tge-origem da sociedade

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Igreja - sociedade política: a importância, o poder e a manifestação do aspecto político e jurídico Alexsandro Carnietto, André Luiz de Souza, Gilberto Bueno de Oliveira Júnior, Leandro Buzignani dos Reis, Luciano Pereira Vieira acadêmicos de Direito da Universidade Estadual de Londrina (PR) DA ORIGEM DA SOCIEDADE O homem, sem dúvida alguma, é um ser eminentemente social, isto é, tem inerente em si a perpétua tendência a ser agrupar, de unir-se a seus semelhantes, não só para lograr atender aos fins que busca e deseja, mas também para satisfazer suas necessidades materiais e de cultura (1).A vida do homem decorre em convivência: os indivíduos em todas as etapas de suas vidas, do berço ao túmulo, mantêm entre si mútuas e constantes relações de colaboração e de dependência. Dessa forma, pode-se considerar que a vida em sociedade é o modo natural da existência da espécie humana (2). Realmente, os homens a todo instante, para atenderem à satisfação de seus anseios e necessidades e conseguirem os fins almejados, unem-se, relacionam-se, por meio de vínculos das mais variadas naturezas: econômicos, políticos, culturais, familiares, religiosos, etc. (3), contudo a vida em sociedade, além dos benefícios que propicia ao homem, traz consigo a possibilidade da criação de inúmeras limitações que, em certos momentos e determinados lugares, são de tal modo numerosas e freqüentes que chegam a afetar seriamente a própria liberdade humana (4). Após esse intróito, percebe-se que a sociedade em si compreende um conjunto amplamente complexo e que, portanto, merece várias considerações, por parte do presente estudo, no concernente a sua conceituação, ao seu surgimento e teorias que o explicam, sua evolução e a classificação das diversas formas de sociedades que foram surgindo paulatinamente com a evolução humana. Segundo discorre Friedrich Nietzsche, todos os conceitos em que um processo total se resume semioticamente escapam à definição, porquanto só é definível o que não tem história(5). Portanto, partindo de tal premissa, pode-se dizer que, no seu mais importante sentido, entende-se por sociedade

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Origem da sociedade

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Page 1: TGE-Origem Da Sociedade

Igreja - sociedade política:

a importância, o poder e a manifestação do aspecto político e jurídico

Alexsandro Carnietto, André Luiz de Souza, Gilberto Bueno de Oliveira Júnior, Leandro Buzignani dos Reis, Luciano Pereira Vieira

acadêmicos de Direito da Universidade Estadual de Londrina (PR)

DA ORIGEM DA SOCIEDADE

O homem, sem dúvida alguma, é um ser eminentemente social, isto é, tem inerente em si a perpétua tendência a ser agrupar, de unir-se a seus semelhantes, não só para lograr atender aos fins que busca e deseja, mas também para satisfazer suas necessidades materiais e de cultura (1).A vida do homem decorre em convivência: os indivíduos em todas as etapas de suas vidas, do berço ao túmulo, mantêm entre si mútuas e constantes relações de colaboração e de dependência. Dessa forma, pode-se considerar que a vida em sociedade é o modo natural da existência da espécie humana (2).

Realmente, os homens a todo instante, para atenderem à satisfação de seus anseios e necessidades e conseguirem os fins almejados, unem-se, relacionam-se, por meio de vínculos das mais variadas naturezas: econômicos, políticos, culturais, familiares, religiosos, etc. (3), contudo a vida em sociedade, além dos benefícios que propicia ao homem, traz consigo a possibilidade da criação de inúmeras limitações que, em certos momentos e determinados lugares, são de tal modo numerosas e freqüentes que chegam a afetar seriamente a própria liberdade humana (4).

Após esse intróito, percebe-se que a sociedade em si compreende um conjunto amplamente complexo e que, portanto, merece várias considerações, por parte do presente estudo, no concernente a sua conceituação, ao seu surgimento e teorias que o explicam, sua evolução e a classificação das diversas formas de sociedades que foram surgindo paulatinamente com a evolução humana.

Segundo discorre Friedrich Nietzsche, todos os conceitos em que um processo total se resume semioticamente escapam à definição, porquanto só é definível o que não tem história(5). Portanto, partindo de tal premissa, pode-se dizer que, no seu mais importante sentido, entende-se por sociedade

          uma espécie de contextura formada entre todos os homens e na qual uns dependem dos outros, sem exceção; na qual o todo só pode subsistir em virtude da unidade das funções

assumidas pelos co- participantes, a cada um dos quais se atribui, em princípio, uma tarefa

funcional; e onde todos os indivíduos, por seu turno, estão condicionados, em grande parte,

pela sua participação no contexto geral (6).

