the reduction of majority criminal x criminal law...
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A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL X DIREITO PENAL SIMBÓLICO
THE REDUCTION OF MAJORITY CRIMINAL X CRIMINAL LAW SYMBOLIC
Ielma Cardoso Alves Aluna do Curso de Direito
Kenia Carina Jorge Sobrinho A. Nogueira Professora Orientadora do Curso de Direito da Faculdade Icesp Promove
Resumo: Em meio aos inúmeros acontecimentos de violência envolvendo menores de dezoito
anos como autores de “crimes”, a mídia e a sociedade sentem, de forma totalmente
compreensível, grande repulsa e revolta. Como resultado, procuram medidas imediatas e
práticas contra a violência que garantem a falsa sensação de segurança. Em resposta a esse
anseio, nosso Poder Legislativo traz projeto de emenda constitucional buscando reduzir a
maioridade penal como se essa fosse a solução para a diminuição da violência exercida por
menores. A essência do trabalho é abordar esses questionamentos da população, influenciados
pela mídia e demonstrar que o caminho adotado pelo Legislativo está equivocado.
Palavras-chaves: Menor; Maioridade; Penal; Redução.
Abstract: Among the numerous events of violence involving persons below eighteen years
as perpetrators of "crimes", the media and society feel, quite understandably, great disgust and
revolt. As a result, seek immediate measures and practices against violence that guarantee the
false sense of security. In response to this demand, our Legislature brings constitutional
amendment seeking to reduce the legal age as if this were the solution to the reduction of
violence by minors. The essence of the work is to address these people's questions, influenced
by the media and demonstrate that the approach adopted by the legislature is wrong .
Keywords: Criminal Law, Reducing the Criminal Age.
Sumário: Introdução.1. Conceito de Direito Penal Simbólico. 2. Critérios adotados pelo
direito penal para estabelecer a menoridade penal 3. A punibilidade nos moldes do ECA.
4.Menoridade civil X Menoridade penal. 5. A ineficácia da redução da maioridade penal
como meio de reduzir a criminalidade.
Introdução
Face ao crescente aumento da criminalidade juvenil que se estabelece no Brasil,
recentemente tem sido levado à apreciação do poder legislativo projetos de lei que buscam
pura e simplesmente mais rigor nas penas aplicadas aos menores que cometam atos
atentatórios ao Código Penal Brasileiro1.
1 BRASIL,DECRETO-LEI Nº 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940. Código Penal Brasileiro. Legislação Brasileira.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm Acessado em: 03/06/2016.
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No entanto, esses projetos de lei são de cunho meramente simbólico, ou seja, busca
somente oferecer para a sociedade uma solução, que pode até parecer que surtirá efeitos
satisfatórios mas, na verdade, nem de longe reduzirá a criminalidade, até porque, na nossa
Magna Carta há previsão de punição específica a ser aplicada ao menor infrator, nos moldes
do Estatuto da Criança e do Adolescente2, de modo que os menores são punidos por seus atos,
ainda que não sejam penalmente imputáveis.
O problema da criminalidade em nada tem a ver com a idade a partir da qual o agente é
penalmente imputável. Diversos outros fatores abrangem essa problemática, como o
psicológico, sociológico, o meio em que vive o menor, as condições de vida a que está
submetido, dentre outros.
Não há razoabilidade na associação de imputabilidade com impunidade. O fato do menor
não ser punido como uma pessoa plenamente capaz do ponto de vista legal não significa dizer
que seus atos não sejam puníveis. O Estatuto da criança e do Adolescente traz em seu bojo as
medidas sócio educativas a serem aplicadas aos menores que cometem ato infracional. Aos
menores é garantido um meio próprio de punição, tendo em vista o estado de
desenvolvimento pelo qual eles estão passando, não tendo ainda seu caráter e personalidade
inteiramente formados. Desta maneira, é de grande importância que se busque ao máximo
privá-los do contato com outros criminosos potencialmente mais perigosos, não o expondo a
aliciação de dentro dos presídios.
É indiscutível que o sistema prisional brasileiro não consegue cumprir a principal função
social da pena, qual seja, a ressocialização. Introduzir um jovem, de formação incompleta e
com caráter parcialmente pervertido somente o fará ser pior com o decorrer dos anos.
1. Conceito de direito penal simbólico
O Direito é um ramo das ciências sociais que estuda as normas obrigatórias que controlam
as relações dos indivíduos em uma sociedade, determinando os limites de cada um em sua
faculdade de fazer ou deixar de fazer algo.
2 BRASIL. LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Legislação
Brasileira. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm> Acessado em 09/06/2016.
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Para JUNIOR, Paulo José da Costa, “O Direito é antes de mais nada, um ordenamento de
limitações, determinando a cada cidadão você pode ir até aqui, não além”. (2000, página
03)3
Para Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli (1999,página 15), o Direito Penal
é:4
O conjunto de leis que traduzem normas que pretendem tutelar bens jurídicos, e que
determinam o alcance de sua tutela, cuja violação se chama “delito”, e aspira a que tenha como consequência uma coerção jurídica particularmente grave, que procura
evitar o cometimento de novos delitos por parte do autor.
Desta forma, o direito pode ser compreendido como o conjunto de normas que o Estado se
utiliza para prevenir e reprimir os acontecimentos que vão de encontro à segurança pública e à
ordem social, conceituando as infrações, determinando e fixando as responsabilidades, bem
como instituíndo as sanções punitivas correspondentes.
