e então a situação do promitente é semelhante à de quem promete a transmissão, por outra pessoa, da propriedade, que é da outra pessoa, ou de outro direito, que é da outra pessoa. As figuras de que se falou não se confundem com o pacto secundário pelo qual o promitente diz, para o adimplemento, quem terá de entregar a prestação. Nessa, se a entrega pelo terceiro se torna impossível, tem o devedor de providenciar para que se realize no tempo, lugar e modo devidos. Na vida prática, principalmente mercantil, as espécies de que estamos a tratar são freqüentes e não há, de regra, o necessário cuidado na classificação prévia das cláusulas, que, como se viu, são diferentissimas . 2.própria dor é o mesmo,ALTERNATIVIDADE. Também se pode prometer a prestação, ou a prestação por outrem: quem é deve-figurante, e tem de cumprir o que prometeu ou por si ou por meio do ato de outrem (facultas alternativa). § 3.152. Interpretação do negócio jurídico 1.PRELIMINARES. Diante de todas as figuras que se apontaram, o máximo cuidado é de exigir-se na classificação do que em verdade se convencionou. O Preussisches Alígemeines Landrecht, Parte 1, § 348, 2, tinha a regra jurídica segundo a qual, na dúvida, o promitente seria obrigado a responder pelo resultado da sua promessa. A Segunda Comissão para o Código Civil alemão (Protokolle, 1, 855 a.) não a admitiu. No direito brasileiro, não houve tal rejeição, e a solução dada pelo Preussiaches Alígemeines Landrecht é mais acorde com os princípios. Precisemos. Ao classificar-se a cláusula, que tanto sol ser promessa de obter que o terceiro preste como promessa de obter a obrigação do terceiro, pode surgir a divida. O favor ao devedor, na interpretação, somente concerne aos prazos (Código Civil, art. 126). Na dúvida, portanto, entende-se que o promitente se obrigou a que o terceiro se obrigue. Prometeu a Obrigação de terceiro. Se a dúvida se estabelece dentro da mesma classe (promessas de obter a obrigação do terceiro), tem-se de assentar que se prometeu a diligência em se conseguir do terceiro a prestação. Dá-se o mesmo se há dúvida entre qualquer das espécie acima referidas e a simples menção da procedência provável da prestação, ou da procedência como indicadora de qualidade. O que importa, preliminarmente, é atender-se ao art. 85 do Código Civil. Tudo se reduz, portanto, à prévia interpretação da cláusula. 2.REGRA JURÍDICA INTERPRETATIVA IMPLÍCITA. Temos, assim, que a figura (c), de que antes se tratou (§ 3.150, 2), é a que se há, na dúvida, de ter por seguida. Se A promete que C alugue a E o apartamento, ou que C venderá a E as dez mil sacas de café, A prometeu, ainda em caso de dúvida, que o promitente responde pelo resultado da sua promessa. A importância da diferença cresce de ponto se atendermos a que o sistema jurídico brasileiro tem a sua teoria do adimplemento. Feitas as considerações que aqui ficam, vê-se bem quanto é importante, na vida de negócios, a promessa de prestação de terceiro, e quanto é dever do intérprete do

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documento buscar o que em verdade quis quem prometeu A responsabilidade, que tem o promitente, marca-a a sua declaração de vontade, ainda que essa vontade seja a que se revela no uso do tráfico. CAPITULO II ESTIPULAÇÃO A FAVOR DE TERCEIRO 5 3.153. Origens e conceito 1.RELAÇÕES INTER-HUMANAS E ESTIPULAÇÃO A FAVOR DE TERCEIRO. No direito primitivo e no antigo, com a função dos escravos e dos núncios, não se fazia premente a introdução de concepção do Instituto da representação e do instituto da estipulação a favor de terceiro. Por outro lado, a aquisição para outrem tinha de ser para alguém que fOsse ligado ao adquirente e, juridicamente, no patrimônio do adquirente é que entrava, pois o beneficiado estava no patrimônio ou o patrimônio era um só. Quando KAZL GANIA, em 1873, escreveu o seu livro sobre os contratos a favor de terceiro, disse file (Die Vertrtge mi Gtntsten Dritter, 5) que a questão da validade de tais contratos não era questão de hoje, porém de mais de milênio, pondo-se em luta entre si romanistas e germanistas. Ainda nos dias que correm, muitos juristas são vitimas de defeituosas concepções; e as legislações regressivas, mal informadas, concorrem para a imprestabilidade da doutrina de muitos paises. Essa luta se trava em todas as civilizações que se fundem, ou apenas são invadidas umas por outras. O direito é a dimensão em que tais integrações mais se refletem e deixam as marcas. Na depuração de umas culturas por outras, ou na preparação e concepção de sínteses , os elementos de outras dimensões sociais intervêm, porque mais se pende para o lado em que estão interesses econômicos, religiosos, morais e políticos. Com a atenuação ou desaparição da escravatura, ou da Incompleta capacidade dos filhos, tinha de surgir a representação; com as discriminaçÕes de patrimônios, as estipulações a favor de terceiros. 2. DIREITO ROMANO. O principio geral, no direito romano clássico, era, segundo as fontes, assaz nítido: Ãlter stipulari temo potest. Já o direito bizantino, em exceção ao jus atrictum, negava que alguém pudesse alegar Invalidado de contrato a favor de terceiro, se, tendo recebido prestação no interesse de terceira, queria recusar o adimplemento a favor do terceiro. A influência grega e helênica, que tanto se afirmou, em verdade não está provada (cf. G. WESENEERO, Verirtige ngunsten Dritter, 97). Para o direito romano, 8. RícoonONo (Ànno2i dei Semiruzrio gtttitdtto deila R. Universitô di FaZermo, 14, 899 s.), E. ALBERTAB.IO <Studi di Dirjito romano, 1, 851 s.) e VÂZNY (Bulietino dell’Istituto di Diritto romano, 40, 48 s., e Studi RICOOBONO, 1V, Não se pode assegurar que o direito germânico conhecia a estipulação a favor de terceiro, exatamente tal como a temos (cp. H. MrrTEIS, Deutaches Privatrecht, 118). A respeito, cp. H. BRUNNER (Grundzizge der deutacheta Rechtsgeschichte, 3,8 ed., 198, 294 s.) e KARL v. AMntA (Nordgermanisches Obligationenrecht, 1, 302 s., e II, 378 s.; G’nzndrisa des pormaniacheta Rechís, 2.8 ed., 185). t preciso não se confundir com a estipulação a favor de terceiro a fidúcia. 3.SISTEMAS JURÍDICOS RETARDADOS. Em muitos sistemas jurídicos, ainda se faz a eficácia da estipulação a favor de terceiro depender da adesão do terceiro ao contrato. Faltou-lhes exatamente a solução técnica da aquisição à semelhança do que se passa com os herdeiros, a respeito da herança. Sem que Intervenham, os terceiros adquirem; se o terceiro repudia ( renuncia, no ad. 1.581, 2.~ parte, ao Código Civil) o

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favor, tudo se passa como se não houvesse adquirido. No direito brasileiro, o terceiro pode sempre exigi-lo, se contrariamente não se dispôs; se o exige, fica adstrito ao que a seu respeito se estabeleceu. Quando, no art. 1.099 do Código Civil, se fala de “se deixar (ao terceiro) o direito de reclamar a execução”, caso em que o estipulante não pode exonerar o devedor, o que se há de entender é que, se não foi expressa-mente excluído o direito de o terceiro exigir o adimplemento, não pode o estipulante exonerar o devedor. A regra é poder o terceiro exigir. Se não se dispôs diversamente, deixou-se-lhe tal direito e a pretensão. Sistemas jurídicos retardados são todos os que seguiram a trilha do Preussisches Alígemeines Landrecht, Parte 1, Titulo 5, §§ 74-77, do Código Civil francês, art. 1.121, e do Código Civil hávaro, Parte IV, Cap. 1,1 18. Tal solução não atendia à vontade dos figurantes, nem às exigências do tráfico. Na concepção superada explicavam-se todos os efeitos como em virtude de negócio jurídico especial, implf cito no contrato a favor do terceiro, ou adjecto a ele. Tais como: a) a responsabilidade do promitente, em relação ao terceiro; b) a aquisição do crédito ou do direito, por parte do terceiro; c) a liberação do devedor com o adimplemento ao terceiro. Foi tudo isso, exatamente, o que se rechaçou, com admitir-se que o terceiro adquira o direito e a pretensão por simples fato da conclusão do negócio jurídico bilateral, entre estranhos, como são, para file, os figurantes. Também é de repelir-se a concepção da aquisição do direito e da pretensão como efeito de cessão tacita. A cessão seria entre o promissário e o terceiro, e não se exige, sequer, para a aquisição do direito e da pretensão pelo terceiro, que esse tenha conhecimento da estipulação a seu favor. Para explicar o contrato a favor de terceiro, com efeitos só entre os contraentes, R. STAMMLER (Das Recht der Schuld.. verhitltnisae, 171 si falava de negócio jurídico unilateral, que, à semelhança do que se passa com as promessas ao público, atribui direito a outrem. Mas .~ como justificaria file que se separasse do negócio jurídico bilateral a estipulação, para ser tratada à parte? 4. DOUTRINA DO DIREITO COMUM. Na história do contrato a favor de terceiro, foram passos memoráveis: a) a regra da aformalidade do pacto, ou melhor a regra da não exigência da forma especial por se tratar de estipulação a favor de terceiro; b) o afastamento da concepção de ser necessária aceitação pelo terceiro; e) o depender da conclusão do contrato entre promitente e promissário a eficácia da cláusula a favor de terceiro; d> a afirmação de ser dispositiva a regra jurídica sobre a modificabilidade ou revogabilidade. Foi Huco Gxtócío (De jure beili cl pacis, Livro II, c. IX, n. 18) quem primeiro separou, com precisão, a representação e o contrato a favor de terceiro. Deve-se-lhe ter distinguido, embora deficientemente, três espécies de negócios jurídicos, para focalizar a estipulação a favor de terceiro: a) ao promissário faz-se a promessa de re datada alteri, o promitente não pode voltar atrás e os verba promissiva, segundo a expressão dos glosa-dores, são postos pelo promissário; b) a promessa é em nome do terceiro, por ser o promissário mandatário do terceiro (há aceitação pelo mandatário, que é aceitação pelo próprio terceiro); e) a promessa é em nome do terceiro, mas o promissário não tem podêres para aceitar. Quanto a essa espécie, há discussão em torno do que entendia Huco GRÓCIO, no tocante à vinculação (e. g.,. -KÀRL GAREIS, Dia Verti-jipe zu Gurtateta Drilter, 71, com alusão a “oferta coletiva”, que produz obtigo; ABTEUR PANOFSKY, Die Vertrdge zu Gunsteta Drilter, 44, com a Interpretação de ter Huco Glóclo, em caso de honra à palavra dada, como vinculativa a promessa). Na primeira espécie, o contrato existe, mas é só entre promissário e promitente: oferta e aceitação há, mas só entre êles. O promitente não pode desligar-se do vínculo; pode desligá-lo o promissário, porque dispôs de iua proqrrium. A falha de Huco Gaôcío estêve em não ir até às conseqüências da sua construção: teve o direito do terceiro como nascido depois. Note-se que se deixou de

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atender a que a promessa surtira efeito.. Com a aceitação do contrato, o promissário não fêz oferta ao terceiro, apenas aceitou o direito ei f iciendi, tU ad alterum ius perveniat. Textualmente: “Si mihi facta est promissão, omissa inspectione an mea privatim interuit, quam introduxit ius Romanum, naturaliter videtur mihi acceptandi ius dari efficiendi, ut ad alterum lua perveniat, si et is acceptet; lia ut medio tempore a promissore promissão revocari non possit, sed ego, cui facta est promissão, eam possim remittere”. E conclui, fundamentando o que disse:“Nam is sensus inri naturas non repugnat et verbis talis proinissãonis maxime congruit, neque nihil mea interest, si per me alter beneficium acquirat”. A espécie i» é de representação. Quanto à espécie c), a pessoa não se disse representante do terceiro e o promitente vincula-se ao terceiro se esse aceita, pois esse é o verdadeiro figurante, e aquela pessoa não pode aceitar pelo terceiro, porque podêres não tem. “Deficiente autem mandato, si alius, cul promissão fada non est, scceptet volente promissore, tunc is erit effectus, ut promissore revocare promissãonem non liceat, antequam is, quem spectat promissão, sam ratain habuerit aut irritam: sic tamen, ut medio ilIo tempore is, qui acceptavit, remittere promissum nou possit, quia hic non adhibitus est ad ius allquod accipiendum, sed ad adstringendam promissoris fidem in sustentando beneficio; ita ut promissor ipse, si revocet, faciat contra fidem, non contra ius proprium alicuius”. A propósito da necessidade da aceitação do terceiro foi excepcional a atitude de J. U. VON CRAMER, que a dispensava. A Huco GRócio e J. H. Bonxn deve-se, através de teoria da direçâo da vontade, que então favorece ao terceiro, o aguardar-se, sem possibilidade de retirada da promessa, que a terceiro se pronuncie. O que foi lento foi libertar-se a doutrina do apego à concepção de pactum de contrahendo cura tertio. Foi superada a hostilidade da doutrina ao contrato a favor de terceiro com aquisição que não fosse de situação de credor do promitente, ao chamado contrato de direito das coisas a favor de terceiro (e. g., R. LEONHARD, Di. Mat echt barlceit der Vertritge fUr das Vermtigen eines Dritt es, 25; KONRAD HELLWIG, Di. Vertritge aul Leistuttg as Dritte, 41; ÃBMIN EHRENZWEIG, Di. aoget mv tigliedrigeta Vertritge, 20). Com a opinião certa, JOSEPE UNGER (Die Vertrêge Gunsten Dritter, Jahrbllcher flir di. Dog,natik, 10, 61). 5. CODIFICAÇÕES DO SÉCULO XVIII E COMEÇO DO SÉCULO XIX. As teorias refletiram-se nas legislações No Codex Maximilianeus bavaricus civilis (1756), 1V, 1, § 18, e 9, § 3, há a ratificação pelo terceiro (W. X. A. v. KiErrrzan, Ásinerlcusgeta itber deta Codicem Maximilianeum bavaricum civilem, IV, 1379 s.). No Preussisches Alígemeines Landrecht, Parte 1, Titulo 5, §§ 74-77, a teoria da aceitação persistiu. No Código Civil francês, art. 1.121, introduziu-se a opinião de R. PoTErna (Traités ar dii fé-entes mo,tiêres de Droit civil et jurisprudente, TraiU des Obligations, 1, 85), segundo a qual “os qul concerne une autre personne, que les parties contractantes, peut être Is mode, ou la condition d’une convention, quoiqu’il ne puisse pas en être l’objet”. Portanto, para eles , em cuja regressiva teoria se inspirou a codificação francesa, “donner à un tisrs, faire quelque chose pour un tiers, et généralement tout ce qui ne concerne point l’intérêt personnel de la partie qui le stipule, ne peut à la vérité Otre l’objet du contrat, mais cela peut Otre is condicione et is modo) “. A procedência do art. 1.121 do Código Civil francês é incontestável (F. LAUItENT, Prbwipes de Droit Civil, 15, 685: “L’art. 1.121 n’est pas une innovation; les auteurs du code n’ont fait que formuler l’opinion de Pothier”; RENAUD, Ober Vertrãge zu Gunsten Dritter, Magazir& fui- badieche Rechtspflege und Verivaltusg, II, 10).

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No Código Civil Austríaco (1811), o § 881 somente aludiu a que casos há em que a lei permite a estipulação a favor de terceiro. Os contratos a que se refere o § 1.019 não são contratos a favor de terceiro (cf. A. EHRENZWEIO, Di. aogenasste’n r.velglledrigen Ilerti-tige, 77 e 93), pfisto que ai pusesse V. HASENÕREL (Das ôsterreickische Obligatiosenrecht, 1, 476) o contrato de seguros. O principio era o de não valer o contrato a favor de terceiro, ou, melhor, o pactum in favorem tertii <JOSEPH UNGER, Die Vsrtrãge zu Gunsten Drltter, JaJ&rblkher 11W die Dogmatilc, 10, 97-99). A Novela III, art. 106 modificou o § 881, de modo que passou a dizer: “Se alguém se faz prometer prestação para terceiro, pode exigir que a prestação seja feita para o terceira. O acordo, a natureza e o fim do contrato permitem julgar se o terceiro também tem direito a exigir do promitente o adimplemento do contrato e a que momento. Em caso de dúvida, o terceiro adquire esse direito, se é sobretudo ele quem devo aproveitar essa execução. Em caso de cessão de bem, considera-se, na falta de estipulação, que o terceiro adquiriu no momento da tradição do bem o direito às prestações prometidas pelo cessionário a seu favor”. O§ 882, em virtude da Novela III, art. 107, estabelece:“Se o terceiro renuncia ao direito que adquiriu no contrato, orne direito é considerado como não adquirido. As exceções que resultam do contrato também pertencem ao promitente em relação ao terceiro”. No Código Civil Saxônico (1863), §§ 853-856, já, na essência, aparecia o contrato a favor de terceiro, em sua concepção hodierna, com o direito do terceiro desde a conclusão, com a pretensão ao adimplemento (cf. ED. SIEBENHAAR, Kommentar n dem BIIi-gerliches Gesetzbuche 11W das Kõnigreick Sachees, II, 117). 6.DIREITO FRANCÊS E SISTEMAS JURÍDICOS SIMILARES. Para se chegar à concepção hodierna do contrato a favor de terceiro, ou, mais largamente, da estipulação a favor de terceiro, longa estrada se teve de percorrer. A meio-caminho surgiram as regras jurídicas, retrógradas, inscientes, do Código Civil francês, arte. 1.119, 1.121 e 1.165, que, copiadas ou imitadas por muitos códigos civis, perturbaram a ciência jurídica e ainda perturbam. Os juristas franceses, a despeito dos esforços desesperados de alguns, não conseguiram afastar a regressividade daquelas regras jurídicas. “On ne peut, en géndral, s’engager, ni stipuler sn son propre nom que pour sol-mime” (Código Civil francês, art. 1.119). Era o ressurgimento dos princípios jurídicos romanos clássicos da proibição de negócio jurídico a favor de outrem (Alteri stipulari nemo potest, nec paciscendo, nec legem dicendo, nec stipulando quisquam alteri potest) ; e do adquirir por pessoa estranha livre (per extraneam personam ... adquiri non potest; per liberam personam ... adquiri non potest). No art. 1.121, o Código Civil francês estabeleceu: “On peut pareillsment stipuler au profit d’un tiera, lorsque que telís est la condition d’une stipulation que lon fait pour sai-même, ou d’une donation que l’on fait à un autre. Celui qul a fait cette stipulation ne peut plus la révoquer, si Is tiers a déclaré vouloir en profiter”. No art. 1.165: “Les conventions n’ont d’effet qu’entre les parties contractantes; síles no nuisent point au tiers, et elles ne lui profitent que dans les cas prevu par l’article 1.121”. O “res inter alios acta alteri nec nocet nec prodest” estala no art. 1.165. A referência ao art. 1.121, como se toda exceção ao principio lá estivesse, tornou tal artigo o punetum doliens do problema do negócio jurídico a favor de terceiro. Cedo, a doutrina e a jurisprudência francesas compreenderam que tinham de atenuar a regressividade dos arts. 1.119, 1.121 e 1.165 do Código Civil francês. Entre a interpretação literal, romanizante, que vedava todos os contratos a favor de terceiro, que era a tese, e a que, influenciada pela leitura dos doutrinadores alemães, reconhecia que a vontade dos contraentes podia afastar a incidência dos princípios vedativos, e foi a asintese, pulularam tentativas de sistese.

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a>A teoria tática, negativa, foi a teoria da oferta, oriunda do direito comum, que reputou nulo qualquer negócio jurídico bilateral a favor de terceiro, salvo se contém oferta ao terceiro, que, aceita, faz constituir-se a favor do ai chamado terceiro novo negócio jurídico. Discordâncias surgiram sobre quem seria o oferente: a o promitente, o promissário ou os dois? O promissário ou estipulante, respondiam alguns juristas (C. TOULLIER, L. LAROMBIÊRE, C. DEMOLOMBE, F. LAURENT). O promitente, queriam outros (e. g., E. TEALLmt). Outros entendiam que a oferta partiria dos dois, promitente e promissorio (e. g., MANENTE). As divergências iam mais longe: a)o direito do terceiro seria o mesmo do promissário e exercicio file de acordo com o art. 1.166 do Código Civil; ou b) pretensão e ação próprias teria o terceiro, como se houvesse contratado diretamente com o promitente; ou o) o direito do terceiro seria o de cessionário do promitente. Ainda não acordavam os juristas no tocante à aceitação da pretendida oferta: somente poderia dar-se em vida do terceiro e do oferente; ou pelos herdeiros, se os herdeiros do oferente não a retiravam. b)A outra teoria extrema, que é a teoria da validade de todos os negócios jurídicos a favor de terceiro, fez tábua rasa de toda a letra da lei (Código Civil francês, arte. 1.119 e 1.165). Os partidários de tal atitude puseram à mostra o “deplorável anacronismo” do Código Civil francês, o “resíduo histórico” aferante. O mais eficiente e arguto foi E. LÀnnT (Du Contrat es faveur de tiers, 70 s.), que pretendeu justificar-se com o estudo histórico, por vezes sem razão. Na Itália, L. TAETIJFARI (Dei Costratti a favore di terzi, 302 s.), para quem ao “rei inter alios acta alil prodesse non potest” se teria de acrescentar, no direito moderno, “nisi ad hoc acta fuerit”), com influência marcada de JOSEPE Uwon e KARL GARra. Passemos às teorias intermédias, mais ou menos sintética mas, em verdade, com o propósito de livrar o sistema jurídico francês dos arte. 1.119 e 1.165 do Código Civil francês. c)A teoria da “se gotiorism gestio” tentou afastar o principio da vedação, mediante o expediente de salvar os negócios jurídicos a favor de terceiro quando, is caiu, se possa considerar o promissário como gestor de negócios do terceiro. A fonte está em R. POTHIER e chegou a completa construção em C. DEMOLOMBE: o promissário obrou como gestor de negócios alheios; o terceiro, ratificando a gestão, adquiriria o direito. O subterfúgio ressalta. A introdução do elemento da representação deturpa o instituto; e, na aplicação aos casos concretos, a teoria falharia. d)A teoria das obrigações subjetivamente alternativas foi defendida por A. Boísrel, no Dauoz, a propósito da decisão de Caen, a 3 de janeiro de 1888. Haveria alternativa na designação do credor. Mas j par alguém, terceiro, em alternativa, como credor, não é infringir os textos dos arts. 1.119 e 1.165 do Código Civil francês? O interessante é que E. LAMBERT (Du Contrat es faveur de tiera, 45 s.) achou .que a teoria se chocaria com as próprias exceções ao principio vedativo , contidas no mi. 1.121 do Código Civil Frances. e)A teoria da redução do principio veda,,. pôs claro o seu propósito de interpretar restritivamente (e. g., BAIJDEY -LÂCANNNUEM e BADE). O esfOrço foi em tOrno de dizeres do art. 1.121 do Código Civil francês: “breque telle est la condition d’une stipulatlon que l’on falt par sol-mime”, <‘ou d’une donatlon que l’on falt à un autre”. Se o promissário se obriga, a prestação do promitente pode ser a ile, ou a terceiro; se o promitente pode favorecer o terceiro na doação modal, não há razão para se recusar a interpretação dilatante do art. 1.121, 1.~ parte. No fundo, a expressão “conditlon” permitiu todas as divagações. As considerações que acima fizemos têm apenas o fito de mostrar a que dificuldades levam a doutrina os textos legais firmados em soluções de técnicas legislativas já superadas. Por outro lado, chama-se atenção para o perigo de consulta a livros franceses e de passes em que o Código Civil francês foi copiado ou imitado. 7. CONCEITO. A discussão sobre a construção da estipulação a favor de terceiro

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não tem mais a importância que teria no direito romano, ao exsurgirem as primeiras exceções ao principio da impossibilidade da estipulação a favor de terceiro. As leis assentaram exatamente o oposto: a permissão. Superou-se, assim, em toda a extensão, a concepção romana, segundo a qual so entre os figurantes poderiam ter eficácia os negócios jurídicos. Compreende-se que também se haja adotado, sem grandes limitações, a representação, a que se chama representação direta ou imediata, somente quando se tem de aludir à chamada representação mediata ou indireta de que se valia o direito romano. A eficácia da estipulação a favor de terceiro consiste em que o terceiro adquire o direito e a pretensão, que um dos figurantes prometeu, sem ser preciso que a prestação vá do promitente ao promissário e desse ao terceiro. A transferência é entre o patrimônio do promitente e o patrimônio do terceiro, sem qualquer interniediariedade. O terceiro adquire em virtude do contrato, em que ele nenhuma parte tomou, nem sequer tinha de a ele assistir. Adquire, porque os figurantes quiseram. Portanto, ainda que ele mesmo não quisesse, ou houvesse razões, suas, para não querer adquirir. O Código Civil não empregou a expressão “contrato a favor de terceiro”, mas sim “estipulação em favor de terceiro”. Nos arts. 1.098. 1.099 e 1.100, parágrafo único, alude-se a contrato. Também no Código Civil alemão se fala de “Versprechen der Leistung an einen Dritten” e nos parágrafos a palavra “Vertrag” aparece. Segundo o § 328 do Código Civil alemão, pode por contrato ser pactada a prestação a terceiro com a eficácia de adquirir o terceiro, imediatamente, o direito de exigir a prestação. Portanto, o direito e a pretensão. No direito brasileiro, é o art. 1.099 do Código Civil sedes raateriae, para se saber se, ao se estipular a favor de terceiro, adquire esse, desde logo <portanto, em virtude tão-só do contrato e pela só razão de o terem querido os figurantes>, direito e pretensão ao que se estipulou. Lá se diz: “Se ao terceiro, em favor de quem se fez o contrato, se deixar o direito de reclamar-lhe a execução, não poderá o estipulante exonerar o devedor”. Convém frisar-se que se preferiu a regra jurídica da aquisição desde logo. O estipulante pode exigir o adimplemento a favor do terceiro. Está no art. 1.098 do Código Civil, para todos os casos, ainda que o terceiro possa, em virtude do art. 1.098, parágrafo único, exigi-lo diretamente. Estipulação a favor de terceiro é a atribuição de eficácia, a favor de terceiro, ao negócio jurídico bilateral, inclusive a acordo de transmissão ou de constituição. Portanto, não só de promessa se trata; tem-se de entender que se pode estipular a promessa a favor de terceiro, ou a atribuição de efeito real (disposição transíativa ou disposição constitutiva, e. g., gravativa; cf. GELLER, Versprechen und Zuwendungen ftir Dritte, Osterreichisches Zentralblatt, 30, 1 s.; cp. B. WINDSCHEW, Die indirekte Vermõgensleistuhg, Festgabe 71W Dr. Jur. Erro Mtua, 1 s., e Gesammelte Redes und Abh,andlusgen, 410, e G. PLANOS, Kommentar, II, 1, 415 s.). A opinião de JOSEPE UNGER (fie Vertrãge zu Gunsten Dritter, Jahrbitcher fitr die Dogmatik, 10, 61) era a certa, e é hoje a que se deve acolher, a despeito da inserção da matéria dos contratos a favor de terceiro no direito das obrigações. É de repelir-se a opinião de KoNiUD HELLWIG (Di. Vertrttg. .4Leistung as Dritte, 53 s.) e de outros (e. g.’ RUDoLF GEORCI, Vertr<lge au Ginastas Dritter, 57), que não admitem acordos de transmissão (propriedade, posse) e acordos de constituição de direito. reais limitados com cláusula de favor a terceiro. Cf. KAItL Gama (Di. Vertrdge au Gusates Dritter, 25; W. KLUCKHOHN (Di, Verfilgus pan zugurtsten Dritter, 1 s.), e Lio ROSENEERO (Vertrãge zugunsten Drltter im Sachenrecht, Deutache Juriaten-Zeitung, 12, 541), ambos radicalmente pela extensão; H. SmER (Die Frage der Verftlgungsgesch&fte zu fremdem Recht, Featgabe flir E. SoEM, 49 s.); e O. WARNEYER (Komrnentar, 1, 596).

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4 3.154. PRESSUPOSTOS DO FAVOR A TERCEIRO O interesse do promissário pode ser patrimonial, ou não (cf. MATE. KNAUS, Di. aogenasstes Vertrttge tu Gu.tateu Drttter, 22 5.). Ao surgir o direito do terceiro, o seu patrimônio aumenta, ou a expensas do promissário, ou do promitente, ou de ambos, mas isso é sem relevância para se determinar a natureza do direito do terceiro. No contrato de seguro de vida, ao promissário é que fica diminuído o patrimônio; na assunção da posição subjetiva das empresas, ambos os patrimônios sofrem com o que se presta ao terceiro que se retira. Para o promissário, a prestação ao terceiro o satisfaz, porque tinha pretensão a que o promitente prestasse ao terceiro. Para o promitente, prestar ao terceiro é satisfazer o terceiro e, pois, o promissário. A estipulação a favor de terceiro tanto pode ser em negócios jurídicos bilaterais de direito de obrigações e das sucessões como em negócios jurídicos de direito das coisas (acordos de transmissão, acordos de constituição de direitos reais). Assim em contratos bilaterais como em contratos unilaterais, em pactos de mutuo dando e de mutuo accipiendo, em promessas de doação (pactos de donaiado) e quaisquer outros. É interessante observar-se: posto que quem tenha de prestar seja o promitente, do patrimônio do promissário é que sai o valor que enriquece o patrimônio do terceiro. A relação causal entre B, promitente, e A, promissário, não se estende à relação entre B, promitente, e C, terceiro. Nem, de regra, se leva em conta o negócio jurídico que acaso possa existir, subjacentemente, entre A, promissário, e C, terceiro (cf. E. ZIMMERMANN, Die Lehre vos der stellvertretendes Negotiorum Gestio, 78; HERMANN STAHL, Die Verti-age tu Guiastes Dritter, 18). § 3.154. Pressupostos das estipulações a favor de terceiro 1.INTENÇÃO DOS FIGURANTES. Quando, em negócio jurídico bilateral, ou em pacto posterior, se promete fazer a terceiro a prestação, é questão de interpretação saber-se se o terceiro adquire direito e pretensão ao prometido. Se nada se estabeleceu expressamente sobre isso, é das circunstâncias, especialmente do fim do contrato, que se há de extrair a intenção dos figurantes. O maior problema consiste em se saber se trata de contrato a favor de terceiro ou do chamado contrato impróprio a favor de terceiro, que não é contrato a favor de terceiro. Portanto, a questão básica é a de se dizer se há, ou não, no caso, contrato a favor de terceiro. Qualquer alusão à pretensão do terceiro a exigir o adimplemento do contrato mostra que se tem, no caso, contrato a favor de terceiro. Porém não é de mister que haja tal alusão para que se cogite de contrato a favor de terceiro, Em qualquer ocasião, a interpretação é integradora do contrato, se o promissário pelo que se manifestou tem interesse em conferir ao terceiro posição jurídica independente da vontade do promitente, ou se ressalta que era do interesse do promissário que o terceiro possa erigir sem a sua presença ou atuação. Os exemplos melhor esclarecem. Se alguém conclui contrato de transporte de sua própria pessoa, da família e dos empregados, tem-se de entender que êles adquirem, desde logo, direito de crédito e, quando nascer, a pretensão: a empresa de transportes é responsável perante qualquer dos terceiros incluídos no contrato. Se alguém interna pai, mãe, filho, filha, ou outra pessoa, em sanatório, clínica ou casa de repouso, a pessoa internada é titular do direito e da pretensão contra o estabelecimento. Idem, se alguém arrenda fazenda, sítio ou casa de campo “para si e sua família”. Dá-se o mesmo se aluga a casa ou apartamento urbano “para si e sua família”. Na locação por prazo determinado, há transferência aos herdeiros, ainda que nada se tenha dito, porém ai de modo nenhum se trata de contrato a favor de terceiro. A promessa de dote feita ao homem contém estipulação implícita a favor da mulher.

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A cláusula de readmissão, nos contratos coletivos de trabalho, tem eficácia em relação ao trabalhador individual. Mas, ai, a figura é diferente. A ordem dada ao banco de pôr certa quantia “à disposição de terceiro” nem sempre se há de interpretar como estipulação a favor de terceiro, salvo se na ordem de prestação se diz “pague-se, ou “contra fatura”, ou “contra quitação”. A ordem de depositar na conta do terceiro não é estipulação a favor de terceiro, pois que pode ser revogada até o depósito, se não se conclui das circunstâncias que se trata de estipulação a favor de terceiro (e. o., o banco comunicou ao depositante que a quantia a ser paga é de a). Se a ordem é mandato, não há pensar-se em estipulação a favor de terceiro. O assunto monco maior desenvolvimento ao se tratar dos negócios jurídicos bancários. 5 3.155. Objeto da estipulação a favor de. terceiro 1.PRESTAÇÃO. A prestação, que há de ser feita pelo promitente ao terceiro, pode consistir em bem patrimonial ou não (G. PLANCK, Kommentar, II, 1, 418). Se, no momento da conclusão, o promitente já presta, como se o negócio jurídico bilateral é para que o promitente, executando o calçamento da rua particular, também conserte a calçada do vizinho, há contrato a favor de terceiro. Outrossim. é possível que o promitente, demolindo o muro, ponha a terra e as pedras no sitio de C, onde há parte alagada, ou, desviando as águas que inundam a região, delas livre também as casas do resto da rua. 2.APELAÇÃO JURÍDICA ENTRE O PROMITENTE E O TERCEIRO. O promitente ou cumpriu imediatamente a promessa (acordo de transmissão, ou acordo de constituição, ou negócios jurídicos de adimplemento imediato), ou é devedor da prestação. Se transferente ou constituinte de direito, vincula-se com o acordo; satisfaz com a transmissão ou constituição. Os princípios gerais e especiais sobre transferência e constituição são invocáveis. Se devedor, as regras jurídicas concernentes às diferentes espécies de divida incidem; bem assim as que dizem respeito a adimplemento, mora e resolução. § 3.156. Institutos parecidos com a estipulação a favor de terceiro 1.ESTIPULAÇÃO A FAVOR DE TERCEIRO E REPRESENTAÇÃO . O negócio jurídico bilateral, em que se introduz ou a que se adjeta estipulação a favor de terceiro, é em nome próprio e, salvo no que atingem a terceiro, todos os efeitos se limitam aos figurantes. Se A fez seguro de vida a favor da filha C, a A, e não a C, incumbem as dividas de prêmios. Se A estipulou, no contrato com B, que esse pagaria as mensalidades do colégio de C, sua afilhada, a A, e não a O, é que toca qualquer obrigação em relação a B. Naquele, antes da adesão, ou da aceitação, conforme a espécie, o terceiro nenhum direito tem, oriundo do contrato. No contrato a favor de terceiro, o terceiro somente não adquire, desde logo, o direito, se isso foi preestabelecido pelos figurantes, ou se resulta de lei. O contrato a favor de terceiro não se confunde com o contrato por conte de outrem. Ai, só o promissário é titular de direitos, posto que, pela transmissão do crédito, só o terceiro o venha a ser. Não altera isso o fato de estar obrigado, por lei, à cessão o credor originário, ou estar abrigado à cessão, em virtude de negócio jurídico. É o caso de transporte por conta de terceiro (cp. Código Comercial, art. 575, l.~>. 2.“SOLTITIONIS CAUSA ADIECTIO”. Se o devedor pode prestar a terceiro, ao chamado solutionis causa tutiectus, nulo há contrato a favor de terceiro. O terceiro será apenas outorgado a receber, ao lado do promissário (L. KVHLENBECK, .fl v. Staudin gera Komment ar, II, 295; cl. D. WINDSCHEID, Lekrbuch, ~ 9a ed., 299).

