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  • 7/25/2019 Texto_MobilidadeUrbana

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    INDSTRIA E AMBIENTE 55

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    MOBILIDADE

    Mobilidade e acessibilidade:

    conceitos e novas prticas

    MRIO J. ALVESfiliao

    [email protected]

    Comecemos pelas defini-es e conceitos. Acessibilidade(especialmente no plural) tem

    sido associada em Portugal ainfra-estruturas e a imagemmental de um portugus perante

    esta palavra so infra-estruturasrodovirias (IPs, ICs, ns...). Estemonoplio semntico no

    mais que o produto de dcadasa gastar dinheiro europeu emhardware e como certas tribos

    africanas em que a dieta basede mandioca, a palavra comidapassa a ser mandioca. O outro

    significado de acessibilidade,que vai mais alm de Portugal, uma forma de designar de-

    senho inclusivo facilidadede acesso para pessoas com

    mobilidade reduzida. No fundo uma metonmia de acessi-bilidade para todos (isto , a

    evocao de termos de diferenteabrangncia de forma econ-mica). Esta forma abreviada de

    referir desenho inclusivo, no grave ou muito perniciosa d

    jeito. No entanto, de h uma

    dcada para c, quem pensa nasatisfao das necessidades depessoas com mobilidade redu-

    zida, deixou de pr a nfase em

    acessibilidade especifica, masprocura sempre que possvel a

    adopo de um desenho inclu-sivo - que seja mais fcil paratodos: idosos, crianas, cadeiras

    de rodas, etc. Por isso tambm

    aconselhvel que a palavra aces-sibilidade saia deste gueto oumelhor, que ele nem sequer exista

    (ver caixa).No caso da primeira defi-

    nio, em que acessibilidades

    (curiosamente quase sempre noplural) so associadas a rodo-vias, errada e to s produto

    de anos de maus hbitos. Vale apena ir raiz das palavras (para amudana de paradigma preciso

    comear mesmo do inicio):

    Mobilidade do Lat. mobilitate

    qualidade ou estado daquilo que mvel ou que obedece s leisdo movimento;

    Acessibilidadedo Lat. accessibi-litate qualidade de ser acessvel;

    facilidade na aproximao, notrato ou na obteno.

    A mobilidade a caracte-rstica de ser mvel de andarde um lado para o outro. Pode

    ser um objecto de estudo e pla-neamento. Pode ser objecto degesto. um consumo que pode

    ter boas e ms caractersticas,dependendo das externalidadesassociadas a esse consumo o

    movimento de um automvel

    numa rea histrica tem muitasexternalidades negativas, uma

    criana ir a p para a escola temexternalidades positivas. Mas amobilidade geralmente no um

    bem em si prprio, porque pou-

    Investir em infraestruturas rodovirias para resolver os pro-

    blemas do congestionamento tem o mesmo efeito que desapertar

    o cinto para tentar reduzir a obesidade. Perante a crise ambiental

    e energtica torna-se incontornvel a profunda alterao dos

    paradigmas de abordagem da mobilidade e transportes em meios

    urbanos. Esta alterao ter que se operar ao nvel dos conceitos

    fundamentais , mas tambm na prtica do dia-a-dia das autarquias

    e governo.

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    cos se movem com o objectivonico de se mover podemos

    fazer aqui uma ressalva aospasseios de domingo (um per-curso circular sem destino), ou

    as peregrinaes religiosas emque a dificuldade do percurso (ap ou de joelhos) um objectivo

    em si para alm do chegar, oswalkaboutsaustralianos.

    A acessibilidade, pelo con-

    Desenho para todos da segregao incluso da bicicleta

    Uma sociedade que se quer fundada nos valoresda dignidade humana, democracia, solidariedade edesenvolvimento sustentvel, obrigou a questionar-nosse a segregao a melhor opo para proteger os maisvulnerveis. A segregao gera excluso. No de espantar,portanto, que o esforo de encorajar o uso das bicicletas noespao pblico, teve um progresso semelhante evoluodas ltimas dcadas na forma a encarar a integrao decidados com mobilidade reduzida do desenvolvimentode solues especficas, para o favorecimento de conceitosde desenho universal e inclusivo.

