the reduction of majority criminal x criminal law...

20
1 A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL X DIREITO PENAL SIMBÓLICO THE REDUCTION OF MAJORITY CRIMINAL X CRIMINAL LAW SYMBOLIC Ielma Cardoso Alves Aluna do Curso de Direito Kenia Carina Jorge Sobrinho A. Nogueira Professora Orientadora do Curso de Direito da Faculdade Icesp Promove Resumo: Em meio aos inúmeros acontecimentos de violência envolvendo menores de dezoito anos co mo autores de “crimes”, a mídia e a sociedade sentem, de forma totalmente compreensível, grande repulsa e revolta. Como resultado, procuram medidas imediatas e práticas contra a violência que garantem a falsa sensação de segurança. Em resposta a esse anseio, nosso Poder Legislativo traz projeto de emenda constitucional buscando reduzir a maioridade penal como se essa fosse a solução para a diminuição da violência exercida por menores. A essência do trabalho é abordar esses questionamentos da população, influenciados pela mídia e demonstrar que o caminho adotado pelo Legislativo está equivocado. Palavras-chaves: Menor; Maioridade; Penal; Redução. Abstract: Among the numerous events of violence involving persons below eighteen years as perpetrators of "crimes", the media and society feel, quite understandably, great disgust and revolt. As a result, seek immediate measures and practices against violence that guarantee the false sense of security. In response to this demand, our Legislature brings constitutional amendment seeking to reduce the legal age as if this were the solution to the reduction of violence by minors. The essence of the work is to address these people's questions, influenced by the media and demonstrate that the approach adopted by the legislature is wrong . Keywords: Criminal Law, Reducing the Criminal Age. Sumário: Introdução.1. Conceito de Direito Penal Simbólico. 2. Critérios adotados pelo direito penal para estabelecer a menoridade penal 3. A punibilidade nos moldes do ECA. 4.Menoridade civil X Menoridade penal. 5. A ineficácia da redução da maioridade penal como meio de reduzir a criminalidade. Introdução Face ao crescente aumento da criminalidade juvenil que se estabelece no Brasil, recentemente tem sido levado à apreciação do poder legislativo projetos de lei que buscam pura e simplesmente mais rigor nas penas aplicadas aos menores que cometam atos atentatórios ao Código Penal Brasileiro 1 . 1 BRASIL,DECRETO-LEI Nº 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940. Código Penal Brasileiro. Legislação Brasileira. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm Acessado em: 03/06/2016.

Upload: truongcong

Post on 14-Dec-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

1

A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL X DIREITO PENAL SIMBÓLICO

THE REDUCTION OF MAJORITY CRIMINAL X CRIMINAL LAW SYMBOLIC

Ielma Cardoso Alves Aluna do Curso de Direito

Kenia Carina Jorge Sobrinho A. Nogueira Professora Orientadora do Curso de Direito da Faculdade Icesp Promove

Resumo: Em meio aos inúmeros acontecimentos de violência envolvendo menores de dezoito

anos como autores de “crimes”, a mídia e a sociedade sentem, de forma totalmente

compreensível, grande repulsa e revolta. Como resultado, procuram medidas imediatas e

práticas contra a violência que garantem a falsa sensação de segurança. Em resposta a esse

anseio, nosso Poder Legislativo traz projeto de emenda constitucional buscando reduzir a

maioridade penal como se essa fosse a solução para a diminuição da violência exercida por

menores. A essência do trabalho é abordar esses questionamentos da população, influenciados

pela mídia e demonstrar que o caminho adotado pelo Legislativo está equivocado.

Palavras-chaves: Menor; Maioridade; Penal; Redução.

Abstract: Among the numerous events of violence involving persons below eighteen years

as perpetrators of "crimes", the media and society feel, quite understandably, great disgust and

revolt. As a result, seek immediate measures and practices against violence that guarantee the

false sense of security. In response to this demand, our Legislature brings constitutional

amendment seeking to reduce the legal age as if this were the solution to the reduction of

violence by minors. The essence of the work is to address these people's questions, influenced

by the media and demonstrate that the approach adopted by the legislature is wrong .

Keywords: Criminal Law, Reducing the Criminal Age.

Sumário: Introdução.1. Conceito de Direito Penal Simbólico. 2. Critérios adotados pelo

direito penal para estabelecer a menoridade penal 3. A punibilidade nos moldes do ECA.

4.Menoridade civil X Menoridade penal. 5. A ineficácia da redução da maioridade penal

como meio de reduzir a criminalidade.

Introdução

Face ao crescente aumento da criminalidade juvenil que se estabelece no Brasil,

recentemente tem sido levado à apreciação do poder legislativo projetos de lei que buscam

pura e simplesmente mais rigor nas penas aplicadas aos menores que cometam atos

atentatórios ao Código Penal Brasileiro1.

1 BRASIL,DECRETO-LEI Nº 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940. Código Penal Brasileiro. Legislação Brasileira.

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm Acessado em: 03/06/2016.

2

No entanto, esses projetos de lei são de cunho meramente simbólico, ou seja, busca

somente oferecer para a sociedade uma solução, que pode até parecer que surtirá efeitos

satisfatórios mas, na verdade, nem de longe reduzirá a criminalidade, até porque, na nossa

Magna Carta há previsão de punição específica a ser aplicada ao menor infrator, nos moldes

do Estatuto da Criança e do Adolescente2, de modo que os menores são punidos por seus atos,

ainda que não sejam penalmente imputáveis.

O problema da criminalidade em nada tem a ver com a idade a partir da qual o agente é

penalmente imputável. Diversos outros fatores abrangem essa problemática, como o

psicológico, sociológico, o meio em que vive o menor, as condições de vida a que está

submetido, dentre outros.

Não há razoabilidade na associação de imputabilidade com impunidade. O fato do menor

não ser punido como uma pessoa plenamente capaz do ponto de vista legal não significa dizer

que seus atos não sejam puníveis. O Estatuto da criança e do Adolescente traz em seu bojo as

medidas sócio educativas a serem aplicadas aos menores que cometem ato infracional. Aos

menores é garantido um meio próprio de punição, tendo em vista o estado de

desenvolvimento pelo qual eles estão passando, não tendo ainda seu caráter e personalidade

inteiramente formados. Desta maneira, é de grande importância que se busque ao máximo

privá-los do contato com outros criminosos potencialmente mais perigosos, não o expondo a

aliciação de dentro dos presídios.