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3.ASSUNÇÃO DE ADIMPLEMENTO. A chamada de adimplemento (Tomo XXIII, §§ 2.819, 1, e 2.820, 4), na divida, não se tem como contrato a favor de terceiro (que seria o credor). Se A promete a E satisfazer o credor de E, que 4 C, C não adquire qualquer direito contra A; somente B tem direito e pretensão. Nem houve assunção de divida, nem estipulação a favor de terceiro. Se um dos figurantes do negócio jurídico bilateral se abriga a satisfazer o credor do outro figurante, sem assumir a divida do promissário, não se há de entender, na dúvida, que se estipulou a favor de terceiro: o terceiro não adquiriu direito e pretensão contra o promitente. Trata-se, apenas, de assunção de adimplemento <Erliulungsilberlzahrfleh e não de assunção de divida alheia (SchuLdiibernahme), nem de estipulação a favor de terceiro. Aliás, repitamos ter errado G. PLANa (Kommester, II, 1, 421), ao considerar a assunção de adimplemento como subespécie de contrato a favor de terceiro, que é o credor do promissário (cf. 1?. OERTMANN, Recht der SchuLdverhtittnisae, 218; KONzUD HELLWIG, Die Vertrtige auf Leistung au 4. ASSINAÇÃO. Também não se confunde com o contrato a favor de terceiro a assinação. Na assinação, há dois negádos jurídicos bilaterais: um, entre o assinante e o assinatário, outro entre o assinatário e o assinado. Todos com amua. No contrato a favor de terceiro, só há um contrato, porque a cláusula ou pacto também só se estabelece entre os dois figurantes (cl. E. ZIMMERMANN, Di. Lehre vota der atellvertreteWlefl Negotiorufl’ Gestio, 81). 5. ASSUNÇÃO DE DIVIDA ALHEIA. A assunção de divida alheia produz-se por sucessão da divida; com o consentimento do credor, a divida passa a ser do assuntor, em vez de divida do originário devedor (Tomo XXIII, §§ 2.852-2.870). Cp. Motive, II, 144; e R. MONSTra (tiber die SingzdarSuccesstofl na Schzddefl, 74>. A construção como poÁIttflht ia favorent terttt seria artificial e sem coincidência de linhas. Principalmente, porque se teria de supor, em todos os casos, ser o promissário devedor do terceiro, o que pode acontecer porém nem sempre acontece. A respeito das objeções e exceções ainda nesses casos especiais o regramento jurídico é diferente. A assunção de divida por contrato entre o terceiro e o credor libera o devedor originário. Trata-se de contrato liberatório, como o negócio jurídico pelo qual se solve a divida do terceiro. Há favor ao devedor, mas seria erro ver-se ai contrato a favor de terceiro (cf. KoNRAD HELLWIG, Di. Vertrãge auf Letstnflg en Dritte, 40 e 54; RoBERT COHEN, Die Vertrãge a Gunsten Dritter, 14; com razão, JOSEFE HOLL, Die Vertrttge a Gunste’n Dritter, 14, sustenta não haver contrato a favor de terceiro na assunção de dívida alheia pelo negócio jurídico entre assuntor e credor). Se a assunção de divida alheia é mediante negócio jurídico entre o assuntor e o devedor, tão pouco se pode falar de contrato a favor de terceiro. O credor vai adquirir o direito, se consente, pois só então pode ir contra o assuntor. Falou-se em condição potestativa (JOSEPH HOLL, fie Vertrdge a Gunsten Dritter, 40); mas a explicação seria forçada. A conseqüência é do conceito mesmo, tal como se fixou na doutrina, à semelhança do repudio §3.158. ESPÉCIES DE ESTIPULAÇÃO 6. Doação . A doação pode ser com determinação anexa, com o encargo (Código Civil, art. 1.137, II). Há a figura do doador e a do donatário, que toma o encargo de prestar ao terceiro. Trata-se de contrato a favor de terceiro? Em principio> sim (e. g., MÁX Hnscunw, Die Reclate deu Verapreckeiuempfangera aus eilaera Vertrage aLeistung ata efiten Dritten, 39 sj. O terceiro pode não ter adquirido, desde logo, o direito: o modo apenas é determinação anexa, e não há regra jurídica cogente sobre a subjetividade do ronda. O assunto será versado a seu tempo.

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£ 3.158. Espécies de estipula$o a favor de terceiro 1. CONTRATOS IMPRÓPRIOS A FAVOR DE TERCEIRO. Na ordinariedade dos casos, quem figura em negócio jurídico bilateral, com o fito de adquirir direitos ou créditos oriundos do negócio jurídico bilateral, contempla a si mesmo como adquirente. Todavia, o interesse de tal figurante pode consistir em que o outro figurante preste a terceiro. A cada momento concluímos a favor de terceiro contratos e acordos de transmissão ou de constituição. A vida de negócios é intensamente pontilhada de aquisições seguidas de transmissões a terceiro e de estipulações a favor de terceiro. Os exemplos são expressivos, por sua freqüência e por sua simplicidade: a) entra A na casa de modas e compra o chapéu e, em vez de dar o seu endereço, dá o nome de D e o endereço de D; b) E encomendou à casa de artigos para trabalhos hidráulicos cem metros de cano de duas polegadas, mas a casa verifica, depois, que só tem setenta metros, e encarrega outra empresa de remeter na mesma data os restantes trinta metros; c) A quer concorrer para a festa que se faz em honra de D em casa de C, A compra um caixão de vinhos e remete para C, com a indicação “para a festa em honra de D” (C é o terceiro favorecido, mas a prestação tem destinação especial) ; d) A contrata com B o conserto da casa de O; e) A faz B prometer que todos os meses pagará as mensalidades de O no hotel, durante todo o ano. Os contratos a), b) e c) são contratos impróprios a favor de terceiro, porque não surge qualquer dívida ou dever de quem prometeu ou transferiu e o terceiro; há-o, apenas, a favor do promissário, ou figurante do acordo de transmissão. Nas espécies ci) e e), o contrato a favor de terceiro é próprio Melhor: é, em verdade, contrato a favor de terceiro. Ali, os favorecidos apenas recebem a prestação; aqui, podem exigir que o promitente a entregue. Ali, são receptores da prestação que foi ao promissário ou adquirente; aqui, são titulares de crédito contra o promissário. Nos chamados contratos impróprios a favor de terceiro não há, verdadeiramente, promessa, ou atribuição ao terceiro, de modo que não se trata de estipulações a favor de terceiro, se não foi expresso que se doava ou transferia ao terceiro, O que é preciso é que não se repute estipulação a favor de terceiro o que apenas é aquisição por alguém, para o outorgante transferir a terceiro, embora o faça pela designação do terceiro e do endereço do terceiro. Se o promitente só se vincula perante o promissário, nenhum direito ou pretensão resulta para o terceiro. Não há, ai, verdadeiramente, estipulação a favor de terceiro; o que se estipula é que ao terceiro é que se há de entregar a prestação. O contrato nada tem com o que se passa entre o promissário e o terceiro, como, aliás, ocorre no contrato a favor de terceiro, porém também não há qualquer dever ou obrigação do promitente perante o terceiro. Quando o devedor presta ao terceiro, é ao promissário que presta. A prestação ao terceiro é conteúdo da divida do promitente. O chamado contrato impróprio a favor de terceiro não é, portanto, estipulação a favor de terceiro. A questão de se saber se, no caso concreto, existe estipulação a favor de terceiro <= estipulação de que nasça, desde logo, ao terceiro, direito e pretensão), ou apenas contrato impróprio a favor de terceiro, somente se pode resolver pela interpretação do negócio jurídico. 2.EXAME DAS ESPÉCIES DE ESTIPULAÇõES A FAVOR DE TERCEIRO. No sistema jurídico brasileiro, ou a) o estipulante se reserva o direito de substituir o terceiro, independentemente do seu consentimento, caso em que a substituição faz cessar qualquer direito e pretensão do terceiro, ou o estipulante nada se reservou e, embora tenha pretensão a exigir o adimplemento a favor do terceiro, não pode exonerar o devedor. A regra no direito brasileiro é serem titular de direito e

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pretensão o terceiro, e titular de pretensão a que o promitente preste ao terceiro, o promissário. A regra jurídica do art. 1.098 do Código Civil é dia positiva, de modo que pode só o terceiro ser titular de pretensão a exigir, e não ele e o promissário. Se o estipulante pré-exclui a pretensão do terceiro a exigir a prestação, não há estipulação a favor ele terceiro, mas sim contrato impróprio a favor de terceiro. Dai a interpretação que devemos dar ao art. 1.099: ou nada se diz a respeito da pretensão do terceiro e incidem os arts. 1.098, parágrafo único, 1.098 (exigibilidade por ele e pelo estipulante> e o ad. 1.099 (não-exonerabilidade do devedor pelo estipulante); ou se pré-exclui a incidência do art. 1.098 <só o terceiro tem pretensão a exigir; ou se pré-exclui a incidência do ad. 1.098, parágrafo único, e só o estipulante tem a pretensão a exigir a favor do terceiro; portanto, não há, propriamente , contrato a favor do terceiro) ; ou se pré-exclui a incidência do ad. 1.099 (a despeito da exigibilidade da pretensão pelo terceiro, permitiu-se ao estipulante exonerar o devedor). Tudo se tem de resolver por interpretação, e a resposta há de consistir em se decidir se foi ou não preestabelecido algo de diferente do que se estatui em qualquer dessas regras jurídicas dia positivas. A espécie do ad. 1.100 do Código Civil diz respeito ao negócio jurídico mesmo, porque se trata de poder do estipulante conforme a sua própria estipulação. A inserção de tal cláusula de modo nenhum importa não adquirir o terceiro, desde logo, o direito e a pretensão (P. OERTMANN, Recht der SohuldverhiMtnisse, 212). Tal direito e tal pretensão existem enquanto não é substituído o terceiro. 3.NEGÓCIOS JURÍDICOS DISPOSITIVOS E ESTIPULAÇÃO A FAVOR DE TERCEIRO. O problema de ser, ou não, possível o acordo de transmissão ou o acordo de constituição de direito real a favor de terceiro foi intensamente discutido. Se A é dono do prédio, z,pode concluir, com B, acordo de constituição segundo o qual se inscreverá hipoteca a favor do crédito de O contra B ou D? Se A é dono do prédio, apode concluir, com B, acordo de transmissão da propriedade, segundo o qual se transcreverá a propriedade do prédio em nome de C, em vez de em nome de B, outorgado? Os arts. 1.4>98-1.100 do Código Civil estão no Titulo 17V (Doa Contratos) do Livro II (Do Direito das Obrigações), embora nenhuma alusão se faça ao contrato, salvo no ad. 1.099 (“contrato”) e no ad. 1.100 (“contraente”>. Porém, se atendermos a que a técnica legislativa não foi exercida com inteira atenção à diferença entre negócios jurídicos obrigacionais e negócios jurídicos dispositivos, é fácil assentar e que a analogia, ou, melhor, a explicitação, se impõe. (a) Em principio, alguns juristas se opõem a que se conceba a favor de terceiro o acordo de transmissão ou o acordo de constituição, que pertenceu, na maior parte, ao direito das coisas. A atitude da jurisprudência alemã e de parte da doutrina é, porém, de repelir-se (e. g., KoNRÀD HELLWIG, Die Vertrdge .uf Leistung ata Dritte, 53; A. VON TUER, Der Aligemeine Teu, II, 227; Muco KuEss, Lehrbuch des Áligemeineta Schtddrechts, 630; abrindo exceções, H. SWER, Die Frage der Verfiigungsgeschãfte zu fremdem Recht, Fest gabe flir R. SOEM, 49, e Grundrisa, 207; G. WEsENEERO, Vertrãge zugunst eta Dritter, 131; O. WARNEYER, Kommentar, 1, 596). (b) A opinião de outros é só no sentido da admissibilidade se a prestação consiste em prestações sobre bens imóveis, ou em transmissão da propriedade imobiliária (H. Smn, Die Frage der Verftigungsgeschãfte zu fremdem Recht, Fest gabe flir R. SoEM, 49 s.; L. ENNECCERUS, Lehrbuch, § 33, VI). (c) Outros entendem, ainda, que o ato posterior de adimplemento (e. g., transmissão da posse, inscrição no registro imobiliário) é que precisa ser praticado pelo adquirente; mas excluem o acordo de transmissão da propriedade imobiliária, porque, com o repúdio pelo terceiro, se estabeleceria insegurança que há de ter o registo de imóveis. Admitem, em geral, a cessão de crédito a favor de terceiro. Assim, HARRY WESTERMANN, Saehenreoht, 18).

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(d)Pela admissibilidade da estipulação a favor de terceiro nos acOrdos dispositivos (de constituição ou de transmissão), com pequenas diferenças, W. KLUCKEOHN, Die Verfligungeta zuguresten Dritter, passim; L. ROSENEERG, Vertrãge zugunsten Dritter im Sachenrecht, Deutache Juristen-Zeitung. 12, 541; FR. LEONHARD, Augemeines Schuldreeht, 374; PH. RECK, Grundrias des Sohuldreohts, 148; JosEr ESSER, Lehrbueh des Schuldrechts, 176). Finalmente: Quanto à propriedade mobiliária, quem adquire para terceiro, adquire ou como representante, ou como núncio, e não a favor de terceiro, a) Quando o empregado de A vai ao armazenar comprar o que é necessário a A, ou o empregado entende que o é, e recebe a pose, é A quem adquire, e não o empregado. 7>) Dá-se o mesmo em relação ao representante, ou ao gestor de negócios alheios. o) Quanto ao órgão das pessoas jurídicas tudo se passa como se fosse a pessoa jurídica que figurasse: em verdade, ela figura, por seu órgão. Cf. Tomo XV, § 1.721, 6. Quanto à posse, em geral, Tomo X, II 1.071, 2, e 1.085, 3. Em todo caso, se a transferência da posse não mister e para a transmissão da propriedade basta o registro, apenas se veda o registro sem o consentimento do favorecido. Quanto ao domínio, o acordo pode ser feito, e nada obsta a que se averbe o acordo de transmissão a favor de terceiro, ou o acordo de constituição de direitos reais a favor de terceiro, enquanto não comparece o terceiro favorecido, para exigir a transcrição ou a inscrição. A transcrição da transmissão e a inscrição da constituição de direito real limitado é que não podem ser efetuadas desde logo, por ser necessária, no registro, referência ao querer do favorecido. Esse pode ser que repudie a estipulação a seu favor. Dá-se o mesmo a respeito de quaisquer transmissões de domínio de bens móveis para a qual se exija o registro, e não se exija tradição. 4.SEGURO DE VIDA E CONTRATO A FAVOR DE TERCEIRO. Os figurantes de negócio jurídico bilateral podem estabelecer determinações (condição, termo) ao que se promete a favor de terceiro. 5. há condição ou termo, é questão de interpretação. No caso de a prestação se ter de fazer depois da morte do promissário, como se dá nos seguros de vida, é de entender-se que o terceiro pode ser substituído. Tal solução é a que se depreende do art. 1.473 do Código Civil, onde se diz: “Se o seguro não tiver por causa declarada a garantia de alguma obrigação, é licito ao segurado, em qualquer tempo, substituir o seu beneficiário, e, sendo a apólice emitida à ordem, instituir o beneficiário até por ato de última vontade. Em falta de declaração, neste caso, o seguro será pago aos herdeiros do segundo, sem embargo de quaisquer disposições em contrário doa estatutos da companhia ou associação”. A parte final foi substituída pelo art. 1.0 do Decreto-lei n. 5.834, de 8 de abril de 1948: “Na falta de beneficiário nomeado, o seguro de vida será pago metade à mulher e metade aos herdeiros do segurado”; e no art. 1.0, parágrafo único, acrescentou-se: “Na falta das pessoas acima indicadas, serão beneficiários os que dentro de seis meses reclamarem o pagamento do seguro e provarem que a morte do segurado os privou de meios para proverem a sua subsistência. Fora desses casos, será beneficiária a União”. A indicação do beneficiário contém, sempre, estipulação a favor de terceiro, porém não se pode dizer que file adquire direito, posto que não adquira, desde logo, pretensão e ação. A situação é similar à do que pode vir a ser herdeiro. O que confunde alguns juristas é o fato de poder o segurado substituir o nome do indicado, pois a lei em vez de exigir a cláusula expressa (Código Civil, art. 1.100: «(3 estipulante pode reservar-se o direito de substituir o terceiro obrigado no contrato, independentemente da sua ausência e da do outro contraente”) estabeleceu, como regra, a substituibilidade. Em alguns sistemas jurídicos, a regra jurídica da substituibilidade é interpretativa (e. g., direito alemão); no sistema jurídico brasileiro, o art. 1.473 do Código Civil

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(Decreto-lei n. 5.384, de 8 de abril de 1943, art. 1.0 e parágrafo único) é jus dfrpoaitivum. A construção, cientificamente, é a seguinte: se nada se dispôs em contrário ao estabelecido no art. 1.473 do Código Civil (Decreto-lei n. 5.384, art. 1~ e parágrafo único), o direito de designação é direito formativo, que a lei, dispositivamente, conferiu ao segurado. Se foi admitido que a designação é definitiva <= não há direito formativo de nomeação de outro não há substituibilidade), o terceiro ~á é titular do direito ao seguro, e à morte do segurado lhe nasce a pretensão. Se há direito formativo do segurado, o designado (substituivel, portanto) apenas tem expectativa quanto ao direito e pretensão ao seguro (E. JOSE?, fie Anfechtung der Zuwendung bei der Lebensversicherung durch der IConkursverwalter, Jheringa Jahrbucher, 66, 56), à diferença daquele designado que não pode ser substituído, pois esse já tem direito expectativo quer dizer: com a designação, nascem-lhe o direito e a pretensão de terceiro beneficiado pelo contrato. O beneficiário do seguro de vida está sujeito à substituição do seu nome, ou à extinção da relação jurídica entre o segurador e o segurado. Ainda não nasceu o seu direito, porque somente nasce com a morte. Dai não poder ser cedido, nem transferido o direito, porque não se cede nem se transfere o que não se tem. Aliter, se o promissário (segurado) renuncia ao direito de resolução ou de substituição (cf. GUSTAV RAMIN, Da. VerhZiltnis der Versicherung des eigenen Lebens tu fremden Gunsten tu dai unentgeltlichen Zuwendungen, 59 a). O assunto merece meditação. Se o beneficiado ainda não adquiriu o direito e a pretensão , é absurdo pensar-se em que possa ceder. Cederia apenas expectativa, e expectativa não é direito; direito expectativo, sim. Tratar-se-ia de cessão de direito futuro, que só seria eficaz quando, na espécie, admitida se, à morte do segurado, não tivesse fie substituído o indicado (cf. G. PLANCK, Komnentar, II, 1, 425; O. VON GIERKE, Deutsches Privatreckt, III, 396, nota 94; E ENDEMANN, Lehrbuch, III, 216; P. On’r-. MANN, Reckt der SchzddverMltniase, 215). Quando o beneficiado pelo seguro de vida adquire desde logo o direito, ainda que possa ser resolvido, ou possa ser distratado o negócio jurídico, a aquisição pelo beneficiado é entre vivos, e não a causa de morte. AI, a diferença entre tal atribuição de direito e os legados (F. ENDEMANN, Lekrbuek, III, 216). Se o segurado quer dispor ou gravar a apólice de seguro, o beneficiado tem de consentir. Se ao beneficiário da apólice de seguro de vida, morrendo, sucedem os herdeiros no direito ao seguro, é questão que se há de resolver segundo ficou estabelecido no contrato (Código Civil, art. 1.471). De qualquer modo, não é herança. A estipulação a favor de terceiro, no contrato de seguro, pode ser a) a pessoa determinada no contrato, ou na apólice, ou em pacto posterior, ou b) a favor do terceiro e, por exemplo, de seus herdeiros, ou mulher, ou filhos, ou à ordem, ou e) sem determinação de beneficiado, entendendo-se, então, os que a lei apontar, salvo se alguma alteração foi preestabelecida (cp. W. LEDERKANN, GeJ0rt di. Lebeuanraichnn~anmme rum Nachiasse de. Versickerunganehmera?, 13 s.). O que se disse sobre seguros de vida também se entende a respeito de pensões a viúvas e filhos, ou qualquer outra renda por morte do promissário. A soma que se paga pelo seguro não entra na herança do segurado (cf. W. LEDERMANN, Gehfrt di. Lebena-versicherungsamue rum Naehlasae de. Veraickerungsnehmera?, 54 5.); mas é possível que as contribuições do segurado tenham sido tais que se lhes possa fazer o cálculo para colação. 5.CAPACIDADE PARA O TERCEIRO ADQUIRIR DE ANIMOP DE VIDA. Se o direito ao seguro tem de nascer no momento da conclusão do contrato de seguro, o que a lei brasileira separa da substituibilidade do beneficiário, não é óbice à aquisição a .incapacidade do beneficiário, seja absoluta seja relativa.

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Diferente é o que se passa com as regras jurídicas sobre indignidade. A propósito da sucessão hereditária, há o art. 1.595 do Código Civil: “São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários: 1. Que houverem sido autores ou cúmplice em crime de homicídio voluntário, ou tentativa diste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar”. No art. 1.188 diz-se que “só se podem revogar por ingratidão as doações: 1. Se o donatário atentou contra a vida do doador. II. Se cometeu contra fIe ofensa física. III. Se o injuriou gravemente, ou o caluniou. IV. Se, podendo ministrar-lhes, recusou ao doador os alimentos, de que este necessitava”. O problema somente tem relevância se foi inserta a cláusula de não substituibilidade, o que é raro. Em vida, ~ pode o promissário, ainda se está expresso que se segurou para garantia ao beneficiário, alegar atentado à sua vida? Pode o herdeiro, após a morte, alegá-lo? Sim, se o seguro não foi após a ofensa, ou se é de Inferir-se que o segurado a perdoou. Porém o fundamento não está no art. 1.595, nem no art. 1.183; e sim em que o beneficiário se enriqueceria com o ato ilícito. Quanto ao art. 1.177 do Código Civil (arts. 248, IV, e 178, 7~O, VI), o art. 1.474 foi explícito: “Não se pode instituir beneficiário pessoa que for lealmente inibida de receber a doação do segurado’ 6.“ SEGURO. O problema do nascituro é facilmente resolvida em direito brasileiro, devido aos termos claras do art. 4,0 do Código Civil (cf. arts. 857, parágrafo único, e 1.169). A respeito das disposiç6es a causa de morte, permite-se a deixa à prole eventual portanto, aos ainda não concebidos de pessoas designadas pelo testador e existentes ao abrir-se a sucessão. Dai o problema de interpretação da lei: quando a estipulação é entre vivos, e não a causa de morte, como o seguro de vida, ou a indicação da pessoa com quem há de continuar a sociedade, >~ pode-se designar prole eventual de pessoa determinada, se esta já é existente ao tempo do contrato? O art. 1.718 do Código Civil está inserto no capitulo em que se trata da capacidade para adquirir por testamento. No art. 1.471, fala-se de pagamento de certa soma “a determinada ou determinadas pessoas”; porém a ratio legia que permitiu redigir-se o art. 1.718 basta para se entender que igual regra jurídica se há de revelar a propósito de estipulações a favor de terceiros geral. Aliás, já a doutrina alemã considera Indiferente estar concebido, ou não, o beneficiado, no momento do contrato e no momento da morte do segurado (G.PLÂNCE, Komrnestar, II, 1, 426; BÂGEL, Zur rechtllchen Stellung der noch nicht erzeugten Deszendenz, Gruchota Beitrtige, 52, 228). Ainda se podia ser substituido o beneficiado, se no momento da morte do segurado, ou do estipulante a favor de terceiro, que beneficiou prole eventual de alguém, ainda não nascera o beneficiado nos conesptua, a substituição não mais pode ser feita, O que o estipulante poderia ter estabelecido seria a alternativa para esse caso: prole eventual de A ou E (ou C). Em se tratando de disposição que tem de ser registrada inclusive se imóvel o bem a ser transmitido, pode ser feito o registro com indicação da prole eventual. A objeção que se fazia à indicação do não-concebido como terceiro favorecido pela seguro era a de que, se o contrato dizia tratar-se de doação, teria de ser respeitada regra jurídica como a do art. 1.169 do Código Civil, que só se refere ao nascituro. Ainda em sistemas jurídicos que não tinham regra jurídica como a do art. 1.718 e, a propósito a doação, remetiam às regras jurídicas sobre capacidade testamentária,houve reação contra a afirmação de incapacidade do não-concebido; e foi memorável a atitude de E. LAMBERT (Dii Caistrat es faveur de tiera, 190, 207-214), ainda diante do art. 764 do Código Civil francês. Distinguiu ele a doação propriamente dita e o contrato a favor de terceiro. Na Itália, GIOVANNI PÂOCHIONI (1 Con.tratti a favor. di tergi, 820) brilhantemente ficou ao lado de E. LAMBERT, contra GEMES VIVANTE (Traitato di Diritto Cornmerciale, IV, 3,B ed., n. 2007), UMBERTO NAVAl-UNI (L’Ãaaicurasãone atUa rita a favor. di terti, 103) e A. ABOOLI <Traitato deite Donazioni, 258 s.).

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A função do art. 1.718 do Código Civil é assaz larga. O argumento contra a designação de prole eventual em contrato de seguro prendia-se ao “certum esse debet consilium testandi”, reminiscência que se afastou. Mas, ainda ao tempo em que não havia regra jurídica como a do art. 1.718, objetava4e que o contrato de seguro nada tinha com o arcaismo da sucessão romana. A estipulação a favor de terceiro, no Código Civil, não 6 oferta ao terceiro, que ele tenha de aceitar, e nos cones ptua não poderia receber, sequer, a oferta. Já a doutrina do século passado admitia que se fizessem beneficiários do seguro os entes humanos futuros, os não concebidos ao tempo da conclusão do contrato e apenas exigia que estivessem concebidos no momento da morte do segurado (e. g., E. LÃnnT, Dii Contrat es faveur de Hera, 130-140; U. NAVÂRRINI, L’Ãaai curatios. ndla rita a favor. di tersi, 50). O art. 1.718 do Código Civil retirou essa exigência, em relação às deixas testamentárias (“São absolutamente incapazes de adquirir por testamento os indivíduos não concebidos até à morte do testador, salvo se a disposição deste se referir à prole eventual de pessoas por ele designadas e existentes ao abrir-se a sucessão”). Impõe-se a interpretação analógica, tanto mais quanto o argumento seria a fortiori. 7.BENEFICIÁRIO DO SEGURO, MORTO ANTES DO SEGURADO. O art. 1.473 do Código Civil é sedes materiais. Salvo se o seguro foi feito em garantia de alguma divida, ou se a substituibilidade foi afastada, o beneficiário só tem expectativa,e não direito expectativa. Não pode ceder, nem transmite hereditariamente. (Não se confunda a espécie com a da apólice ~a favor de A ou seus herdeiros».) A discussão a respeito, no começo do século, foi renhida Uns escritores sustentavam a transmissibilidade; outros, a intransmissibilidade. É interessante observar-se que, em países que se apegaram à teoria da aceitação, havia quem sustentasse a intransmissibilidade após ter “aceito” o bate-fieário. Morto o beneficiário, a quem há de pagar o seguro, quando morrer o segundo? Velha questão. Hoje, temos de resolvê-la com as regras jurídicas do Decreto-lei n. 5.884. de 8 de abril de 1942, art. 1.0 e seu parágrafo único. Diz o art. 1.0: “Na falta de beneficiário nomeado, o seguro de vida será pago metade à mulher e metade aos herdeiros do segurado”. E o paragrafo único: “Na falta das pessoas acima indicadas, seria beneficiários os que dentro de seis meses reclamarem o pagamento do seguro e provarem que a morte do segurado os privou de meias para proverem a sua subsistência . Fora da casca, será beneficiária a União”. 8.SEGUROS MARÍTIMOS. No Código Comercial, art. 667, diz-se que apólice de seguro há de ser assinada pelos segura-dores e conter “o nome e domicilio do segurador e do segundo; declarando este se segura por sua conta ou par conta de terceira, cujo nome pode omitir-se: omitindo-se o nome do segurado, a pessoa que faz o seguro em seu nome fica pessoal e solidariamente responsável”, O seguro ou é a) par conta de próprio segurado, ou b) por conta do terceiro. A construir jurídica de b) é a de contrato de seguro, em virtude de poderes outorgados pelo terceiro, ou sem poderes, porém, então, com a responsabilidade do que fez o seguro e não tinha poderes , ou os tinha e fio mencionou o nome do terceiro A semelhança do que se passa com o seguro de vida, que não exibiu instrumento de representação pode distratar e modificar o contrato, sem precisar de outorga de poderes pelo terceiro (KoNRw HELLWIG, Di. Vertrdge mil Leútung au Dritte, 576>. Se o nome do terceiro foi morto na apólice, o recebimento da Berna pelo que fez o seguro depende do consentimento da terceiro. O pagamento ao terceiro somente pode ser feito com a apresentação da apólice. Se o segurador solve a divida 80 terceiro, estando com o que fez o seguro a apólice, responde a esse o segurador (cf. MÀX Hnscn~ma, i» Rechte de, Yerapreekensempfdngers ata einem Vertrttge mil

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Leiatung an tines Dritten, 44). Ou o contrato foi em nome do terceiro, ou foi a favor do terceira, porém em nome de quem fez o seguro. Não se pode dar resposta que sina a todas as espécies. Â opinião que reduz todas elas ao contrato em nome de outrem, portanto à representação, generaliza demasiado. 53.159. Aquisição do direito e da pretenSo pelo terceiro 1. IMEDIATA AQUISIÇÃO. A técnica legislativa após ter admitido a estipulação a favor de terceiro coma permitida, em geral ou faria depender do terceiro a estipulação, a que seria, historicamente , retrocesso, ou adotaria o principio da imediata aquisição pelo terceiro favorecido. Uma das conseqüências dessa última atitude é o ter-se de considerar a recusa do terceiro como cancelativa ex tunc: houve a atribuição, porém é como se não tive8se havido. A recusa do terceiro somente tem efeito liberatório do devedor se o promissário não se reservou o direito de substituir o terceiro, ou se expressamente foi dito. A recuas antes da aquisição é ineficaz. A aquisição do direito e da pretensão pelo terceiro não exige vontade, nem conhecimento, nem capacidade negocial do terceiro. O terceiro pode recusar a aquisição, mediante declaração unilateral recepticia. A recepção há de ser pelo promitente. Em principio, segundo o Código Civil: (a) O terceiro, a favor de quem se estipulou, adquire o direito desde a conclusão do contrato. Para que isso não se dê, é preciso que se haja preestabelecido a não-aquisição desde logo, ou a) pela inalo de condição ou termo ao próprio direito, de modo que se não irradie o próprio direito (o que não se presume), ou b) pela natureza do contrato, como se passa com o seguro de vida em que se designou ou não se designou o beneficiário, salvo se o favor está ligado a alguma divida ou garantia. (b)O promissário pode exigir o cumprimento da obrigação do promitente, que, ai, é a obrigação de prestar ao terceiro <pretensão de prestação de prestação). Está, como regra jurídica geral, no Código Civil, art. 1.098: “O que estipula em favor de terceiro pode exigir o cumprimento da obrigação”. (c)Se foi pré excluído ao terceiro o nascimento, desde logo, do direito, pode o ‘promissário exonerar o devedor; se o não foi, não pode exonerar, por qualquer dos meios de direito, O art. 1.099 do Código Civil tem de ser lido com cuidado, devido à sua má redação. No art. 1.099 está escrito: «Se ao terceiro, em favor de quem se fez o contrato, se deixar o direito de reclamar-lhe a execução, não poderá o estipulante exonerar o devedor”. Só se não deixou ao terceiro o direito de reclamar a execução se foi estabelecido, na estipulação a favor de terceiro, que não o teria. Porque foi isso o que assentou no art. 1.098, parágrafo único: “Ao terceiro, em favor de quem se estipulou a obrigação, também é permitido exigi-la, ficando, todavia, sujeito às condições e normas do contrato se a ele anuir, e o estipulante o não inovar nos termos do art. 1.100”. A própria substituição só se pode dar se houve reserva, e é isso o que se diz no art. 1.100. (d)O promissário, com ou sem consentimento do outro figurante, que é o promitente, não pode substituir o terceiro favorecido, salvo se foi feita a reserva, ou se há lei especial que o permita, excetuando o principio geral, como se passa com o art. 1.473 (Decreto-lei n. 5.384, de 8 de abril de 1943, art. 1.0), que interpretamos como regra jurídica dispositiva concernente a todas as estipulações a favor de terceiro para o caso de morte. (e)A resolubilidade e modificabilidade não existe se não foi pactada (reserva de direito negocial de resolução ou de modificação), ou se resulta de lei especial, ou da natureza da estipulação (e. g., estipulação a favor de terceiro para caso de morte).

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Se, in casu, o terceiro adquire desde logo direito expectativo ao seguro de vida (não a pretensão, porque essa, em qualquer espécie de estipulação para caso de morte, só nasce no momento da morte do segurado), ou se não adquire direito desde logo, mas só no momento da morte do segurado, é questão de interpretação: o art. 1.473 do Código Civil, relativo à substituibilidade, é, porém, regra jurídica dispositiva. A sobrevivência do terceiro é que faz nascer-lhe o direito (cf. VICTOR ERRENDERO, Wíchtige Probleme des Lebensversicherungsrechts, Jheringa .Tahrbiicher, 41, SSl). Se nenhum direito nasceu, ainda que direito expectativo, os figurantes do contrato <promitente, promissário) podem dia tratar ou modificar o contrato; se houve reserva, ou se decorre de lei especial, a resolução ou a modificação pode ser unilateral. Aqui, no tocante à substituição do terceiro há a regra jurídica dispositiva do art. 1.473 <Decreto-lei n. 5.884, de 8 de abril de 1943, art. 1.0), cuja interpretação há de ser abrangente das estipulações para caso de morte. O que mais importa saber-se é que o terceiro adquire o direito ainda que não tenha manifestado vontade. Adquire-o no momento da conclusão do contrato. ~ terceiro, verdadeiramente, pois não é figurante do contrato; e a prestação a ele é prestação que extingue a divida a ele (cf. CARL WnAnLM PAULI, Vertrdge zu Gun8ten Dritter voit Todes wegen, 11>, posto que também extinga a divida do promitente ao promissário, titular de pretensão a que o promitente preste ao terceiro. Se foi pré-estabelecido que o terceiro não adquiriria desde logo o direito e só o adquiriria ao manifestar vontade, de certo modo fez tábua rasa do que a evolução da técnica jurídica assentara a respeito das estipulações a favor de terceiro. 2.TEMPO DA AQUIsIÇÃO E DETERMINAÇÕES INEXAI. A regra jurídica dispositiva é no sentido de se entender que uma vez assente que se trata, em verdade, de estipulação a favor de terceiro a aquisição pelo terceiro se opera Imediatamente. Só manifestação de vontade em contrário ou lei especial pode afastar essa eficácia da estipulação a favor de terceiro. Segundo o que dissemos no Tomo V, §§ 544, 1, e 550, 2, 6, sobre condições e termos, se a pretensão a exigir foi subordinada a condição ou a termo, deade logo nasce direito ao terceiro, mas, no tocante à outorga condicionada, direito expectativa, e, no tocante à outorga a termo, direito a que falta a pretensão. Nasce direito ao terceiro, não pretensão. Todavia, o próprio direito pode ser condicionado, ou a termo, o que é raro, porém pode ocorrer. Então, nenhum direito tem o favorecido, pois que só seria ou só pode ser no futuro. Não é titular de qualquer direito; tem, apenas, expectativa. Para que o direito do terceiro tido nasça desde logo, é preciso que o promitente só se haja vinculado ao promissário, e não ao terceiro. Não há, ai, contrato a favor de terceiro, e causa confusões chamar-se “contrato impróprio a favor de terceiro”. Se o promitente se libera adimplindo em mios do terceiro, é porque assim se pré-estabeleceu como modo de adimplemento. Se há contrato a favor de terceiro, ou o direito lhe nasce imediatamente à conclusão do contrato, ou vai nascer quando se implir a condição, ou se vai munir de pretensão se atingir o termo. Há, portanto, contrato a favor de terceiro em que o direito ainda não nasceu, mas vai nascer, ou pode nascer. Ou pretensão que se vai irradiar quando o termo for alcançado. 3.HERANÇA E ESTIPULAÇÃO A TERCEIRO. A renúncia ou repúdio da herança nenhuma influência tem quanto à posição jurídica do terceiro, que coincide ser herdeiro do promissário. A pretensão ao seguro, por exemplo, nada tem com a herança. Os credores da herança não podem penhorá-la, arrestá-la, ou de outro modo constringi-la. Trata-se de negócios jurídicos, cuja eficácia é dependente da morte, porém não são de herança, nem de legado (disposições mortie causa).