    No contexto do desenho e planeamento para ciclistas,os municpios portugueses devero, tambm e sempreque possvel, adoptar o conceito de Desenho Universalou de Desenho para Todos. Este conceito assenta naconcepo e no desenvolvimento de solues segurase capazes de serem utilizadas por todos, ou por ummaior nmero possvel de cidados e veculos, evitandosempre que possvel a necessidade de segregao. Odesenvolvimento de solues especficas deve dar lugar,em regra, a solues seguras e universais, devendo-nosrestringir a usar solues especiais aos casos onde existamanifesta impossibilidade de integrao. O planeamentomono-modal que tanto destruiu as nossas cidades continuaa ser um erro demasiado frequente. O planeamento spara bicicletas, baseado no traado de ciclovias deverser substitudo por planeamento multi-modal com umaviso e objectivos estratgios claros. Um deles dever sertransformar a rede viria numa rede viria ciclvel.

    trrio, uma caracterstica quedefine (quantifica e qualifica) a

    facilidade de acesso entre bens,pessoas e actividades. No fundo o que procuramos maximizar

    quando estudamos, planeamos etentamos gerir a mobilidade.

    Ora nas reas metropolita-

    nas de Lisboa e Porto o que temacontecido nas ltimas dcadas o aumento da mobilidade

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    MOBILIDADE

    (nmero de quilmetros percor-ridos) e a diminuio progressivada acessibilidade (facilidade de

    acesso a actividades). Nas lti-

    mas dcadas do sculo passadoos fundos estruturais permitiram

    um investimento massio eminfraestruturas rodovirias e oconsequnte aumento das velo-

    cidades em transporte individual.Durante estas duas dcadas opreo do combstivel baixou at

    atingir os 10 dolares por barrilem 1999. Foi nessa altura que aspessoas compraram cada vez

    mais metros quadrados em reascada vez mais afastadas dos seusempregos trocaram mobilidade

    por metros quadrados. O afasta-mento progressivo dos locais deresidencia e do emprego e a dis-

    perso urbana baixou os indicesde acessibilidade, em especialpara grupos demogrficos sem

    acesso ao transporte individual.Qual uma das mensagens

    prticas da sustentabilidade para

    o sculo XXI? No a rejeio

    da riqueza, da mobilidade, do

    PIB ou do consumo. termoscomo objectivos o bem-estar,a acessibilidade, indicadores de

    sustentabilidade econmica e

    ambiental. S assim poderemoschegar a consumos equilibrados.

    Isto , deixarmos de estar cegoscom a quantidade e olharmoscom cuidado para a qualidade

    percebe-la e tentar melhora-la.De forma mais ligeira, a questo onde deve ser a tnica (como

    se diz hoje em dia) da polticagovernamental ou autrquica estimular a mobilidade de todos

    ou melhorar a acessibilidade detodos? Comer mais ou comer

    melhor? Advogar uma dietaracional e equilibrada no sercontra comer. Planear e ter comoobjectivos uma acessibilidade

    sustentvel no ser contra umamobilidade responsvel.

    Por uma acessibilidade

    justa e sustentvelNovos paradigmas implicam que se transfira a pre-

    ocupao com a mobilidade (quantidade de movimento)para uma reflexo sobre a importncia da acessibilidade(possibilidade e qualidade de acesso) no urbanismo con-temporneo.

    O conceito da acessibilidade inclusiva e universalimplica esforos para que a cidade permita cada vezmais acesso dos cidados, no s a espaos fsicos comotambm desenhar a cidade para que se reduzam os obs-tculos materiais, culturais e jurdicos que potenciem afruio da urbanidade.