Por outro lado, o símbolo significa uma figura ou imagem que representa à vista o que é
puramente abstrato. Noutro dizer, o símbolo pode ser considerado um objeto, uma ideia, uma
emoção ou um ato sendo, assim, utilizado para a representação de outro objeto, outra ideia,
outra emoção ou outro ato. Traçando um conceito literal, símbolo é “ Aquilo que, por sua
forma ou por sua natureza, evoca, representa ou substitui, num determinado conceito, algo
abstrato ou ausente”. (Dicionário Aurélio, 2004)5
Sobre o assunto ROXIN6diz:
Assim, portanto, haverá de ser entendida a expressão "direito penal simbólico",
como sendo o conjunto de normas penais elaboradas no clamor da opinião pública,
suscitadas geralmente na ocorrência de crimes violentos ou não, envolvendo pessoas
famosas no Brasil, com grande repercussão na mídia, dada a atenção para casos
determinados, específicos e escolhidos sob o critério exclusivo dos operadores da
comunicação, objetivando escamotear as causas históricas, sociais e políticas da
criminalidade, apresentando como única resposta para a segurança da sociedade a criação de novos e mais rigorosos comandos normativos penais.
Nesse contexto, segundo Cleber Masson, o Direito Penal Simbólico7 diz respeito a uma
política criminal, que vai além da aplicação do direito penal do inimigo, e sim, as próprias
3 JUNIOR, Paulo José da Costa. Direito Penal _ Curso Completo.8 edição, Editora Saraiva, 2000, página 03.
4 ZAFFARONI, Eugenio Raúl e PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte
Geral. 4ª ed.rev. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais.2002. Página 86. 5 FERREIRA, A. B. H. Aurélio século XXI: o dicionário da Língua Portuguesa. 3. ed. Revista e Atualizada.
Curitiba: Positivo, 2004. 6ROXIN, Claus.DerechoProcesal Penal.25 edição,BuenosAires,DelPuerto,ano 2000.
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consequências do efeito externo que a aplicação da lei não produz. Manifesta-se, desse modo,
com o direito penal do terror, pelo qual se verifica uma inflação legislativa, que cria figuras
penais desnecessárias ou, então, o aumento desproporcional e injustificado das penas para os
casos determinados.
Ainda à luz dos ensinamentos do doutrinador Cleber Masson, tem-se que “a função
simbólica é inerente a todas as leis, não dizendo respeito somente às de cunho penal.”8 São
leis que não produzem efeitos externos, mas apenas na mente dos governantes e da população,
dando a estes a sensação de estar zelando pelo bem-estar social e àqueles a falsa percepção de
segurança. Assim, portanto, haverá de ser entendida a expressão “direito penal simbólico”,
como sendo o conjunto de normas penais elaboradas no clamor da opinião pública, suscitadas
geralmente na ocorrência de crimes violentos ou não, envolvendo pessoas famosas no Brasil,
com grande repercussão na mídia, dada a atenção para casos determinados, específicos e
escolhidos sob o critério exclusivo dos operadores da comunicação, objetivando escamotear
as causas históricas, sociais e políticas da criminalidade, apresentando como única resposta
para a segurança da sociedade a criação de novos e mais rigorosos comandos normativos
penais.9
2. Critérios adotados pelo direito penal para estabelecer a menoridade
penal
Inicialmente, se faz necessário mostrar a diferença existente entre culpabilidade e
imputabilidade.
Nos ensinamentos de Mirabete (2008, página 209), tem-se que “a culpabilidade é um
juízo de reprovação e que somente pode ser responsabilizado o sujeito quando poderia ter
agido em conformidade com a norma penal.”10
7 MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado: parte geral. 6. ed. atualizada e ampliada Rio de Janeiro:
Forense; São Paulo: Método. 2012. Página 11. Disponível em:
<https://oestudododireito.files.wordpress.com/2014/08/cleber-masson-direito-penal-volume-1-parte-geral-
esquematizado-4c2ba-edic3a7c3a3o-ano-2011.pdf> Acessado em: 03/06/2016 8 Ibid.
9 PRAZERES, José de Ribamar Sanches. O Direito Penal Simbólico Brasileiro. Disponível em:
<http://www.sedep.com.br/artigos/o-direito-penal-simbolico-brasileiro/> Acessado em: 03/06/2016 10 MIRABETE, Julio Fabbrini e FABBRINI, N. Renato. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 19 ed. São
Paulo, Editora Atlas S.A. 2003. Página 209.
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Já a imputabilidade, por sua vez, é a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de
determinar-se de acordo com esse entendimento.11
O agente deve ter condições físicas,
psicológicas, morais e mentais de saber que está realizando um ilícito penal. Ainda assim,
também é necessário que o agente disponha totais condições de controle sobre sua vontade.
Ou seja, imputável não é apenas aquele que tem capacidade de compreensão sobre o
significado de sua conduta, mas também de comando da própria vontade, de acordo com esse
entendimento. Um exemplo que demonstra o que foi citado acima é o do dependente de
drogas. Esse cidadão tem plena capacidade para entender o caráter ilícito do furto que pratica,
mas não consegue controlar o invencível impulso de continuar a consumir entorpecentes,
tornando-se escravo de suas vontades.
Por conseguinte, pode-se entender que a imputabilidade refere-se à capacidade de
entender a reprovabilidade do ato praticado, associado à faculdade de controlar e comandar a
própria vontade. Também não se pode confundir imputabilidade com capacidade. Segundo
Capez, “a capacidade é gênero, do qual a imputabilidade e espécie.”12 A capacidade é um
conceito muito mais amplo que abrange não somente a possibilidade de entendimento e
vontade, mas também a aptidão para praticar atos na esfera processual.