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4. CIRCUNSTÂNCIAS POSTERIORES Á AQUISIÇÃO DO DIREITO. Se o crédito do terceiro, por defeito ou vicio da prestação, ou por inadimplemento, ou por impossibilidade com responsabilidade do promitente, tem de ser satisfeito por indenização, somente o terceiro pode receber; bem assim só ele pode exercer o direito de resolução (Código Civil, arts. 865, 2.~ alínea, 867, 870, 871, 2.~ parte, 876, 879, 2.8 parte, 880, 883, 886 e 887), ou de rescisão (Código Civil, art. 1.101-1.106). Cf. Orno vou GImtn (Deutaches Privatrecht, III, 401 s., notas 118 e 119), 1.KUHLENBECK (/. v. Staudingera Kommentar, II, 312), W.KISCH (Die Wirlcungen der nachtr?iglich eintretenden Unntõglickkeit der ErfiLllung, 261), KONRAD HELLWIG (Die Verti-age aul Leiatnng ati Dritte, 304); sem razão, F. SCHOLLMETER (Recht der Schuldverhtiltnisse, 232 s.). Se o direito do terceiro, por nulidade ou ineficácia da estipulação a favor do terceiro, não se produziu, ou se foi desfeito, inclusive em virtude da renúncia ou recusa do terceiro, é de entender-se ainda em caso de dúvida que o direito do promissário ficou incólume. Se há impossibilidade da prestação ao terceiro, sem culpa do devedor, exonerado está o devedor. Os princípios são os das dividas em geral. Se os direitos do promissário se extinguem por ter ocorrido confusão ou remissão de divida, o direito do terceiro persiste (O. voN GIERKE, Deutsches Privatrecht, III, 402, nota 120; (3.PLANCK, Kommentar, II, 1, 437 s.; P. OERTMANN, Recht der Schuldverhàltnis8e, 220; cp. KONRAD HELLWIG, Die Vertrt!tge au)’ Leistung an Dritte, 320 e 326). Se o terceiro recusa o favor, pode exercer a pretensão à prestação, se é sucessor do promissário. 5.OBJEÇÕES E EXCEÇÕES OPONÍVEIS AO TERCEIRO PELO PROMITENTE. Se o negócio jurídico bilateral é válido e eficaz, o terceiro adquire, em princípio, direito, pretensão e ação contra o promitente. Para a doutrina que não considera próprio e independente o direito do terceiro, mas sim oriundo do direito do promissário, por cessão ou gestão de negócios alheios, ou outro meio, fácil é admitir que todas as objeções e exceções oponíveis ao promissário o sejam ao terceiro. Muda de importância o problema quando se admite que o direito do terceiro é próprio e independente do direito do promissário. Aqui, lógico seria que se considerasse incólume às objeções e exceções do promitente contra o promissário o direito do terceiro. É interessante observar-se que, ao serem aplicadas às espécies, uma e outra solução, ressaltaram inconvenientes práticos, que provocaram agudas criticas e exprobrações. Para os que sustentam a independência do direito do terceiro, adotar a solução da oponibilidade ao terceiro de todas ou de quase todas as objeções e exceções oponíveis ao promissário, torna~se evidente ou a contradição ou a redução da independência. Bem pouco seria essa. Deve-se a ARMIu EHRENZWEIG (Di. soge,uznitten zweigliedrigen Vertrdge, me besond ei-e di. Vertreige au Gunsten Dritter, 123 s., 178 s.) o me mais firme, pondo em relevo as contradições. Isso em 1895. De passagem, refiramos que surgiu teoria da abstração da estipulação a favor de terceiro, em quaisquer casos, teoria que, em sua absoluta generalidade forçada, não seria sem graves inconvenientes, mas atende à maioria das espécies. A causa pode vir a flux, mas de ordinário não vem. Está-se em frente a declaração de vontade do promitente, que o promissário provocou. Tal declaração, no que promete, faz nascer direito a terceiro; não é promessa ao terceiro: é promessa ao estipulante; mas a sua eficácia é dupla, porque vincula o promitente ao promissário e o vincula, também, ao terceiro. O promitente não poderia opor ao terceiro exceções ex persona stipidantis. Reinou discordância na doutrina, salvo quanto à exceção de compensação, que cedo se

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assentou ser inoponível (fora do instituto especialíssimo, e quanto a alguns contracréditos, do seguro de vida e das pensões). O direito do terceiro irradia-se do negócio jurídico bilateral. Ou a cláusula é inseparável dele, ou não no é. Se separável, rege o art. 153, 1.8 parte, do Código Civil. A estipulação a favor de terceiro é inserta no negócio jurídico bilateral, porém não fica adstrita, em todos os casos, à sorte dele. O art. 153, 2.8 parte, não é de invocar-se. Não há acessoriedade do direito do terceiro, nem se trata de pacto inseparável. Para que a nulidade do negócio jurídico bilateral o apanhe, é preciso que seja comum. Nenhuma objeção ou exceção ligada à pessoa do promissário pode ser levantada ou oposta ao terceiro. São oponiveis as objeções de nulidade por incapacidade do promitente, ou a anulabilidade por incapacidade desse. Se o negócio jurídico bilateral se desconstitui por efeito de condição resolutiva, o direito do terceiro só é atingido se comum a condição resolutiva. Se no negócio jurídico bilateral foi atribuído ao promissário, ou ao promitente, direito (negocial) de resolução, é questão de Interpretação saber-se se também atinge a estipulação a favor do terceiro. Se já nasceu o direito expectativo do terceiro, nem cabe objetar-se ao terceiro direito de resolução por inadimplemento, nem conseqüências do inadimplemento, nem a resolução por impossibilidade da contraprestação ao promitente, ou da prestação ao promissário. No Código Civil alemão, 5 831, alínea 2.B, diz-se que, se o promissário morre antes do terceiro, tal promessa não pode ser desfeita, ou modificada, se isso não foi reservado. A fortiori, no direito brasileiro, no qual, para a própria substituição do terceiro, se exige a prévia reserva (Código Civil,art. 1.100), salvo em se tratando de seguro de vida. Em nenhum dos artigos do Código Civil (arte. 1.098-1.100) se falou de revogação ou resolução unilateralmente exercida por parte do promissário. A reserva de tal “revogação” deturpa o contrato, que passa a ter sorte diferente; nem há pensar-se em substituição, que não foi direito reservado do terceiro. Se o direito do terceiro é dependente de prestações periódicas, ou repetidas, de modo que ao inadimplemento de uma se dê a resolução do contrato, ou outro desfazimento, entende-se que o direito do terceiro não continuou. Porque, então, esse direito é dependente de prestações que o façam continuar. Essa é a razão por que nenhum direito tem o terceiro se o segundo deixou de pagar o que devia, periodicamente . Nos negócios jurídicos abstratos, o promitente tem a objeção da infração de regra jurídica sobre forma ou de incapacidade do próprio promitente, segundo os princípios (MAX RÍIMELIN, Zur Lehre von den Schuldversprechen und Schuldanerkenntnissen des BGB., Archiv flui- di. civilietiache Praxis, 97, 285; (3. PLANa, Kommentar, II, 1, 431). Não por falta de causa (XoNiun HELLWIG, Di. Vertr?Lge au)’ Leistung ali Dritte, 272 s., que tem razão contra os que sustentaram o contrário). Â compensação somente pode ser alegada contra o terceiro por divida desse , e não por divida do promissário. À compensação com dividas do promissário, anteriores à estipulação a favor de terceiro, o promitente renunciou pelo fato mesmo da promessa a favor do terceiro (O. WAItNEYER, Kommestar, 1, 606). O promitente tem contra o terceiro as objeções e exceções oriundas da pessoa do terceiro, como a objeção de remissão da divida, a de prazo de favor, a de prescrição e a de compensação com divida do terceiro (RUDOLF GuoltaI, Vertrdge zu Gunsten Drieter, 87>. Salvo reserva expressa, não podem o promissário e o promitente, após nascer o direito do terceiro, exercer direito de resolução, ou distratar o negócio jurídico, com eficácia contra o terceiro.

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As exceções processuais que derivam do negócio jurídico, como a de incompetência do juízo, podem ser opostas ao terceiro (G. PLANOR, Kommentar, II, 1, 429). Quanto à exceção nos adimpleti contractus e à nos rita adimpleti contractus, em se tratando de negócio jurídico bilateral, a doutrina alemã reputa-as oponiveis ao terceiro, se o são contra o promissário. Bem assim, a de direito de retenção (Erro voN Ginja, Deutsches Privatrecht, III, 400, nota 108; G.PLANCK, Kommestar, II, 1, 429 s.; P. OERTMANN, Reeht der SchtddverMltsisse, 218; F. SCROLLMEYER, Recht der Schtddverhdiltsisse, 229; KoNRAD HaLwIG, Die Vertrdge aul Leiatusg as Dritte, 268; MAx RIJMELIN, Zur Lehre von den Schuldversprechen und Schuldanerkenntnissen des BGB., Archiv 11h- <fie civilistiscite Praxis, 97. 285). Todavia, o assunto exige maiores precisões. Se a contraprestação do promissário é correspondente à prestação do promitente, no que concerne ao que há de prestar ao terceiro, e é isso o que acontece, necessariamente , quando tudo que deve o promitente é a prestação ao’ terceiro, não há dúvida quanto à oponibilidade das exceções nos adim.. pleti contractus e nos rUe adimpleti contractue. Mas pode ocorrer que essa sinalagmaticidade não se dê is casu, como se foi estabelecido que A prestaria a, b e e, pelos preços x, y e 2z, sendo, a mais, pelo interesse de C no negócio jurídico, ou porque A o quer, sem dar explicações, a quantia , que há de ser prestada a C. § 3.160. Promissário e pretensões após a promessa 1.VINCULO ENTRE FIGURANTES E EFICÁCIA A FAVOR DE TERCEIRO. Com a conclusão do negócio jurídico bilateral, o terceiro adquire, pelo simples fato da vontade das partes, o direito e a pretensão à prestação prometida. A atribuição pode ser condicional, ou a termo; de modo que só nasça o efeito atributivo ao se dar a condição, ou ao atingir-se o termo. Pode ser, outrossim, modal. 2.NATUREZA DO DIREITO DO PROMISSÁRIO. A pretensão do promissário é a que o promitente preste ao terceiro. Uma vez que tem a mesma pretensão o terceiro, há duas pretensões de conteúdo igual, exercíveis por duas pessoas diferentes. Não se trata, porém, de maneira nenhuma, de créditos solidários (solidariedade ativa)~: a prestação somente pode ser feita ao terceiro, e não ao promissário (O. PLANCK, Kommentar, II, 1, 432; OITO VON GIERRE, Deutsches Privatrecht, III, 401, nota 113; F. SCHOLLMEYER, Recht der Schuldverhdltnisse, 170; 3.BíNnmt, Di. Korrealobliga.tionen, 474; LENNÉ, Das Veruichencngsgeschãf t flur fremde Rechnung, 157; sem razão:KONRAD HELLwIG, fie Vertrttge au)’ Leia tung as Dritte, 313; A.RAPPAPORT, fie Einrede aus dem fremden Reehtsverhtiltsisse, 141). A respeito do conteúdo da pretensão, cumpre advertir-se que a igualdade é só até certo ponto. O terceiro tem pretensão a que o promitente preste, O promissário tem pretensão a que o promitente preste ao terceiro. O conteúdo da pretensão do promissário é a que satisfaça a pretensão do terceiro A discussão em torno de serem solidários os créditos do promissário e do terceiro atormentou por muito tempo os juristas. II. yoN JHERING (Die active Solidarobligation, JahrUieher fib’ die Dogmatik, 24, 148) deu como exemplo de solidariedade ativa o caso do promissário e do terceiro, nos contratos a favor de terceiro; H. DERNEURO (Pandekten, ~ 5!’ ed., 194), KONRAD COSACK (Lehrbuch, ]7, 3!’ ed., 337), P. OERTMANN (Recite der Schuldverh&ltnisse, 1!’ ed., 80) e KONRAD HELLWIG (fie Vertrtíge au)’ Leistung as Dritte, 310), partindo do erro fundamental de considerar Idênticas as pretensões, afirmaram a solidariedade ativa.. Sem dar razões, também L. e F. BaANnIs (ErMuterun pan tum

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BGB., 102). Já em 1873, Ka GAnIa (Di. Vertrtlge au Guiastes Drieter, 38 a.) antes, pois, de todos files havia negado que ocorresse solidariedade ativa, frisando, acertadamente, a diferença entre os dois direitos, o do promissário e o do terceiro, É difícil compreender-se que R.STAMMLEE (Das Recht der Schuldverhttltnisse, 170 s.) e Tu. KIn’, em nota a E. WINDSCHEID (Lehrbuch, ~~, 8!’ cd., 287), ainda se enlassem na afirmação de serem aemeUuzntea os créditos, pOsto que negassem a existência de solidariedade ativa, porque o promissário não pode exigir para si a prestação (cf. critica de F. ENDEMANN, Lehrbuch, 1, 8, 1!’ ed., 720). Contra serem credores solidários o promissário e o terceiro. F.SCHOLLMEYER (Recht der SchuldverMltnisae, 229>, que Poe bem claro não haver solidariedade ativa, porquanto, ai, o deve.. dor só ao terceiro pode adimplir, ao passo que, sendo solidários os credores, poderia prestar a um ou ao outro. No mesmo sentido: L. DÂMBITISCE (Entatelat mis deis Versyrechen der Leiatunp as einen Dritten nach § 885 BGB. eis Gesw”’½idubiger’verhttltnis?, 31 a.), porque o devedor não se libera solvendo ao promissário; JLJLIIJS BINDER (Die Korrealobl4 gationes, 475) e E. STAEL (Die Vertrtige tu Gunsten Dritter, 378), por não serem idênticas as pretensões. Com o argumento de que o terceiro pode ceder o seu direito e persiste o do promissário, HARRY ÂBRAHAMSORN (Sind baus Versprechen der Leistung as sineta Dritten der Vers’preckungsempfdnger uni! der forderungsberecktigte Dritte Gesamtglaubiger?, 47 s.). Quanto ao interesse na prestação, o que importa é o do terceiro, e não o do promissário (OTTO VON GIERRE, Deutaches Privatreckt, III, 400, nota 111; P. OERTMANN, Recite czar SchuldverWtsi,se, 219>. § 3.161. Recusa pelo terceiro 1. CONCEITO. Ou o terceiro recusa a atribuição do direito, ou, já tendo o direito, a sua recusa é renúncia. Renúncia com eficácia ex tunc. Não se pode dizer que haja renúncia se o terceiro recusa antes de ter adquirido o direito. A recusa pelo terceiro, uma vez que file adquiriu o direito, o como a renúncia à herança, o rapudium, pela retro eficácia que tem. Qual o influxo que tem, na relação jurídica entre promissário e promitente, a recusa pelo terceiro, depende, em primeira plana, da vontade dos figurantes e da finalidade do contrato. Não há regra jurídica geral, nem principio a priori. Assim, E deu 100 a A e A estipula que E os preste a C, donartidi causa; se O recusa, E tem de os prestar a A. Se não se pode, pelos dados do contrato e pelas circunstâncias, saber qual foi a vontade dos figurantes, tem-se de invocar, por exemplo, o art. 865, alínea 1!’, do Código Civil, principalmente se não há relação jurídica causal entre A e E. Se E, em contrato, promete a A doar a O, amigo pobre de A, 100, e esse recusa a contribuição de B, B está liberado (cf. HERMANN STAKL, Dia Vertrtiga tu Guiastes Dritter, 45). O que mais se há de considerar é que a pretensão do promissário e a do terceiro são de natureza diferente. O promissário tem pretensão e ação contra o promitente para lhe exigir a prestação (devida ao promissário) da prestação (devida ao terceiro). t a pretensão à prestação da prestação (Leistung der Leistung). A discussão sobre se o promissário tem, nisso, interesse próprio, ou se o há de ter, já era sem importância prática no fim do século passado (já o dizia, e. g., JOSEPH HOLL, fia Vertrdge tu Guiastes Dritter, 87). O direito e a pretensão à prestação mesma só o terceiro os tem; e o promissário não a pode exigir para si. Se o terceiro renuncia, então sim, tem-se de examinar a espécie para se saber a quem é devida desde a renúncia a prestação. Aliás, pode não se tratar de renúncia, e sim de remissão de dívida, o que só aproveitaria ao promitente. Já F. B. BUSCE (Doctris und Praxis itber dia Gi2ltigkeit vos Vertrdgen tu Gunstes Dritter, 139) concluía que os herdeiros do promissário não podiam remitir a divida, ainda se o terceiro recusava.

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2.MUDANÇA DE NOME E DE CONCEITO. O nome tinha de variar. Ao tempo em que não se admitia pactum is favorem tertii, porque Álteri stipulari sento potest, o problema não se punha. (a) Quando se recorreu à negotiorum gestio, ou o terceiro a aprovaria, ou não a aprovaria (F. O. VONSAvTGNY, Obligationenrecht. li. 75 e 82; O. F. F. SiMTENIS, Das praictische geme me Civilrecht, II, 365, nota 4; E. AD. VON VANGEItOw, Lehrbuclê der Pandeictes, XIX, 293 a.; ZAUN, Zur Lehre von der sogen. fingierten Zessãon, der Stellvertretung, den sogen. Vertrãgen zu Gunsten Dritter und der Schuldtibernahme, Archiv flir praktiscke Recktswissensckaft, 1, 11 s.). Cf. Código Civil, arts. 1.343 e 1.344. (b> Para os adeptos da teoria da aceitação, ou o terceiro aceitaria ou não aceitaria (cp. Código Civil, arts. 1.081-1.086). (c) Para os que sustentaram a teoria da cessão, teria de haver o consentimento do cessionário, ou a retrocessão (cp. N. GOMõirv, Der Vertrag tu Gunsteta Dritter, di. Ántvendbarkeit gemeisrechtlicher Theorie nach scfrweizerischem Obligationenrecht, 57). (d> Para as teorias da extensão, com a aquisição do direito pelo terceiro, tinha-se, certamente, de pensar em retro eficácia, em recusa com eficácia retroativa, ZurUclcweisung, ou renúncia similar ao repúdio das deixas testamentárias. Já no direito comum, à analogia com o que se passa com os legados e heranças referiam-se alguns juristas <e. g., Josrn’n UNGER, Die Vertrâge zu Gunsten Dritter, .Iakrbher fiLr di. Dograatik, 10, 67; 8. DNIESTRZANSKI, Die Ãujtrãge zugunstes Dritter, 268, assaz preciso). Os textos da L. 37, § 3, D., de lega tia et fideicomisissis, 32, da L. 44, § 1, D., de legatis et fideicoranijasis, 30, da L. 15, D., de rebus dubjis, 34, 5, e da L. 1, § 6, D., si quid is fraudem patrotai factum sit, 38, 5 (quamvis enim legatum retro nostrum sit, nisi repudietur, attamen cum repudiatur, retro nostrum non fuisse palam est), foram invocados. Com a recusa pelo terceiro, o direito vai ao substituto, ou aos substitutos, se os há, tal como se passa com as deixas testamentárias. Frisou-se a coincidência das próprias regras jurídicas sobre inicio e termo para a manifestação de vontade (L.45, § 1, D., de legatis et fideicoramissis, 31; cf. ROBERT BACHMANN, Das Recht azia einem Vertrage tu Gunstes Dritter um! seine Zuriick’weisung seitens des Dritten, 65 s.). Com a recusa, tem-se o direito como se não tivesse sido adquirido (O.STOBBE, Handbuch des deutschen Privatrechts, 238; OTTO KARIOWA, Das Rechtsgesckdft usd seise Wirkusg, 62). Procurou-se explicar a retro eficácia da recusa como conseqüência de ser subordinado a condição resolutiva o direito do terceiro (e. o., JaSPE HOLL, Di. Vertrtige mi Gunsteta Dritter, 29). Não é isso o que ocorre. Tem-se de levar em conta o elemento histórico e a parecença com o repudium. A recusa é negócio jurídico unilateral recepticio (E. ZITELMANN, fie Rechtsgeschtifte, 23). A recepção há de ser pelo terceiro ao promitente, porque Orne é que é o devedor da prestação ao terceiro e aquele o credor. A recepção pelo promissário não éde mister, nem é de admitir-se. O direito do terceiro, posto que irradiado do contrato, é próprio e contra o promitente. 3.RECUSA INEFICAZ POR EXTEMPORÂNEA. A recusa pelo terceiro, depois de ter ele manifestado a “anuência”, a que se refere o art. 1.098, parágrafo único, do Código Civil, é ineficaz (L. KUHLENEECS, 1. v. Staudingers Kommentar, II, 308; P. OERTMANN, Recht der SckuWverhttitsisse, 217; F. SCHOLLMEYER, Recht der Schuldverh2iltnisse, 225 s.; G. PLANOS, Korn.montar, II, 1, 428; sem razão, KONR.AD HELLwIC, fie Vertrage aul Leistung ata Dritte, 262). Uma vez recebida a recusa, é irrevogável (G. PLANOS, Kommentar, II, 1, 428). À dívida do promitente são aplicáveis as regras jurídicas sobre impossibilidade da prestação (O. VON GImISE, Deutaches Privatrecht, III, 401 s.) e sObre inadimplemento, mora e conseqüências do inadimplemento. Se o terceiro recusa o favor (= se renuncia ao direito que adquirira), ou seja antes da morte do promissário, ou seja depois, tem-se o direito do terceiro como se não

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tivesse sido adquirido. Tudo se passa à semelhança do repúdio de herança. O terceiro adquiriu direito ao favor ou porque não foi renovado o direito de substituição do designado, ou porque o promissário renunciou a esse direito, ou porque já faleceu o promissário, sem transferência do direito de substituição. A renúncia pelo terceiro antes de ter ele adquirido o direito é ineficaz (G. PLANCIC, Kommest ar, II, 1, 427; P. OERTMANN, Recht der Schuldverhst.iltsisse, 217; KONRAD EELLWIC, fie Vertrãge auf Leistung as fruto, 263; sem razão: E. REHBEIN, Das Bitrgerliche Gesetzbuch, II, 218; F. SCHOLLMEYER, Rechi der Schuldverhtiltnisse, 226; L. KUHLENBECK, .1. v. Staudingers Kommentar, II, 308). A recusa tem retroeficácia (O. PLANCK,Komment ar, IX, 1, 427); de modo que é como se o direito fosse sob condição resolutiva, mas havemos de evitar a Identificação. A recusa é feita por declaração unilateral de vontade, recepticia (P. OERTMANN, Reoht der Schuldverhaltsj.ase, 217). Pode ser sob condição suspensiva; não sob condição resolutiva (E. F. Bauci, Bedinuutagsteindliche RechtsgescMf te, 131; L.KUKLENDECK, J. 1,. Staudisgera Kommentar, 308; sem razão, KON1UD HaLwío, Die Vertrtige au/ Leiatung au Dritte, 263). A recusa condicional resolutiva é Ineficaz. § 3.162. Resolução negocial do pacto a favor de terceiro 1.TERMINOLOGIA. O contrato em que há cláusula ou pacto a favor de terceiro está sujeito a resolução, legal ou negocial, conforme os princípios concernentes aos contratos em geral e aos contratos bi laterais. A desconstituição ou modificação da cláusula ou pacto é outro problema: ou a desconstituição ou modificação não é possível sem se desconstituir ou modificar o contrato mesmo, ou é permitida a desconstituição do pacto, ou a sua modificação, uma de cujas espécies é a substituição ao terceiro, sem que se atinja o conteúdo do contrato mesmo. Nos começos, Base poder de desconstituir e de modificar o pactum is tavorem tertii está ligado a exagerada atenção à relação jurídica entre promissário e promitente, ou porque só se via nascer direito do terceiro após a aceitação, ou ato equivalente ou semelhante, ou porque se entendia implícita a reserva de desconstituição ou de modificação. A expressão mais usada foi “revogação”. Chamar-se “revogação’> ao ato do promissário que desconstitui o negócio jurídico bilateral é impropriedade terminológica, que se há de evitar, rigorosamente. Trata-se de direito que se reservou de resolução. As expressões “direito revogável>’, “direito irrevogável” (widerrufliches Recht, unwiderrufliches Recht), que aparecem na literatura alemã, são de afastar-se, por serem perigosamente elípticas, além de ser impróprio o termo “revogável”. N~ se revogam direitos, nem há direitos revogáveis ou irrevogáveis (e. g., RABI. GAREIS, fie Verti-age tu Gunsteta Dritter, 147; HERMANN STAHL, Die Vertritge mc Gunstes fritter, 43). Direito revogável seria o direito que desaparece em virtude de se haver revogado (= retirado a voz) a declaração de vontade. Revogam-se declarações unilaterais de vontade, revogam-se contratos unilaterais. Assim, excepcionalmente, por efeito de reservo,, que foi feita, tem o promissário direito (negocial) de resolução ou de resilição, ou de modificação do contrato que foi feito. Ainda contra a expressão “revogação” tem-se o argumento, fortíssimo, de se tratar de estipulação, de emanar de negócio jurídico bilateral o direito de terceiro, e não se compreender que unilateralmente o promissário revogue a estipulação, sem consentimento, nem, sequer, assentimento do promitente. Se foi reservada a resolução negocial, têm-se por permitido e, também, o distrato, a remissão de divida, a compensação entre o promissário e o promitente. Se não foi reservada a resolução, não há pensar-se em desconstituição de efeitos por vontade do promissário, salvo se não nasceu direito ao terceiro. Enquanto não tem

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direito o terceiro, a liberdade dos figurantes é completa, e pode o promissário , só por si, afastar o efeito futuro da promessa do outro figurante, desde que a isso não se oponham os termos do contrato entre files. 2.RESERVA INSERTA NO CONTRATO. Não se presume a resolutividade negocial do pacto (cf. KÁBL GAnIa, fie Vertrtige au Gureetes Dritter, 245). Á fortiori, no direito brasileiro, que exige a reserva para a própria substituição (Código Civil, art. 1.100). A reserva pode ser para o caso de algum fato ocorrer, ou não ocorrer, ou até certo tempo. À reserva de resolução negocial nA o é óbice ter o terceiro adquirido o direito; a fortiori, a reserva de substituibilidade. Cumpre, porém, que nunca nos esqueçamos de que: a)o promissário não pode exonerar o promitente se não lhe retirou o direito à prestação (Código Civil, art. 1.099) ; b) somente há substituibilidade se houve cláusula que a estabeleceu. Se nada se dispôs, o terceiro tem direito, que lhe nasce desde logo, contra o promitente, que não pode exonerar o devedor, nem substituir o terceiro. Os arte. 1.099 e 1.100 do Código Civil são izis dispositivum. Se foi estabelecido que o terceiro só adquiriria o direito a partir de certa data, ou se há implemento de condição, nem por isso se há de presumir a resolubilidade negocial por ato do promissário (sem razão, HERMÂNN STAHL, fie Vertritge tu Guiastes fritter, 48). Aliás, é preciso indagar-se se o termo ou a condição foi a respeito de qualquer direito, caso em que o terceiro tem apenas expectativa, ou se o termo ou condição não se refere à vinculação, pois, ai, há direito expectativo do terceiro, e não só expectativa, ou há direito, embora sem pretensão. O que caracteriza o negócio jurídico a favor de terceiro é exatamente o nascer o direito do terceiro independentemente de qualquer ato seu (E. ZIMMERMANN, fie Lehre vos der stellvertretenden Negotiorum Gestio, 61; E. DANz, Die ForderungsiLberweisung, Schulditberweisung uru! die Vertrdge tu Guiastes Dritter, 118; MATH. KNAUs, fie sogenomnstes Vertrdge tu Guiastes Dritter, 2; E. REGELSBERGER, Ober die Vertrãge zu Gunsten Dritter und fiber die Schuldtlbernahme, Ãrchiv fúr die civilistieche Praxis, 67, 2 s.). Nascer, ou poder nascer. Só a condição ou o Urino é que protraem o surgimento. Entendia M.ARTINIUS (Versprechen der Leistung an einen Dritten und Schuldtibernahme, Gutaehten aia dem Ãrrwaltsstande, 593) que a condição e o termo permitiam a resolução; mas sem razão: também em tais casos tal direito negocial tem de derivar de reserva (cf. II. BACHMANN, Das Recht asa eisem Vertr.~ige zu Guiastes fritter und seise Zuriickweisung seitens des Drittes, 26), sem que o ter nascido o direito seja, no direito brasileiro, só por si, impediente da resolução pelo promissário, se houve reserva. A reserva pode existir e, então, o direito do terceiro cessa, pelo exercício do direito de resolução. A despeito do próprio art. 1.121, 2.~ parte, do Código Civil Francês, chegou a pensar assim RENAUD. Procurou-se explicar tal aquisição pelo insciente, com a alusão à primitiva publicidade dos documentos germânicos, que, depois, fOra dispensada, restando o efeito a favor do terceiro (P. PLATNER, tiber offene und verschlossene Briefe, Ãrchiv flÂr die civilistieche Praxis, 50, 220 s.). Mas a fantasia ressalta e tem-se de refugar essa teoria, a que KARL GAREIS chamou teoria da assimilação pelo endereço público. MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA (Segundas Linhas sobre o Processo Civil, 1, 401 s.) enunciava, em 1855, o principio da validade e eficácia do pacto a favor de terceiro, posto que exigisse, depois, a ratificação (cf. Coleção de Dissertações e Tratados vários, 147). LACERDA DE ALMEIDA (Obrigações, 315) regrediu ao direito romano, sem atender ao que observou MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA e ao que se passou, desde o ano de 1348, na península hispânica.