Page 2: TGE-Origem Da Sociedade

Adotando-se a linha seguida por Dalmo de Abreu Dallari, em sua obra "Elementos de Teoria Geral do Estado", a sociedade pode ser analisada, segundo sua origem, por pelo menos duas vertentes: a dos naturalistas e a dos contratualista (7).

Os naturalistas são favoráveis à idéia da sociedade natural, idéia essa que, hodiernamente, abarca maior número de adeptos e que vem exercendo forte influência na vida política do Estado (8). É nesse grupo que se encontra o eminente filósofo grego Artistóteles, considerado o introdutor de tal pensamento (século IV a.C.). O notável Estagirita defendia ser o homem naturalmente um animal político (9) e, assim sendo, só viveria isolado se fosse um bruto ou um deus (10).

Seguindo o caminho desbravado por Aristóteles, encontra-se, ainda, como defensores da teoria naturalista, outros importantes nomes da história do pensamento, dos quais, a título de exemplo, cita-se Cícero, Santo Tomás de Aquino e o italiano Ranelletti. Citados esses filósofos, torna-se imprescindível tecer alguns comentários, em especial, sobre a contribuição deixada por Santo Tomás de Aquino a essa corrente doutrinária.

O autor de "Summa Theologica" supracitado, consagrou-se entre os autores medievais por ser o mais expressivo seguidor de Aristóteles, reafirmando as postulações deste, e por incrementar a idéia da vida solitária como uma exceção, conforme havia feito o citado filósofo grego, porém segundo uma nova visão, pautada em três hipóteses:

a) ‘excellentia naturae’, quando se tratar de indivíduo notavelmente

virtuoso, que vive em comunhão com a própria divindade, como ocorria

com os santos eremitas;

b) ‘corruptio naturae’, referente aos casos de anomalia mental;

c) ‘mala fortuna’, quando só por acidente, como nos casos de naufrágio ou de alguém que se

perdesse numa floresta, o indivíduo passa a viver em isolamento (11).

Por conseguinte, pode-se concluir que a corrente até então exposta compreende a sociedade comoo produto da conjugação de um simples impulso associativo natural e da cooperação humana (12), com o intuito de se obter os meios necessários para a consecução dos fins de sua existência, sejam estes morais, intelectuais ou técnicos. Não obstante, deve-se ressaltar, ainda, dois pontos mais defendidos por essa teoria:

a. o ser humano, mesmo provido de bens materiais necessários à sua sobrevivência, continua necessitando do convívio com seus semelhantes;

b. a existência do citado impulso associativo natural não exclui, de forma alguma, o aspecto volitivo humano.

Todavia, surgiram muitos autores que, opondo-se aos adeptos da idéia de sociedade natural, sustentaram ser a sociedade, tão só, o produto de um acordo de vontades, ou seja, de um contrato hipotético celebrado entre os homens (13), motivo esse que lhes renderam a denominação de contratualistas.

Page 3: TGE-Origem Da Sociedade

Os contratualistas, deve-se dizer, não foram uníssonos em suas explicações com relação ao motivo pelo qual os homens, em determinada etapa de sua evolução, decidiram agruparem-se aos seus semelhantes ao ponto de formarem uma instituição denominada sociedade. Contudo, existe entre eles uma convergência a um ponto comum: todos os seus adeptos negam o fundamento do impulso associativo natural e argumentam ser a vontade humana a única justificativa para a existência da sociedade.

Considera-se como ponto de partida das idéias contratualistas as obras de Thomas Hobbes, em especial a que foi publicada em 1651, intitulada "O Leviatã". Hobbes pôs explicitamente em dúvida a doutrina do homem como um ser privativamente social, o zoon politikón. Afirmava que o homem não é sociável por natureza e só logra sê-lo por educação (14). Os homens vivem primeiro sem instituições, num estado de igualdade em que cada indivíduo tem direito sobre todas as coisas. O esforço para obter vantagens e poderes sobre os outros fez com que o estado natural dos homens, anteriormente a sua reunião em sociedade, fosse a guerra de todos contra todos (15). Assim sendo, o estado de natureza é uma permanente ameaça que pesa sobre a sociedade e que pode irromper sempre que a paixão silenciar a razão ou a autoridade fracassar (16) (grifo nosso).