Semelhantemente se faz de grande relevância diferenciar os institutos de dolo e
imputabilidade, sendo que este é a vontade de se praticar um ato e aquele a capacidade de
compreender essa vontade.
O Código Penal Brasileiro exclui os casos onde o agente não será penalmente imputável
por seus atos, determinando que os acometidos por doença mental e os menores de dezoito
anos não possuem capacidade de entendimento acerca dos atos praticados. Vejamos:13
Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento
mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente
incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Art. 27 - Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando
sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.
11 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. 12 ed. São Paulo, Saraiva, 2008. Página 307. 12 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. 12 ed. São Paulo, Saraiva, 2008. Página 308. 13 BRASIL, República Federativa do. Código Penal. Vade Mecum Saraiva. Obra coletiva de autoria da Editora
Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia
Céspedes. 63 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2013, (Legislação Brasileira).
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Igualmente na Constituição Federal, em seu artigo 228, o legislador preocupou-se em
tratar sobre o tema: “Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos,
sujeitos às normas da legislação especial.”14
Como visto, o agente para ter condições pessoais de compreender o que fez, necessita de
dois elementos: higidez biopsíquica (saúde mental associada à capacidade de apreciar a
criminalidade do ato) e maturidade (desenvolvimento físico mental que permite ao ser
humano estabelecer relações sociais bem adaptadas)
Conforme a obra de Guilherme de Souza Nucci, “no Brasil, ao invés de se permitir a
verificação da maturidade caso a caso, optou-se pelo critério cronológico, ou seja, ter mais
de 18 anos.”15
Há diversos sistemas ou critérios nas legislações para determinar quais os que, por serem
inimputáveis, estão isentos de pena pela ausência de culpabilidade.
Mirabete destaca os sistemas que podem ser utilizados em sua obra Manual de Direito
penal:16
O primeiro é o sistema biológico (ou etiológico), segundo o qual aquele que
apresenta uma anomalia psíquica é sempre inimputável, não se indagando se essa
anomalia causou qualquer perturbação que retirou do agente a inteligência e a
vontade do momento do fato.
O citado sistema, ainda pelo entendimento do doutrinador, resta evidentemente falho, vez
que deixa impune aquele que tem entendimento e capacidade de determinação, mesmo sendo
portador de qualquer espécie de doença mental.
O segundo sistema é o psicológico, em que se verificam apenas as condições psíquicas do
autor na data do fato, afastada qualquer preocupação a respeito da existência de doença
mental ou distúrbio psíquico patológico. Nesse sistema, o juiz torna-se capaz de decidir
acerca da imputabilidade com enorme arbítrio.17
Há também hipótese na qual o sistema
aplicado é o biopsicológico, ou misto. Tal sistema é entendido por Luis Regis Prado como
sendo o que “atende tanto às bases biológicas, que produzem a inimputabilidade, quanto ás
14 BRASIL, República Federativa do. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/html/legislacao. Acessado em: 08/06/2016 15 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal Comentado. 7 ed. São Paulo, RT, 2007. Página 259. 16 MIRABETE, Julio Fabbrini e FABBRINI, N. Renato. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 19 ed. São
Paulo, Editora Atlas S.A. 2003. Página 210. 17 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal Comentado. 7 ed. São Paulo, RT, 2007. Página 260.
7
suas consequências na vida psicológica ou anímica do agente”.18 O referido sistema têm
ligação com os requisitos exigidos nos sistemas anteriores, sendo necessário que haja de um
lado a presença de anomalia mental, associada à completa incapacidade de entendimento. Este
é o sistema atualmente vigente na maioria das legislações penais.
Todavia, por disposição expressa do artigo 27 do Código Penal, “os menores de dezoito
anos são penalmente inimputáveis”. Ao estabelecer dessa maneira, o legislador empregou tão
somente o critério biológico (idade do agente na época do fato), não acatando o
desenvolvimento mental do menor, que não está sujeito à aplicação de sanção penal, mesmo
que seja plenamente capaz de entender o caráter ilícito do fato.
3. A punibilidade nos moldes do ECA
Confome visto antes, o menor de dezoito anos é penalmente inimputável no sistema
legislativo pátrio. Entretanto, não há que se confundir inimputabilidade com impunidade. O
menor que pratica qualquer tipo de ato infracional responde por seus atos, nos padrões da
legislação especial, o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Seria ignorar a verdade e tapar os olhos à realidade não admitir que os menores
freqüentemente se voltam à vida do crime.
Segundo os ensinamentos de Wilson Donizeti Liberati:19
O ato infracional é a conduta descrita como crime ou contravenção penal. Na
verdade, não há diferença entre os conceitos de ato infracional e crime, pois, de
qualquer forma, ambos são condutas contrárias ao Direito, situando-se na categoria
de ato ilícito.