É indiscutível que o sistema prisional brasileiro não consegue cumprir a principal função

social da pena, qual seja, a ressocialização. Introduzir um jovem, de formação incompleta e

com caráter parcialmente pervertido somente o fará ser pior com o decorrer dos anos.

1. Conceito de direito penal simbólico

O Direito é um ramo das ciências sociais que estuda as normas obrigatórias que controlam

as relações dos indivíduos em uma sociedade, determinando os limites de cada um em sua

faculdade de fazer ou deixar de fazer algo.

2 BRASIL. LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Legislação

Brasileira. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm> Acessado em 09/06/2016.

3

Para JUNIOR, Paulo José da Costa, “O Direito é antes de mais nada, um ordenamento de

limitações, determinando a cada cidadão você pode ir até aqui, não além”. (2000, página

03)3

Para Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli (1999,página 15), o Direito Penal

é:4

O conjunto de leis que traduzem normas que pretendem tutelar bens jurídicos, e que

determinam o alcance de sua tutela, cuja violação se chama “delito”, e aspira a que tenha como consequência uma coerção jurídica particularmente grave, que procura

evitar o cometimento de novos delitos por parte do autor.

Desta forma, o direito pode ser compreendido como o conjunto de normas que o Estado se

utiliza para prevenir e reprimir os acontecimentos que vão de encontro à segurança pública e à

ordem social, conceituando as infrações, determinando e fixando as responsabilidades, bem

como instituíndo as sanções punitivas correspondentes.

Por outro lado, o símbolo significa uma figura ou imagem que representa à vista o que é

puramente abstrato. Noutro dizer, o símbolo pode ser considerado um objeto, uma ideia, uma

emoção ou um ato sendo, assim, utilizado para a representação de outro objeto, outra ideia,

outra emoção ou outro ato. Traçando um conceito literal, símbolo é “ Aquilo que, por sua

forma ou por sua natureza, evoca, representa ou substitui, num determinado conceito, algo

abstrato ou ausente”. (Dicionário Aurélio, 2004)5

Sobre o assunto ROXIN6diz:

Assim, portanto, haverá de ser entendida a expressão "direito penal simbólico",

como sendo o conjunto de normas penais elaboradas no clamor da opinião pública,

suscitadas geralmente na ocorrência de crimes violentos ou não, envolvendo pessoas

famosas no Brasil, com grande repercussão na mídia, dada a atenção para casos

determinados, específicos e escolhidos sob o critério exclusivo dos operadores da

comunicação, objetivando escamotear as causas históricas, sociais e políticas da

criminalidade, apresentando como única resposta para a segurança da sociedade a criação de novos e mais rigorosos comandos normativos penais.

Nesse contexto, segundo Cleber Masson, o Direito Penal Simbólico7 diz respeito a uma

política criminal, que vai além da aplicação do direito penal do inimigo, e sim, as próprias

3 JUNIOR, Paulo José da Costa. Direito Penal _ Curso Completo.8 edição, Editora Saraiva, 2000, página 03.

4 ZAFFARONI, Eugenio Raúl e PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte

Geral. 4ª ed.rev. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais.2002. Página 86. 5 FERREIRA, A. B. H. Aurélio século XXI: o dicionário da Língua Portuguesa. 3. ed. Revista e Atualizada.

Curitiba: Positivo, 2004. 6ROXIN, Claus.DerechoProcesal Penal.25 edição,BuenosAires,DelPuerto,ano 2000.

4

consequências do efeito externo que a aplicação da lei não produz. Manifesta-se, desse modo,

com o direito penal do terror, pelo qual se verifica uma inflação legislativa, que cria figuras

penais desnecessárias ou, então, o aumento desproporcional e injustificado das penas para os

casos determinados.

Ainda à luz dos ensinamentos do doutrinador Cleber Masson, tem-se que “a função

simbólica é inerente a todas as leis, não dizendo respeito somente às de cunho penal.”8 São

leis que não produzem efeitos externos, mas apenas na mente dos governantes e da população,

dando a estes a sensação de estar zelando pelo bem-estar social e àqueles a falsa percepção de

segurança. Assim, portanto, haverá de ser entendida a expressão “direito penal simbólico”,

como sendo o conjunto de normas penais elaboradas no clamor da opinião pública, suscitadas

geralmente na ocorrência de crimes violentos ou não, envolvendo pessoas famosas no Brasil,

com grande repercussão na mídia, dada a atenção para casos determinados, específicos e

escolhidos sob o critério exclusivo dos operadores da comunicação, objetivando escamotear

as causas históricas, sociais e políticas da criminalidade, apresentando como única resposta

para a segurança da sociedade a criação de novos e mais rigorosos comandos normativos

penais.9

2. Critérios adotados pelo direito penal para estabelecer a menoridade

penal

Inicialmente, se faz necessário mostrar a diferença existente entre culpabilidade e

imputabilidade.

Nos ensinamentos de Mirabete (2008, página 209), tem-se que “a culpabilidade é um

juízo de reprovação e que somente pode ser responsabilizado o sujeito quando poderia ter

agido em conformidade com a norma penal.”10

7 MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado: parte geral. 6. ed. atualizada e ampliada Rio de Janeiro:

Forense; São Paulo: Método. 2012. Página 11. Disponível em:

<https://oestudododireito.files.wordpress.com/2014/08/cleber-masson-direito-penal-volume-1-parte-geral-

esquematizado-4c2ba-edic3a7c3a3o-ano-2011.pdf> Acessado em: 03/06/2016 8 Ibid.

9 PRAZERES, José de Ribamar Sanches. O Direito Penal Simbólico Brasileiro. Disponível em:

<http://www.sedep.com.br/artigos/o-direito-penal-simbolico-brasileiro/> Acessado em: 03/06/2016 10 MIRABETE, Julio Fabbrini e FABBRINI, N. Renato. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 19 ed. São

Paulo, Editora Atlas S.A. 2003. Página 209.

5

Já a imputabilidade, por sua vez, é a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de

determinar-se de acordo com esse entendimento.11

O agente deve ter condições físicas,

psicológicas, morais e mentais de saber que está realizando um ilícito penal. Ainda assim,

também é necessário que o agente disponha totais condições de controle sobre sua vontade.