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ANDREA ALCIATO (Opera osnnia, II, à L. 38, § 17, D., de verbos-um obligationibus, 45, 1) fOra, no século XVII, contrário a eficácia do pacto a favor de terceiro: “videtur enim instar pollicitationis cuiusdam absenti factae esse, ex qua constat, nec naturalem obligationem nasci”! Não confundia a estipulação a favor de terceiro com o contrato em nome de terceiro. Com ele, a grande corrente. Verdadeiramente, foi a Lei de Afonso XI (1348) que levantou a questão. FOra objeto de discussão em que figuraram ANTÓNIO GOMES, O. COVARRUVIAS A LEnA, A. DE OLEA, FRANCISOO RAMOS DEL MANZANO e Soei FERNANDES DE RrPES (cf. O. MEERMANN, Thesaurus, VII, 187 e 397). Oque mais pesou para MÂNUEL DE ALMEIDA E SOUSA foi a opinião de 5. H. BOERMER. Não conheceu file os trechos clarissimos de 5. U. v. Cnxn <Wetzlarische Nebenstundes, 142); dai notar-se faltar-lhe a afirmação explícita de nascer o direito antes de qualquer ato do terceiro. Foi J. U. v. CRAMER quem frisou do pacto irrevogável, ex pacto tertii irrevogabili, surgir ame mandato, consensu et ratificatione ius e actio ao terceiro, O pormenor é da máxima importância. Resta saber-se se, ainda naqueles casos em que o terceiro pode ser substituído, tem ele algum efeito a seu valor. Tem, pelo menos, o efeito vinculativo, o efeito mínimo. Até o momento da resolução, ou da substituição, o promitente está vinculado ao terceiro. Não se trata de simples expectativa. O promitente nada pode fazer contra o terceiro. § 3.165. Classificação dos contratos com eficácia protectiva para o terceiro 1. PRELIMINARES. Para que mereça a pesquisa, que a ela conduza, a classificação dos contratos com a eficácia protectiva para terceiro tem de pré-excluir os contratos a favor de terceiro, que se componham. Se foi caracterizada a estipulação a favor de terceiro, não se pode pensar em contrato com eficácia protectiva para terceiro. Há pina. Teria razão G. WESENBERO (Vertrttge zugunsten Dritter, 141) quando disse que de todos os parágrafos do Código Civil alemão que tratam do contrato a favor de terceiro, só o § 828, alínea 1.8, poderia ser invocado, se isso não bastasse para se perceber a gravidade do problema da separação entre o contrato a favor de terceiro e o contrato com eficácia protectiva para o terceiro. Não há, em relação ao terceiro, dever de prestação; se Case dever surge, há contrato a favor de terceiro. Seria desaconselhável pensar em dilatação do conceito de contrato a favor de terceiro (e. o., KÂILL LARENZ> Lehrbneh les Schuidrechts, 1, 3.~ ed., 160), tanto mais quanto ainda está na memória dos juristas o que custou de esforços à doutrina para isolar o tipo do contrato a favor de terceiro, ou, em geral, da estipulação a favor de terceiro. Até onde vai a extensão é quaestio facti. Quem freta o ônibus para conduzir a família e os amigos não pode pretender que a eficácia protectiva vá além do com que pode contar a empresa, nas circunstâncias que ela conhece. O locador não pode ter dever de diligência quanto ao visitante que foi ferido pelo empregado do locador, encarregado de consertos na instalação elétrica. O dano seria por ato ilícito absoluto, e não por ato ilícito relativo; e ter-se-ia de invocar os princípios respectivos. Mas a imperícia do empregado, no preciso serviço que lhe cabia, pode compor ato ilícito absoluto (Código Civil, art. 1.521, III), ou ato ilícito relativo <e. o., arts. 929 e 1.059). Quem freta o ônibus, com o motorista, para passeio, em fim de semana, com amigos, e o motorista, meio bêbedo, faz o veículo esbarrar em poste, não fez empregado seu o motorista: o contrato foi de locação de coisa e de serviços, misto, e os serviços são prestados pela empresa, que os confia aos seus empregados. Os danos sofridos pelo que fretou o ônibus e por seus amigos são danos contratuais, que a empresa tem de ressarcir. Tem de os ressarcir ou sejam oriundos do ônibus ou da atividade do motorista. Muito diferente é o que se passa com os amigos que tomam o ônibus que está

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passando, e cada um compra a sua passagem, ou um deles compra as passagens para todos. Ai, o ônibus está em posição de oferta ao público e ainda que uma só adquira todos os bilhetes a responsabilidade da empresa é perante cada um dos passageiros, individualmente. Idem, se o pai compra as passagens para os filhos menores. 2. DISTINÇÃO BÁSICA. Contratos com eficácia protectiva para terceiro são contratos sem pretensão à prestação, mas em que o terceiro é titular das pretensões à diligência, à boa conduta do figurante, ou à proteção. Se nasce pretensão à prestação, ou foi a lei que introduziu na relação jurídica o terceiro> ou houve> simultaneamente à conclusão do contrato, ou posteriormente, estipulação a favor de terceiro. A extensão é da eficácia protectiva. Mas faltam ao contrato com eficácia protectiva para o terceiro a subjetividade, não extensiva, mas diferente, e a pretensão à prestação, que tem o terceiro, na estipulação a favor do terceiro. CAPITULO IV EFICÁCIA QUANTO A TERCEIROS § 3.166. $. precisa do problema 1.. O primeiro enunciado, fundamental em ciência do direito, é o de que dou fatos jurídicos (fatos jurídicos stricto sensu, atos-fatos jurídicos, atos jurídicos stricto asnas, negócios Jurídicos, fatos Jurídicos atrieto asnas Ilícitos, atou-fatos Jurídicos ilícitos, atos jurídicos ilícitos) se irradiam, como os, direitos, deveres, pretensões, obrigações , ações e exceções . fases conceitos Já foram longa-mente estudados, no Inicio desta obra, e durante ela empregados, com o máximo rigor. 2.EFICÁCIA DE EFEITOS. A eficácia que se Irradia em direitos, deveres, pretensões , obrigações, ações e exceções uso é toda a eficácia dou fatos Jurídicos. Dai poder o negócio Jurídico não produzir divida ou direito a favor do terceiro, mas estenderas a file a eficácia da divida ou do direito. A distinção merece toda atenção. 3.. O credor não tem qualquer direito sobre o ato de prestação do devedor. A concepção de F. VON SÂVXO>n (ObligaUouenreckt, 1, 4)> quanto a ser direito dominical, parcial, o do credor sobre a pessoa do devedor, porque é sobre o seu ato, positivo ou negativo, há de repelir-se, energicamente . O ato e inseparável da pessoa; o resultado dou atos, depois de praticados, 6 que pode ir ao patrimônio do credor, e o interesse é patrimonial. A pessoa, ou o próprio ato, de modo nenhum. Para que o ato do devedor entre no patrimônio, é de mister que se transforme em bem à parte, ou se insira em algum bem. Primeiramente, advirtamos que isso não se dá a respeito de todos os atos: há atos dos devedores que nunca penetram no patrimônio, posto que a contraprestação tenha sido, o que é freqüente , patrimonial. Assim, o ato do cirurgião que faz a operação, cumprindo o prometido, satisfaz, sem entrar no patrimônio do credor. A concepção de propriedade relativa sobre o objeto da prestação, propriedade relativa, que se faz direito absoluto, com a tradição, a que se apegou (1. DULCKEIT <i» VerdingLichutw obligatorischtt Rechte, 58), também é de recusar-se. A preocupação de pôr ponte ou quelha entre o direito pessoal e o real leva, por vezes , a essas fantasias, que não coincidem com os fatos. Quando o relojoeiro conserta o relógio de alguém, o resultado do seu ato se insere no patrimônio do dono do relógio, porém de maneira nenhuma se pode pensar em que se tornou elemento do direito real o ato do relojoeiro. As páginas que A escreve e entrega à revista, que o tem como empregado, são resultado de atos de A. Se as páginas não são escritas em cumprimento de divida de serviços, o resultado é objeto de direito de propriedade intelectual, e A a adquire. Não há qualquer senhoria do

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credor sobre a pessoa do devedor, nem a sua pretensão é perante todos. O devedor mantêm a sua liberdade de querer, de dar, de fazer, de não lazer; e somente onde a contrição não lhe atinja a pessoa há a executabilidade consistente no próprio ato, positivo ou negativa. Por exemplo, se o ato pode ser praticado por terceiro <Código Civil, art. 881). A pretensão do credor, com a interpelação, ezoita o devedor a dar, fazer, ou não fazer. Não há dominação sObre o ato, e a figura do domínio cavaria, na sistemática jurídica, contradição perturbador Nem, sequer, sobre o objeto da prestação. Dai poder o devedor do imóvel vendido vendê-lo a outrem, ou por outro negócio jurídico prometê-lo, assinar o acordo de transmissão, e adquirir o segundo outorgado, se consegue, antes do primeiro, o registro, a propriedade do bem. Tratando-se de bens móveis, que não precisem, para a transferência da propriedade, de registro, o segundo outorgado, com a tradição simples, longa manu, brevi manu, ou pelo constituto possessório, se faz dono do bem. Por ai se vê quanto é falsa a concepção da propriedade. § 3.167. Direitos, deverem, pretensão e aços. e sua extensão a terceiros 1. EFICACIA DE DIREITOS. Os direitos são efeitos, mas eles, por si, também os têm. Dai ter-se de falar da eficácia dos direitos. Assim, se A dá em locação a B a casa, sem que do contrato conste a cláusula de ser respeitado o contrato em caso de alienação, ou sem que o contrato conste do registro público, há o direito de B contra A pelo tempo da locação, porém A não se obrigou a inserir no negócio dispositivo a cláusula de respeito do contrato de locação, pois nada se disse no contrato. Se se obrigou e não foi registrado o contrato, A atribuiu direito a B, mas esse direito não tem eficácia contra os terceiros, e. g., o adquirente do prédio (Código Civil, art. 1.197), ou o que adquiriu o direito de uso ou habitação. Por onde bem se vê a diferença entre o direito e a sua eficácia. Na técnica do direito das coisas, o registro público exerce função de primeira plana na concepção dos direitos com eficácia erga omes. Idem, em matéria de outros direitos absolutos. Há, porém, direitos absolutos cuja eficácia não depende de registro público. 2.EFICÁCIA DE DIVIDAS E SUA EXTENSÃO A TERCEIROS. Também as dividas não têm, de regra, eficácia contra terceiros. Às dividas reais são erga omites; as dividas pessoais podem existir e estar expostas a impugnações e, até, a ações de anulabilidade ou de revogação falencial, e. g., Código Civil, arts. 106.. -118,e Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, arts 53 e 99. A sanção do art. 52 do Decreto-lei n. 7.661 é de pré-exclusão legal de eficácia de dívidas. No art. 134, a), 1, o registro atribui ao documento eficácia contra terceiros, posto que, em má terminologia, se fale de registro “para valer contra terceiros”: Instrumentos particulares relativos a dividas oriundas de negócios jurídicos; cessão de crédito e de outros direitos; pagamento com sub-rogação. Se a sub-rogação pessoal é legal e se origina de titulo que já tem eficácia contra terceiros, o registro é supérfluo. No art. 134, a), V, do Decreto n. 4.857 cogita-se do contrato, por instrumento particular de parceria agrícola ou pecuária; de jeito que a eficácia é a mesma que se reconhece ao contrato por escritura pública. No art. 134, a), VI, alude-se ao mandado judicial de renovação do contrato de arrendamento para a sua eficácIa, quer entre os interessados quer perante terceiros (Decreto n. 25.150, de 20 de abril de 1934, art. 19: “Passada em julgado a sentença decretando a renovação do contrato de arrendamento, será ela executada, perante o próprio juiz da ação, pela expedição de mandado contra o oficial do Registro de Títulos e Documentos, para que registre nos seus livros a prorrogação decretada, que, assim, se considerará vigente, quer entre as próprias

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partes, quer em face de terceiros, a partir da data do registro desses mandado”). A redação do ad. 19 do Decreto ii. 26.150 4 péssima. A sentença que decreta o contrato de locação é sentença ~ com eficácia imediata mandamental. A eficácia do mandamento é para os registros; e fazem-Se esses, para que se estendam a terceiros os efeitos que não a atingiria O prazo do novo contrato não começa da data do registro; começa do primeiro dia após a terminação do prazo do contrato: é o que resulta da lei, a despeito da Infeliz referência ao registro, que o Decreto n. 24.150, de 20 de abril de 1934, art. I, entendeu fazer e foi reproduzida pele Decreto . 4.857, de 9 de novembro de 1939, art. 134, a), VI, e pelo código de Processo Civil, ad. $55. A sentença pode ter sido preferida e ter transitado em julgado antes de terminar o contrato de locação. Se foi registrada antes do termino do contrato, os efeitos não podem ser ex nunc; se foi registrada depois de atingido o termo , têm-se de descontar ao prazo os dias transcorridos (cf. Código de Processo Civil, art. 355, § 1.0). Frise-se que o legislador cometeu o erro lastimável de falar de prorrogação a respeito de renovação O de contrato, confundindo conceitos inconfundíveis No art. 136, inciso 1.”, do Decreto n. 4.857, sujeitam-se a registro de títulos e documentos os contratos de locação de prédios, feitos por instrumento particular, não compreendidos nas espécies do art. 1.197 do Código Civil (eficácia do contrato de locação contra o terceiro adquirente do imóvel). tese registro tem, por exemplo, o efeito de estabelecer a data do contrato registrado como a do primeiro contrato existente, embora outro tenha sido concluído antes, salvo se o locatário já tomou posse do bem locado. A escritura pública tem o mesmo efeito, mas, também a respeito dela, a posse pelo locatário tem eficácia contra a escritura posterior. Surge problema a propósito da escritura pública anterior, se não se seguiu a posse pelo locatário, posse, essa, que pode ser simples, Iong mattU, brevi man, ou pelo constituto possessório. A locação com a posse é que prefere, pela publicidade da posse, e por se ter de admitir que a escritura pública, em que se subentende a transmissão da posse logo após a conclusão do contrato, foi posta de lado se não se seguiu. Aliter , porém, se foi dito de quando começaria a posse e o locador autorizou a entrega da posse, ou deu permissão para se investir da posse imediata. Porque, a!, não se disse apenas que se daria a posse, da se a posse. Se, na escritura, o 0utorgante, que tinha posse, declarou que a transferira ao locatário, é de entender-Se que Dia deu, ainda que o locatário não diligenciasse. É sempre interessante lembrar-se o intérprete de atos jurídicos em que se fala em transferência de que o Código Civil brasileiro alcançou o mais alto grau de teoria da posse e abstraiu do anisrnts e do carpiu. No art. 136, inciso 2.”, do Decreto 11. 4.S57, cogita-Se dos registros dos documentos de depósitos, feitos em garantia de cumprimento de obrigações contratuais, ainda que em separado dos instrumentos dos contratos. Uses depósitos e canções são garantias reais; os direitos, que a files correspondem~ são direitos reais de garantia. Regem-nos o Código Civil, arts. 789-795, 770 e ‘Til, ou o art. 278 do Código Comercial <“Podem dar-se em penhor bens móveis, mercadoria e quaisquer outros efeitos, títulos da Divida Pública, ações de companhias ou empresas, e em geral quaisquer papéis de créditos negociáveis em comércio. Não podem, porém, dar-se em penhor comercial ... semoventes”) e os arts. 271, 272 e 274-279. No ad. 136, inciso 3.”, do Decreto n. ~ diz-se que se registram as cartas de fiança, em geral, feitas por instrumento particular seja qual for a natureza da divida que elas garantam. Aqui, a eficácia contra terceiros é a mesma de que se falou a propósito do ad. 136, inciso 1.0. No ad. ias, inciso 4.”, do Decreto n. 4.857, lê-se que se registram os contratos de serviços não atribuídos a outras repartiçõ6S. Os efeitos são os de que se falou a respeito do art. 186, inciso 1.”. Há, a demais, interesse em, pela data, evitar-se a arguição de concorrência desleal, ou em se fundamentar a imputação a outrem. No art. 186, inciso 5?, do Decreto n. 4.35’T, submetem-se a registro os contratos de compra-e-venda a prescrições, a prazo, com reserva de domínio ou não, qualquer

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que seja a forma de que se revistam, e os de locação, ou de promessa de venda referentes a bens móveis. 0. efeitos são para com terceiros, o que tem grande importância teórica e prática devido ao ad. 622 do Código Civil. Parte IV. Função do Direito das Obrigações CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES § 3.168. Perspectiva 1. DAS OBRIGAÇÕES . A Teoria Geral das Obrigações foi a lenta e exaustiva elaboração de dois milênios. Há conceitos e regras jurídicas comuns a todos os sistemas jurídicos. Aqui e ali, apresentam eles seções graves, devido à pouca ciência dos legisladores. Para a solidez da teoria muito concorreram as regras jurídicas romanas feitas pelos juristas. Muito contribuíram para os erros e os retardamentos de evolução os códigos e leis elaborados por imitadores e copistas do século XIX. Por outro lado, se examinarmos os sistemas jurídicos vigentes, fácil é darmos datas a que eles correspondem: há sistemas jurídicos de hoje que são sistemas jurídicos do século XVII, emendados ou remendados por leis do século XX; e há-os do século XIX, com defeitos de elaboração apressada, a cargo de juristas medíocres. A Teoria Geral das Obrigações teve de atravessar épocas de grande conturbação. 2.TEORIA GERAL DAS DIVIDAS. Em verdade, o que chamamos Teoria Geral das Obrigações é Teoria Geral das Dividas. Porque há dividas a que não o correspondem obrigações e nem por isso deixam de ser dívidas. O melhor nome seria Teoria Geral das Dividas e Obrigações. 3.DIREITO DAS OBRIGAÇÕES. Ao Direito das Obrigações, diz-se, falta unidade, porque se refere a quaisquer dividas, quer se originem de negócios jurídicos, quer de atos-latos, quer delatos jurídicos atricto seneu lícitos, quer de atos, atos-fatos ou fatos atricto seneu ilícitos. O Direito das Obrigações tem unidade porque é o ramo do direito que regula às relações entre pessoas determinadas, ou determináveis, no tocante a ter alguma delas de prestar determinadamente. Assim, o tráfico jurídico e os danos pelos quais alguém responde não são as únicas causas de dividas e obrigações; são, apenas, as mais importantes. O conceito de relação jurídica de divida de prestação determinada é o que estrutura, logicamente, o Direito das Obrigações. Nos outros ramos de direito, surgem deveres perante todos, como os direitos de personalidade, o direito de domínio e os direitos reais limitados. Se, em tais outros ramos, aparecem relações jurídicas entre determinadas pessoas, distinguem-se essas relações jurídicas pela permanência (e. g., relações jurídicas entre cônjuges, relações jurídicas entre genitores e filhos, relações jurídicas entre herdeiros). Por outro lado, a prestação de que se trata no Direito das Obrigações é determinada, e, feita, há a satisfação do credor. A dívida de direito das obrigações não é todo o efeito que corresponde à relação jurídica de direito das obrigações. O devedor há de ter toda a diligência necessária para que seja atingido o objeto da prestação. Por exemplo, o vendedor, se os bens vendidos já foram postos à disposição do comprador e estiverem sendo contados, marcados, ou assinados, por ser o que se costuma fazer (uso do tráfico), há de ter toda a diligência em fazê-lo, ou em cooperar, porque só escapa à responsabilidade pelos casos fortuitos ou de força maior (Código Civil, art. 1.127, § 1.0; Código Comercial, arts. 206 e 207, inciso 8.0). No contrato de locação, no de serviços ou trabalho, no de sociedade, cresce de importância a necessidade de diligência e de compreensão recíproca, para que se atinja, pelo melhor modo possível, o fim da obrigação. Os deveres são, ai, da parte do devedor e do credor (e. g., Código Civil, arts. 1.192, 1, III e IV, arts. 1.193, 1.189, II, 1.191, 1.229, II e IV, 1.226, IV e VII)).

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Esses deveres são como deveres meios, deveres de atitude ou conduta. A infração de tais deveres dá ensejo a pretensão à indenização, e ao preceito cominatório, com invocação do art. 302, XII, do Código de Processo Civil. .76 vimos que Bases deveres meios têm, de ordinário, extensão de eficácia em relação a terceiros. Porém não é Base o único InterBase em considerá-los em particular, para que se lhe apanhe o conceito e a importância, que têm, no mundo jurídico. SÍTIOS Relação jurídica de crédito como todo 1.. Se consideramos relação jurídica a relação jurídica total ou global entre o credor co devedor, como a que resulta do contrato de compra-e-venda, ou da troca, ou da locação de coisas, ou de serviço, deixamos de distinguir os deveres de prestar e os deveres de conduta e, do lado de qualquer deles, direitos que emanam da relação jurídica total, como os direitos formativos (direito de denúncia, direito de opção ou escolha> e outras situações jurídicas, como a de receber aviso, ou de avisar, a de receber denúncia, a de opção, ou a de escolha. Quando dizemos “relação jurídica de compra-e-venda”, “relação jurídica de locação”, e assim por diante, em verdade nos referimos à relação jurídica total ou global, que é mais do que relação jurídica fundamental. Portanto: o feixe de relações jurídicas, de conseqüências jurídicas, de efeitos, e não de fatos que os sentidos pudessem perceber. Tudo já se passa no mundo jurídico, como laços e situações que nele se travam e estabelecem. A existência de tais efeitos é no pensamento humano, para o pensamento humano e para a atividade humana. Ai, o direito cria o real; a realidade é na dimensão do espírito. O feixe de relações jurídicas e de situações é como todo, e não como soma, O conceito, por exemplo, de relação jurídica de compra-e-venda não é conceito de relação jurídica a que corresponda divida de prestar coisa, maia de cuidar da coisa até a entrega, maia de não descurar da proteção jurídica da coisa; e sim conceito de relação jurídica em que tudo isso é Intrínseco. A extinção de alguns direitos e deveres, como o direito de denúncia, ou o dever de aviso, não lhe atinge a sua Identidade; e pode ser modificada por pacto posterior, inserivel, sem que tal Identidade se perca, ou por alguma regra jurídica superveniente. Por vezes, ao se tratar dos negócios jurídicos em especial, se tem de investigar se houve, ou não, perda da Identidade da relação jurídica total. Mas, em verdade, o que faz perder a identidade é a diminuição ou o aumento à relação jurídica fundamental. Por onde se vê que a referência a relação jurídica total, confundindo-a com a relação jurídica fundamental, pode trazer graves inconvenientes. Na relação jurídica fundamental está o cerne da relação jurídica total. 2. DEVER DE PRESTAR E CERNE. O cerne, nas relações de direito das obrigações, é o dever de prestar. Ai está o fim mesmo do negócio jurídico, ou o fim que o direito estabeleceu para a reparação dos danos e eliminação dos enriquecimentos injustificados. Obtido o fim, a relação jurídica extingue-se; mas, para isso, é preciso que a satisfação seja completa. Dai a transitoriedade de todas as dividas, de todos os créditos, em contraste com as relações jurídicas de propriedade, que são permanentes. Quando se fala de dividas duradouras, ainda assim se alude a duração que não é, de modo nenhum, a do domínio. Quanto a essa, ainda se há direito de resolução, ou condição resolutiva ou termo resolutivo (Código Civil, arts. 647 e 648), a titularidade muda, mas a relação jurídica de domínio continua, em sua eficácia contra todos. 8.EXTINÇÃO DA DIVIDA E CONSEQÜÊNCIAS POSTERIOR DA CAUSA DE

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EXTINÇÃO. Na doutrina, os juristas surpreendem-se com o fato de, já extinta a divida, poder o que foi figurante do negócio jurídico, ou sujeito de relação jurídica irradiada de outra fonte de obrigação, poder exercer pretensão e ações. Pré-eliminemos o que facilmente se explicar; e. g., a pretensão a perdas e danos nos casos em que a resolução , ou a resilição, ou a rescisão, ou a própria invalidação, dá a algum dos interessados essa pretensão. A pretensão tem, ai, a mesma causa do fato extintivo ou do ato extintivo. Se, em vez disso, a pretensão surgiu após a extinção, como se o que teria de restituir danificou o bem restituído, a origem da pretensão é em situação que só historicamente se prende à que existia ao tempo da relação jurídica extinta. A dívida de restituição deriva da extinção da relação jurídica (= tem a mesma causa), mas a responsabilidade pelo fato posterior supõe relação jurídica criada pelo fato novo, poste-dor à extinção. § 3.170. Conteúdo da prestação 1. DIREITO A PRESTAÇÃO. O devedor tem de fazer a prestação, o credor tem direito de recebê-la. Já vimos que só excepcionalmente (de regra, em virtude da cláusula expressa> há, para o credor, o dever de receber. Se o há, então, se recusa a receber, incorre em duas moras, a mora creditai-is e a mora debitoris. No direito das obrigações, só o devedor, pessoa determinada, tem de prestar. Se são dois ou mais os devedores, solidários ou não, todos são pessoas determinadas. Dai dizer-se que, no direito das obrigações, os créditos se dirigem, necessariamente, contra pessoa determinada. É o direito relativo, a que corresponde o dever relativo. Mas a doutrina tem prestado pouca atenção a que direitos relativos podem surgir da infração de direitos absolutos, como o direito de personalidade, o de propriedade e os direitos reais limitados. É como se do alto do monte víssemos segundo plano onde se acham os direitos das obrigações. Verdadeiramente, somente parte do Direito das Obrigações está no alto do monte: o que se infringe já é direito das obrigações. O homicida infringe lei penal e as sanções são do mesmo plano e do plano inferior (responsabilidade civil>. O figurante do contrato, ao infringir, já infringe relação jurídica de direito das obrigações. Os negócios jurídicos não conferem direitos absolutos, sejam referentes à pessoa, sejam às coisas. Ainda quando resultem de negócios jurídicos que atribuem a alguém o dever de entregar a outrem, em dia certo, a coisa, tais direitos são contra A, E, ou O, e não sobre a coisa, isto é, contra quem quer que seja. Dai ser da máxima importância distinguir-se do negócio jurídico de direito das obrigações o acordo de transmissão da propriedade ou de constituição de direitos reais, que pertencem ao direito das coisas, ou estão integrados em contratos pré-nupciais. Grande parte dos erros, por parte de escritores de direito e de juizes, provém de não distinguirem dos negócios jurídicos de direito das obrigações os negócios jurídicos de direito das coisas, notadamente os acOrdos de transmissão e de constituição de direitos reais. Quem vende o bem e na mesma escritura diz que transfere a propriedade e a posse, não somente vendeu (a compra-e-venda é contrato, negócio jurídico de direito das obrigações, consensual, vendeu e já adimpliu, imediatamente, portanto, pois transferiu propriedade e posse. O acordo de transmissão da propriedade não é negócio jurídico de direito das obrigações, nem o é o acOrdo de transmissão da posse. A separação no tempo precisa a diferença; e. g., A vendeu o bem para ser cumprida a promessa dentro de três meses, de modo que, chegando ao dia em que tem de adimplir, nova escritura se há de fazer para o acordo de transmissão de propriedade e para o acordo de transmissão da posse. 2. CONTRATOS R~IS. Os chamados contratos reais são negócios jurídicos em que para a vinculação contratual não basta que as manifestações de vontades, de um lado e do outro, coincidam <consensualidade>; é de mister que entre no suporte fático a

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entrega do bem, o que exige, necessariamente , acordo de direito das coisas. Aqui, é preciso que se atenda a dois argumentos da maior relevância: a) Hoje, já se não justifica, ainda nos sistemas jurídicos mais aferrados ao direito romano, que se apontem os contratos reais como contratos que limitam a liberdade contratual. O comodato, o depósito e o mútuo são contratos reais, e isso se depreende, facilmente, do art. 1.248, 2. parte, do Código Civil, onde se diz que o comodato se perfaz “com s tradição do objeto”, do art. 1.257, onde se explicita que o mútuo “transfere o domínio da coisa empenhada ao mutuário, por cuja conta correm todos os riscos desde a tradição” (cf. Código Comercial, art. 247), e do art. 1.265 do Código Civil (“Pelo contrato de depósito recebe o depositário um objeto móvel, para guardar, até que o depositante o reclame”), ou do art. 281, 1. parte, do Código Comercial, que diz: “este contrato fica perfeito pela tradição real ou simbólica da coisa depositada (art. 199) “. Não se pode pôr de lado a letra das leis, a ponto de se Interpretarem as regras jurídicas sobre contratos reais como se não existissem. Porém seria fora de tempo, por apego ao direito romano, que se inspirava em outros dados históricos, entender-se que não possa haver o pré-contrato de comodato (pactum de commodando>, o pacto de mútuo (pactztm de mutuo dando, ou de mutuo dando et acciviendo>, ou o pacto de depósito (pactum de depositando>. A primeira atitude é a mais corrente e ainda se encontra em HuGo REESE (Lehrbuch ice Ãllgemeinen Schuldrechts, 83 s.); e fizeram-lhe críticas G.BOERMER (Realvertrãge im heutigen Rechte, Archiv flLr Biirgerliches Recite, 88, 314), A. VON Tuna (Der Allgemeine TeR, II, 150), Fa. LEONEARD (Allgemeines Schuldrecht, 288), PH. HECK (Griindriss de8 Schuldrechts, 247), J. EssER (Lehrbuck doa Schtddrechta, 28), A. BLOMEYER (Aligemeines Sehzddreckt, 2.~ ed., 105 s.), KÂRL LARBNZ (Lehrbuch des Schuldreckta, 1, 3.~ ed., 54). b>No direito romano, não bastava a consensualidade (isto é,, a simples coincidência das manifestações de vontade) para que do negócio jurídico se irradiassem dividas e obrigações , salvo em determinados contratos que não eram formais (compra-e-venda, locação, sociedade, mandato>. Os demais contratos só vinculavam se obedeciam a determinada forma (contratos formais> e se estava incluído o pacto de tradição (contratos reais>. 3. COMODATO. O que se chama mútuo é contrato de que nasce dever de restituição do que se. transferiu; e comodato é contrato de que se irradia dever de restituição da coisa. Certamente, poder-se-ia conceber mútuo consensual, ou comodato consensual, à semelhança do contrato de locação, em que a obrigação de devolução somente nasce ao ser entregue a coisa, mas os sistemas jurídicos não receberam essa concepção, e não se pode, sem nova solução de técnica legislativa, proscrever o elemento histórico. Assim, há dois caminhos: a> admitirem-se, ao lado dos contratos reais, contratos consensuais jeito que, com a conclusão do contrato, exsurge relação jurídica obrigacional e na obrigação de devolver somente se pode pensar quando tiver havido a entrega da coisa; b) entender-se que, se não houve a entrega da coisa, mas se concluiu o contrato que seria real, e não foi, pela falta de entrega da coisa, apenas se pré-contratou. A primeira solução tem por si A. VON Turnt (Der AUge,nelne Teu, IX, 150), PH. HEOI< (Grundrias des Schzddrechts,247), J. Essm (Leha-buchrdes Schuldrechts, 28) e KAÉL LARENZ (Lehrbuch eles Schuldrechts, ~, 3Y ed., 54 s.>. Seria difícil, certamente, manter-se o apego à reminiscência histórica e sistemática do direito romano. Não se poderia considerar inexistente ou nulo o contrato de mútuo, ou de comodato, ou de depósito, em que não houvesse a entrega da coisa, isto é, o contrato de mútuo, de comodato, ou de depósito consensualmente concebido; não se irradiaria dele o dever de restituição, porque esse somente nasceria com a entrega da coisa. A atitude de se considerar inexistente (= não entrado no mundo jurídico) o negócio bilateral, só consensual, de mútuo, ou de comodato, ou do

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depósito, iria, sem dúvida, contra os princípios hodiernos de liberdade de contrato. Bem assim, a que os reputasse nulos. Frisou-o, há poucos anos, O. DLTLCKEIT (Zur Lehre vom Rechtsgeschãft im klassischen rõmischen Recht, Festschrift flir FRrrz SCHULZ, 171, cf. 160>. Se o contrato consensual está manifesto e não há dúvida entre se tratar de contrato consensual ou de pré-contrato, nada obsta a que se considere estabelecida a relação jurídica. Entregue a coisa, os princípios relativos ao mútuo, ao comodato, ou ao depósito, contratos reais, incidem. Se há dúvida, devemos entender que apenas se pré-contratou. .A propósito da doação, o art. 1.168, parágrafo único, do Código Civil só tem por válida (Mc> a doação verbal, se, versando sobre bens móveis e de pequeno. valor, se lhe seguir, sem demora, a tradição. Trata-se de negócio manual (Hanelgeschdlt>. Outra figura é a do pactum de doreando, de que se irradia dever de concluir contrato de doação. O pré-contrato de modo nenhum se confunde com o contrato consensual por “desrealização” do contrato real. Naquele, é indispensável a conclusão do contrato real, que se prometeu; dai o direito a essa conclusão e o dever de concluir o contrato prometido. No contrato consensual por “desrealização” do contrato real, protrai-se o fato da entrega da coisa, e esse protraimento transforma em adimplemento do contrato o que teria de ser, no contrato real, elemento do suporte. fático. Ali, a vinculação é a prometer; aqui, a vinculação é a promessa. No direito suíço, fez-se contrato consensual o próprio contrato de depósito (Código suíço das Obrigações, art. 472>. Ocorreu o mesmo ao contrato de mútuo (art. 305>. Na sistemática, tal concepção funciona, porém as vantagens que se esperavam são infimas e, diante da atitude que tomou a doutrina dos povos que conservam a concepção do direito comum, não há razão para se ter a espécie consensual como a mais corrente. Nem o é. Sobre o que se passou na Suíça , E.Eísmz (Ober Realkontrakte mit besonderer Rilcksicht auf das schweizerische Obligationenrecht, Zeitschrift fiLr schweizerisches Reckt, 25, 1 s.>. § 3.171. Determinação da prestação 1.PRECISÃO DO CONCEITO PARA O DIREITO DAS OBRIGAÇÕES.Dissemos que a relação jurídica de direito das obrigações se caracteriza por ser determinada a prestação. O devedor não é vinculado a prestar o que corresponde a certa situação indeterminada, mas o que, entre pessoas determinadas, resulta de fato jurídico que não está na pessoa do devedor, ou nas pessoas em relação. Quem tem obrigação de prestar alimentos por efeito -de direito de obrigações há de prestá-los por ter ofendido a outrem (e. g., Código Civil, art. 1.537, II), ou por ter-se vinculado a isso, negocialmente. Quem os há de prestar como pai, ou mãe, ou ascendente, ou descendente, ou parente colateral (Código Civil, art. 397 e 398), tem de prestá-los por atinencia à pessoa, e não por fato ilícito, ou negócio jurídico. O~ direito das sucessões apresenta maior complexidade,porque há o negócio jurídico das disposições a causa de morte. Mas, ainda ai, o fato é concernente à pessoa mais do que ao negócio jurídico. 2.PRESTAÇÃO EM BEM OU EM VALOR. O objeto da prestação é precisamente aquilo que o devedor há de buscar para o credor, por ato seu, ou de outrem, positivo ou negativo. Pode ser: a) a propriedade sobre a coisa, ou a posse mediata ou imediata sabre ela, ou o uso da coisa (o que, no sistema jurídico brasileiro, de regra dá posse) ; b> direito, pretensão ou ação, como o direito de hipoteca ou de penhor; e> ato positivo ou negativo, que não crie coisa ou direito; d) valor patrimonial incorpóreo. § 3.173. Mudança de valor e atitudes legais e negociei,

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1.REGRAS JURÍDICAS MUDANÇA DE VALOR AQUISITIVO. (a) Há as regras jurídicas especiais que, atendendo se corrigir o que um dos figurantes sofreria com a observância estrita do valor nominal. O Estado estabeleceu o curso legal e o forçado, e deixou que as emissões ou outras causas de inflação atingissem o valor aquisitivo da moeda. Por isso, seria, comutativamente, injusto que à grande distância no tempo o credor recebesse menos em valor do que aquilo que levou em conta ao aceitar a oferta que se lhe fizera. Tais regras jurídicas, ditas de revalorização ou de reajustamento, nada têm com a assunção das dividas de valor, ou com as cláusulas de correção, readaptação, reajustamento, escalar ou de escala móvel. Se a divida fosse divida de valor, ou se houvesse cláusula de adaptação, seria supérflua qualquer intervenção estatal. A revisão das tarifas de serviços ao público, explorados por força de concessão, tem de atender a que os lucros dos concessionários não excedam “a justa remuneração do capital” e “lhes permitam atender a necessidades de melhoramentos e expansão desses serviços” (Constituição de 1946, art. 151, parágrafo único). Não há, ai, qualquer cláusula, seja rebus aio stantibus, seja escalar; há regra jurídica constitucional, programática, mas irradiadora de pretensão 4 revisão, que toca aos concessionários. Quem presta e espera a contraprestação em dinheiro deve saber que a moeda está exposta a risco de quebra do valor, a despeito do curso forçado. O Estado também desatende às mudanças de valor, com o seu descaso ao principio de que todo papel de valor se refere a valor de mercadoria, ainda quando se trate de dinheiro (cf. HANS Gnnn, Geld und Staat, 102; ERICH JUNO, Das privatrechtlieke Wesen des GeMes, 7). O erro do Estado é fazer mais grave o descaso pelos que contratam confiando na estabilidade do que não é estável, ou pode ser profundamente instável. Mas o corretivo pelo Estado, fora de convertibilidade, é extremamente difícil; e as cláusulas de correção, empregadas pelos particulares, não são, na prática, de fácil execução. Quando o Estado estabelece o curso legal, ou o curso forçado da moeda, de modo nenhum se refere ao valor aquisitivo do momento. O conceito de valor aquisitivo é estranho àqueles conceitos de curso legal e de curso forçado. A cláusula-ouro ofende a regra jurídica do curso forçado, porque, ao parecer do legislador, se nega o valor que o curso forçado supôs. As cláusulas que nada têm com as cláusulas monetárias própria-mente ditas são atinentes ao valor aquisitivo de elementos que não são moedas, nem O Estado não poderia estabilizar o valor aquisitivo da moeda, nem é isso o que ele faz ao fixar tarifas de gêneros e artigos. 2.DIVIDAS DE VALOR DE FONTE NÃO NEGOCIAL. (b) Há cômputos para adimplemento, que têm de acompanhar o valor da moeda, se a prestação é em moeda, ou o valor de outro bem, se nessa espécie é que se há de prestar. É o que acontece com as indenizações por desapropriação ou de danos por fatos ilícitos ou lícitos. É erro gravíssimo falar-se, ai, de cláusula escalar, ou de adaptação, ou de qualquer cláusula. . Nem se pode pensar em incidência de regra jurídica de revalorização . Assim, o que dissemos nos Comentários à Constituição de 1948 e foi adotado pela jurisprudência, a propósito das indenizações em caso de desapropriação, exprobranjo-se a inconstitucionalidade do art. 26 do Decreto-lei n. 8.365, de 21 de junho de 1941 (cf. Constituição de 1946, art. 141, 5 16, 1.8 parte: “É garantido o direito de propriedade, salvo ~ caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro”). A atitude da. 6.8 Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, no acórdão de 9 de fevereiro de 1951 (R. F., 146, 322), foi, ai, perfeita: “O valor da indenização não é o contemporâneo à data do decreto de desapropriação, mas sim ~ da época da perícia verificada para verificação do seu valor”. A. avaliação, por ter decorrido muito tempo, ou ter sido grave do Valor aquisitivo da moeda, pode ter de

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ser corrigida (= ter de ser feita nova avaliação). A 10 de abril de 1953, ~ 38 Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (1?. de D. Á., 88, 229 s.) reconheceu que a jurisprudência é no 5entido de se entender que a indenização há de corresponder “ao justo e real valor da coisa desapropriada no momento em que se efetiva a desapropriação”, de modo que não importe ‘diminuição injusta do patrimônio expropriado”. A decisão do Supremo Tribunal Federal, a 9 de maio de 1962, contra os votos dos Ministros MAmo GUIMARÁES, ORosIMno NONATO, RIaRIRO DA COSTA e ROCHA LAGOA, afeia a jurisprudência. Sente-se o resquício da ditadura, que caíra em 1945. Também as indenizações por danos causados, trate-se de ilícito absoluto, ou de ilícito relativo, hão de ser conforme o valor em dinheiro ao tempo do adimplemento. Porém, para isso, não se precisa pensar em qualquer alusão a cláusulas corretivas da depreciação monetária. A dívida é de valor, e não de coisa; porque se teria de prestar a coisa que foi ofendida e, não sendo possível ou não se querendo prestar, se presta aquilo com que ela possa ser adquirida ou consertada. Passa-se o mesmo em relação aos danos à pessoa. Não se pode ter como indenizado o membro da família da pessoa assassinada se os alimentos não dão para alimentá-lo. Dai a ação de modificação. Em tudo isso, gera grave confusão falar-se de cláusula. A dívida é de valor. O reembolso de despesas é divida de valor, de modo que se tem de prestar o que vale, no momento, aquilo que se gastou. A depreciação da moeda Poe em evidência que dez mil cruzeiros, em 1934, não são dez mil cruzeiros de hoje; nem se indenizaria quem os desembolsou com a simples prestação do papel moeda que se despendeu naquele momento. O valor das benfeitorias (Código Civil, arts. 516-518), que se indenizam,, é, também, o atual. Só o reivindicante tem a escolha a que se refere o art. 619, mas, ainda ai, o custo não é, necessariamente , o custo do passado, pode-se escolher entre o custo (atual) e o valor (atual) da benfeitoria. Também são dívidas de valor as dividas pelo enriquecimento injustificado (Código Civil, arts. 964-970), pois, se não pode ser restituído exatamente o que se recebera, se tem de indenizar o valor (RAUL LARENZ, Lehrbuch da Schuldrechts, ~, 3~ ed., 116). Se há lei de conversão da moeda, posterior ao enriquecimento em dinheiro, que há de ser restituído, incide a lei (HARMENIG-DUDEN, fie Wdhrungsgesetze, 1, 184). Se não há, deve-se tomar por base a contraprestação, para que se dê ao dinheiro valor de equivalência, e para que o enriquecido não conserve, a despeito da condenação à restituição, parte daquilo com que se locupletara. Assim, se B se enriqueceu, injustamente, com os materiais, e pagara x, mas o preço dos materiais é a equidade, mas a natureza da divida, que é divida de valor. Sempre existiu no direito a diferença entre a prestação de valor e a prestação de oVantidade e qualidade. A prestação de valor é a prestação em quantidade tal e qualidade tal que dê para alguma destinação. A prestação de alimentos ou de mensalidade de colégio, que pode variar, é prestação de valor, porque o dinheiro, ai, é apenas o meio para se atingir determinado fim. Quando economistas e financistas ficam preocupados com o problema das cláusulas de estabilização, são vitimas dos pontos do tablado em que se colocaram: vêem a moeda, que se presta; e não a prestação em que se contém moeda. A prestação de alimentos é prestação em que a moeda se contém e há de bastar à finalidade que se lhe atribuiu. Se os alimentos fossem prestados em casa, café da manhã, almoço, jantar, vestes, transporte e outros gastos, a finalidade estaria atingida;’ com o dinheiro, sujeito a variação do valor aquisitivo, chega-se ao mesmo resultado. Mas o dinheiro, aí, apenas é meio. De regra, as dividas de multas de quantia fixa não são dividas de valor. No direito de família, há prestação de valor, expressa em dinheiro. Os alimentos, em primeira plana. Os alimentos podem ser elevados ou diminuídos conforme as circunstâncias subjetivas (Código Civil, art. 401); a fortiori, conforme as circunstancias objetivas, como a depreciação da moeda e a dificuldade de aquisição de algum remédio ou peça ortopédica.