O ato infracional é o ato condenável, de desobediência às leis, à ordem pública, aos
direitos dos cidadãos ou ao patrimônio, praticado por crianças ou adolescentes. Só existe ato
infracional se aquela conduta corresponder a uma hipótese legal que determine sanções ao seu
autor. No caso de ato infracional cometido por criança (pessoa até 12 anos), aplicam-se as
medidas de proteção. Condição na qual, o órgão responsável pelo acolhimento é o Conselho
Tutelar. Já o ato infracional cometido por adolescente, por sua vez, deve ser apurado pela
Delegacia da Criança e do Adolescente a quem incumbe encaminhar o caso ao Promotor de
18 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. 3 ed. São Paulo, RT, 2002. Página
350. 19 LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao estatuto da criança e do Adolescente. 10 ed. São Paulo,
Malheiros Editores, 2008. Página 88
8
Justiça que poderá aplicar uma das medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança
e do Adolescente.20
O Estatuto da Criança e do Adolescente versa do ato infracional, conceitualizando-o em
seu artigo 103, in verbis: “Art. 103. Considera-se ato infracional a conduta descrita como
crime ou contravenção penal”.21
Deste modo, considera-se ato infracional todo fato típico, descrito como crime ou
contravenção penal cometido por alguém menor de 18 anos.
Para Fazzi et al. (2005, página 28):22
É necessário esclarecer que a idade de 18 (dezoito) anos para imputabilidade penal,
adotada em 80% dos países do planeta, não foi estabelecida de forma aleatória.
Existem estudos científicos que demonstram que até os 18 anos a personalidade do
ser humano, bem como sua capacidade psíquica, ainda, não está completamente formada.
O cometimento do ato infracional, apesar de ter um caráter criminoso na ação, não é tida
como fato penalmente punível como crime, de modo que a imputabilidade penal se inicia
somente aos 18 anos. Desta maneira, as medidas usadas como meio de coação não são
punições em si, mas sim medidas que buscam a reintegração da criança e/ou adolescente na
sociedade. Não há que se falar em aplicação de penas, mas tão somente em medidas
socioeducativas.
O Estatuto da Criança e do Adolescente presume, em seu artigo 104, que o menor de 18
anos (dezoito) anos é inimputável, entretanto capaz, de cometer ato infracional, passíveis
então de aplicação de medidas socioeducativas quais sejam: advertência; obrigação de reparar
o dano; prestação de serviços a comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de
semiliberdade; internação em estabelecimento educacional e, por fim, qualquer uma das
previstas no artigo 101, I a VI, conforme o art. 105 do ECA.
O artigo 112 do Estatuto estabelece as medidas socioeducativas pertinentes, a prática de
ato infracional, vejamos23
:
“Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente
as seguintes medidas:
20 DEL-CAMPO, Eduardo Roberto Alcântara e OLIVEIRA, Thales Cezar de. Estatuto da Criança e do
Adolescente. 5 ed. São Paulo, Atlas S.A. 2009. Página 152 21 BRASIL. LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Legislação
Brasileira. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm> Acessado em 09/06/2016. 22 FAZZI, Rita de Cássia et al. Estatuto da Criança e do adolescente: Conquistas e Desafios. Belo Horizonte:
PUCMINAS, 2005. Página 28 23 BRASIL. LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Legislação
Brasileira. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm> Acessado em 09/06/2016.
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I – advertência;
II – obrigação de reparar o dano;
III – prestação de serviços a comunidade;
IV – liberdade assistida;
V – inserção em regime de semi-liberdade;
VI – internação em estabelecimento educacional;
VII – qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.
§1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade em cumpri-la, as circunstâncias
e a gravidade da infração.
§2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado.
§3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.”
Marli Renate Von Borstel Roesler, em sua obra Socioeducação explica cada uma das medidas a
serem aplicadas, conforme tem-se a seguir:24
Advertência: Essa medida se caracteriza em forma de aviso e se reverte de aspectos
informativos. É aplicada aos adolescentes que cometeram atos infracionais leves
(art. 115).
Obrigação de reparar o dano: A reparação do dano se caracteriza como uma
medida coercitiva e educativa, pois leva o adolescente a reconhecer o erro e
posteriormente a repará-lo, através da restituição do bem ou da compensação da
vítima. Sendo que a responsabilidade em reparar o dano é de inteira
responsabilidade do adolescente, de forma intransferível (art. 116)
Prestação de serviços à comunidade: A prestação de serviço se caracteriza pelo
envolvimento do adolescente em serviços junto à comunidade, dessa forma se
reverte pelo aspecto participativo e educativo, envolvendo a família, a comunidade e
o adolescente, onde é oportunizada ao adolescente a esperança da vida comunitária
(art. 117).
Liberdade assistida: De acordo com o artigo 118, trata-se de uma medida judicial
de cumprimento obrigatório, no entanto é importante que o adolescente a realize
com o maior grau de voluntariedade possível, tendo como objetivo evitar que
retorne ao Sistema de Justiça e também que seja apoiado na construção de um
projeto de vida, considerando-o como sujeito livre e em desenvolvimento, que
requer orientação no exercício de sua liberdade, para que possa se desenvolver na
sua plenitude. Essa medida também apresenta aspectos coercitivos, uma vez que o adolescente tem sua liberdade restringida, ou seja, liberdade posta sob condições ao
lhe serem impostos, para fins socioeducativos, padrões de comportamento e
acompanhamento de sua vida sociofamiliar, assegurando a reorientação ao
adolescente, prevenindo a reincidência, buscando a superação em atos infracionais.
Semiliberdade: É uma medida operacionalizada em meio fechado, privativa parcial
de liberdade, que pode ser determinada pela autoridade competente desde o início da
assistência ao adolescente, ou como medida de transição para o meio aberto, sendo
possibilitada a realização de atividades externas, independentemente de autorização
judicial (art.120).