Ou seja, imputável não é apenas aquele que tem capacidade de compreensão sobre o

significado de sua conduta, mas também de comando da própria vontade, de acordo com esse

entendimento. Um exemplo que demonstra o que foi citado acima é o do dependente de

drogas. Esse cidadão tem plena capacidade para entender o caráter ilícito do furto que pratica,

mas não consegue controlar o invencível impulso de continuar a consumir entorpecentes,

tornando-se escravo de suas vontades.

Por conseguinte, pode-se entender que a imputabilidade refere-se à capacidade de

entender a reprovabilidade do ato praticado, associado à faculdade de controlar e comandar a

própria vontade. Também não se pode confundir imputabilidade com capacidade. Segundo

Capez, “a capacidade é gênero, do qual a imputabilidade e espécie.”12 A capacidade é um

conceito muito mais amplo que abrange não somente a possibilidade de entendimento e

vontade, mas também a aptidão para praticar atos na esfera processual.

Semelhantemente se faz de grande relevância diferenciar os institutos de dolo e

imputabilidade, sendo que este é a vontade de se praticar um ato e aquele a capacidade de

compreender essa vontade.

O Código Penal Brasileiro exclui os casos onde o agente não será penalmente imputável

por seus atos, determinando que os acometidos por doença mental e os menores de dezoito

anos não possuem capacidade de entendimento acerca dos atos praticados. Vejamos:13

Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento

mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente

incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Art. 27 - Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando

sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.

11 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. 12 ed. São Paulo, Saraiva, 2008. Página 307. 12 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. 12 ed. São Paulo, Saraiva, 2008. Página 308. 13 BRASIL, República Federativa do. Código Penal. Vade Mecum Saraiva. Obra coletiva de autoria da Editora

Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia

Céspedes. 63 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2013, (Legislação Brasileira).

6

Igualmente na Constituição Federal, em seu artigo 228, o legislador preocupou-se em

tratar sobre o tema: “Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos,

sujeitos às normas da legislação especial.”14

Como visto, o agente para ter condições pessoais de compreender o que fez, necessita de

dois elementos: higidez biopsíquica (saúde mental associada à capacidade de apreciar a

criminalidade do ato) e maturidade (desenvolvimento físico mental que permite ao ser

humano estabelecer relações sociais bem adaptadas)

Conforme a obra de Guilherme de Souza Nucci, “no Brasil, ao invés de se permitir a

verificação da maturidade caso a caso, optou-se pelo critério cronológico, ou seja, ter mais

de 18 anos.”15

Há diversos sistemas ou critérios nas legislações para determinar quais os que, por serem

inimputáveis, estão isentos de pena pela ausência de culpabilidade.

Mirabete destaca os sistemas que podem ser utilizados em sua obra Manual de Direito

penal:16

O primeiro é o sistema biológico (ou etiológico), segundo o qual aquele que

apresenta uma anomalia psíquica é sempre inimputável, não se indagando se essa

anomalia causou qualquer perturbação que retirou do agente a inteligência e a

vontade do momento do fato.

O citado sistema, ainda pelo entendimento do doutrinador, resta evidentemente falho, vez

que deixa impune aquele que tem entendimento e capacidade de determinação, mesmo sendo

portador de qualquer espécie de doença mental.

O segundo sistema é o psicológico, em que se verificam apenas as condições psíquicas do

autor na data do fato, afastada qualquer preocupação a respeito da existência de doença

mental ou distúrbio psíquico patológico. Nesse sistema, o juiz torna-se capaz de decidir

acerca da imputabilidade com enorme arbítrio.17

Há também hipótese na qual o sistema

aplicado é o biopsicológico, ou misto. Tal sistema é entendido por Luis Regis Prado como

sendo o que “atende tanto às bases biológicas, que produzem a inimputabilidade, quanto ás

14 BRASIL, República Federativa do. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/html/legislacao. Acessado em: 08/06/2016 15 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal Comentado. 7 ed. São Paulo, RT, 2007. Página 259. 16 MIRABETE, Julio Fabbrini e FABBRINI, N. Renato. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 19 ed. São

Paulo, Editora Atlas S.A. 2003. Página 210. 17 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal Comentado. 7 ed. São Paulo, RT, 2007. Página 260.

7

suas consequências na vida psicológica ou anímica do agente”.18 O referido sistema têm

ligação com os requisitos exigidos nos sistemas anteriores, sendo necessário que haja de um

lado a presença de anomalia mental, associada à completa incapacidade de entendimento. Este

é o sistema atualmente vigente na maioria das legislações penais.

Todavia, por disposição expressa do artigo 27 do Código Penal, “os menores de dezoito

anos são penalmente inimputáveis”. Ao estabelecer dessa maneira, o legislador empregou tão

somente o critério biológico (idade do agente na época do fato), não acatando o

desenvolvimento mental do menor, que não está sujeito à aplicação de sanção penal, mesmo

que seja plenamente capaz de entender o caráter ilícito do fato.

3. A punibilidade nos moldes do ECA

Confome visto antes, o menor de dezoito anos é penalmente inimputável no sistema

legislativo pátrio. Entretanto, não há que se confundir inimputabilidade com impunidade. O

menor que pratica qualquer tipo de ato infracional responde por seus atos, nos padrões da

legislação especial, o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Seria ignorar a verdade e tapar os olhos à realidade não admitir que os menores

freqüentemente se voltam à vida do crime.

Segundo os ensinamentos de Wilson Donizeti Liberati:19

O ato infracional é a conduta descrita como crime ou contravenção penal. Na

verdade, não há diferença entre os conceitos de ato infracional e crime, pois, de

qualquer forma, ambos são condutas contrárias ao Direito, situando-se na categoria

de ato ilícito.

O ato infracional é o ato condenável, de desobediência às leis, à ordem pública, aos

direitos dos cidadãos ou ao patrimônio, praticado por crianças ou adolescentes. Só existe ato

infracional se aquela conduta corresponder a uma hipótese legal que determine sanções ao seu

autor. No caso de ato infracional cometido por criança (pessoa até 12 anos), aplicam-se as

medidas de proteção. Condição na qual, o órgão responsável pelo acolhimento é o Conselho

Tutelar. Já o ato infracional cometido por adolescente, por sua vez, deve ser apurado pela

Delegacia da Criança e do Adolescente a quem incumbe encaminhar o caso ao Promotor de

18 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. 3 ed. São Paulo, RT, 2002. Página

350. 19 LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao estatuto da criança e do Adolescente. 10 ed. São Paulo,

Malheiros Editores, 2008. Página 88

8

Justiça que poderá aplicar uma das medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança

e do Adolescente.20

O Estatuto da Criança e do Adolescente versa do ato infracional, conceitualizando-o em

seu artigo 103, in verbis: “Art. 103. Considera-se ato infracional a conduta descrita como

crime ou contravenção penal”.21

Deste modo, considera-se ato infracional todo fato típico, descrito como crime ou

contravenção penal cometido por alguém menor de 18 anos.