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Tratando-se de bens dotais, se o dote importa alheação, o marido adquire a propriedade (Código Civil, art. 292). O valor deles há de ser restituído, seis meses após a dissolução da sociedade conjugal (Código Civil, art. 801). Se foi recebido em moeda, ou com o valor em moeda do momento do casamento, as inflações prejudicam, enormemente, a mulher ou o terceiro do dador, a que haja de ser restituída a quantia. Não se pode subentender que se estipulou restituição em valor no momento da restituição do dinheiro, ou do bem de que o marido adquiriu a propriedade. Pode-se ter adotado cláusula expressa, como a de se restituírem os trinta animais pelo preço da ocasião da demolição da sociedade conjugal. são da classe daqueles cuja propriedade se transfere ao marido, o que se há de restituir é o valor deles ao tempo da restituição, salvo se puderem ser restituídos integralmente, não cabendo, ai, invocação do art. 302 do Código Civil. Diz-se no art. 304 do Código Civil: “Se o dote compreender capitais ou rendas, que tenham sofrido diminuição ou depreciação eventual, sem culpa do marido, este desonerar-se-á da obrigação de restitui-los, entregando os respectivos títulos”. O art. 304 somente se refere às ações ou outros títulos, sejam de capital ou de renda, que permaneçam no patrimônio da pessoa dotadora, e não àqueles cuja titularidade ativa haja passado ao marido. O marido só os administra. Não o atinge a diminuição ou eventual desvalorização deles. Mas, se essa ou aquela ocorreu, por culpa do marido, tem ele de indenizar. Se perde algum, alguns, ou todos, e cabe amortização, para serem tirados outros títulos, as despesas correm por conta do marido, ou dos seus herdeiros. O art. 401 do Código Civil dá à interpretação o argumento fortiori de que, se quem presta os alimentos pode prestar mais, a depreciação da moeda permite a ação de modificação com base no art. 289, II, do Código de Processo Civil. A pensão alimentar a que tem direito a mulher desquitada é modificável conforme o art. 401 do Código Civil ou pela depreciação da moeda. A prestação de pensão alimentar por pacto de desquite entende-se modificável pelas circunstâncias de desvalorização da moeda. Passa-se o mesmo com os pactos com que se substitui pensão alimentar à indenização por fatos ilícitos ou lícitos, posto que nem sempre as mensalidades ou anuidades sejam, em tais casos, alimentares. Se o não são, não há pensar-se em modificabilidade se outra razão não há para se admitir tratar-se de divida de valor. Deve-se ter sempre em vista que as indenizações são dividas de valor até o momento de serem prestadas. Após o adimplemento, não; exceto se foi mantida a natureza de divida de valor (e. g., Código Civil, art. 1.587, 1, t~ parte, verbis “pagamento das despesas com o tratamento da vitima”, II, 1.538, verbis “despesas de tratamento”, 1.539, verbia “despesas de atamento” e “pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação, que ele sofreu”). Assim, se houve condenação ao pagamento de despesas m o tratamento do ofendido (Código Civil, arts. 1.587, 1, parte, e II, 1.538 e 1.539>, há ação de modificação, ainda e já tenha havido condenação e adimplemento, se o tratanto não terminou, ou se agravou o seu custo, qualquer e tenha sido a causa. Se foi condenado o demandado a prestar pensão alimentar, como ocorre no caso do art. 1.589 do código Civil, entende-se que a divida é de valor, e há a ação modificação se o custo dos alimentos sobe, ou por agrava-anta do estado do ofendido, ou pelo encarecimento do custo vida. A pensão correspondente à importância do trabalho ra o qual ficou inabilitado o ofendido, ou à depreciação do trabalho que ele prestaria, não só varia em função do agravamento da inabilitação, ou da depreciação, como em função do sto do trabalho. O pedreiro que recebia quatrocentos cruzeis por semana, ao ser inabilitado, tem ação de modificação o seu salário seria, hoje, de seis mil e quinhentos cruzeiros mensais. Não se pode, a priori, dizer que tOdas as indenizações, o trânsito em julgado da sentença, sejam revisíveis, isto é, e se possa exercer, a respeito, a ação de modificação. na doutrina estrangeira, quase sempre perturbada por acusações

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literárias e de iure condendo, foi não descer ao ame científico do problema. O dano há de ser indenizado que custa a reparação no momento de ser adimplida dívida, ou de poder ter sido adimplida, se não houvesse ato credor, ou mora creditoris, que o impediu. Não pode pedir avaliação, por exemplo, quem deixou de concordar com avaliação anterior e perdeu o recurso, por incabível ou por r sem razão de provimento. Mas essa reavaliação, que a jurisprudência sempre admitiu e se revela no acórdão do Supremo Tribunal Federal de 23 de julho de 1942, nada tem com a chama-revisão do quanto posterior ao trânsito em julgado. O problema, então, é o de caber, ou não, ação de modificação. Ação de edificação cabe sempre que a divida de valor continua após sentença transita em julgado. fl o caso, e. g., das condenses a pensões alimentares, a indenização por inabilitação ao trabalho, ou depreciação da habilidade produtiva, e às despesas para tratamento não terminado antes do trânsito em julgado da sentença. A sentença do juiz SAMPATO DE LACERDA, na 3.~ Vara da Fazenda Pública, a 28 de dezembro de 1954 (D. da .1. de 4 de janeiro de 1955), acertadamente condenou a Estrada de Ferro Central do Brasil a pagar pensão mensal correspondente ao salário da vitima, atendidas, proporcionalmente, as mudanças tarifárias do salário mínimo. Ainda que tal explicitude, que se em grande relevo a decisão, ocorrido, havemos de entender que as indenizações de que falam os arts. 1.587, 1. 1.8 parte, e II, 1.588 e 1.539 d~ ensejo a ação de modificação. 3.DIVIDAS DE VALOR DE FONTE NEG0CIAL. (c) Há dividas de valor que se originam de determinação do valor da prestação (e. g., promessa de recompensa, se o prêmio é o de trinta por cento do valor do diamante na data da entrega pelo achador), ou da contraprestação. Quando a divida é de valor, não se precisa de regra jurídica de revalorização da moeda, nem de cláusula adaptativa. A divida Já é de valor, e não de coisa ou serviço; de modo que não há pensar-se em adaptação. Não se deve z, com a cláusula de se adaptar o objeto a índice. Deve-se x, conforme o índice. Ao direito do herdeiro necessário ou dos herdeiros necessários à metade da herança, ou do cônjuge, à metade dos bens comuns, corresponde dívida de valor: toma-se por base a existência e valor dos bens ao tempo da abertura da sucessão, mas, se, entre a abertura da sucessão e a partilha, algum bem se valoriza, tem-se de refazer o cálculo, porque o direito de cada herdeiro foi valorizado indivisamente. Somente se o bem é atribuído a todos, é que se pode pensar em conservar-se a primeira avaliação. Não há qualquer correção de desequilíbrio entre prestações quando se estabeleceu pre8tação de valor. O que se deve é o valor. A prestação não é adaptável; o seu conteúdo é que varia segundo alguma variável, ou algumas variáveis. A fixação da contraprestação como referência à variação do preço de algum material, ou de alguns materiais, ou ao índice do custo da vida, apenas estabelece prestação de valor, em vez de prestação de dinheiro. O dinheiro, ai, é meio para que 4. CORRETIVAS OU ADAPTATIVAS. (d) MI cláusulas de correção, ou de reajustamento, ou de adaptação, cláusulas escalares, ou de escala móvel, que são cláusulas que têm por fim evitar ao credor os inconvenientes de suportar o risco da desvalorização, principalmente da desvalorização monetária. São cláusulas ditas de estabilização do valor. Tratando-se de dívidas de dinheiro, tais cláusulas supõem que a prestação é em dinheiro, mas a quantidade varia com o valor aquisitivo da moeda. Não há divida de valor, diz-se, no sentido exato; há divida de dinheiro, com a cláusula corretiva. A confusão resulta de meios-cientistas tratarem os problemas jurídicos pelo ângulo que eles vêem, sem verem o resto. Se a divida de valor é de fonte negocial, é evidente que tem de haver cláusula negocial estipulação que determine ser divida de valo; e não de determinada coisa, ou espécie, inclusive dinheiro, a divida que do negócio jurídico se irradia. Mas sempre foi assim no direito. Nenhuma novidade há nisso. Sempre que se paga com mercadoria, o contrato é de troca, e não de

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compra-e-venda. Áliter, se o adimplemento é em dinheiro que corresponda a determinada mercadoria, em determinado momento, ou em determinados momentos. As cláusulas que se referem ao valor da moeda em relação a moeda estrangeira não são, propriamente, cláusulas de adaptação ao valor aquisitivo interno, e pode ser assaz diferente do valor em relação do custo da vida ou ao de alguma ou algumas mercadorias. O que mais importa é que não se pense que só se tiveram dividas de valor depois que a economia escorregou pelas inflações. Inflações são fatos de hoje. Nem só desse século, Os economistas e financistas soem exagerar a importância dos fatos que os circundam e eles não podem emendar. Nos negócios jurídicos a curto prazo e nas prestações repetidas ou continuadas que não duram muito, a criação de dividas de valor, em vez de dividas de dinheiro, seria supérflua, ou sem grande alcance. Nos negócios jurídicos a longo prazo, ou a propósito de indenizações repetidas e continuadas, que duram muito, sim. Mas, exatamente a propósito dessas, o que mais acontece, por se precisar de qualquer cláusula negocial explícita que estabeleça a prestação variável. § 3.174. Curso legal, curso forçado e cláusulas negociais 1.DIVIDAS DE MOEDA ESTRANGEIRA. A divida de dinheiro refere-se a determinada quantidade (aritmética), soma ou fração de unidade de determinado sistema monetário. De ordinário, promete-se moeda do pais. Também se podem prometer dólares, libras, marco alemão (DM), francos, liras, escudos e quaisquer outras moedas. Porque não se está no Estado cuja legislação há de reger a dívida, diz-se dívida em moeda estrangeira. Vulgarmente, porque as dividas contraídas no território são regidas, na maior parte, pela lei do Estado em que se contraíram, considera-se divida em moeda estrangeira a que se não há de adimplir na moeda do Estado em que se concluiu o negócio jurídico. Mas, em verdade, a divida contraída em moeda brasileira, mas regida pela lei inglesa, alemã, ou francesa, é divida, para o Estado do estatuto, em moeda estrangeira. O direito do Brasil, na sua política monetária (não do ponto de vista do direito privado), é que pode considerar tal divida como divida em moeda brasileira. Para a lei brasileira (Decreto-lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942, art. 9.0), o estatuto das dívidas é a lei do Estado em cujo território se constituírem. Tratando-se de contrato, a constituição da divida é no lugar em que reside o oferente (art. 99, § 2.0). Ou, mais tecnicamente , no lugar em que se emite a oferta. Donde termos de chamar moeda estrangeira a moeda de outro Estado que aquele em que se constituiu o negócio jurídico unilateral, ou em que se fez a oferta. 2. MOEDA E PRESTAÇÃO DE VALOR. As cláusulas corretivas são válidas, salvo se há lei especial que as proíba, em algumas das suas aplicações , ou se elas fraudam lei. O Decreto n. 28.501, de 27 de novembro de 1988, art 1.0, considerou nula “qualquer estipulação de pagamento em ouro, ou em determinada espécie de moeda, ou por qualquer meio tendente a recusar ou restringir, nos seus efeitos, o curso forçado do mil réis papel”. No art. 2.0, vedou-se, “sob pena de nulidade, nos contratos exequíveis no Brasil, a estipulação de pagamento em moeda que não seja a corrente, pelo seu valor legal”. O art. 1.0 apanha todos os negócios jurídicos concluídos no Brasil, ou em que a oferta partiu do território do Brasil; o art. 2.0, em vez de se restringir aos negócios jurídicos regidos pela lei brasileira, proibia, com a sanção de invalidade, a estipulação de adimplemento em moeda que não seja a moeda corrente do Brasil, se exequíveis no Brasil as dividas, ainda que regidas por direito estrangeiro. Rigorosamente, o t4rmo seria “ineficácia” e não “nulidade”: a cláusula não é nula, porque o estatuto pode não no dizer; mas ser ineficaz no Brasil.

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Os arts. 1.0 e 2.0 do Decreto n. 23.501 atingem: a) a clausula-ouro (art. 1.0 verbis “estipulação de pagamento em ouro”); a cláusula de pagamento em determinada espécie de moeda, “que não seja a corrente, pelo seu valor legal” (art. 1.0); o) a cláusula de pagamento por “outro qualquer meio tendente a recusar ou restringir, nos seus efeitos, o curso forçado do mil réis papel” (hoje, curso forçado do cruzeiro papel); d) a prestação em “moeda que não seja a corrente, pelo seu valor legal” (art. 2.0), portanto a moeda não corrente, nacional ou estrangeira, e a moeda corrente nacional por valor diferente do legal (Decreto-lei n. 6.650, de 29 de junho de 1944, art. 1.0), salvo se a divida foi contraída no exterior (= regida por estatuto estrangeiro, por ter sido concluído no estrangeiro o negócio jurídico), em moeda do respectivo país, embora exequível no Brasil. Se o negócio jurídico diz que o adimplemento da divida regida pelo estatuto brasileiro (= decorrente de negócio jurídico concluído no Brasil, cf. Decreto-lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942, art. 9.0: “Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem”, e § 2.0: “A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente”) será em moeda nacional, mas pelo valor em relação a moeda estrangeira, é nula, não por fraude t lei, que, ai, seria o art. 2.0 do Decreto n. 23.601, mas por se tratar de divida de valor, e não de divida de dinheiro, infringente da lez specialis. Se o negócio jurídico se concluiu no estrangeiro (= é regido pela lei estrangeira), mas a divida é exequível no Brasil,não há, na cláusula de moeda estrangeira, violação do art. 2.0 do Decreto n. 23.501, porque abriu tal exceção o Decreto-lei n. 6.650, art. 1.0 (“Não se incluem nos dispositivos do Decreto n. 23.501, de 27 de novembro de 1933, as obrigações contraídas no exterior em moeda estrangeira, para serem executadas no Brasil”). Na interpretação do art. 1.0 do Decreto-lei n. 23.501 tem-se de assentar que só se abriu exceção para as dividas assumidas no Estado B, em moeda do Estado B, para prestação a ser feita no Brasil. Se a divida foi assumida no Estado B, em moeda do Estado O, tendo de ser no Brasil a prestação, o art. 1.0 do Decreto-lei n. 23.501 não pode ser invocado. Se a divida foi assumida no Estado B, em moeda do Brasil, nenhum óbice há à execução no Brasil. Se estipula que se pagará, em contraprestação, o que corresponder, em cruzeiros, ao preço do mercado para a mercadoria a, que se vende, a estipulação vale. Idem, se o preço da mercadoria a há de ser em cruzeiros, com que se possa, no momento do vencimento, adquirir determinada quantidade de mercadoria b. Ali e aqui, há determinação do preço. Não se infringe a regra jurídica sobre curso forçado. A mercadoria a b não pode ser ouro, prata, diamante, ou outra pedra preciosa, salvo se as circunstâncias afastam que se trate de violação (inclusive in fraudem legis) do art. 1.0, 2.a parte, do Decreto n. 23.501, como se o contrato é sobre execução de trabalhos de joalheria em que tais elementos entrem. As alusões às cláusulas escalares levam a confusões graves entre a cláusula de prestação em valor e a cláusula escalar a respeito da prestação em quantidade, qualquer que seja o valor pelo qual se adquire. Se A compra z toneladas de ferro a tantos cruzeiros o quilo, não há divida de valor, nem cláusula escalar. Se A compra z toneladas de ferro a tantos cruzeiros acrescidos dos que dêem para se converterem em dólares ao câmbio do dia, em verdade infringiu-se o Decreto n. 23.501, arts. 1.0 e 29, ou pelo menos o fez in fraudem legis. Se A compra z toneladas de ferro a tantos cruzeiros quantos dêem para se comprar exemplar de determinado vagão da empresa E, não se infringiu o Decreto 23.501, porque a prestação é em dinheiro mas por seu valor aquisitivo de mercadoria. Quanto à cláusula de índice de custo da vida, só se pode entender que infringe o art. 1.~, 2.~ parte, do Decreto n. 23.501 e, em verdade, tende a recusar o curso forçado, ou infringir lei sobre curso forçado, como se foi estipulado que, baixando poder aquisitivo da moeda, a prestação tem de ser em diamantes, ou em barras de ouro.

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A estipulação de prestação em valor (divida de valor) a cláusula escalar não infringe a lei sobre curso forçado, apenas dá variabilidade ao quanto da prestação em dinheiro ele curso forçado. O que varia, ai, é o valor da prestação em função da variável ou das variáveis escolhidas (preço do cimento, preço do preço, preço do salário mínimo, ou do salário médio, preço do misto da vida), O que varia é o que se tomou por base. Cumpre, ainda, advertir que não é só a desvalorização da moeda que encarece o custo da vida. Há outros fatores, que têm com a moeda, como a alta do estalão de vida na região, a falta de braços ou de trabalho técnico intelectual. § 3.175. Negócios juridicos e clausulação escalar 1. MÚTUO. A respeito do mútuo, se admite, no sistema jurídico, a restituição do capital mais o que esse sofreu de desvaloriza#o, os embaraços são enormes. Há a taxa máxima de juros, que seria fraudada, freqüentemente, pela atenção à depreciação monetária. Quanto aos depósitos bancários, não se justificaria a cláusula escalar ou corretiva. Nem se traga à balha o que em alguns Estados ocorreu com os empréstimos bancários para construções. Nas debêntures, que são empréstimos a longo prazo, a promessa de adimplemento em valor, em vez de em quantia fixa, é aconselhável, porque, sem se atender ao poder aquisitivo da moeda, o debenturista recebe juros e receberá capital que, nas épocas de inflação, de modo nenhum corresponde ao que ele prestou. Por tOda parte, escasseiam debenturistas. Em vez de prestação em valor, pode-se estipular bonificação conforme a elevação do custo da vida, ou de algum material, ou de alguns materiais, ou conforme a alta do valor das ações. Além desses expedientes de adaptação à mudança do valor da moeda, pode-se dar ao debenturista preferência nas elevações de capital, pelo valor nominal das debêntures, ou quota nos lucros, à parte dos juros. O Decreto-lei n. 1.079, de 27 de janeiro de 1989, arts. 1.0 e 2.0 e parágrafo único, teve função de direito intertemporal, mas com retro eficácia, o que, então, era possível. Disse o art. 1.0: “Os contratos de empréstimos de dinheiro, celebrados no território nacional, até 1.0 de dezembro de 1933, com garantia de hipoteca de bens imóveis situados no Brasil, embora o valor da quantia mutuada haja sido expresso em ouro ou em moeda estrangeira, reputam-se convencionados em moeda papel nacional, desde que nesta moeda tenha sido fornecida a importância ao mutuário”. E o parágrafo único: “Neste termos e condições do contrato, a quantia em moeda papel nacional, que houver recebido, ao ser realizado o pacto”. Note-se, preliminarmente, que as hipotecas não garantem somente dívidas de mútuo, razão por que se há de entender “quantia em moeda papel nacional que elas garantam”, trate-se de mútuo ou não. A regra jurídica do art. 19 do Decreto-lei n. 1.079 também apanha as anticreses. Os penhores caem sob esse art. 1.0 ou sob o art. 29 do Decreto n. 23.501, se as dívidas garantidas estão nos casos ai previstos, mas a respeito deles não houve a regra jurídica retroativa do art. 1.0 do Decreto-lei n. 1.079. Quanto às dividas hipotecárias, ainda estatuiu o Decreto-lei n. 1.079: “A disposição do artigo precedente não se aplica aos contratos já liquidados, nem às amortizações já efetuadas do capital mutuado, mesmo que o tenham sido na moeda expressa no contrato. Aplica-se, porém, aos contratos vencidos e não liquidados, e à parte não resgatada do capital mutuado, bem como às execuções pendentes, resultantes desses contratos, ainda que a penhora tenha sido julgada por sentença, de que já não caiba recurso” (art. 2.0); “Na hipótese de ter havido amortização parcial da soma emprestada, o saldo, para o efeito da aplicação do art. 1.0, será convertido em moeda nacional, à taxa cambial do dia em que o contrato foi celebrado” (art. 29, parágrafo único).

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2.LOCAÇÃO DE IMÓVEIS. Quanto à locação de imóveis, o Decreto n. 24.150, de 20 de abril de 1934, arts. 59, d), 8.0, 20, e 13, admitiu que se alterasse o valor do contrato renovado de locação comercial. Não se trata de promessa de prestação de valor: o contrato é novo; nem de cláusula escalar: o contrato a findar nada dispôs a respeito. A propósito da locação de prédios submetida à legislação emergencial, há pós-limitação ao auto-regramento da vontade e qualquer prorrogação somente pode ser nos termos do contrato prorrogado, salvo regra jurídica especial que permita alteração. Resta saber-se: a) se é válida a cláusula que estabeleça o aluguer z no primeiro ano, o aluguer z + 1, no segundo ano, e z + 2, no terceiro ano; b) se é válida a cláusula que fixe o aluguer conforme o valor dos impostos que recaiam sObre o imóvel, ou o valor aquisitivo da moeda no tocante segundo o preço de estadia mensal ou anual do locador em determinado quarto ou apartamento de hotel. Todas essas cláusulas são válidas. Mais uma vez advirtamos que se não pode confundir com a prorrogação do contrato de locação a renovação do contrato de locação. 3. SALÁRIOS. Os salários, esses, têm - de ser conforme o custo da vida. A lei tem de intervir, principalmente a respeito do salário mínimo; as decisões da justiça do trabalho, nos dissídios coletivos, têm de atender à elevação do custo da vida, como à diminuição de tal custo, se isso pudesse ocorrer. Nada impede que negocialmente se conceba o preço do trabalho qualquer que seja em função do custo da vida, ou de alguns gêneros alimentícios, ou de alguns gêneros alimentícios e habitação. 4. SEGUROS. Os seguros também podem ser concebidos com prêmios variáveis e apólice de prestação de valor, e não de dinheiro, de modo que o dinheiro seja apenas o meio para se prestar o valor. Ás dificuldades são mais financeiras e econômicos do que jurídicas. Não se confunda o problema com o da intervenção estatal para revalorização dos seguros. Um dos expedientes que se têm usado é o de se deixar ao segurado a denúncia vazia de cláusula escalar. Então, o contrato de seguro se mantém ou volve a ser de prêmio em dinheiro fixo. A variação do seguro de vida pode ser facultativa ou obrigatória, de ordinário entre máximo e mínimo, de modo que a variação somente se atenda dentro dos limites. Em verdade, quem fez seguros, no Brasil, há trinta anos, ou vinte anos, recebe ou de quantia irrisória, a despeito do desembOlso feito no passado, quando as companhias inverteram com enorme proveito as importâncias recebidas por elas. As empresas fizeram cálculos como se o valor aquisitivo da moeda não mudasse, e nenhuma correção fizeram às suas promessas. - Por vezes, o que os herdeiros dos segurados vão receber é igual ou inferior, em valor aquisitivo, ao que o segurado pagou por trimestre, ou por mês. 5. SERVIÇOS AO PÚBLICO. A técnica jurídica oferece ao Estado e aos concessionários de serviços ao público soluções que obviam aos inconvenientes da depreciação monetária: a) a revisão periódica das tarifas, ou a revisão quando a empresa concessionária exerça a pretensão à revisão, mostrando que as tarifas vigentes não mais correspondem às suas funções (e. g., ConstituIção de 1946, art. 151 e parágrafo único); b) a prestação em valor, estabelecendo-se o critério de determinação das tarifas conforme índices; e) a prestação de adicional conforme a) ou b) DIVIDA, ADIMPLEMENTO E TUTELA JURÍDICA § 3.176. Ação e tutela jurídica

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1.ORDENAMENTO JURÍDICO E PROTEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO. Os sistemas jurídicos dão aos credores direitos, e aos devedores, deveres. Desses direitos emanam pretensões e ações; deveres, obrigações e situações passivas nas ações. Mas o direito vai além: promete a tutela jurídica. A proteção jurídica estatal depende de exercício, pelo credor, da pretensão à tutela jurídica. Já falamos da condenação dos devedores e da execução forçada. A exigibilidade perante os tribunais leva à formação da relação jurídica processual. O pedido é, primeiramente, o de adimplemento do prometido; se esse não é possível, ou negado, é que cabe a indenização. Em parte, no direito britânico, só se pede a indenização pelo ilícito relativo. No direito germânico, ao ilícito relativo correspondia pena, e não condenação ao adimplemento específico, ou à indenização. Note-se a semelhança com o que se dá com o ilícito absoluto. Somente após longa evolução foi que se chegou à alternativa: adimplemento especifico, ou indenização do dano. Já vimos que pode haver o crédito sem haver pretensão, ou estar essa encobrível ou encoberta pela eficácia de alguma exceção. Há pretensões sem ação. De regra, todos os créditos podem ser exigidos judicialmente, e desde logo ou após condenação ser executados forçada-. mente. Há-os, porém, não exigíveis, ou não exequíveis forçadamente; e há-os exigíveis e exequíveis forçadamente, se não foi a tempo oposta exceção, e. g., a de prescrição. A exceção não elimina a pretensão; a exceção pode, oposta, encobri-la. 2.EXECUÇÃO VOLUNTÁRIA E ExECUÇÃO FORÇADA. Adimple-se, prestando-se, e na falta do adimplemento ou o Estado obtém, do demandado, para o demandante, o que foi prometido, ou retira do patrimônio do demandado o que equivalha, como indenização, à prestação devida. A condenação é como ordem ao demandado para que adimpla. A execução forçada tem de respeitar os limites da responsabilidade patrimonial e as regras jurídicas processuais sobre impenhorabilidade. Algumas dessas regras são conseqüências necessárias da incidência de regras jurídicas de direito material. Há ações que são exercício de o de denúncia cheia, ou vazia, se a sem exercício do direito através da de resilição. No direito das obrigações há ações constitutivas. Sempre que há a pretensão constitutiva ou o direito formativo e esse depende de ação, a eficácia da sentença é que integra o direita formado. Não estamos a cogitar, aqui, das muitas ações que desconstituem negócios jurídicos, como as de validade e as de anulabilidade. As ações de resolução ou de resilição são ações constitutivas sempre que não se trata de resolução automática ou de resilição automática. § 3177. Tutela jurídica e Estado 1.ESTADO E INDIVIDUO. A justiça foi, a princípio, feita de mão própria; o Estado tomou a si a distribuição da justiça,monopolizando-a. Já sabemos quais os casos, que ficaram, de justiça de mão própria (Tomos II, §§ 182, 2, 191-201 e 218, 2,e X, §§ 1.069, 1, 5, 1.092, 8, 4, 1.100, 1.110, 1.114, 1, 1.117,2, 1.118, 5, 1.135, 2, 1.121-1.125). 2. AÇÕES CAUTELARES. Além das ações de que acima se falou, há as ações cautelares, nas espécies dos arte. 675 e 676 do Código de Processo Civil. 2. JUSTIÇA ARBITRAL. Entre a justiça estatal e a justiça de mão própria está o juízo arbitral, que a técnica legislativa permite mediante contactos com a justiça estatal segundo regras jurídicas que estão longe de ser as mesmas para todos os sistemas jurídicos. De ordinário, os legisladores entendem que seria arriscado deixar-se aos árbitros julgar os casos submetidos à sua apreciação sem possível ou necessário controle dos juizes estatais. Até onde há de ir esse controle ficou, como

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problema de técnica legislativa, aos elaboradores das leis. COMPROMISSO E JUÍZO ARBITRAL § 3.179. Conceito de compromisso 1. CONCEITO. Compromete-se, em sentido técnico, quem se submete a juízo arbitral. Qualquer outro sentido que se dê a “Compromisso” é extensão devida à linguagem vulgar e imprópria de juristas. No fundo, teste para se saber até onde vão os conhecimentos de quem escreve sobre direito. O compromisum era o acordo para a decisão por árbitro, ou por árbitros. Se lhe adjectava cláusula penal, a infração gerava a ação pela pena: “Ex compromisso placet exceptionem non nasci, sed poenae petitionem” (L. 2, D., de receptis: qui arbitrium receperint ,d 8ententtam dicant, 4, 8). Estabeleceu-se que do compromisso não nasce excepção, mas petição da pena. A exceptio pacti ex compromisso teve a sua evolução. Chama-se compromisso o contrato pelo qual os figurantes se submetem, a respeito de direito, pretensão, ação ou exceção, sobre que há controvérsia, a decisão de árbitro. Entra na classe dos contratos que têm por fim a eliminação de incerteza jurídica. Também se pode estabelecer por declaração unilateral de vontade o compromisso, mas tal figura raramente ocorre. 2.DIREITO GREGO. As partes ou os que ainda não eram partes, mas tinham entre si controvérsia, podiam, em direito grego, submeter-se a julgamento por árbitro privado, ou árbitros privados, escolhidos, ditos que se distinguiram dos árbitros públicos ou Impostos pela sorte, também (DEMÔSTENES, C. Aphob., III, § 58). Não importava se a questão já estava submetida a tribunal de heliastas. Era distratável o acordo (cf. DEMÓSTENES, C. Ápatur., §§ 16 e 19;C.Ãphob., III, § 58). 3.DIREITO ROMANO. No direito romano, as partes podiam renunciar à tutela jurídica estatal a respeito de questão pendente entre elas e pactar a nomeação de Arbitro que examinasse o caso e proferisse decisão. Assim, em verdade, em todos os povos; tanto mais quanto a resolução das questões somente pelo Estado foi solução posterior à justiça de mão própria e à justiça dos árbitros. O direito privado romano teve de enfrentar o problema da não-aceitação da função por parte do arbiter. Criaram tribunal arbitral, o indicium privatum do direito clássico, à base da litiscontestação (negócio jurídico privado, ou processual, pelo qual os interessados ou as partes prometiam submeter ao index a resolução de litígio). A principio, havia a solenidade de palavras expressivas e taxativas (legis adio); depois, admitiu-se o escrito (iudicium). Por onde se vê como se veio do árbitro para o juiz estatal, que independe de escolha dos interessados. O judicium privatum constava de lista de cidadãos, dentre os quais se escolhia o árbitro. Não podia esse recusar, porque fazia parte do indicium privatum. O Estado assegurava o cumprimento dos julgados, caso não o fizesse o vencido. A arbitragem, livre de tOdas as peias com o Estado, perdurou. Os árbitros só eram constrangidos a julgar se houvessem aceito a função. Discutiu-se se em direito romano podia ser designado árbitro o juiz ordinário. Certo, o index vedaneus não podia ser nomeado (L. 9, § 2, D., de receptis: qui arbitrium receperint 24 sententiarn dicant, 4, 8), na mesma causa, por estar ligado à formula iudicii; mas a L. 3, § 3, é expressiva: quem quer que fosse designado e houvesse recebido a arbitragem teria de desempenhar a função, qualquer que fOsse a sua dignidade, salvo se, pelo cargo, não pudesse haver imperium. Quando o juiz era nomeado árbitro, o Código Civil, art. 1.045, dispensava a