Os dois termos acima destacados assim o foram por serem de extrema importância na fundamentação desenvolvida por Hobbes e, por isso, a partir de então, tentar-se-á explicar o porquê.

A tendência natural dos homens para se causarem danos recíprocos entra em conflito com as imposições da razão natural que exige a preservação da vida e a possibilidade de cada um dos membros do grupo a conservar (17). E esse conflito só cessa com o triunfo da razão, isto é, com o contrato que assegura a cada um a propriedade de determinados bens. Com essa finalidade e para salvaguardar o primeiro contrato, ou contrato social, estabeleceu-se um, segundo, o de domínio, mediante o qual os indivíduos se submetem às Instituições do Estado(18). O medo de todos a todos é suplantado agora pelo temor a um poder que se situa acima de todos. A convivência entre os homens – ou seja, a sociedade – só é possível em virtude da submissão dos indivíduos. Hobbes empenhou-se em solucionar a dialética de força e direito, outorgando a primazia ao direito, vinculado à razão, mas na medida em que significava uma nova força. Dessarte, o poder do mais forte, no estado natural, converte-se em poder domínio, no estado legal (19).

Hobbes formula, ainda, duas leis fundamentais da natureza, as quais julga estarem na base da vida social e que, portanto, são agora explicitadas:

a) cada homem deve esforçar-se pela paz, enquanto tiver a esperança de alcançá-la; e quando não puder obtê-la, deve buscar e utilizar todas as ajudas e vantagens da guerra;

b) cada um deve consentir, se os demais concordam, e enquanto se considere necessário para a paz e a defesa de si mesmo, em renunciar ao seu direito a todas as coisas, e a satisfazer-se, em relação aos demais homens, com a mesma liberdade que lhe for concedida com respeito a si próprio (20).

Também defensores do contratualismo, porém divergentes do contratualismo hobbesiano, aparecem John Locke e Montesquieu. Aquele, apesar de não poder ser considerado um

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contratualismo puro devido à divergência existente entre o que prega esta corrente e a sua concepção cristã da criação, opô-se explicitamente ao autor de "O Leviatã" por não acreditar no constante estado de guerra que este afirmava existir no estado de natureza. Já Montesquieu, diverge de Hobbes por considerar que o homem em estado natural, ou seja, antes da formação da sociedade, se apresentava tão fraco que estaria constantemente atemorizado, acrescentando que nesse estado todos se sentem inferiores e dificilmente alguém se sente igual a outrem (21). Afinal, segundo o próprio Montesquieu, a idéia de supremacia e dominação é tão complexa e dependente de tantas outras que não seria ela a primeira idéia que o homem teria (22).

A creditando também na bondade humana no estado de natureza tal qual Montesquieu, contudo concebendo tanto a existência como a organização da sociedade a partir de um contrato social, como Hobbes, apareceu Rousseau que, em especial, em seu livro "O Contrato Social" (1762) deu grande ênfase a temas que se notabilizaram na história da humanidade, como por exemplo, na Revolução Francesa. Rousseau notabilizou como ninguém a figura do povo como soberano e o reconhecimento da igualdade como elemento essencial na vida social.

No tocante à sociedade, Rousseau afirmava que o homem era bom no estado de natureza, conforme já foi dito acima, e que só se preocupava com sua própria com sua própria conservação. Contudo, diante de obstáculos cada vez mais difíceis de serem transpostos individualmente que colocavam em risco a conservação do próprio indivíduo, o homem, instituiu o estado social, através de um contrato social, pelo qual ocorreu a alienação de cada associado, com todos os seus direitos a favor da comunidade (24), formando um corpo moral e coletivo, o Estado, que passaria a atuar no interesse da vontade geral, esta compreendida não como uma simples soma das vontades individuais, mas como uma síntese delas (25).

Destarte, pode-se, por fim, concluir que apesar do contratualismo não possuir hodiernamente adeptos declarados isso não reduz sua importância no âmbito filosófico, não histórico da ordem social (26) e que a sociedade é advinda da necessidade natural inerente ao ser humano, em consonância com os aspectos volitivo e da consciência do homem. Portanto, não há como conceber o homem como um ser isolado, fora de um contexto social.