Internação: Constitui uma medida privativa de liberdade, sujeita aos princípios de
brevidade, de excepcionalidade e de respeito à condição de pessoa em desenvolvimento. Segundo o artigo 121 do ECA e que permite, segundo os
parágrafos desse artigo: (i) a realização de atividades externas (§1º), (ii) mas não
comportando prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, no
máximo, a cada seis meses (§2º), (iii) não podendo exceder a três anos (§3º) e (iv) se
extingue compulsoriamente para o adolescente no momento em que completar 21
anos de idade (§5º).
24 ROESLER, Marli Renate Von Borstel e BIDARRA, Zelimar Soares. Socioeducação: Reflexões para a
construção de um projeto coletivo de formação cidadã. Cascavel: EDUNIOSTE, 2011. Páginas 365 e 366.
10
Nesse seguimento, respeitando, o princípio assegurado constitucionalmente do devido
processo legal, é corretamente aceitável a aplicação de sanções a menores de 18 anos de idade
que pratiquem ato infracional, desde que esta aplicação emane da análise de competência
exclusiva do Juiz, de acordo com a redação da Súmula 108 do STJ25, advertindo sempre que,
tais medidas, não possuem natureza de pena e sim de medida socioeducativa.
Tendo por embasamento os ensinamentos de Katia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel,
resta claro que a sanção penal não é o único meio coercitivo a ser aplicado objetivando a
redução da criminalidade. Vejamos:26
Primeiramente, vale realçar que a responsabilização na área penal não é a única apta
a cobrar de infratores a prestação de contas quanto aos seus atos. Em nosso sistema,
vários tipos de responsabilização são previstos, como, por exemplo, os decorrentes da seara administrativa, da civil e o de que ora se cuida, emergente da apuração da
prática de ato infracional por adolescente.
As medidas socioeducativas nada mais são do que a resposta estatal, aplicada pela
autoridade judiciária, ao adolescente que praticou ato infracional. Ainda que tenham aspectos
sancionatórios e coercitivos, não se trata de penas ou castigos, mas de oportunidades de
inserção em processos educativos, mesmo que de maneira obrigatória, que, caso produzam os
efeitos esperados, resultarão na construção ou reconstrução de projetos de vida desatrelados
da prática de atos infracionais e, concomitantemente, na inclusão social plena.
Assim sendo, fica demonstrado que o menor que comete ato ilícito recebe sim uma
coerção estatal. No entanto, a citada coerção não tem como objetivo seu introdução em um
sistema penitenciário, vez que não se trata da aplicação de penas, mas busca reintegrá-lo à
sociedade, dando a ele tratamento de acordo com a fase em que vive.
4. Menoridade Civil X Menoridade Penal
Em todos os ordenamentos jurídicos do mundo possuem requisitos legais que devem ser
observados para obtenção da capacidade plena do exercício de direitos. Isso porque, para a lei,
nem todas as pessoas são capazes de discernir as consequências provenientes de seus atos.
25 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 108. A aplicação de medidas socio-educativas ao
adolescente, pela pratica de ato infracional, e da competência exclusiva do juiz. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/SearchBRS?b=SUMU&livre=@docn=%22000000108%22> Acessado em:
08/06/2016. 26 MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade. Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos
Teóricos e Práticos. 4 ed. Rio de Janeiro, Lumen juris, 2010. Página 798.
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Essa limitação cognitiva se dá em decorrência da incompleta formação intelectual do
sujeito pela pouca idade, ou por qualquer outro fator que venha a comprometer o pleno
desenvolvimento psíquico.
Assim sendo, se faz de grande importância a definição da idade a partir da qual o sujeito
está preparado a ser considerado capaz nas mais variadas áreas do direito.
Pela lei civil vigente no Brasil, a menoridade termina aos 18 anos, de acordo com o artigo
5º do Código Civil: “Art. 5º: A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a
pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil.”27
Contudo, durante a vigência das Ordenações Filipinas a menoridade cessava aos 25 anos
e, aos 21 até o ano de 2003, quando foi revogado o antigo Código Civil de 1916.
Venosa explica que: “A incapacidade plena, como no estatuto anterior, perdura até os 16
anos.”28 Isso significa que, até essa idade a pessoa é inteiramente incapaz, sendo todos os atos
por ela praticados na vida civil considerados nulos, podendo essa incapacidade somente ser
preenchida pela assistência de algum responsável legalmente habilitado.
Acontece que, não obstante poderá ocorrer situações onde o menor de 18 anos estará apto
a agir em defesa dos próprios interesses. Por este motivo, antes da idade legal, o agente
poderá adquirir plena capacidade através da emancipação. 29
Para Maria Helena Diniz: 30
Ao atingir dezoito anos, a pessoa tornar-se-á maior, adquirindo a capacidade de fato,
podendo, então, exercer pessoalmente os atos da vida civil, ante a presunção de que,
pelas condições do mundo moderno e pelos avanços tecnológicos dos meios de
comunicação, já tem experiência, em razão da aquisição de uma formação cultural, responsável pela precocidade de seu desenvolvimento físico/mental e do
discernimento necessário para a efetivação de atos negociais.
Pensando nesse precoce desenvolvimento, o Código Civil se preocupou em garantir
situações onde o menor pode adquirir a plena capacidade antes de completar 18 anos.
Vejamos:31
Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:
27 BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Novo Código Civil Brasileiro. Legislacão Federal.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm.> Acessado em: 09/06/2016. 28 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Parte Geral. 14 ed. São Paulo, Editora Atlas S.A. 2014. Página
146 29 Idem Página156 30 DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 12 ed. São Paulo, Saraiva, 2006. Página 20 31 BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Novo Código Civil Brasileiro. Legislacão Federal.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm.> Acessado em: 09/06/2016
12
I - pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento
público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz,
ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos;
II - pelo casamento;
III - pelo exercício de emprego público efetivo;
IV - pela colação de grau em curso de ensino superior;
V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de
emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha
economia própria.