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homologação, se a decisão fOsse proferida por juiz da primeira ou da superior instância, nomeado árbitro pelas partes; mas o Código de Processo Civil, art. 1.041, derrogou, nesse ponto, o Código Civil, art. 1.045, 2a parte. Ainda que tenha sido nomeado árbitro juiz da primeira ou da superior instância é como qualquer outra pessoa e a lei exige a homologação. 4. DIREITO MODERNO. O Estado não somente chamou a si a tutela jurídica, como também submeteu a exame dos seus juizes, no que lhe parece essencial, a decisão dos árbitros, no tocante a validade do compromisso e do laudo (cf. G. SCADUTO, Gil Arbitratori nel diritto piinto, 137 s.). 5.PERMISSÃO DA ARBITRAGEM. O juízo arbitral, de que aqui se cogita, é o juízo arbitral para processos civis. Nem compreende os juízos arbitrais de direito público, nem, a fortiori, os de direito interestatal ou supra estatal, sem se afastar que os arta. 1.031-1.046 do Código de Processo Civil possam ser, ou vir a ser, conteúdo de alguma lei, que a eles, ou a algum deles, se refira. Estão excluídos os processos que não sejam atinentes ao estabelecimento de “paz”, e sim à constituição de negócio jurídico formal (aliter, quanto à constituição de negócio jurídico não-formal). Não seria possível recorrer-se a ele para interdição ou suplemento de idade, ou regist o Torrens. Não é verdade, porém, que todas as ações constitutivas tenham de ser excluídas . Certas ações mandamentais podem ser objeto de juízo arbitral. Algumas precisões. O compromisso em que figura o Estado nem sempre é de direito público. O Estado pode nele figurar como particular. Por exemplo, discute-se a propriedade de terreno, ainda que afirme a unidade estatal que se trata de terra devoluta, ou de uso público. Se submeteu a juízo arbitral, o compromisso, na falta de lex speciolis, se rege pelo Código Civil e pelo Código de Processo Civil, exceto no que concerne a poderes do órgão estatal. Por outro lado, se a questão é de direito público e a lei especial, se há, é omissa quanto ao procedimento, tem de entender-se que se remeteu à lei processual comum. No que toca a instrumentos a serem constituídos, não podem árbitros se substituir a tabeliães, ou a oficiais de registro, ou a legisladores; mas nada impede que se tenha de pronunciar sobre a existência, validade ou eficácia de escrituras públicas, ou de transcrições, inscrições, averbações ou anotações em registros públicos, ou sObre a existência, validade ou eficácia de regra jurídica. O capitalismo tem festejado, em muitos Estados, a diriminda de controvérsias entre as corporações e os trustes, por meio de arbitragens sem homologação, para escapar à publicidade e à fiscalização estatal. Principalmente, à justiça de outro Estado, quase sempre à justiça do Estado mais fraco. ases compromissos feririam a letra do art. 141, § 4O, da Constituição de 1946, se lhes atribuísse eficácia fora do que é a vontade dos figurantes em se submeter, ou se com isso se ofendem direitos de terceiros. Com o juízo arbitral excluem-se os juizes estatais, não, porém, os especiais (e. g., matéria dos tribunais de segurança pública, matéria contra cartéis ou trustes). Quanto à sua eficácia, o compromisso é negócio de direito material com eficácia negativa no direito pré-processual (exclusão dos juizes estatais) e eficácia positiva no direito processual (submissão das partes aos efeitos do laudo arbitral homologado). Se o compromisso é ligado a certo contrato, a sua validade depende da validade desse, salvo se é de interpretar-se que se quts aquele sem esse. Se o compromisso é para o caso de surgirem divergências na interpretação ou cumprimento do contrato, somente há compromisso enquanto há contrato. Ainda, tem-se de considerar que o compromisso não se confunde com o pactum de compromitento, que é pré-contrato, nem com a promessa unilateral de

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comprometer..se, em que a obrigação 6 a de assinar compromisso. 1 § 3.180. Espécies de compromisso 1.JUDICIADE E EXTRAJUDICIALDADE. O compromisso diz-se judicial quando se faz em juízo, por termo nos autos (não por escrito que se junte aos autos, seguido de homologação, espécie a que o Código Civil não se referiu, e foi repelida por haver inconvenientes práticos), ou quando em virtude de lei, haja de ocorrer em juízo. Extrajudicial é o compromisso que se conclui fora de juízo. No Código Civil, art. 1.033, alíneas 1.’ e 2.’, está estabelecido: “O compromisso é judicial ou extrajudicial. O primeiro pode celebrar-se por termo nos autos, perante o juiz ou tribunal, por onde correr a demanda; o segundo, por escritura pública ou particular, assinada pelas partes e duas testemunhas”. (É preciso que se não confunda com a homologação do compromisso por termo nos autos, decisão pela qual pode juízo dar por extinta a relação jurídica processual estatal, à semelhança do que se passa com a transação e a desistência, cf. Código de Processo Civil, arte. 206 e 207, a homologação da sentença arbitral, art. 1.041. Aquela, referente ao negócio jurídico do compromisso, apenas é referente à relação jurídica processual estatal; essa é para a eficácia da sentença arbitral, segundo os princípios que adiante se expõem. A homologação pode ser extintiva.) 2.COMPROMISSOS EXTERIORES E COMPROMISSOS INTERIORES. Se o compromisso estabelece que a decisão há de ser homologada, ou é de entender-se, dispositiva ou interpretativamente, que o estabeleceu (ainda se proferida por juiz de primeira ou superior instância, não só “segunda”, como está no derrogado art. 1.045 do Código Civil), o compromisso e a arbitragem dizem-se exteriores. Se, em vez disso, se dispensou a homologação, são chamados interiores. O problema maior, naquilo que tange aos compromissos e arbitragens interiores, é o que concerne à executabilidade forçada. Sempre que seria necessária, para se obter a eficácia da decisão, a intervenção do Estado, não lha dá esse, nem lha pode dar, perante a lei (Código Civil, art. 1.045), porque falta a homologação. Temos aqui de considerar que, durante a lide, pode uma das partes alegar que existe, a respeito da res in iudicium deducta, compromisso. Então, quem o alega tem de prová-lo, e prova-o com a juntada do instrumento, ou certidão, ou pública-forma, ou cópia fotostática. Não há, ai, homologação, porque não se fez por termo nos autos; o juiz tem apenas de julgar se a relação jurídica processual estatal se há de desconstituir, pela procedência da exceção de compromisso. O pacto de comproraittendo também gera essa exceção. Para obrigar ao contrato de compromisso, há a ação do art. 1.006 do Código de Processo Civil e a de condenação à pena. Nada obsta a que se invoque o att. 1.006 do Código de Processo Civil (B. WINDSCHEID, Lehrbuch, II, 9.’ ed., 851, a despeito do que se dizia em contrário). lia-se no art. 1.045 do Código Civil: “A sentença arbitral só se executará depois de homologada, salvo se for proferida por juiz de primeira ou segunda instância, como árbitro nomeado pelas partes”. Não se disse que não se pode firmar compromisso sem a necessidade da homologação; disse-se que a sentença só se pode executar (em sentido amplo de ter cumprimento) depois de homologada. Sem a homologabilidade, a decisão arbitral é sem tutela jurídica. Já assentamos que o art. 1.045 do Código Civil foi derrogado na parte em que permitia a execução da sentença arbitral, independentemente de homologação, se o árbitro era juiz. Quanto aos compromissos interiores, em que se regula o que há de ser matéria estatutária ou regulamentar privada, em verdade não substituem eles à justiça estatal a justiça particular ou arbitral Assim, as sanções podem ser morais ou de simples desliga$o (e. g., eliminação de sócio), ou disciplinares (e. g., suspensão do sócio). O poder disciplinar 6 de

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reconhecer-se a quaisquer sociedades, em relação a seus sócios, ou a empresas, no tocante a atos dos seus fregueses ou freqüentadores. Desde que aqueles ou esses aderem às regras privadas o compromisso se conclui entre eles e as sociedades ou empresas nisso. As multas são permitidas, mas para que sejam executadas forçada-mente, é de mister a homologação, ainda nas espécies previstas pelo art. 1.045, 2.’ parte, do Código Civil. Por isso mesmo, a publicidade, que se dê às decisões que se refiram a atos reprováveis de alguém, pode ser tida como difamatória. Não basta terem os interessados admitido, previamente, a publicação, porque se há de entender que se submeteram à publicação das decisões justas, e a nenhum direito individual pode ser retirada a tutela jurídica de que cogita o art. 141, § 4O, da Constituição de 1946. As advertências, repreensões ou reprimendas, ou censuras são de acolher-se. Bem assim, a recusa, da parte da sociedade ou empresa de prestar, algum serviço, ou de vender, locar ou emprestar. A expulsão ou eliminação e a suspensão constituem medidas que se prendem ao vinculo entre os interessados e se podem conceituar como efeitos de condições resolutivas. As repreensões e os avisos, se apenas se operam no interior da sociedade, de modo nenhum precisam de exame estatal, salvo se o exigem os estatutos, ou outra regra jurídica interna, ou lei referente a tais infrações de regras jurídicas internas. Quanto às sanções pecuniárias, só se podem exigir se a entidade está de posse de valor pertencente ao condenado e se a cláusula de dedução da multa não envolve, pelas circunstâncias, auto tutela executiva contrária à estatalidade da execução forçada. No que toca à vedação de acesso, é preciso que haja subordinação do condenado a sanções de proibição de ingresso e a prova de que se deu a infração suficiente. Isso não quer dizer que não possa ser invocado o art. 141, § 4Y, da Constituição de 1946. Por sua natureza, o compromisso é negócio jurídico, quase sempre bilateral. São-lhe extensivas algumas regras jurídicas sobre a transação (CHR. FR. voN GLÚCK, Áusfiihrliche Erlãuterung der Pandecten, VI, 72; Código Civil, art. 1.048: “Ao compromisso se aplicará, quanto possível, o disposto acerca da transação (arts. 1.025 a 1.086)”; cf. Código Civil espanhol, art. 1.821). A remissão do Código Civil, art. 1.048, aos arts. 1.025-1.086 há de ser recebida em termos. Quem transige não se compromete; não se submete à decisão de alguém. Quem se compromete não transige, porque exige o julgamento sem nada conceder. Por isso mesmo poderes para transigir não envolvem poderes para assinar compromisso; nem poderes para assinar compromisso implicam os de transigir. A semelhança é por exclusão, em ambos os negócios jurídicos, da jurisdição estatal, mas, ainda aí, não é completa: a)a transação, feita em juízo, precisa de homologação para se cumprir; aliter, se extrajudicial; b) o compromisso, para que seja cumprido forçadamente, tem de ser homologado. Apenas, entre os dois institutos, ficam os compromissos e arbitragens interiores, cujas variantes são, por isso mesmo, Lignas de exame à parte. O compromisso e a transação são negócios jurídicos s (Código Civil, art. 1.026). Só aproveitam ou prejudicam os que se comprometeram ou transigiram (art. 1.031), ão perimem a ação penal (art. 1.033). Ambos somente têm objeto direitos, pretensões, ações e exceções de ordem matrimonial (art. 1.035). 3.COMPROMISSO JUDICIAL. O compromisso judicial instituto de direito material. Entra na classe dos chamados contratos processuais, que têm por fito eficácia em processo futuro ou pendente, de modo que a outra parte tenha de sofrer eficácia positiva ou negativa da decisão arbitral, prevista ,elo contrato. São poucos os casos em que tais contratos ou valem ou são eficazes. Os pactos sobre o valor da prova, que o direito comum admitia, hoje são repelidos (não os confudamos com as cláusulas de determinação do objeto dos contratos, que defeituosamente se redigem como cláusulas de prova, ~. g., “consideram-se seguros contra fogo os objetos que segundo prova escrita, se achem no lugar do sinistro”, “fica entendido que o recibo do pagamento do mês de dezembro compreende a quitação de quaisquer dividas até

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então”). O compromisso, contrato de direito material, e. g., privado, é reconhecido e disciplinado pelo Estado, e a sua eficácia consiste em impedir a constituição da relação jurídica processual, ou em eliminar a instância ou apenas suspende-la, (cp. Código de Processo Civil, art. 197, II). As partes, futuras ou atuais, deferem a árbitros a decisão, em vez de ir D autor entrar em relação jurídica processual o Estado, provocando a angularidade da relação. Se a instância já se miara, tem-se de por termo a ela, eliminando-se a relação jurídica processual estatal, em toda a extensão do que se atribui a julgamento do juízo arbitral, ou apenas suspendê-la. Adiante, § 3.191, 9. A angularidade é essencial ao juízo arbitral; mas essa essencialidade não exclui o árbitro nos juízos dúplices (e. g., árbitros para as ações divisórias, típicos judiciais). O compromissum plenum, como a L. 21, § 6, D., de receptia:qui arbitrium receperint td sententiam dicant, 4, 8, chamava ao compromisso para todas as controvérsias que surjam entre os compromitentes, infringiria, no direito brasileiro, o art. 1.039, 1.8 parte, do Código Civil. Assunto à parte é o dos compromissos interiores. § 3.181. Qual a natureza do compromisso e do negócio jurídico com os árbitros 1. NATUREZA DO COMPROMISSO. No fundo, compromisso é renúncia ao juízo estatal, à processualidade estatal da relação jurídica entre as partes e a pessoa que tem, em virtude do seu estatuto, a cognição. Dai nascerem ao que foi contraente em compromisso, ou ao que tem, oriunda de compromisso de outrem, a pretensão ao juízo arbitral e a exceção de compromisso, que está ao lado da exceção de incompetência e da exceção de litispendência, sem se confundir com elas. A exceção de compromisso pressupõe menos e mais do que a competência de outro juízo estatal, ou a pendênoitidalide noutro juízo estatal, pressupõe ter-se renunciado ao juízo estatal. Se a nomeação dos árbitros foi deixada para mais tarde, por outro ato dos compromitentes, é questão de interpretação saber-se se houve compromisso ou somente pactum de compromittendo. Em geral, esse pacto é válido (cf. W. ANDRÉ, Gemeinrechtliche Grun.dziige, 1. der Schiedsgerichte, 2. des Wasserrechts, 29-33). Alguns juristas, B. WINDSCHEID (Lehrbuch, fl, 9.~ ed., 851) à frente, entendiam que se trata de pactum de compromittendo, mas essa generalização é de afastar-se. Se foram designadas as pessoas dentre as quais se há de escolher o árbitro, ou se hão de escolher os árbitros, está satisfeito o ad. 1.039 do Código Civil, verbis “os nomes, sobrenomes e domicilio dos árbitros”, e há portanto compromisso. Se falta qualquer designação, ou o compromisso infringe o ad. 1.039, ou não é compromisso, mas sim pacto de comprometimendo . Na dúvida, tem-se como pacto de compromitendo. Passemos a distinção que é da maior importância. 2.DOIS NEGÓCIOS JURÍDICOS DISTINTOS: O COMPROMISSO E O CONTRATO ARBITRAL. Quem se compromete promete submeter-se a juízo arbitral, a alguém que também promete submeter-se. Os árbitros designados não têm dever de julgar,porque não se submeteram a isso, de modo que é preciso existir alação jurídica entre os compromitentes e os árbitros ou arbitro. Dai a necessidade do negócio jurídico arbitral. Os dois negócios jurídicos, o do compromisso e o do ceptum, de ordinário se reúnem no mesmo instrumento. no art. 1.039, 2.8 parte, do Código Civil, se diz que compromisso há de conter os nomes, sobrenomes e domicilio os árbitros, de modo nenhum se há de entender que os dois contratos tenham de unir-se, ou que só seja compromisso o que satisfizer essa exigência de mencionar os árbitros e os seus domicílios. O art. 1.039, 2.8 parte, concerne ao quod plerum que ~t. Como pressuposto necessário só se há de considerar o Ler-se como se designam os árbitros

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(cp. MONGALVY, TraiU e l’Arbitrage, 231). Se, por exemplo, o negócio jurídico de Compromisso é feito por termo nos autos e homologado pelo lei, e nêle foi determinado como se escolheriam os árbitros, negócio jurídico com os árbitros não fica subordinado à toma-a por termo nos autos e à homologação. O negócio jurídico entre os compromitentes e os árbitros Li o árbitro pode ser anterior, simultâneo (unido ou não), ou posterior ao compromisso, ou ao próprio pacto de comprometendo. 3.NECESSARIEDADE E VOLUNTARIEDADE DO COMPROMISSO. -A distinção entre árbitros necessários e voluntários, aqueles «ais, testamentários ou patícios, leva a certa equivocidade devemos evitar. É preciso que se não confunda a necessidadade do compromisso com a necessariedade do árbitro. Pode compromisso ser necessário (= tem-se de sujeitar a juízo arbitral), sem que os sejam os árbitros (= a despeito de ser acessário o compromisso, os árbitros são de escolha dos que juízo arbitral se têm de submeter). Pode o compromisso não ser necessário, e ser necessário o árbitro, ou serem necessários árbitros. 4.CLÁUSULA COMPROMISSORIA . A cláusula compromissoria (e. g., “as controvérsias que surgirem na interpretação ou na execução deste contrato serão submetidas a juízo arbitral”) é pacto de compromisso, ou, mesmo, negócio por declaração unilateral de vontade (e. g., inserta em títulos ao portador), em que ainda não se determinou a demanda ou não se determinaram as demandas que têm de ser decididas por árbitros. O compromisso é o contrato, dificilmente o negócio por declaração unilateral de vontade, em que já se determina a demanda submetida ao juízo arbitral. A eventualidade é que dilata em cláusula, aplicada a demandas apenas determináveis, o pacto de compromisso. 5.INCOMPROMETIBILIDADE E SUAS CONSEQÜÊNCIAS . A cobrança de divida fiscal não é suscetível de compromisso (Decreto-lei n. 960, de 17 de dezembro de 1938, arts. 59 e 76). A convenção das partes, a esse propósito, é nula ipso iure (nulidade de direito material, Código Civil, art. 145, II; Supremo Tribunal Federal, 16 de junho de 1942, D. da 3. de 24 de novembro e 17 de outubro de 1942, 3011 e 2984, dois acórdãos). Todavia, a lei especial pode submeter controvérsias de direito fiscal a arbitragem. O Poder Executivo, só por si, não pode assinar compromisso. Lê-se no art. 1.039 do Código de Processo Civil: “Ficará sem efeito o compromisso: 1. Se os árbitros divergirem quanto à nomeação do desempatador de modo que nenhum obtenha maioria absoluta. II. Em caso de recusa de qualquer dos árbitros, ou de seu substituto, antes de aceita a nomeação. III. Se houver empate no julgamento sem que tenham as partes nomeado o desempatador ou autorizado sua nomeação. IV. No caso de dispersão de votos, sem que qualquer deles. reúna maioria. V. Quando a decisão não for proferida dentro do prazo marcado no compromisso ou fixado em lei. VI. Se falecer qualquer das partes, deixando herdeiro incapaz. VII. Se qualquer dos árbitros falecer ou ficar impossibilitado de dar a sua decisão e não houver substituto”. O art. 1.039 do Código de Processo Civil fala de ineficácia do compromisso, não de nulidade. A nulidade do compromisso é assunto de direito material, e não de direito processual,Tribunal de Apelação do Paraná, 25 de janeiro de 1944, Paraná 3., 89, 407>, ou sobre o que se refere a ser divergência, por sua natureza, subordinável o compromisso. Porque a divergência se passa, necessAriamente, no plano do direito que dá a res in iudicium deducta. a) Ao direito constitucional, ao direito público ordinário, ou ao direito privado, é que compete responder às perguntas: Existe ou não existe compromisso? Vale ou não vale o compromisso contra Ido? A files também toca dizerem quando tem ou não tem eficácia, no respectivo plano, ou neles e nos de outros ramos do direito que lhe sejam subordinados. lO O Código de

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Processo Civil apenas cogita da eficácia no plano processual. Quanto a a), o art. 141, § 4O, da Constituição de 1946 é de suma importância, pois que se uso pode excluir à justiça estatal. Em causa própria, ninguém pode ser árbitro (L. 51, D., dó receptis: qui arbitrium receyerint ut sententiam dicant, 4, 8: “Si de re sua quis arbiter factus sit, sententiam dicere non potest, qula se facere lubeat aut petere prohibeat: neque autem Imperare sibi neque se probibere quisquaun potest”). 6. CLÁUSULA PENAL. Assim no negócio jurídico de compromisso, como no negócio jurídico entre o comitente e o árbitro, pode ser inserta cláusula penal (poena compromissa, pecunia cora promissa). A pena convencional para o caso de insubmissão ao laudo arbitral estabelece alternativa: ou submeter-se ao laudo arbitral, ou prestar o quanto da pena (L. 2, L. 34, § 1, e L. 38, D., de receptis: qui arbitrium receperint ut sententiam dicant, 4, 8). Solvida a divida da pena, pode o compromitente ir ao juízo estatal (L. 30). Essa a doutrina que chegou até os nossos dias, com 5. STRYK, W. A. LAUTEREACH e outros. A diferença está em que, se não há a pena convencional, não há alternativa: o compromisso gera, no direito brasileiro, a exceção, como gera a ação para que se instale o juízo arbitral. § 3.182. Pressupostos do compromisso 1.GENERÂLIDADES Contrato, o compromisso tem de satisfazer os pressupostos comuns aos contratos, como a capacitação unilateral de vontade, e. g., em titulo ao portador, tem de satisfazer os pressupostos dos negócios jurídicos unilaterais. 2.PRESSUPOSTOS ESPECIAIS DO NEGOCIO JURÍDICO. O compromisso há de referir-se ao objeto do litígio, pendente ou futuro, sObre o qual se há de proferir a decisão arbitral. Tem de mencionar os nomes, sobrenomes e domicilio dos árbitros, bem como dos substitutos nomeados em caso de falta ou impedimento daqueles. 3.CLÁUSULAS NÃO ESSENCIAIS. “O compromisso ... poderá declarar: 1. O prazo em que deve ser dada a decisão arbitral. II. A condição de ser esta executada com ou sem recurso para o tribunal superior. III. A pena, a que, para com a outra parte, fique obrigada aquela que recorrer da decisão, não obstante a cláusula “sem recurso”. Não excederá esta pena o terço do valor do pleito. IV. A autorização, dada aos árbitros, para julgarem por equidade, fora das regras e formas de direito. V.A autoridade, a files dada, para nomearem terceiro árbitro, caso divirjam, se as partes o não nomearem. VI. Os honorários dos árbitros e a proporção em que serão pagos” (Código Civil, art. 1.040). Pode-se estipular pena para o caso de, homologado o laudo arbitral ou interposto e decidido o recurso, o perdente retarde ou obste o cumprimento do julgado. Se não houve convenção de pena, responde pelo id quod interest. § 3.183. (A) Litígio ou litígios já pendentes ou futuros 1.DETERMINAÇÃO DO QUE SE HÁ DE DECIDIR. O compromisso tem de referir-se à arbitragem sobre determinado litígio já pendente, ou a determinada controvérsia que surgiu, ou pode surgir de negócio jurídico. São essas as chamadas controvérsias compromissiveis. Se o conteúdo é indeterminado, como se os contraentes submetem todas as controvérsias que surjam entre eles, não vale o compromisso, porque falta a determinação, ou, pelo menos, a determinabilidade do objeto do litígio (Código Civil, art. 1.039: “O compromisso, além do objeto do litígio a Me submetido, conterá os nomes, sobrenomes e domicílios dos árbitros, bem como os dos substitutos nomeados para os suprir, no caso de falta ou

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impedimento”). 2. ÂMBITO DÁ QUESTÃO. São determinadas as controvérsias que possam surgir do negócio jurídico, ou quanto à dívida existente, ou de certas cláusulas ou cláusula negocia]. Se a questão sobre a existência da divida fica entregue aos árbitros, ou se antes ou simultaneamente com o compromisso, o devedor reconheceu a dívida, é questão de interpretação. Também é questão de interpretação, por exemplo, a de se saber se só se reconheceu a divida, ou se reconheceram a dívida e a pretensão, ou se apenas se trata de liquidação. § 3.184. (B) Nomeação dos árbitros 1.NOMEAÇÃO NO COMPROMISSO. O Código Civil, no art. 1.039, 2a parte, diz que o compromisso há de conter os nomes, sobrenomes e domicílios dos árbitros, bem como os dos substitutos, no caso de falta ou impedimento; mas havemos de entender ser permitido deixar-se a outrem, e. g., Instituto da Ordem dos Advogados, a designação. NOMEAÇÃO PROTRAIDA. Se os compromitentes declara ocasião em que algum deles verificar a instalação arbitral, cada um designará o seu árbitro, vale a Volveremos ao assunto. § 3.185. (C) Forma do compromisso 1.DIREITO MATERIAL E DIREITO PROCESSUAL. O negócio jurídico bilateral do compromisso é regido pelo direito material. Idem, o negócio jurídico plurilateral, inclusive estatutário. No Código Civil, art. 1.038, depois de se dizer que o compromisso é judicial ou extrajudicial, acrescenta-se (2~ê alínea) : “O primeiro pode celebrar-se por termo nos autos” e já dissemos que não basta a homologação do compromisso inserto nos autos, em vez de por termo nos autos “perante o juiz, ou tribunal, por onde correr a demanda; o segundo, por escritura pública, ou particular, assinada pelas partes e duas testemunhas”. 2. PRECISÕES . O compromisso pode ser feito em testamento (8. SCHLOSSMANN, tYber die letzwillige Schiedsgerichts.. klausel, Jherings Jahrbiicher, 37, 202). Se já pende litígio e o compromisso tem de ser judicial, o testamento, com o cumpra-se, é tido como se fora por termo nos autos, o que abre exceção necessária à regra jurídica do art. 1.038 do Código Civil. 3.DIREITO MATERIAL E DIREITO PROCESSUAL. O contrato é de direito material privado; a instalação do juízo arbitral, ainda o é. É de direito público, se a pretensão de direito material (res deducta) é de direito público (cp. L. ROSENEERO, Lehrbuch, 2~a ed., 551; R. POLLAK, System, 775). O que é processual é a homologação, de modo que somente com os olhos fitos nesse ato final é que se considera negócio jurídico processual o compromisso. Nada impede que as partes se comprometam para que novos árbitros apreciem a validade de laudo arbitral anterior (R. POLLAI<, Svstem, 776). § 3.186. Irradiação de efeitos compromissais 1.EFICÁCIA DO COMPROMISSO. A existência de compromisso gera exceção de compromisso (exceptio ex compromisso) oponível nos juízos estatais. No juízo de cognição e no de execução, obsta à compensabilidade do crédito. O compromisso posterior tem de ser interpretado: se substituiu, ou não, o anterior; e,

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se o não substituiu no todo, até que ponto o atingiu. O compromisso não se confunde com o pacto de arbitra.. mato, pelo qual se encarrega a alguém ou a duas ou mais pessoas (arbitradores> a solução de questões de fato. É nulo o pacto em que o interessado na decisão é um dos árbitros ou o árbitro. O compromisso estabelece relação de direito material entre os figurantes; a aceitação da função pelos árbitros gera o contrato vii generis, de direito material, parecido com o contrato de serviços, entre figurantes e o árbitro. Aceita a função, não são obrigados, por direito público, a decidir (cp. Código de Processo Civil, art. 1.082, parágrafo único), porém respondem pela falta, pela recusa, pelo retardamento, etc. Não há denúncia do contrato. Todavia, pode ser inserta a cláusula de denunciabilidade ( se algum fato ocorre), ou de resolubilidade por algum !ato ou circunstância. O contrato é legalmente resolúvel nos mesmos casos em os outros contratos bilaterais. O que acima se disse tanto concerne ao compromisso, negocio jurídico entre os Interessados na dirimência da controvérsia, como ao negócio jurídico entre compromitentes e árbitros. O compromisso tem de ser para determinada causa ou para determinadas causas. Não vale o em geral. É preciso que a respeito delas possam transigir as partes. É contrário à ordem pública e aos bons costumes se uma das partes foi constrangida a fazê-lo devido à superioridade econômica ou política da outra. A eficácia do compromisso é só entre os compromitentes a herdeiros capazes (Código de Processo Civil, art. 1.039, VI>. Não era assim em direito romano; só se estendia aos herdeiros, quaisquer, a eficácia do compromisso, se a respeito se estabelecera no negócio jurídico (L. 27, § 1, L. 32, §§ 3 e 19, e L. 49, § 2, D., de receptis: qui arbitrium recepent ut sententiam rtieant, 4, 8). 2. PROCEDIMENTO ARBITRAL. O processo arbitral não é processo estatal, mas processo estatalmente disciplinado, ordenado (R. POLLAK, System, 771>. O Estado traça-lhe regras fundamentais, dentro das quais se exerce, com largueza excepcional, a vontade das partes. De regra, é objeto de tal processo o que envolve ação declarativa ou condenatória; são excluídas algumas ações executivas e mandamentais, bem como algumas ações constitutivas e até mesmo declarativas. (O seu recente ressurgimento é obra do capitalismo tardio.) Quem tem pretensão sem ação não pode comprometer-se se a falta da ação provém de interesse público. Na divida, é de entender-se que se permitiu aos árbitros deferirem medidas cautelares pendente a lide. As ações acessórias, não cautelares, são atribuídas aos árbitros, salvo cláusula em contrário do compromisso. Assegurava-se o seu respeito com a poena compromissa, para o caso de se recusar a parte a submeter-se ao juízo arbitral, ou de não estar pela decisão; e ainda até pouco o nosso direito usava a alternativa (cumprir o compromisso ou pagar a poena), o que constituía reminiscência do direito pré-justinianeu, isto é, de tempo em que não se podia obter a força executiva (lato sensu!) do julgado arbitral. (Cf. L. WENCER, Jrsstitutio’nen, 329; MANUEL GONÇALVES DA SILVA, Com,nentaria, 1, 31, onde os dois extratos históricos subsistem: “. . . si para condemnata non appellaverit intra terminum a sententia arbitrali, iudex ordinarius eam executioni demandabit, sive in compromisso sit adiecta poena, sive non: sed in casu, quo poena adiecta sit, habebit condemnatus electionem eam solvendi, aut parendi sententiae intra triduum a die requisitionis computandum...”). Ainda hoje, se a pena foi estipulada, se dá a alternativa, salvo se as partes a fizeram cumulativa à execução compromissal. Cumpre que não se confunda essa pena com a pena convencional do negócio jurídico, que formaria a res deducta (Código Civil, arte. 916-927), nem com a pena para o caso de apelação se com a cláusula “sem recurso” se concebeu o

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compromisso (Código Civil, art. 1.046), assunto que adiante se versa. 3.EFICÁCIA DA DECISÃO A eficácia da decisão arbitral, mesmo depois de homologada, é somente inter partes. A homologação do laudo condenatório não tem efeitos anexos, como o da hipoteca judiciária (art. 284; R. POLLAK, Swstem, 781).O laudum ou arbitrium ou decisão arbitral é decisão não estatal. A eficácia, em direito romano, fora a de pactum nudum, por se tratar de compromisso. Depois, ultrapassando-se a exceptio pacti, admitiu-se a adio iii factum, em caso de laudum homologatum (= subscrito pelas partes) ou após a preclusão para impugnação (cf. L. 4, § 6, C., de recepti.s, 2, 55). A evolução que se operou até a homologação necessária pelo juiz e a apelabilidade foi independente dos elementos romano e germânico. Outros sistemas jurídicos preferiram a ação de revogação contra a decisão arbitral, o que, tecnicamente, foi grande erro. Não se compreenderia a revogação, sem assimilação descabida à revogação das doações (e. g., Código de Processo Civil italiano, arta. 831 e 895, incisos 1, 2, 3 e 6). A terminologia brasileira, para as sentenças, é preferível (“rescisão”, “ação rescisória”), e as sentenças, que, em se tratando de arbitragem, são. rescindíveis, são a de homologação e a proferida em apelação. No Código Civil, o art. 1.046 estatui: “Ainda que o compromisso contenha a cláusula “sem recurso” e pena convencional contra a parte insubmissa, terá esta o direito de recorrer para o tribunal superior, quer no caso de nulidade ou extinção do compromisso, quer no de ter o árbitro excedido seus poderes”. Em exata interpretação, tem-se: se no compromisso há pena convencional contra a parte insubmissa, ou se não há, e se está inserta a cláusula “sem recurso”, essa cláusula é nula; de modo que se pode, sempre, recorrer, de acordo com o art. 1.046 do Código de Processo Civil. Esse art. 1.046 está precedido do art. 1.045, que enumerou os casos de nulidade do laudo arbitral, fora das espécies que o Código Civil, art. 1.046, previra: “nulidade ou extinção do compromisso”, “ter o árbitro excedido seus poderes”. O art. 1.045 do Código de Processo Civil derrogou, portanto, o art. 1.046 do Código Civil, uma vez que se referiu à nomeação de árbitros infringentes da lei ou do compromisso (art. 1.045, III), à violação de direito expresso (art. 1.045, IV), às causas que, para as sentenças estatais, seriam de rescisão e, para os laudos arbitrais, são de nulidade (art. 1.045, V), ao proferimento fora do prazo assinado aos árbitros (arts. 1.045, VI, e 1.043), a ineficacização por depósito fora do prazo (art. 1.045, VII) e à falta de algum dos requisitos exigidos ao laudo arbitral (arta. 1.045, VIII, e 1.038). No art. 1.046, parágrafo único, do Código Civil, regra jurídica heterotópica (havia de ser incluída no Código de Processo Civil e foi posta no Código Civil), diz-se: “A este recurso, que será regulado por lei processual, precederá o depósito da importância da pena, ou prestação da fiança idônea ao seu pagamento”. Permitiu-se a pena convencional ao insubmisso, mas sob condição suspensiva do não-provimento do recurso. Havemos de preferir a construção com a condição suspensiva, em vez da condição resolutiva, porque o depósito é em garantia. No art. 1.047, o Código Civil acrescenta: “O provimento do recurso importa a anulação da pena convencional”. A terminologia é incorreta. A pena convencional não é eficaz, porque a lei admitiu, em quaisquer casos, a recorribilidade, e o provimento do recurso torna inaplicável a pena convencionada. No Decreto n. 3.900, de 26 de junho de 1867, art. 69, a expressão empregada fora mais feliz: “sem efeito”. Na Itália, há uns cinqüenta anos, GirIRAanINI (Sull’arbitrato, Rivist a. di Diritto Civile, 1910, 674 s., 679) propôs explicar o laudo arbitral como produto de jurisdictio mimes plena. Tal terminologia borraria as fronteiras da jurisdição e as linhas entre direito público e direito privado. Aliás, não era nova a escápula. No século XVII, o jurista português AGOSTINIIO BARBOSA aludia à função dos árbitros como “iurisdictio quasi ordinaria”, onde ressaltava a contradição nos termos.