Para Fazzi et al. (2005, página 28):22

É necessário esclarecer que a idade de 18 (dezoito) anos para imputabilidade penal,

adotada em 80% dos países do planeta, não foi estabelecida de forma aleatória.

Existem estudos científicos que demonstram que até os 18 anos a personalidade do

ser humano, bem como sua capacidade psíquica, ainda, não está completamente formada.

O cometimento do ato infracional, apesar de ter um caráter criminoso na ação, não é tida

como fato penalmente punível como crime, de modo que a imputabilidade penal se inicia

somente aos 18 anos. Desta maneira, as medidas usadas como meio de coação não são

punições em si, mas sim medidas que buscam a reintegração da criança e/ou adolescente na

sociedade. Não há que se falar em aplicação de penas, mas tão somente em medidas

socioeducativas.

O Estatuto da Criança e do Adolescente presume, em seu artigo 104, que o menor de 18

anos (dezoito) anos é inimputável, entretanto capaz, de cometer ato infracional, passíveis

então de aplicação de medidas socioeducativas quais sejam: advertência; obrigação de reparar

o dano; prestação de serviços a comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de

semiliberdade; internação em estabelecimento educacional e, por fim, qualquer uma das

previstas no artigo 101, I a VI, conforme o art. 105 do ECA.

O artigo 112 do Estatuto estabelece as medidas socioeducativas pertinentes, a prática de

ato infracional, vejamos23

:

“Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente

as seguintes medidas:

20 DEL-CAMPO, Eduardo Roberto Alcântara e OLIVEIRA, Thales Cezar de. Estatuto da Criança e do

Adolescente. 5 ed. São Paulo, Atlas S.A. 2009. Página 152 21 BRASIL. LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Legislação

Brasileira. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm> Acessado em 09/06/2016. 22 FAZZI, Rita de Cássia et al. Estatuto da Criança e do adolescente: Conquistas e Desafios. Belo Horizonte:

PUCMINAS, 2005. Página 28 23 BRASIL. LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Legislação

Brasileira. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm> Acessado em 09/06/2016.

9

I – advertência;

II – obrigação de reparar o dano;

III – prestação de serviços a comunidade;

IV – liberdade assistida;

V – inserção em regime de semi-liberdade;

VI – internação em estabelecimento educacional;

VII – qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.

§1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade em cumpri-la, as circunstâncias

e a gravidade da infração.

§2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado.

§3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.”

Marli Renate Von Borstel Roesler, em sua obra Socioeducação explica cada uma das medidas a

serem aplicadas, conforme tem-se a seguir:24

Advertência: Essa medida se caracteriza em forma de aviso e se reverte de aspectos

informativos. É aplicada aos adolescentes que cometeram atos infracionais leves

(art. 115).

Obrigação de reparar o dano: A reparação do dano se caracteriza como uma

medida coercitiva e educativa, pois leva o adolescente a reconhecer o erro e

posteriormente a repará-lo, através da restituição do bem ou da compensação da

vítima. Sendo que a responsabilidade em reparar o dano é de inteira

responsabilidade do adolescente, de forma intransferível (art. 116)

Prestação de serviços à comunidade: A prestação de serviço se caracteriza pelo

envolvimento do adolescente em serviços junto à comunidade, dessa forma se

reverte pelo aspecto participativo e educativo, envolvendo a família, a comunidade e

o adolescente, onde é oportunizada ao adolescente a esperança da vida comunitária

(art. 117).

Liberdade assistida: De acordo com o artigo 118, trata-se de uma medida judicial

de cumprimento obrigatório, no entanto é importante que o adolescente a realize

com o maior grau de voluntariedade possível, tendo como objetivo evitar que

retorne ao Sistema de Justiça e também que seja apoiado na construção de um

projeto de vida, considerando-o como sujeito livre e em desenvolvimento, que

requer orientação no exercício de sua liberdade, para que possa se desenvolver na

sua plenitude. Essa medida também apresenta aspectos coercitivos, uma vez que o adolescente tem sua liberdade restringida, ou seja, liberdade posta sob condições ao

lhe serem impostos, para fins socioeducativos, padrões de comportamento e

acompanhamento de sua vida sociofamiliar, assegurando a reorientação ao

adolescente, prevenindo a reincidência, buscando a superação em atos infracionais.

Semiliberdade: É uma medida operacionalizada em meio fechado, privativa parcial

de liberdade, que pode ser determinada pela autoridade competente desde o início da

assistência ao adolescente, ou como medida de transição para o meio aberto, sendo

possibilitada a realização de atividades externas, independentemente de autorização

judicial (art.120).

Internação: Constitui uma medida privativa de liberdade, sujeita aos princípios de

brevidade, de excepcionalidade e de respeito à condição de pessoa em desenvolvimento. Segundo o artigo 121 do ECA e que permite, segundo os

parágrafos desse artigo: (i) a realização de atividades externas (§1º), (ii) mas não

comportando prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, no

máximo, a cada seis meses (§2º), (iii) não podendo exceder a três anos (§3º) e (iv) se

extingue compulsoriamente para o adolescente no momento em que completar 21

anos de idade (§5º).

24 ROESLER, Marli Renate Von Borstel e BIDARRA, Zelimar Soares. Socioeducação: Reflexões para a

construção de um projeto coletivo de formação cidadã. Cascavel: EDUNIOSTE, 2011. Páginas 365 e 366.

10

Nesse seguimento, respeitando, o princípio assegurado constitucionalmente do devido

processo legal, é corretamente aceitável a aplicação de sanções a menores de 18 anos de idade

que pratiquem ato infracional, desde que esta aplicação emane da análise de competência

exclusiva do Juiz, de acordo com a redação da Súmula 108 do STJ25, advertindo sempre que,

tais medidas, não possuem natureza de pena e sim de medida socioeducativa.