    A acessibilidade, definida como a facilidade de acessode pessoas a pessoas e pessoas a bens ou equipamentos,dever ser um dos conceitos centrais no planeamento,desenho e interveno na cidade. Exige por exemplo, umurbanismo que rejeite a disperso de baixa densidade oua construo de cidade sem um servio pblico de aces-sibilidade frequente e confortvel. S a cidade compactapermite que este servio seja possvel, no s atravs detransporte pblico, como tambm pela possibilidade deacesso de curta distncia a maior nmero de pessoas ebens em espao pblico a p, cadeira de rodas, bicicleta,etc. S a cidade dos bairros, com densidade e diver-sidade de funes, permite a autonomia de cidados detodas as idades (das crianas aos idosos), condio ou

    extracto social.O problema de encarar a acessibilidade como um pro-

    blema exclusivo de um grupo social ou modo de transporte,com solues tcnicas especficas, que estas passamquase sempre a constituir solues posterior, fora docontexto do planeamento quotidiano, sem de facto resol-verem questes mais graves de coeso social. Os cidadoscom mobilidade reduzida (crianas, portadores de defici-ncia, idosos, ou algum que transporte temporariamentealgo pesado ou volumoso), ou os modos de transporte maisvulnerveis, no devero ser considerados um problemaa resolver em comisso ou grupo de trabalho especfico,mas tomados em conta logo nas primeiras fases da to-mada de decises.

    No se trata portanto de s melhorar a prtica, osregulamentos, mas sim operar uma transformao cul-tural na abordagem da questo da acessibilidade comtema central da equidade e democracia. Neste sentido fundamental iniciar este debate no s entre tcnicos,mas tambm incluindo polticos e a sociedade civil. Umdos instrumentos para que se inicie este debate poderser uma jornada de participao com vista elaborao deuma Carta Municipal do Direito Acessibilidade Universale Inclusiva. Ser nesse contexto que a mobilidade reduzidaem espao pblico deve ser debatida - o direito ao acessocomo algo central a um desejo de incluso social (gruposetrios, classes sociais, modos de transportes).H que

    evitar grupos de trabalho ou sesses onde s estejampresentes ONGs que se dediquem especificamente mo-bilidade de portadores de deficincia foi esta a polticado sculo passado e falhou.

    A mobilidade no intrinse-camente negativa. a verve davida. Feita de uma forma racio-

    nal, espiritual e equilibrada tem

    externalidades positivas essen-ciais ao ser humano bem-estar

    mental e fsico, encontro coma natureza e com o outro, adescoberta de novas realidades.

    Tudo caractersticas extrema-mente importantes e essenciaispara que haja uma sociedade

    com qualidade de vida, justa, soli-dria e democrtica. No entanto,tal como se comea a contestar

    o PIB como medida de qualidadede vida ou como seria estranhoalgum viver com o objectivo de

    comer cada vez mais, o que sepode contestar a utilizao deindicadores de mobilidade para

    medir bem-estar ou colocar nosnossos objectivos de poltica p-blica o aumento da mobilidade.

    Porque que este exerccio desemntica to importante? Por-que no correcto associar mobi-

    lidade a um direito e a liberdade

    individual e ficarmos por aqui.

    Como vivemos num mundo par-tilhado e emprestado, todos osnossos actos tm consequncias.

    Associar consumo a liberdade,

    sem equacionar a noo de limitese consequncias, poder selar o

    nosso destino e impedir futurasgeraes de decidir o seu. Se emreferendo planetrio perguntsse-

    mos a todos se desejariam ter umacasa do tamanho da do Bill Gates,um BMW para poder ir a qualquer

    lugar quando bem entendessem,estacionar porta de casa de for-ma gratuita, ir de frias a qualquer

    parte do globo de forma rpidae barata, muitos dos 6,4 bilies

    de pessoas no mundo diriam quesim. O problema que temostodos, ns e as geraes futuras,que viver com as consequncias

    dessa escolha, para ns e para asgeraes futuras.