Ainda assim, em nada se confunde o marco da maioridade civil com a penal. Nelson Nery
ensina que: 32
A norma reduziu de vinte e um (CC/1916 9º. Caput) para dezoito anos a idade para
maioridade civil, que se equipara à maioridade penal (CP 27). Essa congruência
nada tem a ver com o benefício da atenuação da pena de que goza os agentes
menores de 21 e os maiores de 70 anos. O CC 5º trata da maioridade civil e o CP 27
da imputabilidade penal.
(...)
Os fundamentos dessas figuras jurídicas são diferentes, pois o critério do legislados
no CP 65 I foi cronológico e nada tem a ver com a maioridade em si.
Destarte a lei civil estabeleça situações onde o agente poderá exercer plenamente os atos
da vida civil antes de atingir a idade mínima exigida por meio da emancipação, na esfera
penal essa condição não subsiste. O menor que comete um ato infracional, ainda que
emancipado, será punido no padrão da legislação especial, qual seja, o Estatuto da Criança e
do Adolescente. A emancipação somente refere-se à plenitude para exercício dos atos civis,
não podendo ser confundida sua aplicação penal.
Além do que, o Código Penal, ao determinar o critério atenuante de pena para os maiores
de 18 e menores de 21 anos, não o fez pensando na maioridade em si, mas apenas em um
critério cronológico.
5. A ineficácia da redução da maioridade penal como meio de reduzir a
criminalidade
Nos dias de hoje tem-se discutido, de modo exaustivo, meios pelos quais seja possível
reduzir a criminalidade, especialmente a juvenil. A mais importante delas, de fato a única com
ampla repercussão no meio legislativo e social, é a redução da maioridade penal, objetivando
submeter os jovens a partir dos 16 anos ao controle repressivo penal.
32 JUNIOR, Nelson Nery e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Anotado e Legislação Extravagante.
2 ed. São Paulo, RT, 2004. Página 149
13
Impulsionada pela mídia sensacionalista e tendenciosa, induzida pelo medo constante e na
certeza de que essa seja a solução infalível para todo esse caos, a coletividade apoia tal
iniciativa, o que configura uma verdadeira inversão de valores.33
Para Maurício Neves de Jesus, “a delinquência juvenil é estimulada pela sensação de
impunidade gerada pela permissiva legislação específica.” E continua, dizendo: “...o
Estatuto da Criança e do Adolescente não é permissivo, ao contrário, é uma legislação
avançada e voltada à prevenção da criminalidade, e se a sua (má) aplicação gera alguma
sensação entre os adolescentes infratores que alcança, esta não é de impunidade: é de terror
e injustiça”.34
A delinquência juvenil necessita ser analisada como o efeito gerado a partir de inúmeras
razões sociais e psicológicas. Olhando sob esse ponto de vista, fica claro que a redução da
maioridade penal seria unicamente um meio de atacar as consequências, sem se preocupar
com a raiz do problema que diversas vezes está relacionado à fome, miséria, falta de estrutura
familiar, discriminação, dentre inúmeros outros fatores.
Como determina Mauricio Neves de Jesus, “é mais fácil editar leis e oferecer uma
satisfação simbólica à sociedade amedrontada do que reduzir desigualdades sociais que,
afinal é (ou deveria ser) um dos objetivos fundamentais da república Federativa do brasil.”35
Em regra, o ser humano, não nasce com o caráter criminoso enraizado em sua essência,
mas as condições de vida a que este se submete enquanto se desenvolve é o que vai intervir na
formação dessa índole pervertida.
Não faz sentido traçar tantas discussões acerca da condição psicológica do menor em
entender o caráter ilícito de seus atos. Na verdade, há de ser revista a condição social e
psicológica de vida desse menor. Adotando-se esse critério tão somente etário, falho e
subjetivo seria caminhar para o erro.
Para Fernanda Carolina de Araújo, na obra Criminologia e os Problemas da Atualidade:
“Apesar do discernimento dos jovens, são estes ainda vulneráveis às pressões do meio, não
33
NUNES, Francisco Clávio Saraiva. Idade da Responsabilidade Penal. Belo Horizonte, Editora Del Rey, 2003. Página 34 34 JESUS, Mauricio Neves de. Adolescentes em Conflito com a Lei – Prevenção e proteção integral.
Campinas, Servanda, 2006. Página 128 35 JESUS, Mauricio Neves de. Adolescentes em Conflito com a Lei – Prevenção e proteção integral.
Campinas, Servanda, 2006. Página 131
14
agindo muitas vezes de acordo com o que considera adequado, devido aos seus conflitos
internos e necessidade de afirmação perante o grupo.”36
O crime organizado atua justamente nas brechas deixadas pelo Estado aliciando os
menores que supostamente receberão penas mais brandas e carregam consigo anseios por
aceitação no meio em que vive, como evidencia Carlos Eduardo Barreiros Rabelo:37
Essa captura não se dá como reação a um mundo de injustiças e degradações morais,
nem como alternativa ao estreitamento de oportunidades oferecidas pelo mercado
formal de trabalho, mas sim por meio de atrativos ofertados pela sociedade de
consumo e pelas possibilidades de afirmação de uma identidade associada à honra e
à virilidade, modos concretos de inserção e de localização sociais em uma era
caracterizada pelo cerceamento das opções de escolhas pessoais.