Tendo por embasamento os ensinamentos de Katia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel,

resta claro que a sanção penal não é o único meio coercitivo a ser aplicado objetivando a

redução da criminalidade. Vejamos:26

Primeiramente, vale realçar que a responsabilização na área penal não é a única apta

a cobrar de infratores a prestação de contas quanto aos seus atos. Em nosso sistema,

vários tipos de responsabilização são previstos, como, por exemplo, os decorrentes da seara administrativa, da civil e o de que ora se cuida, emergente da apuração da

prática de ato infracional por adolescente.

As medidas socioeducativas nada mais são do que a resposta estatal, aplicada pela

autoridade judiciária, ao adolescente que praticou ato infracional. Ainda que tenham aspectos

sancionatórios e coercitivos, não se trata de penas ou castigos, mas de oportunidades de

inserção em processos educativos, mesmo que de maneira obrigatória, que, caso produzam os

efeitos esperados, resultarão na construção ou reconstrução de projetos de vida desatrelados

da prática de atos infracionais e, concomitantemente, na inclusão social plena.

Assim sendo, fica demonstrado que o menor que comete ato ilícito recebe sim uma

coerção estatal. No entanto, a citada coerção não tem como objetivo seu introdução em um

sistema penitenciário, vez que não se trata da aplicação de penas, mas busca reintegrá-lo à

sociedade, dando a ele tratamento de acordo com a fase em que vive.

4. Menoridade Civil X Menoridade Penal

Em todos os ordenamentos jurídicos do mundo possuem requisitos legais que devem ser

observados para obtenção da capacidade plena do exercício de direitos. Isso porque, para a lei,

nem todas as pessoas são capazes de discernir as consequências provenientes de seus atos.

25 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 108. A aplicação de medidas socio-educativas ao

adolescente, pela pratica de ato infracional, e da competência exclusiva do juiz. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/SearchBRS?b=SUMU&livre=@docn=%22000000108%22> Acessado em:

08/06/2016. 26 MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade. Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos

Teóricos e Práticos. 4 ed. Rio de Janeiro, Lumen juris, 2010. Página 798.

11

Essa limitação cognitiva se dá em decorrência da incompleta formação intelectual do

sujeito pela pouca idade, ou por qualquer outro fator que venha a comprometer o pleno

desenvolvimento psíquico.

Assim sendo, se faz de grande importância a definição da idade a partir da qual o sujeito

está preparado a ser considerado capaz nas mais variadas áreas do direito.

Pela lei civil vigente no Brasil, a menoridade termina aos 18 anos, de acordo com o artigo

5º do Código Civil: “Art. 5º: A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a

pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil.”27

Contudo, durante a vigência das Ordenações Filipinas a menoridade cessava aos 25 anos

e, aos 21 até o ano de 2003, quando foi revogado o antigo Código Civil de 1916.

Venosa explica que: “A incapacidade plena, como no estatuto anterior, perdura até os 16

anos.”28 Isso significa que, até essa idade a pessoa é inteiramente incapaz, sendo todos os atos

por ela praticados na vida civil considerados nulos, podendo essa incapacidade somente ser

preenchida pela assistência de algum responsável legalmente habilitado.

Acontece que, não obstante poderá ocorrer situações onde o menor de 18 anos estará apto

a agir em defesa dos próprios interesses. Por este motivo, antes da idade legal, o agente

poderá adquirir plena capacidade através da emancipação. 29

Para Maria Helena Diniz: 30

Ao atingir dezoito anos, a pessoa tornar-se-á maior, adquirindo a capacidade de fato,

podendo, então, exercer pessoalmente os atos da vida civil, ante a presunção de que,

pelas condições do mundo moderno e pelos avanços tecnológicos dos meios de

comunicação, já tem experiência, em razão da aquisição de uma formação cultural, responsável pela precocidade de seu desenvolvimento físico/mental e do

discernimento necessário para a efetivação de atos negociais.

Pensando nesse precoce desenvolvimento, o Código Civil se preocupou em garantir

situações onde o menor pode adquirir a plena capacidade antes de completar 18 anos.

Vejamos:31

Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:

27 BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Novo Código Civil Brasileiro. Legislacão Federal.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm.> Acessado em: 09/06/2016. 28 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Parte Geral. 14 ed. São Paulo, Editora Atlas S.A. 2014. Página

146 29 Idem Página156 30 DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 12 ed. São Paulo, Saraiva, 2006. Página 20 31 BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Novo Código Civil Brasileiro. Legislacão Federal.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm.> Acessado em: 09/06/2016

12

I - pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento

público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz,

ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos;

II - pelo casamento;

III - pelo exercício de emprego público efetivo;

IV - pela colação de grau em curso de ensino superior;

V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de

emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha

economia própria.

Ainda assim, em nada se confunde o marco da maioridade civil com a penal. Nelson Nery

ensina que: 32

A norma reduziu de vinte e um (CC/1916 9º. Caput) para dezoito anos a idade para

maioridade civil, que se equipara à maioridade penal (CP 27). Essa congruência

nada tem a ver com o benefício da atenuação da pena de que goza os agentes

menores de 21 e os maiores de 70 anos. O CC 5º trata da maioridade civil e o CP 27

da imputabilidade penal.

(...)

Os fundamentos dessas figuras jurídicas são diferentes, pois o critério do legislados

no CP 65 I foi cronológico e nada tem a ver com a maioridade em si.

Destarte a lei civil estabeleça situações onde o agente poderá exercer plenamente os atos

da vida civil antes de atingir a idade mínima exigida por meio da emancipação, na esfera

penal essa condição não subsiste. O menor que comete um ato infracional, ainda que

emancipado, será punido no padrão da legislação especial, qual seja, o Estatuto da Criança e

do Adolescente. A emancipação somente refere-se à plenitude para exercício dos atos civis,

não podendo ser confundida sua aplicação penal.

Além do que, o Código Penal, ao determinar o critério atenuante de pena para os maiores

de 18 e menores de 21 anos, não o fez pensando na maioridade em si, mas apenas em um

critério cronológico.

5. A ineficácia da redução da maioridade penal como meio de reduzir a

criminalidade

Nos dias de hoje tem-se discutido, de modo exaustivo, meios pelos quais seja possível

reduzir a criminalidade, especialmente a juvenil. A mais importante delas, de fato a única com

ampla repercussão no meio legislativo e social, é a redução da maioridade penal, objetivando

submeter os jovens a partir dos 16 anos ao controle repressivo penal.