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PEREIRA E SOUSA (Primeiras Linhas, 1, 9, nota 29) andou à busca de distinguir a peça lógica do laudo e o valor da homologação estatal, quando escreveu: “Os nossos magistrados unem em si o poder de conhecer das causas e o de fazer executar as suas sentenças. Os árbitros, porém, não têm a jurisdição coativa, porque o seu poder somente se restringe a julgar”. E a jurisdição coativa, como êle entendia, haveria de abranger a imissão na posse, o preceito com cláusula ou sem cláusula, a prisão, a penhora, etc. Portanto, o laudo não tinha, sequer, a eficácia que tem hoje a sentença declaratória (Código de Processo Civil, art. 290) do art. 2.0, parágrafo único, da lei processual. A verdadeira construção científica da função do árbitro está em MANUEL GONÇALVES DA SiLVA (Comentaria, 1, 22), que, há quase três séculos, e tão acima da “iurisdictio quasi ordinária”, a que se referiam AGOSTINHO BARBOSA, no século XVII, ~ GENLARDINI, no século XX, ou “minus plena” proclamou: “... neque iudisdictionem habent, sed tantum cognitionem”. Há o conhecer só (perito, jurisconsulto, árbitro), e o conhecer jurisdicionalmente. O árbitro conhece a jurisdicionalmente, e julga; não pode executar forçadamente, nem mandar forçadamente. Antes da recepção do direito romano em Portugal já havia compositores, como referia MEIA FREIRE (Institution es,1, 30) : “In Lusitania arbitrorum usus iam ante iuris Romani receptionem inoleverat, et hic initio simplicissimus litium dirimendarum mcdus”). Nem podia deixar de assim ser, porque o terceiro pacificador é fato inicial da evolução da justiça, , puvzjwaaor esraral. As Urdenações Úonsinas do Livro III, Titulo 118, Manuelinas do Livro III, o 81, e Filipinas do Livro III, Título 16, já receberam direito romano. ~ interessante observar-se que a Constituição imperial de 1824, art. 160, continha a seguinte regra: “Nas causas cíveis e nas penais civilmente intentadas, poderio as ~artes nomear juizes árbitros. Suas sentenças serão executa-[as sem recurso, se assim o convencionarem as mesmas partes”. )depois vieram certas regras de juízo arbitral necessário (Código Comercial, arts. 245, 294, 302, § 5.~, 348, 736, 739, 749, ‘50 e 846), contra o que reagiu a Lei n. 1.350, de 14 de setembro de 1866, art. 1.0, § 1.0, Agora, a Constituição de 1946, rt. 141, § 40 Uma das conseqüências do art. 141, § 4o, da Constituição e 1946 está em não se poder, na legislação ordinária, pré-liminar o exame judicial de qualquer direito individual. propósito do juízo arbitral, ou se admite, na legislação ordinária, o recurso, ou é possível, devido à irrecorribilidade, apreciação em ação judicial, inclusive, se os pressupostos são satisfeitos, em ação de mandado de segurança. Admitido recurso, nos termos do art. 1.045, IV, e 1.046 do Código de processo Civil, não se pode dizer que haja infração do art. 141, 40, da Constituição de 1946, por parte da lei. O único ponto n que poderia haver discussão seria no tocante ao julgamento equidade; mas foram os próprios compromitentes, no negocio jurídico do compromisso, que preferiram o julgamento por nulidade. No que PEDRO BARROSA e MANUEL GONÇALVES DA SILVA disseram há ambigüidade. Somente pode o árbitro ou somente podem os árbitros conhecer do que foi determinado como maioria sujeita ao exame e julgamento. Os árbitros não podem estender a sua cognição a outras questões que as previstas pelo negócio jurídico do compromisso. O que eles chamaram “extensão” não seria mais do que o percurso dentro do que foi considerado controvérsia a ser dirimida. A determinação é que não precisa ser pelo enunciado de cada controvérsia. (d)A discutida questão da reconvenção foi, no direito luso-brasileiro, excelentemente resolvida por PEDRO BARBOSA (Comentário, 8 s.): em principio, não se admite a reconvenção, que é outra ação, e admiti-la seria admitir-se a prorrogação de competência no juízo arbitral (o que seria absurdo), portanto, prescindir-se do consentimento para o novo juízo arbitral; se as partes consentem O com a forma escrita!) “si reconventio fiat coram arbitrio, de utriusque partis consensu”, vale, e então ela se funda, não em prorrogação, porém na força de novo

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consenso das partes e de novo compromisso: “non in vim prorogationis, sed in vim novi consensus et compromissi”. PEDRO BARBOSA foi ao âmago da questão: aí, rigorosamente, não há reconvenção, há nova convenção, em virtude da generalização do compromisso; em vez de reconvenção, que pode supor outra competência, as partes convêm quanto à ação e à outra ação, ambas com a mesma origem de competência, que foi o compromisso. “Reconventio non potest considerari tanquam prorogatio legalis, quam ipsa inducit invitis partibus, etiamsi adesset utriusque partis consensus”. Se o árbitro é juiz estatal, e seria competente para a nova ação, entendia BATISTA FRAGOSO (Regiminis Reipublicue Christianae, 1, Livro 5, disp. 14, ns. 25 e 26) que a reconvenção caberia. Cf. MANUEL GONÇALVES DA SILVA (Comrntentaria. [, 26). Mas atenda-se a que o juiz estatal, feito árbitro, se privatiza, pelo menos no sistema de hoje, à diferença do Decreto n. 3.900, art. 60, que mantinha a natureza publicístíca do juiz estatal escolhido: “A sentença arbitral proferida pelo juiz ... quer como árbitro único e tomam das partes, quer intervenha qualquer deles somente como árbitro nomeado por uma delas, será executada independentemente de homologação”. Tal privilégio, que outra coisa não era, ainda se encontrava na ad. 1.045 do Código Civil, ora derrogado na parte final. O Código de Processo Civil nenhuma distinção faz. O juiz estatal, nomeado árbitro, é árbitro, juiz privado, como qualquer outra pessoa escolhida. Uma das conseqüências de não haver mais, no Código de Processo CivIl, diferença entre o árbitro, que também é juiz estatal, e o árbitro, que o não é, está em que não mais se pode pretender que se atenda à sua categoria para se saber ~ua1 o juízo para o qual se apela, nem se há. ou não, recurso. É de crer-se que a estatalização do árbitro, se o árbitro é juiz estatal, tenha entrado em Portugal pela lição imitativa do padre BATISTA FRAGOSO, na disp. 14, n. 25, que o recebeu de FELINO, de MENÓQUTO e de CAMILO BOREL. A Ordenação Filipina do Livro III, Título 16, § 8, apenas dizia: “E poderio as partes tomar por seu juiz árbitro o Juiz ordinário, ou delegado”. Tal como a Ordenação Manuelina do Livro III, Titulo Si, § 8, e a Afonsina do Livro III, Titulo 118, § 8. Portugal não a tinha, porque em Portugal, antes da recepção do direito romano, os juizes estatais não estavam privados de ser escolhidos para árbitros. Com a recepção , a dúvida surgiu (tese lusitana, antítese romana), e não se buscou a síntese tortuosa do privilégio, que foi a estatalizaçao da juiz privado. No século XIII, provavelmente, D. Dinis manteve a tese lusitana, no citado § 8: “E porque segundo Direito riam pode ser tomado por juiz arbitrio aquele que he Juiz Ordinário ou Delegado, ante aquelas partes, que o escolherem por arbitrio, esto nem embarguante foi antiguamente usança geral em estes Regnos o contrario; Mandamos que se guarde a dita usança antigua, e que livremente possam as partes escolher por seu juiz alvidra (aio) aquele que for seu Juiz Ordinário ou Delegado, ainda que o Direito Comum haja estabelecido o contrário, como dito he”. Pode o árbitro condenar em frutos, após a lide percebidos, e nas despesas (MANUEL GONÇALVES DA SILVA, Contmentaria, 1, 26). Quanto ao atentado, também é possível que dele conheçam os árbitros; mas ~ a aplicação da pena de não ser ouvido o atentamente não pode ser por ato deles? A decisão somente concerne a ter de voltar-se, ao estado anterior, o que é decisão que tem de ser homologada, para que se dê a eficácia adequada, e de homologação também depende aquela parte da decisão em que se deixe de ouvir a atentamente até que purgue a mora. Assim, não há limitação ao poder de julgar, e da homologação cabe recurso. Se surge alguma questão, que seja matéria de ação declaratória acidental, como a de falsidade de documento (Código de Processo Civil, arts. 717-719), a decisão tem de ser homologada, e também aí há de ser respeitado a prazo do art. 1.043 do Código de Processo Civil. Quanto aos embargos de terceiro, somente se admitem quando se iniciar a eficácia

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mandamental ou executiva da decisão homologada, porque somente nesse momento começa a possibilidade de ofensa a direito ou posse de terceiro (Código de Processo Civil, arts. 707-711 e 995). § 3.187. Eficácia e ineficácia do compromisso 1.NEGÓCIO JURÍDICO DO ‘COMPROMISSO. O compromisso é negócio jurídico; os seus efeitos são de direito das obrigações. Gera a pretendo ao juízo arbitral e a exceptio ex compromisso (exceção de compromisso>. 3. ÁRBITRO, FALTA OU IMPEDIMENTO. O caso do Código de Processo Civil, art. 1.039, 1, é sobre Impossibilidade da função do árbitro desempatador, porque, tendo sido deixada aos árbitros a designação do desempatador, não puderam chegar a acordo, por maioria. A questão foi discutida no século XVII por AGOSTINHO BARBOSA e resolvida no mesmo sentido. Entendeu Me, e a lição propagou-se até MANUEL GONÇALVES DA SILVA (Comntentaria, 1, 38), que, escolhido número par de árbitros, se discordam esse quanto ao laudo, têm de entregar a decisão a desempatador, que eles escolham, porque, ex hypothesi, não o nomearam as partes. Se na escolha do tertius discordam, então com promissum non valet, dizia-se, confundindo-se rato-eficácia e mio-validade.’ jt o árbitro desempatador já foi eleito por eles antes da introdução , não importa se divergem. O Código de Processo Civil diz bem: “Ficará sem efeito...” O caso do art. 1.039, II, é sobre impossibilidade da função do árbitro mesmo, O caso do inciso III é O de compromisso que omitiu previsão do empate (cf. Código Civil, art. 1.042). O caso do inciso IV exige explicação. Se os votos estão dispersos e não se obtém maioria, empate houve. Ou seria função do desempatador, ou seria o caso do inciso III, ou do inciso 1. Sendo caso de desempatar-se, ~a que vem o art. 1.039, IV, do Código de Processo Civil? SEÇÃO II ARBITRAGEM § 3.188. Conceito de árbitro 1.ÁRBITRO E ARBITRADOR. O arbitrador é perito; o árbitro julga: é, a despeito de não ser completa a sua decisão, juiz. Árbitros são os judices compromissarli ou arbitrii compromissarii. O árbitro, iudex com promissarius, ou simplesmente compromissarius (L. 41, D., de receptis: qui arbitrium receperint ut sentent iam dicant, 4, 8; L. 4, O., de tutoribus et curatoribus datis ab his qui jus dandi habent, et qui et in quibus causis syecialiter dari possunt, 26, 5). Compromissário é a pessoa a que se confiou, no compromisso, a função de dar a sentença. Compromitentes são as que entre si se prometeram sujeitar-se a decisão de árbitro ou de árbitros e ao mesmo tempo designaram os árbitros ou preestabeleceram o modo de escolha. Comprometer-se é invicem promittere. O árbitro recebe o arbítrio, a nomeação. O negócio jurídico é outro, é o receptum arbitrii não se confunde com o com promissum. De regra, é voluntária a aceitação, o receptum arbitrii; mas é possível que haja vinculo entre o designado como árbitro e o compromitente, ou entre o árbitro e outrem, que prometeu ao compromitente, de modo que tenha dever de receber a função. 2.ARBITRAMENTO E ARBITRAGEM. A terminologia jurídica, para ser precisa e evitar erros a que a sinonímia levaria, chamou “arbitramento” a atividade ou o ato do arbitrador, e ‘‘arbitragem’’ a atividade ou o ato do árbitro.

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3.NÚMERO DE ÁRBITROS, DESEMPATADOR E SOBREÁRBITRO. Os árbitros podem ser em número ímpar ou em número par. Nada obsta a que seja um só o árbitro. Nem a que se exija a maioria absoluta, ou a maioria simples; ou a que, para o caso de discordância, se designe sobreárbitro, ou superárbitro (superarbiter), como disseram os glossadores da L. 17, § 6, D., de receptis: qui arbitrium receperint ut sententiam dicant, 4, 8; cf. G. L. BOER MER, Exercitatio de Superarbitris vulgo Obmannen, e. 1, § 6, nota c). A eleição do sobreárbitro pode ser deixada aos árbitros (cp. PHIL. HEDDERICH, Dissertationes juris ecciesiastici germanici, 1, Diss. de eo, si pares arbitri fuerint adsumti cum clausula: ut in casu dissensus tertium eligant, quid iuris?, 127 s.). A validade de tal atribuição de poder de nomear fora tida por assente, diante da L. 17, § 5 (ULPIANO), e até se sustentava que nulo seria o próprio compromisso, o que não se coadunava com o texto de ULPIANO. O argumento de não ser de admitir-se a nomeação do sobre árbitro pelos árbitros entre si discordantes não merece acolhida. O desempatador e o sobreárbitro têm de ser tratados por igual. Nem cabe invocar-se a atitude do direito canônico, tão exprobrada (cf. J. A. KoPp, Auserlesene Proben des teutschen Lehrtrechts, 1, 68 s.; G. L. BOERMER, Ezercitatio de Superarbitris, e. II, § 9>. Tão pouco é de exigir-se que a designação dos árbitros seja em número ímpar, ou em número par, mas com o desempatador, ou o sobreárbitro. Tal afirmação resultou de interpretação errônea, papal, do texto romano. No sistema jurídico brasileiro, no caso de falta do desempatador e de poderes outorgados para nomeação, mais empate, o que há é inefiadoja do compromisso (Código de Processo Civil, art. 1.039, III). O sobre arbitro pode ser intitulação jurídica (e. g., o Conselho da Ordem dos Advogados, o Instituto da Ordem dos Advogados, a congregação da Faculdade de Direito, cf. CONE. WILH. STRECKER, Specimen de laudo arbitrorum eius que juris elfectibus, 83). 4.NEGÓCIO JURÍDICO ENTRE OS COMPROMITENTES E O ÂNIMO. O negócio jurídico entre os compromitentes e o árbitro é o receptum (L. 13, § 2, D., de receptis: qui arbitrium roce perint tU sententiam dicant, 4, 8), no qual O. L. BOEHMER (Principia juris canonici, § 850) encontrava, sem exatidão, a natureza do mandato ou da procura. Há, certamente, outorga de poderes, mas esses poderes são de decidir, de jeito que se preestabelece situação similar à dos juizes, que os recebem do Estado para adimplemento da promessa estatal da tutela jurídica. Em todo caso, a aceitação pelo árbitro, hoje, é mais do que era o roce ptum romano: recipere era prometer, nudo pacto, o que já ANTONIUS CONTIUS <Disputationes juris civitis, 1, 524> frisava. A aceitação pelo árbitro pode ser expressão ou tática. Não basta o silêncio do árbitro (W. A. LAUTERBACE, Dias, de Arbitris com promissartts, § 9; 1<. E. HOFACKER, Principia inris civilie, III, ed. nova, 484). Todavia, se por lei, ou estatutos,ou negócio Jurídico, o designado assumiu o dever de aceitar, ou o dever de responder, não se precisa, ali, de qualquer declaração e, aqui, basta o silêncio. A Interpelação de que fala o art. 1.032 do Código de Processo Civil estabelece o dever de responder. As comparações com o mandato ou a procura são perigosa. Não há qualquer representação pelo árbitro. O árbitro resolve, atua, em nome próprio; inclusive, pode decidir inteira.. mente contra quem o designou. 5.. Os árbitros, desde que aceitam a função, ou desde que estão ligados a dever de exercê-la, têm o dever de decidir. Resta saber-se se há ação contra os árbitros que não querem funcionar, ou não querem dar o voto, e qual é essa ação. A actio in factum de receptis foi fantasia de ANTONIUS CONTIUs (Dia putationes inris civilis, 1, 524). O Pretor, conforme a L. 15, O., de receptis: qzd arbitrium receperine tU sententiam dicant, 4, 8, disse que obrigaria o árbitro a dar sentença <sententiam se arbitrum

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dicere coacturum), mas Ona. NOODT (Commentarius in Pandectas, 188) chamou atenção para a omissão de “quod iudicium de ea se dare velit”, que aparece noutros edictos do Pretor. JULIANO, na L. 11, § 5, alude à pena cominada ao árbitro no compromisso. A cominação pode ser fundada no art. 302, XII, do Código de Processo Civil, de modo que essa é a solução certa, ainda se não foi preestabelecida a pena no receptum. Na L. 32, § 12, PAULO refere-se à multa que o Pretor podia cominar: “Si arbiter sese celare temptaverit, praetor eum investigare debet, et si diu non paruerit, multa adversus eum dicenda est”. Se não foi preestabelecida a pena, pode cominar multa o juiz, O que não temos hoje é qualquer outro meio de constranger de que, no plano do direito público, podiam lançar mão os juizes romanos <mm imperio majori. Além da ação cominatória do art. 302, XII, do Código de Processo Civil, há a ação de condenação pelas perdas e danos causados pelo inadimplemento do dever de decidir, ativamente legitimado qualquer dos compromitentes. Nas ações que contra ele se proponham, pode o árbitro alegar: a) que houve calúnia da parte à sua honra (L. 9, § 4, D., de receptis: qui arbitrium receperint zd sententiam dicant 4, 8: “lulianus ait, si eum infamaverunt litigatores, non omnimodo praetorem debere eum excusare, sed causa cognita”;J. VOET, Comrnentarius ad Pandectas, 1, 230); b) que está impedido de funcionar, ou por doença grave, ou cargo necessário (necessaria pro.fectio), ou múnus público, que lhe retire o poder ser árbitro, ou outro impedimento superveniente, que seja “iusta excusationis causa” (J. VOET, 1, 230), como incapacidade, cegueira, perda da nacionalidade brasileira; e) que se tornou ou descobriu que era suspeito para funcionar como árbitro (Código de Processo Civil, arts. 1.033, § 1.0, e 185). No caso de viagem necessária e urgente, primeiro há de o árbitro pedir às partes prorrogação do prazo que lhe foi dado para a decisão (cp. L. 21, § 5, L. 25, § 1, L. 32, § 21, L. 50). Na L. 33 e na L. 50 pré-exclui-se a prorrogabilidade se a sentença teria de ser proferida em determinado dia. Se as partes acordam em que ainda se profira a sentença, a despeito de já ter transcorrido a data, outro compromisso se concluiu. Se ainda não se esgotou o prazo, pode o árbitro ou podem os árbitros pedir aos compromitentes que o prorroguem, e o pacto de prorrogação insere-se no negócio jurídico do compromisso e no negócio jurídico entre o árbitro ou os árbitros e os compromitentes, de moda que não há falar-se de outro compromisso, nem de outro negócio jurídico entre árbitro ou árbitros e compromitentes. Se não foi fixado prazo para a decisão, ou a contar da data do compromisso, ou da aceitação pelo árbitro ou pelos árbitros, ou a dia certo ad quem, pode qualquer dos compromitentes pedir ao juiz que fixe prazo razoável (cf. L. 14, que é de POMPÔNIO: “Sed si compromissum sine die confectum est, necesse est arbitrio omnimodo dies statuere, partibus scilicet consentientibus, et ita causam disceptari: quod si hoc praeterrniserit, omni tempore cogendus est sententiam dicere”). Aos árbitros pode ser deixada a determinação do dia em que se há de proferir a decisão (clausula dc die proferenda). Os árbitros hão de ater-se aos limites do compromisso e de decidir todos os pontos que lhe foram deixados para a decisão (cf. L. 32, § 13, L. 19, § 1, L. 21 e L. 43). Todavia, pode ter havido pluralidade de compromissos no mesmo instrumento (união meramente externa), caso em que cada decisão é sentença à parte. S interessante observar-se que ULPIANO (L. 21, pr.) vira a diferença. Perguntou ele: j~ Se o árbitro foi nomeado para muitas controvérsias, que nada têm de comum entre si, e proferiu sentença sobre uma, e não sobre as outras, esse deixou de ser árbitro? (Quid tamen si de pluribus controversiis sumptus est nihil sibi communibus et de una sententiam dixit, de aliis nondum, numquid desiit esse arbiter?). Quanto a poder reformar a sentença que proferira, a solução depende do compromisso: se a arbitragem foi para todas, ao mesmo tempo, ou não (de omnibus simul ut dicat sententiam compromissum est, an non). Na segunda espécie, há pluralidade de

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compromissos. Na L. 48, CÊVOLA figurou o caso de omissão de questões (pontos) necessários, tendo o árbitro decidido sem as resolver. Entendeu que podia a parte interessada reclamar, sem incorrer em pena do compromisso, salvo se houve malícia. Tem-se de conceituar necessariedade e distinguir do necessário o que seria de interesse incluir-se. Se a decisão poderia não ser justa sem a resolução das questões omitidas, provavelmente prévias, é de terem-se como implícitas; fora dai, não. No caso de uniões de negócios jurídicos, com dependência bilateral ou unilateral, não se pode arbitrar sobre o negócio jurídico dependente, se não se arbitrou sobre aquele de que tal negocio jurídico depende, salvo se sobre aquele já há sentença, estatal ou arbitral, com eficácia de coisa julgada. Se houve união alternativa de negócios jurídicos, não se pode arbitrar a respeito de um, sem se saber se, pelo implemento da condição que estabelecera a alternatividade, foi ele o que se tornou eficaz, com exclusão do outro. 6. FALTA DO DESEMPATADOR. Lê-se .no art. 1.042 do Código Civil: “Se as partes não tiverem nomeado o terceiro árbitro, nem lhe autorizado a nomeação pelos outros (art. 1.040, n.0 V), a divergência entre os dois árbitros extinguirá o compromisso”. Aí, o que se prevê é o.empate, sem que tenha havido nomeação do desempatador, nem se haja deixado aos próprios empatantes, ou a terceira pessoa, designar o desempatador. Os árbitros podem ter sido dois, quatro, seis, ou mais, ou em número ímpar, mas com a excluibilidade de algum ou alguns por impedimento, ou recusa, ou outro fato que o haja de não foi nomeado árbitro desempatador, porém não há empate, a despeito de serem os árbitros em número par, não se pode invocar o ad. 1.042 do Código Civil. § 3.189. Capacidade para ser árbitro

1. TEXTOS LEGAIS. No Código Civil, art. 1.037, diz-se que as pessoas capazes de contratar poderão, em qualquer tempo, louvar-se, mediante compromisso escrito, em árbitros, que lhes resolvam as pendências judiciais e extrajudiciais”. No Código de Processo Civil, art. 1.031, enuncia-se: “Não poderão ser árbitros: 1. Os incapazes. II. Os analfabetos. III. Os estrangeiros

2. 2.NATUREZA DA INCAPACIDADE PARA SER ÁRBITRO. A incapacidade é de direito público, a despeito de coincidir o art. 1.031, 1, do Código de Processo Civil com a regra de direito privado (Código Civil, art. 1.037, que fala em incapacidade de contratar). Foi acertado que o Código inserisse a regra, porque assim a colocou no plano do direito público, onde lhe competia estar. O negócio jurídico pelo qual duas ou mais pessoas se submetem a decisão de árbitros é o compromisso. t, de regra, bilateral. Admite-se a obrigação por declaração unilateral de vontade (e. g., anúncio de submeter-se a juízo arbitral), mas a figura adequada é a do contrato de adesão. Pode ser imposto em negócio fundacional e em testamento, ou em contrato a favor de terceiro. O compromisso é de direito material (e. g., privado) à juízo arbitral, que estabelece, é de direito material e de direito formal. Casos há em que existe juízo arbitral sem ter havido compromisso: se a lei o cria para certas situações ou a respeito de certas relações jurídicas ou de certas pessoas. O compromisso pode resultar de cláusula sobre condições de entrega de mercadorias. Se a origem do juízo arbitral é a lei, ninguém se comprometeu. O dever e a obrigação de nomear árbitro, ou árbitros, resultam de regra jurídica legal. Pode dar-se que da lei resulte o dever de submeter-se a juízo arbitral e o dever de submeter-se a juízo arbitral perante determinadas pessoas, ou entidades, que a lei mencione. Então, nem há compromisso, nem negócio jurídico entre Arbitro ou árbitros e os interessados na solução da controvérsia.

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O compromisso pode ser judicial ou extrajudicial. Aquele É feito por termo nos autos, seguido de homologação, pois que as exclui o juiz da causa. tese, por escritura pública, ou instrumento particular, assinado pelas partes e duas testemunham (Código Civil, art. 1.038). Conforme adiante se mostrará, a tradição do direito brasileiro leva a entender-se que o acordo compromissal, ainda se homologado, não determina, só por si, a extinção da relação jurídica processual estatal. Substitui-se o juízo arbitral ao estatal, de modo que a relação jurídica processual, que existia, estatal, persiste, apenas suspensa a instância. Áliter, se acordou na extinção. Não há outras incapacidades, além das incapacidades do art. 1.081 do Código de Processo Civil, salvo as resultantes de incidência e aplicação de norma de lei penal, ou de ordem pública. As nulidades decorrentes de infração do art. 1.031 do Código de Processo Civil não se regem pelos arts. 273-279 do mesmo Código porque o ad. 1.031 contém regra de capacidade, e não de forma, de direito judicial material, e não de direito formal. Os atos dos juizes árbitros, se são incapazes segundo o art. 1.081 ou outra regra legal, são nulos pleno iure. A regra Nerao judez is causa própria também se aplica em matéria de julgamento arbitral. Quem é herdeiro do decujo compromitente não pode permanecer como árbitro, ainda que já se haja iniciado o juízo arbitral, se a controvérsia ou as controvérsias, sObre que há de votar, interessam à herança, ou à sua quota hereditária, inclusive se relativas a bem que se há de incluir na sua quota ou na herança. Passa-se o mesmo com o legatário se a arbitragem concerne ao objeto legado, ou se a decisão poderia tornar cumprível, ou não, o legado. 3.INCAPAZES POR DIREITO CIVIL. Por incapazes segundo a lei civil, entenda-se: o louco, o surdo-mudo que não pode exprimir a vontade, o menor, o pródigo, o silvícola ainda não adaptado à civilização. Á mulher, ainda a casada, é capaz. 2. De tege ferenda, assaz criticável a regra de que os analfabetos são incapazes para o juízo arbitral. Se têm a confiança da parte, difícil é atinar-se com. ~ ratio legis. Mas os argumentos a favor da exclusão são fortissimos: dificilmente, poderiam analfabetos conhecer textos de ei e ler ou examinar documentos; não poderiam escrever; própria Constituição de 1946, art. 132, 1, lhes veda a legitimação ativa eleitoral A aceitação do árbitro suspeito também pode ocorrer após a nomeação. Ao nomear-se o árbitro, não se conhecia a causa de suspeição, mas depois se conheceu e não se procedeu como se tivesse de alegar a suspeição, oportunamente. É o que ocorre, por exemplo, se, após a nomeação, em vez de se aguardar o momento para a recusa, se faz o negócio jurídica entre árbitro e compromitente. Idem, se foi iniciada a relação jurídica processual da arbitragem e havendo o ensejo do art. 182 do Código de Processo Civil, não foi aposta a exceção dentro do tríduo para a contestação. A respeito da suspeição conhecida após o prazo para a oposição, temos a dizer que se há de admitir, por analogia, o mesmo prazo (Comentários ao Código de Processo Civil, Tomo. III, 2.~ ed., 137 s.>. 3. DA SUSPEIÇÃO. Argüida a suspeição, ou o árbitro a admite, ou não a admite. Se a admite, ou se a admite o compromitente que o nomeou, convoca-se o substituto. Se o árbitro nomeado, ou o compromitente que o nomeou impugna a arguição, julga a exceção de suspeição o juiz competente para homologar o laudo, conforme o processo dos arte. 182, 1, 183, 184 e 186 do Código de Processo Civil (art. 1.033,§5 19 e 2.0).

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4.E DO JUÍZO ARBITRAL, NO DIREITO ANTERIOR E NO VIGENTE. O art. 1.034 do Código de Processo Civil, que é jus disvositivum, diz: “Como escrivão do juízo arbitral funcionará um dos árbitros, se outra pessoa não for designada no compromisso”; se o compromisso indicou outro árbitro, ou o modo de ser Indicado, o art. 1.084 não aplica. Embora inserto no Código de Processo Civil, a regra Jurídica também concerne ao compromisso extrajudicial. (No Beg. n. 737, esta. 472 e 473 [depois, Decreto n. 3.900, de 20 de Junho de 1867, afla. 71 e 73], funcionava como escrivão do juízo arbitral o escrivão do juízo estatal, se já havia demanda; qualquer doa escrivãs do cível, a quem tocasse por distribuição, a requerimento do autor, se não havia, ainda, demanda. O Código de Processo Civil desestataliza a função e o órgão ; porém não impede que se escolha a pessoa do escrivão.) 5 3.191. Função do árbitro 1. E APLICAÇÃO DA LEI. Nas ações de cognição, a procura de conclusões exige série de raciocínios, que apliquem a lei, e sejam a afirmação de que a lei incidiu. Esse trabalho, que é feito pelo juiz, de modo nenhum se diferença dos outros raciocínios, que os outros homens, em iguais condições de inteligência e cultura, realizariam. O cientista somente se distancia deles, e dos juizes, pelo rigor doe seus métodos e o material das suas pesquisas, em que, de regra, não há interpretação de leis feitas pelos homens <aplicação das leis). Assim, a atividade do juiz, na matéria de cognição, é a mesma que exercem os outros homens, principalmente os junsconsultos e os advogados. Os jurisconsultos, desligados é de supor-se do Estado e dos clientes, e os advogados, a serviço dos interesses dos seus clientes, são os extremos típicos, teóricos, entre os quais fica o juiz. Outra figura é a do juiz alterador autoritário da lei, o Pastor, que hoje não temos, posto que se assista a certa criação mecânica do direito. A diferença de valor entre o parecer do jurisconsulto, a petição ou minuta <postulações) do advogado e a sentença do juiz está, precipuamente, em que o valor do parecer só se afere pela ciência, o do trabalho do advogado, pelo que é de ciência e pela eficiência prática (arte de defender), que pode afastar-se da pureza do raciocínio científico, e o da direito do Juiz, pelo valor de ciência se e enquanto não se impõe pelo elemento característico da jurisdição, elemento tipicamente estatal, que é o poder de decidir a coisa julgada formal, esse valor extra científico preva ainda que errada a aplicação da lei ou a apreciação dos í. Noutros termos: ainda que cubra a verdade. A ação de nulidade de sentença tem por fito evitar que sem observância de pressupostos necessários. A ação rescisão de sentença, o de permitir reexame da matéria circunstâncias especiais, que se hão de atender a despeito trânsito em julgado. A homologação do laudo arbitral recriação limitada do laudo; o recurso, exame da homologa com eventual descida à matéria julgada. 2.ORIGENS DO JUÍZO ARBITRAL. A função do juiz arbitral é resíduo de eras primitivas, antes da estatilizacao da Justiça. A técnica acomodou-a aos novos tempos. No asso do julgamento arbitral, podem ser vistos os extratos ocas imensamente distantes umas das outras: a) o tertius, estatal, que junta as mãos dos contendores (Código processo Civil, arts. 1.032-1.038); b) desde o julgador, que a regra jurídica no momento de a aplicar, até o .Praetor, a aequitas (Código de Processo Civil, art. 1.045, IV, 2.8 a), ou até o juiz adstrito à lei (art. 1.045, IV, 1.’ parte); superposição do Estado, com o. seu processo e o seu juiz homologante (Código de Processo Civil, arte. 1.041-1.046). 5.EFICÁCIA PARA CUMPRIMENTO. O direito processual contemporâneo aproveitou antigos fracionamentos da cognição e criou novos, de que é exemplo insigne o recurso extraordinário por inconstitucionalidade da lei. Nada há de

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anti-sistemático em se permitir o laudo arbitral e se exigir a homologação~ Poder-se-ia dispensar, reconhecendo-se o laudo como pronto, embora sem poder jurisdicional, que lhe desse o uso da força. Então, em vez de depender do ato jurisdicional, o laudo indeoenderra dolo, sem que isso importasse fazê-lo “igual» à3entença. A política dos Estados que exigem a homologação ~ira a Independência do laudo e confere-lhe valor jurisdicional: existe e é eficaz com esse valor, ou existe e não é eficaz (Código de Processo Civil, art. 1.045, VII). Outros sistemas jurídicos deixam o laudo entregue à sua sorte privatistica, apena regulando a eficácia negativa no processo futuro ou pendente <plano processual, por isso mesmo publicistico). Não se pode equiparar o árbitro à pessoa (privada) que prende em flagrante delito: essa exerce função pública, segundo a lei. Nem, sequer, ao que A e B encarregam, no momento de algum dano, de compor a situação, satisfazendo C a ambos a, pois, consultando-os: C não é árbitro, e busca encontrar o divisor comum das vontades de A e de B. Se alguma das partes, que se comprometeram, é chamada a juízo e não opõe, in limine luis, a sua exceção de compromissa, a competência da juiz estatal não sofre qualquer exclusão: porque compromisso é renúncia privada, excepcionalmente permitida, à jurisdição estatal; e não-uso da exceção de compromisso é renúncia à renúncia. Não se pense em prorrogação da competência do juiz estatal. Foi, e é, competente, ex hypoesi; o compromisso é que excluiria a jurisdição (conceito diferente do conceito de competência), e não a excluiu. Se o compromisso foi celebrado pendente a lide, excluiu-se, pelo negócio de direito privado, de eficácia excepcionalmente permitida em direito processual, a jurisdição, porém uma vez terminada a exclusão (ex nune), ou decretada a sua nulidade (ex tufo), ou declarada a sua inexistência, ou pronunciada a sua ineficácia (ex nuno ou ex time) prossegue-se no juízo estatal, tal como se passaria com o juízo afastado pela Litispendência de processo de outro juízo. Os princípios sobre jurisdição levariam a conclusão diferente; todavia, tem de ser Levado em conta que a exclusão privatistica da jurisdição não a corta, apenas a afasta. De modo que a exceção de compromisso maia se assemelha à de Incompetência e à de lidispendincia do que à de não-juiz. O Juiz estatal não deixa de ser juiz: continua sendo-o, razão por que a favor dele se dá a própria prorrogação. A apelação, em caso de juízo arbitral, rege-se pelos moamos princípios que as outras apelações (Código de Processo Civil, arts. 1.046 e 1.040). Em grau de apelação é possível a retratação do art. 2S1 do Código de Processo Civil (Puimto BaBosA,, Commentarft, 354, com apoio em Bano DE UEÁLDIS e em PAULO DE CASTEO): “in gradu appellationis potest doceri de errore confessão nis”. Interesses de ordem moral, ou não-suscetíveis de transação, não podem ser objeto de compromisso. 6.ESTABELECIMENTO DE RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE OS COMPROMITENTES E O . Instituído o juízo arbitral, “interpelam-se” os árbitros nomeados. A nomeação é dependente de aceitação; não aceita, é como se não tivesse havido. O dever de aceitar somente existe se alguma lei ou regulamento de sociedade o determina. Se o interpelado não responde, entende-se que recusou (silêncio como resposta negativa). Se há lei ou regulamento que estabeleça o dever de funcionar, essa presunção desaparece, porque é iuris tantum; e entende-se que aceitou. Salvo se a lei mesma ou o regulamento adotou outra sanção. Nomeado o árbitro, ou aceita ou não aceita. Se não aceita, é sem eficácia o compromisso (Código de Processo Civil, art. 1.039, II) ; e o mesmo ocorre se falece, ou cai em incapacidade, ou, simplesmente, não pode decidir, e não há substituto (art. 1.039, VII). O parágrafo único do art. 1.032 do Código de Processo Civil não diz respeito a esses casos de ineficácia, e sim à falta, ou recusa, depois da aceitação, ou