Desta forma, resta claro que, em sua maioria, os jovens que entram no submundo da
delinquência o fazem por se deixar deslumbrar pelas oportunidades de vida fácil e aceitação
perante a um grupo. No entanto, isso diversas vezes, não quer dizer que ele não tenha
discernimento acerca dos atos que pratica, o que acontece é que esse discernimento é
facilmente desvirtuado pelas condições impostas.
É indiscutível que o discernimento é um critério que altera de acordo com a circunstância
de vida a que se está submetido. A consciência de jovens de classes sociais, famílias e
realidades diferentes certamente não é a mesma, neste sentido, ainda acerca das lições de
Fernanda Carolina de Araújo, na obra Criminologia e os Problemas da Atualidade, nota-se:38
Fato é que, ao contrário do que se vincula, especialmente na mídia, a capacidade de
se entender a ilicitude da conduta, ou seja, o discernimento acerca do certo e errado,
não é determinante para fixação da maioridade penal. Também porque, o
desenvolvimento da consciência do ilícito é pessoal, não podendo ser mensurado de
maneira genérica para todos os indivíduos, através de mera estipulação etária.
Para Mário Luiz Ramidoff:39
As proposições legislativas que objetivam a redução da idade de maioridade penal se
constituem num retrocesso político-ideológico aos direitos fundamentais afetos à
infância e à juventude. A idade de maioridade penal é fruto dos avanços civilizatórios e humanitários democraticamente alcançados. Entretanto, relaciona-se
também com a noção de maturidade mental que não se confunde com o simples
discernimento pessoal. Maturidade mental é decorrência da internalização de valores
que servirão para solução das situações cotidianas a que se submeteram crianças e
adolescentes ao longo de toda vida. Maturidade é significativamente auto controle
dos instintos e das pulsões.
36
ARAÚJO, Fernanda Carolina de. Criminologia e os Problemas da Atualidade. São Paulo, Editora Atlas S.A., 2008. Página 41 37 REBELO, Carlos Eduardo Barreiros. Maioridade Penal e a Polêmica Acerca de sua Redução. 1ª ed. Belo
Horizonte, Ius Editora, 2010. Páginas 50 e 51 38 ARAÚJO, Fernanda Carolina de. Criminologia e os Problemas da Atualidade. São Paulo, Editora Atlas
S.A., 2008. Página 41 39 RAMIDOFF, Mario Luiz. Lições de Direito da Criança e do adolescente – Ato Infracional e Medidas
Socioeducativas. 2ª edição, Curitiba, Juruá Editora, 2008. Página 169
15
Os pensadores que defendem a redução da maioridade penal, em sua grande maioria,
sustentam suas ideias no argumento de que um jovem de 16 anos que já pode votar para
decidir o futuro do país também possui consciência plena de seus atos e, por isso deveriam
responder penalmente por eles. Entretanto, conforme depreende-se das sábias palavras de
Carlos Eduardo Barreiros Rebelo:40
(…)os representantes das mais variadas correntes de pensamento que defendem a
redução da maioridade penal carecem de comprovação técnica em seus argumentos,
posto que são influenciados pela mídia, que se preocupa tão-somente em
incrementar suas vendas e dão ênfase aos casos isolados de crimes cometidos por
jovens.
Acreditar que o tratamento diferenciado deferido às crianças e aos adolescentes é uma
forma de se manter impune quem comete crimes é um ledo engano. Mário Luiz Ramidoff,
nos ensina que:41
A responsabilização diferenciada é, antes de tudo, um compromisso com a formação
educacional da criança e do adolescente, cuja condição pedagógica elementar é
indispensável para a construção de projetos de vida responsáveis. O exercício da
cidadania infanto-juvenil, assim, depende muito mais do respeito de todos e não
simplesmente de maior punição (castigo).
É notório que não se atingirá os objetivos pretendidos tão somente punindo com mais
excessividade ao menor que infringe a lei, vez que isso apenas elevará os números de um
sistema carcerário já abarrotado, falido e ineficaz que, certamente não é o local mais
apropriado para a inclusão de um jovem em sua condição de desenvolvimento.
Mauricio Neves de Jesus ensina que:42
Não há motivo plausível para a mudança da idade penal. Se o que se deseja é uma punição mais severa do que as medidas sócio-educativas, não é necessário procurá-
la nas proposições de emenda constitucional e nos projetos de lei. Basta olhar para o
interior das emblemáticas unidades da Febem de São Paulo. Lá, junto aos
adolescentes confinados, está a cultura do cárcere e a sanha de vingança do
movimento de lei e de ordem. Mas a maioria das pessoas não olha para as casas de
internação (a imagem é desagradável), e quem olha não vê. Só a cegueira explica:
pede-se a redução da idade penal que já foi reduzida na prática. Porém, se o que se
deseja é uma nova proposta de tratamento à delinquência infanto-juvenil em forma
de resposta estatal aos atos-infracionais, ela já está pronta. Chama-se rol de medidas
sócio-educativas e está no Estatuto da Criança e do Adolescente, a espera (de mais
de uma década) de implementação.
40 REBELO, Carlos Eduardo Barreiros. Maioridade Penal e a Polêmica Acerca de sua Redução. 1ª ed. Belo
Horizonte, Ius Editora, 2010. Página 51. 41 RAMIDOFF, Mario Luiz. Lições de Direito da Criança e do adolescente – Ato Infracional e Medidas
Socioeducativas. 2ª edição, Curitiba, Juruá Editora, 2008. Página 170 42 JESUS, Mauricio Neves de. Adolescentes em Conflito com a Lei – Prevenção e proteção integral.