32 JUNIOR, Nelson Nery e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Anotado e Legislação Extravagante.

2 ed. São Paulo, RT, 2004. Página 149

13

Impulsionada pela mídia sensacionalista e tendenciosa, induzida pelo medo constante e na

certeza de que essa seja a solução infalível para todo esse caos, a coletividade apoia tal

iniciativa, o que configura uma verdadeira inversão de valores.33

Para Maurício Neves de Jesus, “a delinquência juvenil é estimulada pela sensação de

impunidade gerada pela permissiva legislação específica.” E continua, dizendo: “...o

Estatuto da Criança e do Adolescente não é permissivo, ao contrário, é uma legislação

avançada e voltada à prevenção da criminalidade, e se a sua (má) aplicação gera alguma

sensação entre os adolescentes infratores que alcança, esta não é de impunidade: é de terror

e injustiça”.34

A delinquência juvenil necessita ser analisada como o efeito gerado a partir de inúmeras

razões sociais e psicológicas. Olhando sob esse ponto de vista, fica claro que a redução da

maioridade penal seria unicamente um meio de atacar as consequências, sem se preocupar

com a raiz do problema que diversas vezes está relacionado à fome, miséria, falta de estrutura

familiar, discriminação, dentre inúmeros outros fatores.

Como determina Mauricio Neves de Jesus, “é mais fácil editar leis e oferecer uma

satisfação simbólica à sociedade amedrontada do que reduzir desigualdades sociais que,

afinal é (ou deveria ser) um dos objetivos fundamentais da república Federativa do brasil.”35

Em regra, o ser humano, não nasce com o caráter criminoso enraizado em sua essência,

mas as condições de vida a que este se submete enquanto se desenvolve é o que vai intervir na

formação dessa índole pervertida.

Não faz sentido traçar tantas discussões acerca da condição psicológica do menor em

entender o caráter ilícito de seus atos. Na verdade, há de ser revista a condição social e

psicológica de vida desse menor. Adotando-se esse critério tão somente etário, falho e

subjetivo seria caminhar para o erro.

Para Fernanda Carolina de Araújo, na obra Criminologia e os Problemas da Atualidade:

“Apesar do discernimento dos jovens, são estes ainda vulneráveis às pressões do meio, não

33

NUNES, Francisco Clávio Saraiva. Idade da Responsabilidade Penal. Belo Horizonte, Editora Del Rey, 2003. Página 34 34 JESUS, Mauricio Neves de. Adolescentes em Conflito com a Lei – Prevenção e proteção integral.

Campinas, Servanda, 2006. Página 128 35 JESUS, Mauricio Neves de. Adolescentes em Conflito com a Lei – Prevenção e proteção integral.

Campinas, Servanda, 2006. Página 131

14

agindo muitas vezes de acordo com o que considera adequado, devido aos seus conflitos

internos e necessidade de afirmação perante o grupo.”36

O crime organizado atua justamente nas brechas deixadas pelo Estado aliciando os

menores que supostamente receberão penas mais brandas e carregam consigo anseios por

aceitação no meio em que vive, como evidencia Carlos Eduardo Barreiros Rabelo:37

Essa captura não se dá como reação a um mundo de injustiças e degradações morais,

nem como alternativa ao estreitamento de oportunidades oferecidas pelo mercado

formal de trabalho, mas sim por meio de atrativos ofertados pela sociedade de

consumo e pelas possibilidades de afirmação de uma identidade associada à honra e

à virilidade, modos concretos de inserção e de localização sociais em uma era

caracterizada pelo cerceamento das opções de escolhas pessoais.

Desta forma, resta claro que, em sua maioria, os jovens que entram no submundo da

delinquência o fazem por se deixar deslumbrar pelas oportunidades de vida fácil e aceitação

perante a um grupo. No entanto, isso diversas vezes, não quer dizer que ele não tenha

discernimento acerca dos atos que pratica, o que acontece é que esse discernimento é

facilmente desvirtuado pelas condições impostas.

É indiscutível que o discernimento é um critério que altera de acordo com a circunstância

de vida a que se está submetido. A consciência de jovens de classes sociais, famílias e

realidades diferentes certamente não é a mesma, neste sentido, ainda acerca das lições de

Fernanda Carolina de Araújo, na obra Criminologia e os Problemas da Atualidade, nota-se:38

Fato é que, ao contrário do que se vincula, especialmente na mídia, a capacidade de

se entender a ilicitude da conduta, ou seja, o discernimento acerca do certo e errado,

não é determinante para fixação da maioridade penal. Também porque, o

desenvolvimento da consciência do ilícito é pessoal, não podendo ser mensurado de

maneira genérica para todos os indivíduos, através de mera estipulação etária.

Para Mário Luiz Ramidoff:39

As proposições legislativas que objetivam a redução da idade de maioridade penal se

constituem num retrocesso político-ideológico aos direitos fundamentais afetos à

infância e à juventude. A idade de maioridade penal é fruto dos avanços civilizatórios e humanitários democraticamente alcançados. Entretanto, relaciona-se

também com a noção de maturidade mental que não se confunde com o simples

discernimento pessoal. Maturidade mental é decorrência da internalização de valores

que servirão para solução das situações cotidianas a que se submeteram crianças e

adolescentes ao longo de toda vida. Maturidade é significativamente auto controle

dos instintos e das pulsões.

36

ARAÚJO, Fernanda Carolina de. Criminologia e os Problemas da Atualidade. São Paulo, Editora Atlas S.A., 2008. Página 41 37 REBELO, Carlos Eduardo Barreiros. Maioridade Penal e a Polêmica Acerca de sua Redução. 1ª ed. Belo

Horizonte, Ius Editora, 2010. Páginas 50 e 51 38 ARAÚJO, Fernanda Carolina de. Criminologia e os Problemas da Atualidade. São Paulo, Editora Atlas

S.A., 2008. Página 41 39 RAMIDOFF, Mario Luiz. Lições de Direito da Criança e do adolescente – Ato Infracional e Medidas

Socioeducativas. 2ª edição, Curitiba, Juruá Editora, 2008. Página 169

15

Os pensadores que defendem a redução da maioridade penal, em sua grande maioria,

sustentam suas ideias no argumento de que um jovem de 16 anos que já pode votar para

decidir o futuro do país também possui consciência plena de seus atos e, por isso deveriam

responder penalmente por eles. Entretanto, conforme depreende-se das sábias palavras de

Carlos Eduardo Barreiros Rebelo:40

(…)os representantes das mais variadas correntes de pensamento que defendem a

redução da maioridade penal carecem de comprovação técnica em seus argumentos,

posto que são influenciados pela mídia, que se preocupa tão-somente em

incrementar suas vendas e dão ênfase aos casos isolados de crimes cometidos por

jovens.