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impedimento, se há substituto. O Reg. n. 737, de 25 de novembro de 1850, art. 430, não admitia a recusa depois da aceitação; dai a regra jurídica constante do Reg. n. 737, art. 440. Entre as partes e os árbitros estabelece-se relação jurídica processual, à semelhança da que se cria entre as partes e o Estado. De ordinário, em ângulo: autor, juizes árbitros; juizes árbitros, réu. A relação jurídica processual que se suscita não é de direito processual (público), uma vez que a homologação só é requisito final. Pela homologação (Código de Processo Civil, arta. 1.041-1.046), estataliza-se o laudo (arts. 1.036-1.040). Na concepção do Código, não é só a executividade, a manda-mentalidade, a força e o efeito constitutivos, que faltam ao laudo; é a própria força de declaração, é a própria condenação. Sem a homologação, a sentença arbitral declarativa, condenatória, executiva, mandamental, ou constitutiva, não se “cumpre”. Falar-se, pois, de homologação para conferir efeito só executivo é erro. O que o Estado deixa ao árbitro é menos do que sentença sem força ou efeito executivo; é decisão sem qualquer força ou eficácia. O laudo, sem a homologação, não é sentença. Está ai toda a verdade. O mais é não se verem os fatos. Dizer-se, pois, que o laudo tem o processo de declaração (de acertamento, como se italianiza, aqui e ali) é emprestar-lhe o que a lei lhe nega: o laudo dos árbitros que apenas declara, sem condenar, não precisa menos de homologação, para a sua fOrça ou efeito declarativo, do que o laudo dos árbitros, que executa, precisa de homologação, para a torça ou o efeito executivo. A homologação é elemento integrativo necessário do laudo, para fazê-lo sentença, isto é, dar-lhe fOrça e efeitos de sentença. Antes da homologação faltam-lhe tOda fOrça e todos os efeitos, e não só o executivo. Faltam-lhe mesmo certa força e efeitos das sentenças estrangeiras como atos jurídicos . 7 JULGAMENTO. O julgamento dos árbitros é suscetível da força e efeito peculiares à sentença na ação de que se trate. Não possível dizer-se que o laudo é declarativo, porque o laudo tanto pode ser em ação declarativa quanto em ação de condenação, constitutiva, mandamental ou executiva. A palavra “execução”, no ad. 1.041 do Código de Processo Civil, não tem o mesmo significado que a palavra “execução”, na expressão “execução de sentença”, ou na expressão “sentenças executivas”. A decisão arbitral é suscetível de classificação quinina como as sentenças dos juizes estatais. Apenas se há de guiar o investigador pela força (eficácia preponderante) que ela terá e pelas outras eficácias, que se lhe atribuem, quando homologada. Nenhuma diferença há, no que concerne à carga de eficácia, entre as decisões arbitrais e as sentenças dos juizes estatais. A classificação pela eficácia é a mesma. Apenas, as sentenças dos juizes estatais de ordinário têm a eficácia desde que transitem em julgado; ~. das decisões arbitrais deuende do trânsito em julgado da sentença homologatória. 8. DOCUMENTOS E AUTOS. A lei prevê que já exista demanda em juizo estatal. Diz o ad. 1.035 do Código de Processo Civil: “Celebrado o compromisso na pendência da lide, os autos serão entregues aos árbitros, mediante recibo e independentemente de traslado”. Permite (não ordena, a despeito da expressão “os autos serão entregues”) que os autos sejam entregues aos árbitros, mediante recibo e independentemente de traslado. Os árbitros podem não querer os autos; ficam eles em cartório, onde sejam examinados. Recebendo-os, ficam por eles responsáveis. No caso de perda, ou destruição, a restauração é à custa do culpado. Daí a conveniência dos autos suplementares. Se ainda não há lide pendente, passa-se o mesmo com os documentos, que, em todo caso, podem ser em cópias fotostáticas, o que é aconselhável. Tratando-se de lide pendente, só são produzíveis aos árbitros os documentos referidos nos autos, ou que foram firmados após a homologação do compromisso,

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embora antes da abertura do juízo arbitral, salvo se o compromisso foi anterior à audiência de instrução, ou se os documentos podiam ser juntos depois da audiência. A regra do art. 1.035, parágrafo único, do Código de Processo Civil, é de direito material, e derroga o direito anterior (Código Civil, art. 1.037, que não distinguira). Cf. Reg. n. 737, ad. 412; Decreto n. 3.900, ad. 29: “proferida qualquer sentença final” (definitiva), que é “decisão” no sentido do ad. 1.035, parágrafo único, não é mais admitido o compromisso. Áliter, se a resolução processual foi apenas interlocutória. Basta, para o impedir, decisão parcial. Isso não quer dizer que sobre a parte que não foi decidida (e. g., o juiz, a respeito dela, se deu por incompetente), não possa haver compromisso. Diz-se no ad. 846 do Código de Processo Civil: “Salvo os casos expressos de agravo de instrumento, admitir-se-á agravo de petição, que se processará nos próprios autos, das decisões que impliquem a terminação do processo principal, sem lhe resolverem o mérito”. A decisão que daria ensejo a agravo de petição não obsta ao compromisso; porém a relação jurídica processual, que se estabelece, com o juízo arbitral, é toda ex novo. Não se aproveilta a existenticia fluena da relação jurídica processual até então , como ocorre em todos os casos em que o compromisso, não tendo havido decisão terminativa do feito sem lhe julgar o mérito, levam a entender-se que se aproveitou o processo estatal. (Quando o agravo de petição é para ser oposto a decisões que julgam o mérito, espécie que a cada momento, em legislação especial, aparece, o que acima se disse nenhuma pertinência tem.) 9. JURÍDICA PROCESSUAL. Celebrado o compromisso uma pendencia da lide, somente por isso não se extingue essa: dá-se, apenas, suspensão da Instância, isto é, da existentia fluens da relação jurídica processual; a relação jurídica processual lá está, e lá fica. Se ocorre, também, outra é a questão: é a desistência que faz cessar a relação jurídica processual. Aqui surge questão, que é de grande relevância e há de ser resolvida de lege lata, uma vez que, de lege ferenda, os argumentos pró e contra a regra jurídica dispositiva que desse por cessada a instância, se ocorreu compromisso, são fortes, de lado a lado, mas, em verdade, uns não destroem os outros. De lege ferenda, seriam, aliás, cinco, pelo menos, as soluções possíveis: a) se nada se dispôs no negócio jurídico do compromisso, que é negócio jurídico de direito material, havemos de entender que a relação jurídica processual cessou (regra jurídica, dispositiva, quanto à eficácia anexa, desconstitutiva da relação jurídica processual); b) se nada se dispôs quanto à cessação da relação jurídica processual, tem-se de considerar que somente houve negócio jurídico de direito material sem a eficácia anexa, de que acima se falou (regra jurídica, dispositiva, quanto a ineficácia desconstitutiva de relação jurídica processual); e) quando se comprometem as partes, o compromisso, dito judicial, tem a eficácia que teria a transação e a desistência (regra jurídica, cogente, quanto à eficácia anexa, desconstitutiva da relação jurídica processual, como se dá com a transação e a desistência); d) quando se comprometem as partes, a relação jurídica processual continua de modo que somente se extingue com o trânsito em julgado da decisão homologatória do laudo; e) em caso de dúvida, é de se assentar que se não extinguiu a relação jurídica processual. A melhor solução é a solução b). Na falta da convenção, a que se refere o art. 197, II, do Código de Processo Civil, a solução a) levaria a ter-se por extinta a relação jurídica processual, de modo que se trataria a espécie como se tivesse havido desistência. Mas a homologação mesma não se referiu a desistência, nem se convencionou extinguir-se a relação jurídica processual. Pode bem ser que se aproveite tudo que definitivamente ocorreu na relação jurídica processual até o momento em que se firmou o compromisso. O efeito da homologação é o que resulta

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do acOrdo de suspensão; não o que proviria da homologação de desistência ou de transação. O compromisso é menos do que a transação: a transação resolve a controvérsia; o compromisso é para resolver. O juízo em que, pendente a lide, se firmou o compromisso, já os compromitentes haviam reconhecido como competente. O compromisso não o afasta, no que ele, processualmente, colabora digamos assim na arbitragem: cabe-lhe nomear desempatador, se é o caso; julgar a suspeição do árbitro, se esse ou a parte, que o nomeou, não a admitiu; os autos são entregues aos árbitros, mediante recibo, independentemente de traslado, porém volvem sempre que não terminou por homologação do laudo o juízo arbitral; a homologação do laudo cabe ao juízo em que se acordou no juízo arbitral, de jeito que, se há dois ou mais juízos originariamente competentes, está preventa a jurisdição. Na ordinariedade dos casos, o compromisso só implica salda condicional do juízo estatal. A convenção é que pode estabelecer a eficácia que teriam a transação e a desistência. O art. 207 do Código de Processo Civil somente cogitou da transação e da desistência. A exceção de compromisso obsta à formação da relação jurídica processual; o compromisso, pendente a lide, pode extingui-la, ou não, conforme os termos do compromisso. Ai, se quis que a relação jurídica não se extinguisse, apenas se fez pacto que entra na classe de que cogitou o art. 197, II, do Código de Processo Civil, quando enunciou que se extingue a instantânea (a relação jurídica processual) por convenção das partes. Se quis que se extinguisse, atribuiu-se à homologação do contrato de compromisso eficácia semelhante à da transação e à da desistência. Se havemos de entender que se há de ter como regular a conservação da relação jurídica processual, temos a solução a). Se os árbitros excedem o prazo, ou por outra qualquer razão perdeu eficácia o compromisso, inclusive por ter sido decretada invalidade, as partes retomam o curso do procedimento estatal, como se interrupção não tivesse havido. Se admitiu como regular a extinção, tem-se de iniciar outra relação jurídica processual estatal, se por alguma causa se ineficacizou o compromisso, inclusive se lhe foi decretada a invalidade. Se a relação jurídica não se extinguiu, como que dorme. Observe-se, portanto, que, na esteira da tradição do direito nacional, o lapso de estatalidade, se procede ê arbitragem, tem a seguinte explicação: a relação jurídica processual subsiste, mas condicionalmente, e o que se substitui, também condicionalmente, é o juiz. O compromisso impede a constituição da relação jurídica processual, se logo exercida a exceção de compromisso; não faz, só por si, cessar a relação jurídica processual que já se estabeleceu. Tanto assim que, se extingue o compromisso, ou se lhe é decretada a nulidade, se prossegue na causa que pendia e pende. O Decreto n. 3.900, de 26 de junho de 1867, art. 27, já resolvia esse ponto de alta significação em teoria e na prática: reverterão os autos ao juízo ordinário, se houver causa pendente para prosseguir nos termos ulteriores, ou proporão as partes as ações que julgarem competir-lhes”. A situação em que permanece a relação jurídica processual, depois de celebrado o compromisso na pendência da lide (Código de Processo Civil, art. 1.085), é como a do art. 197, XI, do mesmo Código, e a do processo em que foi acolhida a exceção de litispendência, tendo depois ocorrido, por exemplo, absolvição da instância no processo do juízo que fora preferido. A ciência tem posto muito claro Asse ponto. Aliás, os arts. 206 e 207 do Código de Processo Civil abstiveram-se, acertadamente, de falar do compromisso pendente a lide como caso de cessação da instância. A tradição do nosso direito é escorreita: “Si autem compromissum factum sit, lite pendente, et postea laudum non sit sequutum, perinde habetur, ac si factum non fuisset, et sic potest in lite procedi” (MANUEL GONÇALVES DA SILVA, Commentaria, 1, 25). A relação jurídica processual só se extingue como efeito de sentença estatal.

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Por ocasião da homologação do compromisso, inconfundível com a homologação do laudo, pode haver extinção da relação jurídica processual, se é de se afirmar que os autores compromitentes desistiram da ação e os outros assentiram. 10.“INGRESSO ESTATAL” DO JULGADO ARBITRAL. O juízo arbitral é juízo como qualquer outro, quanto à sua função de julgar, posto que ao seu julgamento falte a homologação que torna o laudo arbitral decisão a que se há de juntar o “ingresso estatal”. Para que se dê intervenção adesiva, é preciso que o interveniente aceite as conseqüências do julgado arbitral como se o pronunciasse o juiz estatal. Também se permitem o chamamento à autoria e a nomeação à autoria, porém não cabem efeitos contra o chamado ou o nomeado se antes não os admitiram ou não os aceitam expressamente. Quanto aos litisconsórcios unitários ou simplesmente necessários, a eficácia da sentença arbitral, mesmo homologada, não os atinge, salvo: a) se se comprometeram também, explicitamente, posto que posteriormente, aderindo ao compromisso; b) se admitiram, por atos inequívocos, o compromisso, como se, citados, para a integração da relação jurídica processual, não alegaram a incompetência do juízo arbitral, que em tanto importa dizer-se que não arguiram a falta de compromisso da sua parte. A força de coisa julgada material da sentença arbitral não obriga além dos termos do compromisso; nem, claro, o juiz estatal tem de atender a ela de ofício. Os efeitos quanto a terceiros dependem da parte desses terceiros no compromisso. O Código de Processo Civil supôs o compromisso regido pelo direito material. Da sua parte, apenas regula o juízo arbitral, salvo alguma regra remissiva, ou heterotópica. O compromitente que impede, sem causa legal de escusa (e. g., Código de Processo Civil, arts. 110 e 266, 1) que se decida no tempo conveniente, incorre na pena convencional (cf. L. 27, § 4, D., de recepti.s: qui arbitrium receperint tU sententiam dicant, 4, 88. 2.COPIAS. As cópias de que fala o Código de Processo Civil, art. 1.036, § 2.0, nada têm com as do art. 14 do mesmo Código, nem as atingiu o Decreto-lei n. 4.565, que modificou o art. 14. 3.AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E DEBATE. Findo o segundo prazo, o árbitro relator designa a audiência de instrução e debate (não de julgamento). Os juizes árbitros têm lapso para a decisão entre essa audiência e a de publicação da sentença, que é também designada pelo relator. Dessa publicação corre o prazo para o depósito a que se refere o art. 1.043 do Código de Processo Civil. SObre as provas, cf. Código de Processo Civil, arta. 1.036, § e 1.040. 4.JULGAMENTO. A deliberação há de ser em conferência, por maioria de votos; e reduzida a escrito por um dos árbitros, que é o relator, ou o vencedor, se aquele foi vencido. O art. 1.037 do Código de Processo Civil mostra que a deliberação não é na audiência de instrução e debate, qual ocorre nos juízos estatais; porém nada obsta a que as duas audiências do art. 1.036, § 3O, do Código de Processo Civil, sejam no mesmo dia, com intervalo, se foram marcadas antes, ou a segunda depois da primeira, com ciência e aquiescência das partes 1.LACUNAS DA LEGISLAÇÃO PROCESSUAL SOBRE Juízo ARBITRAL. No caso de lacuna a respeito de juízo arbitral, aplicam-se as disposições relativas ao juízo comum (Código de Processo Civil, art. 1.040). Seção III

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HOMOLOGAÇÃO DO LAUDO ARBITRAL § 3.195. Preliminares 1.ESPÉCIES DE HOMOLOGAÇÃO E HOMOLOGAÇÃO DE DECISÃO ARBITRAL. Se é certo que a Homologação da sentença estrangeira e a do laudo arbitral se parecem, a extensão de uma e a de outra são diferentes: aquela serve à introdução da força e eficácia da sentença estrangeira; essa, à geral. dessa força e dessa eficácia. É, pois, atributin. Confere; não importa só. O laudo não tem força e efeitos, tensa, antes dela. Quando se trata de homologar sentença estrangeira cujo conteúdo é laudo (sentença arbitral estrangeira), importam-se força e efeitos de sentença estrangeira que os colot ao laudo estrangeiro; salvo, está visto, outra concepção de laudo arbitral, por parte do sistema jurídico estrangeiro. Toda a dificuldade estava em se frisar que a eficácia do laudo arbitral, antes da homologação, 6 apenas uMa do que a eficácia do parecer do jurisconsulto. Não 6, de maneira nenhuma, a eficácia que tem as sentenças estatais. A sentença estrangeira, antes da homologação, é dotada de eficácia sentencial, estatal; a decisão arbitral, não. Àquela de mister homologação, que diremos importadora; a essa homólogado que lhe crie a eficácia sentencial, estatal. 2.“EXECUÇÃO ”. No Código Civil, art. 1.045, estatui-se: sentença arbitral só se executará depois de homologada, ‘o se for proferida por juiz de primeira ou de segunda instruia, como árbitro nomeado pelas partes”. No Código de Processo Civil, art. 1.041, insiste-se: “A execução da sentença ar-‘aí dependerá de homologação”. (Já dissemos que a parte II do art. 1.045 do Código Civil foi derrogada. Qualquer são arbitral só se cumpre depois de homologada. Não importa quem foi o árbitro, ou quem foram os árbitros.) A palavra “execução” está, ai, por eficácia, no sentido ‘O (força e efeitos). O laudo, a sentença arbitral, não tem tos antes da homologação (Código de Processo Civil 1.043). É a homologação que lhe confere força e efeitos. própria fOrça de coisa julgada material falta ao laudo antes homologação. Como esse laudo já foi publicado (Código de cesso Civil, art. 1.036, § 3.0), dá-se a preclusão e, pois, força formal de coisa julgada. 4.CUMPRIMENTO DO LAUDO ANTES DA HOMOLOGAÇÃO .O cumprimento do laudo, antes da homologação, é execução voluntária das obrigações do vencido e não execução voluntária da sentença. A esse respeito, cumpre repetir-se que não importa qual a força da sentença, nem qual o efeito de que se trata (declarativo, constitutivo, condenatório, mandamental ou executivo). 5.CONCEITO DE CUMPRIMENTO. O art. 1.045 do Código Civil e o art. 1.041 do Código de Processo Civil falam de “execução”. Pode parecer que só se trata de execução forçada (penhora, imissão na posse, etc.). De modo nenhum. Qualquer eficácia sentencial, seja declarativa (coisa julgada material), seja constitutiva, ou condenatória, ou mandamental, ou executiva, só se produz com a homologação. Ainda assim, diz-se, (a) é ponto assente que, mesmo homologado, o laudo não se equipara, em tudo, à sentença. Se, a despeito do laudo homologado, uma das partes vai a juízo e a outra não alega a existência do laudo homologado, não poderia o juiz, de oficio, atender à coisa julgada material. Em conseqüência , poderiam as partes convencionar não se levar em conta o laudo, ainda depois de homologado, submetendo a controvérsia, de novo, aos juizes estatais. Cf. G. CHIOVENDA (Princiyrii, 117). A isso opõe-se (b) que a homologação confere ao laudo a mesma fOrça e os mesmos efeitos que teria a sentença estatal (Código de Processo Civil, art. 1.043, parágrafo único). Se, submetido ao juiz o laudo, esse o homologa, equipara-o à sentença.

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Diante da expressão “conferindo-lhe força de sentença” (Código de Processo Civil, art. 1.042, parágrafo único), a equiparação é completa, exceto quanto aos limites subjetivos da eficácia. A solução (b) é a do nosso direito. R. SCEMWT (Lehrbuch, 2.~ ed., 157) entendia que o laudo homologado é como a sentença estrangeira; homologada, e não mais;G. CHIOVENDA, conforme vimos, abria exceção, no tocante à sentença arbitral, ao principio Ne bis in ideia, e admitia a revogabilidade convencional; A. MENDELSSoHN-BAItTHoLDY (Rechtskraftwirkung des Schiedsspruchs, Pestschrift flir F. KLEIN, 171) e R. POLLAK (Systern, 781) bustentaram a equiparação às sentenças nacionais. Quanto aos efeitos anexos e reflexos, é diferente: § 3.196. Competência para o cumprimento da sentença homologada 1.. A execução da sentença arbitral homologada compete ao juiz homologante. Se há no compromisso pena convencional regida pele art. 918 do Código Civil <multa alternativa), tal cláusula permite escolha a favor do credor (para o direito anterior, MANUEL GONÇALVES DA SILVA, Comentaria, 1, Si). Se há, mas é regida pelo art. 919 do Código Civil (multa cumulativa>, pode o credor pedir a execução da obrigação e a da multa. Se ocorre, em derrogação à lei, que o contrato conferiu ao devedor o direito ou a pretensão à resolução, pagando a pena, a execução só se dá se file não exerce o direito ou a pretensão a resolver (ex tune) o contrato. Não se confunda a pena convencional do contrato, de que estamos a falar, ou a do compromisso adjeta à obrigação da parte, que é pena convencional da mesma natureza, com a pena convencional ligada à proibição de reCorrer (cláusula “sem recurso”, pena convencional para a ação dessa cláusula>. Essa seria sempre cumulativa, posto que pudesse ficar sitie causa se a apelação Interposta e proibida obtivesse provimento, ainda parcial. O juiz homologante, no direito brasileiro, tem cognição limitada, que é a da eficácia do laudo (cf. Código de Processo Civil, art. 1.045), inclusive quanto à existência, à validade e à eficácia do compromisso <art. 1.039). Não pode reexaminar a causa. Nem no juízo da’ apelação: segundo os princípios, a cognição seria completa, desde a executoriedade do laudo, até à justiça do que o juizo arbitral decidiu, O juiz homologante não se pode, de regra, pronunciar sObre a res ti iudicium dedueta. E a apelação, hoje, é subordinada às regras jurídicas do art. 1.046 do Código de Processo Civil: “Caberá recurso de apelação da sentença que homologação, ou não, a”, e do parágrafo único: o Tribunal anulou o laudo, mandará que os árbitros julguem novamente a questão, salvo se negada a homologação com fundamento: a) no nY 1 do artigo anterior, caso em que ie extinguirá o compromisso; b) no do n.0 IV, caso em que o Tribunal aplicará o direito à espécie”. Leia-se o art. 1.046, parágrafo único, come se lá estivesse escrito: “Se o Tribunal declarar a inexistência do tudo, eu o desconstituiu, mandará que os árbitros julguem e novo a questão, se não lhes fora fixado prazo, ou se o prazo fixado ainda permite que se proceda a outro julgamento; salvo e foi negada a homologação: a) por nulidade ou ineficácia do compromisso; b) por infração de direito em tese, caso em que tribunal mesmo aplicará o direito à esp4cie”. Antes de laudo, podem as partes disputar sobre a existência (ações declaratórias, ou eficácia), validade do compromisso ações constitutivas>. Aliás, é possível que isso se ventile em estatal, por ocasião de alguma exceção de compromisso. ates da homologação do laudo, não pode haver exceção de MM julgada, que se funde nêle; a exceção ainda é, apenas, de compromisso. 2. PLURALIDADE DE JUIZES COMPETENTES PARA A HOMOLOGAÇÃO . Se há mais de um juiz competente, aquele a quem distribuída a homologação, ou que, dentre os competentes, ver sido indicado pelas partes no compromisso ou em convenção posterior. Se o compromisso foi feito pendente a lide, depois de ser o juízo come competente, houve prevenção da jurisdição. ara se evitar tal eficácia, é de mister que se acorde,

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no compromisso, na extinção da relação jurídica processual. § 3.197. Pedido de homologação 1.ACAO DE HOMOLOGAÇÃO. Aos compromitentes que tiverem laudo arbitral nasce a ação de homologação, que prende à pretensão à homologação. Há a pretensão (pré-processual) à tutela jurídica, a prensão de direito material (público) à homologação e a “ação” ‘remédio processual), que se rege pelos arta. 1.041-1.046 do ~digo de Processo Civil. No direito romano, o procedimento era deixado ao razol arbítrio do juiz, em vez de ser à imagem do procedimento estatal (cf. W. ANDRÉ, Gemeinrechtliche Grundziige, 1. der ~hiedsgerichte, 2. des Wasserrechts, 43-59; C. WElzsÂcxcmt,u rômische Schiedsrichta,mt, 79 s.). Áliter, no sistema do código Civil, art. 1.044: “Instituído, judicial ou extrajudicialmente, o juízo arbitral, nele correrá o pleito os seus termos segundo e estabelecido nas leis do processo”>. 2.PEDIDo DE HOMOLOGAÇÃO . O pedido de homologação da decisão arbitral tem de ser assinado pelas partes, o que bem mostra estarem elas livres de submetê-la, ou não, à homologação. Pronunciada a nulidade ou a ineficácia do laudo, os árbitros decidem de novo a questão, salvo se o contrário resulta do compromisso, ou se ocorrer o de que se fala no art. 1.046, parágrafo único, do Código de Processo Civil. A apreciação do direito em tese (art. 1.045, IV, do Código de Processo Civil), permite exame do fundo, pOsto que sOmente no plano da questão de direito em tese. 3.PEDIDO POR TODAS AS PARTES. Se todas as partes pediram a homologação, não há assinação de prazo. Se só uma ou algumas a pediram, só às outras ou outra se assina. O juiz da homologação pode deferir o pedido de caução do art. 67 do Código de Processo Civil (caução às custas). 4.PEDIDO DE HOMOLOGAÇÃO E PROCEDIMENTO DE OFICIO. É preciso que se não confunda a homologação com a decisão em superior instância, recursalmente. O pedido de homologação é petitum em ação de homologação, O que se pede é a atribuição de eficácia sentencial à decisão, à semelhança da eficácia das sentenças estatais. No fundo, pedido de estatalização do julgado. Conforme veremos, com o depósito, está submetido ao juiz competente o laudo arbitral, ainda que todos os compromitentes entendam que não deva ser homologado. Praticamente a remessa do laudo oficial é remessa, de oficio, pelos árbitros, o que permite ao juiz para a homologação conhecer do laudo arbitral, homologando-o, ou não. O recurso é processado desde a interposição, mas há a necessária intercalação da decisão homologatória ou não homologatória. A lei processual criou tal situação, de modo que a matéria de recurso é examinada pelo juiz homologante e, depois, pelo tribunal a que compete o conhecimento da homologação. Se todos os compromitentes quiseram a homologação e essa não foi da~, o recurso é só da decisão de não homologação. Proferido o laudo arbitral, ou há o pedido de homologação por todos os compromitentes, de modo que, negada a homologação, qualquer deles pode recorrer da negação, ou todos recorrem, portanto nenhum pediu a homologação, ou um pede u alguns pedem a homologação e os outros recorrem. a)Se todos pediram a homologação e o juiz a negou, recurso tem de apreciar os fundamentos e a conclusão da sentença que negou a homologação. b)Se todos os compromitentes são contra a homologa1o, ainda assim tomo processo de ir ao juiz competente para homologação, porque, a despeito de ser a homologação judicial ao laudo arbitral, historicamente , sucedâneo da homologação ,elas partes

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(laudum homologatum), o Código de Processo civil entendeu que recurso só haveria de caber de decisão que legasse ou desse a homologação (ad. 1.046: “Caberá recurso na apelação da sentença que homologar, ou não, a decisão arbiral. Â lei processual admite a hipótese de homologação contra que pediram todos os compromitentes. e)Se algum dos compromitentes pediu a homologação,>u se alguns a pediram, e os outros não, tem de decidir o juiz competente para a homologação. O prazo para a apelação somente começa depois de se manifestar o juiz competente para a homologação. No sistema do Código de Processo Civil, o prazo que se conta desde a assinatura do laudo é o prazo para o depósito. Não importa se os compromitentes pediram, ou não, a homologação; é do interesse dos árbitros, que proferiram a decisão arbitral, que seja da homologação . Se deixam que se escoe o prazo, não mais se ode homologar a decisão arbitral, pois que se ineficacizou Código de Processo Civil, -art. 1.045, VI). A inobservância da regra do ad. 1.048 do Código de Processo Civil produz a ineficácia do laudo arbitral (ad. 1.045, (II); não a do compromisso, O compromisso pode ainda conter prazo para nova decisão (Código de Processo Civil, rt. 1.046, parágrafo único). Sem razão, O. CHIOVENDA, em >rineipii, 117: “L’Inosservanz4 di questa norma (di parte della uale 6 controverso II caratt~re assoluto o dispositivo) pone iel nuíla arbitrato e compromisso”: o compromisso mesmo continua, se por outra razão não é nulo, ou não terminou. ) laudo é que se faz Ineficaz (caduco, melhor diríamos). Quanto a ser dispositivo ou imperativo o art. 1.043 do Código de Processo Civil, o art. 1.045, VII, não deixa dúvida; e já nos referimos à regra de que os princípios da lei processual sempre se supõem com a natureza que teriam. O art. 1.045, VII, do Código de Processo Civil é cogente. Se os árbitros não remetem o laudo arbitral, ou algum deles, encarregado, não o remete, o que os compromitentes podem fazer é pedir a homologação, juntando o laudo arbitral. Mas isso tem de ser feito no prazo do art. 1.048. Nenhuma das pretensões à decretação de nulidade (ou caducidade) do art. 1.045 do Código de Processo Civil é renunciavel. Se o laudo arbitral chegou ao juízo competente para a homologação e aí foi depositado, sem que se haja apresentado pedido de homologação assinado pelas partes, pode o juiz homologá-lo, sendo intimadas as partes. É o que resulta do ad. 1.043, parágrafo único, do Código de Processo Civil: “Feito o depósito dentro do prazo, e verificada a regularidade do laudo, o juiz o declarará executório, conferindo-lhe força de sentença, intimadas as partes” Se, antes da homologação, chega ao juízo competente para ela pedido de homologação, ou foi esse assinado por todos os compromitentes, ou somente por um, ou por alguns. Assinado por todos, não há qualquer assinação de prazo para alegações . Se algum deixa de assinar o pedido ou se alguns o deixaram de assinar, então sim: “Assinado pelas partes o pedido de homologação da sentença arbitral, seguir-se-á o julgamento, concedendo-se à que não o houver assinado o prazo de cinco dias para alegações ” (Código de Processo Civil, ad. 1.044). A homologação do laudo arbitral não é ato meramente homologatório, que se pudesse lncluir na classe dos atos de que cogita o ad. 800, parágrafo único, do Código de Processo Civil. 3 3.198. Prazo para o depósito do laudo 1. LAUDO E VIA HOMOLOGATÓRIA O laudo ainda não é decisão que se equipare à sentença estatal. Na homologação de sentença estrangeira, a eficácia, que a sentença estrangeira tem, ainda não entrou no território do Brasil, ainda não foi importada: a importação é horizontal. Na homologação de laudo arbitral, a decisão ainda não tem qualquer eficácia sentencial, fora ou dentro do Brasil: a homologação, como que vertico4mente, de cima para baixo, lhe atribui.

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Assim como os atos dependentes de homologação praticados dentro dos autos (e. g., desistência, transação), são submetidos ao juiz homologante (sem se poder falar de recurso, porque já estavam no processo que ele presidia), o laudo é depositado no juízo homologante, para que se dê aquela sujeição e sobrevenham o exame e a decisão homologatória ou não. Em verdade, há ação de homologação, à semelhança do que se passa com as sentenças estrangeiras. 2. DEPÓSITO NECESSÁRIO. O depósito necessário e dentro do prazo de cinco dias mostra que o Código de Processo’ Civil, art. 1.043, concebe a homologação como elemento integrativo necessário da sentença arbitral. Ela é que faz “sentença” o laudo. A infração do art. 1.048 do Código de Processo Civil acarreta a ineficácia do laudo (“nulo”, diz o Código de Processo Civil, art 1.045, VI). Cumpre observar-se que o depósito é dever dos arbritaria, que pode ser adimplido por todos eles, ou por alguns, ou por um deles, ou por núncio, Inclusive qualquer dos compromitentes. O depósito é Inconfundível com o pedido de homologação, que é ato processual dos compromitentes. § 3199. Nulidade do compromisso e da nomeação dos árbitros decretada pelo juiz homologante 1. DE ACEITAÇÃO DE NULIDADE DO COMPROMISSO. Nulo compromisso, nula a decisão arbitral. Pronunciada essa nulidade, não volvem os árbitros a resolver a questão (Código de Processo Civil, art. 1.046, parágrafo único, a). Ineficaz o compromisso, nula, ainda ai, a decisão arbitral. Se no momento em que se decretou a nulidade ou a ineficiência do laudo arbitral não mais resta tempo para outra decisão torna-se Ineficaz o compromisso. 2. JULGAMENTO. O compromisso, delimita pettones. Não se pode pedir fora das linhas que o compro traçou. Outrossim, fora da matéria que foi submetida das afirmações e contrariedades. Pergunta-se:se a decisão excedeu os limites do compromisso, é nula tOda ela, ou só a parte? Aqui, cabe a regra de que o inútil não prejudica o útil, ou de que a parte nula não contagia ao todo a sua nulidade. 3.NOMIAÇÃO. A infração das regras jurídicas para a nomeação doe árbitros determina a nulidade da nomeação; e essa, a do processo e julgamento arbitrais. Em todo o caso, não arguida até a assinatura das partes para a homologação (Código de Processo Civil, art. 1.044), está sanada. A infração do art. 1.031 do Código de Processo Civil, ou regra semelhante, causa nulidade insanável. § 3.200. Recurso em arbitragem 1.. Tem-se de distinguir do recurso que se interpõe da homologação o recurso dentro do juízo arbitral. Se há número par de julgadores privados, pode ser nomeado, ou deixar-se a nomeação posterior, o desempatador. O desempatador é juiz do mesmo grau. Todavia, é provável que se estabeleça que, decidida a questão, possa haver recurso para outro árbitro (de grau superior) ou para outros árbitros. Esse é o recurso dentro do procedimento da arbitragem. O sobreárbitro é árbitro de grau superior. Não desempata; decide, em via recursal interior ao juízo arbitral. O recurso estatal, exterior, portanto, ao juízo arbitral, concerne, então, ao decidido pelo sobreárbitro ou pelos sobrearbitros. 2. HOMOLOGAÇÃO. Se o juízo arbitral foi concebido em dois graus, a decisão que se há de depositar e levar à homologação é a decisão proferida pelo árbitro ou

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pelos árbitros do segundo grau. Proferida a decisão do juiz estatal, em homologação, ou em recurso, a decisão, que é estatal, tem de ser tratada como as outras decisões estatais, inclusive quanto aos recursos que se podem interpor, sem ser o de apelação. Pode ser embargável por nulidade, ou infringência do julgado, a decisão na apelação. Pode ser sujeita a recurso Pode, finalmente, ser interposto recurso extraordinário . § 3.201. Extinção do compromisso 1.COMPROMISSO E VONTADE DOS COMPROMITENTES. compromitentes podem desconstituir o compromisso pelo fato, pelo exercício do direito negocial ou legal de resolução, cabe, pela renúncia de todos aos direitos e pretensão ao cumprimento do compromisso. O distrato extingue o compromisso. Os figurantes são os promitentes. Já estava na L. 9, § 5, na L. 11, pr., e na 32, § 3, D., de receptis: qui arbitrium receperint ut sentenn dicant, 4, 8. No compromisso, pode-se ter inserto cláusula aí compensatória, ou permissão de arrependimento, mediante prestação, ou direito de resolução por alguma condição ou no, mas nenhum desses casos se inclui na classe dos distratos. Se, antes da homologação, os compromitentes cumprem, o que foi decidido pelo laudo, fazendo-o de negócio jurídico, Esse negócio jurídico torna sem ~to o compromisso (cp. 1.a Câmara Cível do Tribunal de iça do Distrito Federal, 29 de junho de 1955, A. .T., 261). 2. NULIDADE E ANULABILIDADE. Ao compromisso pode decretada a nulidade ou anulação nos mesmos casos em o poderia ser em relação aos outros negócios jurídicos.a decretação, extingue-se. 3. PERDA DE OBJETO. Pode ter perdido objeto a contrario, como se pereceu o bem sobre cuja propriedade se havia ecidir e não persiste a questão como prejudicial de indenização, ou outra pretensão. O compromisso perde a eficácia. Se foi prejudicado apenas o laudo, os atos processuaís do juízo arbitral são eficazes para o nOvo julgamento arbitral. Se a não-homologação alcançou algum ato processual, tudo- se resolve segundo os princípios do direito processual comum. 5.PACTO “DE COMPROMETITENDO”. Quanto à promessa de comprometer-se, tudo se passa semelhantemente. Não se pode, para se obter o compromisso, se o pacto de compromititendo não precisou cada ponto do compromisso prometido, invocar o ad. 1.006 do Código de Processo Civil, nem, tão--pouco, pretender que o juiz nomeie o árbitro (Câmaras Reunidas da Corte de Apelação do Distrito Federal, 26 de julho de 1923, R. de D., 73, 145; 1.~ Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, 2 de dezembro de 1940,A.J., 58, 53). O pacto de compromititendo não gera a exceção de compromisso (3.a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 31 de março de 1943, R. dos T., 145, 633). Da! a conveniência de se inserir a pena. Mas há a ação de indenização por inadimplemento.