Campinas, Servanda, 2006. Página 131
16
Retirar do convívio social a pessoa que comete um crime, tende a ser uma das últimas
formas de punição, somente devendo ser aplicada no caso de fracasso de demais tentativas de
ressocialização.43 (Mônica Rodrigues Cuneo, Página 74)
Embora seja controvertido o tema ora versado, é opinião unânime entre os
criminólogos e penalistas que nosso sistema penitenciário está falido, sendo
incansável a busca por alternativas para reduzir a aplicação da pena privativa de
liberdade, substituindo-a por outras medidas que possam representar uma eficaz
resposta penal para aquele que delinquiu, sem, contudo, remetê-lo ao cárcere,
conforme preconiza o chamado “Direto Penal Mínimo”, através do qual a privação
da liberdade só ocorre quando todos os outros mecanismos de controle social
falirem.
As propostas de emendas a constituição e demais projetos de lei sobre esse assunto
somente ganham tamanha repercussão social por se fundamentar no medo e sensação de
insegurança instalados na sociedade, que se vê sem alternativa diante a tantos delitos
cometidos e não sabe mais o que fazer para se proteger de tamanha violência e criminalidade.
O que se procura com essas propostas é, na realidade, culpar apenas o lado mais fraco da
relação, transmitindo ao povo a falsa percepção de estar sendo protegido pelo Estado.
Tulio Kahn, traz na obra A razão da idade: Mitos e Verdades, dados importantes a serem
ponderados acerca da legislação nacional, em detrimento do aplicado em outros países.44
Enquanto nos Estados Unidos e Inglaterra a juventude tem asseguradas condições
mínimas de saúde, alimentação e educação, os demais países – como o Brasil – isso
está longe de acontecer. Nos países desenvolvidos pode fazer algum sentido
argumentar que a sociedade deu aos jovens o mínimo necessário e, com base nesse
pressuposto, responsabilizar individualmente os que transgridem a lei. Por outro
lado, na Nicarágua, Índia ou no Brasil esse pressuposto é totalmente falso: em todo o
país apenas 3,96% dos adolescentes que cumprem medida socioeducativa
concluíram o ensino fundamental. É imoral querer equiparar a legislação penal
juvenil brasileira à inglesa ou norte-americana – esquecendo-se da qualidade de vida
que os jovens desfrutam naqueles países. Que o Estado assegure primeiro as mesmas
condições e depois, quiçá, terá alguma moral para falar em responsabilidade individual e alterar a lei.
Assim sendo, resta irrefutável que seria ilógico tentar aplicar no Brasil um modelo penal
de países com realidades sociais tão diferentes. A criminalidade é o reflexo do fracasso estatal
em sua função básica de prestador de educação, saúde e segurança, dentre outros serviços
básicos.
Reduzir a idade a partir da qual o agente é considerado penalmente imputável somente
fará com que crianças ainda mais novas sejam alcançadas pelo crime organizado. Ao adotar o
43 Cuneo, Mônica Rodrigues. Idade da Responsabilidade Penal. Belo Horizonte, Editora Del Rey, 2003.
Página 74 44 KAHN, Tulio. A Razão da Idade: Mitos e Verdades – 1ª edição, Brasília/DF, Ministério da Justiça/
Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, 2001. Página 200.
17
critério de 16 anos para punibilidade penal, os criminosos passarão a aliciar os de 14, ao se
fixar a idade em 14 anos, passarão a ser recrutados os de 12, e assim por diante.
A ideia de que a redução da idade penal serviria como forma de desentimidar os agentes e
reduzir a criminalidade não corresponde com a realidade brasileira, pois o cárcere já se
mostrou meio insuficiente para controlar as práticas delituosas entre os adultos. Haja vista que
os índices de reincidência são bem maiores no sistema carcerário do que nas instituições
juvenis. Diferentemente do que se espera, a inclusão precoce em estabelecimento prisional
somente fará com que a criminalidade aumente ainda mais ao expor pessoas com intelecto
não desenvolvido em sua plenitude à mercê de verdadeiros mestres do crime.
Considerações Finais
Diante do exposto, ficou evidenciado que o problema da delinquência juvenil está muito
além da pena aplicada aos que transgridem com a lei. A redução da maioridade penal serviria
somente para sociedade acreditar que os legisladores estão buscando uma solução para o
problema, quando esta solução está muito além do alcance legislativo.
A criminalidade é um mal da sociedade e deve ser tratada pelos meios apropriados,
oferecendo meios de inserção social e profissional àqueles que somente conhecem o crime
como meio de se conseguir êxito na vida, ainda que esse êxito seja passageiro e proveniente
de forma ilícita.
O crescimento do investimento social traria muito mais resultados positivos do que
qualquer punição legal que possa vir a ser imposta. Há pessoas que crescem acreditando que
somente de forma ilícita é possível conseguir bens e uma vida financeira estável, vez que as
mesmas só conhecem a pobreza e a miséria que o cercam.
De nada adianta normas rígidas, em um país de ações sociais fracas. Nada será
solucionado enquanto não for ofertado outro meio de sobrevivência digna. O problema da
criminalidade somente pode estar perto de ser ajustado quando for compreendido em toda sua
complexidade e buscar corrigí-lo desde a sua raiz, que está muito além da punibilidade do
agente.
18
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