Acreditar que o tratamento diferenciado deferido às crianças e aos adolescentes é uma

forma de se manter impune quem comete crimes é um ledo engano. Mário Luiz Ramidoff,

nos ensina que:41

A responsabilização diferenciada é, antes de tudo, um compromisso com a formação

educacional da criança e do adolescente, cuja condição pedagógica elementar é

indispensável para a construção de projetos de vida responsáveis. O exercício da

cidadania infanto-juvenil, assim, depende muito mais do respeito de todos e não

simplesmente de maior punição (castigo).

É notório que não se atingirá os objetivos pretendidos tão somente punindo com mais

excessividade ao menor que infringe a lei, vez que isso apenas elevará os números de um

sistema carcerário já abarrotado, falido e ineficaz que, certamente não é o local mais

apropriado para a inclusão de um jovem em sua condição de desenvolvimento.

Mauricio Neves de Jesus ensina que:42

Não há motivo plausível para a mudança da idade penal. Se o que se deseja é uma punição mais severa do que as medidas sócio-educativas, não é necessário procurá-

la nas proposições de emenda constitucional e nos projetos de lei. Basta olhar para o

interior das emblemáticas unidades da Febem de São Paulo. Lá, junto aos

adolescentes confinados, está a cultura do cárcere e a sanha de vingança do

movimento de lei e de ordem. Mas a maioria das pessoas não olha para as casas de

internação (a imagem é desagradável), e quem olha não vê. Só a cegueira explica:

pede-se a redução da idade penal que já foi reduzida na prática. Porém, se o que se

deseja é uma nova proposta de tratamento à delinquência infanto-juvenil em forma

de resposta estatal aos atos-infracionais, ela já está pronta. Chama-se rol de medidas

sócio-educativas e está no Estatuto da Criança e do Adolescente, a espera (de mais

de uma década) de implementação.

40 REBELO, Carlos Eduardo Barreiros. Maioridade Penal e a Polêmica Acerca de sua Redução. 1ª ed. Belo

Horizonte, Ius Editora, 2010. Página 51. 41 RAMIDOFF, Mario Luiz. Lições de Direito da Criança e do adolescente – Ato Infracional e Medidas

Socioeducativas. 2ª edição, Curitiba, Juruá Editora, 2008. Página 170 42 JESUS, Mauricio Neves de. Adolescentes em Conflito com a Lei – Prevenção e proteção integral.

Campinas, Servanda, 2006. Página 131

16

Retirar do convívio social a pessoa que comete um crime, tende a ser uma das últimas

formas de punição, somente devendo ser aplicada no caso de fracasso de demais tentativas de

ressocialização.43 (Mônica Rodrigues Cuneo, Página 74)

Embora seja controvertido o tema ora versado, é opinião unânime entre os

criminólogos e penalistas que nosso sistema penitenciário está falido, sendo

incansável a busca por alternativas para reduzir a aplicação da pena privativa de

liberdade, substituindo-a por outras medidas que possam representar uma eficaz

resposta penal para aquele que delinquiu, sem, contudo, remetê-lo ao cárcere,

conforme preconiza o chamado “Direto Penal Mínimo”, através do qual a privação

da liberdade só ocorre quando todos os outros mecanismos de controle social

falirem.

As propostas de emendas a constituição e demais projetos de lei sobre esse assunto

somente ganham tamanha repercussão social por se fundamentar no medo e sensação de

insegurança instalados na sociedade, que se vê sem alternativa diante a tantos delitos

cometidos e não sabe mais o que fazer para se proteger de tamanha violência e criminalidade.

O que se procura com essas propostas é, na realidade, culpar apenas o lado mais fraco da

relação, transmitindo ao povo a falsa percepção de estar sendo protegido pelo Estado.

Tulio Kahn, traz na obra A razão da idade: Mitos e Verdades, dados importantes a serem

ponderados acerca da legislação nacional, em detrimento do aplicado em outros países.44

Enquanto nos Estados Unidos e Inglaterra a juventude tem asseguradas condições

mínimas de saúde, alimentação e educação, os demais países – como o Brasil – isso

está longe de acontecer. Nos países desenvolvidos pode fazer algum sentido

argumentar que a sociedade deu aos jovens o mínimo necessário e, com base nesse

pressuposto, responsabilizar individualmente os que transgridem a lei. Por outro

lado, na Nicarágua, Índia ou no Brasil esse pressuposto é totalmente falso: em todo o

país apenas 3,96% dos adolescentes que cumprem medida socioeducativa

concluíram o ensino fundamental. É imoral querer equiparar a legislação penal

juvenil brasileira à inglesa ou norte-americana – esquecendo-se da qualidade de vida

que os jovens desfrutam naqueles países. Que o Estado assegure primeiro as mesmas

condições e depois, quiçá, terá alguma moral para falar em responsabilidade individual e alterar a lei.

Assim sendo, resta irrefutável que seria ilógico tentar aplicar no Brasil um modelo penal

de países com realidades sociais tão diferentes. A criminalidade é o reflexo do fracasso estatal

em sua função básica de prestador de educação, saúde e segurança, dentre outros serviços

básicos.

Reduzir a idade a partir da qual o agente é considerado penalmente imputável somente

fará com que crianças ainda mais novas sejam alcançadas pelo crime organizado. Ao adotar o

43 Cuneo, Mônica Rodrigues. Idade da Responsabilidade Penal. Belo Horizonte, Editora Del Rey, 2003.

Página 74 44 KAHN, Tulio. A Razão da Idade: Mitos e Verdades – 1ª edição, Brasília/DF, Ministério da Justiça/

Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, 2001. Página 200.

17

critério de 16 anos para punibilidade penal, os criminosos passarão a aliciar os de 14, ao se

fixar a idade em 14 anos, passarão a ser recrutados os de 12, e assim por diante.

A ideia de que a redução da idade penal serviria como forma de desentimidar os agentes e

reduzir a criminalidade não corresponde com a realidade brasileira, pois o cárcere já se

mostrou meio insuficiente para controlar as práticas delituosas entre os adultos. Haja vista que

os índices de reincidência são bem maiores no sistema carcerário do que nas instituições

juvenis. Diferentemente do que se espera, a inclusão precoce em estabelecimento prisional

somente fará com que a criminalidade aumente ainda mais ao expor pessoas com intelecto

não desenvolvido em sua plenitude à mercê de verdadeiros mestres do crime.

Considerações Finais

Diante do exposto, ficou evidenciado que o problema da delinquência juvenil está muito

além da pena aplicada aos que transgridem com a lei. A redução da maioridade penal serviria

somente para sociedade acreditar que os legisladores estão buscando uma solução para o

problema, quando esta solução está muito além do alcance legislativo.

A criminalidade é um mal da sociedade e deve ser tratada pelos meios apropriados,

oferecendo meios de inserção social e profissional àqueles que somente conhecem o crime

como meio de se conseguir êxito na vida, ainda que esse êxito seja passageiro e proveniente

de forma ilícita.

O crescimento do investimento social traria muito mais resultados positivos do que

qualquer punição legal que possa vir a ser imposta. Há pessoas que crescem acreditando que

somente de forma ilícita é possível conseguir bens e uma vida financeira estável, vez que as

mesmas só conhecem a pobreza e a miséria que o cercam.

De nada adianta normas rígidas, em um país de ações sociais fracas. Nada será

solucionado enquanto não for ofertado outro meio de sobrevivência digna. O problema da

criminalidade somente pode estar perto de ser ajustado quando for compreendido em toda sua

complexidade e buscar corrigí-lo desde a sua raiz, que está muito além da punibilidade do

agente.

18

Referências

ARAÚJO, Fernanda Carolina de. Criminologia e os Problemas da Atualidade. São Paulo,

Editora Atlas S.A., 2008

BRASIL, República Federativa do. Código Penal. Vade Mecum Saraiva. Obra coletiva de

autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo, Márcia Cristina

Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 63 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2013, (Legislação

Brasileira).

BRASIL, República Federativa do. Constituição da República Federativa do Brasil de

1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/html/legislacao> Acessado em:

08/06/2016

BRASIL,DECRETO-LEI Nº 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940. Código Penal

Brasileiro. Legislação Brasileira. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm Acessado em:

03/06/2016.

BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Novo Código Civil Brasileiro. Legislacão

Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm.>

Acessado em: 09/06/2016.

BRASIL. LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990. Estatuto da Criança e do

Adolescente. Legislação Brasileira. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm.> Acessado em 09/06/2016.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 108. A aplicação de medidas socio-

educativas ao adolescente, pela pratica de ato infracional, e da competência exclusiva do juiz.

Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/SearchBRS?b=SUMU&livre=@docn=%22000000108%22.>

Acessado em: 08/06/2016

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. 12 ed. São Paulo, Saraiva, 2008

DEL-CAMPO, Eduardo Roberto Alcântara e OLIVEIRA, Thales Cezar de. Estatuto da

Criança e do Adolescente. 5 ed. São Paulo, Atlas S.A. 2009

DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 12 ed. São Paulo, Saraiva, 2006

FAZZI, Rita de Cássia et al. Estatuto da Criança e do adolescente: Conquistas e Desafios.

Belo Horizonte: PUCMINAS, 2005.

FERREIRA, A. B. H. Aurélio século XXI: o dicionário da Língua Portuguesa. 3. ed.

Revista e Atualizada. Curitiba: Positivo, 2004.

JESUS, Mauricio Neves de. Adolescentes em Conflito com a Lei – Prevenção e proteção

integral. Campinas, Servanda, 2006

19

JUNIOR, Nelson Nery e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Anotado e Legislação

Extravagante. 2 ed. São Paulo, RT, 2004

JUNIOR, Nelson Nery e NERY, Rosa Maria de Andrade. Leis Civis Comentadas. 3 ed. São

Paulo, RT, 2012

JUNIOR, Paulo José da Costa. Direito Penal – Curso Completo. 8 edição, Editora Saraiva,

2000

KAHN, Tulio. A Razão da Idade: Mitos e Verdades – 1ª edição, Brasília/DF, Ministério da

Justiça/ Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, 2001

LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao estatuto da criança e do Adolescente. 10 ed.

São Paulo, Malheiros Editores, 2008

MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade. Curso de Direito da Criança e do

Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. 4 ed. Rio de Janeiro, Lumen juris, 2010

MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado: parte geral. 6. ed. atual e ampl. Rio de

Janeiro: Forense; São Paulo: Método. 2012. Disponível em:

<https://oestudododireito.files.wordpress.com/2014/08/cleber-masson-direito-penal-volume-

1-parte-geral-esquematizado-4c2ba-edic3a7c3a3o-ano-2011.pdf> Acessado em 03/06/2016

MINAHIM, Maria Auxiliadora. Direito Penal da Emoção. São Paulo, RT, 1992

MIRABETE, Julio Fabbrini e FABBRINI, N. Renato. Manual de Direito Penal: Parte Geral.

24 ed. São Paulo, Editora Atlas S.A. 2008

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 19 ed. São Paulo,

Editora Atlas S.A. 2003

NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal Comentado. 7 ed. São Paulo, RT, 2007

NUNES, Francisco Clávio Saraiva. Idade da Responsabilidade Penal. Belo Horizonte,

Editora Del Rey, 2003

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. 3 ed. São Paulo, RT,

2002

PRAZERES, José de Ribamar Sanches. O Direito Penal Simbólico Brasileiro. Disponível

em: <http://www.sedep.com.br/artigos/o-direito-penal-simbolico-brasileiro/> Acessado em

03/06/2016.

RABELO, Carlos Eduardo Barreiros. Maioridade Penal e a Polêmica Acerca de sua

Redução. 1ª ed. Belo Horizonte, Ius Editora, 2010

RAMIDOFF, Mario Luiz. Lições de Direito da Criança e do adolescente – Ato Infracional e

Medidas Socioeducativas. 2ª edição, Curitiba, Juruá Editora, 2008

20

ROESLER, Marli Renate von Borstel e BIDARRA, Zelimar Soares. Socioeducação:

Reflexões para a construção de um projeto coletivo de formação cidadã. Cascavel:

EDUNIOSTE, 2011

ROXIN, Claus. DerechoProcesal Penal.25 edição,BuenosAires,DelPuerto,ano 2000.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Parte Geral. 14 ed. São Paulo, Editora Atlas S.A.

2014

ZAFFARONI, Eugenio Raúl e PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal

Brasileiro: Parte Geral. 4ª ed. rev. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais. 2002. Página 86